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ISBN: 978-85-8209-121-0

ANAIS DO 13º SEMINÁRIO DE PESQUISA


EM LINGUAGENS, LEITURA E CULTURA –
PROLER JOINVILLE

Organizadores:
Berenice Rocha Zabbot Garcia
(Projeto Institucional de Literatura Infantil Juvenil - PROLIJ)
Taiza Mara Rauen Moraes
(Projeto Institucional de Incentivo à Leitura – PROLER)

Realização:
ISBN: 978-85-8209-121-0

ANAIS
Comissão organizadora:
Dra. Taiza Mara Rauen Moraes (PROLER/UNIVILLE – SC)
Dra. Berenice Rocha Zabot Garcia (PROLIJ/UNIVILLE – SC)
Dra. Nadja de Carvalho Lamas (ARTE NA ESCOLA)
MSc. Claúdia Valéria Lopes Gabardo (LETRAS/UNIVILLE)

Realização
Universidade da Região de Joinville – (UNIVILLE)
Programa Nacional de Incentivo à Leitura - PROLER

Reitor
Prof. Dr. Alexandre Cidral

Vice-Reitora
Prof. Dra. Therezinha Maria Novais de Oliveira

Pró-Reitoria de Ensino
Prof. Dra. Patrícia Esther Fendrich Magri

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação


Prof. Dr. Paulo Henrique Condeixa de França

Pró-Reitora de Extensão e Assuntos Comunitários


Profa. Dra. Yona da Silva Dalonso

Diretor Administrativo da FURJ


José Kempner

Joinville – 2022
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Comissão científica:
Dra. Adair de Aguiar Neitzel (UNIVALI – SC)
Dra. Eliane Debus (UFSC – SC)
Dr. Fábio Henrique Nunes Medeiros (FAP-UNESPAR – PR)
Dra. Roberta Barros Meira (UNIVILLE – SC)

Diagramação
Luana Seidel (PROLER/PPGPCS UNIVILLE)

Revisão
Luana Seidel (PROLER/PPGPCS UNIVILLE)
Dra. Taiza Mara Rauen Moraes (PROLER/UNIVILLE)

Campus Joinville - Rua Paulo Malschitzki, nº 10


Campus Universitário - Zona Industrial
Joinville SC - CEP: 89219-710
Fone: (47) 3461-9000 | Fax: (47) 3473-0131
ISBN: 978-85-8209-121-0
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APRESENTAÇÃO

O Projeto Institucional de Incentivo à Leitura PROLER/UNIVILLE manteve em


tempos de isolamento social em decorrência da pandemia COVID 19 a
realização do 13º SEMINÁRIO DE PESQUISA EM LINGUAGENS, LEITURA E
CULTURA, vinculado ao 28º ENCONTRO PROLER JOINVILLE de modo
virtualizado pela Plataforma TEAMS, pois entendemos que disseminar
pesquisas associadas às linguagens, leitura e cultura multiplica olhares críticos
e reflexivos sobre a pesquisa, além de fortificar a rede de pesquisadores
brasileiros que partilharam dialogicamente seus resultados de pesquisas em
encontros no ciberespaço. O PROLER/UNIVILLE vinculado a uma rede nacional
tem como meta a propagação de que a escrita inserida em contextos sociais e
em múltiplas linguagens contribui para a construção de uma cultura sustentada
por valores humanistas respeitadores das diversidades circulantes
historicamente. Visão que impulsionou a organização do 13º Seminário de
Pesquisa em Linguagens, Leitura e Cultura estruturado em cinco salas
temáticas: Experiências Educativas, Experiências de Língua/Literatura,
Experiências de Memórias, Experiências de Leitura/ Memórias Experiências de
Políticas Culturais. Assim, esta publicação de artigos e de resumos visa difundir
pesquisas e práticas nos campos da linguagem, da leitura e da cultura
reforçando a luta de acesso aos bens culturais produzidos pelos pesquisadores
brasileiros.

Comissão Organizadora
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SUMÁRIO
EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS ........................................................................ 8

“OS DOIS VALES DO NILO” APRESENTAÇÃO DE INFOGRÁFICO PARA O


ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA .................................................................. 9

DIFICULDADES NA INICIAÇÃO À DOCÊNCIA: ADAPTAÇÃO E RESILIÊNCIA


NA PANDEMIA................................................................................................. 25

“SOBRE A TAREFA DO HISTORIADOR”: ILUSTRAÇÕES DIDÁTICAS SOBRE


O PENSAMENTO DE WILHELM VON HUMBOLDT ....................................... 41

EXPERIÊNCIAS DE LÍNGUA/LITERATURA .................................................. 58

EXPERIÊNCIA DE LEITURA LITERÁRIA NO ENSINO SUPERIOR ............... 59

QUE PALAVRAS SÃO ESSAS? EXPERIÊNCIAS DE TRANSCRIÇÃO DE


RELATÓRIOS OFICIAIS DA PROVÍNCIA DE SANTA CATARINA ................. 72

ECOS DE LUTA, EXPERIÊNCIA E TRAUMA: AS NARRADORAS DE “TORTO


ARADO”, DE ITAMAR VIEIRA JUNIOR ........................................................... 87

EXPERIÊNCIA DE LEITURA/MEMÓRIAS .................................................... 100

OS MASTROS DA MANHÃ: O POETA NA CIDADE. .................................... 101

INTERTEXTUALIDADES ENTRE OS ROMANCES ESTAÇÃO DAS TREVAS,


PÉS-VERMELHOS E O SOL DOS TRÓPICOS DE DAVID GONÇALVES .... 113

A LITERATURA DISTÓPICA NA PERSPECTIVA DA HISTÓRIA AMBIENTAL


....................................................................................................................... 121

EXPERIÊNCIAS DE POLÍTICAS CULTURAIS ............................................. 131

A SOCIEDADE CULTURAL E BENEFICENTE SEBASTIÃO LUCAS PEREIRA:


ESPAÇO DE MEMÓRIA E RESISTÊNCIA DA COMUNIDADE NEGRA DE
ITAJAÍ. ........................................................................................................... 132

SOCIEDADE SEBASTIÃO LUCAS PEREIRA: CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIA E


RESISTÊNCIA ............................................................................................... 142

FORTALEZAS DA ILHA: VOZES DA COMUNIDADE ................................... 150

EXPERIÊNCIAS DE MEMÓRIAS .................................................................. 159


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HISTÓRIA E MEMÓRIAS DA ESCOLINHA DE ARTES DE JOINVILLE ....... 160

EDUCAÇÃO DOS TEUTO-BRASILEIROS EM JOINVILLE: PROJETO DE


NACIONALIZAÇÃO DO ENSINO NO PERÍODO DA PRIMEIRA GUERRA
MUNDIAL ....................................................................................................... 170

RESUMOS.......................................................................................................170
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EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS
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“OS DOIS VALES DO NILO” APRESENTAÇÃO DE INFOGRÁFICO PARA O


ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA

Gabriel Henrique de Oliveira Furlanetto1

Resumo: Quando se trata de práticas de ensino, é preciso haver métodos


didáticos que supram especificas necessidades de aprendizagem do corpo
discente. Especificamente sobre as aulas de História que demandam muita
atenção aos aspectos geográficos, é muito relevante utilizar recursos que sejam
concomitantemente textuais e ilustrativos, para que, sendo assim, aprendizagem
de alunos seja facilitada. Diante disso, o objetivo dessa comunicação é
apresentar um infográfico digital intitulado “Os dois vales do Nilo”, produzido para
a disciplina de História e Historiografia da África, que faz parte da grade curricular
do Curso de História da Univille. O intuito é, por meio de revisão bibliográfica e
da exibição e explicação de partes específicas do infográfico, mostrar como esse
material pode receber destaque no ensino de História da África. Esse recurso
possui 3 recortes de mapa, 22 caixas textuais, 5 ilustrações menores e flechas
indicativas. Em suma, através do infográfico é possível lecionar sobre sistemas
sociais, cultura e origem da metalurgia no vale do Rio Nilo. Portanto, será
observado e discutido um material para o ensino de História da África.
Palavras-chave: infográfico; ensino de História; história da África.

Abstract: When it comes to teaching practices, there must be didactic methods


that meet the specific learning needs of the student body. Specifically about
History classes that demand a lot of attention to geographical aspects, it is very
important to use resources that are both textual and illustrative, so that, therefore,
student learning is facilitated. Therefore, the objective of this communication is to
present a digital infographic entitled "The two valleys of the Nile", produced for
the discipline of History and Historiography of Africa, which is part of the
curriculum of the Univille History Course. The aim is, through a bibliographic
review and the exhibition and explanation of specific parts of the infographic, to
show how this material can be highlighted in the teaching of African History. This
resource has 3 map clippings, 22 text boxes, 5 smaller illustrations and indicative
arrows. In short, through the infographic it is possible to teach about social
systems, culture and origin of metallurgy in the Nile River valley. Therefore, a
material for the teaching of African History will be observed and discussed.
Keywords: infographic; History teaching; African history.

INTRODUÇÃO
Um acadêmico de História da Universidade da Região de Joinville
produziu um excêntrico infográfico para a disciplina de História e Historiografia
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da África. Esse material foi baseado em algumas informações do capítulo de livro


“Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas sociais até o
século V antes da Era Cristã” (de Jean Vercoutter), que faz parte da obra
“História Geral da África, I: Metodologia e pré-história da África” (organizado por
Joseph Ki-Zerbo).

Esse infográfico tem como título “Os dois vales do Nilo”, pois as
informações presentes nesse material se baseiam no recorte territorial dos dois
vales do Rio Nilo (sul e norte). O infográfico tem 3 recortes de mapa, 22 caixas
textuais, 5 ilustrações menores e flechas indicativas. Tudo isso foi confeccionado
para realizar a transposição didática dos conteúdos. Com isso, foi observado que
esse material, produzido para uma disciplina universitária, pode ser revertida
como recurso de aulas de História para o Ensino Básico.

Desse modo, será observado um potencial material didático para o


ensino de História da África. Nesse sentido, será preciso conhecer
sinteticamente o contexto do trabalho acadêmico do infográfico para depois
exibir as suas configurações.

O CONTEXTO DO TRABALHO ACADÊMICO


Na Univille (Universidade da Região de Joinville), há o curso de
Licenciatura em História, que possui, na grade curricular de 2020, a disciplina de
História e Historiografia da África. Essa disciplina foi aplicada, no que diz respeito
ao contexto desse trabalho, no ano de 2021. O objetivo geral da disciplina,
previsto no planejamento de ensino e aprendizagem, foi:

Dominar conteúdos históricos elementares sobre o


continente africano e suas populações historicamente
estabelecidas, assim como seus respectivos fundamentos
documentais, historiográficos, metodológicos e teóricos.
(OLIVEIRA NETO, [2020 ou 2021]).
Diante dessa questão, esse planejamento tem: ementa, justificativa, 7
objetivos específicos, descrição de proposta de integração curricular, unidades
e tópicos, 3 referências básicas, 5 referências complementares e observações.
O professor responsável pela aplicação dessa disciplina foi o historiador Wilson
de Oliveira Neto2. No geral, essa disciplina teve 72 horas na grade curricular.
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Também é preciso mencionar não se deve confundi-la com outra disciplina


(prevista para ser aplicada no ano de 2023), nesse caso, História e Historiografia
da África e da Ásia Contemporâneas.

No segundo bimestre (especificamente em junho), o docente abriu, no


Disco Virtual da disciplina, uma atividade com o título “Infográfico sobre as
origens da metalurgia na África”. O objetivo dessa atividade era produzir um
infográfico que dissesse respeito às informações presente no capítulo de livro
intitulado “Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos sistemas
sociais até o século V antes da Era Cristã” (do egiptólogo Jean Vercoutter), que
faz parte do livro “História Geral da África, I: Metodologia e pré-história da África”3
(organizado por Joseph Ki-Zerbo). Esse livro é reconhecido pela Unesco
(Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), pelo
MEC (Ministério da Educação) e pela UFSCar (Universidade Federal de São
Carlos).

Sendo assim, confirma-se o processo acadêmico desse material. Como


se pode inferir, ele foi ancorado pelas demandas disciplinares, criatividade
acadêmica, formulações instituições e escrita científica. Os resultados de sua
confecção devem ser compreendidos gradualmente, porque esse material em
seu todo possui recortes de informação que se complementam.

O INFOGRÁFICO EM QUESTÃO

Esse material foi produzido por meio de diferentes programas digitais,


sendo dois deles o Canva e o LunaPic. Várias imagens foram baixadas da web
e alteradas (especificamente com cortes e colagens) para confeccioná-la,
incluindo imagens selecionadas no Google Imagens e as disponibilizadas
gratuitamente pela mencionada plataforma de design gráfico Canva.

Além disso, esse infográfico possui: 3 recortes de mapa; 22 caixas


textuais; 5 ilustrações menores; flechas indicativas. Como se pode constatar, a
imagem geral do infográfico apresenta: um triângulo com um fundo ilustrativo de
água (no objetivo de simbolizar o Rio Nilo); um espaço à esquerda do triangulo;
um espaço à direita do triangulo4.
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Somado a tudo isso, o infográfico recebeu o seguinte título: “Os dois vales
do Nilo”5, pois o lado esquerdo do infográfico ilustra algumas informações do
capítulo de livro mencionado sobre o norte do Rio Nilo, enquanto o lado direito
do infográfico ilustra as informações desse mesmo capítulo de livro sobre o sul
do Rio Nilo.

Ilustração 1 - O infográfico produzido.

Fonte: infográfico autoral em pauta (2021).


Na parte superior do triangulo, há um círculo com borda preta contendo
uma fotografia espacial do Rio Nilo:

Ilustração 2 - Recorte da parte superior-central do infográfico.


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Fonte: recorte de infográfico autoral em pauta (2021).


Essa parte do infográfico ilustra, abaixo do círculo, o título do material em
formato curvado e escrito em fonte de cor preta.

No tocante a divisão entre o sul e o norte do Rio Nilo, há um recorte de


mapa representando isso (que está localizado no lado central-superior do
infográfico):

Ilustração 3 - Ilustração sobre a divisão entre o sul e o note do Rio Nilo.

Fonte: recorte de infográfico autoral em pauta (2021).


Antes de explicar a localização de cada uma delas, é preciso saber que o
Rio Nilo tem dois afluentes: o Nilo Branco e o Nilo Azul (ambos indicados no
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recorte do mapa). A partir disso, o Rio Nilo vai seguindo seu percurso, com um
total de 6 cataratas (indicadas pelas bolinhas cinzas), até desaguar, através de
sua foz (chamada de “Delta do Nilo), no Mar Mediterrâneo.

Há uma linha vermelho nesse recorte de mapa. Abaixo dela está o sul do
Rio Nilo (também chamado de Vale Superior). Acima dela está o norte do Rio
Nilo (também chamado de Vale Inferior). A linha vermelha é demarcada pela
penúltima catarata (a quinta do sul para o norte, mas a segunda do norte para o
sul). Nesse assunto, no recorte do mapa as cataratas foram contadas do norte
para o sul.

Além do mais, nesse recorte de mapa pode ser observado as seguintes


configurações: um pequeno ícone preto ilustrando onde se passa o recorte do
mapa (por meio de um retângulo de bordas brancas); uma rosa dos ventos
(contendo apenas os quatro principais pontos cardeias), localizada no lado
extremo inferior-esquerdo da imagem; nomes de cidades em língua inglesa
(Cairo; Luxor; Aswan; Abu Simbel; Dongola; Napata; Meroe; Khartoum); um
nome abreviado de lago em língua inglesa (L. Nasser); um nome de um conjunto
de rios em língua inglesa (Toshka lakes).

Referente às informações do infográfico sobre o Vale Inferior (norte do


Rio Nilo), a parte disso começa com os seguintes balões:

Ilustração 4 - Recorte da primeira parte das ilustrações sobre o Vale Inferior.


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Fonte: recorte de infográfico autoral em pauta (2021).


O balão superior da ilustração acima é a introdução da parte do infográfico
sobre o Vale Inferior. Possui bordas de cor laranja e fundo de ilustração de areia.
O título desse recorte do infográfico leva diretamente a ele. Esse balão está
baseado cientificamente no seguinte trecho do capítulo de livro mencionado:

A organização social que se vê, ou melhor, que se imagina


instalar-se no vale inferior do Nilo, no Egito, a partir de -
3000, resulta incontestavelmente das técnicas requeridas
pela irrigação para a valorização agrícola do vale. Esta
tomada de posse do vale pelo homem teve início no
Neolítico, prosseguindo até o aparecimento de um sistema
monárquico unificado. (VERCOUTTER, 2010, p. 805)
Esse balão, por sua vez, está conectado ao balão inferior-central. Esse
último está baseado cientificamente no seguinte excerto:

Desde a emergência do Neolítico no vale inferior do Nilo,


constata-se uma diferenciação cultural entre o grupo do
norte e o do sul. É certo que nos dois grupos as populações
são constituídas por agricultores e pastores, que continuam
a praticar a caça e a pesca; todavia o próprio material que
nos deixaram difere sensivelmente de um grupo a outro em
natureza, qualidade e quantidade. O mesmo ocorre em
relação a certos costumes. (VERCOUTTER, 2010, p. 809)
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O balão inferior-central (que é completamente alaranjado, com exceção


das fontes de cor branca), fala de dois grupos nesse mesmo vale (o Vale
Inferior): os do sul e os do norte6. Eles existiram por volta de 3.000 a.C – os do
norte próximo ao Delta do Nilo e os do sul mais ao centro do vale. Diante disso,
na parte inferior-esquerda do infográfico há um recorte de mapa mostrando a
localização deles:

Ilustração 5 - Localização dos grupos norte e sul do Vale Inferior do Nilo

Fonte: recorte do infográfico autoral em pauta (2021).


Além de conter uma rosa dos ventos, essa recorte de mapa aponta as
localizações do grupo norte (pelas bolinhas vermelhas) e grupos sul (pelas
bolinhas amarelas).

Ainda no que se refere à bola alaranja do lado superior-esquerdo do


infográfico, ela leva a informações sobre cada um desses grupos (exibidos pela
ilustração 4). O balão sobre os grupos do norte (com borda vermelha e fundo
ilustrativo de areia) diz que, na base das colocações de Vercoutter (2010), esses
mesmos grupos eram mais aglomerados entre si e que enterravam os seus
mortos perto das aldeias. Já o balão sobre os grupos do sul (com borda amarela
e fundo ilustrativo de areia) diz que, também pelas colocações de Vercoutter
(2010), tais grupos eram mais dispersos entre si e que enterravam os seus
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mortos longe das aldeias. O seguinte recorte do infográfico retrata didaticamente


isso:

Ilustração 6 - Imagem didática sobre as informações do balão de borda


vermelha e do balão de borda amarela.

Fonte: recorte do infográfico autoral em pauta (2021).


Por fim, há um balão com borda preta e fundo de cor laranja dizendo que
os grupos do norte (os das bolinhas vermelhas) eram hábeis com pedras e
grandes produtores de cerâmica, enquanto os grupos do sul (os das bolinhas
amarelas) tinham técnicas mais aprimoradas para a produção de cerâmicas – e
tudo isso também está ancorado nas dissertações de Vercoutter (2010).

Ilustração 7 - Informações extras sobre os grupos do norte e do sul do Vale


Inferior

Fonte: recorte do infográfico autoral em pauta (2021).


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Em seguida, após os balões didáticos que mostrava ícones amarelos e


vermelhos (e também ícones de agricultura de cor verde), há uma flecha
indicativa que leva para dentro para um balão totalmente de cor laranja dentro
do triangulo:

Ilustração 8 - Informações novas sobre os grupos norte e sul do Vale Inferior.

Fonte: recorte do infográfico autoral em pauta (2021).


Esse balão dita sobre o firme estabelecimento do sistema social de cada
um desses grupos. De acordo com Vercoutter (2010), os grupos do norte era
baseados em direito divino (simbolizado pelo ícone de cor mostarda) e os
membros eram tratados iguais perante a lei, enquanto os grupos do sul eram
socialmente menos rígidas e centravam-se mais em famílias (simbolizados pelos
ícones de “família com crianças”).

Ilustração 9 – Informações extras e ilustrações didáticas sobre o firme


estabelecimento social dos grupos
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Fontes: dois recortes do infográfico autoral em pauta (2021).


Após isso, os grupos do norte e do sul do Vale Inferior se fundem e
constituem uma confederação, para logo depois se tornarem um reino unificado
(VERCOUTTER, 2010). Isso é apresentado em imagem pela ilustração abaixo:

Ilustração 10 - Imagem informativa sobre a fusão dos grupos do norte e do sul.

Fonte: recorte do infográfico autoral em pauta (2021).


Nas ilustrações 9 e 10, percebe-se que os ícones de humanoides dos
grupos não são mais amarelos e vermelhos, mas sim roxos e rosas. Após
“adentrarem” no triangulo, os ícones vermelhos tornaram-se rosas e os ícones
amarelos tornaram-se roxos. Essa troca de cores foi realizada pelo objetivo de
tentar simbolizar o firme estabelecimento de cada um desses grupos. Somado a
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isso, a ilustração 10 mostra os grupos do norte e do sul se “fundindo” por um


sinal de adição – junto de ícones de agricultura (cor verde para os grupos do sul
e cor mostarda para os grupos do norte).

Referente a parte do infográfico sobre o Vale Superior do Nilo (sul do Rio


Nilo), há o balão de cor verde escuro, que já apresenta a informação de que as
fontes arqueológicas desse são mais precárias que as do Vale Inferior (Norte do
Rio Nilo). Esse balão se divide em três (um com bordas de cor ciano à esquerda,
um com bordas de cor de lima à direita e um com bordas de cor magenta no lado
inferior da ilustração). Além disso, os balões redondos levam à balões
quadrados. Isso se justifica pelo fato de que esses últimos são extensões dos
balões redondos, dado que não seria viável aumentar o tamanho dos balões
redondos para inserir mais informações.

Ilustração 11 - Balões informativos iniciais sobre o Vale Superior do Nilo.


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Fonte: recorte do infográfico autoral em pauta (2021).


Cada um desses três balões fala de um tipo diferente de grupo: o balão
de borda de cor ciano dita sobre o Shaheinab; o balão de borda de cor de lima
dita sobre o Abkiense; o balão de borda de cor magenta dita sobre o Grupo A
(que também podem ser chamados por “pré-dinásticos do Vale Superior), de
acordo com o que foi compreendido pelas dissertações de Vercoutter (2010).

Como são várias as informações sobre cada um desses grupos, pode ser
viável acessar diretamente esse material na íntegra para a leitura detalhada das
informações. Mas em síntese, cada um deles possuíram as suas
particularidades temporais e socioculturais (que implicaram nas questões
metalúrgicas, por exemplo).

Abaixo desses balões, há um recorte de mapa indicando a localização de


cada um desses grupos – conforme as colocações de Vercoutter (2010):

Ilustração 12 - Recorte de mapa indicando a localização de cada dos grupos


em tópico.

Fonte: recorte do infográfico autoral em pauta (2021).


A bolinha ciano indica a localização dos assentamentos do grupo
Shaheinab. A bolinha de cor de lima indica a localização dos assentamentos do
grupo Abkiense. O retângulo de cor magenta apresenta a localização
aproximada dos assentamentos do Grupo A7. Esse recorte de mapa também
possui uma rosa dos ventos, que está do lado superior-direito.
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Ademais, há um flecha indicativa de cor verde escuro “adentrando” o


triangulo, que acaba levando para o seguinte balão (que também possui a cor
verde escuro e que está localizado no lado central-direito do triangulo):

Ilustração 13 - Informação extra sobre os grupos do Vale Superior do Nilo.

Fonte: recorte do infográfico autoral em pauta (2021).


Esse balão está baseado no seguinte excerto: “No vale superior do Nilo,
a organização social é ainda pouco conhecida.” (VERCOUTTER, 2010, p. 828).

Como informativo final do infográfico, esse material apresenta os


seguintes balões (que se localizam no lado inferior-direito do triangulo):

Ilustração 14 - Informações finais do infográfico (que tratam sobre metalurgia).

Fonte: recorte do infográfico autoral em pauta (2021).


O balão preto introduz o assunto que diz respeito ao todo dos outros três
balões. Ele dita sobre a difusão do metal durante a vigência da escrita. Os
restante dos balões têm bordas de cor preta, mas com fundos diferentes. O balão
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com fundo dourado dita sobre a difusão da metalurgia do ouro, prata e cobre no
princípio desse período. O balão de fundo de bronze dita sobre a difusão, a partir
de 2.000 a.C., da metalurgia do bronze. O balão com fundo de ferro enferrujado
dita sobre a metalurgia do ferro a partir de 1.580 a.C. Essas informações estão
fundamentadas pelo seguinte excerto:

Em princípios do período histórico, os metais preciosos,


ouro e prata, assim como o cobre, são conhecidos e
amplamente difundidos em todo o vale do Nilo. A
metalurgia desses três metais continua a se desenvolver
após o terceiro milênio. No segundo milênio aparecem o
bronze, liga de cobre e estanho e, esporadicamente, o
ferro, a partir de -1580. (VERCOUTTER, 2010, p. 829).
Portanto, completa-se as informações integrais do material. Do título aos
balões que se encontram na parte inferior, esse infográfico pode ser utilizado
como material didático no Ensino Básico. Nessas circunstâncias, é
imprescindível a presença do professor para auxiliar os seus alunos na
compreensão das ilustrações do material. Além disso, é viável que esse
infográfico seja revisto, reformulado e analisado de acordo com as precisões
científicas e do design.

CONCLUSÃO

Em vista de tudo isso, conhece-se os vários recortes do infográfico. Como


várias vezes citado, Vercoutter (2010) foi o principal e único pilar das
informações exibidas. Por meio disso, esse material é fruto de transposição
didática e criatividade universitária – nos fins de haver bons resultados na
disciplina de História e Historiografia da África, que faz parte da grade curricular
de 2020 do curso de Licenciatura em História da Universidade da Região de
Joinville. Consequentemente, faz-se a seguinte problemática: “Como utilizar o
infográfico desse trabalho completo nas aulas de História das escolas de
Educação Básica?”

NOTAS EXPLICATIVAS
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1Graduando de Licenciatura em História da Universidade da Região de Joinville


(Univille). Foi o aluno responsável pela produção do infográfico exibido.
Endereço de seu campus de formação: Rua Paulo Malschitzki, nº 10 (Zona
Industrial Norte, Joinville/SC). Currículo lattes:
<http://lattes.cnpq.br/2738602230109838>. E-mail:
gabriel28_oliveira@hotmail.com.
2Possui doutorado em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ) e mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade e graduação
em História pela Universidade da Região de Joinville (Univille). É professor dos
cursos de Direito e História da Universidade da Região de Joinville (Univille).
Endereço da IES de professorado: Rua Paulo Malschitzki, nº 10 (Zona Industrial
Norte, Joinville/SC). Currículo lattes: <http://lattes.cnpq.br/1777573369659605>.
E-mail: wilhist@gmail.com.
3Essa bibliografia está disponibilizada gratuitamente em domínio público pelo
seguinte link:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000318.pdf>. Acesso em:
06 nov. 2022.
4Os espaços à esquerda e à direita do triangulo têm como fundo de ilustração a
imagem de fotografias de deserto de areia.
5Esse infográfico está disponibilizado para download gratuito pelo seguinte link:
<https://www.academia.edu/49406931/Os_dois_vales_do_Nilo>. Acesso em: 06
nov. 2022.
6É preciso que não se confunda os grupos sul e norte do Vale Inferior (norte do
Rio Nilo) com o próprio norte do Rio Nilo (Vale Superior).
7Vai ser preciso uma séria revisão bibliográfica para saber se o autor do
infográfico não se equivocou sobre a “localização aproximada” do Grupo A.

REFERÊNCIAS

OLIVEIRA NETO, Wilson de. Disciplina de História e Historiografia da África.


Planejamento de Ensino e Aprendizagem, História (2 a Série - 2021),
Universidade da Região de Joinville, [2020 ou 2021].
VERCOUTTER, J. Descoberta e difusão dos metais e desenvolvimento dos
sistemas sociais até o século V antes da Era Cristã. In: KI-ZERBO, Joseph (ed.).
História geral da África, I: Metodologia e pré-história da África. 2. ed. Brasília:
UNESCO, 2010. cap. 28, p. 803-832.
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DIFICULDADES NA INICIAÇÃO À DOCÊNCIA: ADAPTAÇÃO E


RESILIÊNCIA NA PANDEMIA

Gabriel Henrique de Oliveira Furlanetto1


Elandia Vieira de S. Thiago2

Resumo: A pandemia da Covid-19 trouxe vários impactos na sociedade, e o


setor estudantil foi uma das áreas afetadas. Nesse contexto, a Univille, no ano
de 2020, abriu vagas para o Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
à Docência), por meio do qual foram criados três subprojetos de licenciatura,
sendo a História um deles. Diante desse contexto, um dos bolsistas desse
subgrupo enfrentou revezes em sua experiência como iniciante à docência.
Portanto, o objetivo desse trabalho é mostrar, através de relato de experiência,
os métodos e ferramentas que o graduando utilizou para que a sua inserção
prática no projeto de ensino pudesse ser efetivada. Será observado como as
aulas assíncronas, o principal meio utilizado para a docência, se mostrou um
desafio diante de questões que abordam tecnologias digitais, parecer de alunos
e autonomia na gravação de aulas. Consequentemente, a iniciação à docência
revelou um percurso estudantil marcado demasiadamente por adaptações e
atitudes resilientes no período pandêmico.
Palavras-chave: pibid; história; pandemia; dificuldades.

Abstract: The Covid-19 pandemic brought several impacts on society, and the
student sector was one of the affected areas. In this context, Univille, in 2020,
opened vacancies for the Iptis (Institutional Program for Teaching Initiation
Scholarships), through which three degree subprojects were created, History
being one of them. Given this context, one of the scholarship holders of this
subgroup faced setbacks in his experience as a beginner to teaching. Therefore,
the objective of this work is to show, through an experience report, the methods
and tools that the graduating student used so that their practical insertion in the
teaching project could be carried out. It will be observed how asynchronous
classes, the main means used for teaching, proved to be a challenge in the face
of issues that address digital technologies, student opinion and autonomy in
recording classes. Consequently, the initiation to teaching revealed a student
path marked too much by adaptations and resilient attitudes in the pandemic
period.
Keywords: iptis; history; pandemic; difficulties.

INTRODUÇÃO
ISBN: 978-85-8209-121-0

A sigla “Pibid” significa Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à


Docência. A Univille, contando com a disponibilização de recursos da CAPES
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), implementou
várias vezes projetos do Pibib, incluindo em 2020. Entretanto, o projeto desse
ano iniciou durante a vigência da pandemia da Covid-19, o que acabou
resultando em específicas dificuldades de vivência de projeto de ensino na vida
de um dos graduandos.

O bolsista em questão atravessou práticas que nunca havia vivenciado:


gravação de vídeos para aulas assíncronas voltadas para o Ensino Básico,
consequentemente, avaliação de desempenho de alunos sem contemplar
presencialmente o desenvolvimento de cada um. Nesse caso, ele acabou
produzindo duas aulas gravadas e duas atividades (todas para duas turmas
diferentes do terceiro ano do Ensino Médio da Escola de Educação Básica
Professor Rudolfo Meyer).

Desse modo, será observado parte do trajeto desse bolsista no programa.


Na circunstância de ter que realizar aulas assíncronas, foi essencial que criasse
meios adaptativos e resilientes para efetivar ao menos parcialmente a sua
desenvoltura no Pibid, o que acarretou dificuldades em sua iniciação na
docência. Para isso, será imprescindível saber o que é o Pibid, o tópico sobre a
sua ocorrência durante a pandemia da Covid-19 e suas frutificações na vida do
bolsista em questão.

SOBRE O PIBID

O Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) é um


programa voltado para a inserção de alunos de licenciatura nas iniciais práticas
de cátedra no Ensino Básico. Esse programa pode ser fornecido em diferentes
âmbitos governamentais, porém o mais enfático no território brasileiro é o da
CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) – um
órgão que pertence ao Ministério da Educação.

Esse órgão governamental periodicamente lança editais públicos desse


projeto para a concessão de bolsas, nas quais as IES brasileiras (Instituições de
ISBN: 978-85-8209-121-0

Ensino Superior) podem concorrer submetendo projetos de ensino. Diante disso,


houve o lançamento de um edital do Pibid/CAPES no ano de 2020, em que a
Univille participou por meio de um projeto de ensino intitulado “Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID): ensinar e aprender com
pesquisa e extensão na Educação Básica”. Nessas circunstâncias, a Univille
acabou tendo esse projeto aprovado. Esse projeto esteve setorizado em
hierarquias, e existiu um valor monetário de bolsa específico para cada
participante do projeto. Nessa questão, existiram quatro cargos de função
diferentes: coordenador institucional; coordenadores de área; professores
supervisores; e iniciantes na docência. O valor da bolsa para cada um,
respectivamente, foi de: R$ 1.500,00; R$ 1.400,00; R$ 765,00; R$ 400,00
(GOV.BR, 2021).

O coordenador institucional foi aquele que coordenou o projeto inteiro e


que, também, foi o principal representante da Univille para a CAPES, e, como
pôde ser constatado, também foi o que ocupou o maior cargo do projeto e aquele
que recebeu a bolsa de maior valor (R$ 1.500,00). No projeto em pauta, o
coordenador geral foi o professor doutor Fernando Cesar Sossai3.

Os coordenadores de área são aqueles responsáveis em coordenar os


setores específicos do projeto. Melhor explanando, como o Pibid/CAPES é
voltado para alunos de licenciatura, em que esses estão adentrados em
específicos cursos de formação (História, Geografia, Ciências da Religião,
Letras, Artes Visuais, Ciências Biológicas, Educação Física e Matemática), o
projeto precisou conter diferentes áreas de formação da licenciatura.

No que se refere ao projeto da Univille, o projeto em questão esteve


dividido em quatro áreas (nomeados como subprojetos): subprojeto de
Educação Física; subprojeto de História; subprojeto interdisciplinar; e subprojeto
de Letras. No que tange ao relato de experiência desse trabalho completo, o
subprojeto em pauta é o de História, que foi coordenado pelo professor doutor
Wilson de Oliveira Neto4. Dentro desses subprojetos, estão os professores
supervisores. Eles são responsáveis em supervisionar as atividades dos
iniciantes na docência dentro do projeto. Eles tiveram o vínculo de professor em
escolas públicas de Educação Básica, onde os iniciantes na docência tiveram de
atuar. Referente ao relato de experiência desse trabalho completo, a instituição
ISBN: 978-85-8209-121-0

foi a Escola de Educação Básica Professor Rudolfo Meyer, que se encontra na


cidade de Joinville (SC), bairro Floresta.

Por fim, no que se refere aos iniciantes na docência, eles foram o ponto
focal do projeto, pois toda organização do Pibid/CAPES tem isso como
prioridade. Eles deveriam, dentro do projeto, estarem adentrados em atividades
que os formariam para a docência, tendo como principal atividade o professorado
do ambiente de Educação Básica.

Sendo assim, o Pibid/CAPES é um programa governamental que tem


como princípio a formação de professores. Contanto com os incentivos das
bolsas, todos os envolvidos precisam concluir devidamente todo o percurso do
programa, para que possa haver a necessária formação e experiência de ensino
para os iniciantes na cátedra da Educação Básica.

A PANDEMIA DA COVID-19 E SUAS CONSEQUÊNCIAS NO


PROJETO

Como dito, o projeto de ensino “Programa Institucional de Bolsas de


Iniciação à Docência (PIBID): ensinar e aprender com pesquisa e extensão na
Educação Básica” iniciou em 2020, especificamente no mês de outubro. Nas
circunstâncias desse período, o projeto iniciou em plena vigência da pandemia
da Covid-19, resultando em problemas em seu desenvolvimento. Nesse ano, as
aulas do Curso de História da Univille e das escolas de Ensino Básico estavam
sendo ministradas de forma virtualizada. Diante disso, um dos iniciantes na
docência ficou, no ano de 2020, sem ministrar uma aula sequer na Escola de
Educação Professor Rudolfo Meyer, dado que aguardou a permissão de
ministrar aulas presenciais para poder atuar em cátedra.

Todavia, com a chegada do primeiro semestre do ano de 2021, o


graduando ainda não teve oportunidade de ministrar aulas presenciais. Frente a
isso, ele começou a se desenvolver no projeto a partir de leituras bibliográficas,
e, pensando na construção de seu plano de trabalho (que envolve idealizar uma
sequência de ministração de aulas), desejou utilizar a literatura distópica como
recurso para o ensino de História. Consequentemente, aguardou que ao menos
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no segundo semestre surgisse a oportunidade de ministrar aulas presenciais.


Com o advento desse período – o segundo semestre de 2021 (e com alguns
colegas de projeto já conseguirem ministrar aulas presenciais em outras escolas)
– ele, porém, se deparou com a realidade de não conseguir efetivar aulas nem
sequer virtualizadas síncronas. Dada as circunstâncias, o bolsista teve a ideia
de ministrar aulas gravadas (prática que muito foi utilizada por vários professores
durante a pandemia).

Portanto, o bolsista em pauta teve criar um meio de se adaptar no projeto.


Ele manuseou diversas tecnologias que colaboraram com o seu objetivo, para
que pudesse efetivar parcialmente aquilo que encontrou nas bibliografias
utilizadas durante o período em que não pôde ministrar aulas. Nesse tópico, as
suas atividades docentes se concentraram em adaptação de resiliência.

AS ATIVIDADES DOCENTES REALIZADAS

Como o bolsista teve a ideia de realizar aulas assíncronas, ele necessitou


que tais aulas fossem gravadas. No entanto, o graduando não tinha, em seu
acervo pessoal, tecnologias qualitativas para a gravação desse conteúdo. Para
contornar isso, ele almejou utilizar alguma câmera de vídeo do acervo da Univille,
e, tendo isso em vista, realizou, em agosto de 2021, contato com o CHB (Área
de Ciências Humanas e Biológicas da Univille), um dos setores institucionais da
universidade.

O CHB acabou emprestando uma das salas de aula do Curso de História


para o bolsista. Por conseguinte, acabou gravando uma aula intitulada Aula 1 –
As Sete Distopias. Essa preleção acompanhou slides de apresentação e teve
como objetivo introduzir os alunos do ensino básico na temática sobre a relação
da literatura distópica com o século XX. Nisso, a aula esteve dividida em quatro
partes: explanação de tópicos que o bolsista queria trabalhar com os alunos (ou
seja, os conteúdos objetivados para a aprendizagem): (1) o século XX enquanto
um período sombrio; (2) os sofrimentos, tiranias e “confusões” do século XX; (3)
literaturas distópicas do século XX; historicização do conceito de distopia;
dissertação sobre a relação da distopia com o século XX; apresentação de sete
obras literárias distópicas do século XX.
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Ilustração 1 – cenas da primeira aula gravada

Fonte: prints de tela, por Gabriel Furlanetto (2021).


Os slides da primeira aula foram exibidos na gravação da aula, onde
aparecem, através de um projetor, no lado esquerdo do vídeo. Em suma, o
documento de PowerPoint (o software utilizado para confeccionar os slides) tinha
21 lâminas, incluindo capa, sumário, desenvolvimento, conclusão e referências.

Ilustração 2 – dois slides da primeira aula

Fonte: prints de tela, por Gabriel Furlanetto (2021).


Como a temática da aula envolveu a literatura distópica, foram exibidos
sete livros do gênero. O primeiro foi 1984 (de George Orwell); o segundo foi
Admirável Mundo Novo (de Aldous Huxley); o terceiro foi Cântico (de Ayn Rand);
o quarto foi Eu, Robô (de Isaac Asimov); o quinto foi Fahrenheit 451 (de Ray
Bradbury); o sexto foi Laranja Mecânica (de Anthony Burgess); e o sétimo foi O
homem do castelo alto (de Philip K. Dick). Nesse assunto, algumas páginas de
cada um desses livros foram digitalizadas e disponibilizadas na plataforma
Google Drive. A digitalização foi efetivada por fundos comunitários do
Pibid/Univille, ou seja, o graduando não precisou investir com os seus próprios
recursos financeiros para realizar o escaneamento dos livros. Apesar disso,
todas as bibliografias (que são físicas) foram compradas por ele e, diante disso,
se encontram em seu acervo pessoal. Ademais, em um dos slides da aula, foi
ISBN: 978-85-8209-121-0

passado um link que direcionada o discente para a plataforma onde estavam


contidas as páginas digitalizadas dos livros.

Após a gravação, o vídeo teve que passar por edições técnicas. Para isso,
o bolsista utilizou o software OpenShot Video Editor. Como o graduando não é
técnico nisso, o vídeo ficou mal editado. Acrescido a isso, o áudio também ficou
ruim, porque a câmera utilizada foi uma webcam com captação de áudio (o que
pode não ser muito apropriado para a gravação de vídeos). Além disso, foram
inseridas três imagens de QR Code no vídeo. A primeira exibida, quando
devidamente escaneada, levava o aluno para um vídeo da plataforma Youtube,
intitulado Aldous Huxley on Technodictators (do canal Blank on Blank). A
segunda levava o aluno para uma atividade avaliativa e o terceiro levava o aluno
para o documento dos slides da aula.

No que se refere ao vídeo do Youtube, esse material foi um outro recurso


utilizado para que os alunos pudessem ser introduzidos no debate sobre distopia.
Se trata de uma animação que tem como fundo uma entrevista concedida ao
escritor Aldous Huxley (o autor de Admirável Mundo Novo). Esse material está
caracterizado por uma essência assombrosa e levemente conspiracionista,
configurações tais que convergem pela mentalidade pessimista da distopia
(FURLANETTO; OLIVEIRA NETO, 2022).

Ilustração 3 – Prints do vídeo Aldous Huxley on Technodictators (do canal


Blank on Blank)

Fonte: prints de tela, por Gabriel Furlanetto (2021).


Concernente a atividade avaliativa, ela foi intitulada, também, como As
sete distopias. Esse trabalho voltado ao Ensino Médio se baseou no seguinte:
os alunos deveriam selecionar um dos livros apresentados e justificar a escolha.
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A atividade foi elaborada na plataforma Google Docs, em que os discentes do


bolsista deveriam responder três campos no documento: nome completo
(resposta por texto de resposta curta), seleção da obra (múltipla escolha) e
justificativa da seleção (resposta por texto de resposta longa).

Ilustração 4 – Apresentação da primeira atividade

Fonte: print de tela alterado, por Gabriel Furlanetto (2022).


Com 35 alunos no total, apenas 12 responderam a atividade. A avaliação
foi dividida na observância de quatro competências: grafia; abordagem do
conteúdo do livro; subjetividades; abordagem de conteúdo histórico e/ou
pedagógico. O valor máximo da avaliação foi 10,00.

A avaliação da grafia (a primeira competência) consistiu em observar


alguns usos corretos da língua portuguesa. Apesar disso, não houve enorme
rigor. Diante disso, o teto da nota imposto nessa competência foi 3,00/10,00. De
todos os alunos que responderam a atividade: a maior nota alcançada nessa
competência foi 3,00/3,00 (conquistada por dois alunos); a menor nota
alcançada foi 1,50/3,00 (alcançada por cinco alunos); a média alcançada nessa
competência foi 2,00/3,00; a moda alcançada nessa competência foi 1,50/3,00;
a mediana alcançada nessa competência foi 1,75/3,00. A soma de todas as
notas dessa competência resultou 24.

Quanto a avaliação da abordagem do conteúdo do livro (a segunda


competência), a teto da nota imposto nessa competência foi 1,50/10,00. De
todos os aluno que responderam a atividade: a maior nota alcançada nessa
competência foi 1,50/1,50 (conquistada por apenas um aluno); a menor nota
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alcançada foi 0,00/1,50 (inculcada em sete alunos); a média alcançada foi


0,45/1,50; a moda alcançada foi 0,00/1,50; a mediana alcançada foi 0,00/1,50. A
soma de todas as notas dessa competência resultou em 5,3.

Atinente as subjetividades (a terceira competência), a avaliação dessa


competência valeu-se da inserção das propriedades imaginativas, cognoscíveis,
criativas, representativas e entre outros por parte do aluno. O teto da nota
imposto nessa competência foi 4,00/10,00. De todos os alunos que responderam
a atividade: a maior nota alcançada foi 4,00/4,00 (conquistada por um aluno); a
menor nota alcançada foi 0,00/4,00 (inculcada em um aluno); a média alcançada
foi 2,43/4,00; a moda alcançada foi 2,50/4,00; a mediana alcançada foi 2,50/4,00.
A soma de todas as notas dessa competência resultou em 29,1.

Por último, no que se refere a avaliação da abordagem de conteúdo


história e/ou pedagógico (a quarta e última competência), constituiu-se em
observar o quanto o aluno teceu comentários sobre ocorrências históricas na
justificativa (assim como a realização de comentário sobre a precisão da obra
literária selecionada para o aprendizado). O teto da nota imposto nessa
competência foi 1,50/10,00. Nessa competência, todos os alunos zeraram.

Tendo a análise da soma das competências, a maior nota conquistada foi


7,00/10,00 (por um aluno), enquanto a menor nota conquistada foi 3,80/10,00
(também por um aluno). O aluno que recebeu a maior nota foi o que primeiro
respondeu a atividade, e a obra selecionada foi Admirável Mundo Novo. O aluno
que recebeu a menor nota foi o penúltimo a responder a atividade, e a obra
selecionada foi O homem do castelo alto.

No que diz respeito a organização das respostas das atividades, o bolsista


manuseou diferentes ferramentas. Primeiramente, ele tirou print das atividades,
para depois juntar as imagens em formato PDF. Depois, criou uma planilha no
software Excel, colocando (por ordem alfabética) os nomes dos alunos que
responderam a atividade. Por lá, após a avaliação da resposta de cada um,
conferiu nota para cada uma das competência e, no final, realizou a soma. O
bolsista também descreveu no documento a data e o horário exato de todas as
respostas da atividade, assim como as séries dos alunos e os livros que cada
um deles selecionou.
ISBN: 978-85-8209-121-0

Ilustração 5 – Planilha em Excel das notas da primeira atividade (parte 1)

Fonte: print de tela alterado, por Gabriel Furlanetto (2022).


Ilustração 6 – Planilha em Excel das notas da primeira atividade (parte 2)

Fonte: print de tela alterado, por Gabriel Furlanetto (2022).


Dada a primeira aula e com o encerramento da primeira atividade, em
setembro de 2021 foi realizada a gravação da segunda aula. Foi intitulada de
“Aula 2 – Vamos mergulhar?”. O objetivo dessa aula foi proporcionar aos alunos
alguns materiais para eles se aprofundarem no universo distópico da obra
literária que eles pegaram. Essa segunda aula também foi acompanhada por
slides, com um documento em PowerPoint com um total de 17 lâminas.

Ilustração 7 – prints do vídeo da segunda aula


ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: prints de tela, por Gabriel Furlanetto (2021).


Ilustração 8 – Prints de quatro slides da segunda aula

Fonte: prints de tela, por Gabriel Furlanetto (2021).


Nessa aula, foi apresentada uma síntese de cada livro, para que, depois,
fossem apresentados dois materiais para complementar o aprendizado, nesse
caso, dois materiais extras para cada um dos livros (um obrigatório [todos vídeos
do Youtube] e um opcional [que, dentre esses, tinha filmes, livros e games]).
Além do mais, essa segunda aula também foi gravada por uma webcam da
Univille, assim como houve novamente outra edição de vídeo por meio do
software OpenShot Video Editor. Sem embargo, não houve atividade avaliativa
para essa segunda aula.

Passado o mês de setembro e outubro e chegado o mês de novembro,


ocorreu a gravação da terceira e última aula do bolsista. Essa aula não recebeu
títulos e slides, mas através dela foi aberta a segunda e última atividade. No caso
do conteúdo da aula, o tópico abordado foi o contexto da ditadura militar de 1964
em Joinville, e a principal referência foi o capítulo de livro “MOVIMENTOS DE
RESISTÊNCIA EM TEMPOS SOMBRIOS”, da historiadora Sirlei de Souza
(2005).

Ilustração 9 – prints do vídeo da terceira aula


ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: prints de tela, por Gabriel Furlanetto (2022).


No tocante a segunda atividade, ela foi intitulada por Distopia em nossa
realidade: a ditadura militar em Joinville. Consistiu em pedir que o aluno criasse
um texto que mesclasse a realidade histórica da ditadura militar em Joinville com
o universo literário da obra distópica que o aluno pegou desde a realização da
primeira atividade.

Da mesma forma como ocorreu com a primeira atividade, essa também


foi produzida na plataforma Google Docs. Não obstante, a última atividade teve
mais detalhes em seu enunciado: foram publicados os links da aula gravada, de
um vídeo-resumo sobre a Ditadura Militar de 1964 em seus aspectos gerais (do
canal HISTORIAR-TE) e de um curto documentário que aborda a história de
Joinville nesse contexto; menção da oportunidade de os discentes entregarem a
atividade por três formas diferentes (digitado na plataforma Google Drive,
entregue em PDF através de um modelo de formatação ou enviar um trabalho
escrito devidamente escaneado ou fotografado). As questões colocadas na
plataforma Google Forms foram as seguintes: Nome do aluno; turma do aluno;
opção de entrega do trabalho.

Ilustração 10 – enunciação da segunda atividade (parte 1)


ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: print de tela, por Gabriel Furlanetto (2022).


Ilustração 11 – enunciação da segunda atividade (parte 2)

Fonte: print de tela, por Gabriel Furlanetto (2022).


A partir dessa atividade, o bolsista teve a sua pior experiência no projeto:
apenas três alunos responderam a atividade (desses três, dois entregaram fora
dos meios permitidos: pelo WhatsApp). Assim como na primeira atividade, essa
segunda também foi avaliada por competência (mas um pouco diferentes da
anterior): grafia e respeito às normas; abordagem do conteúdo do livro;
abordagem de conteúdo histórico; e criatividade. O teto para a nota em geral foi
10,00 (dividida de acordo com as competências), e todas essas tais
competências tiveram o igual teto de 2,50/10,00.

