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JAKOB VONUEXKÜLL. NASCEU NAESTÓNIA


EM 1864; ESTUDOU ZOOLOGIA NA UNIVER-
SIDADE.DE DORPART E FISIOLOGIA NA UNI-
VER~IDADE DE ~EIDELBERG. OS SEUS,
'~TRABALHOS SOBR,E O «MUNDO-PRÓPRIO
E MUNDO-INTERIOR DOS ANIMAIS" FORAM
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NÃO -SÓ PJONEIR08" CR~ANDO RAMO CIEN-
I TfFICO. MAS TAMJÉM. ATÉ HOJE. DEFINI-
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DE CICLO-
~DE-FUNÇÃO J~,M'AIS FOI CONTESTADO OU
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RENCISTA. UTOROU-SE TAMBÉM EM MEDI-
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CINA. PEL,~~UNIVERSIDADE DE HEIDELBERG
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COLECÇÃO VIDA E CULTURA

JAKOB VON UEXKULL

Dos· animais
e dos homens
-
Digressões pelos seus próprios mundos

Doutrina do Significado

Traduçào de
ALBERTO CANDEIAS e ANtBAL GARCIA PEREIRA

*
Capa de
A. PEDRO

*
Título da edição original
STREIFZUGE DURCH DIE UMWELTEN
VON TIEREN UND MENSCHEN

*
Reservados todos os direitos pela legislação em vigor

*
Edição feita por acordo com a EDIÇÃO "LIVROS DO BRASIL» LISBOA
BOWOHLTS DEUTSCHE ENZYKLOPADIE Rua dos Caetanos, 22
,
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UM PRECURSOR DA NOVA BIOLOGIA
por Adolf Portmann

A obra de Jacob von Uexküll veio a ter resultados


fecundos nas ideias e nas tarefas da biologia actual. As
investigações dos nossos dias falam de mundos-próprios
dos animais no sentido particular que Uexküll atribuiu a
este conceito e apresentam ciclos-de-função do ser vivo
exactamente como ele no-los tinha definido em dezenas
de anos de labor intenso. Se hoje encaramos os fenóme-
nos da vida não só como causa de certos efeitos mas
também como partes componentes de um conjunto
preexistente devemo-Io principalmente ao seu trabalho.
A nova qeraçao, que agora começa a trabalhar, já não
teve oportunidade de o conhecer e quase não mantém
com a sua obra relações directas. Uexküll morreu durante
os anos negros do fim da Segunda Grande Guerra e,
na confusão desse período, muitos investigadores se
esqueceram de quanto ficaram devendo a esse homem
que foi, simultaneamente, um grande biólogo e um génio
de forte personalidade. Vamos acompanhar a elaboração
e a influência desta obra notável, para entrarmos depois
na própria natureza dos dois trabalhos mais recentes,
reunidos neste volume .
./

[5]
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7
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A AUTONOMIA DO SER VIVO resultado de processos ocasionais de transformação, dos
quais a selecção natural manteve os favoráveis, permi-
O que Uex~üll trouxe de novo ou simplesmente apro- tindo assim a evolução das formas vivas.
fundou, a partir\de investigações já feitas, teve o seu Desde o princípio, Uexküll dirige a atenção do obser-
início na última década do século passado, nos anos que vador para as propriedades supermecânicas da matéria
se seguem imediatamente aos sugestivos estudos de viva, para o facto misterioso de que no organismo adulto
Hans Driesch. As experiências de Driesch com as pri- se nos apresenta um todo organizado segundo um plano.
meiras formas embrionárias do ouriço-do-mar tinham Nós' verificamos, impressionados e surpreendidos, que
revelado particularidades de desenvolvimento que deixa- este plano já actua no óvulo e continua no desenvolvi-
vam transparecer nitidamente a autonomia do ser vivo e mento individual deste. Uexküll já tinha mostrado há
corrtrâbulram também de maneira defínlt.vapara que, na muito, em expressivas descrições, o que existe de
busca de uma interpretação do ser vivo, se afirmasse, extraordinário na matéria viva, no protoplasma. Esta
com nova força, a par -da interpretação mecanista domi- necessidade de expor com clareza impeliu-o toda a sua
nante, a outra possibilidade: o vitalismo. Se, daí em vida para o género de comunicação mais capaz de atingir
diante, caem em desuso os termos mecanismo e vita- um largo círculo de pessoas interessadas no assunto.
) llsmo. por se ter 'reconhecido 'amplamente a existência Tornou-se um mestre na exposição arguta e incisiva da
de uma autonomia relativa, de uma independência, do sua concepção da natureza. Era-o na explanação oral e é-o
ser vivo, também para este facto tão importante deu também, com igual vigor e poder de sugestão, nos seus
Jarqacontrfbutção o trabalho criador de Jacob Uexküll. escritos. O nunca se ter integrado nas verdadeiras activi-
A sua obra foi muito particularmente sugeridapela dades da ciência académica retardou, porventura, a
)
vida dos animais marinhos. E é mais uma vez a utilização expansão das suas ideias no campo espiritual da Univer-
)
I
genial deste campo das formas animais marinhas que sidade, mas permitiu, por outro lado, que tirássemos pro- ,I
i
lhe revela novos factos acerca da função dos músculos ,!
) veito de muitos trabalhos seus, estimulantes e combati-
e nervos e das relações com o meio. Os movimentos dos vos, que possivelmente seriam incompatíveis com a faina
espinhos do ouriço-do-mar, os movimentos das lapas ou do ensino.
da medusa, o estímulo da sombra que actua no ouriço-
) -do-mar, a maneira como os vermes ou os espatangói-
CICLO-DE-FUNÇAO E MUNDO-PRÓPRIO'
des (1) se ocultam na areia, a observação da vida dos
'.)
chocos e das lagostas -cada um destes estudos é um A concepção de ser vivo, de Uexküll, encontrou a sua
) raio de luz que ilumina as densas trevas da vida marinha. integral explanação nas obras Umwelt und Innenwelt der I"
Já nestes primeiros trabalhos de fisiologia se dese- Tiere, 1921, e Theoretische 8iologie. A primeira trata com
nham os contornos de uma concepção de organismo que mais pormenor da observação de factos particulares da
está em flagrante oposição com as ideiasainda larga-
vida das mais diversas formas animais; a segunda, mais
J mente aceitas no seu tempo, que vêem no organismo o
abstracta, é uma tentativa para ajustar o estudo da vida
) animal, principalmente com a posição filosófica inspirada
(') Ouriços-do-mar de simetria bilateral.
em Kant.
)

) [6] / [7]
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Uexküll tem o seu lugar histórico na solução da nismos ou até inimigos e chamou a essa correlação !
antiga querela travada à voltadas concepções mecanista «ciclo-de-função». O ambiente tem notas ou sinais, no
e vitalistado ser vivo. Pela influência da época, da escola, verdadeiro sentido destas palavras: estruturas que o
e da natureza fisiológica do trabalho, está ligado de várias animal assinala por meio dos órgãos sensoriais consti-
maneiras - e mais solidamente do que ele próprio era tuídos para esse efeito e para as quais se elaboram res-
capaz de ver - à interpretação mecanista, para a qual, postas e reacções especiais no organismo. Quanto às
aliás, era solicitado pelo inais íntimo do seu ser. Verifica, possibilidades de relaç.ão. __de,..um_-ºI9anism-º--ºom o
assim, como eminente fisiólogo da vida animal inferior, ambíente.-eTas·--estão já determinadas segundo qualid-ª(;I.ª-
as grandes possibilidades da simplificação mecanista, êTnte-nSTCfãâ~Tiõr-é-STrUtln'-as-.Qf~Yíam..en1eor.gá~zadas
que concebe, por vezes, como mecânico cada um dos sis- Os diversos ciclos~função, no seu conjunto, deter-
temasda vida animal.· Ele consldera como maquinismos minam uma secção de propriedades com significado na
aS estruturas mais evoluídas. Assim, para ele, «a amiba .,. '" vida do animal. Elas são, no âmbito mais largo da natu-
é:: in~nos· maqulntsmo' que o cavale;» 'porque dispõe de reza, a parte que no caso respectivo forma -o ambiente
menos estruturas adultas. Finalmente, Uexküll também limitado é típico de uma espécie animal.
se aproxima da interpretação mecanista quando isola a
substância e a concebecorno dirigida por uma forma de
actividade não dimensional'. São pois os «impulsos» ~ OS "PAPÉIS» DAS COISAS NO CENÁRIO DA VIDA;
aqentes. não .espaclats daocorrênctaa espactats - que, O ESTUDO DO SEU SIGNIFICADO
por um processo morfogenético conferem à substância
urna contextura mecânica. O protoplasma, como um todo, Na vida animal, as coisas são portadoras de signi- v
é sempre supermecânlco.. 1
ficados, têm nela papéis a desempenhar. Ao referir-se
Na luta que travou por esta concepção, Uexküll a este facto potencial e real, Uexküll revelou à investi-
emparelha com Hans Driesch.Mas em breve se manifesta gação biológica um aspecto do ser vivo que, nas Ciências
a originalidade das suas investigações, quando, no núcleo Naturais do século XIX, alguns tinham votado a inteiro
do seu trabalho, se começa a levantar, a cada passo, uma esquecimento e outros simplesmente banido, como não
questão soberana: como deve então entender-se a rela- científico, do domínio dos estudos biológicos.
ç~er vivo e o rrieio que·o circunda? A partir Guiados por Uexküll, encontramos circunstâncias que
de .1910, começa também a expor, de maneira mais inci- não podem entrar, reduzidas a medidas e números, numa
siva, as suas ideias fundamentais, com que ajudou a for- explicação matemática da natureza, circunstâncias que
mar, tão decididamente, a biologia dos tempos futuros. .!
dizem respeito a um aspecto da vida que é complementar
Duas dessas ideias directrizes vieram a tornar-se parti- de todas as conclusões obtidas por métodos quantitati-
cularmente importantes.
Uexküll verificou uma correlação estrutural, já exis-
vos. O mundo das qualidades experimentadas,
suas cores e formas, os seus sons e aromas, as suas
com as
I
tente no óvulo, entre o corpo do animal e certos factores dores e os seus prazeres, aparece então como o objecto
do ambiente, sejam estes de natureza inanimada, orga- primacial da investigação biológica. Com Uexküll, o

[8] I [9]

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sujeito pe~cipiente é tomado, pela primeira vez, como idênticas, meramente estimulantes, o nervo óptico é sem-
objecto de investigação positiva. Neste mundo comple- pre afectado sob a forma de sensação luminosa, conside-
mentar, torna-se essencial o que no outro não passa de rendo-se aST proprio mergulhado na escundao, quando
secundário; ê" pelo contrário, insignificante o que ali se em repouso.» Também cedo Uexküll acentuou o papel
tomava como decisivamente importante. Sucede assim, do "estado interior» como um dos factores decisivos
ser indiferente no mundo dos sujeitos se uma cor, como, para a tonalização das coisas do mundo-próprio. Limitou
por exemplo, o azul do céu, depende do carácter de uma então o conceito da disposição interior às influências
combinação química ou se resultou de determinadas naturais no equipamento interno e define-o pela designa-
estruturas físicas. O importante, neste mundo, é que o ção de "disposição química».
azul se apresenta como fenómeno experimentado e que,
como tal, desempenha no cenário da vida papéis diversos
e rigorosamente determinados. O MUNDO-PRÓPRIO E O HOMEM
E com que sagacidade dirige Uexküll esta introdução
do sujeito na biologia! Ele afirma que as ccíaaa.río A doutrina de Uexküll acerca do mundo-próprio,
ambiente possuem um tom ou «teor» j?rático, guer dizer, característico de cada espécie animal, veio a constituir
que rhes- p-e-rten-ê-e;
-ccúifó"nne "õ-" sêú-pae:êJ"~:umã"q~a.ü~i<!e uma parte fundamental da biologia moderna mas a exten-
que-nõs-verdãdeirám"ente""não"- cõnhecemos no seu con- são que o autor fez da sua doutrina até ao homem foi,
teÚdo suo@~~~õ mã-s-"~l~~ª~tí~i~i~i:~'p~~"~h;cl dis~ern-ir desde o início, justamente contestada. Como a digressão
atravéSclô comportamento do animal. Cõn;--o"refevo"dãdo aqui publicada conclui com uma aplicação pormenorizada
a esfãtOr1ãITZãçãõ--dõs';;b"j~~t~s--i~i'~ia-se uma orientação desta doutrina ao homem, é necessário que nos detenha-
na investigação que teve finalmente de reconhecer, como mos por um momento neste caso limite.
uma das últimas realidades biologicamente inteligíveis, O que há de fundamental na teoria do mundo-próprio,
o complemento e a correspondência interiores dessa de Uexküll, é que, segundo ela, este mundo-próprio tem
tonalização: a disposição íntima. para um gato, para um cavalo ou um macaco, a sua forma
A tonalização, atribuição dos teores, eis uma das específica, não obstante as características comuns de
primeiras verificações no caminho da subjectividade mamíferos. Do mesmo modo, é também específico o
oculta. Uexküll remonta, muito conscientemente, ao mundo da gralha, o da galinha-d'água, o do falcão, ape-
grande biólogo Joh. Müller (1801-1858), cuja concepção sar das suas características comuns de aves. Trata-se
da vida comentou mais tarde com desenvolvimento e cujo de uma particularidade hereditária, tipicamente especí-
conceito de energia específica dos sentidos cedo se reve- fica, invariável. Se no mundo do cão ou no do papagaio
lou um poderoso estímulo no seu pensamento. «Qualquer que habita connosco o mesmo quarto podem aparecer
que seja o meio por que se excite um olho» - escreve coisas do mundo do homem, elas transformam-se em ,!
Müller - «seja ele esfregado, puxado, comprimido, gal- coisas do papagaio ou do cão, com as suas tonalidades
vanizado ou receba estímulos que de outros órgãos lhe inteiramente próprias. Mas, para ilustrar o seu conceito I'
são transmitidos por simpatia, em resultado de todas de mundo-próprio, Uexküll também põe em relevo o
estas causas diferentes, como se se tratasse de causas mundo diferente em que, separadamente, se move cada

[10] [ 11]
pessoa e mostra, com o exemplo da árvore, como a
NA SENDA DO ESTUDO DO COMPORTAMENTO
mesma coisa toma, consoante o género de vida da pes-
soa, tonalidades absolutamente diferentes. Aqui, escapa-
A influência das ideias de Jacob Uexküll alarga-se
-lhe, no entanto, um pormenor: que todas essas maneiras
ao estudo do comportamento nos nossos dias. A sua
diversas de ver o mundo fazem parte de um mundo
acção, embora velada, é tanto maior, quant~ esti~ula,.
comum à espécie, que é possível uma compreensão des-
de maneira decisiva, o começo de uma nova onentaçao no
ses vários mundos-próprios da mesma espécie, que é
campo da investigação alemã. O que O. Heinroth e
possível, enfim, existirem contrastes de interpretação.
K. lorenz, o que H. Hediger e Frau Meyer-Holzapfel, entre
Estas esferas de afinidade do mundo do homem, nas
outros, lograram descobrir de essencial durante _a ter-
quais se incluem os mundos individuais com as suas,.
ceira década do século, pressupõe a fermentaçao das
peculiaridades - grandes peculiaridades como Uexküll ••
ideias de Uexküll, até onde elas se não encontram expres-
e nós próprios reconhecemos -, esta amplitude da possi-
samente mencionadas. Uexküll não é o fundador do
bilidade fundamental de compreensão criam uma situação
estudo do comportamento, produto colectivo de várias
particular para o homem. Por muito acentuados que se
fontes. Vamos indicar mais uma vez, apenas algumas
considerem os contrastes dos mundos humanos, filhos
destas fontes, para mostrar o maior âmbito de ideias em
da tradição ou das diferenças de factores hereditários, o
que a obra de Uexküll exerceu influ~ncia de r.elevo..
certo é que todos se contêm na m,esma esfera. Toda a
Num trabalho notável, o amencano Cralq salienta,
poesia vive da representação dessas variadas maneiras
em 1918, a importância do estudo das coisas do mundo-
de ver o mundo e das suas coincidências. Mas precisa-
-próprio, estudo que, por sua vez, faz intervir o ciclo-de-
mente a poesia assenta no princípio da última possibili-
-função do animal. Designa o estado que conduz a deter-
dade de compreensão dos outros. A expressão «mundo-
minados fins por apetência, paralelamente ao que sucede
-próprio» afirma e acentua a separação de mundos
específicos dos animais, como esferas particulares e, no fenómeno elementar da nutrição e reconhece, assim,
exactamente por isso, devemos excluir este conceito na a validade de uma generalização que já era corrente na
caracterização dos contrastes de visão do mundo entre Antiguidade (em Santo Agostinho, por exemplo). A ape-
os homens. Todavia, o homem põe à antropologia filosó- tência é um tipo de comportamento: corresponde-Ihe um
fica do nosso tempo um problema particularíssimo, que estado interior especial. lembremo-nos de q.ue também
se avoluma ainda com a caracterização do nosso compor- ---- Uexküll já reconhecera distintamente este aspecto do
fenómeno vital.
tamento como independente do mundo, em oposição à
conduta das espécies animais, estritamente obrigadas ao Pela mesma época, o ornitólogo inglês E. Howard
mundo-próprio. Rejeitando os excessos do conceito de (1922) provou que as aves, no período de incubação, rei-
mundo-próprio, a biologia e a antropologia modernas vindicam e defendem uma porção de espaço, um territó-
defendem o que há de mais original na obra de Uexküll rio - observação que então ocasionou uma imensidade
contra os seus impulsos temperamentais. de outras verificações, como, por exemplo, a descoberta
da distância rigorosamente mensurável do voo e da resis-
tência, etc., devida a Hediger. A explicação de muitos
destes factos estava confiada, desde os tempos prlrnitl-
[12]
[ 13]

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vos, aos caçadores familiarizados com a Natureza. A im- a existência de grupos de animais sem tal escala de cate-
portância do «íefeso- para as aves já foi posta em relevo gorias. Para a investigação biológica, estes trabalhos
por B. von.Alrum, na Alemanha, na sexta década do século significam o início de uma revalorização das formas de
passado. Assim, quando Howard é hoje apontado como o vida animais que era tanto mais importante quanto mais
«descobridor» da posse territorial, isso significa que ele profundamente a fatuidade da teoria mecanista menos-
prezara o animal.
pôs o facto em evidência num momento particularmente
Em 1899, o biólogo dinamarquês Mortensen intro-
«exacto- e que desempenhou papel preponderante no
duziu a marcação individual das aves por meio de anilhas.
reconhecimento da sua importância.
Desde então, inúmeras aves isoladas da multidão anó-
Já em 1912, Julian Huxley observara a descrevera
nima, por meio de anilhas numeradas, transformaram-se
pormenorizadamente em Inglaterra, pela primeira vez, a
cópula dos mergulhões, que ele depois interpretou com para nós, observadores humanos, em indivíduos e o
notável clareza. Abriu-se, assim, à investigação científica número de aves marcadas é hoje tão extraordinário como
um vasto campo de trabalho. Desde tempos imemoriais o de conhecimentos que devemos a este método. Algu-
que estes factos se tinham observado repetidas vezes. mas conclusões fundamentais dos nossos investigadores
Desde os tempos primitivos que o homem observava a do comportamento animal assentam exactamente na mar-
cópula do galo e outros fenómenos semelhantes. Mas a cação do indivíduo isolado, pelo que a "história natural ••
consideração conscienciosa da sua significação e a clara geral e vaga de uma espécie pôde transformar-se na des-
ordenação de conceitos que agora se apresentava tiveram crição fiel da vida do animal individualizado. Por isso, a
Importância decisiva. o. Heinroth actuou no mesmo sen- marcação de animais de todos os grupos, do insecto ao
tido mas a contribuição de Huxley quase não é citada morcego, se tornou um dos processos técnicos impor-
por ele. tantes da biologia e fonte de perspectivas inesperadas.
Por volta de 1920, Thorleif Schjelderup-Ebbe começou Além destas, outras tendências de valia se podiam
a estudar em Greifswald a hierarquia social num pátio de ainda mencionar, se o nosso intento não fora apenas
criação de aves. Mostrou então que um grupo qualquer apontar que, das muitas tentativas, resulta, enfim, uma
de aves de criação se encontra solidamente organizado; nova orientação investigadora. Uma destas fontes abriu
que os vários indivíduos se dispõem numa hierarquia só a muitos investigadores o caminho de êxitos futuros e
deles próprios dependente e que esta hierarquia é muito veio aumentar a possibilidade de aceitar novas concep-
complicada e variável, isto é, depende da condição dos ções: foi a doutrina de Uexküll, com os seus ramos fun-
indivíduos. Como consequência desta primeira investi- damentais na apresentação dos ciclos-de-função e na do
gação, surgiu grande número de estudos sobre a ordem mundo-próprio.
de precedência observada no exercício das actividades
vitais dos animais de várias espécies. Muitos biólogos
ficaram tão surpreendidos com a novidade que foram A INVESTIGAÇÃO PROSSEGUE
levados à generalização precipitada que via nessa hierar-
quia uma lei geral. Só mais tarde se impôs uma observa- A importância da obra de Uexküll reside principal-
ção dirigida em maior número de sentidos, a qual revelou mente na sua luta tenaz em favor da actual posição blo- ~ :

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[14J [151

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lógica, que reconhece a particularidade da esfera da vida pela verificação mais intensa de todas as provas que apre-
e a autonomia relativa do ser vivo. As suas contribuições sentam o organismo como centro especial de actividade
foram dominadas pelo método fisiológico e pelo exame e simultaneamente de um viver que, embora velada-
da natureza, especial do ser vivo como objecto de investi- mente, é aparentado com o que melhor conhecemos do
gação. O desejo de se limitar aos métodos científicos nosso próprio ser mais íntimo. É principalmente pelo
levou-o à rejeição total de qualquer afirmação sobre o estudo desta «intimidade», desta maneira de ser peculiar
aspecto experimental do sujeito e, implicitamente, à do ser vivo e do animal em especial que aquilo que é
~
) renúncia a qualquer espécie de psicologia animal, que ele observável de fora recebe a sua mais ampla interpreta-
jítl' considerava situada para além do "biológico». O seu ção. Tomar, de vez, o sujeito para objecto da investigação
fIiJ caminho para chegar. à compreensão do animal era, por- biológica, eis o passo para o desconhecido que a obra de
tanto, o. estudo da. harmonia entre a estrutura e o com:: .,': ••. Uexküll principalmente preparou.
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.,
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.J.
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portamento. Não esqueçamos que, exactarnente no seu
tempo, era particularmente vivo o clamor erguido a pro-
pósito do cavalo sábio ede' outros cavalos' calculadores
e de cães que raciocinavam. A humanização do animal
O estudo da presença desta subjectividade é a carac-
terística do trabalho biológico'OÕSflOSSOS dias. MasWo
peculiares como -I~-S-O-são'-as-conseêiuêncTasmetodológi-
cas desta atitude. Em vez de introduzirmos no jogo de
encontrava-se então no seu ponto culminante. Esta, coln- factores do fenómeno vital um agente misterioso, que
'11(: cidência temporal havia de fortalecer, no pensamento de interviesse em toda a parte como factor explicativo, nós

.", Uexküll, todas as tendências contrárias e, na verdade. vemos nesta subjectividade uma das incógnitas que o

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o seu temperamento combatívo fê-Io, às vezes, parecer
quase mecanista, muito mais singularmente do que seria
de esperar da sua concepção da natureza, quereconhecia
sempre emacção qualquer coisa de supernatural, A mis-
são do biólogo parecia-lhe residir na busca de estruturas
naturalista procura abordar, objectivamente,
das manifestações.
manifestações
pelo estudo
Pela observação rigorosa de todas as
do animal, de todas as suas respostas,
nós avançamos cautelosamente para resultados que des-
crevem a descoberta e ocupação de espaço ou compreen-
~I( que, por exemplo, no sistema nervoso central, determi- dem a relação com o ritmo do dia e da noite e com o
, ( navam a génese do mundo-prório e o comportamento do das estações do ano, exactamente como também des-
~) animal. Tão 10nge-forã-m-'os"se-us--'es-crÚ'pülõs" per-âlite cobrimos nas hierarquias da vida social a subjectividade
~II
Osresultados de carácter experimental que se, na ver- de um sujeito em acção. A grande lista de «manifesta-
;1) dade, por um lado, classificava a «tonalidade» das coisas ções» que nos dão testemunho da subjectlvldade é uma
~I
do mundo-próprio como descritível, como parte do mundo das mais significativas realizações da biologia contem-
,
exterior, por outro, nunca deixa de mencionar, cautelosa- porânea.
;lr' mente, a, correspondente «disposição» complementar e,
O estudo do comportamento já hoje não se desvia

I~ ,/
)
como já vimos, acentua bem o que nela há de «químico»,
a natureza material do seu condicionamento,
torná-lo suspeito de impulsos românticos.
A evolução mais significativa,
não fossem

a partir de Uexküll é
dos problemas que o duplo aspecto do ser vivo nos apre-
senta: aborda-os por vários caminhos e cautelosamente.
Aprendemos a distinguir, no estabelecimento
ções, o que é inato, hereditário,
de correla-
do que tem de ser
J:t) o aprofundamento dos estudos da autonomia do ser vivo
aprendido e transformado em hábito. Aprendemos a dis-
II
'!.J [16] 2 -A. HOMENS [17]
~1--'
) )
/I )

í) Ii }
I
cernlr as estruturas. transmitidas. relativamente rígidas, frente ao considerar com clareza inexcedível e graças a
das outras, ~ais flexíveis, Sabemos como estímulos. um trabalho insano, não só a actividade do centro vital
iguais podem abuar _c!~~I1lªn._i-Ü:a._tão dízarsa.e.reconhe- como a de ~u@to cria~_qrk!)"lUfld~mas também o
cemos assfi:Tlã-Vari~ão dos' estad_o..s.jnteriores. Por sua entrelaçamento intrínseco-do ser vivo com partes do seu
vez, nestes estados, nestas ,e disposições», entramos em ambiente.
contacto com um, último, elemento, para além do qual a
lnvestlqação não passa, por enquanto. Assim, numa época
em que .a própria filosofia descobriu ,-'- ou melhor, redes- o PROBLEMA DA ORGANIZAÇÃO
cobriu opapel fecundo da adaptabilidade. perfeita (Beiln- SEGUNDO UM PLANO
dlichkeit) os .que se.idedlcavarn. ao estudo do comporta-
I! mento chegaram, por caminhos absolutamente diferentes, Ainda noutro sentido o estudo da vida, no nosso
!I~: a este princípio fundamental da conduta e, desse modo, tempo, está prestes a transpor a posição em que o pen-
a, uma manifestação, objectiva .da maneira de ser, des- samento de Uexküll se deteve há cerca de vinte anos.
li '
I conhecida para nós. como .experiêncla.ida s~~l~J;.tiyjdade Trata-se da superação do conceito de « planeamento~ do
IIll d~a1s. q_~~!udo. dos estados interfores e.dc.com- ser vivo.

.) .. portamento eliminou um .qrave inconveniente:_ .superou a


dísffnção eni're-'cõrpo'e-álma corno substâncias distintas
Uexküll mostrou incansavelmente,
exemplos, que o plano de construção d~~
em repetidos

l!i
quê-;-lüntas,·"constituem, o ser vivo- separação que não está situado-fora dele, comoo.s!~ ull).Êmáguina ..A sua
II 'fã(fjcaem-tr-ãdTçÕes:-:~ú-itiquíssimas da, nossa, vida repre- obra descfeve~-cõm{j'ra'n'ae"rrli'núcía, como os organismos
sentativa, da nossa, imaginação. A biologia contemporâ- se constroem por si próprios, como os estádios de desen-
I
nea-ri-ãõ --estUda separadamenta, ~aõ-c'of-p()'reo ou volvimentõ-Se--sucecfém~"õrdenados como numa melodia
1i somático, por uni-Tã'dÕ;-;; o espiritual ou JH,jillJiG-º.t .•.e2L e como o plano de amadurecimento da forma funcio-
.tl outro. Pelo estUãõ-áo-compõrt·àmento:íió~ procuramos nal é um processo de autoconstrução e auto-re9UlaçãOj'
11o)e surpreender, na sua pureza, a realidade desconhe- Mas o «planeamento», operante, por si mesmo, no orga-
'1:
,/ cida e" antes de qualquer divisão mais ou menos .estabe- nismo, acabõU-por'~e-tõr-nar;-nã-sÜa exposição, um factor
lecida, conhecê-Ia na sua actividade, como a unidade que particular, ~ma forma de actividade do género superrne-
.1) originalmente nos é dada. Do mesmo modo, a nova ciên- cânico e inespaciaCOutra não era a posição do.vitalismo
) cia do homem - a antropologia - também já começa a que-:na" verdade, tinha superado a estreiteza do meca-
ar, dirigir-se para o comportamento do homem, para a par-
I
nismo mas que, ao fazê-lo, tinha também ultrapassado,
Ir ticularidade dos seus modos de relação e não reconhece, na sua ânsia de esclarecimento completo, os limites da
.,:) neste campo, discutíveisesquematizações de "compo- possibilidade científica.
\
nentes» do género corpo-alma-espírito ou "bios» e A panaceia de Driesch era o princípio orgânico indi-
~Ii -Iouos-, como partes do ser vivo. vidual da enteléquia; a solu~,~ de Uexküll era a organi-
l )
lli Esta orientação tem uma longa história que se não zação segundo ~lanº_que, àJ!K.Jia_p.os.icão_-Íomada
lI?
l)
pode expor aqui. Ela ultrapassa também a posição atin-
gida pela obra de Uexküll que preparou este passo em
pelo autor, passava a ser facto r explicativo, uma das
, qualidades reconheci(iãS-iíõ-ser·'vTvõ~---
tI ... _--_._--~.~_._
.. ~~--._- -~'-'

1/ I..}
[18] [19]

11)
I,)

I I
A biologia admite hoje esta dificuldade.
W. Szilasi afirma radicalmente numa importante exposi-
Como sol mas um sol dos mosquitos gue só existe ra as aos
olhos destes.» Nada porém, pod-emos dizer do sol dos I \
ção, o «plano» do comportamento animal formula, nem
sempre com felicidade, esta questão: «Corno é que, por
exemplo, a abelha é exactamente uma abelha ou como é
mosquitos sem ter vedncã.9Q._<?_.p-Iano de organização .90
mundo-próprio _~?E..~9_S.9~!.!~~.-lI.eor.8ioI6g., pág. 233).
E aqui se nos apresenta, com clareza, a organização
l
que o animal é, em suma, um animal» (Ciência e Filoso- segundo um plano como aquilo que é para nós: um enigma
fia, Zurique/Nova lorque, 1945, pág. 72) .. Na afirmação de que se entrevê de uma para outra espécie animal e que,
que determinada coisa é susceptível de plano, é "planeá- de 'cada vez, importa resolver.
vel-, atribui-se a essa .•alguma coisa- uma qualidade, um O próprio Uexküll acentuou mais de uma vez ser a
predicado, o que sugere a ideia de que, com isso, alguma pesquisa deste plano a missão da biologia: «Todos os
coisa é esclarecida ouexplicada. Na realidade, a expres'-" : "" planos se enquadram num plano de organização extraor-
são aponta o grande e ebscuroenigma, exactamente dinariamente vasto que, até agora, tem sido negado obsti-
aquilo que escapa à compreensão: o mesmo enigma que nadamente. Por muito cómodo que isso fosse, já ho]e,
nós também designamos, sim, mas não explicamos, com porém, não é adrnissfvel.» Com estas palavras termina a
a palavra «vida». Biologia Teórica, de Jacob Uexküll. Elas apontam muito
d
Vemos hoje mais claramente que não podemos ocul- para além do horizonte que limita o campo de trabalho 1

tar o mistério que envolve o problema do ser vivo com biológico e atestam a atitude do investigador que durante
uma palavra que finge de predicado. Sentimos, de novo, toda a sua vida pesquisou os modos de ordenação do
o que há de obscuro na realidade, em todo o seu poder mundo orgânico e cujo labor arreigou cada vez mais a
misterioso e procuramos descobrir, pela investigação sua convicção acerca das ordenações cósmicas. Os tra-
cautelosa das propriedades reconhecíveis, o que é inves- balhos reunidos neste volume também aludem, repetidas
tigável. vezes, à concepção da Natureza que Uexküll representou.
Assim, fala-se hoje menos de totalidade e de organi- Essa concepção não se limita a ver nos fenómenos da
zação segundo um plano do que habitualmente se falava natureza só os aspectos pesquisados mas também venera
há vinte anos e por isso vamos pondo, a pouco e pouco, o segredo que se fecha em cada ser vivo à nossa volta.
a descoberto o conjunto de factores, por meio de cuja
acção uma coisa se nos apresenta como um todo ou pro-
curamos determinar a espécie de estrutura que sugeriu
a existência de um plano. ~ uma ciência do ser vivo na
sua evolução, ciência que não é uma mecânica, nem uma
pneumátíca, para empregar uma expressão de E. Heuss
(1939). A nova noção -de realidade explica também a ati-'~
tude perante o problema da organização segundo um
plano.
o
O próprio Uexküll diz algures: •• Sol que propor-
\~ ciona a danç,a de uma nuvem de mosquitos n~o_é_o nOSSo_

\ [20] [21]

I
.g ~. ,J I'·
DIGRESSõES PELOS MUNDOS-
-PRóPRIOS DO· HOMEM
E DOS ANIMAIS

Por J. v. Uexkülle G~ôrg Krlszat

PREFÁCIO .. '
: .

o presente livrinho não tem a pretensão .de servir


de guia de uma ciência nova. Limita-se, antes, a incluir
o que podia chamar-se a descrição de um passeio por
mundos desconhecidos. Estes mund~o são apenas
desconhecLº-º~,-s_ã.outarrtb_~_IIl-.lnvJsiiéTs;
mais do que isso:
ü-seudireito de existir é-lhes, em geral, contestado por
muitos fisiólogos e zoólogos.
Estabem curiosa atitude é, para quem conheça esses
mundos, perfeitamente compreensível, pois que o cami-
nho que a eles conduz não é transitável para quem sofra
de certos preconceitos capazes. de obstruírem a porta
que lhes dá acesso, tão impenetravelmente que nem um
raio da luz esplendorosa que os; inunda a pode atra-
vessar.
Quem se agarrar ao preconceito de que todos os
seres vivos são apenas máquinas, perde toda a esperança

[23]

,
li
J.
de vir jamais a lobrigar os seus mundos-próprios (1). Mas mento simultaneamente de assinalamento e de acção,
quem ainda não se ajuramentou na doutrina mecanista não se limitaram aqueles a fazer passar os órgãos dos
dos seres vivos, pode prosseguir nas suas especula- sentidos e os órgãos de movimento por peças de uma
ções. }odos os nossos dispositivQs.~ todos Q.S...nQS_@..S máquina (sem atenderem ao seu assinalar e actuar) mas
maquinismos não paS..sQJJLQlLmeios mL~iliar~~_da~ti- foram mais longe, mecanizaram o homem, reduziram o
vidades do b.o.mem. E, efectivamente, há certos meios homem a uma máquina. Segundo os beaviouristas, as
ãuxiliares de trabalho - os chamados instrumentos de nossas sensações e a nossa vontade são meras aparên-
trabalho - em que se incluem todos os complicados cias, no melhor dos casos vêm a valer como acidentes
maquinismos que servem, nas nossas fábricas, para a incómodos.
laboração de matérias-primas, e ainda caminhos-de-ferro, Quem, porém, ainda considera que os nossos órgãos
automóveis, aviões ... Mas há também meios auxiliares" ••• dos sentidos servem para o nosso assinalar e os nossos
de controlo, a que podemos chamar instrumentos-indica- órgãos de movimento servem para o nosso actuar, verá
. dores, como telescópios, óculos, microfones, aparelhos nos animais, não apenas um sistema mecânico, mas dis-
de rádio, etc. cernirá também o maquinista que se aloja nos órgãos,
De sorte que é, então, óbvio admitir que um animal como nós próprios no nosso corpo.
não é mais do que um conjunto de instrumentos-de-traba- Então considerará os animais, não já como meros
lho e de instrumentos-indicadores que, pela intervenção objectos, mas como sujeitos, cuja actividade essencial
de um dispositivo coordenador, constituem um todo, que, consiste em assinalar e actuar.
na realidade, não deixará de ser um maquinismo, ainda
Com o fazê-Io abre-se já a porta que conduz aos mun- \ \
que adequado ao desempenho da função. É esta, de facto,
dos-próprios animais, porque tudo aquilo que um sujeito
a maneira de ver de todos os mecanistas teóricos, quer,
assinala passa a ser o seu mundo-de-percepção, e o que
até certo ponto, se inclinem mais no sentido de pensar
ele realiza, o seu mundo-de-acção. Mundo-de-percepção~ \
num mecanismo rígido, quer no de um dinamismo plás-
mundo-de-acç~~__ ~.<?n_~!!!~~ll."!
__uma ..~!Iidad~ __int~~~~~ \
tlco. Os animais ficam, pois, taxados de meros objectos.
1!).!.:!!I_d_Q:QfQPrJo .do. suletto ..
Com o que se esquece que, desde logo, se pôs de parte
o que é essencial, isto é, o sujeito, o qual se utiliza do Os mundos-próprios, que são tantos quantos os pró-
instrumento auxiliar, com ele assinala e com ele actua. prios animais, oferecem a qualquer admirador da Natu-
A partir da concepção inadmissível de um instru- reza novas terras, tão ricas e tão belas que cómpensam
bem uma excursão através delas, mesmo quando elas se
não patenteiem aos nossos olhos materiais mas somente
I
(')' o' termo Umweltcorresponde em português a ambiente, à nossa visão espiritual. I;
mundo ambiente ou, com menos propriedade, meio ambiente. No As melhores condições para iniciar tal digressão são
!I
sentido, porém, em que o autor o emprega, ele significa qualquer I:
um dia de Verão e um prado coberto de flores, ressoante
coisa que depende do ser vivo considerado, e resulta de uma corno
que selecção por este realizada, dentre todos os elementos do de zumbidos de coleópteros e pululante de adejares de
ambiente, em virtude da sua própria estrutura específica - o seu borboletas; então construiremos para cada animal dos
mundo-prôprio. que povoam o prado, uma como que bola de sabão, que

[24] [25]
, I

I i

!
represente o seu mundo-próprio, preenchida por todos letas nocturnas. O conhecido aguarelista Franz Hutk esbo-
aqueles sinais' característicos que são acessíveis ao çou para nosso uso os desenhos do quarto e do carvalho.
sujeito. Loqoque entremos numa dessas bolas de sabão A todos deixamos aqui expressos os nossos cordiais agra-
transfigura-se completamente o mundo ambiente (I). que decimentos.
se abria em volta do sujeito. Muitas qualidades do varie-
gado prado desaparecem inteiramente, outras perdem as Hamburgo, Dezembro, 1933.
suas propriedades gerais; surgem novas correlações. Em
. cada bola de sabão passa a existir um mundo novo. J. v. Uexküll
Para atravessar connosco esses mundos convidamos
o leitor a acompanhar a descrição que se segue. Os auto-
res, ao prepararem este livro, distribuíram as suas tare-
fas; de modo que um (Uexküll) encarregou-se do texto, e
o outro (Kriszat), do material das gravüras.
Esperamos dar, com esta descrição de 'viagem,um
decisivo passo em frente, e assim convencer muitos leito-
res' de que existem, com efeito, mundos-próprios, e que
com isso se abre um novo e inesgotável campo de investi-
gações. Simultaneamente, este livro testemunhará o espí-
rito de investigação colecttva dos actlvoscolaboradores
do Instituto para o Estudo do Mundo-Próprio, em' HiuTI"
burgo (2).
torenz.. que
Agradecemos em particular
enviando-nos as gravuras que
---
ao Dr. K
ilustram as suas fecundas
experiências sobre gralhas e estorninhos favoreceu o
nosso trabalho. O Prof. Eggers cedeu-nos amavelmente
um relato pormenorizado dos seus estudos sobre borbo-

(') Umgebung, em alemão, na acepção de tudo que em volta


do sujeito se desenrola, Independentemente de o Impressionar ou
o estimular, ou não.
(2) Comp. Friedrich Brock: Verzeichnis der Schriften J. v.
Uexküll und der aus dem Institut iur Umweltforschung zu Hamburg
hervorgegangenen Arbeiten. Sudhoffs Archiv fur Gesch. d. Medizin
und d. Naturwiss. Bd, 27, H. 3-4, 1934.J. A. Barth, Leipzig. (Nota da
ed. alemã.)

[26] [27J

~. ,

!l
INTRODUÇÃO
,."'.: ~

Não há, certamente, camponês que tendo batido com


o seu cão matos e bosques não tenha travado conheci-
mento com um animalzinho que, suspenso dos ramos dos
arbustos, espia a sua vítima, homem ou bicho, para sobre

Fig. 1 - Carraça

ela se precipitar e se saciar com o seu sangue, inchando,


das dimensões de, o máximo, dois milímetros, até ao
! )
volume de uma ervilha (fig. 1).
J A carraça, ou carr~pato, nomes por que se designa
.J
[29]
)
Ir
:,)

111/
esse animal,' não é realmente perigosa, mas nem por isso perfurar a membrana absorve qualquer líquido, contanto
deixa de ser um hóspede incómodo dos mamíferos, e que este esteja a temperatura conveniente.
mesmo do homem. O seu ciclo biológico foi de tal modo . Se a carraça cai sobre qualquer coisa fria, depois
esclarecidopO{ trabalhos recentes que dele podemos de o sinal de ácido butírico ter funcionado, então errou
traçar um relato exacto. de hospedeiro, e tem de voltar a trepar para o seu posto
Do ovo sai um pequeno ser ainda não completamente de espia.
I i
desenvolvido, a que faltam um par de patas e os órgãos . O lauto festim de sangue que a carraçagoza é, simul-
da reprodução. Nesta fase já pode atacar animais de tem- taneamente, o seu último repasto, pois que agora nada
peratura variável, como, por exemplo, lagartos, que espera lhe resta senão deixar-se tombar no chão, fazer a postura
emboscado na extremidade da haste de uma erva. Depois e morrer.
de sofrer algumas' mudas, os órgãos que lhe faltavam Os breves acidentes da vida da' carraça dão-nos uma
acabam por se desenvolver, passando então a caçar ani- . adequada pedra-de-toque da solidez do ponto de vista bio-
mais de temperatura constante. Já fecundada, a fêmea lógico, comparado com o método fisiológico, como até
sobe, com as suas já então oito patas, até à parte supe- aqui se tem aplicado. Para o flsióloqo, cada ser vivo é
rior de um arbusto que lhe agrade, para, de altura conve- um objecto que se situa no seu mundo-próprio do
niente, se deixar cair sobre pequenos mamíferos furtivos homem. Examina-lhe os órgãos e o seu funcionamento
que passem ao seu alcance, ou arrastar por animais de total, como um técnico examinaria uma máquina que seja
maior porte. nova para ele. O biólogo, ao contrário, toma em conta
O caminho para a sua torre de vigia descobre-o o ani- que cada ser vivo é um sujeito, que vive num mundo
malzinho, que é desprovido de olhos, valendo-se do seu que lhe é particular, de que ele constitui o centro; e, por
tegumento, sensível à luz. A aproximação da vítima é isso, pode comparar-se, não a uma máquina, mas apenas
revelada ao salteador, que além de cego é também surdo, ao maquinista que maneja a máquina.
pelo seu sentido do olfacto. As emanações de ácido Resumindo, a questão pode pôr-se assim: a carraça
butírico que provêm das glândulas da pele dos mamífe- é uma máquina ou um maquinista? É um mero objecto ou
ros servem para a carraça de sinal de advertência para um sujeito?
abandonar o seu posto de vigia e lançar-se sobre a presa. A fisiologia interpretará a carraça em termos de uma I\
Se vem a cair sobre qualquer animal de temperatura cons- máquina e dirá: na carraça podem-se distinguir recepto- II
tante, que um apurado sentido térmico lhe denunciou- res, isto é, órgãos dos sentidos, e efectores, isto é, e !'
então atingiu a sua vítima, e só falta agora, ainda com o órgãos de acção, que, por meio de dispositivo coorde- I' (
auxílio do seu sentido do tacto, encontrar uma zona tanto nador no sistema nervoso central, estão mutuamente rela-
quanto possível livre de pêlos, para se introduzir, até para cionados. O conjunto é uma máquina de que se não dis- \
trás da cabeça, nos tecidos cutâneos daquela; e põe-se cerne o maquinista.
a sugar lentamente o sangue quente que jorra. «É exactamente nisso que está o erro", objectará o
Experiências feitas com membranas artificiais e com biólogo. «Nenhuma das partes do corpo da carraça tem
outros líquidos que não sangue mostraram que a carraça ~_~~~!~c!erfStTcas-de- úma -riúrclúina,_~~~~.t..~-d~~~naoque-
é desprovida de sentido do gosto, pois que depois de actua são maquinistas.\

.) [30J [31]
)
,.
I.
)

~e~ii
cará O biólogo. «Do que se trata, principalmente, é de
o fisiólogo continuará inabalável: ••Na carraça,
maquinistas e não de partes de máquinas. Porque todas
precisamente, verifica-se que todas as actividades assen-
e cada uma das células do arco-reflexo funcionam não
tam exclusivamente em reflexos (1), e o arco-reflexo cons-
com transmissão de movimento, mas com transporte de
titui a base de cada máquina animal (fig. 2). Este começa
estímulo. Um estímulo, porém, deve ser notado por um
por um receptor, Isto é, um dispositivo que só admite
sujeito e essencialmente não provém de um objecto.»
certas influências exteriores, como ácido butírico e calor,
Qualquer parte de uma máquina, um badalo de um
mas rejeita tudo mais. E termina num músculo que põe
sino.por exemplo, trabalha apenas maquinalmente quando
p; de determinada maneira é posto a oscilar. Quaisquer
) outras intervenções despertam nele respostas como o
•• ) fariam em qualquer mero pedaço de metal. Ora, desde

p) I .Ó»Ó; ~
John Müller (1), nós sabemos que um músculo se com-
porta de uma forma completamente diferente. A qualquer
Fig. 2 - Arco-reflexo intervenção exterior ele responde sempre da mesma
~)
maneira: por uma contracção. Toda a intervenção exterior

t~
~~
em actlvidade um efector,
dispositivo perfurador.
o dispositivo locomotor,

As células sensoriels, que libertam a excitação dos


sentidos, e as células mataras, que libertam o impulso
ou o
é por ele transformada no mesmo estímulo; a todas res-
ponde com o mesmo impulso que obriga o corpo da célula
à contracção.
John Müller demonstrou ainda que todas as acções
exteriores que incidem nos nossos nervos visuais, sejam
I
I

i
t~
I
de movimento, funcionam apenas como peças conecto- elas ondas do éter, compressões ou correntes eléctricas,
ras que conduzem as ondas excitadoras, absolutamente produzem uma sensação visual, isto é, as nossas células
materiais, que são originadas nos nervos, sob a acção do sensoriais visuais respondem com o mesmo sinal-per-
choque exterior. Todo o arco-reflexo trabalha com trans- ceptivo.
) missão de movimento, como qualquer máquina. Nenhum Disto devemos concluir que cada célula viva é um
) factor subjectivo, como seja, um ou mais maquinistas, maquinista, que assinala e actua, e por isso possui «assi-
,
)
intervém no fenómeno, seja como for.» nalarnento» ou percepção e «activaçâo» oui'!lP~~s~. As
"o que se passa é exactamente o contrário", repll- múltiplas marcas e acções do sujeitõ:ã"riimal total são,
) por conseqüência. atribuíveis ao trabalho de conjunto de
) pequenos maquinistas celulares;" ca'dã"um'"-dosqúa'is
(') Reflexo, originalmente, significa a captação e reenvlo de
um ralo de luz, por um espelho. Aplicado aos seres vivos. o termo
somente decide sobre um sinal-perceptivo ou um sinal- "
)
reflexo significa a captação de um estímulo exterior por um recep- -de-impulso.
) tor e a resposta provocada pelo estímulo do efector do ser vivo. Para que seja possível uma cooperação ordenada, o
No fenómeno o estímulo transforma-se em excitação nervosa, que
J tem de passar por várias estações para ir do receptor ao efector.
(') Fundador da moderna fisiologia (1801-1858).(Nota da ed.
) O caminho assim seguido designa-se por arco-reflexo. (Nota da ed.
alemã.) alemã.)
.I
3 - A. HOMENS [33]
J [32]
I )
)
i
.)

