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A INFLUÊNCIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO ENSINO


DE MÚSICA EM ESCOLAS PÚBLICAS DE GOIÃNIA

Milvia de Alcântara Guimarães e,


Quézia de Alcântara Guimarães Leite

GOIÂNIA, 2005
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INTRODUÇÃO:

A influência da Indústria Cultural e dos Meios de Comunicação de Massa no gosto

musical e na preferência do material sonoro a ser trabalhado com os alunos na Educação

Musical é tema da mais alta significação nos dias atuais. Fruto da observação de vários

teóricos ligados à educação e ao campo da Teoria da Comunicação, é também tema do

profissional da Educação Musical, que em seu dia-a-dia sempre esbarra com o conflito

existente entre o gosto musical do aluno, sua preferência em termos de material sonoro e o

repertório escolhido pelo professor que usa como critério aquilo que ele sabe e reconhece

como necessário à sua prática pedagógica, e que pode ser resumido nas palavras da professora

Maura Penna (1990), como “uma linguagem artística, estruturada e organizada”.

Tal conflito se revela, às vezes, de difícil solução, gerando não rara vezes, atritos e

desrespeitos em sala de aula, sem falar nas perdas experimentadas pelos educandos, em

termos de aquisição de um conhecimento que nem sempre têm acesso no ambiente fora da

instituição escolar. Faz-se necessário detectar até que ponto este conflito pode ser uma das

causas da evasão do aluno à aula de Música e também da falta de motivação à prática do

exercício musical, temas que a partir desse estudo, poderão ser futuramente analisados.

Este trabalho tem como objetivo fazer uma reflexão deste assunto, a partir de

embasamento teórico e pesquisa de campo de amostragem estratificada com professores de

Música, sobre a influência dos Meios de Comunicação de Massa ou Mídia no ensino de

Música, também denominado neste trabalho de Musicalização, nas escolas públicas de

Goiânia, capital do Estado de Goiás. Para isso, utilizaremos como suporte teórico, textos e
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pesquisas dos teóricos da comunicação Theodor Adorno, Edgar Morin e Umberto Eco, do

músico, Leonardo de Sá e dos mestres Estércio Marquez Cunha, Izabel Travancas, Maria

Tereza Fraga Rocco, José Manuel Moran, Rosa Maria Bueno Fischer, Cristina Costa, Luci

Mara Bertoni e arte-educadoras como Maura Penna e Cássia Virgínia Souza1.

Tendo tais referenciais bibliográficas, ratificadas pelos depoimentos de professores

entrevistados, que fazem parte dos Projetos Coral, Banda Marcial e Instrumentos da

Secretaria Estadual de Educação de Goiás, pretendemos fornecer material de pesquisa e apoio

teórico no sentido de reforço à ação pedagógica entre educadores musicais, que se deparam

cada vez mais com o problema do poder que a Mídia tem no gosto e no repertório que o aluno

traz para a sala de aula, e também para os profissionais da comunicação, a fim de que tenham

uma atitude crítica quanto à produção e divulgação de conteúdos - neste caso musicais - mais

educativos e socialmente mais significativos, contribuindo assim para um enriquecimento

cultural ou ampliação da vivência musical por meio da mídia.

Assim, as entrevistas do trabalho de campo, feitas com professores de Música da rede

pública de ensino na cidade de Goiânia, e que fazem parte dos citados Projetos da Rede

Estadual de Ensino, nos ajudarão a conhecer o repertório utilizado hoje em sala de aula,

verificando o nível de aceitação do mesmo pelo alunado e a influência que a Mídia tem sobre

os mesmos, bem como observar o aproveitamento da experiência musical trazida pelo aluno

para o contexto escolar. Os professores de música pesquisados são responsáveis pela

disseminação do canto coral, musicalização para banda marcial em diversas escolas estaduais

de Goiânia. Semanalmente, eles se reúnem na Coordenação do Projeto “Ciranda da Arte”, um

1
Esta arte-educadora estudou alguns aspectos dessa questão em 1992, transformando suas inquietações em
Dissertação de Mestrado apresentada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, intitulada “Música na
Escola de I Grau: Repertório, Aprendizagem e Interferências na Execução Cantada
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departamento da Secretaria Estadual de Educação de Goiás, para reflexão e estudo sobre a

prática pedagógica, atualização de repertórios e orientação quanto ao conteúdo a ser

ministrado. Nesse ambiente, é que foi feita a proposta para participarem desse trabalho,

respondendo aos formulários da Pesquisa.

A princípio vamos enfocar a influência dos meios de comunicação de massa na

sociedade contemporânea, também chamada por alguns autores, de sociedade midiática.

Depois, a nossa análise teórica recairá sobre a influência que se observa na Educação e mais

especificamente, no ensino de Música, para a seguir apresentar alguns gráficos criados a partir

dos dados das entrevistas, que apesar de utilizarem alguns recursos da pesquisa quantitativa,

não tem a pretensão de sê-la, mas serão de muita importância, visto que serão exemplos da

prática em sala de aula, e também por terem sido realizadas com um universo significativo de

professores de Música de Goiânia, que representam um número expressivo de escolas com os

projetos de Educação Musical2.

Também pretende ser ponto de partida para uma reflexão mais acurada do tema,

possibilitando um aprofundamento da questão no meio acadêmico, com vistas à elaboração

posterior de um projeto de ação pedagógica que traga soluções efetivas e aplicáveis, gerando

mudanças significativas no panorama apresentado.

2
Não são todas as escolas de Goiânia que aderiram aos projetos de Coral, Banda Marcial e Musicalização, uma
vez que Disciplina está contida no Ensino de Educação Artística, faz parte dos Parâmetros Curriculares, mas não
existem entre os professores de Arte, número suficiente com Formação em Música. Também porque a Disciplina
faz parte da Pedagogia invisível, assim como Dança, Teatro, as Coordenações das escolas acabam por optar pela
projeto a partir da formação acadêmica de seu quadro docente.
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2 – A INFLUÊNCIA DOS CONTEÚDOS DIVULGADOS PELA MÍDIA NA


SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA:

2.1-A INFLUÊNCIA DOS PRODUTOS DA INDÚSTRIA CULTURAL NA


SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA:

A palavra “influência” será utilizada neste trabalho no sentido de inspirar,

fazer-se conhecidas e executados seus conteúdos, neste caso -músicas – orientar a

escolha e não no sentido de persuadir um público-receptor passivo, silencioso e

alienado como descreve as Correntes funcionalistas e da Persuasão nos estudos de

Teoria da Comunicação, onde o emissor - a mídia, é onipotente e atinge o público- as

massas- que não reage, não tem opinião própria, não questiona.

O termo Indústria Cultural será utilizado nesta monografia no seu mais puro

conceito adorniano de ser o produto dos Meios de Comunicação de Massa. Theodor

Adorno (1986) afirmou que as produções do espírito no estilo da indústria cultural são

integralmente mercadorias. Assim consideramos a música veiculada em rádio,

televisão, internet, fitas, cd’s e dvd’s como produtos fabricados pela mídia para um

consumo massivo.

Explicando a teoria de Adorno, Bárbara Freitag (1989) esclarece que a

Indústria Cultural “é a forma ‘sui generis’ pela qual a produção artística e cultural é

organizada no contexto das relações capitalistas de produção, lançada em circulação

no mercado e por este consumida”. E acrescenta:

O termo ‘indústria cultural’, pelo qual optaram Horkheimer e Adorno, quer


deixar claro que na era das relações de troca de mercadorias, em que todas
as relações sociais são reduzidas a relações mediatizadas pela mercadoria,
também a obra de arte, o produto cultural, perde sua aura, como diria
Benjamim, a qual lhe conferia, em épocas anteriores, sua unicidade, sua
especificidade de valor de uso, acessível somente a uma minoria
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selecionada, transformando-se inevitavelmente em um valor de troca. A


‘nova’ arte ou cultura já passa a ser produzida, a ‘alta cultura’ reproduzida,
com o objetivo de troca, dissolvendo a verdadeira arte ou cultura.
Freitag(1989,P.56).

