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Renascença
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II: w ,j' e Barroco
Heinrich Wõffflin
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Esruoo SOBRE A ESSÊNCIA ESTILO

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Título do original alcmiio
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Copyright© 196 by Schwabe & Co. Bascl

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação {ClP)


(Câmara Sra ilcira do Livro, SP, Brasil)

Wõlftl in, Hcinrich, 1864-1945 .


Renas ce nça e barroco: e. tudo ~obre a essê ncia do estilo
barroco e sua origem nn Itáli a/ Heinricll Wr,lfílin ;
[tradução Mary Amnzonas Leite de Barros e Antonio Steffen]. -
Siio Paulo : Perspcctiv(I,2005. - (Stylu s; 7 1dirigida
por J. Guinsbur g)

Título orig_inal: Renai ssimce und Baruck: eine unter suchung


übcr ·wesen uod En t ·tehung des Bmockstils in Italien .
2' rcimpr. da 1. ed. de 1989.
Bíbliogruíia .
ISBN 85-273-02 15-2

1. Arquitetura barroca - Itália 2. Arquitetura italiana


3. Arquitetura renascentista - I tália 4. Ane barroca 5. Ane
rcnílSCClllita 6. Wõlffi in. Hcinrich . I 864-1945 - Crítica e
intcrprctnç1in 1. Guin burg, J.. U. Título. rn. Série.

05-3780 CDD -709.032

índices paro CO
lálogo isu:mático:
1. Anc b3rroca : História 709.032

Direitos reservados em lfng11


,1portugues,1à
EDITORA PERSPECTlVAS.A.
Av. Brigadeiro Luf. Antônio. 3025
O1401-000-Siio Paulo-SP- Brasil
Telefax: ( 11) 3885-8388
www.cditorapcrspcctivn.com.br
2005
SUMÁRIO

WÕLFFLJN: ESTRUTURA E FORMA NA


VISUALIDADE ARTÍSTICA , •.•••• ,, , 11

PREF ÁCI O DA REEDIÇÃO • . . . • • . . • . . 21


PREF ÁCI O ...•.....•.......•....•. 23
INTRODUÇÃO . . . . . . . • . . . . . . • • . • • . • 25
1. Importância do Estilo Barroco Italiano . . . 25
2. Importância do Estilo Barroco Romano . . 26
3. Localização no Tempo . . . . . . . . . . . . . . 26
4. Os Mestres • . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . 28
5. Interpretações Contemporân eas da Mudan-
ça de Estilo . A Denominação "Barroco" . 34
6. Atitude Face à Antiguidade. Consciência
do Próprio Valor . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
7. Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

Primeira Parte: A NATUREZA DA


TRANSFORMAÇÃO ESTILÍSTICA . 37
1. O Estilo Pictórico . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 2. O Ímpeto para o Alto . . . . . . . . . . . . . . 74
3. O Ímpeto para o Alto como Motivo da
1. Conceito do "Estilo Pictórico" em Geral 39 Composição Vertical (a Calma Aumenta
2. O Estilo Pictórico na Pintura . . . . . . . . . 40 à Medida que se Sobe) . . . . . . . . . . . . . 76
3. a)Linhas e Ma as (Luz e Sombra); Su- 4. O Movimento na Composição Horizontal 76
perfície e Espaço . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 5. O Motivo da Tensão: Formas e Propor-
4. b) O Estilo Livre . . . . . . . . . . . . • . . . . 42 ções ln atisfeitas . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
5. c) O Infinito e o Insondável . . . . . . . . . 42 6. O Motivo do Véu e da Infinidade . . . . . 78
6. A Oposição entre o Pictórico e a Cor . . . 44 7. O Ilimitado: Composição dos Interiores
7. O Estilo Pictórico nas Arte Plásticas . . . 45 por Meio de Efeitos de Iluminação . . . . 79
8. Aplicação ao Esti lo Barroco . . . . . . . . . 46 8. Conclusão. O Sistema da Proporcionali-
dade na Renascença e no Barroco . . . . . 79
2. O Grande Esti lo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

1. Impressão Geral da Renascença e do Bar-


Segunda Parte: AS RAZÕES DA TRANS-
roco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
FORMAÇÃO ESTILÍSTICA . . . . . • • • . 85
2. O Grande Esti lo. As Dimensões Aumen-
tam até o Colossal . . . . . . . . . . . . . . . . 48
1. Teoria Mecânica e Teoria Psicológica 87
3. Simplificação e Homogeneização da
2. Exame da Primeira . . . . . . . . . . . . . . . 88
Composição . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
3. Exame da Segunda . . . . . . . . . . . . . . . 89
4. O Ideal Corporal da Arte Barroca . . . . 93
3. Os Efeitos de Mas a . . . . . . . . . . . . . . . 55
5. Os Inícios em Michelangelo . . . . . . . . 94
6. Seu Estado Anímico . . . . . . . . . . . . . . 95
L O Aumento da Massa Acentuando o Peso 7. A "Gravitas" da Pó -Renascença . . . . 95
até a Abolição da Fonna . . . . . . • . . . . . 55 8. A Poesia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
2. O Caráter da Massa: Macia, Saborosa. 9. O Indefinido Pictórico. O Sublime . . . . 99
A Protuberância . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 10. A Renascença e a Antiguidade Opõem-
3. A Massa Não é Perfeitamente Formada se ao Barroco . . . . . . . . . . . . . . • . . . . 101
nem Perfeitamente Dividida . . . . . . . . . 63
a) Formas Ligadas 11Massa e Pouco Diferenciadas: Pi-
lares, Pilasiras, Saliências; a "Coluna Mwal"; •.• 65
b) Multiplicação dos Elementos .• .•.•.•. . . •. 67
c) Multiplicação dos Motivos Iniciais e Finais •• . .• 69
Terceira Parte: A EVOLUÇÃ O DOS
d) Desenho das Molduras e dos Cantos ...•••• . . 69 TIPOS 103
e) O Todo não é um Orgaolsmo Estruturado. Massa
Lisa, que Não se Desenvolve •.......•••.. 70
1. A Arquitetura Religiosa ...•..•..... 105
4. Movimento ..................... 73
1. Construção Central e Construção Longi-
1. Relação entre Força e Massa . . . . . . . . . 73 tudinal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . 105
2. Organização da Fachad a . . . . . . . . . . . . 108 9. As Escadas . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . 147
3. Desenvolvimento Histórico da Construção 10. Interiores
...............•.• , • . • 147
das Fachadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
4. Organiza ção do Espaço Interior . . . . . . . 120
a) A ave Longa com Capelas ......... • ••• . 121
3. Villas e Jardins . . . . . . . . . . . . . . . . . • .. 151
b) Abóbada de Berço . . . . . . . . . . . . . • • • . . . 123
e) Tratamento Dado às Paredes . . . . . . . • . . . . . 125 1. Villa. Urbana e Villa. Campestre . . . . . . 151
d) Cópul a e Efe ito de Luz . . . . • . . . . • • • . . . . 127
2. Arquitetura da Vi/la Urbana . . . . . . . . 152
3. Arquitetura da Villa Campestre . . . . . . 155
2. Os Palácios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 4. Acesso, Esplanada Anterior e dos Fun-
dos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . 157
1. Generalidades. Contraste entre Facha- 5. Composição do Jardim: o "Tectônico" e
da e Interior. O Palácio Particular e o o "Atectônico" . . . . . . . . . . . . . • . • . 159
Palácio Público . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 6. O Grande Estilo. Separação do "Giardi-
2. Parede e Divisão. Relação entre Parede no Secreto" . . . . . . • . • . . • . • . . . . . . 160
e Abertura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 7, Tratamento das Árvores: Grupo, Aléia,
3. A Composição Hori zontal • • . . . . . . . . 134 Bosque .....•..........•.. , •. . 161
4. A Composi ção Vertical . . . . . . . . . . . . 134 8. Tratamento da Água: Fonte, Càscata,
5. As Divisões . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . 140 Tanque (Lago) . . . . . . . . . . . • . • . • . . 163
6. As Janelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140 9. Jogos de Água e Brincadeiras . . . . • . • 168
7. Os Portais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142 10. Concepção do Jardim em Geral. Seu Ca-
8. O Pátio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143 ráter Público . . . . . ... . . . . . . . . . . . . 169
WÕLFFUN:ESTRUTURAE FORMA
NA VISUALIDADEARTisTICA

Regina Helena DUITaRodrigues Ferreira da Süva

A tradução para o portuguas e a edição no


Brasil de Renascença e Barroco, um clássico da
historiografia artística. publicado pela primeira
vez na Suíça em 1888, e aqui s6 a partir de agora
acessível a alunos e estudiosos, é um aconteci-
mento da maior importância no nosso meio culb.1-
ral, tão desvitalizado e esvaziado de ~tulos e
autores significativos.
Heinricb Wõlfflin nasceu em 1864, em Win-
terthur. Estudou na Basiléia e depois em Berlim e
Munique; esteve indmeras vezes na Itália, reco-
lhendo material para seus estudos sobre história e
arte italianas. Foi professor nas universidades de
Basiléia. Berlim e Munique. A vocação univer-
sitária e litentria, fio condutor de sua longa e
profícua vida, desde muito cedo já se esboçava:
aos dezoito anos, quando ainda era estudante na
Basiléia, escreveu ao pai indicando o caminh o respeitável referência para o estudo da arte no
que desejava seguir: dedicar- se à história da renascimento italian o. Para o historiador da arte,
cultura. os principais nt1cleos de análise filológica foram
A visão de Wõlfflin dá história da arte, que as próprias obras de arte, estudadas segundo sua
culminaria na obra da maturidade, Conceitos icono grafia (conte údo expressivo), téc nica (no
Fundamentais da História da Arte, formou -se sentido tradicional: constru tiva, escul tórica e
nos anos de estudante, através do contato com o pictórica) e estilo (convenção figurativa). Para
mestre Jacob Burckhardt, mais tarde com o teóri- Wõlfflin, a convivên cia com esses procedimentos
co Fiedler e o escultor Hildebrandt, com Dilthey trouxe o rigor e a disciplina, evidentes desde os
e seus cursos, e mesmo com o ambiente cultural seus primeiros escritos, sem, contudo, transfor -
de refinado bom gosto e erudição de sua própria má-lo num limitado especialista. Tal enfoque
casa. Mas a condição determin ante na formação metodológico lhe era familiar, não apenas pela
da estrutura do pensamento do historiador foi a experiência da vida universitária, mas porque seu
tradição universitária alemã, responsável por seu próprio pai era um filólogo, professor de língua e
preparo filosófico e clássico. cultura lati nas, que havia fundado e dirigido
Por cultura alemã não entendemos aqui ape nas o Thesaurus Linguae Latinae.
a presença de pensadores fundamentais como De Dilthey, com quem havia feito cursos em
Kant e Hegel, mas as corre ntes do século XIX Berlim, Wõlfflin extraiu a idéia da autonomia ar-
que valorizam a erudição reconhecem a impor - tística, baseado na independência da metodologia
tância dos cono_isseurs e experts e pressupõem a das ciências históricas com relação às ciências
exigente coleta de dados para estudo e anális e de naturais. Em Conceitos Fundamentais da Histó-
fenômenos culturais. · Re ferimo- nos particular- ria da Arte está amadurecida a idéia de uma his-
mente ao método filológico da história, que flo- tória da arte de evo lução imanente, uma discipli-
resceu na Alemanha desse período, e que con- na autônoma, com regras e quesitos que indepen-
siste na verificação de documentos em suas ori- dem de determ inaç ões externas . Caberia lembrar
gens, posterior decomposição em mind cia dos aqui a importân cia das idéias de Comte, e com o
detalhes, seleção e agrupamento de elementos, elas podem ter influ enciad o o historiador: a bus-
pesquisas de autenticidade etc. Foi esse méto do ca de regras estritas e de validez geral para a
que permitiu que importantes fontes literári as ciência pode ser transposta para o campo das ar-
viessem à tona, que document os de arquivo fos- tes, resultando na existência de leis que regem a
sem avaliados, e que medidas, datas e técnicas de evolução interna, inviolável dos processos artís -
obras fossem conferidas. Coube a historiadores ticos.
desse período o comentário crítico e a publicaç ão Entre outros, Burckhard t publicou, em 1855,
de documentos inéditos. O livro mais conhecido O Cicerone, e em 1867, O Espfrito do Renasci-
de Vasari, Vida dos mais Excelentes Arquitetos, mento Italiano, onde evidenciou sua especializa-
Pintores e Escultores Italianos , inclusive de Ci- ção no estudo da Antiguidade clássica e do Re-
mabue, att Nosso Tempo, foi revisto e tomou -se nascimento. A dedicação à análise da cultura re-

12
nascentista e a apar ente dificuldade de compre- Fiedler afirmava que o campo da arte é o cam-
ender a sensibilidade . barroca (intuía o valor das po das percepções objetivas e que a arte podia se
composições de Rubens, mas não compreendia a reduzir ao conhecimento da forma. Visão e re-
dramaticidade de Tintoretto ou a grandiosidade presentação, intuição e expressão estão identifi-
de Bernini) abriram ao discípulo o caminho para cadas na obra de arte. O artista exerce a função
um período ainda não explorado com a merecida de conhecedor da realidade, através da visão, e a
atenção e justiça. Está claro que as viagens de história da arte é a história desse conhecimento
Wõlfflin à Itália e Grécia são reveladoras do inte- do real, captado pela atividade artística. Para
resse que o mestre lhe despe .rtara. Mas o tema Fiedler a arte plástica é a forma da pura visuali-
fundamental de seu estudo será o período barro- dade, assim como a literatura é a arte do idioma.
co, ainda que sempre adote a Renascença como Em função do seu pensamento, foi considerado o
ponto de partida. Em Burckhardt não encontra - fundador da ciência artística, diferente da estética
mos uma unidade crítico-filosófica definida: sua da arte.
obra oscila entre a narrativa e a crítica, entre in- O escultor Adolf voo Hildebrandt publicou em
terpretação via caminhos estilístic os ou via per- 1893 O Problema da Fonna na Arte Figurativa,
sonalida des artísticas. Em Wõlfflin a conquista e aplicou os princípios teóricos de Fiedler à aná-
da unidade se esclarece através de método e dis- lise da escultura. ÉÍn seu trabalho distingue a vi-
ciplina invejáveis. Opõe-se o autor a seu profes- são à distância, que chama de sintética, e é pr6-
sor também na medida em que não pretende fazer pria do artista, da visão próxima, analítica. A vi-
a história da arte dependente da história da cultu- são do artista se dá em superfície, mas deve refe-
ra, mas sim uma história das formas artísticas. rir-se aos planos de profundidade, através de re-
Embora Burckhardt tivesse consciência da relati- cursos de organização espacial e jogos de luzes e
vidade das ligações da história da cultura com a sombras, de tal maneira que o plano possa repre-
história da arte, seu livro sobre o Renascimento sentar simbolicamente a unidade espacial.
é, principalmente, a históri a dos costumes, tradi- O contato com as teorias de Fiedler e Hilde-
ções e cultura italianas, no qual a história da arte brandt acentuou em Wõlfflin a atenção sobre os
aparece mais como complemento e ilustração do elementos plásticos constitutivos das obras, e o
período . princípio de que, da mesma maneira que a obra
O contato com Fiedler, Hildebrandt e Riegl de um artista pode ser entendida a partir de sím-
trouxe para a teoria de Wõlfflin a influência da bolos visíveis, pode-se ampliar esse procedi-
pura visualidade, a atenção concentrada nos sím- mento para a avaliação de um período artístico.
bolos visíveis. A linha, a cor, a estrutura de Alois Riegl possuía um vasto conhecimento da
composição, os materiais empregados nas formas arte e valorizou as chamadas artes menores ou
de expressão constituem, não apenas a essência decorativas, assim como os períodos antes vistos
concre ta da obra de arte, mas podem ser entendi- como decadentes . Embora sem o mesmo rigor
dos como a essência mesma dos estilos artísticos, kantiano do pensamento de Fiedle r, imaginou a
constituídos de grupos de obras de arte afins. história da arte como história universal. Baseou-

WÕLFFLIN: ESTRUTURA E FORMA ... 13


se no princípio da atividade artística autônoma e surgem do sentimen to popular, fazem parte de
de natureza espiritual, e acreditava na evolução um princípio llnico norteador em que indivíduos
dos caracteres essenciais da arte dentro de uma e fonnas têm um destino aparentemente previsí -
dinâmica própria . Acreditava que a arte, se des- vel.
tacada do seu processo espiritual criativo , tende- Em 1888 publica o livro Renascença e Barro-
ria a morrer. O conceito que suste nta essa dinâ- co, obra de juventude que prefaciamos. O estilo
mica é o da "vontade artística", ou seja, a ten- barroco, durante muito tempo, teve um destino
dência ou impuJso identificados num dado perío- ingrato. A origem do vocábulo "barroco" é in-
do, responsável pelas transformações que sofre a certa e esteve vinculada h idéia de decadência
expressão plástica. A obra de arte deixa de ser ou, no mínimo, de estranheza, distorção, exage-
um produto mecânico, de exigências práticas, ro, conceitos quase empre pejorativos. Se o Re-
técnicas ou funcionais, para tomar-se o reflexo nascimento jamais havia sido questionado como
de algo transcendente, a Kunstwollen que se ma- um período de valores po itivos seguros, o bar -
nifestará numa mesma época, de forma equi va- roco sempre foi visto como o estilo responsável
lente em todas as artes. pela dissolução das formas conquistadas no pe-
Wõlfflín se aproxima de Riegl na medida em ríodo anterior. No Renascimento o artista volta-
que substitui conceitos absolutos e abstratos da ra-se para a análise e interpretação da Natureza,
estética por categorias e "formas de ver" a arte para a valorização do Homem, seu corpo e senti -
mais concretas. Para ambos os historiadores os dos. Mas a partir do momento em que os homens
fenômenos históricos individuais já estão implí- da ciência, sobretudo Galileu, se propuseram a
citos e seriam predeterminados por forças supe- decodificar e compreender a linguagem da natu-
riores. Existe um espírito universal transce ndente reza, estava superada, para as linguagens artísti-
responsável pelo rumo da evolução artística que cas, a doutrina que dominara os séculos XV e
independe da ação isolada de um indivíduo. XVI. Era natural que surgisse na arte uma nova
Riegl e Wõlfflin retomam o pensamento de He- forma de representação.
gel, que defendera um princípio ideal e supra-in- Para Wõlfflin, contemporâneo do impressio-
dividual, condutor da evolução das formas artís- nismo, movimento que propunha uma maneira
ticas. Só que ambos estabelecem quase tipolo- totalmente inovadora de ver o mundo, exigindo,
gias, ao criar uma história da arte que vai identi- inclusive, a destruição do antigo espaço plástico
ficar e classificar características formais, de es- e uma radical mudança na concepção de cor e luz
tilo universal, porém desvincuJada da filosofia. com relação hs técnicas acadêmicas, era · natliral
enxergar o barroco, não como um estilo deca -
dente, mas como uma forma de representação
Em 1886 Wõlfflin defende em Munique a tese nova e vital, que havia evoluído a partir do Re-
Prólogo a uma Psicologia da Arquitetura, onde nascimento. É com entusiasmo e confiança que o
se encontra expressa a idéia de que as fonnas ar- autor vai identificar essa corrente estética corno
tísticas não são criadas independentemente, mas inevitável decorrência da anterior.

14
Na introdução de Renascimento e Barroco o corre sobre as particularidades de cada um dos
historiador define uma metodologia rigorosa ao estilos estudados, através de paralelismos e con-
delimitar o campo e o momento a serem observa- frontos dos detalhes formais, revelando-se grande
dos e avaliàdos. Se a Itália é o local onde o Re- conhecedor da arte.
nascimento se manteve mais preservado e puro, Wõlfflin faz um estudo exaustivo das formas
Roma é a cidade escolhida por ter sido ainda me- arquitetônicas, civil e religiosa: palácios, vilas
nos invadida por idéias de fora, e Bramante é re- jardin s, igrejas são dissecados em seus elementos
ferido corno o melhor exemplo disso. No Norte da estruturais e decorativos, com o objetivo de apre-
Europa a arte sempre sofrera uma tendência ao ender a evolução dos tipos durante os períodos
decorativismo e ao pitoresco, não tendo nunca pesquisados. A análise é principalmente formal,
passado pelo processo das fonnas puras e tectô- não há uma preocupação com a iconografia, pois
nicas do Renascimento. A observação do fenô- a própria linguagem arquitetônica convida a esse
meno em Roma é mais fácil porque também fica enfoque.
clara a passagem dos estilos, e porque foram os Neste trabalho de Wõlfflin já estão lançadas as
próprios mes tres renascentistas que introduziram sementes que florescerão em sua obra da maturi-
o barroco. Wõlfflin define três tipos de barroco, dade: recolhimento cuidadoso do material de
que situa entre o Renascimento e o neoclassicis- pesquisa, exame exaustivo das formas artísticas,
mo: o primeiro, severo e maciço, o segundo, leve organização dos dados e conceituação, todos
e cheio de alegria, e o terceiro, que dissolve as procedimentos do historiador que tem uma postu-
formas construtivas clássicas. O período eleito é ra científica com relação ao seu objeto de estudo.
o primeiro, que vai de 1520, quando já não se E ainda, embora a análise seja formal, não está
identifica um único estilo puro, até _1630. Este foi aqui definida uma metodologia desvinculada do
o período objeto de análise do livro. meio ambiente ou de um enfoque psicológico.
Embora o autor escolha uma abordagem de in- Isto se esclarecerá mais tarde.
vestigação formal, distinguindo linhas de massas, Em 1899 Wõlfflin termina o livro A Arte Clás-
repouso de movimento, simetrias de irregularida - sica e em 1905 faz um estudo sobre Albrecht Dü-
des, não há um completo abandono das determi - rer.
nações sócio-culturais . O ambiente, se não con- Com a publicação de Conceitos Fundamentais
siderado como determinante, é um pano de fundo da História da Arte. em 1915. torna-se o mais
que aproxima manifestações artísticas de dife- interessante dos historiadores da visualidade.
rentes origens e características. A arquitetura, a Nessa obra define seu método de conhecimento
pintura, a escultura e até a literatura são irmãs e da história da arte. Propõe que as fonnas artísti-
manifestam um mesmo pensamento subjacente cas devem ser analisadas a partir de si mesmas e
num período determinado. que elas garantem uma evolução que ocorrerá,
Da maior importância é o capítulo dedicado às mevitavelmente, obedecendo a uma lógica e coe-
transformações estilísticas. A pós longa e miou - rênc ia rntêrnas, mdependente de fatores ambien-
.ciosa conceituação de "pitoresco", o autor dis- tais, religiosos, culturais, políticos ou tecnológi-

WÕLFFLIN : ESTRUTURA E FORMA ... 15


cos. Estabelece dois pólos: o Renascimento ou 4. A multiplicidade caracteriza o clássico, e a
"ciássico e o Barroco, que se sucedem sempre na unidade, o barroco. No primeiro caso há plurali-
mesma ordem, tendo a seqüência um caráter dade de elementos que, autônomos, formam um
evolutivo. O Renascimento é identificado com li conjunto, No barroco os elementos isolados per-
o imitativo, com as formas construídas e fecha - l dem a expressividade, uma vez que é a visão
das, próprios dos países mediterrâneos; o barroco 11nica, globalizada, a primeira que se percebe.
é decorativo, de formas livres, característicos dos
países do Norte da Europa. Essas duas categorias 5. A clareza absoluta no clássico evolui para
não têm necessariamente uma referência tempo- a clareza relativa no barroco. A clareza está inti-
ral, reaparecem ciclicamente ao longo da história mamente ligada à forma de representação. A li-
da arte. nha e a composição em superfície favorecem a
~ cinco os pares de conceitos fundamentais: leitura da obra de arte, enquanto que a clareza fi-
ca prejudicada em estilos pictóricos construídos
1. Enquanto o clássico é linear e plástico, o
com diversos planos de profundidade, movimen-
barroco é pictórico. A linha limita e isola os ob-
tados por contr astes de luz e sombra, característi-
jetos da visão, por isso a leitura da obra clássica
cos do barroco.
é nítida e distinta, cada elemento é concreto e
"perfilado", como afirma Wõlfflin. No barroco
houve uma evolução para linhas mais livres, lu-
Segundo Wõlfflin, as linguagens plásticas de
zes e sombras, que conferem movimento e até
uma época adquirem um estilo comum: arquitetu-
dissolvem a figura. ra, escultura e pintura têm o mesmo denominador
óptico. O historiador não nega a existência de
2. A arte clássica se revela na superfície, pois personalidades diferentes numa mesma época e
o plano é o elemento próprio da linha. No barro- refere-se aos "estilos individuais" compostos de
co a imagem se organiza através da superposição
massas, cores, linhas, sombra e luz peculiares a
de planos e a visão se dá em profundidade. A
cada artista, mas acredita que, acima desse estilo
desvalorização do contorno é responsável pelo
individual, há um "estilo nacional" ou "regio-
desaparecimento da representação em superfície.
nal", representando uma tendência dominante pa-
3. Do clássico .ao barroco a evolução se dá da ra a qual convergem essas personalidades distin-
forma fechada para a forma aberta. Embora toda tas. E mais uma vez, acima dos estilos nacionais
identifica o estilo de uma época, de um momento
a obra de arte se apresente como uma forma fe-
chada e completa em si mesma, a comparação
histórico. Justamente por causa desse denomina-
dor é possível encontrar semelhanças entre artis-
~ntre as formas clássicas e barrocas revela o se-
tas tão diferentes como Caravaggio, Rubens e
• gundo muito mais solto e flexível, enquanto o
clássico obedece às leis rígidas de construção. Rembrandt. /
Melhor definindo, o estilo é para Wõlfflin a
expressão de uma época, de um sentimento na-

16
ciooal e de um temperamento pesso~. Em sua foi grande a contribuição dos métodos de auto-
teoria, o papel do artista fica muito relativizado, investigação em sociologia, antropologia, litera-
pois ele já se depara com um repertório de ima- tura, lingüística, semiologia.
gens e de idéias e com uma maneira de organi- A vertente estruturalista espalhou-se por vá-
zá-las: possibilidades ópticas predeterminadas, às rias áreas da investigação e passou a ser melhor
quais está necessáriamente vinculado. Daí o conhecida a partir de 1930. Lévi-Strauss na área
postulado de Wõlftlio de que nem tudo é possível da antropologia, Piaget na educação, Saussur e na
em todas as épocas. Na verdade é esta idéia que lingüística, além de Jakobson e mais recente-
dá origem à teoria da arte decorrente do desen- mente Chomsky, são alguns dos intelectuais que
volvimento imanente das formas, onde a intenção optaram por essa linha de pesquisa.
artística e outras cau sas transcendentes têm muito Segundo Lévi-Strauss a estrutura tem o caráter
pouca interferência no processo. Cabe aí ao his- de sistema e consiste de elementos combinados
toriador a tarefa de buscar as "formas de intuir" de tal forma, que qualquer modificação num de-
contidas nas representações artísticas, bem como les implica a modificação de todos os elementos.
decodificar a gramática e a sintaxe que as orga- Há uma lei interna reguladora de todas as partes
nizam. Wõlfflin propõe essa decodificação atra- dentro desse sistema, e cada uma delas se com-
vés dos cinco pares de conceito s que mostram a porta em função do todo: transforma-se dentro da
evolução do clássico para o barroco. Esses dois relação desse organismo total, ao mesmo tempo
momentos da história passam a ser vistos como que é responsável pela preservação do mesmo.
mkleos básicos para a compreensão da arte, que No estudo de diferentes disciplinas, a aborda gem
se sucedem e depois recomeçam, embora as cur- estruturalista entende que as peculiaridades dos
vas de evolução não mantenham a mesma uni- componentes pode elucidar o comportamento de
formidade sempre. Esse conceito de periodicida- todo o sistema. Em Wõlfflio, a teoria da evolução
de implica a visão rítmica da história: interrupção autônoma e imanente das formas, assim como o
e recomeço. O fen ômeno é explicado pela neces- exigente procedi.meato de classificação e análise
sidade de interferência do contrário, que age de dos períodos, já prenunciam o aparecimento de
maneira a reverter a situação anterior. Nesse uma abordagem radical como o estruturalismo.
ponto Wõlfflin admite a atuação de fatores exter- Não podemos deixar de mencionar Croce, cujo
nos, que provocarão um rompimento nas leis in- pensamento muito influenciou as correntes for-
ternas da evolução das formas e darão início a malistas, e que também havia sido importante pa-
um novo ciclo. Embora um retrocesso dentro do ra Wõlfflin. Sua visão da história da arte está re-
processo evolutivo, a cada reinício, as novas con- sumida na proposta: "estudar a obra poética em
quistas se somarão. si e por si, fora de qualquer consideração que
não seja estética".
Ao lado do estruturalismo, aparece, e até se
Essas influências se estendem para além do confunde, a chamada estética formalista, oriunda
campo da estética e da arte: nas ciências humanas das mesmas fontes. Neste caso a obra dev e ser

WÕLFFLIN: ESTRUTURA E FORMA... 17


entendida e avaliada sob o domínio exclusivo da sua estrutura, a recria a cada vez. A própria idéia
forma: significante e significado, signo e símbolo de um modelo dialético, forma e resposta a essa
constituem um todo orgânico, que nada mais é do forma, afasta Eco das teorias dogmáticas forma-
que a poética artística. A partir de 1917 surge o listas, e o torna um pensador extremamente ori-
movimento formalista russo, criado por um grupo ginal. Ele mesmo, entretanto, ao construir urna
de intelectuais que fuodam a Associação para o metodologia em Obra Aberta, reconhece o débito
Estudo da Linguagem Poética. Jakobson, saído com as teorias afins que o antecedem .
desse m1cleo, traz valiosas contribuições para a De forma menos evidente, encontramos cor-
ciência da literatura e para a liogü(stica. relações do peosamento wõlffliniano com teorias
Na área de estética e teoria da arte, cabe men- sociológicas como, por exemplo, a de Weber, ou
cionar o trabalho do fértil pensador e crítico ita- com pensadores da cultura, como os da Escola de
liano Umberto Eco . Afasta-se este autor do rigor Frankfurt.
objetivo do estruturalismo ortodoxo, pois não Weber, contemporâneo de Wolffün, dedicou-
pretende a formulação de modelos defini ti vos pa- se ao estudo da história e sociologia da cultura,
ra a realização da pesquisa. Não se consi dera num enfoque de objetivação dos processos cultu-
formalista ou estruturalista, mas um pensador que rais. Para ele esses processos foram entendidos
mantém afinidades com essa linha de pensamen- como passíveis de análise científica, e para isso
to. Define seu campo de investigação como o estabelece um método de investigação social que
campo da poética ou das poéticas, entendidas, parte da premissa de que o investigador tem uma
não como um sistema autoritário de regras, mas limitação inicial, e que uma vez consciente dessa
como um programa operacional a que o artista se limitação será capaz da objetividade exigida por
propõe. (Aproxima-se, neste ponto, da teoria da métodos científicos. Weber forma uma teoria ba-
Kun.stwollen, de Riegl.) A obra, que será o ponto seada em tipologias que ajudam a diagnosticar os
de partida, o objeto de estudo do historiador, caracteres particulares do momento a ser estuda -
apresenta como característica urna ambigüidade do. A racionalidade e o uso de princípios defini-
fundamental, que é a sua "abertura", qualidade dos na identificação e interpretação dos fenôme-
constant em qualquer tempo e qualquer obra. nos culturais aproximam-no de Wõlfflin.
Essa abertura refere-se · ao sentido de interpreta- A Escola de Frankfurt reuniu o conjunto de
ção que aparece sempre na relação entre a obra e pensamentos de intelecruais, entre os quais Ben-
o receptor. Daí, na visão de &o, fica necessária jamin, Horkheimer e Adorno. Em 1924 foi ftm-
a existência da dialética entre a forma artística e dado o Instituto de Pesquisas Sociais de Frank-
aquele que a recebe e com ela estabelece uma furt, que mais tarde, por razões de perseguição
conversa. Ao mesmo tempo que a fonna artística política, deslocou-se para Genebra, Paris e New
é a cristalização, o produto final de idéias, expe- York, só sendo reestruturado em Frankfurt após
riências, criatividade, ordenação de eleme ntos 1950. Caracterizou-se desd~ cedo pela liberdade
plásticos, do artista, é também o ponto de partida de pensamento, por trabalhos de análise crítica e
para o fruidor, que, buscando a compreensão de literária e pelos protestos contra as injustiças s6-

18
cio-políticas resultantes do momento de crise de mas artísticas nas páginas de Renascença e Bar-
consciência pelo qual passava a Alemanha. roco , entusiasmarmo-nos com a vitalidade e a
Embora a pluralidade de interesses dos pensa- erudi ção do autor e deixarmo-nos levar pelo pra-
dores de Frankfurt dificulte o entendimen to do zer de ser conduzidos pelos caminhos do "ver" a
grupo enquanto uma unidade, justame nte por sua arte.
abertura a todas as questões da cultura do século
XX, havia uma abordagem política comum, uma
irmandade na visão do mundo, e um método de Biblio grafia
pesquisa bem definido, herança de uma postura
cient ífica já esboçada na metodo logia de Wõlf-
BAYER, Raymond . Hist6ria da Estltica. Lisbo , Edi torial Es-
flin. tampa, 1979.
Benjamin, como mais tarde veríamos em Eco, ECO, Umbeno. Obra Aberta . São Paulo, Editora Perspectiva,
acreditava na multiplicidade de significados im- 1971.
- ---. La dejinici6n dei ane . Barcelona, Ediciones Martínez
plícitos na obra de arte. É a atividade da leitura e Roca, S.A., 1972.
da interpretação que possibilita o leque de aber- FOCILLON, Henri. Vida das Fonna.s. Rio de Janeiro, Zahar
Editores, 1983.
turas e pluralidade de sentidos nessa dinâmica
HATZ FELD, Helmut. Estudos sobre o Barroco . São Paulo,
estabelecida entre obra e leitor. ~aber narrar, pa- Perspectiva, 1988.
ra Benjamin, não é estabelecer conclusões defi- HAUSER, Arnold. Historia Social de la Literatura y e/ Arte. Ma-
nitivas, mas abrir caminho para interpretações drid, Ecliciones Guadarrama, 1969, vol. 11.
---- ..Jn1roduccw11a la Historia delArte. Madrid, Ediciones
variadas. Guadarrama , l973 .
Não cabe, num simples prefácio a Wõlfflin, LEVY, Hannah. "A Propósito de Três Teorias sobre o Barro-
estendenno-nos pelo universo de relações teóri- co". Revi.sra do Parrinu5njq His16rico e Artístico Nacional,
n!?5, Rio de Janeiro, 1941.
cas que se lhe vinculam direta ou indiretamente. TAPIÉ, Victor. Barroco e Classicismo. São Paulo, Martins Fon -
Podemos imaginar muitas formas de pensamento tes, 1974.
que, mesmo extremamente originais, foram toca- VE TURI, Lionello. S1oria de/la Critica d'Ane . Turim, G. Ei -
naudi, 1964.
das pela teoria de Wõlfflin, mas esse é assunto WELL EK, Re.né. Hisr6ria da Crfrica Moderna. São Paulo, Edi-
para outro ensaio . lOra Universidade de São Pau.lo, 1972, vol. IV.

Resta-nos, sim, buscar o conhecimento da BENJAMIN, HADERMAS, HORKHEJMER, ADORNO. Coleção


"'Os Pensadores" . São Paulo, Editora Abril Cultural, 1983.
história, das maneiras de sua realização nas for-

WÕLFFUN : ESTRUTURA E FORMA..• 19


PREFÁCIO DA REEDIÇÃO

A primeira edição desta obra, dos prim6rdios


de Wõlfflin, apareceu em 1888. Hans Willig su-
pervis ionou, com revisão moderada, a segunda
edição, de 1907, e a terceira, de 1908, enquanto
a quarta, de 1926, sofreu uma revisão mais pro-
funda por Hans Rose com um comentário dele.
Como Wõlfflin mesmo nunca fez alterações nas
reedições, nem controlou as revisões, resolvemos
fazer esta reimpressão de acordo com a primeira
edição de 1888, pois s6 ela traduz o pensamento
e o estilo de Wõlffiin na sua pureza e sem altera-
ções. A reedição foi executada por processo ftr
tomecânico, mas foram corrigidos erros tipográ-
ficos e incorreções evidentes da primeira edição.
Naturalmente, não tocamos nas opiniões científi-
cas de Wõlfflin. Nas ilustrações, damos novas re-
produções dos monumentos principais de que trata
o texto, incluindo remissões correspondentes às
reproduções e estampas.

A Editora

22
PREFÁCIO

O processo da dissolução da Renascença é o


tema deste estudo. Ele pretende ser uma contri-
buição para a hist6ria do estilo e não para a his-
tória dos artistas. E.caminha intenção observar os
sintomas da decadancia. para descobrir, possi-
velmente, no "desandamento e na arbitrarieda-
de", a lei que tomasse possível um olhar para a
vida interior da arte. Confesso que vejo nisso a
verdadeira finalidade da hist6ria da arte.
A transição da Renascença para o Barroco é
um dos capítulos mais interessantes do desenvol-
vimento da arte em tempos menos remotos. E se
aqui fiz a tentativa de compreender psicologica-
mente essa transição, certamente não preciso jus-
tificar este empreendimento, mas sim pedir um
julg amento compreensivo. Este trabalho é uma
tentativa em todos os sentidos. Que os leitores o
queiram considerar como tal.
Na dltima hora abandonei o plano de dar
uma exposição paralela do Barroco antigo. Isso
teria sobrecarregado o livro. Espero em breve
poder realizar em outra obra essa interessante
comparação.