O primeiro aluno a responder conquistou a nota 3,40/10,00 (grafia e


respeito às normas: 0,80/2,50; abordagem do conteúdo do livro: 0,80/2,50;
abordagem de conteúdo histórico: 00,10/2,50; criatividade: 1,70/2,50). O
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segundo aluno a responder conquistou a nota 6,00/10,00 (grafia e respeito às


normas: 1,50/2,50; abordagem do conteúdo do livro: 1,00/2,50; abordagem de
conteúdo histórico: 1,00/2,50; criatividade: 2,50/2,50). O terceiro aluno a
responder conquistou inicialmente a nota 4,10/10,00, mas, como atrasou em dois
dias a entrega, pegou a nota 3,10/10,00 (grafia e respeito às normas: 1,30/2,50;
abordagem do conteúdo do livro: 0,00/2,50; abordagem de conteúdo histórico:
2,50/2,50; criatividade: 0,30/2,50; desconto por atraso: 0,5 por dia).

De mais a mais, a avaliação também foi realizada com a utilização do


software Excel. Em tudo isso, nenhum dos três alunos responderam a atividade
conforme o pedido: o primeiro a responder produziu um texto de ficção sem
relação com a obra literária distópica que ficou responsável (Eu, Robô) e
tampouco com o conteúdo histórico sobre a ditadura de 1964; o segundo a
responder fez um texto fictício abordando o conteúdo histórico da ditadura militar
(mencionando inclusive Joinville), porém não mesclou as informações do texto
com a obra literária distópica que ficou responsável (Fahrenheit 451, nesse
caso); o terceiro a responder realizou apenas um resumo da ditadura militar de
1964 (sem abordar Joinville, a escrita ficcional e, por consequência, a obra
literária distópica que ficou responsável: Admirável Mundo Novo).

Assim sendo, o bolsista enfrentou várias dificuldades durante o seu


processo de iniciação à docência. Somado ao fato de que não recebeu
absolutamente nenhuma devolutiva de aluno referente a qualidade de suas
aulas, tais práticas de cátedra não ficaram completas em seu processo, dado
que é necessário o protagonismo do aluno para ambientar o processo de ensino-
aprendizagem5 (BRASIL, 2018).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se pode constatar, houve revezes na iniciação à docência do


bolsista. A pandemia da Covid-19 não lhe permitiu vivenciar a cátedra em aulas
presenciais, o que fez com que tivesse que se adaptar. Criou ele atitudes
resilientes frente às tecnologias digitais e à ausência de experiência com
algumas das ferramentas. Interagiu com webcams, Google Drive, Google Forms,
YouTube, Excel, WhatsApp e editor de vídeo para organizar as suas aulas (além
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de precisar sair de seu domicílio e se encaminhar à universidade para poder


gravar as aulas).

Outrossim, não houve plena efetivação em fazer com que os alunos


pudesses (ao menos no que se refere às aulas ministradas) vivenciar a distopia
e aplicá-las imaginariamente (especificamente sobre a ditadura militar de 1964
na cidade de Joinville). Particularmente sobre as atividades, poucos se
envolveram, e apenas um aluno alcançou a nota na média (7,00/10,00). Nisso,
vê-se que a pandemia da Covid-19 pode ter tirado o interesse de alunos para
suprir demandas de atividade de um professor que não chegaram a conhecer de
forma presencial e genuína.

Desse modo, existiram dificuldades durante a vivência no Pibid. Ora, a


formação profissional (o que inclui a do professor) não está desvinculada da
concretude das ações que existiram, existem e persistem (ao menos no atual
cenário brasileiro), isto é, para que a formação do professor possa ser plena é
fundamental que ele trabalhe com a realidade predominante (e não somente com
a realidade de exceção).

NOTAS EXPLICATIVAS
1Graduando em Licenciatura em História da Universidade da Região de Joinville
(Univille). Foi o bolsista do Pibid que teve as suas experiências apresentadas
nesse trabalho completo. Endereço de seu campus de formação: Rua Paulo
Malschitzki, nº 10 (Zona Industrial Norte, Joinville/SC). Currículo lattes:
<http://lattes.cnpq.br/2738602230109838>. E-mail:
gabriel28_oliveira@hotmail.com.
2Possui mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade e graduação em História
pela Universidade da Região de Joinville (Univille) e especialização em Gestão
Educacional e Empresarial pelo Instituto de Pesquisa e Educação Catarinense
(IPECA). Foi a supervisora de Gabriel Henrique de Oliveira Furlanetto durante o
Pibid. É professora na Escola de Educação Básica Professor Rudolfo Meyer.
Endereço da escola de Educação básica de atuação: Rua Copacabana, 1245
(Bairro Floresta, Joinville/SC). Currículo lattes:
<http://lattes.cnpq.br/3394447424884514> E-mail: elandiavst@gmail.com.
3Possui doutorado e mestrado em Educação pela Universidade do Estado de
Santa Catarina (UDESC), especialização em Introducción a los Estudios
Teóricos y Epistemológicos en Política Educativa pela Universidad Nacional de
La Plata (UNLP) e graduação em História pela Universidade da Região de
Joinville (Univille). É professor do Curso de História e do Programa de Pós-
ISBN: 978-85-8209-121-0

graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade da Universidade da Região de


Joinville (Univille). Endereço da IES de professorado: Rua Paulo Malschitzki, nº
10 (Zona Industrial Norte, Joinville/SC). Currículo lattes:
<http://lattes.cnpq.br/5045697135640232>. E-mail: fernandosossai@gmail.com.
4Possui doutorado em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ) e mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade e graduação
em História pela Universidade da Região de Joinville (Univille). É professor dos
cursos de Direito e História da Universidade da Região de Joinville (Univille).
Endereço da IES de professorado: Rua Paulo Malschitzki, nº 10 (Zona Industrial
Norte, Joinville/SC). Currículo lattes: <http://lattes.cnpq.br/1777573369659605>.
E-mail: wilhist@gmail.com.
5Um dos motivos observados pela grande ausência de alunos nas atividades foi
o desnível entre a complexidade do planejamento para com o repertório cultural
dos alunos. Para que o projeto pudesse ter tido maior probabilidade de sucesso
educacional, o planejamento das aulas e das atividades deveria, ao menos, ter
estado próximo ao repertório cultural e técnico dos discentes. Além do mais, uma
outra dificuldade que o projeto de ensino sofreu foi a resistência de professores
de vanguarda em recepcionarem planos de aula e atividades com feições
inovadoras.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília,
2018.
FURLANETTO, Gabriel Henrique de Oliveira; OLIVEIRA NETO, Wilson. Tempos
sombrios entre nós: proposta de aula e de atividade para o ensino de História
através da distopia. Revista de Iniciação à Docência, v. 7, n. 1, p. 189-208,
2022. ISSN 2525-4332. Disponível em:
<https://periodicos2.uesb.br/index.php/rid/article/view/10565>. Acesso em: 26
jul. 2022.
PIBID - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência. gov.br,
2021. Disponível em: <https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-
informacao/acoes-e-programas/educacao-basica/pibid/pibid>. Acesso em: 27
jul. 2022.
SOUZA, Sirlei de. Movimentos de resistências em tempos sombrios. In:
GUEDES, Sandra P. L. de Camargo (org.). Histórias de (I)migrantes: o
cotidiano de uma cidade. 2. ed. Joinville: UNIVILLE, 2005. cap. 6, p. 193-243.
ISBN: 978-85-8209-121-0

“SOBRE A TAREFA DO HISTORIADOR”: ILUSTRAÇÕES DIDÁTICAS


SOBRE O PENSAMENTO DE WILHELM VON HUMBOLDT

Gabriel Henrique de Oliveira Furlanetto1

Resumo: Algumas fontes bibliográficas podem ser de grande dificuldade para


compreensão. Em suma, quanto maior a complexidade e a densidade do texto,
mais desafiadora pode ser a leitura. Nesse assunto, há uma bibliografia que se
intitula “Sobre a tarefa do historiador”, do intelectual prussiano Wilhelm von
Humboldt. Esse texto possui grande complexidade e, dependendo do leitor, pode
haver necessidade de métodos específicos para o estudo bibliográfico. Desse
modo, o objetivo dessa comunicação é relatar uma das ilustrações didáticas
produzidas para esse texto, que foram direcionadas para a disciplina de Teoria
da História I, que faz parte da grade curricular do curso de História da Univille.
Essas ilustrações foram confeccionadas por um discente e contou com a
avaliação de um professor doutor. Por consequência, será conhecido um meio
criativo e visual para o auxílio em compreensões textuais.

Palavras-chave: teoria da História; pensamento de Wilhelm von Humboldt;


ilustrações didáticas; leitura.

Abstract: Some bibliographic sources can be very difficult to understand. In


short, the greater the complexity and density of the text, the more challenging it
can be to read. On this subject, there is a bibliography entitled “On the task of the
historian”, by the Prussian intellectual Wilhelm von Humboldt. This text has great
complexity and, depending on the reader, there may be a need for specific
methods for the bibliographic study. Thus, the objective of this communication is
to report one of the didactic illustrations produced for this text, which were
directed to the discipline of Theory of History I, which is part of the curriculum of
the History course at Univille. These illustrations were made by a student and
had the evaluation of a doctor professor. Consequently, a creative and visual
means to aid in textual understanding will be known.
ISBN: 978-85-8209-121-0

Keywords: theory of History; thought of Wilhelm von Humboldt; didactic


illustrations; reading.

INTRODUÇÃO

No ano de 2021, um acadêmico de Licenciatura em História da Univille


apresentou 12 ilustrações didáticas apresentadas em um seminário fechado da
disciplina de Teoria da História I, que foi ministrada pelo pesquisador Diego
Finder Machado. O texto que ele ficou responsável era de dificultosa
compreensão, o que lhe incentivou a crias comentadas ilustrações didáticas,
para facilitar a compreensão (tanto sua quanto daqueles que contemplaram a
sua apresentação). O seminário comentado fazia parte de uma atividade
avaliativa da disciplina, que devia ser feita em grupos, com cada um deles
pegando um texto em específico. O grupo do estudante selecionou o capítulo de
livro “Sobre a tarefa do historiador”, escrito em 1821 pelo pesquisador prussiano
Wilhelm von Humboldt. Como ele apreciou as ilustrações, elas foram
comunicadas nesse trabalho acadêmico, portanto elas serão exibidas e
comentadas.

Em vista disso, será necessário abordar nesse trabalho etapas: conhecer


o contexto do trabalho acadêmico; conhecer sucintamente a biografia de Wilhelm
von Humboldt; conhecer as ilustrações didáticas em tópico e seus comentários.
O estudante que produziu as ilustrações se chama Gabriel Henrique de Oliveira
Furlanetto. Considerando tudo isso, será observado como as ilustrações
produzidas servem como um recurso didático para a compreensão textual.

O CONTEXTO DO TRABALHO ACADÊMICO

Na Univille há um curso de Licenciatura em História. Um aluno ingressou


nesse curso em 2020 (pegando uma grade disciplinar anual). Diante disso, no
ano de 2021 cursou uma disciplina intitulada “Teoria da História II”, que nesse
ano foi lecionada pelo historiador Diego Finder Machado2.
ISBN: 978-85-8209-121-0

No quarto bimestre foi criada uma atividade (valendo nota) com a seguinte
denominação: “Proposições para uma história como disciplina científica, entre
textos contextos”. O objetivo dessa atividade consistia em apresentar uma
análise e uma contextualização de um dos cinco textos disponibilizados. Nessa
questão, cinco equipes deveriam ser formadas, e cada uma delas deveria pegar
um texto diferentes de todos os cinco ofertados para a atividade. Os cinco textos
são esses (seguidos, entre parênteses, por seus autores):

1. Sobre a tarefa do historiador (Wilhelm von Humboldt)


2. Sobre o caráter da ciência histórica (Leopold von Ranke)
3. Aula inaugural do curso de história da Faculdade de Estrasburgo
(1862) / Regras de uma história imparcial (Fustel Coulanges)
4. Do progresso dos estudos históricos na França desde o século XVI
(Gabriel Monod)
5. Advertência / O método histórico aplicado às ciências sociais (Charles
Seignobos)

Dado esse contexto, uma dupla ficou responsável pelo texto “Sobre a
tarefa do historiador”, do filósofo alemão Wilhelm von Humboldt. Esse escrito foi
disponibilizado no Disco Virtual da disciplina (que se encontra no AVA). O texto
em pauta são páginas digitalizadas do livro “A História Pensada: Teoria e Método
na Historiografia Europeia do Século XIX”, organizado pelo historiador Estevão
Chaves de Rezende Martins e disponibilizado, em 2010, pela editora Contexto.
Além disso, o capítulo de Humboldt nesse livro, que é uma tradução à língua
portuguesa, possui 19 páginas, ocupando as páginas 82 a 100 da obra
organizada.

A dupla mencionada foi composta pelos seguintes alunos: Gabriel de


Souza Rosa3; Gabriel Henrique de Oliveira Furlanetto. A apresentação dessa
dupla foi dividida em três partes: (1) exposição do texto; problematização do texto
(2); proposta de aplicação no Ensino Básico (3). Furlanetto ficou responsável
pela exposição do texto e pela proposta de aplicação no Ensino Básico,
enquanto Rosa ficou responsável apenas pela problematização do texto.
Ademais, Furlanetto também se imbui de introduzir a apresentação e realizar as
considerações finais.
ISBN: 978-85-8209-121-0

Para a melhor qualidade da apresentação, foram criados slides4 (através


do software Microsoft PowerPoint). Esse documento possuiu 36 slides: 1 para a
capa do trabalho; 1 para o sumário e introdução; 1 para a capa da primeira parte
da apresentação (exposição do texto); 18 para a exposição do texto; 1 para a
capa da segunda parte da apresentação (problematização do texto); 10 para a
problematização do texto; 1 para capa da terceira parte da apresentação
(proposta de aplicação no Ensino Básico); 1 para a proposto de aplicação no
Ensino Básico; 1 para as considerações finais; 1 para a referência completa do
texto.

Como recursos didáticos, Furlanetto criou ilustrações para a melhor


compreensão das premissas de Humboldt. Essas ilustrações ocuparam um total
de 12 slides, e algumas dividindo espaço com citações diretas do texto em
debate.

Diante de tudo isso, o professor estabeleceu 4 critérios de avaliação: 1.


Pertinência das discussões em relação ao texto indicado e ao autor; 2.
Criatividade na exposição oral e na utilização de recursos didáticos; 3.
Articulação do trabalho em equipe; 4. Mobilização adequada dos conteúdos
estudados na disciplina ao longo do ano. Por fim, a dupla realizou a
apresentação do trabalho no mês de novembro.

Sendo assim, Rosa e Furlanetto efetivaram a apresentação. Das


ilustrações didáticas até uma proposta de aplicação no Ensino Básico, a dupla
conseguiu suprir uma demanda para compor uma nota avaliativa da disciplina
de Teoria da História I, que faz parte do curso de Licenciatura em História da
Universidade da Região de Joinville (Univille).

QUEM FOI WILHELM VON HUMBOLDT?

Friedrich Wilhelm Christian Karl Ferdinand von Humboldt, foi um


prussiano nascido, em 22 de junho de 1767, na cidade de Berlim (atual capital
da Alemanha), local em que também faleceu, especificamente em 8 de abril de
1835 (com 67 anos de idade). Ele foi irmão de Alexander von Humboldt, famoso
estudioso da botânico, que, aliás, já marcou presencialidade no Brasil.
ISBN: 978-85-8209-121-0

Wilhelm von Humboldt foi um enorme reformador da educação, sendo ele


mesmo o fundador da primeira universidade de Berlim, que hoje leva o seu
sobrenome (MUND, 2017). Foi filho de pais muito ricos e, também, um exímio
estudante (MUND, 2017). Foi cosmopolita, poliglota, filósofo, estadista e escritor
(MUND, 2017).

Posto isso, infere-se que esse homem possuiu repertório para dissertar
sobre a historiografia e o ofício de historiador. Tendo à disposição os seu
avantajados recursos econômicos, Humboldt teve a facilidade e os incentivos
necessários para, além da citada reforma educacional, imprimisse os seus feitos
intelectuais no campo da Ciência Histórica.

AS ILUSTRAÇÕES DIDÁTICAS

Antes de Furlanetto exibir a primeira ilustração didática, ele apresentou


duas citações diretas do texto. Essa foi a primeira citação:

A tarefa do historiador consiste na exposição do


acontecimento. Tanto maior será seu sucesso quanto mais
pura e completa possível for esta exposição. Esta é a
primeira e inevitável exigência de seu ofício, e,
simultaneamente, o que ele pode pretender de mais
elevado. Visto por esse lado; o historiador se mostra
receptivo e reprodutor, jamais autônomo e criativo.
(HUMBOLDT, 2010, p. 82).
Quanto a essa citação acima, ele não criou ilustração didática.
A segunda citação foi essa:

No mundo dos sentidos, porém, o acontecimento só é


visível parcialmente, precisando o restante ser intuído,
concluído e deduzido. O que surge desse mundo se
encontra disperso, isolado e estilhaçado, permanecendo
alheio ao horizonte da observação imediata o elemento que
articula esses fragmentos, que põe o particular sob sua
verdadeira luz e que dá ao todo a sua forma. (HUMBOLDT,
2010, p. 82).
Para facilitar a si próprio e aos colegas acadêmicos a compreensão do
texto, ele apresentou a seguinte ilustração didática:

Ilustração 1 - A primeira ilustração didática do trabalho.


ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: print de tela autoral (2022).


Essa ilustração didática foi para a explicação do conteúdo presente na
segunda citação direta mostrada. O “personagem” da imagem (o ícone de uma
cabeça marrom) aparece observando uma parte do globo. Esse globo é a
imagem do planeta terra com vários humanoides circundando-o com as mãos
dadas. Essa imagem do globo representa a História. Nesse assunto, esse globo
está “cortado” em duas características imagéticas: a parte da esquerda está
devidamente clara, enquanto a parte da direita está borrada/sem foco. O intuito
por trás disso é transparecer que o “personagem” da imagem consegue
visualizar apenas a parte esquerda do globo (os acontecimentos visíveis), na
medida que não consegue visualizar a parte direita do globo (os acontecimentos
invisíveis).

Furlanetto, para facilitar ainda mais a compreensão da segunda citação


direta, apresentou a segunda ilustração didática:

Ilustração 2 - A segunda ilustração didática do trabalho.


ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: print de tela autoral (2022).


O objetivo por detrás da ilustração acima foi a seguinte: fazer com que o
apreciador saiba que a História é formada por “duas medidas”: exposição
objetiva de ocorrências e especulação de ocorrências. O “personagem” dessa
vez possui em sua cabeça uma ampulheta e uma lupa, representando o
“personagem” como um historiador. Em outras palavras, a ampulheta e a lupa
dentro da cabeça do “personagem” fazem com que ele seja “possua” o ofício de
historiador.

Furlanetto prossegue a apresentação com essa terceira citação direta:

Pode parecer duvidoso fazer com que se toquem, mesmo


que o seja em um ponto, as áreas do historiador e do poeta.
As atividades de ambos, porém, têm afinidades inegáveis,
pois, se a exposição feita pelo historiador, como já foi dito
antes, só atinge a verdade do acontecimento se houver
complementação e articulação do que à observação
imediata se mostra incompleto e fragmentado, tal
conquista só é possível ao historiador, caso ele, como
o poeta, use a fantasia. Fica, porém, afastado o risco da
total supressão das diferenças entre as duas áreas quando
se vê que o historiador subordina a fantasia à experiência
e à investigação da realidade. Subordinada, à fantasia não
age livremente, razão pela qual é melhor denominá-la
“faculdade da intuição” e “dom de estabelecer conexões”.
(HUMBOLDT, 2010, p. 83-84, grifo meu)
Para concretizar uma explicação didática da citação acima, Furlanette
exibe a seguinte ilustração:
ISBN: 978-85-8209-121-0

Ilustração 3 - A terceira ilustração didática do trabalho

Fonte: print de tela autoral (2022).


Nessa última citação, Humboldt falou que o historiador necessita fantasiar.
Essa fantasia seria para complementar as ocorrências objetivas. Isso é preciso
pelo fato de que as ocorrências objetivas em sua integridade são impossíveis de
serem resgatadas, possuindo o historiador apenas uma parte delas (como já
comentado anteriormente). Nessas circunstâncias, o historiador não subordina
as ocorrências objetivas à fantasia. Pelo contrário, subordina a fantasia às
ocorrências objetivas.

Após a exibição da ilustração acima, Furlanetto mostra mais uma:

Ilustração 4 - A quarta ilustração didática do trabalho.

Fonte: print de tela autoral (2022).


ISBN: 978-85-8209-121-0

Essa quarta ilustração é uma continuidade da explicação do terceiro


excerto. Ela se refere a seguinte premissa: a história é constituída pela fusão das
ocorrências objetivas com a fantasia – e isso só ocorre pela ação do historiador,
que é demonstrada por meio do “personagem” com a ampulheta e a lupa na
cabeça.

Furlanetto soma à explicação com mais uma ilustração didática:

Ilustração 5 - A quinta ilustração didática do trabalho.

Fonte: print de tela autoral (2022).


Na imagem acima, o objetivo foi demonstrar (ainda mais claramente) que
a História tem duas metades: ocorrências objetivas e fantasia/especulação.

Furlanetto dá continuidade à apresentação ao mostrar a seguinte citação


direta:

Quando se tenta esclarecer o fato mais insignificante, mas


limita-se somente a dizer o que realmente aconteceu, logo
se percebe que, sem um cuidado extremo na escolha e na
medida das expressões, tornam-se inevitáveis os erros e
as imprecisões, porquanto pequenos fatores acabam se
mesclando aos eventos do passado. Como brota da
plenitude da alma, a própria linguagem contribui para tal
situação, pois frequentemente lhe faltam expressões que
estejam livres de conotações. Por isso, nada mais raro do
que uma narrativa literalmente verdadeira, e nada serve de
melhor prova de uma disposição livre e objetiva da alma, é
de uma mente saudável, ordenada e capaz de puro
discernimento. (HUMBOLDT, 2010, p. 82-83).
ISBN: 978-85-8209-121-0

Para explicar as premissas acima, Furlanetto mostrou a seguinte


ilustração didática:

Ilustração 6 - A sexta ilustração didática do trabalho (que foi separada do


excerto que se encontrava acima no slide).

Fonte: print de tela autoral editado (2022).


O objetivo dessa ilustração é fazer com que o apreciador reconheça que,
para contar de forma coerente o que se ocorre, é necessário ter as devidas
capacidades técnicas e linguísticas. Analisando a ilustração didática, se observa
duas paisagens: uma colorida e com foco e a outra acinzentada e
desfocada/borrada. No meio há um “personagem” com engrenagem na cabeça
(simbolizando as funções cognitivas da mente e da linguagem).

De acordo com Humboldt (2010), as ocorrências objetivas só são


expressas de modo coerente (algo que, no que diz respeito às suas
considerações, é algo raro) quando a mente do comunicador é “saudável,
ordenada e capaz de puro discernimento” (HUMBOLDT, 2010, p. 83).

Expressa essa questão, Furlanetto dá continuidade à apresentação ao


mostrar a próxima citação direta (que já se encontrava após a finalização/ponto
final da última): “Por isso, a verdade histórica pode ser equiparada às nuvens,
que somente ganham forma a distância dos olhos.” (HUMBOLDT, 2010, p. 83).
Constata-se que esse excerto é uma extensão da citação anterior, dado o
conectivo “Por isso” e pela ratificação da objetividade do observador por ser
“distante” das ocorrências – e essa distância é configuração de uma mente com
técnica.

À vista disso, a próxima ilustração didática exibida foi esta:


ISBN: 978-85-8209-121-0

Ilustração 7 - A sétima ilustração didática do trabalho (que foi separada do


excerto que se encontrava acima no slide).

Fonte: print de tela autoral editado (2022).


O objetivo quanto a exibição dessa imagem era incentivar a imaginação
do apreciador ao refletir sobre a última citação direta, pois nessa ilustração há
duas imagens: à esquerda é uma visão de nuvens onde elas se encontram e à
direita é uma visão de nuvens pelo lado de baixo. A visão da imagem à esquerda
é de uma pessoa que não se distancia para observar objetivamente os fatos,
enquanto a visão da imagem à direita é de uma pessoa que se distancia para
observar objetivamente os fatos, dado que “a verdade histórica pode ser
equiparada às nuvens, que somente ganham forma a distância dos olhos.”
(HUMBOLDT, 2010, p. 83).

Para complementar essa questão, o estudante apresenta a seguinte


citação direta: “Pelo mesmo motivo, os fatos da história [...] são pouco mais que
o resultado da tradição e da pesquisa, cuja veracidade simplesmente se aceita.”
(HUMBOLDT, 2010, p. 83). Essa citação ocorre após a já mencionada citação
direta do parágrafo anterior. Com isso, Furlanetto exibe a seguinte ilustração:

Ilustração 8 - A oitava ilustração didática do trabalho (que foi separada do


excerto que se encontrava acima no slide).

Fonte: print de tela autoral (2022).


ISBN: 978-85-8209-121-0

Analisando a ilustração acima, ela significa que as ocorrências podem ter


dois fins de observação (dependendo de quem observa): constituição de fato
histórico e a ausência de constituição de fato histórico. A primeira ocorre quando
o observador é um historiador, por exemplo, representado pelo “personagem”
com a ampulheta e a lupa na cabeça. A segunda ocorre pela observação de um
inexperiente, representado pelo “personagem” com o ponto de interrogação na
cabeça. O historiador, por sua vez, é aquele que possui experiência na
mencionada tradição e pesquisa.

Furlanetto deu prosseguimento à apresentação com a seguinte citação


direta:

Mal se obtém o esqueleto do dado através da crua triagem


do que realmente aconteceu. O que se adquire por essa
triagem é o fundamento necessário da história, seu
material, mas nunca a própria história. Parar neste ponto
significaria sacrificar uma verdade autêntica, interna e
fundamentada em um contexto causal, em benefício de
uma outra, superficial, literal e aparente. [...] A verdade do
acontecimento baseia-se na complementação a ser
feita pelo historiador ao que chamamos anteriormente
de parte invisível do fato. Visto por esse lado, o
historiador é autônomo, e até mesmo criativo; e não na
medida em que produz o que não está previamente dado,
mas na medida em que, com sua própria força, dá forma
ao que realmente é, algo impossível de ser obtido sendo
meramente receptivo. [...] o historiador precisa compor um
todo a partir de um conjunto de fragmentos. (HUMBOLDT,
2010, p. 83, grifo meu).
Para a explicação desse excerto, o acadêmico mostrou a seguinte
ilustração didática:

Ilustração 9 - A nona ilustração didática do trabalho


ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: print de tela autoral (2022).


Através de uma análise dessa ilustração, vê-se que se confirma o que já
foi dito anteriormente: a história é composta por duas metades, sendo uma delas
as ocorrências objetivas e a outra a fantasia. O trecho grifado da última citação
direta é a que mais converge com a nova ilustração didática, na mobilização do
conceito de “verdade do acontecimento”. Apesar disso, essa ilustração não
abrange integralmente todas as premissas do excerto, como a menção da
autonomia do historiador, por exemplo. Furlanetto poderia ter criado uma
ilustração que dissesse respeito ao seguinte trecho: “[...] o historiador precisa
compor um todo a partir de um conjunto de fragmentos.” (HUMBOLDT, 2010, p.
83). Isso possivelmente faz referência ao conjunto de fontes que o historiador
coleta para as análises, chamado por Humboldt de “conjunto de fragmentos”.

Logo depois, Furlanetto exibe a seguinte citação direta:

Para aproximar-se da verdade histórica, dois caminhos


precisam ser simultaneamente percorridos. Primeiramente,
tem-se a fundamentação crítica, exata e imparcial dos
acontecimentos; em um segundo momento, há de se
articular os resultados da pesquisa e intuir o que não fora
alcançado pelo primeiro meio. (HUMBOLDT, 2010, p. 84).
A ilustração didática que a referência é esta:

Ilustração 10 - A décima ilustração didática do trabalho (que foi separada do


excerto que se encontrava acima no slide).
ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: print de tela autoral editado (2022).


Por uma análise dessa imagem, infere-se que o “personagem” – que
representa o historiador, justamente pela ampulheta e lupa na cabeça – constrói
a história somente se seguir as seguintes duas vias (e não apenas uma ou
nenhuma delas): objetividade material e fantasia. A objetividade material (que
deve ser, para Humboldt, observada com imparcialidade) é representada pela
metade do globo do planeta terra com humanoides a circundando. A fantasia é
representada pela metade de um círculo ilustrando variadas figuras. Quando as
duas são fundidas, a verdade histórica é constituída. Nesse caso, a verdade
histórica é formada por duas metades: a objetividade material está à esquerda e
a fantasia está à direita.]

Em seguida, Furlanetto apresenta a seguinte citação direta:

Desconsiderando que a História, como qualquer ocupação


científica, se presta a muitos fins secundários, seu trabalho,
assim como a Filosofia e a Poesia, é livre, uma arte plena
em si mesma. É infinito o turbilhão de acontecimentos
mundiais que rompem por todos os lados, gerados da
condição do solo terrestre, da natureza da humanidade, do
caráter das nações e dos indivíduos; mas que também
podem surgir do nada, plantados como milagre,
dependentes de forças intuitivas e obscuras, visivelmente
urdidas por ideias eternas, profundamente arraigadas no
seio da humanidade. A esta infinitude o espírito jamais
poderá dar uma forma única, ainda que a tentativa de
fazê-lo lhe dê forças para realizá-lo parcialmente.
(HUMBOLDT, 2010, p. 85, grifo meu).
Como recurso didático, o acadêmico expôs a seguinte ilustração:

Ilustração 11 - A décima primeira ilustração didática do trabalho.


ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: print de tela autoral (2022).


Por um exame dessa ilustração, levante-se o seguinte: dada a
multiplicidade de interpretações das ocorrências objetivas e das formulações
fantasiosas complementares, a História assume diversos formatos – de acordo
com a individualidade de cada historiador. Como se pode ver nos seis globos da
ilustração, cada “pedaço de fantasia” (que estão à direita de cada globo)
possuem cores diferentes: do lado superior esquerdo, o pedaço é cinza; do lado
superior central, o pedaço é marrom claro; do lado superior direito, o pedaço é
vermelho; do lado inferior esquerdo, o pedaço é verde; do lado inferior central, o
pedaço é azul; do lado inferior direito, o pedaço é amarelo.

Seguidamente, Furlanetto apresenta essa citação direta:


Assim como a Filosofia busca o fundamento primordial das
coisas e a Arte, por sua vez, o ideal de beleza, a História
persegue a imagem do destino humano em sua verdade
autêntica, plenitude viva e pura clareza, e ela deve ser
sentida de tal maneira pela alma resguardada no objeto a
ponto de que, perante essa imagem, se percam e se
dissolvam as opiniões, os sentimentos e as ambições
pessoais. (HULBOMDT, 2010, p. 85).
Com isso, o acadêmico exibe a última ilustração didática:

Ilustração 12 - A décima segunda ilustração didática do trabalho que foi


separada do excerto que se encontrava acima no slide).
ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: print de tela autoral editado (2022).


Analisa-se essa ilustração dessa forma: a História deve ser de tal forma
produzida e preservada que as opiniões, os sentimentos e as ambições pessoais
desapareçam. Nesse caso, essa deve ser o posicionamento do historiador. Na
ilustração consta-se dois braços protegendo/abraçando o “globo da História”
(conceito criado para esse trabalho completo) e uma lata de lixo marrom (onde
são descartadas as opiniões, sentimentos e ambições pessoais).

Desse modo, são essas todas as ilustrações didáticas apresentadas pelo


estudante Gabriel H. de O. Furlanetto em um seminário acadêmico da disciplina
de “Teoria da História I”, ministrada pelo professor doutor Diego Finder Machado
e que pertenceu à grande curricular do curso de Licenciatura em História da
Univille. Essas ilustrações autorais estiveram diretamente ligadas às ideias de
Wilhelm von Humboldt.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As ilustrações didáticas de Gabriel Henrique de Oliveira Furlanetto


totalizaram, como dito no início, em 12 exemplares. Exibidas em uma disciplina
acadêmica, essas produções técnicas são recursos didáticos para o aprendizado
em Teoria da História, um ramo específico da Ciência Histórica.

Para a melhor qualidade desses recursos, tais ilustrações podem ser


aprimoradas. Melhores técnicas de design podem ser manuseadas para
aprimorá-las (ou até mesmo criar outras). Isso dependerá das habilidades e das
ferramentas disponíveis (como softwares de design gráfico, por exemplo).

Dessa maneira, conhece-se um percurso textual para o aprendizado.


Iniciou-se com a escrita do texto de Humboldt, divulgação, publicação, tradução,
ISBN: 978-85-8209-121-0

recepção acadêmico local, aprendizado, transposição didática e comunicação


em seminário disciplinar. Nesse tópico, Furlanetto teve de utilizar das habilidades
que possuía para a confecção das ilustrações, perpassando por leitura e
interpretação, para que pudesse concluir a sua devida apresentação acadêmica
do texto “Sobre a tarefa do historiador”.

NOTAS EXPLICATIVAS
1Acadêmico do curso de Licenciatura em História da Universidade da Região de
Joinville (Univille). Endereço de seu campus de formação: Rua Paulo Malschitzki,
nº 10 (Zona Industrial Norte, Joinville/SC). Currículo lattes:
<http://lattes.cnpq.br/2738602230109838>. E-mail:
gabriel28_oliveira@hotmail.com.
2Possui doutorado e mestrado em História pela Universidade Estadual de Santa
Catarina (UDESC) e graduação em História pela Universidade da Região de
Joinville (Univille). É professor dos cursos de História, Direito e Artes Visuais da
Univille. Endereço da IES de professorado: Rua Paulo Malschitzki, nº 10 (Zona
Industrial Norte, Joinville/SC). Currículo lattes:
<http://lattes.cnpq.br/6892446255271065>. E-mail: diego.f@univille.br.
3Acadêmico do curso de Licenciatura em História da Universidade da Região de
Joinville (Univille). Endereço de seu campus de formação: Rua Paulo Malschitzki,
nº 10 (Zona Industrial Norte, Joinville/SC). Currículo lattes:
<http://lattes.cnpq.br/6576861600422728>. E-mail: gabriel.rosa.1@univille.br.
4Os slides estão disponíveis para acesso e download pelo seguinte link:
<https://www.academia.edu/64882793/Exposi%C3%A7%C3%A3o_e_an%C3%
A1lise_de_texto_Sobre_a_tarefa_do_historiador_1821_de_Wilhelm_von_Humb
oldt>. Acesso em: 03 nov. 2022.

REFERÊNCIAS
HUMBOLDT, Wilhelm von. Sobre a tarefa do historiador (1821). In: MARTINS,
Estevão de Rezende (org.). A História Pensada: Teoria e Método na
Historiografia Europeia do Século XIX. São Paulo: Contexto, 2010. p. 82- 100.
MUND, Heike. Wilhelm von Humboldt e a revolução da educação. Deutsche
Welle, 2017. Disponível em: <https://www.dw.com/pt-br/wilhelm-von-humboldt-
e-a-revolu%C3%A7%C3%A3o-da-educa%C3%A7%C3%A3o/a-39366493>.
Acesso em: 19 jun. 2022.
ISBN: 978-85-8209-121-0

EXPERIÊNCIAS DE LÍNGUA/LITERATURA
ISBN: 978-85-8209-121-0

EXPERIÊNCIA DE LEITURA LITERÁRIA NO ENSINO SUPERIOR1

Cleide Jussara Müller Pareja2


Universidade do Vale do Itajaí (Univali)
cleidepareja@hotmail.com
Maria de Fátima dos Santos3
Universidade do Vale do Itajaí (Univali)
mariadefsantos03@gmail.com

Resumo: A leitura literária desperta sentimentos, imaginação e possibilita o


reconhecimento da realidade do leitor. O Clube de Leitura: Fala Livro surgiu do
desejo dos acadêmicos do curso de Letras da Universidade do Vale do Itajaí
(Univali) de incentivar e promover a leitura do literário no Ensino Superior. Para
cada encontro do Clube, definia-se a obra a ser lida e o mediador da conversa.
O projeto tem como eixo sustentador a metodologia da leitura fruitiva, que
compreende o livro como um objeto estético. Esse Clube de Leitura foi o objeto
desta pesquisa, a qual possui como questão-problema: Como o Clube de Leitura
contribui com a melhoria da leitura, da escuta, do compartilhar e do criar afetos
pela sensibilidade estética? É uma pesquisa qualitativa e documental. Os
instrumentos de coleta de dados foram entrevistas e observações feitas pela
pesquisadora dos encontros realizados. A análise dos dados deu-se de acordo
com o método de Bardin (2011). O aporte teórico principal é Barthes (2015),
Duarte Júnior (2000), Petit (2009) e Yunes (2003). Ficou evidenciado tanto nos
encontros assim como nos relatos dos membros o interesse em realizar a leitura
da obra e compartilhar as sensações que a leitura os provocou a ter. Assim, o
Clube de Leitura contribuiu com a melhoria da leitura, da escuta, do compartilhar
e do criar afetos pela sensibilidade estética, o que possibilita afirmar que o Clube
de Leitura promoveu o crescimento cognitivo, afetivo, literário e cultural dos seus
participantes.
Palavras-chave: Experiências. Leitura literária. Clube de Leitura. Ensino
Superior.

Abstract: Literary reading awakens feelings, imagination and enables the


recognition of the reader's reality. The Reading Club: Fala Livro arose from the
desire of academics from the Letters course at the University of Vale do Itajaí
(Univali) to encourage and promote the reading of literature in Higher Education.
For each meeting of the Club, the work to be read and the mediator of the
conversation were defined. The project is based on the methodology of fruitive
reading, which understands the book as an aesthetic object. This Reading Club
was the object of this research, which has as a problem question: How does the
Reading Club contribute to the improvement of reading, listening, sharing and

1 Pesquisa financiada pelo Programa de Bolsas Universitárias de Santa Catarina (Uniedu).


2 Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali).
3 Acadêmica bolsista do curso de Pedagogia da Universidade do Vale do Itajaí (Univali).
ISBN: 978-85-8209-121-0

creating affection through aesthetic sensitivity? It is a qualitative and


documentary research. The data collection instruments were interviews and
observations made by the researcher of the meetings held. Data analysis
followed the method of Bardin (2011). The main theoretical contribution is Barthes
(2015), Duarte Júnior (2000), Petit (2009) and Yunes (2003). The interest in
reading the work and sharing the sensations that the reading caused them to
have was evidenced both in the meetings and in the reports of the members.
Thus, the Reading Club contributed to the improvement of reading, listening,
sharing and creating affection through aesthetic sensitivity, which makes it
possible to affirm that the Reading Club promoted the cognitive, affective, literary
and cultural growth of its participants.
Keywords: Experiences. Literary reading. Reading club. Higher Education.

Introdução

O leitor entra com o livro para o depois do que não se vê.


Valter Hugo Mãe

A leitura literária desperta sentimentos, a imaginação, a exploração de


lugares inalcançáveis e, em muitos momentos, o reconhecimento da realidade
do leitor. O Clube de Leitura propicia essa aproximação do leitor com obras
variadas da literatura, as quais são provocativas, tirando-os da zona de conforto
e promovendo a reflexão, novos olhares e gostos literários. O Clube de Leitura:
Fala Livro surgiu no segundo semestre de 2018, inicialmente do desejo dos
acadêmicos do curso de Letras da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) em
incentivar e promover a leitura do literário. Buscava-se ir além da experiência
estética individual, promovendo uma troca de impressões e olhares por meio de
uma discussão mediada. A mediação no Clube de Leitura tem um papel
importante na condução das discussões sobre a obra escolhida para cada
encontro, propiciando a abertura para diferentes caminhos de compreensão. Em
2019, o Clube de Leitura foi integrado ao Programa Nacional de Incentivo à
Leitura (Proler) e tornou-se um projeto de extensão da Escola de Educação da
Univali.
A proposta do Clube é eleger, a cada mês, uma obra clássica ou
contemporânea, intercalando entre obras nacionais e internacionais. Os
encontros aconteciam presencialmente na última semana de cada mês e a data
era pré-estabelecida com antecedência. Entretanto, com o surgimento do novo
Coronavírus (covid-19) em 2020, as reuniões do Clube de Leitura tiveram
continuidade de forma remota por meio da plataforma digital Google Meet.
ISBN: 978-85-8209-121-0

Apesar de ser um desafio adequar os encontros ao meio digital, esse novo


formato permitiu ampliar o número de participantes do Clube de Leitura, visto
que, mesmo longe fisicamente, puderam acompanhar e participar das
mediações.
Assim, esta pesquisa apresenta uma discussão sobre os afetos
promovidos durante os encontros literários do Clube de Leitura. Para Deleuze
(2019, p. 37), “[...] os afectos são os devires. São devires que transbordam
daquele que passa por eles, que excedem as forças daquele que passa por eles.
O afecto é isso”. O devir tira o corpo de um estado e o leva para outro estado,
provocando uma experiência. Aqui entendemos experiência no sentido de
transformação. Como diz Larrosa (2014, p. 24), “[...] a experiência, a
possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de
interrupção [...], suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a
delicadeza [...]”, entre outras atitudes que podem ser provocadas pela
experiência da leitura literária.

Metodologia

Esta é uma pesquisa qualitativa, documental e de observação, a qual foi


desenvolvida ao longo das intervenções do projeto Clube de Leitura: Fala Livro
da Univali. Esse projeto tem como eixo sustentador a metodologia da leitura
fruitiva, que compreende o livro como um objeto a ser apreciado estética e
artisticamente. Como objetivo geral desta pesquisa, delineamos: problematizar
como a discussão de obras literárias no Clube de Leitura: Fala Livro contribui
com a melhoria da leitura, da escuta, do compartilhar e do criar afetos pela
sensibilidade estética. Nesse sentido, a questão de pesquisa foi: Como o Clube
de Leitura contribui com a melhoria da leitura, da escuta, do compartilhar e do
criar afetos pela sensibilidade estética? Os instrumentos de coleta de dados
foram os relatos dos participantes, realizados por meio de entrevista elaborada
pela pesquisadora, e a observação das reuniões durante o período da pesquisa.
A análise dos dados foi feita de acordo com o método de Bardin (2011). O aporte
teórico principal centra-se em Barthes (2015), Duarte Júnior (2000), Petit (2009)
e Yunes (2003).
ISBN: 978-85-8209-121-0

Dos encontros

“Ler é esperar por melhor”, afirma Valter Hugo Mãe (2018, p. 46); logo,
esperava-se, a cada encontro do Clube de Leitura: Fala Livro, deslindar os
desejos, as dúvidas e as angústias vividos durante a leitura do literário, em busca
de experiências e de afectos.
Os encontros acompanhados pela pesquisadora ocorreram no primeiro e
no segundo semestre de 2021. Nos meses de março, abril e junho, as obras
escolhidas para a leitura foram Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de
Cervantes, O conto da ilha desconhecida, de José Saramago, e Hamlet, de
William Shakespeare. Por sua vez, nos meses de agosto, outubro e dezembro,
as obras selecionadas foram A estória de Lélio e Lina, de João Guimarães Rosa,
Memórias do subsolo, de Fiódor Dostoiévski, e Água Viva, de Clarice Lispector.
Nas Figuras 1 e 2, apresentamos os flayers de divulgação dos encontros citados
anteriormente.

Figura 1 – Convites para os encontros do primeiro semestre de 2021


ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: Imagens extraídas do Instagram @clubefalalivro. 4

Figura 2 – Convites para os encontros do segundo semestre de 2021

Fonte: Imagens extraídas do Instagram @clubefalalivro.

Para cada reunião, definia-se quem seria o leitor-guia. Segundo a


proposta de Yunes (1999), além do leitor-guia, também são necessários alguns
critérios, tais como: a ambiência; o número de participantes; a qualidade do texto
e a diversidade de linguagem. O leitor-guia é o mediador do encontro para
provocar as discussões entre os leitores, o texto e o autor. Para Petit (2012, p.
160-161), com mediadores acolhedores, os “[...] textos absurdos empoeirados,
de repente ganham vida. Curiosa alquimia do carisma. [...]. Nem todos são
capazes de provocar esses movimentos do coração. Mas pode se interrogar
sobre sua relação com a literatura”.
É importante ressaltarmos que não havia qualquer restrição para a
presença de pessoas que não leram a obra, pois, de certa forma, as discussões
ocorridas poderiam servir de mediação para promover o futuro encontro delas
com a obra literária. Desse modo, o encontro ficaria como uma proposição, uma
provocação para uma possível leitura a posteriori. Nesse viés, o mediador
coloca-se como “um iniciador aos livros”, como diria Petit (2009, p. 174-175),

4 Disponível em: https://www.instagram.com/clubefalalivro/. Acesso em: 3 nov. 2022.


ISBN: 978-85-8209-121-0

uma vez que “[...] dá a oportunidade de fazer descobertas, possibilitando-lhe [ao


leitor] mobilidade nos acervos e oferecendo conselhos eventuais, sem pender
para uma mediação de tipo pedagógico”.
A leitura fruitiva adotada pelo Clube de Leitura é provocativa,
desacomoda, desloca o leitor do lugar comum e estabelece uma tensão, oferece
uma leitura que provoca o leitor à reflexão, ao estado de procura pela
multiplicidade de sentidos presentes no texto (BARTHES, 2015). Além disso, o
Clube utiliza-se da ideia de promoção da leitura do literário como arte e
humanização, que é referenciada por Petit (2009, p. 142), ao dizer que “[...] o
texto literário é potencialmente favorável à produção de experiências estéticas
transformadoras (além de favorecer a apropriação da cultura escrita)”. Desse
modo, todos os encontros foram concebidos para aproximar os leitores das obras
e os leitores entre si, promovendo uma interação com o mundo das obras, com
o mundo dos leitores, para que, ao final, todos refletissem sobre o papel da
leitura na constituição da identidade de cada um.
Conforme Candido (1995, p. 180), “[...] a literatura desenvolve em nós a
quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e
abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante”. Para ele, humanizar-se é
exercitar-se, tendo boa disposição com o próximo, sendo capaz de entender os
problemas da vida com refinamento e controle das próprias emoções. Nessa
perspectiva, o autor aponta o caminho da humanização como potencializador da
evolução social. Para Duarte Júnior (2000, p. 136): “Nosso corpo (e toda a
sensibilidade que ele carrega) consiste, portanto, na fonte primeira das
significações que vamos emprestando ao mundo, ao longo da vida”. Tendo isso
em vista, o contato com o livro e com os participantes do Clube afloraram a
sensibilidade dos envolvidos com os textos, pois “[...] todo humano sentido
(significado) está intimamente vinculado ao que já foi sentido (captado
sensivelmente)” (DUARTE JÚNIOR, 2000, p. 136)”.

Dos participantes
Nos encontros do Clube de Leitura, muitos movimentos solitários e
coletivos foram realizados a partir da leitura das obras literárias. Por meio das
respostas dos participantes na entrevista e da observação, foi possível
ISBN: 978-85-8209-121-0

percebermos o quanto as leituras escolhidas e as mediações promoveram novos


olhares literários, incentivando a leitura, a escuta, a sensibilidade e o criar afetos.
Conforme Duarte Júnior (2000, p. 24): “A sensibilidade que funda nossa vida
consiste num complexo tecido de percepções e jamais deve ser desprezada em
nome de um suposto conhecimento ‘verdadeiro’”.
Nesse sentido, podemos perceber, na fala do Sujeito 1, o quanto a leitura
promoveu impacto em si, quando afirma: “Além de me envolver intensamente
com as obras acabo envolvendo a família e amigos, incentivando-os também a
ler. Ampliou minha formação estética, cultural, a sensibilidade”. Logo,
observamos que o desejo de compartilhar a leitura com os pares do Clube se
ampliou e foi alçado para o grupo familiar do leitor.
Segundo Yunes (2003, p. 10), “[...] quem lê o faz com toda a sua carga
pessoal de vida e experiência, consciente ou não dela, e atribui ao lido marcas
pessoais de memória, intelectual e emocional”, o que é evidenciado na fala do
Sujeito 3: “Os encontros do clube de leitura têm sido muito prazerosos. É um
momento de compartilhamento de leituras e saberes sobre a vida, oportunidade
de conhecer pessoas e a maneira como encaram a vida. Penso que a forma
como os encontros são mediados é que possibilitam essas trocas já que
incentivam e valorizam as falas dos participantes”. O que evidenciamos nos
encontros e reforçamos pelas colocações dos participantes é que o Clube de
Leitura aprimora a leitura literária mediante o diálogo entre os pares e a
condução da conversa pelo mediador do encontro.
Segundo o Sujeito 5: “O Clube de Leitura contribuiu significativamente
para minha formação enquanto leitora, pois convida a reler as obras e a ter
outras percepções que, ao ler e ruminar o texto sozinha, não havia percebido”.
Para Barthes (1988, p. 49), texto de fruição é “[...] aquele que coloca em situação
de perda, aquele que desconforta”, provocando esse movimento de releitura e
de ruminação citado pelo Sujeito 5.
Yunes (1999, p. 16), ao discutir sobre o círculo de leitura, entende que:
“Quando há um interesse comum em torno de uma ideia, [...] se há motivação
para estarem juntas, as pessoas tendem a prolongar esta oportunidade, pois a
troca que se estabelece os enriquece, estimula, fortalece e amplia horizontes”.
Identificamos o que foi exposto por Yunes (1999) na fala do Sujeito 3: “Nesse
momento de pandemia, os encontros foram uma brisa leve que me ajudou,
ISBN: 978-85-8209-121-0

mesmo dentro do meu espaço de isolamento, encontrar pessoas e discutir temas


do nosso cotidiano de forma leve”.
Também o Sujeito 7 enaltece a valorização da leitura que o Clube
proporciona ao afirmar que: “Abriu uma porta que até então eu não acreditava
poder ter a cópia da chave. Mas, com a ‘desculpa’ em ter horas extracurriculares
na faculdade de Pedagogia, acabei entrando no clube e agora não pretendo sair
mais”. Ademais, o Sujeito 7 constata que sua postura frente à leitura sofreu
transformação após a participação no Clube, ao pontuar que: “A partir do
primeiro encontro já senti que deveria fazer algo além do que simplesmente
arrumar tempo para ler o livro. Me tornei uma pesquisadora da obra que leio”.
No caso do incentivo à leitura fruitiva da obra, esta é considerada um
instrumento que desperta emoções, memórias, diferentes interpretações,
criando e recriando significados pelos leitores. Essa postura de leitura provoca
diversos sentimentos e transformações, o que podemos perceber na fala do
Sujeito 2: “As leituras propostas me fazem perceber que Literatura é Arte e que,
como tal, provoca-me a ampliar a percepção sobre o mundo. Assim me sinto em
cada obra que leio para o Clube e também em cada encontro, uma vez que são
momentos de partilhar percepções, indagações feitas a partir das obras
selecionadas”. Do mesmo modo, percebemos, na fala do Sujeito 4 a seguir, um
dos resultados obtidos na pesquisa, no que tange ao encontro das percepções
dos leitores:

Minhas percepções das obras sempre são ampliadas a cada encontro! Todas as
conversas e trocas que tivemos ao longo do Clube foram muito enriquecedoras,
pelo fato de compartilharmos nossas experiências em relação à obra: pessoais,
estéticas, fictícias. Sempre há alguma reflexão que meu olhar atento não conseguiu
captar ao longo da minha leitura individual. Eu gosto de chamar os encontros de
“leitura compartilhada” exatamente por isso! Para mim, há dois momentos, duas
leituras: a minha e a do/com o grupo. (Sujeito 4).

