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ISBN: 978-85-8209-106-7

Anais do PROLER 2019


10º SEMINÁRIO DE PESQUISA EM LINGUAGENS, LEITURA E CULTURA

Organizadores:
Berenice Rocha Zabbot Garcia (Programa
Institucional de Literatura Infantil Juvenil -
PROLIJ)
Taiza Mara Rauen Moraes
(Programa Institucional de Incentivo à
Leitura – PROLER)
Realização:

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ISBN: 978-85-8209-106-7

Anais

Organizadores: Berenice
Rocha Zabbot Garcia
Taiza Mara Rauen Moraes

Realização
Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE Programa
Nacional de Incentivo à Leitura - PROLER

Reitora
Sandra Aparecida Furlan

Vice-Reitor
Alexandre Cidral

Pró-Reitora de Ensino
Sirlei de Souza

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação


Therezinha Maria Novais de Oliveira

Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários


Yona da Silva Dalonso

Diretor Administrativo da FURJ


José Kempner

Joinville - 2019

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Comitê PROLER Joinville

Alcione Pauli
Luciane Piai
Marilene Gerent
Taiza Mara Rauen Moraes

Comissão Científica

Adair de Aguiar Neitzel (UNIVALI)


Eliane Debus (UFSC)
Fábio Henrique Nunes Medeiros (FAP)
Pedro Albeirice da Rocha (UFT/UFSC)
Silvia Sell Duarte Pilloto (NUPAE/UNIVILLE)
Fernando César Sossai (PPPCS/UNIVILLE)

Diagramação

Luana Seidel (PROLER)

Revisão

Luana Seidel (PROLER)


Taiza Mara Rauen Moraes (PROLER)

Campus Joinville - Rua Paulo Malschitzki, nº 10


Campus Universitário - Zona Industrial
Joinville SC - CEP: 89219-710
Fone: (47) 3461-9000 | Fax: (47) 3473-0131

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Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da Univille

E56a Encontro do PROLER Joinville (25. : 24-26 set. : 2019 : Joinville, SC)
Anais do 25.º Encontro do PROLER de Joinville; 10.º Seminário de Pesquisa em
Linguagens/ organizadoras Taiza Mara Rauen Moraes, Berenice Rocha Zabbot
Garcia. – Joinville, SC: UNIVILLE, 2019.

Internet
ISBN 978-85-8209-106-7

1. Pesquisa – Ensino superior. 2. Incentivo à leitura. 3. Língua e linguagem –


Estudo e ensino. 4. Aprendizagem. 5. Cultura. I. Seminário de Pesquisa em
Linguagens (10. : set. : 2019 : Joinville, SC). II. Moraes, Taiza Mara Rauen (org.).
III. Garcia, Berenice Rocha Zabott (org.). IV. Título.
CDD 001.44

Elaborada por Christiane de Viveiros Cardozo – CRB 14/778

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“QUEM CUIDA DAS CUIDADORAS?”: HISTÓRIAS DE VIDA E


NARRATIVAS DE SI

Eloyse Davet
Mestranda no Programa de Pós-graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade na
Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE
E-mail: eloysecdavet@gmail.com

Raquel ALS Venera


Professora no Programa de Pós-graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade na
Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE
E-mail:raquelsenavenera@gmail.com

