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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Artes

FELIPE GALENO DE SOUZA OLIVEIRA

A MÚSICA POP COMO FERRAMENTA EDUCACIONAL EM RELAÇÃO AO


MÉTODO SUZUKI

Campinas
2021
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Música

FELIPE GALENO DE SOUZA OLIVEIRA

A MÚSICA POP COMO FERRAMENTA EDUCACIONAL EM RELAÇÃO AO


MÉTODO SUZUKI

Trabalho de Conclusão de Curso


submetido à Universidade De Campinas
como parte dos requisitos necessários
para a obtenção do Grau de Licenciatura
em Música. Sob a orientação do Prof. Dr.
Jorge Schroeder. Estadual

Campinas
2021
RESUMO

Essa monografia busca discutir o emprego de músicas do Pop no repertório musical de alunos do
método Suzuki de ensino de violino. A filosofia por trás da concepção do método é explicada para
melhor compreender os seus usos na educação musical e como os acontecimentos da época
influenciaram para a sua aceitação e afirmação, já que a metodologia Suzuki é mundialmente famosa
por sua eficácia no ensino do violino para crianças em período anterior à alfabetização, algo incomum
no momento de sua criação. Também aborda-se o valor cultural e social da música Pop e sua relação
com a indústria cultural, termo muito utilizado por Adorno para explicar a exploração da cultura como
produto na sociedade capitalista do século XX. Outro tópico aqui presente é o relacionamento da
música e projetos musicais de ensino de instrumentos com populações em situação de risco e a
forma que a utilização da música Pop traria benefícios para os alunos.

Palavras-chave: Educação; Música; Métodos Ativos; Suzuki; Ensino de violino; Música Pop;
ABSTRACT

This research seeks to discuss the use of Pop songs in the musical repertoire of students of the
Suzuki method of violin teaching. The philosophy behind the conception of the method is explained to
better understand its uses in music education and how the events of the time influenced its
acceptance and affirmation, as the Suzuki methodology is famous around the world for its
effectiveness in teaching violin to children in a period prior to literacy, something unusual at the time of
his creation. It also addresses the cultural and social value of Pop music and its relationship with the
cultural industry, a term often used by Adorno to explain the exploitation of culture as a product in 20th
century capitalist society. Another topic presented here is the relationship between music and musical
instruments teaching projects for populations in harm’s way and the manner in which the use of Pop
music would bring benefits to students.

Keywords: Education; Music; Active Music Education; Suzuki; Violin teaching; Pop music;
Sumário

Introdução…………………………………………………………………………………...6
Diferença entre popular e Pop…………………………………………………………...7
Início da música Pop……………………………………………………………………....8
O valor do Pop……………………………………………………………………………....9
O aparecimento das metodologias ativas…………………………………………....11
O repertório das Metodologias ativas………………………………………………...12
A Educação do Talento………………………………………………………………......13
Repertório Suzuki……………………………………………………………………...….14
Música Pop como Repertório e suas consequências……………………………...17
Suzuki e o risco…………………………………………………………………………...19
Música Pop na educação Suzuki……………………………………………………....21
Conclusão……………………………………………………………………………….....22
Referências………………………………………………………………………………...23

