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OS BENS CULTURAIS
PROTEGIDOS PELA CONVENCÃO I
RELATIVA À PROTECÃO DO
PATR I Mô N 1'.o M·u NÓ IAL, :cu LTU RAL
E NATURAL, ºF 1972
. bens cµlturai;s pi;rtencentes ao patrimônio cultural
_:'·. -·.· definidos pela Convenção s~o 1:
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\ . ... ,i_· '. .. • os monumentos: obras arquitetônicas, de escultura ou de pintu-
ra monumentais, elementos ou estruturas de nature za arqueo-
lógica, inscrições, cavernas e grupos de elementos que tenham
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' um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da
...
arte ou da ciência;
1,: .-: . homem e da natureza, bem como as zonas, até mesmo lugares
arqueológicos, que tenham valor universal excepcional do ponto
de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.
Assim denominados porque representam as grandes realizações • cidades tlpicas de uma época ou de uma cultura, preservadas em
humanas. quase toda a sua integridade, pois não-afetadas significativamente
....
-
_i:.~ · _~ por . qualquer desenvolvim~nco .posterior. Assim, caracterizam-se
Os conjuntos
pela identidade entre q bem inscrito e o cõnjunto da cidade, exigin-
do, portanto,. a sua proteção integral, a exemplo de Ouro Preto
(Brasil) e Shiban (Iêmen);
Os conjuntos, ou os Fhamado~ "sítios culturais" , são os locais que
agregam os bens cult1.1rais considerados de grande valor ao lado X cidades evolutívas, cuja parte histórica é claramente delimitada
daqueles de menor e.xpr~ssão. Nesse item procura-se conservar todo o em relação ao seu meio ~ontemporãneo .. São ·exemplos: Cu zco
conjunto onde o h9men_i habita e manifesta suas realizações. l: a con- , (Peru), Berna (Suíça) ~ Split (Croácia);
servação do ambiente hqmano. Essa concepção resulta diretamente da • centros históricos cuj_a dimensão espacial abrange exatamente o
Carta de Veneza e ~ ado.f_ada como·um dos princípios básicos de pro- perimetro da cidade ª'1tiga, atualmente englobada por uma cidade
teção conforme m,anife~tação do diretor-geral da Unesco na 16º moderna. São exemp,los ~ antiga cidade de Damasco (Síria) e
Medina d e Túnis (Turiísia);
Conferência-geral qa Or~anização.
Os conjuntos sãp cla~sificados em cidades mortas, cidades históri- • setores, áreas ou unidades isoladas que representam um estado
cas vivas e cidades novas do século XX. residual da antiga cidade desaparecida, mantendo, porém, as ca-
racterísticas que atestam sua origem daquela antiga cidade. Nessa
Cidades mortos hipótese, a área e as construções testemunham claramente o con-
junto desaparecido. Exemplos: Cairo islâmico (Egito) e o bairro de
Cidades antigas que não possuem vida contemporânea, outrora Bryggen, em Bergen (Noruega).
habitadas por civilizações hoje desaparecidas, que nos legaram irhponantes
vestígios dos periodos em que ali viveram, a exemplo de Timgad (Argélia), Cidades novos do século XX6
Mohe~jo-Daro (Paquistão), Machu Picchu e Chan Chan (Pem), Axum
(Etiópia), Sigiriya (Sri l.anka), Teotihuacán (Mb,ico), Hampi (Índia)\ Esta categoria de cidades não const-ava dos projetos d a
As cidades mortas, para Mounir Bouchenaki\são "sítios arqueológi- Convenção, tampouco foi objeto de debates nas reuniões
preparatórias. Ela é concebida com base nas sessões do Comitê do
cos, portanto inteiramente desabitados a não ser por seus guardiões, e
fora das horas de visita nenhum ruido de pisadas humanas perturba Patrimônio Mundial, principalmente em razão da inscrição de
Brasília na Lista do Patrimônio Mundial.
sua serenidade".