Dr. Heinrich Wõlfflin

24
INTRODUÇÃO

1. Costuma-se desigoar com o nome de b~


co o estilo no qual se dissolveu a Renascença ou
- como se diz muitas vezes - o estilo que resul-
tou da degeneração da Renascença.
Na arte italiana essa transformação estilística
tem uma significação essencialmente diferente
daquela que tem no Norte. O interessante proces-
- ~ que se pode observar na Itália ·é a passagem de
uma arte severa para uma arte "livre e piotures-
ca", do formal para o informal. Os povos nórdi-
cos nao conheceram esse desenvolvimento. Ali, a
arquitetura da Renascença não chegou nunca à
forma rigorosamente pura e regida por normas
como no Sul, permanecendo sempre mais ou me-
nos presa à arbitrariedade do pinturesco e até do
decorativo. Por isso, no Norte não é possível falar
de uma "decomposição" do estilo rigoroso 1.
A história da arte antiga, em contrapartida. Em segundo lugar, em nenhuma parte o Bar-
oferece um fenômen o paralelo, uma vez que nela roco surge tão cedo como em Roma . Não se trata
também começa a instalar-se aos poucos o nome de um estilo de maus imitadores, que aparece
de Barroco 2 • A arte antiga "morre" apresentando quando falta o gênio; pelo contrário, devemos di-
sintomas semelhantes aos da Renascença. zer: foram os grandes mestres da Renascença
2. Nossa tarefa é identificar tais sintomas. mesmos que introduziram o Barroco. Ele nasceu
Antes de mais nada, ela exige que se faça uma da perfeição suprema. Roma ficou na vanguarda
delimitação precisa de nosso domínio de obser- do desenvolvimento da arte.
vação. Finalmente, o barroco romano é a transforma-
Não existe um barro co italiano geral e homo- ção mais completa e radical da Renascença. En-
gêneo. Mas entre as transformações que sofre quanto em outra parte o estilo antigo sempre
a Renascença e que diferem entre si conforme as transparece mais ou menos e o novo muitas vezes
regiões, s6 a que se processou em Roma pode consiste apenas na expressão empolada daquilo
reivindicar o valor da tipicidade, se me é lícita a que antes se teria dito de modo simples, aqui de-
expressão . E isso por três razões. sapareceu qualquer vestígio do sentimento ante-
Em primeiro lugar foi em Roma que se deu a rior. O que se chama barroco veneziano e que se
decantação suprema da Renascença. Bram ante opõe ao romano no fundo não oferece nada de
alcançou aí o seu estilo mais puro. A prese nça novo. "Os pensamentos mais mesquinhos do iní-
dos monumentos antigos contribuiu para apurar o cio da Renascença veneziana continuam a circu-
lar cmpetecados em trajes barrocos" 3 • Afinal,
sentimento arquitetônico a tal ponto que, em
Roma, qualquer negligência quanto à forma de- talvez não fosse injusto falar apenas de um bar-
via ser sentida de modo muito mais agudo do que roco romano .
em outra parte. O que afirmamos para a arte ita- 3. Depois dessa delimitação espacial, cabe
liana em geral, em oposição àquela dos povos do uma determinação cronológica mais exata.
Norte, ali vigora nos pormenor es: a transfonnação Quanto ao passado, o Barroco está limitado pela
do estilo para o Barroco deve ser estudada onde Renascença, quanto ao futuro, pelo Neoclassi-
se sabia melhor o que é forma rigorosa, realizan- cismo, que começa a surgir depois de meados do
do-se a dissolução da forma do modo mais cons- século XVIIJ; ao todo o Barroco ocupa cerca de
ciente. Mas em lugar nenhum o contraste é tão duzentos anos. Mas nesse período o estilo se de-
grande como em Roma. senvolve de um modo que toma difícil apreen -
dê-lo como único. O começo e o fim têm pouca
semelhança. Só a custo se reconhecem as carac-
l. Quanto àquilo que no Norte se chama de Barroco, cf. terísticas permanent es. Já Burckhardt observa
DOHME, Studien zur Architecturgeschichte des 17. und 18Jahr- que a exposição histórica deveria começar de
huoderts. ln lütw1./s Zeitsc/víftfür bildende Kunst, 1878.
fato uma nova época com Bernini. Seria aproxi-
2. O dltimo exemplo é L. v. SYBEL, Weltgeschichte der
K1ms1,1888, que dá a wn capítulo o título de "Estilo barroco ro-
mano". 3. BURCKHARDT,Jakob. Cicerone. i ! ed . 1855, p. 258.

26
1. FRANCESCO BORROMINI. Piazza Navon.oa. Igreja de s. 2. BRAMANTE. San Pietro in Mootorio . Roma.
Agne e detalhe da Fonte dos Rios de BERNINl.
madarnente pelo ano de 1630. Nos seus inícios, o 4. Os mestres. A tarefa da história dos artistas
Barroco é pesado, maciço, contraído, severo; a é inv~ntariar toda a riqueza das forças criativas e
~. escapa aos poucos ao peso, o estilo se seguir cada individualidade em particular; a his-
torna mais leve, mais alegre, chegando-se afinal tória do estilo se ocupa somente com os gra ndes
à dissolução brincalhona de todas as fonnas tec- gên ios, aqueles que criam realmente um e tilo.
tônicas, a que chamamos de Rococó. Ela pode dispensar tudo o que é pessoal, reme-
Nossa intenção não é descr ever todo esse de- tendo para a literatura especializada 4 •
senvolvimento, mas compreender a sua origem: Nomes principais: Antonio da Sangall o, Mi-
que foi feito da Renascença? Por isso só nos chelangelo, Vignola, Giacomo della Porta, Ma-
ocupamos com o primeiro período (até 1630) . derna e, abrindo caminho, Bramante, Rafael e as
Delimitamos o início desse período imediata- últimas obras de Peruzzi.
mente depois da Alta Renascença. Para Roma Bramante (falecido em 1514) trabalha em
não posso admitir uma pretensa "Renascença Roma desde fins de 1499, onde realiza impor -
tardia", conheço apenas renascentistas retardatá - tante evolução. É mérito de H . v. Geymüller5 ter
rios, em atenção aos quais porém não se pode determinado sua ultima maniera 5 • Embo ra pos-
consagrar um capítulo especial. samos ver com razão na Chancelaria, em San
A Alta Renascen ça não se transforma numa Pietro in Montorio e nas construções vaticanas a
_arte decadente, especificamente diversa, mas do expressão perfeita da Renascença, isso não nos
ponto culminante o caminho conduz dir etam ente autoriza a determinar exclusivamente por essas
~ Barroco. Toda inovação é um sint oma do obras o estilo românico de Bramante. A sua ma-
emergente estilo Barroco. neira final é de uma grandeza pesada. Monu -
- Por ora não vou justificar essa afirmação: dei- mentos: a sua própria casa, hoje destruída, mas
xo para fazê-lo por ocasião da análise das for- conservada num desenho de Palladio e o Pal~ zo
mas. Esta deverá mostrar o conjunto de sinto mas de San Biagia (apenas iniciado).
que constitui o Barroco; apenas depois se poderá No domfnio da arquitetura religiosa, São Pe-
decidir onde ele começa. dro é a grande tarefa na qual se empenharam os
Mas o onto de partida permanece imutavel- melhores artistas da época. Os projetos de Bra-
mente aquele grupo de obras que a admiração
dos pósteros desi gnou, há muito, com o as cria-
ções da idade de ouro. Esse estado de suprema 4. VASARI, Vite etc ,, 2! cd . 1568. Cito segundo a edição •
Swisoni, Florença, 1878-85. BAGLIONI, Le Vite de' Pittori,
perfeição é efêmero. Depois de 1520, não deve Sc1dtori, Arcliitetli etc. Dai 1572 fino ai 1642, ápoles, 1733. Crô -
ter havido uma só obra absolutamente pura. Aqui nica da época. M1LIZIA, Menwrie degü Archi tetli Antichie Mode r-
ni, Bassano, 1784. Além d.isso, sobre os estudos mais recentes do
e ali, já aparecem os prenún cios do estilo novo;
assunto , ver adiante .
tornam-se mais numerosos, começam a predomi- 5. H. v. GEYMÜLLER, Die Ursprünglichen Entwürfe für S.
nar, apoderam-se de tudo: nasce o Barr oco . Po- Pcter inRom, Paris e Viena, 1875 ess. -Idem,RaffaelloSanziostu-
diato come archi1eno con faiuto di nuovi documenti, Milão, 1884,
de-se admitir que, em meado s de 1580, o estilo in .•fol .
alcançou plena maturida de. 6. Publicado por GEYMÜLLER,Ra.ffaello, Fig. 70,

28
mante marcam cada qual uma etapa estilística. chetti é o modelo da residência urbana aristocrá-
Sem escrupulos poderíamos limitar nossa história tica (Figs. 64, 14, 58).
a esse tinico monumento, pois cada fase do de- Michelangelo Buonarroti (falecido em 1564),
senvolvimento do estilo no decurso de um século conhecido como o "pai do Barroco". Deve ter
deixou ali vestígios: a começar com o primeiro sido significativo o fato de Michelangelo só ter
projeto de Bramante até a construção da nave se ocupado com a arquitetura em sua maturidade,
longa por Madema. quando já possuía fama, o que lhe garantia admi-
Rafael (falec ido em 1520) . Geymüller deter- - ração e imitação de qualquer coisa que fizesse. Já
mina sua importância arquitetônica pelas duas de início, trata as fonnas com soberana desen-
palavras: continuador do tiltimo estilo de Bra- voltura. Não mais questiona seu sentido, mas
mante, mediador entre Bramante e Palladio. coloca-as a serviço de uma composição que pro-
O Palazzo Vidoni-Caffarelli está intimamente cura apenas contrastes plásticos significativos e
ligado à casa de Bramante. O Palazzo dall' Aquila grandes efeitos de luz e sombra. Para ele cada li -
(destruído, mas representado em desenhos e gra - nha era importante.
vuras)7 foi concebido dentro de um novo senti - _ Edifícios florentinos: San Lorenzo, projeto de
meato, tomando-se importante, na época seguin - fachadas de 1516, 1517; twnulo dos Mediei, cu-
te, em virtude da divisão da fachada na constru- jos trabalhos tiveram início em 1520; Biblioteca
ção dos palácios. Citemos também o projeto da de San Lorenzo (Laurenziana), iniciada por volta
nave longa . para a Basílica de São Pedro. de 1523; a escadaria foi construída mais tarde 10
Pernzzi (falecido em 1537). Sua dltima manei - (Fig. 16).
ra é representada pelo Palazzo Costa e o Palazzo Edüícios romanos: reforma do Capit6lio; o
Massimi alie Colonne, onde se anuncia o novo projeto dessa obra data dos primeiros anos de
sentimento da forma. Paulo llI . O ano de 1538 está atestado numa ins-
Antonio da Sangallo, o Jovem (falecido em crição da estátua de Marco A~élio. O pedestal
1546), um dos rep .resentantes principais do de- oval talvez já leve em conta o projeto de uma
senvolvimento do Barroco. Seu estilo é maciço e praça oval. No palácio senatorial a dupla escada-
severo, "robusto e severo" (Ricci) 8 • Foi discí- ria é, com certeza, pelo menos de época anterior
pulo de Rafael, mas desenvolveu os conheci- a 1555 11 • O resto do edifício foi completado ape- .
mentos adquiridos, dando-lhes uma fonna pes-
soal. Em muitos casos é ele o inventor dos novos
muito saliente os muros foram levantados por mais de dois metros,
tipos de formas. Sua obra principal: o Palazzo destruindo com isso toda proporção.
Famese 9 • Sua própria casa, agora Palazzo Sac- 10. Datas principais: 1558. Michelangelo descreve a escadaria
numa carta a Vasari. Em 1559, manda uma maquete a Ammannati.
11 . . No plano de Roma daquele ano já está indicada. Uma gra-
7. FERRERIO, Pa/,arri diRoma . Um desenho do Parmegià - vura mais ou menos contemporânea está reproduzida em LETA-
nino foi publicado em GEYMÜLLER, Ra.ffaello, Fig. 30. ROUILLY, Édijices de Rome, texto p. 721. Vê-se isso melhorem
8. RICCI, Storia dell arclútettura ín ltcwa, 111,57. Müntz, Anriquitls de Ro1ne, 1886, p. 151.- Dewito afonna atual não
9. Como é sabido, foi Michelangelo quem terminou o ediff- corresponde à intenção de Michelangelo. Os dois deuses inclinados
cio. Ele estragou totalmente a fachada. Por causa da sua comija do rio estão corretos; mas para o centro ele tinha planejado um ni-

INTRODUÇÃO 29
3. MICHELANGELO. O Capitólio e Palicío dos Senadores. A escada. Roma.
nas por Giacomo della Porta e Rainaldi. No tem- da legalidade acadêmica. Mas sem razão. Ifasta
po em que Vasari redigiu a segunda edição de olhar a folha de rosto da sua rego/a, para conven-
sua obra. o Palazzo dei Conservatori ainda não cer-se de que a arte de Vignola usou de grandes
estava de todo terminado, mas certamente o esta- liberdades. No átrio do Palazzo di Firenze chega a
va quanto ao essencial. Seu homólogo, construí- rivalizar com Michelangelo no tratamento arbitrá-
do defronte, pelo contrário, é de data posterior. rio da forma (motivos da Laurenziana). Sua im-
A "Cordonnata", a escadaria principal, de aclive portância data de sua segunda estada em Roma na
suave, é mencionada por Vasari como não aca- época de Jlllio III (1550) 13. Tinha então quarenta e
bada12 (Fig. 15). três anos. Sua primeira viagem durante a juventu-
O destino da Basflica de São Pedro foi posto de havia lhe dado uma formação clássica; sofre
nas mã~s de Michelangelo no dia 19 de janeiro de então a influência de Michelangelo. O pequeno
1547. Ele se manteve na direção das obras até a oratório de S. Andrea diante da Porta del Popolo
sua morte. O novo plano por ele elaborado, a for- ainda é uma obra severa e toda contida; mas a
ma dada à arquitetura exterior nas partes dos fim- Villa do Papa Jlflio III, que é uma construção ta-
dos da catedral e finalmente a maquete da cópula teante e insegura, não parece pertencer-lhe no es-
(1558) constituem etapas da maior importância pa- sencial14; ela é antes uma obra de Ammannati, de
ra a nova arte (Figs . 13, 30) . Vasari e de Jillio III, que mandou construf~la, e
Nos áltimos anos da sua vida, transformará a tal vez de Michelaogelo, que parece, aliás, ter de-
sala principal das termas de Diocleciano para ali dicado grande apreço a Vignola. Emprega-o no
construir a Igreja de Santa Maria degli Angeli e a Palazzo Farnese, onde executou a "galeria" e
Porta Pia (1561). muitos pormenores: portas, lareiras e coisas se-
Toda a evolução posterior depende de Miche- melhantes; no Capit6lio, onde dirigiu os trabalhos,
langelo . Ninguém que se aproxime dele escapará construindo com independência as galerias laterais
ao seu fascíoio: ninguém ousa imitá-lo diretamen- ·no alto da escadaria voltada para Araceli e o
te. - Os líderes (até Bernini) são Vignola, Giaco- Monte Caprino 16. Depois da morte do mestre, as-
mo della Porta, Maderna. sume a direção dos trabalhos da Basllica de São
Jacopo Barozzi da Vignola (1507-1573, oriun- Pedro, executando nesta qualidade as cópulas se-
do da região de M6dena). Considera-se geralmente cundárias, onde, de modo significativo, vai além
Vignola como o perfeito homem das regras, e por do projeto de Michelangelo. Mas sua gl6ria prin-
ter escrito o célebre Tratado das Cinco Ordens, cipal é o Castelo de Caprarola, uma gigantesca
vê-se nele antes de tudo o te6rico, o representante construção pentagonal dos Farnese , cujas formas
são características de uma época de transição (data
dos anos 50) e a Igreja do Gesü (iniciada em
cho com = estárua colossal de 1dpiter de pé. Agora o nicho está
reduz.ido de tal modo pela fonte, que apenas houve lugar para=
Roma pequena e feia. A fonte aparece em reproduções anteriores
ao ano de 1600. 13. VASARI, Vil, 107. Estaéadatacorrcta.
12. VII, 222: " Una salita qual sard piana "" (Uma subida que 14. VASARJ, VII, 694.
será suave). 15. Existem em reproduções, desde 1555.

INTRODUÇÃO 31
1568), que se tomou o modelo para toda a arqui- O que della Porta começou, Cario Maderna
tetura eclesiástica barroca 16 • A morte impediu que (1556-1629), que nasceu às margens do lago
Vignola terminasse sua obra. Mas o projeto da fa- Como, e, ainda criança, foi para Roma, terminou,
chada está conservado em gravura 17 (Figs. 70 e exagerou e- por assim dizer - destruiu.
71, 27). As llltimas obras de Maderna já caracterizam a
Seu sucessor nesta igreja e em toda a arquitetu- dissolução do estilo severo que até então era
ra romana foi Giacomo deUa Porta (falecido em própria do barroco. A seriedade com que se pro-
1603). Não é innão do escultor Guiglielmo della curava exprimir uma grande idéia desapareceu.
Porta, como geralmente se admite, nem sequer ~ Uma insipidez generalizada busca satisfação su-
lombardo, mas - segundo a expressão de Baglioni 18 prema no exagero da riqueza decorativa. Mader-
- "di patria e di virt11 Romano" 19 • na mostrou todo o seu talento na notável fachada
O ano tradicional do seu nascimento, 1541, de Santa Susanna (terminada em 1603). Sua pri-
parece pouco provável em face do fato de , já em meira grande obra é também a melhor, enquanto
1564, ter terminado a fachada de Santa Catarina a fachada de São Pedro, obra de maior dimertsão,
de' Funari (segundo inscrição). A força da per- terminada em 1612, não satisfaz nossa expectati-
sonalidade de Giacomo expressou-se em todos os va; mas não se deve, contudo, esquecer quão
campos e atraiu o favor de todos os que se dedi- imensa era a tarefa de dividir essa superfície; por
cavam às construções. Foi ele o primeiro a dar outro lado, o artista não era livre, mas permane-
um cunho decididamente barroco às fachadas das cia prisioneiro dos motivos já fixados por Mi-
igrejas (Gesí)., Santa Maria ai Monti), às fachadas chelangelo. O pórtico, em contrapartida, merece
dos palácios e às vil/as. Sua melhor realização toda a nossa admiração (Figs. 25,11).
seria a grande clipula de ~ão Pedro, se, realmen- Em volta desses três grandes mestres encontra-
te, não s6 a execução mas também o projeto pu- se um grupo numeroso de artistas menores.
dessem ser atribuídos a ele (ver a seção corres- Em primeiro lugar o consciencioso Bartolo-
pondente na Terceira Parte) (Figs. 72, 19, 20, 21). meo Ammannati, contemporâneo de Vignola, um
florentino que já homem maduro se tornou ar-
quiteto em Roma e que absorveu com muita pu-
16. O princípio de Santa Maria degli Allgeli, ?Crto
de Ass~,
reza o modo de sentir romano (Palazzo Gaetani).
do ano de 1569, é tão diferente do Gesll, que a ttaci-!çãoque cons1-
de.ra Vignola como seu arquiteto é, provavelmente, incorreta. Dentre suas construções florentinas a maravilho-
17. FRANCESCO VU.LAMENA, .Afcune Opeu clArchitet- sa ponte da Trinità não é concebível sem a escola
rura di Vignola, Roma, 1617. romana, ao passo que nos palácios por ele edifi-
18. BAGLIONI, Vite, etc., p. 76.
cados retorna rapidamente a suas batidas trilhas
19. KINKEL em Mosaik zur Kunstgeschiclrte, _P· 46, dá a ár-
vore genealópca dos della Porta de Milão (de Guile_1-';11~ etc.) . O florentinas. O Collegio Romano, uma obra de
nosso Giacomo não aparece a[. - Se depois (d~sde Milma) fazem efeito muito duvidoso, construído durante uma
dele um milane_s,isso se deve ao fato de ter havido também um ar-
quiteto milanês, Giovan Jacom~ della Porta_(V~SARl, VI~, 544). segunda estada em Roma, mostra (principalmen te
Já Vasari parece não ter conhec1do bem_a histó?a da f~ della na fachada) até que ponto ele perdeu o senso da
Porta: toma-o como tio em vez de pai de Gu1lelmo. Mws tarde
tomaremos a encontrá-lo. grandiosidade.

32
4- 5. CARLO MADERNA . Basllica de São Pedro. Cidade do Va-
ticano.
Além de Ammannati surgem também Martino outro 20 • Sente-se um certo prazer pelo raro e que
Lunghi e seu filho Onorio (falecido em 1619), estivesse além das regras. O fascínio pelo infor-
Domenico Fontana, o tio de Madema (falecido mal começa a operar.
em 1607) e seu irmão Giovanni (falecido em _A expressão "barroco", como se usa hoje, e
1614), Flaminio Ponzio, Ottaviarw Mascherirw, que os italianos igualmente adotaramª 1, é de ori-
Francesco da Volterra, Giovanni Fiamingo, gém francesa. A etimologia é incerta. Al uns su-
cognominado Vasanzio, etc., nenhum dos quais gerem a gura lógica baroco, que resulta em al-
romano. A maioria vem da Lombardia (princi- go absurdo; outros sugerem um tipo de pérola
palmente da região do lago de Como). Mascheri- "não totalmente redonda", gue é designada com
oo é de Bolonha. Francesco da Volterra indica a esse nome. A Grande Encyclopldie já conhece a _
sua procedência no nome; Vasaozio é holandês palavra com sentido semelhante ao que lhe atri-
(Hans von Xanten). - Uma pequena minoria des- buúnos:
ses artistas se integrou devidamente ao novo mo-
vimento; na maioria nota-se o embaraço com que Baroque, adjectif en architecture, est une nuance du bizarre?
li en est, si on veut, le raffinement, ou s'il était pos.slble de le di-
acolheu as novas formas, e a que ponto são inca- re, l'abus ... il en cst !e superlatif. L'idée du baroque entraine
pazes de alcançar uma criação de conjunto, com avec soi celle du ridicule poussé à l'exces, Borrom.ini a donné les
plus grands mod~les de bizarrerie et Guariru peut pa.sser pour le
um espírito novo. Em todo o caso, por sua ori- maitre du baroque*.
gem mesma, os romanos mostravam mais dispo-
sição para aquela grandiosidade e imponência pe- A distinção entre barroco e bizruTo não nos é
sada que é própria do Barroco. familiar; talvez sintamos antes a segunda e~pn,;5-
Sobre estes elementos baseia-se o efeito que 6íio como a mais fone. Entretanto, em termos àe
exerce um Giovanni Battista Soria (falecido em
1651), um artista medíocre, mas que na qualidade 20. Capriccioso, caprichoso, voluntarioso (de capro, o bode).
Termo freqüente em Vasari, e que é expressão do mais alto louvor
de romano ainda foi capaz, embora tardiamente, pela arte de Michelangelo: lntroduzionc I, 136 ("ricoprend o con
de apresentar em suas construções toda a gravi- va~hi e capricciosi omamenti'' [omam enti não s6 signifi ca decora•
ção] "i clifetti della natura"). Ibid. VI. 299 (v. Mosca: "non ~ pos-
tas do estilo anterior. sibíle veder ph). belli e capricciosi altari", etc .). Ibld. Vll. 105 (v.
Vignola: "bclle e capricci ose fantasie", etc.). Um exemplo poste•
5. Ao contrário da Renascença, o Barroco não rior: a coletânea dos "ornamenti capricciosi" de Mont.ani e Soria.
foiãcompanhado de teoria. O estilo se desenvol- Roma 1625. - No mesmo sentido: bizarro (Vasari, 1. 136 eem ou-
ve sem modelos.Ao gue parece, em princípio, tros lugares) e srravagante (Vasari, VII. 260, v. Michelangelo: "s -
travagante e bcllisimo", a respeito da Porta Pia). - LOMAZZO,
não havia um desejo de seguir novos caminhos. Trattato deli Ane (Milão, 1585), usa exatamente as
pressões.
= ex-
Por isso também não surgiu um nom.e preciso pa-
ra este estilo: stilo moderrw engloba, ao mesmo 21. NIio estou em condições de indicar desde quando Milizia
(1784) ainda não a conhece.
tempo, tudo o gue não seja aotjgo ou pertença ao • Em francês no original: "Barroco, adjetivo em arquitetura, é
stilo tedesco (gótico). Em compensação, alguns W1lll nwi.nce do extravagante. É, se quiscllDos, o refinamento ou,

conceitos antes desconhecidos surgem agora, nos se assim se pode dizer, o abuso dele .. , o super lativo. A idéia do
barroco acarreta a do ridfculo levado ao excesso. Borromini forne-
autores que escreveram sobre arte, como critérios ceu os mais importantes modelos de extravagância e Guarini pode
da beleza: capriccioso, bizarro, stravagante e ser considerado o mestre do barroco". (N. do E.)

34
hist6ria da arte, a palavra perdeu seu matiz de ri- Scamozzi 26 queixa-se abertamente do pouco-
dículo ; em compensa ção, a linguagem comum caso que se faz da Antiguidade. "Le cose fatte da-
ainda se serve dela para designar algo absurdo e gli antichi vengono sprezzate e quasi derise."
monstruoso. "Sono molti, che noo l'istimano molto"2 7 •
No co njunto, a Antiguidade começa a ser sen-
6. Já desde a morte de Rafael, o entusiasmo
tida como uma "regra". Alguns a transgridem
pela Antiguidade começa a diminuir. Não que ti-
intencionalmente, espúitos mais tímidos procu-
vesse havido menos interesse pelos resquícios do
ram mediar e desculpar o que de qualquer modo
passado. Pelo contrário. Porém, não é mais uma
pode ser desculpado. Assim Lomazzo no Tratta-
admiração infantil que une a veneração a um te-
to deli' Arte faz um repertório de casos em que
mor quase sagrado 22 , sem que se possa falar pro-
os antigos também se permitiram algumas liber-
priamente de imitação, mas uma atitude fria que
dades, a fim de, com isso, justificar os moder-
procura tirar ensinam~nto de toda contemplação.
nos28.
Em Roma nasceu uma aca demia vitruviaoa que
Lomazzo é milanês; no círculo de Michelao-
organizou um rigoroso levantamento das ruí-
gelo fala-se uma outra linguagem. Vasari saúd ...
nas 23 . v·1gno1a es tá a seu serviço;
· como resultado
como uma libertação a extraordinária audácia de
de seus estudos, edita um manual das cinco or-
Michelangel~ mostrada na tumba dos Mediei.
dens antigas 24 que permaneceu por dois séculos
como o modelo clássico; mas os termos do prefá- O~ arti~ci gli hanno infinito e perpetuo obbligo, avendo egli
cio são significativos do espúito com o qual foi rotto I lacc1 e le cat.enc dclle cose, che per via d'una strada com-
mune eglino di continuo operavano29.
escrito. Seu propósito é comparar as coisas que
satisfazem e extrair dessa comparação uma regra
que proporcione a cada um a tranqüilidade 25.
Mas fora das cinco ordens ele se considera com- 26. ldea dell Arcl~tetrura Universal.e, ínfol ., Veneza, 1615 .
pletamente livre. Para ele pouco importa o espí- 27. 1. livro 1, Cap. 22, p . 64.
28. Ele cita como e,templo uma porta da região de Foligno,
rito da Antiguidade. onde o arco da abenura da porta penetrano tímpano . O frontão ê
3?erto para baixo . Apenas as meias-colunas de sustentação são en-
c11I1adaspor um entablamento . Cf . as janelas planejadas original-
mente por Sangallo para o segundoliso do Palazzo Farnese (em
22. Vasari: "Quellc rcllquie di edifizj, cbc noi come cosa Letarouilly, op. cít., 1ex.top. 289) . significaúv o o que Serlio ,
que ~bém conhece o pequeno monumento e o reproduz, diz a
santa onoriamo e come sole bêllisíme c'ingegniamo d'imitare" (V.
respeito: "E ancora que paja cosa Ucentiosa, percb~ )'arco rompe il
448). De resto, encontram-se cm Vasari opiniões que diferem
~orso ~ell 'architnve e dei fregio,nondimeno non mi dispiacque la
desta. mventJone. La cosa ~ molto grata alia vista" (Arclutetmra, livro
23. BURCKHARDT, Renaissance in ltalien, p. 39, onde se en- lll, p. 74. Cito segundo a edição in-qua rto. Veneza, 1566).
contra uma bibliografia sobre o assunto. 29. Vita di Mic~lan gelo , Vil, 193. Cf. CONDIVI, Vita di
24. Rego/a de/li cinque ordini d' architettura, in.-fol., Roma B_uonarrori, e. 52 (cf. C. FREY, Vire dí M. B., p. 192): "Cosa inu-
(1563), s1tata e nuova, non ubbligat.a a maoiera o legge alcuna antica over
25. "Mi ~ piaciuto di contin uo interno questa prattica degli moderna" (falando de um projeto para a fachada de um palácio de
ornamcnti vedemo U parerc di quanti scrinorl ho possuto, e quelli Jdl!o lll); "mostrando l'architettura non esser stata cosi dalli pas-
oomparandoli fra lor stessi e con l'opre antiche, vedere cli trame satJ assolutamente trattata, che non sia luogo a nuova inventione
una regola." non men vaga e men beUa".

INTRODUÇÃO 35
Chega-se por fim a admirar na Antiguidade A. v. ZAHN, Barock, Rococo und Z.Opf. (Lürww"s uils chriftftir
bildende. Kurm. 1873. ) Quanto ao Barroco, não con~m nada
apenas o grandioso, o aspecto colossal de seus senão uma referencia a BurckhardL
empreendimentos, e não mais a beleza da forma R. DOHME, Studien zur Architecturgeschichle des 18.Jahrhun-
em si mesma 30 • O estado de espírito que diviniza derts (Lütww's üilschriftfür biJdetuk Kunsr. 1878). A sep ara-
ção inicial do estilo romano e do veneziano é muito impo rtan-
o menor traço do · gênio antigo desapare ceu, Õ te.
que se explica, talvez, por um aprofundamento G. EBE, Spiirrenaissance. Berlim, 1886. 2 v. Sem valor próprio.
da consciência de seu próprio valor, o que não se C. GURLITI, Geschichle des Barockstils, des Rococo und des
· C/assicismu.s. Vol. I. Geschichl e des Barocksrils in ltalien.
pode perdoar àquela geração. Aumenta cada vez Stuttgan, 1887.
mais a convicção de que era possível competir A reserva que, na minha opinião, deveria ser feita em primeiro
com os antigos. Mesmo Michelangelo, cuja mo- lugar ao 111.timolivro é que ele não permite ao leitor ter uma idéia
exata do que é realmente o Barroco. A defini ção (p . 7) de que
déstia é louvada, opinou sobre um de seus pro- Barroco é o estil~ que, "partindo de uma base voltada para a Anti-
jetos para San Giovanni de' Fiorentini que nem guidade, passou por um tratamento da idéia arquitetônica que unia
uma liberdade conscientemente procunda e uma vari.edade formal
os romanos nem os gregos tinham alcançado algo moderna, para chegar a uma forma de expressão sobrelev ada e fi-
semelhante nos seus templos 31 • Vasari freqüen- nalmente exa gerada até a loucura", ~ demasiadam .ente vaga . Da[
temente exprime esta mesma idéia 3 2 • resulta um andamento vacilante, que perpassa todo o livr o. Por
exemplo, para Gurlitt, Madema também é barroco e Santa Su-
Esta convicção explica igualmente a indife- sanna· o modelo desse estilo, mas Giacomo della Porta, que prepara
rença que cercou a ordem dada por Sixto V de o terreno para Maderna e que é seu preeur.;or imediato, perten ceria
a uma escola totalment e difere .nte, a assim chamada Renasce nça
demolir o Septizonium Severi para retirar-lhe as decadente, "escola, por um lado, dessa Contr a-Reforma baseada
pedras 33 • no saneamento a partir do interior, e por outro, das regras que pre•
dominam absolutamente e que s6 involuntariamente são trans gr e-
Talvez como nenhum outro estilo, o Barroco dldas.
possuía o sentimento de ser o 11nico estilo legíti- Por outro lado, os palácios venezianos de um Scamoiz.i e Lon-
ghena, que não ofereciam, no essencial, absolutamente nada de
mo e infalível, e é muito interessante contemplar novo e que, até então, passavam como palácios renascentistas, são
mais de perto a natureza dessa sensibilidade ar- atribuídos ao estilo barroco.
O autor procura os i.Dlcios do novo estilo cm Floren ça , não
tística. mostra com clareza a importância da evolução românica, pel a sim-
ples razão que s6 começa seu estudo depois de Mlchelangelo.
7. Blbllografla O material de tal questão é tão extenso e a.inda pouco estudado
que todos os erros de pormenores que possa conter a obra me pare•
cem não ser importanteS, ao lado desses erros de prin .cfpio.
JACOB BURCKHARDT, Cicerone. A primeiia definição do esti•
lo, fundamental para todas as tentativas posteriores. RlCCI, Storia dellarchitemua in Jtalia, III. Roma, 1864. - Fre-
qüentemente fantasista; o autor deriva o Barroco do Oriente,
----.Architectur tkr Renaissance in.lUJJien.2! ed., 1878. de onde teria vindo para Roma, all'llvés da Sicllia e de ápoles.

30. "Coo tanta magnificenza, che pareggia le cose antiche",


diz V asari da Porta do S. Spirito já muito barroca (Víta di A. San-
gallo, V. 465).
31. vasan, vn. 263.
32. A propósito da cornija do Palaz.zo Farnese (Vll. 223); do
nimulo dos Mediei (VII. 193), etc.
33. Algumas pessoas da nobreza opuseram-se inutilmente a
isso.

36
Primeira Parte: A NATUREZA DA TRANSFORMAÇÃO
ESTILÍSTICA
1. O ESTILO PICTÓRICO

1. Os historiadores da arte concordam em de-


signar como marca essencial da arquitetura bar-
roca seu caráter pictdrico. A arte da construção
deixa de lado sua natureza particular para procu-
rar efeitos emprestados a uma outra arte, toman-
do-se pictdrica. '
Este conceito de "pictórico" é um dos con-
ceitos mais importantes para a história da arte,
mas, ao mesmo tempo, um dos mais ricos e me-
nos claros. Assim como existe uma arquitetura
pictdrica, existe uma escultura pict6rica; a pró-
pria pintura apresenta em sua história um período
"pictdrico"; fala-se de efeitos de luz pictóricos,
desordem e riqueza pictdricas etc. Quem quiser
_expressar qualquer coisa precisa, utilizando esse
conceito, deverá primeiro definir-lhe o conteódo.
Que significa "pictórico"? Basta, primeira-
mente, dizer: "pictórico" é aquilo que faz um mente a resp o ta deve ser obtida a partir da es -
quadro, o que, sem que seja preciso acre scentar sê ncia artística que carac teriza a pintura .
coi sa alguma, oferece um modelo ao pintor. Em primeiro lugar ela, por sua nature za, está
Um templo antigo, de linhas severas, que não destinada a impr ess ion ar pe la aparência· ela não
esteja em ruínas, não é um objeto "pict óri co". possui qualquer verdad e material. Mas, em se-
De fato, por maio r que sej a na realidade a im- gundo lugar, di sp õe de meios para reproduzir
pressão arquitetônica, no quadro o edifíci o pare- a impres são de mov iment o como nenhuma ou tra
ce plano; o artista mod e rno deveria emp reg ar os arte. Nem semp re, aliás, poss uiu esses meio . Já
maiores esforço s para , com auxílio da ilumina- observei que a próp ria pintura distinguia em sua
ção, da atmosfera, do e nquadr ame nto, tornar in- história um perío do pictórico; só aos pouco de-
teressante o objeto como pintura, desap arec endo senvolveu-se o estil o pictórico, devendo a pint u-
com isso o caráter puramente arquitetônic o quase ra desvencilhar- se primeiro da predominân cia do
completamente. Em contrapartida, de uma arqui- desenho. A tran siç ão rea liza-se na arte italia na
tetura barr oc a é mais fácil obte r um efeit o pictó- no apogeu da Renascença. Em diversos lugar es .
rico: e la tem mais movimento; as linhas mai s li- O exemplo mai s célebre é o da transição em Ra-
vres e o jogo de luz e sombra que a anim a satis - fael: numa obr a monum en tal, as Stanze Vatica-
fazem tanto mais o go to no ca mpo da pi ntura ne, ele realizou , por assim dizer diante dos olho s
quanto mais se cho cam com as le is mais altas da do mundo, o desenvolvimento do antigo para o
arquit etura. O sentimento arquitetônico é ofendi- estilo novo. A Sta nza d'Eliodoro é çonsid erada
do, sempr e qu e a bele za não se e ncontr a mais na como o ponto da ruptura deliberada (1512 -14) 1 •
fonn a bem delineada, no ordenamento sereno do Quais são então esse s novos me ios de expres -
corpo arq uitetônico; o prazer deve ser bus cado são que se tornariam decisivos para a arquitetu-
no movim ent o das massas, ond e as formas pare- ra?
cem mudar a cada momento pelo saltitar inquie- Vou tentar expo r a eguir as características
tante e seu fluxo e refluxo apaixonado . principais do estilo pictórico.
Em resumo, a arquitetura rigorosa produz o
3. A exp re ssão mais imedi ata da intenção ar-
seu efeito pelo que ela é, por sua realidad e mate -
tística se encontr a nos esboços . Eles nos revel am
rial; a arquitetura "pictórica" pelo contr ário por
aquilo a que o artista dá importância es sencia l:
aquilo que par ece ser, pela impressão de movi -
vê-se como ele pensa. Outrossim, a comp araç ão
mento. de dois esboço s vai no s servir corno pont o de
Mas observemos, desde já, que não se pode partida. Por meio dela a relação e ntre as duas
falar de uma oposição exclusiva desses termos. maneiras se escl arecerá melhor.
2, O pictóri co funda-se na impressão do mo-
vimento. - Pode-se perguntar, por que aquilo que
está em movim ento é precisamente pictó rico , por
1. C. F. VO RUMOHR, ltalienische Forschunge11, 1831,
que · precisamente só a pintura estaria de stina da à vol.' Ili, pp. 85 e ss. A. SPRI GER , Raffael 1md Michelangelo,
expressão do que está em movimento? Obvia- vol. 12 , pp. 279 e ss.