Considerações
finais
6

Introdução

Um dos meios mais comuns da modernidade para a difusão de música,


desde a sua criação, talvez seja o rádio. A natureza sonora do rádio com certeza
tem papel fundamental nisso, com o desenvolvimento de emissoras de rádio para
entretenimento ficou cada vez mais evidente que o mundo musical também sofreria
mudanças. A facilidade de apresentar uma música para qualquer um que
conseguisse ter acesso a um equipamento de rádio incentivou o crescimento da
indústria musical e a extrapolou para outras áreas do entretenimento, Elvis Presley,
por exemplo, cantor estadunidense muito famoso nas décadas de 1960 e 1970, fez
aparições como ator em filmes de Hollywood. Podemos ver um crescimento ainda
maior quando chegam os videoclipes musicais: ídolos como Michael Jackson, David
Bowie e Madonna revolucionaram o meio musical e videográfico com grandes
produções de poucos minutos para divulgarem seus trabalhos nesse novo formato.
Já na década de 90 tivemos uma grande popularidade das chamadas boy
bands e girl groups, grupos de jovens cantando músicas altamente produzidas com
letras fáceis de memorizar e dançando coreografias em videoclipes para cativar
seus respectivos “público alvo”. Seja nos canais de TV ou nas rádios, esses grupos
também marcaram época e muitos são referência até hoje.
no repertório? Todos esses intérpretes mencionados podem ser considerados como
representantes da música Pop, um gênero que sofreu e ainda sofre mudanças, mas
que está presente no cotidiano de um público relativamente amplo, no rádio, na TV,
em festas ou na internet. Porém, não é tão comum ele estar presente dentro das
salas de aula e é ainda mais difícil se forem aulas de instrumentos típicos da música
erudita. de instrumentos de
orquestra
Como o ensino musical advém historicamente deste meio erudito, é esperado
que a música popular e Pop não sejam o foco de atenção dos professores, além
disso, o termo “Pop” ainda é usado muitas vezes de forma pejorativa para
deslegitimar uma música que se considere sem qualidade, mas esse julgamento de
valor também já foi utilizado anteriormente para a música secular que algumas
dessas metodologias mais tradicionais abordam. Devemos então, pensar na
relevância das metodologias ativas (Kodaly, Orff, Dalcroze e Suzuki, para dar alguns
exemplos) e como influenciam a maneira que transmitimos o conhecimento musical
atualmente, para compreender o porquê da música Pop não ter a mesma
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importância nas aulas que ela tem no cotidiano dos nossos ouvidos e descobrir se
seria possível utilizá-la como repertório de sala de aula.
Para isso, irei focar minha reflexão sobre o método Suzuki de ensino de
violino, principalmente porque é o método que tenho mais familiaridade e mais
conhecimento, entretanto, espero que seja possível futuramente expandir meus
argumentos para outros métodos também.
Justifica-se o artigo por ser um método muito famoso e reconhecido por sua
eficácia no desenvolvimento de instrumentistas desde a infância, ao investigar a
possibilidade de usar um conteúdo mais contemporâneo, mais alunos poderiam ser
cativados.
O objetivo desse estudo foi pesquisar e entender os motivos das músicas
originais terem sido escolhidas no escopo da época que o método Suzuki foi criado,
quais seriam as vantagens na utilização de um repertório diferente do original, se
seria possível a utilização de outras composições no contexto do método sem haver
perda de conteúdo e como essas mudanças poderiam afetar os alunos. A discussão
é de espécie teórica, sem experimentação prática para corroborar as ideias aqui
abordadas.
Como metodologia de trabalho, escolheu-se a pesquisa bibliográfica e a
análise de documentos para desenvolver a narrativa teórica sobre o tema.
incluir a
bibliografia e os
documentos.autor,
Diferença entre Popular e Pop
XXXX).
lingua inglesa
Primeiramente, precisamos entender o que é música Pop e qual a sua
diferença com a música popular. É interessante notar que no inglês não há
separação entre os dois estilos, ao referenciar “Pop music” poderia-se estar falando
tanto sobre músicas de origem folclórica como “Brilha, brilha, estrelinha” quanto
“Baby one more time” da Britney Spears. Todavia, em português há uma clara
distinção entre a música popular e a música Pop (JANOTTI, 2005).
A música popular para Andrade (2004) significa uma música que ajuda na
construção de uma identidade nacional, e Janotti (2005, p.2) complementa como
“produzida e difundida de maneira independente dos grandes conglomerados
multimidiáticos”. Estas seriam as músicas compartilhadas oralmente pela população
de uma região, que os pais cantam para ninar os filhos, que as crianças cantam
durante brincadeiras, ou que marcam o ritmo de trabalho das lavadeiras, por
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exemplo. Vale lembrar que a MPB, Música Popular Brasileira, é um gênero originário
na bossa nova e que instituiu sua própria categoria, apesar de conter “música
popular” em seu nome, mas que também foi influenciada pela cultura popular
originária do Brasil, com alguns compositores bebendo dessa fonte em suas letras.
Já o termo “música Pop”, como é utilizado atualmente, aparece primeiro por
volta dos anos 1950, de acordo com Roy Shuker (1994, 1999), inicialmente para
definir músicas com características tidas como “universais” para atingir todos os
públicos e, assim, ser de fácil consumo. Por ser um produto mercadológico, a
música Pop almejava quaisquer meios de comunicação que conseguisse utilizar
para obter uma maior gama de consumidores, expandindo sua influência para várias
esferas da sociedade, mas foi nos singles e letras do universo adolescente que
realmente encontrou o seu lugar. de dificil concenso
A definição de “Pop” ainda hoje é bem abrangente e chega a ser um pouco
difícil se obter um consenso. Conseguimos encaixar vários gêneros diferentes dentro
dessa explicação inicial, quaisquer artistas que estejam ligados à grandes selos e
em evidência poderiam ser encaixados como Pop. Por isso não podemos
desvincular o Pop dos canais de comunicação desenvolvidos no pós-segunda
guerra mundial.

Início da música Pop

maiusculo
Curiosamente, o início do termo Pop está intimamente conectado com o
surgimento do Rock. As guitarras e baixos amplificados acompanhados de uma
bateria num ritmo rápido e dançante foi essencial para a emergente cultura jovem do
pós-segunda guerra mundial, definindo uma época que almejava a felicidade após
vários anos de tristeza. Janotti (2015) explica que o termo Pop nasceu para
deslegitimar essa nova expressão, ligando o som feito pela pipoca ao explodir
(“pop”), com a efemeridade que acreditavam que essa cultura teria nas vidas desses
jovens. Ou seja, seria uma fase tão rápida quanto estourar pipocas, com um
consumo mais rápido ainda. Elaborar o comentário
Digo que é curiosa essa ligação, pois o Rock é definido por Rodrigo Merheb
(2012) como uma música revolucionária criada para quebrar paradigmas culturais.
Entretanto, o mundo pós-guerra de 1950 também teve uma crescente cultura
midiática por meio de filmes, programas televisivos e de rádio, meios de
9

comunicação extensamente utilizados para propagar o Rock e criar um elo entre a


música e um estilo de vida desejado por todos os jovens, com jaquetas de couro,
penteados estilosos, carros velozes e uma procura insaciável por adrenalina. Muitos
dos garotos queriam ser Elvis Presley ou James Dean, enquanto muitas das garotas
desejavam ser Marilyn Monroe ou Audrey Hepburn.
Apesar das mudanças do Rock, o Pop se manteve como um sinônimo para
uma música produzida com o intuito de vender uma identidade de massas e “a
maioria da produção e publicação musical encontrava-se nas mãos de promotores,
editores comerciais, gerentes de teatro e casas de shows” (JANOTTI JUNIOR, 2005,
p. 4), então, a música Pop só pode ser definida se examinarmos, para além do
contexto da época em que ela é criada, seu processo de desenvolvimento, pois ela
está sempre em movimento.

