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INSCRIÇÕES
https://enipac2023.com.br/
REALIZAÇÃO
Programa em Patrimônio Cultural e Sociedade da Univille
Curso de História da Univille
Laboratório de História Oral da Univille (LHO).
PATROCÍNIO
Programa em Patrimônio Cultural e Sociedade da Univille e ANPUH/SC.
ACESSÓRIA TÉCNICA
Catarina Kortmann Osik (Assessoria de Eventos da Univille).
SECRETARIA DO EVENTO
Anthonia Voss Sell, Antonio José Fernandes Ricardo, Ana Gabriela Cardoso, Ana Gabriela Cardoso, Bianca
Beatriz Lourenço Melatto, Eliandro Jaques Gonçalves, Eloyse Caroline Davet, Evelyn de Jesus Jeronimo,
Guilherme José Moraes, Ian Pogan, Ketlyn Cristina da Silva Alves, Matheus José Hamann, Rhuan Carlos
Fernandes, Adelaide Graeser Kassulke, Amanda Gassenferth, Ana Carla Jacintho, André Marcos Vieira
Soltau, Angela Luciane Peyerl, Anne Elise Rosa Sotto, Bruna de Souza Medina, Cladir Gava, Daniele Cristina
Mendes Beltramini, Jaqueline Almeida Camargo, Juliana Rossi Gonçalves, Louine Henrieth de Moura Correia,
Luiz Fernando Klug, Marília Garcia Boldorini, Roberta Fernandes Buriti, Daniani Schons da Silva, Jonatan
Gomes dos Santos, Daniele Claudia Miranda, Fernanda Dalonso, Grasiéle Aparecida da Costa Ferreira Peters,
Gabriella de Souza Madeira Alves, Marylene Santos Rodrigues, Murilo Ristow Catarina, Tayna Vicente,
Lucas Jair Petroski.
ORGANIZAÇÃO DO CADERNO
Ilanil Coelho; Roberta Barros Meira; Ian Pogan; Eloyse Caroline Davet; Lucas Jair Petroski.
PATRIMÔNIO INDUSTRIAL:
TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
COMISSÃO ORGANIZADORA
Anthonia Voss Sell
Daniela Pistorello
Dione da Rocha Bandeira
Eloyse Caroline Davet
Fernanda Dalonso
Fernando Cesar Sossai
Ian Pogan
Ilanil Coelho
Louine H. de Moura Correia
Lucas Jair Petroski
Mariluci Neis Carelli
Mariza Carolina Menegaro
Raquel Alvarenga Sena Venera
Roberta Barros Meira
COMISSÃO CIENTÍFICA
Cleusa Maria Gomes Graebin
Cristina Meneguello
Daniela Pistorello
Dione da Rocha Bandeira
Euler Renato Westphal
Fernando Cesar Sossai
João Carlos de Melo Junior
Ilanil Coelho
Mariluci Neis Carelli
Paulo Peixoto
Raquel Alvarenga Sena Venera
Roberta Barros Meira
PRODUÇÃO EDITORIAL
Editora da Univille
COORDENAÇÃO GERAL
Ilanil Coelho
ISBN
978-65-87142-00-5
293 p. : il.; 30 cm
CDD 363.69
Os textos integrantes desta publicação são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores. As
Comissões Organizadoras e Científicas do VI ENIPAC – Encontro Interdisciplinar de Patrimônio
Cultural, assim como a Univille como um todo, não se responsabilizam pelas afirmações registradas
nesta publicação, bem como por eventuais equívocos gramaticais.
VI ENIPAC
Os organizadores(as) do evento.
Sumário
ST - 1 DIÁLOGOS ENTRE ARTE, MUSEU E PATRIMÔNIO ......................................... 8
‘VAMOS LÁ FORA BRINCAR?’ - VIVÊNCIAS DE CRIANÇAS NO MUSEU DA INFÂNCIA: PATRIMÔNIO CULTURAL
CATARINENSE E O ENSINO DA ARTE NA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA ................................................................ 9
A CULTURA COMO DIREITO A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO DE 1988: ESTUDO DA IMPORTÂNCIA DAS POLÍTICAS
CULTURAIS, COMO A LEI ROUANET, NOS ESTADOS DE RIO GRANDE DO SUL E SANTA CATARINA NOS ANOS
DE 2015, 2018 E 2021 ...................................................................................................................................................................... 66
LEI ROUANET: UMA ANÁLISE ECONÔMICA DA ÚLTIMA DÉCADA (2012-2022) DE INVESTIMENTOS PÚBLICOS
NA PROMOÇÃO E DIFUSÃO CULTURAL. ................................................................................................................................. 77
CORPO BIOGRÁFICO: REFLEXÕES SOBRE MEMÓRIA, LINGUAGEM E IDENTIDADE NOS CORPOS FEMININOS
............................................................................................................................................................................................................ 106
EMPADAS JERKE (JOINVILLE/SC): A IMATERIALIDADE DO COMER PERANTE ELEMENTOS MATERIAIS ....... 115
A PRÁTICA DA JARDINAGEM COMO PROMOTORA DE BEM ESTAR DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19 .... 125
“SE É SEMPRE OUTONO O RIR DAS PRIMAVERAS”: GÊNERO, PODER E BIOGRAFIA EM UMA ANÁLISE
FOUCAULTIANA............................................................................................................................................................................. 170
Introdução
da arte e das culturas populares. Tal qual a importância e o destaque históricamente conferidos na
educação formal brasileira à arte clássica e erudita, de raízes européias. Tanto que ao perguntar aos
alunos na sala de aula a concepção que tinham de patrimônio cultural, as respostas evocadas
apontavam diretamente para o que a socióloga Maria Cecília Londres Fonseca, atuante em
importantes linhas de pesquisa do IPHAN e do MinC, aponta como o senso comum no que se refere
ao Patrimônio Cultural enquanto “um conjunto de monumentos antigos que devemos preservar” e
também tinham a ver com objetos, criações ou “obras de arte excepcionais.” Ou ainda, foram
citados pelas crianças enquanto lugares reconhecidos “por terem sido palco de eventos marcantes,
referidos em documentos e em narrativas dos historiadores” (Abreu e Chagas, 2003, p. 56). Quantas
pistas importantes emergiram naquela roda de conversa para uma sondagem, momento no qual
tratei de elencar uma lista (um ‘inventário’) com palavras-chave fornecidas pelos alunos nesta
primeira conversa sobre Patrimônio Cultural: monumentos - coisas antigas - documentos - histórias
- cuidado/preservação - objetos - criações - obras de arte - estátua - museu - acontecimentos.
E ao deparar-me com a organização da sequência didática na qual deveria abordar os
estudos sobre Educação Patrimonial e os conceitos de Patrimônio Cultural, Bens Culturais,
Patrimônio Cultural Material e Imaterial, Reconhecimento e Tombamento Patrimonial, entre
outros, para duas turmas de 5º ano dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, pude perceber a
dimensão do desafio de propiciar o acesso e o reconhecimento de alguns dos bens culturais das
gerações que os antecederam. Constatei que dava-se início a uma pesquisa que viria a contribuir
na melhoria da minha prática como professor de Artes e consequentemente na formação dos meus
alunos. E, para início da conversa/pesquisa, necessitaria de perguntas capazes de revelar
inquietações oportunas e legítimas… Então, elenquei algumas (certo de que outras poderiam surgir
no percurso, como de fato surgiram): Quais seriam as questões pontuais a serem formuladas em
torno da temática do ensino da Arte e Patrimônio Cultural? Quais alternativas deveriam ser eleitas
e como traduzi-las em ações pedagógicas nas quais os alunos pudessem reconhecer-se como
espectadores, herdeiros e em alguma dimensão co-criadores, ao passo em que pudessem
reelaborar conhecimentos sobre Patrimônio Cultural? Como promover na sala de aula - e em
outros espaços educativos - exercícios do reconhecimento de si, dos outros e do lugar no qual
vivem e na contribuição na formação da identidade cultural que os bens culturais conferem à
cidade?
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ENCONTRO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR DE PATRIMÔNIO CULTURAL
PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
Imagem: Mapa dos patrimônios eleitos pelas turmas 501 e 502. Produção coletiva das ‘figurinhas dos
patrimônios’. Técnica mista sobre papel. 45 x 60 cm.
Fonte: Arquivo do pesquisador.
No trajeto ao Museu da Infância, aproveitamos para realizar um tour cultural por alguns dos
monumentos, equipamentos culturais, praças e pontos bem conhecidos na cidade: “parece que
estamos na viagem com a Maria, contornando Criciúma professor”, disse um aluno durante o trajeto
até o MI (tour cultural é a expressão que costumo empregar para as usuais ‘saída ou viagem de
estudos’, expressões mais comuns no ambiente escolar).
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
A fim de criar as condições necessárias para que nossos alunos superem o individualismo e
exerçam plenamente o direito ao bem comum, da cidadania, conhecer a região em que se vive,
reconhecer valores e características que compõem suas origens e que contribuem no seu
desenvolvimento, perpassa a construção identitária: e esse fundamental exercício ao nosso
processo de humanização (no qual aprendemos entre e com os humanos e na cultura), perpassa as
dimensões de valorização das culturas materiais e imateriais do patrimônio cultural. E nesse
contexto, a escola constitui-se fundamental para o desenvolvimento cognitivo, artístico-cultural e
estético das crianças, possibilitando o desenvolvimento de capacidades através da instrução,
mediação e solução de problemas.
Para entender a importância da escola, faz-se fundamental entender as diferenças entre os
conceitos espontâneos e conceitos científicos: os conceitos espontâneos são construídos na
interação com o mundo, ou seja, a partir das experiências cotidianas e os conceitos científicos não
são inatos, são aprendidos e construídos socialmente. A partir de situações de ensino e
aprendizagem a criança será exposta aos conceitos científicos e desenvolverá uma capacidade de
compreender os conteúdos trabalhados (Vigotski, 2001). E o Patrimônio Cultural enquanto
conteúdo na escola, requer olhar a cidade de forma similar a um organismo vivo, “que cresce e se
transforma numa velocidade muito grande. Prédios antigos são demolidos, novas construções
aparecem, áreas próximas são loteadas e novas ruas são asfaltadas” (Meira, 2006, p. 102). O
pertencimento e o reconhecimento, do individual ao coletivo, passam pelo conhecimento: de si, do
outro e do seu entorno; da trajetória sócio-histórica das cidades; dos lugares de memória
preservação, salvaguarda e ‘entrega’ às novas gerações do legado da humanidade; em dimensão
local ou esfera mais global. E nessa dinâmica, uma formação educativa em educação patrimonial
constitui-se em uma necessidade urgente por conta da preservação desta memória e acesso aos
referenciais culturais sociedade na qual se inserem as crianças das turmas da presente pesquisa,
que representam tantas outras crianças em tantas sociedades no território global.
compreendê-los enquanto uma intervenção estética; visto que movem nosso olhar e neste
momento, optamos por deixar a definição de arte para o sujeito que os observa. Insisto que nos
voltemos para compreender melhor a função destes objetos nos espaços públicos
Imagens à direita: A personagem Maria do curta ‘contornando Criciúma’ e alguns dos monumentos,
reconhecidos, tombados ou afetivos da cidade. Fonte: Frames do filme.
‘Quer saber os contornos que Maria vai fazer? Embarque com ela nessa viagem. Bem
vindos à bordo, apertem os cintos!’ E a importante dimensão lúdica do ato de ensinar,
especialmente quando se trata de crianças, revestiu a condução do processo ensino-aprendizagem
na sala de aula: a personagem Maria tornou-se parceira dos alunos no percurso educativo. Nas
palavras da autora Deise Pessi, “Maria é seu nome, sonhadora, gosta de viajar, fotografar, beber
café, de vento no rosto, de meias coloridas, pássaros e gatos. Mostra-se um tanto atrapalhada. Pega
uma condução e segue dando asas à imaginação (2011, sinopse).” E foi o que fizemos com as turmas:
embarcamos rumo ao nosso ‘contorno pela cidade’. No trajeto, negociado com o motorista que
gentilmente nos conduziu rumo ao MI, os alunos foram reconhecendo alguns dos patrimônios vistos
no curta-metragem. Outros monumentos, prédios e referências no espaço urbano foram apontadas
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pelos integrantes do nosso grupo. Destacaria o relato cheio de emoção da professora Cláudia,
regente da turma, quando passamos em frente à Igreja Nossa Senhora da Salete: “Ali foi onde
realizou-se o meu casamento há muito tempo, crianças…”. Na sequência passamos pelo Parque das
Nações, na frente da Praça da Chaminé, o Locomóvel, O Paço Municipal (um amplo equipamento
cultural, onde além do prédio da Prefeitura Municipal, é possível encontrar outros dos
popularizados monumentos, painéis com mosaicos e outras manifestações culturais da cidade);
Indescritível perceber o brilho nos olhos e as reações das crianças, das quais a maioria não havia
ultrapassado os limites da comunidade da Linha Batista e bairros adjacentes, antes de chegarmos
ao destino do nosso tour cultural na Exposição Imersiva ‘Vamos lá fora brincar?’.
Oportunamente aos estudos sobre Patrimônio Cultural, neste período foi organizada uma
exposição imersiva pelo Museu da Infância que trazia um título bem sugestivo relacionado aos
nossos estudos ‘Vamos lá fora brincar?’. O Museu da Infância é um equipamento cultural que
funciona na Universidade do Extremo Sul Catarinense e vivenciar uma visita a esse lugar poderia
oportunizar para as turmas dos anos iniciais a ampliação de seu repertório, vivenciar aprendizagens
de modo mais palpável ao interagir com brinquedos e brincadeiras de distintos tempos e lugares.
Aprender, de formas outras, tanto na interação com os brinquedos da exposição imersiva quanto
no contato do acervo do MI. Percebo diariamente o quanto as gerações mais novas estão imersas
nas novas tecnologias - e não é diferente com a turma da presente pesquisa - então, o contato com
brinquedos de outros tempos propiciou formas de valorização de culturas diversas e vivenciar a
passagem do tempo de maneiras distintas para os alunos do 5º ano. Tanto nos brinquedos com os
quais era possível brincar, vivenciar suas dinâmicas, quanto na apreciação de brinquedos e
brincadeiras nacionais e internacionais expostos nas vitrines e prateleiras do Museu da Infância. A
seguir, uma licença poética para inserir um relato carregado de afeto na exposição ‘Vamos lá fora
brincar?’
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Imagem: “Brincando de faz de conta” no ’Cantinho dos encantos’ - Exposição vamos lá fora brincar? MI.
O título da brincadeira foi dado pelas próprias alunas durante a vivência imersiva.
Fonte: Arquivo do pesquisador.
O contato com culturas distintas e o “reconhecimento do ato brincar em sua forma mais
simples, exercitando a criatividade, a ludicidade e o conhecimento de que muito se pode fazer com
recursos materiais, desde que estejam inseridos em seu cotidiano” e em um contexto educativo,
pensado e intencional, revela o que é possível fazer na sala de aula e além dela. Além de permitirem
o exercício da criatividade e da criticidade, podem promover memórias afetivas (das próprias
crianças com seus familiares e/ou comunidade) o conhecimento e a valorização de um contexto
cultural, “de uma época muitas vezes desconhecida. Pois produzir [e brincar com] brinquedos
também promove desenvolvimento cognitivo, criativo e social.” (Menezes, s/d, p. 586). Na
exposição, primou-se em oportunizar um tempo no qual os alunos pudessem vivenciar outras
formas de brincar - aspecto que chamou a atenção na exposição imersiva/interativa no MI - cientes
da importância do brinquedo e da brincadeira no desenvolvimento infantil.
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Na sala de aula, havíamos feito mapas mentais dos brinquedos e brincadeiras presentes nas
famílias, tomando como ponto de partida uma entrevista com os familiares. E para este professor,
estes movimentos provocaram reflexões pontuais sobre as possíveis relações entre ensino da Arte
na Educação Básica, ampliando as ações para o museu enquanto espaço de memória, promotor de
diálogos, e, é claro, a mediação e a ativação do patrimônio cultural.
As ações das crianças nas possibilidades de vivências ofertadas pela mediadora do Museu da
Infância na exposição, reportam-me a um conceito de Vigotski na sua obra ‘imaginação e criação na
infância’, a noção de construção da imaginação criadora, descrita como uma força ativa da vida ao
dirigir-se às ações e os comportamentos do ser humano, na busca de encarnar-se e realizar-se,
materializar-se, objetificar-se, visto que
Escolhi este conceito e o inseri neste ponto deste escrito, porque a noção de construção da
imaginação criadora difere do tão popularizado nos meios educacionais (e para além dos muros da
escola também), do também nomeado por Vigotski como “espírito sonhador”. Sendo dois extremos
e formas essencialmente diferentes de fantasia: enquanto a construção da imaginação criadora
realiza-se nas diversas criações materiais e imateriais em uma compreensão vigotskiana, o “espírito
sonhador” poderia ser traduzido pelo devaneio que se perde e não se materializa, não se encarna,
não se torna objeto. Nesta perspectiva, Vigotski (2010) ainda ressalta que "a primeira forma de
relação entre imaginação e realidade consiste no fato de que toda obra da imaginação constrói-se
sempre de elementos da experiência anterior da pessoa". E nesse sentido, pensar as aulas de Artes
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enquanto espaço de vivências capazes de fomentar o processo criativo e imaginativo das crianças,
proporcionando a ampliação de repertórios e a formação do olhar sensível tornam-se
imprescindíveis em uma educação que aponte para o processo de humanização. E a via das artes e
das possibilidades de diálogos inter e transdisciplinares na Educação Patrimonial e também com
outros componentes curriculares mas, sobretudo, em bases consistentes no processo ensino-
aprendizagem ao articular o saber sistematizado do universo artístico-cultural da humanidade.
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generalizar e abstrair na mediação social, na interação com o professor, através tanto das práticas
culturais como das atividades educacionais.
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aponte possibilidades de superação das rasas realidades impostas por um sistema que não se
interessa que o conhecimento, de fato alcance os filhos e filhas dos trabalhadores, público
majoritário da escola pública.
Os exercícios poéticos que buscamos realizar na escola, revelam que é possível realizar ações
com vistas a ampliar o repertório artístico, cultural e a compreensão do patrimônio cultural. O que
contribui no reconhecimento e valorização da cidade, de si, dos outros, por se tratarem de
componentes importantes para uma educação humanizadora e emancipatória. Sempre permeada
pela cultura, a arte e pela vida.
REFERÊNCIAS
Antonio, Carolina Maria Silva. Educação Patrimonial: O Ensino de Artes Visuais através da
Arquitetura Histórica do Rio de Janeiro. Itapetininga/RJ: UnB, 2012.
Florêncio, Sônia Rampim [et al.] Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos. IPHAN:
2014.
Machinski, Aline e Silva, Silemar Maria de Medeiros da. (Re)conhecendo as produções artístico-
culturais do espaço público da cidade de Criciúma. UNESC: Criciúma, 2007. Disponível em
<https://periodicos.unesc.net/ojs/index.php/iniciacaocientifica/article/view/166/171> acesso em
22/10/2023.
Meira, Beá. Arte: Coleção Projeto Radix. São Paulo: Scipione, 2006.
Pessi, Deise. Contornando Criciúma. Curta metragem autoral. Criciúma: 2011. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=tcEi790wzoA> acesso em 22/10/2023.
Saviani, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. rev. Campinas:
Autores Associados, 2011.
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Vigotski, Lev Semionovitch. Imaginação e criação na infância: Ensaio psicológico livro para
professores. Trad. e Revis. Zoia Prestes e Elizabeth Tunes. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
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Introdução
A urbanização brasileira tem sido alvo de diferentes pesquisas, tanto do ponto de vista das
ações estatais (VILLAÇA, 1999), como das perspectivas macro estruturais do subdesenvolvimento
(CANO, 2014). Em 80 anos, a taxa de urbanização brasileira passou de 31,24% em 1940 para 84,36%
em 2010 (IBGE,2010) por meio de processos que impactaram o modo de vida da população
(LENCIONI, 2017). Um dos aspectos que chamam a atenção foi a disseminação dos valores e hábitos
culturais das metrópoles para cidades pequenas e médias (LENCIONI, 2017), modificando a
presença de equipamentos culturais. Desta forma, as grandes metrópoles passam a ser
compreendidas não somente como centros econômicos, mas também culturais que se desenrolam
em espaços intraurbanos, ideais para o desenvolvimento de uma economia cultural-cognitiva
(SCOTT, 2014). Este artigo pretende responder a seguinte pergunta: quais foram os caminhos
1
Universidade La Salle. E-mail: judite.bem@unilasalle.edu.br
2
Universidade La Salle. E-mail: maria.borges@unilasalle.edu.br
3
Universidade La Salle. E-mail: moises.waismann@unilasalle.edu.br
4
Universidade La Salle. E-mail: rute.ferreira@unilasalle.edu.br
23
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adotados pelo país e o estado do Rio Grande do Sul no processo de sua urbanização, e como se
dispersaram os equipamentos culturais no país. Metodologicamente utiliza-se trabalhos referentes
à temática, relatando dados do Brasil e do Estado do Rio Grande do Sul (RS). Posteriormente utiliza-
se a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), e o Sistema IBGE de Recuperação
Automática (SIDRA), Atlas Socioeconômico do RS, entre outros. Assim, o trabalho compreende uma
metodologia descritiva, com interpretações estatísticas dos dados.
Este artigo está dividido em seções, sendo a primeira esta introdução. Segue-se a seção
referente à discussão da teoria de urbanização e equipamentos culturais. Na seção seguinte
encontra-se a metodologia. Na próxima seção a análise dos dados apresenta a temática referente
ao entendimento de equipamentos culturais, para finalmente apresentar sua dispersão no Brasil e
no estado do Rio Grande do Sul. Finaliza-se o artigo com considerações sobre a temática.
Segundo Villaça (1999), no Brasil, o urbanismo pode ser dividido em três grandes períodos:
o primeiro período 1875 a 1930) foi caracterizado por planos de melhorias e embelezamento em
busca de uma forma urbana monumental. O segundo (1930 a 1990), iniciado em 1930, foi embasado
"pelo planejamento enquanto técnica de base científica", enquanto o terceiro (a partir de 1990) o
grau de urbanização da população gaúcha era de 76.6%.
Oliveira (1996) apontava que no RS também há uma desigualdade regional em termos de
urbanização, partindo da diferenciação no ritmo de crescimento populacional das regiões urbanas
em contraponto com núcleos urbanos da região nordeste (eixo Porto Alegre - Caxias do Sul) do
estado, relacionada à inserção daquela região na economia. Estes dados demonstraram que o eixo
citado incorporou a economia urbano-industrial em comparação a outras regiões (norte e sul) de
economia mais agrícola.
Entre os anos 1991 a 2010 houve alteração nos arranjos espaciais da Região Metropolitana
de Porto Alegre por meio do avanço de outros municípios no seu entorno, "configurando-se novos
vetores de ocupação e crescimento, alterando os arranjos espaciais existentes".
Segundo Somekh e Gaspar (2012) a cidade contempla distintos espaços produtivos,
impactando em diferentes aspectos como o estético, simbólico e cultural. A dimensão cultural faz
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parte das dinâmicas socioespaciais (CONSTANTINOU; MACHADO, 2019) que resultam de mudanças,
muitas vezes, decorrentes de maior exploração imobiliária, elitização de espaços, entre outros.
Equipamentos culturais como teatros, cinemas, bibliotecas, galerias, centros culturais, salas
de concerto, museus entre outros possuem potencial para dinamizar territórios em que estão
inseridos, pois além de uma função artística-cultural, eles representam uma função social e
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+ de + de 50 + de >
Até 5 + de 10 + de 20 Total
5mil a a 100 100 a 500
mil a 20 mil a 50 mil Geral
10 mil mil 500mil mil
Quantidade de Munícipios 1.243 1.216 1.383 1.080 348 261 39 5.570
Quantidade de Lan House 676 972 1.264 1.040 339 258 39 4.588
Quantidade de Galerias de arte 1 8 19 56 43 104 32 263
Quantidade de Shopping center 3 4 19 56 77 175 38 372
Quantidade de Bibliotecas públicas 1.187 1.170 1.342 1.065 344 261 39 5.408
Quantas são mantidas pelo
1.239 1.248 1.483 1.268 457 545 297 6.537
município
Quantidade de Museus 169 202 304 403 207 195 35 1.515
Quantas são mantidas pela gestão
164 192 288 438 231 297 143 1.753
municipal
Quantidade de Teatros ou salas de
83 118 249 373 217 224 39 1.303
espetáculos
Quantas são mantidas pela gestão
76 114 222 397 235 308 175 1.527
municipal
Quantidade de Centro cultural 283 313 475 512 220 220 38 2.061
Quantas são mantidas pela gestão
278 303 465 504 234 319 107 2.210
municipal
Quantidade de Arquivo público e/ou
89 137 263 330 185 172 33 1.209
centro de documentação
Quantas são mantidas pela gestão
89 145 267 326 194 176 51 1.248
municipal
Quantidade de Estádios ou ginásios
1.079 1.080 1.265 1.030 342 257 39 5.092
poliesportivos
Quantas são mantidas pela gestão
1.535 1.707 2.366 2.318 965 1.039 186 10.116
municipal
Quantidade de Cinema 19 28 66 129 111 191 38 582
Quantidade de Banca de jornal 19 79 267 487 260 242 37 1.391
Quantidade de Videolocadora 270 497 823 820 299 243 38 2.990
Quantidade de Lojas de discos, CDs,
182 341 540 634 275 237 39 2.248
fitas e DVDs
Quantidade de Livraria 94 144 289 466 263 232 39 1.527
Quantidade de Unidade de ensino
99 222 549 738 322 254 39 2.223
superior
Quantidade de Clube/associação
588 674 925 878 329 247 39 3.680
recreativa
Quantidade de Circo fixo 1 1 2 3 8 15 9 39
Quantidade de Concha acústica 16 28 53 105 59 74 22 357
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Tabela 2 – Proporção de equipamentos culturais no Brasil distribuídos por faixa populacional (2014)
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Tabela 3 – Equipamentos culturais no Rio Grande do Sul distribuídos por faixa populacional (2014)
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Tabela 4 – Proporção de equipamentos culturais no Rio Grande do Sul distribuídos por faixa
populacional (2014)
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Considerações finais
REFERÊNCIAS
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
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VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história do planejamento no Brasil. São Paulo, EDUSP,
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Introdução
O presente texto é parte de uma pesquisa de Doutorado que aborda a criação e difusão
cultural da Escola de Artes Fritz Alt (EAFA) na cidade industrial de Joinville/SC, localizada no sul do
Brasil. O estudo desvelou conexões cartográficas entre o processo de industrialização e a criação de
uma escola de artes pública, pois o desenvolvimento cultural da cidade aconteceu concomitante ao
desenvolvimento industrial advindo de processos históricos ligados à imigração europeia da região.
A pesquisa mapeou algumas manifestações culturais locais que culminaram na criação da
EAFA na década de 1960, como os Kränzchen, grupos de mulheres formados inicialmente por
esposas de donos de comércios e indústrias que se reuniam para socializar em clubes de leitura e
praticar artes manuais. Seus desdobramentos serão os grupos de pintura em porcelana ministrados
por mulheres que se especializaram na técnica – entre elas, destaca-se a artista Edith Wetzel que,
além de ter atuado como professora, impulsionou na projeção e consolidação de aparelhos culturais
da cidade.
Para reunir os diferentes núcleos artísticos e de aprendizagem em artes que se formaram na
cidade, gestores e artistas criaram a EAFA em 1968. Desde seu início, artistas da cidade eram
chamados a lecionar na instituição, desvelando uma nova identidade, a do artista-professor, cenário
que permanece até os dias atuais, pois grande parte de seu corpo docente possui uma produção
artística ativa. Na década de 1970, a Escola passou a funcionar na Casa da Cultura Fausto Rocha
Júnior, polo cultural que oferece cursos de artes à população de Joinville e região.
O processo cartográfico da pesquisa foi apoiado em Deleuze e Guattari (2000), que utilizam
o conceito de mapas e rizomas, relacionado aos princípios de conexão e heterogeneidade: “[...]
qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo. É muito diferente
da árvore ou da raiz que fixam um ponto, uma ordem” (Deleuze; Guattari, 2000, p. 14). Implicada
em um acompanhamento de processos e percursos, a cartografia conecta o desenvolvimento
industrial da cidade à criação de uma escola de artes.
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A origem das concepções sociais que impulsionam Joinville/SC como industrial advém de
fatores históricos e econômicos. A cidade é marcada pela forte valorização do trabalho, presente
nas práticas, narrativas e representações. Essa representação social tem origem entre a metade do
século XIX e início do séc. XX, período “[...] da vinda de imigrantes europeus, de luso e afro-
brasileiros, formando a sociedade local e lançando os fundamentos do ‘mundo do trabalho’, com
suas relações, práticas e representações” (Cunha, 2008, p. 14). Kalb e Carelli (2015) afirmam que a
origem da industrialização da cidade remete ao seu processo colonizador de imigrantes germânicos:
As políticas imigratórias estimuladas pelo governo imperial fizeram com que um grande
contingente de pessoas migrasse de suas terras natais europeias, principalmente em função da falta
de mão obra pela Abolição da Escravatura. Por meio de acordos de interesses capitalistas de
comerciantes de Hamburgo (Alemanha), o empreendimento “Colônia Dona Francisca” (primeiro
nome da cidade de Joinville) tomou forma no Sul do Brasil, tendo como marco oficial de fundação
da cidade o ano de 1851 com a chegada dos primeiros imigrantes europeus, apesar de que na região
já havia moradores luso-brasileiros e indígenas.
Os imigrantes, em sua maioria germânicos, trouxeram consigo seus recursos e experiências.
Os que já tinham capital fizeram investimentos em empreendimentos e estabelecimentos
comerciais, enquanto os artífices, com pouco capital, abriram outros tipos de estabelecimentos
menores. Portanto, a industrialização da região foi proveniente de pequenas produções mercantis
com artesãos ou trabalho familiar, além da mão de obra qualificada de indústrias já existentes.
Outros fatores que estimularam a industrialização foram a ampliação do sistema de transportes e
comunicação (Rocha, 1997). A partir de 1880 os setores alimentício, metalmecânico e têxtil foram
impulsionados com uma série de indústrias com o capital acumulado de artesãos e comerciantes.
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Na Colônia Dona Francisca no século XIX, em meio à adaptação na nova terra, os grupos de
imigrantes se reuniam em atividades culturais e de lazer. Os bailes, passeios, piqueniques e
cavalgadas se destacavam, além das Sociedades de Canto, Corais, associações recreativas,
agremiações de música, de atiradores e principalmente os grupos de teatro amador marcaram como
os primeiros movimentos culturais, sendo que alguns eram vinculados à igreja.
Em meio a esses movimentos, os Kränzchen identificaram o momento cultural – o nome
designa reuniões de um pequeno grupo de mulheres. Sua tradução literal é o diminutivo da palavra
alemã “Kranz” e significa crochê ou pequena coroa de flores (Silva, 2000). O termo tem origem na
palavra Kaffeekränzchen, que advém de tradições sociais alemãs que remetem ao século XVIII, de
mulheres que se reuniam para socializar (Kränzchen, 2023).
Os grupos se reuniam para fazer crochê e em geral, eram formados por esposas de
fundadores de indústrias e estabelecimentos comerciais. Mesmo com boas condições financeiras,
normalmente eram responsáveis pelas tarefas domésticas diárias, o que possibilitava os encontros
nos sábados à noite. Nas reuniões, as mulheres faziam rodas de leituras e conversavam, trocavam
experiências, conhecimentos e poesias, sempre acompanhadas de café, comidas e doces, muitas
vezes preparados por elas mesmas.
Em uma pesquisa sobre a história das mulheres em Joinville no século XIX, a historiadora
Janine Gomes da Silva (2000) relata as atividades manuais oferecidas na época por professoras nas
escolas, dirigidas à educação da mulher e às tarefas voltadas para o lar. No jornal da Colônia,
denominado Kolonie Zeitung, foi encontrado um anúncio de 1889 da professora Maria Clara de
Miranda Oliveira que descreve as atividades oferecidas: “Ensina flores de escama, de papel, panno
(sic), penas, canutilho, vidrilho, etc., bem como o português, o bordar em ouro e prata [...]” (1889
apud Silva, 2000, p. 60). O anúncio demonstra um prenúncio do ensino da arte se moldando
timidamente em Joinville, por meio do ensino de técnicas manuais, indícios de uma demanda no
período inicial da colonização, século XIX, estendendo-se para o século XX – na Escola Paroquial (que
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atualmente abriga o Colégio dos Santos Anjos), era comum o ensino de trabalhos manuais (fig. 1), e
também as aulas de bordado, na Sociedade Harmonia Lyra5 (fig. 2).
Figura 1 – Escola Paroquial (atual Colégio dos Santos Anjos): estudantes (1923?).
Aula de trabalhos manuais, provavelmente bordado.
Figura 2 – Exposição de bordados das alunas de D. Marieta Stock, no salão de banquetes da Sociedade
Harmonia Lyra (c. 1940).
Em reportagem de Maria Cristina Dias (2016) pode ser identificada outra referência similar
aos Kränzchen, em que a artista-professora Rita Käsemodel relata como foi despertado seu interesse
inicial pela pintura em porcelana, na fase da adolescência. A artista contou que no período que
estudava no Colégio dos Santos Anjos, frequentemente se deparava com um grupo de mulheres e
5
A Sociedade Harmonia Lyra foi um dos primeiros espaços criados para eventos na cidade, por imigrantes e
seus descendentes em 1858. Segundo Mickucz (2017), surgiu da união da Sociedade Harmonie-Gesellschaft
(1858) e da Sociedade Musikverein Lyra (1899) que ocorreu em 1922.
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rememorou que “No caminho da escola, parava no antigo galpão6 e se encantava com os grupos de
senhoras que transformavam louça branca em obras de arte” (Dias, 2016). Aos 17 anos, em 1972,
Rita se inscreveu no curso de Pintura em Porcelana e recordou que a maior parte das suas colegas
de curso, eram senhoras e donas de casa que aprendiam a pintura por hobby. O grupo de mulheres
tinha como professoras Edith Wetzel e Nany Keller. Não somente se reuniam para pintar nas aulas,
mas também para confraternizar:
A antiga tradição dos lanches das senhoras era muito presente naqueles tempos, e
as alunas faziam das aulas um outro momento de reunião com as amigas. “Iam para
as aulas, encontravam as colegas e a cada dia uma levava um doce. Paravam para
fazer o lanche, como uma atividade social”, explica Rita Käsemodel (Dias, 2016).
Quando Edith e Nany Keller voltaram de São Paulo e começaram a lecionar, a pintura em
porcelana teve sua grande repercussão em Joinville, pois “[...] caiu no gosto das senhoras da cidade,
que apuraram o traço, buscaram novas técnicas e se destacaram na criação destas delicadas obras
6
Antes da construção da Casa da Cultura Fausto Rocha Júnior em 1972, era nesse antigo galpão que
funcionavam as aulas da Escola de Artes Fritz Alt.
7
Os pais de Edith Wetzel foram Marie/Maria e Hermann/Germano Wetzel (1873-1932), filho dos
imigrantes Friedrich e Emma Wetzel. Friedrich, pai de Germano, iniciou a Companhia Wetzel Industrial, a
partir do trabalho noturno (de complementação de renda) de produção de velas e sabões em 1856. Com
sua morte, Germano assumiu a direção da indústria e com as gerações posteriores, principalmente entre
1940-1960, a Wetzel tornou-se um complexo fabril que também fabricava cera para assoalho (Rocha,
1997).
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de arte” (Dias, 2016). Segundo Goulart (2009), Edith juntou-se a Fritz Alt e Nany Keller para reunir
forças na criação de uma escola de artes, na gestão de Nilson Bender:
Quando o Sr. Nilson Bender assumiu a prefeitura de Joinville, houve uma reunião
com o Sr. Alt e Sra. Nany Keller para a solicitação da criação de uma escola de artes.
Foi nesse momento que Edith tomou parte dessa empreitada. [...] Surgiu então, a
ideia de formar um grupo onde haveria mais força e outros poderiam dar aulas
(Goulart, 2009, p. 4).
O início foi difícil pois as duas artistas-professoras não tinham experiência em dar esse tipo
de aula, embora tivessem domínio sobre as técnicas e o conteúdo. Na reportagem de Dias (2016),
Rita Käsemodel explicou que as duas “Começaram a dar aulas juntas, na mesma sala, com uma
turma de 12 a 15 pessoas. Depois, dividiram os grupos com cinco, no máximo sete alunas”
(Käsemodel apud Dias, 2016).
Uma linha de conexão cartográfica é a participação de Edith em um Kränzchen. A pesquisa
de Souza (2021), ao citar o livro da professora de tradutora de alemão Regina Colin (2002), afirmou
que Edith participou de um grupo de canastra denominado Ingwerklub (Clube do Gengibre), que se
encontrava aos sábados à noite para jogar cartas e escrever poemas e rimas em alemão. A
fundadora do clube foi sua amiga Hilda Anna Krisch, responsável por sua introdução no trabalho
cultural na cidade (Souza, 2021).
Com a criação de núcleos de pintura em porcelana e a organização de artistas e gestores, o
processo de criação da Escola de Artes Fritz Alt (EAFA), inicialmente denominada Escola Municipal
de Artes Aplicadas, teve início em 1967, no entanto, a Escola foi inaugurada oficialmente em 8 de
março de 1968 (90 ALUNOS, 1968). A mentora política da criação da Escola foi Iraci Schmidlin (1930-
2003), na época Diretora do Departamento de Educação e Cultura, que articulou forças para a sua
criação, para “[...] aproveitar a potencialidade cultural da região, herança dos antepassados
europeus” (Schmidlin apud Mokross, 1992, p. 26). Em sua fala, é possível identificar a representação
simbólica da imigração germânica como sinônimo de progresso, civilidade, e de valorização da arte
e cultura, por meio das atividades e tradições culturais instituídas pelos imigrantes desde a fundação
da cidade.
O primeiro nome dado à escola, Escola Municipal de Artes Aplicadas, traz a ideia da
“aplicação” da arte para algum fim, com um objetivo “prático” para o trabalho. Uma hipótese inicial
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pensada para a pesquisa foi que a instituição poderia ter sido criada para a especialização da mão
de obra industrial da cidade, pois um fator que corroboraria para essa hipótese foi o curso de
Desenho Arquitetônico oferecido na constituição da escola, promovido em convênio com o
Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra Industrial – PIPMO8 (Mokross, 1992). Porém,
mesmo com esse curso inicialmente oferecido, não foi encontrada nenhuma outra pista ou
evidência que atesta que a Escola foi criada para a especialização de mão de obra industrial. Pelo
contrário, desde o início ela foi voltada ao fazer artístico, também pelo fato de que os professores
chamados para lecionar na Escola foram artistas com produção artística ativa na cidade.
Em 1968 a “Escola Municipal de Artes Aplicadas” passou a se chamar “Escola de Artes Fritz
Alt” em homenagem ao escultor alemão Fritz Alt. Segundo reportagem do Jornal A Notícia em
comemoração aos 15 anos da EAFA, o artista ministrou a primeira aula e morreu no dia seguinte,
no dia 15 de março de 1968 (JOINVILLE, 1968; Ampla, 1983), exatamente uma semana após a
inauguração da escola.
Os artistas que se destacavam na cidade eram convidados a lecionar na instituição. Dessa
forma, uma nova identidade é desvelada na EAFA, a do artista-professor, um traço do passado que
perdura na atualidade, pois a maioria dos professores atuantes são artistas visuais. Além da
docência e da produção artística, esses profissionais são reconhecidos pela atuação na gestão
pública e na efetivação de instituições culturais que moldam a cidade, assim como a atuação da
artista-professora Edith Wetzel. Atualmente, o ingresso como docente na EAFA é feito via concurso
público municipal.
A EAFA é mantida pelo poder público e atende anualmente cerca de 400 alunos dos seis aos
95 anos que frequentam os cursos de Arte Juvenil, Cerâmica, Desenho e Pintura, Escolinha de Artes
Infantis, Gravura, História da Arte, História em Quadrinhos, Pintura em Porcelana, Tapeçaria e
Tecelagem. A Escola funciona dentro da Casa da Cultura Fausto Rocha Júnior (CCFRJ), espaço
cultural da cidade que foi inaugurado em 1973 e oferece aulas de artes visuais (EAFA), dança (Escola
Municipal de Ballet), teatro (Escola Municipal de Teatro) e música (Escola de Música Villa Lobos) à
população, além de possuir uma galeria de artes (Galeria Municipal de Artes Victor Kursancew), um
auditório e uma biblioteca (Biblioteca Edith Wetzel).
8
Criado por meio do Decreto n. 53.324, de 18 de dezembro de 1963 pelo Presidente João Goulart, o PIPMO
fazia parte das ações que implantariam as reformas na educação voltadas ao trabalho (Lobo Neto, 2018).