a~a I
1
j,] organismo serve-se das células do cérebro (que são tam-
bém maquinistas elementares), e agrupa metade delas
Outro tanto, exactamente, se passa no órgão-de-
-impulso. Nele as células-de-impulso desempenham o
como «células assinaladoras» ou células-de-percepção na papel de maquinistas elementares, que, neste caso, con-

j parte do céreBro receptora de estímulos,


«órqão-assinaladcr,
isto é, no
ou de-percepção», em faixas mais ou
soante as suas actividades, ou impulsos, se ordenam em
grupos bem articulados. Também aqui existe a possibili-

J menos extensas. Estas faixas correspondem a grupos de


estímulos exteriores que entram corno perguntas no
dade de os impulsos individualizados se concentrarem em
unidades que actuam sobre os músculos, a elas subordi-
sujeito-animal. A outra metade das células do cérebro nados, como impulsos encadeados ou melodias de impul-
13
,,
utiliza-as o organismo como «células, activadoras» ou
células-de-impulso. e agrupa-as em faixas com que
sos, ritmicamente articulados. Depois do que os efectores
postos em acção pelos músculos imprimem aos objectos
rI comanda os movimentos, dos efectores, que comunicam
ao mundo exterior as respostas do sujeito-animal.
situados fora do sujeito a sua realidade.
A marca-de-acção que os efectores imprimem ao
II; ,

)
As faixas das células-de-percepção constituem o objecto é dtrectamente reconhecível- como a ferida que
••órgão-de-percepção» do cérebro. e as faixas das células- o ferrão da carraça produz na pele do mamífero por ela
J -de-impulso, o «órgão-de-impulso». atacado. Mas, primeiro, a difícil descoberta dos sinais
..J
Se, pois, nos permitimos imaginar um órgão-de-per- característicos do ácido butírico e do calor completou o
cepção como um centro de faixas de percepção alternadas quadro da carraça laboriosa no seu mundo-próprio.
)
e maquinistas celulares que são os portadores de percep- Em sentido fíqurado, __
QQ.d.eJiiz~ gue cada suj~to-
) ções específicas, no entanto elas conservam-se entida- -animal apreende o s~~.c1o-com. as duas hast~
) des espacialmente distintas. Os seus sinais-perceptivos -Uma tenaz - LIma ha~!_~..dJLP~_rceJ~~,LQutrade impulsio-
permaneceriam também distintos. se não tivessem a pos- nar. Com 'üma§ºiit~Ú~:lQ€ULrn_ªtJlº-1J1Q....ÇPma olltra, lima
J
)
sibilidade de se fundirem em novas unidades. fora do
órgão-de-percepção, espacialmente fixado. Ora tal possi-
,- --.,---"
'marca-de-acção. Por este meio certas propriedades do
objecto passam a ser portadoras de sinal-caracterís-
) bilidade existe efectivamente. Os sinais-perceptivos de\ tico, certas outras, de marca-de-acção. Como todas as
um grupo de células-de-percepção reúnem-se fora do propriedades de um objecto estão ligadas umas às outras
)
órgão-de-percepção, na realidade fora do corpo de animal, pela estrutura deste, as atingidas pelo sinal-de-impulso
) em unidades que passam a ser atributos dos objectos devem exercer no objecto a sua influência sobre as por-
) situados fora do sujeito-animal. Este facto é bem conhe- \ tadoras de sinal-característico e também actuar sobre
cído de todos. Todas as nossas sensações humanas, que estas modificando-as, o que resumidamente melhor se
) figuram os nosª-qs,_assinalame_ntPs:~uPeLÇEill_~Q.~~>_es.pe..- ! exprime dizendo: a marca-de-acção cancela o sinal-carac-
) cíficos, c~~~~,r~el11ll()s atributosdos objectos exteriores,l terístico.
)
que nos servem como sinais-característicos que utiliza- O número e a ordenação das células-de-percepção
mos. A sensação «azul» passa a ser a «cor azul» do céu; que por meio dos seus sinais-perceptivos assinalam os
) a sensação «verde» passa a ser a «cor verde» da relva, objectos do seu mundo-próprio com sinais-característicos
) etc. No sinal-característico, ou carácter, azul, reconhece- e o número e ordenação das células-de-impulso que por
mos o céu, no carácter verde reconhecemos a relva. meio dos seus sinais-de-impulso dão aos mesmos objec-
)

,) [34] [35]
,)
,)
I'

,)
! ~~J- 1/i
tos marcas-de-acção são, principalmente, e a par da
feição aos seus mundos-próprios. Aos primeiros corres-
selecção de estímulos que os receptores realizam e da
pondem mundos-próprios simples, aos segundos, mundos-
ordenação dos músculos que permite aos efectores mani-
-próprios complexos.
festarem-se, decisivos no desenrolar de cada forma de
E agora situemos no esquema do ciclo-de-função a
comportamento de todos os sujeitos animais.
carraça como sujeito e o mamífero como objecto. Verifi-
O objecto, somente no que respeita ao comporta-
ca-se imediatamente que decorrem segundo um plano
mento, é como se devesse possuir as propriedades neces-
três ciclos-de-função, e uns a seguir aos outros. As glân-
sárias, que por um lado pudessem servir como portado-
dulas cutâneas do mamífero constituem o portador de
ras de sinais-característicos, e por outro de portadoras
sinal característico do primeiro ciclo, pois o estímulo
ácido butírico liberta no órgão-de-percepção sinais-per-
ceptivos, específicos, que são transportados para a peri-
"-,: ~ feria como carácter olfactivo. Os fenómenos que se pas-
sam no órgão-da-percepção provocam por indução (em
que tal consiste, ignoramo-I o) no órgão-de-impulso impul-
sos correspondentes, que produzem o movimento dos
membros locomotores e a queda do animal. A carraça
) Órgão de impulso ao cair confere aos pêlos do mamífero a marca-de-acção
do choque, que então, por seu turno, liberta um carácter
)
, táctil pelo que o carácter olfactivo do ácido butírico é
,) cancelado. O novo carácter provoca um movimento de
l Mundo de acçõo
vaguear, até que na primeira zona sem pêlos é remido
t!~ pelo carácter calor, e aí começa o trabalho de perfu-
Fig. 3 - Ciclo-de-Funçâo
i)
ração .
.) Sem dúvida trata-se aqui de três reflexos que se vão
) anulando sucessivamente e são sempre desencadeados
de marcas-de-acção que devessem estar em associação
por ajustamento mútuo. por acções físico-químicas objectivamente determináveis.
)
As relações de sujeito com objecto estão ilustradas Mas quem se contente com esta verificação e julgue ter
, ) com ela resolvido a questão, mostra apenas que não
no ~a do ciclo~de-fuD-ç_ão....fug.3)":ETe mÕ~1nic6mô'
Sujeito e oOJecto se ajustam reciprocamente e constituem alcançou o verdadeiro problema. Não é o estímulo quí-
um todo que obedece a um plano. Se, além disso, se supõe mico do ácido butírico que se debate, nem tão-pouco o
')
que um sujeito se liga a um ou vários objectos por vários estímulo mecânico (desencadeado pelos pêlos), nem
) ainda o estímulo térmico da pele, mas apenas o facto
ciclos-de-função, fica-se, então, fazendo uma ideia do
) conceito fundamental da doutrina do mundo-próprio, a de saber ~rquê, en!re._,,!s centenas de acçõesque resul-
saber: todos os sujeitos animais, os mais simples como tam__d9s'prl?~ff~ªél<!esc!o corpo do mamífero, só três ~e
; ',) tórnam .portadoras de sinais car~cterísticos relativamente
os mais complexos, estão ajustados com a mesma per-
') ~_ç.§lXrªçq",e"pot:quê.essas três e não outras.
"J [36]
'! ' [37]
)
)

, )

f1)j • ~
Não se trata de qualquer reciprocidade de forças vel, que nos desvenda uma perspectiva muito mais vasta
\
. entre dois objectos, mas sim das correlações entre um dos mundos-próprios .
sujeito vivo e o \seu objecto, e estas manifestam-se num É imediatamente evidente que a inesperada fortuna
plano inteiramente diferente, a saber entre as percep- da passagem de um mamífero por sob o rama sobre que
ções do sujeito e o estímulo do objecto. a carraça se encontra é muito rara. Este inconveniente
nem pelo grande número de carraças que se emboscam
A carraça está suspensa, imóvel, da extremidade de
nos, arbustos é suficientemente compensado para asse-
um ramo numa clareira. Pela sua situação oferece-se-Ihe
gurar a subsistência da espécie. A faculdade de a carraça
a oportunidade de cair sobre um mamífero que por ali
poder viver muito tempo sem se alimentar, aumenta as
passe. De todo o ambiente não incide sobre ela nenhum probabilidades de vir a passar uma presa ao seu alcance. ,)
estímulo. Então, aproxima-se um mamífero, de cujo san- I
Essa faculdade possui-a a carraça em grau invulgarmente
gue ela necessita para o desenvolvimento da sua prole. 1
elevado. No Instituto Zaológico de Rostock conserva-
E agora qualquer coisa de bem maravilhoso se passa: ram-se vivas carraças que chegaram a jejuar durante
de todas as acções provenientes do corpo do mamífero dezoito anos (1). lsso a nós, homens, ser-nos-ia impossí-
só três passam a constituir estímulos e, essas, em vel. O tempa no nosso mundo-humano é canstituído pç>r
sequência bem determinada. Do vasto mundo que rodeia uma série de momentà~. _ç:tTftlsslmos, ãUrante os .quais
a carraça fulguram três estímulos, como sinais luminosos Õ mund~~_~~_.~an!festã quaiqÚer--ITi:@?J.l9._a.:_p'.~.~j:e...
um
dentre as trevas, e servem à carraça de guias, que ela ~lo_o..mund.o,_c.Qo.s_er.\l&s.e.irnLariáyel. O momento ~
confiadamente segue até atingir o seu objectivo. Para
tal ser possível as carraças são dotadas, além do seu
(') A carraça está, sob todos os pontos de vista, organizada
corpo com os seus receptores e efectores, de três sinais- para resistir a um longo período de jejum. As células seminais que
-perceptlvos que pode utilizar coma três sinais caracte- a fêmea recebeu e conserva dentro de si durante o período de
rísticas. E é par meio destes que à carraça o fluir da seu espera estão contidas dentro de cápsulas, até o sangue do mamí-
comportamento é tão determinadamente prescrita que fero chegar ao estômago da carraça. Quando isso se dá elas são
)
postas em liberdade e fecundam os óvulos que esperavam nos
ela só pode realizar actos perfeitamente determinadas.
) ovários. Em contraste com a adaptação perfeita da carraça ao seu
Tada a .opulenta munda ambiente que rodeia a car- objecto-presa, que ela acaba por encontrar, está a fraquíssima pro-
)

I
raça se contrai e se transforma num quaâro iife-sqUrnh"ó babilidade de que tal suceda, mesmo apesar do longo tempo de
\
que essencialmente consist~~~~~~.~_~_tr~~_~in.~~~~!:?_~_ espera possível. Bodenheimer tem perfeitamente razão quando fala
i~
I te rí sti case TrêSilla rcas-a:e;:ãcçã.o -O-sell_ffiUn.dQ:.prÓpr.i O. de um péssimo, isto é, de um mundo reconhecidamente desfavo-
!) -A indigência desse mundo-próprio ajusta-se, porém,
~ável em que ~iv~ a maioria dos animais. Somente, este mundo não
I e o mundo-propno de cada um deles, mas o mundo ambiente de
1) estreitamente à segurança da camportamento, e segu~ todos. Mundo-próprio óptimo, isto é, reconhecidamente favorável, e
i) r..an@.vale mais que riqueza. Do exemplo da carraça pode mundo ambiente péssimo, pode considerar-se a regra geral. Porque
sucede sempre deverem tombar muitos indivíduos para que a espé-
I deduzir-se o que é fundamental na estrutura dos mundos-
1) -próprios dos diferentes seres, e é válido para todos os
cie subsista. Se o mundo ambiente não fosse, para certa espécie.
péssimo, então esta, devido ao seu mundo-próprio, óptimo, podia
I) animais. Mas a carraça possuí uma faculdade muita notá- conquistar a supremacia sobro todos os outras. (Nota do autor.)
I.)
J
[38] [39]
)

j)
í ) _
I .>

)
homem é de 1/18 segundos (1). Veremos adiante que a Kant, unidade que ela aproveitará no aspecto científico-
duração do momento varia com os diferentes animais, -natural da doutrina dos mundos-próprios. ao acentuar-se
o papel decisivo do sujeito.
mas seja qual for o valor que queiramos estabelecer para
o caso da carraça, a possibilidade de suportar um mundo- "
"
-próprio invariável durante dezoito anos está fora do
I I
alcance de todas as probabilidades. Admitiremos, pois,
que a carraça durante o seu período de espera se encon-
Assim como um gastrónomo, do bolo só escolhe as
tra como que num estado de letargia. que também em
passas, assim também a carraça, das coisas do seu
nós interrompe o tempo por horas. Somente. o tempo no
ambiente só seleccionou o ácido butírico. Não nos inte-
mundo-próprio da carraça pára, durante o seu período de
ressa saber que sensação gustativa as passas desper-
espera. não por horas apenas. mas por vários anos. e ela .ÓsÓ; •••
tam no gastrónomo. mas apenas o facto de as passas se
volta à actividade quando o sinal de aviso "ácido butírico» tornarem sinais-característicos do seu mundo-próprio.
a desperta para a nova fase de actividade. pois que. para ele. são dotadas de significado biológico

S
Que ganhámos com esta noção? Alguma coisa muito especial; assim. também. não perguntamos como o ácido
significativa. O tempo, que serve de moldura a todo o butírico cheira ou sabe à carraça, mas registamos apenas
acontecer. apresenta-se como a única constante objectiva o facto de o ácido butírico ter passado a ser biologica-
perante a variada mudança do seu conteúdo. e agora mente significante como sinal-característico carraça. ","
I

vemos que o sujeito controla o tempo do seu mundo-pró- Contentamo-nos com o admitir que no órgão-de-per-
prio. Ao passo que até agora dizíamos: sem tempo não cepção da carraça devem existir células de percepção f',
pode existir nenhum sujeito vivente. devemos agora
dizer: sem um sujeito vivente não pode existir qualquer
que manifestam os seus slnals-perceptlvos, como o admi-
timos igualmente relativamente ao órgão assinalador do
Ii:"
"

",tempo. gastrónomo. A única diferença é que a percepção do


"f,
No próximo capítulo veremos que outro tanto sucede ácido butírico passa a ser um sinal característico do seu I

mundo-próprio, ao passo que é a percepção das passas I


com o espaço: sem um sujeito vivente não pode existir
o que, no gastrónomo. passa a ser um sinal característico
nem qualquer espaço nem qualquer tempo. Com isto
encontrou a biologia unidade definitiva na doutrina de do seu. II
O mundo-próprio do animal, que exactamente preten-
demos estudar. é apenas uma fracção do mundo ambiente
(') Demonstra-o o cinema. Na passagem de um filme, os qua- que nós vemos desenrolar-se em volta do animal - e este
dros devem suceder-se e deter-se alternadamente. Para que apare-
mundo ambiente não é mais que o nosso mundo-próprio
çam com perfeita nitidez, as exposições instantâneas e distintas
humano. O primeiro probl-ema no estudo dos mundos-
devem ser ocultadas por um anteparo. A ocultação produzida, ver-
dadeiramente passa despercebida, se entre a ocultação e a exposi- -próprios consiste em escolher, dentre os sinais carac-
ção medear um intervalo de tempo de 1/18 segundos. Se esse terísticos do mundo que o rodeia. aqueles que são par-
tempo fosse mais longo resultaria uma tremulação insuportável. ticulares ao animal e com eles construir o seu mundo-
(Nota do' autor.) -próprio. O sinal característico «passas» deixa a carraça

[40] r 41]
perfeitamente indiferente, ao passo que o sinal caracte- a) O espaço-de-~e·
rístico ácido butfrlco desempenha no seu mundo-próprio
um papel imporfante. No mundo-próprio do gastrónomo o Quando, de olhos fechados, movemos livremente os
que tem significado acentuado é, não o sinal caracterís- nossos membros, estes movimentos, tanto em direcção
tico ácido butírico mas o sinal característico "passas». como em extensão, são-nos exactamente conhecidos.
Cada sujeito fia as suas correlações como os fios Abrimos com as nossas mãos caminho num espaço a que
de uma aranha, relativamente a determinadas proprie- damos o nome de âmbito dos nossos movimentos, ou,
dades das coisas, e tece-as numa sólida teia que suporta abrevladarnente, espaço-de-acção.
a sua existência. Todos estes caminhos são por nós seguidos a peque-
Quaisquer que possam ser as correlações entre o nas passadas a que chamamos passos-de-orientação, por-
I I sujeito e os obJectos do seu"-munefü"ambiEmte-e"'as"-õcor- que a direcção de cada uma delas nos é rigorosamente
r~IJL~~mR.re~Ei~t~ri9r_l!I~nte_ao sujei!2. em que temos de conhecida mercê de uma sensação de orientação, ou
1I escolher os sinais característicos. Os sinais característi- sinal-de-orientação. E, na realidade, distinguimos seis
cos, ou qualidades, ~o, por isso, sempre de qualquer orientações, que se opõem duas a duas: para a direita e
11 modo espacialmente ligados, e, pois que eles selibútãm para a esquerda, para cima e para baixo, para diante e

I I üns-ãõsoütrõsnum"ã--ce~taàrdem,
temporalmente.
são também ligados

Só por excessiva leviandade alimentamos a ilusão


para trás.
Têm-se feito estudos que provam ser de cerca de
dois centímetros as passadas mais curtas que podemos
de as correlações do sujeito, outro que não nós, com as dar, avaliadas pelo avanço do dedo indicador com o braço
coisas do seu mundo-próprio existirem no mesmo espaço estendido. Estas passadas não dão, como se vê, uma
e no mesmo tempo que as que nos ligam às coisas do medida exacta do espaço em que elas são seguidas. Cada
nosso próprio mundo humano. Esta ilusão é alimentada um de nós pode fazer uma ideia aproximada desta inexac-
pela suposição da existência de um mundo único em que tidão, procurando levar ao contacto uma da outra, as pon-
)
todos os seres vivos estão encerrados. Daí, a convicção tas dos dois indicadores das
..• mãos. Verificaremos que
geralmente aceite, de que deve haver um único espaço a maior parte das vezes isso não se consegue e que
e um único tempo para todos os seres vivos. Só recen- aquelas passam à distância de dois centímetros uma
temente surgiram no espírito dos físicos dúvidas sobre da outra.
a existência de um universo com um espaço válido para É, para nós, do mais alto significado o poder muito
todos os seres. Que tal espaço não pode existir resulta facilmente reter de memória à deslocamento uma vez
já do facto de cada homem viver em três espaços que seguido, o que nos permite escrever às escuras. Chama-
se penetram mutuamente, completando-se, mas que tam- mos a esta capacidade «clnestesla», designação que
bém até certo ponto se contrapõem. nada de novo nos diz.
Ora, o espaço-de-acção não é meramente um espaço
de movimento constituído por milhares de passadas-de-
-orientação que se cruzam, mas possui um sistema 'de
referência formado por planos-perpendiculares entre si,

[42J
[43J
rir a tridimensionalidade do nosso espaço a um órgão
que definem o conhecido sistema de coordenadas, que
sensorial situado no nosso ouvido interno - os canais
serve de base a todas as determinações espaciais.
semicirculares (fig. 5), cuja posição corresponde aproxi-
É de fundamental importância que quem se ocupa do
madamente aos três planos do espaço-de-acção.
estudo do problema do espaço se compenetre deste facto.
Esta correspondência mostram-na tão claramente
Que é tudo que há de mais simples. Basta movermo-nos
numerosas experiências, que podemos formular a
para um e outro lado, com os olhos fechados fi as palmas
seguinte proposição: todos os animais que possuem três
das mãos verticais e perpendiculares à testa, para, sem
canais semicirculares dispõem também de um espaço
mais nada, podermos fixar o limite entre direita e
esquerda. Este limite coincide aproximadamente com o .'. ,
plano mediano do corpo. Se nos deslocamos com as pal-
mas das mãos colocadas horizontalmente e à altura dos '
olhos, para cá e para lá, podemos analogamente determl- ' sÓ; ""

nar onde se encontra o limite entre abaixo e acima. Este


limite está, na maioria das pessoas, situado à altura dos
olhos; mas em muitas encontra-se à altura do lábio supe-
rior. O limite entre o anterior e o posterior, que se deter-
mina com as palmas das mãos voltadas para a frente de
um e outro lado da cabeça e deslocando-as para trás e
para diante, esta situado, em grande número de pessoas,
à altura do orifício do ouvido, noutras, à altura da arcada
zigomática, e ainda noutras, à altura da ponta do nariz.
Cada pessoa normal dispõe de um sistema de coordena-
das formado por estes três planos, estritamente relacio-
nado com a cabeça (fig. 4) e com que confere ao seu
espaço-de-acção o quadro fixo em que se dão os passos-
-de-orientação. Fig. 4 - Sistema de planos coordenados do homem
No labirinto confuso dos passos-de-orientação, que
como elementos de deslocamento não podem conferir ao
íl
tridimensional. A figo 6 representa os canais semicircula-
espaço-de-acção nenhuma fixidez, os planos fixos de refe-
rência fornecem uma estrutura segura que garante a
res de um peixe. É evidente que estes devem ser da
máxima importância para o animal. Em apoio disto se
I
ordem no espaço-de-acção,
pronuncia também a sua estrutura interna, que neles tem
A grande contribuição de Cyon (1) consistiu em refe-
um sistema de canais em que, sob o controlo dos nervos
se desloca um fluido nas três direcções do espaço:
(') Elie V. Cyon (1842-1912), fisiólogo russo, descobridor de O movimento do fluido reflecte fielmente os movimentos
nervos e funções nervosas muito importantes. {Nota da edição
alemã.} ,
de todo o corpo. Isto mostra-nos que o órgão, além da
.>

[45]
[44]
direcção das «portas de entrada». Quando todos os movi-
mentos do corpo em bloco, se decompõem e são regista-
dos em três direcções nos canais semicirculares, o ani-
mal deve encontrar-se no ponto de partida, quando, por
meio de Vibrações, os sinais nervosos tenham voltado
,,, ao zero.
,,
,, É indubitável que uma bússola que indique as portaSl
,, de entrada deve ser, para todos os animais que dispo-
nham de um lugar onde se recolham, ninho ou local de
postura, um recurso indispensável. A garantia de terem ,
à sua disposição as portas que lhe dão acesso, obtida por li,!
sinais ópticos no espaço visual, não é, em geral, sufi-
ciente, porque eles devem poder reencontrá-Ias mesmo
I~
quando elas tenham mudado de aspecto.
.1
A capacidade de redescobrirem as portas de entrada~ :t
no espaço-de-acção puro, pode demonstrar-se que exist~
também nos insectos e moluscos, apesar de estes aru-
Fig. 5 - Canais semicirculares do homem ,I
mais não possuírem canais semicirculares.

função de deslocar os três planos no espaço-de-acção,


A seguinte experiência é bem convincente (fig. 7). :I
Enquanto a maior parte das abelhas de uma colmeia voam 'i
tem ainda um outro significado. E, de facto, parece que pelo campo, desloca-se esta do seu lugar habitual para ii'
:1
ele desempenha ainda o papel de bússola. Não uma bús- uns dois metros de distância. Verifica-se então que, de
I'

sola que se oriente sempre na direcção norte-sul, mas na


volta a ela, se acumulam pairando no ar, no lugar em que
ela antes se encontrava e com ela o orifício de acesso-
o seu ponto de partida. Só passados uns cinco minutos
elas se resolvem a VOar para aquela sua nova situação. f
levando mais longe esta experiência demonstrou-se
que aquelas abelhas a que se tinham cortado as antenas
d
I

se dirigiam sem se deterem para a colmeia deslocada, o


que significava que, só enquanto as possuíam se orienta-
vam no espaço-de-acção. Sem elas orientam-se à custa
I
dos sinais visuais do campo. As antenas da abelha devem,
pois, considerar-se como órgão que, de qualquer modo,
desempenha o papel de bússola da porta de acesso na
J ) sua vida normal, e lhe indica o caminho de regresso com
i
Fig. 6 - Canais semicirculares de um peixe mais certeza que os sinais visuais.
-, , )
[46] r471

~ .t. io

. '. • o' ••
b) O espaço tácti!

A pedra de fundação do espaço táctil não é nenhuma


grandeza, cinemática como a passada-de-orientação, mas
sim uma grandeza estática, isto é, o local. O local tam-

I '~

Flg. 7 - Espaço-de-acçãoda abelha '1


II! !1
.u
'1.1
Ainda mais surpreendente é a, análoga descoberta- I
-do-lar; que os Ingleses designam pelo termo homing, por 11
I;
parte da lapa (1) (fig. 8). A lapa vive entre as zonas das i,l\ I
I I
marés, sobre as rochas. Os grandes exemplares da espé- I
cie gravam na rocha para seu uso e com a sua concha
dura, um leito em que, aderindo fortemente a ela, pas- II
sam o período da baixa-mar. No período da preta-mar I
começam a deslocar-se e a pastar nas rochas dos seus
Flg. 8 - Descoberta do lar pela lapa
arredores. Logo que a maré começa a baixar buscam de
novo o seu leito, não seguindo sempre o mesmo caminho.
Os olhos da lapa são tão rudimentares que o molusco, só
à custa deles, muito dificilmente consegue reencontrar o bém deve a sua existência a um sinal-perceptivo do
seu ponto de partida. A existência de qualquer indício de sujeito e não é qualquer aspecto inerente à matéria
olfacto é tão improvável como a de um sentido de visão. do ambiente. Foi Weber (1) quem o demonstrou. Quando
Só resta admitir a existência de uma como que bússola se colocam as pontas de um compasso, afastadas de
orientadora no espaço-de-acção, de que todavia não pode-
mos fazer a mínima ideia. (') Ernest Heinrich Weber (1795-1878) contribuiu para a
.,I
fundação da fisiologia moderna. Estudou o sentido do tacto na pele.
;r
(l) Molusco gastrópode marinho do género Patella. (Nota da ed. alemã.) I

I"

I f
[48] 4-A. HOMENS [49]
~

.~,
.,


\
um centímetro uma da outra (fig. 9), sobre o pescoço de
uma pessoa, elas são apercebidas como distintas uma da
um local em espaço-táctil. Os territórios da nossa pele
que, ao serem tocados, produzem a mesma percepção-
\ .
outra. Cada ama delas encontra-se num local diferente -de-localização variam largamente de extensão, conforme
~~ do da outra .. Quando se transportam, sem alterar a sua a importância que tem para o tacto a região da pele que
~I distância, as duas pontas do compasso para as costas e é tocada. A par da ponta da língua, que tacteia a cavi-
para pontos cada vez mais afastados do pescoço, é como dade bucal, as extremidades dos nossos dedos possuem
l os territórios de menor extensão, e podem, por isso, dis-
~lj tinguir uns dos outros a maior parte dos locais. Quando
~ !
tocamos com os dedos um objecto, atribuímos, por inter-
médio destes, à sua superfície um delicado mosaico de
Jr : locais. O mosaico de locais dos objectos dos lugares fre-
quentados por um animal é, tanto no espaço táctil como

I"
~llI
j]
no espaço visual, uma atribuição feita pelo sujeito às
coisas do seu mundo-próprio, que de modo nenhum
existe no ambiente.

I'
Ao tocarem-se pontos diferentes, os locais relacio-
nam-se com as passadas-de-orientação e juntos servem
Ú~
para o esboçar da forma.

I" II~
~
..
O espaço táctil desempenha um papel muito impor-
tante em muitos animais. Os ratos e os gatos continuam

rj
a deslocar-se sem hesitar, mesmo quando cegos - con-
tanto que conservem os seus pêlos tácteis. Todos os ani-
mais nocturnos e todos os que habitam em grutas vivem
essencialmente em espaço táctll, que uma fusão de loca-
lizações e passadas-de-orientação delimita.
IJ(
h/i Fig. 9 - Compasso de Weber
I. c)O espaço-visual
.
t(,
, -----
se elas estivessem cada vez mais próximas uma da outra,
Os animais desprovidos de olhos, que, como a car-
I \ até que, com esse mesmo afastamento, é como se as
raça, possuem pele sensível à luz, é de presumir que
duas pontas tocassem a pele no mesmo ponto.
til~ Daqui se conclui que além do sinal-perceptivo da
possuam as mesmas zonas tegumentares para a realiza-
ção de localizações, tanto por meio de estímulos lumino-
sensação do tacto possuímos sinais-perceptivos para a
sos como por meio de estímulos tácteis. Localizações
sensação do local, a que chamamos sinais do local. Cada
~ ápticas e localizações tácteis coincidem no seu mundo-
percepção-de-Iocalização corresponde, exteriorizada, a
I~ -próprio .

•.~ [50]
[51]
,rI:
I ,

r1
lI! ,

I
I: J
I!
,
Só nos animais providos de olhos, o espaço visual
e o espaço táctil se distinguem um do outro. Na retina
local. De modo que o local representa a menor porção de
espaço dentro do qual não há qualquer diferenciação.
.,It
iI:f.
do olho os pequeníssimos territórios elementares - os "
A aparente diminuição de grandeza dos objectos não
elementos visuais - dispõem-se muito densamente uns
em relação aos outros. A cada elemento visual corres-
se dá no espaço táctil. E é neste ponto que espaço visual
e espaço táctil se opõem. Ou ando pegamos numa chá-
I
ponde um acidente local no mundo-próprio, pois que se vena com o braço estendido e a dirigimos para a boca, f
provou que a cada elemento visual corresponde um sinal- ela aumenta de dimensões aparentes em espaço visual,
-do-local. mas não em espaço táctil. Neste caso o espaço táctil
J
A figo 10 representa o espaço visual de um insecto tem vantagem sobre o espaço visual pois que o aumento
de tamanho da chávena passa despercebido a um obser-

\
,\ ,1\
I I
, I ," .' ~~
vador não atento.
Como a mão que palpa, o olho que olha em volta
I,

\ \ \ I I I estende sobre todas as coisas do mundo-próprio um deli-


\ \ \ I I , cado mosaico de locais, cuja finura depende do número
\ .
O plano longínquo
de elementos visuais que atingem as mesmas secções
do ambiente.
Pois que o número dos elementos visuais varia muito
de animal para animal, o mosaico-de-Iocais deve também
variar. Ouanto menos fino for tanto maior número de par-
ticularidades das coisas devem perder-se, e o mundo,
visto por um olho de mosca deve parecer muito mais
grosseiro do que o visto por um olho humano.
Como cada imagem pode variar por sobreposição de
uma rede fina num mosaico de locais, o método da rede
O plano longínquo --- proporciona-nos a possibilidade de realizar a representa-
ção dos mosaicos de locais dos diferentes animais.
Fig. 10- Espaço visual de um insecto voador
Basta, para tanto, reduzir sucessivamente a mesma
representação, vê-Ia depois através da mesma rede, foto-
grafá-Ia e depois ampliá-Ia. Assim aquela se pode trans-
voador. J:
fácil ver que, em consequência da forma con-
formar num mosaico cada vez mais grosseiro, reprodu-
vexa do, olho, o território do mundo exterior que atinge
zindo-o em aguada, sem rede, que tornaria confuso o seu
um elemento visual aumenta com a distância, e por cada
aspecto. As figs. 11 a-d são aqui representadas tal como
local é discernida uma parte do mundo ambiente cada
se obtiveram pelo método da rede, e dão-nos a possibili-
vez mais vasta. Disto resulta que todos os objectos que
dade de se obter um aspecto do mundo-próprio de um
ficam mais afastados do olho se apresentam cada vez
animal, quando se conhece o número de elementos
mais' pequenos até desaparecerem no interior de um
visuais do seu olho. A figo 11 c corresponde aproximada-

[52]
[53]
mente à reprodução fornecida pelo olho da mosca domés-
tica. É fácil de compreender que num rnundo-próprlo que
apresenta tão poucas particularidades, os fios de uma
teia de aranha devem passar completamente despercebi-
dos, e é legítimo dizer: a aranha tece uma teia que é
completamente invisível à sua presa.
A última figura (11 d) corresponde aproximadamente
à representação da impressão dada por um olho de
molusco. Como se vê, o espaço visual das lapas e dos
mexilhões contém apenas algumas manchas escuras e
claras (1).
Como no espaço táctil, as conexões no espaço visual
são feitas por passadas de orientação de local para local.
Quando fazemos urna preparação à lupa, que tem por
função discernir um grande número de locais em uma
pequena área, podemos verificar que não é só a nossa
Fig. 11 a - Fotografia de uma rua de aldeia vista mas também a nossa mão que guia a agulha de
dissecção, realiza passadas-de-orientação muito mais
curtas, correspondentes a locais tornados muito mais
próximos uns dos outros.

2. O HORIZONTE
.--.~-::-""--=-~-.

Ao contrário do espaço-de-acção e do espaço táctil,


o espaço visual é limitado em toda a volta por uma
parede impenetrável, a que chamamos o campo longín-
quo, ou o horizonte. .
Sol, Lua e estrelas movem-se, sem distância em pro-

(') Estas representações indicam apenas o processo que leva


a fazer uma primeira ideia das diferenças dos aspectos sob que
vários animais vêem os objectos exteriores. Quem queira ficar com
uma ideia das particularidades desses aspectos dinâmicos, no caso
dos insectos, terá um guia na obra de K. v. Frisch Aus dem Leben
der 8ienen (<<Acercada Vida das Abelhas-I, ed. Springer, S.' ~di-
Fig. 11 b - Rua de aldeia obtida com uma rede
ção, 1953. (Nota da ed. alemã.)

[54]
[551
I,
!~

! I
lI. ,I
I
fundidade entre si, sobre o mesmo horizonte, que inclui
1I
tudo o que se abrange com a vista: A situação do hori-
zonte não é invariavelmente fixa. Quando depois de uma
grave febre tifóide eu dei o meu primeiro passeio fora
de casa, o horizonte pendia como uma colgadura varie-
gada a uns vinte metros de distância, sobre a qual tudo
o que eu via se delineava. Para além de vinte metros
não havia quaisquer objectos mais próximos ou objectos
mais afastados, mas só objectos maiores ou menores.
A lente do nosso olho (o cristalino) tem a mesma
, ,'I .' ~~
função que a de uma câmara fotográfica: a de projectar
nitidamente na retina, que corresponde à placa fotográ-
fica, os objectos situados em frente dos nossos olhos.
A lente do olho humano é elástica e pode, pela acção de
músculos próprios a ela ligados, variar mais ou menos
de curvatura (o que corresponde à focagem da lente da
" Fig. 11 c - A mesma para um olho de mosca
câmara fotográfica).
Em virtude da contracção dos músculos do cristalino
manifestam-se sinais de orientação no sentido de trás
para diante do olho. Quando esses músculos, relaxan-
do-se, se alongam pela acção da elasticidade da lente, os
sinais dados indicam o sentido de diante para trás.
Quando os músculos estão completamente relaxa-
dos, o olho está acomodado para a distância desde dez
metros até ao infinito.
Dentro de um círculo de dez metros, as coisas no
noss·ó·'mú-rido-prÓpr-io,~-m·v·frtuae'da··acçao'do·s--;no~im~~~
tõS-âós-m~scuTõs'dõ"cristafjrio',' apres'entam~se-nOsc~
próximas ou afastadas. Para além desse Cífculodá~se,
naturalmente, apenas um aumento ou diminuição do tama-
nho dos objectos. Nas criançasde·pefto'oes'paço·vrs-üal
termina àquela distância, limitado por um horizonte que
tudo abrange. Só depois, a pouco e pouco, começamos
a aprender, à custa de sinais-de-distância, a alargar cada
vez mais o nosso horizonte, até que, ainda gradualmente
Fig. 11 'd - A mesma para um olho de molusco
com o nosso desenvolvimento, este limita o espaço visual

[56] [57]
I'r1
, ,
1 I;;

I:
\

a uma distância de seis a oito quilómetros, em que aquele


começa.
A diferença entre o espaço visual de uma criança e o
1-
de um adulto e~tá figurada na figo 12, que reproduz grafi-
camente uma experiência comunicada por Helmholtz (I).
Relata ele que, ainda pequeno, ao passar pela igreja da
guarnição de Potsdam, notara na galeria da torre daquela
alguns operários. Pediu então a sua mãe que lhe fosse
buscar um daqueles bonequitos pequenos. A igreja e os
operários já estavam contidos no seu horizonte, e por
isso não estavam afastados, eram apenas pequenos. Tinha
pois toda a razão para admitir que sua mãe podia, com .
os seus braços compridos, tirar os bonecos da galeria.
Ele não sabia que no mundo-próprio de sua mãe a igreja
tinha dimensões perfeitamente diferentes das que tinha
no seu, e que na galeria o que havia era homens, não,
pequenos, mas, afastados. Quanto aos animais, a situa-
ção do horizonte nos seus mundos-próprios é difícil de
determinar, porque a maior parte das vezes não é fácil
de experimentalmente. verificar quando é que um objecto
do ambiente, ao aproximar-se do sujeito não só passa a
ser maior mas também a ficar aparentemente mais pró-
r xl mo. Estudos de captura de moscas domésticas mostram

Ii
que só quando a nossa mão se aproxima até cerca de
meio metro de distância esta foge voando. Por conse-
gulnte, é de admitir que o horizonte da mosca deverá
. estar a esta distância aproximadamente.
Mas outras experiências realizadas ainda com a
mosca doméstica deixam entrever que no seu mundo-pró-
prio o horizonte se revela de outra maneira. Sabe-se que
as moscas não só giram em volta de uma lâmpada sus-

(') Hermann v. Helmholtz (1821-1894), fisiólogo e físico,


inventor do oftalmoscópio, defensor da teoria ondulatória de Max-
well: autor de interpretações sobre a natureza da energia, etc. (Nota
da ed. alemã.) Fig. 12- O horizonte de um adulto (em baixo) e de uma criança
(em cima)

[58]
[59]
pensa ou de um lustre, mas interrompem o voo, sempre de um dispositivo que substituiria os músculos do crista-
recuando, quando se tenham afastado de meio metro des- lino do olho humano.
sas fontes luminosas, para depois fugirem para o lado Se admitirmos que o dispositivo óptico dos elemen-
ou para baixo delas. De modo que se comportam como tos visuais funciona como uma lente, o lustre, a uma
um homem do mar que, no seu barco à vela não quer
perder uma ilha de vista.
Ora, o olho de uma mosca é constituído de modo tal
que os seus elementos visuais (rabdomas) (fig. 13) apre-
'"
.
sentam estruturas alongadas nervosas que a imagem

, .••• .' ",.t'

.: r ::.}
, '\
\_ 1,\

d6t.
o K
~j:
Fig. 14- Lustre, para um homem
, ;; :;, AJIl
Sz
Hf.

Fig. 13- Forma de um olho composto de uma mosca. Repre-


sentação esquemática: a) o olho de que se destacou um
sector (segundo Hesse); b) duas omatídeas: Cor, córnea,
quitinosa; K, núcleo; Kr, cone cristalino; Krz, célula desse
cone; N/, fibra nervosa; P, pigmento; Pz, célula pigmentar;
Retl, retícula; Rh, rabdoma; Sz, célula visual

dada pelas suas lentes devem atravessar até diferentes


profundidades, correspondentes às distâncias dos objec-
Fig. 15- Lustre, para uma mosca
tos vistos. Exner (1) sugeriu que neste caso podia tratar-se ,I
,fI,
(') Siegmundo Exner (1846-1926), desde 1875 professor do certa distância deixava de ser visto; e a mosca voltava a I
! j
li ,
,~
«Phyaioloqischan lnstttut», Viena. Publicou trabalhos sobre óptica aproximar-se. Comparem-se, a este respeito, as figs. 14 I"
fisiológica assim como sobre a função do córtex cerebral. (Nota da e 15, que representam um lustre visto sem ou com uma
ed. elemê.)
lente interposta.

[60] [61]
-
\
Se, seja como for, o horizonte encerra, incluindo-o, que os sujeitos vivem no mesmo intervalo de tempo. Os
o espaço visual - ele existe sempre. De modo que deve- momeiú:os "Sã005' m{ní~--;s~-indiV1s-ivers.-cOrltír1entes de
mos consldera] todos os animais que à nossa volta ani- ~s que são a expressao de sensações ele~
mam a natureza - os coleópteros, borboletas, moscas, tares inaTVlsíveis, os chiliiÜiQQS=BlflatS-.Jostãntâneos. No
mosquitos, libelinhas, que povoam um prado - como que hõ"ffi-Ê;m';-comofá-di~-;;~os, a duração de um momento
encerrados numa «bola de sabão» que limita o seu é de 1/18 do segundo. E, na realidade, é o mesmo para
espaço-visual e em que tudo o que é visível para o sujeito todos os domínios-sensoriais, porque todas as impres-
está contido. Cada «bola de sabão» aloja um local dife- sões aos sentidos são acompanhadas por os mesmos li '
rente dos das outras, e em cada uma delas existem ainda sinais instantâneos. I
os planos de referência dos espaços-de-acção que con- Dezoito vibrações do ar por segundo já não se ouvem r I

ferem ao espaço uma estrutura permanente. As aves que como sons separados, mas como um som contínuo.
esvoaçam, os esquilos que saltam nos ramos, ou as vacas Demonstrou-se que nós sentimos dezoito choques que
\
que pastam no prado, todos estão constantemente encer- ~os afec~~ a pele nl:l~.~!!.lJ.do, como se fosse uma-
rados nas suas «bolas de sabão» que limitam o espaço. pressão constante.
11
Se tivermos estes factos bem presentes na mente,
A cinematografia torna possível projectar na tela ij
reconheceremos também a «bola de sabão» do nosso r
r
movimentos do mundo exterior no ritmo que nos é habi-
mundo-próprio - que envolve cada um de nós. Então
tual. As imagens destacadas seguem-se ali com peque-
veremos todos os nossos semelhantes encerrados em
nos intervalos de 1/18 do segundo.
«bolas de sabão», que se interceptam sem resistências,
porque são constituídos por sinais-perceptivos subjectl- Se quisermos seguir movimentos que, para a nossa
vos. }lfuLexiste, de modo nenhurn~ª-C-QJnd.e.pj:mc1ente vista, fluem com demasiada rapidez, temos de nos servir
do sujeito. Se, porém, nós nos agarramos à ficção de um da lupa-de-tempo.
espaço universal, é apenas porque recorrendo a essa Chama-se luea.-d.e~temPJLao procedimento que con-
mentira convencional conseguimos compreender-nos me- siste em tirar um grande número de negativos por
lhor uns aos outros. segundo, projectando-os depois no ritmo normal. Deste
modo alargamos o decorrer do movimento por um maior
intervalo de tempo, e teremos a possibilidade de distin-
3. A PERCEPÇÃO DO TEMPO guir acontecimentos que para o nosso ritmo de' tempo
(de dezoito por segundo) são demasiado rápidos, como
~ a Karl Ernest v. Baer (1) que cabe o mérito de ter o bater de asas das aves e insectos. Assim como a lupa-
considerado evidente ser o tempo uma criação do sujeito. -de-tempo retarda o fluir do movimento, assim também .t
O tempo como sequência de momentos varia ~ este é apressado pelo redutor-de-tempo. Quando regista-

Ii
. ~S-O~b·~ons.o:ãiite o rÍ~~~~~mentos_

(') 1792-1876. Zoólogo, fundador de uma doutrina da evolução


mos graficamente hora a hora um acontecimento,
depois projectamos as suas diferentes fases com inter-
valos de 1/18 de segundo, contraímo-Io num certo inter-
e

diferente da de Darwin. (Nota da ed. alemã.) valo de tempo e assim conseguimos a possibilidade de'

[62] [63]
distinguir acontecimentos que para o nosso ritmo de modo ele não é impedido de rastejar, conservando-se con-
tempo são muito lentos, como o abrir de uma flor. tudo sempre no mesmo lugar. Se agora pusermos em
Põe-se a gue.~!ª-º- de .sab~~~ há__
ªnilJJai~_cuja per- contacto com a palmilha do caracol uma varazinha, este
ce~çil_C!.
~o tempo tenha- -momentos mais longos-ôu-mals- rastejará sobre ela. Se aplicarmos um a três toques da
~s do 9..'!~-º~_!lOS~O~,
__
e .em.culcs _mund~s.-P!_<P!~~_, vara, por segundo, sobre o caracol, ele reage afastando-se
~SS-º.L...º-ª -º~çUr1?<?_~_de. movimento' sejam mais lentos dela, mas se os toques se repetirem quatro ou mais
, _ou mais rápl<;!Qs.._qllELDO_DOSS.O'
•.._ ,-- - __ vezes por segundo, então o caracol começa a arrastar-se
1
o - ---

Os primeiros estudos feitos a este respeito foram


realizados por um jovem investigador alemão, que mais
tarde teve a colaboração de um outro, principalmente no
estudo da reacção do peixe-lutador à sua própria imagem
dada por um espelho. Este peixe não reconhece esta,
quando ela lhe é apresentada dezoito vezes por sequndo: ""
para a reconhecer necessita que o seja o mínimo trinta
vezes por segundo. Um terceiro investigador ensinou o
sJ N
I:: '11
_
J::::!
:-

peixe-lutador a abocar o isco quando por trás dele se


fazia girar um disco cinzento. Quando, porém, se fazia
girar lentamente um disco com sectores negros e bran-
cos funcionando como «quadro-de-aviso ••, imediatamente
o peixe tinha um ligeiro sobressalto quando se aproxi-
mava o isco. Aumentando então a velocidade de giração
do disco, as reacções tornam-se menos regulares a uma
certa velocidade para logo depois suceder o, contrário Fig. 16-0 momento do caracol. B=esfera; E=engrenagem;
quando aquela aumenta. Isto começava a dar-se só quando N=varazinha; S=caracol
os sectores negros se seguiam uns aos outros com um
intervalo de 1/50 do segundo. O quadro de aviso branco-
-negro tornava-se então cinzento. Daqui se conclui com ao longo da varazinha. No mundo-próprio do caracol, uma
\ c:et:teza que, nestes .pelxes, .os . qU~is '~e alimentam de vara que vibra com o período-de'quatro vezes pmsegundo
i \presas que se deslocam rapidament~...iQ.doª--2~_.tenóme- é cõrrióseesttvesseem repouso. De onde âevemos--con-

~Yit~i~~t~~~~f~;~~Pt~~;~er:::~:
\l~;~~ . do
tado na flq. 16, tirada da obra antes citada. Sobre uma
clulr que o tempo do caracol fluI num ritmo de três a
quatro m'omentos por segundo. l~tfLIIL..Ç()J110_~nse-
quência que no mundo-próprio caracol .~odos os fe.D2-
menos de movimento se passam muito mais rapidamente
bola de borracha aue, flutuando na áqua. pode nela escor- do que no nosso. Além disso os movimentos típicos do
recar praticamente sem atrito, coloca-se um caracol, aue caracol não fluem para ele mais lentamente do que os
se fixa pela concha, com uma pinça, a um suporte. Deste nossos para nós.

