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TRADIÇÃO E RUPTURA NA ARTE PÚBLICA DE BELÉM:

DOS MONUMENTOS ÀS INTERVENÇÕES URBANAS.

Ubiraélcio da Silva Malheiros – UFPA

RESUMO

Esta comunicação tem como objetivo um percurso histórico na Arte Pública e suas
transformações, em nível formal e de significado, abrangendo uma visualidade que vai dos
monumentos tradicionais às intervenções urbanas/artísticas que ocupam o espaço das
grandes capitais da atualidade. Nessa perspectiva, a partir de um levantamento fotográfico
realizado anteriormente, observa-se tradição e ruptura nas obras instaladas nos espaços
públicos abertos de Belém. Assim, propõe-se uma narrativa que evidencia a presença dessa
arte na Amazônia urbana, especificamente em Belém - tanto naquela do Ciclo da Borracha,
quanto na resultante da globalização e da arte como meio de transformação da paisagem.

Palavras-chave: Arte Pública, Belém, Monumento

ABSTRACT

This paper has as main goal an historical approach to Public Arts and its transformations, in
formal level and its meaning, involving the aesthetics that ranges from traditional monuments
to urban/artistic interventions which occupy today's world capitals’ spaces. In such
perspective, starting from a photographic study done previously, we can notice tradition and
rupture in Belém's open public spaces. We propose therefore a narrative which highlights the
presence of such art in urban Amazon, specifically in Belém – not only the Belém from the
Rubber Boom period, but also the one resulting from globalization and from the art as a
mean of landscape transformation.

Key words: Public Arts, Belém, Monument

“Tradição e ruptura na Arte Pública de Belém: dos monumentos às


intervenções urbanas” resulta da pesquisa “Esculturas permanentes, instalações
efêmeras e intervenções: tipologias e relações da Arte Pública em Belém”, que se
desenvolve desde 2010, no Instituto de Ciências da Arte da UFPA, observando as
manifestações artísticas que se espraiam na cidade, por meio de obras de caráter
permanente ou efêmero. Além disso, registrou-se por meio fotográfico dezenas de
obras, entre monumentos tradicionais, esculturas e intervenções artísticas no
espaço urbano dessa cidade, catalogando-se diferentes tipologias e como o espaço
urbano se relaciona com essas obras.

Essas tipologias sugerem uma ruptura com a arte do século passado,


levantando questões como: quais os modos de percepção de um monumento em

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uma paisagem banalizada pelos usos e pela privatização do espaço público? Quais
as ideologias representadas no espaço urbano pela arte pública contemporânea?
Como tradição e ruptura se qualificam como Arte Pública de Belém nos novos
espaços públicos da cidade? No contexto de transformação da Arte Pública, quais
os elementos de ruptura entre Arte Pública tradicional e as novas formas de
intervenção na paisagem?

Belém, capital do Estado do Pará, na região norte do país, representa parte


da Amazônia urbana, com potencial para observar aspectos de modernização da
cidade e da Arte Pública como elemento de construção dos espaços públicos em
duas épocas: a Belém do Ciclo da Borracha (da virada do século XIX para o século
XX); e a Belém da globalização e da arte como meio de transformação da paisagem
(relacionada ao final dos anos 90 e da primeira década do século XXI). Ambas com
o mesmo ideário de modernização e de embelezamento da cidade.

Nesse contexto, a primeira época relaciona-se ao inicio do século passado,


quando a cidade foi idealizada e reformada segundo o padrão europeu, com
grandes boulevards, magazines e elementos urbanos modernos construídos com
materiais e tecnologias do exterior. Dessa visualidade restam vestígios aparentes na
estrutura física do Centro Histórico da cidade, desdobrando-se na paisagem atual,
com espaços revitalizados, dando origem a uma imagem hibrida onde antigo e novo
coexistem em sintonia.