L-
90 fERNANDO FERNANDES DA SllVA os BENS CUll1JRA/S PiOTEGIOOS f'flA CON)IENÇÃQ tf WIVA A f't OTfcAo DO rATI!.......OWO 91
A lista do Patri\nôni?: Mundial não é apenas uma enumeração arit- Estado para garantir íl exeçução desses objetivos. Periodicamente,
mética ou inventá~io dgs bens culturais e naturais. Ela foi concebida os Estados deverão tndicar nos relatórios que apresentarem à
para atingir uma s~rie dr propósitos, cabendo destacar entre eles: Conferência-geral da Un~sco as medidas legislativas e regula-
mentares ou quaisqu~r outras que foram adotadas para a aplicação
• limitar as opFraçõp do Comitê do Patrimônio Mundial a um da Convenção 23 ;
número razo~vel cl,e bens 17 • Essa premissa decorre da natureza • a comunidade intem\1cion_al obriga-se a cooperar para a proteção
jurídica do r~giml de proteção da Convenção, que contempla dos . bens culturais ij1scrifos na lista do Patrimônio Mundial,
apenas os ben~ de ')valor universal excepcional"; quando requerido pelo Es~ado interessado 21 ;
• alertar a opiqjão pµblica mundial da irnportânCij,if. do5. perigos • os Estados-partes na Çonvçnç~o obrigam-se a nã.Q_tomar qualquer
que ameaçam os b;ns culturais de interesse uni~rsaPª. À ampla medida que ameac~ direta ou indiretamente os bens do
publicidade e"{Tl toino desses bens estimula o interesse e a ge- patrimônio cultural discrirpinados pela Convenção2' .
nerosidade do· púbÍico em contribuir para sua conservação 19 ;
• servir de, instrum~nto de divulgação a serviço de campanhas Os critérios para insFfiÇÕJ) de um bem cultural na listo elo
internacionais· pro{povid~s para angariar fundos, facilitando a Patrimônio Mundial ··
identificação qos b~ns para os quais o público poderá ser solici-
tado a contri~uir. tm campanhas de grande vulto, quando os A Convenção outorga .ao ~omitê a competência para definir os
recursos do [und~ do Patrimônio Mundial eventualmente se critérios "com base nos q~ais tim bem do patrimônio cultural ou na-
tornarem insl).ficieiJtes, o levantamento de contribuições pela tural poderá ser incluídg" na Lista do Patrimônio Mundial26 • Os
população é e;~sencµi.12°. critérios adotados são aqüeles que definem valor universal excep-
;
cional do bem21 , sua autenticidade2ª e a comprovação ·de que o
Regime jurídico .do bem cultural inscrito Estado interessado adotou medidas protetoras adequadas ao bem
no lista do Patrimônio Mundial objeto de inscrição29 •
Os bens inscritos na Lista do Patrimônio Mundial, segundo Valor universo/ excepcional e representofividode e seletividade
Ludmila N. Galenskaya21 , submetem-se a um regime jurídico alicerça-
do em quatro plincípios: Conforme as Diretrizes, o Comitê considera um bem cultural de
• a soberania do Estado em cujo território situa-se o bem cultural é valor excepcional quando30 :
plenamente reconhecida e respeitada, assim como os direitos sobe- (i)-representa uma realização artlstica única, uma obra-prima do
ranos territoriais sobre esse bem e a legislação nacional aplicáveP2; gênio criativo humano ou;
• o Estado-parte na Convenção reconhece a obrigação primordial de (ii)-exerce grande influência, por um período de tempo ou den-
"identificar, proteger, conservar, valorizar e transmitir às futuras tro de uma área cultural específica do mundo, a respeito do
gerações" o patrimônio cultural mencionado no artigo 1~. Por sua desenvolvimento da arquitetura, das artes monumentais, do