O valor do Pop
O Adorno achava
o Jazz pobre Tal massificação cultural seria descrita por Adorno (2021) como uma
esteticamente?
"Indústria cultural” com o objetivo de simplificar o gosto musical das pessoas com
músicas repetitivas e pobres esteticamente. Um fato curioso é que o principal alvo
de Adorno na época era o Jazz, estilo hoje dificilmente descrito como “Pop”.
É possível entender a preocupação de Adorno se relacionarmos o aumento
do consumo de música de indivíduos sem conhecimento de notação musical que
Janotti comenta. Os aparelhos de reprodução musical que foram desenvolvidos no
final do século XIX e início do século XX são essenciais para essa mudança. Com
eles, se tornou possível qualquer pessoa ter contato com a música: já não era
necessário ser ou estar na companhia de um músico para se deleitar com uma
canção.
Esse “empobrecimento” que Adorno critica tem um paralelo com a dualidade
entre música sacra e música secular que ocorreu há alguns séculos atrás. A música
sacra era divina, pura e angelical, enquanto a música secular era profana e não teria
lugar na casa de Deus. Da mesma forma qual a música sacra influenciou a música
erudita e a transformou em um ícone de música “boa”, que precisava de um local
sagrado para ser reproduzida (salas de teatro e salões nobres), músicas que
provinham das camadas menos abastadas da sociedade, como o Jazz, eram
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consideradas imorais e apenas casas depravadas aceitavam esse tipo de


comportamento.
O que para Adorno era uma regressão, para outros pode ser visto como um
avanço de acessibilidade. Se a arte Pop foi englobada e reconhecida mundialmente
por meio de artistas plásticos como Andy Warhol e Roy Lichtenstein, por que a
música Pop não poderia alcançar o mesmo patamar? a música pop é reconhecida
A diferença entre a Pop Art e a música Pop foi que, enquanto a Pop Art
começou como uma mercantilização da arte para grandes massas e acabou
pautada num julgamento da ótica capitalista expondo a futilidade nos ídolos
hollywoodianos, a música Pop manteve a sua atitude “Kitsch” (supressão do senso
crítico). Portanto, podemos inferir que a música Pop ainda hoje carrega esse
estigma de ser um gênero “vazio” e sem valor cultural. Para além? p.9
Apesar disso, já que devemos definir o Pop com base no contexto de cada
época, seria interessante usá-lo como um espelho da sociedade para entender as
prioridades estéticas de cada década. Assim, conseguimos entender em parte o
estilo de vida desejado em cada momento da nossa sociedade contemporânea. Se
pegarmos os clipes do álbum “Like a Virgin” de Madonna, temos exemplos de
vestimentas, cortes de cabelo, estéticas musicais, gírias e temas sociais divergentes
dos clipes de Britney Spears. diferentes e complementares. Teriamos a britney sem a
madonna?
Além do mais, há um preconceito intrínseco quando reproduzimos a ideia de
que uma música Pop não tem valor musical. Existem vários exemplos de linhas
musicais tão complexas em algumas músicas Pop quanto em músicas eruditas,
como o contraponto de três partes em “I Want You Back” do grupo Jackson 5 ou a
linha de baixo complexa em “Break My Heart” de Dua Lipa.
Soares (2015, p. 26-27) comenta em seu texto “Percursos para estudos sobre
música “Pop” sobre as disputas de valor de “lógicas de legitimação" entre os fãs e os
“haters” para defender/atacar correntes estéticas e nos lembrando que tais ações
também marcam a representatividade dessas correntes em cada indivíduo. Por fim,
Soares (2015) interpreta Douglas Kellner (2001) ao conectar os valores políticos da
“cultura da mídia” ao texto para deixar claro que tais “lógicas de legitimação” são
jogos de posicionamentos políticos, tópico também comentado por Janotti ao
ressaltar que grupos de Heavy Metal denominavam “The Police” ou “The Smiths”
como música Pop para diminuir a sua importância, apesar de influenciarem bandas
11

como “Paralamas do Sucesso” e “Legião Urbana” no âmbito nacional, e “Arctic


Monkeys” e “The Strokes” no âmbito internacional.
Isto posto, o reconhecimento de valor da música Pop está atrelado não
somente à capacidade técnica dos artistas, mas também às agendas políticas que
diferentes grupos têm sobre os canais de mídia utilizados para a propagação da
música. O Pop, tal qual outros estilos, não é apenas a música, mas é toda a
conexão entre as pessoas que habitam na sua “bolha”. O modo de se vestir, de se
portar, de falar, de comer, os lugares que frequentam e os filmes que vêem, tudo
isso deixa claro a importância que os estilos têm para os seus simpatizantes e como
afetam as “microestruturas globais” que Janotti (2015, p. 53) comenta.
parágrafo de conexão