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
Considerações finais
REFERÊNCIAS
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Arquivo Histórico de Joinville.
AMPLA comemoração aos 15 anos da Escola de Artes Fritz Alt. Jornal A Notícia, 17 mar. 1983.
Página 10. Acervo Arquivo Histórico de Joinville.
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
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Dia, Joinville, 1º jun. 2014. Disponível em: https://ndmais.com.br/noticias/morre-edith-wetzel-
uma-das-artistas-da-porcelana-em-joinville/. Acesso em: 14 ago. 2022.
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
Dra. Maria de Fátima Fontes Piazza |UFSC | Observatório do Patrimônio Histórico Cultural (OPAH)|
mdpiazza@uol.com.br
Dra. Giane Maria de Souza | Arquivo Histórico de Joinville (AHJ). Observatório do Patrimônio Histórico
Cultural (OPAH)| gianehist@gmail.com
Introdução
Documentário histórico de importante folclorista gaúcho é recuperado por meio da iniciativa do IFS
e do IFRS, pelo historiador Vinicius Pereira de Oliveira, que localizou o curta-documentário
Moçambique, filmado na cidade de Osório, no Estado do Rio Grande do Sul, entre 1977 e 1978, pelo
folclorista e etnógrafo gaúcho Carlos Galvão Krebs (1914-1992), figura de destaque no movimento
folclórico gaúcho, que retrata uma das manifestações culturais fruto do sincretismo religioso ou
afro-católica. A pesquisa de Oliveira encontrou o documentário original filmado em super 8, com
duração de 11 minutos e 54 segundos e estava sob a guarda da neta do folclorista, Cristina Krebs,
este material foi digitalizado por meio de lei de incentivo à cultura e foi disponibilizado à
comunidade. Este folguedo popular, bem como, os catumbis ou quicumbis eram na primeira metade
do século XX, realizados majoritariamente por egressos da escravidão e seus descendentes na região
litorânea de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. No acervo de WFP depositado no
IDCH/FAED/UDESC não foram encontrados objetos que seriam suportes para audiovisuais, como
fitas cassetes, fitas magnéticas ou em VHS, por exemplo. Daí a problemática apontada por Fornaro
(2011, p. 62), de que “los archivos sonoros constituyen un caso muy especial de patrimonio: en ellos,
el llamado patrimonio intangible - es decir, la música interpretada y almacenada en soportes
específicos - deviene patrimônio material”. Estes objetos são de difícil conservação, seja no âmbito
de uma coleção privada ou nos espaços de salvaguarda.
Arquivo audiovisual é conceituado pelo Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística
(2005, p. 73), como: “O documento audiovisual é um gênero documental integrado por documentos
que contêm imagens, fixas ou em movimento, e registros sonoros, como filmes”. No caso em
estudo, estes documentos continham gravações dos registros do patrimônio imaterial catarinense,
notadamente de folguedos populares, como Folia e Festa do Divino, Pau de Fita, O Vilão, Boi de
Mamão e O Cacumbi, também conhecido como Quicumbi, Catumbi ou Ticumbi, que reverenciava
Nossa Senhora do Rosário e São Benedito são folguedos que envolvem danças, músicas, cantos,
rezas em forma de versos rimados e coroação de Reis, ocorriam no ciclo natalino e assemelha-se a
outras danças dramáticas, como Reinado, Congado, Congada e Congo e suas variações regionais.
Segundo Lott (2021, p. 294) existe uma profusão de nomes: “a designação de Congada também se
confunde com os nomes das guardas - ou grupos de dançantes ou cantantes - que participam do
cortejo real. O Congo, juntamente com o Moçambique, o Catopé, os Caboclinhos ou (Caiapós) e a
Marujada (ou Marujos) homenageiam a santa (Nossa Senhora do Rosário) durante o cortejo real. Já
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Também:
No Brasil, com a Constituição de 1988, que dispôs sobre “o patrimônio cultural brasileiro se
constituía de bens materiais e imateriais relativos à identidade e à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira”, reitera Pelegrini (2020, p. 72). Em Santa Catarina, em 2018,
tivemos o tombamento da bicentenária procissão do Senhor Jesus dos Passos em Florianópolis que
foi declarada Patrimônio Imaterial registrada pelo IPHAN e o Catumbi de Itapocú de Araquari foi
reconhecido pela Fundação Catarinense de Cultura (FCC). Sobre os arquivos audiovisuais, as
matérias na imprensa brasileira e uruguaia, noticiaram "proyecciones luminosas", no El día, de
Montevideo:
Hoy (15 de febrero de 1957) a las 19, en la Asociación Cristiana de Jóvenes, el prof.
Piazza disertará sobre “Folguedos populares en Santa Catalina”, con exhibición de
películas documentales de la “Comisión Catarinense del Folklore”. Uno de esos
films se referen al buey, figura totémica que se presenta en el folklore en Paraguay,
Venezuela y sobretodo el Brasil.
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fará exibir três pequenos filmes versando sobre o ‘boi de mamão’, ‘pau de fitas’ e
‘O vilão’, os dois primeiros filmados em Santo Amaro da Imperatriz e o último
filmado em São Paulo, por ocasião do festival folclórico do IV Centenário (1954)
com um grupo de São Francisco do Sul (SANTA CATARINA, 1957).
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Do mesmo modo: “A imagem sintetiza a visão segundo a qual ações de poderes públicos
sobre formas expressivas populares, mesmo quando bem intencionadas, induzem a algum tipo de
‘cristalização’ ou ‘congelamento’ (metáforas recorrentes nos debates sobre o tema)” (SANDRONI,
2022, p. 104). Finalmente, o patrimônio imaterial Catarinense apresentado no Uruguai teve um
mediador intelectual no sentido proposto por Gomes & Hansen (2016) ‒ Walter Fernando Piazza.
Esta mediação se deu pela Exposición del Folklore de las Américas, com palestras, entrevistas e
audições em rádios, na SODRE, conferência na Asociación Cristiana de Jóvenes, Curso de Férias,
entre outros. O que remete a uma reflexão de que a geração, não no sentido biológico, que integrou
a CCF se distinguiu por integrar sodalícios, instituições de ensino superior e desenvolver pesquisas
nas áreas de História, Antropologia, Arqueologia, Sociologia, entre outras e deixou o folclore para
os “diletantes” fora da Academia. A patrimonialização, até então, tinha como suporte a
musealização que resultou no Instituto de Antropologia nos seus primórdios, atual MarquE, na
UFSC, que leva o nome de Oswaldo Rodrigues Cabral, fruto de pesquisas arqueológicas e
antropológicas. Esta instituição foi fundada por dois egressos da CCF, Cabral e Piazza, além de Silvio
Coelho dos Santos que sempre atuou na Antropologia estudando povos indígenas. Reside aqui, um
ponto de inflexão levantado por Zélia Lopes da Silva (2022, p. 127):
Considerações finais
Esse trabalho é uma parte da pesquisa sobre a Missão do Uruguai e sobre os itinerários
etnográficos de Walter Fernando Piazza, sobretudo de como o pesquisador compreendia a cultura
popular e a divulgava em intercâmbios culturais e científicos. Ficou evidenciado que o filme de 45
milímetros exibido no Uruguai, há 66 anos, englobou várias manifestações culturais. Manifestações
que na década de 1950 eram denominadas folclore pelas comissões de especialistas, hoje são
compreendidas como patrimônio imaterial, indissociável com os saberes e fazeres da cultura
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popular e tradicional, que se mantém registradas nos textos de periódicos culturais e científicos
graças a atuação de folcloristas que atuaram nos inventários e registros audiovisuais e fotográficos
desses folguedos.
O estado atual da pesquisa é work in progress, pois o tema do artigo está em movimento,
podendo inclusive, suscitar novas abordagens e outros caminhos de análise. Em Aspectos Folclóricos
Catarinenses, de 1953, Piazza destacou: “A Comissão Catarinense de Folclore tem, desde então
(1949), trabalhado ativamente: pesquisas de campo (gravações e filmagens), inquéritos, publicação
de um ‘Boletim’, já, no quarto ano de existência, são o seu acêrvo e a sua contribuição à Cultura
Catarinense” (PIAZZA, 1953, p. 137). Do patrimônio material audiovisual a prova que restou é a
separata que faz menção ao documentário, objeto deste artigo. Sob uma perspectiva do método
indiciário, lembrando Carlo Ginzburg, nos debruçamos sobre um detalhe da Missão catarinense para
encontrar vestígios e possibilidades de análise histórica sobre a transição de abordagens, de
métodos e terminologias, do folclore para o patrimônio imaterial a partir dos registros de viagem.
REFERÊNCIAS
CANCLINI, Nestor Garcia. As culturas populares no capitalismo. México: Nueva Imagen, 1982.
CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro, FONSECA, Maria Cecília Londres. Patrimônio
imaterial no Brasil. Brasília: UNESCO, Educarte, 2008. p. 199.
FORNARO BORDOLLI, Marita. Los Archivos Musicales en Uruguay. In: FORNARO BORDOLLI, Marita;
GUERRA COTTA,André; CARREÑO, Graciela (Orgs.). Archivos y Música: Reflexiones a partir de
experiências de Brasil y Uruguay. Montevidéo: Impreso en Tradinco, 2011. p. 59-88.
GOMES, Angela de Castro; HANSEN, Patrícia Santos (org.). Intelectuais Mediadores. Práticas
Culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2016.
HOUAISS, Instituto. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva,
2001.
LOTT, Wanessa Pires. As festas como patrimônio cultural: um caminho para a espetacularização?
In: Patrimônio e Memória. Assis: Unesp, v. 17, n. 2, p. 294, 2021.
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O BUMBA meu boi. Leitura. Rio de Janeiro, n.49, ano XIX, jul. 1961, p.35.
PELEGRINI, Sandra. Patrimônio Imaterial. In: CARVALHO, Aline; MENEGUELLO, Cristina (Org.).
Dicionário Temático de Patrimônio: Debates Contemporâneos. Campinas: Editora UNICAMP,
2020. p. 71-73.
NOGUEIRA, Antônio Gilberto Ramos (Org.). Patrimônio, Resistência e Direitos: Histórias entre
Trajetórias e Perspectivas em Rede. Vitória: Editora Milfontes, 2022.
SANDRONI, Carlos. Patrimônio Imaterial: engarrafando nuvens? In: NOGUEIRA, Antônio Gilberto
Ramos. Op. Cit., p. 103-116.
SILVA, Zélia Lopes da. A “batida” e os sentidos atribuídos às festas do Boi-Bumbá do Médio
Amazonas e Parintins. In: NOGUEIRA, Antônio Gilberto Ramos (Org.). Patrimônio, Resistência e
Direitos: Histórias entre trajetórias e perspectivas em rede. Vitória: Editora Milfontes, 2022.
VILHENA, Luís Rodolfo. Projeto e Missão. O movimento folclórico brasileiro. 1947-1964. Rio de
Janeiro: Funarte: FGV, 1997.
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ST – 3
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RESUMO: A Revista do Patrimônio Histórico de 1978 registrou que uma equipe de jovens naturais
ou radicados em Lençóis: Steve Horman, Heraldo Barbosa Filho, Emanuel C. Marciel, Olímpio Senna,
Itamar Aguiar, Ivanice Alcântara, Rena R. Rola, Luiz Otavio Pereira e Ronaldo Senna, apresentou
trabalho em defesa do patrimônio histórico, artístico, arqueológico e natural no II Encontro de
Governadores. Estes cidadãos, em 1973, são alguns dos que fizeram parte do Movimento de
Criatividades Comunitárias – MCC, que culminou com o primeiro tombamento de conjunto urbano
por iniciativa popular do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN.
O tombamento coletivo se revela como um esforço democrático que impede perdas e danos tais
quais descaracterizações, demolições ou ruínas no centro histórico de Lençóis, cidade surgida no
século XIX, a partir das lavras diamantinas da Bahia. Este artigo, de vertente jurídico-social e do tipo
jurídico-histórico, pretende demonstrar a importância do instrumento em análise, que destaca a
função cultural da propriedade, com o propósito de revelar o anseio local por equidade na
manutenção do acervo. Por fim, percebe-se que a hipossuficiência econômica dos detentores dos
bens culturais aponta para a necessidade de proteção com ênfase nos direitos humanos inerentes
ao patrimônio cultural envolvido.
Considerações iniciais
9
Advogado. Especialista em Direito Previdenciário. Participa no Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais
Universidade de Fortaleza (GEPDC/UNIFOR), Presidente da Comissão Especial de Entretenimento e Cultura da OAB/BA
(Triênio 2022-24).
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Barbosa Filho, Emanuel C. Marciel, Olímpio Senna, Itamar Aguiar, Ivanice Alcântara, Rena R. Rola,
Luiz Otavio Pereira e Ronaldo Senna, apresentou trabalho em defesa do patrimônio histórico,
artístico, arqueológico e natural no II Encontro de Governadores, na cidade de Salvador.
Estes cidadãos, são alguns dos que fizeram parte do Movimento de Criatividades
Comunitárias – MCC num período que o retrato apresentado pelo fenômeno da escassez nos
garimpos, promoveu o decréscimo populacional das lavras diamantinas em Lençóis, com o
enceramento de garimpos, fechamento de imóveis residenciais e comerciais, trazendo
características de abandono ao acervo com ameaças de perdas e danos. Na referida circunstância,
o movimento eclesial de base, influenciado pela Diocese de Rui Barbosa, realiza a formação de
lideranças na população local, o que envolve sobretudo professores e a juventude da época.
A característica participativa presente no tombamento coletivo na cidade de Lençóis, Estado
da Bahia, por realização de lobby (MANGILI, 2015) conjunto de atores engajados por ações sociais
e petições ao Poder Público, ocorre até alcançar a decisão de competência administrativa
(MIRANDA,2021) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, requisito afeito
ao princípio constitucional da participação popular (CUNHA FILHO, 2018) na defesa dos direitos
culturais e direito do patrimônio cultural, expresso anos mais tarde na Carta de 1988, quando no
Art. 23, incisos III e IV, Art. 30, inciso IX, e Art. 216, § 1º o legislador constituinte menciona a
colaboração da comunidade:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
(...)
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e
cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de
outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;
(...)
Art. 30. Compete aos Municípios:
(...)
IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a
legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.
(...)
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:
(...)
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O texto constitucional de 1988, por sua vez, adiante vem a fortalecer os titulares dos direitos
relacionados a cultura, quando a Emenda Constitucional 71/2012 destaca no Art. 216 – A caput, a
obrigatoriedade sistêmica de pactuação das políticas públicas culturais entre os entes da federação
e a sociedade civil, o que orienta a retirada do apito autoritário das oligarquias e classes dirigentes,
na realização das políticas públicas culturais, sendo essa a marca adstringente que a defesa popular
do patrimônio cultural estabeleceu na Bahia, a partir do Tombamento de Lençóis:
“Constituição Federal
Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração,
de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e
promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes,
pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover
o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos
culturais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 71, de 2012)”
A menção de alguns dos envolvidos no tombamento coletivo de Lençóis, vem para acentuar
o que dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos artigo 22 e 27, ao definir, na parte em
que trata do direito humano do patrimônio cultural (MIRANDA, 2021), que é garantido a toda
pessoa o direito a segurança social para legitimamente exigir a satisfação dos direitos culturais
indispensáveis e toda pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da
comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso cientifico e de seus benefícios, de modo
a reconhecer esses direitos como pessoais, sendo, portanto, uma questão da pessoa humana,
enquanto ser ou indivíduo e assim direitos invioláveis.
O direito de propriedade está garantido na Constituição Federal de 1988, Art. 5º, inciso XXII
e também no inciso XXIII onde consta a definição de que a propriedade atenderá a função social.
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Noticias. Casarão de Lençóis começa a ser recuperado. SETUR – Secretaria de Turismo do Estado da Bahia. Disponível
em: http://www.setur.ba.gov.br/2020/05/1675/Casarao-de-Lencois-comeca-a-ser-recuperado-.html. Acesso em 04
abr. 2023
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do Patrimônio em 2023, foi a elaboração e aprovação da Lei Geral do Patrimônio Cultural Brasileiro,
defendida na Carta de Ouro Preto.
Por certo, a eventual adoção e o reconhecimento da instituto jurídico da função cultural da
propriedade, com o aproveitamento do valor favorável das dimensões dos bens jurídicos do
patrimônio cultural, poderá cobrir de beleza cênica ambientes urbanos de relevante valor histórico,
artístico e cultural, não só na cidade de Lençóis, mas por exemplo no bairro da Lapa no Rio de Janeiro
ou no Pelourinho em Salvador, por via do custeio da recuperação de imóveis, proteção e promoção,
escorado no princípio constitucional do suporte logístico estatal (CUNHA FILHO, 2018).
Na dimensão econômica do direito do patrimônio cultural, a economia criativa (HOWKINS,
2013) , pode transformar o modelo constitucional de proteção e promoção dos bens imóveis
componentes do patrimônio cultural material, via projetos de reformas de fachadas e do interior de
imóveis históricos, de modo que taís iniciativas possam ser acompanhados do fomento a abertura
de bibliotecas, museus, cinemas, estúdios de gravação em sobrados e casarões, vinculado à estas
iniciativas perspectivas educacional e negocial.
O incentivo a formação de micro e pequenas empresas, para geração de emprego e renda,
com o olhar nos ODS - Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, para combate à fome e
erradicação da pobreza, por via dos mecanismos de proteção e promoção associado a função
cultural da propriedade, tendem a potencial junção das artes, memórias coletivas e fluxos de
saberes (CUNHA FILHO, 2018) com o turismo e a inserção de novas cadeias produtivas, financiada
por investidores através de recursos não reembolsáveis e parcerias público privadas, com a
contratação de mão de obra especializada, desenvolvimento de termas relacionados a cultura.
constitucionais editadas pós Constituição Federal de 1988, bem como, a recente etapa afirmativa
dos direitos culturais com as Leis de Emergência Cultural 14.017/2020, 195/2022 e 14.399/2022,
respectivamente Aldir Blanc, Paulo Gustavo e por derradeiro a Aldir Blanc II, destinadas ao apoio
cultural da União nos Estados, Distrito Federal e Municípios.
Ao analisar a circunstância do cidadão detentor de imóvel tombado, seja este proprietário
do imóvel ou não, mas que por sua vez esteja legitimamente na posse direta do bem, submetido à
condição de baixa renda ou pobreza no sentido jurídico do termo, sem condições de arcar com os
custos da proteção e promoção do bem cultural, mais uma vez, por exercício hermenêutico (STRECK,
2014), cabe a analogia à concepção do instituto da hipossuficiência jurídica.
É possível, assim, verificar por observação e escuta da comunidade tradicional nas lavras
diamantinas da Bahia, que a população se ressente do IPHAN, considerando-o restritivo e punivista,
ao tempo que apontam desigualdade no tratamento de quem é rico e pode tudo, em relação a
quem é pobre e não pode nada, sobretudo no tocante as medidas fiscalizatórias de proteção
patrimonial do acervo tombado na cidade, que outrora foi uma vila de garimpeiros artesanais,
catadores de pedras preciosas que se tornou turística, submetidos em um processo de exploração
de mão de obra, do garimpo ao turismo, pairando na comunidade um sentimento de permanente
injustiça patrimonial cultural.
Neste sentido, a concepção do instituto jurídico da declaração de hipossuficiência dos
detentores de imóveis históricos, com aplicabilidade extrajudicial e administrativa, em ampliação
ao entendimento disposto no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, pode garantir que o Estado venha a
prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, na esfera do
direito do patrimônio cultural, podendo, assim ser instaurada uma política reparatória, nas medidas de
proteção e promoção do patrimonial cultural, com o apoio a reforma incentivada dos imóveis de pessoas
vulneráveis no centro histórico tombado.
A defesa do patrimônio cultural precisa ser conjugada desde o Art. 215, caput e § 1º do Art. 216 da
Carta de 1988, na parte que indica apoio e incentivo, somado a promoção e proteção do patrimônio cultual,
com o que também estabelecem a Lei Federal 8.313/1991 e o Decreto Nacional de Fomento 11.453/2023,
além da expectativa de aprovação da Lei do Plano Nacional de Cultura e do Marco Regulatório do Fomento,
no Congresso Nacional, para ajudar a concertar os imóveis tombados do Brasil via incentivos fiscais,
superando na cultura um antigo gargalo jurídico na dicotomia entre o público e privado, que envolve o direito
de propriedade.
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Conclusão
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texto da Carta Magna, nos Art. 215, 216 e 216-A, de modo a assegurar o patrimônio cultural material com
a execução eficaz de políticas públicas adequadas na proteção e promoção desses direitos.
A Declaração de Hipossuficiência dos Detentores de Imóveis Históricos, vem com o condão de
romper o imobilismo social e econômico, para que o fomento assuma a responsabilidade de promover
políticas públicas de reparação para a sociedade civil brasileira, que segue se abrigando nos imóveis
tombados como patrimônio cultural material ou mantendo-os fechados em meio aos prejuízos provocados
por todas comoções que abalam a vida brasileira, desde a independência até a proclamação da república,
350 anos de escravidão, duas ditaduras e tantas rupturas que são obstáculo para que o constitucionalismo
direcione o Estado Democrático de Direito, para Agenda21 da Cultura e consolidação dos ODS – Objetivos
do Desenvolvimento Sustentável na Agenda 2030 da UNESCO.
REFERÊNCIAS
CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Teoria dos direitos culturais: fundamentos e finalidades. São
Paulo. Edições Sesc. São Paulo, 2018.
HOWKIINS, John. Economia Criativa: como ganhar dinheiro com ideias criativas. M. Books do
Brasil Editora LTDA. São Paulo: 2013.
MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Introdução ao direito do patrimônio cultural. Belo Horizonte.
3i Editora, 2021.
PAIVA, Carlos Magno de Souza; André Henrique Macieira, org. Manual para quem vive em casas
tombadas. 1ª Edição – Ouro Preto (MG): Livraria & Editora Graphar, 2018.
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SENNA, Ronaldo Salles; AGUIAR, Itamar Pereira de. Remanso uma comunidade mágico religiosa:
o fantástico apoiado em uma mundividência afrodescendente – aspectos das ambiências sociais,
geográficas e históricas. Feira de Santana. UEFS Editora, 2016.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e (m) crise. Uma exploração hermenêutica da
construção do direito. 11 ed. rev., atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2014.
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Moisés Waismann11
Judite Sanson de Bem12
Rute Henrique da Silva Ferreira13
Palavras-chave: Lei Rouanet. Constituição Federal. Rio Grande do Sul. Santa Catarina.
Introdução
A Constituição Federal de 1988 a partir dos artigos 215 e 216 atribui ao cidadão brasileiro o
direito à cultura, no entanto o pleno exercício dos direitos culturais só passa a ser desfrutado
quando os indivíduos têm acesso mediante leis ou políticas. Estas são mais ou menos
intervencionistas, sendo sua oferta ora dever do Estado ora obrigação da iniciativa privada.
Objetivo deste artigo é descrever a importância das políticas culturais a partir da
incorporação da cultura como direito fundamental na Constituição de 1988. Tendo por base a
principal política de financiamento cultural no Brasil, far-se-á uma análise dos dados do
financiamento cultural no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina nos anos de 2015, 2018 e 2021.
Metodologicamente a pesquisa foi exploratória (VERGARA, 2000), pois caracteriza dados do
financiamento cultural, e suas principais fontes de investigação foram os dados disponibilizados
11
Universidade La Salle. E-mail: moises.waismann@unilasalle.edu.br
12
Universidade La Salle. E-mail: judite.bem@unilasalle.edu.br
13
Universidade La Salle. E-mail: rute.ferreira@unilasalle.edu.br
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pelo Sistema SALICNET, que permite acessar informações sobre os projetos beneficiados pela Lei
Rouanet, através de consultas, relatórios e extração de dados de pessoas físicas ou jurídicas
participantes dos projetos. Quanto aos meios de investigação, a pesquisa se caracteriza como
documental e bibligráfica, uma vez que também foram realizadas revisões teóricas sobre a temática
das políticas culturais.
O artigo está dividido em três partes principais: primeiramente há uma breve descrição da
cultura na Constituição de 1988 e tratados que se seguiram, seguida de questões relativas ao
financiamento cultural, com ênfase na Lei Rouanet e da comparação dos dados de financiamento
cultural via Lei Rouanet em Santa Catarina (SC) e Rio Grande do Sul (RS). Finaliza-se com as
considerações finais e as referências.
A Segunda Guerra Mundial e os estragos que provocou tanto econômica, social, ambiental e
culturalmente trouxe à tona diferentes questões, entre as quais pode-se citar a destruição de
patrimônios edificados, como o Castelo de Shuri no Japão e destruição de Florença. Assim, as
Declarações que se seguiram à II Guerra trataram de assegurar alguns direitos, como Declaração
Universal dos Direitos do Homem (1948), a qual incorporou os direitos culturais expressos nos
Artigos 22 e 27 (ALEM, 2017).
Na América do Norte, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, também
de 1948 e que antecedeu a Declaração Universal, já trazia o tema da cultura em seu texto, conforme
destaca ALEM (2017).
A partir destas convenções de 1948, outras foram à efeito, entre as quais a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 1969 (Decreto n.º 678/92).
Mais adiante, em 1988, o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em
Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais “Protocolo de São Salvador” (Decreto n.º
3.321/99), destaca no Preâmbulo e Artigo 14 a relação entre direitos econômicos, sociais e culturais
e os direitos civis e políticos. No entanto, conforme destaca Canotilho (1993), a cultura como
matéria constitucional é mais recente.
No Brasil, o debate sobre a democracia cultural é um norte para os gestores públicos da área
cultural a partir da Constituição Federal de 1988, sobretudo quando se considera que a
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Deste modo, a Constituição Federal de 1988 é relevante pois, além de ser a lei máxima do
país, ela abrange pontos que até então eram inexistentes ou estavam subjugados, incluindo a
cultura (PIOVESAN, 2022). Vê-se a cultura, desta forma, se tornando um motivo de preocupação e
objeto de ação pública, deixando de ser interpretada como algo que seja desfrutada apenas pelos
mais abastados e passando a ser algo universal.
Com a Constituição de 1988 a cultura, além de participar dos direitos fundamentais, ou seja,
situar-se como parte do rol dos direitos civis e políticos – dos direitos básicos, “[...] passou a compor
aqueles direitos que exigem condições materiais e ações específicas para garantir os meios de
realização da cidadania [...]” (BARBOSA; ELLERY; MIDLEJ, 2007, p. 227).
Assim, surge outra demanda fundamental para a consecução desta realidade: recursos
institucionais ou políticas públicas. Entre estas surge a política de financiamento cultural que vai
estar presente a partir do Governo Sarney, com a criação do Ministério da Cultura (MinC), criado
em 15 de março de 1985 pelo decreto nº 91.144. Mais adiante, já no ano de 1991, é editada a Lei
Rouanet, objeto a ser discutido na próxima seção.
Financiamento cultural: um estudo de caso entre Rio Grande do Sul (RS) e Santa Catarina (SC)
através da Lei Rouanet – breves considerações
À luz da discussão da seção anterior, pode-se afirmar que a inclusão da cultura como direito
de todos na Constituição Federal de 1988 passa a exigir um aporte de regulamentações e políticas
públicas nas diferentes esferas que sustentem sua importância. Entretanto, cabe destacar que
anterior a 1988 já havia alguns movimentos no cenário nacional.
Inicialmente, em 15 de março de 1985 foi criado pelo decreto nº 91.144 do presidente José
Sarney o Ministério da Cultura, cujas atribuições eram até então do Ministério da Educação, que no
período de 1953 a 1985 foi denominado Ministério da Educação e Cultura (MEC). Em fevereiro de
1986 foi nomeado Celso Furtado para chefiar o Ministério, sendo ele o responsável pela implantação
da Lei Sarney, a primeira Lei de Incentivo à Cultura.
Quando da posse do presidente Fernando Collor de Mello, em 15 de março de 1990, este
extinguiu o Ministério e rebaixou-o a Secretaria. No curto período em que Collor ficou na
presidência, os estragos foram visíveis para a área cultural. Mas, quando do seu impeachment e da
presidência de Itamar Franco, modificações foram adotadas, incluindo uma nova postura legislativa.
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Em 23 de dezembro de 1991 foi promulgada a Lei° 8.313, que instituiu o Programa Nacional
de Apoio à Cultura. A nova lei, que ficou conhecida como Lei Rouanet, era um aprimoramento da
Lei Sarney e injetava recursos financeiros no setor através do mecanismo de renúncia fiscal.
Entretanto, o setor cultural sempre sofreu reveses em termos de financiamento e
estabelecimento de seu lugar no desenvolvimento do país. Após ter sido extinto no governo
Fernando Collor de Mello, em 1992, sob o governo de Itamar Franco, o Ministério da Cultura foi
recriado e, a partir daí, também algumas de suas instituições como a FUNARTE. Em 1993, foi criada
uma lei de incentivo específica para a área do audiovisual, com foco especial no cinema, ampliando
os percentuais de renúncia a serem aplicados (BARBALHO, 2007).
Na gestão do Ministro Francisco Weffort, no governo Fernando Henrique Cardoso, um novo
modelo aumentou a transferência para a iniciativa privada, através da lei de incentivo, o poder de
decisão sobre o que deveria ou não receber recursos públicos incentivados.
Dessa forma, a lei gradativamente reforçou o movimento de transferência para o mercado
de uma parcela crescente da responsabilidade sobre a política cultural do país. Também a escolha
de qual projeto cultural deve receber o mecenato custeado pelo dinheiro público fica nas mãos dos
empresários (BARBALHO, 2007).
Já Calabre (2007, p. 95) pontua que “isso significa que o capital investido pela empresa, que
gera um retorno de marketing, é todo constituído por dinheiro público, aquele que seria pago como
impostos”.
De acordo com Albuquerque Júnior (2007, p. 73) esta situação de transferir ao mercado é
uma lógica que representa um grupo claro de dominância, uma vez que o Estado “entrega a gestão
e a regulação da produção cultural aos interesses privados, empresariais, que hoje se expressam
através de grandes conglomerados industriais de mídia”.
Vale Neto (2017) afirma que já em 2002, o projeto para a cultura, pensado no plano de
governo do então candidato Luís Inácio da Silva - A imaginação a serviço do Brasil - programa de
políticas públicas de cultura é um marco para o setor cultural. Ainda sobre esse projeto, Ignácio
(2021, p. 11) afirma que “Os desafios da pasta eram enormes, tanto como instituição, como de
orçamento, ou de incapacidade de elaboração de políticas culturais de imediato.”
Mesmo com uma visão mais realista da cultura, como forma de expressão da sociedade e de
sua importância como vetor do desenvolvimento, as políticas de financiamento, como dito acima,
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permaneciam distribuindo os recursos de forma desigual ao longo do país e das diferentes formas
de expressão. Podemos problematizar por meio dos dados do estado de Santa Catarina e do Rio
Grande do Sul que serão apresentados e analisados na próxima seção.
A tabela 1 mostra a quantidade de projetos aprovados utilizando a Lei Rouanet nos estados
do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Região Sul e no Brasil nos anos de 2015, 2018 e 2021 e a figura
1 evidencia a proporção destes valores. A intensão das ilustrações é observar a variação ao longo
do tempo da pesquisa.
Tabela 1 - Quantidade de projetos aprovados utilizando a Lei Rouanet no RS, SC, Região Sul e no Brasil nos
anos de 2015, 2018 e 2021
Tanto a tabela 1 quanto a figura 1 mostram que o Rio Grande do Sul utilizou mais desta
modalidade de financiamento cultural, em todo o período estudado. Mas também pode ser visto
que ambos estados e a região como um todo reduziram as solicitações via lei Rouanet.
Figura 1 – Proporção de projetos aprovados utilizando a Lei Rouanet no RS, SC, Região Sul e no Brasil nos
anos de 2015, 2018 e 2021
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A tabela 2 mostra o valor dos projetos aprovados utilizando a Lei Rouanet no RS, SC, Região
Sul e no Brasil nos anos de 2015, 2018 e 2021 e a figura 2 evidencia a proporção destes valores. A
intensão das ilustrações é observar a variação ao longo do tempo da pesquisa.
Tabela 2 – Valor dos projetos aprovados utilizando a Lei Rouanet no RS, SC, Região Sul e no Brasil nos anos
de 2015, 2018 e 2021
Figura 2 – Proporção dos valores dos projetos aprovados utilizando a Lei Rouanet no RS, SC, Região Sul e no
Brasil nos anos de 2015, 2018 e 2021
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Dessa forma observa-se que há uma evidente diferenciação entre os dados de números de
projetos aprovados, valores dos projetos utilizando a Lei Rouanet entre os dois estados, sendo que
a lei em tese não beneficia nenhum dos estados da Federação. Ou seja, constitucionalmente a
cultura é um direito que perpassa os diferentes estados desde 1988, e que posteriormente as
legislações forem sendo moldadas.
Mas a partir desses moldes houve um distanciamento considerável entre os estados e isto
pode ser comprovado nas tabelas e figuras anteriores. Mesmo com os esforços realizados pelo
Governo Lula e Dilma não foram suficientes.
Assim os autores apresentam uma realidade que não era esperada, pois acreditava-se que o
Estado de Santa Catarina tivesse uma participação mais efetiva junto a Região Sul.
Considerações finais
Após estas breves considerações verificam-se que embora a cultura seja assegurada pela
Constituição de 1988 ainda hoje, 34 anos após, se discute as funções da cultura, que modalidade
seria mais apropriada entre outros.
Um dos resultados, institucionais e de carência de orçamento, de todo esse processo foi a
concentração vista pelos dados de Santa Catarina, Região Sul e Brasil, na aplicação dos recursos.
Mesmo com toda a importância que a cultura apresenta, visualizada desde a Declaração da
dos Direitos Humanos de 1948, o acesso não é universal, ainda, como proclamado. No Brasil uma
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explicação pode decorrer da forma como a lei Rouanet, se estabeleceu, permitindo que o setor
privado financiasse a cultura, através da isenção fiscal oportunizando às empresas que financiam
produtores e artistas renomados conseguirem uma melhor colocação no mercado, além de
financiarem somente aqueles eventos que promovessem maior retorno.
A desigualdade também é fruto da possibilidade dada aos financiadores de obterem muitos
lucros via marketing cultural. Aqueles que pouco produzem retorno de marketing são preteridas,
criando também um processo de investimento desigual entre as diversas áreas artístico-culturais.
Assim, tanto a Constituição de 1988 quanto a Lei Rouanet objetivavam uma realidade, mas
esta não se efetivou, pois as forças de pressão são muito relevantes quando da operacionalização
das políticas culturais e sua articulação entre o público e o privado. As políticas e suas leis sofrem
pressões, e no caso da cultura não poderia ser diferente, houve uma modificação do projeto inicial
em prol da parceira da iniciativa privada em investimentos de forma crescente, mas de modo
desigual.
REFERÊNCIAS
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reflexões sobre o papel do Estado na produção cultural contemporânea. (in) RUBIM, Antonio
Albino Canelas (Org.) Políticas culturais no Brasil. Salvador: Edufba, 2007. (Coleção cult). Disponível
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Acesso em: 02 fev. 2022.
ALEM, Nichollas. Os direitos culturais como direitos humanos: breve sistematização de tratados
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http://institutodea.com/artigo/os-direitos-culturais-como-direitos-humanos-breve-
sistematizacao-de-tratados-internacionais/.
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RUBIM, Antonio Albino Canelas (Org.) Políticas culturais no Brasil. Salvador: Edufba, 2007.
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https://repositorio.ufba.br/bitstream/ufba/138/4/Politicas%20culturais%20no%20Brasil.pdf.
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BARBOSA, Frederico; ELLERY, Herton; MIDLEJ, Suylan. A constituição e a democracia cultural (in)
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Introdução
O presente artigo objetiva realizar uma análise dos investimentos realizados na última
década a partir dos dispositivos da Lei de Incentivo à Cultura - Lei nº 8.313/91, popularmente
conhecida como Lei Rouanet. Estrutura-se a partir da maneira como os investimentos públicos
foram destinados para que os objetivos da referida lei – sedimentada no binômio captação de
recursos com posterior difusão da cultura - fossem, ou não, alcançados, considerando em toda a
análise a (in)observância dos artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 1988 e por consequência
o princípio da fruição e pulverização cultural dali decorrentes. Propõe uma análise exploratória e
dedutiva com base no estudo da legislação nacional (Lei Rouanet e seus dispositivos derivados) e
internacional (tratados da UNESCO), tornando efetiva as constatações com base nos dados
apresentados, disponibilizados no Portal da Transparência do Governo Federal e no Sistema de
Apoio às Leis de Incentivo à Cultura - SALIC. O debate acerca do tema se torna relevante na
contemporaneidade, uma vez que a cultura é um elemento de desenvolvimento social e humano,
tendo, ainda papel significativo no desenvolvimento econômico nacional (economia criativa).
Portanto, é necessário compreender quais os mecanismos para captação de recursos dispostos no
corpo da lei e determinar sua eficácia/eficiência para atender à existente necessidade do setor
cultural. Podendo a partir desta análise identificar possíveis falhas e oportunidades de melhoria
legislativa a fim de garantir que o Estado esteja cumprindo com o seu papel.
Para que uma análise acerca da Lei Rouanet na última década seja realizada, se faz
necessário ter em destaque a base sólida da cultura que advém da Constituição Federal.
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Segundo Pereira (2014) o texto constitucional traz uma concepção de que a cultura é como
um objeto ao qual o Estado tem a função de proteger, promover, difundir e também dar acesso a
todos os cidadãos. O artigo 215 da Constituição Federal dispõe o seguinte acerca do papel do Estado
em relação à cultura: "O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso
às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações
culturais” (BRASIL, 1988).
Decorre do artigo mencionado o princípio da fruição, que segundo Schiavon (2023), advém
como o ato de fruir, aproveitar e/ou usufruir de alguma coisa, ou seja o princípio corrobora com a
atribuição da competência ao Estado em assegurar a coletividade, não podendo ser algo dispensável
o acesso à cultura a todos.
A partir de tal constatação surge a necessidade de mecanismos para que o Estado consiga
proporcionar a todos a livre fruição da cultura. Nesta necessidade em que a Lei Rouanet se encaixa,
melhor colocando, ela nasce, se torna viva e necessária para o Estado brasileiro.
Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC: o seu objetivo e a sua forma de atuação.
Através da Lei Rouanet e por diretriz do Plano Nacional de Cultura, no dia 24 de janeiro de
1991 (data de promulgação da Lei Rouanet) foi instituído o Programa Nacional de Apoio à Cultura -
PRONAC o qual segundo a lei, tem a função de captar e canalizar recursos para o setor cultural. O
PRONAC atua em uma tríplice vertente de captação-difusão: a) Fundo Nacional de Cultura - FNC; b)
Fundo de Investimento Cultural - FICART; e c) Incentivo à cultura.
O Fundo Nacional de Cultura - FNC, trata do investimento direto do Estado em projetos
culturais, recurso advindo do Tesouro Nacional. O Fundo de Investimento Cultural - FICART é
constituído na forma de quotas, ações negociadas no mercado financeiro reguladas pela Comissão
de Valores Mobiliários, o possuidor das ações atuaria como "sócio" do projeto cultural em que
possuísse as quotas, recebendo inclusive lucros proporcionais às ações. E por último, o Incentivo à
cultura, se baseia na renúncia fiscal possibilitando descontar até 4% do imposto devido por pessoa
jurídica ou no caso de pessoa física até 6%, dessa forma os contribuintes por intermédio de doações
ou patrocínios incentivam projetos aprovados pelo Ministério da Cultura.
Na letra da lei, as formas de captação de recursos parecem atender a diversidade cultural
nacional, assim como o objetivo de assegurar a todos o direito de fruir da cultura, evidenciado pela
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Constituição Federal, três meios que advém de objetivos e formas distintas, visando o combate a
uma possível centralização na difusão da cultura.
Existem personagens que através da Lei Rouanet se tornam peças-chave na promoção
cultural. O FNC é um instrumento público de investimento na cultura, assim sendo o Estado assume
mais uma responsabilidade à frente da promoção cultural, além da sua competência inicial
constituída. O FNC é estabelecido com o objetivo de promover a distribuição regional de recursos
ao setor cultural de forma equitativa, atribuindo ao Estado tal responsabilidade. A partir do
momento em que se busca dados acerca do FNC é evidente a falha do Estado na sua função, pois
segundo o Portal da Transparência, na dotação do FNC, para o ano de 2015, era previsto um
orçamento de R$ 1,88 bilhões e foram utilizados apenas R$ 14,68 milhões. No ano de 2018 ele se
repete, o previsto no orçamento era de R$ 1,27 bilhões e foram utilizados tão somente R$ 26,54
milhões.
