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PUC MINAS - Campus Poços de Caldas

Estela Cristina da Silva Ramos

Resenha: Urbanística x Cenografia: a Rua e o Espaço Urbano Barroco

O plano do pontífice Sisto V para a renovação de Roma apareceu como uma


espécie de síntese conclusiva da ressistematização do sistema viário da cidade e, além
disso, serviu de base tipológica para as posteriores iniciativas de reformulação de diversos
núcleos urbanos europeus.
A rua, elemento mais proeminente presente nas intervenções, formaram eixos
perspectivos que uniram muitas das principais basílicas cristãs, dando nova legitimidade ao
espaço urbano. Esse cenário moderno inaugurou um dos princípios essenciais derivados do
barroco: a construção de um espaço que servisse ao exercício da retórica espiritual e da
devoção através da construção de um ambiente de alto teor persuasivo.
A cidade não mais apenas o lugar de uma comunidade tradicional: é o destino de
visitantes e por isso deve impor-se pela grandiosidade de seus monumentos e orientar as
próprias estruturas viárias para os mesmos. A cidade preexistente ia sendo reinventada e
novos assentamentos foram criados; os núcleos urbanos foram ordenados e adquiriam
monumentalidade através da organização das ruas e suas derivações, que eram retilíneas
e, muitas vezes, enquadraram importantes edifícios através da perspectiva.
O Iluminismo e a Revolução Industrial tiveram grande influência nas mudanças
econômicas e sociais que estavam acontecendo, sendo assim, contribuíram para que a fase
histórica da cultura urbana criasse um arquétipo durável.
A transfiguração da cidade preexistente em um cenário persuasivo e teatral poderia
partir tanto da urbanística como da “arquitetura da cidade”, ou até mesmo de uma
correlação entre os dois fatores, como uma forma de remodelamento, de recriação do
espaço urbano.
O conceito de capital surge para permanência do poder político, uma criação
inteiramente moderna. A restauração das cidades preexistentes e o surgimento de novos
assentamentos foram associados a estas sedes de poder e a tudo que absorviam. Devido a
imensa concentração de poder que estes núcleos tinham é que a viabilização econômica
das ações projetuais aconteciam, havia uma busca por uma estrutura urbana que revelasse
a disciplina e o poder excessivos dos governos barrocos.
Como reafirmação e recuperação dos sistema religioso tradicional e na elevação dos
valores arraigados da primeira igreja cristã houve uma recuperação da confiança do cenário
artístico, reaparecendo como princípio de autoridade no processo de renovação da
legitimidade histórica da sede do poder católico.
A “linguagem” barroca ofereceria dinâmica, movimento e drama à forma clássica
estática da renascença, era acessível a todos como a estrutura original do mundo cristão,
uma forma sedutora que chegasse a todas as camadas sociais. Era extremamente
necessário que a eloquência e a autoridade das formas revisadas do repertório da
Antiguidade povoassem naturalmente o “cenário” da vida.
Os imensos organismos políticos também se apropriaram da autoridade do
Classicismo como elo de ligação entre a grandiosidade do Estado e a memória do
esplendor da Antiguidade, escolhida como arquétipo, a ser resgatado, de disciplina e força.
Portanto, Estado e Igreja exerceram o mesmo papel: reformuladores do projeto
humanista, ofereceram o incentivo inicial para a eclosão da estética barroca. Desta forma,
as cidades, principalmente as capitais barrocas, serviram de propagação deste Classicismo
reinventado, reinterpretado e alargado em suas possibilidades de expressão, sempre a
serviço dos governos. Para isso seus espaços urbanos contínuos apresentaram um atributo
comum: a representação da magnificência das estruturas de poder que a cidade estava
submetida, conseguida através da monumentalização do ambiente urbano.
O ambiente de circulação e de convívio social se tornara majestoso, perfeito para
acolher a passagem de um exército em triunfo ou o andamento ritmado de uma procissão.
A “Grand Manner” era então o mecanismo de divulgação e de exposição do imenso