40
O
Já o material é diferente segundo o estilo. .__ terminal indefinida, as massas não podem ser li-
estilo em que domina o desenho serv e-se da pen_a mitadas por linhas nítidas mas se "perdem". As
Ou do grafite duro, o pictórico usa o carvão, a figuras, anteriormente, destacavam-se nitida-
sangwna macia ou até o pincei largo de aquarela. mente contra o fundo claro; agora ele, quase
No primeiro, tudo é linha, tudo é delimitado e de sempre, é escuro, e os limites das figuras con-
contornos nítidos, sendo o contorno o elemento fundem-se com essa obscuridade. Apenas super -
princ ipal de expressão; no segundo, temos volu- fícies isoladas iluminadas se destacam, o que nos
mes, tudo é grande, vaporoso, os contornos são leva a outra constatação .
indicados vagamente, em traços incertos e repeti- À oposição linha/massa corresponde outra:
dos, ou até faltam completamente 2• plano/espaço (material).
- Não só o detalhe, mas toda a, composição se O estilo pictórico que trabalha com efeitos de
estrutura segundo massas em claro e escuro, gru- ~ombra cria um volume e lhe confere uma pre-
pos inteiros são unificados e opostos uns aos ou- sença matenã1; as diversas partes parecem avan-
tros por um matiz de luz. çar ou recuar no espaço 3• A expressão "avançar
O estilo antigo pensava de modo linear, sendo ou recuar" já designa o aspecto de movimento,
a sua aspiração o belo movimento e a harmonia que está contido em qualquer corporeidade, eIT)_
de linhas. O estilo pictórico só pensa em massas: oposição a uma superfície plana. Por isso o estilo
luz e sombra são seus elementos. procura arredondar tudo o que é plano e obter em
- Ora, a luz e a sombra têm em si um elemento toda parte modelado, luz e sombra. Acentuando-
de movimento extremamente forte. Enquanto a se o contraste entre claro e escuro intensifica -se a
linha que delimita um desenho era para o olhar impressão criada, a ponto de fazê-la quase "sal -
um guia seguro, de modo que, seguindo o sim- tar para fora" do plano .
ples traço podia captar sem esforço a figura, aqui Pode-se constatar essa progressão nas pinturas
o movimento disperso de uma massa de luz o das Stanze do Vaticano. Rafael parece ter usado
atrai para cá e para lá, sempre para mais longe, o processo com plena consciência em conexão
sem haver em parte alguma um limite, um fim com uma ação mais movimentada. O efeito dra-
determinado, mas cheia ou vazante desordenadas. mático da expulsão de Heliodoro do templo é
É principalmente nisso que se funda a impres- consideravelmente intensificado por uma série de
são de mudança contínua que esse estilo provoca. luzes que brotam do fundo escuro 4 •
O contorno é destruído por princípio, em lugar
da contínua linha tranqüila aparece uma área 3. Naruralmentc , tamb6m aqui, trata-se apenas de diferen-
ças quantitativas: o estilo anterior não era plano no sentido de um
desenho puramente linear.
4. Mas os italianos n.ão vão até os efeitos da vibração in-
2. Rumorh (op. cir., IIl.195) menciona um estudo para He- certa da luz, tão apreciada pelos flamengos. Tambêm nesse caso,
liodoro no qual Rafael só deu uma \\nica aguada, "com a qual · permanecem fiéis à sua n.atureza plástica, os efei tos de luz são
sombreia as figuras e grupos, cujo '1nico ,·ontomo é o que resulta grandes e simples; os artistas quanto ao essencí'.11,se limitam a~-
'ela z;ona de sombra. Do lado da luz, estas figuras se diluem no guras que se movem não apresentando o movunento mdeteruu-
campo claro do fundo". Segundo Passa.vant de resto, esta obser- nado da vida da atmosfera e da luz, que constitui a grandeza de
vação deveria ser modificada essencialmente. (Rafael, U.527 .) Rembrandt,

O ESTILO PICTÓRICO 41
Ao mesmo tempo o espaço se ·toma mais pro- _midarnente em posição oblíqua na Disputa, a me-
fundo. A moldura circuodaote oos quadros poste- sinha na Escola de Atenas, o cavaleiro em Helio-
riores é executada de modo a fazer crer que se doro etc. 6 Finalmente todo o eixo do quadro (do
está olhando através de um arco. Em seguida, espaço arquitetônico ou da composição das figu -
tem-se não um só plano, wna série de persona - ras) é disposta obliquamente em relação ao es-
gens; o olho é, ao contrário, atraído bem para o pectador. Vendo-se o quadro de baixo (quando o
fundo e até para insondáveis profundezas. ponto de fuga é alto) acrescenta uma inclinação
ao eixo de profundidade (Fig. 7).
4. O estilo "pictórico" visa à impressão do Não-pict6rico é finalmente o ordenamento si-
movimento 5• A composição segundo massas de métrico. Em ve.z da correspondência de formas
luz e sombra é o primeiro momento desse efeito; particulares, o estilo "pictórico" apenas dá um
menciono como segundo a dissolução da regra equilíbrio de massas, podendo os dois lados do
(estilo livre, desordem pict6rica). A regra é algo quadro ser muito diferentes entre si. O centro da
morto, sem movimento, oão-pict6rico. imagem fica então indeterminado. O ponto de
Não-pictórica é a linha reta, a superfície pla- gravidade é deslocado para o lado, originando-se
na. Quando inevitáveis, corno na reprodução de assim uma tensão, peculiar na composição.
objetos arquitetônicos, o pintor as interrompe por A composição pict6rica livre não distribui por
elementos acidentais, deixando supor um estado princípio suas figuras segundo um esquema ar-
de ruína, de decomposição; uma dobra "casual" quitetônico, não conhece urna lei da distribuição
num tapete ou qualquer coisa semelhante inter- das figuras, mas apenas um jogo de luz e sombra,
vém como elemento que concede vida. independente de qualquer regra 7 •
Não-pictórico tampouco é o alinhamento unifor- 5. Ao terceiro elemento do estilo "pictórico"
me, a disposição métrica. Prefere-se a eles a dispo- poderíamos denominar o "inapreensível" (o ili-
sição rítmica e, ainda mais, o agrupamento aparen- mitado2:_
temente casual, cuja necessidade está apenas na Faz parte da "desordem pictórica" que os di-
distribuição precisa das massas de luz e sombra. versos objetos não se apresentêm com toda a ela-
Para conseguir mais um elemento de movi-
mento, o todo ou ao menos uma parte considerá-
6. Para a represeniaç!lo pictórica de fachadas arquitetônica::;
vel dele é orientado de modo obllquo em rel~ção a orientação oblíqua 6 indispensável. Quanto ao motivo de vfu
ao espectador. Quanto a figuras isoladas, já se que af comparece, cf. adiante .
usava há tempo essa liberdade, ~nquanto para 7. Motivos planos que t!m uma composição tão complicada
que não se reconhece a regra, podem ter um efeito perfeitamente
grupos e tudo o que era tectônico continuava-se a pictórico. Pensa-se em exemplos árabes, nos quais de fato muitas
respeitar as regras. Cf. a progressão em detalh es vezes resulta um tremeluzir inquieto que dá a impressão de mo-
vimento interminável. Quanto mais diffcil 6 a percepção da lei
dos quadros do Vaticano: os livros colocados ti- fundamental, tanto maís inquietante parece o efeito da composi-
ção, É interessante analisar os assoalhos das Stanze do Vaticano
quanto a isto: em Disputa, eles são inteiramente calmos; em H e/ia-
5. Cf. SPRINGER (op. clt., J.279): "O tom pictórico da des- doro, inquietos e estremecidos, reforçando assim o caráter geral.do
crição coaduna-se indubitavelmente com o caráter dramático". quadro.

42
6. BERNINI. Basllica de São Pedro. A Colunata. Cidade do Va.ti- 7. RAFAEL. Palicio do Vaticano. Aposentos. Detalhe de Helio-
cano. doro Expulso do Templo.
reza, estando em parte velados. O motivo do véu mente. Agora surgem multidões cada vez maiores
é um dos mais importantes do estilo "pictórico". (observe-se es e aumento na série das Stonze);
Esse estilo está perfeitamente cônscio de que tu- elas se perdem na obscuridade do fundo; a vista
do que, à primeira vista, pode ser apreendido renuncia a seguir cada figura individualmente e
completamente causa impressão de fastio na se volta para o efeito geral; devido à impossibili-
pintura; por isso, algumas partes ficam encober - dade de apreender tudo, tem-se a impressão de
tas; os objetos são colocados uns sobre os outros, uma riqueza inesgotáv el , a imaginação permane-
aparecem apenas parcialmente, excitando o mais ce em atividade contínua, e é precisamente isso
possível a imaginação no sentido de imaginar o que o pintor procura. O que constitui a atração
oculto. Poder-se-ia pensar que se trata de um im- de um drapejamento, de uma paisagem, de um
pulso daquilo que está semi-ocu lto de lutar para interior pictórico é, em grande parte, precisa-
chegar à luz. O quadro se torna vivo, o que esta- mente essa riqueza inesgotável de motivos - que
"ª velado parece descobrir-se etc. Sequer o estilo não dá descanso à imaginação - a extensão ili-
,nais severo conseguiu em todas as oportunidades mitada, o infinito. Como o espaço do Heliodoro
evitar o ocultamento parcial, deixando ao menos parece infinito e inescrutável em comparação
aparecer o essencial, o que atenuava o senti- com a Escola de Atenas!
mento de instabilidade; agora pelo contrário pro- Na sua llltima conseqüência o estilo pictórico
cura-se pelo deslocamento de elementos do qua- tenderia a abolir inteiramente a forma plástica.
dro criar a impressão de algo passageiro. Seu verdadeiro objetivo é reproduzir a vida da
A essa mesma concepção está ligado o motivo luz em todas as suas formas, e aqui o motivo
estilístico em que a moldura recobre em parte as mais simples pode substituir completamente toda
figuras e as meias figuras se introduzem no qua- diversidade, toda nqueza pictórica.
dro.
Na sua expressão suprema o estilo busca pro- 6. ~encionemos ainda um equívoco que ocor-
fundezas insondáveis. Se podemos dizer que a re muitas vezes: a confusão entre pictórico e co-
dissolução das regras marca a antítese da arte ar- lànd,Q.,
quitetônica, temos aqui a antítese radical do sen- O estilo i>ictórico, corno acabamos de exami-
timento plástico! Tudo o que é indeterminado, nar, pode renunciar completamente às cores. O
que se perde no infinito repugna ao gosto plásti- maior mestre nessa matéria, Rembrandt, utilizava
co, mas é exatamente nisso que o estilo pict órico de preferência a gravura, que s6 conhece o claro-
encontra a sua essência verdadeira. escuro.
Esse estilo busca não figuras isoladas, formas A cor pode servir para reproduzir uma atmos-
isoladas, motivos isolados, mas um efeito de fera com mais força, mas ela não é o essencial.
massa, não um espaço delimitado, mas infin ito! Principalmente , o estilo pictórico não procura
O estilo antigo apresentava apenas um nwnero ~xtrair de cada cor individualmente sua força e
limitado de figuras, que se podia apreender num pureza supremas, reunindo esses elementos para
olhar, podendo cada uma ser apreendida inteira- criar uma harmonia em que cada qual realça a

44
outra em seu efeito local. Pelo contrário, as cores redondada, de maneira a criar, no lugar de urna
locais são atenuadas na sua força individual, me- fronteira nílida entre sombra e luz, uma passagem
diadas por transições múltiplas, subordina das a em que ambas estão presentes.
uma tonalidade geral, de modo que nenhumã O contorno não é mais uma linha contínua.
possa alterar o efeito principal que cons iste no Não se quer fazer a vista seguir pelos traçados
jogo claro-escuro. Rafael ilustra essa transição de laterais e deslizar para baixo, como figura de su-
forma característica. As superfícies monocromã- perfície delimitada, mas levá-la sempre mais para
ticas e de unidade tranqüila de seu estilo anterior o fundo. Consídere-se, por exemplo, o braço de
desaparecem, as cores são "matizadas" e "de- um anjo de Bernini, que recebe o tratamento de
senvolvidas" em todos os sentidos, criando em uma coluna torcida.
toda parte vida e movimento. Se os artistas se sentiam pouco dispostos,
a história da escultura antiga lemos outro quanto aos contornos, a dar continuidade à linha,
exemplo da pouca relação entre o pictórico e a tampouco procuravam simplificar o tratamento
cor. As estátuas pintadas desaparecem no mo- das superfícies; pelo contrário: as superfícies cla-
mento em que a arte se. toma pictórica, isto é, ras do estilo antigo eram dissolvid as, interrompi-
quando se julgou poder confiar no efeito de luz e das intencionalmente por "acident es", para con-
sombra 8• seguir a impressão de maior vivacidade.
7. Espero ter analisado suficientemente os No relevo, temos o mesmo fenômeno. En-
meios artísticos elementares do estilo pictórico 9 • quanto no friso do Partenon é concebível um
as artes plãsticas naturalmente eles são mais fundo dourado, do qual ressaltaria eficazmente o
limitados. Mas também ela atinge uma composi- belo contorno das personagens, seria totalmente
ção que utiliza luz e sombra a serviço de um inadmissível ressaltar de modo eficaz os contor -
gosto que visa sobretudo o movimento das mas- nos, num relevo mais pictórico, como na Gigan-
sas 10. tomaqui a de Pérgamo. Só se obteriam horríveis
A linha desaparece. Isso significa, na obra manchas de cor, pelo fato de que o efeito se fim-
modelada, o desaparecimento da aresta . Ela é ar- · da exclusivamente no moviment o de massas e
não no movimento das linhas11.
8. O descnvolvimenro é mais claro talvez no tratamento De resto, não preciso expor aquj até que ponto
dado ao cabelo. foi levada ou pode ser levada a aplicação do
9. Ainda não foi escrita uma his16ria do estilo pict6rico,
"pictórico" às artes plásticas. Termino estas ob-
que, sem ddvida, apresentaria resultados muito interessantes.
10. Cf. KEKULl, sobreLis.s.ipo: "Omodel.1doproduzumjogo
servações.
de luz e sombras aparentemente autônomo, que muitas ve2es ê Nosso tema é a arquitetura, e volto a minha
aparentado a wn e feiro verdadeiramente pict6rico" . (Kunstges -
chichtl. Eirúcitg . mm Bãdecker fiir Griechenl.and, p. CVH.) - Von
proposta inicial: no barroco, a arquitetura se tor-
Brunn diz, a propósito da gigantom aquia de Pérganio: "Por meio na pictórica, e esta é a verdadeir a característic a
de oposiçôes pronunciadas de luz e sombra e tambêm por um do estilo.
agrupameoto de massas os artistas alcançam em alto grau o que
cosruma designar como efeito pictórico ... (Jalvb. der preuss.
Kun.stsammlungenV. 237.) 11. A.CONZE, ÜberdasReiiefbeidenGriech en.

O ESTILO PICTÓRICO 45
8. Devemos estudar o barroco segundo os lutamente estranho ao barroco romano, pesado e
pontos de vista desenvolvidos aqui? Parece-me maciço. Seria preciso, pois, acrescentar uma ca-
que não se pode fundamentar um estudo do bar- racterística suplementar: o efeito de massa. Mas
roco no conceito de pictórico. com isso estamos fora dos limites do pictórico.
Em primeiro lugar, com isso se dá azo a um ~se conceito em sua generalidade já não é capaz
erro ao dizer que a arquitetura imita uma técnica de captar o barroco.
estranha, quando, na real idade, trata-se de uma Logo, para definir as características do novo
mudança geral da fonna que abrange todas as estilo, será melhor compará-lo àquele que o pre-
artes (inclusive a mlisica) e que remete a uma ba- cedeu, o da Renascença ; veremos então quais são
se comum mais profunda. Mas então o que se as composições formais que devem ser designa-
quer dizer com a palavra "pictórico"? das como pictóricas. Mas a exposição não deve
Que a arquitetura renuncia à realidade mate- se contentar com a descrição ou a comparação de
rial, dirigindo o olhar apenas para a aparência? janela com janela, cornija com cornija, coluna
Nesse sentido, qualquer estilo não orgânico seria com coluna - isso não só seria antifilosófico, mas
pictórico. Que a arquitetura procura dar a im- anticientífico - o que importa é descobrir os
pressão de movimento? Com isso ao menos esta - pontos de vista gerais que determinam as formas.
ria dita alguma coisa detenninada para designar o
estilo. Mas o conceito do movimento não basta Para começar, cabe-nos dizer algumas pala-
para caracterizar o barroco. Também existe mo- vras sobre aquilo que chama imediatamente a
vimento no rococó francês, que é, contudo , muito atenção, sobre o caráter especial do efeito produ-
diferente. O movimento leve e saltitante é abso- zido pelos edifícios barrocos.

46
2. O GRANDEESTILO

1. A Renascença é a arte da beleza tranqüila..


Oferece-nos aquela beleza libertadora que expe-
p.meotamos como um bem-estar geral e uma in-
tensificação uniforme de nossa força vital. Em
suas criações perfeitas não se encontra nada pe-
sado ou pcrtwbador, nenhuma inqujetação ou
agitação - todas as formas manifestaarse de mo-
do livre, integral e sem esforço. A abóbada do
amo é do mais puro arredondado, as proporções
são amplas e desenvoltas, mdo respira contenta-
mento perfeito, e cremos que não estamos erran-
do reconhecendo precisamente nessa serenidade
e ausência de qualquer preocupação a expressão
suprema do gênio artístico dessa época.
O barroco se propõe outro efeito. Quer domi- \ &
nar:;,s com o poder da emoção de modo irnZ . sl-
diato e avassalador. O que traz não é uma anmia:
ção regular, mas excitação, êxtase, ebriedade. 2. Esse grand style apresenta -se sob um duplo
Visa produzir a impressão do momento, enqua nto aspecto: aumento das dimensões absolutas de um
a Renascença age mais lenta e suavemente mas lado, simplificação e unificação da concepção, de
de modo mais duradouro 1: é um mundo que gos- outro.
taríamos de jamais deixar. Desde os trabalhos de Micbelangelo e Rafael
O barroco exerce momentaneamente um efeito no Vaticano, tanto a pintura como as artes plásti -
poderoso, mas em breve nos abandona, deixan - cas, assim como a arquitetura, tendem sempre ao
do-nos uma espécie de náusea 2 • grande. Torna-se costume conceber o belo ape-
Ele não evoca a plenitude do ser, mas o devir, nas como colossal, A variedade e a delicadeza
o acontecer; não a satisfaçã o, mas a insatisfação cedem lugar a uma simplificação, que s6 procura
e a instabilidade. Não nos sentimos remidos, mas grandes massas, e toda a obra é percorrida por
arrastados para a tensão de um estado apaixonado . um traço unificador, que não deve parecer cons -
Esse efeito, como o procuramos descrever em tituída de elementos isolados .
sua generalidade, funda-se num modo de tratar a O gosto pelo grande e colossal, sempre mais
forma que vamos caracterizar segundo dois pon- ou menos presente em Roma desde a Antiguida-
tos de vista princip ais: efeito de massa e movi- de, recebera um novo impulso do pensamento ar-
mento. quitetônico -monumental dos papas da Renascen -
Gostaríamos de, inicialmente, considerar ça, que tinham concepções grandiosas. O exem-
aquilo que, na expressão de Vasari, se pode plo decisivo para toda a arquitetura foi São Pe-
chamar de ma.niera grande3 - concepção monu- dro. Dispunha-se de um critério que repentina-
mental, própria principalmente do barroco , como mente fazia parecer pequeQo tudo o que se edifi-
wn terceiro motivo autônomo, embora a intenção cara anteriormente. O entusiasm o pela construção
de um efeito de massa por si mesma exija em da Contra-Refonna é continuamente estimulado
parte o grand style. por esse modelo, que o incita a um esforço ex-
traordinário, ainda que em parte alguma se pu-
desse esperar igualá-lo. Nos edifícios particulares
domina igualmente a intenção de se impor atra-
1. Lembremos as belas palavras de Alberti (De Re Aediftca• vés das grandes dimensões. Desde que Alexandre
toria, livro IX, final), que descrevem como as pessoas não podem
se cansarde olhar um ediflcio, voltando-se a todo momento ao Farnese, para marcar seu acesso ao pootificado 4 ,
irem embora, para lhe lançar mais um olhar. "Negue qui spec- mandara aumentar o Palazzo Farnese, por ele ini-
tent satis diu contemplatos ducant se quod iterum atque iteram
spectarint atque admirentur: ni iterato etiam inter abeundium
ciado quando ainda era cardeal, ampliando de 43
respectenL '~ metros para 59 metros a largura da fachada ., a ne-
2. Todos os principais anistas do barroco sofriam de dor de cessidade de exibir poder se intensificou e se ge-
cabeça, Cf. sobre Bern.ini: Milizia, Memorie O. 173; sobre Bor-
romlni, idem II. 158. Fala-se também de melancolia.
3. O contráriç é a mani4ra gentüe - Rumohr me parece equi-
vocado quando identifica a ma~ra grande com o "estilo pictó-
rico " . O ingrandire la mani4ra cenamente significa mais que is- 4. Vasari, V, 469 - LETAROUILL Y, Édijices de Romemo-
so. denu!, texto p. 260.

48
neralizou rapidamente, corno se verifica no Pa- a) O tamanho maior dos edifícios por si mes-
lazzo Farnese em Piacenza (sob o influxo do mo- mo tomava necessário um desenho simplificado e
delo romano), o Castelo de Caprarola, ambos mais eficaz do detalhe .
construídos por Vignolà para os Farnese, e em Assim a divisão ternária da arquitrave se reduz
Roma, os palácios dos nepotes, que procuravam a uma divisão binária; no perfil das cornijas os
superar uns aos outros. Mesmo a serenidade das múltipl os elementos pequeno s são substituídos
vi/las se torna vítima do desejo pelo colossal. por linhas, pouco numerosas, mas significativas;
O que Aoren~a pode apresentar do seu tempo a balaustrada, que antes se compunha de dois
de maior brilho parece relativamente pequeno ao elementos iguais (Fig. 8) torna-se um corpo ho-
lado dessas construções. A única exceção seria o mogêneo (Fig . 9), pela primeira vez, em angallo
Palazzo Pitti, mas não se deve e quecer a parte e ichelangelo 7 •
barroca desse edifício. A construção de Brunel-
lescbi representava apenas a metade da fachada
atual 5 •
O aumento das dimensões é um fenômeno que
se "'encontra em toda arte em decadência, ou me-
lhor, a arte começa a decair no momento em que
procura o efeito de massas e proporções colos-
sais. ão há mais sensibilidade em relação à
lorma em si, o senso das formas perde a finura,
busca-se unicamente o imponente e avassalador .
8. BaJausl.J'3dassegundo Rafael.
3. É do interesse desse estilo apresentar, não 9. Segu ndo Michelangelo . Palácio dos Conservadores .
uma multiplicidade de partes individuais, mas, se
b) Esse princípio é de uma import ância capitaJ
possível, corpos de uma só peça . Em vez do
na composição de grandes dimensões, na vertical
múltiplo e pequeno, procura a grande composi-
e na horizontal.
ção homogenea; cm vez de dividir, ele reúne 6•
a.) Começa-se a sentir como indesejável a di-
Percebe- e uma transformação nes e sentido
visão da fachada numa série de andares iguais. O
tanto no detalhe como no conjunto da obra de
grand style exige que ela se apresente como um
arte. corpo homogê neo; desse modo, compreende-se
facilmente que é o paJácio que oferece, nesse
5. S6 a pane central com seus três andares é dele. As alas de
sentido , mai dificuldades.
doi.s andares que ampliaram a fachada de 107 para 205m foram
acrescenta.d~ apenas no skulo XVH, as galerias laterais salien- 7. Em Roma, a inovação é adotada imediatamente por todos .
tes,apenas no século XVUI. No Nort e da Itália, cm compensação, a forma renascentista se
6. Ouvcm·5C agora críti cas como a seguinte: que " il compo - conserva ainda por muito tempo: em Palladio, Sansovino, San-
nimcnto" é "troppo sminuzzato dai risalti e dlli membri che sono michele e outros . - A balaustrada do infcio da Rena:scença era
piccoli". Assim fala 1.ichelangelo sobre o projeto de Antonio da compo sta por uma simples coluninha. Assim cm Bnmelle schi
Sangallo para a fachada de São Pedro. Vasari, V, 467. (Palazzo Pitti, Duomo, Capela Pa.ui ele.).

O GRANDE ESTILO 49
10. BRAMANTE. Chancelaria . OeraJbc da fachada. 11. BERNlNI. Pa!azzo Crugi Odcscalcbi.
12. MlCHELANGELO. Palaz.zo dei Conscrvalori. Detalhe da fa-
chada.
Também nisso Roma novamente precede todas 13)No que se refer e ao princ(pio de divisão
as outras regiões. É o próprio Bramante que in- horizontal da Renascença, a Cha ncelaria é tão
trnduziu ª mudança, Sua ultima mani era tend e caractens tica quan to no que se refere ao verti cal .
decididamente a uma uni.dade no desenvolvi- As pilastras dividem · as superfícies de tal modo
mento vertical da fachada. O período da Cban- que um intervalo maior se alterna com dois me-
celeria, que superpõe três andares de igual im- nore s. A largura dos intervalos laterais interme-
portância, representa também para ele uma fase diário s em relação à do intervalo principal é de-
superada : procura dar ao térreo o caráter de um finida segundo o m.imero áureos. Geymüller cha-
pedestal sobre o qual repousa todo o edifício , ma este motivo de "trave rítmica" de Brama nte
(Ver adiante: A construção de palácios.)(Fig. 10) (ver Fig. 68.)
O mais enérgico é Michelangelo: nos palácios Esse motivo é muito característico da sens ibi-
do Cap itólio reúne arrojadamente doi s andares lidade da Renascença 10 • Encontramo-lo, muitas
num só por meio de uma ordem coloss al de pi- vezes, principalmente em união com um arco
lastras . Palladio o imita nisso por um tempo . O central (motivo do arco de triunfo). O elemento
exemplo não foi seguido em Roma , onde os ar- significativo é sempre a valorização das supe rfí-
tistas manife stam pouco interesse pelos elemen - cies umas pelas outras ; as partes laterais sempre
tos verticais (ver abaixo) e procuram outros se conservam bas tante pequenas para não amea-
meios para dar a impressão de homogeneidade. çarem a posição dominante da parte central, mas
Para consegui-lo, davam a um andar grand eza e de outro lado também sufic ientemente gra ndes
riq ueza plástica, realçando-o e conferindo -lhe, para terem valor e significação autônomas.
desse modo, uma supremacia incontestá vel. Cou- O barroco se afasta por princípio dessa dispo-
be a uma época poste rior (e a Bernini) criar , por sição, ex ige unidade abso luta e as partes laterais
meio da combinação do motivo da ordem cont(- autônomas são sacrificadas. Compare-se, por
nua de pilastras e do tratamento do térreo como exemplo, a tran sformação que sofre u o motivo do
pedestal, o novo tipo que da( em diante desem- arco de triunfo no altar-mor do Gesu (de Giaco-
penho u o pape l mais importante na construção mo della Porta ): grande arco central, partes late-
monume ntal 8 • (Figs. I 2, 11, 17) rais bem estreitas, colunas tão comprimidas que
Veneza manteve-se nos trilhos antig os. A dis- parecem geminadas . O tipo da Renascença enc on-
posição das massas em ritmo livre não foi ali tra-se em Serlio, Arch ., livro IV. foi. 149 (Fig.
compreendida, Os palácios no estilo do Pesaro 52).
(cerca de 1650, de B. Longhena) têm sempre Outro exemplo nos é dado pela transformação
uma sucessão de andares luxuosos análogos. · sofrida pelo nicho de Bramante no patamar médio
Também em Palladio se enconLram muitas vezes
dois e até três pisos idênticos sobrepostos.

9. b:B = B: (b+B).
8. Sobre fachadas de igrejas e divisão mural, ver adiante os l O. Já aparece em Alberti (com as proporções b:B "' 1:2).
capítulos correspondentes. Santa Maria Novella, Florença, Santa Andrea, Mântua.

52
da escadaria no Giardino della Pigna (provavel - naves. A primeira etapa em Raf ael, na Villa Ma-
meme de A. de Sangallo ) 11 • dama, ao primeiro projeto; a dltima no Palazzo
Ao contrário de Roma, o Norte da Itália tam- Famese (A. da Sangallo) e o estágio intennediá-
bém conserva as fonnas da Renascença . Cf . o rio no segundo projeto para a Villa Madam a 12, A
sistema interior, muitas vezes imitado, de S. Fe- divisão do espa ço continua a ser praticada pelos
dele em Milão (1569 ; Pellegrino Tibaldi), em que arquitetos do norte da Itália .
o motivo do arco de triunfo é repetido duas ve-
6) A Renascença gostava de um sistema de
zes; a div isão mural exterior de Sa nta Mari a della
partes grandes e pequenas. O pequeno prepara
Salute em Veneza (1631: B. Longhena) etc.
para o grande, contendo de maneira exemplar a
t/J)A disposição do espaço interior manifesta fonna do conjunto. É por isso que a arte, embora
também uma evolução em direção à unidade: os adote o modo colo ssal , como no São Pedro de
espaços secundários autônomos devem desapare- Bramante, o peso da grandeza é atenuado, reti-
cer diante do espaço principal, lfnico e poderoso. rando-se da impressão qualquer caracterí stica
A história do plano oferece um paralelismo opressiva.
total com a hist6ria da "trave rítmica". As basíli- O barroco s6 cria obras grandes . Comp are-se
cas florentinas dos começ os da Renascença (San o São Pedro de Michelan gelo ao de Bramante.
Lorenzo, Santo Spirito ) definem a relação da na- Primeiro o plano. Em Bramante (projeto ideal) os
ve lateral com a principal na proporção de 1:2; braços de cruz são repetidos duas vezes cm pro -
são as proporções utilizadas na época para a di- porções sempre menores; em duas repetições o
visão das superfícies (cf . as fachadas de Alberti). motivo colossal desvanece lentamente. Em Mi-
No primeiro projeto de São Pedro, Br:amante de- chelangelo desaparece qualquer vestígio de tal
termina as proporções das cúpulas laterais em atenuação, e a evolução do sistema mural é ainda
relação à cúp ula principal segundo o m1rnero de mais caract enstico. Partindo de uma estrutura de
ouro, que também se encontram na "trave rítmi- dois andares, o próprio Bramante chegara a uma
ca" da Chancelaria. Os projetos posteriores para ordem colossal; mas para as extremidades dos
São Pedro mostram uma dimiauição progressiva braços da cruz cons ervara galerias com (peque-
dos espa ços laterais, princfpio que recebeu sua nas) colunas. Assim não se fica sem ponto de
expressão mais decidida na construção longitudi- apoio perante o colossal e inacessível; o senti -
nal do Gesu (Vigno la, 1568): aqui s6 há uma na- mento encontra apaziguamento nessas fonnas que
ve com capel as que, embora tenham ligação entre ficam mais próximas das dimen sões humanas, o
si, absolutamente não produzem o efeito de uma desmesurado toma-se, por assim dizer, apreens í-
nave lateral. O Ges0 tomou-se o modelo para to- vel. Michelangelo remove essas galerias de pre-
da a construção de igrejas em Roma . Exatamente
a mesma evol ução da história do vestíbulo de três
12. Reproduções em GEYMÜLLER, Raffaello Samio, pi. 4.5.
- "Redtenbacher", Lüuow üitsc/lTift für blláende K1uist J876 s
11. Reproduções em Lt::TAROUILL Y, Le Vatican, vol. I b. 33. ' ' .

O GRANDEESTILO 53
paração. O esp(rito barroco procura o avas sal a-
dor, aplastante . Poder-se-ia falar de um efeito
patológico dessa característica colossal da arte .

54
3. OS EFEITOS DA MASSA

'\

1. O barroco exige massas grandes e pesa :


das. As proporções esguias desaparec-.e -m. Os edi-
fícios começam a se tomar mais pesados e, aqui ~,
ali, até a forma ameaça sucumbir sob a pressão ~-
A leveza graciosa da Renascença desaparece:·
Todas as formas se tomam maiores, mais impor ~
tantes. Veja-se a balau strada da escadaria do Ca-
pitólio de Michelangelo (Fig. 14); a transformação
das pilastras e colunas seguem a mesma evolu -
ção 1.

l. ~ interessante como DA pintura de paisagens, por excm•


plo, DA reprodução das árvores, manifesta -se um sentimento da
forma análogo: grandes e cheias IDllSSa8 de folhas em vez das ar-
vorezinhas esbeltas dos começos da Renascença. A folhagem
pesada e cheia de selva da figueira constitui uma verdadeira fo.
lbagem barroca, e apar«:e de modo tlpíco em Annibale Carracci.
Na cor igualmente há UID4 pref«:rencia pelos tons pesados, C!CU•
ros. As pinturas como que recebem maia peso. ·
13. Piaz.zas.Pictro.
14, PalazzoFamese,
As arquiteruras religiosa e civil ampliam ao Essa capitulação ao peso conduz a certas mani-
máximo as fachadas no sentido horizontal. (A fa- festações em gue a forma sofre realmente sob a
chada de São Pedro é alargada artificialmente por violência do peso.
meio de torres nos cantos.) Na construção dos O alegre arco de volta inteira recebe uma for-
palácios, além disso, suprime-se qualquer divisão ma rebaixada e elíptica (Michelangelo foi o pri-
por elementos verticais . Segundo o exemplo do meiro a dar-lhe essa curvatura 2 no átrio do Palaz-
Palazzo Farnese são abandonadas as ordens de zo Farnese, primeiro andar ); os pedestais das
pilastras, mesmo numa fachada de dezenove ei- colunas, antes tão esbeltos e altos, ajudando a
xos (Palazz.o Ruspoli de Ammannati). As igrejas intensificar a impressão de leveza, são agora re-
não renunciam às linhas verticais, mas criam um baixados até apresentar apenas uma forma pouco
forte contrapeso por cornijas muito salientes e pela atraente, gue transmite a impressão do formidável
multiplicação da largura das linhas (Figs . 13, 14). peso que carreg a. (Assim como no vestíbulo do
Uma expressão imediata do caráter pesado e Palazzo Farnese de Antonio da Sangallo.)
carregado é o pronunciado rebaixamento do Foi Miche langelo quem tomou a iniciativa das
frontão . Ele não mais parece erguer-se, mas cair. grandes construções. Escolheu para as arcadas do
Para essa impressão é decisivo que a linha de ba- Palazzo dei Conservatori' no Capitólio uma pro-
se termine horizontalmente , como no Gesu de porção de indiscutível feiúra. O andar de cima
Giacomo della Porta, um dos primeiros exem- pesa de tal modo sobre as colunas (pequenas de-
plos. A colocação de acrotérios grandes e pesa- mais) que elas são empWTadas contra os pilares
dos dos dois lados têm a mesma função (Fig . 49). da ordem colossal. Estamos convencidos de que
Outros meios pelos quais o estilo procura al- as colunas ali estão como que constrangidas . Es-
cançar essa impressão é a construção do pedestal sa impressão resulta em pane da proporção irra-
baixo (cf. o Gesu de Vignola e de Giacomo della cional do intervalo entre as colunas, que, vergo-
Porta, Figs. 48, 49, 70, 7 1, 72), e a sobrecarga dos nhosamente comprimidas, não transmitem a im-
elementos de sustentação por áticos altos acima do pressão de uma forma tranqüila e narural 3 (Fig. 15).
entablamento. Naruralmeotc, essa alegria provocada pelo po-
As escadarias mostram a satisfação visível der da matéria introduziu na arquitetura uma ten-
conferida pela pesada ampliação da massa. Quer- dência ao infonnal, e um homem a quem faltava
se salire con gravità, segundo a expressão de qualquer consciência arquitetônica como .Giulio
Scamozzi, mas muitas vezes os degraus são tão Romano passou logo ao exagero. Na Sala dos
baixos que as escadas se tornam incômodas. Co-
mo exemplo monstruoso disso podem-se citar os
degraus redondos que levam da praça das colu- 2. Yasari VII, 224. "Con 111w,umodo di sesto in forrna di
meu.o ovato fece condurre le volte" etc. - Cf. de resto o des-enbo
natas para São Pedro. Têm o aspecto de uma de Bramante para n Escola de Arenas (publicado por A. Sprin-
massa viscosa rolando vagarosamente para baixo. gcr): abóbada rebaixada.
Não se pode mais pensar numa subida, tem- se 3. A fachada de São João de Lutrão (de Alcssandro 0alilci
do século XVlll) retoma o motivo dos pilares contúrnos com
unícamente a sensação de descida (Figs. 4, 5, 13). colunas no andar de baixo num tra12.roentomuito puro.

58
Gigantes do seu Palazzo dei Té em Mântua a ria de bronze, para um sabor suculento e de uma
fonna é destruída completamente. A massa bruta plenitude molemente maciça em todas as artes .
irrompe, blocos de rochas sem fonna substituem Uma figura da fase final de Rafael parece ao
as comijas, os ângulos são cortados, tudo se próprio Anoibale Carracci "de uma dureza cor -
desloca e o caos domina. tante", "como um pedaço de madeira": "Una cosa
Não obstante, tais casos são exceções e não di legno, tanto dura e tagliente 7 " (Fig. 16).
chegam a prejudicar o caráter geral do barroco; Vasari queixa-se da secura da primeira ma-
pois devem-se atribuir ao naturalismo as massas neira romana de Bramante, a d~ Chancelaria . O
informes que se encontram nas fontes rústicas e barroco tem horror à secchezza. Mas, com o
nas arquiteturas de jardins. amolecimento da matéria, que se to.ma por assim
dizer fluida, dissolve -se a conexão teAônica e o
2. A ampliação das formas, característica do_,
caráter maciço do estilo barroco, expresso na
estilo barroco, está ligada a uma concepção com-
forma larga e pesada, também aparece agora na
pletamente nova da matéria, ou seja, daquela
falta de ordenação na ausência de modelação
matéria ideal cuja vida e comportamentos inter.:
exata.
nos pennitem aos membros da construção se ex-·
Em primeiro lugar, a parede não é mais tra-
pressar. É como se a matéria dura e quebradiç~
tada como se fosse composta por uma reunião de
da Renascença tivesse se tomado tenra e saboro-
pedras, mas como uma massa ligada unüorme-
sa. Por vezes nos sentimos tentados a pensar em,
mente. A disposição das pedras individuais em
argila. De fato Michelangelo modelava elementos
camadas não é mais utilizada como motivo artís-
arquitetônicos em argila como, por exemplo, a
tico, mas são, na medida do possível, completa -
escadaria ousadamente arqueada da Biblioteca de
mente recobertas. No caso da Renascença, po-
San Loreozo (Florença) 4 e outras obras 5 • Seus
demos pensar nas pedras de cantaria da Chance -
edifícios parecem trair essa técnica por uma ex-
laria, cuidadosamente ajustadas e, no mesmo edi -
pressão particular das formas , observa J . Burck-
fício, na valorização do tijolo em toda a sua ele-
hardt6. Também a pintura começa a sentir des-
gância nas fachadas laterais . Agora a regra geral
se modo a matéria , Compare-se, por exemplo,
é recobrir os tijolos de argamassa. Primeiro
uma paisagem de Annibale Carracci com uma exemplo: o Palazzo Famese (Antonio Saogallo)8.
florentina do começo da Renascença (para esco-
A pedra de cantaria (em Roma utiliza-se, desde
lher o contraste mais forte): em lugar da rocha
os tempos antigos, o esplêndido travertino) nunca
aparece uma massa informe, num verde-azulado
deve agir em blocos isolados mas criar um efeito
sumarento, no qual a luz penetra (Fig. 16).
E vamos encontrar esse desenvolvimento a
partir de um estilo de arestas agudas, quase se di- 7. Lettere pitton·che I, 120. - O mesmo ocorre quanto à
pintura. · Fedcrigo Zucchero acha o colorido bolonhês seco de-
mais em face do lombardo; dever-se-ia "ingrassare il secco co-
4. VASARI, VII, 397. lorire de lia scuola caraccesca". Lettere pittoriche VII, 513.
5, BOTT ARl, úture pirroriche I, 17. 8. No Norte da Ilália o tijolo aparente é ainda por longo tempo
6. BURCKHARDT,Rer.ascellUl inlraUa, p. 77. mostrado. Cf. Cicerone JI4 , 259.

