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ISSN 2175-8204
CDD 121
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Apresentação
No contexto brasileiro, diversas pesquisas têm sido realizadas tendo como referência o sistema e
as descobertas de Jean Piaget e, os resultados dessas pesquisas têm influenciado fortemente nossas vidas
em seus diferentes âmbitos: acadêmicos, político-educacionais (e.g., Parâmetros Curriculares Nacionais)
e culturais em geral.
Muitos grupos de pesquisa nas universidades do país têm tido como eixo de referência as
Psicologia e a Epistemologia Genéticas, fundadas por Jean Piaget, e o volume de pesquisas realizadas por
esses grupos, bem como a sólida formação que oferecem, evidenciam a maturidade da academia brasileira
nessa área.
Comissão Organizadora
Palavras-Chaves
Epistemologia Genética; Psicologia Genética; Aprendizagem; Jean Piaget
Público Alvo
• Pesquisadores e estudiosos interessados na obra de Jean Piaget.
• Estudantes de graduação, pós-graduação e profissionais ligados aos cursos de Psicologia,
Filosofia, Educação e áreas afins.
Atividades Previstas
• Conferência de abertura
• Mesas redondas
• Relatos de Pesquisa
• Minicursos
2. Conhecimento Matemático.................................................................................................................62
3. Conhecimento Social.........................................................................................................................103
4. Conhecimento Escolar.......................................................................................................................226
5. Aprendizagem...................................................................................................................................242
6. Linguagem e Pensamento..................................................................................................................330
7. Moralidade........................................................................................................................................366
8. Afetividade........................................................................................................................................513
9. Jogos e Brincadeiras..........................................................................................................................525
Abstract
This paper focuses the epistemological model and structures of the relationship between
information and knowledge. This relationship, as a research object, is included in a broad research that
was done as a core of a doctoral thesis in Information Science, entitled Epistemology of geoinformation:
an analysis historical-critical. In this context, it was necessary a search for theoretical frames that came
from a broad scientific epistemology, able to model not just a specific epistemology for a specific kind of
science field, but large interdisciplinary fields of research. In this circumstances, the basic analysis choice
the Genetic Epistemology as a reference to infrastructure all the investigations and impose as essential to
establish an epistemological model of the relationship between knowledge and information, in light of the
importance that this relationship has to the research in the epistemology of geoinformation. The work
showed here keep an eye on the aspects of Genetic Epistemology that make possible to built a referential
model for the information-knowledge relationship, as well as show the model of that relationship that
emerge from this investigation. The expectative of this research is that the epistemological modeling of
the information-knowledge relationship will just make viable a better comprehension of its essential
nature, which is very important to the epistemological studies in Information Science.
Referencial teórico
Neste ponto inicial, parece importante estabelecer algumas premissas que parametrizam a questão
que Le Moigne chamou de metodológicas, em epistemologia. Neste sentido, a complexificação da vida e
do conhecimento, da forma como o homem se relaciona com o meio, como ele cria próteses para apoio à
cognição, sinalizam uma imbricação entre as estruturas do sujeito e do objeto, que dão muito sentido à
consideração, como modelo desta relação cognoscitiva, das perspectivas trazidas à luz pelo
Construtivismo, que, reconhecendo a importância das estruturas de ambos os pólos, questiona a
sobrevalorização de uma ou de outra estrutura. Com efeito, “a restauração por J. Piaget das
epistemologias construtivistas, que ele formulava [...] sobre um suporte construído em 1934 por G.
Bachelard” (LE MOIGNE, [1999?], p. 72), transcende a limitação ou a inadequação do idealismo e do
empirismo à compreensão epistemológica da complexidade, propondo “um quadro de validação sólido e
argumentado” (LE MOIGNE, [1999?], p. 72), que privilegia “a interação do sujeito observador e do
objeto observado mais do que a sua absoluta separação, considerando o conhecimento mais um projeto
construído do que um objeto dado.” (LE MOIGNE, [1999?], p. 72).
Objetivos
Metodologia
Nos termos de uma epistemologia de referência que permitisse uma fundamentada reflexão acerca
Desenvolvimento
Importante se torna ter presente que, para a Epistemologia Genética, o conhecimento não é estado,
mas sim processo. “Conhecer consiste em construir ou reconstruir o objeto do conhecimento de modo a
apreender o mecanismo desta construção [...] conhecer é produzir um pensamento, de modo a reconstituir
o ‘modo de produção dos fenômenos’.” (PIAGET apud BATTRO, 1978, p.114). A questão que se coloca
então é: onde pode o sujeito reconstruir, cognitivamente, o modo de produção dos fenômenos? Neste
modo de produção do pensamento, de construção e reconstrução, não seriam necessárias simbolizações e
atribuições de significados que permitissem a elaboração de sínteses ou de representações repletas de
significantes? Neste nível representacional da cognição, onde o sujeito reconstrói cognitivamente seu
objeto de conhecimento, a função simbólica e a representação tornam “possíveis a constituição de outras
estruturas figurativas tais como as imagens e as representações imaginadas.” (PIAGET apud BATTRO,
1978, p.131).
Este nível representacional simbólico e imagético parece ser o nível da cognição em que as
informações afluentes ao sujeito são postas em relação com o seu estado de conhecimento prévio. Isto,
contudo, obriga a trazer para esta análise uma questão ainda não devidamente incorporada: a da
assimilação das informações em termos da representação simbólica. Como se dá esta assimilação? Trata-
se de uma assimilação seletiva, cognitivamente ativa, que atribui valor simbólico à informação quando de
sua assimilação, ou se trata de uma assimilação acrítica, que traz a informação em termos da
representação simbólica para que, apenas neste, haja a sua adequada qualificação?
Para uma mais precisa descrição modeladora deste processo de assimilação parece importante ter
presente o entendimento de que o pensamento opera símbolos e não signos. Ele opera simbolicamente e
não linguisticamente, ou seja, ele opera sobre o simbolismo que constrói a partir das informações que
recebe, interpreta e às quais atribui valor simbólico. Ele opera sobre os símbolos que constrói a partir dos
signos das informações que assimila. Esta modelagem da assimilação e da sua relação com a formação da
representação simbólica resulta do entendimento de que as operações simbólicas e conceituais implicam a
elaboração de representações, exatamente para que essas operações tenham um continente sobre o qual
operar. Com efeito, a razão provável para a relevância sempre crescente dos processos informacionais,
para o homem, desde os primórdios da formação das civilizações, prende-se ao fato de que, para ele, a
simples ação e interação no mundo exterior não se faziam suficientes à formação segura da representação
Com efeito, em se tratando do sistema cognitivo como um todo, poderia se observar que a
interação do sujeito com seus objetos de conhecimento dar-se-ia segundo a seguinte conduta genérica e
simplificada: o sujeito epistêmico possui uma determinada modelagem de conhecimento sobre algum
objeto, que constitui como representação no plano da inteligência simbólico-imagética. Esta modelagem,
esquematizada lógica e conceitualmente através das operações da inteligência formal-conceitual superior,
elabora esquematizações do objeto de conhecimento, que ela representa e opera ao nível da inteligência
simbólico-imagética, preenchendo as representações formais-conceituais puras com o conteúdo imagético
e/ou simbólico que caracteriza a inteligência representacional. No âmbito desta operação relativamente
equilibrada de uma representação interior suportada por uma estrutura conceitual bem acabada, num
determinado momento, e por razões diversas, podem surgir demandas pela assimilação de novos
elementos exteriores (informações, por exemplo), a ponto de, após a assimilação dos elementos à
inteligência representativa, se produzir um desequilíbrio no esquema representacional.
Em cada uma destas três condutas, este processo de desequilíbrio circunstancial ensejaria uma
ação do sistema cognitivo na busca de um novo equilíbrio, num movimento de tentativa de
reequilibração, que essencialmente parte em busca do restabelecimento da coerência interior da cognição,
Para tentar estabelecer mais amiúde o papel de cada uma das três condutas cognitivas desta
modelagem construtivista que aqui se desenha, parece mais adequado que se inicie pela caracterização da
inteligência perceptiva e de sua relação próxima com a inteligência representacional simbólico-imagética,
lócus da formação das imagens mentais. Parece haver uma atividade de cognição que opera a percepção e
a integração daquilo que é percebido ou assimilado, no nível da inteligência representacional simbólico-
imagética. Montoya (2005, p. 39) destaca que “a imagem mental não é o prolongamento da percepção
como tal, mas da atividade perceptiva, a qual é uma forma elementar de inteligência.”
Com efeito, o teatro de operações efetivo da cognição não é o real em seu sentido absoluto, nem
Com efeito, e consoante um esforço de síntese do que foi até aqui apresentado, parece importante
relembrar que a modelagem do conhecer que aqui se tenta estabelecer, à luz da Epistemologia Genética,
com o objetivo de compreender a relação informação-conhecimento, fundamenta-se nos quatorze pontos
expostos a seguir:
I – A inteligência representacional comporta três grandes níveis, três grandes lócus de processos
cognitivos: a inteligência perceptiva, a inteligência simbólico-imagética e a inteligência formal-
conceitual. Neste contexto, “a inteligência (adaptação) é, assim, um termo genérico que designa as formas
superiores de organização ou de equilíbrio das estruturações cognitivas;” (PIAGET apud BATTRO, 1978,
p. 138).
II – Em cada um dos três grandes lócus ocorre um ciclo epistêmico que comporta assimilações e
acomodações, sendo estas últimas ensejadas pelas desequilibrações, que por sua vez ensejam regulações e
reequilibrações majorantes;
III – A ação inteligente, assim como a operação cognitiva, contempla uma teleonomia. Os meios
da ação inteligente do sujeito em relação ao objeto devem adaptar-se às duas primeiras espécies de
equilibração (inteligência perceptiva e representação simbólico-imagética), enquanto que os objetivos
novos da ação devem fluir das duas últimas (representação formal-conceitual e representação simbólico-
imagética) (PIAGET, 1976, p. 43);
VII – As regulações ilustram como se efetua a equilibração sob suas três formas de equilíbrio,
entre o sujeito e os objetos, no nível da inteligência perceptiva, entre os esquemas e os subsistemas de
mesmo grau hierárquico, ao nível da inteligência simbólico-imagética, e entre sua diferenciação e
integração em totalidades superiores, no nível superior da inteligência formal-conceitual (PIAGET, 1976,
p. 34);
VIII – Como observa Piaget, “a equilibração cognitiva não marca jamais um ponto de parada,
senão a título provisório.” (1976, p. 34). Os equilíbrios circunstanciais são sempre ultrapassados porque
“todo conhecimento consiste em levantar novos problemas à medida que resolve os precedentes.”
(PIAGET, 1976, p. 34);
XI – O nível integrador das informações aos esquemas, e, portanto, o nível mais importante à
compreensão da relação entre informação e conhecimento, é o nível da representação simbólico-
imagética, onde ocorrem os principais processos de assimilação de informação aos esquemas e de
integração da informação às estruturas de conhecimento prévias do sujeito;
XII – A inteligência perceptiva comporta uma ação inteligente e crítica do sujeito, que não lança
ao plano da representação simbólico-imagética tudo aquilo que sensorialmente recebe, mas que antes
qualifica e atribui valor simbólico àquilo que assimila e incorpora à cognição dos níveis mais elevados
(representações simbólico-imagéticas e formal-conceituais);
XIII – A chamada função semiótica (linguagem, jogo simbólico, imagens etc.) é central à
Conclusões
A partir desta síntese em quatorze pontos, parece sensato considerar que o lócus da integração das
informações assimiladas à cognição do sujeito ocorre ao nível da representação simbólico-imagética,
consoante as condutas inteligentes aqui descritas. Primeiramente, age a inteligência perceptiva, que
efetivamente comanda a ação do sujeito no uso e na interpretação preliminar e seletiva da informação. É
fundamentalmente esta conduta inteligente que interage com a informação e a coloca em confrontação
com os esquemas da representação simbólico-imagética. Neste nível, no qual ele representa seus
esquemas acerca do objeto do conhecimento, ao assimilar a informação ele passa a operá-la numa
tentativa de articulação entre ela e seus esquemas. Estes esquemas contemplam não apenas uma
estruturação, estabelecida em consonância com o quadro de referências que se encontra representado no
nível superior formal-conceitual, como também comportam conteúdos circunstanciais que revestem estas
estruturas/esquemas, como é característico das representações simbólicas e imagéticas.
A descrição, a despeito de assim apresentada, ou seja, de forma fragmentada, não deve deixar
dúvidas quanto à simultaneidade ou não de certas condutas do pensamento. A descrição precisa se fazer
compartimentada, mas as operações, por certo são simultâneas. Enquanto opera sobre o teatro de
operações da representação simbólico-imagética, colocando em jogo a equilibração de conhecimentos
antes existente com a nova realidade decorrente da incorporação da informação, num processo de
regulação em tudo equivalente ao descrito por Piaget, por certo que o sujeito se referencia, com
frequência, à matriz estrutural que se encontra ao nível da representação formal-conceitual. Certamente há
condutas do pensamento que são muito interiores, muito endógenas, deixando o sujeito imerso em sua
atenção aos ciclos epistêmicos interiores (da representação simbólico-imagética e da representação
formal-conceitual), assim como há momentos em que, em face de desequilíbrios internos à equilibração
simbólico-imagética, o sujeito se volta ao exterior, ao mundo exterior, para, novamente conduzido pela
inteligência perceptiva, buscar novas informações ou dados sensíveis capazes de enriquecer seus ciclos
epistêmicos interiores. A informação cumpriria, assim, o papel de ser um dos elos de integração
Referências
BATTRO, Antonio M. Dicionário terminológico de Jean Piaget. São Paulo: Livraria Pioneira Editora,
1978.
MONTOYA, Adrián Oscar Dongo. Piaget: imagem mental e construção do conhecimento. São Paulo:
Editora Unesp, 2005.
PIAGET, Jean. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central do desenvolvimento. Rio de
Janeiro: Zahar Ed., 1976.
Abstract
Piaget’s and Vygotsky’s epistemological foregroundings are provided. Piaget’s epistemological position
is based on three types of knowledge: physical, logical and mathematical, and social knowledge, which
are constructed through the interaction of a fourth factor, namely, equilibration. One type of knowledge
does not exist without the other whilst their interaction produces the dynamics of intelligence. Vygotsky’s
epistemological position supposes two types of knowledge, or rather, whereas one is derived from
physical knowledge (through elementary processes), the other, or social knowledge, is knowledge
produced by the interaction with adults. Piaget’s postulate goes beyond empiricism since it establishes the
dynamics of thought governed by abstractions and by the equilibration process. The empiricist behavior
in Vygotsky is supported by the intelligence linked to social determinations and the subject of knowledge
only appears to interiorize the social factor.
Piaget dedicou-se, desde o início dos anos 20 até sua morte em 1980, aos estudos das
epistemologias hegemônicas no século XIX ainda presentes no século XX. Os séculos XVIII e XIX
presenciaram o debate sobre o desenvolvimento humano, no qual se envolveram Lamarck, Kant, Darwin,
Hegel, Marx, Spencer e Comte. Piaget, fundamentando-se em sua trajetória investigativa no universo das
questões epistemológicas propostas por estes autores, conduziu por mais de 50 anos seu projeto de
pesquisa elaborando, nesse trajeto, uma epistemologia que superasse os postulados empiristas.
Vygotsky, por outro lado, preocupou-se em estudar o desenvolvimento humano com vistas a
ultrapassar os métodos descritivos e/ou fenomenológicos empregados pela psicologia russa das décadas
de 20/30 do século XX. Nesse seu estudo centrou-se na investigação das ações conscientemente
controladas (a atenção voluntária, a memorização e o pensamento abstrato) vinculadas à psicologia e à
cultura.
As mesmas preocupações não levaram, todavia, Piaget e Vygotsky a trilhar o mesmo caminho.
Piaget desenvolveu uma epistemologia construtivista, sobretudo quando pesquisou as abstrações pseudo-
empíricas e a reflexionante como derivadas da abstração empírica. Esses processos construiriam o sujeito
epistêmico; um sujeito que representa a todos os outros sujeitos, mas a nenhum de nós, especificamente.
Vygotsky, centrado na questão de como os processos naturais se entrelaçam aos processos culturalmente
determinados, elaborou o sujeito social que representa todos os sujeitos determinados historicamente.
Este modo de pensar a cognição do sujeito manteve Vygotsky, a despeito de seu belo trabalho com
crianças, jovens e adultos analfabetos, preso a uma concepção empirista, a mesma que ele criticava. Ou
seja, o sujeito de Vygotsky é produto de determinações sociais, mas ele as interioriza de fora para dentro.
As funções psicológicas superiores advêm da interiorização da cultura e da sociedade. São criadas do
entrelaçamento biológico com a transmissão social.
Tratar da posição epistemológica de Piaget requer levantar o debate central de suas obras em torno
dos três tipos de conhecimento: o conhecimento físico, o conhecimento lógico-matemático e o
conhecimento social.
O conhecimento físico é o construído pela interação da criança com as propriedades físicas dos
objetos e dos eventos. Desde o sensório-motor as crianças extraem dos objetos com os quais interagem
aspectos como forma, textura, tamanho e aspectos gerais como mobilidade, por exemplo. Pela ação
podem conhecer a mecânica dos objetos e pela observação as mudanças dos objetos (pensando no açúcar
“desaparecendo na água”).
Quanto ao conhecimento social, este não é extraído diretamente das relações sobre os objetos, mas
de ações – interações – com outras pessoas e grupos sociais. Piaget enfatiza a transmissão social, a qual se
constitui por meio da linguagem. Dessa forma, a aquisição social não pode ser vista apenas como advinda
de uma transmissão cultural, como uma copia, porque ela sempre envolve uma atividade de representação
social que envolve a atividade cognitiva.
Estes três tipos de conhecimento são construídos graças à interação de um quarto fator, a
equilibração, que permite que a construção de um sistema auto-regulado. Uma dimensão do
conhecimento não existe sem a outra, e sua interação produz a dinâmica da inteligência, o próprio ato da
cognição. Assim, temos intervindo na cognição os fatores:
• A maturação – quando falamos em maturação isto significa falar em sistemas fechados e fechados.
Os sistemas fechados são os ligados à hereditariedade; os abertos, os sistemas que construímos
Estes três fatores, no entanto, ainda que necessários, não são suficientes ao desenvolvimento da
inteligência. Há um quarto fator a considerar: a equilibração. Esta rege a coordenação entre os três
fatores: maturação, experiência física (lógico-matemática) e a transmissão social. Sem o conceito de
equilibração a epistemologia genética não traria novidade alguma para as discussões sobre o
desenvolvimento da inteligência humana.
Este modelo de equilibração refere-se ao jogo de contradições nas atividades cognitivas do sujeito.
Por exemplo, aos cinco anos uma criança acredita que na transposição de quantidade de líquido de um
copo estreito para outro mais largo, resulte menos líquido. Um ano depois ela avalia, na mesma situação,
que há mais liquido no mais largo, porque o copo é mais gordo. Mais tarde ainda, ela coordena os dois
aspectos: embora o copo possa ser mais estreito ou mais largo a quantidade de liquido se mantém. Ela
está reorganizando suas inferências ou lógica elementar, reorganização esta que podemos descrever como
processo de equilibração ou de abstração reflexionante.
Desta forma, o conhecimento não é uma cópia do real. Para conhecer um objeto ou um evento não
basta olhá-lo e elaborar uma cópia mental ou uma imagem. Para conhecer um objeto é preciso agir sobre
ele. Conhecer é modificar o objeto, é compreender o processo de sua transformação e, em conseqüência,
compreender o caminho pelo qual o objeto é construído. A operação é, então, a essência do
conhecimento, é a ação interiorizada que modifica o objeto de conhecimento. Operação é ato de pensar; é
o conjunto de ações mentais modificando o objeto. É uma ação que constrói estruturas lógicas. E a
operação nunca é isolada, ela está sempre ligada a outras operações.
Isso nos leva a falar das estruturas cognitivas ou sistemas de transformações – que comportam leis
como sistema e conservam-se ou enriquecem-se pelo próprio jogo de suas transformações, sem que estas
ultrapassem suas fronteiras ou façam apelo a elementos exteriores. Aqui, Piaget, mais uma vez, refina a
definição do conceito de estrutura: Estruturas pressupõem um conjunto de elementos que tenham sempre
as características: totalidade, transformação e auto-regulação. Totalidade ou estabilidade porque a relação
entre os elementos (eventos no qual a criança age) nunca resulta em outro elemento estranho ao conjunto.
Transformação, porque os elementos estão sempre relacionando dinamicamente entre si. Auto-regulação,
porque uma estrutura nunca pode ser regulada por outra. Um exemplo: podemos pensar em quando uma
criança soma números naturais ou faz outra operação e é capaz de chegar a uma outra operação mais
complexa com números naturais.
Este processo é o ato cognitivo, ou seja, uma atividade de organização e adaptação ao meio. As
interações – assimilação e acomodação – são partes constituintes da adaptação. Temos aqui a construção
de esquemas - subsistemas ou sistemas de transformações - que enriquecem as estruturas. Estrutura é um
conceito que, conforme Piaget, “não se define ... pelo que a criança pensa, mas pelo que ela sabe fazer”.
Isto não significa que Piaget seja um positivista. Para Piaget as ações que a criança faz indicam as
possibilidades de coordenar as ideias entre si.
Vale apontar aqui que certa crítica a Piaget intitulando-o de positivista origina-se na confusão que
muitos fazem entre empirismo e experimentação. De fato, para precisar o termo desenvolvimento em sua
teoria, Piaget recorreu a uma exaustiva experimentação, mas tendo em foco seu plano teórico: o da
construção de conhecimento tomando a noção de auto-regulação e sistemas de transformações como base.
O trabalho A equilibração das estruturas cognitivas ilustra bem o modelo piagetiano para pensarmos a
construção do conhecimento. Nele, vemos a precisão do termo interação em sua teoria: não se trata de
falar de interação, mas de estabelecer um modelo explicativo para os níveis de interação que ele
denomina de equilibração cognitiva.
Nesse caminho, Piaget “desenha” sua teoria de sistema auto-regulatório na qual a interação do
Sujeito com o Objeto pode ser traduzida como uma relação dialética em que o sujeito passa de um nível
de conhecimento (temos aqui que pensar nas diferentes abstrações e nas equilibrações) para outro, mais
complexo. Nessa espiral o conhecimento anterior não é superado ou substituído, mas enriquecido,
diferenciando-se e integrando-se em um sistema mais complexo de coordenações. Por isso, Piaget fala de
equilibração cognitiva e não simplesmente equilíbrio o que denotaria algo linear.
Luria (1988) contextualiza o surgimento da obra de Vygotsky como produto de um tempo em que
os intelectuais russos questionavam o empirismo, o idealismo, a introspecção na psicologia. Esses
intelectuais também eram produtos de um espaço em que a política, a educação e a psicologia eram
repensadas. Estavam no início da Revolução Russa e novos projetos eram elaborados para acompanhar a
mudança econômica, política e cultural da época.
Em 1925 Vygotsky iniciou seu percurso em direção ao projeto sobre a construção social da mente.
Estudou Pavlov, sobretudo a psicofisiologia, para obter daí um apoio materialista nas discussões sobre a
origem da mente. Para compreender a evolução biológica dos homens estudou V. A. Wagner, especialista
russo em comportamento animal. Para além dos estudos biológicos, Vygotsky pesquisou Kurt Levin,
Bulher e Köhler, por considerar que o reflexo pavloviano insuficiente para a compreensão das realidades
estruturais do comportamento complexo. Leu, também, a obra de Piaget, A linguagem e o pensamento da
criança, da qual retirou o método clínico para estudar o processo cognitivo individual com o objetivo de
descobrir as diferenças qualitativas das crianças em diferentes idades. Além dessas fontes, estudou Marx,
marco de seu conceito chave de que a consciência é produto da transformação dos processos elementares
aos processos complexos dentro das determinações culturais (LURIA, 1988).
Seu projeto era constituído de duas dimensões a serem pesquisadas, a biológica e a social. Como
essas dimensões se entrelaçam? Como os processos de maturação física, os mecanismos sensórios
elementares (os processos naturais) interagem com os socialmente determinados e produzem as funções
Do ponto de vista metodológico, Vygotsky reuniu três fontes para sua pesquisa: a instrumental,
com a qual estudou os comportamentos culturais como, por exemplo, “amarrar um barbante no dedo para
não esquecer algo”; a cultural, pela qual investigou os meios socialmente estruturados que permitiam à
criança se organizar em sociedade como a linguagem e o pensamento. A terceira fonte é a dimensão
histórica. Nesta ocorre a fusão do indivíduo com o cultural. Aí o papel da linguagem torna-se vital, pois
ela carrega conceitos culturais que, por exemplo, ajudam a escrita e a aritmética (LURIA, 1988).
Como se desenvolve a criança, então? No início as crianças são dominadas pelos processos
naturais, isto é, a maturação física dos sistemas sensórios motores. A interação com os adultos faz
nascerem os processos interpsíquicos: os adultos são agentes externos e, conforme as crianças crescem, os
processos partilhados com esses adultos passam a ser executados dentro das próprias crianças. As
respostas mediadoras da criança em relação ao mundo externo transformam-se em um processo
interpsíquico que as leva à interiorização das informações historicamente organizadas. Esta organização é
de natureza psicológica (LURIA, 1988).
A epistemologia que sustenta essa tese supõe dois tipos de conhecimento: um derivado do
conhecimento físico (que é permitida pelos processos elementares) e, outro, o conhecimento social, ou
seja, os conhecimentos gerados pela interação com os adultos. O sujeito é o sujeito passivo que mediante
suas experiências sensório-motoras adquire as capacidades para ler, escrever e interagir com os adultos de
uma sociedade historicamente determinada. A partilha das crianças com os adultos é, mais uma, vez
passiva. Destas, as crianças recebem e operam um conhecimento já pronto, sem lançar mão de
equilibrações e abstrações sucessivas.
Considerações finais
Vygotsky, ao contrário de Piaget, aproxima-se do empirismo, uma vez que seu modelo de
desenvolvimento da inteligência não ultrapassa dois fatores: a dimensão da maturação e da transmissão
social. Sua ênfase na transmissão social indica que seu modelo de desenvolvimento cognitivo foi
estabelecido nos limites do postulado empirista uma vez que o espírito humano se submete ao real. É a
acomodação do sujeito ao objeto.
DUVEEN, Gerard. Crianças como atores sociais: as representações sociais em desenvolvimento. IN:
GUARESCHI, Pedrinho; JOVCHEVITCH (Org.). Textos em Representações Sociais. Petrópolis: Vozes,
1995.
MACEDO, Lino de. Ensaios construtivistas. São Paulo: casa do Psicólogo, 1994.
PIAGET, Jean. Piaget pour Piaget. Vídeo produzido em Genebra/ Suiça, 1977.
WADSWORTH, Barry J. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Jean Piaget. São Paulo:
Pioneira, 1989.
Abstract
The currently study aimed to analyze the deriving contributions of the Genetic Epistemology for the
knowledge theory. For in such a way, we will leave from a study of the time as a intuition a priori on the
kantian text and the Genetic Epistemology proposal which considery as a construction from the first ten
to twelve years old of human been. We will focus on think about the conditions of possibilities presents
on the human cognition that allows the development of a time field and mainly, in the discussion of time
as an a priori notion on the genetic epistemology. Advanced as that for both Kant and Piaget time is a key
to the development of reality as human beings to know. However, the first considered time as a priori
way of human sensitivity, already given in the human cognition, while the second search for understand
the ways of structuring this notion. While the kantian critical philosophy does not discuss the possible
ways of developing this concept, considering the time given as the result of the internal workings of the
human mind, the genetic epistemology finds a historical building on this concept, that is, the way how
humans organize time and passes for successives changes in the course of cognitive development.
No presente trabalho temos como objetivo analisar e compreender alguns problemas levantados
pela Teoria do Conhecimento sobre a forma como um sujeito epistêmico universal organiza seu campo
temporal. Nos preocuparemos em pensar sobre as condições de possibilidade presentes no aparato
cognitivo humano que possibilitam a elaboração de um campo temporal e, principalmente, na discussão
do tempo como uma noção a priori na Epistemologia Genética.
Como Immanuel Kant é o primeiro filósofo a considerar e analisar de forma sistemática o tempo
como forma a priori da sensibilidade humana, e dada sua influência sobre Jean Piaget (cf. RAMOZZI-
CHIAROTTINO, 1972, pg. 75.) empreendemos também uma análise do tempo como forma a priori em
Kant e sua relação com a análise da Epistemologia Genética, buscando evidenciar contribuições desta
última à Teoria do Conhecimento. Três questões se colocam então: o sujeito apreende o tempo por
percepção direta ou o tempo é uma estrutura presente no sujeito epistêmico que ordena os elementos
percebidos por ele? Neste último caso, o tempo teria uma gênese ou se encontraria já dado no sujeito
desde seu início? Após o estudo dos dois autores pretendemos fazer uma comparação visando destacar os
momentos em que a Teoria do Conhecimento elaborada por Kant e a Epistemologia Genética, no que
concerne ao tempo como uma noção a priori, se aproximam e se distanciam.
Para compreendermos as possíveis relações entre a concepção de tempo elaborada por Kant e a
desenvolvida por Piaget, faremos primeiro uma apresentação da concepção kantiana do a priori e
posteriormente mostraremos suas possíveis vinculações com a Epistemologia Genética. Nossa proposta
de mostrar as possíveis relações entre a Teoria do Conhecimento piagetiana (no que concerne a
construção do tempo como uma forma a priori) e a forma como a filosofia crítica kantiana entende a
relação entre o ser humano e o tempo não deve ser entendida no sentido de enxergamos uma continuação
da filosofia kantiana em Piaget, mas apenas que, nos problemas relativos ao tempo, Piaget foi buscar as
origens do que Kant entendeu como um princípio a priori.
Referencial teórico
O referencial teórico utilizado para a elaboração da presente pesquisa se pauta pelos trabalhos
elaborados por Immanuel Kant e por Jean Piaget. É importante ressaltar que não temos a pretensão de
analisar a filosofia crítica kantiana em seu todo, tampouco será nosso objeto de estudo a totalidade dos
conceitos elaborados pela Epistemologia Genética. Nos preocuparemos, essencialmente, com a primeira
parte do texto “A Crítica da Razão Pura”, no qual Kant analisa o espaço e o tempo com os quais o ser
humano estrutura a sua realidade e com o texto “A Noção de Tempo na Criança” onde Piaget estuda as
maneiras pelas quais as crianças, paulatinamente, constroem a noção de tempo. Nos socorreremos
Objetivos
O objetivo central do presente trabalho é mostrar os momentos nos quais a concepção de tempo
elaborada por Kant e a noção de tempo construída pela Epistemologia Genética convergem e divergem.
Metodologia de trabalho
Como método de trabalho nos pautamos pela leitura sistemática dos textos supracitados,
estudando-os primeiro em separado, para posteriormente analisá-los em conjunto. A leitura dos
comentadores, visando uma melhor compreensão tanto do texto piagetiano quanto do texto kantiano e a
elaboração de apresentações orais e textos escritos também foram maneiras às quais recorremos quando
do desenvolvimento da presente pesquisa.
Desenvolvimento
1
DELEUZE, G., 1976, p. 25 (grifo do autor).
Após esta breve apresentação do a priori para a filosofia kantiana, passamos agora para o estudo
da noção de tempo no mesmo autor. No texto kantiano as formas puras da sensibilidade – espaço e tempo
– têm que estar presentes no espírito humano justamente porque sem elas não seria possível ordenar o
diverso sensível dos fenômenos segundo determinadas relações. Como são elas as condições de
possibilidade da sensibilidade humana, precisam estar presentes antes de qualquer experiência, justamente
para possibilitar que a mesma aconteça. Para MORUJÃO,
Quando consideramos intervalos de tempo muito afastados, o que estamos fazendo, segundo a
filosofia crítica kantiana, é recortar um intervalo de tempo dentro de um mesmo e único tempo universal,
não existem tempos diferentes e sim pedaços de um mesmo e único tempo.
Estas formas são a priori, pois para originar uma sensação é necessário a presença delas sendo,
portanto, impossível que procedam ou tenham sua origem nas sensações e mesmo em qualquer
experiência. Sobre este ponto Kant assim se expressa no sexto parágrafo dedicado ao tempo na
“Dissertação de 1770”:
2
KANT, I., 1997, p. 41 (grifo do autor).
3
MORUJÃO, A. F. Introdução, in Kant, I. , 1997, p. XI. (grifo do autor).
4
MORUJÃO, A. F. Introdução, in Kant, I., 1997, p. XIII. (grifo do autor).
5
KANT, I., 2004, p. 56.
Tanto o espaço quanto o tempo são condições de possibilidade da experiência humana, sensações
primeiras e puras que não dependem da empiria para serem elaboradas, mas necessitam dela para entrar
“em funcionamento”. “A representação do espaço e do tempo não seria então derivada da experiência
(...), mas constitui antes a sua condição. Eu nada posso imaginar, em mim, ou fora de mim, que não
situe, a priori, no espaço e no tempo.”6 Como o mundo fenomênico organizado pelos seres humanos situa
tudo num espaço e num tempo e não existe a possibilidade de abstraí-los de nossa experiência sensitiva e,
afora isso, o próprio princípio racional da não contradição necessita da sucessão temporal para ser
compreendido, a filosofia crítica kantiana considera os espaço e o tempo como aspectos formais,
primeiros e independentes da experiência presentes no aparato cognitivo humano.
Na teoria piagetiana o tempo é uma das quatro categorias principais para a elaboração de uma
concepção objetiva do real, junto com a noção de conservação de substância, de campo espacial e de
causalidade. Segundo Piaget, estas formas são “(...) as principais “categorias” de que a inteligência faz
uso para adaptar-se ao mundo exterior - o espaço e o tempo, a causalidade e a substância, a
classificação e o número etc. - correspondem, cada uma delas, a um aspecto da realidade (...)”7.
6
PIETTRE, B., 1997, p. 98.
7
PIAGET, J., 1982, p. 19.
A análise dos dados obtidos com crianças de variadas idades submetidas a situação experimental
descrita permitiram a Piaget e seus colaborados distinguir três diferentes etapas na construção efetuada
pelo sujeito da noção temporal: na primeira etapa a criança não consegue reconstruir pelos desenhos a
série temporal que viu ocorrer na situação experimental, ela adota uma seriação que geralmente começa
pelos extremos (o recipiente todo vazio ou repleto de líquido) e, mesmo com a ajuda do experimentador,
tem dificuldade em aceitar mudanças na sua seriação.
Qual o significado da expressão: “Um tempo sem velocidades”? Acreditamos estar ai a chave para
compreender como Piaget concebe o tempo na primeira etapa. “Um tempo sem velocidades” significa
que, no começo do desenvolvimento da noção temporal, a criança negligencia as diferenças de
velocidades que podem existir entre dois movimentos. Isto ocorre porque ela ainda não tem a capacidade
de coordenar os dois movimentos em questão em um tempo único e homogêneo, neste caso ela cria uma
série temporal para cada um dos movimentos que percebe. A noção tempo da primeira etapa também é
completamente fundida com a noção de espaço, segundo Piaget:
Na outra ponta do desenvolvimento da noção temporal, o tempo operatório (etapa 3), começa a
surgir quando a sujeito consegue levar em consideração as variações de velocidade dos móveis (muitas
vezes percebida pela ultrapassagem de um móvel por outro) e, a partir destas co-varianças, elaborar uma
série temporal única e homogênea além de diferenciada do espaço percorrido, para todos os movimentos
que percebe.
Segundo o trabalho de Carneiro, para a teoria do conhecimento desenvolvida por Piaget “O tempo
é uma noção física construída na relação com as coisas, isto é, consiste em coordenações de ações
especializadas que levam em conta as relações e as propriedades dos objetos.”14 Para a Epistemologia
Genética, portanto, o tempo esta no rol dos conhecimentos físicos, que dependem de uma propriedade do
objeto para ser elaborado e organizado; isto não o torna um apanhado de relações exteriores, ou uma
simples constatação de regularidades causais presentes no real, ainda seguindo o texto de Carneiro:
11
PIAGET, J., 1946, p. 103- 104.
12
PIAGET, J., 1989, p. 20.
13
PIAGET, J., 1946, p. 299.
14
CARNEIRO, M. C., 2002, p. 137.
O tempo é entendido por Piaget como uma construção elaborada sobre os deslocamentos espaciais
ou, em outras palavras, é um sistema de deslocamentos considerados em conjunto (co-deslocamentos).
No final do livro “A Construção do Real na Criança” Piaget diz “(...) o tempo, tal como o espaço,
constroem-se pouco a pouco, e implicam a elaboração de um sistema de relações.”16 Esta construção
deve ser elaborada por meio de ações efetuadas sobre o real, mais especificamente, sobre determinadas
características do objeto que, no caso do tempo, são as diferenças de velocidade. No início da elaboração
da noção temporal estas diferenças de velocidades são simples ultrapassamentos, mas uma vez que a
criança construa a capacidade de coordenar estas co-variações elas possibilitam a elaboração de um
tempo único e homogêneo para todos os eventos. Em outra palavras, o “sistema de relações” ao qual
Piaget alude é especificamente um sistema onde, para ter uma noção operatória de tempo, a criança
precisa desenvolver a capacidade de estabelecer relações logicamente coerentes entre a noção de
diferenças de velocidade e de sua organização em conjunto com as noções de sucessão, duração e
simultaneidade.
Nos dois autores hora analisados é essencial a relação entre uma forma (proveniente do
funcionamento do aparato cognitivo humano) e um conteúdo (possibilitado pelo contato entre nossos
órgãos dos sentidos e o ambiente) para a constituição do conhecimento.
No que concerne ao tempo, Kant compreende esta noção como um aspecto primeiro, formal,
totalmente independente da experiência e, portanto, já dado no aparato cognitivo humano. Nesta
perspectiva, a noção humana de tempo não precisa passar por uma construção na qual seus elementos
centrais (simultaneidade, duração e sucessão) seriam gradativamente coordenados. Para a filosofia crítica
15
CARNEIRO, M. C., 2002, p. 139.
16
PIAGET, J., 1975, p. 298.
17
PIAGET, J., 1975, p. 357.
18
KANT, I., 1997, p. 79 (grifo do autor).
19
CARNEIRO, M. C., 2002, p. 137.
Existe a possibilidade de conciliar estas formas de compreender o tempo que, a uma primeira
vista, mostram-se totalmente antagônicas? Acreditamos que sim. Ao nosso ver o epistemólogo genebrino
vai buscar as origens e maneiras de estruturação daquilo que o filósofo de Königsberg considera dado a
priori. Piaget conclui que as condições de possibilidade da noção temporal sofrem profundas
modificações durante o desenvolvimento cognitivo do ser humano. Nesse sentido, Piaget utiliza a ideia
kantiana20 do tempo como um aspecto fundamental para a construção da realidade feita pelo ser humano
mas também a altera, uma vez que mostra a historicidade, ou seja, as profundas modificações que esta
noção sofre durante o desenvolvimento cognitivo do sujeito.
O tempo passa a ser uma noção fundamental apenas depois de ser laboriosamente construído por
meio da coordenação levada a cabo pelo sujeito sobre as diferenças de velocidades. Ele não é mais
compreendido como dado, pronto e acabado no aparato cognitivo humano e muito menos como
independente da experiência. Com a proposta teórica oriunda da Epistemologia Genética, a noção de
tempo precisa ser construída pelo sujeito por meio de sua ação no ambiente em que se encontra, ou seja, a
experiência, a ação no mundo é fundamental. “Logo, o a priori não se apresenta sob a forma de
estruturas necessárias senão no final da evolução das noções, nunca em seu início (...)”.21
Tanto para Kant quanto para Piaget o tempo é um elemento fundamental para a elaboração da
realidade como o ser humano a conhece. No entanto, o primeiro considera o tempo como um forma a
priori da sensibilidade humana enquanto o segundo busca compreender as maneiras de estruturação desta
noção “(...) para Piaget, as operações temporais derivam das condutas pré-operatórias e o tempo nada
mais é que o conjunto dessas condutas e operações.” 22 Enquanto a filosofia crítica kantiana entende o
tempo como dado e fruto do funcionamento interno da mente humana, a Epistemologia Genética encontra
uma historicidade na construção dessa noção, ou seja, a forma como o ser humano organiza o tempo
passa por sucessivas mudanças no decorrer do desenvolvimento cognitivo. “Entretanto, o que para Kant
parecia ser um “dado” (todo sujeito dotado de razão possui os instrumentos do pensamento postulados
nas categorias a priori) é para Piaget um instrumento em permanente reelaboração.”23 É justamente
neste aspecto onde encontramos uma divergência substancial entre os autores pois, para Kant, a
20
Utilizamos aqui “ideia kantiana” mas temos claro que estes dois autores não são os únicos a considerar o tempo como um
elemento fundamental para a estruturação da realidade feita pelo ser humano.
21
PIAGET, J., 1982, p. 15 (grifo do autor).
22
PIAGET, J., 1971, p. 60. “(…) para Piaget, las operaciones temporales, derivan de las conductas preoperatorias y el tiempo
no es otra cosa que el conjunto de esas conductas y operaciones.” (traduzimos livremente).
23
FREITAG, B. 1991, pg. 50 (grifo da autora).
Acreditamos ter mostrado, por meio do estudo da noção de tempo no ser humano, as contribuições
oriundas da Epistemologia Genética para a teoria do conhecimento. Ou seja, a proposta teórica de
encontrar as diferentes maneiras de elaboração pelas quais passam as condições de possibilidade do
conhecimento humano durante o desenvolvimento cognitivo.
Referências
KANT, I. Dissertação de 1770; Carta a Marcus Herz. Tradução, apresentação e notas de Leonel Ribeiro
dos Santos e Antonio Marques. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 2004. 143 p.
KANT, I. Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão;
Prefácio, introdução e notas de Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1997. 680 p.
PIAGET, J. O Nascimento da Inteligência na Criança. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar,
1982. 389 p.
PIAGET, J. A Noção de Tempo na Criança. Tradução de Rubens Fiúza. Rio de Janeiro: Record, 1946.
321 p.
PIAGET, J.; INHELDER, B. A Psicologia da Criança. Tradução de Octávio Mendes Cajado. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.135 p.
PIAGET, J. A Construção do Real na Criança. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1975. 360 p.
PIAGET, J.; GRIZE, J-B.; HENRY, K.; MEYLAN-BACKS, M.; ORSINE, F.; VAN DEN BOGAERT-
ROMBOUTS, N. La Epistemologia del Tiempo. Tradução de Jorge A. Sirolli. Buenos Aires: El Ateneo,
1971. 226 p.
PIETRE, B. Filosofia e Ciência do Tempo. Tradução de Maria Antonia Pires de C. Figueiredo. Bauru:
Edusc, 1997.
Resumo
Discussions around the concept of interdisciplinarity are frequent in research and educational practices. In
order to contribute to this issue, this work presents the discussion of this idea starting from several texts of
Jean Piaget. Articles and books used for this purpose were selected through a literature review,
prioritizing those in which the author presents and typifies the concept. In the texts analyzed, Piaget
proposes a conception of science that is organized in ascending spiral in which the boundaries among
disciplines are understood as artificial, in contrast to the linear classification proposed, mainly, by Comte.
According to the author, science deals with the approach of the 'observable' and not with the search for
explanatory relations on the genesis of phenomena. Such studies require an interdisciplinary approach
that is understood as a condition for progress in science. In this sense, interdisciplinarity is conceived as
the collaboration among different disciplines or heterogeneous sectors of a same science that leads to
interactions that allow mutual enrichment of the disciplines involved, ie, where there is reciprocal
assimilation. When these collaborations are effective, a field or discipline is enriched by another, and the
complementarity is installed between them. Although Piaget's investigation did not focus primarily on
education, this field of knowledge and practice was subject of consideration by this author, besides the
fact that these studies were and still are used by a wide range of researchers in this area. Therefore, it is
considered that the design of interdisciplinarity suggested by him enables thinking the practice and
educational research as a possible area for the establishment of reciprocal assimilations among the various
disciplines that comprise it, contributing to a less fragmented approach.
Considerando o que acima foi exposto, este artigo busca contribuir para uma melhor compreensão
do tema, tanto procurando precisar o seu significado para o autor em questão, quanto o discutindo a fim
de obter subsídios que possam auxiliar as pesquisas e práticas no campo educativo. Para tanto,
selecionou-se artigos e livros através de revisão bibliográfica na qual foram priorizados aqueles textos em
que o autor apresenta e caracteriza o conceito. O objetivo deste trabalho não é esgotar a discussão sobre o
tema nem abarcar toda obra do autor, mas sim trazer para o debate algumas concepções de Piaget que
poderão orientar as reflexões sobre interdisciplinaridade, sobretudo, como já foi afirmado, no âmbito
educacional.
A pesquisa bibliográfica foi realizada através dos sites da web Google e Google Acadêmico
utilizando-se como palavras-chave “Piaget” e “interdisciplinaridade”. A partir da busca realizada, foi
possível localizar três artigos e um livro publicados que tratam especificamente sobre
interdisciplinaridade.
24
Não foi localizada tradução deste texto para o português. Desta forma, a responsabilidade pela tradução do original em
francês cabe às autoras deste artigo.
25
Foi localizada uma tradução comentada deste texto, de autoria de Terezinha M. Vargas Flores e Nelcy E. Dondoni Borella,
publicada na Revista Educação e Realidade, Porto Alegre, 19(1): 113-120, jan/jun 1994. Embora essa tradução tenha
apoiado a leitura do texto original, a tradução do texto original em francês cabe às autoras deste artigo.
Além destes textos mencionados, serão utilizadas nesta revisão bibliográfica algumas passagens
do livro “Où va l’education?28”, escrito em 1971, nas quais Piaget menciona o tema da
interdisciplinaridade. Considera-se que neste livro o autor aproxima as temáticas da interdisciplinaridade
e da educação, por isso optou-se por incluí-lo na análise.
No próximo item, serão apresentadas de forma sintética as principais concepções do autor sobre o
tema a fim de que seja possível fazer uma reflexão sobre elas. Posteriormente, serão tecidas algumas
considerações sobre as contribuições dessa concepção de interdisciplinaridade para o âmbito educativo.
De acordo com o que foi exposto no item anterior, pode-se perceber que os textos de Piaget que
tratam sobre interdisciplinaridade foram produzidos na mesma época, ou seja, no período que
compreende o final dos anos 1960 e início dos anos 1970. Portanto, muitas ideias apresentadas em um
texto aparecem em outros de formas semelhantes ou mais elaboradas. Desta forma, para expor as ideias
do autor, será seguida a ordem das obras conforme apresentada no item anterior, sendo que as ideias
recorrentes serão destacadas.
No artigo “La psychologie, les relations interdisciplinaires et le systeme des sciences”, Piaget
examina as colaborações possíveis entre a psicologia e diversas ciências exatas e naturais tais como a
matemática, a física, a biologia, e com as ciências sociais e humanas, quais sejam, a sociologia, a
lingüística, a economia política. Aborda também as relações que podem ser estabelecidas entre a
psicologia e a lógica. Finaliza o artigo apresentando algumas considerações sobre a psicologia no sistema
das ciências.
O texto inicia com a afirmação de que a psicologia poderá, futuramente, enriquecer e ser
enriquecida por outras ciências a partir do estabelecimento de relações interdisciplinares. Piaget refere
que as ciências exatas e naturais tendem a estabelecer mais elos entre si do que as ciências sociais e
26
Esse texto foi publicado em português de Portugal no ano de 2006 em uma coletânea organizada por Olga Pombo e
colaboradores, intitulada Interdisciplinaridade: antologia. Tal como apontamos nas referências anteriores, embora essa
tradução tenha apoiado a leitura do texto original, a tradução do texto em francês cabe às autoras deste artigo.
27
Este livro é um capítulo da obra “Tendances principales de la recherce dans les sciences sociales et humaines – Partie I:
Sciences sociales”, publicada pela UNESCO em 1970.
28
Este livro foi escrito a pedido da Comissão Internacional para o Desenvolvimento da Educação, organismo vinculado à
UNESCO. As passagens utilizadas foram traduzidas pelas próprias autoras do presente artigo. O texto foi traduzido para o
português com o título “Para onde vai a educação?”.
Quanto à organização das ciências, ainda que se fale de filiações hierárquicas, as relações entre as
ciências não são concebidas como lineares, mas sim como relações em espiral. Para ele: “as conexões
entre as ciências não consistem em uma redução do superior ao inferior, mas conduzem à descoberta de
novos fenômenos, que compreendem os antigos ou anteriores, mas enriquecendo-os com relações mais
complexas” (PIAGET, 1966, p. 245-246). Assim, as trocas interdisciplinares que são estabelecidas não
podem se caracterizar como serviços de sentido único, nos quais uma disciplina seja reduzida a outras,
mas sim que possam ser desenvolvidas assimilações recíprocas, através das quais as disciplinas possam
ser beneficiadas e enriquecidas por essa relação. Além disso, o autor refere que uma primeira condição
para que seja possível falar em relações interdisciplinares é poder estabelecer colaborações no interior da
própria disciplina. Destaca ainda que para que se possa empreender trabalhos interdisciplinares entre
diversas disciplinas é necessário que se estabeleça uma “compreensão mútua, pois as ideias pré-
concebidas e o vocabulário podem ser obstáculos graves” (PIAGET, 1966, p. 247).
Contrapondo-se a Comte e ao positivismo, reafirma nesse artigo a sua concepção de ciência como
sistema não linear, mas sim como organização que regressa sobre si mesma de forma espiral a partir da
qual podem ser estabelecidas múltiplas conexões entre as diversas disciplinas que a compõe. Ou seja, a
classificação das ciências deve prever situações nas quais seja possível estabelecer conexões entre
disciplinas, denominadas assimilações recíprocas. Nesse sentido, podemos dizer que a existência ou a
importância das diversas disciplinas não é negada, mas sim ressalta-se a necessidade delas estabelecerem
colaborações e trocas que possam gerar enriquecimentos para todas as disciplinas que se interrelacionam.
Por outro lado, como já foi referenciado na apresentação do artigo anterior, Piaget diferencia as relações
interdisciplinares da simples interrelação por redução, na qual o complexo ou superior se reduz ao inferior
ou este é projetado diretamente no superior. Nesse sentido, ressalta que as relações interdisciplinares
autênticas conduzem a serviços recíprocos entre disciplinas.
Após essas considerações aqui apresentadas, são distinguidos três níveis de relações de acordo
com o grau de interação entre disciplinas: a multidisciplinaridade é concebida como um patamar inferior
que pode ser encontrado quando a solução de determinado problema requer informações provenientes de
duas ou mais disciplinas ou áreas de conhecimento, mas sem que elas possam ser modificadas ou
enriquecidas por essa interação. Esse nível pode ser considerado como “estado de partida que pode ser
observado em grupos de pesquisadores reunidos com um objetivo interdisciplinar, mas que permanecem
em um nível de informação mútua e cumulativa, sem interações propriamente ditas” (PIAGET, 1972, p.
141). No segundo nível, o interdisciplinar propriamente dito, as colaborações conduzem a interações, ou
seja, a certa reciprocidade nas trocas que possibilita um enriquecimento mútuo. A interdisciplinaridade
resultará de uma pesquisa de estruturas mais profundas que os fenômenos e que se destinam a explicar
estes. Três são as formas de ligação interdisciplinar: o isomorfismo entre estruturas, as ligações entre
estruturas e a combinação ou intersecções entre estruturas diferentes. Finalmente, o transdisciplinar é
concebido como uma etapa superior que sucede o interdisciplinar. Conforme o autor, “esse nível não se
restringe a interações ou reciprocidades entre pesquisas especializadas, mas situa essas ligações no
interior de um sistema total, sem fronteira estáveis entre as disciplinas” (PIAGET, 1972, p. 144).
Por fim, são tecidos alguns comentários sobre as relações entre as ciências ditas formais e as
ciências dos fatos. Para Piaget, é possível que se estabeleçam relações entre essas ciências, no entanto é
necessário que a autonomia das ciências formais seja assumida, pois o formal tem leis próprias nas quais
não devem intervir considerações a partir dos fatos.
No que se refere aos livros dedicados ao tema, o conceito também é abordado em “Problemas
gerais da investigação interdisciplinar e mecanismos comuns”. Para o autor, duas espécies de
preocupações podem gerar investigações interdisciplinares, a primeira relativa às estruturas ou
mecanismos comuns entre as ciências e a segunda relativa aos métodos comuns.
Quando à prática interdisciplinar, pode-se dizer que para tornar possível a viabilização das
relações entre disciplinas é necessário que aqueles que as representam possam engajar-se em interações
cooperativas. Outra proposição de Piaget é o agrupamento dos problemas interdisciplinares em torno de
três realidades comuns compartilhadas entre diversas ciências, quais sejam, as estruturas ou regras, os
valores e as significações.
De acordo com Portela (1997), a questão da interdisciplinaridade faz-se presente cada vez mais
nas discussões acerca da produção de conhecimentos e pela necessidade da ciência em superar a
fragmentação dos saberes. Nesse sentido, a educação, enquanto instituição reconhecida socialmente como
espaço de produção e socialização de conhecimentos, pode tornar-se palco privilegiado para debater e
acolher a proposta interdisciplinar.
Piaget (1971, 1973) destaca a organização do ensino em faculdades e dos conteúdos em matérias
como aspectos que dificultam o estabelecimento de relações interdisciplinares na educação. Nos artigos e
livros analisados, o autor aponta a necessidade de estabelecerem-se colaborações entre as disciplinas e
que tais colaborações possam gerar enriquecimentos mútuos e não serviços de sentido único, ou seja,
possam se caracterizar como assimilações recíprocas (PIAGET, 1966, 1971, 1972, 1973). A partir dessas
observações, pode-se pensar na importância de criarmos currículos mais integrados, nos quais os
conteúdos disciplinares não sejam o foco prioritário da educação, mas sim que temas possam ser
trabalhados por diversas disciplinas sendo que os pontos de vista de cada uma delas possam se
complementar a fim de enriquecer a compreensão da realidade.
Uma proposta pedagógica que contempla uma abordagem curricular interdisciplinar é o trabalho
com projetos de aprendizagem (FAGUNDES; SATO; MAÇADA, 1999). De acordo com os autores, este
trabalho pode ser caracterizado como uma metodologia que privilegia a aprendizagem do aluno em
detrimento das metodologias de ensino. Como a elaboração do projeto requer a explicação de um dado
fenômeno, escolhido pelo aluno ou grupo de alunos, e não somente sua descrição, os estudantes são
desafiados a construir a resposta para o que desejam saber e não somente buscar informações prontas,
fornecidas por disciplinas estanques.
Finalmente, acredita-se ser necessário proporcionar interlocuções entre a educação e outras áreas
de conhecimento, tais como a psicologia, a filosofia e a sociologia, a fim de que, a partir do olhar dessas
áreas, ela possa pensar suas próprias limitações e dificuldades, pois, conforme Piaget (1966), uma teoria
ou área de saber pode encontrar em outras alguns elementos que a ajudem a refletir sobre sua própria não-
contradição, seus limites e os desafios a serem enfrentados.
Neste artigo apresentamos uma análise do conceito de interdisciplinaridade conforme proposto por
Piaget em diversas obras suas dedicadas ao tema. Com essa apresentação, objetivamos trazer à tona e
analisar algumas produções do autor nas quais ele explicita o conceito a fim de pensarmos as
contribuições que ele pode trazer para o âmbito educativo.
Embora as pesquisas de Piaget acerca da interdisciplinaridade não tenham como foco prioritário a
educação, este campo de saber e prática foi objeto de reflexão deste autor, além do que, estas pesquisas
foram e ainda são utilizadas por uma ampla gama de pesquisadores desta área. Neste sentido, acreditamos
que a concepção de interdisciplinaridade proposta por ele permite pensarmos a prática e pesquisa
educacional como um espaço possível para o estabelecimento de assimilações recíprocas entre as diversas
disciplinas que o compõe contribuindo assim para uma abordagem mais integrada e menos fragmentária,
tanto no que se refere à proposta curricular quanto à prática pedagógica.
Referências
FAGUNDES, L.C.; SATO, L.S.; MAÇADA, D.L. Projeto? O que é? Como se faz? Aprendizes do futuro:
as inovações começaram! Coleção Informática para a mudança na educação. Ministério da Educação,
1999.
PIAGET, J. Méthodologie des relations interdisciplinaires. Archives de Philosophie, 34, 1971, p. 539-
549.
PIAGET, J. L’epistemologie des relations interdisciplinaires. In: APOSTEL, L.; BERGER, G.; BRIGGS,
A.; MICHAUD, G. (org.). L'interdisciplinarité: problemes d'enseignement et de recherche dans les
universites. Paris – France: Organization de Coperation et developpement Économiques, 1972.
Resumo
Este artigo tem a finalidade de informar como a inteligência se constrói na criança segundo Jean Piaget,
tendo em vista que sua preocupação central foi responder à questão de como se constrói o conhecimento.
Piaget defende que a inteligência é um processo adaptativo e que a sua função é estruturar o universo, da
mesma forma que o organismo estrutura o meio ambiente. Portanto o presente artigo descreverá o pro-
cesso de adaptação e organização, assim como a assimilação, acomodação e equilibração tendo em vista
chegar á conclusão de como o conhecimento é construído pela criança, para que com essa resposta possa
auxiliar na compreensão do como a criança aprende. Jean Piaget, para explicar o desenvolvimento
intelectual, partiu da ideia que os atos biológicos são atos de adaptação ao meio e organizações do meio
ambiente, sempre procurando manter um equilíbrio, ou seja, a organização é inseparável da adaptação,
essa que por sua vez é a essência do funcionamento intelectual. A organização é a habilidade do individuo
de integrar as suas estruturas prévias em sistemas coerentes. Entenderemos também que a assimilação é o
processo cognitivo pelo qual uma pessoa integra um novo dado perceptual, motor ou conceitual às
estruturas cognitivas prévias, e que a chamada acomodação é toda modificação dos esquemas de
assimilação sob a influência de situações exteriores ao quais se aplicam. E que equilibração trata de um
ponto de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação. Este artigo tem o intuito de esclarecer sobre a
questão de como o conhecimento é adquirido com base na teoria de Piaget, visando ajudar a entender a
respeito de como a criança aprende, portanto os presentes escritos dirigem-se à atuais e futuros
professores e a todos que se interessarem em saber sobre como se dá o desenvolvimento intelectual na
criança.
This article has the purpose of informing how the intelligence if it builds in the child according to Jean
Piaget, having in mind what his central preoccupation answered to the question of as if it builds the
knowledge. Piaget defends that the intelligence is an adaptive process and that his function is to structure
the universe, like the organism structures the environment. So the present article will describe the process
of adaptation and organization, as well as the assimilation, accommodation and equilibration having in
mind to bring a conclusion near of as the knowledge is built by the child, so that with this answer it can
help to a understanding all how the child learns. Jean Piaget, to explain the intellectual development,
broke of the idea that the biological acts are acts of adaptation to the physical way and organizations of
the environment, always trying to maintain a balance, in other words the organization is inseparable of the
adaptation, that one that for his time is the extract of the intellectual functioning. And the organization to
skill of an individual of coherent systems. We will understand also that the assimilation is the cognitive
process for which a person integrates a new fact perceptual, driving or conceptual to the prior cognitive
structures, and that the called accommodation is any modification of the schemes of assimilation under
the influence of exterior situations to which devote themselves. And which equilibration is treated as a
break-even point between the assimilation and the accommodation. This article has the intention of
explaining on the question of as the knowledge is acquired on basis of the theory Piaget, aiming to help to
understand as to as the child learns, so the written presents direct to current and future teachers to
themselves and to all who will be interested in knowing be left as the intellectual development happens in
the child.
A formação da inteligência não obedece às leis da “aprendizagem”, mas sim, consiste na ação
derivada do conhecimento, não no sentido da profunda associação do real com as necessárias
coordenações da ação. Para Piaget, conhecer o objeto é agir sobre ele e transformá-lo, aprendendo os
mecanismos dessa transformação vinculados com as ações transformadoras. Conhecer é assimilar o real
A inteligência como estrutura é uma organização, ou seja, um conjunto de processos, podendo ser
superior ou inferior dependendo do seu grau de complexidade. Para Piaget, crescer é reorganizar a
inteligência para ter mais possibilidades de interpretação do meio e do objeto de conhecimento. Tornar
seu algo que é do mundo.
Piaget ainda diz que a inteligência é condicionada pela hereditariedade, e divide esta em dois
grupos. Biologicamente o desenvolvimento intelectual está diretamente afetado através da
hereditariedade, mesmo que em seus dois sentidos diferentes. No primeiro grupo, os fatores hereditários
estão vinculados à constituição do sistema nervoso e dos órgãos sensoriais, influenciam na construção das
noções mais fundamentais, por exemplo nossa visão intuitiva do espaço está ligada à essas noções mesmo
que consigamos elaborar espaços puramente dedutivos. Esses fatores do primeiro grupo, embora úteis,
são extremamente limitados, enquanto que no segundo grupo encontramos a atividade dedutiva e
organizada da razão que é ilimitada e que conduz ao domínio do espaço e que ultrapassa toda a intuição.
Esse segundo tipo de realidades hereditárias é de suma importância para o desenvolvimento da
inteligência, porque se existe um centro funcional do intelecto que é programado biologicamente, é
evidente que esse centro se orientará para sucessivas estruturas elaboradas pela razão em contato com o
real. Para Piaget, o homem é um ser inacabado, que traz hereditariamente uma estrutura que necessita da
interação com o meio para que se forme e desenvolva.
A adaptação do ser humano ao meio, segundo Piaget, se realiza através da ação portanto, é um
processo continuo de organização biológica que evolui ou se desenvolve em interação com o meio. Para
ele a adaptação significa, literalmente, que o meio efetivo de um organismo está tão relacionado ao
organismo quanto o organismo ao seu meio.
[...] uma integração às estruturas prévias, que podem permanecer invariáveis ou são mais
ou menos modificadas por esta própria integração, mas sem descontinuidade com o
estado precedente, isto é, sem serem destruídas, mas simplesmente acomodando-se à
nova situação.
Já no estágio sensório-motor o estimulo sensorial não leva ao conhecimento, a menos que haja um
esquema estruturado, pronto para a assimilação e a acomodação. O bebê, num primeiro momento não está
aberto ao aspecto “figurativo”, como por exemplo o ruído dos aviões, porque os esquemas mínimos
exigidos como pré-requisitos da assimilação/acomodação não estavam disponíveis, ou ainda não estavam
construídos. Poderíamos expor essa criança inúmeras vezes a esse ruído e mesmo assim não alteraria a
situação, a menos que com o passar do tempo a criança desenvolvesse esquemas adequados para assimilar
tal fato.
Acomodação no sentido formulado por Jean Piaget pode ser entendida como um dos mecanismos
da adaptação que estruturam e impulsionam o desenvolvimento cognitivo. É o processo pelo qual os
esquemas mentais existentes se modificam em função das experiências e relações com o meio. É o
movimento que o organismo realiza para se submeter às exigências exteriores, adequando-se ao meio. O
outro mecanismo da adaptação é a assimilação, que consiste no processo pelo qual os dados das
experiências são incorporados aos esquemas de ação e aos esquemas operatórios existentes, num
movimento de integração do meio pelo organismo. O processo de regulação entre a assimilação e a
acomodação é a equilibração. Em algumas atividades mentais predomina a assimilação (jogo simbólico) e
em outras predomina a acomodação (reprodução).
Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo do indivíduo está sempre passando por equilíbrios e
desequilíbrios. Isso se dá com a mínima interferência, seja ela orgânica ou ambiental. Para que passe do
desequilíbrio para o equilíbrio são acionados dois mecanismos: assimilação e acomodação, como nos diz
Marçal (2009, p. 106):
Sabemos que Piaget (cf. WADSWORTH, 1996), quando expõe os conceitos de assimilação e de
acomodação, deixa claro que da mesma forma como não há assimilação sem acomodações (anteriores ou
atuais), também não existem acomodações sem assimilações, mas há uma equilibração entre esses dois
pólos.
A teoria da equilibração (cf. WADSWORTH, 1996), de uma maneira geral, trata de um ponto de
equilíbrio entre a assimilação e a acomodação e, assim, é considerada como um mecanismo auto-
regulador necessário para assegurar à criança uma interação eficiente dela com o meio-ambiente. A
equilibração é um meio auto-regulador pelo qual se dá o processo de desenvolvimento mental da criança.
Podemos entender, em outras palavras, que o equilíbrio cognitivo é o processo natural existente
entre assimilação e acomodação. É pela equilibração que as estruturas modificadas se constroem e se
conservam em caso de acomodações bem sucedidas. Portanto a equilibração é fundamental, pois se uma
pessoa só assimilasse acabaria com alguns esquemas existentes.
Por fim, sobre esse processo de equilibração entre a assimilação e a acomodação, podemos dizer
que essa relação se dá por três formas básicas, a primeira é a que se dá devido à interação entre sujeito e
objeto, entre a assimilação dos objetos aos esquemas e a acomodação dos esquemas aos objetos. A
segunda forma é a que assegura as interações entre os esquemas, ou seja, intervém nas interações entre as
partes, e a terceira é a que assegura as interações entre os esquemas e a totalidade. Dessa forma podemos
entender a inteligência como adaptação na Epistemologia Genética de Jean Piaget.
Referências
CHIAROTTINO, Z. R. Psicologia e epistemologia genética de Jean Piaget. São Paulo: EPU, 1988. 79p.
PIAGET, J. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense universitária Ltda, 1998. 184 p.
PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. 4. Ed. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1987. 389p.
PIAGET, J. Construção do Real na Criança. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
360p.
PIAGET, J. A Epistemologia Genética e a Pesquisa Psicológica. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1974.
PIAGET, J. A Formação do Símbolo na Criança. Imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Trad.
Alvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.
PIAGET, J. A Linguagem e o Pensamento da Criança. Trad. Manuel Campos. Rio de Janeiro: Fundo de
Cultura, 1959. 307p.
Resumo
Um dos elementos mais fundamentais da Lógica Operatória de Jean Piaget é a Função Proposicional, sua
gênese e utilização, e sua relação com a Epistemologia Genética e a Psicologia Genética. Nesse sentido,
apresentaremos, nessa comunicação, os resultados parciais de nossa pesquisa que tem como ponto central
o seguinte problema: como o Sujeito Epistêmico usa ou se torna capaz de usar Funções Proposicionais?
Trataremos aqui, em particular, da relação entre Epistemologia Genética e Psicologia Genética, do Psico-
logismo em Filosofia, da relação entre Epistemologia Genética e Filosofia e do papel que a Função Pro-
posicional e a Lógica Operatória desempenham na Epistemologia Genética.
Abstract
One of most fundamental elementaries of Jean Piaget’s Operative Logic is Propositional Function, its
genesis and use, and its relation with the Genetic Epistemology and Psychology. In this way, we will
present in this communication the partial results of our research, which the central part is the following
problem: how the Epistemic Subject use or is able to use Propositional Function? We will treat here, in
particular, the relation between Genetical Epistemology and Genetical Psychology, the psychologism in
the Philosophy, the relation between Genetical Epistemology and Philosophy, and the role that the
Propositional Function and the Operative Logic have in the Genetical Epistemology.
Segundo Piaget (1976, p. 1), “[...] a lógica conquistou a posição de ciência propriamente dita,
graças aos métodos precisos que substituíram os procedimentos simplesmente reflexivos e verbais da
lógica clássica”. No entanto, como observou “[...] o consenso deixa de ser geral quando se trata da
significação a ser atribuída aos princípios, ou mesmo do objetivo a ser atingido e dos métodos a serem
seguidos”. (PIAGET, 1976, p. 1).
Piaget (1973, p. 32), em sua obra Psicologia e Epistemologia, disse que: “A psicologia genética é
a ciência cujos métodos são cada vez mais semelhantes aos da biologia”, enquanto que “A epistemologia,
em compensação, passa, em geral, por parte da filosofia, necessariamente solidária a todas as outras
disciplinas filosóficas e que comportam, em consequência, uma tomada de posição metafísica”.
(PIAGET, 1973, p. 32). Sendo ainda que, “O primeiro objetivo que a epistemologia genética persegue é,
pois, por assim dizer, de levar a psicologia a sério e fornecer verificações em todas as questões de fato
que cada epistemologia suscita necessariamente”. (Piaget, 1973, p. 13). Desse modo, escreve Piaget, na
mesma obra, que:
Piaget, então, com base em seu método, limita-se ao problema de como aumentam os (e não o)
conhecimentos, realizando uma investigação que remonte às origens e desenvolvimentos das estruturas
necessárias ao nosso conhecimento. Nesse sentido, o autor procurará mostrar que a psicologia da criança
é essencial para compreender o processo de formação dessas estruturas, pois, como escreve o autor, ainda
em Psicologia e Epistemologia:
Notemos ainda que a Epistemologia Genética comporta uma análise da História da Ciência, além
de ser uma epistemologia da Psicologia Genética. Segundo Piaget (1973), além das estruturas
psicológicas possibilitarem o conhecimento científico contemporâneo, é possível traçar uma analogia
entre as operações mais gerais de formação das operações intelectuais (presente na História da Ciência)
com a experiência no terreno da psicogenética.
Voltamo-nos, então, para o tema mais amplo da relação entre Lógica e Psicologia. Existe uma
corrente filosófica, conhecida como Psicologismo, que tende a considerar a Psicologia como o
conhecimento que explicaria todos os outros conhecimentos. Por via desta corrente, argumenta-se que, se
todo conhecimento é um conhecimento elaborado pelo homem e se este homem é objeto de uma
psicologia, então esta psicologia seria a pedra base que fundamentaria a árvore do conhecimento, pois
seria o conhecimento do conhecimento.
Nesse sentido, se quisermos investigar a essência das coisas, torna-se necessário elaborar um
conhecimento de psicologia suficientemente sólido para servir à explicação dos outros conhecimentos. De
acordo com tais necessidades, surge na História da Filosofia, segundo Mora (2001, p. 2414), “[...] a
tendência a ‘reduzir’ a lógica e a teoria do conhecimento à psicologia, ou então a tratar as noções lógicas
e epistemológicas principalmente por meio de conceitos de caráter psicológico”.
O Psicologismo compreende um conjunto de autores que, segundo Mora (2001, p. 2414), tendem
a estudar a Lógica, por exemplo, como a ciência do pensar ou dos pensamentos. Segundo esta tendência,
se as leis da Lógica são igualmente leis do pensamento e se um dos objetos da Psicologia são as leis do
Locke (1999, p. 57), por exemplo, um psicologista empirista, procura argumentar, no Ensaio
Sobre o Entendimento Humano, que “Todas as ideias derivam da sensação ou reflexão [...] pois, que a
mente é, como dissemos, um papel em branco, desprovida de todos os caracteres, sem nenhuma ideia”.
Para Locke (1999, p. 38) até mesmo o princípio da identidade não prova a existência de ideias inatas.
Considera o autor que tal princípio não é universal, pois segundo ele “Não são conhecidas por grande
parte da humanidade”, isto é, “Não se encontra naturalmente impressas na mente porque não são
conhecidas [por exemplo] pelas crianças, idiotas etc.”.
No entanto, muitos autores, entre eles Frege e Husserl, colocaram-se contrários ao psicologismo.
Frege, por exemplo, nos Fundamentos da Aritmética, nos diz que o psicologismo suprime o nosso
conhecimento verdadeiro das coisas. Quanto a isso, escreve o autor:
Imagina-se, pelo que parece, que os conceitos nascem na alma individual como as folhas
nas árvores, e pretende-se ser possível conhecer sua essência por meio da investigação
de sua gênese, que se procura explicar psicologicamente a partir da natureza humana.
Mas esta concepção lança tudo no subjetivo e, levada às últimas consequências, suprime
a verdade. (HURSSEL, 1980, p. 202).
Frege usa o termo alemão “Gedanke” para expressar o conhecimento firme e eterno supracitado.
Traduz-se “Gedanke” por pensamento ou ideia. O que Frege quer dizer por “Gedanke” não é algo
subjetivo, uma atividade mental, assim como as palavras “pensamento” ou “ideia” poderiam comumente
entrever. O autor quer expressar por “Gedanke” algo que existe independente de nós, que pode ser
expresso por sentenças e é compreendido por muitos, portanto, objetivo.
Escreve em sua O Pensamento, que “O pensamento não pertence nem a meu mundo interior,
como uma ideia, nem tampouco ao mundo exterior, ao mundo das coisas sensorialmente perceptíveis”.
(FREGE, 2002, p. 35). O pensamento é, para o autor, algo objetivo.
Para enriquecer o debate filosófico contemporâneo acerca da relação entre o sujeito epistêmico e o
objeto do conhecimento, bem como da possibilidade de fundamentação do conhecimento humano, Piaget
propôs, no século passado, uma concepção distinta das anteriores, um sujeito epistêmico que conhece.
Esse sujeito epistêmico constrói seu conhecimento, e as estruturas necessárias a esse, a partir de suas
ações com o meio.
Segundo Lourenço (2008, p. 249-250), devemos observar, porém, que o kantismo evolutivo de
Piaget não se restringe à filosofia de Kant.
Para Kant “[...] embora o nosso conhecimento comece com a experiência, nem por isso todo ele se
origina justamente da experiência” e:
Para Kant existem, assim, estruturas ou esquemas, ou melhor, “as formas a priori”, que parecem
ser fixas e imutáveis, previamente contidos nas capacidades racionais. Biólogo de formação, influenciado
pelas discussões da biologia evolutiva e pelos trabalhos de Spencer e Bergson, que dão um tratamento
Escreve Lourenço (2005, p. 250) que “A inteligência e o conhecimento são, segundo eles [Spencer
e Bergson], o resultado de todo o processo evolutivo e, como a vida, formas de ajustamento e adaptação
ao meio [...] O conhecimento não é apenas contemplação; é também execução e ação”. Bergson escreveu
em A Evolução Criadora que:
Sobre a influência de Bergson em seu pensamento, no seu tempo de adolescente, Piaget (1978a, p.
72) diz: “Em resumo, eu descobriria uma filosofia [a de Bergson] respondendo exatamente à minha
estrutura intelectual de então”. Segundo Ramozzi-Chiarottino (1984, p. 33) “A ação, na concepção de
Piaget, só pode ser entendida como parte do funcionamento de toda organização viva [...]”. Podemos
dizer, com isso, que temos em Piaget algo como uma filosofia da ação, pois, para o pensador, as ações são
condição necessária para a estruturação do mundo pelo sujeito dotado de cognição.
Segundo Lourenço (2005), em Piaget, com análise de casos da psicologia do sujeito, no que
concerne às questões de fato sobre a forma do conhecimento humano, as epistemologias deixam o
isolamento das ideias e ganham uma perspectiva de controle. No comprimento desta tarefa, Piaget analisa
o comportamento infantil para compreender como nasce a inteligência e como se constituem os
fundamentos da Razão.
[...] como ele [Piaget] disse repetidas vezes, nada há em seu sistema de ‘positivo’ a não
ser o ocupar-se de fatos positivos que, não obstante, refutam o Positivismo enquanto
forma de epistemologia que ignora ou substitui a atividade do sujeito em benefício apenas
da constatação ou da generalização de leis constatadas.
Piaget manifesta-se nestes termos em uma das passagens de sua obra Sabedoria e Ilusões da
Filosofia, onde ele descreve um diálogo seu com o filósofo I. Benrubi, o qual classificara o próprio Piaget
de “positivista”. O autor, na ocasião de sua conversa com o referido filósofo, argumentara que, se o
positivismo é uma certa forma de epistemologia que ignora ou subestima a atividade do sujeito, a favor
apenas da constatação ou da generalização das leis constatadas, então ele não pode ser compreendido
como “positivista”, pois, como ele escreve:
[...] tudo o que encontro mostra-me o papel das atividades do sujeito e a necessidade
racional da explicação causal. Sinto-me bem mais próximo de Kant ou de Brunschvicg
que de Comte, e próximo de Meyerson que opôs ao positivismo argumentos que verifico
sem cessar (posta à parte a identificação). (PIAGET, 1978, p. 80).
Piaget é, também, mal intitulado de “psicologista” pelo fato de ele, no exercício da Epistemologia
Genética, recorrer à análise da psicologia do sujeito. Nesse sentido, escreve Lourenço (2008, p. 247-248)
que:
Piaget vira-se para a psicologia, porque era a disciplina que melhor poderia estabelecer a ligação
entre a biologia e a epistemologia, as suas preocupações fundamentais – é uma ciência que, tendo suas
raízes na biologia, desemboca na inteligência e nas formas cognitivas em que assenta toda a construção
do conhecimento possível.
No entanto, como vimos, no início desta Justificativa, o autor escreve que o fato de o gênero de
análise da Epistemologia Genética comportar uma parte essencial de experimentação psicológica, de
modo algum significa uma pura psicologia. Vale ressaltar que a Epistemologia Genética, além de estar
inserida nos debates metafísicos da epistemologia, enriquece-se, também, de áreas afins do conhecimento,
pois contou com:
Portanto, o autor procura argumentar que seu método, apesar de recorrer, também, a uma
Nesse sentido, observa Lourenço (2008, p. 247) que o pano de fundo de sua teoria são questões e
métodos de epistemologia, centradas em uma tentativa de naturalizar a epistemologia, cujo resultado é a
Epistemologia Genética. Assim, as questões centrais de sua obra são fundamentalmente epistemológicas e
não psicológicas, por isso, escreve Lourenço que ela deve merecer uma atenção especial dos filósofos.
Façamos, agora, uma breve análise de como se constitui a Lógica Operatória na Epistemologia
Genética.
Desde o início de suas observações do comportamento infantil, sua hipótese era a de que,
assim como existem estruturas específicas para cada função no organismo, da mesma
forma existiriam estruturas específicas para o ato de conhecer que produziriam o
conhecimento necessário e universal sempre buscado pelos filósofos. Essas estruturas,
ainda por hipótese, teriam uma gênese, isto é, não apareceriam prontas no organismo.
Podemos notar, neste sentido, que a tese epistemológica central de Piaget, em consonância com os
dados da experiência, conforme foi apresentada na introdução do Nascimento da Inteligência é de que há
uma continuidade, muito mais fundamental do que se possa imaginar, entre a organização biológica do
sujeito e suas estruturas mais abstratas. Desse modo, escreve o autor na obra:
Para Piaget (1990, p. 15) “Um esquema é a estrutura ou a organização das ações, as quais se
[...] condição primeira da ação, ou seja, da troca do organismo com o meio. Ele é
engendrado pelo funcionamento geral de toda organização viva, a adaptação. O
organismo com sua bagagem hereditária, em contato com o meio, perturba-se,
desequilibra-se e, para superar esse desequilíbrio, ou seja, para adaptar-se, constrói os
esquemas.
O esquema de ação guarda tanto uma relação com o aspecto biológico quanto com o aspecto
intelectual. Citemos um exemplo retirado de O Nascimento da Inteligência (PIAGET, 1975b, p. 124): os
esquemas de “sucção, preensão e visão” assinalam o início de um comportamento complexo, sendo um
traço de união indispensável entre a adaptação biológica e intelectual. Em específico, objetos que são
agarrados pela criança, nos primeiros meses, tendem a ser chupados ou olhados, e objetos que são olhados
tendem a ser agarrados e chupados.
Nesse sentido, através da coordenação sucessiva entre as ações de sucção e visão, o objeto é
assimilado, adquirindo um conjunto de significações para o sujeito. A partir de experiências particulares
de preensão, sucção e visão com o objeto, o sujeito as generalizam de forma a ter esquemas prévios,
condição de sua ação, para aplicá-los às situações análogas. Vale observar, ademais, que um esquema se
relaciona com outro, de modo a haver inter-relações entre esquemas, as quais se complexificam e são
também condição para o nascimento da inteligência.
Mais futuramente, nessa relação com o meio, temos, segundo Piaget (1973, p. 35-36), dois tipos
de experiências: a “experiência física” e a “experiência lógico-matemática”.
No caso das relações entre a soma e a ordem de pedrinhas enumeradas por uma criança, é
evidente que a ordem é introduzida nas pedrinhas pela ação (colocadas em fila ou em
Notemos, na citação acima, um exemplo das operações mais simples da Lógica e da Matemática, a
saber, a reunião e a constituição de uma série. As noções da lógica das classes e das relações se refletem,
então, nas ações que criança realiza sobre o mundo.
E, logo abaixo, conclui a autora que “A Lógica (independente que é da linguagem natural), então,
estaria vinculada ou se originaria na ação, na medida em que é esta que possibilita as trocas do organismo
com o meio, graças às quais há a construção (endógena) das estruturas mentais” (RAMOZZI-
CHIAROTTINO, 1984, p. 39). A essa lógica, Piaget denomina de “Lógica Operatória”, propriamente
tratada em sua obra intitulada Ensaio de Lógica Operatória29.
Segundo Piaget (1984, p. 39), o problema que deu origem ao Ensaio de Lógica é o seguinte:
Nesse sentido, podemos notar que em Piaget, as operações lógico-formais são vinculadas também
a uma psicologia do sujeito, isto é, a um conjunto de operações do pensamento “natural”, que retomam
como, se propõe, a epistemologia proposta pelo autor às origem das estruturas do pensamento, a fim de
compreender como se formam as estruturas elementares do sujeito epistêmico.
29
Denominaremos, a partir daqui, esta obra apenas por Ensaio de Lógica. Esta obra foi escrita em colaboração com o lógico
J. B. Grize, sendo, pois, a segunda edição de uma obra denominada Tratado de Lógica: Ensaio de Logística Operatória,
escrita apenas por Piaget, em 1949.
A fim de justificar esta definição, Piaget (1976, p. 14) argumenta que existe de um lado a teoria
formal e de outro a análise real, entre as quais temos uma relação muito semelhante àquela que há, por
exemplo, entre a geometria axiomática e a geometria dos objetos físicos.
Nesse sentido, escreve Piaget que a técnica de formalização exigida por uma axiomática da Lógica
garante sua autonomia em relação à Psicologia e à Sociologia. A axiomatização, segundo autor (1976,
p. 15), “[...] [por um lado] pode liberar uma ciência dedutiva de suas amarras intuitivas e [por outro]
liberar um estudo concreto e causal de suas pressuposições normativas”.
Piaget argumenta que a questão de como formalizamos nosso pensamento é uma questão que
ultrapassa os limites do formalismo e pode ser tema de intersecção entre uma lógica e uma
psicossociologia. Nesse sentido, escreve o autor que à “[...] cada estrutura formalizada corresponde a uma
estrutura real, no pensamento comum ou, na ausência deste, no espírito do próprio lógico, etc.”; e, por
outro lado, “[...] toda estrutura atingida pelas operações mentais do indivíduo, ou por uma cooperação
interindividual, suscita o problema lógico de sua formalização possível [..]”. (PIAGET, 1976, p. 15).
Próximos Passos...
Piaget (1976, p. 45), no Ensaio de Lógica, apresenta a Função Proposicional como um dos objetos
mais elementares da Lógica Operatória. Na Definição 7 (§ 4 do primeiro capítulo), escreve: “Uma função
proposicional ax é um anunciado nem verdadeiro nem falso, mas suscetível de adquirir um valor de
verdade ou de falsidade segundo a determinação dos argumentos que substituem o argumento
Mais adiante, Piaget trata da noção de quantificação em lógica. O autor denota o fato de pelo
menos um x ter a propriedade a por (x )ax e o fato de todo x ter a propriedade a por (x)ax.
O autor nos faz observar, então, com isso, que, ao exprimirmos essas noções de quantificação
lógica, relacionamos as estruturas de encaixe de classes com as Funções Proposicionais. Neste sentido,
vemos uma relação muito próxima entre Função Proposicional e classe lógica. Escreve Piaget (1976, p.
46), que “Reciprocamente, cada classe pode ser definida por qualquer função proposicional que será
verdadeira para os membros da classe e falsa para os membros da classe complementar”. É dessa
correlação que surge a definição de classe, elaborada por Piaget (1976, p. 49), a saber: “Definição 8. –
Uma classe é o conjunto dos termos que podem ser substituídos uns pelos outros a título de argumentos
conferindo um valor de verdade a uma função proposicional.”
Depois de definir “classe”, o autor define “relação”. Encontramos uma relação quando, por
exemplo, admitimos dois argumentos para as funções proposicionais, tal que temos a expressão axy.
Neste caso, axy expressa uma relação a entre dois termos quaisquer x e y. Nesse sentido, a relação é assim
definida: “Definição 9. – Uma relação é o que caracteriza um termo por intermédio de outro.” (PIAGET,
1976, p. 52).
Vemos, assim, que o conceito de Função Proposicional contribui para a lógica das classes de das
relações no que se refere a construção que o sujeito faz do Real.
A questão que guiará a investigação mais específica neste trabalho é, então, a de saber como o
sujeito epistêmico torna-se capaz de usar Funções Proposicionais, principalmente para a estruturação
lógico-matemática que ele faz do Real.
A nossa hipótese inicial é a de que a Função Proposicional é um esquema de operações que tem
início no sensório-motor. Ora, visto que a Função Proposicional está imbricada com a lógica das classes e
das relações, então investigá-la implica em investigar as classes e as relações.
Dentre as Teorias do Conhecimento mais estruturadas e atuais, que buscam responder a questão da
relação entre a lógica e o pensamento não formalizado, temos a Epistemologia Genética de Jean Piaget.
Conforme escreveu Piaget (1978, p. XVI):
Nessa perspectiva, sob o amparo de uma postura filosófica e crítica, no contexto dos debates
epistemológicos e científicos atuais, verificaremos o quanto a teoria de Piaget pode fazer-nos
compreender a natureza da função proposicional aliada às estruturas de um sujeito epistêmico. Nesse
sentido, explicitaremos, no contexto da Epistemologia Genética, como é possível a Lógica Operatória e,
em particular, como o sujeito epistêmico usa, ou se torna capaz de usar, funções proposicionais.
Vale observar que a problemática central de nosso trabalho não é formulada literalmente por
Piaget. Com base na teoria de Piaget, formulamos a questão que, nos termos em que foi formulada, faz
sentido dentro da teoria, pois pode ser tratada e verificada a partir dos elementos teóricos fornecidos pela
Epistemologia Genética.
Para este fim, além das obras já citadas, usaremos também a Gênese das Estruturas Lógicas
Elementares (1975c), que Piaget escreve em colaboração com Inhelder, bem como as obras O
Nascimento da Inteligência na Criança (1975b), A Construção do Real na Criança (1970) e A Formação
do Símbolo na Criança (1975a), as quais, segundo Piaget (1975b, p. 9), “[...] formam, pois, um todo
consagrado aos primórdios da inteligência, isto é, às diversas manifestações da inteligência sensório-
motora e às formas mais elementares da representação.”
Referências
______. O Pensamento: uma investigação lógica. In: Investigações lógicas. Porto Alegre: PUCRS, 2002.
LOCKE, J. Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
______. Ensaio de lógica operatória. Porto Alegre: Globo; São Paulo: Ed. da USP, 1976.
______. Psicologia e epistemologia: por uma teoria do conhecimento. Rio de Janeiro: Forense-
Universitária, 1973.
PIAGET, J.; INHELDER, B. A gênese das estruturas lógica elementares. Brasília: Zahar Editores, 1975c.
RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. Em busca do sentido da obra de Jean Piaget. São Paulo: Ática, 1984.
Resumo
Abstract
The study of the adults’s thought has some methodological features that hinder the investigation. For the
analysis of structures and mental processes of the researchers are reference Epistemology Genetics
Clinical-Critical Method, or simply Clinical Method. However, the studies of Piaget and the Geneva
School of dealing, mainly in terms of development psychogenetic ie the intellectual development from the
child. For adults, the clinical method needs some adjustments suffer because they have structures and
processes of thinking individuals. In general, the more accurate and quick thinking of adults can lead to
the opening of multiple possible levels and countless chances to meet that deductible in tables
simultaneously. It is particularly difficult to find a thought that may follow the same time more than one
route, and slightly out some hypotheses in favor of others. This article aims to provide opportunities for
methodological research that address the specifics of the adult. In particular, we discuss the clinical
practice of the method and its nuances in the application subject to greater of 20 years. Given the variety
of logical- mathematical operations possible, we highlight the research in view of the psychological
subject and the construction of meaning.
Por outro lado, além das estruturas gerais de pensamento, pode-se investigar os procedimentos de
resolução de problemas, isto é, os aspectos funcionais do raciocínio. Neste caso, estaremos nos dirigindo
para o sujeito psicológico, que se caracteriza por sua subjetividade, vontade, particularidade e
complementação conceitual ao sujeito epistêmico; ou ainda, aquele em que suas características pessoais e
exclusivas: formas de pensamento e ações particulares, adquirem relevância.
Piaget estudou ao longo de toda a sua obra, em maior parte, as características de estruturação de
maneira psicogenética, isto é, a partir da gênese dos conhecimentos originados na criança. Todavia, ele
mesmo identificou dificuldades em compreender o pensamento do adulto. Dada às diversidades de
experiências particulares anteriores e à organização mais sofisticada do pensamento do adulto, torna-se
muito complicado identificar as características mais gerais de estruturação. De fato, se pensarmos em um
sujeito que se encontra no estádio das operações formais, suas possibilidades de organização mental
podem reunir quadros simultâneos de pensamento que dificultam em demasia o acompanhamento do
raciocínio. Em função das particularidades de cada sujeito, as experiências individuais frente aos objetos
são as mais distintas, ocasionando na vida adulta, diversas maneiras de compreender e assimilar os
conteúdos. Assim, é possível encontrar nos adultos uma variedade bastante grande de comportamentos a
respeito de problemas que são apresentados, visto que é possível encontrar distintos estados de
significação e explicação das situações. Nesse sentido, acreditamos que é interessante investigar os
procedimentos dos adultos frente aos problemas, isto é, à organização dos comportamentos em suas
características processuais na dimensão do sujeito psicológico.
Na Escola de Genebra, encontramos alguns autores que se dedicaram ao estudo dos aspectos
funcionais (INHELDER e col., 1976; INHELDER & KARMILOFF-SMITH, 1981; INHELDER &
CÉLLÉRIER, 1992). Todavia, o enfoque se manteve na ideia de gênese, isto é, sempre a partir da criança.
Acreditamos que esses estudos podem ser continuados e adaptados à investigação dos adultos, tornando-
Para falar nestes diferentes níveis de condutas dos adultos é importante esclarecer que isto se tange
na dimensão do sujeito psicológico. Os estudos na ótica do sujeito epistêmico permitem compreender a
possibilidade de interação entre sujeito e objeto, todavia, os conteúdos influenciam fortemente as
condutas. Os graus de novidade e complexidade das tarefas propostas perturbam as operações lógico-
matemáticas que existem apenas no plano teórico do sujeito epistêmico. Levando em conta as
características dos procedimentos, poderíamos investigar os conjuntos de comportamento que permitem
diversos níveis de resolução dos problemas e de organização da inteligência. Se por um lado, o estudo da
estruturação mental do adulto é muito difícil, torna-se interessante a consideração dos conteúdos e a
dimensão do sujeito psicológico.
Ainda que façamos uma divisão didática entre sujeito epistêmico e psicológico, é evidente que ela
não se manifesta na realidade. Cada pessoa possui características comuns de seu desenvolvimento, que
abrangem a dimensão do sujeito epistêmico; bem como comportamentos exclusivos que remontam ao
estudo do sujeito psicológico. De fato, pode parecer, superficialmente, que estamos determinando que
todos os adultos são sujeitos formais. Longe disso, pois temos claro que o desenvolvimento das estruturas
lógico-matemáticas não depende apenas da maturação e da idade (Piaget, 1936, 1957). O que propomos é
um outro escopo de análise. Acreditamos que o viés metodológico da pesquisa com adultos pode se
ocupar das características processuais que os conteúdos específicos demandam, ainda que sofrendo
influência da mobilidade lógico-matemática de sua estrutura mental. Antes de apresentarmos a
abordagem metodológica que desenvolvemos para atender essas especificidades do adulto,
apresentaremos uma construção teórica necessária para compreender o sujeito psicológico nesta
perspectiva.
Quando se pensa o conhecimento a partir da Epistemologia Genética, o ser humano pode ser
entendido na interação entre o sujeito e os objetos de conhecimento. O desenvolvimento ocorre na medida
em que se passa por diversos níveis de construção. Os estádios dessa evolução encontram-se amplamente
Além disso, a construção da significação depende de dois fatores ligados aos conteúdos: o grau de
novidade que eles representam para o sujeito e a complexidade da problemática envolvida. Por exemplo,
ao compararmos dois sujeitos formais, um físico e um médico, vemos duas reações semelhantes e, ao
mesmo tempo, distintas. Diante de um problema a propósito da fusão nuclear ambos podem apresentar
equivalência de condutas quanto à dimensão estrutural. Podem levantar hipóteses, valer-se da dupla
reversibilidade de operações e da estrutura do Grupo INRC. Contudo, o conteúdo abordado é mais
familiar ao físico, devido à especificidade de sua formação. Muito provavelmente, ele será capaz de
significar a situação de uma maneira mais eficaz que o médico. Este, ao organizar suas condutas, encontra
dificuldade na novidade do conteúdo e na ausência de esquemas para lidar com a situação. Além disso, o
problema apresenta certo grau de complexidade, o que representa mais uma dificuldade para a
significação. A disponibilidade de uma estrutura formal, tal como o INRC, não basta por si só, pois é
preciso ter esquemas construídos para significar os problemas. Dessa maneira, aparentemente, as
condutas voltariam a apresentar características mais simples, ainda que não haja uma regressão da
estrutura lógico-matemática. O adulto não perde a capacidade (o poder) de agir de modo hipotético-
dedutivo e é justamente isto que garante uma quantidade maior de possíveis a serem acionados na hora de
agir sobre um objeto resistente e complexo.
Antes de nos envolvermos em uma situação, acreditamos que o sujeito organiza um conjunto de
inferências que antecipa suas condutas e juízos, no sentido de um modelo. Nessa perspectiva, entende-se
que um modelo é o quadro assimilador formado pelos esquemas construídos, o qual permite atribuir
significação aos problemas, controlar, organizar e dirigir a atividade cognitiva do sujeito. Assim, na
De acordo com Wermus (1982, p. 264): “O termo modelo indica seu status mediador entre o
pensamento formal e o pensamento natural”, isto é, os modelos originam-se dessa relação entre a
estrutura lógico-matemática e os conteúdos a fim de fornecerem instrumentos pelos quais o sujeito pode
interpretar a realidade e elaborar uma significação. É possível encontrar duas pessoas que possuem um
mesmo modelo, mas que apresentam significações, aparentemente, com conteúdos diferenciados sobre o
mesmo problema. No caso das pesquisas com adultos que Bovet (2002) realizou a respeito da flutuação,
foi possível identificar sujeitos que apresentavam explicações bastante distintas, mas com características
em comum. Alguns diziam que um objeto flutuava por ser redondo, outros diziam que flutuava por
parecer um barco. As explicações parecem ser diferentes, mas podem derivar de um mesmo modelo de
significação, que é o de se centrar sobre características externas do objeto.
Diferente de uma ideia behaviorista, uma organização em função dos conteúdos não significa que
há um comportamento a ser construído para cada situação. Faz-se o uso da palavra modelo para exprimir
que essa organização das significações apresenta certo grau de generalidade, pois os próprios esquemas
são organizações das características mais gerais das ações. As operações, oriundas da estrutura lógico-
matemática, apresentam um caráter ainda mais universal, podendo sustentar diversos modelos de
A figura anterior ilustra a dinâmica que propomos. Encontra-se no sujeito uma estrutura mais ou
menos geral que é responsável por organizar as operações lógico-matemáticas. Além dela, existiriam
modelos de significação que se originaram da atividade operatória particular do sujeito frente aos
conteúdos. Os comportamentos continuariam, como já afirmou Piaget (1972), equivalentes, sob o ponto
de vista lógico-matemático, mas podem ser considerados hierarquicamente diferenciados se levarmos em
conta os conteúdos e a significação construída sobre estes. Assim, no caso do adulto, o interesse de
pesquisa recairia sobre os inúmeros modelos de significação que podem ser elaborados em função de uma
variedade maior de esquemas e implicações construídos ao longo da vida. Nesse sentido, o estudo do
pensamento do adulto carece de inovações metodológicas que atendam às suas especificidades e
singularidades.
A perspectiva metodológica
- exploratório: haja vista que não existem grandes marcos teóricos a propósito da cognição em
adultos, os estudos exploratórios configuram-se como uma opção razoável para investigar um objeto
ainda pouco investigado;
- qualitativo: os dados quantitativos podem fornecer quadros interessantes, mas no que tange ao
raciocínio, os processos tornam-se mais relevantes do que os resultados em si. A pesquisa qualitativa
parece exprimir melhor as nuances de um objeto de estudo que não possui fronteiras muito bem definidas.
Por último, em uma terceira etapa, volta-se à entrevista, com uma pequena variação do problema
em relação à situação inicial, e registra-se uma “última foto”, entendida como a significação que o sujeito
produz sozinho ao final da sessão. Não se torna interessante realizar os mesmos questionamentos da
primeira etapa, pois o sujeito já vivenciou aquela situação e já passou pela experimentação com o Método
Clínico. O que propomos é uma variação de mesmo conteúdo, mas com diferente formulação. Esta
alteração é importante por que, como Piaget (1931) já alertou, a inteligência possui dois aspectos: a
invenção e a verificação. O pensamento do adulto possui, em geral, ferramentas de verificação muito
mais poderosas do que as das crianças. Ao longo da segunda etapa, o sujeito pode verificar a coerência
dos procedimentos e das perguntas realizadas pelo próprio experimentador. Retomar a problemática sem
a intervenção feita na etapa anterior permite, de fato, averiguar a coerência e a autenticidade dos
procedimentos e significações elaborados. Além disso, muitos adultos podem apresentar múltiplos
processos de pensamento ao longo da aplicação da atividade e que vão sendo descartados um a um. O
poder de verificação do pensamento do adulto faz com que ele descarte hipóteses que não lhe parecem
coerentes. A cada descarte ele pode formular outra hipótese e outra estratégia para interpretar a situação,
ficando difícil identificar aquela que realmente o satisfaz. Neste caso, esta última etapa serve para
evidenciar qual das estratégias, propriamente, o sujeito considera como a mais adequada.
Um recurso que propomos para este segundo momento é o uso de materiais concretos. Muitas
vezes, só a fala durante a entrevista não é capaz de evidenciar os processos de pensamento que o adulto
elabora. O próprio Piaget se deu conta, em determinado período de seus estudos, que somente as
verbalizações sobre os fatos poderiam não revelar tudo o que o sujeito saberia sobre ele, pois as ações
precedem as compreensões. Se a especificidade do conteúdo comporta, é sempre melhor o uso de
materiais. Eles permitem que o sujeito atue de forma mais livre, que identifique de maneira mais clara o
problema proposto, bem como proporcionam maior possibilidade de análise das ações. Neste sentido,
consideramos que os materiais propostos para uma tarefa serão mais adequados quando:
• Existem situações no uso dos materiais que podem se manifestar como conflitos ou resistências às
ideias mais imediatas e simples.
• O material não permite uma solução imediata. É necessário passar por diversas etapas que
explicitam os procedimentos de resolução e demandam a justificativa e a significação das ações
empregadas.
• Podem-se propor variações usando o mesmo material, a fim de verificar a coerência dos
procedimentos utilizados em diferentes situações.
Em termos práticos, durante a etapa em que se utiliza o Método Clínico, procura-se propor
situações de contra-sugestão, ou de conflito, que permitam ao sujeito operar sobre os conteúdos de modo
a evitar respostas prontas ou automáticas. O uso de tarefas que envolvem problemas com materiais
concretos facilita toda essa conjectura em função dos motivos anteriormente expostos.
No que tange à análise dos dados coletados, produzida estas três instâncias da sessão e da coleta,
pode-se organizar um protocolo que contemple os seguintes índices de categorização:
A partir do protocolo de análise, as condutas podem ser agrupadas e categorizadas em função dos
esquemas e das implicações envolvidos. De acordo com a tarefa, o pesquisador poderá perceber desde os
esquemas mais simples e as implicações mais frágeis até as organizações mais sofisticadas e coerentes.
Como se trata de um estudo funcional, não há número fixo de níveis. As diferentes condutas surgem da
variedade dos procedimentos empregados e da complexidade de coordenações demandadas pelos
problemas. O número de níveis e modelos de significação a serem encontrados depende do grau de
precisão da coleta de dados. De fato, pode-se chegar a infinitos níveis, caso analisemos as minúcias das
condutas. A variabilidade do comportamento humano não permite o estabelecimento de fronteiras muito
precisas que indiquem pontos de partida e chegada. Estudos exploratórios tendem a se prender nos
esquemas e procedimentos mais gerais, limitando-se a identificar quatro ou cinco modelos de
significação. Investigações mais rigorosas podem se apoiar nestas pesquisas exploratórias para elaborar
protocolos mais refinados e que conduzam a níveis mais diferenciados e específicos, sem que se possa
definir um número possível de modelos a serem construídos.
Detalhes práticos
Um aspecto importante é o de, antes de iniciar a sessão, tranquilizar o sujeito quanto ao sigilo dos
dados e às intenções da pesquisa. O fato de explicar a intencionalidade da sessão é um elemento
importante, pois o sujeito – tanto a criança quanto o adulto - tende a querer adivinhar as respostas que o
experimentador gostaria de ouvir. Os adultos tendem a se preocupar mais com a avaliação que se faz de
seu desempenho, além disso, o raciocínio mais veloz e coerente permite que se elaborem muitas
conjecturas sobre qual seria a real intenção do entrevistador. Em experiências anteriores percebemos que
muitos sujeitos acreditavam que as provas clínicas eram meros disfarces para outros tipos de análise e,
por diversas vezes, nos perguntavam se as respostas eram boas o suficiente ou se gostaríamos que eles
agissem de outra maneira. Quando o pesquisador explicita suas intenções, referindo-se diretamente ao
conteúdo que procura investigar, pode-se evitar que o sujeito se concentre em outros fatores e que desvie
seu raciocínio na construção de hipóteses sobre o que o experimentador de fato quer saber.
Outro detalhe prático a ser observado refere-se às conversas que atravessam os diferentes
Igualmente, ainda que, para o pesquisador, a sessão se constitua de três momentos, com as
entrevistas e o Método Clínico, tal organização não é transparente ao sujeito. Para ele, trata-se de uma
atividade contínua na qual o experimentador apresentou um tema e o retoma de diferentes maneiras.
Considerações finais
Referências
INHELDER, B.; KARMILOFF-SMITH, A. Si quieres avanzar, hazte com uma teoria, In: Infancia u
apredizaje, n. 13, 1981. p. 69-88.
INHELDER, B. e CELLÉRIER, G. Les cheminements des découvertes de l'enfant : Recherche sur les
microgenèses cognitives. Paris, Delachaux et Niestlé, 1992.
INHELDER, B.; BLANCHET A.; BORDER; CAPRONA, D.; SAAD-ROBERT, M.; ACKERMANN-
VALLADAO, E. Procédures et significations dans la résolution d’um problème concret. In: Bulletin de
LAVILLE, Cristhian; DIONE, Jean. A construção do saber. Porto Alegre: ArtMed, 1994.
LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Fundamentos da pesquisa em educação. São Paulo: EPU, 1986.
_____. [1945] A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho; imagem e representação. Rio
de Janeiro: Zahar, 1978.
_____. e INHELDER, B. [1955] Da lógica da criança à lógica do adolescente. São Paulo: Pioneira,
1976.
_____. Les liaisons analytiques et synthétiques dans les comportements du sujet. Paris: P.U.F., 1957.
_____. L’évolution intellectuelle entre l’adolescence et l’âge adulte. In: Third International convention
and awarding of Foneme prizes. Milao: Foneme, 1970, p. 149-156.
_____. [1972] Problemas de psicologia genética. Rio de Janeiro: Forense, 1973. (Col. Os Pensadores).
WERMUS, Henri. Procedures de la pensee naturelle et schemes formles. In: Cahiers de la Fondation
Jean Piaget -Epistemologie Génétique et science cognitive n. 3, 1982. p. 239-271.
30
Nos casos em que não foi consultada diretamente a primeira edição, a data entre parênteses indica o ano de publicação
desta. O restante concerne à referência consultada efetivamente. No texto é empregada a data da primeira aparição da obra.
Resumo
Várias são as discussões realizadas no campo da Educação Matemática que apontam a necessidade de
refletir sobre o ensino da mesma, a fim de garantir uma formação crítico-social do indivíduo, habilitando
o mesmo a conviver em sociedade exercendo sua autonomia. Assim, o presente trabalho é resultado dos
encaminhamentos de uma pesquisa que vem sendo realizada por alunos de iniciação científica e docentes
da UFMS, desde o ano de 2006 em uma escola de ensino fundamental no município de Três Lagoas MS.
Através da parceria entre universidade e escola, temos desenvolvido várias ações de extensão que envolve
diretores, coordenadores pedagógicos, professores, docentes da universidade, acadêmicos do curso de
Pedagogia, alunos da 1ª e 2ª etapa da educação básica e, em especial, as mães de alguns desses alunos. A
pesquisa tem como objetivo investigar os conhecimentos que as mães dos alunos possuem em relação à
matemática, de acordo com o conceito do Letramento Matemático, ou seja, a utilização da matemática no
cotidiano como ferramenta de sobrevivência e, com o conceito da Construção do Conhecimento
Matemático segundo Piaget, que diz – o conhecimento não é uma cópia da realidade, mas sim o agir, mo-
dificar, transformar e compreender todo o processo de aprendizagem. Como opção metodológica adotar-
se-á a abordagem de pesquisa qualitativa baseando em autores com Flick (2004) e Ludke (1986) e como
instrumento para tratamento dos dados a análise de conteúdo segundo a ótica de Bardin enfocada por
Franco (2003) Para coleta de dados serão utilizadas entrevistas semi-estruturadas e registro de vivências
com grupos de mães em que entrarão em contato com materiais de conteúdo matemático presentes em
textos escolares e não-escolares. Esta pesquisa certamente contribuirá para que as mães tomem ciência de
seus saberes sobre a matemática num contexto não habitual, resultando em uma melhor interpretação dos
problemas matemáticos.
31
Acadêmica do curso de Pedagogia – 4º ano da UFMS, bolsista de Iniciação Científica UFMS – PIBIC 2007/09.
32
Doutora em Educação, docente do Departamento de Educação da UFMS, Campus Três Lagoas – e dos Programas de Pós
Graduação – CCHS/UFMS e de Educação Matemática EDUMAT/UFMS.
33
Agência de Fomento.
There are diverse discussions in the field of mathematics education pointing for the necessity of thinking
about its teaching with the finality of guarantying the social and critical formation of the individuals,
enabling them to live in society and maintaining their own autonomy. Thus, the present work is the result
of a research that has been done by scientific initiation students and professors of UFMS since 2006 in a
fundamental level school of the city of Tres Lagoas MS. By the partnership between University and
School, we have been developing many extension actions involving directors, pedagogic coordinators,
teachers, university professors, academics from the pedagogy course, students from the first and second
levels of basic education, and especially some students’ mothers. The aim of this research is to investigate
the knowledge that students’ mothers have about mathematics, in accordance with the concept of
mathematical literacy, in other words, using mathematics as a tool in the everyday life, and the concept of
the construction of the mathematical knowledge accordingly with Piaget, which propose that “the
knowledge is not a copy of reality, but it is acting, modifying, transforming, and comprehending all the
learning process”. The qualitative research based on the authors Flick (2004) and Ludke (1986) was
adopted as the methodological tool. The content analysis accordingly with Bardin and later focused by
Franco (2003) was adopted as the instrumentation for treating the data. We will collect the data utilizing
semi-structured interviews and everyday recordings from a group of mothers that will be in touch with
mathematical content materials present in scholar and non-scholar texts. This research certainly will
contribute to let mothers know their own mathematical knowledge in a non-usual context, which will
result in a better interpretation of these mathematical problems.
Várias são as discussões realizadas no campo da Educação Matemática que apontam a necessidade
de refletir sobre o ensino da mesma, a fim de garantir uma formação crítico-social do indivíduo,
habilitando o mesmo a conviver em sociedade exercendo sua autonomia. Nos eventos que abordam
temáticas educacionais, o ensino da matemática é sempre muito debatido, principalmente nos enfoques
sobre a formação docente, o processo ensino-aprendizagem, a didática do ensino e, a construção do saber.
Durante muito tempo pensou-se que o conhecimento matemático era privilégio de alguns portadores
de mentes especiais, ou seja, poucos entre os muitos que não nasceram para a Matemática. Com isso, a
escola por muito tempo supervalorizou a matemática científica e/ou escolar como a única representante
do saber e, a única capaz de elevar o sujeito na sociedade.
Com isso, uma das questões que nos impulsionou neste estudo foi o fato da matemática na maioria
das vezes, ser reproduzida nas escolas com um padrão científico, quase sempre imposto e não construído.
De acordo com Grando & Mendes (2007), vista neste enfoque a matemática acadêmica trabalhada nas
escolas seria a única responsável pela promoção de capacidades, portanto, a única matemática possível de
desenvolver no sujeito capacidades de abstração.
Entretanto, sabemos que além da escola, existem vários outros espaços educativos que permitem ao
sujeito construir seu conhecimento, pois de acordo com Piaget, a Construção do Conhecimento
Matemático não se dá como uma cópia da realidade, mas sim com o agir, modificar, transformar e
compreender todo o processo de aprendizagem. E isto, o sujeito realiza a partir da reflexão sobre sua
prática cotidiana, podendo fazê-lo não somente no espaço escolar.
Dentro dessa compreensão, o presente trabalho resulta dos encaminhamentos de uma pesquisa que
vem sendo realizada por alunos de iniciação científica e docentes da UFMS, desde o ano de 2006 em uma
escola de ensino fundamental no município de Três Lagoas MS. Tem como sujeitos de investigação
algumas mães de alunos das séries iniciais desta escola municipal, que mantém parceria de trabalho de
ensino e extensão com a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, desde 2006.
Sendo assim, a pesquisa tem por objetivo investigar os conhecimentos que as mães dos alunos
possuem em relação à matemática, na perspectiva do conceito de Letramento Matemático, ou seja, da
utilização da matemática no cotidiano como ferramenta de sobrevivência. Sabemos que o número está
presente em toda parte, que desde os primeiros anos de vida estabelecemos contato direto com sistema de
numeração decimal ao construirmos a idéia de idade, a noção de tempo, espaço e quantidade, quando
somos capazes de realizar atividades de classificação e seriação a partir dos esquemas cognitivos já
Através das análises, da criação de estratégias, das conjecturas, da troca de experiências, dos
conhecimentos anteriormente construídos, acreditamos que o aprendizado da matemática se torna mais
significativo, ou seja, o sujeito consegue construir mecanismos que possibilitarão o domínio e a abstração
dos conceitos. Sendo a matemática uma ciência abstrata, deve-se partir do contato com o real, como
possibilidade para as abstrações.
Tanto no ensino das crianças como também dos adultos, valorizar os conhecimentos prévios do
sujeito é de grande valor, pois permite articulações entre o conhecimento já construído e esquematizado,
com os novos conhecimentos que serão construídos através da reflexão sobre a prática cotidiana.
Assim, essa pesquisa pretende contribuir para que as mães compreendam que os saberes que
desenvolvem num contexto não habitual sobre a matemática, resultam em uma melhor interpretação dos
problemas matemáticos e podem desenvolver as competências numéricas tão indispensáveis em nossos
dias. “[...] Saber identificar, compreender e saber usar os números, as operações com números e as
relações numéricas. [...] saber interpretar criticamente o modo como os números são usados na vida de
todos”. (PONTE, 2006, p. 70).
Referencial teórico
O fato de a escola supervalorizar a matemática acadêmica é um dos principais motivos que levam as
pessoas menos ou sem nenhuma escolarização a se afastarem da matemática, e por vezes são gerados
sentimentos de repulsa e até mesmo de incapacidade diante dessa ciência tão presente em nossas vidas.
Segundo Knijnik (1995, com essa data não há referência), ao considerar que o saber legitimado e o
não-legitimado se relacionam de forma complexa, é estabelecido uma relação de poder do legitimado
sobre o não-legitimado. A autora sublinha que o ensino da matemática deve, entre outros fatores,
considerar o conhecimento produzido tanto no cotidiano quanto no universo acadêmico, fornecendo
Diante disso, surgem alguns conceitos voltados para a matemática significativa, ou seja, para a
valorização e o reconhecimento dos conhecimentos construídos no dia a dia. São eles: Letramento
Matemático, Alfabetização Matemática, Numeramento, Linguagem Matemática entre outros.
Utilizaremos conceitos sob a ótica do letramento matemático a fim de melhor fundamentar nosso
trabalho.
A tudo quanto foi dito, é preciso acrescentar que a discussão teórica deste trabalho tem como
fundamento o conceito da construção do conhecimento matemático, segundo a Epistemologia Genética de
Piaget, o qual busca [...] “por à descoberta as raízes das diversas variedades de conhecimento, desde as
suas formas mais elementares e seguir sua evolução até os níveis seguintes , até, inclusive, o pensamento
científico”. (PIAGET, 1971, p.8)
O termo Letramento Matemático vem do conceito inglês conhecido como Numeracy, que procura
enfocar os aspectos sociais que envolvem a escrita matemática incluindo as diversas possibilidades de
representação, seguindo os mesmos caminhos do Letramento, que se resume nas práticas e eventos
sociais permeados pela escrita. (GRANDO; MENDES, 2007, p. 13)
Segundo as referidas autoras, o letramento matemático por vezes faz referência ao termo
Numeramento, por estarem intrinsecamente ligados, não sendo possível haver dicotomia entre eles. O que
muda é apenas por uma questão de tradução conceitual. Pois o numeramento pode ser pensando no
sentido das diversas práticas em que são produzidas diferentes matemáticas, entre as quais existem
aquelas diferentes das práticas escolares. Concordando com essa idéia, Barton (1994) afirma que:
Em contraposição com a visão geral que se pode encontrar sobre o ensino da matemática na escola,
Também pode ser entendido como denominação das habilidades básicas para utilização de registros
matemáticos diante do trabalho ou da vida diária.
Preparar listas de compras, verificar o vencimento dos produtos que serão comprados,
comparar preços antes de comprar, conferir o consumo de água, luz ou telefone, procurar
as ofertas da semana em folhetos e jornais, comprar a prazo, anotar dívidas e despesas,
conferir troco, conferir notas e recibos, fazer ou conferir acertos de contas ou orçamento
de serviços, pagar contas em bancos ou casas lotéricas, anotar números de telefones, ver
as horas em relógio de ponteiros ou digital, ler bula de um remédio que comprou e ler
manuais para instalar aparelhos domésticos são tarefas que fazem parte do cotidiano [...].
(TOLEDO, 2004, p. 97).
Esta é uma habilidade que faz parte da competência do sujeito do ponto de vista da autonomia
sócio-educativa. Compreender a matemática como um fator constante no dia-a-dia implica em entender o
porquê dela, haja vista que durante o processo de escolarização seu ensino basicamente persiste na ideia
de conceber os objetos de ensino como cópias dos objetos da ciência, desconsiderando que no cotidiano,
o sujeito é capaz de desenvolver mecanismos e atividades matemáticas a fim de sanar seus conflitos.
O letramento matemático nos permite compreender como os sujeitos pouco escolarizados enxergam
a matemática em seu dia a dia e, ainda, nos permite fazer articulações e reflexões sobre como seus
conhecimentos práticos são construídos. A partir do letramento matemático pode possível aproximar o
saber legitimado, ou seja, o escolar, das práticas sociais, ou ainda, a partir delas, reconstruir nosso modelo
educacional.
Apesar de ser muito forte a ideia de que o sujeito para aprender a matemática precisa ser
alfabetizado, esta já vem sendo desmistificada. Através de estudos e pesquisas fica evidenciado que a
aprendizagem da matemática com a alfabetização na língua materna não ocorrem linearmente. O sujeito
não precisa aprender primeiro as letras para depois aprender os números.
Já que está inserida no universo numérico desde muito cedo, podemos perceber a matemática em
uma criança pequena desde que questiona a sua idade e outros entes matemáticos que a rodeia,
Mas o que ocorre com crianças que crescem em comunidades alfabetizadas? O notacional
aparece em diferentes contextos – em paredes, objetos, embalagens, jogos, papel ou
papelão – e também como parte de diversas atividades. Para muitas crianças, ver um
cartaz, fazer um desenho, copiar letras ou “fazer números” é uma experiência tão direta
quanto brincar com areia ou ir a um supermercado. (TEBEROSKY & TOLCHINSKY,
2003, p. 198)
Teberosky e Tolchinsky (2003) demonstram em uma pesquisa que realizaram em que eram
apresentados para as crianças vários cartões com letras ou números marcados, que ao agrupá-los segundo
suas semelhanças, as crianças mesmo sendo pequenas fizeram agrupavam, número com número e letra
com letra.
Quando questionadas quanto aos agrupamentos, as crianças responderam que os cartões com letras
serviam para “escrever”, já os cartões com números para “contar”. E que os cartões que apresentavam
letras e números juntos, não serviam para nada.
Diante desse dado, reafirmamos que o ensino da matemática não deve ser postergado ao da escrita,
visto que a criança esta em contato com o número todo o tempo, fazendo do mesmo uso e reconhecendo
sua função no contexto social.
Com respeito a esta questão, cumpre salientar que em nossa pesquisa, partimos do principio que o
significado da matemática resulta da vinculação entre seu aprendizado social e escolar, considerando seu
conhecimento prévio baseado em uma inteligência prática adquirida no âmbito social.
Alfabetização matemática diz respeito aos atos de aprender a ler e escrever a linguagem
matemática, usadas nas séries iniciais da escolarização. [...] a alfabetização matemática,
portanto, como fenômeno que trata da compreensão, da interpretação e da comunicação
dos conteúdos matemáticos ensinados na escola, tidos como iniciais para a construção do
conhecimento matemático. Ser alfabetizado em matemática, então, é compreender o que
se lê e escreve o que se compreende a respeito das primeiras noções de lógica, de
aritmética e de geometria. Assim, a escrita e a leitura das primeiras ideias matemáticas
podem fazer parte do contexto de alfabetização. (DANYLUK, 2002, p. 20-21)
Segundo Piaget (1971), o conhecimento não pode ser visto como algo predeterminado nas
estruturas internas do sujeito, pois resultam de uma construção efetiva e continua, ou seja, são as
interações e as vivências com o meio que levarão sujeito a construir seu conhecimento.
Assim, todo conhecimento a ser interiorizado pelo sujeito é fruto de sua relação com o meio social
desde o nível de sua estrutura cognitiva. Desse modo, todo conhecimento prévio, ou seja, todo
conhecimento já construído anteriormente através dos esquemas cognitivos, são de importante valor para
a aprendizagem, pois são a partir deles que os sujeitos construirão novos conhecimentos.
Façamos um parêntese para ressaltar que os conhecimentos adquiridos na prática, no dia a dia, não
só podem como devem ser considerados, pois são a partir deles que o sujeito poderá refletir sobre suas
ações, modificando, transformando e, por conseguinte, compreendendo todo o processo de sua
aprendizagem.
Entendemos a matemática hoje, como uma ciência que permite construir no sujeito certas
habilidades para a resolução dos problemas diários, que permite a ação e reflexão sobre a prática
cotidiana.
Objetivos
Essa pesquisa tem como objetivo investigar os conhecimentos que as mães dos alunos de meios
populares possuem em relação à matemática. A investigação tem como base o conceito do Letramento
Matemático, ou seja, busca desvelar a utilização que essas mães fazem da matemática no cotidiano, como
ferramenta de sobrevivência, em consonância com o conceito da Construção do Conhecimento
Matemático não como cópia da realidade, mas sim como o agir, modificar, transformar e compreender
todo o processo de aprendizagem.
Partimos do pressuposto que saber matemática não é sinônimo apenas de fazer e repetir contas.
[...] é mais do que simplesmente conhecer o número e saber fazer contas “secas”, sem
vida: a alfabetização matemática busca dar condições para que os jovens e adultos
possam entender, criticar e propor modificações para situações de sua vida pessoal, da
vida coletiva do assentamento e do mundo mais adiante. (MST, 1996 p. 2 apud LOPES,
2005).
Quando se fala da escrita matemática é impossível não fazer correlação com a Linguagem
Matemática, pois não existe dicotomia entre ambas. A escrita compõe a linguagem e a linguagem compõe
a escrita dentro do processo de ensino-aprendizagem. A matemática, enquanto linguagem é capaz de criar
seus próprios símbolos e elaborar suas próprias ordens, pois se trata de ciência viva. Porém, existem
diferenças gritantes entre a linguagem matemática vivenciada na escola com a linguagem matemática
vivenciada em casa, pois “a linguagem matemática não é só um fator do desenvolvimento intelectual do
aluno, mas também um instrumento fundamental na sua formação social”. (VERGANI, 1993). Sendo
assim, se torna fundamental aproximar a linguagem matemática da escola com a linguagem matemática
materna.
Acreditamos que ao realizar tal aproximação, estaremos contribuindo para o acesso do indivíduo ao
conhecimento científico, possibilitando o exercício de sua autonomia e facilitando sua convivência em
sociedade.
Nossa opção metodológica consiste na abordagem qualitativa, visto que essa modalidade de
pesquisa fundamenta-se em dados coligados e nas integrações interpessoais, na co-participação das
situações em que os dados não são encarados como totais e absolutos.
A abordagem qualitativa permite ao pesquisador manter contato direto com seu objeto de estudo,
preservando a complexidade do comportamento humano, observando a realidade através da participação
em ações do grupo, por meio de entrevistas, conversas, permitindo ao mesmo tempo comparar e
interpretar as respostas encontradas em situações adversas. (LÜDKE e ANDRÉ,1986).
As investigações vêm sendo até então realizadas em observações quinzenais com um grupo de mães
por um período determinado; pelo contato com leituras de produções e relatos orais das mães em
situações formais e não-formais de suas vivências matemáticas do dia a dia. Pretendemos ainda trabalhar
tanto a interpretação como a elaboração de textos matemáticos a serem produzidos pelas mães.
Para a análise dos dados estamos considerando os aspectos referentes ao domínio dos mecanismos
práticos da matemática, ou seja, a utilização da “matemática do cotidiano”, partindo do pressuposto da
existência de uma diversidade de práticas de letramento desenvolvidas pelas mães no seu dia a dia.
A opção por atividades que propiciem o contato das mães e filhos/alunos em situações próprias à
utilização do letramento matemático, também foram ainda utilizadas, com o intuito de explorar, além dos
conhecimentos específicos da matemática, a capacidade destas de interpretar e utilizar o sistema
notacional específico da matemática.
Desenvolvimento
A nossa pesquisa está vinculada a uma pesquisa maior, intitulada: “Mães, Crianças e Livros:
Investigando Práticas de Letramento em Meios Populares”, que já vem acontecendo desde 2007. Já foi
possível reunir com algumas mães em alguns encontros. No primeiro encontro foi lido para as mães o
livro Mania de Explicação da Adriana Falcão, e em seguida foi pedido que elas interagissem de acordo
com o que era proposto durante a leitura.