RESUMO :Esta comunicação é um recorte da pesquisa intitulada “’Quem cuida das


cuidadoras?’ O processo de construção da subjetividade de cuidadoras e o cuidado
de si”, cujo objetivo é compreender os processos de construção da subjetividade de
três cuidadoras e as relações com os cuidados de si expressas em suas narrativas. A
pesquisa utilizará como metodologia os “Retratos Sociológicos” de Bernard Lahire
(2004) para a coleta das Histórias de Vida das três cuidadoras. A partir das narrativas,
buscamos perceber os entrecruzamentos nos âmbitos individuais e sociais evocados
por meio de suas memórias, e de como percebem as construções de suas
identidades. Assim, pretendemos conhecer as maneiras como se percebem, ou não,
cuidadoras e os mecanismos que acionam a compreensão dessa identidade. E é a
partir da linguagem que essas reflexões emergem. Assim, buscamos compreender a
complexidade da vida e as possibilidades que cada história individual tem ao ser
potencializada frente ao coletivo, de modo a reforçar a defesa da vida como um
patrimônio comum. Ao valorizar o comum, buscamos perceber as memórias culturais
e sociais repletas de significados, e que por não se tratar de grandes narrativas, ou
excepcionais histórias e personagens, não são evidenciadas ou valorizadas. Tendo
em vista que a pesquisa ainda não foi a campo, pautamo-nos nos resultados
esperados e em hipóteses que nos levarão a investigar durante as entrevistas, e
posteriormente a construir os retratos sociológicos.

Palavras-chave: retratos sociológicos; histórias de vida; patrimônio cultural;


cuidadoras.
ABSTRACT

This paper is part of the research entitled “'Who cares for caregivers?' The process of
construction of caregivers' subjectivity and the self-care”, that aims to understand the
processes of subjectivity construction of three caregivers and the relations of care
expressed in their narratives. The research uses the "Sociological Portraits"
methodology of Bernard Lahire (2004) to collect the Life Stories of the three caregivers.
From the narratives, we seek to perceive the intersections between the individual and
social scopes evoked by their memories, and also how they perceive the constructions
of their identities. Thus, we intend to know the ways in which caregivers are perceived
by themselves, or not, and the mechanisms that trigger the understanding of this
identity. As it is by the language that these reflections emerge, our purpose is to
understand the complexity of life and the possibilities that each individual story has
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when strengthened in front of the collective, in order to reinforce the defense of life as
a common heritage. By valuing the common, we intend to apprehend the cultural and
social memories full of meanings, that for not being treating as great narratives, or
exceptional stories and characters, are not evidenced or valued. Since the research
has not yet been in the field, we are guided by the expected results and hypotheses
that will lead us to investigate over the interviews, and later to build the sociological
portraits.

Key-words : sociological portraits; life stories; cultural heritage; caregivers.

INTRODUÇÃO

O presente artigo é proveniente de estudos iniciais acerca do referencial teórico


a ser utilizado na pesquisa de dissertação “’Quem cuida das cuidadoras?’ o processo
de construção da subjetividade de cuidadoras e o cuidado de si” vinculada ao
Programa de Pós-graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade da Universidade da
Região de Joinville (Univille). Tendo como principal objetivo compreender os
processos de construção da subjetividade de três cuidadoras e as relações com os
cuidados de si expressas em suas narrativas, a pesquisa visa dialogar com os estudos
no campo do patrimônio na defesa das histórias de vida como patrimônio.
Os interesses acerca dos cuidados e de vidas como patrimônio surgem após a
realização de um trabalho voluntário na pesquisa “Memórias Múltiplas e Patrimônio
Cultural em rede: o desafio (auto)biográfico diante da ameaça da perda”, momento
em que iniciavam os primeiros contatos com a pesquisa acadêmica, as Histórias de
Vida e narrativas orais. E foi nesse momento que os cuidadores passaram a chamar
atenção como sujeitos passiveis de pesquisa (auto)biográfica.
Por se tratar de uma pesquisa (auto)biográfica é evidente que o autor é
conduzido em meio as narrativas de modo a indagar-se acerca da reflexividade
disposta através da construção de subjetividades semelhantes aqueles que
compartilham das mesmas práticas. Tendo em vista que as narrativas são um dos
principais marcos desta pesquisa, considerando que ao narrar sua história a cuidadora
se expresse e reflita sobre sua fala.
Considerando o tom (auto)biográfico da pesquisa, ressaltam-se as
identificações e estranhamentos relacionados às diferenças. Ao ouvir um relato
biográfico de cuidado resulta para o autor perceber-se através da diferença, em