Para o teórico Edgar Morin (s.d.), a Indústria Cultural refere-se à cultura

produzida em escala industrial que necessita de um aparato tecnológico para se

desenvolver, exatamente a produção em série de CD’s, a produção televisiva que é

feita para um público consumidor bastante abrangente. Ele defende que “o vento que

assim se arrasta em direção à cultura é o vento capitalista...é para e pelo lucro que se

desenvolvem as novas artes técnicas”. Também Herbert Schiller (1976) partilha das

mesmas idéias. Ele discorreu que “as mensagens dos meios de comunicação de massa

são vendidas aos consumidores através da propaganda, em um processo no qual o

imperativo do lucro determina a qualidade do conteúdo, o qual por sua vez, tende a se

deteriorar e se tornar cada vez menos informativo”.

2.2-PRESENÇA INEVITÁVEL DA MIDIA NO PROCESSO DE


FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO – UMA JUSTIFICATIVA

Hoje não há que se negar a imperiosa influência da mídia na formação da

pessoa, na aquisição de significação cultural e especificamente no gosto musical, o que

é reforçado pela mestra Cristina Costa (2002), para a qual hoje na sociedade

contemporânea, todo o processo de formação da pessoa enquanto cidadão, está

permeado pela presença dos meios de comunicação. Esta mestra ressalta que vivemos

numa sociedade midiática, em que o surgimento da Mídia marcou a ruptura da

sociedade moderna do século XIX para a contemporânea, do século XX.


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Esse universo midiático e essa cultura de massa começam a moldar


comportamentos e a permear a vida das pessoas, numa sociedade que se
torna cada vez mais heterogênea e diferenciada, em que cada cidadão
depara com os limites estreitos daquilo a que tem acesso, por sua origem,
classe social, idade e sexo. Esse crescente processo de diferenciação cria
isolamento, incomunicabilidade e anonimato, diante dos quais a cultura
midiática oferece um espaço de compartilhamento e troca. Em pouco tempo,
ela se transforma no único patrimônio compartilhado. É através da mídia
que o homem comum expande as fronteiras cada vez mais exíguas de seu
espaço e tempo. A televisão torna-se, na segunda metade do século XX, a
principal mídia da sociedade contemporânea e efetivamente, o mais
completo veículo de comunicação de massa - por sua linguagem audiovisual
com a captação simultânea de imagem e som, pela possibilidade de
transmissão das mesmas imagens, ao mesmo tempo, para pontos distantes,
por sua domesticidade e verossimilhança. Como o rádio, a televisão
apresenta uma programação variada e ininterrupta, que atende aos mais
diferentes gostos, especialmente aos das mulheres e crianças, que
permaneciam, nessa época, mais tempo dentro de casa. Assim, uma cultura
homogênea, seriada e de forte impacto sobre o receptor vai se introduzindo
no dia-a-dia das pessoas, criando rituais persistentes de
comunicação(Costa,2001,p.68 e 70).

Discorrendo também sobre a importância da mídia, muito especificamente da

televisão no nosso cotidiano3, a jornalista e professora Rosa Maria Bueno Fischer

(2001) reafirma que esse meio, com uma linguagem audiovisual específica ou como

um eletrodoméstico consumido diariamente, “tem uma participação decisiva na

formação das pessoas-mais enfaticamente, na própria constituição do sujeito

contemporâneo”. Ela ressalta que o consumo de produtos da Indústria Cultural está

carregado de uma simbologia para o indivíduo:

Pode-se dizer que a TV, ou seja, todo esse complexo aparato cultural e
econômico – de produção, veiculação e consumo de imagens e sons,
informação, publicidade e divertimento, com uma linguagem própria –é
parte integrante e fundamental de processos de produção e circulação de
significações e sentidos, os quais por sua vez estão relacionados a modos de
ser, a modos de pensar, a modos de conhecer o mundo, de se relacionar com
a vida... Estou falando em modos de existência narrados através de sons e
imagens que, a meu ver, têm uma participação significativa na vida das
pessoas, uma vez que de algum modo pautam, orientam interpelam
cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros –ou seja, participam da

3
A maioria dos estudos sobre a influência da Mídia na formação do indivíduo ou a importância dos Meios de
Comunicação na vida em sociedade, refere-se à televisão. Por analogia, estendemos os comentários para todos
os tipos de veículos de massa, tais como rádio e internet, por entendermos a pertinência dos mesmos com relação
a todos os meios já citados.
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produção de sua identidade individual e cultural e operam sobre a


constituição de sua subjetividade.(Fischer, 2001, p.15)

Ainda citando a influência da mídia no processo de formação do sujeito em seu

contexto coletivo, Maria Tereza Fraga Rocco (2004) defende que ao lado do

computador, a televisão foi o invento mais importante do século XX, e que veio para

ficar, impondo sua presença e influência, nas formas de organização da vida e da

sociedade.

A televisão, definitiva e ao mesmo tempo definidora de novas formas de


organização social e familiar, de certo modo instaura um outro tipo de
espaço social, no qual formas também novas de convivência são construídas,
obedecendo a um timing diferente que redireciona, em grande parte, os
caminhos do próprio lazer. A televisão, indubitavelmente, exerce hoje, um
enorme poder de sedução e persuasão sobre seus públicos(Rocco, 2004,
p.54).

Luci Mara Bertoni (2001) em seu artigo “Arte, Indústria Cultural e Educação”

também partilha das mesmas convicções. Ela fala, reafirmando as idéias de Fisher, do

problema da influência midiática e do seu consumo em larga escala, como uma

necessidade simbólica do indivíduo de se sentir inserido em um contexto social:

A necessidade, cada vez mais crescente, da busca de felicidade tem feito com
que as pessoas se deixem influenciar pelo consumo desmedido dos produtos
ofertados pela Indústria Cultural, fazendo da arte, de modo especial, da
música, um meio de tornar-se igual sem perceber que estão se colocando à
margem de sua própria cultura”(Bertoni, 2001, p1).

Percorrendo os conceitos adorniados, Bertoni (2001) argumenta que houve

uma mudança de valores, onde o consumo se dá pelo valor da troca e não do uso, nos

levando a identificar um significado de exploração através da Indústria Cultural. Ela

fala que esta exploração “perpassa as ondas de violência física, mental e social, que

repercutem nas atitudes dos que se deixam iludir pelo apelo de felicidade veiculado
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pelos meios de comunicação de massa”, e que, lembrando novamente Adorno, seria a

“busca de uma identidade coletiva... para se sentir parte de um todo”.

Essa identificação grupal, no que se refere à aquisição de um repertório

musical, para, Cássia Virgínia Coelho de Souza (1992) acontece com a absorção da

música popular- que em sua dissertação, é a música veiculada pelos meios de

comunicação de massa ou produzida pela mídia, uma vez que hoje estes são os tipos

de música conhecidas de toda a cletividade. Ela diz que “com a evolução dos meios de

comunicação, as crianças passam a ter muito cedo familiaridade com a música

popular”. Também entre os adolescentes, que devido às suas características de

desenvolvimento sócio-cognitivo, necessitam do apoio do grupo e para tal, de

identificação dos gostos, assuntos a serem conversados e até das músicas ouvidas, a

presença da mídia é bastante observada.

Com a evolução dos meios de comunicação, as crianças passam a ter muito


cedo familiaridade com a música popular.O termo popular pode se referir a
diferentes músicas em diferentes níveis de compreensão musical, mas aqui,
se refere àquela música que independente do nível econômico, de costumes e
de instrução dos ouvintes é consumida e, de certa forma, praticada por toda
a coletividade(1992, )... Música popular tem uma grande abrangência, mas,
sem dúvida, são os adolescentes seus grandes consumidores. Para Richard
Letts(Letts,1973m p.127), este fenômeno é resultante da sociedade
materialista, onde a juventude liga-se fortemente à música popular para
satisfazer uma necessidade comum psicológica do grupo, pressionada para a
satisfação(Souza, 1992, p.29 ).

Portanto, o que a televisão veicula, seja em termos de conteúdo ou música, é o

que a pessoa terá como parâmetro para a construção simbólica de sua cultura. O rádio

vem atrás, ora lançando cantores e músicas, ora apenas reafirmando o que a televisão

divulga em programas de calouros, musicais, novelas e filmes. Também a Internet, no

final do século XX, impôs sua presença na rotina do cidadão. Hoje a presença de
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softwares e arquivos sonoros na Web, tem proporcionado um outro tipo de consumo

musical, onde o internauta pode ter acesso a músicas em formatos próprios para serem

veiculados pelo meio on-line - modalidades questionáveis, devido à manipulação dos

arquivos de forma aleatória.