No segundo encontro foi lida a estória criada por um participante da pesquisa, com o título “O lenço
que queria ser...”. A participação tanto de mães como dos filhos foi intensa, a estória foi muito bem aceita
e em seguida foi pedido a elas que fizessem as dobraduras propostas na estória com o lenço. E no terceiro
encontro foi apresentado o livro Olha o Olho da Menina da Marisa Prado, em seguida foi solicitado para
as mães que criassem um texto relatando qual a maior mentira que já haviam contado, já que o livro
Nesse último encontro foi possível recolher as atividades escritas para serem analisadas juntamente
com as próximas atividades que serão aplicadas, já que um dos instrumentos de coleta de dados foi à
elaboração de textos escritos pelas mães.
Também realizamos observações nas residências dessas mães a fim de verificarmos a presença de
materiais escritos em suas casas. Foram feitas também algumas entrevistas com as mães a fim de
entendermos como é o dia a dia delas, o que elas fazem que envolva a matemática e como é a relação
delas com os filhos na hora de orientar as tarefas.
Pelo fato da pesquisa dessa narrativa derivar de outra pesquisa já em andamento, foi possível
utilizar alguns dados já comprovados como o fato que as mães mesmo não sendo escolarizadas
conseguem desenvolver mecanismos provenientes do letramento matemático.
Nesses encontros realizados com as mães e filhos foram geradas discussões revelando tanto
significados presumidos pelas mães sobre os entes matemáticos, como a maneira pela qual elas
negociavam esses significados. Foi observado grande esforço por parte das mães em auxiliar seus filhos
durante o desenvolvimento das atividades. Houve situações em que se desenvolveram relatos e discussões
sobre a utilização do conhecimento matemático informal e outras de produções escritas entre mães e
filhos.
Algumas considerações
A tabela a seguir apresenta as ocorrências seguidas das analises das observações nas residências e
de entrevistas semi-estruturadas realizadas com as mães sujeitos da pesquisa.
Das observações feitas nas residências a fim de constatar quais os tipos de materiais escritos
presentes e, como os mesmos influenciam no processo de letramento utilizado pelas mães com seus
filhos, foram encontrados os seguintes resultados:
SUJEITO MATERIAIS
1- -Alguns livros didáticos, livros de romance, suspense, livros de receitas, cadernos de receitas (escritos à
mão e com muitos recortes), calendários, Bíblia, revistas, revistas religiosas, lista telefônica, contas de
banco, água, luz e outros, folhetos de supermercado e propagandas, dicionários, enciclopédias, bulas de
remédio, recados na geladeira, livros de literatura infantil, manual de eletrodomésticos.
2- -Calendário, Bíblias, revistas, livro religioso, bulas, folhetos de propagandas, livro didático, folhetos
religiosos, manual de eletrodoméstico.
3- -Livros infantis, livros didáticos, literatura para vestibular, enciclopédia de livros: Biologia, Química,
Matemática, Física, História e Geografia, Bíblias, livro de histórias bíblicas, livro de literatura infantil,
calendário, lista telefônica, dicionário, agenda telefônica, revistas e jornais antigos, embalagens de produtos
alimentícios e cartas de correspondência.
4- -Livros de literatura infantil (12), livros didáticos, revistas, folhetos de propagandas, Bíblias, livro de
oração, dicionário e calendário.
5- -Livros de literatura infantil, dicionário, apostilas escolares, revista, enciclopédias, listas telefônicas, agenda
telefônica, calendários, manuais de eletrodomésticos, Bíblia, recados na geladeira, revistas de receitas, livro
de receitas, recorte de embalagens e bulas de remédios.
Nas entrevistas, quando foram questionadas a respeito das atividades que realizam diariamente e
que utilizam a matemática, algumas mães responderam que utilizam a matemática com frequência ao
irem ao supermercado e comparar preços, na hora que estão fazendo o almoço, e também de pagar as
despesas mensais.
Quanto ao acompanhamento escolar, elas afirmam ajudar nas tarefas de matemática, uma mãe, em
especial, nos disse que ensinava a filha com grãos de soja. Quando questionada o porquê da soja, ela
respondeu:
[...] ah... é porque é o que tem em casa...tem muita soja em casa. E quando a tarefa dela é
di mais eu pego cinco soja e mais duas soja e pergunto pra ela quanta soja tem?...E se é
de menos também...daí ela pega a soja e eu faço junto com ela...daí ela consegue fazer...
[sic] (Entrevista Ros)
Conclusões prévias
Para por fim em nossas observações, lembramos que se trata de uma pesquisa em andamento sujeita
a alteração, porém com dados suficientes para firmarmos algumas questões sobre o conhecimento
matemático que as mães de meios populares possuem e a relação com a construção do saber.
Nossos dados convergem com os pressupostos de Zunino (1995), quando mostram que as mães
pouco ou não escolarizadas demonstram preocupação com a escolarização de seus filhos e, mesmo que
desconheçam possuírem conhecimentos da matemática formal, participam do processo
ensino/aprendizagem, pelo fato de assumirem a obrigação de preparar seus filhos para as aulas.
Em seu dia a dia colocam em prática esses conceitos mesmo desconhecendo-os enquanto tais frente
ao conhecimento formal. Conseguem realizar atividades práticas em que utilizam matemática, como
Ficou claro para nós que essas mães de camadas populares são capazes de criar mecanismos de
utilização dos conceitos matemáticos diante da necessidade de sanar os problemas que surgem no
cotidiano, mas por vezes, encontram dificuldade para auxiliar os deveres escolares de seus filhos quando
apresentados no formato da matemática escolar. Elas exercem práticas do letramento e letramento
matemático, sem que estas sejam valorizadas até por elas mesmas.
A pesquisa certamente contribuirá para que as mães tomem ciência de seus saberes sobre a
matemática e sobre a língua materna, num contexto não habitual, podendo resultar em uma melhor
interpretação dos problemas matemáticos.
Conclui-se que para que seja desmistificada a visão preconceituosa sobre o conhecimento das
famílias de meios populares e que se possa contribuir para a superação das discriminações e preconceitos
em torno deste assunto, cabe à escola valorizar essas práticas de letramento dos meios populares,
estabelecendo vias de interação entre escola/comunidade. E a partir dessas vivências, contribuir para
sedimentar as relações apontadas como meio eficaz de consolidação da interação escola/ família/práticas
de letramento e letramento matemático.
[...] acreditamos ser papel da Educação Matemática fornecer ferramentas que permitam a
construção do conhecimento futuro. E isto é feito a partir do domínio do conhecimento
presente, que, segundo PIAGET& GARCIA (1984), nunca é um estado, mas sim um
processo, influenciado por etapas precedentes de desenvolvimento, cuja transformação
contínua dá-se por meio da reorganização e reequilíbrio das necessidades intrínsecas das
estruturas, constituindo o produto de conquistas sucessivas. E, sendo assim, "as normas
científicas se situam no prolongamento das normas de pensamento e de práticas
anteriores...". (MOURA, Série Ideias n. 10, São Paulo: FDE, 1992).
Em última análise, podemos afirmar que os conhecimentos matemáticos que as mães de meios
populares possuem, foram construídos mediante os conflitos diários, e o fato de não possuírem elevados
graus de escolarização não as impediu de construir o saber matemático, pois o mesmo não se restringe aos
espaços escolares.
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GUIMARÃES, Taislene
FFC/UNESP-Marília
SARAVALI, Eliane Giachetto
FFC/UNESP-Marília
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP
taislene_ped@yahoo.com.br
Resumo
O artigo apresenta dados parciais de uma pesquisa sobre a construção do conhecimento social a partir da
perspectiva piagetiana, mais especificamente as ideias das crianças a respeito da escola e do professor. Os
participantes do estudo foram 52 crianças entre 7 e 8 anos inseridas em ambientes educacionais
diferenciados: um considerado como ambiente tradicional de ensino e o outro considerado como ambiente
sócio-moral construtivista. O instrumento apresentado aqui, utilizado para coleta de dados, é uma história
envolvendo uma situação de não-aprendizagem. Os participantes eram convidados a pensar sobre as
questões inerentes à história, bem como o papel da escola e do professor na situação proposta. Os dados
indicaram não haver diferença entre os dois ambientes no que se refere à construção desse conhecimento
social. No entanto, houve diferença muito significativa na maneira utilizada pelos alunos para resolverem
os problemas da história: no ambiente tradicional a coerção e a expiação foram mais mencionadas e no
ambiente sócio-moral construtivista, o diálogo e a cooperação. Os dados apontam ainda para a
necessidade do trabalho com esse tipo de conhecimento em sala de aula, visto que as respostas dos
sujeitos caracterizaram-se por uma compreensão parcial da realidade, centrada em aspectos mais visíveis
e aparentes dos fatos e na não-consideração de processos ocultos.
Abstract
This paper presents partial data of a research on the construction of social knowledge under the Piagetian
perspective, more specifically on children’s ideas about the school and the teacher. The participants of the
study were 52 children aged between 7 and 8 years, who were immersed into different educational
environments: one of them considered a traditional teaching environment and the other one considered a
socio-moral constructivist environment. The instrument that we present here, used for data collection, is a
story involving a non-learning situation. The participants were asked to think about issues related to the
story, as well as the role of the school and the teacher in the proposed situation. Data indicated no
difference between the two environments concerning the construction of social knowledge. However,
there was significant difference in the way the students solved the problems of the story: in the traditional
environment, coercion and atonement were more mentioned while in the socio-moral constructivist
environment, dialogue and cooperation were mentioned instead. Data also indicate the need to work with
this type of knowledge in the classroom since the answers of the subjects were characterized by a partial
comprehension of reality, focusing on more visible and apparent aspects of the facts and on the non-
consideration of hidden processes.
Neste artigo, buscamos apresentar parte dos resultados de uma pesquisa que investigou a
construção do conhecimento social, em crianças de 7 e 8 anos, especificamente, as ideias dessas crianças
sobre a escola e sobre o professor.
O instrumento que apresentaremos aqui teve a finalidade de analisar como as crianças viam as
possibilidades de ação docente e o papel da escola em uma situação de não aprendizagem. Trata-se da
interpretação de uma história envolvendo a problemática da não aprendizagem, sobre a qual crianças de
dois tipos de ambientes educativos, um considerado tradicional e outro sócio-moral construtivista, foram
solicitadas a apresentarem suas concepções acerca do assunto, as possíveis resoluções e ainda as possíveis
consequências para os envolvidos, sobretudo aluno e professor.
Referencial Teórico
O legado da obra Piaget nos mostra, em pesquisas criteriosas realizadas em diferentes sociedades e
com um grande número de sujeitos, que o conhecimento é construído a partir da interação que
estabelecemos com o meio físico e social. Para Piaget, o desenvolvimento psicológico, que conduz a
criança ao pensamento adulto, não depende unicamente de fatores hereditários, ou da pressão do meio
físico, mas, sobretudo, da influência da vida social sobre o indivíduo. O escopo de seu trabalho foi
comprovar esse longo processo de construção e equilibração que percorremos no aperfeiçoamento de
nossas capacidades adaptativas.
Os estudos de Piaget, como também de seus seguidores, demonstraram que nem todos os
conhecimentos são da mesma natureza. Portanto, de acordo com o referencial piagetiano, há três tipos de
conhecimento: o conhecimento físico, o conhecimento lógico-matemático e o conhecimento social.
Durante o desenvolvimento infantil, a criança vai formando representações dos diferentes aspectos
da sociedade em que vive, sendo esta representação produto da influência dos adultos e “resultado de uma
atividade construtiva a partir de elementos fragmentados que recebe e seleciona” (DELVAL, 1989, p.
245). Dessa forma, podemos concluir que a criança realiza uma tarefa individual que nada tem a ver com
uma assimilação passiva e que as representações que elabora não são simples cópias das dos adultos
(DELVAL, 2007).
Esto no significa que los niños inventen la realidad a espaldas de ella, pero si que
construyen representaciones que no son copias de ella, sino inferencias realizadas a partir
de aquellas interacciones u observaciones que, utilizando la terminologia piagetiana,
pueden asimilar (ENESCO; NAVARRO, 1994, p. 72).
34
A título de complementação: dois conceitos-chave da obra piagetiana são os conceitos de assimilação e de acomodação. Segundo Piaget,
a assimilação é entendida “como a acepção ampla de uma integração de elementos novos em estruturas ou esquemas já existentes”, ou
seja, por um lado implicaria a noção da significação e, por outro, expressaria a ideia de que todo conhecimento está ligado a ação e de
que o conhecimento de um objeto ou acontecimento seria o mesmo que assimilá-lo a esquemas de ação (PIAGET, 1978, p.11). Já o
processo de acomodação é definido por este autor como “toda modificação dos esquemas de assimilação, por influência de situações
exteriores”, como, por exemplo, quando um esquema não é suficiente para responder a uma situação, surge a necessidade de o esquema
modificar-se em função da situação (PIAGET, 1978, p.11). Estes processos internos são mecanismos inseparáveis e complementares que,
ao atingirem um equilíbrio entre si, resultam na adaptação.
ou explicações que não foram “transmitidas” ou “ensinadas” diretamente pelos adultos (DELVAL, 2007).
Delval (1990) conta que se surpreendeu a primeira vez que uma criança de 9 anos lhe disse que as pessoas
eram pobres porque "não tinham dinheiro para comprar trabalho", e continuou a surpreender-se quando
percebeu que as crianças da mesma idade de diferentes países e níveis sociais davam respostas
semelhantes, dando-lhes um caráter universal. Tais respostas não revelavam uma prática comum na
sociedade, tampouco algo que era ensinado às crianças. Nesse sentido, Denegri explica que:
[...] a criança constrói uma representação da organização social a partir dos elementos que
são proporcionados pelos adultos, os meios de comunicação de massa, as conversas, as
informações que recebe na escola e suas próprias observações. No entanto, ainda que
esteja imersa no mundo social desde que nasce, sua experiência é peculiar e distinta do
adulto. Em primeiro lugar, trata-se de uma experiência muito mais reduzida que a do
adulto, e, além disso, fragmentada. Há muitas coisas e lugares aos quais não têm acesso,
não participa da vida política e – ainda que esteja submetida a múltiplas restrições por
parte dos adultos – ignora os deveres e direitos e como é exercida a coação e a
participação social. Por outro lado, a insuficiência de seus instrumentos intelectuais, ainda
em desenvolvimento, a impedem de organizar as informações que recebe e articulá-las
em um sistema coerente. Assim, chega a conformar conceitualizações próprias ou teorias
implícitas que são divergentes das adultas e que, curiosamente, mostram grande
semelhança entre crianças de diferentes países e meios sociais (DENEGRI, 1998, p.45).
Essas conceitualizações próprias que revelam as crenças espontâneas que as crianças vão
elaborando acerca da realidade social foram encontradas em diversas pesquisas. Nestes diferentes
trabalhos de investigação, é possível encontrar concepções de crianças e jovens referentes a várias noções
do conhecimento social, entre eles podemos destacar: as pesquisas de Sierra e Enesco (1993) que
realizaram um estudo evolutivo a respeito da compreensão sobre o acesso a distintas profissões; os
estudos de Delval e Echeita (1991) e Delval (2002) que buscaram conhecer a compreensão que crianças e
adolescentes tinham em relação ao mecanismo de intercâmbio econômico (compra e venda) e ao lucro e o
trabalho de Enesco et al (1995) que investigou as mudanças evolutivas na representação do
funcionamento da sociedade, assim como na compreensão dos elementos que compõem a organização
social (riqueza e pobreza, estratificação e mobilidade social, as explicações sobre desigualdade em grupos
sociais diferentes etc.). A respeito desse último trabalho citado, vale dizer que Denegri (1998) e Navarro e
Peñaranda (1998) encontraram resultados semelhantes aos de Enesco et al (1995) ao trabalharem com
crianças chilenas e mexicanas. Temos também: os estudos de Amar, Abello e Denegri (2001) sobre o
desenvolvimento de conceitos econômicos em crianças e adolescentes colombianos; o trabalho de Delval
et al (2006) sobre as concepções de trabalho de crianças mexicanas que trabalham nas ruas; a pesquisa de
Denegri e Delval (2002a, 2002b) sobre o dinheiro; o estudo de Amar et al (2006) a respeito das
No contexto brasileiro, destacamos os trabalhos de Tortella (1996, 2001) que observou a evolução
das representações das crianças sobre a amizade; a pesquisa de Godoy (1996) que investigou as idéias
infantis sobre a etnia; o trabalho de Saravali (1999) a respeito da evolução do conceito de direito; o estudo
de Borges (2001) sobre o conceito de família; os trabalhos de Cantelli (2000, 2009) sobre as
representações de escola e sobre a educação econômica; a pesquisa de Baptistella (2001) sobre a
compreensão de um comercial televisivo; o trabalho de Braga (2003) sobre as representações acerca do
meio ambiente; o estudo de Pires e Assis (2005) sobre a noção de lucro; a pesquisa de Araújo (2007)
sobre o desenvolvimento do pensamento econômico e o trabalho de Guimarães (2007) sobre as
representações de escola e de professor.
Objetivos
O objetivo específico do instrumento metodológico que será apresentado neste artigo foi o de
analisar como crianças de idades entre 7 e 8 anos viam as possibilidades de ação docente e o papel da
escola quando pensadas em uma situação de não aprendizagem e ainda verificar se as respostas seriam
diferenciadas dependendo do ambiente educacional que a criança estaria inserida.
Metodologia
Os instrumentos metodológicos utilizados durante a pesquisa são compostos por uma entrevista
semi-estruturada, uma história envolvendo uma situação problema de não aprendizagem em sala de aula e
uma proposta de desenho. Os dados foram coletados a partir de entrevistas semi-estruturadas baseadas no
método clínico-crítico piagetiano (PIAGET, 1979).
O aluno Marcelo (de idade igual a da criança a ser questionada), não consegue
aprender as lições que a professora ensina. Todos os dias ele não consegue copiar a
matéria da lousa, não entrega as lições de casa e não resolve os problemas propostos
pela professora. O que você acha dessa situação? O que você acha que está acontecendo
com essa criança? Quem poderia ajudá-lo? E a escola? E a professora? Por que será
que ele não aprende? O que você acha que a professora poderia fazer? E se ele não
aprender o que vai ocorrer?
A análise do material coletado foi feita a partir de categorias de respostas agrupadas em níveis de
compreensão da realidade social, apresentados e definidos por Delval (2002). Para a quantificação inicial
das respostas foi feita análise de frequência e frequência relativa (porcentagem) em cada uma das
categorias, de modo a se ter uma visão inicial dos dados e das possíveis diferenças encontradas entre os
dois ambientes de ensino. A partir destes primeiros dados, foi aplicado o teste de Qui-quadrado (X²)
especificamente em cada uma das categorias de respostas com a finalidade de verificar a relação de
dependência entre as variáveis: categoria e ambiente.
Desenvolvimento
Após a coleta de dados, as respostas das crianças foram transcritas na íntegra e analisadas
quantitativamente e qualitativamente. A análise qualitativa foi dividida em três partes: a problematização,
a resolução e o desfecho da história. Posteriormente, em cada uma das partes, foram ainda realizadas
subdivisões por categorias de respostas.
Para esse aspecto da história, foram analisadas as respostas em função de como os sujeitos
problematizam a situação proposta, considerando-se os seguintes questionamentos: O que você acha
dessa situação? O que você acha que está acontecendo com essa criança? Por que será que ele não
aprende? Temos três categorias de respostas:
Categoria 1 – Indisciplina
Nesta categoria se enquadram os sujeitos que acreditam que o problema existente com a situação
fictícia da história está na indisciplina. Esses sujeitos apresentaram explicações como “só fica
conversando”, “só fica bagunçando” entre outras. Por exemplo:
LUI (7,4 AT35) (...) O que você acha que está acontecendo com essa criança? Ele não tá
prestando atenção na aula, só fica bagunçando, conversando com a pessoa de trás.(...)
Por que será que ele não aprende? Porque ele não quer aprender, ele quer bagunçar.
As respostas inseridas nesta categoria dizem respeito ao desejo pessoal como principal problema
existente na situação proposta. Como “ele não aprende porque não quer” “tem preguiça de fazer”. É o
caso de:
DAN (8,1 AT) O que você acha dessa situação? Eu acho que esse menino não tá
querendo fazer as coisas. O que você acha que está acontecendo com essa criança? Ela é
muito preguiçosa.(...) Por que será que ele não aprende? Porque ele tem preguiça.
GAH (7,5 AT) O que você acha dessa situação? Eu acho que ele tem que escrever. O que
você acha que está acontecendo com essa criança? Ele pode tá doente, com dor de
barriga. (...) Por que será que ele não aprende? Porque não consegue fazer nada...
35
AT: ambiente tradicional. ASMC: ambiente sócio-moral construtivista.
AMBIENTES
A resolução
A partir dos questionamentos Quem poderia ajudá-lo? E a escola? E a professora? O que você
acha que a professora poderia fazer? Buscou-se compreender como os sujeitos resolveriam o conflito
proposto na história, surgiram três categorias de respostas para as concepções das crianças:
ALA (8,2 AT) Quem poderia ajudá-lo? A professora dele, os pais e Deus. Mas
como? O pais iriam ajudando ele em casa e Deus ia ajudando a colocar no
cérebro dele, pra aprender tudo isso. E a escola? Eu acho... só Deus pode fazer
alguma coisa.
PAB (7,10 AT) Quem poderia ajudá-lo? A mãe dele ou o pai podiam brigar com ele
porque ele não quer aprender e a mãe dele tem que trabalhar. E a escola? O prefeito tem
quem tomar uma providência... expulsar ele ou dar suspensão de uns quatro ou três dias.
E a professora? Os pais ou a diretora. O que você acha que essa professora poderia
fazer? Deixar ele num canto, lá em frente da parede.
Ao contrário da categoria anterior, as respostas dos sujeitos inseridas aqui apresentam resoluções
baseadas em atitudes cooperativas, como ilustra o exemplo a seguir:
AMBIENTES
1-Ajuda subjetiva 1 3% 1 5%
O desfecho
A partir do último questionamento: E se ele não aprender o que vai ocorrer? buscamos
compreender qual a sugestão de desfecho para a história que os sujeitos apresentam. Foram observadas as
seguintes categorias:
Esta primeira categoria apresenta respostas que suscitam a morte ou doenças para se referir ao
desfecho da história. Exemplo:
GAH (7,5 AT) E se ele não aprender o que vai acontecer Vai virar adulto e ficar
doente de novo.
VIK (7,10 ASMC) E se ele não aprende o que vai ocorrer? Vai morrer porque não sabe
fazer as coisas.
TIF (7,11 AT) E se ele não aprender o que vai ocorrer? Ele vai ficar burro e aí ele vai
repetir de série, todo mundo vai ir pra frente e ele vai ficando pra trás..
GAB (7,3 AT) E se ele não aprender o que vai ocorrer? Ele vai ficar burro e quando ele
quiser ser bombeiro não vai poder. Mas porque não vai poder? Porque pra ser bombeiro
tem que estudar muito porque tem que aprender muita coisa de ser bombeiro.
YME (7,8 ASMC) E se ele não aprender o que vai ocorrer? Cada vez mais vai ficar mais
burro, aí quando crescer não vai poder trabalhar, aí não vai ter comida, vai ter que
pedir esmola e ninguém vai dar pra ele.
AMBIENTES
1-Morte ou doença 1 3% 2 9%
O teste Qui-quadrado efetuado na categoria “Por cooperação” apontou uma associação muito
Conclusão
As ideias apresentadas por nossos sujeitos concentraram-se em explicações baseadas nos aspectos
mais visíveis da situação, sem a existência de processos ocultos que necessitam ser inferidos. Essa forma
de pensar o mundo social caracteriza-se por aquilo que Delval (2002) denominou de primeiro nível de
compreensão da realidade social.
Acreditávamos, como hipótese de nossa pesquisa, que uma criança inserida em um ambiente
permeado por relações horizontais de cooperação entre professor e aluno, bem como entre aluno e aluno,
apresentaria ideias diferenciadas acerca do tema que pesquisávamos, como também uma tendência maior
à reflexão. Como no ambiente tradicional essas relações não são valorizadas da mesma forma e a
passividade do educando gera a reprodução, acreditávamos que as respostas e reflexões seriam diferentes,
indicando uma construção diferente do conhecimento social, conforme o ambiente escolar.
A análise apresentada aqui indicou que em relação à problematização da história não encontramos
diferenças significativas entre as respostas dos sujeitos dos diferentes ambientes, sendo que todas elas
Todavia, pudemos observar uma diferença muito significativa na maneira como os sujeitos dos
diferentes ambientes pesquisados analisavam a formas de resolução do problema colocado pela história.
A maioria dos alunos inseridos no ambiente tradicional teve as suas respostas centradas na categoria dois,
cuja resolução estava pautada em atitudes de expiação e coação. Já as respostas dos sujeitos inseridos no
ambiente de ensino considerado sócio-moral construtivista centraram-se na categoria três em que a
resolução da situação da história estaria pautada em atitudes cooperativas e no respeito mútuo entre os
envolvidos.
Estas considerações nos trazem indícios significativos de que existe realmente influência do tipo
de ambiente nas concepções das crianças, mesmo que apenas na forma de conceber atitudes em uma
situação problema. As crianças inseridas em um ambiente diferenciado apresentaram, de certa forma,
ideias mais evoluídas do que as outras do ambiente tradicional.
Isso nos remete novamente à importância do trabalho com o conhecimento social em sala de aula.
É preciso considerar e caminhar em prol dos processos que os alunos percorrem e compreender que a
partir do que lhes é transmitido, os sujeitos fazem reorganizações individuais e isso não pode ser perdido
de vista na organização das atividades, no planejamento dos projetos, enfim, nas ações didáticas.
Portanto, o trabalho com o conhecimento social necessita ser levado para a sala de aula de tal
forma que as crianças possam pensar, compreender, debater, formular e reformular suas próprias ideias. A
qualidade dessa interação, possibilitada pelo docente e estabelecida pela criança, tem influência na forma
como se processam o desenvolvimento físico, social, afetivo, moral e intelectual dos alunos. No caso do
tema tratado no presente trabalho, essa influência ocorre na abertura de possibilidades para que os alunos
tenham a compreensão da real função da escola e do professor. Dessa forma, cabe aos docentes
Nosso estudo e os dados obtidos trazem contribuições para as reflexões e demais investigações
sobre a construção do conhecimento social e sobre as implicações dessa construção para o trabalho
docente. A partir de nossa pesquisa acreditamos poder contribuir para uma maior compreensão do
assunto.
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maria.belintane@gmail.com
Resumo
The present inserted inquiry in the area of the Social Knowledge, in the field of the Economic Education,
is characterized as a basic research, following a exploratory and descriptive model. It has for objective to
know the procedures used for parents and mothers of different familiar structures (monoparental,
biparental and recomposta) and levels socioeconômicos for the economic education of its children. The
collection of data had as base a structuralized questionnaire, created exclusively for this study. Given the
qualitative-quantitative nature of the inquiry, analyses of content, confirmatory exploratória and for the
comparison between the 0 variable had been carried through (test Qui-Square, Kruskall-Wallis and Mann-
Whitney). The gotten data had indicated that the economic behavior of the families, as well as the
procedures used for the economic education of the children intuitivos and are not planned, envidenciando
the lack of information of the parents on the process of construction of the related social slight knowledge
to the understanding of the economic events. The families believe that the economic education must be
part of the formation of the children, even so do not carry through no systematic effort to foment habits
and behaviors adjusted for the consumption. In the general analysis of the described process of economic
socialization for this sample, the changeable familiar structure did not represent significance statistics,
being that the socioeconômico level appeared as a differentiation factor for the most part enters the
groups of the investigated aspects. The influence of the way in the process of economic socialization was
observed that the participants tend to transmit the knowledge and values brought of its families of origin,
evidencing. The analysis of the results to the light of the piagetiana theory and the contributions of the
Education and Economic Psychology legitimizes the necessity of new systematic educative proposals that
result in such a way in true economic alfabetização for the children how much for the parents.
O contexto social atual mostra-se turbulento. Particularmente para as famílias, os tempos são
difíceis, os valores se relativizam, e, em muitos lares, ter parece ser mais relevante do que ser. Por isso é
importante refletir sobre o enfrentamento das pressões impostas pela sociedade de consumo. Como fazer
frente aos seus apelos se a sociedade moderna está organizada em torno dele? Como enfrentar a difícil
tarefa de construir uma relação mais equilibrada com o dinheiro?
Diante dessas questões a presente pesquisa, inserida no campo da Educação Econômica, que
constitui uma das áreas do conhecimento social, buscou investigar o que as famílias estão ensinando aos
filhos sobre o mundo econômico e, mais ainda, provocar a reflexão sobre o papel socializador da família,
particularmente no que se refere à educação econômica de seus filhos, trazendo subsídio para a
compreensão de como se desenvolve esse processo entre as famílias brasileiras.
Referencial teórico
Essa constatação, aliada à reflexão sobre os efeitos da globalização nas diferentes culturas, que por
sua abrangência impõe um ritmo acelerado e consumista ao comportamento do cidadão, tem despertado o
interesse dos pesquisadores para questões ligadas à compreensão do mundo econômico. Dentre os quais
destacam-se os nomes de Berti e Bombi, Delval, Denegri e colaboradores e dos pesquisadores do
Laboratório de Psicologia Genética da Faculdade de Educação da UNICAMP, sob a coordenação de
Mantovai de Assis.
Mas, como o ser humano começa a se relacionar com o mundo econômico? Como ele chega a
construir e criar significados sobre esse universo tão complexo? Quais as experiências cotidianas que
ele realiza no esforço de explicar os fenômenos econômicos que o afetam? São respostas para questões
como estas que os novos estudos estão buscando, como forma de possibilitar uma melhor compreensão
das relações econômicas, além de explicar como ocorre o processo de socialização econômica 37 dos
36
Para Yamane (1997) o processo de alfabetização econômica se refere à aprendizagem e ao desenvolvimento de conceitos,
habilidades e destrezas que permitam ao indivíduo compreender o sistema econômico e que o ajudem a tomar decisões que
venham de alguma maneira melhorar a sua qualidade de vida.
37
O termo socialização econômica é tomado neste trabalho, no sentido de educação econômica, como o processo de
aprendizagem das pautas de interação com o mundo econômico, mediante a assimilação de conhecimentos, destrezas,
estratégias, padrões de comportamento e atitudes sobre o uso do dinheiro e seu valor na sociedade (DENEGRI;
Nessa perspectiva, a socialização é um processo que acontece durante toda a infância e se estende
pela adolescência e vida adulta por meio das práticas e das experiências vividas, assimiladas de acordo
com seu sistema de significação e suas estruturas cognitivas. Não se limita de modo algum a um simples
treinamento realizado pela família ou outras instituições especializadas, e varia de acordo com o universo
de socialização, forçosamente diferente segundo a origem social da pessoa, sociedade onde ela vive e
grupo a que pertence.
Apesar de seu impacto na vida futura dos indivíduos, existe escassa literatura sobre como e
quando os meninos e meninas são apresentados ao mundo econômico e, ainda mais restritos, são os
registros de estudos sobre como ocorre o processo de socialização econômica no âmbito familiar. Pouco
se sabe sobre qual tem sido o papel das famílias nesse processo e são praticamente desconhecidas quais os
procedimentos utilizadas pelas famílias latinas para alfabetizar economicamente seus filhos e se esses
procedimentos diferem conforme a classe social e tipo de estrutura familiar. Observa-se também a
ausência de estudos dessa natureza envolvendo brasileiros.
Piaget (1945/1998) esclarece que não pode ser livre aquele que não consegue controlar a própria
vida, tanto no que se refere aos seus relacionamentos, como no que diz respeito a seus bens. Nesse
sentido, estar numa situação de constante endividamento não permite o exercício de uma vida plena. Por
isso, educar para o consumo é também preparar o indivíduo para a liberdade e autonomia moral,
contribuindo para formar pessoas capazes de controlar a própria vida e, consequentemente, pessoas mais
livres.
A pesquisa
Esta pesquisa, dada sua natureza exploratória e descritiva, está inserida na área do Conhecimento
Social e teve como objetivo geral conhecer os procedimentos utilizados pelas famílias para a educação
econômica de seus filhos.
Para alcançar esse objetivo foi organizada, intencionalmente, uma amostragem composta por 270
participantes, com pelo menos um filho, em idades entre três e dezesseis anos, em cidade da Região
Metropolitana de Campinas, Estado de São Paulo, pertencentes aos estratos socioeconômicos baixo,
médio e alto, constituindo famílias monoparentais, biparentais e recompostas.
O critério adotado para a composição da amostra buscou atender à demanda por estudos na área da
socialização econômica, considerando o papel importante da família para o desenvolvimento do
pensamento econômico de crianças e jovens, bem como para a formação de seus hábitos de consumo e de
suas atitudes frente ao endividamento.
Assim, a amostra teve distribuição equitativa nos níveis socioeconômicos baixo, médio e alto e
nas três estruturas familiares: monoparental, biparental e recomposta, combinando-se nível
socioeconômico e estrutura familiar para cada grupo de 30 participantes.
A coleta de dados foi realizada com base em um questionário estruturado, com questões abertas e
fechadas, criado especificamente para este estudo, permitindo a caracterização sociodemográfica dos
participantes, a identificação das práticas de socialização implícitas no comportamento econômico da
Vale destacar que, nesse estudo, entende-se por procedimentos de socialização o conjunto de
ações utilizadas pelas famílias para educar seus filhos sobre o mundo econômico. Essas ações englobam
tanto as estratégias de educação econômica, concebidas como o conjunto organizado e coerente de regras,
valores e ações que os pais e mães utilizam para alfabetizar economicamente seus filhos, como as práticas
de educação econômica, entendidas como as ações implícitas realizadas pelos pais no processo de
educação econômica de seus filhos a partir de sua conduta cotidiana. (DENEGRI; PALAVECINO;
GEMP, 2003).
Resultados
Dentre as principais estratégias que pais e mães informam utilizar para a educação econômica de
seus filhos, estão: incentivo às práticas de economia e poupança, conversa sobre dinheiro, administração
dos próprios recursos por meio da disponibilização de dinheiro e situações de consumo.
Com menor frequência foram mencionadas as estratégias de: restrição ao dinheiro, orientação
sobre trâmites bancários, introdução às práticas comerciais, envolvimento no planejamento do orçamento
familiar, pagamento por realização de tarefas ou bom comportamento e oferecer jogos que envolvem
temas econômicos.
Um número expressivo de famílias disponibiliza dinheiro para os filhos sempre que pedem ou
precisam. Chama a atenção o baixo percentual daqueles que utilizam a oferta regular de dinheiro na forma
de mesada ou semanada para que os filhos tenham o compromisso de administrá-lo.
Essas informações revelam o caráter utilitarista da oferta, para atender às demandas do filho
naquele momento, não tendo o aspecto pedagógico que os leve a aprender de forma concreta como tomar
decisões sobre seus gastos e poupança e de como planejar para atingir seus objetivos futuros.
(DENEGRI,1998; FURHAM e THOMAS, 1984).
Vale destacar que a maior incidência da prática de dar dinheiro a título de prêmio aparece nas
famílias biparentais. Por outro lado, a família monoparental destaca-se como o grupo que mais utiliza a
oferta de dinheiro de forma regular.
As experiências envolvendo o consumo são bastante comuns nas famílias e fazem parte da
convivência familiar. A maioria dos pais e mães levam seus filhos quando vão às compras em diferentes
locais de comércio.
Nessas ocasiões, é comum os filhos pedirem coisas, sendo atendidos pelos pais que tendem a
comprar sempre que podem ou quando for necessário. Essa conduta indica prática pouco coerente com
uma educação voltada para o consumo racional e equilibrado. Tal comportamento reflete ausência de
planejamento e controle dos gastos, além de dificultar a aprendizagem da escolha, diferenciando o
essencial do supérfluo. As razões que levam os pais a atender aos pedidos dos filhos apoiam-se em uma
mistura de argumentos racionais e emocionais.
Essas atuações esporádicas e não sistemáticas caracterizam-se pelo que se pode chamar de
comportamento intuitivo, ou seja, pela busca de boas alternativas baseadas na própria experiência dos
pais e em hipóteses de senso comum, o que permite considerar que não se apresentam com estratégias de
alfabetização econômica no sentido concebido por Denegri, Palavecinos e Gempp (2003).
De modo geral as famílias avaliam a experiência de educação econômica dos filhos como
satisfatória. No entanto, ao relacionar essa avaliação com a ausência de sistematização dos procedimentos
utilizados por elas, percebe-se sua superficialidade. Daí a necessidade de se investir na formação dos que
vão educar as crianças.
Esses resultados assemelham-se aos encontrados por Denegri, Palavecinos e Gemmp (2003),
Amar et al. (2006) e Denegri et al.(2003), mostrando que os pais são importantes educadores
econômicos, por serem os principais provedores do dinheiro. Entretanto, nessa área, suas ações têm se
mostrado limitadas e até contraditórias, assumido uma caráter informal e não sistemático .
Vale esclarecer que em alguns aspectos foi observada a interferência da variável estrutura familiar.
Dentre os aspectos relacionados ao comportamento das famílias destaca-se o fato de encontrar-se na
família monoparental a maior frequência de planejamento sistemático, análise sistemática da situação
financeira antes das compras, bem como menor frequência de utilização de cheque pré-datado ou cartão.
Quanto aos aspectos relacionados às estratégias utilizadas pelas famílias para a educação
econômica dos filhos, os que se mostraram mais sensíveis à variável estrutura familiar foram: os temas
das conversas entre pais e filhos, sendo assuntos relacionados ao dinheiro predominantes na família
monoparental, já nas famílias biparental e recomposta, além de assuntos relacionados ao dinheiro, são
também discutidos temas econômicos variados. Destaca-se, ainda, que as respostas para a categoria
envolvimento dos filhos no orçamento familiar foram apresentadas predominantemente pelo grupo
monoparental.
Esse resultado coincide com o encontrado por Denegri (2003), Denegri, Palavecinos e Gempp
(2003) e Denegri et al. (1999), mostrando que os fatores de experiências socais, como a escolarização, o
domicílio, o nível socioeconômico das pessoas interferem no seu entendimento dos fenômenos
econômicos e hábitos de consumo.
Observou-se que pais que receberam orientação econômica ao longo do seu desenvolvimento têm
maior preocupação em manter conversas sistemáticas sobre assuntos econômicos com seus filhos,
enquanto aqueles que não receberam qualquer orientação não mantêm essas conversas. Também
percebe-se uma associação entre o que os pais e mães aprenderam na infância e o que eles transmitem a
seus filhos
Esses dados indicam, em seu conjunto, por um lado, que vários aspectos do comportamento das
famílias estão refletidos nas estratégias que utilizam para a educação de seus filhos, por outro, evidencia a
distância existente entre os valores das famílias, traduzidos em seu discurso e os procedimentos concretos
que utilizam cotidianamente para a alfabetização econômica deles.
Assim, os resultados confirmam a necessidade de uma adequada socialização econômica para que
os indivíduos atinjam melhor atuação nesse universo cada vez mais complexo, permitindo-lhes não
apenas a administração mais eficiente de seus recursos, mas a verdadeira cidadania.
Ao descrever como as famílias estão educando os filhos sobre o mundo econômico espera-se
contribuir com elementos que possibilitem um olhar crítico para o fenômeno do consumo, de modo a
enriquecer o processo de socialização realizado pela família e apoiá-la na construção de valores estáveis e
sólidos, resultando em melhoria não apenas para a vida do cidadão, mas principalmente em garantia de
vida para o planeta.
Referências
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Resumo
O objetivo deste trabalho foi investigar a postura de quatro professores das séries iniciais do ensino
fundamental, em atividades do conhecimento físico, em aulas de Ciências. Destacando as ações
pedagógicas facilitadoras das interações sociais nesse processo de construção do conhecimento. O quadro
teórico foi fundamentado na Epistemologia Genética de Jean Piaget e a investigação se delineou como um
estudo qualitativo, de caráter descritivo das análises realizadas a partir de observações sistemáticas e
entrevistas realizadas com professores de acordo com os princípios da abordagem clínica piagetiana. Os
dados coletados indicam a importância das intervenções do professor no trabalho com o conhecimento
físico e apontam ao pressuposto que os professores que utilizam de meios empiristas, não conhecem a
forma de como se dá a aquisição do conhecimento físico e pouco valorizam o papel das interações sociais
nas situações envolvidas nesse processo. No entanto, é possível evidenciar as diferenças que marcam os
professores que além do conhecimento teórico sobre o tema e assumem uma postura construtivista
buscam a constante promoção de investigações, experimentações e encorajam as interações sociais entre
as crianças.
Abstract
The objective of this work was to investigate the position of four professors of the initial series of basic
education, in activities of the physical knowledge, lessons of Sciences. Detaching the actions facilitate
pedagogical of the social interactions in this process of construction of the knowledge. The theoretical
picture was based on the Genetic Epistemology of Jean Piaget and the inquiry if it delineated as a
qualitative study, of descriptive character of the analyses carried through from systematic comments and
interviews carried through with professors in accordance with the principles of the piagetian clinical
boarding. The collected data indicate the importance of the interventions of the professor in the work with
the physical knowledge and point to the estimated one that the professors whom they use of half
empiristes, they do not know the form as if of the a acquisition of the physical knowledge and little they
value the paper of the social interactions in the involved situations in this process. However, it is possible
to evidence the differences that mark the professors who beyond the theoretical knowledge on the subject,
assume a constructiviste position search the constant promotion of inquiries, experimentations and
encourage the social interactions between the children.
Em sala de aula...
Quando a professora anunciou que iam estudar ciências, uma criança muito atenta
questionou:
- Professora, por que estudamos tão pouquinho ciências?
A professora embaraçada tentava responder no momento em que outra criança
interrompeu-a, dizendo bem alto:
- Ora, Giovani! Ciência é difícil, precisa pensar!
A transcrição foi extraída das observações realizadas para esta pesquisa e ilustra a necessidade de
se questionar as consequências do processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos que fazem parte das
Ciências Naturais e a enorme lacuna deixada na formação dos estudantes.
Os alunos "iniciam", na grande maioria das escolas, seus estudos de física no Ensino Médio,
porém, na realidade, desde cedo eles buscam explorar o mundo físico que os rodeia, chegando às
concepções prévias.
(...) não é livre, o indivíduo que está submetido à coerção da tradição ou da opinião
dominante, que se submete de antemão a qualquer decreto da autoridade social e
permanece incapaz de pensar por si mesmo. Tampouco é livre o indivíduo cuja anarquia
interior impede-o de pensar e que, dominado por sua imaginação ou por sua fantasia
subjetiva, por seus instintos e por sua afetividade, é jogado de um lado para outro entre
todas as tendências contraditórias de seu eu e de seu inconsciente. É livre, em
contrapartida, o indivíduo que sabe julgar, e cujo espírito crítico, o sentido da experiência
e a necessidade de coerência lógica colocam-se a serviço de uma razão autônoma, comum
a todos os indivíduos e independente de toda autoridade exterior.
Sendo assim, visando conhecer a conduta de quatro professoras das séries iniciais do ensino
fundamental, esta pesquisa, teve como objetivo principal conhecer o contexto do ensino de ciências nas
séries iniciais do Ensino Fundamental e obter informações do modo como tratam o conhecimento físico e
A pesquisa teve como suporte teórico a Epistemologia Genética de Jean Piaget e seus precursores
que se aprofundaram no campo do conhecimento físico e das interações sociais.
Muitos educadores acreditam que o método científico pode ser ensinado diretamente
transformando-o num conjunto de regras, da mesma forma como são ensinadas muitas
outras coisas na escola, reduzindo-o a uma série de instruções verbais que são
transmitidas. Assim, é comum indicar que o método científico consta de uma série de
passos e descrever quais são seus passos.
E isto aparece não somente nos livros para professores, mas também nos textos para as crianças,
que começam descrevendo quais são os passos do método científico, como se fossem normas fixas e
rígidas que é preciso respeitar sempre.
Vale lembrar que Piaget interessou-se sobremaneira pelo pensamento científico. Piaget e Garcia
(1987) destacam alguns elementos comuns entre o desenvolvimento do conhecimento científico ao longo
da história e o desenvolvimento das noções elementares na criança. Tais elementos não se referem à
estrutura dos saberes construídos, mas ao processo de aquisição do conhecimento.
O trabalho com a aquisição do conhecimento físico é uma condição necessária para que os
estudantes possam apreciar características centrais do pensamento científico, pois o objetivo dessas
atividades não é ensinar conceitos, princípios ou explicações científicas (Kamii, 1991), mas “propor
situações nas quais os estudantes reflitam sobre seus próprios conhecimentos, podendo inclusive
compará-los com explicações diferentes e perceber que não pode existir plena compatibilidade entre
elas”. (Bizzo, 1998, p.52) Piaget (1949 apud OLIVEIRA, 1998, p. 187), ressalta:
De acordo com essa citação, para que a criança aprenda, não bastam claras explicações, é
necessário que ela viva intensamente o objeto de conhecimento, reconhecendo-o, identificando-o ou
perceba acontecimentos novos, aplicando-lhes os esquemas preexistentes.
Devemos ajustar os ensinamentos pretendidos aos diferentes níveis da sua compreensão. Nessa
dimensão é que será garantido o direito da criança construir sua inteligência, pela própria atividade e
empenho, o que não seria possível se os professores não conhecessem o desenvolvimento do raciocínio
infantil.
Considera-se que a postura do professor deva adequar-se para oferecer à criança oportunidades
para explorar fatos e fenômenos por meio de experiências significativas, buscando descobrir aquilo que
ela já sabe e relacionando-o com as novas apreensões. É esse, sem dúvida, um importante princípio a ter-
se em conta, uma vez que a aprendizagem deve ser encarada como a busca de sentido para as situações do
mundo ao redor.
Conforme Freire (1996), o aprender passa pela evolução de ideias do senso comum sobre a
realidade, geradas por uma curiosidade ingênua, para o conhecimento científico, levando os indivíduos a
atuarem com curiosidade epistemológica, de maior potencial crítico e transformador.
Piaget deixa claro, em sua obra “Representação do mundo na criança”, de 1926, a crítica à
introdução do conhecimento científico na escola sem a adequada preparação, ou seja, sem
contextualização, distanciada da realidade, sem ênfase na construção de conceitos. Dessa forma, espera
que os alunos depositem conceitos abstratos em suas mentes, que são repetidos e decorados, como algo
pronto e acabado, sem o devido entendimento que só é possível quando resulta da investigação, que busca
a compreensão e a transformação da realidade. O conhecimento científico poderá vir a ser significativo a
partir do momento em que o aluno perceba sua utilidade para resolver seus problemas e responder os
questionamentos que fazem parte de sua vida.
Isso significa que uma das explicações apontadas por Piaget sobre a incompreensão do
conhecimento científico transmitido pela escola, diz respeito à inadequação dos métodos escolares. A
ciência aparece como uma verdade absoluta, apresentando-se apenas os resultados e não o seu processo.
Vivemos uma época de grande influência do impacto das Ciências sobre os assuntos de interesse
diário. Aprender ciências envolve a introdução das crianças a uma forma diferente de pensar sobre o
mundo natural e de explicá-lo; é tornar-se socializado.
A escola, por outro lado, ainda apresenta limitações quanto a essa necessidade, ignorando o
interesse natural das crianças, que mesmo bem pequenas, demonstram claramente o desejo de aprender e
compreender o mundo físico ao seu redor. Ao ouvirmos suas perguntas, percebemos sua imensa sede de
conhecimento. São perguntas de diversas naturezas, querem conhecer a diversidade do ambiente,
manusear, experimentar objetos simples, até entender por que a chuva cai aos pingos e não de uma vez só.
A visão empirista e inatista de ciência, impregnada nas escolas, embora fortemente criticada,
permanece implícita nas crenças populares e é correntemente transmitida pela escola e meios de
comunicação.
Ensinar ciências implica em conduzir as crianças a uma forma diferente de pensar sobre o mundo
natural e de explicá-lo; é um processo contínuo de transformação do objeto pesquisado e do próprio
pesquisador. Para ensinar ciências é necessário confessarmos nossa ignorância, entrarmos em um
processo de descentralização e voltar a ser criança, começar a estudar a ciência desde sua base, sua
gênese. Nesse sentido, Piaget e Garcia (1987, p. 64) ilustram:
(...) (um cientista) começou sendo criança, pois a infância é anterior à idade adulta em
todos os homens, incluindo aquele das cavernas. Quanto a saber o que o cientista retira de
seus primeiros anos, não é uma coleção de ideias inatas, uma vez que há ensaios e erros
nos dois casos, mas um poder construtivo, e entre nós alguém veio a dizer que um físico
de gênio é um homem que soube conservar a criatividade própria a sua infância ao invés
de perdê-la na escola.
Embora Piaget não tenha abordado diretamente o problema da escola quanto à prática pedagógica,
seu vasto e rico trabalho traz ideias que tiveram bastante repercussão no campo educacional,
principalmente por focalizarem noções básicas que constituem nos currículos escolares. Piaget (1982b)
chegou a pronunciar-se, algumas vezes, no campo pedagógico, defendendo, por exemplo, os métodos
Desse modo, segundo Macedo (1994), a maneira de aproximar a teoria piagetiana da educação
escolar estaria em relacionar intervenção com espontaneidade e em recorrer à teoria sem desvirtuá-la.
Aliás, o desvirtuamento parece ser a tônica em nossas escolas, atualmente, com professores definindo o
Construtivismo como um método de ensino ou de alfabetização ou um conjunto de regras e técnicas a
serem aplicadas em sala de aula, segundo constatações de Chackur (2005 p. 296) em estudos e recentes
pesquisas coordenadas ou orientadas por ela:
Piaget deixa um quadro teórico consistente, a partir do qual o pesquisador e o professor podem
estudar e compreender questões educacionais e repensar a prática pedagógica, como sugerem os estudos
de Mantovani de Assis (1976), que constatou em sua pesquisa, que a educação escolar deve propiciar à
criança contatos e trocas sociais que são indispensáveis à socialização e um ambiente educativo que
estimule o desenvolvimento de sua inteligência, iniciativa, autonomia e criatividade; Banks Leite (1994)
fez um exame crítico das propostas pedagógicas fundamentadas na teoria psicogenética; Coll (1987), fez
uma revisão e traz as primeiras publicações e a fundação de institutos de pesquisa, que invocavam uma
área específica de conhecimento psicológico para o tratamento e solução de problemas educacionais e
Macedo (1994) defende em suas pesquisas os processos de desenvolvimento da criança e sua
aprendizagem escolar segundo a proposta construtivista de Piaget.
As pesquisas psicogenéticas citadas acima, mostram que a melhor forma das instituições
educacionais contribuírem para a formação de indivíduos morais e intelectualmente ativos é tornar cada
sujeito em agente do seu próprio processo de desenvolvimento e o educador em facilitador dessa
mudança, o qual também deve propiciar condições para a criança interagir com o mundo.
As trocas, nesta última, incluem também a figura do professor, e os objetivos e meios utilizados
são intencionais, selecionados deliberadamente para resultarem em aprendizagem (Piaget, 1982a).
Diante dessa realidade, Delval (1998, p.110), afirma sobre a formação do homem:
O importante é que sejam capazes de refletir com rigor sobre os problemas físicos ou
sobre a história, que sejam capazes de refletir sobre o universo físico sobre o universo
social. O que precisam aprender é essa atitude diante das coisas e essa atitude somente
será alcançada com a prática, exercitando em sala de aula o pensamento rigoroso e
criativo diante de problemas novos.
À luz dessas reflexões, vale ressaltar que as atividades de Conhecimento Físico constituem uma
ótima oportunidade para que os professores proporcionem um ambiente interativo, no qual as trocas entre
pares aparecem naturalmente.
É preciso que o estudante consiga ver algum sentido no conjunto de questões propostas pelo
professor e principalmente que compreenda o Conhecimento Físico como uma forma diferente de pensar
e falar sobre o mundo, que ele passe a entender essa outra língua – a língua das ciências. (Carvalho,
2004).
Na discussão apresentada por Kamii e DeVries e (1988), a aquisição do conhecimento por parte
do aluno se dá por meio dos princípios construtivistas de aprendizagem. O aluno, enquanto sujeito ativo
no seu processo de aprendizagem estabelece relações entre seus conhecimentos prévios e os novos
conhecimentos.
De acordo com essa visão construtivista, as autoras Kamii e DeVries (1988, p. 55), propõem os
seguintes objetivos educacionais:
Objetivos socioemocionais:
a. torne-se cada vez mais autônoma dentro de um contexto de relações geralmente não
coercitivas, com os adultos;
b. respeite os sentimentos dos outros e comece a cooperar (através da descentralização e
coordenação de diferentes pontos de vista);
c. seja alerta, curiosa e use a iniciativa na perseguição de curiosidades, tenha confiança
em sua capacidade de classificar as coisas, por si mesma e diga o que pensa com
convicção.
Objetivos cognitivos para que a criança:
a. proponha uma variedade de ideias, problemas e questões;
b. coloque objetos e acontecimentos em relação e notem similaridades e diferenças.
A definição da autonomia como primeiro objetivo por Kamii e Devries deve-se à existência do
Para Piaget (1973, p. 18), o trabalho em equipe deve ser conduzido por meio do denominado
método ativo, que é aquele que confere grande importância ao trabalho de pesquisa “(...) exigindo-se que
toda verdade a ser adquirida seja reinventada pelo aluno, ou pelo menos, reconstruída e não simplesmente
transmitida”.
Partindo do pressuposto que parte do programa de Ciências para as primeiras séries do Ensino
Fundamental, relaciona-se ao conteúdo do Conhecimento Físico e para tanto os alunos precisam ser
instigados a resolver problemas do mundo físico, buscando de maneira sistemática, solução e explicações
para os mesmos. Solucionar problemas, por meio da experimentação, envolve manipulação e,
principalmente, reflexão, trocas, relatos, discussões, ponderações e explicações.
A Pesquisa
Com o intuito de conhecer as condutas de professores das séries iniciais do ensino fundamental, a
pesquisa aqui apresentada, buscou avaliar o contexto do ensino de ciências e por meio deste obter
informações de como o conhecimento físico é abordado e de como a importância das interações sociais é
reconhecida.
Os dados foram analisados a partir dos princípios teóricos de Jean Piaget e seus seguidores.
Constam os conceitos e estudos já realizados sobre o trabalho com o conhecimento físico, com ênfase aos
estudos de Constance Kamii e Rheta Devries (1991) e Ana Maria Pessoa Carvalho (1998) e quanto às
interações sociais corroboraram os trabalhos de Rheta Devries (1980), Anne Nelly Perret-Clermont
(1987), La Taille, (1992), Zaia (1985) e Maria Lucia Faria Moro (1987).
Para o estudo dos dados coletados na investigação, foram organizadas três categorias de análises:
A/B - Intervencionista, Democrático e Caloroso, C/D - Não- Intervencionista, às vezes Autoritário e E/F
- Professor Controlador / Professor Autoritário.
Essas três categorias emergiram da teoria piagetiana, que constituiu o suporte desta pesquisa e a
relação entre as classificações elaboradas por Zaia (1985), que focalizam a categorização das interações
entre pares, com as discussões a respeito das concepções epistemológicas sugeridas por Becker (1994).
De modo geral, os resultados apresentados dão suporte ao pressuposto que a postura tradicional de
professores, que não conheçam a forma como se dá a aquisição do conhecimento físico, pouco valorizam
o papel das interações sociais nas situações envolvidas nesse processo. No entanto, é possível identificar-
se as diferenças que marcam os professores que assumiram a postura construtivista.
O papel do professor é fundamental, nesse processo, pois cabe a ele encorajar os alunos para que
formulem suas indagações, utilizando-se de perguntas abertas que possibilitem o desenvolvimento de sua
capacidade analítica, bem como deve sempre procurar estabelecer interações entre os alunos, para que
passem a questionar suas próprias soluções, descobrindo suas contradições.
Têm-se indícios, a partir da análise dos dados fornecidos pelas entrevistas e pelas observações
realizadas em salas de aula, que outras duas professoras, revelaram o modelo tradicional de ensino, em
que o professor é um mero transmissor e os alunos receptores de conteúdos. Identificá-las em uma única
categoria, C/D ou a E/F, foi difícil devido a forma que elas transitam entre o empirismo e o apriorismo.
Nota-se que, quando a explicação apriorista (Categoria C/D) não convence, o professor lança mão
de argumentos empiristas (Categoria E/F).
As concepções dos professores da categoria A/B confirmam os estudos de Piaget (1936), que
defende um ensino que propicie trabalhos em equipe, como oportunidade para a troca de opiniões e
conceitos entre os alunos e destes com o professor si e entre estes e o professor, pois segundo este
pesquisador a cooperação é um elemento indispensável à elaboração da razão, sendo a vida em grupo o
meio natural para essa atividade intelectual.
Outro aspecto relevante deste estudo é citado por Macedo (1994), sobre a importância do papel
desempenhado pelo professor dentro do contexto construtivista e sua extrema importância. O professor
deve ser um profundo conhecedor da matéria que se propõe ensinar, para que possa formular hipóteses,
sistematizar e fazer perguntas inteligentes aos alunos, possibilitando a problematização. Com isso, o que
efetivamente importa é a pergunta ou situação problema, pois a prática de ensino não pode limitar-se à
mera transmissão de informações. O que deve ocorrer é a transformação do ensino em um ato constante
de investigação e experimentação, que possibilite a progressiva construção do conhecimento.
Considerações Finais
De toda a análise, entende-se que o professor deva estar comprometido com a construção do
conhecimento físico, que para isso exige preocupação com a atividade da criança, especificamente no que
diz respeito à cooperação. Esta palavra traz consigo a ideia do fazer junto, de construção coletiva, isto é,
cooperar não é fazer pelo outro, nem torná-lo dependente, mas oferecer condições para que o outro possa
chegar a soluções próprias para as situações problema, por meio de trocas, de sugestões e novos saberes
discutidos no grupo.
Estudar a relação de ações pedagógicas no trabalho realizado nas aulas de Ciências que exploram
a aquisição do conhecimento físico, deixou para a pesquisadora muitos motivos de reflexão e muitos
saberes e significados, com vista para novos estudos que possam corroborar no processo de formação e de
práticas pedagógicas das séries iniciais do ensino fundamental, visando a construção do conhecimento
físico, coerente com uma educação construtivista em que o método ativo no ensino de ciências confere ao
aluno o papel fundamental, permitindo que toda verdade adquirida seja reinventada ou pelo menos
reconstruída e não simplesmente transmitida, assim como defendeu Jean Piaget (1998, p.190 grifo nosso)
"... a beleza, como a verdade, só vale quando recriada pelo sujeito que a conquista".
Referências
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FDE, 1994. p.p. 41-47.
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ZAIA, Lia Leme. Interação social e desenvolvimento cognitivo. Campinas: Dissertação de mestrado,
UNICAMP, 1985.
Resumo
A presente pesquisa teve por objetivo investigar, de forma qualitativa, as concepções infantis sobre o
pensamento infantil, a fim de verificar se as respostas dadas pelas crianças participantes do atual trabalho
correspondiam às encontradas por Piaget em estudo realizado em 1926 e, também, se estas tinham relação
com o desenvolvimento cognitivo dos sujeitos avaliados através das Provas Piagetianas para Diagnóstico
do Comportamento Operatório. Seu referencial teórico se encontra alicerçado na Epistemologia Genética
com ênfase no Método Clínico-Crítico, elaborado por Piaget, na data supracitada. Participaram do estudo,
19 crianças entre 7 e 14 anos, selecionadas dentre 173 alunos de uma cidade do interior do Estado de São
Paulo. Para análise dos dados obtidos, foram elaboradas duas tabelas nas quais se estabeleceram
categorias de respostas com o objetivo de obter uma melhor compreensão dos resultados e, ao mesmo
tempo, propiciar uma análise pormenorizada, em que foi possível empregar a correlação linear. A
justificativa para esta classificação se encontra na percepção de que a construção da noção de
pensamento, assim como as demais noções estudadas pelo autor, não se dá por insight, mas através de um
processo gradativo de construções. Os resultados obtidos apontam para uma correlação linear positiva
média (0,5595403) entre a noção de pensamento infantil e o estágio de operatoriedade dos sujeitos. No
que concerne à comparação entre as respostas encontradas, em 1926 e as de 2008, percebemos que os
estágios estabelecidos por Piaget continuam válidos, porque apesar da evolução tecnológica ter
propiciado um vocabulário rico sobre o funcionamento cerebral, este não é acompanhado pela referida
compreensão, já que as crianças estudadas apenas repetem o que ouvem dos adultos ou da televisão,
confirmando que o aprendizado é um processo construtivo, ou seja, não se dá pela simples transmissão de
informações.
38
O presente trabalho é parte da Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Faculdade
de Educação da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, intitulada As ideias das crianças a respeito de suas
dificuldades de aprendizagem no sistema escrito, defendida em fevereiro de 2009.
The present research has as a goal to investigate, in a qualitative way, childish conceptions about his own
thoughts, to verify if the answers given by children in the current study correspond to those found by
Piaget in a study made in 1926, and also if those are related to the cognitive development of the subject
evaluated by Piagetian Operational Behavior Diagnoses Proofs. The theoretical framework of this
research is based on genetic epistemology with emphasis on clinical-Critical Method developed by Piaget
in the date said above. 19 children with ages between 7 and 13 were selected among 173 that study in a
school from the West of São Paulo State. The data were analyzed by the construction of two tables which
have categories of responses with the goal of obtaining a better understanding of the results, and, at the
same time, to develop a detailed analysis in which was possible to apply linear correlation. This
classification can be justified by the perception that the construction of the concept of thought, as well as
other concepts studied by the author, is not by insight but through a gradual process of construction. The
results obtained pointed to a medium positive linear correlation average (index of dispersion =
0.5595403) between the notion of childish though and the subjects’ operational stages. Regarding the
comparison between the responses found in 1926 and 2008, it’s possible to realize that the stages set out
by Piaget remain valid, because despite technological evolution have provided a rich vocabulary on the
functioning brain, this is not accompanied by the understanding, since children studied only repeated
what they hear from adults or television shows, confirming that learning is a constructive process, which
can’t happen with simple transmission of information.
O crescimento populacional aliado aos avanços tecnológicos do século XXI requer, em conjunto,
uma nova gama de aprendizagens que supõe um “novo” ser humano capaz de assimilar conteúdos cada
vez maiores e mais complexos. Seres aptos a adaptarem-se ao novo com uma inacreditável velocidade: o
“novo” sem esquecer o “velho” que, nas palavras de Morin (2000, p. 15), consistiria a “condição
humana ... objeto essencial de todo ensino”.
Os trabalhos realizados por seguidores de Piaget, a respeito das concepções infantis, como os de
Delval (1998) a respeito do conhecimento social e os de Denegri (1998) sobre as ideias das crianças a
propósito de aspectos relacionados à economia (como consumo, lucro, entre outros), vêm oferecendo
subsídios não só para a atuação docente, mas para todos aqueles profissionais cuja área envolve o
desenvolvimento e a aprendizagem da criança.
Confiamos que mesmo com as contribuições da neurologia, considerar o que o indivíduo pensa e
crê na sua interação com o mundo nas diversas fases de seu desenvolvimento físico, social e emocional é
o melhor, senão o único caminho para compreender e se fazer conhecer os mecanismos inerentes à
construção do conhecimento pelo indivíduo.
Quanto aos estágios, Piaget (1964/1986, p. 13) denominou quatro grandes períodos caracterizados
“... pela aparição de estruturas originais, cuja construção o distingue dos estágios anteriores. O essencial
dessas construções sucessivas permanece no decorrer dos estágios ulteriores, como subestruturas, sobre as
quais se edificam as novas características”.
39
Assimilação, para Piaget, consiste na incorporação da realidade aos esquemas de ação do indivíduo, a qual implica a
existência de estruturas anteriores capazes de incorporar o dado a ser aprendido.
40
Por acomodação, Piaget compreende qualquer modificação de um esquema ou estrutura de assimilação pelos elementos
assimilativos.
O terceiro estágio, o das operações intelectuais concretas (7/8 a 10/11 anos), sinaliza o início da
lógica, manifestada pelo término da construção das estruturas lógicas elementares: o individuo é capaz de
considerar as situações como um todo. No entanto, uma série de desequilíbrios conduzirá à
complementação das operações concretas, elevando-as à segunda potência, operações que constituirão
aquelas chamadas formais que caracterizam o último estágio (11/12 a 15/16 anos). Esse novo período é
caracterizado pelo aparecimento das operações proposicionais que possibilitam ao sujeito o pensamento
hipotético dedutivo, implícito na resolução de problemas complexos e característicos do raciocínio
científico.
Piaget ainda destaca que a estrutura cognitiva não se reduz ao pensamento consciente do sujeito,
pois abrange conteúdos inconscientes que vão se tornando gradativamente conscientes na medida em que
o desenvolvimento do indivíduo alcança patamares mais evoluídos. Esse processo de conceituação, que
envolve a interiorização e a reconstrução das ações no plano do pensamento, o qual acaba por ser superior
à própria ação, é denominado de tomada de consciência.
41
Equilibração majorante é o processo por meio do qual Piaget explica a construção do conhecimento pelo sujeito, graças às
suas interações com os objetos, implicando sempre melhoramentos. (Piaget, 1975/1977).
42
Para Piaget (1976, p. 24 a 27), as regulações explicam como funciona o processo da equilibração e das reequilibrações.
Podemos dizer que as regulações se constituem em reações a perturbações, mas convém ressaltar que nem toda perturbação
resulta numa regulação, ou seja, numa equilibração.
Piaget, em seus primeiros estudos sobre o desenvolvimento infantil44, percebeu que, para
conhecer os processos de raciocínio inerentes às ações das crianças era preciso mais do que simplesmente
as observar, o estudo do conhecimento exigia a utilização de um método experimental específico, o qual
permitisse a compreensão de sua gênese, porque as pesquisas desenvolvidas até o momento não lhe
davam subsídios para resolver o problema epistemológico que pretendia investigar.
Então, a partir de indagações que o levaram a buscar a razão dos fracassos das crianças francesas
nos Testes de Raciocínio de Cyril Burt45 (1919-1921), Piaget (1926, p.5) desenvolve seu próprio método
de entrevistas, constituído por conversas abertas com as crianças, a fim de acompanhar o curso de seus
pensamentos, ou seja, os processos de raciocínio contidos em suas respostas, e o faz através da adaptação
do método clínico clássico, usado na medicina psiquiátrica, e da investigação experimental, criando uma
nova sistemática de estudo do desenvolvimento do conhecimento, que possibilita reunir os recursos dos
testes e da observação; e ainda, evitar seus respectivos inconvenientes.
Os primeiros trabalhos em que esse método foi empregado buscavam descobrir as crenças
espontâneas das crianças acerca dos fenômenos da realidade, nas palavras de Piaget, “... quais as
representações do mundo que surgem espontaneamente nas crianças ao longo dos diferentes estágios de
seu desenvolvimento intelectual” (PIAGET, 1926, p.5). No presente trabalho estaremos nos reportando
aos estudos sobre o Realismo Infantil.
O estudo se realizou com base no método clínico crítico. Foi colocada uma série de perguntas, a
crianças de diferentes idades, a fim de contemplar as crenças sobre o “pensar”, sempre acompanhando o
desenrolar de seus pensamentos. Com essas questões e muitas outras que foram surgindo, Piaget
identificou três estágios:
43
Termo, emprestado por Piaget da Psicanálise, que significa em sua teoria uma tomada de consciência incompleta.
44
A Linguagem e o Pensamento da Criança (1923) e O Julgamento e o Raciocínio da Criança (1924).
45
Burt, Cyril Lodowic (1883-1971), psicólogo britânico, idealizador dos testes de QI em medidas fixas de Inteligência. Um
especialista em desenvolvimento mental e infantil defende em The Young Delinquent (1925) a importância dos fatores
ambientais e sociais sobre a delinquência. Após a sua morte, foi acusado de ter falsificado resultados experimentais, na
tentativa de provar a sua teoria de que a inteligência é sobretudo herdada. Fonte:
http://www.cpsimoes.net/artigos/art_testes.html#Burt. Acesso em 24/01/2009.
O que caracteriza o segundo estágio, em oposição ao terceiro, é que o pensamento, ainda que
situado na cabeça, permanece material. Na realidade, ou a criança prolonga o primeiro estágio,
identificando o pensamento e a voz, ou cai em um verbalismo mais ou menos completo. Nos dois casos, o
pensamento não é diferenciado das coisas em que se pensa, nem as palavras das coisas nomeadas. O que
ocorre é um conflito entre as crenças anteriores da criança e a pressão do ensino adulto, e é apenas esta
crise que marca um progresso, sem que o segundo estágio traga à criança nenhuma solução nova.
O terceiro estágio, cuja idade média é de 11-12 anos, é marcado pela desmaterialização do
pensamento, de forma que, a criança deve ser capaz de separar a noção de pensamento da noção de
matéria física, o que significa que o indivíduo toma consciência de pensamentos ou de palavras distintas
das coisas nas quais se pensa. Piaget propõe três critérios para caracterizar este estágio: 1º) a criança deve
ser capaz de localizar o pensamento na cabeça e de declará-lo invisível, impalpável etc.; 2º) a criança
precisa distinguir entre a palavra e o nome das próprias coisas; 3º) o sujeito necessita localizar os sonhos
na cabeça e admitir que, se abríssemos a cabeça, os sonhos não seriam vistos.
Procedimentos
O objetivo dessa pesquisa foi investigar, de forma qualitativa, as concepções infantis sobre seus
pensamentos, a fim de verificar se as respostas dadas pelas crianças, participantes do atual trabalho,
correspondiam às encontradas por Piaget, em estudo realizado em 1926 e, também, se estas tinham
relação com o desenvolvimento cognitivo dos sujeitos avaliados, através das Provas Piagetianas para
Diagnóstico do Comportamento Operatório.
Utilizamos como suporte metodológico o Método Clínico Crítico, elaborado por Jean Piaget, que
permite diagnosticar o estágio de evolução de determinados conceitos em que as crianças se encontram.
Participaram do estudo 24 crianças, entre 7 e 14 anos, selecionadas dentre 173 alunos de uma
cidade do interior do Estado de São Paulo. Dos 24 sujeitos, 1 mudou de escola no decorrer do processo de
investigação e 4 fizeram parte do Estudo Piloto.
Após a realização de reunião com pais e/ou responsáveis para assinatura do Termo de
A análise dos dados coletados foi realizada da seguinte forma: buscamos estabelecer o nível
cognitivo dos sujeitos através dos dados coletados na “Entrevista semi-estruturada sobre a noção do
pensamento infantil” e dos resultados apresentados nas “Provas Piagetianas”; em seguida, a fim de
verificar possíveis correlações entre o desenvolvimento cognitivo e as respostas das crianças, os dados
obtidos foram analisados por meio da “Correlação Linear”, de Pearson.
Para a entrevista sobre a noção de pensamento, usamos os critérios de Piaget (1926) a partir dos
quais se propôs uma série de perguntas que contemplavam basicamente o significado do “pensar” para a
criança. A elaboração do roteiro para a entrevista se deu a partir dos extratos de protocolo apresentados
pelo autor. A análise dos resultados obedeceu aos critérios apontados por Piaget para caracterização dos
estágios, mas, a fim de obter uma melhor compreensão dos resultados, classificamos as respostas
passíveis de serem encontradas em cada estágio, em categorias para as quais atribuímos uma pontuação, a
46
A palavra jogos foi utilizada para se referir às “Provas Piagetianas” a fim de evitar que o termo provas atrapalhasse o
desempenho dos sujeitos.
A somatória dos pontos foi realizada de maneira cumulativa, de forma a definir não apenas o
estágio em que a criança se encontra, mas também o seu nível dentro dos três estágios encontrados por
Piaget (1926). O critério utilizado na atribuição dos pontos foi o seguinte: um sujeito com até 14 pontos
se encontra no segundo estágio, mas se entre suas respostas houver persistência de alguma(s) resposta(s)
correspondente(s) ao primeiro estágio (categorias de 1 a 3) esses pontos serão subtraídos; a criança com
pontos entre 15 e 26 está a caminho do terceiro estágio que só estará construído quando o indivíduo
atingir 30 pontos, ou seja, for capaz de localizar o pensamento na cabeça e de declará-lo invisível,
impalpável, etc.; distinguir entre a palavra e o nome das próprias coisas; localizar os sonhos na cabeça e
de dizer que, se abríssemos a cabeça, os sonhos não seriam vistos.
Respostas
Crianças idade
Nat 7;3 X X X X X X
Gle 7;4 X X X X X X X X
Juli 7;8 X X X X X X X
Adri 7;9 X X X X X X X X
Nata 8;0 X X X X X X X X
Luca 8;0 X X X X X X X
Ema 8;3 X X X X X X X
Ind 8;3 X X X X X X X
Tac 8;7 X X X X X X
Chri 8;9 X X X X X X X X X
Jul 8;11 X X X X X X X X
Dou 9;0 X X X X X X X X
Lui 9;4 X X X X X X X
Let 9;6 X X X X X X X
Kes 9;7 X X X X X X X
Gio 10;1 X X X X X X X
Luc 10;1 X X X X X X X X
Thi 10;7 X X X X X
Jes 13;8 X X X X X X
Total Categorias 6 3 4 19 18 12 14 9 17 6 3 5 5 8
Percentagem (%) 31 16 21 100 95 63 74 47 89 31 16 26 26 42
Observando a tabela 2, podemos perceber que todas as crianças localizam o pensamento na cabeça
(categoria 4), e que 90% delas invocam palavras aprendidas como cérebro, alma, etc. (categoria 9), mas
que apenas três delas (16 %) procuram compreender o que palavras como cérebro, alma, mente, etc.,
significam (categoria 11). Este fato talvez possa ser explicado pelo alto índice de crianças (dez = 53 %)
que ainda apresentam respostas concernentes ao estágio 1, que se caracteriza, segundo Piaget, (1926)
pelas concepções espontâneas apresentadas pelos sujeitos.
Esses dados nos levam acreditar que os avanços tecnológicos, ocorridos desde as primeiras
entrevistas realizadas por Piaget (1926), exerceram uma influência bastante significativa sobre as crenças
das crianças, o que pode ser comprovado pelo vocabulário rico no que concerne ao funcionamento
cerebral, mas que , numa primeira análise, não contribui para a sua verdadeira compreensão, como
podemos observar em alguns trechos das entrevistas abaixo, nos quais as crianças respondem à seguinte
pergunta: - O que você acha que tem dentro da sua cabeça?
Jul (7;8 anos) O cérebro...os osso...o olho...J- Mais alguma coisa? Jul: Garganta...J
- Como que você sabe essas coisas? Jul: Porque quando é sábado minha mãe liga
a televisão e fica assistindo as coisa [sic] que mostra o quê que a gente tem dentro
do corpo.
Com o intuito de verificar se as respostas dadas pelas crianças apresentavam algum índice de
Tabela 3 – Resultados da aplicação das provas para o diagnóstico do comportamento operatório por
idade das crianças.
Estágio de desenvolvimento
Crianças Provas Cognitivo
Nº Nome Sexo Idade CQD(2) CQC(3) CQC(3) IC(4) IC(4) Ser.(5) Pré- Op.
(1)
(anos) Fichas Líquido Massa Frutas Flores Bastões Oper.(6) Tran(7) Concr.(8)
1
Nat F 7;3
1 1 1 0 0 0
3
Gle F 7;4
2 2 2 2 0 0 1
7
Juli F 7;8
3 0 1 1 0 0 0
2
4
Adri M 7;9 1 0 0 2 0 0 3
5
Nata F 7;0
1 1 1 0 0 0
3
6
Luca M 8;0
1 2 2 0 0 2
7
7
Ema M 8;3
2 2 2 2 2 1
11
8
Ind F 8;3 0 0 0 1 0 0 1
9
Tac F 8;7 1 0 0 0 0 0 1
10
Chri M 8;9 2 2 2 2 2 2 12
11
Jul F 8;11 1 0 1 0 0 0 2
12
Dou M 9;0
2 2 2 2 2 2 12
13
Lui M 9;4 2 2 1 0 0 2 7
Let F 9;6
14 0 0 0 0 0 1
1
Kes M 9;7
15 2 2 2 0 2 2
10
16
Gio F 10;1
2 2 2 0 0 1 7
Luc M 10;1
17 2 2 2 2 2 2 12
Thi M 10;7
18 2 2 2 2 2 2 12
19
Jes F 13;8
1 2 2 0 0 2 7
(1)
Nome; Sexo: F=Feminino, M=Masculino
(2)
Conservação das Quantidades Discretas; (3) Conservação das Quantidades Contínuas; (4)
Inclusão de
Classes, (5) Seriação.
(6)
Pré-Operatório; (7) Transição; (8) Operatório Concreto.
- 0 (zero) pontos: quando a criança não classifica; não conserva; não efetua a seriação
- 1 (um) ponto: quando a criança se encontra na fase de Transição
- 2 (dois) pontos: quando a criança conserva, classifica e efetua a seriação.
O gráfico acima nos possibilita observar que das 19 crianças avaliadas pelas Provas Piagetianas,
apenas 4 (21%) das crianças se encontram no estágio operatório concreto, sete (37%) estão num estágio
de transição mais avançado e oito (42%) estão muito longe de concluir este estágio.
Os dados apresentados acima apontam para uma correlação linear positiva média entre a noção de
pensamento infantil e o estágio de operatoriedade dos sujeitos. Em outras palavras, o desenvolvimento
cognitivo exerce influência na noção de pensamento, sendo o seu inverso também verdadeiro. Convém
reiterar que esses dados se referem aos sujeitos da pesquisa e, portanto, não devem ser generalizados para
outras situações.
47
Foi utilizado o “coeficiente de correlação linear”, de Pearson (in: LAPPONI, 2005), que consiste numa medida que avalia o
quanto a “nuvem de pontos” no diagrama de dispersão aproxima-se de uma reta.
A replicação da pesquisa sobre a Noção de Pensamento Infantil que foi realizada por Piaget
(1926) mostrou que apesar dos avanços tecnológicos e das mudanças sociais, seus estágios continuam
válidos, confirmando que o aprendizado é um processo construtivo, ou seja, não se dá pela simples
transmissão de informações.
Foi possível constatar também que as ideias das crianças são muito influenciadas pelo pensamento
adulto, e pelos meios de comunicação, mas que proporcionar-lhes espaço para pensar foi eficaz para
provocar níveis elementares de tomada de consciência que nos parecem mais elaborados na medida em
que elas se desenvolvem.
Todos esses elementos reforçam a importância de dar voz e vez às crianças, proposta deste
trabalho, a fim de se fazer conhecer, pelos educadores e demais profissionais envolvidos no ensino, seus
processos de pensamento os quais acreditamos, se constituem na matéria-prima da educação. Afinal, qual
seria a função social da escola e o papel do educador se não existissem alunos?
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CANTELLI, Valéria C. B.
MANTOVANI DE ASSIS, Orly Z.
Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP/FE
vbcantelli@yahoo.com.br
Resumo
The present inserted inquiry in the area of the Social Knowledge, in the field of the Economic Education,
is characterized as a basic research, following a exploratory and descriptive model. It has for objective to
know the procedures used for parents and mothers of different familiar structures (monoparental,
biparental and recomposta) and levels socioeconômicos for the economic education of its children. The
collection of data had as base a structuralized questionnaire, created exclusively for this study. Given the
qualitative-quantitative nature of the inquiry, analyses of content, confirmatory exploratória and for the
comparison between the 0 variable had been carried through (test Qui-Square, Kruskall-Wallis and Mann-
Whitney). The gotten data had indicated that the economic behavior of the families, as well as the
procedures used for the economic education of the children intuitivos and are not planned, envidenciando
the lack of information of the parents on the process of construction of the related social slight knowledge
to the understanding of the economic events. The families believe that the economic education must be
part of the formation of the children, even so do not carry through no systematic effort to foment habits
and behaviors adjusted for the consumption. In the general analysis of the described process of economic
socialization for this sample, the changeable familiar structure did not represent significance statistics,
being that the socioeconômico level appeared as a differentiation factor for the most part enters the
groups of the investigated aspects. The influence of the way in the process of economic socialization was
observed that the participants tend to transmit the knowledge and values brought of its families of origin,
evidencing. The analysis of the results to the light of the piagetiana theory and the contributions of the
Education and Economic Psychology legitimizes the necessity of new systematic educative proposals that
result in such a way in true economic alfabetização for the children how much for the parents.
O contexto social atual mostra-se turbulento. Particularmente para as famílias, os tempos são
difíceis, os valores se relativizam, e, em muitos lares, ter parece ser mais relevante do que ser. Por isso é
importante refletir sobre o enfrentamento das pressões impostas pela sociedade de consumo. Como fazer
frente aos seus apelos se a sociedade moderna está organizada em torno dele? Como enfrentar a difícil
tarefa de construir uma relação mais equilibrada com o dinheiro?
Diante dessas questões a presente pesquisa, inserida no campo da Educação Econômica, que
constitui uma das áreas do conhecimento social, buscou investigar o que as famílias estão ensinando aos
filhos sobre o mundo econômico e, mais ainda, provocar a reflexão sobre o papel socializador da família,
particularmente no que se refere à educação econômica de seus filhos, trazendo subsídio para a
compreensão de como se desenvolve esse processo entre as famílias brasileiras.
Referencial teórico
Essa constatação, aliada à reflexão sobre os efeitos da globalização nas diferentes culturas, que por
sua abrangência impõe um ritmo acelerado e consumista ao comportamento do cidadão, tem despertado o
interesse dos pesquisadores para questões ligadas à compreensão do mundo econômico. Dentre os quais
destacam-se os nomes de Berti e Bombi, Delval, Denegri e colaboradores e dos pesquisadores do
Laboratório de Psicologia Genética da Faculdade de Educação da UNICAMP, sob a coordenação de
Mantovani de Assis.
Mas, como o ser humano começa a se relacionar com o mundo econômico? Como ele chega a
construir e criar significados sobre esse universo tão complexo? Quais as experiências cotidianas que
ele realiza no esforço de explicar os fenômenos econômicos que o afetam? São respostas para questões
como estas que os novos estudos estão buscando, como forma de possibilitar uma melhor compreensão
das relações econômicas, além de explicar como ocorre o processo de socialização econômica 49 dos
48
Para Yamane (1997) o processo de alfabetização econômica se refere à aprendizagem e ao desenvolvimento de conceitos,
habilidades e destrezas que permitam ao indivíduo compreender o sistema econômico e que o ajudem a tomar decisões que
venham de alguma maneira melhorar a sua qualidade de vida.
49
O termo socialização econômica é tomado neste trabalho, no sentido de educação econômica, como o processo de
aprendizagem das pautas de interação com o mundo econômico, mediante a assimilação de conhecimentos, destrezas,
estratégias, padrões de comportamento e atitudes sobre o uso do dinheiro e seu valor na sociedade (DENEGRI;
Nessa perspectiva, a socialização é um processo que acontece durante toda a infância e se estende
pela adolescência e vida adulta por meio das práticas e das experiências vividas, assimiladas de acordo
com seu sistema de significação e suas estruturas cognitivas. Não se limita de modo algum a um simples
treinamento realizado pela família ou outras instituições especializadas, e varia de acordo com o universo
de socialização, forçosamente diferente segundo a origem social da pessoa, sociedade onde ela vive e
grupo a que pertence.
Apesar de seu impacto na vida futura dos indivíduos, existe escassa literatura sobre como e
quando os meninos e meninas são apresentados ao mundo econômico e, ainda mais restritos, são os
registros de estudos sobre como ocorre o processo de socialização econômica no âmbito familiar. Pouco
se sabe sobre qual tem sido o papel das famílias nesse processo e são praticamente desconhecidas quais os
procedimentos utilizadas pelas famílias latinas para alfabetizar economicamente seus filhos e se esses
procedimentos diferem conforme a classe social e tipo de estrutura familiar. Observa-se também a
ausência de estudos dessa natureza envolvendo brasileiros.
Piaget (1945/1998) esclarece que não pode ser livre aquele que não consegue controlar a própria
vida, tanto no que se refere aos seus relacionamentos, como no que diz respeito a seus bens. Nesse
sentido, estar numa situação de constante endividamento não permite o exercício de uma vida plena. Por
isso, educar para o consumo é também preparar o indivíduo para a liberdade e autonomia moral,
contribuindo para formar pessoas capazes de controlar a própria vida e, consequentemente, pessoas mais
livres.
A pesquisa
Esta pesquisa, dada sua natureza exploratória e descritiva, está inserida na área do Conhecimento
Social e teve como objetivo geral conhecer os procedimentos utilizados pelas famílias para a educação
econômica de seus filhos.
Para alcançar esse objetivo foi organizada, intencionalmente, uma amostragem composta por 270
participantes, com pelo menos um filho, em idades entre três e dezesseis anos, em cidade da Região
Metropolitana de Campinas, Estado de São Paulo, pertencentes aos estratos socioeconômicos baixo,
médio e alto, constituindo famílias monoparentais, biparentais e recompostas.
O critério adotado para a composição da amostra buscou atender à demanda por estudos na área da
socialização econômica, considerando o papel importante da família para o desenvolvimento do
pensamento econômico de crianças e jovens, bem como para a formação de seus hábitos de consumo e de
suas atitudes frente ao endividamento.
Assim, a amostra teve distribuição equitativa nos níveis socioeconômicos baixo, médio e alto e
nas três estruturas familiares: monoparental, biparental e recomposta, combinando-se nível
socioeconômico e estrutura familiar para cada grupo de 30 participantes.
A coleta de dados foi realizada com base em um questionário estruturado, com questões abertas e
fechadas, criado especificamente para este estudo, permitindo a caracterização sociodemográfica dos
participantes, a identificação das práticas de socialização implícitas no comportamento econômico da
Vale destacar que, nesse estudo, entende-se por procedimentos de socialização o conjunto de
ações utilizadas pelas famílias para educar seus filhos sobre o mundo econômico. Essas ações englobam
tanto as estratégias de educação econômica, concebidas como o conjunto organizado e coerente de regras,
valores e ações que os pais e mães utilizam para alfabetizar economicamente seus filhos, como as práticas
de educação econômica, entendidas como as ações implícitas realizadas pelos pais no processo de
educação econômica de seus filhos a partir de sua conduta cotidiana. (DENEGRI; PALAVECINO;
GEMP, 2003).
Resultados
Dentre as principais estratégias que pais e mães informam utilizar para a educação econômica de
seus filhos, estão: incentivo às práticas de economia e poupança, conversa sobre dinheiro, administração
dos próprios recursos por meio da disponibilização de dinheiro e situações de consumo.
Com menor frequência foram mencionadas as estratégias de: restrição ao dinheiro, orientação
sobre trâmites bancários, introdução às práticas comerciais, envolvimento no planejamento do orçamento
familiar, pagamento por realização de tarefas ou bom comportamento e oferecer jogos que envolvem
temas econômicos.
Um número expressivo de famílias disponibiliza dinheiro para os filhos sempre que pedem ou
precisam. Chama a atenção o baixo percentual daqueles que utilizam a oferta regular de dinheiro na forma
de mesada ou semanada para que os filhos tenham o compromisso de administrá-lo.
Essas informações revelam o caráter utilitarista da oferta, para atender às demandas do filho
naquele momento, não tendo o aspecto pedagógico que os leve a aprender de forma concreta como tomar
decisões sobre seus gastos e poupança e de como planejar para atingir seus objetivos futuros.
(DENEGRI,1998; FURHAM e THOMAS, 1984).
Vale destacar que a maior incidência da prática de dar dinheiro a título de prêmio aparece nas
famílias biparentais. Por outro lado, a família monoparental destaca-se como o grupo que mais utiliza a
oferta de dinheiro de forma regular.
As experiências envolvendo o consumo são bastante comuns nas famílias e fazem parte da
convivência familiar. A maioria dos pais e mães levam seus filhos quando vão às compras em diferentes
locais de comércio.
Nessas ocasiões, é comum os filhos pedirem coisas, sendo atendidos pelos pais que tendem a
comprar sempre que podem ou quando for necessário. Essa conduta indica prática pouco coerente com
uma educação voltada para o consumo racional e equilibrado. Tal comportamento reflete ausência de
planejamento e controle dos gastos, além de dificultar a aprendizagem da escolha, diferenciando o
essencial do supérfluo. As razões que levam os pais a atender aos pedidos dos filhos apoiam-se em uma
mistura de argumentos racionais e emocionais.
Essas atuações esporádicas e não sistemáticas caracterizam-se pelo que se pode chamar de
comportamento intuitivo, ou seja, pela busca de boas alternativas baseadas na própria experiência dos
pais e em hipóteses de senso comum, o que permite considerar que não se apresentam com estratégias de
alfabetização econômica no sentido concebido por Denegri, Palavecinos e Gempp (2003).
De modo geral as famílias avaliam a experiência de educação econômica dos filhos como
satisfatória. No entanto, ao relacionar essa avaliação com a ausência de sistematização dos procedimentos
utilizados por elas, percebe-se sua superficialidade. Daí a necessidade de se investir na formação dos que
vão educar as crianças.
Esses resultados assemelham-se aos encontrados por Denegri, Palavecinos e Gemmp (2003),
Amar et al. (2006) e Denegri et al.(2003), mostrando que os pais são importantes educadores
econômicos, por serem os principais provedores do dinheiro. Entretanto, nessa área, suas ações têm se
mostrado limitadas e até contraditórias, assumido um caráter informal e não sistemático .
Vale esclarecer que em alguns aspectos foi observada a interferência da variável estrutura familiar.
Dentre os aspectos relacionados ao comportamento das famílias destaca-se o fato de encontrar-se na
família monoparental a maior frequência de planejamento sistemático, análise sistemática da situação
financeira antes das compras, bem como menor frequência de utilização de cheque pré-datado ou cartão.
Quanto aos aspectos relacionados às estratégias utilizadas pelas famílias para a educação
econômica dos filhos, os que se mostraram mais sensíveis à variável estrutura familiar foram: os temas
das conversas entre pais e filhos, sendo assuntos relacionados ao dinheiro predominantes na família
monoparental, já nas famílias biparental e recomposta, além de assuntos relacionados ao dinheiro, são
também discutidos temas econômicos variados. Destaca-se, ainda, que as respostas para a categoria
envolvimento dos filhos no orçamento familiar foram apresentadas predominantemente pelo grupo
monoparental.
Esse resultado coincide com o encontrado por Denegri (2003), Denegri, Palavecinos e Gempp
(2003) e Denegri et al. (1999), mostrando que os fatores de experiências socais, como a escolarização, o
domicílio, o nível socioeconômico das pessoas interferem no seu entendimento dos fenômenos
econômicos e hábitos de consumo.
Observou-se que pais que receberam orientação econômica ao longo do seu desenvolvimento têm
maior preocupação em manter conversas sistemáticas sobre assuntos econômicos com seus filhos,
enquanto aqueles que não receberam qualquer orientação não mantêm essas conversas. Também
percebe-se uma associação entre o que os pais e mães aprenderam na infância e o que eles transmitem a
seus filhos
Esses dados indicam, em seu conjunto, por um lado, que vários aspectos do comportamento das
famílias estão refletidos nas estratégias que utilizam para a educação de seus filhos, por outro, evidencia a
distância existente entre os valores das famílias, traduzidos em seu discurso e os procedimentos concretos
que utilizam cotidianamente para a alfabetização econômica deles.
Assim, os resultados confirmam a necessidade de uma adequada socialização econômica para que
os indivíduos atinjam melhor atuação nesse universo cada vez mais complexo, permitindo-lhes não
apenas a administração mais eficiente de seus recursos, mas a verdadeira cidadania.
Ao descrever como as famílias estão educando os filhos sobre o mundo econômico espera-se
contribuir com elementos que possibilitem um olhar crítico para o fenômeno do consumo, de modo a
enriquecer o processo de socialização realizado pela família e apoiá-la na construção de valores estáveis e
sólidos, resultando em melhoria não apenas para a vida do cidadão, mas principalmente em garantia de
vida para o planeta.
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Resumo
Para a teoria construtivista de Piaget, os conflitos promovem o desenvolvimento tanto moral quanto
intelectual da criança. Em vista disso, o objetivo deste artigo é o de refletir sobre os conflitos
interpessoais e como os (as) professores (as) de Educação Infantil lidam com eles. Para refletir a respeito
da temática, tomou-se como base a teoria de Piaget para desenvolver pesquisa de iniciação científica,
durante o ano de 2008, na cidade de Marília/SP. O desenvolvimento dessa pesquisa ocorreu por meio de
pesquisa bibliográfica e de campo. A pesquisa de campo foi realizada em duas escolas, uma Municipal e
outra Particular, por meio da observação do cotidiano escolar e da aplicação de questionário às
professoras, coordenadoras pedagógicas e diretoras. Observou-se que as professoras pesquisadas não
proporcionam espaços para a resolução dos conflitos em sala de aula. Esses conflitos são, geralmente,
resolvidos por meio de castigos, humilhações e até mesmo com agressões físicas, o que demonstra que é a
sanção expiatória que se prepondera no ambiente escolar.
Abstract
For the constructivist theory of Piaget, conflicts promote both the moral as intellectual development of
children. Therefore, the objective of this paper is to reflect on the interpersonal conflicts and how (the)
teachers of Child Education dealing with them. To reflect on the theme, based on the theory of Piaget's to
scientific initiation research in the year 2008 in the city of Marília/SP. The development of this research
was through literature search and field. The fieldwork was conducted in two schools, a municipal and
other particles through the observation of everyday school life and the application of questionnaires to
teachers, education coordinators and directors. Noticed that the teachers surveyed do not provide space
for the resolution of conflicts in the classroom. These conflicts are usually resolved through punishment,
humiliation and even with physical attacks, which shows that the penalty expiatory that preponderate in
the school environment.
A arte de conviver demanda esforços. A sociedade é formada por indivíduos com concepções e
valores próprios e, portanto divergências, o que faz com que as relações sejam permeadas por conflitos.
Para Hobbes, segundo Bobbio (1991, p.34), os conflitos são gerados pelas paixões, já que são elas
as responsáveis pelos que "[...] buscam precedência e superioridade sobre seus companheiros".
No entanto, se permitirmos que nossas paixões falem mais alto, não haverá condições de
convivência com o outro. Tais condições podem ser descritas por "[...] reciprocidade, solidariedade,
respeito ao próximo e acima de tudo, generosidade [...]", já que "É um péssimo cidadão aquele que não
consegue ser generoso ao ponto de limitar, minimamente que seja, seus próprios interesses diante de
interesses coletivos". (FERREIRA, 1993, p.220).
Se a reflexão parece complexa em relação ao social o que se dirá em relação ao ambiente escolar,
principalmente, na Educação Infantil, em que as crianças ainda apresentam muitas dificuldades no que diz
respeito ao contato com o outro e com as regras que essa convivência exige. Por outro lado, os
professores também não sabem como lidar com os conflitos em sala de aula, visto que as relações se
pautam na sua autoridade.
Para melhor análise dessa temática utilizarei a pesquisa de iniciação científica que, intitulada
Direitos humanos na Educação Infantil: primeiros passos para a cidadania (ORIANI, 2008), que realizei
em duas escolas de Educação Infantil, na cidade de Marília/SP. Essa pesquisa teve como intuito analisar
as práticas pedagógicas por meio dos conflitos interpessoais a respeito dos direitos humanos e da
cidadania.
Este artigo foi estruturado em três partes. Na primeira, apresento alguns conceitos da teoria de
Piaget que subsidiaram a análise dos conflitos observados na pesquisa.
Na segunda, relaciono educação, direitos humanos e cidadania, tendo em vista que, é por meio
dessa relação que se desenvolve a autonomia e a cooperação, aspectos essências para uma sociedade
democrática. Para tal, utilizo documentos que fundamentam a necessidade de uma educação baseada em
direitos e deveres. Na terceira parte, analiso os conflitos interpessoais que ocorrem entre as crianças das
duas instituições pesquisadas. Contemplo, nessa parte também, sobre quais perspectivas os conflitos
Os estudos de Jean Piaget sobre o julgamento moral das regras pelas crianças trouxeram
importantes contribuições para a área educacional, pois propiciou o conhecimento da relevância das
relações escolares se pautarem na solidariedade, no respeito, no diálogo, na cooperação para a formação
de sujeitos autônomos.
Para Piaget (1994, p. 23) “Toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda
moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras.”.
Para analisar e compreender a moral das crianças, Piaget (1994) averiguou a evolução da prática e
da consciência que elas têm acerca das regras em situações de jogos.
Segundo Piaget (1994, p. 131), “[...] o realismo moral nasce do encontro da coação com o
egocentrismo.”. O egocentrismo é a “[...] indiferenciação entre o eu e o meio social” (PIAGET, 1994, p.
81) da criança.
As características do realismo moral que se destacam nos julgamentos realizados pelas crianças
são: o dever é essencialmente heterônomo, pois todo ato bom é aquele que ocorre em obediência à
autoridade e todo ato mau é aquele que não segue as regras; a regra deve ser observada ao ‘pé da letra’ e
não no seu sentido; os atos são julgados conforme a concepção objetiva da responsabilidade, isto é, o
julgamento se baseia no resultado e não na intenção do ato, a qual define a responsabilidade subjetiva
(PIAGET, 1994).
Para Piaget (1994, p. 134), “[…] é a passagem do respeito unilateral ao respeito mútuo que vai
liberar a criança de seu realismo moral”. Isso ocorrerá por meio da evolução mental da criança, com a
idade e por meio das relações sociais, especialmente, entre iguais.
Segundo Menin (2007), são o respeito e egocentrismo, num extremo, e cooperação com
reciprocidade, noutro, que explicam a evolução dos juízos morais e das concepções de justiça entre as
crianças.
As duas noções de justiça mais investigadas por Piaget foram a retributiva e a distributiva. A
primeira “[...] se define pela proporcionalidade entre o ato e a sanção.” (PIAGET, 1994, p. 157) e se liga
mais diretamente à coação adulta. A segunda noção se pauta na igualdade e na solidariedade infantil.
Na justiça retributiva, Piaget salientou dois tipos de sanção: a sanção expiatória e a sanção de
reciprocidade.
Pouco importa que, para punir uma mentira, se inflija ao culpado um castigo corporal, ou
que privemos de seus brinquedos ou que o condenemos a uma tarefa escolar: a única
coisa necessária é que haja proporcionalidade entre o sofrimento imposto e a gravidade
da falta. (PIAGET, 1994, p. 161).
Piaget evidenciou, por meio de entrevistas, “[...] uma tendência maior entre crianças de sete anos
ou menos em preferir sanções expiatórias [...]” (MENIN, 2007, p. 53).
É o que nos mostra [...] a escolha das punições: enquanto os pequenos preferem as mais
severas, de maneira a ressaltar a necessidade do castigo em si mesmo, os maiores optam
mais pelas medidas de reciprocidade, que indicam simplesmente ao culpado a ruptura do
elo de solidariedade e a obrigação de uma reposição em ordem. (PIAGET, 1994, p. 176).
Trabalhar com crianças pequenas exige do professor atenção redobrada no momento da resolução
dos conflitos para que não haja a escolha da sanção expiatória entre elas e a predominância de sua
autoridade, a qual é vista como justa pelos pequenos. Por isso, é importante que o professor as estimule a
falar e resolver os conflitos por si próprias.
Para Piaget, o conflito pode promover o desenvolvimento tanto moral quanto intelectual da
criança. “O conflito interpessoal pode oferecer o contexto no qual as crianças tornam-se conscientes de
que outros têm sentimentos, ideias e desejos.” (DEVRIES, 1998, p. 90). O que ajuda a superar o
egocentrismo infantil.
[...] primeiro é preciso fazer para depois compreender. Assim, na moral, como no campo
intelectual, uma consciência só se torna autônoma, livre da influência cega de uma
autoridade maior e capaz de fazer descobertas na realidade, se puder experimentar, na e
com a prática das ações, esta realidade. (MENIN, 2007, p. 49).
Desse modo, “[...] as relações entre coetâneos que constituem o meio mais propício ao
desenvolvimento da noção de justiça distributiva e ao das formas evoluídas da justiça retributiva.”
(PIAGET, 1994, p. 222).
Numa palavra, podemos, desde já, supor que as crianças que colocam a justiça retributiva
acima da justiça distributiva são aquelas que seguem o ponto de vista da coação adulta,
enquanto as que preferem a igualdade à sanção são aquelas às quais as relações entre
crianças (ou mais raramente as relações de respeito mútuo entre adultos e crianças)
levaram à melhor compreensão das situações psicológicas e a julgar segundo um novo
tipo de normas morais. (PIAGET, 1994, p. 204).
Tendo em vista que a função da educação é a de “[...] garantir a toda a criança o pleno
desenvolvimento de suas funções mentais e a aquisição dos conhecimentos, bem como dos valores
morais, que correspondem ao exercício dessas funções, até a adaptação à vida social atual” (PIAGET,
1973, p. 40), podemos compreendê-la como um subsídio para uma sociedade mais democrática formada
por cidadãos ativos na vida social, política e econômica do país, que busquem conhecer e lutar por seus
direitos.
A educação se configura, assim, como um direito e um meio pelos quais se conquistam outros
direitos. Para a efetivação desse direito, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB nº. 9.394/96) (BRASIL, 1996)
sanciona que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis pela Educação Básica. A
Educação Infantil, os Ensinos Fundamental e Médio compõem a Educação Básica delimitado, no artigo
22, que afirma:
Nesse sentido, a educação, além de um direito garantido por lei, também tem como dever preparar
o educando para ser um cidadão, ou seja, necessita ensinar-lhe quais são seus direitos e deveres para que
os direitos dos outros e os seus não sejam desrespeitados, características essenciais para a vida em
sociedade. Direitos esses que devem ser vivenciados em todos os níveis educacionais, sem qualquer
justificativa contrária para ausência de seu cumprimento.
A educação em direitos humanos deve ser um dos eixos fundamentais da educação básica
e permear o currículo, a formação inicial e continuada dos profissionais da educação, o
projeto político pedagógico da escola, os materiais didático-pedagógicos, o modelo de
gestão e avaliação.
É preciso não esquecer que a educação é chamada a formar as crianças e os jovens para a
Uma educação que contemple os direitos humanos e a cidadania iniciada a partir da Educação
Infantil deve ter como metas principais:
Para Piaget, essa cooperação e autonomia são construídas por meio de um ambiente que
possibilite a compreensão da importância das regras morais e não simplesmente as introduza como uma
pressão externa ao indivíduo, o que refletiria na heteronomia.(VINHA, 2003)
A escola como um dos primeiros espaços de convivência entre as crianças e, portanto entre a
infinidade de diferenças (culturais, étnicas, religiosas, sociais etc.), é o ambiente em que deve ser
possibilitada a compreensão das regras de convivência. Regras, que no sentido atribuído por Piaget forem
compreendidas como fundamentais, em um processo que resulte em autonomia e cooperação refletirão
em indivíduos aptos a (con) viver em uma sociedade democrática.
Uma sociedade democrática se dá a partir de uma cidadania ativa em que todos tenham os mesmos
direitos, deveres e possibilidades de conquistar mais direitos. Para tal é necessário que haja o "[...] efetivo
exercício da liberdade, a possibilidade concreta, não apenas teórica ou legal, de participação na vida
social com poder de influência e de decisão" (DALLARI, 2004, p.41).
Como indica Benevides (1998, p.158, grifos da autora) para a construção de uma sociedade
democrática é necessária uma educação que atue:
No entanto, apesar dos discursos apregoarem uma educação ideal aos interesses da sociedade, as
práticas muitas vezes não condizem com o esperado e questões tão fundamentais não são trabalhadas.
Nesse sentido, como afirma Sesti (2004, p.333):
A opção por instituição pública e particular se deu devido ao fato de ambas se orientarem pelos
mesmos documentos e leis em que necessitam cumprir as mesmas exigências.
No entanto, vale ressaltar que ambas as instituições selecionadas estão localizadas na região
central da cidade de Marília, e essa escolha se deu para que não houvesse disparidade no aspecto sócio-
econômico em relação aos alunos das escolas.
O enfoque da pesquisa se deu na resolução de conflitos interpessoais que são os que "[...] ocorrem
entre as crianças e entre estas e a professora". (VINHA, 2003). Situação que representa um momento
importante de convivência com o outro, pois "[...] sugere um equilíbrio entre a capacidade de persuasão
do outro e a satisfação de si mesmo". Oportunidade específica para que o (a) professor (a) trate de
questões que dizem respeito às temáticas direitos humanos e cidadania, dentre elas o respeito ao próximo
e a cooperação.
A partir das observações e aplicação dos questionários, verifiquei que em nenhum dos dois
contextos escolares, público ou particular, as temáticas foram mencionadas, nem mesmo nas situações de
conflitos. No entanto, foi possível tecer algumas considerações importantes a respeito dos conflitos
interpessoais que ocorreram nos contextos.
Os contextos e os conflitos
Contudo, segundo Vinha (2003, p.232), os conflitos interpessoais são conceituados por Piaget
como fundamentais para o desenvolvimento, visto que "Quando ocorre um conflito na interação com o
outro, a criança é motivada por esse desequilíbrio a refletir sobre maneiras distintas de restabelecer a
reciprocidade".
[...] espaços sem conflitos, em que se realizam plenamente a afeição mútua, a empatia e a
felicidade. As punições, especialmente as punições físicas, devem ser substituídas pela
compreensão, a motivação e a persuasão moral. À escola não cabe apenas transmitir
conteúdos institucionais, mas também zelar pelo desenvolvimento moral da criança, tal
como se supõe que as mães façam nos lares. E a disciplina escolar - uma disciplina
constante e orgânica - aparece como instrumento básico desse aprendizado moral.
Portanto, a existência de conflitos nesse contexto, segundo as observações realizadas, bem como
as respostas dos questionários, representa aos consumidores que a ordem não está sendo mantida, fato que
faz com que sejam evitados e não utilizados a favor do desenvolvimento cognitivo como defende Piaget.
As concepções dos sujeitos sobre direitos humanos nesse contexto pesquisado refletem essa
dimensão mercadológica, tanto nas atitudes a partir das observações, como nas respostas dos
questionários em que as preocupações se limitam ao âmbito da proteção e conforto dos alunos, ao invés
de privilegiar um ambiente de cooperação, que favoreça a autonomia das crianças.
Um dos critérios utilizados para a pesquisa foi o da escolha da turma, na qual a construção das
regras já tivesse sido trabalhada pelas professoras com as crianças para proporcionar uma análise mais
pontual de como são tratados os conflitos dentro desse determinado contexto e no momento em que
estivessem ocorrendo qual seria a reação dos sujeitos envolvidos. Esse critério foi utilizado devido ao
tempo restrito para a realização das observações.
Assim sendo as turmas selecionadas foram as que estivessem no último período da Educação
Infantil, de cada instituição. Na escola de Educação Infantil Municipal, a última turma corresponde ao
Pré III e é composta por vinte e duas crianças com de idades aproximadas entre cinco a seis anos.
Já na escola particular a última turma é mista com crianças de Pré I e II, pois nessa instituição,
A ocorrência do conflito seria o momento adequado para ser tratada a temática direitos humanos,
já que esse se configura como ponto crucial para que valores como o respeito ao próximo fossem
apresentados para as crianças, já que determinadas regras já teriam sido contempladas.
Na escola pública de Educação Infantil, os conflitos são constantes entre algumas crianças
específicas, que disputavam para si a atenção da professora e dos demais colegas. As atitudes da
professora variavam entre indiferença ou castigos, o que acabava apenas reforçando as agressões entre as
crianças.
Os castigos variavam entre não permitir que a criança brinque no parque, ou que fique sem o
futebol, atividade esperada com ansiedade pelos meninos que ocorria na quinta-feira. Em relação às
meninas a atividade esperada era o balé, porém em nenhuma ocasião presenciei a professora proibir
alguma menina de ir ao balé, mas os conflitos entre elas ocorriam com menor frequência em relação aos
meninos.
Em uma ocasião, um dos meninos que costumava bater nos colegas, levou um soco de uma garota,
ele não contou à professora que tinha apanhado, pois sabia que precisaria confessar ter sido ele o primeiro
a agredir a colega.
A atuação da professora nesse caso foi de omissão em relação ao conflito, pois além de não
proporcionar nenhum diálogo em relação ao ocorrido ainda afirmou que a atitude da garota estava correta,
já que quem bate muito um dia apanha.
Notei que a turma conhece as regras de convivência e que estas por sua vez foram impostas pela
professora e aquele que não as segue é frequentemente delatado pelos amigos. Quando surge alguma
denúncia da turma por parte deste colega em raras ocasiões procura se explicar, pois já está ciente de seu
erro.
Essas duas crianças pertencem à turma de Pré I, a criança com Down não proporciona qualquer
problema às atividades da turma. No entanto, a criança com Asperger apresenta muitas vezes um
comportamento agressivo, principalmente em relação à professora e a estagiária que acompanha a turma.
Já em relação às outras crianças, seu comportamento se modifica, pois procura ficar perto de
determinadas crianças abraçando e beijando, o que representa um problema, já que as crianças não o
querem por perto a todo instante.
Outro exemplo de desrespeito, que pode até mesmo ser considerado de violência, ocorreu em uma
situação em que um dos meninos do Pré I foi agredido com o estojo quando passava por outro que estava
sentado. Ao presenciar este fato a professora afirmou que o agredido precisa revidar e como a criança
demonstrou não desejar agir dessa forma a professora pegou a mão do agredido e bateu com o estojo na
cabeça do agressor. Situação essa que se repetiu em outras ocasiões.
Ao invés de utilizar os momentos de conflito como estes para falar sobre o respeito ao próximo e
sobre a tolerância, ela ensinou a criança a nutrir o sentimento de vingança, o que proporcionou
humilhação e raiva.
Considerações finais
Nas duas escolas pesquisadas, o constante uso dos castigos ou das recompensas reforça a
heteronomia e o egocentrismo das crianças, pois influenciadas pelo autoritarismo e imposição das regras
pelos professores (as) não formam, nesse momento, a cooperação e solidariedade entre elas. As
consequências dessas atitudes autoritárias do adulto negam “[...] à criança a oportunidade de desenvolver
a autodisciplina e a responsabilidade” (VINHA, 2003, p. 234).
Desse modo, o ambiente, que poderia propiciar a formação de crianças autônomas e solidárias,
não contribui para isso, ao contrário, favorece a formação de crianças heterônomas e subservientes às
A postura das professoras que deveria ser a de proporcionar aos alunos o diálogo sobre os
conflitos, para que as próprias crianças refletissem sobre seu comportamento e sobre a importância de
seguir as regras de convivência para que um ambiente de cooperação se efetive. Contudo, não foi isso que
observei, já que as professoras pesquisadas não proporcionam espaços para a resolução dos conflitos em
sala de aula. Esses conflitos são resolvidos, geralmente, por meio de castigos, humilhações e até mesmo
de agressões físicas, as quais ocorreram na escola particular.
Porém, quando a professora deixa de intervir no conflito entre os pequenos, ela permite que um
"[...] clima de insegurança, raiva e ansiedade" se perpetue. Ao invés de promover "[...] sentimento de
amizade, simpatia e auxílio mútuo entre as crianças, visto que a motivação para cooperar em resolução de
conflito depende do fato de as crianças importarem-se com o relacionamento que está ameaçado"
(VINHA, 2003, p.238).
Tendo em vista que a escola é um dos importantes espaços de socialização, é necessário que esse
ambiente proporcione às crianças, desde a mais tenra idade, a prática da cooperação, do respeito mútuo e
da autonomia, já que é a partir dessa fase da vida que a criança aprende, de forma autônoma, a valorizar
os seus direitos e deveres perante a sociedade, compreendendo que, mesmo existindo as diferenças entre
valores e opiniões, é necessário haver o respeito.
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Resumo
O presente trabalho consiste num estudo evolutivo transversal que teve como objetivo investigar as
representações sobre a violência urbana elaboradas por crianças e adolescentes entre 6 a 15 anos.
Participaram dessa pesquisa 40 sujeitos, sendo 10 de seis anos, 10 de nove anos, 10 de doze anos e 10 de
quinze anos matriculados em duas escolas públicas, uma de cidade do interior de São Paulo e outra de
uma cidade da grande São Paulo, escolhidas aleatoriamente. Os resultados, até o momento, indicam que
as crianças e adolescentes criam representações sobre questões sociais, em especial, a violência. Essas
representações tendem a mudar e a evoluir conforme o avanço da idade.
Abstract
This present work consists on a transversal evolutive study that had as aim explore the representations
above the urban violence developed by children and adolescents among 6 to 15 years. Participated of this
research 40 fellows, being 10 of six years, 10 of nine years, 10 of twelve years and 10 of fifteen years
matriculated into two publics schools, one from a city of the interior of São Paulo and another from a city
of the big São Paulo, chosen from interchangeably. The outcome, until this moment, indicates that the
children and the adolescents create representations above social questions, in special, the violence. And
that those representations tend to change and the evolutes as according to the age advance.
A violência está por toda parte, em todos os setores da sociedade. Ela não tem nem sujeitos
reconhecíveis, nem causas facilmente notáveis e simples de serem apontadas, perpassa as diferentes
relações sociais e aparece de forma explícita nos meios de comunicação de massa, principalmente na
mídia televisiva. Dentro dessa esfera notamos que o tema da violência tornou-se um dos assuntos mais
preocupantes e discutidos nos últimos tempos, seja pela mídia, pelos pesquisadores ou mesmo no
cotidiano de nossas casas.
No entanto, apesar dessa explosão de informações que recebemos ou relatamos sobre os atos
sofridos e/ou assistidos, vemos que as crianças e adolescentes não tem uma participação ativa nesse
cenário, pois não temos a prática social de considerarmos suas opiniões, de ouvirmos o que esses têm a
dizer. A esse respeito, Costa questiona:
O que as crianças falam sobre violência? O que pensam sobre o assunto? Quais são seus
sentimentos e opiniões sobre os atos violentos sofridos e/ou assistidos? [...] As crianças
não são ouvidas, não temos a prática social e cultural que considere suas opiniões, o que
acontece em suas vidas e o que pensam do que lhes rodeia, da mesma forma no mundo
acadêmico, poucas são as pesquisas realizadas considerando-as sujeitos capazes de serem
ouvidos. (COSTA, 2000, p. 1).
Essas questões também se colocam no ambiente escolar. Ouvimos nossos alunos? Sabemos o que
pensam sobre o mundo? Consideramos suas concepções quando vamos abordar um assunto?
Referencial teórico
Jean Piaget desde muito cedo interessou-se pelas ciências e através de sua grande curiosidade em
tentar entender as questões epistemológicas envolveu-se em intermináveis estudos nas mais diversas áreas
do conhecimento. Seus estudos sempre nortearam-se em cima das seguintes questões: como se origina o
conhecimento? Como um sujeito passa de um patamar de conhecimento elementar para um patamar mais
Tendo isso em vista, Piaget traz uma nova contribuição para explicar a gênese do conhecimento.
Para isto não adota nem o empirismo e nem o inatismo, mas faz uma síntese de ambas teorias que ele
apresenta como interacionista. Nesse sentido, o conhecimento não estaria nem no sujeito e nem no objeto,
mas na interação desses, ou seja, o conhecimento se daria através da ação do sujeito sobre o objeto de
conhecimento, esta ação entendida não só como física, mas também como uma ação mental. Segundo
Piaget (1979) “a inteligência não começa, pois, nem pelo conhecimento do eu nem pelo das coisas como
tais, mas pelo conhecimento de sua interação, e é ao orientar-se simultaneamente para os dois pólos dessa
interação que ela organiza o mundo, organizando a si mesma”. (p. 361).
Sendo assim, a aquisição do conhecimento não ocorre de forma passiva e mecânica, pelo
contrário, há uma participação ativa do sujeito na construção do conhecimento e sua inteligência, e na
medida que ele interage como o meio físico e/ou social tanto pode modificar-se, como modificar o meio
que o cerca.
Os estudos de Piaget, como também de seus seguidores, demonstraram que nem todos os
conhecimentos são da mesma natureza. Sendo assim, de acordo com o referencial teórico piagetiano há
três tipos de conhecimento: o conhecimento físico, adquirido por meio da ação direta sobre os objetos,
isto é, pelo processo de descoberta; o conhecimento lógico-matemático, adquirido a partir da abstração
reflexiva que se origina na coordenação das ações que o sujeito exerce sobre os objetos e o conhecimento
social, cuja fonte são as pessoas, as interações e as transmissões sociais e culturais.
O campo de estudo sobre a construção do conhecimento social não foi tão desenvolvido por Piaget
quanto as suas pesquisas sobre o conhecimento físico e o conhecimento lógico-matemático. Todavia,
pesquisadores e seguidores de sua teoria deram continuidade e amplitude aos estudos sobre o
conhecimento social. Dentre eles podemos destacar os trabalhos de Delval (2008, 2007, 2006, 1993,
1989, 1988), Enesco (1997,1996, 1995), Denegri (2005, 2003, 1998) dentre outros que tornaram-se
referências mundiais paras as pesquisas sobre o conhecimento social.
Em relação ao conhecimento social, esse tem como fonte as pessoas, as interações e transmissões
sociais e culturais. Assim como os dois últimos conhecimentos citados, o conhecimento social também é
construído a partir da ação do sujeito sobre o objeto de conhecimento, no entanto, este objeto seria o
mundo que cerca a criança, com suas normas, valores etc. Em relação ao conhecimento social, Denegri
afirma:
É evidente que este tipo de conhecimento não é somente social no que se refere ao seu
Nesse sentido, Delval afirma que todo conhecimento é social em sua origem, pois a construção do
“conhecimento só é possível vivendo em sociedade e compartilhando o conhecimento com os outros”
(DELVAL, 2007, p. 17).
Pesquisadores como Delval e seus colaboradores trouxeram grandes avanços nos estudos a
respeito do conhecimento social, mostrando que o sujeito não constrói suas representações de mundo de
forma passiva através das transmissões sociais e pressões do meio, mas que é necessário um trabalho
individual e ativo de reconstrução dessas informações que ele recebe do meio, além disso, a criança
constrói suas crenças muitas antes de receber informações que os adultos lhe dão. Em relação a isso,
Delval afirma:
Pero el hecho de que el conocimiento sea social, de que otros lo posean e intenten
transmitírnoslo, de que sea compartido, no quiere decir que se adquiera por copia o
transmisión verbal de lo que los otros saben. El sujeto que adquiere un conocimiento no
se limita a adquirir lo que otro sabe, sino que lo tiene que reconstruir. De otro modo no se
podría explicar que las concepciones de la sociedad de sujetos de distintas edades difieran
mucho entre ellas y difieran de las de los adultos, y en cambio se parezcan entre sujetos
de parecida edad que viven en diferentes países o culturas. (DELVAL, 2007, p. 17)
Sendo assim, esses pesquisadores afirmam que as crianças não assimilam passivamente as
informações provenientes do meio que as cerca, mas realizam um trabalho árduo e gradual na construção
de seu conhecimento e do seu conhecimento social. A esse respeito, Delval afirma que:
Assis (2003) explica que o conhecimento social consiste num conjunto de ideias que permite aos
sujeitos o conhecimento de si mesmo, das outras pessoas e do mundo que os cerca.
De acordo com Enesco et al (1995) os temas estudados dentro do conhecimento social são:
4 – As normas que regulam a conduta das pessoas dentro de um grupo social - Estão diretamente
relacionadas com os papéis e podem regular condutas referentes ao respeito pelo outro ou aspectos
concretos do funcionamento de um grupo, como por exemplo, a pontualidade. Pode-se, portanto,
distinguir tais normas entre as de natureza moral e as normas convencionais.
Objetivos
O objetivo geral desse trabalho é investigar quais são as ideias a respeito da violência encontradas
em crianças e adolescentes entre 06 e 15 anos.
Objetivos Específicos:
Analisar as características específicas das ideias dos sujeitos sobre a violência ao longo do
desenvolvimento.
Contribuir para a compreensão dos processos percorridos pelas crianças e adolescentes para a
construção do conhecimento social.
Metodologia
Para a coleta de dados da presente pesquisa, foram utilizadas entrevistas baseadas no método
clínico-crítico piagetiano que tem por característica os desdobramentos de uma questão em outras não
programadas. As entrevistas foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas e tiveram como
A primeira parte do trabalho, após a seleção dos sujeitos, consistiu na aplicação de entrevistas semi-
estruturadas aos participantes mediante questões que tiveram como temática a violência. O objetivo foi
de analisar as ideias que os participantes têm sobre o assunto.
Em um segundo momento, foi pedido aos participantes que elaborassem um desenho numa folha
dividida ao meio: numa metade os sujeitos deveriam desenhar uma pessoa que sofre violência e na
outra metade uma pessoa que não a sofre. Este instrumento teve como objetivo analisar como as
crianças e os adolescentes representam, por meio de expressões gráficas, situações de violência e não-
violência.
Até o momento os dados foram coletados e iniciamos a análise dos resultados. Tal análise
pretende avaliar e identificar as interpretações das respostas dadas pelas crianças e adolescentes,
buscando compreender os níveis de compreensão da realidade social dos sujeitos participantes.
Desenvolvimento
A seguir apresentaremos alguns dos dados obtidos nesse estudo, referentes somente ao primeiro
instrumento da pesquisa: a entrevista.
Em que cidade você mora? Marília. E o que você acha de Marília? Que ela é muito boa. E por
que você acha isso? Porque ela é boa para morar. Por que é bom para morar? Porque essa cidade é
muito calma. E tem alguma coisa aqui que você não gosta? Faz sinal de negativo com a cabeça. E o que
50
Projeto de iniciação científica aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FFC/UNESP – Marília/SP processo nº.
0163/2009.
DAN, em que cidade você mora? Marília. E o que você acha de Marília? Legal. Por que? Porque
tem bastante amigo e é perto das coisas que a gente quer. Que coisas? Perto das lojas. E tem alguma
coisa aqui que você não gosta. Faz sinal negativo com a cabeça. E o que você acha de uma cidade
grande? É cidade grande tem as coisas que a gente quer, e a cidade pequena quase não tem, ai tem
que ir para outras cidades. Assim como São Paulo, você conhece São Paulo? Sim, eu morei lá. E o que
você acha? Legal também, mas não podia sair para rua. Por que? Porque eu morava em um bairro
que tinha bastante ladrão, só que não na favela. E o que os ladrões faziam? Roubava, fumava
maconha, essas coisas, nem podia sair para rua, ainda bem que meus amigos era tudo vizinho. E
você já ouviu falar de violência? Já, estou fazendo até o PROERD51. E onde você ouviu falar de
violência com exceção do PROERD? Quase nada. Quase não ouvi. E o que você ouviu falar? É que
não pode ir com essas coisas de violência, senão a gente vai acabar caindo também. Como assim?
Não sei muito bem explicar. O que você ouviu no PROERD? Da violência... A gente estava estudando
mais o cigarro. E o cigarro é uma violência? É pode fazer como uma violência, mais ou menos,
porque pode ficar doidão. E se ficar doidão o que acontece? Ah! Que você pode acabar indo preso ou
morrer. E o que é violência? É ficar batendo no outro, batendo até na prisão. E quando eu falo para
você a palavra violência, qual é a primeira coisa que vem na sua cabeça? Eu penso em morte, morte de
bater, matar com arma. Isso. E o que você acha da violência? Muito ruim. Por que? Ruim por causa
51
O Programa Educacional de Resistências as Drogas (PROERD) é um projeto de caráter preventivo realizado pela polícia
militar com alunos de 5ª e 7ª série de escolas públicas.