Valter Hugo Mãe (2018, p. 85) afirma, em seu conto Bibliotecas, que:
“Todos os livros são infinitos! Começam no texto e estendem-se pela
imaginação”, possibilitando a sensação apresentada pelo Sujeito 4
anteriormente. São muitas leituras possíveis de serem feitas em uma só obra,
uma vez que, segundo Barthes (1978, p. 14), “[...] a língua não se esgota na
mensagem que engendra”. Sempre é possível ir além na literatura, ainda mais
com o impulso do mediador, que faz com que novas e novas janelas de
interpretação se abram. “[...] o texto é plural é passagem, travessia; não pode,
ISBN: 978-85-8209-121-0

pois, depender de uma interpretação, ainda que liberal, mas de uma explosão,
de uma disseminação” (BARTHES, 1988, p. 74). Quando o texto é somente
consumido, o leitor é levado ao tédio. Isso ocorre quando ele não pode jogar com
o texto, não pode produzir com ele um movimento contínuo de ida e vinda, não
pode fazer uma experiência (BARTHES, 1988).
Além disso, as obras que são escolhidas para o Clube possuem carga
fruitiva, quer dizer, são textos que se comportam como um palimpsesto, visto
que possuem muitas camadas que vão sendo apresentadas no movimento da
leitura. Isso possibilita o encontro do leitor com outros textos ali incrustrados, os
quais o levam a outros olhares e interpretações que tocam os seus sentidos, que
vão se aprimorando, modificando sua forma de ler e de pensar. É o que
percebemos na fala do Sujeito 8: “Sempre tem algum participante que me mostra
um ponto de vista diferente sobre a leitura, e sempre é abordado diferentes
pontos acerca da obra”. Segundo Petit (2009),

[...] esta abertura para o outro, que é consequência da leitura, também


adota, muito concretamente, novas formas de sociabilidade, de
partilhar e de conversar em torno dos livros. E por meio dessas redes
de sociabilidades, com frequências flexíveis e múltiplas, circulam
ideias, sensibilidades. (PETIT, 2009, p. 97-98).

O compartilhar, o conversar amplia o jogo dos sentidos do texto. Ou, como


diz Sankovitch (2011, p. 202) na sua obra Um ano de leitura mágica: “Que
dádiva, compartilhar a felicidade, o consolo e a sabedoria! Tudo que
compartilhei, descobri antes simplesmente sentando na minha poltrona roxa,
lendo um livro”. Esse movimento ocorreu nos encontros do Clube de Leitura:
Fala Livro, tornando-os envolventes e enriquecedores para os participantes
envolvidos.
Apresentamos, a seguir, alguns registros dos encontros do Clube de
Leitura feitos em 2021 (Figuras 3 e 4).
ISBN: 978-85-8209-121-0

Figura 3 – Registro do primeiro encontro do Clube de Leitura: Fala Livro

Fonte: Imagem extraída do Instagram @clubefalalivro.

Figura 4 – Registro do quarto encontro do Clube de Leitura: Fala Livro

Fonte: Imagem extraída do Instagram @clubefalalivro.

Conclusão
O leitor muda para o outro lado do mundo
ou para outro mundo, do avesso da realidade
até ao avesso do tempo.
Valter Hugo Mãe
ISBN: 978-85-8209-121-0

Ao acompanhar os encontros do Clube de Leitura: Fala Livro, fazer a


entrevista e depois confrontar os dados com o aporte teórico, comprovamos o
atendimento dos objetivos propostos para esta pesquisa e podemos observar
essa “viagem para outro mundo” feita pelos integrantes do Clube. As discussões
mediadas contribuíram com a leitura e com a formação dos leitores, o que
percebemos por meio da fala dos participantes, como também a influência dos
encontros e dos textos literários na formação estética e sensível de todos. Ficou
evidenciado que cada um tinha seu espaço para falar, expor sua opinião, debater
sobre a obra e sobre a vida, gerando uma troca de saberes e de experiências,
indo além de uma leitura individual.
Portanto, as discussões no Clube de Leitura motivaram os participantes,
provocando a criatividade, a curiosidade, ampliando a formação de leitores
ativos e contribuindo com a escuta, o compartilhar e a sensibilidade estética,
proporcionada pela obra, pelas mediações e pelas interações.
Todos demonstraram o desejo de realizar uma leitura a fim de discutir
sobre ela, compartilhar impressões, confrontar ideias. A leitura solitária ganha
diversos contornos em comunhão, visto que, com a leitura solidária, os sentidos
que o texto literário provoca são ampliados e aprimorados. Desse modo, o objeto
livro percebido como objeto estético de forma individual e coletiva é
ressignificado pelos leitores dos textos que se lançam em outros contextos além
dos propostos pelo autor. Pelos relatos dos participantes, constatamos que
houve uma mudança de estado no que diz respeito à sua relação enquanto leitor
com a obra e enquanto leitor com seus pares. Além disso, perceberam a força
da leitura literária na transformação de si e do grupo como um todo,
configurando-se como experiência.
Assim sendo, o Clube de Leitura: Fala Livro contribuiu com a melhoria da
leitura, da escuta, do compartilhar e do criar afetos pela sensibilidade estética, o
que nos permite afirmar que essa atividade, no meio universitário, deve ser
valorizada e incentivada devido ao crescimento cognitivo, afetivo, literário e
cultural que ela promove.

Referências

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.


ISBN: 978-85-8209-121-0

BARTHES, Roland. Aula. Tradução Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix,


1978.
BARTHES, Roland. O rumor da língua. Tradução Mário Laranjeira. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1988.
BARTHES, Roland. O prazer do texto. 6. ed. Tradução J. Guinsburg. São Paulo:
Perspectiva, 2015. Sobre experiencias.
CANDIDO, Antonio. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 1995.
DELEUZE, Gilles. O Abecedário de Gilles Deleuze. [Entrevista cedida a] Claire
Parnet. 2019. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/0B347KgD-
3KhNcGdBemhqS3N0b1U/view. Acesso em: 20 maio 2021.
DUARTE JÚNIOR, João Francisco. O sentido dos sentidos: a educação (do)
sensível. 2000. 234 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, 2000.
LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre a experiência. 2. reimp. Tradução
Cristina Antunes e João Wanderley Geraldi. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
MÃE, Valter Hugo. Contos de cães e maus lobos. Rio de Janeiro: Biblioteca
Azul, 2018.
PETIT, Michèle. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. Tradução Celina
Olga de Souza. São Paulo: Editora 34, 2009.
PETIT, Michèle. A arte de ler: ou como resistir à adversidade. 2. ed. 1. reimp.
Tradução Arthur Bueno e Camila Boldrini. São Paulo: Editora 34, 2012.
SANKOVITCH, Nina. O ano da leitura mágica. Tradução Paulo Polzonoff. São
Paulo: Leya, 2011.
YUNES, Eliana. Círculos de Leitura: teorizando a prática. Leitura: Teoria &
Prática, Campinas, ano 18, n. 33, p. 17-21, 1999.
YUNES, Eliana. Leitura como experiência. In: YUNES, Eliana; OSWALD, Maria
Luiza. (org.). A experiência da leitura. São Paulo: Loyola, 2003. p. 7-15.

Anexo – Entrevista realizada com os participantes do Clube de Leitura

1. Fale sobre sua experiência de leitura das obras Dom Quixote de La


Mancha, O conto da ilha desconhecida e Hamlet.
2. Como você se sentiu em relação à troca de saberes e às mediações
promovidas nos encontros do Clube de Leitura: Fala Livro?
ISBN: 978-85-8209-121-0

3. Como as leituras propostas e os encontros no Clube de Leitura: Fala


Livro contribuíram para sua formação como leitor?
4. As leituras e os encontros no Clube de Leitura: Fala Livro criaram
mudanças ou impactos de alguma forma em sua vida?
5. As obras escolhidas promoveram novos olhares e experiências de leitura?
ISBN: 978-85-8209-121-0

QUE PALAVRAS SÃO ESSAS? EXPERIÊNCIAS DE TRANSCRIÇÃO DE


RELATÓRIOS OFICIAIS DA PROVÍNCIA DE SANTA CATARINA

Gabriel Henrique de Oliveira Furlanetto1


Roberta Barros Meira2

Resumo: Transcrever documentos antigos pode se revelar um desafio para


aqueles que tem pouca (ou nenhuma) experiência nessa prática. Nessa questão,
é necessário gerar competências de análise para fazer com que o conteúdo
transcrito tenha a maior fidelidade possível ao documento original. Desse modo,
o objetivo é relatar experiências de transcrição e tradução de documentos oficiais
do período da província de Santa Catarina (Brasil Império), descrevendo
algumas problemáticas no que concerne a gramática e alguns peculiares termos
e palavras dentro de tais fontes documentais. Como se trata de tópicos de
gramática, discurso e textualidade, é relevante demonstrar como é fundamental
a interdisciplinaridade entre Letras e História. Por conseguinte, serão
observadas algumas conflituosidades que emergem da interpretação de
documentos antigos.
Palavras-chave: transcrição; fontes documentais; letras; história; província de
Santa Catarina.
Abstract: Transcribing old documents can prove to be a challenge for those who
have little (or no) experience in this practice. In this matter, it is necessary to
generate analysis skills to make the transcribed content as faithful as possible to
the original document. In this way, the objective is to report experiences of
transcription and translation of official documents from the period of the province
of Santa Catarina (Brazil Empire), describing some problems regarding grammar
and some peculiar terms and words within such documentary sources. As it deals
with topics of grammar, discourse and textuality, it is relevant to demonstrate how
fundamental the interdisciplinarity between Letters and History is. Therefore,
some conflicts that emerge from the interpretation of ancient documents will be
observed.
Keywords: transcription; documentary sources; letters; story; province of Santa
Catarina.

INTRODUÇÃO

O presente texto é resultado de uma pesquisa que envolveu a transcrição


de relatórios de presidentes da província de Santa Catarina. Essas atividades
resultaram em números consideráveis de fichas de transcrição. Enfrentou-se
alguns revezes no processo, sendo um deles o surgimento de dúvidas sobre
algumas palavras – especificamente aquelas que não foram possíveis de serem
ISBN: 978-85-8209-121-0

identificadas, que não eram de conhecimento do pesquisador ou que


simplesmente apresentaram características gramaticais diferentes. Portanto, o
objetivo é apresentar as minuciosidades desses revezes, contando com a
exibição de imagens para auxiliar na compreensão desse relato de experiência
de transcrição de relatórios oficiais da província de Santa Catarina.

SÍNTESE DAS ATIVIDADES

O objetivo do projeto de pesquisa foi buscar discursos que tivessem


interesse para a História ambiental nos relatórios oficiais produzidos pelos
presidentes de Província de Santa Catarina nos primeiros anos do período
Imperial Os documentos são disponibilizados no site CRL Digital Delivery
System, que pertence ao Center for Research Libraries. As fichas de análise
foram feitas, após a leitura e transcrição, em

um software de texto. Nesse caso, o software utilizado foi o Microsoft


Word.

No acervo do site comentado há 134 documentos sobre a província e o


estado de Santa Catarina3. Diante disso, é necessário dizer que os documentos
que falam sobre a “província de Santa Catarina” pertencem ao período
monárquico do Brasil, enquanto os que tratam já do “estado de Santa Catarina”
pertencem ao período republicano desse país. Diante dessa questão, as fontes
visadas foram somente aquelas que estivessem localizadas no período histórico
do Brasil Império, ou seja, as que tratassem da província (e não estado) de Santa
Catarina.

Somado a isso, a transcrição dos documentos tinha um objetivo: procurar


as informações que testemunhassem práticas de preservação ou degradação de
florestas na região (como agricultura, povoação, urbanismo etc.). Essas
informações, nesse caso, não necessariamente seriam aqueles em que os
próprios autores dos documentos explicitassem e mencionassem os conceitos
de “degradação”, “desmatamento”, “preservação” e entre outros, pois almejou-
se (no que se trata de leitura de exercícios econômicos) práticas humanas que,
materialmente e economicamente, resultaram em alterações na paisagem
ISBN: 978-85-8209-121-0

florestal. Sendo assim, os documentos não poderiam ser transcritos por inteiro,
pois somente as partes que cruzassem com o objetivo mencionado importava
para as transcrições.

Ilustração 1 - print da primeira página do CRL Digital Delivery System onde


constam os documentos em pauta.

Fonte: print de tela realizado por Gabriel Furlanetto, 2022.

No que se refere a quantidade de documentos transcritos em todo o


percurso das atividades (que foi iniciado em 11 de abril de 2022), houve um total
de 17 relatórios Desse total, a transcrição do último documento foi concluída em
1º de agosto de 2022. Todavia, nesse trabalho somente serão abordados os 7
primeiros documentos transcritos. A transcrição do último documento desses
sete foi finalizada em 06 de junho de 2022.

Todos os documentos originais transcritos (que possuem a autoria de


diferentes presidentes da província de Santa Catarina) não foram escritos à mão,
ou seja, as atividades de transcrição não se constituíram em paleografia, que se
trata de traduzir e transcrever caligrafias.

Além disso, o primeiro documento transcrito é de 1835, enquanto o sétimo


é de 1840. Tendo isso em observância, a transcrição documental perpassou
aproximadamente 5 anos. Entretanto, se tiver que contar com todos os 17
documentos transcritos em todas as atividades, as transcrições perpassaram em
ISBN: 978-85-8209-121-0

aproximadamente 14 anos, pois o último documento transcrito em todo o


percurso é de 1849.

Diante disso, a transcrição documental se envolveu com escritos de


diferentes personagens (que assumiram o cargo de presidência da província de
Santa Catarina). Em todo o percurso das atividades, estes foram: Feliciano
Nunes Pires (1835); Albuquerque Cavalcante (1836); Jose Joaquim Machado de
Oliveira (1837); João Carlos Pardal (1838; 1839); Francisco Joze de Souza
Soares D’Andrea (1840a; 1840b); Antero Jozé Ferreira de Brito (1841; 1842;
1843; 1844; 1845; 1846; 1847; 1848a; 1848b; 1849). Nesse contexto, não será
realizado comentários sobre os escritos de Antero Jozé Ferreira de Brito.

Em todo o percurso das atividades, a quantidade de páginas de


transcrição totalizou-se em 66. No recorte da primeira até sétima, totalizou-se
em 29 páginas. Ademais, também é preciso mencionar que os três primeiros
fichamentos foram produzidos com dois tipos diferentes de transcrição: ipsis
litteris e “tradução”. A tradução ipsis litteris significa a tradução que repetiu
absolutamente todas as palavras em suas características originais (ao menos
para aquelas que puderam ser identificadas). Por outro lado, a “tradução” seria
a tentativa de trazer os significados de um texto para a língua atual de acordo
com as normas do Novo Acordo Ortográfico. Somado a isso, alguns trechos
traduzidos também foram “transcriados” – que significa mudar o posicionamento
de certos trechos que, de acordo com o transcritor, poderia melhorar a coesão
do texto.

Como exemplo desse tipo de atividade exercida nos três primeiros


documentos, segue a seguinte a imagem:

Ilustração 2 - print do documento de transcrição ipsis litteris e transcrição-


tradução
ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: print de tela realizado por Gabriel Furlanetto, 2022.


No que se refere a somente ao uso da transcrição-tradução nos
documentos posterior (quarto em diante), segue a seguinte imagem como
exemplo:

Ilustração 3 - print do documento de somente transcrição-tradução

Fonte: print de tela realizado por Gabriel Furlanetto, 2022.


Como se pode ver, o primeiro exemplo apresenta um fichamento de três
colunas: a da esquerda são das páginas dos excertos transcritos, a do meio são
para as transcrições ipsis litteris e a da direita são para as transcrições-
traduções. Atinente a segunda imagem, há apenas duas colunas: à esquerda é
a paginação e à direita é a transcrição-tradução.
ISBN: 978-85-8209-121-0

Por fim, os documentos de transcrição também foram acompanhados de


cabeçalho. Nessa parte, foram colocadas as seguintes descrições: nome da
instituição de formação do graduando4; curso do graduando; nome completo da
supervisora com a sua maior titulação acadêmica5; nome completo do
graduando; o título “FICHAMENTO ACADÊMICO”; referência do documento
transcrito. Adjunto disso, todas as páginas receberam paginação pelo Microsoft
Word e a logo da Universidade da Região de Joinville (Univille) no lado superior-
direito.

Ilustração 4 - print do cabeçalho de um dos documentos de transcrição

Fonte: print de tela realizado por Gabriel Furlanetto, 2022.


Sendo assim, toda o processo das atividades foi marcado por diferentes
detalhes.

QUE PALAVRAS SÃO ESSAS? AS DÚVIDAS SURGIDAS NO


PROCESSO DE TRANSCRIÇÃO

Como primeira dificuldade pode-se apontar a leitura das fontes


documentais. O pesquisador acredita que os documentos com a escrita
prejudicada podem ter passado por um ou mais dos seguintes fenômenos:
ISBN: 978-85-8209-121-0

desgaste da tinta pelos usos anteriores ao resgate para conservação; desgaste


da tinta pela má conservação documental; desgaste da tinta pela ausência de
conservação documental. Percebeu-se também que os textos mais antigos
foram os mais complicados em transcrever. Como exemplo, como se observa
nas duas imagens abaixo:

Ilustração 5 - primeiro exemplo de texto datilografado com a escrita prejudicada

Fonte: documento digitalizado de Feliciano Nunes Pires, 1835.


Ilustração 6 - segundo exemplo de texto datilografado com a escrita
prejudicada

Fonte: documento digitalizado de Feliciano Nunes Pires, 1835.


Para se ter outro exemplo de dificuldade sofrida pelo graduando, será
exposta a seguinte imagem:
ISBN: 978-85-8209-121-0

Ilustração 7 - exemplo de caractere não identificado

Fonte: documento digitalizado de Jose Joaquim Machado de Oliveira, 1837.


Observe a imagem acima. Parece simbolizar uma numeração. Seriam os
seguintes caracteres: Nº 46 [?]. O quarto caractere não seria o número “4”? Será
que originalmente não simbolizaria outro caractere? Se não for o número “4”?:
Nº 6?.

Uma outra dúvida é sobre a palavra “passad[?]” da imagem abaixo? Seria


passado ou passada? Seria “e há passada a maior força”? E se intencionalmente
(mesmo que estivesse gramaticalmente incorreto) o autor não escreveu
“passado”?

Ilustração 8 - outro exemplo de caractere sem a devida identificação

Fonte: documento digitalizado de Jose Joaquim Machado de Oliveira, 1837.


Como outro exemplo de dúvida, na imagem abaixo o caractere “[?]cha
não seria “acha”? Se sim ficaria “se acha feita a distância”.

Ilustração 9 - caractere com uma das letras sem a devida identificação

Fonte: documento digitalizado de Jose Joaquim Machado de Oliveira, 1837.


Como exemplo de palavra não conhecida, segue a imagem abaixo:

Ilustração 10 - imagem com palavra não conhecida


ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: documento digitalizado de João Carlos Pardal, 1838.


A primeira palavra da segunda linha seria “atenos”? Se sim, a palavra não
é conhecida do graduando que realizou as transcrições (o que necessitaria de
um dicionário de língua portuguesa da primeira metade do século XIX). Se não,
talvez o autor – João Carlos Pardal (1838) – desejou escrever as seguintes
palavras: “[...] não a temos interessantes [...]”.

Outro exemplo de palavra não identificada:

Ilustração 11 - imagem com palavra não identificada

Fonte: documento digitalizado de Feliciano Nunes Pires, 1835.


A última palavra da primeira linha (que tem a sua continuidade na
segunda) simbolizaria a palavra “fetuna”? Se sim, a palavra não é conhecida pelo
graduando (o que necessitaria de uma pesquisa em dicionários de língua
portuguesa da primeira metade do século XIX). Se não, seria a palavra “fortuna”?
Esse último palpite foi dado pelo historiador Diego Finder Machado 6. O uso da
palavra “fortuna” seria pela especulação de sorte, por parte de Pires (1835),
quanto a possibilidade de navegação no braço de rio Itajahy Miriam.

Outro exemplo de palavra desconhecida:

Ilustração 12 - imagem com palavra não identificada

Fonte: documento digitalizado de Albuquerque Cavalcante, 1836.


Na segunda linha, há a seguinte palavra: “anhela”. Que palavra seria
essa? Assim como em outros exemplos, também seria necessário consultar
dicionários de língua portuguesa da primeira metade do século XIX. Ao invés de
simbolizar o que está escrito, seria um erro de digitação? Possivelmente era para
ser a palavra “anelar”, que na grafia antiga significa “desejar”.

Outro exemplo de palavra desconhecida:


ISBN: 978-85-8209-121-0

Ilustração 13 – imagem com nome próprio desconhecida

Fonte: documento digitalizado de João Carlos Pardal, 1838.


Na primeira, há á seguinte palavra: “Poira”. Como inicia com letra
maiúscula, especula-se, desse modo, que seja um nome próprio. Se esse for o
caso, o que significaria? No contexto do documento, é o nome de um lugar.

Se tratando de palavra não identificada, há outro exemplo:

Ilustração 14 - imagem com palavra não identificada

Fonte: documento digitalizado de Francisco Joze de Souza Soares d’Andrea,


1840.
Não foi possível identificar a palavra. Seria “parecipou”? A terceira e a
penúltima letra não foram possíveis de serem identificadas. Caso signifique
“parecipou”, essa palavra é desconhecida do graduando (o que se faria
necessário, também, consultar dicionários de língua portuguesa da primeira
metade do século XIX). No entanto, seria um erro de digitação? Se sim, era, de
acordo com o contexto do excerto, era para ser a palavra “antecipou” ou
“participou”?

Mais um exemplo de palavra desconhecida:

Ilustração 15 - imagem com palavra desconhecida

Fonte: documento digitalizado de Francisco Joze de Souza Soares d’Andrea,


1840.
Na segunda linha, há a seguinte palavra: “nesgamentos”. É uma palavra
no plural. Diante desse caso, “nesgamentos” significa, na vigência linguística, o
mesmo que “seteiras”, abertura militar em muralhas.
ISBN: 978-85-8209-121-0

Outro exemplo de palavra não conhecida:

Ilustração 16 - imagem com palavra não conhecida

Fonte: documento digitalizado de Francisco Joze de Souza Soares


d’Andrea,1840.
Na segunda linha, há a palavra “valias”. Seria parte do verbo “valer”? Seria
um erro de digitação? Se nos dois casos a resposta for não, seria necessário
consultar um dicionário de língua portuguesa da primeira metade do século XIX.
Possivelmente é a palavra “vallas” que tem o seu segundo “L” diminutamente
apagado, resultando na aparência da letra “I” minúscula.

Outro exemplo de palavra desconhecida:

Ilustração 17 – imagem com palavra não conhecida

Fonte: documento digitalizado de Francisco Joze de Souza Soares, 1840.


Nessa imagem, aparece a palavra “chegaem”. Seria uma das seguintes
palavras: “chegaram”; “chegam”. Se sim, seria um erro de digitação por parte de
Soares (1840). Possivelmente é a palavra “cheguem”, mas que pareceu
“chegaem” por causa do desgaste da tinta.

Outro exemplo de palavra desconhecida:

Ilustração 18 – imagem com palavra desconhecida

Fonte: documento digitalizado de Francisco Joze de Souza Soares, 1840.


Na segunda linha desse trecho e antes da palavra “Fortaleza”, há a
palavra “bea”. Seria um erro de digitação? Se sim, era para ser a palavra “bela”?
Será que “bea” não seria um modo diferente de mencionar algo como belo?
Talvez seria a palavra “boa”.
ISBN: 978-85-8209-121-0

Por fim, segue exemplos de palavras conhecidas, mas que, ou


gramaticalmente foram corretas naquela época, ou são erros de digitação:

• Áos = Aos (CAVALCANTE, 1836)


• Augmento = Aumento (OLIVEIRA, 1837)
• Districto de Imaruhi: Distrito do Imaruí (PARDAL, 1839)
• Effectue = Efetue (OLIVEIRA, 1837)
• Elles = Eles (OLIVEIRA, 1837)
• Eventuaes = Eventuais (PIRES, 1935)
• Huã = Há (PIRES, 1935)
• Offerece = Oferece (OLIVEIRA, 1837)
• Tãobem = Também (OLIVEIRA, 1837)
Diante de tudo isso, se constata que, através do que foi exposto nesse
trabalho completo, houve três tipos de problemáticas que envolveu as
transcrições: palavras desconhecidas; palavras não identificadas; palavras com
escrita gramatical diferente do que é correto nos dias atuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através desse relato de experiência, foi possível conceber descrições
sobre o processo das atividades em questão. O pesquisador acadêmico,
contando com a supervisão de uma professora, produziu um total de 17
fichamentos, nos quais 7 foram apresentados nesse trabalho. Dentre essas
últimas, houve a exibição de palavras escritas por alguns dos presidentes da
província de Santa Catarina. Nos dias atuais, as palavras dentro da problemática
em pauta faz com que seja necessário haver a interdisciplinaridade entre Letras
e História, para que haja a facilitação de práticas do tipo.

NOTAS EXPLICATIVAS
1Acadêmico de Licenciatura em História da Universidade da Região de Joinville
(Univille). Foi o graduando que teve as suas experiências de transcrição
relatadas nesse trabalho completo. Endereço de seu campus de formação: Rua
Paulo Malschitzki, nº 10 (Zona Industrial Norte, Joinville/SC). Currículo lattes:
<http://lattes.cnpq.br/2738602230109838>. E-mail:
gabriel28_oliveira@hotmail.com.
ISBN: 978-85-8209-121-0

2Possui doutorado e mestrado em História Econômica pela Universidade de São


Paulo (USP) e graduação em História pela Universidade Federal Fluminense
(UFF). É professora do curso de História e do Programa de Pós-graduação em
Patrimônio Cultural e Sociedade da Universidade da Região de Joinville
(Univille). Foi a supervisora do graduando que realizou as atividades reveladas
nesse trabalho completo. Endereço de seu campus de professorado: Rua Paulo
Malschitzki, nº 10 (Zona Industrial Norte, Joinville/SC). Currículo lattes:
<http://lattes.cnpq.br/5410201062168341>. E-mail: rbmeira@gmail.com.
3Obs.: é importante dizer que todos os documentos dos presidentes da província
de Santa Catarina podem não constar exclusivamente na plataforma CRL Digital
Delivery System.
4No decorrer das atividades de transcrição, nos documentos foram utilizados
diferentes tipos de títulos para o transcritor: aluno; orientando; supervisionado;
bolsista.
5Obs.:do primeiro até o quinto fichamento, ao invés de ter sido colocado o título
de “supervisora”, foi colocado o título de “orientadora”.
6Possui doutorado e mestrado em História pela Universidade Estadual de Santa
Catarina (UDESC) e graduação em História pela Universidade da Região de
Joinville (Univille). É professor dos cursos de Direito e História por essa última
instituição mencionada. Ele deu esse palpite na comunicação oral de Furlanetto
e Meira (2022) na XXVII Semana de História da Univille. Endereço de seu
campus de professorado: Rua Paulo Malschitzki, nº 10 (Zona Industrial Norte,
Joinville/SC). Currículo lattes: <http://lattes.cnpq.br/6892446255271065>. E-
mail: diego.f@univille.br.

REFERÊNCIAS
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Assemblea Legislativa de Santa Catharina. Desterro, 1 mar. 1846. CRL Digital
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CAVALCANTE, Albuquerque (PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DE SANTA
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abertura da 2.a sessão da 1.a Legislatura Provincial em 5 de abril de 1836. CRL
Digital Delivery System, Center for Research Libraries. Disponível em:
<http://ddsnext.crl.edu/titles/189?terms&item_id=5239#?c=4&m=1&s=0&cv=0&r
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D’ANDREA, Francisco Jose de Souza Soares. Acto de entregar a presidencia da
provincia de Santa Catharina, ao seu successor o Exm. Sr. Brigadeiro Antero
Joze Ferreira de Brito. 1840b. CRL Digital Delivery System, Center for Research
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<http://ddsnext.crl.edu/titles/189?terms&item_id=5289#?c=4&m=6&s=0&cv=0&r
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ISBN: 978-85-8209-121-0

_____________________________________. Discurso pronunciado pelo


presidente da provincia de Santa Catarina, sessão ordinaria, primeiro dia do mês
de março. 1840a. CRL Digital Delivery System, Center for Research Libraries.
Disponível em:
<http://ddsnext.crl.edu/titles/189#?c=0&m=5&s=0&cv=0&r=0&xywh=-
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FURLANETTO, Gabriel Henrique de Oliveira; MEIRA, Roberta Barros.
Experiências de transcrição dos relatórios dos presidentes da província de Santa
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eletrônicos [...]. Joinville: Editora UNIVILLE, 2022. Disponível em: <
https://www.academia.edu/82769067/EXPERI%C3%8ANCIAS_DE_TRANSCRI
%C3%87%C3%83O_DOS_RELAT%C3%93RIOS_DOS_PRESIDENTES_DA_
PROV%C3%8DNCIA_DE_SANTA_CATARINA>. Acesso em: 18 set. 2022.
OLIVEIRA, Jose Joaquim Machado de (Presidente da Provincia de Santa
Catarina). Discurso na abertura da terceira sessão da primeira legislatura
provincial. Desterro, 01 de mar. de 1837. CRL Digital Delivery System, Center
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<http://ddsnext.crl.edu/titles/189?terms&item_id=5240#?c=4&m=2&s=0&cv=0&r
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PARDAL, João Carlos. Discurso pronunciado na abertura da Assemblea
Legislativa da provincia de Santa Catarina, na 1.º Sessão Ordinaria da 2.ª
Legislatura de 1838, 17.º da Independencia e do Imperio. Desterro, 1838. CRL
Digital Delivery System, Center for Research Libraries. Disponível em:
<http://ddsnext.crl.edu/titles/189?terms&item_id=5241#?c=4&m=3&s=0&cv=0&r
=0&xywh =-284%2C-115%2C2353%2C1660>. Acesso em: 01 de maio de 2022.
__________________. Discurso Pronunciado na Abertura da Assemblea
Legislativa Da Provincia de Santa Catarina Na Segunda Sessa’o Ordinaria da
Segunda Legislatura Provincial. 1839. CRL Digital Delivery System, Center for
Research Libraries. Disponível em:
<http://ddsnext.crl.edu/titles/189#?c=0&m=4&s=0&cv=1&r=0&xywh=-
1736%2C193%2C5438%2C3836>. Acesso em: 08 de maio de 2022.
PIRES, Feliciano Nunes (PRESIDENTE DA PROVÍNCIA DE SANTA
CATARINA). Falla de 1 mar. 1835. CRL Digital Delivery System, Center for
Research Libraries. Disponível em:
<http://ddsnext.crl.edu/titles/189?terms&item_id=5288#?c=4&m=0&s=0&cv=0&r
=0&xywh =-1%2C-25%2C2528%2C1783>. Acesso em: 10 de abr. de 2022.
ISBN: 978-85-8209-121-0

ECOS DE LUTA, EXPERIÊNCIA E TRAUMA: AS NARRADORAS DE


“TORTO ARADO”, DE ITAMAR VIEIRA JUNIOR

Luana Seidel (UNIVILLE)


Prof. Dra. Taiza Mara Rauen Moraes (UNIVILLE)
Resumo: A faculdade do compartilhamento de experiências, críticas e memórias
movem os romances por rememorações do narrador. “Torto Arado” (2019), de Itamar
Vieira Junior, é o romance memorialista que ecoa, pelas narrações de mulheres, a luta
dos afro-brasileiros descendentes de escravos pelo direito à terra no sertão baiano,
atualizando a visão de narrador proposta por Walter Benjamin no texto “O Narrador”
(1980) que o classifica em dois perfis arcaicos: o viajante mercantil e o lavrador
sedentário, expositores dos traumas decorrentes da Primeira Guerra Mundial.
Palavras-chave: Narrador. Memórias traumáticas. Torto Arado. Walter Benjamin.

Abstract: The faculty of sharing experiences, critiques, and memories move the novels
by rememorations of the storyteller. "Torto Arado" (2019), by Itamar Vieira Junior, is the
memorialist novel that echoes, through the narrations of women, the struggle of the Afro-
Brazilian descendants of slaves for the right to land in the backlands of Bahia, updating
the vision of narrator proposed by Walter Benjamin in the text "The Storyteller" that
classifies it in two archaic profiles: the mercantile traveler and the sedentary farmer,
expositors of the traumas arising from the First World War.
Keywords: Storyteller. Traumatic memories. Torto Arado. Walter Benjamin.

Introdução:
O significante memória implica significados múltiplos e adentra veredas
que um só sujeito não consegue abranger de todo. Memória de ontem, de
anteontem ou de hoje. Da infância. Bem, mal-aventurada. Tensa, leve, de
experiências, de traumas. Escolher lembrar, rememorar, esquecer. Uma das
questões levantadas quando se investiga a memória como um conceito que
resgata história é a forma como cada sujeito lida com a sua própria e a de quem
o circula. Por isso, seu estudo perpassa campos e conceitos diversos associados
à experiência.
Walter Benjamin (1980), em um contexto pós Primeira Guerra Mundial e,
por isso, traumático, explora a potência do romance em reverberar e compartilhar
críticas, experiências, visões de mundo e, como será articulado neste trabalho,
memórias traumáticas e articuladoras de transformações sociais e políticas pela
voz de narradores. Neste jogo escrito e lido, o narrador é o responsável por
acionar as memórias e críticas e expô-las numa narrativa. Ele é, por meio do
escritor, a figura atenta que seleciona o que será dito e o que será suprimido, o
que será reverberado e o que será silenciado, consciente ou inconscientemente.
ISBN: 978-85-8209-121-0

“Torto arado” (2019), do escritor baiano Itamar Vieira Junior, é a obra que
mobiliza lutas contemporâneas e, sobretudo, compartilhamento de memórias
traumáticas por meio de três narradoras: duas mulheres, Bibiana e Belonísia, e
Santa Rita Pescadeira, uma entidade da religiosidade do Jarê.
As reflexões analíticas propostas visam articular o papel das narradoras
de “Torto arado” que ecoam o preconceito estrutural e a luta pela terra. Pretende-
se associar a visão benjaminiana do narrador em romances memorialistas que
envolvem luta e trauma decorrentes de experiências traumáticas atualizando os
contextos históricos, políticos e sociais: em Benjamin, o pós-guerra, em Vieira
Junior, a luta contemporânea por direito à terra no sertão baiano.

Os narradores benjaminianos: experiência, voz e trauma

No texto “O narrador” (1980), do original Der Erzähler frequentemente


traduzido como “O contador de histórias”, o ensaísta, crítico literário, filósofo e
sociólogo alemão Walter Benjamin se debruça sobre a figura condutora que dá
nome ao texto. Em um contexto pós-guerra no ano de 1934, verificando o
movimento literário que se erguia e o estado dos indivíduos, o crítico traz
considerações sobre a produção do contista russo Nicolai Leskow para estudar
a figura narradora. Não bastando, pensa as mudanças na faculdade de
compartilhamento de experiências, refletidas na incapacidade narrativa dos
sujeitos e, então, dos autores, procurando diagnosticar os pormenores que
levaram a este estado coletivo e, finalmente, relaciona memória com experiência
narrada.
Para introduzir sua proposição, Benjamin contextualiza que, ao voltarem
dos campos de batalha da 1ª Guerra Mundial, os sujeitos se encontravam
silenciosos, não narravam suas experiências e não compartilhavam memórias.
A partir daquele momento, o trauma, individual e coletivo, era o propulsor do
silêncio e um dos fatores da relação causal que vincularia memória, experiência
e narração para a teoria benjaminiana.
Retomando o medievo, o crítico apresenta as duas representações de
narradores que compartilhavam saberes pela oralidade: o marinheiro mercante
e o lavrador sedentário.
ISBN: 978-85-8209-121-0

A figura do narrador só se torna plenamente tangível se temos


presentes esses dois grupos. "Quem viaja tem muito que contar", diz o
povo, e com isso imagina o narrador como alguém que vem de longe.
Mas também escutamos com prazer o homem que ganhou
honestamente sua vida sem sair do seu país e que conhece suas
histórias e tradições. Se quisermos concretizar esses dois grupos
através dos seus representantes arcaicos, podemos dizer que um é
exemplificado pelo lavrador sedentário, e outro pelo marinheiro
mercante. Na realidade, esses dois estilos de vida produziram de certo
modo suas respectivas famílias de narradores. Cada uma delas
conservou, no decorrer dos séculos, suas características próprias.
(BENJAMIN, 1980, p. 58)

O marinheiro mercante (ou comerciante) é, portanto, o sujeito que viaja


por ocasião de seu ofício e adquire experiências e saberes. Conhece outros
sujeitos, visita lugares, identifica novas possibilidades de mundo e de vida.
Quando retorna à casa, reúnem-se a sua volta as pessoas que se interessam
por novas histórias e, então, ele compartilha conhecimentos e, finalmente,
memórias. Este movimento é transformador aos que ouvem atentamente,
procurando alcançar visões de mundo não conhecidas até o momento.
Já o lavrador (ou camponês) sedentário permanece e cria raízes
profundas. Seu ofício é ligado ao trabalho manual e à estabilidade e, apesar de
não viajar para longe, carrega consigo tanto conhecimento sedimentado quanto
o outro. Impregna os saberes que lhe foram passados por gerações, é íntimo do
espaço em que trabalha e conhece cada detalhe da qualidade de sua atividade.
Este, por sua vez, narra sua ciência adquirida pelo tempo de experiência nas
atividades aos colegas e às próximas gerações que, ouvindo atentamente, a
reproduzirão em suas futuras atividades.
As duas representações arcaicas de narradores são, em diferentes
vieses, responsáveis pela transmissão de experiências e memórias, e impactam
social e politicamente o espaço em que estão inseridos – tal como as duas
narradoras do livro recortado, como será visto a seguir.

“Torto Arado”

A epígrafe de “Torto Arado" é extraída de “Lavoura Arcaica” (1975),


romance de Raduan Nassar: “A terra, o trigo, o pão, a mesa, a família (a terra);
existe nesse ciclo, dizia o pai nos seus sermões, amor, trabalho, tempo.”
Palavras desencadeadoras das narrações das lutas e traumas que vêm a seguir.
ISBN: 978-85-8209-121-0

Na narrativa, o escritor baiano Itamar Vieira Junior aborda questões


sociais e memórias que adquiriu na atuação como servidor público do Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e durante as pesquisas de
sua tese de doutoramento em Estudos Étnicos e Africanos. O autor pôde, assim,
rememorar problemáticas por meio das narrações de personagens mulheres
emblemáticas.
A história é dividida em três partes: Fio de corte; Torto arado; Rio de
sangue, narradas pelas personagens femininas: Bibiana, Belonísia e Santa Rita
Pescadeira. Situada no sertão baiano, na fictícia Fazenda Água Negra e em
época cronologicamente não definida, “Torto Arado”, inicia com um (in)cidente
que serve de pontapé para o trauma desencadeador da trama.
As duas irmãs acionam suas memórias traumáticas que conduzem o leitor
ao sertão baiano em meio às secas e enxurradas, dor e luta, morte e esperança,
submissão e transformação.

A primeira narradora: Bibiana, a viajante

Bibiana é a primeira das narradoras do romance “Torto arado”, um nome


sem sobrenome, simplesmente Bibiana. Sua narração introduz o leitor na trama
romanesca compartilhada com a irmã Belonísia. As personagens são
apresentadas ao leitor em cena de brincadeira infantil no terreiro de casa e
decidem, à ponta dos pés, descobrir o que há escondido dentre as coisas da avó
Donana; momento em que se deparam com o brilho de uma faca enrolada em
um tecido velho e sujo (símbolo da luta feminina de sua ancestralidade), faca
esta que mudaria suas vidas para sempre.
Na excitação de uma descoberta e encantadas com o reflexo do metal
brilhoso que impulsionou um súbito desejo de pacto com o objeto, inserem-no
afiado e pontudo à boca: primeiro Bibiana e depois Belonísia. O sangue corre da
boca das duas irmãs, porém é distinto o corte resultante que transforma a vida
de cada uma.
Ouvi Donana perguntar o que estávamos fazendo ali, porque sua mala
estava fora do lugar e que sangue era aquele. “Falem”, disse, nos
ameaçando arrancar a língua, que estava, mal ela sabia, em uma das
nossas mãos. (VIEIRA JUNIOR, 2019, p. 16)
ISBN: 978-85-8209-121-0

O mistério sobre qual das irmãs teve a língua amputada segue até o final
da primeira parte da narrativa, quando Bibiana explica que foi a irmã mais nova,
Belonísia, a quem faltou um pedaço para sempre – omissão que esclarece que,
quem quer que fosse a principal prejudicada, poderia contar com a irmã para
comunicar o que quisesse ao mundo.
O primeiro trauma narrado apresenta as irmãs unidas a partir do ato
traumático numa trama não-linear que transita entre os tempos presente e
passado. Bibiana e Belonísia, o pai Zeca Chapéu Grande, a mãe Salustiana
Nicolau, a avó Donana, e as outras irmãs Zezé e Domingas rememoram valores
culturais que sustentam e se revigoram no tempo presente.
Bibiana é quem apresenta ao leitor memórias de vidas marcadas pela
servidão do trabalho escravo na Fazenda Água Negra, no sertão da Bahia. O
amadurecimento das irmãs e o aflorar de suas sexualidades inicia com a vinda
de Severo, primo das garotas que é introduzido na trama como jovem alegre,
forte e viril. Depois de um desentendimento ciumento entre elas, Bibiana se
aproxima do rapaz e nele encontra o amor de sua vida, parceiro de futuras lutas.
Tudo foi crescendo de forma tão pujante que era como se meu copo
se guiasse sozinho, e Severo agia da mesma forma na trama em que
estávamos enredados. Naquela terra mesmo, entranhada da secura da
falta de chuva, deixamos nossos suores para que lhe servisse de alívio.
O silêncio da ausência dos pássaros, dos animais que migravam para
onde havia água, foi rompido por nossos sussurros. Depois de tanto
ouvirmos falar sobre as crianças mortas, a natureza, misteriosa e
violenta, nos impelia para conceber a vida. (VIEIRA JUNIOR, 2019, p.
76)

Severo é o personagem da trama que por primeiro se aproxima do


marinheiro mercante, representação de narrador de Walter Benjamin (1980).
Após afastamento, ele retorna com novas narrações via percepções sobre a
situação de trabalho escravo que sua comunidade estava inserida.
Ele se sentia à vontade para falar sobre seus sonhos, tinha planos de
estudar mais e não queria ser empregado para sempre da Fazenda
Água Negra. Queria trabalhar nas próprias terras. Queria ter ele
mesmo sua fazenda, que, diferente dos donos dali, que não conheciam
muita coisa do que tinham, que talvez não soubessem nem cavoucar
a terra, muito menos a hora de plantar de acordo com as fases da lua,
nem o que poderia nascer em sequeiro e na várzea, ele sabia de muito
mais. [...] Ele falava que poderia aliar seu conhecimento da natureza e
da lavoura com sua disposição para o trabalho, além do estudo que
poderia lhe dar conhecimentos novos para mudar de vida. Eu achava
tudo aquilo interessante, mas nunca havia parado para pensar porque
estávamos ali, o que poderia modificar nessa história, o que dependia
de mim mesma ou o que dependeria das circunstâncias. Mas ouvir as
ISBN: 978-85-8209-121-0

coisas que ele falava iluminou meu dia, e quis ouvir mais. Nunca havia
conhecido ninguém que me dissesse ser possível uma vida além da
fazenda. Achava que ali havia nascido e que ali morreria, como
acontecia à maioria das pessoas. [...] Queria experimentar a vida, para
ver o que poderia nos acontecer. (VIEIRA JUNIOR, 2019, p.72-73)

Introdutor dos pensamentos de liberdade, ele luta pelos direitos dos


trabalhadores e se atira contra a submissão dos fazendeiros. Com a garra e
virilidade de quem enxerga uma possibilidade de vida mais justa e encharcado
da força militante, convida Bibiana a fugir a outro espaço, onde poderiam
trabalhar e sonhar com a aquisição de terras e de estudo, a fim de se tornar
professora, seu ingênuo sonho de infância que não cogitava a mobilização que
poderia causar. O desejo de mudança provocado pelo discurso do homem
culmina na partida do casal em busca de uma vida melhor e de um retorno
vitorioso para auxiliar os familiares na libertação da opressão e do trabalho
escravo.
Depois de breves anos ausente, Bibiana, acompanhada de marido e
filhos, retorna à casa com formação tradicional e, principalmente, experiências,
tal como o marinheiro mercante, narrador benjaminiano que viaja para longe em
função de sua atividade e volta com experiências para narrar aos que o circulam,
transformando seu entorno.
A narradora de “Torto Arado” volta ao lar assumindo o papel de narradora
da vida e compartilha suas vivências: enxergou terra livre, viu trabalhador com
direito de plantar e de colher sem segredo. Percebeu arranjos possíveis de
trabalho árduo, mas justo, distante das submissões criminosas e escravocratas
que envolviam aquele espaço da fazenda. Pouco a pouco, a personagem e seu
parceiro mobilizam os trabalhadores pelas questões sociais ao tocar no cerne da
justiça e do direito. Portanto, na narrativa, o ato de compartilhar da personagem
narradora foi o divisor de águas que incitou as transformações nunca antes
imaginadas no espaço.