[64] õ -A. HOMENS [65] I


, I
, I
iI

L,1I' " .~

L , l ...
1
4.08 MUNDOS~PR6PRIOS ELEMENTARES o mundo-próprio da paramecia, um pequeno ciliado.
\ .
A paramécia é revesti da de densas fiadas de cílios, por
. Espaço e tempo não são de qualquer préstimo ime-
meio de cuja agitação se move rapidamente na água,
diato para o sujetto. Só adquirem significado quando mui-
girando em torno do seu eixo maior.
t~s ca~a~terísticas que, sem o quadro temporal e espa-
De todas as diferentes coisas que se encontram
cialiruirlarn, t~m de ser diferenciadas. Um tal quadro, no seu mundo ambiente, o seu mundo-próprio apreende
em mundos-próprios elementares, em que há um único
apenas a característica, sempre a mesma, pela qual a
I, :
sinal-característico, não é, porém, necessário.
paramécla quando quer que seja, seja como for e onde
A figo 17 representa par a par o mundo ambiente e

I
for, é estimulada a desencadear o mesmo movimento. i
I
O mesmo carácter de obstáculo provoca sempre o mesmo
: 'i
movimento de fuga. Este consiste em um movimento de : I

'recuo, a que depois se segue um desvio lateral, seguido


de novo avanço, de modo que o obstáculo é ultrapassado.
Pode dizer-se que, neste caso, o mesmo sinal caracterís-
t:
li I

I
tico é cancelado pela mesma marca-de-acção. Ouando o
animalzinho contacta com uma partícula das que lhe ser-
vem de alimento (1) - as bactérias de decomposição, que,
de entre tudo que existe em todo o mundo-ambiente, não
determinam qualquer estímulo - o animal detém-se.
Estes factos mostram-nos como a natureza consegue
estruturar a vida segu_1199JJJDplano com um úriTc-oclcfo-
-de:fUnção. . --. -- ------------.-----------
··------ATguns animais pluricelulares, como as medusas
pelágicas do género Rhizostoma, também podem. bas-
tar-se a si próprias com um único ciclo de função.
Neste caso o organismo consiste num dispositivo
hidráulico natatório que recolhe em si a água do mar não
filtrada, rica. em plâncton, e a reexpele filtrada. ,A única
manifestação de vida na medusa consiste em oscilações,
para um e outro lado, da umbela gelatinosa e contráctil.
Por meio de uma pulsação sempre igual, o animal man-
tém-se nadando à superfície do mar. Ao mesmo tempo, o
intestino, membranoso, dilata-se e contrai-se alternada-
mente, assim entrando e saindo a água do mar, por peque-

Fig. 17- Mundo ambiente e mundo-próprio' da paramécla


(') Na figura 17, Nahrung.

[66] [67]
~~s por~s nele existentes. O conteúdo fluido do intestino
e Impelido ao longo de extensos canais digestivos cujas No mundo-próprio da medusa soa sempre a mesma
pared:s absorve_m os alimentos e o oxigénio arr~stado. badalada, que governa o ritmo da vida. Todos os outros
Nataçao~ preen~ao dos alimentos e respiração mecânica estímulos se apagam.
todas s~o realizadas pela contracção rítmica dos mús- No caso em que um único ciclo-de-função se mani-
culo~ eXIstentes nas. margens da umbela. Para que estes festa, como em Rhizostoma pode realmente falar-se de
mOVImentos se continuem sem interrup?ão, existem nas um animal reflexo, porque o mesmo reflexo se desenca-
deia desde cada campânula até à faixa muscular na mar-
gem da umbela. Deveremos, porém, falar de animais
reflexos, quando existem ainda outros arcos reflexos,
como sucede em outras medusas, quando eles se con-
servam completamente independentes. Assim, há medu-
sas que possuem fi lamentos pescadores que contêm em
si a fonte de arcos reflexos que se fecham sobre si pró-
prios. Muitas possuem ainda um manúbrio bucal móvel,
provido de musculatura própria, que está ligado aos
receptores da margem da umbela. Todos estes arcos
reflexos funcionam com perfeita independência uns dos
outros, não sendo controlados por nenhum órgão central.
Quando um órgão exterior é a sede de um arco reflexo,
diz-se que é como se fosse um "indivíduo reflexo». Os
ouriços-do-mar são constituídosp~ um graiíãenúlnero
desses indivíduos reflexos, cada um dos quais, por si e
sem coordenação central, desempenha a sua função
reflexa. para. tornar claro o contraste entre -º~Lanimais
assim constituídos e os animais superiores, fQrmulElLª
Fig. 18- Medusa pelágica com corpos marginais proposição seguinte: quando um cão se desloca, o animal
move as pernas, quando um ouriço-do-mar se desloca, as
marg~n~ da umbela oito órgãos campanuliformes (cor os "pernas» movem o animal. Os ouriços-do-niárjiõãsuerrrr-:
merçtnsts) (convencionalmente representados na fig ~8) como o ouriço-cacheiro, muitos espinhos, que, contudo,
cujos badalos, a cada pulsação, chocam com uma a il~ fazem parte de indivíduos reflexos autónomos.
ner~osa., O .estímulo resultante do choque, provoca ~ ~UI- Além dos espinhos rígidos e picantes que assentam
saça~ ~e?U/~te da umbela. Deste modo a medusa provoca numa superfície articular esférica do testo e estão pron-
em SI pr,op.rraa sua marca-de-acção, e esta liberta o sinal tos a opor uma floresta de lanças a qualquer objecto,
caracterrstlco, que provoca de novo capaz de provocar qualquer irritação, que se aproxime
assim ed infinitum. o mesmo acto e
do testo, existem ventosas pediceladas (pés arnbulacrá-
rios) moles, longas e musculosas, que servem para a
[68]
[69]
locomoção. AJém disto, muitos ouriços-do-mar possuem notas, ou sinais característicos, se se compuser de vários
ainda, espalhadas por toda a superfície do testo, quatro indivíduos-reflexos. Tais notas, porém, devem manter-se I1
tipos de pinças (pinças ornamentais, pinças percussoras, completamente isoladas, pois que todos os ciclos-de-fun- I
pinças preensoras e pinças venenosas) cada tipo com a ção se realizam, completamente isolados uns dos outros. I
I
sua utilização especial. Já a carraça, cujas manifestações vitais consistem,
Apesar de muitos indivíduos-reflexos funcionarem como vimos, em três reflexos, representa um tipo mais
em conjunto, as suas actividades são absolutamente inde- elevado, pois que os ciclos-de-função não se utilizam
pendentes umas das outras. Assim, actuados pelo mesmo desses arcos reflexos isolados, mas possuem um órgão-
estímulo químico proveniente do inimigo do ouriço - a -de-percepção comum. Existe, por isso, a possibilidade de,
estrela-do-mar - os espinhos divergem subitamente e em no mundo-próprio da carraça, o animal-presa, embora con-
vez deles surgem as pinças venenosas que encarniçada- sista apenas em estímulo do ácido butírico, estímulo do
mente se lançam contra os pés arnbulacrárlos daquela. tacto e estímulo do calor, constituir; não obstante, uma
Pode-se, pois, neste caso, falar de uma «república unidade.
reflexa», em que, porém, apesar da independência de Tal possibilidade não existe no caso do ouriço-do- "
I

todos os indivíduos reflexos, reina um «espírito cívico» -mar. Os seus sinais caracterlsticos. que se compõem de
perfeito. Porque os próprios pés ambulacrários, moles, estímulos graduados de pressão e estímulos químicos,
do ouriço-do-mar nunca são atacados pelas pinças preen- constituem grandezas completamente isoladas.
soras, que aliás mordem qualquer objecto próximo. Muitos ouriços-do-mar respondem a qualquer
Este «espírlto cívico» não é ditado por qualquer posto obscurecimento do horizonte com um movimento dos
central, como sucede com o homem, onde também os espinhos que, como o mostram as figs.)9 a e 19'b,''-~e
dentes cortantes constituem um perigo para a língua, o verifica igualmente como resposta contra uma nuvem, 4m
qual só é evitado mediante a intervenção do sinal-percep- navio, e o seu verdadeiro inimigo, um peixe. Mas a repre-
tivo do perigo de dor no órgão central. Porque o perigo sentação do mundo-próprio. ainda não está suficiente-
de dor impede o actoque o provoca. mentesimplificada. Não é o caso de o sinal característico
Na república de reflexos do ouriço-do-mar, que não sombra ser transferido pelo ouriço-do-mar para o espaço,
possui nenhum centro superior de coordenação, o «espí- pois que este não possui nenhum espaço visual, e as
rito cívico» tem de ser atribuído por outros meios. ~ a sombras só se efectivam como por uma leve passagem
substância, autodermina, que o consegue. Não diluída, de um floco de algodão sobre o tegumento, sensível à luz.
ela não paralisa os receptores dos indivíduos reflexos. Representar isto graficamente era tecnicamente impos-
Nos tegumentos existe em diluição tão elevada que é sível.
inactiva quando ao contacto de um objecto estranho.
Logo, porém, que dois pontos do tegumento contactam,
5. FORMA E MOVIMENTO
a sua actividade manifesta-se e impede o desencadear COMOsrNAIS-=CARA"CTERISTrClfS-
do reflexo.
)
Uma república de reflexos, como é o ouriço-do-mar,
Mesmo que se qulsesse admitir que, no caso "do
) pode perfeitamente admitir no seu mundo-próprio várias
mundo-próprio do ouriço-do-mar, todos os sinals-caracte-
..J
[70] [71]
~
rísticos, ou notas, dos diferentes indivíduos-reflexos são
dotados de uma representação em espaço, e por isso cada
um se encontra num local diferente do de cada outro-
não havia, contudo, nenhuma possibilidade de relacionar

..
••.••.
~"-
_--. _ _~
.. --~ ._.---.._.~
.-....... - .~ ••
.
._.~..~.:::.-=-=---j
estes locais uns com os outros. Por isso a este mundo-
-próprio devem necessariamente faltar os sinais caracte-
rísticos de forma e de movimento que pressupõem a
ligação de vários locais de uns com os outros - e é isso
o que se dá. Forma e movimento aparecem pela primeira
._~ ---'-~~ vez em mundos de percepção superiores. Ora nós estamos

.•------
-._-- ----
..
.. r Ó: •••

Fig. 19 a- Mundo ambiente do ouriço-do-mar

Flg. 20- Gralha-de-bico-vermelho e gafanhoto

habituados a admitir, graças às expenencias adquiridas


~~.._= ..- ~-_.:-- no nosso mundo-próprio, que a forma de um objecto é
r~ - •• ~_. --:.;..::.==---1
a nota, ou sinal-característico, dada em primeiro lugar, e
--=--;-.- .. que o movimento sobrevem ocasionalmente como sinal-
'0 ., .. ---_.- -característico. secundário. Isto porém não é o que se
passa em muitos mundos-próprios dos animais. Neles.
~.
..----- forma em repouso e forma em movimento não são dois {
l
sinais-característicos inteiramente independentes um do
.~
~Il:'
o'.

••.• )t;.:w~\:r.-l:::. outro, podendo também ocorrer o movimento sem forma,


como sinal-característico independente.
A figo 20 representa a gralha-de-bico-vermelho, ou
Fig. 19 b - Mundo-próprio do ouriço-do-mar corvacho, caçando gafanhotos. A gralha é completamente

[72] [73]
incapaz de descobrir um gafanhoto em repouso, e só o
Mas que o movimento independente de forma pode
ataca quando ele salta.
figurar como sinal característico, pode-se concluir da
Nestas circunstâncias conjecturamos imediatamente
figo 21, que representa comparadamente o que se passa
que a forma ~o gafanhoto em repouso é bem conhecida
com a vieira no seu mundo ambiente e no seu mundo-
da gralha, mas\ por causa da erva que dissimula não é por -próprio.
aquela reconhecida como unidade, exactamente como
No mundo ambiente do molusco, e ao alcance da
nós só com dificuldade conseguimos destacar num dese-
vista dos seus cem olhos, encontra-se o seu mais encar-
nho-quebra-cabeças uma forma conhecida. Segundo esta
niçado inimigo, a estrela-do-mar, astéria. Enquanto esta
maneira de ver, a forma só ao saltar se distingue das dis-
se conserva imóvel, não tem qualquer acção sobre o
simuladoras imagens circumvizinhas.
molusco. A sua forma característica não é para ele um
Mas segundo outras experiências é de admitir que sinal. Mas logo que ela se põe em movimento, o molusco
a gralha não reconhece a forma do gaftmhoto em repouso estende, como reacção, os seus longos tentáculos, que
mas apenas está adaptada a reconhecer a forma em funcionam de órgãos do olfacto; aproximando-se da
movimento. Isto explicaria «a simulação da morte» de estrela-do-mar e recebem o novo estímulo. A seguir, o
muitos insectos. Quando a sua forma imóvel não existe molusco ergue-se e afasta-se nadando.
essencialmente no mundo de percepção do inimigo per-
As experiências têm mostrado ser indiferente a
seguidor, eles por meio desse subterfúgio,escapam-se
forma ou a cor que um objecto móvel possua. Pois que,
a salvo desse mundo de percepções do inimigo e nunca
no mundo-próprio do molusco, ele manifesta-se sempre
podem ser descobertos quando ele os procura.
como sinal característico, se o seu movimento é tão
Eu construí um «anzol» para moscas, que se compõe lento como o da estrela-do-mar. _Os ..Q.lhQ_~_d_éLvi~~a_!I!~i
de uma varazinha de que "suspendi por um fio fino uma
ervilha revesti da de visco. Se por meio de uma leve vibra-
ção da varazinha pusermos a ervilha em movimento no
~IU:~~~~~~:~?Ü~~ c~~~~~~~~õ ~d~o~o:~~~n~;~; ;s~
próprio do seu inimigo. Mas este nao fica, por este ~elO,
I
I
parapeito de uma janela sobre que .haja muitas moscas,'
completamente caracteriza~o: pa~a que o s.egu.ndo CICIO-,I
sempre algumas se lançarão sobre a ervilha, ficando peqa- -de-função se desencadeie e preciso que, pnmerro, sobre-
das' a, ela, podendo depois verificar-seque são sempre
venha um sinal olfactivo; então O molusco afasta-se da
machos. ' , ", : '
proximidade do inimigo, fugindo, e, por meio deste sinal
O fenómeno representa urna espécie de falsas -de-acção, o sinal característico do inimigo é finalment
núpcias. No caso de moscas que voam em volta de um anulado.
lustre, é ainda de machos que se lançam sobre fêmeas
Durante muito tempo supôs-se que no mundo-própri
que por ali voam, que se trata. A ervilha ao agitar-se
da minhoca existia um sinal característico para a forma.
imita o sinal-característico de fêmea que voa e por isso
Já Darwin sugerira a esse respeito que a minhoca se com-
é tomada, nunca tal sucedendo quando está imóvel, do
portava como se reagisse à forma tanto de folhas, como
que se pode ainda concluir que fêmeas imóveis e fêmeas
de agulhas de pinheiro.
a voar são dois sinais~característicos distintos.
A minhoca transporta para a sua alongada moradia,

[741
[75J
folhas e agulhas de pinheiro (fig. 22). que lhe servem
indiferentemente de protecção e de alimento. Verifica-se
que quando se tenta fazer entrar numa galeria estreita t
e com o pecíolo para a frente, a maior parte das folhas, i
elas encontram certa resistência. Pelo contrário, enro-

.Ó»Ó; ~

Fig. 22- A capacidade de discernimento .


pelo gosto, na minhoca

Iam-se facilmente e não se nota qualquer resistência


quando é o vértice que vai à frente. Quanto às agulhas
de pinheiro, que se desprendem dos ramos sempre aos
pares, essas devem fazer-se entrar na galeria não com
Fig. 21- Mundo ambiente e mundo-próprio da vieira o vértice mas com a base para a frente.

[77]
[76]
A figo 23 apresenta uma comparação imaginada do
Do facto de a minhoca se utilizar, sem encontrar difi-
culdades, de folhas e de agulhas de pinheiro, concluíra-se mundo-ambiente e do mundo-próprio da abelha para ilus-
que a forma destes objectos, que no mundo-de-acção da trar o que se passa. Vemos a abelha, no seu mundo-
minhoca desempenham um papel tão importante, devia -ambiente de um prado florido, distinguir entre as flores
existir. no seu mundo-de-percepção como nota-carac- abertas e os botões. Situada a abelha no seu mundo-pró-
terística. \ prio e reduzindo as flores, segundo a sua forma, a estre-
las ou, cruzes, os botões. passarão a ter a forma não
. Verificou~s~ que esta conclusão era incorrecta. Pôde
recortada de círculos.
demonstrar-se que as minhocas arrastam para dentro das
Daqui concluiremos ainda o significado biológico
suas galerias pequenas varazlnhas, todas com a mesma
forma e que se tinham revestido de gelatina, indiferente- desta nova particularidade das abelhas, assim revelada.
mente com uma ou a outra extremidade para a frente. SÓ as flores abertas, não os botões, têm para elas um
Mas quando se polvilha com pó de um vértice de folha significado.
de cerejeira uma das extremidades da varazinha, e a outra Mas as correlações de significado são, como nós já
com pó da sua parte basilar, as minhocas distinguem per- vimos na carraça, os únicos guias seguros na exploração
feitamente as duas extremidades como se fossem o vér- dos mundos-próprios: Para o caso é perfeitamente indife-
tice e a base da própria folha. rente que as formas descontínuas, decomponíveis, sejam
r . Apesar de a minhoca se comportar perante as folhas fisiologicamente eficientes.
de maneira relacionada com a sua forma, não é realmente . Q problema-da-forma foi reduzido por estes trabalhos
, pela forma, mas pelo gosto, que ela se orienta. Este a uma fórmü'lã" maissimples. Basta admitir que as células
I ; arranjo é muito feliz, porque os órgãos-de-percepção da de percepção para os sinais locais se articulam em dois
I minhoca são constituídos segundo um modelo demasiado grupos no órgão-de-percepção, umas segundo o esquema
simples para produzir sinais de forma. Este exemplo mos- «decomposta», ou aberta, outras segundo o esquema «não

' tra-nos como a natureza sabesevitar dificuldades que a


\1, nos parecem .,msuperaveis.
decomposta», ou fechada. Não há quaisquer outras dis-

I No caso da minhoca também nada havia de percep-


tinções. Se os esquemas se afastam disto, então resul-
tam deles «imagens perceptlvas» que se conservam
ção de forma. Tanto, pois, mais instantemente se põe i'nteiramente gerais, que, como novas e muito belas inves-
a questão de saber - em que animais é legítimo conjec- tigações mostram, incluem no caso das abelhas: cores
turar que a forma existe originalmente como sinal-carac-
echelros.
terístico do seu mundo-próprio?
Nem a minhoca,nem a vieira, nem a carraça, dls-
Esta questão foi resolvida mais tarde. Foi possível põem desses esquemas. Carecem, por isso, no seu mun-
demonstrar que as abelhas pousam de preferência em
do-próprio, de verdadeiras imagens-perceptivas.
coisas cujas formas recortadas são virtualmente decom-
poníveis em outras mais simples, como estrelas e cruzes,
evitando, pelo contrário, formas inteiriças, como círculos
e quadrados.

[78] [79]
li


• 6. FINALIDADE E PLANO II !
I
Como nós, homens, estam os habituados a prosse- !
guir penosamente a nossa existência, de finalidade em ;f
'I

finalidade, estamos por isso convencidos que com os


animais se passa o mesmo. Ora isto é um erro funda-
mental, que leva as investigações até aqui realizadas por
camlnhos falsos. Na realidade ninguém atribuirá finali-
dades a um ouriço-do-mar ou a uma minhoca. Mas já na
descrição da vida da carraça nos referimos a o ela -esplar
a sua presa». Por esta expressão já introduzimos, indevi-
damente ainda que involuntariamente, as nossas mes-
quinhas preocupações diárias, na vida da carraça, que
," .' ,.,t' é dominada por um plano puramente natural.
Q...n.J?ssoprimeiro cuidado deve, pois, ser o eliminar
da iíl"terpretação dos mundos-próprios a falácia da finali-
dade. Só assim poderemos chegar a pôr certa ordem,
no ponto de vista da existência de um plano natural, nas
manifestações da vida dos animais. Talvez mais tarde se
considerem como tendo finalidade certos comportamen- .~

tos dos mamíferos superiores, que, mesmo eles, estão


por sua vez subordinados ao plano natural de conjunto.
Em todos os outros animais não existem comporta-
mentos orientados no sentido de um fim. Para demons-
trar esta proposição será necessário que o leitor lance
um golpe de vista por alguns mundos-próprios que não
levantem quaisquer dúvidas. A figo 24 funda-se nas curio-
sas interpretações a que cheguei, sobre a percepção dos
sons pelas borboletas nocturnas. Como nela se dá a
entender, é perfeitamente indiferente que o som a que
os animais estão submetidos, seja o produzido por um
morcego ou o resultante do atrito de uma rolha de vidro:
I
a acção é sempre a mesma. Aquelas borboletas noctur-
Ir) Fig. 23- Mundo ambiente e mundo-próprio da abelha
nas que em virtude da sua brilhante coloração são bem
.l visíveis, afastam-se, voando, pela acção de sons altos, ao

I{ [80] 6 -A. HOMENS [81]


/1
(I
~
)
Il \,
i:'
ri
1.-(
I
!
II
11", I

I íí! passo que as que possuem colorações dissimuladoras


se aproximam deles. A mesma nota ou sinal-caracterís-
tico provoca resultados opostos. A alta conformidade com
um plano patenteia-se nos dois modos opostos de com-
portamento. Não pode tratar-se aqui de qualquer discri-
minação ou intenção, pois que nenhuma borboleta noc-
turna jamais viu a cor do seu próprio tegumento. O que
há de 'pasmoso na conformidade com um plano torna-se
neste caso ainda mais impressionante ao verificarmos
que a engenhosa estrutura microspópica do órgão da
audição da borboleta nocturna é exclusivamente recep-
tiva destes sons altos emitidos pelo morcego. São abso-
lutamente surdas para os outros sons.
A oposição entre finalidade e plano já resulta de
uma bela observação feita por Fabre (1). Este pôs a fêmea
de uma borboleta nocturna, olhos-de-pavão, em cima de
uma folha de papel branco, sobre que aquela fez, durante
algum tempo, certos movimentos com o abdómen. Depois
t-J .•.. -AI?
pôs a mesma fêmea ao lado da folha de papel sob uma
W campânula de vidro.
Durante a noite entraram pela janela verdadeiros
"
.
" .
enxames de machos desta espécie muito rara de borbo-
leta, e pousaram todos sobre a folha de papel branco.
, .... ~ Nem um único notou a fêmea que estava próxima, sob a
.. ~' .
campânula de vidro. Que espécie de acção física ou quí-
~ mica se devesse atribuir ao papel. eis o que Fabre não
pôde averiguar.
A este respeito são muito elucidativas as experiên-
cias, que a figo 25 ilustra, feitas com saltões-do-feno e
grilos.
Num quarto, diante de um microfone receptor, colo-
ca-se um exemplar vivo a fretenir, uma fêmea, por exem-
plo. Se num outro quarto se puserem machos próximos

Fig. 24 - Acção de um som alto sobre borboletas nocturnas


(') J. Henri Fabre (1823-1915), entomólogo francês. (Nota
da ed. alemã.)

[82]
[83]

)
de um outro telefone, estes, ao ouvirem o fretenir da
fêmea, aproximam-se do telefone, sem darem atenção a-
uma outra fêmea que fretene sob uma campânula de
vidro, para fora da qual o som não pode passar. A imagel!1
óRtica __nãoexerce qualquer acção.
As duas experiências provam o mesmo. EIl1l1.~lJbl!l}1_
dos casos se trata de atingir um fim. O comportamento (
aparentemente estranho dos machos ex(.)lica-se, porém,
o sua
Semdificüldade~se estudarmos--na cô-nf-orm·idiéfii
com um plano. Nos dois casos efectua-se,at~~~~s=-ae~l!m
sinal característico, um ciclo-de-função, mas com a ausên-
_ cia do objecto normal nada se dá quanto à produção do
I'
stnal-de-acção apropriado, que era necessário para o can- [
I
celamento do primitivo sinal característico. No lugar
deste devia, normalmente, surgir um outro sinal caracte-
, ," .' ,ut'I
rístico e desencadear-se o ciclo-de-função seguinte. Seja
qual for este segundo sinal característico, deve, em
ambos os casos, ser estudado mais detidamente. Em qual-
quer caso, ele é um elo necessário na cadeia dos ciclos-
-de-função que servem o acasalamento.
Para quê, dir-se-á, atribuir finalidade aos insectos?
Eles são determinados imediatamente pelo plano natural,
que estabelece os seus sinais característicos, como já
vimos na carraça. Mas quem já reparou no que se passa
numa capoeira, como a galinha se apressa a socorrer os
seus pintainhos, não poderá duvidar de que há no seu
comportamento uma verdadeira finalidade. Exactamente
sobre este. caso realizámos com todo o rigor .curlosas
expriências.
A figo 26 ilustra os resultados nelas obtidos. Quando
se prende um pintainho por uma perna, ele começa a
piar, o que faz que a galinha se dirija de penas eriçadas
na direcção de que os pios partem, mesmo que não veja
o pintainho. Logo que o avista começa a dar bicadas num
Flg. 25 - Saltão·do-feno diante do microfone
inimigo imaginário. , ,
Se, porém, se puser o pintainho, que se prendeu, sob I i:,
;r
[84] [85] ',

)
( r.. ,
ri f , .. r~'
(
r
"\'.(').-0
;'2/. I .: '-I

uma campânula, de modo que ela o possa ver mas sem


o ouvir, a galinha conserva-se perfeitamente calma
perante o espectáculo.
Também aqui se não trata de finalidade, mas sim,
ainda, de uma .c_~q~!ade ciclos-de-função. O sinal de piar
provém normalmente, de forma indirecta, de um inimigo
que prende o pintainho.
I :
Este sinal característico será eliminado pelo sinal-
-de-acção da picada que porá o inimigo em fuga. O pintai-

I'

Fig. 27- Galinha e pinto preto

nho que se debate, mas não se ouve piar, não é 'um sinal
característico que produza qualquer efeito particular;
além de ser completamente fútil, pois que a galinha não
tem condições para desfazer um laço.
Ainda mais Singular e desprovida de fim foi a
maneira como a galinha, representada na figo 27, se com-
portou. Esta galinha chocara uma postura de ovos de
Fig. 26 - Galinha e pintos
galinhas brancas, mas em que havia um da sua própria
raça negra. A forma como ela se comportou com o pin-

[86] [87]
I!

!(
lu )

. ~)g!
tainho preto que saiu deste ovo foi perfeitamente e nos entregamos ao acaso. Porque, nesse caso, batemos I
absurda. Quando o ouvia piar, a galinha acorria imediata- com o martelo nos dedos. ~ I'
mente ao sinal, mas se o via entre os brancos, corria-o Sem plano, isto é, sem o todo-poderoso poder de
f'
I
às bicadas. Os sinais acústico e óptico característicos,
do mesmo objecto, provocavam nela o desencadear de
dois ciclos-de-função opostos. Manifestamente os dois
ordenação que tudo domina na natureza, não há qualquer
espécie de natureza ordenada, mas apenas um caos. Todo I
o cristal é o fruto de um plano natural, e quando os
sinais, no mundo-próprio da galinha, não se fundiam físicos apresentam o mais belo modelo do átomo, como
numa só unidade. é o, de Bohr, revelam os planos da natureza inanimada
que buscam desvendar.
Assim, também, o poder dos planos da natureza viva
7. IMAGEM-PERCEPTlVA E IMAGEM-EFECTORA recebe do estudo dos mundos-próprios a interpretação
mais clara que é possível. Estudá-Ias, eis a mais interes-
A oposição entre finalidade do sujeito e plano da sante das tarefas. Por isso não queremos deixar-nos per-
natureza di~ensa-nos também de considerar a questão turbar, e tranquilamente prosseguimos a nossa rota atra-
do instinto, em que ninguém ainda deu os primeiros pas- vés dos mundos-próprios.
sos certos. Os casos ilustrados na estampa superior a cores,
Será necessário à bolota qualquer instinto para vir. entre as páginas 128 e 129, representam um resumo dos
a ser um carvalho, ou trabalha instintivamente uma rnul- ••. resultados obtidos nos estudos do crustáceo, casa-rou-
tidão de células ósseas para formar um osso? Se se bada. Verificou-se que o casa-roubada necessita, como
responde a isto negativamente e, em vez de instinto imagem-perceptiva, um esquema espacial extremamente ri
se postula como factor ordenador um plano de natureza, simples. Cada objecto de uma certa ordem de grandeza, \
então há que reconhecer no tecer da teia de aranha, ou com um contorno de entre um cilindro e um cone, pode
na construção do ninho das aves a intervenção do plano ter para ele significado. Como se traduz nas figuras, o
da natureza, pois em ambos os casos não é de um fim mesmo objecto de aspecto cilíndrico, como é o caso da
particular que se trata. anémona-do-mar, muda de significado no mundo-próprio
Instinto é apenas um termo que resulta da perplexi- do casa-roubada, conforme as circunstâncias (a disposi-
dade a que se expõe quem contesta o plano da natureza, ção) em que o casa-roubada se encontra. Nós vemos sem-
super-individual. E este é contestado porque dele, que é 'pre o mesmo casa-roubada e a mesma anémona-do-mar.
um plano, não se pode formar qualquer ideia adequada, Ora, no primeiro caso representado, tinha-sé destacado
pois não é uma substância nem uma força. esta da concha, em que aquele se alojara. No segundo,
E no entanto não é difícil, partindo do conceito de tinha-se tirado o casa-roubada de dentro da concha, e
plano, ficar com uma ideia acerca da questão, quando no terceiro tinha-se feito jejuar um casa-roubada insta-
nos apoiamos num exemplo intuitivo. lado dentro de uma concha, a que estavam fixadas ané-
_ Para pregar um prego não basta o mais belo dos pla- monas-do-mar. Isto basta para pôr o casa-roubada em
nos, se não se tem um martelo. Mas também não basta três circunstâncias diferentes. Conforme as diferentes
o mais belo dos martelos se se não tem qualquer plano disposições, o significado da anérnona-do-rnar em rela-

[88] [89]
ção ao crustáceo, varia. No primeiro caso, em que à Mas a problema já mesmo nas homens pode ser
concha que alojava o crustáceo faltava a protecção que acentuada. Cama vemos nós, no casa da cadeira, a sen-
a anémona-da-mar lhe prestava contra o choco, a i_l!Iªgem tar, na da chávena, a beber, na da escada, o trepar, fun-
~.p!!Y.."l~aallémana-da-mar assume um «tear de pro- ções que em casa nenhum nas são. denunciadas pelas
~2...~». Isto manifesta-se no campartamento da casa- sentidas? Nós vemos em todos as objectos que apren-
-roubada, q~e põe ao. alta a concha que lhe serve de- demos a utilizar, a préstimo. que deles aproveitamos.
abrigo, Se privamos desta a mesma casa-roubada, a lrna- justamente com a mesma certeza que a suafarma e a
9~-,Qflr~~21L,!ªgª--_anémQna~dn:maca_ss_ume um__ ~t~.9Ld~ sua caro
habitação», o 'que se manifesta em o ele tentar, ainda Tive um negra, ariginária da Interior da Africa, de
que sem êXito,\ entrar para dentro. dela. Na terceira caso, perta de Dar-es-Saíam. rapaz ainda novo, muito inteligente
em que o crustáceo está esfomeado, aquela.Jrnaçern e hábil, a quem a única coisa que faltava era a saber
pas~~ __~~_r __
u_r:!!."teor de_ªliln_enJo» e este começa a devo- cama se utilizavam as objectos europeus, Um dia que
rar a anémona-do-mar. lhe disse para subir a uma pequena escada de mão, ele
Estas experiências têm, par isso, particular impor- perguntau-me: «Cama é que a passa fazer se só vejo
tância, pois mostram que já nas mundos-próprios dos

\\\~~~~~Z~~~~r.~:~=~~~~:~f:ç~
travessas separadas par intervalos?» Loqo, porém, que
outro negra lhe explicou cama devia proceder, nada mais
fai precisa. Daí par diante as dadas das sentidas «tra- I1I,
vessas e Intervalos» assumiram a tear de «subir» e pas-
As investigações tendentes a interpretar este sin- saram a ser consíderados cama uma escada.A imagem:
\I
I,
, I
gular estada de colsas têm-se realizado com cães. -perceptiva das tra,-:essas _~_LIl_tervalas fai~j)1pletada I1'- i
I:
A maneira como se pôs a questão. foi muito simples e as pera!magem-efec-iora _~~~-':l_ªu2.rQpJiaJ!l:ilização, adguiriu I'

respostas dos cães, unívocas. Ensinou-se um cão. a saltar If


um novo - signillca(io;- e este r~veL<?!:!:secamo uma na'lP I fi
para cima de uma cadeira colocada em frente dele, qualid-ade-:'c-omo-teo-~-'~~~-~_ti}ii.~ç~~
__ g!! «teor-efector». Par
quando se dava a voz de «cadeira». Depois, tirou-se a eStaexperiêncTa-êõ-m a negra somos levadas a notar que
cadeira e repetia-se, «cadeira». O resultado fol o cão
nós elaboramos para todas as utilizações que apraveita-
comportar-se com todos as objectos que julgava poderem
mas no nasso munda-p-rópriou-ma imagem-efectara que
servir de assento, cama se comportara com a cadeira,
e saltar para cima deles. Todos eles, pais nos queremos
referir a abjectos corno arcas, eteqéres, bancas volta-
das, tinham um certo «teor de assenta», e, de facto, um
necessariamente -fundimas tão. intimani~ijfe:~9_tii_-ª~rma-
gem~-p-erceptiva forneclda pelas nossos órgãas. dos sen-
- ·.-----·----------------------1·
tidas, que elas adquirem par esse m~a uma nava qua I-
Gf'l
\- C'\ .
dade que nas tarl}-ª...Q.Q_n.-'i~(;idQ-.Q_seu significado, ~
teor de assenta-de-cão, e não. de assenta-de-hamem. Por-
Ioga pretendemos caracterizar cama seu teor-efector.
que certas destas cadeiras-de-cão não eram absoluta- '----o mesma a6Jectü'poefe.-se- tiver diferentes préstl-
mente nada próprias para serem coma tal utilizadas pela I
mas, possuir várias imagens-efectaras, que então. empres-
homem. Podia ainda mostrar-se que também «mesa» e :'_·
I<,'!
1
«cestinha» possuíam para a cão um teor especial, que
dependia das serviços que lhe prestavam.
tam à mesma imagem-perceptiva,
correspondentes,
outras tantas teares
Uma cadeira pode, ocasionalmente,
aproveitada cama arma de arremessa, e possuí então.
ser fi
[90]
[91]
() J/vY-O~~i/ - flJ(d(j, a, (4<JL~) iP<;. .-UM.e- '1M7V 0.,

~'dod--f -~ lMAo-("~ - A~~ I q~~


().)-,
F-d-~~ '1./'.\ J .:-: r-, -. -- .'. .,1 •
,

- .
"
I
J
uma nova imagem-efectora que se revela como «teor de Quando uma libelinha voa para um ramo para nele\
~ -----
~ressa~. Tarrioem neste caso, bem humano, a situação pousar, o ramo existe no seu mundo-~róprio, não apenas ,\
do sujeito é, por isso, como no exemplo do casa-roubada, como imagem-perceptiva, mas tambem se denota por
tendente a escolher que imagem-efectora atribui teor à meio de um teor de «assento», que a distingue de todas
lrnaqem-perceptlva.Bó se podem pressupor imag_ens-efec- as outras hastes.
toras onde existirem orgãõ.~__e.f.m:JQ[~~':I~_~2-.mandill!! .' Só quando tomamos_~_.~~.'2.~ideração_.osteores-efec-
os comportamentosA<?..~!:!1mal! Todos os ánimais que fun- teres, se compreende a alta eficiência que o mundo ofe-
cionam de forma puramente reflexa, como o ouriço-do- rece aos-anln1ãls,eq-úe-'nêlÊnãntoãam~s. Devemos
-mar, são, por consequência, excluídos dessa possibili- dizer: um animal pode realizar ta~~~-ª.lQr.-númerQ .de
dade. Mas, como o casa-roubada mostra, a sua impor- utiliza~quant~ __ de obkG19~ -q~~
!!l~i9._rJ9r -~ ._nú-r:ne~o
tância é muito profunda no reino animal. êle pode distiílgÜir no seu~~':'_~~~~..?J>.!.~Se el.e.dls?oe
Se queremos aproveitar o conceito de imagens-efec- dePõüCãS-rmâge-iis-p-e-rceptivas com poucas uttlízações,
toras na interpretação dos mundos-próprios, mesmo nos então também o seu mundo-próprio se reduz a poucos
animais muito diferentes de nós, nunca devemos esque- objectos. Ele é, por esse facto, realmente mais pobre,
cer que ~s são utilizações dos animais projectadas nos mas, proporcionalmente, goza de maior seguranç~. Por-
mundos-próprios, gue, por intermédio dos teores-efecto- que é muito mais fácil orientar-s~ ~ntre po~cos obJe~tos i
~, col1teTeií1 às im~gens e.~!c.el?tivas apenâs__~e~ , do que entre muitos. Se a paramecia possuisse uma ima-
t.
slgnificaCfiJ:-Segwsermos representar o que no mundo-: »Ó: "" gem-efectora de utilidade para ela, to~o o. seu mu~do- li
-próprio de um animal é vital, proveremos de um teor- -próprlo se comporia de objectos todos Iguais que teriam
-€rector a imagem-perceptiva que lhe é dada pelos órgãos todos o mesmo teor de obstáculo. Seja como for, um tal
duSsentidos, para que possamos compreender ÇQffiQle1a: mundo-próprio nada deixaria a desejar. . : II
mente o seu Significado. Mesmo nos casos em que não Com o número de capacidades de umanll!1al \ I
'se trata de uma imagem espacialmente organizada, como aumenta o número de objectos que povoam-o-seu--mundo-
na carraça, deveremos dizer que nos três estímulos que -próprio. Elas elevam-se _nojíecorrer da vida Individual '11
nela incidem como únicos denunciadores da sua presa, de cada animal, que pôde a~u~_lJlar experiências, Porque
-o significado dos teores-efectores (com eles --reIãCJOriã-: cada experiência nova implica o assumír"oSüfeito no,:a
II
dos) resulta da gued-ª-.-ªQJIDLela-dlLa-C.OO:.eL..§Qbre elª
de um para o outro lago e de c.nela.penetrar. Certamente
posição perante novas sensações. Além disso ~adqui- I
rem:§..e_noya~_jl}1_a9.el1s:Rer~~r!i-,:!_~!
_c~'!.l_ nov_~~__
t_~.?!~~-
aactividade selectiva dos receptores, que representam -efectores. t
as ortas de ent@dá dos estímulos, desempenha º-.PJm~J ---Isto observa-se principalmente nos cães que apren- \l
dominante, mas só o teor-efector, ue está relacionado dem a manejar certos objectos usados pelo homem e I.
com os estímul eza infalível. I'
que eles, por sua vez, utilizam também. .
~mo as imagens efectoras se podem deduzir das
utilizações pelos animais, facilmente reconhecíveis. as
No entanto o número de objectos no mundo-próprio :1, j
do cão é sempre inferior aos do nosso mundo-próprio. ,1 '
coisas no mundo-próprio de cada novo sujeito tornam-se ti; ;
'
Isto é ilustrado com clareza nos três desenhos coloridos
muitíssimo evidentes.' .. idênticos, 2, 3, 4 (entre páginas 128 e 129). Representa-se i/Í.

I
!'
,, -
[92] [93] I I ~~
I ,
III

I
l '.~!
i,

I'11I -:j
I ,

I,
·' i
-I
neles o mesmo aposento. Mas os objectos que nele se 8. O CAMINHO APRENDIDO
encontram têm cores diferentes conforme os teores-efec-
tores que correspondem respectivamente ao homem, ao A melhor maneira de nos convencermos da varie-
cão e à mosca doméstica. dade de mundos-próprios do homem é seguir um guia
No mundo-próprio do homem os teores-efectores são num caminho que desconhecemos C). O guia segue com
representados, na cadeira pelo teor de assento (acasta-
'nhado) na mesapelo teor de refeição (amarelo) e nos
pratos e copos por outros teores-efectores (castanho-
"claro, teor de comer, e vermelho, teor de beber). O soalho I
possui o teor-de-marchar, ao passo que a estante de
livros (lilás) tekl o teor de ler, e a escrevaninha um teor
de escrever, (azul). A parede tem um teor-de-obstáculo
riI .....•.
(verde) e o candeeiro, o teor de iluminação (branco).
No mundo-próprio - do cão os mesmos teores são
representados pelas mesmas cores; nele só existem os
de comer, de sentar, etc. Tudo o mais tem uma tonali-
dade de obstáculo. O banco giratório, em virtude do seu
polimento, não tem para o cão teor de assento.
Flnalmenta vê-se como, para a mosca, tudo possui
somente' um teor de movimento, sobre cujo significado
já se falou.
·80m que segurança a mosca se orienta no mundo
ambiente do nosso aposento, mais pormenorizadamente
se esclarecerá por meio da figo 28. Logo que a cafeteira
com café quente se coloca sobre a mesa, as moscas jun-
tam-se em volta dela, porque o calor constitui para elas
um estímulo. Deslocam-se sobre o tampo da mesa porque
esta tem para elas um teor de movimento. E como ª-s.
moscas têm nas patas órgãos do gosto, cuja irritação
desencadeia o deserivaginar do probosc7s~-elasffxam~se Fig. 28- Os objectos no mundo-próprio da mosca
i9~ºi_º_~
no alimento de que se~~~ili~arr;:;_!3_~_j~_~_i.Q~:g~(ó}
outros objecto_s._d~i~lIDLnam o prosseguirem nas suas
segurança um caminho que nós próprios não discernimos.
deambulações. Neste ca~-õ--é----fácn-- õ
dis-tingüir - mundo-
Entre todas as numerosas rochas e árvores que nos
-proprlõ- da mosca do seu mundo ambiente.
(') Sobre o problema dos «mundos-próprios» dos homens
comp. as págs. 11 e 13. (Nota da ed. alemã.)

[94] [95]
II
IIl
rodeiam, há, no mundo-próprio do guia, algumas que se senta o problema do caminho aprendido no mundo-próprio ;.,
,~I
sucedem, distinguindo-se de todas as outras como bali- dos animais; sem dúvida, que, no mundo-próprio de vários
zas, apesar de, aos olhos de quem não conhece o cami- animais, desempenham um papel importante na recons-
nho, elas se não singularizarem por nenhuma indicação. tituição do caminho aprendido sinais olfactivos e ~nais
O caminho aprendido é-o apenas para determinado tácteis.
indivíduo, e é, por isso, um problema típico do mundo" - Numerosos investigadores americanos procuraram,
-próprlo. É um problema de espaço, e diz respeito tanto durante dezenas de anos, estabelecer, em milhares de
ao espaço visual como ao espaço-de-acção do sujeito, e sentidos em que os mais ,diferentes animais tinham de
resulta imediatamente de como se caracteriza um espaço se orientar num labirinto, com que rapidez cada animal
conhecido - o que se faz pouco mais ou menos assim: podia reconhecer um determinado caminho. O problema
voltar à direita por trás da casa vermelha, depois andar do caminho aprendido de que aqui se trata passou-lhes
a direito duzentos passos e então voltar à esquerda. Utili- despercebido. Também não estudaram os sinais visuais,
zamos três caracteres para marcar um caminho: 1.° um tácteis ou olfactivos, nem se lembraram do aproveita-
carácter óptico, 2.° os planos de orientação, 3.° o número mento pelo animal, dos sistemas de coordenadas: que a
de passos. Neste caso não recorremos ao número de pas- questão de direita ou de 'esquerda é um problema inde-
sadas elementares, isto é, à mínima possível unidade de pendente, nunca os impressionou. Também nunca dis-
passos, mas sim à soma dos impulsos elementares que cutiram a questão do número de passadas, porque não
nos é habitual e que são necessários para constituir um viam que também entre os animais a passada pode ser
passo normal. O passo, ou passada, em que uma perna', utilizada como medida de distância.
""
se desloca com uniformidade para trás e para diante, é Em resumo; o problema do caminho conhecido, ape-
em alguns Indivíduos tão bem determinada, e em muitos sar da vastidão do material de trabalho já acumulado,
mede tão aproximadamente o mesmo comprimento, que deve ser reconsiderado. A descoberta do caminho já
mesmo ainda hoje serve de medida vulgar. trilhado, no mundo-próprio do cão, a par do seu interesse
Quando se diz a alguém que deve andar cem passos, teórico, tem também um grande alcance prático, quando
quer-se com isto significar que deve imprimir cem vezes se tomam em consideração as questões que o cão-guia
às suas pernas o mesmo impulso de movimento. O resul- dos cegos tem de resolver.
tado obtido será sempre aproximadamente a mesma A figo 29 representa um cego a ser guiado por um cão.
extensão percorrida. O mundo-próprio do cego é muito limitado; só na medida
Quando percorremos repetidas vezes um certo em que pode tactear o seu caminho com a bengala e com
espaço, ficam-nos na memória os impulsos comunicados os pés, toma dele conhecimento. A rua que atravessa está
à marcha, como indicação de direcção, de modo que para- mergulhada em trevas. O seu cão, porém, é quem o guia
mos maquinalmente no mesmo lugar, mesmo quando não até casa, seguindo um caminho determinado. A dificuldade
actuamos recorrendo às indicações ópticas. Os sinais de do adestramento de um cão está, por isso, em fazer entrar
orientação desempenham, pois um papel saliente no cami- no seu mundo-próprio certos sinais que são de interesse
nho aprendido. para o cego mas não para o cão. Assim, o caminho ao
Tinha grande interesse determinar como se apre- longo do qual ele guia o cego terá de rodear obstáculos

[96] 7- A. 1I0MIo;N S [97]

I: 1.
• ti
I "
\i !!
'I '
!:r
11
"I '
em que o cego podia tropeçar. ~ particularmente difícil
cido, para voltar a entrar por onde tinha saído, pois que,
~,' ;
r~l" '
insinuar no cão um sinal de um marco do correio ou de "~, !
vindo no outro sentido não podia ter reconhecido a
uma janela aberta, pelos quais, aliás, ele passaria indi-
entrada.
ferente. Mas também a margem do passeio, em que o
cego podia dar um passo em falso, é difícil de faz-er entrar
Recentemente averiguou-se que as ratazanas con-. \
tinuam a utilizar por ~Uito tempo. o ~esmo rodeio, mesmo ~
r;
quando o caminho directo esteja livre.
Pôs-se então novamente o problema do caminho
i· f

Fig. 30 - o caminho-aprendido da gralha


,-
I,
I
aprendido, ~ -~~9 __d_o_~_
pelx~ª,~!l!.!~~, e chegou-se
Fig. 29 - o cego e o seu cão aos seguintes resultados: em primeiro lugar estabele-
ceu-se que o desconhecido exerce sobre~~_~s_u_~~__ ~~2-ª-0 I:
repulsiva. Introduiiü~se- no aquário uma placa de vidro 'I
no mundo-próprio do cão, como sinal característico, pois
em que se tinham feito dois pequenos orifícios, pelos
I!
que normalmente mal se apercebe dele quando corre
quals os peixes podiam passar com facilidade. Quando se
à solta.
oferecia comida a um -peixe-lutador do outro lado do ori-
A figo 30 representa uma experiência feita com gra-
fício decorria algum tempo antes de ele se introduzir,
Ihas-de-bico-vermelho. Como nela se vê, a gralha voa
hesitante. pelo orifício, para a apanhar. Então mostrava-
em volta da casa, dá-lhe de novo volta em sentido con-
-se-lhe a comida lateralmente em relação ao orifício e o
trário e utiliza no regresso o caminho que lhe é conhe-
peixe logo lhe seguia no encalce. Finalmente mantinha-se

[98]
[99]
II

~comida em frente do segundo orifíciQ.; pois apesar disso


o peixe passava...s.empre pelo primeiro orifício. que já o problema do lar e da pátria está intimamente rela-
~~_liZ~.! ::tl.h_~~~~
...S_E:l.IJL.se_utijizar_.-aõ~~que=até::·ãCJ5ii.º
__ cionado com o caminho aprendido.
Como ponto de partida o melhor é escolherem-se os
~
Colocou-se. então. como o representa a figo 31, um estudos feitos sobre os esgana-gatas (1). O macho da
tabique do lado da placa de vidro com orifícios, donde se espécie constrói um ninho cuja entrada prima em marcar
I
mostrava o engodo ao peixe. Mostrava-se este agora do com .alquns fios de várias cores - sinal visual de direc- I.
lado que o tabique ocultava; o peixe nadava ao longo do ção para a criação. No ninho. os filhos crescem sob a I'
vigilância do pai. Este ninho é o seu lar. Mas cá fora
abre-se a sua pátria. A figo 32 representa um aquário em
.. ,
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···
,
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.
Flg. 32 - Lar e pátria de esgana-gata

Flg. 31 - O caminho aprendido do peixe-lutador cujos cantos opostos dois esgana-gatas construíram os
seus ninhos. No aquário existe uma fronteira invisível
que o divide em duas zonas, cada uma das quals corres-
caminho aprendido, mesmo quando o tabique estava ponde a um ninho. Cada zona correspondente a um dos
colocado de modo que ele podia ter alcançado o engodo ninhos, é a pátria de um dos esgana-gatas, .que ele
directamente passando a nadar entre a placa perfurada defende vigorosa e tenazmente, mesmo contra esgana-
e o tabique. No caminho aprendido entraram, assim.
sinais visuais e sinais-de-orientação.
Resumindo pode dizer-se que o caminho aprendido
-gatas maiores. Na sua pátria o esgana-gata é rei.
A pátria é uma pura questão de mundo-próprio, por-
que representa uma produção puramente subjectiva, para
!
í'
\1\ funcionou como um curso de um meio muito fluido atra- cuja existência nem o mais estrito conhecimento do
\ vés de uma massa viscosa. mundo ambiente oferece o mínimo ponto de apoio.