O aparecimento das metodologias ativas

O início do século XX foi marcado por várias inovações, e a educação não


foge disso. Na educação musical, mais especificamente, temos Karl Off, Edgar
WIllems, Zoltán Kodaly e Émile Jaques-Dalcroze, seguidos por Shinichi Suzuki
alguns anos depois. Marisa Fonterrada (2008) chama a atenção aqui sobre a
nomenclatura usada, apesar de chamarmos de “metodologias”, deveríamos, na
realidade, pensar como abordagens ou propostas.
Dalcroze abordava a música através da Euritmia, seus alunos deveriam ouvir
e sentir o ritmo no corpo antes de transmiti-lo ao instrumento; Willems se dedica aos
elementos da audição e a relação entre som e humanidade, “ouvir, escutar e
entender”; Kodaly desenvolveu o sistema educacional de música húngaro baseado
em músicas folclóricas, pois eram músicas fáceis de cantar, ouvidas por todos e a
escala pentatônica característica dessas canções contribuem para a afinação, pois
as crianças têm dificuldades para ouvir semitons; Orff enfatizava a prática musical
com instrumentos simples (xilofones, sinos, percussão corporal e voz) para uma
execução sonora durante a aula; Suzuki usava do princípio da aprendizagem da
língua materna: muita escuta, prática despretensiosa e com muito incentivo.
Esses “professores pioneiros” desenvolveram tais meios para lidar com
problemas que a educação musical da época não conseguia sanar. Os métodos
anteriores eram muito tecnicistas e esquecem que a razão da existência da teoria é
apenas tentar concretizar o som, sobre esse assunto, Fonterrada (2008, p. 122) cita
Dalcroze e explica como “um erro conceitual comum à época: o de centrar o
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conhecimento na mente do aluno, desconsiderando as oportunidades de se


estabelecerem ligações entre a atividade cerebral e as sensações auditivas”.
Antes o ensino era muito mais individualizado, de mestre para aprendiz, mas
Escolarização em massa
o mundo estava cada vez mais rápido desde o século anterior (XIX) e conectado
através das máquinas, a população estava em crescimento, mais interessados eram
atraídos para os conservatórios (nem sempre buscando a profissionalização) e o
ensino coletivo virou uma necessidade. Conforme Fonterrada (2008), isso causou
uma dilaceração à arte criativa, pois a individualização não era incentivada.
Foi nesse contexto que todos esses autores exploraram algum campo do
ensino musical que antes era impensável, com o aluno sendo parte ativa do
processo ao invés de receber passivamente o conteúdo. Ainda assim, mais um
aspecto que conecta todos é a importância da escuta no desenvolvimento musical
da criança e a maneira que essa escuta afeta cada pessoa, sem isso, é impossível
nutrir a experiência prática prezada pelos autores na busca da individualidade
perdida.

O repertório das Metodologias ativas

É importante evidenciar a crítica de Fonterrada (2008) com a demora que


houve para tais propostas alcançarem as salas de aula no Brasil. A maioria delas
chegam no país apenas por volta de 1950. Para completar, a falta de uma disciplina
dedicada à música no ensino regular atrasou ainda mais essas práticas por aqui e
resultou num deslocamento temporal das propostas. Por causa disso, a própria
Fonterrada (2008, p. 120) afirma que tais “professores pioneiros” devem ser
revisados e adequados à realidade de cada um.
Assim, devemos lembrar que as propostas comentadas anteriormente
salientam a música clássica ocidental e músicas folclóricas, ainda que a música do
século XX já estivesse explorando novos caminhos, como o dodecafonismo ou o
serialismo, mostrando um conservadorismo no seu repertório que vai de encontro
com suas propostas revolucionárias.
Essa questão só é abordada numa segunda geração de educadores, estes,
em sua maioria compositores, deslocam o eixo das aulas de interpretação e
performance para composição e exploração sonora (FONTERRADA, 2008,
p.178-180).
13

Por fim, de acordo com o que vimos até o momento, podemos julgar o
repertório da primeira geração atrasado em relação ao que estava presente na
vanguarda e no cotidiano da música ocidental.