A partir desses indicadores, questiona-se: qual seria o motivo para uma diferença tão
significativa no previsto pelo orçamento ao utilizado? Preliminarmente pode-se conjecturar como
justificativas a falta de projetos, ou a falta de necessidade do setor cultural. O FNC seria o meio para
tirar das mãos das instituições privadas o poder na distribuição de recursos, fazendo com que a
cultura fosse além de valores negociados, colocaria para segundo plano o interesse financeiro e em
ascensão o desenvolvimento cultural.
O FICART, na análise de Almeida e Nunes (2018), traz a possibilidade de obtenção de lucros
gerados por dividendos e ainda acabar gerando rendimentos com tal incentivo à cultura,
trabalhando alinhado a lógica de ser o setor cultural uma forma de movimentação econômica. À
primeira vista tal mecanismo aparenta ser atrativo ao empreendedor e poderia ser mais uma forma
efetiva de promoção cultural, porém por conta da regulamentação ainda pouco explorada acaba
negligenciado. Destaca-se que mesmo após trinta anos da promulgação da lei as informações acerca
do FICART são escassas, números e dados não existem, o que dificulta os debates da (in)utilização
deste mecanismo. Mais estudos são necessários a fim de preencher esse vácuo de dados e
diretrizes.
E por último, acerca do Incentivo Fiscal, o seu principal personagem é o incentivador, que na
grande maioria dos casos é o setor privado, o qual escolhe qual projeto ele opta por incentivar,
através do SALIC nos termos da lei. Evidente que os proponentes de projetos culturais merecem o
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destaque na promoção cultural, porém para que o projeto submetido seja efetivo ele precisa do
incentivador.
Um importante ponto a salientar sobre o Incentivo Fiscal é de que há um percentual mínimo
de captação (20%) para que o proponente possa movimentar os recursos e continuar captando
durante a execução do projeto, até a captação deste percentual os recursos recebidos ficam
bloqueados.
Como os demais mecanismos de captação, o Incentivo Fiscal apresenta possíveis pontos para
melhoria. Este acaba por fomentar a centralização na difusão cultural, um movimento natural e
problemático que será discutido no próximo tópico.
Finalizando os personagens emblemáticos da promoção da cultura no Brasil, inúmeras as
manchetes acerca dos escândalos dos captadores de recursos por meio do Incentivo Fiscal e o tema
mais evidenciado são os grandes artistas, intitulada muitas das vezes a Lei Rouanet como a Lei que
financia grandes artistas. Entretanto, conforme lista dos maiores captadores disponibilizada pela
Secretaria da Cultura desde a criação da Lei, esta não traz nenhum grande artista no seu rol,
parecendo claro que se trata apenas de manchetes sensacionalistas divulgadas na grande imprensa:
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Partindo da constatação de que a principal forma de captação de recursos nos últimos anos
se deu por intermédio do Incentivo Fiscal, é necessário a busca dos dados acerca do modo em que
ocorre esta distribuição. Afinal, o Brasil possui cinco grandes regiões, desenvolvidas historicamente
de forma desigual em vários âmbitos e essa é uma característica da economia de qualquer país.
Entre 2012 e 2022, um total de 50.027 projetos do âmbito cultural foram aprovados no
Brasil. Depurando-se os dados por região, denota-se que em São Paulo foram aprovados 16.111
projetos, no Rio de Janeiro 9.747 projetos, em Minas Gerais 6.157 projetos, no Rio Grande do Sul
4.504 projetos, Paraná 3.443 projetos e em Santa Catarina 2.602 projetos.
Após uma análise dos dados disponibilizados no SALIC, surge a constatação de que há uma
centralização no Incentivo Fiscal, com a região Sudeste possuindo o maior número de projetos
aprovados, concentrando 32.015 projetos aprovados entre 2012 e 2022 o que representa mais de
50% dos projetos aprovados neste recorte temporal:
constitucional, a situação merece reparos. Nessa linha, cabe ao Estado adotar medidas para
controlar os efeitos que tal centralização pode causar. Justamente por esta razão a Lei Rouanet por
intermédio do PRONAC instituiu o FNC, para que quando o Incentivo Fiscal acabasse por centralizar
o acesso à cultura seus impactos fossem minorados. O FNC estaria atendendo esta deficiência,
incentivando os projetos das demais regiões, desde que os projetos fossem devidamente aprovados
e cumprisse com os requisitos estabelecidos. Porém, o constatado quando analisado em foco o FNC
é que ele se encontra negligenciado quanto a sua eficácia.
Considerações finais
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As questões levantadas foram observadas de forma preliminar com base nos dados
apresentados, entretanto a necessidade de uma revisão legislativa, em sentido amplo, ou seja, da
macro estruturação da política pública desenhada, se torna evidente desde o início. Parece ser da
natureza da lei, diretamente vinculada a constituição, de que a fruição da cultura deve se sobressair
ao interesse econômico, ou, ao menos, acompanhá-lo. Os mecanismos-base já existem, somente
precisam ser mais aproveitados pelos governantes e atores culturais. O intuito é buscar o
aprimoramento das políticas públicas culturais e a sua forma de financiamento e acompanhamento.
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
Desenvolvimento
Reflexões conceituais sobre o patrimônio cultural
Com efeito, nota-se uma precariedade nas disposições normativas do Patrimônio Cultural
que interfere na uniformização da matéria regulada, não se esgotando apenas no conceito primário
do Patrimônio Cultural, como também em outras interpretações judiciais, que não foram
aprimoradas em matéria legislativa.
Em direito comparado, a lei unificada do patrimônio cultural português traz consigo um
conceito restrito de patrimônio cultural, em relação à exclusão dos bens naturais, bem como extrai
de sua noção ampla, similar à Constituição da República de 1988, quais são especificamente os bens
culturais materiais e imateriais no decorrer de seu texto (NABAIS, 2004, p. 19).
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cultural, dando impulso nas afirmações dos valores constitucionais culturais e na formulação das
soluções nos casos concretos.
Vale salientar, nesse ponto, que o sistema jurídico patrimonial tem como principal alicerce
os valores constitucionais ambientais. A doutrina e jurisprudência brasileira tem forte tendência em
ajustar princípios do direito ambiental para a proteção dos bens culturais, haja vista a sua
integralização no plano macro do bem constituído pelo meio ambiente natural. Pode-se citar o
princípio do direito fundamental ao meio ambiente, além de princípios constitucionais norteadores
do art. 225 da CF/88, como o princípio do direito à sadia qualidade de vida, o princípio da
obrigatoriedade, da intervenção do Poder Público, o princípio da precaução, o princípio da
prevenção, o princípio do poluidor-pagador, o princípio da informação, o princípio da participação,
o princípio do desenvolvimento sustentável, o princípio da responsabilidade objetiva e o princípio
da equidade geracional (SOARES, 2009), que se associam na dinâmica judicial do patrimônio
cultural.
Nessa toada, embora empreenda um rol de princípios para composição dos conflitos, o
Direito ao Patrimônio Cultural ainda carece de uma base principiológica própria que alimente a
efetiva proteção de bens culturais tutelados pelo ordenamento, adequando e pormenorizando as
suas peculiaridades. Cabe dizer, nas palavras de Soares (2009), que
Cabe ressaltar que os princípios ambientais podem ser necessariamente impróprios ao meio
ambiental cultural, por manifestar interpretações dissonantes quando convertidas nas hipóteses
situacionais de apreciação ao patrimônio cultural. Como se pode ver no caso do Princípio ao Meio
Ambiente Ecologicamente Equilibrado,
Não obstante, isso não significa que a constituição principiológica deva ser desprovida de
estímulos de outras áreas. Tendo em vista a perspectiva de um sistema jurídico aberto e passível de
uma interpretação axiológica do ordenamento jurídico e de seus valores constitucionais primordiais,
o ramo do Patrimônio Cultural deve ser constituído com uma ampla relação transdisciplinar, isto é,
sob um suporte principiológico complementar de outras áreas, nutrindo-se de princípios
administrativos (relacionados principalmente à gestão administrativa), do direito urbanístico,
tributário e muitos outros, em vista de constituir diretrizes para desenvolver sua base principiológica
própria.
Ademais, convém sublinhar que a compatibilização de princípios deve ser harmonizada não
apenas em favor da regulamentação e trato dos bens materiais e imateriais, mas também em
fomento das relações privadas com inferência direta na preservação do patrimônio cultural ou nas
implicações do dano ou ameaça deste.
Portanto, a fixação sistematizada de princípios do direito ao Patrimônio Cultural lhe daria
autonomia para amplificar as tratativas da relação jurídica de abrangência patrimonial no território
brasileiro.
Com base na Teoria dos Direitos Fundamentais, sustentada por Robert Alexy, entende-se
que os princípios jurídicos são espécies do gênero norma jurídica, assim como as regras jurídicas.
Constituem, portanto, papel fundamental no Estado Democrático de Direito pois se apresentam
como uma ferramenta indispensável para oferecer clareza conceitual e segurança jurídica na
preservação dos bens jurídicos fundamentais, a citar o direito ao patrimônio cultural. Segundo a
ideia do autor,
Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida
possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Por isso, os princípios
são mandados de otimização¹², que estão caracterizados pelo fato de que podem
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ser cumpridos em diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não
só depende das possibilidades reais como também das jurídicas (AMORIM, 2005).
(...) um dos dois princípios tem que ceder ante o outro. Mas isso não significa
declarar inválido o princípio desprezado nem que no princípio desprezado haja que
ser introduzida uma cláusula de exceção. O que vai determinar qual o princípio que
deve ceder serão as circunstâncias. Isso quer dizer que, nos casos concretos, os
princípios têm diferentes pesos e que prevalece o princípio com maior peso
(AMORIM, 2005).
No contexto do Patrimônio Cultural, essa ponderação torna-se ainda mais crucial, uma vez
que a preservação dos bens culturais muitas vezes envolve um equilíbrio entre a conservação do
legado cultural e as demandas contemporâneas de desenvolvimento e progresso, muitas vezes
conflitivas com a integridade do bem tutelado. Com efeito, ressalta-se que a abordagem dos
princípios jurídicos no âmbito do Patrimônio Cultural brasileiro não se restringe apenas à sua
dimensão normativa, mas se baseia também na interpretação em consonância com as
especificidades históricas, sociais e culturais do bem tutelado.
Em verdade, a aplicação dos princípios jurídicos oferece vantagens substanciais ao Direito
do Patrimônio Cultural. Primeiramente, esses princípios contribuem significativamente para o
aperfeiçoamento da interpretação e concretização judicial (sentenças e acórdãos), reduzindo a
arbitrariedade nas decisões legais. Ao fornecer diretrizes gerais e flexíveis, os princípios ajudam na
compreensão mais aprofundada das leis que regem o patrimônio cultural, oferecendo uma base
sólida para a interpretação por parte dos operadores do Direito.
Outra vantagem significativa é a construção de um discurso normativo mais robusto e com
valores consistentes no âmbito do Direito do Patrimônio Cultural. Ao aplicar princípios claros e bem
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Já na esteira dos princípios do patrimônio cultural propriamente ditos, toma-se por base as
classificações doutrinárias desenvolvidas pelos autores Ana Maria Marchesan, Inês Virgínia Prado
Soares, José Casalta Nabais (em direito comparado) e Marcus Paulo de Souza Miranda (SOARES,
2019, p. 138). Embora haja variações na tipologia dos princípios, há um entendimento
compartilhado quanto à relevância da funcionalidade principiológica.
Dentre eles, destaca-se, primeiramente, o princípio da proteção. Embora seja abarcado
apenas por Marcus Paulo de Souza Miranda, tal princípio pode esclarecer controvérsias jurídicas
como a possibilidade do bem cultural receber proteção do Estado mesmo sem a incidência de um
regime jurídico de tutela, a citar o instituto protetivo do tombamento. Sob o respaldo dos artigos
216, § 1º, e 23, III e IV, da Constituição Federal de 1988, o mandamento impõe obrigação ao poder
público, com a colaboração da comunidade, de desenvolvimento de uma ação protetiva do
patrimônio cultural com base no seu valor comunitário.
Além disso, outro princípio essencial é o da acessibilidade cultural, defendido por Ana Maria
Marchesan e Inês Virgínia Prado Soares. Este mandamento destaca a importância de se garantir o
acesso equitativo e inclusivo ao patrimônio cultural, assegurando que todos os membros da
sociedade tenham oportunidades de usufruir, conhecer e se engajar com os bens culturais. Isso
implica a criação de políticas e ações que promovam a disseminação do conhecimento e o acesso
democrático a esses elementos culturais. Também reforça a conduta protetiva do bem cultural na
medida em que corrobora a relação de acessibilidade, por exemplo, da Pessoa com Deficiência (art.
42, §2º, do Estatuto da Pessoa com deficiência, Lei 13146/2015).
Por sua vez, a introdução dos princípios da sustentabilidade e da valorização sustentável
(sustentados por José Casalta Nabais e Ana Maria Marchesan, respectivamente) sugerem a
consolidação de um patrimônio cultural que não apenas se conserva, mas também se integra aos
processos produtivos e à vida das comunidades de forma sustentável, dando suporte para a
autonomia dos grupos sociais pertinentes ao bem cultural. Tal abordagem busca equilibrar a
valorização dos bens culturais com benefícios sociais e econômicos, sem comprometer a essência e
o valor intrínseco desses elementos em função de ganhos puramente lucrativos.
Outrossim, a própria sustentabilidade do bem tutelado favorece a aplicabilidade do princípio
da equidade intergeracional (classificado por Inês Virgínia Prado Soares) uma vez que estabelece a
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Considerações finais
REFERÊNCIAS
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AMORIM, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy: esboço e
críticas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n.165, jan./mar. 2005. Disponível em
http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_165/R165-11.pdf. Acesso em: 26 out. 2023.
CARVALHO, Yandra Karolliny Santos de; PINHEIRO, Rosana Sampaio. A Proteção do Patrimônio
Cultural Agroalimentar por meio do Direito de Propriedade Intelectual. 43 Reunião Aberta do
Núcleo de Pesquisa em Direito do Patrimônio Cultural (NEPAC) - UFOP. 30 de maio de 2022.
Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/11Ni0cFA_qaQnhwJXGGADcf87G144U4JS/view?usp=shari ng.
Acesso em: 09 jun. 2022.
COSTA, Rodrigo Vieira. A ideia do Código de Proteção do Patrimônio Cultural enquanto paradigma
da simplificação dos direitos culturais. V ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em
Cultura. 28 a 30 de maio de 2008. Salvador - Bahia. Disponível em:
http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14298-02.pdf. Acesso em: 20 mai. 2022.
GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Tereza Fonseca, NICÁCIO, Camila Silva.
(Re)Pensando a Pesquisa Jurídica: Teoria e Prática. 5. ed. rev. amp. atual. São Paulo: Almedina,
2020.
MARCHESAN, Ana Maria M. Os Princípios Específicos da Tutela do Meio Ambiente
Cultural. Revista do Ministério Público do RS, Porto Alegre, n. 73, jan. 2013 – abr. 2013, p. 97-123.
Disponível em: http://www.amprs.org.br/arquivos/revista_artigo/arquivo_1383851594.pdf/.
Acesso em 24 out. 2023
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
PAIVA, Carlos Magno de Souza. Direito do Patrimônio Cultural: autonomia e efetividade. Curitiba:
Juruá Editora, 2015.
SOARES, Inês Virgínia Prado. Direito Ao (do) Patrimônio Cultural Brasileiro. Editora Fórum, 2019.
SOUZA, Ana Bertriz do Amaral; MARTINS, Heytor Lemos; DE CASTRO, Cristina Veloso. A norma em
desfavor da preservação ambiental: a omissão do Legislativo em face à proteção da Serra do
Curral, patrimônio cultural de Minas Gerais. 2022.
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ST – 6
Narrativas, memórias, linguagens:
os processos de subjetivação e a imaterialidade do patrimônio
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Introdução
As cartas escritas pelo casal Dörffel aos seus familiares fornecem informações valiosas sobre
a história da imigração, particularmente as dificuldades e acontecimentos que marcaram suas vidas
quando cruzaram o oceano com rumo para o Brasil. Essas cartas contêm relatos de suas experiências
desde a saída da Saxônia, embarque no Porto de Hamburgo/Alemanha, até a chegada ao Porto de
São Francisco/Brasil a bordo do navio Florentin em 1854.
Ao analisar o conteúdo traduzido dessas cartas, pode-se compreender os desafios
enfrentados no “novo mundo” daquela época. Este “novo mundo” apresentava um ambiente
significativamente diferente daquele a que estavam habituados na Europa. A saga da viagem,
incluindo detalhes de doenças, mortes e nascimentos a bordo do navio, é o tema principal. As
primeiras impressões na chegada, a descrição da Colônia Dona Francisca, bem como detalhes sobre
o novo ambiente fornecem valiosos dados sobre a história dos imigrantes alemães durante a
segunda metade do século XIX.
Nesse sentido, o artigo tem como objetivo apresentar alguns fragmentos dos relatos
presentes nas cartas que fazem menção à viagem e à chegada na Colônia. Isso permite vislumbrar
a experiência vivida e os desafios enfrentados.
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casa. Suas descrições revelam aspectos importantes do cotidiano do imigrante alemão e o progresso
que fizeram na sua nova casa.
Tais relatos, como a do casal Dörffel, são considerados por Maria Teresa Santos Cunha (2007)
como valorosos, pois apresenta escritos pessoais como fontes históricas e sua importância na
compreensão de diferentes aspectos da sociedade. A autora, argumenta que os relatos são fontes
históricas valiosas que fornecem um panorama sobre vários aspectos da sociedade. Além disso, ela
sugere que sejam considerados documentos autobiográficos que oferecem pistas para a
compreensão de tempos passados. Geram conhecimento sobre a história recente e estimulam a
reflexão sobre o presente. A autora reconhece o valor inegável dos relatos, pois emergem do
silêncio das “caixas e dos baús”, permitindo aos historiadores considerá-los na sua forma
fragmentada como evidências de modos de viver e compreender o cotidiano. Os diários funcionam
como atos de memória que dão origem a percepções e representações de uma determinada época.
As cartas podem ser vistas como uma forma de "escrita interior", concentrando-se em
sensações emocionais. Para Cunha (2007), são práticas sociais que contribuem para a construção
da história dos indivíduos que são moldados pelas suas práticas de escrita, constituindo um regime
de sensibilidades, vistas como uma forma de escrita interior, onde os sentimentos e sensações
internas ocupam um lugar significativo, como um diário.
Portanto, as cartas para os estudos historiográficos pode ser uma forma privilegiada de
inscrição autoral, e o seu acesso na atualidade serve de fonte para a compreensão dos modos de
viver e de pensar de uma determinada época. São fontes importantes para entender os eventos que
marcaram um período da colonização alemã na região sul do Brasil.
Tal compreensão se intensifica à medida que nos apropriamos dos discursos presentes nas
cartas para apresentar modos de vida antes e depois da imigração. Para o estudo da imigração
alemã no Brasil os relatos presentes nas cartas são fontes de problematização no âmbito das
experiências sociais, para que cada memória pessoal possa ser vista e estudada como uma
perspectiva da memória coletiva.
Todavia, Cunha (2007) alerta os historiadores para evitarem cair na ilusão da singularidade
das experiências dos indivíduos ou na ilusão da coerência perfeita em uma trajetória de vida.
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Ottokar descreve em sua carta a experiência vivida durante a travessia do oceano rumo ao
Brasil. Seus relatos oferecem uma oportunidade de estudar os aspectos cotidianos deste período e
compreender os desafios enfrentados.
Segundo Rölke (2016), muitos imigrantes que chegaram aos portos de embarque já haviam
superado muitos obstáculos e dificuldades. Alguns viajaram de carroça, a pé ou de trem. Desde
1846, existia uma linha ferroviária ligando Berlim a Hamburgo, o que reduzia tempo e dinheiro para
os imigrantes vindos das regiões orientais da Alemanha. Para aqueles que eram economicamente
menos afortunados, a viagem de casa para Hamburgo poderia levar até 14 dias. Quando o fluxo de
emigração alemã começou em 1836, o Porto de Hamburgo não possuía infraestrutura para
acomodar o grupo de pessoas que chegava com a intenção de ir para a América do Norte e do Sul,
e precisava se adaptar à nova demanda.
Com o fluxo cada vez maior de emigrantes, o porto teve que sofrer transformações.
Para isto naturalmente também contribuiu a industrialização, que aos poucos foi
aposentando as carroças puxadas a cavalo e usadas no porto para transporte de
mercadorias. A máquina a vapor foi substituindo os veleiros, as chalupas e outros
tipos de embarcações movidas a velas. Rapidamente foram construídos docas e
armazéns que foram interligados com linhas férreas, tornado o transporte de
mercadorias mais fácil. As construções de docas permitiram que vários navios
pudessem atracar ao mesmo tempo no cais. Não havia mais a necessidade de
transportar os emigrantes em pequenas embarcações para os veleiros ancorados
no Rio Elba. (RÖLKE, 2016, p.272)
Por essa razão, o governo de Hamburgo envolveu-se mais com a Associação de Hamburgo
para a Proteção dos Imigrantes a partir de 1855, com o objetivo de melhorar as acomodações para
os imigrantes em trânsito, isso porque aumentavam as queixas e acusações de tratamento
desumano no porto antes do embarque, como descreve alguns trechos da carta de Ottokar Dörffel
durante sua estadia em Hamburgo, em 12 de março de 1855:
Nossa aventura [...], a recepção que recebemos do "Verein zum Schutz für
Auswanderer"14 em Hamburgo e nossa viagem da estação de trem para local, na
14
Tradução: Associação para a proteção dos imigrantes.
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qual fomos transportados em duas carroças embalados como estacas foi difícil [...]
chegamos ao porto, onde uma multidão de marinheiros imediatamente nos circulou
e descarregou nossa bagagem sem pedir muito e a jogou com pouca delicadeza
contra o paredão de 20 pés15 de altura do Elba. (DÖRFELL apud MATZKE, 2018 p.94)
Esses relatos são apenas o início de uma jornada longa dos imigrantes até o destino no Brasil,
cujo enfrentamento seria maior à medida que deixavam o Porto de Hamburgo.
Nesses momentos de tensões dos imigrantes alemães as cartas tornaram-se companheiros
fiéis dos momentos pessoais difíceis, que Cunha (2007) afirma ser um instrumento eficaz de
apropriação das palavras e de criação do discurso, ao mesmo tempo que contribuem para a
compreensão e apresentação de si, a exemplo da descrição do percurso marítimo que marca a
experiência pessoal de Ottokar Dörffel durante a travessia.
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Referência à embarcação “Florentin” com o qual os Dörffels cruzaram para o Brasil.
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A partir de detalhes apontados por Ottokar, tem-se uma ideia do que significava viajar numa
embarcação dessas proporções. Vale, porém, lembrar que Ottokar viajava em uma cabine privativa,
o que não era o caso da grande maioria dos imigrantes vindos para Santa Catarina. Como se
tratavam em sua maioria pequenos artesãos, tinham que se contentar com a terceira classe. De
acordo com a data das cartas de saída e chegada estima-se que foram 45 dias a bordo do navio em
condições higiênicas catastróficas, com relato de doenças, como cólera que acometeu inúmeros
passageiros.
Foto 1: Navio com imigrantes alemães16
16
Coleção de fotos do arquivo do Centro de Imigração Alemã em Bremerhaven (cidade alemã no estado
federal de Bremen/ Alemanha) e publicada no livro de Matzke (2018, p.85).
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Nascimentos, mortes, dor, sofrimento, tempestades também são descritos por Ottokar
Dörffel durante a travessia. Muitos desses momentos são descrições de medo e tensão ao
enfrentarem tempestades, como ao cruzar o Golfo da Biscaia na noite de 16 de outubro. Os
passageiros foram surpreendidos por uma violenta tempestade que durou mais de 48 horas,
deixando a tripulação terrivelmente abalada pelas ondas e causando desconforto e pânico em
muitos dos passageiros, como no trecho: “O navio inclinava-se de tal forma que parecia querer
afundar e havia apenas alguns passageiros no convés além de mim, que foram poupados do enjoo”.
As mortes de passageiros por condições precárias no interior da embarcação, os
nascimentos em meio ao caos e as dificuldades e sofrimentos presentes nos relatos das cartas nos
proporcionam uma compreensão dos desafios vivenciados.
No campo dos estudos historiográficos, a escrita das cartas pode representar uma fonte
valiosa que fornecem impressões sobre as dificuldades encontradas pelos imigrantes nos navios, a
necessidade de seguir protocolos de saúde, como a quarentena, para evitar epidemias no país de
chegada e as diferenças econômicas e sociais destes homens e mulheres que precisaram deixar a
Europa.
Novembro de 1854 estamos com segurança no porto de São Francisco [...] O estado
em que encontramos a Colônia Dona Francisca não correspondia em nada às
expectativas geralmente baixas que eu tinha dela. A comida é tão cara quanto aqui
na Alemanha. Além disso, […], não há locais de aluguel. Portanto, tivemos que ser
alojados com outros em um dos edifícios de recepção geral e fomos designados para
lá, uma localidade de cerca de 6 metros quadrados, com a qual nenhum animal na
Alemanha ficaria satisfeito. [...] se você não quiser revelar seus pertences, deve
trancar a porta por dentro. Baratas, pulgas, e outros vermes vivem neste buraco, e
é tão úmido que as roupas que você tira à noite ficam muito úmidas e pesadas pela
manhã. (DÖRFELL apud MATZKE, 2018 p.93)
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A chegada do casal Dörffel marcou suas vidas assim que desembarcaram. Fica evidente o
sentimento de decepção ao se depararem com as condições em que se encontrava a Colônia de
Dona Francisca, mesmo com baixas expectativas. Os imigrantes eram hospedados em prédios
improvisados. Geralmente, as hospedarias de imigrantes eram armazéns pouco arejados, mal
iluminados e com pouca higiene.
A comparação entre os dois mundos, na Saxônia e na Colônia, fora inevitável. Contudo,
retornar não estava nos planos do casal. Pelo contrário, como sugere uma declaração de Ottokar ao
Jornal de imigração Allgemeine17 que demonstra o movimento consciente na decisão de migrar em
direção ao Brasil com o intuito de permanecer e se manter fiel a sua germanidade.
Deixe-me assegurar-lhe quando deixei meu país Natal a Saxônia em 1854, fui
inspirado e guiado pelo desejo de encontrar um lugar tranquilo onde pudesse
permanecer alemão. Mais de uma vez, recebi sugestões e ofertas de conhecidos da
América do Norte para ir para os Estados Unidos, mas o medo de ter que sacrificar
minha germanidade ao ianque me deteve, e esse desejo me permitiu escolher a
Colônia Dona Francisca como destino da minha imigração.18
17
Com circulação entre 1846 e 1871, O "Allgemeine Emigration Newspaper" (Jornal Geral da Imigração
Alemã), de responsabilidade de editoração de Rudolstadt, Günther Fröbel tinha publicação semanal de três
exemplares. Além de conselhos aos que desejam imigrar e de relatos das experiências dos que migraram,
publicavam listas dos imigrantes alemães nos navios como fonte de informações censitárias.
18 Allgemeine Emigration Newspaper 20 (1866), nº 13 de 29 de março de 1866, página 2.
19
Foto de Theodor Rodowicz da Colônia Dona Francisca, Hamburg 1853. Publicada no livro de Matzke (2018,
p.86).
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E assim o fez, comprou uma propriedade e projetou cada detalhe, onde permaneceu até sua
morte em 18 de novembro de 1906.
“No dia 1º dia do mês de dezembro, tomei posse do meu imóvel e levamos todos os
nossos pertences. Você pode imaginar que, sob tais circunstâncias, estamos em
grande desordem e com as mãos ocupadas apenas para restaurar alguma ordem
[...]. É assim que a vida funciona aqui. (DÖRFELL apud MATZKE, 2018 p.90)
Ao final do primeiro ano na Colônia Dona Francisca, segundo Matzke (2018), Ottokar possuía
uma olaria para produção de telhas, cumprindo sua parte no atendimento às demandas de uma
comunidade com 900 habitantes recém-chegados e sem infraestrutura. Mas não era apenas à
sobrevivência que ele pretendia dedicar os seus dias; sua contribuição estendeu-se além de seus
escritos. Fundou e atuou como editor do Kolonie-Zeitung, um dos primeiros jornais de língua alemã
do Brasil. Esta publicação, que circulou de 1862 a 1942, desempenhou um papel crucial na
orientação dos primeiros colonizadores e no alívio das suas saudades de casa. O Kolonie-Zeitung
tornou-se uma importante fonte de informação para os alemães.
Ottokar Dörffel e sua esposa Ida, mesmo diante do ambiente isolado e inóspito da Colônia
Dona Francisca, como sugerem os relatos de suas cartas, não os impediram de construir e
desenvolver o local que escolheram para morar. A sua fundamentação intelectual e cultural foi
decisiva para moldar e influenciar o cenário político, administrativo e cultural dos imigrantes que,
como eles, escolheram a Colônia como seu “novo lar”.
Nesse sentido, todos os relatos mencionados nas cartas do casal Dörffel, onde descrevem os
desafios e obstáculos enfrentados, são documentos que podem contribuir para a historiografia da
cidade de Joinville.
Considerações finais
As cartas para familiares e amigos eram muitas vezes os únicos relatos confiáveis da vida no
outro lado do oceano para aqueles que ficaram para trás. Deram um contributo significativo para o
processo de tomada de decisão relativamente à imigração ou à permanência na Europa e não foram
apenas recebidos pelo círculo familiar alargado, mas também utilizados estrategicamente através
da distribuição nos meios de comunicação social como literatura de recrutamento para a imigração.
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Pela primeira vez, a carta do imigrante criou uma ligação contínua com a linguagem escrita para um
grupo que de outra forma tinha mais experiência em comunicação oral e estava ancorado na
investigação histórica durante décadas. Como fonte notável de história cultural, mentalidade e vida
cotidiana, encontrou seu lugar em numerosos estudos. As cartas fornecem informações vívidas
sobre a vida no estrangeiro, muitas vezes abrangendo a viagem e a chegada ao Novo Mundo,
condições de trabalho e de vida, comida, bebida, vestuário, rendimentos, preços e oportunidades
de lazer. Como uma série de cartas que abrangem um longo período, elas testemunham histórias
de vida.
REFERÊNCIAS
CUNHA, Maria Teresa Santos. Do baú ao arquivo: escritas de si, escritas do outro. Revista
Patrimônio e Memória. UNESP, v.3, n.1, 2007 p. 45.
MATZKE, Judith. Von Glauchau nach Brasilien. Auswandererbriefe von Ida und Ottokar Dörffel
(1854-1906). Halle/Saale: Mitteldeutscher Verlag, 2018.
RÖLKE, Helmar. Raízes da Imigração Alemã: história e cultura alemã no Estado do Espírito Santo.
Vitória/ES: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2016.
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Introdução
Quando narramos nossas histórias de vida nosso corpo é parte importante dessa narrativa,
no entanto na maioria das vezes não temos consciência do lugar do corpo em nossa história. Aqui
não estamos falando apenas de uma presença física ou de expressões corporais no ato de narrar,
como um silêncio, um espanto estampado na face, um choro involuntário, mãos e olhares
inquietos, mas de um corpo que esteve presente em todos os momentos de nossa vida até o
instante da narrativa. Desde nascimento à puberdade, nas transformações físicas que passamos,
nas relações que vamos construindo com nós mesmos e com os outros, também da juventude com
as descobertas sexuais e os amores, como aponta Josso (2012) o corpo contém “ microrrelatos ou
microlembranças sobre a maneira pela qual o autor esteve em relação física com seu ambiente
humano e natural” (p. 24), nos sentimentos, nos sentindo físicos, nas necessidades básicas
enquanto humana atendidas etc., que continuam na vida adulta a ser apresentadas também em
suas diversidades de espaços, culturas e estéticas (JOSSO, 2012).
As construções identitárias e de memória se conectam em um movimento dialético, logo
“a perda de memória é, portanto, uma perda de identidade” (CANDAU, 2011, p.59). O corpo faz
parte desse arranjo na medida em que é através dele que experienciamos o nosso ser-no-mundo,
termo que a autora Josso (2010) utiliza para abordar várias dimensões de se estar no mundo (como
o ser físico; sensível; de afetividade; das emoções; de cognição; de ação; e de imaginação), que se
conectam entre si ao ponto central para nosso ser no mundo, que é o ser de atenção consciente,
que consiste em
[...] como presença para si mesmo no aqui e agora tanto em nosso vínculo com o
mundo exterior quanto em nossa interioridade psíquica e física. Estar presente
para si mesmo no tempo daquilo que se vive constitui um ganho suplementar não
somente para aprender, mas igualmente para guardar algo (um vestígio, uma
pista) [...] O ser de atenção consciente está, assim, no coração de nosso ser no
mundo e de nossa capacidade de existir, conectado com nós mesmos e com nosso
ambiente humano e natural [...] (JOSSO, 2010, p.75, grifos da autora).
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É preciso estar presente para si para se conhecer, descobrir suas potencialidades, para
aprender com sua narrativa e com sua história de vida, assim como para ter consciência do seu
corpo.
A memória “permite a relação do corpo presente com o passado e, ao mesmo tempo,
interfere no curso atual das representações” (BOSI, 2003, p .36). No entanto, quando “uma
memória embutida no corpo é totalmente cortada da consciência, estamos falando de um trauma.
Esse trauma é entendido como uma experiência encapsulada corporalmente, que se expressa por
sintomas e bloqueia uma lembrança recuperadora” (ASSMANN, 2011, p.25). O trauma então, é
essa memória reprimida, mas que continua presente e reverbera, e que mesmo depois de acessada
ainda se perpetua na forma de cicatriz. Partindo disso pode se pensar o que Mbembe (2018) coloca
sobre a condição do escravo em seu livro “Necropolítica”, na qual há “uma tripla perda: perda de
um ‘lar’, perda de direitos sobre o seu corpo e perda de estatuto político. Essa tripla perda equivale
a uma dominação absoluta, uma alienação de nascença e uma morte social (que é a expulsão fora
da humanidade)” (p.27). A colonização transformou os escravizados em coisas e mercadorias, uma
morte em vida, no qual o sofrimento foi registrado em seus corpos.
O fim da escravidão não modificou o lugar do negro na sociedade, novas formas de
subjugação foram postas. Mbembe nominou como Necropolítica as novas “formas
contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte” (MBEMBE, 2018, p.71), em que as
populações mais vulneráveis tanto geopoliticamente, quanto subjetivamente são alvo da política
da morte. O autor ao discutir as formas contemporâneas da política de morte aborda a lógica do
sobrevivente e a lógica do mártir. No primeiro plano a partir dessa lógica é colocada em prática
que através da morte do outro, os outros são considerados como os inimigos e a morte deste
significa minha sobrevivência de forma que traz um sentimento de segurança. No segundo, o corpo
se transforma em uma arma, no qual o desejo individual de morte está atrelado ao desejo da morte
do outro, ou seja, “a vontade de morrer se funde com a vontade de levar o inimigo consigo, ou
seja, eliminar a possibilidade de vida para todos” (MBEMBE, 2018, p.64). O corpo é então algo sem
sentido em si, uma coisa que só teria poder e valor com base em um desejo de viver eternamente.
Partindo dessa discussão, é possível pensar que os mecanismos do patriarcado na
contemporaneidade operam no modo de uma política de morte, na medida em que o machismo
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Todavia não se pode levar essa distinção entre público e privado como rígida e constante,
ela se modifica conforme a história e o contexto dos sujeitos. No século XX, com a luta das mulheres
pelo voto e principalmente com a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, as mulheres passaram a
ocupar mais espaços dentro da sociedade, assumindo papéis de liderança em suas famílias e
trabalhando em setores das indústrias considerados masculinos. Contudo, com o fim da Segunda
Guerra Mundial, os homens retornaram aos seus lares e as mulheres, por sua vez, tiveram que
retornar as suas funções domésticas. Para esse deslocamento das mulheres de volta ao lar foram
realizadas diversas campanhas durante a década de 1950, expondo a mulher como rainha do lar,
servindo ao marido e aos filhos, sempre doce e gentil, com a casa em ordem, nas palavras da autora
Alves (1981, p. 50):
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ao do homem.
Esta condição feminina eclodiu na década de 1960, em que muitas mulheres foram as ruas,
principalmente nos Estados Unidos, questionar esse papel social destinado a elas, e começaram a
estudar sobre a condição das mulheres na sociedade foi na década de 1980 que surge o conceito
de gênero para analisar os papeis sociais impostos a homens e mulheres. A partir da análise de
gênero então pode se observar que
Outro ponto que deve ser considerado é a questão racial, pois todo o contexto abordado
até então faz referência às mulheres brancas ocidentais. As mulheres negras, quando comparadas
aos demais da população, estão mais vulneráveis, pois além do racismo elas vivenciam o machismo
também. Segundo Kilomba (2012 apud RIBEIRO, 2016, p. 102)
Por não serem nem brancas, nem homens, as mulheres negras ocupam uma
posição muito difícil na sociedade supremacista branca. Nós representamos uma
espécie de carência dupla, uma dupla alteridade, já que somos a antítese de
ambos, branquitude e masculinidade. Nesse esquema, a mulher negra só pode ser
o outro, e nunca si mesma. [...] Mulheres brancas tem um oscilante status,
enquanto si mesmas e enquanto o “outro” do homem branco, pois são brancas,
mas não homens; homens negros exercem a função de oponentes dos homens
brancos, por serem possíveis competidores na conquista das mulheres brancas,
pois são homens, mas não brancos; mulheres negras, entretanto, não são nem
brancas, nem homens, e exercem a função de o “outro” do outro.
Esse não-lugar que coloca a mulher negra em situação de solidão e violência tem suas
bases no período colonial, pois os seus corpos foram sexualizados e ao mesmo tempo considerados
como fortes, capazes de suportar dor, o que faz com que ainda hoje sofram violência obstétrica e
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Se o corpo é uma linguagem, que nos possibilita ser-no-mundo, a partir das vivências
corporais que tem potencialidades de consciência de si, de ressignificação, mas que também pode
subverter a lógica de dominação dos corpos, ao proporcionar uma experiência corporal, uma
história que passa pelo corpo, que é corpo.
O “EU tem um corpo” (JOSSO, 2012, p. 25, grifo da autora), que seria algo que demanda
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manutenção, seja em relação a saúde ou estética, para um “EU é um corpo ou do Eu-corpo” (JOSSO,
2012, p. 25, grifo da autora), que transforma nossas representações sobre nós mesmos e com isso
a nossa relação com nós mesmos. Processo que impede a descoberta das mulheres em sua
profundidade, com uma “atenção consciente ao corpo-que-eu-sou me informa a seu modo sobre
a situação de meu ser e de seu vir-a-ser” (JOSSO, 2012, p. 27, grifo da autora).
Ao passo que esse movimento contribui para que uma recordação se torne símbolo, ao
possibilitar um “trabalho interpretativo retrospectivo em face da própria história de vida e situado
no contexto de uma configuração de sentido particular” (ASMANN, 2011, p. 275). Poder significar
é importante para a autodeterminação, para que se possa interpretar as recordações e narrar sua
história de vida formando um sentido, que é o ponto principal de uma identidade (ASSMANN,
2012), que justamente adquire seu “sentido por meio da linguagem e dos sistemas simbólicos pelas
quais elas são representadas” (WOODWARD, 2014, p. 8). As narrativas de memórias são uma das
formas simbólicas que as identidades podem ser comunicadas. E o trauma, como apontado por
Assmann (2011, p. 283) “é a impossibilidade da narração”.
Voltando a pergunta, poderíamos pensar que as construções sócio-históricas dos papéis de
gênero colocam as mulheres em uma situação de vulnerabilidade em relação aos homens, e
principalmente as mulheres negras, na medida em que esses papéis operam como mecanismos de
poder no patriarcado que visam disciplinar as mulheres, através de seus corpos nas formas em que
estas devem ser-no-mundo, como por exemplo os padrões de beleza e corporal impostos as
mulheres, as maneiras de se comportar como não sentar com as pernas abertas, o que vestir, locais
a frequentar, e a própria prática de feminicídio, entre outros, que impede o pleno acesso e direito
das mulheres enquanto cidadãs e seres humanos. Será que isso poderia se enquadrar no que
Mbembe aponta como Necropolítica, o patriarcado promoveria políticas de morte sobre as
mulheres?
Além disso, considerando que o patriarcado incide sobre a cultura, e que esta “é uma
complexa teia de significados para dar sentido e sustentação à vida humana” (WESTPHAL 2017,
p.217), na qual a espiritualidade seria um dos seus fundamentos, ao lado da imaterialidade como
“teia de significados e sentidos” (WESTPHAL, 2017, p.218). Poderia se dizer que o aspecto religioso,
principalmente no que tange ao cristianismo, uma vez que o corpo é tido como de Deus, um templo
que deve ser imaculado, e, portanto, intervenções como tatuagens, roupas ditas “provocantes”,
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cabelo curto ou com coloração, podem ser interpretadas como um corpo entregue ao pecado
assim como um corpo que vive sua sexualidade, ou também no caso de pessoas trans, que estariam
desmaculando um corpo sagrado. Aqui é preciso pontuar também como o signo feminino em
corpos trans se torna vetor para a violência sofrida dessas pessoas.