(') Pequenos peixes de águas salobras, doces ou marinhas, com


espinhos muito fortes anteriores à barbatana dorsal e às pélvicas.

[101]
[100]
I
ri
a1
" ;/., 1 .,
,j d. 2 I~
Perqunta-se, então, quais os animais que possuem chegam. Este coincide com a sua pátria, que ela defende,
uma pátria e quais os que a não possuem? Uma mosca para a vida ou para a morte, de qualquer toupeira vizinha.
doméstica que em voos sucessivos, para um lado e para É admirável a destreza, com que a toupeira, cega
o outro, abrange uma certa porção de espaço em volta de como é, se orienta, sem nunca se enganar, num terreno
um lustre não possui o que se chama uma pátria. para nós perfeitamente uniforme. Se se lhe ensinar qual
, Pelo contrário, uma aranha que constrói o seu ninho, o lugar em que conserva os seus alimentos, ela acerta
com ele, mesmo quando se obstruam todos os caminhos
em que permanentemente vive, possui um lar que é igual-
\
mente .a sua pátria.
O mesmo se passa coma toupeira (fig. 33). Também
'ela constr6i a sua habitação e estabelece a sua pátria. Il B o l
Sob o solo 'estende-se um sistema de túneis como uma
teia de aranha. Mas não são s6 os seus caminhos indi-
viduais que formàmoâmlito do seu domínio, mas'~-i~da
toda a área dentro da qual exerce a sua actlvidade.
Quando cativa, a toupeira esboça os seus camTnnosCJetal l

modo que parece formarem uma teia. Podíamos provar


que a toupeira, graças aos seus órgãos olfactivos, muito
J.
desenvolvidos, é capaz de procurar os seus alimentos
dentro de um raio de cerca de cinco a seis centímetros.
Num sistema de caminhos apertados, como o que ela
constrói, quando cativa, as zonas situadas entre eles
são ainda dominadas pelos seus órgãos dos sentidos, ao
passo que na natureza, onde a toupeira estabelece os -l I

seus túneis mais afastados uns dos outros, ela pode ainda
controlar, pelo olfacto, o solo, num certo raio em volta
~~rW' ~~~~~~I

de cada galeria. Como uma aranha, a toupeira percorre


muitas vezes esta rede de galerias, e reúne tudo o que Fig. 33 - Lar e pátria da toupeira
ali ficou disperso como despojo. No centro deste sistema
de galerias a toupeira constrói uma cova forrada de 1:"
que a ele conduzem. O que demonstra que a toupeira f I

folhas secas - o seu lar individual, no qual passa as


pode ser guiada por sinais olfactivos. I
horas de repouso. Para ela todos os corredores subterrâ-
O seu espact0 é um puro espaço-de-acção. Temos de' I:
ii
neos são caminhos aprendidos que é capaz de percorrer
admitir que a toupeira é capaz de redescobrir um caminho
sempre com a mesma rapidez e facilidade em qualquer uma vez utilizado, à custa da reprodução dos passos-de-
sentido. O seu campo de rapina chega até onde eles -orientação. Além disso, os sinais tácteis, que se rela-

[102] [103]
)ljj!'
I'

J I

!j i
cionam com os passos-de-orientação, nela como em todos neutra do campo defeso passa o seu tempo em segurança. I
1,1

os animais cegos, desempenharão um papel importante. O campo defeso é utilizado por muitas aves canoras
É de admitir que sinais de orientação e passos de orien- para aninhar e chocar, podendo aí criar os seus filhos ao

I) {
. tação se combinam como base de um esquema espacial. abrigo do ataque das grandes rapaces .
A forma e os meios utilizados pelos cães para darem
Destrua-se o seu sistema de caminhos, ou parte dele,
e ela será capaz de restabelecer, com o auxílio de um facilmente a conhecer aos indivíduos da sua espécie a
sua pátria, merecem atenção especial. A figo 34 repre-
esquema adequado, um novo sistema que se assemelha
ao antigo.
As abelhas também constroem um lar, mas a zona,
em volta da colmeia, em que buscam o alimento é, com
efeito: o seu campo de caça, sem, no entanto, constituir
uma pátria que seja defesa aos intrusos. No caso das
pegas, ao contrárlo, pode falar-se de lar ede pátria, pois
que elas constroem ·0 seu ninho dentro de uma zona
em que não consentem quaisquer pegas atrevidas.
Provavelmente far-se-éern muitos animais a expe-
riência de ver se eles defendem o seu campo de caça
contra os seus semelhantes e fazem dele a sua pátria.
Uma zona preferida por cada espécie animal asserne- sÓ: •••

lhar-se-á, quandonela se qulsertraçar o âmbito da pátria,


a uma como que carta política dessa espécie, cujo limite
será estabelecido por meio do ataque e da defesa. Em
muitos casos também se verificará que já quase não
existe qualquer espaço disponível. mas que por toda a
parte uma pátria colide com 'outra pátria. !:muito notável Flg. 34 - Corta do Jardim Zoológico
a observação que mostra que entre o ninho de muitas
aves de rapina e o seu campo de caça se estende circular- ,.1
I
mente uma zona neutra em que elas não abatem qualquer senta a carta do Jardim Zoológico de Hamburgo, com os
presa. Os ornitólogos julgam, com razão, que esta cons- arruamentos em que estão marcados os sítios em que nos
:tI
' tltulção do mundo-próprio tem sido aceite pela natureza seus dois passeios diários à trela os cães urinavam.
I'
para impedir que as aves de rapina destruam a próp.!ia Eram sempre os sítios, também especialmente no-
( . uan o o nm ego ãe falcão abandona o ninho
para passar o dia a saltar, de ramo em ramo, na proximi-
tados pela vista do homem, que eles impregnavam com
o cheiro que os denunciava. Se dois cães eram condu-
1[

dade dele, correria facilmente o perigo de, por lapso, ser zidos juntos, ordinariamente urinavam ao mesmo tempo. !
atacado pelos próprios pais. De modo que, assim, na zona Um cão ladino manifesta sempre tendência para,

[104] [105]
-
quando um outro cão estranho o encontra, deixar o seu de um pinheiro isolado, visível de longe. Isto indica aos
cartão-de-vlslta no objecto mais próximo que lhe salta à outros ursos que devem passar ao largo do pinheiro,
vista. Por seu turno, quando entra na pátria de outro cão, evitando assim toda a zona em que um urso delimita a
denunciada por essas marcas alheias, farejará sucessi- sua pátria.
vamente esses vestígios alheios e esgaravatará cuida-
dosamente os pontos onde eles existem. Mas um cão de 10. O COMPANHEIRO
fraca' qualidade passará com medo por tais vestígios e
Tenho bem presente na minha memória a imagem
de um pobre patinhQ chocac;i(Lillnt~!.e com uma~i-
nhada de perus e que vivia tão ligado à família adoptiva,
que -~l~~-cae-ntrará na água e que evitava escrupulosa-
mente os outros animaizinhos da sua espécie, que saíam
da água frescos e limpos. Por essa ocasião ofereceram-me
um pato-bravo que me seguia por toda a parte. Quando eu
me sentava, encostava a cabeça aos meus pés. Eu tinha a
impressão que eram as minhas botas que exerciam essa
atracção, pois que também corria atrás dos balxotes
pretos. Daí concluí que qualquer coisa preta em movi-
mento bastava para lhe sugerir a imagem da mãe e
mandei-o largar próximo do ninho materno para recuperar
as ligações familiares que tinha perdido. Hoje duvido que
fosse essa a explicação, porque a este respeito fui infor-
mado de que para que certas crias de ganso-cinzento aca-
badas de nascer se juntem espontaneamente a uma famí-
lia de gansos e a sigam, devemos metê-Ios logo que
nascem numa bolsa de caça e largá-Ios junto dela. Se
vivem durante algum tempo na companhia do homem não
Fig. 35 - Um urso assinala a sua pátria aceitam, depois, associar-se com os seus semelhantes.
Em todos estes casos trata-se de uma mudança de im~
gens perceptivas, que frequentemente se dá, em parti-
não denunciará a sua presença por nenhum sinal cuia~nõ-munaõ:f:i-f6Pfío-aas-'aves.-a que se sabe das
olfactivo.
percepções das aves é ainda insuficiente para se pode-
A delimitação da pátria é também. como o mostra rem tirar conclusões seguras a esse respeito.
a figo 35, empregada pelos grandes ursos da América do Na figo 20 já nos foi dado ver a gralha-de-bico-verme-
Norte. Para isso o urso ergue-se nas patas traseiras a lho caçando o gafanhoto, e ficámos com a impressão que,
toda a sua altura e esfrega o dorso e o focinho na casca essencialmente, ela não tinha qualquer percepção do

[106] [107]
gafanhoto em repouso, e por isso este não existia no seu gato que não traga na boca uma presa. Só quando o
mundo-próprio. perigo dos dentes afiados do gato está afastado, como
As figs. 36 a e 36 b representam-nos uma outra expe- sucede quando estes estão ocupados em abocar a presa,
riência respeitante às percepções das gralhas. Nela vê-se ele passa a ser objecto de ataque da parte da gralha.
uma gralha em atitude agressiva perante um gato que Isto parece ser um comportamento altamente prático
traz na boca outra gralha. Uma gralha nunca ataca um da parte da gralha. Mas, na realidade, não passa de uma , I
I
reacção perfeitamente de acordo com um plano que flui
com. absoluta independência de qualquer espécie de
inteligência da gralha. Porque ela assumiria a mesma ati-
tude se se lhe acenasse com uns calções de banho. E ela
também não atacaria o gato se em vez de uma gralha
preta trouxesse nos dentes uma gralha branca.
A percepção de um objecto preto que se mova diante
do animal desencadeia só por si a atitude agressiva.

I
Uma percepção de valor tão geral pode prestar-se
sempre a confusões, como já pudemos verificar a pro-
pósito do ourlço-do-mar, em cujo mundo-próprio nuvens
e navios são confundidos com o peixe, seu inimigo, pois
que o ouriço-do-mar reage sempre da mesma maneira
Flg. 36 a - Gralha em atitude agressiva perante um gato . ," .' ..,r.
contrao-'obscuredmento do horizonte. .
Nas aves, porém, não nos subtraímos à dificuldade
recorrendo a uma explicação tão simples. , !

Sobre o que se passa com as aves que vivem em


sociedade há uma multidão de experiências contraditórias
acerca de mudanças de imagens-perceptivas. Só recente-
mente se conseguiu pôr em relevo num caso típlco
de uma gralha domesticada, chamada Tschock, o ponto
de vista mais importante.
As gralhas que vivem em sociedade têm durante a
vida um companheiro próprio, com que se comportam
das mais diversas maneiras. Se se educa isoladamente
uma gralha, ela de maneira nenhuma renuncia ao com-
panheiro, e quando não dispõe de um da sua espécie
Flg. 36 b - Gralha em atitude agressiva perante uns calções adopta um «companheiro substituto», e, de facto, pode,
de banho
para cada nova demonstração, surgir «um companheiro

[108]
[109]

, .
substituto» .novo, Lorenz (1) teve a amabilidade de me escolheu como companheiro preferido a criada dos quar-
enviar as figs. 37 a e 37 b, em que se podem, de um golpe, tos, diante de quem executava os seus característicos
ver as relações para com o companheiro. bailados-de-amor. Mais tarde adaptou como companheiro
A gralha Tschock teve, quando jovem, como compa- uma gralha muito jovem a que ela própria dava de comer.
Quando Tschock se preparava para mais largos voas
tentou levar o próprio Lorenz a voar em sua companhia à
maneira das gralhas, quando arrancava para o voa mesmo
por trás das costas dele. Como isto não desse resultado,
juntou-se com as gralhas que voavam, as quais passaram

(o a ser os seus companheiros de voa.


Como se vê não existe no mundo-próprio da gralha
/~
nenhuma imagem-perceptiva únicaae companheiro. lal
não é também possível, porqüê-o papel do companhejj;
muda constantemente. A imagem-perceptiva do compa-
I nheiro-maternal parece, na maior parte dos casos, que não
se estabelece logo ao nascer, no que respeita à forma
~rário se dá.ccm avoz.mat ...•
eilr.unl<Ola~ _
----- Lorenz escreve: «Devia, em cada caso especial de
companheiro-maternal, pôr-se em relevo quais os carac-
teres maternais que são inatamente apercebidos, quais
os que são percepções adquiridas pelo indivíduo. A difi-
culdade está, precisamente, em os aspectos maternais
adquiridos logo após alguns, poucos, dias, e mesmo
só algumas horas (ganso-cinzento, v. Heinroth) ficarem
tão profundamente gravados que, quando se separam os
filhos das mães, dir-se-ia que são inatos.
O mesmo se passa na escolha do companheiro-di
Flgs. 37 a e b - A gralha Tschock e os seus quatro companheiros { ~ lecto. Também aqui os caracteres do companheiro substi
d --------::
QY tuto que passam a ser apercebidos pelo indivíduo, s
gravam tão fortemente que do facto resulta a aquisição
nheiro maternal o próprio Lorenz. Seguia-o por toda a
por ele de uma percepção definitiva depois de se ter efec-
parte, gralhava para que lhe desse a comida no bico.
tuado a primeira mudança. Donde, até os animais da
Quando já aprendera a buscar por si os alimentos,
mesma espécie serem rejeitados como companheiros-
-dilectos.
(') Konrad Lorenz (1903). Zoólogo e zoopsicólogo. (Nota da
ed. alemã.) Isto foi posto em evidência por um incidente curioso.

[110] [ 111] i.
'1 .' \ --~I

/
/
Havia no Jardim Zoológico de Amsterdão um casal de
abetouros jovens cujo macho se tinha enamorado do /
/ deve tornar impossível o aparecimento posterior de um
companheiro verdadeiro.
director do Jardim. Para não prejudicar o acasalamento, Depois de a imagem-perceptiva da criada de quarto
este não apareceu ao macho durante muito tempo. De ter adquirldo !1,9. mundo-próprio de Tschock .~",-!~or ~'i
__
modo que o macho afeiçoou-se à fêmea, e o facto surtiu ãfeição» ex~lusiv.E..!.....toda~_~~
,_()_lJ~raÊ
Lr@~!!-ª=,Q.~rcelill~.!.
efeito; e como a fêmea caísse no choco, o director re- perderam efic,áciª-.
Ou ando consideramos que nos mundos-próprios da
solveu voltar a aparecer. O que sucedeu? Muito simpl.es-
gralha todo o ser vivo, isto é, aquelas coisas que são
mente que, mal o macho avistou o seu co~panhelro-
capazes de movimento próprio, se reduzem a gralhas e
-dilecto, escorraçou a fêmea do ninho, e por meio de rep~-
não gralhas (o que não deixa de ter analogia com o que
tidos sinais parecia dar a entender que o director podia
se passa com os homens primitivos), e quando, depois,
ocupar o lugar a que tinha direito e continuar a chocar
e já de acordo com a experiência pessoal, a maneira de
os ovos. fazer a distinção passou a ser outra, então compreende-se
A percepção, pelo indivíduo, do companheiro-de-Infân-
que se possam cometer erros tão ridículos como os que ~
cia parece ser, a maior parte das vezes, a que mais incisi-
acabámos de referi.r. ,!'J~oé só a per.c.~pção .que decldese \
vamente fica gravada. Provavelmente, o grande apetite se trata de gralhas ou não gralhas, mas também ajma- \
que faz escancarar as goelas aos jovens desempenha ~ cfi[_Q.rópri-º,._al!Jst~~e~'tõ;,_S
_ ó esta decide
aqui o papel determinante. Mas também neste caso se <;Luala imagem-perceQ1l'l<L.qu.e...Jnantém..JLrespectivo..te.oL-
prova que em raças muito apuradas, como as galin~?S .:.d..e-companheiro.
Orpington, estas, quando chocas, adoptam gatos e caes.»
jovens como filhos.
11. IMAGEM-PRETENDIDA E TEOR-PRETENDIDO
O companheiro-substituto para os voos livres é, por
seu turno adoptado mais largamente, como o caso de
Volto a duas experiências pessoais que explicarão
Tschock mostra.
melhor que tudo o que, como factor Importante para o
Ouando se considera que os calções de banho apre- mundo-próprio, se deve entender por imagem pretendida.
f! sentados à gralha passaram a ser para ela um inimigo (OUando, por largo tempo, fui hóspede de certo amigo
a atacar, isto é, passaram a ter para ela o teor-efector de meu, todos 'os dias ao almoço colocavam diante do meu
«inimigo», poderá dizer-se que se trata aqui de um ini- luqar à mesa um jarro com água. Um dia o criado partiu
j , migo substituto. Como no mundo-próprio das gralhas há ' o jarro, e a substituí-Ia pôs no lugar por ele habitualmente
'muitos inimigos, o aparecimento do inimigo-substituto, ocupado, uma garrafa de vidro com água. Durante a refei-
especialmente quando se deu uma só vez, não teve ção procurei com a vista o jarro e não notei a garrafa de
qualquer influência sobre a imagem-perceptiva do verda- vidro. Só quando o meu amigo me assegurou que a áqua
deiro inimigo. No caso do companheiro a coisa é outra. estava no seu lugar habitual é que subitamente certos
Este é o único que existe de cada vez no mundo-próprio. clarões oue incidiam sobre facas e qarfos através do ar
e a atribuição do teor-efector a um companheiro substituto se combinaram e formaram a garrafa de vidro. A flg. 38

[112] 8 - A. HOMENS [1131

I li
tinha, pegou na nota e apalpou-a com todo o cuidado, não
deveexprirnir· esta experiência. A imag~LQçJJL@-ª-
anula a imagem perceptiva. -.-- -fosse ela esvair-se de novo no ar. Também neste caso,
A outra experlêncla foi a seguinte: entrei um dia em
é manifesto, ª-
imagem-pretendida ~lifn.i.l1ª@._ª_imag.e.IIl:.-

um estabelecimento em que tinha a liquidar uma conta, -perce2!lY-ª .._- .


e tirei da carteira uma nota de cem marcos. A nota era -'--Todos os leitores terão passado por casos como
absolutamente nova e estava poucn emarrotada, e em estes que parece serem bruxarias .
. Na minha doutrina-da-vida publiquei a figo 3.9, aqui
reproduzida, que explica os diferentes processos que se

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Proces':o físico I
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Processo fisiológico
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i!
Ponto de excitação

Fig. 39- Os processos perceptivos

Flg. 38- A imagem pretendida elimina a imagem perceptlva

entrelaçam nas nossas percepções. Guando colocamos


vez de ficar aberta e estendida sobre o balcão, ficou ao diante de qualquer pessoa uma campainha, e a fazemos
alto apoiada sobre as margens em ângulo. Pedi à caixeira soar, ela entra no seu mundo ambiente como fonte de
para me dar o troco e ela respondeu-me que eu ainda lhe um estímulo, que penetra no seu ouvido transportado por
não dera' o dinheiro: Disse-lhe que o tinha na sua frente, ondas do ar (processo físico). Dentro dele as ondas
mas ela, agastada, repetiu que, se queria o troco, desse sonoras transportadas pelo ar transformam-se em estí-
primeiro o dinheiro.' Toquei então com um
dedo na nota, mulos nervosos, que atingem o órgão-de-percepção do
qúecalu e ficou: bem vlslvel.. A pequena soltou umgrt~ cérebro (processo flslolóqlco]. Aí as células .de percepção

[ 114] [115]
r •
-
reagem por meio de percepções e transferem para o
mundo-próprio do sujeito um sinal-característico (pro-
cesso fisi.ológico).
Se a par de ondas sonoras transportadas pelo ar até
ao ouvido, entram nos olhos ondas de éter, que, seme-
Ihantemente, determinam no órgão-de-percepção excita-
ções, então, os seus sinais perceptivos de sons e de
cores constituem-se segundo um certo esquema num
conjunto unitário, que é projectado no mundo-próprio do
sujeito como imagem-perceptiva.
A mesma representação gráfica pode aplicar-se à
explicação do chamado teor-pretendido. Neste caso a
campainha deve encontrar-se fora do campo de visão.
As percepções sonoras são, 'só elas, transportadas para o l1
mundo-próprio do sujeito. Ligadas com elas há, porém, \\\-,.
..... '\'".
uma imagem perceptiva óptica invisível, que funciona
como imagem-pretendida. Se a campainha depois de pro-
curada entra no campo de visão, então a lrnaqem-percep- 1
tiva associa-se com a imagem-pretendida. Afastadas ex-. J
cessivamente uma da outra, pode suceder que a lmaqern- ""
-pretendida anule a imagem-perceptiva, como resulta dos 'I
exemplos dados. lI
!
No mundo-próprio do cão há imagens-pretendidas
perfeitamente determinadas. Ouando o dono manda o cão I
buscar urna bengala, o cão dispõe de uma imagem-preten-
dida bem determinada da bengala, como o mostram as
figs. 40 a e 40 b. Também aqui há oportunidade de verifi-
car até que ponto a imagem-pretendida corresponde à
imagem-perceptiva.
t\•• '.
O sapo fornece algumas informações neste sentido: ,.,~\ ..
um sapo que, depois de um prolongado jejum, comeu uma •.,,\\\\\\ ...
minhoca, lançou-se igualmente sobre um fósforo, que
tem certa semelhança de forma com uma minhoca. Daqui
Figs. 40 a e b - O cão e a imagem-pretendida
se conclui que a minhoca que ele acabara de devorar

[116] C117]

:B I :
V IQ(A'\.O~,'~ Jl r \.\1 ~f( •• ,\"

H
J:ii;YI - ~c.ié.J ! gV ,Iri
!'

lhe serviu de imagem-pretendida como se traduz na para caso, podemos agora designar, com mais proprie-
figo 41. dade, por· teor-pretendido, diferente de caso para caso,
Se o sapo tivesse primeiro comido uma aranha, a com que o casa-roubada aborda a mesma imagem-percep-
imagem-pretendida seria diferente, porque então lançar- tiva e lhe atribui ora um teor-de-agressão, ora um teor-
-se-ia porventura sobre um fragmento de um musgo ou -de-protecção, ora ainda um teor-de-alimento.
sobre uma formiga, o que lhe assentaria muito mal. O sapo esfomeado começa por partir para a busca
9ra nó~ nem sempre buscamos-º-ete~mi~oi~~ à dos alimentos dispondo apenas de vago teor-de-saciar-a-
~ de uma image...!!!:.~!,QWly.ª-, mas muito mais fr'e- -fome, e só depois de ele devorar uma minhoca ou um
e~n.\~.~'§~.~~~
9.Y~.nt~m __CJu.(3 ..._??~E~.?P?~9.~_.?.
m 0_~..1J~_.~.~j ec_t..0 fósforo se constitui determinada imagem-pretendida,

". 12. OS MUNDOS-PRÓPRIOS IMAGINARIOS

Sem dúvida existe, dominando tudo, uma oposiçao


entre o mundo ambiente que nós, homens, vemos abrir-se
em torno dos animais, é os nossos mundos-próprios, que
eles próprios construíram, e que preencheram com as
coisas de que .tlveram percepção .c. A.té aqui'<?~.r.!1_l!!!~OS-
-próprios eram, em regra, o resultado das percepções
aespertadas poresfímTirQã:~.fixfE;úIõr:e.s::,-A-·essã'regrã li~e-
rarriTir'exê~pçã~~ã"J~g~rl,!"pretenRi~~; ~,i~im
,..
ç~irno,~•.Qfil::.
Flg. 41 -Imagem·pretendida do sapo terminação do caminho' aprendido e a delimitação, da
pátria, que não resultam de q,ualqq~r. .~.$p.~J;i~~d~"~~Irmüfo
ext~'rior''massao produtosa'utÓilomos' de actlvldades
r . ~ ~ ,.1"'''': i QL
---_~__
.. ...YJ!la imageni-efectora.
•..
Assim não buscamos, olhando em
~....-,.......--.--""'.....
volta de nos.. uma determinada cadeira, mas sim um
-:,' '.
subjectlvas. ,
,""",~~~O:·ilit.'
.'
Estes produtos subjectivos constituíram-se a .custa
móvel que sirva para nos sentarmos, isto é, uma coisa da reunião de.repetidasexperiênciaspesso.ais do sujeito.
a que corresponde determinado teor-de-utilização. Neste '. Se agora prosseguirmos neste caminho, deparamos
caso pode tratar-se-não de uma imagem-pretendida mas_ com mundos-próprios em que surqem.aspectos çlegr,ande.
de um teor-pretflndido eficácia, mas que só são apercebidos pelosujeito e ,que,
Quão importante é o papel desempenhado pelo teor- ...ou. quandà
não estão Iigªdo1) a qlJ.?isqu~~:.~?'<P-'~.rl~D_çj.ê.l?J
-pretendido no mundo-próprio de cada animal ressalta do muito se relacionam com um acontecimento excepcional.
exemplo citado a respeito do casa-roubada e da anérnona- Taismundos·próprios designamo-Ios. por mundos-Í1pagi-
-do-mar, Aquilo a que então chamámos a condição, ou ._n.ários. . '.<:. '.'
I '. _ ,. ,
- - .;".\
disposição, do casa-roubada, que era diferente de caso Para ver até que ponto muitas: crianças vivem em

[118] [119]'
i"
I.,

____J
mundos-próprias-imaginários pode servir o seguinte exem- Quem reparar melhor verá que o mesmo se dá em
plo: Frobenius (1) refere-se no"seu Paideuma a uma rapari- muitos mundos-próprios de europeus cultos.
guinha que com uma caixa de fósforos e três fósforos Ora pode perguntar-se se os animais também vivem
representou às escondidas, só para si, a história da casi- em mundos-próprios imaginários. A propósito de cães
nha feita de bolo que Hansel e Gretel (2) encontraram na contam-se muitos casos de imaginação. Mas tais relatos
floresta, e da bruxa má, e que inesperadamente se pôs a não foram até hoje analisados com suficiente sentido
crítico. De uma maneira geral, porém, e aproximadamente,
deve-se admitir que os cães associam as suas experiên-
cias umas com as outras de uma maneira que tem mais
um carácter imaginativo que lógico. O papel desempe-
nhado pelo dono no mundo-próprio do cão compreende-se
como fenómeno de imaginação do cão, não se explica em
termos de causa e de consequência. "
Um investigador meu amigo relata, a respeito de um
aspecto sem dúvida imaginário no mundo-próprio de uma
ave: tinha criado em casa um estorninho que, por isso,
nunca tivera ensejo de ver uma mosca, multo menos de
a apanhar. Ora o meu amigo observou (fig. 43) que uma
Flg. 42 - o aspecto imaginário da bruxa
vez o estorninho se lançara subitamente sobre qualquer
coisa invisível, -apanhara-a- no ar e ••trouxera-a- para o

gritar: •.Levem-me daqui a bruxa; já não posso ver a sua


face horrenda.»
Este caso, tipicamente do campo da imaginação, está
representado na figo 42. \ , I ,

Seja como for, a bruxa má entrou em pessoa no : ~~:


; I • ,"'
mundo-próprio da rapariguinha.
Casos como este apresentam-se muitas vezes pe-
rante os exploradores de povos primitivos. Afirma-se que
estes vivem em um mundo de imaginação, em que aos
aspectos captados pelos sentidos se misturam no seu' .. ""
mundo aspectos imaginários.

(') Leo Frobenius (1873-1938). Etnólogo e explorador em


África (Nota da ed. alemã.)
(2) Personagens de um conto dos Irmãos Grlmm. Fig. 43 - Estorninho e mosca Imaginária

[120] [121]

.J
, Ir
~.'I
I v~ I 'f'V'-'V ,..

~) ~ ')(/V\.o~~c"'_ p/.C ~" ;-:u::J00 _


"I./".>-:' 'e:
I
~(.,.D./' o-- /"lJ"iC •• • ,,..,
'-""I(./·vv~"~· d• - , J.J/V.,19- '!..;'/·C'J7,/v·/\ ~<. -'
i r 'V.
I)
)A-

, sltio em-que costumava estar pousado, «dando-lhe» bica- no momento próprio, abre uma galeria na polpa ainda mole I
das, como todos os estorninhos fazem às moscas que
caçam, e acabando por «engoli-Ia». Não pode haver dúvida
d.Q..9!.ã9_º-ª--e
depois de chegar a gorgulhoaduitojiãra
~_~~ª-~
rvj lna. . Çlt~ª_ sup.erfí cie, e q~ .. 1JJUL?;-ª
sair de dentr-,~,c!§
l\
que o estorninho visionara no seu mundo-próprio uma êrvilfía·-eiitretanto"êndür~ci'da. Está p~rfeitamente"averi-
mosca imaginária. Evidentemente todo o seu mundo- gú'ãdõ-q~e se'trãt;dé-'üm;-~-;;nduta exactamente planeada,
-próprio estava tão ocupado pelo teor comestível, que, ainda que, do ponto de vista da larva do gorgulho, com-
pletamente independente do jogo do.§...gntidos, pois que
rienhum estímulo sensorial do ty!~.r-º_gºr9...lJ.lb..o.Jto~d._e
i!!f~dir
sobre a sua la'Y.,a.Nenhum sinal-perceptivo indica à larva :,
I
o"c'ãnlfíího,que ela nunca seguira e que, no entanto, tem
~,g~,~, _d~, '!.l9.9Q_ que, depois da, ~"lia~
,!~~.nsformã_~~,
em gorgulho adulto, não venha a perecer miseravelmente .
.---'--Asflgs.-4"5 ~-46mostram d6fs-õütrosexemp!õs-cro
caminho inato. A fêmea doenrolador-de-folhas começa a
'. o', cortar, em determinado ponto da folha da bétula (que
..... , talvez lhe seja denunciado pelo seu gosto), uma linha
'...
r._> curva de forma predeterminada, que lhe permite depois
enrolar a folha em forma de funil, dentro do qual o insecto
fará a sua postura. Este, apesar de nunca antes ter
-r: 0_.' ~.: seguido esse expediente e de a folha da bétulanão ofe-
recer dele qualquer indicação, apresenta-sé lmaqlnação
à

do insecto de uma maneira perfeitamente nítida.


O mesmo se passa com arota de-voodas aves
migradoras. Os continentes só às a~esrevelam ocarnl-
nho inato. Isto é válido, certamente, para àquelas aves

'.\ .aingª.IJ1~~
Flg. 44 -
c
o caminho imaginário da larva do gorgulho-da-ervllha

na ausência do. estímulo sensorial, a ima-


. -
jovens que se aventuram ao caminho não guiadas pelos
pais, pois que, para as outras, não se exclui a posslblll-
dade da utilização de um caminho aprendido. . .

I
~m~e~ector~-p~~p;;:atÓria~aCaÇadã-mõScaextraTru Como o caminho aprendido, de que já tratámos, tam-
. apançao da'lmagem-perceptlva,o ,que provocou o de~- bém o caminho inato é seguido tanto à custa do espaço-
cadear de toda a .série de actos correspondentes. , -visu~1 como do espaço-de-acção. ..
\\ Esta experiência dá-nos uma indicação que nos ex- A única diferença entre os dois reside em que .,n!?
plica, aliás, atitudes enigmáticas de vários animais, caminho aprendido se desenrola uma série de sinais per-
A figo 44 representa o modo de comportamento, já ceptívos e de impulso que saem uns dos 'outros; os- quai$
estudado por Fabre, ~º-º_,gº~g.~J.b..2::.q.ª~~ry'i1,ha" que foram retidos por experiências 'anteriorês~-ao'''passo que.

[122] [123]
.f : IV' .

;1
Fig. 45 - O caminho I1
imaginário do enrola- no caminho inato a mesma sene de representações é
dor-de-folhas dado imediato da imaginação.
Para o observador que está de fora, o caminho apren-
dido num mundo-próprio de outro animal é quase tão
indiscernível como o inato. E quando se admite que o
caminho aprendido surge no mundo-próprio do sujeito
estranho - do que não há que duvidar - então não há
,:
qualquer razão para negar o aparecimento do caminho
inato, pois que ele se organiza à custa dos mesmos ele-
mentos - sinais-Rer~ti~os ~i';pulsos exteriorizados.
NÜm'ca's'a or'igin~';~m--~;; e'~ ~stí~~I~~ s'~~sori~i;-,--;~-'
õ'litrõsoarãOémcõ~j~~t~-~õmo uma melodia inata. Se
defurminadõéãmlnh01~nünlà"-pessoa, inato, poder-
-se-ia descrever como o caminho-aprendido: cem passos
até à casa vermelha, depois voltar à direita, etc.
§~ se chamar~~ __~g~.i.~..g~_~.~_.,c!a~2_~~0
sujeito pêfas--ex'Reriências dos sentidos, então só o
procedim-ent~·-~p~~~dido· se deverá cham'ã~s~;;-so~iai: 'nã~
oinatô·. r;tlãs-é por isso que este' s~ manté'~ ~~. alt·o g;~~
~cÍ;a;;ordo-com um pla·no~o" .~."·'_o
0

00 ••• 0' " ,-- '.'0 .• •••• -

Que os aspectãSTrnãginários desempenham no


mundo animal um papel muito mais vasto do que se supõe
di-lo uma experiência notável relatada por um investi-
gador recente. Este costumava dar de comer a uma
galinha num certo estábulo. e enquanto ela debicava nos
grãos introduziu no estábulo um porquinho-do-mar, A gali-
nha perdeu a cabeça e começou a esvoaçar de um lado

.. para o outro. A partir de então nunca mais conseguiu que


a galinha comesse no estábulo. Entre os mais apetitosos
grãos, era capaz de morrer de fome. É evidente que a
Fig. 46 - O camí- cena do incidente anterior pairava como sombra fantás-
nho Imaginário tica, o que a figo 47 pretende representar.
das aves rnlqra- Isto faz supor que, quando a galinha acorre para
doras
junto dos pintainhos que piam, e afugenta um inimigo às

[124]
[125]
11
I III
I

bicadas, é porque no seu mundo-próprio entrou uma apa- Somos pois levados, finalmente, a aceitar o fenó-
! I
rência imaginária. rneno de, imaginação, do caminho inato que desdenha de ! I
Quanto mais tivermos aprofundado o estudo dos qualqü~r objectividade e que, no entanto,. lntervémjió i
mundos-próprios, mais nos devemos ir convencendo de n,~,~9.~:p..!".ºp.r.J.QA~.J!.çºJºQ.,"çom
um .pl~.~~~· .,_.' .., ..... "
que .~!.!ltr_~du!!..!:!1)a~!Q!:~§'_ª-9j:ual1!~§.,jl~gueJ!~tq..ML Há ainda nos mundos-próprios puras realidades sub-
egQ..Etitri b!lJL9!:!ê.!.91!ê.r..r.E?-ªJlQilli~~QQl~lJ.y~.A..2.~~~5.~.
r ;p~ Io ]ectivas. Mas. també'm-ãsreãTicfiides ê:lbJectlVas-cfõ-mundo
mosaiGode J.lliJ.ê~_9.\Lt}..J!.._y.i§,tª.Jnt~~duL~~.,c~i~as :~o, .ambiente, -~~-~~- ta i;-nü-n cã "en'trã'íTI'"·nõs"munaõs-prõprTõ'8.·
·,sãbsemprã:,tr~M1ormã.êfiis-,-:-~m·-~i'ciii-~;ê.a.'rªº~rI~!Iç.9.~'-º'Y.
\
filiag~ns-perceptivase providas de url'!..t~ºr.~QfE?_C..!º.~L.fl.U_~

~:d~~~;;7~-~:·:~j:ét~:;_~~~i~tô~~.es~r.cJ.~ .._~.~!3
..~,~~J!!l~~9~s
"'-'~E:'fit;~i'~~;;t~;:'~'-~-i-;~'I'~'~~"~iclo' de função ensina-nos \
que t~~to: sinais-característicos como marcas-de-acção, '\ 01
.~ão :.exte~ioresào sujeito, e que as proprledades dó \
objecto, que o ciclo-de-função inclui, só podem ser consl- I
,deradas como seus veículos. " . .
Ássim, pois, chegamos à conclusão que cada sujeito \\
'vlve num mundo em que ,~<i_existem realidades subjec- ..
tivas e que até os mundos-próprios, eles mesmos, só
~ent~m realidades subjectivas .
. ' Quem 'nega a existência de realidades subjectivas é \ \
'porque não reconheceu os fundamentos do seu mundo-
-próprló,

Fig, 47 - A sombra imaginária

13, O MESMO SUJEITO COMO OBJECTO


EM DIFERENTES MUNDOS-PRÓPRIOS
mundo-próprio e que não existem. no mundo ambiente, ,
coriiõ'fãm6em alrri'ãõ~existem os dadoe-de-ortentação que Os capítulos anteriores referiram-se a digressões
Ccintêm·õ--êãpàçod(rmiin(fo-próp~i~. D~';:né'smà-mõdo,foi 'singulares em diferentes direcções, na terra desconhe-
fmPõ'"Ss1Velencõntrar "ríõ'm'undô'ambiente um facto r que' -cida do mundo-próprio. Ordenaram-se conforme os pro-
corresponda ao procedimento aprendldodo sujeito. A dis- blemas, para em cada caso se conseguir uma maneira de
tinção de pátria e campo de caça não-existe no mundo tratamento uniforme.
ambiente. Não ex!~nUl.Çurl~i~mbie'J!.e qUql§g!J~.LYe$- Ainda que alguns problemas fundamentais tenham
!~lmP..Qx.tante.jlll-ª.9.êlItP.J.rte.o.di.d.P .. .asslm sido tratados, nunca se chegou, nem se pretende

[126] [ 127]
r-----------~ ,------------..,
ter-se chegado a qualquer resultado completo. Muitos
.- ----~'?:.. "'.
problemas aguardam interpretação reflectida, e outros
ainda não passaram da fase de formulação. De modo que
ignoramos ainda que parcela do próprio corpo do sujeito
passou a fazer parte do seu mundo-próprio. Nem uma só
vez a questão do significado da própria sombra no ;._ ... __ .:-- -'-'-'-
mundo visual foi experimentalmente abordada.
O tratamento de problemas particulares é tão impor-
tante para o estudo do mundo-próprio, como insuficiente
para se chegar a uma visão de conjunto das interdepen-
dências dos mundos-próprios.
Uma tal visão é talvez possível, quando abranja
apenas um campo restrito, se explorarmos a questão:
como é que em diferentes mundos-próprios em que ele
desempenha um papel Importante, o próprio sujeito passa
a ser obJecto?
Como exemplo escolho um carvalho em que vivem A anémona-do-mar e o casa-roubada
diferentes sujeitos do reino animal, e que em cada
mundo-próprio vem, além disso, a desemoenhar um
papel diferente. Como o carvalho também faz parte de
vários mundos-próprios humanos, conforme o observador,
comeco por estes (1).
As flos. 48 e 49 são reoroducões de dois desenhos
que devemos ao talento do artista Franz Huths.
(Flq. 48). No mundo-próprio perfeitamente razoável do
..
velho couteiro, que resolveu quais as árvores da sua í
coutada que estão boas para o corte, o carvalho destinado

I,I
ao machado não passa de umas braças de madeira que
ele mede com todo o cuidado. Por isso as rugosidades da
casca que, acidentalmente, parece representarem um ,
rosto humano, não são por ele notadas como tal. A figo 49
representa o mesmo carvalho no mundo-próprio imagi- ..
1
. .- : ""
(') Comp.• porém, o que se notou nas págs. 11 e segs. da In-
trodução. (N. do A.)
o quarto, para o homem

r128]

I~ A· ~
Fig. 48 - O couteiro e o carvalho
o quarto, para ° cão
Fig. 49 - A rapariguinha e o carvalho t!
!l
'1
.~
,
1

o quarto, para a mosca

9-A. HOMENS
[129]
CO..J\ \1 O.L!-......<.:)

nárlo de uma rapariguinha para quem a coutada ainda é


povoada de gnomos e fantasmas, e que fica muito assus-
tada como se o carvalho a olhasse com o seu mau cariz.
Todo o carvalho, para ela, passou a ser um perigoso de-
mónio.
Na coutada de um primo meu, da Estónia, há uma
velha macieira sobre que se desenvolveu um grande
cogumelo que apresentava uma vaga semelhança com
um clown, o que até certa altura ninguém tinha notado.
Um dia meu primo contratou uns doze trabalhadores
russos para fazerem a colheita, os quais descobriram a
macieira e passaram a reunir-se todos os dias em volta
dela-para cumprir uma cerlmónla eniqúe rezavam e se
benziam. Explicavam eles que o cogumelo devia ser uma
figura maravilhosa, pois não era obra do homem.
Para eles, acontecimentos maravilhosos naturais
Fig. 50 - A raposa e o carvalho
eram coisas evidentes em si.
Mas, voltemos ao carvalho e aos seus habitantes.
Para a raposa (fig. 50) que construíra a sua cova entre as Fig. 51 - O mocho e o carvalho

raízes do carvalho, este passou a ser um abrigo seguro


que a' protegia das intempéries, a ela e à sua família.
Para ela o carvalho não possuía o mesmo teor de utilidade
prática que tinha para o couteiro, nem o teor de ameaça
que tinha para a rapariguinha, mas sim, é evidente, um
teor de abrigo e nada mais.
Semelhantemente, no mundo-próprio do mocho o car-
valho tem um teor de refúgio (fig. 51). Somente, agora,
não são as raízes, completamente fora do mundo
ambiente, mas os troncos vigorosos, que constituem
para ele uma como que muralha defensiva.
Para o esquilozinho o carvalho adquire, com as suas
numerosas frondes, que lhe proporcionam trampolins
apropriados para saltarem, um teor de trepar, e para as
aves canoras, que constroem os seus ninhos nas rarnà-' ""
rias, o teor de suporte necessário.

[130] [131]
forrespondentemente aos diferentes teores de utili-
as Por baixo da casca, que ele destaca, o longicórneo

[I
zação, diferem umas das o!JtrgS imaQ.fill.S.::RerceQtiya§"
Cada mundo-próprio aproveita do carvalho uma certa (fig. 53) procura o seu alimento e aí põe também os seus
parte 'das suas propriedades, adequada à formação tanto ovos. As larvas que deles resultam abrem no lenho
dos veículos de sinais-característicos como dos de mar-
cas-de-acção dos seus ciclos-de-função. No mundo-próprio
da formiga (fig. 52) tudo que não é a casca com as suas
anfractuosidades desaparece, tomando-se aquelas o seu
campo de pilhagem.

Fig. 53 - o longicórneo e o carvalho

gàlerias, e abrigadas nelas dos perigos do mundo exte-


Fig. 52 - A formiga e o carvalho 'rlor, banqueteiam-se em segurança. Mas a sua protecção
não é absoluta. Porque não é só O picapau que com as
[132]
[133]

ar· J,,: ... 'I .


fir)
JI{
r )
~~
)
,

,
~) suas fortes bicadas fende a casca e as persegue, mas 14. CONCLUSÃO
bJ'
,) também o icnêumon (fig. 54). que, com o seu fino ovopo-
~I sitor perfura o duro lenho do carvalho como se ele fosse O que, em ponto pequeno, reconhecemos no carvalho,
~'!T) manteiga, e as aniquila, introduzindo-Ihes no corpo os . passa-se, ampliado, na árvore da vida da natureza.
seus ovos, dos quais virão a resultar larvas, que, por seu Dos milhões de mundos-próprios, cujo número nos
~11)
,) turno, engordam à custa daquelas outras. confundiria, só escolhemos aqueles que se destinam
~J1 Em todas as centenas de mundos-próprios diferentes, ao estudo da natureza -, os mundos-próprios do natu-
o carvalho desempenha, como objecto, um papel alta- ralista.
i~i1)
mente variado, ora com uma ora com outra das suas
Iali? A figo 55 representa o mundo-próprio dos astrónomos.
de todos o mais facilmente representável. Em uma torre
~11 muito elevada, possivelmente muito afastada da super-
~If( fície da Terra, senta-se um ser humano que, por meio de
dispositivos ópticos, apropriados, transformou a sua vista.
:~
capaz de penetrar o universo até às últimas estrelas.
II( No seu mundo-próprio giram sóis e planetas em feérico
li movimento. A luz, rapidíssima, leva milhões de anos a

~,J
, \
atravessar este universo.
E contudo todo o mundo-próprio em volta não passa
'ri de uma insignificante secção da natureza, feita de acordo
tli, com as possibilidades de um sujeito humano. Com dimi-
: ) nutas modificações pode-se aproveitar o quadro do astró-
11 1m
no mo para obter uma represeritação do mundo-próprio
jl~ de um investigador das profundidades marinhas. Somente,
II ~ Flg. 54 - o Icnêumon e o carvalho agora, o que se move em volta do seu observatório não
ir-( são astros, mas formas fantásticas de peixes das profun-
didades, com as suas fauces horrendas, as suas longas
partes. Umas destas são extensas, outras, reduzidas. antenas e os seus órgãos luminosos brilhantes como
111
!I i I Umas vezes, a madeira é dura, outras, mole. Uma vezes estrelas. Também aqui nós relanceamos um mundo real
serve de protecção, outras de campo de ataque. que representa uma pequena secção da natureza.
11, I
Se quiséssemos resumir as particularidades opostas O mundo-próprio de um químico, que, a partir dos
JI~ \ '
que, como objecto, o carvalho apresenta, o que resultaria elementos químicos, como se fossem noventa e duas
li·! seria um caos. E, no entanto, todas elas são apenas letras, tentasse ler e escrever as enigmáticas correlações

II ,I \ partes de um sujeito estritamente ordenado, que contém


todos os mundos-próprios - nem conhecidos nem conhe-
das s'Ubstâncias da natureza, é difícil de traduzir inteligi-
velmente.
Iri i
! J
clvels por todos os sujeitos destes mundos-próprios" ~ mais fácil de descrever o mundo-próprio de um
li \1
[134] [135]
11 I
II li
'li:
-.J , .... .' ~
.,.,
;:q-
físico-atómicQ., porque assim como as estrelas dos astró- Quando um outro físico estuda no seu mundo-próprio
nomos giram, assim também, para ele, giram os electrões.
Somente aqui reina, não a calma universal, mas uma agi-
as ondas do éter, recorreainda
pletame;;tedife~~ntes
a meios auxiliares com-
que lhe revelam uma imagem das
ondas. Agora ele pode afirmar que ondas luminosas que
afectam os nossos órgãos da visão se assemelham às
outras ondas sem manifestarem quaisquer diferenças.
I
e São ondas e nada mais.
No mundo-próprio dos fisiólogos dos sentidos, as
ondas luminosas desempenhãm-um'papeT-Cõmpletãmente
diferente. Agora passam a ser cores, que têm as suas
leis próprias. Vermelho e verde associam-se e dão branco,
e as sombras projectando-se num fundo amarelo dão azul.
Fenómenos, que, nas ondas, elas próprias, não se passam;
e contudo as cores são tão perfeitamente positivas como
as ondas do éter.
Os mesmos contrastes se revelam nos mundos-pró-
prios de um investigador das ondas do ar e de um inves-
tigador da música. Num, só há ondas, no outro só há
sons, Ambas as coisas são porém igualmente reais .
•••• : .JJIt

E assim por diante. No mundo-próprio da natureza, dos


beavioristas, o corpo cria o espírito, e no do psicólogo
é o espírito que cria o corpo.
O papel que a natureza como objecto desempenha
nos diferentes mundos-próprios do naturalista é eminente-
mente contraditório. Se~I:l_CLu.i~~~~~!n.._!.~§_l:!rnÍ!
__~~.§.l,I..ê§..
particularidades objectivas caía-se no c.ao.s_E no entanto
todos-Oestes diferentes mundos-próprios estão incluídos
e arrastados num uno que se conserva eternamente
vedado a todos os mundos-próprios. Por trás de todos os
mundos por ele criados, oculta-se eternamente o sujeito
Fig. 55":"" O mundo-próprio dos astrónomos
inatingível - a Natureza.
, I
I;
i; tação frenética das partículas materiais mínimas, que o
I! físico se propõe fazer explodir bombardeando-as com
I, "

.,
I
'I
pequcníssimos projécteis. $ ,
" I
,

[136] [137]

1$
,,'
Ar. h! li,
,~ ', ..
, <
••
, ," .' ",.t'

DOUTRINA DO SIGNIFICADO
POR

JAKOB v. UEXKOLL

Aos meus adversários em CiêncIa,


para que usem de amigável atenção

1. OBJECTOS SIGNIFICANTES (1)

Um golpe de vista pelos insectos voadores, como as


abelhas. os zângãos e as libélulas, que se agitam num
prado florido. desperta sempre em nós a' impressão de
que o mundo Inteiro se mantém aberto a estes seres tão
invejáveis.
Até os animais adstritos à terra, como as rãs. os
ratos, os caracóis e os vermes parecem mover-se livre-
mente na Natureza livre.
Esta impressão, porém, é enganadora. Na verdade.