vez, o artigo 5~ discrimina as medidas a serem tomadas pelo planejamento de cidades ou do modelo de paisagens, ou;
94 FERNANDO FfRNANDfS DA SILVA OS SfNS CU\TURAIS PROTEGIDOS PflA CO(MNÇÃO REIATIIIA Á PROTEÇÃO DO PATRIMÔr:ilO 95
(iii)-representa µm testemunho especial ou no tn!nimo excepcional· Essa orientação segue ps prjncípios da Carta de Veneza (1964) e foi
de uma civ~lização ou tradição cultural desaparecida; consagrada como um do~' prirÍFípios fundamentais que deveriam reger
(iv)-é um excepcional exemplo dE; um tipo de construção ou con- a proteção dos bens ·cult\irais imóveis durante os trabalhos
junto arquitetõI).ico ou paisagem que ilustre significativo(s) preparatórios da Conven~ão. Trata-se de uma concepção européia de
estágio(s) Qª hi~tória humana, ou; proteção que permeia a rrpiorip das decisões do Comitê. Ao longo dos
(v)-é um exemplo excepcional de ocupação humana tradicional anos, o Cqmitê adiou -OlJ rej~itou proposições de inscrição de bens
ou de uso ·de t~rra representativo de uma cultura (ou cul- culturais que continhafr! estiuturas de madeira, adobe ou outros
tura_s), es11ecial~ente q~ando se torna vulnerável sob o mateti.ais frágeis, com ba~e no'çritério da autenticidade3+. Isso porque,
. impacto de, mut~ções irreversíveis; .,...,~endo. altamente perecíveis, ta\~ materiais são facilmente substituíveis,
(vi)-é direta ou, clar~mente associado com eventos ou tradições _:;: ~desca~acterizando o corceitp de autenticidade formulado "pelo
vivas com idéías ou com crenças, com obras artísticas e Comitê. Entretanto, em aigurn~s ocasiões, o Comitê proferiu decisões
literâ~ias d.e importância universal excepcional (o Comitê que aparentemente não ~~gui{am com rigor o critério autenticidade,
considera ~iue ~~se critério deve justificar a inclusão na lista abrindo precedentes que,n.o ftituro, permitirão a inscrição de bens em
somente er[l exc;_!!pcionais circunstâncias ou aliadas a outros condições similares. É o cas9 da in.scrição do centro histórico de
critérios). ·, ' Va:rsóvia, Polônia (C :io), i::omentada por Léon Pressouyrels.
Expressão do urbanismo .'inedifval, o local foi totalmente dinamitado
É admissível a inscrição de bens culturais 1:1a Lista do Patrimônio pelos nazistas durante a ~egu11da Guerra Mundial. Ao final do con-
Mundial com base.em u'rn
ou mais critérios que informam o valor uni- ílito, o centro histórico <li
Var~óvia foi reconstruído, atendendo a sua
versal do bem. A &,randf maioria das inscrições foi sustentada em dois forma original. '· :'
ou mais critérios3t, · O Comitê aceitou sua propo:;ição de inscrição, como exemplo único
O Comitê adotq tamq,ém os critérios de representatividade e seletivi- de reconstrução ex nihil de um bem cultural, atendendo aos argumen-
dade de modo a precisai a noção de valor universal excepcional. Assim, tos de desejo de enraizamento do povo polonês ao seu passado e dos
a representatividaqe assegura a escolha de bens que contemplem todas excelentes métodos científicos empregados pelos arqueólogos e
as áreas geográficas do mundo, e a seletividade, os bens que possam arquitetos poloneses para restauração daquele centro histórico. Assim,
melhor expressar em cada região o valor universal excepcionaP1• para o Comitê, a autenticidade manifestou-se por meio de técnicas
empregadas para a reconstrução do bem.
O critério "autenticidade" Outro tema que promete debates nas sessões do Comitê do
Patrimônio Mundial é a visão do Japão a respeito de autenticidade.