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3 –INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA EDUCAÇÃO E NO ENSINO DE MÚSICA

3.1- MUSICALIZAÇÃO FORMAL E EXPERIÊNCIAS NATURAIS

Todo processo ensino-aprendizagem – inclusive no ensino de Música -

pressupõe que se leve em conta a realidade na qual o aluno está inserido. As

experiências e vivências do aluno precisam ser levadas em consideração quando da

elaboração do planejamento das aulas. Tais experiências diretamente relacionadas com

músicas da Mídia que o alunado traz para a sala de aula, bem como sua expectativa

sobre o que é música, por diversas vezes gera um conflito entre o conhecimento

técnico e acadêmico que o professor de Música adquiriu, e que pretende ensinar no

processo de Musicalização, e a vivência musical amplamente influenciada pelo

repertório sonoro que o educando memorizou durante sua história de vida, que são as

músicas veiculadas pelo rádio, televisão e mais recentemente pela Internet.

Musicalização, segundo Maura Penna (1990), é um processo educacional

orientado que visa levar o aluno a participar da cultura socialmente produzida,

desenvolvendo sua percepção musical, expressão e pensamento - necessários à

decodificação da linguagem musical; é fornecer ao aluno os instrumentos necessários

para que seja capaz de apreciar, produzir e perceber a linguagem musical, fazendo

também sua interação com outras linguagens artísticas (cinema, dança, teatro, artes

plásticas). É também um fato histórico e social.

A compreensão da música, ou mesmo a sensibilidade a ela, tem por base um


padrão culturalmente compartilhado: um código para a organização dos
sons numa linguagem artística que, socialmente construído, é socialmente
apreendido – pela vivência, pelo contato cotidiano, pela familiarização –
embora também possa ser aprendido na escola. Com estas afirmações,
torna-se mais claro que o “ser sensível à música” não é uma questão mística
ou de empatia, não se refere a uma sensibilidade dada, por razões de
vontade individual ou de dom inato, mas sim a uma sensibilidade adquirida,
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construída num processo – muitas vezes não-consciente – em que as


potencialidades de cada indivíduo (sua capacidade de descriminação
auditiva, sua emotividade são trabalhadas e preparadas de modo a reagir ao
estímulo musical.(Penna, 1990, p.20)

Para esta autora, o processo de musicalização é feito não somente na escola -

processo formal de ensino, mas por outras formas de educação não-formal, desde o

berço, “inconscientemente”, segundo padrões estabelecidos culturalmente. Aqui, a

Mídia em geral, contribui imensamente para a aquisição de experiências de

musicalização não-formal, chamadas por Penna de experiências naturais. Ela disse que

“para alguém que nunca participou de algo que possa ser reconhecido como uma

atividade musical - ouvir rádio, dançar rock, batucar na mesa de um bar - como

digamos, uma forma natural de se musicalizar”.

É por isso que se considera a influência ‘natural’ dos Meios de Comunicação

de Massa no ensino de Música ou Educação Musical, em contraposição ao repertório

erudito, acadêmico, adquirido. Essa influência além de natural, é espontânea e lúdica.

Ela corresponde ao sentido de inspirar, fazer-se conhecido e executado, orientar o

gosto e a audição do alunado. Já a música erudita, elaborada, tende a ser rejeitada, por

ser incompreendida, por não ter seus símbolos sonoros apreendidos desde a infância.

Voltando ao que falou Maura Penna:

A música erudita, reconhecidamente de caráter extenso e elaborado – em


contraposição Às estruturas breves e vitais, por vezes esquemáticas, que
caracterizam diversas formas da música popular - exigindo para sua
percepção uma dose considerável de elementos mentais, configurou-se
historicamente como uma música de elite.(Penna, 1990, p.24)

De acordo com a professora, assim como a escola existe para legitimar a

sociedade, onde uma parcela privilegiada tem acesso à arte e à cultura, o Ensino de

Música atual, reproduz essa escola, sendo excludente e elitista.


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Reafirmando o conceito de Penna (1990), para a qual “a música é um fato

histórico e social”, sendo um código “socialmente construído” e “socialmente

apreendido –pela vivência, pelo contato cotidiano, pela familiarização - embora

também possa ser aprendido na escola”, a doutora Cássia Virgínia Coelho de Souza,

defende em sua dissertação, no capítulo “Aquisição do Repertório Musical”, que “em

qualquer cultura a criança tem contato com canções desde o berço. A partir deste

contato, ela terá meios de explorar seu potencial musical, desde que possua bom

funcionamento da audição”.

Por outro lado, para Souza (1992), possuir capacidade para a percepção de

música não garante que todas as habilidades musicais sejam desenvolvidas. É

necessário que o ouvido sensível seja explorado para que todas suas potencialidades

para apreender o significado musical sejam compreendidas, através do ensino

sistemático e do treino da audição.

Uma educação musical, numa abordagem cognitiva, tem como objetivo a


transformação da linguagem, a expansão dos limites musicais da criança.
Neste caso, existe um campo amplo de ação antes de se iniciar um processo
de especificação tal, que necessite de estruturas cognitivas mais complexas,
como é o caso da alfabetização musical... A autora (citando Beyer,
1988,p.126) ressalta também a necessidade de se elaborar um plano de
educação musical sistemático, com seqüência gradativa em complexidade
que na sua opinião é requisito imprescindível para a formulação de
aquisições(assimilação) e interações(acomodação) que pressupõem o
domínio(conhecimento) em música.(Souza, 1992, p.27)

Compartilhando a mesma opinião, Penna (1990) ensina que “o trabalho de

musicalização segue os mesmos princípios para qualquer faixa etária, embora, seja

preciso adaptar a linguagem, os estímulos motivacionais, o repertório”. Para ela, as

experiências socioculturais, a vivência e os interesses dos alunos precisam ser levados

em conta. Os conhecimentos prévios e a apreensão musical que vem do berço deverão


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nortear a ação pedagógica, no sentido de controlar, promover e agilizar o processo de

musicalização (Penna).

A musicalização dentro e fora da escola, é um processo bidirecional e


integrado entre o homem e a música... O homem recebe a música, se
alimenta, a absorve. Interioriza-a e a música absorvida se torna
diferenciada, é conscientizada e compreendida. O interiorizado se projeta,
consciente e inconscientemente, ao imitar e criar. ( Penna,1990, p.53)

O objetivo geral da Educação Artística, explicitado nos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN) do Ensino Fundamental (1997) bem como o objetivo da

Educação Musical é “ser um processo educativo e formativo mais amplo, aprimorando

e auxiliando o aluno em todas as outras áreas de formação, contribuindo para o seu

desenvolvimento enquanto indivíduo-cidadão”. É necessário que se leve em conta o

contexto no qual vive e as experiências anteriormente adquiridas. Outro aspecto que

escola não pode se omitir, e em face de proporcionar um ensino voltado às práticas

democráticas, e à necessidade de contextualização, e que diz respeito ao que preconiza

o PCN no Ensino de Artes é de que este é o caminho para uma educação criativa e

formadora e não apenas, informativa e de transferência de conhecimentos:

A música sempre esteve associada às tradições e às culturas de cada época.


Atualmente, o desenvolvimento tecnológico aplicado às comunicações vem
modificando consideravelmente as referências musicais das sociedades pela
possibilidade de uma escuta simultânea de toda produção mundial por meio
de discos, fitas, rádio, televisão, computador, jogos eletrônicos, cinema,
publicidade, etc. Qualquer proposta de ensino que considere essa
diversidade precisa abrir espaço para o aluno trazer música para a sala de
aula, acolhendo-a, contextualizando-a e oferecendo acesso a obras que
possam ser significativas para o seu desenvolvimento pessoal em atividades
de apreciação e produção. A diversidade permite ao aluno a construção de
hipóteses sobre o lugar de cada obra no patrimônio musical da humanidade,
aprimorando sua condição de avaliar a qualidade das próprias produções e
as dos outros.(PCN,p.75)

Num de seus estudos mais recentes intitulado “O Estatuto Pedagógico da

Mídia”, Rosa Maria Bueno Fischer (2005) destaca que os Meios de Comunicação
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fazem concorrência com a Escola, no sentido de “esvaziar a escola de sua função

histórica, como principal agência de disseminar informações e saberes”. Ela descreve

o quanto essa presença midiática afeta a sociedade e a formação do indivíduo e

conseqüentemente, a educação.