(') A breve introdução à -doutrlna do slqnlftcado», polémlca


genial de Jacob von Uexküll com o seu grande adversário científico ,
Max Hartmann, só para o especialista pode ter Interesse e talvez
até causasse confusão ao leigo no assunto. Por outro lado, estas pala- t
,
f
vras introdutórias dão um retrato tão relevante e impressivo do !
: '

[139]

1:1' )
!IlP~l
ela era o mesmo objecto «pedra» que fora levantada do
cada um destes animais, que se movem livremente, está
pavimento e atirada depois ao cão.
preso a um determinado mundo que ele habita e cujos
1 limites compete aos ecólogos pesquisar.
A priori, não temos a menor dúvida de que existe um
Nem a forma, nem o peso, nem as outras proprie-
dades físicas e químicas da pedra se alteraram. A cor,
mundo imenso que se desdobra ante os nossos olhos e a dureza, as formações cristalinas conservaram-se as
do qual cada animal destaca o mundo que habita. Aparen- mesmas e, todavia, operou-se nela uma transformação
temente, cada animal dentro do mundo em que vive, fundamental: mudou de significação, ou melhor, de sig-
nificado.
depara com grande número de objectos, com os quais
mantém relações mais ou menos estreitas. Daqui parece Enquanto a pedra fazia parte do pavimento da estrada,
resultar automaticamente, para cada biólogo experimen- servia de apoio ao pé do viandante. O seu significado
tal, que a sua missão é colocar diferentes animais perante estava na parte que lhe cabia na função do caminho.
o mesmo objecto, a fim de estudar as relações entre Tinha, para assim dizer, um sentido ou «teor de caminho».
animal e objecto, operação em que o mesmo objecto Tudo se modificou radicalmente quando apanhei a
/
I serve de padrão em todas as experiências com animais. pedra para a atirar ao cão. Ela transformou-se então num
Assim, os investigadores americanos, em milhares projéctil: foi-lhe atribuído um novo significado. A mesma
de experiências, iniciadas com ratos brancos, têm pro- pedra recebeu um «teor de arremesso».
curado incansavelmente examinar os mais diversos ani- A pedra que, como objecto neutro, está na mão do
mais, nas suas relações com um labirinto. observador, transforma-se num objecto significante iogo
A mediocridade dos resultados obtidos com estes que entra em relação com um sujeito. Como os animais
• trabalhos, executados, aliás, segundo os mais rigorosos nunca se apresentam como observadores, pode afirmar-se
métodos quantitativos e os cálculos mais perfeitos, podia que nenhum animal pode entrar em relação com. um
tê-Ia previsto quem se desse conta de que é falsa a objecto. Só pela relacionação, o objecto se transforma
pressuposição implícita de que. um animal pode alguma em qualquer coisa com um significado, que lhe é atri-
\ vez entrar em relação com um objecto. buído por um sujeito.
t fácil apresentar, por meio de um exemplo simples, a Dois outros exemplos podem esclarecer-nos acerca \\
prova desta afirmação, talvez surpreendente. Na estrada, da influência que a mudança de significado exerce nas
um cão ladra furiosamente contra mim. Para me libertar propriedades dos objectos. Eu pego numa concha larga
dele, pego numa pedra do caminho e atiro-a ao assaltante, de vidro: que pode considerar-se um mero objecto, por
num golpe certeiro. Ninguém, que tivesse observado. a isso que não entrou em qualquer espécie de relação com
cena e apanhasse depois a pedra, duvidaria então de que uma actividade humana. Encaixo-a depois na parede exte-
'j
''11
rior da minha casa, transformando-a, desta maneira, numa
naturalista combativo e original que é Von Uexküll, que não queremos
privar dela os nossos leitores. Por isso a oferecemos a seguir à
janela que deixa penetrar a luz do Sol mas que, devido I
aos-seus reflexos, faz desviar a vista às pessoas que pas- 1'1
doutrina do significado, como epílogo,
sam. Posso ainda colocar a concha em cima da mesa e
A controvérsia, aliás, significativa em si, mesmo que tenha per- .
dldo actualidade, não está encerrada. (Nota da ed. alemã.) .'.: "" enchê-Ia de água, para a utilizar como vaso de flores.
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[140] [141] " i


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As propriedades do objecto não se alteram com isso. plesmente por objectos, como se de meros objectos
Mas logo que ele se transformou num objecto significante autónomos se tratasse. Com efeito, não é raro tratarmos
«janela» ou «vaso», reconhece-se uma diferenciação das uma casa, com tudo que nela se encontra, como se ela
suas propriedades, consoante a função que passa a de- existisse objectivamente, sem considerarmos as pessoas
sernpenhar.Para a janela, ~_fJ_tr_anspar~~c~_a_~. P!~riedade que habitam essa casa e utilizam as coisas nela contidas.
essencial, ao passo gye -ª_J<!.II\'-ª.tu[q.Te.Pf_es.entéLa_P19.prie.- ~ Verificaremos imediatamente quanto é errada esta
~s:ladeacessóriã:------ - maneira de verse, em lugar de uma pessoa, imaginarmos
Este exemplo permite compreender melhor por que um cão como habitante da casa e atentarmos nas suas
razões os escolásticos classificavam as propriedades dos relações com as coisas.
objectos em essentia e accidentia. Ao fazerem esta classi- Sabemos, pela experiência de Sarris (1), que um cão
ficação, eles s6 tinham em mente objectos significantes, que aprendeu a sentar-se numa cadeira quando lhe dão
pois as propriedades de objectos sem significado não a ordem «cadeira! •• procura outra coisa para se sentar,
admitem qualquer ordenação hierárquica. Só a ligação se aquela lhe tiver sido retirada, e até outra coisa que
mais ou menos estreita do objecto slqnlficante com o possa servir-lhe de assento a ele, sem que tenha de ser,
sujeito permite dividir as propriedades em essenciais necessariamente, assento próprio para pessoas.
(essentla) e acessórias (accldentla). As coisas que podem ser aproveitadas para assento
Como, terceiro exemplo, tomemos um objecto cons- contêm todas um significado comum, possuem todas o
tltuído por duas barras compridas e várias outras mais mesmo teor de assento, pois podem substituir-se arbitra-
curtas que, com intervalos' regulares, liguem as duas riamente umas pelas outras que o cão servlr-se-á delas,
primeiras. A este objecto pode atribuir-se o teor de sem distinção, à voz de comando «cadeira! ».
••trepar ••, de uma escada, quando se encostam ao alto, a Se imaginarmos, pois, o cão como habitante da casa,
uma parede" as duas barras compridas; mas também poderemos verificar a existência de um grande número
posso atribuir-lhe o teor correspondente à sua utilidade de coisas com o teor de «assento». Haverá, do mesmo
como vedação, se fixar no solo, horizontalmente, uma modo, muitas coisas que apresentam um teor de «comida»
das barras maiores. ou um teor de «bebida» de cães. A escada tem, por certo,
uma espécie de teor de «trepar»; mas a maioria dos
Imediatamente se verifica que o afastamento entre si
móveis têm, para o cão, apenas um teor de «estorvo»,
das barras Üansversais desempenha papel secundário
no caso da vadação masque, no caso da escada, esse mesmo quando cheios de livros ou roupas. Todos os
;
intervalo deve corresponder a um passo. Já se reconhece, pequenos utensílios domésticos, como colheres,garfos,

~I
assim, no objecto significante «escada», um plano simples fósforos, deixam, por inúteis, de existir para o cão.
Ninguém contestará que a impressão deixada pela
i
de construção geométrica que torna possível a acção de ~,~