Belém ainda reflete um pouco do imaginário amazônico, à medida que traz


para a estrutura da cidade um pedacinho da floresta, ostentando corredores de
mangueiras que se inserem na paisagem urbana, por meio de árvores centenárias,
que dão sombra, frutos e muito verde à capital paraense. Tudo isso em contraste
com palácios neoclássicos, praças, feiras abertas e monumentos que se elevam,
marcando a presença dos colonizadores europeus.

Essas imagens se entrelaçam, com anúncios publicitários e outros elementos


da comunicação visual urbana, compartilhando espaços e tempos em uma mesma
visualidade. E os monumentos são fragmentos do passado, se diluem entre
arquitetura e ambientes revitalizados, seguindo a tendência mundial de
planejamento estratégico que utiliza a arte com a intenção de produzir imagens

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novas e espaços acessíveis a toda a população. Mesmo que, ao final, isto se resulte
em espaços públicos excludentes e atraentes para o turismo e classes mais
sofisticadas da sociedade, substituindo os antigos frequentadores do local. Isto
ocorre nos espaços da Casa das 11 Janelas, no Mangal das Garças e na Estação
das Docas, que, não por acaso, abrigam jardins de esculturas modernas e/ou
contemporâneas de acordo com as possibilidades de cada um desses espaços.

No que se refere às obras de arte pública e suas tipologias, observa-se hoje,


predominantemente, monumentos construídos com o objetivo de homenagem e
celebração de um determinado momento ou personagem da história da cidade. São
grandes alegorias, reproduzidas por meio de esculturas permanentes e figurativas,
indicando registros de épocas.

Na trajetória da Arte Pública, que considera os monumentos tradicionais como


ponto inicial desse percurso, Javier Maderuelo (1990, p.129) argumenta que:

O monumento, escultórico ou arquitetônico, com a sua carga comemorativa,


surge na cidade como uma imposição do poder. É o poder, tanto se
tratando de um grande senhor florentino ou de um Estado totalitário, que
necessita demonstrar com monumentos comemorativos as suas supostas
vitórias políticas, militares ou culturais, para que seus súditos não as
esqueçam, ou para que a história, através da arte, não esqueça a figura e o
nome de quem exerceu o poder.

Nesse sentido, fica claro que a percepção dos monumentos tradicionais na


estrutura urbana relaciona-se com o discurso do poder, a maneira com que essas
obras são instaladas como meio de contar um pouco da história da cidade. Além
disso, Maderuelo (Ibid., p.130) informa que, com o tempo, “os monumentos
comemorativos perderam todo o seu significado político e religioso, quando o poder
troca de mãos para o capital”.

Percebe-se que o significado desses monumentos se altera na mesma


medida em que a cidade se transforma, inclusive pela publicidade urbana, painéis
eletrônicos, letreiros em neon, banalizando a paisagem e imprimindo novos valores
econômicos, sociais e políticos, de forma que as obras artísticas têm que dividir
espaços com a poluição visual que impera nos centros das cidades.

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Outra possibilidade são esculturas de caráter permanentes, figurativas ou
não, inseridas no espaço urbano sem qualquer relação de significado ou função
comemorativa. Têm objetivo de embelezamento relacionado à revitalização e
humanização dos espaços deixados pelo urbanismo tradicional.

Nessa perspectiva, segue um fio condutor que aponta para representações que
contam a história da cidade e para as diferentes mentalidades que se revelam em
diferentes formas, técnicas e materiais construtivos de épocas presentes e
passadas, como se a paisagem urbana formasse um palimpsesto de imagens que
emergem ante o olhar do transeunte.

Giulio Carlo Argan (1992, p.235), em seu livro “História da Arte como História
da Cidade" argumenta que a cidade é um sistema de comunicação e informação,
não só no sentido de deslocamento, mas também no sentido de transmissão de
determinados conteúdos urbanos. Além disso, afirma que “é próprio dos
monumentos comunicarem um conteúdo ou um significado de valor”. Os
monumentos representam não só um ato político, de homenagem e celebração de
um determinado fato histórico ou personalidade, como também marcam a estrutura
da cidade como ponto focal e elemento de orientação dos transeuntes. Os
monumentos tradicionais rompem com a arte do século passado e perdem a sua
singularidade enquanto emblema na estrutura urbana.