Os bens culturais considerados autênticos são aqueles que atendem O Estado japonês, que ratificou a Convenção em 30 de junho de
à sua concepção original, em "modelo, material, artesanato ou ambi- 1992, possui interpretação diversa sobre o critério autenticidade, em
ente"3). O critério "autenticidade" privilegia o aspecto exterior do bem, razão de sua peculiar cultura, que se expressa, entre outras formas,
tomando-se secundário apurar se sua utilização era a mesma na época por estruturas construídas com materiais perecíveis, como a madeira
em que foi concebido. e o adobe)6 •
OS BENS CUlTURAIS PROTEGIDOS PElA CONVfNÇÃO REIATIVA À PROTEÇÃO DO Pf.TRL'AOr,Í10 97
96 FERNANDO f ERNANDH DA SllVA
Dada a impos:;ibili<lade da manutenção da integridade física dos A escolha sele~iva e repre~ntativa dos bens culturais, conforme
bens imóveis de Qrigerf1 japonesa, por meio dos materiais originais, o exposta no item "Valor ~nivet~al excepcional e representatividade e
conceito autenticidade' naquele país caracteriza-se pela transmissão, seletividade""'°, é feita seiund9" as várias listas indicativas fornecidas
para as futuras ge,i·açõe~, do know how arquitetônico desenvolvido para pelos Estados interessado~ ao Spmitê do Patrimônio Mundial. As listas
a construção de t~mplq;;, palácios e moradias. Pela perspectiva japone- indicativas asseguram ao~ Con,titê, mediante a comparação entre os
sa, a reconstituiç~o tq~al dos templos na sua forma original, pelos bens culturais situados em div~rsos Estados, selecionar o bem cultural
meios tradicionai~·~, de ~onstrução, é a verdadeira autenticidade de sua que melhor corresponda ~:ps ctjtérios exigidos para a inscrição na Lista
l
cultura37 • A conce.pção japonesa prorpete uma reavaliação do conceito do Patrimônio Mundial''·
autenticidade de {orma Rue se possa abarcar um número maior de bens . ~J!lt
culturais c~-m o cl~ro o~jetivo de tômar a Lista do Patrimônio Mundial A LEGITIMIDADE PARA t~ppqg A INSCRIÇÃO DE UM
mais próxima da pnive}salidade. BEM CULTURAL NA LISTA ·oo f ATRIMÔNIO MUNDIAL
Os exemplos 9e Owo Preto (MG), Olinda [PE), Salvador (BA), Entretanto, o dossiê eh1boraeo pelo governo brasileiro e o parecer
Congonhàs (/v\~), 8içasília (DF), São luís (MA), Diamantina (MG) do Icemos convergiram em stÍ,\1s conclusões sobre o inegável "valor
e Cidade de Qoiás {GOJ ' . universal excepcional" do pem.:··
. ' Fundada em 1537 pelo pq:nuguês Duarte Coelho, Olinda teve
Conjunto arquilf:!lônic9 e urbanístico de Ouro Preto (MG) rápid o desenvolvimento devi;lo ao cultivo da cana-de-açúcar na
(C 124), 198Q.SI ' . região nordestina'1 • ' ,,.
A antiga Vila Rita, fun.dada em 1738, teve seu ápice durante o sécu- Em seu parecer, o prór;rio r,;omos reconheceu que ·o essencial do
lo XVIII e desenvol,yeu l\Fll estilo barroco peculiar em relação às outras tecido urbano da cidade díga dq século XVIII'".
áreas do Brasil. P,itualr{°jenre, é o testemunho de importante ciclo Com base nesses dados; C> ceptro histórico da cidade foi inscrito na
'histórico da miner~ção ~lo ouro e de outros metais preciosos. Lista do Patrimônio Mundial sop os critérios (ii) e (iv), por reunir, em
Esses foram os ,princ;jpais argumentos apresentados pelo governo suas construções, estágios ~igniQcativos da história do Brasil e do con-
brasileiro para a in~criç~p do bem na Lista do Patrimônio Mundial. O tinente americano. ' '·
Comitê do Patrim_~nio Mundial deferiu a inscrição do patrimônio Em âmbito federal, à épçica de.: sua inscrição, o centro histórico havia
cultural daquela cj,d ad(com base nos critérios (i) e (iii)12 : a cidade sido tombado pelo Sphan, sob o titulo "Acervo Arquitetônico e Ur-
contém importante'acervo das obras de Aleijadinho, características do banístico da Cidade de Olinda"5~. A cidade também foi erigida à categoria
estilo barroco e representa importante período da história da' colo- de "monumento nacional" em 198060• Na esfera municipal, cabe destacar