O consumo e a experiência cotidiana com programas de tevê, vídeos, jogos


eletrônicos, CD-Roms, transforma nossos modos de pensar e de aprender e
está diretamente relacionada com uma profunda crise em conceitos
tradicionais de arte, educação, aprendizagem, estética, já que se abalam
antigas certezas em todos os planos: epistemológico, filosófico,
político...Chamo a atenção para o fato de que essa presença da TV na vida
cotidiana tem importantes repercussões nas práticas escolares, na medida
em que crianças, jovens e adultos de todas as camadas sociais aprendem
modos de ser e estar no mundo também nesse espaço da cultura.
(Fischer,2005, p.18).

No citado trabalho, essa autora diz que ao lado de sua função objetiva de

informar e divertir, a mídia possui uma função implícita de formar os indivíduos. Ela

também cita Pierre Lévy que em seu livro “Tecnologias da Inteligência”, estudou as

dimensões técnicas e coletivas da produção de conhecimento, “enfatizando que nossos

modos de pensar, sentir e agir se propagam, são mediados, e o que é principal, são

profundamente transformados pelos meios de comunicação e informação de um

determinado momento histórico e cultural”.

Qual seria o papel do educador e da escola diante da mídia que é realmente

sedutora e persuasiva? Pedimos a pergunta emprestada à Maria Thereza Rocco, que a

fez referindo-se ao poder de sedução da tevê. E estendemos o questionamento ao

Ensino de Música nas escolas: Qual seria o papel do arte-educador frente à influência

determinante da produção musical veiculada pela mídia?


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Souza (1992) destaca a problemática lembrando que a música popular, que

para ela é a música dos meios de comunicação de massa, ainda é evitada pelo

professor, “mas constitui ao mesmo tempo o objeto de interesse dos alunos para o

conhecimento musical”. Esse distanciamento, ela afirma, somente serve para retardar

o processo de aquisição de conhecimento, gerar falta de interesse pela aula e evasão da

escola.

Para Estércio (1982) a resposta está em oferecer conteúdos significativos e que

desenvolvam a criatividade. Ele afirma que professores de matemática fazem os

alunos perceberem antes de analisar, mas que “raramente um professor estimula as

crianças a perceber o fenômeno som, ritmo e espaço, tão importante quanto o

fenômeno quantidade em suas vidas”.

3.2 - MEIOS DE COMUNICAÇÃO: INFLUÊNCIA NEM SEMPRE


POSITIVA NO ENSINO DE MÚSICA

As discussões sobre a necessidade do processo de musicalização do ser

humano, inerente à sua constituição cognitiva, e sua relação com a identificação grupal

- social e culturalmente constituída, bem como a inquestionável presença dos Meios de

Comunicação de Massa (MCM) ou a Mídia em nossa sociedade, são responsáveis não

apenas por influenciar também o repertório, mas sobretudo, por formar o ouvido

sensível do indivíduo desde a mais tenra idade. O que se observa é que nem sempre

essa influência é positiva, não gerando uma escuta crítica e reflexiva.

A qualidade do material sonoro veiculado pela mídia, bem como seu

empobrecimento em termos de poesia e componentes musicais tem preocupado os


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arte-educadores, frente ao desafio de acolher o repertório trazido pelo alunado e que

tem sido pautado pela música midiática. Estércio Marquez Cunha (1982), pontua que

“a musica, como toda obra de arte, tem uma função primaria, ainda que não única, de

desenvolver a capacidade de percepção dos indivíduos”, mas que hoje, essa nobre

função”tem sido amortecida por excesso de padrões similares de formas musicais,

banalizadas através da comercialização da rádio-difusão, do disco, etc, ou seja, a arte

musical está sofrendo a influência da mídia de maneira avassaladora.Ele diz:

Arte popular pode conter novidades. Entretanto, no século XX, o fenômeno


de comercialização e produção de massa tem degredado a produção e
apresentação de arte. O aparecimento contínuo e persistente de novas modas
contribui para solapar a real individualidade e o exercício da liberdade de
escolha. O fenômeno de banalização tem afetado a música de nossos dias...
(Cunha, 1982, p.155)

Este autor acrescenta ainda que hoje se ouve, o que não pressupõe escutar,

música em todos os lugares – a música ambiental, tal o efeito dessa banalização, dessa

comercialização sem escrúpulos. Porém, é raro que uma pessoa tenha um ouvido

sensível para verdadeiramente escutar aquela música, entender seus padrões e

significados. A música passou a ser um incidente na correria da vida moderna.

Música é hoje parte do nosso meio ambiente e as pessoas raramente


colocam real atenção neste fenômeno. Muitas vezes música tem sido
elemento de poluição sonora. Em certos concertos de rock ou em
‘discotecas’ a quantidade de sons amplificados atingem níveis perigosos à
audição humana. As pessoas raramente ocupam seu tempo apenas escutando
música. Tornou-se um hábito se escutar música enquanto se trabalha ou
enquanto se lê um livro: música de fundo. Normalmente este tipo de audição
é difusa. Cunha(1982, p. 158).

Outra questão que envolve a música da Indústria Cultural e que para o

professor Cunha, constitui uma das características desse tipo de música, é que a
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qualidade da produção em si precisa de outros artifícios para ser consumida. Ela já não

atrai o indivíduo - a música pela música.

Como todo produto da sociedade de consumo, a música comercial aparece


com envoltórios atraentes a fim de estimular as pessoas a comprar. Não
somente as capas de discos, mas também os arranjos musicais são
envoltórios atraentes. Em muitos casos o arranjo musical não é feito pelo
compositor, mas por outro músico. Os arranjos freqüentemente mascaram a
idéia original, a qual é transformada em produto fácil de se ouvir e bom de
se vender...Cunha (1982, p. 158).

Resumindo em três tópicos, chamados de “pecados cometidos pela indústria

cultural”, Freitag fala dessas características inerentes aos produtos produzidos pela

mídia:

a) ela avilta o produto cultural e artístico, dissolvendo-o em sua


especificidade e o transforma em bem de consumo de massa – com isso
rouba a dimensão crítica, ainda inerente ao produto cultural aurático; b) ela
cega e distrai o consumidor, para que não perceba as relações de fato em
que está inserido como vítima, transformando-o em consumidor acrítico e
inconsciente, fazendo dele um joguete nas mãos do sistema interessado na
reprodução ampliada; c) ela reorganiza -com auxílio de novas técnicas,
forças produtivas – o processo de produção e reprodução de cultura, que,
por ser um processo de produção capitalista, deixa de produzir ‘cultura’
para produzir ‘mercadoria’. (Freitag, 1989, p. 58).

Citando o ensaio “Sobre Música Popular” de Adorno, Bertoni (2001)

acrescenta que o teórico “considera que a Indústria Cultura prostitui os valores

estéticos da arte” por somente levar em conta o fato de seus produtos serem

‘mercadoria’ de consumo.

Ele destaca, também, que a música tornou-se um fundo convencionalmente


necessário e repetitivo. O público a escuta de forma infantil ou não a escuta.
Vemos que essa crítica é muito atual quando sintonizamos qualquer
emissora de rádio ou de televisão preocupadas, tão somente, com o sentido
mercadológico da arte musical. Os ritmos e as letras das músicas são
sempre idênticos, não acrescentando absolutamente nada à nossa formação
cultural e como pessoa. Esta mercantilização da música revela, também,
que muitos músicos são escravos das gravadores, até por questão de
sobrevivência... As implicações da chamada ‘música de mercado’
influenciam, tanto no aspecto cultural como no social, a formação das
26

crianças. De maneira especial, seduzem-nas pela sensualidade das danças e


das letras musicais, acarretando um desenvolvimento precoce de aspectos da
sexualidade que atropela, de alguma forma, seu desenvolvimento afetivo.
Isso sem falar em outros aspectos, pois o vocabulário pobre e equivocado de
muitas músicas acaba por interferir, também, em seu processo de
desenvolvimento cognitivo. No dizer de Adorno(1999), a música atual, ao
invés de entreter, parece contribuir ‘para o emudecimento dos homens, para
a morte da linguagem como expressão, para a incapacidade de
comunicação.(Bertoni, 2001, p.2)

Esse emudecimento aliado à falta de criatividade são algumas das

conseqüências negativas do processo de massificação dos conteúdos da Mídia.