OS EFEITOSDA MASSA 59
15. MICHELANGELO. Pa1azzo dei Conservatori. Roma.
de co njunto. Por isso, não há fachadas em mate- Também o cartucho (ca noccio ) é tratado
rial rústico. .A tentativa que Bramante e Rafael de ·se modo totalmente diverso da maneira flo-
fi:Lerarn com o material rústico 9 (para o andar- rentin a e do Norte da _Itália, que lembra couro
pedestal dos palácio s) não foi retomada (Fig. 14). cortado (cf. Serlio, livro l V, fol. 230), devendo-
Dir-:;c-ic1 yuc o barroco subtrai à parede o se igualmente citar o célebre capitel jõnio que
elemento tectônico. -~ massa perde sua estrutura Michcl angelo tentou criar para o Palazzo dei
int erna. Onde não são pedras retangulares que Con scrva tori (Fig . 17, vista lateral) .
fonnam os element os , não há razão para ter re- O mármon: apaga -se quase inteiramente diante
ceio de deixar desapar ecer também as linhas retas do traverti no, "nobilitado" por Michclangelo na
e os ângulos agudos. As fo rmas duras e pontudas decora ção do átrio farnesiano 12 • O spug,wso,
são embotadas e amol ecidas, as f onnas angulo- a textura esponjosa da pedra se enquad:a admira -
sas são mTedondada ! . velmente no sentido barroco da forma . O mármo-
.A predileção par.1 o que é mole e cheio é ca - re semp re convida a uma modelação mai delica-
racteristicamente roma na. Florença continua da.
muito mais dura e seca . Mesmo !vJichelang elo Nas estrutura tectônica o caráter maciço e
nem se mpre consegue negar de todo a sua pátria. mole aparece na forma bojuda do friso e, mais
É a decoração que oferecia mais ensejo ao caract eristicamente ainda, naquela do pedestal
novo sentimento fom,al. Kos escudos de armas, (cf . o pedestal do PaJazzo Farnese, Fig . 18; além
por exemp lo, o ideal harroco é realizado desde disso , por exemplo, naquela forma de frontão que
logo tescudo no Palaao í-arnese de Michelangelo fa7 ac; lin has descendentes terminarem numa es -
por volta de 15~6, da Porta dei Popolo de Kanni, pécie de caracol (projetado por Vignola para o
no Ciesu de Giarnmo della Puna). Comparando - portal principal do Gesu, aparecendo já antes nas;
se com esses modelos, por exemplo, o escudo da tampas dos sarcófagos do ttímulo elos Mediei por
c sy uina da Chancelaria 10 , logo se tornará clara a Mich ela ngelo); adiante, falaremos das volutas. A
ui fcrens a de princípio . .--\ obra de arte da Renas- 6•1.lirlanda estilizada ou coroas de folhas corno fri-
cen<;a, de aparência frágil , de matéria quebradiça so (Vignola) são utilaadas de modo especial· na
cm aresta~ agudas e ângulos duros opõe-se o es- Basílic a de Latrão os intradorsos e as pilastras
tilo barroco 1 caracterizado por i nrumescCncias e são ornamentados por um bojudo buquê de fol has
ondulações11 (Figs, 23, 24 ;. de pal meira (Borromini).
Cuidava - se esp ecia lmente da fluidez e suavi-
9 . De resto Rafael utiliL3,·:i nâu m.-ii.s i>luco; isolados mas dade da,; linhas no. perfi arquitetônicos. Ao
ca1D.1~ ime rl:;:adas . .-\o ~.:nUllleOLO bar:oco con tradi :L inteira - mes mo tempo as diversas panes não são ma.is se-
men te, por .,,,_.;-ruplo, o moti,o <lo Gestl ~uovo em Nápoles
parada -; nitidamente entre si, mas se confundem .
( lóülJ; : to<la a fachada~ re vesti d" Jc argamct ssa rústi ca .
lú. Reprod uzido em DL'l{CK HARDI, //e ,uiscimemo lwlianu,
F1f. ~ü8.
11. Este motivo c.u-actcr!siicu produz um3 forma .1.:rnelhante 11. \' ASARI,!mrod11:im1c l, 123:"piud'ugnialtro111 uestroha
~ orelha hureanJ. Por isso no Sul da llavii::r i.l o estilo barroco<= co - nobili tnlO quesla pieLrn ~!1chel Ag.nolo 13uon.1rotli ncll'orna -
nl:cc1J o co:n o nome de Oiin,·1i.scius1il(esti lo orelha) . m.:o to <ld ~ortile di =a Famesc".

OS EFEITOS DA MASSA 61
Evita-se totalmente o ângu/,o reto 13.
Comparemos dois pe.di.s de Bramante (Figs. 19-
20), Chancelaria: pedestaldo térreo (a) e pedestal
das pilastras do primeiro andar (b) ao lado de dois
posteriores (Figs. 21, 22). Não se pode deixar de
reconhecer o gosto da Renascença, cujo espírito
exato aprecia separações nítidas e que é sensível
aos mínimos pormenores. No barroco inicial,
17. MICHELANGELO. Capitel do pelo contrário, é visível a tendência de tomar tu-
Palazzo dei Conservatori.
do suave e fluido.
A aversão do barroco ao ângulo ~o pronun-
ciado era tão grande que os artistas nao recusa-
vam deixar que uma superfície estrutural termi-
nasse em baixo numa curva forte. O primeiro
exemplo: o pedestal da Porta di Santo Spirito, de
Antonio da Sangallo (Fig. 22); depois pedestais da
parte ~os fundos de São Pedro. No estilo severo
a superfície não pode sair da vertical.
18. Palazzo Far-
nese. Soco. Segundo o mesmo princípio, também na planta
dos fundamentos todos os ângulos são suaviza-
dos; e até o sentido do arquitetônico se perde
completamente, de tal modo que em breve a pa-
rede podia ser curvada à vontade para fora e para
dentro. Como esse motivo se revela como a ex-
pressão de uma necessidade crescente de movi-
mento, voltaremos a ele mais adiante 14 •
19-20. Palau.o da Chancelaria. Pedestal do térreo e pedestal das
pilasu-as do primeiro andar. 3. Falta à massa um ordenamento perfeito;
este é o terceiro ponto fundamental. Os elemen:.
tos conservam um caráter maciço ; são pouco di-
ferenciados· não alcançam uma existência autô- -
ooma, simples e bem definida; o pormenor perde,

13. O modo abrupto com que em Florença os telhados so-


bressaem ofende do modo mais sensível ao sentimento romano.
14. Quanto aos outros exemplos, deve-se to.mbém meocio•
21 Palaz.zo dei 22. Pedestal da oar o papel ali desempenhado pelo movimento. A superfície que
Conservatori. Porta di S. tennina numa curva naturalmente tem mais movimento do que a
Spirito. almofada plana etc. Por isso, voltarei ao assunto mais adiante.

OS EFEITOSDA MASSA 63
23. MICHELANGELO. Palazzo Famcse . Roma. A lcggia e o es- 24. BRAMANTE. Chancelaria . Roma. O escudo armorial .
cudo armorial.
ao contrário, seu valor e a sua força, os elemen- bastava, e o estilo mais uma vez intervém para
tos devem multiplicar-se, não aparecem indepen- reforçar a impressão de massa: o arco intermediá-
dentes e livres 1 mas presos na matéria; o corpo da rio não deve atingir a coroija, pennaneceodo no
construção constitui um conjunto compacto, sem a1to um pedaço de muro ininterrupto; ao mesmo
uma articulação mais desenvolvida nem no plano
horizontal nem no vertical. ,
A serenidade da arquitetura da Renascença re-
sidia precisamente no caráter aéreo da matéria,
no desenho elegante do corpo de construção e na
livre articulação dos membros individuais.
O barroco significa um retomo a um estado in- 25. Esquema dos pilares
formal. renascentistas.
a. Uma característica sintomática é em primei- 26. Esquema dos pilares
ro lugar a substituição da coluna pe'l.o pilar. A barrocos.
severidade do pilar deriva de seu compromisso
com a matéria. Enquanto a coluna desgarra-se da
massa e se afirma livre, redonda e clara por sobre
a massa, definindo ela mesma sua forma, sendo
toda ela vontade, vida, o pilar permanece, por as-
sim dizer, preso à parede. Falta-Lhe a forma autô-
noma (redonda), prevalece a impressão de massa
e peso.
As alegres cidades marítimas Gênova, Nápo-
les, Palermo nunca sacrificam a coluna. Também
Florença se mantém fiel a ela no conjunto. Em
Roma s6 toma a aparecer nos meados do século
XVII. O primeiro período do barroco é dominado
inteiramente pelo pilar. 27. Esquemas das "colunas murais".
É especialmente evidente o desaparecimento tempo desaparecia a console temúnal (fecho de
dos alegres pátios com colunatas e das sacadas ab6bada) que coroava o todo. Isso é encontrado
(loggie). O átrio do Palazzo Famese, comparado no sistema interno do Gesu de Vignola e (já an-
àquele da Chancelaria é, devido a sua poderosa tes) nas janelas principais do Castelo de Capra-
gravidade, característico do novo estilo. Na ar- rola, no sistema interior de Santa Maria ai Monti
quitetura religiosa, a própria construção exige a (de Giacomo della Porta); depois na fachada de
presença dos pilares. As grandes ab6badas de San Gregorio Magn_o (de Soria), do palácio da
berço exigiam apoios mais fortes. O pilar torna- Scala Santa (Domenico Fontana) etc. (Figs. 64,
se uma massa mural sem divisões. Mas isso não 52, 28).

EFEITOSOE MASSA 65
O Norte da Itália, onde o emprego do tijolo na as colunas não sobressaem da superfície da
tornara familiar o pilar, soube dar-lhe uma forma parede, ficando presas, aos pares, em desvãos.
bem leve, imprirrúodo-lhe uma fonna esbelta e Falta completamente à composição o aspecto
dividindo-o em quatro (Fig. 25) . Isso é evidente, apaziguado e apaziguador, a necessidade, enfim,
por exemplo, em São João Evangelista (Panna) o que produz uma impressão de movimento in-
ou no S. Salvatore (Veneza). A transposição des- terminável: é uma agitação apaixonada, uma luta
se pilar de quatro pilastras para o estilo maciço renhida com a matéria. O efeito que o espírito
do barroco foi feita assim como o mostra a Fig . 26 artístico barroco produziu nesse espaço é ímpar
(segundo o exemplo fornecido por Michelangelo (Fig. 16).
no Palazzo dei Conservatori). A massa ali não é Esse efeito é duplamente incomparável pela
mais inteiramente modelada, nem enquadrada maravilhosa solução que o prelddio tempestuoso
pelas pilastras, mas aparece nos cantos obtusos. recebe no cômodo principal no alto da escada:
Com a substituição da coluna pelo pilar dá-se ali, repentinamente, tudo se torna calmo e ·sereno;
simultaneamente a substituição da meia-coluna o primeiro espaço era apenas a introdução para
pela pilastra. Cf. a evolução do átrio farnesiano esse segundo efeito mais nobre.
para o átrio de pilares com pilastras em Giacomo Adiante ainda diremos alguma coisa sobre es-
della Porta (Sapienza) e em Ammannati (Collegio sa composição em contrastes.
Romano). Só Michelangelo podia ousar tal coisa.
O período de transição emprega meias-colunas As arcadas do Palazzo dei Conservatori repe-
e pilastras em argamassa rustica, e as pedras de tem o motivo em modalidade um pouco diferente.
alvenaria parecem cadeias prendendo-as às pare- Para garantir um forte efeito de contraste para
des. Serlio, que admira enormemente construções o interior, Michelangelo manteve todas as formas
desse tipo, desculpa-se com o exemplo de Giulio da sala inferior extremamente pesadas e maciças:
Romane (Architettura, lib. lV). Também Vignola as colunas não se destacam das paredes. Não são
empregou o motivo muitas vezes para portais meias-colunas e sim colunas livres e inteiras, que
(mas as mais das vezes em edificações no cam- ainda não conquistaram sua liberdade. Cerca da
po). ._ metade está livre, mas o resto pennanece prisio-
Michelaogelo alcançou a expressão mais in- neiro (Fig. 27). A imaginação retira disso a im-
tensa da sujeição à massa: a forma luta com a pressão de um trabalho de liberação incessante e
massa. Encontramos novamente essa tendência inquieto.
patológica que já tivemos ocasião de observar Após Michelangelo utiliza-se com freqüência
nos palácios do Capitólio, no qual as colunas são esse motivo de "coluna mural", se assim posso
empurradas contra os grandes pilares pelo peso chamá-la e em graduações difusas (colunas livres
que as oprime. Também aqui Michelangelo mani- por um quarto, a metade, três quartos) . Ele se re-
festa um estado de sofrimento: os elementos for- comenda para fachadas, pois o desvão produzido
mais não conseguem libertar -se do envolvimento dos dois lados produz um vigoroso efeito de
sufocante da parede. No vestlbulo da Laurenzia- sombra (Figs. 50 e 51).

66
'Ko segundo perío do do est ilo esse motivo de- Não está excluído, porém, que o motivo tenha
saparece. A coluna se libera , avança e se arrima tido outra ori gem . Na loggia da Farnesinu, por
a uma pilastr a mw·al . exemplo, encontra-se, na parede lateral o motivo
b, Na Renascença, cada elemento era definido completamente desenvolvido ape nas em outro
e l!nico , no barroco os ele mentos se multiplicam. sentido: ele retoma no plano a forma do pilar da
A primeira razão ;iara isso é a exi stência de frente com suas pilastras. É perfe itament e possí-
dimensõe s anormais: a sen sibilidade exig e fomrn s vel que, a partir desse modelo, tenha-se transfe-
mais robusta s 15• ?IIas, em breve se torn ou cost u- rid o essa fom1a, que se mostrara eficaz, para a
me dize r tudo rep.:tidan1ence (fromões encaixados fachada.
uns nos outr os etc .). A forma isolada perdeu sua Em Roma o primeiro exemplo de um feixe de
forç a, não inspira mais con fia rn;a; por rece io de pil astras independente foi dado por Bramante no
que o mo Livo se destaqu e ape nas por acus o, é ptimcir o andar do átrio do Bclvcdere 15 • Seguem-
apresentado duplicad::> ou triplicad o. E mesmo se Peruz zi (Palazzo Costa) (Fig. 62) e Michelan-
onde se vai estabelecer um limite, uma vez aban- gelo (álri o Farncse, segundo anda r ). Daf em dian-
donad o o elem ento indivi dual'? Ta nto mai s qu e a te, o motivo seria imitado por lodos (Fig. 64).
multiplic açã o das linhas do conto rno aprese nta Uma forma semelh ante é a moldura plana com
também um interesse pic tórico . A fonna nfto é que se costuma enqua drar três lados da parede de
apresentada toda de ema vez, inteira e clara, mas um luc anário. É co mo que uma pré-elaboração da
cria -se com o que uma esfera onde ela constitu i pilastra. Mais uma vez não se define uma forma
um complexo de linhas, das quais não se sabe ao de modo exat o e simp les, mas apagam-se os li-
certo qua l a corre ta . mites, não se destaca claram ente a forma indivi-
Co m isso se origi1a uma impressão de movi- dual, mas cria- se uma tran sição, uma medi ação, o
mento: parece que a forma precisa ainda conce n- que muitas vezes lembra as passagens cromáticas
trar- se . É uma multiplica ção das linhas do con- na música 17 • O leve achatam ent o da pared e ou,
torno no mesmo sentido que se encontra no moti- para con servar a primeira express ão, o enq ua-
vo do feixe de pilas tras: a pilastra é flanqueada dramen to des se lueanário por uma moldura plana,
de cada lado por uma meia-pilastra recuada (e, evident emente mais uma vez é um motivo da
mais tarde, por outra quarta parte de pilastra) . A constn.1ção cm tijolos. Ele é encon trado em Pe-
origem desse motivo pro vavelment e é a cons tru- ruzzi, que, nascid o em Sicna, estava familiariza-
ção em tijolo, que facilm ente devia chegar a do com esse material e, mai s tarde, em !v1iche lan-
subs tituir o arredondado da meia-co! u'na por uma gelo, que empr egou o motivo com freqül!ncia
gradação desse tipo . De fato, na Romagna e na (Figs. 16, 15, 30) .
Lombard ia e ncontram -se co nstruções com formas
16. Cf. SERLIO, foi. l 19. Será que a fonna não pertt!nce ape -
seme lhantes já em tem pos muito antigo s (por nas ~ reform a executada por l'cruz zi ? Lclarouilly não par ece
exempl o, São Cristóvão em Ferrara ). admiti-lo lLe Valica,1 1, pátio do Uclv c<lcrc, il. J lj.
17. É sumamente interessante notur corno Bemini duplica
J5. A Alta Reo~nça rnnhecia, aliás, a.s me ias -colunas e pi - umbém n.u, estátu~ o efotto plástico dos ossos, como a tíbia. Cf .
lastr~ f emi0.3d~. DOHME, lúm.sr 111ui Kiin.stler: lralien, Ili, 81, p. 38.

OS EFEITOS DA MASSA 67
28. OIOV ANI SORIA. Igreja S.Gregorio Magno. Roma.
e. Esse costwnc de multiplicar é acompanha- vezes recebe a pilastra da Renascença é então in-
do ainda da duplicação dos motivos iniciais e fi- concebível sem molduras retas; o barroco rejeita
nais. As formas não são delimitadas para cima e esse tipo de moldw-a e atinge a expansão do or-
para baixo de modo exato como antes: em lugar namento. Primeiros exemplos: Michelangelo, no
de um início claro e de uma conclusão precisa, túmulo de Júlio II (S. Pietro in Vincoli), Antonio
temos um começo hesitante e uma conclusão im- da Sangallo e Simone Mosca, Capella Ccsi
poss[vel. (Santa Maria della Pace) 18 • A abóbada com cai-
O primeiro exemplo desse fenômeno, caracte- xotões devia sempre terminar por um friso; no
rfstico dessa arte sem forma, poderia ser o dese- barroco esse friso desaparece, os caixotôes reco-
nho do s pilares do átrio do Palazzo Farnese. Para brem inteiramente a abóbada, como na Capela
ver a diferença, compare-se esse pedestal e as Corsini de Galilei em Latrão, que é, aliás, uma
cornijas duplas com as formas ainda tão simples das criações mais pw-as do último período. A
e seguras de Palladio no átrio de Carità em Ve- composição em ponto maior procede do mesmo
neza. modo no desenho dos ângulos das construções.
Multiplica-se o ático do pedestal, como no tú- Lembremo-nos mais uma vez da ênfase dada no
mulo de Paulo lil (GJilelmo della Porta); depois , estilo gótico aos elementos de força e à massa,
duplica-se o plinto de todas as colunas. pelo barroco. Em Florença, Giotto coloca nos
J\1ultiplica-se também o ático nas fachadas de ângulos do campanário como que torres salientes;
igrejas no Gesu de Giacomo àella Porta, por o único interesse para esse estilo é um sólido en-
exemplo, cujo projeto, de Vignola etc. A linha quadramento. A Renascença termina uma super-
da comija parece ecoar ainda várias vezes, numa fície mural por uma simples pilastra (primeiro,
conclusão infinita (Fig. 49). por uma pilastra única; mais tarde, por uma pi-
d. Desenho das 11:olduras e ângulos. O efeito lastra geminada). O barroco, no início, suprime a
de massa depende essencialmente de que a maté- pilastra de canto e termina com a massa crua da
ria não e steja enquadrada em molduras nas quais parede ( Vignola, galerias capitolinas, vestíbulo
fique inteiramente inclu(da. Quanto a isso, o bar- de Santa Maria in Domnica (atribuído erronea-
roco constitui a oposição mais perfeita ao gótico, mente a Rafael etc.). Quando se trata não de uma
O g6tico acentua os elementos de construção: pilastra isolada mas de um feixe de pilastras, en-
molduras firmes, conteúdo leve; o barroco contra- se então uma multiplicidade de ângulos,
acentua a matéria: a moldura desaparece intei- de modo que é difícil distinguir o verdadeiro (cf.
ramente ou então permanece, mas, apesar de um o túmulo de Paulo Ill de Guilelmo della Porta,
desenho rude, não é suficiente para conter a mas-· em S. Gregorio Magno, de Soria etc.). Mas por
sa que transborda. princípio o estilo evita mostrar os ângulos das
A arte da Rcna~cença situa-se entre esses dois construções, e s6 conhece fachadas, e, ainda as-
extremos e atinge um perfeito equilíbrio entre a sim, as partes laterais dessas fachadas permane-
massa inteira e a forma que a encerra.
A orna.rncntaçâo de enchimento que muitas l8. VASARI, VI, 299.

EFEITOSDE MASSA 69
cem inacentuadas (ver abaixo): toda a força e to- Ela pennanece unida. Desaparecem sacadas
da a riqueza são lançada,; para o centro . (/oggieJ e forma'> semelhantes . ,\s abt:n uras tor-
O estilo alcança uma intensificação muito efi- nam-se catb vez menores o.:mrelação à parede . A
caz do motivo, quando torna o recheio decorat i- parede unida com travertino é o idca.l das facha-
vo grande demai s para o espaço, deixando -o das de igrejas. E a mesma i<l6ia domina a cons-
transbordar sob re a moldura. Naturalmente a trução dos palácios.
composição do todo não pode ser tão arrojada, Já se mostrou, em outra oportunidade, que o
tais efeitos extremos só são possíveis em porme - arco aberto não chega mais até a cornija, c.k\'en -
nores, onde a dissonân c ia pode encontrar uma do deixar um pedaço de muro ininterrupto. Há
solução. É o guc ocorre nos tetos. Os caixotões alguma coisa de intranqüilo nesse moti, o .
são enchidos de tal modo gue provoca um atrito .A fachada permanece i11artic11lada. Já o
constante entre o conteúdo e a moldura. Na Re- "grande ci.lilo'· exige a maior limitação possível
nascença tudo se integra sem choques, UH.lodis- na divisão. Procura produzir fachada<: inteiriças.
põe de ar e de espaço; no barroco, a massa é tão Contudo, a unidade não deve ser absoluta: restam
comprimida que parece que o conteúdo fará rom- as partes laterais, sem nenhum iraço de autono-
per a moldura . Os prim eiros exemplos são os te- mia. e justamente nisso é que está a articulação
tos de Sanga llo (Pa.lazzo Farn cse) 18 ª. Quanto aos deficiente. A Rena~ccnça comprazia -se em repre -
nichos apenados em "fachad a-; de igrejas" ver sentar o todo como uma fusão harmoniosa de
adiante o parágrafo correspondente. partes individuais e autônomas. Gostava, por
Em relação ao enchimento dos pendentes das exemplo, de destacar da fachada das igrejas alas
cúpo las, as célebres figuras de Domcní chi no em que deviam repetir cm ponto menor o motivo do
S. Andre.a dclla Valle são gra ndes demais para o corpo principal, como se pode ver na 1'1adonna di
espaço onde estão inscritas; mais tarde , permite - Campagna cm Piacenza. No barroco não há nada
se sem preocupação que o conteúdo transborde . que se assemelh e a isso, as partes laterais perma-
Em São Pedro pode- se observar perfeitam ente necem presas à massa principal, não conseg uindo
o aumento gradativo da<: figuras das pe ndentes alcançar uma c:.Jstência individual separada .
acima elos arcos da nave comprida; as mais re- Do mesmo modo, o plano não tem qualquer
centes - bem na frente na entrada - são as mais desenvolvimemo. A construção permanece uma
opulentas: t o mesmo fenômeno que se repete no mac;sa compacta. Ora, sabe-se como a serenidade
enchimento dos nichos. A estátua não possuí de um edifíci o depende precisamente do descon -
qualquer atrativo se não ameaça romper o nich o. gestionamento da massa'. Que seria a \'ilia Ro-
tonda de Palladio sem os seus p6nicos? Que se -
e. A massa do corpo da co11str11ção mamém-
se unida, inarticulada e não tem 11111 plan o de- ria a Farnesina sem o motivo cativante das alas
senvolvido, salientes, que parecem gozar de completa liber-
dad e? O barroco jamais adota composições se-
melhantes; quando emprega o motivo de alas, a
18a. Reprodução cm LETAROt:ILLY, t.difices de Rome, p.
parte saliente não se destaca d~ mas:s:n.. 1--a Villa
316. Ovais forçadas para dentro de retfi.ngulos.

70
Borgbese (Fig. 72) e no Palazz.o Barberini faltam O barroco posterior tende a voltar a um dese-
articulações (Fig. 59). nho mais livre.

29. Capela Chlgi. São Jerônimo.


4. MOVIMENTO

1. Efeito de massa e movimento são os prin-


cípios do estilo barroco. Não procura alcançar a
perfeição do corpo arquitetônico, a beleza da
''planta", como diria Winckelmann, mas o acon-
tecimento, a expressão de determinado movi-
mento num corpo . Ora, do mesmo modo que se
amplia a massa e ruune~ta o peso, intensificam-se
os elementos formais; mas não se distribui essa
força igualme nte por todo o corpo da construção.
Muito pelo contrário, o barroco lança toda a for-
ça num l1nico ponto, rompe nesse ponto com
grande exagero, enquanto as outras partes per-
manecem sufocadas e sem vida. As funções de
levantar e sustentar, que antes eram tratadas sem
esforço nem precipitação, de uma manei.nl natu-
ral, são agora tratadas com uma espécie de orgia
de poder, num esforço apaixonado. A açâf>, além
disso, não é confiada a e lementos isolad os, mas influência. Contrastando com essas formas a tor-
se comunica a toda a massa, todo o corpo é ar- mentadas, as grandes linhas horizontais do enta -
rastado nesse ímpeto do movimento . blamemo conser vam sua tranqüilidade. O ressalto
2. Em oposição à Renascença, que visa, em foi usa do muito mode radame nte durante tod o o
toda parte, a pennanência e a imobilidade, o bar - primeiro período e, as mais das vezes, em partes
roco manife sta também em se u dinamismo o sen- inteiras de paredes . Até :'.vfaderna consegue -se
time,uo preciso de wna direção : e le aspira sub ir. com esse contra,;te grandes efeitos . Isso se toma
E ass im se afirm a, di ante da tendê ncia par a o pe- prob lemá tico apenas no decu rso do século XVll,
sado e o grande, uma for ça vertical que se toma qua ndo cada meia pilastra e ca da quarta parte de
se mpre mais forte, superando finalmente as li- pilastra procura se u eco no entablamento, o que
nhas horizontai s (segundo período do estilo bar - destrói inteiramente a linha. Pois é também a.
roco ). época em que a estrutura tec tônica em toda a
O motivo da tendê ncia para o alto manifesta - parte se torna vítima de uma fome desregraria de
se primeiro no detalhe: na distribuição desigua l movimento, época em que os frontões se empi-
das esculturas. Nas jane las enfatiza-se o sent ido
nam e se proje tam para fora . Não nos cabe , po-
vertical. A jan e la clás sica da Renascença pos su ía rém, acompanh ar esse dese nvolvimento (Figs. 16,
64) .
um frontão e meias-colunas; estas desaparecem
Outra e xpressão da tendência para o alto é
depressa, sub stituíd as por s imples consoles, sem
a aceleraç ão do movimento das linhas . Faz pane
que com isso os frontões sejam atenuado s; pelo
desse capítulo o tratamento de hern,as dado às
i::ontrário, o dese nho é do s mais pesado s, pois
pilastras: as linhas que divergem parecem apres -
atribui-se à sombra um papel importante para
sar-se par a o alto mais do que as paralelas (1v1i -
obter o efeito procurado.
chelangelo: escadaria da Laurenziana, túmulo de
Alia -se a isso uma gran de dis soluçã o das li-
Júlio 11 em San Pietro in Vincoli; e em pontos
nha-; horizontais, uma ru ptura das fonnas que,
isolados em Vignola) . As colunas torcidas têm
num a perfeita indiferença em relação aos direitos
e ao sen tido da forma isolada, visa apenas prod u- origem na mesma necessidade, \'Cr o movimento.
zir a impressão pic tórica de que tudo está em Na arte monumental as colunas do tabernácu lo de
movimento. Nas janelas, as molduras laterais Bernin i (São Pedro) são, provavelmente , as pri -
(verticai s) ou são prolongadas para baixo além da meir as ( 1663). É pe lo menos a elas que Vigno la
linha de base da janela ou são continuadas para se refere quando fonnula a teoria sobre elas nas
cima como modil hões; no frontão, é rompida a edições posteriores das Rega la 1• Essa forma não
linha de base, ou o ângulo superior e, em breve, tem nenhuma importância no início do barroco.
ambas as coisa s e tc. A invenção de criaçõ es des - Sobre a expressão da tendência para cima na
se tipo pode ser seguramente atribuída a !v1iche - construção das c úpul as, falaremos a esse respe ito
lange lo. As janela s do segundo a ndar do átrio do no contex to da arq uitetura re ligios a.
Pala.zzo Farnese, que por sua vez foram prepara- 1. Como se sabe, já se encontram nas tapeç arias de Rafae l
das pelas formas da Laurenziana, tiveram grande (segundo modelos antigos) .

74
30. Cúpula de São Pedro. 31. BERNINI. Basflica de São Pedro. Detalhe da coluna. Cidade
do Vaticano.
3. Essa nov a se nsibilidade teve grande im- A origem desse motivo vertical - a tranqüili-
pc>rtância nas fachadas de igrejas . Foi ela que le- zação de uma tendência violenta para o alto -
vou a um modo inteiramen te novo de preencher a remonta a Michelangelo. O vestíb ulo da Lauren -
superfíc ie. Janelas e nichos que, anterionnente, ziana já o mostra num a fase de elaboração muito
tinham mantido uma relação completamente sere- desenvolvida 3 • Para Roma, a fac hada poste rior
na e pacífica com o espaço que lhes era atrib uí- de São Pedro foi provavelmente detenninantc;
do, a ponto de parecere m feitos para ele, não têm com uma concepção extraordinária de grandeza,
mais qual quer relação com ele. O nic ho, com sua I\Iichelangelo dep ura e acalma as formas à medi -
arquitetura com frontão, vai se elevando até en- da que se elevam, e a conciliação do motivo da
contrar algum obstác ulo. O modo como ele pre - fachada; desagradável cm si\ encontra -se na cú-
enche o inter valo e ntre as pilas tras que lhe foi pul a.
assinalado não co nfere tranqüilidade; aspira a se Pode-se aqui entrever o que esse artista ente ndia
elevar ao máximo, e nquanto em baixo um grande por "compor obras grandes" (F igs . 16, 13, 30) .
espaço permanece livre . A impressão de tendên- 4 . A compmi ção horil.Ontal percorre um de-
cia para cima é intens ificada pela circun stância senvolvim e nto se melhante.
de que os nicho s parecem lateralmente a pertados Em contra ste pronun ciado com a mentalidade
pelas pilastras , muito próximas uma das ou tras. dos clássico s fiorentinos, que se orgulhavam pre-
Eis os sinromas que lemb ram o gótico, embo - cisament e da regu laridade harmoniosa, renun -
ra, comument e, gótico e barroco designem coisas ciando até a toda a pompa dos portais e das ja-
opo stas. Também nesse caso a diferença 6 es sen- nela s principai s em seus palácios, o barroco pro-
cial. No gótico as força,; verticais se irradiam pa- cura introduzir movimento na composição . con-
ra cima sem e ntraves, dissolvendo-se no alto, centrando todo s os efe itos no centro .
como que cintilando; o barroco primeiro as faz
Na forma mai s simples esse princípio aparece
colid ir du ramente com uma cornija pesada, dan do como uma sucessão rfrmica em oposição a uma
porém a seguir - e esse é o e lemen to significa ti- simples regularidade métrica 5 .
vo - uma solução tranqüil:izante .
Tal é a disposição das janelas no PaJazzo Chi -
Nas partes s uperiores, a superfície e o enchi -
gi (Giacomo della Porta) . À medida que se apro-
mento alcançam uma espécie de aco rdo; a tran -
ximam do centro, as janelas se sucedem num rit-
qüilização total é reservada ao interior, e é prec i-
samente esse co ntraste entre a linguagem exacer- J. Comparem-~ :is partes ll!lá!ogo.s do andar de cim:: e ,k
bada da fachada e a paz sere na do interior que boixo . Por exemplo, o aproiunc.lnmento à m~neira de clarabóias
ac irná dos nichu s centr:ús é, embaLXO,oblongo com modílh&s e,
constitui um dos efeitos mai s poderosos que a cm cima, quadrado com um círculo inscrito. É difícil ir.ugiruir
arte barro ca exerce sobre n6s 2 • apazigu::imento IOaiscomp!e tu que esse.
4. Aqtú a intranqüilidade é l\UClClltfüla mais aind:i pelo fato
de que o, campos d:t par ede nprese ntrun alternadame nt e <lua,;e
três janelas (n ichos) supelllostas; os enciümentos das supcrfkics
2. Infelizm ente, cm inúmeros monumentos, a fúria de de- tampouc o combin~m en tre si.
coração de ~pocas posteriores crnnsforwou de tal modo o interior 5. ..i. di.sposiç~odas co lun.is proj ~tad.as por Rafael para a fa-
que o efeito de cootrasre foi desmi fdo. chada de São Pedro~ u.nirruda, mas ainda não rítmica.

76
mo cada ve7. mais ace lerado, sem que a mudança (do mas a de S. Cario a lle quattro Fontane (1667) le-
int<.:n·aloJ ~CJa motivada tectonicarnente (Fig . 61 ). va ao máximo essa caracrcnstica 9.
As fachada-; de igrejas mostram como se pode Pel o enc urvamento da parede, o barroço al-
levar esst prindpio ma is longe ainda . Em Gia- cançava ainda outra finalidade: como o conjunto
como dclla Porta elas ;;e tornam um siste ma de de front õcs, ja nelas , 1:olunas cte. · acompa nham a
part es 4uc se c mpun-a.rn uma~ às outras, acentu,m - curva, cr ia-se para o olhar uma imp ressão ex tre-
do-~·e cada vez ma is a expressão plásrica à medida mam ente viva de movimento. O olho vê num
que nos aproximamos do ce ntr o. :\ progressão da mesmo momento fo11Das de nalur e;::wsemelha nte,
pilastra à meia coluna e à coluna inteira, o esforço, de ângu los diversos . O eteito é que colunas
a conccnlrnção gradat iva das forças são assim evi - orienwdru; segundo cixos dife rentes parecem ror-
denciadas, espe1:ialmente onc.Je ocorre o ar.:úmulo ce r-se e;: girar conti nu ame nte. É como se de re-
c.Jecolunas na pane cemral. :Kas extremidades, a pent.c uma vertigem vio lenta tivesse se apoderado
fachada nf10 t quase acentuada. O corpo não é de tod os os elemento s. São esses os artifícios
animado unifom1eme nte (f:ig. 49) . urilizado s por Borro mini.
A últim.:i cons eqüênc ia foi então o vergamc nto Mas co m ele o estilo perd e o seu curá ter ini-
de toda a massa mura l que lc:vou a fac hada a cur- cial de ma~sa severa que o tinh a carac terizado
var-sc ligeirame nte nas extremidades, mas 4ue, origin almen Le, não se conse gue mais sup ortar os
em contraparlic.Ja, lhe confere no meio um mov i- muro s vazios. Tudo se dissolve em decoração e
ment o vivo para dian te , rumo ao espectador; foi movimento .
essa linha que l\Jichelangelo empregou para sua 5. O barroco em nenhuma part e oferece o
famigerada e5cadaria na Laurcnzianai: . acabam e nto, o apaziguamento ou a sere nidade do
O prim..:iro exemp lo desse envergame nto foi ser, mas a agitação do devir, a ten são da ins tabi -
c.Jac.Jopo r Antonio da ::;angallo 7 , mas ele se conten- lidade. Disso resu lta novamen te uma impressão
tou cm encurvar a fachada em Zecca vecc hia de mov imento .
(Ban<:o <li San to Spirito)'; e na Porta di S. Sp irito. Sur ge aqui o motivo da tensão nas propor-
- Os c>-.emplos de fachadas an imada~ nf10 se en- ções.
conmu11 antes de Borromini: a de S. Agnese na O círcu lo, por exe mplo , é uma forma abso lu-
Piazza :Kavona é ainda moderadamentf! animada; tament e em repouso e imutável, o oval é inquie-
to, par ece querer mudar a cada mome n lo, não
transmi te a impressão de necessidade. O barroco
o. Allfa, eh: qu~:ia yll(! a e,c:i±ufa fos~ de maddr:i, não <le
procura por princípio essas proporções "livres" .
J.,'<!dr:i. Repugna à sua essência o tenninado, acabado.
7, O Pala✓.lO :-,t:i.,sirni alk Colonne d~ P~ruui dificilme nte Ele usa o ova l, não só nos medalhões e detalhes
po~ :,:,r t=num~ru<lo~Ktui,pois, -:vid::ntcrn~ntc,foi antes a rua
'-JU~ pr csc re\'~U a forma e ru:c uma r:iz/;o csc6tic~. semclhuntcs, mas também no pla no de salas (Fig.
de chamar 3 accn; r10µaro o novo rnoti-
S. \':.i.~ri nfü; Ut!i."-.:i
vo. ·'h: c:: Antonio la facci2ta ccl!a Zcc.ca \'~:chia con b:lliss i.ma
grazia lll qucllo a.nfo lo gi.rato in tondo, i:he ~ tenuw cosa d[f;7cíle 9. RomJ não conhece pJl:ícios com iachaúa.s curvas; em
osu''. ( \ 'ita di Sang(:.!io,\', 455.)
t:"nu.r-t.~c:d outras partes da., ocorrem.