Em que cidade você mora? Poá. E o que você acha daqui? Uma cidade boa. Por que você acha
isso? Ali onde eu moro é bom, mas aqui para cima tem mais violência. Por quê? Por causa dos ‘nóias’. O
que é isso? Ah! Tem gente que trabalha e usa droga, maconha, esses negócios. Mas tem gente que não
trabalha e usa essas coisas também. Mas quem é o nóia? Quem fuma, mas não cigarro. Mas cigarro
também é uma droga. Fumar que eu falo é maconha, esses negócios. O ‘nóia’ é quem fuma essas coisas.
E tem alguma coisa aqui que você não gosta? As pessoas violentas. E o que são essas pessoas bastante
violentas? As que zoam. Aqui eu sou bastante zoada. Por quê? Por causa das minhas pintinhas. Eles falam
que eu sou ferrugem. E o que você acha de uma cidade maior, como o centro de São Paulo? Eu não gosto.
Prefiro aqui. Por quê? Porque aqui é meu cantinho, estou aqui desde quando eu era criança. E você já
ouviu falar de violência? Já, aqui na escola. O que você ouviu falar? Que nem hoje um menino estava me
zoando e eu dei um soco nele. E isso é violência? É eu agredi ele. Você falou para mim que têm dois tipos
de violência, quais são? A violência normal, a de matar e roubar. E a violência que a gente faz por
besteira, ‘tipo’ roubar porque quer uma roupa. E o que é violência? Violência é quando alguém agride
uma pessoa sem ela ter feito nada. Como é agredir? Bater, espancar, socar. E você já viu alguma
violência? Já. E o que foi que você viu? Eu não quero falar não. Por que você não quer falar? Não quero
falar sobre isso. Mas você pode falar onde foi que você viu? Posso, na rua. E por que você não quer falar?
Porque foi com uma pessoa que eu gosto muito. E quando eu falo a palavra violência, qual é a primeira
coisa que você pensa? Que tem que parar com isso. E o que você acha dela? Eu queria criar alguma coisa
para parar com a violência, mas eu sei que também faço parte dela. Como assim? Que nem hoje eu bati
no menino, isso é violência. Mas o que você acha dela? Que é uma besteira. Por quê? Sei lá. E por que
será que a violência existe? Não sei. E será que tem um jeito de acabar com ela? A gente tem que
comunicar as pessoas, falar para elas pararem. E como a gente faz isso? A gente pode falar para as
Em que cidade você mora? Nova Poá, Poá. E que você acha daqui? Eu acho uma cidade bem
tranqüila. Eu gosto de morar aqui. Quando eu vou para outros lugares eu acho muita correria, o
povo tem muita pressa e não presta atenção no que fazem. Eu gosto de morar aqui. Que outros
lugares seriam esses? Ah quando você vai para São Paulo, para São Miguel, na casa do meu tio, na
Mooca. É muita correria, os carros não param. E tem alguma coisa aqui que você não gosta? Não, eu
acho assim é legal a cidade mesmo, nunca teve nada aqui que eu não goste. Mesmo porque eu nunca
precisei de muita coisa. E o que você acha de uma cidade maior, assim como o centro de São Paulo? Ah
é que eu já acostumei com aqui. Então se eu fosse para lá eu ia demorar para me acostumar, mas é
legal você tem bastantes referências. Que nem quando a gente quer comprar alguma coisa em
grande quantidade, a gente tem que ir na vinte e cinco. No caso se a gente morasse lá já ia ficar bem
mais perto e bem mais prático, mas é tudo questão de costume, porque se eu fosse para lá eu ia
achar muito agitado, mas se a pessoa de lá vir para cá ela irá achar muito calmo. E por que você
acha lá muito agitado? Ah porque lá é muita poluição sonora, muita buzina, carros andando, uma
dor de cabeça. Você já ouviu falar de violência? Já. Onde? Ah a gente vê direito no jornal, na
internet... E você lembra o que viu recentemente? Ontem eu vi um caso de pedofilia, um professor que
foi baleado na escola, mas a maioria é assassinato. E o que é violência? Violência é tudo que... Aí
essa pergunta é difícil. É assim eu não encaro violência como aquele negócio assim eu vou chegar
em você e vou bater, é tudo que diz respeito a uma pessoa. Me explica melhor isso? Assim por
exemplo, se eu fizer uma coisa para você e você não gostar eu não preciso te bater para ser
considerado uma violência. Só o fato de eu fazer e você não gostar já é um desrespeito que está
sendo encaminhado para a violência. Porque se eu for falar uma coisa para você e você não gostar,
naturalmente você vai falar uma coisa para mim que eu também não vou gostar. E aí já começa
desde o começo a violência, não necessariamente que esse debate seja uma violência, mas é o início.
Existe mais um tipo de violência ou tem só uma? Eu acho que existem vários tipos. Você pode me citar
algumas? Eu acho que assim violência de você conversar e xingar seria uma. Violência de você bater
seria outra. E violência totalmente diferente seria outra de você chegar e matar outra pessoa e
cometer um crime. E você já viu alguma violência? Ah nunca vi não. Eu só essas brigas que tem na
porta da escola. Violência mesmo eu nunca vi não. Mas essas brigas são ou não violência? Não é
violência, são só uns “puxãozinhos” de cabelo e depois separa, nada demais. E quando eu falo para
Conclusão
O objetivo central do nosso estudo era de analisar o que as crianças e adolescentes pensavam
sobre a violência, para isto apresentamos alguns dados dessa pesquisa que nos dá condições de fazermos
alguns apontamentos iniciais.
De acordo com os estudos referentes à construção do conhecimento social a criança não é um ser
passivo que apenas absorve as coisas ao seu redor, pelo contrário, elas são os sujeitos construtores de seu
conhecimento. Nesse sentido, notamos que desde o nascimento até sua vida adulta a criança está em
constante contato e interação com o mundo que a cerca. Com isto recebe um amontoado de informações
que ela recebe e seleciona de acordo com seu nível cognitivo criando assim suas próprias representações
de mundo. Em relação a tal ideia, Denegri afirma:
[...] a criança constrói uma representação da organização social a partir dos elementos que
são proporcionados pelos adultos, os meios de comunicação de massa, as conversas, as
informações que recebe na escola e nas próprias observações. No entanto, ainda que
esteja imersa no mundo social desde que nasce, sua experiência é peculiar e distinta da do
adulto. Em primeiro lugar, trata-se de uma experiência muito mais reduzida que à do
adulto e, além disso, fragmentada. Há muitas coisas e lugares aos quais não têm acesso,
não participa da vida política e – ainda que esteja submetida a múltiplas restrições por
parte dos adultos – ignora os deveres e direitos e como é exercida a coação e a
participação social. Por outro lado, a insuficiência de seus instrumentos intelectuais ainda
em desenvolvimento, impede-na de organizar as informações que recebe e articulá-las em
um sistema coerente. Assim, chega a conformar conceitualizações próprias ou teorias
implícitas que são divergentes das adultas e que curiosamente, mostram grande
Tendo esta ideia em vista, podemos notar que tanto as crianças como os adolescentes criam
representações sobre o mundo a sua volta, em especial sobre a violência. Além disso, com os dados
apresentados podemos também perceber que esta noção com o decorrer do avanço das idades tende a
mudar e evoluir, ou seja, como pode ser visto nos exemplos citados, as crianças menores vêem a violência
sob aspectos mais perceptíveis e concretos. Para elas violência é brigar, bater, roubar, etc. Nesse sentido,
a solução para violência se daria com o aumento do policiamento e pela vontade dos interessados em não
se ter violência. Com o avanço da idade essas representações vão se tornando mais amplas e abstratas, a
violência já é vista como algo não só físico, mas também psicológico. Suas causas são cada vez mais
difíceis de serem apontadas, em geral são por causa do homem que não respeita seu próximo. Diante
disso a solução estaria no respeito, ou seja, cada um respeitando seu próximo, no entanto, isto não
garantiria o fim dela, somente sua diminuição, pois a extinção da violência é vista pelos adolescentes
como algo difícil de acontecer.
Sendo assim, acreditamos que conhecer o que as crianças e adolescentes pensam sobre a violência
é bastante relevante pois suas ideias, a forma como interpretam situações envolvendo essa temática nos
ajuda a conhecer como estão interpretando o mundo a sua volta. Ao conhecermos suas ideias sobre esse
assunto e como elas evoluem estaremos em melhores condições de auxiliá-los na compreensão dessas
questões e, inclusive, de abordar o tema em sala de aula, em atividades específicas, projetos etc. A esse
respeito Saravali (1999) afirma que ao ouvirmos o que pensam as crianças, podemos obter informações
preciosas sobre seus sentimentos, percepções, concepções que muito podem auxiliar no processo de
interação entre educador e aluno.
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Campinas. 1999.
Resumo
Abstract
This study investigates children and adolescents' formation and construction of knowledge starting from
their psychological and intelectual development as well as their socialization processes. It attempts to
demonstrate that adolescents formation and knowledge are effected according to specific historical social
and epistemological conditions which engender renewed forms of the subjects' actions and interactions
with knowledge and society. Having socialization and developlment as key categories, the theoretical
horizons of Epistemological Genetics, Psichology and Social Sciencies are articulated starting from the
concepts of knowledge, sociological and epistemological knowledge, the relation between individual and
society and the relations between subject, school, knowledge and society.
Nas últimas décadas verificam-se mudanças significativas nas interações, nas manifestações e no
conhecimento dos adolescentes e jovens, pondo em evidência novas “redes de socialização”, paralelas,
articuladas ou em oposição às regras e aos padrões sociais do universo adulto.
Tanto para a família, como para os profissionais da educação escolar, psicólogos e sociólogos,
esta realidade impõe desafios, especialmente de saber como ocorre a socialização e a construção do
conhecimento dos sujeitos adolescentes. Compreender este processo exige a superação das “tradicionais”
dualidades entre a socialização e o desenvolvimento humano, os quais têm sido compreendidos de modo
dicotômico, separando as dimensões epistemológicas, psicológicas e sociais na formação dos sujeitos.
Neste artigo, tratamos a formação dos adolescentes como processo imbricado a socialização que
se efetiva na vida social e aos processos de desenvolvimento cognitivo. Em conjunto tais dimensões
produzem estilos cognitivos, perceptivos e manifestações próprias desses sujeitos na vida social.
Referencial teórico
Sob a perspectiva das ciências sociais, fundamentamos o estudo nas teorias psicossociais
de Norbert Elias e Alberto Mellucci, caminhando no sentido de mostrar que as relações entre sujeito,
sociedade e conhecimento estão assentadas sobre interações e processos sociais específicos e
convergentes com o desenvolvimento psicossocial.
Na trilha de Piaget, a reflexão sobre o sujeito adolescente surge como resultado das condições
pretéritas do desenvolvimento da infância, buscando mostrar a sucessiva diferenciação do sujeito na sua
capacidade de representar a realidade, de estabelecer relações tendentes à reciprocidade e à formação das
estruturas formais e abstratas do pensamento reflexivo.
Objetivos
Articular os conceitos da epistemologia e psicologia genética com os conceitos das teorias psico-
sociais na interpretação do processo de formação de crianças e adolescentes.
Metodologia
Ao agir, o sujeito estará sempre condicionado ao momento em que se encontra como ser particular
e circunscrito no mundo da cultura e das relações humanas. É um “momento” sob duplo sentido, do
sujeito e da realidade, que se imbricam e convergem no processo das interações. Na medida em que o
La adaptación no es un proceso pasivo, sino activo, lo cual quiere decir que el organismo,
al adaptarse, se está modificando, pero, a su vez, modificando el medio. El organismo no
sufre la adaptación, sino que es un actor de ella. La adaptación nunca es sólo una
modificación del organismo o una sumisión de éste al medio, ya sea natural o social, sino
que hay, a su vez, una modificación de ese medio en mayor o menor grado. En este
aspecto se distingue el uso popular que se hace del término adaptación y el uso en la
biología (DELVAL, 1997, p. 121).
52
Segundo a teoria piagetiana, o desenvolvimento se define como equilibração progressiva das estruturas endógenas do
sujeito, como passagem de um estado de menor equilíbrio para um estagio de maior equilíbrio. Em nível cognitivo, esse
desenvolvimento cognitivo pode ser caracterizado em quatro níveis ou estágios: sensório-motor, pré-operatório ou
simbólico, operatório concreto e operatório formal. Todavia, estes níveis/estágios não resultam de uma teleologia ou de
uma exclusiva demarcação cronológica da ação e idade do sujeito. Eles estão postos como possíveis, definidos por um
atributo dominante, ordem e sequência das aquisições, podendo variar em idade; caracterizados por uma estrutura de
conjunto, definidora dos comportamentos novos de cada nível e, fundamentalmente, pela integração das estruturas
inferiores em estruturas superiores. (Cf. LIMA FILHO; REBOUÇAS, 1988, p. 23).
Piaget salienta que neste processo o pensamento propriamente dito se prolonga sob a dupla
influência da linguagem e da socialização. Sob o aspecto do pensamento se evidenciam os momentos
iniciais da reversibilidade54, acompanhada pela capacidade de reconstituição do passado através das
narrativas, substituindo as ações pretéritas pela palavra. Neste caso, a linguagem é entendida como
“veículo de conceitos e noções que pertence a todos e reforça o pensamento individual com um vasto
sistema de pensamento coletivo. Neste, a criança mergulha logo que maneja a palavra” (PIAGET, 1997,
p. 28).
53
O conceito de socialização é bastante diversificado e complexo, e envolve diferentes abordagens, biológicas, sociológicas,
culturais e antropológicas. Na sociologia, Durkheim é o primeiro a utilizar o termo, se referindo ao processo de
transmissões culturais, de normas e valores de uma geração adulta para as gerações mais novas, aproximando o conceito de
socialização do significado de educação. No entendimento aqui adotado, tomamos socialização com dois sentidos.
Primeiro, como processo pelo qual o indivíduo interage socialmente, internaliza e constrói as noções sociais, relativas ao
convívio, interações, padrões morais e modos de interpretação da realidade. Segundo, como processo de formação do
indivíduo humano, como aprendizagem social efetivada no curso da infância e da adolescência, quando se cruza com a
noção de sociabilidade, como forma característica das interações adultas. Para a formulação deste entendimento tomamos
as ideias de Piaget (1997), Martins (2000), Zaluar (1985), e Berger e Luckmann (1985).
54
Na epistemologia genética piagetiana, a noção de reversibilidade está relacionada à capacidade cognitiva de encontrar ou
fazer referências a estados, situações e esquemas prévios, de voltar ao passado sem perder as amarras com o presente,
colocando-se como mecanismo lógico recursivo, implicando a noção de temporalidade. Estruturalmente, apresenta-se sob
duas formas básicas: a) inversão (negação) – anulação de uma operação: o produto da operação direta; e o seu inverso é
uma operação nula idêntica; e b) reciprocidade (compensação) – é a anulação de uma diferença: o produto de duas
operações recíprocas é uma equivalência e não uma operação nula (Cf. LIMA FILHO E REBOUÇAS, 1988, p. 23).
Ao nascer, cada indivíduo poder ser muito diferente, conforme sua constituição natural.
Mas é apenas na sociedade que a criança pequena, com suas funções mentais maleáveis e
relativamente indiferenciadas, se transforma num ser mais complexo. Somente na relação
com outros seres humanos é que a criatura impulsiva e desamparada que vem ao mundo
se transforma na pessoa psicologicamente desenvolvida que tem o caráter de um
indivíduo e merece o nome de ser humano adulto. Isolada dessas relações, ela evolui, na
melhor das hipóteses, para a condição de um animal humano semi-selvagem. Pode
crescer fisicamente, mas, em sua composição psicológica, permanece semelhante a uma
criança pequena. Somente ao crescer num grupo é que o pequeno ser humano aprende a
fala articulada. Somente na companhia de outras pessoas mais velhas é que, pouco a
pouco, desenvolve um tipo específico de sagacidade e controle dos instintos. E a língua
que aprende, o padrão de controle instintivo e a composição adulta que nele se
desenvolve, tudo isso depende da estrutura do grupo em que ele cresce e, por fim, de sua
posição nesse grupo e do processo formador que ela acarreta (ELIAS, 1994, p. 27).
Quando se deparam com as diversas marcas produzidas pela cultura, sejam marcas escritas,
imagens ou audiovisuais, os adolescentes já produziram, e estão produzindo suas próprias marcas, através
das atividades nas quais estruturam seus próprios esquemas de assimilação e interpretação dos objetos
simbólicos e culturais.
Isso significa dizer que os próprios traços da personalidade e a formação das noções sociais do
adolescente não aparecem num vazio de relações; eles são, em verdade, o produto de uma socialização
As relações sociais etárias adquirem, assim, uma importância ímpar no processo de socialização,
desenvolvimento e humanização do próprio sujeito, o qual vai construindo suas marcas próprias,
formando sua individualidade, a partir da história dessas relações e da interdependências que estabelece
com os mais velhos. Quando se tornar adolescente e adulto, a história dessas relações estará presente nele
e serão representadas por ele, como sinaliza Elias, “quer ele esteja de fato em relação com outras pessoas
ou sozinho, quer trabalhe ativamente numa grande cidade ou seja um náufrago numa ilha a mil milhas da
sociedade. Também Robison Crusoé traz a marca de uma sociedade específica, de uma nação e uma
classe específicas” (ELIAS, 1994, p. 31).
Desse modo, o próprio processo de individuação, de formação do eu, vai sendo construído
através das/nas interações, abrangendo tanto os recursos da criança como os recursos externos, postos
pelos meios físico, cultural e social, os quais são engendrados na teia de significações que se configuram
em suas relações interindividuais. Assim, tanto a humanização da criança e do adolescente como o seu
tornar-se adulto são definidos socialmente pela sua imersão permanente em um mundo simbólico e em
um processo sociocultural contínuo de dar e criar sentidos, de construir suas marcas próprias, seja na
configuração de sua psique, do seu quadro afetivo, dos modos de estabelecer relações, seja na formação
de estilos cognitivos próprios.
Neste sentido, no que diz respeito às condutas e ao conhecimento e esquemas nelas implícitos,
destaca-se a profunda imbricação dos processos cognitivos e afetivos com o âmbito da cultura e das
relações sociais. Como evidencia ainda Damásio,
Para explicitar essa posição, o cientista genebrino sinaliza as insuficiências das explicações
sociológicas – especialmente configuradas na sociologia clássica – quando estas visam explicar a
consciência e o comportamento social às expensas dos elementos constituintes da ação e do pensamento.
Para Piaget, tal como para as formulações sociológicas de Melucci e Elias, o comportamento, a
consciência social (e as noções sociais) resultante da relação indivíduo e sociedade, tem como condição
as “interações elementares”, ou seja, indivíduos condicionados interagindo em situações determinadas.
Neste caso, tanto Piaget (1973, p. 27) quanto Elias (1994, p. 28) sinalizam para o fato de que uma
criança de séculos passados terá uma compreensão diferenciada em conteúdos dos modos como uma
Com base nos estudos de Piaget e nas âncoras das ciências sociais aqui adotadas, devemos dizer
que o entendimento dos conflitos sociocognitivos da adolescência se distingue das ideias segundo as
quais esses conflitos são motivados pelas dificuldades na recepção dos valores, normas e regras do mundo
adulto, resultando, portanto, em comportamentos perigosos para os próprios sujeitos e para a sociedade
em geral.
Abramo (1994) salienta que, ao longo do século XX, em consequência de diversas manifestações
conflituosas de adolescentes e jovens, tornou-se comum à sociologia – especialmente em sua perspectiva
funcionalista - fundamentar suas análises sobre os conflitos entre adolescentes e jovens a partir de suas
ações de contraposição à recepção das transmissões culturais, enfatizando três chaves de problematização,
da delinquência, da rebeldia e da revolta, ao mesmo tempo em que se foi buscando caracterizar uma
juventude ‘normal’.
Não obstante, na medida dos interesses sociológicos, essas chaves estão mais próximas da
classificação e da descrição do que da compreensão dos processos que subjazem à natureza dos conflitos
que se estabelecem entre os indivíduos e sociedade nesta fase etária. Na verdade, os conflitos dos
adolescentes são produzidos tanto em nível social como em nível das estruturas cognitivas, afetivas e de
socialização do sujeito, não tendo, portanto, nada de natural.
Na adolescência, mais do que em qualquer outra fase do desenvolvimento humano, a relação entre
indivíduo e sociedade se define como um processo móvel e complexo, na estreita dependência das
capacidades recém desenvolvidas do pensamento, da busca de constituição de identidade e da formação
de padrões de afetividade.
a sociedade não atua por simples pressão exterior sobre os indivíduos em formação, e que
estes não são, com relação ao ambiente social e nem com relação ao ambiente físico,
simples tábulas rasas nas quais as coerções imprimiriam conhecimentos já inteiramente
estruturados. Para que o meio social atue realmente sobre os cérebros individuais, é
preciso que estes estejam em condições de assimilar as contribuições desse meio, e
voltamos à necessidade de uma maturação suficiente dos instrumentos cerebrais
individuais (PIAGET; INHELDER, 1976, p. 251).
De modo diferente da criança, que se sente subordinada ao adulto e com o qual não consegue
estabelecer relação de reciprocidade e autonomia, “o adolescente é o indivíduo que começa a considerar-
se igual ao adulto e julgá-los num plano de igualdade e de total reciprocidade”. Assim, mesmo ainda
estando num processo de formação socialmente delimitado, o indivíduo adolescente começa a pensar no
futuro utilizando-se da reflexão sobre o presente, ou seja, das possibilidades da vida adulta atual, com
vistas a sua ulterior vida adulta. Neste sentido, como enfatiza Piaget e Inhelder, o indivíduo adolescente
procura introduzir-se e introduzir seus esforços atuais com vistas a sua inserção futura no mundo adulto, e
se propõe também, por ele mesmo e com ideais próprios, reformar a sociedade em seus domínios parciais
ou totais. Aqui se destaca o sentido do conflito no processo de integração do indivíduo à sociedade.
É um conflito que nada tem de natural, mas está imerso nos parâmetros socioculturais e históricos
(e até ontológicos) de nossa sociedade, apresentando-se nos diversos aspectos do desenvolvimento do
indivíduo em sua transição para a vida adulta: afetivo, psicológico, intelectual e sociocultural. Como
enfatizam os estudos psicológicos, antropológicos e históricos aqui adotados, em formações sociais mais
estáveis como as sociedades primitivas, indígenas e mesmo feudais, a passagem da infância para a vida
adulta se realizava sem grandes sobressaltos, uma vez que nestas sociedades, tanto os “papéis sociais”
como os processos de sociabilidade da vida adulta são mais definidos e estáveis. Do mesmo modo, nestas
sociedades, os próprios processos de educação dos indivíduos não são definidos pela segregação etária,
uma vez que seus processos de socialização – jogos, festas, convívio, etc. - já incorporam os elementos
constituintes da vida social adulta, como o trabalho e a diferenciação sexual.
Neste caso, as contradições sociais, tanto em nível da sociedade abrangente como das vivências
cotidianas convergem e se imiscuem nos processos de formação social, emocional e cognitiva dos
indivíduos. Nesse sentido, como sinaliza Elias (1994; p. 33-4), a pressão exercida nos indivíduos pelas
estruturas sociais lhes impõe tensões, cisões e crises, efetivadas objetivamente nos processos de sua vida
De modo geral, para nossos adolescentes, a realidade do mundo adulto aparece como contraditória
e sem sentido, sendo uma das primeiras manifestações dessa interpretação os conflitos com os pais, que
são tomados como ambíguos, contraditórios e até mentirosos. Assim, a consciência de que terá que se
adaptar e viver num mundo de contradições faz com que o adolescente se sinta incompreendido, situado
num mundo à parte e, conscientemente, busque construir novos significados e modos de ação que se
contraponham à realidade que questiona. Neste caso, apesar de não poder desligar-se dos próprios
sentidos da realidade, suas construções lhes serão próprias, até formular, ou não, chaves de inserção no
mundo dos adultos.
Conclusão
A relação significativa do sujeito com o conhecimento e com o saber nada tem de mecânico e
linear, não sendo nem o sujeito nem o conhecimento entidades estáveis e atemporais. O conhecimento,
assim como os códigos morais e os valores, só terão significados para o sujeito quando este consegue
converte-los em fatores de sua própria humanização e das trocas com o mundo e com os outros. É uma
conversão, diga-se, que ultrapassa a mera interiorização de modelos e regras a priori, e se define como
construção progressiva, engendrada pelos processos endógenos e exógenos que adentram na interação do
sujeito com os objetos físicos, naturais, socioculturais, com os outros e consigo mesmo. Para o sujeito em
formação, conhecer é adentrar num mundo de significados e, com eles, organizar esquemas de
compreensão, interpretação e ação; mas é também busca de autoconhecimento de suas possibilidades e
limites.
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Resumo
O objetivo deste trabalho foi investigar o pensamento econômico de crianças brasileiras, entre 9 e 11
anos, antes e após o desenvolvimento de um Programa de Educação Econômica. Sua relevância está em
introduzir o estudo da formação do pensamento econômico em crianças, no contexto da pesquisa
educacional no Brasil, trabalhando o tema a partir de um modelo de desenvolvimento das ideias
econômicas, vinculado à perspectiva cognitivista. A pesquisa foi desenvolvida em três etapas. A primeira
consistiu na tradução, adaptação e preparação do instrumento de medida, Escala TAE-N, desenvolvida e
validada no Chile e replicada através deste trabalho no Brasil, em uma amostra de 132 alunos e alunas da
3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental, na cidade de São Bernardo do Campo, São Paulo. Ainda nesta fase,
foi realizada, numa amostra de 30 crianças, uma entrevista clínica sobre o tema, com o propósito de
caracterizar os sujeitos envolvidos. Os resultados mostraram, tendo como parâmetro os Níveis de
Desenvolvimento do Pensamento Econômico proposto por Denegri, que as crianças apresentavam um
pensamento econômico primitivo, orientado para uma compreensão específica dos fenômenos
econômicos e com uma capacidade de estabelecer relações e explicar a realidade econômica a partir de
suas vivências e das informações que recebem do meio familiar, escolar e da mídia. Na segunda etapa, foi
desenvolvido um Programa de Educação Econômica, intitulado “Educando para o Consumo Consciente”,
utilizando a metodologia de trabalho com projetos, numa perspectiva interdisciplinar e transversal. Na
terceira e última etapa desta pesquisa, a Escala TAE-N foi novamente aplicada nos alunos. Verificou-se
que todas as turmas apresentaram um aumento na média das pontuações, o que sinaliza um
desenvolvimento na compreensão dos fenômenos econômicos. Os resultados indicaram o crescimento
igual nas diferentes idades e um melhor desempenho dos meninos em relação às meninas no espaço entre
os tempos de aplicação da Escala. Todas as turmas apresentaram crescimento na segunda aplicação do
TAE-N, em percentuais diferentes. As análises permitiram tanto uma compreensão mais específica de
como as crianças brasileiras compreendem o mundo econômico, quanto uma visão mais abrangente da
importância de se trabalhar esse tema no âmbito das escolas de Educação Básica.
The objective of this paper was to investigate the economic thought of Brazilian children, between nine
and eleven years old, before and after the development of an Economic Education Program. Its mainly
relevance was to introduce the economic thought formation study in children in the context of educational
research in Brazil, working on the theme in a development model of economic ideas connected to the
cognitivist perspective and with influence of the social and educative enviroments. This research was
developed in three stages. The first consisted on the translation, adaptation and preparation of the measure
tool, TAE-N scale, developed and checked in Chile and pealed through this research in Brazil, with a
sample of 132 children, students of 3rd and 4th grades of the Elementary School, in São Bernardo do
Campo, São Paulo. Still at this stage, a clinical interview in a sample of 30 children was made with the
purpose of characterizing them. The results of this first stage showed, by the parameters of the
Development Levels of the Economic Thought, prepositioned by Denegri, that the children have
presented a primitive economic thought, directed to a specific comprehention of the economic phenomena
and with the capacity of creating relations and explain the economic reality from their own daily
experiences and from the information they received from their familiar, schoolar and media enviroments.
The second stage was developed with the classes of an Economic Education Program entitled “Educando
para o Consumo Consciente”, using the methodology of projects work, in a transversal and
interdisciplinar perspective. Finally, at the third and last stage of this research, the TAE-N scale has been
applied again on the students. It was verified that al the classes presented an increase in their medium
scores, what signalyzes a development in the economic phenomena comprehention. The results indicated
an equal growth in the different ages analyzed and a better performance of the boys than the one of the
girls, during the application of the Scale. In concern to the classes, all of them presented knowledge
growth in the second application of TAE-N, although in different percentuals. The analysis enabled a
more specific comprehention of how the Brazilian children understand the economic world as well as
more open view on the importance of working on this theme in the Elementary School enviroment.
Para entender o mundo contemporâneo, ou como quer alguns teóricos o mundo pós-moderno,
precisamos explicar o mundo governado pelo capital financeiro e pela sociedade de consumo. Sociedade
em que a economia se transformou numa questão cultural e que tem as diferentes formas de comunicação,
em especial a propaganda, como mediadoras entre a cultura e a economia. Neste universo, a mídia
encontrou no público infantil seu maior consumidor, as crianças hoje estão expostas de forma intensa a
comerciais que criam desejos, fantasias e incentivam o consumo. Como afirma Jameson (2001), “a
cultura do consumo é de fato parte integrante do tecido social e dificilmente pode ser destrinçado dela”
(p.27). Estas relações estabelecidas entre o cultural e o econômico são indicadoras da chamada “pós-
modernidade”, hoje tão discutida quanto a globalização, e que marca o nosso presente histórico.
O 1% mais rico do mundo aufere tanta renda quanto os 57% mais pobres. A proporção,
no que se refere aos rendimentos, entre os 20% mais pobres no mundo aumentou de 30
para 1 em 1986, para 60 por 1 em 1990 e para 74 para 1 em 1999, e estima-se que atinja
os 100 para 1 em 2015. Em 1999-2000, 2,8 bilhões de pessoas viviam com menos de dois
dólares por dia, 840 milhões estavam subnutridos, 2,4 bilhões não tinham acesso a
nenhuma forma aprimorada de serviço de saneamento, e uma em cada seis crianças em
idade de frequentar a escola primária não estava na escola. Estima-se que cerca de 50%
da força de trabalho não agrícola esteja desempregada ou subempregada.55
No Brasil a situação não é diferente. Em recente pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE – sobre Orçamentos Familiares (Maio, 2004), os resultados mostraram
que, em 30 anos, importantes mudanças ocorreram nos hábitos de consumo dos brasileiros. Alguns dados
desta pesquisa nos levam a pensar sobre a importância de um programa de alfabetização econômica para
as escolas de Educação Básica.
55
Citado por Minqi Li, “After Neoliberalism: Empire, social Democracy, or Socialism?”, Monthly Review, January 2004,
p.21;
Na abertura do Fórum Mundial de Educação, realizado em Porto Alegre, em julho de 2004, István
Mészáros apresentou suas idéias sobre o papel da escola na construção de um outro mundo, cuja
referência seja o ser humano e que realize as transformações políticas, sociais, econômicas e culturais
necessárias, com vistas a uma ordem social qualitativamente diferente. Sua proposta de educar para além
do capital, significa pensar uma sociedade que alcance este sentido, libertando o ser humano das amarras
do determinismo neoliberal, num processo contínuo e emancipador. Para ele, “apenas a mais ampla das
concepções de educação nos pode ajudar a perseguir o objetivo de uma mudança verdadeiramente radical,
proporcionando instrumentos de pressão que rompam a lógica mistificadora do capital” (MÉSZÁROS,
2005, p.48).
É para a formação desses novos atores econômicos que este trabalho se volta, na compreensão de
que a melhoria de vida das pessoas acontece através da inclusão social, da consciência política e
financeira e de uma ação reflexiva que leve a uma maior participação social. No entanto, é necessário que
as ações formativas iniciem-se desde cedo através da construção de espaços diferenciados que fortaleçam
a cooperação e a construção de relações econômicas mais conscientes, lembrando que as crianças são
sujeitos sociais e históricos, portanto, marcadas pela complexidade e pelas contradições da sociedade em
que estão inseridas. Ações que levem à solução de questões que inquietam os que atuam na área: como a
criança percebe os fenômenos financeiros? A partir de que idade ela é capaz de compreendê-los? Que
fatores estão relacionados a esta compreensão? Qual o papel da família e da escola nesta aquisição?
Como trabalhar com as crianças de maneira que sejam considerados em seus contextos de origem, seu
desenvolvimento e o acesso aos conhecimentos, direito social de todos, em direção a uma possível
alfabetização econômica? Enfim, como ajudar as crianças a serem cidadãos m0,00cmais conscientes do
seu papel no mercado e do seu poder na constituição de uma sociedade mais solidária e justa?
Referencial Teórico
De acordo com Denegri (2003b), o estudo da compreensão que a criança e o adolescente têm
acerca da realidade econômica e dos conceitos sobre o uso, a origem e a circulação do dinheiro são
importantes porque auxiliam na compreensão dos processos mais gerais por meio dos quais os sujeitos
constroem um modelo coerente e organizado do mundo social em que vivem. Também é importante
destacar que compreender como as crianças e os adolescentes concebem a realidade econômica ajuda na
Um dos problemas propostos por Jean Piaget em suas investigações e, também, considerado por
ele como um dos temas mais difíceis na psicologia infantil é traduzido pela questão: “quais as
representações do mundo que surgem espontaneamente nas crianças ao longo dos diferentes estágios de
seu desenvolvimento intelectual?” (PIAGET, 1977, p.5). Na busca de respostas que pudessem contemplar
essa e outras questões afins sobre a forma como a criança apreende as informações do seu entorno, Piaget
e seus colaboradores desenvolveram alguns estudos que revelaram que muito antes de se explicar às
crianças sobre os fenômenos sociais, elas já possuem várias informações sobre eles e que essas
construções vão ocorrendo a partir da interação entre o sujeito e o meio social, desde o seu nascimento.
De acordo com Piaget, as trocas que a criança mantém com o meio social são de natureza diversa e
modificam a estrutura mental do indivíduo conforme o estágio de desenvolvimento em que se encontra.
Sabemos que as crianças são seres ativos que constroem seus próprios conhecimentos e
organizam-nos a partir das suas experiências e estruturas cognitivas. Desde o seu nascimento, elas estão
em interação permanente com o outro e com o meio em que estão inseridas e, a partir dessas interações,
elas constroem modelos explicativos do mundo. Entretanto, sua experiência com a realidade é distinta da
dos adultos. Através das informações recebidas dos adultos, dos meios de comunicação de massa e das
próprias observações, as crianças vão construindo as suas explicações para os diversos eventos sociais,
políticos e econômicos. Esta é uma forma delas desenvolverem processos de socialização, que vão pouco
a pouco inserindo-as no mundo.
Nos últimos anos, vários pesquisadores têm se interessado em estudar como evoluem as ideias e
explicações da criança acerca do mundo social e financeiro. Alguns desses estudos tiveram como ponto
de partida os trabalhos de Jean Piaget. Como as crianças representam as realidades que as cercam, o que
elas pensam sobre esta mesma realidade e como elas resolvem os problemas que enfrentam têm sido
objeto de estudo de diversos autores como Furth (1980), Leahy (1983), Jahoda (1983), Berti y Bombi
(1988), Delval (1989), Denegri (1993), entre outros.
Neste quadro, um tema tem despertado atenção de muitos pesquisadores: o conhecimento que as
crianças e adolescentes têm sobre conceitos econômicos. As expressões “socialização econômica” e
“educação para o consumo”, embora não sejam amplamente divulgadas e discutidas no Brasil, são hoje
necessárias frente ao quadro econômico-financeiro e social que se apresenta em nosso país e no contexto
mundial.
O ser humano, desde o seu nascimento, vai construindo, pouco a pouco, a sua identidade pessoal e
social através de um processo de aprendizagem dos significados sociais. Ele procura construir modelos
para explicar o mundo à sua volta e, através disto, compreender a realidade em que vive. Na composição
desses modelos, o sujeito se utiliza de representações que faz a partir das relações que ele estabelece com
as pessoas e com a sociedade, as interações e expectativas que ocorrem, e seus sistemas de crenças e
valores.
Esta aprendizagem de acordo com Denegri(1997) não somente implica a apreensão de símbolos,
signos, usos e costumes da cultura, mas além disso, possui uma dimensão cognitiva-afetiva que se
expressa em uma espécie de matriz cognitiva através da qual o indivíduo vai interpretando o seu
ambiente. Afirma, ainda, que, embora a criança esteja inserida num meio social e em constante relação
com ele desde o seu nascimento, suas experiências e construções são diferentes das de um adulto. Essas
diferenças se devem tanto ao fato de que as suas relações com o meio são mais reduzidas e fragmentadas
por não ter acesso e nem participar de todas as situações da vida social e política, quanto ao fato de que a
criança ainda não possui todos os instrumentos intelectuais desenvolvidos, não podendo assim organizar e
articular as informações que recebe do meio.
As investigações sobre socialização econômica desenvolvidas por Denegri, Furth, Jahoda, Delval
e outros, têm focado seus esforços na compreensão que crianças e adolescentes têm dos conceitos
econômicos. As pesquisas procuram mostrar que crianças e adolescentes não são sujeitos passivos diante
das informações sobre economia. Pelo contrário, elas constroem ativamente conceitos e explicações sobre
o mundo econômico à sua volta. Durante todo o tempo elas estão interagindo com as informações que
Desta forma, o estudo da compreensão que as crianças e adolescentes constroem sobre a realidade
econômica e os conceitos que desenvolvem a partir desses temas têm um significado grande nos dias de
hoje, pois podem servir para compreender os processos mais gerais por meio dos quais os indivíduos
desenvolvem um modelo coerente e organizado do mundo social em que vivem e de suas relações.
O primeiro nível está subdividido e foi nomeado por Denegri de sub-nível 1A: “Pensamento Extra
Econômico” e sub-nível 1B: “Pensamento Econômico Primitivo. De uma maneira geral, este nível
apresenta como aspectos principais o predomínio de características extra econômicas: a incapacidade de
considerar vários aspectos da realidade social, a dificuldade para estabelecer relações e para compreender
processos e relações no mundo social e econômico, e a concepção de que o dinheiro é um instrumento
ritual para o intercâmbio, livremente disponível para todos.
Neste nível é possível verificar nas crianças o total desconhecimento da existência de restrições
tanto na vida social quanto na vida econômica; para elas o desejo é o único requisito para se alcançar
qualquer objetivo. A realidade social e econômica é representada de maneira fragmentada e sem conexão;
Para Denegri, Amar, Llanos e Martinez (2002), as crianças neste nível têm dificuldades para
separar o mundo das relações pessoais do âmbito social e institucional, que é próprio do mundo
econômico. Há também uma tendência em aplicar as mesmas regras de reciprocidade nas explicações dos
problemas econômicos e não há uma compreensão muito clara da noção de lucro, excluindo a ideia
econômica de busca de benefícios. Enfim, as crianças no nível do Pensamento Extra-econômico têm um
conceito pessoal de Estado, representado como uma figura concreta, que atua como pai e protetor de toda
a sociedade.
O esforço que a criança faz para superar as contradições que surgem no dia-a-dia e, também,
refletir sobre a realidade social marca o 2° nível, denominado de “Pensamento Econômico Subordinado”.
Neste nível, a criança faz sua primeira conceitualização econômica da sociedade com a compreensão do
conceito de lucro como ideia central do fazer econômico, reelaborando conceitos numa estrutura mais
integrada. Ocorre também a primeira separação entre as relações pessoais e as relações institucionais
econômicas.
Outros aspectos que marcam este nível é a compreensão da existência de restrições na realidade
social, a incorporação de preceitos morais numa conceitualização global da sociedade como um espaço
regido por leis necessárias para o seu funcionamento e o entendimento do Estado como um espaço
institucional encarregado da organização, regulação, distribuição de recursos e controle de todo o
funcionamento social e econômico.
Algumas dificuldades também marcam este nível. Dentre elas a pouca clareza que as crianças têm
dos mecanismos de financiamento do Estado e as dificuldades para compreender as interrelações entre os
processos econômicos complexos e para realizar inferências sobre processo que não são visíveis para elas.
A pesquisa desenvolvida neste projeto foi realizada com crianças entre 9 e 11 anos, alunos e
alunas das turmas de 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental de um colégio de grande porte, da rede
particular de ensino, de um município da grande São Paulo e 05 professoras desta mesma escola. Ao todo
foram 137 sujeitos que participaram da pesquisa e da aplicação do teste TAE-N e destes, 30 compuseram
uma sub mostra, selecionada para as entrevistas clínicas. Os sujeitos estavam distribuídos em 06 turmas,
sendo 03 classes de 3ª série e 03 classes de 4ª série do Ensino Fundamental, sendo 03 no turno matutino e
03 no turno vespertino (com 69 crianças do sexo feminino e 63 do sexo masculino).
Dentro da abordagem quantitativa, optou-se por trabalhar com as Escalas de Avaliação do Nível
de Alfabetização Econômica, TAE-N, proposta e desenvolvida por Denegri e colaboradores. Da mesma
autora, a Escala TAE-A, para adultos, foi utilizada na caracterização das professoras que participaram no
desenvolvimento do Programa. As duas escalas, a de adultos e a das crianças, avaliam o nível de
compreensão dos conceitos e de práticas econômicas necessárias para um bom desempenho econômico.
De acordo com a idealizadora das Escalas, “se trata de uma avaliação de rendimento máximo,
operacionalizada através de uma série de perguntas ordenadas segundo uma dificuldade progressiva. Cada
pergunta propõe quatro alternativas de respostas, dentre as quais uma é a correta e as restantes apresentam
diferentes graus de incorreção”(DENEGRI, 2003).
Nesta investigação, tanto as crianças do grupo de 8-9 anos, quanto as de 10-11 anos mostraram
uma boa assimilação dos conceitos econômicos trabalhados no Programa de Intervenção. O crescimento
apresentou valores próximos nos dois grupos, sendo que o grupo de crianças com idades menores
apresentou um desenvolvimento um pouco melhor do que as crianças mais velhas. No primeiro grupo (8-
9 anos) as crianças saíram de uma média de 23,13 no tempo Pré para uma média de 26,65 no tempo Pós,
representando um crescimento de 15,2%. No segundo grupo (10-11 anos) o crescimento foi de 13,3%,
pois de uma média de 24,75 as crianças foram para uma média de 28,05.
Se tomarmos cada turma para uma análise mais detalhada perceberemos que a turma que iniciou
com a melhor média não foi a que obteve o maior crescimento e a turma que iniciou com a menor média,
manteve-se no tempo Pós, ainda com a menor média, embora apresentasse crescimento. Com a
diversidade dos projetos e a variedade de fatores que influíram em cada um, e esta era a proposta do
Programa de Intervenção, ou seja, vivenciar na perspectiva do trabalho com projetos, nas dimensões
interdisciplinares e transversal, os conteúdos econômicos; não é possível precisar com exatidão o que
determinou o crescimento mais acentuado de uma turma em relação a outra. Entretanto, algumas
considerações precisam ser destacadas:
É preciso reconhecer que o conhecimento é intransferível e que, por ser construído a partir das
ações do sujeito sobre o mundo em que ele vive, ele (o conhecimento) torna-se constitutivo do próprio
sujeito.
Atividades sugeridas e propostas pelos alunos demonstram seu protagonismo, condição necessária
dos processos de construção do conhecimento.
Projetos, como estratégias para a construção dos conhecimentos, pressupõe decisões, escolhas e
vivências que incorporam a abertura para o novo, para o possível, além de articular os diferentes tipos de
conhecimentos.
Por que devemos nos preocupar com a Educação Econômica nas escolas?
Das respostas possíveis a esta pergunta, a primeira coloca-se a partir dos resultados da pesquisa de
que trata este texto. Os efeitos de um Programa de Educação Econômica sobre o desenvolvimento do
pensamento econômico em crianças são reais e corroboram com o processo de alfabetização nesta que é
uma área tão importante quanto desconsiderada nos meios educacionais.
É preciso lembrar, também, que uma das funções do processo de socialização da escola é a
formação cidadã de cada aluno e aluna para a sua intervenção na vida pública. Assim, a escola deve
promover nas crianças e jovens o desenvolvimento de conhecimentos, atitudes e comportamentos que
permitam sua incorporação eficaz na sociedade, com liberdade de consumo e de participação na vida
pública. É preciso considerar a educação econômica, tanto quanto a política, como pilares de uma
formação cidadã.
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Resumo
O presente trabalho é parte de uma dissertação de mestrado que foi embasada em uma pesquisa sobre
conhecimentos da geometria escolar. A fundamentação teórica está alicerçada nos estudos e pesquisas
realizados por Piaget, acrescida dos estudos de Delval, Becker, Chiarottino, Fainguelernt, Scriptori, e
Souza. Este texto enfatiza a necessidade da noção de medida como conhecimento prévio à aquisição de
noções de geometria em ambiente escolar. O estudo foi realizado com 9 sujeitos de 06 a 15 anos de uma
escola pública do interior do estado de São Paulo e deu origem a posteriores intervenções pedagógicas
com 20 sujeitos de 8ª série. A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação da prova da torre
adaptada de Piaget. Os resultados evidenciam que a compreensão das noções escolares sobre geometria,
previstas no currículo escolar para 7ª e 8ª séries, dependem da construção prévia das estruturas mentais
que permitem o conhecimento operatório de medida.
Abstract
The present work results from a master´s degree original thesis which iwas based in a research based on
school geometric knowledge. The teory is based on Piaget studies as well as the ones of Delval, Becker,
Chiarottino, Fainguelernt, Scriptori and Souza. This piece emphasizes the necessity of measure notion as
a previous knowledge to geometric perception in school environment. The research was carried out in 9
subjects with ages between 6 and 15 years old from a public school in the country area of São Paulo State
and resulted in posterior pedagogic interventions in 20 8th graders. The data was source through a
questionary about Piaget´s adapted tower. Results show that the comprehension of geometric school
notions, expected in 7th and 8th grades, is conditioned to a previous construction of mental structures that
allows measure understanding.
Tendo a geometria como tema de pesquisa para a dissertação de mestrado que pretendíamos, foi
necessário realizar um estudo histórico da geometria primitiva. A história revela que, para todos os povos,
a geometria primitiva é decorrente da necessidade de mensuração, assim, pode-se dizer que o conceito de
medida está ligado ao desenvolvimento de toda a geometria. Decorre daí a necessidade de se investigar a
conduta dos sujeitos no processo de construção desse conhecimento.
Referencial teórico
Sabe-se que pesquisas realizadas por Piaget evidenciaram que a compreensão da Matemática
elementar decorre da construção de estruturas inicialmente qualitativas (inclusão de classes e seriação).
Dessa forma, quanto mais a escola propiciar a construção prévia das operações lógicas antes de tratar de
conteúdos formais, mais favorecido será o ensino da Matemática em todos os níveis.
Para o presente estudo faz-se necessário esclarecer como Piaget conceitua conhecimento, como
pode ser classificado e como é construído. Segundo Chiarottino (1988), para Piaget o termo “conhecer”
tem sentido claro: organizar, estruturar e explicar, porém a partir do vivido, do experienciado. E, segundo
Becker (2001), o conhecimento se dá por um processo de interação radical entre sujeito e objeto, entre
indivíduo e sociedade, organismo e meio.
Os estudos de Piaget nos mostram que o conhecimento tem diferentes aspectos: o físico, adquirido
a partir da experiência direta com os objetos; o lógico-matemático, estruturado a partir da abstração
reflexionante e o social, proveniente da interação com as pessoas. Por exemplo: uma criança reconhece
uma bola por sua superfície arredondada e que pode fazê-la rolar. Esse conhecimento é físico. O fato
desse objeto ser reconhecido pelo conjunto de letras B-O-L-A, grafados nessa sequência, e cujo
significado está vinculado ao nome “bola” se refere ao conhecimento social, uma vez que é transmitido
culturalmente. As relações que o sujeito faz quando inclui esse objeto na classe dos brinquedos, por
exemplo, e não na classe de instrumentos musicais, é da ordem do aspecto lógico-matemático.
De acordo com Piaget, todo conhecimento supõe a formação de conceitos, que implica nesses três
aspectos. Como o conhecimento é construído pela ação da pessoa sobre o meio físico e social em que
vive, este não ocorre sem uma estruturação mental do vivido. Coisas e fatos adquirem significação para o
ser humano quando inseridos em uma estrutura. Segundo Chiarottino (1988), isto é o que Piaget
denomina assimilação.
Os conhecimentos matemáticos produzidos na escola são muito valorizados, tanto pela sociedade
como pelos estudantes, uma vez que servem para classificar populações de escolares (por exemplo: Prova
Brasil). No entanto, percebe-se que para muitos ele é considerado inatingível, apesar de acessível. O que
se observa é a falta de compreensão de conceitos dificultando essa aquisição. Assim, frequentemente, os
alunos demonstram a apreensão de conteúdos de maneira memorística. Pode-se supor que os professores
reproduzem o modelo de aprendizado ao qual foram submetidos e o que se costuma verificar é o
aprendizado por repetição, treino, e não pela compreensão.
Ora, a Matemática nada mais é que uma lógica, que prolonga da forma mais natural a
lógica habitual e constitui a lógica de todas as formas um pouco evoluídas do pensamento
científico. Um revés na Matemática significaria assim uma deficiência nos próprios
mecanismos do desenvolvimento do raciocínio. É, pois da maior necessidade que se
procure verificar se a responsabilidade não recai, no caso, sobre os métodos.
De acordo com Chiarottino (1988), a experiência lógico-matemática está relacionada às ações que
exercemos diretamente sobre objetos. No curso do desenvolvimento humano, se, inicialmente, o sujeito
depende da ação direta sobre os objetos, em outro momento, o sujeito dispensa essa manipulação física
quando os interioriza em operações simbolicamente manipuláveis, por meio de imagens mentais
(representações), resultantes de abstração de dados proporcionada pela atividade do sujeito.
Ao tomarmos o ponto de vista de Becker (2001, p. 47), temos que: “O processo do conhecimento
está restrito ao que o sujeito pode retirar, isto é, assimilar, dos observáveis ou dos não-observáveis, num
determinado momento”. Piaget chama de “observáveis” tudo aquilo que o sujeito constata ou crê
constatar nos objetos e nas ações. (SOUZA, 2004, p. 41).
Assim, o estudo das medidas, na escola, deveria ser iniciado no período pré-operatório com
propostas de ações do sujeito sobre objetos para que possa vir a ser refinado no período seguinte,
passando do nível empírico ao reflexivo.
De acordo com os estudos piagetianos, inicialmente, na ação sobre o objeto a criança utiliza o que
Piaget denominou de inteligência prática. Essa inteligência se refere à manipulação dos objetos
organizados apenas pelos esquemas de ações motoras. Um bebê, por exemplo, que pretende alcançar um
objeto distante que se encontra sobre uma almofada fará alguns movimentos para atingir diretamente o
objeto. Não é capaz de pensar em puxar a almofada para aproximar o objeto e alcançá-lo mais facilmente.
Piaget (1973), na obra A geometria espontânea das crianças, declara que, para iniciar o estudo das
medidas, é preciso, primeiramente, examiná-las dentro de contextos das atividades mais espontâneas
possíveis, tanto para assistir a formação global das medidas nas ações, quanto para discernir o papel
natural das operações fundamentais que essa medida supõe. A análise feita por Piaget considerou os
deslocamentos próprios das crianças em função do campo espacial mais ou menos coordenado, pois a
maneira como eles medem (ou preparam as medidas) exige mais cedo ou mais tarde certa precisão
métrica.
Uma coisa, porém, é inventar na ação e assim aplicar praticamente certas operações; outra
é tomar consciência das mesmas para delas extrair um conhecimento reflexivo e,
sobretudo teórico, de tal forma que nem os alunos nem os professores cheguem a
suspeitar de que o conteúdo do ensino ministrado se pudesse apoiar em qualquer tipo de
estruturas naturais. (PIAGET, 1998, p. 16).
A invenção na ação pode acarretar a aplicação de certas operações sem abstração (inteligência
prática ou intuitiva) e, consequentemente, gerar a suspeita sobre a aquisição de determinado
conhecimento. Na tomada de consciência, porém, o sujeito extrai das operações realizadas um
conhecimento reflexivo, de modo que o utiliza com compreensão.
No estádio das operações concretas, a estruturação cognitiva permite que a criança tenha o suporte
necessário para conhecimentos mais abstratos. Piaget afirma que o empírico é necessário, mas não
suficiente para desenvolver a inteligência cognoscitiva.
Piaget observou que as primeiras descobertas geométricas da criança são topológicas e que
ocorrem espontaneamente nas relações espaciais. Somente após ter o domínio dessas relações topológicas
é que a criança desenvolve as noções da geometria euclidiana e projetiva. A geometria topológica se vale
das relações de deslocamento, vizinhança, direção, sem a interferência de medidas; a geometria projetiva
é aquela que estuda as transformações das figuras através de suas várias projeções, ou seja, os objetos no
espaço e, a geometria euclidiana estuda os objetos no plano, valendo-se das relações métricas.
De acordo com Fainguelernt (1999), a geometria, talvez seja a parte da Matemática mais intuitiva,
concreta e ligada com a realidade. No entanto, no ambiente escolar, a matemática que se pratica se apoia
em um processo exaustivo de formalização precoce.
56
Entende-se por didática operatória aquela que enfatiza as operações de pensamento. De acordo com Aebli (1958) a tarefa
do professor consiste em criar situações psicológicas para que as crianças possam construir as operações que devem
adquirir.
Sabemos que nenhum conceito se estrutura no vazio, mas se apoia em conhecimentos anteriores,
promovidos pela ação do sujeito. Um conceito espontâneo pode ser modificado pela experimentação do
sujeito, à medida que essa ação altera suas estruturas mentais, o que ocorre pelos processos de
assimilação e de acomodação, inserindo esse conceito num sistema mais amplo de relações. Essas ações
provocam uma perturbação no sujeito, causando um desequilíbrio cognitivo. Ao reagir ao desequilíbrio,
diz-se que ele está regulando suas ações físicas ou mentais, que, por sua vez, tornam-se operações.
Ao processo que permite construir uma nova estrutura, em virtude da reorganização de estruturas
anteriores, Piaget (1995, p.193) denomina abstração reflexionante, que pode funcionar de forma
inconsciente ou sob intenções deliberadas. A tomada de consciência de resultados de uma abstração
reflexionante é chamada de abstração refletida57.
Objetivos
O objetivo deste estudo foi compreender a microgênese psicológica do conceito de medida. Para
tal estudo foi utilizada a prova da torre, adaptada das pesquisas piagetianas.
Metodologia
Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo analítica descritiva. Consta de uma prova individual,
gravada em áudio e vídeo e aplicada em 9 sujeitos de diferentes idades entre 6 e 15 anos de uma escola
pública do interior paulista.
Os sujeitos desse estudo piloto estão identificados por três letras e as respectivas idades entre
parênteses (anos; meses), como utilizado por Piaget em suas pesquisas.
57
O termo “abstração reflexiva”, utilizado por Piaget foi traduzido por Becker como abstração reflexionante e abstração refletida.
Com o presente estudo foi possível observar e analisar a conduta dos sujeitos em diferentes
estágios de desenvolvimento numa atividade referente à noção de medida, o que possibilitou fornecer
subsídios para compreender o pensamento dos sujeitos.
Em um estudo desse tipo, o que se observa é a atividade operacional efetiva do sujeito (operação
externa e motora) e, à medida que se faz o questionamento, infere-se a mobilização do seu pensamento.
A prova da torre adaptada consiste em três etapas. Na primeira etapa, o sujeito deve
construir uma torre do mesmo tamanho e no mesmo plano que a torre construída pela pesquisadora; para
tanto deverá comparar o tamanho das torres e medi-las, utilizando as varetas de vários tamanhos que
foram colocados à sua disposição. Na segunda etapa, a pesquisadora constrói a torre em um plano mais
alto, em cima de uma caixa colocada sobre o plano inicial (a mesa), e pede ao sujeito que construa outra
torre igual ao modelo, porém sem utilizar o suporte da caixa. Para certificar-se de que as torres sejam
iguais o sujeito terá de comparar o tamanho de ambas, utilizando as varetas disponíveis. Na terceira etapa,
o sujeito deverá fazer o mesmo procedimento da segunda etapa, utilizando, entretanto, blocos menores
que os da torre modelo construída pela pesquisadora.
Para os sujeitos com 6 anos de idade, observou-se que, apesar de concordarem que os
instrumentos de medida (varetas) possam ajudar a conferir (comprovar) o tamanho da torre, não
integraram esse dado às suas ações. É o caso de Éri (6;11), que coloca a vareta no sentido horizontal sobre
as torres, paralelamente à mesa, e diz que não está igual porque sobra um pedaço da vareta para além dos
lados das torres. Na construção da torre sobre o suporte, percebe e identifica a presença do mesmo, mas o
considera pertencente à torre.
Nat (6;11) coloca a vareta no sentido vertical, paralelamente à altura da torre, mas não marca, nem
transfere essa medida para a outra torre que construiu, ou seja, não descentrou o suficiente para formar
uma sequência de comparações sistemáticas que possibilitam comprovar suas alturas. Na segunda etapa
da construção, Nat não faz comentários sobre o suporte colocado e utiliza o mesmo procedimento para
construir a sua torre, ignorando esse dado. Na terceira etapa, porque utiliza o mesmo número de peças, diz
que não dá pra fazer uma torre do mesmo tamanho que a apresentada porque como as peças são menores
o tamanho não pode ser o mesmo, e que a vareta não ajuda a conferir, conforme o diálogo a seguir:
Raf (8;3), ao comparar o tamanho das torres, apoia a vareta sobre elas paralelamente à mesa,
porém não faz referência à medida da vareta, mas, sim, à quantidade de blocos utilizados. Na construção
da torre sobre o suporte, percebe a presença do suporte, mas o considera como parte integrante da torre.
Raf (8;3) - Só que aí eu vou precisar um pouco mais de peça por causa disso aqui.
(Aponta para o suporte)
Na construção da torre com peças menores que as do modelo, Raf (8;3) constroi, compara com a
vareta apoiada nas torres paralelamente à mesa, mas não encontra uma explicação plausível para dar:
Wil (8;4), em todas as construções, utiliza a vareta como medida colocando-a verticalmente ao
lado da sua torre, transferindo essa medida para a torre modelo. Não faz nenhuma observação sobre o
suporte. É como se não tivesse percebido o suporte.
Bea (9;8) faz as construções, manuseia várias varetas até achar uma adequada para a sua
necessidade, marca com o dedo e transfere essa medida para a torre modelo, mas tem dificuldade em
explicar.
Pat (13;5), na primeira construção, satisfaz-se comparando a quantidade de blocos das torres. Na
construção da torre com peças menores, manipula várias varetas; no final, escolhe a maior e explica o que
fez. Quanto ao suporte, considera-o parte da torre.
Mur (12;10) utiliza o instrumento de medida para comparar as torres construídas, percebe
Rha (14;4), na primeira construção, faz uso do mesmo tipo de estratégia de sujeitos de 6 anos, ou
seja , verifica o nível visual das torres. Na segunda construção, nega a possibilidade de medir a torre com
as varetas, mesmo com o gesto indutivo da pesquisadora, conforme diálogo a seguir:
Conclusão
De acordo com Piaget (1973) o conceito de medida é construído à medida que o sujeito se
descentra do espaço egocêntrico e, gradualmente, agrupa deslocamentos realizados por ele, até organizar
uma sequência de comparações sistemáticas que decorrem de suas operações lógicas.
Este estudo mostrou que dentro de uma mesma faixa etária, em que os sujeitos frequentam a
mesma série escolar, é possível encontrar indivíduos em estágios diferentes de desenvolvimento.
Consequentemente, e escola precisa levar isto em consideração se deseja propiciar a aprendizagem, com
compreensão, de conhecimentos científicos.
É claro que a compreensão dos conceitos dos diferentes sujeitos estudados não pode ser
generalizada para outros universos escolares. Contudo, permite corroborar o pressuposto piagetiano de
que, para a complexidade de certos conceitos, estruturas precedentes necessitam ser construídas.
Dentre os sujeitos pesquisados por este estudo, nenhum considerou a defasagem das bases entre o
modelo e a cópia, assim como não fizeram a iteração de medidas. Essas constatações indicam a
necessidade de se propor atividades referentes à medida para desenvolver as estruturas precedentes
necessárias à aquisição de conceitos da geometria escolar.
AEBLI, Hans Una didáctica fundada en la psicologia de Jean Piaget. Buenos Aires: Editora Kapelusz,
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DELVAL, Juan Aprender na vida e aprender na escola. Porto Alegre: ArtMed Editora, 2001.
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Resumo
O interesse por pesquisas surgiu no segundo semestre do ano de dois mil e oito, quando o professor da
disciplina de História da Educação, Otaviano Pereira, solicitou a escolha de um autor para a confecção de
um artigo. No início surgiram muitas dúvidas, mas após fazer a leitura sobre alguns autores, houve a
certeza de que o artigo seria sobre Emília Ferreiro, pois sua contribuição para a Educação é imensa e sua
linha de pesquisa é fascinante. Hoje, aluna do quarto período de Pedagogia da Universidade Presidente
Antônio Carlos - UNIPAC – Campus Araguari - orientada pela professora Lara Arenghi Faria, me propus
a fazer esta pesquisa. O presente estudo surgiu da inquietação em saber se o proposto no Projeto Político
Pedagógico – PPP, é realmente implementado em sala de aula. A admiração e fascínio por Emília Fer-
reiro, fizeram com que começasse tal estudo em uma escola que afirma ser construtivista. A escola
selecionada foi a Escola Machado de Assis, que fica situada na Avenida Minas Gerais, número 1600,
Araguari – Minas Gerais. Semanalmente será analisado o documento PPP e observadas as atividades em
uma sala de aula. A sala selecionada foi a do terceiro ano das séries inicias do Ensino Fundamental com
duração de nove anos obrigatórios.
Abstract
The interest in research came in the second half of the year two thousand and eight, when the professor of
the discipline of History of Education, Otaviano Pereira, asked to choose an author for the preparation of
an article. In the beginning there were many doubts, but after doing some reading on the author, there was
the certainty that the article would be about Emilia Ferreiro, because its contribution to education is
immense and its line of research is fascinating. Today, student of the fourth period of Pedagogy,
Universidade Presidente Antonio Carlos - UNIPAC - Campus Araguari - directed by Professor Lara
Arenghi Faria, I proposed to do this research. This study arose from the concern is whether the proposed
Pedagogic Political Project - PPP, is really implemented in the classroom. The fascination and admiration
by Emilia Ferreiro, have led to begin this study in a school that claims to be constructive. The school was
selected the Escola Machado de Assis, which is located on Avenida Minas Gerais, number 1600,
Araguari - Minas Gerais. Weekly PPP the document will be examined and observed the activities in a
classroom. The room was selected for the third year the series starts from elementary school over a period
of nine years compulsory. This study has as main objective to establish the relationship between theory
and implementation of PPP.
O interesse por pesquisas surgiu no segundo semestre do ano de dois mil e oito, quando o
professor da disciplina de História da Educação, Otaviano Pereira, solicitou a escolha de um autor para a
confecção de um artigo. No início, surgiram muitas dúvidas, mas após fazer a leitura sobre alguns
autores, houve a certeza de que o artigo seria sobre Emília Ferreiro, pois sua contribuição para a
Educação é imensa e sua linha de pesquisa é fascinante.
A escola selecionada foi a Escola Machado de Assis, que fica situada na Avenida Minas Gerais,
número 1600, Araguari – Minas Gerais. Semanalmente será analisado o documento PPP e observadas as
atividades em uma sala de aula. A sala selecionada foi a do terceiro ano das séries inicias do Ensino
Fundamental com duração de nove anos obrigatórios. Este estudo tem como objetivo principal estabelecer
relação entre teoria e implementação do PPP.
Referencial Teórico
O pesquisador e estudioso suíço, Jean Piaget, nasceu em agosto de 1896, pertencente a uma
família de classe alta, iniciou seus estudos científicos ainda muito jovem, formou-se em Biologia, porém
sua maior preocupação era entender como o sujeito adquire seu conhecimento.
Piaget vai mostrar como o homem, logo que nasce, apesar de trazer uma fascinante
bagagem hereditária que remonta a milhões de anos de evolução, não consegue emitir a
mais simples operação de pensamento ou o mais elementar ato simbólico. Vai mostrar
ainda que o meio social, por mais que sintetize milhares de anos de civilização, não
consegue ensinar a esse recém-nascido o mais elementar conhecimento objetivo. Isto é, o
sujeito humano é um projeto a ser construído; o objeto é, também, um projeto a ser
construído. Sujeito e objeto não têm existência prévia, a priori: eles se constituem
mutuamente, na interação. (BECKER, 2001, p. 70)
De acordo com Becker (2001), Piaget busca explicar o processo de construção do conhecimento
propondo uma relação de interação entre sujeito e objeto, sendo assim, para o autor não é possível
explicar a origem do conhecimento detendo-se apenas no sujeito ou no objeto.
Somente a partir da interação com o meio físico, social e cultural torna-se possível a construção do
conhecimento.
O que a autora nos oferece são ideias a partir das quais torna-se possível o que já era
necessário: repensar a prática escolar da alfabetização. São reflexões – às vezes
apaixonadas – sobre os resultados de suas pesquisas científicas (...)
Construtivismo significa isto: a ideia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que,
especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo
terminado – é sempre um leque de possibilidades que podem ou não ser realizadas. É
constituído pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo
humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui por força de sua ação, e não por
qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que podemos
afirmar que antes da ação não há psiquismo nem consciência e, muito menos,
pensamento. (BECKER, 2001, p. 72)
Na educação, o construtivismo se dá a partir da realidade vivenciada tanto por alunos quanto por
professores, onde o aluno constrói seu conhecimento através da vivência de seu dia-a-dia.
Para a realização do presente estudo, o trabalho da autora Veiga oferece grandes contribuições
para um melhor entendimento de como se dá a construção e a implementação do Projeto Político
Pedagógico nas escolas.
Segundo Veiga (1995), o PPP, deve ser construído por todos os envolvidos com a escola (pais,
Para Gadotti e Romão (2001), “O projeto pedagógico da escola é, por isso mesmo, sempre um
processo inconcluso, uma etapa em direção a uma finalidade que permanece como horizonte da escola” e
apoia-se:
De acordo com os autores acima citados, o PPP ampara-se no comprometimento dos pais, e de
todos os integrantes do processo educativo, na conscientização crítica dos alunos, no incentivo dos
governantes.
De acordo com os autores citados acima, a união entre o Estado, a sociedade civil e a sociedade
econômica possibilita uma chance maior na busca da qualidade educacional. Ambos com os mesmos
objetivos e aparando as diferenças tornarão possíveis grandes conquistas e maiores oportunidades
educacionais.
Objetivos
Metodologia
Coleta de dados
Desenvolvimento
Dando início ao trabalho de pesquisa, aqui proposto, foi analisado o PPP do ano de 2007,
documento este, que norteia a prática pedagógica da instituição.
Cabe ressaltar que a leitura do PPP 2007 se deu pelo fato de a escola não disponibilizar no
momento a atual Proposta Política Pedagógica referente ao ano de 2008, justificando que o documento
encontrava-se na Superintendência Regional de Ensino.
Após aproximadamente trinta dias de estudo e levantamento de dados, a escola forneceu o PPP de
2008 solicitado no início do trabalho.
De posse de todos os documentos exigidos, dentre eles o Regimento Escolar da instituição, foi
decidido que os estudos aconteceriam às terças e quintas-feiras no período da manhã, quando seriam
analisados e registrados em forma de anotações as principais informações para a elaboração da pesquisa.
Paralelamente à análise documental, porém no período da tarde, dos mesmos dias acima citados,
também foram realizadas observações em sala de aula, lembrando que a sala selecionada foi o terceiro
ano das séries do Ensino Fundamental.
Até o presente momento, não é possível afirmar que a prática educativa implementada na sala de
aula do terceiro ano das séries iniciais do Ensino Fundamental, contempla a proposta pedagógica da
instituição.
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Resumo
Abstract
In this article we problematize the teaching of geometry and point out the identification of patterns as a
methodology for learning. With this purpose we bring the theory of Piaget in order to set out some
problems regarding the notion of geometry in school-aged children, theory which indicates that the
geometric intuition of the child is more topological than Euclidean or projective and that this extends
itself approximately to up to seven years old. The Piagetian assumption that knowing is acting upon
objects also applies to the topological, projective or Euclidian concepts. Accordingly, the action of the
child upon the object is necessary, so that the child notices the properties that are preserved or not.
Through the teacher’s attempt to take on his/her condition as promoter of experimental situations in order
to facilitate the construction of geometric notions, we come to reflect on the resignification of the
teaching of geometry under the light of patterns. In this sense, we point out a proposal for
implementation.
Definimos padrões como propriedades de objetos que apresentam uma regularidade e repetição.
Nosso objetivo é enfatizar que o ensino de geometria para crianças da Educação Infantil e séries iniciais
do Ensino Fundamental, deve ser iniciado pela topologia ou geometria das distorções, conforme discussão
de Piaget na obra: A construção do Espaço pela criança.
Para Piaget o processo de se tornar humano é se tornar matemático uma vez que nossa razão
constrói-se pela lógica da ação. Essa lógica permite-nos desenvolver o raciocínio lógico-matemático.
Segundo Becker (1998, p. 22): “Para Piaget, ser humano implica ser matemático; tornar-se humano é
tornar-se matemático, ou melhor, lógico-matemático no sentido qualitativo e quantitativo, portanto,
matemático no sentido amplo”.
Para compreendermos como este processo ocorre, Jean Piaget pensou as fases de desenvolvimento
cognitivo em períodos pelas quais as crianças passam durante a construção de conhecimentos. Um bebê
ao preferir um alimento a outro, um ambiente a outro, uma música a outra, está seriando e classificando
mediante suas estruturas lógico-matemáticas. Classificar e seriar exigem estabelecer relações entre
objetos, o que é a chave do processo de conhecer. A construção das noções de objeto permanente e de
espaço possibilita à criança desprender-se, gradualmente, do plano perceptivo e atuar no campo das
representações graças à função simbólica, particularmente, da fala.
A organização da fala por uma criança entre dois e três anos é, na verdade, uma síntese de suas
construções ou coordenações de ações do período sensório-motor. Quando começa a se expressar com
significado (por gestos ou por meio da fala) há um encadeamento lógico na busca de sentido, o que
caracteriza a utilização de algumas formas de representação como brinquedo, imitação, desenho, jogo.
Na linguagem matemática, a reversibilidade nada mais é do que uma função bijetora. Ou seja, é a
ideia de que alterado um elemento de um conjunto por meio de uma ação (aplicação da função) este
retorna ao mesmo conjunto mediante a ação inversa (aplicação da função inversa). Se pensarmos em
termos de uma estrutura algébrica, teremos então a existência de elemento inverso.
É importante lembrar, que os padrões podem ser explorados tanto na geometria euclidiana, como
nas geometrias não-euclidianas, começando pela topologia. A partir daí, a criança é capaz de construir
conhecimentos da “geometria da visão” (geometria projetiva) e geometria euclidiana.
Referencial Teórico
Até o início do século XIX, não teríamos grandes dificuldades em definir o termo geometria, pois
a raiz da palavra auxilia o entendimento do próprio termo e a única geometria possível, na época, era a
euclidiana por definição.
Com o advento das geometrias não-euclidianas, essa definição não mais caracteriza esta área da
Matemática. Como poderíamos, então, definir geometria? Recorrendo ao dicionário, encontramos:
“geometria é a ciência que estuda as propriedades de um conjunto de elementos que são invariantes sob
determinados grupos de transformações”. Ser invariante sob uma transformação significa que após a
aplicação de uma ação em um conjunto, o novo conjunto mantém intacto algum determinado padrão.
Para a Geometria Projetiva, imaginemos três objetos dispostos em linha reta, não importa a
posição em que olhamos estes objetos, eles estarão sempre alinhados, a transformação aqui seria a
mudança de ponto de vista (projetividade) e o padrão mantido foi o alinhamento dos objetos.
No caso da Geometria Euclidiana, ao girarmos um objeto qualquer, sua forma não se altera, neste
caso a transformação utilizada foi a rotação (que é uma das transformações euclidianas) e o padrão
mantido foi a forma do objeto.
Para ensinar geometria, neste sentido mais amplo, é necessário saber quais são as propriedades (da
geometria em estudo) que devem ser preservadas após uma determinada ação sobre um objeto. Além
disso, devemos saber reconhecer como as crianças exploram as formas e suas propriedades em suas vidas.
De acordo com Piaget e Inhelder (1993), a intuição geométrica da criança é mais topológica do
que euclidiana e isso se prolonga aproximadamente até os sete anos. Em geral, por desconhecimento
daqueles que atuam nessa faixa etária os conceitos topológicos que são trabalhados não são percebidos
pelos educadores como tais, provavelmente por defasagem em suas formações.
Souza (2007) aponta que na escola há predominância do ensino empírico de figuras da geometria
euclidiana, a saber, triângulo, círculo, quadrado, retângulo etc. O problema é que o ensino das figuras da
geometria euclidiana é, muitas vezes, traduzido em erros conceituais. Este ensino é realizado por uma
conduta metodológica equivocada em que os professores conduzem as crianças a associarem as noções
geométricas aos elementos postos na natureza ou em construções feitas pelo próprio homem, como se
bastasse a elas identificá-los, no ambiente exterior, através da percepção sensorial, visão e tato
especialmente. Por que esta metodologia traduz-se em erros conceituais? Porque a criança apenas realiza
a tarefa de associar elementos reais à teoria de Euclides, sem elaborar os processos de ressignificação dos
objetos e seus padrões.
Conceitos topológicos tais como, vizinhança (perto ou longe); interior, exterior ou fronteira
O pressuposto piagetiano de que conhecer é agir sobre os objetos também se aplica aos conceitos
topológicos, projetivos ou euclidianos. Nesse sentido, é necessária a ação da criança sobre o objeto para
que esta perceba propriedades que são conservadas ou não.
Um exemplo desta ação da criança para a aprendizagem da geometria projetiva, é oferecer a ela a
oportunidade de observar um objeto, de variados ângulos, mantendo a posição da criança e mudando a
posição do objeto e, mudando a posição da criança, mas deixando o objeto imóvel. A partir do momento
em que as crianças reconhecem que as formas dos objetos dependem do ponto de vista do observador,
inicia-se a estrutura projetiva.
De acordo com o depoimento do professor de química Henrique Toma58, “na ciência, a repetição
significa um padrão. Nós inferimos muitas conclusões justamente pelo comportamento repetitivo dos
eventos. Toda a sequência de padrões na realidade pode ser descrita matematicamente”
A geometria euclidiana requer que as crianças construam a ideia de que o espaço é constituído de
objetos móveis e que a própria criança também é um destes objetos. Assim, a movimentação de um objeto
sob esta perspectiva pressupõe que as formas, ângulos e distâncias se conservem.
Objetivos
Refletir teoricamente sobre a construção de noções geométricas pelas crianças pautados pelos
referenciais de Jean Piaget;
Metodologia
58
A ORDEM e o Caos. São Paulo, n.2. Coleção Arte e Matemática. Cultura Marcas, Fundação Padre Anchieta, s.d (DVD).
Nesse sentido, padrão, para nós, é o “padrão que liga”, que impõe uma ordem em um caos e
estabelece relações entre vários objetos. Ou seja, são padrões comuns entre eles.
Para o ensino de geometria é importante compreender que durante a construção das estruturas
elementares de pensamento, as crianças, desde o nascimento, agem sobre as coisas que as rodeiam e
classificam-nas, estabelecem relações. Estas relações de início apoiam-se em características físicas dos
objetos – objetos duros, lisos, vermelhos etc – para gradualmente evoluírem para critérios abstratos
(FÁVERO, 2005).
Importante destacar que propor atividades de identificação de padrões pode parecer distante das
práticas escolares e sugerir a exploração de conceitos abstratos além das possibilidades infantis, o que é
um erro. O reconhecimento de regularidades pelas crianças pode apoiar-se na observação de obras de arte,
em artesanatos, na construção de mosaicos, nas formas dos elementos da natureza – folhas, flores, casas
de abelhas, teias de aranha, dentre outros – além de abrir espaço para as próprias construções das crianças
que ao utilizarem modelos em papel, blocos de montar, peças de madeira, desenhos, criam cenários e
objetos dentro de uma ordem que permite ao observador identificar o que foi representado nestas
construções espontâneas. E essas construções trazem em si padrões.
O propósito é a professora compreender que as atividades de observação das formas dos objetos e
suas comparações podem abrir a possibilidade de identificação de propriedades geométricas que,
relacionadas, colaboram para a organização de elementos em categorias/padrões, exercitando um tipo de
pensamento matemático não encontrado no material. Ou seja, as ações infantis individuais e internas
organizam os conhecimentos geométricos segundo padrões de desenvolvimento que devem ser
Primeiramente, não se pode dissociar ensino de aprendizagem. Na verdade, não existe ensino, sem
aprendizagem, embora a recíproca não seja verdadeira.
Para a teoria construtivista, a fonte da aprendizagem está na ação do sujeito, ou seja, “o indivíduo
aprende por força das ações que ele mesmo pratica: ações que buscam êxito e ações que, a partir do êxito
obtido, buscam a verdade ao apropriar-se das ações que obtiveram êxito” (BECKER, 2003, p.14).
Entender que as crianças aprendem em função de suas próprias ações sobre o objeto do
conhecimento supera a ideia de que as descobertas infantis são frutos de injeções de conhecimento
aplicados pelo professor, como querem os empiristas. E combate o pressuposto de que o conhecimento é
como uma semente interna que desabrocha durante a maturação infantil, herança inata em que ao docente
cabe fornecer estímulos ao seu florescimento.
O processo de construção do conhecimento construtivista é uma via de mão dupla em que não se
despreza a influência genética e as contribuições do meio físico e social, mas vai além e os reconhece
como coadjuvantes. A criança que aprende ao agir sobre os objetos transforma-os e também se
transforma.
Na relação professor e aluno isto é identificado quando as crianças e os docentes aprendem juntos
em patamares diferenciados, porém ambos são modificados durante a relação que estabelecem. Desta
forma não há processo estático de ensino e aprendizagem. Há o dinâmico, o inventivo, o novo.
Outro ponto a considerar é que apesar de a importância da geometria ser reconhecida pelos guias
curriculares oficiais e por discursos, sabe-se que os professores não abordam a geometria com a mesma
relevância que os conhecimentos numéricos (GÁLVEZ, 1996; PAVANELLO, 2004; FONSECA et al.,
2005; PANIZZA, 2006). A situação agrava-se ao considerarmos que, segundo Ochi et al. (1992, p.9), “há
professores que julgam que alguma geometria é necessária, mas parece que ninguém determinou
exatamente quais os conceitos e aptidões devem ser desenvolvidos”. Acrescenta-se à problemática de o
quê ensinar, o fato de que “um professor que enquanto aluno não aprendeu geometria, certamente
desenvolverá uma atitude negativa em relação a ela e se sentirá inseguro para abordá-la em sala de aula”
(PAVANELLO, 2004, p.129).
Diante de um panorama gerador de incertezas quanto aos conteúdos a serem trabalhados, aos
Como uma das possíveis respostas a este questionamento, Souza (2007) alude à utilização de
referências pessoais dos professores na seleção dos conhecimentos que acreditam ser da área geométrica,
à dependência prática do livro didático e de listas de exercícios e atividades recicladas em curso de
capacitação docente. Estes fundamentos com respaldo de condutas empiristas, a nosso entender,
sacrificam ou até destroem a geometria enquanto conhecimento privilegiado que abre espaço para
desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático necessário a todas as áreas.
Neste contexto propomos que inicialmente os educadores considerem a evolução espontânea das
noções geométricas nas crianças, o que implica admitir que “o espaço infantil, cuja natureza essencial é
ativa e operatória, começa por intuições topológicas elementares, bem antes de tornar-se simultaneamente
projetivo e euclidiano” (PIAGET e INHELDER, 1993, p.12). O que requer adiar a exploração das figuras
elementares da geometria euclidiana para dar lugar a exploração dos objetos enquanto formas
tridimensionais.
Cabe acrescentar que as crianças até os sete anos de idade evoluem do plano sensório-motor, com
predomínio de ações práticas na intenção de satisfazer uma necessidade imediata, para o operatório
concreto em que o papel da representação através da linguagem torna-se um marco importante para
compreensão do processo de estruturação cognitiva que vai-se desenvolvendo no decorrer deste período.
Significa compreender que as crianças possuem um pensamento intuitivo possível de representações
deformadas, contrárias as conceitualizações universais e definições.
Então como nós podemos montar essa arquibancada? Qual a melhor forma? Então a
Cabe ressaltar a observação de Pavanello (2004, p.136), segundo a qual “as regularidades e
padrões só são reconhecidos quando comparados com o irregular, com o que foge aos padrões, o que em
geral não é feito na escola”. Desta forma, cabe aos professores selecionar objetos variados para que as
comparações incidam sobre as igualdades e as diferenças entre eles, o que tornará verdadeiramente
significativa a identificação das regularidades.
É relevante exemplificar que uma outra professora, também participante das pesquisas de Souza
(2007), ao relatar sua experiência explorando o material Geoplano com as crianças, propõe – não de
forma consciente – que observem os padrões necessários para que obtenham a representação de um barco.
“(...) todas as crianças tinham a mesma quantidade de elásticos, então o aluno X fazia um desenho no
Geoplano e todos os outros amigos teriam que fazer o mesmo desenho. E eles iam buscar se estava
idêntico ou se estava parecido”.
Atividades desta natureza, que proporcionam a participação dos alunos na identificação das
regularidades e observação do “parecido” ou irregular de acordo com o que foi proposto, são
fundamentais ao conhecimento, não só geométrico, mas também de outras áreas.
Sua importância pode ser verificada no reconhecimento dos padrões do desenvolvimento infantil,
delineados pela epistemologia construtivista. De acordo com Fávero (2005, p.108) ao referir-se às
estruturas elementares construídas pelas crianças, pesquisadas por Piaget, ressalta:
Desde que nascemos, ao agirmos sobre as coisas ao nosso redor, classificamos essas
coisas, relacionando-as, combinando-as segundo um critério qualquer, seja no início,
dentro de um critério dado pelas suas características físicas (coisas quadradas, duras,
lisas, vermelhas, etc), como depois, dentro de um critério abstrato (atitudes democráticas,
Conclusões
De acordo com o depoimento do professor de química Henrique Toma59, “na ciência, a repetição
significa um padrão. Nós inferimos muitas conclusões justamente pelo comportamento repetitivo dos
eventos. Toda a sequência de padrões na realidade pode ser descrita matematicamente”.
Cristaliza-se por tudo isso, a relevância dos padrões para o conhecimento geométrico infantil
como necessidade dos professores identificarem as regularidades que permeiam as atividades propostas,
orientando conscientemente as crianças ao reconhecimento dos mesmos, logicamente dentro das
possibilidades de desenvolvimento de cada faixa etária.
Referências
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Anchieta, s.d (DVD).
BATESON, Gregory. Mente e Natureza: a unidade necessária. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1986.
BECKER, Fernando. A origem do conhecimento e aprendizagem escolar. Porto Alegre: ArtMed, 2003.
FONSECA, Maria da Conceição F. R. et al. O ensino da geometria na escola fundamental: três questões
para a formação do professor dos ciclos iniciais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
GÁLVEZ, Grécia. A geometria, a psicogênese das noções espaciais e o ensino da geometria na escola
primária. Didática da matemática: reflexões psicopedagógicas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
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59
A ORDEM e o Caos. Coleção Arte e Matemática. n. 2. São Paulo: Cultura Marcas, Fundação Padre Anchieta, s.d (DVD).
PANIZZA, Mabel (Org.). Ensinar matemática na educação infantil e nas séries iniciais: análise e
propostas. Porto Alegre: ArtMed, 2006.
PAVANELLO, Regina Maria. Geometria nas séries iniciais do ensino fundamental: contribuições da
pesquisa para o trabalho escolar. In: PAVANELLO, Regina Maria (Org.). Matemática nas séries iniciais
do ensino fundamental: a pesquisa e a sala de aula. São Paulo: Biblioteca do Educador Matemático, 2004.
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PIAGET, Jean; INHELDER, Barbel. A representação do espaço na criança. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1993.
SOUZA, Simone de. Geometria na educação infantil: da manipulação empirista ao concreto piagetiano.
Maringá, 2007. 146f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática) – Universidade
Estadual de Maringá, 2007.
STEWART, Ian. Os números da natureza: a realidade irreal da imaginação matemática. Rio de Janeiro:
Rocco, 1996.
Resumo
O ensino de ciências ligado às propostas sócio-construtivistas possui como uma de suas premissas básicas
o “envolvimento ativo do aluno” no processo de aprendizagem. Ainda que não muito bem compreendido
o significado deste conceito, o envolvimento poderia ser conseguido através de atividades onde o sujeito
vivenciasse o conflito cognitivo proposto por Piaget ou a Insatisfação com suas idéias diante de uma
experiência crucial, proposto por Posner, em seu Modelo de Mudança Conceitual. Entretanto, diversas
pesquisas nas últimas décadas têm captado um “ruído de fundo” relativo a déficits motivacionais
provocados por estas estratégias. Portanto, buscando entender estes resultados anômalos e contribuir para
o debate em torno da construção do conceito acima, este trabalho apresenta a Teoria de Metas de Realiza-
ção, oriunda do grande manancial teórico ligado à psicologia da educação, cujo objetivo é entender o
comportamento, as metas e as crenças que os alunos apresentam no momento em que abordam as tarefas
escolares.
Abstract
The teaching of science related to socio-constructivists has proposed as one of its basic premises the
“active involvement of students” in the learning process. Although not very well understood the
significance of this concept, the involvement could be achieved through activities where the subject
perceptions the cognitive conflict proposed by Piaget or dissatisfaction with their ideas front a crucial
experiment, proposed by Posner, in his Model of Change Conceptual. However, several search in recent
decades has captured a "background noise" relation the motivational deficits produced by these strategies.
Therefore, seeking understanding these anomalous results and contribute to the debate surrounding the
construction of the concept above, this work presents Achievement Goal Theory, from of great theoretical
source connected to the psychology of education, whose objective is to understand the behavior, the goals
and beliefs that students have when they approach the school tasks.
Para Piaget, segundo Palangana (2001), o sujeito está adaptado, ou seja, em equilíbrio, quando os
dois processos estão em harmonia, ocorrendo simultaneamente tanto a assimilação quanto a acomodação.
Por outro lado, o desequilíbrio seria provocado quando o sujeito, passando por uma experiência em que
sua lógica não pudesse dar conta da realidade, ele se veria obrigado a reformular suas estruturas
cognitivas para a apreensão do novo. Este mecanismo, responsável por produzir uma mudança em direção
a um estado superior e mais complexo de equilíbrio, foi denominado de “equilibração majorante”.
[...] numa perspectiva de equilibração, deve procurar-se nos desequilíbrios uma das fontes
de progresso no desenvolvimento de conhecimentos, pois só os desequilíbrios obrigam
um sujeito a ultrapassar o seu estado atual e procurar seja o que for em direções novas
[...] (grifo nosso) (PIAGET, 1977, p. 23).
Em razão do grifado acima, é o desequilíbrio que produz a motivação intrínseca necessária para o
sujeito buscar o conhecimento capaz de promover o retorno à sua condição de equilíbrio anterior. É a
urgência em restabelecer sua capacidade de organizar a experiência, de interpretá-la, que alimenta os
esforços em direção a uma equilibração de melhor qualidade e alcance. Isto posto, apenas o sujeito pode
atuar com a intenção de restabelecer sua compreensão.
Por conseguinte, nesse modelo, o sujeito epistêmico piagetiano se desenvolve na atuação direta
com o objeto ou com o meio em que está inserido. Em vista desta atuação, se porventura o sujeito se
Para Vygotsky existem dois níveis de desenvolvimento: nível real ou efetivo e o nível potencial. O
primeiro refere-se ao que a criança sabe, ou seja, os problemas que esta pode resolver sozinha. O
segundo diz respeito ao desenvolvimento potencial que a criança pode vir a adquirir. Este nível pode ser
representado pelos problemas que a criança não consegue resolver. Entre estes dois níveis, existe um
espaço chamado de zona de desenvolvimento proximal.
Em suma, é neste lugar, onde é possível a atuação do outro, mas não um outro qualquer, um outro
mais capaz podendo ser representado por uma criança mais experiente ou pelo adulto. Por conseguinte, o
outro tem a tarefa fundamental de transformar o desenvolvimento potencial em real, através da
internalização de uma forma mais elaborada de cognição. Conclui-se, então, que é na interação social que
o indivíduo se modifica, ou seja, desenvolve suas capacidades cognitivas.
No pensamento de Vygotsky, o motivo também está ligado às necessidades que devem ser
satisfeitas pelo indivíduo, ou seja, cada fase da vida reserva-nos necessidades específicas, entendidas
como tudo aquilo que nos motiva para a ação. A necessidade de víveres impulsiona o adulto ao trabalho.
A vontade de participar da vida adulta exige do adolescente o estudo. O desejo de atender uma
necessidade imediata que não pode ser satisfeita, como, por exemplo, dirigir um carro, encontra no
brinquedo a possibilidade de satisfação desse desejo pela criança.
Portanto, para que ocorra a acomodação é necessário atender a quatro conceitos básicos:
Além desses quatro, adotou-se mais um, denominado de ecologia conceitual, por Toulmin. Este
conceito se refere a conhecimentos, a compromissos epistemológicos e a crenças metafísicas que o
indivíduo possui. Naturalmente, a ecologia conceitual se constitui uma extensa e profunda rede de
significados e estes podem influenciar fortemente a inteligibilidade e a plausibilidade de um novo
conceito. Todavia, acreditava-se que, satisfazendo as quatro condições lógicas, o conjunto de
conhecimentos que o aluno possuía deveria mudar radicalmente, ocorrendo a acomodação de uma nova
concepção ao universo conceitual do aluno.
O M. M. C., graças à sua racionalidade, gozou de um período de ampla aceitação, sendo alvo de
intensa pesquisa. Não obstante, não tardou em perder seu caráter heurístico, recebendo diversas e pesadas
críticas, principalmente no tocante à simplificação com que se referia ao intrincado processo de
Até mesmo seus idealizadores - Strike e Posner, em 1992 - propuseram diversas modificações e
apontaram como falhas as poucas considerações sobre a ecologia conceitual do aluno. Principalmente, no
tocante aos motivos e às metas que os aprendizes têm em mente querer alcançar e as questões afetivas
presentes no cotidiano escolar (VILLANI e CABRAL, obra citada).
Muitas vezes, o aluno ignora o fracasso (refere-se ao fato de que realiza a experiência e não
percebe que o resultado está em desacordo com suas crenças);
“Arranja explicações ad-hoc” (CHINN e BREWER, apud VILLANI e CABRAL, 1997, p. 4);
“-Lá vem esse professor com as experiências dele..., caramba!!!... Eu achava que sabia alguma
coisa, agora não sei mais de nada” (relacionada à minha prática em sala de aula).
“-Se o senhor já sabe, porque não dá logo a resposta!!!” (relacionada à minha prática em sala de
aula).
Gunstone (1992, p.133) afirma que não só as concepções espontâneas impactam o processo de
aprender os novos conceitos. Sobretudo, as concepções sobre ensino-aprendizagem que os alunos
carregam também podem se constituir verdadeiras barreiras ao processo, podendo vir a inviabilizá-lo,
conforme trecho abaixo.
Com tantas críticas, o conceito de insatisfação, ou seja, a sensação de fracasso que o aluno deve
vivenciar como sendo algo que justifique sua motivação para a procura do novo, apontado como
fundamental pelos seus autores, perdeu o caráter de condição prévia em relação às outras três (ROWEL
apud VILLANI e CABRAL, obra citada). Não obstante, vários pesquisadores saíram em defesa do
conflito cognitivo (GIL PEREZ, 1999).
[…] Não se trata, como se pode ver de eliminar os conflitos cognitivos, mas evitar que
adquiram o caráter de uma confrontação entre as ideias próprias (incorretas) e os
conhecimentos científicos (externos). A este respeito Solomon (1991) argumenta que «ao
explicitar um conjunto de opiniões particulares, o professor não pode simplesmente
rechaçá-las por não se ajustarem à teoria vigente. Desta maneira não é possível um
diálogo aberto». 61
Em vista do escrito acima, imaginemos um aluno que acredite não possuir inteligência suficiente
para aprender física. Seria natural supor que este aluno, ao vivenciar a insatisfação ou o conflito cognitivo
proposto pelo modelo, reafirme sua condição de inferioridade e isto venha a impactar em sua motivação
Devido a forte reação que os alunos apresentam no momento em que vivenciam a insatisfação ou
o conflito cognitivo alguns dos cânones básicos do modelo começaram a ser questionados. Mortimer
(1996), criticou a conclusão simplista de certas pesquisas ao apontarem o conflito como o principal
responsável pelo baixo rendimento dos educandos:
[…] Outro tipo de problema nesses tipos de estratégia de ensino é a dificuldade que os
alunos enfrentam em reconhecer e vivenciar conflitos. Isso poderia explicar a
improdutividade de certas discussões em grupo na sala de aula, [...]
[…] A aplicação dessas estratégias em sala de aula tem resultado numa relação de custo-
benefício altamente desfavorável. Gasta-se muito tempo com poucos conceitos, e muitas
vezes esse processo não resulta na construção de conceitos científicos, mas na
reafirmação do pensamento de senso-comum.
Cabe aqui uma ressalva: não esperamos que todo desequilíbrio provoque mudança nas estruturas
cognitivas, pois mesmo Piaget nos adverte sobre as equilibrações compensatórias que muitas vezes não
levam os alunos a uma equilibração majorante. Nem, tampouco, acreditamos que toda discussão leve o
aluno a re-significar seus conceitos espontâneos. Todavia, o que nos chama atenção é que estes
mecanismos deveriam ocorrer naturalmente na vida do indivíduo; logo, não deveriam provocar tamanha
estranheza por parte dos alunos. Portanto, parece que devemos procurar entender o que acontece dentro
da sala de aula no tocante à interação social que tem tornado estes importantes instrumentos de ensino de
ciências ineficazes para alguns alunos.
Enfim, independente das especificidades teóricas dos constructos apresentados até aqui, todos nos
levam à motivação intrínseca pressupondo um envolvimento ativo do aprendiz. Todavia, há um sem
número de pesquisas que apontam as metodologias sócio-construtivistas responsáveis por produzir junto
aos alunos déficits motivacionais ou reações afetivas indesejadas.
A psicologia da educação trabalha com uma teoria moderna denominada: Teoria de Metas de
Realização. Esta teoria considera como premissa básica a ideia de que os mais poderosos motivadores
humanos estão ligados às metas ou os propósitos que os sujeitos tenham em mente realizar.
Ligados estritamente à sala de aula, estes podem ser: desenvolver competência, parecer inteligente
ou evitar o fracasso. Naturalmente, um aluno que apresente sua meta orientada a evitar o fracasso pode ter
seu comportamento de realização, no momento em que aborda uma tarefa, afetado de forma negativa.
Portanto, segundo Boruchovitch e Bzuneck (obra citada, p. 59), “[...] o referencial teórico é
considerado sócio-cognitivista, por acolher tanto elementos originários do cognitivismo como por
considerar relevantes as influências de natureza sócio-ambiental em seu desenvolvimento, manutenção ou
mudança”.
Existem praticamente duas metas qualitativamente diferentes que orientam o comportamento das
No tocante à primeira, a pessoa age querendo obter conhecimentos para aumentar seu grau de
competência. Já na segunda, o foco é o julgamento do outro. Dependendo da qualidade deste julgamento,
esta meta se subdivide em duas: meta performance-aproximação, onde a preocupação é parecer
inteligente para professores e colegas e meta performance-evitação, no qual o comportamento é orientado
a não parecer incapaz para os demais membros da classe.
Segundo Boruchovitch e Bzuneck (AMES; ANDERMAN e MAEHR apud, obra citada, p. 61), os
alunos assim orientados almejam os seguintes objetivos: a busca pelo sucesso na realização de tarefas
escolares têm como objetivo principal obterem maior conhecimento e habilidades. Agem procurando
dominar sempre mais conteúdos, com inovação e criatividade. Consequentemente, o grau de exigência
presente nas tarefas escolares é entendido como capaz de fazê-los crescerem intelectualmente.
Estes alunos têm a convicção ou crença de que o êxito conseguido em suas tarefas está
intrinsecamente ligado ao seu esforço e empenho. Estes atributos são internos e ligados ao investimento
pessoal e estritamente sob seu controle: logo, o sucesso após esforço e empenho produz um sentimento de
orgulho e realização reforçando uma auto-imagem positiva. Não raro, muitos alunos se utilizar de
estratégias cognitivas e metacognitivas de aprendizagem que conduzam a esse resultado. Os mesmos não
se incomodam com erros ou fracassos, pois estes são encarados como inerentes ao processo de
aprendizagem. Sua ocorrência é até benéfica, pois propicia a adoção de novas estratégias com as quais se
possibilite dar conta dos desafios.
Com a meta performance-evitação, o aluno também esta preocupado com o julgamento do outro.
Entretanto, em aspectos estritamente negativos, caracterizando-se pelo medo de parecer incapaz ao
professor e aos colegas. Antes de começar, teme o fracasso, pois se acha incapaz de aprender,
demonstrando baixa resistência e pouco esforço. Apresenta, ainda, tendência à ansiedade o que prejudica
tanto a motivação quanto o desempenho por notas.
Quando questionado, mesmo sabendo a resposta, prefere calar-se com medo de errar. Em
atividades em grupo, muitas vezes, prefere não emitir opinião, esperando que os outros respondam por
ele. Apresenta verdadeira ojeriza por provas, questionários e qualquer outro tipo de situação em que
acredite que possam vir a saber sobre sua suposta incapacidade. Em algumas situações, apresenta-se
alienado do processo de aprender, caso não entenda um conceito, também não pergunta. Em relação à
responsabilidade por seu insucesso, o professor pode até ter alguma parcela de culpa, mas no final sente-
se como único responsável, o que acaba por fortalecer uma auto-imagem bastante depreciativa.
Devemos deixar bem claro que as metas de realização não podem ser encaradas como leis que
determinam o comportamento dos alunos de forma mecânica. As mesmas devem ser encaradas como
pressuposições ou crenças que os alunos carregam sobre sua possibilidade de realizar uma tarefa escolar.
Portanto, sempre que iniciam uma tarefa escolar estes alunos tendem a adotar estratégias de realização
como as descritas aqui.
Por conseguinte, podemos admitir que um aluno inicialmente orientado à meta performance-
evitação ao realizar uma tarefa em que vá gradativamente obtendo sucesso. Pode-se conjecturar que o
mesmo apresentará acréscimos em sua motivação, podendo até se sentir valorizado por ter concluído a
tarefa. Entretanto, o mesmo aluno, caso vivencie estratégias que produzam sensações de fracasso, poderá
apresentar déficits motivacionais.
Apesar de nossa pesquisa não ter produzido junto aos alunos a sensação de insatisfação ou o
conflito cognitivo em relação aos conceitos espontâneos dos sujeitos. Ainda assim, acreditamos que
podemos conjecturar sobre este tema amparados nos referenciais teóricos aqui abordados. Pois, no
momento em que o indivíduo vivencia tais sensações este reage orientado de acordo com sua meta de
realização.
Isto posto, podemos esperar que o sujeito orientado à meta aprender sinta-se motivado e desejoso
de atividades que contemplem esta metodologia, pois estas são vivenciadas como um desafio a ser
superado. Portanto, é natural que o sujeito se sinta orgulhoso e realizado ao final da tarefa.
Sendo assim, podemos considerar que o conflito cognitivo não é o responsável direto em produzir
tais déficits. A bem da verdade, o sujeito passou anos trabalhando em um ambiente com uma
epistemologia própria de ensino. Com o tempo, esta epistemologia produziu no sujeito uma orientação de
realização que é capaz de definir a forma de como se aprende e determinar seu possível relacionamento
com o conhecimento. Portanto, o conflito cognitivo não é herói nem vilão, ele apenas possibilita ao
sujeito entrar em contato de forma mais sensível com os objetivos que este pretende realizar e a auto-
imagem que este comportamento de realização carrega.
Parece-nos que o conflito cognitivo além de levar o sujeito a tomada de consciência de suas ações
e da essência do objeto. Destarte, também funciona como um catalisador que acelera o contado do sujeito
com seu perfil motivacional de realização. Como todos sabemos, um catalisador não faz parte dos
[...] Essa busca, que constitui o princípio da acomodação e assimilação, como a primeira
manifestação de um dualismo entre o desejo e satisfação, portanto entre o valor (psique) e
o real, entre a totalidade que se completa e a totalidade incompleta, dualismo que
reaparecerá em todos os planos da atividade futura e cuja redução será tentada ao longo
de toda a evolução mental, embora esteja destinado a acentuar-se incessantemente.
(PIAGET, 1970, p. 48).
Portanto, o conflito ou a sensação de fracasso apenas desvela, faz emergir, lança luz sobre aquilo
que já está consumado no íntimo do sujeito, inclusive sendo conscientemente admitido por ele.
Acreditamos, ser a metodologia tradicional de ensino a responsável por este processo, pois esta é a
principal estratégia de ensino praticada em nossas escolas. Sendo assim, esta conseguiu, após anos de
prática escolar, construir no íntimo de cada sujeito um objetivo de realização que aparece em sala de aula,
em se tratando de alguns sujeitos, como déficit motivacional. Infelizmente, este déficit acaba por ser
creditado indevidamente à conta das metodologias sócio-construtivistas baseadas nesta importante
estratégia de ensino.
O autor deste trabalho está atualmente realizando uma pesquisa procurando responder as seguintes
perguntas: O aluno orientado à meta aprender possui o espírito necessário para suportar o conflito
cognitivo? Os alunos orientados à meta performance-evitação, após vivenciarem a sensação de fracasso,
apresentam déficits motivacionais? Os resultados desta pesquisa serão publicados em breve.
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Resumo
O presente trabalho teve por objetivo investigar, em um contexto psicogenético, os aspectos cognitivos da
conduta por meio de um jogo de regras. Participaram dessa pesquisa 40 alunos de ambos os sexos, com
idade entre 4 e 17 anos que cursavam a Educação Infantil (Jardim e 1º ano) e Ensino Fundamental (4º e 9º
anos) de duas escolas públicas. Foram aplicadas as provas de classificação espontânea, inclusão hie-
rárquica de classes e combinação de fichas de várias cores e, quatro partidas com o jogo “Descubra o
Animal”. Os resultados obtidos evidenciaram que o jogo utilizado foi eficaz para auxiliar na análise das
condutas cognitivas relativas à noção de classificação.
Abstract
This work has the aim of investigating, in a psychogenetic context, the knowledge aspects of the behavior
through a game of rule. Forty students of both genders with ages between 4 and 17 years old attending
primary (kindergarten and 1st grade) and elementary (4rd to 9th grade) public schools have participated on
this research. Spontaneous classification tests were applied, along with hierarchical inclusion of classes,
matching cards of various colors and four matches with the game “Find out the Animal”. The results
point out that the game utilized was effective to help on analysis of the knowledge relative of the notion
of classification.
O uso de jogos não é novo e ao longo da história passou por inúmeras modificações, graças aos
estudos que levaram a esclarecimentos sobre a atividade lúdica infantil. Sua dimensão aos poucos foi
sendo redefinida e aumentada.
Brenelli e Dell’ Agli (2008) ao analisar a abrangência dos jogos ressaltam que eles foram
investigados sob diferentes perspectivas: cultural, social, afetivo, moral, cognitivo, psicomotor, dentre
outras e serviu para a compreensão sobre a cultura dos povos, sobre o desenvolvimento, sobre a
aprendizagem e sobre as diferentes etapas do ciclo vital que definem as relações humanas. A partir disso,
verifica-se a abrangência e importância dos jogos na vida do homem, tanto no seu aspecto individual,
particular como no social.
O presente trabalho se fundamenta na teoria de Piaget, sendo necessário dimensionar, mesmo que
em linhas gerais, suas investigações com jogos.
Piaget, em seus estudos com crianças, utilizou-se de jogos de regras com o intuito de analisar
vários aspectos de sua teoria. O desenvolvimento moral (1994) foi analisado por meio dos jogos Bola de
Gude, Amarelinha e Pique. Utilizou o jogo Torre de Hanói para investigar os processos de tomada de
consciência (1978), caracterizados pela relação entre o fazer e o compreender; o Master Mind (Senha) na
construção dos possíveis e do necessário (1986) e, utilizando-se de vários jogos do tipo Cara a Cara,
Xadrez Simplificado, Reversi, Batalha Naval, investigou a formação do pensamento dialético (1996).
A teoria de Piaget por sua riqueza e importância para a compreensão da criança tem influenciado
há décadas profissionais ligados à infância e ao ensino. Os estudos sobre jogos não ficou alheio à
educação.
Neste contexto, o valor dos jogos de regras é indiscutível, principalmente devido à contribuição de
vários autores e pesquisas de cunho científico. O seu caráter lúdico e ao mesmo tempo promotor de novas
estruturas de conhecimento e de variadas formas de interações sociais e afetivas tem sido considerado
como um instrumento capaz de contribuir de maneira positiva para minimizar os problemas educacionais.
Alguns autores, mesmo não tendo sistematizado o jogo como recurso no diagnóstico, considera-o
importante nesta função. Segundo Macedo (1992), o jogo pode ser um bom instrumento de diagnóstico,
visto que por meio dele tem-se acesso ao pensamento infantil, além de permitir definir quais as estratégias
de intervenção a serem realizadas dentro de um processo psicopedagógico.
Macedo (citado por Petty e Passos, 1996) considera o jogo não apenas um mero passatempo, mas
como um momento sério na vida da criança porque ao jogar ela expressa como é o seu pensamento e
utiliza os recursos disponíveis para tentar resolver o desafio. A observação de como a criança joga (ações)
permite descobrir as soluções advindas de seu pensamento por meio dos caminhos percorridos,
identificação de erros e tentativas para sua superação, levantamento de hipóteses, estratégias de ataque e
defesa. É possível também observar no jogo a postura que a criança utiliza, a maneira pela qual se
relaciona com os parceiros, as reações que adota e como lida com os materiais.
Pode-se dizer que o jogo analisado dessa forma possibilita construir um retrato das estruturas que
a criança dispõe, sendo estas cognitivas e afetivas, compondo um perfil individual de sua dinâmica
interna.
No mesmo sentido, Brenelli (1996) considera o jogo como uma atividade importante na educação
de crianças, pois permite o desenvolvimento de vários aspectos como afetivo, motor, cognitivo, social e
moral, bem como a aprendizagem de conceitos. Além disso, considera que os jogos permitem, mesmo
que de forma indireta, uma aproximação ao mundo mental da criança, pela análise dos meios e pelos
procedimentos utilizados ou construídos durante o mesmo.
Nesta abordagem, a avaliação e diagnóstico não são processos estanques, mas sim, um constante
observar. As hipóteses levantadas são passíveis de serem checadas e atualizadas durante as intervenções
propostas às crianças (MACEDO, PETTY e PASSOS, 2000).
O jogo, em nossa concepção, pode ser um recurso complementar na avaliação das condutas das
crianças. No presente estudo, foi utilizado o jogo identificado como “Descubra o Animal”. Tal jogo foi
estudado por Piaget (1996) no contexto da dialética e se assemelha em sua estrutura ao “Cara a Cara”
(jogo comercializado). De uma maneira geral, a dialética, defendida por Piaget, não se resume à clássica
O objetivo de nosso estudo foi analisar aspectos cognitivos da conduta por meio de um jogo de
regras.
Método
Participantes
A amostra foi constituída por 40 alunos de ambos os sexos, com idade entre 4 e 17 anos que
cursavam a Educação Infantil (Jardim e 1º ano) e Ensino Fundamental (4º e 9º anos), alunos de duas
escolas públicas.
Instrumentos
Procedimento
Após a devida autorização para a realização da pesquisa, as provas operatórias foram aplicadas
individualmente aos participantes a fim de identificar o nível evolutivo dos participantes. O uso das
provas escolhidas se justifica porque o jogo “Descubra o Animal” envolve o raciocínio de classificação.
Os procedimentos de aplicação foram aqueles organizados por Inhelder, Bovet e Sinclair (1977) e por
Mantovani de Assis (s.d).
Propôs-se logo em seguida da aplicação das provas o jogo “Descubra o Animal”. A aplicação do
jogo consistiu de duas etapas: conhecimento das regras do jogo e campeonato.
A primeira etapa teve como objetivo verificar inicialmente o conhecimento que os participantes
apresentavam a respeito dos animais e em seguida as regras eram apresentadas. A experimentadora ao
apresentar as vinte figuras de animais, perguntava: Você conhece todos esses animais? Fale-me sobre o
que você sabe deles.. Caso o participante não soubesse o nome de algum animal ou se fizesse qualquer
pergunta, era esclarecida pela experimentadora. A regra era apresentada colocando-se o objetivo do jogo:
descobrir o animal oculto. Para tanto, cada jogador fica de posse de um conjunto de animais (que são
A segunda etapa, que consistiu num campeonato, teve como objetivo analisar as jogadas dos
participantes. Quatro partidas foram propostas e esse número foi estabelecido tendo em vista a
preocupação de dar aos participantes a oportunidade de conhecer o jogo sem, contudo, “aprender” as
especificidades do mesmo, já que o objetivo principal da presente pesquisa é a análise das condutas num
processo de avaliação.
Para a análise, foram criadas categorias de condutas a partir dos dados coletados, que serão
descritas na seção a seguir.
Resultados e Discussão
De acordo com os procedimentos apresentados pelos participantes, pôde-se destacar três condutas:
pré-operatórias, transição e operatória (concreta e formal), todas com relação ao arranjo das figuras,
qualidade das perguntas, qualidade das respostas, descartes, justificativa da escolha final do animal oculto
e troca de papéis. A análise pautou-se nas principais condutas dos participantes.
Quanto à qualidade das respostas deram respostas incorretas, aparecendo todas as que foram
categorizadas: desconsideram os atributos que pertencem ao animal oculto (Exemplo: -“Ele tem quatro
patas?” – “Não.” A experimentadora descarta todos os animais que têm quatro patas e a criança diz: –
“Você tirou o gato? Não é para tirar!”); explicitam o nome do animal oculto (Exemplo: -“É uma ave?” –
“Não. Eu escolhi este daqui.” – aponta para a borboleta); indicam um dos atributos que pertencem ao
animal oculto (Exemplo: - “Ele tem quatro patas?” - “Cinco pernas. Ele não voa.” e indicam a exclusão
dos animais que não estão ocultos (Exemplo: - “Ele é um inseto?” – “É.” – a experimentadora descarta os
que não são insetos. –“Ele tem várias perninhas?” – “Tem. Esse não é” – apontando para a joaninha).
A forma de descarte predominante das crianças com condutas pré-operatórias foi o descarte
implícito apenas das figuras que representavam objetos conceituais, melhor dizendo, uma vez
mencionado o nome de um animal, a criança não voltava a se referir a ele o que possibilita inferir que ela
descartou a figura, pelo menos no que se refere aos objetos conceituais, ou seja, ao próprio animal e não a
classe de pertença.
No que se refere à qualidade das perguntas uma sutil diferença foi notada entre as condutas. As
crianças que apresentavam condutas intermediárias, após a troca de papéis modificaram o tipo de
Prevaleceram nos participantes de condutas intermediárias (transição) respostas corretas, mas com
um número significativo de respostas incorretas. Estas foram apenas de dois tipos: respostas em que são
desconsiderados os atributos que pertencem ao animal oculto (Exemplo: ... – “É um animal que dá leite?
– “Não” – a experimentadora descarta a vaca – “Ele late?” – “Esse dali.” – “Qual?” – “Esse daqui.” –
“A vaca?” – “É.” – “Mas, você falou que ele não dá leite!” – “Pra você não adivinhar.”) e respostas em
que é indicado um dos atributos do animal oculto (Exemplo: ... – “Ele é um animal doméstico?” – “Não,
vive no celeiro.”). As respostas incorretas são compatíveis com o nível desses participantes, porque
apesar de apresentarem evoluções relativas às classificações, permanecem a meio caminho entre as
coleções figurais e as futuras classificações hierárquicas.
Quanto aos descartes, prevaleceu também o mesmo tipo de descarte do nível anterior. No entanto,
teve criança que realizou descarte explícito após a troca de papéis, mas esses descartes foram apenas dos
objetos conceituais e não de uma classe. O mesmo pode ser dito sobre as justificativas da escolha final do
animal oculto que foram a ausência de argumentos lógicos.
Condutas diferentes foram observadas no nível operatório. O arranjo predominante foi critérios
classificatórios explícitos, que consiste em dispor os animais em classes lógicas. No entanto, apareceram
arranjos com princípio de critérios classificatórios e arranjos aleatórios, sendo que este último com menor
frequência. No nível do raciocínio combinatório se observou tanto arranjo com princípio de critérios
classificatórios como arranjo com critérios classificatórios explícitos sem prevalência de um sobre o
outro. Não se observou arranjo aleatório.
Perguntas do tipo conceitos genéricos prevaleceram no nível operatório concreto e formal com
diferenças na elaboração das mesmas. Os participantes de nível formal demonstraram conhecer bem mais
os atributos dos animais, possibilitando perguntas mais elaboradas.
O descarte diferenciou os grupos. No nível operatório concreto apareceu tanto o descarte explícito
como o implícito sem predomínio de um sobre o outro, ocorrendo, nesse aspecto, procedimentos mistos.
Os descartes, embora efetuados por todos os participantes, foram parcialmente corretos, ou melhor, as
crianças ou “esqueciam-se” de retirar algum animal ou retiravam animais que não pertenciam à classe em
questão.
Nos participantes do nível formal prevaleceu o descarte explícito e esses foram na sua maioria
corretos, o que sugere que esses adolescentes conseguem lidar melhor com as exclusões.
Ao analisar os dados, pode-se dizer que houve diferenças significativas nas condutas dos
participantes. No que se refere ao arranjo de figuras uma análise mais minuciosa demonstrou diferença no
proceder dos participantes. Os de nível operatório concreto e operatório formal classificavam
mentalmente os animais. O arranjo no plano concreto, neste caso, funcionaria mais como um facilitador e
organizador das jogadas. Condutas diferentes demonstraram os participantes pré-operatórios e transição,
que mesmo realizando arranjos com princípio de critérios classificatórios, sequer usaram esta estratégia
para auxiliá-los nas elaborações das perguntas o que revela a falta de inclusão das crianças deste nível.
A qualidade das perguntas diferenciou as condutas dos três níveis, uma vez que permite verificar a
presença ou ausência da inclusão hierárquica, presente somente a partir do nível operatório concreto.
Percebemos, contudo que há diferenças sutis entre condutas pré-operatórias e transição e entre operatório
concreto e operatório formal, o que nos leva a ficar atento numa análise mais minuciosa.
A qualidade das respostas também mostrou ser um dos determinantes da diferença das condutas.
Tal como na categoria qualidade de perguntas, na presente, igualmente é necessário prestar atenção às
sutis diferenças que foram evidenciadas. O mesmo pode ser dito sobre o descarte. É bem verdade que o
tipo de descarte (implícito e explícito) não é determinante, mas é importante observar durante as jogadas
se o participante exclui do jogo um número significativo de figuras após a informação recebida, ou seja,
Contudo, podemos concluir que apenas o arranjo das figuras não é uma categoria que prediz qual a
conduta que está sendo utilizada pelo sujeito. Os resultados mostraram que existem diferenças nos níveis
de conduta, encontrando-os subordinados à estruturação do raciocínio classificatório.
Considerações Finais
O estudo permitiu verificar o valor do jogo de regras para analisar as condutas de crianças e
adolescentes nos diferentes níveis evolutivos. Além disso, pode ser um importante recurso na avaliação,
bem como para nortear um trabalho de intervenção psicopedagógica.
Nos dias atuais, em que se depara quase que cotidianamente com dados alarmantes sobre a
ineficácia do sistema educacional brasileiro, cujas soluções estão longe de serem encontradas, os jogos,
poderiam também ter papel mais efetivo no contexto escolar no sentido de proporcionar uma educação
mais significativa às crianças e aos adolescentes. As queixas de desatenção, de desmotivação, de
desinteresse tão comum entre os educadores nos levam a reflexão sobre o tipo de atividades que têm sido
propostas aos alunos. Não queremos dizer com isto, que a escola deve abandonar os conteúdos porque são
fundamentais, mas permanecer apenas com eles pode negligenciar aspectos cruciais do desenvolvimento
infantil que certamente contribuiria de maneira positiva com a aprendizagem escolar.
Em síntese, os estudos têm demonstrado o valor dos jogos e é desejável que a escola o adotasse
como um recurso suplementar. Um argumento a mais poderia reforçar a sua importância: os jogos são
atividades espontâneas da infância e como tal não podem ser desconsiderados.
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Resumo
Abstract
This study aimed to examine the meanings of learning disabilities of 25 students and 5 teachers who
participate directly in the support learning classrooms in two state schools in Londrina-PR, comparing
them with the conception that is inferred in the documents which regulating the support classroom. As
modality of research we choose the study of multiple cases which allowing the reapplication of the
conditions of researches in the two units that follow the same project of support classrooms
implementation. As guiding question we elect: which is the signification of students and teachers about
the difficulties of learning and support classroom? Despite the observation of the activities in the support
classroom, we use interview guides for teachers and students and we analyze the documents that
standardize the job. The period of data collection was 2 months, with 8 hours per week, 4 hours in each
school. Our results indicated that the significations of students and teachers about learning difficulties
correspond the conception found in the documents that make official the support classrooms in the
schools in ours state. Endure the stereotypes which blame the student for no to learn and undertake the
delivery of work in support classrooms. The student’s difficulties of learning are viewed as a student
problem and that they happen because of his family. This is also the way how students perceive
themselves in the learning process.
Keywords: Support learning classrooms. Learning disabilities. Conceptions of teachers and students.
Pautados na perspectiva teórica piagetiana, consideramos que aprender, não aprender ou ter
dificuldades para aprender, constituem um mesmo processo. Assim, a aprendizagem (processo) engendra
múltiplas possibilidades e seu sucesso ou insucesso depende de condições de construção ou (re)
construção que não estão localizadas isoladamente no sujeito, ou no meio, ou nos objetos de apropriação,
ou na “ensinagem”, como defendem algumas teorias. Esta construção e reconstrução são muito mais
marcadas pelo “e” que pelo “ou”, o que denota a complexidade deste fenômeno. As dificuldades de
aprendizagem evidenciam, não apenas um processo insatisfatório, mas também as teias que o teceram.
A partir desta compreensão teórica entendemos ser possível declinar princípios norteadores que
podem resgatar a dimensão pedagógica no trabalho com as dificuldades de aprendizagem, em especial na
atuação de professores em salas de apoio à aprendizagem, objeto da presente análise.
No presente estudo, nossa discussão não recaiu sobre definições, nomenclaturas, classificações ou
avaliações das dificuldades de aprendizagem. Consideramos a significação das dificuldades de
aprendizagem para os alunos e professores envolvidos diretamente com as salas de apoio, espaço oficial
de trabalho com dificuldades de aprendizagem nas escolas estaduais no município de Londrina, onde o
estudo se desenvolveu. Interessou-nos analisar “o olhar” do professor que recebe na sala de apoio esses
alunos e “o olhar” dos alunos que frequentam a sala de apoio porque são considerados alunos com
Referencial Teórico
Na perspectiva teórica de Jean Piaget, as dificuldades de aprendizagem não são explicadas pelo
prisma do que falta à criança, seus limites e impossibilidades, mas por suas ações e significações, sua
riqueza de construções e suas superações. Partindo desse pressuposto, as dificuldades de aprendizagem,
não podem ser analisadas como pertencentes ao aluno e a sua família somente, mas sugerem um amplo
contexto a produzi-las. Macedo (2002, p. 44).
[...] dificuldades de aprendizagem devem ser vistas como problema de ordem complexa
não importa se envolvam o sistema como um todo (isto é, as estruturas e relações que o
O autor, em oposição ao que comumente é entendido pelo termo dificuldade de aprendizagem (os
aspectos negativos e a ênfase ao que falta), faz alusão ao fato de que as dificuldades de aprendizagem, na
perspectiva de Piaget, são entendidas como algo positivo, pois nessa concepção teórica, o problema, o
desafio, a dificuldade são considerados extremamente importantes à construção do conhecimento.
Prossegue o autor (MACEDO, 2008, p.3):
Quem não aceita enfrentar dificuldades para realizar tarefas ou compreender problemas
difíceis, porque novos, porque o conhecimento disponível sobre eles é insuficiente, não se
desenvolve além dos limites atuais, fica refém de algo que não combina com a missão da
escola (aprender).
Apropriarmo-nos dessa compreensão pode desencadear um novo olhar para o não aprender. As
possibilidades e o desejo de aprender podem ser incentivados, dificultados ou interrompidos, nas (inter e
intra) interações do sujeito no meio em que vive. Nessa ótica, o não aprender passa a atribuir significação
à complexidade do processo na medida em que se apresenta como uma resposta insuficiente do aluno a
uma exigência que não é apenas dele, mas também externa a ele. As dificuldades de aprendizagem
evidenciam, não apenas um processo insatisfatório do aluno, mas de um contexto.
A perspectiva piagetiana para o desenvolvimento do indivíduo supõe um sujeito ativo que constrói
não apenas o saber, mas os mecanismos e processos com os quais pode conhecer, em uma relação
autônoma, espontânea e de autoria própria. Essa teoria aponta processos interacionais construtivos, na
exata medida em que desloca o olhar das condições ideais de aluno, de professor, de programas
instrucionais, para o processo de construção de adaptação, de equilibração. O conceito de adaptação em
Piaget vai para além da ideia de ajustamento ao meio, ou de superação de condições adversas do
ambiente. Implica em relações interdependentes, possíveis pelo processo de equilibração e de autoria do
sujeito que aprende e que se desenvolve.
Por essa razão entendemos que a tese da equilibração, da atividade construtiva do sujeito, das
regulações ativas que o processo de sucessivas tomadas de consciência engendra, atendendo necessidades
internas de equilíbrio, pode apontar indicadores na compreensão das dificuldades de aprendizagem.
Estariam elas relacionadas à adaptação como estruturante das atividades internas do sujeito em relação de
interdependência com o meio no qual está inserido. (Piaget 1975; 1977; 1978). Retomemos a reflexão de
Macedo (2008, p. 3): “Aprender, neste sentido, é enfrentar e resolver problemas; dominar procedimentos,
isto é, ações orientadas para um objetivo ou propósito.”
Objetivo
Metodologia
Contextualização do Estudo
Quais as significações das dificuldades de aprendizagem para professores e alunos que participam
da sala de apoio à aprendizagem?
Participantes
25 alunos que frequentam o 6º ano do Ensino Fundamental de duas escolas da rede estadual de
Londrina-PR (14 alunos da escola 1 e 11 alunos da escola 2) e 4 professores das salas de apoio (2 de
cada escola), sendo 2 de Língua Portuguesa e 2 de Matemática.
Aplicado de modo semelhante em cada unidade de ensino: observação das aulas nas salas de
apoio, entrevistas com os professores e alunos e análise de documentos normativos das salas de apoio à
aprendizagem.