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relação ao entrevistado. Enquanto grupo, percebemos que as identificações com


pesquisa e/ou pesquisado pode vir a ser uma das grandes dificuldades a serem
enfrentadas quando se trata de pesquisas com pessoas e no campo das
(auto)biografias.
A pesquisa “Memórias Múltiplas e Patrimônio Cultural em rede: o desafio
(auto)biográfico diante da ameaça da perda”, já mencionada, foi composta por dois
momentos de coleta de dados. Durante a primeira fase, entre os anos de 2015 e 2016,
foram entrevistados cinco (5) pessoas, mulheres e homens com idades entre 40 e 65
anos, na perspectiva de compreender como esses sujeitos percebem suas vidas após
o diagnóstico da Esclerose Múltipla, EM. Num segundo momento – 2017 até o
presente - foram entrevistados 8 jovens, mulheres e homens, de idade entre 20 e 35
anos, tendo uma mudança de foco para as relações de trabalho e a forma como esses
jovens reorganizaram suas vidas e atividades profissionais após o diagnóstico. Foi a
partir dessa segunda fase da pesquisa que as histórias de vida das três mulheres,
cuidadoras desses jovens, ganharam interesse.
Todavia, foi a partir desta aproximação por meio de pesquisas anteriores, que
foi possível perceber uma visível diferença entre as cuidadoras da primeira fase das
entrevistas e as da segunda. Na primeira fase percebemos as cuidadoras numa
posição de estarem mais disponível para as pessoas a serem cuidadas, que sequer
pensavam sobre suas próprias vidas ou interesses. Ao pensar sobre o “cuidado de si”,
estamos entendendo-o como uma prática que passa pela compreensão do sujeito
com relação aos seus desejos e necessidades; passa pelo autoconhecimento e por
entendimento de que é preciso querer-se bem em primeiro lugar, pois é somente
assim que se pode querer o bem do Outro. Como se cuidam? E como se subjetivam
como cuidadoras em uma outra relação que não seja a mais corriqueira, como
promotora da salvação do outro?
Assim, para que a pesquisa alcance os seus objetivos propostos para que os
debates acerca do campo do Patrimônio sejam ampliados no âmbito imaterial e para
que reflita acerca da vida e das construções subjetivas dos sujeitos. Para promover
uma articulação junto aos estudos de memória e subjetividades através das narrativas
orais, que serão captadas por meio de entrevistas, será utilizada como metodologia
os Retratos Sociológicos proposta por Lahire (2004). Retornando aos conhecimentos
construídos pelo grupo de pesquisa, no âmbito do Patrimônio Cultural, chegamos à

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dissertação defendida por Maureen Bartz Szymczak (2018), proveniente da mesma


linha de pesquisa e sob a mesma orientação que se baseia esta pesquisa. Intitulada:
“Histórias de Vidas e Patrimônio Cultural: desafios do Museu da Pessoa”, a pesquisa
traz para o campo os inícios de uma discussão acerca da potência das narrativas de
si no campo do Patrimônio Cultural.
Aos argumentos já desenvolvidos no grupo de pesquisa citado, apostamos
somar com as entrevistas desenvolvidas e dos Retratos Sociológicos construídos,
uma vez que possibilitam mostrar o atravessamento social nas micro-histórias dos
sujeitos. A pesquisa não pretende propor a patrimonialização de nenhuma das três
cuidadoras ou de suas memórias, mas busca pensar e compreender de quais
maneiras a vida pode ser considerada um patrimônio comum. A pesquisa estará
atenta as relações de gênero que perpassam a vida social e como atravessam as
experiencias narradas pelas três mulheres entrevistadas. Os seja, a evidência de que
Histórias de Vidas são ricas de valores patrimoniais pode estar também nos modos
de vida que revelam. Para apresentar essas reflexões propostas pela pesquisa de
dissertação, este artigo está organizado de modo a proporcionar uma introdução
sobre os caminhos trilhados até a presente escrita, algumas reflexões e inquietações
sobre as histórias de vida como patrimônio e por fim, considerações que vêm sendo
construídas ao passo em que a pesquisa vai sendo desenvolvida.