nização das Américas. a lei n'2 4.119/796 1, que criou o Conselho para a Preservação dos Sítios
Quanto às medidas de proteção, o governo brasileiro argumentou que Históricos de Olinda, órgão competente para tombar os bens imóveis e
o centro urbano havia sido 'tombado nos termos do Decreto-Lei ne 25/37 53. móveis da cidade62 , o Centro para a Preservação dos Sítios Históricos de
\
Olinda, para exercer <\ proteção dos bens culturais tombados nos termos
Centro histórico. de Olinda (PE) (C 189), 1982 da lei municipal61, o instituto do tombamento no município 6\ e o Fundo
para a Preservação dos Bens Culturais de Olinda61•
O centro histórico da cidade de Olinda foi inscrito na Lista do Patri-
mônio Mundial durante a 6° sessão do Comitê do Patrimônio Mundial. Centro histórico de Salvador (BA) (C 309), 1985
O Icomos, por parecer proferido em maio de 1982, opinou pelo
adiamento da inscrição, argumentandó, entre outros motivos, que as Em 1985, é inscrito o centro histórico de Salvador com base nos
autoridades brasileiras não demonstraram claramente os meios a serem critérios (iv) e (vi)66 • Na ocasião, o governo brasileiro sustentou que
implementados para a proteção do centro histórico1• . Salvador conservava a estrutura urbana original do século XVl67•
102 fE I NANDO FERNANDES DA SllVA
OS BENS CUI.TURAIS PROTEi:JIDOS !'€IA CON, ENÇÃO RflATIVA À PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO 103
A cidade foi um centro administrativo e econômico dos mais Em seu conjunto, as qbras de Aleijadinho representam um estilo
notáveis do Brasil ~ntre ~ metade do século XVI e a metade do século barroco brasileiro próprio; tipi~p. entre o final do século XVIII e o iní-
XVIII, destacando:~e. p;ra tanto, a posição estratégica de seu porto, cio do século XIX, distint() do parroco europeu. Como bem salientou,
considerado um dq~ mai~ importantes do mundo português durante o no dossiê brasileiro, Marc~s Vipicios Vilaça, as obras do genial artista
Brasil Colônia, po~t.o de ~onvergência entre o comércio português e os são as "últimas expressõeJ de yalor universal das artes religiosas e da
países ultramarino~68 • tradição contra-reformista'.' 73 • :'
O Icomos reitergu o posicionamento brasileiro, acrescentando que Em síntese, o gover110 t1rasileiro realçou a importância de
o centro histórico cfe Salv,~dor deveria ser inscrito com base no critério Aleijadinho na hi_stória uni vers~l da arte e enfatizou o conjunto de sua
- ; iv, por ser um emi~ente }xemplo de estrutura urpana da Renasçen.~ , obra em Congonhas' comq' reprp.sentativa de um estilo barroco único e
tomando-se, pela ~ensid,ade dos monumentos reunidos, a capital pdr de criação artística única: ~em izual.
excelência do nordeste brasileiro. Por outro lado, a inscrição do bem
A proposição de inscriç~p foiJi.1stificada com fundamento nos critérios
cultural com base ;o crit~rio vi devia-se ao fato, segundo o !cornos, de (i), por "representar uma r~aliza\ão artística única, uma verdadeira obra
ser um dos princip~is pqntos de convergência das culturas européias, de arte do espírito criador {mmirio", e (v)r+, porque associada às crenças
africanas e ameríndias dos séculos XVI a XVIII69 • e a eventos de significativa impqrtãncia.
O centro históri~o de"salvador h~via sido tombado pelo Sphan em
ó Icomos acolheu os ~j'gurrf~ntos do Brasil, sustentando, porém. a
julho de 1984 7º. Apteriqrmente, a Lei Municipal n'! 3.289/83 disci- inscrição com base nos ~;rité~os (i) e (iv). aceitos pelo Comitê do
plinava os meios 9e pn;\teção de bens culturais já tombados indivi- Patrimônio Mundial. ·
dualmente pelo Spl,~an. ·
Do ponto de vista jurídico e administrativo, o governo brasileiro
ofereceu ao Comitê a garantia de que o bem estava tombado em nível
Santuário de Bom Jesus de Matozinhos, Congonhas (MG) federal, com base nos artigos 17 e 18 do Decreto-Lei n 2 25/37, e em
{C 334), 1985
nível estadual, de aco;do com a Lei n2 5. 775/71.