A Educação do Talento

Shinichi Suzuki gostava de pensar em seu método como uma filosofia de vida
e o chamava de “Educação do Talento”. O motivo disso é bem simples, ele
acreditava que todas as crianças tinham a capacidade de serem excelentes
musicistas, da mesma forma que tinham capacidade de aprender a sua língua
materna fluentemente, por mais complexa que seja.
Em seu livro “Educação é Amor” (2008), Suzuki explica a sua trajetória como
violinista e professor, assim, podemos entender com facilidade de onde veio a
epifania que o tornou mundialmente famoso se levarmos em conta alguns eventos
de sua vida.
Masakichi Suzuki, pai de Shinichi, era dono da maior fábrica de violinos do
mundo no início dos anos 1900, entretanto, ninguém da família tocava, foi apenas
quando tinha por volta dos 17 anos que teve a vontade de aprender a tocar violino
após ganhar um gramofone e ouvir “Ave Maria” de Schubert interpretada por Mischa
Elman, Shinichi ficou fascinado com o som do violino, já que durante a sua infância o
violino era considerado apenas um “brinquedo”, e ao ouvir aquela melodia, decidiu
aprender a tocá-lo. Por alguns anos Suzuki estudou sozinho, reproduzindo as
músicas no gramofone e tentando copiar aquilo que ouvia, mas com 21 anos teve
suas primeiras aulas formais de violino e com quase 23 anos foi para Berlim, onde
ficou por oito anos se dedicando ao instrumento.
Suzuki voltou ao Japão como o instrumentista que desejava ser, mas foi o
cenário do pós-guerra que o tornou notório como professor de violino. Alguns anos
antes disso, um pai pediu para Suzuki ensinar seu filho a tocar violino, mas a criança
era muito nova, tinha somente quatro anos, foi quando Suzuki teve a epifania de que
poderia ensinar violino da mesma maneira que uma criança aprende a falar sua
língua materna. Quando as crianças aprendem sua língua mãe, desde antes de
falarem, passam por um exercício ininterrupto de ouvir as pessoas ao seu redor
conversarem, os familiares e cuidadores sempre incentivam sem repreender erros e
mostrando com parcimônia e amor a maneira correta de se comunicar. Suzuki
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propôs um processo de ensino de música similar, antes de tocar a criança deve ouvir
música, deve ver pessoas íntimas ouvindo música e praticando os instrumentos,
deve ser incentivada com amor, ter contato com o instrumento para “brincar” e o
explorando com liberdade, de forma que o contato com o instrumento seja divertido
e tão natural quanto uma conversa. Existem dois outros aspectos críticos, o primeiro
é que a criança primeiro desenvolve a habilidade de falar, apenas depois disso ela é
alfabetizada, o segundo é a produção sonora em grupo, assim, os alunos ajudam-se
mutualmente e são incentivados à produção musical.
O método alcançou um enorme sucesso na Escola de Música de Matsumoto,
fundada com o objetivo de ajudar na reconstrução do país, e se espalhou por toda a
região. Em 1964 Suzuki viajou com alguns de seus estudantes para uma série de
concertos e conferências nos Estados Unidos para mostrar seu trabalho com as
crianças, foi a partir desses eventos que o método Suzuki ganhou notoriedade por
todo o mundo.
Apesar das pessoas olharem as “crianças Suzuki” com gênios, apenas cerca
de cinco por cento delas seguem uma carreira musical (SUZUKI, 2008, p. 139). Além
disso, Suzuki explica que o objetivo do método não é formar intérpretes, é formar
“bons cidadãos" (2008, p. 139).
Por fim, é essencial entender que o método leva em consideração a
organização social japonesa do meio do século XX e, por causa disso, pode não
reproduzir os mesmos resultados em uma sociedade distinta, como a brasileira.

Repertório Suzuki

Suzuki nasceu em 1898 e faleceu em 1998 antes de completar 100 anos,


grande parte da vida dele foi dedicada à sua filosofia de ensino. Apesar de todos
esses anos no meio musical, é extremamente difícil encontrar fontes comentando
sobre os gostos musicais do educador, mas, em seu livro, sempre há referências de
algumas músicas eruditas que gostava de apreciar. Por esse motivo, não é possível
chegar a uma conclusão a respeito da sua relação com músicas de outros gêneros,
todavia, é inegável a sua preferência por música erudita.
Sendo assim, para criar uma relação entre o método e músicas Pop,
analisaremos rapidamente o repertório proposto pelos quatro primeiros volumes do
método para violino. Precisamos ressaltar aqui o fato de que o aluno, pelo menos no
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início de sua formação, é incentivado a aprender a música sem o uso de partituras,


somente depois de já saber tocar (ter fluência) que a partitura é discutida
regularmente em aula.
A primeira música do primeiro volume, e mais icônica do método, é “Brilha
Brilha, Estrelinha”. A letra foi escrita por Jane Taylor e publicada em seu livro
“Rhymes for the Nursery” (1806) e sua melodia foi retirada da composição de Mozart
“Doze variações em Dó maior de ‘Ah, vous dirai-je, maman’” KV 265/300e (1786)
feitas a partir de uma canção folclórica francesa. Para simplificar a estrutura da
música, Suzuki cria quatro outras variações.
As mudanças de Suzuki focam em tornar mais fácil o posicionamento dos
dedos na corda Lá e na corda Mi e manter um som limpo com o arco, pois as duas
cordas são as mais fáceis de posicionar o arco sem a interferência das outras
cordas (GALAMIAN, 2013). Para isso, Suzuki transpôs a melodia para a escala de
Lá maior e facilitou o ritmo.
As próximas composições também são de origem folclórica e o modelo
descrito anteriormente segue sem muitas alterações (com exercícios ocasionais
preparando o aluno para os arranjos seguintes) até a décima obra do volume,
momento no qual as cordas Ré e Sol são abordadas pela primeira vez no repertório
do volume junto de uma mudança na escala para Ré Maior, com o intuito de manter
o molde do dedilhado previamente treinado.
Alguns estudos escritos por Suzuki estão presentes e fazem uma ponte entre
as músicas folclóricas apresentadas até aqui e obras de grandes nomes, como J.S.
Bach e R. Schumann. São músicas de baixa dificuldade técnica, mas que
condensam todo o conteúdo ensinado anteriormente. Nas últimas partituras, a
escala escolhida para o repertório é a de Sol maior, introduzindo um novo molde
para o dedilhado do instrumento. Por fim, é interessante observar que a corda Sol é
evitada durante esse livro inteiro, sendo trabalhada apenas em alguns poucos
exercícios, porém, já vemos a presença dela no repertório do próximo volume.
gradativamente Os livros dois e três continuam com o nível de dificuldade aumentando
lentamente, empregando criações de grandes nomes da música erudita, como: J.
Brahms, N. Paganini, L. van Beethoven e A. Dvořák. Um salto maior de dificuldade é
feito ao introduzir o quarto volume, quando movimentos de alguns concertos são
explorados. Mas, seria possível encontrar em músicas Pop as mesmas técnicas
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ensinadas nestas composições ou modificá-las para atender as necessidades dos