Desenvolvimento
A legislação que normatiza o trabalho na sala de apoio apresenta alguns aspectos que sugerem
reflexão: o modo como os professores são selecionados para atuarem na sala de apoio, a ausência de
preocupação com teorias sustentadoras do trabalho com dificuldades de aprendizagem, ênfase aos
aspectos administrativos em detrimento do âmbito pedagógico, a estrutura física das escolas como
definidora da condição ou não de oferta das salas de apoio, as atribuições do professor da sala de apoio e
a avaliação dos alunos pelos professores das salas regulares e da sala de apoio, tanto para o
encaminhamento como para a saída do programa.
Entendemos que pela legislação, os elementos definidores do trabalho na sala de apoio estão
Ao enfatizar, nas atribuições da equipe envolvida, muito mais os aspectos administrativos que
pedagógicos do programa, a legislação exime e ao mesmo tempo culpabiliza o professor, pelo não
aprender. Afinal, o Estado oportuniza a condição de superação por meio das salas de apoio. Não há
preocupação com a formação continuada, concursos específicos para selecionar quem atuará na sala de
apoio, nem mesmo encontros frequentes que busquem promover reflexão dos envolvidos. Assim, torna-se
oportuno atribuir por vezes ao professor e a metodologia empregada e em outros momentos ao aluno e
sua família (que não se interessam), o insucesso pelo aprender.
As duas unidades escolares investigadas revelaram semelhanças quanto ao modo como são
encaminhados os alunos para a sala de apoio. Nas primeiras semanas do ano letivo as salas de apoio à
aprendizagem foram constituídas, partindo dos encaminhamentos dos professores das salas regulares de
5ª série (6º ano). O número máximo de vagas determinado na legislação (15 alunos), dividido pelo número
de salas de 5ª série na escola, deu a quantidade de alunos de cada turma a serem encaminhados pelos
professores das salas regulares à sala de apoio.
É interessante observar que nem mesmo o critério de notas baixas que geralmente é adotado do
segundo bimestre em diante, pôde ser o definidor da escolha do grupo que passou a frequentar a sala de
apoio no primeiro bimestre, pois na terceira semana de aula do ano letivo, os alunos foram encaminhados,
portanto, antes das avaliações do bimestre. Os critérios dos professores, evidenciado para o
encaminhamento dos alunos são subjetivos: empatia ou não com o aluno, felling do professor, a
O aluno passa a frequentar a sala de apoio como uma “punição” à sua inadequação frente ao
modelo ideal de aluno que a escola e os professores apresentam. É indicado porque não atende às
exigências de “aluno normal” necessárias às situações de aprendizagem. É encaminhado porque é um
aluno-problema, porque reúne em si as impossibilidades de aprender. Assim que o aluno cumpre sua
“punição” na sala de apoio, pode retornar à “normalidade” da sala regular. Alguns alunos frequentaram
apenas por duas semanas a sala de apoio e “foram autorizados” a sair do programa. Perguntamos-nos: que
poder é este, dado à sala de apoio para a recuperação das dificuldades de aprendizagem, ao ponto de
serem suficientes duas semanas de trabalho? Em uma das unidades escolares, um aluno foi incluído na
penúltima semana do 1º semestre letivo, porque vinha apresentando indisciplina em sala.
O tipo de trabalho desenvolvido nas salas de apoio observadas confirma a concepção de que cabe
ao aluno aproveitar a oportunidade de rever aquilo que não conseguiu aprender. Partindo do que assegura
a legislação de que a sala de apoio deve trabalhar com conteúdos iniciais (de 1ª à 4ª séries) das duas
disciplinas (Português e Matemática), em não poucas situações observamos uma repetição do conteúdo e
da metodologia empregados na sala regular. Com exceção de uma sala de apoio de matemática, na qual se
evidenciou preocupação por parte do professor com a construção do conhecimento e metodologia
diferenciada, as demais repetiram diariamente a leitura de textos em que cada aluno lia um trecho em voz
alta (geralmente de forma sofrível, o que impedia a compreensão de todos), cópia das questões
interpretativas e problemas matemáticos ditados aos alunos para que os respondessem em seus cadernos.
Os procedimentos acima descritos indicam que a significação dada à sala de apoio atribui ao aluno
a responsabilidade pelo não aprender. Ao ter a chance de rever aquilo que não aprendeu e “desperdiçá-
la”, o estereótipo de mau aluno é reafirmado e desse modo a sala de apoio à aprendizagem ratifica a
segregação. Além disso, a ênfase está no conteúdo e não no processo de aprendizagem do aluno.
Na entrevista que fizemos aos professores (numerados aqui de 1 - 4) buscamos investigar suas
concepções sobre dificuldades de aprendizagem por meios de questões que enfatizaram: definições de
aprendizagem e de dificuldade de aprendizagem; principais características dos alunos com dificuldades de
aprendizagem; as dificuldades mais frequentes apresentadas; causas que atribuem ao não aprender e os
principais problemas que enfrentam no trabalho com as dificuldades de aprendizagem. As respostas
apresentadas por 3 dos 4 professores entrevistados indicaram que o aprender é tomado como acerto da
Part.1. Aprender é uma reação de interesse, reação de tudo que desperta interesse de
qualquer cidadão e até de uma criança. Ele aprende desde que esteja interessado. (grifo
nosso).
Nas falas acima, se percebe a concepção de que as dificuldades de aprendizagem são produzidas
fora da escola, estão localizadas no sujeito e em sua família e a escola é vitimizada e desconsiderada
como co-produtora deste fenômeno. A ênfase na expressão “até uma criança” sugere menor valor e
atribui ao interesse da criança a condição de aprender. Sobre as características do aluno com dificuldades
de aprendizagem afirmou:
Part.1. É sempre aquele aluno que tem dificuldades extra-sala: problema familiar, falta
de acompanhamento dos pais, desinteresse dos pais deles de acompanhar a vida escolar
dos filhos. Então acho que isso dificulta bastante.
Part.1. A causa principal é isso, eu sempre relaciono muito a família com o aluno. Então
se ele tem uma família que o acompanha, que está sempre atenta, participa da vida dele
escolar, ajuda ele a eliminar essas dificuldades.
Percebemos que na significação dada por este professor às dificuldades de aprendizagem sequer a
escola é considerada elemento participante. É como se a escola apenas recebesse o problema (originado e
desenvolvido em dimensões externas) e não fosse, em nada responsável a não ser em extingui-lo.
O participante 2 assim define aprendizagem: “Aprender não é decorar e, sim, entender o que está
fazendo, não seria a quantidade e sim a qualidade.”
Part.2. São alunos que têm dificuldades pra se concentrar, são muito agitados e o
principal é a interpretação, pois muitos vão bem nas regras da gramática conseguem
decorar e, quando chega na interpretação não conseguem abstrair.(grifo nosso).
Part.2. É o aluno conseguir se concentrar, ele querer, porque atualmente o que compete
com a escola são coisas que não conseguimos alcançar, por exemplo, o vídeo, a internet,
televisão é tudo, então a competição está muito desleal. Eles têm acesso a muitas coisas
que dão mais prazer que a escola que ele tem que parar para se concentrar e, é tudo muito
rápido, a internet dá respostas rápidas e prontas ele não precisa raciocinar muito não.
Agora na escola ele tem que parar, se concentrar e pensar e aí a preguiça mental impera.
Trata-se de um conjunto de atributos reunidos nessas definições, tidos como negativos que são
localizados no aluno e parecem assumir um caráter permanente... “ele é” e isto o impede de agir, de
pensar, de aprender.
O participante 4 foi o único no grupo de professores participantes a apresentar uma definição não
polarizada entre escola e aluno/família:
Digo aos alunos e aos seus familiares que o estado está pagando professor particular para eles e
que se não valorizarem, nada mais poderá ser feito. Depende deles (dos alunos e família) superarem ou
não as dificuldades que têm. Essa oportunidade que o governo está dando é algo muito importante porque
Essa concepção de que o aluno está em falta e traz consigo o problema, é percebida nos
documentos normativos, no modo como são articulados os elementos que instituem as salas de apoio e
podem ser percebidos também na concepção dos professores sobre as dificuldades de aprendizagem. O
ponto de partida é o de que o projeto é um sucesso inquestionável e, portanto, é responsabilidade do aluno
passar por esse programa e apresentar resultados absolutamente diferentes que possam ser interpretados
como “normais” e que indiquem que houve superação das dificuldades de aprendizagem. E como veem
tais questões os alunos?
Investigamos se gostam da sala de apoio; as semelhanças e diferenças entre a sala regular e a sala
de apoio; por que acham que foram escolhidos para a sala de apoio; que tipo de aluno ele pensa que é; o
que a professora, a família e os amigos acham dele participar da sala de apoio. Foi interessante
percebermos que o discurso que os culpabiliza, já foi por eles incorporado. Dos 25 alunos entrevistados, a
maioria indica em suas respostas que se consideram indisciplinados (mau comportamento) e por essa
razão “merecem” estar na sala de apoio. Embora afirmem que a sala de apoio é um lugar privilegiado para
aprender, quando perguntamos o que é igual e o que é diferente entre os dois espaços, evidenciam muitas
semelhanças e poucas diferenças entre a sala de apoio e a sala regular, o que confirma as repetições nos
dois espaços. Algumas respostas são eloquentes:
...“o que ensinam é igual”; “as carteiras, o ensino, usam o livro, a bagunça”; “copiar do
quadro, o jeito do ensino”; “as bagunças, as matérias”; “as atividades, a leitura”.
Quando perguntamos por que foram escolhidos para a sala de apoio, enfatizaram o quanto são
“maus alunos”, o quanto são “burros”, “fracos”, incompetentes para aprender. Eis algumas respostas:
“Eu sou muito fraco e aqui eles ajudam a recuperar”; “moro com minhas tias, avós e mãe,
acho que eles não incentivam”; “na hora (refere-se ao momento em que foi comunicada
que iria para a sala de apoio) eu não senti nada, eu sabia que precisava vir e, mesmo que
eu fosse bem, seria escolhida pra cá. A professora pegava no meu pé e eu era ruim
mesmo.”
Estas falas são reveladoras de quanto o processo de culpabilização já atingiu esses alunos fazendo
com que incorporem o discurso de que têm um problema em si, ou em suas famílias.
Investigando o que pensam seus amigos, a professora e sua família sobre o fato de terem
dificuldades para aprender, o conceito não difere do que analisamos até agora:
“minha professora acha que sou bagunceira, namoradeira”; “meus amigos tiram sarro, me
chamam de burra”; “meus amigos acham que sou trouxa”; “minha mãe acha que eu tenho
que vir mesmo pra ficar mais inteligente”; “minha família acha que eu sou ruim”; “eles
[família] não gostam. Acham ruim eu estar no reforço já no começo do ano”; “ela
Considerações Finais
Partindo do pressuposto teórico piagetiano adotado nesta pesquisa, a escola e em especial no que
concerne ao trabalho com as dificuldades de aprendizagem, não pode prescindir de um ambiente
problematizador que coloque o sujeito da aprendizagem em atividade construtiva. Situações
problematizadoras provocadoras de reflexão, análise dos próprios meios empregados e tomada de
consciência das próprias ações deve constituir a tônica de um projeto que visa oportunizar um ambiente
específico de trabalho com as dificuldades escolares.
Referências
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Resumo
Esse artigo se propõe a uma análise teórica sobre a aprendizagem, tendo por base o referencial piagetiano.
Esta temática é apresentada contextualizada na Educação a Distância, em específico no curso de
Graduação em Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (modalidade a distância),
considerando sua implicação nas práticas pedagógicas do curso, bem como no próprio currículo, voltado
para a formação de professores.
Abstract
This article aims at a theoretical analysis on learning, based on the Piagetian reference. This subject is
presented in context, Distance Education, in particular in the course of graduate education at Federal
University of Rio Grande do Sul (distance mode), considering their involvement in teaching the course
and in the curriculum, focused on teacher training.
De certa forma essa demanda oriunda da sociedade também reflete-se na formação de professores
na medida em que os cursos precisam formar profissionais preparados para lidar com essas demandas
contemporâneas e também dos alunos que estão inseridos nesse contexto. Por isso, à formação não cabem
modelos baseados no paradigma racional-técnico (LAROCCA, 2000), especialmente por este não dar
conta da complexidade presente nas questões educacionais. No paradigma crítico-reflexivo, embora a
questão técnica seja considerada necessária, ela jamais deve ser compreendida como a totalidade das
questões educativas. De acordo com a autora supracitada:
Nesse contexto, a Educação a Distância, mediada por recursos tecnológicos e calcada num
Aprendizagem
A aprendizagem é fundamental para a vida, pois é através da aprendizagem que o ser humano
adquire habilidades que lhe possibilitam viver, conviver, evoluir.(Zanella, 2001) A aprendizagem é um
processo vital, pois em qualquer etapa ou momento da vida a pessoa está aprendendo. Para ela, a
aprendizagem opera mudanças no comportamento, no desempenho, na ética e nos enfoques da pessoa.
Para Ramos (2001) aprender é se deparar com o desconhecido, com o desafio de crescer e
amadurecer frente à realidade. É um processo em que paixão e cognição estão inter-relacionadas. O
desejo transfere sentido para o aprender, provocando com isso um investimento pessoal e a geração de
conhecimentos.
Piaget, em suas obras também reconhece a importância do afeto, embora não tenha sido esse o seu
foco de interesse e estudo. Ele afirma que entre o afeto e as estruturas cognitivas configura-se uma
relação de correspondência, nunca de causalidade: o afeto explica a aceleração ou o retardamento da
formação das estruturas, mas não é a causa da formação das estruturas.
Não há atos de inteligência, inclusive de inteligência prática, sem que haja interesse do
ponto de partida e regulação afetiva durante todo o curso de uma ação; sem alegria no
sucesso ou tristeza no insucesso. Igualmente, no nível da percepção temos motivações
afetivas. O que nós percebemos é uma função da regulação da atenção, que é
maravilhosamente motivada por necessidades e interesses. (PIAGET, 1962)
Como o referido autor desenvolveu sua teoria centrando-se nos aspectos cognitivos, embora haja o
reconhecimento do afeto como descrito anteriormente, sua definição de aprendizagem é focada nos
esquemas mentais. Aprender significa assimilar o objeto a esquemas mentais. Logo, o sujeito aprende
quando a estrutura cognitiva é reajustada pela incorporação de um elemento novo, alterando o ato de
Nesse sentido, as exigências do meio geram uma necessidade no indivíduo e essa necessidade
tende a gerar um desequilíbrio. Para Zanella (2001, p.28) esse desequilíbrio faz surgir motivos (que se
entende como o que impulsiona/tensiona) o indivíduo para ir 'em busca de algo', ou seja, ele mobiliza o
sujeito na busca de algo que faça o organismo restabelecer o equilíbrio.
Esse processo da busca constante pelo equilíbrio aparece na teoria piagetiana de forma mais
detalhada como o cerne do desenvolvimento. Rappaport (1981, p.62) explica que, para Piaget, “o
desenvolvimento é um processo que busca atingir formas de equilíbrio cada vez melhores”.
No entanto, o que diferencia Piaget dos demais autores que abordam a questão do equilíbrio é que
ele não enfoca o equilíbrio de maneira estática. Para ele esse conceito é dinâmico, é um processo:
processo de equilibração. De acordo com Dolle (1983, p.56) a noção de equilíbrio na teoria piagetiana
implica a de reversibilidade e o desenvolvimento intelectual. Quanto mais estável o equilíbrio, mais
móvel será a reversibilidade. Porém, cabe destacar que o equilíbrio proposto por Piaget é essencialmente
móvel e aberto. “Uma estrutura em equilíbrio é uma estrutura capaz de compensações (...) mas é também
uma estrutura aberta, vale dizer, capaz de adaptar-se às condições variáveis do meio”.
Quanto ao processo de equilibração, ela se constitui inclusive como ponto de distinção entre os
tipos de aprendizagem na teoria piagetiana. Ele propõe a distinção da aprendizagem num sentido amplo
(lato sensu) e a aprendizagem num sentido restrito (stricto sensu). Para o autor, a distinção entre essas
formas de aprendizagem é importante e necessária para evitar ambiguidades e contradições.
* Aprendizagem no sentido amplo: é a união das aprendizagens stricto sensu com os processos de
equilibração (coerência pré-operatória). De acordo com Inhelder, Bovet e Sinclair (1977) a aprendizagem
stricto sensu está sempre subordinada a aprendizagem lato sensu. Esta segunda corresponderia as leis do
próprio desenvolvimento.
A aprendizagem, no sentido amplo, seria obtida pela síntese das aprendizagens no sentido estrito
com o processo de equilibração dessas aprendizagens com as aprendizagens no sentido amplo construídas
anteriormente. Esse processo de equilibração também pode ser chamado de abstração reflexionante e, de
acordo com Becker e Marques (2002, p.95) “se realiza na medida em que o sujeito apropria-se dos
mecanismos íntimos das próprias ações ou das coordenações de suas ações”.
Outro ponto que Piaget considera fundamental é a relação envolvida em todo desenvolvimento e
toda aprendizagem. Para ele a relação essencial é a de assimilação, definida em linhas gerais como “a
integração de qualquer espécie de realidade em uma estrutura”. Para Piaget, o fundamental na
aprendizagem é a assimilação. E isso precisa ser considerado especialmente do ponto de vista das
aplicações pedagógicas e didáticas.
Piaget (1972) compreende, pois, a criança e o sujeito da aprendizagem como ativos, tendo maior
ênfase é justamente a ideia de auto-regulação presente na assimilação, a partir atividade do próprio
sujeito. A auto-regulação é a equilibração, sendo o que capacita o sujeito a eliminar contradições,
incompatibilidades e conflitos.
Os conflitos, portanto, são necessários para o desenvolvimento. De acordo com Piaget (1972)
“todo desenvolvimento é composto de conflitos e incompatibilidades momentâneas que devem ser
ultrapassadas para alcançar um nível mais alto de equilíbrio”. Para o referido autor, sem essa atividade
não existe didática ou pedagogia que transforme significativamente o sujeito.
Nesse sentido, um modelo pedagógico calcado numa concepção epistemológica construtivista, que
acredita que todas as aprendizagens que o aluno constrói e construiu ao longo de sua vida servem como
um patamar para a construção de novos conhecimentos. A aprendizagem é compreendida como
Esse modelo também é denominado de construtivista por conceber que o sujeito constrói seu
conhecimento em duas dimensões complementares: “como conteúdo e como forma (ou estrutura); como
conteúdo ou como condição prévia de assimilação de qualquer conteúdo” (BECKER, 2001, p. 26). Esse
processo constitutivo não tem começo nem fim absolutos.
O processo de aprendizagem, por ser dialético, exige dupla atenção do professor. Freire (apud
BECKER, 2001) diz que o professor, além de ensinar, passa a aprender e o aluno, além de aprender,
também ensina. Nessa perspectiva, só se aprende (re) criando para si e, sobretudo, criando conhecimentos
novos: criar novas respostas para antigas perguntas e novas perguntas para antigas respostas.
Sintetizando essa proposta pedagógica e a sua defesa como proposta válida para repensar a
educação e o seu sentido:
Uma proposta pedagógica relacional visa a sugar o mundo do educando para dentro do
mundo conceitual do educador. Esse mundo conceitual do educador sofre perturbações,
mais ou menos profundas, com a assimilação do conteúdo novo. A alternativa é
responder ou sucumbir. A resposta abre um mundo novo de criações. A não-resposta
condena o professor às velhas fórmulas que descrevemos anteriormente e,
consequentemente, à perda do significado de sua existência. A condição para que o
professor responda está, como vimos, numa crítica radical não só do seu modelo
pedagógico, mas de sua concepção epistemológica. (BECKER, 2001, p.32)
Essa questão dos modelos pedagógicos e dos modelos epistemológicos configura-se como um
movimento vital para a educação. É preciso que o professor tome consciência de quais concepções
permeiam suas ações gerando com isso reflexões sobre qual aluno imagina ter e qual cidadão deseja que
seu aluno se torne. Como vimos, cada proposta pedagógica e epistemológica privilegia um tipo de ação e
de relação que se estabelece entre o aluno e o conhecimento.
Em relação à Educação a Distância, Becker (2002, p. 93) compreende e reforça que os mesmo
cuidados que sem tem em relação ao ensino presencial deve ser aplicado na EaD. “O grande desafio é
utilizar a tecnologia como aliada e não como substituta da riqueza do processo de construção do
conhecimento que se dá na ação do sujeito, mesmo quando mediada por máquinas”.
Moran (1997) também aborda essa relação da tecnologia com a educação, ao falar da internet.
Para ele:
A tecnologia, se analisada isoladamente, não opera mudanças. O que irá realmente significar a
ação, e no caso da educação, a possibilidade de aprendizagem serão os paradigmas e concepções
epistemológicas que sustentarão a ação do indivíduo, mediada pela tecnologia.
Sobre isso, Moraes (2002) afirma que, embora as novas tecnologias possam se constituir como
ferramentas importantes para processos construtivos de aprendizagem calcadas na cooperação, na
reflexão na autonomia, o que se tem visto na grande maioria dos cursos desenvolvidos no Brasil e no
Exterior é a prioridade às concepções tradicionais e empiristas da educação.
Como motivo para tal fato, a autora pontua a questão como decorrente da ausência de um modelo
adequado de formação do professor para o uso competente dessas novas tecnologias nos ambientes
escolares. Ela coloca que faltam metodologias mais adequadas e que estejam epistemologicamente mais
atualizadas, inspiradas em paradigmas voltados para pressupostos construtivos e criativos. Com ou sem
tecnologia, a educação a distância carece de metodologias que compreendam desenvolvimento e
aprendizagem como processos integrados e abrangendo as várias dimensões humanas (MORAES, 2002).
O Projeto Político Pedagógico do Curso PEAD (Bordas, Nevado e Carvalho, 2005) se organiza
em função de três pressupostos básicos:
- Articulação dos componentes curriculares entre si, nas distintas etapas e ao longo do curso;
- Relação entre Práticas Pedagógicas e Pesquisa como elemento articulador dos demais
componentes curriculares, constituída como estratégia básica do processo de formação de professores.
O curso, de acordo com Nevado (2008) parte do pressuposto que o conhecimento nasce do
movimento da dúvida, da incerteza, da necessidade da busca de novas alternativas, do debate, da troca.
Nesse sentido, o posicionamento principalmente do professor e do tutor são fundamentais para
desencadear esse movimento de busca e de troca. E essa concepção construtivista do conhecimento faz-se
presente não apenas no modo como professores e tutores interagem com os alunos nos ambientes virtuais,
mas também no processo de escolha dos materiais e elaboração das aulas e atividades. Encontramos em
Piaget (2000, p.16) uma referência a este lugar que o professor deve ocupar ao entabular relação entre o
objeto de aprendizagem e o sujeito aprendente:
O que se deseja é que o professor deixe de ser apenas um conferencista e que estimule a
pesquisa e o esforço, ao invés de se contentar com a transmissão de soluções já prontas.
Acrescenta ainda é preciso que o mestre-animador não se limite ao conhecimento da sua
ciência, mas esteja muito bem informado a respeito das peculiaridades do
desenvolvimento psicológico da inteligência da criança ou do adolescente: a colaboração
do experimentador psicogenético é, por conseguinte indispensável para a prática eficaz
dos métodos ativos. Deve-se estar preparado para uma colaboração, muito mais estreita
que a de até então, entre a pesquisa psicológica fundamental e a experimentação
O curso em si possui esse caráter de estar em constante movimento de análise e reflexão. São
feitas análises constantes do andamento e funcionamento do(s) grupo(s) buscando identificar e aprimorar
cada vez mais o curso.
A partir dessa análise é possível complementar com o posicionamento de Delval (2007, p. 127)
em relação ao processo de aprendizagem. Ele destaca que, muitas vezes os sujeitos não tomam
consciência imediatamente das contradições em seu pensamento, sendo, pois, uma das tarefas do
professor (e no caso do curso do PEAD, também função dos tutores) é situar o aluno diante dessas
contradições e ajudá-lo a resolvê-las. E esse processo de reequilibração interna tem a ver com o que
Piaget denominou equilibração.
A aprendizagem, nessa perspectiva “baseia-se nas reorganizações internas dos conhecimentos que
os sujeitos têm que realizar. Em sua busca de explicação, tomam consciência de que existem incoerências
ou contradições e tratam de resolvê-las mediante modificações desses conhecimentos” (DELVAL, 2007,
p. 126).
O curso, tal como foi proposto e como está sendo desenvolvido desde seu início em 2006,
corresponde no contexto atual ao que Piaget (2000, p. 25-26) pontuou como ações importantes para
promover mudanças na Educação. Para o referido autor, um dos aspectos importantes é a questão da
preparação dos professores. Na referida obra, ele considera esse ponto primordial para todas as reformas
pedagógicas em perspectiva. Essa questão é analisada por ele sob dois aspectos: sob o ângulo social, o
problema da valorização ou da revalorização do corpo docente primário e secundário, “a cujos serviços
não é atribuído o devido valor pela opinião pública” e a questão da formação intelectual e moral do corpo
docente, “pois quanto melhores são os métodos preconizados para o ensino mais penoso se torna o ofício
do professor, que pressupõe não só o nível de uma elite do ponto de vista dos conhecimentos do aluno e
das matérias, como também uma verdadeira vocação para o exercício da profissão”.
Esse último ponto destacado pode ser cotejado na própria Educação a Distância. No senso comum
é corrente a ideia de, nesta modalidade, o processo ser mais 'fácil' que no ensino presencial; ou seja, um
ensino menos qualificado. No entanto, na vivência como tutora acompanhando o curso do PEAD, com a
proposta pedagógica sob o qual se alicerça, sinto realmente o quão árdua é a tarefa dos professores e
tutores. Durante a realização de cada atividade é fundamental analisar o posicionamento do aluno,
buscando captar suas concepções em relação ao tema estudado para, buscar pontos passíveis de reflexão e
que possam vir a gerar uma desacomodação. Ou seja, nessa perspectiva é impossível uma proposta de
educação massiva e indiferenciada. Cada aluno precisa ser compreendido na sua singularidade.
Por ser um curso cujo propósito é a formação de professores, especialmente voltado para as séries
iniciais, educação infantil e gestão escolar, a temática da aprendizagem não se interpõe apenas como base
para o currículo e as práticas pedagógicas do curso. Ela aparece também como conteúdo a ser estudado e
Como exemplo, eis uma situação em que a aluna, ao discutir a questão do juízo moral na teoria de
Piaget, relacionada com suas ações na resolução dos conflitos na sala de aula, a aluna evidenciou uma
compreensão equivocada da leitura feita, recebendo da tutora o seguinte comentário:
Oi Iara*! No teu relato percebo que não identificaste uma situação específica, optando por
descrever situações genéricas. No entanto, na compreensão das situações observadas na
escola não entendi tua afirmação "Acredito dessa forma na concepção de Piaget que o
ambiente imprime na pessoa o modo de ser e de se comportar, isto é, uma concepção
empirista e considerando a experiência como algo que se impõe por si mesmo, não
havendo necessidade da atividade do sujeito". Te sugiro que releia principalmente o
material da professora Tania**. Será que o Piaget é empirista? E mais: para ele a atividade
do sujeito é desnecessária? Por isso, é necessário rever tua análise, considerando
especialmente a relação com os pressupostos teóricos. Pode contar conosco para te ajudar
diante das dúvidas e dificuldades, ok? Abraços, Ane*.
A aluna, após a realização da atividade subsequente, retomou essa atividade e postou a seguinte
mensagem:
*
Nomes fictícios
**
Texto da professora Tania Marques “Epistemologia Genética e Construção do Conhecimento”
* Identificar as relações que as alunas estabelecem entre o estudo proposto pela interdisciplina e
seu fazer pedagógico.
Conclusões Preliminares
Embora ainda cedo para tecer qualquer conclusão, tendo em vista que, até o momento, o estudo
realizado foi de caráter eminentemente teórico, já é possível, a partir dos indicadores propostos,
identificar que os movimentos de desequilíbrio e de apoio à reconstrução ocorreram (conforme
evidenciado no excerto). Embora como resultado de pesquisa isso não possua relevância, tendo em vista a
riqueza e complexidade do processo de aprendizagem dessa aluna ou mesmo se considerarmos o
contingente de alunos do curso, no entanto, já se constitui como o indício de que a concepção de
aprendizagem proposta pela teoria piagetiana está vivenciada nesse curso.
Para além desses dois aspectos, acrescento ainda o relato de outra aluna que evidencia o
terceiro item que constará na análise que se pretende realizar: o estabelecimento da relação teoria e
prática e da interdisciplina como um aporte para repensar essa relação. Observe o que escreveu a aluna
R. numa atividade em que lhe foi solicitada uma reflexão de como ela estaria pensando sua sala de aula a
partir dos estudos realizados:
Em muitos momentos fico insatisfeita com minha atuação, mas também penso que isto
Nesse breve relato, em que a aluna faz uma análise das suas aprendizagens, ela considera a sua
insatisfação como um motivador para a sua própria aprendizagem (o que pode ser um indício de que
houve uma perturbação) e da consciência necessária ao professor para propor atividades que estimulem a
participação e o pensamento dos seus alunos.
Outra aluna, relata a tomada de consciência que teve a partir de uma leitura proposta:
Após as atividades realizadas neste eixo, penso que muitas das nossas ações em sala de
aula precisam ser refletidas e repensadas. Sempre me considerei uma profissional não
tradicional, mas lendo e aprofundando-me sobre assunto acredito que tenho muito da
pedagogia diretiva que como diz o texto de Becker***: “ O professor fala e o aluno escuta.
O professor dita e o aluno copia. O professor decide o que fazer e o aluno executa. O
professor ensina e o aluno aprende”. Na verdade essa é uma postura que vem da própria
escola onde são cobradas quantidades em vez de qualidade, índice de aprovação em vez
de aprendizagens significativas para os alunos. (Aluna E.)
Nesse relato, a aluna evidencia o quanto o estudo proposto pela interdisciplina subsidiou sua
análise sobre sua prática e a ajudou a ressignificá-la.
Embora os relatos sejam breves e não englobem a totalidade do material produzido pelas duas
alunas citadas e tampouco sirvam como amostra significativa do contingente de alunos envolvidos no
curso, o propósito com esses excertos é evidenciar que as reflexões propostas foram realizadas e que o
entrelaçamento dos estudos teóricos com as práticas docentes também ocorreu.
Com isso, embora ainda com exemplos iniciais, é possível perceber que a interdisciplina está
cumprindo seu papel de subsidiar de algum modo a reflexão sobre as práticas docentes dessas
professoras-alunas. Além disso, as concepções de aprendizagem estão sendo pensadas a partir dos estudos
sobre aprendizagem no referencial construtivista piagetiano. E, de certa forma, por essas concepções
estarem sendo não apenas estudadas teoricamente, mas propostas também na prática dessas alunas-
professoras que estão cursando a interdisciplina e o próprio curso de modo geral, a compreensão da teoria
toma proporções de maior significação. E se for considerada sua importância na formação de professores,
e na Educação a Distância, estamos avançando em direção a uma formação de professores mais
conscientes do seu fazer docente e dos processos cognitivos dos seus alunos, podendo assim, ser pensada
uma Educação que efetivamente cumpra seu papel.
***
Aluna refere-se ao seguinte material: BECKER, Fernando. Modelos pedagógicos e modelos epistemológicos. In:_____.
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Abstract
Psychology it’s an area of studies and knowledge about the learning aspects and the problem that is
within. This area focuses on learning in a multifactorial perspective, which includes the social, the
affective, and the biological aspects. Coming from this perspective, we made psychological interventions
in the schools in an interior city of São Paulo state (Brazil). We aimed with this performance to contribute
for the development of the infants in every aspect and to construct with them another relationship with
knowledge. The work is justified by the high school demands of care with children judged undisciplined
and incapable of learning. This work was made by little group of students in high school and developed
by two interns of the graduation course of Psychology. The aim of the work is to promote socialization
and the development of conduct with the cooperation of the cared children. First of all we did a
psychological diagnosis with the children given to us to judge the problem. Subsequently, we started the
intervention having as an instrument, ruled games and workshop, we understand that this procedure
contributes for the full development of the children. Some results of our intervention is some significant
changes in some conduct social moral and the emotional affection of the cared students, ( this terms of the
rules becomes internalized). And about the mutual respect, we believe that these interventions are really
important to contribute to the process of the formal education and the global development of stigmatized
children in the schools.
Keywords: Intervention psychology. Ruled games. Development. Learning.
Tal trabalho foi executado por grupos de estagiárias do sétimo e do oitavo semestre de um curso
de graduação em psicologia e supervisionado por profissional especialista na temática.
As intervenções foram efetuadas por uma dupla de estagiárias, atendendo crianças, subdivididas
em grupos de quatro estudantes.
Nossas intervenções tiveram como objetivo central o desenvolvimento integral da criança. Desta
maneira, agimos para que o desenvolvimento social e também o de condutas cooperativas fossem
trabalhados conjuntamente com o desenvolvimento cognitivo e afetivo emocional dos pequenos.
A justificativa para realização da citada intervenção, está assentada na alta demanda escolar por
atendimento a crianças julgadas fracassantes no seu processo de escolarização formal.
Ainda justificamos o nosso trabalho de intervenção no fato do tratamento dado pela instituição
escolar a essa problemática ser muitas vezes estigmatizante e patologizante.
Não deixamos de acreditar, no entanto, que em raras exceções o “não aprender” possa ser
originado por alguma patologia.
Dessa maneira, entendemos que para equacionar o problema são necessárias intervenções que
contemplem todas as questões contribuintes para o fracasso.
Objetivos
Contribuindo, dessa forma, para que os infantes elaborem outra relação com os processos de
escolarização formal, sendo esta mais prazerosa e significativa.
Metodologia
Utilizamo-nos, como aporte teórico para nossas intervenções, a psicologia genética de Jean Piaget
(1896-1980).
Tal fato se deve a que nosso entendimento dos processos de aprendizagem seja partidário da
concepção de que a criança constrói o seu conhecimento, em ativa interação com o meio ambiente físico e
social.
Assim, recorremos aos jogos regrados e as oficinas lúdicas, como instrumentos de intervenção.
Agimos dessa maneira, amparados em Macedo (2005), porque pensamos que tais procedimentos
contribuem para o desenvolvimento integral das crianças auxiliando-as, consequentemente, em suas
dificuldades escolares.
Desenvolvimento
As observações foram realizadas com intuito de identificar se a queixa apresentada pela escola era
verídica ou não. Utilizamos esse procedimento, pois em nossos trabalhos, notamos que muitas vezes a
instituição escolar encaminha crianças que não necessitam de atendimento. Por exemplo, notamos a
presença de encaminhamentos cujo motivo da queixa era o fato de a criança ser oriunda de família
julgada pela escola como “desestruturada”. Dessa forma, eram encaminhadas para um tratamento
preventivo, com o intuito de que no futuro não viessem a apresentar problemas comportamentais.
Nos primeiros contatos realizados com as crianças (já fora de suas salas de aula e divididas em
grupos de quatro) pedimos que elas elaborassem regras julgadas por elas pertinentes e que regulariam os
nossos encontros.
Agimos, dessa maneira, pois, como nos ressalta Piaget (1977) em sua obra O juízo moral da
criança, para construirmos relações democráticas, é necessário o estabelecimento do respeito mútuo.
Caso as regras fossem burladas, as crianças receberiam sanções por reciprocidade (em que a
qualidade do castigo é semelhante ao delito). Tais sanções também foram propostas pelos pequenos, com
o auxílio das estagiárias.
O desenho livre foi proposto como primeira atividade, por possuir caráter menos ansiógeno
A prova piagetiana de conservação foi aplicada para definirmos se as crianças possuem ou não
noção de conservação, invariância e reversibilidade.
Já o teste projetivo teve por objetivo averiguarmos se a problemática da criança decorria de uma
sintomatologia, ou seja, se havia algum problema de ordem afetivo- emocional que estivesse
impossibilitando o aprendizado do infante.
Caso identificássemos que o não aprender estivesse ligado a um sintoma o encaminhávamos para
atendimento psicoterápico.
Contudo, observamos em nossas práticas, quando estes casos se fizeram presentes, que na maioria
das vezes a criança necessitava, além da psicoterapia, também de atendimento psicopedagógico, pois o
problema de ordem afetivo-emocional já havia afetado os processos de aprendizagem, originando, assim,
um considerável atraso nas atividades escolares.
A confecção dos jogos de regras era realizada pelas próprias crianças. Em um primeiro momento,
em que foi realizado o psicodiagnóstico, o jogo de regra teve fins avaliativos, ou seja, foi utilizado para
verificar como as crianças lidavam com as regras, com a vitória ou com a derrota, com as frustrações e
quais eram os recursos cognitivos de que os pequenos utilizavam-se para a realização das jogadas.
Em um segundo momento, que o jogo de regras, conjuntamente com as oficinas lúdicas tornam-se
instrumentos de intervenção já que podem auxiliar no desenvolvimento e nas aprendizagens das crianças
por nós atendidas.
Passaremos agora a descrever e analisar algumas atividades (jogos de regras) utilizadas em nossos
atendimentos com a finalidade de auxiliar as crianças em seu desenvolvimento, além de, com eles, fazê-
los experienciar uma nova relação com a construção de conhecimento (aprendizagem). Processos estes
Dissertaremos aqui sobre o uso do jogo de pega-varetas, pois utilizamo-nos dele no decorrer de
todo o processo de intervenção.
Observamos que, além da facilidade de confecção (baixo custo), eles eram jogos pelos quais as
crianças atendidas por nós apresentavam grande interesse, uma vez que percebiam a sua evolução no
jogar durante os nossos encontros.
Também, escolhemos expor tais jogos, já que existe sobre eles importante estudo feito por
Macedo (2005), cujo trabalho no Laboratório de Psicopedagogia do Instituto de Psicologia da USP,
permitiu a construção de um ensaio sobre o uso de tais jogos, cujas possibilidades e finalidades são por
nós reconstruídas em nossas intervenções.
O supracitado jogo possui inúmeras possibilidades de intervenção já que, além de possuir regras
que regulam as partidas, também estimula o raciocínio, a coordenação motora, a atenção, a concentração,
a criatividade, dentre outras competências julgadas essenciais para o bom desempenho no jogo, e como já
dissemos anteriormente, de igual valor para o “bom” aluno em processo de aprendizagem.
Assim, num primeiro momento, a sua utilização é bem vinda já que estimula as crianças a
internalizarem as suas regras, pois, se quiserem jogar com seus pares esta é condição sine qua non.
Observamos que as crianças, que de início apresentam enorme dificuldade em se enquadrar nas
delimitações do jogo, passam posteriormente a realizar tal ação de forma espontânea, valorizando e
vigiando o cumprimento de cada uma das regras necessárias para o bom andamento da partida. Exemplo
disso são as crianças que observam minuciosamente a jogada de seu parceiro e, ao menor sinal de
movimento das varetas dispostas ao chão, gritam para que o colega pare imediatamente a jogada. A
própria criança que executa a jogada também para rapidamente após ter percebido que não obteve êxito
ao tentar resgatar sua vareta. Faz isso sem tentar negociar ou argumentar não ter mexido a pequena
varinha.
Acreditamos que tal fato é importante para a internalização de regras pelo grupo e pela criança que
joga. Pensamos que a falta delas seja mais um fator para a ocorrência da tão discutida “indisciplina na
escola”, fenômeno este que também impede as aprendizagens.
Depois de se adaptarem a jogar com regras, as crianças devem operacionalizar as suas jogadas em
função delas. Pois, na medida em que têm que respeitá-las não podem realizar qualquer ação para ganhar
Pois bem, se os pequenos querem vencer a partida, outra questão que devem superar são os seus
adversários. Dessa maneira, precisam construir estratégias melhores de que as de seus companheiros para
obterem a vitória. Isso os obriga constantemente a construir novas formas de jogar. Como exemplo, temos
uma criança que, após analisar milimetricamente a disposição das varetas, experimentou posições de seu
corpo (deitada, sentada, em pé ou agachada) que lhe permitiram pegar uma vareta sem tocar nas outras.
Além disso, são interessantes as variadas formas que as crianças encontram de resgatar as varetinhas.
Acreditamos que essas ações são excelentes recursos para possibilitar que a criança reflita, utilize
a criatividade e coordene ações (mentais e motoras). O que, como sabemos, é imprescindível para o seu
desenvolvimento.
Outros jogos que contenham regras, tais como: o da memória, o dominó, o jogo da vida, a trilha
do saber, dentre outros por nós trabalhados, também apresentam iguais possibilidades de auxiliar a
criança em seu desenvolvimento.
Também utilizamo-nos de outras atividades como: oficinas, passeios, festas, dentre outras, que
possam colocar a crianças frente a situações que rompam com o seu equilíbrio, levando-as a agir.
Conclusão
Os resultados obtidos foram julgados por nós significativos. Podemos salientar mudanças quanto a
algumas condutas de caráter sócio-moral e afetivo dos alunos atendidos.
Essa afirmativa é feita com base na observação de que as crianças passam a respeitar
consideravelmente todas as regras, além de respeitarem também os seus pares e solidarizarem-se com os
mesmos.
Acreditamos no acima exposto, pois, foi notório que no decorrer de nossos encontros as crianças
passaram a cobrar as regras de si próprias e também dos estagiários, quando elas eram descumpridas. Foi
fato também que, com o passar do tempo, as crianças auxiliavam os seus pares na confecção das
atividades e nas próprias jogadas a serem realizadas. Questões estas que, no início do atendimento, não
eram percebidas por nós, já que os pequenos burlavam regras e não se mostravam solidários com as
outras crianças quando estas estavam por realizar uma jogada desastrosa.
Esse fato pode também ser observado na reaplicação da prova de conservação de quantidade ao
final do atendimento. Pois, se outrora esta prova nos havia informado a não conservação, indicou-nos
numa aplicação posterior a construção dessa noção.
Além disso, vimos também que os pequenos durante as partidas de jogos despendiam de recursos
mais eficazes e evoluídos para realizarem melhores jogadas e assim obterem êxito no jogo.
Por último, gostaríamos de salientar que em algumas escolas (justamente as que mais nos
auxiliavam em nosso trabalho) recebíamos frequentemente avaliações positivas dos professores, sobre os
alunos que estavam em atendimento.
Com base nestas constatações, acreditamos que tais intervenções são importantes por contribuírem
com o processo de escolarização formal e com o desenvolvimento global dos escolares.
Referências
______. (Org.). Os jogos e o lúdico na aprendizagem escolar. Porto Alegre: ArtMed, 2005.
PAIN, S. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.
Resumo
O presente estudo objetivou analisar as significações do erro em 17 alunos que frequentam salas de apoio
à aprendizagem em Londrina-PR. Como modalidade de pesquisa elegemos o estudo de caso, na
abordagem qualitativa. Como problema de pesquisa nos baseamos na seguinte questão: qual a
significação do erro de alunos do 6º ano do Ensino Fundamental que frequentam a sala de apoio à
aprendizagem? Além da observação das atividades nas salas de apoio, utilizamos um roteiro de entrevista
e um instrumento que é constituído por uma escala de diferencial semântico na qual são apontados
indicadores afetivos nas condutas dos alunos em situação específica de aprendizagem. O período de
coleta de dados foi de 2 meses. Nossos resultados indicaram que as significações dos alunos sobre o erro
apresentam-se carregadas de conteúdo social e julgamento moral sobre o erro e que em sua totalidade, os
participantes do estudo significam o erro como algo negativo e que os impede de aprender. O erro não é
considerado parte do processo de aprendizagem e está associado a sentimentos desagradáveis de culpa e
de menos valia além de estereótipos que culpabilizam o aluno pelo não aprender. O estudo enfatizou
como implicação pedagógica, a importância de considerar o erro como revelador de construções internas
de ordem intelectual e afetiva, em relação de interdependência, nas condutas do sujeito ativo na
aprendizagem.
Abstract
This study aimed to analyze the meanings of the error in 17 students who frequent the support learning
classrooms in Londrina - PR. As modality of research we choose the study of case, in the qualitative
approach. As problem of research we base in the following question: which is the error meaning for 6º
year’s students of secondary school who frequent the support learning classrooms? Beyond the activities
observations in the support rooms, we use an interview guide and an instrument that is constituted by a
scale of semantic differential in which are pointed affective indicators in the student’s conduct in specific
situation of learning. The period of data collection was 2 months. Our results had indicated that the
student’s meanings about error present loaded of social content and moral judgment on the error and in
their totality the participants think the error as something negative that hinders their learning. The error is
not considered party of learning process and it is associated with the awkward feelings of guilt and little
values beyond the stereotypes that make the students guilty for not learning. The study emphasized as
pedagogical implication, the importance to consider the error as revealing of internal constructions of
intellectual and affective order, in relation of interdependence, the conducts of the active person in the
learning.
A teoria piagetiana sobre a construção do conhecimento possibilita olhar o contexto em que o erro
é produzido em sala de aula e não apenas o erro em si, ou o aluno que o apresenta. O sujeito em constante
desenvolvimento ensaia para a vida, criando, experimentando e descobrindo sobre si e o mundo, num
processo comum e natural, no qual erro e acerto são constituintes de seu aprendizado. Esta concepção
permite-nos interpretar o erro como algo inerente ao processo de conhecer e a partir disto analisarmos o
que o erro pode nos revelar sobre a construção do conhecimento.
Além do dinamismo expresso nas ações daquele que se coloca a conhecer, diante do erro, os
aspectos de ordem afetiva também são postos em evidência. Afinal, quem gosta de errar na sociedade do
acerto, do sucesso, da busca constante pela perfeição da forma, da padronização e do ideal? O ser humano
busca hoje apresentar-se como aquele que sabe, aquele que prevê, aquele que controla. Neste contexto
receitas e métodos são enfatizados a todo o momento. Mas, no campo do conhecer somos convidados a
lidar com as lacunas, com o imprevisível, com as irregularidades e o intangível, pois é exatamente ali
onde algo lhe falta, onde algo se impõe como obstáculo ou conflito que nasce a riqueza do sujeito
expresso em sua capacidade de perguntar: por quê? Como?
Assim, é do campo do não saber, que partimos para escutar alunos e compreender, sobre como os
erros são percebidos pelos sujeitos incluídos em propostas educacionais, que objetivam intervir em seus
processos de aprendizagem. Os alunos que nos propusemos escutar no presente estudo, estão nas salas de
apoio e em comum apresentam a expressão constante do erro em suas produções. Conhecer, do ponto de
vista piagetiano, diz respeito aos caminhos de criação e descoberta trilhados pelo sujeito cognoscente.
Neste percurso o erro tem a conotação de atividade e revelação de um sujeito que se colocou a responder
formulações de seu pensamento.
O Erro
O erro na perspectiva teórica de Piaget revela um processo dinâmico que dirige o ato de conhecer.
Taille (1997, p.26) ao se referir à construção do conhecimento na perspectiva piagetiana aponta que a
realidade é filtrada pela consciência do sujeito, “retendo e interpretando aquilo que é capaz de incorporar
a si. Em uma palavra, conhecer é conferir sentido, e esse sentido não está todo pronto e evidente nos
objetos de conhecimento: ele é fruto de um trabalho ativo de assimilação” realizado pelo sujeito. No curso
de seu desenvolvimento o sujeito fará diferentes interpretações sobre o mundo e a qualidade desta
compreensão dependerá do nível de estruturação de sua inteligência. Neste caso, muitas interpretações das
crianças apresentar-se-ão como erradas sob o ponto de vista do adulto, mas Piaget (1936, p.13) as
compreende enquanto parte integrante do processo investigativo rumo ao conhecer, uma vez que atesta
uma verdade do sujeito e por isso considerou o erro como construtivo62.
Macedo (1997, p.29), analisa o papel construtivo dos erros destacando que ignorar o erro dentro
do processo de construção do conhecimento “é supor que se pode acertar sempre ‘na primeira vez’, é
eliminá-lo como parte, às vezes inevitável, da construção de um conhecimento, seja de crianças, seja de
adultos”.
Macedo (1994) pontua que a questão do erro, por exemplo, “no plano do fazer está comprometido
com o resultado em função de um objetivo, bem como com a construção de meios e estratégias adequados
à solução do problema que se está enfrentando”, e isto só é possível de ser elaborado pelo sujeito que está
em atividade.
Este tipo de experiência é muito importante para o aluno no processo de aprendizagem, uma vez
que “disso decorre a necessidade de construção de estratégias, de alteração dos procedimentos, tendo em
vista os arranjos específicos que as diferentes situações colocam.” (MACEDO, 1994, p. 74).
No plano do fazer, quando um objetivo estabelecido é frustrado e a criança tem a clareza que
errou, o erro torna-se um problema, levando a criança a buscar novas soluções para alterá-lo e a construir
novas possibilidades. A descoberta de que para conhecer, o sujeito precisa “fazer” então nos leva a
concluir que não é o meio quem modela o sujeito, “mas é ele próprio que se constrói por sua atividade, no
meio que é seu” evoluindo em condições cada vez melhores de compreensão sobre a realidade. (DOLLE;
BELLANO, 1999, p. 19).
Piaget divide em três níveis as respostas apresentadas pelas crianças (PAULI et al, 1981), na
construção do conhecimento e da própria consciência sobre o erro. No nível I não há erro para a criança,
pois suas ideias constroem-se por justaposição e sincretismo, deformando a realidade percebida por ela. O
nível II é o momento da dúvida ou flutuação, ou seja, a criança oscila nas respostas dadas, devido à
evolução na inteligência que permite ao sujeito fazer antecipações e conservar as deformações do objeto
anteriormente impossíveis. No nível III o adolescente compreende as situações tais como são. Dentre as
conquistas do desenvolvimento da inteligência temos a evolução na lógica permitindo ao sujeito fazer
relações mais complexas como a de pensar sobre a sua própria ação. Isto não quer dizer que ao atingir o
nível III os erros acabaram, mas sim que agora o sujeito pode refletir sobre eles e percebê-los de forma
consciente. Poderíamos dizer então que esta evolução nos permite perceber diferenças na forma do sujeito
conceber e lidar com o erro no curso de seu desenvolvimento.
A crítica de Piaget sobre a educação formal, é que esta se limita a preocupar-se com os resultados
e não com o modo como o sujeito chegou a eles, deixando de considerar riquíssimas construções
realizadas pelo aluno, mesmo aquelas apresentadas numa situação de erro. Assim, se o erro é considerado
como constituinte do processo de construção do conhecimento, como os educadores devem intervir diante
desta situação?
Para isto o professor precisa estabelecer o que é consciente à criança e o que não é. Em observação
a este cotidiano, Fogaça (2005) escreve sobre sua experiência enquanto professor de Educação Física e
aponta a importância dos conhecimentos piagetianos pelo educador, destacando a tomada de consciência
enquanto um processo gradativo na elaboração do conhecimento e um caminho de intervenção do
professor, necessário para a aproximação consciente do aluno sobre as próprias ações equivocadas. Como
estratégia de ação, o professor diante de uma ação equivocada do aluno poderá apresentar
questionamentos que os levem a rever sua ação no plano verbal. Para explicar as diferenças nas
interpretações dos sujeitos, Piaget utiliza-se de dois conceitos: observável e coordenação: “os observáveis
são fatos percebidos, e as coordenações são justamente as interpretações que o sujeito faz sobre aquilo
que observa e, consequentemente, determina a qualidade das próprias observações (PIAGET apud
TAILLE, 1997, p.29). Assim, independentemente de estar certa ou errada, as interpretações do sujeito,
revelam os níveis de estruturação de sua inteligência.
Como já destacamos no início, para Piaget o sujeito é auto-estruturante e ao meio cabe o papel de
problematizar as situações, provocando no aluno a construção de estratégias e procedimentos de
superação de seus erros, na medida em que realiza ajustamentos em suas ações. No entanto, o labor desta
atividade pertence ao aluno e não ao professor. A questão é que de um jeito ou de outro o erro estará
sempre presente em todo o processo que move o aluno a conhecer e dependendo da forma como o adulto
concebe o erro, poderá resultar em práticas que ajudem o aluno a superá-lo, aprender a partir do erro ou
não.
A Afetividade
Nesse sentido, são os afetos que preparam as ações do sujeito, participando ativamente da
percepção que ele tem das situações vividas e do planejamento de suas reações ao meio. Dolle (1993,
p.120), considera que a afetividade está implicada com o campo das significações e nestas as relações
interindividuais tem um papel importante:
No ambiente escolar o aluno experimenta vários tipos de afetos: sentimentos como o prazer da
descoberta e da criação diante do objeto do conhecimento, a tristeza ao constatar que errou na resolução
das atividades e foi apontado pelo professor ou pelos próprios colegas como alguém incompetente, culpa
quando não estuda o suficiente ou erra, etc. Além dos sentimentos, a afetividade contempla elementos
energéticos (interesse, esforços, afetos das relações interindividuais, simpatias mútuas e sentimentos
morais) que também estarão presentes na sala de aula. Dito de outro modo, constantemente embates e
contradições do cotidiano escolar, colocam o aluno a rever suas ações e estas situações estão permeadas
de afetos bons ou maus, dependendo de como interagem os sujeitos neste contexto.
Para analisar a relação entre afetividade e inteligência, Piaget (1994) discute as concepções sobre
o juízo moral, em sua teoria. Normalmente vemos a moral tornando-se o cenário propício para o
confronto existente entre a razão e a afetividade. Vários exemplos na literatura destacam personagens
lidando com situações conflituosas, nas quais há ou um predomínio pela razão ou pela
emoção/afetividade. Piaget, por sua vez vai além da ideia de confronto nesta relação e aponta
considerações relevantes sobre como interagem estes dois aspectos no ser humano (cognição e
afetividade). Para o autor, os afetos movem a ação do sujeito e a razão tem o papel de “identificar desejos,
sentimentos variados e obter êxito nas ações. Neste caso, não há conflito entre as duas partes. Porém,
pensar a razão contra a afetividade é problemático porque então dever-se-ia, de alguma forma, dotar a
A afetividade para Piaget (1962) inicia-se através de afetos perceptivos, que no primeiro momento
está indiferenciada ao sujeito. Gradativamente os afetos passarão a se relacionar com as pessoas, objetos.
A estrutura básica organizadora de nossa vida afetiva é formada por sentimentos como amor, raiva, medo,
necessidades(básicas),etc., resultantes de situações de fracasso ou sucesso, agradável ou desagradável.
Macedo (2008, p.48) aponta que o medo, assim como a raiva ajudam o sujeito a “fugir, afastar do que
considera ameaçador ou doloroso. Em sua dimensão positiva ele pode indicar cuidado e respeito”, mas
por outro lado poderá diminuir ou até eliminar relações que proporcionaram este sentimento. O amor
pode produzir sentimentos bons como alegria, confiança, interesse, mas em excesso pode gerar
dependência.
As representações sobre o que significa errar no contexto escolar estão relacionadas ao nível de
desenvolvimento do sujeito como também às concepções sobre “errar” em nossa sociedade. Estas, por sua
vez, são dotadas de valores, crenças, regras e costumes relacionados a um padrão estabelecido de
normalidade. Por isso, o sujeito enquanto um ser social caminhará na tentativa de cumprir o que está
estabelecido como padrão, quem não cumpre é excluído, é anormal (MACEDO, 1996). Para Lalande
(1993) ao erro é atribuído o sentido de algo falso em oposição aquilo que é verdadeiro. No entanto, hoje
sabemos o quanto a verdade é arbitrária e relativa, e em se tratando de crianças pequenas verdade “é
aquilo que as pessoas que ela conhece e de quem gosta fazem ou dizem. “Verdade” é aquilo que ela
consegue fazer ou pensar, é o que obedece a sua intenção” (MACEDO, 1996, p.194).
Assim, foi pensando nas situações relativas ao erro em sala de aula, que partimos para a
observação deste espaço e elegemos como lócus da pesquisa a sala de apoio, um projeto de trabalho
interventivo atual nas escolas estaduais no município de Londrina-PR com alunos do 6º ano do Ensino
Fundamental. Esta proposta de trabalho é realizada dentro da própria escola onde é oferecido ao aluno,
Objetivo
Metodologia
Desenvolvimento
Na apresentação de nossos dados quanto às significações dos alunos sobre os próprios erros,
utilizamos duas tabelas que sintetizam os dados. A primeira indica as significações dos alunos e os
sentimentos despertados quando estão diante de uma situação de erro, pautadas nas respostas deles à
entrevista. A segunda tabela apresenta uma síntese das condutas predominantes e também os sentimentos
envolvidos diante de uma situação específica de aprendizagem escolar, por meio dos indicadores afetivos
da escala utilizada.
As respostas dos alunos revelaram sentimentos e significações que vão sendo incluídas ao
contexto do erro na sala de apoio. Pudemos verificar que, ao significarem o erro, prevalecem nas
respostas dos alunos a inclusão dos aspectos morais, relacionando o erro cognitivo ao erro no campo de
significações morais, como: “desobedecer, culpa, não fazer as coisas certas, fazer algo ruim”.
Os aspectos afetivos aparecem com maior intensidade, enfatizando a compreensão que os alunos
têm sobre a sua ação (errar) indissociada da consequência de julgamento moral que a acompanha. Ou
seja, a criança não relaciona sua ação a possíveis enganos decorrentes de sua relação com o objeto, mas
sim, àquilo que pode provocar em termos afetivos como é o caso do erro relacionado a “desobediência”,
ou “algo ruim”. Para estes alunos errar é “magoar” o outro ou acontece quando alguém “pega algo do
amigo”. A indissociação própria do sujeito heterônomo, como apontou Piaget (1994), não possibilita que
compreendam além do aparente e neste caso das significações que o social lhe impõe como verdade e
sagrado.
Quanto aos sentimentos predominantes nas respostas a uma situação em que o aluno errou
encontramos “a tristeza, o mal estar e a culpa”. A indissociação novamente aparece no julgamento dos
alunos. Neste momento de seu desenvolvimento, há uma evolução da consciência do sujeito sobre o erro,
mas articulada ao desenvolvimento do juízo moral sobre as suas ações que vão sendo construídas nas
relações interindividuais. O aspecto afetivo relacionado ao erro tem no outro com o qual nos
relacionamos, um espaço compartilhado de significados. Por isso, Dolle (1993), considera a afetividade
implicada com o campo das significações interindividuais. O sentido se constrói neste encontro entre o
sujeito e o mundo social. Assim, dependendo de como se estabelecem estas relações, no qual o erro se faz
presente, o sujeito poderá chegar a julgamentos autônomos ou permanecer aceitando verdades sem
questioná-las.
É inegável a influência dos discursos sociais sobre o erro, junto aos sentimentos despertados nos
alunos. Pois, antes de mais nada são discursos morais, carregados de afetos, que vem da própria sociedade
formando o universo moral humano e designando aos sujeitos lugares distintos.
Diante disto podemos refletir sobre a necessidade da escola possibilitar aos alunos situações de
reflexão sobre suas ações, ajudando-as a entenderem suas ações consideradas “erradas” sob outro ponto
de vista, compreendendo como Piaget, aspectos positivos expressos nesta atividade.
Coragem. Atitude. Interesse Autonomia. Desinteresse. Desistência. Descomprometimento. Insatisfação “Errei muito”
A Rapidez em iniciar a tarefa. Fuga ou dispersão. Auto-controle.Conduta Evitativa. Senso de incompetência.
Impulsividade. Insegurança. Estratégia (cópia). Dependente. Erros recorrentes.
Medo, receio, desinteresse Dependência. Desinteresse. Desistência, Descomprometimento Insatisfação diante do resultado
B Demora em iniciar. Passivo Insegurança. Raiva, desconforto. Conduta evitativa. Incompetência (Errei tudo!).
Impulsividade. Fuga ou dispersão. Repetição de estratégias. Dependente. Erros recorrentes.
Satisfação/ resultado
Coragem, atitude, interesse. Persistência. Compromisso.Auto-
Autonomia, Desinteresse Se sente competente (“Acertei
C Rapidez em iniciar a tarefa. controle.Enfreta desafios.Diferentes
Segurança. Fuga ou dispersão tudo!”), confiante. Corrige
Impulsividade. estratégias.
procedimentos
Coragem, atitude, interesse Autonomia, Interesse Desistência, Decomprometimento Insatisfação com o resultado. Se
D Rapidez Segurança Raiva, desconforto sentem incompetentes. Dependente e
Impulsividade Envolvimento Conduta evitativa, Estratégia(cópia) recorrência nos erros.
Medo, receio. Demora em Dependência, Desinteresse Persistência, Descomprometimento
E Insatisfação.Se sente incompetente
iniciar a tarefa. Passividade. Insegurança. Estratégia Raiva, desconforto Estratégia: foge da
Dependente. Repete os erros.
Desinteresse, impulsividade. (copia). Fuga ou dispersão tarefa. Cria desculpa e sai.
Desistência. Descomprometimento Satisfação diante do resultado
Coragem, atitude, interesse Autonomia, interesse
F Auto controle. Conduta evitativa, Sente-se competente,confiança
Rapidez em iniciar. Insegurança. Envolvimento
Estratégia(cópia). Corrige procedimentos.
Coragem, atitude, interessse Persistência, Compromisso Satisfação com o resultado
Autonomia, Interesse
F Rapidez em iniciar. Auto controle. Enfrenta desafios, Sente-se competente,confiante
Segurança . Envolvimento
Planejamento Diferentes estratégias Corrige procedimentos
Coragem, Atitude, Interesse Autonomia, Interesse Persistência, Compromisso Satisfação/ resultado
G Rapidez em iniciar Segurança Auto controle Sente-se competente,confiante,
Planejamento Envolvimento Enfrenta desafios, Repete estratégias Corrige procedimentos
Autonomia, Interesse Persistência, Compromisso Satisfação/ resultado
Medo, receio. Inicia devagar,
H| Segurança Auto controle. Demora frente ao Sente-se competente, confiante
desinteresse. Impulsividade
Envolvimento desafio. Repete estratégias Corrige procedimentos
Medo, receio.Demora em Dependência. Desinteresse Desistência, Descomprometimento
Não terminou a atividade. Revelou
I iniciar. Passividade. Insegurança . Fuga ou Auto controle. Conduta evitativa.
muita insegurança.
Desinteresse, Impulsividade dispersão Estratégia (cópia).
Medo, receio. Demora em Dependência, desinteresse
Descompromisso. Raiva, desconforto Insatisfação. Vê-se Incompetente,
J iniciar, passivo.Desinteresse Insegurança. Fuga ou
Conduta evitativa, Estratégia (cópia) Dependente. Repete os erros.
Impulsividade. dispersão
Coragem, atitude, interesse Persistência , Compromisso Satisfação/resultado
Autonomia. Interesse.
K Rapidez em iniciar Auto controle. Enfrenta desafio, Sente-se competente, confiante
Segurança. Envolvimento.
Planejamento de ações Repete estratégias. Corrige procedimentos
Coragem, atitude, interesse. Persistência, Compromisso. Satisfação/ resultado
Dependência ,Interesse
L Rapidez em iniciar. descontrole. Não enfrenta desafio, Se sentir competente
Insegurança. Envolvimento
Planejamento de ações Diferentes estratégias Corrige procedimentos
Coragem, atitude, interesse Persistência , Compromisso Satisfação/resultado
Dependência. Interesse
M Rapidez em iniciar Auto controle, Enfrenta desafios, Sente-se competente, confiante
Insegurança. Envolvimento
Planejamento Diferentes estratégias Corrige procedimentos
Coragem, atitude, interesse Desistência, Descompromisso Insatisfação com o resultado
Dependência, Interesse
N Rapidez em iniciar Raiva, desconforto. Conduta evitativa, Sente-se incompetente, Dependente
Insegurança. Envolvimento.
Planejamento Diferentes estratégias. Mesmos erros.
Dependência,Desinteresse , Desistencia , Descomprometimento
Medo, receio, passividade, Não terminou a atividade. Fabulação.
O Insegurança ,estratégia Raiva, desconforto, evitação
desinteresse. Impulsividade
(cópia) Fuga/dispersão Diferentes estratégias
Coragem, atitude, interesse Desistência, Falta de Compromisso Satisfação/ resultado
Dependência Interesse
P Rapidez em iniciar Auto controle, Conduta evitativa, Sente-se competente,confiança
Insegurança Envolvimento
Planejamento Estratégia (cópia) Repetir os mesmo erros
Tabela 2: Indicadores afetivos na observação dos alunos em atividades propostas pelo professor da
sala de apoio.
A coragem foi o sentimento que mais evidenciaram diante do desafio proposto e os sujeitos que
assim se posicionaram esforçando-se e colocando-se em atividade, foram aqueles que até o final da tarefa
se permitiram rever a própria ação. Podemos inferir que a ação foi ressignificada no plano do
compreender, pois questionavam suas ações frente ao resultado apresentado pelo professor e se
colocavam na busca de outras possibilidades. Com isto vimos um sujeito ativo, que embora contasse com
a presença mediadora do professor, foi sempre ele quem por si mesmo tinha a possibilidade de realizar
novas construções. (DOLLE; BELLANO, 1999).
Já os alunos que apresentaram medo no início da tarefa foram incluindo, em todo o tempo de sua
execução da tarefa, atitudes como dependência, desinteresse, insegurança, raiva, conduta evitativa (várias
desculpas para sair da sala) até chegar ao resultado de fracasso na atividade ou até desistência da mesma
como aconteceu com dois alunos. O sujeito em si parecia sair aos poucos de cena, para aceitar de modo
passivo o resultado apresentado pelo professor. A “morte do sujeito do conhecimento” apresentou como
último fôlego de atividade, a criação mobilizada para o campo afetivo, quando os alunos passam a criar
estratégias para lidar com o medo e não para resolver a tarefa, numa ação de fuga àquilo que temiam
(MACEDO, 2008).
Com isto podemos refletir sobre o papel da coragem na construção do conhecimento. A coragem
parece funcionar como um elemento sustentador do sujeito cognoscente, uma vez que estaremos sempre
lindando com riscos neste caminho de muitas trajetórias que implica descobrir o objeto e a si mesmo.
Erros e acertos farão parte deste percurso e apresentar uma situação considerada errada para o adulto, ou
grupo social é antes de mais nada revelar-se enquanto um sujeito que constrói dentro de uma lógica
própria, caminhos para conhecer.
Além de descobrir sobre o objeto, o sujeito quando posto em atividade, está constantemente
descobrindo sobre si, “o que sei” o que não sei, sou competente, não sou competente”, relacionando
assim cognição a aspectos afetivos do próprio eu, como muito bem destacou Piaget (1994). Para o autor a
Neste caso fracassar diante do olhar do outro significa conhecer o que pensam de mim e isto exige
coragem e enfrentamento. Por isso, não podemos deixar de considerar todo este campo de significações
que vão sendo construídos à medida que o sujeito se arrisca a conhecer, pois estamos tratando de campos
interdependentes que se articulam e influenciam um ao outro.
Conclusões
Nessa inter-relação o erro desempenha importante papel revelador das construções internas de um
sujeito que se lançou à atividade de conhecer, de construir. Nessa linha de abordagem, o erro é positivo e
deve ser considerado indicador das necessárias reorganizações próprias ao processo de aprendizagem.
Nossos dados sobre a sala de apoio à aprendizagem indicam que ao contrário desta compreensão, o erro é
considerado incompetência do aluno em suas produções. Não é percebido como parte do processo, mas
como oposto ao aprender. É associado às dificuldades de aprendizagem que, também equivocadamente
são compreendidas como problemas do aluno e são classificadas como negativas e impeditivas do
aprender.
Resgatar as concepções e significações do erro no contexto escolar por meio da reflexão, pareceu-
nos urgente, afim de oportunizarmos em processos interventores, o resgate das condições de construção
de diferentes possibilidades de interpretação da realidade sem que elas tenham que atender ao julgamento
externo em detrimento do erro de quem atua diante do objeto de conhecimento.
Os professores podem escolher como atuar diante do erro de seus alunos. Podem considerar o erro
como indicador da estrutura cognitiva do aluno e a partir disto planejar uma intervenção ativa, a fim de
que o erro se torne observável e indique os caminhos para a mediação da construção do sujeito
cognoscente. De outro modo o professor poderá tomar o erro como indicador do fracasso do aluno
fechando assim os olhos para aquilo que está em processo de construção, rotular, segregar e culpabilizar o
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Resumo
Com base na teoria piagetiana, este trabalho objetivou investigar o desenvolvimento cognitivo dos
adolescentes surdos educados numa abordagem bilíngue e comparar os resultados com os de uma outra
pesquisa realizada em 1996 com surdos educados numa abordagem oralista, cujos resultados apontaram
uma defasagem cognitiva de cerca de 2 anos em relação aos ouvintes de mesma faixa etária (12 a 14
anos). Para a consecução da pesquisa, foram realizadas seis provas, que identificaram o pensamento
operatório concreto (a prova de inclusão de classe, as provas de conservação: de objetos descontínua, de
líquido, de peso, de volume, de área), e duas provas para o pensamento formal (flutuação de corpos e
quantificação de probabilidades), junto a um grupo de 11 adolescentes surdos, com idade entre 12 e 14
anos e que há pelo menos sete anos eram educados numa abordagem bilíngue. Os resultados mostraram
que os surdos da pesquisa atual possuem um vocabulário melhor em relação aos sujeitos da pesquisa
anterior e também um conhecimento escolar (grau de escolaridade) superior, porém esses avanços não se
traduziram num desenvolvimento cognitivo maior. Isso nos levou a investigar como se processam as
trocas simbólicas destes adolescentes, com a intenção de fornecer indicativos para uma atuação
pedagógica mais eficaz.
Abstract
Based on Piaget's theory, this work aimed to investigate the cognitive development of deaf teenagers
educated in a bilingual approach and to compare the results with 1996 research where they were educated
in an oral approach, which showed a cognitive devaluation about two years compared to sound students
with the same age (12 to 14 years). For this research were made six tests that identify the concrete
concerning (the inclusion class test, the conservation tests: discontinue objects, liquid, weigh, volume,
area) and two tests for formal concerning ( bodies flotation and probabilities quantification) with a group
of 11 deaf teenagers, aged among 12 and 14 years old and that for up seven years were educated in a
bilingual approach. The results showed that deaf of the present research have a better vocabulary than
ones of last research and also a higher academic understanding (school degree), in spite of no translation
in a bigger cognitive advance. This fact, take us to investigate how is the process of symbolic changes of
this students, with the intention to provide indicatives for a pedagogical performance more efficient.
As pesquisas que são aqui relatadas aconteceram em contextos educacionais diferentes, em função
da abordagem adotada. As pesquisas 1 e 2 foram realizadas com crianças educadas segundo a abordagem
oralista e na pesquisa 3, a educação seguia o modelo bilíngue.
A abordagem bilíngue parte do fato de que os surdos, mesmo sem ouvir, podem desenvolver uma
língua que lhes possibilite uma comunicação eficiente. Apoiada na visão e utilizando as mãos, essa
língua, a Língua de Sinais, é, para os adeptos do Bilinguismo, a primeira língua dos surdos, pois estes a
aprendem com naturalidade e rapidez. Assim, de acordo com essa abordagem, o surdo deve adquirir
primeiramente, como língua materna, a língua de sinais e a língua oficial do país, preponderantemente na
sua forma escrita, deve ser ensinada como segunda língua. O Bilinguismo percebe a surdez como
diferença linguística, e não como deficiência a ser normalizada através da reabilitação como no caso do
oralismo.
Como os contextos educacionais eram diferentes, a pesquisa 3, teve como objetivo principal,
investigar o desenvolvimento cognitivo dos adolescentes surdos educados segundo a abordagem bilíngue,
cotejando-os com os resultados encontrados na pesquisa 2, realizada com surdos educados segundo a
A fundamentação teórica das três pesquisas realizadas foi a Psicologia Genética de Jean Piaget.
A educação de surdos
No Brasil, mais especificamente no Paraná, nas décadas de 1950 e 1960, os surdos eram vistos
como “doentes” e, praticamente, inexistiam pesquisas científicas desenvolvidas na área educacional. A
forma de atendimento estava voltada à filantropia e ao assistencialismo; os surdos não eram vistos como
cidadãos produtivos ou úteis à sociedade e não havia a preocupação com a formação acadêmica ou
profissional deles (STROBEL, 2000).
Nas décadas de 1970 e 1980, a surdez é vista como “deficiência”. O surdo neste contexto
histórico é conhecido como deficiente auditivo. A educação de surdos se caracterizou, nesse período, pelo
predomínio de modelos clínicos, nos quais, em detrimento dos objetivos educacionais, imperavam os
objetivos de reabilitação – o aluno como paciente e o professor como terapeuta. Com a predominância
dos métodos oralistas, os surdos eram vistos como deficientes e proibidos de utilizar sinais para se
comunicar. Na escola, eram poupados dos conteúdos escolares mais complexos e, quando matriculados
no ensino regular, eram empurrados de uma série para outra. Da década de 1990 até hoje, a surdez é vista
muito mais como “diferença” do que como “deficiência”. E como autodenominação dada pelos próprios
surdos a expressão utilizada neste contexto é surdo (STROBEL, 2000).
O estágio em que nos encontramos hoje é consequência de muita luta dos surdos, seus familiares,
professores e profissionais da área, que resultaram em conquistas fundamentais, tais como: o
reconhecimento da diferença linguística do surdo; a oficialização da Libras, a potencialização do
pedagógico em detrimento do clínico na educação; a possibilidade da educação bilíngue numa dimensão
política; o apoio ao fortalecimento e qualificação da comunidade surda; a formação e capacitação do
professor e instrutor surdo; a formação de intérpretes de Libras e Língua Portuguesa e, particularmente,
um crescente número de pesquisas na área da surdez .
O referencial teórico
A fundamentação teórica das pesquisas realizadas foi a Psicologia Genética de Jean Piaget, pois:
Além disso, para a teoria piagetiana o pensamento é produto da ação interiorizada e a sua origem
não é diretamente atribuível à aquisição da linguagem, embora ela seja fundamental para o seu
desenvolvimento qualitativo posterior.
Assim, por esta teoria demonstrar que a linguagem é necessária, porém não suficiente para o
desenvolvimento cognitivo, entendemos ser o referencial teórico mais adequado para uma pesquisa em
que os sujeitos investigados são surdos.
[...] embora se observe um certo atraso, mais ou menos sistemático, da lógica do surdo,
não se pode falar da carência propriamente dita, pois se encontram os mesmos estágios de
evolução com um atraso de 1 a 2 anos (PIAGET, 1985, p. 77).
No Brasil, a partir da década de 1980, podemos destacar alguns trabalhos desenvolvidos com
surdos e a teoria piagetiana, como as pesquisas de Zamorano (1981 e 1988); Poker (1995) e Machado
(2000), que foram parte fundamental de nossos estudos e fundamentação teórica, além das pesquisas que
originaram a presente, que denominamos de pesquisa 1 e pesquisa 2.
A pesquisa 1 e a pesquisa 2
O objetivo geral da pesquisa 1 foi analisar se a surdez constituía um fator que comprometesse
significativamente o desenvolvimento lógico-operatório infantil. Para isso, foi investigado, mediante a
aplicação das provas piagetianas de correspondência, termo a termo, seriação e classificação, o
desenvolvimento das estruturas lógicas elementares em 12 crianças com idade entre quatro e seis anos. Os
resultados encontrados apontaram para a inexistência de defasagens significativas das crianças surdas em
relação às crianças ouvintes, considerando-se os estádios de desenvolvimento descritos pela Psicologia
Genética.
Na pesquisa 2 (realizada sete anos após a pesquisa 1) o objetivo principal foi investigar como se
processam as estruturas lógico-matemáticas em surdos, com idades entre 12 e 14 anos, e as pesquisadoras
A pesquisa 3
Passados quase dez anos da realização da pesquisa 2, a educação de surdos no Brasil e mais
especificamente Paraná, vivia nova realidade em 2004, tanto no que se refere à concepção que se tem do
indivíduo quanto ao seu contexto escolar, em consequência do reconhecimento da libras como primeira
língua dos surdos. Desta forma, existiam, na época em que a presente pesquisa foi realizada, sujeitos que,
há pelo menos sete anos, eram educados numa abordagem bilíngue, o que possibilitou verificar a questão
levantada na pesquisa 2. Dito de outra forma, o objetivo principal da pesquisa 3 foi investigar o
desenvolvimento cognitivo do adolescente surdo-bilíngue (educado segundo a abordagem bilíngue),
considerando como referência os dados obtidos pela pesquisa 2, com adolescentes surdos-oralistas
(educados segundo o oralismo).
Procedimentos metodológicos
A avaliação cognitiva foi realizada em dois níveis: as condições dos adolescentes no que se refere
às provas que envolvem estruturas operatórias concretas (provas de conservação: de quantidades
contínuas (líquido e massa); de quantidade descontínua, de volume, de peso, de superfície (área) e de
inclusão de classes; e as condições dos adolescentes no que se refere às provas que envolvem o raciocínio
operatório-formal (flutuação de corpos e probabilidade).
Orientamo-nos pelo método clínico piagetiano, método de observação, que consiste em propor
uma atividade ao sujeito e discutir com ele suas soluções, sem que o sujeito interprete a ação do
Os protocolos utilizados foram elaborados após estudos teóricos e foram realizadas diversas
correções de percurso em consequência da aplicação “piloto” com adolescentes ouvintes e adultos surdos.
Esclarecemos que, pela própria natureza do método clínico, os protocolos não foram rígidos; houve
alterações sempre que o sujeito indicou caminhos não previstos inicialmente. Há, contudo, o
direcionamento contínuo do desenvolvimento das entrevistas, de maneira a ser possível investigar o que
se pretende.
Para a transcrição das fitas, consideramos todas as manifestações da linguagem dos adolescentes
surdos – (Língua Portuguesa, Língua de Sinais, explicações e descrições de ações não linguísticas). O
Sistema de Transcrição adotado para a Libras, na pesquisa, está baseado no desenvolvido por Felipe
(apud Fernandes, 1998): convenções utilizadas para poder representar, linearmente, uma língua espacial-
visual, que é tridimensional.
O meio de comunicação utilizado para a aplicação das provas foi a libras, porém acrescentado de
mímica usual, de português sinalizado, de escrita, sempre que se sentiu que a comunicação não tinha sido
No que se refere aos sujeitos, na pesquisa 2, participaram 5 (cinco) adolescentes surdos, com idade
entre 12 a 16 anos, que cursavam a 4º ano do ensino fundamental, e 9 (nove) ouvintes também cursando o
4º ano, com idade entre 10 e 12 anos. Na pesquisa 3, foram 11 adolescentes surdos, com idade entre 12 e
14 anos, que cursam do 5º ao 8º ano do ensino fundamental. Os ouvintes foram considerados na pesquisa
2 porque o que se buscava era compreender o desenvolvimento cognitivo dos adolescentes surdos, tendo
como parâmetro o desempenho de crianças ouvintes com a mesma escolaridade.
Na pesquisa 3 não foram considerados sujeitos ouvintes, pois o parâmetro adotado para
comparação foi o “desempenho” de sujeitos surdos educados segundo a abordagem oralista.
No que se refere à surdez propriamente dita, os sujeitos das duas pesquisas possuem surdez
neurossensorial, bilateral, entre severa a profunda.
1. Ter idade entre 12 e 14 anos (mesma idade dos sujeitos da pesquisa anterior), pois, de acordo com
a teoria de Piaget, espera-se que estes adolescentes estejam no estágio das operações formais.
2. Ter proficiência em Libras.
3. Ter sido educado numa proposta de abordagem bilíngüe por pelo menos sete anos.
4. Não apresentar comprometimento mental.
Como, em função da melhoria dos serviços educacionais oferecidos, os sujeitos surdos de mesma
idade dos que participaram da pesquisa 2 encontravam-se mais adiantados em seu percurso escolar,
ficamos com duas opções: manter o mesmo nível de escolarização e considerar sujeitos mais novos ou
respeitar o critério da idade, em detrimento do quesito escolaridade. Optamos pela última possibilidade,
uma vez que, embora o meio e as informações recebidas influenciam o desenvolvimento cognitivo,
procuramos respeitar os estágios descritos pela Psicologia Genética.
Outro fator determinante para a opção pelos adolescentes com idade entre 12 e 14 anos foi o
tempo de educação segundo a abordagem bilíngue, de no mínimo sete anos. A fixação deste período pode
ser usada para eventuais contestações dos resultados desta pesquisa, no sentido de que sete anos podem
não ser suficientes para considerar que um sujeito seja “educado segundo a abordagem bilíngue”.
Todavia, como o foco aqui é o desenvolvimento cognitivo do sujeito surdo, a premissa adotada levou em
• Que os resultados da pesquisa 1 não indicaram defasagens significativas entre crianças ouvintes e
surdas com idade entre 4 e 6 anos;
• Que os resultados da pesquisa 2, realizada sete anos depois da pesquisa 1, com adolescentes
surdos educados na abordagem oralista, dos quais três haviam participado da pesquisa 1,
apresentaram dois anos de defasagem no desenvolvimento cognitivo quando comparados com
crianças ouvintes.
• A indagação das pesquisadoras, ao final da pesquisa 2, se estes resultados seriam diferentes caso a
educação das crianças, no período de 7 anos transcorridos entre as duas pesquisas, tivesse seguido
uma abordagem bilíngue.
Cotejando os resultados
A prova realizada para investigar as operações lógicas elementares, foi a de inclusão de classes,
observamos que os surdos participantes de ambas as pesquisas (2 e 3) apresentam desempenho
compatível com a faixa etária. Isso indica que os sujeitos compreendem as relações entre um conjunto de
objetos e seus subconjuntos e entre os vários subconjuntos, referindo-se ao estágio III.
O cotejamento dos resultados das pesquisas 2 e 3 no que se refere às provas piagetianas aplicadas
não nos permitem afirmar que a educação de surdos segundo a abordagem bilíngue tenha proporcionado
um avanço significativo no desenvolvimento cognitivo dos surdos examinados.
Os relatos das entrevistas com os pais nos apontam que o adolescente surdo teve ganhos
emocionalmente e no desempenho escolar a partir do reconhecimento e da adoção da Libras. Quanto à
questão da Libras, mas que, conforme os resultados das provas piagetianas, não se refletiu no
desenvolvimento cognitivo.
Considerações finais
63
Foram considerados os dados referentes a quatro sujeitos surdos oralistas pois os referentes a um deles não puderem ser
analisados devido à precariedade da comunicação.
Se não podemos afirmar que a Libras, por si só, proporcionou ganhos qualitativos no
desenvolvimento cognitivo do indivíduo surdo, isso nos remete ao pressuposto piagetiano de que o
pensamento é produto da ação interiorizada e que sua origem não é diretamente atribuível à aquisição da
linguagem, embora ela seja fundamental para o seu desenvolvimento qualitativo superior. Ficou evidente
em nosso estudo que, embora os surdos tenham a possibilidade de uma efetiva comunicação em libras, as
pessoas fluentes em libras que os cercam, ainda constituem um grupo restrito, que não favorece as trocas
simbólicas necessárias ao desenvolvimento cognitivo.
Conhecendo de perto a realidade histórica em que se encontra a educação dos surdos sujeitos da
nossa investigação podemos considerar que, embora a escola em questão tenha investido muito e os
professores que trabalham com a educação de surdos reconheçam a importância da Libras e procurem
utilizá-la dentro e fora da sala de aula, mostrando a intenção de cumprimento dos preceitos do
Bilinguismo, isto não se concretizou inteiramente na prática. Uma causa possível talvez seja o pouco
tempo de implantação da proposta, de tal modo que esta ainda não se revestiu numa “segunda pele” dos
docentes. Por outro lado, os professores se encontram em diferentes níveis de aquisição da Libras, quer
seja pelo tempo de trabalho na escola, pela aptidão de aprendizagem de uma segunda língua, ou mesmo
pelo interesse nessa língua.
As interações dos surdos com seus professores foram objeto de investigações de outros
pesquisadores, e a bibliografia da área indica que, de maneira geral, os professores que trabalham com
crianças surdas têm o hábito de controlar os diálogos com as mesmas, dificultando as suas expressões
espontâneas e iniciativas próprias.
Em vista do exposto, podemos ver que as trocas simbólicas ocorridas na escola estão aquém do
necessário ao desenvolvimento cognitivo, o que é confirmado por Poker (1995).
Entretanto, parece que da forma com vem sendo praticado, o método combinado não está
promovendo situações que favoreçam o desenvolvimento pleno dos sujeitos a ele
submetidos, proporcionando a eles reais condições de troca simbólica. É claro que esta
troca acontece, de uma maneira ou outra e, neste caso específico, é facilitada pelo uso dos
gestos, mas isso não acontece por conta de uma intenção explícita do professor (POKER,
1995, p. 239).
Poker (1995) e Nogueira e Machado (2007), também chamam a atenção para o fato de que a
aquisição de uma língua, no caso a Libras, não é suficiente para o desenvolvimento cognitivo dos surdos e
atribuem à escola maior responsabilidade.
Para tanto, faz-se necessário oferecer aos surdos condições adequadas para que possam se
desenvolver cognitivamente, independentemente do tipo de linguagem empregada neste
processo. É preciso entender, principalmente, que não é somente pela superação do déficit
linguístico que eliminar-se-ia o déficit cognitivo (POKER, 1995, p. 240).
Para investigarmos como acontecem as trocas simbólicas fora do ambiente escolar, entrevistamos
os pais e a partir das suas respostas concluímos que as interações extra-escola são restritas, mesmo os
surdos sendo considerados bilíngues e com todo o avanço tecnológico (celular, internet).
Com as trocas simbólicas nos ambientes escolar e familiar restritas, resta aos indivíduos surdos
uma comunicação mais efetiva com seus pares, colegas da escola, e com os adultos surdos, estes últimos
frutos de uma educação oralista radical, com vocabulário em Libras bastante inferior aos dos jovens
surdos. A interação entre seus pares não favorece a evolução do pensamento, em consequência da
Essa situação não é, evidentemente, natural e imutável. Ao contrário. Foi por acreditarmos numa
educação que favoreça o desenvolvimento cognitivo dos surdos (e ouvintes) que enveredamos pelos
caminhos desta pesquisa. E, dos estudos realizados e dos resultados encontrados, podem emergir
indicativos de muitas ações que contribuam efetivamente para a evolução do pensamento do indivíduo
surdo.
Não descartando o compromisso dos pais, temos que considerar que mais de 90% dos surdos são
filhos de pais ouvintes (Goldfeld, 1997); assim, amplia-se, consideravelmente a responsabilidade do
ambiente escolar.
Cabe à escola pensar numa educação de surdos, numa perspectiva mais ampla e que leve em
consideração que o conhecimento é construído pelo aluno a partir de suas ações e interações no e com o
meio ambiente, sempre mediado pelo professor; que seja dada a importância ao processo de
desenvolvimento cognitivo e o grau evolutivo de cada criança e adolescente sob seus cuidados; que a
origem da lógica se encontra na ação e não na linguagem; que a função semiótica é composta por
diferentes formas de representação como a imitação diferida, o desenho, a linguagem, o jogo simbólico e
as imagens mentais − e todas elas devem ser privilegiadas;que o raciocínio do surdo não se fundamenta
apenas no visual, apesar deste sentido ser extremamente desenvolvido;que a Libras desempenha papel
fundamental para que o surdo ultrapasse o período das operações concretas rumo ao lógico-formal,
dando-se isso pelas trocas simbólicas possibilitadas; que a família não deve ter sua responsabilidade e sua
participação diminuída pelo fato de a Libras ter proporcionado uma comunicação mais efetiva entre a
escola e os alunos.
Por fim, a escola de surdos, mais do que uma escola de ensino comum que adota uma língua
diferente, continua necessitando de cuidados especiais para que seus educandos, apesar da diferença
linguística, conquistem o pleno desenvolvimento de seu pensamento. Como alertam Nogueira e Machado
(2007), a escola não pode se limitar a traduzir para a Libras, metodologias, estratégias e procedimentos da
escola comum, mas deve continuar a organizar atividades que proporcionem o salto qualitativo no
pensamento dos surdos.”O que não se pode deixar de considerar é que o surdo não ficará livre das
restrições impostas pela surdez apenas com a aceitação da sua peculiaridade linguística e cultural”.
(NOGUEIRA e MACHADO, 2007, p.589).
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pensamento da criança surda. Dissertação (Mestrado em Psicologia). Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo, 1981.
Resumo
As the proposal of Inclusive Education points, the school should adapt to the special educational needs of
students and, in the case of deaf students, it should provide resources and strategies which use essentially
the visual means. This is justified because the deafness affects the language development of the subject.
In other hand, the cognition of the deaf person is kept, having him/her full conditions to develop his/her
thinking as the listeners, if they are offered different symbolic instruments of oral language as the
LIBRAS (Brazilian Sign Language), natural language of deaf people. According to the principles of
inclusive education and basing on Piaget’s theory, the study focused on the analysis of teacher's
pedagogical action, considering its importance as a prime element, supporter of the cognitive
development. The study was based on the Case Study of an 8 years old deaf student - with deep hearing
loss, bilateral, congenital - inserted in an ordinary classroom in the second year of an Elementary School
of São Paulo State network. The method of data collection used was the random observation in the
classroom (20 hours), distributed along four months. The records were made in a descriptive way pointing
out the situations of interaction between teacher and deaf student. Preliminary results showed the
environment in the classroom hasn’t enabled possible symbolic exchanges between the student and
teacher. In general the teacher used the oral language in regard to the student, she did not adapted the
material, turn herself back during the explanations, therefore, her actions neither allowed the student to
access the content presented nor allowed to understand the proposed activities. It does not seem to exist in
the classroom, indeed, the concern by the teacher regarding to the use of teaching differentiated strategies
or tools to ensure the participation of the student in the proposed activities.
Pretendendo explicar como se forma o conhecimento humano, Piaget refere-se em sua teoria ao
que acontece com o sujeito epistêmico, tratando do sujeito ideal que constrói o seu conhecimento
interagindo de forma contínua e progressiva com o meio. Segundo Piaget:
A passagem da lógica da ação presente no período sensório –motor para a lógica conceitual, reside
na transformação da assimilação que se amplia, possibilitando ao sujeito a assimilação entre objetos, e
com isso a extensão dos conceitos. Neste estágio, a criança adquire conforme Piaget, a função simbólica,
isto é, a capacidade de distinguir o significante do significado.
Para tal processo ocorrer, porém, é fundamental que exista condição para o sujeito evocar,
representar por meio de um instrumento simbólico aquilo que não está presente. Neste sentido, a
linguagem é importante pois constitui-se em instrumento simbólico privilegiado para representar as ações,
Desse modo, percebe-se o quanto é importante que, nos processos de ensino formal, como o que é
proposto pela escola, o aluno possa efetivamente comunicar-se, interagir com o professor e com os
colegas, expressar suas ações ao nível representativo, conhecer o ponto de vista do outro e manifestar seu
ponto de vista, reconstituir experiências vividas e fatos observados. São tais atividades que lhe permite
superar o nível da inteligência prática, levando-o a desenvolver a inteligência operatória.
No caso específico do sujeito com surdez, verifica-se que a falta de domínio do instrumento
simbólico majoritariamente utilizado pela sociedade, ou seja, a linguagem oral, limita sensivelmente sua
interação com o meio. Como não consegue compreender a fala do outro e não consegue expressar-se com
uma língua que o outro compreende, fica impedido de estabelecer trocas simbólicas, não exercitando
devidamente sua capacidade representativa.
A surdez pode, se não forem oferecidas ao sujeito condições de troca simbólica, comprometer o
seu desenvolvimento cognitivo. Por isso mesmo, é imprescindível que o professor que atua com o aluno
com surdez assegure a participação efetiva da criança nas atividades propostas na sala de aula. Para tanto,
o professor deveria utilizar uma pedagogia visual, ou seja, usar recursos visuais, figuras, desenhos,
gráficos, legendas, mapas, etc, além de falar olhando para o aluno, usar expressão corporal, usar gestos
e/ou Língua de Sinais, ou mesmo ter um intérprete de Língua de Sinais na sala de aula.
Isso porque a educação inclusiva pressupõe que os sistemas educacionais organizem-se para
atender às necessidades educacionais especiais de todos os alunos. Significa oferecer aos alunos com
deficiência condições adequadas para a sua aprendizagem, considerando-se as suas especificidades, de
forma a garantir uma educação de qualidade, ou seja, uma educação capaz de desenvolver plenamente as
suas competências.
No caso do aluno com surdez, sua necessidade educacional especial para ter acesso ao currículo
relaciona-se com o uso de instrumentos simbólicos diferenciados, que se apóiem em elementos visuais.
Sem isso, o aluno com surdez não tem como participar das aulas, não tem como interagir com o meio,
enfim, não tem como se desenvolver. Por isso mesmo é que os alunos com surdez inseridos nas classes
comuns de ensino, não estão conseguindo acompanhar o currículo previsto para a série em que se
encontram. Em geral, terminam o ensino fundamental sem terem domínio da escrita bem como não
conseguem compreender e interpretar textos mais complexos.
Segundo Poker (2001) a partir da teoria piagetiana, é possível explicar esse fracasso dos surdos na
escola. Aponta que o desenvolvimento cognitivo do surdo é compatível com o do ouvinte mas, se o aluno
surdo não tem acesso aos recursos adequados que permitem a interação, fica em situação de desvantagem.
A surdez prejudica a comunicação, a interação do sujeito com o meio, especificamente no âmbito da
atividade representativa. Sem uma língua em comum com o grupo-classe o surdo não consegue
comunicar-se com os colegas e nem com o professor e, o professor também não consegue se fazer
entender pelo aluno surdo. Como resultado, o surdo não sendo solicitado pelo meio apresentará
comprometimento em seu processo de escolarização e, consequentemente, em seu desenvolvimento
cognitivo.
Remetendo-se a análise dentro da perspectiva da educação inclusiva, onde todos têm direito de
frequentar e aprender nas salas de aula de ensino comum, questiona-se como um aluno com surdez,
poderia ter acesso ao conhecimento. Isto num ambiente escolar ouvinte, falante, em que a língua
majoritariamente utilizada é a língua oral.
Diante desse quadro, surgem as seguintes dúvidas: A prática pedagógica utilizada pelos
professores é, de fato, inclusiva? Propicia condições de aprendizagem para os alunos com surdez? O
professor considera as especificidades desse alunado para ter acesso ao conhecimento?
O atual movimento da educação inclusiva resulta de um processo histórico que se iniciou com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada em 1948. A Declaração já apontava que “todos
os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. A partir daí, muitos outros
documentos internacionais foram promulgados no sentido de se garantir a educação como meio de
desenvolvimento da igualdade de direitos para todos, indistintamente: a Declaração de Joitiem (1990); a
Declaração de Salamanca (1994), a Declaração da Guatemala (1999), entre outros.
Acatando este movimento internacional, no Brasil, foram formuladas leis que garantem à todos os
cidadãos o direito de acesso ao conhecimento, o direito à educação. Por conta disso, foram propostos
diferentes meios para efetivação deste direito também para os alunos com necessidades educacionais
especiais, especificamente para os alunos com deficiência, que até então não tinham o direito de
frequentar as salas de aula comum.
O Ministério da Educação elaborou então materiais que apontam para a adequação dos sistemas
educacionais, das escolas e das salas de aula para atender as especificidades do alunado com deficiência.
Neste sentido, vem orientando os gestores para tornar o espaço físico da escola acessível a todos e, os
professores, para o uso de metodologias, instrumentos e recursos adaptados ás especificidades do
alunado. Para o aluno com surdez, sugere-se dentre outras coisas, que o professor fale olhando para o
aluno, que se apoie em materiais e recursos visuais, que a sala de aula tenha a presença do Intérprete de
Libras e que o ensino da Libras seja proposto na escola, para os ouvintes, por meio de um instrutor surdo.
Diante desse movimento de escola inclusiva e considerando a especificidade do aluno com surdez
sob a perspectiva piagetiana, o estudo pretendeu avaliar como o professor da classe comum interage com
o seu aluno surdo, identificando se a ação pedagógica utilizada oferece condições que garantam a sua
participação nas atividades propostas. É muito importante compreender como o professor interage com o
aluno com surdez pois, conforme já foi discutido, são as trocas simbólicas que propiciam o
desenvolvimento cognitivo do sujeito.
Para a realização da pesquisa foi feito um estudo de caso etnográfico com base em observações
Acredita-se na importância do estudo de caso, pois segundo André (1986) um caso não está
isolado, ele está em meio a um contexto, onde os problemas, as ações, comportamentos relacionam-se e
se tornam parte do sujeito.
O estudo de caso apesar de avaliar uma situação específica, tem um papel generalizador. Para
André (1986), o pesquisador tendo um conhecimento básico da área pesquisada, tem a possibilidade de
generalizá-lo e compreendê-lo relacionando os dados coletados com outros casos similares.
Optou-se pela pesquisadora atuar na sala de aula como “participante” por que segundo Junker
(1971), é importante que a presença de um estranho não influencie a investigação, mostrando a situação
real tal como é.
Houve muito cuidado com relação à coleta, pois como diz André (1986) dos dados em nossa volta,
selecionamos aqueles que condizem com nossa bagagem cultural, o que poderia ser prejudicial, pois a
atenção poderia ser voltada para a história pessoal da pesquisadora, suas expectativas, se atendo a
determinados aspectos e desviando-se de outros.
Baseado no roteiro proposto por André (1986) os conteúdos das observações trataram sobre os
seguintes aspectos:
Descrições de locais.
Ainda segundo André (1986), na pesquisa foi enfatizada às reflexões das observações,
ponderadas por:
Reflexão analítica (temas que emergem associações, relações entre as partes, novas idéias).
No estudo de caso, pretendeu-se observar as situações de interação propostas pela professora com
a aluna surda, obtendo-se dados a respeito da participação do aluno com surdez e, se as estratégias e
recursos pedagógicos utilizados pelo professor possibilitam o desenvolvimento cognitivo do aluno.
A análise preliminar dos resultados aponta que a interação entre a professora e o aluna surda era
muito precária devido à inexistência de uma língua comum entre elas. Nem o professor sabia utilizar a
língua de sinais com a aluna surda e nem a aluna conseguia oralizar para se comunicar com o professor.
Em síntese, constatou-se que só foi possível uma comunicação muito rudimentar. Nos muitos momentos
observados, não havia preocupação, por parte da professora, de qualquer tipo de adequação na forma de
explicar as atividades ou desenvolver os conteúdos. Nas observações realizadas, a professora não usou
metodologia diferenciada, nem material ou recurso visual para apoiar a explanação dos conteúdos. Não
tinha intérprete de Libras na sala de aula e nem instrutor surdo na escola. Além disso, a professora por
muitas vezes se virava de costas ao explicar como deveria ser feita a atividade. Em função dessa atitude
Nas observações também foi constatado que nas poucas ocasiões em que a professora tentava se
comunicar com a aluna com surdez fez uso de alguns gestos espontâneos, sem muito sucesso, porque a
aluna só compreendia parcialmente o que estava sendo comunicado. Em alguns momentos a professora
recorria a amiga da aluna surda, que atuava na sala como “intérprete”, para se comunicar com ela. Tal
amiga conhecia apenas alguns sinais da Libras que permitiam uma forma de comunicação muito limitada.
Na sala, essa criança era a única pessoa que tinha paciência e tentava interagir com a aluna surda.
Por meio dos dados preliminares até então analisados constatou-se que o professor da sala de aula
comum não está preparado para atuar com o aluno com surdez. Não sabe como se comunicar com o
aluno, não utiliza recursos visuais para favorecer a compreensão do aluno, não conhece a Língua
Brasileira de Sinais, enfim não propõe condições que garantam a efetiva participação do aluno surdo nas
atividades. Além disso, não há intérprete de Libras na sala de aula e nem instrutor surdo.
Consequentemente, o desenvolvimento cognitivo do sujeito com surdez fica prejudicado.
Conclui-se assim que os princípios da Educação Inclusiva não estão sendo contemplados na
prática. A igualdade de oportunidades para o aluno aprender, para ter acesso aos conteúdos curriculares,
para comunicar-se e interagir no meio em que está inserido não está sendo respeitada em determinados
casos. Em relação ao aluno com surdez é fundamental que a escola e os professores considerem a
importância do conhecimento e uso de um instrumento simbólico comum, capaz de garantir o exercício
da atividade representativa, de se garantir a interação entre professor e aluno, seja ele oral ou gestual.
Os alunos com surdez precisam ser reconhecidos pela escola e pelos professores como seres
pensantes, capazes de aprender. Para tanto, os conteúdos curriculares devem ser tratados dentro de um
Referências
______. Decreto n°3.956, de 08/10/2001. Convenção interamericana para eliminação de todas as formas
de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência.
______. Lei nº 9394/96, de 20/12/1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. (LDB).
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PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987
Este artigo sintetiza projeto de dissertação de mestrado que tem como tema o problema de como se
organizam os patamares de construção do conhecimento na aprendizagem de segunda língua (L2) em
ambiente escolar. A teoria escolhida para apoiar esses estudos é a epistemologia genética.
Para quem aprende uma segunda língua, a construção de novos esquemas cognitivos, assim como as
transformações que se produzem em estruturas linguísticas herdadas da língua materna, colocam
dificuldades centradas, em primeiro lugar, na constituição do léxico. O desafio pedagógico está no
problema da passagem de um léxico ainda "atomizado", para um segundo momento em que se produzem
inter-relações entre elementos lexicais formadores da frase e para um terceiro momento, nos patamares
mais avançados da aprendizagem, para a composição dessas unidades mais amplas no discurso
comunicativo (cf. PIAGET; GARCIA, 1982).
Em relação ao problema da construção da segunda língua como objeto de conhecimento, é possível situar
o desenvolvimento cognitivo implicado na formação do léxico de modo similar aos desdobramentos
propostos por Piaget e seus colaboradores: é possível falar, então, da passagem do intra-lexical ao inter-
lexical e daí ao trans-lexical. A partir desses pressupostos, pode-se esboçar a seguinte relação operativa:
intra-lexical → vocábulo; inter-lexical → frase; trans-lexical → discurso. Por sua vez, o discurso rebate-
se novamente sobre o vocabulário, enriquecendo-o, transformando-o e reorganizando-o, por
reflexionamento, em um novo patamar de abstração (refletida).
Abstract
This paper summarizes a Master’s thesis proposal that focuses on the construction of knowledge in levels
and how they are organized in the learning of a second language in a classroom context. The theory
chosen for supporting this study is the genetic epistemology.
For those who learn a second language, the construction of new cognitive schemas, and transformations
that occur in linguistic structures inherited from the mother tongue, bring difficulties that, at first, focus
on the constitution of the lexicon. The pedagogical challenge lies on the problem of the passage of a
lexicon still "fragmented", to a second moment when inter-relationships between sentence-forming
lexical elements occur, and to a third moment, in more advanced levels of learning, for the composition of
these broader units in communicative discourse (see PIAGET; GARCIA, 1982).
Regarding the problem of the construction of the second language as object of knowledge, it is possible to
place the cognitive development implied in the formation of the lexicon in a similar way as proposed by
Piaget and his collaborators: Therefore, it is possible to talk about the passage from intra-lexical to inter-
lexical and hence to trans-lexical. From these assumptions, we can draw the following operative
relationship: intra-lexical → vocabulary, inter-lexical → sentence; trans-lexical → discourse. In turn,
discourse goes back to vocabulary, enriching it, converting it and reorganizing it, by thinking in a new
level of (reflected) abstraction.
Este artigo descreve pesquisa realizada como fundamento de dissertação de mestrado (PPGEdu-
UFRGS) em andamento, realizada sob orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Becker. Tem como tema o
problema de como se organizam os patamares de construção do conhecimento na aprendizagem de
segunda língua (L2) em ambiente escolar. Partindo da experiência pedagógica cotidiana, busca a
compreensão da aprendizagem na perspectiva do aluno. Configura-se igualmente como estudo de caso,
capaz de oferecer bases empíricas para a investigação das implicações epistemológicas do problema
estudado, explorando o processo de construção da segunda língua como objeto de conhecimento.
Referencial teórico
Para o professor, surge a questão de como se organiza este conhecimento a partir de patamares
linguísticos já previamente constituídos, implicando não a gênese (no sentido psicogenético) da
linguagem, mas a construção de um novo objeto de conhecimento sobre esses patamares. Trata-se de um
problema de reorganização e transformação de estruturas em patamares de maior complexidade: a
linguagem desdobra-se agora em uma "primeira língua", a língua materna, e em uma "segunda língua",
que com ela interage, mas que precisa ser compreendida como uma construção que se apoia e "encaixa"
na primeira.
Para quem aprende uma segunda língua, a construção de novos esquemas cognitivos, assim como
as transformações que se produzem em estruturas linguísticas herdadas da língua materna, colocam
dificuldades centradas, em primeiro lugar, na constituição do léxico. O sujeito defronta-se com vocábulos
Apesar de Piaget ter presente o tema da linguagem em toda a sua trajetória de pesquisa, muitas
vezes há uma concepção de que, ao longo de sua obra, o autor não tenha abordado centralmente questões
linguísticas. Outra concepção corrente é de que sua teoria possua lacunas em relação à abordagem de
questões linguísticas, necessitando apoio de outras áreas, como a linguística, por exemplo (BANKS-
LEITE, 1997). Talvez essas interpretações reducionistas da epistemologia genética e de sua abordagem
sobre pensamento e linguagem sejam a causa da carência de estudos que tratem especificamente do
problema do desenvolvimento cognitivo no âmbito do ensino da segunda língua. Montoya (2006)
questiona essas concepções e argumenta que, para o atual debate sobre pensamento e linguagem na obra
de Piaget, é necessário situar o trabalho do autor e analisar sua evolução e reconstrução em sua prolífica
trajetória. Montoya faz um histórico do percurso piagetiano de investigação e aponta os aspectos mais
importantes sobre pensamento e linguagem em cada período da teoria de Jean Piaget. As primeiras
pesquisas sobre pensamento e linguagem, no início da década de 1920, estavam centradas no processo de
socialização da linguagem e, consequentemente, do pensamento. Nesse período, sua pesquisa levava a
crer que a passagem do pensamento e linguagem egocêntricos para o pensamento e linguagem lógicos se
dá através das trocas ou interações sociais. Mas, em sua teoria,
Durante as décadas de 1930 e 1940, Piaget se volta para o estudo da gênese da inteligência
[...] para reconhecer uma coisa é preciso ter conservado a imagem dessa coisa (uma
imagem suscetível de evocação e não somente o esquema motor que se readapte a cada
novo contato) e se a recognição resulta de uma associação entre essa imagem e as
sensações atuais, então, naturalmente, a imagem conservada poderá agir no espírito, na
ausência da coisa, e sugerir dessa maneira a ideia de sua conservação. O reconhecimento
prolongar-se-ia, assim, em crença na permanência do próprio objeto (PIAGET, 1975,
p.13).
A aquisição da segunda língua, especialmente do léxico, se constrói dessa mesma forma. Ela
implica a interiorização e a permanência de novos significados. Isto está estreitamente ligado ao
pensamento representativo. Quando um aluno entra em contato com uma nova língua, encontra-se numa
situação completamente nova para ele. Apesar de já ter passado pelo processo de aquisição da sua língua
materna, é necessário que ele construa novos esquemas para a aprendizagem dos símbolos nessa nova
língua.
Vê-se pelo conjunto da obra de Jean Piaget que os mesmos mecanismos e processos cognitivos
que se aplicam à construção de um objeto de conhecimento, concreto ou formal, descrevem a
epistemogênese64 desse objeto, assim como os esquemas psicogenéticos de cada sujeito em particular
podem ser descritos no plano de um sujeito epistêmico genérico. São essas categorias (PIAGET, 1987;
PIAGET; GARCIA, 1982; PIAGET, 1995) que permitem abordar o problema da segunda língua como
objeto de conhecimento, enunciando de maneira particular princípios epistemológicos gerais.
64
DUCRET, J.-J. En collaboration avec G. Cellérier. L'équilibration: concept central de la conception piagétienne de
l'épistémogenèse. Fondation Jean Piaget, Genève, 2007.
http://www.fondationjeanpiaget.ch/fjp/site/textes/index_litt_sec2_alpha.php, 08/03/2009.
Nos seus estudos sobre a abstração reflexionante, Piaget encadeia os estádios do desenvolvimento
cognitivo em um movimento recursivo, porém com superações constantes. A este movimento
corresponde uma equilibração majorante (PIAGET, 1976, p. 59-60): a abstração reflexionante é o
mecanismo que explica a reorganização em um patamar de maior equilíbrio o conhecimento antes
organizado em patamar de menor organização que, pela instauração de conflitos cognitivos surgidos na
interação sujeito-objeto, é levado a desorganizar-se e reorganizar-se, sendo, por reflexionamento,
simultaneamente subsumido e transformado no patamar de maior organização. Assim como Piaget
distingue, no desenvolvimento cognitivo, os estádios pré-operatório, operatório-concreto e operatório-
formal, desde o ponto de vista da equilibração também são reconhecidos três patamares, ou "formas":
Esta configuração triádica do desenvolvimento cognitivo, vai dar lugar a variações em seu
enunciado que, sem alterar o conteúdo da proposição, se aplicam a novos pontos de vista e a novas
possibilidades de adoção da epistemologia genética em diferentes ramos do saber. No que diz respeito,
especificamente, à construção de objetos de conhecimento, surge no final da obra piagetiana a ideia
generalizadora de "momentos" designados pelos prefixos intra-, inter- e trans-, em correspondência com
as "três formas da equilibração" descritas acima. Referindo-se à construção do objeto, Piaget e García,
chamam a atenção de que essa tríade ocorre "em todos os domínios e em todos os níveis": o intra-objetal
("análise dos objetos"), o inter-objetal ("estudo das relações e transformações") e o trans-objetal
("construção das estruturas") (cf. PIAGET; GARCIA, 1982, p. 33).
65
Fonte: Fondation Jean Piaget http://www.fondationjeanpiaget.ch/fjp/site/biographie/index.php - acesso em 15 de março de
2009.
66
In: PIATELLI-PALMARINI, M. (Org.). Teorias da Linguagem Teorias da Aprendizagem. Lisboa: Edições 70, 1987.
A tríade intra-inter-trans aplica-se "a qualquer dado" (PIAGET; GARCIA, 1982, p. 128). Piaget,
assim, vai fazer referência, em vários lugares, aos domínios do intra-operatório, inter-operatório e trans-
operatório, ou do intra-objetal, inter-objetal e trans-objetal, ou intra-figural, intra-figural, inter-figural e
trans-figural, ou ainda do intra-mórfico, inter-mórfico e trans-mórfico, e assim por diante. Voltando ao
problema da construção da segunda língua como objeto de conhecimento, é possível situar o
desenvolvimento cognitivo implicado na formação do léxico de modo similar aos desdobramentos
propostos por Piaget e seus colaboradores: é possível falar, então, da passagem do intra-lexical ao inter-
lexical e daí ao trans-lexical.
67
"Que estos datos consistan en objetos, en figuras, en relaciones, etc., implica en su análisis una equilibración de forma
elemental, entre su asimilación y los esquemas del sujeto, y la acomodación de estos a las propiedades objetivamente
dadas. De aquí surge el carácter intra- de estos comienzos de conocimiento. Pero los nuevos esquemas así construidos no
podrían permanecer aislados: tarde o temprano el proceso asimilador conducirá a ciertas asimilaciones recíprocas, y las
exigéncias de equilibración impondrán a los esquemas o subsistemas así vinculados formas más o menos estables de
coordinaciones y de transformaciones. De aquí surge el carácter inter- de esta segunda etapa. Pero una tercera forma de
equilibrio tendrá lugar necesariamente, a su vez, puesto que la multiplicación de subsistemas amenazará la unidad del todo,
mientras que las diferenciaciones obligadas serán contrarrestadas por las tendencias integradoras. El equilibrio que se
impone entonces entre las diferenciaciones y la integración no podría lograrse sin alcanzar sistemas de interacciones tales
que las diferenciaciones puedan ser engendradas, en lugar de estar sometidas a ellas, única manera de armonizarlas sin
perturbaciones internas y sin que entren en conflictos entre sí. De aqui surgen las estructuras de conjunto, de carácter
formador, que caracterizan el nivel trans-. Va de suyo, sin embargo, que tales triadas (mucho más flexibles en su principio
que las tesis, antítesis y síntesis de la dialéctica clásica, aunque se basen también en el papel de los desequilibrios y de
reequilibraciones con rebasamientos) no son sino fases recortadas de un proceso continuo: las estructuras a las que se ha
llegado en el nivel trans- dan lugar a su vez a análisis intra- que conducen a nuevos inter-, luego a la producción de
superestructuras trans-, y así sucesivamente." (Ibidem, p. 128.)
Objetivos
Metodologia
Para a pesquisa de campo que pretende investigar como o aluno de Ensino Médio falante nativo de
língua portuguesa constrói o léxico em língua inglesa, em concordância com a fundamentação teórica, foi
adotado o método clínico piagetiano. Apesar de inicialmente ser um método aplicado em crianças, vê-se,
pela sua definição, que este pode ser facilmente adaptado para a pesquisa com jovens e adultos, pois,
independente da faixa etária do sujeito, a essência do método clínico piagetiano “consiste em uma
68
Este recorte não implica excluir desse âmbito de aprendizado o desenvolvimento do discurso em seus aspectos trans-
lexicais, mas coloca-o em um plano de realização menos exigente do que o primeiro, ditado pelas próprios limites
pedagógicos que o circunscrevem. Além disso, e ainda mais importante, o desenvolvimento de estudo de caso, amparado
em pesquisa empírica cujo contexto metodológico, coerentemente com a fundamentação teórica adequada, situa-se dentro
das possibilidades de aplicação do método clínico piagetiano: a eficácia do instrumento exige, portanto, uma delimitação
que viabilize o desenvolvimento da pesquisa. Cf. Vinh-Bang, La méthode clinique et la recherche en psychologie de
l'enfant. In: Psychologie et épistémologie génétiques, Paris: Dunod, 1966. p. 67-81.
É importante destacar que nesta pesquisa não serão reproduzidos experimentos feitos
anteriormente por Piaget, e sim será explorado um campo pouco estudado na área da Epistemologia
Genética. Delval (2002) aponta que o método clínico piagetiano é propício e vantajoso de ser utilizado em
situações pouco conhecidas, como primeira aproximação de um campo novo. Nesses casos, é
aconselhável que as hipóteses e objetivos sejam necessariamente muito pouco específicos: “teremos que
realizar uma entrevista muito aberta para que as explicações do sujeito possam emergir sem restrições”
(p. 84).
Desenvolvimento
Nesse estudo, escolhi como sujeitos de pesquisa alunos do 1º ano do ensino médio da rede pública
de ensino, estadual ou municipal. O estudo terá a participação de 25 a 30 sujeitos, de aproximadamente
quatro escolas diferentes. Na fase preliminar, em estudo-piloto já completado, foram entrevistados seis
alunos.
Para investigar essa compreensão por parte dos sujeitos, são usados pares de homônimos
homógrafos que, em seu significado literal, são substantivos e que, quando se transformam em verbos,
mudam completamente de sentido. Cada par de homônimos homógrafos aparece num conjunto de três
sentenças: uma em seu sentido literal e outras com sentido diferente do inicialmente atribuído. Juntamente
com as sentenças, há figuras e palavras para contextualizar as sentenças, incluindo os homônimos
homógrafos. Os conjuntos de sentenças e figuras constam nos anexos deste projeto de dissertação. A
entrevista se dá em duas etapas, numa mesma data.
Cabe, neste momento, ressaltar que, por ser utilizado neste estudo o método clínico piagetiano, as
perguntas acima mencionadas são apenas uma referência para o entrevistador; a entrevista clínica segue o
curso do pensamento do sujeito que está sendo entrevistado, sendo adicionadas perguntas para esclarecer
o que o sujeito está pensando, quando necessário.
Foi realizada aplicação preliminar do instrumento acima descrito, com seis sujeitos, alunos de 1º
ano do ensino médio de uma escola pública estadual da Grande Porto Alegre. Para cada sujeito foi
utilizado um dos conjuntos de sentenças. Fazendo uma análise inicial nas respostas desses sujeitos, nota-
se em cada entrevista diferentes níveis que podem estar relacionados a patamares de desenvolvimento
cognitivo, como vemos nos trechos abaixo:
Vê-se aqui que, ao apresentar a sentença em que o vocábulo possui um sentido diferente do literal
apresentado anteriormente, há um estranhamento por parte do sujeito, mas este ainda não se dá conta de
que o mesmo vocábulo pode ter outro significado no contexto dessa sentença. As respostas demonstram
estar ainda num patamar intra-lexical, pois ainda há ausência de reconstrução dos significados em
contextos não literais. A passagem do intra-lexical para o patamar inter-lexical exigiria do aluno uma
compreensão de uma nova forma de organização do léxico que permite atribuir a um mesmo vocábulo
O mesmo conjunto de sentenças foi apresentado ao Suj. 6, também com 18 anos de idade:
H: E o que tu entendes por essas frases? S6: (sussurra) park the car... Essa eu não entendi, sora.
H: Hum... por quê? S6: Park the car... H: Por que tu não entendeste? S6: Parque, o carro? [...] Não tem
sentido... não tem sentido, parece... H: Não tem sentido? S6: Carro no parque... H: [...] Por que tu achas que
não tem sentido? S6: Porque parque... o car... o carro... ou a carro... o carro. Não tem sentido. H: E qual
seria um sentido interessante para esse park the car? S6: O carro no parque, né?
H: A, o carro no parque. Sim, e esse park poderia ter outro sentido? S6: Sim, de estacionamento, alguma
coisa assim...
Nota-se aqui o mesmo estranhamento do sujeito anterior, porém este último, mesmo que de forma
muito inicial, consegue fazer relações que vão além do sentido literal do vocábulo, ligando park ao
sentido de estacionamento. Este sujeito, ainda que em suas respostas esteja ligado ao patamar intra-
lexical, já está caminhando para um patamar inter-lexical, pois aceita a possibilidade de atribuir diferentes
significados a um mesmo vocábulo. Neste exemplo, o estranhamento dá lugar a um conflito cognitivo,
motivado pela perturbação do aluno, que se dá conta de que o significado convencional anteriormente
atribuído não é mais capaz de explicar o significado da nova sentença.
Diferentemente destes sujeitos, o Suj 3 (15 anos), ao comentar sobre a sentença “Ducks fly”, já
reconhece a possibilidade de um vocábulo assumir sentidos diferentes, dependendo de seu emprego na
sentença, sendo um exemplo de patamar inter-lexical:
H: OK. E no próximo ali, Ducks fly. S3: Patos voam. H: Mas fly não é
mosca? S3: É... H: E agora? S3: É mais ou menos assim, um duplo
sentido da palavra... H: Uhum. S3: Fly também é voo. H: Ah tá.
O interessante nessa amostra do estudo preliminar é que cada sujeito apresentou um nível
diferente de compreensão das sentenças, o que exige que, no desenvolvimento da pesquisa, seja
entrevistado um número maior de sujeitos. Neste estudo preliminar, também se percebe a necessidade de
indagar mais aos sujeitos o que os levou a responder de uma certa forma, e como eles chegaram a uma
determinada atribuição de significados aos vocábulos. Interessaria saber se o sujeito já vivenciou
situações em que se deparou com um problema semelhante ao apresentado na entrevista clínica. Em
relação ao instrumento proposto, em análise posterior, será importante utilizar o mesmo conjunto de
frases (ou pelo menos reduzir a dois conjuntos, unindo mais de um jogo de sentenças), para poder
reconhecer e delimitar melhor as categorias de análise deste estudo.
Referências
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Resumo
Abstract
Review the concept of Geertz in anthropology, focusing the religious symbols to the ethos of a people, the
tone, the character and quality of your life, your style and aesthetic and moral rules. We will do a
sociological analysis using Weberian instrumental (Max Weber) for tools of analysis that ethos Christian,
looking inferred in the political, economic and social, their ethical and moral ramifications in full
modernity. Finally, we will make a more philosophical and religious purposely taking as point of
discussion the fate of man and the world and the reason for our existence, with their meanings, origin and
eschatological perspective.
A Ética é a arte que torna bom aquilo que é feito (operatum) e quem o faz (operantem). É a arte do
Bom. Ciência do Bom. A Ética é uma arte, hábito (ethos), esforço repetido até alcançar a excelência no
agir. O artista torna-se virtuoso após muito exercício (MARCHIONNI, 1999, p. 56).
Há uma grande disparidade no que concerne ao conceito dos termos ética e moral, no campo
acadêmico e social, no mundo contemporâneo. Entendemos que definir conceitos acerca de nosso objeto
de pesquisa na presente disciplina é fundamental nessa breve Introdução. Para garantirmos o espírito
crítico nesse campo de pesquisa, entendemos a anterioridade da ética em relação à moral, conforme o
pensamento de Almeida (2002, p. 11-19):
Alguns motivos por que a distinção é realmente fundamental: Antes da moral, a ética -
Em primeiro lugar, pode-se afirmar a anterioridade da ética em relação à moral, como
propõe o Filósofo Paul Ricoeur. Com isso, a ética fica ligada à esfera do desejo (desejo de
ser e o esforço para existir), reservando à moral o espaço da lei, das normas. O grego tem
duas maneiras de grafar a palavra ethos. O ethos refere-se ao comportamento que resulta
de uma repetição constante dos mesmos atos. O ethos designa, por sua vez, a morada, a
casa do homem; há um sentido de lugar, de estada permanente e habitual, de um abrigo
protetor. A referência física da palavra indica justamente que, a partir do ethos, o espaço
do mundo torna-se habitável para o homem. O que são os hábitos? São aqueles traços
repetitivos de nossas ações ou de nosso modo de estar num certo lugar? Deste modo,
tiremos a conclusão: moral são os hábitos ou costumes que alcançaram unanimidade,
aceitação coletiva, que identificam determinados grupos e suas ações. Dentre os hábitos
produzidos, instituídos há aqueles que serão objeto de um consenso, de uma aceitação
geral – por meio de convencimento, da força, da violência, da tradição. Os hábitos que
venceram passaram a dominar.
Os princípios da ética nos remetem à Filosofia, que tem o seu marco histórico por volta do século
6º a.C. na Grécia. A ética apareceu quando os filósofos começaram a pensar sobre as atitudes dos seres
humanos frente a determinadas situações. No campo filosófico, a ética busca compreender o que é
considerado adequado e moralmente correto. Etimologicamente, a palavra ética vem do grego ethos, e
tem seu correlato no latim moralis ou mores, que representa a conduta ou o que é relativo aos costumes.
• ética cristã;
• ética marxista;
• ética kantiana;
• ética protestante;
• ética profissional (para todas as áreas de trabalho);
• ética da atividade pedagógica, intelectual, política etc.;
• ética pessoal – demonstrando a forma deselegante como alguém procedeu etc. se a indicação do
autor sobre a etimologia grega de ethos estiver correta, no caso de ética pessoal é muito pouco
indicar que se trata de deselegância. Pode ser desonestidade, falso etc.
Originariamente a palavra moral vem do latim mos/mores, que significa costume. E, em geral,
essas três palavras – costume, norma e lei, se entrecruzam. A moral deve ser entendida sob a necessária
interação dialética:
1) seu caráter social, como algo adquirido, como herança preservada pela comunidade;
Exemplo: O fato de comer peixe na semana santa teria efeito moral (e religioso) algum para um
ateu? Esta pessoa até pode cumpri-lo por uma força cultural ou por respeito (PEREIRA, 1991). E para um
cristão, este ato produz efeito moral?
Dessa forma, há uma certa contradição embutida na interação entre o caráter social e o pessoal. As
normas estão aí; se estão aí é para serem cumpridas porque se espera que tenham surgido do consenso.
Todavia, só adquirem sentido se passam pelo crivo da crítica, pessoal e social e, por conseguinte, da
aceitação pessoal e social (PEREIRA, 1991).