MOVIMENTO 77
33), átrios, interior es <le igrejas. l\-luito cedo, o Temos uma intensificação desse princípio de
oval e m Corr cggio (1515) aparece em conexão tensão, quando a insatisfação se torna causa de
com uma movim entação irrequieta .o, num a époc a sofrimento . Já menc ionamos casos seme lhantes
cm que cm Roma ninguém ainda pensava nele, toda vez que o estilo deixa a coluna presa na pa-
nem na pintura 11 nem na arquitetura. Mich c lange lo rede ou a massa amea ça transbordar da moldura
parece ser o intermediário com o pede~tal oval da ou quando surge uma dissonância no enchimento
estátua eqüestre de Marco Aurélio no Capitólio das diferentes partes de uma fachada (ac ima, nota
(1546) 12• Em Vignolu o oval ocorre div ersas ve- 4), resu lta uma impressão de movimento.
Les: medalhões no pátio de Caprarolu, escad arias 6. Assim como o barroco alcan ça aqui seu
ovais no mesm o local etc. Pe nsemos também no objetivo, propond o criações irregul ares ou apa -
teatro oval do pátio da Sapic nza, de Giacomo dclla rentemente ina cabadas que ainda não se ajusta -
Porta, lransformução do teatro semicircular do pá- ram e ainda niio alcançaram uma forma estável.
lio <lo Be lvedere. Nas fachadas da-; igrejas desapa - também sabe tirar proveito, no mesmo sentido .
rece comp letamente a janela superior cir cular da do motivo "pictórico" do \·éu e do inace ss íve l.
Renasce nça. A disposição elípti ca do espa ço oco r- Devem os mencionar mais uma vez a for.11a do
re pe la primeira vez cm Serlio 13 , mas só na teoria ; foixe de pilas tras, que estim ula continuam ente a
a exec ução p rática virá apenas bem mais tarde (ver fantasia a "com pletar cm pensamento'' a mei a
adiante: Igrejas ) . pilastra . O scnümento arquitetônico rigoroso exi -
Do mesmo modo, o quadrado cede lugar ao ge unicamente formas comple tas e daras, e. por -
oblongo. Quanto a isso, deve-se observ ar que o tanto, em repouso. Quando, ao contrário, empur -
oblongo (e a elipse), cujas propor ções são deter - ra-se um objeto diante <lo outro, cria -se o inatin -
minadas pela sct;çâo áurea, têm caráter está vel gível e com iss o o aLralivo do moviment o.
em com para ção a outras proporçõe s que são mais Se ao encob rimento parc ial se acrescenta uma
e~belta s ou comprimidas . O barroco por isso compos ição complicada e uma multidão infinita
evita essa propor~ão, que a Renasc..:n,,;a. pelo de fomzas e motivos, em que o detalhe, por
con trário, homenageava. maior que seja, perde completameme o signifi -
O novo cspúito alcança a expressão mais mo- cado no efeiro de massa, temos então os e le-
numental sacrifi cando, nu construção de igrejas, mentos necess:'.írios pam a impress ão daquela ri-
o sistem a centr a l ao sistema de nave comprida . queza inebriante , caracterfstica do barr oco.
Cito como exemplo a composição do teto da
10. Madonm, com (1111.uroS11mos ( Dm,d~n j . Reprodução em
Wolunann-Wõm1ann, ê,eschicluc der ,\lnlere1, 11, iO.:'; o meda- Galeria Farnese, obra dos Caracci. A influência
lhão oval é orlado d.: uma guirlanda de fo lha, . do teto da Sixtina é af evidente . ]l.fas que difere n-
J 1. ,\ ,\ladom11., di F<,li.~nn ,fo Rafael mo,trn aimla uma gl6ria
ça! /\ disposição arquitetônica simples e clara de
com a fonn~ d~ um c!rculo pcrkito . (Cf. RtJ1'1üHR, o;,. ât., III,
51,5.) Michelange lo foi sacrifica da ao desej o de osten-
12. Giacomo ddl a Porta deu aos corcéis que se encontr am ao tar uma riqueza ine scrutáv el. O plano do todo é
pé d.1escada w11 pcdcsL1ireto (1583): o pedest.tl de Marco Auré •
lio refere-se especificamente a um projeto Je praç:i ovll.
muito difícil de ser reconhecido; diante do ina-
13. S ERLIO, Nego/e s c11eralidi archirerrurtJ, V, 101. 204. tingível, o olho não consegu e encontrar repouso:

78
as imagens são superpostas; tem-se a impressão teto plano fechava tranqüilamente o espaço, cur -
de que basca afastar uma figura para de scob rir va-se uma imen sa abóbada-mestra, ou melhor
outra; nos ângulos abre- se uma perspectiva para não: ela é aberta demais: nuvens descem cm on-
a infinidade do espaço vazio. das, coortes de anjo s, fulgor celes te. O olhar e o pen-
Os mesmos princípio s dominam as fachadas samento perdem -se nos espa ços incomensuráveis.
grandiosas de São Pedro e suas imitações. Em É preciso reco nhecer que esses efeitos de uma
face de toda essa riqueza de motiv os superpostos
decoração todo-poderosa só apare cem no fim do
e embaralhados quase não se sabe mais onde está
barroco. Co ntudo, desde o começo , manifesta-se
realmente a parede que fecha o esp aço .
irre sistivelmente o traço significativo da arte
mais nova: orgia de espaço e de luz.
7. E, de fato, essa aversão a toda limitação pre- Naturalmente, a oposição à Ren ascença é ape-
cisa talvez seja o traço mais marcante desse estilo. nas rel ativa. Certamente, ela não pôde evitar in-
Suas rea liza ções supr ema s, os interiores de teirament e o fascínio dos efeitos de luz. Ma~ em
igrejas, introduzem na arte um sentimento do es- todo o caso estam os inclinados a encontrar ele -
paço inteiramente ,wvo voltad o para o infinito: a mentos pitorescos onde renascentista s não os viam
fonna se di ssolv e, para dar lugar ao pictórico no e a atribuir-lhes intenções que não lhes eram pró-
sentido mais elevado, a magia da luz. O propó - prias. É prec iso ter cm mente que não se pode pen -
sito não é mais buscar uma proporção cúbica de- sar em efeitos de iluminação, porquanto a pintura
terminada, uma relação benfazeja entre a altura, a não manifc~tou o gosto por esse tipo de efeito.
largura e a profundidade de um determinado es-
paço fechado: o estilo pictórico pensa em primei - 8. Conclusão . O sistema da proporcionalida-
de. A Renascença muito cedo já tomara cons-
ro lugar nos efeitos da iluminação: de uma obs -
curidade insondável, a magia da luz que se der- ciência clara de que o critério da perfeição na
rama de cim a vindo de alturas i.w isíveis da ct1- arte é o caráter de necessidade. A obra de arte
pula, trans ição da obscuridade para uma clarida- perfeita deve cau sar a impressão de que não po-
de cad a vez maior, são estes os meios com os deria ser diferent e, de que qualquer mudança ou
quais esse estilo atua sobre nós. transpo sição, por mínimas que sejam, destruiriam
O espaço, que a Renascença iluminava de ma- o senti do e a beleza do conjunto. Nada é mais ca-
neira homogênea, nãc podendo imaginá -lo senão racterístico da vocaç ão da arte italiana para o
como fechado tectonicamente, parece aqui per- classici smo do que encontrar essa lei (se assim
der -se no ilimitado, no indefinido . Nem sequer se podemos dizer) já conhecida e formulada nos
pensa nu fonna externa: de todos os lados o olhar meados do século XV. O mérito cabe ao grande
é encaminhado para e infin ito . O fundo do coro Leon Battista Alberti. A passagem clássica que
desaparece no refulgir dourado do edifício do se encontra no sexto livro da sua obra De re ae-
altar-mor, no brilho do splendori celesti; nos la- difi.caroria diz o seguin te 14 :
dos, as capelas escuras não deixam perc eber nad&
14. Em 1452 Alberú entregou o manlll>crito conclul<lo ao
de determinado, mas, no alto , onde outrora um Papa l\'icolau V. Primeira edição: Florença, 1485.

MOVIMENTO 79
32.• BRAMANTE. Chancelaria. Andar superior deraik. 33. FRANCESCO BORROMINI. Saint-Yves-de-la-Sapie.nce.
Roma.
Nos tarn en sic dcfii n:c1:ius , ut rn ;:,u lC:,ntud o certa c11m ra- três a ndares, naturalme nt e), exc eto, naturalment e,
cione co odnn itas unive=um p,.n iurn in eo cujus ~inc ita ut a<l-
o pedesml e a corníja 15•
di ;iut diminui :iut immui:m j,!O,s:l ruhll ,;u1n truprubahilius rcd -
<lat./-la ~u m hoc ct dh inum etc. • Es sa harmonia que liga o porm e nor e o to do
nos causa ad miração. Ela se estende muito mais
Alb eni fal a aq ui co mo um profeta . t--·leio sé- ainda, nenh uma fonna, por menor qu e seja, é
cul o mai s tarde , aqu eles qu e ap lic am essa lei são acidental, tudo é determinado pela prop orção bá -
Ra fael e Bramante . sica ado tad a par a sempr e . E só esta teria sido es-
À per gun ta: de qu e mod o a arqu itetu ra co nse- colhida arbitrariamente e sem necess idad e? Não,
!l:UC dar ~ssa impres:;ão de necessidade, a res - da é aq ui de fini da pe la pro po rção da secção áu-
;o sta é: ela dep end e qu ase excl usivamente da rea , uma relação que ex perime ntamos como " pu-
harmonia das proporçÕcs. t\s mlfü ipl as propor - ra", cm ou tras palavras, c omo absolutam ente
ísÕCS ào todo e das panes devem revela r-s e como agradávd e por isso natural .
que condicionadas por uma unidade fundamental; O que ch amamo s propor çã o, Albeni designa
nenhuma deve par ecer casual, deve ndo ca da uma como _linitio 16 • Ele a de fin e como "c orrespon -
resultar necessariamente da o utra, como a única denti a qua e dam linearum int er se, qu ibu s qu an-
natural, a ún ica co nc ebí\· el. tital es (comprimento, largur a e profundid ade)
Em tais casos tem-se a impressão de uma cri a- di met rantur" , o que na re alidade não escl arece
cão or'lânic.:a. Com razão, pois o se gred o es tá
muit a co isa. Mas é prová vel qu e Al berti, quando
;recisa~enlc no fato J.: que a ar~ trab al ha como diz, no livro VI: " omnia ad certos angulos pari-
a narureLa , sempre reto mando 110 p artic ular a
bus lineis adacq ua nda", conc orde quanto ao sen-
imagem do conjunro . tido com nossa teoria . /\ flnirio é um e lemen to do
Tomemos como exemplo o an dar superior da
conc e ito mais eleva do, a con ci nnitas, Mas no es -
ala ela Cha nc e lari a de Brnma nte (Fig . .32). A pe-
sencial as duas noções quas e se confundem . Seja
quena janela de cima é pro po rci onal à janela
como for, Albcr ti é obrigado a usar nos dois ca -
princ ipal, e ambas ape n~ re petem a proporçã o sos as mesmas palavras . O que está em questão é
do lucanário , que lhes é atribu íd a. \ ·lais adi an te: pre cisamente a harmonia ab so luta. A concimzi tas
a su perlf ck (do ord ena mento do conjunto) é de - faz com que as diversas part es mutuo ad invicem
finida segundo a mesma re laç ão, s6 que em se n- corr e:,ponde ant. Em o utra parte , ele a de nom ina
tido im ·erso (b :h = H:13): as di ago nai s são pe r- consensus et conspiratio partium ; e q uan do fala
pendicu lares umas àc; outras. Com isso já esrá de uma bt.:la facha da como de uma music a, da
da da a pro por çã o para os lucanários dos ca ntos ,
mas eles têm ainda um sentido mais amplo: re to-
15 . .\ LU L'ST TH! E RSC H foi o primeir o que assi n.ilou essa
m am em ponto pequeno a fo nna de tod a a ala (de espécie de propo rção e prov ou sua exist ênci a, do m odo mai s ad -
mirável em monumentos anúgos . Seu tratado sum:imente pre -
" 'éntr ~llinto, dare mos J dcfin i;:io scgurnu: ; ch ;\.!lu".ffiO:; bele - cio so ~ ~ncont.m no maoual de arquit etura ed itado por DC K.\-1_e
z.1,=.sl.rit.micnt-e, a conv~niênda de to<l~s a,; pa rtes ao co': j u~ 10 .ª o utr os, IV, L Faltarfa apena:, co mpletar ess:i teo ria pelo prmcfp10
qu: perten cem, de modo q u: ni,o ~ possa acr~entar, duru.nllll'_ da proporcionalidade invcrúda. Espero vollar a ela em outro
ou mucar nad~, sem to m ar o todo men os ncc~ss.;no . isso é al go contexto .
g:rand~~ uisno dos t.l~u..ses etc. 16. As pns~g ens respectivas encoo tr = -se no l ivro IX .

MOVIMENTO 81
qual não se poderia mudar uma nota, está a penas com o o mais impo rtan te dos doi s, des v ian do as -
pe nsa ndo na necessidade ou, se preferirmos, no sim a atenção.
en cade amento org ânic o das fom, as 17 • Isso se repete vári as veze s na fac:hada . ,\
O barroc o ignora esses con ce itos . Nem pode - anal ogia com ce rtos process os de sedu ção utili-
ria ser de outra forma. O que sua arte que r ex- zad os numa composição musical é óbvia, e não
primir não é o ser perfei to, mas um devir, um me parece necessário delongar-me mai s.
movimento . Por isso a estrutura formal é afrou- Concu do, o impo rtante não 6 ess a difi cu ldade
xada . O barroco não recua diant e das propo rções de pcrccb..:r as propo rções harmônicas, mas a dis -
impu ras nem das dissonâncias na hanno nia entre sonância procurada inrencional.meme . O barroco
as formas. constrói nich os apertad os , janel as despro po rcio-
É co mpreens(vel que uma di sso nân cia geral nais ao espa ço, painé is q ue são grandes demais
não seja po ss ível, por mais que se qu eira obter para a sup erf ície da parede de stinada a ele s iõ , e m
uma imp res são es téti ca. Mas as propor çõe s qu e suma, partes que são como qu e de outr a to nali-
equiparam as fo rmas wnas às outras se tornam dade, que são com bin adas segundo outra es cala
mai s raras e não saltam aos olhos. É como se as de propo rçõe s. A atra ção anística do barroco
harm onias s imples de Bramante tivess em se tor- consi ste na sol uçã o de ssas diss onânc ias. ,\ medi-
nado triviai s, pro cur am -se rela ções di stan tes e da que se ele vam, os e leme ntos co ntradit órios se
transiçõe s mais artifi<.:iais, qu e podem parecer ao "explicam"; a part ir do aco rde d issonanie elabo-
olh o pouco trt.:inado com o ab o liçã o de tod a for- ra-se uma harm on ia de puras rela ções .
ma. E, principalmente , não nos esqueç amos das Vai-se aind a além, até fazer co ntr astar ele-
con seq üências que devem ter tido a multiplica ção mentos externos e internos . Na Laurenziana ( Flo-
da-; pilastras , a su pre ssão dos limi tes preciso s, em ren ça), a esc ada e a sala comprida; no Pal azzo
suma, a destr u içã o de todas as parte s isoladas Farne se (Rom a), o vestíbulo e átri o e le.
e indi vidualmente conceb idas. Na fachada do A arquitetura se torna dramática , a obra de
Ge su de Gi acomo dell a Porta (Fig . 49 ), o retân- arte nã o mais se co mpõe de uma séri e de bel ezas
gulo do port al princip al (pilas tra, pede stal e cor- fechadas, que re pousam em si mes mas , mas o
nija inclus ive), que coroa o fro ntão cm arco, é elemento particular somente adqui re valor e sig -
cx atnme nle proporcional ao retâng ulo de todo o nific ação no conj unto , ape nas no conju nto há
corp o central da fach ada (com ex clus ão do pe- uma conclusão ap azigu adora e uma limita ção.
destal das pilasLras in ferior es), mas a relação não A arte da Renas cen ça aspirava ao perfei to e
aparece claram e nte, pois o arquitc.:to co loc ou no consumado, o q ue a narureza só em rar os casos
frontr10 c.:m arco com s uas pil as tras u rn frontão pode pro duzir. O barr oco age pela aus ência de
trian g ular com colunas que, justamente pda opo - forma, que excita pelo fato de ter de ser prim eiro
sição d,L'>colunas co rn as pil astras, se ap resenta superada .

17. A exposi ção de Alberu não deve nada a Vttru vio , que 13. Comp aré• ,~ a d~s;:-roporção 5riillmc n;,.s pare Je~ <la G~-
definiu a proporrio como "raioc partis mcmbronun in 1m11uopere lcria Fame~": <l.ir-,.:• 1l que :i p:uede não co11Seg,J
e ab50n·cr css:is
tori11.sq11c
commo<lulatio" (De Architecw ra, lib. l ll, l, i ,. pinnir :i.s.

82
A concin niras de Alberti em 1Htima análise em todas as partes . "Certissirnum est naturam rn
é idêntica ao gênio da Katureza criativa 19 , a ar- omnibus sui esse persimilem."
tista suprema 20 • A an:e humana quer apenas se Creio que estamos aqui diant e do que há de
integrar no contexto das criações da natureza e, mais profundo no gênio artístico da Renascença.
com isso, naque la harmonia geral das coisas que Ao mesmo tempo, é bem possível que, a partir
em Alberti enco ntra repetid as vezes uma expres- desse ponto, se apreenda com maior precisão a
são entusiástica. .A natureza é igual a si mesma nature za da transformação cstiHstica barroca.

19. Lib . lX: "Quae si sr:tis cons12J1t, ~wlui!.se sic possumus


pukhriwdinem esse quendam coll5ell5um ct coospirationem par -
tium in eo cujus sunt ad cenum numerum finitionem collocatio -
nemq ue habitam ita ut cor.cinr.i:as hoc et absolwa pr-imariaque
raria nan,rae pos1ulu.ri t'". (Estabelecidos c,.cs pomos, podemo,
afirmar que a beleza é um.a c.;pêcie de acordo e ~ ham10nill das
partes de um todo alcunçando um número, umo lei e uma ordem
Ol:cesswios,e conformes iiUmesmo tempo às exigências da lei e
aos prin:ípios primo rdiais e absolutos da lllltureza.)
20. Oprima arrijeJ:,Lib. lX.

MOVIMENTO 83
Segunda Parte: AS RAZÕES DA TRANSFORMAÇÃO
ESTILÍSTICA
1. Quais são as raízes do estilo barroco?
Diante desse fenõmeoo imponente, que surge
oomo uma força da natureza, irresístível, subme-
tendo tudo a seu jogo, procuramos, admirados,
determinar-lhe as causas e razões. Por que a Re-
nascença tenninou? Por que foi sucedida preci-
samente por esse estilo barroco?
A mudança parece absolutamente necessária:
longe de n6s a idéia de b~ar a origem do estilo
oo arbítrio de um indivíduo que teria encontrado
satisfação em criar algo nunca visto anterior-
mente. Não se trata de arquitetos , isolados, cada
qo!)1 enttegue a experiências particulares, mas de
um estilo cuja característica essencial é a genera-
lidade do sentimento de forma. Vemos nascer o
movimento cm muitos pontos: aqui e ali a forma
antiga se transforma, a mudança repen:ute e, fi-
nalrnente, nada mais poderá resistir à corrente: solo, ela encerra em si mesma suas leis vitais. O
nasce o novo estilo. Por que deveria ser assim? mesmo acontece com o estilo: a necessidade de
Pode- e responder, lembrando a lei do embo- mudar não lhe vem de fora, mas de dentro: o
tamento, que foi, de fato, encontrada com fre- sentimento das formas se esgota segundo suas
qüência. As formas da Renascença perderam seu próprias leis.
atrativo; o que se viu vezes demais não impres-
2. Que se deve dizer sobre esse modo de ver?
siona, o sentimento da forma, enfraquecido, re-
Sua posição de princípio é verdadeira: um estí-
quer um reforço da impressão. A arquitetura sa-
mulo sempre igual, repetido demasiadas . vezes,
tisfaz a esse desejo de reforço, tornando-se b<tl"-
embota o órgão de percepção, isto é, a participa-
roca.
ção no espetáculo que se oferece toma-se cada
A essa teoria do embotamento se opõe outra
vez meno intensa; as formas perdem sua capaci-
que quer ver na história dos e tilo um testemu-
dade de impressionar, porque já não ão sentidas
nho das mudanças que ocorrem na existência
nem vividas; desgastam-se, perdem a força ex-
humana.
pressiva.
Para essa teoria, o estilo é a expressão de uma
Pode-se perfeitamente chamar de "fadiga do
época, ele muda quando muda a sensibilidade. A
sentimento de formas" 1 a essa diminuição da in-
Renascença devia morrer, porque já não reprodu-
tensidade da sensação. Desconfio, no entanto,
zia a pulsação da época, já não exprimia aquilo
que a dnica culpa dessa fadiga se deva à "nitidez
que a preocupava, o que era sentido como essen-
cada vez maior da imagem na memória", como
cial. quer Gõller. Em todo caso, pode- e conceber que
Para o primeiro ponto de vista a evolução das essa obrigue a aumentar a eficácia dos elementos.
formas é completamente independente do con- O que se pode extrair dessa teoria para a ex-
texto histórico. A progressão das formas duras plicação do estilo barroco? Pouco. Ela é falha em
para as macias, das linhas retas para arredonda - dois pontos. Primeiro esse princípio é unilateral.
das é um process_o de natureza totalmente mecâ- Considera o homem, não em toda a sua vitalidade
nica (permitam-me a expressão): as formas cor- e realidade, mas apenas como um ser sensível às
tantes, angulosas como que se amolecem por si formas, que desfruta, se cansa e reclama novos
mesmas nas mãos do artista. O estilo se esvazia estímulos. Contudo, não existe, em nenhuma
ou expira, como queiram. Para explicar tudo, es-
parte da natureza humana, uma ação ou uma pai-
sa teoria recorre, de preferência, à imagem de
xão que não sejam condicionadas por nosso sen-
uma planta que desabrocha e fenece. Assim como
timento geral da vida, por aquilo que somos, por
a flor não pode viver eternamente, pois chega
toda a nossa realidade. Se o barroco por vezes
inexoravelmente o momento em que deve mur-
recorre a meios de expressão de uma força inau -
char, também a Renascença não podia ficar para
sempre igual a si mesma: ela murcha, perde a
forma e é a esse estado que chamamos barroco.
1. GÔLLER, Zur Aesthetik der Arclutecmr, 1887 e Entste•
A morte lenta da planta não se dá por culpa do Jumgder arclutectonischen Stiifomien, J 888.

88
dita, a culpa disso cabe muito menos ao cansaço ferentes razões do "embotamento", como. por
do sentimento de fomJa do que a wn embota- exemplo, o sistema da proporcionalidade, mais
mento geral dos nervos. A arquitetura tinha de difícil de ser apreendido, não constituem a naru-
afirmar com aquela insistência aquilo que tinha a reza do estilo. Por que a arte se torna pesada e
dizer não porque os homens estivessem cansados maciça e não leve e lúdica? É preciso encarar as
das formas de Bramante, mas porque a época, de coisas de outro modo; a teoria do embotamento é
um modo geral, tinha perdido a sensibilidade de- insuficiente.
licada. porque tinha se tomado insensível a estí- O ponto de vista recentemente proposto pelo
mulos mais sutis pelos gozos demasiado refina- profes sor Gõller me parece totalmente insusten-
dos e uma orgia de sentimentos extremos 2 • En- tável. Gõller vê na .. fadiga do sentimento de
tretanto, de que modo o embotamento pode parti- formas" a tlnica "força impulsora à qual deve-
cipar ativamente da constituição do estilo? O que mos todo o progresso desde as fonnas decorati-
é exatamente essa eficácia maior que ele exige vas primitivas dos povos mais antigos" (Aesthe-
dos diversos elementos? Pode-se acentuar o mo- tik der Arclutectur, p. 32). A razão dessa fadiga
vimento do que é móvel, a grandeza do que é estaria em que "a imagem se torna cada vez mais
grande, a esbeltez do que é esbelto, pode-se nítida na memória" (p. 23); "o esforço intelec -
combinar as diferentes partes de modo cada vez tual que despendemos para inscrever na memória
mais artificial - nada realmente novo vai se ori- essa imagem de uma bela forma constitui preci-
ginar disso. O gótico pode criar fonnas cada vez samente a alegria inconsciente atribuída pela al-
mais esguias e agudas, até a expressão mais exa- ma a essa forma" (p. 16); é, pois, evidente, se-
cerbada, ou empregar os sistemas mais complica- gundo essa teoria. que é necessária uma mudança
dos de proporções, as combinações mais artifi- contínua: logo que sabemos de cor as formas,
ciais de formas, nada disso, contudo, abre novas termina todo o encanto.
perspectivas para desenvolver um estilo novo 3 • A tarefa do arquiteto consiste precisamente em
Mas o barroco é algo essencialmente novo, inventar sempre alguma coisa nova no agrupa-
que não se pode deduzir do estilo anterior. As di- mento das massas, na elaboração e combinação
das formas particulares. Mas como se origina um
2. Oõller também me parece incorrer em erro quando afuma sentimento formal genérico, ou seja, um estilo?
que existe uma analogia com uma melodía que, repetida muitas Por que, no fim da Renascença, cada um não
vezes, perde a eficácia. O fato é verdadeiro, mas não se pode
simplesmente equiparar um estilo arquiletõnico a uma melodia, e
tentou criar sua própria solução? Pelo fato de só
sim ape113Sa um estilo musical que, dentro de ua esfera, admire uma solução agradar? Mas, então, por que ela
composições infinitamente diversas. agradou?
3. A õnica solução - que entretanto dificilmente alguém de-
sejaria tentar - estaria em explicar o novo estilo como uma rea- 3. O ponto de vista que deve explicar o novo
ção necessária contra o antigo. Com isso se chegaria a um tipo de sentimento de forma do barroco é o psicológico,
evolução hegeliana na qual o contrário seria o elemenlO molOr.
Mas a hlslória da arte dificilmente se enquadrará nessa constru- que considera o estilo arquitetônico como ex-
ção, e os fatos deveriam submeter-se à mesma violência que so- pressão da sua época. Esse ponto de vista não é
freram quando se pretendeu explicar a história da filosofia pela
relação dos conceitos entre si ao pensamento abstralO. novo, mas nunca foi fundamentado de modo sis-

AS RAZÕES DA TRANSFORMAÇÁO ESTIÚSTICA 89


temático. Sempre encontrou hostilidade da parte diz-se. Para os séculos góticos são o feudalismo,
dos técnicos, aliás, nem sempre sem razão. En- a escolástica, o espiritualismo. Mas qual será o
contra-se muita coisa ridícula oas assim chama- caminho que conduz da cela do filósofo escolás-
das introduções histórico-culturais, que costu- tico ao canteiro de obras do arquiteto? De fato, a
mam preceder a análise dos estilos dos manuais. enumeração de tais potencialidades culturais
Resumem o conte ddo de grandes períodos de contribui muito pouco, ainda que, com louvável
tempo em conceitos muito gerais, destinados a sutileza, se encontrem a posteriori algumas se-
dar uma imagem da vida pública e particular, da melhanças com o estilo da época. Não são os
vida intelectual e sentimental. Se com isso o todo produtos isolados que contam, mas o todo, a at-
adquire um caráter insosso, sentimo-aos total- mosfera básica da época que dá origem a esses
mente perdidos, quando se procuram os fios con- produtos. Essa atmosfera básica, porém, não po-
dutores que devem ligar esses fatos gerais à for- de ser um pensamento definido ou um sistema de
ma estilística em questão. Não se percebem as proposições lógicas, que não caracterizaria uma
relações existentes entre a imaginação do artista atmosfera. O pensamento só pode ser expresso
e as condições da época. O que tem a ver o góti- pela palavra, uma atmosfera também pode ser
co com o feudalismo ou a escolástica? Como expressa por uma estrutura estilística; seja como
passar da doutrina jesuítica ao estilo barroco? for, cada estilo recria uma atmosfera de maneira
Certamente, observá -se em ambos uma tendência mais ou menos precisa. A questão é saber de que
a negli genciar os meios em proveito de um gran- espécie é o poder de expressão das fonnas esti-
de fim, mas essa abordagem será satisfatória? lfsticas.
Poderá ter tido alguma importância para a Nos o ponto de partida é um fato psicológico
imaginação estética que o jesuitismo tenha im- conhecido e fácil de controlar. Julgamos cada
posto sua marca no indivíduo e que o direito dele objeto por analogia com nosso corpo. Ele não só
tenha sido sacrificado à idéia do todo? se transforma imediatamente para nós - mesmo
Antes de enveredar por tais comparações, tratando-se de formas totalmente diferentes de
sempre se deveria perguntar o que é suscetível de nosso corpo - num ser que tem uma cabeça e
receber uma expressão tectônica e o que pode ser pés, frente e costas; não só estamos convencidos
determinante para a imaginação formal 4 • de que não deve se sentir bem quando está atra -
Não cabe iniciar aqui uma di cussão sistemáti- vessado, ameaçando cair, mas também imagina -
ca; bastam algumas obseivações 5• mos e sentimos com incrível acuidade a alegria e
O que determina a imaginação formal do ar- o sofrimento na existência de qualquer configu-
tista? Aquilo que constitui o conteddo da época, ração, de qualquer estrutura por mais estranha
que seja para nós. A vida emperrada de uma
4. Cf. as observações muito acertadas de SPRINGER em Bil- massa compacta, da qual nenhum órgão se desta-
der zur 11euerenKunstgeschichte, uz, 400, ca e que alija, pesada e imóvel, nos é tão com-
5. Dediquei a isso um estudo provisório em minha disserta-
ção: Prolegomena zu einer Psycho/ogi.e der Arclritectur (Muniqu e,
preensível quanto a clareza e a sutileza de uma
1886). forma com articulações delicadas e leves.

90
Em toda a pane tomamos como base uma mais firme expressão de uma vontade. O perfil
existência corporal, semelhante à nossa; inter- do nariz torna-se fino e estreito. Desaparece
pretamos todo o mundo exterior segundo esqu e- qualquer massa, qualquer alastramento tranqüilo;
mas expressivos que conhecemos a partir do nos- o corpo se resume em força. As figuras altas e
so corpo. Transportamos para todos os outros esguias parecem por assim dizer tocar o chão
corpos aquilo que experimentamos em nosso apenas com a ponta dos pés. Em oposição ao gó-
próprio corpo quando ele expressa uma vigorosa tico, a Renascença desenvolve a seguir a expres-
gravidade, um rigoroso autocontrole ou, ao con- são de bem-estar; tudo o que era rígido e crispa-
trário, uma pesada atonia 6 • do se torna livre e descontraído, torna-se vigor
E a arquitetura não teria nenhuma participação tranqüilo do movimento, vigorosa tranqüilidade
nessa animação inconsciente da matéria? do repouso.
Ela tem, ao contrário, uma participação muito É no traje que a atitude e os movimentos me-
importante. E é claro que ela, como arte de mas- lhor se traduzem.
sas corporais, só pode ter relação com o homem Compare-se, por exemplo, o sapato do gótico
enquanto ser corporal. Ela é a expressão de uma com aquele da Renascença. É um sentimento
época, na medida em que, como grande corpo completamente diverso do andar: o primeiro, es-
monumental, faz aparecer a existência corporal treito, pontudo, terminando numa ponta compri -
dos homens, seu porte e andar, sua atitude leve e da; o segundo, largo, cômodo, aderindo ao chão
jovial, sua natureza febril ou calma, onde revela, com segurança tranqüila.
em suma, o sentimento vital de uma. lpoca. E Naturalmente não quero de modo algum negar
como arte a arquitetura elevará e idealizará esse que formas isoladas podem nascer da técnica. A
sentimento vital, procurará propor o que o ho- natureza do material, o mod o de trabalhá-lo, a
mem desejaria ser. construção sempre desempenham algum papel. O
que porém quereria estabelecer - nomeadamente
Naturalmente, um estilo só pode nascer onde contra algumas tendências mais recentes - é que
existe uma intensa necessidade de determinada a técnica não cria jamais um estilo, mas que,
fonna de existência corporal. Em nosso tempo, quando se fala de arte, existe sempre no fundo
esse sentimento fatlta completamente. Em contra- certo sentimento da fonna. As formas produzidas
partida existe, por exemplo, uma atitude gótica: tecnicamente não podem contradizer esse senti -
cada músculo tenso, os movimentos precisos, ní- mento formal, só podendo subsistir quando se
tidos, de uma exatidão exacerbada, nenhuma dis- submetem ao gosto formal preexistente.
plicência, nada de permeável, em toda a parte a Todavia, tampouco creio que o estilo perma -
neça, durante toda sua história, a expressão
igualmente adequada de sua época. Não penso,
6. Cf. LOTZE, Geschiclite der Aestlietik ln Deutscluand, ao dizer isso, no período de formação, em que o
1868, l.c. LOTZE, Microcosmos II3, 198 e ss. R. VlSCHER, Das estilo ainda luta com a expressão, devendo
optisclie FonnengejühJ, 1872. VOLKELT, Der Symbofbegrif/in
du neuuen Aestlietik, 1876. aprender gradualmente a dizer clara e de~rmina-

AS RAZÕES DA TRANSFORMAÇÃO
ESTILÍSTICA 91
34. TIZIANO. A Assunçdo da Virgem. Santa Ma.ria Gloriosa dei 35. RAFAEL. Galatl.la. ViUa Famesina, Roma.
Frari. Veneza.
damente aquilo que quer dizer. refiro-me antes pos maciços, grandes, de movimentos embaraça-
àqueles períodos nos quais um sistema formal dos, com mllsculos salientes e trajes farfalhantes
constituído passa de uma geração para outra, em (o tipo hercúleo).
que a relação interna desaparece , em que o estilo Desapareceram a leve~za e a elasticidade ale-
congelado, que se continua a usar sem compre- gres, Tudo se torna pesado, apoiando-se mais no
ençl_er, torna-se cada vez mais um esquema sem chão. A posição deitada transforma-se num tor-
vida. Nesse caso, deve-se observar em outra por imóvel, sem qualquer tensão.
parte a expressão viva do sentimento popular; Enquanto a Renascença tinha um sentimento
não na arquitetura de formas grandes e confusas, total do corpo, conservando continuamente pre -
mas nas artes decorati _vas menores. sente seu contornos em roupas muito justas, o
Ali o sentimento da fomia encontra uma satis- barroco se envolve voluptuosamente em massas
fação imediata e sem empecilhos, e é a partir dele sem aberturas. Sente-se mais a matéria do que a
que se dá a renovação: é ao nível da decoração estrutura interna e a articulação. A carne é de
que sempre aparecem os novos estilos 7 • pouca consistência, macia, sem a musculatura
4. Explicar um estilo é integrá-lo na história nervosa da Renascenç a.
geral da época, segundo seu modo de expressão, Os membros não são livres, as articulações
é mostrar que em sua linguagem ele apenas ex- não se movem com liberdade, tudo fica preso na
pressa o mesmo que as outras manifestações da massa ; a fonna permanece compacta.
época. Aplicando esse método ao barroco, não Isso porém é apenas um aspecto : a esse efeito
vou partir de um esboço geral da história da cul- de massa se junta em toda parte um movimento
rura da Renascença decadente, mas restringir-me impetuoso e violentamente exacerbado. A arte
ao mais próximo e ao que se oferece, imediata- dedica-s e tão-somente a representar coisas em
mente, à comparação: à configuração corporal e à movimento.
atitude corporal nas artes plásticas, não se tratan- Nesse movimento pode-se observar uma pre-
do naturalmente de motivos isolados mas da ati- cipitação crescente, uma aceleração da ação.
tude geral. Se com isso o estilo pode ser caracte- Compare-se, por exemplo, a representação das
rizado completamente, é outra questão, que, por ascensões ao céu. Em Tiziano a figw-a é suave -
ora, deixo de lado. Mas a importância de princí- mente elevada, em Correggio ela já toma como
pio dessa redução das formas estilísticas ao corpo que impulso, em Agostino Carracci seu impulso
humano funda-se em que aqui temos a expressão para os céus tem algo de fulgurante (Fig. 34).
imediata de um estado de espírito. O ideal não é mais o apaziguamento do ser,
O ideal corporal do barroco romano pode ser mas um estado de excitação. Em toda a parte se
descrito mais ou menos assim: as formas esbeltas exige um comportamento apaixonado ; o que an-
e livres da Renascença são substituídas por cor- tes era a manifestação simples e leve de uma na-
tureza vitalmente vigorosa deve agora intervir
7. MEINE, P.ricologio. da Arquitetura, p. 50. Cf. G. SEM- num esforço apaixonado. As pessoas não se
PER, Sril U, 5. mantêm serenamente de pé, mas se erguem num

AS RAZÕES DA TRANSFORMAÇÃO ESTILÍSTICA 93


impulso patético e parece que esse empinar-se fu- vimento é roais vivo, mais carregado de emoção,
rioso nasce de uma energia enorme para resistir mas o corpo - como está longe daquela leveza da
ao desabamento. atitude de Galatéia de Rafael! - é mais maciço,
Como é característica a transformação dos encostando-se impotente, entregando-se sem
"escravos" da Capela Síxtina de Michelangelo vontade à atração da gravidade 8 (Fig. 35).
nas figuras correspondentes da Galeria Famese Quando no próprio corpo o peso não se mani -
pelos Carracci! Que agitação, que distorções! festa suficientemente, o barroco usa massas im-
Todos os movimentos voluntários se tornam mais ponentes de roupas para insistir no contraste en-
penosos, mais difíceis, exigindo um extraordiná- tre o movimento irrequieto e a queda surda.
rio dispêndio de energia. Tudo o que dissemos sobre a evolução do
Além disso, os membros não agem de modo sentimento do corpo em Roma, após a Renascen -
autônomo e livre, mas em parte arrastam o resto ça9, pode ser dito a propósito da criação das no-
do corpo no movimento. vas formas arquitetônicas: o efeito de massa, o
A emoção exacer!Jada até o êxtase e o arroubo peso opressor, a incapacidade de se recompor, a
não pode ser expressa uniformemente em todo o falta de flexibilidade e de regularidade formal, o
corpo: a emoção irrompe com violência desmedi- reforço do movimento, a ação sempre mais ator-
da em certas partes do cmpo, enquanto o resto do mentada, a agitação apaixonada; em ambos os
corpo continua submetido apenas ao peso. casos, temos os mesmos sintomas.
Mas o consumo enorme de energia não indica E esse paralelismo reaparece na evolução,
absolutamente uma corporalidade mais vigorosa quando a pressão diminui e, em meados do sé-
em geral. Pelo contrário. A ação dos órgãos mo- culo X VII, a arquitetura se volta para uma maior
tores é deficiente, o domínio do corpo pelo espí- leveza. Mas este é outro problema.
rito é incompleto.
5. Naturalmente, os começos dessa arte en-
Os dois elementos, corpo e vontade, como que
contram-se em Michelaoge,lo, na medida em que
se separaram. É como se esses homens não tives-
se pode fazer depender de um s6 homem o desti-
sem mais o domínio do corpo, não pudessem
no mundial da arte. Diz-se que Michelangelo é o
mais impor-lhe sua vontade: não se sabe mais
pai do barroco, e com razão, mas não por causa
animar nem modelar o corpo.
das "fantasias arbitrárias", que ele se permitia
Estados de dissolução, de fusão, de entrega in-
em sua arquitetura - o arbitrário jamais pode ser
formal acompanhada do movimento violento de
um princípio de estilo - e sim por causa do seu
diversas partes do corpo tomwn-se cada vez mais
modo vigoroso de tratar os corpos, por causa da
os ideais exclusivos da arte.
Para se ter um exemplo, compare-se a Gala-
8. Note-se ainda que, a partir do mesmo motivo, Rafael con-
téia, pintada por Rafael na Farnesina e por cebe um qW1drovertical e Carracci, um qW1drohorizontal.
Agostino Carracci no Palazzo Farnese. O exem- 9. A emoção permance por muito tempo esuanha aos flo-
plo escolhido é modesto, mas suficiente para de- rentinos, que se mantêm puros, s61idos, fiéis às regras; cm Vene-
za predominam a serenidade e o praz.cr; os lombardos têm pre-
signar o que é característico. Em Carracci o mo- dileção pelo delicado e gracioso.