O patriarcado, assim como a espiritualidade são sistemas de pensamentos que estão
presentes na cultura, e tais sistemas formam o “mundo simbólico e às relações sociais”
(WESTPHAL, 2017, p.216). Dito isso, será que o discurso religioso funciona como uma justificação
para a violência, para uma política de morte sobre os corpos que transgridam as regras religiosas?
Ele seria um vetor que potencializa as práticas de poder do patriarcado?
Considerações finais
Estas são reflexões iniciais instigadas a partir das aulas e textos expostos na disciplina de
Estudos Avançados em Memória, Linguagem e Identidade, que pretendo desenvolver e aprofundar
ao longo da tese. O projeto de Tese visa abordar o corpo biográfico de mulheres, para tal
pretendemos discutir as questões de gênero, da categoria mulher e feminino, a história do corpo
para compreender se as mulheres ao narrar suas histórias pensam sobre os seus corpos, de que
forma pensam, de que maneira essas construções de gênero impactam em seus corpos e logo em
suas memórias, identidades e subjetividades, e se elas teriam consciência disso.
Ademais a pesquisa articulará as discussões de gênero, identidade, memória, subjetividade,
linguagem e corpo biográfico com as discussões que o grupo de pesquisa vem desenvolvendo
acerca do patrimônio (em) comum.
Sendo assim o presente texto se apresenta como uma reflexão inicial de possíveis caminhos
e discussões que podem ser desenvolvidos ao longo da caminhada de tese.
REFERÊNCIAS
BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. São Paulo: Ateliê Editorial,
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
2003.
CANDAU, Joel. Memória e Identidade. São Paulo: Contexto, 2011. Tradução de: Maria Leticia
Ferreira.
GOMES, Nilma Lino. Nos contornos do corpo. In: GOMES, Nina Limo. Sem perder a raiz: corpo e
cabelo como símbolos da identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. p. 249-293.
JOSSO, Marie-Christine. Experiências de vida e formação. Natal: UFRN; São Paulo: Paulus, 2010.
JOSSO, Marie-Christine. O corpo biográfico: corpo falado e corpo que fala. Educação &
Realidade, Porto Alegre, v. 37, n. 1, p. 19-31, abr. 2012.
KAUR, Rupi. Meu corpo minha casa. São Paulo: Planeta, 2020. Tradução de Ana Guadalupe.
MBEMBE, Achille. Necropolítica, São Paulo, 2018.
MILES, Rosalind. A história do mundo pela mulher. Rio de Janeiro: Casa Maria, 1989.
PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica.
História, São Paulo, v. 24, n. 1, p.77-98, jan. 2005.
RAGO, Luiza Margareth. Do cabaré ao lar: e utopia da cidade disciplinar e a resistência anarquista
Brasil 1890 – 1930. Rio de janeiro: Paz e terra, 1985.
RIBEIRO, Djamila. Feminismo negro para um novo marco civilizatório. In, Sur - Revista
Internacional de Direitos Humano SUR 24-v.13 n.24, 99-104, 2016
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Introdução
20
Acadêmico de Licenciatura em História da Univille (Universidade da Região de Joinville). É bolsista do Prouni
(Programa Universidade para Todos) – financiado pelo Ministério da Educação –, bolsista do PIBIC (Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) do CNPq e voluntário do Programa de Residência Pedagógica
promulgado pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Também foi
bolsista da CAPES pelo Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência). Currículo lattes:
lattes.cnpq.br/2738602230109838. E-mail: gabriel28_oliveira@hotmail.com.
21
Professora do Programa de Pós-graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade e do curso de graduação
em Psicologia da Univille (Universidade da Região de Joinville). Possui doutorado em Engenharia de
Produção, mestrado em Sociologia Política e graduação em Serviço Social pela UFSC (Universidade Federal
de Santa Catarina). Currículo lattes: lattes.cnpq.br/8813616332452541. E-mail: mariluci.carelli@gmail.com.
22
Professora do Programa de Pós-graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade e do Curso de História da
Univille (Universidade da Região de Joinville). Possui doutorado e mestrado em História Econômica pela USP
(Universidade de São Paulo) e graduação em História pela UFF (Universidade Federal Fluminense). Currículo
lattes: lattes.cnpq.br/5410201062168341. E-mail: rbmeira@gmail.com.
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pela Professora Doutora Mariluci Neis Carelli. Ademais, esse projeto também fez parte dos grupos
de pesquisa intitulados “Cultura e Sustentabilidade” e “Estudos em circulação de saberes, natureza
e agricultura”, todos coordenados por Carelli e pela Professora Doutora Roberta Barros Meira. Esses
dois grupos de pesquisa integram o LAPArq (Laboratório de Arqueologia e Patrimônio
Arqueológico), que está localizado no Campus Bom Retiro da Univille (Universidade da Região de
Joinville) e é coordenado pela Professora Doutora Dione da Rocha Bandeira.
O projeto de Iniciação Científica em questão possuiu como objetivo de pesquisa discutir as
práticas alimentares e gastronômicas relacionadas às Empadas Jerke e ao seu principal produto, que
são as empadas de massa folhada. Foi iniciado no ano de 2022 e findou em 2023. Esteve adentrado
na disciplina de História com a colaboração da interdisciplinaridade. Sendo assim, nesse trabalho
serão exibidos um recorte dos resultados da pesquisa, mas antes será necessário contextualizar os
métodos empregados, a começar pela seção “Metodologia: da revisão de literatura à análise de
entrevistas”. Em seguida haverá a discussão dos resultados por meio de duas seções sequenciais,
respectivamente intituladas “O caso dos elementos alimentícios e do “sino de stammtisch”” e “O
caso do forno a lenha”.
Portanto, será observado, a partir de narrativas orais, como as práticas alimentares e
gastronômicas estão configuradas por materialidades e imaterialidades, e que essa última antecede
as próprias razões de usos da primeira. O imaterial, nesse caso, não é algo apartado da
materialidade, assim como também não está objetivamente arraigado nele, pois os exercícios
culturais são os responsáveis em manipular a materialidade nos fins de culturalmente adaptá-los
imaterialmente.
Para o projeto de pesquisa, os métodos visados foram revisão bibliográfica (que acabou se
tornando, na prática, em revisão de literatura), produção fotográfica, pesquisa documental e
História Oral. A justificativa do uso da revisão de literatura é que absolutamente toda pesquisa
científica, independentemente de sua área – como, por exemplo, Ciências Humanas, Ciências da
Saúde, Ciências Exatas e da Terra e Engenharias –, deve estar ancorada nela. Em outras palavras,
esse método antecede todos os outros métodos de pesquisa. Nesse assunto, o desenvolvimento da
pesquisa contou com análises de livros, capítulos de livros organizados, artigo de periódico e
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dissertação de mestrado. Para esse trabalho será revelado apenas um pequeno recorte dessa
revisão de literatura: Ilanil Coelho (2005); José Carlos Sebe B. Meihy e Leandro Seawright (2021);
Massimo Montanari (2008); Jean-Pierre Poulain e Rossana Pacheco da Costa Proença (2003).
A revisão de literatura circundou todo o trajeto da pesquisa, dado que ela não se constituiu
como uma primeira etapa que se encerrou após a aplicação da História Oral. Nessa situação, a
revisão de literatura foi concomitante a outros métodos e integralmente presente. Ademais, a
mudança de revisão bibliográfica à revisão de literatura se dá pelo fator de que a primeira envolve
apenas livros, capítulos de livros organizados e artigos de periódicos, enquanto a revisão de
literatura se baseia, além dessas já mencionadas, em monografias de graduação, dissertações de
mestrado, teses de doutorado e anais de evento.
Em parte dessa revisão de literatura foram utilizados fichamentos como instrumentos de
organização, análise e sistematização. Os fichamentos produzidos têm cabeçalho e três colunas. A
coluna central é onde ficam os excertos selecionados. Na coluna da esquerda há a paginação dos
excertos selecionados. Na coluna da direita ficam os comentários do excerto selecionados, como as
análises/considerações autorais, sistematizações das ideias do(s) autor(es) e a constatação dos
métodos operados pelo(s) autor(es) para basear(em) as suas ideias.
No que se refere a pesquisa de campo, a metodologia principal foi a História Oral, que
resultou, através da colaboração de três participantes de pesquisa/entrevistados, em três
entrevistas diferentes. Por se tratar de um método que envolve a pesquisa com seres humanos, foi
imprescindível, antes da realização das entrevistas, a aprovação do CEP/Univille (Comitê de Ética da
Universidade da Região de Joinville). Assim sendo, o projeto foi submetido a esse comitê pela
Plataforma Brasil, que acabou recendo o seguinte CAAE (Certificado de Apresentação de Apreciação
Ética): 65308422.6.0000.5366. O projeto foi aprovado em 19 de dezembro de 2023, para que a
pesquisa por narrativas orais fosse viabilizada.
Nessa questão, a História Oral é um método de registro de memórias de expressão oral, na
transformação delas em fontes de pesquisa. Apesar disso, não se pode concebê-lo como uma
prática simples de comunicação social, pois esse método conta um tradicional percurso de
desenvolvimento após a criação de projeto de pesquisa: elaboração de roteiro – que já foi
antecipadamente feita para a submissão do projeto; realização da entrevista; transcrição; análise
da entrevista. Os roteiros elaborados para o projeto em pauta foram reformulados e conforme as
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novas questões que emergiram no decorrer da pesquisa, especialmente no que se trata da trajetória
individual dos potenciais participantes de pesquisa.
Além disso, a produção fotográfica e a pesquisa documental foram mobilizadas para
contribuir pela História Oral. Isso significa que esses dois primeiros métodos de pesquisa não foram
os métodos de pesquisa de campo principais, porque apenas serviram de colaboração à principal
metodologia, a já mencionada História Oral. A produção fotográfica foi realizada dentro do
estabelecimento das Empadas Jerke e em seu exterior – essa última especificamente da fachada.
Foi utilizada uma câmera fotográfica profissional, emprestada do LHO/Univille, para a aplicação
desse método. A pesquisa documental, por sua vez, consistiu em análises de uma gravação
audiovisual da Terceira Sessão Especial de 2022 da Câmara de Vereadores de Joinville. Foi utilizado
uma ficha de análise para o estudo desse material, com a colaboração da revisão de literatura.
O primeiro entrevistado foi Ronaldo Eduardo Jerke, filho dos fundadores das Empadas Jerke
– Carlos Guilherme Jerke e Carlota Jerke. O segundo entrevistado foi Paulo Roberto Jerke, neto dos
fundadores, enquanto o terceiro entrevistado foi Carlos Eduardo Jerke. Somando as três entrevistas,
houve um total de 09 horas, 47 minutos e 55 segundos de áudios gravados. Foi utilizado gravador
de áudio profissional, também emprestado do LHO/Univille, para a realização das entrevistas.
Lançou-se mão também do celular pessoal do graduando para a gravação da entrevista, para
assegurar a gravação das entrevistas mesmo diante de um problema que pudesse ocorrer no
gravador de áudio profissional.
É relevante dizer que a gravação de História Oral não precisa ser realizada exclusivamente
pelo material exclusivamente audível. Nesse assunto, também pode-se utilizar de câmeras de vídeo
para captar não somente o oral, mas também as imagens dos entrevistados, entrevistadores e o
próprio ambiente físico da entrevista. Contudo, a pesquisa em questão se baseou apenas em
material audível.
De mais a mais, houve união das discussões de Meihy e Seawright (2021) com as de Poulain
e Proença (2003). A mescla das discussões desses quatro autores é para conciliar a História Oral,
enquanto método específico e autônomo de pesquisa por entrevistas, com a metodologia de
pesquisa das práticas alimentares. Essa última conta com diversos métodos, na qual uma delas é a
entrevista. Porém, na situação de que Poulain e Proença (2003) não mobilizaram a discussão da
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metodologia da História Oral, foi visto como promissor unir essa metodologia com a metodologia
de pesquisa das práticas alimentares.
Atinente a transcrição das entrevistas, foi utilizado o software Microsoft Word para a
efetivação disso. Todavia, só foi possível realizar a transcrição completa dos dois primeiros
entrevistados, porque a transcrição da entrevista do terceiro entrevistado ainda está a ser
finalizada. Nessa circunstância, houve, até o momento, a produção de 123 laudas de transcrição, na
inclusão dos cabeçalhos e dos anexos.
Outrossim, na transcrição foram utilizados os métodos de textualização e transcriação.
Conforme Meihy e Seawright (2021), a textualização é fazer com que a transcrição fique coesa e se
ancore na lógica da escrita: converter o falado na lógica do grafado. Transcriação, por seu turno, é
a intervenção criativa e inventiva do transcritor da entrevista: ele, ao desejar ressaltar mais as ideias
presentes na entrevista do que as meras palavras mencionadas, pode utilizar de elementos que
caracterizem a transcrição de acordo com o que ele deseja comunicar. Para tanto, é obrigatório o
consentimento ético dos participantes de pesquisa para o uso da transcriação.
Quanto às análises das entrevistas, não foi criado, nesse momento, um instrumento formal
de análise para o estudo minucioso das entrevistas, algo que demanda várias horas de elaboração.
Entretanto, foi possível, do mesmo modo, realizar a discussão dos resultados de pesquisa. Essa
discussão ancorou-se, também, em revisão de literatura. Para esse trabalho, haverá apenas uma
curta exposição de tais discussões, pelo motivo de que se pretende de que as mais aprofundadas e
expandidas sejam comunicadas em artigos de periódicos e capítulos de livro.
23
Para esse trabalho, o termo “Empadas Jerke” (com a primeira palavra em inicial maiúscula) significa o
estabelecimento comercial em pauta, enquanto o termo “empadas Jerke” (com a primeira palavra em inicial
minúscula) significa a própria empada de massa folhada do estabelecimento.
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é explanado no próprio título são elementos alimentícios, enquanto o segundo é um elemento não
alimentício.
A menção dos elementos alimentícios ocorreu logo na entrevista com Ronaldo Eduardo
Jerke24:
[G.H.D.O.F.]: Na Rua Dr. João Colin, quando houve a inauguração das Empadas
Jerke, era um dos poucos comércios que existiam por lá, porém, com o tempo, foi
surgindo outros comércios e outros lugares. Hoje há o Shopping Mueller e o
Shopping Cidade das Flores. Esses são locais de alimentação. O senhor acredita que,
diante de tudo isso, as Empadas Jerke perderam freguesia com esses novos
comércios?
[R.E.J.]: Não! Ao contrário, aumentou. Nós tínhamos uma freguesia selecionada e
muito boa. Essa freguesia mantinha a tradição de ir às Empadas Jerke todos os dias.
Inclusive, cada um desses fregueses tinha a sua própria cadeira. Eles tinham até os
seus copos para beber cerveja. Eles não enchiam de cerveja o copo do outro. Cada
um tinha o seu próprio copo. Isso é tradição da Alemanha, que é o stammtisch.
Cada um tomava a sua cerveja em seu próprio copo. Tomavam um ou dois copos
de cerveja e iam embora. [...].
Pelas narrativas apresentadas acima, observa-se que a prática cultural do stammtisch, que é
uma prática de sociabilidade que se imagina alemã e teuto-brasileira, possui vínculo com a cerveja
e o chope. Essa prática, nesse caso, esteve presente na trajetória mais antiga das Empadas Jerke e
continua perpétua até os dias de hoje, porém com transições e rupturas que a desvaneceram no
tempo.
A prática do stammtisch é algo explicado, e duas vezes, pelo segundo entrevistado25 (quando
houve a adaptação de roteiro que incluiu várias questões baseadas no stammtisch):
24
“G.H.D.O.F.” são as iniciais do nome do entrevistador (Gabriel Henrique de Oliveira Furlanetto), enquanto
“R.E.J.” são as iniciais do nome do primeiro entrevistado (Ronaldo Eduardo Jerke).
25
“P.R.J. são as iniciais do nome do segundo entrevistado (Paulo Roberto Jerke).
26
O terceiro entrevistado apresentou o significado da palavra: “stammtisch” significa “mesa cativa”.
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Outro caso é o da recepção dos sabores na trajetória das Empadas Jerke. O filho do fundador
disse que (para a sua individualidade), quando as empadas eram produzidas com o uso do forno a
lenha, elas tinham um sabor superior em suas propriedades gustativas. No entanto, seus dois filhos
entrevistados dizem que isso não procede. O contexto é a transição de um forno a outro durante a
trajetória das Empadas Jerke. No percurso mais antigo, o forno era a lenha. A questão está presente
pela seguinte narrativa:
mais o mesmo. Por meio do forno a lenha, a melhor coisa é você comer um marreco
assado, diferente de comer uma carne dessa por meio do forno a gás. O tijolo
mantém mais calor. Tudo que é feito no forno a lenha é melhor.
Quando o segundo entrevistado, um de seus filhos, é interpelado quanto a essa questão, ele
apresenta a seguinte narrativa:
Como se pode ver, Paulo R. Jerke racionalizou o sabor das empadas Jerke ao não vincular o
seu sabor à materialidade do forno, independente de qual seja. A imaterialidade disso se concentra
na afetividade que Ronaldo E. Jerke possui com os tempos mais remotos do estabelecimento, algo
explícito em toda a conjuntura dos resultados de sua entrevista.
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Considerações finais
REFERÊNCIAS
JERKE, Paulo Roberto. Paulo Roberto Jerke: entrevista de História Oral [20 maio 2023].
Entrevistador: Gabriel Henrique de Oliveira Furlanetto. Joinville. Transcritor: Gabriel Henrique de
Oliveira Furlanetto. Data de finalização da transcrição: 22 ago. 2023.
JERKE, Ronaldo Eduardo. Ronaldo Eduardo Jerke: entrevista de História Oral [23 mar. 2023].
Entrevistador: Gabriel Henrique de Oliveira Furlanetto. Joinville. Transcritor: Gabriel Henrique de
Oliveira Furlanetto. Data de finalização da transcrição: 23 maio 2023.
MEIHY, José Carlos Sebe B.; SEAWRIGHT, Leandro. Memórias e narrativas: história oral aplicada.
São Paulo: Contexto, 2021.
MONTANARI, Massimo. Comida como cultura. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008.
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Introdução
Justificativa
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(ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV)” (BRASIL, 2020)
e ainda assim festejamos o carnaval. Era 11 de março de 2020, ainda varríamos a purpurina das
calçadas, quando a Organização Mundial da Saúde elevava a Covid-19 da classificação de
contaminação para pandemia (UNA-SUS, 2020), muitos países decretaram confinamentos e
passamos a experimentar um dos períodos mais sombrios este século. Uma geração que acreditava
ter superado quase todas as barreiras da natureza por meio da ciência, se viu refém desse ser
imperceptível a olho nu, mas que deixou, somente no Brasil, mais de 700.000 mortos27 (BRASIL,
2023).
Uma atmosfera de pânico se instalou entre nós. Além do impacto imediato provocado pela
doença, os que não foram obrigados a lidar com o luto repentino, ou as sequelas dessa
enfermidade, lidaram com a impossibilidade de coletivizar e em casos mais críticos perderam suas
fontes de renda, o que fez somar ao confinamento a preocupação pela próxima refeição, um corpo
com fome buscará sanar antes da falta de sanitariedade, a falta de alimento; ressalta-se que quase
“35 milhões de pessoas no Brasil vivem sem água tratada e cerca de 100 milhões não têm acesso
à coleta de esgoto” (BRASIL, 2022).
Buscando resguardar a saúde, os que tiveram o privilégio de se proteger no íntimo de suas
residências, procuraram de muitas maneiras preencher o tempo com diversas atividades, para que
ainda que de forma momentânea, protegessem suas mentes do caos e afastassem as incertezas.
Uma prática que ganhou destaque foi o cultivo de plantas. Ainda que de forma despretensiosa,
essas pessoas se expuseram a vários benefícios pelo contato com a terra e a ciência já aponta isso
tem algum tempo:
27
atualizado em 04.04.2023, disponível no site https://covid.saude.gov.br/.
126
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A busca pela conexão com a natureza através do cultivo e contato com as plantas não
é novidade. Seja acolhendo a agonia mortal de Jesus em Getsêmani (Mt 26, 36) ou presenteando
a pessoa amada como teriam sidos os Jardins Suspensos da Babilônia (ZAIDAN; FELIPPE, 2008), as
plantas exercem seu protagonismo para além do uso alimentício há milênios,
28
Texto original: “Escape, nostalgia, wordly ambition, and wordly exhaustion have all been excuses
throughout the long history of garden-making. These human emotions, often masked in myth, religion, and
ritual, not to mention our garden variety psychic needs, give gardening a dimension of interest that goes far
beyond plant lists, soil conditions, and the vagaries of the weather.”
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a necessidade de investigação por parte da academia. Ressaltando que os impactos tanto positivos
quanto negativos vivenciados durante a pandemia de Covid-19 são irrepetíveis e as experiências
que foram vividas paralelas a este momento também o serão.
Problema
A pandemia da Covid-19 gerou uma crise mundial sem precedentes, ainda que a
humanidade já tenha sido assolada por outras pandemias, o contexto deste momento trouxe
situações muito particulares. Numa atualidade onde se trabalha, estuda e diverte
predominantemente por meio de dispositivos eletrônicos, que são causadores de ansiedade, a
privação dos mínimos contatos interpessoais que ainda aconteciam através de atividades como
reuniões de trabalho, rotinas educacionais, happy hour e prática de esportes, foi devastadora.
Mesmo com o isolamento e incerteza do futuro, dentre os que tiveram a oportunidade de seguir
sua rotina de maneira remota, muitos buscaram alguma atividade que pudesse proporcionar alívio
emocional e uma delas foi a jardinagem, que mais do que um passatempo, proporcionou no revolver
da terra: regulação das emoções e o equilíbrio dos pensamentos. Há tempos que os jardins têm
desempenhado um papel fundamental como catalisadores de transformações internas, na idade
média os jardins “[...] serviam de refúgio espiritual, de escape aos medos e dúvidas que assolavam
a alma e o corpo”29 (ADAMS 1991, tradução própria). Neste contexto, surge a seguinte questão:
Como a construção de paisagens internas na experiência prática de jardinagem impactou a
promoção de bem-estar e nas narrativas sobre a pandemia da Covid-2019?
A resposta a essa pergunta será valiosa e dará voz a narrativas desse recorte ímpar da nossa
história, a pesquisa poderá contribuir para o reconhecimento do cotidiano como patrimônio
cultural, destacando a importância da vida doméstica outrora entendida como lócus de rotinas
banais, cotidianos menos valorizados socialmente – vide os estereótipos depreciativos destinados
às donas de casa e aos trabalhadores domésticos, mas que agora se apresenta como berço da
prática em análise, uma vez que é palco das narrativas que serão aqui tratadas.
Objetivo Geral
29
Texto original: “Gardening was a significant part of the early Christian monastery, serving as a spiritual refuge and
an escape from besetting fears and doubt that assailed both the body and soul.”
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Objetivos Específicos
Revisão de Literatura
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Além das Regras e Regulamentos - Qual espaço é aberto dentro da ciência do Patrimônio
para os marcos vividos no interior das habitações? Canclini (2000) escreveu no início deste milênio
que decorriam poucos anos que se teriam iniciado os estudos da teatralização da vida cotidiana.
As paredes que são protegidas pelos processos de tombos, testemunharam mais do que técnicas
construtivas com o emprego de materiais que hoje estão indisponíveis para uso - vê-se pelo
supracitado processo do Registro da Tava - é na vida doméstica que se formam os agentes que
transformam a sociedade de onde surgem os marcos que virão a ser patrimonializados.
Utilizando-se da explicação de Poulot (2009), entende-se patrimonialidade como a
condição íntima e afetiva do patrimônio, onde a experiência e a materialidade daquilo que gera
identificação ocupam o “[...] âmago das consciências individuais.” (POULOT, 2009). E pela fala
deste mesmo autor, evidencia-se a preferência dos cânones sobre as realidades sutis, ao expor o
anseio europeu em estender as ações de preservação para os bens de realidade íntima no período
após as grandes guerras, apresenta uma postura crítica, indicando uma conduta pouco criteriosa
quanto ao processo burocrático:
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Ora, acompanhar a trajetória humana lhe confere uma essência que a faz ser muito mais
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do que uma moldura de belas histórias. Há uma alma que vive através de seus elementos - tangíveis
e intangíveis - e que ganha mais significado através dos enredos que estes espaços
testemunharam. Partindo desse princípio que em sua 16ª Assembleia Geral somada aos festejos
dos 400 anos da cidade de Québec no Canadá, o ICOMOS publica a Declaração de Québec - Sobre
a preservação do “Spiritu loci”, onde de forma objetiva e sem abrir mão da poesia, discorre sobre
o Espírito do Lugar e deixa claras recomendações sobre a preservação desse bem (ICOMOS, 2008).
Não é recente a sensação das consequências do distanciamento da rotina com as paisagens,
as rotinas laborativas contemporâneas encapsularam cotidiano em caixotes de vidro e concreto.
Ainda que estudos mostrem a ação das plantas até na purificação do ar desde a década de 1980
(NASA, 1989), foi necessário um isolamento social de nível mundial, para fazer as pessoas notarem
a falta das paisagens em seu dia-a-dia. Com isso passasse a ver com mais frequência a formação
de paisagens internas, espaços construídos para apreciação e qualidade de vida dentro das
habitações. Assim como os espaços citados anteriormente, estes também foram concebidos sob
poesia ora lírica, ora melancólica e no silêncio que povoou estes anos, verdadeiras florestas
urbanas em escala residencial foram plantadas.
Com isso, esse saber multifacetado que são as construções e vivências das paisagens abre
um novo capítulo. E assim como se captou o espírito dos lugares que emolduraram memórias
ancestrais, começa-se a notar o Spiritu Locus, também deste lado da história.
Metodologia
Para responder à questão que nasceu na intimidade das moradas, há que se pedir licença
para visitar essas histórias, escutar estes sujeitos e dar palco aos protagonistas. Uma vez que essa
produção se ancora em um espaço de tempo muito singular, entende-se que métodos sistemáticos
podem fazer perder o detalhe onde mora o subjetivo. E será a luz da compreensão segundo Paul
Ricoeur que essa pesquisa caminhará rumo aos seus objetivos.
Ricoeur (2010) traz em sua obra o conceito de Jogos do Tempo, que elucida entre várias
ideias, a de que enunciações assumem diferentes papéis dependendo do tempo verbal em que são
apresentadas.
Sob essa perspectiva, Ricoeur (2010) explica que Narrativa abarca necessariamente
enunciações passadas, excluindo falas do presente e futuro, ao revés de Discurso que exclui o
passado e inclui o presente, futuro e o perfeito.
Como forma de compor o corpo de entrevistados, será feita a captação através do Método
Bola de Neve, onde será proposto aos primeiros entrevistados a recomendação do projeto de
pesquisa para pessoas de seu convívio que passaram experiências parecidas (VINUTO, 2014). Para
participar será exigido que o entrevistado:
Serão feitas entrevistas orais comuns, presenciais e semi-estruturadas, suas falas serão
gravadas e posteriormente transcritas.
Resultados Esperados
● Divulgação científica do tema – produção, submissão e publicações de artigos científicos
em eventos e periódicos qualificados;
● Fomento do debate do tema de Paisagens Internas nos campos do Patrimônio Cultural e
da Pesquisa (auto)biográfica;
● Produção de acervo empírico para estudos sobre as vivências da Pandemia da Covid-19;
● Produção de uma dissertação e obtenção do título de mestre ao fim da produção.
REFERÊNCIAS
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução dos Monges de Maredsous e revisada por Frei João
José Pedreira de Castro O.F.M. São Paulo: Editora Ave Maria, 2005, 56ª Edição.
BRASIL. Paulo Sérgio Vasco. Senado (org.). Estudo aponta que falta de saneamento prejudica
mais de 130 milhões de brasileiros. 2022. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2022/03/estudo-aponta-que-falta-d e-
saneamento-prejudica-mais-de-130-milhoes-de-brasileiros. Acesso em: 15 abr. 2023.
CANCLINI, Nestor García. Culturas Híbridas. 3. ed. São Paulo: Usp, 2000.
COSTA, Sandra Liliana Cardoso da. O Jardim Como Espaço Terapêutico: história, benefícios e
princípios de desenho aplicados à hospitais. 2009. 154 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de
Planeamento e Projecto do Ambiente Urbano, Universidade do Porto, Porto, 2009.
DELPHIM, Carlos Fernando de Moura. O Patrimônio Natural no Brasil. In: SANDRA DE CÁSSIA
ARAÚJO PELEGRINI; RAMBELLI, Gilson; FUNARI, Pedro Paulo A. Patrimônio cultural e ambiental:
Questões legais e conceituais. [Campinas, Brazil]: UNICAMP/NEPAM, 2009. 245 p.
EVANS, Fernando; PACÍFICO, Fernando. Mercado de flores 'renasce' durante pandemia e projeta
faturamento 5% maior em 2020. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/campinas-
regiao/noticia/2020/11/08/mercado-de-flores-renasc e-durante-pandemia-e-projeta-
faturamento-5percent-maior-em-2020.ghtml. Acesso em: 07 abr. 2023.
FEITOSA, V.A.; CABRA, S.A.A.O.; ALENCAR, M.C.B.; UCHOA, S.A.O.; SILVA, H.M.L. A horticultura
como instrumento de terapia e inclusão psicossocial. Revista Verde, v.9, n.5, p.7-11, 2014.
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Saint Louis: MS NASA/1989. Disponível em
https://ntrs.nasa.gov/api/citations/19930073077/downloads/19930073077.pdf. Acesso em 27
set 2023.
POULOT, Dominique. Uma História do Patrimônio no Ocidente. São Paulo: Estação Liberdade,
2009. 240 p.
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RIEGL, Alois. O Culto Moderno dos Monumentos. São Paulo: Editora Perspectiva, 2014.
RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem Cultural e Patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN, 2007. 152 p.
ISBN 9978-85-7334-054-9.
ZAIDAN, Lilian Penteado; FELIPPE, Gil. Do Éden ao Éden: jardim botânico e a aventura das
plantas. São Paulo: Senac, 2008.
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Introdução
Preâmbulo da comissão
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associado, com frequência, à resolução de casos onde houve abusos e crimes de guerra e contra a
humanidade.
O conflito em Serra Leoa assemelha-se a outros ocorridos na África Ocidental, uma das
regiões com os piores índices de desenvolvimento humano do planeta. Paradoxalmente, esta região
possui grande riqueza natural, tipificada em minério, especialmente ouro e diamante, madeiras
nobres e petróleo. Assim como outras nações africanas, o subdesenvolvimento e pobreza estão
associados à herança colonial. O sistema colonial infligiu intensamente no desenvolvimento de
povos e etnias em diferentes estratos e áreas (Mignolo, 2017; Krenak, 2015, Fanon 2005). Serra
Leoa, de histórico colonizado inglês, galgou sua independência na década de 1960 e posteriormente,
passou mais de 20 anos sob o regime autoritário centrado na figura de Siaka Stevens; seu sucessor,
Joseph Momoh, não obteve a estabilidade política e econômica de seu antecessor, assim, passou a
sofrer diversas acusações e pressões para sua saída do poder, de modo que o clímax da crise foi o
início de uma guerra civil em 1991 (Bevernage, 2011; Valença, 2006). O conflito em Serra Leoa teve
diversas fases, que incluíam: putsch político-militares, tréguas, guerra de guerrilhas e atos
terroristas. O conflito serra-leonino, assim como outros da região, tiveram o uso de crianças-soldado
(Bevernage, 2011; Correia, 2013), amplas investidas militares sobre civis, e nesse caso, o
componente étnico foi seminal. É necessário pontuar aqui que, ainda que diversos conflitos
ocorridos nos continentes africano e asiático nos últimos dois séculos tivessem como estopim
querelas político-social e ideológica, o componente étnico teve profunda influência. Seria possível
citar diversos eventos como: o massacre de Ruanda, a guerra civil em Angola, a investida dos
ugandenses contra a presença indiana, todos estes impulsionados em grande medida por disputas
étnicas. Essa característica também é parte da herança colonial. Os colonizadores classificavam
“raças” e etnias e, a partir delas, estruturavam o modelo colonial. Tal organização tensionou ainda
mais a relação entre grupos, que vieram a se digladiar ainda mais, posteriormente à saída dos
colonizadores.
Em Serra Leoa, o fator étnico levou a violentas investidas contra civis, amiúde foram os casos
de estupros, amputação de membros, execuções. A intensidade da violência fugiu do controle,
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havendo com isso a intervenção do ECOMOG30 (Economic Community of West African States
Monitoring Group) em 1998 e no ano seguinte de tropas da ONU (Organização das Nações Unidas),
que vieram por conta do atentado ao prédio da ONU por parte de um dos grupos combatentes em
Serra Leoa (Valença, 2006).
O conflito terminou com o acordo de paz de Abuja (Nigéria) no ano 2000. Nesse acordo ficava
estabelecido o cessar-fogo imediato e as tratativas do estabelecimento de um governo provisório,
bem como da instalação de uma comissão da verdade e reconciliação nacional e uma corte especial
para julgar crimes de guerra e contra os Direitos Humanos (Bevernage, 2011). A guerra teve seu fim
oficialmente declarado em 2002. O resultado do conflito foi um país arrasado, com parte
significativa da capacidade produtiva nacional solapada. Gellmann traz alguns dados do conflito:
From 1991 to 2002, it was consumed by a civil war notorious for its brutality, with
widespread sexual violence, recruitment of child soldiers, and amputation used as a fear
tactic. Nearly half the total population – approximately 2.6 million people – was internally
displaced; upwards of 70,000 people were killed; and substantial infrastructure was
destroyed. Some of the driving factors of conflict in Sierra Leone included power struggles
over access to diamond revenues, societal frustration over unequal access to insufficient
resources such as education, water, sanitation, and electricity, and the
disenfranchisement of youth. (GELLMAN, 2016, p.141)
Com o fim do conflito, ergueu-se a bandeira de reconstrução de Serra Leoa, mas para isso,
seria necessário deixar o passado no “passado” segundo o governo do período (Bevernage, 2011).
A Comissão da Verdade e Reconciliação de Serra Leoa (Truth and Reconciliation Commission for
Sierra Leone - TRC) seria um dispositivo para alcançar um novo país e deixar os traumas da guerra
no passado.
A constituição da TRC teve grande influência da experiência da comissão da verdade e
reconciliação sul-africana no pós-apartheid, na década de 1990 (Tricário, 2019); exemplo disso foi a
visita do arcebispo anglicano Desmond Tutu para a TRC e, assim como na comissão da África do Sul,
a presidência da TRC foi chefiada por uma figura religiosa, o bispo metodista Joseph Mumber (TRC,
2004). À luz dessas características, percebe-se a estreita relação entre a TRC com os valores cristãos.
30
A força de operação do ECOMOG foi basicamente constituída de tropas nigerianas, sua ação foi decisiva para a
resolução do conflito, porém sofreu críticas, pois havia um interesse no controle das minas de diamantes de Serra Leoa.
(VALENÇA, 2006).
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De fato, as comissões da verdade e reconciliação, assim como parte significativa da lógica moderna
de política, são norteadas pela tradição judaico-cristãos (WESTPHAL, 2019).
A constituição da TRC deu-se no acordo de paz de Abuja no ano 2000, contudo, seu início
efetivo ocorreu em 2002, com o fim oficial do conflito civil. Concomitante à realização da TRC, foi
estabelecida uma Corte Especial ligada diretamente ao tribunal internacional de crimes de guerra
de Haia, esta deveria julgar os crimes de guerra e os crimes contra os Direitos Humanos, enquanto
a TRC deveria ter como objetivos, primeiramente, o mapeamento e o recenseamento do número
de vítimas, de ocorrências, a tipologia dos crimes (ver tabela 1), e em segundo plano, ser um local
para a promoção de reconciliação, perdão, terapia e reparação (TRC, 2004).
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Os intentos propostos pela TRC, na prática, ganharam outros contornos, o que gerou certo
desapontamento por parte da população. Primeiramente, havia uma visível limitação financeira
para o custeio. Os valores para a TRC eram oriundos do fundo do acordo de paz de Lomé, não foram
suficientes para a realização de todo o cronograma (exemplo disso foi o fato da comissão não
conseguir atingir todos os distritos do país, de modo vários relatos e dados não puderam ser
recolhidos), especialmente no tocante às reparações financeiras às vítimas e testemunhas
(BEVERNAGE, 2011). O cenário do pós-guerra também dificultava a operação da TRC; ainda pairava
sobre Serra Leoa o medo de um retorno às hostilidades, mesmo com os acordos de paz, as armas
não haviam sido por completo devolvidas, e muitos dos sujeitos que haviam combatido haviam
retornado às suas vidas sem ter passado por algum órgão de cadastro31. Para a TRC, a importância-
mor eram as sessões de testemunhos. Para a comissão, havia o testemunho tinha papel-chave no
processo de reconciliação, narrar teria uma função terapêutica, a comissão também possibilitava
processos conciliatórios entre vítimas e agressores (SHAW, 2005). A visão do testemunho na
comissão em Serra Leoa, está ligada à tradição ocidental do uso da memória, mas que em Serra
Leoa ganhou certa resistência, especialmente entre a população do interior do país (BEVERNAGE,
31
The DDR programme scheduled to begin on 4 November saw a disappointing low turn out rate on the first day, with
very few fighters surrendering their guns. The camps in the eastern towns of Daru and Kenema were reported empty at
the time of writing. According to a BBC reporter, the Kamajor militiamen who had been willing to undergo the
programme said they were now reluctant to turn in their weapons, and were insisting that they do so only if their former
enemies (the RUF and AFRC) undergo the programme at the same time. (NGO Report, 1999, p.8)
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2011; SHAW, 2005). Contrapondo a perspectiva da TRC, onde o narrar da experiência possibilita
cura, havia entre os populares serra-leoninos, especialmente das áreas rurais, o sentido de um
silêncio público sobre as experiências do conflito. Na visão dessa população, falar sobre sobre o
passado poderia fazê-lo voltar, assim, seria necessário esquecer para se curar (Shaw, 2005). A visão
dessas populações estava ancorada em crenças e credos animistas tradicionais, para eles a busca
maior não era pela justiça formal e material, mas sim pela espiritual:
Possibly pressured by a report of the NGO Manifesto ‘99 that confirmed that most
Sierra Leoneans ‘still’ held traditional animist beliefs and were convinced that some
crimes awake the anger of the ancestors and thus asked for ritual intervention, the
Truth and Reconciliation Act of 2000 indeed allowed the truth commission to seek
assistance from traditional and religious leaders.56 While partly recognizing the
potential value of traditional ‘spiritual justice’ in which perpetrators undergo
cleansing and purification, the commission warned that some of the mechanisms
were ‘in conflict with a culture of human rights and perpetuate a culture of
violence.’ (BEVERNAGE, 2011, p. 80).
Os credos, por terem significativa importância na vida de parte das testemunhas, passaram
a presentificar-se nas sessões de testemunhos e amiúde foram as presenças de lideranças de tais
credos durante a coleta de testemunhos. O percurso trilhado da TRC demonstrou os limites de seu
alcance e funcionalidade, especialmente a muitos vitimados que optaram por justiça a partir da
espiritualidade em face das negativas em receberem reparações materiais. Esse desapontamento
com a TRC também alastrou pela visão do governo estabelecido, especialmente com as políticas de
reorganização e restituição, que buscavam tratar as consequências da guerra civil como algo do
passado sem influência ou eco na sociedade presente, devendo as testemunhas “perdoar e
esquecer” seus agressores (BEVERNAGE, 2011).
Entre o “dever do testemunho”, como discorreu Levi (1988) e o silêncio como temor de uma
retomada das hostilidades, Serra Leoa experimentou uma complexa situação pós-guerra, frente a
um país destruído, havia um geist de recomeço do país, mas como seria feito e qual o seu custo?
Os testemunhos estão além dos relatos, estão inscritos nos corpos, em suas marcas e em
suas expressões. Em um conflito em que houve milhares de casos de mutilações e diversos outros
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barbarismos, o corpo em si é parte testemunhal, sua presença vem também clamar por aqueles que
passaram por completo pela experiência e já não estão mais para falar, onde, paradoxalmente, sua
ausência se torna o testemunho total do ocorrido (Levi, 1988). Aos que passaram por experiências
traumáticas ficam a latência do que foi vivido, sem garantias efetivas que ao narrá-las possam
superar tais dores. Testemunhos ganham força como possibilidade terapêutica quando o mesmo
está ligado ao caminho por justiça e reparação, onde os testemunhos tornam um corpo que evita a
repetição dos barbarismos. Os testemunhos, assim, acabam por estressar o continuum do tempo
histórico, trazendo o passado à tona, com contornos impactantes. Ao pensar o poder do
testemunho e retomá-lo junto ao papel da TRC no estabelecimento (ou não) da verdade e
reconciliação, é mobilizado aqui o conceito de patrimônio difícil como uma chave de interpretação
da TRC.