trepar. casa, com todas as coisas que só ao cão podem inte-


,u
o Em linguagem pouco rigorosa, nós designamos todas f
as coisas que nos são úteis (embora elas comportem,
l') ~~~arrj§--!._
cola~9.t:ªq()E.c!.e._
Uexküll, que, desde 1931, se
colectiva e individualmente, significação humana) sim-
tem dedicado ao estudõ'do comportàmeiiTo-e 'ao ensino de cães
e também ao treino de cães de cego. (N. da ed. alemã.)
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[ 142] [143]
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'l' s dto.
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II
ressar, é extremamente desoladorae não corresponde, de ,I
larva de aphrophora spumaria, que perfura os vasos con-
modo algum, ao seu verdadeiro significado. dutores da seiva do pedúnculo e o utiliza como fonte de
Não poderemos daí concluir que, por exemplo, a flo- material emulsionável com que constrói o seu abrigo
resta, cantada pelos poetas como a mais bela estância aéreo; 4) o de uma vaca que ceifa, com a língua, o
para o homem, não é, de forma alguma, concebida no seu pedúnculo e a flor e os mete na enorme boca, para os
verdadeiro sentido, quando a relacionamos só connosco? utilizar como alimento.
Antes de desenvolvermos esta ideia, seja-nos permi- " O mesmo pedúnculo de uma flor desempenha, con-
tido citar aqui uma frase do capítulo sobre o mundo-pró-
forme o cenário do mundo-próprio em que se encontra, o
prio, no livro de Sombart (1) Acerca do Homem: «Não
papel de adorno, de passagem, de reservatório ou, .final-
existe nenhuma floresta como mundo-próprio objectiva-
mente, de bocado de comida.
mente bem determinado, mas sim uma floresta do cou-
Isto é verdadeiramente espantoso. O pedúnculo da
teiro, do caçador, do botânico, do passeante, do amante
flor, em si próprio, como parte de uma planta viva, é
da Natureza, do homem que vai à lenha ou do que anda
formado por elementos dispostos segundo um plano, uns
às bagas, ou a floresta da fábula em que Hansel e Gretel
em relação aos outros, que constituem um mecanismo
se perdern.»
mais perfeito que todas as máquinas feitas pelo homem.
Os significados da floresta contam-se por milhares,
Os mesmo elementos que no pedúnculo da flor estão
se nos não limitarmos às suas relações com sujeitos
submetidos a um acertado plano de construcão.são sepa-
humanos e s'e também tomarmos em consideração os
rados uns dos outros, levadOSj)ara os quatro mundos-pró-
animais.
prios e perfeitamente ajustados, com igual certeza, a
~, todavia, inútil extasiar-nos com o número extraor-
dinário de mundos-próprios que se contêm na floresta. outros p~,os de construção.
Será muito mais elucidativo tomar um caso típico, para '-~'-~o que cada componente de um objecto orgânico 11
então lançarmos um golpe de vista pela teia de relações
dos mundos-próprios.
Observemos, por exemplo, o pedúnculo de uma flor
~~
~~~~~~~m~~r~~~!o'~~:~~
em contacto com um, digamos, «complementº_~Ls.i.t!15(lg
dos prados, que desabroéfí~' e procuremos verificarqü8 no corpo do .sujelto que intervém como __
.utllizador.cdn; I
papéis lhe são atribuídos nestes quatro mundos-pró- I slqnificgdo. ' -
prios: 1) o de uma rapariga que anda a colher flores e, L ,,' ---~e facto chama a nossa atenção para um aparente
com algumas delas, de várias cores, faz um ramo que contraste nos caracteres fundamentais da natureza viva.
depois põe, como adorno, na cintura do corpete; 2) o de
uma formiga que utiliza o desenho regular da superfície
A concordância com um plano na estrutura do corpo e a
concordância com um plano na estrutura do mundopró-
lI)
superior do pedúnculo como piso ideal para atingir a zona prio situam-se frente a frente e parecem contradizer-se.
rica de alimento, dentro das pétalas da flor; 3) o de uma E ilusória seria a impressão de que a concordância

(') Werner Sombart, sociólogo alemão (1863-1941). (N. da ed.


com um plano na estrutura do mundo-próprio é, de algum \
modo, menos rigorosa do que na estrutura do corpo.
l\
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eiemã.)
Cada mund_o-r.r6prio ~, em .~.h.~_maunidade fechada,

[144] 10 - A.
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HOMENS [ 145]

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que em todas as suas partes é dominada pelo significado portadoras de sinais-característicos e outras como por- \
\\\ que o sujeito lhe atribuLConsoante o significado que tem tadoras de sinais-de-impulso ou acção.
para o animal, o cenário da vida abrange um espaço amplo A cor das flores actua como nota (ou sinal) visual no

l ou limitado, cujos lugares dependem inteiramente,


número e grandeza, da capacidade de diferenciação
em

órgão sensorial do respectivo sujeito. O espaço visual da


rapariga, no exemplo anterior, assemelha-se ao nosso; o
espaço visual da vaca estende-separa
do

além da planície
mundo-próprio da rapariga do exemplo dado; o estria-
mento da superfície superior do pedúnculo como nota
táctil, no mundo-próprio da formiga, e o ponto em que a
aphrophora o perfura denuncia-se-lhe. talvez, como nota
olfativa; e no mundo-próprio da vaca, a seiva do pedún-
em que o prado está situado, ao passo que o seu diâmetro culo dá a nota gustativa. A maior parte das vezes, os
no mundo da formiga não vai além de meio metro e será sinais de acção são atribuídos pelo sujeito a outras
de alguns centímetros apenas no da aphrophora. propriedades do objecto significante. É quebrando-a pela
região mais delgada do pedúnculo que a rapariga colhe
Em cada espaço, é diferente a distribuição dos luga-
a flor.
res. O piso macio que a formiga tateia, ao passar pelo
O estriamento da superfície superior do pedúnculo
pedúnculo da flor, não eXist.e para. as mãos da rapariga
j e ainda menos para a boca da vaca.
serve à formiga para provocar não só o sinal táctil das
suas antenas mas também o da acção das suas pernas.
O esquema estrutural do pedúnculo da flore a sua
O reservatório de seiva, denunciado pelo cheiro, é
constituição química não desempenham qualquer papel perfurado pela aphrophora e a seiva que dele brota serve,
no cenário da vida da. rapariga ou no da formiga. A diges- como material, para a construção do seu ninho espumoso.
tibilidade dos colmos, pelo contrário, é essencial para a A nota gustativa do pedúnculo faz que a vaca, ao
vaca. Dos vasos condutores, delicadamente estruturados, pastar, vá ceifando sempre mais colmos com a língua.
do pecíolo,a aphr9ph,ora' extrai a seiva que lhe convém. Como, em cada caso, o sinal-de-impulso aplicado
Com efeito, ela é capaz, segundo Fabre,de obter, à custa sobre o objecto significante anula o sinal-perceptivo que
do leite ~enenoso da erva-leiteira, um suco inofensivo provoca o comportamento, sucede que, com esse sinal-
1 para a sua habitação 'de espuma. ' -de-lrnpulso, termina todo o comportamento, qualquer que
Tudo quanto cai na esfera de um mundo-próprio, ou ele seja.
desaparece totalmente ou é adaptado e transformado O colher a flor transforma esta num adorno, no
até. se converter num objecto com significado útil. Os mundo-próprio da rapariga; a passagem ao longo do pe-
elementos iniciais são então muitas vezes separados uns dúnculo transforma este num caminho, no mundo-próprio
dos outros, sem atender ao plano de construção que até da formiga, e a picada da larva transforma-o numa fonte
aí os regulava. de material de construção, que ela utiliza. Finalmente, ao
Dentro dos vários mundos-pr~rios, os objec.!.qs sig- ser comido pela vaca, o pedúnculo da flor passa a ser um
alimento próprio do gado.
nificantes são tã09)ferente.J'LP.il19.,s.eu conteúd~~~~
_a_s,....s_em_e_1
h_a-:-m-;.p_e-;-I
a_n_c:!.urezad a_ê!J....?_e_~a_._AI gumas das Assim, cada acto de comportamento, constituído por \\\\
\)) suas propriedades apresentam-se sempre ao sujeito como sinais-p:rc~~tivos e impulsos, imprime ao objecto neutro
o seu significado e transforma-o, com isso, num objecto
[146]
[ 147]
significante, relacionado com o sujeito, no seu respec- O <2.0m~~~_od"e~?~<l~i~JQ-!;Le.:.tunção, tal CQillO ek-.se
tivo mundo-próprio. exerce no ÇO~º_º!UJm_",ªJ.!i,!!Ialé o sistema nervoso que,
Como cada acto de comportamento se inicia pela 5irn,~ç-ªng.o." Pt? los receptore~-(o~"'Órg ãõs-dõs-sermaOsT
produção de um sinal-perceptivo e termina com a «cunha- . e P.ª$..~[lg.º"p:f}Io.s ór"çj"ã'os(ientrãls"'ci-a' percepção e da
gem» de um sinal-de-impulso no mesmo objecto signiti- ~cç"ão, conduz a' ~~'rr~.l)i~ ÇJ~_"e"~çIi~çãõ-até-;;;efectOrês".
cante, é possível falar de um ciclo-de-função que rela- "--.-'"Oreves-Úmént~-·das plantas car~~e-de"'sTstemàner:-
ciona o objecto significante com o sujeito. voso; faltam-lhe os órgãos da percepção e da acção e,
Os ciclos-de-função mais importantes, pelo seu consequentemente, não há, para as plantas, nem objectos
'1' significado, que se nos deparam na maior Parte dos mun- significantes, nem ciclos-de-função nem sinais-caracte-
, ~~s-~róprios são: o_ciclo do hebitet, o da.Jl!:!!rição, o do rísticos, nem sinais-de-acção.
)
inimigo e o do sexo. O exterior dos animais é capaz de se mover e, com
Graças à sua integração num ciclo-de-função, cada auxílio dos músculos, pode pôr em movimento os seus
objecto significante torna-se complemento do sujeito ani- receptores em todos os sentidos.
mal e por isso certas propriedades individuais, conside- O das plantas não dispõe de mobilidade própri~
radas portadoras de sinais-característicos e efectores pois não possui nem órgãos receptores nem efectores
desempenham então um papel essencial, enquanto outras, com que elas possam construir e regular o seu mund
pelo contrário, têm apenas papel secundário. Frequente- -próprio.
mente, a maior parte do corpo de um objecto significante, A planta não possui órgãos especiais de mundo-pró-
como estrutura não diferenciada, serve apenas para arti- prio:Vlve solrra-na,cfentro -ao'--nlUn-do
9.,uehabita. As rela-
cular entre si as partes portadoras de sinal-perceptivo ções --aaS'plantas'
com-"és~ú:;--mundõ-são totalmente dife-
com as partes portadoras de sinal-de-acção. (Comp. rentes das que ligam os animais ao seu mundo-próprio.
pág. 36, figo 3.)
~p~_ª._n!.n!1 ponto __coincidem .05 planos .. de Qrgani~JI.çªo .x..,'X.

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.~i;~~~~:~.:"l~ç~i6-.PJ.:~t_a=~.ç~::~~u~~~~·~.;::~X1i:"~~r~~~~
2. MUNDO-PRÓPRIO
sobraeles.
~~_~.r..ç.e.
E REVESTIMENTO PROTECTOR
Apenas uma parte das acções do exterior é captada
Tanto os animais como as plantas dotam o corpo de pelos órgãos dos sentidos dos animais e tratada como
protecções vivas, ao abrigo das quais passam a sua estímulos. Estes estímulos são convertidos em excitações':' .
existência. nervosas que são, por sua vez, transmitidas aos órqãos I 'XV
: São todas construídas rigorosamente segundo um centrais de percepção. Nos órgãos de percepção soam / X\
i
plano, mas distinguem-se, todavia, em pontos essenciais. então os correspondentes sinais-perceptivos que são
depois transferidos para o exterior como notas e transfor-
Em volta do revestimento animal há um espaço mais ou
meno~ ~mplo, em que ?bundam os objectos significantes mados em propriedades dos objectos significantes.
do sujeuo. todos, porem, ligados a este, por meio dos No órgão de percepção, os sinais-perceptivos indu-
) ciclos-de-função. ' »Ó: , •• zem, digamos assim, no órgão central da acção, os im-

[148] [149J

1:1
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pulsos correspondentes, os quais se tornam fontes dos tido e noutro. Falhará qualquer tentativa para, de outro
fluxos de excitação que acorrem aos efectores. modo qualquer, fazer tocar o sino: nem o aquecimento,
Ou ando se fala de uma indução de impulsos, pelos nem o arrefecimento, nem a acção de ácidos ou alcalinos,
sinais-perceptivos, não deve, de maneira nenhuma, enten- nem os efeitos magnéticos, nem a produção de correntes
der-se uma indução eléctrica entre dois condutores para- eléctricas - nada tem influência, de qualquer natureza,
lelos', mas a indução que se dá na sequência de uma sobre a função do sino, que' permanece mudo. Pelo con-\
melodia, de nota para nota. trár!o, um músculo Vi.vO cuja funç~o vital é a contrac~ão
Também para as plantas não existem estímulos de sera levado a contrair-se. por meio de todas as acçoes
importância vital que se salientem, como factores signifi- exteriores, desde que estas sejam próprias para, de modo
cantes, do conjunto de acções que de todos os lados geral, actuar sobre ele. O sino comporta-se como objecto
incidem sobre elas. i nan i rnado qué recebe ~enã~S''' àcçéres~""enqu-ãnto""o-mirs:
~se c õmp6rta-comõsuTe"ftô -·9!}~,~~f!ífS(QX~tQ.ê[1àS
A planta não defronta as acções exteriorespor meio
de órgãos receptores ou efectores; mas, graças a uma ãSãcCL<i~i~~i<_têrlõi~~~:~I1()'ine.~rií~~~~t!m_ul.o. "Q q\:la_~LJ?Qr
~!!~~zr--Prnv.oê~":o ..seu' ftmcionamento.
camada de células vivas, ela, de dentro do seu revesti-
mento, é capaz de seleccionar estímulos. 'Se possuíssemos um certo !hÚrnero
de sinos vivos I "

.Nós sabemos, desde Joh. Müller, que I,Lf-ªlsa a ideia que produzissem. todos' eles, sons' diferentes uns dos
do flUir mecânico dõs-f~~º!D.~IJ.º"s-Vj..t~.-6'próprio reflexo, outros, poderíamos formar com eles um
'carrilhão que
, !
funcionasse por meios mecânicos, eléctrlcos ou químicos, ~
tão slmples.rde uma pálpebra que ~~_ag)!ªL~,,~p'r.2..~.'!',ªS?O-"
de umcorpoes'ffannõ-;--nãõ"-é"õ-nefeito de uma cadeia de pois cada sino teria de
responder com o seu som próprio,
'Causas e ereltos-ffsitos"iífas um daõ:ae:f.~riç~,(J.,~~implifb ' especial. a qualquer espécie de estimulação.
( 'c'ãaõ:Qü-ecõITi~~a:~"çõiíiãj)'efcêpção e 'âé.ãha..c.om,.a,.aQ窺. Mas isto não serlaalnda um carrilhão vivo, pois tam-
Õ facto de, neste caso, o ciclo-de-função não atingir o bem este, afinal-'- fosse ele movido eléctrlca ou quimica-
cérebro e abrir caminho através dos centros inferiores mente -, continuaria a ser um
simples mecànismo, pro-
nada alter~ quanto à sua essência:.,Qieflexo mais simples vido de sons individuais e inúteis,
~ tambémLfundaf!l.~-'Jtalmente, um acto .do tipo. percep- Um carrilhão constituído por slnos. vivos deveria \\
ção-acção, me'smo que o arco reflexo devesse implicar
apenas umâ é-ãdeia "dê células individuais.' ." '''. '"-''''' _~~~~~~:~{,}~p~~l~~~~:~;~i~~u;~~:!;~~~ú:~~~ían;f~~~ \\
--'P~demos estar absolutamente sequros desta afirma- !!~.~~ill~"JIHlIQºi.Çl~ __" ".
ção, desde que Joh. Müller mostrou que qualquer estru- Ora é istoexactamente que se passa em todo o
tura viva se distingue de todos os mecanismosi~ni- corpo vivo. Sem dúvida, poderá mostrar-se que em todos
~POrPoss~~ ãlém-" dã-ê'rú~rgiaffsi'ca=~!i!ã"'''e~~~!gjª os casos - e particularmente na transmissão da exci-
vital «específíEà;;~-Pãrã-fíéãrm6s"infêirãrrlente elucidados, tação do nervo ao músculo - o jogo vivo da sucessão
com~emos um músculo vivo com um sino. Verifica-se dos sons diferentes passa a ser substituído por um enca-
então que só se Consegue ~ o sino ex~ sua função deamento químico-mecânico. Mas esse facto continua
, I
- tocar - fazendo-o oscilar, de certa maneira, num sen- a ser, essencialmente, a consequência de uma mecani-

[150] [151]

doi,
i Ib .••••
zação acessona. Na origem, todos os germes do orga- A demonstração de Arndt é tão particularmente im-
nismo se compõem de células de protoplasma livres, que portante, por se tratar aqui de um organismo que, no pri-
só obedecem à indução melódica dos seus sons indivi- meiro período da sua existência, pelos seus movimentos
duais. e pelo seu modo de alimentação, se comporta como ani-
A prova concludente d~~!!~.!L~n:l.lk~l1O-fi~..!!Lque mal e depois, no segundo período, se converte em planta.
faz passarante os--nOssos olhos o desenvolvimento do Não é para iludir que nós atribuímos às células aml-

- -
bolor-viscoso. Os germes deste tipo de fungos são, inicial-
mente, células que se movem em liberdade, com movi-
bóides do bolor-viscoso um mundo-próprio que, embora
limitado, é comum a todas e no qual as bactérias são des-
mentos amibóides (mixamibas) em busca da flora bac- tacadas do ambiente como objectos significantes e como
teriana de que se alimentam, sem se importarem umas tais são notadas e tratadas. Mas o ser adulto é uma
com as outras. Essas células amibóides multiplicam-se planta, que não possui qualquer mundo-próprio de animal:
produzindo uma massa de protoplasma multinucleado é simplesmente envolvida por um revestimento protector,
(plasmódio). Quanto mais alimento existe, mais rapida- constituído por factores significantes.
mente progride a reprodução. Daí resulta que os alimen- O facto r significante que tudo domina no organismo
tos começam a faltar em toda a parte ao mesmo tempo. adulto é o vento, contando com o qual ele se desen-
Verifica-se então um facto espantoso: todos os ele- volve com admirável segurança. Embora não sejam tão
mentos dessa massa se isolam uns dos outros, em for- engenhosamente construídas como os capítulos do dente-
mações equivalentes, e, dentro de cada formação, todos -de-leão, as cápsulas de esporos do bolor-viscoso são
eles se dirigem para um ponto central comum. Chegados presa fácil do vento que, assim, garante uma larga disse-
u
aí, arrastam-se uns sobre os outros e, então, os que che- minação:
garam primeiro transformam-se em células fixas de su-
porte, que servem de escada aos que vêm depois. logo
que é atingida a altura definitiva do talo, ainda fino como 3. A UTILIZAÇÃO DO SIGNIFICADO
um cabelo, as células que se apresentam em último lugar
transformam-se num corpo frutífero em cujas cápsulas
se contêm os esporos vivos. As cápsulas são depois
o mundo que um animal habita e que nós vemos
abrir-se à sua volta transforma-se, quando observado pelo
espalhadas pelo vento, que as transporta a novos locais
sujeito animal, no seu mundo-próprio, um mundo em que
de nutrição.
se agitam os mais variados objectos significantes.
11 Ninguém põe em dúvida, neste caso, que a mecânica
O mundo habitado por uma planta e que nós podemos
subtilmente trabalhada do corpo do bolor-viscoso é um
:' produto de células livres, que só obedecem a uma me-
delimitar à volta do lugar em que ela cresce, transfor-
ma-se, quando observado pelo sujeito-planta, num reves-
'Ii" \
lodia ordenadora dos seus sons individuais.
timento protector que se compõe de diversos factores

.- ~. '~
(') Walter Arndt (1891-1944),zoólogo e médico, conservador
do Museu de Zoologia de Berlim, fez, na década de trinta, um filme
notável sobre o desenvolvimento do bolor-viscoso. (N, da ed. alemã.)
significantes, submetidos a uma mudança regular.
A função vital do animal e da planta consiste em
utilizar, consoante o seu plano subjectivo de organização,


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[152] [153]

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os objectos significantes, no primeiro caso, e os factores constituição das formas, como no caso das nuvens: as
significantes, no segundo. formas é que se insinuam no facto r significante «vento»,
Falamos correntemente da utilização de alimentos que elas utilizam diversamente para a disseminação das
mas, a maior parte das vezes, damos a este conceito sementes.
demasiada estreiteza. Por utilização significante dos ali- Há, porém, quem prefira considerar o vento como
mentos deve entender-se, não só a trituração com os causa determinante das formas porque, durante milhões
dentes e a preparação química operada no estômago e de anos, eleactuou sobre o objecto planta. Ora há
nos intestinos mas também o reconhecimento dos all- mais tempo ainda que o vento actua nas nuvens, sem
mentos por meio dos olhos, do nariz e do paladar. que dessa acção tenha resultado qualquer forma defi-
Com efeito, no mundo-próprio dos animais •. cada· nitiva.
objecto significante é utilizado por meio da percepção A forma significante permanente ~~.Jll.Pre o pro-
e da acção. Em cada ciclo-de-função, repete-se o mesmo duto-da acção--de-um-süTeito-'~nünca'~ de um o~to
processo percepção-acção. Podemos. na verdade. consl- trabalhado sem -priinomesmo ~tu.rª!1te tanto tempo.
derar os ciclos-de-função cõmo ciclos:(re-srgnificaaO,~Q~ja . O que· se aTZ-ao--vento~--·podetãmbém--dizer-se dos
nífssão· se completa na 'utilização -dos objectos signifi- outros factores significantes das plantas. A chuva é apa-
cantes. .. -.} rada pelas goteiras das folhas da copa e desce até às
~-_ .. -_._--
Não faz sentido falar de ciclos-de-função nas plantas finas extremidades da raiz, debaixo da terra. A luz do
e, todavia, o significado dos seus órgãos, igualmente Sol é absorvida pelas células providas de clorofila e utili-
constituídos por células vivas, reside na utilização dos zada na execução de um processo químico complicado.
factores significantes do seu revestimento protector. Elas A clorofila não é fabricada pelo Sol como a goteira o não
realizam esta função graças à sua forma organizada se- é pela chuva.
gundo um plano e à ordenação, levada aos últimos por- Todos os órgãos - os das plantas e os dos animais \'
menores, da sua substância. - devem a forma e a distribuição da substância ao seu
. Quando contemplamos o espectáculo das nuvens ao significado como utilizadores dos factores significantes
sabor do vento, podemos atribuir significados diferentes que até eles chegam do exterior.
às diferentes formas que as nuvens tomam. Isto, porém, Em todos os organismos, portanto, O problema pri-
não passa de um jogo da fantasia, pois as diferentes macia! é o do significado e só depois dele resolvido
formas das nuvens são simplesmente o resultado de faz sentido investigar os processos causais, que são sem-
ventos var~áveis e obedecem rigorosamente à lei da causa pre extremamente limitados, visto a actividade das células
e do efeito\
vivas ser dirigida pelos seus teores individuais.
Quadro totalmente diverso é o que se nos oferece Pode falar-se de uma melodia de crescimento ou de
quando acompanhamos o pairar, ao sabor do vento, do uma determinação do crescimento, que regula os teores
gracioso para-quedas do fruto do dente--de-Ieão, ou a individuais dos esporos. Esta determinação do cresci-
rotação em espiral, do fruto das aceríneas ou das tílias. mento é, como já vimos no filme de Arndt, em primeiro
Aqui, não é o vento, de modo nenhum, a causa da lugar, uma determinação da constituição de formas que

[154] [155]

\
r~
J'tj,
~,;->~, _wHi
~;'!
articula as partes e estabelece depois em cada uma delas quena fracção da camada exterior e implantar, no seu
um centro para que tendem todas as células. O que lugar, uma fracção idêntica de outro embrião.
deriva das células germinais individualmente depende Verifica-se então que o novo enxerto se desenvolve,
apenas do lugar que elas tomaram na forma em organi- não de acordo com a sua origem mas segundo o lugar
zação. onde se enxertou. Com efeito, a estrutura do enxerto,
A equivalência original das células germinais indivi- que foi transplantado para a região cerebral e que, nor-
duais, demonstrada com toda a evidência no filme de malmente, se teria transformado em epiderme, trans-
Arndt, já tinha sido descoberta por Driesch (1), nas suas forma-se agora em cérebro e vice-versa.
famosas experiências em germes do ouriço-do-mar. O determinismo morfogenético segue as directrizes
As células germinais da maior parte dos animais de um plano que já é reconhecível no estádio de gástrula.
(tomam primeiro a forma de uma amora, depois a de uma Neste estádio, é possível enxertar pedaços de tecido de
bola oca, a qual se invagina num pólo e passa, simultanea- embriões de espécies diferentes. Esta experiência notá-
mente, a ser constituída por três folhetos. Surge, assim, vel dá também resultado quando se trocam fragmentos
a egástrula,. que, com os três folhetos iniciais, constitui de tecido de embriões de outra espécie.
a forma original da maioria dos animais. Com esta simples Interessam-nos aqui, em especial, as enxertias na
.sequêncla de tons se inicia toda a vida animal mais região oral dos girinos de rã e das larvas do tritão.
\elevada. Spemann escreve sobre este assunto: .A larva do
; Existem animais, como as hidras de água doce que tritão, como se sabe, tem na boca verdadeiros dentículos,
arrastam a sua vida simples com a forma simples da damesma origem e constituição que os dentes de todos
gástrula. Tal como no bolor-viscoso, também neste caso os vertebrados; a boca do girino de rã, pelo contrário, é
se colhe a impressão de que basta a realização do deter- provida de maxilas e pontas córneas que são absoluta-
minismo morfogenético para que se estabeleçam as suas mente diferentes, quanto à forma e à constituição, dos
relações de significado. dentes verdadeiros.
Não tivemos razão até aqui, para, além do deterrnl- Ora resolveu-se fazer uma enxertia de tecido de um

I
I
( nismo morfogenético, aceitarmos também um determi-
1I nismo de significado.
Mas aprendemos alguma coisa de melhor com as
experiências de Spemann e dos seus discípulos. Estas
experiências foram executadas pelo método de enxertia,
girino de rã na região oral da larva do tritão.
«Num caso" - prossegue Spemann (1) - «em que o
enxerto cobria toda a região oral surgiu, exactamente
no lugar próprio, uma típica boca de girino de rã, com
maxilas córneas, armadas de pontas córneas. Noutro
elaborado por Spemann, que consiste em tirar a um caso, porventura ainda mais interessante, metade da
embrião, no seu primeiro estádio de gástrula, uma pe- boca desenvolveu-se, sem alterações, numa boca de
tritão, com dentículos verdadeiros."
Daí conclui Spemann: «De uma maneira geral, já
(') Hans Driesch (1867-1941),filósofo e biólogo alemão, discí-
pulo e depois opositor de Ernst Haeckel. Ligou a experimentação
biológica à biologia teórica e à filosofia natural. (N. da ed. alemã.) (') Hans Spemann (1869-1941),zoólogo. Prémio Nobel de Medi-
cina. (N. da ed. alemã.)

[156]
[157]

-,
I. :
f ~
I
I
I

podemos afirmar afoitamente, acerca do estímulo indutor,


I Se trocarmos os esboços de diferentes espécies
que, quanto àquilo que sucede, deve ser de natureza pe~~: "" animais, cada um deles recebe, na sua nova posição, um
feitamente específica mas quanto ao modo como sucede, J determinismo de significado correspondente ao lugar que
deve ser de natureza perfeitamente geral. Tudo se passa tem no plano de organização: «torna-te boca, olho,
como se, em sentido figurado, a deixa fosse entendida no ouvido,. etc.»
significado perfeitamente genérico de «armadura bucal» o esboço transplantado obedece ao determinismo
e esta fosse então forneci da pela ectoderme, na realiza- aésignificado do hospedeiro, e mesmo que fosse enxer-
ção de um plano já contido na hereditariedade da sua tado noutro lugar, dentro do corpo maternal, teria rece-
espécie. bido outro determinismo de significado, correspondente
Haveria, por certo, grande surpresa num teatro se, à sua nova posição. Mas, neste último caso, segue a melo-
durante uma representação do Guilherme Tell, na cena de diamorfogenética materna e torna-se, na verdade, boca,
Küssnacht, o intérprete de Tell fosse substituído pelo mas boca de girino de rã e não boca de tritão.
intérprete do Hamlet e este, à deixa «monólogo", come- Como resultado final temos uma deformidade, pois
çasse, não com as palavras. «Aqui executarei o meu um animal carnívoro com boca de herbívoro é um absurdo.
plano. A ocasião é favorável», mas com o conhecido ••Ser Nós ficamos tão desorientados com esta deformidade
ou não ser, eis a questão». que resulta do desacerto entre o determinismo de signi-
Seria, do mesmo modo, grande surpresa, se um ani- ficado, de carácter geral, e o determinismo morfogenético,
mal carnívoro, que é constituído para cravar os dentes porque essa desarmonia não nos é familiar na nossa vida
aguçados na presa estrebuchante, possuísse boca de corrente. Ninguém se lembraria de encomendar, de uma
herbívoro, com palatino córneo, próprio apenas para maneira imprecisa, numa marcenaria, «um móvel que ser-
arrancar as partes brandas das plantas. visse de assento», pois correria o risco de lhe trazerem,
Como é tal permuta possível? Não esqueçamos que para a sala, um banco para mungir vacas no estábulo ou,
o tecido celular implantado representa um carrilhão vivo, para o estábulo, uma poltrona."
em que os sons de cada sino estavam antecipadamente Mas, aqui, estamos em presença de um fenómeno
introduzidos na melodia «boca de herbívoro», quando re- natural. em que se ordena, de uma maneira perfeitamente
ceberam a determinação do significado «boca». .geral. um «dispositivo para comer», a um tecido celular
Donde \se conclui que determínísmo de signifícado heterogéneo, cujo significado ainda não está determinado
i J e determínísmo morfogenétíco não são a mesma coisa. f; se vê depois surgir um dispositivo para comer absoluta
l No dese~volvimento normal, o material celular que mente inadequado.
era, primitivamerlte, da mesma natureza, articula-se em Todo aquele que, por exemplo, já tenha reflectido
esboços, que ~ec~bem o seu determinismo de significado nas razões por que os peixes achatados, como as raias
consoante o plano original - pois que o organismo se 'e as solhas, cujas condições de vida se assemelham
compõe de utilizadores de significado. Só então a melodia tanto, são construídas segundo princípios totalmente
específica dos esboços começa a soar e constitui a forma diferentes, terá de admitir que ~_d_~ter!l11~.ªçªg __
q~~Lgnifi- \\
dos utilizadores de significado. . cado não coincide com a. determlnação-moríoqenétíca.

[158] [159]

. .;:
I

I
"
1,\
o fim é igual mas o meio é diferente. As raias são acha- Todas as especies de ouriço-do-mar (com excepção
tadas do dorso para o ventre e os olhos ficam, assim, na de uma) resolvem este problema por meio de um reflexo
parte superior. As solhas são achatadas lateralmente, em que, ao abrirem-se, estendem um tentáculo ao inimigo.
dar resultando que um dos lados toma a função do dorso. Logo que o inimigo toca este tentáculo, dá-se a captura
Desse modo, um dos olhos ficaria na parte inferior, onde automaticamente.
não teria função; desloca-se, porém, devido a uma torção Só uma espécie de ouriço-do-mar procede de outro
da cabeça que lhe permite também ficar a ver na parte modo. Ao abrirem-se, as três pontas da prnça retroflec-
superior. tem-se tanto; que ficam tensas como o arco de uma besta
Os meios morfológicos usados para permitir que os e não precisam. portanto. de nenhum reflexo para se.
diferentes animais possam subir por uma parede lisa são fecharem abruptamente à mais pequena pressão. .
variadíssimos, embora conduzam todos ao mesmo fim: ·Ambos·os processos, afinal, conduzem ao mesmo fim,
utilizar como caminho o objecto significante - a parede nols em qualquer delesp cbjecto significante "inimiga-
lisa. ..éassaltado e envenenado pelõ6rgãô utíllzádor Hdslqnl-
As moscas domésticas têm, nas plantas das patas, i ~ç-ª,º-Q,..
membranas marginais que, espalmando-se durante a mar- A determinação de significado é sempre a mesma,
cha, com o peso do corpo, formam ventosas que fixam !>ó múda radicalmente a determinação morfogeriefic!'l.:
as moscas aos vidros das janelas. A magnífica descoberta de Spemann encontra confir-
As lagartas das borboletas movem-se, como as san- mação em todos os casos em que acções semelhantes.
guessugas com auxílio de duas ventosas e os caracóis pratlcadas pelos animais. são executadas por processos
arrastam-se, sempre colados, indiferentes à inclinação da diferentes e pode servir ainda para uma melhor cornpreen
pista. Em todos os casos, a função é a mesma e só difere sáo da diferença fundamental entre a construção de um
inteiramente o modo de a exercer. mecanismo e a estruturação de um organismo.
O exemplo mais flagrante deste facto fornecem-no-Io O mecanismo de uma máquina qualquer, dloamos,
as pinças venenosas dos ouriços-do-mar de espinhos de um relógio de algibeira, é sempre constituído «centrl-
curtos que têm todas a mesma função: atacar com as petarnente», quer dizer. as peças do relógio - os pon-
suas pinças venenosas o oblecto slgnlflcante "Inimigo», toiros, fi Gorda, as rodas - têm de ser aprontadas pri-
seja ele uma estrela-do-mar ou qualquer molusco secretor meiro, individualmente, antes que sejam ligadas a uma
de ácidos. peça central.
Em todos eles, o inimigo caracteriza-se por, ao apro- A estruturação de um animal, pelo contrário. faz-se
ximar-se, emitir um estímulo de natureza química e sempre "centrifugamente", a partir do germe, que assume
depois, ao estabelecer contacto, um estímulo mecânico. primeiro a forma de gástrula e continua depois a adicio-
Pela acção do estímulo químico, abrem-se as pinças ve- nar novos esboços de órgãos.
nenosas dos ouriços-do-mar de todas as espécies; pela Em ambos os casos, há um plano que preside à trans-
acção do segundo - o estímulo mecânico - fecham-se formação: o plano do relógiO dirige um fenómeno centrí-
e expelem o seu veneno. peta, o plano do tritão dirige um fenómeno centrífugo.

11 - A. HOMENg
[160] [161]

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•...,. ! ~ .

.i !

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Segundo parece, as partes ajustam-se umas às outras., O mecanismo material pode continuar a funcionar durante
de harmonia com princípios diametralmente opostos.": "" mais algum tempo, graças à sobrevivência de alguns
Como, porém, todos nós sabemos - embora com órgãos.
muita facilidade o esqueçamos também - o organismo! É evidente que a concepção geral da Natureza com
ao contrário de todos os mecanismos, não consi_ste._.º.~_. base no significado exige uma investigação rigorosa. No

II
peças,. mas de'Ó~gãõ-s~'e'lJm órgãõ'-é'~sinJpre ..um.a estru- entanto, o cérebro, que deve possuir um teor de pensar,
turà~-f~;~~da"de-'c(Üülás vivas, todas com o seu teor não nos pode servir de muito. Mas também aqui o signi-
lndividü'ãl 'O"'õrgão, como um todo, possui o seu teor ficado lança a pO!lteque liga os fenómenos materiais.
órgânlco, q'ueÓ'oseu teor slqnlflcante, ~ este teor -ã-fmaterlais,-ÚlI como já o fizera entre ~._p.~rtIJyr~ ~~_
orgãn'ico-q-ue"di~ige,-como se pode concluir das afirma- melod~-'---'
ções de Spemann, os teores particulares das células do
órgão - semelhantemente ao plano slqnlflcante do bolor-
4. A INTERPRETAÇÃO DA TEIA DE ARANHA
-viscoso de Arndt, que leva células amibóldes a construí-
rem o corpo do bolor. O teor~nifi9..~n!.~_~~tf.!b.~lece.'ii~
Quando quero mandar fazer um fato, dirijo-me ao
subitamente.e liberta a determinação morfogenética nos
teores l'ldfviduaÍs-·-dos----'ejell1en.tqs. --~c~,!ii.ã:r~s::-'~~'~·.·~ri~9 alfaiate, que me tira as medidas e exprime em centfme-
tros as dimensões mais importantes do meu corpo. Feito
semelhantes';--q-ue' 'igo;a.iLdividem el!!_~rios ~~2.res
isto. transporta as medidas para um papel ou. se está
harmonizados unscom os outros .8. d&~Lioi_cjo.-ª_~9!:J.§t!tl!}
bem' seguro do seu ofício. directamente para a fazenda,
ção da forma, segu'ndo-u;:;';-.~.fl]!iúidia.p.r.eVlameDle_e.s-t.'ªº~-

-lecida. -----------.-. -

Com a' experiência de Spemann, aprendemos que os


órgãos do organismo, ao contrário do que sucede com
que ele agora talha conforme os números que tomou.
Depois, cose as partes cortadas da fazenda e, após a
prova, entrega finalmente o fato, que traduz o retrato
mais ou menos perfeito das formas do meu corpo.
as partes de uma máquina, possuem um teor significante
Muito surpreendido ficaria, se um alfaiate me fizesse
original e que, portanto, não podem constituir-se senão
um fato que assentasse bem, sem previamente me ter
centrifugamente. É necessário que se passem as três
tirado medidas e feito a prova. Poderia, contudo, admitir
fases do desenvolvimento do germe, para que comece a
que ele tivesse conseguido as medidas exactas no, seu
formação dos esboços e cada esboço deve ter recebido
próprio corpo, visto que todos os corpos humanos, de
o seu teor orMnico, antes que as suas células se dividam
certo modo. se assemelham.
e se transformem.
Por isso podem também usar-se fatos feitos, que
À custa dO~Ue.o.res-orgânicos-eonstitui:s.e.,_finalmen.te. reproduzem. em vários tamanhos. as proporções humanas
~!~,~.~~~.~.~J ..çgIl]PJ~.t9,_O_animal ..verdade.
é-,_na_ normais. Assim, cada loja de fanqueiro apresenta uma
~_se~ ...Dl~.ç.anisrno-matedaL~-conSJnJ.lº-9. RI:)Iª~_ galeria de modelos vazios do corpo humano.
células orgânicas. deJu,!r.m9nia com a determl!1-ªY.ªº_mor-

\\
fogenéticã-:--------- ._0 .- .._ --..--.-- .. ---- Nem todas. estas. condiçõesQreljlDJDarª-s_~ aplicJUl1
à ar~~, todaY19L~~:·__~Q~~ª9'~ELQf§.reç~!.L..ila
SlIa rede.
--------OUãndü se extingue o teor vital, o animal morre.
um pad!.?.9..--\!llzLo~_eiLcJeD_t~t_d.~_
..uma.mosca.Ela utiliza-o,
----~-
[162] [163]

, I
1J.ª.º-JJ.:.QjlJlil.!'~s.s.e..~-.!!1.~ com o flIn-d.e-.a.d.es.trutr. encontrado qualquer mosca; logo a teia não pode ser o
retrato de uma mosca real. Ela apresenta, pelo contrário,
A teia. de ara~~~_/'::I.!!~lqDa.
c~~õutj!Í3_âdor _-º_9
_~ignlfica~()_

-
o desenho de um modelo de mosca que não éxiste em
do obJecto slqnlflcante «vitima» no_mun-º-º.:Q!_QQ!ioda
, parte nenhuma. ">«
aranha. --- -
"Ora vamos» - já eu estou ouvindo os mecanistas \

v
Este utilizador de significado é tão rigorosamente
adequado ao objecto significante, que nós podemos des- clamar. - «Aqui a do~trina dos mundo_~róprios denu
cia-se como teOl:.ia-matafislc.a, pois é metafísico todo
crever a teia da aranha como réplica fiel da mosca.
aquele que procura os factores actuantes para além do
A aranha-alfaiate, que cria esta réplica fiel da mosca,
está privada de todos os meios auxiliares de que o alfaiate mundo material ».
Pois bem. Mas nesse caso, logo depois da teologia,
de homens dispõe. Não pode tomar medidas no próprio
corpo, que possui formas totalmente diferentes das do
é a física moderna a mais pura das metafísicas.
Eddington (1) declara abertamente que possui duas
corpo da, mosca. Apesar disso, determina as dimensões
secretárias: uma que utiliza normalmente e que pertence
das mal~as segundo as dimen~ª~~ __ .º-º_.~o:rpo·-destà.
Cal-
ao seu mundo dos sentidos; outra, uma secretária física,
cula a c~p'aCidãaeâe' r-esis1:ê"nciados fios, que-tece se~
gundo a força-vlva--dciéorpo da mosca- 'em mo·vimento. cuja substância constitui apenas a bilionésima parte da
Retesa ITiãiSõ-Sllos--da-'rededo que-õs"-fiõ's--Clrcüiâre's: secretária material, pois não é, de modo nenhum, feita
de madeira, mas de um número imensamente grande de
par~~~~E!~~~:-~~~~~~~ate: seja--énvolvidã-'por- estes,
':!1a~~~lásticos, e fique imobilizada' nas- suas -gotirltlás elementos pequenísimos, dos quais se não sabe ao certo
~~:Oinrósrã-draTs-rião-são- tão gilitiné)so's'e servem se-são partículas ou movimentos e que circulam à volta
~ aranha como trajecto mais curto para chegar junto da uns dos outros com inconcebível velocidade. Estes ele-
vítima aprisionada, que então é envolvida e reduzida à mentos não são substâncias mas as suas actividades r
impotência. simulam, no mundo dos sentidos, a existência de substân-
cias. Eles prosseguem na sua agitação numa extensão
I
As telas de aranha encontram-se, as mais das vezes,
em lugares que podemos designar por lugares de trânsito espaço-tempo tetradimensional, que deve possuir uma
\ das moscas. curvatura e é simultaneamente infinita e limitada.
A biologia não reivindica uma metafísica tão auda-
O mais extraordinário é que os fios da teia são teci-
ciosa. Pretende apenas aludir a factores que existem no
\ dos tão fJ.!.1.~s,_~~os olhos da mosca, com os seus im-
.~~~, deste lado da aparência sensorial e que hão-de
pe~~~i.t~~elemento·s·visuais:nãü-pode-m distinguir a rede
'l-

e o msecto voa inadvertidamente para a morte, exacta-


servir para
tornar intelegíveis as conexões dü-'mü-rído dos-

mente como nós, desprevenidos, bebemos a água infes-


§entido~:..Naü--p-en'sa, de modo algum, em--revàIUCloíi'âr-<f{1
mundo dos sentidos, como a nova física se esforça por I
tada de bacllos da cólera, invisíveis aos nossos olhos
fazer. \
Já é um modelo requintado da mosca o que a aranha
esboça na sua teia.
(') Sir Arthur Stanley Eddington (1882-1944), astrónomo e
Mas alto lá! Não é nada disso o que ela realmente
físico inglês, adepto e pioneiro da teoria da relatividade. (N. da ed.
faz. Na verdade, ela constrói a sua teia antes de ter alemã.)

[164] [165]

. '.
.-:~ .
A biologia parte do facto da formação dos germes, .. ainda não encontraram solução e que só com auxílio
segundo umJ!!!lno, q~om~Y.ª-_.E:l!:l:l_ ..~odos_o_S_~!limàiS_",,· dessa nova linha directiva poderão ser resolvidos.
multicelula.!:~~ __q<2!:1:l_.~s.trª~ç_º!!lQ~~~º-:3~_~....l,!.rllé)._91mP-L~s A um desses problemas se referiu ~rande mestre
~Ioaia:-'!I..~rula, blást~-'-ª.!_..gAsl!:!l~Depois, como sabe- da biologia dos insectos, Jules Fabre. A pequena fêmea
mos, vem a formação dos esboços dos órgãos que é, em do gorgulho-dã=êrVilha põe os ovos sobre as vagens da
cada espécie animal, previamente determinada. ervilha nova. As larvas que daí resultam perfuram a pa-
rede da vagem e introduzem-se na ervilha, ainda tenra.
Este facto mostra-nos que a sequência morfogenética
A larva que se aninhou mais perto do ponto central da
não ~, na verdade, reconhecível pelos sentidos mas que
possui uma partitura em harmonia com o mundo sensorial.
A mesma partitura dirige também o crescimento espacial
ervilha é a que cresce mais rapidamente. As outras que,
com ela, ali se introduziram, em breve renunciam à com-
petição, deixam de se alimentar e morrem. A única sobre-
e
li,!
e temporal do seu equipamento celular, assim como as
vivente mina, primeiro, o centro do grão mas abre, depois,
suas propriedades.
um túnel até à superfície superior da ervilha e, à saída
Existe, pois,. u"!,,!.partitura inicial para a mosca, tal dele, faz uma incisão circular no tegumento, de modo a
como existe uma partitura inicial para a aranha. Ora eu abrir uma porta. Em seguida, a larva arrasta-se novamente
afirmo -~_~ .. -~i~ji~rªj[tlçiª1 -(ia':rr.Õs-caJiue-.1am~m_. para a sua câmara de alimentação e continua a crescer,
podemos _de~9n~.LP_9..I::_Pto.!ºJiIlOLac.tua...mt-partitura inic.@l até que a ervilha, depois de ter atingido o tamanho defini-
~hª,-º.e_. IllQ40 .que...aJeja_te.c.ida_RQr_..estaJe.:tult~. tivo, endurece. Este endurecimento seria fatal para o
~rÓprIÇlJ?ªr.ª, ..çªp.lurar ..mos.GJl13~, novo escaravelho, resultante da larva, pois a ervilha
Oculta sob a cortina das aparências, realiza-se a endurecida forma à sua volta uma camada protectora que,

I
"
conex~o' dos vários protótipos ou melodias iniciais, se- por outro lado, se converteria em sepultura, se a larva

----!_-------
, gundo um vasto plano significante.
No caso particular, basta procurar os utilizadores
não se tivesse encarregado de abrir o túnel e a porta.
Neste caso, não pode intervir qualquer experiência
correspondentes aos objectos significantes, para obter de tentativa e erro, transmitida pelos antepassados. Seria
úma visão da contextura aoSffluíldos-propnos.
A estrela orientadora pela qual---aDiologla se tem
frustrada qualquer tentativa para sair da ervilha endure-
cida. Não: ~J2Q§l1iYC>.J_~f!el-porta dexe.lá. ..exisliL_origi-
\ .
guiado é o significado e não a insuficiente lei da causa-
lidade, qué não consegue ver mais do que um passo para
diante ou para trás e deixa inteiramente ocultas as
nalmente, no plano morfogen.~tico.de __

ae-;!gnificado do protótipo
c.adªJªrYª.&[ru:~-
~imento. Deve "ter::S'e"'d~d;, portanto, uma transmissão
do gorgulho-da-ervilha, de
II
grandes cozrelações. modo a estabelecer um ajustamento entre o gorgulho e a
Quem pede aos naturalistas investigadores que sigam ervilha.
uma nova linha directiva, não se obriga só a convencê-Ios A construção, pela larva, do túnel e da saída, que são \
de que essa orientação abre novos caminhos, capazes de necessários à vida do gorgulho é, em muitos casos, o
levarem o nosso conhecimento mais longe do que os aniquilamento deste. Com efeito, há um pequeno ~
actuais. Deve também indicar-Ihes os problemas que mon que, utilizando o seu fino aguilhão, ataca com pre-
-
[166] [167]

)
,t
L .~

\
crsao mortal a porta e o túnel, para introduzir o ovo na a conformação qeral das plantas, a qual deve _9__S.Y~_fQ~
larva indefesa do gorgulho-da-ervilha. Deste ovo irrompe titUiçãõ' à ~~Ǫ9, .sequndo um plano, dósjmp!,Jl§_Q,§,_~
uma pequena larva de icnêumon, que vai devorando, de 'suJeTfõS=J;.e1uJar.es.JLiv.DS.,,~
dentro para fora, a sua nutrida hospedeira, cresce até s'e ----Nas plantas, não há, evidentemente, órgãos de sen-
tornar adulto e alcança a liberdade utilizando o caminho tidos nem nervos, de modo que toda a sua existência
aberto pela sua vítima. parece decorrer num mundo-de-acção,
A teoria de Loeb ccnslstla ..efll, também ..r..eÇ.QI].he.-C~.
Neste caso, podemos falar de um trio de conexões
no munao-anfmarãp~~as o mundo-de:~.c,Ç_ª_9.!
__
i911.P.r9.tUio....o..
de significado destas partituras iniciais.
mundo-ae-~-e-réep'ç~O:.:Jstõ .passava-se devido a uma sim-
ples"hãbiiida-d~ ....
Por muito complicado que se apresente o comporta
5. LEI MORFOGENÉTICA E LEI DO SIGNIFICADO
mento de um animal, este acabará sempre por se apro-
ximar ou por se afastar do objecto actuante. Esta compo-
Não será fácil adaptar as idelas metafísícas recente- nente espaci-ªL...J~º---~i'!lPIe.~.,.,_çl~.Jºº9_-º--..ç"omportamento
mente desenvolvidas 'às dos biólogos actuais.
A influência principal na biologia mais recente exer-
inferpritou:ª_~º~p'.corno o próprio ..colJ1P.9.rt_fto:wnt<Le.
diu, assim, todos os comportamentos em actos de apro-
..dbt.i-
I
.!
.'
ceu-a a teoria dos tropismos (1), de Jacques Loeb (2). xlmaçâo e actos de afastamento. . . ..- I
l
Loeb era um..íis.i.c.ºjn.~Jº, que só reconhecia a acção "-Em lugar dos __<!ºmp_ºrta_'!l~_'!!-º~!.._~.LJf-9.Í.!'.~~.!l~o os
.recíproca entre objectos e ~;;d;-~~biãdaTnfluênci; d'~- .troplsmos. por meio dos quais Loeb transformou tQ,º()S
I,
um sujeito sobre os fenómenos naturais. Segundõ-ele~só os sujeitõs animais vivos em máquinas inertes que .se
11 haVia um mundo-de-acçào e-m'que se passam todos os devem também explicar espacialmente. Até o magneto
fenómenos físicos e químicos. Um objecto actua sobre simples, qÚe--áÚaCõ"ferró, sé'comporta como ferrótropo
outro como o martelo sobre a bigorna ou como a faúlha positivo e a agulha magnética como polótropo negativo,
no barril de pólvora. A reacção depende da energia actual relativamente ao positivo.
t~nsportillsLP-s)j.Q"objecto __ actuante.,~=~,t'i_~~~E?.r9íã"potenClal Esta doutrina tornou-se d~g,~s~'!..U.?!"!._~Qllil.epçãQ
_~ma~,~!l_~_~~~_,9JÜ~9.1º~ctuado~, , . "-, ge~ªLao münOõ-aetõaã uma'ge'~?.ç]º,..
ç!~biÓIQQQs.
Nas plantas, a reacção surge consoante a forma e a Ouandonoadetemos om frente de um prado, onde
ordenação dos tecidos-n-õs-Ó'rgã'õ's-:-'-Sastaq-üe"pe'nsê'mos as flores abundam e as abelhas zunem em todas as direc-
nas goteiras OasfOlfiãs-e" nosgrãos de amido do germe ções; onde as borboletas se recreiam e as libélulas
do trigo, que também podem incluir-se no conceito de fogem, frementes; em cujas ervas dá os seus grandes
energia potencial. Sem dúvida, desprezamos, neste caso, saltos o gafanhoto, os ratos se esgueiram e os caracóis
rastejam lentamente - insensivelmente fazemos a nós
próprios esta pergunta: o prado oferecerá aos olhos de
(') Tropismos - movimentos orientados segundo leis, nas
plantas e animais inferiores, como reacções a determinados estí- tão diversos animais o mesmo aspecto que apresenta j

mulas. (N. da ed. alemã.) aos nossos? I


'1
(') Biólogo germano-americano (1859-1924).(N. da ed. alemã.) A esta pergunta responderá quem for ingénuo, sem
I.'j
[ 168] [169]

'I i,
.Ós Ó; ~

, ~
.t. ,
hesitação: «Evidentemente, é sempre o mesmo o prado guimos. Nesta faixa, as cores simples seguem-se uma
que todos vêem!- após outra: vermelho-amarelo-verde-azul, com as cores
Responderá, porém, de modo totalmente diverso o' .' "" mistas que entre elas se intercalam.
adepto convicto de Loeb. Ao contrário da escala das ondas de éter, de estru-
Como todos os animais são simples mecanismos, tura'linear,-oespe'ctrodas- cor~'s forma, ~m si, um círculo
/1. dirigidos por acções físicas ou químicas, o prado con- f'eldiado~'pois _ª,_~O!f!l.~~taentre o vermelho e o azul-
f~.
.il siste num entrelaçamento de ondas de éter e vibrações o violeta - une as duas extremidades do espectro.
de ar, de nuvens de substância subtilmente dividida e de Aliás, o espectro das cores apresenta partlcularl-
contactos mecânicos que actuam entre uns e outros dades notáveis de observância à lei, que faltam na escala
objectos. das ondas de éter. Assim, as cores contíguas no espec-
Contra ambas as concepções do prado, ergue-se a tro não se misturam, produzem a impressão de branco.
doutrina dos mundos-próprios, pois, para salientar um Estas cores complementares não se evocam recipro-
só exemplo, a abelha que suga o néctar não vê o prado camente, como não é raro acontecer com as sensações
com olhos humanos nem é insensível como uma máquina. opostas, facto que contradiz todas as experiências mecâ-
As cores são bnda~,~~yter ~~tadª~._MI..os.J),entidQs..,- nicas. Nas cores, como dissemos, não se trata de acções
I ~er dizer, não são excit~ç~~~ ..~I~ct!:.i<?~_.~_~~ célu.l-ªª-Qo materiais mútuas das células cerebrais vivas, mas de
nosso
.~--,--_cérebro, mas os
..,---, ..•.. -- ..• _ ... teores
,,, __ individuais __ ._-
._..._ .._ ..... _ .. ..._ .._._,_ ..... "......•. _---'_._ .._ .. mesmas
destas relações de sensibilidade dos seus tons individuais que,

\ 1\
2élula~ todavia, são igualmente fixados segundo leis.
A prova disto dá-no-Ia a fisiologia dos sentidos. Nós Assim como as cores são as energias específicas
sabemos, desde Goethe e Hering (1). que as cores (tons individuais) das células cerebrais que estão sob a
seguem as suas leis próprias, lei~ue _~~ totalmente influência do órgão da visão, o qual, por sua vez, selec-
diferentes dªs leis físicas das onClãs de éter. ciona as ondas de éter e as envia ao cérebro, transfor-
~
As ondas de'-étêr que:p-õr-" meiô de ~prisma, são madas em excitações nervosas, assim também os sons
forçadas a decompor-se segundo o seu comprimento de são as energias específicas das célul~scerebrais ~
onda, constituem então uma espécie de escada, por estão sob a influência do ouvido, que capta certas vibra-
ordem decrescente da largura dos seus degraus. Os ções do ar.
degraus mais curtos encontram-se numa extremidade da /~.•s leis dos son.L..as1ã_Q_§l,llJmeti~.~~_.~,J:~~!lª-~a
escada, . enquanto os mais largos ficam na extremidade música. As consonâncias, dissonâncias, oitavas, quartas,
oposta. 'quintas, devem todas a sua existência às sensações sono-
Nesta escala, a nossa vista separa uma curta secção ras e não têm materialidade. Tentemos reconduzir a
que as nossas células cerebrais transformam numa faixa, sequência dos sons de uma melodia à lei da causalidade,
constituída pelas sensações das cores que nós distin- que é válida para todos os fenómenos materiais.
\ Os nossos órgãos dos sentidos - os olhos, os ouvi-
(') Ewald Hering (1834-1918). fisiólogo alemão que se dedi- dos, o nariz, o palato e a pele - são construídos segundo
cou em particular ao sentido espacial da visão e à percepção das o princípio da caixa de fósforos sueca, cujos fósforos só
cores. (N. da ed. alemã.) respondem a determinadas acções do mundo exterior.
I1
[170] [171]

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Estas acções produzem, nos nervos, ondas de excitação rentes estímulos do mundo exterior, consoante a sua
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I
I ,
que são conduzi das ao cérebro. Até aqui, tudo se passa natureza específica, com as partes correspondentes do i
mecanicamente, segundo a lei da causa e do efeito. Mas cérebro. I.

no cérebro encontra-se a face interior dos órgãos dos São os órgãos dos sentidos a expressão de vanos \ \
sentidos, com a forma de um carrilhão vivo, cujas célu- ciclos sensoriais ou, como órgãos de recepção, serão
las individuais - os sinos - tocam com diferentes sons apenas a expressão de várias espécies de acção físico-
individuais. -química do mundo exterior? O órgão da visão foi c?n_s-
Em que medida existe também este género de estru- truído pelas ondas de éter ou pelas cores? O da audição
tura nos animais? Da analogia da parte mecânica dos foi construído pelas vibrações do ar, ou pelos sons? ~ o
órgãos dos sentidos ninguém duvida. São por isso órgão doolfacto um produto do arsatu~ado, em certas
designados órgãos-de-recepção. Mas quanto à face proporções, de gases e partículas olfactivas _ou um pro-
interior? duto dos sinais olfactivos do sujeito? O órgao -do gosto
Embora não conheçamos as sensações dos nossos deve :a. sua origem à substância química dissolvida em
semelhantes, não duvidamos, no entanto, de que, por água ou aos sinais gustativos do sujeito?
meio dos olhos, eles recebem sinais visuais a que cha- Os órgãos receptores dos animais são produtos. da I1
mamos cores e tão-pouco duvidamos de que, por meio face corpórea exterior ou da face sensível, incorpórea
dos ouvidos, recebem sinais auditivos a que chamamos e interior?
sons. Do mesmo modo, atribuímos ao seu nariz a facul- Como os órgãos dos sentidos, no homem, represen- \ \
dade de despertar sinais olfactivos; ao seu palato, a de tam órgãos que ligam a face exterior à interior, é possí-
despertar sinais gustativos, e à sua pele a de despertar vel 'que, também nos animais, tenham de exercer _a
sinais tácteis, todos eles, sem excepção, constituídos mesma função e que, portanto, devam a sua construçao
por teores Individuais. tanto à face exterior como à interior.
Nós reunimos todas as impressões dos sentidos- Que os órgãos de recepção dos animais não devem
qualitativamente diferentes - sob a designação geral de considerar-se apenas como produto da face exterior,
sinais-perceptivos, que, projectados no exterior, são provam-no, sem sombra de dúvida, os peixes, que, e~bora
transformados em notas-características das colsas.: só entrem em contacto com substâncias solúveis na agua,
Vejamos agora: aparecem também entre os animais, possuem, não obstante, um nítido órgão de audição, além
na excitação dos seus órgãos-de-recepção, os sinais do órgão do olfacto. As aves, pelo contrário, que teriam
jcorreSp?ndentes às energias sensoriais específicas das as melhores condições para aperfeiçoar ambos os órgãos,
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\, , ~-t suas celulas dos centros cerebrais, sinais-perceptivos não têm o órgão do olfacto.
!
~ I que eles, i~ualmente trasla~am e utilizam como notas- Só quando tivermos reconhecido claramente a função
~ ~ \ -caractertstlcas, na construçao das propriedades de todas dos órgãos dos sentidos, poderemos compreender a
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~ '\i.J
as coisas que intervêm no seu cenário da vida? estrutura de todo o organismo.
Os mecanistas puros negam esta hipótese e susten- Frente. à face exterior, eles servem _.9~
~Ij.'{9_às li
tam que os órgãos dos animais não possuem face inte- acç~í si ~~~-q~
fm!~ªi:-aº~_m-',I[1d.Q~exteí:ió~r~~
Só as acções
I i
rior e servem apenas para pôr em comunicação os dife- quetêm ·slgríihcãdo para o sujeito serão oonvertidas em
1

[172] [173]
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excitações nervosas. Estas, por seu lado, evocam no Eggers mostrou, estes animais possuem, no seu órgão I
cérebro os sinais-perceptivos da face interior. Deste de audição, apenas dois filetes retesados, como ressona-
modo, a face exterior influi também na interior e deter- dores. Com este dispositivo, é-lhes possível reconhecer
mina o número de sinais visuais, auditivos, olfactlvos.: vibrações do ar que representam, para o nosso ouvido,
"''''' o limite superior da audição. Estes sons correspondem
tácteis e gustatlvos que podem entrar nos cicios sen-
soriais do respectivo animal. ao «pio •• do morcego, que é o principal inimigo das bor-
Assim se distingue, ao mesmo tempo, o tipo de boletas. Só os sons emitidos pelo seu inimigo específico
construção dos mundos-próprios, pois cada sujeito só são captados por elas. Afora esses sons, o mundo é.
pode transformar em características do seu mundo-pró- para 'elas, silencioso.
prio, os sinais-perceptivos que são postos à sua dispo- No mundo-próprio dos morcegos o pio serve de sinal
)
slção. de reconhecimento na escuridão.
Depois de observarmos um grande número de qua- O mesmo som atinge umas vezes o órgão auditivo
dros do mesmo pintor, nós falamos da -sua paleta ••, de um morcego, outras vezes o de uma borboleta noc-
significando com isso aquelas cores de que o artista dis- turna. Nos dois casos, o morcego que "pia ••aparece como
punha para executar os seus quadros. objecto significante, ora como amigo ora como inimigo,
Estas relações tornam-se, porventura, ainda mais conforme o utilizador de significado que se lhe depara.
claras, se imaginarmos que cada célula sensitiva do cére- Como a paleta de percepções do morcego, é rica, o
bro faz soar, graças ao seu teor individual, um determi- som agudo captado é apenas um entre muitos. Mas a
nado sinal perceptivo. Cada um destes sinos vivos está paleta da borboleta nocturna é muito limitada e no seu
agora ligado, por meio de um cordão nervoso, à frente mundo-próprio existe apenas um teor - o teor de ini-
exterior e aqui se decide quais os estímulos exteriores migo. O «pio» do morcego é um produto simples do mor-
que são admitidos ao «toque» e quais os que não são. cego, a_teia de aranha é um produto muito engenhoso da
Os teores individuais dos sinos celulares ligam-se aranha. Mas em ambos existe alguma coisa de comum.
uns aos outros por ritmos e melodias e são estes que os Nenhum deles é moldado sobre uma forma individual
fazem soar no mundo-próprio. determinada. materialmente presente, mas sobre a estru-
Depois das investigações de Mathilde Hertz, pode-
mos admitir que a faixa de cores do espectro, nas abe-
lhas, quando referida à mesma escala das ondas de éter
tura comum a todos os animais da mesma espécie.
Como se. realiza então, na estrutura da borboleta, um
dísposltívo para captar os sons emitidos pelo morceqo?
I
que' serviu 'para o homem, se desloca uns degraus para A lei morfogenética das borboletas já implica a determi-
o lado da cor violeta. A face exterior do olho da abelha nação de construir um órgão auditivo adequado ao pio
não se ajusta perfeitamente à do homem, ao passo que ,dos morcegos. Não pode restar dúvida de que é esta a
as duas faces interiores parecem corresponder-se. Acerca lei do significado que actua na lei morfogenética. de
do siqnlflcado deste desvio, não se foi, até agora, além modo que ao portador do significado corresponda o seu
de meras hipóteses. utilizador e vice-versa.
Não defxa dúvidas, pelo contrário, o significado da A lei morfogenética, como vimos. dota ogirino de
paleta de percepções das borboletas nocturnas. Como 'rã, que é herbívoro. de uma boca com maxilares córneos{

[174] [175]
\.

e o tritão, que é carnívoro, de uma boca com verdadeiros de guarda-chuva, que encaminha para as finas extremi-
dentes. A lei do significado intervém sempre na forma- dades da raiz, debaixo da terra, a preciosa humidade do
ção do germe de moero determinante e promove a urdi- céu. As folhas contêm a clorofila, substância maravilhosa,
dura de um órgão da nutrição que, no lugar conveniente. que utiliza os raios solares para transformar energia em
se desenvolve em correspondência com o conveniente matéria.
objecto portador do' significado: o alimento vegetal ou A copa desaparece no lnverno, quando o solo gelado
animal. Se, todavia, a lei morfogenética é orientada num impede as raízes de fazerem subir até às folhas a
caminho falso, por meio de uma enxertia, não há lei de corrente fluida saturada dos sais da terra.
significado que a faça recuar. Nenhuma destas futuras acções sobre o futuro car-
. Assim; .não é a própria morfogénese que é influen- valho é capaz de, sob o ponto de vista causal, influenciar
ciada pelo significado: a lei morfogenética - e' só ela - a morfogénese do carvalho. Igualmente inoperantes são

II
. é que fica na integraldependênc~~ ,da lei do significado. também outras acções semelhantes
antes
. exercidas sobre a árvore-mãe,
do mundo exterior
pois nessa. altura
,

ainda a glande não existia.


6. A LEI DO SIGNIFICADO COMO ELO Assim, em presença da glande se nos depara o I'

DE LIGAÇÃO ENTRE DUAS LEIS ELEMENTARES mesmo enigma que já tínhamos encontrado ao obser-

Quando, num passeio pela floresta, apanhamos uma


glande que caiu de um frondosocarvalho e escapou, tal-
var o germe de qualquer planta ou o ovo de qualquer
animal. Em caso algUm podemos falar de um encadea-
mento causal de acções exteriores sobre um objecto, na
j
I
vez, a algum esquilo, nós sabemos que deste germe preexistência ou pós-existência deste. Só é possível I
vegetal resultarão células de diferentes tecidos que for- considerar ,uma conexão causal, quando causa e efeito
marão, em parte, o raizame subterrâneo e em parte o concorrem, temporal e espacialmente.
tronco, com a sua copa, segundo uma lei morfogenética Também não é de prever a solução do problema, I,
característica do carvalho. quando ela se procura nas circunstâncias mais remotas.
Sabemos que na glande se oculta o esboço dos Uma glande apresenta à nossa compreensão, desde há
órgãos que permitirão ao carvalho travar a luta pela vida I
um milhão de anos, as mesmas dificuldades que apresen- ,I
contra centenas de acções do mundo exterior. Mental- tará daqui a cem mil anos. . I'
mente, nós vemos o futuro carvalho defrontando a futura
chuva, a futura tempestade, o futuro sol. Vêrno-lo sobre-
Daí se conclui que tínhamos caído num beco sem
saída, quando julgávamos poder estabelecer, por meio de
;I
viver a futuros verões e a futuros invernos. construções engenhosas, uma cadeia causal entre o
I
Para se desenvolverem sob todas as influências do embrião da glande e as acções exteriores de natureza
mundo exterior, as vicejantes
de diferenciar-se
células do carvalho têm
na raiz, no caule e na copa, que inter-
físico-química. Com efeito, não estamos aqui em pre-
sença de um problema susceptível de solução mecânica,
I
cepta os raios do Sol e cujas folhas, ténues como ban- a que a história genealógica possa fornecer a chave.
deiras, se inclinam ao vento, a que os ramos nodosos Temos, portanto, de abordar o problema por outro
oferecem resistência. Ao mesmo tempo, a copa serve lado.

[176] 12 - A. HOMENS [177]

I I
,I
~-
Se nós, como observadores humanos da situação do
ras células germinais, resultam, por divisão, numerosas f
I
carvalho, examinarmos as acções do mundo exterior
sobre ele, logo descobriremos que elas estão submetidas
células amibóides independentes que, à semelhança das
suas irmãs livres, se apropriam, como sujeitos autóno-
I'
a uma lei natural de carácter geral.
mos, dos alimentos que se Ihes apresentam. Só depois I: '
O Sol, a Lua e as estrelas seguem, no céu, caminhos •.• I1
de esgotados os alimentos, se estabelece a formação de i,
fixos sobre o carvalho. Sob a influência deles, suce-
um novo indivíduo. As célulasamibóides que se agrupa-
dem-se as estações do ano. Calmarlas, tempestades, a
ram para formarem um novo indivíduohomogéneo, um
chuva e a neve alternam-se no decorrer das estações.
novo sujeito, deixam de ser adequadas ao objécto por-
O ar, que se tinha impregnado dos aromas da Primavera,
tador do significado «alimento», passando a sê-Io ao fac-
em breve exala os cheiros acres do Outono. Em cada Pri-
mavera',aflàresta ressoa com o canto das aves. O pró- tor significante «vento», para enfrentar o qual se desen-
prio carvalho oferece, na copa, como na casca, asilo volveram. O carrilhão do estádio amibólde, que se /
infinitamente variado às centenas de animais (aves e manifesta por um soar desordenado das células-sinos,
outros) que a ele se acolhem, rio Verão e no Inverno. segue subitamente uma' melodia una, uma nova lei de
significado, que reúne as leis elementares -do vento, por ti
A esta lei natural, tão velha como Noé, também o
carvalho está submetido, embora muitos dos factores um lado, e as da livre formação de células, por outro,
naturais que nos são familiares não ri penetrem. A Lua, conduzindo assim a uma nova unidade subjectiva.
as estrelas, e a esfera solar não se encontrarão no Nunca será possível produzir um bolor-~isco.so pela li
número dos factores significantes que formam o reves- acção directa da pressão do vento, po~ muito n~o~~sa-l'l
timento protector do carvalho, mas, por outro lado, certos mente doseada que seja, sobre as celulas arnibóldes
raios luminosos quimicamente activos chegam até à clo- móveis.
rofila das folhas e certos raios caloríficos promovem, pela Ao contrário do bolor-viscoso, que une as suas célu-
sua acção sobre os novos rebentos, o seu crescimento. las protcplásrnicas móveis num só talo que, por sua vez,
A queda' das gotas de chuva é convenientemente desviada depois da constituição completa da sua forma, representa
e a tempestade encontra, da parte dele, a mais deses- um indivíduo, constituído por um único sujeito orgânico, a
perada resistência. Nem os aromas, nem as ondas sono- glande desenvolve numerosos botões, cada um dos quais
ras.,. todavia, têm qualquer influência sobre o carvalho.
dá origem a um sujeito orgânico, que está ajustado a um
I: sempre a mesma lei do significado que, hoje como
ou mais factores significantes ~ e, deste modo, a folha
há milhões de anos, realiza a selecção dos factores natu-
do carvalho não serve apenas de goteira para a chuva

I
rais elementares e os faz soar, em melodia própria, no
mas também de receptor dos raios luminosos, graças
carrilhão vivo das células do carvalho e, por fim, faz sur-
às suas células clorofilinas.
gir das células protoplásmicas do germe os órgãos res-
pectivos., \ Todos os sujeitos orgânicos, com as suas melodias
orgânicas, se integram na sinfonia do organismo «carva-
Graças ao filme de Arndt, não temos de limitar-nos
lho», sinfonia que podemos também designar por protó-
a meras hip~teses. Podemos observar como, das primei-
tipo do carvalho.

[178]
[179J
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4
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)

i ,'~
I
O processo da subjectivação sublimada, de teor celu-
lar, em melodia do órgão, em melodia do organismo, está
sários, pelo menos, dois sons para formar uma harmon!a:
Na composição'de' um dueto, as duaspartêS'q'Ue'sê devem \U I
;'
'.
j
em directaoposição com todo o processo mecânico, que fundir numa harmonia são compostas nota por nota, ponto
I
I ostula a acção de objecto sobre objecto.
Ele encontra-se, pelo contrário, no mesmo nível de
qualquer composição musical. A relação de factores
. por ponto, uma para a outra. Nisso se baseia a teoria do
contraponto, na música.
Em todos os exemplos extraídos da Natureza temos,
I,
'1
.
significantes, nas plantas, e de objectos significantes, igualmente, de procurar dois factores que, juntos, cons- !.
nos animais, para com os respectivos utilizadores de tituam uma unidade. Portanto, partimos sempre de um í
significado, constitui prova particularmente clara do que sujeito, situado no seu mundo-próprio e examinamos
se .afirma. Assim. como na composição de um dueto, as suas relações harmónicas com os objectos parti- 11
as duas partes têm de ser compostas uma para a outra, culares que, como objectos significantes, convergem no
nota por nota, ponto por ponto, assim também na Natu-
sujeito.
reza .os factores sígniJicantes devem estar para os
utlllzadores numa relação de contraponto. Só podere-
O organismo' do sujeito ~~p~~~e_r:'!~~ utiliz~~.?r do
significado' oü','p'e'lõ-men<i~, o seu r~ceP!~E:,Se estes dois
mos compreender melhor a constituição da forma do
organismo se, a partir dela, nos for possível construir
facfõres serêúne~ 'no mesmo signlficad~_~j~·õrguê]9rãm
eompostos-simultâneaméhtepéTii" Nàiureza. Saber que
uma doutrina da composição da Natureza.
leis -alse'-ieveI ãm', 'els-"o" assunto da doutrina da composi-
ção da Natureza,
Sempre que dois organismos se encontram, um para
7. A DOUTRINA DA uCOMPOSIÇÃO •• o outro, numa relação harmónica de significado, é neces-
DA NATUREZA sário averiguar qual dos dois devemos considerar como
suielto ou como utilizador do significado e a qual cabe o
A expressão -doutrlna da composição da Natureza •• papel de portador do significado (objecto significante).
pode induzir em erro, visto que, de uma maneira geral, a Em seguida, procuraremos as propriedades recíprocas
Natureza não oferece doutrinas. Assim, por doutrina, que se encontram relacionadas duas a duas, como ponto
deve apenas entender-se uma general ização das regras e contraponto .. Se possuirmos, no caso em questão. um
que julgamos descobrir no estudo da composição da conhecimento suficiente dos ciclos-de-função, que ligam
Natureza. o respectivo sujeito com o seu objecto significante e que
Está, portanto, indicado que partamos de exemplos podem tomar-se como ciclos significantes, encontramo-
particulares e que estabeleçamos as suas leis para, deste -nos então em condições de procurar os contrapontos,
modo, chegarmos a uma doutrina da composição da tanto no campo da percepção, como no campo da acção,
Natureza. para, finalmente, concluirmos acerca da lei do significado
Como modelo, podem servir-nos
------------_._............... .
as regras da compo-
--':":"';-'-- específica que presidiu à composição. .
slção musical, que parte do prl'nc'ípTõ-ae-gue são neces- _ Para me referir ao exemplo. já citado. da glande.
_._., ••• __ •••.•.•••••.•.•.. __ ••. __ ". ••.•• -- •• -.o •... __ •. ,,_ .• _.
. ~
[1801 [181]

. I
começo por apresentar a formulação esquemática do pro- compressores do saco actuarn mecanicamente sobre a
blema da composição da glande e um dos seus factores água incompressível e impelem o animal para trás. A lei
significantes - a chuva. da constituição da água do mar intervém, como composi-
~I tor, no carrilhão vivo das células protoplásmicas do em-
Folhagem do carvalho brião do polvo gigante e impõe à melodia morfogenética
: ,II: Chuva
Receptor de significado Facto r de significado os contrapontos que correspondern às propriedades da
água. Em primeiro lugar, forma-se o órgão, cujas paredes
li Ponto Contraponto musculosas admitem e expelem a água, lncompressfvel.
A lei do significado, que neste caso liga ponto e contra-
II Disposição em forma de Gotas de chuva que
I ponto, torna possível o acto de nadar.
telhado das folhas com caem
. goteira A mesma lei do significado, sob numerosas varian-
tes, preside à construção da forma de todos os animais
Lei morfogenétlca Lei física da formaçãd nadadores. Nadam para diante, para trás ou para o lado,
da glande das gotas executam movimentos ondulantes com a cauda, são impe-
lidos através da água pelas barbatanas ou pelas pernas,
mas sempre eis propriedades do organismo se harmonizam
Lei comum do significado:
com as propriedades da água e subsistem como o ponto
Captação do fluido e sua distribuição pelas extremidades para o contraponto. Em todos os casos é reconhecível
da raiz uma composição orientada no sentido de um significado
comum.
O mesmo pode dizer-se de todos os vanos ciclos
A folhagem do carvalho actua mecanicamente na dis-
do habitat, quer se trate de animais aquáticos, terrestres
tribuição das gotas de chuva, ao passo que a lei da for-
mação das gotas intervém como compositor na melodia ou aéreos. Sempre os órgãos efectores, destinados a
do carrilhão vivo das células do carvalho. correr, saltar, trepar, planar, voar e velejar, são construí-
Se nos voltarmos para os animais e procurarmos dos em contraponto com as propriedades do respectivo
dlscernlr cada um dos ciclos de significado, toparemos habitat. Ccr:n efeito, em muitos insectos, que começam
por viver na água e mais tarde vivem no ar, podemos
I
I

no ciclo do habitat relações semelhantes às que encon- \


I
trámos n,o carvalho e na chuva. verificar com que facilidade, no segundo estádio larvar, a
lei da constituição elimina os órgãos velhos e faz surgir
Tomemos para primeiro exemplo o polvo gigante,
como suieito, nas suas relações com a água do mar, os novos. di'I j~
I
como objécto significante e imediatamente encontra- Mas também o exame das relações receptivas entre
remos relações do tipo contrapontal. A incompressibili-
dade da água constitui a condição necessária para a cons-
trução de um saco natatório musculoso. Os movimentos
sujeito e habitat confirma o facto. Para cada obstáculo
que se levante ao sujeito, existe sempre um órgão sen-
sorial construído em contraponto. Quando à luz, é o órgão
·~'..,:.
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~
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[182] [183] li
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I
da vista, quando às escuras, o órgão do tacto ou o do Fabre que a fêmea executa movimentos de vaivém com
ouvido. o abdómen, de modo a comprimir contra o solo as glân-
Desde o início, o morcego, tal como a andorinha, está dulas odoríferas. O cheiro que então jorra para o chão é
adaptado, por outros meios, à percepção dos obstáculos tão activo no mundo-próprio dos machos, que estes
que encontra no voo. acorrem, voando de todos os lados, ao local de onde o
Mas isso - dir-me-ão - são puras vulgaridades. E, na cheiro provém, sem serem desviados por outros cheiros,
que se perdem, abaixo do limiar de percepção.

I
verdade, são experiências de todos os dias, que podem
fazer-se em toda a parte. Mas por que motivo não have- O poder de atracção desta nota olfactiva é tão forte
mos nós de tirar destas experiências a única conclusão que os machos, na sua ânsia de atingirem o solo odoroso
I possível- a de que, na Natureza, nada é deixado ao - o objecto significante- não modificarão o seu itine-
acaso, mas ,pelo contrário, em todas as circunstâncias, rário, ainda que lhe coloquemos no caminho uma fêmea, ..
•• 1

uma lei intrínseca do significado liga o animal e o seu metida em gaiola de vidro, de modo que seja visível, mas
meio, une os dois num dueto,· em que as propriedades imperceptível pelo cheiro.
deambas as partes são compostas uma para. a outra, Infelizmente, não se fez ainda a mesma experiência
, I
em contraponto? com cadelas no período do cio; mas é possível que os
Só quem negue obstinadamente o significado como cães se comportem exactamente como as borboletas
I, " '

I
facto r natural ousará contestar, no ciclo-de-função do machos.
sexo, que macho e fêmea são constituídos, quanto ao sig- Num caso muito interessante relatado por Wunder (1),
o. par-ceir.o sexual não i~tervém como objecto Significantell \
I i i
nificado, um para o outro e sustentar que o dueto de amor
I que, em mil variações, entrelaça todo o mundo vivo, dlrecto: Insere-se, no ciclo do sexo, um segundo objecto
I.
I 'I' ~

\ surgiu independentemente de qualquer plano. significante ..


O . macho da carpa-pequena, peixe de água doce,
. No dueto de amor dos animais e das pessoas enfren-
reveste-se, na época das núpcias, de um brilhante traje
tam-se dois parceiros equivalentes, um dos quais, no seu
nupcíal. Isso, porém, não acontece quando avista a fêmea,
mundo-próprio, domina como sujeito e intervém como
mas sim quando avista o mexilhão dos tanques e prlncl-
receptor de significado, enquanto ao outro cabe o papel
palrnente quando sente as correntes de água aspiradas
de portador de significado, isto é, de objecto significante.
e expelidas por esse mexilhão.
Tanto os órgãos de percepção como os órgãos de
Ao mesmo estímulo. a fêmea desdobra o seu 'longo
acção estão, nos dois parceiros, coordenados em con-
traponto. ovipositor. Enquanto o macho lança o seu esperma na
água, a fêmea fixa o ovo fecundado na guelra do mexilhão.
A primeira condição que deve pôr-se numa composi-
onde a larva pode crescer dentro de uma corrente alimen-
ção natural bem sucedida é que o objecto significante se
tar e protegida de todos os perigos, O significado do traje
distinga nitidamente no mundo-próprio do receptor de
nupcial do macho não está relacionado naturalmente com
significado. Para isso, podem utilizar-se os mais variados
sinais-característicos.
(') W. Wunder (* 1898), zoólogo especialista em ictiologia
~~ da borboleta no~~na chamada pavão, conta geral e piscicultura. (N. da ed. elemê.)

[184] [185]

.tl
til, Ili,;
"
!til
!li
o mexilhão;
carpas.
ele serve, sim, para afugentar as outras ganso, a pessoa assinalada como «mãe»? -
que principãlmente'p;êõ'cü'põü'Tõrenz.
eis a questão l(
Que nós temos no significado a verdadeira chave Não devíamos esquecer, creio eu, que até no mundo- I
para a compreensão das composições naturais da vida -próprio do nosso cachorrinho não é como "mãe» que nós J
sexual, provam-no aqueles exemplos em que o oblecto ••. aparecemos e somos farejados !Tla.~_?J.fu:~~_C?:!!i?_.P,c.>.!:.!,~~~~
significante em nada se modifica e, todavia, experimenta d~ s'lgnlf(caôü',,'ãêjuTfõ-õu-"áq-üele que traz o leite •• e isto
da parte do sujeito o tratamento oposto, só porque este seíliCjtJe; 'por:-tãr'mõtívo,'assúmamos: 'j:iarã"ele;-a forma
sujeito se transformou quando recolheu um significado de cão.
diferente.
Von Korff fala de um bufo que tinha chocado dois
'Ao falar da vidados escaravelhos, diz Fabre que, ao ovos de pata e tratava os patinhos como se fossem pe-
principio, machos e fêmeas saem juntos para a caça, quenos bufos. Tentara alimentá-Ios, pelo bico, com carne
mas que depois se unem sexualmente. Concluída a cópula, crua, sem resultado, e observava-os durante o dia, pou-
e embora a conduta dos machos para com as fêmeas sado num ramo que se estendia por cima do tanque,
não s'e modifique absolutamente' nada, estas lançam-se A noite, regressava com eles para a sua gaiola. Quando
com verdadeira fúrtadevoradora sobre eles e despeda- outros patinhos se Ihes juntavam, eram imediatamente
çam-nos, sem que eles, mais fracos,' possam evitá-Io. mortos e devorados pelo bufo. Neste caso, os filhos adop-
O objecto significante «amigo» transforma-se, no mundo- tivos do bufo distinguiam-se dos seus semelhantes apenas
-próprio das fêmeas, no objecto significante «alimento ••, pelo significado que o bufo Ihes atribuía. Ao passo que
sem que, no resto, a constituição deste se tenha alterado todos os outros patinhos entravam como portadores do
em qualquer pormenor. ~ exactamente o que se passa significado «vítima" no mundo-próprio do bufo, os dois
com a pedra do caminho que, sem se modificar, se des- que ele tinha chocado desempenhavam o papel de bufo-
poja, afinal, do seu significado de «elemento do caminho» zinhos.
para se converter em -projéctll» quando varia a disposi-
A amplitude da lei que tem de harmonizar as dife-
ção Intimá do sujeito ••homem •• que imprime então à
renças entre o portador de significado e o receptor de
pedra um significado diferente.
significado é muito pequena no ciclo sexual ou no da
O misterioso comportamento, descrito por Lorenz (1), infância, visto que se trata, na maior parte dos casos,
dos jovens gansos cinzentos, consiste igualmente numa de indivíduos da mesma espécie. A observação dos ciclos-
«cunhagem» de significado. O gansozinho cinzento assi- -de-função «i~imigo» e «alimento», pelo contrário, mos-
nala ~ na expressão do próprio Lorenz - para «compa-
tra-nos que essa amplitude não conhece limites e que as
nheira maternal »', que ele segue constantemente, o pri-
qualidades das coisas mais remotas podem ser ligadas
meiro ser vjvo que os seus olhos descobrem, ao sair do

__
umas às outras, em contraponto.
ovo. Neste caso, o próprio homem fica tendo, para o
Já falei da harmonização da lei da constituição do
ganso, o sign~ficado de «mãe». «Que
~ ~ecto ~ terá, para o ~
morcego com a lei da constituição das borloetas, por meio

'j (') V. Pá9S~ 110 a 113.

[186]
da lei do significado. .
De um lado, temos o morcego, como objecto signifi-

[ 187J
J
,,)
,) 1 1.
<Jo.l- ...j ! ~
cante, que só produz um som; do outro lado, a borboleta 4. Um ferrão próprio para 4. Todos os mamíferos ~ .'i
perfurar a pele de qual- possuem pele branda, ,; lI,
nocturna, que em virtude do seu órgão auditivo muito , li
especializado, só pode captar um som. Este som é, nos quer mamífero e que bem irrigada pelo san- jl
dois animais, o mesmo. A lei do signifi2ª.QQJ.eguud.o..Jl serve, ao mesmo gue. I' -I
i
qual __
~---.esta correspondêncT~_§~t.irgi~,
.-,--.~----..•••...---
·0 ataque do inimigo e a defesa d.~...
..~ni~id.e~.n~ue,LaçllQ
eotre.
xLtllJUl-O som que,
tempo, de bomba pro-
pulsora de fluidos.
!
I i

11
como·sríial~de-re·conh-ecim-ehto:" 'se estabel ece, passando
de morcego para morcego, serve, ao mesmo tempo, às Lei de significado geral I ~,
borboletas nocturnas, de sinal para a fuga. No mundo-
-próprio do morcego, é um sinal de amigo; no da borboleta
Reconhecimento da vítima, ataque e absorção do sangue \1
por parte da carraça \
nocturna é um sinal de inimigo. O mesmo som torna-se,
consoante o seu diferente significado, criador de dois
órgãos auditivos totalmente diferentes. Como o morcego A carraçapõe-se imóvel na ponta de um ramo, até
é capaz de ouvir muitos sons, o seu órgão auditivo dispõe que um mamífero passe por baixo dela.~ então desper-
de uma ressonância de larga extensão. Mas só pode, por tada pelo cheiro do ácido butírico e deixa-se cair. Fica
outro lado, produzir este único som. suspensa no pêlo da sua vítima e tem de abrir caminho
t igualmente interessante seguir a adaptação da através dele, para chegar à pele quente, na qual introduz
carraça ao mamífero pela lei do significado. o ferrão, para absorver o sangue. Não existe nela um
órgão do gosto.
Carraça Qualquer mamífero A observância desta lei de significado, tão simples,
Receptor de significado Portador de significado ocupa quase a vida inteira da carraça.
A constltulçãodesta, que é ceqae surd.a~e.s.tª-º~i- I":
Pontos Contrapontos
neadãSimpTesmente no sentido" de·R~~r:!!l.tir..-9..ue.-.!:!.9.._~~ I
1. O órgão olfactivo está 1. O único cheiro que é 'mun(fõ~próp'rio~'éfüa'rqüêrrriámíféro surja sempre como por-
adaptado a um s6 comum a todos os ma- taao'j- . do mesmo significado. Podemos considerar este'
.cheiro - o do ácido bu- míferos é o ácido bu- êOni-õ'ü'm"-mamífero 'extremamente simplificado que não
tírico. tírico do suor. possua nenhuma das propriedades visuais ou aúditivas,
2. Existe um órgão táctil 2. Todos os mamíferos pelas quais se distinguem as dlferentes espécies de ma-
que permite à carraça têm pêlos. míferos. Este objecto significante da carraça tem um único
evitar os pêlos da sua cheiro: o que provém do suor dos mamíferos e é comum
vítima. a todos. Além disso, é táctil, quente e deixa-se perfurar,
3. Um órgão sensível à 3. Todos os mamíferos de modo que a carraça lhe sugue o sangue. Assim, todos
temperatura, que faz têm pele quente. os mamíferos - tão diferenciados entre si pela forma,
soar os sinais percepti- pela cor, pelos sons que emitem ou pelo cheiro que exa-
vos do calor. lam, tal como se apresentam no nosso mundo-próprio,

[188J [189]

!
.. ,. ""
,l
podem agora ser reduzidos a um mesmo denominador, conformação (Gesta/t) a um maior poder de estimulação
I cujas características, à aproximação de cada um deles- ?as formas abertas e temos de adrniti-lo: mas que é que
I . h omem, cao,
I seja - corça ou rato - surgem em contraponto
isto significa? A resposta acorre imediatamente: todos os
L e denunciam a lei vital da carraça. botões impenetráveis que as abelhas desprezam apre-
No nosso mundo-próprio - o humano - não existe ,-': ••• sentam formas fechadas. Pelo contrário, as flores desa-
nenhum mamífero em si próprio, isto é, como objecto real; brochadas, que oferecem o seu néctar, têm formas
existe, sim, como abstracção mental, como conceito taxo- abertas.
nómico que nunca encontramos na vida. Na lei da conformação das abelhas incluem-se dois
É completamente diferente o que sucede com a car- esquemas espaciais de percepção para flores e botões,
raça: no seu mundo-próprio existe um mamífero composto graças à lei do significado, segundo a qual se faz a
de poucas propriedades mas perfeitamente real, que cor- colheita do néctar. Assim, os dois esquemas encon-
responde exactamente às necessidades da carraça, pois tram-se em estreita relação de contraponto com as duas
estas poucas propriedades servem, em contraponto, as formas principais das flores.
)~
suas capacidades. Mas como é que a natureza procede, se um sujeito
111 animal, no seu comportamento, tem de distinguir formas
O acomodamento do casa-roubada na concha do búzio,
mas possui, por outro lado, um sistema nervoso central ,<1', '
."
fen6meno que não pode explicar-se como qualquer modi- ;. ,

absolutamente primitivo, incapaz de criar esquemas de ':


ficação anatómicapor adaptação gradual, parecer-nos-á
forma? . 1r
"

particularmente estranho, enquanto insistirmos na procura


de explicações mecânicas. A minhoca, que arrasta para a sua estreita galeria 111' i

Mas se abstrairmos dessas tentativas inúteis e nos folhas de tília e de cerejeira (que lhe servem, simultanea-
limitarmos a verifiçar que o casa-roubada não utiliza a mente, de alimento e protecção), tem de tomar as folhas
:iI' ~"
pelo vértice, para que estas possam enrolar-se com faci- li I
cauda como õrqão natatório, como fazem os caranguejos I; ,
de cauda comprida, mas sim como órgão de preensão para lidade. Se ela tentasse segurar as folhas pela base, estas
as conchas' de búzio, já a cauda preensora do casa-roubada embaraçar-se-iam na entrada e não obedeceriam à força r
q~e as puxava. Pela sua constituição geral, a minhoca
i
não parecerá mais enigmática do que a cauda natatória do I
I

caranguejo-do-rio. A cauda preensora está tão harmonica- nao está em condições de criar esquemas de forma' mas
mente construída para as conchas do búzio como a cauda possui, em compensação, um órgão' sensorial particular-
natatória para a água. mente apurado para o gosto. "-
Mathilde Hertz fez esta interessante descoberta: as Devemos a Mangold (1) a descoberta de que, até nas
abelhas que colhem o néctar só s~pazes de descobrir- f~lhas partidas em pequenos pedaços, a minhoca con-
, <Luas formaS1de flores: formas decomponíveis ou com tinua a ser capaz de distinguir os pedaços que pertencem
recortes, e fOfffiãsfechadas ou íntegras. As formas estre-
\
(') Otto August Mangold (* 1891), zoólogo, discípulo de Spe-
I
ladas e poliqonais de qualquer espécie atraem as abelhas, .1
mann, chefe de departamento do Instituto Max-Planck, de Heidelberga,
enquanto asfo{mas fechadas, ~omo os círculos e os qua-
desde 1946. Trabalhou em células embrionárias e ainda noutros
) drados, as repelem. Este facto atribuem-no os teóricos da campos. (N. da ed. alemã.)

/ [190] [191]

J
! :
1
,1
I ,

à base daqueles que pertencem ao vértice. Com efeito,


os vértices das folhas ~..as.suas-bases-têm,J;!ar~L~.~~-=-_
nhocasu,u"sabores diferentes. E isso basta para serem
trataaõ:~ diferentemente: Em' vez "de esquemas d~-foi~_'
surgem~póis, em' contraponio •. notas_g\,!stªtivas q!lu~..JQr-
de pequenos animais caçadores, põem-se imediatamente
em fuga.
Nem o lophius sabe que aspecto tem a presa no
mundo-próprio do peixe voraz que ele apanha, nem a
borboleta sabe que o pardal foge, diante dos olhos do
! ~' ,!
, 1

.iúlm·--possívei .o acto de armazenamento de folhª~L_tªº, gato. Mas ~utor destas composições dos mundos-pró-
i'mpõrtáilfe'para a vidadasminhoc:ãs':"- prios deve sabê-lo,
---uCõm·r~~ão se pode aqui falar de uma requintada Não se trata de conhecimento humano, qU~._J?ossa
composição natural. ser...ª(J.ql,li~·ido·-peh:l
experiência. Sobre este ponto, já nos
elucidou a abertura do túnel pela larva do gorgulho-da-
O pescador humano sabe, por experiência, que para
-ervilha. Essa larva executa, como vimos, um comporta-
apanhar peixes parttcularmente "orazes não precisa de:
iscar o anzol com uma representação perfeita da sua ~_-'-"_~
mento guaéudiiú:erminado
'.. . . um
por .'
saber
..
,'
supersensorlal.
~., ... - ~
independente ..do.tempo. Graças a este saber, é possível
vítima e que lhe basta apresentar ao lúcio, como Isca,
ao compositor fazer da futura necessidade vital de um
uma simples amostra de prata, isto é, a imitação muito
gorgulho que ainda não nasceu, a causa do comporta-
genérica de uma carpa pequena.
mento da larva desse gorgulho.
Ora a .Natureza não precisa destas experiências.
O Lophius piscatorius - o tamboril - é um peixe de
grande boca que, próximo do lábio superior, tem um apên-
8. A TOLERANCIA DO SIGNIFICADO
dice ósseo, comprido e móvel. que ele faz ondular, como
se fosse uma fita prateada.
No exemplo do pedúnculo da flor, cuja diferenciação
Tanto basta para atrair peixes vorazes, mais peque- conhecemos já nos quatro mundos-próprios da rapariga,
nos, que, ao abocarern a isca, são precipitados nas pro- da formiga, da larva da aphrophora e da vaca, aquele, 1
.i
fundidades da enorme boca pelo redemoinho que subita- como objecto significante, encontrava-se, em cada caso, I'
mente se forma. perante um novo receptor de significado que podemos
A amplitude da lei do significado alarga-se, neste também designar por utilizador do significado, visto que
1
,\
caso, ainda mais, pois liga a lei da conformação do lophius o pedúnculo é utllizado como adorno, como caminho,
não com a figura da presa perseguida pelo peixe voraz como fonte de material de construção ou como bocado
I
mas com a imagem' muito simplificada dessa presa no "
de alimento, consoante o caso.
mundo-próprio daquele que vem a ser apanhado pelo Mas este exemplo oferece ainda outro aspecto, que I .,,(
lophius.
Exemplo semelhante oferecem as borboletas, orna-
mentadas com manchas ocelares brilhantes, as quals, ao
abrirem as asas, afugentam as pequenas aves que as
se manifesta quando nós, em vez do pedúnculo, introdu-
zimos, como sujeito, toda a planta a que ele pertence e
lhe juntamos os quatro sujeitos anteriores como factores
significantes.
r
.'il'I
perseguem, pois estas, quando se Ihes deparam .os olhos Não se trata então de uma utilização do significado 1I
II
[192] 18 - A. HOMENS [193]
I til
j Ir
I '

I'I ' ~
Il
~ .

~I
i por parte da planta. Receber o significado só pode, neste maneiras muito diversas. Na maior parte das especres,
caso, equiparar-se a sofrê-lo. Esta tolerância apresenta a longevidade dos indivíduos é determinada pela mudança
várias graduações. A diferenciação do pedúnculo em ca- das estações. É evidente que todos os indivíduos que
minho de formigas é fácil de tolerar. Também a extracção vivem um só ano todos os anos cedemo seu lugar a
do suco para a construção da casa da larva da aphrophora nova geração.
se traduz apenas por um ligeiro dano. Mas o corte' d'a "" Extinguem-se assim completamente as sociedades de
flor, por parte da rapariga, e a ceifa da mesma flor por vespas, todos os Outonos, com os seus milhares e mi-
parte da vaca, podem, pelo contrário, ser prejudiciais à lhares de indivíduos e apenas algumas fêmeas sobrevi-
planta. vem ao Inverno para, no próximo ano, fundarem o mesmo
Em nenhum dos .quatro casos se descobre urna lei do número de novos enxames.
significado adequada ao .lnteresse da planta. No Outono, morrem tantas das nossas moscas do-
Do mesmo modo, .0 papel significante que a teia de mésticas, que nós poderíamos considerá-Ias extintas e
aranha desempenha na vida da mosca não é, por forma todavia, logo no princípio do ano seguinte. elas aparecem
nenhuma, aproveitada no interesse da mosca e opõe-se, de novo e em número Igual. O número de moscas que
até, a este interesse. A mosca que se enreda na teia de prematuramente encontram a morte na teia da sua ini-
aranha não pode, de modo nenhum, utilizar este objecto miga - a aranha - desempenha neste balanço um papel
significante, mas apenas tolerá-lo, sofrê-lo. insignificante.
Da mesma maneira, a larva do gorgulho-da-ervilha A migração das aves aniquila, ano após ano, os
que, cuidando do futuro .: abriu o seu túnel através desta, indivíduos excedentes que não estão à altura do enorme
em devido tempo, isto é, antes de esta endurecer, fica esforço por ela requerido.
indefesa perante o objecto significante «Icnêumonve só Não' é só o número de indivíduos que conta para a
lhe resta suportar o causador, da sua morte. espécie mas também a sua capacidade de resistência.
O sentido destes aparentes antagonismos de signifi- Nisto reconhecemos o alto significado que tem a inci-
cado torna-se imediatamente claro, quando nós abstraímos dência, nos indivíduos, de danos que sucessivamente
do indivíduo em particular e consideramos a unidade excluem os mais fracos, da procriação de descendentes
superior da espécie. menos bem dotados.
O princípio de tudo o que é vivo estabelece na Ao arrebatarem as suas débeis presas, os açores e
espécie, que é duradoira, a existência de indivíduos, que as raposas tornam-se beneficiadores das espécies que
são transitórios. Os indivíduos de cada geração empare- perseguem. Nos lugares onde as raposas são aniquiladas,
lham-se; para produzirem uma nova geração e o número as lebres sucumbem às epidemias, porque os animais
dos filhos excede sempre o dos pais. Para que a' espécie atacados de doença não são eliminados a tempo.
mantenha a mesmo número de' indivíduos, têm de su- Os animais a que a doença tolheu os movimentos
cumbir os excedentes. Junta-se assim, na nova geração, têm sobre os seus inimigos uma atracção especial. Disso
o mesmo nú~ero de progenitores para a manutenção da tiram partido muitas aves. Assim, o abibe cuja postura é
espécie. A exterminação dos excedentes opera-se de ameaçada pela aproximação de um inimigo não se limita
. \
[194J [195]
I '

a fugk; finge também manquear e, com esta aparente ,I .~


uma pequena lagarta, do grupo das traças, que se alimenta
incapacidade para o voo, atrai a si o inimigo, até se encon- j I
exclusivamente dos tecidos daquela planta. i
trar suficientemente afastado do ninho e só então voa
e se põe a salvo. Depois de experiências que duraram anos, culti-
varam-se milhões de ovos deste inimigo do cacto, que se
O icnêumon, que ataca traiçoeiramente a larva do
gorgulho-da-.ervilha, é, ele próprio, o protector das ervi-
espalharam pelas regiões ermas onde este se desenvolve ,i
lhas, que, se não fora ele, seriamsacrificadas ao exce-
e, em poucos anos, foi possível destruir os cactos devas- II
tadores e conquistar novamente o solo para a cultura.
dente dos seus inimigos.
É altamente apaixonante seguir as composições da 1I
A Austrália oferece-nos um exemplo notável de como Natureza e averiguar que significado convém a cada tole-
é importante para a vida vegetal e animal a intervenção rância de significado.
desses inimigos específicos.
Há cem anos, uma camponesa que emigrou da Amé-
Dois pontos de vista Importa então consid'erar: ou o
excesso de indivfduos é eliminado pela tolerância do
~~:II.
rica do Sul para a Austrália levou consigo uma estaca significado, no interesse da própria espécie - e, neste
de figueira-da-índia, que se deu admiravelmente na nova caso, todos os indivíduos doentes e de limitada resis-
pátria. Em breve se reconheceu a grande utilidade desta tência são segregados -, ou então a eliminação dos indi-
planta; eriçada de picos, para a vedação de jardins e víduos em excesso faz-se no interesse da economia da
fazendas. Plantaram-se então figueiras-da-índia por toda Natureza.
a parte. Assim, segundo K. E. Baer (1), o excedente das larvas
Ora esta planta, que começou por ser tão útil, acabou de mosquito serve de alimento aos peixes e o mesmo
por se transformar numa praga. Invadiu os jardins e os parece poder dizer-se .do excedente de girinos de rã.
campos que devia proteger. Espalhou-se pelas florestas, Foi um erro basilar de Herbert Spencer (2) interpretar
e onde quer que chegava destruía toda a vegetação. o aniquilamento dos descendentes em excesso como
Quando já vastas áreas se encontravam devastadas, «sobrevivência dos mais aptos» para, sobre essa ideia,
intervieram as autoridades, que mandaram atacar o novo fundamentar o progresso na evolução dos organismos.
inimigo a machado e por meio do fogo. Como o processo Não se trata, de modo algum, de uma «sobrevlvêncla dos
não surtisse efeito, mandaram-se aviões espargir tóxicos mais aptos» mas de uma sobrevivência dos indivíduos
sobre as florestas atingidas pelo cacto. O resultado foi normais, em benefício da subsistência imutável" da
que todas as outras plantas morreram e o cacto continuou espécie.
a prosperar.
No seu desespero, as autoridades dirigiram-se então
aos institutos botânicos das Universidades. E estes en-
viaram um grupo de investigadores qualificados à pátria
de origem da figueira-da-índia, na América do Sul. Foi (I) V. n. 1 pág. 62.
possível a estes observadores experimentados descobrir (2) Herbert Spencer (1820-1903), filósofo inglês, adepto do
conceito de evolução. (N. da ed. alemã.)
[196]
[191]
;t' ,I
,I

•I
~ 9. A TÉCNICA DA NATUREZA da flor veio assim a entrar num dueto de amor. A formiga
~.1 que utilizava o pedúnculo como passagem, corria ao longo

,,
j i
Era, se bem me lembro, uma sinfonia de Mahler, que
Mengelberg dirigia, de forma arrebatadora,
gebouw, de Amsterdão.
por coros masculinos
A grande orquestra,
e femininos
no Conzert-
reforçada
elevava-se lrreslstl-
dele, até ao ovário da flor e aí rnunqla as suas «vaca?
leiteiras» - os pulgões. Quanto à vaca, essa transfor-
mava, finalmente, em leite o pasto de que o pedúnculo
f~zia parte, A larva da sphrophorecteecí«. no seu abrigo,
I velmente, em esplendor e magnificência. ' ••.. feito do suco que o pedúnculoIhe, tinha fornecido e em
I
Perto de mim, estava sentado um jovem, completa- bre~eench ia o prado com o' seu. doce canto de amor ~
!
Outros mundos"próprios, se -vieram juntar ,,~ estes.
I T
mente mergulhado na partitura, a qual fechou, com um
As abelhas, que estavam associadas, em contrapronto,
suspiro de satisfação, quando se ouviu o último acorde.
.Na minha falta de preparação musical, perguntei-lhe com o aroma, a cor e.aforma das flores, acorriama elas
que prazer podia sentlr em acompanhar com os olhos, na ~; depoi~d~'se}Em~m :p'~':néctar; Gomu~i?av~m
~aci:c;t,~;~
partitura, o que os ouvidos podiam captar directamente. às ccmparihelrasu nova fonte' descoberta; por, meiode
Todo ardendo e 11) zelo, assegurou-me então que só quem danças lmpresslonantes. que V9IJFr,iscn(') descreve por-
segue a partitura pode atingir a visão integral de uma menorizadamente.
obra de arte musical. Cada voz, de pessoa ou instrumento, Na verdade, a cor das flores não é, para as abelhas,
representava um ser em si próprio que, todavia, se a mesma que é para nós; serve-lhes, no entanto,de certa
fundia, em ponto e contraponto, com outras vozes, numa característica, pois a flor e a abelha estão compostas
forma superior que, por seu lado, se ampliava, ganhava uma para a outra em contraponto.
em riqueza e beleza, para nos dar, por fim, no seu con- Trata-se, evidentemente, de uma tentativa modesta,
junto, a própria alma do compositor.
mas, de qualquer modo, de uma tentativa, para resolver o
lendo a partitura, podia acompanhar-se o crescendo problema que uma partitura da Natureza põe perante n6s.
e o decrescendo das vozes individuais que, como as Nós podemos reduzir a um mesmo denominador todos
colunas de uma catedral, suportam a abóbada omnlpo- os instrumentos musicais, se dispusermos, como num
tente.Bõasstm se podia ter uma perspectiva da complexa carrilhão, os sons que eles produzem. Teremos então,
formação da obra de arte executada.
para o violino, um jogo de sons riquíssimo, constituído
Esta dissertação, feita em termos muito convincen- exclusivamente por sons de violino: para os sóns da
tes, despertou em mim um problema: se, porventura, será harpa, estabeleceremos um jogo diferente e mais sim-
missão da biologia escrever a partitura da Natureza. ples, que, no caso dos ferrinhos, desce até ao mínimo
Já então me eram familiares as relações harmónicas, indispensável.
em contraponto, de mundo-próprio para mundo-próprio e A cada composição musical é posto o problema de
retomei o exemplo do pedúnculo da flor, nas suas rela-
ções com os quatro mundos-próprios mencionados.
(') Karl von Frich (1886), zoólogo que fez importantes inves-
, O ramo, de flores que a rapariga ofereceu ao namo-
tigações sobre a fisidlogia dos sentidos nas abelhas e nos peixes,
rado era agora usado por este como adorno e o pedúnculo Ver também n. 1, pág. 55, (N. da ed. alemã.)
\ ' ( ,

[198] r199]

.J
I' l~

!I
, 'r
:
Jf
I~I
~~!I
1
escolher, do jogo de sons de cada instrumento, aqueles para relações musicais e falar de tons ou teores percep- ! , ,
I,:

1
'I: i I
~~jl
que formam uma sequência melódica e, ao mesmo tempo,
ligá-I os harmonicamente com os sons dos «repiques •• de
outros instrumentos.
Tudo isto se passa segundo a teoria do contraponto,
que estabelece as regras, de acordo com as quais se
tivos e de tons ou teores efectores dos vários sujeitos
animais que se ligam uns aos outros em contraponto.
Só então podemos chegar a uma partitura da Natureza.
Na Natureza, os teores perceptivos de vários animais
podem ser utilizados em contraponto. Assim o som de
"I

::j!
111 [
podem combinar numa partitura os sons de várias vozes. '
Mas ao compositor fica a liberdade de ligar, em contra-
chamamento emitido pelo morcego no seu mundo-próprio
é, simultaneamente, um som de aviso no mundo-próprio,
ponto, os sons de um Instrumento com os de qualquer da borboleta.
~ll I
I A concha que o búzio transporta tem, para ele, um
outro.
b 1
·1 Para pôr em paralelo o que se passa com os animais teor de habitação; mas depois de morto o búzio, a sua
Ili l Q o que se passa com os Instrumentos musicais, bastará concha esvaziada passa a ter para o casa-roubada, um

lI,li!i considerar o sistema nervoso central como um carrilhão. novo teor de habitação. Esta identidade de teores é apro-
veitada na composição búzio-casa-roubada.
Chamaremos então «sons perceptlvos» aos sinais per-
~n~! ceptivos das suas células vivas que são projectados no Tal como ao compositor de uma sinfonia não são

r~1
,fI,~i
exterior como notas características e designaremos por
-sons efectores •• os impulsos que provocam a execução
postos limites na escolha de instrumentos, também a
Natureza é completamente livre na escolha dos animais
de movimentos. que pretende ligar em contraponto. O apêndice pescador
lu I1 do lophius está constituído em contraponto com o teor
,R~ Cada animal é capaz, como qualquer instrumento, de
um determinado número de sons, que entram em relação de preensão do esquema que deve atrair o peixe, sua
i~«! contrapontal com os sons de outros animais. presa. As designações de teor de preensão e teor de
Não basta, como os mecanistas faziam, tratar os ins- habitação mostram que, na aplicação da comparação
tli I ~
, ) trumentos de música como simples produtores de ondas musical ao caso dos animais, nós abandonámos, de vez,
JI ~' de ar. Com essas ondas, ninguém pode criar uma melodia a pura teoria da música, pois segundo esta, pode falar-se,
~.~
ou uma harmonia, nem compor com elas uma partitura. de um som de violino ou de um som de harpa mas nunca
) Só a relação das ondas do ar com o órgão auditivo do de um teor de «preensão da vítima •• ou de um teor de

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~ll
homem, onde estas se transformam em sons, pode tornar ••habitação» de urna casa, ou do teor de «beber» de' uma
.J possível a produção de melodias e harmonias e a com-
posição de partituras.
taça ou do teor de «assento» de uma cadeira. E todavia,
a grande aplicabilidade da comparação musical ao campo

'~ Também não basta atribuir aos animais e às plantas biológico reside na extensão do conceito «som», do sim-
de um prado a função de espalhar no espaço as cores, ples som audível ao teor significante dos objectos que
''/ os sons e os odores que Ihes são particulares e que, aparecem como portadores de significado no mundo-pró-
afinal, só nos mundos-próprios de outros animais são prio de um sujeito.
I
captados e depois transformados em percepções. Quando dizemos que o teor de habitação da concha,
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Podemos, então, transpor as relações dos organismos no mundo-próprio do búzio, pode representar-se em con-
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J [200] [201] ,
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traponto com o teor de habitação, no mundo-próprio do Mas quem já tenha ouvido palhaços-músicos, que se
casa-roubada, queremos dizer com isso que cada um dos servem de instrumentos para, com eles, produzirem
dois teores, sem se identificar com o outro, pode, no ruídos (pentes, chocalhos, etc.) convencer-se-á de que é
entanto, ser transferido para esse outro, pela composição possível, sim, com tal orquestra, executar uma cacofonia,
da Natureza, visto terem ambos o mesmo significado. mas nunca uma sinfonia.
Em lugar da harmonia, na partitura, musical, intervém o Os instrumentos de uma verdadeira orquestra, se os
~ignificado, na partitura da Natureza, que serve de elo:' "" observarmos com mais rigor, apresentam, logo na sua
de ligação, ou melhor, de' ponte, para ligar dois factores estrutura, uma relação em contraponto.
naturais. Isto revela-se-nos ainda com mais clareza numa
Com efeito" tal. como, uma ponte tem, em cada mar- orquestra natural, como um prado no-Ia apresenta. Basta
gem'do .rlo, os seusapoios, que ela liga em ponto e con- que pensemos' na flor integrada nos quatro mundos-pró-
traponto, assim também são estes ligados na música, prios. Essa relação revela-se-nos ainda mais flagrarite-
pela harmonia, e na Natureza, pelo mesmo significado. mente entre a estrutura da flor e a da abelha e dela se
Em numerosos exemplos, que podem até ter fatigado pode' dizer: ' ,
o leitor, já demonstrei que, neste caso, se trata de ver-
dadeirosfactores naturals .e ,não apenas de conceitos, Se na flor não houvesse qualquer coisa de abelha
bloloqlcos. , E ria abelha não houvesse qualquer coisa de flor,
Nós fomos já tão longe, que podemos considerar Nunca o acorde seria possível.
a partitura do significado como interpretação da Natureza,
a.qual pode pôr-se a par de uma interpretação, em música, Nestes versos se exprime o princípio fundamental
por me.ioda partitura traduzida em' notas. ' de toda a técnica da Natureza. Nele reconhecemos, mais
Se agora atentarmos numa orquestra, veremos, em uma vez, a sabedoria de Goethe:
cada um dos papéis que se encontram nas estantes indi-
Se nos olhos não houvesse qualquer coisa de Sol,
viduais, em escrita musical, as partes dos diferentes
Nunca eles poderiam vê-Ia.
naipes, enquanto a partitura total repousa na estante do
regente. Mas vemos também os próprios instrumentos
Mas nós podemos agora completar a sentença de
e perguntamo-nos se estes, porventura, não se ajustarão
Goethe, dizendo:
uns com os outros, não só pelo som que cada um produz
mas também por toda a sua estrutura, isto é, se não
Se no Sol não houvesse qualquer coísa de olho,
constituirão uma unidade, não só musical como tecnica-
Em nenhum céu ele emitiria raios.
mente.
Como a maior parte dos instrumentos da orquestra O Sol é uma luz celestlal. Mas o céu é um produto
são, por si próprios, capazes de produções musicais, não dos olhos, que dele fazem o seu horizonte mais distante
se pode responder afirmativamente a essa pergunta sem - aquele que envolve o espaço do seu mundo-próprio.
hesitações. \
Os organismos sem olhos não conhecem o céu nem o Sol.

[202] [203]
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da chávena consiste em conter café e, mais ainda, que


10. O CONTRAPONTO, CAUSA DETERMINANTE
essa função foi o motivo do seu fabrico.
DA CONSTITUiÇÃO DA FORMA
A doutrina do significado culmina na revelação desta
correlação.
Podemos agora aplicar também aos outros exemplos
O significado do nosso objecto de utilidade reside,
aduzidos a regra técnica fundamental que se exprime na
para nós, na sua função, que é sempre possível fazer
conformidade da abelha com a flor e na conformidade da
remontar a uma ligação do contraponto existente nesse
flor com a abelha. objecto com o homem. Essa ligação cria simultaneamente
É claro que a teia de aranha é de estrutura ajustável o motivo para o seu próprio lançamento.
à mosca, porque a própria aranha já o é também. Ser A cadeira, no seu significado de dispositivo que se
ajustável à mosca significa, neste caso, que, na sua ergue acima do solo para servir de assento, é constituída
estrutura, a aranha adoptou certos elementos da mosca. por claros meios de ligação com vários contrapontos no
Não de uma determinada mosca mas do seu protótipo. corpo do homem. O assento propriamente dito, as costas
Para nos exprimirmos melhor: quando dizemos que a e os braços encontram no corpo humano os elementos
aranha é ajustável à mosca, queremos significar que, na correspondentes com que estão relacionados, enquanto
sua constituição corpórea, aquela adoptou para si certos
os pés da cadeira formam nítidas ligações com o con-
motivos ou determinismos da melodia da mosca. traponto solo. Por sua vez, todos estes contrapontos são,
É muito nítida a interferência dos determinismos par-
para o marceneiro, causas determinantes da construção
ticulares de certos mamíferos no plano somático da
da cadeira.
carraça. Mais nítido que em qualquer caso é a acção do
Levar-nos-ia demasiado longe, aduzir mais exemplos
determinismo do morcego na estrutura do órgão auditivo
como este. Deve ser bastante a indicação de que, com
da borboleta nocturna.
todos os objectos que utilizamos, lançamos pontes que
Em toda a parte, é o contraponto que se manifesta,
ligam a nossa pessoa com a Natureza, da qual. todavia,
como causa determinante da constituição das formas,
não nos aproximámos mas, pelo contrário, nos afastámos
o que, aliás, já nos devia ser familiar a partir da estru-
cada vez mais. Começámos então, em ritmo cada vez
tura dos objectos úteis ao homem.
mais lesto, a lançar pontes para outras pontes que, j~ na
Uma chávena de café, com a sua asa, mostra-nos
construção de máquinas simples não são ignoradas pelo
imediatamente as relações em contraponto, por um lado,
homem ainda próximo da Natureza. Na grande cidade, nós
com o café e, por outro lado, com a mão do homem. ,
vivemos rodeados só de coisas artificiais, pois as próprias -.
Estes contrapontos influenciam, em primeiro lugar, as '!i\
árvores e flores dos nossos jardins, que nós arrancamos
causas determinantes no fabrico da chávena. Até são,
e transplantamos a nosso bel-prazer. foram arrebatadas
na verdade, mais importantes do que o material de que
ao conjunto da Natureza e transformadas por nós em
a chávena é feita.
Parece de uma evidência vulgar o dizer-se a frase: a
objectos úteis ao homem. 'l
A tão prezada técnica do homem perdeu, para a Natu- I
chávena de café é constituída para o café. A frase, toda-
via, significa mais do que parece. Ela diz que a função
reza, todo sentido, pois propõe-se resolver os mais pro-
II j
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[204] [205] ~:

I .
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fundos problemas da vida, como as relações do homem Logo no princípio, começamos por pôr, ainda entre os
para com a natureza de Deus, com a sua matemática vertebrados, o que respeita às questões técnicas. Pode-
insuficiente. mos relacionar o despontar dos órgãos que estão sujeitos
Tudo isto é secundário. Muito mais importante é a um plano elementar com o facto de o significado de
obter uma ideia dos caminhos que a Natureza segue para cada esboço de órgão ser fixado pela sua situação no
derivar, do germe não diferenciado, as suas criaturas; ~, todo, de modo que não pode dar-se qualquer erro de signi-
que ela, ao contrário de nós, não estrutura separada-': "" ficado ou qualquer duplicação.
mente. Esta fixação é tão segura que, como Spemann mos-
O filme de Arndt, acerca do bolor-viscoso, mostrou- trou, um enxerto de epiderrne de girino de rã feito no
-nos, como primeira fase da' vida, uma acumulação cada germe do tritão,' no lugar da futura boca deste, trans-
vez maior dei formas amibóides autônomas. que são cons- forma-se realmente em boca, mas numa boca de girino
titUídas em contraponto com a sua alimentação de bacté- de rã, porque a partitura de formação da boca da rã foi
rias. Esgotados os alimentos, Intervém subitamente um transmitida simultaneamente com as células desta. 'I,f

novo coritraponto, como causadetermlnante. que trans- Se arrancássemos uma folha ao caderno com a parte
forma as células amibóides que se acumularam umas do primeiro violino e a colocássemos no lugar corres-
sobre as outras, em células, unidas em tecido, de uma pondente ao papel do violoncelo, produzir-se-ia uma dis-
planta exposta ao vento. crepância semelhante àquela.
Sa olharmos para o pequeno mundo do boiar-viscoso Para o caso das partituras da estruturação de formas
que, como ténue cabeleira encima um montículo de é muito elucidativa a abertura do túnel pela larva do
estrume seco de cavalo, nós descobrimos que, além do gorgulho-da-ervilha. Aqui, o contraponto, que se torna
corpo do bolor, portador de germes, só existe outro causa determinante da abertura do túnel, é a verdadeira
factor natural actuante: o vento que dispersa esses forma, que só mais tarde aparece, do gorgulho adulto,
germes. o qual, sem a saída preparada pela larva, teria de sucum-
O portador e o dispersador de germes fundiram-se bir. Pode, pois, a forma futura desempenhar um papel,
num dueto. São, antes de mais nada, as formas amibóides como causa determinante, na metamorfose?
livres que,' com os seus teores individuais semelhantes, Isto abre outras possibilidades. Se a forma futura
constituem um carrilhão vivo. que estabelece o objectivo da conformação pode, ela
A Natureza joga com elas, transforma-as em células própria, tornar-se a causa determinante, então tem razão
constitUtivas de tecido, segundo novo determinismo, e K. E. von Baer, quando fala de um finalismo na formação
constrói com elas uma forma portadora de germes que se dos organismos. Simplesmente, ele não abrange, com
expõe' ao vento. isso, a totalidade dos factos.
Este fenómeno é, para nós, tão inconcebível como a Ouando a aranha tece a sua teia, as várias fases da
mudança de motivo numa sonata de Beethoven. A nossa construção da rede e a sua disposição em forma radiada
missão, porém, não é compor uma sonata da Natureza podem considerar-se, simultaneamente, como objectivo
mas somente rscrever a sua partitura. e causa deterrninante da moldagem da rede. Pode, talvez,

[206] [207]

J
\

designar-se a \rede, mas nunca a mosca, como objectivo pela técnica da Natureza, que foi substituído por espe-
da construção. Esta última, porém, serve, possivelmente, culações sobre a influência dos antepassados, principal-
de contraponto e causa determinante para essa cons- mente por iniciativa de Haeckel ('). Ninguém poderá re-
trução. conhecer uma actividade técnica na afirmação de que os
O exemplo dos tortricídeos mostra-nos eloquente- anfíbios derivaram dos peixes. Particularmente as con-
mente quantos enigmas ainda nos guardará a técnica da cepções acerca dos chamados órgãos «rudimentares»
Natureza. Situam-se frente a frente dois concorrentes encarregaram-se de desviar as atenções dos verdadeiros
constituídos em contraponto: o pequeno rinóptero, pro- problemas técnicos.
vi do de uma serra, que utiliza como ferrão, e a folha Só a demonstração, feita por Driesch, de que, de um
grande da bétula, que há-de ser serrada. O pe~curso germe de ouriço-da-mar cortado ao meio resultam, não
seguido pela serra deve ser tal que, em sequida, o duas metades de ouriço mas dois ouriços inteiros, com
coleõptero possa enrolar, sem dificuldade, a parte infe- metade do tamanho do primitivo, veio abrir caminho para
rior da folha, em forma de funil alongado, onde põe uma compreensão mais profunda da técnica da Natureza.
os ovos. Tudo que é material se deixa cortar com uma faca. Mas
Este percurso, que apresenta uma curvatura carac- J uma melodia é diferente. A melodia de uma canção, que
terística, tem extensão constante para todos os tortricí-
deos, embora não exista na folha da bétula qualquer ves-
tígio de um traçado indicativo do caminho a percorrer.
I é executada por um carrilhão autónomo de sinos vivos,
permanecerá invariável, mesmo que ela dirija apenas
metade do número inicial de sinos.
Será o próprio "percurso constante ••a causa determinante
do seu estabelecimento?
Isso faz parte dos segredos de composição natural 11. O PROGRESSO
que nós, no estudo da técnica da Natureza, encontramos
a cada passo. Desta vez foi na bonita Igreja de S. Miguel, em Ham-
O primeiro investigador que se ocupou dos problemas burgo, ao ouvir a Paixão de S. Mateus que se me revelou
da técnica da Natureza parece ter sido Lamarck I'l. De novamente o paralelo, no campo da biologia. Esta obra
qualquer modo, a tentativa que empreendeu para harmo- sublime, entretecida dos mais belos cânticos, desenvol-
nizar o desenvolvimento do longo pescoço da girafa com via-se em ritmo fatal, irresistível. Mas não se tratava,
o alto tronco das acácias, constitui a primeira indicação certamente, do progresso que os investigadores julgaram
de um comportamento contrapontal. descobrir no desenrolar, no tempo, do fenómeno natural.
Perdeu-se, mais tarde, completamente, o interesse Por que razão é que o grandioso drama da Natureza,
que se desenrola desde o aparecimento da vida na Terra,
(') Jean Baptiste Antolne Pierre de Monet de lamarck (1744- não havia de ser, em sublimidade e profundeza, uma única
1829), zoólogo francês, Introduziu um novo Sistema do Reino Animal, composição, como a Paixão?
elaborou a primeira doutrina da descendência dos organismos. sequlu
o ponto de vista da transmissão hereditária dos caracteres adqui-
(fI Ernst Haeckel (1834-1919).zoólogo alemão, renovador da
ridos. (N. da ed. alemã.)
Biologia, adepto' de Darwin. (N. da ed. alemã.)

[208] H-A. HOMENS [209]

li
A evolução, tão altamente encarecida, que devia con- tido ao significado e este adoptava órgãos diferentes ao
duzir os organismos, de início tão imperfeitos, à organiza- habitat variável. O significado ligava o alimento e aquele
ção cada vez mais perfeita não passava então de uma que o devora, o inimigo e a presa, e principalmente o
especulação mesquinha sobre as imposições prementes macho e a fêmea em assombrosa diversidade. Em todos
do próprio problema? os casos se nota uma progressão mas· nunca um pro-
A mim, nunca se me deparou, riem mesmo nos ani- gresso, no sentido da sobrevivência da adaptado, nunca
mais mais simples, o mais pequeno vestígio de imper- uma selecção do mais dotado, por meio de uma furiosa
luta pela existência, desprovida de um plano. Em vez 11
feição. ~anto quanto eu podia julgar, o material disponíveJ ' I
para a construção tinha sido utilizado da melhor maneii-à:' ""
Cada animal tinha provido o seu cenário de vida com
disso, reinava uma melodia em que vida e morte se entre-
laçavam.
~I .
q
todas as coisas e todos os outros animais que, para a sua Decidi apresentar ao nosso maior historiador esta I
vida, tinham significado. questão: poderá falar-se de um progresso na história
,As propriedades do animal e as. propriedades dos da humanidade?
seus comparsas ajustavam-se perfeitamente, em todas as Leopoldo von Hanke, nas suas tpocas da História
clrcunstãnclas, como' pontos e contrapontos de um coro Moderna, escreve: «Se admitíssemos que este progresso
de muitas vozes. consistia apenas em a vida da humanidade se elevar, em
cada época, a um nível mais' alto, em que, portanto, cada
Era como se a mesma mão de mestre corresse, desde
geração ultrapassa inteiramente a anterior e a' última é
tempos imemoriais, por sobre as teclas da vida. As com-
sempre a preferida, em prejuízo das outras, que se limi-
posições seguiam-se umas às outras, em número infinito,
graves e ligeiras, esplêndidas, e horríveis. tam a trazer, em si, a geração seguinte, admitiríamos,
Nas ondas do mar primitivo, moviam-se crustáceos, 'lmpllcltamente; uma injustiça da divindade. Uma tal gera-
simples, sim, mas de organização, perfeita. Decorreram vão, esporádica, descontínua, não teria significado nem
grandes períodos e chegaram, os dias do reinado dos em si nem por si pois só significaria alguma coisa na
cefalópodes que .os tubarões fizeram desaparecer. Dos medida em que fosse degrau de acesso para a geração
pântanos quentes da terra firme" surgiram os sáurios, seguinte e não estaria em relação directa com a divin-
que,com as suas dimensões gigantescas, elevaram a vida dade. Todavia, eu afirmo: cada época está imediatamente
até ao.rnalor grotesco. Mas a mão do Mestre continuou a em Deus e o seu valor não reside, de modo alqum-naqullo
correr sobre os .seres. Do antlqo tronco, surgem, em que produz mas na sua própria existência, no seu pró- I
\

novas melodias de, vida, novas formas que se desenrolam prio ser.»
em centenas de variações, sem nunca revelarem a passa- Ranke rejeita o progresso nahistórla da humanidade,
g~m do incompleto para o mais completo.
É certo que os mundos-próprios foram, no princípio
porque todas as épocas remontam directamente a Deus
'e, consequentemente, nenhuma pode ser mais perfeita
)
do drama universal, mais simples do que haviam de ser
mais .tarde: mas sempre neles se opunha um receptor de
que a outra. III!I'
11
Que podemos nós entender por uma época, no sen- til ,I
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significado 'ao objecto significante. Tudo estava subme- tido que Ranke lhe atribuiu, senão um grupo homogéneo
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[210] [211]
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de mundos-próprios
espaço de tempo?
do homem dentro de um limitado diferentes das do homem. A proprra escala de dureza
deve ser totalmente diferente para os icnêumones que
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Daí se conclui que cada mundo-próprio deste grupo perfuram, como se fosse manteiga, a mais rija madeira l''~I
I!'"
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remonta directamente a Deus, visto que todos eles per- de pinho.


'I I v.
tencem à mesma composição, cujo autor é Deus, na ex- Nem uma única propriedade da matéria se conserva
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pressão de Ranke.
Ora a palavra Deus é exactarnente aquilo com que
a mesma quando percorremos a série de mundos-próprios
das diferentes espécies. De mundo para mundo, em cada II
I
1 :,'
I
I I"
investe todo o materialista, o qual admitiria uma compo- um dos objectos que observamos muda, não só o teor
sição ao acaso, no decurso de larguíssimos espaços de significante mas também o arranjo de todas as suas pro- 'III
tempos, se lhe quiséssemos conceder que a força e a priedades, tanto materiais como formais. I'
matéria se mantiveram as mesmas desde o princípio do
mundo e que a lei da conservação da energia tem valor
A matéria é, no mundo-próprio do homem, o rocher
de bronze sobre o qual parece assentar todo o universo
L,
eterno e universal. quando, afinal, ele se volatillza de um mundo para outro.
No princípio da minha discussão,
estudo dos mundos-próprios
mostrei que o
prova, em primeiro lugar, a
1 Não! A imutabilidade da matéria, em que os materia-
listas se entrincheiram não constitui base sólida para uma
I 1
I
'I
1

inconstâncla dos objectos, que dentro de cada mundo- concepção geral do mundo.
-próprio, mudam também de conformação, sempre que Muito mais bem fundamentada que a imutabilidade
mudam de significado. O mesmo pedúnculo da flor passou da matéria é a imutabilidade dos sujeitos. Mas os sujeitos
a ser, nos quatro mundos-próprios, quatro objectos também se compõem de matéria - objectarão os mate-
diferentes. rialistas. ~ certo. Mas a matéria dos corpos, que é pró-
Só resta agora mostrar, com auxílio dos exemplos já pria dos sujeitos, tem de ser reconstituída em cada
mencionados, que também a constância da matéria é uma geração.
Ilusão. As propriedades da substância de um objecto Aquilo que cada indivíduo, em particular, recebe de
li. dependem das escalas sensoriais do sujeito, cujo mundo- seus pais sob a forma de matéria, é extremamente insig-
I
-próprio estamos a analisar. nificante: reduz-se a uma célula germinal divisível e a um
I!lf
Se observarmos a cor, aos nossos olhos amarela, «teclado» de corpúsculos estimulantes chamados genes

d de uma flor em que certa abelha poisou, podemos dizer


afoitamente que, no mundo-próprio da abelha, a flor não
é amarela (é talvez o que nós chamamos vermelha) pois
que, no acto da divisão da célula é recebido por cada
uma das células filhas. Com efeito, esse «teclado» torna
possível às melodias morfogenéticas fazê-I o soar, como
a escala das cores nos olhos da abelha corresponde a nas teclas de um piano e deste modo realizar a estrutu-
uma escala de ondas de éter que é diferente da dos ração das formas. Cada corpúsculo estimulante que é
nossos olhos. Sabemos também que a escala de sons posto em acção insinua-se, como impulso diferenciado,
na borboleta nocturna, a escala de odores numa carraça, no protoplasma da sua célula, para promover a estrutura
a escala de gostos de uma minhoca e as escalas de forma correspondente.
da maior parte dos invertebrados são completamente As melodias morfogenéticas que, deste modo, se

[212] [213]
estruturam, vão buscar os seus motivos às melodias da Lua para o olho de um animal, mais importante é o
morfogenéticas de outros sujeitos que elas encontrarão seu significado, como motivo, na estruturação do olho.
nos seus cenários de vida: Quanto mais amplo é o significado dos mamíferos
no mundo-próprio da carraça, mais importante é também
a participação da melodia morfogenética dos mamíferos
Se na flor não houvesse qualquer coisa de abelha
como determinante da estruturação da carraça, nomeada-
Se na abelha não houvesse qualquer coisa de flor,
mente como cheiro do ácido butírico, como resistência
Nunca o acorde seria possível.
dos cabelos, como calor e penetrabilidade da pele.
A carraça é totalmente indiferente que os mamíferos
Os motivos são tirados, orado ciclo da nutrição, ora possuam milhares de outras propriedades. Só aquelas que
do ciclo da defesa, ora.do ciclo do sexo. t:do ciclo do são comuns a todos os mamíferos intervêm como causas
hâbitat que' a' melodia morfoqenétlca tira à maior parte determinantes na estruturação da carraça, tanto no que
dos 'seus motivos e por isso a estrutura dos nossos olhos respeita aos seus órgãos-de-percepção como' aos seus
é ajustada' à 'luz do sei. e a da folha do bordo. comas órgãos-de-impulso.
suas goteiras, é ajustada à chuva. Seríamos constantemente induzidos em erro, se qui-
séssemos introduzir a medida-padrão deste nosso mundo
Graças à captação de motivos exteriores, o corpo
na apreciação dos mundos dos animais. Poderia, no ,I
de cada sujeito constitui-se receptor de significado da-
entanto, afirmar que toda a Natureza participa, como
queles objectos significantes cujas melodias estrutura-
motivo, na formação da minha personalidade, no que res-
doras adquiriram, como motivos, conformação no seu
peita ao meu corpo e ao meu espírito - pois se não
corpo.
fosse assim, faltar-me-iam os órgãos para reconhecer a
A flor actua, portanto, sobre a abelha como um feixe
Natureza. Posso, porém, exprimir-me mais modestamente,
':1 (
I
de contrapontos, porque a sua melodia estruturadora,
'dizendo: «Eu participarei da Natureza, na medida em que
rica de motivos, intervém na estruturação da abelha e
ela me tenha feito intervir numa das suas composições. \
vice-versa. f
Eu não serei então exactamente um produto da Natureza I
I
O Sol, das alturas do céu, emite os seus raios sobre toda, mas apenas o produto da natureza humana, para
mim, simplesmente porque ele, o nosso mais importante além da qual me não é dado possuir qualquer conheci-
componente .da Natureza, entra, como motivo principal, mento. Tal corno a carraça é apenas um produto da 'natu-
na estruturação dos meus olhos. reza da carraça, assim também o' homem permanece
O Sol parece tanto maior e mais radiante no céu do ligado à sua natureza humana, da qual cada indivíduo vem,
mundo-próprio de um olho, quanto maior é a sua influên- por sua vez, a resultar.
cia na estruturação deste; e parece tanto menor e mais A nossa vantagem sobre os animais está em que
lnsiqniflcante quanto menor e mais insignificante é a podemos ampliar os limites da natureza inata do homem.
parte que tomou nessa estruturação (como na toupeira). É certo que não nos é possível criar novos órgãos; pode-
Se considerar-mos agora a Lua, em vez do Sol, pode- mos, no entanto, muni-Ias de meios auxiliares. Criámos
;,','1
mos igualmente afirmar que, quanto maior é o significado ~ instrumentos de percepção e trabalho que oferecem,
~
:1
I,
[214] [215]
àqueles de nó~ que saibam utilizá-Ios, a possibilidade de dão para o jardim: a janela da luz, a janela do som, a
. aprofundar e ampliar o seu mundo-próprio. Mas os limites janela do cheiro, a janela do gosto e um grande número
desse mundo-próprio ninguém os ultrapassa. de janelas do tacto.
Só o reconhecimento de que tudo na Natureza é Visto de casa, o jardim muda de aspecto consoante
criado segundo o seu significado e que todos os mundos- a estrutura da janela. Não se apresenta, de modo nenhum,
-próprios são inseridos, como vozes, na partitura do como simples parcela de um mundo maior, mas como um
mundo nos abre o caminho para a evasão da estreiteza mundo único, particular à casa: o seu mundo-próprio.
do nosso mundo-próprio. O jardim que os nossos olhos vêem é fundamental-
Não é a dilatação do espaço do nosso mundo-próprio' mente diferente daquele que se oferece aos habitantes
em milhões de anos-luz que nos eleva acima de nós da casa, em especial no que respeita às coisas que
próprios mas o reconhecer que, além do nosso mundo nele se encontram.
pessoal, também os mundos-próprios dos nossos irmãos' Enquanto nós distinguimos no jardim milhares de
humanos e irracionais estão contidos num plano que pedras, plantas e animais diversos, os olhos do habitante
tudo abrange. da casa só enxergam um número limitado de coisas no
seu jardim - só aquelas, na verdade, que têm significado I
para o sujeito que habita a casa. Esse número pode redu- ,I
12. RESUMO E CONCLUSÃO zir-se a um mínimo, como no mundo-próprio da carraça,
\'

Se compararmos o corpo de um animal com uma


no qual surge sempre o mesmo mamífero com um número
perfeitamente limitado de propriedades. De todas as coi-
'I
I, ,.
I,
casa, diremos que, até hoje, os anatomistas e os flslólo- sas que nós descobrimos em volta da carraça - flores I! .
1 0
'

gos têm estudado, com rigor, respectivamente, o tipo odorosas e coloridas, folhas que ramalham, aves canoras ir
de estrutura e as possibilidades de funcionamento da - nem uma só existe no mundo-próprio da carraça.
casa.
Mas os ecólogos sempre têm descrito o jardim como
Mostrei como o mesmo objecto, transferido para
quatro mundos-próprios diferentes, adquire quatro signi-
r-
ele se apresenta aos nossos olhos - os olhos humanos
- sem descrever também o aspecto que ele oferece
ficados diferentes e como, em cada caso, as suas pro- I
priedades mudam radicalmente.
quando observado pelo sujeito que habita a casa. O facto só pode ser explicado deste modo: funda-
E, todavia, este aspecto tem mais largo alcance do mentalmente, as propriedades das coisas não sãó mais
que pode parecer. O jardim da casa não se confina, como do que notas-características, atribuídas a essas coisas
a nossos olhos se afigura, a um mundo que tudo abrange pelo sujeito com que elas entraram em relação.
mas do qual nos mostra apenas uma pequena parte; é, Para compreender isto, devemos recordar-nos de que
antes, Circundado por um horizonte que tem a casa como cada corpo de um organismo é constituído por células
centro. Cada casa tem a sua própria abóbada celeste, vivas que, no seu conjunto, formam um carrilhão vivo.
onde se movem o Sol, a Lua e as estrelas, que também A célula viva possui uma energia específica que lhe per-
dlrectamente lhe pertencem. mite responder, com o seu teor individual, a toda a acção
Cada casa tem um certo número de janelas, que exterior que com ela entra em contacto. Os teores indi-

[216] [217]
viduais podem ligar-se entre si, por meio de melodias e Ora essa estrutura nunca existe logo desde o prin-
não precisam da conexão mecânica dos seus corpos celu- cípio. Pelo contrário, cada corpo inicia o seu arranjo
lares para actuarem uns sobre os outros. como «sino» celular especial que se liberta e se integra
Nos seus traços essenciais, os corpos da maior parte num carrilhão, segundo uma determinada melodia de
dos animais assemelham-se neste aspecto: possuem, estrutura.
como peças basilares, órgãos que servem para a trans- Como é possível que duas coisas de origem tão dife-
formação de substância e que fornecem à actividade vital rente, como são, por exemplo, o abelhão e a' flor da boca-
a energia proveniente dos alimentos. A actividade vital -de-lobo, sejam constituídas de modo que, em todos os
do sujeito animal, como receptor de significado, constate' ••• pormenores, se ajustem uma à outra? Sem dúvida porque
na percepção e na acção ou impulso. as duas melodias de estrutura se influenciaram recipro-
A percepção obtém-se através dos órgãos sensoriais camente: a melodia da boca-de-Iobo interveio como
que servem para selecclonar os estímulos vindos de, toda motivo na melodia do abelhão e vice-versa. O que se
a parte, para eliminar os' estímulos inúteis e transfor- disse do abelhão, pode também dizer-se da abelha vul-
mar os que são úteis ao corpuem: correntes -nervosas gar: se o seu, corpo não estivesse ajustado à flor, a sua,
que, ao atingirem o centro, fazem tocar o carrilhão vivo estrutura seria lnviável.
das células cerebrais. Os teores individuais que então Com a aceitação deste princípio basilar da técnica
foram evocados actuam como sinais-perceptivos do fenó- da Natureza, fica já resolvida em sentido negativo a ques-
meno exterior e conforme são auditivos, visuais, gusta- tão da existência de um progresso do mais simples para
tlvos, ete., assim são «gravados» como notas-caracterís- o mais complexo. Com efeito, se são motivos de signifi-
ticas da correspondente fonte de estímulo. cados adventícios, intervindo em vários sentidos que ;1'

Ao mesmo tempo, os «sinos» celulares, que soam modelam a estrutura dos animais, não se concebe o que I :11'
,{
no órgão de percepção, induzem os «slnos» do órgão nela poderia alterar urna série, mesmo tão grande, de I ,'I

central-de-acção que enviam os seus teores individuais gerações. '\


como impulsos os quais, por sua vez, desencadeiam e Se pusermos de parte as especulações sobre os I
dirigem os movimentos dos músculos efectores. Temos,
assim, uma espécie de fenómeno musical que, provindo
antepassados, entramos no terreno firme da técnica da
Natureza. Mas aqui espera-nos grande decepção. Os
I
inicialmente das propriedades do objecto significante, a sucessos da técnica da Natureza estão patentes ~ nossa
este reverte novamente. É legítimo, portanto, tratar como vista mas a sua elaboração de melodias é para nós per-
contrapontos, tanto os órgãos receptores como os órgãos feitamente impenetrável. ' ,
efectores do receptor de significado, em relação com as A técnica da Natureza tem .isso de comum com a i
correspondentes propriedades do objecto siqnificante. produção de qualquer obra de arte. Nós vemos muito bem
~
Como em quaisquer circunstâncias se pode verificar,
a condição prévia para que na maior parte dos animais o
sujeito se ajuste perfeitamente ao seu objecto signifi-
como a mão do pintor distribui na tela manchas de cor,
umas após as outras até que o quadro se nos apresenta
pronto; mas a melodia da composição. a melodia que
li;
i l

cante é ~ existência de uma estrutura corpórea muito


't '~
I IL,·:
move a mão, escapa-nos absolutamente.
complexa. Compreendemos perfeitamente como a caixa de
, i I' I~
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[218) [219J I' ,I •
I, Ii

I
I ,I
t;,:f, .
I
)
~ 1,1 j
I
\
música executa as suas melodias mas nunca compreen-
deremos como uma melodia preside à construção da
nos esquecemos do pintor e julgamos estar a ver uma
pequena maravilha da Natureza. Neste caso, o germe do
I
caixa de música. significado é -Madona-, Dele provém tudo o mais, espon- \ti' 'j
Sucede exactamente o mesmo com a estruturação taneamente, como numa melodiosa cristalização. Ao
mesmo tempo, julgamos observar um mundo-próprio puro,
I f:
de cada organismo. Em cada célula germinal existe o
, I'
material, como nos germes também existe o «teclado». em que não existem coisas estranhas e supérfluas. Todos I' ,
os elementos se ajustam reciprocamente, em ponto e I !
Falta apenas a melodia para realizar a sua estruturação. !
Donde deriva ela? contraponto. I ~

Encontra-se em cada caixa de música de um relógio, O material utilizado foi escasso mas apropriado-
um pedaço de tela e algumas cores discretas foram bas-
um tambor provido de pontas. Quando se põe o tambor I I
a rodar, essas pontas fazem vibrar palhetas de metal de tantes para plasmar esta pequena obra de arte. A quanti- ~ ,
comprimentos diferentes e as vibrações de ar assim pro- dade de material desempenha um papel muito secundá- I1
duzidas são captadas pelo nosso ouvido como sons. rio. Com mais ou menos material, em maiores ou meno-
Qualquer músico reconhecerá com facilidade, pela res dimensões, o artista poderia ter obtido o mesmo
posição das pontas no tambor, a partitura da melodia que resultado.
é executada pela caixa de música. Mas outro artista, com o mesmo material, teria feito
Esqueçamos agora, por um momento, a pessoa que surgir do mesmo germe de significado - Madona - um
construiu a caixa de música e admitamos que esta é um quadro de Madona inteiramente diferente.
produto da Natureza. Poderemos então dizer que estamos Ora utilizemos a criação de uma obra de arte para
em presença de uma partitura materialmente tridimen- mostrar até que ponto a estruturação de um organismo I

1 .
sional que é a concretização da própria melodia, por isso se realiza de modo semelhante. I .
que a melodia representa o germe de significado da caixa Não resta dúvida de que podemos considerar a I~
de música em que entroncam todas as partes desta, glande como o germe de significado de carvalho e um
supondo que existe material suficiente e dúctll.
No Museu Nacional de Estocolmo encontra-se um
ovo como germe de significado da galinha. O material é,
em ambos os casos, o mais plástico de que a Natureza
I
pequeno quadro de Ivar Arosenius, chamado Jul (Natal), dispõe, isto é, o protoplasma vivo que admite qualquer
que mostra uma mãe ainda jovem, irradiando ternura, sen- estruturação, quando ela sai dos teores individuais e está
tada, com um filho ao colo. Por cima da cabeça da mãe, em condições ,.de manter qualquer forma em que se
paira a claridade suave e ténue que aureola os santos. modele.
A cena passa-se numa pequena mansarda. Tudo, em volta O carvalho realiza-se a partir do germe significante
da madonazinha, é tirado da vida diária mas todos os da glande exactamente como a galinha a partir do ovo; ,j I

objectos que se encontram à frente dela, em cima da mas como é que isso acontece?
mesa, o candeeiro, o cortinado, a prateleira com a louça, Surgem sempre, como já vimos, novos esboços de
actuam como motivos sugestivos, que realçam a santi- órgãos, que se completam exclusivamente por si. Em
dade humilde e comovedora. cada um desses esboços, encontra-se um germe de signi-
O quadro está composto com tal perfeição, que nós ficado que, do material que lhe é dado, faz que se desen-

[220] [221]
volva completamente o órgão definitivo. Se o privarmos assim é, conclui-se flagrantemente de uma experiência
i
I
de uma parte do material de construção, o órgão estrutu-
rar-se-á, porventura, em todos os seus pormenores mas
de Nissl (1). O crânio dos mamíferos tem, sem dúvida
nenhuma, o significado de «sólida protecção do cérebro»
I
apresentará menores proporções que os órgãos normais. que debaixo dele se abriga. O crânio também em breve
Braus (1) mostrou que a cabeça do úmero deixa de se se regenera nos coelhos novos, desde que o cérebro não
ajustar à cavidade cotilóide, se esta, por falta de material tenha sido atingido. Se, pelo contrário, uma operação
de construção, não atinge o tamanho normal. extrair metade do cérebro, o crânio que a cobria já não
E Spernann, como já vimos, demonstrou que um se regenerará em virtude de ter perdido o seu significado. ,
enxerto de outra espécie animal toma, sim, o germe de.'. "" Neste caso, verifica-se apenas uma simples cicatrização.
significado correspondente à posição no corpo que' o Como se vê, o significado intervém sempre como fac-
recebe, mas desenvolverá um órgão inteiramente dife- tor natural decisivo, sob aspectos sempre novos e sur-
rente, que talvez possa ter utilização no animal de que preendentes.
provém mas não no que o recebe, pois os dois animais Se passarmos em revista, mentalmente; os mundos-
executam a mesma função de maneira totalmente diversa. -próprios, encontraremos nos jardins, que circundam as
Em ambos os casos, o germe de significado era ti inqes- casas «corpóreas» dos sujeitos, as mais maravilhosas
tão de alimentos»; a rã, todavia, tem um tipo de alimen-
estruturas, que se comportam como objectos significan-
tação diferente do do tritão. tes e cuja interpretação oferece, muitas vezes, grandes
Do mesmo modo, dois quadros que representem uma ,.
dificuldades. Tem-se então a impressão de que ,os objec-
madona, se são obra de dois pintores diferentes, terão, tos' significantes apresentam aspectos misteriosos, sim-
, é certo, o mesmo germe de significado mas serão dife-
rentes um do outro.
bolos, que só pelos indivíduos da mesma espécie são
apreendidos, ficando absolutamente indiscerníveis para
f "

Logo que os órgãos tenham concorrido no sentido de os componentes de outras espécies.


uma função colectiva do corpo, deixarão de surgir forma- O contorno do mexilhão dos tanques e as correntes
ções defeituosas por falta de material de construção, de ácua por ele produzidas oferecem à carpa pequena o 'I
como Braus as identificou. Wessely conseguiu mostrar símbolo da amizade. A diferença de gosto do vértice e do
I tI
que, em coelhos novos, que regeneram o cristalino, em pecíolo das folhas passa a ser o símbolo de forma para I

maior ou menor escala, todos os órgãos que tomam parte a minhoca. . I


I
na função da visão aumentam ou diminuem na mesma
proporção, de modo que, em todos os casos, aquela con-
O mesmo som torna-se símbolo de familiaridade para
o morcego e símbolo de periqo para a borboleta nocturna I
tinua a exercer-se, sem ser perturbada. Também aqui, é e assim por diante, indefinidamente. ,
I !
o significado que dirige a regeneração. Que na verdade Se em face do enorme número d'e exemolos, acaba- .
mos por nos convencer de que, fundamentalmente, cada 1,1
I'J Herrnarm Braus (1868-1924), naturalista e médico, profes- I1
sor da Universidade de Heidelberga, um dos fundadores da mecânica I~
, I

(') Franz Nissl (1860-1919),psiquiatra. Estudou as modificações


da evolução, autor de uma anatomia muito considerada. (N. da ed. ~
alemã.)
patológicas, particularmente das células ganglionares. (N. da ed. I
alemã.)
:1
I
[222] [223] I

, \ 'i
,
I
"

'1
11 1

I
\
mundo-próprio está preenchido apenas por símbolos de nicação com o símbolo do perigo. Isto quer dizer que o
significado, ifnpõe-se-nos um segundo facto ainda mais símbolo intervém como causa determinante no plano de
surpreendente: cada símbolo de significado relativo a um construção.
sujeito é, ao mesmo tempo, motivo de significado para a
conttquraçao corpórea do sujeito. Se na borboleta nocturna não houvesse qualquer coisa
A casa -corpórea» é, por um lado, criadora dos sím- [de moroego,
bolos que povoam o jardim e, por outro lado, o produto A sua vida pouco durerie.
dos mesmos símbolos, os quais intervêm como motivos
na estrutura da casa. Podemos muito bem pensar que a carraça apareceu
A janela «visual" da casa deve o Solo seu brilho e para preencher uma lacuna no «teclado» da Natureza.
a sua configuração nas alturas do céu que é como que Neste caso, o objecto significante, constituído pelas pro-
abóbada do jardim. Mas ele é também a causa determi- priedades gerais dos mamíferos, seria, ao mesmo tempo,
nante na estruturação dessa janela. símbolo para a vítima e causa determinante no plano
Isto que se passa com os animais, passa-se igual- estrutural da carraça.
mente com o homem e só pode resultar de o factor natu- Para terminar, procuremos agora observar, de fora,
ral que se manifesta em ambos os casos ser o mesmo. a nossa própria casa corpórea, com o seu jardim. Sabe-
Admitamos que, por qualquer fenómeno da Natureza, mos já que o nosso sol. o nosso céu, juntamente com o
tinham morri do todas as borboletas nocturnas e que nos jardim cheio de plantas, animais e pessoas, são apenas
incumbiam da missão de preencher esta lacuna no símbolos de uma composição natural que tudo abrange
••teclado- da vida. Como procederíamos em tal emer- e tudo ordena, segundo a categoria e o significado.
gência?
Com esta noção, nós adquirimos também o conheci-
Tomaríamos, possivelmente, um lepidóptero diurno mento dos limites do nosso mundo. Podemos, com efeito,
e habituá-le-Iamos às flores que abrem à noite, pelo que aproximar-nos de todas as coisas ou penetrar nelas, com
teríamos de dar à constituição das antenas maior impor- auxílio de aparelhos cada vez mais perfeitos, mas nem
tância que à constituição dos olhos. por isso passamos a ter algum novo órgão sensorial e,
Como, porém, as novas borboletas nocturnas fica- por muito que desdobremos as propriedades das coisas
riam à mercê dos morcegos, de voo tão rápido, ter-se-ia nos seus últimos elementos - em átomos, em eleetrões
de criar, para este inimigo, um sinal de reconhecimento - elas nunca deixarão de ser simples notas particulares
que permitisse à maioria das borboletas escaparem-se dos nossos sentidos e das nossas representações.
a tempo. Sabemos que este Sol, este Céu e esta Terra desa-
Como símbolo de perigo, de inimigo, o melhor seria parecerão com a nossa morte; continuarão, porém, a exis-
utilizar o pio do morcego, que o próprio morcego usa sem- tir, em formas semelhantes. nos mundos-próprios das
pre como símbolo de familiaridade. Para poder captar o gerações futuras.
pio do morcego, a borboleta teria de ser reconstruída Não existem só as multiplicidades de espaço e
e dotada de um órgão auditivo que a pusesse em comu- tempo, em que as 'coisas podem alargar-se; existe tam-

[224J 15 - A. HOMENS
[2251

I •

. . Hi 1
-
bém a multiplicidadedos mundos-próprios, em que as
coisas subsistem sob formas sempre novas.
Nesta terceira multiplicidade, todos os mundos-pró-
prios oferecem o «teclado» em que a Natureza executa
a sua supertemporal e superespacial sinfonia de signi-
ficados.
·A nós, durante toda a nossa vida, cabe-nos a missão
de, com o nosso mundo-próprio, constituir unia tecla, no
gigantesco teclado que mão invisível percorre.
INTRODUÇÃO À EDIÇÃO ORIGINAL

Epígrafe: Uns - os materialistas - tudo

, arrastam do céu e do mundo do invisível


para a terra, como se quisessem apertar
nas mãos fechadas rochedos e carvalhos.
Depois pegam em tudo e sustentam a todo
o transe que só existe o que é palpávei e
inteligível. Tomam a existência material
como a única existência e olham com des-
dém para os outros, os que além do mate-
rial admitem ainda outro domínio do ser,
e não querem dar ouvidos a qualquer opi-
nião diferente da sua, seja ela qual for.

(PLATAO, Sofistas. Traduzido para


alemão por Karl Kindt, Platão, Antolo-
gia. Karl Rauch Verlag.)

Max Hartmann (1) é, sem dúvida, um investigadar emi-


nente, que goza merecidamente de grande reputação. Por
esse motivo não deve ignorar-se, de ânimo leve, um I
reparo que dele venha. Ora Hartmann, num escrito muito I
I j.

divulgado, acusou-me de induzir o público em erro. Se I

eu o entendo bem, a sua censura resulta de eu, com a

(') Zoólogo e filósofo. Director, desde 1914, do Instituto Max-


Planck de Biologia.

[226]
[221]
teoria daohediência da Natureza a um plano, ter desper- encarregar um químico, em vez de um historiador de arte,
tado esperariças vãs em círculos de leigos. de criticar um quadro; segundo, confiar a apreciação de
Esta acusação de eu ter induzido em erro já uma uma sinfonia a um físico, em vez de a confiar a um
vez me fora feita, embora noutras circunstâncias. músico; terceiro, emvez de chamar .um biólogo •. con- . "

Na ilha de Isquia, onde passei uns belos dias de Pri- ceder a (jm mecanista o direito de apreciar a realidade
mavera, encontrei um velho conhecido que me pediu indi- dós comportamentos de todos os organismos, apenas na
cações sobre o caminho. Dei-lhe a informação de que no ITle-ªlº:ª.J~m que elas obedecem à leida-con.s~r\l~ç.ªºJfi 11
_ener!I!.ª.
ponto onde havia uma roseira em flor, devia voltar à
Os comportamentos não são simples movimentos ou
esquerda. Mais tarde, encontrámo-nos, por acaso, junto
tropismos: consistem em aperceber e actuar e são regu-
da mesma roseira e o meu conhecido recriminou-me por
lados não apenas mecanicamente mas também segundo
tê-lo enganado, visto que a roseira não tinha rosas nenhu-
o significado.
mas. Daí se concluiu que sofria da cegueira das cores e
Esta concepção contraria, evidentemente, a "lei da
não podia distinguir as rosas vermelhas que sobressaíam ii
economia mental» com que os mecanistas tornaram tão ,
de entre a verdura das folhas.
fácil a investigação. Mas ladear problemas não é resol- I
A censura que Hartmann me dirigiu parece-me assen-
vê-Ios.
tar numa deficiência constitucional semelhante à do meu I '
conhecido de ísqula. Este era cego para as cores, Hart- Se considerarmos os progressos realizados durante
mann é cego para o significado. Ele contempla a face da as últimas décadas da investigação da vida, na medida
Natureza como o químico contempla a Madona Sistina. em que eles obedecem à senha do beaviorismo e dos
Vê as cores, sim, mas não vê o quadro. O químico pode, r~flexos condicionados, bem podemos dizer que o expe-
sem dúvida, ir muito longe na análise das cores mas isso rimentar se tornou cada vez mais complicado ao passo
nada tem que ver com o quadro. Apesar de ser citólogo que o pensar se tornou cada vez mais simplista e mais
fácil.
distinto e químico, os seus trabalhos nada têm que ver
com a biologia considerada doutrina da vida. Só é bió- O pensar fácil actua como doença contagiosa e afoga
logo quem investiga o plano a que obedecem os fenóme- todas as iniciativas de uma concepção autónoma do
nos vitais. mundo, no grande público: «Deus é espírito e espírito
é nada» diz a sabedoria barata com que hoje em dia o
Perdeu-se quase por completo esta concepção da
homem simplista se dá por satisfeito. .
biologia e, principalmente, a obediência das relações dos
Esta sabedoria é de tão baixo preço que bem lhe
significados à lei é «terra incógnita» para a maioria dos
podemos chamar pura ignorância.
investigadores.
Eu pergunto a Max Hartmann, se é este o objectivo
Vejo-me, assim, obrigado a começar com os exem-
a que ele pretende conduzir o público.
plos mais simples, para oferecer ao leitor apenas uma
ideia do que se entende por significado e, finalmente,
para mostrar que tudo que é vivo só pode ser compreen- J. von Uexküll
dido se lhe tivermos descoberto o significado.
Devo principalmente observar que é erro: primeiro,

[228] [229]

11
EXPLANAÇÃO ENCICLOPÉDICA

«BIOLOGIA E DOUTRINA DO MUNDO - PRÓPRIO"

Jacob von Uexküll foi o próprio a afirmar um dia que


a tradução do termo «Biologia» por -Lebenslehre •• (cíên-
cia da vida) pode induzir em erro, se se tomar esta última
expressão na acepção de «conhecimento da essência da
vida». Disse ele: "A vida é um fenómeno irredutível,
como o peso. Nada sabemos do que venha a ser o peso
mas apenas alguma coisa a respeito do peso dos corpos.
Também nada sabemos do que venha a ser a vida mas
apenas alguma coisa a respeito dos seres vivos. A ciên-
cia dos seres vivos é uma pura ciência natural e tem um
único objectivo: o estudo da organização do. co~po dos
seres vivos,- da 'sua origem- e do seu-funcionamento.;;
com-õ--des-pertar do espírito "húmano, vldãe mórté~·cõii1o
fenómenos irredutíveis, passaram a ser para o homem
os acontecimentos de máxima importância nas suas rela-
ções com a natureza. Por isso a biologia deve também
ser considerada, nas suas origens, como a primeira ten-
tativa feita pelo homem para chegar a adquirir um conhe-
cimento da natureza. A descrição dos seres vivos e a
sua anatomia aparece já nas elevadas culturas pré-crlstãs

[231]
li!J

dos Babilónios, Egípcios e Chineses. Os primórdios de contribuíram para uma expansão e intensificação do
uma Zoologi~ científica surgem pela primeira vez na conhecimento dos animais e das plantas. As novas des-
. Grécia antiga.\ Um dos seus mais notáveis cultores foi cobertas no campo da Astronomia, da Matemática e da \
Aristóteles (384-322 a. C.), discípulo de Platão e futuro Física tiveram importantes consequências, tanto de mé-
mestre de Alexandre, o Grande. Aristóteles fundou uma todo como teóricas, no posterior desenvolvimento das
escola própria e é considerado o pai da Ciência Natural. ciências naturais exactas; a representação teocêntrica
A par dele deve citar-se como primeiro enciclopedista do mundo foi orientada num sentido físico-matemático,
nesse campo Plínio (23-79 d. C.l. sem se ter notabilizado em que forças cientificamente determináveis regulam o
como investigador, compilou as descrições feitas por que se passa no macrocosmos. Mas também nos aspec-
outros, na sua Naturalis Historia em trinta e sete volu- tos relativos ao microcosmos se iniciou análoga trans-
formação. tornada viável em virtude dos aperfeiçoamen-
mes. Os seus escritos e os de Aristótelesexerceram até'
tos dos métodos ópticos de investigação e P71a invenção
ao século XVIII decidida influê~cia sobre as descrições
do microscópio e sua aplicação aos estudos biológicos.
da natureza. As investigações de médicos notáveis da
As descobertas de Malpighi, Swammerdam e Loewen-
Antiguidade alargaram-se moitas vezes até aos campos
hoek, nos séculos XVII e XVIII, marcam o início de uma
da anatomia e da fisiologia dos animais. Em primeiro
nova época. A interpretação da natureza começara por se
lugar devem citar-se Hípócrates (século V" a. C.l e, mais
fundamentar nos aspectos imediatos, sem intervenção
tarde, Galeno (130-200 d. C.), cujos "escritos foram toma-
de instrumentos auxiliares. O mundo, tal como os senti-
dos em consideração ainda para aquém da Idade Média.
dos dele tQIDIDlam conhecimento, e a sua representação
Com o fim da Antiguidade a Biologia entrou em deca-
eram idênticos. Ã'-~ãõ:'-ãgora-enormeménterefõ'rçãda
dência. No princípio da Idade Média o saber ocidental
Pelos melos-ãuXT1Tares que a física punha ao serviço da
toma de novo contacto com os escritos dos autores clás-
ciência, revelava-se agora um mundo novo, micro e
sicos gregos, por intermédio dos Árabes (Avi cena, 980-
macrofísico que constituía uma nova realidade, a par da
1037, e Averróis, 1126-1198), passando aqueles a cons-
até aí apercebida. Isto não quer de modo nenhum signi-
tituir matéria de estudo nas escolas e universidades.
ficar que se pudessem muito simplesmente reduzir todos
A ciência então dominante, a Escolástica, limitava-se, os fenómenos manifestados nos seres vivos a processos
aliás, à reprodução e ao comentário dos escritos trans- físicos e químicos. Contudo, já no século XVII se revelou
mitidos, ordenados num sistema de ideias de acordo a tendência para interpretar os processos da vida em
com as doutrinas religiosas dominantes. Tomás de Aquino termos exclusivamente físico-químicos. Tal concepção
é um dos escolásticos mais representativos (1225-1274) revela-se também na filosofia desse século, principal-
e comentou os ensinamentos de Aristóteles. Deve mente em René Descartes (1596-1650), cuja explicação
citar-se ainda, como um dos mais notáveis representan- mecanista dos processos que se passam nos seres vivos
tes da sua época, Alberto Magnus (c." 1193-1280), que, influiu nitidamente nos estudos do seu tempo. A orien-
como o seu discípulo Tomás de Aquino, pertencia à ordem
dos Dominicanos.
As Universidades, fundadas a partir do século XII,
tação da explicação muito largamente espalhada
século XVIII e as tentativas de considerar os seres vivos
de um modo puramente mecanista são características
no.
. '

[232] [233]
!
I

I
desta tendência. Simultaneamente estabelece-se nessa mática, a anatomia comparada e o estudo da hereditarie-
dade, disciplinas em que se buscaram provas em favor
,
época uma especialização cada vez maior da biologia,
que dificultou cada vez mais uma visão de conjunto. Carl
von Linné (1707-1778) estabelece no seu System der
da teoria da evolução. Desencadeou-se, então, uma bata-
lha pró e contra o darwinismo, batalha que ainda hoje
I
Natur uma ordenação de alto significado e fundamental dura. Um dos mais ardentes adeptos da teoria foi o zoó- i
no reino animal e vegetal, pelo que é considerado o pai
da sistemática moderna. Buffon (1707-1788), ao contrário
logo Ernst Haeckel (1834-1919), o qual, no que se refere
às suas consequências, foi muito mais longe do que Dar-
i
de Linné, considera que os problemas dos estudos da win, e que no seu trabalho capital Die Weltrãtsel (Os
natureza consistem antes numa vasta caracterização des- Enigmas do Universo) procurou explicar a origem do
critiva dos seus aspectos, como se conclui da sua enci- mundo a partir de partículas elementares dotadas de vida.
c1opédia, a Histoire Naturelle. No século XVIII, a par 'de' ••• As consideráveis consequências que Haeckel e os seus
uma biologia mais sistemática, comparada e descritiva, adeptos deduziram da teoria de Darwin encontraram, em
desenvolve-se uma série de especulações sobre a origem parte, uma acerada crítica. Ao número destes críticos de
das espécies, que exerceram sobre a orientação dos estu- Darwin pertenceu, entre outros, August Weissmann
dos biológicos uma influência muito importante. Cuvier (1834-1914)), que rejeitou a teoria da hereditariedade dos
(1769-1832), um dos mais notáveis zoólogos do seu caracteres adquiridos e em seu lugar propôs uma teoria
tempo e um dos criadores da anatomia comparada, própria, chamada teoria do plasma germinativo; com que
defende o ponto de vista da invariabilidade das espécies. procurou explicar o aparecimento de novos caracteres.
Foram seus antagonistas os adeptos do chamado evolu- Nem esta nem a teoria das mutações, formulada mais
cionismo, lamarck (1744-1829) e St. Hilaíre. (1772-1884),
tarde e que admite o aparecimento brusco e constante
que se podem considerar precursores de Darwin.
de espécies novas, puderam explicar a evolução das espé-
Darwin (1809-1882), o mais notável defensor do Evo-
cies, a sua multiplicidade e a sua integração num plano
lucionismo nos tempos modernos, viu principalmente na
natural, pois que, em organismos em luta de concorrên-
selecção natural, que através da luta pela existência
cia, oportunidade e plano ordenado constituem o pressu-
deveria ser a causa tanto da hereditariedade dos carac-
posto da viabilidade e, deste modo, de estarem em con-
teres adquiridos como da variabilidade das espécies, a
dições de tomar parte numa luta pela existência e
origem da diferenciação destas. O princípio em que se
baseia a hipótese de Darwin é o aparecimento ocasional numa selecção.
de variações de diferente natureza nos seres vivos, varia- Ao passo que na física, na química e na matemática
ções que são depois submetidas à selecção natural. tudo, ab initio, é interpretado por um princípio geral de
O aparecimento dessas variações era atribuído a factores massa, número e lei, em biologia a interpretação dos
de natureza causal; pelo contrário, a evolução propria- aspectos da vida foi-se tornando, com o decorrer do
mente dita não obedeceria a nenhuma lei, de sorte que tempo, cada vez mais difícil. Desde que se descobriu a
é o acaso que desencadeia a selecção natural, determi- célula e os elementos que a constituíam, o interesse
nando assim a formação de espécies novas. O curso das especial dos biólogos fixou-se no seu estudo. Da cito-
ideias de Darwin exerceu forte influência sobre a slste- logia, ou estudo da célula, derivou um grande número de

[234] [235]

... ,~.
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campos de investigação, cujo fim comum era o conheci-
mento da sua função e da sua estrutura. . animais e das plantas, recorrendo à influência das forças
Procurou-se decompor o que se passa na célula, e químicas e físicas do ambiente dos organismos. O animal
também-o que se passa na totalidade do organismo, em ~~~~~omo um mecanismo que as energias que
processos cada vez mais simples. Para isso recorreu-se afectavam os órgãos dos sentidos punham em acção. A;
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aos mais modernos métodos da técnica de determinações esignaçoes--.;positiva·" e "negativa" estabelecidas para
quantitativas químicas e físicas (métodos bioquímicos, as diferentes formas de energia, como luz, gravidade,
emprego dos isótopos na pesquisa do modo como as etc., deviam explicar o comportamento perante os estí-
substâncias se transformam nos organismos, técnica mulos do ambiente, como mais tarde se julgou conse-
electrofisiológica, etc.). Recorrendo aos raios X e a requin- quente na teoria dos tropismos de Jacques Loeb (1859-
tados métodos ópticos, e ao microscópio electrónico, 1924). Como essa teoria não fosse suficiente para expli-
estudou-se a estrutura fina da célula, e atingiu-se o nlvel car o comportamento dos animais, foi posteriormente
macromolecular, progresso não desprovido de perigo pois completada e ampliada por outros, por exemplo, Von
que ameaça fazer da biologia uma química e uma física Kühn (n. 1885), que interpretava o comportamento animal
aplicadas, .e esgotar energias na formulação dos seus como essencialmente resultante de actos reflexos.
problemas. O problema da inquirição das causas em bio- O fisiólogo russo Pavlov (1849-1936), desenvolveu de I
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logia não pode, porém, ser a redução dos processos vitais uma forma pronunciadamente mecanista uma concepção
a processos físico-químicos. Estes só nos podem fornecer semelhante rio âmbito dos reflexos condicionados. Wat-
o conhecimento dos elementos cuja ordenação e mútua son (n. 1878), pretendeu encontrar uma solução para as
dependência determinam apenas o que há de específico dificuldades destas explicações unilateralmente mecanis-
nos processos vitais. Quando se procura reduzir o sis- tas, no seu beaviorismo, em que elevou à categoria de
tema altamente complicado dos fenómenos biológicos a princípio fundamental a pura descrição do comporta-
acontecimentos causais, fica, no fim, sempre alguma
mento animal. Os pontos de vista intuitivos defendidos
coisa não analisável. Foi isso que se deu com as funções
~ais tarde p,or)-ªÇ,Q~_'{_~-~-Üexkíilt~Rªs-sam
-:-a-cclrripreen---
específicas da célula, assim como com os fenômenos
d.~~s..~§(3 se toma em consideração a situação em que a
morfológicos e de desenvolvimento, e ainda com as cor-
relações mútuas dos seres vivos.
. bioloqia se. encontrava no dobrar do século. O
derwinismo .
~ª"J?JLemJa[g;'l_s especulações, e~q.~anto a fisiologia,
Que outro tanto se passou na fisiologia, que trata
dominada
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p g.!ºlUI!.eçª!lJ~tas, se,. afundavacadàvez
"._,.,-.'--._", - mais
das correlações dos órgãos no corpo, afirmou-o clara- -- ,..'"

..no~._PLQbJ~mª::;,das transformações da substân~-i'a--e'-aa


mente um dos seus fundadores, Johannes Müller (1801-
1858). Os seus discípulos, Du Bois-Reymond (1818-1896) :~~rg~:_J,acob von Uexküll senti~-~e·"p~~tf~ufarmei1tê
e Helmhollz (1821-1894), foram, pelo contrário, adeptos atraído por Johannes Müller (1801-1858) e Karl Ernst von
da explicação mecano-física. Baer (1729-1786), cujas ideias tinham afinidades com as
suas próprias. Karl E. von Baer fundando-se nos seus estu-
Já nessa altura se revelava na}isiplp,gia dos sentidos
dos de embriologia chegara a conclusões diferentes das,
a tendência não só para explicar os processos vitais e
de Darwin. Admitia uma diferenciação gradual no reino
de desenvolvimento mas também o comportamento dos
animal, que, porém, devia ter-se dado apenas em alguns

[236]
[237J

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tipos, não segundo uma ininterrompida cadeia de evo- A peça prescreveu, os personagens obedecem. Em varian-
lução. tes e exemplos sempre novos, fez entrar esta interpreta-
Jacob von Uexküll opôs à concepção da época, que ção e justificou-a. Pela natureza da sua atitude teórica e
considerava os seres vivos como máquinas com reflexos, metodológica, o estudo do mundo-próprio abrange não só
uma nova teoria. Partindo da afirmação-de- Kant, que ~ campo da fi~!~!?.9.!9.dÓ(nervos-e-aõsSêntidõsmãS1an;:-
tempo e espaço ..s..ãD-Conceilo!LSubjeeHvos, chegou à con- .?-'}.!'!l_é!.L~.
bé m a ps i.cº(9gj-'J~_ m;;r;t~:..
s.ss.tY~C[Q.=~Q.:EQp.ii9iliL
vicção de que cada ser vivo possui o seu próprio espaço Deve por ISSOacrescentar-se ainda em que relação está
subjectivo e o seu próprio tempo subjectivo. partindº- exactamente o estudo do mundo-próprio com estes últi-
~de.!-é!.-<L-compQrtªm~nto dos animais .2ºQ..1;l..--explb.. mos capítulos da biologia. .
car-se não pelas acções físlcas"e-qu!mícãs acídentaís Uexküll, Beer e Bethe tomaram, no dobrar do século,
-exercTããSpe!õ-ml:lndo-exterrõr-;-'mãs'apéõãs"·pefõs""fen6--., , posição contra uma psicologia animal gue confere aos
menos qae-se ass"à··-----·---- . , . "" ~nimais ~nti~!I.!.o_~_ .. e'
~~~~nõs-- "en;p;egae~s-oes
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Es e só pode ser formado pelos fenómenos que o ani- como «uma formiga desesperada- e «um cão acobar-
mal pode ••aperceber» a partir dos seus órgãos dos sen- dado». Por essa altura a psicologia animal ainda não cons- r
tidos, que possuem qualquer significado específico para t!.!':lía._.urD.Çl_.çi~.nciaindependente, e eram relativamente
po.~~a~ as observações experimentais~----"-'--------"· ". I
a sua vida e que são ordenados segundo as escalas do I
seu espaço e do seu tempo subjectivos~U Entretanto, rio intervalo de alguns anos estas passa- I
a tarefa da biologia deve, por isso. consistir antes de ram a constituir uma massa inaudita de dados. As novas
tudo naexplOrãÇãõ dos mundos,próprio~~_l!!?ieEtiv~~_~os investigações colocaram a psicologia animal perante cir- I!
-seres vivos.A-'c!outrina·dõ'-mündo-próprio, por ele pro- cunst~ncias diferentes, com o que se demonstrou qUfLQS_
postã~'éã mais vasta de todas as concepções até aqui ~.~!IGeltos usados pelos teóricos dos tropismos e os fisió- !
I