94
terrível seriedade que s6 podia eocootrar sua ex- Em relação a essas assim chamadas figuras
pressão na ausência de forma. Os contemporâ- alegóricas, não se deve atribuir demasiada im-
neos chamavam a isso o terribile. portância oem à própria alegoria, oem ao lugar
Vou repetir algumas observações de A. Sprin- onde se encontram. Estas representações da
ger a propósito do estilo das obras tardias de Mi- Noite e do Dia, da Tarde e da Manhã, que ali
chelangelo, nas quais se observa uma individua- vemos deitadas, gemendo surdamente, lutando
lidade cada vez mais pronunciada: para emergir do sono, os membros retraídos de
As personagens de Michelangelo empregam uma força muito modo crispado ou pendendo sem vida, são revol-
maior do que a que se encontra na naroreza e, enquanto na Anti - vidas por uma inquietação e insatisfação profun -
guidade todas as ações aparecem como exterioriz.aç.ão de perso- das, um sentimento recorrente em Micbelangelo,
nalidades livres, podendo a todo momento ser contidas, os ho-
mens e as mulheres de Mid:telangelo aparecem como seres inca- nas poesias como nas figuras 12 , e que por vezes
pazes de resistência, criações de um seDtimeoto interior que não estaria tentado a chamar de Weltschmerz, se a
vivi.fica de modo harmonioso e regular os diferentes membros,
atribuindo, pelo contrãrio, a uns toda a plenicude da expressão e palavra já não estivesse tão desgastada.
corúcriodo a outros um tratamento pesado e sem vida 1°. Parece um milagre -que Michelangelo pudesse
"Ele anima de modo desigual suas criações." encerrar seus estados anfrnicos numa forma plás -
"Força sobre-humana de certas partes do corpo, tica 13, mas talvez seja ainda mais admirável que
peso opressor de outras." Desenho maciço e em tenha sido capaz de fazer a arquitetura servir à
parte hercllleo dos corpos. A impressão de in- expressão de pensamentos análogos. Suas cons-
quietação é reforçada pela oposição desabrida truções em toda a parte têm um caráter extrema-
das panes do corpo que correspondem umas às mente pessoal, mais que em qualquer outro ar-
outras (contraposto). Uma emoção violenta trans- tista Reproduzem o sentimento individual com
forma as personagens, mas o movimento é blo- uma agudeza e força jamais alcançados pela ar-
queado: ele s6 irrompe em pontos particulares quitetura e por ninguém depois dele.
através da massa compacta, mas então com muito 7. Michelangelo nunca realizou uma existên -
mais paixão e impetuosidade. Várias dessas figu- cia feliz: já por isso não pertence à Renascença.
ras, diz J. Burckhardt, dão à primeira vista, não a A época pós-renascentista caracteriza-se funda-
impressão de humanidade depurada, mas a de mentalmente pela gravidade.
uma monstruosidade abrandada 11 • Essa gravidade se impõe em todas as esferas 14 :
6. As figuras do túmulo dos Mediei marcam o
12. As figuras do túmulo dos Mediei preparadas e em paro::
ponto culminante dessa arte. São também a mais mesmo antecipadas nos nus dos Jistéis da Capela Sixtina. Cf.
clara expressão de um estado anCmico que essa principalmente o Crepúsculo com a figura à esquerda com: a Si-
bila de Cuma e Isaías. Tambl!m os escravos do L-Ouvrereprodu-
arte tinha a missão de traduzir (Figs. 36--39). z.em a mesma atmosfera. Enfim, a "segunda intenção" de Mi-
chclangclo era a prostração de um corpo completamente sem
10. Rajfael und Michelangela, II\ 247. Cf. também os arti- forma, o estado de abulia total (Pietà na Catedral de florença e
gos de HENKE: Die Men.schen Miche/angeúls im Verhãltnis zur Pietà no Palazzo Rondanini em Roma).
ArlJik4 e - sobre a Capela Sixtina - o Jahrbuch riu preu.ssischen 13. SPRINGER, l.c., II, 262.
Kurm, vol. VII. 14. Ver, quanto à transformação espiritual, a exposição de
11. CicerOM, ll 4 , 434. RANKE, Pãbste 1, 318 e ss.

AS RAZÕES DA TRANSFORMAÇÃO ESTILÍSTICA 95


36-39. MlCHELANOELu. tsasllica de San Lorenzo. Capela dos
Mediei. Figuras tumbais.
a religião conduz a um retorno sobre si mesmo, o (molto . . . , molto .. . , e invan ... e invano ..• ), a
mundo ecular se opêíe ao eclesiástico e sagrado, con trução afetada da frase, o ritmo lento do to-
a ingê nua alegria de viver desaparece. Tas so es- do .
colhe para sua epopéia cristã um herói cansado Não somente a expressão, mas também a vis ão
deste mundo 15 ; nas rela ções sociais, prt:valece se dilata, as imagens se tornam mais amplas.
um tom comed ido e contido, e a grac ios ida de le- Quão signifi cativa é, por exemplo, a transforma-
ve e desinibida da Renascen ça é substituída pela ção feita por Tas so no tipo da musa. Ele o eleva
gravidacte e dignidade; em vez da sereni dade aos espaços celes tes infinitos e, em vez da coroa
suave e despreocupada, ostenta- e uma magnifi - de louros, dá -lhe "uma coroa dourada de estrelas
cência pomposa e imponente ; em toda a parte eternas" 17•
exige -se uma grandiosidade imponente. Não se regateia o atributo gran; em toda a
8. É interessa nte observar o novo estilo na parte se quer susci tar no leitor imagens grandio-
poesia. A diversidade da lin guagem em Ariosto e sas .
Tasso ex prime perfeitamente a mudança de at- Um pouco antes encontramos a mesma ten-
mosfera 16. Basta comparar o início de Orlando dên cia num exemplo extraordinariamente inte res-
Furioso (1516) ao da Jerusa lém Libertada sante, na modificação introdu zida por Berni ao
(1580). Orlando innamorato de Bojarda em meados do
Observem-se em Ariosto a simplicidade e vi- século XVI, cerca de cinqüenta ano depois da
gor com que inicia seu poema: publica ção do original 16 •
Onde Bojarda escrevera: "Angélica é a estrela
Le donne, i cavalier', l' annc, gli amori, da manhã, o lírio do vergel, a ro a do canteiro",
Le conesie, l'audaci imprese io canto,
Chc furo ai tempo, che passara i Mori Bemi muda: "A ngélica é a estrela que brilha no
D' Africa il mare, e in Francia nocquer tanto ... etc. Oriente, na verdade, o sol". A imagem se tornou
maior, mais homogênea, mais inebriante. Bojarda
Em contrapartida, que mudan ça em Tasso ! procu ra demais o particular, ainda ama a multi-
plicidade variegada dos início s da Renascença, a
Canto l' armi pietose, e il Capitano
Chc iJ gran sepolcro liberà di Cristo: div ersidade no acúmulo de detalhes. A época
Moita egli oprà col senno e con la mano; subseqüente tem a nostalgia do amplo, do gran -
Molto soffrl nel glorioso acquisto:
E i.nvan I' Inferno alui s'oppose, e invano de.
S'armà d' Asia e di Libia il popolo misto;
Che il Ciel gli díe favore.

Notem-se em toda parte os adjt::tivos de refor- 17. "O lvlusa, tu che di caduchl allori,
Non circondi la fronte in Elicona,
ço, as tenninações sonoras, as pesadas repetiçêíes Ma su nel Cielo infra i beati cori
Haidi stelle immortali aurea corona" (Cantol , 2)
18. Cf. L. v. RAN KE, Zur Geschichre der iralienischen Poe-
15. Jerusalém Uberiada l, 9. sie (Abh.andlungen der Aka.demie der Wissenschaften zu Berliu,
16. O " marinism o" não tem nada em comum com o pri- 1835). Deste foi tirado o exemplo seguinte. O poema de Bojarda
meiro período do barroco. apareceu em !494, a versão modificada, cm 1541.

98
Em suma, pode-se dizer: enquanto a Renas- ambiente prejudica a sutileza do sentimento que
cença se absorvia com amor em cada pormenor, se tem do corpo, de outro lado essa procura do
interessando-se pela sua existência individual, de ambiente impele a arquitetura para urna competi-
tal modo que a arte não podia cansar-se nem da ção desigual com a pintura, cujos processos se
diversidade nem da expressão Cntima do detalhe, prestam à expressão de um ambiente. Precisa-
na época barroca, ao contrário, recua-se mais, já mente por isso a pintura se tornou a arte especifi-
não se quer o grande nos pormenores, mas tam- camente moderna. Ela é a arte na qual os moder-
bém uma impressão de conjunto: menos percep- nos podem exprimir-se do modo mais completo e
ção concreta, mais atmosfera. mais imediato.
9. É evidente que ultrapassamos o ponto a E contudo a arquitetura oferecia ao gênio bar-
que a análise da concepção barroca sobre o corpo roco um meio de expressão insubstituível. Ela
podia nos levar. E precisamente o fato de que o possuía algo absolutamente t1nico: era capaz de
barroco não pode ser reduzido puramente a moti- dar a impressão do sublime. Aqui tocamos o
vos corporais é uma característica essencial desse âmago do barroco. Ele só pode se manifestar
estilo. Não se tem nenhum senso do valor e da através do grande. A arquitetura religiosa é o lu-
importância individual da forma ., mas apenas para gar onde encontra total satisfaç .ão, onde pode
o efeito mais difuso do conjunto; o individual e fundir-se no infinito, dissolver-se no sentimento
limitado - a fonna plástica - deixa de ser signifi- do poder supremo e no sentimento do inconcebí-
C!ltiva, compõe-se segundo efeitos de massa; os vel; disso advém a ênfase do período pós-clássi-
elementos mais indeterminados, a luz e a sombra, co. Renunciando a tudo o que se pode apreender,
tomam-se os meios propriamente ditos da expres- aspira tão-somente ao grandioso 19 •
são. Em outras palavras, ao barroco falta aquela A arquitetura barroca e principalmente aqueles
intimidade maravilhosa com a obra de arte pro- espaços enormes das igrejas produzem no espí-
porcionada pela faculdade de sentir cada forma e rito uma espécie de embriaguez. É uma sensação
que se encontra na Renascença; a sensibilidade global, vaga; não se pode apreen .der o objeto,
não perpassa mais o corpo arquitetônico, que sente-se o desejo de abandonar-se ao infinito.
motivava na sua função, mas a simpatia em rela- A religiosidade, reanimada pelos jesuítas, uti-
ção a cada elemento se restringe à imagem (pic- liza de preferência a representação dos espaços
tórica) do todo. O efeito de luz adquire significa- celestes infinitos e dos incontáveis coros de san-
ção maior do que a fQ!Jllª· tos para dispor ao recolhimento 20 • Deleita-se com
Donde vem esta diminuição da capacidade pa- a representação do que escapa a qualquer repre-
ra sentir a forma? Abstenho-me de esclarecer es-
se fenômeno. Parece depender de diversos fato-
19. "A bcle:z.aestá reservada a uma geração que conhece a
res; um dos principais poderia ser o crescente felicidade, mas ~ pelo sublime que se deve procurar comover
interesse pela "ambientação" na acepção moder- aquele que não a conhece." SCHILLER a SÜYERN. Cf.
SPRINGER, Rajftul und Michefang~lo.prefácio à dltima edição.
na da expressão. Com isso o bom estilo estava 20. IGNATII LOYOLAE, Exerciriaspiritualia, 1546, Prae-
duplamente ameaçado. De um lado o cuJto do lud.ium.

AS RAZÕESDA TRANSFORMAÇÃOESTILÍSTICA 99
41. BERNlNl. O Êxtase de Santa Tereu1. Santa Maria da Vitória.
40. RAFAEL. O Êxrase de Santa Cecfiia. Detalhe. Bologna.
Roma.
seotação; arde--se de desejo de atirar-se aos abis- 10. Nesse aspecto, é inegável o parentesco de
mos do infinito. Mas o arrebatamento não é pró- nossa época com o barroco italiano. Ao menos
prio apenas da espiritualidade jesuítica: sem in- em algumas de suas manifestações. São as mes-
sistir no fato de que, na mesma época, Giordano mas emoções a que recorre Richard Wagner. "A-
Bruno esgotava a voltlpia desses sentimentos - fogar-se - submergir - inconsciente - alegria su-
dissolver-se no todo é para ele a suprema felici- prema!" Seu estilo coincide inteiramente com a
dade21, apenas quero observar que os jesuítas expressão do barroco e não é por acaso que ele
retomam uma realidade preparada fazia muito evoca precisamente Palestrina 23 , cuja mdsica é
tempo. Encontramo s urna intensificação do sen- contemporânea da arquitetura barroca.
timento nessa diteção (patológica) já nos últimos Não se costuma designar a arte de Palestrina
anos de Rafael. Santa Cecfila que deixa cair os como barroca; contudo, uma análise comparativa
braços e que, subjugada pela mdsica celeste, er- dos estilos mostra esse parentesco; mas no mo-
gue em silêncio o olhar, não para olhar, mas para mento em que se inicia a decadência de uma des-
se abrir aos sons, marca o começo de uma série sas artes, a outra mal começa a tomar consciência
de quadros que reproduzem o mesmo estado aní- de si mesma. O que se censura, e é sentido como
mico, mais violento, mais apaixonado, como um inadequado na arquitetura, pode parecer perfei-
naufrágio voluptuoso, como um êxtase arrebata- tamente acertado na música, porque é de sua
do ou uma entrega cheia de nostalgia e de uma própria natureza a expressão de estados de espí-
felicidade supraterrena (Fig . 41). rito informais. É precisamente essa regressão da
A aspiração da alma de perder-se no infinito frase rítmica uniforme, da construção rigorosa-
não pode encontrar satisfação na forma limitada, mente sistemática e da articulação clara e orde-
no espetáculo simples que se pode abarcar com o nada que pode parecer conveniente e até necessá-
olhar. O olho semicerrado já não é receptivo ao rio na música à expressão do estado anfrnico; a
encanto da linha bela, desejam-se efeitos mais di- arquitetura vai mais longe e ultrapassa seus limi-
fusos: a grandeza esmagadora, a extensão infinita tes naturais. E assim o ºelemento vital" da mdsi-
do espaço, o fascínio inapreensível da luz, são ca de Palestrina, o que se designou 24 como "la-
estes os ideais da nova arte. tência do ritmo" (Ambros), como a introdução de
C. Justi caracteriza Piranesi2 2 como wna "na- algo "arrítmico" (Seidl) na arte, é saudado como
tureza moderna em sua paixão": o infinito~ o progresso; para a arquitetura, porém, significa a
mistério do sublime - do espaço e da força - é dissolução.
este seu domínio. Nada mais significativo que A arquitetura em seu apogeu se define pelo
tais expressões. sentimento geral e poderoso da felicidade produ-
zida pela forma clara, precisa e limitada. A Re-

21. "Amai uma mulher se quiserdes, Dl3.S não vos esqueçais 23. RICHARD WAGNBR,Sãmmtliche Werke, IX, 98 ess,
de vcn.erar o infinito," 24. A. SEIDL, Vom Musikalisch-Erhabenen, disseraçio de
22. C. JUSTI, Win.l<únann,J, 254. Leipzig, 1887, p. 126. AMBROS, Mu.sikge..schichte, IV, 57.

AS RAZÕES DA TRANSFORMAÇÃO ESTILÍSTICA 101


nascença possuíra tal sentimento. A beleza su- O período clássico da Renascença tem a mes-
prema, a concinnitas, segundo Alberti, é animi ma sensibilidade que a Antiguidade clássica. E
rationisque consors," ela é o estado de perfeição, para enfatizar com toda a energia a oposição
o objetivo que a natureza procura em todas as histórica ao barroco não conheço nada melhor do
suas criações 25 • Onde quer que encontremos a que repetir o que Justi cita como característico do
perfeição, sentimos imediatamente sua presença, sentimento artístico de Winckelmann, considera-
pois faz parte de nossa natureza buscá-la: natura d(? uma natureza clássica 26 : medida e fonna, sim-
enim optima concupiscimus et optimi.s cum vo- plicidade e nobrern de linha, serenidade da alma
luptate adhaeremus. e emoção suave, eram estas as grandes palavras
A perfeição é o meio exato entre o de mais e o do seu evangelho da arte. Água de clareza cris-
de menos. A arte informal não conhece limitação, talina era seu símbolo predileto. Basta opor a ca-
nenhuma expressão que seja esgotamento e con- da um desses conceitos seu contrário para se ca-
clusão. racterizar a naturern do novo estilo.

25~ Lib. IX; "Quidquid enim in medium proferat oatun, id


omne ex concinnitatis lege moderatur, negue studlum est majus
ullum Dlllurae quam ut quae produxerit aQ$OÚ4te perfecta sint."
(Tudo o que a natureza produz é determinado pela lei da harmo-
nia (concinnitas),não tendo a _na.turem empenho algum maior do
que fazer que iodas as suasobras sejam absolutamente perfeitas.) 26. JUSTI, op. cil., II, 364.

102
Terceira Parte: A EVOLUÇÃ O DOS TIPOS
1. A ARQUITETURA RELIGJOSA

1. Construção cenlral e construção longitudi-


nal. A construção central com cdpula era o ideal
da Renascença. Foi nessa forma que a época en-
controu sua expressão mais perfeita, foi para ela
que se inclinou com todas as suas forças 1 • O
princípio da construção central, cm oposição a
qualquer construção longitudinal, é a unidade
perfeita e a homogeneidade. O exterior e o inte-
rior se correspondem absolutamente, todos os la-
dos devem ter o mesmo aspecto, por fora e por
dentro, cada linha parece determinada a partir do
centro por uma força que· equilibra tudo. E preci-
samente nisso está o caráter de estabilidade e re-
pouso, próprio de edifícios dessa esp6cie. Os
braços da cruz estão em perfeito equilíbrio, em

I. BURCKHARDT, &nai.1.-sanu
illllalim, p. 99.
nenhuma parte há inquietação ou movimento; A igreja longitudinal com cllpula intensifica essa
a luz se irradia da clipula para todas as partes de impressão ao máximo: quem entra é arrastado pa-
modo homogê neo ; em toda a parte temos o ser ra a frente como que por uma força mágica, ao
pronto, perfeito. encontro da luz que cai em ondas da cúpula. A
A arte não se restringiu a esse ideal . No Gesü, própria cllpula só se toma cd pula quando vamos
Vignola criou um novo tipo: a nave longa ; e esta para a frente; ela cresce diante dos nossos olhos,
passou a determinar não s6 as novas construções e é precisamente essa atração pelo devir que cor-
da época seguinte, mas até em São Pedro foi pre- responde ao espírito da arte barroca.
ciso conformar-se a ela . Por mais vantagens que O que opõe o barroco ao movimento longitu-
possam ser apontadas na nave para os serviços dinal do g6tico é que ele faz colaborar duas for-
religiosos, esse ponto de vista não foi decisivo ças: a nave longa que termina na abside, e a cú -
para o barroco; a Renascença nem por isso re- pula que absor ve tudo em si. A primeira é tão
nunciara à construção central. curta , que a cllpula não aparece como simples
Sem dúvida deve-se recorrer a razões estéticas apêndice, mas faz sentir em toda parte sua força
para explicar essa escolha. Num caso específico centralizadora.
temos a prova da influência desses fatores: em A nave longa recebe urna extensão igual a
Veneza, quando da construção do Redentor , sur- dois diâmetros da clipula. Acresce que ela é
giu a indecisão entre a forma central ou longitu - construída como um espaço homogêneo, com
dinal, foi deci sivo o apelo para a beleza do Ge - simples capelas laterai s, de modo que a cllpula
su2. Contudo, eu não tiraria disso nenhuma con - pode corresponder a toda a largura (ver mais
clusão se não se pudesse mostrar a mesma trans- adiante). O modelo típic o é o Gesu de Vignola
formação em toda parte onde o olhar repousa: na ( 1568 ) (Fig. 44 ).
decoração encontra-se em toda a parte a transição Pode-se ver um sinal dessa transformação no
do redondo para o oval, do quadrado para o fato de o próprio Bramante ter elaborado um
oblongo etc . Em termos psicológicos, abandona - projeto de nave longa para São Pedro (segundo o
se o sentime nto de satisfação e paz em proveito testemunho de Onophrius Panvinius, De Basifica
do movimento e do devir. Não se quer o que está Vaticana). Teria sido voluntariamente? _Lembre-
acabado, mas o estúnulo da tensão. A disposição mos, a propósito, o corte de Geymüller (Ilustr .
central se dá de uma vez, total e completamente, 25, Fig . 3). Também Rafael 3 e Antonio da San-
apresenta-se como algo absolutamente perfeito gallo projetaram uma nave longa. Certamente ti-
que não deseja nada mais, alegrando-se apenas veram muita influência os dltimos pronuncia-
com uma existência serena. A forma longitudinal,
pelo contrário, tem uma direção determinada, pa-
recendo mover-se continuamente nessa direção. 3. Segundo a crítica de Antonio da Sangallo, ela teria sido
muito escura. "D ett.a nave sarà iscburissima." (VASARI, Com-
mentario, V, 477 .) Deve-se supor que Rafael contava com o
efeito pictórico do contraste entre a oave esclllll e a c11pulaclara.
2. DOHME, Norditalienische Centralbauten (Jahrb. der k. Pode-se compará-la com a arquitetura pictórica e obscura de
preuss. Kunstsammluogco V), Heliodoro.

106
42. CARLO RAINALDI. Igreja de Santa Maria in Capitelli. Ro- 43. GIACOMO DELLA PORTA. Igreja de Santa Catarina de
ma. Funari. Roma.
mentos de Michelangelo a favor da nave longa: por pilastras de modo a obter embaixo cinco e no
San Giovann de' Fiorentini e Santa Maria degli alto três lucaoários; quando as dimensões são
Angeli. O fato decisivo foi a transfonnação de mais reduzidas, temos três e um. O lucanário
São Pedro. Para igrejas menores o espaço oval central é um pouco mais largo, com porta e ja-
substitui o redondo. O primeiro (?) projeto en- nela acima; as outras superfícies são preenchidas
contra-se em Sedio, liv. V, fol. 204. A fonna não por nichos e reentrâncias retangulares.
é freqüente; podemos citar, porém, em Roma, S. Esse tipo se encontra em pureza quase esque-
Aodrea (Vigoola), onde uma cllpula oval recobre mática na fachada de S. Spi.rito della Sassia 4
um espaço oblongo (1552), S. Giacomo degli ln- (Fig. 45). Ela ainda não é barroca, mas contém
curabili (Francesco da Volterra), Santa Andrea todos os elementos que o novo estilo em breve
(Bernini), S. Cario alle quattro Fontane (Borro- vai modelar e agrupar.
mini) etc. Construções centrais puras voltam a Quando as dimensões aumentam, a divi são por
aparecer apenas no segundo período do barroco, simples pilastras parecerá insuficiente, aparecen-
que tem outro sentimento vital. O Norte da Itália do pilastras geminadas, flanqueadas dos dois la-
pelo contrário nunca renunciou a elas; do mesmo dos por meias pilastras, enquanto surge a forma
modo que conservou, nas artes plásticas, a repre- da dupla pilastra em feixe.
sentação da vida e também na arquitetura nunca A coluna nunca desaparece inteiramente, mas
aban_donou inteiramente as fonnas do ser. apenas no século X Vil recomeça a reviver mais
2. Organização da fachada. A construção intensamente, não ficando limitada ao lucanário
central pode dispensar a fachada, a construção do portal. mas ganhando toda a fachada. Deve
longitudinal necessita dela incondicionalmente. porém esperar muito tempo até receber nova-
Sob as mãos dos arquitetos do barroco ela setor- mente um desenho livre. A princípio, permanece
na um espetáculo da maior magnificência, que dentro do muro pela metade ou ao menos por
precede o corpo da igreja, sem nenhuma relação uma quarta parte. S. Maria in Campitelli (de
orgânica com o interior. Mesmo as perspectivas Carla Rainaldi, 1665) (Fig. 42) é um dos primeiros
laterais são completamente negligenciadas. exemplos em que aparece inteiramente libertada. A
Em oposição à Renascença, que tentara uma llnica diferença é que agora se apóia a uma pi-
multidão infinita de construções (a maior parte lastra. Quanto à ordem das pilastras que dividem
não passou do projeto), o barroco mostra une- a parede, inicialmente era a mesma no andar su-
diatamente um tipo preciso de fachada, que se perior e inferior, mas em breve a variação setor-
desenvolve muito claramente. A fachada ~m dois
andares, um inferior, na altura das capelas, e um 4. Geralmente Antonio da Sangallo é cons.iderado como o
superior menos largo, correspondente à nave autor. G. Milanesi quer alribu!-la a B. Peruzz i (VASARI, IV, 604,
n. 3), erroneamente, ao que parece. Em todo o caso, o interior é
central, mas que, muitas vezes, ultrapassa-o em de Sangallo, mas ele não conclui pessoalmente a construção.
altura e é coroado por um frontão, ao qual se Apenas sob Sixto V a fachada foi terminada por Ottaviano Mas-
cherino (BA GLIONI, Vile, p. 94). A comparaçã .o com suas ou-
apóiam Jateralmente volutas. (0 andar de cima da tras obras faz presumir que em iodas as panes essenciais ele se-
mesma largura é exceção.) A parede é dividida guiu o desenho de Sangallo.

108
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44. GIACOMO l)ELLA PQRT A. li Gesõ. Planta . Roma. 45. E guema da fachada dn Igreja do S. Spirito.
na regra. Geralmente, é uma ordem compósita rior, mais livre, enquanto embaixo seu lugar é
que sucede à coríntia (mais raramente d6rica). ocupado por janelas de arquitetura retangular
Do mesmo modo que na Baixa Antiguidade o ca- (ver a fachada do Gesil segundo o projeto de
pitel com folhas, que apresenta movimento, era o Vignola e de Giacomo della Porta) (Figs. 48, 49).
preferido. O que é novo é o desenho maciço das Em todo o caso, o nicho é doravante englobado
folhas: utiliza-se não a folha denteada do acanto, numa composição com frontão, aparecendo uma
mas uma fonna arredondada 5• Desde Antonio da das concepções fundamentais do barroco: projetar
Sangallo é esta a forma constante; · encontra-se toda a força da decoração para o alto. O frontão
também nas Regola de Vignola. O friso e a ar- não é sustentado por meias-coroas ou pilastras,
quitrave permanecem sem ornamento, mas na or- mas, bem proeminente e ricamente ornamentada,
dem inferior o friso geralmente apresenta uma repousa sobre opulentos consolos, terminados em
inscrição (a dedicat6ria) que, mais tarde, quando simples caneluras ou ranhuras. A base do frontão
as saliências se tomam mais freqüentes, passam a quase sempre é interrompida, para evitar a linha
aparecer, sem nenhum escrúpulo (por exemplo, horizontal contínua, da mesma maneira que o pi-
em S. Ignazio, 1636; S. Ambrogio e Cario etc.). lar se torna menos pesado por consoles verticais
De capitel a capitel se estende uma guirlanda ao prolongamento das ranhuras laterais. Uma le-
ou então o espaço é preenchido por um cartucho. ve guirlanda completa a fachada. O próprio ni-
A delimitação de uma zona própria dos capitéis cho, porém, não deve dar a impressão de um es-
foi aplicada desde cedo na Renascença. O motivo paço vazio; para o barroco ele é inconcebível
foi encontrado nos arcos de triunfo romanos. sem estátuas, e as figuras apaixonadamente mo-
Prim.eiro, há apenas uma moldura sem enchi- vimentadas desse estilo, unidas ao luxuriante en-
mento; depois enchimento com guirlanda ou quadramento arquitetônico, como acabamos de
cartucho, com formas sempre mais opulentas, de descrever, constituem um conjunto de movimen-
modo que finalmente não resta nenhum espaço tação magnífica (Fig. 51).
livre, O tratamento dado ao andar inferior e supe- Os painéis, que podem valer como esboços de
rior é diferente, do mesmo modo que dos lucaná- relevos, como Michelangelo os tinha projetado
rios internos e externos. Voltaremos a isso mais primeiro para ·s. Lorenzo (Florença), percorrem,
adiante (Fig. 43). de acordo com sua escala, o mesmo desenvolvi-
Os lucanários recebem inicialmente nichos en- mento: também eles recebem frontões com forte
curvados (vazios), e acima e abaixo deles reen- saliência, ornamentações leves na base e um en-
trâncias retangulares (ou painéis salientes). Já chimento profuso.
nos anos 70, porém, quando o estilo se torna ab-
O portal, originariamente simples e absoluta-
solutamente sério, evitam-se os nichos redondos
mente subordinado, torna-se aos _poucos a parte
ou ao menos são reservados para o andar supe-
principal da fachada por meio de várias colunas
salientes. O lucanário do portal recebe seu pr6-
5. A arquitetura romana antiga já iniciara uma transforma-
ção do capitel grego no mesmo sentido. Escolheu o acanthus
prio frontão, e at.é um frontão duplo (o froot.ão
ma/Ji.sem vez do acanthus spino.ra. em arco e o triangular embutido).

110
Do mesmo modo, a janela no andar superior della Porta (Gesu) propôs uma forma intermediá-
recebe uma significação maior na composição: de ria; a voluta é pesada mas cheia de vida; a espiral
um círculo sem ornamentação se transforma em descendente é bastante acentuada, conforme a
janela de ostentação, na qual a arquitetura dos gravidade do estilo. Maderna finalmente deu à li-
nichos chega ao seu auge. nha o caráter de esforço apaixonado (S. Susana).
As volutas por muito tempo mostraram uma No barroco posterior a voluta perde o caráter pe-
fonna vacilante: as primeiras, desenhadas por L. sado e geralmente é tratada como contraforte ar-
B. Alberti para a Santa Maria Novella e orna- queado. É o que se observa nas construções cita-
mentadas com uma incrustação sem vida. não fi- das de M. Longhi o Jovem, em S. Marcello de
zeram escola. Também as volutas da Catedral de Fontana (onde o motivo é um ramo de palmeira}
Turim e de ·S. Agostino em Roma mostram a etc. (Figs. 43, 50, 51, 49).
grande insegurança sentida em relação a essa Em Florença, a voluta é levemente cortada ao
fonna. Para S. Lorenzo, Michelangelo projetava meio, ou seja, . ela se compõe de dois elementos
substituí-las por estátuas de adolescentes em ta- que repartem entre si a fonna. Falta-lhe comple-
manho colossal. Em Vignola as volutas têm um tamente a impetuosidade e o movimento (ver, por
desenho simples, uma inclinação abrupta, sem exemplo, S. Trinità, de Nighetti). Ainda mais se
tratamento ornamental (como em outro contexto afastam do barroco romano os decoradores vene-
- na cdpula de São Pedro - também o fez Bra- zianos, que dissolvem a voluta em meros arabes-
mante; cf. o desenho de Sedio, liv. III, fol. 66). cos (cf. S. Maria ai Scalzi, de SaJvi).
Sangallo tein mais impetuosidade (cf. S. Spirito; Na maneira pesada, a borda horizontal do
a mesma forma no seu projeto para a fachada de frontão é sublinhada por acrotérios largos. Não é
São Pedro, citada por Geymüller, op. cit., Ilustr. um motivo barroco arrematar as pilastras em es-
42, Fig. 2). Segue-o o jovem Giacomo della tátuas, obeliscos, candelabros e tocheiros. Vig-
Porta em S. Caterina dei Fuoari, mas procurando oola ainda queria estátuas para o Gesu, Porta
um contato maior com o corpo principal, acres- afastou qualquer coisa desse tipo. Se o barroco
centando uma folha inclinada para trás; em S. Gi- faz wn coroamento, utiliza uma fonna maciça,
rolamo, Martino Looghi o Velho e nomeada- como uma balaustrada. que tem em toda a facha-
mente Mascherioo, em S. Maria Traspontina da o mesmo valor, como o faz Maderna em S.
criam soluções estranhas: o ponto de partida da Susana, onde as balaustradas sobre as paredes
voluta acompanha o modelo de Vignola, mas nos dois lados da fachada sublinham e justificam,
termina num caracol que coroa wna cabeça de ao mesmo tempo, o motivo.
mulher com capitel jônico. Evidentemente é uma Também os degraus na frente da igreja são
tentativa de construção à maneira de cariátide, executados maciçamente, já não descem sim-
mas é apenas mais tarde que Longhi o Jovem plesmente na frente da porta principal, mas se
consegue dar ao problema urna solução plena de estendem em toda a largura da fachada. (Em S.
arrojo e liberdade em Santi Vincen:zo ed Anasta- Susanna a forma atual é uma restaura1:rão inodema
sio e em S. Antonio de' Portoghesi. Giacomo errada.) Mesmo grandes escadarias como em S.

A ARQUITETURARELIGIOSA 111
Gregorio Magoo (Fig. 28), no alto do Monte Ce- superior, onde a excitação se acalma, a superfície
lio, não têm nenhuma divisão para deixar as linhas e o enchimento mantêm uma relação que garante
horizontais agir com todo o seu vigor. Fora disso, o apaziguamento.
as escadas têm pouca altura; correspondem ao pe- Ao lado desse desenvolvimento vertical, o de-
destal da igreja, sempre muito baixo, em oposi- senvolvimento horizontal da fachada recebe novo
ção ao que preconizavam os teóricos renascen- tratamento. Em S. Spirito encontramos uma fa-
tistas que, pelo contrário, exigiam precisamente chada de cinco lucanários regularmente justa-
para ele a maior altura possível. A dignidade do postos; apenas o lucanário central, um pouco
edifício era proporcional à altura. Assim em Al- mais largo, é diverso. O barroco substitui essa
berti e também Serlio. coordenação por uma enérgica subordinação, mas
Não vamos nos estender mais sobre a execu- num sentido diferente do que lhe era dado pela
ção das diversas partes da construção, pois, por Renascença. Nessa época dividia-se igualmente
mais características que sejam, elas não consti- as fachadas em partes independentes e depen-
tuem a essência do estilo. O principal são os no- dentes e, geralmente, o edifício central, domi-
vos princípios da composição. nante, era flanqueado por edifícios de ângulos
Nichos e painéis são os elementos da decora- menores, ligados ao corpo principal por partes
ção plana. Em · S. Spirito (Fig. 45) estão distribuí- recuadas. Mas os elementos subordinados - e is-
dos de tal modo que o nicho ocupa o centro do lu- so é decisivo - conservavam sempre o caráter de
canário, rodeado por cima e por baixo, a intervalos individualidade autônoma; eram subordinados,
iguais, por um painel e, por todos os lados, por um mas gozavam de um desenvolvimento inteira-
espaço livre agradável à vista. Essa é a sensibilida- mente livre; não davam, em nenhum aspecto,
de da Renascença. O barroco introduz uma nova a impressão de serem forçados a renunciar a sua
lei: a superfície não é mais um conjunto fechado essência por causa de uma vontade estranha,
em si mesmo, preenchido de modo a criar um mais poderosa. O barroco, pelo contrário, não re-
sentimento de serenidade; os nichos aparecem conhece qualquer existência individual livre. Tu-
estreitados entre as pilastras, não têm bastante do permanece encerrado na massa geral. A divi-
espaço ao ...seu redor, por isso tendem para cima; são horizontal consiste em ressaltar uma parte
não se conservam mais serenamente no meio da central e escalonar para trás as partes laterais
superfície, mas do mesmo modo como sua forma- num estado indiviso e informe. A ornamentação e
ção decorativa corresponde ao impulso para o as colunas não se distribuem homogeneamente
alto, assim também sua localização mostra sua por toda a largura da fachada, mas são dispostas
tendência para o alto: geralmente, chegam a se em progressão orientada para o centro, que vai
chocar com a zona dos capitéis, a ponto de, da pilastra à meia-coluna e da meia-coluna às três
muitas vezes, interrompê-la. quartas partes de coluna. Enquanto os lucanários
Ora tal composição só pode causar inquietação de canto permanecem vazios, no centro a magni-
e até angtlstia, se não for oferecida uma solução ficência da decoração se ostenta em toda a ple-
do conflito. Tal solução de fato é dada no andar nitude.