OS RETRATOS SOCIOLÓGICOS: NARRATIVAS DE SI E HISTÓRIAS


DE VIDA

Ao propor trabalhar com narrativas de si e histórias de vida, essa pesquisa lançou-se


também ao desafio de utilizar uma metodologia pouco conhecida no campo, os
Retratos Sociológicos proposto por Bernard Lahire (2004), que entram em
consonância com as ideias de Pierre Bourdieu (1998), especificamente com o
conceito de habitus. Lahire (2004) trabalha com a metodologia de Retratos
Sociológicos que são construídos a partir de entrevistas, dando foco para o
individual. Desta forma
embora qualquer teoria sobre grupos sociais sempre pressuponha a
existência de pessoas de carne e osso, a individualidade dessas pessoas
pode ser considerada um objeto bastante contemporâneo para o tratamento
sociológico. (LIMA JUNIOR; MASSI, 2015, p. 561).

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Assim, esta pesquisa busca encontrar nesta metodologia uma forma de retratar
individualmente as três cuidadoras a serem entrevistadas ao longo da pesquisa de
dissertação de mestrado, porém ao mesmo tempo, mapeando as problemáticas
sociológicas desses retratos.
Partindo dos conhecimentos prévios que se possui das três mulheres, Bruna
Rocha Silveira é publicitária de graduação, mestre em Comunicação, doutora e pós-
doutora em Educação na linha de Estudos Culturais em Educação da UFRGS.
Gaúcha, mãe, esposa, pesquisadora, possui uma condição de vida com Esclerose
Múltipla, mas também é cuidadora, Bruna tem uma vida imbricada por relações de
cuidado desde muito cedo. Sua mãe, Sônia Nunes Rocha, tem sua trajetória
profissional marcada pelo ofício de cuidadora. A sra. Sônia tem graduação em
Fisioterapia e anos de experiência como cuidadora de sua própria filha, Renata, a irmã
mais velha de Bruna que possui uma deficiência cognitiva grave. Ela sempre cuidou
das filhas, a Renata de forma contínua e de Bruna esporadicamente nos casos das
sequelas e as crises de sua doença. Atualmente é também cuidadora também dos
seus pais. Mãe, avó, cuidadora das filhas, dos pais e ocasionalmente do neto. A sra.
Lêda Lima de Mesquita, sogra de Bruna, também é uma pessoa muito presente no
cotidiano desta família. Enfermeira de profissão ela é cuidadora há uma longa data,
mas há menos de dez anos, é cuidadora do filho Jaime desde que foi diagnosticado
com Esclerose Múltipla. Ela cuida esporadicamente também do neto, Francisco, e
junto com Bruna, dividem afetos, cuidados e a casa. Para que essas vidas e relações
fossem facilitadas, a família mudou-se para o mesmo prédio e são separados por um
par de andares.
Na perspectiva das pesquisas da área da Sociologia, inferimos que é preciso perceber
que existe algo no âmbito individual que é proveniente de uma estrutura social. A partir
do ponto de vista do campo sociológico as identidades a ser analisadas, as
cuidadoras, não podem ser classificadas somente como biografias, mas também
percebendo seu grau de relevância para pensar toda uma estrutura social construída
através dessas relações.
De modo a promover a aplicação da metodologia das entrevistas, Lahire (2004)
propõe que se desenvolvam em seis encontros a serem realizados com os
entrevistados, neste caso as três cuidadoras. Porém, é preciso refletir que ao se tratar
de três cuidadoras que atuam diretamente em uma mesma família, essa pesquisa já