A segunda narradora: Belonísia, a lavradora

A narração de um pesadelo inicia a segunda parte da obra, com uma cena


de Belonísia correndo em meio à caatinga antiga perseguida por um homem
branco bem-vestido e a visão da faca de marfim no chão, a qual, quando
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arrancada da terra, faz jorrar um rio de vermelho. Sonho simbólico que


acompanhara a personagem todas as noites, inclusive aquela em que a irmã
Bibiana foge, quando o abandono da partida da irmã mais velha gera a tristeza
de toda a família, que busca nos contatos com os encantados, entidades do Jarê,
alguma notícia sobre sua vida e saúde.
A ausência da irmã que traduzia seus discursos tornou a vida de Belonísia
envolvida numa atmosfera de silêncio. As narradoras da obra contrapõem-se em
aspirações e paixões, que as dirige para distintas vocações. Enquanto Bibiana
busca o letramento e o conhecimento teórico, além dos fundamentos da
militância, Belonísia se constitui na relação com a terra, a água, o plantio e amor
à natureza e agoniza quando obrigada a permanecer em sala de aula – escola
esta concedida à comunidade apenas por solicitação de Zeca Chapéu Grande,
pai das meninas e curandeiro da cidade a quem o prefeito lhe devia um retorno
de cura.
Diferente de Bibiana, que falava em ser professora, eu gostava mesmo
era da roça, da cozinha, de fazer azeite e de despolpar o buriti. Não
me atraía a matemática, muito menos as letras de dona Lourdes. Não
me interessava por suas aulas em que contava a história do Brasil, em
que falava da mistura entre índios, negros e brancos, de como éramos
felizes, de como nosso país era abençoado. Não aprendi uma linha do
Hino Nacional, não me serviria, porque eu mesma não posso cantar.
[...] Poder estar ao lado de meu pai era melhor do que estar na
companhia de dona Lourdes, com seu perfume enjoativo e suas
histórias mentirosas sobre a terra. Ela não sabia por que estávamos
ali, nem de onde vieram nossos pais, nem o que fazíamos, se em suas
frases e textos só havia histórias de soldado, professor, médico e juiz.
(VIEIRA JUNIOR, 2019, p.98-9)

Lavoura nas atividades da fazenda e representa narrativamente a força


da natureza, pois detém conhecimentos sobre a terra transmitidos pelo pai, Zeca
Chapéu Grande tipificando a lavradora sedentária de Walter Benjamin (1980).
Essa aproximação entre Belonísia e a figura benjaminiana é identificada pela
permanência e vínculo com a terra, com o ofício repetitivo.
Com Zeca Chapéu Grande me embrenhava pela mata nos caminhos
de ida e de volta, e aprendia sobre as ervas e raízes. Aprendia sobre
as nuvens, quando haveria ou não chuva, sobre as mudanças secretas
que o céu e a terra viviam. Aprendia que tudo estava em movimento —
bem diferente das coisas sem vida que a professora mostrava em suas
aulas. Meu pai olhava para mim e dizia: “O vento não sopra, ele é a
própria viração”, e tudo aquilo fazia sentido. “Se o ar não se movimenta,
não tem vento, se a gente não se movimenta, não tem vida”, ele tentava
me ensinar. Atento ao movimento dos animais, dos insetos, das
plantas, alumbrava meu horizonte quando me fazia sentir no corpo as
ISBN: 978-85-8209-121-0

lições que a natureza havia lhe dado. Meu pai não tinha letra, nem
matemática, mas conhecia as fases da lua. Sabia que na lua cheia se
planta quase tudo; que mandioca, banana e frutas gostam de plantio
na lua nova; que na lua minguante não se planta nada, só se faz capina
e coivara. (VIEIRA JUNIOR, 2019, p.99)

Acompanhando as atividades do pai, Belonísia identifica cada cultivo e


cultura, plantio e colheita. Enxerga a terra de forma diferente que os demais
familiares e “diagnostica”, assim como o pai, as dores e doenças que precisam
ser remediadas. Esses conhecimentos, estipulados pelo senso prático do
trabalho e atividades de plantio, se faziam fundamentais para a sobrevivência da
cultura dos alimentos e, por consequência, deles mesmos.
O senso prático é uma das características de muitos narradores natos.
[...] Tudo isso esclarece a natureza da verdadeira narrativa. Ela tem
sempre em si, às vezes de forma latente, uma dimensão utilitária. Essa
utilidade pode consistir seja num ensinamento moral, seja numa
sugestão prática, seja num provérbio ou numa norma de vida - de
qualquer maneira, o narrador é um homem que sabe dar conselhos.
(BENJAMIN, p. 59, 1980)

Zeca Chapéu Grande transmitiu os conhecimentos sedimentados sobre a


terra por meio do compartilhamento de experiências e percepções que só o
vínculo permanente e “sedentário” com o trabalho permitiu. Zeca foi, à sua
maneira, narrador da experiência de terra à Belonísia, que pôde, por sua vez,
trabalhar e, sequencialmente, narrar os embasamentos para a luta pelo direito a
posse rural.
O vínculo com a terra gerou em Belonísia inquietações relacionadas à
justiça. A ausência dos patrões da fazenda e, ao mesmo tempo, a constante
cobrança e taxações despertaram as questões que, mais tarde, serviram de
vetor para a revolta em busca de reforma.
As experiências e conhecimentos sobre a terra, conduzidas por uma
narradora lavradora sedentária, portanto, foram agentes da transformação e
conscientização sobre a provocação de uma luta. Ressalta-se que a
personagem de Belonísia, que perdera a faculdade de falar após o incidente que
lhe decepou a língua, encontrava em outras linguagens não-verbais as
possibilidades de discurso. Apesar da falta do falar tradicional e de palavras
instigantes, a postura de Belonísia, que era de cuidado e diagnóstico com o
campo e sua horta, tornaram-se também de sinalizações de revolta e luta,
ISBN: 978-85-8209-121-0

concretizando dessa forma que também pode ser identificada como uma
narradora benjaminiana.
Na idade adulta, a personagem encontra Tobias, homem mais velho,
forasteiro e galanteador que ganha atenção das mulheres da comunidade. Após,
um tempo de flerte o desejo irrompe entre ambos e, depois de consentir à
proposta, é levada à nova casa em que viveria com o homem, sinalizando uma
etapa de renovação.
A primeira experiência sexual de Belonísia é, porém, muito menos
romantizada e romântica do que de sua irmã Bibiana, contada em um trecho
indigesto e marcante para diferenciar as vivências amorosas das duas, o que
confere um trauma abusivo à sua vivência:
Depois que ele me deitou na cama, beijou meu pescoço e levantou
minha roupa, não senti nada que justificasse meu temor. Era como
cozinhar ou varrer o cão, ou seja, mais um trabalho. Só que esse eu
ainda não tinha feito, desconhecia, mas agora sabia que, como mulher
que vivia junto a um homem, tinha que fazer. Enquanto ele entrava e
saía de mim num vaivém que me fez recordar os bichos do quintal,
senti um desconforto no meu ventre, aquele mesmo que me invadiu
pela manhã como o trotar do cavalo. Virei minha cabeça para o lado
da janela. Tentei olhar pelas frestas a luz da lua que tinha despontado
no céu mais cedo. Senti algo se desprender de seu corpo para meu
interior. Ele se levantou e foi se lavar com o resto de água. Abaixei
minha roupa e fiquei de costas, com os olhos no teto de palha,
procurando filetes de luz. Procurando alguma estrela perdida que se
apresentasse como uma velha conhecida, para dizer que não estava
sozinha naquele quarto. (VIEIRA JUNIOR, 2019, p. 115)

A relação entre o casal, inicialmente amorosa e cuidadosa,


gradativamente torna-se violenta e misógina acrescida pelo excesso de álcool e
infidelidade do marido. Apesar de fisicamente silenciada, Belonísia, revida
avidamente todo e qualquer ato violento, postura que gradativamente afasta o
“marido” antes de ser encontrado morto na cidade. A notícia é bem recebida pela
mulher, que disfarça com serenidade o alívio de quem não precisaria se proteger
de novas violências.
As vivências de Belonísia constituem forças de sororidade e proteção que
conferem a salvação à sua vizinha, Maria Cabocla, vítima de violências
constantes. Depois dos anos vivenciando as violências do marido abusivo,
Belonísia, narradora da experiência e da observação atenta soube intervir e
“cuidar” da situação como o pai o fazia com a terra, como ela o fazia em suas
plantações. Percebeu, diagnosticou e lutou. Contrariando a tradição expressa no
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dito popular de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, a
personagem organiza suas forças para lutar contra o agressor. Nisto,
ironicamente é retomada na narrativa a simbologia dos talheres, pois Belonísia
entoa o dito que não se “mete a colher” na briga de seus vizinhos, mas ameaça
“meter a faca” – marcas da ancestralidade e memória de vida. A personagem
funciona como uma rede de apoio às vítimas de violência doméstica e ampara
Maria Cabocla e seus filhos para um recomeço. A experiência traumática é,
portanto, mobilizador de novas formas de ver e viver o mundo.
A personagem de Belonísia narra a alegria familiar decorrente do retorno
da irmã Bibiana acompanhada de seu marido, Severo, e seus filhos, e observa
as transformações decorrentes das experiências vivenciadas, principalmente
movidos por inspirações sindicalistas de luta pelo direito à terra, ao plantio
próprio e ao direito de morar:
Indomável, Severo caminhou por estradas, elevou sua voz em
discursos, enfrentou os novos donos e o chefe dos trabalhadores.
Mudando ele mesmo, em meio ao movimento que parecia crescer em
nossas vidas, foi moldando Água Negra, fazendo-a se transformar num
lugar diferente. Enquanto Zeca Chapéu Grande viveu, respeitou o seu
desejo de não confrontar os que lhe haviam dado abrigo. (VIEIRA
JUNIOR, 2019, p. 196)

As narrações conferem o grau de intimidade que logo retorna entre as


duas. Após anos de distância, cada uma delas estabeleceu suas personalidades,
valores e crenças a partir de suas experiências. Bibiana e Belonísia, cada uma
à sua forma, vivenciaram traumas, receberam e apreenderam conhecimentos,
sobreviveram vivências de dor e satisfação, luta e esperança. Isso porque, em
suas vidas, ouviram as narrações de experiências durante suas atividades e
puderam constituir-se delas para, após, narrá-las também.
A transformação política e social na Fazenda Água Negra inicia a partir
deste tempo da narrativa. A terra abandonada pelos seus donos passa a ser
mais valorizada pelos seus trabalhadores. O conflito é desencadeado quando a
família Peixoto, proprietária de todo o território da fazenda, decide se desfazer
das terras – que só lhes importavam para ligeiro lucro – e vendê-las.
A iminência de um despejo e a preocupação sobre a gestão dos novos
proprietários preocupa as famílias que ali trabalharam por gerações e fortes
desejos de estabelecer os direitos dos trabalhadores se instala em todas as
casas. Porém, o patriarca da família, Zeca Chapéu Grande, aceita com a
ISBN: 978-85-8209-121-0

resignação de quem sempre trabalhou para os outros. Personagem


caracterizado pela ausência de sonhos e delineado como um homem que
envelhecera com o passar do tempo e estava cada vez mais enfraquecido e
marcado pela iminência da morte aguardada pela família em silêncio.
O falecimento de Zeca Chapéu Grande demarca ruptura entre a aceitação
do domínio escravocrata e uma proposta sócio-política de respeito ao trabalho e
ao trabalhador movidos por ideias de organização sindical. Bibiana e Severo,
narradores da luta, mobilizam os trabalhadores da comunidade para que
compreendessem o direito que tinham sobre àquelas terras em que trabalharam
por toda a vida sem receber salário, tendo, apenas, o direito de morar –
condicionado a construção de casas feitas de barro, proibição das de alvenaria,
para que pudessem ser destruídas e tivessem qualquer vestígio apagados.
Acompanhados da força narrativa discreta e decidida de Belonísia, os
moradores, pouco a pouco, foram tomados pelo desejo de justiça e a certeza de
não mais aceitação sobre a gestões que estraçalhavam as questões de direito
de cada um dos trabalhadores: “A essa altura já tinham percebido que se não
fizéssemos barulho para garantir nossa permanência na fazenda, não teríamos
para onde ir” (VIEIRA JUNIOR, 2019, p.198). Ou seja, só a partir do discurso
brando e da narração em favor da luta, alguma reforma justa poderia acontecer.
Este movimento de luta e resistência, constantemente questionado pelos
novos donos das terras que respondiam com violência velada, culmina no
assassinato de Severo, que é encontrado morto, alvejado por dois homens que
fugiram em retirada: “Severo estava caído. A terra seca aos meus pés havia se
tornado uma fenda aberta e nela corria um rio de sangue” (VIEIRA JUNIOR,
2019, p. 199). A tragédia criminosa encerra a narrativa de Belonísia com o aviso
de rompante das lutas que se estabeleceriam a seguir.

Considerações finais:
Na trama do romance memorialista “Torto arado”, as narradoras Bibiana
e Belonísia foram as agentes de mudanças sociais e políticas do contexto em
que estavam inseridas, movimento possibilitado por meio das narrações de
resistência.
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A dor do incidente inicial, a vida após ele, as violências físicas e


psicológicas. As taxações criminosas, a impossibilidade de permanecer na terra,
o impedimento de plantar e de colher livremente. As dores ancestrais, o esforço
diário pela sobrevivência, a resistência a toda tentativa de silenciamento e
esquecimento. As narradoras tornaram-se articuladoras de memórias narradas
a partir das experiências que vivenciaram por toda jornada. Verificou-se dessa
forma uma íntima aproximação entre as narradoras Bibiana e Belonísia e o
marinheiro mercante e o lavrador sedentário, narradores de Walter Benjamin
(1980).
Com sua bagagem de vivências, críticas e percepções, Bibiana, a
marinheira, viajante que voltou de longe, apresentou as possibilidades de vida
mais justa no sertão baiano, do fim da servidão do trabalho escravo, do sonho
de construir patrimônios, do direito aos elementos básicos do cidadão: a
educação, a saúde, a cultura. Esse discurso esperançoso de quem veio de longe
acionou ideias no meio em que estava inserida. Com a certeza de que haveria
vida melhor Água Negra afora, os trabalhadores poderiam sonhar e lutar para
alcançar este estado também. Bibiana mobilizou assim o povo para a
transformação política que se deu ao final da narrativa.
Belonísia, lavradora, enraizada e narradora da terra, acionou memórias
de traumas relacionados à permanência para lutar pelo direito à terra. Com o
conhecimento sedimentado sobre o plantio e a colheita no campo que adquiriu
a partir das narrações do pai Zeca Chapéu Grande, conheceu com proximidade
as dificuldades e dores da terra, enraiveceu no impedimento de plantar, de ver a
colheita indo embora por taxação dos gerentes da fazenda. Viu o campo sofrer
com a exploração, partir em fissuras durante a seca e virar fluxo de rio em
enxurrada. A personagem, que serenamente aprendeu como diagnosticar
doenças como um médico o faria com um corpo humano, pôde transformar o
entorno ao estabelecer vínculo de cuidado entre natureza-comunidade e resistir
e batalhar contra as violências que vieram de todo canto.
Mobilizando críticas, experiências e memórias, o ecoar das narradoras de
“Torto arado” esbravejaram resistência e a certeza de que o tempo de
subserviência e a injustiça daquele lugar chegavam, finalmente, ao fim.

Referências:
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BENJAMIN, Walter. O narrador. In: Os Pensadores. p.57-74. São Paulo: Abril


Cultural, 1980.
VIEIRA JUNIOR, Itamar. Torto arado. São Paulo: Todavia, 1ª ed., 2019.
ISBN: 978-85-8209-121-0

EXPERIÊNCIA DE LEITURA/MEMÓRIAS
ISBN: 978-85-8209-121-0

OS MASTROS DA MANHÃ: O POETA NA CIDADE.

Evelise Moraes Ribas;


Doutoranda em Patrimônio Cultural e Sociedade no PPGPCS – UNIVILLE
Rua Luis Castro, 687. Bairro Santa Regina, Itajaí – SC. CEOP 88317-521.
evedemoraes@gmail.com
Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE

RESUMO

O presente artigo parte da produção e defesa da dissertação POESIA E


CIDADE: UMA CARTOGRAFIA DAS MEMÓRIAS DE MARCOS KONDER REIS,
que tem como foco a investigação da relação entre a poética de MKR, poeta da
Geração de 45, e a cidade de Itajaí da década de 1930, narrada em seus poemas
e marcada em sua memória, tendo como prática de pesquisa o processo
cartográfico, ou cartografia. O texto aqui apresentado, busca reconhecer a
cidade como espaço de percurso dessas memórias, a partir de fragmentos de
poemas, e análises das múltiplas paisagens e visões da cidade poetizada por
Marcos Konder Reis apoiando-se em reflexões de Benjamin (1987) e Calvino
(1990). A dissertação tem como base de análise poemas selecionados que
compõem a coletânea ‘Um privilégio de pássaros’, organizada por Dennis
Radunz e Antônio Carlos Floriano, lançada em 2008, além de fontes primárias
do período de vida do poeta (1922-2001), acervos documentais hoje sob
salvaguarda do Arquivo Público de Itajaí. A dissertação foi defendida em
fevereiro de 2020, vinculada à linha de pesquisa “Memória e Linguagens” do
Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade da
Universidade da Região de Joinville/SC (UNIVILLE) e ao Grupo de Estudos
Imbricamentos de Linguagens.

ABSTRACT

This current article starts from the production and defense of the dissertation
POETRY AND CITY: A CARTOGRAPHY OF THE MEMORIES OF MARCOS
KONDER REIS, which is focused on the investigation of the relation between the
poetic of MKR, poet from Generation from 1945s, and the Itajaí city at 1930s,
narrated in his poems and marked in his memory, taking as research practice the
cartographic process, or cartography. The text presented here seeks to recognize
the city as a space of a path of these memories, from poems fragments, and
analyses of multiple landscapes and visions of the city poetized by Marcos
Konder Reis based on reflections of Benjamin (1987) and Calvino (1990). The
dissertation is based on analysis selected poems that compose the collection 'A
privilege of birds', organized by Dennis Radunz and Antônio Carlos Floriano,
launched in 2008, as well as primary sources of the poet's life period (1922-2001),
documentary collections today under the protection of Itajaí´s Public Archive. The
dissertation was defended in February 2020, linked to research line "Memory and
ISBN: 978-85-8209-121-0

Languages" of the Graduate Program in Cultural Heritage and Society of the


Universidade da Região de Joinville/SC (UNIVILLE) and the Group of Language
Imbrication Studies.

Palavras-chave: memória, linguagem, cartografia, poesia, cidade;

O poeta:

A cidade de Itajaí é reconhecidamente berço de artistas que se destacam


em suas áreas. Marcos Konder Reis, escritor e poeta premiado, também é filho
dessa terra, a qual narra com nostalgia e emoção em sua vasta obra. O poeta e
sua relação com a cidade, percebida em seus poemas, foi tema de minha
pesquisa de mestrado, cuja dissertação foi apresentada e defendida em
fevereiro de 2020, vinculada à linha de pesquisa “Memória e Linguagens” do
Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade da
Universidade da Região de Joinville/SC (UNIVILLE) e ao Grupo de Estudos
Imbricamentos de Linguagens.
Da segunda geração dos imigrantes alemães da família Konder no Brasil,
Marcos nasceu em dezembro de 1922, e passou sua infância e juventude na
também jovem Itajaí, num período em que a elite política buscava o
reconhecimento no grupo de cidades brasileiras modernizadas. O jovem Marcos,
em meio aos padrões burgueses de sua família, transitou pelos espaços centrais
dessa cidade: a casa situada na Rua do Comércio, próxima da quadra do cais
do porto, à margem do Rio Itajaí-Açu e ao lado da Igrejinha da Imaculada
Conceição, antiga Igreja Matriz.
Aos 15 anos foi estudar engenharia no Rio de Janeiro e, desde então, só
retornou a Itajaí em períodos de férias. A distância da terra natal imprime um
forte sentimento de saudade em sua obra, conflitante com a decisão de estar
longe, pois, mesmo após finalizada sua formação acadêmica na Escola Nacional
de Engenharia não retornou para a cidade, e estabeleceu sua vida profissional
no Rio de Janeiro, atuando como professor e em cargos públicos.
Saudade, mágoa, ressentimento são sentimentos que podem ser
percebidos pelos leitores em seus versos. O excerto do poema O pombo
apunhalado (RADÜNZ; FLORIANO, 2008, p. 104.) carrega esse sentimento de
nostalgia:
[...]

Porque tudo que houve se desfez


E no tempo...
Menos o tempo da manhã, menos o bafo
Deste relento tão fresco da madrugada à beira-mar
Contra o meu corpo.
E menos o meu abraço com que aperto
Este pulso que marca o mesmo sopro
Trancado, e semelhança deste vento,
Como se apertasse a flor sem talo
De carícias quebradas pelo medo durante a vida.

[...]
ISBN: 978-85-8209-121-0

1944 foi o ano da conclusão do curso de Engenharia na Escola Nacional,


quando tinha 22 anos, é também o ano em que publica seus dois primeiros livros:
‘Intróito’ e ‘Tempo e Milagre’. Nesse período, aproxima-se de outros escritores,
jornalistas, artistas e vive uma fase de estudos e boemia. Viaja à Europa com o
amigo e também poeta Paulo Mendes Campos e se dedica em estudar a obra
do poeta francês Arthur Rimbaud.
Marcos produziu em vários gêneros literários, desde poemas, crônicas,
contos, e até novelas. O amor, a saudade, a cidade natal, a morte, a solidão, a
fé são temas que aparecem em todas as fases de sua obra. Para a dissertação,
e consequentemente, para esse artigo, foram selecionados poemas da
coletânea ‘Privilégio de Pássaros’, de 2008, com curadoria de Antônio Carlos
Floriano e Denis Radünz.
Figura 1 - Marcos Konder Reis (déc. 1960).

Fonte: Acervo do Centro de Documentação e Memória Histórica de Itajaí. Fundo


Marcos Konder Reis.

A cidade:

Itajaí destaca-se como um polo de desenvolvimento regional


especialmente devido às características geográficas de sua localização. A foz do
rio Itajaí-Açu garantiu a instalação de um dos maiores portos do Brasil e permitiu
não somente a entrada e saída de mercadorias, mas também de pessoas,
ligando a cidade ao mundo. Desde o início de sua ocupação, foi determinante a
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proximidade com outras colônias, como Brusque e Blumenau, bem como com
‘Desterro’, a capital do estado.
A historiadora Cristiane M. Barreto (1997), nos ajuda a compreender a
importância que os movimentos de imigração italiana e alemã tiveram para a
consolidação de Itajaí como polo econômico e político no estado de Santa
Catarina, desde o início do século XX. A chegada desses imigrantes à cidade,
ocupada inicialmente por luso-açorianos, geraram tensões e disputas de poder,
especialmente por conta da ausência de políticas de estado na região durante a
primeira república. Esse cenário favoreceu que lideranças econômicas
constituídas pelos imigrantes alemães, ingressassem na esfera política,
fortalecendo e defendendo interesses comuns e construindo redes de relações
distintas, sobretudo a partir dos espaços de sociabilidade.
Os Konder firmaram-se como elite comercial e política em Itajaí a partir da
chegada de Marcos Konder Sênior, avô do poeta, em 1873. Em poucos anos
forma família e estabelece um comércio de sucesso na cidade. Seus filhos
Adolpho, Victor, Arno e Marcos ocuparam espaços políticos de nível local,
estadual e nacional.

Figura 2 - Casa Konder, construção de 1904, registro da década de 1970

Fonte: Acervo do Centro de Documentação e Memória Histórica.

O poeta na cidade:

A relação do homem com o espaço urbano é brilhantemente abordada por


Calvino (1990) quando conta a história do viajante Marco Polo e seus relatos
sobre as cidades do Império Mongol ao imperador dos tártaros Kublai Khan.
Marco polo passa a ser os olhos do imperador quando narra-lhe as cidades que
o monarca não pode conhecer.
A narrativa do viajante transforma-se num mapa de um império em
constante movimento, com cidades que surgem e desaparecem. Sua travessia
é imaginária e interior. As cidades de Marco Polo possuem torres, muralhas,
feras e animais peçonhentos, lagos, palácios de cristal, pontes e pântanos.

Irene é a cidade que se vê na extremidade do planalto na hora


em que as suas luzes se acendem e permitem distinguir no
horizonte, quando o ar está límpido, o núcleo do povoado: os
lugares onde há maior concentração de janelas, onde a cidade
rareia em vielas mal iluminadas, onde se acumulam sombras de
jardins, onde se erguem torres com fogos de artifício; e, se o
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amanhecer é brumoso, uma claridade anuviada infla-se como


uma esponja leitosa aos pés da enseada. (CALVINO, 1990, p.
114).

O que constrói as cidades de Marco Polo é a linguagem. As palavras, e


por vezes pausa do silêncio, tornam-se matéria prima das cidades que encantam
o imperador. Traduzem emoções, desenham imagens, mostram objetos. As
palavras do poeta Marcos Konder Reis também constroem e modificam a cidade
de Itajaí:
Os mastros da manhã

Por entre as árvores da praça, por entre as folhas frias, o ar


marítimo da brisa, na madrugada, quebra nos galhos negros
uma palavra intermitente, que se propaga nas ruas, como a
presença sensual de um noivo. E penetrante, o sopro da manhã
nos muros abandonados, enche a cidade por enquanto de
porventuras e regressos: ser abraçada pelo céu azul de terral...

Porque a cidade pequena é uma menina inclinada de


andorinhas, e a palidez da torre cresce nas madrugadas do
inverno, como a certeza do amor no coração de uma menina mal
desfeita de sono...

Porque a certeza do amor no coração de uma menina mal


desfeita de sono é a presença de um barco embandeirado no
cais de uma cidade pequena...

Porque a cidade pequena que amanhece crispada de pássaros


e fios elétricos lembra o semblante de um menino que dorme na
minha carne, mas cuja alma desperta lentamente, no tempo de
um sino estar batendo matinas no coração de uma cidade
pequena...

(RADÜNZ; FLORIANO, 2008, p. 102).

Figura 3 - Praça Vidal Ramos, década de 1930

Fonte: Acervo do Centro de Documentação e Memória Histórica de Itajaí.


ISBN: 978-85-8209-121-0

O poeta aguça um olhar sobre a cidade pelo do simbólico, quando diz que
o sopro da brisa enche a cidade de porventuras e regressos, ou ainda quando
compara a cidade a uma menina, inclinada de andorinhas. A Itajaí das primeiras
décadas o século XX era pequena, com pouco tempo de fundação, cujos líderes
econômicos e políticos projetavam desejos de crescimento e modernização.
Marcos Konder Reis também fala do amor como um barco embandeirado
no cais, o que nos traz movimento, já que os barcos vêm e vão, possibilitando
uma interpretação de que os amores juvenis, despertos no coração das jovens
meninas, podem desaparecer na linha do horizonte.
O poeta mostra nos versos que se percebe imerso nessa cidade: “a cidade
pequena que amanhece crispada de pássaros e fios elétricos lembra o
semblante de um menino que dorme na minha carne” (RADÜNZ; FLORIANO,
2008, p. 102). O tempo passa e o passado se faz presente nos versos, marcado
intermitentemente pelo sino da igreja.

Figura 4 – Navio Carl Hoepech, embandeirado no cais do porto de Itajaí – 1927.

Fonte: Acervo do Centro de Documentação e Memória Histórica de Itajaí.

O elemento que conecta a expressão do tempo passado na vida e na obra


do poeta Marcos Konder Reis é a memória, da mesma forma que é a memória
de Marco Polo, operada por Calvino (1990), que possibilita a construção das
cidades invisíveis para o vislumbre do imperador Khan.
O mundo se faz pelos sentidos e pelos sentimentos, seja para o viajante
Marco Polo, seja para o poeta Marcos Konder Reis. A palavra é a matéria
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inventiva que dá movimento ao tempo, e traz o passado para o presente,


transformando a experiência do momento e projetando uma nova realidade, a
partir dos sonhos e desejos, criando uma possibilidade de futuro.

Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça que vive uma
vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no
lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo
atrás, ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse
tomado uma estrada em vez de outra e depois de uma longa
viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela
praça. Agora, desse passado real ou hipotético, ele está
excluído; não pode parar; deve prosseguir até uma outra cidade
em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse
um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa.
Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos
secos.
__ Você viaja para reviver seu passado? – era, a esta altura, a
pergunta de Khan, que também podia ser formulada da seguinte
maneira: __ Você viaja para reencontrar seu futuro?
E a resposta de Marco:
__ Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante
reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve
e não terá.
(CALVINO, 1990, p. 28-29).

A grande reflexão da obra de Calvino (1990) é que as cidades


são feitas pelos homens que nela vivem, e que os homens são
feitos pelos lugares por onde passam. Marco Polo carrega em si
todo o império mongol, narrado ao Grande Khan. O viajante
torna-se um território sem fronteiras, em constante movimento,
numa tríade indivíduo, espaço e tempo.
(RIBAS, 2020, p. 51).

As experiências vividas pelo poeta são eventos do tempo passado que


atribuem valor e significado à sua existência. O percurso no tempo passado e no
espaço da cidade transformam-se em uma rede, um papa aberto que conecta
símbolos, memórias e significações em permanente construção e
desconstrução.
Os eventos passados significados na obra do poeta podem ser percebidos
em alguns momentos de felicidade e contemplação, ou nas dificuldades em lidar
com o sofrimento e a dor. A poética de Marcos Konder Reis é marcada
fortemente por suas memórias, são chaves para acessar conflitos e dualidades
inerentes à vida humana: felicidade e tristeza, morte e vida, gozo e dor, presença
e saudade.

Canto do menino apaixonado

Na boca dos engraxates


E das meninas românticas
Com fitas nos cabelos
Para roçar o rosto de estudantes e marinheiros.
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A alma dissolvia no derradeiro disco da vitrola

Amanhã vou chorar de amor...


De amor, porque existe amor.

Oito anos e uma eternidade na garganta. Somos

Um assassino de segredos.

(RADÜNZ; FLORIANO, 2008, p. 26)

O poeta nos apresenta a cidade falando de seus personagens, como


marinheiros e engraxates, e compara a infância a ter eternidade na garganta.
Através das suas memórias e reconstrói a experiência com um espaço ao qual
ele não está mais fisicamente inserido, mas, ao que pode acessar quando
escava seu passado, escolhe elementos e os ressignifica no presente. A
temporalidade se perde, se dilui. As imagens construídas por seus versos
buscam segurar esse tempo e conectar as experiências vividas e registradas
pelos sentidos, como a primeira vez que viu uma menina, ou que viu todas as
rosas do jardim abertas.

O vagabundo iluminado
18.1
Chamava-se Itajaí, para o meninoaquele, o lugar da menina
e a cercania dela de barcos ancorados e navios. E ele delirava
de mastigá-la no amor de sua mescalina, desde o
momentoagosto
de que se lembra de a ter visto pela primeira vez e todas
as rosas abertas no jardim. Dizer lá de cima, era vê-la
de bruços, no terraço, como se não soubesse de sua presença
no telhado, e dar-lhe adeus; lá em baixo, era ela estar,
na sombra, mas a olhar, para ele, de soslaio; lá trás
e era descobri-la, entre baraços de um jasmim-de-anjo,
como a menina morta, que permanecera sorrindo; à porta
e era correr para casa, com medo que ela pensasse
que ele não estava: os ondes todos da menina descobertos
e arrastados, agora, pelo vagabundo iluminar, que a leva,
no tempo, através de ruas e caminhos, no seu presente andar
em torno dela ressuscitada dos mortos. Mas as paragens
do amor já foram tantas, embora cada um dos meus amores
permaneça, marco no espaçotempo percorrido, luz lembrada.
(RADÜNZ; FLORIANO, 2008, p. 39).

A narrativa de Marcos Konder Reis sobre sua infância em Itajaí, olhando


o tempo passado e reorganizando sua memória, é também o caminho feito por
Benjamin (1987) ao narrar suas experiências na cidade de Berlim, no início do
século XX, quando ainda era uma criança. Os relatos do autor trazem um
compilado de fragmentos de suas memórias relatando suas vivências infantis
pela urbe que tanto marcou sua vida. Benjamin mistura estilos diversos como
autobiografia, ensaios e crônicas, por volta de 1932.
Na obra de Benjamin, uma narrativa não linear apresenta a cidade, pelos
olhos e sentimentos de uma criança que transita e experimenta o espaço urbano
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entre praças, casas, parques e monumentos. Essa narrativa mostra a busca do


passado pela memoria desse caminhar nos espaços percorridos pelo menino
Benjamin.
A modernidade, tão presente nas discussões de Benjamin, é
representada pelas máquinas, pela tecnologia, pelos costumes presentes
também na poética de Marcos Konder Reis. Esses elementos são percebidos
pela oposição demonstrada entre o natural e o mecânico. Itajaí tem caraterísticas
bucólicas: o mar, as árvores, os jardins, o rio, a praia. Mas a modernidade se faz
presente no porto, nos navios e em suas chaminés lançando fumaça, nas
bicicletas, nos carros, nos fios elétricos dos postes e nas ruas urbanizadas.

Figura 5 - Rua Lauro Muller, antiga Rua do Comércio - 1922

Fonte: Acervo do Centro de Documentação e Memória Histórica de Itajaí.

A cidade é o palco, o lugar das experiências, para o menino Benjamin


(1987), para o viajante de Calvino (1990), e para o poeta Marcos Konder Reis.
Ela se configura como o elemento que conecta as memórias dos autores, numa
temporalidade que não é linear, cronológica, que mesmo expresso no tempo
verbal pretérito, mas que quem lê não consegue datar:

Salvo viagens ocasionais no verão, instalávamo-nos


anualmente, antes de eu ir para a escola, em casas de veraneio
nas redondezas. Durante muito tempo, o que delas me fazia
recordar era a caixa espaçosa na parede do meu quarto, com os
primórdios de uma coleção de borboletas, cujos exemplares
mais antigos foram capturados no jardim de Brauhausberg.
(BENJAMIM, 1987, p. 92)

Marcos Konder Reis usa símbolos, como o sino da igreja, a partida e


chegada das embarcações, ainda o florescer do jardim, e as estações do ano
para marcar um tempo que se dilui na memória:

Luz de infância

As ameixas maduras
Guardam, no mês de julho,
A claridade amarela.
ISBN: 978-85-8209-121-0

Debaixo das árvores,


A luz ameixa do inverno
Estende, na grama, uma vela.

Para o menino taciturno,


O corpo escuro da ameixeira
Cabe no abraço de uma cela.

(RADÜNZ; FLORIANO, 2008, p. 36).

Os relatos de Benjamin (1987) e os versos de Marcos Konder Reis nos


mostram que a cidade, na sua dimensão espacial, ao conectar fragmentos de
memórias, possibilita uma ressignificação do passado. Nesse processo de
ressignificação, tempo e espaço tornam-se flexíveis, e a memória é a ferramenta
fundamental pela qual o menino poeta se constrói enquanto sujeito, assumindo-
se autor de sua própria história e narrador da história de um lugar e de um
tempo.
As memórias do poeta Marcos Konder Reis, tal qual as memórias de
Benjamin, (1987) também podem mostrar um contexto histórico para além do
relato poético ou artístico, quando analisadas na sua dimensão social.
As mazelas da prostituição, os marinheiros e seus vícios, a solidão, a
pobreza e o sofrimento são facetas da cidade que se faz presente nas memórias
do menino poeta Marcos. A criança também percebe a dureza e a crueldade de
um mundo imperfeito.
Seus versos são carregados de uma vida misteriosa e transcendente, e
cheia de compaixão. O poeta compara um mendigo a Jesus. Ele é observador,
suas noites são de vigília, e assim ele se insere como personagem de seus
poemas, naquela vida marginal.

Figura 6 - Cais do Porto de Itajaí, 1927

Fonte: Acervo do Centro de Documentação e Memória Histórica de Itajaí.

Cais

É noite no cais,
O poeta passeia... Adeus!
Os navios que ele desenhou quando tinha três anos
Dormem com os braços agarrados às argolas.
Rac... tch...
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Cada beliche possui um sono, uma fotografia,


uma medalha, uma bisnaga.
As velas estão cansadas de ventos e de pássaros...

Meu amor é aquela luzinha na janela


Estás vendo?

Um cão de cinzas
E um gato de folha de flandres.

As meninas estão dançando,


E os guris espiam nas claraboias.

Todas as vitrolas choram saudades de afogados


em mares desconhecidos,
E os homens com olhos de cerveja
Deixam nas mesas um pedaço de vida.

A vida... essa coisa tão misteriosa, tão fugaz


e tão eterna.
Garrafas, garrafas, garrafas.

Amanhã, os profissionais da saudade terão novos amores


Nas prateleiras, garrafas, whisky...
Tabaco e cocaína.

O poeta no cais, as pernas em balanço,


Faz sua noite de vigília d’armas.

É preciso partir.
As bandeiras abanam para as serranias
Porque nunca se encontrarão...
Cruzes vermelhas invadem os mictórios.
Uma menina tísica cospe uma rosa no travesseiro.
Um bêbado cospe um grilo na calçada.
Um marinheiro cospe um peixe no copo.
Uma velha cospe um terço no oratório.
Uma mulher cospe a saudade de um homem nos lábios de outro
homem.
E o poeta cospe o milagre no mar.

Ó homens!
Ó cais!

Há em cada âncora um anjo sentado.


Aquela mulher obesa será eterna?
As camas tem um cheiro que faz acreditar na ressureição da
carne.

Aquele mendigo, aquele mendigo na porta da estalagem,


É o Senhor Jesus.
Tem uns olhos bons, mas na testa,
O rastro de uma pedra desfia um novelo de sangue.
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Adeus,
A lua é o seu chapéu de palha.
Adeus.

(RADÜNZ; FLORIANO, 2008, p. 95)

O personagem Marco Polo, de Calvino (1990) nos mostra que as cidades


narradas podem ser tão visíveis quanto qualquer cidade real e experimentada
pelos nossos sentidos. Os escritos de Benjamin (1987) e os versos de Marcos
Konder Reis também nos trazem ao imaginário lugares e tempos não vividos,
mas conhecidos pela imaginação que é acionada pela memória desses autores
traduzidas pela palavra, matéria prima construtiva do espaço e do tempo.
NOTAS EXPLICATIVAS:

REFERÊNCIAS:

BARRETO, Cristiane Manique. Entre Laços e nós: a formação das elites no


vale do Itajaí. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: URGS, 1997.

BENJAMIM, Walter. Obras escolhidas II. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras,


1990.

RADÜNZ, Dennis; FLORIANO, Antônio Carlos. Um privilégio de pássaros.


Florianópolis: Naemblu Ciência e Arte, 2008. p. 99.

RIBAS. Evelise Moraes, Poesia e cidade: uma cartografia das memórias de


Marcos Konder Reis. Orientadora Dra. Taiza Mara Rauen Moraes. Dissertação
de mestrado: Programa de Pós-graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade
– Universidade da Região de Joinville. Joinville: UNIVILLE, 2020.
ISBN: 978-85-8209-121-0

INTERTEXTUALIDADES ENTRE OS ROMANCES ESTAÇÃO DAS TREVAS,


PÉS-VERMELHOS E O SOL DOS TRÓPICOS DE DAVID GONÇALVES

Cladir Gava
Taiza Mara Rauen Moraes
Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade da
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE

RESUMO
Os escritos de David Gonçalves (re)significam histórias circundantes na tradição
oral e desvelam questões da sociedade em imagens (re)construídas pela
potência da linguagem literária. Esta proposta objetiva abordar intertextualidades
entre os romances Estação das Trevas, Pés-Vermelhos e O Sol dos Trópicos
que designam (re)construções de imagens de experiências simbólicas dos
personagens com a terra e seu deslocamento do campo pelo êxodo rural. São
acionados os fundamentos da intertextualidade, conforme as proposições
teórico-metodológicas da semanálise, de Júlia Kristeva. A abordagem conceitual
será referenciada em Kristeva (2005), Barthes (1978), Cândido (2004) e
Menezes (2012). O estudo assinala pontos de interseção entre essas narrativas,
apresentando cenários nos quais os personagens desenvolvem uma relação de
pertencimento com a terra e, diante da ruptura desses vínculos, tornam-se
trabalhadores marginalizados nas periferias das cidades. Em contrapartida, os
personagens que vivem em conexão com a natureza são menos afetados pelas
angústias que perpassam o meio social.

Palavras-chave: linguagem literária; intertextualidades; imagens.

ABSTRACT

The writings of David Gonçalves (re)signify surrounding stories in the oral


tradition and reveal issues of society in images (re)constructed by the power of
literary language. This proposal aims to approach intertextualities between the
novels Estação das Trevas, Pés-Vermelhos and O Sol dos Trópicos that
designate (re)constructions of images of symbolic experiences of the characters
with the land and their displacement from the countryside by the rural exodus.
The foundations of intertextuality are activated, according to the theoretical-
methodological propositions of Júlia Kristeva's Semanalysis. The conceptual
approach will be referenced in Kristeva (2005), Barthes (1978), Cândido (2004)
and Menezes (2012). The study points out points of intersection between these
narratives, presenting scenarios in which the characters develop a relationship of
belonging to the land and, faced with the rupture of these bonds, they become
marginalized workers on the outskirts of cities. On the other hand, characters who
live in connection with nature are less affected by the anxieties that permeate the
social environment.

Keywords: literary language; intertextualities; images.


INTRODUÇÃO
ISBN: 978-85-8209-121-0

O romance Estação das Trevas é ambientado em Quadrínculo, que se


converte em um microcenário de (re)significações dos dramas da humanidade
na Pandemia da Covid 19. As textualidades designam que o ambiente onde
antes predominava a floresta deu espaço à agricultura familiar e posteriormente
foi transformado em uma paisagem mista, composta pelo centro urbano e as
propriedades agrícolas: “Quadrínculo era pacata como outra qualquer. Pequena,
descritível, próspera, rodeada por campos de soja, algodão, trigo, milho e
canavial” (GONÇALVES, 2022, p. 263). A aparente harmonia projetada pela
imagem de um cenário sereno e afortunado é problematizada por inquietações
de personagens que circundam nesse contexto geradas pela mecanização das
lavouras: “Com os avanços tecnológicos do agronegócio, o crescimento rápido
mexeu com os habitantes” (GONÇALVES, 2022, p. 263). Cenas reveladoras de
contradições socioeconômicas que perpassam as tramas narrativas e suscitam
reflexões: “Assim é o progresso, afirmou o professor Zacarias: uns enriquecem
e a maioria rói as unhas. Mas se vivia em um ambiente bucólico e desafiador,
feito panela de pressão desregulada, pronta a explodir” (GONÇALVES, 2022, p.
263). Imagens criadas pelos contrapontos cidade x campo, bucolismo x
manifestações súbitas e violentas; contexto de riqueza x pobreza.
Os escritos literários de David Gonçalves remetem reiteradamente à
cidade metafórica Quadrínculo e evidenciam a relação entre o ser humano e a
terra diante dos avanços tecnológicos. No romance Pés-Vermelhos, Quadrínculo
é o sertão onde chegam imigrantes de diversas partes do país e do mundo.
Contexto de multiplicidade cultural e contradições socioeconômicas; paisagem
mesclada com sítios, fazendas e centro urbano. Na narrativa O Sol dos Trópicos
o contraponto entre cidade e campo se acentua pelas imagens (re)criadas na
caracterização dos trabalhadores da agricultura que foram deslocados do meio
rural e se tornaram boias-frias nas periferias das cidades. As imagens denotam
a passividade de Quadrínculo, mas deixam transparecer que essa tranquilidade
é apenas aparente “[...] a cidade continua parecendo, à primeira vista, muito
calma e pacata. Só por fora. Por dentro os dramas crescem, tomam corpo e
ameaçam explodir [...] (GONÇALVES, 2010, p. 254).
Literatura que designa experiências simbólicas de sitiantes, meeiros e
peões e o seu afastamento da terra como fonte de expectativas de vida e
geradora de vivências culturais. Problematiza os impactos causados pela ruptura
no modo de vida de trabalhadores do campo, denotando desmembramentos de
circunstâncias desencadeadas pelo êxodo rural. Narrativas que abrangem os
tempos da colonização da região do norte do Paraná, permeados pelas
circunstâncias históricas e sociais que denotam transformações impulsionadas
pelos avanços tecnológicos e suas implicações nas paisagens ambientais e
socioculturais do sertão desbravado pelos colonizadores e transformado em
vilas e cidades. Escritos literários que se conectam entre si pelas temáticas que
perpassam o conjunto da obra de David Gonçalves, tanto nos contos como
Geração Viva (1976) quanto nos romances como Terra Braba (1981) e O
Campeão (1988), Estação das Trevas, Pés-Vermelhos, O Sol dos Trópicos, Pó
e Sombra e Sangue Verde, dentre outros.
Neste artigo, a análise é dirigida às intertextualidades entre os romances
Estação das Trevas, Pés-Vermelhos e O Sol dos Tópicos por meio das
abordagens sobre o êxodo rural as experiências simbólicas dos personagens
nos cenários projetados. As análises foram desenvolvidas com base nas
ISBN: 978-85-8209-121-0

proposições teórico-metodológicas da semanálise, de Júlia Kristeva voltadas ao


estudo dos significados que a literatura produz em cada contexto. Para Kristeva
(2005) a leitura oportuniza a intertextualidade que indica pontos de encontro
entre as textualidades, possibilidades de entrecruzamentos que abrem espaços
ao estabelecimento de conexões. As abordagens analíticas são focadas nas
interconexões entre os romances Estação das Trevas, Pés-Vermelhos e O Sol
dos Tópicos, assinalando interfaces entre as imagens (re) construídas sobre os
personagens e suas experiências simbólicas ligadas aos confrontos entre cidade
e campo. As reflexões dirigidas à literatura serão referenciadas em Barthes
(1978), Cândido (2004); as abordagens acerca da cultura e da memória remetem
aos estudos de Menezes (2012).

Cenários do êxodo rural

Em Estação das Trevas as tramas narrativas são permeadas pelas


passagens que (re)criam significados acerca das mudanças nos cenários onde
circundam os personagens. As memórias simbólicas do velho Matheus
(re)constroem imagens de tempos saudosos do auge da lavoura cafeeira na
região, quando os sitiantes tinham trabalho e fartura proporcionada pelas mãos
da natureza: “[...] essas imensidões de terras eram de um verde só, os cafezais
ondulavam e as colônias pulsavam vida. Não é triste? O que se vê hoje?
Canaviais, trigais e sojais” (GONÇALVES, 2022, p. 43).
Em decorrência, as transformações dos cenários mostradas pelas
imagens (re)construídas pela linguagem literária indicam a sensível redução da
presença humana nos campos de plantação: “Você anda quilômetros e não
encontra vivalma” (GONÇALVES, 2022, p. 43). Memórias simbólicas do
esvaziamento de trabalhadores nos campos de plantação desencadeado
principalmente pelo êxodo rural, movimento provocador da retirada de grande
parte dos sitiantes, meeiros e peões que trabalhavam no cultivo do café. Os
fatores que impulsionaram o êxodo foram a geada negra e a redução da
demanda por mão de obra manual nas plantações devido à mecanização das
lavouras.
Em Estação das Trevas os relatos do narrador (re)constroem imagens
que simbolizam a desolação dos trabalhadores do campo ao serem afetados
pela geada negra: “Ao meio-dia os lavradores olhavam a lavoura queimada pelo
vento dos Andes e cavoucavam o chão com gravetos, emudecidos”
(GONÇALVES, 2022, p. 39). Cenas que ilustram as implicações imediatas dessa
experiência dramática no período da colonização: “[...] da noite para o dia o
paraíso desmoronou. [...] Ah, desastrado 1975...” (GONÇALVES, 2022, p. 39).
No romance Estação das Trevas as tramas narrativas se entrecruzam
com as temáticas abordadas no romance Pés-Vermelhos, ambientado no
período da colonização norte-paranaense. Narra a saga dos trabalhadores do
campo da região desde 1940, quando a imagem de Quadrínculo denota um
cenário de sertão, perpassando as quatro décadas seguintes, nas quais
aparecem as cidades e suas periferias para onde foram deslocados muitos
desses trabalhadores. São projetadas cenas da geada negra: “O verde robusto
da vegetação dava lugar ao negro e os pássaros voavam baixo, perdidos e
assustados. Campos empretecidos. Carvão. Folhas arcadas, sem vida. O vale
enegrecera. Chegara o Apocalipse” (GONÇALVES, 2017, p. 354). Passagens
que suscitam reflexões acerca dos impactos desse acontecimento climático na
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vida dos patrões, meeiros e peões diante da perda do sustento das famílias: “[...]
a cabeça de cada um era uma caixa de marimbondos bravos. Ideias e problemas
rodavam como circo de cavalinhos, sem controle. Nunca tinham visto coisa igual”
(GONÇALVES, 2017, p. 353). Remetem ao êxodo rural de 1975 após a geada
negra, o final do ciclo do ouro verde no qual a agricultura cafeeira predominava
e o norte paranaense estava entre as regiões brasileiras mais prósperas na
exportação de café. Após a geada negra e a destruição das plantações de café,
a configuração agrícola da região foi modificada, dando início ao cultivo de outros
produtos, como soja, trigo e milho.
A geada negra teve consequências percebidas ao longo dos anos e que
são representadas na literatura pelas imagens dos cenários de Quadrínculo
como um dos fatores que impulsionou o êxodo rural. Em Estação das Trevas, o
narrador conta: “depois da geada, o sol ardente impiedoso. Há carroças e
caminhões transportando mudanças. Famílias abandonam os sítios”
(GONÇALVES, 2022, p. 41). Designa o rompimento doloroso que implicou a
desconstrução dos vínculos dos sitiantes com a terra com a qual mantinham uma
relação de pertencimento. Desencadeiam cenas que mostram a desolação dos
sitiantes que precisaram entregar aos bancos suas terras para saldar dívidas, os
meeiros que não podiam contar com suas plantações e os peões que perdiam
seus empregos, gerando incertezas, angústias e dores: “Para onde? Para
alguma vila miserável. Agricultores tristes nas carrocerias. Homens e mulheres
e crianças balançam pelas estradas, sacolejando” (GONÇALVES, 2022, p. 41).
Questão que estabelece interfaces com o romance O Sol dos Trópicos ao
encenar o afastamento do homem da terra onde colhia a subsistência da família:

Moisés entregou a terra ao banco, que a vendeu a preço de banana a


Pasternak. A mudança dele subiu acima num caminhão velho. Moisés
era um traste velho também, sequer quis se sentar à cabine. No meio
do caminho pediu ao motorista que parasse. Então ele desceu, pegou
duas ou três mãozadas de terra e despejou-as num saquinho. Montou
de novo no caminhão velho e só parou de chorar quando chegou na
Vila Rica, onde arranjara um rancho de meia-água quase caindo
(GONÇALVES, 2010, p. 201).

As mudanças nas paisagens socioculturais das cidades são encenadas


no conjunto das obras de David Gonçalves expondo as conexões entre as
textualidades que dialogam entre si e (re)constroem cenários em contínuas
transformações, desde o início da colonização, quando os sitiantes, meeiros e
peões viviam nas terras férteis de Quadrínculo inseridos naqueles espaços,
chegando ao deslocamento desses trabalhadores para as periferias das cidades
onde “[...] uns encontram acesso, outros perambulam perdidos, desenganados.
Assim, Quadrínculo vai inchando como jiboia engolindo o bom e o mau”
(GONÇALVES, 2010, p. 254). Denota o aumento das populações
marginalizadas nas periferias das cidades:

Daí veio, de uma só leva, uma aluvião. Ruas superlotadas de


esmoleiros. Está inchando, ninguém sabe onde irá parar. Boias-frias
circulam, o êxodo rural se avoluma, os campos ficam desertos, as
pequenas propriedades somem, os grandes latifúndios dominam. As
cidades incham. A pobreza se multiplica veloz. Os crimes aumentam;
os desocupados também (GONÇALVES, 2010, p. 254).
ISBN: 978-85-8209-121-0

Já, as imagens criadas pela linguagem literária em Estação das Trevas


(re)constroem memórias da redução da presença humana nas plantações de
Quadrínculo e conjugam-se às representações da mecanização das lavouras,
nas quais as pessoas foram substituídas pelas máquinas no cultivo dos produtos
agrícolas: “os tratores reviram a terra seca, soberanos. Monstros de ferro”
(GONÇALVES, 2022, p. 41). A figura do trator aparece como algo assustador
para o velho Matheus pois detém o domínio sobre aquelas terras onde antes o
homem atuava manualmente.
Abdias “Ouvira bem o que o patrão lhe dissera: ‘no ano que vem,
máquinas poderosas chegarão e os braços de vocês serão inúteis’”
(GONÇALVES, 2022, p. 25). Para os boias-frias a mecanização da lavoura é
uma grande ameaça de dias ainda piores; gera inseguranças porque não sabem
se terão trabalho, se terão como sobreviver. O romance Pés-Vermelhos encena
o crescimento veloz da região representada, impulsionada pelo acelerado
avanço tecnológico que impulsionaram mudanças nos meios de comunicação e
de transporte. Nos escritos de David Gonçalves, os contrapontos perpassam as
tramas narrativas e, no caso das tecnologias, mostram-nas como fatores
impulsionadores do progresso, mas que geram incertezas naqueles que não têm
acesso a elas ou não conseguem se adequar a um mundo em constantes
transformações.
Nesses escritos literários, a história da região se converte em imagens
criadas pela potência da linguagem literária. A força da literatura (re)constrói o
que Barthes (1978) designa como representação (mimesis) ao se referir aos
deslocamentos utilizados pelo texto literário inspirado no real. Linguagem
permeada pela semiose (semiosis), o simbólico que articula o jogo dos signos
linguísticos produzindo significados que lhe possibilitam burlar o poder dos
mecanismos reguladores da língua. A força oriunda do conceito grego mathesis
(sabedoria) designa que a escritura contém em sua composição a presença das
outras ciências e suscita discussões sobre o real.