112
Se acrescentarmos que, quanto às dimensões, possível, deixa-se um grande espaço diante da
sempre se procurava o colossal, estarão esgota- fa~hada. Pois o barroco precisa de espaço, e o
das as leis segundo as quais se originaram aque- exemplo mais grandioso dessa necessidade são as
las fachadas que em breve fizeram com que não colunatas de Bemini (Fig. 13).
só em Roma mas em toda a Itália a Renascença 3. Desenvolvimento histórico da construção
fosse esquecida completamente. das fachadas. Dissemos que Santo Spirito cons-
O segundo período do barroco já não tem o tituíra como que o mode lo para todas as fachadas
senso das progressões verticais e horizontais, de- posteriores: tudo ar ainda está em germe, não
corando a superfície de maneira homogênea (o antecipando nenhuma solução particular. As duas
que se observa já em S. Andrea della Valle, ordens em cima e embaixo são semelhantes, o
1665). No Norte da Itália, nomeadamente em Ve- centro não se projeta para a frente, o entabla-
neza. essa progressão jamais foi compreendida. mento é sereno e ininterrupto (Fig. 45).
O barroco nunca se empenhou em dar uma A fachada de S. Caterina de' Funari 6 , de Gia-
forma orgânica ao corpo da igreja. As fachadas como deUa Porta, é sua primeira obra, terminada
laterais são completamente negligenciadas, sem em 1564. O novo sentimento já se faz presente,
que isso fosse encoberto. Apenas a parte capital mas discretamente (Fig . 43).
é ornamentada, bastando ordenar ligeiramente as O ordenamento das pilastras ainda é o mesmo
outras partes. Utiliza-se o tijolo em vez do tra- nas duas ordens, mas o preenchimento das super-
vertino. A princípio, uma seqüência fraca de sa- fícies já é diferente segundo o andar: embaixo,
liências emoldura as janelas com capelas, mas, compacto, sem espaço livre, em cima mais
mais tarde, isso é abandonado; do mesmo modo, fluente. A zona dos capitéis tem guirlandas opu-
desaparecem as volutas, que eram repetidas lentas. Quanto ao desenvolvimento horizontal, os
usualmente no andar superior recuado, segundo o três lucanários centrais, com entablamento, são
modelo da voluta da fachada. O exemplo mais salientes, as pilastras dos ângulos são ressaltadas.
significativo desse descaso pelas fachadas são as O desenho da porta já é mais significativo com
partes laterais de S. Maria de i Miracolo e del colunas livres. O conjunto ainda é timidamente
Monte, na entrada do Corso. esguio 7 •
Quanto ao espaço que circunda a igreja, so- Mas no Gesu, em Roma, a primeira grande
mente o lugar diante da fachada recebe uma obra que Porta pôde criar como sucessor de Vig-
atenção especial. Bramante tinha projetado cir-
cundar suas construções de todos os lados, como
6. Reprodução cm ROSSI, Insignia templa Romae, foi. 61.
demonstra a grandiosa moldura de pórticos de LETAROUILLY, &lifice:r de Rome modeme, [, Ilustr. 7. PE-
São Pedro (em Geymüller, Ilustr. 7). O barroco, YER-IMHOF, Renaissance-Architectur Itaüen:r, Hustr. 34.
GURLIIT, Barock in ltaüen, Fig. 26,
que não tem noção de corpo arquitetônico, dese-
7. A fachada de S. Annunziata em Gênova (reproduzida cm
ja, pelo contrário, conservar o olhar afastado dos P. P. RUBENS, Pa/azzi di Genova, I, 61) é atribuída erroneamente
lados. A surpresa deve ser aquilo que se escond e ao romano Oiocomo della Porta, Foi construída por um milanês
do mesmo nome, o que j!! se poderia ter concluído do estilo to-
atrás da fachada. Em contrapartida, sempre que talmente diverso.

A ARQUITETURARELIGIOSA 113
46. GIACOMO DELLA PORTA. Igreja de S. Maria 3.1 Monú. 47•.G[ACOMO OELLA PORTA.
Roma. Fachada da Igreja de S. Maria
ai Monti.
nola, as mudanças do oovo arq~teto oo projeto li Gesu. Essa obra de Vignola é a construção
do seu antecessor são do maior interesse e reve- barroca t(pica. O arquiteto morreu em 1573,
lam a evolução do estilo. Mas antes de exami- quando a fachada ainda oão estava começada
ná-las, citemos a pequena fachada de S. Maria ai (Fig. 48). O continuador da construção, Giacomo
Moo ti (Fig. 46) 8 , que, embora conclu(da apenas della Porta, fez um novo projeto (Rg. 49), pelo
em 1580, depois do Gesu, deve ser comparada à qual concluiu a fachada em 1575,
de S. Caterina, cujo modelo ela reproduz, deres- O sistema é idêntico nos dois casos; lucanários
seis anos mais tarde (Figs. 47, 43). de canto reentrantes, divisão por pilastras gemi-
A fachada produz um efeito de mais peso e nadas, ênfase na parte central: aí as pilastras são
movimento. O pedestal é baixo, as pilastras lar- elevadas ao nível de colunas, o lucanário do
gas, há um ático acentuado acima da primeira or- portal é coroado por um frontão. Mas, apesar de
dem, o que confere predominância ao primeiro uma aparente semelhança nos meios de expres-
andar. O ático é aberto pela janela de cima. O são, os efeitos são muito diferentes. Quanta cal'-
frontão amplia-se largamente. Quanto ao desen- ma e clareza em Vignola! Comparado a Giacomo
volvimento horizontal, os lucanários externos della Porta, ele nos comove como os artistas da Re-
(com as volutas) são recuados e se encostam à nasceoça. E de fato, reencootra-se a divisão precisa
pilastra do canto do edifício principal por meio da fachada e a autonomia das diferentes partes.
de uma meia pilastra, dando origem a um dégra- A primeira diferença profunda está na propor-
dé, ainda ausente em S. Caterina. A decoração ção dos andares entre si: em Vigoola eles têm o
esculpida é intensificada vivamente à medida que mesmo valor, em Giacomo della Porta, o andar
se aproxima do centro. Os lucanários dos cantos inferior predomina decididamente, enquanto o
são estreitos e permanecem inteiramente vazios, superior parece um simples chapéu. Essa simpli-
as zonas dos capitéis são pouco preenchidas. O ficação intensifica pronuociadamente a força da
desenvolvimento vertical apresenta uma ordem fachada.
coríntia na pane de baixo e, em cima, compósita .; Os andares são divididos por . colunas gemina-
os painéis acima e abaixo dos nichos contrastam das. Com um friso colocado a dois terços da altu-
violentamente: o inferior quadrado e liso como ra de baixo e a três quartos da altura de cima,
um pedestal, o de cima mais livre e ornamentado. Vignola introduziu uma segunda divisão, para
Outro contraste reflete a diferença das fachadas. conseguir superfícies menores. Os painéis que
Acima do portal um painel dá uma sombra muito resultaram disso têm todos proporções simples,
forte e interrompe a zona dos capitéis. Em cima raciooais: são preeocbidos por nichos ou cerca-
tudo é mais sereno; mas o contraste ainda não é dos por uma moldura regular, mas sempre trata-
elaborado com todo seu vigor e pureza. Fora is-
dos como formas autônomas. Vignola conserva
so, essa fachada é uma das mais perfeitas do es-
as pilastras, unidas em pares, autônomas, inter-
tilo.
calando nichos e molduras para que produzam,
8, ROSSI, 71. LETAROUILLY, 27, BURCKHARDT, Re- não wn efeito maciço, mas como que individuali-
naissarn;e in ltalit!n, Fig. 67. dades isoladas.

A ARQUITETURARELIGIOSA 115
nMP~I-IUV AOMJ<tPAR.l• A"71RIOR
ll\COBO VJCNOLA 11,~CHIT!C'TO • INVLNTOat

.--- ·

---
__,

49. GIACOMO DELLA PORTA. ll Gesil.


48. VIGNOLA . Fachada da Igreja IJ Gesil.
Porta abandona completamente esse princípio. nenhum vestígio dos princípios que com força
Aproxima as pilastras o mais possível e elimina crescente aparecem realizados nas obras de Gia-
todo enchimento intermediário; deixa as superfí - como. Segundo o modelo de S. Maria dell' Ani-
cies na sua integridade indivisa (uma listra es- ma, a parede da fachada tem a mesma largura no
treita a meia altura muda pouco essa impressão). andar superior, enquanto o frontão só correspon-
Quer que a massa seja valorizada como massa; os de à parte central. Mas como é insuficiente o
lucanários que são delimitados na parede pelas modo como essa superfície imensa está dividida,
pilastras são casuais na sua fonna, não recebendo o arquiteto tenta todos os meios: feixes de pilas-
autonomia por nenhuma moldura. Além disso, tras, arcadas falsas, nichos redondos e retangula-
Porta não admite mais o arejamento da parede res, reentrâncias, painéis em relevo, fonnas que,
pelos grandes nichos que Vignola tinha introdu- de outro modo, Porta jamais utiliza, -e tudo isso
zido nos lucanários dos cantos como continuação espalh ado pela superfície sem nenhum senso ar-
das portas; deixa vazios esses lucanários, conse- quitetônico; nem vestígio do desenvolvimento
guindo assim a impressão de unidade maciça que vertical etc. 11
se desfaz apenas na região central, mas também Do mesmo modo, as fachadas de Martino
aí de modo comedido: a força plástica das colu- Longhi o Velho não têm valor próprio. É um
nas é mitigada, e o portal do centro não mostra a mestre acanhado do Norte da Itália que em Roma
abertura livre em forma de arco de triunfo como procur a ansiosamente modelos, devendo o me-
em Vignola, Apesar de toda a contenção porém o lhor de si mesmo a Giacomo della Porta.
desenvolvimento horizontal e o vertical são valo- S. Atanasio dei Greci (acabada em 1582) 12 é
rizados de modo eficaz e até, pela primeira vez, bastante enfadonha. Originárias do Norte da Itália
de maneira grandiosa. Predominam os elementos são as duas torres 13 que, subindo dos lucanários
que dão a impressão de peso: pedestal, cornija, dos cantos flanqueiam o frontão do mesmo modo
ático,' frontão e voluta . A arquitetura alcança a que, no andar de cima, as superf(cies escalonadas
expressão de uma solenidade quase opressiva. para o interior, motivo que o barroco posterior
Outra igreja cuja construção é atribuída a Gia-
como della Porta, S. Luigi de' Fran'?esi 9 .sai com-
pletamente da linha de evolução, mostrando 11. A data de construção da fachada é imprecisa. O fato de
Antonio da Sangallo ter feito um projeto da fachada (V ASARI,
mesmo tal insegurança que mal conseguim os res- V, ·484), poderia indicar que a obra foi começada ced.o. De outro
ponsabilizá-lo pela construç~o de Maria ai Monti lado, a observação de Vasari, citada acima, indicaria um temzinus
e do Gesu 10 • Essa insípida fachada não revela ante quem, se a expressão: "le dene pietre ed altri Javori furono
posti nella facciata della chiesa de S. Luigi" (1, 123) se refere 11
fachada atual e não a outra, provisória. Se a construção é real -
mente anterior a 1568 (data da observação de Vasari), está muito
9. ROSSJ, 39; GURLITI, 31. próxim a de S. Caterina de' Fll.llllii, não podendo absolutamente
JO. Segundo VASA RI, 1, 123, teriam sido introduzidos na fa- ser atribuída a della Porta. Talvez só os portais sejam dele.
chada partes de oullll construção. E possível que isso tenha tido 12. ROSSI, 62.
influência, Não foi tampouco della Porta que II construiu, pelo 13. No Norte da Itália porém as torre s não são unidas à mas-
que diz BAGLIONl, p . 77: "le pone con li dueordini della facciata sa, mas são isoladas. Cf. os deseo.hos em Serlio, por exemplo, no
furono di suo ordine e diseg.no". · foi. 215.

A ARQUITETURA RELIGIOSA 117


utiliza com profusão 14 • A segunda construção de Em Cario Maderna descobre-se uma nova per-
Longhi, S. Girolamo de' Sclúavoni (1585) 15 , re- sonalidade criativa. Ele parte das dltimas obras
toma o período da juventude de della Porta, mas de della Porta, continuando depois de modo in-
sem genialidade. No conjunto, conserva o siste- dependente. Apresenta as idéias barrocas com
ma de S. Caterina, com preenchimento mais túni- uma força arrebatadora, procurando sempre dar à
do ainda das superfícies, unindo-se medrosa- mas sa e ao movimento um caráter imponente.
mente com os novos motivos romanos de subor- Sua primeira criação pessoal, a fachada de S.
dinação os elementos que ele traz do Norte da Sus aon a (Figs. 50, 51), é sua principal realização.
Itália. O conjunto não produz impressão desagra- É uma obra que transmite um soberbo sentimento
dável; mas nosso projeto não é a hist6ria dos ar- de força, conservando, no entanto, o equilíbrio.
tistas e sim a do estilo, e s6 podemos por isso nos Ob serva -se uma tripla gradação na fachada, cuja
deter rapidamente em artistas de menor importân- expressão plástica é a progressão da pilastra à
cia. meia coluna, e da meia coluna à coluna de três
Um deles é o mestre de S. Maria Trasponti- quartos. Os lucaoários exteriores não são deixa -
na 16. Sua falta de habilidade aparece nas pro- dos vazios. Maderna parte do motivo ornamental
porções da fachada: três partes centrais seme- simples (painéis em relevo sob re postos), para
lhantes; os pormenores, ao contrário, são vivos e terminar numa opulência transbordante. Nichos
vigorosos, o que indica a existência de outro ar- com suas estátuas, frontões, guirlandas, tudo é
tista 17• mais rico e movimentado do que anterior:mente .
A razoável igreja Maria de Monserrato é de A riqueza transborda num ímpeto para o alto: há
Francesco da Volterra, mas ape sar de toda a ri- wna acentuação extremamente enérgica da ten-
queza e abundância de pormenores, não supera, dência vertical, que apenas se mostra serenada no
no sistema geral, S. Caterina de' Funari. O que preenchimento regular do frontão. Comparado a
há de novo em S. Giacomo degli Incurabili não della Porta, Madema já demonstra que a gravida-
pertence a Volterra, mas a Carla Maderna, que de pesada começa a desaparecer da arte; a pres-
completou a fachada. são parece diminuir; as formas se movem mais
ale gre mente, o poder das horizontais é queb rado .
14. A Trinità de' Monti, apar entada a 5. Atanasia, não é de A fachada da Chiesa Nuova se originou sob o
Domenico Fontána, como gerahncnte se admite. Só a escadaria e
o portal da igreja são dele. (Cf. a nota de ROSSI sob a reprod u- influxo de S. Susanna 18 (de Fausto Rughesi, não
ção no Nuovo Teatro delle Fabrir:he di Roma moderna). Do mes- de M. Longhi). Ela é, aliás, consideravelmente
mo modo, Ranke se engana (PÃ.BSTE, 1s, 310) ao referir-se a uma
passagem da Vita Sixd V de Gualterius pela escadaria da Praça da mais fraca. O próprio Maderna não manteve a
Espanha; trata-se eyídentemente da escada dessa igreja ("scalas- mesma qualidade e, no caso de S. Pedro, sua arte
que ad templum illud ab utroque portae latere co=odas perpul-
crasque admodum exstruxit"}. revelou-se insuficiente. Como não soube encon -
15. ROSSI, 66. trar na simplicidade a grandeza imponente, pro-
16. ROSSI, 65.
17. Provavelmente Salustio (Salvcrio) Peruzzi começou a
fachada e On. Mascherino a completou. A comparação com S. 18. ROSSI, 29. LÚBKE, Gesr:hiclzteder Arr:lúter:m,.a,Fig.
Maria della Scala faz essa tradição parecer exata. 80. GURLITI, op. cit., Fig. 83.

118
50. CARLO MAOERNA. lgreja de Santa Susanna. Roma. 51. CARLO MAOERNA . Igreja de Santa Susanna. Detalhe.
Roma.
curou-a no acllmulo e na multiplicidade, tornan- ção, com tanto espaço livre na frente, poder-se-ia
do-se bombástico, desagradável. Com São Pedro criar urna perspectiva pictórica, que permitiria
o estilo inicia seu segundo · período. Não preci- ver num mesmo relance o átrio de colunas e a fa-
samos mais preocupar-nos com isso. chada da igreja (atrás) ." A repreensão é justa,
Um retardatário do tempo anterior é o valente mas não se refere ao talento e sim ao propósito
Soria. Ergueu toda uma série de fachadas de do arquiteto. As perspectivas ricas, pictóricas
igrejas: S. Maria della Vittoria 19 , S. Catarina da não correspondem à serenidade característica do
Siena, S. Gregorio Magno 20 , S. Carla de' Catina - gosto do primeiro estilo barroco.
ri21. Seu valor reside não na vitalidade e riqueza. 4. Organização do espaço interno. O barroco
de idéias da composição, mas na seriedade com exige salas tão amplas e altas quanto possível.
que tratava essas massas de travertino. Ele é o Mas não é a progressão regular das dimensões
verdadeiro representante da gravitas romana; ab- que condiciona a impressão. O São Pedro de
solutamente independente, usa com muita mode- Bramante não é barroco. Tem-se af uma cópula
ração os meios que uma arte evoluída utiliza para de dimensões consideráveis, mas Bramante dis-
agradar. S. Gregorio Magno no Monte Celi o é pôs ao redor quatro cllpulas adjacentes, que não
considerado como o exemplo mais célebre. Tra- a reduzem, apesar de a contrabalançar. Elas afir-
tava -se de acrescentar à igreja que ficava no ftm- mam sua autonomia diante da grande cúpula,
do um átrio de colunas com fachadas e dar um moderando assim a impressão de grandiosidade.
aspecto monumental à rampa de entrada. Soria Michelangelo, pelo contrário, procurava precisa -
cumpriu a tarefa com pouca genialidade, mas mente essa impressão; limitou de tal modo as di-
com honestidade. Já falei da escada: são degraus mensões dessas cllpulas adjacentes que elas de-
homogêneos que vão de uma ponta à outra da fa- saparecem ao lado da cdpula principal, conse-
chada; três patamares são a llnica divisão da es- guindo assim um centro que domina incondicio-
cada. No alto, uma fachada de dois andares, cada nalmente e em face do qual tudo o mais parece
um com três lucanários, divididos por feixes de subjugado e sem vontade própria. Em Michelan -
pilastras geminadas, abertos embaixo por arcos, gelo o diâmetro das cllpulas adjacentes é apenas
em cima por janelas, ambos porém relativamente um terço daquele central (d.D = 1 :3), em Bra-
pequenos, para não prejudicar a impressão de mante já alcançava mais da metade desse diâmetro
unidade maciça. O frontão corresponde só à parte da cllpula (d está para D na proporção da secção
central 22 • Milizia 23 se queixa de que o arquiteto áurea) 24 •
não soube utilizar o terreno. "Com essa eleva- A essa intenção determinada de realizar numa
só peça os maiores espaços possíveis, o barroco
19. ROSSI, 70. une naturalmente o desejo de dividir as paredes
20. lbid.
21. ROSSl, 50.
24. A sensibilidade de Galeaz.zo Alessi é a de um homem da
22. Este motivo reaparece em S. Cario de' Cati.nari e S. Ca- Renascença (como se conserva por muito tempo no norte da Itá-
terina da S icna. lia) quando, em S. Maria da Carignano (G!nova) constrói ctipu-
23. MILIZIA, Menwrie II, 143. las secundárias e ctipulas principais na proporção de 1:1, 25.

120
com uma ordem única. Deixa-se de lado qualquer são claras até nos cantos mais afastados (Fig . 52) .
referência à escala humana para conseguir aquele Os traoseptos tampouco chegam a um desenvolvi -
efeito específico do grandioso, característico do mento mais significativo; as mais das vezes não
barroco. Bramante também tinha previsto articu- têm profundidade maior do que as capelas26. O co-
lações colossais, mas deixou subsistir colunas ro termina em se.micfrculo.
alegres, elegantes, que podem servir de refugio. Durante toda a Renascença predominou a nave
Assim o colossal não oprime, mas é de algum única, mas apenas nas igrejas de pequenas di-
modo acessível; o homem experimenta tranqüili- mensões. Os espaços maiores eram divididos. O
dade ao contemplar essas formas menores, mais elemento novo no Gesu é a utilização da . nave
próximas dele; sua existência, que nada vem d.nica em espaços grandes. Quanto à localização
perturbar, garante-lhe apoio e segurança. das transições, lembremos a versão feita por Mi-
Michelangelo busca apenas o colossal. O que chelangelo do São Pedro de Bramante. Mais im-
é pequeno não pode subsistir paralelamente, con - portante ainda, em todo o caso detenninante para
servando a autonomia. Onde ele aparece, como Vignola, é o exemplo fornecido por Michelan -
nas construções capitolioas, surge comprimido e gelo com a igreja de S. Maria degli Angel i. Co -
entravado. Recordemos as colunas cujo peso as mo se sabe, tratava-se de transformar termas an -
empurra contra os pilares. O homem deve se cur - tigas numa igreja para os cartuxos. Michelaogelo
var perante o que é mais forte do que ele. se encarregou da tarefa. Ora, ele não era o ho -
O espaço interior na Renascença é calculado mem que por reverência poupasse o antigo; se a
para que o homem o domine, para que possa pre- antiga nave no essencial conservou sua forma foi
enchê-lo com seu sentimento vital; no barroco ele porque correspondia às idéias de Michelangelo .
é engolido pelo espaço, o desmedido o submerge. Chegara o tempo em que o espaço passou a ser
Esses pontos de vista comandam a organização compreendido do mesmo modo que pelos roma -
do espaço interno das igrejas. nos do final do Império. A Renascença demons-
a. A nave longa com capelas. O Gesü fornece trara mais entusiasmo com a construção central
o exemplo decisivo do plano simplificado: uma na- do panteão de Augusto. Para as paredes, Miche-
ve de altura e largura consideráveis; no lugar das langelo também já adotara as capelas, como as de
naves laterais apenas uma fileira de capelas que, Gesü. (No século XVII foram muradas nova -
conservadas na obscuridade 25 , não têm autono- mente. )
mia, servindo mais como transição do que como Apesar de tudo, Vigoola teve o mérito de ter
conclusão. Uma arquitetura "pictórica" de gran- sido o primeiro que elaborou com pureza a forma
des altares murais contribui ainda para apagar os característíca da igreja barroca. Tudo o que é
limites, abrindo à imaginação o domínio do inde-
finido. As capelas da Renascença pelo contrári o
26. Isso não parece basear-se apenas no fato de que todo o
espaço horizontal à disposição foi absorvido pela nave principal,
mas em que não se queria dar à nDVe longa qualquer contrapeso
25. As janelas da nave siio tão altas que a luz direta não pe- significativo. O barroco posterior constrói novamente transeptos
netra na capela. salientes.

A ARQUITETURA RELIGIOSA 121


52. ll Gcsil. Roma.
anterior parece estreito e apertado ao lado do Ge- tar o espaço, mas a deixá-lo, na medida do possí-
su. Sua oave longa será, mesmo depois, determi- vel, como uma unidade só, o que é a função da
nante para a reconstrução de São Pedro, onde ab•óbada de berço.
certamente oão podiam ser evitadas as oaves late- Segundo L. B. Alberti, ela tem também sobre
rais, sendo contudo executadas numa fonna que o teto plaoo a vantagem de possuir maior digni-
lhes retira o caráter de espaços independentes. tas; mas o essencial é sobretudo que ela dá a im-
(Decomposição em c11pulas ovais; além disso, pressão de movimento: a abóbada parece reno-
a largura dos pilares impede em grande parte a var-se a cada instante e tem-se mesmo a impres-
visão a partir da nave principal.) são, quando ela tem determinadas dimensões, de
Mas o barroco não manteve o ideal de uma que ela cresce e sobe; depois, suprime-se cada
nave dnica, cuja importância derivava apenas das vez mais o contexto tectônico, oculta-se o início
dimensões amplas. No século XVll cedo se fez da abóbada e o todo é entregue à decoração.
sentir uma tendência para o pictórico, no sentido O emprego da abóbada de berço sempre de-
de uma diversidade maior, desejando-se perspec- pendera do problema da iluminação. Para que ela
tivas ricas, reduções interessante s e outros efeitos pudes se expa ndir-se, foi preciso que se ousasse
que s6 podem ser alcançados com colunas e divi- fazer aberturas para a luz na cllpula e que se
são livre do espaço. Essa divisão conduz à perda abrissem janelas de formas múltiplas. S6 por
do sentimento da grandeza absoluta. meio desse recurso se podia conseguir a luz de
S. Maria in Campitelli oferece um exemplo ca- cima indispensável ao caráter sagrado da cons-
racterístico desse 11ltimo período. o Norte da trução. A abóbada de S. Andrea (Mântua) de Al-
Itália, nomeadamente em Veneza, a arquitetura berti, uma construção que se aproxima do tipo
sempre sofrera fortemente influências pictóricas. barroc o28 , podia permanecer escura devjdo às
Que diferença entre o Redentore 27 de Palladio e dimensões reduzidas, fazendo-se a entrada de luz
as construções romanas! (Divisão do espaço, cú- pela cúpula.
pula separada da nave longa, percepção de outro As primeiras aberturas com janelas semicircu-
espaço através das colunas do fundo.) lares na abóbada de Carmioe (Pádua) ainda são
b. A abóbada de be.rço. O espaço interior é co- do século XV 29 • Em S. Maria degli Angeli a so-
berto por uma abóbada de berço. É totalmente anti- lução era facilitada pela existência dos cruzeiros
barroco dividir a nave lo!}ga numa série de cúpulas, de ogivas. O passo dec'isivo é dado por Gesu,
como e fazia com predileção em Veneza e como onde entretanto a decoração atual pertence a uma
também praticava um mestre tão próximo do bar- época muito posterior (Figs. 53, 54). Em São Pe-
roco como Pellegrino Tibaldi (San Fedele, em
28. Nave longa dnica com capelas; cdpula e abside (projeto
Milão. Do mesmo modo S. Ignazio, er.n Borgo em BURCKHAROT, Renaissance, Fig. 75). Antibarroco é en- .
Sansepolcro). O estilo tende não a compartimen- tretanto o comprímento da nave em comparação com a cdpula
(3: 1, quando devia chegar apenas à proporção de 2: 1), a ímpor-
tância atribufda aos braços do transepto (capelas laterais) e a pe-
27. SCAMOZZI, Les bátimen1s de Pai/o.dic, foi., tomo lll, quena abside.
llustr. l e ss. 29. BURCKHARDT, Renaissance in ltalien, p. 134.

A ARQUITETURARELIGIOSA 123
53. MICHELANGELO. Jgreja de Santa Maria degli Angeli.
Roma.
dro, é preci so esperar Maderoa para encontrar ja- no barroco posterior, manifesta-se novamente
nelas na parte anterior da cúpula da nave longa. uma tendência à fragmentação.
c. Tratamento dado às paredes. A parede é A divisão da parede se faz por meio de pilas-
aberta pelas entradas das capelas. Essas entradas tras. A pilastra é a expressão necessária da gra-
são arqueadas e enquadradas por pilastras, que di- vidade contida . O Norte da Itália nunca dispensa
videm a parede no comprimento. de todo a coluna (Palladio). Em Roma, ela reapa-
A unidade dessa ordem mural é um motivo a rece no interior das igrejas, apenas a partir do
que a Renascença chegou apenas muito lenta- momento em que a fachada volta a admiti-Ia (se-
mente. Igrejas de nave única e teto plano com gunda metade do século XVII).
capelas, como S, Francesco al Monte (Florença) A pilastra simples não podia fornecer uma di-
de Cronaca (1500) justapõem duas ordens com- visão suficient emente acentuada em superfícies
pletas de pilastras: a inferior enquadra as capelas, muito grandes; Bramante (São Pedro) duplica-a e
a superior, as janelas. Mais tarde, Sansovino (S . lhe encaixa dois nichos superpostos . O Gesu,
Marcello, em Roma e S. Francesco della Vigna, apesar das proporções mais reduzidas (Figs. 54,
em Veneza) elimina a ordem superior, não divide 49), conserva a pilastra geminada, eliminando po-
a parede, que tem janelas, reduzind~-a a uma es- rém os nichos (cf. a eliminação dos nichos da fa-
pécie de ático. Em Alberti (S. Andrea, Mântua), chada por della Porta). Igrejas menores se conten-
a abóbada é ligada a um sistema unitário, mas em tam com a pilastra simples. S. Andrea della Valle
caso de dimensões maiores, a construção longi - introduz a forma do feixe de pilastras (continuadas
tudinal, e especialmente a central, utilizam nor- também nas nervuras da abóbada). S. Maria in
malmente duas ordens. Campitelli finalmente acumula as colunas livres;
Bramante, no início, adotara também para São tem então início o estilo suntuoso.
Pedro essa divisão em duas ordens (Geyrnüller, O desenho da pilastra corresponde ao espírito
op. cit., Ilustr. 3, 4, 5), decidindo-se porém a se- com o qual ela é empregada: o caráter grave do
guir por uma ordem ininterrupta de pilastras com primeiro tempo emprega pedestal baixo e pesado.
colunas embaixo (Geymülle r, Ilustr . 13) e, final- Em Santa Maria degli Angeli, Michelangelo fez
mente, até por uma ordem colossal pura, ao menos levantar todo o soalho, para fazer desaparecer os
em parte: as colunas (menores) são relegadas às antigos pedestais esbe ltos das colunas. A liberta-
galerias situadas nas quatro extremidades dos bra- ção progressiva dos elementos realça também es-
ços da crn z (Geymüller, Ilustr . 14). sa parte, destinada a destacar a coluna do chão (a
Miche langelo as elimina também (ver acima). mesma evolução do pedestal da fachada).
Desde então, esse sistema permanece a norma pa- Mais reve lador ainda é o tratamento do ático.
ra as construções romanas. O Norte da Itália, que O barroco exigia uma forma de grande peso. Mi-
não conseguiu nunca superar uma mentalidade chelangelo sufocou com um ático de riqueza
mesquinha, poucas vezes mostrará uma obra que opressiva as bases esguias da abóbada com cruz
transmita o sentimento de grandeza comparável de ogiva que ele encontrara em Santa Maria degli
~uele dos edifícios romanos. Também em Roma, Angeli. O Gesu mostra uma forma mais simples,

A ARQUITETURA RELIGIOSA 125


54. I1 Gesu. entativa de reconstrução de um corte segundo projeto de VIG 1OLA.
mas mais pesada ainda. Depois, porém, a pressão São Pedro nota-se que Madema aproxima os pi-
diminui e aos poucos o ático desaparece inteira- lares muito mais do que seus antecessores.
mente (Fig. 55). O barroco introduz um novo motivo: um luca-
O arco '(isto é, a entrada da capela), que na nário mais curto, colocado antes da cúpula e re-
Renascença ocupa todo o lucaoário, sobe até a tomado depois, sucede daí em diante os três lu-
cornija, à qual se liga por um consolo tenninal; canário s iguais da nave longa. Ele comporta en-
no barroco muitas vezes é mantido tão baixo que tão, habitualmente, não um arco, mas apenas uma
dá origem a um espaço considerável abaixo da porta menor.
comija. Como no Gesu (aqui o espaço livre da Evidentemente, com isso pretendia-se reforçar
parede em parte é aproveitado para uma galeria) os suportes da cdpula, mas para a vista é uma
em Santa Maria dei Monti, na Chiesa Nuova . O preparação muito eficaz à cúpula 30 •
consolo terminal não está presente, reaparecendo
d. Cllpula e efeito de luz. Os traços gerais da
apenas com a tendência progressiva para o alto;
cdpula apresentam-se da seguinte maneira: tambor
ao mesmo tempo os listéis ganham vida com fi-
redondo, não poligonal; divisão por meio de pilas-
guras sentadas ou deitadas, ficando com isso
acentuada energicamente a direção para o alto. tras ou col unas no interior e no exterior; ático;
No São Pedro, pode-se observar a plástica pro- calota esguia com nervuras; lanterna com coroa.
Naturalmente São Pedro se tornou o modelo para
gressiva das infelizes personagens dos listéis: as
últimas (as mais próximas da entrada) ameaçam a todos. Michelangelo tenninou a cdpula princi()al
só até o tambor, deixando porém uma grande
cada momento precipitar-se para baixo com toda
rnaquete de madeira, segundo a qual Giacomo
sua massa imensa.
della Porta completou, em 1588, a calota gigan-
Vem a época em que toda a composição se
tesca31.
toma mais atormentada: como Borromini se es-
Bramante projetava uma cdpula chata, como
força para dar movimento à parede da antiga Ba-
aquela do Panteão com os conhecidos anéis em
sfiica de Latrão! Com isso, o interior da igreja
degraus. A cúpula paira acima de uma coroa de
renunciava a um dos principais elementos de
efeito estético: o contraste com a fachada. Até
30. Um dos meus ami gos observou que era a retenção breve
então, opondo•se à agitação externa, o interior da respira ção antes de segu ir o grande salto da ciipula (Fig . 17).
era muito tranqüilo e grandioso. Com Borromini 31. Ultimamente por GARNlER (Gaune des Beau:t-Ans, II,
tudo começa a gritar no mesmo diapasão tanto no vol. XIll, p. 202) e GURLITT (op. cit., p. 66) foi atribuído a
Giacomo dclla Porta não só o merecimento técnico mas tamMm
exterior como no interior. o artístico, A decisão da pergunta depende de saber se o modelo
A aceleração do ritmo manifesta.se claramente de madeira de Michelangclo que existia difere da cúpula execu-
tada, Todos concedem que houve uma elevação da concha inter-
na alteração das proporções do arco dos lucaná- na, trata-se apenas da célebre linha do contorno exterior, As me-
rios. Os lucanários tornam-se cada vez mais es- didas variam. Goni (e Geymüller) reconhecem só Michelangelo
como artista. Geymüller (op. cil., p. 244): "Por dentro a ciipula é
treitos, os arcos mais esbe lto s, a velocidade da um terço mais alta do que Michelangelo queria, no contorno ex-
sucessão aumenta . Compare-se quanto a isso o terior porém, conservados exatamente os pormenores, é apenas
dois e meio palmos lllllÍS alta quer dizer em proporção absoluta-
Gesu e S. Aodrea della Valle. Na nave longa de mente imperceptível".

A ARQUITETURA RELIGIOSA 127


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55. Recoos1rução feita por Geymüllcr para o projeto de Bramante.


Cdpula de São Pedro de acordo com Scrlio.
56. Reconslrução feita por Letarouilly; detalhe exterior e interior
da cdpula scguodo modelo em madeira de Michelangelo (cer-
ca de 1550) e a gravura de Eti~nne Duperac.
colunas livres, que formam uma galeria 32 • O Lembremos o mesmo fenômeno no campo da
conjunto é largo, tranqüilo, em oposição à obra pintura; os santos já não pairam, mas se elevam
de Michelangelo, que aspira mais elevar -se e que numa apaixonada ascensão. No Gesu, a altura
é toda ela nervos e força, sem ter, contudo, a corresponde apenas ao triplo da largura (medida
imaterialidade gótica. no interior, a partir do chão ), em S. Andrea della
H. v. Geymüller 33 descreve a diferença com as Valle ela é exatame nte quatro vezes maior. Em
seguintes palavras: São Pedro, Giacomo della Porta levanta a calota
interna da cúpula um terço a mais que no projeto
Na cdpula de Bramante uma homogeneidade serena se ex - de Michelangelo, o que aliás não altera a sereni -
prime por meio de uma beleza fulgurante, no pórtico largo e nos
a.n.éis em degraus na base da cdpula; aqui o tambor é o elemento dade dessa amplidão imensa (Fig. 56).
principal; paira.oda sobre o IÚmulo do príncipe dos Apóstolos
como uma coroa magnífica, é provido apenas da cobertura ne- O objetivo principal da cúpula porém é fazer
cessária que ali repousa sobi-e as colunas; um.a leve cdpula acha -
m.da, elegante e graciosa. Michelangelo divide o pórtico numa penetrar na igreja aquelas ondas de luz tão es-
série de contrafortes com colunas geminadas na frente , refoi-çan - senciais ao caráter sagrado do lugar. Em con-
do o elemento vertical , mas aumentando ao mesmo tempo o pe-
so. Nele a massada cdpula é muito maior. traste com a claridade supraterrestre que reina
ali, a nave longa é mantida relativamente escura,
Desde Michelangelo a história da cúpula é es- mas é princ ipalmente o fundo das cape las que
sencialmente uma história de mudança de pro- mergulha inteiramente nas trevas 34 • O espaço pa-
porções; não muda nada na organização. Eis co- rece ilimitado. São os efeitos da iluminação, que
mo as proporções se modificam: as formas tor- a pintura acabava de descobrir, mas que aqui são
nam-se mais pesadas, também a cúpula se com- Levados ao extremos para que produzam o mais
prime, recuperando-se porém a seguir, notando- poderoso impacto sobre nós. O barroco considera
se, de decênio em decênio, uma ascensão para a luz um fator essencial para criar a atmosfera. O
uma forma sempre mais esbelta. E isso no inte- fato de manter o espaço mais escuro do que na
rior e no exterior. A cúpula de São Pedro, que Renascen ça alia-se à gravidade das formas. Mais
produzia a impressão de estar pairando tranqüi- tarde, quando a arqu itetura respira mais leve -
lamente, segundo a expressão de Burckbardt, mente, o interior das igrej as volta a tornar -se
eleva-se ouro movimento mais e mais apressado. mais luminoso.

