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Resumo Abstrato
A cena performativa no estado do Pará, na A cena da performance no estado do Pará, em
Amazônia brasileira, vem se destacando
intensamente nas últimas décadas no campo da
arte, com projetos desenvolvidos por diversos
artistas. Grande parte desses projetos são ações
voltadas para fotografia e vídeo. Não obstante, do Pará, no ambiente contemporâneo, a partir do
80 e início de 1990, como nas ações coletivas cheio de atitudes performativas, promovido pelo
fotógrafo Miguel Chikaoka. Neste ambiente,
cheio de atitudes performativas, como as
promovidas pelo fotógrafo Miguel Chikaoka. Nesse performance Man-Ray de Cláudia Leão, e Sinval Garcia
ambiente, no início dos anos 90, temos interpretando para a imagem, sendo marcas. Dentro
Leão, assim como Sinval Garcia atuando pela artistas como Lúcia Gomes, Armando Queiroz, Victor
imagem, sendo marcos no cenário nacional. No de La Rocque e Luciana Magno, entre outros na arte
início de 2000 temos um poder mais político com contemporânea paraense (Amazônia)
artistas como Lúcia Gomes, Armando Queiroz, Victor
de La Rocque e Luciana Magno, etc, na arte
contemporânea no Pará (Amazônia) entre 1980 e
2010.
atuação; Amazonas; Corpo; imagem; vídeo; Atuação; Amazônia; corpo; imagem; vídeo;
cultura; política; história. cultura; política; história.
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Pensar em atuar no estado do Pará e na Amazônia, dentro da perspectiva da cena artística, pode
nos levar por caminhos distantes, em uma história ainda não contada. Podemos, forçando um pouco de
boa vontade, nos transporta para os primórdios da fotografia na região amazônica, nos passos do
fotógrafo alemão Christoph Albert Frisch (31/05/1840 – 30/05/1918), considerado o artista de
como na fotomontagem Índio Umauá na antiga Província do Alto Amazonas, região do rio Solimões, (por volta
de 1867), que compunha uma fotografia “perfeita”, como o índio em primeiro plano e a paisagem clara ao fundo,
algo impossível de realizar um único take com a técnica da época.
O gênio metodológico e estético de Frisch pisca para o que agora entendemos como
parte do fundo Leibniz-Institut fuer Lenderkunde, Leipzig, que chega até nós por meio de um acordo
Compreendemos o desejo pulsante do autor de constituir uma imagem que estava em sua cabeça, uma
fotografia que desse conta da percepção que ele gostaria de constituir sobre o outro, o que nos leva a
com pretensões artísticas como a entendemos hoje, foi movida pelo desejo estético de Frisch, de organizar
uma cena idealizada, pensada e elaborada. Estabelecendo uma imagem que até hoje intoxica e compõe o
imaginário sobre a Amazônia. Há uma direção da pose, do corpo do índio,
perceber o que habitava sua ideia. Claro que, naquela época, não foi essa perspectiva de atuação que empurrou
o fotógrafo para a imagem. No entanto, esse tipo de orientação é semelhante, exceto pela devida
arte na Amazônia é um emblema, uma criação de projeção de um imaginário sobre a região, sua
Além disso, dentro da perspectiva da fotografia, temos a produção de Miguel Chiakaoka, que
de fotos. Chikaoka, com a FotoAtiva, criou um território muito peculiar, uma mistura de grupo, escola e
espaço vivencial. Lá, vários fotógrafos de projeção nacional e internacional foram treinados em suas
Luciana, a Grande:
(...). Então, com a realização do trabalho prático individual e coletivo, os resultados serão
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analisado e debatido, buscando, com isso, desenvolver a percepção sensível do ato mecânico de
todos aqueles que pretendem desenvolver algum tipo de trabalho através desta prática, procuram,
sobretudo, um maior e mais profundo conhecimento de cada um e das suas relações com o mundo
Esse tipo de conduta, assumida por Chikaoka, limitará todas as suas atividades, tanto como
professor quanto como artista. São bases fundamentais presentes em seu procedimento de pensamento e
sua articulação, como aponta a conservadora Marisa Mokarzel:
A ação performativa em que o artista sobrepõe seu corpo nu, em pequena proporção sob a mesma
imagem em escala maior, é uma solução estética simples, mas de significado ambíguo, pois, ao
mesmo tempo em que o corpo nu se apresenta em uma postura frontal como braços e pernas
abertos, referindo-se a uma atitude livre, pode-se pensar também que o corpo foi ou será
Figura 1.