Segundo Cunha (1982), a escola está sendo uma reprodutora e perpetuadora de um

sistema de produção voltado para o mercado que não leva em conta a diversidade, a

criatividade musical e cultural do país. “Grande quantidade de escolas de primeiro e

segundo grau oferecem aos alunos exatamente aquilo que eles escutam na televisão e

no rádio. Estas crianças recebem um material pronto e aprendem somente como

repetir, não como ser criativo”. Por outro lado, o professor afirma que “outras escolas

negam todas as manifestações populares e tentam forçar os alunos a escutar “musicas

clássicas”. É exatamente aqui que se instala o conflito que levantamos neste trabalho,

e que também é descrito por Cunha (1982) : “Se estes alunos não lidaram ainda com o

processo criativo a partir dos elementos som e movimento,se não foram educados para

uma atenção concentrada ao escutar músicas, elas dificilmente poderão se motivar a

uma real fruição musical. Isto é o mesmo que oferecer problemas de raiz quadrada a

crianças que ainda não conhecem as operações básicas de matemática”, descreve

Estércio (1982).

Outro pressuposto levantado pelo músico Leonardo de Sá (1991), que

determina a banalização citada por Cunha, a falta de criatividade da produção cultural

e da indústria cultural, é também inerente às características do meio propriamente


27

dito e às suas técnicas para atingir as massas. A música da Indústria Cultural e aqui

relembramos Adorno, precisa ser ‘formatada’ para o consumo em massa. Nivela-se

por baixo, para que a produção em série atinja o maior número de ouvintes. O músico

destaca a pré-auditibilidade, assim como os teóricos da comunicação, a

previsibilidade dos conteúdos veiculados por uma mídia.

Assim sendo, tanto no que se refere ao repertório, quanto ao que se


refere às características da sua percepção, encontramos nos meios
de comunicação esta tendência à pré-auditibilidade, esta tendência
a apresentar imagens acústicas que, a rigor, somam pouquíssimas
variantes, indo isto desde a tímbrica de seus eventos até a própria
morfologia musical veiculada. Passamos boa parte de nosso tempo
ouvindo cada vez menos num índice cada vez maior de repertório
difundido, quer dizer, cada vez mais vivenciamos menos
experiências reais e, sempre mais, recebemos produtos menos
diferenciados.. Leonardo de Sá, 1991, p.133).

O que se ressalta neste ponto é que para ser aceita pelo público consumidor, a

música midiática necessita de um ‘esquema’ técnico no qual a seqüência de acordes,

por exemplo, é previsível, a melodia precisa se adaptar a isso, o ritmo é padronizado:

se for sertanejo, há uma batida específica; se for axé, todas as músicas neste ritmo

seguem o padrão de percussão e até mesmo poético, desse tipo de música e assim por

diante - cada música tem seu padrão melódico adaptado, seu ritmo pré-concebido e

seus acordes determinados. Raramente se ouve um acorde dissonante e quando isso

acontece, nota-se sua repetição em outros padrões musicais. Até mesmo os

instrumentos são pré-estabelecidos – precisam hoje de tecnologia digital – porque uma

mesma música precisa ser veiculada em várias mídias diferentes, inclusive on-line. O

que foge desse ‘esquema’ - a conhecida música alternativa – não é veiculada pelos

meios de comunicação de massa. Isso contribui em grande parte, para o

empobrecimento cultural do brasileiro, que não conhece a riqueza musical de seu país

e não tem acesso às novas produções. Ele escuta sempre um mesmo tipo de música,
28

num mesmo padrão e com letras fáceis, que não aguçam sua criatividade nem o levam

ao questionamento e à reflexão.

Isso para Leonardo de Sá (1991) é reforçado pelo público, que já se acostumou

a receber acriticamente mensagens prontas, superficiais pois que é composto por

indivíduos “fragilizados”, que após um dia trabalho, chega em casa cansado, disposto

apenas a “relaxar ou esquecer”. A esse indivíduo “oferece-se com competência, um

repertório de redundâncias... para esse indivíduo qualquer proposta de esforço deve ser

evitada”.

...com as imagens acústicas que compõem este imaginário pré-delimitado, pré-


audível, e no qual a imaginação estanca desmotivada, posto que tudo lhe chega
“satisfatoriamente” pronto, realizado e preparado por outrem. A imaginação
submerge, também ela, no silêncio ...O fato de um número pequeno de pessoas ter
acesso aos meios avançados de expressão sonora, o fato de um número bem
restrito de pessoas ter condições de emitir num contexto de maiorias silenciosas, o
fato de poucas pessoas dominarem as técnicas de difusão e engendramento
musical, aliados, estes fatos, às circunstâncias da produção cultural brasileira, às
condições de acesso às tecnologias aplicadas à prática artística, fazem com que a
satisfação da audição se dê, sempre mais, apenas no nível da representação e não
no nível da realização enquanto direta... Cada vez mais silenciamos e assistimos.
Cada vez mais torna-se fugaz a percepção, posto que a expressão também assim
tornou-se. E mais e mais, atrofia-se o imaginário para ceder lugar a uma
passividade crônica, silenciosa, na qual a imaginação se ensurdece.(Leonardo de
Sá,1991,p.130-139).
29

4 - O CONFLITO NO DIA-A-DIA DO EDUCADOR MUSICAL A PARTIR DA


PESQUISA QUANTITATIVA

4.1- METODOLOGIA DA COLETA DE DADOS:

A pesquisa de campo a partir de entrevistas baseadas no método quantitativo,

foi realizada com os professores do Projeto “Música na Escola” da Secretaria da

Educação do Estado de Goiás. Este projeto abrange os “Projetos Coral, Banda Marcial

e Instrumentos”. Todos os entrevistados trabalham na rede pública de ensino e

responderam às perguntas com base em sua experiência no setor público. Eles

possuem Licenciatura em Educação Artística com Habilitação em Música.

O formulário foi elaborado com questões abertas, onde o professor tinha total

liberdade em expor o tipo de música que compõem seu repertório e plano de aula, bem

como o tipo de música que o alunado tem preferência, se a música erudita tem boa

aceitação ou se a música veiculada pela Mídia exerce influência sobre a escolha do

educador e a preferência do alunado.

No dia que colhemos as entrevistas contamos com uma grande maioria de

professores de Coral, regentes de banda e um professor de violão. Uma das

entrevistadas não faz parte do Projeto. É professora da Rede Municipal, mas trabalha

com música em sala de aula, durante as aulas de Educação Artística, visto ter

formação em Piano. Foi-lhes apresentado o formulário e explicado que seria utilizado

para exemplificar a prática do educador musical em uma monografia cujo tema

consistia na influência da Mídia sobre o ensino de Música em escolas públicas.


30

Dos entrevistados tivemos professores que trabalham, em sua maioria, em

duas e até três escolas. Foram somadas 2 (duas) escolas municipais e 32 (trinta e duas)

estaduais, sendo três conveniadas. A faixa etária dos alunos analisados foi bastante

heterogênea. Alguns educadores trabalham com alunos de Ensino Fundamental e

Médio, alguns, com alunos de todas as faixas etárias, até pessoas mais maduras

inclusive, do sistema EJA (Educação de Jovens e Adultos), mas a maioria trabalha

com alunos de 7 a 14 anos, aproximadamente. Toda a clientela de alunos é de classe

média-baixa, são alunos carentes, tanto no aspecto econômico como cultural. O

alunado dessa pesquisa é constituído de crianças e adolescentes provenientes de duas

escolas municipais e 30 estaduais, sendo que três, são conveniadas. Os bairros de

localização dessas escolas são 16 na região central tais como Centro, Vila Nova,

Jardim América, Setor Universitário, Setor Bueno e Campinas, e os outros 16 em

bairros periféricos.