Cabe mencionar que no dossiê elaborado pelo Sphan as autoridades
Congonhas, em Minas Gerais, representa a tipica cidade bra-
municipais informaram sobre a instalação de um senriço de iluminação
sileira da "Idade do ouro" , que encontrou seu ápice em meados do
na área para facilitar o acesso do público, bem como sobre ·a criação de
século XVIII.
um serviço de polícia exclusivo para a salvaguarda do conjunto".
Nessa cidade encontra-se um conjunto arquitetônico e escultural
construído por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, considerado Conjunto urbanístico de Brasília {OF) (C 445), 1987
o principal artista americano da época coloniaF 1• O conjunto
arquitetônico compreende a Igreja de Bom Jesus, cuja construção foi
Brasília é a primeira cidade moderna inscrita na Lista do Patrimônio
finalizada em 1772, o átrio, decorado com as doze estátuas dos profe-
M:mdial. O plano da cidade, idealizado por Lúcio Costa, segue os
tas do Antigo Testamento, esculpidas entre 1800 e 1805, e os passos,
princ!pios básicos da Carta de Atenas de 1933". Uma cidade estrutu-
isto é , as sete estações da Via Crúcis, alojadas em pequenas capelas,
rada em áreas, cada qual com uma função específica (área monumen-
igualmente eschlpidas por Aleijadinho, entre 1796 e 180011 . tal, onde se concentram os prédios da administração, área residencial,
104 FE ! NANOO FfRNANOES OA SILVA os BENS CUlTURAJS Pl10 TEG1005 PELA co,NENÇÂO RELATIVA À PROTEÇÃO 00 PATRL"'IÓNJO 105
área gregária e área de la~er), separadas por vastos espaços naturais que em outubro daquele ano, ~iq,lic)tando o "conceito de bem cultural" pro-
se comunicam pelq traç;,do das grandes vias. tegid~ pelo plano piloto d 1 Bras1liaª2 • O decreto assegurava a manutenção
A inscrição de ~rasílij na Lista do Patrimônio Mundial é coerente do plano piloto de Brasília medipnte "... a preservação das características
com a expressão upatnni:ônio cultural'' adotada pela Convenção, que
0 essenciais das quatro esc<\/as c:Ustintas em que se traduz a concepção
abarca inúmeras fo~as de manifestações culturais sem uma delimi- urbana da cidade: a monuú1entf!l, a residencial, a gregária e a bucólica"ª1 .
tação temporal preiisa. · Brasília foi inscrita nfi Li.sta do Patrimônio Mundial em 11 de
No plano nacior1,al, a Jnscrição de Bras!lia foi peculiar em relação a dezembro de 1987, em rÚzão 'dos critérios (i) e (iv).' Posteriormente,
·:.: ~
outras cidades bra~peira~. O centro histórico de Ouro Preto e o san- em 1990, a área do plaaj, pi1pto, tal qual definida pelo Decreto n~
tuário de Bom Jes4,5 de Í"'1ª~ªnhos. eram bens culturais tradicional- 10.829/87, foi tom_bad~ Jl'.~o ~phanª\ taml:>ém sob a influência dessa
·. - l' . .
mente protegidos -~m npssl'õrdenamento jurídico. O primeiro foi inscrição, suscitando deba,te no ~entido de saber se um bem cultural da
declarado monum~}ito tjp.cional em 193311 : o segundo, tombado no espécie de Brasília, uma '.!cida9.e dinâmica e moderna"ª\ poderia ser
plano federal em 1~39. Ainscrição desses bens culturais na Lista do objeto de tomba~ento no~ tenJ.los da leg!~lação federal.