A Arte Pública em Belém, assim como em outras capitais do Brasil e do


mundo, tem em sua paisagem uma relação estreita com arte: que se apresenta
como característica da cidade, quer como marco de um determinado momento
histórico, de homenagem e celebração, quer como objeto estético e de
embelezamento urbano ou de ações que acontecem e se repetem em espaços
públicos abertos, de forma efêmera, sem o compromisso de se eternizar em um
determinado lugar. O dicionário de Teixeira Coelho (1999, p.49) afirma que:

Apesar de cobrir em princípio todas as modalidades de exposição pública


da arte [...], por arte pública têm-se entendido habitualmente, de modo
restrito, obras de artes plásticas – particularmente esculturas – expostas em
caráter transitório ou perene.

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Neste contexto, entende-se a arte pública não só como no pensamento de
Teixeira Coelho, mas também como expressão de um determinado discurso
ideológico. Portanto, não se encontra na cidade de forma neutra; ao contrário, está
relacionada a utopias e críticas sociais, a medidas de embelezamento urbano ou de
protesto.

Em Belém as obras permanentes, as tridimensionais, reafirmam esse


processo, por meio de monumentos/esculturas que se espalham em toda a cidade,
no que se refere às praças e jardins do centro histórico e dos novos espaços
públicos revitalizados e/ou recentemente construídos. Além disso, obras efêmeras
sem intenção de celebração fazem parte desse panorama, por meio de projetos
artísticos e ações que acontecem na cidade, animando e fortalecendo a cidade
como palco de processos artísticos, de atravessamentos do discurso urbano e de
intervenção na paisagem.

Nesse sentido, a Arte Pública é também intervenção urbana e, por


conseguinte, manifestação da atual arte contemporânea. Vale notar que esse tipo de
arte é especialmente de lugar específico e de caráter efêmero. Em Belém manifesta-
se, inclusive, por projeções no espaço urbano e por ações comunitárias e reflexivas.
A obra torna-se agente modificador da paisagem.

Segundo Nelson Brissac Peixoto (1996, p.13), a função da arte “é construir


imagens da cidade que sejam novas, que passem a fazer parte da própria paisagem
urbana”. Se, por um lado, ela vai ser apropriada pela indústria do turismo,
revitalizando e embelezando cidades por meio de grandes projetos de design
urbano, englobando edifícios monumentais e obras de arte; por outro, ela vai
corresponder a uma atitude crítica e de contestação dos problemas sociais
apresentados pela cidade globalizada, determinando um processo histórico de
ruptura entre os antigos monumentos e a visualidades das novas formas da arte nos
espaços urbanos.

A Arte Pública que predomina na estrutura urbana de Belém consiste em


monumentos remanescentes do seu passado – são representações que refletem a
presença do colonizador, líderes e alegorias de outras épocas, que habitam em
espaços públicos abertos. São imagens instaladas em pedestais, que enfatizam a

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presença de personalidades históricas, evidenciadas por expressões de autoridade,
respeito e adoração, muitas vezes marcando a passagem e feitos dos estrangeiros
que passaram por aqui.

Em geral, são estruturas verticais em mármore ou bronze, destinadas à


deterioração por ações do tempo e dos homens – pichações e anúncios publicitários
que muitas vezes encobrem toda a sua superfície. Na atualidade, são vítimas do
tempo e dos conflitos entre espaços públicos e privados, de forma que, muitas
vezes, símbolos de determinadas épocas se anulam em detrimento do comércio
ambulante, que reestrutura os espaços tradicionalmente deixados para eles, mesmo
em ocasiões de renovação e preservação dessa memória.

Nesse sentido, os monumentos são guardiões do passado, percorrendo uma


linha do tempo que reflete as transformações da cidade e vestígios de épocas, vistos
a partir de obras de arte que se constroem e/ou transitam no espaço urbano, muitas
vezes sem o poder de legalidade e respeito do que outrora foi o retrato de uma
época.