4.2 – LEVANTAMENTO DOS PRINCIPAIS ESTILOS DE MÚSICA


TRABALHADOS EM SALA DE AULA E O NÍVEL DE ACEITAÇÃO DA
MÚSICA ERUDITA PELOS ALUNOS:

4.2.1- Como é o Repertório Escolhido pelo Professor

A primeira pergunta que fizemos foi quanto ao tipo de música que estes

professores costumam trabalhar em sala de aula.O interesse da pergunta partiu

da necessidade de se conhecer o repertório do professor e até que ponto ele

coincide ou não com as expectativas do alunado. As respostas a este

questionamento servem também para identificar se a Mídia exerceu algum tipo

de influência sobre o educador musical quando foi planejar a aula e os


31

conteúdos sonoros a serem trabalhados.O entrevistado pôde apontar mais de

um tipo de música, demonstrando assim a diversidade de estilos que o

professorado musical trabalha nos projetos já citados. De todas as respostas

computadas, 14 indicações foram para MPB- Música Popular Brasileira, 8

respostas apontaram o estilo folclórico e 2 regionais ou goianas, (que na

avaliação de músicos, podem ser consideradas folclóricas ou MPB). Seis

respostas referiram-se à música clássica ou erudita. Percebe-se que o professor

tem levado um material sonoro mais rico para a sala de aula, além de valorizar

a cultura nacional.

ESTILOS DE MÚSICA TRABALHADOS EM SALA DE AULA

POP 1
INTERNACIONAL 1
REGIONAIS 2
DINGLE 1
RAP 1
FOLCLÓRICAS 8
COMPOSIÇÕES PRÓPRIAS 1
VÁRIOS ESTILOS 2
ROMÂNTICA 1
ERUDITA OU CLÁSSICA 6
SERTANEJA 2
MPB 14
GOSPEL 4
32

Gráfico 1. Estilos de música trabalhados em Sala de Aula

4.2.2 – A Aceitação da Música Erudita como Conteúdo das Aulas de


Música

A segunda questão do formulário referia-se à aceitação por parte dos

alunos de um repertório erudito ou de música clássica, ao que 11 (onze)

professores responderam “não” e apenas 5 (cinco) disseram que “às vezes”-

dependendo da maneira como é apresentado. Nenhum dos entrevistados

respondeu “sim”. Este item é de fundamental importância para este trabalho,

pois evidencia a resistência do alunado a uma música mais elaborada

tecnicamente e que requer um ‘ouvido sensível’ apurado e noções básicas de

uma musicalização acadêmica.

Apesar dos educadores com sua formação acadêmica reconhecerem os

conteúdos sonoros da música erudita como os mais ricos para serem

trabalhados em sala de aula, em vista da resistência em cantar ou tocar tais

músicas, eles acabam por optar por outros estilos “mais acessíveis” ao alunado,

ou que o aluno já tenha alguma familiaridade. Olhando o primeiro gráfico,

constata-se que apenas seis dos 16 educadores entrevistados escolhem este tipo

de música como conteúdo de suas aulas. Esse professor tem usado a

criatividade para ‘conquistar’ o aluno para a aula de Educação Musical.

Segundo apontam as respostas dos questionários, quatro apresentam músicas

gospel – uma versão de música religiosa que por seu ecumenismo é entoada em
33

diversos grupos religiosos, e dois optaram pela música sertaneja, visto que a

cidade de Goiânia, pertencente ao Estado de Goiás, um estado de produção

econômica baseado na agropecuária, onde esse tipo de música é valorizado.

ACEITAÇÃO DO REPERTÓRIO
ERUDITO PELOS ALUNOS

15

10

0
SIM NÃO ÀS VEZES

Seqüência1 0 11 5

Gráfico 2 –Aceitação do Repertório Erudito pelos Alunos

4.2.3-Tipo de Música que o Alunado tem Preferência

A terceira questão foi bastante difícil de se chegar a um consenso. Qual

o tipo de música que seus alunos preferem? As respostas foram das mais

diversas. Segundo a leitura dos educadores que diariamente avaliam a

aceitação do repertório oferecido em sala de aula, os alunos preferem “rock”,

“rap”, “sertaneja”, “popular”, “gospel”, “comerciais” e “temas de novelas”. A

resposta mais interessante e que veio auxiliar em muito este trabalho, foi que

um grande número de professores respondeu “a música da mídia” ou “música

da moda”. Podemos considerar que a “música da moda” refere-se à “música da

mídia”, uma vez que a Mídia dita os significados do que está na moda, não só

em termos de vestuário, linguajar, mas também, em conteúdos musicais.


34

Os valores abaixo referem-se à quantidade das respostas quanto ao ipo

de música que o alunado tem demonstrado preferência nas aulas de música.

Como o formulário foi elaborado com questões abertas, cada entrevistado

apontou mais de uma resposta.

Do total dos tipos de música apresentados pelos educadores, 37,5% das

respostas, por exemplo, apontou o “rock” em primeiro lugar, como tipo de

música que seus alunos demonstram preferência. Empatando juntamente com o

“rock”, 37,5% das respostas demonstram na preferência do alunado pelo

“rapp”. Com 25% cada uma das respostas, a música sertaneja, a gospel e a

música de mídia disputam o segundo lugar na preferência dos alunos.

Porém, se levar em conta que esse alunado deve ter adquirido o gosto

musical pelo “rock” e “rapp” a partir do contato com produtos midiáticos,

CD’s, DVD’s, Internet, Rádio e Televisão, e que segundo Cássia Virginía de

Souza, a música popular refere-se à do conhecimento coletivo e portanto à

música midiática, podemos concluir que do total das opções das respostas, de

uma ou outra forma, a pesquisa aponta a música da mídia como a da

preferência dos alunos.


35

Estilos de Música da Preferência dos Alunos

POP 1
M ÚSIC A DA M ODA 2
REA GEE 1
M ÚSIC AS DANÇANTES 2
A XÉ 1
HIP HOP 1
FORR Ó 1
FUNK 1
PÓPULA R 4
SA M B A 1
GOLPEL 2
SERTANEJ A 4
R APP 6
TEM AS DE NOVELA 1
R OUGE 1
ROC K 6
C OM ERC IAIS 1
M ÚSIC A DA M Í DIA 4

Gráfico 3 . Estilos de Música da Preferência dos Alunos

4.2.4 – A Mídia Tem Influência no Gosto Musical do Aluno?

Uma unanimidade se verificou em relação à pergunta sobre a influência

que a mídia tem no gosto musical dos alunos. Dos 16 (dezesseis) entrevistados,

15 (quinze) professores responderam “sim” - a mídia influencia e muito no

gosto do alunado e apenas 1 (um) respondeu “às vezes”. Nenhum entrevistado

respondeu “não”, comprovando que, na prática desses professores de escolas

públicas de Goiânia, a música veiculada pelos Meios de Comunicação de

Massa, influencia no ensino de Música ou na Musicalização dos alunos.


36

INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO GOSTO DOS ALUNOS

15

10

0
SIM NÃO ÀS VEZES
Seqüência1 15 0 1

Gráfico 5 –Influência da Mídia no Gosto dos Alunos

4.2.5 – Algumas Considerações:

A maioria dos educadores respondeu que, embora com dificuldades,

consegue trabalhar um repertório bom, adaptando as músicas “dos alunos” com

as músicas de boa qualidade que pretendem trabalhar, fazendo paródias,

improvisações, etc. O professor de violão disse que sempre tem que partir do

repertório que os alunos conhecem para conseguir atingir seus objetivos. Um

professor de Coral disse que a influência é tão grande que ele tem dificuldades

de até mesmo instruir os alunos na teoria musical. Outro professor de Banda

colocou a questão da resistência por parte dos alunos em conhecer a “boa

música”.

A pesquisa de campo foi de alta significância para este trabalho. É o

professor, em seu dia-a-dia, em sua prática e rotina, que pode identificar a

veracidade do problema e do conflito levantado, que é o da influência da Mídia

na Educação Musical nas escolas públicas de Goiânia.