apresentadas sobre o animal e as suas funções, porque, J..9~~~_<!o.s reflexos, assim como as Interpretações meca~
baseando-se na ideia da conformid.illiELC.9.lD._,l:!.!!u~.!ano, ~istas ~.~l!lclQiº ..da economia de pensamento' eram insa-
procura con§.Lº.~!:..élLo_animalcomo sujeito, e aprese'ntãr tisfatórias na explicação do comportamento dos animais.
este correlacionado cõin- oseü"-n:íü";:;do-=-p'':6priõ".
Esta te 0- C~egou-se ao estabelecimento de uma série de orienta-
'ria serve para expilcar-Õ,S·-p.--õCesSõSbiÕlóg,icos no gua- çoes e d; .escolas, que, fundando-sa em diferentes postu-
dro de um acontecer totalmente biãlÕgicÕ, e, por isso~ lados teóricos, prosseguiam na busca do seu objectivo,
Veio a ser éLdoutrina do «Significado». Jacob von Uexküll como, por exemplo, as que admitiam no primeiro 'plano
tem muitas vezes chamado aos seus antagonistas, cegos- das suas conSiderações o problema da «totalidade» o
-ao-significado, porque se comportam perante a natureza q~al também ~es~n:penha um papel primacial na PSic~lo-
como alguém que num livro estudasse a forma do tipo gl~ geral. O pnncrpio da totalidade já fora introduzido por
em que está impresso e a tinta usada em vez de procurar Dnes~h n~s co.nceitos biológicos. A sua ideia fundamen-
compreender o que ele quer significar. A natureza é para t~1 fOI: alem dISSO, mais tarde elaborada em diferentes
ele uma peça teatral em que cada um dos actores tem dlrecçõas por Alverdes, Jordan, Haldane e K6hler.
o seu papel e em que tudo está mutuamente ligado com .0 moderno estudo do comportamento abriu um novo
vista a- um resultado rico de sentido e de significado. caminho metodológico para estes problemas, e primeiro