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prevê adaptações metodológicas para que seja possível a sua aplicabilidade. Porém,
doravante essas adaptações metodológicas, percebe-se que o método proposto por
Bernard Lahire (2004) continua sendo possível de aplicabilidade na pesquisa, pois
tem como principal interesse a construção de retratos sociológicos na experiencia de
um dispositivo experimental, bem como a proposta desta pesquisa.
Para que seja possível a construção dos retratos, serão realizados seis7
encontros em que será realizada uma entrevista com cada uma das mulheres,
separadamente. Para fundamentar essas entrevistas – que poderão ser chamadas de
conversas devido ao seu cunho de informalidade a fim de proporcionar maior conforto
para as entrevistadas – utilizando um roteiro de entrevista, para que todas as
perguntas sejam realizadas da mesma forma para todas as três mulheres. Lahire
(2004) propõe a realização de perguntas simples e ligadas ao cotidiano das pessoas,
desta maneira no roteiro irá conter perguntas relacionadas a toda a vida das três
mulheres, partindo da infância até os dias atuais.
Assim, segundo o autor,
só um dispositivo metodológico desse permitiria julgar em que medida
algumas disposições sociais são ou não transferíveis de uma situação para
outra e avaliar o grau de heterogeneidade ou homogeneidade do patrimônio
de disposições incorporadas pelos atores durante suas socializações
anteriores. (LAHIRE, 2004, p. 32).

Na sequência metodológica dos Retratos Sociológicos, é passado para os sujeitos a


serem entrevistados o mínimo de informações possíveis sobre os desafios teóricos ou
as hipóteses que a pesquisa em questão busca, de modo a evitar induções e
comprometimento das narrativas. Lahire (2004) traz questões do cotidiano dos
sujeitos a serem entrevistados como peças fundamentais para a construção das
análises do pesquisador. O ambiente a ser realizadas as entrevistas também deve ser
levado em consideração, visto que o espaço familiar acaba por propiciar e fomentar a
confiança do entrevistado ao narrar sobre sua trajetória de vida construída através das
perguntas a serem indagadas. Assim como na metodologia da Etnografia, Bernard
Lahire (2004) recomenda a utilização de um caderno para anotações de hábitos,
primeiros contatos e interações entre entrevistador e entrevistado.
Consequentemente, após realizadas as entrevistas iniciam-se as análises a fim de
poder delinear esses Retratos Sociológicos que foram pensados no início das

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Como dito anteriormente, a proposta do autor é de seis encontros, porém a metodologia será adaptada conforme
a disponibilidade de tempo das entrevistadas.
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entrevistas, usando da memória como fio condutor para se chegar as similaridades ou


disparidades das respostas.
Ao pensar acerca das narrativas orais e relatos de si que serão captados
durante as entrevistas, entendemos que é preciso refletir acerca da evocação das
memórias que decorrerá desse processo. Adentrar aos estudos de memória é sempre
um risco epistemológico a se correr, visto que existem autores consagrados que
escrevem sobre o tema e que este é um conhecimento que está inscrito em um campo
de embates. Pensando nos estudos do teórico Maurice Halbwachs (1990), em seu
livro “A memória coletiva”, o autor afirma que
fazemos apelo aos testemunhos para fortalecer ou debilitar, mas também
para completar, o que sabemos de um evento do qual já estamos informados
de alguma forma, embora muitas circunstâncias nos permaneçam obscuras.
Ora, a primeira testemunha, à qual podemos sempre apelar, é a nós próprios
(HALBWACHS, 1990, p. 25)