O prisioneiro da caverna de Platão, uma vez liberto da escuridão, atingindo com muito esforço,
chega a fixar o sol, a contemplar o bom, que o impulsiona a ações boas, a voltar à caverna para libertar os
outros. Pensamos em ética como um conjunto de regras para o campo coletivo, e esquecemos do valor
pessoal e da ação ética na singularidade de cada indivíduo para desdobramentos maiores na comunidade.
Para Marchionni (1999, p. 33), nos últimos anos, a Ética virou uma Fênix árabe, ave lendária
renascida de suas cinzas: dela todos falam, todos a desejam, mas ninguém sabe onde está e como é. O
pluralismo cultural, o crescimento científico com suas inferências sistemáticas e o estridente
materialismo, regados pelo individualismo e consumismo desenfreados na sociedade contemporânea,
possibilitaram a ausência de referenciais éticos, que historicamente foram referendados pelas religiões e a
metafísica filosófica.
Nessa ausência, trava-se uma busca desenfreada por referenciais, referenciais esses, em sua
maioria, destituídos de base histórica e contextual, mas apenas como tentativas de acerto num naufrágio
fadado à morte da própria ética.
Para o mesmo autor citado anteriormente, os medievais tinham como metodologia indagar acerca
de três bases:
1) an sit = se existe.
2) depois, quis it = o que é;
3) por fim, quomodo sit = como é.
Mediante essas perguntas, as ciências nascem e surgem como forma de elaborar seu objeto de
pesquisa. Isso ocorre também no campo de pesquisa acerca da ética – existe?; o que é? ; como é? .
Até meados do século 20, a humanidade era dirigida por grandes sistemas religiosos e filosóficos,
Na sociedade moderna, com o advento do rádio, televisão, internet e toda sorte de aparato
midiático, sujeitos se levantam como portadores de discursos éticos e morais, conquistando atenção e
carisma de seus ouvintes e expectadores que assimilam seus conceitos e posturas assumidas diante das
narrativas expostas e/ou transmitidas.
Posturas éticas as mais diversas nos são apresentadas, somadas às narrativas éticas de correntes
acadêmicas e religiosas, gerando uma cadeia de discursos que nos inserem em dúvidas, crises e
questionamentos. Vejamos alguns exemplos, conforme nos apresenta Marchionni, em Ética na virada do
milênio.
5) Os positivistas entendem da importância de uma análise empírica dos fatos para conclusões
futuras com sua ordem natural e permanente.
Nessa linha de pensamento, o autor da presente obra entende o quanto essa classificação poderia
prolongar-se, mas, com essas premissas, pode-se estabelecer que mediante uma análise ética sob os
ângulos da psicanálise, do marxismo, da religião, do positivismo etc., é possível enquadrar modelos e
princípios como normais e naturais (legítimos), a partir do qual todo o resto é julgado.
Nesse universo pluralista de ideias e caminhos propostos, ficamos perplexos e nos colocamos na
busca de um norte a ser trilhado mediante análises sensatas pela nossa razão e/ou pelos nossos sentidos.
A ação humana é também sujeita à historicidade, numa história que é individual e coletiva,
progressiva, movimento mutável, imprevistamente revolucionária, espantosamente obediente ao ditador
ou ao líder carismático, instigantemente utópica ou monotonamente conservadora, onde o bom de hoje
pode parecer não ser o bom de amanhã. E ainda: até cem anos atrás o homem adaptava-se à natureza
todo-poderosa. Hoje o homem domina a natureza, transforma-a, criando fatos físicos totalmente novos,
como os embriões, com os quais deve construir uma convivência mediante ações éticas, uma bioética.
Onde buscar inspiração? É aí que reside todo o problema: o homem é livre (MARCHIONNI, 1999, p. 39).
É nessa liberdade que permite sermos cônscios de nosso poder volitivo, que precisamos nos
ocupar dos fundamentos da ética tratados a priori em três questões:
1) O que é bom?
2) É o homem quem decide o bem e o mal?
3) Ou existem fora do homem instâncias que decidem o bem e o mal?
Historicamente, segundo Marchionni (1999), são apontados três fundamentos para o campo da
ética na busca de respostas para as perguntas acima:
Os praticantes de cultos com elementos da natureza, de ontem e de hoje, afirmam que o homem se
torna bom se suas ações são boas, quando se estuda a ordem cósmica e nela se insere sem destoar. A
agricultura ensina que o homem deve harmonizar-se com o curso das estações, das chuvas, da semeadura
e da colheita. Homem e natureza devem viver em sintonia recíproca. Nesta perspectiva cosmológica, a
natureza é a mestra da ética. Ela indica ao homem o que é bom e mau. Segundo a tradição oriental, a
harmonia dinâmica do yin e do yan pervade o universo físico e humano mantendo-o em seu perfeito
estado de equilíbrio. Para os cristãos, Deus contemplou a obra de suas mãos e viu que tudo que criara era
muito bom.
Nessa corrente, a natureza processa-se mecanicamente como uma sucessão causal de engrenagens
mecânicas. Portanto, ela pode permitir encantamento ou desencantamento; nesse pensamento, Max
Weber apresenta o desencantamento do mundo.
Nesse universo, a pessoa procura entrar em contato com a divindade (Deus), onde o ser religioso
se assemelha a ele, revestindo-se dos atributos e das virtudes da divindade. Assim, no Monte Sinai,
quando Moisés entra em contato com Iahweh, a divindade sagrada dos judeus, sente a necessidade de
colocar um véu sobre seu rosto, para guardar seu rosto resplandecente e sua fronte marcada pela glória do
Deus de Israel (Ex 19,1ss). Ao mesmo tempo, na visão religiosa de mundo, Deus é a verdade, e por ser a
Verdade, os sujeitos religiosos que o seguem assimilarão as virtudes divinas.
Este parentesco entre verdade e ética sempre encheu as páginas dos pensadores. Já Aristóteles
afirmava que o Verdadeiro, o Belo e o Bom se interpenetram reciprocamente. Para Platão, o ponto
máximo do homem liberto da caverna é o Conhecimento do Bom, representado metaforicamente pelo sol,
cujo esplendor ilumina todo o resto: Verdade e Bondade, Bom e Conhecimento, se confundem. Há uma
frase evangélica que estabelece uma relação imediata entre Verdade e Liberdade: “A Verdade vos
libertará”, pois a verdade liberta das ideias falsas que produzem ações erradas (MARCHIONNI, 1999, p.
45).
A única divindade para o homem é o próprio homem. Segundo essa linha de pensamento, os
humanistas, os iluministas e os sociólogos tentam buscar instrumental metodológico para explicitar que o
homem é dotado de uma vontade não sujeita às leis físicas da natureza e portador de uma liberdade.
Liberdade essa que para Kant, Lutero e Marx será fundamental para cada processo histórico desse sujeito
em interação do humano com o social. Portanto, nessa relação, ações e posturas éticas são tomadas
mediante relações estabelecidas entre as partes envolvidas.
A religião trouxe grande avanço para o progresso moral da humanidade. Ela foi a grande ponte
para os filósofos indagarem sobre seus atos e levantarem não apenas questões filosóficas, mas também
questões teológicas. Nos dias de hoje, mais do que nunca, o fanatismo tem sido analisado como uma
forma de a religião criar seus abusos no campo ético e moral, apagando muitas vezes da história assuntos
que levaram séculos para serem dirimidos e esclarecidos, tais como, liberdade, amor e fraternidade
universais. A Revolução Francesa foi um exemplo disso.
Com efeito, sabemos que na Idade Média a religião esteve arraigada a fanatismos e intolerâncias.
Entretanto, na modernidade, a religião busca expressar-se como uma busca transcendental subjetiva que é
comum a todos os homens.
O tema das origens e causas das religiões foi analisado por diferentes estudiosos e pensadores:
Strauss, Feuerbach, Marx, Nietzsche, Freud, Weber e Durkhein. Esses pensadores consolidaram questões
importantes para estudos no campo religioso no que diz respeito às abordagens distintas sobre culturas
distintas, em particular de Max Weber. Para essa análise citamos um pensamento de uma pesquisadora da
Unicamp, direcionando de fato o conteúdo de um tema tão importante como esse, para o âmbito cultural e
a antropologia como campo científico.
Para estudar a história dos fenômenos religiosos, portanto, é preciso ficar atento aos usos e
sentidos dos termos que, em determinada situação, geram crenças, ações, instituições, condutas, mitos,
ritos, etc. Além disso, o pensar religioso também pode ser colocado no domínio da História Cultural que
tem, na definição básica do historiador Roger Chartier, o objetivo central de identificar a maneira através
da qual, em diferentes tempos e lugares, uma determinada realidade social é construída, pensada e lida...
Dessa forma, uma abordagem teórica preliminar para o estudo das religiões, do pensamento religioso, das
formas de religiosidade em geral, é aquela que leva em conta a historicidade dos fenômenos religiosos
construídos em variados aspectos e matizados na sua complexidade histórico-cultural.
A definição mais aceita pelos estudiosos, para efeitos de organização e análise, tem sido a
seguinte: religião é um sistema comum de crenças e práticas relativas a seres sobre-humanos dentro de
universos históricos e culturais específicos... Assim sendo, o problema fundamental a ser colocado no
Não existe uma tradição religiosa dominante, nem tão pouco um status religioso de favoritismo de
religiões em uma análise antropológica. Nenhuma tradição religiosa é “total”, nem existe um status de
favoritismo de religiões. É fundamental conhecer nossas trajetórias pessoais e coletivas no campo cultural
religioso para não adentrarmos em questões de preconceito, opções por gênero, privações e verdadeiras
castrações de ações e posturas éticas, assimiladas como positivas por uns e negativas para outros. É
necessário conhecer também nosso chão histórico, o lugar de onde emergimos e estamos com os outros.
A religião é também uma expressão cultural, mas essa expressão não é universal e totalizante. Ela
é fragmentada e pluralista por abarcar processos históricos e condições políticas, econômicas e sociais
distintas para cada momento. Além disso, para cada grupo religioso, oficial e emergente, mediante essas
conjunturas citadas anteriormente, surgem novos padrões comportamentais éticos que são exigidos para
essa fase e para outros não. Alguns permanecem fadados ao fracasso e a institucionalização de suas
paredes com seus dogmas estabelecidos em um código de ética e moral, e outros se consolidam com suas
tendências extremistas e radicais sem abertura para o diálogo.
Nessa análise, a visão de mundo e os ângulos submetidos historicamente para cada cultura será um
mosaico de posturas e padrões comportamentais distintos que precisam aqui ser analisados com critério e
rigor científico para o cientista da religião.
Conclusão
Vivemos hoje uma grave crise de valores. Até certo ponto, fica difícil, para a grande maioria da
humanidade, saber o que é correto e o que não é. Eric Hobsbawn, em Era dos Extremos, constatou que
houve mais mudanças na humanidade nos últimos cinquenta anos do que desde a Idade da Pedra (BOFF,
2003, p. 27).
A ética é parte da filosofia, considera concepções de fundo acerca a vida, do universo, o ser
humano e de seu destino. Uma pessoa é ética quando se orienta por princípios e convicções. Dizemos,
então que tem caráter e boa índole. A moral é parte da vida concreta. Trata da prática real das pessoas que
se expressam por costumes, hábitos e valores culturalmente estabelecidos (BOFF, 2003, p. 37).
Uma pessoa é moral quando age em conformidade com os costumes e valores consagrados. Estes
Referências
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NOVAES, Adauto.(Org.). Ética. São Paulo: Companhia das Letras, Secretaria Municipal de Cultura,
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WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Edição de Antonio Flávio Pierucci. São
Paulo: Companhia das Letras, 2004.
Resumo
O uso de substâncias psicoativas ilícitas ou lícitas, entre os jovens, é um assunto que vem sendo muito
discutido pela sociedade. Uma droga bastante comum em nossa sociedade é a maconha (cannabis sativa)
e o consumo desta substância, assim como o de outras drogas, pode ter consequências legais, sociais e
físicas. O entendimento desta conduta passa pelo conhecimento de dois pontos. O primeiro ponto diz
respeito à autonomia moral; descrevemos o conceito de autonomia para a Filosofia e para a Psicologia. O
segundo ponto se concentra na maconha; sua história; a conduta do usuário; e dados epidemiológicos do
mundo, do Brasil, de São Paulo e do Ensino Superior; e, por fim, a investigação do uso em um campus
universitário. Dentro da Psicologia, estudamos o desenvolvimento da autonomia baseados no trabalho de
Piaget e planejamos uma avaliação da mesma, baseados na moral judgment interview – MJI,
desenvolvida por Kohlberg. A pesquisa foi realizada em duas etapas. Primeiro foi feito um levantamento
do uso de diversas drogas entre 155 formandos; em seguida, selecionamos usuários e não-usuários e
aplicamos a MJI para avaliar seu julgamento sóciomoral. Essa segunda etapa também contava com
questões sobre uso abusivo de maconha que só foram respondidas por usuários. Os dados demonstraram
que 23,3 % dos participantes fazem ou já fizeram uso de maconha. A entrevista demonstrou que a maioria
dos alunos se encontra no Nível Convencional, mais especificamente no estágio 4 e que, dos usuários de
maconha, a maior parte não faz uso abusivo. O objetivo deste artigo é apresentar e discutir os resultados
dessa pesquisa à luz das teorias de Piaget e Kohlberg.
Abstract
The use of licit or illicit psychoactive substances, among young people, is a subject which has been
discussed by society. A very common drug in our society is marijuana (cannabis sativa), and the
consumption of this substance, as well as the use of other legal or illegal drugs, may have legal, social and
physical consequences. To understand this behavior it is necessary to consider two points. The first point
is about the moral autonomy; we describe the concept of autonomy to Philosophy and Psychology. The
second point is centered in marijuana; its history; the user behavior; and epidemiological data from the
world, from Brazil, from São Paulo and from College; and at last the research about the use in a college
campus. In Psychology, we studied the development of autonomy using the work of Jean Piaget and we
planned an evaluation on the same subject based on the Moral judgment interview – MJI, developed by
Kohlberg. The research was organized in two stages. In the first stage we did a survey of several drugs
with 155 under graduation students; then, we selected users and non-users and applied the MJI to evaluate
their socio-moral judgment. This second stage also had questions about the abusive use of marijuana,
which were answered only by users. Data showed that 23, 3% of the participants do or at least once did
use marijuana. The interview showed that students are at the Conventional level, most of them in the
stage four, in which most of the marijuana users don’t make abusive use. The aim of this article is to
present and discuss the results of this research based on the theories by Piaget and Kohlberg.
O uso de drogas é uma questão que preocupa educadores, pais e sociedade. O envolvimento de
jovens com substâncias psicoativas – SPA pode prejudicá-los física e socialmente, incluindo o
rendimento acadêmico.
A maconha, cannabis sativa, é a droga ilícita mais usada no Brasil (CARLINI et al., 2005). A lei,
nº 11.343, de 2006, acaba de descriminalizar o uso da droga. Os estudos sobre esta droga são, na maioria,
de cunho quantitativo, mostrando apenas a porcentagem de pessoas usando a droga, e não como elas
vêem esta conduta. Este fato fez com que começássemos a nos interessar em saber como as pessoas que
não usam drogas vêem os usuários, se existe preconceito e discriminação em relação a isso,
principalmente na universidade, ambiente de vulnerabilidade e em que também levantam questões
relacionadas à autonomia moral.
É importante saber a influência da autonomia sobre a decisão de usar, ou não, as drogas, o modo
como os estudantes lidam com os fatores de risco e as concepções que eles têm dessa conduta.
Fundamentação Teórica
Elaboramos nossa pesquisa da seguinte forma: o primeiro ponto diz respeito à autonomia moral.
Para se chegar a um conceito completo de autonomia, começamos pela definição de Ética e Moral para a
Filosofia, usamos o conceito de responsabilidade moral de Vazquez (1994); e ressaltamos a importância
da teoria de Kant (1997), que serve também de ponte da conceituação para formação da autonomia, ou
seja, partimos da Filosofia para a Psicologia. Dentro da Psicologia, estudamos o desenvolvimento da
autonomia no trabalho de Piaget (1994) e a influência do sociólogo Durkheim (2001); abordamos a teoria
de Turiel (1984) e, então, planejamos uma avaliação, baseados nos estudos de Kohlberg (1992).
Objetivos
O objetivo desse trabalho era responder, basicamente, uma questão: Qual o nível de
desenvolvimento moral de um universitário usuário de maconha? Para isso, entrevistamos alunos que já
usaram ou usam a droga, utilizando a MJI (Moral Judgement Interview) e investigando também a análise
Metodologia
Para cumprir nossos objetivos, a pesquisa foi dividida em duas partes. Primeiramente foi realizado
um levantamento inicial com 155, de um universo de 393 formandos, do ano de 2007, dos cursos de
graduação oferecidos em um dos campi da Universidade Estadual Paulista - UNESP que concordaram em
responder ao questionário. Os dados revelaram que 119 alunos nunca experimentaram maconha e 36, sim.
A entrevista sobre julgamento moral foi aplicada nos participantes dos dois grupos. Os pertencentes ao
grupo A responderam, também, uma entrevista específica sobre uso abusivo de maconha.
O campus universitário que estudamos possui nove cursos de graduação distribuídos pelas três
grandes áreas de conhecimento; Humanidades, Biológicas e Exatas; são cerca de dois mil alunos. Os
participantes do levantamento inicial são formandos de quatro cursos de graduação: Ciência da
Computação, Matemática, Letras (noturno e diurno) e Biologia. Cuidamos para que fossem abrangidas as
três grandes áreas de conhecimento. Dos 155 participantes, 11 alunos eram especiais; alguns também
formandos de outros cursos, e estavam presentes na aula quando aplicamos o instrumento.
Instrumentos
a) Variáveis sócio-demográficas: nome, telefone, endereço, curso, período, turma, idade e sexo;
b) Avaliação do nível sócio-econômico via critério Brasil (ALMEIDA e WICKERHAUSER, 1991);
c) Religião;
d) Identificação dos consumidores de álcool com o instrumento de teste de Identificação de
Desordens Devido ao Uso de Álcool – AUDIT (BABOR et al, 1992);
e) Avaliação do uso das sete drogas psicoativas mais utilizadas entre adultos jovens (álcool, tabaco,
maconha, cocaína, crack, solventes e anabolizantes) e uma questão aberta para apresentar outra
droga de que estivesse fazendo uso, ou já fizera. Foi desenvolvido baseado no questionário
elaborado por Smart el al. (1982), sob auspícios da Organização Mundial de Saúde - OMS, e que
vem sendo utilizado com frequência em nosso país (por exemplo, ANDRADE et al., 1997;
GALDURÓZ et al., 1997; KERR-CORRÊA et al., 2001).
O AUDIT, usado para avaliar o consumo de álcool dos alunos, é um instrumento desenvolvido por
um grupo de pesquisadores vinculados a OMS (BABOR et al., 1992), na década de 80; composto de 10
questões, sua pontuação varia de 0 a 40; foi adaptado para o Brasil por Méndez (1999), e vem sendo
utilizado por diversos estudiosos como Martins (2006), Cruz (2006) e Lepre (2005).
Para verificar o nível de desenvolvimento moral dos universitários, que foram selecionados a par-
tir do levantamento inicial, utilizamos a entrevista semi-estruturada de Kohlberg (MJI), na forma adapta-
da por Lepre (2005). Cada parte da entrevista era estruturada com um dilema, seguido de questões disser-
tativas. Esta entrevista pede que o participante reflita sobre possíveis soluções para três dilemas morais e
é composta de três versões paralelas: A, B e C. Em cada uma dessas versões, aparecem valores morais em
conflito. Assim como Lepre (2005), optamos pela forma A, por ser mais conhecida e por serem dilemas
mais adequados aos objetivos de nosso estudo. Na forma A, os valores em conflito são: vida/lei; morali-
dade/consciência/castigo e contrato/autoridade. O segundo dilema, (moralidade/consciência/castigo) foi
reelaborado, criando uma história que aborda uso de drogas, foi também adaptado de Lepre (2005) e
acrescentamos uma quarta parte, sobre uso abusivo de maconha a ser respondida somente por alunos do
grupo A.
Os dados do levantamento inicial foram digitados em uma planilha eletrônica e, então, exportados
para um programa de análises estatísticas (SPSS, 2003) no qual foram feitas todas as análises sobre
condição socioeconômica, religião, idade, consumo de álcool e de drogas. Este programa também foi
usado para separar os dados dos alunos que responderam a entrevista.
As respostas das entrevistas foram digitadas como texto e arquivadas, sem a identificação dos
alunos, que apenas foram divididos em usuários e não-usuários. Os três primeiros dilemas
(contrato/autoridade, moralidade/consciência/castigo e vida/lei) foram analisados, segundo as teorias de
Piaget (1994) e Kohlberg (1992). Primeiramente, elaboramos quadros com as respostas resumidas dos 21
entrevistados para cada uma das quatro partes da entrevista. Em seguida, criamos categorias para essas
respostas e fizemos uma análise quantitativa, os resultados foram distribuídos em tabelas. Por fim,
utilizamos os critérios piagetianos e neokantianos propostos por Kohlberg (1992) para avaliar normas,
elementos e estágios.
Para Vazquez (2004), responsabilidade moral significa conhecimento das regras morais e
capacidade de prever as consequências que resultarão de seus atos, o indivíduo deve praticar o ato livre de
qualquer coação, seja ela interna ou externa. Logo, se há conhecimento suficiente do contexto e de suas
prescrições morais, se não há coação, o sujeito é plenamente autônomo para decidir sobre seus atos.
Piaget e seus seguidores, como Kohlberg (1992) e Turiel (1984), investigaram a formação da
autonomia moral. Inspirado em concepções como a de Durkheim e de Kant, Piaget, em O juízo moral na
criança (1994) investigou regras de jogos infantis, noção de justiça e responsabilidade em crianças e
dividiu o desenvolvimento moral do ser humano em três fases: anomia (ausência de regras), heteronomia
(respeito unilateral pelas regras morais) e autonomia (autogoverno).
O segundo nível, Convencional, é caracterizado pela manutenção da ordem e das expectativas dos
outros. No estágio três, moralidade normativa interpessoal, o indivíduo preocupa-se com a opinião dos
outros e se comporta bem para manter uma boa imagem, para ser o “bom menino”. No estágio 4,
moralidade do sistema social, há uma preocupação com a ordem social e submissão a uma autoridade.
Quanto aos aspectos referentes à maconha, podemos dizer que é uma droga que causa efeitos tanto
físicos quanto psíquicos e estes são percebidos como agradáveis pela maioria dos usuários. Como efeitos
físicos a literatura científica mostra que as pessoas podem sentir taquicardia, tontura, retardo psicomotor,
letargia, depressão, dificuldade de memória de curto prazo, alterações no raciocínio e concentração, mas
não há um consenso sobre danos causados ao sistema nervoso a longo prazo (Marques e Ribeiro, 2006).
Magalhães, Barros e Silva (1991) pesquisaram o padrão de uso de maconha entre os universitários
da cidade de São Paulo e traçaram um perfil desses jovens. O usuário padrão seria: homem, solteiro, de
nível socioeconômico alto e que consumiu pela primeira vez durante a adolescência. A pesquisa também
pôde constatar que há um grupo padrão para os usuários, ou seja, os jovens que fumam, o fazem
socialmente, geralmente em programas culturais, enquanto que os não usuários preferem ficar em casa,
estudando e/ou vendo televisão. Esses mesmos pesquisadores, em uma pesquisa sobre a frequência do uso
de maconha entre os universitários, concluíram que a maioria também usava álcool e tabaco e, cerca de
90% dos usuários, já experimentaram outra droga ilícita na vida. Pensando nesses dados, optamos por
investigar universitários, que pelos dados encontrados se tornam um grupo de grande vulnerabilidade e
que estivessem se formando, ou seja, foram expostos por mais tempo aos fatores de risco que fazem parte
do ambiente estudantil.
Como dissemos no início do trabalho, nossa primeira questão era: qual o nível de
desenvolvimento moral dos universitários que usam maconha? Analisando os dados das entrevistas,
constatamos que: no primeiro dilema, as respostas mostram que 75% dos usuários se encontram no
estágio 3, no segundo e no terceiro dilemas eles se encontram no estágio 4 (50% e 75% respectivamente).
Baseados nesses dados, podemos concluir, primeiro, que os entrevistados usuários de maconha se
encontram em estágios avançados de desenvolvimento moral; segundo, não há diferenças significativas
no nível de desenvolvimento dos grupos A e B, lembrando que os grupos são de tamanho diferentes e
terceiro, os usuários entrevistados não fazem uso abusivo de maconha.
Os universitários do grupo A costumam fazer uso da maconha entre seus pares, porém,
Em seu artigo “Redução de danos para o uso de cannabis”, Mac Era (apud SILVEIRA e
MOREIRA, 2006) comenta que, o uso de maconha, geralmente, se inicia em grupos e que estes servem
de reguladores, ou seja, em contato com usuários mais experientes, os novatos se informam sobre como
usá-la de modo a não se prejudicar fisicamente ou atrapalhar suas atividades diárias.
O contato com seus pares nas ‘rodas de fumo’ ajudaria os indivíduos a desenvolverem
suas estratégias de consumo controlado. Pela troca de experiências os usuários
aprenderiam a distinguir as atividades em que a maconha servia como facilitadora,
inspiradora ou complemento agradável, daquelas em que agia como perturbadora ou
empecilho (SILVA E MOREIRA,2006, p. 366).
Esses grupos se tornam importantes, também como meio de integração social, e mesmo que com o
tempo a tendência seja a de se afastar, ou mesmo a de o grupo já não ser mais tão presente em sua vida
social, os usuários continuam achando importante compartilhar experiências e o barato.
Nesse momento a ‘roda de fumo’ deixava de ser importante como ritual de controle, para
ser substituída por sanções internalizadas, passando a ser comum o uso solitário (SILVA
e MOREIRA,2006, p. 366).
É importante que os educadores e pais fiquem muito atentos, quando forem tratar o uso de drogas,
para alguns aspectos: primeiro, as drogas não podem ser estudadas de modo geral, cada uma tem um
perfil farmacológico e, portanto, diferentes modos de agir no organismo e afetar a saúde; segundo, mesmo
que se atente a cada droga separadamente é muito importante que se distinga uso abusivo de dependência
e, por fim, nunca tratar a conduta com misticismo, preconceitos e autoritarismo, o diálogo e as
informações, assim como troca aberta de experiências são fundamentais ao tratar o assunto. Como nosso
trabalho se propõe a estudar mais especificamente a maconha, vamos fazer algumas considerações a
respeito dela.
Um programa de prevenção ao uso de maconha, por exemplo, pode ser elaborado retomando os
conceitos de Vazquez (2004) sobre responsabilidade e liberdade e os de Piaget (1994) sobre educação
internacional e tendo como principal objetivo a redução ou exclusão dos fatores de risco. Já comentamos
que os fatores de risco podem ser biológicos, psicológicos ou sociais; pois bem, os dois primeiros estão
muito ligados a hereditariedade e devem ser tratados diferenciadamente, porém, os fatores sociais são
mais amplos e, por isso, estão diretamente ligados à educação. São eles:
Juntamente com os fatores sociais existem os fatores de proteção. No caso de fatores sociais, são
considerados os que se opõem aos de risco, por exemplo: boa estrutura familiar, alta escolaridade,
ambiente social saudável etc.
Os fatores 1, 2 e 3 dizem respeito ao ambiente em que a criança cresce, extra-escolar, que muitas
vezes não favorece o desenvolvimento moral dela, então, seria função da escola mostrar à criança que
existem outros ambientes, fornecer a segurança e recursos (materiais e psicológicos) que a ajudem a não
ser afetada por esse meio e, em situações mais graves, retirá-la de tal situação. Os fatores 4, 5 e 6 podem
ser reduzidos, ou totalmente excluídos, com o desenvolvimento da autonomia. A criança ou adolescente
vai aprendendo, com o auxílio da educação moral, a lidar com a pressão do grupo e com os ambientes
estimuladores e a procurar opções de lazer que não envolvam uso de SPA ou qualquer outra coisa que
possa trazer riscos a sua saúde física e mental. Em nossas entrevistas, nos chamaram a atenção as
respostas de um participante do grupo B, classificado no estágio 5 do Nível Pós-Convencional (alto,
portanto) que disse nunca ter tido vontade de usar qualquer tipo de droga por não precisar desse tipo de
estímulo para se divertir.
Por que você acha que Paulo consumiu álcool e maconha? (dilema 3, questão 4)
Talvez porque viu os amigos fazendo isso e quis experimentar (B5).
Nem as normas lógicas, nem as morais são inatas, é preciso construí-las. Esta construção só é
possível com a interação entre os indivíduos. O indivíduo é dotado de estruturas que lhe permitem uma
autonomia, mas por si só permanece egocêntrico. Só a cooperação leva à autonomia. Na escola, é
necessário que a experimentação individual e a reflexão sejam estimuladas para o desenvolvimento do
respeito mútuo e da autonomia e com esta, um autocontrole, um self-government, que leve à exclusão dos
fatores de risco para a dependência de drogas. Assim, retomamos também o conceito de responsabilidade
de Vazquez (2004), pelo qual o indivíduo, para que tenha plena responsabilidade sobre suas ações, deve
ser livre de qualquer coação e poder prever as consequências de seus atos; então, a escola, informando
sobre drogas e seus possíveis prejuízos e, educando para a autonomia, formará um sujeito consciente.
Tomados esses cuidados, o programa deve se concentrar na extinção dos fatores de risco, já
citados, e que podem ser tratados tanto com o desenvolvimento da autonomia, quanto com orientação
psiquiátrica e medicação (no caso de fatores biológicos ou psicológicos); e, também, o fortalecimento dos
fatores de proteção.
Pesquisas recentes nos ajudaram a traçar um perfil do usuário de maconha, notamos algumas
características deste perfil que são comuns a nossa pesquisa e que estão ligadas a autonomia. Pesquisa
realizada na UNESP (KERR-CORRÊA et al., 2001) mostrou que: morar em república, relatar que fez uso
A redução de danos tem como objetivo reduzir progressivamente o uso da droga, seria uma
consequência a mais da formação de autonomia e de independência que é objetivo do programa. O
usuário deve adquirir progressivamente controle sobre sua conduta, de modo que o prazer que encontre
no uso, seja substituído por outras formas mais saudáveis de diversão.
Conclusão
Após concluir essa pesquisa de Mestrado, pensamos em reunir os dados desse trabalho, sobre o
julgamento moral de universitários usuários de maconha e dados de um trabalho anterior, um
levantamento sobre aplicação do volume VIII dos PCN em escolas públicas de ensino médio
(ALMEIDA, 2005) para, por fim, elaborar, num trabalho futuro, um programa de orientação para direção
e professores sobre prevenção e intervenção sobre uso de maconha. Para isso, eles seguiriam as
orientações do volume VIII, que trata de Ética e Programas de Saúde e cuidariam da educação moral ao
mesmo tempo em que promoveriam estratégias especificas para lidar com a conduta de uso de maconha.
Os dados da pesquisa de Mestrado orientarão a aplicação de entrevistas e classificação dos estágios de
desenvolvimento dos alunos, servindo assim de base para o início dos projetos. Os instrumentos usados
em nosso levantamento inicial poderão ser usados para investigar conduta de uso de SPA e, por fim, as
teorias cognitivas fundamentarão as estratégias de desenvolvimento da moralidade.
Referências
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Abstract
Search for qualitative and quantitative nature, investigates the moral conceptions of education and
procedures for the moral education of students concluding. Course pedagogy. Its reference to genetic
epistemology of Jean Piaget and the work of its employees who have continued the study of Social
Knowledge. The objective was to identify the representations of moral education for students of final year
students of pedagogy and see what are the procedures for representations of moral education. The sample
consisted of 71 students from last year of the course of education, ages ranging between 23 and 47 years,
5 males and 66 females. The instrument consisted of a question that issue was answered by the technique
of natural semantic networks, also called the "Free University of evocations of words" that allows to
recognize the students' social representations on the matter. From the data analysis found that the teachers
confuse procedures Moral Education and Moral Education, using the same concept to define the two. The
procedures for moral education are related to a view of traditional education, with emphasis on the
concepts of empirical knowledge that should be treated as outside the subject, including a learning that
occurs outside to the inside. The conception of moral education and what to do to develop it is restricted
to the sense of fulfillment, with emphasis on the action of the teacher as to the procedures and the attitude
of the teacher in moral education.
No início do século XX a psicologia estava lançando as bases, quando o epistemólogo suíço Jean
Piaget voltava seu olhar para o estudo do conhecimento, que separou a filosofia no sentido de levá-lo,
para o campo experimental da psicologia. A obra de Piaget o livro O Julgamento Moral na Criança
escrito em 1932, influenciou quase todos os pesquisadores de psicologia moral neste século a começar
por Lawrence Kohlberg que embora tomasse outros rumos como por exemplo a questão da justiça como
eixo do desenvolvimento moral, é considerado por alguns como expressão sofisticada e necessária da
obra de Piaget. Mas se for feito uma análise mais profunda da obra de Piaget pode-se dizer que ele
pressentiu a complexidade do tema e tenha optado por outros mais relevantes naquele momento. Ou ainda
como diz De La Taille (2002, p.18) “que o fenômeno moral é multifacetado e complexo”, no entanto isso
não significa que a sua obra não tenha sido muito importante para a maioria dos pesquisadores. Cabe
destacar que os conceitos de moral e ética que predominaram até recentemente estão enraizados na visão
judaico cristã de direitos e deveres, mesmo para o próprio Piaget que terminou por transmitir isto aos
demais investigadores.
Menin (2003), explicando Kant, diz que a vontade dá dignidade ao ser humano: ele obedece
somente aquilo que lhe faz um profundo sentido interno, isto é o auto-governo, ou autonomia. Na
autonomia a obediência a uma regra se dá pela compreensão e concordância com sua validade universal.
Obedecemos porque concordamos que os motivos para a ação poderiam tornar-se “leis universais” e seria
um bem para todos, enquanto que na heteronomia a obediência a uma regra se dá pelo medo da punição
ou pelo interesse nas vantagens a serem obtidas pessoalmente.
Para Piaget a moral é oriunda do respeito que adquirimos às regras, mas esta começa no respeito
que temos às pessoas que nos impõem tais regras. O respeito pode ser unilateral ou mútuo. Nesta
perspectiva toda moral consiste num sistema de regras, e o mais importante não é possuir este ou aquele
A Educação Moral
De forma intencionada ou não a educação moral ocorre no ambiente escolar. Segundo Puig (1998,
p.90) a moral diz respeito às relações interpessoais, a deveres e direitos, visa à harmonia social, e a
educação tem por objetivo promover a autonomia moral. “A moralidade consiste em uma forma de
regular os comportamentos dos sujeitos para tornar possível uma convivência social ótima e uma vida
pessoal desejável”.
Já em 1930, Piaget dizia que é nas relações interindividuais que as normas se desenvolvem: são as
relações que se constituem entre a criança e o adulto ou entre ela e seus semelhantes que a levarão a
tomar consciência do dever e a colocar acima de seu eu essa realidade normativa em que consiste a moral.
Quanto aos procedimentos da educação moral ele diz que esta não deverá ser uma matéria especial
de ensino, mas um aspecto particular da totalidade do sistema, uma vez que a educação forma um todo e a
atividade que a criança executa com relação a cada uma das disciplinas escolares supõe um esforço de
caráter e um conjunto de condutas morais. Dessa forma a classe constitui uma associação de trabalho, e a
vida moral está intimamente ligada a toda a atividade escolar.
Piaget (2005) estabeleceu um elo de ligação entre a educação intelectual e moral quando disse que
a educação constitui um todo indissociável e que não se pode formar personalidades autônomas no
domínio moral se por outro lado o individuo é submetido a um constrangimento intelectual de tal ordem
que tenha de se limitar a aprender por imposição sem descobrir por si mesmo a verdade: se é passivo
intelectualmente, não conseguirá ser livre moralmente.
A educação moral, na perspectiva de Piaget, supõe que a criança possa fazer experiência morais e
que a escola constitui um meio próprio para tais experiências, supõe um ambiente de colaboração e
cooperação, uma vez que o desenvolvimento moral ocorre em função do respeito mútuo, além do respeito
unilateral, a cooperação no trabalho escolar está apta a definir-se como o procedimento mais fecundo de
educação moral. São os procedimentos ativos que vão proporcionar ocasião para o desenvolvimento
moral. Piaget (2003, p. 22) diz que:
Para aprender a física ou a gramática, não há método melhor que descobrir por si por
meio de experiência ou análise de textos, as leis da matéria ou as regras da linguagem; do
Sem o confronto com o outro, sem a cooperação intelectual e moral, ficamos circunscritos ao
nosso egocentrismo. Sem a ação de quem aprende, não ocorre processo de aprendizagem quanto ao
crescimento dos esquemas mentais, no entanto sem a cooperação social, o individuo fica prisioneiro do
seu egocentrismo deformador. Porque é a cooperação que permite o descentramento. O outro é necessário
à tomada de consciência de si, à socialização e ao desenvolvimento da razão e da autonomia moral. A
lógica não é inata no ser humano, mas se constrói em função das relações de reciprocidade, aparecendo
como a forma de equilíbrio final das ações.
Xypas (1997), citando Piaget, esclarece que quem nos leva a ser razoáveis, quem nos obriga a não
nos contradizermos, a não deformar a verdade ao sabor da nossa fantasia, quem nos incita a argumentar
racionalmente, a basear as nossas afirmações em fatos verificáveis, senão a objeção do outro, a
observação critica, a censura de um pai, o comentário ou as perguntas do professor? Piaget insiste na
interação social no desenvolvimento da consciência moral e da inteligência, da importância do outro na
construção da pessoa.
Metodologia
Amostra
Instrumento
O instrumento proposto é uma pergunta tema respondida pela técnica de redes semânticas
naturais. A rede semântica é o conjunto de conceitos eleitos pela memória através de um processo
reconstrutivo que permite aos estudantes organizar um conhecimento, um plano de ação e avaliar
subjetivamente os eventos hierarquicamente e permite reconhecer as representações sociais dos
estudantes sobre o assunto em questão.
O instrumento é composto de duas partes, e foi solicitado aos estudantes que definissem mediante
Resultados
Para a interpretação dos dados foi utilizado critérios de organização propostos por FIGUEROA
(1980), Bravo (1991), VALDEZ (1998) com o propósito de aproximar o estudo do significado
diretamente com os indivíduos e a premissa proposta por ABRIC (2001) de que os termos que
atendessem, ao mesmo tempo, aos critérios de evocação com maior frequência e nos primeiros lugares,
supostamente teriam uma maior importância no esquema cognitivo do sujeito, ou seja, se configurariam
como hipóteses de núcleo central da representação Social,
O grupo de sujeitos entrevistados apresentaram informações que nos permite verificar uma rede
semântica heterogênea, dada a distribuição dos conceitos e com abundantes conceitos, o que pode ser
verificado pelo Valor J (183) que representa o total de palavras definidoras para o estímulo.
A representação central para os Procedimentos da Educação Moral está definida como respeito
(100%), e “amor” aparece muito próximo (95%) como um atributo essencial para definir os
procedimentos da educação moral. Não aparecem atributos secundários que apoiem o núcleo central e os
conceitos de “paciência ao ensinar” e “conversar” são tidos como significados dispersos. Os conceitos de
dar exemplo; fazer dinâmicas; histórias; músicas; falar de Jesus; dedicação; carinho; criatividade;
responsabilidade; leitura e livros didáticos são representações individuais e apresentam baixo peso
semântico em decorrência da heterogeneidade da rede.
Representação Representação
Procedimentos da Educação Moral O Que é Educação Moral
Núcleo Respeito
Respeito
Central Amor
Núcleo Paciência ao Ensinar
Amor
periférico conversar
Significados Exemplo
dispersos Dinâmicas
Histórias
Músicas
Falando de Jesus Ética
Opiniões Valores
pessoais Educação
Caráter
Solidariedade
Compromisso
Cidadania
Dedicação Princípios
Carinho Inclusão
Criatividade Consciência
Responsabilidade Responsabilidade
Leitura Leitura
Livros didáticos Livros didáticos
Educação Moral
Como na frase estímulo que descreve os procedimentos da Educação Moral, a rede semântica
para o conceito de Educação Moral está igualmente dispersa e heterogênea, dada a distribuição dos
conceitos, o que pode ser verificado pelo Valor J (186) com apenas 3 palavras a mais que para a primeira
frase estímulo referente para os procedimentos.
Os dois conceitos apresentam uma distância semântica muito diferente em relação aos atributos
essenciais, embora o conceito “amor” apareça seguido da representação central, nos dois estímulos, o
valor semântico é bem diferente, 95% para procedimentos da Educação Moral e 61% para Educação
Moral. Nas opiniões pessoais dos procedimentos da educação moral a distancia semântica é muito
próxima uma da outra entre 50 e 25% como pode ser observado na tabela 1 e está concentrada em
atributos ligados de fato a procedimentos que o professor deve fazer, como realizar dinâmicas, contar
histórias, falar de Jesus, ser responsável, criativo, organizar leituras, usar livros didáticos, embora
apareça algumas opiniões em menor proporção ligadas a atitudes como dedicação e carinho.
Para a definição de Educação Moral a distancia semântica entre as opiniões pessoais também são
muito próximas entre 40 e 12% (tabela 3) e diferente dos procedimentos que tem como foco o fazer, esta
concentra-se em atitudes como, ser solidário, ter ética, ser um educador, ter compromisso, princípios, ser
responsável, disciplinado, honesto, inclusivo, cidadão e ter valores.
Discussão
A rede semântica para os procedimentos da Educação moral está mais coerente quanto ao valor
semântico do que a rede de Educação Moral. O núcleo central na primeira é respeito, o atributo essencial
é amor e os conceitos de “ser paciente” e “conversar com o aluno” aparecem como núcleo secundário
apoiando a representação de respeito e amor. Já no conceito de educação moral o conceito de respeito
aparece como representação central, não tem conceitos essenciais e o conceito “amor” aparece como
núcleo secundário, mas com uma distância semântica de 39% excluindo-o de atributo essencial e
figurando como atributo de menor importância. Se destacam as opiniões pessoais que representam quase
todas as palavras definidoras (13 em 15) a distribuição da frequência de aparecimento é desproporcional
em relação as duas frases estímulos. Quando o conceito “respeito” nos procedimentos da educação moral
aparece 206 vezes, no conceito de educação moral aparece 497 vezes.
Piaget (2005) descreve o respeito como um sentimento; ele diz que existem três espécies de
sentimentos ou de tendências afetivas capazes de interessar a vida moral e se apresentam inicialmente na
constituição mental da criança. Em primeiro a necessidade de amor, que se manifesta em diversas e em
muitas formas, desde o berço até a adolescência. Um sentimento de medo, em relação aos maiores e mais
fortes que ele, tendência que desempenha um papel importante nas condutas de obediência e
conformismo utilizadas em graus diversos, por vários sistemas de educação moral e um terceiro
sentimento que é um sentimento misto , composto simultaneamente de afeição e de temor cuja
importância excepcional na formação da consciência moral é reconhecida por todos os moralistas.
Segundo ele, para alguns o respeito constitui um estado afetivo derivado e único no seu gênero e teria por
objeto os outros indivíduos, como o amor ou o medo, mas se prenderia diretamente aos valores e às leis
morais.
Quanto à concepção de procedimentos da Educação Moral é perceptível, seja pelo núcleo central
da representação, ou pelas opiniões pessoais, que o conceito de aprendizagem da amostra estudada é
oriundo da visão tradicional, aquela concepção de sujeito passivo e de acumulação do conhecimento que
remonta as pedagogias mais tradicionais, ou ainda aos conceitos empíricos de conhecimento exterior que
deve ser assimilado pelo sujeito, compreendendo uma aprendizagem que se dá do exterior para o interior.
Se o conhecimento vem de fora para dentro, como pode ser uma das interpretações das representações dos
estudantes, é necessário que o professor seja atuante, proporcionando situações de intervenção que podem
se basear na exposição verbal ou demonstração.
Nesta perspectiva a representação dos procedimentos morais estão distantes daqueles propostos
pelos métodos ativos enfatizados por Piaget (2005) em que a escola e os educadores devem preocupar-se
com a formação de indivíduos capazes de refletir, discutir e solucionar os conflitos sociais e morais, por
meio do diálogo, da busca de alternativas viáveis, da exposição de ideias, da coordenação de pontos de
vista divergentes e da elaboração e reelaboração dos princípios e normas que regem a vida social.
A disciplina imposta de fora ou sufoca toda personalidade moral, ou então pelo contrário, a
prejudica mais do que favorece a formação; produz uma espécie de compromisso entre a camada exterior
dos deveres ou das condutas conformista e um “eu” centralizado em si mesmo, porque nenhuma atividade
livre e construtiva lhe facultou fazer uma experiência de reciprocidade com outros. Da mesma forma que
o aluno pode recitar a sua lição sem que a compreenda, e substituir a atividade racional pelo verbalismo,
assim também a criança obediente é por vezes um espírito submetido a um conformismo exterior, mas
que não se apercebe do alcance real das regras às quais obedece. (PIAGET, 2005, p.68)
A cooperação proposta por Piaget não consegue se efetivar num ambiente em que o professor
conduza todas as situações e determine todos os procedimentos. Quando o educador cria situações e
oportunidades para que os estudantes efetuem tarefas em conjunto, ou trabalhos escolares em que estejam
Conclusão
Referências
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Resumo
Abstract
According to Piaget’s moral development theory the autonomy construction is the possible evolution way
for the adolescent through free rules organization, purpose affirmation as tendencies regularization and
the entrance into the adult’s word. The concept of autonomy is defined in the contextual relationship, in
other worlds, through the cooperative interaction. The aim of this process is the construction of one’s self
adapted to social. For this theory – which has a deontological approach – the theme of moral regards to
duties and so answers to the question: how must one act? This research is part of an investigation of
doctorate in course and so its results are still partial having as its main questions: What are the concepts of
Brazilian parents’ about their obligations as teenagers’ educators? What do parents think about their
participation on the construction of their adolescent children’s moral autonomy? What kind of
interventions sustains the relationship between parents and teenagers? The aim of this research is
mapping out the educative work of parents, concerning specially to four constructs: obedience, respect,
justice and autonomy. The analysis of parents’ concepts tries to point out to the difficulties and the
facilities in their proposal to educate their teenagers for moral autonomy.
Esse trabalho apresenta uma proposta de pesquisa em andamento, cujo objetivo é construir e
validar um novo instrumento de avaliação psicológica, que mensure os conceitos determinantes da
intervenção dos genitores no processo de construção da personalidade moral dos filhos, apoiado e
convergente com o referencial teórico fundamental desse trabalho que é a teoria do desenvolvimento
moral de Jean Piaget (1930, 1932, 1948, 1954, 1964, 1966).
A evolução da moralidade depende, segundo o autor, das relações que se estabelecem com o
outro: quando os adultos mantêm com as crianças relações de coação, as crianças são vencidas
interiormente pelo poder exacerbado do adulto e não podem dessa forma construir seus próprios pontos
de vista, distinguir o que é certo ou errado na própria atitude e na de seus genitores, o que lhes
impossibilitará a superação da moral heterônoma. Por outro lado, quando o sujeito constrói o respeito
mútuo e os princípios de justiça como dever, e as regras são fundamentadas em tais princípios e
cumpridas por opção racional de tais sujeitos, um outro nível de desenvolvimento moral é atingido, a
autonomia.
Sabe-se que o contexto das relações dos adolescentes com os pais tem sido foco de interesse
crescente dentre os diversos sub-temas dos estudos do desenvolvimento do adolescente (Steinberg ;
Morris, 2001) e, portanto, abordado por diversas teorias, sendo que, desse modo, o consenso não é a
tônica nesse tema.
Conforme os autores citados anteriormente e outros revisores do tema (como Maccoby e Martin
(1983), Montemayor (1983), Grotevant e Cooper (1986), Petersen (1988), Lopes (1994), Turiel (1998),
Laursen, Coy e Collins, (1998), entre outros), o grande tema norteador das pesquisas da relação pais e
filhos, diz respeito ao processo da vinculação e separação.
As revisões teóricas afirmam que a teoria psicanalítica liderou os trabalhos sobre o tema nas
décadas de 50 e 60. A teoria psicanalítica é a responsável por caracterizar a fase de desenvolvimento
chamada de adolescência como um período de tempestade e tormenta. Portanto, conceitos como, rebelião
dos adolescentes e conflito de gerações, são agregados como características complementares da fase.
Tanto para Anna Freud (1936), Erick Ericson (1968), Peter Bloss (1979), cujas teorias são até hoje
estudadas devido a sua relevância para a temática, a questão da crise e do conflito com os pais, permanece
como ponto comum entre as teorias. Além de se tratar do caminho para a constituição da vida adulta.
Ainda em se tratando das diferentes formas de compreensão da relação pais e filhos, segundo
Grotevant e Cooper (1986), algumas pesquisas buscaram a tendência oposta: a inexistência de conflitos
Ao se falar de construção da autonomia moral, faz-se imediatamente a opção pela teoria piagetiana
do juízo moral. Para o autor, construção é a concepção básica do seu modelo epistemológico e implica em
auto-organização. Com relação ao desenvolvimento moral, a teoria piagetiana tem uma abordagem
deontológica, isto é, o tema da moral diz respeito aos deveres, e, portanto, responde as perguntas: como se
deve agir e o que se deve fazer.
Dessa forma, a presente pesquisa busca ser fiel a uma abordagem teórica que compreende o
processo de desenvolvimento como fruto de uma construção ativa do sujeito. Assim, entende a
necessidade da investigação do contexto familiar como espaço para a cooperação, reciprocidade e
desenvolvimento da autonomia do adolescente.
As pesquisas mais recentes, como as pesquisas de Youniss (1980 e 1983) e Youniss e Smollar
(1985), classificadas por uma abordagem cognitivista, compreendem as relações, inclusive as relações
parentais, como um meio para alcançar a autonomia. As relações têm um objetivo próprio: auxiliam o
adolescente a se auto-conhecer, ampliar o desenvolvimento do seu raciocínio e identidade.
Quanto desenvolvimento moral pode-se citar o estudo longitudinal de Walker e Taylor (1991), que
utilizando a Entrevista de Julgamento Moral de Kohlberg (1987), e a discussão de dilemas hipotéticos em
família, chegam à conclusão que os adolescentes necessitam de uma intervenção de seus familiares que
ao mesmo tempo lhes dêem apoio e seja desafiadora para que possam construir a autonomia. Pode-se
afirmar que, o progresso do nível de desenvolvimento moral dos adolescentes, depende, entre outros
fatores, de uma interação com os pais que se fundamente no diálogo e na troca de pontos de vista, para
que a cooperação conduza a autonomia.
Esse é o conceito de autonomia de Piaget (1932), que é definida no contexto relacional, ou seja, a
partir da vivência da cooperação, ao invés da individualidade. O objetivo maio desse processo é a
construção de um eu adaptado ao coletivo. Infelizmente, o número de pesquisas que investigam a relação
pais e filhos na abordagem cognitivista é considerável pequeno.
A pergunta que sustenta essa pesquisa é: O que pensam os pais a respeito da sua participação na
construção da autonomia moral dos seus filhos adolescentes? Que tipo de intervenções sustentam as
relações entre pais e adolescentes? O objetivo da pesquisa é realizar um mapeamento dos estilos de
educação dos pais, especialmente, no que diz respeito a quatro construtos: obediência, respeito, justiça e
autonomia.
O respeito mútuo é próprio da relação entre iguais, portanto implica na reciprocidade, e a relação
entre pais e filhos não é recíproca, pois é uma relação de desigualdade pela presença da autoridade. O
respeito unilateral tem a sua importância para a construção, enquanto gênese da moralidade na criança.
Logo, se os pais abdicam de seu papel enquanto fonte e modelo de regras, as crianças permanecem na
anomia. Por outro lado, se os pais insistem na heteronomia, negando-se a dialogarem com seus filhos, e
inclusive fazendo-se valer de ofensas, sob o pretexto de educá-los, estarão reforçando através do respeito
unilateral, a permanência do sujeito na heteronomia, através de relações interindividuais fundamentadas
Parece que muitos pais ainda acreditam que a melhor forma de se fazerem obedecer pelos seus
filhos ainda é a imposição da sua autoridade, através dos gritos, das ameaças, dos castigos físicos, pois
admitem que, dessa forma, as crianças entendem quem manda, sentem medo e cumprem os seus deveres.
Essa forma de relação interindividual fundamentada na coação tem um formato de educação na qual o
adulto impõe ao jovem o que deve ser feito, mediante consequências positivas e negativas para a
desobediência ou para a obediência, sendo a tendência de que o filho obedeça por medo ou por afeto e
que se molde desse modo aos pais, imitando-os.
Especialmente em relação aos pais, o jovem busca intensamente essa separação, na medida em
que, durante a infância o “eu” dos pais representou para ele um ego ideal. Cabe aos pais serem então
cooperadores com essa construção afinal, o objetivo máximo dessa construção é exatamente a inserção do
jovem no mundo adulto, ou seja, quando os pais definitivamente cumprem o seu papel de educadores para
com o mundo, entregando-lhes um recém-chegado saudável e com boas intenções para com esse mundo.
Portanto, o caminho para a construção da autonomia moral dos adolescentes pressupõe a liberdade
e a ausência da autoridade, e cabe mesmo aos pais buscarem uma nova forma de interação com os jovens.
O resultado dos conflitos entre pais e filhos na adolescência deve resultar na reconstrução de relações
fundamentadas na reciprocidade e na mutualidade.
A pergunta que sustenta essa pesquisa é: O que pensam os pais a respeito da sua participação na
construção da autonomia moral dos seus filhos adolescentes? Que tipo de intervenções sustentam as
relações entre pais e adolescentes? O objetivo da pesquisa é realizar um mapeamento dos estilos de
educação dos pais, especialmente, no que diz respeito a quatro construtos: obediência, respeito, justiça e
autonomia.
Analisar os conceitos e intervenções dos pais em relação as suas atitudes educativas, para os
quatro construtos: respeito, obediência, justiça e autonomia; tem como objetivo apontar quais são as
facilidades, dificuldades, tendências, encontros e desencontros dos pais nas relações com seus filhos
adolescentes. O mapeamento das atitudes educativas busca encontrar os aspectos nos quais os genitores
acertam ou erram na proposta de educar para a autonomia moral.
a- Uma escala com assertivas para cada constructo (respeito, obediência, autonomia e justiça), na
qual são trabalhados aspectos que apontam para o conceito dos pais a respeito de cada um desses itens,
bem como a investigação de como interagem com os seus filhos adolescentes enquanto pares de uma
relação de cooperação com os mesmos.
2- O modelo acima referido foi submetido a um processo de validação teórica, ou seja, a escala foi
avaliada por juízes (doutores em moralidade e psicometria) cujo trabalho foi: apontar sugestões e
questionamentos a respeito do formato das escalas; realizar a checagem do conteúdo dos constructos, de
modo que se alcance uma concordância de no mínimo 75%.
3- Essa nova ou segunda versão do modelo foi aplicada em 10 participantes (pais e mães de
adolescentes) cujo resultado foi à validação semântica do modelo.
A pesquisa pretende assim colaborar na compreensão e validação desta complexa relação entre
pais e adolescentes e a construção do desenvolvimento moral, sendo a hipótese que a sustenta:
Os pais de adolescentes não apresentam conceitos bem definidos sobre o seu papel na construção
da autonomia moral, sendo que suas intervenções são coerentes com essa inexistência de objetivos
definidos ao educar.
Tal avaliação reestruturou o modelo a partir das interferências, correções e sugestões dos mesmos.
Entre as várias sugestões apontadas pelos juízes, podemos citar as mais significativas:
a- reescrever todas as assertivas da primeira escala que se remetiam a avaliações de realidade, pois
o objetivo não era esse, mas sim investigar o juízo moral dos pais;
b- eliminar o fator reciprocidade, uma vez que, a relação pais e filhos foi considerada pelos juízes
como assimétrica;
d- alterar as possibilidades de sete respostas para cada item, para apenas 4 possibilidades (discordo
muito, discordo, concordo, concordo muito), para que não houvesse um ponto neutro;
e- com relação a evidência de validade de conteúdo, ou seja, a avaliação por parte dos juízes da
pertinência dos itens para cada constructo, o que se pôde observar foi que, conforme a fundamentação
teórica dessa pesquisa, os itens que compõem as escalas não são excludentes. Pelo contrário, são
complementares.
O respeito mútuo é o sentimento moral que alicerça as relações de cooperação que conduzem a
autonomia, sendo essa, a condição do sujeito que obedece a princípios de justiça comumente acordados
pela troca de pontos de vista.
2- Validação semântica:
Depois de responder a escala os participantes foram interrogados sobre o que entenderam de cada
questão. Pouquíssimas alterações foram sugeridas, sendo essas coerentes com outras sugestões já
sugeridas pelos juízes, e, portanto, já acatadas.
Os resultados do piloto revelam os conceitos dos pais sobre respeito, obediência, justiça e
autonomia. Observa-se que, a questão do politicamente correto é praticamente inexistente nas respostas
dadas aos itens pelos pais, diferentemente daquilo que acontecerá na segunda escala.
Os pais revelam, por exemplo, a sua opção pelas sansões expiatórias, bem como afirmam a
obediência fundamentada no respeito unilateral e na estratégia da retirada do amor, ao concordarem que
os filhos que amam os pais devem lhes obedecer, e, de que os filhos devem saber que quando são
desobedientes entristecem seus pais.
A dificuldade de educar para autonomia também se evidencia ao concordar que os pais devem dar
soluções aos problemas dos filhos, ou na dificuldade de permitir aos filhos que busquem soluções para os
seus conflitos.
A noção de justiça por igualdade também se sustenta nas respostas dos pais, que, acreditam que os
pais devem sempre tratar da mesma forma aos seus filhos.
Outra ideia difícil aos pais diz respeito a dificuldade de admitirem que os pais devam justificar as
suas ordens aos filhos.
Essas considerações levam a crer que esse instrumento atingiu o seu objetivo de investigar os
conceitos dos pais sobre o seu papel na construção da autonomia moral dos filhos.
Ao analisar as respostas dos participantes, com relação às situações concretas, a impressão que se
tem é de que os pais responderam de modo politicamente correto.
Na primeira situação se evidencia essa postura dos pais, principalmente quando, a maioria deles
escolha a alternativa que propõe o diálogo entre pais e filhos, há ainda aqueles que 8 pais que apontam
para uma intervenção mais relacionada um respeito mais unilateral, pautado numa atitude do pai que
“eduque” o filho.
A segunda situação mantém essa característica de optar pelo politicamente correto, mas revela a
ideia da atitude paterna de levar o filho desobediente a obedecer, através da punição. Outra ideia que
aparece é a de que dois filhos devem sempre ser tratados com igualdade, ainda que depois afirmem
Acredita-se que, a quarta situação seja o exemplo mais adequado para demonstrar que, nas
situações anteriores, os participantes fazem a opção pelo politicamente correto. A opção pela coação e
pela sanção expiatória, ilustrando a justiça retributiva, se explicita nas respostas dos pais, ainda que
continuem concordando com as respostas mais adequadas.
Observa-se que a escala de intervenções não oferece condição real para a mensuração das
intervenções concretas dos pais. Suspeita-se que eles não tenham respondido conforme costumam agir
junto aos filhos, mas, por terem opções mais adequadas, optaram por elas, apresentando mais uma vez os
seus julgamentos, o seu ideal de pais, e não a sua ação sobre a realidade, conforme o objetivo a que se
propunha o instrumento.
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Embora tenha se tornado bastante conhecido no Brasil pela organização das chamadas invasões de terra,
com as quais luta pela conquista de assentamentos rurais, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) não se reduz apenas a isso. O Movimento pretende atuar para a transformação da sociedade,
mediante a experimentação de relações sociais alternativas, por meio do estabelecimento da cooperação
na produção nos assentamentos rurais, com o quê se busca proporcionar as condições para a construção
do homem novo e da mulher nova, no dizer do Movimento. Desde sua criação, em 1983, o MST vem
desenvolvendo estratégias com o intuito de superar a resistência dos assentados, que em geral veem na
cooperação uma ameaça à consecução de um projeto de vida tradicionalmente demarcado, fundamentado
na autonomia proporcionada pela gestão familiar/individual da terra. Na perspectiva atualmente utilizada
pela direção do MST, o estabelecimento da cooperação nos assentamentos depende da realização de
modificações culturais nos assentados, levando-os a substituir suas referências conceituais pela
incorporação de um outro sistema de valores, no qual a cooperação possa ser aceita. Por causa disso, as
ações educacionais empregadas pela direção do MST se desdobram numa tentativa de re-socialização,
que dificilmente se consuma com êxito. Baseada na teoria sociológica elaborada por Jean Piaget, a
pesquisa ora relatada pretendeu oferecer um paradigma alternativo para a interpretação da questão da
cooperação nos assentamentos. Segundo o paradigma proposto por Jean Piaget, a prática da cooperação
não depende de quaisquer mudanças subjetivas, a serem feitas a priori nos participantes. A possibilidade
da cooperação está diretamente vinculada ao estabelecimento objetivo de relações e interações sociais que
lhe sejam compatíveis, de uma situação de relacionamento democrático, na qual os sujeitos envolvidos
precisam ser reconhecidos como seres livres, autônomos e iguais.
Palavras-chave: MST. Cooperação. Autonomia. Democracia.
Abstract
Although it has been quite known in Brazil for the organization of the land invasions, where it tries to
conquest rural workers’ settlements, the Landless Rural Workers Movement (MST) isn’t just that. The
Movement seeks to work towards the transformation of society by the experimentation of alternative
social relations, through the establishment of cooperation in production in the rural settlements, willing to
provide the conditions to the construction of the new man and the new woman, according to Movement’s
talk. Since its creation in 1983, the MST has been developing strategies in order to overcome the
resistance of the settlers, who, in general, see the cooperation as a threat to achieve a project of life
traditionally defined, based on autonomy provided by the family/individual management of the land. In
the MST’s methodological view, currently applied, the establishment of cooperation in the settlement
depends on the fulfillment of cultural changes in the settlers, making them to replace their conceptual
references for the internalization of another system of values, in which cooperation can be accepted.
Because of it, the educational actions implemented by the direction of the MST are shown as an
attempting to re-socialization, which hardly ends up successfully. Based on the sociological theory
developed by Jean Piaget, this research sought to offer an alternative paradigm to explain the issue of
cooperation in the settlements. According to the paradigm proposed by Jean Piaget, the practice of
cooperation does not depend on any type of subjective changes to be done a priori on the participants’
minds. The possibility of cooperation is directly linked to the objective establishment of compatible social
relations and social interactions, where the participants need to be recognized as free, autonomous and
equal people.
Keywords: Landless Rural Workers Movement (MST). Cooperation. Autonomy. Democracy.
O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) é um movimento social de luta pela
terra que se tornou conhecido no Brasil principalmente por causa das estratégias de ação que adota para
forçar o Estado a promover assentamentos rurais. Tais estratégias consistem em práticas de desobediência
civil, nas quais os integrantes do Movimento desconsideram o direito à propriedade e ocupam espaços
privados ou públicos como forma de chamar a atenção da opinião pública para a questão da concentração
fundiária e dos problemas sociais dela decorrentes na sociedade brasileira. Esta tem sido a configuração
visível do MST desde 1983, ano oficial de sua fundação como movimento social.
Nestes anos que se passaram desde a sua criação, contando com uma competente assessoria de
intelectuais da Universidade, o MST amadureceu e se burocratizou, institucionalizando-se. Composto por
uma estrutura cuja hierarquia compreende as posições de direção, militância, base e massa, o MST
apresenta-se como um movimento de massas, articulado dentro do movimento sindical, no qual as
pretensões não se limitam à conquista da terra, tendo extensão política mais ampla.
Devido a isso, a atuação do MST não se restringe apenas na promoção de ocupações, ou invasões,
como ficaram conhecidas as ações do Movimento na linguagem da polícia, da imprensa e do poder
judiciário, apesar das ocupações consistirem num componente fundamental da luta pela terra. Ao longo
de sua existência, o MST tem se dedicado também a desenvolver estratégias de viabilização econômica
dos assentamentos conquistados, entendendo que a possibilidade de permanência de pequenos produtores
na atividade agrícola também é parte intrínseca da questão agrária e da luta pela terra no Brasil.
Como herança dos movimentos de luta pela terra anteriores a ele, o MST tem insistido na
implementação de formas de cooperação entre os agricultores que conquistam a terra, entendendo que
esta seja a única forma efetivamente eficiente de viabilizar economicamente os assentamentos.
Evidentemente que a escolha pela cooperação se deve à presença de valores e ideais políticos no interior
do MST, cuja origem se deve a forma histórica que a luta pela terra se constituiu no Brasil, em que os
atores integraram instituições as mais diversas. Incluem-se aí a ala progressista da Igreja Católica,
Por conta da herança histórica recebida, não há que se estranhar quando se afirma ser o MST um
movimento social cuja direção compartilha dos ideais leninistas, o que implica a crença sobre a
impotência política da massa e a necessidade dela ser dirigida por alguém dotado do devido grau de
consciência para conduzi-la ao caminho do socialismo.
Desde o início, a direção do MST e os intelectuais acadêmicos que lhe prestam assessoria, têm
investido na produção de conhecimentos destinados a resolver aquilo que se torna um grande problema
para o Movimento, de proporção equivalente à conquista da Reforma Agrária: é preciso encontrar formas
de viabilizar a cooperação nos assentamentos, mas para isso é necessário vencer a resistência dos
assentados às propostas de gestão da terra e do trabalho que envolvem algum tipo de cooperação. A
dedicação em produzir conhecimentos sobre este fenômeno proporcionou a formulação de duas teorias
que se sucederam na tentativa de explicar a rejeição à cooperação. Pela ordem de concepção, foram elas a
teoria ideológica e a teoria culturalista.
Grosso modo, a teoria que explora a via ideológica explica que a recusa da cooperação se deve ao
fato de que quando conquistam a terra, os assentados introjetam a ideologia da classe dominante e se
convertem ao capitalismo. Com base nesta interpretação, a direção do MST insistiu durante anos em
ações educacionais destinadas a conscientizar os assentados acerca da real condição de classe a que eles
pertencem, de forma a tentar faze-los compreender o teor revolucionário contido nas práticas
cooperativistas de gestão da terra e do trabalho nos assentamentos.
Não obtendo sucesso nas práticas de conscientização dos assentados, a interpretação ideológica
foi substituída pela culturalista, que consiste em atribuir a recusa da cooperação à existência de uma
É o caso, então, de se cogitar de uma outra explicação para a possibilidade da cooperação nos
assentamentos, que não se sustente tanto nos condicionantes subjetivos/individuais da aceitação, sejam
eles compreendidos como inculcação ideológica (a aquisição de uma nova consciência), ou como
decorrentes da re-socialização das pessoas envolvidas, para a criação de novas referências culturais sobre
o trabalho e a vida.
Este parece ser o momento oportuno para se recorrer à Sociologia na forma proposta por Jean
Piaget. Embora este autor tenha se tornado mais conhecido na Psicologia, por causa de suas pesquisas a
respeito da origem e do desenvolvimento da inteligência humana, cujo resultado é hoje conhecido como
Epistemologia Genética, Piaget também se interessou pelo estudo do desenvolvimento social dos
indivíduos, por entender que ambos os processos sejam inseparáveis, correlatos e mutuamente
dependentes. Piaget obteve assim uma teoria explicativa extremamente original da inteligência e da
sociabilidade humanas, na qual o desenvolvimento ontogenético influencia o desenvolvimento
filogenético, e vice-e-versa, teoria esta que pode ser identificada nas obras de diversos intelectuais da
Ao longo de sua vida, Piaget produziu uma vasta bibliografia, composta por aproximadamente
600 títulos, compreendendo livros, artigos para revistas e textos mimeografados, nos quais registrou suas
participações em eventos científicos. Por causa de sua perspectiva acerca da relação entre os fenômenos
biológicos, mentais e sociais, a teoria sociológica formulada por Piaget encontra-se espalhada nessas
obras todas, a maior parte delas referindo-se à questões da epistemologia genética. À Sociologia,
propriamente, Piaget dedicou dois livros e um texto. Tratam-se de Lés procédés de L’Education Morale
(Os procedimentos de educação moral), texto apresentado no V Congresso Internacional de Educação
Moral, realizado em Paris em 1930; O julgamento moral na criança, publicado originalmente em 1932,
ambos na sua juventude teórica; e Estudos Sociológicos, de 1965, elaborado na fase de plena maturidade
intelectual. Foi nesta última obra, uma reunião de vários artigos, que Piaget sistematizou sua teoria
sociológica, enquadrando-a na área da sociologia do conhecimento, posta em prática nas análises e
pesquisas anteriores, incluindo nelas as produções acima citadas.
Sem a ocorrência destes fatores, não há possibilidade da realização de uma troca de natureza
cooperativa, porque ela requer uma coordenação de pontos de vista, visando a consecução de estratégias
para atingir um objetivo comum. Segundo Piaget, cooperar é co-operar, ou seja, “operar em comum, isto
é, ajustar por meio de novas operações (qualitativas ou métricas) de correspondência, reciprocidade ou
complementaridade, as operações executadas por cada um dos parceiros” (PIAGET, 1977, p. 105).
Nesse sentido, como lógica de ação, a cooperação deve ser compreendida como um tipo específico
de moralidade, que é construída individualmente, mediante o envolvimento de cada sujeito nas relações e
interações com os objetos e com outros sujeitos. Em sua teoria sociológica, Piaget sustentou o paralelismo
entre o desenvolvimento moral e o desenvolvimento intelectual, afirmando que “a lógica é uma moral do
Existiria assim uma espécie de inteligência moral, desenvolvida nos mesmos moldes que os
outros aspectos componentes da inteligência em geral. Mais ainda, com base no raciocínio de Piaget, seria
possível afirmar também a mutua dependência, e a relação inseparável existente entre o desenvolvimento
moral e o desenvolvimento cognitivo: repetindo o que se disse em momentos atrás, quanto mais o sujeito
aperfeiçoa suas condições de troca nas relações e interações em que se envolve, mais desenvolve sua
inteligência moral, o que acarreta em mais desenvolvimento da sociabilidade e, por conseguinte, se
desdobra no desenvolvimento da sociedade da qual participa.
Este processo de desenvolvimento, segundo Piaget, não acontece de maneira linear e compulsória
nas pessoas. Como todo aprendizado, o processo de desenvolvimento moral, que começa no
egocentrismo, e pode ser concluído com a moralidade autônoma, depende da qualidade das relações e
interações, mantidas pelo sujeito com o mundo social circundante: relações de coação ou relações de
cooperação.
Numa interpretação bastante livre de sua teoria, poder-se-ia afirmar que, para Piaget, embora
todos os membros da espécie humana possuam em geral a mesma potencialidade, o desenvolvimento do
sujeito torna-se contingente ao cotidiano em que se encontra, que pode ou não favorecer trocas
qualitativas com os objetos e pessoas, a ponto de levá-lo, dificultá-lo, ou impedi-lo do pleno
desenvolvimento de suas potencialidades morais e cognitivas.
Vários aspectos da teoria formulada por Piaget podem ser identificadas na teoria da ação
comunicativa, proposta por J. Habermas. Segundo a apreciação de Kesselring (1997), Habermas tomou
conhecimento da teoria de Piaget através da obra de L. Kohlberg, sobre o desenvolvimento moral, que foi
Habermas também pode ser considerado um otimista, quanto às possibilidades sociais anunciadas
pelo desenvolvimento individual. Isso se revela nas duas categorias de ação comunicativa, por ele
formuladas: a ação orientada para o sucesso e a ação orientada para o entendimento mútuo 69. No primeiro
tipo de ação comunicativa, na ação orientada para o sucesso, os agentes em interação visam apenas o
êxito próprio, empregando meios os mais variados possíveis, sem se preocupar com princípios éticos. Já a
ação orientada para o entendimento mútuo, envolve um ajuizamento ético mais sofisticado, no qual os
agentes preocupam-se com o estabelecimento de princípios que possibilitem acordos, que permitam aos
participantes coordenar reciprocamente suas ações, ou agir de maneira cooperativa.
Enfim, retornando ao princípio, e tomando como base a exposição da teoria sociológica elaborada
por Piaget, parece claro que o estabelecimento da cooperação é algo que não precisa ser respaldado,
obrigatoriamente, por elementos ideológicos, e tampouco por referências culturais. A cooperação pode ser
compreendida e explicada como uma das formas de relação e interação social existentes, cuja ocorrência
está condicionada à possibilidade da livre troca entre sujeitos autônomos e iguais. Torna-se desnecessário,
69
A teoria da ação comunicativa é alvo de várias, extensas e complexas obras de Habermas, mas encontra-se resumida pelo
próprio autor em HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
Como foi visto, sujeitos autônomos e iguais constituem-se em formas de consciência moral e
cognitivamente desenvolvidas, resultantes do envolvimento nas trocas de natureza cooperativa. Quaisquer
pessoas estão em condições de estabelecer a cooperação entre si, desde que aprendam, cooperando, a
superar as amarras egocêntricas e sociocêntricas, que sustentam a heteronomia, e proporcionam as
condições de manutenção das relações baseadas na coação e no respeito unilateral.
Como se aprende a cooperar cooperando, e se, para tanto é necessário que as pessoas se
relacionem de maneira autônoma e igual, o ponto de partida das atividades cooperativas parece estar
condicionado à eliminação de quaisquer assimetrias, que eventualmente possam existir entre os sujeitos
envolvidos na relação. Parafraseando M. Foucault, seria então plausível afirmar que a possibilidade da
cooperação está condicionada às mudanças que porventura sejam feitas para alterar os “mecanismos de
poder que funcionam fora, abaixo, ao lado dos aparelhos de Estado, a um nível muito mais elementar,
quotidiano” (FOUCALULT, 1993, p. 150).
O estreitamento do contato com os assentados, o livre trânsito entre eles, e o conhecimento de suas
queixas, fez com que a pesquisa viesse a se tornar também uma intervenção. Sob o pretexto de estudo, os
pesquisadores proporcionaram situações de debate entre os assentados, ocasião em que todos podiam
participar, com igualdade e autonomia. Com os debates, emergiram os conflitos, que uma vez
explicitados, tornaram possível a busca de formas de entendimento, os quais propiciaram a elaboração
preliminar de projetos de cooperação nas máquinas, de maneira que isso afetasse o menos possível os
planos e opções de cada família assentada na administração do próprio lote.
É nesse sentido que se afirma a utilidade da teoria de Piaget para o Movimento, sobretudo para seu
setor dirigente. Nela há uma demonstração lógica, bastante sólida, acerca da simultaneidade entre o
desenvolvimento individual e o coletivo, e de que a cooperação compreende o desenvolvimento moral
dos sujeitos, que para isso precisam envolver-se em relações e interações, nas quais sejam autônomos e
iguais. Nestes termos, o desenvolvimento da cooperação, como pretende a direção e os militantes do
MST, somente será possível com o desenvolvimento individual, que por sua vez depende da preservação
da autonomia na cooperação. Ou ainda, quanto mais aumenta a autonomia dos sujeitos, maiores são as
possibilidades de cooperação.
E, se a teoria de Piaget estiver mesmo certa, o oposto também é verdadeiro: quanto maior for a
coação, maior a heteronomia, e menores as probabilidades da cooperação, a não ser que seja ela instituída
pela pressão da direção, como aconteceu na implantação de algumas cooperativas de produção, logo no
começo da experiência com o projeto cooperativo do MST. Mas foram experiências desastrosas, que
redundaram em fracassos econômicos e esvaziamentos sucessivos, até serem reformuladas, com base
exclusiva nas necessidades dos participantes que restaram, a despeito das orientações da direção do
Movimento.
Isto posto, pode-se arriscar a apontar que o problema real, que afeta e interfere no
desenvolvimento da cooperação no campo, não está localizado na subjetividade dos assentados e
acampados, na sua consciência ideológica ou cultura camponesa. O problema está presente dentro da
direção do Movimento, na ideologia dirigista que cultiva, acomodada no ideal socialista que defende. Da
direção, tal concepção se expande para o restante da estrutura, comprometendo as relações e interações
que venham a acontecer por intermédio do MST.
Confiando ainda no acerto da teoria de Piaget, arrisca-se também a dizer que, considerada a
experiência de mobilização do Movimento, pode-se vislumbrar maiores probabilidades de sucesso na
implantação de formas de cooperação nos assentamentos e acampamentos, desde que os militantes atuem
Esta, por sua vez, a cooperação, independente da forma que venha a assumir nos assentamentos e
acampamentos, deve pertencer ao domínio de cada um dos participantes, e de todos ao mesmo tempo,
sendo expressão da autonomia e propiciando o desenvolvimento da subjetividade em todos os seus
aspectos. Daí sim pode-se cogitar do aparecimento do homem novo e da mulher nova, como pretende o
Movimento.
Referências
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Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) para implantar formas de cooperação em assentamentos de
Reforma Agrária. Tese de Doutorado. FFLCH-USP, 1999.
Resumo
O presente estudo sobre ética docente consiste na análise descritiva e interpretativa da apropriação do
cotidiano escolar através de reflexão e tomada de consciência dos professores sobre o dever ser da
profissão e de como esse processo se constitui um instrumento de expansão de si próprio. Destacamos
nos estudos da Epistemologia Genética piagetiana a importância da qualidade das relações interpessoais
para o desenvolvimento geral do sujeito e, em particular, das tendências heterônomas e autônomas que
regem a os juízos e as ações humanas e nos direcionam, através de sucessivas apropriações do cotidiano,
à ética. A pesquisa empírica consiste em entrevistas junto aos professores onde apresentamos situações
que instigam a pensar sobre os princípios que regem a educação, os métodos empregados, os valores e
virtudes cultivados na profissão e a construção de valores dentro e fora da escola. A análise das falas dos
professores nos fornece um retrato da ética que se revela em três faces do discurso docente: a
desinformação ou desinteresse pelo cotidiano escolar, igualando o professor ao senso comum pela falta de
reflexão sobre sua prática; o domínio da informação e atualização docente, porém também destituída de
uma ação reflexiva para apropriação desse conhecimento; e a elaboração de uma perspectiva de ação
docente que alia informação, apropriação e transformação do discurso pedagógico numa proposta de ação
coerente com o juízo emitido. Ao descrevermos a ética docente e afirmarmos um plano ético na educação,
reconhecemos no processo de apropriação do cotidiano das práticas escolares e de tomada de consciência
condição necessária para o entendimento do sentido do “dever ser” da educação e compreendemos a
profissão docente enquanto compromisso com a convivência solidária e com o direito humano à
expansão.
70
Apresentação sucinta da tese defendida no PPGEdu da UFRGS em junho de 2008.
71
Jakeline Alencar Andrade é Pedagoga pela UFC, Mestre e Doutora em Educação pela UFRGS. Trabalha atualmente como
Técnica em Assuntos Educacionais na coordenação acadêmica do Campus Sorocaba da UFSCar.
This study of ethics applied to teaching consists in a descriptive and interpretative analysis of the
common practice in schools through the teachers’ reflective practice and awareness. These two aspects
are seen as tools to expand their knowledge of themselves. We give emphasis to the genetic epistemology
of Jean Piaget and the importance of quality in interpersonal relationships for the general development of
the person. We deal, in particular, with the heteronomy and autonomy aspects of such relationships,
which guide our reasoning and actions, through successive attempts to apply ethic values in our daily
lives. The practical element of this research consists of interviews with teachers where they discuss
situations that instigate the reflection about the principles involved in education, applied methods, values
and virtues highly regarded in the teaching profession and the propagation of such values inside and
outside the school environment. The analysis of these interviews will provide us with a clear picture of
the ethics present in the pedagogical discourse in three phases: a) lack of information or interest in the
daily practice in schools which reveals that teachers are regarded as bearers of common sense due to their
inability to reflect upon their practice; b) the domain of information in education and the training of
teachers that are void of reflective practice, thus do not allow them to acquire and expand knowledge in
their specific areas; c) and the ability to develop a practice that brings together information,
empowerment and transformation of the pedagogical discourse and a proposal of action coherent with
ethic values. When we describe teaching practice and advocate an ethical plan in education, we recognise
that the process to understand the daily practice in education and the awareness that this might raise is
fundamental to understand what education is about and we see the teaching work as an commitment with
solicitous coexistence and the human rights to self-expansion.
Dentre as profissões da atualidade não há, talvez, nenhuma com maior emergência de uma ética
que a do profissional da educação. Não um código de ética, não há necessidade de padronizar nem muito
menos de regularizar a educação. Esta tarefa é inerente aos códigos e leis da educação e, mesmo assim,
consistem em parâmetros que, muitas vezes, indicam um caminho a seguir, mas este é um caminho que se
faz no próprio caminhar.
Trata-se de uma reflexão docente sobre a ação docente. Uma prática de reflexão sobre as atitudes e
os valores que permeiam a educação. O que pensam os professores? Como agem os professores? O que
julgam ser o bem da educação? Como interagem professores e alunos? Como enfrentam os dilemas
cotidianos do ensinar?
Não é novidade a crise educacional e o mal estar da profissão docente. A literatura educacional já
aponta, desde o escolanovismo, uma mudança de paradigma que engloba tanto o descontentamento dos
profissionais quanto à necessidade constante de repensar a profissão. Autores como Aquino, La Taille e
Macedo já trataram das relações entre professores e alunos, da crise de autoridade, da coerção e do
autoritarismo como instrumento de trabalho, da indisciplina.
Um debate corrente e presente na maioria das pesquisas educacionais: a violência nas escolas, o
papel do professor, relações interpessoais, autoridade versus autoritarismo, tradicional versus
construtivismo, forma e conteúdo. E todo esse debate sugere tanto uma mudança nas relações
educacionais como uma tomada de consciência dessa mudança. Há uma concepção de educação sempre
presente em qualquer discurso educacional, no entanto, procuramos mais que um discurso. Buscamos
uma reflexão do próprio professor sobre sua prática e sobre seus valores enquanto profissional.
Faz-se necessária a busca de uma identidade ética docente através das vozes reflexivas dos
próprios professores. Porque essa profissão exige um refazer constante e diário, exige também a
apropriação de suas práticas não apenas como instrumento pedagógico, mas como a elaboração de uma
consciência moral do seu papel enquanto profissional da educação que emana de uma concepção moral,
conscientemente ou não, ao relacionar-se com o outro, neste caso, o aluno.
É fato que o professor sempre expressa, explícita e implicitamente, sua concepção de educação.
Assim, se, para ele, ensinar é transmissão de conhecimento, sua ação em sala de aula será diretiva e
expositiva, centrada no repasse dos conteúdos curriculares. Mas se ensinar é propiciar condições para que
o indivíduo se desenvolva exponencialmente, a ação centra-se na busca de soluções para problemas e no
desenvolvimento dessa capacidade pelos alunos.
Essa busca de uma ética docente parte do princípio de que o professor é um sujeito moral e, como
tal, busca para si uma ampliação de vida que supere o simples agir de acordo com regras e valores
promulgados pelo ambiente escolar. Entendemos como um pensamento ético aquele que se debruça sobre
o cotidiano, que questiona e busca a superação de sua ação, elaborando formas de expandi-la.
Referencial Teórico
As respostas buscadas pela filosofia, sociologia e psicologia para a moralidade humana sugerem
ou a razão ou a sociedade/meio, ou ainda a interação desses dois fatores, como a principal responsável
pela tomada de decisão. Há movimentos de ida e volta ora para a racionalidade humana ora para a
sociedade: é a busca da responsabilidade de ação na razão interior do indivíduo ou no seio dos próprios
costumes. Sem pretender encontrar uma resposta definitiva, apostamos na interação desses fatores e na
interdisciplinaridade para continuar a busca de respostas sobre a moralidade.
É na Epistemologia Genética que buscamos fundamentar nossa posição. Ela ensaia uma resposta
para a moralidade humana descrevendo, em linhas gerais, o pensamento infantil sobre algumas questões
morais, como a mentira, o roubo e a justiça. Descreve a oscilação entre duas morais na criança, uma
heterônoma, orientada pelo exterior, e uma autônoma, que se orienta pela reflexão pessoal; tal descrição
busca explicar ainda a influência do social e do próprio desenvolvimento na construção de uma
consciência autônoma.
Aceitando a descrição da Epistemologia Genética, calcada nos estudos de Jean Piaget (1896-
1980), resta a pergunta de como as interações na escola podem auxiliar no desenvolvimento de uma
consciência autônoma. A resposta é buscada no mesmo referencial e vislumbra-se uma escola que prime
pelo desenvolvimento intelectual e fomente este desenvolvimento através da construção de conhecimento,
das relações entre iguais, do respeito mútuo e da cooperação.
Nesse estudo, procuramos descrever a amplitude de uma teoria que, ao buscar a gênese do
conhecimento humano, lança mais perguntas e sugere uma resposta que vai além dos dogmas, do senso
comum e mesmo da dicotomia que sempre dividiu a psicologia, a biologia e a filosofia. À pergunta que
não quer calar jamais, Piaget respondeu com a proposta da interação como meio mais provável de
solucionar grandes dilemas da ciência cognitiva. Nem o meio nem o indivíduo, mas uma interação radical
entre ambos possibilita o que entendemos por conhecimento humano.
E foi a partir desse conhecer humano que procuramos pensar a ética. Apesar de não diferenciar os
termos moral e ética, utilizando-se apenas do termo moral como genérico para a moralidade, Piaget
demonstra uma realidade moral através da descrição de um sujeito heterônomo, que age segundo normas
morais devido à coação, medo de castigos físicos ou psicológicos, ou por considerá-las sagradas, preso à
realidade social a qual pertence e, por outro lado, uma realidade ética que consiste num sujeito autônomo
que através do entendimento da realidade das normas morais, chega a consenti-las no seu íntimo porque
as entende enquanto essenciais para a convivência e manutenção da sociedade justa. São duas realidades
psicológicas do sujeito moral que convivem e são, ora predominantes ora superáveis e compartilham
ações e reflexões morais de cada sujeito, de cada ser.
Antes de cair em qualquer unilateralismo, entendemos que as definições nos auxiliam a pensar
nosso objeto de estudo. Quando nos referimos à ética kantiana ou ao estudo do juízo moral realizado por
Piaget, não pretendemos classificar tais teorias, mas sim já termos elementos para saber de onde partimos.
Veremos que se, por um lado, Kant parte da razão como a priori da moralidade humana evidenciada no
sentimento de dever livremente consentido, Piaget descreve uma moral em construção que tende à
autonomia, justamente pela racionalização desse dever. Ambos partem do princípio de que a moral, assim
como o desenvolvimento da consciência, segue movimentos ascendentes comuns à espécie humana. Se
para Kant a moralidade humana só se realiza ao distanciar-se dos desejos e vicissitudes em favor da
razão, compreendendo o dever como um bem em si mesmo, Piaget descreve a interação entre o sujeito e o
dever, onde a apropriação e a valorização do dever são construídas diante da qualidade das relações
travadas com o meio e com o outro.
É aqui que definimos nosso caminho. Foi difícil chegar até aqui por um percurso acadêmico que
ora se estende pela filosofia, ora sociologia, ora psicologia. O ideal era conseguirmos enxergar a
moralidade humana pelas três vias, pois assim o é o sujeito: indissociável. Mas o entendimento que nos
foi possível atingir se fez meio condutor de nossas pesquisas até a busca de uma ética docente.
Objetivos
Ao nos propormos uma ética docente, buscamo-la na emissão de juízos sobre o cotidiano do
professor porque acreditamos que uma reflexão sobre a prática consiste num poderoso instrumento de
mudança de comportamento e assunção de valores importantes ao contexto educacional, direcionando o
pensamento docente para um entendimento ético de seu trabalho. Mesmo que muitos professores não
façam essa reflexão espontaneamente, ao se debruçar sobre os objetivos de seu trabalho e de situações e
conflitos do seu cotidiano o professor é convidado a eleger prioridades e a tomar posição. O juízo
elaborado pelos professores será traduzido em discurso docente, onde pretendemos destacar tendências
que caracterizam a ética docente.
Elegemos temas e criamos situações que, além de polemizar, pretendem dar conta de uma reflexão
docente. Os professores já pensaram sobre princípios morais na escola? É objetivo da escola educar
moralmente? Como realizá-lo? Os métodos são eficazes para o que a escola se propõe? Existem valores
próprios à função docente? Quem é responsável pela formação moral das crianças? São
questionamentos simples que aparecem dentro de situações do cotidiano dos professores justamente para
provocá-los: Você já se questionou sobre seu papel? Seu trabalho e sua influência na vida dos
educandos?
A descrição de uma ética docente é, portanto, baseada nos próprios juízos dos professores e a
análise desses juízos nos fornecerá elementos para afirmarmos, ou não, a existência de um plano ético na
docência. Apresentamos agora os aspectos metodológicos da pesquisa e, em seguida, nos debruçamos
sobre a análise do juízo moral dos professores.
Segundo os passos de uma ética aplicada72, buscamos eleger parâmetros norteadores para a
construção de uma ética docente baseada no aspecto reflexivo da profissão, onde destacamos (1) os
princípios morais, (2) os mecanismos, (3) os valores mínimos, (4) os valores próprios à educação e (5) a
construção de valores universais; e elaboramos, para cada um deles, situações-problema73 (acompanhadas
de perguntas) apresentadas aos professores entrevistados e solicitamos que estes emitam juízos de valor.
Ao elegermos tais parâmetros afirmamos a importância de nos debruçarmos sobre uma ética aplicada à
educação e, mais do que isso, buscamos no professor o sujeito e o interlocutor dessa ética.
Assim, nos concentramos nas entrevistas de nove professores da Rede Oficial de Ensino do
Município de São Paulo (dois professores de escolas públicas e sete de escolas particulares). Dentre eles,
cinco professoras e quatro professores. Cada professor recebeu um código alfa-numérico de identificação
que preserva sua identidade sem prejuízo de sua identificação ao longo da análise das entrevistas. No
ensino fundamental, temos uma professora polivalente das séries iniciais com formação média em
Magistério e superior em Pedagogia (S1); uma professora de inglês do EJA com formação média em
Magistério, Licenciatura em Letras e uma Pós-Graduação (N2); uma professora de Português e Espanhol
também com Licenciatura em Letras (C8); uma professora de Geografia e História com Licenciatura em
72
Cortina e Martínez (2005, p.159)
73
Ver as situações e perguntas na íntegra em Anexos.
As entrevistas tiveram duração média de 60 minutos, foram gravadas em mídia digital e transcritas
literalmente uma a uma. A seguir apresentamos a análise dessas entrevistas, em que perseguimos no juízo
e na fala docente uma reflexão que auxilie na descrição de uma ética docente. Não se trata de identificar
níveis do juízo moral docente, não falaremos de estágios ou mesmo de uma graduação, o que nos
propomos agora é a descrição e apresentação dos juízos emitidos pelos professores organizados em
blocos de acordo com cada situação apresentada. Perseguiremos nas respostas dos professores uma linha
de pensamento que caracterize uma reflexão inerente à prática docente e ao contexto educacional dentro
da proposta de educação como formação para a vida e que considere os professores como sujeitos morais,
procurando identificar e descrever juízos e reflexões de acordo, principalmente, com o questionamento da
moralidade vigente (autonomia) ou no simples cumprimento do dever (heteronomia).
2. Os meios empregados Educação de valores apenas É possível trabalhar valores e A construção de valores é feita
nas disciplinas de conteúdos em ciências no dia-a-dia das relações em
humanidades exatas, mas não se sabe como sala de aula
Como ensinar valores e Não se ensina matemática e Adequar o conteúdo (de Todas as disciplinas podem
conteúdos ao mesmo tempo? valores ao mesmo tempo matemática) aos valores abordar os valores na escola
Validade dos métodos para a Educação em valores se Formação de conceitos alia A aprendizagem de valores é
aprendizagem dos alunos confunde com combate à conteúdos e realidade dos indeterminada
indisciplina alunos
Avaliação da aprendizagem Prova para avaliação da Acompanhamentos ao longo
de conteúdos aprendizagem do período
Avaliação da aprendizagem Não há como avaliar Observar mudanças no
de valores cotidiano das relações entre os
escolares
3. Valores e virtudes da Não é atribuição do professor O professor intervém e É responsabilidade do
docência (ética de mínimos) tomar decisão comunica o fato à professor mediar os conflitos
- Tomada de decisão sobre coordenação da escola entre os alunos
intercorrência na escola
Tomada de decisão sobre Não deve intervir em Acionar “as autoridades” O professor deve intervir
intercorrências ou fatores situações fora da sala de aula competentes
extra-escolares
Contra argumento Justificando o outro: Não se justifica: universalismo
relativismo (?) (?)
4. Exigências e valores O professor é autoridade O professor se constrói
próprios à educação - A instituída autoridade
autoridade docente
Lealdade entre colegas – Os Delatar os colegas constitui
alunos devem delatar os uma ação moral para a escola
colegas? (Unanimidade)
Os delatores devem ser A delação dos colegas não
poupados da punição constitui um valor
coletiva? (Unanimidade)
As regras na escola Acatar opinião do aluno pode Conversar é uma coisa, As regras podem ser mudadas
implicar em perda da mudar as regras é outra através de argumentação e de
autoridade e de limites consenso mútuo
As regras na sala de aula É importante discutir, mas O professor é obrigado a As regras podem ser mudadas
valem as regras do professor mudar as regras por consenso
5. Construção de valores - É um problema de classe O discurso dos limites: os Falta de diálogo
Por que os pais perdem o social pais não estão preparados
controle sobre os filhos? para serem pais e mães
Qual a responsabilidade da A escola não deveria ser A escola não está preparada A responsabilidade da escola
escola na construção de cobrada para assumir uma construção aumenta
valores? de valores
Esse agrupamento dos juízos emitidos nas falas nos permitiu identificar pelo menos três grupos de
respostas que se aproximam justamente pelo envolvimento dos professores na análise das situações
apresentadas. O primeiro grupo constitui as análises mais superficiais que demonstram pouco
Notemos que há, portanto, um movimento progressivo entre as diversas falas de diferentes
professores. Mas, insistimos, tal movimento configura-se a partir da reflexão de cada docente sobre as
situações apresentadas e se observamos diferenças qualitativas (e significativas) entre as sentenças e falas
é porque estamos diante de sujeitos que nos revelam diferentes níveis de apropriações dos temas e
situações a que foram expostos. O que nos leva à urgência de um conceito de ética docente que
transcenda qualquer código ou norma e se sustente na tomada de consciência e reflexão docente.
Uma última reflexão sobre o agrupamento das falas. Ainda que se trate de uma análise dos juízos e
opiniões emitidos e não dos sujeitos, o acompanhamento das respostas individuais nos permite também
visualizar a adesão dos professores a cada agrupamento. Dessa forma, foi possível perceber que os
professores emitiam mais respostas características de um agrupamento em particular. Mas foi justamente
o trânsito entre um agrupamento e outro o que nos permitiu identificar a reflexão e a tomada de
consciência e descrevê-las. A título de exemplo, podemos acompanhar as respostas dos professores S1 e
M9. A professora S1 tem suas falas concentradas no agrupamento 1 (nove incidências), mas também
aparece no agrupamento 2 (cinco incidências) e 3 (quatro incidências). Já o professor M9 tem seu
discurso predominantemente no agrupamento 3 (dez incidências), mas também no agrupamento 2 e 1,
com cinco e três incidências respectivamente.
Chegamos, portanto, a três retratos de uma ética docente e nossa familiaridade com a
Epistemologia Genética e com estudos sobre o desenvolvimento moral nos conduz naturalmente à busca
de uma evolução dos juízos emitidos pelos professores. Não negaremos tal referencial, pois ele realmente
conduziu nossa análise e se evidencia na caracterização dos retratos dos grupos 1, 2 e 3.
Quanto à primeira, nos parece mesmo irrelevante tomarmos a perspectiva de uma graduação nos
discursos dos professores. Os estudos piagetianos sobre a moralidade, assim como a abordagem de
Kohlberg, sugerem uma evolução dos juízos morais nas crianças até a idade adulta. Mas também é
verdade que o desenvolvimento em geral depende, além dos atributos biológicos, da qualidade das
interações sociais e do ambiente; que juntos determinam as possibilidades desse desenvolvimento. E no
que tange à moralidade há, no mínimo, um paralelismo com o desenvolvimento cognitivo que alia, por
exemplo, pensamento pré-operatório a não coordenação de ações e pensamento e, consequentemente,
dificuldade de colocar-se na perspectiva do “outro”. O que remete mesmo a uma evolução no
desenvolvimento moral do sujeito.
Por outro lado, esse mesmo referencial nos mostra que os mecanismos que regem o
desenvolvimento são alimentados pelas interações sociais e ambientais nas quais estamos inseridos e,
portanto, somos levados à interação com determinados objetos (sentimentos, ações, conceitos, etc.) que se
inserem em nossos mecanismos e se transformam e nos transformam, mas dependem também de um
motor (emocional) que desencadeia a ação. Isso equivale a pensar o desenvolvimento não apenas do
ponto de vista estrutural, mas a partir de uma perspectiva individual, de cada sujeito em particular. Ao
descrever o juízo moral da criança Piaget ensaia estágios do desenvolvimento moral (anomia,
heteronomia e autonomia), mas estes apenas constituem o juízo predominante ou a tendência das
respostas emitidas na primeira infância, na segunda e no início da adolescência. Pois a principal
constatação de Piaget centra-se no fato de que existem duas realidades morais: a heteronomia e a
autonomia. Realidades estas que coexistem no mesmo sujeito e na mesma sociedade de acordo com o
nível de interação interpessoal com os outros, com os valores morais e, consequentemente, a construção
individual e tomada de consciência das questões morais.
Quando falamos em realidades morais convivendo num único sujeito, insistimos na apropriação
da realidade no contexto individual. Assim, julgamos e agimos de acordo com uma moral heterônoma
quando nos submetemos às leis vigentes no nosso país, por exemplo. Mas somos capazes de nos
indignarmos e questionarmos essas mesmas leis quando sua aplicação resulta em situações que
consideramos injustas. O modo como agimos e julgamos as situações que se nos apresentam em nosso
E é nessa perspectiva que consideramos o juízo docente sobre seu cotidiano para ensaiarmos uma
ética docente. Porque o nosso entendimento de ética se assemelha à realidade de uma moral autônoma
que toma para si a reflexão sobre o seu cotidiano, procurando relacionar seu posicionamento e suas ações
com os valores morais e com a perspectiva do outro. Assim, quando assumimos uma moral autônoma
caminhamos em direção a um reflexionamento e tomada de consciência que nos expande em direção à
ética. E quando nós professores expandimos esta reflexão ao nosso ambiente de trabalho, temos a ética
aplicada à educação e, consequentemente, uma ética docente.
Essa constitui a proposta deste estudo. Descrever o conhecimento dos objetivos da educação, os
meios empregados para tal, os valores e as virtudes próprios à situação educacional, as exigências e,
principalmente a apropriação do cotidiano, a tomada de decisão e a reflexão dos professores sobre seu
trabalho. Inserir-se no cotidiano através de situações nas quais os professores são chamados a se
posicionar e emitir juízos sobre seu trabalho e, se já não o fazem espontaneamente, a se questionar e
refletir sobre sua ação na formação moral de outros sujeitos. Porque para se afirmar uma ética docente é
preciso afirmar que existe uma preocupação com os fins educacionais, com os rumos do trabalho docente,
com o resultado desse trabalho e com a qualidade das relações com o outro; se o professor não se coloca
tais questões, se não reflete sobre seu cotidiano, é um professor moral, não ético.
E o que encontramos nas falas dos professores entrevistados constitui um retrato desta ética, ou
seja, do reflexionamento moral dos professores. Ao analisarmos as falas não buscávamos um discurso
único dos professores, nem respostas corretas, mas uma referência do pensamento docente. Deparamo-
nos com expressões de discursos que nos permitiram identificar e qualificar as falas agrupando-as de
acordo com a coerência das respostas na sequência das perguntas e o aprofundamento nas situações
apresentadas. Assim nos foi possível chegar aos três grupos descritos anteriormente, pois cada vez que
O retrato da ética docente assume, portanto, estas três faces do discurso docente que se revelam
através da desinformação ou desinteresse pelo cotidiano escolar, igualando o professor ao senso comum
pela falta de reflexão sobre sua prática; pelo domínio da informação e atualização docente, porém
também destituída de uma ação reflexiva para apropriação desse conhecimento; até a elaboração de uma
perspectiva de ação docente que alia informação, apropriação e transformação do discurso pedagógico
numa proposta de ação coerente com o juízo emitido. E a ética docente que perseguimos ao longo desse
trabalho assume a perspectiva da apropriação do cotidiano escolar – e isso não se resume ao domínio
teórico de tendências educacionais, da legislação, das normas e dos regimentos escolares, da formação
acadêmica ou em serviço, do estrito cumprimento das atividades diárias – seguido de uma ação de
reflexão que o transforma e se reflete no seu discurso, quiçá na prática docente. E quando tal processo de
tomada de consciência se faz presente no cotidiano das práticas escolares, estamos diante da ética
docente.
Referências
ANDRADE, Jakeline Alencar. Ética docente: estudo sobre o juízo moral do professor [manuscrito].Tese
de doutorado. Porto Alegre: PPGEdu/UFRGS, 2008.
BECKER, F. [1993] A epistemologia do professor: o cotidiano da escola. 9a ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
CORTINA, Adela e MARTÍNEZ, Emilio. Ética. São Paulo: Edições Loyola, 2005.
LA TAILLE, Yves de. Moral e ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: ArtMed, 2006.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Trad. Leopoldo
Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004.
MACEDO, Lino (org.). Cinco estudos de educação moral. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.
_____. [1948] Para onde vai a educação? 8a ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio, 1984.
_____. [1969] Sabedoria e ilusões da filosofia. In: Os pensadores. São Paulo: Abril, 1978.
Resumo
Este estudo teve por objetivo entender a visão de pais, alunos e professores de duas escolas particulares
da cidade de São Paulo quanto à frequência e ao tipo de conflitos que ocorrem, tanto entre pares, quanto
na relação professor-aluno. Notaram-se diferenças nas relações vivenciadas em cada uma das instituições:
uma delas é marcada por indícios de ambiente coercitivo e a outra, por apresentar tendência à cooperação.
Participaram da pesquisa, alunos, professores e responsáveis (pais) de uma classe do 6º ano, e uma do 9º
ano, de cada uma das duas escolas, totalizando 110 entrevistados. O instrumento utilizado foi um
questionário com perguntas abertas e fechadas, separado em duas partes, com as mesmas perguntas. A
primeira investigava a relação entre pares e a segunda, a relação professor-aluno. As respostas passaram
por uma categorização livre, com análise de conteúdo, nas quais foram observadas as características mais
comuns encontradas. Notaram-se diferenças na comparação dos dados das duas escolas tanto em relação à
frequência quanto aos tipos de conflitos que ocorrem. Nas respostas da escola com tendência à
cooperação, apareceram menos conflitos, tanto no geral, quanto na categoria conflitos envolvendo regras
morais. Os resultados sugerem, como encontrado na literatura, que o ambiente influi na forma como os
alunos e professores concebem os conflitos. A teoria construtivista piagetiana na perspectiva da
psicologia moral constituiu-se o referencial teórico da pesquisa.
Abstract
This research aims at understanding the parents’, students’ and teachers’ views, in two private schools in
Sao Paulo, on the rate and nature of conflicts taking place among them all, both within the peers and
between teacher and student. Differences were observed in interactions experienced in each institution:
one marked by signs of a compelling environment and the other by tending to cooperation. A total of a
hundred and ten teachers, students and the responsible parties (i. e. parents) from the 6th and 9th grades in
each school were interviewed in the survey. The instrument used was a survey including open and closed
questions, separate into two parts, with the very same questions. The first one looked into the interaction
between peers, and the second one between teacher and student. Following an analysis of the content, the
answers underwent a free classification, in which the commonest characteristics were detected.
Differences were observed when comparing the data from the two schools, concerning both the rate and
the nature of conflicts taking place. The answers from the school tending to cooperation revealed fewer
conflicts, both regarding a general background and the category conflicts involving moral rules. As the
body of literature reads, the results suggest that the environment biases the way teachers and students
consider conflicts. From the perspective of moral Psychology, the Piagetian constructivist approach
turned into the theoretical reference for the present research.
Em um estudo realizado em bairros marcados por alto grau de violência social, situados na
periferia da cidade de Porto Alegre, Paim Costa (2000) apresenta dados de perplexidade do grupo de
professores, que demonstraram dificuldade em agir efetivamente, diante das rivalidades entre jovens que
afetam o projeto educativo com suas brigas e conflitos.
Não somente diante de casos extremos, como esses, os professores ficam desconcertados com os
conflitos dentro da instituição escolar e procuram agir de forma rápida, buscando solucioná-los o quanto
antes. Por ser geralmente tratado na escola como um fato antinatural, o conflito costuma causar
insegurança em muitos educadores que, diante da dificuldade em lidar com ele, comumente utilizam três
formas de intervenção: evitá-lo, contê-lo ou ignorá-lo. Esses mecanismos de resolução podem coibir o
problema momentaneamente, mas não propiciam aos envolvidos a tomada de consciência de seus atos,
nem os fazem sentirem-se co-responsáveis por elas.
Uma instituição educacional que vise o desenvolvimento moral dos alunos — de acordo com a
concepção construtivista — necessita planejar um trabalho com resolução de conflitos em que o objetivo
almejado não seja a rápida solução do problema. É por meio das vivências das consequências de seus
atos, assim como pela coordenação de diversos pontos de vista em busca de soluções mais justas e
respeitosas, que haverá uma contribuição efetiva para os educandos caminharem rumo à autonomia.
Segundo Piaget, os conflitos vivenciados pelo sujeito levam-no a buscar uma nova ordem interna, que não
só é alimentada pela ordem externa, como também a alimenta, desencadeando todo um esforço de
organização. O autor enfatizou a importância dos conflitos interpessoais como facilitadores dos conflitos
internos pelos quais o indivíduo começa a levar em conta outros pontos de vista (PIAGET, 1932/1994;
VINHA, 2000).
Em pesquisas realizadas em escolas públicas e particulares, Fante (2005) aponta que 47% dos
professores ocupam de 21% a 40% do seu dia escolar para resolver conflitos e situações de indisciplina.
Outros autores, como Pacheco e Araújo (2006), também apresentam dados de ser a indisciplina fator
bastante presente nas escolas.
Uma vez que o ambiente escolar tem muito valor na formação do sujeito, dada a influência que
exerce no desenvolvimento da autonomia, a qualidade de relações nele estabelecidas é de suma
importância. Diversos estudos demonstraram essa relevância. Menin (1985) conclui que, em geral, as
relações vividas na escola costumam fortalecer a heteronomia moral por meio da coação exercida pelos
professores e funcionários; Tognetta (2003, 2007) demonstra que ambientes cooperativos podem
favorecer a integração de valores morais como a solidariedade; Araújo (1993) demonstra o fortalecimento
de julgamentos morais que tendem à autonomia, quando o sujeito vivencia ambientes sociomorais74
cooperativos; Bagat (1986) comprova que educadores pouco dogmáticos auxiliam mais efetivamente o
desenvolvimento do senso de responsabilidade, demonstrando que um ambiente democrático pode
desenvolver, nas crianças, a capacidade de julgar mais autonomamente.
74
Ambiente sociomoral, para DeVries e Zan (1998, p. 17), é assim definido “toda rede de relações interpessoais que forma a
experiência escolar da criança. Essa experiência inclui o relacionamento da criança com o professor, com as outras
crianças, com os estudos e com as regras”.
Lukjanenko (1995, p. 45) defende que, em um ambiente onde predominam relações de coação ou
de autoritarismo, a escala de valores se deve, não à própria consciência, mas à pressão exterior, pela
autoridade dos usos e tradições. Na ausência da reversibilidade, o sistema de representações coletivas
impostas por coação não constitui um estado de equilíbrio verdadeiro. Para a autora, o ambiente
cooperativo deveria favorecer a interação entre indivíduos, pois as relações sociais não ocorrem por
imposição, repetição ou crença, mas a partir de discussões, trocas de ponto de vista e controle mútuo dos
argumentos. Reforça ainda que um ambiente cooperativo não é o laissez-faire concebido pelo liberalismo
clássico, mas implica um sistema de normas não coincidente com a simples regulação externa. A
atividade disciplinada, ou a autodisciplina, difere da atividade imposta e forçada.
Outras pesquisas comprovam que alunos que vivenciaram ambiente escolar construtivista
apresentaram maneiras mais respeitosas para a resolução de seus conflitos e estabeleceram relações mais
cooperativas do que outros que frequentaram ambientes educativos mais autorirários (DE VRIES; ZAN,
1995; VINHA, 2000; TOGNETTA; VINHA, 2007).
Objetivos e metodologia
Dado que há diferenças entre os ambientes, procuramos verificar se, conforme literatura
especializada, as concepções sobre a ocorrência dos conflitos diferem na visão dos alunos, professores e
responsáveis de ambas as escolas.
Em uma das instituições foram encontrados traços de um ambiente coercitivo, enquanto na outra
foram percebidas ações que indicam um ambiente com tendência à cooperação. Chamaremos aqui de
Escola X a primeira e de Escola V àquela que é menos coercitiva.
Procurou-se verificar se houve divergência nas respostas de acordo com a influência do ambiente.
Esse estudo foi realizado com alunos de 10 a 15 anos — uma vez que, com essa idade, o jovem já
possui condições cognitivas de colocar-se em outra perspectiva, considerando uma posição diferente da
sua — seus respectivos responsáveis e professores, em quatro classes do Ensino Fundamental II, sendo
uma classe de sexto ano e uma de nono ano em cada uma das duas escolas pesquisadas, ambas da rede
particular da cidade de São Paulo.
A opção por participar, após a explanação dos objetivos da pesquisa, foi firmada por meio do
termo de compromisso livre e esclarecido, assinado na própria instituição, antes da entrega do
instrumento. Dispuseram-se a participar, 110 sujeitos — alunos, professores e responsáveis — das classes
envolvidas.
Nesse artigo, analisaremos a frequência em que os conflitos ocorrem nessas escolas, os tipos de
conflitos que aparecem e a diferença dessa incidência em ambas as escolas pesquisadas.
– Geralmente, esses conflitos são resolvidos? — com as opções sim, às vezes, não.
Os questionários foram respondidos em um mesmo dia, nas próprias instituições escolares, tanto
pelos alunos, quanto pelos responsáveis e pelos professores, na presença de uma das pesquisadoras deste
estudo.
As respostas dadas à frequência em que ocorrem os conflitos foram unidas em dois grandes
grupos. O primeiro reúne as respostas frequentemente e às vezes, agrupando as respostas que indicam a
ocorrência em grande escala. O segundo agrupa raramente e nunca, mostrando as respostas que veem o
conflito como pouco frequente.
As respostas quanto ao tipo de conflito encontrado passaram por uma categorização livre, com
uma análise de conteúdo revelando as características mais comuns nos grupos de respostas encontradas.
Inicialmente separamos os tipos de conflitos em duas grandes categorias: conflitos envolvendo regras
morais e conflitos envolvendo regras convencionais. Em outro estudo, detalharemos melhor as
subdivisões de cada uma dessas categorias.
Na categoria conflitos envolvendo regras morais foram agrupadas respostas a respeito de situações
de agressão física; agressão verbal; violação de patrimônio público ou pessoal; desrespeito; injustiça;
intimidação; preconceito; intolerância; omissão de responsabilidade. Pudemos encontrar respostas como
“[...] falam alto ou ridicularizam algum colega.”; “[...] “empurra-empurra” e chutes, principalmente entre
meninos.”; “[...] discriminações diversas (lugar de nascimento, cor, etc...)”
Discussão
Nas respostas de todos os grupos entrevistados, para a ocorrência de conflitos entre pares, a
existência de conflitos foi considerada frequente. Apesar de os professores também considerarem
frequente (67,6%), eles os percebem em menor escala que os alunos (78,4%) e responsáveis (80%).
Provavelmente os responsáveis percebam os conflitos tais como seus filhos os relatem. Imagina-se que
esse seja o motivo de suas respostas serem tão próximas.
Separando as respostas por escola, podemos observar a Figura 1. Ainda que todos os grupos
percebam a grande incidência em que os conflitos ocorrem, aparecem diferenças entre os sujeitos das
duas escolas. Para os entrevistados da Escola X, os conflitos são mais frequentes do que para os sujeitos
da Escola V.
Figura 1: Porcentagem de respostas que demonstram a frequência dos conflitos entre pares.
Nas respostas dadas para a ocorrência de conflitos com a autoridade, as respostas dos professores
destacam-se das outras, demonstrando que estes não percebem a existência dos conflitos professor/aluno
da mesma forma que os educandos e seus respectivos responsáveis. Enquanto apenas 26,5% dos
professores julgam ser frequente esse tipo de conflito, 61,8% dos alunos e 66,7% dos responsáveis os
Da mesma forma como na relação entre pares, também em relação à autoridade, os sujeitos da
Escola X consideram haver maior presença de conflitos do que os entrevistados da Escola V. Imagina-se,
pelas respostas obtidas, que o conflito seja tratado mais naturalmente pelos integrantes da Escola V, não
sendo um desconforto tão grande a ocorrência de pequenas divergências de opinião.
Figura 2: Porcentagem de respostas que demonstram a frequência dos conflitos com a autoridade.
Considerar positivo que os alunos da Escola V constatem uma menor frequência de conflitos
existentes na escola, não significa que seja esperada a ausência de conflitos, uma vez que — de acordo
com a teoria construtivista — é considerado um fenômeno natural, próprio de qualquer grupo social e
uma oportunidade de aprendizagem. É desejável, no entanto, que os conflitos não disturbem a ordem de
forma a prejudicar o processo educativo. Assim, é presumível que existam conflitos nas instituições
educativas, dentro do limite da convivência justa e respeitosa.
A seguir, analisamos os tipos de conflitos que apareceram nas respostas dadas. Nessas categorias,
houve menos concordância nas respostas dos diferentes grupos.
Observa-se que, para os conflitos entre pares, apenas os responsáveis da Escola V assinalam maior
índice de serem os conflitos interpessoais gerados por regras convencionais. Todos os outros grupos —
responsáveis da Escola X; alunos e professores de ambas as escolas — identificam as regras morais como
as principais causadoras de conflitos. Os alunos de ambas as escolas, no entanto, percebem mais conflitos
decorrentes de regras morais do que os professores, que tendem a equiparar a incidência dos dois tipos de
conflitos.
Nas respostas dadas para os conflitos com a autoridade, de acordo com Figura 4, surge uma
divergência bastante inquietadora.
Na Escola X, grande parte dos alunos (72,1%) vê serem as regras morais o maior fato gerador de
conflitos, enquanto os professores (50%) equiparam suas respostas entre as duas categorias e apenas
42,9% dos responsáveis identificam ser essa a causa (as regras morais). Provavelmente, esses professores
que estabelecem relação de coerção com seus alunos no dia-a-dia não tenham consciência da proporção
de suas ações. Assim, a resposta de um aluno que indique desrespeito por parte da autoridade, pode ser
vista pelo professor como maneira “usual” de fazê-lo acatar as regras.
Na Escola V, a situação é invertida, apenas 40,9% dos alunos veem os conflitos sendo gerados por
regras morais, mas 66,7% dos professores e 60% dos responsáveis apresentaram a mesma resposta. Uma
hipótese é que os professores que estão estudando a construção da autonomia moral estejam mais atentos
a situações de desrespeito demonstradas pelos alunos. É possível também que os alunos estejam
questionando regras convencionais, por não entenderem os princípios que as embasam. Uma vez que
esses alunos têm vivenciado em sua prática a discussão a respeito de regras em assembleias de classe, é
possível que busquem querer conhecer os motivos pelos quais essas regras vigorem.
Conclusões
Esta pesquisa fornece fortes indícios de que um ambiente sociomoral cooperativo favorece a
percepção do outro e propicia que os sujeitos busquem melhores formas de lidar com os conflitos,
confirmando dados encontrados na literatura no que diz respeito à relação do ambiente escolar vivenciado
e o desenvolvimento moral dos alunos.
Na Escola V — que não pode ser considerado um ambiente cooperativo, mas demonstrou
tendência à cooperação — a visão entre alunos, responsáveis e professores demonstrou a oscilação
própria daqueles que buscam uma nova conduta e estão construindo esse processo. Observa-se que na
relação entre pares as conquistas já começam a ser notadas. Os dados confirmam a necessidade de mais
tempo para ajustes nas relações com a autoridade, de forma a conquistar o respeito mútuo.
Ainda que este estudo tenha sido conduzido com uma amostra restrita de alunos e professores em
apenas duas escolas, os resultados confirmam alguns dados encontrados em outros estudos (VINHA,
2000; TOGNETTA, 2003; TOGNETTA; VINHA, 2007) ressaltando não somente a importância do
ambiente, como a necessidade de o educador conhecer o desenvolvimento dos alunos para poder intervir
de maneira mais construtiva.
Referências
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2004.
DEVRIES, R., ZAN, B. Creating a constructivist classroom atmosphere. Revista Young Children, p. 4-
13, nov. 1995.
FANTE, C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas:
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PIAGET, J. Para onde vai a educação?. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1973. (ed. orig. 1948).
________. O Juizo Moral na Criança. São Paulo: Summus, 1994. (ed. orig. 1932).
PUIG, J. M. As assembleias de sala de aula ou como fazer coisas com palavras. In: ARGÜIS, R. Tutoria:
com a palavra, o aluno. Porto Alegre: ArtMed, 2002.
TOGNETTA, L. R.; VINHA, T. P. Quando a escola é democrática: um olhar sobre a prática das regras e
assembleia na escola. Campinas: Mercado das letras, 2007.
Resumo
O presente estudo tem como objetivo descrever situações vivenciadas no contexto escolar, tendo como
foco principal, a análise do pensamento e do desenvolvimento moral de um grupo de crianças, frente aos
dilemas reais emergidos desta convivência. A fim de possibilitar esta análise, foi proposto ao grupo (por
meio de assembleias), discussões e reflexões acerca das hipóteses sugeridas pelo grupo para cada dilema.
A obra, O Juízo Moral na Criança, de Jean Piaget, foi o alicerce no qual nos pautamos teoricamente na
condução do trabalho. As crianças do grupo analisado têm entre sete e oito anos e pertencem a uma classe
de 1ª série de uma E.M.E.F. situada na periferia da cidade de Marília – SP. Como instrumento de coleta
de dados (dilemas) e análise do grupo, utilizamos a Entrevista Clínica Piagetiana, descrita por Juan
Delval. Os dilemas reais experienciados, são em primeiro plano, estímulos para os sujeitos, pois suscitam
um conflito entre diferentes tipos de normas, expondo a forma de pensamento frente a eles. Os dilemas
selecionados para este estudo abarcam temas referentes à Cooperação, Agressão física e verbal e
Constituição e cumprimento de regras. As respostas dadas pelos sujeitos durante as assembleias foram
agrupadas em categorias e a análise permitiu conhecer, através de suas explicações, o seu pensamento e
as propriedades que atribui à realidade. A participação das crianças na busca de resolução dos conflitos
promoveu estímulos para o avanço em direção à autonomia moral do grupo.
Abstract
The present paper is aimed at describing situations experienced in the school context, giving special
attention to the thought and moral development analysis of a group of children faced with real dilemmas
that arise from this sociability. In order to make such analysis possible, discussions and reflections on the
hypotheses, suggested by the group for each dilemma, were proposed to the group by means of meetings.
Jean Piaget’s work, “The children moral judgement” was the theoretical base for the research conduction.
The children in the analyzed group are seven/eight years old and they go into the first grade of an
“E.M.E.F.” (municipal school of fundamental teaching) on the outskirts of Marília – SP. The work
“Piagetian Clinical interview” described by Juan Delval, was used as an instrument for data collection
(dilemmas) and group analysis. The real existing dilemmas are, first of all motivations for the subjects
because they give rise to a conflict among the different types of rules. The dilemmas selected for the
present study approach topics related to cooperation, physical and verbal aggression, constitution and
obeying of rules. The answers given by the subjects during the meetings were grouped into categories
and, by means of the analysis, it was possible to know about their thoughts and the characteristics they
attribute to the reality. The participation of the children, trying to solve conflicts, increased the motivation
to the group moral autonomy.
O propósito deste trabalho é descrever situações vivenciadas no contexto escolar, por crianças de
sete e oito anos, tendo como foco principal a análise do pensamento e do desenvolvimento moral deste
grupo. As situações analisadas envolvem dilemas reais emergidos da convivência entre professor/aluno e
aluno/aluno, ambos pertencentes a uma escola situada na periferia da cidade de Marília S/P. A fim de
possibilitar a análise foi proposto ao grupo, por meio de assembleias de classe (ARGÜIS, 2002),
discussões e reflexões acerca das hipóteses sugeridas pelo grupo como medida de resolução para cada
dilema. O exercício do pensar em diversos âmbitos e possibilidades promove avanços morais (PIAGET,
1994), determinados pela mediação do pesquisador em propor resoluções que provoquem conflitos
cognitivos. À medida que os conflitos decorrentes das proposições oferecidas são resolvidos (PUIG,
2000), o pensamento moral evolui em direção à autonomia e cooperação no ambiente escolar.
Três aspectos importantes devem ser ressaltados neste contexto: o primeiro, ligado à
transversalidade do tema moralidade, citado nos PCNs (BRASIL, 1997) devendo ser abordado de forma
intrínseca em todo o processo de escolarização; o segundo refere-se à importância de se desenvolver as
atividades escolares em grupo, balizando-se nos conceitos de que, à medida que o trabalho suscita a
iniciativa da criança, este se torna coletivo e a cooperação é exercida como importante componente na
formação moral. Finalizando, o terceiro aspecto relaciona-se especificamente ao exercício de formação
moral do self-government (PIAGET, 1988) onde as crianças terão a possibilidade de aprender pela
experiência o que é obediência à regra, a adesão ao grupo social e a responsabilidade individual.
O restante do artigo está organizado da seguinte maneira: a seção 2 aborda o referencial teórico e
os estudos sobre moralidade e contribuições atuais no contexto brasileiro; a seção 3, o trabalho com as
crianças e o método clínico de Piaget; na seção 4, as crianças frente aos dilemas de sala de aula e, por fim,
a conclusão.