Experiências simbólicas dos personagens

As imagens criadas pelas textualidades no romance Estação das Trevas


encenam angústias geradas pela desconexão do ser humano com o universo do
qual faz parte. Os presságios da pandemia da Covid-19 denotam uma sociedade
caótica, marcada pela violência, a corrupção e os problemas socioeconômicos.
A ambição humana desmedida se revela na obsessão pela riqueza e o poder.
Em contrapartida, o comportamento dos animais dá indicativos de que algo está
para acontecer e as interações entre os bichos e os personagens que mantém
uma forma de vida simples e conectada ao espaço natural suscitam reflexões
acerca da existência humana. Denotam que os bichos considerados irracionais
agem com mais sabedoria do que muitas pessoas ao pressentirem que algo
estranho está por vir.
A égua Bem-vinda troteia em um caminho tortuoso, desconfiada, com
medo do homem, procura um lugar para ficar até encontrar um pequeno sítio nas
montanhas: “[...] naquele trote desabrido, desesperado, o Mal a perseguia”
(GONÇALVES, 2022, p. 264). A linguagem literária (re)constrói esse caminho
percorrido pela Égua Bem-Vinda, designando seus instintos, suas reações, sua
perspicácia ao encontrar o lugar certo para viver: “Só encontrou sossego no
recanto do velho Leonardo, gente humilde, tão simples e distante do frenesi”
ISBN: 978-85-8209-121-0

(GONÇALVES, 2022, p. 264). Cena que denota a identificação da égua Bem-


vinda como o velho Leonardo, que “[...] sentia-se abençoado, rico, capaz de
entender a floresta e os bichos, tratando-os como iguais” (GONÇALVES, 2022,
p. 398). Os escritos são permeados pelas memórias de personagens que
chegaram a Quadrínculo nos tempos da colonização e testemunharam o
desmatamento, as mudanças nas paisagens: “Da varanda da casa de peroba
envelhecida, o velho Matheus contempla os prédios de Quadrínculo. Do nada,
de uma clareira, eis agora a metrópole. Recorda-se quando, ainda menino,
embrenhara no sertão do vale” (GONÇALVES, 2022, p. 37).
As tramas narrativas (re)criam mundos nos quais os personagens que
vivem conectados à terra não compactuam das angústias provocadas pela
busca desenfreada pela riqueza e pelo poder: “[...] os simples, os sem-vaidades,
os irmãos da vida, os que passam despercebidos, os que amam sem saber pedir
nada, os que sofrem alegremente, os bichos com almas não reconhecidas, os
que não precisam de idolatrias... Isso é tudo – disseram os deuses e foram
dormir” (GONÇALVES, 2022, p. 398). Imagens indicativas de que a vida está na
simplicidade e na conexão com a natureza.
A criação de personagens com essas características é recorrente nos
escritos literários de David Gonçalves. No romance Pés-Vermelhos um dos
principais figurantes é Santônio que viveu e morreu ligado à terra.
(Re)construções alegóricas de um sitiante de vida simples que labuta
arduamente na lavoura com sua família enfrentando as adversidades. Um
agricultor que entendia a terra e projetava na plantação suas expectativas de
vida a ponto de ser confundido com ela nas falas do filho: [...] O pai era um pé
de café. Misturava-se com o cafezal verdejante” (GONÇALVES, 2017, p. 312).
A imagem projetada pela figura de linguagem que caracteriza o personagem,
além de associá-lo à terra, denota a simbiose dele aos seres que ali viviam,
designando a fusão entre eles: “[...] O pai e os pássaros. O pai e a terra. Sim,
eles se fundiam [...]”. (GONÇALVES, 2017, p. 313). As figuras de linguagem têm
papel fundamental no jogo simbólico assinalado por Barthes (1978), alternativa
pela qual a escritura escapa ao poder da língua e (re)constrói imagens sobre o
real.
A linguagem literária (re)constrói mundos pelas imagens da relação de
pertencimento que os trabalhadores do campo desenvolvem com o espaço
natural: “A terra era seu berço e seu fim. Dela provinha a vida e tudo o que
desejasse. Um pé-vermelho tinha as raízes fincadas na terra” (GONÇALVES,
2017, p. 397). As cenas (re)criadas sobre a terra a mostram como elemento
intrínseco à vida do trabalhador do campo. Escritos que encenam a terra não
somente como um meio de vida, mas também como um bem cultural daquele
grupo social. Para Menezes (2009) o patrimônio vivido é usufruído pelo grupo
social no qual se insere e faz parte da coletividade que o pratica em suas
vivências.
As imagens (re)construídas no romance O Sol dos Trópicos traduzem as
experiências simbólicas dos personagens com a terra e suas lutas para
consegui-la. (Re)criam a figura do boia-fria, antes sitiante que perdeu suas
terras, meeiro ou peão deslocado do campo que subsiste às margens da
sociedade. Zé Mauro é um líder em um acampamento na luta pela terra que se
torna político: “um sujeito que usa chapéu grande de palha e cobre o corpo com
uma capa rota, botas enlameadas” (GONÇALVES, 2010, p. 06). Os contrapontos
são projetados pelos personagens como Pasternak, um fazendeiro rico que
ISBN: 978-85-8209-121-0

explora trabalhadores em suas fazendas e conflitua com os boias-frias com apoio


de Toniquarto Vieira, um político corrupto que trama estratégias eleitorais em
benefício de seus apoiadores (GONÇALVES, 2010, p. 288).
No romance Estação das Trevas a figura do boia-fria é materializada no
personagem Abdias. As imagens (re)criam seus sentimentos e pensamentos:
“[...] sentia na boca um gosto enferrujado de moeda antiga; no corpo, enquanto
olhava a chuva, uma sensação de coisa quebrada (GONÇALVES, 2022, p. 24).
Passagens que mostram seu desejo de ir embora, fugir daquela vida: “Para ele,
Abdias, valia a pena mais morrer que seguir vivendo assim naquela terra.
Cortando cana, sempre com dores nos rins, dizendo sim-senhor aos patrões,
aos capatazes, que desfilavam nas caminhonetes novas” (GONÇALVES, 2022,
p. 24).
Em Estação das Trevas, o mal é uma força que incita a ambição humana
desmedida, personificado pelo Todo-Poderoso, que figura como o homem mais
rico da cidade e se converte na simbolização do capitalismo. É incapaz de se
sensibilizar, comete atrocidades como mandatário de roubos, extorsões e
agressões. O dinheiro lhe confere o poder e ele não mede esforços para alcançar
seus objetivos. Dispõe de um esquema organizado com aparatos tecnológicos
para assaltos a bancos, comercialização de armas e drogas.
As imagens (re)construídas pela linguagem literária denotam a
caracterização dos personagens como simbolização de pessoas do povo que
circundam no contexto representado. Cândido (2004) entende a literatura como
um bem cultural que, pelas suas propriedades que promovem o movimento entre
o texto e o contexto, desperta novos olhares sobre a realidade.
CONSIDERAÇÕES

Os romances Estação das Trevas, Pés-Vermelhos e O Sol dos Trópicos


conectam-se por imagens que designam intertextualidades ao desvelarem as
relações intrínsecas dos trabalhadores do campo com a terra e as angústias
decorrentes do rompimento dos vínculos que eles mantinham com os espaços
naturais como meio de vida. O êxodo rural desencadeou rupturas no modo de
viver desses sitiantes, meeiros e peões no término do ciclo do café na região
representada pela metáfora Quadrínculo, em decorrência da geada negra e dos
avanços tecnológicos. Assinala o deslocamento dos trabalhadores do campo
para as periferias dos centros urbanos onde eles não têm acesso aos avanços
proporcionados pelo progresso e trabalham como boias-frias.
As intertextualidades desvelam subjetivamente histórias e compõem a
saga dos imigrantes do êxodo rural deslocados para as periferias das cidades,
muitos deles em condições de marginalidade, suas lutas e dramas, em contextos
de contradições socioeconômicas nos quais são subjugados ao poder
dominante. Denotam a importância das conexões entre o homem e a natureza,
da qual ele faz parte.

REFERÊNCIAS

BARTHES, Roland. Elementos de semiologia. [Trad. Izidoro Blikstein]. São


Paulo: Cultrix, USP, 1971.
ISBN: 978-85-8209-121-0

BARTHES, Roland. Aula. Aula inaugural de semiologia literária do Colégio de


França. 7/01/1977. [Trad. Leyla Perrone-Moisés]. São Paulo: Cultrix,1978.

CÂNDIDO, Antônio. Vários escritos 4 ed. São Paulo/Rio de Janeiro, 2004.

GONÇALVES, David. Estação das trevas. Joinville: Sucesso Pocket, 2022.

GONÇALVES, David. O sol dos trópicos [1961]. 3 ed. Joinville: Sucesso


Pocket, 2010.

GONÇALVES, David. Pés-vermelhos. Joinville: Sucesso Pocket, 2017.

KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. Tradução Lúcia Helena França


Ferraz. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.

MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. O campo do patrimônio cultural: uma


revisão de premissas. In: I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural, 2009,
Ouro Preto. Anais. Brasília: IPHAN, 2012. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/Anais2_vol1_ForumPatrimonio_
m.pdf>. Acesso em: mar. 2020.
ISBN: 978-85-8209-121-0

A LITERATURA DISTÓPICA NA PERSPECTIVA DA HISTÓRIA AMBIENTAL

DYSTOPIAN LITERATURE FROM THE PERSPECTIVE OF


ENVIRONMENTAL HISTORY

Moroni de Almeida Vidal


Roberta Barros Meira
Universidade da Região de Joinville - Univille

Resumo: A distopia é um gênero literário cujas histórias representam uma


antítese a uma utopia, retratando personagens que enfrentam situações
extremas para sobreviver. A literatura distópica pode fornecer subsídios à
análise histórica, em especial à História Ambiental, já que é comum, neste
gênero literário, que os conflitos para a sobrevivência estejam atrelados a
questões ambientais. Nesse sentido, a presente comunicação reflete sobre as
possibilidades de uso da distopia como fonte histórica a partir do romance “Não
verás país nenhum”, de Ignácio de Loyola Brandão, publicado em 1981, durante
o regime militar brasileiro. Para a realização desta pesquisa, foi utilizada a
metodologia da análise do conteúdo literário, assim como a pesquisa
bibliográfica e documental, operando com referências pertinentes à pesquisa.
Como resultados preliminares, pode-se apontar que a obra analisada discute e
refuta o discurso de progresso e desenvolvimento vendido pelo regime militar
brasileiro, a partir da narrativa distópica. Esta investigação é um recorte do
projeto de iniciação científica “O significado da natureza e os devastadores de
matas: questões ambientais da Ditadura Civil-Militar brasileira na obra ‘Não verás
país nenhum’ de Ignácio de Loyola Brandão”, com financiamento do Uniedu pelo
artigo 170. As reflexões estão vinculadas também ao grupo de pesquisa “Cultura
e sociedade: circulação de saberes, natureza e agricultura”, coordenado pelas
professoras doutoras Roberta Barros Meira e Mariluci Neis Carelli, da
Universidade da Região de Joinville - Univille.

Palavras-chave: História ambiental; Literatura; Não verás país nenhum; Ignácio


de Loyola Brandão; Distopia.

Abstract: Dystopia is a literary genre whose stories represent an antithesis to a


utopia, portraying characters who face extreme situations in order to survive.
Dystopian literature can provide subsidies for historical analysis, especially
Environmental History, since it is common in this literary genre that conflicts for
survival are linked to environmental issues. In this regard, this paper reflects on
the possibilities of using dystopia as a historical source based on Ignácio de
Loyola Brandão's novel "And still the Earth", published in 1981, during the
Brazilian military regime. To conduct this research, the methodology of literary
Content Analysis was used, as well as bibliographic and documentary research,
ISBN: 978-85-8209-121-0

operating with references pertinent to the research. As preliminary results, one


can point out that the analyzed book discusses and refutes the discourse of
progress and development sold by the Brazilian military regime, based on the
dystopian narrative. This research is a part of the scientific initiation project "The
meaning of nature and the devastators of forests: environmental issues of the
Brazilian Civil-Military Dictatorship in Ignácio de Loyola Brandão's 'And still the
Earth'", financed by Uniedu under article 170. The reflections are also linked to
the research group "Culture and society: circulation of knowledge, nature, and
agriculture", coordinated by professors Roberta Barros Meira and Mariluci Neis
Carelli, from the University of the Joinville Region - Univille.

Keywords: Environmental History; Literature; And still the Earth; Ignácio de


Loyola Brandão; Dystopia.

INTRODUÇÃO

No ano de 2021, o romance "Não verás país nenhum" de Ignácio de


Loyola Brandão, completou 40 anos desde o seu lançamento em 1981. Esta
distopia desvela os olhares de um escritor e jornalista sobre os impactos da
ditadura militar brasileira (1964-1985) para as questões socioambientais.
Dessa forma, a presente comunicação tem por objetivo refletir sobre o
potencial da literatura distópica para pesquisas realizadas sob a ótica teórico-
metodológica da História Ambiental, especialmente a partir do estudo de caso
da obra "Não verás país nenhum".
Sobre a metodologia empregada na pesquisa desta comunicação,
destacam-se: a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. Para a análise
da obra de Ignácio de Loyola Brandão, foi utilizada a metodologia da Análise de
Conteúdo (1981) proposta por Laurence Bardin (1977). Entendemos que a
narrativa do romance em análise possibilita descortinar elementos ainda pouco
trabalhados sobre a história do período da Ditadura Militar, principalmente por
trazer o foco para as questões ambientais. Michael Collot (2012) defende que a
paisagem literária pode iluminar pontos cegos como aqueles ressaltados por
Loyola Brandão. Nesse sentido, é possível ler a prosa do autor como uma
denúncia e uma alerta que perpassa uma paisagem literária que queima as
esperanças do leitor como a desertificação dos espaços naturais.
O autor, Ignácio de Loyola Brandão, nasceu na cidade de Araraquara
(São Paulo) no ano de 1936 e atuou como jornalista em diversos periódicos
brasileiros como: Claudia, Última Hora, Realidade, Planeta, Ciência e Vida e
Vogue. Sobre seu trabalho como escritor é importante mencionar que desde
1965 já publicou mais de 45 livros, sendo a grande maioria de “romances, contos,
crônicas, infanto-juvenis, teatro”, sendo os livros “Zero” e “Não verás país
nenhum” algumas das suas obras mais conhecidas (ACADEMIA, 2021).
Para atingir ao objetivo proposto nesta comunicação, o artigo foi dividido
em duas seções: a primeira, intitula-se "Literatura distópica e História Ambiental"
e busca caracterizar a noção de distopia e sua relevância para os estudos no
âmbito da História Ambiental; a segunda, "Nas páginas de ‘Não verás país
nenhum’: olhares por meio da História Ambiental ", tem como foco a análise do
ISBN: 978-85-8209-121-0

romance de Ignácio de Loyola Brandão e suas possíveis contribuições para o


estudo da ditadura militar brasileira, a partir da ótica da História Ambiental.

LITERATURA DISTÓPICA E HISTÓRIA AMBIENTAL

Diversas obras escritas e publicadas, especialmente, no século XX e XXI


podem ser lidas como “literatura distópicas”. A título de exemplo, podemos citar:
Admirável mundo novo (1932), de Aldous Huxley; 1984 (1949), de George
Orwell; Fahrenheit 451 (1953), de Ray Bradbury; Zero (1974) e Não verás país
nenhum (1981) de Ignácio de Loyola Brandão; O Conto da Aia (1985), de
Margaret Atwood; Jogos Vorazes (2008), de Suzanne Collins; Divergente (2011),
de Veronica Roth.
Mas quais características qualificam uma obra literária como “distópica”?
Qual a sua historicidade? E por quais motivos a literatura distópica suscita
reflexões para análises históricas, em especial da História Ambiental?
Primeiramente, é de grande importância compreender qual o significado
de distopia. Souza (2013, p.132) argumenta que a “ideia de distopia está
necessariamente ligada à de utopia”, e que a palavra “Utopia” foi cunhada por
Thomas More em seu romance homônimo datado de 1516. A obra trata “sobre
a melhor constituição de uma república e a nova ilha de Utopia”, e dessa forma
promove um “relato sobre uma sociedade idealizada que se tornou referência ao
idealismo social” (SOUZA, 2013, p.132).
Quanto à distopia, o historiador reflete que ela “desmistifica, questiona e
se opõe ao discurso utópico” (SOUZA, 2013, p.132). Entretanto, é importante
refletir que as definições de distopia não são homogêneas, e existem
pesquisadores que defendem posições diversas, como reflete Amanda Berchez
(2021, p.28):

Podemos indicar, a título de ilustração, que há quem defenda: como


Moylan (2000), que a distopia, descendente da sátira menipeia, do
movimento realista e dos romances oitocentistas antiutópicos, consiste
em um subgênero “invertido” da utopia; como Araújo (2018), que a
distopia consiste em um subgênero da ficção científica; como Berriel
(2005; apud KASSAB, 2018), que a distopia, nascida da utopia, já
figura, desde Frankenstein (1818) de Mary Shelley, como um gênero
literário por si mesma.

Entretanto, apesar de haver diferentes acepções para o termo distopia, as


obras que são classificadas dentro deste termo, possuem algumas
características gerais:

A distopia explora os aspectos pessimistas do político e ideológico das


sociedades sem abrir mão dos aspectos estéticos da ficção científica,
porém, não toma para si o que a ficção científica tem de mais
característico, o fetiche à tecnologia. A distopia é, segundo Roberts
(2018) e Clayes (2010), uma crítica radical à sociedade estruturada
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sobre um campo ideológico considerado negativo por seus autores.


(DA SILVA, 2021, p.1377).

A distopia, portanto, desvela o olhar crítico de seus autores sobre


determinado projeto “utópico” e é atravessada por um determinado contexto
histórico. Dessa forma, é interessante refletir sobre os possíveis usos da
literatura distópica como fonte histórica para pesquisas no campo científico da
História, em especial da História Ambiental.
Para isso, os profissionais devem compreender o potencial da literatura
de forma geral, já que:

A literatura não nos dá apenas dados. Dá-nos a experiência que quem


a habitou teve de um ambiente ou quem, em outro momento histórico,
o imaginou. Em última análise, dados vazios são inúteis se não nos
permitem reconstruir a vida das pessoas. (BRAILOVSKY, 2016, p.1).

Ou seja, a literatura compreende um conjunto de registros, que suscita


operações diversas de análise. Como Brailovsky (2016) reflete, a literatura nos
dá “a experiência” não só de quem escreveu determinada obra literária, mas de
quem leu e foi atravessado por ela.
Outra questão importante na análise, não só da literatura, mas, de
manifestações culturais, é a compreensão da indissociabilidade da cultura e
natureza. Sobre isso, Pádua (2010, p.95) sublinha que:

As manifestações culturais não ocorrem isoladas do mundo vivo,


valendo-se frequentemente de elementos da biodiversidade e da
experiência física no planeta ou, melhor dizendo, de lugares
específicos do planeta, na constituição da linguagem e das categorias
de entendimento. (PÁDUA, 2010, p.95).

Neste tocante, vale refletir como as questões associadas aos “elementos


da biodiversidade” e de “lugares específicos do planeta” são representadas pelos
escritores em obras distópicas. De quais formas os “projetos utópicos”
vivenciados e(ou) imaginados por romancistas atravessam suas obras e são
criticados e desconstruídos por meio de distopias?
Estas são algumas questões que podem pairar diante de historiadores
que utilizam as distopias como fontes históricas. Para os profissionais da história
que possuem um interesse maior pelas questões ambientais, a História
Ambiental fornece subsídios teóricos para olhar essas fontes históricas.
Donald Worster (1991), defende que a História Ambiental trata “do papel
e do lugar da natureza na vida humana” (WORSTER, 1991, p.201). Além disso,
esta dimensão da História rejeita a premissa “convencional de que a experiência
humana se desenvolveu sem restrições naturais, de que os humanos são uma
espécie distinta e 'supernatural', de que as consequências ecológicas dos seus
feitos passados podem ser ignoradas” (WORSTER, 1991, p.199).
ISBN: 978-85-8209-121-0

Sobre os usos de manifestações culturais pelos historiadores ambientais,


Worster (1991, p.210) reflete que:

Mas por mais ambiciosas que sejam algumas dessas afirmações, com
toda a certeza é verdade que as nossas idéias têm sido interessantes
de contemplar, e nenhuma delas mais interessante do que as nossas
reflexões sobre outros animais, plantas, solos e toda a biosfera que nos
deu origem. Assim, por boas razões, a história ambiental deve incluir
no seu programa o estudo de aspectos de estética e ética, mito e
folclore, literatura e paisagismo, ciência e religião - deve ir a toda parte
onde a mente humana esteve às voltas com o significado da natureza.

Logo, a literatura distópica tem muito a oferecer para os historiadores


ambientais, pois possibilita refletir sobre os sentidos conferidos pelos escritores
para a natureza ao construírem narrativas de sociedades vivendo futuros
caóticos e desastrosos.

NAS PÁGINAS DE NÃO VERÁS PAÍS NENHUM: OLHARES POR MEIO DA


HISTÓRIA AMBIENTAL

O livro “Não verás país nenhum”, escrito por Ignácio de Loyola Brandão,
foi publicado no ano de 1981 e narra a história de um professor de História que
foi afastado de suas funções pela lei de segurança em um futuro não
determinado. Neste futuro, diversos problemas socioambientais são vivenciados
pela sociedade tais como: falta d’água, calor insuportável, montanhas de lixo,
alimentos sintéticos e desaparecimento das florestas, praias e rios. No ano de
1983, a obra recebeu o prêmio de melhor livro latino-americano do Instituto Ítalo-
Latino-Americano (GLOBAL, 2022).
A história de “Não verás país nenhum”, construída e publicada durante a
ditadura militar brasileira, fala sobre um futuro em que os seres humanos
exploraram drasticamente a natureza ao ponto que biomas como a Amazônia se
transformam em desertos. Sob esta ótica, o livro é lido neste trabalho como um
exemplar da literatura distópica brasileira, que busca alertar os leitores sobre um
possível cenário para o Brasil, caso as relações humanas com a natureza
continuem a ser estabelecidas única e exclusivamente pela economia.
Nesse sentido, é necessário compreender que o contexto histórico de
construção de “Não verás país nenhum” se associa à raiz de uma “consciência
ambiental”, especialmente na segunda metade do século XX, por conta dos
avanços tecnológicos e seus impactos na destruição da natureza (VEIGA, 2013,
p.83). Inclusive, como refletem Lopes e Silva (2020, p.195):

O romance distópico de Brandão foi produzido na conjuntura do que o


sociólogo alemão Ulrich Beck chamou de Sociedade de Risco. A teoria
criada no início da década de 1980, conceitua que a degradação da
natureza foi produzida pela forma e velocidade com que os seres
humanos se apropriaram dos recursos naturais, o que gerou uma crise
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de proporções globais e levou a coletividade a viver em constante


perigo. Na segunda metade do século XX, com um ritmo diferente em
cada parte do globo, a tomada de consciência acerca dos impactos da
ação humana sobre as dinâmicas biogeofísicas do planeta levou ao
surgimento do ambientalismo.

Estas questões também propiciaram uma transformação na compreensão


do tempo, que atravessa narrativas distópicas como “Não verás país nenhum”
de Ignácio de Loyola Brandão. Os historiadores, Lopes e Souza (2020, p.195-
196)

Nesse contexto, a compreensão do tempo também se transformou, a


noção de tempo como progresso contínuo, ideia disseminada na Era
Moderna, cedeu espaço a uma “contagem regressiva” que nasce a
partir da percepção da finitude dos recursos naturais. Neste contexto,
em que a preocupação com o futuro se torna um elemento da vida
cotidiana, surge a premissa de que com base em um horizonte de
expectativa pautado no risco e perigo, diferente do que François Hartog
defende, a humanidade não estaria vivenciando um regime de
historicidade presentista. Mas, sim, um regime de historicidade
pautado na percepção de um futuro cercado de preocupação e
pessimismo como resultado da pressão humana sobre os recursos
naturais.

Destarte, os historiadores entendem que as distopias desvelam um outro


regime de historicidade, pautado na preocupação com o futuro justamente por
conta da “percepção da finitude dos recursos naturais”. Esta finitude atravessa
toda a narrativa de “Não verás país nenhum”, ao ponto que o escritor constrói
um romance pautado na escassez, sobretudo para a maior parte da população.
Um exemplo disso é a questão das águas, retratada em diferentes trechos
do livro. Em “Não verás país nenhum”, grande parte dos rios brasileiros não
existem mais, ou foram poluídos ao ponto de não poderem ser mais utilizados,
e por isso foi construído o “Museu dos Rios Brasileiros”. Neste museu, existem
recipientes com as águas dos rios brasileiros que deixaram de existir no futuro
construído pelo autor. Sobre o museu e a escassez d’água, o trecho a seguir
subsidia muitas reflexões:

Às catorze horas de hoje, o Museu dos Rios Brasileiros, conhecido


popularmente pela designação de a Casa dos Vidros de Água,
localizado no que antigamente foi o Largo do Arouche, recebeu uma
afluência fora do comum. De repente, para o espanto dos vigilantes,
centenas de pessoas começaram a entrar e a se espalhar.
Aparentemente queriam apenas olhar os milhares de litros que
continham as águas dos rios, riachos, ribeirões, nascentes, lagos,
lagoas, fontes e olhos de água de todo o Brasil.
[...] – Quem é que queria ver água do rio? A gente tinha sede, isso sim.
Então fomos beber a água que era nossa por direito. Eu procurei a
água de um riacho que passava atrás de minha cidade. Um rio onde
nadava quando criança. Foi dele que bebi. A água está aqui na minha
barriga. Podem tirar se quiser. (BRANDÃO, 2019, p.163)
ISBN: 978-85-8209-121-0

Este momento da história demonstra o desespero da população com a


escassez de água, o que levou à invasão do Museu dos Rios Brasileiros, em
uma tentativa pela sobrevivência. Além disso, é interessante refletir sobre a fala
do manifestante entrevistado na segunda parte da citação acima. O manifestante
demonstra, a partir de sua fala, como a paisagem foi modificada a partir da
destruição da natureza. O rio em que ele nadava quando criança não existe mais,
virou apenas um objeto de museu, que também acabou por não existir mais, já
que o personagem precisava matar a sua sede.
Outros trechos também revelam como a escassez impactou âmbitos
diversos da sociedade, inclusive nas relações trabalhistas:

Adelaide sempre fez tudo, dizia ironicamente que era a sua missão. Só
há pouco consegui contratar uma faxineira semanal. E isso porque
empregados ganham pouquíssimo. As pessoas trabalham em troca de
um prato de comida, um copo de água por dia. Não querem dinheiro,
só comer e beber. Aí está a grande dificuldade. Se aceitassem
dinheiro, tudo bem. Mas comida? E que dizer de água então?
(BRANDÃO, 2019, p.16)

Em “Não verás país nenhum”, muitos trabalhadores, não trabalham mais


por dinheiro, mas por comida e água. A escassez de alimentos e água é tamanha
que levou estes mantimentos a serem utilizados como pagamento para serviços.
Ignácio de Loyola Brandão, demonstra assim, que o dinheiro perde o seu
sentido, para grande parte da população, diante da escassez e da destruição da
natureza.
Outra questão trabalhada por Brandão em sua narrativa, é a
desertificação de biomas, como a Amazônia:

“Devemos estar orgulhosos com a conquista que acabamos de fazer.


Um grande feito deste governo que pensa no futuro”. “Porquê”, disse
ele, “a história vai nos registrar como o Esquema que deu ao país uma
das grandes maravilhas do mundo. Não é apenas a África que pode se
orgulhar do seu Saara, o deserto que foi mostrado em filmes, se tornou
ponto turístico, atração, palco de aventuras, celebrado, glorificado”. “A
partir de hoje”, e ele sorriu, embevecido, “contamos também com um
deserto maravilhoso, centenas de vezes maior que o Saara, mais belo.
Magnificente. Estamos comunicando ao mundo a nona maravilha.
Breve, a imprensa mostrará as planícies amarelas, as dunas, o curioso
leito seco dos rios” [...] Empresas de publicidade promoveram
campanhas, induzindo revistas requintadas a realizar caravanas. Os
ricos se divertiam, fantasiados de árabes. (BRANDÃO, 2019, p.66-67).

Este trecho revela a crítica que o autor faz à destruição da natureza e


como ela pode ser apropriada pelo mercado para gerar lucro. Além disso,
também revela como o jornalista e escritor estava atento às questões ambientais,
sobretudo no momento de construção do livro. Uma das evidências que
corrobora com esta perspectiva, é que em publicações como o “Manifesto
Verde”, o autor cita dados do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
ISBN: 978-85-8209-121-0

(IBDF) publicados em uma matéria da Istoé em 1980, um ano antes da


publicação de “Não verás país nenhum”:

Em apenas cinco anos, de 1975 a 1980, segundo uma sequência de


2.000 fotos tiradas por satélites, o total de florestas derrubadas na
Amazônia passou de 2,8 milhões para 12,4 milhões de hectares - o
equivalente à superfície dos estados de Alagoas, Paraíba e Espírito
Santo juntos. (ISTOÉ, 1980 apud BRANDÃO, p.44, 2014).

O livro “Manifesto Verde”, de Brandão (2014), foi publicado pela primeira


vez em 1985, e foi escrito como se fosse uma carta para seus filhos alertando
sobre a importância de preservar a natureza. Na citação acima, o autor mobilizou
os dados para refletir sobre a destruição das florestas, o que demonstra sua
atenção para as questões ambientais.
Dessa forma, a Amazônia representada como um deserto em “Não verás
país nenhum”, serve como um alerta para os leitores e revela a preocupação do
autor com o futuro não só desse bioma, mas do planeta e da sobrevivência
humana. Logo, o autor utiliza sua obra para criticar o modelo de progresso e
desenvolvimento que estava sendo implementado pelo Brasil durante a ditadura
militar brasileira.
Sobre este contexto histórico, o historiador Jozimar Paes de Almeida
(2001), reflete que:

Com a política de progresso e desenvolvimento a todo curso, essa


modalidade de governo centralizadora imprimiu ao país uma forte
tendência de industrialização pesada, propiciando a entrada de
capitais externos e de empresas multinacionais. A era do milagre
brasileiro expõe suas sequelas: intensa concentração de renda,
altíssima taxa de mortalidade infantil, desnutrição, analfabetismo,
cassação dos direitos civis e intensa degradação do meio ambiente.
(ALMEIDA, 2001, p.178)

Assim, a obra de Ignácio de Loyola Brandão parte do contexto utópico


vendido pela ditadura militar brasileira com o “milagre econômico” para construir
a sua distopia, tratando dos problemas socioambientais vinculados a essa utopia
que não se sustentou na história, como aponta Almeida (2001).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do artigo, buscou-se refletir sobre a relevância e o potencial da


literatura distópica para os estudos históricos, em especial da História Ambiental.
Tomando como exemplo o romance distópico brasileiro “Não verás país
nenhum” de Ignácio de Loyola Brandão, foi possível demonstrar o olhar crítico
do autor para o contexto histórico da ditadura militar brasileira vivenciado durante
a escrita e publicação do livro.
ISBN: 978-85-8209-121-0

É possível considerar a obra de Brandão como integrante do contexto de


intensificação da contestação da “racionalidade capitalista” e da
“instrumentalização da natureza”, situado na segunda metade do século XX
(ALMEIDA, 2001, p.175). O romance critica e refuta o progresso vendido pelo
regime militar brasileiro (1964-1985), refletindo sobre os impactos ambientais e
as desigualdades sociais.
Dessa forma, como defendido por Worster (1991), reitera-se a
importância dos historiadores ambientais se permitirem analisar outras fontes
históricas além das tradicionais, como documentos oficiais e jornais. Por meio
de diferentes manifestações culturais, é possível vislumbrar os olhares de
diferentes sujeitos históricos e a forma que significaram a natureza.
Assim, expandem-se os horizontes para compreender, por exemplo,
como alguns brasileiros, a exemplo de Ignácio de Loyola Brandão, retrataram
por meio de sua arte a ditadura militar brasileira e os projetos de
desenvolvimento econômico que provocaram uma crescente degradação
ambiental.

REFERÊNCIAS

ACADEMIA Brasileira de Letras. Biografia - Ignácio de Loyola Brandão. 2021.


Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/ignacio-de-loyola-
brandao/biografia. Acesso em: 18 out. 2022.
ALMEIDA, Jozimar Paes de. A Instrumentalização da Natureza pela Ciência.
Projeto História, São Paulo, v. 23, p. 169-191, 2001.
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BERCHEZ, Amanda. Sobre História e Teoria da Ficção Distópica. Revista de
Estudos de Cultura, [S.L.], v. 2, n. 17, p. 23-38, 27 jan. 2022.
BRAILOVSKY, Antonio Elio. La ecología y la Ciudad en la literatura. 2016.
Disponível em: https://amerindiaenlared.org/contenido/9402/la-ecologia-y-la-ciudad-
en-la-literatura/. Acesso em: 21 jun. 2022.
BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Manifesto Verde. São Paulo: Global, 2014.
BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Não verás país nenhum. São Paulo: Global,
2019.
COLLOT, Michael. Do horizonte da paisagem ao horizonte dos poetas. In:
ALVES, Ida; FEITOSA, Marcia Manir Miguel (org). Literatura e paisagem em
diálogos. Rio de Janeiro: Edições Makunaima, 2012.
GLOBAL. Não verás país nenhum. 2021. Disponível em:
https://grupoeditorialglobal.com.br/catalogos/livro/?id=1559. Acesso em: 18 out.
2022.
LOPES, Alfredo Ricardo Silva; SILVA, Franco Santos Alves da. O Regime de
Historicidade Distópico: tempo e natureza em não verás país nenhum de ignácio
de loyola brandão. Revista Territórios e Fronteiras, [S.L.], v. 13, n. 1, p. 194-217,
31 jul. 2020.
PÁDUA, J. A. As bases teóricas da história ambiental. Estudos Avançados, [S.
l.], v. 24, n. 68, p. 81-101, 2010. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/10468. Acesso em: 18 out. 2022.
ISBN: 978-85-8209-121-0

SILVA, E. M. da. A literatura distópica e a sua obscura utopia. Revista Ibero-


Americana de Humanidades, Ciências e Educação, [S. l.], v. 7, n. 12, p. 1375–
1393, 2021. Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/3580.
Acesso em: 28 out. 2022.
SOUZA, Luís. História, cidade e distopia: a ficção científica ridícula de Não verás
país nenhum. Contraponto - Revista do Departamento de História e do
Programa de Pós-Graduação em História do Brasil da UFPI, Teresina, v.2, n.2,
p.129-140, 2013.
VEIGA, José Eli da. A desgovernança mundial da sustentabilidade. São Paulo:
Editora 34, 2013.
WORSTER, Donald. Para fazer História Ambiental. Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, v. 4, n. 8, p. 198-215, 1991.
ISBN: 978-85-8209-121-0

EXPERIÊNCIAS DE POLÍTICAS CULTURAIS


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A SOCIEDADE CULTURAL E BENEFICENTE SEBASTIÃO LUCAS


PEREIRA: ESPAÇO DE MEMÓRIA E RESISTÊNCIA DA COMUNIDADE
NEGRA DE ITAJAÍ.
Doutor José Bento Rosa da Silva – UFPE/Núcleo Afro Itajaí
bentorosaebano@gmail.com
Mestrando Moacir da Costa – UNIVILLE/NEAB/UNIVILLE/Núcleo Afro Itajaí
professormoahistoria@gmail.com
Resumo:

Neste artigo, refletiremos sobre o surgimento da Sociedade Cultural e


Beneficente Sebastião Lucas Pereira, um clube da comunidade negra da cidade
de Itajaí fundada no ano de 1952 e o processo de tombamento do bem imóvel e
a necessidade do reconhecimento enquanto espaço de memória e de resistência
da comunidade negra da cidade de Itajaí.

Palavras-chave: Memória, Patrimônio, Resistência, Comunidade Negra.;

Abstract:

In this article, we will reflect on the emergence of Sociedade Cultural e


Beneficente Sebastião Lucas Pereira, a club of the black community in the city of
Itajaí founded in 1952 and the process of tipping the immovable property and the
need for recognition as a space of memory and resistance of the black community
in the city of Itajaí.
Keywords
Memory, Heritage, Resistance, Black Community

Esta comunicação apresentada ao 13º Seminário de Pesquisa em


Linguagens, Literatura e Cultura e o 28º Encontro do Proler e
posteriormente este artigo surgiu da demanda da comunidade negra da cidade
de Itajaí, fundamentando a peça jurídica de retomada da administração da
instituição via medida cautelar, haja visto o estado de abandono da Sociedade
Beneficente Sebastião Lucas Pereira e de uma possível reversão do
Tombamento do Patrimônio do Bem Imóvel, sendo o único patrimônio histórico
da comunidade negra da cidade a ser tombado.
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De acordo com o IBGE5 em 2020 a estimativa da população de Itajaí é de


226.117 mil habitantes, sendo que destes 11,48% se auto declaram pardos e
3,92% negros, o que equivale a um total de 34.822, ou seja 15,40% dos
habitantes da cidade de Itajaí são pessoas da comunidade negra, um percentual
considerável, esta população historicamente contribuiu para o processo de
construção da memória, cultura e identidade da sociedade, itajaiense, neste
sentido é de fundamental importância que a sociedade reconheça a colaboração
de negros e de negras no processo de construção não somente da sociedade
Sebastião Lucas, e também a contribuição para a sociedade itajaiense tal como
a cultura e economia de nossa sociedade. Entendemos a comunidade negra,
como a soma dos que se autodeclaram pardos e pretos, segundo os critérios do
mesmo IBGE.

Gráfico população raça cor IBGE

Estes números por si só deixam explícito a necessidade da existência de


políticas de valorização da comunidade negra, sobretudo seus Bens
Patrimoniais Móveis e Imóveis, Espaços de Memórias e de Identidades, sendo
que o Município de Itajaí ter se comprometido a construir políticas de Promoção
da Igualdade Racial ao assinar o convênio 742.290/2010 com a Secretaria de

5https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/itajai/panorama. 04/08/2022
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Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da


República, que cria o Plano Municipal de Igualdade Racial:

“Para por em prática tarefa tão relevante e complexa


torna-se necessário o esforço conjunto de vários setores
da prefeitura e da sociedade civil organizada,
principalmente de ordem etnicorracial, é um problema a ser
considerado pela sociedade brasileira como um todo. Para
tanto, promover a igualdade racial é responsabilidade do
poder público e do conjunto das políticas públicas”.
(GONÇALVES, 2011)

Ao se pensar nos dados anteriormente expostos acerca da população


negra da cidade aliado ao compromisso assumido pelo município de Itajaí com
a promoção da igualdade racial, bem como a preservação de seus bens
culturais, é neste sentido que é de suma importância de se pensar na História do
Clube Sebastião Lucas Pereira.

A cidade de Itajaí em 22 de maio de 1952 vê a comunidade negra do


município a organizar um novo espaço de interação social e resistência para a
comunidade negra, a Sociedade Cultural e Beneficente Sebastião Lucas Pereira
com o intuito ter na cidade um espaço para a expressão de cultura, de
organização social e de certo modo de resistência da comunidade negra, tendo
em vistas o encerramento das atividades do Clube de Regatas Cruz e Souza, a
primeira associação náutica do Estado de Santa Catarina destinada
exclusivamente a comunidade negra e o fim do Humaitá Futebol Clube, é neste
cenário Histórico de exclusão social, político e econômico em que o Brasil, o
Estado de Santa Catarina e o Município de Itajaí se encontravam, é que se torna
necessário a construção de Espaços de Socialização e Resistências da
Comunidade Negra. O nome do clube foi dado em homenagem a Sebastião
Lucas Pereira, trabalhador portuário e um dos fundadores da Sociedade
Beneficente XV de Novembro, Presidente da mesma por vários anos, e uma das
mais proeminentes lideranças da população negra de Itajaí.
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A Sociedade Sebastião Lucas Pereira, transformou-se ao longo das


décadas finais do Século XX em uma referência no processo de organização
social e cultural dos afrodescendentes não só de Itajaí e região. Tendo em vistas
ser uma das primeiras sociedades do Estado de Santa Catarina a organizar
Bailes de Debutantes para as moças negras, sendo o Baile das Debutantes a
festa mais importante do Clube, sendo realizado todo o dia 22 de maio, em
comemoração ao aniversário do clube, outro baile de grande importância para a
comunidade negra era o Baile da Rainha da Primavera, que era dedicado à
juventude e era organizado durante o mês de setembro, nestes momentos, o
Clube Sebastião Lucas entrava no cenário Estadual nas questões étnico-raciais
e atraia negros e negras de várias regiões do Estado tal como de Joinville,
Florianópolis, Laguna e Criciúma.

Nos jornais da época encontramos referências às comemorações do


aniversário da entidade, na década de cinquenta, como por exemplo uma nota
no jornal O Libertador, noticiando o sétimo aniversário da Sociedade. Há
também lembranças de pessoas que vinham de cidades vizinhas, participar dos
eventos do Clube; e mesmo de sócios da cidade de Itajaí, que lembraram da
‘concorrência’ aos bailes tradicionais, mencionados por Osmar Ayroso
(SILVEIRA, 2000, p20-21):

“[...] Pra ti comprar uma mesa na véspera do baile,


assim, quinta, sexta feira, era difícil...Vinha gente de
Joinville, Gaspar, Tijucas, Florianópolis, do Cruz e Souza
da cidade de Lages[...]”

Podemos notar nos trabalhos acadêmicos acerca da Sociedade


Sebastião Lucas Pereira, o que já frisamos anteriormente, qual seja, um lugar de
memórias da comunidade negra da cidade de Itajaí. Diversas gerações têm a
memória afetiva do espaço, transcrevemos alguns depoimentos contidos nestes
trabalhos. Fizemos um recorte de gênero, privilegiando as memórias dos bailes
de debutantes (SILVEIRA, 2000, p33-35):

“ O que mais me marcou do baile da primavera foi num


ano que eu tinha 13 anos né, eu faço aniversário em novembro,
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e o baile era em setembro, então eu tinha 13 anos ainda. A


minha irmã era candidata à rainha e a minha mãe não deixou
eu ir ao baile porque eu não tinha idade[risos] e eu queria ir
homenagear a minha irmã[...]”

“[...] Eu lembro que na minha época, na época que eu


debutei, foi um baile assim especial, porque ou era 25 anos da
Sociedade, agora assim não me lembro bem, mas tinha algo
especial, e aí, em vez de 25 moças é, ou 10 ou 15, foram 25. A
turma do ano anterior juntou-se com as novatas e aí formaram
é… Elas fizeram uma apresentação e nos apresentaram, mas
elas também estavam de branco[...] E eu debutei nessa época,
eu era nova e eu tinha uma irmã que tinha debutado no ano
anterior, aí formou, foi um grupo muito bonito[...]”

“[...] Um ou outro que tinha carro, a maioria era bicicleta.


Então domingo de manhã a gente saía as 8 horas da manhã.
Nós visitávamos assim, oh! A gente fazia uma pesquisa pra ver
quais eram as casas que tinham meninas de 15 anos para
debutar. Então, o domingo nosso era isso! Nós fazíamos de
fevereiro até março, metade de abril, nós fazíamos visitas nas
casas onde tinham as meninas, nós íamos convidar para fazer
os pais se interessarem, porque às vezes não bota [para
debutar] pra não gastar muito, então a gente dizia que não
precisava gastar muito[...] muitas queriam debutar e os pais não
tinham condições, então o que nós fazíamos? A gente ia, levava
na reunião, fulano tem uma filha, é um sócio tal e o clube
ajudava. Ajudava a dar o vestido, via quem tinha, emprestava, é!
Patrocinava a mesa, acesso para eles, para ele levarem a
alegria de levar os filhos, né!”.

Outros registros acerca da Sociedade Sebastião Lucas Pereira foram feitos


recentemente por Tamara Cardozo Belizário, descendente de uma tradicional
família negra da cidade, historicamente envolvida com a Sociedade. O trabalho
divido em cinco partes, conta um pouco do cotidiano da Sociedade através de
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fontes orais, incluindo a narrativas dos pais da autora que se conheceram numa
das atividades proporcionadas pela entidade (BELIZARIO 2011).

No ano de 2007, por iniciativa da comunidade negra da cidade, foi


levada aos poderes públicos constituídos a necessidade de Patrimonialização
do Patrimônio Cultural e do Espaço de Memória, bem como o tombamento
histórico do Bem Imóvel da Sociedade Cultural e Beneficente Sebastião Lucas
Pereira, seja era imprescindível a Patrimonialização do bem Material e Imaterial
da sociedade, o que resultou no Decreto Municipal, ainda que com críticas ao
decreto, ele foi um marco que garantiu o direito a posse tanto e a preservação
da memória e do patrimônio imaterial da sociedade (Nº 8252, DE 8 DE JUNHO
DE 2007)

[...]Art..1 Fica homologado o tombamento, nos termos da Lei nº


2.037, de 23 de dezembro de 1982, e da Lei nº 3.198, de 05 de dezembro
de 1987, da "SOCIEDADE SEBASTIÃO LUCAS" localizada na Rua
Alfredo Trompowski, s/n, nesta cidade.

Art. 2 O imóvel ora tombado será inscrito no Livro do Tombo


Histórico da Fundação Cultural de Itajaí. [...]

Neste sentido o processo de tombamento do Patrimônio Material, Imaterial,


de Memória e Identidade da Sociedade Cultural e Assistencial Sebastião Lucas
Pereira se torna imperativo, por ser o único espaço de socialização preservada
da Comunidade Negra Itajaiense, sobretudo o que rege a Constituição Federal
em seus Art 215 e 216 (CONSTITUIÇÃO, 1988):

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos


direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e
apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais.

§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas


populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos
participantes do processo civilizatório nacional.

§ 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas


de alta significação para os diferentes segmentos étnicos
nacionais.
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§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de


duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País
e à integração das ações do poder público que conduzem à:

I - defesa e valorização do patrimônio cultural


brasileiro;

II - produção, promoção e difusão de bens culturais;

III - formação de pessoal qualificado para a gestão da


cultura em suas múltiplas dimensões;

IV - democratização do acesso aos bens de cultura;

V - valorização da diversidade étnica e regional.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens


de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e


demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,


paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e
científico.

Este movimento em prol do tombamento não só do Bem Imóvel, mas


também a patrimonialização da Memória da Entidade se deu pois no fim dos
anos de 1990 o imóvel foi arrendado e muitos da comunidade negra se opunham
ao processo de arrendamento e de uma possível venda do bem imóvel, neste
sentido, a Comunidade Negra por intermédio do Núcleo de Reflexão da Foz do
Rio Itajaí Manoel Martins dos Passos em julho de 2005 ingressou com uma ação
no Ministério Público com um pedido de reintegração de posse do patrimônio
imóvel da entidade, sendo que em audiência no dia 18 de dezembro o Juiz João
Osvaldo Ranzi, da 1ª Vara Cível, determinou a reintegração de posse e constituiu
uma Diretoria Provisória.
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Lembramos ainda que, por resolução da Assembleia Geral da ONU,


estabeleceu que do dia 1 de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2024, fosse
estabelecida a década dos afrodescendentes, com o objetivo de valorizar a
cultura africana na diáspora, combater o racismo, a xenofobia e práticas
correlatas. O tema escolhido foi: “Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e
desenvolvimento”6.O Brasil como signatário, vem implementando políticas
públicas visando atender os anseios dos afrodescendentes desde a Conferência
de Durban, em 2001. A cidade de Itajaí também acompanha tais demandas, e
tem a oportunidade de demonstrar mais uma vez o reconhecimento da
contribuição da população negra na construção da cidade. Aliás, contribuição
que se fez presente, por exemplo, na obra edificada por Simeão, então um
escravizado pertencente a Agostinho Alves Ramos. Estamos nos referindo à
Igreja Imaculada Conceição, a conhecida ‘Igrejinha Velha’. Além dele, tantos
outros conhecidos, como o trabalhador portuário Sebastião Lucas Pereira, que
leva o nome da Sociedade a qual nos referimos neste texto, como tantos outros
desconhecidos (SILVA 2008).

Neste processo de retomada as atividades do Clube Sebastião Lucas


Pereira, houve uma série de divergências no processo de condução das
atividades da entidade pois parte da nova direção queria que o clube voltasse a
ser um local de bailes e um outro grupo com a intenção de construir um espaço
de organização e de convívio da comunidade negra, sendo que a primeira tese
foi a vitoriosa, e por vários problemas seja de gestão ou de incompreensão de
novas formas de gestão da entidade, entrou em franco declínio.

Após esta sintética exposição, queremos dizer que, se o prédio da


Sociedade Cultural e Beneficente Sebastião Lucas Pereira, se encontra hoje em
estado de abandono, é devido à má gestão de um grupo que se apropriou da
mesma de formas, no mínimo suspeitas, pois que não representa os interesses
dos movimentos sociais negros organizados da cidade de Itajaí, que somos
signatários dos que fundaram a referida Sociedade, por isso temos na mesma

6 Sobre esta questão. Ver: https://www.geledes.org.br/decada-internacional-de-


afrodescendentes-e-aprovada-na-assembleia-geral-da-
onu/?noamp=available&gclid=CjwKCAjwjdOIBhA_EiwAHz8xm3nydFouZLnhdNdzYGN2FmH7N
ZSumWPIVBqyWqRFkxinSOZeyaKloRoC-tUQAvD_BwE. Acessado em: 12.08.2021.
ISBN: 978-85-8209-121-0

os nossos espaços de memórias e ancestralidade. E mais, desde que ficamos


sabendo da atual situação do imóvel, através dos atuais gestores da Fundação
Genésio Miranda Lins, tratamos de nos reunir para recuperarmos juridicamente
este espaço de memória e identidade da comunidade negra da cidade de Itaja

Referências Bibliográficas:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 28 edições, São Paulo 2001

BELIZÁRIO, Tamara Cardoso. Clube De Preto: Cinquenta anos da História


do Clube Sebastião Lucas. Itajaí: Curso de Jornalismo. Universidade do Vale
do Itajaí, 2011.