37

A despeito de poucos recursos materiais, falta de espaço físico,

indisciplina, resistência ao estudo de Música - preferindo aulas de Artes

Plásticas ou Teatro, dez dos dezesseis entrevistados alegaram e de espaço

adequado, eles têm desenvolvido um excelente trabalho, reconhecido não só

pela direção das escolas em que atuam, como pela comunidade em que tais

estabelecimentos de ensino estão localizados.


38

5- A MÍDIA PODE SER UMA ALIADA NO ENSINO DE MÚSICA?


ALGUMAS SOLUÇÕES

Uma vez que hoje, de acordo com os aspectos de nossa sociedade contemporânea

midiática, a influência dos conteúdos e mensagens veiculados pelos meios de comunicação,

bem como da produção musical, são inevitáveis, pode a escola, em sua função de

contextualizar os conteúdos a serem trabalhados, se aliar à Mídia? Dos nossos professores

musicistas entrevistados, grande parte acredita que este caminho deve ser buscado, para que o

conflito em sala de aula seja, se não resolvido, pelo menos, minimizado, visando a

prevalência de um consenso, fruto de uma educação democrática.

Algumas maneiras de utilização da mídia no ensino de música segundo os nossos

entrevistados é incorpora-la como conteúdo musical nos planos de aula. O professor Fábio

Amaral da Silva Sá (vide entrevistas em anexo) fala que “quem decide o gosto musical da

maior parte da população é a mídia; sendo assim, em sala de aula, tenho que partir do

repertório que eles conhecem para alcançar os objetivos propostos”. A educadora musical

Viviane Cristina Drogomirecki fala em seu depoimento que os alunos “adoram músicas

atuais, ou seja, as que estão na mídia.Apesar disso tudo, é interessante ser feito uma troca com

eles: ofereço a minha e eles aceitam uma por exemplo do Roberto Carlos”. Já. Laudmar

Modesto da Slva afirma que está tentando adaptar seus gostos e aproveitar o gosto dos alunos,

quando perguntada se a música da Mídia influencia seu trabalho. A musicista Luciana Moura

Bezerra conta que apesar dos alunos preferiram as músicas que estão na moda, “busco não

criticar negativamente a música que gostam, procuro levar para as aulas, músicas de

compositores e interpretes do conhecimento de todos”.


39

Para a jornalista e Mestra em Educação, Maria Thereza Rocco (2004), não só a música

de mídia, mas diversos conteúdos veiculados nesses veículos de comunicação, podem ser

aliados para o Ensino. Ela defende que por possuírem funções tão diferentes, a influência de

uma, não anula a atuação da outra. “TV e escola configuram-se como realidades diferentes,

entretanto nada impede que a escola lance mão da TV e que esta, por seu turno, se proponha a

auxiliar o trabalho pedagógico”. Ela afirma ainda que:

Se a escola culpa a TV por ela ser tão sedutora e atraente, por que razão essa
mesma escola não procura mostrar-se menos sisuda e mais instigante? A escola,
muitas e muitas vezes, trabalha sobre conteúdos insípidos, inodoros e que são,
freqüentemente, desnecessários. Lazer, prazer e diversão, parece-nos, surgem
como vocábulos e realidades totalmente incompatíveis com o que se faz na escola.
Impõe-se, quase sempre, de fora e de cima, a necessidade de se manter um tom
pesado e taciturno quando se trata do ensino formal(Rocco, 2004, p.58)

Rocco (2004) também oferece algumas sugestões de como a escola pode se apropriar

de conteúdos e mensagens da Mídia para tornar as aulas mais interessantes para o aluno,

fazendo com que o ensino aconteça de modo mais satisfatório.

A escola de 1º e 2º graus não pode mais continuar ignorando a força da


televisão.É preciso, antes de tudo, analisar o veículo e o tipo de poder que ele
exerce, bem como suas fragilidades que são inúmeras. E uma das maneiras mais
eficientes para se chegar a bom termo em semelhante empreitada reside em um
trabalho intenso sobre o verbal da TV, o qual, de certo modo, sustenta a própria
imagem que define o meio... A escola de 1º e 2º grau precisa e deve interagir de
movo interdisciplinar com a TV. Assim, o professor de Artes, o de Historio, o de
Geografia e o de Ciências, juntamente com os das demais disciplinas, podem
analisar com muita pertinência o caráter científico que freqüentemente é impresso
a certas reportagens veiculadas. E assim a escola poderá aproveitar e ampliar o
alcance dos bons trabalhos veiculados pela TV e também desmontar outros tantos,
denunciando engodos e sensacionalismos que por vezes caracterizam certas
produções, comprometendo, por exemplo, a integridade do fato científico.(Rocco,
2004, p.61).

A resposta de Rocco é que “em vez de ataques gratuitos, os professores e a escola,

deveriam questionar o veículo, servindo-se para tanto de critérios... assim é preciso indagar

sobre a natureza da tevê, sua finalidade, suas responsabilidades, seus deveres e seu alcance”.
40

Com serenidade e isentos de preconceitos, iremos perceber que a TV, mesmo não
sendo instrutiva em alguns momentos, pode também revelar-se grande aliada da
escola, desde que saibamos enxergá-la em suas dimensões próprias e desde que
ajudemos nossos alunos a se tornarem sujeitos agentes e criticamente responsáveis
pela construção de seu próprio processo de recepção.(Rocco, 2004, p.62)
.

Outras sugestões são apontadas pelo Doutor em Ciências da Comunicação, José

Manuel Moran (2004), para o qual já está na hora da escola repensar sua relação com a Mídia

– ou seja, deixar de ignorá-la ou tratá-la como inimiga, pois os Meios de Comunicação não só

“refletem, recriam e difundem o que torna importante socialmente”, mas também

“desempenham um importante papel educativo, transformando-se na prática, numa ‘segunda

escola’, paralela à convencional... são professores eficientes de educação informal”. Ele

também sugere algumas práticas que poderão enriquecer a relação Mídia X Escola.

Os Meios de Comunicação – o jornal, o rádio, a televisão, o cinema – podem ser


utilizados como ponto de partida de um novo assunto, como pesquisa prévia para
debates, como motivação, como estímulo... podem ser utilizados também como
conteúdo de ensino, como informação, como forma de passar conteúdos
organizados, claros e seqüenciais, principalmente o vídeo instrucional, educativo...
eles não eliminam o papel do professor, ao contrário, ajudam-no a desenvolver sua
tarefa principal, que é a de obter uma visão de conjunto, educar para uma visão
mais crítica... A escola precisa exercitar as novas linguagens, que sensibilizam e
motivam os aluno”. (Moran, 2004,p.22).

Moran (2004), que além de professor na ECA/USP- Escola de Comunicação e Artes

da Universidade de São Paulo, leciona no Instituto Metodista e Colégio Santa Cruz, naquela

capital, vai um pouco além. Ele propõe que a Mídia seja estudada como Disciplina específica,

assim como tem acontecido na 8ª Série do Colégio Santa Cruz. “O processo ideal consiste em

ter uma política ampla e efetiva de colocar a questão da comunicação como algo importante

dentro da escola”, diz Moran. Ele acrescenta também que:

A melhor maneira de desenvolver esta prática é utilizando os Meios de


Comunicação para dinamizar as aulas, educando os alunos para uma
compreensão mais ampla dos Meios e da Comunicação, ajudando-os a integrar as
linguagens convencionais e audiovisuais. Não se pretende transformar a educação
para a comunicação na questão central, mas tirá-la da condição marginal em que
se encontra. (Moran, 2004, p.25).
41

Com o mesmo objetivo dos autores citados acima, Fisher (2001) e Décio Pignatari

(1991) se juntam a Moran (2004) para esclarecer a função socializadora, de educação não-

formal e da Mídia. Pignatari fala que “esses meios não são todo negativos”, e cita exemplo:

No Brasil, somente uns poucos estudantes de letras leram,de verdade,“Grande


Sertão Veredas”.Transformado em minissérie televisual, um número muito maior
de gente dirigiu-se ao romance. A tradução de um sistema de signos para o mesmo
sistema ou para um sistema sígnico diverso é sempre interessante: há um
perde/ganha de significados e valores que sempre enriquece a cultura do
pensamento e do sentimento. Num caso como este, o repertório literário é
reduzido, mas o televisual é aumentado. Quando se tem consciência dos limites de
um signo, limítrofes de outro sistema, tem-se consciência da liberdade.(Pignatari,
1991,p.145).