Belém apresenta dois pontos opostos dessa trajetória: os monumentos e as


novíssimas representações da arte contemporânea, especificamente, intervenções
urbanas/artísticas. Desta maneira, a ruptura formal e de significado dessas obras
ocupam as ruas da cidade de forma efêmera, restituindo um caráter de
possibilidades para esse tipo de apropriação urbana.

Nessa trajetória, a perda do pedestal da escultura corresponde a um ponto de


inflexão, que rompe com a maneira tradicional do monumento vertical e de
celebração, evidenciando uma nova forma de representação. Inicia-se um processo
onde as obras de artes brotam diretamente do chão, aproximando-se mais do
observador, interagindo com ele e proporcionando uma percepção diferenciada
dessas obras no espaço urbano. Sobre a perda do pedestal, Maderuelo (1994, p.13)
informa que este:

Faz referência metafórica à escultura monumental e a uma recuperação que


começou no final dos anos 60. Nela, muitos dos antigos valores e recursos,
entre outros o emblemático pedestal desapareceram para dar lugar a novos
conceitos de escultura e gerar uma ideia de uma arte mais específica para
os espaços públicos. Estes novos comportamentos artísticos que se

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desdobraram no mundo da escultura são reflexo e consequência das trocas
ideológicas e políticas que caracterizam a nossa época.

A perda do pedestal apresenta outra possibilidade formal do ser monumento.


Exemplo disso é o memorial à Cabanagem, de autoria do Arquiteto Oscar Niemayer,
construído nos anos 70. De forma abstrata, apresenta-se como uma grande rampa
de concreto apontada para o infinito, de maneira não linear. Em Belém corresponde
à primeira obra monumental que segue a ideia da perda do pedestal, apresentando
uma visualidade diferenciada, sendo emblemático enquanto ponto focal da cidade,
pois, embora não apresente um pedestal, se eleva em grade escala no skyline da
cidade.

Esse monumento é central nesse percurso formativo das diferentes tipologias


da Arte Pública em Belém, porque se apresenta como um modelo distinto dos outros
que apresentavam o pedestal. Essa obra se destaca por ainda ter o sentido de
comemoração e do poder, embora abstrata e em local privilegiado no que se refere
ao crescimento da cidade e a estrutura urbana que apareceu em volta dele.

Nesse sentido, a cidade sempre foi e será um espaço privilegiado da arte, que
se desdobra em toda a sua estrutura: da maneira tradicional, representada pelos
monumentos urbanos que repetem, de forma mimética, diferentes estilos artísticos
representantes de épocas e de uma visualidade que conta um determinado instante
da história da cidade; de forma atual, reflexo de rupturas modernistas consagradas,
que, entre outras representações, aprovou uma nova monumentalidade, a perda do
pedestal da escultura e espaços áridos a serem renovados por obras de arte; da
maneira refletida em inserções de espaços entrópicos que agregam situações sem
compromisso formal, mas que interferem nos conflitos desses espaços.

Pensando a trajetória da Arte Pública em Belém, da tradição dos monumentos


às rupturas que ocorreram nesse caminho, sem dúvida a perda do pedestal foi ponto
determinante desse processo. Além disso, as influências do neoclassicismo, o
sentido de comemoração e a imponência dessas obras que se elevavam na
paisagem, formavam referência para a história da cidade e para a organização dos
seus espaços, que em geral convergiam para o centro de praças e/ou jardins.
Portanto, costumavam ser pontos de atração de perspectivas e de embelezamento
da cidade.

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Nesse sentido, os monumentos do final do século XIX em Belém, como: o
monumento Homenagem ao General Hilário Maximiliano Antunes (na Praça Dom
Pedro II, 1882), o monumento ao Dr. José da Gama Malcher (no Largo das Mercês,
1889), o monumento à República, localizado na Praça da República, e o monumento
a Frei Caetano Brandão, na Praça Frei Caetano Brandão (Praça da Sé, 1900), são
exemplos de monumentos que confirmam essa afirmação, sobrevivendo até os
nossos dias, apesar da problemática que envolve essas obras na atualidade – como
é o caso da falta de conservação e da sua percepção em uma época onde os
transeuntes não têm mais tempo para observar a sua presença física na paisagem
urbana, ou porque estão em um ambiente entrópico que impede os expectadores de
observá-los de outra maneira.

