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Nara Cristina Santos, Doutora em Artes Visuais, professora do PPGART/ Universidade Federal de Santa
Maria, email: naracris.sma@gmail.com
RESUMO
Esse artigo trata das extensões tecnológicas que podem ser acopladas ao corpo humano
visando a sua melhoria. Para isso, procura-se fazer uma relação entre as descobertas
científicas, tais como chips, próteses e exoesqueletos e as questões decorrentes de seu
uso em projetos de arte e tecnologia, principalmente nas obras de Eduardo Kac e
Stelarc. A partir desse estudo, percebe-se que constantemente aparecem questões acerca
desse novo corpo, que tem suas capacidades aumentadas, e surge uma possibilidade de
reflexão sobre como se dá através da recepção, uma aproximação por parte da sociedade
das experiências em arte e tecnologia.
ABSTRACT
This article discusses the technological extensions that can be attached to the human
body in order to improve it. To do so, we seek to make a connection between state-of-
the-art scientific discoveries, such as chips, prosthetics and exoskeletons and issues
arising from their use in art and technology projects, especially in Eduardo Kac and
Stelarc works. From this study, we find questions that constantly appear on this new
body, which has increased its possibilities, and comes a chance for reflection on how
the reception is perceived through an approximation by the society experiences in art
and technology.
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que captam os movimentos corporais e nos imergem em outras realidades, tais como o
Wii ou o Kinnect.
Esses organismos híbridos podem ser entendidos como nossos próprios corpos
misturados a partes de outros materiais de natureza diferente. Isso pode acontecer
através de pesquisas em torno do desenvolvimento de tecnologias que visam melhorar
as condições de pessoas que possuem alguma deficiência física - é o caso, por exemplo,
de um chip, desenvolvido para ser implantado nos olhos de pacientes cegos, fazendo
com que estes possam perceber algumas alterações luminosas e vultos. Este é um estudo
bastante recente, mas como tem produzido resultados positivos em testes, em breve
deverá ser aprovado e assim, mais pessoas terão a oportunidade de melhorar sua visão.
Esses aparelhos, cada vez mais acoplados a nossos corpos, fazem pensar também
na produção artística contemporânea, na área de arte e tecnologia. Esta produção possui
como característica a transdisciplinariedade, oferecendo aos artistas a possibilidade de
realizar seus projetos não só com materiais próprios de sua área do conhecimento, mas
também trabalhar e até fazer parcerias com outras áreas. Assim, encontramos também
propostas artísticas que fazem uso do chip. Por exemplo, em Cápsula do Tempo (1997),
executada pelo artista Eduardo Kac1, ele insere em seu tornozelo um chip empregado
para ajudar na localização de animais perdidos, registrando-se no sistema de animais,
colocando seu nome do nome do proprietário e do animal. Esse trabalho visa fazer uma
relação temporal, entre o tempo que o chip demora para ser aplicado sobre a pele, que é
muito breve, e a sua permanência naquele local. Além disso, segundo o artista “a
presença do chip no interior do corpo nos obriga a considerar a co-presença de
memórias vividas e memórias artificiais dentro de nós”.
Situação parecida aparece no filme Uma Mente Brilhante (2001), que se trata da
biografia do matemático John Forbes Nash. Buscando abordar a esquizofrenia do
protagonista, o diretor Ron Howard insere no filme cenas em que o personagem
desconfia que foi implantado um chip de localização em seu braço.
1
Atualmente é professor da The School of the Art Institute of Chicago (EUA) e um dos
principais nomes brasileiros na área de arte e tecnologia. Sua pesquisa é interdisciplinar e
desenvolve-se principalmente em torno da arte, da genética e da tecnologia.
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Se pensarmos, a inserção de chips dentro de nossos corpos é uma realidade
muito próxima - e até aceitável - pois nele poderíamos colocar informações sobre nossa
identidade, tipo sanguíneo e alergias, que seriam valiosos em situações de risco,
facilitando o transporte desses dados para a área da saúde.
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de gerações para se desenvolver, por essa razão, nosso corpo já não se desenvolve no
sentido orgânico (POERSH, 1972, p.149-150). Assim, a solução mais rápida e eficiente
está na criação de instrumentos adequados para satisfazer a necessidade humana
envolvida.
2
Nasceu em Limassol na Ilha de Chipre e mudou-se para a Austrália onde estudou Artes e Artesanato na
Texas State Technical College (TSTC), Arte e Tecnologia na California Institute of Technology
(CALTECH) e no Malla Reddy Institute of Technology (MRIT). Foi professor e Arte e Sociologia na
Escola Internacional de Yokohama e Escultura e Desenho na Ballarat University College.
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Figura 2 - Third Hand (1980). Stelarc
Outra proposta artística de Stelarc, que possui um enfoque parecido com Third
Hand (1980) é Exoskeleton (1998). Nessa obra, ele liga seu corpo a um robô com seis
pernas pneumáticas que são controladas a partir dos movimentos de seus braços, além
das pernas robóticas, o trabalho conta com um exoesqueleto na parte superior do corpo.
Durante a performance ele consegue se locomover para todos os lados, além de seu
corpo estar posicionado sobre uma mesa giratória, o que permite que ele gire em torno
do seu próprio eixo. Percebe-se que o artista faz questão de enaltecer a tecnologia usada
em seus projetos. Segundo ele “componentes implantados podem energizar e amplificar
os desenvolvimentos; exoesqueletos podem acionar o corpo; estruturas robóticas podem
se tornar hospedeiras para um enxerto do corpo” (STELARC, 1997, p.59).
