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DA U N E S CO outubro-dezembro 2017 • n° 3
Cultura:
um pilar
para a paz
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Virginie Jourdan
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Brandi Harless Samuel Hardy
Bruce Howe Reino Unido Deeyah Khan
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Estados Unidos
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Sissako
Mauritânia Magdalena Nandege
Sudão do Sul
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Costa do Marfim Marie Angélique Ingabire
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2017 • n° 3 • Publicado desde 1948 Editores das línguas Informação e direitos de reprodução
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Correio
O
DA U N E S CO
Editorial
Desde seu início, a UNESCO defendeu Esses eventos são indícios de um
ativamente o papel essencial que a desenvolvimento nunca visto antes, o
cultura desempenha na paz global. O qual também é resultado das ações da
desenvolvimento de conflitos modernos UNESCO. O uso de forças armadas não é
confirma a necessidade crescente deste suficiente para combater uma ameaça
tipo de “poder suave” hoje em dia. que se alimenta de ignorância e leituras
equivocadas da história. A batalha
Os ataques recorrentes ao patrimônio
contra o extremismo violento é travada
do Iraque, Líbia, Mali e Síria mostraram o
por meio da cultura e da educação.
quanto a proteção do patrimônio cultural
Uma paz duradoura requer recurso ao
não pode ser separada da proteção de
que o poeta Aimé Césaire chamou de
vidas humanas. Extremistas violentos
“armas milagrosas” – educação, cultura
Irina Bokova, não atacam apenas o público geral; eles
e conhecimento – o que fortalece as
diretora-geral da UNESCO. também atacam professores, jornalistas,
defesas da paz nas mentes de todos
© Yulian Donov escolas e monumentos históricos
e de cada um.
em uma tentativa de enfraquecer e
desestabilizar as sociedades que eles É nesse espírito que a UNESCO está
pretendem subjugar. buscando aumentar a conscientização
pública dos valores de tolerância e
Em resposta, nós devemos fazer mais
respeito por meio da criação. Como
para integrar a cultura em nossas
destacou Edouard Glissant (1928-2011),
estratégias para a segurança e a paz,
ex-editor-chefe de O Correio da UNESCO,
como forma de construir resiliência,
a arte sempre serviu de desencadeadora
resistência e coesão a longo prazo.
da “capacidade criativa do indivíduo e
É por isso que a UNESCO intensificou
da comunidade e oferece um espelho
seus programas de emergência e
de identidade”. A criação artística é uma
iniciativas para combater o extremismo
iniciação de um diálogo intercultural, e
violento, ao mesmo tempo dando
constrói pontes entre a rica diversidade
continuidade à sua agenda política.
cultural do mundo.
Diversas resoluções adotadas
Muitas pessoas, tanto os jovens como os
recentemente pelo Conselho de
nem tão jovens, querem transmitir esse
Segurança da ONU representam
discurso de paz, tolerância e respeito aos
um reconhecimento histórico da
direitos. A campanha Unite4Heritage,
importância da proteção do patrimônio
que eu lancei em 2015, atraiu, desde
para a segurança pública, tais como
então, muitos apoiadores em todo
as Resoluções 2199, 2354 e 2347. Pela
o mundo. A iniciativa demonstrou
primeira vez uma resolução da ONU, a
sua vitalidade na construção da paz,
Resolução 2347, adotada unanimemente
crescendo silenciosamente como as
em 24 de março de 2017, cobre a
árvores de uma floresta, mesmo quando
extensão das ameaças ao patrimônio
nossa atenção está focada na árvore que
mundial – afirmando que sua destruição
está sendo derrubada.
deliberada constitui uma tática de guerra,
que exige respostas adequadas. Que continuemos a investir nesse “poder
suave” da UNESCO, e que continuemos
A sentença do Tribunal Penal
a acreditar na capacidade dessas
Internacional do líder militante
“armas milagrosas” que a humanidade
responsável por destruir os santuários de
está construindo pacientemente para
Tombuctu (Mali) – no primeiro tribunal
estabelecer uma paz duradoura.
internacional dedicado inteiramente
à destruição do patrimônio cultural – Irina Bokova
também marca um passo decisivo para Diretora-geral da UNESCO
o fim da impunidade para esses crimes
de guerra.