alunos, da mesma forma que Suzuki modificou “Brilha Brilha, Estrelinha”.
Vemos uma óbvia predileção pela música erudita “mainstream” (músicas mais
famosas), inclusive ignorando as vanguardas da música erudita do século XX (
minimalismo, serialismo, dodecafonismo, entre outras). Podemos considerar isso
uma consequência da influência da indústria cultural na música no início do século
XX que foi comentada anteriormente, pois a massificação cultural também atingiu a
música erudita.
As salas de concerto, embora abundantes, exploravam apenas aquilo que
trazia lucros, ou seja, as composições eram julgadas de acordo com o tamanho da
bilheteria e, para evitar riscos, evitava-se as obras que o público poderia estranhar
(FONTERRADA, 2008), tal fenômeno é descrito por Adorno(2021) como uma
“mecanização “ do lazer. Sobre isso, Fonterrada aponta que o público da geração de
Beethoven era muito mais aberto à exploração musical do que seus herdeiros e,
portanto, muitos compositores vanguardistas não tiveram espaço para reproduzir
suas criações nessa nova organização capitalista. Além disso, os que conseguiam,
não eram aceitos por grande parte dos consumidores.
Outro debate trazido por Fonterrada é o comportamento dos intérpretes desse
momento histórico, algo intimamente ligado ao Suzuki devido a sua formação como
violinista.
Niccolò Paganini criou um ideal de violinista virtuoso vinculado à capacidade
técnica e velocidade, um virtuoso deve promover espanto e admiração ao público
durante sua apresentação. Até os dias de hoje esse ideal é almejado por muitos
instrumentistas e isso não era diferente durante os anos que Suzuki estudava o
violino. Isso se deve ao salto de qualidade das técnicas de construção de
instrumentos no século XIX. Tal fato repercutiu nas composições desse período com
obras que forçavam seus intérpretes a alcançar a capacidade máxima dos seus
instrumentos. Entretanto, os compositores de vanguarda do século XX queriam
explorar novos caminhos, os quais, em grande parte das vezes, não levavam a
virtuosidade desejada pelos intérpretes. Assim, os desejos da indústria cultural e dos
músicos estavam alinhados e acabaram evitando essa nova corrente.
Portanto, Suzuki foi influenciado durante sua formação como violinista a
valorizar a música erudita anterior ao século XX e revela isso com as escolhas para
o repertório de seu método.
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o Suzuki estava preocupado com isso?

Há outros aspectos impossíveis de ignorar antes de afirmar que as opções de


Suzuki são pautadas apenas por sua formação, como a possibilidade de empregar
músicas somente de domínio público para evitar problemas com direitos autorais e
outras questões jurídicas. Além disso, devido ao caráter oral de transmissão da
música popular e toda história da notação musical, é compreensível julgar escassos
os registros de músicas populares em domínio público durante a época de Suzuki.
Outro aspecto, mais importante para essa discussão, é a elitização da música
erudita que é explicitado por Maura Penna(2015, p. 35-36) ao explicar, por meio de
Gainza(1977, p. 41), o reconhecimento da música erudita como algo complexo,
necessitando conhecimentos prévios para a sua apreciação e execução, enquanto a
música popular é simples e não requer estudos, uma visão preconceituosa e elitista,
já que tradicionalmente a música erudita é retratada como a música da elite e
gênero escolhido como padrão educacional, o que fundamenta seu valor desde suas
origens na música sacra. Para afirmar isso, Penna se apoia em Bourdieu e
Darbel(2003) e expande seus argumentos para afirmar que a vivência artística só é
possível para aqueles que tenham a capacidade de se apropriar da arte.
Consequentemente, aqueles que não têm acesso à música erudita teriam mais
dificuldades para conseguir se apropriar desse estilo e necessitariam de uma
educação musical capaz de quebrar essa barreira.
Suzuki estaria, então, reproduzindo esses aspectos no seu método e
limitando o acesso à sua filosofia por se prender a esse repertório, pois, uma de
suas bases é o cotidiano musical dos alunos e nem todos possuem os meios para
se apropriar da música erudita, ou da música folclórica europeia.

Música Pop como repertório e suas consequências

Penna descreve o papel da escola, e da musicalização, como


“democratizante, promovendo o domínio dos instrumentos de percepção
necessários para a apropriação das formas musicais elaboradas e complexas da
música erudita, que historicamente tem sido um privilégio das elites.”(2015, p. 38).
Logo em seguida cria uma dúvida sobre se essa é a realidade, trazendo dados para
apoiar sua afirmação de que a democratização é real apenas quando a escola tem
condição de não reproduzir a estrutura de classes.
18

Uma das formas propostas para quebrar a barreira elitista da música, similar
ao que Paulo Freire(2014) defende na pedagogia, é partir da cultura do aluno.
Assim, ao invés de usar músicas folclóricas europeias nos estágios iniciais do
aprendizado pelo método Suzuki, poderíamos propor outros gêneros musicais de
fácil acesso, espaço esse capaz de ser preenchido pelo Pop sem dificuldades.
Entretanto, é imprescindível ter cuidado para não cair em um comportamento
de rejeição da cultura erudita e criar “guetos culturais” (PENNA, 2015), pois, sem
explorar tópicos novos, o aluno ainda estaria segregado e a educação não cumpriria
seu papel como força equalizadora. Logo, a ideia é usar a música Pop para criar
elos entre o cotidiano do aluno e a música erudita. Consequentemente:

A proposta é que o aluno seja capaz de apreender essa música como


significativa, escolhendo se lhe convém ou não - o que é bastante diferente
de estar destinado, por condições sociais, a ficar alheio a ela. Assim, a
música erudita, historicamente reservada às elites, deixa de ser o
inalcançável padrão a venerar, rompendo-se a distância reverencial do
sagrado. Promover sua compreensão e manipulação é dessacralizá-la,
permitindo que seja apreendida, apropriada, redirecionada ou mesmo
recriada (Penna, 2015, p.47).