Já, Fischer (2001) adiciona outro exemplo, este agora diretamente relacionado com a

veiculação de conteúdos musicais, que podem ser enriquecedores e a nosso ver, seriam um

excelente material a ser trabalhado com alunos da 2ª Fase do Ensino Fundamental e Médio.

O especial sobre Chico Buarque de Holanda, veiculado pelo canal Multishow, no


ano de 2000, pode ser trazido aqui como exemplo de documentário que sobressai
por não repetir conhecidas fórmulas de programas sobre figuras importantes,
como a deste que é um dos maiores compositores, poetas e músicos deste País. A
narrativa se fez a partir da poesia e da música do autor, e as falas, dele e de outras
pessoas (como Maria Bethânia e Oscar Niemeyer) , percebe-se que se encadeiam
às imagens e aos trechos de composições, sem que se esteja defendendo uma tese
sobre Chico, sem que se caia no sentimentalismo de que nos fala Betriz Sarlo, nem
na busca de curiosidades da vida privada. Não é a história de sua vida, não é a
invasão de temas como separação do cantor e da atriz Marieta Severo, não é o
relato de suas fases como compositor: é o documento de uma rica expressão
poética, em que sobressai justamente uma linguagem pouco comum na televisão, a
da própria poesia, neste caso, tornada poesia televisiva.. O documentário prova
que as possibilidades de realização em TV são muitas e podem atingir níveis muito
altos, em termos de criação estética e de tratamento. (Fischer. 2001, p.105).

Fischer (2001) ainda enumera as várias formas dos professores estarem lidando com

os conteúdos da Mídia, em especial da televisão, sem se esqueceram de fazer “ levantamentos

entre os alunos e alunas, sobre suas preferências e gostos em relação a esses produtos da

mídia”.
42

Espera-se que os professores empenhados em operar com as imagens da TV no


cotidiano da escola se ocupem também em selecionar vídeos, filmes de animação,
programas de televisão, conforme determinados objetivos, relacionados ou à
construção propriamente da linguagem audiovisual, ou ao debate em torno de
certos temas de interesse educacional, ou ainda ao aprendizado da fruição de
imagens, textos e sons – que se dará especialmente pela exibição de materiais
selecionados com o devido cuidado. (Fischer, 2001, p.106).

Por outro lado, Freitag (1989) alerta que não só a escola, mas também a Mídia

necessita se preocupar com as mensagens e conteúdos veiculados. “Comprometendo-se a

indústria cultural com a qualidade do produto que lança, ela será agente poderoso da definição

dos novos padrões, do novo caráter da obra cultural, do trabalho educacional”. Esta autora

afirma que assim, os Meios de Comunicação serão mais que “agentes de modificações

profundas na sociedade, como um instrumento de auto-reflexão e redefinição de sua atuação e

de seus objetivos na moderna sociedade”.

A indústria cultural pode seduzir e perverter as massas, mas também pode


definitivamente contribuir para superar a sua ignorância, ajudando-as a liberar-se
de seus opressores internos e externos... acredito que o novo programa para uma
política educacional justa e democrática somente poderá ‘vingar’ com essa
conjugação feliz de uma boa educação humanística, ministrada por professores
qualificados, e uma indústria cultural moderna e crítica que forneça alta cultura
para todos. Somente assim seria possível evitar a perigosa conjunção de uma
indústria cultural voltada para a venda de uma mercadoria de baixa qualidade,
com uma educação deteriorada para a semi-educação e a ignorância...Os meios
técnicos de que dispõe – como, por exemplo, a edição de milhares e milhares de
exemplares de livros didáticos, as edições da mais elevada literatura mundial, o
recurso ao cinema e vídeo, a emissão de programas de alto padrão(como por
exemplo, uma filmagem belíssima de “Morte e Vida Severina , de João Cabral de
Mello Neto, realizada pela TV Globo) – seriam contribuições inestimáveis que a
indústria cultural poderia dar para relacionar-se positivamente com a proposta da
democratização do saber. (Freitag, 1989, p.85).

Além de oferecer uma programação recheada de conteúdos musicais, uma Mídia que

pode alcançar um maior número de população é o rádio, podendo ser, inclusive, um grande

aliado no processo de Educação como um todo e não somente no de Musicalização natural ou

informal. Inclusive, para Cristina Costa (2002), o Rádio tem uma função educativa não-

formal de grande projeção para a ampliação do conhecimento numa sociedade que ainda
43

possui grande número de analfabetos. Ela fala que “a possibilidade de entrar nas residências;

estabelecer uma grade horária, criar uma relação diária e próxima com o ouvinte e ser

aparentemente gratuito, tinha também a vantagem, de atingir indistintamente alfabetizados e

analfabetos”.
44

6 – CONCLUSÃO:

A partir da pesquisa de campo realizada para este trabalho, podemos concluir que a

Mídia está influenciando o ensino de Música nas escolas públicas de Goiânia. Se não está

determinando todo o conteúdo musical apresentado pelos professores a seus alunos, pelo

menos contribui para que no material sonoro sejam incorporados os produtos musicais da

Mídia. Dos 16,apenas um professor respondeu às vezes, do que também se conclui que suas

aulas sofrem igualmente algum tipo de influência. Outros responderam “sim”, e

acrescentaram o superlativo “e muito”, para expressar o grau desse influência.

Podemos perceber que as músicas veiculadas em rádio, televisão e internet são as que

os alunos preferem e gostariam que fossem tocadas nas bandas ou cantadas nos corais dos

quais participam. Por outro lado, os professores de Música, Canto-Coral e Banda Marcial,

colocam-se como que abrindo ‘exceções’ para esse repertório, a fim de ganhar a presença e a

adesão do alunado ao Projeto, uma vez que a presença do aluno é opcional e as aulas são

ministradas em horários do turno diferente daquele em que o aluno estuda.

Para frear a evasão dos alunos, muitos docentes de Música, incorporam os conteúdos

veiculados pela Mídia em seu repertório. Uma professora, inclusive, cita que música clássica

somente tem aceitação se for aquelas que são temas de novelas, lembrando o que falou Freitag

(1989), de que os Meios de Comunicação podem contribuir para tornar a cultura de elite

acessível a um público bem maior.

Compartilhamos da visão otimista defendida por Moran, Rocco e Bertoni, uma vez

que a influência da Mídia é “natural e espontânea”, pois esse alunado nasceu inserido em uma
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cultural midiática , onde seus valores e significações foram formados através do consumo de

produtos da Indústria Cultural, desde a mais tenra idade. Não se pode fugir à essa realidade,

pois é inerente à própria formação sócio-cultural do alunado. A educação, para lembrar Paulo

Freire necessita considerar os elementos contextuais do indivíduo. “O diálogo, em Freire, não

dicotomiza homens e mundo, mas os vê em contínua interação. Como seres inacabados, os

homens se fazem e refazem na interação com mundo, objeto de sua práxis transformadora.

(Boufleuer, 1991) A prática pedagógica passa a ser uma ação política de troca de concretudes

e de transformação”, lembra-nos a professora Arlete Vieira da Silva.

Sendo inevitável esse poder de formar o sujeito, não há como educar e musicalizar o

indivíduo ignorando o conteúdo sonoro midiático. Faz-se, contudo necessário, que a

incorporação dos conteúdos musicais da Mídia seja feita de maneira crítica por parte do

educador musical. O professor deve propiciar espaços de reflexão a seus alunos para que essa

apropriação de material midiático se dê de forma a ampliar a vivência musical e a

aprendizagem de elementos e técnicas que os meios de comunicação, por suas características

próprias de veiculação, não levou em conta ou precisou anular.

Musicalizar em uma sociedade midiática não é apenas criticar a qualidade do material

sonoro da Indústria Cultural, mas sobretudo, e a partir desse material, desenvolver o ouvido

sensível, auxiliar na decodificação da linguagem musical e capacitar o aluno para uma

reflexão ética, crítica e estética.


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ANEXOS:

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