Do outro polo dessa narrativa histórica, que tenta mapear as transformações


que a Arte Pública assumiu nessas últimas décadas, está a intervenção
urbana/artística – relacionando a obra efêmera como a desmaterialização total da
escultura, assumindo categorias que estão em um “campo ampliado” muito além
daquele determinado por Rosalind Krauss nos anos 70. De maneira geral, parece
ser um corpo hibrido que transita entre algo, como performance orientada para vídeo
e/ou fotografia, como pode ser observado em obras como “Gallus sapiens”, 2008,
do artista Victor de La Roque e “Quando todos calam”, 2009, da artista Walda
Marques.

As obras acima, premiadas no salão Arte Pará, podem ser consideradas


exemplos do grau zero da Arte Pública tradicional. A ruptura além da visualidade
que se mostra em movimento, e oposta àquele caráter formal que se distingue no
primeiro olhar, apresenta também significados relacionados a aspectos conceituais e
do devir urbano que se impõe como crítica ao espaço da cidade.

Em comum, essas obras têm a expressão do corpo quase nu, envolvidos


respectivamente com frangos e/ou com vísceras animais. O corpo faz diálogo com o
espaço urbano: um caminhando em locais determinados, por exemplo, o memorial
da cabanagem; o outro, de Walda Marques, apresenta-se paralisado entregando-se
à movimentação da doca do Ver-o-Peso e a uma revoada de urubus ávidos a
devorar sua presa, inesperada e estranha àquela situação.

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Esses trabalhos, considerados Arte Pública, pontuam o final desse percurso,
rompendo com todos os paradigmas de transformação entre os monumentos, as
esculturas e as intervenções urbanas. Entretanto, todas participam da cena urbana,
relacionando-se com essas obras em maior ou menor grau, dinamizando o espaço
urbano e se relacionando com ele de uma forma mais humana e afetiva.

Outras possibilidades de intervenções efêmeras, que atendem a um


determinado público, são as ações voltadas à comunidade. É o caso das bicicletas
brancas de Murilo Rodrigues, que, além da exposição, abrangeu um evento onde
pessoas se reuniram e fizeram uma espécie de passeata, pedalando em bicicletas
brancas, que tinham como objetivos questionar os problemas relacionados ao
trânsito de Belém e propor o uso de bicicletas como opção de transporte cotidiano.

Entre o tradicional monumento e as novíssimas formas de intervenções


urbanas, ainda há esculturas abstratas ornamentais ou de lugar específico, que
encontram-se em diversos jardins de esculturas da cidade, como é o caso do jardim
da casa das 11 janelas, que inclui a Aninga, obra que se destaca por sua dimensão,
formada por uma série de arcos em vários tamanhos e posições, que saem do píer e
se prolongam até as águas da baía do Guajará. De um tamanho maior do que as
obras usualmente instaladas em Belém, a escultura surge como se nascesse das
águas e fosse crescendo até a plataforma, onde tem um espaço sólido para
sobreviver, tal como a planta típica da área que lhe dá o nome.

O jardim da casa das 11 janelas, além da Aninga, apresenta outras esculturas


abstratas em menor dimensão, de várias formas e tendências. Muito bem instaladas
em um espelho d’água, e com fontes que completam o conjunto, valorizam todo o
complexo arquitetônico e urbanístico do Ver-o-Peso.

Essas obras surgiram a partir de projetos dos novos espaços públicos de


Belém, embelezando tais espaços com esculturas que se relacionam com as
especificidades do lugar. Aí, observa-se que as obras expostas transformam-se em
um discurso novo em relação aos monumentos tradicionais. Parece que a sua força
simbólica abrange mais a visualidade imediata do ornamento, do que um discurso
do poder e de comemoração.