A capacidade de se apropriar da arte erudita pela camada menos abastada


da sociedade tem como resultado não somente a apreciação, mas também a
ressignificação dela, criando a possibilidade de romper instrumentos de dominação
sociocultural, algo de extrema importância para instigar o senso crítico e promover a
“mudança na experiência de vida e, especialmente, na forma de se relacionar com a
música e com a arte no cotidiano” estimulada por Penna (2015, p. 91). Nesse
contexto, a música erudita deixaria de ser o padrão educacional “supremo” para ser
convertida em mais um dos inúmeros estilos que constituem os conhecimentos
musicais de nossa espécie.
Evidentemente, a música Pop não é a única forma de alcançar esse
desfecho, mas é um gênero capaz de criar tais pontes para um número alto de
indivíduos, se levarmos em consideração sua natureza midiática. Ou seja, é possível
usar a música Pop como ponto de partida em ambientes multiculturais, enquanto
outros gêneros não seriam acatados pela maioria.
19

Suzuki e o risco
Ser um bom cidadão é recorte
de interesses políticos
Apesar de ser um objetivo vago e Suzuki também não definir o que é “ser um
bom cidadão”, podemos conceber uma noção genérica de que um “bom cidadão” é,
em resumo, um indivíduo que vive conforme as normas estabelecidas pelo estado,
como: Cumprir todas as leis e a constituição, não ferir os direitos de outras pessoas,
contribuir com os tributos devidos e apoiar o progresso da nação.
Já os objetivos das artes na educação básica definidos por Penna são:
“Ampliar o alcance e a qualidade da experiência artística dos alunos, contribuindo
para uma participação mais ampla e significativa nas culturas socialmente
produzidas” (PENNA, 2015, p. 99).
Visto que um dos deveres do indivíduo é apoiar o progresso da nação, é
possível concluir que os objetivos citados por Penna contribuem para a formação de
um “bom cidadão" ao qual Suzuki aspira. Sendo assim, iremos trazer para discussão
o livro “A música e o risco” de Rose Satiko Hikiji para reforçarmos o tópico de como
a música pode transformar indivíduos em “bons cidadãos”.
Ser considerado um “cidadão” seria algo cobiçado por muitos pois é a
comprovação de pertencer à sociedade e não estar marginalizado por ela. Todavia,
ser “cidadão” não é um “prêmio” a ser conquistado, é um direito de todos.
Hikiji aborda situações e reflexões sobre alunos de música participantes em
projetos sociais de ensino de música, mais especificamente os polos Mazzaropi e
FEBEM (atual fundação CASA) do Projeto Guri.
De acordo com Elizabeth Parro, o objetivo do Projeto Guri não é a formação
de músicos, mas “mostrar para a criança uma condição de vida melhor” (HIKIJI,
2006, p.65). Tal afirmação é evidentemente similar ao proposto por Suzuki. Além
disso, é bom lembrar que um dos motivos que alavancou o sucesso de Suzuki foi a
utilização do método para contribuir na reconstrução do Japão durante o pós-guerra,
portanto, há um elo entre a filosofia Suzuki e a utilização da música com indivíduos
em situação de risco, semelhante aos acontecimentos narrados por Hikiji.
Como o Projeto Guri não tem caráter profissionalizante, ouviu muitas críticas
acerca de sua utilidade porque a música é vista como uma atividade ociosa,
geralmente para a elite que tem o capricho e o prazer de poder gastar seu tempo em
atividades não utilitárias, então, seria um desperdício para a classe trabalhadora que
deveria estar engajada apenas em melhorar sua produtividade com cursos
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profissionalizantes. Tal posicionamento foi espelhado nos alunos quando visavam a