Os sujeitos estudados nesta pesquisa têm entre 7 e 8 anos de idade e os objetivos do presente
estudo perpassam pela resolução de dilemas reais surgidos no contexto escolar. Os dilemas são pautas das
assembléias (ARGÜÍS, 2002) onde todos os alunos opinam, tendo em vista a escolha da melhor resolução
para cada conflito. A escolha tomada como certa ou como a melhor, não significa que todos tenham tido a
mesma opinião. Através do método clínico de Piaget (DELVAL, 2002), pode-se interpretar o caminho do
pensamento moral percorrido por cada criança, sendo esses agrupados em categorias. Piaget (1994)
apresenta dois processos distintos em relação à gênese do juízo moral infantil. De um lado está a coação
moral adulta, que colabora com a efetivação do egocentrismo, resultando uma noção puramente realista
da regra e por outro lado, a cooperação, que leva à descentração e à uma compreensão interiorizada da
regra. Sobre a relação de cooperação, Piaget (1994) estudou o desenvolvimento da noção de justiça,
sendo esta, advinda da cooperação e reciprocidade. A noção de justiça na criança se desenvolve mediante
a prática do respeito mútuo e da solidariedade. Ligadas a essa noção estão dois tipos de sanções: a
expiatória e a por reciprocidade, (PIAGET, 1994). A primeira são ações que devem punir o indivíduo de
forma a reconduzi-lo ao caminho da obediência, sendo o castigo em proporção com a falta cometida e a
segunda sanção, ligada à cooperação e às regras de igualdade. Contrariamente às sanções expiatórias, as
sanções por reciprocidade estabelecem uma relação de conteúdo e de natureza entre a falta e a punição. A
criança na faixa etária pesquisada, segundo Piaget(1967), apresenta bom desempenho na concentração
individual, quando se trabalha sozinha e na colaboração com o grupo. No que se refere às relações
Estudos realizados por Freitag (1984), Menin (1985), Araújo (1993), Mesti (1995), corroboram a
importância do ambiente sociomoral cooperativo na escola como sendo agente favorecedor do
desenvolvimento moral autônomo na criança. Esses autores desenvolveram em seus trabalhos um estudo
profundo da obra de Piaget, interessados em compreender os dois grupos de fenômenos relativos à
consciência e prática das regras, descritos no jogo de bolinhas de gude. Esses estudos permitiram a
explicação do processo de construção da capacidade de conhecer e julgar; ao exercício da cooperação,
como também à passagem do respeito unilateral e místico para o respeito mútuo e reciprocidade. Nesta
linha de pesquisa, os autores puderam descrever o processo complexo sobre a passagem do sujeito
heterônomo (que tem a consciência do dever) para o sujeito autônomo (que desenvolveu a consciência
moral), e as evidências sobre a interferência recíproca no desenvolvimento cognitivo e sócio-moral do
indivíduo. E ainda, comprovar que as relações interpessoais, pautadas no respeito unilateral e coercitivo,
impedem ou retardam o avanço em direção a autonomia moral e aquelas pautadas no respeito mútuo,
favorecem o desenvolvimento da autonomia moral.
As contribuições dessas pesquisas vêm alicerçar o presente estudo, na medida em que estas
investigam os ambientes escolares e apontam um caminho na direção da educação, disposta a promover e
a valorizar as relações entre as pessoas. Também, é claro, apresenta-nos realidades opostas e vivenciadas
no contexto escolar brasileiro onde o enfoque maior da relação professor/aluno é o da passividade e
submissão deste segundo, prevalecendo uma espécie de hierarquia e poder, conquistados por meio da
coação. O trabalho de educação moral na instituição escolar, deturpado e perdido com o tempo, ganha
novos direcionamentos (PUIG, 1988;2000; AQUINO, 2000; ARGÜÍS 2002), permeados pela
possibilidade de desenvolver no ser humano a capacidade de se relacionar e promover no outro um
crescimento moral. Preocupados com a abordagem desses temas, pesquisadores promoveram estudos
sobre a influência da escola no desenvolvimento da consciência moral de seus alunos. Freitag (1984)
utilizou os referenciais teóricos de Piaget e Kohlberg e realizou pesquisas com crianças e adolescentes de
diferentes níveis sócio-econômicos em três escolas públicas e em favelas de São de Paulo. No campo da
moral foi estudado o conhecimento prático e a consciência das regras dos jogos, a intenção e a
consequência dos atos, e o julgamento de adolescentes em situação de conflito. A autora encontrou uma
forte relação entre a origem sócio-econômica e o desenvolvimento moral obtido nas provas, favorecendo
as crianças de nível social mais alto. Argüís (2002) discute uma proposta democrática no âmbito
educacional, em seu livro: Tutoria: Com a palavra, o aluno. A proposta deste autor vem corroborar os
As crianças, sujeitos desta pesquisa, pertencem a uma classe social de baixa renda econômica, que
frequentam uma escola Municipal de Ensino Fundamental, situada na periferia da cidade de Marília, SP,
que atende cerca de quatorze bairros diferentes da zona Sul. Esta escola pertence a uma das regiões mais
pobres e violentas da cidade, sendo que cerca de 60% das famílias possuem renda per capita mensal
inferior a R$ 90,00, (dados fornecidos pela escola). É um lugar onde as crianças convivem
constantemente com a agressividade e são privadas de grande parte de suas necessidades básicas. Muitos
pais são desempregados e/ou realizam trabalhos informais (são catadores de papel, latinhas, guardadores
de carro, etc.) e, obtendo uma renda muito baixa para sua subsistência, acabam por morar em favelas.
Desta forma, a carência material e por que não dizer afetiva, converge para um único foco: as relações
interpessoais no contexto escolar. Essas características a priori, serão devidamente estudadas e
aprofundadas, levando-se em conta as relações professor-aluno e aluno-aluno. As especificidades dos
sujeitos morais serão analisadas e o próprio contexto, cenário, para vivências, conflitos reais, reflexões e
possíveis avanços em seus estágios morais. A pesquisa teve início no ano letivo de 2002, encerrando-se
em dezembro do mesmo ano. O grupo estudado perfazia um total de 37 crianças, sendo 19 meninos e 18
meninas. A coleta de materiais foi realizada através de registros diários feitos com a ajuda do gravador,
do caderno-diário e de um(a) secretário(a), geralmente um aluno com facilidade na escrita. Este se
manifestava ou era convidado para a função, onde anotava os assuntos principais e as decisões tomadas
durante as assembleias, (ARGÜÍS 2002). A partir das investigações e dos relatórios diários, observou-se
um rico material oriundo da convivência do grupo-classe, disposto na forma de dilemas (PUIG, 1988). No
processo de condução da pesquisa utilizou-se o método clínico piagetiano (DELVAL, 2002) necessário
para compreender as ações do sujeito, a promover intervenções e a interpretar seus significados. Uma
característica básica do método clínico é a intervenção sistemática do experimentador como reação às
ações ou respostas do sujeito, e é sempre guiada pela tentativa de descobrir o significado de suas ações ou
explicações (DELVAL, 2002).
Os procedimentos adotados que nortearão a pesquisa perpassam pelo planejamento de ações que
os sujeitos (pesquisados) terão que desempenhar. Assim, essas ações ocorrerão de acordo com a proposta
Os dilemas abordados serão categorizados segundo critérios utilizados por Piaget (1994) e
sistematizados por Delval (2002), ou seja, mediante as respostas apresentadas, levar-se-ão em conta as
respostas diferenciadas. Por fim, o trabalho de análise dos dados obtidos pelo método clínico, deve-se
iniciar pela análise qualitativa, dando sentido às informações e descobrindo tendências e explicações
gerais de todo o material coletado.
Com o objetivo de nortear a análise colocamos, em primeiro lugar, um quadro resumo dos
dilemas, os temas decorrentes destes, como também, os subtemas extraídos das discussões. Destacamos,
neste momento, que os dados da pesquisa se encontram aqui expostos, sob a forma de dilemas e as letras
abreviadas referem-se aos nomes das crianças.
Dilema 2: organização e
funcionamento da regra Combinados
Moral Heterônoma
Dilema 7: J.A. não cumpriu a A Professora é quem determina
regra, pois esta passou-lhe Tem que obedecer
desapercebida. Ele deve ser Nova regra
punido? Deve punir
Merece uma chance
Em conformidade com os objetivos propostos neste artigo, não será exposto os pensamentos
verbalizados pelo grupo estudado, mas as análises corroboram o estudo teórico aqui apresentado, como a
importância de se experienciar conflitos reais, que indistintamente atuaram sobre os integrantes do grupo.
A forma utilizada permitiu que se desvelasse a noção da realidade do grupo, que, frente a frente ao
conflito moral, buscou soluções de modo a superá-lo e a caminhar em direção à autonomia moral. A
prática das assembleias, para se discutir as mais diversas situações desencadeadas no contexto escolar,
desenvolve de acordo com Puig (2000), habilidades psicomorais no educando, conteúdos esses implícitos
nessa atuação, que convergem para o relato de seu pensamento, à reflexão moral e posteriormente à
mudanças de atitudes. Frente a esta abordagem, partimos do princípio, que a criança possui sua própria
natureza, e que, do nosso ponto de vista, essa natureza, é o próprio pensamento moral sobre o mundo que
a cerca, mesmo sendo este menos adequado que o pensamento moral adulto.
No tema relacionado à agressão física e verbal, agregam-se os dilemas: Conflito devido ao não
cumprimento de uma regra do jogo de figurinhas e, Meu amigo xingou minha mãe, e agora? No exemplo
referente ao primeiro conflito, constatamos a existência de uma sociedade de crianças, com regras, que
visam unificar o jogo, sendo estas pertencentes ao jogo social, pois, quem no momento de “bater” as
figurinhas, conseguir virá-las, as ganha. Consideremos que o respeito à regra do jogo de figurinhas advém
inicialmente de uma tradição transmitida pelos mais velhos, exposta de maneira clara nas falas de várias
crianças, “O jogo é assim!”, isso quer dizer, que não se pode fazer diferente. A problemática percebida
neste fato expõe também, pensamentos que divergem em relação à obrigatoriedade transcendental da
regra. Isto fica claro na oscilação apresentada por alguns integrantes do grupo, Você tem um monte de
figurinhas, deixa essas para ele, e mesmo porque, a forma como se deu, a princípio, o desfecho do
conflito colocou em dúvida a própria obrigatoriedade do cumprimento da regra do jogo. O desfecho
acima citado refere-se à agressão física como forma de perpetuar o que fora um legado dos mais velhos.
Na visão do grupo, a atitude agressiva de M. permitiu um olhar reflexivo para o dilema, pois o
pensamento da noção de certo e errado veio à tona. Desta forma, o sentimento de equidade que permeia a
noção de justiça nas crianças maiores, surgiu na resolução deste conflito como uma das soluções
possíveis para o impasse. Referindo-nos agora ao segundo dilema, em que houve também a agressão
física, em decorrência a uma ofensa verbal, a noção de justiça retributiva (PIAGET, 1994) compôs o
Retomemos agora a análise dos dilemas, descritos no parágrafo anterior. O que se refere ao não
cumprimento das regras da sala é algo bastante natural quando se relaciona com a consciência e
internalização de um combinado. A não aceitação deste, por P., é um reflexo da fase de heteronomia em
que se encontra. Clarificando, a ação realizada por P. expõe uma espécie de transgressão à regra social,
feita em acordo mútuo pelo grupo. Esta conduta nos leva a duas reflexões: a primeira é a dificuldade de P.
em relacionar-se com as propostas do grupo, pois suas atitudes egocêntricas chocam-se com as
Desta forma, o contrato mútuo estabelecido no grupo e exposto na assembleia, cobrou-lhe atitudes
e sua resposta foi negar afazeres sugeridos expiatoriamente por membros do grupo (fazer mais lições,
copiar devagar, etc), mas de acato à sanção por reciprocidade (ajudar uma aluna com dificuldade de
aprendizagem). Desta experiência, obteve-se um exercício de auto-regulação e descentração, sendo
favorável à proposta de constituição de um ambiente cooperativo.
No tocante a esses sentimentos, a pesquisa realizada por Scarin (2003) aborda-os com crianças da
Educação Infantil. A autora pauta-se na afirmação de Bovet (apud PIAGET, 1994, p. 32) sobre a
procedência do respeito, que, segundo ele, “constitui-se a partir do amor e do temor despertados pelo
indivíduo respeitado no indivíduo respeitador”. Desta forma, em sua pesquisa empírica, constata que, de
maneira geral, a criança entende que deve obedecer às ordens da professora sempre, perpetuando essa
obediência que vem dos mais velhos. O amor e o medo surgem nas relações interpessoais e estes são
permeados do sentimento de raiva, que segundo Scarin (2003, p. 75), “é a base que sustenta e regula as
relações de Amor e Medo”. Esses sentimentos não vivenciados de forma satisfatória, do ponto de vista
afetivo, desencadeiam outro sentimento, que é a culpa, causando nessas relações, um empobrecimento na
construção da autonomia moral.
Conclusão
Referências
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Oliveira. São Paulo: Moderna, 2000.
Resumo
O presente trabalho teve por objetivo analisar a educação moral a partir do conjunto de sistemas:
diacrônico (genético) e o sincrônico (relativo ao equilíbrio das trocas propriamente ditas) a partir do
referencial teórico de Jean Piaget. Consideramos, portanto, primeiramente que o estudo do
desenvolvimento da razão mostra uma estreita correlação entre a constituição das operações lógicas e
algumas formas de colaboração. E que os agrupamentos operatórios expressam tanto os ajustamentos
recíprocos e interindividuais de operações, quanto às operações interiores do pensamento da cada
indivíduo. Concluímos que as estruturas das interações coletivas determinam as operações intelectuais.
As atividades do sujeito exercidas sobre os objetos e uns sobre os outros reduzem a um sistema de
conjunto, no qual o aspecto social e o aspecto lógico são inseparáveis na forma como no conteúdo. A
cooperação e as operações agrupadas são, pois, uma única e só realidade. O desenvolvimento da morali-
dade ocorre por meio de sucessivas interações do sujeito com o meio. Por isso, que não é possível ensinar
a moralidade para a criança, pois ela só a desenvolverá se lhe dermos condições para que vivencie,
compreenda e construa as regras morais, assim como o resto de sua conduta e do seu conhecimento sobre
o mundo. De tal modo, a moral não se reduz a seguir as normas que são impostas ao ser humano, mas sim
a decidir por si mesmo.
Abstract
The present work had as objective to examine the moral education from the set of systems: diachronic
(genetic) and synchronic (concerning on the balance of trade itself) from the theoretical framework of
Jean Piaget. Therefore, we consider first that the study of the development of the right shows a close
correlation between the formation of logical operations and some forms of collaboration. And that the
operative groups express both interindividual and reciprocal adjustments of operations, about the inner
operations of thought of each individual. We conclude that the structures of collective interactions
determine the intellectual operations. The activities of the subject exercised on the objects and about each
other reduce in a system of set, in which the social aspect and the logical aspect are inseparable in the
form and content. The cooperation and combined operations are one and the only reality. The
development of morality occurs through successive interactions with the subject and the place. Therefore,
it is not possible to teach morality to children because they will develop only if we give conditions to
them to understand and construct moral rules, as well as the rest of his conduct and his knowledge about
the world. So, the moral is not reduced to follow the rules that are imposed to the humans, but to decide
for themselves.
O presente trabalho teve por objetivo analisar a educação moral partir do conjunto de sistemas:
diacrônico (genético) e o sincrônico (relativo ao equilíbrio das trocas propriamente ditas) a partir do
referencial teórico de Jean Piaget. Inicialmente, abordaremos o desenvolvimento da razão apresenta uma
estreita correlação com a constituição das operações lógicas e a colaboração sob o ponto de vista moral (o
diacrônico: genético). Posteriormente discorreremos sobre os agrupamentos operatórios, analisando se
estes expressam os ajustamentos recíprocos e interindividuais de operações do pensamento de cada
indivíduo, como também se as estruturas das interações coletivas determinam as operações intelectuais
(Sincrônico: relativo ao equilíbrio das trocas propriamente ditas).
O diacrônico: genético
Na perspectiva social, Piaget (1973, p. 95) nos adverte da necessidade de distinguirmos dois
aspectos sobre o conhecimento lógicos: o diacrônico (genético), e o sincrônico (relativo ao equilíbrio das
trocas propriamente ditas), com o intuito de responder se as operações lógicas, efetuadas por um
indivíduo (que conseguiu possuí-la), ou mais constituem ações individuais ou ações de natureza social, ou
ainda as duas ao mesmo tempo. Existe relação entre a constituição das operações lógicas e algumas
formas de colaboração moral?
No sentido diacrônico, o estudo do desenvolvimento da razão mostra uma estreita correlação entre
a constituição das operações lógicas e algumas formas de colaboração - aspecto moral. É o detalhe desta
correlação que é necessário atingir, quando se almeja apreender as verdadeiras relações entre a razão e a
lógica moral: a cooperação para com o meio ambiente, sem se contentar com o método global e
essencialmente estatístico da descrição, que recobre a noção de consciência coletiva.
Dois caminhos são apresentados por Piaget no estudo dessa correlação “o da socialização do
indivíduo e o das relações históricas e etnográficas entre as estruturas operatórias do pensamento e as
diversas formas de cooperação técnica e de interações intelectuais.” Estes dois domínios devem ser
cuidadosamente analisados, pois sustentam entre eles a mesma relação que a embriologia e a anatomia na
Biologia, com a única diferença, de que os fatores de transmissão em jogo, aqui são de natureza exterior
ou social e não internas ou hereditárias (PIAGET, 1973, p. 95).
A formação da lógica na criança, inicialmente apresenta dois fatos essenciais: as operações lógicas
procedem da ação, e a passagem da ação irreversível às operações reversíveis se acompanha
necessariamente de uma socialização das ações, procedendo ela mesma do egocentrismo à cooperação.
[...] a lógica do ponto de vista do indivíduo, ela aparece, com efeito, essencialmente como
um sistema de operações, isto é, de ações tornadas reversíveis e compostas entre elas,
segundo “agrupamentos diversos”. E estes agrupamentos operatórios constituem, eles
mesmos a forma de equilíbrio final atingida pela coordenação das ações, uma vez
interiorizadas. O ponto de partida psicológico de tais operações (adição ou subtração
lógica, seriação segundo diferenças ordenadas, correspondência, implicação, etc) deve,
pois, ser buscado além do momento em que a criança se torna apta à lógica propriamente
dita (PIAGET, 1973, p. 96).
Para compreender a construção da lógica, é necessário seguir os processos cuja equilibração final
constitui esta lógica, mas todas as fases anteriores ao equilíbrio terminal permanecem de caráter pré-
lógico: a continuidade funcional do desenvolvimento, mais a heterogeneidade das estruturas sucessivas
delimitando as etapas desta equilibração, “tais são, pois, os dois aspectos essenciais da evolução
individual da lógica.” A lógica é “a forma de equilíbrio móvel cuja reversibilidade atesta precisamente
este caráter de equilíbrio, caracterizando o fim do desenvolvimento e não um mecanismo inato fornecido
desde o começo” (PIAGET, 1973, p. 96).
Quanto a estas estruturas, ressaltam-se, as quatro principais, a fim de mostrar a seguir sua
correlação com a socialização do indivíduo;
(3) Operatório concreto - aos 7-8 anos, pelo contrário, as ações executadas mentalmente, que são
os julgamentos intuitivos, alcançam um equilíbrio estável, correspondendo ao começo das operações
lógicas propriamente dita, porém sob a forma de operações concretas. As ações interorizadas ou
conceptualizadas adquirem o lugar de operações, com transformações reversíveis que modificam certas
variáveis e conservam as outras a título de invariantes. Esta novidade é devida uma vez mais ao progresso
das coordenações, “devido as operações se constituir em sistemas de conjunto ou estruturas suscetíveis de
se fecharem e por este fato assegurando a necessidade das composições que elas comportam, graças ao
jogo das transformações diretas e inversas” (PIAGET, 1983, p. 18-24).
A partir dessa idade se veem constituir certas operações relativas às perspectivas e às mudanças de
ponto de vista, em relação ao objeto. Porém na maioria das vezes, aos 9-10 anos que se poderá falar de
uma coordenação dos pontos de vista em relação a um conjunto de objetos, por exemplo, três montanhas,
ou edifícios que serão observados em diferentes situações. De modo geral, trata-se em todos os casos da
construção de ligações interfigurais, além das conexões intrafigurais típico do primeiro subestágio,
caracterizado pela elaboração de um espaço por oposição às simples figuras (PIAGET, 1983, p. 18-24).
(4) Operatório formal - aos 11-12 anos, a lógica das proposições, ligando as operações concretas
por meio de novas operações de implicação ou de exclusão entre proposições, constitui a lógica formal
(PIAGET, 1973, p. 97-98). Nessa fase, o conhecimento ultrapassa o próprio real para inserir-se no
possível e para relacionar diretamente o possível ao necessário sem a mediação indispensável do
concreto. A primeira característica das operações formais é a de poder recair sobre hipóteses e não mais
apenas sobre os objetos. Isto implica em uma segunda característica, as hipóteses são proposições, e não
são objetos, e seu conteúdo consiste em operações intraproporcionais de classes, relações, etc., enquanto a
operação dedutiva não é mais do mesmo tipo, mas é interproporcional e consiste em uma operação
efetuada sobre operações, isto é, uma operação elevada à segunda potência, ou seja, a partir das
abstrações refletidoras que se interiorizam as operações lógico-matemáticas do sujeito.
Além disso, a criança adquire a “capacidade de criticar os sistemas sociais e propor novos códigos
de conduta: discute valores morais de seus pais e constrói os seus próprios adquirindo, portanto,
autonomia” (RAPPAPORT, 1981, p. 74).
Conforme Piaget (1973, p. 98) “as quatro etapas principais do desenvolvimento das operações
correspondem, os estágios correlativos do desenvolvimento social.” Portanto, cada um dos níveis de
interação intelectual corresponde a uma estrutura operatória determinada pela inteligência, e é esta
correspondência que constitui o análogo do que se observa durante o desenvolvimento individual.
O progresso do conhecimento individual não consiste, pois somente numa integração direta e
simples dos esquemas iniciais nos esquema ulteriores, mas numa inversão fundamental de sentido que
subtrai as relações na prioridade do ponto de vista próprio para uni-las em sistemas que subordinam este
ponto de vista à reciprocidade de todos os pontos de vista possíveis e à relatividade inerente aos
agrupamentos operatórios. “Ação prática, pensamento egocêntrico, e pensamento operatório são, pois os
três momentos essenciais de tal construção” (PIAGET, 1973, p. 78).
Por um lado, na evolução mental do indivíduo, como na sucessão histórica das mentalidades
existem escalas sucessivas de estruturação lógica, isto é de inteligência prática, intuitiva ou operatória.
Por outro lado, cada uma das escalas, é caracterizada por certo modo de cooperação ou de interação
social, cuja sucessão representa o progresso da socialização técnica ou intelectual (Figura 1).
Suces
menta
lidade
Evolu
indiví
l do
ção
são
duo
s
ESCALAS DE ESTRUTURAÇÃO LÓGICA
Modo de cooperação ou de
Inteligência interação social
intuitiva ou
operatória
Progresso da socialização
técnica ou intelectual
Inteligência Prática
Modo de cooperação ou de
interação social
Progresso da socialização
técnica ou intelectual
As estruturas das interações coletivas determinam as operações intelectuais, visto que a noção de
agrupamentos operatórios permite simplificar a questão de que: “a forma precisa das trocas entre os
indivíduos, para perceber que estas interações são elas mesmas construídas por ações” e que “a
cooperação consiste ela mesma num sistema de operações” (PIAGET, 1973, p.103).
Portanto, as atividades dos sujeitos quando agem uns sobre os outros se reduzem na realidade a
um só sistema de conjunto, no qual, o aspecto social e o aspecto lógico são inseparáveis na forma como
no conteúdo.
Do ponto de vista sincrônico, a lógica consiste em operações que procedem da ação, e estas
operações, constituem por sua própria natureza sistemas de conjunto ou totalidades, cujos elementos
necessariamente são solidários uns aos outros.
Ajustar umas às outras ações algumas ações, das quais umas são semelhantes e se
correspondem por suas características comuns (fazer escadas da mesma forma e da
mesma largura), das quais as segundas são recíprocas ou simétricas (orientar as vertentes
verticais das escadas face ao rio, isto é, uma em face da outra, e as vertentes inclinadas,
do lado oposto) e das quais as terceiras são complementares (um dos bordos do rio sendo
mais alto que o outro, a escada correspondente será menos alta, enquanto a outra
comportará um degrau a mais para alcançar a mesma altura) (PIAGET, 1973, p. 104).
No caso, para haver ajuste de ações é necessário primeiramente, uma série de operações
qualitativas, depois operações concreta de métodos, e por fim determinar a horizontalidade das
extremidades da prancha (Figura 2). Logo, “cada uma das ações dos colaboradores, sendo regulada por
leis de composição reversível, constitui uma operação, o ajustamento destas ações de um colaborador a
outro consiste igualmente em operações” (PIAGET, 1973, p. 104).
AJUSTE DE AÇÕES
Conforme Piaget (1973, p. 105) a cooperação como tal se resolve em operações idênticas as que se
observam em estados de equilíbrio da ação individual. Mas estas operações das quais se livram os
indivíduos para atingir o nível de equilíbrio dos agrupamentos operatórios concretos, as operações não
são mais de natureza individual, por razões recíprocas.
O indivíduo começa por ações irreversíveis, não compostas logicamente entre elas, e egocêntricas,
isto é, centradas sobre elas mesmas e sobre seu resultado. A passagem da ação à operação supõe, pois, no
indivíduo, uma descentração fundamental, condição do agrupamento operatório, e que consiste em ajustar
as ações umas às outras, até poder compô-las em sistemas gerais aplicáveis a todas as transformações:
ora, são precisamente estes sistemas que permitem unir operações de um indivíduo às dos outros.
A cooperação e as operações agrupadas são, pois, uma única e só realidade vista sob dois aspectos
diferentes, conforme Piaget (1973, p. 106), “não há, pois lugar para perguntar se e a constituição dos
agrupamentos de operações concretas que permite a formação da cooperação, ou vice-versa: o
agrupamento.” Visto que “o agrupamento é a forma comum de equilíbrio das ações individuais e das
interações interindividuais, porque não existem dois modos de equilibrar as ações e porque a ação sobre o
outro é inseparável da ação sobre os objetos” (PIAGET, 1973, p. 106).
[...] manifesta antes uma carência neurológica, fisiológica, psíquica. Isto acontece
porque, os aparelhos sensoriais, instintivos, intelectuais, à semelhança dos de qualquer
outra espécie relativamente evoluída, estão predispostos e estruturados
“epigeneticamente” com vista a uma interdependência, a uma maturação das capacidades
de comunicar, de agir no âmbito de um agrupamento especifico. Os antropólogos
acabaram por compreender que a evolução do comportamento do homem, em particular o
seu comportamento social, desempenhou um papel que não se pode dissociar da sua
evolução biológica.
Isso ocorreria devido à falta de três condições: “a escala comum de valores” (primeira condição) e
“a reciprocidade” (terceira condição) onde há impossibilidade de atingir “a conservação” (segunda
condição), por falta de obrigação sentida por uma parte e pela outra. Deste modo, “as palavras são
tomadas em sentidos diferentes pelos interlocutores, e nenhum recurso é possível às proposições
reconhecidas como válidas anteriormente, pois o indivíduo não se sente obrigado a levar em consideração
o que admitiu ou disse” (PIAGET, 1973b, p. 110).
De acordo com Piaget (1973, p. 108-9) a primeira é que x e x’ estejam de posse de uma escala
comum de valores intelectuais, expressos por um símbolo comum unívocos. A escala comum deverá
comportar três características complementares: a) uma linguagem comparável ao que é o sistema de sinais
monetários; b) um sistema de noções definidas (seja que as definições de x e x’ convirjam inteiramente,
A segunda condição comporta a igualdade geral dos valores em jogo nas sucessões r (x) → s(x’)
→ t (x’) ou r (x’) → s(x) → t(x) → v (x’), dito de outra forma: a) acordo sobre os valores reais, seja r = s,
e b) a obrigação de conservar as proposições reconhecidas anteriormente (valores virtuais t e v,
suscetíveis de ser realizadas na sucessão de trocas). Com efeito, “se não há acordo, seja r (x) = s (x’) ou r
(x’) = s (x), não poderia haver equilíbrio, e a discussão continuaria.” Por outro lado “se o acordo sempre
for posto em questão, ainda não poderia haver equilíbrio.” Ora, sem a intervenção de regras, isto é, de
uma conservação obrigada, as validades anteriores reconhecidas se desagregariam quando de uma nova
troca, ou pelo contrário, as negações anteriores seriam esquecidas e teríamos, por exemplo: s (x’) > t (x’)
ou s (x) > t (x), pelo contrário, as negações anteriores seriam esquecidas e teríamos s (x’) < t (x’), etc.
Deste modo, a discussão só é possível mediante as conservações s (x’) = t (x’) = v (x) e s (x) = t (x) = v
(x’), o que mostra de antemão o caráter normativo de troca de pensamento regulada por oposição às
regulações de uma troca de ideais baseada em simples interesses momentâneos.
A terceira condição é a atualização possível em todo o tempo dos valores virtuais de ordem t e v
dito de outra forma, a possibilidade de retornar sem cessar às validades reconhecidas anteriormente. Esta
reversibilidade toma a forma: [r(x) = s (x’) = t(x’) = v(x)] → [v(x) = t(x’) = r(x’) = s(x)] e acarreta a
reciprocidade r(x) = r(x’) e s(x) = s(x’), etc.
Quanto ao que se refere às relações intelectuais, onde intervém sob uma forma ou outra, um
elemento de coação ou de autoridade, as duas primeiras condições (a escala comum de valores e a
conservação) parecem, em compensação preenchidas. Entretanto, a escala comum de valores se deve
então a uma espécie de “cours force” devido à autoridade dos usos e das tradições, enquanto por falta de
reciprocidade, a obrigação de conservar as proposições anteriores só funciona num sentido único, por
exemplo: x obrigará x’ e não ao contrário:
Acontece que por mais cristalizado e sólido em aparência que seja um sistema de
representações coletivas impostas por coação, de gerações a gerações, ele não constitui
um estado de equilíbrio verdadeiro ou reversível na ausência da terceira condição, mas
um estado falso equilíbrio, a intervenção da discussão livre bastará, pois para deslocá-los
(PIAGET, 1973, p. 110).
Portanto, o estado de equilíbrio, tal como é definido pelas três condições precedentes, está assim
subordinado a uma situação social de cooperação autônoma, fundamentada sobre a igualdade e a
reciprocidade dos parceiros, e se liberando simultaneamente da anomia própria ao egocentrismo e da
heteronomia própria à coação.
O plano de trocas nas sociedades primitivas, segundo Moscovici (1975, p. 60-61) dava-se por
meio de uma inversão de propriedades:
Este condicionante parcial e de disparidade das trocas com o mundo material não permitia que
ocorresse a cooperação, que implica em um sistema de normas, diferindo da suposta livre troca cuja
liberdade se torna ilusória pela ausência de tais normas. Conforme Piaget (1973, p. 111), é porque “a
verdadeira cooperação é tão frágil e tão rara no estado social dividido entre os interesses e as
submissões”, assim como “a razão permanece tão frágil e tão rara em relação às ilusões subjetivas e aos
pesos das tradições”.
Contudo, o “controle e regulação definem a sociedade que se apóia sobre eles como uma negação
de tudo o que é inclinação psíquica espontânea, diferença dos sujeitos que age dado natural em nós e fora
de nós” (MOSCOVICI, 1975, p. 173).
Como o homem age sobre o meio ambiente? O homem apesar de ser racional e ter consciência de
suas ações acaba por intervir em muitos casos no meio ambiente negativamente, pois se encontram preso
aos seus próprios interesses e submissões no campo social, as ilusões subjetivas e as tradições no campo
da razão.
De fato à medida que as ações do homem sobre o meio ambiente não se tornam compostas e
Operações da Cooperação
FUNÇÕES FUNÇÕES inteligência social
Como é possível desenvolver tal relação, sob o ponto de vista de equilíbrio comum tanto às ações
cooperativas quanto às individualizadas das crianças em relação às questões de meio ambiente?
Considerando que o desenvolvimento lógico das crianças sob as questões ambientais, por exemplo: saber
que o destino inadequado do lixo pode causar doenças (lógica individual), não basta. É preciso que as
crianças operem e efetue agrupamentos, substituindo possíveis âmbitos de um mesmo pensamento
individual, e assim desenvolva o equilíbrio comum, entre a razão (conhecimento) e a cooperação (aspecto
moral).
De fato, admite-se que foi atribuindo à natureza, a separação, que Moscovici (1975, p. 176),
esforça-se por esclarecer, segundo este o desmentido daquilo em que se tinha acreditado firmemente é
evidente em relação a dois pontos particulares:
1) A noção de indivíduo irredutível a uma unidade de análise (aparenta-se com o átomo indivisível
nas teorias mecanicistas). Tal propósito implica em afirmar que a espécie correspondente a tal população
é definida tendo em conta a gama completa: um indivíduo ou uma classe de indivíduos tomados
separadamente, dão dela uma imagem particular e provavelmente arrevesada. Desse modo, o coletivo está
no individual e o individual no coletivo, mesmo ponto de vista do biológico, do inato; e
2) A ordem social nasce do seu antagonismo social. O mundo social não é sempre descrito como
estando submetido aos acasos dos mecanismos fisiológicos, dos automatismos não apreendidos, da
No caso do ser humano, “esquecer ou perder as suas regras sociais, não cairia numa situação de
anomia ou de não sociedade”, pois “encontraria a sua volta outros animais, um capital de normas, o
modelo de diferentes ordens sociais” (MOSCOVICI, 1975, p. 179).
Nesse sentido não existem sociedade enquanto seres, como não existem indivíduos dentro e de
fora – sem conflito possível entre a psicologia e a sociologia, e cujas combinações sempre inacabadas não
poderiam ser identificadas com substâncias permanentes.
Piaget (1977, p. 301) ao desenvolver sua obra “O Julgamento Moral na criança” constatou que o
desenvolvimento das crianças mostra duas tendências basicamente opostas de moral: “a teoria do dever,
ou da obrigação moral”, e a do “bem ou da autonomia da consciência”, e que a segunda sucederia a
primeira em condições normais de desenvolvimento.
Segundo este autor, quando a criança desconhece as regras ela é capaz de, por exemplo, por a mão
na roseira sem ter a noção se pode ou não. Mas, depois que ela é repreendida, por sua mãe, deixa de por a
mão na roseira por medo ou para agradar; agindo, nesse momento, de forma heterônoma, cumprindo a
regra, mas não a compreendendo. Enquanto que a autonomia acontece quando a criança deixa de por a
mão na roseira, porque compreendeu as razões da regra, ou por até infringir a regra sem que o seu
objetivo fundamental seja prejudicado, por exemplo, a criança coloca a mão na roseira quando percebe
que nas folhas não há espinhos.
Além disso, por meio desta pesquisa ele comprovou que todas as regras seguidas pelas crianças
em todos os assuntos são derivadas das relações sociais. Por isso, “é impossível abranger num único
conceito as diversas ações que a vida social exerce sobre o desenvolvimento individual,” ao contrário, “é
prudente analisar a identificação ilegítima da coação e da cooperação”, afirma Piaget (1977, p. 311). De
fato, é pela vida social que se elaboram as regras propriamente ditas.
Considerações finais
Por fim, do ponto de vista moral, o desenvolvimento da moralidade ocorre por meio de sucessivas
interações do sujeito com o meio. Por isso, que não é possível ensinar a moralidade para a criança, pois
ela só a desenvolverá se lhe dermos condições para que vivencie, compreenda e construa as regras
morais, assim como o resto de sua conduta e do seu conhecimento sobre o mundo. De tal modo, a moral
não se reduz a seguir as normas que são impostas ao ser humano, mas sim a decidir por si mesmo.
Referências
MOSCOVICI, S. Sociedade contra natureza. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes,
1975.
PIAGET, J. Estudos Sociológicos. Tradução de Reginaldo Di Piero. São Paulo: Forense, 1973.
PIAGET, J. A epistemologia genética. In: PIAGET: vida e obra. Tradução de Nathanael C. Caixeiro et. al.
2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 3-30.
Resumo
O presente artigo discute a relação entre Inteligência, Moralidade e Educação tendo como referencial a
Epistemologia Genética de Piaget. Ao discutirmos a questão da moralidade em Piaget, não há como
desvincular esta temática sem levarmos em conta o desenvolvimento psicogenético do sujeito (a sua
inteligência). É preciso entender que, na busca de compreender melhor o mundo que o cerca, o sujeito
atravessa longas fases de desenvolvimento psicogenético e, particularmente, seu pensamento percorre
fases, que, de início, estão ligadas diretamente às suas ações sensório-motoras até atingir o status do
pensamento hipotético-dedutivo. Nesse processo, as ações morais que o indivíduo exerce sobre o meio,
tendem, de início, a reforçar o mundo do adulto, conferindo a este o poder de decisão sobre os seus atos,
já que não consegue estabelecer com o meio uma relação de autonomia, o que reforça, segundo Piaget, o
chamado pensamento heterônomo. À medida que o sujeito consegue estabelecer e construir melhores
relações com o meio, conferindo identidade própria a si mesmo e aos objetos, consegue descentrar suas
ações, torna-se mais independente, mais soberano, constituindo assim, de fato, a sua autonomia, ou
pensamento autônomo. Estas questões nos fazem refletir e compreender melhor quem é o sujeito (sua
inteligência), sua moralidade e ainda contribuir para a Educação, no sentido de questionarmos se
educadores permitem, de fato, que seus alunos construam sua autonomia.
Abstract
This study discusses the relation among Intelligence, Morality and Education having as reference the
Piaget’s Genetic Epistemology. When discussed the question of morality in Piaget, there is no way to
unlink this thematic without considering the development of the psychogenetic of the subject (its
intelligence). There is a need to know that, in search of better understanding the world that surrounds it,
the subject goes through long steps of psychogenetic development and, particularly, the thought goes
through those steps which are linked directly to its motor sensory actions until it reaches the status of the
hypothetical deductive thought. In this process, the moral actions that the individual has on the center, at
first, strengthen the adult world, giving it the power of decision about its acts, since it is not able to
establish with the center a relationship of autonomy, which means the heteronymous thought, according
Piaget. As soon as the subject is able to establish and to build better relationships with the center, giving
itself and to the objects own identity, it is able to decentralize its actions, becoming more independent,
more powerful, building then, its autonomy, or autonomous thought. These issues help with a better
understanding of who is the subject (its intelligence), its morality and contribute to the Education, to
verify if the teachers allow their students to build their own autonomy.
Este artigo procura discutir a relação entre Inteligência, Moral e Educação, segundo a
Epistemologia Genética de Piaget, onde constatamos que não é possível falar sobre moralidade, ou seja,
abordar como o sujeito interage com o meio e ao mesmo tempo constrói valores, sem levarmos em conta
o seu desenvolvimento psicogenético, propriamente, como a sua inteligência percorre um longo período
de desenvolvimento, até o culminar com o estabelecimento do pensamento hipotético-dedutivo, o que
garante a conquista do pensamento autônomo, ou o exercício pleno da moralidade.
A inteligência se constitui como algo criador de novidades, sendo que o sujeito de posse de seus
esquemas mentais consegue coordenar meios e fins de maneira intencional e aquilo que quer efetivamente
compreender consegue, elaborando e construindo pensamentos que buscam compreender melhor as
coisas.
Para conseguir tal efeito a inteligência percorre um longo caminho, inicialmente estreitamente
ligado às percepções que o sujeito estabelece com o mundo, através do nível sensório-motor, passando
por um período pré-operatório onde tudo é assimilado em conformidade com a ação própria do sujeito,
através de coordenação de esquemas, porém tal realização ainda não comporta o entendimento e a
diferenciação total entre o mundo dos objetos e do sujeito.
Com o advento das representações por conta do pensamento hipotético-dedutivo, por volta dos 12
anos, o sujeito consegue estabelecer relação com o mundo dos objetos, não estando em relação direta com
os mesmos, elaborando hipóteses e fazendo previsões sobre os mesmos.
[...] Esse mecanismo da interiorização liga-se ao ulterior princípio que permite conquistar
independência com relação a objetos externos, a pessoas de referência ou aos próprios
impulsos, repetindo ativamente o que antes se havia experimentado ou sofrido
passivamente (HABERMAS, 1990, p. 54).
Dessa maneira, compreendemos que o sujeito conquista uma tomada de consciência à medida que
consegue entender que o mundo possui um dinamismo e que para compreendê-lo é necessário interagir
com o mesmo se diferenciando deste.
Porém, como o sujeito conquista a autonomia na relação com os outros? Como age?
De início, as reações morais que o indivíduo tem em relação ao meio estão diretamente ligadas a
quem emitiu instruções ou ordens a serem seguidas e quando da ausência da pessoa que ordenou estas
ordens a validade das regras perde efeito.
Em outras palavras, a criança por estar diretamente ligada nesta fase (antes dos 7-8 anos) às suas
experiências diretas com os objetos e pessoas, vincula suas ações morais diretamente à autoridade que lhe
emitiu certas ordens a serem cumpridas. Esse tipo de conduta é caracterizado por Piaget (1994) como
heteronomia, onde as leis e regras de obediência são emitidas por uma autoridade reconhecida
diretamente pelas crianças na figura dos pais e posteriormente em outras figuras que reproduzem modelos
semelhantes a estes, no caso, os adultos, simbolizados diretamente por pessoas com quem as crianças
convivem: tios, avós, professores, entre outras.
Este tipo de comportamento da criança reforça o que Piaget (1994) denomina de realismo moral,
em que por meio de uma coação o sujeito aceita uma autoridade e, por consequência, uma submissão ao
que esta autoridade “lhe impõe como verdade”, já que neste período a criança ainda não possui condições
de compreender toda a realidade que a cerca, compondo dessa maneira um quadro de aceitação ao que lhe
foi dito como verdade.
No realismo moral, os valores e as ordens recebidas são entendidos pela criança como algo
subsistente por si mesmos, independente do sujeito ter ou não consciência do valor destes. A criança no
realismo moral fixa suas condutas e atitudes em obediência cega às leis impostas pelos adultos, já que são
estes quem revelam o que deve ser seguido. E o bem ou portar-se bem é estar de acordo com as ordens
Esta heteronomia revela uma concepção objetiva da realidade, já que quanto mais a criança se
ajusta às ordens, mais se mantém de acordo com o estabelecimento com verdades pré-estabelecidas. As
obrigações que os adultos impõem às crianças ganham um status de rituais, não importando a veracidade
ou o valor das mesmas e sim a obediência a certas normas que parecem ser inquestionáveis e, portanto,
objetivas.
Mas por que a criança fixa suas atitudes e se conforma com as ordens emitidas pelos adultos?
Ela age assim por ter dificuldade de compreender as relações e interações que mantém com o
adulto, já que inicialmente as experiências que possui são por meio de experiências individuais, ligadas
diretamente às ações sensório-motoras, inclusive em refletir sobre aspectos ligados à verdade. A criança
tende a pensar por si própria, não levando em conta o dinamismo da vida. Dessa maneira, o que interessa
para a criança é a satisfação do resultado de seus atos.
A criança quando não se satisfaz e não compreende o não porquê de sua realização, se preciso for,
utilizará até de mentira em suas explicações, fato este julgado pelo mundo dos adultos como transgressão
às regras convencionais. Logo, será punida através uma sanção moral ou material (por exemplo, não
ganhar nenhum brinquedo ou recompensa, pois não agiu direito).
Como não agiu de maneira correta, a criança em seus pensamentos tende a reforçar o mundo do
adulto por intermédio de uma moral heterônoma, já que é o adulto que sabe guiar ou dirigir melhor seus
atos e, ainda, porque não será vítima de alguma sanção.
Aliás, há que se ressaltar a noção de justiça que as crianças possuem antes dos 7-8 anos.
A criança antes dessa idade acredita piamente que se um adulto a puniu com alguma sanção, ela é
merecedora de fato, já que transgrediu alguma regra de obediência e sendo o adulto a autoridade máxima
para aplicabilidade de uma pena, cabe à criança aceitar essa condição. É o que Piaget (1994) denomina de
sanção-expiação.
Posteriormente aos 7-8 anos, a criança entende que a sanção-expiação não é o tipo de castigo
recomendado e sim que se deve chamar a atenção sobre a falta cometida, sobre o seu erro, corrigindo-a
para que não repita mais tal ou tais gestos.
Esse tipo de correção deve se estender às demais crianças quando necessário. Tal tipo de sanção é
denominado por Piaget (1994) de sanção por reciprocidade, caracterizando dessa maneira a passagem do
Com o passar do tempo, a criança reconhece o peso de uma ordem, independente da presença do
sujeito, já que para ela essas instruções quase que possuem vida própria, independente de contexto e
relações. Um exemplo dessa situação é quando a criança ao adentrar um ambiente com grande presença
de adultos tende a permanecer e a se portar de maneira introspectiva, porque está implícito um dever: se
adequar e reproduzir ao que algum adulto lhe emitiu de ordem anterior.
Dessa maneira, suas ações perfazem um caminho de compreender e estabelecer relações com os
objetos e as pessoas, não mais de maneira a achar que o único tipo de relação possível é aquela em caráter
unilateral, através de uma coação por parte de um adulto. Neste sentido, a partir de agora, as regras
sociais não são mais vistas como algo intocável; podem ser modificadas se de concordância com os
demais participantes, gerando cooperação e igualdade de direitos.
Portanto, as regras sociais não são mais obedecidas às cegas, porém, o que se evidencia é que o
respeito mútuo engendra um sentimento de justiça e de igualdade para todos. Conforme Piaget (1994),
essas características inauguram a autonomia do sujeito, cuja expressão máxima se dará na adolescência,
uma vez que o indivíduo consegue raciocinar sobre asserções morais, construindo hipóteses e juízos,
raciocinando de maneira lógica sobre proposições de valores que se relaciona no dia-a-dia,
proporcionando a este a experiência com o novo, gerando equilíbrio ao modo como se relaciona com a
realidade.
O sujeito só conquista a autonomia se também o ambiente lhe for favorável. Assim, tanto pais
como professores devem se colocar no lugar das crianças, procurando compreender porque agem de uma
determinada maneira e como pensam sobre situações que lhes afligem ou que lhes colocam em apuros.
Neste sentido, vai desaparecendo a moral da coerção passando a se criar o espírito de cooperação; a
criança aos poucos vai conquistando a sua independência física e espiritual, porque é levada a
Aliás, quando da conquista da autonomia a criança compreende que muitas vezes nem todo ato
mal é punido e nem todo ato bom é elogiado como digno de louvor, já que todo ato praticado acarreta um
julgamento de alguém que pode simplesmente punir ou premiar segundo aquilo que tenha de valor, porém
a justiça quando aplicada deve ser em caráter igualitário, ou seja, por reciprocidade; a lei deve tentar agir
para todos de maneira igual, sem coações, nem privilégios, porque possui o caráter de entender a si
mesmo e os outros.
Para as crianças acima de 7-8 anos, a justiça não pode possuir o caráter de vingança, mas sim deve
retribuir exatamente aquilo que se recebeu. Para tanto, uma sanção deve ter relação com o conteúdo
sancionado. Ex.: “Quando numa briga em uma escola, entre dois meninos, sendo um grande e outro
pequeno. É claro que o menino pequeno teria desvantagem. O menino pequeno não poderia revidar os
golpes e resolveu esconder o lanche do menino grande como forma de vingança”. Para as crianças
pequenas, o menino pequeno agiu mal porque não se vinga o mal com o mal, devendo-se recorrer a uma
autoridade adulta. Para os maiores, não se pode estabelecer relação entre a briga e o castigo realizado
através do pão. O correto seria tentar revidar com golpes, já que se deve retribuir exatamente o fato
ocorrido.
Dessa maneira, observa-se que a conquista da autonomia do sujeito e de sua vida moral
correspondem a três períodos:
1) Até 7-8 anos – tipo de pensamento caracterizado à submissão de uma autoridade adulta;
3) Por volta dos 12 anos – pensamento igualitário e preocupações com a equidade, em que os
A partir do momento em que o sujeito começa a discutir ideias, estabelece-se um campo propício
para a construção de novos pensamentos, novas realidades e também o espírito de respeito mútuo,
colaboração e cooperação entre crianças e entre crianças e adultos.
Para tanto, tal fato é fruto de um pensamento que atravessou longas fases de desenvolvimento até
atingir o status de hipotético-dedutivo, o que leva o sujeito a descentralizar seus pontos vista, a
compreender a realidade, fazendo previsões e elaborando hipóteses.
E, para conquistar o respeito mútuo, a autonomia se reveste da reciprocidade, já que não implica
mais respeitar alguém ou pessoas através de uma sanção ou coação, mas através das coordenações de
pontos de vista, sabendo colocar-se no papel do outro, argumentando os seus pontos de vista e também
submetendo suas ideias a considerações de outros e ainda pensando como seria seu papel se tivesse como
lema as ideias contrárias às suas.
Do ponto de vista escolar, muito se fala que a escola deve promover uma aprendizagem em que o
aluno seja sujeito e construtor do conhecimento, conquistando desse modo o aprender e sua autonomia
intelectual.
A escola deve estimular a cooperação entre indivíduos, abolindo dessa maneira atitudes em caráter
individualista que reforçam a tese do professor-sacerdote, dono do saber absoluto e que faz certas
revelações às crianças sobre as verdades das coisas e do mundo.
Porém, entende-se que para o indivíduo conquistar a sua autonomia enquanto sujeito e aluno, as
discussões necessitam retomar o caráter epistemológico, ou seja, é necessário adentrar e aprofundar
Para tanto, não basta debater quais as melhores formas e métodos para os alunos aprenderem e
compreenderem o que se está ensinando ou ainda se efetivamente no seu dia-a-dia os alunos trocam suas
concepções de senso comum por outras de caráter científico; necessita-se antes de tudo compreender
como o indivíduo constrói conhecimento, daí o propósito em evidenciar a importância do entendimento
sobre a noção de inteligência em Piaget e a partir dessa concepção propor e levar à radicalidade em como
proporcionar aos alunos a conquista do pensamento autônomo.
Para tanto, a Educação deve retomar a discussão desta problemática, pois um ensino que não
reflete sobre estas questões incorre em riscos de privilegiar técnicas e métodos de ensino em detrimento
de uma compreensão referencial sobre quem é verdadeiramente o sujeito e como este conquista a sua
autonomia como pessoa e como aluno.
Para tanto, faz-se necessário conhecer quem é este sujeito que, através de sua inteligência,
coordena meios e fins de maneira intencional, no sentido de compreender a realidade que o cerca.
Em suma, à medida que o indivíduo através do pensamento inteligente descentraliza suas ações,
compreende melhor a relação entre sujeito e objeto, portanto interage melhor com o meio.
Nesta perspectiva de construir relações mais elaboradas e complexas com o meio, o indivíduo vai
Justamente por não compreender melhor o mundo em que vive, o sujeito, de início, tende a reagir
moralmente em caráter passivo, em conformidade com ordens ou instruções que recebeu de pessoas com
maior grau de entendimento ou coerção, o que configura a chamada heteronomia, conceito já abordado
neste capítulo.
Referências
AEBLI, Hans . Didática Psicológica . 3ª ed. São Paulo, Editora Nacional, 1978.
CARNEIRO, M. C. O Conceito de Espaço em Kant . Capítulo II. Dissertação (Mestrado). Marília, 1998.
p.18-24.
FERNANDES, A. Piaget: entre a Psicologia e a Filosofia. São Paulo, Tese (Doutorado) - Universidade
de São Paulo, 1991.
MACEDO (trad.). Dicionário Terminológico de Jean Piaget. São Paulo. Pioneira Editora, s/d.
PIAGET, J. Las explicaciones Causales. Breve Biblioteca de Respuesta. Barcelona: Barral Editores,
1973.
PIAGET, J. Introduction a l´Épistémologie Génétique: La Pensée Physique, Paris: PUF, 1974. p. 18.
PIAGET. J. (org.) Lógica e Conhecimento Científico. Porto: Livraria Civilização, 1981. 2v.
PIAGET. J. Sabedoria e Ilusões da Filosofia. São Paulo: Nova Cultural, 1983, (Os Pensadores).
Resumo
O estudo está sendo desenvolvido com 10 líderes comunitários, adultos, que estão inseridos no Projeto
Rede Social, coordenado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, localizado no município de
Limeira-SP, os quais trazem diversas experiências e histórias de vida da comunidade e de sua atuação
junto à mesma. No momento atual da pesquisa, ocorre a análise dos dados, para tanto, foi necessário a
utilização História Oral, uma vez que, esse tipo de abordagem oferece possibilidades na investigação dos
fenômenos na perspectiva de compreender o indivíduo e sua própria realidade, valorizando suas
experiências de vida e a transformação social. Este estudo está sendo orientado pela História Oral de
Vida, que vem permitindo aos líderes comunitários, relatar experiências de luta e da vida em comunidade.
Valorizando os trabalhos em comunidade e a transformação do local onde vivem. A análise dos dados
vem ocorrendo no sentido de efetuar uma caracterização dos sujeitos; de buscar categorias que permitam
identificar na fala dos mesmos os princípios éticos e morais que regem a sua ação; verificando os
princípios morais identificados no discurso sobre a sua ação permanecem ao refletir sobre a desigualdade
de “outros” que não os “seus”. Essas categorias serão analisadas a luz do referencial teórico de Piaget e
Kohlberg sobre o processo de construção de moralidade. Todas essas informações estão sendo finalizadas
para conclusão de uma dissertação de mestrado.
Abstract
The study is being developed with 10 community leaders, adults, who are inserted in the Social Network
Project coordinated by the National Service of Commercial Learning, located in Limeira-SP, which
brings different experiences and stories of community life and its performance itself. At the present
moment of the research, data analysis occurs, and therefore it was necessary to use oral history, as this
kind of approach offers possibilities in the investigation of phenomena in order to understand the human
being and his own reality, valuing his life experience and social changes. This study is being guided by
the Oral History of Life, which allows community leaders to report experiences of struggle and life in
community. Valuing the work in the community and the changes from where they live. Data analysis has
been occuring to effect a characterization of the subjects finding categories which allow to identify on
their speech the ethical and moral principles governing their action, noting the moral principles identified
in the speech about its action remain to reflect on the inequality of \"others\" than \"his.\" These categories
will be analyzed under the theoretical framework of Piaget and Kohlberg on the process of building
morality. All of this information is being finalized to complete a Masters dissertation.
Objetivos
Em uma sociedade na qual o que prevalece é o interesse particular, o lucro é o objetivo principal e
o valor é para as coisas e não para as pessoas e, isto porque “o apelo para a vida individualista é visto
como o ideal de bem estar em nossa sociedade” (MILITÃO,2003, p.6), o trabalho coletivo é algo que
foge dos padrões comportamentais. Entretanto, deparamo-nos com um grupo que tem algo em comum: a
participação efetiva nos problemas da comunidade, partindo do princípio, ao que parece, de que a
participação de todos é condição essencial para a melhoria da qualidade de vida e, de acordo com o autor
“a vida em comunidade (...) não suprime a pessoa em favor do grupo, mas respeita a contínua tensão entre
o eu e o nós e, com isso, instaura, necessariamente o diálogo e o respeito como forma de convivência”.
(op.cit.,p.65). Na presente pesquisa, o trabalho está sendo realizado com um grupo de adultos que
trabalham em prol da coletividade, os líderes comunitários. E a questão que se coloca é: quais os
princípios éticos subjacentes à ação do líder comunitário?
As justificativas teóricas
Na obra O juízo moral da criança, Piaget realizou um estudo de desenvolvimento moral, onde
apresenta a construção da regra social. Nesse sentido, Piaget discute a questão da sociedade, que deve ser
democrática, cooperativa, ou seja, onde as regras devem ser construídas efetivamente pela cooperação e
não pela coação, e pelo respeito às pessoas, o respeito é um princípio ético e nesse sentido Piaget (1994, p.
284) avança dizendo:
É por isso que, ao lado do respeito primitivo do inferior pelo superior, ou respeito
“unilateral”, acreditamos poder distinguir um respeito “mútuo”, para o qual tende o
indivíduo quando entra em relação com seus iguais, ou quando seus superiores tendem a
tornar-se seus iguais.
Para Piaget, a justiça é uma regra racional necessária para manter o equilíbrio entre as relações
sociais. Piaget em seus estudos apresenta no campo da justiça, as duas morais; a moral da autoridade
(dever e consciência) e a moral do respeito mútuo que é do bem e da autonomia e, que conduz no campo
da justiça ao desenvolvimento da igualdade, justiça distributiva e reciprocidade. Para o pesquisador as
relações vividas pelos indivíduos são de grande importância para sua formação moral e, especificamente,
são as relações de cooperação que influenciam o desenvolvimento da noção de justiça. O sentimento de
justiça, para o autor, é em grande parte desenvolvido por meio do respeito mútuo e da solidariedade entre
as crianças. A influência e o exemplo dos adultos no desenvolvimento do sentimento de justiça não são
negados por Piaget, mas o autor afirma que o desenvolvimento do mesmo ocorre independente disso. A
criança pequena acredita que quando desobedece, automaticamente é punida por alguém superior ou por
outras coisas, como Deus, anjos, demônios, etc., como “castigo” pelo seu ato. Essa “justiça imanente”,
como chama Piaget, vai aos poucos sendo vista como insuficiente, na medida em que as crianças vão se
tornando mais velhas e se desenvolvendo intelectualmente, o que as possibilita compreender que as
consequências dos atos não estão condicionados a fatores “divinos”. O autor cita outro dois tipos de
justiça: a justiça retributiva e distributiva.
A justiça retributiva diz respeito à retribuição, sendo definida pela proporção entre o ato em si e a
sanção, onde a infração ou o ato de violação às regras conduz a ruptura do elo social, acarretando uma
sanção. Essa sanção pode ser expiatória ou por reciprocidade. A sanção expiatória caracteriza-se pelo seu
caráter arbitrário, não havendo nenhuma relação entre o conteúdo da sanção e o ato a ser sancionado, ou
seja, são os castigos, as punições que tem por objetivo fazer com que o sujeito não volte a repetir aquele
ato (podemos citar como exemplos de sanção expiatória retirar ou proibir justamente aquilo que a criança
mais sente prazer devido ao ato por ela praticado – como ficar sem parque, não participar de sua atividade
preferida, etc – ou privá-la de algo que não apresenta ligação direta com o ato cometido como não ter
festa de aniversário porque tirou nota baixa, conversar com a diretora porque desobedeceu a professora e
assim por diante). A sanção por reciprocidade, por sua vez, caracteriza-se por possuir o mínimo de
coerção, havendo uma relação natural ou lógica entre aquilo que a criança fez e a atitude que o adulto
toma, pois esse tipo de sanção está diretamente relacionado com o ato que se deseja sancionar, como
pedir para a criança que riscou uma parede limpar o que fez, fazer com que a criança que rasgou um livro
A justiça distributiva evolui para construção do conceito de direito (igualdade) que evolui para o
conceito de equidade, que por sua vez, é a generosidade. A igualdade concebida enquanto direito, onde o
outro é o indivíduo portador dos mesmos direitos, mas não considera a situação particular de cada um,
não diferencia o individual. Já a equidade é a evolução do conceito de igualdade (sujeito portador de
direitos), construindo-se, aqui a percepção de direito deve analisar a situação particular de cada um, nesse
sentido é a construção do coletivo a partir das diferenças individuais, o que conduz a construção da
generosidade. Piaget dividiu a construção da noção de justiça em três períodos, que vão se desenvolvendo
ao longo da infância: a) justiça enquanto obediência, que ocorre em crianças até seis a oito anos
aproximadamente, onde o dever está ligado à justiça e a desobediência ou o não cumprimento das regras,
à injustiça; b) a justiça enquanto igualdade, cuja consciência se constrói por volta dos sete aos oito anos,
mas que pode se mostrar mais tardia quanto à sua prática pelas crianças. Nessa fase o igualitarismo se
torna um critério de justiça, exigindo-se um tratamento igual a todos, sem considerar as circunstâncias
pessoais dos indivíduos; c) a justiça enquanto equidade ocorre por volta dos onze, doze anos, onde o
igualitarismo é superado pela igualdade sensível a situações particulares, passando a ser considerado a
partir de agora as circunstâncias pessoais também. Na realidade o que é possível perceber é que a justiça
distributiva nos leva há relações democráticas, de igualdade e equidade. Dessa forma, quando os
indivíduos olham para outros como iguais é possível, a verdadeira transformação e, somente na relação
com o outro isso é possível. Assim, a autonomia se constrói na discussão e na crítica. Existem assim dois
tipos psicológicos de equilíbrio social: um baseado na coação da idade e que exclui igualdade,
solidariedade “orgânica” e inclui o egocentrismo individual e outro tipo onde a base está na cooperação e,
consequentemente na igualdade e na solidariedade. É fato, que os dois tipos apresentados são encontrados
no adulto e na criança.
Teoria de Kolberg
Os trabalhos de Kolberg podem ser considerados como uma continuidade dos estudos realizados
por Piaget, sobre desenvolvimento moral. O ponto central da teoria é a transformação social, enfatizando
Dessa maneira, o valor comunitário está ligado ao valor que a comunidade dá ao seu grupo,
valorizando a solidariedade, o comprometimento das pessoas com a vida de todos, ou seja, objetivos
comuns, além da consciência de grupo, uma vez que, os grupos só começam quando existem objetivos
comuns. Nas reuniões da comunidade justa, existem os fóruns para tomada de decisões democráticas é o
maior ritual para construção da comunidade, as normas, valores e ideais servem para fortalecer o senso de
comunidade.
As virtudes
Mas, afinal o que é a virtude? Aristóteles definiu o conceito de virtude como disposição para fazer
o bem. Assim, a virtude (em grego, aretê) é a própria condição humana voluntária que visa a excelência,
a superação, a perfeição. Na teoria aristotélica a pessoa virtuosa é aquela que sabe o que faz, que escolhe
fazer o que correto e, é capaz de repetidamente executar a retidão com vontade inabalável. O hábito é
uma segunda natureza. Envolvendo sentimento e ação. E sobre as virtudes é importante apresentar o que
vem a ser justiça, solidariedade, generosidade, segundo Comte Sponville (1995, p. 94-95), o qual será
utilizado como um dos referenciais no trabalho acima descrito. De acordo com o autor
(SPONVILLE,1995, p. 94-95), ao tentar responder a questão: O que é ser justo?, explicita que a pessoa
justa é aquela
[...] que põe sua força a serviço do direito, e dos direitos, e que decretando nele a
igualdade de todo homem com todo outro, apesar da desigualdade de fato ou de talentos,
que são inúmeros, instaura uma ordem que não existe, mas sem a qual nenhuma ordem
jamais poderia nos satisfazer.
No que se refere a esse conceito, o autor o define como um estado de fato antes de ser um dever
“[...] consiste em levar em conta os interesses do outro porque você compartilha esses interesses. Você
faz um benefício a ele, e isso lhe traz, ao mesmo tempo, um benefício”. (SPONVILLE , 2005, p. 98 e
121).
Revisitar as virtudes em uma sociedade onde apenas o ter é valorizado se apresenta como
condição necessária e essencial nos dias atuais, nesse sentido, investigar a comunidade buscando
concepções de justiça, solidariedade, fraternidade, generosidade e amizade que possam estar presentes nas
ações dos líderes comunitários representa um passo importante para novas reflexões a respeito da vida em
comunidade e porque não dizer em sociedade.
Caminho metodológico
O estudo está sendo desenvolvido com 10 líderes comunitários, adultos, que estão inseridos no
Projeto Rede Social Limeira, coordenado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, localizado
A análise dos dados vem ocorrendo no sentido de efetuar uma caracterização dos sujeitos; de
buscar categorias que permitam identificar na fala dos mesmos os princípios éticos e morais que regem a
sua ação; verificando os princípios morais identificados no discurso sobre a sua ação permanecem ao
refletir sobre a desigualdade de “outros” que não os “seus”. Essas categorias serão analisadas à luz do
referencial teórico de Piaget e Kohlberg sobre o processo de construção de moralidade.
Textualização de um depoimento
A colaboradora ASF43 informou que nasceu em Limeira, casou-se muito cedo, separou-se do
primeiro marido e após alguns anos conheceu uma outra pessoa e, casou-se novamente, nesse casamento
morava de favor na casa de um cunhado, contou que o seu sonho era ter sua casa própria. Em 1992
trabalhava como enfermeira e uma das colegas de trabalho comenta com ela sobre um loteamento, na
verdade, um assentamento onde estava esperando um lote e a convidou para conhecer, ela que nunca
havia participado de uma ocupação ficou interessada, quinze dias depois ela foi chamada e ganhou um
lote naquele local. Segundo a fala de ASF43 sofreu muito, não existia nenhum tipo de infra-estrutura
naquele espaço (água, luz, asfalto), era um assentamento com vários acampamentos, barracos feitos de
lona e madeirite, também não existiam ruas. E, todas as pessoas que estavam ali, tinham o sonho da casa
própria, eram pessoas que não podiam mais pagar aluguel, que não tinham nenhum tipo de moradia.
Relatou que nessa época no bairro houve uma grande crise, onde todas as pessoas se uniram em prol de
O meu trabalho iniciou desde o início do bairro, meu trabalho já tem 12 anos, e eu
comecei a me envolver com aquelas pessoas, não conhecia tanta pobreza, claro que eu
tive uma vida difícil, uma vida que eu tinha que trabalhar, mas não sabia que existiam
pessoas mais pobres do que eu, e quando eu comecei a ver aquilo, tudo que eu tinha eu
doava. Toda minha comida ia embora, dentro de uma semana, quinze dias, fui muito
criticada pelas pessoas por fazer isso, mas Deus não deixava faltar. E eu conheci uma
mulher que está até hoje dentro do bairro, que é a doutora Helena e, ela entrou dentro do
bairro servindo sopa em uma perua Kombi e, ela precisa de voluntários nas ruas, para
levar sopa, então, desde esse dia eu nunca mais parei de trabalhar. (ASF43)
Diante dessa fala é possível inferir que ASF43, não tinha necessidade de sair de sua casa, já que
estava na mesma situação para ajudar os outros moradores,mas, ela se colocou no lugar do “outro”
quando disse que havia sido pobre, mas, não tão pobre. Nesse sentido infere-se que o colocar-se no lugar
do outro é um ato generoso dessa pessoa e (é um principio moral, porque foi além do interesse próprio,
ASF43,) que também estava na mesma situação, mas saiu de sua casa para servir o outro. Mesmo com
tantas dificuldades não desistiu, a depoente declarou que foi muito criticada dentro da própria
comunidade porque começou a trabalhar com a doação de sopa e pão, muitas pessoas acreditavam que
ASF43 estava ali trabalhando com interesses políticos, mas, na verdade não era isso e até hoje ela
continua o trabalho, em mais um ato de coragem, enfrentou as criticas, a oposição e continuou o trabalho,
nada a fez desistir. Lembrou de um fato marcante e percebe-se que novamente ASF43 sai de sua
perspectiva quando diz:
Teve um fato marcante desse trabalho, tinha uma senhora, ela chama Dona Josefa, ela é
viva ainda, bem velhinha, é uma guerreira e ela chegou na perua com três vasilhas de
sopa, eram três vasilhas de pote de sorvetes e nós entregávamos uma vasilha de sopa. E
ela pediu para encher as três aquele dia e aí, a Helena disse: “Não dá para encher, porque
vai faltar para as outras pessoas”, porque nós fazíamos apenas um tambor de sopa. Dona
Josefa falou: “Então está bom!”, mas a sopa que ela pegava para comer a semana
inteirinha, ela não tinha comida, guardava aquela sopa, não tinha nem geladeira, ela ia
Percebe-se que a colaboradora relata esse fato, sentindo a dor de fome daquela senhora e isso,
ficou em sua lembrança. É possível inferir pela verbalização de ASF43 que participou da do sentimento
do outro e, esse sentimento também é chamado de compaixão, que representa um princípio moral. A
depoente poderia ter visto aquela cena de fome e apagado de sua memória, mas, não o fez, poderia ter
desistido do trabalho se recolhido, mas, não o fez. Não era de sua responsabilidade a fome daquela
senhora, mas ao se colocar na perspectiva dou outro pode sentir sua dor. Quando fala da comunidade, do
bairro hoje, a depoente fala sobre as várias conquistas, cursos profissionalizantes, parceiros e benefícios
conquistados para aquela comunidade, principalmente quando demonstra sua principal preocupação, com
jovens e adolescentes
Nossos jovens e adolescentes eu tinha uma preocupação muito grande com eles e tenho
ainda, porque, na verdade nosso bairro ele é conhecido por tráfico e prostituição, então,
hoje nós conseguimos administrar e trazer as crianças para rede social e trabalhar com
elas, tirando, muitos adolescentes das ruas, não são todos, mas os que permanecem
conosco, já são uma conquista. Hoje tem a Frente Jovem, né, nós trabalhamos também
com várias parcerias, trabalhamos em rede dentro do bairro, a associação de moradores,
que é um grupo que trabalha bastante. (ASF43)
Nota-se nessa fala a preocupação em tirar os jovens das ruas, do tráfico, da marginalidade, na
realidade essa preocupação deveria ser do poder público, mas ASF43 pelas verbalizações apresentadas
parece não esperar pela vontade deles, mesmo sabendo que os jovens daquela comunidade não são de sua
responsabilidade, busca parceiros, programas e cursos em beneficio de todos e com consciência de que
cada um que ela puder tirar das ruas será uma vitória. Nesse movimento enfrenta os traficantes e demais
criminosos, pois, cada adolescente que retira das ruas, é um adolescente a menos a serviço do crime, da
exploração infantil , do tráfico, da prostituição, mas, isso também pela fala de ASF43 não é impedimento
para seu trabalho. Também fala sobre as crianças da comunidade
[...] nós conseguimos dentro do nosso bairro uma Pré- Escola, para tirar as criancinhas da
rua, porque nós realizamos e conquistamos esse trabalho, por ver muitas mães
necessitando trabalhar e não tinham como trabalhar, aí nós conseguimos recursos de
empresários para comprar uma casa e colocar essas crianças, hoje é uma escola, muito
bem formada, as crianças no início estudavam meio período, hoje elas estudam período
integral, hoje nos contamos com 80 crianças dentro do PEPE e é uma escola maravilhosa,
as mães que não podem olhar as crianças, porque trabalham, as crianças estudam cedo e
no período da tarde e também fizemos uma parceria com a escola municipal, para poder
trabalhar junto com o PEPE, para ficar auxiliando aquelas crianças que estudam só meio
período e, ficam na escola nós ajudamos , para que elas não fiquem nas ruas. (ASF43)
É possível inferir que estamos diante de quatro princípios morais, justiça, coragem, generosidade e
compaixão. Justiça, porque antes de ser virtuoso e generoso é preciso ser justo, coragem para enfrentar o
Sonhos para comunidade temos muitos, que a discriminação do nosso bairro acabe, que
um dia nossos filhos, que todos aqueles jovens e adolescentes, aquelas pessoas mais
velhas, que procuram emprego, não sejam descriminados, o nosso maior sonho é poder
um dia chegar no posto de saúde e ser tratado por igual. Não ter discriminação, trazer
vários projetos para o bairro e mostrar que todos nós temos capacidade de trabalhar.
Espaço nós temos, o bairro inclui 7500 famílias, 4.000 crianças, 1.500 jovens e
adolescentes, então, é um público alto, não é fácil de ser trabalhado, mas dá para
trabalhar, o nosso maior sonho é esse, é quebrar a discriminação do bairro. (ASF43)
ASF43 realizou uma fala sobre Justiça, direito a igualdade, respeito mútuo, dignidade que na
realidade permeou todas as suas falas, mas, ao longo do texto foram aparecendo outros princípios morais
como amor de forma gratuita, compaixão, generosidade, coragem, é o podemos inferir com as
verbalizações dessa liderança.
Reflexão
Este estudo está permitindo conhecer atores sociais que acreditam que a vida, a comunidade e o
mundo podem ser diferentes e que o melhor lugar do mundo para se viver pode ser o lugar onde você
está, agindo de maneira ética e virtuosa.
Referências
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 12. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
______e NOGUEIRA. Que fazer? Teoria e prática na Educação Popular. 8ª ed. Petrópolis: Vozes, 2005.
MACNTYRE, Alasdir. Depois da virtude: um estudo em teoria moral. Bauru: EDUSC, 2001.
SILVA, Jair Militão. Educação comunitária: estudos e propostas. São Paulo: Senac, 1996.
SPONVILLE, Comte A. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
PEDRO-SILVA, Nelson
TONON, Fábio
UNESP – Campus de Assis
nelsonp1@terra.com.br
Resumo
Abstract
We present a research analysis whose purpose has been to investigate love relationships in adolescence.
Having as a parameter the Piagetian approach of cognition and morality, young people have been acting
according to egocentric “logic”, characteristic of pre-operating period and of heteronomous bias, even
though they are not pre-logic. On the contrary, they present cognitive competence and reversible morals.
They lack the correspondent performance, probably due to the present culture, since it hardly instigates or
values the exercise of dialogue. Thus, the subjects end up presenting selfish behavior and establish
ephemeral relationships, such as the so called “make out with”. This occurs because - while acting
irrationally - they do not have a sympathetic identification with their mate and therefore cannot
understand him/her and are even unable to love, for this feeling supposes understanding. To reverse the
processes, we find it necessary for the adolescents to be co-operative. However, this movement leads to
suffering, since it compels to leave the individualistic, hedonist and demobilizing perspective.
Keywords: Piaget. Moral psychology. Affective relationships in adolescence. “Make out with”.
Parcela significa dos jovens de hoje apresenta postura individualista, hedonista, consumista e
desmobilizadora. Esta nova maneira de agir e de pensar talvez tenha sido determinada, de um lado, por
aspectos relacionados à conjuntura política e econômica e, de outro, pelo culto excessivo a certos valores
ligados a gloria (beleza, força física, status social e financeiro). Próprio de sociedades pós-modernas, tal
comportamento baseia-se num certo desejo desenfreado de consumo, na aparente liberdade de escolha, na
construção de verdades próprias, na ânsia em buscar o novo a qualquer preço, na indiferença política e no
estabelecimento de relacionamentos amorosos efêmeros. Segundo Motta (1987), esta nova postura é
própria das sociedades industrializadas e internacionalizadas pela indústria cultural contemporânea. Ela
fundamenta-se no consumismo, no individualismo, na defesa das próprias ideias, na identificação com
todo tipo de modismos e no descaso com tudo e com todos; evidenciando-se, assim, que ela é, por
natureza, não-coletiva.
Tendo como parâmetro este cenário, procuramos fazer uma análise piagetiana da lógica implícita
sobre uma nova maneira de se relacionar afetivamente entre os jovens, o ficar. A nossa tese é a de que os
jovens estão agindo motivados pela lógica da heteronomia (PIAGET, 1932/1994), apesar de serem, do
ponto de vista cognitivo, operatórios; portanto, dotados das condições intelectuais para atuarem
autonomamente.
Outro aspecto – uma novidade nesta conduta – refere-se aos gêneros envolvidos. Antes, tal prática
era desempenhada em sua maioria pelos homens, pelo menos publicamente. As mulheres que podiam ter
este tipo de conduta eram taxadas com adjetivos que as inseriam no lugar da imoralidade e, portanto,
como objetos a serem excluídos do espaço social saudável. Os adjetivos empregados eram os seguintes:
para as desfavorecidas cultural e economicamente, “devassas” e “moças perdidas”, para as demais,
“moderninhas”, “corajosas”, e “independentes”.
Dessa forma, quando as primeiras conseguiam, depois de algum tempo de inserção neste espaço
da anormalidade, estabelecer relacionamento amoroso estável, ela quase sempre era julgada sem outra
opção. Outras vezes, era possível fugir desse lugar de “anormalidade” quando a “anormal” mudava-se
geograficamente. Desconhecida no novo espaço de moradia, ela conseguia ocultar ou reinventar o seu
passado. No caso das meninas de situação social e econômica favorecida, o percurso era diferente. Tais
condutas não se constituíam em obstáculos para outros tipos de relacionamentos. Ao contrário, elas se
tornavam, mais ainda, objetos de desejo exatamente porque ousavam, com tais condutas, desafiar o seu
tempo. Nestes casos, o problema, portanto, não estava em ocupar o espaço da anormalidade, mas o de não
querer sair dele.
Isto aconteceu, dentre outros fatores, em virtude das mudanças ocorridas em relação à
sexualidade, por sua vez decorrentes, em grande medida, da invenção de métodos contraceptivos mais
eficientes e do movimento de contracultura norte-americano, que pretendia reinventar novas formas de
viver a partir da substituição de todos os valores vigentes na época por apenas dois: paz & amor.
Decorrência: vários jovens daquele período passaram a lutar contra os valores instituídos, e entre eles
Acreditamos que tal tipo de relacionamento está amparado também na popularização de um tipo
de interpretação eivada de equívocos de certos referenciais neonietzchianos. Conforme Rouanet (1987),
tal posicionamento concebe a razão como o principal instrumento de repressão e faz a apologia do
respeito às diferenças, a ponto de se cair num relativismo cultural extremado, em que tudo passa a ser
válido, em nome do pretenso respeito a tais diferenças. Com isto, as preocupações se resumem em
evidenciar e supostamente respeitar as diferenças e não a busca da convivência.
Motivos. Segundo os dados coletados, mais de 60,0% dos sujeitos questionados acreditam que as
pessoas ficam com a finalidade de buscar prazer, sem com isso ter que estabelecer relacionamento sério
e/ou duradouro. Quer dizer, o ficar é visto como um relacionamento semelhante ao namorar, porém sem
o elemento, que ele traz implícito, de compromisso e de obrigação moral de ser cumprido.
Outros jovens afirmam que o ficar serviria como momento de “ensaio” para se verificar a
viabilidade da construção de uma relação “mais duradoura e séria”, como o namoro. Esse raciocínio
subsidia, pelo menos, duas interpretações: o namoro passou a ocupar o lugar do noivado e do casamento,
já que hoje cada vez mais as pessoas não veem tais relacionamentos como “para sempre” e/ou com a
crença da eterna felicidade.
Contribui também para esse quadro o fato de que, com a liberdade sexual, e a consequente
possibilidade de se ter relações sexuais antes do casamento, não é mais prerrogativa o vínculo conjugal
formal, para que o casal possa levar uma vida matrimonial. Isto deve ter contribuído, então, para a
transferência de função nos tipos de relacionamentos: a fase do amasso (definida hoje como ficar) passou
a ocupar a do namorar e este último relacionamento, a do casar.
É válido considerar igualmente que os jovens estão julgando que o namoro, nos antigos moldes, já
envolveria um grau de seriedade considerável. Isto demandaria, em contrapartida, a necessidade de se
criar algo anterior, avaliado como “menos sério” – o que neste caso equivaleria ao ficar. Frases do tipo:
“preciso ficar para saber se o cara beija legal”, “se ele tem mau hálito”, “se transa bem”, “se a barriga dele
De qualquer forma, acreditamos que as razões apresentadas não são excludentes. Pelo contrário,
elas se complementam: o sujeito pode ficar com a finalidade de buscar prazer, sem necessariamente
estabelecer relacionamento mais sério. E isto pode levá-lo (ou não) a estabelecer outro tipo de
envolvimento emocional.
O leitor deve ter notado que, nos exemplos apresentados, somente nos referimos a aspectos
ligados à imagem corporal. Assinalamos que eles não são invenções e/ou meros incidentes na fala dos
jovens, a ponto de não merecerem análise. Na presente pesquisa, vários sujeitos disseram que as pessoas
foram motivadas pela imagem: “é um menino bonito, então preciso ficar com ele”. Observamos que
critérios, outrora decisivos (como “ter boa cabeça”), não é mais considerado, pelo menos não como
condição necessária para o ficar. Os jovens buscam, assim, no relacionamento ficar a satisfação de
valores ligados à glória como “corpo perfeito” e status social e financeiro.
Cabe salientar que estamos nos referindo ao relacionamento do ficar. Obtivemos informalmente,
dados que parecem indicar que, quando se trata do namorar, além destes valores ligados à glória, outros
de cunho moral são igualmente buscados – se bem que a procura se resume aos relacionados à esfera
privada, como o valor fidelidade.
É curioso notar também que, quando o sujeito demanda uma relação mais séria, o ritual de
abordagem é diferente. Agora, a quase naturalidade com que a aproximação é feita, a sua frequência e os
consequentes gestos de carinho e mesmo sexuais que acontecem no ficar é precedido por certo jogo
amoroso, objetivando ter certeza de que o provável relacionamento mais sério de fato acontecerá. De
qualquer maneira, mesmo quando se trata da busca por este tipo de relação, parece-nos que ela não se dá
com a intenção de se interagir com alguém, mas apenas de ficar ao lado de alguém por mais tempo, como
explicitaremos mais adiante.
Outras razões foram apontadas para o ficar. Dentre elas, destacamos o fato de essa ser a única
possibilidade de relação que, cada vez mais, se apresenta para os jovens. Como a moda hoje é ficar,
então, os que demandam outro tipo de relacionamento são obrigados a se submeter a este, pois é o único
possível. Caso ele não se renda, suas possibilidades de ter esse tipo de interação são reduzidas.
Há outros jovens que ficam como forma de fugir ao sofrimento provocado por uma desilusão
amorosa. Assim, o ficar, aqui, teria a função de mecanismo de defesa. Vê-se, então, que o sujeito acaba
ficando como forma de fugir da elaboração do luto provocado pela perda. Com isto, aquela parte dele que
está sofrendo de amor não é reconstruída. A esse propósito, os freudianos afirmam que a ausência de
Aspectos positivos. Quando indagados sobre tal assunto, as respostas giraram em torno de dois
eixos: o fato de o ficar não demandar obrigações e compromissos, como o de ser fiel, que é, pelo menos,
implicitamente exigido no namoro; e a busca por experiências emocionais e/ou sexuais variadas,
supostamente para fazer um escolha mais consciente e certa.
É digno de nota o fato de alguns dos sujeitos do estudo terem apontado como algo positivo, o fato
de não saber o que acontecerá no momento do ficar e depois dele. Este caráter de imprevisibilidade faz
com que as pessoas “se envolvam mais” e vivam com “mais intensidade” tais momentos amorosos, o que
dá a entender que, em relacionamentos como o do namoro, tal aspecto não ocorre frequentemente.
Quanto ao segundo eixo – o ficar porque é legal conquistar – evidencia que, além da lógica do
capitalismo moderno de transformar tudo em mercadoria a ser obtida de qualquer maneira, ainda está
presente na nossa sociedade certa mentalidade de colonizador. Segundo Calligaris (s.d.), prevalece no
Brasil a ideia de que se deve unicamente retirar tudo o que é julgado importante, sem oferecer nada em
troca.
Aspectos negativos. Os resultados apontam que os sujeitos consideram como mais negativo no
ficar exatamente o que também apontaram como o mais positivo: a busca do prazer sem a instituição de
uma relação com limites, ou seja, o caráter superficial do ficar (falta de compromisso e de envolvimento
mais profundo) e a sua não transformação em relacionamento duradouro (como o namoro).
Depreende-se destes dados que os jovens estão um tanto confusos. É evidente que isto não chega a
ser uma novidade. É próprio de seres civilizados, que vivem em sociedade idiossincráticas, serem
colocados frequentemente diante de situações que demandam escolhas. Se, por um lado, com isto se tem
garantida a liberdade de opção, por outro se vive permanentemente em conflito, situação particularmente
aguda na adolescência, não só porque certas escolhas feitas neste período praticamente determinarão a
Não podemos deixar de assinalar que atualmente vivemos uma intensa crise econômica, de crença
nas instituições e de valores morais e éticos. As perguntas que mais se colocam atualmente são a de
“como devo agir” e a que indaga sobre as consequências benéficas e maléficas que tal escolha trará. Mais
do que nunca, essa indecisão está posta no campo das relações amorosas. O ditado popular “não sei se
caso ou se compro uma bicicleta” parece traduzir o atual estado de coisas.
O problema é que, mesmo quando querem se envolver, a ideia que subjaz é a do ficar ao lado de e
não com alguém. É exatamente por isto que refletiremos sobre o desenvolvimento cognitivo e moral na
perspectiva piagetiana. Pretendemos, com isso, ter subsídios para que possamos analisar esta
“impossibilidade de amar”.
Em estreita solidariedade com o desenvolvimento cognitivo ocorre o moral, cuja função tem a ver
fundamentalmente com a garantia da convivência.
Especificamente quanto aos jogos, mediante observação e entrevista clínica, Piaget chegou à
conclusão de que, assim como a inteligência, o juízo moral apresenta tendências indicadoras de mudanças
qualitativas na forma de pensar e praticar as regras.
Tais resultados levaram Piaget a indagar se o desenvolvimento do juízo moral seguiria o mesmo
percurso, isto é, se as crianças se relacionariam com as regras morais de maneira heterônoma e, depois,
autônoma. Piaget estudou, então, a maneira pela quais elas compreendem e chegam a respeitar os
diversos deveres morais dispostos pelos adultos. Com esse propósito, ele investigou os juízos morais,
mediante o emprego de historietas dilemáticas sobre desastres materiais, roubo e mentira. O resultado
obtido foi semelhante ao encontrado nos jogos: a existência da heteronomia antes da autonomia.
A criança mostra-se, na heteronomia, imersa num tipo de realismo moral, o qual só considera uma
ação boa se ela estiver de acordo com as prescrições adultas. Além disso, ela é entendida ao pé da letra, e
não em função da intenção do praticante, levando à construção de uma concepção objetiva de
responsabilidade.
A partir dos dez anos, a criança começa a apresentar características morais opostas às anteriores,
denominadas por Piaget de autonomia. Agora, os indivíduos constroem ideias de que fazer o bem nem
sempre corresponde a agir de acordo com as prescrições dos adultos. Acrescente-se a isso o fato de as
crianças se esforçarem para compreender o espírito das regras e de avaliarem os dilemas segundo a
responsabilidade subjetiva.
Quanto à justiça, novamente observa-se que Piaget encontrou duas morais opostas: a da
heteronomia e a da autonomia. A primeira é a moral do dever e da obediência. Ser justo, para essa moral,
é agir segundo os ditames da autoridade adulta ou das leis estabelecidas e fazer uso da sanção expiatória
como forma de punir o infrator, sobretudo por meio da dor. Por ser guiada pela ideia de igualdade ou
equidade, a moral da autonomia, todavia, separa a justiça dos preceitos instituídos pela sociedade e
utiliza-se basicamente de punições decorrentes da justiça distributiva, visando recompor o vínculo social
rompido. “A moral da autoridade, conduz à confusão do que é justo com o conteúdo da lei estabelecida e
à aceitação da sanção expiatória. A moral do respeito mútuo [...] ao desenvolvimento da igualdade”
(PIAGET, 1932/1994, p. 243).
Essa maneira de se comportar é produto da relação que o indivíduo estabelece com o meio social.
Defensor da concepção interacionista, Piaget não acredita na possibilidade de produção de
comportamentos morais apenas a partir do indivíduo ou do meio social. Como assinala La Taille (1992, p.
O primeiro tem como marca a imposição. São relações observadas geralmente entre adultos e
crianças, na qual os primeiros acabam, por sua superioridade física e muitas vezes intelectual, aliados aos
sentimentos de amor nutridos pelas segundas, impondo-lhes sua maneira de ver e suas atitudes. É uma
relação constituída, reforçadora do egocentrismo, pois não há reciprocidade. Disso decorre o respeito
unilateral às leis e autoridades, levando à constituição de uma moral heterônoma. A cooperação, ao
contrário, é uma relação simétrica, tendo como marca a reciprocidade. É constituinte e dependente de
acordos. Nela é necessário que os sujeitos se descentrem, colocando-se no lugar do outro. A cooperação
leva ao respeito mútuo e à construção da autonomia.
Infere-se, assim, que, na heteronomia, o dever determina o bem, isto é, algo só é considerado bom
se estiver em conformidade com as regras instituídas. Já na autonomia, o bem determina o dever, pois
primeiro se estabelece o que é bom para, em seguida, transformá-lo numa obrigação. Como afirma La
Taille (1992, p. 60), “enquanto a coação fornece um modelo a ser seguido, a cooperação fornece um
método”.
Com essas breves reflexões, apresentaremos os argumentos para a defesa da tese de que os jovens
ficam porque estão agindo segundo a moral da heteronomia.
Pensamos que os adolescentes ficam porque são guiados por uma lógica de ação heterônoma. Isto
É provável que esta maneira de se comportar amorosamente seja determinada por fatores
conjunturais e estruturais. A cultura vigente, juntamente com os efeitos colaterais do capitalismo pós-
industrial – solidão, busca da felicidade a qualquer custo, sensação de vazio permanente, de desapego e
desenraizamento espiritual e de filiação – na medida em que não incitam e tampouco valorizam o
estabelecimento e o exercício do diálogo, acabam contribuindo para uma sobre-alienação no campo
amoroso. Falamos dessa alienação a mais porque a utopia do relacionamento amoroso já é puro
falseamento do real, pois sugere a possibilidade de concretização da felicidade para sempre; aspecto
somente possível se os enamorados literalmente morressem. Expliquemos. Se a vida é estar em
permanente busca de superação dos conflitos gerados por forças antagônicas (tese freudiana) ou em
procura de equilíbrio (piagetiana), e se o homem está em permanente transformação, então o sonho de
concretização do slogan das fábulas “e viveram felizes para sempre” é pura quimera. Assim, voltamos a
salientar que se trata de uma alienação excedente. Diante disso, observamos alguns dos nossos jovens
repetindo em uníssono a velha melodia: “já que não é possível a felicidade para sempre, é melhor não nos
envolvermos. Só assim não se sofrerá”. O problema é que, ao agir assim, estão destruindo a própria
existência. Bruckner (2002, p. 14-5), a esse respeito, considera que esse quadro é efeito dos tempos atuais
do dever de felicidade.
Descobrindo-se únicos responsáveis por seus reveses ou por seus sucessos, constatam que
a felicidade tão esperada lhes foge à medida que correm atrás dela. Eles sonham como
todo mundo com a síntese admirável, que reúna sucesso profissional, amoroso, moral,
familiar e acima de todos eles, tal como uma recompensa, a satisfação perfeita. Como se a
liberação de si, prometida pela Modernidade, devesse ser coroada pela felicidade [...] Mas
a síntese se desfaz [...] E eles terminam por viver a promessa de encantamento não como
uma boa nova, mas como um débito com uma divindade sem rosto que nunca conseguem
saldar. As mil maravilhas anunciadas só chegam a conta-gotas e desordenadamente,
tornando a busca mais penosa, mais pesada a opressão. Mortificam-se por não
corresponder ao padrão estabelecido, por infringir a regra. [...] Cerca de três séculos mais
tarde, o ideal [de felicidade] transformou-se em penitência. A partir de agora temos todos
os direitos, salvo o de não ser bem-aventurados.
Isso não significa que os nossos jovens estão se recusando a se relacionarem; esta é tão somente a
forma que encontraram. Assim, numa sala de bate-papo eletrônica, quando são forçados a se colocarem
no lugar do outro e este ato produzir contrariedade, angústia, irritabilidade, simplesmente eles mudam de
sala, de conversa ou desligam o computador. Pode parecer que eles agem propositadamente. Entretanto,
não acreditamos em tamanho maquiavelismo. Ao contrário, guiados por uma lógica da ação heterônoma,
o nosso adolescente fala algo e acaba fazendo o oposto, sem se dar conta da contradição, pois tal como as
Isto ocorre porque o versar sobre algo com alguém, ou o dialogar, cria a obrigação de os
envolvidos terem que necessariamente deslocarem-se e colocarem-se mentalmente um no lugar do outro.
Caso contrário, não será estabelecido o colóquio, mas dois monólogos dirigidos para uma plateia
“delirantemente” refletidora da própria imagem.
Tem-se, dessa maneira, a produção de relacionamentos fugazes, como o ficar, porque os jovens
agem orientados por certa irracionalidade – apesar de terem a capacidade racional. Sem fazer uso da
consciência, eles objetivam continuar, de maneira desconexa, subordinando o outro ao seu eu e negando-
se a submeter-se a ele. Em consequência, são incapazes de estabelecer o diálogo; confundem fantasia com
realidade, a ponto de acabarem apenas enxergando um simulacro do outro e mostram-se incapazes de
amar, pois o amor, como disse Piaget (1964/1973, p. 38), implica em fazer uso também da racionalidade:
“nunca há ação puramente intelectual [...] assim como também não há atos que sejam puramente afetivos
(o amor supõe a compreensão)”.
Dessa forma, para amar é necessário que esta lógica egocêntrica contida no ficar seja colocada em
segundo plano. Não estamos, com isso, dizendo que ela deva ser eliminada, mesmo porque ela é
fundamental para a sobrevivência do homem e da sociedade. Afinal, como poderíamos viver sem
intimidade, sem sonhar ou chegar ao ponto em que chegamos, em vários aspectos positivos, sem a
fantasia, possibilitada apenas por sermos egocêntricos e, em consequência, buscarmos o que no momento
parece impossível aos nossos olhos e aos dos outros? O adágio de que cabeça vazia é oficina do diabo
precisa ser entendido como algo igualmente positivo. É graças a estes momentos de ócio e de
recolhimento existencial que se cria.
Apesar destes aspectos positivos presentes no “estar em si”, para amar são condições vitais que os
adolescentes se coloquem no lugar dos outros. Em outras palavras, que sejam co-operativos. É por isto
que talvez os jovens prefiram ou só consigam conceber a relação amorosa como um estar ao lado do
outro e não com o outro, pois tais movimentos levam inevitavelmente ao sofrimento, uma vez que ele
obriga ao abandono do individualismo, do hedonismo e da desmobilização. Poderíamos resumir, assim,
uma das causas que influenciam este tipo de relação na atualidade: ficar para não amar e, logo, não
sofrer!
Outras consequências são produzidas por esta lógica da ação heterônoma. Referimo-nos à
produção da cultura da imagem, a do zap e a binária. Expliquemos.
A outra cultura que vem prestando serviços à construção dessa mentalidade heterônoma é a que
denominamos de zap. Tal termo é empregado para designar o comportamento que frequentemente os
jovens apresentam de fazer uso constante do controle remoto para mudar de canal. Semelhante conduta é
apresentada pela criança heterônoma. Quando ela se cansa de determinada brincadeira, mesmo podendo
prejudicar os demais membros do jogo, sai a realizar outra atividade julgada por ela mais ou a única
interessante. Pois bem, os adolescentes, sobretudo de classe média, ao chegarem a casa depois da escola,
ligam o aparelho de som, o televisor e o computador – seja para jogar, frequentar sites ou salas de bate-
papo –, discam o telefone e folheiam revistas de esportes radicais. O curioso é que eles fazem uso de
todos estes meios ao mesmo tempo. É inevitável a pergunta: Como é possível? Respondemos com um
exemplo: quando a “conversa” da sala de bate-papo torna-se desinteressante, o sujeito começa a prestar
atenção na programação televisiva. Se ela fica desestimulante, ele muda de canal ou começa a escutar a
música tocada no aparelho de som. Ao se cansar, liga para a amiga ou para a pessoa com quem está
pretendendo ficar. Se o papo começa a ficar igualmente monótono ou se no seu desenrolar são tecidas
críticas às suas condutas, ele continua ao telefone, só que passa a ler as matérias das revistas de esportes
para, logo em seguida, voltar à televisão, ao rádio ou ao computador.
Indagamos: quem, ao observar crianças de quatro anos, não verifica condutas semelhantes no
manejo de seus brinquedos e nas relações com os seus colegas? É como se eles não se concentrassem e
não escutassem praticamente nada, desistindo de superar obstáculos (depois de poucas tentativas). Esse
recurso é utilizado também em sala de aula. Por exemplo, o docente está expondo determinado conteúdo
e o aprendiz, ao se sentir forçado a pensar sobre o assunto, volta-se para o colega sentado ao lado a fim de
chamá-lo para uma prosa julgada, por ele, mais interessante. Isto o leva a zapear o mestre e, em
consequência, a mudar para o canal do mundo do colega.
De qualquer maneira, algo é certo: essa conduta não é apresentada apenas por pré-adolescentes
que, pela própria condição, estão envoltos em seu egocentrismo. Presenciamos o mesmo comportamento
em universitários. Não estamos com isso afirmando que tal conduta de certo desprezo pelo professor e
pela aula são fenômenos recentes. Antigamente também se conversava com o colega, quando o professor
Tem-se ainda a cultura denominada de binária, ou seja, um tipo de pensar que só admite duas
alternativas. Por exemplo, se é bonito ou feio, alto ou baixo, bom ou mal, elegante ou deselegante, certo
ou errado. A cultura, ao forçar as pessoas a realizarem constantemente este tipo de operação maniqueísta,
as tem levado a dividir o mundo e a compreensão que se faz dele. Ela significa “não uma decisão
profunda, existencial, mas uma resposta rápida, impulsiva, boa para o consumo” (SANTOS, 1980/1991,
p. 17).
Por exemplo, este raciocínio está presente nos debates travados na sociedade brasileira, como o da
legalização do aborto. As discussões são feitas da seguinte forma: se a população é contra ou a favor desta
prática. As circunstâncias que poderiam relativizar são deixadas de lado e, com isso, o próprio exercício
da reflexão.
Não estamos com isso nos colocando desfavoráveis a este tipo de maniqueísmo no processo de
formação da personalidade moral. Assim como Piaget (1932/1994), entendemos que a autonomia só é
possível caso o sujeito seja antes submetido a relações interindividuais de coação. Afinal, para se legislar
sobre as regras e se relativizar premissas é necessário que antes elas sejam internalizadas. Logo, esse
processo só é possível se antes forem afirmados os extremos. Por exemplo, como dizer para a criança que
tal pessoa é boa, que outra é boa, mas nem tanto, que outra é má, que outra é um pouco má, que outra,
dependendo das circunstâncias, é má? Ela precisa, inicialmente, diferenciar o que é ser uma pessoa boa e
o que é ser uma pessoa má.
Esse processo, importante na infância e que deveria ser apenas e tão somente um momento
necessário para a estruturação do aparelho psíquico, torna-se assim sem sentido quando é eternizado. E é
exatamente o que a mídia têm feito ao nos empurrar pelos gargalos das opções para um ou para outro
Considerações finais
Em vista destes apontamentos, a nossa sugestão é a de que o ficar tem que ser substituído pelo
amar. Acreditamos que esta proposta é fundamental para a sobrevivência da própria civilização e, antes
de tudo, é uma postura política de oposição à lógica capitalista que procura nos transformar em meros
produtos de consumo e que só solicita a nossa capacidade racional (entenda-se, de reciprocidade) para
atender aos interesses de produção de mais-valia e de alienação, como a transformação do ficar em algo
que está na moda e o amar em algo que está fora de moda.
Referências
LA TAILLE, Y de (Org.) Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo:
Summus, 1992.
Resumo
Discutir os vínculos dos professores com o Magistério e explicar como esses vínculos se mantêm e se
conservam é também uma das tarefas para a Psicologia Genética incorporar em seu campo de
investigação, considerando-se a urgência de se refletir sobre a dimensão afetiva presente na subjetividade
dos professores. Acreditamos que essa dimensão é condição necessária mas não suficiente para o
exercício da docência. Além disso, no cenário sócio-educacional brasileiro contemporâneo consideramos
relevante saber o que pensam os professores a respeito de si, que vínculos afetivos estabelecem com a sua
profissão, suas aspirações, motivações e princípios. Essas inquietações conduziram-nos a investigar que
representações fazem de si professores do Ensino Fundamental e que vínculos afetivos compareciam
nessas representações. Representações de Si são imagens construídas pelos sujeitos como um conjunto de
valores. Para isso, pesquisamos 60 professores do Ensino Fundamental de 5ª à 8ª série de diferentes
cidades brasileiras situados na faixa etária entre 21 e 60 anos. Os professores redigiram um texto
respondendo à seguinte questão: Quem sou eu como professor (a)? Os resultados evidenciaram que 60%
dos participantes apontaram vínculos afetivos amorosos em seus textos e 21,7% se representaram através
de atributos de natureza moral. Os docentes relataram atitudes positivas frente à Educação, ao ensinar, ao
aluno e seu aprendizado e se mostraram curiosos e interessados no conhecimento; seus textos revelaram
também as seguintes questões: a formação humana dos alunos e alunas, seu desenvolvimento e
aprendizagem apareceram como uma meta educativa; o amor, a paixão, a alegria se destacaram como fun-
damentais para o Magistério. Percebem-se também como professores honestos, justos, abertos ao diálogo
e preocupados em formar cidadãos conscientes e responsáveis e passam aos alunos: confiança, segurança
e compromisso. Concluímos, portanto que os participantes apresentaram vínculos afetivos amorosos
quando se representam como professores manifestando satisfação e realização pessoal e profissional.
Discuss the relationship of teachers with Magistery and explain how these links are maintained and are
kept is also one of the tasks for the Psychology Genetics incorporate in its field of research, considering
the need to reflect on the affective dimension in the subjectivity of teachers. We believe that this
dimension is necessary but not enough for the exercise of teaching. Moreover, in the socio-educational
scenario in Brazilian nowadays is considered important to know what teachers think about themselves,
which emotional ties they establish to their profession, their aspirations, motivations and principles. These
concerns led us to investigate which of them are representations of elementary school teachers and
affective ties that attend these performances. Representations about themselves are images constructed by
the subjects as a set of values. For this, 60 elementary school teachers in the 5th to 8th grade in different
Brazilian cities located in the age group between 21 and 60 years have been studied. The teachers wrote a
text answering the following question: Who am I as a teacher (a)? The results showed that 60% of
participants indicated romantic emotional ties in their texts and 21.7% are represented by attributes of
moral character. The teachers reported positive attitudes related to education, to the teaching, to the
student and their learning and were curious and interested in knowledge; their texts also revealed the
following issues: the human formation of the students, their development and learning emerged as an
education goal; love, passion and the joy were the highlights as basics to the Magistery. Perceive
themselves as honest teachers, fair, open to dialogue and anxious to make conscious and responsible
citizens and teach the students: trust, security and commitment. We conclude, therefore, that the
participants had emotional love ties when being teachers expressing satisfaction and personal and
professional fulfillment.
Numa época como a que estamos, cheia de episódios de violência, de atos de desamor, penso ser
bastante relevante trazer para o debate acadêmico o tema da Afetividade, focalizando a discussão na
figura do professor, sobretudo quando temos observado nos meios de comunicação tantos atos violentos
cometidos no espaço escolar contra os professores e contra os alunos também. Acredito também que o
professor e seu processo de formação precisam ser repensados à luz dos estudos sobre a importância da
Afetividade e da Moralidade Humana que têm contribuído cada vez mais para ampliar e trazer novos
elementos para a problemática que nos propomos a abordar no presente trabalho.
Essas foram algumas de nossas questões norteadoras e foi isso que pretendemos investigar em
nossa pesquisa
Por outro lado, acreditamos ser importante investigar outras facetas da figura do professor, como,
por exemplo, sua dimensionalidade psicológica, mais subjetiva. Aspectos metodológicos, didáticos são
igualmente importantes, mas defendemos a necessidade de se pesquisar outros aspectos, como por
exemplo, a dimensão afetiva presente nas representações de si de professores.
Além de todas as questões abordadas, consideramos que nosso trabalho poderá ampliar a
discussão sobre essa área temática investigando como os professores se veem, se percebem e o que
sentem pelo Magistério acrescentando mais elementos a esse campo investigativo.
Como um dos marcos teóricos principais de nosso trabalho, situamos as ideias, noções e conceitos
postulados pelo criador da Epistemologia e da Psicologia Genéticas, Jean Piaget. Ainda que nosso estudo
não possa ser considerado como um estudo de Psicologia Moral da forma como essa linha de investigação
tem realizado seus estudos, cremos ser apropriado discutirmos as interações entre afeto, razão e moral já
que consideramos como Comte-Sponville (2001) o Amor como uma virtude moral, portanto o Amor
sendo virtude pertence também ao campo dos afetos e da cognição.
Dentro do modelo piagetiano, a dimensão afetiva recebe a denominação de Interesse sendo esse
considerado o regulador energético que mobiliza e impulsiona as condutas humanas em direção a objetos,
situações e pessoas: “Em todos os níveis, a ação supõe sempre um interesse que a desencadeia”
(PIAGET, 1954/1994. p. 12). Sabe-se também que o interesse é o prolongamento de algum tipo de
necessidade seja ela fisiológica afetiva ou intelectual. É inegável segundo essa visão que resultados
positivos podem ser alcançados entre os escolares quando as atividades propostas e os conteúdos
trabalhados no espaço escolar apelam e respondem aos seus interesses e necessidades. É importante o
conceito piagetiano de Interesse para pensarmos na vinculação afetiva dos professores com a sua
profissão de ensinar, principalmente se admitirmos o interesse como um elemento que impulsiona os
sujeitos na direção dos objetos. Além disso, para as finalidades do presente estudo, o interesse apresenta
outro aspecto ligado a sistemas de valores que variam e se diferenciam no decurso do desenvolvimento
humano “determinando finalidades sempre mais complexas para a ação” (PIAGET, 1954/1994. p. 39).
Valor é outro conceito essencial para a presente discussão. O valor está ligado a uma espécie de
expansão da atividade, do eu, na conquista do universo. Expansão esta que põe em jogo a assimilação, a
compreensão da realidade física e social. Podendo ser considerado como um intercâmbio afetivo com o
exterior, objeto ou pessoa, o valor intervém já desde a ação primária desde que o sujeito se põe em
relação com o mundo exterior. É ele que determinará as energias que o sujeito deverá empregar em suas
ações; diz-se também que o valor continuará a desempenhar um importante papel no desenvolvimento
dos sentimentos. O valor pode ser definido igualmente como uma dimensão geral da afetividade e não
como um sentimento particular e privilegiado. O problema está em se investigar quando e por que
intervém a valoração.
Dessa forma, é legítimo se afirmar que o valor está intrinsecamente ligado às ações mesmas do
sujeito, na medida em que um objeto ou uma pessoa tem valor quando enriquecem a ação própria. Por
outro lado, ao sistema de valores construído pelos sujeitos se seguirão valores interindividuais que
pressupõem a reciprocidade. Entenda-se aqui reciprocidade como “um enriquecimento mútuo dos
interlocutores pelo intercâmbio de atitudes” (PIAGET, 1954/1994, p.246). Por sua vez, essa reciprocidade
engendrará um descentramento afetivo que conduzirá aos sentimentos normativos e à vida moral.
Os valores atribuídos às pessoas serão o ponto de partida dos sentimentos morais, cujas formas
O conteúdo do interesse, seu aspecto qualitativo, constitui o Valor cuja característica fundamental
é regular a distribuição dos Fins e dos Meios.
Assim, representações de si são, com efeito, representações que o sujeito faz de si mesmo:
imagens de si, construídas como um conjunto de valores, sendo que todas as características usadas pelo
sujeito para se definir são percebidas, em diferentes graus, como desejáveis ou não. Mais ainda, pode-se
dizer que, no mais íntimo dessa consciência de si – do sentimento de ser esse “si mesmo”, diferente de
todas as outras pessoas – encontra-se a sensação de ser valor enquanto pessoa. Isso significa que esse
“sentimento de coerência e de permanência que define aos olhos da pessoa sua própria existência tende a
coincidir com o sentimento de ser valor enquanto pessoa: Sou valor porque sou; Sou porque sou valor”
(PERRON, 1991, p 24). Parafraseando Descartes, acrescentaríamos: Sou pessoa, logo sou valor.
Outra referência importante para nosso estudo foi o livro de André Comte-Sponville, intitulado
Pequeno tratado das grandes virtudes (2000). Para este autor, uma virtude é uma força que impulsiona ou
que faz agir. Se a virtude da lâmpada é iluminar os ambientes, a virtude dos sujeitos humanos é querer e
agir de forma humana. Por outro lado, as virtudes conferem excelência àqueles que as possuem, ou seja,
“a virtude de um homem é o que o faz humano, ou antes, é o poder específico que tem o homem de
afirmar sua excelência própria, isto é, sua humanidade” (COMTE-SPONVILLE, 2000, p. 08).
As virtudes que nos interessam particularmente são as assim denominadas virtudes morais, ou
seja, aquelas que conferem um poder especialmente particular aos seres humanos: poder que faz um
homem parecer “mais humano ou mais excelente” (COMTE-SPONVILLE, 2000, p. 09).
Queremos esclarecer que em nosso trabalho, a ênfase maior recaiu na expressão amorosa que
Comte-Sponville denomina de Philia (COMTE-SPONVILLE, 2000, p. 263) que, nas palavras do filósofo,
poderia ser traduzido da seguinte maneira “Desejar o que fazemos o que temos chama-se querer, chama-
se agir, chama gozar ou regozijar-se. Há ação, há prazer, há alegria cada vez que desejamos o que
fazemos o que temos o que somos ou que existe”.
Não só falta, antes: força, energia, potência. Dentro desse enfoque, Comte-Sponville, inspirado
pelo pensamento spinozista, postula que: “amar é poder desfrutar alguma coisa ou se regozijar dela”
(COMTE-SPONVILLE, 2000, p. 269).
Nessa perspectiva, o amor é alegria; a alegria é primeira. Assim, amor e alegria se mesclam
profundamente: “só há amor alegre, só há alegria no amor” (COMTE-SPONVILLE, 2000, p. 273).
Aprofundando mais essas ideias, ele afirma que o prazer amoroso no sentido mais pleno e grandioso da
palavra, só acontece “... quando a alma se regozija e isso é o que ocorre especialmente nas relações
interpessoais” (COMTE-SPONVILLE, 2000, p. 270). Como nosso trabalho investiga representações de si
de professores e o lugar da afetividade nessas representações, acreditamos que o Amor Philia possa
traduzir de forma mais adequada e pertinente as relações entre professores e alunos.
Embora se saiba que há inúmeros problemas na Educação Brasileira como um todo, em todos os
níveis de Ensino, é sabido também que a Educação Escolar continua sendo valorizada pelos estudantes
como algo importante em suas vidas. Para isso, basta darmos uma olhada em recentes resultados obtidos
em uma pesquisa realizada por Harkot-de-La-Taille e La Taille (2006) e comentada posteriormente por
La Taille (2006) com 5 mil alunos do Ensino Médio, da Grande São Paulo, de escolas públicas e privadas.
Observou-se entre os resultados obtidos que 71% dos alunos, em média com 17 anos, avaliaram que os
professores são muito importantes para o progresso da sociedade sendo que 27% dos pesquisados
Além disso, pesquisa realizada durante 2 anos, com 52.000 sujeitos, 1.440 escolas nos 27 estados
da federação, em parceria entre o Laboratório de Psicologia do Trabalho da UnB e a Confederação
Nacional dos Trabalhadores em Educação apontou que 86% dos investigados consideram-se satisfeitos
com o seu trabalho mesmo com as dificuldades que enfrentam (CODO, 2006, p. 100-101).
Quase sempre, realizávamos a coleta, logo na primeira visita às escolas. Pedíamos aos professores
que lessem atentamente as instruções da folha que orientavam a elaboração de uma redação (Memorial)
respondendo à pergunta “Quem sou eu como professor (a)? Geralmente, as coordenações cediam alguma
sala onde os professores, que aceitavam participar, pudessem elaborar o referido memorial que ocorria em
torno de 30 a 40 minutos, sempre com a presença do pesquisador.
. Sou apaixonado pelo meu trabalho. Amo o que realizo, meu trabalho, minha profissão;
. Sou apaixonada pelas pessoas (...) Tenho vínculos definidos com o Magistério; gosto do
que faço, do ambiente de trabalho, das respostas que vêm dos alunos e dos pais. O que
importa é que o trabalho seja feito com amor;
. Sou feliz e não me imagino em outro lugar/profissão.
. Estou completamente satisfeita com a profissão: adoro o que faço, tenho determinação e
persistência, quando penso que sou uma educadora e responsável pelo aprendizado dos
alunos;
. Todas as minhas principais conquistas na vida, sejam materiais ou não, vieram da
profissão de professor (...) Sou professor por opção e sinto-me completo nela (profissão)
apesar das dificuldades todas que esta escolha me impõe;
. Acredito que a educação transforma, proporciona uma visão de mundo muito mais
ampla. Gosto de vê-los “descobrindo”, olhinhos brilhando ao conseguirem alguma
superação. Não consigo deixar de me empolgar com as conquistas das crianças;
. Na sala de aula, sou alegre. Gosto de construir conceitos com os alunos antes de aplicá-
los e vibrar com suas descobertas [dos alunos].
- Vejo meu papel como uma pessoa honesta, justa e facilitador da aprendizagem,
engajado em construir pessoas melhores. Tenho como objetivos formar pessoas
pensantes, participativas e educadas;
Entre os textos produzidos pelos docentes, foram construídas mais duas Categorias: VB
(VÍNCULOS AMBIVALENTES COM O MAGISTÉRIO), onde se inserem os professores que
apresentaram um vínculo ambivalente com a sua profissão, ou seja, um vínculo que oscila ente pólos, às
vezes, até antagônicos; e a Categoria OUTROS que compreende os Memoriais que não apresentaram
elementos que permitissem ser classificados nos outros tipos já apresentados.
O professor que se coloca também no lugar do eterno aprendiz incentiva seus alunos a se
posicionarem de forma semelhante diante do conhecimento. O mestre é aquele que aponta para seus
aprendizes o caráter instável e provisório de todo e qualquer saber; portanto, questões deixadas em aberto
podem se transformar em disparadores essenciais para desencadear o “desejo incessante de conhecer o
mundo e a si mesmo” (DOZOL, 2003, p. 23).
Dentro dessa perspectiva, cabe ao mestre despertar a fome de mais aprendizados, de mais
conhecimentos. Segundo Savater (2000, p. 211, grifos do autor), a educação encontra seu mais legítimo
sentido conservando e transmitindo “o amor intelectual ao humano”.
Portanto, cremos ser bastante relevante termos encontrado docentes que se encaixam nesse perfil.
E relembremos com Contreras (2002) que uma das dimensões fundamentais na docência é a dimensão
moral. Ou seja, as preocupações e as intervenções pedagógicas dos professores devem estar voltadas para
a formação de pessoas críticas e o desenvolvimento dos discentes em todos os aspectos: cognitivo,
afetivo, social, cultural e moral.
No geral, pode-se dizer, com certa cautela, que esses professores se identificam, se caracterizam
de maneira bastante positiva e a visão que têm de si enquanto educadores está fortemente atravessada por
autodefinições morais, confirmando as teses de La Taille (2002, p. 65-72) segundo as quais “o homem
Dentro dessa ótica, o Amor apontado nos textos dos educadores participantes da pesquisa, é
concebido como valor de destaque que pode ser relacionado ao humanismo prático implicando a
afirmação e a defesa da humanidade como valor. Como se pode observar com relação a esse aspecto, as
ideias de Sponville mesclam-se às postulações kantianas para quem a humanidade deveria ser sempre
tratada como fim e nunca como meio.
É como se, através do Amor, os professores nutrissem essa espécie de aspiração básica humana de
desejar estar vinculados a um valor, portanto um afeto, de importância fundamental. Assim, os dados que
ora apresentamos nos levam a deduzir que, ao enunciar o Amor como o sentimento importante em suas
representações de si, os sujeitos pesquisados estão se colocando dentro desse horizonte em que o Amor
lhes aparece como um valor importante e, poderíamos até arriscar, central.
Por outro lado, se tomarmos como ponto de apoio a discussão piagetiana acerca das relações entre
Afetividade e Inteligência, podemos evidenciar uma aproximação entre os conceitos de Amor e o de
Interesse. O Amor tomado como Virtude em Sponville (2000, p. 8) é poder que faz agir: “a virtude de um
homem é o que o faz humano, ou antes, é o poder específico que tem o homem de afirmar sua excelência
própria, isto é, sua humanidade”. E para Piaget (1954/1994), o Interesse é o elemento dinamogenizador e
energético das ações humanas capaz de mobilizar o Sujeito em direção ao Objeto para satisfazer a
necessidade identificada. Ora, se o Interesse é esse elemento energético que direciona e motiva a ação de
busca dos sujeitos, podemos dizer que o Amor tal como pensado por Sponville pode ser considerado
como similar ao Interesse piagetiano, justamente por ser considerado como potência que faz o homem
agir, estando, portanto ligado também às ações humanas.
Podemos então concluir que os professores participantes da pesquisa aqui relatada estão
afetivamente (Amor, Interesse) ligados à Docência e ao Ensinar. Os vínculos afetivos dos professores
com o ofício de Ensinar, com o Magistério também apontam para a presença de sentimentos como Amor,
Paixão, Felicidade e Alegria. Claro que nem tudo são só flores no universo do ensinar e do aprender. Há
desânimo, frustrações, sentimentos de impotência, mas como afirma Taylor, La Taille as representações
que temos de nossa pessoa não são monolíticas. Ainda que tenhamos determinadas partes desse “si
mesmo” que se conservam, se mantêm constantes, somos também constituídos pelo movimento, pelas
contradições. Seres multifacetados e às vezes, dentro da mesma pessoa, podem abrigar representações de
si até antagônicas. Por isso La Taille (2006) chama-nos a atenção para o uso do conceito no plural:
representações e não representação.
A vida me concedeu verdadeiros mestres, privilégio que tenho sempre presente. Homens
e mulheres generosos que não só me doaram o que sabiam, como me ensinaram a paixão
pelo saber. Devo a esses mestres (...) quase tudo do pouco que sei.
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SAVATER, F. O valor de educar. Tradução de Monica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
Resumo
Research findings and official data reveal a low learning performance of several school subjects and warn
us about the importance of alternative methodologies in order to meet the didactic needs of the education
system, such as the use of rule games. This article aims at presenting the design and applications of a rule
game about the accent mark subject-matter in mother tongue – accentland, as well as, the awareness
taken process on the accent mark rules provided by this game. Its design was based on the structuralist
theoretical perspective of the accent mark and on the three jean piaget’s works O juízo moral da criança,
A construção do símbolo and Tomada de consciência. It had three different versions before we could
achieve the present model game. Moreover, it was supported by the theoretical-methodological
framework of genetics epistemology and jean piaget’s clinical method. The game was applied to 4 th and
5th-graded students of primary education enrolled in state schools in Maringá, Paraná. The data collection
was performed in four different steps: diagnosis of the writing performance; application of a pre test and a
clinical interview concerning the subject that was focused in the pedagogical intervention; pedagogical
intervention accomplishment; and new application of a test and clinical interview. The results presented
in this article comprehend the awareness taken process on some rules considering the individual clinical
interviews applied before and after the pedagogical intervention process. These evidenced the hypothesis
that students improve on the accent mark activities when the pedagogical intervention is performed with
the use of the Accentland game. It happens both quantitatively – improvement of the performance of
accent mark in single words – and qualitatively – explanation and justifications of the orthographic rules.
[Idem]
Uma das disciplinas mais temidas pelos alunos e, por outro lado, das mais valorizadas pelos pais e
pelos professores é a Língua Portuguesa. Aparentemente, esse comportamento deve-se ao fato de não
compreenderem a função das variedades e modalidades linguísticas, como a oral e a escrita, tanto seu
registro coloquial quanto culto e padrão. Além desses problemas enfrentados junto aos alunos, a
aprendizagem de Língua Portuguesa continua sendo uma das preocupações do sistema educacional, pois
os alunos continuam apresentando defasagem cada vez maior entre a série em que se encontram e os
conhecimentos que dominam.
Segundo Travaglia (1996), esse desempenho pode ser explicado, entre outros aspectos, pelas
concepções de linguagem, de leitura e de gramática, adotadas por muitos professores que continuam
fundamentadas em um método tradicional de ensino de Língua Portuguesa. O professor não cede espaço à
atividade de reflexão do aluno em decorrência da ênfase dada ao método tradicional de compreensão e
estudo gramatical de textos.
De acordo com Macedo, Petty e Passos (2000) e Brenelli (1996), levando em consideração que
são vários os processos cognitivos que ocorrem no contexto do jogo de regras, uma intervenção de caráter
psicopedagógico com sua utilização é capaz de favorecer a melhoria da aprendizagem dos indivíduos.
Partindo das considerações de Macedo (1994) e de Brenelli (1996) sobre o uso de jogos e sua
repercussão cognitiva e social para os indivíduos, pode-se dizer que o processo ensino-aprendizagem
escolar está diretamente vinculado ao conceito piagetiano de tomada de consciência. Nesta investigação,
partiu-se do pressuposto de que a atividade cognitiva favorecida pelos jogos de regras pode levar os
alunos a uma aprendizagem conceitual, no caso, das regras de acentuação gráfica.
Na obra Tomada de consciência, Piaget (1977) descreve atividades nas quais buscou observar
como esse processo se organiza nos indivíduos. O processo de tomada de consciência pode ser entendido
como um movimento gradual de re-construção de conhecimentos. Os indivíduos ampliam seus
conhecimentos passando de um estágio a outro de tomada de consciência – nível da ação não consciente
em direção a uma consciência completa dessa ação. Em outras palavras, a passagem de um nível inferior
para um nível superior de conhecimento.
A partir de seus experimentos, concluiu que a tomada de consciência depende da observação das
variáveis dos objetos e de si mesmo pelo próprio sujeito. Piaget (1977) assinala que, nesse processo, estão
presentes dois momentos característicos: 1) os sujeitos realizam a ação e depois tomam consciência sobre
ela; 2) há tendência de os sujeitos repetirem a ação de acordo com a conceituação verbalizada, mesmo
que, em alguns momentos, seja contraditória à sua ação (nível I e alguns momentos do nível II).
A quebra do automatismo da ação pode ser gerada no momento em que a descrição acompanha a
ação, pois os sujeitos passam, então, da regulação automática para a regulação ativa, gerando a tomada de
consciência de sua ação e reversibilidade operatória. Isso significa que os sujeitos tornam-se capazes de
retroagir, antecipar a ação, sem terem de realizá-la no plano da ação propriamente dita para explicá-la e
justificá-la, pois ocorre no plano da consciência.
O mecanismo da tomada de consciência segue uma lei geral que parte da periferia (P) da ação
(resultados e variáveis do objeto) e orienta-se para as suas regiões centrais (C) (variáveis do sujeito). A
tomada de consciência parte dos resultados exteriores da ação para que, em seguida, seja possível analisar
78
Os dados analisados pertencem ao banco de dados do Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicopedagogia (GEPESP/UEM –
CNPq) coordenado pela professora Dra. Geiva Carolina Calsa.
Metodologia
Na primeira aplicação do jogo Acentolândia foi investigado o desempenho de três alunos, um que
frequentava a 4.ª série e dois que frequentavam a 5.ª série do ensino fundamental, regularmente
matriculados na rede pública de ensino, do município de Maringá/PR. Foram realizadas três sessões de
intervenção, com uma hora e meia de duração cada uma, no mês de novembro de 2006.
Na segunda aplicação do jogo, a amostra da pesquisa foi constituída de 10 alunos de 4.a e 5.a séries
do ensino fundamental (cinco de cada série) de uma escola pública do município de Maringá/PR. Foram
selecionados os alunos que apresentaram desempenho insatisfatório no teste de Avaliação de Dificuldades
de Aprendizagem em Escrita – ADAPE (SISTO, 2002): D.A. média – 20 a 49 erros. Esses alunos foram
submetidos a quatro sessões de intervenção, com aproximadamente uma hora e meia de duração. A
aplicação foi realizada entre os meses de abril e maio de 2007.
Na terceira aplicação do Acentolândia a pesquisa foi desenvolvida com 28 alunos de 4.ª série, de
uma escola pública, do município de Maringá-PR, no período de abril a julho de 2008. Optou-se por atuar
apenas com a 4.ª série, em razão dos resultados de pesquisas anteriores do GEPESP (CEZAR; MORAIS,
2006), segundo os quais o desempenho da 5.ª série, no conteúdo de acentuação gráfica, é equivalente ao
de 4.ª série. Com esses alunos, foi aplicado o teste de Avaliação de Dificuldades na Aprendizagem da
Escrita – ADAPE (SISTO, 2002).