Patrimônio difícil são lugares ou monumentos referentes a tragédias, massacres, eventos
dolorosos, são frequentemente relacionados com o dark tourism, também são lugares onde a
rememoração tem uma função política ostensiva e por isso, também são considerados em várias
situações lugares de tensões e polêmicas (Logan & Reeves, 2009). Relacionar patrimônio difícil com
a experiência da TRC não visa pensar (necessariamente) em uma patrimonialização de algum espaço
físico, mas sim pensar o movimento em torno da comissão entre os anos de 2002-2006 como
expressão das disputas e dores presentes, ou seja, identificar a TRC como um patrimônio difícil no
afã da promoção de rememorações ostensivas sobre o passado que ainda assombra o presente e
como experiência de memória e justiça. Perceber a TRC através dessas lentes contribui para o
desenvolvimento no presente-futuro, entendo a TRC pelas memórias que não puderam ter sido
patrimonializadas, a ausência e o silêncio se tornam a marca da TRC.
Conclusão
O presente escrito não visou fechar o debate em torno do conceito de patrimônio difícil, mas
trazer problemáticas a respeito. A história recente de Serra Leoa ainda orbita em torno das
consequências da guerra civil, e depois de mais de 20 após o conflito, ainda ficaram lacunas a serem
preenchidas. A TRC, com suas limitações, demonstrou os limites do Estado e dos valores ocidentais
para a resolução de complexidades pós-guerra; essas questões estressam a história recente do país
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e em momentos de risco podem voltar à tona, ainda na busca por justiça, verdade e reconciliação
com seu próprio passado.
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Internacionais) Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
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Introdução
Durante o século XIX, devido ao forte comércio do couro e do charque, a cidade do Rio
Grande, no Estado do Rio Grande do Sul, foi rota do transporte marítimo para as outras regiões do
Brasil e para o exterior. Nesta época chegaram imigrantes34 vindos da Europa, com destaque para
alemães e italianos que passaram a povoar o Sul do Brasil. No entanto, devido a insuficiência do
calado do cais do porto para atração de navios de maior porte e os transtornos causados pelos fortes
ventos e correntes marítimas, que assoreavam o canal de acesso na entrada da barra35, muitas
perdas de vidas humanas e de mercadorias foram registradas e a barra passou a ser conhecida na
imprensa local como “Barra Diabólica36” ou “Cemitério de Navios” (FIGURA 1).
FIGURA 1 – Caricatura da “Barra diabólica” ou Cemitério de navios” retratada na imprensa local
32
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de
Pelotas. UFPEL.
33
Professora Doutora e Orientadora do Programa de Pós-graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da
Universidade Federal de Pelotas. UFPEL.
34
Os primeiros imigrantes chegados ao Estado do Rio Grande do Sul foram os portugueses a partir do ano de 1750.
35
Entrada de um porto entre duas porções avançadas de terra firme.
36
A origem da denominação “Barra Diabólica” não é clara, mas aparece em termos análogos usados por Silva Paes e
pelo governador Gomes Freire de Andrade, ainda na primeira metade do século XVIII (TORRES, 2015, p.14).
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37
Ficou conhecida como Comissão de Melhoramento do Porto e Barra do Rio Grande do Sul que era presidida pela
engenheiro Honório Bicalho.
38
Prolongamentos de pedras, dispostas na raiz da barra que avançam mar adentro.
39
Como o porto natural da cidade do Rio Grande passou a ser chamado a partir da construção do Porto Novo
40
Apesar de deixar de ser explorada no ano de 1915 a Pedreira de Monte Bonito continuou a pertencer a Compagnie
Française du Port do Rio Grande de Sul e integrou o seu inventário. Posteriormente o Governo Federal retoma a área
que deixa de estar sob a guarda do Porto do Rio Grande.
41
Atualmente este local faz parte da cidade de Capão do Leão, que se emancipou de Pelotas em 1982.
42
Os documentos de compras de áreas fazem parte do acervo notarial da Biblioteca do Porto do Rio Grande.
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férreas43 de Capão do Leão44, Teodósio45 ; Pelotas46;Capão Seco47; Povo Novo48; Quinta49; Junção50
e Rio Grande51.
Fonte: Acervo de Fotos da Compagnie Française du Port do Rio Grande do Sul. Biblioteca do Porto do Rio
Grande.
43
O uso das Estações era compartilhado entre a Compagnie Auxiliaire de Chemins de Fer du Brésil e a Compagnie
Française du Port do Rio Grande do Sul.
44
O prédio desta estação, atualmente abriga a Casa de Cultura Jornalista Hipólito José da Costa, preservando os
trilhos da linha férrea.
45
Essa estação encontra-se em ruínas, com a linha férrea, no entorno, preservada.
46
Essa estação foi desativada em 1996 e o prédio foi totalmente restaurado pela Prefeitura Municipal de Pelotas e
inaugurado em 2014. Esta Estação continua com a linha férrea que atualmente é utilizada somente para a o
transporte de carga pela Empresa Rumo, detentora da concessão da rede férrea no Estado do Rio Grande do Sul.
47
A estação foi construída em 1884. O prédio está demolido e os trilhos estão mantidos.
48
O prédio não é mais utilizado como estação da linha férrea e sim como moradia. A linha férrea se mantém e é
utilizada pela Empresa Rumo.
49
Esta estação foi desativada entre os anos de 1980 e 1990 e o prédio se mantém.
50
A estação encontra-se descaracterizada e usada para moradia.
51
A estação abrigava a sede da linha Rio Grande-Bagé. O prédio se mantém, mas seus armazéns e oficinas estão em
ruínas. Parte da linha ainda é mantida. O prédio principal da estação atualmente é ocupado por uma secretaria
municipal da cidade do Rio Grande.
52
Processo de geração de energia autossustentável.
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pedras, distribuídas entre o Molhe Leste que consumiu 1.852.700 toneladas e o Molhe Oeste, que
usou 1.537.100 toneladas. A partir da conclusão das obras, no ano de 1915 passaram a operar dois
portos na cidade Rio Grande.
A companhia francesa trouxe mão de obra especializada, formada por engenheiros e
técnicos franceses e por trabalhadores europeus de outras nacionalidades, principalmente a
italiana. Grande parte dos trabalhadores que construíram a estrada ferroviária para o transporte
das pedras era constituída por empregados belgas da Compagnie Auxiliaire des Chemins de Fer au
Brésil. A oferta de trabalho nas pedreiras chamou atenção de trabalhadores da região e de outras
partes do estado que chegaram pelos portos de Rio Grande e Pelotas, alguns, oriundos da pecuária
e agricultura, sem nenhuma experiência na extração do granito. Também vieram trabalhadores de
Portugal, Espanha, Alemanha, Rússia, Hungria, Romênia, Uruguai e Argentina. Segundo (Dias, 2010)
no ano de 1910 a Vila do Capão do Leão tinha cerca de 710 habitantes, quatro anos depois contava
com 1400 habitantes, sobretudo em função dos trabalhadores da Pedreira de Cerro do Estado.
No ano de 1916, logo após a abertura dos Molhes da Barra e a inauguração do cais do Porto
Novo, em consequência da I Guerra Mundial, as atividades da Pedreira de Monte Bonito foram
suspensas por motivo de redução de despesas. Na sequência, em 1919, o contrato com a Compagnie
Française du Port do Rio Grande do Sul foi descontinuado e o trabalho foi encampado pelo Governo
Federal que no mesmo ano transferiu a concessão do Porto do Rio Grande para o Estado do Rio
Grande do Sul. Dados de 1921 apontam que após a encampação da companhia francesa o número
de habitantes na Vila do Capão do Leão era de 915, dos 1400 anteriores, pois a maioria dos
funcionários foi exonerada (Dias, 2010).
A lavra da Pedreira do Cerro do Estado continuou a ser explorada pelo Governo Estadual até
o ano de 1926, quando foi encampada, por 13 anos, à Companhia Americana de Construcciones Y
Pavimentos S. A53, com o objetivo de exploração da rocha para a manutenção dos Molhes da Barra
e do Porto do Rio Grande. Apesar das dificuldades, neste período, a companhia americana
diversificou a produção na pedreira, pois, além do fornecimento das pedras, que era cerca de 80%
53
Pertencente a um grupo norte americano, com matriz em Buenos Aires.
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da sua produção, também produziu moirões54; pedra britada55, paralelepípedos56, argila57 e pedras
especiais58. A produção de paralelepípedo serviu para a pavimentação das ruas das cidades de Rio
Grande, Pelotas, São Jose do Norte, Montevidéu e Buenos Aires, além de pátios de igrejas,
indústrias, e firmas construtoras, de áreas do Exército e da Marinha, e demais serviços gerais de
calçamento.
No ano de 1939 a responsabilidade da Pedreira de Cerro do Estado retornou à administração
do Estado do Rio Grande do Sul, sob a responsabilidade da Diretoria de Obras do Porto e Barra do
Rio Grande, subordinada à Secretaria de Obras Públicas. Em 1951 foi criado o DEPREC -
Departamento Estadual de Portos, Rios e Canais, uma entidade autárquica, ligada a então Secretaria
Estadual do Estado do Rio Grande do Sul. Foram contratados novos operários, foi criada uma vila no
entorno da área do complexo da pedreira, a Vila Gastal, causando um crescimento demográfico
para a Vila do Capão do Leão, com a ampliação do comércio local e de prestação de serviços.
Neste período, ingressaram para trabalhar na pedreira os três operários que foram
entrevistados para a tese, cuja memória de velhos é objeto de reflexão deste trabalho. Escutar a
estes trabalhadores suscita que suas vidas, ao encontrarem ouvidos atentos, ganhem finalidade e
valorização de suas lembranças, mas sobretudo faz com que a memória do grupo social se fortaleça,
o que é confirmado por (Bosi, 1979, p.17), quando afirma que “a memória do indivíduo depende do
seu relacionamento com a família, com a classe social, com a escola, com a igreja, com a profissão:
enfim, com os grupos de convívio e os grupos de referência peculiares a esse indivíduo”.
Na tese, o objetivo é assegurar a permanência da memória dessa geração de trabalhadores,
dando voz a esse pequeno número de representantes - que ao ingressarem no trabalho na década
de 50 herdaram parte da memória do trabalho de seus antecessores, franceses, belgas e de outras
nacionalidades que no início do século XX iniciaram a extração do granito contratados pela
companhia francesa, mas sobretudo, de seus antepassados, também operários, pois a memória é
um elemento social que organiza o sentimento de identidade e de continuidade, individual e
54
Estacas, troncos ou vigas, retirados do meio ambiente a partir do corte de árvores para utilização na construção.
55
Tipo de material obtido pela trituração de rochas como granito e utilizada na construção civil.
56
Pequeno bloco esculpido em granito, utilizado em pavimento, calçadas e acabamento.
57
É um mineral de rocha sedimentar, composto de finos grãos.
58
Pedras cortadas em tamanhos especiais, algumas utilizadas para guarnições de monumentos, escadarias e soleiras.
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suas rotinas e lembrei Ecléia Bosi ao afirmar que “caminhar e ver confundem-se nos confins da
lembrança: o tempo de lembrar traduz-se enfim, pelo tempo de trabalhar” (Bosi, 1979, prefácio).
Ouvi relatos sobre o funcionamento dos equipamentos e ferramentas e sobre a sucessão da
aparelhagem que foi trazida pela companhia francesa e substituída por outra moderna. Perguntei
se esse fato mudou a rotina de trabalho. Perguntei sobre as estações do trem, se todas já estavam
construídas e como era o trabalha na estação e de que maneira eram utilizadas ou compartilhadas.
A seguir, serão apresentadas parte dos relatos destes idosos, operários aposentados, que apesar de
serem histórias individuais criam sentido social, se constituindo em memória coletiva.
O primeiro entrevistado foi o senhor Heitor, que no momento da entrevista tinha 85 anos
de idade e nasceu na Pedreira do Cerro do Estado, numa família de trabalhadores do lugar. Ele nos
recebeu na sala de sua casa, localizada do Cerro do Estado, na companhia de sua filha e esposa59.
Sua filha nos recebeu na porta enquanto seu Heitor nos aguardava sentado na poltrona. Depois de
nos apresentarmos começou sua fala contando que seguiu a profissão do pai, que também era
guindasteiro. Além da memória individual do trabalho diário ele herdou a memória passada por seu
pai, pois foi quem lhe ensinou o ofício de manobrar o guindaste para segurar as pedras. Contou que
iniciou o trabalho na pedreira ainda menino, aos 14 anos, ligando a corda ao guindaste elétrico e
passou por outros ofícios até se aposentar como maquinista de locomotiva. Iniciou conduzindo as
locomotivas a carvão, conhecidas como “Maria Fumaça”, que foram trazidas pela companhia
francesa no início do século XX e depois sucedidas pelas locomotivas a diesel. “Na reconstrução
sentimental do passado as máquinas que no tempo do trabalho eram perigosas e cansativas, se
transformaram em objetos biográficos” (FERREIRA, 2009, p. 30). Seu Heitor iniciou sua narrativa
contando:
Nasci no hospital em Pelotas, mas meus pais moravam na Pedreira. Meu pai
trabalhava na pedreira. Meu pai trabalhava nos guindastes, nos mesmos que
eu trabalhei depois. Meu pai me ensinou a trabalhar no guindaste.
59
A esposa do sei Heitor é filha do ex capataz da pedreira, já falecido.
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Para Benjamin (1994, p.201), o narrador retira de sua experiência o que ele lembra para
narrar, o que ele próprio viveu ou que foi relatado pelos outros e incorpora à experiência dos seus
ouvintes. A narrativa desses operários ecoa e fortalece a memória da terceira geração de
trabalhadores, que ainda está em atividade, e de seus familiares e descendentes, são eventos que
contam, mesmo quando há vários acontecimentos, dos quais os entrevistados não participaram
diretamente, onde o “passado e o presente, [reconciliam] o tempo da história e o tempo da
narração” (PORTELLI, 2010, p. 24).
O segundo entrevistado, o senhor Lauro, com 89 anos de idade, nos recebeu na varanda de
sua casa na cidade do Capão do Leão. Contou que foi maquinista de trem na pedreira e que é natural
de Arroio Grande. Lembrou que quando jovem trabalhava no campo com a família e que ouvia de
longe o apito do trem, sem saber o que era e que conheceu o trem quando, ao completar maior
idade, foi para cidade servir ao exército. Contou que aos 19 anos, ao chegar na pedreira já tinha
experiência em conduzir o trem, pois havia trabalhado por pouco tempo na Rede Ferroviária
Federal, então, devido a sua experiência e a necessidade de ter outro maquinista na pedreira ele foi
contratado, mas relatou que no início também trabalhou como guindasteiro.
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O trem saia do britador60... era pesado na balança, a balança era ali... bem
ali na praça assim (Seu Lauro gesticula, mostrando onde ficava a direção da
balança).
Nós não tinha horário para trabalhar no trem. Quando tinha trem na linha
nós não podia entrar com o trem de pedra... nós esperava até um dia ou dois
na estação até dar licença pra nós. O trem tinha tudo, cozinha, cama...era
muito bonito. As vezes nós saia daqui de manhã e voltava no outro dia de
noite por causa disso. (Entrevista do Sr. Lauro Gonçalves, concedida em
05/04/2022.
60
Lugar onde os rejeitos da pedreira eram triturados para se transformar em pedras menores.
61
As festas de Natal realizadas na pedreira têm o nome de “Sonho de Natal”, se originaram nas encenações do
presépio vivo realizadas com as crianças na capela do Cerro do Estado.
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O terceiro entrevistado foi o Senhor Nedi, com 86 anos de idade, que nos recebeu na varanda
de sua residência no do Cerro do Estado na companhia de dois filhos. Seu Nedi contou que é natural
de Piratini e que chegou em Capão do Leão com dois anos de idade quando seu pai veio trabalhar
em outra pedreira da região62.
Aqui é cheio de pedreira, tem outra até hoje. Eu ainda vou voltar lá no lugar
que eu morava com meus pais e que me criei era um rancho de palha. Tem
uns pés de palha de Santa Fé, no rancho, lá adiante tinha um poço que tava
sempre cheio d’água, lavavam roupa e tudo mais. Eu jogava bola com meus
vizinhos.
62
O pai do seu Nedi trabalhou na Pedreira do Cerro das Almas.
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THOMSON, Alistair. Recompondo a memória: questões sobre a relação entre a História oral e as
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TORRES, Luiz Henrique. A Barra Diabólica: centenário da inauguração dos Molhes da Barra e do
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ST – 7
Paisagem cultural, história ambiental e arqueologia:
novos desafios para o patrimônio e a sustentabilidade
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A tainha “Mugil cephalus”, é um peixe presente em boa parte do litoral brasileiro, mas no
município de Bombinhas, litoral de Santa Catarina, assume um protagonismo que vai muito além da
pesca de subsistência. A pesca da tainha envolve toda uma comunidade, famílias, culinária típica,
ranchos, canoas de um pau só e funções específicas neste processo. Os pescadores são os mestres
que mantêm esta tradição centenária repleta de histórias e emoções, herança dos indígenas da
nação Tupi Guarani, que foi adaptada pelos açorianos que chegaram ao litoral catarinense em
meados do século XVIII. Acontece entre os meses de maio a julho, e integra o patrimônio histórico,
artístico e cultural de Bombinhas, e também do estado de SC.
O formato da pesca tradicional ocorre em cercos com rede própria para captura do peixe
que é trazida à praia. Começa com a sinalização do “vigia”, pescador com função de observar a
aproximação do cardume num ponto alto da praia. Em terra o “Patrão” comanda a tripulação
composta por 2 a 4 “remeiros” (dependendo do tamanho da canoa) e o "chumbereiro" responsável
por largar a rede no mar. Participam igualmente do processo os “camaradas”, cuja função na praia
configura em segurar os cabos puxando o cerco da rede feito em semicírculo para a faixa de areia.
O Saragaço denomina a alegria dos presentes no cerco aguardando a fartura da tainha que virá nas
redes. A partilha com todos que colaboraram é o ato conhecido como “quinhão”. (KRETZER, 2006).
As técnicas de construção das canoas, redes, “balaios”, “chumbos”, ranchos de pesca,
culinária com a tainha, a oralidade transmitida nas rodas de conversa, a participação da mulher na
pesca, representam os papéis que cada um assume, fazendo do “cerco” a mais profunda
manifestação da coletividade na comunidade tradicional. Igualmente, as cantigas, os “causos” dos
pescadores e a bebida tradicional “consertada”, utilizada na espera do peixe, são tão relevantes
63
Bacharel em Turismo e Hotelaria com especialização em Gestão de Cidades (UNIVALI 2015). Atua na
Diretoria de Patrimônio Cultural da Fundação Municipal de Cultura de Bombinhas. E-mail: luiz-
bombinhas@hotmail.com
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quanto a pesca da tainha e são esperadas ansiosamente pela comunidade, junto a um inverno
rigoroso.
Dentre o patrimônio cultural material da pesca artesanal são protagonistas as canoas de um
pau só, esculpidas em um único tronco de madeira, a qual se destaca no feitio o
Garapuvu/Guapuruvu (Schizolobium parahyba), árvore abundantemente encontrada na floresta
pluvial da Encosta Atlântica, preferida pelos pescadores por sua leveza e por possuir o tronco reto
e sem nós. Preservadas por lei, as canoas desta madeira se tornaram verdadeiras relíquias desse
patrimônio, as quais os pescadores do município mantêm com extraordinário zelo as canoas
herdadas de seus ancestrais, algumas com mais de 200 anos. Segundo a Fundação Municipal de
Cultura de Bombinhas - FMCB (2023), o município possui um acervo de 67 canoas-de-um-pau-só,
distribuídas nos 17 portos de pesca, expostas nas praias de 01 de maio a 30 de julho de cada ano à
espera dos cardumes.
Uma das mais expressivas manifestações culturais de Bombinhas, a pesca artesanal da
tainha envolve moradores e turistas, movimentando as praias no inverno. Evidencia a importância
da gestão pública na criação de mecanismos e políticas para o fomento e salvaguarda desta tradição
tão relevante para a comunidade.
Sendo sua missão “Proporcionar acesso e conhecimento de cultura em suas diversas manifestações,
à comunidade e visitantes” e visão “Ser referência entre Instituições Pública na promoção e
valorização da cultura” (BOMBINHAS, 2013).
O primeiro Planejamento Estratégico datado de 2013 e atualizado anualmente, se subdivide
em seis programas municipais, a saber: Salvaguarda do Patrimônio Cultural, Fortalecimento da
Gestão Pública da Cultura, Formação na Área da Cultura, Valorização das Artes, Promoção da Leitura
e Artesanato Bombinense. Objetiva o comprometimento dos servidores públicos e sensibilização
dos poderes executivo e legislativo nas causas culturais. No ano de constituição de parte significativa
da equipe da FMCB, implementaram iniciativas e ações relevantes à salvaguarda do patrimônio
cultural, igualmente ligados à manutenção da pesca, ou voltados aos pescadores e seus familiares,
base deste estudo, conforme elencados no quadro 1:
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cultura tradicional.
Revista Tu Criado em 2005, periódico cultural publicado Justificando o registro da memória oral
Visse?! trimestralmente, objetiva o registro da oralidade da realizado neste periódico, no ano de 2011, se
comunidade, salvaguardando a memória, em classificou em 1º lugar na categoria Gestores
aspectos históricos das famílias tradicionais, Públicos do Prêmio Cultura Viva, ganhando
personalidades, saberes e fazeres, curiosidades e destaque de todo Brasil. Os pescadores e
dados relevantes sobre a comunidade, onde muitos seus familiares sentem-se orgulhosos de ver
mestres detentores dos saberes e fazeres suas histórias registradas.
tradicionais faleceram perdendo informações
relevantes.
Festival de Criado em 2000 alusivo a comemoração do As canoas são protagonistas na pesca
Embarcações aniversário de Bombinhas, reunindo a comunidade artesanal da tainha, característica marcante
a Remo pesqueira num evento cultural promovendo a da identidade cultural. Momento de
tradição e o esporte através das remadas encontro entre pescadores e de rivalidade
tradicionais dentro das canoas de um pau só. em saber qual rancho tem os melhores
“remeiros”
Programa Desenvolvido pela Secretaria de Educação em Mestres do Projeto “Vô sabe, Vô Ensina”
Escola do Mar parceria com secretarias/fundações de Turismo, realizando o repasse da cultura tradicional às
Pesca, Cultura, Meio Ambiente e Esportes, crianças com fazeres de redes de pesca,
ensinando no contraturno escolar “Saberes cestarias, preparar pratos a base de tainha, e
Tradicionais”, aliando a teoria/ciência com as visitam os ranchos de pesca.
práticas do território.
Concurso Objetiva trilhar entre comunidade e visitantes, Os protagonistas da pesca da tainha e seus
Fotográfico registrando em fotos os pescadores artesanais em familiares são registrados, desde a puxada
“Cerca suas atividades sensibilizando, promovendo a da rede, limpando peixe e nos “saberes” que
Rapazi” salvaguarda dos Saberes Tradicionais”. envolvem a pesca.
Fortaleciment Engajou-se em 2013 ao Sistema Nacional de Cultura, Parte destas ações previstas nas as diretrizes
o das políticas como modelo de gestão e promoção de políticas do Plano Municipal de Cultura, quanto nos
públicas da públicas na área da cultura, com ações conjuntas dos projetos agraciados com o Fundo Municipal
Cultura entes da federação. O sistema aparou a criação do de Cultura, contemplam as atividades e
Conselho Municipal de Políticas Culturais, e a objetos ligados de alguma forma com a
realização do Plano Municipal de Cultura que norteia Pesca Artesanal da Tainha, como a
as ações culturais, de forma apartidária. São publicação de um livro que conta a história
realizados fóruns continuamente com participação de Bombinhas, naturalmente perpassa a
popular, e também a instituição do Fundo Municipal abordagem do tema.
de Cultura, o qual com investimento anual de R$
250,00 mil reais em projetos culturais de produtores
e entidades culturais da cidade.
Documentári Obra cinematográfica, que relata a história da pesca Total envolvimento da comunidade,
o Antes do artesanal da tainha com os Mestres sábios do mar, o retratando a Pesca Artesanal da Tainha,
Inverno papel da mulher neste cenário e o sonho de um onde os atores são os próprios pescadores,
jovem de 14 anos em se tornar remeiro. O Curta esposas e filhos.
Metragem documentário percorreu diversos
festivais de cinema do Mercosul e Congressos
Brasileiros de Folclore.
Intitulação Reconhecimento instituído via lei nº 1326/2013, Com total envolvimento da comunidade
dos Mestres valoriza as expressões de diversas linguagens pesqueira, onde vários Mestres intitulados
da Cultura artísticas, ritos sagrados e festas comunitárias, cuja são pescadores, e as Mestras todas esposas,
Tradicional de vida e obra foram dedicados à proteção, promoção filhas ou netas de pescadores.
Bombinhas e desenvolvimento da cultura tradicional
bombinense. Já foram reconhecidas 42
personalidades do artesanato, folguedos, folclore,
pesca, engenhos, memória, gastronomia e
agricultura.
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Turismo de Ações estratégicas que em sua implementação, Trabalha com a pesca artesanal e a culinária
Base visam dentro da formatação de produto turístico que envolve o peixe tendo como
comunitária focar nas comunidades tradicionais. protagonista os pescadores e suas famílias.
Descobrindo Objetiva igualar conhecimentos na comunidade e Envolve o Patrimônio na ambientação
Bombinhas trabalhadores do município no que tange o conceitual e nas visitações, dentro das
patrimônio cultural e natural, com aulas teóricas e estratégias propostas.
visitação “in loco” de aprofundamento para o bem
atender/receber dos turistas
Fonte: Fundação Municipal de Cultura de Bombinhas, adaptado pelo autor, 2023.
Além dessas ações, existem ainda iniciativas que partem da própria comunidade e entidades,
como a tradicional festa da tainha promovida pela Apae - Porto Belo e Bombinhas, a missa de
abertura da pesca da tainha organizada pela comunidade pesqueira da Praia de Bombas e a Gincana
de encerramento de confraternização dos pescadores denominada “Saragaço”. Todas essas ações
enaltecem ainda mais os projetos existentes, que juntos geram grande impacto na comunidade.
Tais iniciativas, garantiram que Bombinhas conquistasse recentemente o primeiro lugar no
Top 100 Sustainabililty Stories, que premia histórias de boas práticas em destinos ao redor do
mundo dentro da categoria Cultura & Tradição do concurso anual Green Destinations Story Awards
2023. Colocando a pesca da tainha em evidência no mundo.
Poluição
[...] hoje tu vai ali ver, acabaram com tudo, não teve mais criação de peixe, não teve
mais nada ali [...] o que acabou com a nossa pesca da tainha aqui, não foi as
traineiras, não é tanto a caça de malha, não é tanto rede de praia, sabe o que é? É
a poluição! Enquanto o povo começar a colocar poluição no Rio, a nossa pesca vai
se acabar. Eu não vou alcançar isso, com a idade que estou, mas quem é novo vai
alcançar, ela vai se acabar no dia a dia.
Ali naquele rio da “Vila Paradiso” se via o chão, de tão limpinha que a água era, não
existia esgoto, não existia nada. Hoje em dia você vê como está… acabaram com
tudo. A pesca artesanal vai acabar, com muita poluição, muita coisa, isso não vai
aguentar muito tempo...
Além da poluição, outro fator interfere na diminuição dos peixes é a pesca industrial,
conforme apontado por outros mestres:
Pesca Industrial
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A pesca da tainha está diminuindo por causa da pesca industrial. A tainha vem da
Lagoa dos Patos, lá já tem uma preferência grande pelo peixe, o que chega aqui é a
míngua, quase mais nada. teve épocas como em 1922 que na Barra da Lagoa em
Florianópolis, mataram 200 mil unidades do peixe, então há o exagero, pegavam
mais do que precisavam, elas estão se acabando…. A gente já percebe que daqui a
pouco tempo, tainha vai ser alguma coisa de museu, só com retrato dela.
Já existe uma estatística do peixe que sai da Lagoa dos Patos, apenas 1% dos peixes
morrem nas praias, de Santa Marta/Laguna até São Francisco do Sul. E o resto, os
barcos da pesca industrial matam tudo. Sabe por quê? A carga de um barco, pra
mim é “cerco” pra dois, três anos… Porque se eu pegar 30 toneladas neste ano, 30
toneladas ano que vem, 30 toneladas daqui dois anos, é o equivalente que um
barco desse pega de uma vez só. Então, tem que abrir um defeso para proteção do
peixe.
O pescador acredita que deveria ser criada uma legislação com proibição/restrição à pesca
industrial da tainha, incentivando a pesca artesanal, não somente em Bombinhas, mas em todas as
comunidades que possuem esta tradição.
Desmotivação
Apontaram que a desmotivação afeta a continuidade das tradições, como a disputa entre
surfistas e pescadores, conflitos em todo litoral entre as duas classes que disputam o espaço no
mar. Os pescadores alegam que a tainha é um peixe sensível, pois não se aproxima da costa quando
há movimentação no mar. Os surfistas por falta de entendimento do patrimônio geram conflitos,
quando não há consenso, gera violência na areia da praia. Um mestre da Praia do Moçambique
(Florianópolis), relata que nestes conflitos, os surfistas colocaram fogo no seu rancho de pesca com
canoas com mais de 80 anos de existência. Similares ocorridos no município de Bombinhas, na praia
de Quatro de Ilhas em 2021. Neste contexto campanhas de sensibilização foram realizadas, como
#tainhaépatrimonio, informando visitantes e minimizando conflitos, juntamente com a criação de
legislação municipal normatizando a prática.
Legislação
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Eu nem sei como eles conseguiram essa licença de pesca, isso era para ser somente
das canoas, eles trabalham com bote inflável, moto aquática, isso vai
enfraquecendo e desanimando a gente. Tentamos manter a tradição, mas não
temos uma fiscalização que nos ampare e nos proteja.
Outro fator preocupante está no desinteresse dos jovens em aprender os ofícios de seus pais
e avós, repassando e se tornando mantenedores destas tradições. Atualmente existe muita
dificuldade em encontrar pessoas que saibam ser patrão e remar a canoa, como explica um
pescador da Praia de Bombas.
Eu vejo a pesca artesanal bem curta. Eu vou tirar pela nossa família: Eu tenho um
filho que não trabalha na pesca. Dos meus cinco irmãos, nenhum deles possui um
filho que trabalha na pesca. Meus irmãos já estão acima de 40 anos de idade, então
está ficando difícil para manter a pesca artesanal da da tainha, o problema é para
remar, cuidar de uma popa de canoa.
A pesca artesanal praticada por homens e mulheres com mais de 40 anos, vislumbra um
horizonte melhor trilhado pelo interesse da nova geração entre 10 a 16 anos em atividades
oferecidas pela municipalidade no contraturno escolar.
Especulação imobiliária
O contexto abordado registrou que a especulação imobiliária fez com que ranchos de pesca
desaparecem dando lugar a prédios e pousadas de luxo, onde explica o historiador entrevistado. O
povo “nativo” desconhecia o valor do dinheiro, eram ingênuos, não vislumbrando o que o município
se tornaria.
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[...] eles nunca tinham visto dinheiro, porque antes era tudo na base do escambo,
e de repente chega alguém de fora e oferece dinheiro para eles, achavam que
tinham ficado ricos, os ranchos de pesca foram os primeiros a desaparecer, poucos
resistiram.
A falta de educação formal não possibilitou uma visão a longo prazo, tecendo comparativos
com outros destinos turísticos, e sua valorização imobiliária.
Uma tradição somente é mantida quando é passada através das gerações e tem
espaço para se manifestar. Faz alguns anos que a pesca da tainha vem sendo
suprimidas pelo "desenvolvimento urbano". Além disso, é fragilizada pela pressão
de pessoas que defendem o "desenvolvimento turístico", sem que esteja em
conformidade com as características da cidade e sem enxergar que as tradições,
também, podem ser fator de desenvolvimento turístico. No entanto, enquanto a
comunidade se apoderar de suas tradições e repassarem seus conhecimentos,
essas atividades continuarão vivas.
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Considerações finais
A presente investigação não almeja trazer verdades incontestes sobre os motivos que
interferem na continuidade das práticas culturais tradicionais, mas sim, refletir sobre os impactos
que o desenvolvimento urbano e turístico desordenado trazem a esta cultura, revelando
perspectivas dos pescadores e gestores públicos sobre a Pesca Artesanal da Tainha. Bombinhas
deixou de ser uma vila de pescadores, porém não deve perder sua essência, mesmo ao tornar-se
uma das destinações mais visitadas do Estado. Mudança de vida da população que por vezes focou
no ganho financeiro, fez perder parte de seu patrimônio, noutra parte nota-se a preocupação da
salvaguarda e manutenção das atividades pesqueiras assegurando o legado para gerações futuras.
Os repasses dos saberes enfrentam muitos desafios, na integração das novas gerações, na
especulação imobiliária crescente, no despejo de esgoto clandestino nos rios e num amparo legal
massivo à pesca artesanal. Tornando relevante o desenhar de soluções para amenizar impactos da
pesca industrial, como licença restritiva à pesca industrial, protegendo a procriação da espécie e
incentivando a pesca artesanal de arrasto de praia nas canoas monóxilas. A educação patrimonial
ocupando espaço como componente curricular na rede escolar, bem como o estímulo por visitas
técnicas, estudos, para unir pescadores e comunidade escolar, tornando uma estratégia para
continuidade da tradição.
Com relação à gestão pública, observa-se que Bombinhas caminha no rumo certo quanto à
sensibilidade pela causa cultural, graças a utilização do planejamento estratégico como ferramenta
de trabalho e do engajamento dos servidores públicos. Esse respaldo, torna-se essencial para o
sucesso das ações culturais, tendo em vista a apropriação por parte da comunidade dos projetos
criados, promovendo a sustentabilidade dos mesmos, indiferente da gestão político-partidária.
REFERÊNCIAS
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KRETZER, Fabiana; Pesca da Tainha. Revista Tu visse?!. Bombinhas, Ed. 05, ano 01, 2006.
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Introdução
A literatura, tal qual um espelho do grupo social ao qual pertence, funciona como uma das
formas de descrever a sociedade e suas memórias. Ela transmite a visão de mundo do autor, molda
um dos pilares da cultura nacional e é composta de diversos gêneros textuais, entre eles a biografia.
A biografia consiste em uma narrativa oral, escrita ou visual dos fatos particulares das várias
fases da vida de uma pessoa. A questão fundamental do estudo da biografia é o fato de, por
intermédio dela, ser possível fazer uma análise macroestrutural da sociedade e dos quadros
explicativos. O detalhamento biográfico tem a funcionalidade de ilustrar a realidade mais ampla por
meio de um indivíduo que é usado como exemplo, como a imagem de uma construção social
(Avelar, 2010).
Considerando que a literatura se dá por intermédio da língua, que não é neutra, e que a
biografia é um tipo de exercício de poder, pois consiste em um discurso controlado, são trazidas
para a discussão as experiências teóricas de Michel Foucault, que se dedicou nos anos 1960, 70 e
80 aos estudos envolvendo a noção de sujeito produzida por uma configuração de saberes, uma
relação de poder e suas próprias ações. As teorias do pensador giram em torno da relação entre
poder e conhecimento e como ambos são usados como forma de controle social por meio das
instituições sociais. Em 1970, Foucault passou a centrar-se em reflexões dirigidas para a expressão
do discurso no tocante à história do pensamento ocidental. Em A ordem do discurso (1996), ele
procurou desnudar a relação entre as práticas discursivas, de modo geral, e os poderes que as
permeiam.
64
Este texto consiste em um recorte da dissertação As singularidades patrimoniais no contar biográfico: paisagem,
memórias e narrativas de Joinville, defendida em 2018, e foi publicado integralmente em 2017 na revista Em Tese,
podendo a versão completa ser acessada por meio do link: https://doi.org/10.17851/1982-0739.23.1.97-118. Acesso
em: 4 dez. 2023.
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Nesse contexto, buscou-se neste artigo fazer a análise de uma obra do gênero textual
biografia levando-se em conta os procedimentos de controle do discurso descritos por Foucault,
com base na publicação A ordem do discurso. A obra abordada aqui, Primavera em pleno outono: a
jovem Olívia faz 80 anos!, do escritor Wilson Gelbcke, é um relato sobre a vida de Olívia Maia
Mazzoli, passada na cidade de Joinville (SC), sua cidade natal.
A análise aqui exposta tem como base A ordem do discurso, do filósofo Michel Foucault
(1996). Na obra o autor explica que, se quisermos analisar o discurso em suas condições, jogos e
efeitos, é preciso optar por três decisões: questionar nossa vontade de verdade, restituir ao discurso
seu caráter de acontecimento e suspender a soberania do significante. Essas três opções são
englobadas por dois conjuntos de análise: o conjunto genealógico, pensando em como se formou o
discurso haja vista suas normas específicas, os sistemas de coerção e as circunstâncias de aparição,
crescimento e variação; e o conjunto crítico, baseando-se na prática do princípio da inversão,
mostrando a força exercida pelo discurso. Os dois conjuntos diferem apenas quanto ao ataque, à
perspectiva e à delimitação, no entanto ambos objetivam desvelar o jogo da rarefação imposta, com
o poder fundamental de afirmação.
Levando em conta tais premissas, foi trazida aqui a narrativa Primavera em pleno outono: a
jovem Olívia faz 80 anos!, primeira publicação do gênero textual biografia do joinvilense Wilson
Gelbcke. Trata-se de uma narrativa sobre a vida de Olívia Maia Mazzoli relatada por ela própria ao
escritor.
Olívia Maia Mazzoli é nascida em Joinville (SC), atuou como professora e também foi
funcionária da Receita Federal. Ela fundou em 1980, juntamente com o seu marido e outros casais
do Movimento Familiar Cristão, o Centro de Estudos e Orientação da Família (Cenef), uma entidade
sem fins lucrativos que ajuda anualmente com orientações e aconselhamentos centenas de famílias
afetadas por problemas de desagregação e crises. A instituição é hoje referência nas áreas de
orientação e aconselhamento familiar, psicoterapia, psicopedagogia, pedagogia, fonoaudiologia e
assessoria jurídica (Groth, 1999).
Inicialmente, é importante explicar o porquê da escolha da obra analisada. Após o
levantamento feito de narrativas biográficas, constatou-se que a maior parte delas é a respeito de
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na obra investigada. Tanto autor quanto biografada parecem compartilhar das mesmas ideias,
talvez por ambos terem idades parecidas e terem origens semelhantes. Observa-se, entretanto, que
as falas de Olívia são mencionadas literalmente para que haja a repetição, proposital, como uma
confirmação do que se diz. O segundo discurso, para Foucault (1996), é uma possibilidade aberta de
fala, cuja função é dizer o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro, permitindo-lhe
dizer algo além do texto, mas com a condição de que o texto seja dito e de certo modo realizado.
Ou seja, a repetição dá veracidade ao que é dito.
O narrador, para dar início à biografia propriamente dita, traz o contexto sociocultural da
década de 1920 como pano de fundo para introduzir a personagem central da obra, nascida em
1924. Ao citar pela primeira vez a biografada, fala da sua filiação, relatando mais detalhadamente
sua descendência materna, numa alusão de que, para entendermos uma pessoa de maneira mais
completa precisamos saber de suas referências e de seu background. Na primeira fala de Olívia, ela
conta sobre o romance vivido pelos seus avós por parte de mãe:
Não conheci meu avô Paul Oscar, mas sei por intermédio de minha mãe e de
poesias e desenhos de sua lavra que era homem culto e fino. Ele imigrou para
Joinville com apenas 18 anos de idade, porque tinha asma e procurava lugares mais
quentes para viver. Aqui ele sentiu falta de sua amada, que deixara na Alemanha.
E foi buscar a meiga Ulrica, mulher muito simples e sem cultura (in Gelbcke, 2004,
p. 15).
O narrador segue contando sobre os avós de Olívia e como se desenrolou sua história aqui
no Brasil, após terem imigrado da Alemanha, e especialmente sobre a mãe, Frida. A família desta,
ao estabelecer-se no Brasil, abriu uma pousada em Pirabeiraba, distrito de Joinville. Nesse pequeno
hotel foi onde a mulher conheceu “Eleutério Júlio da Maia, um caboclo bem brasileiro, descendente
da família Gonçalves da Maia” (Gelbcke, 2004, p. 18).