17 A cultura dá
às cidades uma face humana
Citações de prefeitos
25 Deeyah Khan:
“Eles escolheram pegar em armas,
eu escolhi pegar uma câmera”
Entrevista por Jasmina Šopova
32
Marie Angélique Ingabire
A história de Magdalena,
6-33
Sudão do Sul
Magdalena Nandege
ZOOM
Educação sequestrada
Diego Ibarra Sánchez / MeMo e
Katerina Markelova
34-41
4 | O Correio da UNESCO • outubro-dezembro 2017
42-53
IDEIAS
Filosofia versus tribalismo 43
Souleymane Bachir Diagne
Cientistas refugiados: 46
pioneiros silenciosos dedicados à
descoberta
Sarah Willcox
54-63 50-53
NOSSA
CONVIDADA
Ouided Bouchamaoui:
“A prosperidade nasce da confiança”
Entrevista por Mounir Charfi
ASSUNTOS
ATUAIS
55 Um Palácio de Cristal
abriga um naufrágio:
Entrevista com Jiang Bo
por Katerina Markelova
NOTÍCIAS
e Xiaorong Chen
Prêmios Internacionais de 64
59 Volta ao mundo no primeiro Alfabetização da UNESCO 2017
navio movido a energia limpa
65
64-66
Virginie Jourdan Semana Global AMI 2017:
reimaginar formas de aprender
62 Aproveitar os cabos submarinos
para salvar vidas Repensar o engajamento da 66
Bruce Howe e Kate Panayotou juventude na UNESCO
um pilar
para a paz
Uma resolução
histórica
para proteger o patrimônio cultural
© Domínio público, The Hague Municipal Archives
Em 24 de março de 2017, o
Conselho de Segurança da
ONU aprovou unanimemente
a Resolução 2347, relativa
à proteção do patrimônio
cultural. Essa foi uma vitória
sem precedentes! Foi necessário
quase um século e meio para Delegados da Conferência Internacional
da Paz posam nos degraus do palácio
a ideia amadurecer. Então, Huis ten Bosch, em Haia (Países Baixos),
ao longo dos últimos anos, em 18 de maio de 1899.
finalmente ocorreram progressos
e, da mesma forma, nasceu uma
A quantidade de conflitos armados tem em tempos de guerra florescessem em
consciência cada vez maior do aumentado muito desde os anos 1980 uma decisão histórica. Isso marca uma nova
papel que o patrimônio cultural – primeiro na Ásia Central (Afeganistão), consciência mundial sobre o papel que a
pode desempenhar na promoção depois em partes do Oriente Médio (Iraque cultura desempenha na manutenção da
e Síria) e da África Ocidental (Mali). Isso segurança.
da segurança. levou ao aumento da destruição de sítios O processo começou ao final do século XIX,
históricos por grupos terroristas e a uma quando 15 Estados europeus se reuniram
explosão do tráfico de artefatos culturais. em Bruxelas (Bélgica), em 27 de julho de
A comunidade internacional respondeu 1874, para examinar o projeto do acordo
ativamente à destruição causada pelo grupo internacional sobre as Leis e Costumes
Estado Islâmico (EI, ISIS ou Daesh), com uma da Guerra. Um mês depois, o Artigo 8 da
gama muito maior de instrumentos à sua Declaração de Bruxelas estipulou que:
disposição – o que possibilita aumentar “Todo confisco ou destruição de, ou dano
a proteção da memória cultural da intencional a, [...] monumentos históricos,
humanidade. obras de arte e ciência serão submetidos
Em 2017, a comunidade internacional a procedimentos legais pelas autoridades
demonstrou que estava unida em sua competentes”.
determinação política de proteger o Vinte e cinco anos depois, em 1899, por a
patrimônio cultural – a Resolução 2347, do iniciativa do Czar Nicolau II, da Rússia, foi
Conselho de Segurança da ONU, reconhece realizada, nos Países Baixos, uma conferência
formalmente que a defesa do patrimônio internacional para a paz com o objetivo de
cultural é imperativa para a segurança. revisar a Declaração – que nunca foi ratificada
Demorou muito tempo para que as sementes – e adotar a Convenção a Respeito das Leis e
da ideia de imunidade dos bens culturais dos Costumes da Guerra em Solo.
2015 – um ponto de
inflexão
O ano de 2015 marcou um ponto de
inflexão na atitude da comunidade