Ao afirmar que a primeira testemunha a qual a memória recorre é a própria


pessoa e sua consciência, é possível perceber que a memória está intrinsecamente
relacionada com o indivíduo e suas capacidades de rememoração. Entretanto, sabe-
se que a memória é uma construção coletiva e social que está para além do sujeito e
suas faculdades biológicas de memorização, por exemplo. De acordo com o
Halbwachs (1990), ao entender que sua memória pode, e é, construída através dos
processos de socialização com outros indivíduos, o sujeito passa a dar maior
credibilidade e confiança à memória narrada. Juntamente ao ato de narrar algo está a
exigência de uma cronologia e fluidez na fala, para que o ouvinte consiga acompanhar
os fatos e para que as histórias se conectem de modo a fazer sentido com o contexto
enunciado. A partir do momento em que uma pessoa esquece de algum fato que
gostaria de lembrar e outra pessoa a relembra sobre o ocorrido, dá-se aí o que
Halbwachs (1990) propõe como memória coletiva, afirmando que “nossas lembranças
permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros, mesmo que se trate
de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos, e com objetos que só nós
vimos.” (HALBWACHS, 1990, p. 26).
Após o primeiro momento de coleta das entrevistas, a pesquisa pretende
elaborar a construção dos Retratos Sociológicos, buscando aporte teórico em Michel
Foucault (2006) de modo a perceber a maneira como estas mulheres experienciam o
“Cuidado de Si”. Entendemos a partir de Foucault (1984) o “Cuidado de Si” é pensado
em Platão e Epicuro, com base na premissa de Sócrates “Conhece-te a ti mesmo”.
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A proposta de utilização dos Retratos Sociológicos como ferramenta


metodológica pauta-se também no ineditismo desta forma de pesquisa no campo do
Patrimônio Cultural. Como dito anteriormente, esta pesquisa visa contribuir para o
desenvolvimento dos estudos (auto)biográficos ligados ao entendimento de vidas
como patrimônios culturais.