Patrimônio MundiaJ não i,;oduziu mudanças significativas no ordena-
mento jurídico bra~íleiro.! Centro histórico de Sqo Lu(2 (lvtA) (C 821 ), 1997
/! ~·
Brasília, pelo coÍ1trãrir, não possuía nenhuma política legislativa
protetora até mead~s de" 1987. Esta tem início _por influencia direta A representação brasil~ira d~fendeu a inscrição do centro histórico
do processo de insçrição da cidade na Lista do Patrimônio Mundial. de São Luís pelo fato d~ , repi'~sentar uma construção arquitetônica
~
Em maio de 19&7, o parecer do Icemos foi favorável à inscrição úrtica portuguesa do períqj:lo cylonial pela generosidade dos materiais
da cidade, .por rec:;pnheier seu "valor universal excepcional", mas empregados nas construçõ~s e_;,ela utilização de materiais únicos, não
.f •
opinava pelo adia111ento' da inscrição até que as autoridades gover- encontrados em outras CO\lStru:;ões brasileiras daquele período, como
namentais provide"9ciasstm condições mínimas para a salvaguarda os azulejos refinados utilizados na decoração e na proteção térmica86 •
do plano piloto 76 • " ·•
Ó centro histórico, principal objeto da inscrição, compreende o núcleo
Na reunião do bureau do Comitê do Patrimônio Mundial em junho original da cidade, que data do século XVII, e os quarteirões interiores,
de 1987, a delegação brasileira argumentou que havia um grupo de tra- que retratam a expansão u rbana e datam dos séculos XVIIl e XIXª7 •
balho constituído por representantes do Ministério da Cultura, do Como prova do interesse na proteção, a representação brasileira ale-
Sphan, do governo do Distrito Federal e da Universidade de Brasília, · gou que, nos últimos vinte anos, foram recuperados dezenas de
para concluir, em agosto daquele ano, estudo que subsidiasse a elabo- quarteirões, mais de duzentos edifícios de interesse histórico e dois
ração de uma legislação especifica para a proteção do plano piloto79 • grandes imóveis industriais do século XIX, adaptados às Íunções
Nesse sentido, o bureau recomenqou a inscrição da cidade desde que modernas88 • A representação brasileira defendeu a inscrição do bem na
as autoridades brasileiras adotassem uma legislação específica que asse- categoria cultural, do tipo conjunto, conforme o artigo 1Q da Convenção
gurasse a proteção da criação urbana de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer8". Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, de 1972 ,
A fim de obter a inscrição ainda em 1987 , o então governador do mas não fez menção aos critérios previstos nas Direl1izes. Por último,
Disttito Federal.José Aparecido de Oliveira, editou o Decreto nQ 10.829ª1 , alegou que o bem fora tombado nos termos do Decreto-Lei n.~ 25/37.
FERNANDO FERNANDES DA SILVA 107
OS BENS CUtl\JWS PROTEGIDOS PEl4 CON\l~NÇÁO REWlVA À PROTEÇÀO 00 PATilMÔNIO
O komos recomendou a inscrição do bem com base nos critérios um exemplo tlpico d.~ un{~ cidade colonial adaptada às particulari-
(iii), (iv) e (v).' adot;_dos pelo Comit!, com a seguinte observação: "O dades do meio ambí~nte ·fom a utilização de materiais típicos da
centro históricq de S~o
~ ,
Luls é um exemplo excepcional de cidade colo- região, fonnando um t.onjtinto único e notável.
nial portuguesq:. adaptada às condições climáticas da América do Sul ' A representação ~fasil~f ra defendeu a inscrição com base nos
equatorial e pr~~ervaâa de fonna notável com o seu tecido urbano har-
0
108 FER NANDO FERNANDES DA SILVA OS BENS CULTURAIS PSIOTEGIDOS PEIA CóNl/fNÇÃO ~EIATNA À PROTECÃO DO PATRW.ÓNIO 109
,•
internacional é dift;renciada daquela prestada aos bens inscritos na Procedimento para in;criç4o de um bem cultural
no Listo do Potrimôni~ Mutidiol em Perigo
Lista do Patrimõnig Mut')dial. • . .,
As hipóteses 4,iscriminadas na Convenção que motivam a
inscrição de um b~m cylmr;il na Lista do Patrimônio Mundial em Uma vez propo~ta a i1,1scn<;,í10 de um bem cultural na Lista do
Perigo'º' são as se1;,ruint7-s: "ameaça de desaparecimento devido à Patrimônio Mundial em ~erigq~ o Comitê adotará um programa de
degradação acelen;Fia; prnjetos de grandes obras públicas ou pri- meios corretivos para a s~~ salíçaguarda desde que o Estado respon-
vadas; rápido dese1Jvolvü:nento urbano e turístico; destruição devida sável seja consultado. A eh,i~oração desse programa motiva o Comitê a
à mudança de utilipção::ou de propriedade de terra; alterações pro- solicitar que o Estado req!.~ere~te preste informações sobre o estado
--: fundas devidas a u{na c~.usa destonheçida: abandono por quaisquer atual do bem, O$ perigos ]ilfe o 4:meaçam e a real possibilidade de apli-
razões; conflito ary1ado.. que haja irrompido ou ameace irromper; cação de medidas protetorJs pavi, sua salvaguarda. .
