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Nos anos 90, os produtos culturais sul-coreanos como k-pop e k-dramas começaram
a ganhar popularidade na Ásia, dando origem a Hallyu Wave, que mais tarde se
espalhou e ganhou alcance nos últimos dois séculos devido ao desenvolvimento da
Web 2.0. Ferramentas online, como o Youtube, Spotify e Last.fm foram essenciais
para a disseminação do conteúdo pop coreano para fora da Ásia, e determinantes
para a consolidação de um sólido circuito de interesse em torno do pop coreano no
Brasil, tendo nas danças de kpop em público uma das suas mais visíveis ancoragens,
principalmente nas grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.
O ambiente digital, apesar de ser espaço introdutório da Hallyu Wave no Brasil,
atualmente não dá conta das práticas desenvolvidas pelos k-poppers brasileiros. Não
importando o espaço geográfico, os k-poppers passaram a utilizar os espaços das
cidades como cenários para suas danças e como pontos de encontro e
compartilhamento de seus interesses. Os bairros do Bom Retiro e Liberdade, em São
Paulo, com forte tradição oriental, são exemplos, mas também se apropriam de
outros espaços frequentados pelo público geral, como a Avenida Paulista e o Vale do
Anhangabaú, também em São Paulo.
Vídeo postado no Youtube de grupo reunido para realizar o Kpop Random Play Dance, que consiste
na execução de trechos de músicas de kpop para serem dançadas por quem souber a coreografia -
Nova Iorque, Estados Unidos, 2021
Grupo realizando o Kpop Random Play Dance - Nova Iorque, Perth - Austrália, 2021
O grupo BlackPink executa a coreografia da canção How You Like That em um vídeo postado no
Youtube que já acumula quase um bilhão de visualizações. Esses vídeos são chamados dance
practice e é a partir deles que os grupos de dança de kpop em público aprendem as coreografias
para que possam executá-las.
Grupo B2 executando uma coreografia num domingo de Avenida Paulista aberta ao público - São
Paulo, 2021
No texto “Dança na minha experiência”, onde Hélio Oiticica busca definir a dança a
partir de sua experiência como passista na Escola de Samba Estação Primeira de
Mangueira, do Rio de Janeiro, o artista discorre sobre a liberdade necessária na
dança para que permita a criação de uma obra ambiental. Entretanto, para além
disso, também lida com a questão da interpretação ao constatar que, na década de
60, ocorre uma alteração no modo do público ao se portar frente a obra, assim como
uma alteração no modo como as interpretações, sejam de canções ou outras coisas
quaisquer, eram realizadas. Em um trecho, o artista declara: “O que se convencionou
chamar interpretação sofre também uma transformação nos nossos dias - não se
trata, em alguns casos é claro, de repetir uma criação (uma canção, por exemplo) [...].
Hoje o problema é diferente: mesmo que as obras interpretadas não sejam grandes
criações, [...], o intérprete alcança um grau expressivo alto - um cantar, Nat King Cole,
por exemplo, cria uma ‘estrutura expressiva vocal’, independente da qualidade das
músicas que interprete há uma criação sua, não mais como simples ‘intérprete’, mas
como um ‘vocalista’ altamente expressivo.”
Seria, então, possível encarar a dinâmica dos grupos de dança de kpop ao
reproduzirem as coreografias dos grupos sul-coreanos dentro da mesma lógica em
que se insere Nat King Cole? Considerando que os corpos são diferentes, inseridos
em contexto e lugares geográficos distintos, pode-se encarar que na dança, por mais
coreografada seja, há certo grau pessoal e individual de expressão colocado sobre
ela?
A coreografia é elemento fundamental para a obra se constituir como dança
de kpop, contudo, entendendo que os artistas utilizam de outras modalidades para
sua construção, é preciso considerar a expressão individual performada durante as
dinâmicas que envolvem o processo de construção das danças de kpop que se
manifestam no espaço público das cidades.
Grupos de dança de kpop em público constituem-se por indivíduos singulares
e criativos, que utilizam de suas habilidades - as mais diversas possíveis, para
elaborarem todo o programa que faz parte de colocar a dança na rua. Nos vídeos
postados no canal do Youtube do grupo B2 de São Paulo/SP, é possível entender um
pouco de como isso se realiza, tendo em vista que compartilham todo o processo
de treinamento das coreografias, elaboração de novos passos de dança, costura das
roupas e, além disso, propõem conversas com o público, via Web, para o
desenvolvimento de uma proposta conceitual para a dança.
Grupo B2 de São Paulo ensaiando no Centro Cultural São Paulo - São Paulo, 2019
É preciso considerar, sobretudo, o fator mais importante para essa
manifestação artística: o corpo. Os artistas fazem uso do instrumento mais
individual e pessoal como ferramenta para performar. As expressões faciais, os
movimentos que vão do topo da cabeça aos pés, são todos individuais, por mais que
busquem reproduzir algo, o corpo tem seu formato particular, que é único de cada
indivíduo.
Ou seja, ainda que engessado por uma coreografia, percebe-se que os grupos
fazem possível uma obra própria por meio de outros componentes que fazem parte
da dança e de seu corpo.
Conclusão
Loeb, Angela Varela. Os Bólides do programa ambiental de Hélio Oiticica. ARS (São
Paulo) [online]. 2011, v. 9, n. 17 [Acessado 28 Novembro 2021] , pp. 48-77. Disponível
em: <https://doi.org/10.1590/S1678-53202011000100004>. Epub 06 Jan 2012. ISSN
2178-0447. https://doi.org/10.1590/S1678-53202011000100004.