HISTÓRIAS DE VIDA COMO PATRIMÔNIO

Como dito anteriormente, a pesquisa que embasa este artigo propõem-se


contribuir nas discussões acerca do debate sobre vidas como patrimônio cultural.
Assim como referencial teórico, buscamos recorrer a todo o conhecimento sobre o
assunto que já foi produzido dentro do grupo de pesquisa. Assim, a dissertação
“História de Vida e Patrimônio Cultural: desafios do Museu da Pessoa”, em que
Maurren Bartz Szymczak (2018) afirma que inicialmente havia um entendimento
prévio acerca da maneira como o Museu da Pessoa, objeto de estudo da dissertação
citada, percebia as histórias de vida, de modo a narrar que “‘Histórias de Vidas são
Patrimônios Culturais’ disparava desafios ao Museu e nos propomos compreender
esses desafios no campo do patrimônio.” (SZYMCZAK, 2018, p.126).
Ao longo de sua dissertação a autora discorre acerca do expressivo
envolvimento da criadora do referido Museu, Karen Worcman, com seus objetos de
pesquisa, de maneira que em certas vezes parecerem um só. Desta forma, as
narrativas (auto)biográficas que são acolhidas através da plataforma online do Museu
da Pessoa perpassa e atravessa diretamente as próprias narrativas da organizadora
da instituição, fazendo com que uma dissociação seja incabível. Após entender que
“as histórias das pessoas devem ser valorizadas a ponto de estarem preservadas em
um museu” (SZYMCZAK, 2018, p.127), este artigo embasa sua justificativa na
contribuição do desenvolvimento de trabalhos do Grupo de Pesquisa “Subjetividades
e (auto)biografias” na tentativa de valorização da vida, entendendo essas narrativas a
serem construídas como uma forma de pertencimento de sujeitos de vida comum na
contemporaneidade.
Todavia, indagamo-nos acerca das razões para considerar histórias de vidas de
pessoas comuns como patrimônios culturais se um dos conceitos que embasam os
processos de tombamento e ou registros de patrimônios é justamente pautado no que
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o torna diferencial e singular. São justamente esses dilemas que buscam ser
discutidos durante a construção da dissertação. De modo a romper com essa
premissa da excepcionalidade, o Museu da Pessoa, que é parceiro do gripo de
pesquisa na salvaguarda, difusão e preservação das coleções de histórias de vida
coletadas ao longo dos projetos anteriormente citados vem trabalhando com as
coleções de histórias de vida de pessoas comuns, disponibilizando-as online modo a
dar acesso a todos que estejam interessados. O Museu da Pessoa (SP) é uma
plataforma online que funciona como um espaço interativo de compartilhamento e
divulgação de histórias de vida que podem ser tanto coletadas pela metodologia
sistematizada pelo museu, intitulada Tecnologia Social da Memória, ou apenas
fragmentos de narrativas de vidas. Dessa forma, qualquer pessoa – que possua
acesso a um dispositivo conectado à internet – pode narrar sua história, adicionar
fotografias e compartilhar com todo o mundo suas singularidades e subjetividades.
Delineando os contornos que compõem a pesquisa que tem como problemática
a consciência de que a vida pode ser um patrimônio comum da humanidade e assim,
portanto, um bem a ser preservado, logo, este projeto de pesquisa de dissertação
reitera a defesa da vida e a partir dos Retratos Sociológicos e do conceito de cuidado
de si em Michel Foucault (2004) amplia as possibilidades de análises. Pensando que
a pesquisa visa trabalhar com as narrativas de três cuidadoras que possuem as suas
existências conectadas em âmbitos familiares e afetivos, mas além do âmbito
individual, suas histórias podem ser reveladoras a pertinência sociológica em vistas
de um conjunto de experiencias sociais vividas por outras tantas mulheres, buscamos
compreender as complexidades da vida frente às construções de identidade e os
atravessamentos socioculturais aos quais essas pessoas foram e são acometidas
diariamente.
Ao trabalhar com histórias de vida como patrimônio, esta pesquisa caracteriza-
se dentro da concepção de Patrimônio Cultural Imaterial. Como destacado por Abreu
e Peixoto (2014) foi a partir de 2003, na Convenção do Patrimônio Imaterial que se
apresenta um momento de ruptura de sentidos no campo do Patrimônio Cultural, a
partir do reconhecimento da categoria de patrimônio imaterial, proporcionando assim
prioridade ao caráter dinâmico das práticas culturais e confere às comunidades um
papel de relevância nos processos de patrimonialização. Ou seja, pensar vidas como
patrimônio ainda é um diálogo a ser largamente ampliado, de modo a refletir sobre as

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narrativas de vidas de pessoas comuns como bens. Desta forma, o GP


“Subjetividades e (auto)biografias” vem entendendo a importância de socialização dos
trabalhos acadêmicos realizados dentro do âmbito do Patrimônio Cultural e das
Histórias de Vida.
Há alguns anos o campo do Patrimônio Cultural vem ganhando cada vez mais
destaque, e por consequência disso tem-se percebido um massivo alargamento no
campo de modo que existe uma crescente demanda social em patrimonializar dos
mais diversos bens individuais ou de grupos, seja no âmbito material como imaterial.
Decorrente desse alargamento, as disputas decorrentes desse anseio em
patrimonializar determinadas práticas podem se dar em torno de comunidades
tradicionais e academia; entre IPHAN e grupos de interesse e entre diferentes grupos
que desejam o mesmo objeto. Assim, essas disputas pelo reconhecimento, ou não,
de determinados bens patrimoniais acaba sendo preponderante para o
desenvolvimento de novas pesquisas. Desta forma, buscamos pensar toda a
complexibilidade do Patrimônio em consonância com outra complexidade que é a
vida. Permeada por símbolos, significados, significações, subjetividades e
ressignificações a vida constrói-se e se estabelece em meio a esses meandros do
cotidiano de modo a produzir uma narrativa que perpassa não somente a história da
sua vida – pensando até num caráter de micro-história –, mas encontra-se também
inscrita na história de um tempo o qual fez ou faz parte como sujeito.
Desta forma, é por meio das narrativas de si que buscamos perceber a
excepcionalidade que é a vida e que cada uma tem a sua contribuição para pensar o
tempo e a memória, de forma singular mesmo que diante de uma pluralidade imensa
de aproximadamente sete (7) bilhões de vidas no mundo.
Ao propor que cada sujeito vive de modo a se constituir e “fazer sua própria
história”, Delory-Momberger (2014) nos sugere que o sujeito se vê-se empoderado e
fundamentado na emancipação dos seus direitos de ir e vir. Este pode ser também
um local do valor patrimonial das Histórias de Vida relacionado ao empoderamento
humanitário das narrativas. Trazendo para a pesquisa, já identificamos previamente
que as três mulheres são de diferentes gerações e constituídas enquanto cuidadoras
por diferentes razões se colocam perante o mundo na perspectiva da emancipação e
do empoderamento. A excepcionalidade que caracteriza os interesses de
patrimonializar algo, por vezes, pode deixar de lado vidas comuns como estas