GONÇALVES, Graziela Cristina. [Org.]: Plano Municipal de Igualdade Racial


de Itajaí. Prefeitura Municipal de Itajaí, Secretaria de Relações Institucionais e
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LEITE, Ilka Baoventrua [Org.]: Textos E Debates- Núcleo De Estudos Sobre


Identidade E Relações Interétnicas.Terras E Territórios De Negros No Brasil.
Florianópolis: UFSC. Ano: 1. N. 02, 1991

NORA, Pierre. Entre Memória E História: A problemática dos lugares. In.


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SILVA, José Bento Rosa da. A Itajahy do Século XIX: História, Poder e
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SILVEIRA, Janaína Naildes da. Nos Bailes Da Vida: Sociedade Sebastião


Lucas - Espaço de sociabilidade dos afro-descendentes em Itajaí.Itajaí:Curso de
História/ Universidade do Vale do Itajaí [Monografia de Conclusão de Curso],
2000.

Fontes:
ISBN: 978-85-8209-121-0

Entrevista com Osmar Camilo Ayroso, 72 anos, em 22 de setembro de 1986.


Realizada por José Bento Rosa da Silva, na cidade de Itajaí. Acervo particular
de José Bento Rosa da Silva.

Gráfico 01: Dados IBGE https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/itajai/panorama.


15/08/2021
ISBN: 978-85-8209-121-0

SOCIEDADE SEBASTIÃO LUCAS PEREIRA: CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIA


E RESISTÊNCIA

Maykon Daniel Hundenski


Graduando em História
Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI
E-mail: maykonhundenski@gmail.com

Resumo: O texto tem como objetivo analisar como a Sociedade Sebastião Lucas
Pereira assume-se enquanto um lugar de memória para Itajaí-SC, bem como
representa um local de resistência e construção de memória coletiva, para a
comunidade negra. Além de refletir sobre a importância histórica e cultural deste
clube negro, sua inserção e conflitos no espaço urbano e nas relações étnico-
raciais na cidade de Itajaí e sua influência na memória coletiva. O caráter
identitário evidenciado pelo Patrimônio Histórico de uma cidade, demonstra as
contradições históricas de um local, mas também os interesses políticos
existentes na manipulação da memória coletiva de uma sociedade, escolher o
que se deve lembrar e o que se pode esquecer é também uma forma de apagar
a existência dos sujeitos na história.

Palavras-chave: Memória; cultura Afro-brasileira; resistência; clubes negros;


identidade.

Abstract: The text aims to analyze how Sociedade Sebastião Lucas Pereira
assumes itself as a place of memory for Itajaí-SC, as well as represents a place
of resistance and construction of collective memory, for the black community. In
addition to reflecting on the historical and cultural importance of this black club,
its insertion and conflicts in urban space and ethnic-racial relations in the city of
Itajaí and its influence on collective memory. The identity character evidenced by
the Historical Heritage of a city, demonstrates the historical contradictions of a
place, but also the existing political interests in the manipulation of the collective
memory of a society, choosing what to remember and what to forget is also a way
of erasing the existence of subjects in history.

Keywords: Memory; Afro-Brazilian culture; resistance; black clubs; identity.

Introdução
O presente trabalho surge pelo contato do autor, enquanto estagiário da
Museu Histórico de Itajaí, com a recente articulação do Movimento Negro em
Itajaí-SC, em prol da recuperação do Clube Sebastião Lucas Pereira, com imóvel
tombado como Patrimônio Histórico pelo Decreto nº 8.252, de 8 de junho de 2007
ISBN: 978-85-8209-121-0

e em atual estado de deterioração. O objetivo é analisar como a Sociedade


Sebastião Lucas Pereira assume-se enquanto um lugar de memória para Itajaí-
SC, bem como representa um local de resistência e construção de memória
coletiva, para a comunidade negra. Apresenta-se também como uma
oportunidade de refletir sobre a importância histórica e cultural deste clube negro,
fundado em 1952, sua inserção e conflitos no espaço urbano e nas relações
étnico-raciais na cidade de Itajaí e sua influência na memória coletiva.
Sendo assim, buscou-se realizar uma pesquisa com abordagem
qualitativa, do tipo exploratória, adotando metodologia de pesquisa bibliográfica
documental. Pesquisas qualitativas admitem, segundo CHIZZOTTI (2003, p.
222), “[...] recursos estilísticos diferenciados e permitem apresentar de forma
inovadora os resultados de investigações, criando um excitante universo de
possibilidades”. Por meio desta, serão trabalhadas as temáticas memórias,
identidades, relações étnico-culturais, territórios e cultura afro-brasileira, que
permeiam as discussões do presente texto.

Lugares de memória: quando o patrimônio revoga o


apagamento através da imaterialidade
Os patrimônios culturais são, em certa medida, subprodutos de seu
próprio tempo que buscam ser preservados e legados às futuras gerações. No
Brasil, a Constituição Federal (2020) define-os como:
[...] bens de natureza material e imaterial, tomados
individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores
da sociedade brasileira, nos quais se incluem: [...] V - os
conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
(BRASIL, 2020).

Esses bens podem ser preservados de diferentes maneiras, seja através


da apropriação coletiva de uma comunidade, local ou grupo, seja de maneira
legal. Sobre a segunda maneira, a primeira ação a ser feita é o tombamento, um
ato administrativo realizado em esfera municipal, estadual e federal, pelo poder
público através do decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, sobre
patrimônios materiais. No município de Itajaí-SC, pensar os patrimônios
materiais é majoritariamente pensar a cidade e seus patrimônios arquitetônicos.

Atualmente (2022), o município de Itajaí-SC, conta com 19 bens tombados


como Patrimônios Históricos da cidade e do estado de Santa Catarina. Destes,
três contemplam o caráter religioso: Capela Santa Terezinha, Igreja Matriz do
Santíssimo Sacramento (1955) e Igreja Imaculada Conceição (1834); dois
referem-se à patrimônios materiais não arquitetônicos: Figueira Centenária e
Palmeirais Reais existentes no município; e outros quatorze “contemplam” os
patrimônios materiais (arquitetônicos): Sociedade Sebastião Lucas Pereira,
Casa Burghardt, Palácio Marcos Konder, Casa da Cultura Dide Brandão, Casa
Konder, Mercado Público Municipal/Centro de Cultura Popular, Ex-Fábrica
Renaux, Casa Malburg, Prédio da antiga Fiscalização do Porto de Itajaí, Estação
Ferroviária Engenheiro Vereza, antigo Hotel Brazil, Casarão Bauer & CIA, Casa
Almeida & Voigt e Herbário Rodrigues Barbosa.
ISBN: 978-85-8209-121-0

Ao observar Itajaí-SC, através dos patrimônios históricos tombados,


surgem questionamentos: em que medida os grupos formadores da sociedade
brasileira são representados? Quais identidades são valorizadas nesse processo
de representação? E quais são apagadas? Não será possível refletir sobre todas
as questões aqui descritas, entretanto, é nítido a preservação de uma identidade
da elite econômica da cidade, à medida que o tombamento favorece os
patrimônios europeizados em detrimento a tantos outros existentes. Aqui, essa
desvalorização é entendida enquanto um processo que busca invisibilizar e,
tendo em mente a esfera imaterial do patrimônio cultural, apagar memórias e
identidades.

Nesse sentido, podemos interpretar a Sociedade Sebastião Lucas


Pereira, com edificação tombada pelo decreto nº 8.252, de 8 de junho de 2007,
como um dos principais lugares de memória (NORA, 1993, p. 12), para o
município, por diferentes motivos. No contexto patrimonial (tombado) da cidade,
ela é o único patrimônio que expressa a cultura negra, atestando um processo
hegemônico de representação identitária. Na esfera social, o imóvel é a sede do
Clube Sebastião Lucas Pereira, uma sociedade beneficente e o único clube de
sociabilidade negra do município. Cabe ainda, ao contexto cultural de interação
social expressar no Sebastião Lucas Pereira a resistência ao apagamento
coletivo da memória negra da cidade Itajaí-SC, visto que, apesar do patrimônio
material estar em processo de arruinamento, o clube está vivo na esfera
imaterial.
Fotografia da fachada frontal à R. Alfredo Trompowski (2022)

Fonte: Acervo do autor.

Simbolicamente, essa resistência por mais sutil que possa parecer é


gritante dentro de um contexto culturalmente diverso como o de Itajaí-SC, tendo
como contrapartida representações identitárias que remetem a uma única
tradição, expressa nos monumentos históricos, que não é capaz de representar
a coletividade (NORA, 1995, p. 11).
ISBN: 978-85-8209-121-0

Deterioração da memória materializada: um patrimônio em


ruína
A história social e cultural de Itajaí-SC é marcada pelos fluxos migratórios
ocorridos entre a segunda metade do século XIX até o início do século XX. Com
a vinda destes imigrantes, em sua maioria alemães, formou-se uma elite
econômica sob influência intelectual e cultural muito eurocêntrica, impulsionando
na cidade um processo de intensa urbanização, inspirada nos ideais do
iluminismo europeu, com nuances de eugenia e desigualdade. Com o passar
dos anos, a elite econômica tornou-se elite política.

De maneira historiográfica, Itajaí-SC constitui-se no saudosismo da velha


elite “formadora”. Os teóricos divergentes, vão de encontro a este discurso, que
atribui o desenvolvimento da cidade, unicamente a este processo, ilustrando que
nessa construção discursiva e imagética, diversos sujeitos foram assimilados por
estes processos, levando à um forte etnocentrismo (LARAIA, 2020, p. 74).

A Sociedade Sebastião Lucas Pereira emerge na contramão desse


processo, inaugurada em 1952 como resultante de demais clubes existentes
anteriormente, onde sua maioria era composta por pessoas negras, entretanto,
não como um ambiente de sociabilidade negra. Em paralelo ao surgimento do
clube, o município estava passando por um processo de substituição dos signos
da velha elite, não por novas identidades, mas sim, por novos símbolos dessa
mesma elite, com uma nova roupagem. Nesse sentido é construída a nova matriz
do município, o antigo clube Guarany é substituído por uma nova sede no centro
da cidade. Locais marcados pela exclusão de corpos e sujeitos em sua
existência. O tombamento da Sociedade Sebastião Lucas Pereira, enquanto
Patrimônio Histórico de Itajaí, é o questionamento de uma tradição oculta sobre
uma supervalorização da identidade alemã através da preservação do
patrimônio.
Fotografia da figura de Sebastião Lucas Pereira grafitada durante a 1º Virada Afro-Cultural de
Itajaí-SC (2022).
ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: Acervo do autor.

Stuart Hall, ao teorizar sobre a concepção de subjetividade e identidade


durante a contemporaneidade, sinaliza que existem conceitos que devem ser
lidos e interpretados “sob rasura”, na medida em que não houver novos conceitos
para descrevê-los e os antigos não cumpram esse anseio em sua totalidade ou
sejam inadequados (HALL, 2014). Talvez, refletir sobre este clube, dentro do
contexto social, cultural e políticos de Itajaí-SC, pensar os patrimônios culturais,
discutir a construção identitária, debater os monumentos históricos, tudo isso
deve-se ser interpretado sob rasura. Não houve um momento no qual a cidade
superou a velha elite, em algum ponto ela ainda se faz presente. Por isso, a
necessidade de autores que pensem Itajaí-SC por outros ângulos.

A cultura, enquanto espectro, não se manifesta de uma única maneira. Ao


contrário, seu fazer é extremamente múltiplo e diverso. Esse anseio, reflete um
panorama social (EAGLETON, 2005), visto que a sociedade também se faz de
forma múltipla. Por mais que sua sede esteja em atual estado de deterioração,
o Clube expressa-se nas memórias, no ser e estar das pessoas. É possível
afirmar, sob rasura, que a Sociedade Sebastião Lucas Pereira se apropriou da
imaterialidade, como maneira de resistência aos interesses existentes em seu
arruinamento.
Fotografia da fachada frontal à R. Alfredo Trompowski (2022)
ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: Acervo do autor.

Ao olharmos um imóvel em processo de arruinamento somos tomados por


sentimentos diversificados, ao mesmo tempo somos tentados pelos
questionamos acerca de como tal patrimônio chegou a tal estado, mas também
há certos fetichismos no elemento estético do patrimônio em ruína. De modo
subliminar, ainda existem outros fatores a serem destacados. Todo estado, em
sua atualidade, é decorrência de um ou mais processos que o levou até ali.
Quando olharmos para uma cidade, que expressa através dos patrimônios
históricos, a tentativa de uma construção identitária relacionada à uma única
cultura, estamos sinalizando que através de escolhas políticas, memórias,
histórias e identidades estão sendo apagadas.

Logo, cabe indagar se os processos de tombamento, ocorridos após a


década de 1990, não foi ao mesmo tempo conservador dessa figura imagética,
atrelada aos vestígios da década de 20 e a identidade imigrante traduzida nas
influências da Belle époque e por este motivo iconoclasta (CHOAY, 2017 p. 109)
dos signos divergentes desta identidade. Assim, os patrimônios tombados são
monumentos, herança do passado, lidos como documentos que devem ser
submetidos a críticas (LE GOFF, 2013, 485), na medida que não houver
representação identitária (memórias) para um grupo, local ou comunidade,
gerando assim um sentimento de perda (NORA, 1993, p. 15). A crítica tanto é
válida, quanto faz-se necessária, pois assim como os documentos são escolha
dos historiados, os patrimônios são escolhas políticas, repletas de subjetividade.

Considerações Finais
O município de Itajaí-SC é o resultado da soma de diferentes processos
culturais, políticos e sociais. Portanto, analisar a Sociedade Sebastião Lucas
Pereira, enquanto patrimônio histórico em um contexto social e cultural
extremamente elitizado é “pisar em ovos”, ao mesmo tempo reconhecer a
importância desses grupos para o desenvolvimento do município, mas também
compreender que esse processo de desenvolvimento não foi “harmônico” e que
essa conta foi paga por alguém.

A Sociedade Sebastião Lucas Pereira e seu patrimônio histórico,


assumem-se enquanto lugar de memória para Itajaí-SC quando questiona,
ISBN: 978-85-8209-121-0

mesmo sem intenção, um padrão identitário. Quando ao analisar um município


muito diverso, com lógicas comerciais que promovem inúmeras trocas culturais
e identitárias e perceber a ausência de elementos que representem essa
diversidade. Ao ler um Centro Histórico com a ausência de expressão identitária
para além da elite. Em todos esses momentos e em muitos outros, a Sociedade
Sebastião Lucas Pereira questiona discursos e práticas identitárias. Os
processos que favorecem certas identidades em detrimento de outras, muitas
vezes está extremamente internalizado nas diferentes esferas sociais, que se
torna uma prática comum. Possivelmente este é o caso de Itajaí-SC.

O caráter identitário evidenciado pelo Patrimônio Histórico de uma cidade,


demonstra as contradições históricas de um local, mas também os interesses
políticos existentes na manipulação da memória coletiva de uma sociedade,
escolher o que se deve lembrar e o que se pode esquecer é também uma forma
de apagar a existência dos sujeitos na história.

Entretanto, as pessoas estão delimitadas por seu tempo histórico. Não há


espaços para julgamentos, pois não cabe a nós esse papel, mas o certo neste
cenário depende unicamente de uma coisa: do ponto de vista. Não há como
delimitar a identidade de Itajaí-SC como unicamente europeizada, pois há muita
brasilidade nela. A melhor perspectiva para pensar o município é através do
entendimento que a sociedade está em constante processo de construção
identitária, hoje, talvez ela admita para si determinados elementos que
configuram ela enquanto europeizado/elitizado, por isso os questionamentos
acerca do Sebastião Lucas Pereira. Nos resta o ideal de uma perspectiva
patrimonial mais plural e democrática.

Referência:
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em:
02 set. 2022.
BRASIL. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção
do patrimônio histórico e artístico nacional. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del0025.htm#:~:text=DECRETO%2DLEI%20N%C2%BA%2025%2C%20DE,
patrim%C3%B4nio%20hist%C3%B3rico%20e%20art%C3%ADstico%20nacion
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CHIZZOTTI, Antonio A pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais:
evolução e desafios. Revista Portuguesa de Educação, vol. 16, núm. 2, 2003,
pp. 221-236. Universidade do Minho. Braga, Portugal. Disponível em:
https://www.redalyc.org/pdf/374/37416210.pdf. Acesso em: 02 set. 2022.

CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: UNESP, 2017.


EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: UNESP, 2005.
IPHAN. Dicionário do Patrimônio Cultural. Disponível em:
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ISBN: 978-85-8209-121-0

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BAUMANN%2C%20200 5). Acesso em: 02 set. 2022.
HALL, Stuart. Quem precisa da identidade?. In: SILVA, Tomaz Tadeu da.
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Editora Vozes, 2014.
ITAJAÍ. Decreto nº 8252, de 8 de junho de 2007. Homologa o tombamento da
"Sociedade Sebastião Lucas Pereira". Disponível em:
http://leismunicipa.is/laipq. Acesso em: 20 jun. 2022.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de
Janeiro: Zahar, 1986.
LE GOFF, Jacques. História e memória. [et al.]. - 7ª ed. revista - Campinas,SP:
Editora da Unicamp, 2013.
NORA, Pierre. Entre Memória e História: A problemática dos lugares. In:
Projeto História - Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História
e do Departamento de História. SP: PUC. N. 10. Dezembro de 1993.
RIEGL, Alois. O culto moderno dos monumentos: Sua história e suas
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LEITE, Ilka Boaventura. Territórios negro em área rural e urbana: algumas
questões. Cadernos, textos e debates: Terras e Territórios de Negros no
Brasil, Florianópolis, ano II, n. 2, p 39-46, 1991. Disponível em:
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e%20Debates%2 0No%202.pdf?sequence=2&isAllowed=y. Acesso em: 28 out.
2022.
ISBN: 978-85-8209-121-0

FORTALEZAS DA ILHA: VOZES DA COMUNIDADE

Dalanea Cristina Flôr


Geisa P.Garcia
Maira Diederichs Wentz
Resumo
Este artigo apresenta o relato de experiência com o projeto “Fortalezas da Ilha:
Vozes da comunidade”, realizado pela Coordenadoria das Fortalezas da Ilha de
Santa Catarina (CFISC), um setor vinculado à Secretaria de Cultura, Arte e
Esporte (SeCArtE), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O
projeto tem o objetivo de coletar, registrar e compartilhar memórias da
comunidade catarinense sobre as fortalezas da ilha A metodologia utilizada,
adaptada ao momento de pandemia do coronavírus (Covid 19), foi o envio
espontâneo de material a partir de chamada pública e a busca ativa de
participantes por parte da equipe coordenadora do projeto. No relato,
apresentamos os passos iniciais do projeto, expondo a sua metodologia, breves
referenciais teóricos, as ações realizadas até o momento, algumas dificuldades
enfrentadas e os pontos positivos identificados até o momento. Como resultados
esperados, destacamos a valorização das memórias catarinenses sobre as
fortificações, o incentivo ao interesse pela história sobre o sistema defensivo da
Ilha e a visitação às fortalezas; além de contribuir para a valorização de
identidades individuais e coletivas e para o fortalecimento do sentimento de
pertencimento da comunidade.

Palavras-chave: Memória; identidade; comunidade

Abstract
This article presents the experience report with the project "Island Fortresses:
Voices of the community", carried out by the Coordenadoria das Fortalezas da
Ilha de Santa Catarina (CFISC), a sector linked to the Secretaria de Cultura, Arte
e Esporte, of the Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). The project
aims to collect, record, and share memories from the Santa Catarina community
about the island's fortresses. The methodology used, adapted to the moment of
the coronavirus pandemic (Covid 19), was the spontaneous submission of
material to a public call and the active search for participants by the project's
coordinating team. In the report, we present the initial steps of the project,
explaining its methodology, brief theoretical references, the actions taken so far,
some difficulties faced, and the positive points identified so far. As expected
results, we highlight the valorization of Santa Catarina's memories about the
fortifications, the encouragement of interest in history about the defensive system
of the island and visits to the fortresses; besides contributing to the valorization
of individual and collective identities and to strengthen the community's sense of
belonging.
ISBN: 978-85-8209-121-0

Key-words: Memory; identity; community

Introdução

Este artigo aborda os primeiros passos de um projeto vinculado às


atividades de educação patrimonial realizadas no âmbito da Coordenadoria das
Fortalezas da Ilha de Santa Catarina (CFISC).
A Coordenadoria é um setor vinculado à Secretaria de Cultura, Arte e
Esporte (SeCArtE), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ela é
responsável pelo gerenciamento, guarda, manutenção e conservação das
fortalezas de Santa Cruz de Anhatomirim, Santo Antônio de Ratones e São José
da Ponta Grossa, que fazem parte do sistema defensivo inicial da Ilha de Santa
Catarina.
Essas fortificações foram tombadas como Patrimônio Histórico Nacional
no ano de 1938. Desde 2015, Santa Cruz e Santo Antônio vêm construindo
candidatura para se tornarem patrimônio mundial pela Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Além de representarem um marco importante na história da ilha, essas
fortalezas marcaram e marcam até hoje a história do estado catarinense e do
Brasil. Elas contribuíram para a delimitação geográfica do continente brasileiro,
em especial do sul do brasil, assim como para a formação cultural do estado, em
diferentes aspectos entre os quais: a língua falada, a gastronomia, a
religiosidade, a arquitetura, a economia, entre outros.
Mas o que essas fortificações significam para a população do estado?
Quais são as memórias individuais e coletivas referentes às fortalezas de Santa
Catarina? Essas são algumas das perguntas que instigaram a elaboração do
projeto “Fortalezas da Ilha: Vozes da Comunidade”.
O projeto tem o objetivo de registrar, divulgar e compartilhar as memórias
da comunidade catarinense sobre as fortalezas do estado.
Neste artigo, vamos apresentar os passos iniciais do projeto, expondo a
sua metodologia, breves referencias teóricos que o embasam, as ações
realizadas até o momento, algumas dificuldades enfrentadas, os pontos positivos
e os resultados esperados.

Metodologia do projeto

A metodologia inicial do projeto, quando ainda estava no campo da


ideação (2019), previa visita às comunidades do entorno das fortificações para
a identificação de um conjunto de pessoas, com diferentes experiências com as
fortalezas, que se dispusessem a ceder depoimentos sobre sua relação com as
fortificações. A ideia era coletar os depoimentos nas casas das pessoas, em
locais escolhidos por elas nos bairros e nas próprias fortificações. A História Oral
estava prevista como uma forte aliada para efetivação do projeto.
ISBN: 978-85-8209-121-0

Para os depoimentos, já se vislumbrava, a partir de contato inicial,


trabalhadores aposentados das fortalezas; famílias que viveram por certo tempo
em uma das fortificações; pessoas que vivem na comunidade do entorno das
fortalezas e mantêm vivos aspectos da cultura vinculados aos fazeres dos
portugueses que ocuparam a região no século XVIII, entre outros.
Surpreendidos pela pandemia de coronavírus (2020) e com a
necessidade do isolamento social para garantir a vida, suspendemos
temporariamente a ideia do projeto, que em seguida foi remodelado para se
adaptar às atividades a distância. O novo modelo buscou contribuir para a
manutenção de certa interação das pessoas com as fortalezas, em período em
que elas passariam a ficar fechadas para a visitação.
Neste contexto, podemos destacar três metodologias de acordo com os
três diferentes momentos que compuseram o projeto até o momento: 1) Envio
de fotografias para exposição - Projeto piloto (2020); 2) Envio espontâneo de
material; 3) Busca ativa de material.

1. Envio de fotografias para exposição - Projeto piloto

Com o objetivo de manter algum tipo de interação da população com as


fortalezas – pensar nelas, falar sobre elas e expressar sentimentos e sentidos
que elas provocam – o projeto piloto foi pensado como uma exposição digital.
Inserida no contexto da programação virtual do Experimenta Pandêmico
(2020), um evento promovido anualmente pela Secretaria de Cultura e
Arte/UFSC, a Exposição Digital Fortalezas convidou as pessoas a enviarem
fotografias com momentos vividos nas ou relacionados às fortificações,
acompanhadas de um título que explicasse a história compartilhada. Quinze
fotografias foram enviadas. A modo de exemplo, compartilhamos três fotografias,
a seguir.

Educação resgata histórias, perpetua


valores e nos torna quem realmente somos!
Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim
Foto enviada por Luciara Azevedo, da Escola
Olhar, estar e senti!
do Meio Ambiente
Fortaleza de Santo Antônio de Ratones
ISBN: 978-85-8209-121-0

Foto enviada por Patrick


Freire Machado.
Ano: 2019

Uma volta 360º pela Fortaleza de


São José da Ponta Grossa
Fortaleza de São José da Ponta
Grossa
Foto enviada por Ana Sophia
Sovernigo, juntamente com as colegas
Lívia Tokasiki e Ana Gabrielle
Schardosin Lopes.
Ano: 2018
ISBN: 978-85-8209-121-0

2) Envio espontâneo de material

Com objetivo de ampliar a participação e o espaço para as manifestações,


em 2021 lançamos um edital público convidando a população, local ou turística,
para compartilhar seus sentimentos, vivências e experiências relacionados às
fortificações por meio de relatos orais ou outros modos de registro – criativos e
livres – como depoimentos escritos em diferentes gêneros literários; desenhos;
fotografia etc.

Para o lançamento dessa modalidade, criamos um cartaz e alguns selos


para o projeto.

Logo após o lançamento do edital, recebemos a intrigante poesia


intitulada “Testamento Maragato”, de autoria de um descendente de tropeiros e
estudioso, apaixonado pela história de Santa Catarina, o senhor Osmar
Ransolin. Osmar nos contou que após estudar exaustivamente e de forma
autodidata a Guerra do Contestado (1912 - 1916), passou a estudar sobre a
Revolução Federalista, ocorrida durante o governo de Floriano Peixoto (1893-
1895) e se sentiu bastante comovido com a história. Mais tarde, quando teve a
oportunidade de visitar a Ilha de Santa Cruz de Anhatomirim, palco de inúmeros
fuzilamentos e/ou enforcamentos de pessoas vinculadas à revolução, vivenciou
o que ele chamou de “experiência sensorial”, sentindo-se um soldado preso que
chegava à ilha. A seguir, compartilhamos dois trechos da poesia.
ISBN: 978-85-8209-121-0

A poesia gerou uma conversa com o autor, para conhecermos a sua


história com Anhatomirim. A conversa foi gravada e está disponível no canal:
Fortalezas da UFSC

3) Busca ativa de material

Por fim, outra metodologia utilizada foi o que estamos chamando de busca
ativa, caracterizada pela identificação de pessoas que, de algum modo,
sinalizaram ter tido alguma experiência marcante com as fortificações e que
gostariam de compartilhar seus depoimentos.
Três pessoas sinalizaram interesse em participar. No entanto, após
alguns contatos, apenas uma manteve o interesse. Trata-se de um dos
trabalhadores mais antigos, ainda em atividade nas fortalezas, o senhor José
Hamilton Hames, servidor público que começou suas atividades há mais de vinte
anos no setor.
Com pequenos relatos filmados por nós, em condições técnicas pouco
adequadas ainda, ele nos contou sobre o orgulho que as fortificações
representavam para a Universidade e para a sociedade, que segundo ele eram
como um “cartão de visitas” - o primeiro lugar que a UFSC levava seus visitantes
mais ilustres. Citou as dificuldades de realizar um trabalho tão diferentes das
demais atividades da UFSC e que, por vezes, exigia criatividade, tentativas e
erros e muito companheirismo entre os trabalhadores. Ressaltou a participação
ISBN: 978-85-8209-121-0

da comunidade em alguns projetos das fortalezas, como por exemplo, o Aquário,


que abrigava diversas espécies marinhas com a contribuição dos pescadores da
região. A relação de afeto e respeito construída com os colegas de trabalho,
moradores do entorno da fortificação, e o orgulho e a alegria de fazer parte dessa
história também ganharam destaque na fala do senhor Hamilton. Durante o
relato, percebemos o quanto a vida pessoal e profissional desse senhor se
misturam e se completam, fato que o faz adiar o pedido de aposentadoria para
a qual já tem tempo de trabalho o suficiente.

Desafios e possibilidades

A busca do projeto “Fortalezas da Ilha: Vozes da Comunidade”, de


valorizar a percepção que a população catarinense tem sobre as fortalezas a
partir do olhar, do sentimento e das experiências individuais das pessoas,
principalmente daquelas que vivem no entorno das fortificações, nos fez refletir
sobre memória. Pois, ao fim e ao cabo, são as memórias que queremos
conhecer, registrar e compartilhar.
Segundo Pollak (1992), a memória não reporta ao fato em si, mas às
percepções que as pessoas têm da realidade. Trata-se de um fenômeno
construído de forma consciente ou inconsciente, que é estruturado pelas
preocupações que os sujeitos têm em diferentes momentos vividos. Além disso,
não se trata de um fenômeno exclusivamente individual, mas construído na
relação com o outro, ainda que possamos falar de memória individual e memória
coletiva.

A priori, a memória parece ser um fenômeno individual,


algo relativamente íntimo, próprio da pessoa. Mas Maurice
Halbwachs, nos anos 20-30, já havia sublinhado que a
memória deve ser entendida também, ou sobretudo, como
um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um
fenômeno construído coletivamente e submetido a
flutuações, transformações, mudanças constantes.
(POLLAK, 1992, p.2)

A memória individual ou coletiva, destaca Pollak (1992), é constituída por


acontecimentos vividos pessoalmente ou pelo grupo ao a qual pertencemos, por
personagens e por lugares de memória, os quais podem se situar dentro ou fora
do espaço-tempo de uma pessoa ou de um grupo.
Às memórias situadas fora do espaço-tempo do sujeito que as
compartilha, o autor denomina de “memórias vividas por tabela”. São memórias
de experiências vividas por outras pessoas em outro espaço-tempo, mas que
“...por meio da socialização política, ou da socialização histórica, ocorra um
fenômeno de projeção ou de identificação com determinado passado, tão forte
que podemos falar numa memória quase que herdada.” (POLLAK, 1992, p.2)
ISBN: 978-85-8209-121-0

Esse parece ter sido o caso da experiência intensa de Osmar Ransolin


com a Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim, registrada em sua poesia
“Testamento Maragato” e na “experiência sensorial” relatada por ele ao visitar
aquele lugar de memória. Seus estudos sobre a Revolução Federalista e a
identificação com a experiência dos soldados parecem tê-lo feito herdar aquelas
memórias de dor a ponto de sentir-se um deles.
Outro aspecto destacado por Pollak (1992) se refere à relação entre
memória e identidade. Segundo o autor,

... a memória é um elemento constituinte do sentimento de


identidade, tanto individual como coletiva, na medida em
que ela é também um fator extremamente importante do
sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa
ou de um grupo em sua reconstrução de si. (POLLAK,
1992, p.5)

Registrar e compartilhar as memórias vinculadas às fortificações nos


parecem, portanto, um modo de contribuir para o fortalecimento do sentimento
de identidade da população catarinense, seja de indivíduos em particulares, seja
de pequenos grupos sociais que vivem no entorno das fortalezas ou de grupos
ainda mais abrangentes.
As atividades de registro e compartilhamento de memórias poderão ser
importantes momentos de afeto, memoração e rememoração; poderão contribuir
para valorização de cada sujeito, da cultura, para o sentimento de pertencimento
e poderão contribuir para a preservação do bem patrimonial.
Essas são intenções do projeto “Fortalezas da Ilha: Vozes da
Comunidade”, que, apesar do tempo percorrido, ainda pode ser considerado
incipiente, dada as condições objetivas em que ele foi iniciado e a
impossibilidade da realização de trabalho de campo que possibilitaria uma
aproximação mais propícia para a atividade desejada. Pois, segundo Portelli
(1997, p.15) “...apesar de o trabalho de campo ser importante para todas as
ciências sociais, a História Oral é, por definição, impossível sem eles.”
Segundo o autor,

A História Oral é uma ciência e arte do indivíduo. Embora


diga respeito – assim como a sociologia e a antropologia –
a padrões culturais, estruturas sociais e processos
históricos, visa aprofundá-los em essência, por meio de
conversas com pessoas sobre a experiência e a memória
individual e ainda por meio do impacto que estas tiveram
na vida de cada uma. (Portelli, 1997, p. 15)

Dito isso, apresentamos, a seguir, as ações realizadas até o momento,


algumas dificuldades enfrentadas, os pontos positivos e os resultados
esperados.
Entre as ações já realizadas, se destacam a identificação inicial de
pessoas e grupos a serem convidados para participar do projeto; a formação da
ISBN: 978-85-8209-121-0

equipe coordenadora do projeto em técnicas de gravação de entrevistas em


áudio e vídeo; a construção de parcerias para acesso a equipamentos
adequados e o apoio para a coleta de depoimento; o início de formação da
equipe coordenadora do projeto na metodologia da História Oral; o início de uma
coleta direcionada; e as primeiras edições de material coletado.
As dificuldades encontradas para as primerias ações foram a
impossibilidade de contato direto com os participantes; a pouca familiaridade
das pessoas com o mundo digital; a adesão tímida ao edital de chamamento
público à participação espontânea; a falta de equipamentos adequados; e a
dificuldade de continuidade/agilidade na coleta e edição de material coletado.
Como principais pontos positivo, podemos destacar a demonstração de
interesse de participação manifestado por individuos e por grupos de apoio nas
comunidades do entorno das forticações; o desejo da equipe coordenadora em
ouvir o que tem a dizer a comunidade e a possibilidade de contribuir para a
ampliação do acervo do Banco de Dados Internacional sobre Fortificações da
CFISC – fortalezas.org, de modo a disponibilizar para o acesso da população em
geral as memórias sobre as fortifcações, incentivando-a a valorizar a cultura da
região.
Para finalizar, destacamos que os resultados esperados com a
continuidade do projeto são conseguir registrar e compartilhar várias memórias;
incentivar o interesse pela história sobre o sistema defensivo da ilha; incentivar
a visitação nas fortalezas; contribuir para a valorização de identidades individuais
e coletivas relacionadas às fortalezas e para fortalecimento do sentimento de
pertencimento desses sujeitos.

Referência Bibliográfica
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos históricos, Rio de
Janeiro, v. 5, n. 10, 1992, p. 200-212.
PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho: algumas reflexões
sobre a ética na história oral. Projeto História. São Paulo, n. 15, abr./1997, p.
13-49.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução: Beatriz Sidou. São
Paulo: Centauro, 2006, p. 29-70.
ISBN: 978-85-8209-121-0

EXPERIÊNCIAS DE MEMÓRIAS
ISBN: 978-85-8209-121-0

HISTÓRIA E MEMÓRIAS DA ESCOLINHA DE ARTES DE JOINVILLE7

Juliana Rossi Gonçalves8


Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE
julirossi@gmail.com

Taiza Mara Rauen Moraes9


Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE
moraes.taiza@gmail.com

RESUMO: O Movimento Escolinhas de Arte (MEA) se manifestou no Brasil na década


de 1940 a partir da criação da Escolinha de Arte do Brasil (EAB). Por meio de uma
pesquisa documental, constatou-se que na cidade de Joinville/SC, o MEA refletiu na
criação da Escolinha de Artes Infantis (EAI) em 1970. A metodologia utilizada na EAI
era a da livre-expressão, seguindo a tendência modernista do MEA. A partir de 1990,
temas relacionados à história da arte passaram a ser trabalhados anualmente, ligando a
EAI à Abordagem Triangular, de Ana Mae Barbosa. Mantida pelo poder público
municipal, a Escolinha de Joinville resiste há mais de 50 anos promovendo ações
educativas que reforçam seu papel de sensibilizar o olhar da criança para sentir, agir e ver
criticamente o mundo.

PALAVRAS-CHAVE: Movimento Escolinhas de Arte; arte/educação; ensino da


arte; escolinha de arte.

ABSTRACT: The Escolinhas de Arte Movement (MEA) was spread in Brazil in


the 1940s with the creation of the Escolinha de Arte do Brasil (EAB). The
documentary research found that in the city of Joinville/SC, MEA influenced the
creation of the Escolinha de Artes Infantis (EAI) (Children's Arts School) in 1970.
The “free expression” methodology was used in EAI following the modernist art
teaching tendency of MEA. After 1990, art history themes began to be introduced
in art classes, linking EAI to Ana Mae Barbosa's Triangular Approach. The
municipal government mantains EAI, that has been resisting for more than 50
years by promoting educational actions that reinforce its role of sensitizing
children to feel, act and see the world critically.

KEYWORDS

7
Esse estudo foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) – Código de Financiamento 001.
8 Doutoranda em Patrimônio Cultural e Sociedade pela Universidade da Região de

Joinville – UNIVILLE e professora de Desenho e Pintura na Escola de Artes Fritz Alt


(EAFA), em Joinville/SC. Bolsista CAPES-PROSUC e integrante do Grupo de Pesquisa
Imbricamentos de Linguagens (CNPq).
9 Doutora em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Professora

titular do curso de Licenciatura/Bacharelado em Letras e do Programa de Pós-


graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade da UNIVILLE. Líder do Grupo de
Pesquisa Imbricamentos de Linguagens (CNPq).
ISBN: 978-85-8209-121-0

Escolinha de Arte Movement; art-education; art teaching; escolinha de arte;


children’s arts school.
Introdução

O Movimento Escolinhas de Arte (MEA) surgiu no Brasil como uma


resposta à educação do Estado Novo (1937-1946), que solidificou alguns
procedimentos, como a cópia de estampas e desenho geométrico na escola
primária e secundária (BARBOSA, 2003), restringindo o espaço de liberdade dos
estudantes. A gênese do movimento, que constituía espaços de criação artística
para crianças, ocorreu a partir da criação da Escolinha de Arte do Brasil (EAB).
O MEA se disseminou a partir da década de 1940. Por meio de uma pesquisa
documental, constatou-se que na cidade de Joinville, um polo industrial
localizado no sul do Brasil, o MEA refletiu na criação da Escolinha de Artes
Infantis (EAI) em 1970.
A presente pesquisa aborda a origem da Escolinha de Artes de
Joinville/SC por meio de um panorama histórico que conecta sua criação ao
MEA. Criada dentro da cena artística e cultural da cidade na década de 1970, ao
longo dos anos a Escolinha de Joinville passou por momentos de mudanças
metodológicas: da livre-expressão à Abordagem Triangular. Resistindo ao
tempo, a Escolinha é mantida pela Prefeitura Municipal da cidade e é marcada
em sua história e atualidade por desafios e reminiscências.

O Movimento Escolinhas de Arte (MEA) e suas contribuições


para o ensino da arte no Brasil

O Movimento Escolinhas de Arte (MEA) foi um movimento brasileiro no


ensino da arte que se manifestou no Brasil a partir da criação da Escolinha de
Arte do Brasil (EAB) na década de 1940. Antes da EAB, a arte/educação foi
influenciada pelo artista e educador tcheco Franz Cizek (na Semana de Arte
Moderna de 1922), pelo filósofo e pedagogista norte-americano John Dewey (a
partir de Anísio Teixeira, em 1930), por Herbert Read e por Viktor Lowenfeld
(com o MEA, a partir de Augusto Rodrigues).
Em 1897 foi aberta a primeira Escolinha de Arte Infantil por Cizek,
integrante da Escola de Artes e Ofícios de Viena. As ações educativas de Cizek
ISBN: 978-85-8209-121-0

influenciaram a Semana de Arte Moderna de 1922 por meio de Anita Malfatti10 e


Mário de Andrade11. Anita Malfatti ministrava aulas em São Paulo pautada na
livre-expressão e espontaneísmo. Mário de Andrade enfatizava em seu curso de
História da Arte que a arte infantil deveria ser estimulada como expressão
espontânea (BACARIN, 2005) e contribuiu para que “se começasse a encarar a
produção pictórica da criança com critérios investigativos e à luz da filosofia da
arte” (BARBOSA, 2008, p. 3).
Alguns anos depois, em 1930, Anísio Teixeira12 criou o Centro
Educacional Carneiro Ribeiro na Bahia, onde as aulas de Arte eram
desenvolvidas em uma escola-parque – “o centro desenvolveu os estudos de
Teixeira realizados na Universidade de Colúmbia, em 1928, junto com Dewey”
(BACARIN, 2005, p. 108). Anísio foi o principal personagem do movimento
Escola Nova (1927-1934) no Brasil, influenciado por John Dewey.
A Escola Nova “tomou principalmente a ideia de arte como experiência
consumatória” (BARBOSA, 2008, p. 1), pois a arte era usada como final de uma
experiência, para que a criança pudesse fixar conhecimentos de outras áreas de
estudo. O Movimento Escola Nova ganha força ao “deslocar o ensino-
aprendizagem centrado no intelecto para as emoções e outros aspectos
psicológicos” (ESCOLINHA, 2019).
O MEA surgiu no Brasil na década de 1940 como uma resposta à
educação do Estado Novo (1937-1946), que “solidificou alguns procedimentos,
como o desenho geométrico na escola secundária e na escola primária, o
desenho pedagógico e a cópia de estampas usadas para as aulas de
composição em língua portuguesa” (BARBOSA, 2003, p. 2), restringindo o
espaço de liberdade dos estudantes. Dessa forma, o movimento pregou a arte
como uma forma de liberar as emoções das crianças, valorizando a livre-
expressão (LIMA, 2012) a partir das ideias de Herbert Read e Viktor Lowenfeld.

10 Precursora da arte moderna no Brasil, Anita foi pintora, ilustradora, desenhista,


gravadora e professora. Nasceu em 1889 e faleceu em 1964.
11 Um dos fundadores do modernismo no Brasil, Mário de Andrade foi poeta, romancista,

crítico, musicólogo, historiador de arte e fotógrafo brasileiro. Nasceu em 1893 e faleceu


em 1945.
12 Anísio foi personagem central na história da educação no Brasil, pois difundiu o

movimento da Escola Nova entre as décadas de 1920 e 1930. Intelectual, educador e


escritor, nasceu em 1900 e faleceu em 1971.
ISBN: 978-85-8209-121-0

O movimento foi liderado inicialmente por Augusto Rodrigues13, artista


pernambucano que criou a primeira Escolinha de Arte do Brasil (EAB) em 1948
no Rio de Janeiro. Rodrigues, junto a outros “[...] artistas também insatisfeitos
com a escola comum, unem-se em um mesmo ideal: possibilitar um lugar para
as crianças se expressarem e liberarem seus impulsos criadores” (COSTA,
2010, p. 12).
Em sua trajetória, o MEA se tornou um agente transformador do ensino
da arte em espaços da educação formal. Segundo Barbosa (2008), o MEA foi
impulsionado na escola regular pela professora Noemia Varela, que “foi a grande
influenciadora do ensino da arte em direção ao desenvolvimento da Criatividade,
que caracterizou o modernismo em Arte/Educação” (BARBOSA, 2008, p. 7).
Noemia, ao ter contato com Augusto Rodrigues e Lúcia Alencastro Valentim (que
também ajudou a fundar a EAB) em 1949 no Rio de Janeiro, ficou encantada ao
ver cerca de trinta crianças, adolescentes e pré-adolescentes pintando e
desenhando (AZEVEDO, 2008). Na época, foi ao Rio de Janeiro para participar
de um encontro sobre Educação Especial e nesse encontro uma amiga a levou
a conhecer a EAB. Segundo Noemia,

Sem saber como, compreendi que era uma escola


diferente, ali se realizava uma experiência que me dava
uma resposta [...]. O que aprendera na faculdade sobre
pedagogia e seus métodos, e tudo o que pensava sobre o
desenho, de repente deixaram de motivar, porque ali
estava uma experiência viva e real se realizando e a se
realizar (apud AZEVEDO, 2008, p. 231).

Ao voltar para Recife, abriu um ateliê de artes na Escola Especial Ulisses


Pernambuco, onde foi diretora. Nessa Escola, realizou um curso para 43
professores que contou com psiquiatras, médicos, psicólogos, antropólogos
(ESCOLINHA, 2019). O resultado desse encontro foi o nascimento da Escolinha
de Arte do Recife (EAR) em 1953, contando com a colaboração dos artistas Lula
Cardoso Ayres, Francisco Brennand e Aloísio Magalhães. Noemia foi professora,
junto a Paulo Freire, de Ana Mae Barbosa (AZEVEDO, 2008). Posteriormente,
Noemia foi diretora técnica da Escolinha de Arte do Brasil no Rio de Janeiro.

13Augusto foi um artista plástico e arte/educador brasileiro, pioneiro na criação das


escolinhas de arte para crianças no Brasil. O artista nasceu em 1913 e faleceu em 1993.
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Além de toda a mudança e transição do ensino da arte do Estado Novo


para o modernismo, o MEA influenciou na formação dos profissionais da área.
Na década de 1960 foram criados os Cursos Intensivos de Arte Educação
(CIAE), oferecidos em tempo integral na EAB como um “estágio intensivo de
professores de vários estados que buscavam entender melhor meios de integrar
a arte no processo educativo” (COSTA, 2010, p. 14).
O CIAE “formou toda uma geração de Arte Educadores no Brasil e muitos
na América Latina Espanhola” (BARBOSA, 2003, p. 3). Em 1971, havia cerca de
32 Escolinhas de Arte no Brasil e mais 4 fora de nosso país: Paraguai, Argentina
e Portugal. No sul do Brasil, as Escolinhas se proliferaram principalmente no Rio
Grande do Sul, chegando a haver vinte e três Escolinhas (BARBOSA, 2008) no
ano de 1977. No Paraná, existiam doze escolinhas em 1969 (ANTONIO, 2018).
Não há registros concretos que delimitam o número de Escolinhas em Santa
Catarina, mas sabe-se que as Escolinhas que estão ativas no estado são a
Escolinha de Artes de Florianópolis, a Escolinha “Monteiro Lobato” de Blumenau
e a Escolinha de Artes Infantis (EAI) de Joinville. Paralela ao MEA, a Escolinha
de Joinville foi criada em um momento de propagação das Escolinhas de Arte no
Brasil, na década de 1970.

A criação da Escolinha de Artes de Joinville/SC

Abordar a criação e as memórias da Escolinha de Joinville é conhecer a


trajetória histórica e artística da cidade. Do seu início até os dias atuais, a
Escolinha14 sempre caminhou lado a lado com os movimentos artísticos que se
desenvolveram na cidade ao longo das décadas.
Os primeiros artistas que deixaram suas marcas em Joinville entre as
décadas de 1920 e 1940 foram Fritz Alt e Eugênio Colin, respectivamente
(ROSSI, 2014). Fritz Alt (1902-1968), alemão radicado em Joinville, veio à cidade
em 1922. Trouxe da Alemanha seus conhecimentos em escultura em bronze e
se destacou por sua produção de monumentos espalhados por praças, parques
e ruas de Joinville, além de painéis e ornamentos em edificações. Eugênio Colin

14Quando citamos “Escolinha” nesse texto, nos referimos à Escolinha de Artes Infantis
de Joinville/SC.
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(1916-2005) foi um dos desbravadores de espaços para expor arte e o primeiro


arte educador da cidade (LAMAS apud ROSSI, 2014). Produziu mais de duas
mil telas, a maioria representando paisagens inspiradas em regiões perto de
Joinville e do estado do Paraná.
Nas décadas de 1970 e 1980, um novo pensamento estético mobilizou os
artistas da cidade em prol de uma articulação visando projetar suas produções
artísticas fora do eixo Rio-São Paulo, em plena ditadura militar, refletindo em um
movimento artístico forte e unido. Entre os resultados desse movimento
destacam-se a Coletiva de Artistas, criada em 1971 e o Museu de Arte de
Joinville (MAJ) em 1976. Em 1975 foi instituído o Museu Casa Fritz Alt e na
década seguinte foram criadas a Galeria Municipal de Arte Victor Kursancew
(GMAVK) e a Associação de Artistas Plásticos de Joinville (AAPLAJ), primeira
Associação de Artistas Plásticos criada em Santa Catarina, instituições que se
mantém em funcionamento até o momento presente.
A Escola de Artes Fritz Alt (EAFA) foi criada em 1968 tendo por meta
organizar e reunir em Joinville artistas, professores e interessados em participar
de aulas e oficinas de arte. Alguns anos depois, em 1972, a Casa da Cultura
Fausto Rocha Júnior15 (CCFRJ) foi criada com o intuito de agregar em seu
espaço físico a Escola de Música Villa Lobos (EMVL) e a Escola de Artes Fritz
Alt. Mais tarde agregou a Escola Municipal de Ballet e em 2022 passou a integrar
a Escola Municipal de Teatro (EMT). Desde sua construção, a CCFRJ é
subsidiada pelo poder público. O local oferece aulas de artes ao público de
Joinville e região, destacando-se como um polo cultural e de ensino de arte em
Santa Catarina.
Em 1970 a Escolinha de Artes em Joinville foi criada como parte integrante
da EAFA. A iniciativa partiu da produtora cultural Albertina Ferraz Tuma, que em
1969 obteve uma bolsa de estudos da Prefeitura Municipal de Joinville e foi à
Curitiba/PR participar de um curso de Arte-Educação na Escola e Museu de Arte
do Paraná (Casa Alfredo Andersen), atual Museu Alfredo Andersen. O curso,

15A Casa da Cultura Fausto Rocha Júnior é um polo cultural localizado em Joinville/SC
que abriga três escolas de artes: Escola de Fritz Alt (EAFA), Escola de Música Villa
Lobos (EMVL) e Escola Municipal de Ballet (EMB). Além das escolas, há também a
Galeria Municipal de Artes Victor Kursancew e a Biblioteca Edith Wetzel. A Casa da
Cultura F.R.Jr. é mantida pela Prefeitura Municipal de Joinville e fica localizada na Rua
Dona Francisca, 800.
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impulsionador do projeto de criação da Escolinha em Joinville, foi um Curso de


Artes Plásticas na Educação – CAPE16, com exploração do método da livre-
expressão.
Albertina Ferraz Tuma participou da 1ª Coletiva de Artistas de Joinville,
pois também desenvolvia trabalhos como artista plástica. Junto ao bailarino e
professor Carlos Tafur, idealizou o Festival de Dança de Joinville, evento que
facilitou a vinda do Balé Bolshoi para Joinville, a única escola do balé fora da
Rússia (REVISTA DUO, 2017).
Desde sua criação, em 1970, a metodologia utilizada na Escolinha de
Artes de Joinville foi a da livre-expressão, seguindo a tendência modernista do
MEA, metodologia marcada pela livre-expressão, das emoções e da expressão
dos sentimentos que tinham prioridade sobre a aquisição do conhecimento
(STEFFEN, 1999). Algumas ações educativas consistiam em sair de sala de aula
e ir para a rua, para que os alunos pudessem pintar livremente em muros e
tapumes pela cidade.