Com essa passagem, podemos verificar a presença do mito das três raças, que por longo
tempo se tentou forjar como marca da identidade nacional. Ou seja, o brasileiro era o resultado da
mistura dos três grupos que se encontravam no território nacional e de suas influências culturais: o
europeu, por intermédio da colonização e imigração ao país; o africano, que veio ao Brasil em
decorrência do regime escravagista; e o indígena, que já ocupava essas terras desde antes da
chegada dos portugueses. Logo, se o pai de Olívia era “um caboclo [filho de indígena com branco]
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bem brasileiro” (Gelbcke, 2004, p. 18, grifo nosso), ele era prova viva dessa mistura de raças.
Eleutério tinha sangue indígena, oriundo dos primeiros habitantes das terras brasileiras; e também
sangue europeu, da porção civilizada.
É interessante observar que o narrador primeiramente descreve toda a família materna de
Olívia, começando por seus avós, sua imigração ao Brasil, a vinda ao mundo dos filhos e depois como
a mãe da biografada conheceu o pai. Também se fala um pouco dos irmãos de Olívia só para, depois
disso, narrar um pouco da história do pai, Eleutério. De qualquer forma, os únicos fatos
mencionados acerca dele são em relação a sua vida profissional e a sua vida política, não sendo
citados detalhes a respeito de seu relacionamento com os filhos, por exemplo, ou com a esposa, ao
menos no primeiro capítulo da obra, como se ele fosse menos importante do que a mãe para a
história da biografada.
O fato de o autor ter tratado tal tema da forma como o fez reflete o pensamento da
sociedade de que o pai, homem da família, tem como funções prover a família e ser responsável por
seu sustento, principalmente no começo do século XX, época do início da nossa história, quando
eram poucas as mulheres no mercado de trabalho, e o direito ao voto ainda era restrito aos homens.
Não se sabe, por exemplo, se a mãe de Olívia se envolvia com política ou não, mas isso não era
relevante, então é algo que não vale a pena ser mencionado.
É importante inferir aqui também a diferença de nacionalidade dos pais de Olívia, talvez por
isso a ênfase na história da mulher em detrimento da do pai. Embora os dois tenham nascido em
terras brasileiras, Frida era descendente direta de europeus, visto como os civilizados e evoluídos,
grupo em que se quer espelhar, enquanto Eleutério era descendente de indígenas, bárbaros e
involuídos, que precisavam ser adestrados. Assim, não havia necessidade de adentrar na história
paterna, por ela talvez não ter nada a acrescentar.
Verifica-se ainda nessa questão o fato de na cidade de Joinville ter-se muito proeminente o
discurso da tradição alemã, numa tentativa de se forjar uma história singular e identidade para o
município. De fato, Joinville recebeu em 1851, ano de sua fundação, as primeiras levas de
imigrantes, em sua grande maioria, alemães, mas também suíços e noruegueses. Todavia, essas
terras já eram ocupadas por indígenas e africanos escravizados – grupos que foram apagados da
história oficial municipal. Então, o destaque especial que o autor dá à família de Frida, tipicamente
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de imigrantes europeus, no discurso biográfico analisado vem ao encontro do discurso oficial que
se procura manter sobre Joinville, reforçando a ideia de uma cidade cuja identidade é a alemã.
Num único parágrafo que trata do relacionamento de Eleutério com os filhos – nada é dito
sobre o relacionamento homem e mulher –, o narrador diz: “Era homem extremamente ligado à
família. De fortes princípios morais, não admitindo certas liberdades que se observa hoje em dia”
(Gelbcke, 2004, p. 21). O narrador demonstra não concordar com a flexibilidade na educação
familiar, ao questionar “certas liberdades que se observa hoje em dia”, ao colocar em xeque as
“liberdades” que se têm atualmente como contrárias aos princípios morais preestabelecidos. No
entanto questiona-se de quais princípios morais o narrador está falando, ou acredita que deveriam
ser mantidos iguais aos do passado.
É significativo ressaltar que o narrador, aquele que conta a história, já é um senhor de idade,
criado em um regime rígido, que sofreu com a ditadura militar, e num mundo em que o homem
tinha vez e voz, em detrimento da mulher. Ademais, tem-se presente ainda a questão de o biógrafo
ser homem e se dispor a narrar a história de uma personagem mulher. Por toda a criação
diferenciada entre homem e mulher e posição social, é impossível o assunto feminino × masculino
não vir à tona nas falas da personagem ou na narrativa do autor. Enquanto o homem tem o mundo
aos seus pés e acesso ilimitado a ele, o mundo feminino sempre foi muito menor e mais restrito.
Era permitido à mulher apenas o que o pai e, depois, o marido acreditavam que era o melhor,
levando-se em conta a opinião da sociedade. Quando muito a mulher podia se manifestar a respeito
de temas sociais e morais.
Na sequência, num depoimento de Olívia, ela fala da casa em que ela e sua família moraram
de 1925 a 1937: “É o casarão hoje desvirtuado (virou casa de pagode, ou coisa parecida), na esquina
da rua Procópio Gomes e Plácido Olímpio (rua Ipiranga em nosso saudoso tempo)” (in Gelbcke,
2004, p. 21).
Aqui é curioso notar dois pontos do trecho do relato. Primeiramente, que o casarão em que
morou, conforme seu pensamento, na atualidade está desvirtuado, isto é, marcado por um novo
uso, que deixou de ser uma habitação familiar e está virado em casa de pagode, ou coisa parecida,
conforme o juízo crítico da biografada. Vê-se que Olívia não concorda com a mudança de uso do
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espaço. Pagode65, talvez por ser um estilo musical oriundo do movimento negro e dos escravos,
associou-se desde a sua origem a classes mais baixas da sociedade, o que se choca bastante com a
realidade dos anos 1920 e 30 em Joinville, cidade em que à época havia o predomínio de imigrantes
alemães, suíços e noruegueses. Portanto, o preconceito está presente nessa fala, veladamente,
porém.
O outro ponto a ser destacado é o fato de o pagode caracterizar um aspecto cultural de
origem africana, conferindo a esse grupo uma identidade. Pensando aqui a questão da identidade
nacional, não podemos esquecer que esse campo não está isento de disputas nem de
imparcialidade. Ou seja, precisa-se ter cuidado com o que vai se propagar a respeito de determinado
grupo, tendo em vista que, pela tendência da homogeneização de um grupo social, todo aquele
conjunto pode ficar marcado por uma característica específica, entretanto que nem sempre reflete
a realidade dos fatos. Olívia questiona padrões culturais diversos da matriz europeia como o pagode,
por romper com uma hegemonia cultural e historicamente marcada.
Além disso, considerando que os europeus são vistos ao longo dos séculos como os
superiores e civilizados, servindo de modelo a ser seguido pelos demais, qualquer outro elemento
cultural originado em culturas que não estão em conformidade com as características ditas
civilizadas não deve ser multiplicado nem incentivado. É o caso das danças e das músicas do pagode,
derivadas das tradições africanas.
Foucault (1996) indaga o que há de tão perigoso no fato de as pessoas falarem e de seus
discursos proliferarem indefinidamente. O perigo não está no que é falado, porém na intenção com
que se fala. Afinal, nem sempre se retrata a realidade dos fatos, ou se rememora aquilo que se
acredita importante e que vale a pena ser repassado adiante, numa tentativa de moldar o futuro e
os indivíduos que dele farão parte. Se para tudo há uma intenção, seja ela positiva, seja negativa,
resta a nós, leitores, refletir sobre o que é dito para que o discurso não seja utilizado tal e qual um
instrumento de verdade e manipulação de poder.
Considerações
65
Pagode é um estilo musical parecido com samba, cuja origem remonta a cidade do Rio de Janeiro (RJ) em fins da
década de 1970. O termo pagode oriunda de festas que aconteciam nas senzalas de escravos negros e quilombos, à
época da escravidão no Brasil, e como vertente musical nasceu às margens dos acontecimentos musicais dos meios de
comunicação do país.
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perceba a construção das narrativas biográficas como uma arena de disputa e um campo de força
de agentes sociais desiguais (Thompson, 1989).
Foram verificados na obra, ainda, preconceitos velados e tentativas de apagamento de
parcelas da população, com o propósito, também velado, de manter a hegemonia e a “pureza” da
identidade regional, com o intuito de se forjar uma identidade regional e uma história singular para
o município de Joinville, que insiste em manter uma tradição única, embora já se tenham registros
de que o grupo de imigrantes e habitantes da cidade era muito mais variado. Veem-se claramente,
portanto, apagamentos a fim de sustentar a história oficial.
Pode-se concluir, então, que os desafios no campo da biografia vão na direção de repensar
modelos já consagrados, considerados por traços nem sempre originais para uma sociedade com
identidades e culturas diversas. Isso se reflete, por exemplo, em um olhar unilateral e linear tanto
pela história como pela literatura. Isso significa a permanência de narrativas biográficas que
raramente permitem transformações em seus significados, seus atores ou reconheça o caráter
mutante da cultura. De qualquer maneira, como bem aponta a voz dissonante de Florbela Espanca66
(2012), no seu poema “Ruínas”, os caminhos futuros são possíveis pelo contínuo reconstruir de
visões que se pensam como imutáveis.
REFERÊNCIAS
AVELAR, Alexandre de Sá. A biografia como escrita da história: possibilidades, limites e tensões.
Dimensões, Vitória, v. 24, p. 157-172, 2010. Disponível em:
http://periodicos.ufes.br/dimensoes/article/download/2528/2024. Acesso em: 17 mar. 2016.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução de Laura Franga de Almeida Sampaio. São
Paulo: Loyola, 1996.
GELBCKE, Wilson. Primavera em pleno outono: a jovem Olívia faz 80 anos! Joinville: Letradágua,
66
Poetisa portuguesa. No início do século XX, foi uma das primeiras mulheres a frequentar o curso secundário. Além
de poetisa, foi tradutora, contista, professora de português e colaborou com inúmeros jornais e revistas.
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
2004.
GROTH, Marlise. Cenef: entidade faz a defesa da família. AN Cidade, Joinville, 19 mar. 1999.
Disponível em: http://www1.an.com.br/1999/mar/19/0cid.htm. Acesso em: 23 nov. 2016.
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ST - 8
Patrimônio industrial e mundial:
estado da arte, perspectivas e desafios
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
Introdução
No ano de 2007, a Lei 11.483, de 31 de maio de 2007, acaba por atribuir ao Iphan a
responsabilidade de administrar e preservar os bens móveis e imóveis, da extinta Rede Ferroviária
Federal SA - (RFFSA), desde que tenham comprovado valor histórico, artístico e cultural.
No ano de 2010, três anos após a Lei nº 11.483, de 2007, o Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional – (IPHAN) publica a Portaria n.º 407, de 2010, com objetivo de normatizar
alguns procedimentos “Dispõe sobre o estabelecimento dos parâmetros de valoração e
procedimento de inscrição na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário, visando à proteção da
memória ferroviária, em conformidade com o art. 9º da Lei n.º 11.483/2007” (IPHAN, Portaria
nº407, 2010).
Através desta da Portaria nº 407, de 2010, o IPHAN institui no Art.1º” Institui no âmbito do
IPHAN, a Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário, de acordo com o artigo 9º, da Lei n.º 11.483/2007,
“onde serão inscritos todos os bens reconhecidos como detentores de valor artístico, histórico e
cultural” e informa ainda que competirá à “Coordenação Técnica do Patrimônio Ferroviário” a
gestão (IPHAN, Portaria nº 407, 2010, grifo nosso).
A inserção de um bem patrimonial ferroviário, oriundos da extinta RFFSA e inscritos na Lista
do Patrimônio Cultural Ferroviário, serão assim protegidos, conforme explica o Art. 2º “Os bens
inseridos na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário gozam de proteção”, ou seja à partir do
momento da inscrição estes bens estarão protegidos pelo IPHAN para “evitar seu perecimento ou
67
Doutoranda em Patrimônio Cultural e Sociedade. Universidade da Região de Joinville – (UNIVILLE), 2021-2024. Mestre
em Comunicação e Linguagens Midiáticas - UTP, 2009. Especialista em Conservação de obras sobre papel – UFPR, 2001.
Membro do grupo de pesquisa Cidade, Cultura e Diferença – GPCCD/UNIVILLE. Docente da UNESPAR/Embap. E-mail:
vivianlbmarques@hotmail.com
68
Doutora em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (2010) e Pós-doutora pela Universidade de
Coimbra, em Portugal (2018). Docente/Orientadora do PPG em Patrimônio Cultural e Sociedade/UNIVILLE. Líder do
grupo de pesquisa Cidade, Cultura e Diferença – GPCCD/UNIVILLE.E-mail: ilanilcoelho@gmail.com
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sua degradação, apoiar sua conservação, divulgar sua existência e fornecer suporte a ações
administrativas e legais de competência do poder público” (IPHAN, Portaria nº 407, 2010).
O IPHAN, neste momento institui Comissões, para gestão e preservação do patrimônio
ferroviário, como no Art. 3º, “a Comissão de Avaliação do Patrimônio Cultural Ferroviário, para fins
de aplicação do art. 9º da Lei n.º 11.483/ 2007 (IPHAN, Portaria nº 407, 2010).
Esta Comissão de Avaliação do Patrimônio Cultural Ferroviário (CAPCF) terá como
atribuição, no § 1º, de “decidir acerca do valor histórico, artístico e cultural de bens móveis e
imóveis”, para na sequência fazer valer os instrumentos de proteção. Aponta ainda no § 2º e § 3º
que a comissão será presidida pelo “Diretor do Departamento do Patrimônio Material e Fiscalização
– Depam, seus coordenadores e representantes por estes designados” (IPHAN, Portaria nº 407,
2010).
No Art. 4º, trata de quais bens são passíveis de inclusão na Lista do Patrimônio Cultural
Ferroviário “os bens móveis e imóveis oriundos da extinta RFFSA”. Para que sejam passíveis de
inclusão na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário, devem seguir algum destes critérios,
A Lista do Patrimônio Ferroviário formulada em 2010, pela Portaria n.º 407, IPHAN, cita a
Comissão de Avaliação do Patrimônio Cultural Ferroviário (CAPCF) e a figura do Diretor do
Departamento do Patrimônio Material e Fiscalização – (DEPAM) para análise dos bens ferroviários.
Recentemente, em 2022 o IPHAN publica a Portaria n.º 17, de 29 abril de 2022, a qual dispõe
sobre os critérios de valoração e o procedimento de inscrição de bens na Lista do Patrimônio
Cultural Ferroviário, visando à proteção da memória ferroviária, em conformidade com o art. 9º, da
Lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007.
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Segundo IPHAN, “A gestão desse acervo constitui uma nova atribuição do Iphan e, para
responder à demanda, foi instituída a Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário, por meio da Portaria
Iphan nº 17/2022, com 591 bens inscritos”, a avaliação para inscrição na LPCF,
[...] os bens são avaliados pela equipe técnica da Superintendência do Estado onde
estão localizados e, posteriormente, passam por apreciação do departamento de
patrimônio material e fiscalização, cuja decisão é homologada pela Presidência do
Iphan. Os bens não operacionais são transferidos ao Instituto, enquanto bens
operacionais continuam sob responsabilidade do DNIT, que atua em parceria com
o Iphan visando à preservação desses bens. Esse procedimento aplica-se,
exclusivamente, aos bens oriundos do espólio da extinta RFFSA. Disponível
em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/127. Acesso em 28 de agosto de
2023.
Metodologia
A metodologia escolhida para este artigo foi a análise comparativa, através da comparação
das portarias publicadas pelo IPHAN, para com a proteção do patrimônio da extinta RFFSA.
Tabela 01 - Comparação da Portaria N.º 470, de 2010 e a Portaria N.º 17 de 2022.
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PROPONENTE: Não define quem pode propor PROPONENTE: Define quem pode ser
processos de pedido de valoração dos bens da proponente dos processos de valoração: “Toda
extinta RFFSA. Relata apenas que o IPHAN pessoa física ou jurídica, de direito público ou
emitirá um parecer técnico a respeito dos privado, é parte legítima para provocar a
pedidos. instauração do processo de valoração”.
PEDIDO DE VALORAÇÃO: “será dirigido ao
NÃO DEFINE. Superintendente do Iphan na Unidade da
Federação onde está localizado o bem”,
No §1º “Quando o bem estiver localizado em
mais de uma Unidade da Federação, o
interessado poderá dirigir o pedido de valoração
a qualquer Superintendência com circunscrição
sobre a área geográfica do bem” e no “§2º Os
pedidos de reconhecimento de valor poderão
ser protocolizados de forma física nas unidades
do Iphan ou através dos meios digitais do
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INSTITUI : a Coordenação Técnica do Patrimônio ALTERA: “os bens são avaliados pela equipe
Ferroviário – (CTPF), para gerenciar os bens técnica da Superintendência do Estado onde
móveis e imóveis da extinta RFFSA. estão localizados e, posteriormente, passam por
apreciação do departamento de patrimônio
material e fiscalização, cuja decisão é
homologada pela Presidência do Iphan. Os bens
não operacionais são transferidos ao Instituto,
enquanto bens operacionais continuam sob
responsabilidade do DNIT, que atua em parceria
com o Iphan visando à preservação desses bens.
Esse procedimento aplica-se, exclusivamente,
aos bens oriundos do espólio da extinta RFFSA”.
Aportaria não fala mais sobre a Comissão
Técnica do Patrimônio Ferroviário – (CTPF).
BENS PASSÍVEIS DE INCLUSÃO NA LPCF: amplia
BENS PASSÍVEIS DE INCLUSÃO NA LPCF: os bens os procedimentos: bens que “apresentam
que tenham valores: artístico, histórico, cultural, correlação com fatos e contextos históricos ou
tecnológico ou científico e valor simbólico. culturais relevantes, inclusive ciclos econômicos,
movimentos e eventos sociais, processos de
ocupação e desenvolvimento do País, de seus
Estados ou Regiões, bem como com seus
agentes sociais marcantes”; II – “portadores de
valor artístico, tecnológico ou científico,
especialmente aqueles relacionados
diretamente com a evolução tecnológica e
industrial ou com as principais tipologias
empregadas no Brasil a partir da implementação
da ferrovia até a extinção da Rede Ferroviária
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Considerações finais
A pesquisa demonstra que o grande impulso à preservação do patrimônio ferroviário foi com
a promulgação da Lei Nº 11.483/2007, sobre o término do processo de liquidação e extinção e ainda
a revitalização do setor ferroviário, deixando claro que o IPHAN, ficou encarregado de “receber e
administrar os bens móveis e imóveis de valor artístico, histórico e cultural, oriundos da extinta
RFFSA, bem como zelar pela sua guarda e manutenção”. A partir desta determinação o IPHAN
avaliou e registrou em seu livro tombo muitos bens da extinta RFFSA.
Em 2010, o IPHAN publica a Portaria n.º 407, com objetivo de normatizar alguns
procedimentos, e parametriza a valoração e o procedimento de inscrição na Lista do Patrimônio
Cultural Ferroviário – (LPCF), para proteger a memória ferroviária. Depois da inscrição inicia-se o
processo de gestão destes bens, após classificação em bens: NOP – Não Operacionais; OP –
Operacionais; FC – Fundo contingente e RT – Reserva Técnica, define-se para onde serão
transferidos e quais órgãos ficarão responsáveis. Pela narrativa dos artigos da Portaria n.º 407/2010,
um dos pontos importantes para o atestado de valoração é o estado de conservação, indissociável
do poder de fruição do bem patrimonial. O bem deve estar em bom estado de conservação, pois
bens com danos físicos perdem o valor. A portaria ainda prevê a reavaliação do bem e o bem pode
ser desvalorado. O IPHAN, criou uma comissão para avaliar os bens da extinta RFFSA, A Comissão
de Avaliação do Patrimônio Cultural Ferroviário – (CAPCF).
Doze anos depois da Portaria n.º 410/2010 IPHAN, foi publicada a Portaria nº 17, de 29 de
abril de 2022 IPHAN, onde define os critérios de valoração e o procedimento de inscrição de bens
na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário par aos bens móveis e imóveis, mesmo depois de ter
inscrito bens na lista do patrimônio Ferroviário desde 2007, instituído a portaria em 2010, o IPHAN
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REFERÊNCIAS
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BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei Nº.
11.483/2007. Dispõe sobre a revitalização do setor ferroviário, altera dispositivos da Lei n o 10.233,
de 5 de junho de 2001, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 2007. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11483.htm>. Acesso em: 01
out. 19.
IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Portaria Nº. 407/2010. Dispõe sobre
o estabelecimento dos parâmetros de valoração e procedimento de inscrição na Lista do
Patrimônio Cultural Ferroviário, visando à proteção da memória ferroviária, em conformidade com
o art. 9º da Lei n.º 11.483/2007. 2010. Disponível em: <
http://portal.iphan.gov.br/uploads/legislacao/portaria4072010alteradaportaria_1722016.pdf>.
Acesso em: 01 out. 19.
IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Portaria Nº 17/2022. Dispõe sobre
os critérios de valoração e o procedimento de inscrição de bens na Lista do Patrimônio Cultural
Ferroviário, visando à proteção da memória ferroviária, em conformidade com o art. 9º, da Lei nº
11.483, de 31 de maio de 2007. Disponível em:https://www.gov.br/iphan/pt-br/centrais-de-
conteudo/legislacao/atos-normativos/2022/portaria-iphan-no-17-de-29-de-abril-de-2022.Acesso
em: 09 set 2022.
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Introdução
Este estudo está relacionado à linha de pesquisa Memória e Gestão Cultural do Programa de
Pós-Graduação em Memória Social e Bens Culturais da Universidade La Salle e faz parte de um
recorte da Dissertação de Mestrado intitulada “Memória empresarial do Banrisul Armazéns Gerais
S.A. (Bagergs) e a sua contribuição para o desenvolvimento do Rio Grande do Sul”. Nesta
comunicação em específico, busca-se relacionar o tema da memória social com os conceitos do
patrimônio industrial às atividades econômicas produzidas pela Armasul (atual Bagergs) quando da
sua fundação, na década de 1950. Com o intuito de estabelecer armazéns gerais para depósitos,
guarda, beneficiamento e conservação de mercadorias, as atividades da Armasul foram
extremamente importantes para atender uma demanda crescente da industrialização brasileira e
do estado do Rio Grande do Sul, responsável pelo papel de fornecedor de bens de consumo à nível
nacional. Sobretudo, as atividades da instituição se organizaram para atender um circuito produtivo
da época, remetendo-se ao conceito de patrimônio industrial e ao valor cultural, dos quais são
fundamentais para a construção da memória social e coletiva. Para dar conta desta comunicação,
utilizou-se como metodologia a análise de conteúdo a partir do corpus documental, incluindo
imagens e o levantamento bibliográfico, sendo o estudo de caráter descritivo e exploratório, num
campo qualitativo de pesquisa.
Metodologia
Esta pesquisa se enquadra no campo qualitativo e descritivo ao qual, segundo Gil (2008),
busca as várias formas de representação das vivências sociais no mundo e tem o objetivo de estudar
as características de um grupo. No caso da pesquisa exploratória, o autor contribui, pois diz que o
principal objetivo é esclarecer conceitos a partir de hipóteses pesquisáveis, além de envolver o
levantamento bibliográfico e documental (GIL, 2008).
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Neste estudo, também se aplica a pesquisa documental que, segundo Bardin (2021, p. 47)
‘’permite passar de um documento primário (em bruto) para um documento secundário
(representação do primeiro)’’, pois o objetivo é anunciar o documento em formato diferente do
original possibilitando a análise de conteúdo. Quanto ao acervo imagético aqui apresentado,
aproxima-se do entendimento de Mauad (2005) ao qual diz que a fotografia é uma fonte histórica
e também um produto cultural, uma vez que, quando alinhada com a narrativa, torna-se um meio
para rememorar o passado no presente e destacar referências culturais como acontecimentos,
vivências, histórias e memórias. Para ela, a imagem é um testemunho válido e “atesta a existência
de uma realidade” (MAUAD, 2005, p. 136).
Quanto ao corpus documental que deu origem a essa pesquisa, apresenta-se abaixo a
relação de documentos disponibilizados pela empresa:
Quadro 1 - Relação de documentos disponibilizados pela Armasul/Bagergs, dos anos 1946 a 2019
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Revisão Teórica
No campo da memória social, o autor Paul Ricoeur (2007) diz que não há diálogo sobre o
passado e presente que seja neutro, pois estes exprimem um sistema de atribuições de valores.
Logo, quando há um vínculo do conhecimento do passado com os anseios do presente, é possível
uma reelaboração do mundo por meio de uma memória formalizada. Para Michael Pollak (1992), a
memória é um fato construído socialmente que envolve manter a coesão interna e defender as
crenças que um grupo tem em comum, a memória seria um produto social, ou seja, “[...] um
fenômeno construído coletivamente submetido a flutuações, transformações, mudanças
constantes” (POLLAK, 1992, p. 201).
Ainda, a memória pode ser percebida em um determinado espaço. Quanto ao conceito
deste, Maurice Halbwachs (2006, p.143) diz que “não há memória coletiva que não se desenvolva
num quadro espacial”. Ou seja, o passado só pode ser recuperado se ele for conservado em um
espaço particular onde estamos inseridos.
Considerando o campo do patrimônio industrial, Ferreira (2009) afirma que este trata de um
local de memória onde os vestígios das atividades (que muitas vezes deixam de existir ou de ter
importância) estão presentes, indo além de um lugar de trabalho. Com relação aos bens ligados às
atividades produtivas, Kühl (2018, p. 46) diz que “é necessário fazer um estudo histórico-
documental e iconográfico, estudo analítico-descritivo e também comparativo, para entender as
tipologias e a transformação dos vários setores industriais” e que “preservar a memória do trabalho
é essencial”.
Ainda, Meneguello (2005, p. 131) compreende o patrimônio como “a dimensão das
estruturas industriais a serem preservadas (...)”. Para a autora (2021, p. 92), “pensar sobre os
espaços de trabalho implica em entender todas as suas dimensões materiais e imateriais”, e quando
há uma rememoração desse trabalho, “a memória edificada ou não, pode se transformar em
patrimônio industrial” (MENEGUELLO, 2021, p. 93).
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Trajetória da Armasul
A Brasa sublocou um total de quatro prédios, que operaram como armazéns, e um terreno
em zona comercial, de fácil acesso e que era considerada uma das mais importantes vias na cidade
de Porto Alegre/RS. Também foram locadas aparelhagens e comprados móveis e utensílios deste
acionista para o início das atividades. A extensão total somava 8.590 m2 de área descoberta e mais
4.000 m2 de área coberta, o que possibilitava a armazenagem de 600.000 volumes de cargas. O
local estratégico fazia divisa com o Rio Guaíba e estava localizado na Avenida Voluntários da Pátria,
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aos fundos da Avenida Missões, em Porto Alegre/RS. A foto abaixo se refere às vistas aéreas
próximas à localidade.
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Resultados
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pela Armasul, na época, possibilitava o depósito das mercadorias suprindo uma necessidade do
mercado, que enfrentava o aumento nas exportações refletido pelo vulto das safras agrícolas e o
beneficiamento da produção cerealista do estado.
Inclusive, observações colhidas no interior do estado, nas cidades de Pelotas e Rio Grande,
que faziam parte desse setor, apoiaram a constituição da empresa, a qual a construção de futuros
armazéns, nos anos seguintes, e a aderência de maquinários também direcionaram para o
beneficiamento da produção rural do território rio-grandense, além de facilitar no transporte
rodoviário, pois os armazéns permitiam que as mercadorias ficassem mais próximas das saídas do
Rio Grande do Sul para o Sudeste, tanto por via marítima como terrestre.
A seguir, são apresentadas as Considerações Finais deste recorte.
Considerações Finais
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disponível no Diretório Acadêmico da Universidade, podendo ser consultado pelo link <https://svr-
net20.unilasalle.edu.br/handle/11690/2559>. Abaixo, segue a foto da capa do livro:
Figura 5 - Capa do E-book (produto técnico oriundo do Mestrado Profissional em Memória Social e Bens
Culturais da Universidade La Salle)
REFERÊNCIAS
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GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
MAUAD, Ana Maria. Na mira do olhar: um exercício de análise da fotografia nas revistas ilustradas
cariocas, na primeira metade do século XX. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v.13. n.1. p.
133-174. jan.-jun. 2005.
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, v.5 n.10, 1992.
TICCIH Brasil. Cartas Patrimoniais: Carta de Nizhny Tagil. 2003. Disponível em:
https://ticcihbrasil.com.br/cartas/carta-de-nizhny-tagil-sobre-o-patrimonio-industrial/.
Acesso em: 28 set. 2021.
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Resumo
Introdução
O quadro teórico a seguir aborda a temática entre espaços de produção e espaços urbanos,
a partir de como a lógica produtiva e a cultura organizam o espaço urbano, o meio e a paisagem,
constituindo uma identidade da sociedade com o ambiente construído. Esse importante patrimônio,
material e imaterial, está sendo ameaçado pela lógica da produção contemporânea por meio da
reprodução desse mesmo espaço, ameaçando assim não somente o patrimônio industrial edificado,
como também toda a memória urbana de uma coletividade. Por isso a academia deve ser crítica em
relação à produção deste espaço contemporâneo, não sendo apenas legitimadores das ideologias
propostas, mas sendo agente questionador e de importância fundamental na produção do espaço
da cidade contemporânea.
A discussão teórica inicia-se sobre como os espaços de produção organizam os espaços
urbanos a partir do pensamento que Lefèbvre, Castells e Milton Santos desenvolvem e conseguem
fazer uma espacialização sobre a cidade. Segundo estes autores, a organização espacial urbana se
desenvolve a partir das atividades de produção, visto que a concentração espacial ocorre a partir
do modo de produção capitalista, que reflete na dinâmica urbana das cidades. O pensamento de
Lefèbvre (1991) explica que a importância do espaço é dada pela dialética entre valor de uso e valor
de troca, que produz espaço social de usos e espaços abstratos de expropriação. O espaço continua
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sendo um protótipo permanente do valor de uso, que se opõe às generalizações do valor de troca
na economia capitalista sob a autoridade de um Estado homogeneizador. Ao discutir sobre a
importância da preservação dos espaços industriais e suas diversas formas de influência,
principalmente nas relações sociais resultantes destes espaços, é necessário discutir também a
importância do valor de uso desses espaços para que não se tornem apenas mercadorias. Se os
espaços forem destinados somente à troca, ou seja, transformados em mercadoria, sua apropriação
e modo de uso será subordinado ao mercado, limitando seu uso às formas de apropriação privada,
cada vez mais restrita a lugares vigiados, normatizados, privados ou privatizados (LEFÈBVRE, 1972).
Claval (1999) comenta sobre a importância da cultura no desenvolvimento e alterações do
meio e da paisagem. Halbwachs (1990) desenvolve os seus conceitos sobre memória coletiva e a
importância da memória compartilhada para a formação de uma verdadeira memória urbana a
partir dos fatos sociais vivenciados no cotidiano da vida humana. Jeudy (1990) contribui nesse
mesmo sentido com a importância da valorização das memórias do social e introduz a discussão das
novas formas de preservação, onde os espaços devem ser restituídos e reapropriados para o
estabelecimento da identidade coletiva. Porém, a globalização da economia mundial e a
flexibilidade produtiva (HARVEY, 1992) são ameaças presentes ao acervo de patrimônio industrial
brasileiro, visto as formas de intervenção contemporâneas, através do modo de acumulação
especulativo e da financeirização de praticamente tudo, que espacializam as contradições no
território. É necessário cuidar com esses processos de renovação do patrimônio para atrair as
práticas de consumo contemporâneas, vinculadas ao turismo e aos supostos donos do poder, que
espacializam sua dominação territorial através dos processos de especulação imobiliária e
verticalização desenfreada, sem consideração com os bens patrimoniais, memória coletiva e a
paisagem local.
Manuel Castells, ao falar sobre a estrutura urbana, destaca a importância de não considerar
a cidade apenas como a projeção da sociedade no espaço. Os homens estabelecem relações sociais
determinadas, que dão ao espaço (bem como aos outros elementos da combinação) uma forma,
uma função, uma significação social. “Portanto, ele não é uma pura ocasião de desdobramento da
estrutura social, mas a expressão concreta de cada conjunto histórico no qual uma sociedade se
especifica” (CASTELLS, 1983, p.146).
A cidade se estrutura justamente entre o desejo da sociedade e o que é necessário para o
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processo de reprodução do capital. O espaço é o local de reprodução das relações sociais em nossa
sociedade, que não aparece na totalidade, mas fragmentado, tal e qual como a sociedade se
reproduz em nosso país. Essa fragmentação das classes sociais e do espaço é articulada por planos
econômicos, políticos e sociais que visam a passagem do processo de valor de uso para valor de
troca. Considerando que o espaço não deve ser apenas uma mercadoria e o cidadão não deve ser
apenas força de trabalho, o espaço geográfico como produção social que se materializa formal e
concretamente deve ser algo passível de ser apreendido, entendido e apropriado pela sociedade,
como condição para a reprodução da vida ao longo da história (LEFÈBVRE, 1991).
A preservação do patrimônio edificado e da memória urbana é contrária à lógica capitalista,
que pretende transformar o espaço e a cidade em mercadoria, sobrepondo-a somente ao valor de
troca em detrimento do seu real valor de uso. Para Lefèbvre (1991:4) a própria cidade é uma obra
que se opõe ao valor apenas de troca, pois a obra é valor de uso e o produto é valor de troca. A
cidade possui um conjunto significante, que apesar das sucessivas intervenções ou agressões na sua
paisagem, tem o potencial de reconstituir-se, como linguagem, a partir de seus referenciais
reconstruídos e evocar o passado de forma reflexiva, como ambiente de recuperação de uma
identidade social presente. Reconstituir a memória urbana de Florianópolis não significa apenas
valorizar as lembranças mortas ou individuais através de textos, imagens ou espetáculos teatrais.
Significa então, intervir nas ações de determinados sujeitos sociais, substituindo a fútil ocupação
intensiva e especulativa do solo pela preservação dos espaços que ainda representam uma
identidade, valorizando a memória urbana da coletividade e deixando-a viva, num processo cuja
lógica de mercado necessite do real valor de uso dessa obra que é a cidade.
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A grande maioria dos apartamentos e estúdios serve para locação e rentabilidade, ou seja,
para investidores gerarem renda a partir da localização privilegiada na área central e com vista
panorâmica. Essas autorizações no terreno e entorno imediato do patrimônio tombado desde 1986
mostram como os “donos do poder” conseguem algumas negociações privilegiadas a partir da
“revitalização” do patrimônio e com a implantação de atividades e práticas voltadas ao turismo.
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São salas comerciais exclusivamente para locação e rentabilidade, ou seja, também para os
investidores gerarem renda a partir da localização privilegiada na área central e com vista
panorâmica. Essas autorizações no terreno e entorno imediato do patrimônio tombado desde 1986
novamente mostram como os “donos do poder” conseguem algumas negociações privilegiadas a
partir da revitalização do patrimônio e com a implantação de atividades e práticas voltadas ao
turismo.
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Resultados e discussões
Com a restauração da Ponte Hercílio Luz, o espaço de estudo dessas duas intervenções
ganha ainda mais valor, onde o patrimônio é utilizado como desculpas para se higienizar o espaço
urbano através da substituição de uso e de público, contemplando ainda a verticalização dos
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REFERÊNCIAS
CASTELLS, M. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. CLAVAL, P. A geografia
cultural. Florianópolis: Editora da UFSC, 1999. HALBWACHS, M. A Memória Coletiva. São Paulo:
Vértice, 1990.
HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São
Paulo: Loyola, 1992.
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Introdução
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Pereira, pelo Museu da Pessoa do Estado de São Paulo, foi desenvolvida uma entrevista com Edison
d’Ávila69, historiador e ex-secretário da Educação, Cultura e Esportes do município de Itajaí, entre
1977 e 2000. Durante sua gestão ocorreu: a criação do Conselho de Patrimônio, a recuperação do
prédio da Ex-Fábrica de Tecidos, seu tombamento e reconversão para sediar a Biblioteca Pública.
Metodologicamente foram consultados os acervos disponíveis no Centro de Documentação
e Memória Histórica (CDMH) e/ou Arquivo Público de Itajaí, referentes a Fábrica de Tecidos Renaux
e a Biblioteca Pública. A entrevista foi gravada em formato de áudio, transcrita e analisada em
comparação com as documentações oficiais presentes no CDMH, sob a luz do aporte teórico
pertinente.
Somado a isso, se aplicou a metodologia indicada pela carta de Nizhny Tagil (2003),
analisando criticamente os processos relativos ao tombamento e requalificação do edifício, que hoje
em 2023 abriga a Biblioteca Pública Municipal e Escolar Norberto Cândido Silveira Júnior e sua
inserção e integração com o entorno. Bem como questões sobre a preservação da memória e do
fazer industrial, conservação e restauração arquitetônica, as possibilidades de restauro de bem
patrimonial industrial e a requalificação do espaço para o exercício de uma função diferente. Diante
disso, surgem questionamentos a respeito da delimitação da conservação do patrimônio à sua
esfera arquitetônica em detrimento à preservação da memória industrial no município de Itajaí.
Aqui, entendemos a Ex-Fábrica de Tecidos Renaux, como um lugar de memória (NORA,
1993), onde a memória industrial não se encontra presente, sendo necessária sua preservação
através de sua forma física expressa no conjunto arquitetônico remanescente. Além disso, leremos
seu patrimônio enquanto um monumento deste passado e um documento que, ao perfilar enquanto
último exemplar da arquitetura industrial em Itajaí, deve ser submetido a críticas (LE GOFF, 2013)
ao demonstrar na prática a seleção consciente dos “passados” que devem ou não serem legados às
futuras gerações.
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Edison d’Ávila, nascido no bairro Vila Operária em Itajaí/SC, em 6 de março de 1947, entrevistado pelos
autores em 16 de outubro de 2023, no Centro de Documentação e Memória Histórica/Arquivo Público de
Itajaí.
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O processo de urbanização das cidades no Brasil, iniciado no final do século XIX, não ocorreu
desacompanhado de fatores sociais e culturais, em Itajaí/SC, remontam às três primeiras décadas
do século XX. Nesse cenário, o município recebia os saldos da ascensão política e econômica dos
imigrantes europeus, em sua maioria alemães, ao poder municipal e estadual. Segundo Fausto
(2019, p. 236), “cerca de 3,8 milhões de estrangeiros entraram no Brasil entre 1887 e 1930. O
período de 1887-1914 concentrou o maior número, [...] cerca de 72% do total”.
Os vínculos pessoais existentes entre Carlos Renaux e Lauro Müller e família, possibilitaram
a Renaux o destaque na política durante e após a Constituição do Estado de Santa Catarina em 1891,
bem como sua ascensão econômica (Glatz, 2018). Além da influência, essas relações obtiveram
resultados práticos na dinâmica comercial do Estado e da cidade de Itajaí.
Nesse período, o parque industrial do município era composto por empresas como a Fábrica
de Tecidos Carlos Renaux S.A, localizada no bairro Vila Operária, propriedade de Carlos Renaux e
administrada por seu filho, Otto Renaux; A Fábrica de Taboinhas e/ou Fábrica de Caixinhas de
Charutos, de Gottlieb Reif; A Companhia Fábrica de Papel Itajahy S/A, importante exemplar
industrial, econômico e arquitetônico da década de 1910, que contou com ações da Hering, Reif &
Cia. (D’ÁVILA, 2021, p. 251-252). Havia também a Usina de Açúcar Adelaide, propriedade da família
Konder, a Fábrica de Máquinas e Fundição Guido & Cia e engenhos de beneficiamento como
Malburg & Cia, Konder & Cia e Engenho Central (op. cit).
A Fábrica de Tecidos Renaux de Itajaí e sua matriz de Brusque, surgiram durante o segundo
período do processo de industrialização no Brasil, entre 1808 e 1930. Sobre o período, Azevedo
(2010, p.14) aponta que “o setor têxtil apresentou um grande crescimento, favorecido em parte
pelo crescimento da cultura do algodão, em razão da Guerra de Secessão dos Estados Unidos”.
A fábrica de Itajaí integra o projeto de um distrito industrial. O mesmo foi idealizado por José
Eugênio Müller, sobrinho de Lauro Müller. Conforme documentação anexada ao Dossiê de
Tombamento do Imovel, existente no Centro de Documentação e Memória Histórica
(CDMH/FGML), Müller, através da Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada
Construtora Catarinense (1924), empresa de sua propriedade, promoveu a construção de casas de
alvenaria, com plantas baixas de acordo com a escolha dos compradores e, num modelo
padronizado de casas de madeira. Estas deram origem ao bairro “Vila Operária”.
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Imagem 1 - Casas de Alvenaria, bairro Vila Operária. Imagem 2 - Casas de madeira, bairro Vila Operária.