[238] [239]

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mundo-próprio numerosos estímulos e conceitos práticos
que tudo forneceu valiosos pontos de vista relativos à e teóricos.
natureza do \ instinto nos animais. Os instintos dos ani- A importância dos métodos de investigação fisioló-
mais sempre tinham despertado o interesse dos zoó- gica, já acentuada por Uexküll, conduziu, em vários sen-
logos. Os estudos de Wasmann (1859-1931) e Fabre tidos, as investigações sobre o comportamento a insisti-
(1823-1915) já haviam mostrado quão multiarticulada- rem nos aspectos fisiológicos, o que, de facto, fornece
mente são construídos os instintos dos insectos. As dados de grande valor, mas resultou do problema central
investigações sobre factores amblentais levaram tam- do estudo do comportamento. Este é, e continua a ser
bém ao conhecimento de grande número de factos impor- o papel do animal como sujeito que se «comporta»
tantes, como, entre outros, os estudos feitos sobre a perante o meio ambiente. O actual estudo do comporta-
vida das abelhas, devidos a Frischs. Actualmente estão mento situa-se na linha divisória entre os métodos de
em curso estudos pormenorizados sobre o comporta- trabalho seguidos em fisiologia e aqueles que procuram
mento dos vertebrados e os seus instintos, o processo a consolidação de uma forma de investigação indepen-
de aprendizagem, o adestramento, a orientação, etc., com dente, e com isso se esforçam com o mesmo interesse
resultados que demonstram uma singular obediência a por evitar os perigos da redução de tudo ao ponto de
leis e uma variedade até aqui não igualada, como se con- vista humano do antropocentrismo, e os perigos igual-
clui dos trabalhos de Tinberge~-6renr,-He~~er .e Port- mente grandes da redução do animal à categoria de um
mann. Deve-se principalmente à Konrad Lore'l0' Nikolaus complicado mecanismo.
Tinbergen, o terem compreen~'esmaõ' dos estímulos
necessanos para o de~nc_ª_ç[~.?X -a.9__c.arn\l.or.tameniõ:frís- Dr. Georg Kriszat, Estocolmo
tintivo, e terem analisado pormenorizadamente o papel
do instinto no quadro da vida comunitária dos animais,
em especial por meio dos seus estudos sobre o compor-
tamento social e individual das aves umas em relação
às outras. Mostram eles que os comportamentos instin-
tivos são tão especificos para cada espécie animal como
a sua estrutura física, e que entre espécies semelhantes
se manifesta certa afinidade de instintos.~.Qjl[a..se
revela ~Q.ª- ..ª---:;;.Y.éL~~t~nl;!.ão
.jLQb.r.a...de_pion~j!.9_.1.~JJ:_
iãCfãPor Ja~""'yolL.u.e~külJ,. não só no campo da biologia
geral éõ-mo no caso especial da psicologia animal, em
que estabeleceu os alicerces teóricos e práticos de uma
ciência que actualmente, com o material de factos carrea-
dos pelo' estudo do comportamento, adquire constante-
mente novos elementos para a sua estruturação. O mo-
derno estudo do comportamento foi buscar à doutrina do

16 - A. HOMENS
[241]
[240]

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ACERCA DO AUTOR I
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Jacob von Uexküll nasceu na herdade de Keblas, na I
Estónia, em 8 de Setembro de 1864. Depois de frequentar
o liceu em Coburgo e, depois, em Reval, estudou zoologia
na Universidade de Dorpat e aí terminou os seus estudos
fazendo as provas então habituais. No instituto do conhe-
I
cido fisiólogo Kühne, em Heidelberga, começou a tra- I
balhar no estudo do aparelho locomotor .dos animais. I
Desenvolveu então noções novas sobre a actividade do !
músculo e o fluxo do estímulo no sistema nervoso.
Apoiado nos seus estudos, erigiu uma nova fisiologia
comparada dos invertebrados. Esta fisiologia biológica
de novo tipo simultaneamente apresentava o animal
como um organismo ligado segundo um plano ao seu
mundo-próprio e lançava os alicerces para o estudo-do-
-mundo-próprio, mais tarde por ele elaborado com os SQ!2:"
ceitos de Plano, Ciclo-de-Função e Mundo-Próprio. Os
notáveis resuHãdos dos seus trabalhos realizéú30s-de-1'892
a 1909 estão reunidos em Leitfaden in das Studium der
Experlmenteilen Biologie der Wassertiere (Guia do Estudo
da Biologia Experimental dos Animais Aquáticos) e na
obra Umwelt und Innenwelt der Tiere (Mundo-Próprio e
Mundo-Interior dos Animais). Depois da morte de Kühne
romperam-se os laços que ligavam Uexküll ao Instituto

[243]

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de Heídelberqa, e, pouco depois, com a Estação Zoológica forte originalidade e a sua riqueza de ideias, ea profusão l-I
de Nápoles, em que trabalhara regularmente até 1903. de problemas científicos que o ocupavam, não tardaram
1
'Desde então lJJassou a trabalhar como investigador pri- a atrair um círculo de discípulos que ele soube reunir
vado livre e eacolheu os seus próprios problemas e cola- numa comunidade de trabalhadores que constituía como
boradores, independentemente de qualquer instituto. Em que uma família. Quando o «Instituto para o Estudo do fi
I

1909 empreendeu uma viagem mais longa pela Africa, Mundo-Próprio» festejou, em 8 de Setembro de 1934, o
que foi para ele rica de ensinamentos histórico-naturais septuagésimo aniversário de Jacob von Uexküll, pôde-se
e nele deixou sugestões e vestígios de alta importância fazer um balanço de uma preparação, em menos de dez
que viriam a revelar-se nos seus trabalhos posteriores. anos, de setenta trabalhos, em um terço dos quais Von
Outras viagens de estudo o levaram a Nápoles, a Beau- Uexküll aparecia como autor. A Universidade de Kiel
lieu, Berck-sur-Mer, Mónaco, Roskoff e Biarritz. galardoou-o nesse dia com o título de Doutor em Filosofia
Por essa ocasião, a teoria do mundo-próprio, já por honoris causa. Alguns anos mais tarde recebeu da Uni-
Uexküll apresentada nos seus fundamentos no seu livro' versidade de Utreque o diploma de honra de Doutor em
Umwelt und tnnenwelt der Tiere, foi desenvolvida numa Ciências Naturais. As várias distinções sob a forma do
sérle de trabalhos concludentes. Nos Bausteinen zu einer grau de Doutor honorário, que recebeu em vida, mostram
biologlschen Welt (Fundamentos para Um Mundo Bioló- bem significativa e simbolicamente o seu valor em três
~ e nas Bloloqlschen Briefen an'eFne--bame (Cartas ramos da ciência que serviu, tanto por um trabalho indi-
sobre Biologia a Uma Senhora) expõem-se as suas idelas Vidual notável como também por uma visão cada vez
essenciais, que têm na sua obra capital Theoretiscbe Bio- mais precisa do que é significante. Nessa época publicou
logie (Biologia Teórica) a formulação definitiva. Em 1907 também as suas memórias, das quais se conclui quanto
recebeu a honra do grau de Doutor em Medicina honoris era activo o intercâmbio espiritual em que intervinha,
causa pela Universidade de Heidelberga. Mas continuou para além do círculo dos seus colegas de profissão, e
a ser-lhe negado o reconhecimento oficial de qualquer com que profunda penetração ele compreendia os mun-
instância superior, sob a forma de uma cátedra de pro- dos-próprios dos seus semelhantes.
fessor. Se, por um lado, não lhe foi possível ascender Os seus últimos anos passou-os Jacob von Uexküll
ao professorado, as consequências da Primeira Guerra com sua esposa em Capri. Aí concluiu com perfeita fres-
Mundial anularam a possibilidade de fazer progredir a cura de espírito e incansável energia os seus últimos tra-
ciência com a sua dedicação de trabalhador privado, em balhos, em que ainda uma vez mais fez uma recapitula-
virtude da perda dos seus meios de fortuna. Só em 1926 ção e revisão da sua obra. Em 25 de Julho de 1944, antes
foI criado para ele um lugar de professor honorário na de completar oitenta anos, a morte arrancou-lhe a pena
Universidade de Hamburgo, onde, em condições extraor- da mão.
dinariamente modestas, foi organizado o Institut für
Umweltforschung (Instituto para o Estudo do Mundo-Pró- Dr. Georg Kriszat, Estocolmo
prio). Em condições primitivas e com grandes dificulda-
des, conseguiu elevar o Instituto a uma categoria de
instituto de investigação científica digna de nota. A sua

[244] [245]

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UM PRECURSOR DA NOVA BIOLOGIA ... ... ... ... ... ... ... 5

DIGRESSÕES PELOS MUNDOS·PRÓPRIOS DO HOMEM E DOS

ANIMAIS 23

INTRODUÇÃO 29

DOUTRINA DO SIGNIFICADO , 139

INTRODUÇÃO A EDiÇÃO ORIGINAL ... ... ... ... ... ... ... ... 227

EXPLANAÇÃO ENCICLOPÉDICA .. ... ... ... ... ... •.. ... ... ... 231

ACERCA DO AUTOR ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... .., 243

LISTA DOS ESCRITOS E LIVROS DE JAKOB UEXKOll .. , ... 247

INDICE DE ASSUNTOS 251

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