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Tais obras e espaços recém-construídos resultam da vertente teórica que
entende a arte pública como meio de acesso ao espectador, que não costuma ir a
museus ou galerias. Assumem, portanto, um papel estratégico, propondo uma
aproximação direta do público com o embelezamento dos espaços que estão para
além das galerias e dos museus.

Nessa perspectiva, a Arte Pública é incentivada como elemento urbano que


possibilita ao público ter um contato direto com a obra, alcançando uma ideia do
termo público, que parece utópica e sem abranger o significado genuinamente
público, considerando as diferenças e os conflitos culturais, sociais, econômicos e
políticos que abrangem esse termo – de modo que não é porque as obras estão
espaços abertos que terão um caráter verdadeiramente público.

.Assim sendo, percebe-se que a ruptura entre os monumentos tradicionais,


as esculturas modernas e as intervenções urbanas/artísticas, envolve tanto aspectos
formais quanto de significado, de modo que é possível relacionar as seguintes
situações identificadas nesse processo:

o a perda do pedestal dos monumentos e das esculturas modernas;

o a perda do significado de comemoração;

o a desmaterialização da escultura, buscando novas formas, materiais e


conteúdos contrários ao modelo tradicional;

o a efemeridade da obra;

o a idéia de lugar específico para construção e instalação das obras;

o a busca de conceitos, crítica ao espaço da cidade e de sua urbanidade,


para justificar a intervenção artísticas.

Esses fatos ocorridos no percurso de transformação das tipologias da Arte


Pública em tela informam que o estado da arte em Belém está em sintonia com o
que acontece no cenário nacional sobre esse tema, guardando-se as devidas
proporções e os aspectos locais da produção de suas obras. Além disso, o discurso
ideológico que acompanha a Arte Pública tradicional (os monumentos) perde o seu

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sentido na paisagem contemporânea, de modo que a nova produção de Arte Pública
ora não tem nenhum significado além da ornamentação e embelezamento urbano,
ora sugere questões coletivas e conceituais de caráter coletivo e de interesse de
uma determinada comunidade.

Assim, esse percurso que abrange monumentos, esculturas, intervenções e


demais formas contemporâneas da arte ressignifica questões próprias da história da
arte, seguindo reflexos das diferentes mentalidades e do espaço visual da cidade,
que assume seu regionalismo, e as especificidades próprias da cultura e da
paisagem da Amazônia urbana. E ainda reflete, entre as suas fissuras, o imaginário
e a visualidade dessa terra rica em alegorias e histórias do passado, sem esquecer
o futuro e as promessas perpetuadas em seu presente.

Referências:

ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como história da cidade. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
ARTE PARÁ (Belém-PA) Arte Pará 27ª Edição: catálogo. Belém, 2008/2009.
BRISSAC, Nelson. Paisagens urbanas. São Paulo: Editora SENAC, 1996.
COELHO, Geraldo Mártires. No Coração do Povo. O Monumento à República em Belém
(1891-1897) Belém: Paka-Tatu, 2002.
COELHO, Teixeira. Dicionário crítico de política cultural. São Paulo: Editora Iluminuras,
1999.
CRUZ, Ernesto. Monumentos de Belém. Belém: IHGP, 1945.
DUQUE, Félix. Arte público Y espacio político. Madrid: Ediciones Akal, S.A., 2001.
MADERUELO, Javier. El espacio raptado. Madrid: Mondadori España, S.A., 1990.

Ubiraélcio Malheiros
Prof. Dr. do Instituto de Ciências da Arte, da Faculdade de Arte Visuais da Universidade
Federal do Pará. Mestrado e Doutorado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo – FAU/USP. Estágio Pós-Doutoral, Universidad de Alcalá,
Espanha. Atualmente, coordena o GEAPPA (Grupo de Estudos sobre Arte Pública do Pará)
e desenvolve projeto de pesquisa e de extensão na área de Arte Pública.

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