possibilidade de inserção profissional na música por meio do Projeto e, assim,
aspirando por uma mobilidade social (HIKIJI, 2006).
Mas, para os alunos do polo FEBEM, a música foi vista como uma
“oportunidade de cidadania, de inserção social” (HIKIJI, 2006, p. 69), pois, durante
suas performances eles eram notados pela sociedade que os marginalizou. Dessa
maneira, a música é transformada em uma ferramenta de intervenção social, capaz
de lidar com as carências e violências sofridas pelos alunos. Entretanto, isso só
ocorreu porque o projeto introjeta a música popular (música não erudita) no seu
repertório. Além do mais, apesar do projeto teoricamente ser destinado ao ensino da
música “clássica” (erudita), alguns dos maestros do projeto reforçam a ideia de que
construir orquestras no formato de Jazz Sinfônica (orquestras com repertório
popular) eram a intenção inicial. Para exemplificar a importância do contexto cultural
dos alunos no repertório, um dos professores afirma que quando as melodias
usadas como exercício eram sugeridas pelos alunos, os resultados eram mais
proveitosos do que os exercícios tradicionais do programa (HIKIJI, 2006, p. 113).
Retomando a ideia da arte na transformação de seus usuários em bons
cidadãos, a autora critica os conceitos de cidadania e autoestima numa fala de Maria
Corina Gama de Macedo, coordenadora da Casa do Zezinho. Para a coordenadora,
esses dois conceitos estão conectados numa relação simbiótica, a autoestima
estimula a pessoa a ter mais cuidado consigo e defender seus direitos com maior
zelo e, por isso, começa a entender e respeitar os direitos de outros. Dessa maneira,
compreende os seus próprios deveres e, por fim, alcançando a cidadania, já que
“ser cidadão é respeitar o direito dos outros, cumprir com as obrigações” (HIKIJI,
2006, p.96), coincidindo em partes com a descrição previamente feita de “ser um
bom cidadão”.
Entretanto, Hikiji deixa explícito que “cidadania”, como explicado
anteriormente, perde o seu sentido original quando comparado com o que está
escrito na Constituição e no ECA ( Estatuto da Criança e do Adolescente), na
realidade, a arte é um direito de cidadania previsto em lei. Logo, tais projetos não
deveriam ter uma índole assistencialista para “gastar” o tempo em atividades para
“tirar os jovens da rua”, sendo a rua representada como um local propício para a
violência e ilegalidades. Então, a arte, e consequentemente a música, deve ser
ofertada para assegurar a posição do indivíduo na sociedade, como a pesquisa de
21

Hikiji examina durante uma das cenas observadas numa apresentação dos alunos
do polo FEBEM do Projeto Guri.
Enquanto esses alunos estavam performando em cima do palco, eles foram
ovacionados e tratados como artistas com valor cultural dentro da sociedade, mas
logo após saírem para a coxia voltaram a ser infratores e não recebiam mais essa
validação, sendo novamente segregados. Por um momento a prática musical
mobilizou mecanismos de socialização, de criação de identidades, reforçou
sentimentos de pertencimento, ampliou horizontes espaciais e alteridades (HIKIJI,
2006, p. 97), construindo também a apropriação da arte na deselitização proposta
por Penna (2015).
Hikiji finaliza a sua discussão sobre cidadania com o termo “protagonismo
juvenil”, arquitetado por pesquisadores da Unesco para definir a “participação dos
jovens nos contextos em que estão inseridos, no sentido de co-organização, de
propostas de caminhos, para a concretização da condição da cidadania”. Para a
autora, o Projeto Guri restringia a participação dos alunos nos processos e propõe
que seus anseios fossem ouvidos.
Se voltarmos a pensar na filosofia Suzuki para o “protagonismo juvenil”,
parece que esse também tem falhas. É possível que as crianças encontrem o
mesmo sentimento de pertencimento de grupo e é justo conceber que o método
reforça a posição do indivíduo como cidadão, mas, infelizmente, não foram
encontradas fontes que discutissem o impacto do método Suzuki na sociedade
japonesa para apoiar essa afirmação.

Música Pop na educação Suzuki

Couto (2009) faz uma análise muito boa do caminho feito pela música popular
na educação formal de música. Para a autora, a música popular foi por muito tempo
ignorada dentro do contexto da educação formal de música, sendo assim, os
músicos populares tiveram, em sua maioria, um caminho diferente dos músicos
eruditos. Assim, a teoria musical não teria a mesma importância do que o fazer
musical e, em vários casos, a transmissão de conhecimento acaba sendo por meio
oral ou “tiradas de ouvido” por tentativa e erro, ao invés de ser por meio do estudo
de uma partitura, por exemplo.
22

Um processo também citado para o aprendizado informal é o de enculturação


(COUTO, 2009), por meio de uma escuta cotidiana e práticas incentivadas por um
contexto social, ou seja, criando uma significação emotiva para o estudo. Logo, o
repertório adquirido no contexto social do aluno seria de suma importância para
auxiliar no processo educacional.
Couto (2009) ressalta que a música popular ganhou espaço nas salas de
aulas para atender as demandas de alunos durante a década de 1960, porém era
utilizada apenas para atraí-los para a música erudita. Portanto, a música popular era
tratada como uma ferramenta para encaminhar os alunos para o conhecimento
“superior” contido na música erudita, algo que já foi abordado anteriormente nessa
monografia.
Conseguimos então, traçar um paralelo da metodologia proposta por Suzuki e
o ensino informal. Ambos se apoiam fortemente no processo aural, na produção de
músicas presentes no cotidiano e incentivo do grupo social, entre outros exemplos.

Conclusão

Após o debate fomentado anteriormente, podemos afirmar que o método


Suzuki, uma metodologia já reconhecida formalmente, usa das mesmas ferramentas
presentes nos processos informais de aprendizado de música.
Sendo assim, seria possível desenvolver um repertório Pop no ensino Suzuki,
para isso, bastaria encontrar músicas que captam o interesse do aluno e verificar se
seriam adequadas para o seu nível técnico ou modificar a composição para explorar
aquilo que é desejado.
Dessa forma, o ensino musical é capaz de ressignificar o Pop, de um produto
da indústria cultural para um instrumento de ensino capaz de garantir a
acessibilidade da cultura musical para grupos sociais que, de outras maneiras,
teriam dificuldades para alcançar.
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