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Pensando em Chikaoka como um ativador, usando a fotografia, suas oficinas como estratégias
Já que a criação das proposições em Chikaoka são todas pensadas para o outro de uma forma
para o outro lançar seu olhar no olho de Chikaoka. Optar pela ação do outro em detrimento do
e sensível, em que o corpo é o lugar de conhecimento da percepção de estar no mundo, como vemos em
diversos processos empreendidos pela artista ao longo dos anos de ensino das práticas visuais.
Tendo iniciado na fotografia através de workshops com Miguel Chikaoka, Cláudia Leão aprofunda-
se na fotografia com referências ao teatro, representação e dança, percursos que já
estabelece relações com outras manifestações da arte, como a atuação, que assume um papel muito
importante como elemento constitutivo da obra.
e conceitual, com a qual passa a articular suas relações com a questão do tempo e do corpo.
Vários de seus projetos dos anos 90 apontam para uma espécie de audiovisual performático, como
ManRay, Imagerie, Eu-Fragmentado, Madame X, entre outros -, no qual utiliza imagens em movimento com a
performance, que está diretamente relacionada à imagem projetada no corpo, em outros momentos
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ManRay foi o primeiro trabalho em formato de performance audiovisual, feito a partir do convite
Como resultado de sua pesquisa, diferente dos demais participantes do projeto, que apresentaram
palestras sobre os fotógrafos escolhidos, a artista quis apresentar algo que trouxesse ao público toda a
riqueza e complexidade do "homem-relâmpago", tão importante às vanguardas do século 20. XX. Imagine,
então, uma performance audiovisual e surpreenda o público, recebendo também críticas entusiásticas do
pesquisador e curador de fotografia Rubens Fernandes Júnior.1.
Imagens vagam pelo espaço e banham o corpo da artista, que languidamente interage com elas e
incorpora Kiki de Monteparnasse (modelo e amante de Man Ray), iniciando a performance com
roupas semelhantes e na mesma posição em que Kiki se eternizou. como eu violino
trilha sonora feita através da colagem de sons e frases. Leão parte de uma complexa combinação
de imagens, sons e movimento para intervir no espaço, constituindo uma câmera escura
da performance audiovisual sobre o público, que é envolvido por um espaço que parece móvel,
graças ao ritmo hipnótico pelo qual as imagens se movem do chão ao teto, e suas sobreposições
Figura 2.
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As fotografias captadas durante o início da performance audiovisual, Man Ray, apresentam diversas
25, entre outras projetadas no corpo do artista. A partir de algumas das imagens deste trabalho, Leão
criará outras, sobrepondo objetos em molduras, além de colocá-los atrás de espelhos velhos e
desgastados.
São poucos os registros dessa performance que utilizou inúmeras imagens do artista surrealista,
ver abaixo.
Em seu trabalho, Leão utiliza molduras antigas, trabalhadas com camadas de tinta e o uso de pó,
acumulados nos vidros côncavos, espelhos antigos que procura nas lojas da cidade, bem como
estabelecerá um futuro na obra, acrescentando fisicamente uma densidade que adquire um caráter temporário.
Leão não constitui quase um simulacro, mas estabelece uma ligação com uma tradição artística – Man Ray e
Duchamp -, para constituir uma obra que não fala de “falta”, de uma ausência que se inscreve em toda a história
da fotografia, de um desejo de permanência que está na origem da própria linguagem. Ausência,
Na exposição O rostro e os otros, de 1995, Leão ocupa a galeria com um conjunto de obras, que
chegaram a incomodar os visitantes. Espelhos cheios de rostos desconhecidos ocupavam o espaço junto
às janelas das velhas casas, revelando por trás, fotografias de rostos com olhares distantes, como se
esperassem a chegada de alguém. É nesse ambiente que dois artistas, Valéria Andrade e Beto Paiva,
realizaram, pela única vez, uma intensa performance sem título, 1995, na qual o casal tentou
Figura 3.
Coleção de Arte Amazônica da UFPA e Cláudia Leão. Cláudia Leão.
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por inspiração motivada pelo ambiente da instalação de Leão.
quando vi o rosto dela pela primeira vez nos espelhos espalhados pela sala...