Resistências e desafios da Escolinha de Joinville

Algumas dificuldades na década de 1990 foram registradas por Steffen


(1999), que em sua pesquisa cita que foram entre os anos de 1994 a 1996 que
a Escolinha passou pela sua pior fase. Nessa época uma pessoa que assumiu
a presidência da Fundação Cultural de Joinville (atual Secretaria de Cultura e
Turismo de Joinville) queria o fechamento da Escolinha. Houve a necessidade
de uma intervenção da diretora da EAFA na época, Berenice Mokross, para
provar a importância da Escolinha para Joinville e região.
A falta de investimentos e manutenção de espaços culturais por parte do
poder público é um problema que atingiu diretamente a Escolinha. No ano de
2011, o espaço físico da CCFRJ foi interditado pela Vigilância Sanitária, fazendo
com que as aulas fossem remanejadas para uma sala de um prédio comercial,
dificultando o trabalho de professores e alunos. O retorno das atividades ao
espaço físico original ocorreu em dezembro de 2013, depois de uma reforma na
estrutura física. A volta à sede ocorreu também por pressão, insistência e

16 Cf. SILVA, 2005.


ISBN: 978-85-8209-121-0

mobilização de professores, funcionários e alunos que fizeram protestos que


foram divulgados em veículos de comunicação e em redes sociais (ABRAÇO,
2013).
Steffen (1999) relata que desde a década de 1990 não havia um espaço
físico próprio dentro da CCFRJ para a conservação de documentos, arquivos
referentes a eventos, fotos e dados históricos. Atualmente há a Biblioteca Edith
Wetzel que guardava diversos livros de arte e alguns arquivos mortos. Contudo,
ainda existe uma dificuldade em relação ao controle e conservação dos materiais
dispostos, pois sem arquivo, não há registros e não há memória.
Duas pesquisas acadêmicas que abordam a Escolinha de Joinville foram
encontradas: as monografias de Berenice J. Mokross (ex-professora de História
da Arte e ex-diretora da EAFA) de 1992, e de Heloisa Steffen (professora de
Cerâmica da EAFA), de 1999. São pesquisas relevantes que registram
momentos históricos sobre essas instituições culturais.

Considerações finais

Em Joinville, o reflexo do MEA, que foi um movimento nacional de escolinhas


de artes, foi sentido na criação da Escolinha de Artes Infantis, localizada na CCFRJ. A
metodologia utilizada na EAI era a da livre-expressão, seguindo a tendência modernista
do MEA. A partir de 1990, temas relacionados à história da arte passaram a ser
trabalhados anualmente, ligando a EAI à abordagem triangular, desenvolvida por Ana
Mae Barbosa. Os temas continuam a ser trabalhados até hoje, selecionados pelo corpo
docente em conjunto com os alunos, que resultam em uma exposição anual na Galeria
Municipal de Artes Victor Kursancew e apresentação de peças de teatro.
Mantida pelo poder público municipal, a falta de investimentos é um problema
que atinge diretamente a Escolinha de Arte Infantil (EAI), que resiste há mais de 50 anos
em Joinville. Entretanto, mesmo passando por diversas dificuldades, a Escolinha é
mantida por arte-educadores que, cada vez mais capacitados e atualizados em relação ao
ensino da arte, promovem o ensino artístico para crianças de 6 aos 12 anos. Sua trajetória
demonstra que ao longo dos anos as ações educativas promovidas reforçam seu papel de
sensibilizar o olhar da criança para sentir, agir e ver criticamente o mundo.
ISBN: 978-85-8209-121-0

Os registros das memórias e das ações educativas ao longo dos 52 anos de


existência da Escolinha demonstram uma trajetória histórica do ensino da arte em
Joinville integrada ao movimento nacional e modernista de ensino de arte, o Movimento
Escolinhas de Arte (MEA).

REFERÊNCIAS

ABRAÇO simbólico marca dois anos de interdição da Casa da Cultura em


Joinville. Jornal A Notícia, 2 ago. 2013. Disponível em:
<https://www.nsctotal.com.br/noticias/abraco-simbolico-marca-dois-anos-de-
interdicao-da-casa-da-cultura-em-joinville>. Acesso em 13 set. 2019.

ANTONIO, Ricardo Carneiro. Leituras de professoras: a circulação de ideias


acerca de arte e educação no Paraná na década de 1960. Revista Brasileira
de Educação, v. 23, p. 1-23, 2018. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v23/1809-449X-rbedu-23-e230009.pdf>. Acesso
em 02 jun. 2019.

AZEVEDO, Fernando Antônio Gonçalves. Movimento Escolinhas de Arte: em


cena memórias de Noemia Varela e Ana Mae Barbosa. In: BARBOSA, Ana Mae:
Memória e história (org.) São Paulo: Perspectiva, 2008. P. 217-257.

BACARIN, Ligia Maria Bueno Pereira. O movimento de arte-educação e o


ensino de arte no Brasil: história e política. Maringá: Mestrado em Educação/
Universidade Estadual de Maringá, 2005. 216 p. Dissertação Mestrado em
Educação.

BARBOSA, Ana Mae. Arte Educação no Brasil: do modernismo ao pós-


modernismo. Revista Digital Art&, n. 0, out. 2003. Disponível em: <
http://www.revista.art.br/site-numero-00/apresentacao.htm>. Acesso em 02 jun.
2019.

BARBOSA, Ana Mae (org.). Memória e história. São Paulo: Perspectiva, 2008.

COSTA, Fabíola Cirimbelli Búrigo. A Contribuição do Movimento Escolinhas de


Arte no Ensino de Arte em Santa Catarina. Revista Nupeart, Florianópolis,
Universidade do Estado de Santa Catarina, v. 8, p. 10-27, 2010.

ESCOLINHA de Arte do Recife (EAR). In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte


e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em:
ISBN: 978-85-8209-121-0

<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/instituicao343537/escolinha-de-arte-do-
recife-ear>. Acesso em: 01 de jun. 2019.

LIMA, Sidiney Peterson. Escolinha de Arte do Brasil: Movimentos e


Desdobramentos. In: 21º ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 21., 2012, Rio de Janeiro. Anais
[...]. Rio de Janeiro: ANPAP, 2012. p. 454-466.

MOKROSS, Berenice Joanna. A importância da Escola de Artes ‘Fritz Alt’ no


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de Joinville (FURJ) e Universidade de São Paulo (USP), Joinville, 1992.

REVISTA DUO JOINVILLE. Albertina Tuma: um grande nome da cena cultural


da cidade. Revista DUO Joinville, Joinville, ano 8, nº 50, p. 80-83, ago. 2017.

ROSSI, Juliana. Artes Visuais de Joinville e o blog como mediador cultural.


2014. 203 p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade da Região de
Joinville, Joinville, 2014.

SILVA, Rossano. O CAPE e a formação do professor de arte nos 1964 a 1975


em Curitiba. In: 3º Fórum de Pesquisa Científica em Arte, 2005, Curitiba. Anais
do 3º. Fórum de Pesquisa Científica em Arte. Curitiba: 2005. P. 37-49.
Disponível em:
http://www.embap.pr.gov.br/arquivos/File/Forum/RossanoCape.pdf. Acesso em:
23 ago. 2022.

STEFFEN, Heloísa. Escolinha de Artes Infantis de Joinville: 28 anos no


cenário arte-educativo joinvillense. 1999. 88 p. Monografia (Especialização em
O Ensino da Arte: Fundamentos Estéticos e Metodológicos) – Universidade da
Região de Joinville, Joinville, 1999.
ISBN: 978-85-8209-121-0

EDUCAÇÃO DOS TEUTO-BRASILEIROS EM JOINVILLE: PROJETO DE


NACIONALIZAÇÃO DO ENSINO NO PERÍODO DA PRIMEIRA GUERRA
MUNDIAL

Daniele Claudia Miranda17


Euler Renato Westphal18
Roberta Barros Meira19

RESUMO

O artigo em questão tem como objetivo abordar como se deu o processo


educacional dos teuto-brasileiros durante o período da Primeira Guerra
Mundial (1914-1918), a partir da perspectiva de mudança do ensino antes em
sua língua-mãe, com influências da estrutura curricular da Alemanha para as
matérias determinadas pela base curricular brasileira. Nesse sentido, busca-
se analisar os embates gerados pelo dilema enfrentado dentro de um Estado
que uniformizava o currículo escolar pela obrigatoriedade do ensino em
português e de disciplinas como a história e a geografia do Brasil versus o
modelo escolar vigente, gerando um impacto na educação dos imigrantes
alemães e seus descendentes que precisaram se adequar à nacionalização
do ensino em Joinville/SC. A metodologia utilizada envolve a investigação
bibliográfica e documental centrada na mudança do sistema de ensino
joinvillense, quando foi construído um modo de agir e de pensar em um novo
processo de escolarização para teuto-brasileiros. O projeto de nacionalização
foi sendo articulado pelo governo brasileiro ao implantar um novo currículo
para teuto-brasileiros com o objetivo de integrá-los a nacionalidade brasileira
uma vez que o ensino ministrado em alemão, não atendiam às exigências
previstas pela legislação nacional. Assim, o redesenho das instituições
escolares impactou os teuto-brasileiros por prejudicar a diversidade étnico-
linguística manifestada por eles, mas que aos poucos foram sendo
alfabetizados em português.

Palavras-chave: teuto-brasileiros; educação; nacionalização do ensino.

Introdução

17 Doutoranda em Patrimônio Cultural e Sociedade pela Universidade da Região de Joinville –


Univille. E-mail: daclam42@gmail.com
18 Orientador: Prof. Dr. do curso de Doutorado em Patrimônio Cultural e Sociedade pela

Universidade da Região de Joinville – Univille.


19 Coorientadora: Profa. Dra. do curso de Doutorado em Patrimônio Cultural e Sociedade pela

Universidade da Região de Joinville – Univille.


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Joinville, localizada na região nordeste do Estado de Santa Catarina, foi


colonizada por imigrantes europeus, principalmente alemães, a partir de 1851,
através da Sociedade Colonizadora de 1849 em Hamburgo, que encaminhou
para Joinville e arredores, segundo Richter (1986, p.15) entre os anos de 1850
a 1888, 17.408 colonos. A Colônia foi chamada de Dona Francisca em
homenagem à princesa e, posteriormente, o núcleo da colônia foi denominado
Joinville.
Os registros do Arquivo Histórico de Joinville revelam que em 09 de
março de 1851, que os primeiros imigrantes, vindos com a barca “Colon”, até
o Porto de São Francisco do Sul, chegaram às terras catarinenses. A história
da cidade costuma ser contada a partir dessa data, e segundo Silva (2004,
p.29), não foram considerados os “povos sambaquianos que aqui viveram,
nem mesmo a presença dos índios, dos afrodescendentes e dos luso-
brasileiros no momento da colonização”.
Com a chegada dos imigrantes alemães, a maioria escolarizados, surge
o movimento para pressionar o governo brasileiro a promover ações voltadas
à educação de seus filhos nas áreas de colônias, uma vez que a educação
sempre foi valorizada culturalmente.

A chegada de, em sua grande maioria escolarizados instruídos,


vários com nível médio e superior, trazendo como herança uma
longa tradição escolar, os alemães pressionam o governo
provincial para tomar iniciativas quanto à instrução pública nas
novas áreas coloniais. Sem condições, no entanto, da Província
de atender a curto prazo as suas reivindicações, são abertas
com o tempo nas áreas coloniais distantes da sede provincial
(Desterro) algumas escolas por iniciativa da comunidade. Para
funcionarem dentro dos preceitos oficiais são feitas, por parte da
Província, algumas concessões legais, entre elas, leis
específicas para o ensino nas escolas em áreas de
assentamento, permitindo os professores não só a liberdade
religiosa como também é instrução bilíngue, no caso, no ensino
na língua de origem e no idioma pátrio. (TRAUER, 1994, p.24)

Paiva (1997) afirma que houve empenho por parte do governo em


melhorar a instrução pública, sobretudo nas vilas e localidades maiores, no
entanto o destaque ficou por conta da iniciativa particular em aumentar os níveis
de escolarização nas colônias da região sul do Brasil com resultados favoráveis,
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“já por volta de 1865, Santa Catarina registra 12% de letrados, índice um pouco
superior à média nacional que, em geral, não chegava a ultrapassar então,
conforme os registros oficiais, o número de 8%” (PAIVA, 1997, p.67).
Neste período acontece a Reforma Couto Ferraz com várias alterações
no seu decurso, de 1868 a 1879, que em linhas gerais abrangia o ensino
primário e secundário aberta a todos, inclusive adultos (com exceção dos
escravos) com as despesas por conta do poder público, incluído o material
escolar.

Dois anos após a reforma na educação catarinense, ou seja,


por volta de 1870, podem ser registrados na Província nada
menos que 106 estabelecimentos de ensino (particulares e
públicos). Este número ainda em muito se alterará na década
em curso, sobretudo, a partir de iniciativa particular nas áreas
coloniais, onde começa a se adensar nessas regiões, então,
consideravelmente, a rede de ensino elementar. Conforme
alguns relatos oficiais, já podem ser encontrados na Colônia
Dona Francisca, por exemplo, em 1873, para uma população
de 7.700 almas, 13 escolas particulares e 3 escolas públicas,
atendendo a um total de 710 alunos. (FIORI, 1991, p.68)

No entanto, a reforma o governo catarinense passa enfrentar problemas


para atender a demanda e assumir um compromisso firmado em letrar um
vasto segmento da sociedade catarinense, de forma laica, gratuita e
obrigatória. Segundo Trauer (1994, p.25) “este espaço começa, então, cada
vez mais, a ser ocupado pela iniciativa particular, amparada, por vezes,
também pelos cofres públicos”.
As escolas particulares ganham destaque, inclusive a nível nacional,
nos índices de alfabetizados e tal fato deve-se à contribuição das escolas
alemãs, nas áreas colonizadas.

Por volta de 1888 podem ser registrados em Santa Catarina


cerca de 117 estabelecimentos públicos e, duas décadas após,
em 1909, 177 escolas públicas, que atendem nada menos que
6707 alunos. Esses números promissores, no entanto, não
conseguem superar as escolas particulares que, somente no
município de Blumenau registram por volta de 1903, 108
instituições privadas de ensino. (TRAUER, 1994, p.27)

Trauer (1994) enfatiza que nas áreas coloniais, em destaque Joinville,


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apesar das medidas governamentais, a educação pública enfrentava


dificuldades, assim como nas outras colônias da região sul para ampliar o
número de vagas, sobretudo, preparar professores bilingues para atuarem com
o público imigrante.
Dados oficiais divulgados pelo Jornal “O Diai, publicado no dia cinco de
junho de 1917 pelo então jornalista Manoel Duarte após visita à Joinville, revela
o quantitativo de escolas públicas e privadas, sendo: seis escolas públicas
distribuídas pelo interior rural e na área central do município e 47 escolas
particulares subvencionadas pela municipalidade e ainda outras mantidas pelas
comunidades coloniais.

Figura 1: Publicação do Jornal “O Dia”

O artigo do Manuel da Costa retrata a situação das escolas públicas na


área da colônia e apresenta fatos sobre a população escolar que recebia
instrução em alemão. Evidencia-se entre as escolas os alunos da elite
matriculados nas instituições particulares e os pobres nos estabelecimentos
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estaduais, destacando até a presença de uma criança negra.


Contudo, as escolas mesmo diante de dificuldades pedagógicas-
administrativas estavam funcionando, quando em 1917 o Brasil ao declarar
guerra contra a Alemanha mandou fechar todas as escolas dos teuto-
brasileiras e proibiram o ensino da língua estrangeira. O registro de um
depoimento revela o drama vivenciado, [...] todas as escolas alemãs foram
fechadas. Para nós todos, professores e alunos, foi um golpe duro.Todas as
escolas rurais foram obrigadas a cerrar as portasii.

Com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), pode ser


observado um certo recrudescimento do entusiasmo
germânico no Brasil entre os textos muitos brasileiros,
portadores de nacionalidade alemã (dupla nacionalidade),
alinham-se as tropas germânicas para combater pela
Alemanha na Europa. As relações entre os alemães e
brasileiros, entretanto, são drasticamente rompidas no
Brasil quando, em 1917, são torpedeados navios
brasileiros pela marinha alemã em águas brasileiras.
(TRAUER, 1994, p.55)

Em outubro de 1917, antes, portanto da entrada do Brasil na guerra, foi


sancionada a lei 1.187, que estabeleceu obrigatoriamente o ensino do
português e de geografia e história brasileiros em todas as escolas
estrangeiras.
O então governador de Santa Catarina Felipe Schmidt responsável por
sancionar a Lei 1.187, de 05 de outubro, estabelece entre outros dispositivos
que, se dentro de uma mesma área geográfica existirem escolas públicas e
particulares, “caberá às escolas públicas fazer em primeiro logar a matrícula
ex-offício e, só depois de preenchidas as vagas dos estabelecimentos de
ensino público, poderão as escolas particulares tomar igual providência”iii.
A partir desse momento, percebe-se forte mecanismo de pressão
visando a nacionalização do ensino.

Projeto de nacionalização do ensino

O projeto de nacionalização do ensino no estado de Santa Catarina


inicia-se em 1917 com a promulgação da Lei 1.187, de 5 de outubro, pelo então
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governador Felippe Schmidt que estabelece disposições sobre o ensino


privado. A Lei tinha como fundamento ensinar conteúdos nacionais aos
imigrantes que viviam na região sul do Brasil, como a imposição do uso da
língua nacional e a disseminação dos hinos patrióticos, bem como, a
determinação da cultura e das tradições nacionais que deveriam ser
assimiladas na escola. Pregava ainda a padronização do ensino para todos,
com um sistema federal e estadual de fiscalização que garantisse a desejada
homogeneidade.
Na cidade de Joinville, a ação nacionalizadora do Estado foi justificada
como sendo absolutamente necessária uma vez que o conhecimento da língua
brasileira seria importante em função do desenvolvimento econômico do
município, devido ao rápido crescimento das indústrias locais e o contato com
outras regiões e Estados da Federação. Reforçavam ainda que as escolas não
haviam progredido quanto ao ensino da língua pátria, não acompanhando,
portanto, as exigências do progresso econômico do município. Segundo
Zimmermann (1919), em seu relatório de gestão do município de Blumenau, o
estado via com bons olhos, a Lei 1.187, pois viria ao encontro "dos interesses
dos laboriosos catarinenses."iv
Segundo Klug (1997, p. 206) as mudanças determinadas pela lei
provocaram efeitos diretos no dia a dia da maioria dos imigrantes alemães e
seus descendentes, mas para alguns o impacto foi sensivelmente maior por
conta de a obrigatoriedade das escolas ensinarem apenas no idioma
português.
Nessa direção, uma mudança intensa na cidade de Joinville iniciava
com a instituição da Lei tornando obrigatório o ensino “primário” em todo o
município, para as crianças de 6 a 15 anos, imigrantes ou não.
Segundo Trauer (1994, p.34) “observa-se que a educação em Santa
Catarina vai assumindo características mais centralizadora, passando
progressivamente o Estado a tomar para si as rédeas da Educação”. Nesse
período Orestes Guimarães estava à frente do projeto nacionalizador, levada
a termo no sistema escolar catarinense.

Para dar início à campanha, Vidal Ramos solicitou ao governo


de São Paulo a disposição do professor Orestes de Oliveira
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Guimarães para exercer o cargo de Inspetor Geral da


Instrução. Essa escolha se deveu, entre outros motivos, ao fato
de o mesmo ter colaborado para que a educação da cidade de
São Paulo atingisse patamares dignos de referência nacional.
No caso de Santa Catarina, a grande tarefa de Orestes
Guimarães seria reduzir ao máximo o índice de analfabetismo
do Estado, criar um programa assimilacionista que resultasse
em uma homogeneização cultural e linguística das minorias
étnicas que aqui viviam, além de introduzir um novo sistema
educacional no Estado. (CIPRIANI, 2010, p.67)

Conforme Cipriani (2010), Orestes Guimarães criou o “Regulamento


Geral da Instrução Pública” e o “Regimento Interno dos Grupos Escolares” que
apresentavam rigorosas normas, regras e modelos de conduta que deveriam
ser seguidos pelos professores com o intuito de alcançar uniformidade da
instrução em toda Santa Catarina, tais como:

escrituração de livros, formas de punição de alunos,


organização e orientação de recreios, entrada e saída de
classe, início e fim das aulas, entre outros. […] Para tanto, a
fiscalização passou a ser constante tanto sobre o corpo
docente quanto sobre o discente das escolas. […] Acreditava
que se todos seguissem um programa educacional normativo
e padronizado seria mais fácil realizar um processo de
“assimilação” dos emigrantes. Mas uma das maiores
dificuldades enfrentadas por Orestes Guimarães foi a falta de
professores que conhecessem as duas línguas: a do imigrante
e, evidentemente, a competência linguística para o ensino do
português. Guimarães entendia ser fundamental o professor
dominar a língua imigrante para conseguir, primeiramente,
comunicar-se com os estrangeiros e se adaptar ao meio social
no qual viria a trabalhar, pois, uma vez que o docente
conseguisse se ambientar ao meio e criasse laços de confiança
com a comunidade, a língua portuguesa seria mais
rapidamente assimilada pelos mesmos. Contudo, os baixos
ordenados oferecidos pelo governo e a pouca disposição da
maioria dos professores em permanecer nos distantes núcleos
do interior do Estado, resultaram em enormes dificuldades na
tarefa de nacionalizar os imigrantes. (CIPRIANI, 2010, p.67-68)

Dessa forma, essas e outras medidas tomadas atingiram diretamente a


educação dos imigrantes alemães e foram levadas à risca por parte do governo
e os estabelecimentos de ensino que quisessem manter seu funcionamento
eram obrigados a se adequar às regras impostas pelo órgão fiscalizador. Para
tornar pública a ação da Lei 1.187 o governador catarinense, Felippe Schmidt,
manda publicar a íntegra do decreto no Jornal Gazeta do Commercio em
19/01/1918.
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Figura 2: Publicação do decreto no editorial do Jornal Gazeta do Commercio

A lei estabelecia no seu Art. 1° que (...) as escolas primárias particulares


de ensino estrangeiras, deverão incluir em seus programas o ensino da língua
vernácula nas seguintes matérias: linguagem - história do Brasil e educação
cívica; geografia do Brasil - cantos e hinos patrióticos brasileiros.
Conforme Luna (2000, p. 43), “impunha-se por lei, às escolas alemãs
catarinenses, a obrigatoriedade de ministrar seis horas semanais de língua
portuguesa, três horas semanais de História e Geografia do Brasil e duas
horas de hinos patrióticos”. Ainda, a não observância do cumprimento da lei
implicaria em punições como advertência escrita, multa e até a suspensão de
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funcionamento da escola. Como consequência muitas escolas foram fechadas


com o argumento de que não se ensinava eficientemente o português.
Os problemas enfrentados com a Campanha Nacionalizadora, somados
à eclosão da Primeira Guerra Mundial contribuíram para que algumas escolas
regularizassem sua situação junto às exigências normativas, outras
encerraram suas atividades e outras, em maior número reabriram com a
obrigatoriedade de os professores fazerem exames de proficiência em língua
portuguesa, e ainda assim teriam supervisão do Estado para nacionalizar o
ensino.
Em contrapartida, com o fechamento de muitas escolas alemãs, tanto
particulares quanto comunitárias tiveram como consequência o fato de muitas
crianças ficarem sem ensino, visto que as escolas públicas não tinham
condições de atender tamanha demanda. Para Klug (1997), o próprio Estado
reconhecia sua impotência diante da necessidade de implantar uma rede
escolar suficientemente grande para suprir a demanda.
Como forma de remediar, foi concedida de uma maneira geral às
escolas alemãs a permissão de reabrir, mas sob estreita vigilância do Estado
e com significativa inversão, o alemão ser língua estrangeira.
Assim, considerando as exigências e considerando que a maior parte
dos professores que lecionavam nas escolas alemãs não tinham domínio da
língua nacional, a mesma Lei 1.187 estabelecia a criação de "escolas
preparatórias" nos núcleos de colonização estrangeira, visando habilitar os
professores no sentido de cumprir a exigência estabelecida em lei.
Dessa forma, segundo Trauer (1994) foram impostos condicionantes
aos professores que lecionavam na língua alemã, pois seus vencimentos eram
pagos com recursos do município, sendo assim, foram obrigados a
submeterem-se a exame de proficiência para continuarem a receber seus
salários. Estariam dispensados da prova aqueles que tivessem “diploma ou
certidão de curso” em qualquer faculdade ou escola do país.
O professor brasileiro, por sua vez, deveria conhecer o idioma de seus
alunos, o mesmo devendo acontecer com os diretores e inspetores escolares
que atuavam nas regiões de imigração europeia. Por essa razão foi incluída
nos currículos da Escola Normal Catarinense e das escolas complementares a
disciplina de alemão. Além disso, Fiori (1991) destaca que foi organizado um
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programa de ensino específico para as escolas frequentadas por imigrantes,


com o estabelecimento de normas de funcionamento e fiscalização das
escolas particulares.
O projeto de nacionalização do ensino primário, fez com que Guimarães
ganhasse visibilidade nacional. Contudo, o Brasil ao tomar a decisão de
participar na 1ª Guerra Mundial publica o decreto nº 13.014, de 04/05/1918 que
habilitava o Estado a fiscalizar o trabalho de nacionalização do ensino passa a
criar o cargo de Inspetor Federal das Escolas Subvencionadas pela União tendo
como justificativa o interesse nacional.
A figura do inspetor seria responsável a nível regional das questões
administrativas e pedagógicas das escolas para assegurar o método de ensino
proposto pelo Estado. As visitas chegavam a durar cinco dias e, durante a sua
estada,o inspetor aproveitava para fazer a demonstração de como ensinar nos
moldes do método de ensino intuitivo, uma vez que acreditava ser "mais fácil
compreender e executar o que se vê, do que o que se lê através de mil
considerações e citações". (SANTA CATARINA, 1914, p.158).
Segundo Auras (2006, p.14), durante as inspeções o programa da
escola primária era cobrado "em toda a sua inteireza, não sendo permitido
suprimir partes, saltear ou inverter a ordem em que se acharem essas partes".
Qualquer alteração do que emanava da inspetoria precisava ser
minuciosamente justificada pelo professor e ou diretor, caso contrário estaria
sujeito à pena da suspensão. Por outro lado, aqueles que se destacassem no
cumprimento do proposto eram indicados para terem seus nomes registrados
no Livro de Honra da Diretoria da Instrução Pública.
Segundo Klug (1997) ao final de cada ano letivo o inspetor fazia um
relatório com o que havia encontrado, quais ações foram determinadas e se
as exigências foram cumpridas pelos diretores de cada escola visitada. Esse
documento chegava as mãos do Inspetor Geral que reportava ao governador
toda e qualquer situação que envolvesse as escolas. A inspeção acirrada e os
constrangimentos a que os professores e professoras passaram a ser
submetidos era o início do projeto para modificar a escola pública catarinense.
Um redesenho das instituições escolares vai se estruturando e com ele trouxe
dificuldades para a continuidade do modelo educacional criado pelos teuto-
brasileiros, pois afetaria a respectiva diversidade étnico-linguística que até
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então era manifestada por eles e seus descendentes.


Nesse sentido, as mudanças impostas não se constituíram uma tarefa
fácil, pois o contexto da Guerra envolvia as crianças no dia a dia. A dificuldade
de assimilação dos conteúdos em português fez com que a escola adotasse
da seguinte prática, segundo relato de Helena Theiss Rauch,v “nos primeiros
anos o ensino era em alemão, mas duas vezes por semana, a irmã Renilda
dava para nós duas horas em português e assim pudemos aprender duas
línguas”.
Aos poucos os imigrantes foram sendo alfabetizados em português e os
materiais utilizados à época foram, no que diz respeito aos livros didáticos,
para o “ensino de leitura” deveriam ser empregues obras de “autores
nacionais”. Para “Historia do Brazil”, a escolha era “Nossa Pátria”, de Rocha
Pombo,e para “Geographia do Brazil”, o “compendio de Arthur Thiré”vi. Os
livros foram os guias dos professores nas escolas primárias e utilizados na
alfabetização dos teuto-brasileiros.
Segundo Klug (1997), o processo de nacionalização por meio do idioma
e do conhecimento da história e geografia do Brasil foi sendo articulado pelo
governo brasileiro ao implantar um novo currículo para os imigrantes com o
objetivo de integrá-los a nacionalidade brasileira o que não impediu em
Joinville, por um tempo, a existência de escolas particulares subvencionadas
pelo país de origem (Alemanha) com currículo próprio para alfabetizar suas
crianças na língua materna, mas quando descobertas foram fechadas sob
alegação de que os livros impressos adotados, bem como o ensino ministrado
em alemão, não atendiam às exigências previstas pela legislação brasileira.
As instituições escolares foram sendo reestruturadas para formar a
mente das crianças e, segundo Aura (2006, p. 9), o Estado “passou a
necessitar de cidadãos que soubessem não apenas ler e escrever, mas
compreender, pensar e agir de uma nova forma, de modo a tornarem-se
cidadãos produtivos ao capitalismo”. Com efeito, a escola republicana deveria
“civilizar e moralizar” as crianças, incutindo-lhes os valores éticos e estéticos
da racionalidade capitalista, com discursos de amor ao trabalho, à pátria,
submissão às leis, respeito a livre empresa, à propriedade privada e à
liberdade, possibilitando dessa maneira, mecanismos do autocontrole exercido
sobre a população.
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Apesar das dificuldades enfrentadas pelos teuto-brasileiros em se


adequar às exigências governamentais durante o período de nacionalização do
ensino, ainda assim, renunciar a sua língua não era algo que estavam dispostos
a fazer.
Na década que segue, ou seja, por volta de 1922, são retomadas
“entusiasticamente”, a nível nacional, as discussões sobre as
tarefas e os rumos da educação no Brasil além de recrudescer
em novamente as campanhas em prol da difusão do ensino
elementar com vistas a acelerar a “desanalfabetização do
país” e, assim, tornar o Brasil uma nação moderna, as
extensões voltam-se agora também para a qualidade na
educação, propondo o governo reformas Profundas em todos os
graus de ensino pronto participam ativamente dos debates os
profissionais da educação que, organizados então em
associações, promovem seminários e conferências e, dentre as
quais irão se destacar as conferências organizadas pela
Associação Brasileira de educadores (ABE). (PAIVA, 1987,
p.102)

Por fim, apesar das medidas governamentais, a educação sempre foi


valorizada pela cultura alemã e mesmo com a campanha de nacionalização
com uma trajetória permeada por situações delicadas para os teuto-brasileiros
a escolha de continuar com a instrução das escolas brasileiras, mesmo que
arbitrária, seria aproveitar o que havia de melhor no ensino nacional para sua
formação escolar.

i Acervo do Arquivo Histórico de Joinville, fonte do Jornal “O Dia” com o título: Allemaes em Santa
Catarina (Duarte, 1917, pg 45-46)
ii KLUVER, prof. Heinrich. Memórias, p.10 do Arquivo Histórico Municipal de Joinville.
iii Arquivo José Ferreira da Silva - pasta 6.11.6 - doc. 03
iv ZIMMERMANN, Paulo. Relatório da gestão do Município de Blumenau exercício 1919. p. 48.
v Relato citado por Herkenhoff, Ely em seu livro Era uma vez um simples caminho. Fragmentos

da história de Joinville. Joinville: Fundação Cultural, 1987, p.80.


vi
José Francisco da Rocha Pombo (1857 - 1933) foi um jornalista, advogado, professor,
historiador, político e escritor brasileiro. Arthur Thiré, francês, engenheiro formado pela École
Polytechnique, contratado pelo Imperador D. Pedro II para trabalhar na Escola de Minas, de Ouro
Preto, região na qual montou a primeira estação eletromotriz, do Brasil, para os trabalhos de
mineração.

Referências

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progresso e da civilização. 2006.
CHAGAS, Mário. Memória política e política da memória. In: ABREU, Regina;
CHAGAS, Mário (Org.). Memória e Patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio
de Janeiro: DP&A, 2003. p. 141-171.
ISBN: 978-85-8209-121-0

CIPRIANI, Jader R. A Gênese da escola de educação básica Pedro II.


Blumenau em Cadernos, Blumenau, t. 51, n. 6, p. 55-81, nov./dez. 2010.
FIORI, Neide A. Aspectos da evolução do ensino público: ensino público e
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imperial e republicano. Florianópolis. Editora da UFSC, 1991
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KLUG, João. A Escola Teuto-Catarinense a o Processo de Modernização em
Santa Catarina - A Ação da Igreja Luterana através das escolas (1871-1938).
Tese de Doutoramento em História Social. Universidade de São Paulo, 1997.

LUNA, José M.F.de. O português na escola alemã de Blumenau: da formação


à extinção de uma prática. Itajaí: UNIVALI; Blumenau: FURB, 2000.

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a política de nacionalização. vol. 9, n. 26 (abr. 1987), p. 5-28. Educação e
Sociedade. Campinas
RICHTER, Klaus. A Sociedade Colonizadora Hanseática de 1897 e a
colonização do interior de Joinville e Blumenau. Florianópolis, UFSC;
FURB, 1986.
SANTA CATARINA. (1912) Mensagem apresentada ao Congresso
Representativo do Estado, em 23 de julho de 1912 pelo Governador Vidal
Ramos. Florianópolis: Gabinete da Typographia ’O Dia’.
SANTA CATARINA. (1914) Programa dos Grupos Escolares do Estado de
Santa Catarina. Joinville: Tipografia Boehm.
TRAUER, Elisabeth M. Alemão: uma língua estrangeira na escola catarinense?
Dissertação de Mestrado em Educação. Universidade de Santa Catarina.
Florianópolis, 1994.
ISBN: 978-85-8209-121-0

A(BORDA)R O TEMPO E A MEMÓRIA: AS EXPERIÊNCIAS NAS


ARTESANIAS DE IMAGENS DE SI

Rita de Cássia Fraga da Costa


Taiza Mara Rauen Moraes

Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE


ritadacosta08@gmail.com

Resumo: Esta produção deriva da pesquisa/tese Narrativas Artesaniadas:


tessituras de um Panô de Memórias, em desenvolvimento no Programa de Pós-
graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade (PPGPCS/UNIVILLE), vinculada
ao Grupo de Pesquisa Imbricamentos de Linguagens. Como o tempo e a
memória estão imbricados às experiências nas artesanias das imagens de si? É
a questão mobilizadora para este estudo cartográfico que, a partir de uma
pesquisa narrativa em um espaço/tempo de educação não formal, acontece no
(re)visitamento ao Panô de Memórias, quadro têxtil tecido como registro
narrativo, criado artesanalmente pela pesquisadora e onze idosos assistidos em
um centro de referência social. As imagens surgem nas/pelas tessituras da
composição deste têxtil, em artesanias formuladas no desejo por apresentar em
imagens suas histórias de vida, em composições que revelam as multiplicidades
dos fluxos entre o tempo e a memória. As artesanias das imagens de si guardam
rastros, indiciam gestos performáticos formulados na via da expressão subjetiva,
conciliação que desvela a arquitetura de seus sujeitos e a alteridade do grupo,
ao mesmo tempo em que apresenta o tecer como escritura, criação e
visualidade. Esta pesquisa aposta no conhecimento alcançado em sua
processualidade, no desafio do encontro com outros modos de pensar, e nesta
reflexão-ação visa por novações para expandir a compreensão sobre o tecer
como modo de acompanhamento do vivo, em experiências nas artesanias de
imagens de si.
Palavras-chave: memória; tempo; artesanias; experiências narrativas; tecer.

Abstract: This production drift of the research/thesis Artesaniadas Narratives:


tessituras of a Cloth De Memórias, in development in the Program of After-
graduation in Cultural Patrimony and Sociedade (PPGPCS/UNIVILLE), tied with
the Group of Research Imbricamentos de Linguagens. How the time and the
memory are imbricados to the experiences in the artesanias of the images of
itself? It is the mobilizadora question for this cartographic study that, from one
searches narrative in a space/time of not formal education, happens in (reverse
speed) the visitamento to the Cloth of Memories, weaveeed textile picture as
narrative register, created artisan for the researcher and eleven aged ones
attended in a center of social reference. The images appear in the /por the
tessituras of the composition of this textile, in artesanias formulated in the desire
for presenting in images its histories of life, in compositions that disclose to the
multiplicities of the flows between the time and the memory. The artesanias of
ISBN: 978-85-8209-121-0

the images of itself keep tracks, accuse formulated performáticos gestures in the
way of the subjective expression, conciliation that desvela the architecture of its
citizens and the alteridade of the group, at the same time where it presents
weaveeing as writing, creation and visualidade. This appositive research in the
knowledge reached in its processualidade, the challenge of the meeting with
other ways to think, and in this reflection-action aims at for novations to expand
the understanding on weaveeing as way of accompaniment of the living creature,
in experiences in the artesanias of images of itself.
Keyword: memory; time; artesanias; experiences narratives; to weave.

Introdução
Como o tempo e a memória estão imbricados às experiências nas
artesanias das imagens de si? É a questão mobilizadora para este artigo.
Reflexão pertinente ao desenvolvimento da pesquisa Narrativas artesaniadas:
tessituras de um Panô de Memórias, pesquisa/tese de abordagem cartográfica
e narrativa em desenvolvimento, na pós-graduação em Patrimônio Cultural e
Sociedade (PPGPCS) da Universidade da Região de Joinville
(UNIVILLE). Pesquisa que se estabelece a partir do revisitamento aos registros
do campo de uma pesquisa narrativa, proposta de educação sensível realizada
num espaço/tempo não formal de educação com 11 idosos, 4 homens e 7
mulheres, com idades entre 60 e 72 anos, assistidos em um Centro de
Referência de Assistência Social (CRAS).
Entre os registros narrativos destacamos, nesta reflexão, o quadro
artesanal com imagens criadas pela pesquisadora e idosos, em um arranjo com
têxteis (fios, linhas, tecidos e aviamentos), na busca de tecer uma apresentação
de si. Produção artesanal têxtil nomeada pelo grupo como ‘Panô de Memórias’.
Neste artigo, a reflexão sobre Tempo, Memória, Imagem, Experiências
narrativas e o tecer foi impulsionada pelas teorias de Deleuze (2015), Pelbart
(2015), Didi-Huberman (2013, 2015), Maffesoli (2021), Benjamin (2012),
Passeggi (2010) e Adams e Faulkhead (2012).
Com base na filosofia da diferença, a partir de Deleuze e Guattari (2011;
2012), a abordagem cartográfica foi ativada para a produção desta pesquisa,
compreendendo-a como percurso formativo que por seus afetamentos, nos
conduz ao encontro de experiências. O movimento proposto viabiliza olhares
sobre as imagens artesaniadas como impulsionadoras do pensamento, ao
problematizar: como o tempo e a memória estão imbricados às experiências
narrativas nas artesanias de imagens de si?
Para este desenvolvimento reflexivo, alguns itens foram elencados para a
construção deste artigo. Partimos do ‘Panô de Memórias’ – a criação têxtil da
imagem de si para apresentar esta produção artesanal têxtil como registro
narrativo de uma proposta educativa/sensível produzida com idosos acionando
experiências narrativas (auto)biográficas nas artesanias de imagens de si.
No item A tessitura da imagem de si – narrativas artesaniadas
inquerimos o tecer como modo de expressão e as experiências narrativas pela
imagem a partir do tecer, na produção deste pesquisar cartográfico e da escrita
da narrativa imagética criada por D. Ana, artífice-interlocutora coprodutora do
Panô de Memórias.
Às linhas do Tempo e da Memória: tramas da composição subjetiva
na narrativa artesaniada é item que deriva dos imbricamentos do Tempo e da
ISBN: 978-85-8209-121-0

Memória pelas experiências nas narrativas artesaniadas pelas imagens de si.


Desdobramentos possíveis a partir do Tempo Aion, nomeado por Deleuze (2015)
como tempo não localizado (atópico); seguimos por derivações atentas aos
tempos e às memórias na composição do pensar destes sujeitos artífices que
estão em (trans)formação transpassado pelas experiências nas artesanias das
imagens no fluxo de sua composição subjetiva.
Ao final, em No (des)alinho deste percursar rizomático admitimos que
as aberturas para este pesquisar cartográfico estão entre escutas, leituras,
escrituras, nas frestas dos fragmentos das imagens. Portanto, esta é uma
pesquisa que se faz na trama de histórias de vida, tempos, memórias e de todos
os sentidos despertados quando nos colocamos disponíveis às experiências
narrativas nas artesanias de imagens de si.

‘Panô de Memórias’ – a criação têxtil da imagem de si

O ‘Panô de Memórias’ é composição têxtil elaborado por costuras,


bordaduras, pinturas, escrituras, em ensaios criados como apresentações de si
na composição de uma imagem. Nesta pesquisa o panô é compreendido como
registro (auto)biográfico fruto de um campo de pesquisa narrativa. Estudo
desenvolvido com autorização do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres
Humanos (CEP/UNIVILLE), realizado com a duração de seis encontros/oficinas
de Artesanias, em um espaço/tempo de educação não formal, conjuntamente
com um grupo de onze idosos, 4 homens e 7 mulheres, com idades entre 60 e
72 anos, assistidos no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), no
bairro Jardim Paraíso, em Joinville, Brasil.
Nessa ocasião, surgiu neste grupo o desafio de criar de modo cooperado,
independentemente da técnica artesanal adotada ou da materialidade, uma
artesania têxtil para a apresentação de si. O objetivo seria arquitetar com têxteis
(fios, linhas, tecidos e aviamentos abundantes no acervo de materiais do CRAS),
um registro narrativo com traços de cada participante, mas que costurados
apresentaria o grupo dos idosos do CRAS, na unidade de uma criação artesanal.
Assim, o ‘Panô de Memórias’, como nomeado pelo grupo de idosos, foi
concebido como possibilidade de expressão em uma apresentação em imagem
de algo significativo de suas vidas, como registro de memória individual e
coletiva. Um panô, composto como uma colcha de retalhos, traz em si um quadro
formado na união coletiva das imagens que (re)significaram memórias e sentidos
de seus coparticipes.
Figura 1: O Panô de Memórias.
ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: Costa, 2019.

Neste processo, foi possível admitir que o conceito de Artesania,


primeiramente compreendido como “[...] as complexidades e a amplitude, tanto
dos processos reflexivos e manuais que envolvem os fazeres artesanais, quanto
dos produtos resultantes pelo uso de tais habilidades, nesse caso, o artesanato”
(PETRYKOWSKI PEIXE et al., 2014, p. 41) foi ampliado, permitindo
compreender o artesaniar como linguagem, expressão narrativa e estética
refletida no processo e produto constituído na relação de seu fazer/saber/sentir.
Entendimento possível quando o articulamos à afirmação de Larrosa
(2018, p. 23) ao escrever que “[...] não se escreve sobre a experiência, mas sim
a partir dela”. Assim, nas composições artesaniadas com os têxteis, nesta
tessitura que a(borda) os sentidos e imprime vestígios das memórias e o
entendimento de si em gestos, faz seus sujeitos/artífices entregues as
experiências narrativas e estéticas diante da imagem.
Assim, deste ofício enraizado nas culturas dos povos do mundo, dos
saberes e fazeres em compor com tecido e fios, deu-se corpo, corporeidade, às
experiências e “ [...] o conhecimento das experiências” (LARROSA, 2018, p. 22).
Este pesquisar se ocupa em acompanhar as experiências narrativas nas
artesanias de imagens de si e nos movimentos deste percursar (re)conhecemos
a experiência narrativa em artesanias (narrativa artesaniada) como
leitura/escritura/tessitura em imagem. Pois a narrativa é uma leitura sempre
plural, mesmo que espelhe “[...] uma leitura particular (como toda leitura?), a
leitura do sujeito que sou, que creio ser” (BARTHES, 2012, p. 30).
Na artesania do ‘Panô de Memórias’ as narrativas se processam na
brevidade da materialidade da imagem, do acesso às memórias e essa
experiência se configura pelo saber/fazer artesanal moldado pelo ritmo do
sujeito. Portanto, resulta numa incompletude, pois é elaborada na dinâmica
necessidade de vir a ser. Devir específico e simultaneamente transparente a
cada entonação da palavra ou da imagem de si lançada ao mundo.
ISBN: 978-85-8209-121-0

A tessitura da imagem de si – narrativas artesaniadas

Nas artesanias do Panô de Memórias, no tecer da vida, na criação dos


quadros em imagens de algo de suas histórias, cada idoso e todos em interação,
artesaniaram reflexivamente e construiram uma apresentação visual com
têxteis, uma imagem de si.
Assim, a cada ponto empregado, uma memória (re)surgia; histórias de
vida foram ganhando sentidos, muitas vezes, novos entendimentos de si e dos
outros foram compartilhados em diálogos que iam sendo pontuados na
oralidade, nos corpos e nas formas dos produtos que foram elaborados (as
narrativas artesaniadas / os registros desta pesquisa).
Neste trânsito da criação/apresentação da imagem de si, na efetuação da
experiência narrativa (auto)biográfica, tudo (com)parece, (trans)parece (NANCY,
2017), imagem e sujeito se efetuam ao mesmo tempo. A imagem é a experiência
(DIDI-HUBERMAN, 2015). Experiência para quem tece e ou para quem
acompanha ou é acompanhado pela imagem tecida, pois, seguindo as linhas
desta artesania se (re)bordam outros novos (des)dobramentos, visto que, diante
da imagem nosso corpo reage e, entre percepções e afecções, vamos fazendo
sempre outras n-relações. E ainda surge nesta tessitura da imagem de si, o
Tempo sendo a duração existente entre uma assimilação e outra do sujeito-
imagem.
Ainda, na produção desta cartografia, o tecer é modo de expressão e suas
possibilidades metodológicos surgem evidenciadas neste pesquisar. Assim,
compreendemos o tecer como abordagem eminentemente narrativa, visto que
na sua laboração “[...] envolve autorreflexão”, como dizem Adams e Faulkhead
(2012, p. 1019).
Tecer as memórias dos sujeitos é um convite a perceber as relações entre
as narrativas e as experiências. (CLANDININ e CONELLY, 2015; ABRAHÃO,
2014). Processo ancorado na observação da performance narrativa, situações
em que se fazem manifestas a necessária escuta e observação aos seus sujeitos
interlocutores.

Figura 2: O Panô de Dona Ana.


ISBN: 978-85-8209-121-0

Fonte: Costa, 2019.

As experiências narrativas pela imagem a partir do tecer, na produção


deste pesquisar cartográfico, surgem evidenciadas na narrativa imagética
composta por D. Ana, artífice-interlocutora coprodutora do Panô de Memórias.
Na ocasião da exposição da produção do Panô de Memórias ao grupo de
idosos e usuários do CRAS, no encerramento das atividades do campo de
pesquisa desenvolvido em 2017,

D. Ana, sem apresentar tristeza ou alegria, mas sim espanto,


faz uma leitura de sua produção, quando finalizada.

‘Nossa! Estou vendo minha vida, tantas idas e vindas, tantos


territórios diferentes por onde vivi’, comenta, fazendo referência ao
tempo em que viveu com os índios nas missões e nas colônias com a
família.

Apontando uma trama de crochê (uma longa correntinha [que


teceu pacientemente]), que numa linha sinuosa ocupa o centro de sua
produção, menciona: ‘aqui no meio, este fio que vai e volta é a fronteira
que às vezes me deixava do lado de lá, outras vezes me colocava do
lado de cá. Já vivi muito!’ (COSTA, 2019, p. 114, grifo nosso).

Na sua narrativa Dona Ana habita o panô, suas linhas, suas tramas e
envolve a outros sujeitos que estiveram por um instante atentos diante da
imagem de sua composição expressiva. Ela investe-usufrui na espessura das
linguagens e não esconde a admiração diante de si mesma. O saber da
experiência formata este sujeito narrador que se satisfaz no encontro com a
aparição da imagem, num instante de (re)conhecimento de si, num
auto(re)conhecimento, fôlego gerado na novação da possibilidade da
experiência narrativa como aprendizagem (formação) biográfica (PASSEGGI,
2010).
Portanto, as narrativas artesaniadas (auto)biográficas tecidas em imagens
revelam experiências que, no imbricamento de linguagens, adquirem forças na
ISBN: 978-85-8209-121-0

constituição do pensamento como trama da verdade, do signo e da


aprendizagem (DELEUZE, 2003).

Às linhas do Tempo e da Memória: tramas da composição subjetiva na


narrativa artesaniada

Este item busca provocar a reflexão sobre os imbricamentos do Tempo e


da Memória pelas experiências narrativas artesaniadas em imagens de si.
Pensamento reflexivo construído a partir da compreensão de Aion (DELEUZE,
2015), tempo não localizado (atópico). Assim, neste cartografar, seguimos por
derivações atentas aos tempos e às memórias na composição/assimilação do
pensar destes sujeitos artífices que estiveram/estão em (trans)formação
transpassados pelas experiências nas artesanias das imagens no fluxo de suas
composições subjetivas.
Nesta cartografia pelos registros narrativos desta experiência educativa
na criação do ‘Panô de Memórias’ há uma multiplicidade de pistas da formação
subjetiva em uma subterrânea conexão com o Tempo, ou os tempos, e as
memórias. Derivas da entrega aberta ao criar: a expressão de si (a potência
expressiva do artífice interlocutor) e o acontecimento na imagem reverberada em
efeitos que sinalizam outro espírito do Tempo.
Nestas multiplicidades, buscamos pelo reconhecimento de um “tempo
complexo”, como escreve Didi-Huberman (2013, p. 34), referindo-nos a um
tempo outro que suspende a linearidade, pois este tempo não cronológico está
nas narrativas artesaniadas das imagens de si.
Compreendemos que este tempo da detecção da imagem,
“provisoriamente configurado” e “dinâmico” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 34) é
tempo diverso nas durações, que propiciam as (re)significações das memórias
projetadas por narrativas em palavra, imagem, gestos, silêncios, ausências e
presenças, escolhas que rompem com uma lógica demarcada pelo cronos.
Dona Ana, na sua narrativa expressa, no item A tessitura da imagem de
si – narrativas artesaniadas, materializa este conceito ao indiciar a trama de um
tempo-tecido na perpétua passagem por presentes “incompossíveis” (PELBART,
2015, p. XVII), sendo esses,

[...] bizarra arquitetura do tempo, labiríntica, turbulenta, caótica,


...Imagem do tempo que não corresponde apenas ao caos fantasioso
de nosso sentido íntimo ou psicológico, mas também ao da natureza,
da história, do clima... A policromia que o pensamento não cessa de
perseguir e igualmente aquilo que não cessa de obsedar a própria vida
do pensamento (PELBART, 2015, p. XVIII).