Fonte: Acervo iconográfico CDMH/FGML, 1925. Fonte: Acervo iconográfico CDMH/FGML, 1925.
De maneira concomitante, a Azevedo, Petermann & Cia constrói em idos de 1921 a “Fábrica
de Tecidos de Itajahy”, posteriormente adquirida por Carlos Renaux na década de 1930 (Andrade
Jr., 2016). No decorrer desta década, a filial foi responsável pela instalação da técnica de “fiação de
efeito”, considerada revolucionária para a tecelagem em Santa Catarina (op. cit). A ausência
documental de fontes primárias, escritas ou orais, torna as informações referente às datas,
nomenclaturas, instalação e fechamento da Fábrica imprecisas.
A Fábrica de Tecidos Carlos Renaux S.A funcionou entre a década de 30 até os anos de 1970,
quando ante às necessidades de modernização da indústria têxtil, a filial de Itajaí sofreu
sucateamento compensatório, incentivado pelas políticas do Governo Federal para importação de
teares mais tecnológicos. Segundo documento do acervo pessoal de Edison D’Ávila, as filiais da
fábrica Renaux de Itajaí/SC, Nova Trento/SC e Brusque/SC, foram fechadas. Seus teares obsoletos
foram desmontados na presença de um interventor do governo, e sua tecnologia somente poderia
ser vendida a iniciativas de fundição.
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O “patrimônio” somente voltaria a ser pauta nas eleições de 1997 onde, segundo o
entrevistado, Jandir Bellini, enquanto pré-candidato a prefeito, e aconselhado por Edison d’Àvila a
retomar a pauta relacionado ao patrimônio histórico do município. Após ser empossado, Bellini
implementou o Conselho Municipal do Patrimônio Cultural, mediante a Lei nº 3198, de 05 de
setembro de 1997.
A notoriedade desta demanda, se deve também a pressão feita pela mídia e pelo setor
artístico e cultural do município, que sinalizaram para o fato de que diversas outras cidades tinham
patrimônios tombados e Itajaí ainda não tinha nenhum.
E que geraram assim aquela coisa, poxa, mas Itajaí não tem nada, São Francisco
tem, Laguna tem, Florianópolis tem, Itajaí não tem nada. Foram demolidas nesse
período, a Casa Gal, né? Que era uma casa enxaimel, a única enxaimel, a casa
Asseburg, que era o primeiro estabelecimento comercial da cidade, uma casa de
exportação, etc. E isso, não é? Gerou uma demanda, gerou uma demanda, o que
fazer? E aí, na eleição, na eleição de 1996, porque durante esses 13 anos a coisa foi
crescendo. E foram os agentes, os artistas, tal, os jornalistas, tal, começaram a ver,
pô, não tem nada, é preciso. E aí, na eleição de 96, já os candidatos colocaram essa
questão do patrimônio como uma preocupação.
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Bom, aí, o primeiro trabalho nosso do Conselho foi listar. Sabe? Aqueles imóveis que
tinham relevância histórica, cultural, arquitetônica, para um primeiro processo de
tombamento.
Fonte: Acervo iconográfico CDMH/FGML, c. 1930. Fonte: Acervo iconográfico CDMH/FGML, [s.d.].
Logo, questiona-se porque tombar, somente, a Ex-Fábrica de Tecidos Renaux, haja visto a
existência de demais exemplares fabris, alguns mais antigos e quiçá com maior influência e destaque
à memória industrial do município? d’Ávila argumentou que
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Cabe salientar, que o entrevistado nasceu no bairro Vila Operária, tendo passado parte
significativa de sua vida neste lugar. Então, em certa medida, tal escolha parte de um inconsciente
afetivo, relacionado com sua vivência em relação ao patrimônio.
Agora... A fábrica ela tinha uma inserção muito grande no bairro da vila. Ela tinha,
por exemplo, um núcleo habitacional de casas feitas de madeira. [...]. Então, além
do que, muitos vizinhos e conhecidos da gente trabalhavam na fábrica. Então a
gente sabia, principalmente...tínhamos homens, [...] mas a maioria eram mulheres.
Então, eram vizinhas da gente, era aquela coisa toda que transitava o tempo todo,
iam pra fábrica, voltavam da fábrica, e em grupos, em três, quatro, as vezes voltava
com um grupo maior. Então, aquela vivência com operários da fábrica era constante
no bairro. Então era uma referência para a gente, era para os moradores da vila. Eu
morei e vivi no bairro da vila, nasci alías, e morei no bairro da vila até me casar. Em
1971. Então a fábrica tinha uma referência muito grande para nós. A gente falava
o quê? A Fábrica da Vila. [...] Então era uma referência, sim, uma indústria bem
integrada no bairro, assim. Bem integrada no bairro, assim. A gente passava por
ali, ouvia o barulho constante dos teares, aquela batida dos teares, e a gente ouvia
o tempo todo.
A reconversão do edifício
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conforme indica documentação do dossiê de tombamento: “O prédio passou por uma reforma mas
existem alguns problemas no telhado, infestação de cupins e janelas emperradas” (op. cit).
Na pesquisa documental localizou-se o projeto inicial de instalação da Biblioteca Pública
Municipal (1997) e o “Relatório Fotográfico do Projeto e Implantação da Biblioteca Pública
Municipal e Escolar de Itajaí” (2000). Não foram encontrados, isso se houverem, o projeto
arquitetônico da intervenção e o relatório final, como hoje em dia é costume ser realizado ao final
de trabalhos de restauração de bens imóveis.
O entrevistado, professor Edison D’ávila, é um dos responsáveis pela elaboração do projeto,
visto que, em 1997, o mesmo estava a frente da Secretaria de Cultura e Esporte de Itajaí, quando
são iniciados os diálogos com a Petrobrás para o financiamento do “restauro” do edifício, iniciado
em 1999.
Nessa época... É... Da primeira intervenção, diríamos assim, né? No prédio para
prepará-lo para sediar a biblioteca, ainda não havia uma consciência do que era o
verdadeiro restauro. Não se tinha essa consciência. Então, o que se fazia, e o que se
fez ali, foi uma reforma buscando preservar a estrutura externa, até porque
internamente também já tinham tirado parede, já tinham feito um tipo de assoalho,
aquela coisa toda. E... Mas ainda não havia essa consciência. Depois do ano 2000,
lá por 2004, por ali, é que se tomou essa consciência de que num prédio tombado,
num prédio histórico, não se pode fazer obra com qualquer empresa.
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Imagem 5: edifício da Fábrica de Tecidos Renaux S.A Imagem 6: Biblioteca Pública Municipal e Escolar de
. Itajaí.
Fonte: Acervo iconográfico CDMH/FGML, [s.d.]. Fonte: Marcos Porto/portal Itajaínews, 2023.
Conclusão
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Para concluir, há uma questão pontual que merece atenção e crítica: até o momento (2023)
não há, dentro da Biblioteca Pública Municipal e Escolar Norberto Cândido Silveira Jr., qualquer
referência à função original daquele edifício. Nem mesmo uma simples placa, de identificação de
patrimônio histórico e cultural, que conte um pouco da história do edifício, como acontece em
outros muitos patrimônios edificados. O “antigo” e o “novo” aí se misturam por completo, sem dar
oportunidade à rica experiência da provocação e interpretação da memória e da história.
REFERÊNCIAS:
Fundo Público da Prefeitura Municipal de Itajaí (PMI). Fundação Cultural (FCI) / Fundação Genésio
Miranda Lins (FGML), Departamento de Patrimônio / Conselho de Patrimônio.
D'AVILA, Edison. Entrevista com Edison d’Ávila*, parte I e II. [Out. 2023]. Entrevistador: Maykon
Daniel Hundenski e Yasmin Sayegh Al Kas. Itajaí/SC, 2023. 2 arquivos, em .m4a (43:05 min.) e mp3
(48:07 min.).
ANDRADE JÚNIOR, Lourival. Fábrica de Tecidos Renaux. In: SILVA, Lindinalva Deola da. Itajaí:
Imagens e Memória. Itajaí: A. Amaral traço Blumenau: Nova Letra, 2016. p. 99.
AZEVEDO, E. B. Patrimônio industrial no Brasil. arq.urb, [S. l.], n. 3, p. 11–22, 2010. Disponível em:
https://revistaarqurb.com.br/arqurb/article/view/114. Acesso em: 20 set. 2023.
FÁVERI, Marlene de. Moços e moças para um bom partido (a construção das elites: Itajaí,
1929/1960). Itajaí: Editora Univali, 1998.
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(Didática, 1).
GLATZ, Rosimari. Brusque - Os 60 e o 160: elementos da nossa história. Brusque: Ed. UNIFEBE,
2018.
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ITAJAÍ (SC). Lei nº 2037, de 23 de dezembro de 1982. Dispõe sobre a proteção do patrimônio
cultural e estadual do município e cria órgão competente. Disponível em:
https://leismunicipais.com.br/a/sc/i/itajai/lei-ordinaria/1982/204/2037/lei-ordinaria-n-2037-
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Introdução
A cidade de Joinville é uma das maiores do estado de Santa Catarina e muito de seu destaque
se dá pelo setor econômico. Síncrono ao período de significativo progresso econômico, alavancado
principalmente pelo desenvolvimento industrial, são erguidas pela cidade um substancial conjunto
de edificações modernistas. Entre os anos 1954 até 1975 houve um crescimento de cerca de 394%
de trabalhadores no setor industrial, passando de 7.091 empregados em pátios fabris para 35.000.
Dados de 1977, apontam as indústrias da cidade como responsáveis por 75% da produção industrial
da microrregião, 28% da produção catarinense e 5% da produção industrial da região sul (TERNES,
1986).
Joinville possuía uma grande projeção nacional, quando se tratava de assuntos ligado ao
trabalho. Uma nota publicada no jornal Correio do Norte em 26 de abril de 1975, anunciava que o
então presidente de república Ernesto Geisel, “dia 1º, Dia do Trabalho, estará em Joinville, na
Manchester catarinense e ali anunciará o novo salário-mínimo a vigorar, a partir de maio no país.
Sem dúvida, uma deferência toda especial ao nosso Estado.” (CORREIO DO NORTE, 1975).
O expressivo crescimento industrial trouxe à cidade muitos migrantes, principalmente entre
as décadas de 1960 e 1970. A “disciplinação” dos oriundos de outras partes do estado e do país
acontecia para que a cultura do trabalho, do povo trabalhador que vivia nesta cidade de
descendentes germânicos, se perpetuasse (COELHO, 2011).
Tal cultura do trabalho era alimentada, nos habitantes e nos migrantes, com um discurso de
uma cidade que se desenvolvia pelo esforço de seus habitantes. A imagem da “Manchester
Catarinense”, epíteto adotado pela cidade, reverberava no discurso do empresariado e do poder
público e encontrava na população um receptáculo. A ideia de uma cidade que se desenvolveu por
meio do trabalho de seus habitantes, que atuam interminavelmente para o crescimento, progresso
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e ordem da maior cidade do estado, perpassa lideranças e gerações, reverberando até os dias atuais
(Figura 01). (SOUZA, 2005)
Figura 01 - Grafitti em fachada na área central de Joinville, com a escrita “Joinville é a locomotiva
catarinense”.
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O Edifício Manchester
O Edifício Manchester (Figura 02) foi inaugurado em 24 de julho de 1970, numa cerimônia
organizada pela Associação Empresarial de Joinville (ACIJ), para a inauguração do edifício e da nova
sede da ACIJ que seria instalada no mais recente edifício da cidade. Tal cerimônia contou com a
presença do então Ministro da Fazenda, Delfim Netto (Figura 03). O Manchester, a época de sua
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construção, foi o edifício mais alto da cidade e o de maior metragem quadrada do estado de Santa
Catarina (SEBRAE, 2022).
Figura 03 - Nota sobre a vinda do Ministro da Fazenda à Joinville, publicada no Jornal O Estado. Florianópolis,
05 de junho de 1970. Nº 16.404.
Projetado e executado pela empresa Comasa S.A., o edifício está localizado na Rua do
Príncipe, nº 330 no bairro Centro, em meio ao maior conjunto patrimonial da cidade. Tais
edificações, salvaguardadas pelo munícipio e pelo estado de Santa Catarina, estão principalmente
ligadas a formação inicial da cidade de Joinville, com edificações, sua maioria, com fachadas
ecléticas, promovendo assim um contraste de temporalidades e técnicas arquitetônicas,
contrapondo materiais, formas, volume, porte e ornamentação (ou a falta dela).
Projetado para representar a força da industrialização joinvilense, o edifício leva em seu
nome o epíteto atribuído a cidade. O discurso sobre a “Manchester Catarinense” reverbera até a
atualidade, em discursos sobre o povo trabalhador que aqui habita. Este jogo semântico, para
Certeau (1998), dispõe pela cidade nomes tais que se configuram em uma hierarquização dos
espaços e produzem legitimações históricas da cidade, reverberando até a atualidade os discursos
produzidos e legitimados.
O Manchester se constitui de 14 pavimentos e neles estão distribuídas unidades residenciais,
comerciais e de serviços. O edifício foi construído entre as ruas do Príncipe e São Joaquim, possuindo
fachada para ambas e permitindo uma permeabilidade urbana em seu térreo com acesso as duas
ruas, configurando um espaço semipúblico. Esta rota pedonal acontece em outros edifícios no
entorno do Manchester, configurando entremeios da cidade que permite aos pedestres uma
locomoção facilitada. Em seu térreo estão dispostas lojas e sobrelojas, que constituem um térreo
ativo, solução que foi utilizada também por Rubens Meister no desativado Hotel Colon, vizinho do
Edifício Manchester, que permite aos moradores e aos trabalhadores do edifício acesso a produtos
e serviços (VICENTE, 2023).
Do terceiro ao nono pavimento a configuração se divide, de modo que um lado não tem
acesso ao outro. Na fachada voltada para a Rua do Príncipe ficam as unidades residenciais e para o
lado da Rua São Joaquim estão locadas as garagens e as salas comerciais. O acesso aos setores se
dá separadamente no térreo do edifício, que possui acesso a parte residencial, de serviços e as
sobrelojas. Do quarto ao nono andar estão os pavimentos tipos, constituídos por quatro
apartamentos e quatorze salas comerciais. O décimo andar foi adequado para que a rádio cultura
se instalasse no local e o décimo primeiro, o “Terraço Tupy” (VICENTE, 2023).
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Nos primeiros anos, além da Rádio Cultura e o espaço da metalúrgica Tupy, estavam no
Manchester o Banco do Estado de São Paulo, o Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem de
Joinville e a Associação Empresarial de Joinville. Nomes como Rodrigo de
Oliveira Lobo, senador federal, também possuíam apartamentos no edifício 70 (VICENTE, 2023).
Ao longo dos anos, o edifício recebeu vários eventos e foi local de implantação de
importantes sedes, ligados diretamente ao industrial. Em algumas notas publicadas em jornais,
pode-se entender a reverberação do local como esta sede representativa da força da indústria da
cidade. Em 1971, ocorreu na sede da ACIJ o encontro dos prefeitos que integravam a Fundação
Intermunicipal, de Desenvolvimento Integrado de Santa Catarina (O ESTADO, 1971). Em 1972, o
presidente e os diretores da Companhia Siderúrgica Nacional visitaram a cidade e passaram por
diversas fábricas e posteriormente, foi realizado um coquetel na sede da ACIJ para os visitantes (O
ESTADO, 1972). A APESC, Associação dos Produtores de Energia de Santa Catarina, inaugurou sua
filial em Joinville em 1975, localizada no Edifício Manchester (O ESTADO, 1975). Assim como, em
2007, uma nota no Jornal O Correio do Povo confirma a permanência da sede da Secretaria da
Fazenda do munícipio no Manchester (O CORREIO DO POVO, 2011). É possível notar a
representatividade para o setor industrial que o edifício possuía, materializando e marcando na
paisagem da cidade a força do setor na localidade.
Em sua fachada, os pilares demarcam o ritmo das esquadrias. No térreo e na sobreloja, as
aberturas de vidro acontecem como vitrines. No terceiro pavimento, os cobogós fazem o
fechamento dos terraços, permitindo ventilação e iluminação. O volume do corpo principal do
edifício é composto por um jogo ritmado de esquadrias, que se destacam por seu acabamento preto
nos fechamentos de vidro. Destaque para as linhas verticais, que acontecem por meio da pintura
branca entre as esquadrias e proporcionam uma sensação de maior estatura, alongando as visuais
do prédio. Seu volume, como um sólido bloco retangular, se destaca na paisagem do entorno
imediato, composto majoritariamente de prédios de 2 ou 3 pavimentos (Figura 04).
70Informações coletadas nas pranchas de projeto arquitetônico disponíveis no acervo do Arquivo Histórico
de Joinville (AHJ).
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Assim como o Manchester, outras edificações construídas por voltas da década de 1970 e
ligadas a expansão industrial da cidade, tiveram seus projetos concebidos com os preceitos da
arquitetura moderna, tais como: os edifícios administrativos da Ciser, a sede administrativa e parte
da recreativa Tigre, parte da sede da Döhler, entre outras.
Tal modernização vista em suas construções representava o progresso e a atualidade que as
indústrias traziam para a cidade, gerando renda e desenvolvimento. O Edifício Manchester mantém
sua imponência na imagem da cidade até a atualidade, visto que seu entorno se dá, em sua maioria,
de edificações tombadas. Sua presença torna-se uma âncora de legibilidade do espaço urbano para
quem usufrui, frui, permanece e atravessa estes locais.
Partindo do ponto de vista de quem transita pela Praça Nereu Ramos, o Edifício Manchester,
junto ao Hotel Colon, forma um conjunto imediato de edificações modernistas, provocando a
impressão de que tais prédios fazem os limites da praça, como paredes para essa “sala de estar”
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urbana. Junto ao edifício Fauhy, construído na mesma época que o Manchester, esta sensação é
ampliada por toda a configuração de seu entorno, que, pela falta de afastamento entre os prédios,
conformam uma única grande fachada. O Manchester configura, ainda, um pano de fundo para o
edifício que foi sede dos correios e telégrafos, construído na Era Vargas, similar a outros edifícios
destinados ao mesmo uso pelo país.
Figura 05 - Praça Nereu Ramos, vista da Rua do Príncipe. Ao fundo, da direita para a esquerda, temos o
Edifício Manchester, o Hotel Colon e o Edifício Fauhy.
Considerações finais
O edifício marcou, e ainda marca, a paisagem urbana da cidade de Joinville. Sua construção
representa o momento de grande expansão econômica da indústria joinvilense e suas instalações
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Joinville (Univille), Joinville, 2023.
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Introdução
Segundo a constituição brasileira de 1988 do Artigo 216 coloca que o patrimônio são todos
os bens “de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira”. Dentro da definição de patrimônio temos uma categoria chamada de Patrimônio
Industrial que segundo a Carta de Nizhny Tagil são os bens que:
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Nos primórdios de Curitiba, a maior parte da força de trabalho era composta por agricultores
vinculados à agricultura de subsistência, predominantemente formada por portugueses, negros e
indígenas. Com o início do estímulo governamental à imigração europeia, a cidade estabeleceu
diversas colônias, especialmente de imigrantes alemães e italianos, visando revitalizar um sistema
de trabalho marcado pela escravidão e enfrentar desafios demográficos.
A perspectiva de uma vida melhor impulsionava a decisão de migrar para os europeus, que
vinham com a esperança de construir algo próprio para si e suas famílias. Em sua maioria, eram
agricultores que, de alguma forma, não conseguiam se sustentar no meio rural devido à pressão de
grandes latifundiários que expulsavam os pequenos produtores, e pela resistência em se
proletarizar nas fábricas urbanas. No entanto, muitos desses imigrantes ficaram desapontados com
a realidade ao chegar ao Brasil. As terras oferecidas nas colônias eram distantes das cidades e
carentes de infraestrutura. Muitos acabaram vendendo ou abandonando suas parcelas de terra e
retornando aos seus países de origem. Aqueles que permaneceram nas colônias enfrentaram
dificuldades, levando alguns a abandonar o campo e se estabelecer nas cidades, enfrentando a
realidade das fábricas que originalmente buscavam evitar.
O desenvolvimento da cidade de Curitiba teve origem no antigo bairro Rebouças, uma área
estritamente industrial que se formou por volta de 1880, impulsionada pela indústria ervateira que
se fortaleceu com a construção da Ferrovia Paranaguá–Curitiba em 1885. O bairro experimentou
um crescimento expressivo devido à facilidade de importação e exportação de produtos
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proporcionada pela ferrovia. Além disso, sua localização próxima ao rio Belém possibilitava o
descarte dos resíduos industriais rio abaixo.
Com o aumento da economia da cidade, a região passou a abrigar muitas residências de
famílias abastadas, e as fábricas e seus trabalhadores foram vistos como obstáculos, pois
"manchavam" a imagem da cidade. A partir da década de 1940, diversas fábricas foram compelidas
a se deslocarem devido a considerações econômicas e de espaço. Esse processo de
desindustrialização levou essas indústrias da região do Rebouças para o sul de Curitiba e para a área
metropolitana, ou simplesmente resultou em seu fechamento, deixando inúmeras estruturas
abandonadas e trabalhadores desempregados.
Em 1930 surge a primeira tentativa de organização da cidade de Curitiba decorrente do
crescimento populacional da cidade que entrava na virada do século XX com 60 mil habitantes, a
cidade não possui estrutura para o alongamento de tantas pessoas e sofriam com diversas
problemáticas entre saneamento básico, energia elétrica e moradia. Desse modo a cidade estava
extremamente propensa a propagação de doenças. O plano então era dividir a cidade em três zonas
estruturais que separavam comércio moradias padronizadas Indústrias, acreditava-se que a
estruturação dessas zonas distribuiria melhor a população e evitariam a superlotação de alguns
pontos. O problema foi que já em 1920 a cidade contava com mais de 90 mil habitantes, gerando
superlotação de algumas zonas estruturais, criando a necessidade do município de criar um plano
diretor/ urbanístico que se adequasse à cidade naquele momento.
Em 1943 surge o primeiro plano diretor da cidade, o Plano Agache, idealizado pelo arquiteto
francês Alfred-Donat Agache, que organizava a cidade em planos setoriais definindo em que áreas
seriam residências, comércios e Indústrias, mas, ao mesmo tempo, em que ela oficializava certos
bairros como Industrial como o Portão e o Rebouças ela colocava impasses para essas indústrias já
que muitas foram solicitadas a se retirarem por não se adequarem ao espaço.
Apesar desses desafios, a cidade continuou a crescer, dando origem a um aumento
significativo no número de indústrias. Isso, por sua vez, deu origem ao surgimento de comunidades
periféricas nas regiões industriais, uma vez que não havia habitações disponíveis em quantidade
suficiente para acomodar todos os operários.
Entre 1960 e 1965, começaram a ser concebidos órgãos públicos e planos urbanísticos que
visavam melhorar a distribuição das zonas pela cidade. Em 1965, o IPPUC (Instituto de Pesquisa e
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Planejamento Urbano de Curitiba) foi criado como órgão responsável por monitorar o crescimento
urbano e populacional, além de propor soluções para a melhor estruturação da cidade. Inicialmente,
as reuniões relacionadas a esses planos eram abertas ao público. Contudo, ao longo dos anos, o
órgão tornou-se mais fechado. Em 1972, quando o plano Serete foi inaugurado, foram realocadas
as indústrias das áreas centrais da cidade sem que de fato houvesse uma consulta à população.
Quando o plano foi finalmente divulgado, ficou claro que a área industrial seria transferida
para o sul da cidade, em uma região amplamente desocupada. Nesse local, buscava-se estabelecer
um distrito industrial, nomeado como Cidade Industrial de Curitiba (CIC), onde todas as indústrias a
serem realocadas seriam instaladas, juntamente com as instalações necessárias para os
trabalhadores, o problema é que não havia estrutura para tal, e muitas das indústrias fecharam em
pouco tempo, gerando desemprego, e a criação de favelas periféricas.
A Anaconda Moinho surgiu em Curitiba durante o período de desindustrialização na cidade,
por volta do início dos anos 50. Esse empreendimento foi resultado de um investimento realizado
pelo comércio de Secos e Molhados, denominado Dias Martins S/A, e pela empresa Robert Robert
and Miller, que já possuía uma filial em São Paulo dedicada à moagem de trigo. A presença da
Anaconda no estado do Paraná está relacionada às políticas de investimento em trigo
implementadas a partir de 1930 pelo então secretário da agricultura, Romário Martins. No contexto
paranaense, a aposta no cultivo de trigo era vista como uma promessa de progresso e civilização
para a população, acreditando-se que o trigo traria melhorias significativas. Já no início do século
XIX, o estado havia tentado cultivar trigo, mas enfrentou repetidos insucessos devido à adaptação
das sementes ao clima regional e a problemas relacionados à ferrugem.
Quando a empresa Anaconda Moinho foi inaugurada, contava com 115 funcionários,
principalmente mulheres, que trabalhavam nas linhas de produção e empacotamento. Muitas
dessas mulheres eram menores de idade ou filhas de imigrantes, incluindo residentes da região,
onde existia a antiga Vila Capanema, uma vila de operários ferroviários.
Sendo a fábrica uma das mais antigas da cidade e ainda estando em atividade no mesmo
local, pretendeu-se analisar a memória industrial a partir dos depoimentos de trabalhadores, para
levantar questões sobre memória e identidade. Com esse propósito, foram conduzidas duas
entrevistas, uma com um homem e outra com uma mulher que acumularam 40 e 30 anos de
experiência na empresa, chamaremos o homem de entrevistado 1 e a mulher de 2 respectivamente,
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a fim examinar as interações de ambos com o ambiente, a empresa e os colegas de trabalho, com o
objetivo de compreender a importância da preservação desse espaço como patrimônio industrial e
também como um criador de identidade na perspectiva operária moageira.
A fábrica, com uma relação paternalista, representava uma "família corporativa" na época
de Getúlio Vargas, influenciando a postura dos trabalhadores. Esse sistema perdurou até a segunda
geração de proprietários, quando a empresa se abriu a novos sócios e mudanças estruturais pós-
ditadura impactaram as relações de trabalho, fortalecendo os movimentos sindicais. Apesar da
evolução, a relação paternalista persiste na memória dos entrevistados. Como no relato da
entrevistada 2:
Anaconda foi a única empresa em que trabalhei, meu primeiro emprego, estou lá a
30 anos. Todas as experiências profissionais adquiri nessa empresa, trabalhando
em diversos setores. E tudo que conquistei materialmente falando também foi
através desse trabalho. Se ela sumisse, seria como uma grande parte do que vive
sumisse também. Ficaria em luto, entristecida (ENTREVISTADA 2).
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ligado ao espaço fabril, em que a mesma deixa de ser somente um espaço físico e vira um elemento
participativo atuante na vida dessas pessoas.
A preservação do patrimônio industrial, além da arquitetura, abrange as relações sociais,
econômicas e territoriais, contribuindo para compreender as transformações e desafios futuros da
sociedade como precarização de trabalho e a mulher no meio fabril, já que o processo de
automatização e desindustrialização afetaram sobretudo as mulheres que ali trabalhavam e
residiam, que em sua maioria foram dispensadas, deixando de se ter seu sustento, como relata um
dos entrevistados
…em uma máquina tinha 10 meninas, devia ter umas 10 máquinas assim, era assim
que a gente trabalhava, na hora de colocar e pesar não tinha luva era com a mão,
a gente enfiava a mão no pacote. Aí pelos anos 2000 que começaram a robotizar
tudo, daí eles começaram a dispensar, foi por causa da tecnologia a tecnologia tirou
a mão de obra ((ENTREVISTADA 2)
…eu tenho 40 anos (empresa) mais sei que estou no final do meu ciclo aqui dentro
da Anaconda, começa e você não sabe quando vai terminar, mais uma hora vai ter
que terminar [...] pretendo trabalhar mais uns dois anos, eu ia sair agora em 2023,
mais como saiu nosso gerente industrial, o diretor pediu pra mim ficar mais um
pouco, dai eu vou ficar mais uns 3 anos. (ENTREVISTADO 1, 2023)
Quando o ciclo desses trabalhadores mais antigos se encerrar, não subsistirão registros
desses procedimentos e histórias, exceto pelo impacto visual que a fábrica deixa na paisagem.
Referencial visual que corre o risco de desaparecer com o tempo caso medidas de preservação e
pesquisas sobre esses espaços não sejam instauradas.
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Conclusão
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https://doi.org/10.11606/issn.1980-4466.v13i25p7-33.
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ENCONTRO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR DE PATRIMÔNIO CULTURAL
PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
Ana Paula Pupo Correia, Doutora em Educação| IFSC | ana.pupo@ifsc.edu.br Bernardo Brasil Bielschowsky,
Doutor em Geografia| IFSC | bernardo.brasil@ifsc.edu.br
Eduardo Abreu Girolimetto, Estudante | IFSC | eduardo.abreu98@gmail.com
Resumo
Para que a preservação do patrimônio histórico realmente aconteça é necessário que sejam
desenvolvidos métodos que possam auxiliar no processo de organização desta documentação.
Sendo assim, a captura de dados precisos e detalhados, através de escaneamentos a laser 3D,
levantamento fotográfico e criação de modelo BIM, se apresentam como metodologias potenciais
para produzir as documentações necessárias para futuras ações de manutenção, conservação e
preservação das edificações históricas. O objetivo geral deste artigo será apresentar os resultados
do escaneamento a laser 3D e na organização das documentações arquitetônicas em BIM, aplicado
na edificação histórica Casa de Campo do Governador Hercílio Luz, localizado no município de
Rancho Queimado/SC. Para o desenvolvimento da pesquisa foi utilizado a metodologia do
escaneamento a laser 3D, levantamento fotográfico e organização das documentações
arquitetônicas em BIM. Alguns resultados alcançados foram a visualização da edificação de forma
dinâmica, navegação imersiva da edificação entre as cenas formadas pelas nuvens de pontos,
organização da documentação arquitetônica e modelos geométricos 3D. Esta pesquisa apresentou
a integração de tecnologias de digitalização tridimensional de edifícios existentes e o registro
documental histórico da edificação para garantir a permanência da informação ao longo dos
diferentes contextos históricos.
Introdução
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
Florianópolis. Em 1911, o então governador de Santa Catarina, Hercílio Pedro da Luz, adquiriu a
edificação para utilizá-la como residência de lazer e repouso. Hoje sendo utilizado como museu e
espaço cultural, com área total de 184,41 m², foi adquirido pelo estado em 25 de fevereiro de 1985
e tombado pelo decreto nº 25.880 (FCC, 2022). Construída no início do século XX, apresenta
arquitetura em tijolo aparente, telha plana e cobertura em duas águas. Estas características podem
ser observadas na imagem da fachada figura 01:
Além da importância histórica da edificação, outro ponto que se justifica para a realização
desta pesquisa, será o atendimento ao decreto federal Nº 10.306 de 2 de abril de 2020 (BRASIL,
2020), que exigem a utilização da Modelagem da Informação da Construção (BIM) na execução
direta ou indireta de obras e serviços de engenharia realizada pelos órgãos e pelas entidades da
administração pública federal e estadual. Com isto, estes dados coletados poderão auxiliar no
desenvolvimento destas documentações em BIM para futuras licitações de reformas, adequações e
preservação da edificação (MPF, 2020).
Esta pesquisa tem como objetivo geral apresentar o resultado do escaneamento a laser 3D
e a organização das documentações arquitetônicas em BIM, aplicado na edificação histórica Casa
de Campo do Governador Hercílio Luz, localizado no município de Rancho Queimado/SC.
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
Metodologia
A metodologia da pesquisa iniciou com uma revisão bibliográfica dos conceitos associados
ao patrimônio histórico edificado, do uso do escaneamento a laser 3D e da aplicabilidade dos
resultados na organização das documentações arquitetônicas em BIM.
As atividades iniciaram com a organização das documentações fornecidas pela FCC como os
documentos históricos, fotografias e desenhos. Após estas atividades, foram realizadas visitas
técnicas na edificação para o escaneamento da edificação utilizando a método de escaneamento a
laser 3D.
O método de medição, com base no uso do escaneamento a laser 3D, opera de maneira não-
invasiva e proporciona uma documentação precisa do estado atual do edifício. O levantamento
consiste em algumas etapas conforme descreve Amorim e Groetelaars (2011): planejamento,
aquisição de dados, pré-processamento, processamento, análise da precisão do modelo gerado e
exportação do produto.
Para a realização do levantamento foi utilizado o equipamento chamado Laser Scanner 3D
Terrestre, do tipo estático modelo Focus 3D x330, do fabricante FARO. Este processamento é
denominado “registro das cenas”, onde as cenas são unidas por pontos homólogos permitindo
trabalhar numa única referência. A visualização da edificação tanto internamente, quanto
externamente foi produzido utilizando o aplicativo de navegação imersiva SCENE 2go.
O escaneamento foi realizado pela equipe de professores e bolsistas do IFSC/Florianópolis.
Foram necessários dois dias de trabalho de campo, com 10 horas de trabalho e contemplou 34 cenas
internas e externas ao edifício, as quais foram processadas utilizando o software Faro Scene.
Para complementar as informações obtidas no escaneamento a laser foi utilizada uma
câmera 360°, com a finalidade de registrar imagens em todas as direções e sentidos ao mesmo
tempo. Por gerar sensação de imersão, este tipo de material é usado para diversas utilidades,
incluindo a documentação arquitetônica e histórica de edificações e paisagens, inspeções, perícias,
entre outros, permitindo também que as imagens geradas sejam utilizadas em plataformas e
aplicativos de passeios e realidade virtual.
Após estas atividades, os pesquisadores do IFSC e bolsistas elaboraram os desenhos e
organização das documentações gráficas. Os resultados da pesquisa foram repassados a Fundação
Catarinense de Cultura.
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Resultados e discussões
O edifício possui dois pavimentos, sendo térreo e superior, conforme representado nas
Figuras 02 e 03. O posicionamento do equipamento foi distribuído, conforme os pontos em
vermelho representados nas plantas, para o escaneamento do interior e exterior do edifício, de
acordo com as limitações do equipamento e as obstruções de obstáculos encontrados.
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Através das nuvens de pontos foi gerada uma navegação imersiva utilizando o plugin SCENE
2go. Neste caso é possível acessar os pontos do levantamento e realizar medições dispondo de um
alto nível de detalhe. Algumas vantagens do uso do equipamento: medição sem contato com
edifício ou monumento, documentação completa gráfica e numérica, medição de volume, obtenção
de um modelo 3D de qualidade fotográfica, pode ser usado para diversos fins. A partir do arquivo
executável é possível visualizar toda a edificação de forma dinâmica, navegando entre as cenas
formadas pelas nuvens de pontos. Outros recursos utilizados são: visualizar os diversos pontos
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escaneados da edificação, sendo possível dar zoom e optar entre uma navegação tridimensional,
também chamada de “visualização de varreduras”, vista panorâmica ou acessar as propriedades.
Na Figura 05, pode ser observado um exemplo da navegação imersiva da edificação:
Este método pode ser aplicado como levantamento tridimensional de edifícios, facilitando
no detalhamento de projeto, para estudos de patologias, controle de deformação, documentos
gráficos de instalações e simulação de visita virtual. Além disso, auxilia na modelagem BIM da
edificação onde é possível adicionar características de forma, dimensões materiais, podendo criar
elementos arquitetônicos presentes na edificação.
Outro equipamento utilizado para a organização das documentações foi a câmera 360°. Este
tipo de equipamento, registram imagens em todas as direções e sentidos ao mesmo tempo. Em
razão da complexidade de determinados ambientes a serem documentados, a tecnologia de
imagens 360º eleva o nível de qualidade na obtenção das imagens e diminui consideravelmente o
risco de perda de pontos específicos do ambiente, o que permite a preservação integral de todas as
angulações, detalhamento espacial e preservação de proporcionalidade. Na Figura 06, nas imagens
apresentadas pode ser observado o madeiramento da cobertura, de uma maneira total, utilizando
a câmera 360º:
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Considerações finais
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Agradecimentos
Agradecemos ao Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) pelo financiamento desta
pesquisa através do Edital Nº 01/2022/PROPPI/PROEX/ Campus Florianópolis.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto Nº 10.306, de 2 de abril de 2020. Diário Oficial da União: Brasília, DF, seção 1, Ed.
65, p. 5, 03 de abril de 2020.
COSTA, Heliara Aparecida; SOUZA, Marcio Presente De; BALDESSIN, Guilherme Quinilato; ALBANO,
Gabriela; FABRICIO, Márcio Minto. Modelagem Bim Para O Registro Digital Do Patrimônio
Arquitetônico Moderno. Revista Projetar, Projeto e Percepção do Ambiente, v.6, n.1, p. 49-68,
janeiro de 2021. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/revprojetar/article/view/21331/13742.
Acesso em: 20 nov. 2021.
PEREIRA FILHO, Hilário Figueiredo. Documentação. In: REZENDE, Maria Beatriz; GRIECO, Bettina;
TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (Orgs.). Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. 1. ed.
Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2015.
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ST - 10
Diálogos interdisciplinares entre
cultura, estética e educação
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
Introdução
71
Quando se trata do assunto da recusa patrimonial é um conceito diferente, porém inspirado na ideia de Kathryn
Woodward. Sendo, no conceito da pesquisadora a diferença das identidades um critério da exclusão subjetiva do
indivíduo, enquanto a recusa se objetifica na destruição da identidade do outro como a própria identidade. (SILVA,
Tomaz T. da. Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. 15 ed. 10 reimp. Petrópolis, RJ: Editora Vozes,
2022)
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
Desenvolvimento
Sendo professor de Filosofia em São Bento do Sul, se intrincam essas questões, nas aulas que
realizo na escola EEB Celso Ramos Filho, do Ensino Médio no território de Santa Catarina, são
estabelecidas através dos critérios curriculares, que estão ao encontro das problematizações da
pesquisa a partir dos conceitos e das experiências de temporalidade, das identidades e memórias
do educando do ensino médio descritos no patrimônio da cidade e que se evidenciam no próprio
caderno de educação, sendo:
72
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2017, p. 561
73
Id ibid
74
POLLAK, Michel. Memória, esquecimento, silêncio. vol. 2, n.3. Rio de janeiro: Revista Estudos Históricos, 1989.
75
Santa Catarina. Secretaria do Estado da Educação. Currículo base do ensino médio do território catarinense: caderno
2 – formação geral básica. Florianópolis: Gráfica Coan, 2021. p. 65
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
Nesse aspecto, analisar realidades urbanas a partir do que ocorre nas homologações
cotidianas do viver e fazer no ambiente escolar a respeito do ensino do patrimônio cultural, a partir
de algo já estressado através de problematizações em estudos específicos da área continua
emergente, pois, no que Henry Rousso77 estabeleceu como sendo o processo de enquadramento.
Portanto, ao que seria um aspecto que ainda não foi problematizado sistematicamente a partir das
abordagens teóricas do patrimônio e da educação formal, a respeito da cidade e de sua diversidade
cultural, a partir da problematização dos vários grupos de pessoas e dos diferentes espaços em São
Bento do Sul em suas identificações e recusas à memória oficial.
Com o facho de análise direcionado aos adolescentes do Ensino Médio, se evidenciam
alicerçado nos materiais didáticos, no Currículo Base do Território Catarinense e da prática didática
que se faz costumeiramente na cidade, que por exequíveis razões ocorrem padronizações de
tradições e narrativas, ao a qual foi conceituada a partir do que Laurajane Smith78 denomina como
discurso patrimonial autorizado, em que alguns grupos desses estudantes do ensino médio que não
se identificaram nesse passado seleto de memórias do tempo da cidade, foram excluídas do uso
desse patrimônio cultural, também sendo nas ausências do historicizar das memórias negligências
76
Santa Catarina. Secretaria do Estado da Educação. Currículo base do ensino médio do território catarinense: caderno
2 – formação geral básica. Florianópolis: Gráfica Coan, 2021. p. 71
77
ROUSSO, Henry. A última catástrofe: a história, o presente e o contemporâneo. Tradução de Fernando Coelho,
Fabrício Coelho. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016.
78
SMITH, Laurajane. Emotional heritage: visitor engagement at museums and heritage. Abingdon, Oxon ; New York,
NY: Routledge, 2020.
254
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às próprias recusas dos grupos, diante de uma história oficial que impediu o emergir de outras
identificações de patrimônio cultural fora do tradicional e oficial de São Bento do Sul.
Conceituar o patrimônio cultural no tempo presente, depende de um reflexo da ordem
conceitual da profusão semântica, evidenciado do lugar, das teorias, metodologias e dos aspectos
políticos de cada período histórico. Sendo uma construção social o patrimônio e a sua relação com
o tempo, portanto há nesse sentido, ressignificações sofridas a partir da incorporação do conceito
antropológico de cultura, assim como da perspectiva de alteridade, faz do termo algo amplo, que
ao invés de sanar os questionamentos, os multiplicam.