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propostas de aproximação através da pesquisa. E é este ponto que buscamos refutar:


histórias de vida podem ser consideradas patrimônio, tendo em vista toda a
complexidade que estas vidas envolvem e a toda memória que contém em uma vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio deste artigo foram suscitadas algumas reflexões tendo como intuito a
promoção de indagações e dúvidas ao invés de certezas e definições. Por se tratar
de uma pesquisa em fase inicial, compreendemos que ainda há um grande caminho
pela frente no que tange o entendimento de histórias de vida como patrimônio. Ao
propor pensar sobre as cuidadoras trazemos à cena personagens que não
caracterizam nenhum grau de excepcionalidade e dispõem de vidas comuns, isso nos
faz ir de encontro com as grandes narrativas propostas pelo campo das biografias e
do patrimônio. Assim, entendemos que o intuito de estabelecer esses diálogos em
torno do patrimônio, nos permite estabelecer uma pesquisa com um cunho não só
(auto)biográfico, mas também direcionada as pesquisas de caráter qualitativo que não
busca a patrimonialização dessas vidas, em particular, mas procura propor uma
reflexão sobre a vida perpassando os valores do patrimônio, ou aquilo que de fato nos
importa.
Quando nos propomos a compreender os processos de construção da
subjetividade de três cuidadoras estamos disponibilizando escutas atentas as vozes
das pessoas comuns, pessoas que, de alguma maneira, estão invisíveis e ou à
margem de uma história da sociedade, estando muito mais incumbidas de exercer as
práticas de cuidado sem disporem de muito tempo para si. Assim, as narrativas de si
e as histórias de vida contadas por elas vêm para somar às discussões propostas
dentro e fora do campo do patrimônio. Desta forma, buscamos por meio da pesquisa
de dissertação que permeia esse artigo, ouvir as histórias dessas mulheres para poder
captar em suas narrativas o modo como se percebem enquanto cuidadoras e de que
forma cuidam de si.
Como dito anteriormente, a proposta de apresentar a metodologia dos Retratos
Sociológicos tem o intuito de ampliar as aproximações das pesquisas no campo do
patrimônio trabalhando a interdisciplinaridade a ser estabelecida através do diálogo
com a Sociologia e Antropologia. Contudo, a pesquisa busca contribuir não somente
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para refletir acerca do patrimônio, mas também pensar toda a complexidade que é a
vida e a potência de se trabalhar com narrativas orais e relatos de si.

REFERÊNCIAS

ABREU, Regina; PEIXOTO, Paulo. Construindo políticas patrimoniais. Reflexões em


torno dos 10 anos da Convenção do Património Cultural Imaterial. E-cadernos Ces,
[s.l.], v. [], n. 21, p.3-13, 1 jun. 2014. OpenEdition.
http://dx.doi.org/10.4000/eces.1740. Disponível em:
<http://www.reginaabreu.com/site/index.php/artigos1/item/116-2014-introducao-
construindo-politicas-patrimoniais-reflexoes-em-torno-dos-10-anos-da-convencao-
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