Eles não entendem porque não veem o passar dos anos. E os relógios não têm a matemática da alma.
mais lírica na produção da arte performativa em Belém. Simples, ao mesmo tempo intenso, articulava
aquela tentativa de conter, de tocar o impalpável, entre a distância e o esquecimento, mas eternamente
Apenas dois anos antes, o cantor, ator e figura pública Eloi Iglesias se apresentaria no II Salão Pará
de Arte Contemporânea, evento que se concretizou devido à produção artística emergente na região,
como nos conta um de seus idealizadores, o professor e artista Jorge Eiró:
Essa situação corresponde a uma intensa ação no quadro efervescente das artes plásticas de
Diante desse ambiente, percebendo que o SPAC era o salão de arte aberto a amplas manifestações
artísticas, além das linguagens mais convencionais, Iglesias propôs sua performance Papa-Chibé, sendo
selecionada para a edição de 1993 do concurso. Neste projeto, a artista faz uma
contendo várias vitaminas e que faz parte da dieta do homem da região, às vezes, assume o papel
principal de alimento, seja na cidade, seja no sustento do homem que vive às margens dos rios. Até então,
nenhuma performance performativa havia sido apresentada em nenhum salão de arte contemporânea de
Belém. Papa-Chibé torna-se um marco não só pelo poder artístico desenvolvido, mas por suas articulações
ligadas à cultura tradicional da região, reordenada dentro de uma visão crítica com forte perspectiva
decolonial.
A partir de uma ação íntima dirigida à imagem, Sinval Garcia criará sua série de fotografias
intitulada Automatic-Men, 1993 – 2003, na qual o artista atua para a câmera. Um dos fotógrafos a
desenvolver um trabalho de ação voltado para a imagem em Belém, a partir de uma alusão à
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na relação com o corpo, que se posiciona de acordo com diversas referências da própria história
e a construção da pose em que seu corpo está disposto, revelando e escondendo partes, na
para Garcia, este repertório estético impulsionado, com forte base performativa, elabora uma digressão
Figura 4.
UFPA.
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Outra artista com forte trajetória política, Lúcia Gomes, que já pertencia ao movimento estudantil e
participou do Movimento Revolucionário 8 de Outubro, organização política de ideologia comunista, que a levou
a um profundo desenvolvimento nas questões sociais, atenta às situações de violência , político
Gomes em suas articulações de arte e ativismo constitui um campo de ação muito poderoso.
Monstro Mostarda, 2006, realizado no Dia Internacional da Mulher, 8 de maio, em homenagem a Irmã
Dorothy Stang, missionária norte-americana assassinada em 2005. Irmã Dorothy trabalhou na Amazônia
ao lado dos menos favorecidos, em situações agrárias e ecológicas. Em ação, Gomes
de luxo localizada naquela avenida e que segue em direção à baía -, carregada de garrafas cheias de tinta
vermelha chinesa e entra pelos canos de esgoto para liberar sua tinta cor de sangue.
Em outro projeto, Salão das Águas – Sanitário ou Santuário? – Pororoca, 2003, Prêmio Bolsa de
que residem ao lado do depósito de lixo são vítimas. No trabalho, ele transporta um navio para o aterro,
um concerto de cordas ao pôr do sol, oferecendo aos colecionadores delicadeza, alteridade e uma forte
Armando Queiroz é certamente um dos artistas que empreendeu a atuação para falar do outro e da
violência na Amazônia. São imagens, vídeos e instalações que apontam para inúmeros processos de
violência que, ao longo da história da região, ocorreram ao longo dos séculos.
da história do Brasil em que milhares de pessoas se aventuraram em busca de ouro. Utilizando o mito de
Midas, Queiroz realiza uma performance cheia de vigor em que, diante da câmera, com o corpo pintado de
dourado, devora pequenos besouros, sendo também picado por eles, em uma
misturado com o desejo de riqueza. O artista desenvolveu várias ações performativas em que o seu corpo
é ora o elemento da ação, ora é o corpo de outro que assume o papel de participante da ação, como em
Ymá Nhandehetama – Antigamente fomos muitos, 2009, em que Queiroz dá a voz ao índio Guarani Almires
Martins, e em diálogo com o diretor de fotografia Marcelo Rodrigues, que faz
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continente americano.