O passar do tempo estabeleceu a insustentabilidade da noção universal de patrimônio, que
por seu viés supressivo e a partir das críticas feitas, foram sendo criadas novas classificações ou
adjetivos, na tentativa de contemplar suas complexidades, tais como: material, imaterial, mundial,
local, histórico, natural, móvel, imóvel, etnográfico, arqueológico, paisagístico, entre outros.
Nesse sentido considerar o tema tempo evidenciado no Currículo do Território Catarinense
como proposta temática para o Ensino Médio é problematizar o assunto através dos sujeitos
inseridos no espaço da educação:
79
KOSELLECK, Reinhert. Uma latente filosofia do tempo. São Paulo: Editora Unesp, 2021.
80
HARTOG, François. Regimes de Historicidade: Presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica,
2013.
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Nesse sentido, definir o patrimônio cultural, a partir das recusas e identificações de periferias
da memória autorizada e de grupos marginalizados, que se opõem às políticas educacionais voltadas
ao patrimônio já consolidado, possibilitará presumivelmente a identificação e o reconhecimento
das diversas identidades e memórias da cidade, propiciando uma possibilidade de ir além da
exclusividade de bens culturais reconhecidos e autorizados de apenas um grupo específico de São
Bento do Sul.
Algumas identidades se encontram organicamente com o patrimônio reconhecido pelo
poder público, enquanto em outras ocorrem recusas, podendo ser um questionamento viável do
tempo presente, porém, não imediata de grupos que passaram por processos de exclusão no
passado dos espaços da cidade, a partir de disputas por uma inclusão do passados supostos como
memoráveis ao reconhecimento histórico, além do existir, sendo possível como a coadunação de
diversas identidades à cidade.
Enquanto houver evidências de grupos considerados detentores do tempo da memória e das
narrativas da cidade, se estabelecem a determinar qual a identidade por repetição as cidades devem
assumir, seja em suas tradições, ou nas formas de rememorar, enquanto além dessa memória
autorizada, delimitar-se-á manterem o silêncio como grupos periféricos da cidade nas beiradas da
historiografia tradicional.
Dessa forma pensar as problematizações necessárias aos estudantes no Ensino Médio
através do Currículo do Território Catarinense em que:
81
Santa Catarina. Secretaria do Estado da Educação. Currículo base do ensino médio do território catarinense: caderno
2 – formação geral básica. Florianópolis: Gráfica Coan, 2021. p. 66
256
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82
JEUDY, Henry P. Espelho das cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005. p.18
83
Id ibid
84
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008. p. 15
257
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85
JEUDY, Henry P. Espelho das cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005. p.18
86
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Revista dos tribunais LTDA, 1990. p. 90.
87
Id ibid. p.90
258
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
A partir desse momento, as divisões convencionais do tempo se impõem a nós de fora. Mas
elas têm sua origem nos pensamentos individuais. Estes somente tomaram consciência de que em
certos momentos entram em contato, de que precisa um direcionamento adequado do professor
para fazer o tempo ser útil, e pensar seja em qual tempo for, o tempo que foi e será não importando
se são reflexões deles mesmos. Discutir a problematização dos discursos que de acordo com o autor
Anderson (2008) que discute como os discursos são caracterizados pela noção de simultaneidade,
inaugura uma ideia de tempo vazio, e o vazio se preenche com qualquer coisa: “Abolem-se divisões
cronológicas claras, e em seu lugar se estabelecem regimes de temporalidade que jogam para a
esfera do mito o passado e os momentos de fundação”. 90
A partir de narrativas estabelecidas como oficiais, muitas vezes não se fazem necessárias
formas de apagar as histórias não atreladas ao mito fundador/colonizador de São Bento do Sul, nem
88
ROUSSO, Henry. A última catástrofe: a história, o presente e o contemporâneo. Tradução de Fernando Coelho,
Fabrício Coelho. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016. p. 281.
89
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Revista dos tribunais LTDA, 1990. p.95
90
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008. p. 12
259
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mesmo respostas violentas aos grupos que emergem com outras memórias, sendo que: “[...] de
alguma maneira, o património seja excluído do circuito dos valores mercadológicos, para salvar seu
próprio valor simbólico”.91, mas na ausência de espaços para narrar na cidade, na ausência do
reconhecimento ou da possibilidade da educação escolar, por diversos motivos, políticos ou
mercadológicos, ou de tornar espaço de diálogo a sala de aula para diversas memórias e
entendimentos da cidade.
Considerações finais
91
JEUDY, Henry P. Espelho das cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005. p.19
92
id ibid. p. 16
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: Volume II. 6 ed. Tradução: Rubens Torres Filho e José Carlos
Martins Barbosa. São Paulo: Brasiliense, 2012.
BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória. 4 ed. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2022.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 22 ed. 6 reimp. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2020.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Editora Revista dos tribunais LTDA, 1990.
JEUDY, Henry P. Espelho das cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005.
KOSELLECK, Reinhert. Uma latente filosofia do tempo. São Paulo: Editora Unesp, 2021.
POLLAK, Michel. Memória, esquecimento, silêncio. vol. 2, n.3. Rio de janeiro: Revista Estudos
Históricos, 1989.
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PATRIMÔNIO INDUSTRIAL: TRABALHO, MEMÓRIA E AMBIENTE
SILVA, Tomaz T. da. Identidade e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. 15 ed. 10 reimp.
Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2022.
SMITH, Laurajane. Emotional heritage: visitor engagement at museums and heritage. Abingdon,
Oxon ; New York, NY: Routledge, 2020.
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Silvia Sell Duarte Pillotto |Pós-doutora | Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE)| e-mail:
pillotto0@gmail.com
Mirtes Antunes Locatelli Strapazzon | Doutoranda | Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE)| e-mail:
mirteslocatelli@gmail.com
Maura Maria Roth | Mestranda | Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE)| e-mail:
mauraroth.adv@gmail.com
Rita de Cássia Fraga da Costa |Doutora | Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE)| e-mail:
ritadacosta08@gmail.com
Introdução
O artigo Experiência estética na formação inicial dos cursos de Pedagogia destaca alguns
fragmentos de uma pesquisa internacional com a participação de 22 instituições brasileiras e
estrangeiras, sendo uma delas a Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE, representada pelo
Núcleo de Pesquisa em Arte na Educação – NUPAE 93.
A problemática que permeia todas as instituições envolvidas tem o mesmo pressuposto: qual
a bagagem artístico/cultural dos acadêmicos do curso de Pedagogia e como mobilizar a criação
artística na ação formativa? O questionamento nos levou ao seguinte objetivo: produzir
mapeamento da bagagem artístico/cultural de acadêmicos de Pedagogia, traçando linhas de
atuação para potencializar as artes/culturas na formação docente.
A pesquisa está em andamento e tem em seus fundamentos teóricos/metodológicos os
seguintes autores: Celorio (2015, 2022), Dias (2013), Leggo e Irwin (2023), Meira e Pillotto (2022),
Rancière (2015) e Skliar (2003, 2014). Além desses autores, o espaço de pesquisar e pesquisar-se
está aberto para outros que ao longo da caminhando vamos encontrando.
O método utilizado na pesquisa é o a/r/tográfico, uma vez que é compreendido como
intercâmbio crítico/reflexivo e relacional entre pesquisadores e partícipes da investigação. A
pesquisa de campo aconteceu no curso de Pedagogia da Univille com destaque para a Proposição
93
O NUPAE tem como premissa a educação, a arte e a estética, destacando as sensibilidades, o afeto e as experiências
em pesquisas (auto)biográficas, desdobradas em narrativas, histórias de vida, cartografias, a/r/tografias, entre outras.
São duas as linhas de pesquisa do NUPAE: - Educação Estética e Processos de Criação, que investiga sobre educação e
Experiências Estéticas; produção, teoria e crítica da arte; educação patrimonial; processos de criação nos espaços
formais, não formais e informais da educação; e - Educação, Linguagens e Práticas educativas, que investiga sobre: o
ensino e aprendizagem das Artes (visuais, cênicas, musicais, literárias e tecnológicas), considerando os territórios
artísticos, culturais, virtuais e estéticos, além da investigação sobre/com infâncias e criança, Currículo na Educação
Básica e Superior.
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Estética - da memória musical ao movimento: vivências (im)pensadas para o corpo, que destacou as
linguagens/expressões sonoras, visuais e corporais.
Durante a Proposição Estética, os acadêmicos ficaram imersos no processo de criação,
inspirados pela memória musical e pelas relações construídas nos espaços com pessoas, objetos e
as poéticas, bem como com o corpo/movimento, corpo/sentido e corpo/sujeito.
Os instrumentos utilizados para a produção/coleta de dados foram: foto/ensaio, gravações
orais e vídeos, caderno de experiência (anotações dos pesquisadores) e as produções artísticas.
No momento estamos na etapa de captação/seleção de imagens, vídeos, anotações e
produções em geral a análise-compreensiva-interpretativa (BERTAUX, 2010). Nesse sentido, a
pesquisa tem possibilitado a compreensão sobre os percursos estéticos, que envolvem a relação
(inter)pessoal dos/as pesquisadores/as e partícipes da investigação em determinado tempo/lugar,
imprimindo um conjunto de sensibilidades que ecoam na experiência.
Para esse artigo definimos alguns itens que nos apontaram pistas e efeitos referentes
bagagem artístico/cultural de acadêmicos de Pedagogia da UNIVILLE.
Pedagogia e Sensibilidades
O Curso de Pedagogia tem como desafio a formação de docentes que atuarão com crianças
da educação infantil e dos Anos Iniciais da Educação Básica. Entretanto, temos nos perguntado
como a formação inicial desses futuros pedagogos tem acontecido e se os currículos possuem em
suas bases uma educação pelo sensível.
Temos defendido a educação estética, não apenas para a Educação Básica, mas para todos
os cursos de licenciatura, em especial os cursos de Pedagogia. Isso porque as linguagens/expressões
das artes nos constituem pessoas críticas e sensíveis, buscando nas sensibilidades a nutrição
estética. Birck (2021, p. 2), afirma que:
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[...] órgãos dos sentidos transformando essa coleta sensorial em informação para
gerar processos cognitivos. Aquilo que é sentido transforma-se na fonte primária
da cognição. O corpo é porta de entrada de todo o conhecimento e por isso o
entendimento corpóreo se faz fonte para o conhecimento. [...] E pelo
reconhecimento dos sentidos, do imaginário é que adentramos nas sutilezas do
emaranhado da mente. (MARTINS; PICOSQUE, 2012, p. 34-35).
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Por conta da natureza dessas questões que fomos mobilizadas a acolher o método
a/r/tográfico em nossa pesquisa, pois como nos fala Josso (2016, p. 71-86), o pesquisador/docente
é um “ser de sensibilidade, o ser de afetividade, o ser de emoções, o ser da cognição, o ser da
imaginação [...]”.
Vale aqui destacar o significado etimológico da nomenclatura a/r/tografia, que para Dias
(2013, p. 25), “A/R/T é uma metáfora para: Artist (artista), Researcher (pesquisa), Teacher
(professor) e Graph (grafia: escrita/representação). Na a/r/tografia saber fazer e realizar se fundem.
Elas se fundem e se dispersam criando linguagem mestiça, hibrida.”
A partir dessa perspectiva, a pesquisa tem criado movimentos, no sentido de narrar bagagem
artístico/cultural de acadêmicos de Pedagogia, reiterando a ideia de que “[...] é também modelo de
inteligibilidade da experiência presente [...]” (DELORY-MOMBERGER, 2012, p. 74). Ou seja, a medida
que trazemos o passado para o presente, o trazemos com novas significações. Na pesquisa “[...] o
corpo humano pode ser afetado, ora de uma maneira, ora de outra e, consequentemente, pode,
em momentos diferentes, ser afetado diferentemente por um só mesmo objeto” (SPINOZA, 2013,
p. 221).
A A/r/tografia portanto, favorece o “[...] intercâmbio crítico que é, reflexivo, responsivo e
relacional, que está em contínuo estado de reconstrução e conversão em outra coisa” (IRWIN;
SPRINGGAY, 2013, p. 139). Um deslocar, que intensifica o pensar/sentir em linhas que se
(entre)laçam em partilhas sensíveis, atravessadas pelo processo investigativo (RANCIÈRE, 2015).
O método, fundamenta-se se configura como “[...] atividade formadora e remete o sujeito
para uma posição de aprendente questionando suas identidades a partir de diferentes modalidades
de registro sobre suas aprendizagens experienciais” (ARAGÃO, 2010, p. 394).
A partir dessa perspectiva assumimos o papel de artográfas, (entre)laçando múltiplas
possibilidades de fazer pesquisa, pois nessa condição somos
Para o/a artógrafo/a, as perguntas são tão importantes quanto as respostas, pois sinalizam
possibilidades para a compreensão dos fenômenos. Nesse método, os movimentos acontecem
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[...] desfazem a compreensão, a fala, a visão e a escuta das mesmas coisas, dos
mesmos sujeitos, dos mesmos conhecimentos. Desassossegam o sossego dos
antigos problemas e das velhas soluções. Estimulam outros modos de ver e ser
visto, dizer e ser dito [...].
Considerações Finais
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[...] nossa capacidade de escutar (ou de ler) isso que as coisas (textos, filmes,
notícias, pessoas, objetos, animais, cotidiano, etc.) têm a nos dizer. Uma pessoa
que não é capaz de se pôr à escuta cancelou seu potencial de formação e de
transformação (LARROSA, 2002, p. 133).
Além disso ficou evidente que a formação requer disponibilidade para a criação, pois esse é
um “movimento, onde reinam conflitos e apaziguamentos. Um jogo permanente de estabilidade e
instabilidade, altamente tensivo” (SALLES, 2007, p. 28). Transformar realidade em irrealidade e
irrealidade em realidade é uma busca interminável para o/a docente criativo/a. O
Professor/a/pesquisador/a/inventor/a é aquele capaz de manter acesa a chama da paixão em
exercer seu papel social.
REFERÊNCIAS
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BIRCK, Rosemeri. Ensino da arte em cursos de pedagogia: a busca pela formação humana. Revista
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https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciEduc/article/view/54923. Acesso em: 05 nov.
2023.
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Introdução
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A historiografia que foi consultada e que aparecerá ao longo da produção desse estudo foi
necessária para se pensar meios e formatos de realizar a divulgação histórica e para discorrer sobre
o ofício do historiador. De início, logo se evidenciou que o mundo em rede ou mundo da internet
trouxe grandes desafios no fazer história, o que não está saliente ainda é o tamanho da dimensão
informacional e quais são os riscos desse novo mundo. A era do digital não é complexa apenas pelo
seu quantitativo, mas, também pelo próprio termo que foi ganhando novas interpretações ao longo
do tempo até chegar-se ao entendimento de uma cultura digital (SOSSAI, 2019).
De acordo com Câmara e Benicio (2017), há três grandes desafios quando pensamos na
sociedade da informação e a importância do historiador no enfrentamento ao mundo de
informações rápidas e superficiais, que são: o primeiro, nossas possibilidades de escolhas navegar
na web são guiadas pelos algoritmos; o segundo, o que é fonte histórica e como tratá-las em meio
ao digital; por último, como educar os usuários e a prática historiográfica em um mundo
despreparado ao informacionalismo. Para Fonseca (2012), a produção histórica nas mídias digitais
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História, feiras, aulas experimentais, saídas de campo, entrevistas, saídas de extensão, grupos de
estudos) do curso de História ficaram visíveis em posts e stories.
No CMU, as publicações se concentraram em mostrar o trabalho no acervo e na descrição
de uma fonte histórica. O constante aprimoramento nas artes e softwares visa criar conteúdos mais
satisfatórios em termos de alcance de público e no fazer história de qualidade. Mostra-se, na figura
1, algumas publicações do curso de História.
Nas redes do LHO as publicações se concentraram nas oficinas ministradas ao longo do ano
com a educação básica, concomitantemente, houve a divulgação das participações das pré-
conferências e conferências municipais de cultura, da feira do livro e das visitas que o laboratório
recebeu ao longo do ano. As artes estruturadas pelo Laboratório de História Oral da Univille
buscaram assegurar uma identidade visual, como é possível ver nas postagens exibidas na figura
abaixo.
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Ao longo do estudo teórico-prático procurou-se analisar os dados para entender qual era o
público de nossas mídias e como este público interagia com os conteúdos. A partir das análises
oferecidas pelas redes socias, alguns dados quantitativos relevantes foram escolhidos. Por exemplo,
no quadro 1 é possível notar o aumento do número de seguidores no Instagram no ano de 2023, de
março até dezembro, além disso, a rede social do CMU foi criada dentro deste período.
As experimentações que aconteceram vão de encontro as teorias sobre o digital, pois, o
mundo em sua transformação pela virada digital resulta também numa mudança no ofício do
historiador e no tratamento dos saberes históricos (BRESCIANO, 2015). Desta forma, os dados nos
quadros a seguir servem de objeto a ser analisado pelos historiadores e pelas instituições que
buscam se imbricar na divulgação histórica.
Quadro 1 - Número de seguidores no Instagram do curso de História, do LHO e CMU antes e depois do
começo das práticas intencionadas de divulgação histórica.
No quadro 2, foi quantificado qual foi a postagem de cada perfil no Instagram que mais teve
curtidas.
No quadro abaixo, os dados refletem o conjunto de vídeos que foram produzidos na semana
de História, no dia do historiador e na caracterização do curso.
A quantidade de cards gráficos produzidos no curso de História foi de 100, no LHO foi de 60
e no CMU foi de 9. No Tiktok, o curso de História obteve 21 seguidores, 91 curtidas e 4.176
reproduções.
Para as produções que foram feitas o aprofundamento em técnicas, ferramentas e
metodologias (gestão do tempo, comunicação, publicidade, marketing) foi essencial, na era da
internet a atualização é constante e as ferramentas e softwares rapidamente se tornam obsoletos
ou atrasados. A busca por editores de vídeos, editores de fotos, editores de áudio e aplicações mais
aprimoradas para um bom trabalho traz custos de investimento em profissionalização e na compra
dos softwares necessários. Entretanto, não adianta profissionais capacitados e softwares caros se
os hardwares dos computadores e notebooks não forem o suficiente para rodar os programas.
Considerações finais
questões e discussões devem estar alinhadas na sua narrativa histórica. O profissional da história
deve ter mentalizado que os diversos processos envolvidos são para alcançar sujeitos e suas
realidades, ou seja, conscientizar historicamente por intermédio dos discursos visuais, auditivos e
simbólicos que produz.
Entretanto, as atividades desenvolvidas no âmbito do curso de História da Univille, LHO e
CMU ajudaram na compreensão das dificuldades práticas que vão além daquelas teorizadas
inicialmente. O historiador na divulgação histórica e na produção de conteúdo histórico se depara
com múltiplos instrumentos, suportes, hardwares e softwares que devem ser entendidos e
dominados. Aqueles que não estão aptos para entender a complexidade de lidar com as
ferramentas de rápida atualização e de aprender metodologias atrativas que mantém a atenção na
produção digital ficam defasados e inutilizados, pois, de nada adianta produzir saberes
referenciados e profícuos sendo que ninguém vai vê-los ou escutá-los. Deste modo, se o saber não
se dissemina ao público, mesmo que gratuito e disponível para o livre acesso, este produto não
cumpre a ideia de democratização do conhecimento, porque se fecha em círculos pequenos e de
linguagens próprias (terminologias e conceitos complexos).
Ademais, a produção cuidadosa de produtos digitais (imagens, vídeos, áudios) é reconhecida
pelos visualizadores das diversas mídias digitais e, conquistado e retido os seguidores de suas redes,
é oportuno apresentar assuntos mais densos. Compreende-se do que foi abordado até o momento
que as táticas de comunicação, publicidade e marketing também são aliadas dos historiadores que
querem estudar e adentrar na divulgação histórica, História Digital e História Pública.
Por fim, os dados apresentados das redes sociais do curso de História da Univille, do LHO e
do CMU são notáveis no entendimento de que os instrumentos, as ferramentas e as metodologias
aliadas a conteúdos de história fundamentados podem atrair o público das mídias digitais para
assuntos históricos e para o ofício do historiador.
REFERÊNCIAS
BRESCIANO, Juan Andrés; GIL, Tiago. (Comp.). La historiografia ante el giro digital: reflexiones
teóricas y prácticas metodológicas. Montevideo: Ediciones Cruz del Sur, 2015.
CÂMARA, Sérgio Antonio; BENICIO, Milla. História Digital: entre as promessas e armadilhas da
sociedade informacional. Revista Observatório, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, p. 38–56, 2017.
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FONSECA, Thaís Nívia de Lima. Mídias e divulgação do conhecimento histórico. Aedos, v.4, n.11, p.
129‐ 140, set. 2012. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/aedos/article/view/30643.
Acesso em: 24 mar. 2023.
NOIRET, Serge. História Pública Digital. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 11, n. 1, 2015.
Disponível em: https://revista.ibict.br/liinc/article/view/3634. Acesso em: 24 mar. 2023.
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Daniela Cristina Viana. Doutoranda em Educação pelo PPGE da UFSC. Pesquisadora voluntária do
NUPAE/Univille. Pesquisadora do Hermenêuticas da Cultura, Mundo e Educação/UFSC | UFSC/Univille |
daniela.ifsc@gmail.com
Mirtes Antunes Locatelli Strapazzon. Doutoranda em Patrimônio Cultural e Sociedade pelo PPGPCS da
Univille. Vice-líder do NUPAE/Univille. Pesquisadora do SAB/Univille | Univille | mirteslocatelli@gmail.com
Raquel Alvarenga Sena Venera. Doutora em Educação pelo PPGE da UNICAMP/SP. Coordenadora e
Professora do PPGPCS da Univille. Líder do SAB/Univille | Univille | raquel.venera@univille.br
Karinna Alves Cargnin. Doutoranda em Educação pelo PPGE da UFSC. Pesquisadora voluntária do
NUPAE/Univille | Bolsista Uniedu | UFSC/Univille | karinnaa10@gmail.com
Introdução
Este artigo apresenta algumas dimensões compreendidas no rizoma de Gilles Deleuze e Félix
Guattari (2011), entre elas, as metafóricas, metodológicas, estéticas, filosóficas e pedagógicas,
com a finalidade de investigar os seus possíveis desdobramentos à pesquisa e ao pesquisar no
campo das humanidades.
Enquanto metáforas, no sentido plural, o rizoma se desdobra de uma compreensão de livro-
mundo, livro-árvore, livro-raiz até chegar à ideia de livro rizoma. Dito isso, ele toma de empréstimo
alguns elementos do universo das ciências biológicas, tais como: raízes (pivotantes ou fasciculadas),
bulbos, tubérculos e ramificações não atribuíveis que se indeterminam em múltiplos nós. No
entanto, cabe destacar que o rizoma se diferencia em relação à verticalidade arbórea, contrariando
a imagem que cotidianamente se faz uso nas genealogias, inclusive, ao dizer de seus fundamentos
filosóficos ou princípios. Ao rizoma não cabe apenas um fundamento, seu mote é de intenso devir
em vários agenciamentos.
Em relação à cartografia, enquanto ciência que se dedica ao estudo dos mapas (e não
enquanto metodologia artístico-filosófica, sobretudo, não ainda), o rizoma se pronuncia na criação
de linhas de articulação, conexões, caminhos, estratos, segmentos, territórios e, inclusive, quando
apresenta suas nuances por meio de linhas de fugas, muros e abismos.
No que se refere à estética, recorta-se aqui o campo musical, nele o rizoma desenvolve um
ritmo próprio no entre, como intermezzo e, ainda, no limiar de ritornelos. Frente a isso, o rizoma
pode ser compreendido como um indicativo metodológico ou, até mesmo, um modo de leitura e de
escuta aguçada de mundo. Porém, em uma outra perspectiva, ou melhor, se adentrarmos ao rizoma
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tal como ele sugere, a saber: de maneira rizomática e rizomórfica, ele mesmo pode ser tomado
como um antimétodo ou uma antimetodologia pelas escolhas de seus recortes, considerações de
achados em proliferação e, sobretudo, pela defesa e resguardo das multiplicidades como um de
seus principais indicativos. Aliás, toma-se o rizoma enquanto indicativo, principalmente, a fim de
preservar o caráter de abertura que suscita, sobretudo, pelo seu modo irregular e variacional de ser.
Isso se dá porque o rizoma, de início e na maioria das vezes, caracteriza-se pela não marcação de
pontos, mas pela formação sempre temporária de bulbos e tubérculos, de segmentos e platôs, ou
seja, principalmente pelo traçado de suas linhas, sempre contingente e aberto.
Portanto, o rizoma se mostra como um modo outro de acesso e de atravessamento da
pesquisa e do pesquisar. Tomado como um modo de realização das multiplicidades, o rizoma se
torna muito oportuno ao campo das humanidades, em especial ao campo pedagógico, haja vista
que transita entre muitos saberes e fazeres, seja porque proporciona uma escuta e leitura de mundo
aguçada, vigilante, desperta, sensível, ou ainda, seja porque abre a própria possibilidade enquanto
plena possibilidade.
Além disso, este artigo fala a partir de um lugar específico, a saber, compõe parte dos
estudos realizados pelo Núcleo de Pesquisa em Arte na Educação (NUPAE), vinculado à Universidade
da Região de Joinville (Univille). Logo, o que se apresenta aqui não deseja mostrar-se como um
fechamento de leitura, mas como um recorte de movimentos de permanente investigação sobre os
temas que atravessam o pesquisar e a pesquisa no campo da educação e da Arte. Para tal, este
trabalho se deteve ao estudo da obra Mil platôs (1980) (Deleuze e Guattari, 2011), em seu volume
número 1, bem como ao estudo de outras obras e artistas que nos auxiliaram a pensar sobre o
rizoma.
Dimensões metafóricas
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Pensemos no livro enquanto agenciamento de caráter inatribuível. O que isso nos diz – ser
um agenciamento e ainda, algo inatribuível? Estaríamos, talvez, no âmbito da conferência realizada
em 1969, O que é um autor? de Michael Foucault (Foucault, 2001). Pois, segundo Foucault (2001, p.
268, negritos nossos), “na escrita, não se trata da manifestação ou da exaltação do gesto de
escrever; não se trata da amarração de um sujeito em uma linguagem; trata-se da abertura de um
espaço onde o sujeito que escreve não para de desaparecer”. Esta é uma questão atual para o
campo hermenêutico, não se trata mais do que está escrito, do texto em si, muito menos de quem
o escreveu, de seus autores, mas como recebemos o que foi escrito, ou seja, estamos no âmbito da
recepção. Não faremos aqui um juízo de valor em relação a isso, seguiremos em suspenso
analisando os seus possíveis desdobramentos. Continua Foucault (2001, p. 271, negritos nossos):
Mas não basta, evidentemente, repetir como afirmação vazia que o autor
desapareceu. Igualmente, não basta repetir perpetuamente que Deus e o homem
estão mortos de uma morte conjunta. O que seria preciso fazer é localizar o espaço
assim deixado vago pela desaparição do autor, seguir atentamente a repartição
das lacunas e das falhas e espreitar os locais, as funções livres que essa
desaparição faz aparecer (FOUCAULT, p. 271, negritos nossos).
seu. Um livro existe apenas pelo fora e no fora. (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 18,
negritos nossos).
Para Deleuze e Guattari (2011) o livro é e está para o fora. A partir do momento em que se
constitui materialmente, o livro se torna um ato de agenciamento, uma ação de constantes
articulações. Voltemos ao início do texto, onde os autores dizem que: “escrevemos O anti-Édipo a
dois. Como cada um era vários, já era muita gente” (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 17). Mas, vejamos
os problemas que aqui se colocam. Como já dito por Foucault (2001, p. 276), em 1969, “o anonimato
literário não é suportável para nós; só o aceitamos na qualidade de enigma”. Contudo, é exatamente
este insuportável que, talvez, Deleuze e Guattari (2011) levantam enquanto problema e, ao mesmo
tempo, enquanto potência rizomática. Pois, “escrever nada tem a ver com significar, mas com
agrimensar, cartografar, mesmo que sejam regiões ainda por vir” (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p.
19). Dito isso, estamos nós autoras e coautoras deste texto em uma disposição de outra ordem.
Deleuze e Guattari (2011) dissertam sobre um primeiro tipo de livro, o livro-raiz ou o livro-
árvore. Este tipo está em referência ao mundo como árvore-raiz, isto é, este tipo está verticalmente
disposto, entre fundamento e desdobramento. Não distante, esta imagem de livro se refere ao livro
clássico, “[...] como bela interioridade orgânica, significante e subjetiva (os estratos do livro)”
(DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 19). E ainda, este tipo de livro está também em referência à tradição,
como sedimento de hábitos e determinações históricas e sendo assim, fecha-se em si próprio para
movimentar-se apenas na disposição de binarismos: sujeito e objeto, bem e mal, escuro e claro,
centro e margem etc.
Isto quer dizer que este pensamento nunca compreendeu a multiplicidade: ele
necessita de uma forte unidade principal [...] a do pivô, que suporta as raízes
secundárias. Isto não melhora nada. As relações biunívocas entre círculos
sucessivos apenas substituíram a lógica binária da dicotomia. A raiz pivotante não
compreende a multiplicidade mais do que o conseguido pela raiz dicotômica. Uma
opera no objeto, enquanto a outra opera no sujeito (DELEUZE E GUATTARI, 2011,
p. 20, negritos nossos).
Mas há um outro tipo de livro que ambos os autores se valem de bom grado, trata-se de um
livro transposto como sistema-radícula, ou fasciculado (Deleuze e Guattari, 2011, p. 20). Estamos
nos aproximando da ideia de rizoma. Nesta nova imagem de livro, segundo eles:
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A partir dessa nova imagem de livro, os autores se encaminham para uma nova dimensão
metafórica, uma dimensão que toma de empréstimo elementos do campo botânico, bem como das
ciências biológicas. Cabe ressaltar que Deleuze e Guattari (2011) estão buscando a multiplicidade
em si mesma e não como algo atribuído, ou seja, “[...] não se sabe ainda o que o múltiplo implica,
quando ele deixa de ser atribuído, quer dizer, quando é elevado ao estado de substantivo” (Deleuze
e Guattari, 2011, p. 18). Logo,
Na verdade não basta dizer Viva o múltiplo, grito de resto difícil de emitir.
Nenhuma habilidade tipográfica, lexical ou mesmo sintática será suficiente para
fazê-lo ouvir. É preciso fazer o múltiplo, não acrescentando sempre uma dimensão
superior, mas ao contrário, da maneira simples, com força de sobriedade, no nível
das dimensões de que se dispõe, sempre n-1 (é somente assim que o uno faz parte
do múltiplo, estando sempre subtraído dele) (Deleuze e Guattari, 2011, p. 21,
negritos nossos).
Dizer sempre n-1 implica resguardar a disposição do ainda não94, isto é, implica dizer que o
que se mostra não é tudo, algo escapa ao que se mostra e ainda, existirão sempre rastros de
indeterminação que devem ser levados em consideração. Este é um resguardo que compreendemos
como necessários à disposição característica na multiplicidade enquanto substantivo. Mas, o que
isso implica à possibilidade de multiplicidade investigada pelos autores? Vejamos, segundo eles:
“subtrair o único da multiplicidade a ser constituída; escrever n-1. Um tal sistema poderia ser
chamado de rizoma” (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 21, negritos nossos). Tal sistema constitui
múltiplas entradas e saídas, sempre em contingência. No entanto, é preciso ressaltar algumas
nuances sobre a ideia de rizoma a fim de que equívocos não sejam construídos aqui, pois:
94
A expressão “ainda-não” é oriunda dos estudos do filósofo Martin Heidegger, na obra Ser e tempo (1926),
especificamente no parágrafo §48 (Heidegger, 2012, p. 667-679). Tal expressão implica a resguarda da abertura do ser-
aí humano como cuidado e plena possibilidade de ser. “O Dasein [ser-aí humano] deve, no seu ser ele mesmo, vir-a-ser,
isto é, ser o que ele ainda não é. [...] O ainda-não já está incorporado ao seu próprio ser e isto de nenhuma maneira
como determinação qualquer, mas como um constitutivo seu. De modo correspondente, também o Dasein enquanto é
já é cada vez seu ainda-não” (Heidegger, 2012, p. 673, §48).
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A partir deste ponto, Deleuze e Guattari (2011) estão dispostos a elencar, provisoriamente
e sempre em abertura de n-1, alguns princípios possíveis (6 princípios de início) para caracterizar o
rizoma agora tomado como um sistema de pensamento e ação. Dito isso, os subcapítulos que
seguem nesse texto buscam apresentar tais princípios em correlação com outras dimensões
vislumbradas, retomando algumas já mencionadas e apresentando outras mais que, possivelmente,
dizem algo à pesquisa e ao pesquisar no campo das humanidades.
É difícil, para não dizer impossível, segmentar a proposta do rizoma e localizá-la com precisão
em suas possíveis regiões, isto é, de delimitá-la como metodológica, filosófica, estética ou apenas
pedagógica. Tal qual suscita, sua trama se entrelaça abrindo e doando espaços, o que torna hercúlea
a tarefa de determinar onde termina uma dimensão e começa outra. Contudo, iniciemos com os
princípios 1º e 2º elencados pelos autores, a saber: o princípio de conexão e o de heterogeneidade.
Em tais princípios faremos um voo sobre as 4 dimensões citadas no título deste subcapítulo, pois,
segundo os autores, “[...] qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e
deve sê-lo. É muito diferente da árvore ou da raiz que fixam um ponto, uma ordem” (DELEUZE;
GUATTARI, 2011, p. 22, negritos nossos). Considerando-se que os dois princípios convergem e se
relacionam, tensionando-se a medida em que possibilitam encontros nem sempre amistosos e, no
caso do rizoma, agenciamentos entre formas de comunicação diversas, isto é, heterogêneas. Dito
isso,
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Para indicar onde estamos e como compreendemos o rizoma, convidamos a artista japonesa
Chiharu Shiota a compor parte dessa investigação. Nas imagens que seguem, podemos vislumbrar
instalações que se utilizam primordialmente de lã vermelha formando uma trama extasiante de
indeterminações. Para Shiota (2023b) a instalação The wall behind the windows (2023a) é oriunda
de um esforço para compreender a dimensão invisível da vida cotidiana. Para ela, “é como agarrar
algo que não existe, mas que você ainda pode sentir. [...] A parede de tijolos da sala fica exposta
atrás das janelas, mas envolvida por uma teia de conexões. É quase como um casulo de memória”95
(Shiota, 2023b, negritos e tradução nossa).
Imagem 1 – Composição de fotos da instalação de Chiharu Shiota, intitulada The wall behind the Windows
95
Trecho que foi traduzido da língua inglesa: “it is like grasping something that is not there, but you can still feel it. [...]
The brick wall of the room is exposed behind the windows but engulfed in a web of connections. It is almost like a
cocoon of memory” (Shiota, 2023b).
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Estamos, ao falar de rizoma, no âmbito do fora. Pois, segundo Deleuze e Guattari (2011, p.
25), “as multiplicidades se definem pelo fora: pela linha abstrata, linha de fuga ou de
desterritorialização segundo a qual elas mudam de natureza ao se conectarem às outras. O plano
de consistência (grade) é o fora de todas as multiplicidades”. Mas, o que é o fora? O fora nada mais
é do que o mundo que somos e compartilhamos. No entanto, ressaltam os autores, “o fora não tem
imagem, nem significação, nem subjetividade” (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 45). E ainda, tal plano
de consistência é o que sustenta uma abertura de mundo em suas conexões, contudo, tal plano não
está previamente delineado, não está dado, pronto, isto é, ele é e está em constante devir de
múltiplos agenciamentos. Quando os autores levantam o 4º princípio, a saber: o de ruptura
assignificante, tal devir de agenciamentos é imediatamente correlacionado. Se não fosse assim, um
rizoma morreria a cada ponto de inflexão, sucumbiria a cada ponto de corte ou a cada fuga
desvelada ao seguir suas tramas.
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Dizer que há ruptura no rizoma e que as linhas de fuga também compõem o seu corpo,
compreende dizer que ambos os autores exercem uma espécie de justiça epistêmica e filosófica,
para não dizer ética. Haja vista que pensar num sistema de mil platôs deva envolver, igualmente,
acolher a vida em suas múltiplas facetas. “O bom o mau são somente o produto de uma seleção
ativa e temporária a ser recomeçada” (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 26). Aliás, cada platô, em
Deleuze e Guattari (2011), entoa uma canção que se mantém em abertura, ou seja, cada platô canta
um agenciamento que permite ouvir, bem como ver os movimentos desse mapa rizomático. Além
disso, dizem eles:
É peculiar saber que a disposição da obra como platôs foi originalmente constituída com a
finalidade de fazer rir. Os autores se reservam ao direito de saborear o caminho de suas
investigações com a alegria pueril da infância. Há muita beleza nessa disposição que não deixa de
ser rigorosa. O riso não deforma e nem arranha tal sistema. Bem verdade o riso convida o platô a se
agrimensar tal como exposto por ambos, enquanto a escrita de um entre, como intermezzo. Entre
platôs um riso que recebe e entoa uma canção composta no limiar de ritornelos. Dito isso, a
disposição do rizoma como ritornelo possibilita ao pesquisar e à pesquisa retomadas no mapa
rizomático em qualquer extremidade ou linha. Ao mapa cartográfico é possível voltar e avançar
sempre que necessário em outro ou no mesmo platô.
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O que está em questão no rizoma é uma relação com a sexualidade, mas também
com o animal, com o vegetal, com o mundo, com a política, com o livro, com as
coisas da natureza e do artifício, relação totalmente diferente da relação
arborescente: todo tipo de ‘devires’ (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 43-44, negritos
nossos).
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“Quando o rizoma é fechado, arborificado, acabou, do desejo nada mais passa; porque é
sempre por rizoma que o desejo se move e produz” (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 32, negritos
nossos). Dito isso, o rizoma reverbera à educação, em todas as suas regiões. Principalmente porque
o rizoma é contrário a qualquer ideia de fechamento e de apagamento das multiplicidades. A
educação busca, nesse sentido, o “como” de se movimentar em meio aos devires constante de
multiplicidades, sem produzir tais fechamentos e apagamentos. Logo, o rizoma fala diretamente ao
seu maior atravessamento, isto é, ao “como” de seu ser sempre em planos contingenciais, sempre
em devir.
Um dos pontos que esse texto abre enquanto agenciamento possível é o fato de que o
rizoma possibilita o encontro de autores de campos não tradicionalmente familiares, como diria
Foucault (2001, p. 266), possibilita formar famílias monstruosas e não só sagradas ou sacralizadas.
E isso é considerado como um ganho à pesquisa e ao pesquisar. Estratos e segmentos
marginalizados pela tradição eurocêntrica avigoram-se nesta nova disposição, onde o foco não está
em traçar genealogias, mas (re)descobrir e amplificar vozes silenciadas.
No entanto, o rizoma também se abre em problemas que não desejamos alijar, nem
rapidamente, nem futuramente. Dentre eles, destacamos: será que é possível pensar no sistema de
rizoma enquanto disposição hermenêutica de leitura de mundo? Se sim, como escapar do
relativismo filosófico, haja vista que o rizoma comporta múltiplas entradas e múltiplas saídas? Dito
isso, será que o rizoma não acaba constituindo-se num também sedimento, tal qual o livro-árvore
tradicional, no entanto, apenas de outra ordem?
Contudo, se pensarmos o rizoma ao campo da Arte, este problema não fará sentido, a
questão nem mesmo se levanta, haja vista que ao campo da Arte não interessa o que significa a
obra de arte para o artista (suas intenções ou desejos) e, muito menos, o que significa a obra de
arte ao campo da investigação hermenêutica. O que importa é o que a Arte apresenta ao mundo e
não o que ela representa (GADAMER, 2010). Dito isso, o rizoma faz par à criatividade e à criação,
atuando enquanto abertura de possibilidade de possibilidades, da diferença enquanto diferença,
disposição muito bem-vinda à educação em todos os seus meandros.
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REFERÊNCIAS
DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. São Paulo: Editora 34,
2011.
FOUCAULT, Michel. 1969 – O que é um autor? In: MOTTA, Manoel de Barros da. (Org.). Ditos e
escritos: estética – literatura e pintura, música e cinema (volume III). 2. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2001. p. 264-298.
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução e organização de Fausto Castilho. Campinas, SP:
Editora da Unicamp; Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2012.
SHIOTA, Chiharu. The wall behind the windows. 2018. Janela, lã vermelha, máquina de costura,
mesa e cadeira. Fotos de Roman März. Disponível em: https://www.chiharu-shiota.com/the-wall-
behind-the-windows. Acesso em: 14 out. 2023a.
SHIOTA, Chiharu. Chiharu Shiota: the wall behind the Windows. Caderno da König Galerie.
Disponível em: https://www.koeniggalerie.com/collections/publications/products/the-wall-
behind-the-window. Acesso em: 03 nov. 2023b.
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Agradecimento
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