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A partir das obras de Stelarc apresentadas, podemos dizer que “seu interesse é
projetar experiências com o corpo a fim de perceber as alterações perceptivas
provocadas” (DÖRRENBERG, 2008, p. 349-350). Os frutos desses trabalhos,
justamente essas alterações perceptivas, são o principal subsídio que temos para
pensarmos nesse novo corpo - que tem suas capacidades expandidas pelas máquinas. De
acordo com o pensamento contemporâneo, “uma prótese é uma parte ciber do corpo.
Ela é sempre uma parte, um suplemento, uma parte artificial que suplementa alguma
deficiência ou fragilidade do orgânico ou que aumentar o poder potencial do corpo”
(SANTAELLA, 2003, p. 187).
Exoesqueletos também já foram apresentados pela ciência: uma empresa
chamada Cyberdyne apresentou, numa feira de tecnologia realizada no Japão, um
exoesqueleto concebido para suprir as necessidades de pessoas que trabalham com
tarefas pesadas, pois com ele pode-se levantar objetos pesados ou caminhar longas
distâncias, sem cansar-se. Segundo a própria empresa, o exoesqueleto pode também
atuar no auxílio a pessoas idosas.
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impor-lhe um carnaval, um disfarce que dele faça um corpo grotesco, mas também
extraia dele um corpo gracioso ou glorioso” (DELEUZE, 2009, p. 228).
A partir dos trabalhos artísticos e da afirmação que o corpo está obsoleto, chips,
próteses e exoesqueletos deixam de ser meras ferramentas que auxiliam em atividades
diárias. Elas estão aí para ajudar a figurar este corpo, que é invadido e transpassado
pelas tecnologias. Surge daí a figura do ciborgue, definido como um “organismo
cibernético que chega para embotar a distinção entre o humano e máquina” (MACIEL
& VENTURELLI, 2008, p. 161).
Nesse sentido é muito importante pensar em como a sociedade recebe esse novo
corpo. Em livros de ficção científica, os autores já previam a figura do ciborgue, e como
podemos ver, ele “tem aparecido repetidamente nos filmes de ficção científica dos
últimos trinta anos” (SANTAELLA, 2003, p. 187). Este fato, de certa maneira
aproximaria as pessoas dessa nova concepção do corpo, mas não quer dizer que ela é
totalmente aceita. Seja por questões éticas, como por exemplo, até onde essas
modificações poderiam ser feitas, e principalmente testadas; por funções morais, como a
categorização do corpo como algo sagrado que não é passível de modificação; assim
como a ideia de que com as melhorias aplicadas ao corpo, este pudesse se tornar
imortal, contra a crença de muitas pessoas.
Finalmente, a questão principal não é se a sociedade vai permitir às pessoas a
liberdade de expressão, a liberdade em modificar seu corpo do modo que desejarem,
mas sim se o corpo vai poder se adaptar a essas mudanças, ainda sendo corpo. Essa
questão nos leva a pensar se estaria o ciborgue substituindo o humano e até se essas
duas formas de vida podem ser comparadas dessa maneira, devido ao fato de não
pertencerem à mesma natureza. O fato é que não estamos livres de também nos
tornamos ciborgues, assim que houver necessidade.
Considerações finais
Muitas próteses atualmente são criadas com um intuito que vai além da simples
substituição das funções de um membro faltante. Hoje, elas são construídas com designs
diferenciados, permitindo aos seus usuários executar ações que superam as capacidades
de qualquer pessoa que não as portem. Assim, o corpo, considerado obsoleto, encontra-
se reconfigurado e tem suas habilidades e percepções alteradas.
Acredita-se que além de todo o imaginário ciborgue construído através dos
filmes - que têm uma boa abrangência sobre o público em geral - os trabalhos artísticos
aqui estudados também contribuem para perpetuar a ideia desse novo corpo e as novas
capacidades que ele proporciona através das tecnologias. Eduardo Kac dá uma nova
dimensão ao chip à medida que deixa de lado questões de outras áreas do conhecimento,
e propõe a reflexão sobre o adentrar dele à pele, além das questões de tempo e de
memória. Stelarc, além de propor o uso de uma terceira mão, também faz-nos perceber
a importância de um elemento tecnológico, tal como o exoesqueleto, quando dá a ele
outra significação. Além da forma diferente, ele preocupa-se em mostrar - ao contrário
da visão da ciência, que evidencia apenas suas possíveis utilidades cotidianas - como
esse amparo tecnológico pode nos trazer novas sensações.
Outra contribuição desses trabalhos, tanto artísticos quanto científicos, está no
fato de fazer a sociedade refletir sobre como serão nossos corpos futuramente. Será que
ainda teremos uma constituição física parecida com a atual, ou continuaremos a nos
render às tecnologias até perdermos totalmente nossas características corporais?
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Referências Bibliográficas
SIBILIA, Paula. A digitalização dos corpos. In BENTES, Ivana (org.). Corpos Virtuais
(Catálodo de exposição). Rio de Janeiro: Centro Cultural Telemar, 2005.
STELARC. Dos zumbis aos corpos cyborgs: Carne fractal, órgãos quimeras e órgãos
extras. In Performance Presente Futuro. Curadoria/ texto crítico de Daniela Labra. Rio
de Janeiro: Oi Futuro/Contracapa, 2008.
Referências digitais
MOON, Peter; RIBEIRO, Aline & BUSCATO, Marcela. O novo homem biônico.
Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI120557-15257,00-
O+NOVO+HOMEM+BIONICO.html, acesso em 14 de maio de 2010.
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STELARC. Third Hand. Disponível em http://stelarc.org/?catID=20265, acesso em 23
de abril de 2011.
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