Armando Queiroz é certamente um dos artistas que empreendeu a atuação para falar do outro e da
violência na Amazônia. São imagens, vídeos e instalações que apontam para inúmeros processos de
violência que, ao longo da história da região, ocorreram ao longo dos séculos.
da história do Brasil em que milhares de pessoas se aventuraram em busca de ouro. Utilizando o mito de
Midas, Queiroz realiza uma performance cheia de vigor em que, diante da câmera, com o corpo pintado de
dourado, devora pequenos besouros, sendo também picado por eles, em uma
misturado com o desejo de riqueza. O artista desenvolveu várias ações performativas em que o seu corpo
é ora o elemento da ação, ora é o corpo de outro que assume o papel de participante da ação, como em
Ymá Nhandehetama – Antigamente fomos muitos, 2009, em que Queiroz dá a voz ao índio Guarani Almires
Martins, e em diálogo com o diretor de fotografia Marcelo Rodrigues, que faz
continente americano.
silenciosamente cobre o rosto com tinta preta, desaparecendo na escuridão na frente da câmera.
Queiroz vai além da técnica e da estética. Sua obra revela o outro para além do
da sociedade. Na vídeo-performance, Queiroz, numa ação política, dá voz ao outro, àquele sujeito que
representa a voz de um povo, ativando, na narrativa oral, uma memória coletiva em que acontece o
silenciamento, o apagamento, o na maioria das vezes, por razões econômicas e que afeta os processos
É sobre esses desaparecimentos dos indígenas que Almires Martins falou ao se dirigir à câmera;
com uma autonomia de voz, rompendo os estigmas, de tal forma que exige nossa atenção no
desaparece no escuro. Martins, que como tantos outros membros de seu povo, estava "destinado" à
invisibilidade, a ser apagado, mas subverte o sistema, luta e consegue estudar, treinar e fazer pós-
graduação, lutando como profissional pelo seu povo. Pois além do ato performativo, é a vida que está em
jogo ali. A vida de milhares de indígenas que até hoje correm risco
parar o mundo Aquele ser humano que passa fome, que passa sede, que é massacrado, perseguido,
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Para desaparecer Ele dificilmente é visto. Tanto para o mundo do Direito, principalmente para o mundo do
da academia, ele se engasga no meio das palavras. Quando a academia, os estudiosos, entendem
Victor de La Rocque começa a se destacar na atuação com A Banheira, em parceria com Luciana Magno, a
partir de então, seu trabalho vem sendo enriquecido por questões que falam também de política e
ocorrem na vida para constituir esse projeto performativo, em que a natureza humana, as relações de consumo,
a violência se revelam em um território de metáforas. É um corpo performativo que constitui a alteridade, que
remonta aos ritos religiosos de origem afrodescendente, mas também é um “re-corpo”.
Nesta instigante performance, o artista une galinhas angolanas vivas ao seu corpo, expandindo este
corpo, para além do simples ato de vestir, procurando estabelecer um corpo comum constituído pelo
A metáfora do "Gallus Sapiens" afeta retirando-nos dos papéis de conforto e colocando-nos diante de
sofrimento parecem dar origem a um estado alterado de consciência nessa mistura de corpo vivo e
corpo que morre em pontos estratégicos da cidade - Entroncamento, Cidade Velha e Avenida
com a natureza. Em sua série Orgânicos, a artista transborda essa relação com a natureza, em um
processo de imersão, na busca da mímica e da simbiose. O projeto é fruto de uma
diferentes regiões, como Bragança, Ajuruteua, Fordlândia, Belterra, Santarém, Alter do Chão, Carajás, Serra
Pelada, Marabá, Altamira, Ilhas do Xingu e Combu, ambientes que participam da Amazônia brasileira.
A série, que vem sendo realizada desde 2011, recebeu diversos prêmios como: Bolsa de Pesquisa
Brasil, 2015 e pelo edital do Banco da Amazônia, 2016. Para a conservadora Marisa Mokarzel, Magno:
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Figura 5.
Nosso corpo é feito da mesma matéria orgânica que está na terra, na folha de uma árvore, na
perna de uma formiga. Quando morremos, nosso corpo volta à terra para ser decomposto por
bactérias que vão se alimentar e gerar nutrientes para os seres vivos próximos,
2016).
Nos vídeos, Magno se relaciona com o ambiente, ora em performances mínimas, nas quais é
"quase" absorvida por ele, pela busca da mimese, em outras, o corpo da artista
e poderosas articulações consolidando posturas, bem como com posturas éticas, com olhares
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