A narrativa artesaniada na composição da imagem de si, nos


des(dobramentos) das experiencias provocadas, faz surgir instantânea imagem
de um tempo que é múltiplo, incessante. Neste andamento, somos
surpreendidos pelo alcance do todo do tempo, refletido por Deleuze (2013), pois
diante da imagem colocamos o pensamento em relação, na duração da aparição
da imagem, na ativação da memória e do imaginário. Aqui os sujeitos das
experiências (estético/narrativa) estão constituídos na travessia, na passagem,
na fresta dos instantes de percepções. A travessia que forma o sujeito
interlocutor artífice é provável neste entre lugar de uma infinidade de mundos,
ISBN: 978-85-8209-121-0

na perturbação dos circuitos dos tempos, (nas entrelinhas) noutra dimensão do


tempo/ espaço.
Nesta trama, a memória está nas formulações dos discursos narrativos
pictóricos produzidos, encontrados, atravessados, nestes imbricamentos de
linguagens suscitados nas narrativas artesaniadas em imagens têxteis. Diante
das imagens, a memória é re(inventada) nessas enunciações geradas por seus
(des)dobramentos, movimentados na velocidade do tempo.

No (des)alinho deste percursar rizomático

Como o tempo e a memória estão imbricados às experiências nas


artesanias das imagens de si? Esta foi a questão que nos mobilizou a produzir
este arrazoada de reflexões que não tem por razão o seu fechamento em uma
conclusão.
Neste percursar, admitimos que as aberturas para este pesquisar
cartográfico estão entre escutas, leituras, escrituras, nas frestas dos fragmentos
das imagens. Portanto, esta é uma pesquisa que se faz na trama de histórias de
vida, tempos, memórias e de todos os sentidos despertados quando nos
colocamos disponíveis às experiências narrativas nas artesanias de imagens de
si. Em narrativas artesaniadas em imagens de si que revelam/guardam rastros,
indiciam gestos, em performances formuladas na via da expressão subjetiva.
A trama dos têxteis na busca pela composição da apresentação de si em
uma imagem revela as potências da experiência narrativa (auto)biográfica
nas/pelas imagens, por formular composição no devir sujeito, nos aprontamentos
do desejo por apresentar em imagens suas histórias de vida, em composições
que revelam as multiplicidades dos fluxos entre o tempo e a memória.
Neste trânsito, sujeito e imagem acontecem juntos, diante do alcance e
constituição do tempo (dos tempos em suas derivações), aquisição conjunta a
(re)atualização da memória.

REFERÊNCIAS

ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto. Anotações teórico-metodológicas do


trabalho com fontes visuais e audiovisuais em pesquisas com Histórias de Vida
e Memoriais de Formação. Educação (UFSM), Santa Maria, p. 13-26, jan.
2014.

ADAMS, Karen; FAULKHEAD, Shannon. This is not a guide to Indigenous


research partnerships. In: Journal Information, Communication & Society. v.
15. n.7. 2012. p. 1016-1036. Disponível em: https://ir.lib.uwo.ca/aprci/164/.
Acesso em: 20 set. 2020. http://dx.doi.org/10.1080/1369118X.2012.709260

BARTHES, Roland. Escrever a leitura. In: BARTHES, Roland. O rumor da


língua. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. p. 26-42.

BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov.


In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre
literatura e história da cultura. 8. ed. vol. 1. (Obras Escolhidas). São Paulo:
Editora Brasiliense, 2012. p. 213-240.
ISBN: 978-85-8209-121-0

CLANDININ, D. Jean; CONNELLY, F. Michael. Pesquisa narrativa:


experiência e história em pesquisa qualitativa. 2. ed. [Tradução: Grupo de
Pesquisa Narrativa e Educação de Professores ILEEL/UFU]. Uberlândia:
EDUFU, 2015.

COSTA, Rita de Cássia Fraga da. Artesania: formação cultural, construções


identitárias e experiências sensíveis na terceira idade. 2019, 159 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-graduação em
Educação, Universidade da Região de Joinville, Joinville, 2019. Disponível em:
https://www.univille.edu.br/account/mestradoedu/VirtualDisk.html/downloadDire
ct/1502804/Rita_de_Cassia_Fraga_da_Costa.pdf. Acesso em: 12 maio 2022.

DELEUZE, Gilles. Conversações. [Tradução de Peter Pál Pelbart]. 3. ed.


(Coleção TRANS). São Paulo: Editora 34, 2013.

DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. [Tradução de Luiz Roberto Salinas


Fortes]. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2015.

DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. [Tradução de Antonio Piquet e Roberto


Machado]. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2.


v. 1, 2. ed. [Tradução de Ana Lúcia de Oliveira, Aurélio Guerra Neto e Célia
Pinto Costa]. São Paulo: Editora 34, 2011.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2.


v. 3, 2. ed. [Tradução de Antônio Guerra Neto, Ana Lúcia de Oliveira, Lúcia
Cláudia Leão e Suely Rolnik]. São Paulo: Editora 34, 2012.

DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente: história da arte e tempo


dos fantasmas segundo Aby Warburg. [Tradução de Vera Ribeiro]. Rio de
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DIDI-HUBERMAN, Georges. Falenas: ensaios sobre a aparição 2. [Tradução


de Antônio Preto, Eduardo Brito, Mariana Pinto dos Santos, Rui Pires Cabral e
Vanessa Brito] . Lisboa: KKYM, 2015.

LARROSA, Jorge. Esperando não se sabe o quê: sobre o ofício de professor.


[Tradução Cristina Antunes]. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018.

MAFFESOLI, Michel. Ecosofia: uma ecologia para nosso tempo. [Tradução


Fernando Santos]. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2021.

NANCY, Jean-Luc Arquivida: do senciente e do sentido. [Tradução de Marcela


Vieira e Maria Paula Gurgel Ribeiro]. São Paulo: Iluminuras, 2017.

PASSEGGI, Maria da Conceição. Narrar é humano! Autobiografar é um


processo civilizatório. In: PASSEGGI, Maria da Conceição; SILVA, Vivian
Batista da. (org.). Invenções de vidas, compreensão de itinerários e
alternativas de formação. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. p. 102-130.
ISBN: 978-85-8209-121-0

PELBART, Peter Pál. O tempo não-reconciliado. (Coleção Estudos). São


Paulo: Perspectiva, 2015.

PETRYKOWSKI PEIXE, Rita Inês. et al. Projeto Desol na promoção da


inovação social de empreendimentos em artesania. In: SIMPÓSIO
PARANAENSE DE DESIGN SUSTENTÁVEL, 5, 2014, Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, Anais do 5º Simpósio Paranaense de Design Sustentável,
05 de dezembro 2014, p. 41-47. Disponível em:
http://media.wix.com/ugd/1c59dd_80ca92a1c5834b6594197c5fdf73ce1f.pdf .
Acesso em: 14 abr. 2022.
ISBN: 978-85-8209-121-0

RESUMOS
ISBN: 978-85-8209-121-0

EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS

“OS DOIS VALES DO NILO”: APRESENTAÇÃO DE INFOGRÁFICO PARA O


ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA
Gabriel Henrique de Oliveira Furlanetto
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE

Resumo: Quando se trata de práticas de ensino, é preciso haver métodos


didáticos que supram especificas necessidades de aprendizagem do corpo
discente. Especificamente sobre as aulas de História que demandam muita
atenção aos aspectos geográficos, é muito relevante utilizar recursos que sejam
concomitantemente textuais e ilustrativos, para que, sendo assim, aprendizagem
de alunos seja facilitada. Diante disso, o objetivo dessa comunicação é
apresentar um infográfico digital intitulado “Os dois vales do Nilo”, produzido para
a disciplina de História e Historiografia da África, que faz parte da grade curricular
do Curso de História da Univille. O intuito é, por meio de revisão bibliográfica e
da exibição e explicação de partes específicas do infográfico, mostrar como esse
material pode receber destaque no ensino de História da África. Esse recurso
possui 3 recortes de mapa, 22 caixas textuais, 5 ilustrações menores e flechas
indicativas. Em suma, através do infográfico é possível lecionar sobre sistemas
sociais, cultura e origem da metalurgia no vale do Rio Nilo. Portanto, será
observado e discutido um material para o ensino de História da África.
Palavras-chave: infográfico; ensino de História; história da África.
ISBN: 978-85-8209-121-0

BRUXA, BRUXA VENHA À MINHA FESTA: UMA PROPOSTA DE


MEDIAÇÃO DE LEITURA LITERÁRIA NOS ANOS INICIAIS

Hellen Cris de Almeida Rodrigues


Universidade Estadual de Roraima

Resumo: O presente trabalho apresenta práticas leitoras desenvolvidas em uma


turma do 3º ano do ensino fundamental em uma escola municipal de Boa Vista
– RR, a partir do livro Bruxa, Bruxa venha à minha festa. A proposta de mediação
de leitura literária objetivou possibilitar aos alunos, a ampliação de experiências
literárias através estratégias nos espaços da sala de aula. Ao longo do percurso
metodológico foram desenvolvidas leituras individuais e coletivas da obra,
exploração das narrativas verbais e visuais, construção de textos rimados e
reconto da história. O referencial teórico apoia-se nos estudos de Cosson (2014;
2016; 2020) e Paulino (2009), acerca do letramento literário, entre outros que
discutem a temática. Entende-se que a medida com que os alunos se apropriam
da literatura infantil relacionam o mundo da ficção com a realidade e questionam
a si próprios e a sociedade em que vivem. Desfrutam da experiência estética e
singular da literatura, dialogam por meio do texto literário com diferentes culturas
e extrapolam, por meio da sua imaginação, o restrito espaço da sala de aula, na
construção de incontáveis e infinitos horizontes. Assim, considera-se que a
referida proposta, possibilitou vivências significativas aos discentes,
incentivando-os ao gosto pela leitura e a construção de relações entre o texto
literário e o mundo.
Palavras-chave: Leitura literária. Mediação. Letramento Literário.
ISBN: 978-85-8209-121-0

DIFICULDADES NA INICIAÇÃO À DOCÊNCIA: ADAPTAÇÃO E


RESILIÊNCIA NA PANDEMIA

Gabriel Henrique de Oliveira Furlanetto


Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE
Elandia Vieira de S. Thiago
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE

Resumo: A pandemia da Covid-19 trouxe vários impactos na sociedade, e o


setor estudantil foi uma das áreas afetadas. Nesse contexto, a Univille, no ano
de 2020, abriu vagas para o PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
à Docência), por meio do qual foram criados três subprojetos de licenciatura,
sendo a História um deles. Diante desse contexto, um dos bolsistas desse
subgrupo enfrentou revezes em sua experiência como iniciante à docência.
Portanto, o objetivo dessa comunicação é mostrar, através de relato de
experiência, os métodos e ferramentas que o graduando utilizou para que a sua
inserção prática no projeto de ensino pudesse ser efetivada. Será observado
como as aulas assíncronas, o principal meio utilizado para a docência, se
mostrou um desafio diante de questões que abordam tecnologias digitais,
parecer de alunos e autonomia na gravação de aulas. Consequentemente, a
iniciação à docência revelou um percurso estudantil marcado demasiadamente
por adaptações e atitudes resilientes no período pandêmico.
Palavras-chave: pibid; história; pandemia; dificuldades.
ISBN: 978-85-8209-121-0

O USO DO CORDEL NO ENSINO DE HISTÓRIA: A LITERATURA INDÍGENA


DE AURITHA TABAJARA E A LITERATURA INDIANISTA DE JOSÉ DE
ALENCAR
Alessandra Tereza Mansur Silva
Roberta Barros Meira
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE

Resumo: No primeiro semestre de 2022 ocorreu a II Oficina de Literatura de


Cordel, uma experiência educativa interdisciplinar que envolveu as áreas de
literatura, história e patrimônio cultural e abraçou os acadêmicos do segundo ano
da licenciatura em história da Univille. A experiência foi construída como uma
atividade que buscava aproximar pesquisa e ensino ao compartilhar os
resultados parciais da tese de doutorado sobre literatura indígena, do Programa
em Patrimônio Cultural e Sociedade. O objetivo foi realizar uma oficina de
literatura de cordel indígena para os acadêmicos da disciplina de história e
historiografia do Brasil I. A metodologia aplicada foi dividida em dois momentos:
“O Cordel e a Literatura Indígena” discussão sobre a obra de Auritha Tabajara e
a estrutura e a métrica do cordel; e “O Uso do Cordel no Ensino de História”
apresentação dos cordéis dos acadêmicos a partir dos conhecimentos
adquiridos no encontro anterior e tendo como base a obra “O Guarani” de José
de Alencar. Os resultados foram 04 Cordéis sobre o Etnocídio, História das
Mulheres, Antropofagia e a Lenda do Tamandaré, temáticas presentes na obra
“O Guarani”. A presente comunicação visa analisar o impacto do uso da literatura
indígena, da literatura indianista e dos cordéis no ensino de História, no sentido
de ilustrar os novos caminhos e as possibilidades de valorização da História
Indígena na Educação Básica.

Palavras-Chave: Ensino da História; Literatura Indígena; Literatura Indianista;


Literatura de Cordel; Patrimônio Cultural.
ISBN: 978-85-8209-121-0

“SOBRE A TAREFA DO HISTORIADOR”: ILUSTRAÇÕES DIDÁTICAS


SOBRE O PENSAMENTO DE WILHELM VON HUMBOLDT

Gabriel Henrique de Oliveira Furlanetto


Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE

Resumo: Algumas fontes bibliográficas podem ser de grande dificuldade para


compreensão. Em suma, quanto maior a complexidade e a densidade do texto,
mais desafiadora pode ser a leitura. Nesse assunto, há uma bibliografia que se
intitula “Sobre a tarefa do historiador”, do intelectual prussiano Wilhelm von
Humboldt. Esse texto possui grande complexidade e, dependendo do leitor, pode
haver necessidade de métodos específicos para o estudo bibliográfico. Desse
modo, o objetivo dessa comunicação é relatar uma das ilustrações didáticas
produzidas para esse texto, que foram direcionadas para a disciplina de Teoria
da História I, que faz parte da grade curricular do curso de História da Univille.
Essas ilustrações foram confeccionadas por um discente e contou com a
avaliação de um professor doutor. Por consequência, será conhecido um meio
criativo e visual para o auxílio em compreensões textuais.

Palavras-chave: teoria da história; pensamento de Wilhelm von Humboldt;


ilustrações didáticas; leitura.
ISBN: 978-85-8209-121-0

ARTOGRAFIA - UMA PROPOSTA SENSÍVEL PARA A FORMAÇÃO EM


PEDAGOGIA

Rita de Cássia Fraga da Costa


Silvia Sell Duarte Pillotto
Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE

Apoiadas na metodologia da ARTografia (DIAS; IRWIN, 2013), pesquisa


educacional baseada em Arte, prospectamos proposições pedagógicas com a
Arte à graduandos em Pedagogia junto a matriz de seus conteúdos formadores.
O convite a transformar materiais, inventar poéticas e refletir sobre as
possibilidades pedagógicas culturais das proposições com/na Arte nas
experiências de ensinar e aprender, são objetivos que integram o estudo em
desenvolvimento no Núcleo de Pesquisa em Arte na Educação
(NUPAE/UNIVILLE), vinculado ao Projeto Experiências Estéticas e seus
Imbricamentos nas Práticas Educativas (EIDE/PPGE/UNIVILLE). O
conhecimento produzido por meio da Arte e suas visibilidades (espaço, objeto e
sujeito) são construções subjetivas em uma pedagogia cultural, visto que trata
de aquisições desdobradas pelas especificidades teórico-práticas das
proposições criadas em/na/com Arte. O conhecimento produzido é conteúdo
sensível formulado na potência das experiências estéticas nas suas ações como
professor-criador. Os desdobramentos esperados nesta pesquisa não visam um
tipo de conhecimento único e ou específico, cujos resultados elucidem casos nos
condicionando às previsões. Ao contrário, a partir de uma percepção expandida
buscaremos outros modos de pensar, impulsionando possibilidades e melhorias
nas práticas e políticas educativas na formação de pedagogos.

Palavras-chave: ARTografia; professor-criador; pedagogia cultural; formação em


Pedagogia.
ISBN: 978-85-8209-121-0

EXPERIÊNCIAS DE LÍNGUA E LITERATURA

QUE PALAVRAS SÃO ESSAS? EXPERIÊNCIAS DE TRANSCRIÇÃO DE


RELATÓRIOS OFICIAIS DA PROVÍNCIA DE SANTA CATARINA

Gabriel Henrique de Oliveira Furlanetto


Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE
Roberta Barros Meira
Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE

Resumo: Transcrever documentos antigos pode se revelar um desafio para


aqueles que tem pouca (ou nenhuma) experiência nessa prática. Nessa questão,
é necessário gerar competências de análise para fazer com que o conteúdo
transcrito tenha a maior fidelidade possível ao documento original. Desse modo,
o objetivo é relatar experiências de transcrição e tradução de documentos oficiais
do período da província de Santa Catarina (Brasil Império), descrevendo
algumas problemáticas no que concerne a gramática e alguns peculiares termos
e palavras dentro de tais fontes documentais. Como se trata de tópicos de
gramática, discurso e textualidade, é relevante demonstrar (por parte dos
estudos de pesquisa histórica) como é fundamental a interdisciplinaridade entre
Letras e História. Por conseguinte, serão observadas algumas conflituosidades
que emergem da interpretação de documentos antigos.

Palavras-chave: transcrição; fontes documentais; letras; história; província de


Santa Catarina.
ISBN: 978-85-8209-121-0

EXPERIÊNCIA DE LEITURA LITERÁRIA NO ENSINO SUPERIOR: CLUBE


DE LEITURA DA UNIVALI
Cleide Jussara Müller Pareja
Maria de Fátima dos Santos
Universidade do Vale do Itajaí

Resumo: A leitura literária desperta sentimentos, imaginação e possibilita o


reconhecimento da realidade do leitor. O Clube de Leitura: Fala Livro surgiu do
desejo dos acadêmicos do curso de Letras da UNIVALI de incentivar e promover
a leitura do literário no Ensino Superior. Para cada encontro do Clube definia-se
o mediador e a obra a ser lida. Este Clube de Leitura foi o objeto desta pesquisa
com a seguinte questão: O Clube de Leitura: contribui ou não com a melhoria da
leitura, da escuta, do compartilhar e do criar afetos pela sensibilidade estética?
É uma pesquisa qualitativa e documental. Os instrumentos de coleta de dados,
foram entrevistas e observação pela pesquisadora dos encontros realizados. A
análise dos dados foi realizada de acordo com o método de Bardin (2000). O
aporte teórico principal é Barthes (2015), Petit (2009), Yunes (2003) e Duarte
Junior (2000). O projeto tem como eixo sustentador a metodologia da leitura
fruitiva, que compreende o livro como um objeto estético. Ficou evidenciado tanto
nos encontros, bem como nos relatos dos membros o interesse em realizar a
leitura, bem como compartilhar as sensações que a leitura provocou. Sendo
assim, o Clube de Leitura contribuiu com a melhoria da leitura, da escuta, do
compartilhar e do criar afetos pela sensibilidade estética. O que nos possibilita
afirmar que o Clube de leitura no meio universitário promoveu o crescimento
cognitivo, afetivo, literário e cultural.

Palavras-chave: experiências, leitura literária, clube de leitura, ensino superior


ISBN: 978-85-8209-121-0

LETRAMENTO LITERÁRIO: AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO LITERÁRIO


DA ESCOLA NA CONCEPÇÃO DOS ACADÊMICOS DOS PRIMEIROS
ANOS DO CURSO DE LETRAS DA UNIVILLE
Marilene de Fátima Pereira Gerent
Berenice Rocha Zabbot Garcia
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE

Resumo: Considerando a importância de se refletir sobre as práticas de


letramento literário na escola, esta pesquisa busca compreender como as
práticas pedagógicas na escola contribuem para o desenvolvimento do hábito de
leitura, em especial a leitura de textos literários. A investigação propõe dar
especial atenção à disciplina de Literatura componente curricular do Ensino
Médio. Como aporte teórico, utilizamos reflexões de Magda Soares( 1998)
Angela Kleimam(1995) e Rildo Cosson(2020). Sendo letramento literário na
escola apontado como responsabilidade dos professores de língua, também
constituíram como referências teóricas as obras de Lev S. Vygotsky (2009) e
Mikhail Bakhtin (2011). Como instrumento de pesquisa foi aplicado um
questionário contendo 13 perguntas aos estudantes dos primeiros anos de
Letras da UNIVILLE, cuja análise qualitativa segue os referenciais observados
em Lawrence Bardan, (1997). Contribuíram com a pesquisa oito estudantes
matriculados nos três primeiros anos do curso de Letras da UNIVILLE. A análise
dos primeiros resultados mostra que a influência da família é essencial para o
desenvolvimento do hábito de leitura. Entre as práticas pedagógicas na escola
que contribuem de forma significativa para o vínculo com a literatura, se
destacam a rotina de visita à biblioteca escolar, as contações de história, as
atividades de leitura de obras literárias.

Palavras-chave: Letramento literário. Práticas pedagógicas. Ensino Médio.


ISBN: 978-85-8209-121-0

A INTENSIDADE DA CAÇADA: TEORIA DO CONTO NA PRÁTICA


Ana Clara Lunardon Branco
Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI

RESUMO: Embora o conto tenha tradição bastante antiga, seu estudo e


preferência, enquanto gênero textual, é relativamente recente. Isso porque “no
máximo cabe falar de pontos de vista, de certas constantes que dão uma
estrutura a esse gênero tão pouco classificável” (CORTÁZAR, 2006, p. 125).
Ainda assim, é possível encontrar características comuns aos contos de
qualidade, que jogam com o leitor e utilizam os pontos fortes dessa estrutura
textual a seu favor. Esse ensaio, portanto, procura analisar o conto "A Caçada",
de Lygia Fagundes Telles, levando em conta os conceitos cortazarianos de
tensão e intensidade.
PALAVRAS-CHAVE: teoria do conto; Julio Cortázar; Lygia Fagundes Telles.
ISBN: 978-85-8209-121-0

ECOS DE LUTA, EXPERIÊNCIA E TRAUMA: AS NARRADORAS DE


“TORTO ARADO”, DE ITAMAR VIEIRA JUNIOR

Luana Seidel (UNIVILLE)


Taiza Mara Rauen Moraes (UNIVILLE)

Resumo: A faculdade do compartilhamento de experiências, críticas e memórias


movem os romances por rememorações do narrador. “Torto Arado” (2019), de Itamar
Vieira Junior, é o romance memorialista que ecoa, pelas narrações de mulheres, a luta
dos afro-brasileiros descendentes de escravos pelo direito à terra no sertão baiano,
atualizando a visão de narrador proposta por Walter Benjamin no texto “O Narrador”
(1980) que o classifica em dois perfis arcaicos: o viajante mercantil e o lavrador
sedentário, expositores dos traumas decorrentes da Primeira Guerra Mundial.
Palavras-chave: Narrador. Memórias traumáticas. Torto Arado. Walter Benjamin.
ISBN: 978-85-8209-121-0

EXPERIÊNCIAS DE LEITURA E MEMÓRIAS

OS MASTROS DA MANHÃ: O POETA NA CIDADE


Evelise Moraes Ribas
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE

RESUMO

O presente artigo parte da produção e defesa da dissertação POESIA E


CIDADE: UMA CARTOGRAFIA DAS MEMÓRIAS DE MARCOS KONDER REIS,
que tem como foco a investigação da relação entre a poética de MKR, poeta da
Geração de 45, e a cidade de Itajaí da década de 1930, narrada em seus poemas
e marcada em sua memória, tendo como prática de pesquisa o processo
cartográfico, ou cartografia. O texto aqui apresentado, busca reconhecer a
cidade como espaço de percurso dessas memórias, a partir de fragmentos de
poemas, e análises das múltiplas paisagens e visões da cidade poetizada por
Marcos Konder Reis apoiando-se em reflexões de Benjamin (1987) e Calvino
(1990). A dissertação tem como base de análise poemas selecionados que
compõem a coletânea ‘Um privilégio de pássaros’, organizada por Dennis
Radunz e Antônio Carlos Floriano, lançada em 2008, além de fontes primárias
do período de vida do poeta (1922-2001), acervos documentais hoje sob
salvaguarda do Arquivo Público de Itajaí. A dissertação foi defendida em
fevereiro de 2020, vinculada à linha de pesquisa “Memória e Linguagens” do
Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade da
Universidade da Região de Joinville/SC (UNIVILLE) e ao Grupo de Estudos
Imbricamentos de Linguagens.
Palavras-chave: memória, linguagem, cartografia, poesia, cidade;
ISBN: 978-85-8209-121-0

ENTRE A PAISAGEM E A LITERATURA: A MIGRAÇÃO AMBIENTAL NO


CONTAR LITERÁRIO DE “MARIA ALTAMIRA”
Julio Cesar Vieira
Universidade Federal de Santa Catarina
Eunice Sueli Nodari
Universidade Federal de Santa Catarina.

Resumo: Neste trabalho são apresentados alguns dos percursos de análise do


romance “Maria Altamira” da escritora brasileira Maria José Silveira, pelo olhar
da História Ambiental. Com a construção de uma narrativa geracional que
percorre diversos espaços e tempos na América Latina, Silveira conta a história
de Alelí, uma sobrevivente do terremoto que soterrou a cidade peruana de
Yungay em 1970 e de Maria Altamira, sua filha, e a luta pela resistência frente à
construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Brasil, décadas mais tarde.
Desse modo, a análise do romance visa elucidar no texto literário os aspectos
narrativos referentes à iminência da perda frente aos desastres socioambientais
e a transformação de vidas e integração pela arte. Nesse sentido, reflete-se
sobre o espaço da literatura no que tange à discussão sobre migrantes e
refugiados ambientais, ou seja, de sujeitos e grupos que vivenciam experiências
de transformações abruptas, particulares e, por vezes, definitivas do ambiente,
de seus territórios e modos de viver. Mobilizando o repertório metodológico da
análise de conteúdo, evidencia-se também a presença da colonialidade nas
experiências de desastres socioambientais narradas e que integram o conjunto
de elementos a serem considerados na discussão sobre migração ambiental. O
presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação Memorial da América
Latina e do Centro Brasileiro de Estudos da América Latina.

Palavras-chave: paisagem; literatura; Maria Altamira; migração ambiental;


desastres socioambientais
ISBN: 978-85-8209-121-0

A DIALÉTICA MODERNISTA: ENSAIO PARA ANTROPOFAGIA E


MARXISMO

Francisco Lino de Aviz Neto


Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE

Resumo: Esta proposta materializa-se a partir do estudo e debate quanto à


concepção materialista-dialética da história e do movimento modernista
brasileiro, em especial, da Antropofagia. O interesse surge da práxis marxista,
geradora da aproximação e afeição à cultura modernista e às concepções de
seus produtores brasileiros: do marco da Semana de 1922 aos seus tributários
ulteriores. Assim, objetiva-se apresentar como a Dialética Materialista explica
este movimento cultural, além dos paralelos com o que Leon Trotsky (1923)
caracterizou como “cultura da humanidade”. Isto é, nos termos antropofágicos,
alimentar-se da cultura e relações sócio-produtivas de outros povos, chocando-
a intencionalmente com as próprias realizações para, então, criar uma nova
síntese: rica e permanentemente ativa (ENGELS, 1884). Para tanto, utiliza-se
como metodologia a revisão de literatura nos compositores do objeto estudado
e nos autores clássicos dos marxismo, sendo uma produção sob a História
Social. Enquanto resultados preliminares, vê-se a influência da Dialética
Materialista nas concepções de Oswald de Andrade, fundador da Antropofagia,
além do desvelamento da hegemônica interpretação acadêmica do marxismo,
que sugere um determinismo econômico à essa ciência. Contudo, oposto a isto,
o marxismo pressupõe não uma determinação à cultura, mas o surgimento da
própria cultura a partir do trabalho socialmente produzido. Sendo assim, almeja-
se socializações de comunicações e artigos que aprofundem o projeto.

Palavras-chave: Antropofagia; Dialética; Modernismo; Marxismo.


ISBN: 978-85-8209-121-0

INTERTEXTUALIDADE ENTRE O ROMANCE ESTAÇÃO DAS TREVAS E


OS ESCRITOS PÉS-VERMELHOS, PÓ E SOMBRA, O SOL DOS TRÓPICOS
E SANGUE VERDE DE DAVID GONÇALVES
Cladir Gava
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE

Resumo: Esta proposta objetiva abordar a intertextualidade entre o romance


Estação das Trevas de David Gonçalves e escritos anteriores dele: Pés-
Vermelhos, Pó e Sombra, O Sol dos Trópicos e Sangue Verde. A obra Estação
das Trevas é ambientada na Pandemia da Covid 19 e revela uma sociedade
caótica, marcada pela violência, a corrupção e os problemas socioeconômicos
desencadeados pelo afastamento do ser humano do espaço natural. A força
motriz desse escritor é a relação entre o ser humano, a terra e as tecnologias. A
ideia é assinalar pontos de interseção entre essas narrativas, que (re)criam
experiências simbólicas de indivíduos e grupos sociais que desenvolvem relação
de pertencimento com o meio em que vivem e, ao perderem seus vínculos com
a terra, tornam-se migrantes marginalizados nas periferias das cidades, em um
contexto de desigualdade social. Serão acionados os fundamentos da
intertextualidade, conforme as proposições teórico-metodológicas da
Semanálise de Júlia Kristeva. A abordagem conceitual será composta em quatro
eixos temáticos: as reflexões dirigidas à literatura serão referenciadas em
Cândido (2000, 2004), Barthes (1971, 1978, 1995, 2012, 2013), Bakhtin (2010,
2012); as reconstruções pós-modernas serão pautadas nas proposições teóricas
de Bauman (1998); as abordagens acerca da cultura e da memória remetem aos
estudos de Menezes (2012); as relações entre o ser humano e o ambiente
natural terão referência em Krenak (2019).

Palavras-chave: literatura; intertextualidade; David Gonçalves.


ISBN: 978-85-8209-121-0

A LITERATURA DISTÓPICA NA PERSPECTIVA DA HISTÓRIA AMBIENTAL

Moroni Vidal
Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE
Roberta Barros Meira
Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE

Resumo: A distopia é um gênero literário cujas histórias representam uma


antítese a uma utopia, retratando personagens que enfrentam situações
extremas para sobreviver. A literatura distópica pode fornecer subsídios à
análise histórica, em especial à História Ambiental, já que é comum, neste
gênero literário, que os conflitos para a sobrevivência estejam atrelados a
questões ambientais. Nesse sentido, a presente comunicação reflete sobre as
possibilidades de uso da distopia como fonte histórica a partir do romance “Não
verás país nenhum”, de Ignácio de Loyola Brandão, publicado em 1981, durante
o regime militar brasileiro. Para a realização desta pesquisa, foi utilizada a
metodologia da análise do conteúdo literário, assim como a pesquisa
bibliográfica e documental, operando com referências pertinentes à pesquisa.
Como resultados preliminares, pode-se apontar que a obra analisada discute e
refuta o discurso de progresso e desenvolvimento vendido pelo regime militar
brasileiro, a partir da narrativa distópica. Esta investigação é um recorte do
projeto de iniciação científica “O significado da natureza e os devastadores de
matas: questões ambientais da Ditadura Civil-Militar brasileira na obra ‘Não verás
país nenhum’ de Ignácio de Loyola Brandão”, com financiamento do Uniedu pelo
artigo 170. As reflexões estão vinculadas também ao grupo de pesquisa “Cultura
e sociedade: circulação de saberes, natureza e agricultura”, coordenado pelas
professoras Doutoras Roberta Barros Meira e Mariluci Neis Carelli, da
Universidade da Região de Joinville - Univille.

Palavras-chave: História ambiental; literatura; Não verás país nenhum; Ignácio


de Loyola Brandão; distopia.
ISBN: 978-85-8209-121-0

EXPERIÊNCIAS DE POLÍTICAS CULTURAIS

OS INSTRUMENTOS MUSICAIS DO ACERVO DO MUSEU NACIONAL DE


IMIGRAÇÃO E COLONIZAÇÃO
Mirtes Antunes Locatelli Strapazzon
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE
Dione da Rocha Bandeira
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE
Sandra Paschoal Leite de Camargo Guedes
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE

RESUMO: A proposta dessa comunicação é apresentar os resultados da análise das


fichas de inventário dos instrumentos musicais do acervo do Museu Nacional de
Imigração e Colonização/MNIC. O objetivo foi o de identificar os instrumentos musicais
deste Museu, tendo em vista a terminologia e a historicidade destes, uma vez que são
pouco conhecidos, além da quase inexistência de pesquisas que tratem desse tema.
Portanto, vale ressaltar que acervos, instrumentos musicais, museu e museologia são
conceitos fundamentais para o tema. O Museu Nacional de Imigração e
Colonização/MNIC é uma instituição federal, administrada pela Secretaria de Cultura e
Turismo em Joinville, encarregada por recolher documentações relacionadas à
imigração histórica do sul do Brasil, tendo como função produzir pesquisas históricas,
etnológicas, sociológicas, etnográficos, elaboração de exposições e suas divulgações.
O método empregado para a pesquisa foi a análise documental, em processo de
consulta virtual às fichas e fotos do acervo musical oferecidas pelo referido Museu. Com
a análise dos dados foram identificadas algumas tipologias dos instrumentos
pertencentes ao acervo do Museu, entre elas, os aerofones e os cordofones. Além disso,
trouxe importantes aspectos da história de alguns instrumentos e de sua doação ao
Museu.
Palavras-chave: museu; acervo musical; instrumentos musicais.
ISBN: 978-85-8209-121-0

FORTALEZAS DA ILHA: VOZES DA COMUNIDADE


Dalânea Cristina Flôr
Geisa Pereira Garcia
Maira Diederichs Wentz
Marina Selinke Casagrande
Salvador Norberto Gomes
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Resumo: O projeto “Fortalezas da Ilha: Vozes da comunidade” é uma proposta


de educação patrimonial desenvolvida pela Coordenadoria das Fortalezas da
Ilha de Santa Catarina, um setor vinculado à Secretaria de Cultura e Arte, da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O projeto busca valorizar as
percepções sobre as fortificações catarinenses a partir do olhar, do sentimento
e das experiências da população do estado, especialmente das comunidades
que vivem no entorno das fortalezas. Entende-se que essas percepções
compõem memórias que constituem a identidade de indivíduos e de grupos
sociais e são fundamentais para a valorização de cada sujeito e da cultura, para
o sentimento de pertencimento e para a preservação do bem patrimonial,
portanto, precisam ser registradas. Com base nesta compreensão o projeto tem
o objetivo de resgatar, registrar e divulgar as memórias da comunidade
catarinense sobre as fortalezas do estado. Por meio dele a população é
convidada a compartilhar seus sentimentos, vivências e experiências mediante
relatos orais ou outros registros criativos e livres (depoimento escrito em
diferentes gêneros literários, desenho, fotografia etc). Como resultados
preliminares pode-se destacar a realização de uma Mostra de fotografias, o
registro e a divulgação de alguns depoimentos, a identificação de pessoas a
serem entrevistadas e de materiais a serem coletados e, a identificação de
pontos fortes e pontos fracos que possibilitarão a requalificação do projeto.
Palavras-chave: Palavras-chave: fortalezas da ilha; memória; cultura
ISBN: 978-85-8209-121-0

TRADUÇÃO DE ESCRITORAS AFRO-LATINO-AMERICANAS: UMA


EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA
Pedro Salles Iwersen
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
Eliane Santana Dias Debus
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

Resumo: Desde a fundação do PET Pedagogia/UFSC, em 2007, o estudo de


língua estrangeira vem compondo as ações do grupo. No período de 2016 a
2019, a formação foi desenvolvida por este pesquisador que, estudante do Curso
de Pedagogia e bolsista do PET, já possuía formação em Letras Espanhol pela
UFSC. Por meio do Projeto de Extensão Língua e Cultura Hispânica, no ano
2019 aconteceram as Oficinas de Tradução de poemas escritos por mulheres
afro-latino-americanas. Em cada encontro uma poesia foi traduzida pelo grupo.
Para esta atividade, foram selecionados os poemas: 1) Me Gritarón Negra, da
escritora afro-peruana Victoria Santa Cruz; 2) Paisaje con Mujer Angolana,
presente no livro La Noche (1989) de Excília Saldaña, escritora e poeta afro-
cubana. As referencias utilizadas para o desenvolvendo do trabalho pedagógico
foram: Eliane Debus (2017) para falar de literatura de temática africana; bell
hooks (2020) e Lelia Gonzales (2020) ao tratar do feminismo negro e afro-latino-
americano; Hampâté Bâ (2010) para compreender a tradição oral africana;
Débora Oyayomi Araju (2019) no que diz respeito aos estudos de ancestralidade;
e Paulo Vinícius Baptista da Silva (2021) que nos apresenta o conceito
“letramento literário racial crítico” para designar este tipo de ação. Acreditamos
que esta formação colabore para uma formação de professores livre de
estereótipos e preconceitos, aptos a trabalhar com a educação das relações
étnico-raciais, visando uma pratica docente antirracista.

Palavras-chave: Tradução e ensino; Espanhol como língua estrangeira;


Educação das relações étnico-raciais.
ISBN: 978-85-8209-121-0

POLÍTICAS PATRIMONIAIS: A CULTURA DIGITAL E O PATRIMÔNIO


DIGITAL NO TEMPO PRESENTE
Maria Elena Medeiros Marcos
Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE

O presente trabalho tem como objetivo discutir a cultura digital tanto como um
conceito quanto como uma prática contemporânea, além debater a relação entre
a cultura digital e as políticas patrimoniais de criação/fabricação do patrimônio
digital na UNESCO. Busco discutir a temática com base no questionamento: No
diálogo com a cultura digital, o patrimônio digital pode ser considerado um tipo
de patrimônio específico de nossa contemporaneidade? Considerando a
pesquisa realizada no Programa de Pós-Graduação em Stricto Sensu em
Patrimônio Cultural e Sociedade, a nível de mestrado, na UNIVILLE da qual
resultou a dissertação intitulada “PATRIMÔNIO E CULTURA DIGITAL: UMA
ANÁLISE SOBRE PATRIMÔNIO DIGITAL NO ÂMBITO DA UNESCO – O CASO
DEMOSCENE”, analiso a questão com base estudo de caso referente à
patrimonialização da Demoscene, em que posso inferir de que se trata de um
processo patrimonial inovador, que reflete no patrimônio novas abordagens
tecnológicas, assim como novas práticas de uma comunidade digital
internacionalizada e de políticas patrimoniais. Para fins de contextualização a
Demoscene é uma subcultura internacional da arte da computação focada na
produção de demos e programas de computador independentes, que produzem
apresentações audiovisuais. Referente à metodologia utilizada para a realização
desta comunicação oral e artigo, foi constituída de uma pesquisa bibliográfica,
buscando literatura científica pertinente ao objeto de estudo construído e
problematizado. A pesquisa foi operacionalizada através de leitura de livros,
artigos e análise de documentos, que resultaram em fichamentos.

Palavras-chave: Cultural digital, patrimônio digital, Demoscene, Políticas


culturais.
ISBN: 978-85-8209-121-0

A SOCIEDADE CULTURAL E BENEFICENTE SEBASTIÃO LUCAS


PEREIRA: ESPAÇO DE MEMÓRIA E RESISTÊNCIA DA COMUNIDADE
NEGRA DE ITAJAÍ.

Bento Rosa da Silva


Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Roberta Barros Meira
Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE
Moacir da Costa
Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE
Resumo: Em 1952, a cidade de Itajaí torna-se palco para a comunidade negra
do município organizar um novo espaço de interação social e resistência para
negros e negras, a Sociedade Cultural e Beneficente Sebastião Lucas Pereira,
com o intuito ter na cidade um espaço para a expressão de cultura, de lazer, de
organização social e de certo modo de resistência da comunidade, tendo em
vistas o encerramento das atividades do Clube de Regatas Cruz e Souza, a
primeira associação náutica do Estado de Santa Catarina destinada
exclusivamente a comunidade negra e o fim do Humaitá Futebol Clube. No ano
de 2007, por iniciativa da comunidade negra da cidade, foi levada aos poderes
públicos constituídos a necessidade de Patrimonialização do Patrimônio Cultural
e do Espaço de Memória, bem como a Patrimonialização do Bem Imóvel da
Sociedade Cultural e Beneficente Sebastião Lucas Pereira, o que resultou no
Decreto: Nº 8252, DE 8 DE JUNHO DE 2007. Esta comunicação visa analisar a
preservação patrimonial do bem edificado da entidade Sebastião Lucas Pereira
bem como dos espaços de memória da comunidade negra de Itajaí. Assim como
trazer para a discussão a necessidade de proteção dos Espaços de Socialização
e Resistências da Comunidade Negra.

Palavras-chave: Memória; Patrimônio cultural; Sociedade Cultural e Beneficente


Sebastião Lucas Pereira; Comunidade negra de Itajaí
ISBN: 978-85-8209-121-0

EXPERIÊNCIAS DE MEMÓRIA

EDUCAÇÃO DOS IMIGRANTES ALEMÃES EM JOINVILLE: DA FUNDAÇÃO


DA PRIMEIRA ESCOLA EM 1851 À NACIONALIZAÇÃO DO ENSINO

Daniele Claudia Miranda


Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE
Euler R. Westphal
Resumo: O artigo em questão tem como objetivo abordar como se deu o
processo educacional dos imigrantes alemães quando se estabeleceram na
Colônia Dona Francisca, a partir da perspectiva de mudança do ensino antes
em sua língua-mãe, com influências da estrutura curricular da Alemanha para
as matérias determinadas pela base curricular brasileira. Nesse sentido, o
dilema enfrentado dentro de um Estado que proclamava a cultura luso-
brasileira como única possível e que impedia a livre manifestação estrangeira
gerou um impacto na educação dos imigrantes alemães que precisaram se
adequar à nacionalização do ensino em Joinville/SC. A metodologia utilizada
envolve a investigação bibliográfica centrada na mudança do sistema de ensino
joinvillense no período de 1851 a 1918, quando foi construído um modo de agir
e de pensar em um novo processo de escolarização para imigrantes alemães.
O processo de abrasileiramento foi sendo articulado pelo governo brasileiro ao
implantar um novo currículo para os imigrantes com o objetivo de integrá-los a
nacionalidade brasileira uma vez que o ensino ministrado em alemão, não
atendiam às exigências previstas pela legislação brasileira. Assim, o
redesenho das instituições escolares trouxe um dissabor para os imigrantes
alemães por prejudicar a respectiva diversidade étnico-linguística manifestada
pelos eles e seus descendentes que aos poucos foram sendo alfabetizados
em português com os materiais didáticos de autores nacionais.

Palavras-chave: imigrantes alemães; educação; nacionalização do ensino.


ISBN: 978-85-8209-121-0

SOCIEDADE SEBASTIÃO LUCAS PEREIRA: CONSTRUÇÃO DE MEMÓRIA


E RESISTÊNCIA

Maykon Daniel Hundenski;

Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI;

Resumo: Este ensaio surge pelo contato do autor com a recente articulação do
Movimento Negro em Itajaí, em prol da recuperação do Clube Sebastião Lucas
Pereira, com imóvel tombado como patrimônio histórico, desde 2007 à nível
municipal, e em atual estado de deterioração. Apresenta-se como uma
oportunidade de refletir sobre a importância histórica e cultural deste clube negro,
fundado em 1952, sua inserção e conflitos no espaço urbano e nas relações
étnico-raciais na cidade de Itajaí e sua influência na memória coletiva. Desta
forma, as temáticas memórias, identidades, relações étnico-culturais, territórios
e cultura afro-brasileira, que permeiam estas discussões, serão abordadas com
análises teóricas e conceituais, a partir da perspectiva dos conceitos de
Monumento e Documento, trabalhados por Le Goff (2013), lugares de memória,
de Nora (1993), cultura de Eagleton (2003), necropolítica e resistência, de
Mbembe (2014 e 2016). Pretende-se analisar, a importância histórica do clube,
entendido enquanto um lugar de memória para a cidade, bem como local de
resistência e construção de memória coletiva, para a comunidade negra. Esse
trabalho é uma etapa preliminar de iniciação científica, podendo desdobrar-se
em outras abordagens, cujos conhecimentos possam compor uma pesquisa de
maior aprofundamento.
Palavras-chave: memória; cultura afro-brasileira; resistência; clubes negros;
identidade.
ISBN: 978-85-8209-121-0

HISTÓRIA E MEMÓRIAS DA ESCOLINHA DE ARTES DE JOINVILLE


Juliana Rossi Gonçalves
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE
Taiza Mara Rauen Moraes
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE

Resumo: O Movimento Escolinhas de Arte (MEA) se manifestou no Brasil na


década de 1940 a partir da criação da Escolinha de Arte do Brasil (EAB). O MEA
surgiu como uma resposta à educação do Estado Novo (1937-1946), que
solidificou alguns procedimentos, como a cópia de estampas e desenho
geométrico na escola primária e secundária (BARBOSA, 2003), restringindo o
espaço de liberdade dos estudantes. Por meio de uma pesquisa documental,
constatou-se que na cidade de Joinville/SC, o MEA refletiu na criação da
Escolinha de Artes Infantis (EAI) em 1970. A metodologia utilizada na EAI era a
da livre-expressão, seguindo a tendência modernista do MEA. A partir de 1990,
temas relacionados à história da arte passaram a ser trabalhados anualmente,
ligando a EAI à Abordagem Triangular, de Ana Mae Barbosa. Mantida pelo poder
público municipal, a falta de investimentos é um problema que atinge diretamente
a Escolinha, que resiste há mais de 50 anos na cidade das indústrias.
Atualmente, a faixa etária dos alunos é dos 6 aos 12 anos. Os temas continuam
a ser trabalhados até hoje, escolhidos pelo corpo docente em conjunto com os
alunos, que resultam em uma exposição anual na Galeria Municipal de Artes
Victor Kursancew e apresentação de peças de teatro. A história da EAI
demonstra que ao longo dos anos, as ações educativas reforçam seu papel de
sensibilizar o olhar da criança para sentir, agir e ver criticamente o mundo.
Palavras-chave: arte-educação; ensino da arte; Movimento Escolinhas de Arte;
escolinha de arte.
ISBN: 978-85-8209-121-0

DIÁLOGOS FEMINISTAS: A EXPERIÊNCIA DE LUTA NA UNIVILLE

Bruna de Souza Medina


Ketlyn Cristina da Silva Alves
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE

Resumo
Esta comunicação oral tem por objetivo refletir acerca das experiências
aadêmicas de mulheres que trouxeram a pauta feminista de movimentos sociais
em que atuaram para o ambiente da Universidade da Região de Joinville –
Univille, durante o período de 2016 a 2019. Por vezes, o ambiente acadêmico
não está propenso para o debate das pautas da luta das mulheres e que
impactam no cotidiano universitário das estudantes que passam por situações
de assédios, descréditos intelectuais, julgamentos morais e que nem sempre são
denunciados. Diante disso, durante o período citado, o Movimento Mulheres em
Luta (MML) em conjunto com as acadêmicas do curso de História realizou ações
dentro da Univille que abrangiam as discussões das problemáticas acima,
promovendo rodas de conversa, palestras, cine-debates e intervenções perante
a cenários de machismo envolvendo as atléticas. Uma das ações realizadas foi
a participação do MML na XXII Semana de História, com a presença de outros
movimentos sociais. Na ocasião apresentamos o movimento e suas pautas no
contexto joinvilense e debatemos com os estudantes presentes a necessidade
do diálogo com o feminismo dentro das universidades. Por fim, consideramos
que na prática a participação do movimento não é contínua, tornando o debate
e a luta por melhores condições das estudantes ineficaz, por não conseguirmos
implementar políticas e mecanismos de proteção ao público feminino.

Palavras-chaves: movimento feminista; universidade; experiências de luta.


ISBN: 978-85-8209-121-0

A(BORDA)R O TEMPO E A MEMÓRIA: AS EXPERIÊNCIAS NAS


ARTESANIAS DE IMAGENS DE SI

Rita de Cássia Fraga da Costa


Taiza Mara Rauen Moraes
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE

Esta produção deriva da pesquisa/tese Narrativas Artesaniadas: tessituras de


um Panô De Memórias, em desenvolvimento no Programa de Pós-graduação
em Patrimônio Cultural e Sociedade (PPGPCS/UNIVILLE), vinculada ao Grupo
de Pesquisa Imbricamentos de Linguagens. Como o tempo e a memória estão
imbricados às experiências nas artesanias das imagens de si? É a questão
mobilizadora para este estudo cartográfico que, a partir de uma pesquisa
narrativa em um espaço/tempo de educação não formal, acontece no
(re)visitamento ao Panô de Memórias, quadro têxtil tecido como registro
narrativo, criado artesanalmente pela pesquisadora e onze idosos assistidos em
um centro de referência social. As imagens surgem nas/pelas tessituras da
composição deste têxtil, em artesanias formuladas no desejo por apresentar em
imagens suas histórias de vida, em composições que revelam as multiplicidades
dos fluxos entre o tempo e a memória. As artesanias das imagens de si guardam
rastros, indiciam gestos performáticos formulados na via da expressão subjetiva,
conciliação que desvela a arquitetura de seus sujeitos e a alteridade do grupo,
ao mesmo tempo em que apresenta o tecer como escritura, criação e
visualidade. Esta pesquisa aposta no conhecimento alcançado em sua
processualidade, no desafio do encontro com outros modos de pensar, e nesta
reflexão-ação visa por novações para expandir a compreensão sobre o tecer
como modo de acompanhamento do vivo, em experiências nas artesanias de
imagens de si.

Palavras-chave: memória; tempo; artesanias; experiências narrativas; tecer.

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