catástrofes e catac:J.ismq?; grandes incêndios; terremotos; desliza- O fornecimento de tais {11fortÍpções não impede que o Comitê envie
mentos de terrenqs; erppções vulcãnicas; alteração do nível das uma missão de observador~\ qu~lificados, do lcomos ou de outra orga-
águas; inundações i mar;~motos". nização, para avaliação d~ real fStado do bem e proponha os meios
As Diretrizes complert\rntam as hipóteses de inscrição de bens cul- necessários para sua proteçi!o ení relação aos perigos que o ameaçam 106•
turais na Lista do P~,trimqnio Mundial em Perigo. Essas hipóteses com- Apuradas essas informa,~ões,t- o Comitê deliberará sobre a inclusão
preendem dois gruµ,,os: "ijerigo comprovado" e "perigo iminente"1º2• ou não do bem na Lista dQ'ratrÚ.nõnio Mundial em Perigo 1º7•
As pertencentes ~o prip1eiro grupo são as seguintes: "grave deterio- A inclusão do bem na (Jsta c{p Patrimônio Mundial em Perigo terá
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ração do material; grave ~leterioração da estrutura e/ou das caracterís- "difusão imediata", sendo ~ Est~~o responsável informado da decisão
ticas ornamentais; '.grav~· deterioração da coerência arquitetônica e com a maior brevidade 100• • ~
urbanística; grave ~eteri~ração do espaço urbano ou rural, ou do A assistência internaciorw.l, a j,rincípio, consiste no fornecimento de
ambiente natural; p~rda ;ignificativa da autenticidade histórica; grave importância significativa, pelo Fundo do Patrimônio Mundial, para
perda da importância cultural". financiamento dos meios necessários para a proteção do bem, e na
As hipóteses que caracterizam perigo iminente são: "modificação instituição de um sistema de acompanhamento por parte de experts
da condição jurídica do bem de forma que diminua seu grau de pro- que examinarão regularmente as condições do bem 109 .
teção; carência de uma política de proteção; efeitos ameaçadores dos Com base nos exames regulares do bem, decorrentes desse sistema
projetos de planejamento territorial; efeitos ameaçadores do plane- de acompanhamento, o Comitê, após prévia consulta ao Estado
jamento urbano; eclosão ou ameaça de conflito armado; mudança responsável, poderá tomar qualquer uma das seguintes medidas:
progressiva em virtude de fatores geológicos, climáticos ou outras constatar se há necessidade de medidas adicionais para a salvaguarda
causas ambientais". do bem; excluir o bem da Lista do Patrimônio Mundial em Perigo, se
Até dezembro de 2000; 33 bens culturais e naturais estavam verif\cado o desaparecimento do perigo que o ameaçava; excluir o
inscritos na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo 1º1. A cidade velha bem· de ambas as listas, se constatada a perda das características que
de Dubrovnik, na Iugoslávia (C 95) , é a primeira inscrita por força de motivaram a sua inscrição na lista do Patrimônio Mundial' 1º.
conflito armado, hipótese prevista pela Convenção 10•· 1º1 •
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OS BENS OJIJUIWS PROTEGIDOS PflA CONVf\lCÃO R~~TIVA À ~ROTEÇÂO 00 PATRMÔNIO _.. 111 ;
110 FERNANDO FERNANDES OA SllVA i