poder a que se propunham; uma estratégia de representação que fosse acessível a todos,
declarando a legitimidade histórica e a relevância moderna de suas estruturas totalitárias.
Assim o espaço barroco desenvolveu-se, como uma grande encenação dramática, onde
todos são protagonistas de uma experiência inebriante, inusitada.
Privilegiava-se então a construção de ruas mais largas, diretas e retilíneas, às
avenidas serviram para inúmeras ações ligadas ao mesmo tempo ao uso do espaço urbano
e à sua conformação estética: intervenções derivadas tanto da busca por um funcionamento
mais adequado do organismo urbano - contribuindo para assegurar o caráter de
modernidade das cidades que se afirmavam como importantes sedes de poder - quanto
para o seu aformoseamento, através da organização dramática do ambiente.
Era para as camadas dominantes, a realeza, a nobreza, a burguesia, que as vias
eram abertas, o reaparecimento das calçadas mostraria para as classes baixas qual era o
seu verdadeiro lugar: relegadas ao segundo plano, nos cantos, à margem do rápido tráfego
de veículos que acontecia no cerne da rua, onde os ricos e mostravam como os
protagonistas.
A cidade feita não mais para ser apreendida pelo transeunte que percorria
lentamente seus caminhos, mas para ser fruída pelo passageiro das carruagens que
capturava o cenário urbano subitamente, poderia desprezar a rica variedade das imagens
delicadas e inesperadas que os núcleos medievais ofereciam.
O movimento em linha reta ao longo de uma avenida não era meramente uma
economia, trazia para dentro da cidade o estímulo e a animação do movimento rápido e,
também, eram convenientes às classes dominantes para aumentar o sentimento de
segurança; visto que a arquitetura medieval, “sombria e desordenada”, favorecia o
surgimento de levantes.
Foi também recorrente na Grand Manner a abertura de bulevares, que eram vias
longas e largas margeadas por árvores regularmente dispostas, e com poda cuidadosa, que
marcavam o compasso ininterrupto e célere que buscava a fuga perspectiva. Desta forma, a
visão idílica do campo e da natureza era trazida para o ambiente das grandes capitais,
proporcionando mais um elemento para a trama cenográfica que caracterizou a cidade
barroca.
O encontro que se dava através das artérias de tráfego tornou-se mais uma local de
demonstração de poder, seja do Estado, da Igreja ou até mesmo os dois juntos,
denominado trivium ou polivium, dependendo do tanto de vias que convergiam nesse ponto,
criando uma dramática visão perspectiva dos caminhos possíveis a percorrer, panoramas
abertos que se perdiam no infinito.
A praça se caracterizou como o principal acesso à cidade; o trivium teria como ponto
focal um símbolo expressivo da afirmação de Roma como capital espiritual do mundo: um
obelisco roubado dos egípcios, que propunha um resgate da noção da cultura clássica
romana como entidade superior. Com a prática de coroar o obelisco com a cruz latina,
símbolo do cristianismo, a origem pagã era eliminada e o monumento era sacralizado
podendo habitar o cenário que se “desenhava” na praça, sem nenhuma contradição
ideológica.
O que os artistas barrocos desenvolveram como ninguém foi o conhecimento dos
“modos de visão”, sendo assim houve uma ampliação das “barreiras” do possível,
assumindo, deste modo, o alcance ilimitado da imaginação humana.
A ideia de “cidade barroca” estaria indissociavelmente vinculada à apreensão
artística do núcleo urbano, ou seja, seria oriunda da valoração estética de sua paisagem, da
apreciação do cenário revelado a quem vivencia seus domínios. Na verdade, “a cidade
barroca” seria o resultado da conjunção de iniciativas urbanísticas com o que poderíamos
chamar de “arquitetura da cidade”.
Um importante artifício da cenografia barroca foi o elemento surpresa, que se
fundamentaria da alternância de imagens estéreis e confusas, com as grandes cenas que
se revelariam subitamente ao alcance visual do fruidor, impondo uma enorme riqueza de
imagens a serem absorvidas pelo indivíduo.

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