Com base nos resultados do ADAPE, organizaram-se seis grupos (quintetos) heterogêneos quanto
O nível II também é subdividido em IIA e IIB. A característica geral deste nível é o movimento de
desvinculação entre a fala e a escrita. Ocorre uma solução de compromisso entre ação – que é a de levar
em conta a escrita – e a tomada de consciência conceituada, apresentando um início de descentralização
da fala do sujeito e a consideração das características objetivas do objeto – regras gramaticais. No
subnível IIA, o indivíduo domina a separação silábica; identifica a sílaba tônica; confunde os termos
(palavras e sílabas), gerando uma confusão na classificação das palavras; exemplifica alguns conteúdos
com êxito, mas não domina as regras de acentuação gráfica. O subnível IIB se diferencia do IIA pelo fato
de o sujeito tornar-se capaz de exemplificar e de justificar o conteúdo com mais êxito.
O terceiro e último, nível III, caracteriza-se pela integração das particularidades da fala e da
escrita. Esse nível, diferentemente dos outros, não apresenta subníveis. Nas respostas dos alunos é
possível observar que desvinculam a oralidade da escrita e, antes mesmo das perguntas da pesquisadora,
realizam a antecipação das suas conceituações ante o problema exposto pela interventora. Dominam a
separação silábica; identificam a sílaba tônica; classificam sem obstáculos; exemplificam com êxito;
dominam as regras; explicam e justificam adequadamente conforme a regra ortográfica e antecipam
situações de uso dos dois tipos de linguagem: oral e escrita.
Tomando como referência a confusão conceitual entre oralidade (acento tônico) e escrita (acento
gráfico) encontrada pela pesquisadora em trabalhos anteriores (CEZAR, 2004; 2005), pretendeu-se
Nas respostas do nível IA, os sujeitos estabeleceram confusão conceitual entre sílaba tônica e
acentuação gráfica. As explicações e as justificativas sobre os conceitos que envolvem a acentuação
gráfica são verbalizadas somente como sendo um aspecto da fala, por exemplo:
A1 (2 – 4.ª série)79 E – O que é sílaba tônica para você? Eu não sei... eu acho que é uma
palavra separada. E – Por que você estuda sílaba tônica na escola? Eu acho que é ... não
sei. E – Você acredita que a sílaba tônica é importante fora da escola? Por quê? Eu acho
que é, mas não sei te dizer por quê. E - O que é acentuação gráfica? Acho que é ... para
colocar nas palavras para ficar forte. E - Por que você estuda acentuação gráfica na
escola? Para aprender a acentuar.
A solução exposta pelos alunos manifesta a ausência inicial de tomada de consciência dos
conhecimentos que envolvem o conteúdo de acentuação gráfica. Suas verbalizações demonstram
confusão conceitual entre fala e escrita. Na maioria das vezes, conceituam a sílaba tônica como sendo a
sílaba forte da palavra e, ao conceituar acentuação gráfica, apresentam as seguintes respostas: “não sei”
ou “é a sílaba mais forte”. Esse conceito é reafirmado quando os alunos justificam o acento gráfico da
palavra unicamente como sendo uma questão de intensidade: “eu coloquei acento porque o Né é mais
forte”. No entanto, contradizem-se ao justificarem a não acentuação do vocábulo “castelo”: “Não tem
acento porque o te já é forte”. Nos dados coletados, observa-se que esse tipo de respostas manteve-se
durante toda a entrevista.
O nível IA é marcado pela indiferença nas contradições das respostas que os sujeitos
apresentavam. Apesar de, em alguns momentos da entrevista, como a contra-argumentação, os sujeitos se
manterem indissolúveis em seus conceitos e procedimentos, em alguns sujeitos, acreditava-se que poderia
ter ocorrido modificação conceitual, porém, quando justificavam outra palavra, recaíam nos conceitos
relatados anteriormente. As conceituações verbalizadas parecem manifestar um obstáculo epistemológico
que se constituiu com base na memorização desses conceitos, reproduzidos no âmbito escolar. As
definições de sílaba tônica e acentuação gráfica, bem como a justificativa do porquê acentuaram ou não
os vocábulos selecionados, assemelham-se às respostas encontradas em pesquisa realizada
anteriormente80, em que foram investigados os conceitos de tonicidade e de acentuação gráfica de
professores e de livros didáticos do ensino fundamental. Constatou-se que, em grande parte dos
professores investigados, há indiferenciação conceitual entre acentuação gráfica e sílaba tônica, bem
79
A5 (2 4.ª série) corresponde respectivamente: aluno, número do aluno (sequência da aplicação do jogo – série em que se
encontra o aluno).
80
Projeto desenvolvido de agosto de 2006 a julho de 2007 pela presente pesquisadora.
No nível IB, há uma pequena diferença em relação ao nível anterior, pois os sujeitos identificam a
sílaba tônica das palavras com alguns êxitos e, com isso, acabam também conseguindo, às vezes,
classificá-las quanto à sua posição, mas ainda mantêm suas respostas ortográficas centradas nos aspectos
orais. Em nenhum momento, justificam a acentuação como uma questão ortográfica. Em muitos casos,
chegam a verbalizar que as palavras que não possuem acento gráfico, não apresentam sílaba tônica. Por
exemplo:
A justaposição de argumentos apresentadas por alunos nesse nível faz que, mesmo observando
algumas de suas contradições, retornem ao ponto inicial, sem perceber que a sílaba tônica ocorre em todas
as palavras e que suas respostas não se encaixam adequadamente em sua descrição: “madrasta tem um
tom especial e não coloca acento”. As condutas encontradas nesse nível sugerem não haver conflito
cognitivo: “eu acentuei porque achei a palavra nês mais forte” e “eu acentuei história porque lembro que
tem” e as condutas dos entrevistadores de denunciarem falhas do argumento dos alunos parecem não ter
surtido efeito.
A28 (3 – 4.ª série) E - Como é que você faz para colocar ou não os acentos nas palavras?
Eu vou vendo se tem ou não. Eu penso e depois coloco. Contra-argumentação: E - É que
um menino me disse que primeiro ele lia as palavras. Se ele soubesse, colocava ou não o
acento. Depois, se ele não soubesse, ia pela sílaba tônica e, por último, ele chutava. E -
Você acha que o menino está certo ou está errado de fazer desta forma? Eu acho que ele
está certo. E - Você faz a mesma coisa que ele ou não? Sim, eu sempre faço. E - Como é
que você faz então? Primeiro eu leio, depois eu lembro se tem acento ou não. E – Eu
gostaria de saber por que você acentuou graficamente esta palavra (apontando o vocábulo
BONÉ). Porque o NÉ é mais forte.
Foram classificadas com nível IIA as condutas que evidenciaram movimentação de desvinculação
entre a fala e a escrita, mais especificamente quando as condutas dos entrevistados começaram a
evidenciar solução de compromisso entre a ação e a conceituação. Em outras palavras, início de
Outra propriedade, até então desconsiderada ou não observada nos outros níveis, foi a ocorrência
do início de elaboração de coordenações locais não apresentadas nos níveis anteriores. Contudo, os alunos
não dominam ainda as regras nem exemplificam com êxito.
A14 (3 – 4.ª série) E - O que é uma palavra oxítona para você? É a quando a palavra é
oxítona e se terminar em A coloca o acentinho, entende? E - O que é uma palavra
paroxítona para você? Paroxítonas terminadas em U, I, Ã e algumas letrinhas que não sei
agora você coloca o acentinho, outras não coloca daí o chapeuzinho ou o grampinho. O
que é uma palavra proparoxítona para você? Essa eu não lembro das letrinhas que
termina.
O nível IIB se caracteriza por apresentar ocorrências mais visíveis de conflito cognitivo e
diferenciação gradual de diferenças entre a ação e a conceituação. Nesse nível, os alunos aumentam
progressivamente suas tentativas de conceituação mais elaboradas sobre as variáveis em destaque.
A17 (3 – 4.ª série) E – O que é sílaba tônica para você? É a sílaba mais forte da palavra.
E – O que é acentuação gráfica? É o circunflexo ou o agudo. E - O que é uma palavra
oxítona para você? Quando a sílaba forte é a última. E - E paroxítona? Quando é a
segunda mais forte. E - E proparoxítona? É a antepenúltima. E – Eu gostaria de saber,
(apontando o vocábulo BONÉ) por que você acentuou graficamente esta palavra? Porque
essa oxítona acentua. E - Por que você acentuou graficamente, apontando o vocábulo
SÚDITOS? Porque ele tem uma sílaba forte na proparoxítona, daí todas são acentuadas.
O que diferencia esse nível do anterior é a ocorrência de mais êxitos ao explicarem e justificarem
suas condutas. No nível IIB, às vezes, os sujeitos mantêm a indiferenciação dos termos da variável
classificação de palavras, no entanto com menos frequência. Outro fator é a relação com as regras de
acentuação gráfica. Os dados sugerem que, nesse nível, os sujeitos apresentam maior intimidade com a
existência das regras de acentuação gráfica, em muitos casos, exemplificam claramente, mas ainda não
dominam plenamente suas regras.
No estágio III, encontram-se os aprendizes que coordenaram a fala e a escrita como duas
modalidades complementares e que disseram que a acentuação ou não de uma palavra depende das regras
de acentuação gráfica. Nesse estágio, os alunos mostraram-se capazes de descrever adequadamente seus
procedimentos, bem como de justificar e explicar suas ações.
A3 (1 – 4.ª série) E – O que é sílaba tônica para você? Uma palavra de sílaba forte. E –
Por que você estuda sílaba tônica na escola? Para ler melhor. E – Você acredita que a
sílaba tônica é importante fora da escola? Por quê? Eu acho que é... para a gente falar
melhor se não a outra pessoa não vai entender. E – O que é acentuação gráfica? É o
acento das palavras, mas nem todas têm acento. E - Por que você estuda acentuação
gráfica na escola? Para acentuar direito. E – Você acha que este conteúdo é importante
fora da escola? Eu acho que é, porque não eu acho que a gente não precisa. Assim, acho
que tudo é importante, porque ... para acentuar direito. E - O que é uma palavra oxítona
para você? É a última mais forte ... a sílaba mais forte. E - E paroxítona? Penúltima. E -
E proparoxítona? antepenúltima. E – Eu gostaria de saber por que você acentuou
graficamente esta palavra (apontando o vocábulo BONÉ). Porque o Né é mais forte e fica
na última sílaba. E - Como é que você sabe que algumas palavras têm acento e outras não
têm acento? Porque a regra diz que umas precisam e outras não. E - E esta palavra,
(apontando o vocábulo HISTÓRIA) por que você acentuou graficamente? Porque as
paroxítonas terminadas em ditongo têm acento.
Os dados mostraram que a conceituação mais adequada referente às regras de acentuação gráfica
depende da tomada de consciência das características mais profundas, suas variáveis, e não somente do
domínio das regras e da nomenclatura. Dessa forma, acentuar as palavras e conceituar as regras que as
envolvem não depende só do reconhecimento e da explicitação das duas modalidades de linguagem (oral
e escrita), mas também da coordenação de diferentes tipos de variáveis – separação silábica, identificação
da tônica, classificação das palavras em oxítona, paroxítona e proparoxítona, domínio das regras.
Conforme os níveis de conscientização, adaptados pela pesquisadora da obra de Piaget (1977), verificou-
se que os alunos submetidos ao processo de intervenção pedagógica com uso do jogo Acentolândia
melhoraram progressivamente seu nível de tomada de consciência sobre o conceito e as regras de
acentuação gráfica.
No pré-teste, anterior às três aplicações do jogo de regras, entre os alunos de 4.ª e 5.ª séries, houve
predomínio do primeiro estágio de tomada de consciência – níveis IA e IB – do conceito e das regras de
acentuação gráfica. No nível IA, na primeira aplicação, encontravam-se 33% (1) dos alunos; na segunda
aplicação, 70% (7) e, na 3ª, 75% (21). No nível IB, na primeira aplicação, encontram-se 67% (2) dos
alunos, na segunda aplicação, 30% (7) e, na terceira aplicação, 25% (7). De acordo com as falas, antes das
três aplicações do Acentolândia, os alunos apresentavam dificuldades em diferenciar as duas modalidades
de acento (tônico e gráfico), como pôde ser observado nos exemplos do tópico anterior.
80% 75%
70% 67%
60%
Gráfico 1: Tomada de consciência dos alunos nas três aplicações do jogo Acentolândia – pré-teste
Após o processo de intervenção pedagógica com o uso do jogo de regras Acentolândia, constatou-
se que a maioria dos alunos, nas três aplicações, modificou seu nível de tomada de consciência quanto aos
conceitos e às regras envolvidas na acentuação gráfica, como mostra o gráfico abaixo (Gráfico10). No
pós-teste da primeira aplicação, 33% (1) dos alunos situaram-se no nível IIB e 67% (3), no nível III,
ultrapassando os níveis obtidos antes da intervenção pedagógica (Gráfico 9). Na segunda aplicação, a
localização dos alunos distribuiu-se entre os cinco níveis de tomada de consciência: nível IA – 30% (3),
nível IB - 20% (2), nível IIA – 20% (2), nível IIB – 10% (1), estágio III – 7% (2). Vale ressaltar que, no
pré-teste esses alunos haviam se agrupado no primeiro estágio de tomada de consciência, IA e IB. De
forma similar, a segunda aplicação (IIA – 20%; IIB – 19%; III – 2%) e a terceira (IIA – 39%; IIB – 29%;
III – 7%) também evidenciaram uma grande movimentação dos níveis de tomada de consciência para
maior no pós-teste (Gráfico 10).
70% 67%
60%
50%
39%
40%
30% 33%
30% 29%
18% 20% 20%
20%
7% 10% 7%
10%
0% 0% 0% 2%
0%
IA IB IIA IIB III
Gráfico 2: Tomada de consciência dos alunos nas três aplicações do jogo Acentolândia – pós-teste
O movimento dos alunos ao longo das aplicações do jogo de regras Acentolândia mostra que a
coordenação das variáveis - oralidade e escrita - foi conceituada, permitindo que eles passassem do
primeiro estágio de tomada de consciência (vinculação direta entre oralidade e escrita) para o segundo
(desvinculação entre oralidade e escrita) e, em alguns casos, ao terceiro (vinculação da escrita às regras de
acentuação).
Conclusões
Entre as inúmeras variáveis que interferem na qualidade do ensino escolar, os recursos didáticos
podem fazer a diferença desde que apoiados em um referencial teórico-metodológico do qual o professor
deve necessariamente compartilhar. É o professor o principal responsável pelo uso apropriado ou não
desses materiais na instituição. Em relação ao jogo presentemente criado e aplicado, outros estudos
precisam ser realizados para confirmar o seu potencial didático e generalizar as possibilidades de seu uso
no ensino de língua portuguesa. Além disso, apesar da mudança ortográfica ora vigente, o jogo
Acentolândia mantém sua validade, uma vez que facilita a compreensão das modificações propostas, em
especial, dos ditongos, foco maior do Novo Acordo Ortográfico.
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Resumo
Abstract
Many child development’s studious, apart from epistemological differences, draw attention to the
importance of playing as an affective, cognitive, social and physic development factor. The researches
have shown, however, that, even knowing the importance of playing, it has been substituted by a formal
and young pedagogization process when talking about child education. This way, the act of playing has
been more and more reduced to a simple didactic process. Another result of these researches is that the
teachers see the act of playing as a mere recreational resource to the children. Because of these aspects,
we ask about the value of these activities as development factors inside the child educational context. This
way, this study’s main objective is to analyze the relationship teachers who work in child education make
between playing and psychological development. So, we have interviewed 10 representative subjects
from the teachers who work at municipal schools from the city of Assis (SP). The interviews were
described and analyzed following the Piaget’s constructivist psychological theory. We could conclude,
among many things: teachers consider the act of playing as an important factor to the psychological
development. Though, they don’t seem to understand clearly child development and don’t know any
theory, which shows the importance of playing to the psychological child development. These matters
have led us to conclude that, al least the points we have investigated, the teachers are bad prepared. This
fact shows us the necessity to a better formation, so there will be a high-quality educational practice.
Como os professores concebem as relações entre o brincar das crianças e o seu desenvolvimento
psicológico? Começamos a fazer tal indagação a partir de um trabalho de intervenção psicopedagógica
desenvolvido em uma instituição particular de educação infantil da cidade de Assis (SP), no ano letivo de
2001. Tal trabalho, denominado O brincar no desenvolvimento infantil e na educação pré-escolar
(MARQUEZINI e SANTOS, 2001), objetivava compreender as concepções que as educadoras possuíam
sobre o brincar. Além disso, era nossa intenção buscar informações que subsidiassem a montagem de um
curso de capacitação profissional sobre o papel do brincar no desenvolvimento psicológico das crianças.
Durante o desenvolvimento do referido trabalho, notamos que a instituição enfatizava a realização de
atividades escolares formais – como, por exemplo, aprender a ler e a escrever –, em detrimento das
atividades de brincadeira e de socialização. O brincar, quando praticado, era concebido pelos
responsáveis pela parte pedagógica da escola como recurso apenas para o entretenimento; conclusão
semelhante é em parte encontrada por Carvalho (1999), Wajskop (1999) e Kishimoto (1994 e 1995) em
seus estudos. As brincadeiras, dessa forma, eram permitidas unicamente nos intervalos destinados à
recreação. Quando desenvolvidas em contextos julgados pelas educadoras como inadequados, eram
desestimuladas e, muitas vezes, expressamente proibidas. Por exemplo, não era permitido brincar na hora
do lanche, na sala de aula, nas filas e na hora da higiene.
Tais fatos nos levaram a suspeitar de que está em curso na educação infantil um processo de
pedagogização precoce. Chamamo-lo assim porque, como o próprio nome deste nível de educação sugere
– pré-escolar –, ele deveria se caracterizar como um momento preparatório para o processo de
escolarização formal. Assim, a nosso ver, esta Instituição deveria se destinar basicamente ao
desenvolvimento global da criança, especialmente o da sua sociabilidade. Tais observações não
significam que condenamos a priori qualquer possibilidade da sua concretização na pré-escola. Contudo,
entendemos que isto só pode ser feito se tal processo partir da demanda da criança.
Ainda sobre o processo de pedagogização na educação infantil, o estudo de Wajskop (1999) nos
oferece dados que corroboram este problema. Ela verificou em sua pesquisa que a utilização da
brincadeira entre escolares, quando existia, consistia mais propriamente em um processo chamado por ela
de “didatização do lúdico”. Assim, as brincadeiras se configuravam como estratégias pedagógicas,
visando à transmissão de conteúdos escolares. Neste uso do brincar, os brinquedos pedagógicos eram os
prediletos, por serem sugestivos e anteciparem o fim. O brincar era, então, atrelado à educação apenas
como um instrumento facilitador do processo de ensino e de aprendizagem. Buscava-se, assim, aproveitar
o interesse que as crianças apresentavam pelo brinquedo para transmitir-lhes os conteúdos pedagógicos
tradicionais. O estudo de Wajskop (1996) nos informa que, apesar de considerarem a brincadeira
Desta forma, dentre outros motivos, justificamos a feitura de nossa pesquisa nos seguintes:
d) e, por último, a nossa crença de que a nossa pesquisa venha a contribuir para discussões que
visem à construção de uma educação de qualidade.
Objetivos
Tendo como parâmetros às considerações anteriores, o presente estudo teve como objetivo
principal analisar as concepções dos professores que atuam nas instituições de educação infantil sobre as
relações entre o brincar e o desenvolvimento psicológico de seus alunos.
Por último, procuramos identificar o espaço e o tempo que tais professores destinam ao brincar
livre nas escolas, além de analisar as principais brincadeiras que realizam e as finalidades com que as
desenvolvem.
Metodologia
Para a realização de nossa pesquisa utilizamo-nos de entrevistas com dez sujeitos representativos
da população de educadores de instituições municipais de educação infantil da cidade de Assis (SP).
Desenvolvimento
Utilizamo-nos como sujeitos da presente investigação professores que ministram aulas nos
diferentes sub-níveis da Educação Infantil (berçário, maternal, jardim I, II e III e pré-escola). Além disso,
tais profissionais exercem suas funções em instituições municipais da cidade de Assis – SP e se
dispuseram a participar do estudo.
- inferimos também que algumas questões não foram respondidas pelo simples motivo de que os
participantes – mesmo sendo professores em atividade – não compreenderam algumas das indagações
feitas. Como exemplo, temos que uma das professoras entrevistadas não respondeu a uma das questões do
- acreditamos também que algumas vezes o mesmo questionário foi respondido por duas pessoas
ao mesmo tempo. Baseamo-nos no fato de que a letra empregada, o estilo de escrita e mesmo o de
algumas respostas eram totalmente diferentes na sequência do questionário;
- algumas respostas dadas à segunda parte do instrumento, que dizia respeito às relações entre
brincar e desenvolvimento, eram visivelmente padronizadas. Pareceu-nos que elas foram ditadas, ou
mesmo copiadas, de algum curso frequentado recentemente por elas ou pelas Coordenadoras Pedagógicas
(justamente as pessoas que ficaram responsáveis pela aplicação e pelo recolhimento dos questionários).
Por exemplo, ao serem indagadas sobre “Qual a importância do brincar para o desenvolvimento?”, várias
participantes responderam a mesma coisa: “Brincar é importante para o desenvolvimento da criatividade e
da autonomia”, frase que acreditamos ter sido copiada por elas dos RCNEI (BRASIL, 1998), v. 2, p. 22;
- outro problema foi o de que os sujeitos fizeram leituras iguais de questões diferentes. Como
exemplo, as questões dois e três do roteiro (questão dois: “Você considera que brincar é uma atividade
importante para o desenvolvimento? Por quê?” Questão três: “Como, ao realizar uma brincadeira, uma
criança pode estar se desenvolvendo?”), para as quase todas as professoras deram a mesma resposta. Isso
quando não responderam na questão de número três que já haviam dado a resposta na questão anterior.
Um exemplo dessa confusão feita com questões entendidas por nós como distintas pode ser claramente
observado na fala de uma professora que, em resposta à questão de número dois, nos disse que a
brincadeira é importante porque a criança desenvolve noções e, ao ser questionada sobre como, ao
brincar, uma criança pode estar se desenvolvendo (terceira questão), a professora nos informou que ela
desenvolve as noções de lateralidade, direção, distância, localização etc. Ou seja, esta professora deu a
mesma reposta nas duas questões, apenas complementando a segunda.
- também observamos que, em algumas escolas, os questionários, por não terem sido respondidos
anteriormente, eram respondidos no momento em que fomos buscá-los, de maneira apressada e com o
auxílio do coordenador. Exemplos disso foram observados em algumas escolas, quando voltávamos (pela
Em razão de tais problemas, descartamos a segunda parte do referido instrumento (as questões
referentes ao tema pesquisado), e consideramos válida somente a primeira, relacionada à identificação dos
sujeitos (idade, estado civil e formação escolar, entre outros), a fim de selecionarmos os educadores com
características representativas do conjunto de professores que ministram aulas na Educação Infantil, após
tal feito, realizarmos entrevistas com alguns deles.
Na aplicação das entrevistas, entendemos que ela apresenta uma série de aspectos positivos,
principalmente em função do tipo de estudo que realizamos. Essa técnica possibilita fazer praticamente
um número “infinito” de indagações. Além disso, ao assumirmos uma postura semelhante à empregada
por Piaget (s. d.) – deixar o entrevistador falar o mais livremente possível –, acabamos por fazer questões
não previstas, além de termos compreendido o sentido do pensamento das professoras inquiridas.
Em decorrência, concordamos com a objeção feita por Piaget e salientada por Carraher (1994)
acerca da conduta do pesquisador no momento da coleta das informações:
Não cabe ao examinador escolher qual dos possíveis significados foi o significado
pretendido pelo sujeito. O examinador precisa apresentar novas questões, a fim de
permitir que o próprio sujeito elimine a possibilidade de dupla interpretação daquilo que
disse. Devemos lembrar-nos que o sujeito não se expressa com precisão científica e nem
usa todas as palavras exatamente como nós as usamos. Sempre que julgarmos uma
resposta vaga ou obscura, precisamos encontrar meios para esclarecer seu significado.
(CARRAHER, 1994, p. 35).
Após realizarmos as entrevistas, classificamos as falas das educadoras em algumas categorias, são
elas:
Conclusões
Os depoimentos das educadoras por nós entrevistadas possibilitaram que conhecêssemos as suas
concepções acerca da relação entre a atividade de brincar e o desenvolvimento psicológico de seus
alunos. Assim, a análise de tais falas nos possibilitou construir as conclusões que passamos a apresentar:
- As professoras consideram o meio físico e social como fator preponderante para a ocorrência do
desenvolvimento físico e psicológico das crianças.
- Concebem o sujeito como um ser passivo – portanto, que tem pouca influência na determinação
do seu desenvolvimento.
- Elas não compreendem que o desenvolvimento dos vários aspectos psicológicos ocorre de forma
concomitante e interligada.
- Supomos que as professoras apresentam uma visão superficial, fragmentada e incompleta dos
fatores responsáveis pelo desenvolvimento psicológico infantil.
- Elas só interferem nas brincadeiras infantis quando as crianças brigam. Julgamos, tal postura
como extremamente positiva. Ao não interferirem nas brincadeiras das crianças ou só fazerem isso
quando elas estão brigando, possibilitam que as crianças se desenvolvam moralmente, pois tal
desenvolvimento torna-se possível, principalmente, quando se estabelece relação entre iguais. Caso
contrário, a criança tende sempre a seguir as ordens emitidas pelos adultos e pouco elas refletem sobre a
pertinência de se respeitar tais imperativos. Nesse sentido, elas acabam atuando – muitas vezes sem saber
– como auxiliares no processo de desenvolvimento social, especialmente da sociabilidade de seus alunos,
e mesmo do desenvolvimento cognitivo e afetivo. Afinal, acabam contribuindo para o desenvolvimento
da reciprocidade – fundamental para o desenvolvimento moral – e a reversibilidade (aspecto central do
pensamento operatório).
- Por último, não dominam nenhuma teoria que se preste a discutir o brincar e sua importância
para o desenvolvimento. Supomos que talvez estas professoras não tenham tido acesso em sua formação a
tais teorias, ou, se as tiveram, não as reconstruíram a ponto de compreendê-las e “aplicá-las” na sua
prática profissional.
Estas questões nos levaram a concluir que, pelo menos nos aspectos que investigamos, os
educadores possuem uma formação precária, mostrando-nos a necessidade de uma melhor formação para
a ocorrência de uma prática educativa de qualidade.
Referências
AZENHA, M. da G. Construtivismo: de Piaget a Emília Ferreiro. São Paulo: Editora Ática, 2002.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
CARRAHER, T. N. O método clínico. ___. O método clínico: usando os exames de Piaget. São Paulo:
Cortez, 1994. p.13-40.
______. O jogo e a educação infantil. Pro-Posições. v.6. n.2 (17). 1995. p. 46-63.
PIAGET. J. Os problemas e os métodos. In: ___. A representação do mundo na criança. Rio de Janeiro:
Record, s/d. p 5-32.
WAJSKOP, G. Tia, me deixa brincar! O espaço do jogo na educação pré-escolar. 1990. 196f.
Dissertação. (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo,
1990.
______. O brincar na educação infantil. Cadernos de Pesquisa (92): 62-68, fevereiro 1995.
Resumo
81
Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática – PCM/UEM
82
Doutorando no Programa de Pós Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática – PCM/UEM
83
Mestre em Educação para a Ciência e a Matemática – PCM/UEM.
84
Mestre em Educação para a Ciência e Matemática – PCM/UEM
The game presents itself in the process of mathematics teaching-learning as a resource to generate defying
situations to the student. We are showing in this paper, reflections and appointing over the development,
application and importance of the game at the educational process, more specifically on the mathematics
classes. The game is called “the four color game” and it was used with 27 students in the 5 th grade of
Elementary School with the aim to indicate that mathematics binds itself to the many fields of science
being, therefore, extremely necessary and important in order to solve problems of vary fields of
knowledge. These problems must be solved using operation with fractions. We realized that every student
got involved in the activity, without problems of participation, however, some students just could not
solve the activity which involved percentage, because they did not know that percentage is also a sort of
fraction. The great majority of them interacted in a way which one helped another in the resolution of the
question showing a spirit of cooperation, respect and solidarity with their co-students. Besides, the
students of the classes which were applied this activity were on a stage called by Piaget (1978), of
concrete-operative. Stage which occurs by age of 7 to 13 years old, in which the operative thought is
called concrete because the child only thinks correctly if the examples or materials which he or she uses
to help his or her thought are there and can be observed. Such effort, demands of us teachers the
appreciation of that necessities and, and consequently a change of our pedagogical practice, as intent to
use the resources and strategies which privilege the intellectual development and the logical-mathematical
reasoning in this level of development.
Keywords: Playing and games Resolution of problems. Percentage and fractions. Mathematical
education.
Assim, é possível combinar jogo e a resolução de problemas no ensino formal; porém, fazer isto é
muito mais que uma simples atitude, é uma postura que deve ser assumida na condução do ensino. E
assumi-la com vistas ao desenvolvimento de conceitos científicos exige um projeto de ensino. Fazer isto é
dar um sentido humano ao jogo, à resolução de problemas e, por conseguinte, à Educação Matemática.
Não obstante, raros são os cursos de licenciatura que têm se preocupado com esta formação lúdica,
limitando-se à formação teórica e pedagógica. Assim, reconhecemos a necessidade de formar professores
capazes de introduzir em sua prática a ludicidade, dando lugar à realização de seus desejos na escola, em
especial quando contribui com o desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e moral de seus alunos.
Toda criança, desde os primeiros anos de vida brinca, joga e desempenha atividades lúdicas,
assim, seu mundo se transforma em uma realidade de jogo. O brincar e o jogar para criança representam
O jogo visa o desenvolvimento físico, mental e moral da criança e paralelamente contribui para o
aperfeiçoamento das funções mentais, como a atenção, a imaginação, a memória, o raciocínio e a
aquisição de hábitos ou virtudes morais, como a lealdade, o espírito de cooperação e o senso social.
Segundo Piaget (1978), o jogo constitui-se em um modo de a criança comunicar e expressar suas
fantasias, desejos, conflitos, bem como maneiras de captar e transformar a realidade. É por meio das
brincadeiras e dos jogos que a criança tem oportunidade de exercer seu domínio, dirigir suas ações e de
utilizar sua capacidade para modificar o ambiente à sua volta.
Jogando, a criança aplica seus esquemas mentais à realidade que a cerca, apreendendo-a e
assimilando-a. Brincando e jogando, a criança reproduz as suas vivências, transformando o real de acordo
com seus desejos e interesses. Por meio do jogo a criança expressa, assimila e constrói a sua realidade.
Desta maneira, situações de jogo devem ser consideradas como parte integrante das atividades
pedagógicas, tendo em vista que são elementos estimuladores para o desenvolvimento da criança.
Na escola, os jogos podem ser utilizados, pelo professor, de forma espontânea ou dirigida, ou seja,
para propiciar o desenvolvimento e/ou a aprendizagem. Atividades consideradas maçantes pelas crianças
como a leitura, o cálculo e a escrita podem tornar-se apaixonantes quando iniciadas por meio de jogos. De
acordo com Macedo (1995):
[...] o conhecimento tratado como um jogo pode fazer sentido para a criança. Não se trata
de ministrar os conteúdos escolares em forma de jogo. Trata-se de analisar as relações
pedagógicas como um jogo. A escola propõe exercícios, mas lhes tira o sentido, o valor
lúdico. Ensina convenções, mas não ensina as crianças a “ganharem” dentro dessas
convenções (MACEDO, 1995, p.9-10).
O jogo supõe relação social, supõe interação. Por isso, a participação em jogos contribui para a
formação de atitudes sociais: respeito mútuo, solidariedade, cooperação, obediência às regras, senso de
responsabilidade, iniciativa pessoal e grupal. É jogando que a criança aprende o valor do grupo como
Segundo Kamii e Devries (1991, p. 38), as crianças se “[...] desenvolvem não apenas social, moral
e cognitivamente, mas também política e emocionalmente através dos jogos”. Muitas vezes, as crianças
criam as próprias regras para jogar. Esta é uma atividade política que implica várias decisões,
consequentemente coordenação de pontos de vista, contribuindo para o desenvolvimento da autonomia.
Assim, o jogo pode ser um importante recurso a ser utilizado pelo professor na sala de aula. No
entanto, Kamii e Devries (1991) apontam alguns cuidados com relação à escolha do jogo, uma vez que o
valor do conteúdo do jogo deve ser considerado em relação à maneira como a criança raciocina e obtém
informações ao jogar. O jogo não deve ser visto, apenas, como divertimento ou brincadeira, já que
favorece o desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo, social e moral e, para ser útil no processo
educacional, um jogo deve:
Isso poderá ser inferido pelo professor por meio da leitura do comportamento da criança. Contudo,
esse processo deve ser feito com cuidado, levando em conta a participação da criança, ocasião em que o
professor pode fazer uma triagem mais simples, descartando aqueles jogos que por si mesmos não têm um
conteúdo significativo e desencadeador de processos de pensamento.
Assim, o professor tem um papel fundamental nesse processo, pois além de analisar quais jogos
são ou não pertinentes, deve também propor situações agradáveis que promovam o uso do jogo em sala
de aula. Para tanto, acreditamos que para instaurar esse caráter lúdico nas atividades escolares, se torna
Assim, quanto mais o adulto vivenciar sua ludicidade, maiores serão as possibilidades de trabalhar
com a criança de forma prazerosa, especialmente porque a formação lúdica possibilita ao adulto, reviver e
resgatar com prazer a alegria do brincar, a fim de que possa transpor esta experiência para o campo
educacional, ou seja, o jogo.
Para Penteado (2000), o lúdico tem a propriedade de liberar a espontaneidade dos jogadores,
porém, no caso da relação professor/aluno, o problema que se enfrenta na capacitação de docentes, é a
liberação da espontaneidade e, portanto, da capacidade criadora para que se atinja um “encontro
vigoroso” do educando com o conhecimento, mediado por ações significativas do professor.
Neste contexto “O professor precisaria entender o ensino como brinquedo – brincar com suas
ideias e convidar outras para a brincadeira; o pensar, antes de mais nada, como brincar – brincar com as
ideias” (MARCELLINO, 1989, p. 111). Deste modo, o jogo além de envolver o aluno em atividades
significativas se torna também uma alternativa para que o docente possa estabelecer um bom
relacionamento com seus alunos, tornando assim sua prática mais prazerosa e significativa.
Contudo, para que isso aconteça o professor deve privilegiar em sua prática diária estratégias que
possibilitem o trabalho em grupo, as discussões, a formulação de argumentos e contra-argumentos por
parte dos alunos, visto que as discussões em grupo mediadas pelo professor, possuem segundo Almiro
(1997), o potencial de gerar interações riquíssimas.
De acordo com Kamii e Devries (1991) o trabalho com jogos de regra em grupo destaca-se como
[...] o material mais adequado, nem sempre, será o visualmente mais bonito e nem
o já construído. Muitas vezes durante a construção de um material o aluno tem a
oportunidade de aprender matemática de forma mais efetiva. Em outros
momentos, o mais importante não será o material, mas sim a discussão e
resolução de uma situação problema ligada ao contexto do aluno, ou ainda à
discussão e utilização de um raciocínio mais abstrato (2004).
Neste processo o professor desempenha então um papel primordial o de criar uma atmosfera de
respeito mútuo, estabelecendo as condições necessárias para a boa execução do jogo. Seu papel será então
o de dinamizador, mediador entre a linguagem (presente nas situações problemas e nas discussões em
grupo), os alunos e a Matemática (D’ ANTONIO, 2006).
Procedimentos Metodológicos
O jogo foi construído e levado inicialmente em turmas de 5ª série do Ensino Fundamental em uma
Para jogar o bingo, os alunos precisam conhecer o conteúdo de frações, pois precisam realizar
cálculos e marcar os resultados correspondentes em suas cartelas. Para que se aproveite a aula de
matemática de uma forma mais atrativa e interessante, as questões apresentadas aos alunos traziam
informações sobre ecologia, reciclagem de lixo, dentre outros.
Objetivos do jogo
O jogo que será apresentado neste trabalho foi criado para ser trabalhado com alunos de 5ª
série do Ensino Fundamental, pois explora o conteúdo de frações, que corresponde esta série. Pode
também ser utilizado em classes de 6ª série, em forma de fixação de conteúdos.
O jogo é composto por problemas que envolvem conteúdos de várias áreas. Esses
problemas devem ser resolvidos utilizando-se operações com frações. Com o intuito de que não fossem
realizados simplesmente cálculos sem ligação com a realidade, utilizamos nos problemas propostos
conhecimentos de outras áreas, tais como ciências, geografia, física e matemática, para que os alunos
pudessem receber informações de situações do mundo atual.
Com a atividade, os alunos podem aprofundar seus conhecimentos acerca desse assunto, pois
trabalhando com materiais práticos como os pratinhos, peças e tabuleiros, estão manuseando o material e
isso facilita a compreensão do que representa a fração, - pois de acordo com Piaget, alunos dessa faixa
etária ainda estão na fase de desenvolvimento denominada operatório-concreta - não ficando somente nos
cálculos e representações escritas, sem saber ao certo o que estão fazendo, como ocorre com a maioria de
nossos alunos.
O jogo deve ser realizado em grupos com 4 integrantes. Cada grupo receberá o seguinte
material:
• 1 tabuleiro quadriculado e colorido com 16 casas, sendo estas de 4 cores diferentes (azul,
rosa, verde e laranja).
• 1 dado com as faces da cor da cartela e 2 faces brancas.
• 10 pratinhos de plásticos de festas).
• Feijão.
• 4 cartelas de bingo contendo 6 números.
• 16 fichas contendo questões de Geografia, Ciências ou Matemática.
Questões do jogo
A massa corporal de uma criança é Uma tonelada de papel reciclado Um ano terrestre tem 12 meses.
36 Kg. Sabendo que 2/3 dessa massa economiza em torno de 20 árvores. Descubra quantos meses possui
é composta por água, determine a Quantas árvores poderão ser aproximadamente o ano do planeta
quantidade de água do corpo dessa poupadas se for reciclado ¾ de Mercúrio sabendo que corresponde a
criança? toneladas de papel? ¼ do ano terrestre?
Sabendo que o território brasileiro é Quantos meses o resto de frutas Ricardo tem uma coleção com 30
composto por 27 estados. 1/3 dessa demora para decompor, sabendo que figurinhas. Quantas figurinhas
quantidade corresponde a quantos esse tempo corresponde a 4/6 de 1 correspondem a 3/5 desta coleção?
Estados? ano?
Um chuveiro ligado durante 4 Uma pessoa andou 4/6 da distância Um funcionário recebeu um ticket
minutos gasta em média 60 litros de entre duas cidades que é de 60 Km. alimentação de 54 reais Em uma
água. Quantos litros serão gastos de Quantos quilômetros a pessoa andou? semana, ele gastou 2/3 desse valor.
água se o chuveiro permanecer ligado Quantos reais sobraram desse ticket?
durante ¾ desse tempo?
Quantos meses o papel demora para Quantos anos o chiclete demora para Dos 40 alunos de uma classe, 10%
se decompor sabendo que esse tempo se decompor sabendo que esse tempo tem mais de onze anos. Quantos são
corresponde a ¼ de um ano. corresponde a 1/3 de 15 anos. esses alunos?
1 6
0 0
4 4
5
6 8
O jogo
Cada equipe deve distribuir uma ficha de questão em cada quadradinho do tabuleiro, com as
questões viradas para baixo.
O primeiro aluno joga o dado e deverá escolher uma questão que estiver na casa que corresponde à
cor da face que caiu o dado.
Se o aluno tiver em sua cartela o número correspondente à resposta da sua questão, deverá marcá-
la com um feijão. Caso não tenha, passa a vez sem marcar.
Se cair a face branca do dado, o aluno poderá escolher qualquer questão do tabuleiro.
Resultados e Discussão
Realizamos o teste do jogo com 27 alunos de uma 5ª série de uma Escola Pública do município de
Maringá-PR. Inicialmente explicamos o objetivo de estarmos realizando este trabalho e em seguida
A matemática não é só cálculo. Quase todo mundo acaba por aprender a calcular, porém
segundo os informes relativos ao nosso ensino de matemática, não se fomentam em
nossas crianças outras capacidades de níveis superiores. A matemática não é só símbolos
e contas. Estas são apenas ferramentas do ofício – semifusas, e colcheias e exercícios para
cinco dedos. A matemática é pensar – sobre números e probabilidades, acerca de relação
lógica, ou sobre gráficos e variações –, porém, acima de tudo, pensar (STEWART, 1996
p.14; apud BELLINI e RUIZ, 2001, p. 9).
Denote que as situações problemas presentes no jogo eram simples, porém, os alunos
apresentaram dificuldades para argumentar a respeito e estabelecer conjecturas a partir das discussões
que propiciassem o encontro da solução desses problemas. Contudo, aos poucos, foram entendendo o
processo e resolvendo os problemas com o auxílio do material disponível.
Neste contexto, conforme Macedo (1994), além das contribuições para o ensino da matemática, o
conhecimento lógico-matemático, cunhado por Piaget, permitiu situar a criança como ser ativo da
aprendizagem, ou seja, a lógica não é inata, mas construída pela criança através de sua interação com o
meio e suas experiências, construindo dessa forma seu raciocínio.
Outra dificuldade percebida foi a de não saberem a função do numerador na fração, ou seja, eles
sabiam como deveria ser repartido o todo, mas não sabiam o que fazer com o numerador. Além disso,
alguns alunos não conseguiram resolver a questão que envolvia porcentagem, pois não sabiam que a
porcentagem é também um tipo de fração, dificultando a resolução dos problemas e o fluxo do jogo.
Não obstante, a grande maioria dos alunos interagiu com os colegas, ocasião em que um ajudava o
outro na resolução dos problemas demonstrando cooperação, respeito e solidariedade. Neste sentido,
Piaget (1950), afirma que a cooperação gradual entre as crianças alcança um pleno desenvolvimento no
período entre 10 e 11 anos, mas acredita que a idade de 11 a 13 anos é o melhor período para a prática da
autonomia. Daí a aplicação deste jogo com crianças entre 10 a 12 anos de idade, que estão na 5ª série do
ensino fundamental. Neste ponto é natural que a escola utilize este progresso da cooperação para obter
vantagens educativas que a imposição não poderia oferecer.
Esta afirmação evidencia o reconhecimento de uma abordagem construtivista por parte das
autoras, que vem ao encontro das propostas deste trabalho, que vislumbra instigar os alunos à construção
do conhecimento por meio de um jogo envolvendo conteúdos matemáticos, bem como informações
acerca de outras ciências que poderão facilitar a compreensão dos cálculos envolvidos na atividade.
Considerações finais
Em nossa prática diária temos alunos que não aprendem os conteúdos trabalhados e/ou apresentam
muitas dificuldades com relação aos conceitos estudados. Na maioria dos casos, isso ocorre porque a
tendência dos alunos é seguir modelos prontos, sem analisar e interpretar as questões envolvidas. Eles só
“decoram” para a avaliação, porém não sabem realmente descrever o que estão fazendo. Não conseguem
estabelecer relação entre um conteúdo e outro, tão pouco entre as áreas de conhecimento.
Isso se deve ao problema que o ensino de Matemática trás deste o início da formação docente até o
trabalho desenvolvido a posteriori em sala de aula pelo professor. A visão de uma matemática formal,
desprovida de significado e sentido, sob a qual o aluno só é bem sucedido se consegue aplicar o algoritmo
ensinado pelo professor. Longe de se buscar estratégias que privilegiem o desenvolvimento
argumentativo, as discussões a respeito das diferentes formas de se solucionar um problema perpetuam a
ideia de que saber matemática é resolver intermináveis listas de exercícios seguindo o exemplo fornecido
pelo professor e aplicá-los em seguida na avaliação.
Por meio da atividade desenvolvida percebemos que a grande dificuldade dos alunos com relação
às questões propostas foi a de relacionar os conceitos estudados a respeito dos números fracionários e das
operações com frações com a representação da porcentagem, que também é um número fracionário,
porém escrito de forma diferente. Outro aspecto que podemos destacar é o de que a tendência dos alunos
era de tentar estabelecer um algoritmo para solucionar os problemas propostos. Eles tinham uma grande
dificuldade em utilizar os materiais disponíveis, pois até então só haviam estudado os conteúdos de
frações por meio de cálculos e algoritmos simples e não por meio da resolução de problemas.
A falta de conhecimento real sobre o assunto faz, portanto com que muitos discentes passem a
consideram a Matemática como uma disciplina em que se faz “contas” e aplicam-se algoritmos estudados
em problemas simples exemplificados pelo professor. Além disso, a matemática a eles apresentada não se
relaciona com as situações de seu dia-a-dia, sendo assim, eles não sabem para que servem o que
“aprendem” na escola.
Realizar atividades diferenciadas durante as aulas não é tarefa simples, mas é essencial para um
melhor aproveitamento da aula, pois as crianças aprendem mais brincando do que lendo ou “decorando”,
pois o ato de brincar é inerente ao ser humano, especialmente nessa faixa etária. Os alunos das séries em
que foram aplicadas essa atividade estavam numa fase denominada por Piaget (1978), de operatório-
concreta. Fase que ocorre por volta dos sete aos treze anos de idade, em que o pensamento operatório é
denominado concreto porque a criança só consegue pensar corretamente se os exemplos ou materiais que
ela utiliza para apoiar seu pensamento existem mesmo e podem ser observados.
Isso exige de nós professores a valorização dessas necessidades e, portanto uma mudança em
nossa prática pedagógica, com vistas à utilização de recursos e estratégias que privilegiem o
desenvolvimento intelectual e o raciocínio lógico-matemático nesta fase de desenvolvimento.
Contudo, não devemos trabalhar o jogo simplesmente por seu aspecto lúdico sem ter clareza nos
objetivos que devem ser alcançados, pois visto dessa forma o jogo pode tornar-se um mero divertimento
para o aluno sem, contudo estimular a aprendizagem. Assim, o que irá diferenciar o trabalho com essa
estratégia será a forma como ele irá ser utilizado em sala de aula, o que depende da postura do professor,
dos objetivos que pretende alcançar e da dinâmica criada para a aplicação de um jogo.
Dado o exposto, o papel do educador diante do grupo, antes, durante e depois do desenvolvimento
do jogo, é o de propor estratégias que possibilitem a troca de ideias, o estabelecimento de hipóteses e
conjecturas, dando responsabilidade para que os alunos possam encontrar soluções diferentes motivando
o desenvolvimento da iniciativa, da agilidade, da confiança e da autonomia das crianças. Neste contexto,
o papel do professor é o de orientador, mediador de conflitos e desafiador, promovendo assim o
desenvolvimento dos alunos com vistas a uma prática diferenciada na qual a matemática se torne
significativa e mais próxima dos alunos.
Referências
FIORENTINI, D.; MIORIM, M. A. Uma reflexão sobre o uso de materiais concretos e jogos no ensino
da matemática. Boletim SBEM – SP, ano 4, n. 7, 2004.
KAMII, C.; DEVRIES, R. Jogos em grupo na educação infantil: implicações da teoria de Piaget. São
Paulo: Trajetória Cultural, 1991a.
KAMII, C.; DEVRIES, R. Jogos em grupo na educação infantil: implicações da teoria de Piaget. São
Paulo: Trajetória Cultural, 1991.
MACEDO, L. Os jogos e sua importância na escola. Cadernos de Pesquisa, s/n.; 1995. p. 5-10.
PIAGET, J. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de
Janeiro: Zanhar, 1978.
SANTOS, M. P.; CRUZ, D. R. M. O lúdico na formação do educador. In: SANTOS, Marli Pires dos
(org). O lúdico na formação do educador. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
PIAGET, J.; HELLER, J. Autonomia em la escuela. Tradução Adriano Rodrigues Ruiz. Buenos Aires:
Lousada, 1950.
Resumo
Abstract
This work presents the project of academic extent: “Intervenção Pedagógica e Psicopedagógica:
contribuições para o desenvolvimento infantil” that have as aim the children attending with complaint of
learning disabilities. Whole process of diagnosis and intervention with those children is based in piagetian
theory and seeks offer requester situations and promoters of the development. The results, as far as this
moment, indicate that it is possible aid those labeled children, many times, as incapable of learning and
that the actions performance (activities and games) contribute for its advance in the development of this
fellows, changing your conditions of learning, as well as the relation with a few specific contents.
Referencial teórico
O termo dificuldade de aprendizagem não é recente e há uma evolução histórica que caracteriza
múltiplas influências que os estudos e pesquisas nessa área sofrem. Conforme apresentado em Saravali
(2005), essas diferentes perspectivas ora apontam para tendências médicas e orgânicas, ora para
tendências psicológicas e pedagógicas sem, no entanto, haver consenso sobre o que caracteriza uma
dificuldade de aprendizagem.
Dentro dessa variedade terminológica, há autores que buscam uma separação entre o que seria
No entanto, essa perspectiva não se confirma em várias outras obras nas quais, muitas vezes, estes
termos são tratados como sinônimos; é o caso, por exemplo, do trabalho de Smith e Strick (2001). Uma
das poucas certezas que podemos ter em relação a estas definições é que as crianças com dificuldades de
aprendizagem não apresentam baixa inteligência, mas, sim, problemas específicos para aprender. Essa
caracterização foi apresentada à comunidade científica por Samuel Kirk considerado, atualmente, o pai
dos estudos nesse campo. Todavia, cumpre destacar que ao definir o termo, o autor apontava que tais
problemas eram provocados, especialmente, por desordens internas ou fatores intrínsecos aos indivíduos.
Na atualidade, esse panorama não sofreu grandes transformações, podemos considerar uma
definição bastante aceita, datada de 1988, pelo National Joint Committee on Learning Disabilities, qual
seja, dificuldade de aprendizagem (DA) engloba um grupo heterogêneo de transtornos, manifestando-se
por meio de atrasos ou dificuldades em leitura, escrita, soletração e cálculo, em pessoas com inteligência
potencialmente normal ou superior e sem deficiências visuais, auditivas, motoras ou desvantagens
culturais. Geralmente, não ocorre em todas essas áreas de uma só vez e pode estar relacionada a
problemas de comunicação, atenção, memória, raciocínio, coordenação, adaptação social e problemas
emocionais (SISTO, 2001). O indivíduo com DA não possui rebaixamento de QI, indicando aquilo que
muitos autores chamam de “conduta discrepante acentuada” entre o potencial para a aprendizagem e o
desempenho acadêmico.
Dessa forma, podemos dizer, de modo simplificado, que são sujeitos que não aprendem por
questões próprias, ou seja, intrínsecas, mas, ao mesmo tempo, são sujeitos com grande potencial para
aprendizagem.
Embora muitos autores considerem essa definição como a mais completa, não acreditamos que o
uso abundante do termo em escolas e por docentes, pelo menos não de forma consciente, esteja
enquadrado nos aspectos previstos pelo Comitê Internacional em questão, fato esse que, se assim o fosse,
significaria o caos em relação à possibilidade de aprender dos nossos estudantes, dada a enorme
quantidade de queixas em relação às dificuldades de aprendizagem discentes.
Nesse sentido, entendemos que ao se assumir que nossos alunos com queixas de dificuldades de
É nesse sentido que gostaríamos de discutir aqui sobre o que seria uma perspectiva construtivista
das dificuldades de aprendizagem.
Piaget teve como objetivo, em toda a sua extensa obra, entender como se origina e evolui o
conhecimento. Suas inúmeras pesquisas e publicações retratam o ponto de vista filosófico do postulado
da construção, ou seja, adquirimos o conhecimento ou avançamos no processo de conhecer por meio de
uma construção lenta e gradual. Tal construção ocorre desde o nascimento e é fruto da interação
indissociável entre o sujeito e o meio (físico e social) que o rodeiam.
Desta forma, o indivíduo age sobre o meio e o transforma, assim como, o compreende e o faz
existir somente por meio desta ação. O papel do sujeito, que na concepção construtivista é ator principal
do processo, pois necessita agir para conhecer, está diretamente ligado às trocas que pode realizar com o
meio. Portanto, quanto mais ricas e oportunas forem essas trocas, melhores condições de
desenvolvimento existirão.
Piaget não realizou pesquisas na área das dificuldades de aprendizagem, no entanto, é possível
observar que sua teoria é extremamente atual para os estudos neste campo.
Muitos seguidores da obra piagetiana vêm dedicando-se a esse tema sob o enfoque construtivista.
A pergunta central que norteia o trabalho desses pesquisadores é “o que ocorre com as crianças que não
atuam sobre o meio, por serem impedidas, ou atuam pouco?” (DOLLE; BELLANO, 1996, p. 9).
Muitas soluções são apresentadas para os vários problemas da aprendizagem. Há, porém,
um problema em particular que nos interessa mais de perto, o da criança que não aprende
e “não se sabe por quê”. Não há lesão cerebral, não há desnutrição, não há deficiência
auditiva, não há indícios claros de psicose, não há lesão no aparelho foniátrico: a ciência
contemporânea não dispõe de meios para a identificação de causas – a etiologia continua
“obscura”.
Assim, para esta autora há uma causa orgânica para as dificuldades de aprendizagem parcialmente
determinada pelo ambiente e possível de remediação. Em seus estudos e pesquisas, Ramozzi-Chiarottino
(1994) apresenta 4 grupos diferentes, identificando características e problemas específicos no processo de
interação com o meio. São eles:
GRUPO A: Corresponde a crianças que não organizaram suas experiências no meio em que
vivem, desconhecendo as regularidades da Natureza. Isto ocorre pois foram impedidas de agir sobre o
meio, por viverem em condições miseráveis ou por excesso de cuidados em classes sociais mais altas,
impedindo a ação e a transformação do mundo. Não possuem noção de tempo, de espaço e de
causalidade, não conhecem os limites de suas ações. Possuem retardo na aquisição da linguagem, a
representação do mundo é caótica, têm falhas na compreensão e produção da língua materna.
GRUPO B: São crianças capazes de falar, operar e representar, mas possuem uma organização
inadequada do real. Trata-se de crianças que construíram a representação do mundo sem apoio nas
próprias ações, confundindo realidade e fantasia. Ramozzi-Chiarottino (1994) chega mesmo a afirmar que
muitas das crianças que se encontram neste grupo, são de classe média e vivem em apartamentos, sem
pátio, jardim ou playground cuja atividade absolutamente predominante é ver televisão. Portanto, as
ações delas sobre a natureza são prejudicadas e confundem noções espaço-temporais com a fantasia.
GRUPO D: Este grupo foi também sistematicamente estudado por Mantovani de Assis (1976),
Zaia (1996) e Brenelli (1996). Caracteriza-se por crianças que não construíram as estruturas mentais em
nível adequado à solicitação que a sociedade impõe às pessoas de sua idade cronológica.
Ramozzi-Chiarottino (1994) também apresenta formas de intervenção ou, como ela chama, de
reeducação nos diferentes grupos. Assim, propõe que às crianças do grupo A seja dada a oportunidade de
construir seus esquemas motores e agir sobre o meio a fim de conhecer os limites de suas ações e
organizar o real. No grupo B, as crianças precisam observar a natureza e vivenciar a experimentação. No
grupo C, a criança precisa ser solicitada a evocar as representações do mundo em que vive – trazendo o
passado para o presente. As crianças do grupo D, por sua vez, necessitam construir as estruturas do
pensamento operatório.
Foi considerando os resultados desses estudos e partindo do referencial teórico piagetiano que, em
2006, foi criado o projeto de extensão “Intervenção Pedagógica e Psicopedagógica: contribuições para o
desenvolvimento infantil”. O projeto é desenvolvido no CEES, unidade auxiliar da FFC/UNESP, campus
de Marília-SP, e conta com a participação de alunos voluntários e bolsistas.
Metodologia
Participam do projeto crianças encaminhadas por suas escolas e/ou docentes com queixas de
dificuldades de aprendizagem. Os atendimentos são planejados e organizados em duas etapas: a avaliação
e a intervenção.
Desenvolvimento
Até o momento foram atendidas pelo projeto 15 crianças, com idade entre 03 e 10 anos (1 de 3, 1
de 7, 5 de 8, 5 de 9 e 3 de 10). Três passaram pelo atendimento e já tiveram alta, uma passou pelo
diagnóstico e não foi constatada necessidade de atendimento, as demais 11 encontram-se em atendimento
O que podemos observar é que as queixas escolares retratam aquilo que Macedo (2005) tão bem
coloca “... temos o hábito [...] de pensar o conhecimento apenas na perspectiva dos adultos, de sua
linguagem, de suas formas de pensamento, de seu raciocínio e de seus conhecimentos adquiridos e
acumulados...” (MACEDO, 2005, p. 91). Dessa forma, em muitas avaliações, o que percebemos é que as
crianças encontram-se em plena construção de suas estruturas, o que não é compreendido por seus
professores.
Nesse sentido, a pergunta que nos parece interessante de fazer é: mas e se isso ocorrer? Isto é, se
questões relacionadas à falta de oportunidades, e aqui devemos entender como oportunidades de ação,
impedirem o desenvolvimento de ocorrer? Ora é exatamente isso que estamos observando no trabalho
junto a esses alunos com problemas no aprendizado.
Após a realização do diagnóstico, na maioria dos casos atendidos, observa-se que as crianças
possuem atrasos no seu desenvolvimento cognitivo, ou seja, não possuem construídas estruturas
cognitivas previstas para a idade86 avançada em que se encontram, dificultando assim a compreensão de
alguns conteúdos escolares, principalmente a matemática.
Concordamos com Macedo (2005), quando ele nos diz sobre não olharmos as respostas das
crianças pela ótica do adulto, é por isso que muitas vezes tais crianças são encaradas como sujeitos
incapazes: incapazes de aprender, com dificuldades de aprendizagem, com transtornos disso ou daquilo.
86
Sabemos que Piaget não definiu o desenvolvimento por idades e que elas sempre foram indicadores aproximados em sua obra. Todavia, o
atraso do qual falamos dificulta todo um processo de construção do conhecimento por parte da criança, assim, por exemplo: encontramos
crianças com 10 anos que ainda possuem um pensamento tipicamente pré-operatório.
Soma-se a isso o fato dessas crianças, pelo próprio rótulo que a escola ou professor lhe impõem,
chegarem para o início dos atendimentos com a autoestima bastante comprometida, com aversão pelos
conteúdos escolares e um quadro geral de desmotivação.
Dessa forma, os atendimentos são organizados no intuito de solicitar a construção das estruturas
cognitivas (conservação, classificação, seriação, espaço-tempo-causalidade) e de auxiliar na
ressignificação da relação com a escrita, bem como auxiliar a criança na crença da própria capacidade de
resolver problemas. As intervenções também se baseiam naquilo que Ramozzi-Chiarottino (1994)
apresenta: construção de esquemas motores, ações sobre o meio, experimentação, elaboração de
diferentes formas de representações etc.
No trabalho desenvolvido junto aos atendimentos, também utilizamos atividades e jogos de regras
no sentido proposto por Macedo, Petty e Passos (2000) e Brenelli (2002). Observamos que o jogo acaba
sendo um instrumento poderoso para o trabalho na construção de estruturas, no resgate da autoestima e na
capacidade de concentração e atenção.
O que observamos até o momento, não somente em relação às 3 crianças que tiveram alta, mas em
função também dos outros atendimentos que vem sendo realizados, é que de uma maneira geral há uma
melhora no quadro. As crianças se sentem mais motivadas, demonstram interesse nas atividades e jogos
apresentados, realizando as tarefas e resolvendo os problemas propostos, apresentam evolução em relação
às formas do seu pensamento e na maneira de resolver problemas. O retorno da família e da escola é
significativo nesse sentido, pois, indica uma melhora da criança e uma nova relação estabelecida com a
escola e com os conteúdos escolares.
Conclusões
Quando Piaget (1973) escreveu sobre a educação ele nos disse que o verdadeiro direito à educação
Mas por que isso é observado numa situação de pesquisa ou em avaliações individuais e em
pequenos grupos de atendimentos clínicos? Por que esse tipo de situação não faz parte do cotidiano
escolar? O que está por trás de tantos encaminhamentos?
Acreditamos e pretendemos mostrar aqui que conhecer a teoria de Jean Piaget é um bom começo
para essa mudança!
DOLLE, J.; BELLANO, D. Essas crianças que não aprendem – diagnósticos e terapias cognitivas.
Petrópolis,RJ: Vozes, 1996.
MACEDO, L. de. Ensaios Pedagógicos – como construir uma escola para todos? Porto Alegre: ArtMed,
2005.
MACEDO, L.; PETTY, A. L.; PASSOS, N. Aprender com jogos e situações-problema. Porto Alegre:
Artes Médicas, 2000.
PIAGET, J. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1973.
RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. Em busca do sentido da obra de Jean Piaget. 2ª ed. São Paulo: Ática,
1994.
VISCA, J. Tecnicas proyectivas psicopedagogicas. 3ª ed. Buenos Aires: Edición del autor, 1984.
VISCA, J. Clínica psicopedagógica: epistemologia convergente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
Resumo
A Educação Física no contexto escolar é área de conhecimento, para tanto deve possibilitar aos
educandos a compreensão de sua realidade. Diante disto, surge a necessidade de uma fundamentação
teórica que possibilite ao professor compreender os processos de construção do conhecimento realizado
pelo sujeito. O objetivo deste trabalho é analisar a relação solidária e necessária entre o pensamento
lógico-matemático e o pensamento físico na construção da ação pela criança e as implicações para a ação
do professor na educação física. O pensamento lógico-matemático, na sua relação com o mundo físico é
uma assimilação do real a esquemas operatórios, que vão dando lugar a construções dedutivas. Entretanto,
essas construções dedutivas, que se formaram dos esquemas operatórios, têm sua gênese na experiência
(ação). O pensamento físico está comprometido com as relações do mundo exterior ao sujeito e, portanto,
com a experiência exterior, mas isto não significa que seja isolado da razão, da lógica e do próprio
pensamento. A origem de ambos se encontra na ação e não na percepção. Não em uma ação qualquer,
mas, sim, na contínua sistematização desta ao longo da vida; este é o começo do contato do sujeito com o
mundo. Quando o sujeito entende as propriedades dos objetos, ele está inserindo-as em relações lógico-
matemáticas que dão ao sujeito os princípios físicos: permanência do objeto, espaço, tempo, e
causalidade. O sujeito necessita abstrair as propriedades dos objetos para compreender o mundo físico.
Esta abstração resulta em uma relação lógico-matemática presente na coordenação das ações. É a
coordenação entre estes pensamentos que possibilita ao sujeito atribuir qualidades físicas aos objetos e,
também, uma compreensão de relação de causa ou causalidade sobre o mundo físico. Com o
desenvolvimento do pensamento físico, partindo da ação sensório-motora, o sujeito constrói uma
realidade independente do “eu”.
Palavras-chave: Ação Motora. Pensamento lógico-matemático. Pensamento físico.
The Physical Education in the pertaining to school context is knowledge area, because of this it must have
to make possible to the students the understanding of its reality. Ahead of this, appears the necessity of a
theoretical recital that makes possible the professor to understand the knowledge construction processes
realized by the citizen. The objective of this work is to analyze the solidary and necessary relation
between the logical-mathematician thought and the physical thought in the construction of the action for
the child and the implications for the action of the professor in the physical education. The logical-
mathematician thought, in its relation with the physical world is an assimilation of the real the operators
projects, that go giving place to the deductive constructions. However, these deductive constructions that
had formed of the operators projects have its genesis in the experience (action). The physical thought is
compromised with the relations of the exterior world of the citizen and, therefore with the exterior
experience, but this does not mean that it is isolated of the reason, the logic and the proper thought. The
origin of both meets in the action and not in the perception. Not in any action, but in continues
systematization of this throughout the life, this is the start of the citizen contact with the world. When the
citizen understands the properties of objects, it is inserting them in logical-mathematical relations, that
give to the citizen the physical principles: permanence of the object, space, time, and causality. The
citizen needs to abstract the properties of objects to understand the physical world. This abstraction
results in a relation logical-mathematics presents in the coordination of the actions. It is the coordination
between these thoughts that makes possible to the citizen to also attribute physical qualities to the objects
and also understand the relation of cause or causality on the physical world. With the development of the
physical thought, starting from the sensory-motor action, the citizen constructs an independent reality of
“ME”.
Ainda hoje, a Educação Física, no contexto escolar, na maioria das vezes, tem sido vista em meio
a uma série de equívocos: um destes equívocos é compreender a Educação Física como área de atividade
e que a sua função dentro do sistema escolarizado é de desenvolver o corpo (visão dualista de homem,
corpo e mente separados) e as habilidades físicas. Ao se pautar neste equívoco conceitual sobre esta
disciplina, os professores estruturam os seus planos de aula preocupando-se somente com “joguinhos”
para a recreação, socialização e cooperação; porém, quando observamos a aula, o que existe realmente é
apenas a atividade pela atividade (o termo “atividade pela atividade” é utilizado, quando em aulas de
Educação Física o professor em sua ação docente somente realiza a atividade ou o jogo recreativo, sem
possibilidade de aprendizagem de um conteúdo específico).
Outro equívoco que ocorre com esta disciplina é o entendimento que ela é auxiliar de outras
disciplinas. Por exemplo: quando o professor de Educação Física seleciona para suas aulas atividades que
podem auxiliar as crianças com cálculos matemáticos. Ao se pautar neste pensamento, o docente acredita,
ainda que inconscientemente, que esta área não possui um conhecimento próprio e, não possuindo um
conteúdo específico, passa a ser auxiliar das outras disciplinas. O conhecimento sistematizado que é
abordado no sistema educacional é organizado em disciplinas por acreditar que com isto os
conhecimentos específicos irão ser mais aprofundados por estas e que o sujeito irá fazer as relações entre
estes conhecimentos. Deste modo, a Educação Física, na escola, é vista como uma área de conhecimento
que reúne um conjunto de saberes específicos e, como tal, deve possibilitar aos estudantes a apropriação
deste conhecimento. Portanto, é um erro pensar esta disciplina como auxiliar de outras disciplinas. Para
que a Educação Física supere essa compreensão superficial de seu papel na escola e na sociedade, é
necessário conhecer como acontece a construção da ação do sujeito, considerando para isso o pensamento
lógico-matemático e o pensamento físico. Portanto, nosso objetivo neste texto é analisar a relação
solidária e necessária entre o pensamento lógico-matemático e o pensamento físico na construção da ação
pela criança e as implicações para a ação do professor na Educação Física. Pensamos que, se a Educação
Física compreender o processo de construção da ação do ser humano, poderá ter sua prática pedagógica
transformada, contribuindo efetivamente para a formação de sujeitos autônomos.
Ao nascermos não temos conhecimento a respeito da cultura em que fomos inseridos, não temos
construído ainda instrumentos mentais e cerebrais necessários para assimilar esses conteúdos e somos
desprovidos de uma lógica do pensamento e de uma linguagem para representar os conteúdos desta
cultura. Mas, nascemos com a capacidade de construir esses instrumentos para assimilar aqueles
conteúdos.
A construção desses instrumentos fica garantida ao sujeito à medida que ele age, ou seja, é nessa
ação que tais instrumentos serão construídos, possibilitando ao sujeito organizar-se no mundo ao mesmo
tempo em que o organiza, adaptando-se a ele. Trata-se, inicialmente, de um conjunto de estruturas
orgânicas – os reflexos - que, ao funcionarem, permitem ao sujeito relacionar-se com este mundo e dele
apropriar-se. Esse processo não acontece casualmente; há uma lógica presente que organiza essa ação,
garantindo a construção do pensamento da criança.
Para Piaget (1987), tal ação, em seu princípio, é pautada somente em atos (inteligência prática) e,
posteriormente, interioriza-se no plano do pensamento (inteligência refletida). Neste processo de
evolução, destacamos como imprescindíveis o pensamento lógico-matemático e o pensamento físico, que
em uma relação de solidariedade garantem a construção desta ação.
Desde o primeiro contato que a criança tem com o mundo físico, ela pode estar na presença de
uma dificuldade em delimitar os campos da física e da matemática. Normalmente, o sujeito reduz esses
dois campos a um só, e depois faz um esforço para distingui-los, sem conseguir, contudo, alcançar um
limite estático entre esses dois. O fato é que quando se trata das questões ligadas à física, há a
concordância da necessidade de uma experimentação; já em se tratando da matemática, não se observa
esta necessidade, pois a dedução, em um problema matemático, supera muito rapidamente uma
experimentação. O autor coloca a necessidade de não se estabelecer um limite fixo quando se pretende
caracterizar a diferença entre a experiência física e a construção do conhecimento matemático do sujeito,
ou seja, este limite deve ser móvel.
O pensamento lógico-matemático, na sua relação com o mundo físico, como veremos nas reações
a seguir, é uma assimilação do real a esquemas operatórios, que vão dando lugar a construções dedutivas.
O pensamento físico, que é essencialmente ligado ao real, encontra-se oscilando com um limite
móvel, pois as operações realizáveis pelo individuo estão submetidas a modificações cada vez mais
profundas fazendo com que o sujeito tenha condições de realizar um processo de readaptação incessante a
um objeto que muda sua natureza, na visão do sujeito, pois à medida que o indivíduo vai conhecendo
melhor o objeto, suas antigas aparências se dissipam em função dos novos esquemas de ações e
operações.
Esse pensamento está comprometido com as relações do mundo exterior ao sujeito e, portanto,
com a experiência exterior, mas isto não significa que seja isolado da razão, da lógica e do próprio
pensamento. Diante do apresentado até este ponto, cabe uma questão geral: qual a origem do
conhecimento seja ele matemático ou físico?
A origem de ambos se encontra na ação e não na percepção. Não em uma ação qualquer, mas, sim,
em uma ação que se sistematiza continuamente ao longo da vida, em uma ação inserida em relações, as
quais Piaget (1975) chama de esquemas de ação; este é o começo do contato do sujeito com o mundo.
Mas, qual é a característica dessa ação específica no caso do conhecimento físico? A ação no
mundo físico tem a ver, por exemplo, com a resistência dos objetos e como o sujeito está levando em
conta essa resistência, sendo assim uma ação mais particular, específica, não uma ação geral.
Exemplificando: a ação do sujeito no momento de pesar (sentir o peso de um objeto qualquer), não é a
mesma em relação à ação de deslocamento. Nessa última, o sujeito leva em conta a aceleração e a
velocidade desse deslocamento, enquanto que na primeira se fixa somente no peso do objeto, na ação de
sobrepesar.
Na ação no mundo físico, o sujeito leva em conta, sobretudo, as relações espaciais e temporais,
características do meio exterior. Elas não são, portanto, características dele, mas, sim, exteriores a ele.
No conhecimento matemático, se o sujeito ordena objetos, ele os está deslocando. Entretanto, sua
atenção está fixada na ação de estabelecer correspondências entre eles, e não está centrada no maior ou
menor esforço que faz sobre esses objetos que está deslocando; não está atento às qualidades ou
propriedades dos objetos, mas está simplesmente atento ao deslocamento que pode realizar, ou seja, na
correspondência entre os objetos. No conhecimento matemático, a ação tem a função de estabelecer
relações e, destas relações, extrair as leis de seu funcionamento.
Quanto ao que o sujeito abstrai do que realiza, das atividades e relações que faz, há uma lei
presente nessa ação; por exemplo, quando o sujeito faz uma correspondência entre objetos, ele aponta
uma igualdade, independente da forma deles, exigindo a presença dessa lei na sua ação; já no
conhecimento físico o sujeito age sobre os objetos. Mas, qual a origem da lei que lhe apresenta o objeto
tal como ele é? Dos próprios objetos, de suas propriedades e de suas características.
Tal resposta nos leva diretamente a outra questão: para o sujeito tomar para si as propriedades dos
objetos é necessário estabelecer relações lógico-matemáticas ou não?
Sim, uma vez que esse é o principio do ordenamento a partir do qual se produz o pensamento
físico. Quando o sujeito entende as propriedades dos objetos, ele está inserindo-as em relações lógico-
matemáticas, que dão ao sujeito os princípios físicos: permanência do objeto, espaço, tempo, e
causalidade. O sujeito necessita abstrair as propriedades dos objetos para compreender o mundo físico.
O pensamento físico é um conhecimento em que parte da origem está nos objetos e parte no
sujeito, ou mais precisamente, na interação do sujeito com o objeto. Os objetos possuem propriedades
específicas que podem ser percebidas por meio da ação sobre eles, isto é, na realidade externa, como, por
exemplo, peso, espessura, textura, tamanho, dentre outras. A fonte do pensamento físico é o próprio
objeto, e este objeto é construído por meio da atividade do sujeito sobre ele; por exemplo, uma criança
aprende as propriedades do vidro ao manipulá-lo. Este conhecimento é realizado a partir de semelhanças
e diferenças que o sujeito já conhece do objeto, mas para que ele consiga realizar estas ações, que
estabelecem as semelhanças e diferenças, torna-se necessário uma coordenação destas ações. Sobre isso
Piaget (1975, p. 104), argumentou que:
[...] desde que se inicia a atividade sensoriomotriz, as ações particulares, que dão lugar
aos primeiros conhecimentos físicos, implicam uma coordenação mútua, e esta
coordenação constitui a primeira forma do que falam ser as vinculações lógico-
matemáticas, espaciais em particular. Inversamente, não poderia existir, no plano da ação,
nenhuma coordenação geral sem ações particulares que coordenar. Existe, pois, desde o
começo, união do físico com o lógico-matemático, não em forma de realidades
independentes em um princípio, que entram em contato, se não em forma de dois
aspectos uma vez indissociáveis e irredutíveis, da mesma totalidade ativa.
O autor explica que podemos encontrar a resposta a essa questão em conhecimentos variados: dos
mais elementares aos mais complexos. Tomemos como exemplo um bebê de 12 meses que mexe um
cordão suspenso em seu berço para mover um objeto preso no teto, em Piaget (1975, p. 224). A criança
não estabelece uma relação necessária entre o cordão e o objeto, mas estabelece uma associação. Então
87
O termo “eu” é utilizado para indicar uma contraposição do indivíduo a um universo de objetos que resistem a seus desejos
e ações: os comportamentos do início da vida do sujeito mostram que tudo se passa como se os acontecimentos resultassem
de sua atividade própria; em se desenvolvendo, o sujeito passa a executar comportamentos que mostram a constituição de
um universo que é visto por ele como exterior e independente de seu “eu”.
Piaget (1975), diz que, para Hume, a origem do conhecimento do mundo físico em suas instâncias
mais primitivas está na associação que o sujeito faz entre os objetos, o que antes ele não fazia. Tal
afirmação parece responder àquela questão, mas essa é uma associação do ponto de vista do observador e
não do sujeito.
Ainda quanto ao mesmo exemplo, o autor, em sua análise, procura verificar quem agiu sobre o
que: foi o cordão que agiu sobre o objeto? Na verdade, esse cordão não age sozinho: a criança age sobre o
cordão e o cordão age sobre o objeto. Tal ação é tão imediata que a criança não faz diferença entre o
cordão e o objeto; a criança, neste nível, está quase que agindo sobre o objeto, sendo o cordão um
prolongamento de sua ação. Entretanto, para a criança não há diferença entre o cordão e o objeto, ou seja,
é como se ela estivesse agindo diretamente sobre ele.
Assim, para a criança, não há separação entre um evento exterior e outro evento exterior. Essa
separação somente será possível mais à frente. Tomamos aqui o exemplo de uma ação ainda
indiferenciada do objeto, de uma ação ainda em bloco e egocêntrica; deste modo, não há possibilidade da
criança separar uma coisa exterior de outra coisa exterior.
Logo, segundo Piaget (1975), a tese de Hume é parcial: não é o evento, na visão do observador,
que está pautado em uma associação que origina o mundo físico, mas, sim, a ação do sujeito, e tal ação
ainda é indiferenciada, subjetiva, porque o sujeito ainda está focado sobre o objeto exterior a ser
movimentado e não sobre o cordão e depois no objeto. Então, a possibilidade dele se objetivar vai
depender de novas relações e, sobretudo, de composições que lhe permitam isolar um objeto,
independente de sua ação.
De acordo com o que foi apresentado até este ponto, a coordenação entre o pensamento físico e o
lógico-matemático é que possibilita ao sujeito atribuir qualidades físicas aos objetos e também, uma
compreensão de relação de causa ou causalidade sobre o mundo físico.
A compreensão deste processo se faz necessária para a ação do professor de Educação Física, pois
a solidariedade existente entre estas duas dimensões do pensamento humano possibilita ao sujeito
compreender o mundo físico, e concomitantemente compreender o seu corpo88, como um objeto físico
sujeito às mesmas leis dos demais objetos.
88
“Corpo”, aqui, no sentido de unidade, de um corpo que pensa e faz. Não em um pensamento dualista de corpo e mente
separados.
Sendo assim, a organização biológica inicial modifica-se à medida que o sujeito atua sobre a
realidade, elabora hipóteses sobre sua ação, confirmando-as ou não, isto é, o desenvolvimento do
conhecimento humano se dá por reorganizações sucessivas e provisórias. A passagem do plano biológico
ao cognitivo é intermediada pela ação que possibilita esta relação entre o sujeito e o mundo. É no corpo
que se constitui todo este processo de evolução do sujeito. Para Piaget (1987, p. 380), este corpo
apresenta:
É, então, nesta relação entre o sujeito que age sobre a realidade e apropria-se do mundo, tal como
vimos no conhecimento lógico-matemático e conhecimento físico, que construímos o conhecimento.
Piaget (apud BATTRO, 1978, p. 60) define que o conhecimento “[...] é, primeiro, uma ação sobre o
objeto e neste sentido implica, em suas raízes mesmas uma dimensão motriz permanente, representada
ainda nos níveis mais elevados [...]”.
Portanto, o conhecimento não é cópia figurativa do real. Trata-se de uma elaboração subjetiva que
desemboca na aquisição de representações organizadas do real e na construção de instrumentos formais
do conhecimento.
Ao fazermos a análise dos resultados desta pesquisa, vemos um ganho teórico significativo a
respeito da compreensão do processo de construção da ação que a criança realiza. Além disso, confirmou-
se, subjacente aos resultados, a urgente necessidade de uma reflexão mais profunda e sistemática sobre o
aprofundamento teórico para a ação pedagógica do professor. Isso porque conteúdos apresentados
aleatoriamente aos alunos, sem fundamentação teórica, mesmo com a mediação dos professores, são
insuficientes para que uma aprendizagem significativa da realidade pelo sujeito ocorra.
Se objetivamos para a Educação Física a superação das práticas pedagógicas tradicionais, essa
reflexão implica na revisão e compreensão dos pressupostos ontológicos, no entendimento de mundo e
nas formas de se relacionar com ele e na relação que as metas e objetivos definidos têm com a educação
escolarizada. A pedagogia tradicional estabelece que a educação se relaciona com o mundo num processo
de reprodução, ou seja, esta forma de relação é de imitá-lo, copiá-lo ou repeti-lo. De outro modo, numa
relação ativa, que gera transformações na relação sujeito e mundo, promovendo, assim, a compreensão de
sua realidade, e objetivando, ainda que relativamente, uma autonomia e emancipação, outro nível de
concepção epistemológica se faz necessária, ou seja, que tanto o sujeito atue sobre o mundo como este
sobre o sujeito — tanto o sujeito constrói o mundo como é por ele construído. Por isso, mundo e sujeito
são dimensões de um processo complexo e dinâmico de relações.
Portanto, ao realizar a sua ação docente, o professor de Educação Física deve garantir às crianças
que atuem de acordo com seu nível de desenvolvimento e suas possibilidades. É necessário criar situações
de ensino e de aprendizagem que colaborem para que as crianças progridam em seu conhecimento, num
processo majorante, na medida em que as reconstruções se sucedem no plano da ação e do pensamento e
de como ambos são representados pelos dados abstraídos das reflexões sobre as coordenações de suas
ações.
Referências
RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. Em busca do sentido da obra de Jean Piaget. São Paulo: Ática, 1984.
Abstract
Body experiences and plays play a fundamental role in the child’s development. Psychomotricity helps
especially in the literacy process as it provides students with the conditions that they need to see
themselves as a body reality. Several studies highlight that the body is the reference point for these human
beings to know and interact with the world. Assuming these, this research study aimed at presenting the
results obtained in the awareness taken process of the psychomotor actions for preventing learning
problems in children’s education. It consisted of sixty 4-to-5 year old children enrolled in a children
education school in the city of Maringá, Paraná. Its data considered the changes in the construction of the
topological and psychomotor notions, as well as the awareness taken of these concepts by the children.
This way, the individual interviews, in which the investigated children were engaged in doing some
activities, and explained and justified them, were analyzed. The results evidenced that in the awareness
taken process the children were able to change their cognitive structures concerning the psychomotor
concepts which are considered to be fundamental in the development of self-knowledge, autonomy and
the actions intends in early school grades. Finally, the results evidently show that if the pedagogical
practice is based on these methodological and theoretical principles – the body movements – it can
provide a (re)restructure of its previous knowledge of these issues.
De acordo com Fonseca (2008), na escola, com as atividades corporais frequentemente, ocorre o
inverso do que deveria acontecer. Os espaços são cada vez mais limitados para atividades deste tipo,
enquanto aumentam os recursos para as salas de aula e atividades intelectuais. A preocupação excessiva
com essa concepção de alfabetização vem limitando o corpo das crianças, e levando os educadores a
esquecer que a base para a aprendizagem infantil situa-se no próprio corpo. Para o autor, antes de
aprender os conteúdos ministrados pela escola, o corpo deve estar com todos os elementos psicomotores
estruturados - esquema corporal, lateralidade, organização espacial, organização temporal, coordenação e
equilíbrio – porque, sem essa organização, a criança não está apta a sentar-se em uma cadeira e segurar
um lápis para expressar no papel o que formulou em pensamento.
Apesar de o Referencial Curricular Nacional (BRASIL, 1998) para a Educação Infantil abordar o
brincar juntamente com os jogos, as brincadeiras e as práticas esportivas como um de seus conteúdos,
mostrando a sua relevância para a cultura corporal de cada grupo social, constituindo-se em atividades
privilegiadas, nas quais o movimento é aprendido e significado, sua efetivação, na prática, não tem
ocorrido.
Ainda parece faltar nas escolas a percepção de que a psicomotricidade é uma atividade essencial
para o desenvolvimento infantil. Diante desse contexto, muitos pesquisadores têm buscado atividades,
que possam ser usadas na escola e que tenham resultados satisfatórios, tanto para a formação motora
como para a alfabetização da criança. Fonseca (2008) considera o corpo como o primeiro dicionário
infantil, repleto de experiências psicomotoras, às quais a criança pode recorrer ao longo de seu processo
Levando em consideração tais aspectos, o presente artigo pretende demonstrar parte dos resultados
de uma pesquisa realizada na pós-graduação (mestrado), da Universidade Estadual de Maringá – UEM,
cujo objetivo foi o de verificar a influência de intervenção pedagógica de caráter construtivista, com
ênfase na área psicomotora e tomada de consciência da ação, sobre a ampliação de conceitos topológicos
de crianças de 4 a 5 anos da Educação Infantil.
Fávero (2004) ressalta que esse estudo permite compreender a forma como a criança toma
consciência do seu próprio corpo e das possibilidades de se expressar por seu intermédio, localizando-se
no tempo e no espaço. Alguns elementos constituem a psicomotricidade, entre eles: tonicidade,
coordenação e equilíbrio, lateralidade, esquema corporal e orientação espaço-temporal.
Fonseca (2004) afirma que a plenitude adaptativa intencional depende das interações psicomotoras
Segundo Fávero (2004), a estruturação do esquema corporal é lenta e se inicia com a não-
diferenciação do sujeito de si mesmo em relação aos objetos e indivíduos que o rodeiam. A partir, porém,
da ação e do movimento, começa a estabelecer diferenças, formar sua imagem corporal e,
simultaneamente, construir noções de espaço, distância, profundidade e lateralidade, entre outras. O
movimento é de fundamental importância na tomada de consciência da criança acerca do seu corpo,
abrindo caminho para o desenvolvimento de habilidades pessoais, motoras e mentais.
Este nível se caracteriza por ir além do simples prazer de realizar ação, como no estágio sensório-
motor, passando a fazer uso de símbolos. É nesse momento, que ocorre a representação do objeto, com
efeito, a diferenciação das partes do signo: significante e significado.
Segundo Oliveira (2008), a noção espacial constitui-se como uma construção mental que
possibilita ao indivíduo organizar-se diante do mundo, organizando as coisas entre si, compreendendo as
relações e as posições de si mesmo e dos objetos. É pela interiorização de seu próprio corpo que apreende
o espaço que o cerca, e é a representação deste que lhe permite prever e antecipar suas ações no meio que
o cerca. Diferentes experiências podem ser proporcionadas aos indivíduos para o aperfeiçoamento das
noções espaciais.
De outro lado, Oliveira (2008) define a noção temporal como sendo a capacidade de perceber e de
ajustar a ação aos diferentes componentes do tempo. Isso significa a capacidade de localizar os
acontecimentos passados, presentes, e de projetar-se no futuro, elaborando planos. É com a representação
mental dos movimentos no tempo que a criança atinge uma maior orientação temporal, adquirindo a
capacidade de trabalhar no nível simbólico.
Para Fávero (2004), a aquisição da concepção de tempo obedece à mesma evolução da noção do
espaço. Primeiramente, o indivíduo compreende o tempo de execução de seu gesto, depois pela relação
do corpo com o objeto e, por último, pelas relações entre objetos. Nesse sentido, atividades rítmicas
possuem um valor educativo importante para a organização temporal. Essa é também a conclusão de
Oliveira (2008, p. 82) para quem “o ritmo é um elemento importante da estruturação temporal, pois
combina sucessão, duração, intervalo e rapidez”.
Esses diferentes estudos concluem que as orientações relativas ao tempo e ao espaço são fatores
inseparáveis e de extrema importância para a aprendizagem, e como estão presentes no cotidiano dos
indivíduos devem ser desenvolvidos plenamente a fim de favorecer aprendizagens escolares ou não.
Na segunda obra, Piaget mostra como se dá o processo inverso, ou seja, situações em que a
tomada de consciência da ação atinge o nível de conceituação que ultrapassa e influencia a própria ação.
Nesse sentido, comanda-as, planejando-as antes de sua realização. Ele evidencia que, a conceituação se
amplia por meio da ação, que permite sucessivas tomadas de consciência e acrescenta à ação o que o
conceito traz de novo em relação aos esquemas de ação anteriores.
Em razão dos objetivos desta pesquisa, abordamos apenas a primeira obra, uma vez que as
situações empíricas analisadas envolvem a ocorrência da ação das crianças antes de sua conceituação.
Buscamos mostrar a importância da intencionalidade conceituada dos procedimentos utilizados pelos
indivíduos na resolução de tarefas psicomotoras para o domínio do corpo e seus movimentos. Para tanto,
apresentamos estudos de Piaget (1977) sobre o processo de tomada de consciência da ação do sujeito – o
que significa, do que depende e como se instaura na relação do sujeito com os objetos de conhecimento.
O conceito resultante da tomada de consciência é uma ação interiorizada representada por imagem mental
e pela linguagem.
Em uma direção complementar à de Piaget (1977), Fonseca (2008) destaca que o estado de
consciência do sujeito sobre o mundo é sempre provisório, parcial e sucessivo. Parte de níveis mais
elementares da ação prática, ocorridos no estágio sensório-motor, para níveis mais complexos de
conceitualização. Inicialmente, o universo do indivíduo não é constituído por relações espaciais, causais e
temporais. O que existe é um mundo que se organiza por meio de estruturas hereditárias (audição, visão,
preensão, fonação e paladar) que garantem o processo de adaptação do indivíduo ao mundo que o cerca.
Esse processo permite a diferenciação progressiva, entre sujeito e objeto, visto o mundo dos objetos ter
um funcionamento que possui leis próprias, independente dos interesses, vontades e necessidades do
indivíduo.
Desde o período sensório-motor, é possível certo nível de conceituação do meio por parte do
sujeito. No funcionamento dos reflexos, o conhecimento novo conserva o ciclo de organização do anterior
e coordena, de uma nova maneira, os dados do meio externo. Dessa maneira, o conhecimento novo passa
Para o autor, é no período denominado operatório por Piaget (1964-1967) que a criança ultrapassa
as descoordenações iniciais da ação e a organiza cada vez mais logicamente. Os primeiros movimentos da
criança são baseados em seus esquemas sensório-motores, quase inconscientes, e é com o alcance do
estágio operatório que uma imagem antecipadora e retroativa da ação se “liga” a esses esquemas
tornando-os conscientes. Até então, a criança não compreende, ou seja, não explica e justifica o que faz,
somente mais tarde, graças aos esquemas operatórios, chega à ação consciencializada. Assim, Fonseca
(2008, p. 82) afirma que a “tomada de consciência da ação consiste, em última instância, em transportar
para o plano do consciente certos elementos do inconsciente”.
Piaget (1977) define regulações automatizadas como as responsáveis pelas ações sensório-
motrizes, não são suficientes para a tomada de consciência, já que compreendem certa inconsciência: o
indivíduo realiza a ação sem ter consciência da mesma. São as regulações ativas que favorecem a tomada
de decisões do indivíduo sobre suas ações e, assim, supõem um nível maior de tomada de consciência.
Esse processo depende de estratégias cognitivas que promovam a capacidade de explicar e justificar as
ações e o pensamento do sujeito.
Objetivos
Neste artigo será relatada parte de uma dissertação de mestrado desenvolvida na Universidade
Estadual de Maringá que verificou a influência do desenvolvimento de intervenção pedagógica, de caráter
construtivista, com ênfase na área psicomotora e tomada de consciência da ação, sobre a ampliação de
conceitos topológicos de crianças de 4 a 5 anos da educação infantil. Para tanto, foi realizada uma bateria
de testes sobre noções topológicas elementares, adaptados de Piaget (1948-1993). Os testes aplicados
foram: da intuição das formas, que averigua o papel da imagem no espaço; do espaço gráfico (desenho da
figura humana), que teve a função de investigar as características do desenho, incluído nesta pesquisa
para identificar as relações topológicas primitivas (vizinhança, separação, ordem, envolvimento e
continuidade); e do desenho das formas geométricas, cujos dados coletados também foram analisados sob
o aspecto topológico. Os testes sobre habilidades psicomotoras, baseados em Oliveira (2008), abordaram,
em especial, os relativos ao esquema corporal e à coordenação espaço-temporal. Após a bateria de testes,
foi realizada, com as crianças selecionadas (10), a comparação das noções topológicas dominadas pelos
sujeitos, antes e depois do processo de intervenção pedagógica.
Desenvolvimento da Pesquisa
O presente estudo teve como hipótese conceitual que alunos com desempenho insatisfatório em
noções topológicas, submetidos à intervenção pedagógica de caráter construtivista, envolvendo tomada de
consciência e desenvolvimento psicomotor, mais especificamente, esquema corporal e coordenação
espaço-temporal, obtêm ampliação de seu domínio nessas áreas.
As entrevistas clínicas foram realizadas antes e depois do processo de intervenção pedagógica (15
sessões) e envolveu o processo de tomada de consciência em relação à ação e ao pensamento do sujeito
sobre seu corpo. Sua aplicação foi adaptada do método clínico, sistematizado por Jean Piaget (1987),
considerado satisfatório para a obtenção de dados qualitativos sobre o pensamento e a ação dos sujeitos.
Entre o pré e o pós-teste do grupo experimental (GE), três alunos (30%) apresentavam
características relativas ao estágio I (nível mais periférico da compreensão da ação) e passaram à
inexistência neste nível (Gráfico 1).
Cinco crianças (50%) foram classificadas no nível IA e, no pós-teste, ocorreu inexistência desses
alunos classificados neste nível, demonstrando que passaram para um nível superior de consciência
(Gráfico 1). Ainda referente ao pré-teste do estágio IA, mostramos as falas de ISA (5;00) que, ao ser
questionada sobre a parte do corpo que utilizou para fazer o movimento de passar por cima da corda,
respondeu:
O que chama atenção neste nível é o fato de a criança não conseguir estabelecer relação entre a
parte do corpo movimentada e o movimento realizado, descrevendo os movimentos de forma
ampla/global, ou seja, descreve os movimentos maiores contidos nas ações menores.
No estágio IB, a incidência aumentou de dois alunos (20%) para cinco (50%), visualizado no
Gráfico 1.
Essa fala exemplifica as características do nível IB, no qual a criança começa a descrever os
movimentos realizados e as partes do corpo utilizadas, mas, às vezes, a ação substitui o conceito, porque
não se sente capaz de verbalizar.
100%
80%
50% 50%
60%
40%
40% 30%
20%
20% 10%
0% 0% 0% 0% 0%0%
0%
I IA IB II IIA IIB
Pré-teste Pós-teste
Os dados obtidos fazem supor a construção de conhecimentos que possibilitaram a estes alunos a
“passagem” de um conhecimento periférico para outro mais elaborado, ou seja, um conhecimento mais
complexo de sua ação. Tomando emprestadas as palavras de Piaget (1977), podemos afirmar que as falas
das crianças do GE fazem supor uma passagem de tomada de consciência da periferia para o centro da
ação. Além disso, os dados indicam possibilidades satisfatórias de melhoria da consciência do corpo e da
orientação espacial e temporal de si, do outro e dos objetos após o desenvolvimento de um processo de
intervenção pedagógica com as características adotadas nesta pesquisa.
Considerações Finais
Os dados coletados e analisados neste trabalho confirmam a hipótese do estudo de que os alunos
com desempenho insatisfatório em noções topológicas, ao serem submetidos à intervenção pedagógica de
caráter construtivista, envolvendo a tomada de consciência e desenvolvimento psicomotor, mais
especificamente, esquema corporal e coordenação espaço-temporal, podem obter ampliação de seu
O Grupo Controle (GC) manteve seus níveis classificatórios em todos os testes (noções
topológicas e habilidades psicomotoras). Em contraposição, os dados positivos obtidos pelas crianças do
GE em todos os testes ao final desse processo fazem supor que a intervenção pedagógica desencadeou a
melhoria do desempenho das crianças do Grupo Experimental quanto à construção de noções topológicas
e psicomotoras. Fica evidente que as sessões de intervenção pedagógica favoreceram a “passagem” de um
conhecimento periférico para outro mais elaborado, ou seja, além de intencional, conceituado. A ação
conceituada, conquistada pelas crianças, é resultante do processo de tomada de consciência individual e
coletiva, estimulada pela intervenção pedagógica.
Além desses aspectos, a diferença de desempenho final entre as crianças submetidas ao processo
de intervenção pedagógica (GE) e as que não o foram (GC) mostra, novamente, a influência positiva
deste processo. A construção da noção de espaço, que se dá por meio da exploração do espaço geométrico
e suas relações topológicas, depende de diversas oportunidades de acesso a experiências diversificadas, de
movimento e de ações, que permitam ao indivíduo interpretar e compreender os objetos do mundo físico,
classificando-os e organizando-os de acordo com suas propriedades.
Referências
FONSECA, Vitor da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto Alegre: ArtMed, 2008.
LE BOULCH, Jean. Educação psicomotora: psicocinética na idade escolar. Porto Alegre: Artes Médicas,
1987a.
PIAGET, Jean; INHELDER, Bärbel. A representação do espaço na criança. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1993 (1948).
Este estudo busca compreender como as operações mentais se elaboram nas atividades de produção
textual escolarizada, através da seguinte questão de pesquisa: Como os sujeitos pré-adolescentes
constroem a coerência na escrita de textos narrativos? Trata-se de uma investigação interdisciplinar,
realizada com sujeitos pré-adolescentes, que frequentavam, em 2008, o 5º ano de escolaridade em escola
pública da Rede Municipal de Ensino, em Porto Alegre. A pesquisa tem por objetivo descrever as
modificações que acontecem no curso do desenvolvimento cognitivo, durante o processo de construção
da coerência em textos narrativos. A fundamentação teórica, no campo da Psicologia, é a Epistemologia
Genética, especialmente as obras de Jean Piaget, referentes ao terceiro período (fim dos anos 30 ao fim
dos anos 50). No campo dos estudos linguísticos, a concepção de linguagem adotada privilegia a
interação através de estudos sobre o texto (GERALDI, 1984, 1997) e sobre a coerência e coesão textuais
(KOCH, 1989; KOCH & TRAVAGLIA, 1990).Trata-se de uma metodologia qualitativa e participativa
que propõe o estudo de caso como estratégia de pesquisa (YIN, 2001) e utiliza as contribuições do
método clínico em conversações direcionadas para a produção textual. A unidade central de análise é a
operatividade do pensamento dos pré-adolescentes. Dos 19 encontros realizados com as alunas, no
período de junho a dezembro de 2008, 6 foram utilizados para uma primeira alternativa de análise. A
análise inicial dos dados de duas meninas que trabalharam juntas mostrou-se produtiva para os objetivos
da pesquisa. Além disso, a análise conduz aos seguintes pressupostos: para que ocorram avanços
cognitivos no sujeito, a leitura e a interpretação exercem um papel fundamental na melhoria da
capacidade de descentração e, consequentemente, na diferenciação entre o que o autor pensa, o que ele
escreve e como utiliza os recursos da escrita para se fazer compreender.
This study aims at understanding how mental operations are elaborated on school activities of text
production through the research question: How do the pre-adolescent subjects build coherence in the
writing of narrative texts? This is an interdisciplinary research carried out with pre-adolescent subjects
who attended, in 2008, the 5th grade of elementary education, in public schools in the Municipal
Teaching Network of Porto Alegre. The goal of this research is to describe the modifications in the course
of their cognitive development during the process of coherence building in narrative texts. The theoretical
grounding, in the field of Psychology, is the Genetic Epistemology, especially the works of Jean Piaget’s
third period (from end of the 1930´s to the end of 1950´s). In the field of linguistic studies, the adopted
conception of language privileges the inter-action through studies on text (GERALDI, 1984, 1997) and on
textual coherence and cohesion (KOCH, 1989; KOCH; TRAVAGLIA, 1990). The methodology is
qualitative and participative, proposing the case study as a research strategy (YIN, 2001). It utilizes the
contributions of the clinical method in conversations directed to text production. The central unit for
analysis is pre-adolescents’ operativity of thought. Out of the 19 meetings with the students held from
June to December 2008, 6 were utilized for a first analysis alternative. The initial analysis of the data
concerning two girls who worked together proved to be productive for the goals of this research.
Furthermore, the analysis led us to the following assumptions: for the cognitive advance to occur in the
subject, reading and text interpretation play a fundamental role in the improvement of the ability to
decentre and, consequently, in the differentiation between what the author thinks, what he writes and how
he uses the writing resources to make himself understood.
A minha prática pedagógica com alunos pré-adolescentes, desde o ano de 2005, oportunizou
algumas reflexões sobre como a estruturação do real se expressa e se desenvolve em atividades de
produção textual, instigando-me a ampliar a investigação de Mestrado.
Se quisermos que os alunos escrevam cada vez mais e melhor, torna-se necessário compreender e
explicar como o sujeito constrói este conhecimento específico para, posteriormente, ajudarmos na sua
construção.
Pretendo discutir e refletir teoricamente neste artigo as ideias sobre textualidade e coerência
textual, a fim de relacioná-las com o desenvolvimento cognitivo. O referencial teórico escolhido é a
Epistemologia Genética de Jean Piaget e seus seguidores, em suas articulações com os Estudos de
Linguística Textual sobre Coerência.
Apresentarei os resultados que obtive a partir de uma análise inicial dos dados já coletados. Esta
análise conduz aos seguintes pressupostos de pesquisa: para que ocorram avanços cognitivos no sujeito, a
leitura e a interpretação exercem um papel fundamental na melhoria da capacidade de descentração e,
consequentemente, na diferenciação entre o que o autor pensa, o que ele escreve e como utiliza os
recursos da escrita para se fazer compreender.
Referencial teórico
Esta investigação é uma investigação interdisciplinar, porque ao tomar a produção textual como
objeto de conhecimento, reúne estudos de áreas como a Psicologia, a Linguística e a Educação.
Piaget (1970, p.11) já dizia que “a investigação interdisciplinar pode surgir de duas espécies de
preocupações, umas relativas às estruturas ou aos mecanismos comuns, outras aos métodos comuns,
podendo ambas, também, intervir simultaneamente”. Considero este ponto fundamental, uma vez que a
minha pesquisa busca compreender como as operações mentais se elaboram nas atividades de produção
textual e mediante que leis de equilíbrio sua evolução é regida. Cabe lembrar que para Piaget esse
equilíbrio não costuma ser integralmente alcançado, ele exige novas construções.
Interessa-me saber como essa equilibração de fato se realiza para alcançar a coerência na escrita
de textos: Como os sujeitos pré-adolescentes constroem a coerência em seus textos narrativos?
Nesse sentido, é importante ter em vista as duas espécies de estruturas com as quais estaremos
lidando durante a pesquisa: as estruturas acabadas, que constituem a forma de equilíbrio final ou
Deste modo, foi necessário buscar nos estudos linguísticos uma concepção de linguagem que
privilegiasse a interação. Ou seja: que apontasse para a necessidade de valorização do aluno (de sua
linguagem, de suas experiências de vida) como forma de estimulá-lo a escrever cada vez mais e melhor.
Para este propósito foram utilizados os estudos sobre o texto (GERALDI, 1984, 1997) e sobre a coerência
e coesão textuais (KOCH, 1989; KOCH; TRAVAGLIA, 1990).
No que se refere aos estudos sobre o texto, Geraldi (1997) afirma que o específico da aula de
Português é o trabalho com textos. Segundo o autor, para produzir um texto é preciso que: se tenha o que
dizer, se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer e é preciso que o locutor se constitua como tal,
enquanto sujeito que diz o que diz, para quem diz. Assim, o texto é o produto de uma atividade discursiva
onde alguém diz algo a alguém.
O autor estabelece algumas características necessárias para chegar ao seguinte conceito de texto:
um texto é uma sequência verbal escrita coerente formando um todo acabado, definitivo e publicado.
No que se refere aos estudos sobre a coerência e coesão textuais, Koch (1989) afirma que a
coerência deve ser entendida como um princípio de interpretabilidade. Segundo a autora, é a coerência
que faz com que o texto faça sentido para os usuários. Este sentido, evidentemente, dever ser do todo,
pois a coerência é global.
A coesão é apenas um dos fatores da coerência que contribui para a constituição do texto, já que o
uso de elementos coesivos dá ao texto maior legibilidade, explicitando os tipos de relações estabelecidas
entre os elementos linguísticos que o compõem.
Koch e Travaglia (1990) explicam que o mau uso dos elementos linguísticos de coesão pode
provocar incoerências locais, quando o texto parece destituído de sequencialidade, o que dificulta a
compreensão e a construção da coerência pelo leitor ou ouvinte. A incoerência sempre causa um
estranhamento da sequência pelo receptor.
Para os autores, a construção da coerência decorre de uma multiplicidade de fatores das mais
diversas ordens: linguísticos, discursivos, cognitivos, culturais e interacionais.
O modo de organização das atividades cognitivas do sujeito é descrito por Piaget em termos de
operações mentais. As operações mentais são os elementos das estruturas que dão conta do caráter lógico
do pensamento. Elas se agrupam em dois tipos de sistemas ou estruturas, que são os agrupamentos de
operações, subjacentes a uma lógica elementar ou pensamento operatório concreto; e o grupo INRC
(identidade, inversão, reciprocidade, correlatividade), relacionado a uma estrutura mais complexa do
pensamento formal do adolescente e do adulto.
Nas obras A noção de tempo na criança (1946), A origem da ideia de acaso na criança (1951) e
Da lógica da criança lógica do adolescente (1955), Piaget estuda a evolução do pensamento da criança
pequena, qualificado de pré-operatório, na direção da construção de estruturas de agrupamento. Com
relação ao método, os raciocínios da criança passam a ser estudados por ele por meio de tarefas que se
apoiam sobre um material simples, manipulado tanto pelo experimentador quanto pela criança.
A tese de doutorado de Dalla Zen (2006) traz contribuições importantes para esta pesquisa ao
tomar como foco as narrativas escolares infantis, especialmente no que se refere aos textos em sua
montagem (organização discursiva). Segundo a autora, os textos podem ser enquadrados em duas
categorias estruturais por ela denominadas narrativa-relato e narrativa-conto.
Ao apresentar exemplos de narrativa-relato, a autora explica que relatos desse tipo são comumente
reconhecidos como narrativas, porque as ações e acontecimentos estão inscritos em uma temporalidade.
Entretanto, nem sempre essa sucessão de fatos, essas descrições narrativizadas apresentam um nó
narrativo, o que corresponderia a uma maior complexidade estrutural.
Dalla Zen (2006) afirma que a narrativa-conto corresponde a uma maior complexidade estrutural,
sendo representativa de uma organização mais desenvolvida.
Cabe, então, a pergunta: o que estaria por trás dessa estrutura de construção textual bem mais
complexa da narrativa-conto?
Com base nas obras de Piaget relativas ao terceiro período, suponho que a estrutura de construção
textual bem mais complexa da narrativa-conto envolve um maior nível de desenvolvimento das estruturas
mentais do sujeito escrevente.
O primeiro aspecto é que, ao concordar com uma concepção de linguagem entendida como uma
forma de interação, que privilegia a relação interlocutiva que se dá nas atividades interativas de produção
e leitura de textos (GERALDI, 1997), estou valorizando o exercício da cooperação na escrita de
narrativas.
Sem a permuta do pensamento e sem a cooperação com os outros, jamais o indivíduo alcançaria
agrupar suas operações num todo coerente. Por outro lado, os intercâmbios do próprio pensamento
obedecem a uma lei de equilíbrio (agrupamento operatório), uma vez que a cooperação ainda significa
coordenar operações. Isto significa que a atividade operatória interna e a cooperação exterior constituem
dois aspectos complementares de um único e mesmo conjunto, já que o equilíbrio de um depende do
equilíbrio do outro.
O segundo aspecto que considero fundamental é levar em consideração, na elaboração das tarefas
propostas aos sujeitos da pesquisa, as estruturas de pensamento dos mesmos no que se refere às etapas de
equilibração. A este respeito podemos pensar que a ordem da tarefa que favorece a elaboração de novas
estruturas mentais deva colocar os sujeitos diante de uma situação que os desafie a discutir e imaginar de
que forma ela foi desencadeada e como poderão resolvê-la durante ou após a produção escrita. São
considerados, portanto, os aspectos operativos do pensamento dos sujeitos, ao lidarem com situações que
envolvam a busca de uma solução. Interessam-me a explicação e os meios de que dispõem para gerar
explicações em face a um problema concreto.
Metodologia
A escola em que realizei a coleta de dados é onde atuo como professora desde 2005. É uma Escola
Municipal de Ensino Fundamental, localizada na zona leste da cidade de Porto Alegre, em bairro pobre.
Foi escolhida uma metodologia qualitativa e participativa, uma vez que fui professora dos sujeitos
investigados no ano de 2008. Em junho daquele ano decidi que realizaria a pesquisa na turma em que
atuava como professora conselheira. Solicitei autorização da direção da escola para realizá-la com meus
próprios alunos. Expliquei para a turma sobre o meu estudo de Doutorado e fiz um convite aberto, para
quem quisesse me ajudar neste estudo, enfatizando que era importante gostar de histórias.
Trata-se de um estudo de casos múltiplos (YIN, 2001) por envolver a coleta de informações
(observação das condutas) de cada sujeito pertencente ao grupo constituído e, principalmente, por
considerar casos múltiplos como se considera experimentos múltiplos, ou seja, seguir a lógica da
replicação e não da amostragem. O objetivo destes estudos de caso é expandir e generalizar a
Epistemologia Genética de Jean Piaget (generalização analítica).
Com base no problema de pesquisa e nas premissas apresentadas ao final deste texto, tenho como
unidade central de análise a operatividade do pensamento dos pré-adolescentes.
É importante lembrar que a utilização do termo operatividade, por Piaget, sublinha a natureza
ativa da inteligência e o papel estruturante do sujeito no conhecimento. Desta forma, estou utilizando
“operativo para o conjunto das ações exteriores ou interiorizadas que precedem a operação, assim como
para aquelas que atingem o nível operatório” (PIAGET apud MONTANGERO, 1998, p. 208-209).
A conversação com o grupo de alunas foi direcionada para a produção textual, de forma que eu
pudesse me aproximar cada vez mais do pensamento das alunas em relação à construção de sua coerência
nas narrativas escritas. As tarefas propostas foram individuais, em duplas e em grupo e tiveram como
finalidade identificar os avanços cognitivos de cada sujeito no período de junho a dezembro de 2008.
Tendo em vista que a tomada de consciência consiste, essencialmente, numa conceituação, cujo
grau de consciência varia ao longo do processo (PIAGET, 1974), interessa-me analisar as respostas dos
sujeitos em relação às crenças e aos processos lógicos, ou seja, em relação à operatividade do
pensamento. Nesse sentido, as respostas desencadeadas e as respostas espontâneas são fundamentais para
a análise dos dados. O que caracteriza a primeira é que o sujeito elabora uma explicação que revela a
organização do seu pensamento, mesmo que ele não tenha pensado no problema anteriormente. O que
caracteriza a segunda é que ela nos indica as coisas que preocupam o sujeito e sobre as quais ele pensa. A
diferença entre as duas respostas é que quando ocorrem respostas espontâneas o sujeito fala delas sem
nenhuma intervenção da parte do experimentador.
À semelhança de Delval (2002), também utilizei dois tipos de perguntas: as perguntas básicas, que
faziam parte do roteiro de planejamento da tarefa a ser proposta, e as perguntas complementares,
Desenvolvimento
Com a finalidade de verificar o que emergiu dos dados coletados, selecionei o registro dos 6
primeiros encontros, realizados nos meses de junho, julho e agosto, para fazer uma leitura mais atenta das
condutas das alunas em relação aos aspectos cognitivos durante o processo de construção da coerência
nos textos narrativos. As tarefas propostas nestes encontros foram as seguintes: 1ª) recontar oralmente e
por escrito a história A operação do tio Onofre, de Tatiana Belink, lida pela professora; 2ª) ler a própria
história recontada por escrito no encontro anterior e, a seguir, em duplas ou trios montar a história A
operação do tio Onofre numa cartolina. Cada trio recebeu 13 tiras de papéis contendo todas as partes da
história do livro; 3ª) imaginar e escrever individualmente uma história utilizando as informações de um
quadro sobre a perda da casa de dona Renata; 4ª) em duplas tinham que melhorar a história produzida no
encontro anterior pela colega, identificando e resolvendo problemas em pontos do texto que pudessem
impedir a compreensão pelo leitor. Para a realização desta última tarefa foram necessários três encontros,
cada encontro com uma dupla de alunas.
Tendo em vista que as condutas das alunas estão relacionadas com suas próprias produções
escritas e com as produções escritas de suas colegas e, ainda, que os termos de busca utilizados por mim
envolvem duas áreas, a cognição e a linguística, foi necessário organizá-los dentro de duas categorias
iniciais: Processos mentais e Coerência e coesão textuais.
Apresentarei a seguir uma síntese dos dados principais de dois casos: Sheila (12 anos) e Stela (11a
8m), que trabalharam juntas na tarefa de montar a história A operação do tio Onofre e na tarefa que
propus de melhorar a história produzida pela colega em pontos do texto que pudessem impedir a
compreensão pelo leitor.
Os nomes das alunas foram alterados com a finalidade de respeitar o seu anonimato (DELVAL,
2002).
Podemos dizer que a não-conservação das partes da história e da sequência temporal, a falta de
demarcação nas vozes do narrador e dos personagens e, ainda, a dificuldade na busca de sentido de
O fato de não conseguir conservar a totalidade da história significa que ainda não construiu os
conceitos ligados ao tempo, ao espaço e à causalidade, fundamentais para o estabelecimento de relações
entre os fatos e partes da história, assim como para o uso de elementos linguísticos de coesão e para o uso
das inferências na compreensão dos textos. Significa também que sua escrita de histórias permanece
centrada em si mesma, porque ao escrever ignorando o uso da pontuação, desconsidera tanto o outro para
quem diz (seus leitores), como o outro sobre quem diz (suas personagens). Em função destes aspectos,
sua intenção comunicativa inicial não se concretiza, dificultando, portanto, o sentido do texto para o leitor
(mesmo que a leitora seja ela própria!).
Podemos dizer que o fato de Stela não explicitar os personagens e o “como” dos acontecimentos
na história significa que também não construiu os conceitos ligados ao tempo, ao espaço e à causalidade,
importantes para a conservação da totalidade da história, inclusive para que tivesse conseguido recontar
sozinha a história da colega. Em função desta não-conservação das partes da história, ela não conseguiu,
inicialmente, fazer inferência a partir de frases e trechos que estavam no texto de Sheila, nem tampouco
substituir palavras inadequadas nas frases escritas pela colega para que fizessem sentido dentro da
totalidade da mesma história. Quando substituía, tais alterações permaneciam ligadas ao “eu” e ao “nós”,
apresentando a mesma tendência anterior de incluir-se na narração como personagem, ficando presa na
própria perspectiva ao invés de levar em consideração outros aspectos para serem coordenados.
O esforço de Stela para compreender a história da colega envolve uma construção que constitui o
início da coordenação de outros pontos de vista que passam a desligá-la do “eu”. Este desligamento
assinala o início das operações propriamente ditas, devidas à reversibilidade progressiva do seu
pensamento.
Sheila e Stela
A minha primeira impressão ao desenvolver o trabalho com esta dupla de alunas foi equivocada.
De tanto escutar a Stela dizer que não entendia a história de Sheila, passei a atribuir-lhe uma dificuldade
maior que a da própria Sheila.
O fato é que ambas encontram-se praticamente na mesma etapa de construção da coerência nas
narrativas, embora se diferenciem por um aspecto que considero extremamente significativo: enquanto a
Sheila se mostra desinteressada em querer superar pontos conflitantes para o leitor em sua própria
história, a Stela busca resolvê-los, apresentando progressos na ação através de regulações ativas.
É por isso que a Stela “rouba” a cena e passa a destacar-se mais que a Sheila durante as tarefas
propostas, transmitindo a falsa impressão de ter mais dificuldade que a colega, além de ter me levado à
exaustão quando consumiu a maior parte do tempo de nossa conversação com a questão da pontuação que
eu considerava irrelevante para o problema de pesquisa.
Fiz questão de selecionar esta dupla, para apresentação nesta primeira análise, tanto pela questão
da pontuação que passei a considerar como um fator importante para a coerência, como pela etapa em que
se encontram em relação à organização do pensamento, se comparada com as outras alunas integrantes do
grupo de pesquisa.
Conclusões
Esta primeira análise dos dados de Sheila e Stela mostrou-se produtiva para os objetivos da
pesquisa e aponta para as seguintes premissas que orientam as minhas ações enquanto professora-
pesquisadora:
• A necessidade que surgiu de explicarem para o leitor as situações que ocorriam no decorrer da
história, de forma a descrever e relacionar os objetos, personagens e o ambiente no qual eles
estavam inseridos, esteve relacionada com o processo que conduz do egocentrismo à descentração.
Podemos mencionar aqui tanto os acréscimos que elas fizeram nos enunciados incompletos como
o acréscimo da pontuação nos textos analisados.
• A interpretação posterior que as alunas fizeram das suas próprias produções e do texto da colega
auxiliou tanto na identificação como na solução de problemas na produção de cada uma, além de
ter fornecido dados sobre as formas pelas quais elas operavam sobre problemas que afetavam a
coerência em enunciados de seus textos. A esse respeito, evidenciamos o quanto a interpretação de
Stela em relação ao texto de Sheila foi importante para a melhoria da história para o leitor.
• Se a construção da coerência decorre de uma multiplicidade de fatores das mais diversas ordens
(linguísticos, discursivos, cognitivos, culturais e interacionais), então podemos estabelecer pontos
de encontro com a Epistemologia Genética também no que se refere à construção das categorias
de análise. A esse respeito, pretendo aprimorar os meus termos de busca e as minhas categorias
iniciais de análise, de forma a integrá-los sob o ponto de vista linguístico e cognitivo.
• A coerência está relacionada com todos os possíveis não contraditórios, ou seja, com o conjunto
das transformações reversíveis. A esse respeito, observamos a irreversibilidade no pensamento de
Sheila, ao deparar-se com incoerências locais da própria história, e um início de reversibilidade no
pensamento de Stela, ao conseguir resolver o enunciado obscuro na história de Sheila.
• Para finalizar, podemos atribuir alguns pressupostos para os avanços da Stela e das demais alunas.
Ao que tudo indica, para que ocorram avanços cognitivos no sujeito, a leitura e a interpretação
exercem um papel fundamental na melhoria da capacidade de descentração e, consequentemente,
na diferenciação entre: o que o autor pensa, o que ele escreve, e como utiliza os recursos da escrita
para se fazer compreender.
Referências
DALLA ZEN, M. I. H. Foi num dia ensolarado que tudo aconteceu: práticas culturais em narrativas
escolares. Porto Alegre: UFRGS, 2006. Tese (doutorado) – Faculdade de Educação. Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. Programa de Pós Graduação em Educação, Porto Alegre, RS, 2006.
DELVAL, J. Introdução à prática do método clínico: descobrindo o pensamento das crianças. Porto
Alegre: ArtMed, 2002.
GARCIA, R. Criar para compreender: a concepção piagetiana do conhecimento. In: TEBEROSKY, A.;
TOLCHINSKY, L. (Org.). Substratum: temas fundamentais em Psicologia e Educação. Tradução Beatriz
Affonso Neves. Porto Alegre: ArtMed, v. 1, n. 1, p. 47-55, 1997. (Cem anos com Piaget),
PIAGET, J.; INHELDER, B. (1951). A origem da idéia de acaso na criança. Rio de Janeiro: Record, s/d.
Resumo
Este texto apresenta os resultados de uma pesquisa de natureza empírica, que teve como objetivo estudar
a educação moral no espaço escolar e, para tanto, investigou-se temas morais que constituem o pensar
moral de futuros professores, por meio de questionários. Da análise de conteúdo, das opiniões,
representações sociais e percepções obtidas, inferiu-se que a concepção de desenvolvimento moral como
processo de ensino-aprendizagem daquilo que é certo/correto; a moral como sinônimo de respeito; a
dignidade e a felicidade como aspiração de vida; e aceitação de si como “quem quero ser” predominam
como traços morais desses sujeitos.
Abstract
This work presents the results from an empiric research, whose objective was to study the moral
education within the school space. For such, it was investigated moral themes which represent the moral
thinking of future teachers; the instrument used were questionnaires. Over the analysis of these
documents, through the opinions, social representations and their perceptions expressed from the
questions, it was concluded that the moral develops as a process of teaching-learning of what is right or
wrong, moral as synonymous of respect, dignity and happiness as aspiration in life and self-acceptance in
a way of “who I want to be” predominate as moral traces in these individuals.
Pesquisas sobre formação de professores são frequentes, mas associadas à temática da moralidade,
pensa-se que sejam escassas, porém não menos importantes. La Taille (2000) defende, por exemplo, que
pesquisas sobre as virtudes morais são realizadas por interesse universal do tema: ou por aquilo que se
define por moral ou ética, ou pelo seu destaque na construção da moral de cada ser humano.
Embora o número de investigadores da psicologia moral seja significativo e conta com teóricos
como Piaget (1977; 1999), Puig (1998, 2000), La Taille (1992; 2002, 2006), Araújo (1996; 1999), para
introduzir o leitor no tema em questão, a investigação do pensar de jovens, futuros professores, sobre
temas morais que lhes são significativos, optou-se por apresentar um resumo sobre a psicologia moral e
sobre as dimensões intelectuais e afetivas da moralidade (LA TAILLE, 2006); traçar algumas
considerações sobre o histórico da educação moral; e apresentar os resultados da pesquisa realizada.
Entendendo que pesquisa sobre educação moral requer um trabalho psicológico mais próximo da
formação de professores e da escola para se abordar elementos psíquicos, sociais e culturais importantes
na construção da personalidade moral, esta investigação foi realizada por meio do levantamento de
opiniões, representações sociais e percepções que constituem aquilo que é denominado de traços morais.
Este texto, então, pretende abordar a área da psicologia moral, ou seja, a ciência que estuda os processos
mentais que legitimam ou não, regras, princípios e valores morais de uma pessoa e a sua relação com a
formação de professores.
A análise dos dados coletados por meio de questionário possibilitou o levantamento de algumas
considerações sobre o tema em questão. Das respostas obtidas, por meio da análise de conteúdo
(BRADIN, 1995; FRANCO, 2003), inferiu-se que predominam como traços morais desses sujeitos: (a) a
concepção de desenvolvimento moral como processo de ensino-aprendizagem daquilo que é
certo/correto; (b) a moral como sinônimo de respeito; (c) a dignidade e a felicidade como aspiração de
vida; e (d) aceitação de si como “quem quero ser”.
Referencial teórico
A psicologia moral é considerada uma ciência que estuda por quais processos mentais o ser
humano legitima ou não regras, princípios e valores morais. Para tanto, esta ciência investiga conceitos de
moral e ética, dimensão intelectual e/ou afetiva da moralidade (saber fazer e querer fazer), senso moral,
personalidade ética.
Existem diversas distinções possíveis entre moral e ética. Apresenta-se aqui uma distinção
A dimensão intelectual da moralidade, ou melhor, da ação moral, diz respeito ao saber fazer e é
estudada a partir do pressuposto da indissociabilidade da razão e da moral e do fato de a moral ser um
objeto de conhecimento social, sendo que este objeto pode ser dividido em três conjuntos: regras,
princípios e valores. O saber fazer implica em equacionamento moral e sensibilidade moral, duas
competências intelectuais necessárias ao juízo e à ação moral. O estudo do desenvolvimento do juízo
moral nos remete às abordagens de Piaget e de Kohlberg.
A dimensão afetiva da ação moral, aquela que nos remete ao querer fazer, diz respeito a um dever
moral que corresponde a um determinado tipo de volição. O desenvolvimento afetivo da moralidade foi
dividido em duas fases: a primeira corresponde ao “despertar do senso moral” e a segunda fase é chamada
de “personalidade ética”. Para a compreensão da primeira fase, os estudiosos da psicologia moral
costumam destacar os sentimentos de medo, amor, simpatia, confiança, indignação e culpa e, para a
segunda, temos, por exemplo, a posição de La Taille (2002) que enfatiza a importância do sentimento de
vergonha como articulador entre moral e ética.
As duas dimensões descritas acima são irredutíveis uma à outra, mas são passíveis de serem
relacionadas. La Taille (2006, p. 143) assume sua posição sobre esta questão, que por sinal é a mesma de
Piaget, afirmando que: “a afetividade diz respeito à energética da ação (motivação) e [...] a inteligência
corresponde às estruturas do pensamento que permitem guiar as ações”.
Quanto ao histórico da educação moral, destaca-se que Piaget (1999, p. 2) aborda pontos de vista
dos processos da educação moral (fins perseguidos; técnicas empregadas; domínio moral considerado) a
partir do pressuposto de que sem “uma psicologia precisa das relações das crianças entre si e delas com os
adultos, toda discussão sobre os procedimentos de educação moral resulta estéril”. E, Puig (1998, p. 21)
aborda as principais tendências em educação moral (paradigmas morais), propõe o conceito de
personalidade moral como “aquilo que cada indivíduo deve construir para chegar a ser realmente um
sujeito moral” e entende que os elementos psíquicos, sociais e culturais são importantes na construção da
personalidade moral. Define educação moral como um processo de construção de si mesmo (reflexão e
ação), “a partir das circunstâncias que cada sujeito vai encontrando dia a dia” (IDEM, p. 20). Esse autor
também reflete sobre a participação do aluno na vida da escola e sugere ideias e recursos pedagógicos
para objetivar essa participação. Defende que a moral pode ser abordada de acordo com três vias
Objetivos
O objetivo dessa pesquisa foi o de investigar se o pensar de jovens, futuros professores, sobre
temas morais que lhes são significativos possibilitam a compreensão psicológica de condutas morais e das
dimensões intelectuais e afetivas da moralidade.
Metodologia
Sessenta e seis alunos das duas salas de primeira série (períodos vespertino e noturno) do curso de
Pedagogia (licenciatura) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), do Campus de Três
Lagoas, sendo sessenta e uma moças e cinco rapazes.
Após convite e explicação sobre a pesquisa, os acadêmicos receberam uma cópia do questionário e
tiveram o tempo de 50 minutos para respondê-lo. O tempo médio gasto para responder os questionários
foi de 30 minutos.
Quanto às questões, pode-se dizer que a primeira, apresentando duas palavras e o sinal de igual
(Desenvolvimento moral =), sugere que o sujeito complete as linhas pontilhadas com uma definição, uma
frase ou palavras soltas que expressem a sua concepção de desenvolvimento moral. A questão número
dois (Que palavras você associa livremente com “educação moral”?) aborda a área da educação (área de
estudo dos sujeitos dessa pesquisa) e a área da moralidade. Espera-se com esta pergunta obter respostas
que indiquem um universo de palavras associadas à concepção de “educação” e de “moral”. A terceira
questão (Dê exemplos de conflitos morais) sugere o relato de história em que há claramente um conflito
moral e, assim, objetiva-se verificar a ideia do sujeito sobre dilemas morais. A questão número quatro
(Seus pais certamente se preocuparam com o seu desenvolvimento moral. Ensinaram-lhe a...) sugere que
Quanto aos dados coletados, primeiramente, fez-se a caracterização dos sujeitos, distribuindo-os
conforme faixa etária e sexo, escolaridade e profissão dos pais, em relação ao sexo dos mesmos e
refletindo sobre esses dados pessoais. A análise das respostas centrou-se na identificação, categorização e
correlação dos temas identificados.
Desenvolvimento
Caracterização dos dados gerais: A distribuição dos sujeitos conforme faixa etária e sexo é assim
caracterizada: três (3) rapazes na faixa etária de 18 a 20 anos de idade, um (1) na faixa de 36 a 38 anos e
um (1) entre 45 a 47 anos de idade. Vinte e quatro (24) moças na faixa etária de 18 a 20 anos, catorze (14)
têm de 21 a 23 anos de idade, sete (7) estão na faixa de 24 a 26 anos, seis (6) de 27 a 29, quatro têm entre
30 a 32 anos de idade, dois (2) entre 33 a 35, uma (1) entre 36 a 38 anos, duas (2) têm entre 39 a 41 anos
e uma (1) entre 51 a 53 anos de idade. A explicação do menor número de rapazes participando desta
pesquisa está na própria especificidade do curso de Pedagogia: mais procurado pelo sexo feminino. Nesta
amostra predominam sujeitos entre 18 a 20 anos de idade (27).
Quanto à distribuição dos sujeitos, segundo escolaridade dos pais, em relação ao sexo, observa-se
que quarenta e oito (48) pais (mãe e pai) tem o 2° grau completo, sendo que destes vinte e sete (27) são
do sexo feminino (mães) e vinte e um (21) do sexo masculino (pais). Contudo, o número de mães e pais
com o 1° grau incompleto também é significativo (21 mães e 18 pais). Dos dezesseis (16) pais, que tem o
ensino superior, sete (7) são do sexo feminino e nove (9) do sexo masculino.
Na distribuição da profissão dos pais em relação ao sexo dos mesmos nota-se que quarenta e um
(41) pais (mãe e pai) trabalham como funcionários no comércio ou em pequenas empresas. Nove (9) são
professores e vinte e oito (28) mães são donas de casa.
Feita esta primeira caracterização, apresenta-se a seguir os dados obtidos a partir das respostas às
Nota-se, assim, que a questão 1 suscitou quarenta e cinco (45) respostas que enquadram o
desenvolvimento moral como um processo de ensino-aprendizagem daquilo que é certo/correto, como na
resposta: “desenvolvimento moral = é ensinar a criança o que é certo e o que é errado”. Apenas três (3)
indicações foram feitas, por exemplo, em relação ao desenvolvimento moral como consciência/modo de
pensar, como no exemplo: “desenvolvimento moral = respeito, consciência de seus atos perante a
sociedade, ética”. O tema caráter / personalidade / índole / conduta / postura computou um número
significativo de respostas do tipo: “desenvolvimento moral = significa para mim o caráter que cada ser
humano obtém” (13 referências).
A questão 6 apresenta, como tema mais frequente, a dignidade, ou seja, dezoito (18) referências,
sugerindo que viver uma vida digna é, no mínimo, uma aspiração de um bom número de sujeitos, muito
embora a idéia de feliz/felicidade/alegria começa a aparecer com certa representatividade (15) e respeito
A questão 7, ao questionar sobre a identidade de cada um, apresenta nas suas respostas as
expressões “ser feliz”, “ser alegre”, “ter felicidade” com dezesseis (16) menções, que somada com
aceitação de si, totaliza vinte e seis (26) referências. As palavras respeito ou falta de respeito aparecem
com sete (7) indicações.
Na análise de cada tema, nas sete questões (análise horizontal), constata-se que predominou o
respeito/falta de respeito com 136 referências. Em seguida vem o desenvolvimento moral como um
processo de ensino-aprendizagem, que somado com o aquilo que é certo/correto, totalizam 107
referências. Dignidade obteve 35 referências;
Direito, deveres, normas, leis, regras sociais; Caráter, personalidade, Índole, conduta, postura; e
Feliz, felicidade, alegria aparecem com 31 referências cada um, seguidos do tema Honestidade,
desonestidade com 30 referências. Autenticidade teve apenas uma referência na questão 4: os pais
ensinaram-lhe a “respeitar os mais velhos, não roubar, não ter inveja, ser eu mesma em qualquer
circunstância, assumir erros”.
A moral expressa em cada resposta foi classificada nas seguintes categorias: moral self (moral
relativa ao próprio sujeito); moral pró social (relativa aos outros); moral negativa, ou seja, não roubar,
não matar, ser obediente, distinguir o certo do errado etc.; e não classificada para aquelas respostas de
sentido vago.
Quanto à questão que trata sobre a educação moral, as palavras citadas foram classificadas como
expressão de moral pró social (23) e como moral self (22). Doze respostas foram classificadas como
moral negativa e treze (13) ficaram sem classificação.
Além de ter sido constatado a dificuldade dos sujeitos em expressar exemplos claros de dilemas
Na questão 5, obteve-se trinta e quatro (34) respostas do tipo moral pró social, vinte e duas (22)
moral self, dezesseis (16) moral negativa e quinze (15) sem classificação.
Em “Que vida quero viver” (questão 6), computou-se trinta e três (33) respostas de moral self,
vinte e seis (26) do tipo moral pró social, dezenove (19) sem classificação e uma (1) como moral
negativa. Aqui, predominam as ideias de dignidade e de felicidade como aspiração de vida, embora não
tenha ficado claro o significado do que seja uma “vida digna”.
Na questão 7, “Quem eu quero ser”, há menção de trinta e seis (36) respostas do tipo moral self,
trinta e uma (31) moral pró social, treze (13) sem classificação e nenhuma (0) moral negativa. Pode-se
afirmar que a aceitação de si é um sentimento presente nesses jovens e o ser feliz é um desejo
regularmente expresso e fortemente associado ao sucesso profissional.
De modo geral, a ideia de moral pró social tem presença significativa no pensar moral dos nossos
acadêmicos (183 referências), seguida da moral self (179). A moral negativa ficou em terceiro lugar com
88 menções e as respostas sem classificação somaram 70 pontos.
Na análise das respostas, observam-se algumas representações sociais expressas pelos acadêmicos.
Assim, três (3) referem-se a problemas políticos e sociais, como “mensalão é um conflito moral, porque
desrespeita o cidadão e a ética moral que envolve a política”; “a guerra e as brigas são coisas horríveis,
mas para conquistar seu ideal se vê obrigada a brigar”; “a criminalidade está acabando com a nossa
vontade de viver”.
Seis (6) expressam a crença no poder transformador dos estudos e do esforço individual: “sem
estudos, torna-se impossível conseguir algo que você mereça realmente (para chegar a ser alguém na
vida)”; “a faculdade melhora nossa visão de mundo”; “adquirir conhecimento nos ´capacitam` para uma
futuro melhor, o professor é a base de nosso sucesso futuro”; “temos que ter uma profissão para vivermos
dignamente”; “o que os outros têm é pelo fato de terem lutado muito”; e “competir é saudável e ganhar é
consequência de muito esforço”.
Três (3) são representações sociais sustentadas na crença religiosa ou num otimismo romântico:
“crê na vida, que ela sempre vai melhorar, que os problemas vão passar e a bonança vai chegar”; “sem
Deus e Jesus Cristo não fazemos nada e não somos nada”; e “ser feliz é acordar atrasado, mas saber que
Uma (1) parece ser uma racionalização para justificar erros cometidos ou passíveis de se cometer:
“sempre procurar ser a certinha, enjoa”.
Catorze (14) respostas classificadas como representações sociais expressam concepções sobre
desenvolvimento moral em que a moral negativa e os deveres estão presentes. Exemplos: “a mentira, o
preconceito, a inveja, são coisas que você faz e depois fica com a consciência pesada”; “uma pessoa vive
uma vida toda errada, não trabalha e se trabalha não para em emprego por muito tempo, sempre se
envolve em brigas, bebe, fuma, não tem respeito pelas pessoas. Como esta pessoa pode chamar a atenção,
de um filho, irmão, amigo, se ele não tem moral”; “matar é feio, roubar também, mentir idem”.
Conclusões
Espera-se com esta pesquisa contribuir para se repensar o modo de funcionamento da instituição
escolar em favor de uma educação moral, pois a conscientização de se buscar estabelecer acordo mútuo
entre seus elementos e a prática cada vez mais constante da cooperação nas relações escolares, é
importante como elemento de construção da personalidade dos alunos, como também o é a motivação
para procurar valores, inclusive valores morais.
A educação moral propicia mudanças em nós, em nosso cotidiano, das estratégias que utilizamos,
dos objetos e do modo como organizamos o espaço e o tempo na nossa escola. Ser autônomo é ser parte e
todo, ao mesmo tempo, é ser responsável, como parte e como todo, numa relação. Acredita-se que a
compreensão e o exercício da educação moral, principalmente na família e na escola, podem ajudar no
processo de construção de identidade das crianças e dos adolescentes.
Referências
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LA TAILLE, Y. de. Moral e Ética: dimensões intelectuais e afetivas. Porto Alegre: ArtMed, 2006.
LA TAILLE, Y de. Para um estudo psicológico das virtudes morais. Educ. Pesqui. v. 26, n. 2, p. 109-121,
2000. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-
97022000000200008 &lng=en&nrm=iso>. Acesso: 06 jun. 2009. ISSN. 1517-9702. Doi: 10.1590/S1517-
97022000000200008.
PIAGET, J. O julgamento moral na criança. São Paulo: Mestre Jou, 1977. (Original publicado em 1932).
PIAGET, J. Os procedimentos da educação moral. In: MACEDO, L. (Org.). Cinco estudos de educação
moral. 2.ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.
PUIG, J. M. et al. Democracia e participação escolar: propostas de atividades. São Paulo: Moderna,
2000.
PUIG, J. M. A construção da personalidade moral. Tradução Luizete G. Barros e Rafael C. Alcarraz. São
Paulo: Ática, 1998.
Abstract
The aim of this study is to reflect on children’s teachers geometry knowledge and the epistemological
conception that characterize their educational conducts. The discourses analysis shows us the good
teachers’ willing with the geometry study, however the non-acquaintance theory and the rooted
epistemological empiricist conception indicate that the knowledge is in the objects and these objects
manipulation is enough to achieve the learning. It was possible to confirm the empiricist conception
supremacy through the educational conduct where the children discover the geometrical form in the world
by the stimulus and material organized by the teachers. According to the teacher’s work, we used Jean
Piaget genetic epistemology as basis for teachers’ performance reflection.
Este artigo é parte de nossa pesquisa de mestrado em que investigamos a conduta metodológica de
seis professoras de educação infantil analisando qual a concepção epistemológica que deu suporte ao
ensino da geometria proporcionado por elas.
O relato das professoras acerca do “como” e o “porquê” do trabalho com geometria, indica que o
ensino da matemática continua reduzido às noções numéricas, o que torna a geometria um apêndice da
prática escolar. Este apêndice agrava-se quando as professoras apontam a supremacia da alfabetização do
ler e escrever sobre a alfabetização matemática. Unindo-se a esses aspectos ainda há a defasagem da
formação acadêmica relatada por elas que, ao nosso entender, não envolve uma proposta de ensino de
matemática de qualidade, no qual a teoria alia-se a prática num todo coerente, auxiliando na promoção de
um trabalho significativo para o desenvolvimento do conhecimento geométrico infantil.
Neste contexto, quando o trabalho geométrico é realizado, vêm à tona as lacunas teóricas e
práticas, que por sua vez nos conduziram ao problema de nossa pesquisa: o que revela o discurso do(a)
professor(a) de educação infantil referente a sua concepção epistemológica e a sua conduta metodológica
diante da geometria?
Referencial Teórico
Entendemos que a epistemologia genética de Jean Piaget é uma fonte teórica que possibilita a
análise crítica das concepções que sustentam o fazer(-se) docente.
Desta forma, “a focalização nos fatos normativos que revelam as estruturas lógicas da inteligência,
o forte papel da ação no centro de um construtivismo que reúne o sujeito e o objeto” (BIDEAUD, 2002,
p. 20) na perspectiva piagetiana, nos dão os elementos necessários para compreendermos o
desenvolvimento do sujeito.
Entretanto há duas correntes de pensamento que tentam explicar este desenvolvimento por outras
vias que não o da relação dialética entre sujeito e objeto, abordada pelo construtivismo.
A primeira delas é o Inatismo, que entende o conhecimento como pré-formado. Essa doutrina
acredita que o sujeito nasce com estruturas prontas e que são atualizadas durante o desenvolvimento. Esta
forma de explicação prioriza a hereditariedade, concebendo a aprendizagem como um fator maturacional.
Desta forma, há um determinismo biológico do qual não se pode escapar (FELIPE, 1998), cabendo à
psicologia e à educação “medir o quociente intelectual e predizer até onde podemos ir, até onde seremos
capazes de aprender” (MACEDO, 2002, p. 120).
A nosso entender, na educação, o determinismo externo é representado pelo professor que escolhe
os recursos, os conteúdos e a metodologia utilizada em sala de aula, isto é, define os meios a seguir para
atingir suas metas. Às crianças cabe um papel de submissão e passividade capazes de aprender somente o
que os professores ensinam.
Segundo Piaget (apud BECKER, 2003, p. 14), o desafio está no professor assumir a função de
“inventar situações experimentais para facilitar a invenção de seu aluno”. Desta forma, as condutas
docentes devem ser refletidas em uma nova concepção de aprendizagem, a construtivista, que permite ao
professor “aprender” com o seu aluno (BECKER, 2001).
A função do professor que aprende com os alunos adquire legitimidade e une o ensinar e o
aprender num processo dinâmico de organização de ações significativas.
Becker (2003, p.14) salienta que está na ação do sujeito a fonte de aprendizagem, ou seja, “o
indivíduo aprende por força das ações que ele mesmo pratica: ações que buscam êxito e ações que, a
partir do êxito obtido, buscam a verdade ao apropriar-se das ações que obtiveram êxito”.
Este movimento da ação executada, refletida e recriada pelo sujeito é o ponto chave da teoria
construtivista, o que torna fundamental o acesso consciente dos docentes às implicações desta concepção
para a aprendizagem infantil. Chamamos de acesso consciente ao contato mais profundo com a teoria
construtivista, contrariamente a uma visão superficial da mesma por tornar-se uma moda entre os
docentes.
Por meio desse contato torna-se evidente que a teoria construtivista de Jean Piaget não foi
elaborada com intenções pedagógicas e que este primeiro equívoco desencadeou uma série de mal-
entendidos sintetizados por Matui (1995, p. 33), ao se referir aos esclarecimentos de Emília Ferreiro.
a) A ideia de construção foi relacionada a dois polos distintos que são os conceitos de aprendizagem
e o de maturação. Esta aprendizagem está fortemente ligada ao empirismo e a situações
metodológicas de estímulo-resposta. Para a “maturação”, práticas espontaneístas tomaram o lugar
daquelas rigorosamente diretivas.
b) O construtivismo não tem o mesmo significado de método ativo. O fato de propor muitas
atividades para as crianças e a busca de receitas por parte do professor é permanecer numa visão
superficial do construtivismo.
c) O objetivo da teoria construtivista não é atingir a criatividade. Abrir espaço para as idéias
espontâneas, curiosas e extraordinárias das crianças, não significa por si só uma postura
construtivista.
d) O processo de construção ocorre somente de início. Alguns professores permitem que algumas
coisas sejam construídas como introdução ao associacionismo que virá depois, como se o ato de
construir fosse apenas uma estimulação para o conhecimento.
Há um grande número de docentes – e não somente as seis entrevistadas para nosso estudo – que
não têm claro a teoria que está por trás de sua prática, que esta perpetua um único modelo de educação.
Desta forma, na tentativa de amenizar esta miopia epistemológica retomaremos alguns postulados
construtivistas .
O núcleo da epistemologia construtivista situa-se na ação do sujeito sobre o objeto, sendo ambos
transformados durante a relação que estabelecem. Para compreendermos a profundidade da ação na
terminologia piagetiana, recorremos aos esclarecimentos de Kamii e Devries (1985), que atribuem ao
termo ação dois significados.
Com referência às ações manipulativas sobre os objetos, “ação significa fazer alguma coisa ao (ou
com o) objeto; tal como empurrá-lo, puxá-lo ou colocá-lo na água. O segundo significado de ação é mais
difícil de entender porque a criança pode agir sobre o objeto sem mesmo tocá-lo” (KAMII; DEVRIES,
1985, p. 35).
O segundo significado entende a ação como uma atividade mental que se origina na manipulação
física e, gradualmente, internaliza-se. As autoras citadas exemplificam esta diferenciação entre ação
manipulativa – ligada à percepção através dos sentidos – e ação internalizada, como lemos:
Quando a criança olha para seis cubos azuis e dois amarelos e pensa neles como ‘azuis e
amarelos’, ela está se concentrando em suas propriedades específicas por um lado e, por
Desta maneira o “pensar nos cubos como cubos” reporta a ação internalizada na qual a criança
mentalmente estabelece relações que lhe permitem reconhecer um cubo para além de suas propriedades
visíveis.
Assim a ação supõe a relação entre sujeito e objeto, na qual o sujeito “dinâmico, versátil, plástico”
estabelece contato com o objeto, que por sua vez, envolve aspectos do meio físico e social. (BECKER,
2003, p. 27).
O que podemos perceber é que o objeto da epistemologia construtivista é muito mais abrangente
do que o senso comum estabelece, ou seja, objeto não é somente o percebido pelos sentidos, mas também,
tudo o que é criado pelo sujeito, seja na relação com o manipulável, seja nas relações estabelecidas entre
abstrações.
Objetivos
Metodologia
Adotamos em nosso trabalho a pesquisa qualitativa, por compreendermos que esta concepção de
investigação “engloba a ideia do subjetivo, passível de expor sensações e opiniões” (BICUDO, 2004, p.
104), o que geralmente não é focalizado no nível quantitativo.
Foram feitas leituras e releituras do material coletado, a partir das quais passamos a “identificar e
selecionar episódios, depoimentos ou partes de texto que têm relação explícita ou implícita com a questão
investigativa” (FIORENTINI, 2006, p. 143).
Para nos referirmos às professoras, atribuímos para as que atuam na rede pública de ensino os
numerais 1, 2 e 3; e, para aquelas que atuam em escolas particulares as letras A, B e C. Desta forma
citaremos: de acordo com a professora C... Assim relata a professora 2...
Desenvolvimento
O primeiro aspecto envolve o manipulável enquanto percepções sensoriais dos objetos, sendo
estes os tributários do conhecimento. O segundo refere-se à manipulação discursiva e didática em que há
o falseamento de condutas arcaicas através de uma roupagem verbal que pode ou não iludir o leitor.
[...] a gente faz a identificação das figuras, mas não só, por exemplo, claro que a gente
fala como que é o quadrado. O que é um quadrado? Quem sabe? Tem quatro partes
iguais? E o retângulo? Tem duas partes iguais e duas diferentes e tal [...]. Aprender a
reconhecer as figuras geométricas, porque as figuras geométricas estão no nosso mundo,
nosso cantinho, em tudo o que a gente vai fazer.
E ainda comparando este trabalho com outros conteúdos matemáticos, diz: “eles se interessam
bastante quando são figuras geométricas, chama bastante a atenção deles. Quando é trabalhar com figuras,
porque eles manuseiam, é uma coisa concreta, material concreto”.
a experiência que incide sobre os objetos pode manifestar duas formas, sendo uma a
lógico-matemática, que extrai os conhecimentos não apenas dos próprios objetos, mas
também das ações como tais que modificam esses objetos. Esquece-se, por fim, de que a
experiência física, por sua vez, onde o conhecimento é abstraído dos objetos, consiste em
agir sobre estes para transformá-los, para dissociar e fazer variar os fatores etc, e não para
deles extrair, simplesmente, uma cópia figurativa.
Parece-nos claro que o relato da professora 1, “claro que a gente fala como é o quadrado, e,
aprender a reconhecer as figuras geométricas”, confirma a conduta epistemológica empirista, na qual o
foco está no treinamento visual e verbal das crianças. Visual, no sentido de que através da união do
observado e do tateio das formas – e não das figuras – as crianças são treinadas a identificar as figuras
elementares. Para o aspecto verbal, tanto professora quanto alunos, utilizam a linguagem para reforçar o
conhecimento extraído do material, conferindo a ele as nomenclaturas científicas.
Desde que se trata da fala ou do ensino verbal, parte-se do postulado implícito de que tal
transmissão educativa fornece à criança os instrumentos próprios da assimilação, ao
mesmo tempo em que os conhecimentos a assimilar, esquecendo que esses instrumentos
só podem ser adquiridos pela atividade interna e que toda assimilação é uma
reestruturação ou uma reinvenção.
Desta maneira, o conhecimento geométrico está no mundo visível, a ser descoberto, e que a
docente explora, conduzindo as crianças à identificação de propriedades que estão postas externamente.
Em outras palavras, o mundo está pronto geometricamente e às crianças basta apreendê-lo.
A concepção de que o conhecimento está no mundo exterior e que para adquiri-lo é necessário
Observa-se que a “elaboração” do conteúdo está nas mãos do professor, e este acredita que
permitir uma suposta origem destes conteúdos ligada às atividades espontâneas infantis provoca a
estimulação necessária para afirmar que “eles nessa fase gostam bastante de tudo”. E, em função disto,
para a geometria, não há dificuldades, visto que, “eles mesmos vão formando, é muito fácil, é tranquilo.
Não tem dificuldade nenhuma”.
A professora C justifica as dificuldades que impedem o trabalho com a geometria, pela via
pessoal – do gostar.
Eu acho que tem dificuldade no sentido do professor ter uma formação mais voltada ao conhecer,
aprender a gostar. Então depende muito da gente. Porque a gente pode ter um material maravilhoso, se a
gente não conseguir a possibilidade de como usar esse material fica o material pelo material. Em outros
momentos você pode estar trabalhando numa escola que não te ofereça isso, que você não tem o material,
mas que você vai lá, pega uma sucata, um rolinho de papel, você vai trabalhar com o cilindro; pode ter
um sentido muito maior. Então eu não vejo que a condição material impeça, mas a formação mesmo.
O discurso dessa professora também sugere um avanço ao refletir sobre o material disponível, ou
não, para o trabalho com a geometria. Contudo, ainda subsiste a concepção de que o material manipulável
é o principal, visto que, o professor precisa saber como utilizá-lo para não dar margem ao espontâneo e
para o docente não perder as rédeas do ensino. Desta maneira se espera que a formação dê as receitas e
instrumentalize a docente. Assim a condição material não será empecilho, mas contributo.
A professora A, apesar de trazer em sua fala oscilações entre as concepções inatista e empirista –
Desde o primeiro dia de aula as crianças são instigadas a observarem o ambiente em que
estão inseridas com os objetos (materiais escolares) fazendo suas correspondências, o que
é parecido, o que é igual, o que é diferente. Cada criança manipula o seu material tendo
oportunidade de perceber suas características (tamanho, forma, cor, peso) e assim poder
comparar com o do amigo, com objetos da sala e até com a estrutura física do prédio (por
exemplo: esta caixa tem que forma? Com o que mais se parece? Tem mais alguma coisa
igual? No que ela é diferente daquela outra? Por quê?).
Entendemos que este discurso possui certa fecundidade para a mudança de postura, de empirista
para construtivista. Considerar o professor aquele que instiga, que abre oportunidade para comparações e
correspondências é um passo para o reconhecimento do papel ativo das crianças.
Diante do que ficou exposto, faz-se necessário buscar em Piaget o que ele entende por concreto,
sendo que para a concepção empirista, o concreto é o objeto-cópia extraído do ambiente através dos
sentidos.
Para o autor:
é preciso, pois, não confundir o concreto com a experiência física, que tira seus
conhecimentos dos objetos e não das ações próprias ao sujeito, nem com as apresentações
intuitivas no sentido de figurativas, porque estas operações são extraídas das ações e não
das configurações perceptivas ou imagéticas (PIAGET, 2006, p. 54).
Piaget (2006) alerta para a diferença existente entre a ideia de concretude e de experiência. Esta
última é necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento da inteligência; e apresenta-se sob duas
formas: a experiência física e a lógico-matemática. Em suas palavras:
Poderíamos então afirmar que o concreto, numa perspectiva piagetiana, vai além da experiência
física, encontrando seu alicerce nas ações do sujeito. Ações que se movimentam do manipulável às
abstrações e vice-versa, sem que seja determinado um início e um fim linear.
A abstração empírica consiste em tirar as “informações dos objetos como tais ou das ações do
sujeito em suas características materiais, portanto, de modo geral, dos observáveis” (MONTANGERO,
1998, p. 87). Esta maneira de abstrair, no qual o conhecimento é extraído da realidade, possui importância
secundária, visto que, para a abstração empírica efetivar-se é necessário a abstração reflexionante.
A abstração reflexionante incide nas coordenações das ações do sujeito, que age sobre os objetos,
o que comporta dois aspectos:
Para ilustrar este processo, Piaget (apud MONTANGERO, 1998) recorre ao caso de uma criança
efetuar o trajeto de casa à escola. Pouco a pouco, a criança pequena guia-se e reconhece o trajeto por
referências práticas. Pela abstração reflexionante este “saber prático” é organizado e projetado ao plano
da representação. Ou seja, por esta via ela é capaz de através da linguagem ou de outros mecanismos de
representação, descrever o caminho que a conduz de casa à escola. Desta forma, “a representação é mais
rica que o conhecimento do qual é abstraída, porque se trata de uma visão de conjunto simultânea”
(MONTANGERO, 1998, p. 91).
Como exemplo podemos citar uma criança que ao manipular dois objetos identifica-os como leve
e pesado. A classificação leve/pesado não está contida em cada objeto mas sim, na relação estabelecida
entre eles. Assim não é possível construir a categoria “peso” via abstração empírica pois os objetos em si
são apenas suporte às atividades mentais da criança.
Neste contexto, Piaget (2005, p. 59) explica o movimento do concreto e abstrato, entendido como
complementares, ao esclarecer em que consiste o ensino da matemática sob a concepção construtivista.
A matemática, porém consiste em primeiro lugar, e acima de tudo, em ações exercidas sobre as
coisas, e as próprias operações são também sempre ações, mas bem coordenadas entre si e simplesmente
imaginadas, ao invés de serem executadas materialmente. Sem dúvida é indispensável que se chegue à
abstração, e isso é mesmo absolutamente natural em todos os terrenos no decorrer do desenvolvimento
mental da adolescência; mas a abstração se reduzirá a uma espécie de embuste e de desvio do espírito se
não constituir o coroamento de uma série ininterrupta de ações concretas anteriores. A verdadeira causa
dos fracassos da educação formal decorre, pois essencialmente do fato de se principiar pela linguagem
(acompanhada de desenhos, de ações fictícias ou narradas, etc.) ao invés de o fazer pela ação real e
material.
Desta maneira, Piaget (2005, p. 59) esclarece que o concreto é fundamental para o
desenvolvimento do conhecimento infantil e que as abstrações decorrentes das manipulações dos objetos,
ocorrem ligadas às ações sobre eles, em nível elementar, constituindo-se como suporte aos níveis
superiores do conhecimento.
Conclusões
Em linhas gerais, para a concepção construtivista, as ações das crianças sobre os objetos permitem
que relações sejam construídas por elas num patamar superior ao da mera manipulação de materiais. O
concreto deixa de ser apenas o que é percebido, como o reduzem os empiristas, para ser o construído
A geometria perderá sua posição desprivilegiada diante de outros conteúdos e contribuirá para o
estabelecimento de relações entre os objetos, entre os sujeitos e entre eles e o espaço em que vivemos.
Esta relação será diferenciada ao permitir que as crianças construam, também através das ações sobre os
materiais manipulativos tidos como apoio, as noções espaciais que serão suportes às abstrações.
Deste movimento dinâmico esperamos chegar a reconhecer, na escola, o espaço para o novo, para
o criativo, para a curiosidade, para o lúdico.
Referências
BIDEAUD, Jaqueline. Jean Piaget ontem, hoje, amanhã. In: HOUDÉ; Olivier; MELJAC, Claire (Orgs.).
O espírito piagetiano: homenagem internacional a Jean Piaget. Porto Alegre: ArtMed, 2002. p.19-27.
GOULART, I. B. Piaget: experiências básicas para utilização pelo professor. Petrópolis: Vozes, 2003.
MACEDO, L. de. A questão da inteligência: todos podem aprender? In: OLIVEIRA, M. K.; REGO, T.
C.; SOUZA, D. T. R. (Org.). Psicologia, educação e as temáticas da vida contemporânea. São Paulo:
Moderna, 2002. p.117-134.
MATUI, J. Construtivismo: teoria construtivista sócio-histórica aplicada ao ensino. São Paulo: Moderna,
1995.
PIAGET, Jean. Psicologia e pedagogia. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
PIAGET, J.; INHELDER, B. A representação do espaço na criança. Porto Alegre: ArtMed, 1993.
Resumo
As relações entre a obra de Jean Piaget e a educação são tratadas, neste texto, a partir de um estudo
realizado sobre os escritos educacionais deste autor, publicados entre 1920 e 1940 quando se consolidava,
na Europa, o Movimento Renovador da Educação. O texto sintetiza os argumentos e as reflexões teóricas
de Piaget sobre os procedimentos e métodos de ensino, sobre o papel socializador da escola e sobre a
fundação de uma Pedagogia científica. A análise confirma o intenso envolvimento do autor na discussão
acalorada da mais importante reforma de ensino do século XX.
Abstract
The relationship between the work of Jean Piaget and education is treated in this text from study about the
educational writings published between the twenties and forties and related to the Progressive Education
Movement in Europe. Synthetizes Piaget`s arguments and theoretical reflections about the procedures and
methods of teaching, the socializing role of the school and the foundation of a scientific pedagogy. It thus
confirms Piaget’s intense involvement with the heated discussion about the most important educational
reform of the twentieth century.
As relações entre a obra de Jean Piaget e a Educação constituem um tema bastante polemizado
que já atraiu, para os meios acadêmicos, o debate, inclusive entre os estudiosos da própria concepção
piagetiana. De fato, são muitos os autores que, sob diferentes perspectivas, alimentaram e enriqueceram a
discussão com valiosas críticas e contribuições, tanto no âmbito da reflexão teórica, quanto no da prática
psicopedagógica. Há, contudo, entre os piagetianos, a ideia, praticamente unânime, de que Jean Piaget só
se interessava de modo bastante secundário pela Pedagogia ou que os temas educacionais ocuparam um
lugar menor em seu empreendimento científico.
O envolvimento com temas educacionais pode mesmo parecer descabido, para um autor que se
propôs a trabalhar na elaboração de uma Epistemologia Científica; um empreendimento de grande vulto
que, por certo, exigiria o tratamento de questões mais pertinentes. Contudo, a presença de Piaget na
discussão pedagógica é um fato e a bibliografia disponível sobre o percurso intelectual e profissional
desse autor, bem como a literatura relativa às questões pedagógicas do século XX, confirmam-no de
maneira incontestável. Para esse fato, existem, obviamente, razões circunstanciais. Há todo um contexto
histórico, social e cultural que permitiram e facilitaram os laços de Piaget com a Educação. Laços
oficialmente confirmados por sua permanência por um extenso período na direção do BIE (Bureau
International de L’Education), uma instituição voltada especialmente para os temas pedagógicos. Porém o
autor, preocupado, acima de tudo, com questões centrais da epistemologia, poderia ter também muitas
razões para não se envolver tão intensa e longamente com a educação, e, quem sabe, até evitar que, a
contragosto, viesse a ser conhecido mais como pedagogo ou psicólogo do que o epistemólogo, como
desejava ser chamado.
Por que, então, Piaget se envolveria com os assuntos educacionais? Que tipo de preocupações teria
com as reflexões nesse campo? O que elas significaram para o desenvolvimento da Pedagogia? Perguntas
como estas moveram este estudo. Em função delas consultamos arquivos, separamos documentos e
refizemos leituras. Nossa análise teve como preocupação central, não uma leitura presidida pela busca de
noções ou conceitos teóricos que viessem confirmar ou questionar uma prática pedagógica específica.
Mas, sobretudo, procuramos encontrar ali, informações que nos possibilitassem compreender, com um
pouco mais de clareza, os vínculos estabelecidos e/ou desejados por ele com esse campo.
Conhecer os motivos que levaram Jean Piaget a se preocupar com assuntos educacionais pode ser
inútil, se acreditarmos que seu envolvimento com a educação se explica unicamente por razões acidentais.
No entanto, se tivermos em conta que Piaget acreditava na possibilidade de influenciar a Pedagogia,
então, essa tarefa reveste-se de alguma importância, especialmente se, na revelação dos motivos,
A questão das relações entre Piaget e a Educação é, pois, tratada neste trabalho sob o ponto de
vista do autor: os argumentos e articulações dele próprio entre sua teoria e questões de domínio escolar.
Apresentaremos a síntese de um estudo que desenvolvemos sobre os escritos, especificamente
educacionais, de Jean Piaget, publicados entre os anos 20 e 40. Para analisá-los consideramos o contexto
histórico-pedagógico da época em que foram publicados e a evolução teórica da obra científica de Piaget.
Piaget iniciou a década de 1920 determinado a dirigir seus estudos para o campo da
Epistemologia, mas certo de que deveria iniciá-los com investigações empíricas no âmbito da Psicologia
Genética. No Instituto Jean-Jacques Rousseau, desenvolveu, entre 1921 e 1925, suas primeiras pesquisas,
dedicadas ao estudo da linguagem, da lógica, da moralidade, das representações de mundo e das
explicações das crianças sobre os fenômenos da natureza, bem como ao estudo das relações desses
aspectos do desenvolvimento infantil com a inteligência objetiva. Suas preocupações centravam-se mais
na análise dos mecanismos psicológicos gerais do pensamento e na elaboração de uma metodologia capaz
de ‘captar os fatos’, à luz da concepção psicogenética, tal qual sonhava, do que, propriamente, na
explicação de um processo que culminaria com a objetividade do pensamento.
Os estudos, mais tarde publicados89, confirmavam o pensamento da criança como sui generis,
muito diferente do pensamento adulto, não somente pelos interesses que os dirigem, mas também pelo
tipo de raciocínio que alcançam e por suas estruturas lógicas. Traziam, em suas conclusões, a importância
da atividade na formação da inteligência; a ideia de que o pensamento objetivo resulta da descentração e
da coordenação progressiva de pontos de vista e apresentavam um novo método, misto de conversação
clínica e observação minuciosa, utilizado na condução das pesquisas. Todavia, sem se constituírem ainda
aquilo que veio a ser conhecido como a Teoria Psicogenética Piagetiana, tornaram-se particularmente
interessantes ao Movimento Renovador da Educação, entusiasmando Edouard Claparède, que passou a
divulgar e a recomendar o trabalho daquele jovem pesquisador.
Foi também nessa ocasião que Piaget delineou os rumos de suas pesquisas futuras. Em sua
Autobiographie (PIAGET, 1976) relatou que, por mais um período de dois ou três anos, desejava ainda
dedicar-se ao estudo da gênese da inteligência, para em seguida, investir na elaboração de uma
epistemologia genética.
89
A Linguagem e o Pensamento da Criança (1923), O Raciocínio da Criança (1924), A Representação do Mundo na Criança
(1926), La Causalité Psysique chez l´Enfant (1927) e O Juízo Moral na Criança (1932).
Se, por um lado, seus planos iniciais, previam equivocadamente um trabalho, no campo da
Psicologia, de curto ou médio prazo, por outro, ele acreditava que, para estudar empiricamente o
desenvolvimento do pensamento, não poderia se envolver com “preocupações não psicológicas”. Mesmo
assim, seduzido pela possibilidade de contribuir com seus estudos para a renovação do ensino, Piaget
assumiu o posto de diretor do BIE, órgão de abrangência mundial, criado, junto ao Instituto Jean-Jacques
Rousseau, para promover o vínculo entre educadores interessados nos progressos da educação.
Contribuir para a melhoria dos métodos pedagógicos e para a adoção de técnicas mais adaptadas
ao espírito da criança! Estão aí, apresentadas pelo próprio Piaget, as razões que o levaram a aceitar um
cargo no qual permaneceu por 38 anos. Mas porque ele se lançaria nessa “aventura”? Como poderia
inserir-se na discussão pedagógica? De que forma pensava contribuir?
A entrada no exercício da direção do BIE marca, portanto, o ponto de partida deste estudo.
Todavia, para compreender a natureza das relações que Piaget estabeleceu com o campo educacional,
abriremos um espaço e traremos à lembrança o panorama geral das ideias que moviam a reflexão
pedagógica naquela época.
90
O Nascimento da Inteligência na Criança (1936), A Construção do Real na Criança (1937), A Formação do Símbolo na
Criança (1945), A Gênese do Número na Criança e O Desenvolvimento das Quantidades Físicas na Criança (ambos em
1941), A Noção de Tempo na Criança (1946), A Representação do Espaço na Criança e a Geometria Espontânea na
Criança (ambos em 1948).
91
Tradução nossa.
No domínio educacional, o início do século XX foi marcado por um importante fato pedagógico: o
Movimento Renovador, caracterizado na Europa por Escola Nova ou Ativa, mas que se concretizou em
outros lugares como nos Estados Unidos, onde foi chamado de Educação Progressiva, e nos países
socialistas, onde foi identificado como Igualitarismo Socialista. (COLL, 1988).
A Psicologia Infantil, nas obras de Binet, Claparède, Baldwin, Wallon e outros, confirmava
cientificamente que a criança, não sendo um adulto em miniatura, tem sua própria maneira de ser, de
pensar e de agir; que a infância possui um significado próprio cujo valor seria preciso conhecer, respeitar
e explorar. Os estudiosos da infância contestavam, portanto, a ideia de criança como sujeito passivo,
aprisionado pelos padrões do pensamento adulto, apresentando-a como ativa e livre, cujo
desenvolvimento não sendo simplesmente determinado de fora, obedece aos seus interesses e
necessidades mais efetivas.
Durante o período em que esteve à frente do BIE – de 1929 a 1968 – Piaget, embora não fosse
pedagogo, envolveu-se intensamente com as questões pedagógicas e esforçou-se por levar adiante essa
discussão. Até o final dos anos de 1940 já havia publicado uma quantidade de textos nos quais se refere
aos temas pedagógicos. Reunimos um total de 48 documentos entre os quais há artigos, relatórios,
conferências e capítulos de livros que atestam o envolvimento de nosso autor com a discussão acalorada
no auge da mais importante reforma de ensino do século XX.
O teor dos documentos aponta, basicamente, para três principais pontos de discussão no
tratamento dado por Piaget ao tema educacional: a fundamentação psicológica dos métodos de ensino; a
ênfase no desenvolvimento da Pedagogia científica e a ideia da educação como meio de reconstrução
social. No que segue, evidenciaremos de que maneira e em que medida o autor tratou tais questões.
Em muitos textos, Piaget dedicou-se à análise dos métodos e técnicas de ensino. Neles, elaborou
suas críticas à escola tradicional e apresentou seus argumentos sempre favoráveis aos métodos chamados
ativos. Entretanto, a sua defesa não era, em princípio, a defesa desses métodos como novas técnicas em si
Podemos dizer que a pedagogia tradicional atribuía à criança uma estrutura mental
idêntica à do adulto, mas um funcionamento diferente [...]. Ora, o contrário é que é
verdadeiro. As estruturas intelectuais e morais da criança não são as nossas; aliás, os
novos métodos da educação se esforçam para apresentar às crianças de diferentes idades
as matérias de ensino sob formas assimiláveis à sua estrutura e aos diferentes estágios de
seu desenvolvimento. Mas, quanto à relação funcional, a criança é idêntica ao adulto.
Como este, ela é um ser ativo cuja ação, regida pela lei do interesse ou da necessidade, só
pode dar seu pleno rendimento se se fizer um apelo aos móveis autônomos dessa
atividade. (PIAGET, 1969/1988, p. 157-158).
Destacava ainda, dentre os métodos ativos, aqueles que, do ponto de vista psicopedagógico,
apresentavam-se com mais vantagens e, então, acentuava os métodos coletivos. A consideração do
trabalho conjunto, realizado por equipes e a importância da cooperação e da livre discussão na formação
intelectual e moral dos alunos foram pontos amplamente discutidos por Piaget em seus textos escritos
para os educadores.
Uma das grandes contribuições desses artigos para o Movimento Renovador está, pois, na
justificativa do valor psicológico dos métodos ativos. (HAMELINE, 1996). Munido dos resultados
empíricos proporcionados por suas pesquisas em Psicologia Infantil, Piaget tornava estreita a união dos
princípios didáticos da educação nova com a explicação científica. Mas, seria a justificação psicológica,
na análise de Piaget, suficiente para sustentar e garantir uma reforma do ensino?
Se, de um lado, Piaget apresentava a Psicologia Infantil, especialmente a sua Psicologia Genética,
como fundamentação científica dos novos métodos de ensino, por outro lado, insistia também na
necessidade de pesquisas no universo da escola. Insistência que expressou sua concordância e o claro
incentivo para a fundação de uma Pedagogia científica, aberta a pesquisas interdisciplinares e em cuja
vocação estaria a busca cuidadosa de explicações para os problemas escolares. Piaget estava, portanto,
convencido de que para fazer avançar a Pedagogia, seria preciso ir para além do conhecimento teórico-
psicológico que ele próprio se encarregava de apresentar em seus textos educacionais.
Se a pedagogia quer ser uma aplicação deduzida, sem mais, de nossos conhecimentos em
psicologia da criança, isto seria inútil. [...] A pedagogia está longe de ser uma simples
aplicação do saber psicológico [...]. Uma coisa é, por exemplo, provar que a cooperação
Mas há ainda outra questão, ligada ao contexto geral do Movimento Renovador, cujo tema
perpassa os textos educacionais de Piaget dos anos entre 1920 e 1940: a ideia da educação como fator
importante na reconstrução social, como instrumento de paz e de aproximação entre os povos, tal como
habitava nas reflexões sobre o ensino desde o início do século XX e, especialmente, durante o período
entre as duas grandes guerras mundiais.
No afluxo dessa ideia e pela perspectiva de Piaget, nada parecia mais apropriado para encaminhar
uma discussão sobre o valor dos métodos coletivos ou sobre a pedagogia da educação internacional,
baseada no princípio de cooperação e ajuda mútua, do que a noção de egocentrismo e do processo de sua
superação. Por um lado, utilizando uma linguagem muito simples, Piaget sintetizava os fatos
psicológicos, situava as ideias teóricas contidas em seus primeiros livros e fazia alusões sobre implicações
pedagógicas. Por outro lado, sem proceder em nenhum momento a uma análise propriamente sociológica,
mas tendo sempre como pressupostos os princípios de uma sociedade democrática, ele procurava mostrar
que o ideal de justiça e paz mundiais, abraçado pela educação, somente poderia encontrar sua realização
se na escola penetrasse, simultaneamente, o espírito de cooperação e trocas sociais e o conhecimento
objetivo sobre os processos de socialização, que a psicologia da criança e a sociologia, de maneira geral,
apresentavam.
Sem que seja possível, atualmente, fixar, com certeza, o limite entre o que provém da
maturação estrutural do espírito e o que emana da experiência da criança ou das
influências de seu meio físico e social, pode-se [...] admitir que os dois fatores intervêm
continuamente e que o desenvolvimento deve-se à sua interação contínua. Do ponto de
vista da escola, isto significa, de um lado, que é preciso reconhecer a existência de uma
evolução mental. [...] Isso significa também, por outro lado, que o meio pode
desempenhar um papel decisivo no desenvolvimento do espírito; que métodos sãos
Assim, verificamos que Piaget procurou mostrar aos educadores a importância do papel
pedagógico (social, portanto) que têm a desempenhar na formação do pensamento humano e que o
conhecimento objetivo, mesmo sendo o resultado de um processo interno, não é, contudo, solitário.
Ao final deste estudo, pudemos compreender como Piaget tratou de questões próprias do
movimento pedagógico que lhe era contemporâneo. Diríamos, para efeito de síntese, que as reflexões que
predominaram nos textos educacionais de Jean Piaget, neste período de aproximadamente 30 anos, foram
sempre estas: de um lado, a necessidade de as técnicas ou os métodos educativos estarem em estreita
união com as leis de uma Psicologia sistemática que fornecessem uma interpretação científica do
desenvolvimento infantil e da atividade psíquica e, de outro lado, a necessidade de verificação empírica
das implicações pedagógicas decorrentes dessa parceria.
Pensamento, aliás, não muito original, visto que a Psicologia na base dos métodos novos e a
fundação de uma Pedagogia científica não foram invenções de Piaget. O debate sobre a escola e a
necessidade de sua renovação já estava presente nas reflexões dos educadores muito antes de Piaget dele
se ocupar. Mas, certamente que ele, um cientista, no auge do desenvolvimento de suas pesquisas
psicogenéticas, que também dirigia uma Instituição totalmente imersa nessa temática, se encontrava
autorizado, senão responsabilizado, por encaminhá-lo.
Dirigindo-se, pois, àqueles que mais diretamente se encarregavam da tarefa pedagógica, Piaget
encaminhou o debate, privilegiando aí a discussão sobre os métodos e as técnicas de ensino. É que, além
de pensar que os professores deveriam compreender muito bem a natureza própria do pensamento da
criança e as leis de constituição psicológica do sujeito que conhece, ele estava certo da importância dos
Se for possível, em poucas palavras, resumir os pontos fundamentais da discussão de Piaget que
encontramos nos textos escritos durante os anos 20, 30 e 40, diríamos que em nome da Psicologia, ou
melhor, dos fatos psicológicos, especialmente aqueles extraídos de suas pesquisas psicogenéticas, ele
procurava esclarecer o valor psicológico dos métodos ativos e, em nome dos fatos pedagógicos,
imprescindíveis, a seu ver, na constituição da Pedagogia Científica, insistia na necessidade de pesquisas
educacionais que elucidassem o seu valor educativo, tarefa que, entretanto, reservava especialmente aos
pedagogos.
Tendo, portanto, extraído de seus estudos a confirmação da importância das ações da criança no
processo de constituição da inteligência e do conhecimento científico, pareceu-nos muito natural o fato de
que Piaget se dispusesse a endossar, no âmbito pedagógico, situações didáticas como aquelas propostas
pela Escola ativa e que procurasse, no limite de suas contribuições, fundamentá-las cientificamente. E fez
isso com sucesso (OELKERS, 1996). Desde que assumiu o posto de diretor do BIE, promoveu não
apenas o intercâmbio entre diferentes manifestações do Movimento Renovador, colaborando, assim, para
sua expansão mundial, mas também - e o que é mais importante – proporcionou, para a Educação, uma
teoria científica da criança.
Referências
COLL, C. Comocimiento Psicológico y Práctica educativa: introducción a las relaciones entre psicología
y educación. Barcelona: Barcanova, 1988.
HAMELINE, D. et al. L’Enfant Actif sous Observation. In: HAMELINE, D.; VONÈCHE, J. (Org.). Jean
Piaget: agir et construire aux origenes de la connaissance chez l’enfant et le savant. Genève: FPSE de
l’Université de Genève/Musée d’Ethnographie de Genève, 1996. p. 112 - 151.
PIAGET, J. Autobiographie. Cahiers Vilfredo Pareto/Revue Européenne des Sciences Sociales. (Les
Sciences Sociales avec et après J. Piaget). Genève, v.14, n. 38/39, p. 1 - 43, 1976.
Resumo
A pesquisa que ora apresentamos teve como objetivo verificar as concepções sobre a Psicologia da
Educação de alunos ingressantes de um curso de Licenciatura em Pedagogia, de uma Universidade
pública. Para tanto, 46 licenciandos responderam a um questionário constituído por dez afirmações com
uma escala para as respostas que variava de concordo inteiramente a discordo inteiramente. Ao analisar as
respostas dos licenciandos, de forma geral, depreendemos que há certa confusão de paradigmas, com
concepções que misturam diferentes formas de se entender um determinado tema, definindo um
pensamento sincrético desses alunos ingressantes sobre os temas propostos, sobretudo, o que se refere aos
processos de desenvolvimento e aprendizagem. Julgamos ser tarefa da disciplina Psicologia da Educação
auxiliar esses licenciandos na construção de conceitos sólidos sobre esses e outros temas pertinentes ao
trabalho docente.
Abstract
This research had the goal to verify the conceptions above the Educational Psychology of students of a
course of Licenciatura in Pedagogy, in a Public University. For in such a way, 46 students had answered
to a questionnaire consisting of ten affirmations with a scale for the answers that varied of agrees entirely
disagrees it entirely. When analyzing the answers of these students, general form, we infer that it has
certain confusion of paradigms, with conceptions that mix different forms of if understanding one
definitive subject, defining a syncretism thought of these students on the considered subjects, over all,
what concerns the development processes and learning. We judge to be task of disciplines Psychology of
the Education auxiliary these students in the pertinent construction of solid concepts on these and other
subjects to the teaching work.
A Psicologia da Educação é uma disciplina presente na maioria dos currículos dos cursos de
Licenciatura. Algumas vezes aparece com títulos diversos como Psicologia Educacional, Psicologia do
Desenvolvimento e da Aprendizagem e até mesmo Psicopedagogia. Apesar das nuances epistemológicas
e metodológicas e das especificidades de cada uma das áreas mencionadas, os currículos as apresentam,
muitas vezes, como sinônimos. Neste trabalho adotamos a concepção de Psicologia da Educação, como
uma disciplina-ponte entre a psicologia e a educação.
Coll (2004), ao resgatar a história da Psicologia da Educação, afirma que até meados do século
XX havia uma fé inquebrantável na ciência psicológica e nas pesquisas de laboratório que buscavam
estabelecer leis gerais para a aprendizagem e o desenvolvimento. Sobretudo, sob a influência dos estudos
de E.L. Thorndike, a psicologia era vista como uma disciplina mestra que oferecia as bases científicas à
Educação, definindo parâmetros classificatórios. “Essa visão da psicologia da educação como engenharia
psicológica aplicada à educação é preponderante durante a primeira metade do século XX.” (COLL,
2004, p. 19).
Tal conjectura obrigou a Psicologia da Educação a rever seus pressupostos básicos e a repensar
Dentre as contribuições dessa disciplina para a formação de professores está o estudo de diferentes
teorias que abordam o tema do desenvolvimento e da aprendizagem humana, entre elas, aquelas
consideradas interacionistas, como a Epistemologia Genética, de Jean Piaget.
Referencial Teórico
Como ocorre o desenvolvimento e a aprendizagem humana? Essa pergunta pode ser respondida de
maneira diversa, de acordo com a concepção adotada por aquele que a responde.
Para Becker (2001, p.20) , a o modelo epistemológico que embasa tal concepção é o modelo
apriorista.
“Apriorismo” vem de a priori, isto é, aquilo que é posto antes como condição do que vem
depois. – O que é posto antes? – A bagagem hereditária. Essa epistemologia acredita que
o ser humano nasce com o conhecimento já programado na sua herança genética. (...)
Tudo está previsto.
Dessa forma, a interferência do meio físico e social deve ser mínima, para que as capacidades inatas
se desenvolvam naturalmente. Becker (2001) afirma que este é o pressuposto epistemológico da
pedagogia não-diretiva, representada na psicologia pelas teorias da Gestalt e o humanismo de Carl
O professor não-diretivo acredita que o aluno aprende por si mesmo. Ele pode, no
máximo, auxilia a aprendizagem do aluno, despertando o conhecimento que já existe
nele. – Ensinar? – Nem pensar! Ensinar prejudica o aluno. (BECKER, 2001, p. 20).
Segundo Becker (2001, p. 17), o modelo epistemológico empirista sustenta a pedagogia diretiva.
É assim o sujeito na visão epistemológica desse professor: uma folha de papel em branco.
Então, de onde vem o seu conhecimento (conteúdo) e a sua capacidade de conhecer
(estrutura)? Vem do meio físico e social.
O professor diretivo é aquele que define exatamente o que o aluno deve aprender e que acredita no
mito da transmissão do conhecimento. O aluno é concebido como um ser passivo que vai se desenvolver
e aprender por meio das pressões externas e de um trabalho rigidamente dirigido pelo professor. Nesse
sentido, o único polo autorizado a ensinar é o do professor, é ele quem fala, quem decide, quem pode,
quem manda, ou seja, é autoridade máxima e impenetrável.
O ser humano é concebido como um ser ativo que ao interagir com o mundo, o reconstrói,
desenvolvendo novas estruturas cognitivas. Algumas possibilidades, a criança já apresenta em função do
seu nascimento como, por exemplo, os reflexos e a capacidade de movimentar-se e usar os sentidos, e
outras serão construídas através da interação da criança com o meio.
Objetivos
A pesquisa que ora apresentamos teve como objetivo verificar as concepções sobre a Psicologia da
Educação de alunos ingressantes de um curso de Licenciatura de Pedagogia, de uma Universidade
pública.
Metodologia
A aplicação foi realizada no primeiro dia de aula da disciplina Psicologia da Educação e os alunos
tiveram 30 minutos para responder às questões propostas.
A segunda questão afirmava “A Psicologia da Educação tem como objetos centrais de estudo o
desenvolvimento e a aprendizagem humana”. Dentre as respostas, 28 participantes responderam (a)
concordo inteiramente, 17 participantes optaram pela resposta (b) concordo mais ou menos e 01
participante respondeu (c) nem concordo, nem discordo. Tais respostas revelam que esse grupo de
licenciandos, ingressantes, acredita que a ênfase da disciplina Psicologia da Educação está nos processos
de desenvolvimento e aprendizagem, o que, de alguma forma, é reforçado pelos textos e pesquisas na
área.
A terceira questão afirmava “O professor que tem conhecimentos sobre a Psicologia consegue
analisar os comportamentos de seus alunos”. Tal questão foi formulada com o intuito de entender se, para
esses licenciandos, a Psicologia é entendida a partir de uma posição normativa, que define o que é certo
ou errado e normal ou patológico, oferecendo dados para que o professor “analise” seus alunos, papel
esse que não deve ser assumido por esse profissional. Dentre os respondentes, 24 responderam (b)
concordo mais ou menos, 21 optaram por (a) concordo plenamente e apenas 01 respondeu (d) discordo
mais ou menos.
A quinta questão afirmava “A Psicologia da Educação não é uma disciplina em sentido estrito,
visto que não tem um objeto de estudo próprio, mas simplesmente um campo de aplicação da Psicologia”.
Para responder a essa questão, 16 participantes optaram pela (b) concordo mais ou menos, 11 optaram
pela (a) concordo inteiramente, 08 pela (c) nem concordo, nem discordo, 08 pela (d) discordo mais ou
menos e 03 pela (e) discordo inteiramente. Nesta questão pudemos notar que, apesar da maioria ter dito
que concorda que a Psicologia seja entendida como disciplina-ponte entre e a Psicologia e a Educação,
nessa questão, também a maioria afirma que ela não pode ser considerada uma disciplina por não ter um
objeto próprio de estudo. Podemos notar que há uma certa “confusão” na definição da Psicologia da
Educação e sua possível aplicação.
Acreditamos que tal fato se deva ao não conhecimento das teorias que têm como objetos de
investigação o desenvolvimento e a aprendizagem humana, assim como as diferentes formas de se
conceber e refletir sobre tais temas. A disciplina Psicologia da Educação, terá, entre outros objetivos, a
tarefa de trabalhar com esse grupo de licenciandos essas questões.
A nona questão afirmava “Os seres humanos se desenvolvem e aprendem na interação com o meio
e com seus semelhantes”. Para essa questão, 39 licenciandos optaram pela resposta (a) concordo
inteiramente e 07 pela (b) concordo mais ou menos. Notamos que todos os respondentes, em maior ou
menor grau, concordam com a afirmação. Podemos sugerir que, tal forma de se entender o
desenvolvimento e a aprendizagem humana vêm sendo veiculada pelos discursos educacionais há muito
tempo, o que se revela na resposta dos participantes, ainda que algumas práticas pedagógicas não
expressem esse entendimento. Nóvoa (1999), no artigo “Os professores na virada do milênio: do excesso
de discurso á pobreza das práticas”, abordou esse tema ao analisar a realidade discursiva que marca
grande parte dos textos sobre Educação. O autor faz uma análise da situação docente, levantando as
seguintes questões:
[…] do excesso da retórica política e dos mass-media à pobreza das políticas educativas;
do excesso das linguagens dos especialistas internacionais à pobreza dos programas de
formação de professores; do excesso do discurso científico-educacional à pobreza das
práticas pedagógicas e do excesso das “vozes” dos professores à pobreza das práticas
associativas docentes. (NÓVOA, 1999, p. 1).
A décima questão afirmava “Para aprender determinados conteúdos é preciso ter dom, como por
exemplo, para aprender a tocar um instrumento musical”. Dentre as respostas, 16 optaram pela (b)
concordo mais ou menos, 14 pela (e) discordo inteiramente, 10 pela (d) discordo mais ou menos, 04 pela
(a) concordo inteiramente e 02 pela (c) nem concordo, nem discordo. Pelas respostas podemos inferir que
no que se refere a essa questão, a opinião dos licenciandos fica dividida entre concordar e não concordar
com tal afirmação. O objetivo dessa pergunta foi o de verificar concepções amparadas no paradigma
inatista (racionalista) que defende que as pessoas nascem prontas, o que inclui, obviamente, os dons e
propensões.
Ao analisar as respostas dos licenciandos, de forma geral, depreendemos que há certa confusão de
paradigmas, com concepções que misturam diferentes formas de se entender um determinado tema,
definindo um pensamento sincrético desses alunos ingressantes sobre os temas propostos. Será tarefa da
disciplina Psicologia da Educação, como já afirmamos, auxiliar esses licenciandos na construção de
conceitos sólidos sobre esses e outros temas pertinentes ao trabalho docente.
A Psicologia da Educação, enquanto disciplina, pode ser considerada um excelente espaço para
essas e outras discussões!
Referências
COLL, C. Concepções e tendências atuais em Psicologia da Educação. In. COLL, C., MARCHESI, A.;
PALÁCIOS, J. Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia da educação escolar. 2.ed. Porto
Alegre: ArtMed, 2004.
NÓVOA, A. Os professores na virada do milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas. Educ.
Pesqui. Vol. 25, n.º 1. São Paulo Jan./Jun. 1999.
PIAGET, J. Seis estudos de psicologia. 24.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
Esta pesquisa teve como objetivo avaliar e verificar se uma intervenção em forma de curso e orientação
pedagógica, fundamentada na teoria construtivista piagetiana sobre meio ambiente, ministrada aos
professores, provoca ou não uma mudança nas atitudes, conhecimento, crenças e valores dos seus alunos.
A pesquisa foi realizada com alunos do Ensino Fundamental do município de Itapira, cujos professores
participaram do projeto “A Formação do Professor e a Educação Ambiental” e por alunos de um grupo
controle, pertencente ao mesmo município, ao mesmo sistema de ensino e da mesma faixa etária dos
alunos do grupo experimental, todos foram selecionados de forma aleatória. Trata-se de uma pesquisação
com análise qualitativa e quantitativa a partir da investigação de sujeitos com diferentes idades a partir de
situações-problema, representadas por meio de histórias, utilizando-se o desenho como procedimento e
realizando-se intervenções, por meio de questionamentos, seguindo o Método Clínico ou Crítico de Jean
Piaget. Essas histórias continham, além de um conflito envolvendo a problemática ambiental outro de
ordem moral, social e de relacionamento com o intuito de não os induzir apenas a questão ambiental. As
entrevistas, nesta pesquisa, iniciaram-se com o questionamento do que as crianças gostaram ou não na
história. A partir dessas observações, foram-lhes formuladas perguntas, a partir das ideias manifestadas
pelos sujeitos, levando-se sempre em conta a ideia prévia deles em relação às histórias e às situações
apresentadas, acompanhando suas interpretações e procurando, sempre que possível, solicitar-lhes justi-
ficativas, explicações e até, em alguns momentos, questionamentos sobre suas respostas, a fim de se
conhecer melhor a convicção de suas ideias. Coletados os dados e registrados nos protocolos, constatou-
se que as respostas dos sujeitos permitiam a análise dos resultados, dividindo-as em categorias, cuja
quantidade diferenciou-se em cada história. A organização das categorias seguiu uma ordem crescente de
elaboração das respostas, levando-se em consideração os conhecimentos, valores, atitudes e crenças
desses alunos em relação aos problemas ambientais apresentados.
This study aimed to evaluate and verify whether an intervention in the form of course and tutoring, based
on the constructivist theory of Piaget on environmental issues, when applied to teachers, can produce
changes in attitudes, knowledgement, beliefs and values of theirs students. The research was conducted
with elementary school students from the municipality of Itapira, whose teachers participated in the
project "The Teacher's Training and Environmental Education" for students and a control group
belonging to the same city at the same education and the same range age of students in the experimental
group, all were selected at random. It was applied the methodology based on action research with
qualitative and quantitative analysis from the investigation of subjects with different ages from problem-
situations, represented by means of stories, using the design procedure and how and where interventions
by means of questioning , following the Clinical Method of Jean Piaget. These stories contain, in addition
to an environmental conflict, several others problems of moral, social and relationship, in order to avoid
induction to the environmental issues. The interviews began asking how did the children liked the story
or not. From these observations, the questions were raised from the ideas expressed by the subjects,
taking in mind theirs ideas on previous stories and with the presented situations, following its
interpretations and seeking, where possible the justifications, explanations and even, sometimes,
questions about their responses in order to better understand how strong the ideas were. The data
collected and recorded in the protocols, allowed that the answers of the subjects were analysed in
different categories, at each story. The organization of the categories followed an increasing order of
elaboration of the answers, taking into account the knowledgement, values, attitudes and beliefs of these
students related to the environmental issues presented.
Atualmente, a sociedade sofre uma profunda crise a qual não podemos caracterizar como
ambiental mas, sim, civilizatória, pois é a forma estabelecida pelo homem de exploração dos recursos
naturais, associada à exploração cruel, resultando no modelo de degradação ambiental em que vivemos.
Mais do que uma simples visão romântica sobre o meio ambiente, é necessária uma mudança
drástica nos padrões de consumo, principalmente, nas tendências predominantes, já que o planeta não
suportará o modelo de desenvolvimento adotado pelo homem. O conceito que o ser humano tem sobre
progresso conota na realidade, apenas um aumento na taxa de exploração, cuja consequência é a
destruição desenfreada e insubstituível do planeta.
A sociedade enxerga a natureza não só como uma mera fornecedora de recursos abundantes e
inesgotáveis, mas também como um grande depósito de esgoto e lixo cuja capacidade de absorção é
infinita.
O ser humano precisa compreender que, por viver em grupo, qualquer ação ou atitude que venha a
agredir o ambiente em que vive, irá repercutir na coletividade, deixando de ser um problema individual,
tornando-se social. No entanto, é preciso reconhecer que essa relação é sistêmica, já que a sociedade é
uma das principais responsáveis na formação dos valores do indivíduo. Piaget (1965, p.17) coloca que
“O conhecimento é essencialmente coletivo e a vida social constitui um dos fatores essenciais da
formação e do crescimento dos conhecimentos pré-científicos e científicos” .
A Educação Ambiental nasce pela necessidade de se renovar o mundo, pois vivemos num
momento de insatisfação com o modelo de desenvolvimento social e ambiental em que estamos inseridos,
já que a grande maioria está distante de vivenciar a experiência de ser respeitada como ser humano, que
merece e deve ter qualidade de vida.
Por desconhecermos e não estarmos preparados para aproveitar situações reais do entorno, nós
educadores, trabalhamos a educação ambiental ainda presos nos conteúdos dos livros didáticos.
As propostas de Educação Ambiental, na grande maioria das escolas, abordam a temática apenas
formalmente, utilizando-se de estratégia na qual os problemas ambientais são tratados como disciplina ou
matéria dentro das ciências, de forma descontextualizada, omitindo-se as principais determinantes. Para
solucionarmos a problemática ambiental, precisaremos de cidadãos conscientes do seu papel no meio em
que estão inseridos e, acima de tudo, mudanças em suas próprias posturas e valores.
O professor tem por objetivo formar cidadãos conscientes e autônomos; entretanto, na prática, em
sala de aula, não consegue trabalhar de maneira coerente com esse objetivo, pois entre outros fatores,
desconhece formas de como os alcançar. O despreparo na formação do educador para trabalhar essas
questões fica evidente quando, em inúmeras situações, trazidas pelos alunos sobre problemáticas de seu
meio, as quais poderiam ser aproveitadas de maneira adequada por ele, são ignoradas, deixando com isso
de se trabalharem questões conceituais importantes que poderiam auxiliar na conscientização dos
educandos.
Como poderemos, então, formar cidadãos livres, autônomos e conscientes do seu papel de garantir
a sobrevivência das atuais e futuras gerações numa sociedade que desconhece e não considera as leis da
natureza, as quais são universais e categóricas, e que as utiliza quase sempre como um meio, e não um
fim em si mesma?
Precisamos compreender que a ética que utilizamos para as questões ambientais é a mesma que
utilizamos nas relações com os seres humanos, pois os valores são os mesmos, o que muda são as
atitudes, as quais estão, porém, embasadas numa mesma ética.
Josep Maria Puig (1988), em seu livro Ética e Valores: métodos para um ensino transversal,
reforça que a educação moral não tem, simplesmente, a função de impor regras e valores, mas sim,
oportunizar aos alunos uma análise crítica da realidade cotidiana e, a partir disso, criar condutas
exclusivamente pessoais, embasadas na justiça e na melhor forma de convivência.
É importante percebermos que as questões ambientais estão inseridas em vários temas como:
preconceito,violência, má distribuição de renda, desrespeito no relacionamento humano, desperdícios,
mau uso dos recursos naturais, desvalorização da vida e tantos outros, que são reflexos do modelo de
sociedade em que estamos inseridos. Daí a necessidade de se trabalhar com os alunos atividades que lhes
propiciem reflexões e vivências.
A proposta construtivista piagetiana tem como principais ideias o dinamismo e a mobilidade das
organizações cognitivas, produto das interações entre o sujeito e o meio, visando assim à construção do
conhecimento. Para Piaget (1974), o conhecimento está relacionado aos instrumentos que o sujeito possui
para compreender o meio com o qual interage, conhecimento este que constrói, a partir de estágios que se
desenvolvem, obedecendo a uma escala qualitativa através de suas interações e ações sobre o objeto.
Barry J. Wadsworth (1997, p.15), afirma que “os atos intelectuais são entendidos como atos de
organização e de adaptação ao meio”.
A teoria de Piaget procura explicar o funcionamento das estruturas mentais, as quais estão
inseridas no conjunto de todas as outras estruturas biológicas do ser vivo, isto é, o funcionamento das
primeiras é comum a todos os seres humanos como os demais sistemas do corpo. São estruturas pré-
formadas no organismo e passam a se diferenciar e especializar em relação às regulações fisiológicas, ao
interagirem com o meio.
O desenvolvimento intelectual está diretamente ligado às experiências sociais do sujeito, pois esse
desenvolvimento depende das interações sociais. Segundo Barry Wadsworth (1997), a interação do
social, na teoria piagetiana, é uma das quatro variáveis primárias do desenvolvimento, servindo como um
“guarda-portão” do desenvolvimento intelectual.
Além de explicar o funcionamento das estruturas mentais, a teoria de Piaget também esclarece o
caminho que o indivíduo percorre para construir essas estruturas, salientando que a velocidade com que
cada indivíduo passa de um estágio para outro será determinada pela sua interação com o meio físico e
social.
Segundo Mantovani de Assis (2000), essas estruturas organizadas do pensamento não são estáticas
e seguem um processo de reorganização hierárquica, segundo a qual evoluem, normalmente, em função
da idade e do nível de desenvolvimento cognitivo. Embora sigam sempre a mesma ordem, o período que
um sujeito leva para sair de um estágio cognitivo e atingir o próximo dependerá muito das suas interações
com o meio. Não devemos esquecer que a estrutura cognitiva seguinte será sempre superior à dos níveis
anteriores, servindo como base para a próxima.
O conhecimento não é um simples registro do mundo exterior e nem uma cópia da realidade, mas
sim, uma organização das estruturas que o sujeito possui para conhecer o meio no qual está inserido. O
sujeito não conhece o mundo tal qual ele é, mas como as suas estruturas possibilitam que o conheça;
assim, o conhecimento, na sua gênese, não vem dos objetos e nem do sujeito, mas das interações entre
Os conceitos sobre meio ambiente são construídos e precisam ser ensinados da mesma forma
como se trabalham matemática, português e outros. Devemos nos convencer de que a conscientização
ecológica depende do desenvolvimento do pensamento lógico-matemático, extremamente necessário para
a compreensão das relações de interdependência entre os seres vivos e não vivos do Planeta e do
desenvolvimento social e afetivo, pois somente valores morais como: cooperação, reciprocidade, respeito
mútuo, autonomia e solidariedade poderão auxiliar na construção de uma sociedade mais justa e de um
meio ambiente saudável a todos os seres que pertencem e que ainda pertencerão à Terra.
Desenvolvimento da Pesquisa
O trabalho procurou transformar o fazer pedagógico, aperfeiçoando o professor para que, a partir
desse modelo de formação continuada, pudesse substituir o conhecimento baseado no senso comum pelo
formalizado, explicitado e científico. Com esse aperfeiçoamento e investimento na formação do professor
e, conseqüentemente, com as transformações de sua concepção pedagógica e de sua atuação em sala de
aula, passando a trabalhar com a educação ambiental de maneira transversal e coerente com o processo de
construção do conhecimento, espera-se que tais mudanças sejam incorporadas e permaneçam presentes no
decorrer dos anos letivos.
92
Entidade não governamental ligada as indústrias produtoras de brinquedos que financia projetos educacionais.
93
Todo o projeto desenvolvido para os professores poderá ser visto na dissertação: A formação do professor e a educação
ambiental. Alfredo Morel – 2003.
O curso foi dividido em seis módulos, desenvolvidos com a constante preocupação em gerar
ambiente que estimulasse os professores a participarem de maneira ativa. As aulas foram planejadas com
a finalidade de apresentar situações, propor questões e contra-argumentações, promovendo trocas de
experiências e reflexões por meio de artigos, textos, livros, notícias, filmes, visitas, oficinas etc., o que
contribuiu para a elaboração e execução de projetos realizados pelos professores.
Os resultados obtidos deste projeto foram positivos, pois durante as observações nas escolas,
verificamos que muitos educadores conseguiram compartilhar da relação de ensino e aprendizagem com
os professores que não tiveram oportunidade de frequentar o curso e notamos, também, um crescimento
individual, pedagógico, profissional, social e afetivo entre os educadores, o que se refletiu em maior
integração no grupo. Observamos, nos professores, mudança nas atitudes para com os alunos e na forma
de trabalhar os conteúdos, tornando-se mais críticos e confiantes, embora ainda naturalmente presos aos
conteúdos curriculares e ao medo de não conseguirem cumpri-los.
Objetivo da Pesquisa
Essa pesquisa teve como objetivo avaliar se uma intervenção sobre meio ambiente sob a forma de
curso e orientação pedagógica, aos professores, fundamentada na teoria construtivista piagetiana, poderia,
ou não, operar uma mudança nas atitudes, conhecimento, crenças e valores dos seus alunos.
Metodologia da Pesquisa
O curso foi avaliado e reavaliado, com os educadores, durante e após a sua aplicação, como
também foram utilizados para o mesmo fim alguns instrumentos de avaliação citados anteriormente. O
complemento dessa avaliação, e por que não dizer, a revalidação do Projeto, só poderia acontecer se os
seus resultados pudessem modificar os conhecimentos, as crenças, as atitudes e os valores dos alunos
Desta forma, após um ano do término do curso, deu-se início à pesquisa com os alunos. Esse
espaço de tempo foi importante, pois proporcionou aos professores a oportunidade de assimilação e
prática com os seus alunos, tendo em vista que a pesquisa buscava avaliar se uma intervenção sobre meio
ambiente, sob a forma de curso e orientação pedagógica, aos professores, fundamentada na teoria
construtivista piagetiana, poderia, ou não, operar uma mudança nas atitudes, conhecimento, crenças e
valores dos seus alunos.
Além dos alunos do ensino fundamental do município de Itapira, cujos professores participaram
do Projeto “A Formação de Professores e a Educação Ambiental”, a população pesquisada foi
complementada por um Grupo Controle, formado por alunos do Ensino fundamental, desse mesmo
Município, porém com professores que não participaram do Projeto.
A escolha dos alunos foi realizada, de maneira aleatória, da seguinte forma: foram sorteados 30%
dos professores do ensino fundamental, participantes do projeto “A Formação de Professores e a
Educação Ambiental” e, dentre esses, foram analisados 20% dos seus alunos, também sorteados, por
classe. Após a aplicação das situações-problema, foi feita a escolha dos professores e seus respectivos
alunos, pertencentes ao Grupo Controle, escolha também feita aleatoriamente, porém obedecendo à
mesma faixa etária do grupo anterior. O Grupo Experimental ficou, então, constituído por 36 alunos
divididos em pequenos grupos nas faixas etárias de 7 a 12 anos. O mesmo aconteceu com o Grupo
Controle, totalizando então 72 crianças pesquisadas.
Como conteúdo básico das entrevistas com as crianças, foram utilizadas histórias com situações-
problema de ordem ambiental, colocadas com alguma outra situação diferente dessa problemática. A fim
de investigar que representações as crianças, de diferentes idades, tinham sobre algumas situações
envolvendo a problemática ambiental, foi realizado um estudo piloto, com dez crianças de diferentes
idades, onde foi possível estruturar alguns questionamentos, através das respostas, que se mostraram
comuns nas crianças entrevistadas, o que possibilitou, estruturar um questionário de apoio.
As entrevistas clínicas foram realizadas, individualmente, e apoiadas, então, por esse questionário,
experimentado previamente. Essas histórias, explicitadas por cenas em quadrinhos, foram trabalhadas da
seguinte forma:
• os desenhos foram apresentados às crianças através de pranchas, para que elas narrassem o que
estava acontecendo. Quando aparecia algum texto, o pesquisador fazia a leitura, somente para as
crianças ainda não alfabetizadas;
As histórias criadas para embasar as entrevistas foram inspiradas na pesquisa dos autores Bathro e
Costa, em 1997, em que trabalharam com 60 crianças de 6 a 12 anos, numa situação em que eram
expostas a respeitar ou não os canteiros existentes em uma praça, no local do experimento.
Quando estudamos a problemática ambiental, podemos verificar que mais importante do que a
ação “ambientalmente correta” são os valores que estão por trás dela, pois, quando por qualquer motivo,
os interesses que levam a uma determinada ação vierem a desaparecer, junto com eles desaparecerá a
própria ação.
Utilizando o Método Clínico, levou-se sempre em conta a ideia prévia dos sujeitos em relação às
histórias e às situações apresentadas, acompanhando suas interpretações e procurando, sempre que
possível, solicitar justificativas, explicações e até, em alguns momentos, questionamentos sobre suas
respostas, a fim de conhecer melhor a convicção de suas ideias.
Coletados os dados e registrados nos protocolos, constatou-se que as respostas dos sujeitos
permitiam a análise dos resultados, dividindo-as em categorias, cuja quantidade diferenciou-se em cada
história. As respostas que tinham a mesma ideia foram colocadas nas suas respectivas categorias. Com
isso, o resultado de seu conjunto irá permitir uma melhor compreensão e análise do conhecimento,
valores, atitudes e crenças dos sujeitos. Tal opção justifica-se por ser uma forma de análise já adotada em
outras investigações evolutivas sobre a construção do conhecimento.
Conclusões
Os resultados apresentados nesta pesquisa, nos permitem concluir que as diferenças, apresentadas
nas respostas dos alunos do grupo experimental, estão diretamente ligadas ao trabalho desenvolvido com
os professores, durante a aplicação do curso de Formação em Educação Ambiental, pois procuramos
trabalhar com os docentes os conteúdos pedagógicos e ambientais da mesma forma que deveriam ser
trabalhados com seus alunos. Durante todo o curso, preocupamo-nos em fazer com que o educador
vivenciasse a sua aprendizagem dentro de um ambiente participativo e de respeito mútuo.
Tais resultados nos mostraram que, ao trabalharmos a problemática ambiental dentro da proposta
construtivista, num ambiente de respeito mútuo, cooperação, solidariedade, onde os alunos possam
participar, refletir, tomar decisões, além de propiciarmos a conscientização ambiental, estaremos
auxiliando o desenvolvimento cognitivo, social, moral e afetivo desses sujeitos.
Portanto, a necessidade que temos de conhecer, de adaptar-nos e de interagir com o meio ambiente
é tão natural quanto a de vivermos num meio ambiente equilibrado, pois, sempre que os seres humanos
estiverem numa situação de desequilíbrio, seja ela cognitiva ou ambiental, buscarão, naturalmente, formas
de equilíbrio, pois disso depende a sua qualidade de vida.
Apesar de óbvio, o homem, nos dias atuais, não consegue perceber essa necessidade e inicia um
processo de degradação e desequilíbrio que destruirá a vida do Planeta, no qual está inserido como parte,
já que toda e qualquer forma de vida, por mais simples que possa parecer, necessita, basicamente, das
mesmas coisas. Será que o Homem consegue se enxergar como parte nesse conjunto? Caminhamos, de
fato, para uma possível destruição da vida? Quais seriam as razões fundamentais dessa irracionalidade?
O curso de educação ambiental que ministramos aos professores em Itapira, assim como os
resultados obtidos na pesquisa do trabalho que esses educadores realizaram com seus alunos, são uma
amostra de que poderemos reverter esse quadro através da educação, retornando o Homem à natureza.
Pudemos perceber a transformação desses educadores, durante o curso, pois, muitos deles nos relatavam
como seus valores e suas atitudes diárias haviam mudado a partir da oportunidade que tiveram para
refletir e pensar nas questões ambientais, sociais, culturais e éticas, que foram trabalhadas durante todo
esse tempo.
Para que as crianças sejam educadas e conscientizadas sobre a importância das suas ações e
valores na conquista de um meio ambiente equilibrado e de uma sociedade mais justa, é necessário que
deixemos nossos alunos vivenciarem situações de cooperação e respeito mútuo com os adultos, assim
como lhes possibilitar condições de aprenderem num ambiente onde possam participar ativamente na
construção de seus conhecimentos. Daí a importância da educação ser a desencadeadora das relações,
interações e reflexões sobre o meio ambiente, para que possamos com isso, garantir a continuidade da
vida.
Joseph Cornell (1997, p.11), escritor e educador, que dedicou boa parte da sua vida trabalhando
com as crianças o respeito pelo meio ambiente, a partir de jogos e brincadeiras, realizadas em contato
com a natureza, é categórico ao afirmar que, quando conduzimos as pessoas à oportunidade de
compartilharem a natureza numa vivência direta e sensível, a própria natureza se encarregará de
transformar, espontaneamente, a vida das pessoas de uma maneira extraordinária!
ASSIS, M. C. e MANTOVANI DE ASSIS, O.Z. (org.). Anais do XVII Encontro Nacional de Professores
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Esta pesquisa, cujo objetivo principal é a análise da construção da função do tutor no âmbito do Curso de
Pedagogia – Licenciatura - na modalidade à distância, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(PEAD), é um estudo de caso e segue um modelo qualitativo de investigação. A análise dos dados foi
feita com base na Epistemologia Genética de Piaget, buscando-se o modo pelo qual a tomada de
consciência se processa. Para a análise dos dados, operou-se com os níveis de tomada de consciência em
três categorias: apropriação tecnológica, estratégias de intervenção nos espaços de tutoria e compreensão
das mudanças proposta pelo Curso. A análise foi realizada a partir do levantamento dos registros dos
tutores nos ambientes do curso. Com este estudo, foi possível concluir que a partir das interações com as
professoras-alunas e com os estudos no curso de especialização, os tutores foram constituindo a tomada
de consciência da própria função da tutoria, o que implicou em transformações nas suas maneiras de
entender a proposta do curso, as professoras-alunas e as tecnologias, qualificando, por conseguinte, o
trabalho pedagógico.
Abstract
This research, whose main objective is to examine the construction of the function of tutor within the
Graduate Course of Pedagogy in the distance mode of the Federal University of Rio Grande do Sul
(PEAD, in Portuguese) is a case study and follow the model of qualitative research. The data analysis was
based on the genetic epistemology of Piaget, seeking for the way how Become Awareness
(Consciousness) takes place. For the analysis of the data, it was operated with the levels of Consciousness
in three categories: technology ownership, strategies of intervention in areas of tutorial and understanding
of the changes proposed by the course. The analysis was conducted from a survey of the registers of the
tutors in environments of the course. With this study it was possible to conclude that from interactions
with the teachers-students94 and with studies in the specialization course, tutors were forming the
awareness of the very same function of tutorial, which resulted in changes in their ways to understand the
proposal of the course, the teachers-students and the technologies, qualifying, therefore the pedagogical
work.
94
In portuguese, this expression is used in the female form because within the 400 students in the course, 390 are women
A concepção de tutoria vem constituindo sua identidade a partir das práticas, das reflexões sobre
esta prática e das formações continuadas. E destas reflexões surgiam vários questionamentos tais como:
• Até onde posso avançar nas interações? Onde termina minha função e começa a do professor?
• E as interações realizadas, será que estão aquém, ou além, do que as professoras-alunas esperam?
• A partir dos retornos dos comentários feitos, às professoras-alunas, há uma mudança na maneira
de interagir dos tutores?
• Quais as tomadas de consciência que este tutor está tendo a respeito da função e da dimensão da
sua intervenção-interação?
Problema
95
O caráter destas arquiteturas pedagógicas é pensar a aprendizagem como um trabalho artesanal, construído na vivência de
experiências e na demanda de ação, interação e metarreflexão do sujeito sobre os fatos, os objetos e o meio ambiente sócio-
ecológico. Seus pressupostos curriculares compreendem pedagogias abertas capazes de acolher didáticas flexíveis,
maleáveis, adaptáveis a diferentes enfoques temáticos. (CARVALHO; NEVADO e MENEZES, 2005)
Objetivos Específicos
Tomada de Consciência
Entre as ações não-conscientes e a consciência final que o sujeito toma de sua ação, Piaget (1977)
admite graus de consciência intermediários. Podemos ter certa consciência de uma ação no instante em
que ela se produz, mas essa consciência permanece apenas momentaneamente se não houver integração
em estados seguintes (NEVADO, 1992, p. 69).
O sujeito só conhece se age sobre o objeto, e o objeto só se torna passível de ser conhecido
mediante o progresso das ações exercidas sobre ele. Segundo Becker (1993), o mecanismo de tomada de
consciência aparece em todos os aspectos como um processo de conceituação. As leis procedem do
sujeito, que faz e compreende, sendo que a ação já constitui um saber, mas não necessariamente um
compreender. No nível mais básico de tomada de consciência, o compreender está atrasado em relação à
ação, sendo que, nos níveis superiores, é a conceituação (compreensão) que orienta as ações.
A Pesquisa
Os sujeitos do estudo de caso da presente pesquisa são 53 tutores, 15 que atuam nos cinco polos
de educação a distância, vinculados e localizados nos municípios de Alvorada, Gravataí, Sapiranga, São
Leopoldo e Três Cachoeiras, e 38 tutores da sede, da FACED/UFRGS, que apoiam as atividades dos
Apropriação Tecnológica
• Nível l: Consciência apenas inicial das características de funcionamento das TICs e das condições
ou ações necessárias para alcançar um objetivo. Esse nível inicial de contato dos tutores com as
tecnologias é caracterizado por tomadas de consciência ainda muito periféricas, centradas apenas
em características imediatamente observáveis das ferramentas e ambientes virtuais, em detrimento
das suas ações sobre as ferramentas. Os tutores partiam em busca de um objetivo (por exemplo,
colocar imagens nos blogs, usar os Pbwikis, editar imagens), mas não apresentavam consciência
das condições ou ações necessárias que os levavam a atingir aquele objetivo. Ainda que
chegassem a alcançar um objetivo, por tentativas, apenas tomavam consciência desse resultado (o
background, as ferramentas de texto), sem chegar à consciência dos mecanismos que direcionam
essa ação, ou seja, os comandos que ele usou para chegar ao objetivo. Nessa fase, muitos
anotavam os procedimentos no caderno com medo de esquecer e não conseguir fazer novamente.
Os tutores estavam se apropriando da tecnologia, mas ainda se sentiam inseguros com as “novas
ferramentas digitais”. Utilizavam, então, o caderno para anotar os procedimentos dos programas,
“um passo a passo” para recorrer, quando precisassem utilizar novamente tais programas. O bloco
de anotações do computador era um recurso raramente utilizado, pois eles ainda sentiam mais
segurança em usar os materiais que estavam acostumados a usar na sua vida de estudantes: o
“papel e a caneta”.
T4 Blog 04/03/2007 Percebi que ao criar um blog, tenho que ter o cuidado de torná-lo
claro, se viso atingir um certo público, tenho que tomar alguns cuidados de formatação,
definição, e linguagem, para obter êxito nessa atividade.
Com as primeiras descobertas ou consciência das ações sobre as TICs, a atenção dos tutores passa
a concentrar-se nos meios empregados, ou seja, em como “pode ser feito” (como acessar
diferentes ambientes, por exemplo).
• Nível III: Consciência das ações empregadas, com a compreensão dos funcionamentos e
aplicações básicas das TICs.
Nessa fase, há uma tomada de consciência das coordenações internas das ações necessárias à
tomada de consciência das propriedades menos imediatas do objeto. Quando o sujeito vai
tomando consciência das suas ações, ele constrói novas formas de interpretar e de resolver
problemas. Ou seja, os tutores não se limitavam à tomada de consciência da ação material, mas
chegavam à consciência dos problemas a serem resolvidos.
• Nível l: Consciência apenas inicial das mudanças propostas pelo curso e das condições ou ações
de tutoria empregadas para a aplicação dessa proposta.
T35 Webfólio 08/11/2006 Olá, ao revisar o seu webfólio observei que não se ateve ao que
foi pedido. Você apenas mencionou que a pessoa é professora, mas faltou caracterizá-la
como professora. Precisa, além disso, tentar estabelecer alguma relação com a teoria. Por
isso, terá um novo prazo para refazer a atividade e postar até o dia 24 (5ª-feira). Qualquer
dúvida, é só me escrever. Abraços.
Este nível caracteriza o início do curso, quando os tutores tiveram os primeiros contatos com o
plano pedagógico do curso, conhecendo a sua proposta e buscando entendê-la a partir dos
referenciais já construídos em outras situações de formação.
• Nível II: Avanços na consciência das mudanças nas ações de tutoria envolvidas nas propostas do
curso e das ações empregadas na sua aplicação.
Os sujeitos, nesse momento, passam a ver novas possibilidades de ação. Na fala do tutor, podemos
perceber que ele estava preocupado em criar condições para novas trocas com o grupo. Nesse
momento, as iniciativas de compartilhamento são alargadas, apontando para um início de
formação da comunidade de aprendizagem.
• Nível III: Consciência das mudanças nas ações de tutoria proposta pelo curso.
T38 SGQ 18/12/2007 Acredito que estamos construindo uma comunidade virtual de
aprendizagem. Vejo que estamos mais unidos a cada dia, justamente por estarmos
fazendo parte de um grupo desde o início do curso, vejo que as trocas, os aprendizados,
as sugestões entre tutores estejam muito mais apuradas a cada dia.
Conclusões
Considerando que a maioria dos tutores entrou sem experiência, a análise dos dados nos permite
identificar que, o processo de construção da função de tutoria ocorreu, a partir das tomadas de consciência
dos tutores, nas três categorias apontadas neste estudo.
Cabe recorrer à analogia de Piaget, ao se conceber que a estrutura da análise dos dados ocorreu em
espiral, uma vez que, segundo o estudioso suíço, os estágios evoluem de tal modo que cada um engloba e
amplia o anterior.
E foi desse modo que observei o processo, considerando o tempo de Curso, desde o período de
preparação dos tutores, até o final do IV eixo. Esse acompanhamento evidenciou a existência de um
processo evolutivo de consciência, ainda que se observe que os tutores apresentaram graus diferenciados
de tomada de consciência nas três categorias analisadas.
Já no final do período, a análise dos dados não evidencia registros de nível I. Parte dos tutores
apresenta condutas de nível II de tomada de consciência, pois em algumas situações tentam realizar as
atividades, mas desistem no primeiro obstáculo, ainda solicitando um passo a passo, em vez de explorar
as possibilidades dos ambientes. No entanto, evidenciei também várias situações de transição para o nível
seguinte e um grupo de tutores que já apresenta condutas de nível III, explorando todas as possibilidades
do ambiente e sugerindo outras ferramentas que podem ser agregadas. Realizam tutoriais para auxiliar os
colegas e as professoras-alunas. Demonstram, ainda, consciência das coordenações internas das suas
ações de apropriação de novas ferramentas.
Parte dos tutores está em transição do nível II para o nível III, pois um grupo ainda relata
dificuldades em desafiar as professoras-alunas, mas já apresentam indicadores de uma transição ao nível
seguinte, tomando consciência das lacunas no seu conhecimento e buscando formas de compensar essas
lacunas. Encontrei a maioria do grupo no nível III: tanto os tutores da sede quanto os dos polos desafiam
as professoras-alunas a realizarem as atividades superpondo teoria e prática. Estão usando a metodologia
problematizadora durante as intervenções, levantando questões, provocando, na tentativa de gerar o
desequilíbrio das certezas, favorecendo o processo de reconstrução.
Na Categoria 3 – compreensão das mudanças propostas pelo curso -, nos momentos iniciais, os
tutores situavam-se, na sua maior parte, no nível I, no entanto, alguns tutores já apresentavam registros de
atividades que indicavam tomadas de consciência em nível II. Como o curso era novo e previa uma
interação diferenciada com o intuito de Formação de Comunidades de Aprendizagem, a maioria dos
tutores ainda não tinha consciência das ações envolvidas nessa forma de trabalho. As trocas com os
colegas ainda era tímida, pois todos estavam aprendendo e tomando consciência da proposta. Ao final do
período, a maior parte dos tutores apresenta produções e interações que caracterizam a transição dos
níveis II e III de tomada de consciência. Em alguns extratos, os tutores relatam que, quando entraram no
curso, pensaram que era “mais um” curso a distância. No decorrer do trabalho, tomaram consciência
dessas características do curso baseado no modelo construtivista, pouco adotado na maioria das
instituições. Também são identificadas em reflexões e intervenções, características do nível III de tomada
de consciência, o que evidencia um processo evolutivo no sentido da compreensão da proposta interativa
e construtivista do PEAD. O grupo de tutores que se encontra no nível III relata a importância do vínculo
e da troca com seus colegas e docentes. Os tutores caminham na direção do fortalecimento da
comunidade de aprendizagem, no curso e fora dele, pois muitos tutores trabalham em escolas e
universidades e estão levando o trabalho inovador do PEAD para desenvolver com seus alunos. Estes
também participam ativamente das reuniões das equipes das interdisciplinas, colaborando com sugestões
e atividades que venham ao encontro do curso. Os tutores que se encontram nessa fase têm consciência
Como afirma Piaget (1977), a tomada de consciência não ocorre de maneira repentina, mas a partir
de construções e reconstruções, podendo esse processo ser "adiado" em decorrência de deformações das
quais o sujeito lança mão para se adaptar à realidade, quando se defronta com as situações ou objetos que
não são incorporados por sua estrutura cognitiva.
O tutor no PEAD tem vivido um constante processo de ressignificação das suas funções
dentro do Curso, a partir de uma formação diferenciada, tempo de dedicação e compromisso com a sua
própria formação e com o atendimento as demanda do curso, além de flexibilidade para trabalhar dentro
de uma proposta que se reconstrói nas interações dentro de uma rede de aprendizagem. Os tutores, a partir
da tomada de consciência da sua função, passaram a realizar com maior entendimento as atividades de
tutoria que compreende a :
Referências
CARVALHO, M.J.S.; NEVADO, R.A.D.; BORDAS, M.C. Licenciatura em pedagogia a distância: anos
iniciais do ensino fundamental – Guia do aluno. Porto Alegre: PEAD/UFRGS, 2006a.
É nas séries iniciais do Ensino Fundamental que as dificuldades de aprendizagem (DAP) aparecem
devido ao início do trabalho com escrita, leitura e aritmética de forma sistemática, partindo de conceitos
abstratos. Embora os números oficiais sejam relativamente pequenos, professores asseguram que, um
número muito maior de crianças apresentam DAP Isso acontece, porque os docentes possuem um
conceito acerca do assunto baseado menos na teoria e mais em informações do senso comum ou ligando
as DAPs a problemas no processo ensino/aprendizagem, ou ainda, da própria estrutura educacional
adotada, e tantos outros fatores que contribuem sabidamente para o insucesso escolar. O presente trabalho
tem a intenção de demonstrar a concepção que formandos do curso de Pedagogia tem acerca das DAPs e,
posteriormente, contribuir para sanar dúvidas que possam existir por meio da elaboração de uma cartilha
explicativa e com isso, promover a instrução antes do exercício da profissão.
Abstract
It is in Basic Courses initial series that learning difficulties arise due to the beginning of writing, reading
and arithmetic activities in a systemic way, based on abstract concepts. Although the official statistics are
relatively small, teachers ensure that there is a greater number of children with these kind of difficulties.
This happens because teachers have a concept on this subject, based less in theories than in their
observations and in common sense. They tie learning difficulties to problems teaching and learning
process or even to the education structure, beyond other factors that contribute to scholar failure. The aim
of this paper is to demonstrate graduate students in Pedagogy Courses conceptions on learning difficulties
as well to contribute to solve questions by means of a explication folder and, in this way, to promote
instruction before professional work.
A chegada de uma criança na escola é sempre cercada de expectativas, tanto por parte da família
quanto por parte da equipe escolar. A família, cumprindo seu dever moral e legal, conduz um dos seus
para as “primeiras letras” a fim de iniciar sua formação que provavelmente só terá fim no início de sua
atividade profissional. Desde a gestação espera-se uma certa normalidade da criança que nasce e posterior
sucesso nos níveis de ensino e relacionamento, cumprindo o compromisso cultural e histórico
desenvolvido pela sociedade que está inserido.
A equipe escolar recebe e orienta o aluno, de forma sistemática para que consiga incorporar os
saberes e desenvolver as competências e habilidades necessárias para sua atuação profissional e seu
desenvolvimento social por meio das relações, do aluno com os saberes, do aluno com os colegas e do
aluno com ele mesmo. Tais relações são de suma importância para estudo de questões educacionais,
entretanto não iremos nos aprofundar nelas pois, o cerne do trabalho é justamente uma característica
individual que contradiz a normalidade esperada.
Tais expectativas são, ou não, cumpridas no decorrer da vida escolar. A não concretização das
expectativas podem ter variadas explicações como, por exemplo, questões culturais, emocionais, de
gestão do trabalho escolar, de formação docente e muitas outras razões que inquietam os Educadores e
pesquisadores da Educação. Tais discussões são relevantes para compreender e superar possíveis
desajustes nos sistemas educacionais, no entanto, vamos aqui discorrer sobre algo ligado ao aluno e
partindo de uma abordagem que contradiz as perspectivas investigativas da área de Educação que é
justamente focar no sistema educacional e não mais em elementos separadamente.
Referencial Teórico
É nas séries iniciais do Ensino Fundamental (EF) que as Dificuldades de Aprendizagem (DAP)
são identificadas devido ao início do trabalho com escrita, leitura e aritmética de forma sistemática,
partindo de conceitos abstratos. Antes não havia sido exigido da criança a elaboração concreta de
elementos partindo de conceitos abstratos, que provavelmente não lhes eram conhecidos. A criança que
até então apresenta um desenvolvimento aceitável, tanto em aspecto psicomotor, social e cognitivo,
começa a demonstrar atraso em uma ou várias disciplinas escolares, demonstrando, no decorrer das séries
iniciais, defasagem com relação aos colegas.
De acordo com o National Joint Committee of Larning Disabilities - NJCLD órgão que reúne
maior consenso, a definição de DAP compreende o seguinte conteúdo.
A classificação do NJCLD coloca que as DAP tem uma ligação com disfunção no sistema
nervoso central (SNC), apesar de os estudos não garantirem que possa ser encontrado, por meio de
exames clínicos, alterações no SNC que seja responsáveis por acarretar DAP.
É mais provável que se diagnostique o que não é DAP, do que o que é. Segundo a bibliografia
especializada apenas 2% aproximadamente de todas as crianças em idade escolar apresentam DAP
(FONSECA,1995).
Embora o número seja relativamente pequeno, professores asseguram que, um número muito
maior de crianças apresenta DAP. Isso acontece provavelmente porque os docentes possuem um conceito
incorreto acerca do assunto. Conceito esse, baseado menos na teoria e mais em informações do senso
A atitude dos professores a esse respeito contribui para a estigmatização dessas crianças, que
adentram a séries posteriores com julgo de déficit em aprendizagem.
E completa em seu art. 18: “ É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente,
pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”
É adequado então, que o professor das séries iniciais tenha clareza de todo esse mecanismo e o
evite, promovendo o desenvolvimento saudável de seus alunos.
Existem muitas razões pelas quais um aluno não aprenda determinado conteúdo ou vários. Uma
dessas razões uma é Dificuldade de Aprendizagem, que acomete cerca de 2% de todo alunado e mais
frequente em meninos (FONSECA, 1995), assim, não há como justificar que a maior parte de uma sala de
96
Moysés e Collares utilizam o termo Distúrbios de Aprendizagem, que difere de DAP pela etnia representar uma patologia,
algo indissociável ao indivíduo. É um enfoque médico do mesmo problema. Como este trabalho visa as questões
pedagógicas, o termo utilizado será DAP, que difere de Distúrbios de Aprendizagem no tratamento, que, no caso de DAP,
não faz uso de medicamentos e presa pela abordagem pedagógica.
Retomando ainda a questão das expectativas. Por parte da família a espera, desde a gestação de
uma criança que se desenvolva com certa normalidade e seja capaz de cumprir seu papel social e por
parte da escola, um aluno que obtenha sucesso em seus estudos, na apropriação do conhecimento, no
desenvolvimento de suas habilidades e competências, enfim, preza pela emancipação humana. Entretanto,
em algum momento da vida escolar, um abismo começa a se formar entre o desempenho de alguns
indivíduos e do restante, que por hora já é de se questionar se o restante representa a maioria.
A proposta de Educação Inclusiva pressupõe que o trabalho pedagógico da sala seja diversificado
e dinâmico a fim de atender aos diversos perfis de aprendizagens dos alunos.
Alguns aspectos devem ser investigados para que não haja equívocos por parte da escola. Em
seguida, elencamos alguns deles de forma sucinta e acompanhados de breve explicação. A ordem em que
aparecem nada tem de prioridade ou importância, serve apenas para classificar.
Dificuldades Escolares
Essa questão nos leva as diferentes grades curriculares dos cursos de graduação em Pedagogia e
se espera profissionais que tiveram contato com diferentes conteúdos, sem esquecer dos que se formam
em uma abordagem generalista ou especialista. Ainda na questão da docência podemos citar problemas
como, dificuldade de acesso a bens culturais (LELIS, 2008), formação continuada, baixos salários, turnos
de trabalho dobrado.
A estrutura da escola também pode colaborar com o fracasso escolar por meio de sua organização
física e de pessoal, gestão inadequada, relações intra e interpessoais. O aluno pode apresentar questões
emocionais, psicológicas que são representadas muitas vezes na forma de comportamento indisciplinar o
gera desarmonia na sala de aula. A comunidade pode ou não estar em constante contato com a escola e
esse contato pode ser benéfico ou não dependendo da região em que está localizada, como exemplo,
temos escolas em bairros dominados pelo tráfico de drogas onde a escola já perdeu suas características
para assumir o papel determinado pelos “chefes” do tráfico. Muitas vezes a escola é refém e outras ela faz
de seus alunos reféns! De qualquer forma, quando nos referimos a questões escolares, nos referimos a
problemas multisetoriais que demandam providências multisetoriais. De preferência partindo de ações
governamentais como previsão orçamentária, legislação específica até assegurar que os sistemas
educacionais cumpram efetivamente com o papel a eles atribuídos. É garantido pela Constituição Federal
o direito a educação de todas as crianças e a lei de Diretrizes e Bases da educação, Lei nº 9.394 prevê o
acesso e permanência dos alunos, preferencialmente na Rede Pública, para aquisição dos conhecimentos
sistematizados que irão colaborar para sua formação integral.
Dislexia
Dislexia é um termo utilizado para descrever um problema de fundo neurológico que compromete
a linguagem, seja ela linguagem matemática, escrita ou leitura. Pode ser diagnosticada em qualquer
período da vida, mas por motivos óbvios é mais frequentemente identificada no período escolar. Cerca de
20% de toda população apresenta algum tipo de dislexia e como é comum aos indivíduos que tem
procurar estratégias para a aprendizagem, muitos passam toda a vida sem nunca saber que tinham.
Transtornos
São patologias que acometem o indivíduo em seus sistemas neurológico ou psíquico. No caso dos
transtornos neurológicos, esses afetam o Sistema Nervoso Central (SNC) e dentre os distúrbios, podem
apresentar Transtorno do sono, Doenças do SNC, Doenças Neurodegenerativas, Malformações
Congênitas e Síndromes Degenerativas, como é a Esclerose Múltipla. Entre os distúrbios psicológicos
estão a ansiedade, doenças mentais, depressão, distúrbios de conduta, esquizofrenia e outros.
Deficiências
Em qualquer um dos casos citados acima, havendo necessidade de adaptações de Grande Porte ou
de Pequeno Porte (ARENGHI, 2007), o que cabe a escola, e contemplo aqui toda a equipe educacional, é
identificar o aluno que apresenta uma Necessidade Educacional Especial – NEE. Nesse caso, a escola
pode contar com serviço de suporte se for necessário.
A identificação do aluno com NEE deve partir do professor, que provavelmente será o primeiro a
perceber que há uma discrepância muito acentuada entre o aluno e os demais. O próximo passo é então,
pedir auxílio da coordenação pedagógica e se precisar, encaminhar para avaliação psicológica, médica ou
fonoaudiológica. Esses profissionais darão também dicas de como lidar com o aluno, no que diz respeito
ao conteúdo de sua responsabilidade, é claro.
Após identificado, o aluno tem o direito a adequações que supram sua necessidade, daí existe
desde adaptações no maio físico, de materiais até a adaptação, ou flexibilização, do currículo. Algumas
modificações podem ser promovidas no âmbito escolar e outras irão necessitar de parcerias e ações
governamentais.
Contamos também com vasta bibliografia, inclusive publicações do Ministério da Educação que
elucidam conceitos e formas de trabalhar as NEE.
Apesar de requerer maior dedicação por parte dos professores, DAP pode ser definido de forma
temporária ou permanente e em alguma área do conhecimento, ou em várias. Há muitas teorias que
conceituam DAP, entre elas a de Coll (1995):
Há um nível intermediário de Dap (...) que são as caracterizadas como específicas porque
afetam de modo específico determinadas aprendizagens escolares (como , por exemplo, a
da leitura, a da escrita ou da matemática), e como leves, já que, além de não implicar
deteriorização intelectual, os aspectos psicológicos são poucos (por exemplo,
desenvolvimento fonológico, ou a atenção sustentada, ou a memória de trabalho), e suas
consequências podem ser solucionadas mediante intervenção psicopedagógica oportuna e
eficaz. Às vezes também costumam ser qualificadas como evolutivas, não apenas porque
a perspectiva da qual são consideradas seja de natureza cognitivo-evolutiva, mas também
porque se estima que sua origem se deva a atrasos no desenvolvimento.
O importante é diferenciar o que não é DAP e o que pode ser resolvido no âmbito escolar e quais
elementos precisarão de ajuda para serem solucionados.
• Identificar o conceito que os alunos do curso de graduação em Pedagogia, nos últimos períodos da
graduação possuem a respeito de Dificuldades de Aprendizagem e a partir dele elaborar uma
cartilha para explicar possíveis contradições com relação ao assunto.
• Proceder uma investigação a respeito da relevância científica e social do tema;
• Reunir bibliografia que contribua para a solução do problema da pesquisa;
• Leitura, fichamento e análise da bibliografia levantada e outras que possam surgir durante o
andamento da pesquisa;
• Compreender o que os autores colocam sobre o tema;
• Verificar os pontos e conceitos de maior importância;
• Oportunizar o contato da pesquisa com alunos da graduação por meio da participação em
reuniões de cunho teórico e organizativo;
• Identificar o que os alunos dos últimos períodos do curso de Licenciatura em Pedagogia entendem
por Dificuldades de Aprendizagem; e,
• Elaborar uma cartilha explicativa dos aspectos deficientes levantados a partir da coleta de dados.
Metodologia E Desenvolvimento
Fonte de dados
Materiais
Conclusões
O trabalho não possui dados conclusivos. Está na etapa de aplicação do questionário junto aos
alunos dos últimos períodos do curso de graduação em Pedagogia.
Já foram realizadas reuniões teóricas a respeito do tema e do projeto para envolvimento das
questões junto aos alunos que irão acompanhar a pesquisa e que não serão os mesmos que responderão ao
questionário. O corpo teórico da pesquisa também está em finalização.
Após coleta de dados e posterior análise qualitativa, pretende-se desenvolver uma cartilha
explicativa na estrutura de perguntas e respostas. Será entregue a todos os alunos dos últimos períodos do
curso para que tenham suas possíveis dúvidas sanadas antes da efetiva função.
Com essa ação espera-se que o professor se sinta mais preparado para enfrentar questões que irão
permear sua prática e esteja apto para tomar decisões em prol do desenvolvimento de sue aluno.
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Resumo
Este trabalho relata a trajetória de um grupo independente denominado REPEG – Rede de Estudos em
Psicologia e Epistemologia Genéticas -, o qual funciona na Universidade Federal do Espírito Santo, e se
caracteriza como lugar de formação permanente em teoria piagetiana, cuidando de suas vinculações com
a prática clínica e pedagógica e ainda incentivando seus componentes a estudarem textos clássicos ou
acadêmicos que possam subsidiar as discussões inerentes à leitura da obra piagetiana. A diversidade de
graus e tipos de formação acadêmica contribui para que a transversalidade e a interdisciplinaridade
estejam presentes nos trabalhos do grupo, devidamente apresentados no texto completo, pelo qual
tentamos mostrar claramente a trajetória por ele percorrida, com resultados de reflexões teóricas e
produções acadêmicas conseguidas ao longo dos dois últimos anos. Assim, artigos científicos, teses,
dissertações e atuações profissionais recebem a influência desse novo espaço de discussão e produção.
97
Doutor - Coordenador atual da REPEG – docente do Programa de Pós-Graduação e do Curso de Graduação em Psicologia
da UFES
98
Concludente do curso de Graduação em Psicologia da UFES
99
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES
100
Aluna do curso de Graduação em Psicologia da UFES
101
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES
102
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES
103
Concludente do curso de Graduação em Psicologia da UFES
104
Fisioterapeuta - mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES
105
Aluna de graduação da UNIVIX
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Vice-Presidente da Confederação Brasileira de Xadrez
107
Doutora em Psicologia – docente da Faculdade UNES e da Faculdade FAVI
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Mestra em Psicologia – docente da UNIVIX Faculdade Brasileira e da UNICIDADE (Pós-graduação)
This work relates the trajectory of a independent group denominated REPEG - Net of Studies in
Psychology and Genetic Epistemology, which it works in Federal University of Espírito Santo, and it is
characterized as place of permanent formation in Piaget theory, and its relations with the clinical and
pedagogic practice, motivating its components to study classic or academic texts that can subsidize the
inherent discussions to the reading of the Piaget theory. The diversity of degrees and types of academic
formation contribute so that the transversally and the interdisciplinary are present in the works of the
group, properly presented in the complete text, for which we tried to show the trajectory clearly for him
traveled, with results of theoretical reflections and academic productions gotten along the last two years.
Thus, scientific papers, theses, dissertations and professional performances receive the influence of that
new discussion and production space.
Vale enfatizar que a implantação de nossos trabalhos ocorreu exatamente após o VI Congresso
Brasileiro de Psicologia do Desenvolvimento, evento em que a maioria dos nossos integrantes apresentou
pelo menos um trabalho resultante de estudos de iniciação científica, resultados de teses e dissertações,
trabalhos de disciplinas de graduação ou de pós-graduação.
Atualmente, a REPEG realiza trabalhos integrados, ainda que de maneira informal, com o grupo
de estudos coordenado pelo Doutor Lino de Macedo (USP-SP) e com o LaPp – Laboratório de
Psicopedagogia do IPUSP-SP. Além disso, estudamos a viabilidade de integração com grupo de estudo
coordenado pela Doutora Rosita Haddad Zubel - University of Fribourg – Switzerland, o qual estuda o
mesmo tema, e o ModeLab – Laboratório de Tecnologia Cognitiva Aplicada a Modelagem Interativa,
vinculado ao curso de Física da Universidade Federal do Espírito Santo.
A REPEG é um grupo livre que aceita a participação, desde que efetiva e produtiva, de alunos e
professores de Psicologia e áreas afins, vinculados a cursos de graduação ou de pós-graduação, de
qualquer período de curso. Com isso, buscamos cumprir uma das missões das instituições federais de
ensino superior, quer seja, difundir o estudo e a pesquisa de qualidade.
Metodologia de trabalho
Nossos procedimentos são baseados em fichamentos sobre textos estudados antes de nossas
reuniões, preparados a partir de atribuições previamente combinadas no grupo, onde os pontos destacados
são exaustivamente discutidos, mediante cronograma estabelecido no início de cada semestre.
Até o presente semestre, inclusive, estudamos as seguintes obras, cujos resultados ou impressões
sobre os estudos a elas referentes serão posteriormente descritos:
Semestre 2007/1:
Semestre 2007/2:
Semestre 2008/2:
Semestre 2009/1:
Inicialmente o nosso grupo aproveitou-se de fichamentos produzidos a partir da leitura das três
críticas de Kant, notadamente considerando as noções das categorias tempo, espaço, objeto, causalidade,
possível, impossível, contingente e necessário, relativas ao seu estabelecimento como categorias a priori
ou empíricas.
Foi assim que dois dos nossos integrantes conseguiram publicar o artigo “Constituição das regras
e o desenvolvimento moral na teoria de Piaget: uma reflexão kantiana”, devidamente referenciado ao final
deste trabalho (QUEIROZ; RONCHI; TOKUMARU, 2009).
Segundo Delval (2002, p.67) trata-se de “um procedimento para investigar como as crianças
pensam, percebem, agem e sentem que procura descobrir [...] o que está por trás da aparência de sua
conduta, [...]”. A característica principal do Método Clínico, que o diferencia dos demais métodos, é a
constante e sistemática intervenção do experimentador frente ao comportamento da criança. Esse sujeito é
apresentado a uma condição problemática que requer explicação e resolução, e observa-se o que acontece.
Durante a conduta demonstrada pelo sujeito, o experimentador coloca em prática uma série de
intervenções desencadeadas pela sua atuação, objetivando a compreensão de suas ações. Essas
intervenções podem ocorrer por meio de uma conversa livre com a criança, buscando acompanhar o
encadeamento das ideias e explicações sobre o problema; pelo esclarecimento de uma situação a partir da
modificação da realidade, fazendo, nesse caso, uso de materiais ou instrumentos para instruir-lhes na
tarefa; ou ainda com inserção de mudanças na situação problema, se o sujeito ainda não tem a linguagem
bem desenvolvida (DELVAL, 2002). Sendo assim, a flexibilidade e sensibilidade do experimentador
diante das ações do sujeito são peças chaves para uma observação minuciosa.
A escolha do Método Clínico como método de pesquisa recai sobre o fato de permitir que nós,
como pesquisadores, possamos explorar o máximo do processo de formação do pensamento e
estruturação do conhecimento do indivíduo. Frente a um desequilíbrio, a criança tenta acomodar ou
assimilar o novo fato em direção ao equilíbrio podendo nos dar uma resposta que caracterize tal processo.
Como o método busca respostas de um determinado sujeito é possível utilizá-lo em pesquisas com
indivíduos de diferentes idades e condições físicas ou psicossociais, o que colabora não só como método
de pesquisa e de diagnóstico, mas como método de possível intervenção sobre condutas apresentadas.
Desse modo, o estudo sobre o Método Clínico de Piaget (DELVAL, 2002) abre novas
possibilidades de pesquisa e, em associação ao estudo de outras obras de Piaget, permite-nos explorar e
interligar a investigação entre as diferentes áreas do conhecimento e pensar no método como forma de
analisar a maior parte dos aspectos relacionados ao desenvolvimento humano.
Dessa forma, até meados de junho, o grupo dirigiu esforços para o estudo sobre o
desenvolvimento da noção de objeto, tratado no primeiro capítulo da obra citada e sobre o qual
apresentaremos uma breve discussão do que já foi realizado.
Piaget aponta que durante os primeiros meses da existência, período em que a assimilação
permanece centrada na atividade orgânica do indivíduo, o universo não lhe apresenta objetos
permanentes, nem espaço objetivo, tempo religando entre si os acontecimentos como tais, nem
A partir dessa consideração, torna-se necessário saber se a criança, em seus primeiros meses de
vida, concebe e percebe os objetos de forma substanciais, permanentes e de dimensões constantes, para
então entender como a inteligência constrói o mundo exterior.
Vale ressaltar que o real tratado nesta obra não pode ser concebido como independente de
qualquer coisa, como se já fosse constituído a priori. Ao contrário, o real é construído, e depende da
assimilação para que isso ocorra. Dessa forma, mostra-se importante apresentar o desenvolvimento do
processo de assimilação.
Inicialmente, a assimilação consiste na utilização do meio externo pela criança para alimentar seus
esquemas hereditários, os quais necessitam acomodar-se às coisas. Na medida em que os esquemas se
multiplicam e se diferenciam, devido às assimilações recíprocas e à acomodação progressiva às
necessidades do real, haverá então uma dissociação desses dois processos que assegurará, por
conseguinte, uma delimitação gradual do meio exterior e da criança. A assimilação passa a ser uma rede
estreita de coordenações entre os esquemas que definem a atividade e, consequentemente, entre as coisas
às quais se aplicam estes esquemas.
Piaget, através de sua observação e experimentação, concebeu que a noção de objeto não é nem
inata ou a priori, tampouco totalmente advinda da experiência, mas sim construída pouco a pouco pela
interdependência dessas condições. Assim, a assimilação se configura como função essencial na
construção do real.
Os dois primeiros estágios – nenhuma conduta especial relativa aos objetos desaparecidos – são os
estágios dos reflexos e dos primeiros hábitos, nos quais o universo infantil é formado por quadros
suscetíveis de recognições, entretanto, sem permanência substancial ou organização espacial. As
coordenações intersensoriais contribuem para solidificar o universo, organizando as ações, mas não são
suficientes para tornar esse universo exterior a essas ações.
O progresso do terceiro estágio é relativo ao seu grau, e não exatamente pelo seu avanço
qualitativo, já que o objeto ainda permanece em conexão com a ação própria, apesar de, diferentemente
do que ocorre durante dois primeiros estágios, nos quais não se distingue o resultado das atividades
reflexas das reações circulares primárias, em que há as ações exercidas pelo indivíduo sobre seu próprio
organismo para a produção de um resultado.
O quarto estágio é o que permite busca ativa do objeto desaparecido, mas sem levar em conta a
sucessão dos deslocamentos visíveis – a criança inicia uma busca ativa do objeto desaparecido e parece
entender o deslocamento dos corpos, na medida em que a sua percepção evolui para a busca dos mesmos.
Além disso, passa a procurar objetos além de seu campo perceptivo e prolonga seu olhar de acordo com o
movimento dos mesmos. Essa nova busca por objetos escondidos deve-se ao fato de a criança estudar os
deslocamentos dos corpos e, com isso, obter maior coordenação sobre a sua visão e sobre o seu tato.
Entretanto, vale trazer neste contexto uma discussão gerada durante o estudo: levando em
consideração a conclusão de Piaget de que, para a criança nesse estágio, o objeto configura-se como uma
realidade à sua disposição em um certo contexto, pode-se dizer também que a primeira noção construída
pela criança não é do objeto, mas do espaço. Isto porque o que proporciona a mudança do objeto de
visível para desaparecido é o deslocamento. Porém, por este objeto ainda não ter característica de
permanência, a criança se fixa na posição espacial ocupada por ele. Resumindo, o objeto pode ainda não
ter forma nem substância, mas já é admissível seu lugar num espaço. Quando, enfim, for possível à
criança admitir tanto coordenadas espaciais quanto temporais ao objeto, ela então considerará também
seus deslocamentos.
Essas conclusões mantêm-se efetivas dentro do contexto trazido na obra aqui discutida: a
peculiaridade da quarta fase está na construção prática das noções de objeto, espaço, causalidade e tempo
que estão sendo registradas pela criança e são construídas pela ação, configurando assim uma inteligência
essencialmente prática. Nesse período de vida, ela observa o deslocamento de um objeto ao ser escondido
Eis o resultado da construção dos objetos no plano sensório-motor: o objeto adquire, para a
consciência do indivíduo, um novo e último grau de liberdade, que é ser concebido como permanecendo
idêntico a si mesmo quaisquer que sejam seus deslocamentos invisíveis ou a complexidade das barreiras
que o encobrem, e isto devido ao fato de ele entrar no sistema das representações e das relações abstratas
ou indiretas. Além disso, outra consequência essencial do desenvolvimento da representação é que agora
o próprio corpo em si mesmo é concebido como um objeto. Tais resultados alcançados permanecem
aguardando que a reflexão e o raciocínio conceitual continuem essa elaboração em novos planos da
inteligência criadora.
Também lemos a obra Biologia e Conhecimento, datada de 1967. A escolha desse livro se deveu
ao interesse em conhecer as relações estabelecidas por Piaget entre as estruturas biológicas e as estruturas
do conhecimento. Nessa obra, Piaget define que
...conhecer não consiste, com efeito, em copiar o real, mas em agir sobre ele e
transformá-lo (na aparência ou na realidade), de maneira a compreendê-lo em função dos
sistemas de transformação aos quais estão ligadas estas ações (PIAGET, 1967/ 2003,
Ainda nessa mesma obra compreendemos as diversas características de isomorfismos que Piaget
atribuiu à comparação entre as estruturas biológicas e as estruturas do conhecimento.
Entretanto, após o estudo da obra citada, permanecemos com uma dúvida: os termos aprender e
conhecer poderiam ser usados de forma equivalente, de acordo com o referencial da Epistemologia
Genética? Se não, quais seriam as peculiaridades do aprender que o diferenciariam do conhecer?
Após a leitura desse livro, articulando com a leitura de Biologia e Conhecimento e com os estudos
da obra de Kant, três membros do REPEG produziram um artigo intitulado “Ensaio sobre os termos
Aprendizagem e Conhecimento segundo considerações de Piaget e Kant”, submetido a uma revista
científica nacional da área de Psicologia para publicação.
A dialética piagetiana
Castorina e Baquero (2008) demonstraram que Piaget discutiu sobre processos dialéticos na
produção científica ao estudar a teoria biológica. Piaget demonstrou em Biologia e Conhecimento que a
dialética se faz presente no estudo e nas pesquisas dos processos biológicos. Segundo ele, a teoria
biológica parte de conceitos em construção que por “auto-regulação” dirigem-se para a objetividade de
conhecimento. “[...] Nesse sentido, a objetividade do conceito de totalidade é produto da elaboração
histórica e, portanto, um ponto de chegada relativo. [...] Sua natureza está no trabalhoso desdobramento
de interações teórico-experimentais que vão reestruturando e relativizando os conceitos. A dinâmica desse
processo é dialética.” (CASTORINA e BAQUERo, 2008, p.35).
Em seguida, argumentam que Piaget demonstra que há relação dialética também nas metodologias
adotadas nas teorias psicológicas. Exemplifica tal postulado pela diferença metodológica entre a
Psicologia da Gestalt e a Psicologia Genética. Na primeira acredita-se que as mudanças internas ou
externas ao organismo produzem desenvolvimento, mas sem articulá-lo a uma estrutura. No entanto, a
Psicologia Genética supera a Psicologia da Gestalt ao considerar estruturas de conhecimento na origem
do desenvolvimento humano, participando tanto como elemento fundante como produto do mecanismo de
equilibração do organismo com o meio. Castorina e Baquero (2008) concluem que Piaget demonstrou em
Lógica e conhecimento científico (1967) que há processo dialético ao longo da história e da produção
científica das ciências biológicas, sociais e psicológicas, chegando mesmo a utilizar os termos hegelianos:
tese, antítese e síntese para se referir a tal fenômeno. Para eles, Piaget conclui que ocorre oposição de um
postulado teórico por outro, mas com a superação de uma terceira teoria a qual comporta elementos das
duas primeiras.
Para Castorina e Baquero (2008) a dialética em Piaget também se apresenta como um método, o
que ajuda a entender, de maneira mais clara, a dialética nos processos de aprendizagem e da construção
do conhecimento, uma vez que Piaget admite uma posição dialética diante da interação existente entre
sujeito e objeto. Assim, o conhecimento individual é entendido como construção dialética entre sujeito e
objeto.
Referências
DELVAL, J. Introdução à Prática do Método Clínico: descobrindo o pensamento das crianças. Porto
Alegre: ArtMed, 2002.
PIAGET, J. (1967). Biologia e Conhecimento. Trad. Francisco M. Guimarães. Petrópolis, RJ: Vozes,
2003.
PIAGET, J. (1980). As Formas Elementares da Dialética. São Paulo: Casa do psicólogo, 1996.
PIAGET, J. (2006). A construção do real na criança. Trad. Ramon Américo Vasques. 3 ed. São Paulo,
SP: Ática. (Original publicado em 1937 com o título – La construction du réel chez l’enfant).
QUEIROZ, S.S., RONCHI, J.P.E TOKUMARU, R.S. Constituição das regras e o desenvolvimento moral
na teoria de Piaget: uma reflexão kantiana. Psicologia, Reflexão e Crítica, Vol. 22, Nº 1, 2009.