32. Reprodução em SERLIO, liv. ili, fol. 66. 34. Compare-se o fenômeno análogo na pintura: o fundo es•
33. Op. cit., Texto p. 244. curo.

A ARQUITETURARELIGIOSA 129
2. OS PALÁCIOS

1. A arquitetura civil do barroco mostra uma


oposição notável em relação à arquitetura religi<r
sa.. Parece até que nela não houve uma evolução
barroca propriamente dita; é surpreendente en-
contrar, depois da opulência e imponência que
explodem nas fachadas das igrejas, uma criação
formal contida e severa. À primeira vista parece
impossível que o mesmo Madema, que criou S.
Susana , execute ao mesmo tempo aquele palácio
dos Mattei perto de S. Caterina de' Funari (Mat-
tei di Giove), submetido inteiramente à horizon -
tal, que, grande e nu, dá uma impressão de triste-
za quase sinistra (Fig. 57).
Pode-se, porém, também nesse domínio, falar
de um estilo barroco, mas a fachada dos palácios
obedecem a outras leis que a das igrejas . S6 se
pode v~la como arquitetura exterior, à qual cor-
responde uma arquitetura interna totalmente di- fenômeno não só anti-romano mas também dis-
versa: no exterior uma forma fria, rebarbativa, ao tante do barroco em geral.
interior uma magnificência exuberante e embria-
2. O palácio romano, na época da renovação
gadora.
religiosa, é um edifício grande, grave, aristocrá-
Chegara o tempo da fidalguia à maneira espa-
tico3. A parede de tijolos é recoberta por reboco
nhola: gravidade e rigidez nas relações sociais;
liso homogên eo . As divisões, ângulos, cornijas,
em vez da expressão natural de um sentimento
janelas, são executados em pedra de cantaria. Es-
vivo, uma atitude afetada; em vez da diversidade
se sistema, empregado já no Palazzo di Venezia,
do individual, um tom impessoal e indiferente 1•
é rejeitado temporariame nte por Bramante, mas
Essas características determinam a natureza dos
volta a impor- se com Antonio da Sangallo, como
palácios da alta sociedade, cujo modelo é dado
se observa, principalmente, no Palazzo Farnese
por Antonio da Sangallo com sua casa, que man-
(Fig. 14).
dou construir em Roma 2 (Palazzo Saccbetti, Fig.
A alvenaria rústica não é mais admitida nem
58), onde se tomara uma personalidade de desta-
que. Nessa construção ele renuncia a todo calor no térreo, ficando reservada à construção campo-
nesa, que é mais livre 4 , e a delicada alvenaria de
pessoal e vivo, atingindo o tom que convém à
pedras de cantaria (segundo o exemplo da Chan-
época . Qualquer manifestação mais livre é reser -
celaria) não corresponde ao gosto barroco pela
vada para o interior da casa.
massa.
Os edifícios públicos, dentre os quais os palá -
A parede é dividida o menos possível. Bra-
cios papais, são uma exceção, pois não estão su-
mante inc luíra cada janela num sistema bem defi -
jeitos a determinadas regras sociais. A liberdade
nido de pilastras e comijas, de modo que o lugar
e o fausto manifestam-se igualmente em seu as-
de cada parte parecia intencional e preparado,
pecto exterior (Fig. 59).
O tipo florentino do palácio alonga e despoja necessário e imutável. Onde o ordenamento ver-
todas as fonnas: a gravidade romana, a concep- tical se tomara supérfluo pelas meias colunas das
ção de grandeza calma, um modo amplo e fausto- janelas, manifestava-se a exigência de uma forma
so de sei:, tudo isso se manteve estranho em Flo- restrita pelos frisos das janelas sob os frontões,
rença. de modo a mantê-las num enquadramento fixo
Do mesmo modo a serena riqueza dos palácios (Rafael: Palaz zo dali' Aquila e Palazzo Pandolfini;
de Gênova, de autoria de Galeazzo Alessi, são a Baccio d' Agnolo: Palazzo Bartolini; Antonio Do-
expressão feliz de urna exaltação jubilosa, é um sio: Palazzo Lardarel e outros). O barroco renun -
cia a essa divisão, rompendo o menos possível

l. Cf. RANKE, Pa'!we, /8, J 17.


2. '?iga-se de. passage_m que todos os artistas adquirem cada J. A f6nnula de Scamoz.zi é: "tenghinc dei gravei pa/,aw".
vez mais uma pos ição social. Ocupam altas posições na sociedade 4._ Ao menos em _Roma. Ver, em contrapartida, por exemplo,
de ~orna, tom~ - se ca_va/Jie,:i,são utilizados em missões diplo- o á~o d~ Pala.uo P11u de Amrnannati em Florença e o átrio d<'
máucas. Isso explica mwta coisa em seu estilo. palácio episcopal, de Pelligrino Tibaldi , em Milão.

132
57. CARLO MADERNA . Palazzo Mauci. Roma. 58. Al'ITONIO DA SANGALLO. Palazzo Sacchetti . Roma.
a integralidade da parede 5 • Quanto ao Palazzo Também isso muda depois na primeira metade
Farnese, Sangallo nunca pensou em aplicar frisos do século XVII.
sob os frontões das janelas; faltam igualmente as 3. A composição horizontal. A largura da fa-
pilastras ou as meias colunas que dividiriam a pa- chada geralmente é muito importante em relação à
rede e, embora se possa dizer que de alguma ma- altura: há uma visível predileção pela fachada am-
neira as colunas das janelas as substituem, elas pla, faustosa, confortável. Mesmo sendo a largura
também tenninam desaparecendo sem que nada muito importante (o Palazzo Ruspoli de Am-
as su bstitua. Mais que isso, chega-se a deixar as rnannati comporta dezenove eixos) 8, o corpo da
janelas do mezanino pairar inteiramente livres no construção não é dividido em alas salientes (como,
ar (Palazzo Sacchetti, de Sangallo, Fig. 58) 6 e, por exemplo, na Chancelaria) ou por uma saliência
finalmente, a retirar a um andar inteiro qualquer no centro, mas mantido numa massa homogênea.
apoio tectônico (Palazzo Ruspoli de Ammannati). O Palazzo Barberini já pertence a uma fase de
O barroco tardio torna a empregar as pilastras, sensibilidade inteiramente nova.
como no Palazzo Odescalchi de Bemini, modelo A disposição ótmica das janelas 9 é uma espé-
de todas as construções posterio res (Fig. 11). cie interessante de - desenvolvimento horizontal,
O mesmo gosto pela unidad e da massa deter- que se encontra na fachada dos fundos da Sa-
mina a relação entre a parede e a abertura. As pienza (talvez uma evocação de Michelangelo) 1º
largas janelas da Renascen ça tomam-se cada vez e é empregada diversas vezes por Giacomo della
mais esguias, elegantes, quase comprimidas, de- Porta (Palazzo Chigi na Piazza Colonna) 11 • As
vendo recuar diante da massa da parede. Os pisos janelas se juntam no centro em movimento vivo,
são elevados a tal ponto que se origina uma enquanto, nas extremidades, janelas isoladas lhes
grande superfície vazia na parede acima das ja- opõem um sereno ponto de partida (Figs . 60, 61).
nelas 7. Térreos - completamen te fechados e sem
4. A composição vertical não mais se apresenta
nenhuma divisão produzem um grande impacto
numa seqüência de andares autônomos, de forma-
de poder como na Sapienza (segundo o modelo
da villa do papa Júlio?). Abandona-se o preen- ção progressivamente mais leve, fazendo que o
chimento decorativo das superfícies. todo pareça composto de elementos homogêneos.
Agora, pelo contrário, um andar domina decidi-
damente, devendo os outros, que não possuem
5. É característica a omissão das arúculaç~ no Palazzo
sentido ou significado a não ser em relação a ele,
Anguillara de Arnmannati (Florença), que no ma1Srepete exata- submeter-se.
mente o tipo Lardarel .
6. Até que ponto se teria gostado de ir quanto a isso pode-se
ver em ilustrações contemporâneas. Lembro-me de uma reprodu-
ção do Palazzo Salviati (Gal. Doria, sala IV, n. 13, atribuída a 8. Reprodução em FÊ.RRERIO, Paiarri di Roma, 1, 23 .,
Poussw), na. qual esta parte está elevada ~uito n;ais do q~e na
realidade. Isso intensifica grandemente a 1mpressao de maJesta• 9. Preparada pela disposição m~u:ica, mas movimentada,
de . das janelas nas fachadas laterais do Palaz.z.oFarncse.
7. Conwdo Vignola awdalhes dera uma pequena comija LO. FERRERIO, l, 30,Ler I. 70.
sobrea qual se podiam firmar (Palazzo Farnesc, Piaccnza). 11. FERRERIO, 11, 14.

134
59. CARLO MADERNAe BERNINI.Palazzo Barberini. Roma.
O andar principal visa retirar do andar se- princípio da unidade da fachada, atribuindo-se
guinte toda autonomia. Essa posição dominadora novamente o mesmo valor a cada andar (Palazzo
é expressa no desenho das janelas: no térreo ele é Altieri etc.; exemplos isolados já se encontram
severo, em cima, bem simples, ficando rese rvada antes, por exemplo, o Palazzo Sciarra.)
para as -janelas do meio uma abertura majestosa, o · desenho homogêneo da fachada começa
o frontão bem proeminente, consolos e batentes. com os últimos trabalhos romanos de Bramante.
O efeí_to principal, porém, reside na altura impo- O Palazzo Giraud se distingue essencialmente da
nente desse andar, que corresponde à poderosa Chancelaria por sublinhar mais o andar principal.
ordenação das salas no interior; mas como essas No térreo ao mesmo tempo desaparecem as juntas
salas são iluminadas insuficientemente por uma verticais, o que acentua o caráter de mero pe-
única fileira de janelas que ficam bem abaixo da destal. Este' ideal está realizado com mais clareza
metade da altura da parede, era neces sário abrir no último estilo de Bramante, representado por
uma segunda fileira de aberturas de luz menor es, sua própria casa 13 : embaixo, alvenaria rustica,
que de fora parecem um mezanino. Não faltam com a aparência indiscutível de pedestal; em ci-
casos em que foi prevista uma sobreloja, mas são ma, urna ordem de meias colunas geminadas. Um
raros 12 • desenvolvim ento ulterior foi realizado por Ra-
O mezanino não é mais encoberto ou disposto fael(?), acrescentando um terceiro andar como
apenas de modo decorativo, como na Renascen - ático no Palazzo Vidoni-Caffarelli 14. O mesmo
ça, podendo aparecer com significado ' arquitetô- ocorre no Palazzo Costa de Peruzzi 15, onde as
nico e até com muita importância, pelo ritmo meias colunas são atenuadas em feixes de pilas-
cheio de impetuosidade que ele empresta ao de- tras 16(Fig. 62).
senvolvimento vertical da fachada. Ele não ocupa Mas, ainda que modificada, a unidade formal
exatamente o centro entre as grandes jan elas e a da Renascença não satisfazia ao gosto barroco.
cornija, parecendo deslocado para um ou outro Da! em diante, não se suporta mais a divisão do
lado. É preciso um senso aguçado de proporções corpo do edifício em elementos claramente sepa-
para combinar entre si as dimensões das jane las . rados, devendo a fachada ser concebida como
Mas há e~emplos excelentes . nos quais as janelas uma grande massa homogênea. Por isso o barro-
da fila superior são calculadas como o termo mé-
dio entre as janelas principais e dos mezaninos,
garantindo assim satisfatoriamente a harmonia da 13. Ver acima nota 6 do capítulo anterior.
14. Reprodução em LETAROUlLL Y ,I, 106,Asjuntasverticaís
fachada. Os florentinos nunca simpatizaram com desaparecem também no pedestal de alvenaria rástica. A forma
o mezanino. Também em Roma ele torna a desa- atual do ático em todo o caso não deve ser atribuída a Rafael.
Teria ele realmente previsto um ático?
parecer, quando, mais tarde, foi abandonado o
15. LETAROUILLY, I,43 .
16, Sem alvenaria rústica: o pequeno Palazzo Spada, Via Capo
di Ferro(LETAROUILLY,I, 27, PEYER-IMHOF,18)e o Palaz-
12. Serlio afiffila que para o inverno se exigiam espaços me- zo de Vignola na Piazza Navona (LET AROUILL Y, I, 37). Giulio
nores por causa da calefação mais fácil. BURCKHARDT, Re- Romano não conseguiu nunca resolver o problema. O seu ponto
naissance inltalien, p. Í90. fraco sã~ as proporções,

136
co evita os contrastes assim como uma nítida se- os arcos no térreo não são barrocos. Em seguida,
paração dos cordões de andares, as ordens de o Palaz2.0 Nicollini, de Sansovino 21 • Percebe-se
pilastras e de meias colunas. Não são as formas ali claramente que não é por um novo sistema,
precisas, mas as proporções das massas que con - mas pelo tratamento dos dados já existentes que
tam. o barroco se manifesta, principalmente oa relação
O primeiro grande modelo de uma fachada entre a parede e a abertura, na proporção das ja-
nesse espírito (sem mezanino) teria sido dado por nelas em relação ao andar e dos andares entre si.
Antonio da Sangallo no Palazzo Famese, se Mi- Doravante, desaparecem do térreo as pequenas
chelangelo não tivesse modificado a obra oo 111- lojas. O Palazzo Angelo Massimi 22 de Peruzzi (?)
timo instante. O que certamente não foi vantajo- (ao lado de Massimi alie Co lonne ) já procura o
so, pois, levantando a comija dois metros 17, as efeito de massa e é muito contido na expressão.
Janelas perderam toda a proporção, parecendo O Palazzo Sacchetti, de Sangallo (Fig . 58) 23 ,
realmente pequenas demais • A intenção de
18 que foi sua própria casa, é interessante como ex-
Antonio era levar a comija tenninal para cima e pressão da sua convic ção mais pessoal, mas as
bem perto dos frontões da fileira de janelas supe- grandes janelas do térreo são ainda incômodas. A
riores, de modo que o andar principal, com suas finestra terrena, como era apreciada em Floren-
grandes janelas e a grande porção de parede que ça, não com bina com o aspecto de pedestal desse
as encima mantivesse seu efeito, que se perdeu andar. Citem os ainda o Palazzo Mattei Paganica,
completamente pela repetição -(mais fraca) do de Vignola 24 •
mesmo motivo no primeiro andar (Fig. 14). O Palazzo Farnese 25 em Piacenza, construído
De resto, essa idéia não se perdeu; o espírito por Vignola e iniciado antes de 1550, sob a in-
barroco a concebeu e vai retomá -la: meio. século fluência de Sangallo, apresenta um grande inte-
mais tarde, reaparece - não, certamente, de uma resse. Cinco andares são ali dispostos de tal mo-
mane.ira muito feliz - no Palácio do Latrão, de do que, para a vista, só existe um andar princi-
Domenico Footana 19 • pal. O efeito poderoso de massa não é mitigado
Quanto à fachada com mezanino acima das ja - por nenhuma espécie de divisão vertical. Os me-
nelas principais, do tipo descrito acima, já na zaninos (retan gulares, à maneira de Bolonha) re-
Renascença se encontram exemplos, principal- pousam ainda em seus próprios frisos, subordi-
mente o Palazzo dell'Aquila, de Rafael 2 º. Apenas nados a eles. Contudo, as proporções são ainda
bastan te tíµridas, pois ainda não se chegou à
grandeza romana.
17. LET AROUILL Y, tel110 da p. 289 .
18. Cícero, II 4 , 208.
19. FERRERIO, I, 10. LETAROUILLY, 111,229.
21. LETAR OUILLY, 1, 14.
20 . Veja acima nota. Restauração em LET AROUILL Y, III,
22. LET AROUILL Y, III, 299.
346 . GEYMÜ LLER, Raffael!o, f. 30, 31. Aqui aparece m~is clara-
mente do que na restauração de Letarouilly o caráter re11J1SCen- 23. LET AROUILL Y, II, 92.
tista. Os arcos embaixo são mais pronunciados, o andar principal 24. L ETAROUILL Y, ili, 314.
é menos dominador, a comija, mais acentuada. 25. GURLITT, Fig. 19.

OS PALÁCIOS 137
60. GIACOMO DELLA PORTA. Palaz.zo deUa Sapienza. Roma.
l' li \I ") /JJ IJ. 11.1-, I f (.«;
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-.nc;·1'1H:-c1r, • n ~,-..,srr,'\'oCIIIGI ,, . rHJ I \ ,f'I.QSJ,.'A in,.111t1 JT\ A.\ Dl IJ ... .,, ,o ,,. 1 L \ l'CR ÍI
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-- - ..._ _..."""',d- ..,_.,_,...,..
...- .._ ...._ ,.. ••

61. GlACOMO OELLA PORTA. Palaz.zo Cbigi. Fachada segundo Ferrerio. Roma.
Giacomo della Porta, discípulo de Vignola, dá também para o Palazzo Farnese, Sangallo tinha
o passo decisivo tanto na arquitetura religios a projetado pilastras angulares, mas depois foram
como na arquitetura civil, ao dar ao palácio a substituídas por saliências de alvenaria. Os últi-
plenitude maciça e o movimento da composição, mos exemplos das pilastras angulares romanas
característicos do barroco. O Palazzo Paluzzi, o são as · da villa do Papa Júlio. Esse motivo, que
Palazzo Boadile e um palácio sem nome na Via remonta provavelmente aos arquitetos florenti-
del Gesu (demolido) 26 ainda são sóbrios e come- nos, estava em contradição com o gosto barroco
didos, mas a seguir as formas se tomam mais pela massa.
cheias, entrando nas proporções aquela ~osão que A comija s6 pode sobressair pouco, porque o
é característica do barroco: Palazzo Chigi 27 , Palaz- andar de cima tem pouca altura. O exemplo de
ro d'Este 28 e Palazzo Serlupi (inacabado) (Fig. 61). Michel~gelo no Palazzo Farnese, apesar de toda
a admiração que suscitou, não foi imitado. A
5. As divisões. O pedestal. Na Chancelaria o
fonna dada a ele é variável, confonne o caso. Em
pedestal ocupava a quarta parte da altura do tér-
Florença a pequena armadura de telhado saliente
reo; no Palazzo Farnese é um batente salie nte,
é mantida (Fig. 14).
muito mais baixo; mais tarde quase não é indicado.
O friso debaixo da cornija, que, por exemplo,
Os arquitetos se contentam com lajes pequenas
no Palazzo Pandolfioi de Rafael parece larga fai-
com o lado estreito voltado para cima: o térreo to-
xa frontal, magnífica, sem ornamento, as mais
do substitui o çedestal (Fig. 14).
das vezes é omitido no barroco romano, pois o
Os frisos igualmente são estreitados em sim-
motivo é considerado demasiadamente sereno.
ples faixas, para evitar interrupções marcantes.
Quando aparece, o friso é bem estreito e orna-
Na época de transição havia preferência por fai-
mentado, como no Palazzo Farnese e (mais estrei-
xas robustas, decoradas por meandros e reforça -
to) no Palazzo Lateranense.
das por um friso ornamental. Anteriormente,
quando havia ordem de pilastras, usa va-se um 6. As janelas. As janelas não têm mais forma
entablamento cheio. Florença conserva essa for- autônoma; não são mais edículas, pequenas casas
ma ainda por muito tempo no que se refere à pi- sobre a casa, que apresentam suas próprias meias
lastra de canto. colunas ou pilastras, coroadas por um frontão 29 •
Em Roma os cantos não são de modo nenhum O barroco não admite essa existência isolada, io-
acentuados (poucas vezes) ou são sublinhados di vidual. Uma faixa simples, muitas vezes esca-
com pedras de tamanho diverso, resultando uma lonada em direção à parede, substitui a pilastra
linha divisória atormentada. Originariamente, ou a meia coluna, mas o frontão é sustentado por
consoles que tenninam nessas faixas murais.
26. A autoria dos projetos de todos é incerta. O Palazzo Pa.luz-
zi ê reproduzido cm FERRERIO, II, 39 e GURLITT, Fig. 30; o
Palazzo Boadile em LETAROUILL Y, 1, 36; o Palazzo da Via dei
Gesil em FERRERIO, II, S2. 29. Em Florença não se renuncia às janelas autônomas . Ape-
nas Ammannati, depois de uma eslllda em Roma, procurou in-
27. FERRERIO, li, 14. troduzir em Floren ça a inovação ; mas no Palazzo Pitti teve, con-
28. FERRERIO, li, 20. tudo, de se contentar com a forma o-adicional.

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62. BALDAS SARE PERUZZI. Palau.o Costa. Fachada segundo Letarouilly. Roma.
É esse o tipo básico da janela barroca, cuJa Apesar de toda a moderação da arquitetura de
fonna certamente remonta a Micbelangelo, como palácios, a preferência barroca pela ênfase exclu-
se vê, primeiro, no Palazzo Riccardi (Mediei) em siva das partes superiores é inegável. A cobertura
Florença 30 , depois na capela mortuária de S. Lo- horizontal da jan ela por um alpendre é, certa -
renzo e no primeiro andar do átrio do Palazzo mente, um motivo simples; contudo, quando pos-
Farnese . O mesmo expedient e é logo encontra do sui um desenho muito firme, lança uma sombra
em Peruzzi, no Palazzo Linotte e (sem faixas) no muito forte e portanto uma acentuação unilateral
Palazzo Costa (Fig. 62 ). da extremidade superior . O únpeto vertical mani-
Se as janelas da moradia de Bramante têm festa-se ainda com mais clareza nos frontões.
frontões sem consoles, as posteriores adquirem Toda a força plástica é lançada para cima. A isso
uma forma mais_ rica pela duplicação dos conso- se opõe a regularidade perfeita das janelas da
los, um voltado para a frente e o outro para o la- Chancelaria. O Palazw Giraud mostra já os sin-
do (Giacomo della Porta, Palazzo d'Este), pela tomas da mudança de estilo: as pilastras das ja-
ruptura da base do frontão e pelo suporte de um nelas pennanecem sem qualquer ornamento, toda
prolongamento por meio de tr!glifos colocados a decoração se amontoa nos listéis dos arcos.
acima do peitoril da janela. 7. Os portais. A disposição da porta é condi -
No conjunto, o frontão é utilizado com parci- cionada externamente pela necessidade de uma
mônia; muitas vezes é substituído por um sim ples abertura alta e larga para a entrada de carros. So-
alpendre horizontal (com ou sem consolo); mas, bre o uso generalizado de carros, cf. Ricci, Sto-
via de regra, é reservado para o andar que se ria deli' architettura in ltalia, II, 45 32 • Essa ne-
quer acentuar . As janelas do térreo são então cessidade funcional favorecia as intenções do es-
providas do alpendre simples, já mencionado, tilo barroco, nomeadamente na sua forma tardia.
mas aquelas do último andar possuem apenas um O portal tomou-se a peça de ostentação da fa-
enquadramento bem restrito. chada. Ele recebe o melhor acabamento no ponto
Do mesmo modo, o desenho da base da janela em que, atingindo o andar principal, sustenta um
é variável. Primeiramente, cada janela tinha seu balcão e se prolonga numa rica janela central
próprio batente. Agora, ele só é tolerado em lo- com um escudo de armas e ornamentação diversa.
cais privilegiados, pois significa um indício de Os primeiros portais suntuosos com colunas e
autonomia. Em outros -. lugares as janelas devem meias pilastras laterais encontram-se em Sangal-
assentar diretamente num friso 31 , como ocorre lo, no Palazzo Palma e na Chancelaria. O do Pa-
com regularidade no ó.ltimo andar. lazzo Farnese, de alvenaria rostica, é cheio de re-
cato. A janela e o brasão acima do portal são de
30. Reprodução em BURCKHARD T, Renaissance in ltalien,
fig. 9; VASARJ, VII, 191: (Michelangc!o) "_fcce ~r i1 palazzo Michelangelo. É o primeiro exemplo de tal coo-
de'Medíci il modcllo di alcune fioestre 1n-gmoccbiate a quelle
stanze che sono sul canto" etc.
31. Sem que por isso a borda interna da moldura tenha rece- 32. O aumento do tráfego de call'OS tamb&n exigiu um alar-
bido na p~ de baixo uma di~ão horizontal fechando para gamento das ruas, o que naturalmente repercutiu na expressão
dentro, segundo o gosto da Renascença. formal das fachadas.

142
junto. Do período propriamente barroco não pro- minar os arcos de cima. Para isso Michelangelo
duziu nada de pomposo; a pompa foi acrescenta- escolheu o arco abatido em vez do arco de volta
da por arquitetos posteriores. Nomeadamente as inteira ; além disso, murou dois lados das arcadas 34 •
colunas salientes pertencem apenas a uma fase No segundo andar. que Sangallo também pro-
tardia do estilo. jetara fechar, ele procede independentemente: dá-
F.rn contrapartida. procura-se. desde o início. lhe uma altura maior (que corresponde às modifi-
acentuar a impressão de imponência utilizando cações feitas na fachada). divide-o com feixes de
um terreno em declive e outras particular'i.dades pilastras, abre janelas atormentadas. que lembram
desse tipo 33 • as fonnas da Laureoziana. fragmenta o friso para
dar-lhe movimento, concebendo o conjunto para
8. O pátio. O espúito da Renascença talvez
contrastá-lo com a severidade pesada das partes
não tenha se pronunciado com tanta pureza como
inferiores . Mas que diferença com a sutil articu-
no desenho leve e livre de uma série de átrios com
lação da Chancelaria! (Fig. 64).
pilares e pequenos átrios. Em Roma, temos o
A diferença não está só na construção com
exemplo incomparável da Chancelaria, que não
pilares. No Palazzo di Venezia, Roma possui,
foi imitado. Se aqui e ali ainda se encontram ar-
dos inícios da Renascença, um átrio com pilares
cadas com colunas, são casos muito raros e sem-
de meias colunas num desenho dos mais alegres:
pre de mestres do Norte da Itália. A gravitas ro-
duas claras arcadas sobrepostas, proporções leves
mana exige o pilar e diz-se expressamente que os
e esbeltas, colunas em pedestais altos, um enta-
átrios com pilares são construídos à romana. O
blamento e uma comija que nada têm de pesados.
barroco s6 dá ao átrio uma forma regular quando
Esses elementos são, em contrapartida. utilizados
dispõe de grandes dimensões; nos palácios meno -
no Palazzo Farnese justamente em sentido contrá-
res o átrio perde a importância como lugar de la-
zer (Fig . 63). rio, para produzir um efeito severo e pesado!
Entre esses grandes .átrios alguns têm um O Palazzo Farnese de Vignola, em Piacenza,
efeito imponente, tanto por causa das dimensões pennaneceu incompleto e foi em parte descarac-
como da pesada imponência. terizado por construções posteriores. Estavam
O primeiro modelo importante é o átrio do projetadas: duas filas de arcadas, as aberturas se-
Palazzo Farnese (Fig. 64), Encontram-se ali arca - paradas por largas massas murais, ângulos do
das com pilares com meias colunas, executadas átrio arredondados com dois nichos sobrepostos.
nos dois andares, tendo em cima um terceiro andar Num dos lados uma exedra colossal. Tudo o que
com uma ordem de pilastras. O térreo e o primeiro restou foi apenas construção bruta, mas vê-se
andar são de Antonio da Sangallo; quando Mi- claramente a idéia de Vignola: impressionar por
chelangelo retomou a construção, só faltava ter- meio do contraste com a fachada. Os cinco anda -
res do exterior estão ali reduzidos a dois, de pro-
porções enonnes.
33. SCAMOZZI (Arclutett11ra, I, 241) exige que os palácios
tenham um espaço livre para favorecer uma manobra aparatosa 34. O fechamento da fachacb frontal e dos fundos foi feito
dos carros na chegada. mais tarde.

OS PALÁCIOS 143
63. BRAMANTE. Chancelaria. Roma.
Tornamos a encontrar essa idéia no Castelo de 2) A costumeira fonte encontrada no átrio não
Caprarola, concluído por Vignola. Do lado de fo- é mais colocada no centro, tnas num nicho junto
ra, um pentágono, dentro, um círculo; no exterior à parede.
quatro filas de janelas, no interior apenas duas 3) Dispõe-se para o olhar uma perspectiva
arcadas correspondentes aos dois andares princi- daquilo que fica além do átrio, atraindo assim
pais; o resto desaparece, ficando invisível para a imagina ção para longínquos horizontes.
quem está no pátio. Peruzzi, que também tinha Pensemo s no efeito pictórico dos dois pátios
feito um plano para Caprarola, tinha pensado sucessivos do Palazzo Massimi alle Colonne, de
num pátio pentagonal com pilares. Vignola não Peruzzi. Depois, no Palazzo Sacchetti com vista
empregou pilares separados, mas uma parede para o jardim e as loggias abertas. No estilo
com abertura em arcos a distâncias regulares. grandioso, Michelangelo tinha projetado para o
Embaixo, alvenaria à maneira de pedestal; em Palazzo Far nese uma vista para o jardim com o
cima meias colunas geminadas entre os arcos. touro farnesiano no grupo da fonte; no fundo
O todo possui uma gravidade verdadeiramente pretendi a erguer uma ponte sobre o Tibre que le-
grandiosa. varia às propriedades famesinas do outro lado do
Os átrios com pilares construídos mais tarde rio 35 • (Também no primeiro projeto de Sangallo
em Roma, a Sapienza de Porta, o Collegio Ro- estava prevista a abertura de perspectiva dando
mano, de Ammannati, e o Quirinal, de Mascheri- para um nicho no jardim do fundo.)
no, são grandiosos e frios. Onde não se descortinava vista para longe,
As pilastras substituem as meias colunas, e a procurava- se, com ajuda de ao menos uma ar-
disposição central em toda a parte é preterida quitetura pomposa , dar a impressão de que a en-
pela disposição longitudinal. trada se abria para algo inteiramente novo e ain-
O palácio particular renuncia a uma forma re- da mais importante.
gular do átrio. Não se quer que o espaço aja por A colunata de Borromini no lado esquerdo do
si mesmo. O átrio não é um todo independente átrio do Palazzo Spada é um exemplo curioso
com direito próprio; ao contrário, s6 se pensa no dessa mania de alargar todos os espaços ao infi-
aspecto que oferece a quem entra na casa . Per- nito. Está disposta de tal modo que se tem a im-
dendo-se o caráter de lugar de lazer, o importante pressão de estar olhando para uma perspectiva
é sobretudo não mostrar em parte alguma limites, profunda (Fig . 66).
mas antes atrair o olhar para uma grande pers- Mais tarde, quando os recursos se tomam mais
pectiva . limitados, os arquitetos se contentam com pers-
A transição da disposição central, representa - pecti vas de jardins apenas pintadas, principal-
da pelo pátio fechado, para a longitudinal se ma- mente no Norte da Itália.
nifesta nos pontos seguintes:
35. VASARJ, VII, 224: "A una occhiat.a il cortlte, ta fonte
1) As paredes laterais são negligenciadas, de- (touro farnesino), strada Julia ed il ponte e Ia bcllezza dell'altro
dicando- se toda a atenção apenas à fachada do giardino fino all'altra porta". (A l1IIl simples olhar (vê-se) o pá-
tio, a fonte, a Via Julia e a ponte e a beleza do outro jardim atl! a
fundo, às vezes também à da frente. outra porta.)

OS PALÁCIOS 145
64. ANTONIO DA SANGALLO e MICHELANGELO. Palazzo Famese . Roma.
Com o desenvolvimento ulterior do estilo pro- iluminação própria. Mas a coisa mais admirável é
cura-se um efeito de contraste, fazendo explodir, o aclive tranqüilo e a amplidão faustosa dos cor-
depois de uma fachada discreta. toda a abundân- redores abobadados e sem ornatos. Mesmo num
cia de uma riqueza alegre e exuberante. edifício de fonnas tão amplas quanto o famesia-
O exemplo mais significativo é o Palazzo no, os degraus da escada ainda são muito íngre-
Mattei di Giove de Madema3G. No fundo, uma mes, os corredores estreitos. As escadas de San-
fila de três arcos vistosos, coroada com balaus- gallo no Palazzo Farnese são, primeiro, bastante
trada e estátu .as, concebida como introdução para satisfat6rias para o sentimento moderno: degraus
um jardim. As paredes laterais do átrio são orna- bem largos, baixos, levemente inclinados (Fig.
mentadas com frisos verticais e mõ.Itiplos relevos 65); a subida possui aquela dolcezza que Vasari
(em oposição à fachada inteiramente sem ornatos,
na qual predomina a linha horizontal); enfim o
lado da casa, não menos suntuoso, abrindo-se pa-
ra o átrio por dois andares de arcadas.
9. As escadas. O orgulho do palácio aristocrá-
tico é a escada cômoda, larga, cheia de luz, como
a descrita por Vasari (lntroduzione): "vogliono
65. Degraus da escada, Palaz:i;oFamese.
!e scale in ogni sua parte avere dei magnifico,
considera ideal, mas que ele mesmo jamais al-
attesoch~ molti veggiono le scale e non il rima -
cançou. A comparação entre as escadas farnesia-
nente della casa" *.
nas e as dos Uffizi em Florença demonstra o
Os romanos jamais sonharam com as suntuo-
contraste entre a grandeza tranqüila dos romanos
sas escadas dos palácios de Gênova com suas di-
e a alma florentina, mais seca e dura. Se esse
versas rampas e perspectivas pictóricas para
tratamento romano da forma adquire em breve o
átrios colocados mais acima ou mais abaixo. O
caráter de uma frouxa gravidade, isso se deve à -
vestíbulo é um simples corredor . abobadado, que
natureza do estilo barroco, podendo a dolcezza
leva ao pórtico do átrio. Esse pórtico dá., numa
ser levada a tal ponto que se torna absolutamente
das extremidades, para a escada. A própria esca -
incômoda.
da s6 tem um lance largo, fechado entre as pare-
des. (0 espaço livre central é um motivo poste- 10. Interiores. A sala do palácio barroco tem
rior.) A subida geralmente tem só uma volta, e, as mesmas proporções que já consideramos por
em exemplos mais ricos (posteriores), duas ou ocasião do interior das igrejas. Almeja-se sobretu -
três. Os patamares têm, na medida do possfvel, do a maior amplidão possível. Não são mais peças
que o morador pode ocupar inteiramente, propor-
cionais ao seu tamanho - o que constitui preci-
36, LETAROUlLLY, I, 108. samente o encanto principal de alguns aparta-
• As escadas devem, em todas as suas partes, dar uma idéia
de magnificência, já que muita gente vê. as escadas e não o resto
mentos renascentistas -, mas peças de dimensões
da casa. grandiosas.

OSPALACIOS 147
66. BORROMlNI. Galeria do Pa.lauo Spada. Roma. 67. BERNINI . Palazzo do Yaúcano. Sala Regia.
68. CARLO MADERNA. Palau.o dei Quirinal.e.Sala Regia. Roma.
O teto via de regra é plano, de madeira, rica - tapeçarias; segue-se um friso vazio, e a decora -
mente ornamentado e com uma composição re- ção dessa parte conclui com cimásio bem subli-
buscada. Utiliza-se parcimoniosamente as cores : nhado. Ela não ocupa muito mais do que a meta-
vennelho, azul e um pouco de dourado. Os pri- de da altura da parede . O espaço restante até o
meiros exemplos são de Peruzzi, cujo Palazzo teto é recoberto por a.frescos contínuos. Essa es-
Massi.mi alie Colonne atinge aqui e ali uma pro- pécie de divisão intensifica ao máximo a impres -
fusão contida; depois, Antonio da Sangallo, com são de peso 39 (Fig . 68).
os tetos do Palazzo Farnese e da Sala Regia no
Vaticano (em estuque), pesados e rebuscados. O
paroxismo é alcançado por Maderna na Sala Re- Também encontramos a substituição das tape-
gia do Quirinal (Fig. 68). çarias por simples painéis. Para o espectador é
Ao lado da sala com teto plano também se en - detenninante a ausência de plinto e de pilastras
contra a ab6bada com tabique quadrado, que, que, na Renasc ença, dividiam a parede em super-
inicialmente, era coberta de pinturas apenas no fícies que produ .ziam muitas vezes um efeito
centro ; mas que, pouco a pouco , passa a ser in- muito agradável. Uma inovação interessante con -
teiramente recoberta. (No in ício, utilizada ape nas siste em que " a peça de ostentação dos palácios
para peças compridas .) não é mais a sala central quadrada, mas urna sala
Por vezes, a arquitetura da parede cria uma estreita, bastante comprida" 4º, chamada la galle-
ilusão óptica que dá à sala uma aparência de ser ria. Também aqui temos a passagem do central
maior do que é37 • Peruzzi oferece-nos já admirá- para o longitudinal. Citemos a Galleria Farnese
veis exemplos desse estilo na sala superior do de Vignola; depois (ainda mais estreitas ) as gale-
Palazzo Famese 38 ; Vigoola, em Caprarola etc. rias do Palazzo Daria e do Palazzo Colonna. A
Mas, no primeiro período do barroco, a forma forma naturalmente é derivada da loggia. O fato
mais freqüente de decoração mural é aq uel a que de Scamozzi 41 pensar que ela se origina de
C: Maderna empregou na Sala Regia do Quirinal: "Gaule" deve- se unicamente a uma interpretação
embaixo, as paredes são revestidas de grandes etimológica equivocada.

37. VASARI, VII, 108.


38. Sodoma tinha evidentemente a intenção de ampliar a sala
onde pintou Roxane: o quadro não tem moldura, nem seq~er
39. Como nas igrejas, também a.qui o interior, no conjunto, ê
uma guarnição, assentando imedíatamente no soalho. O único mantido numa obscuridade maior do que i1aRenascença'.
elemento de separação é uma balaustrada bem pequena. O efeito 40. BURCKHARDT, Cicerone,U4, 277.
do conjunto é extremamentedesagradável. 41. Arclútetrura, I, 305.

150
3. VILI.AS E JARDINS

1. Desde o início da Renascença, a Itália pos-


sui duas espécies de villas: a villa. de campo pro-
priamente dita, um grande edifício cuja economia
e cujas instalações são previstas para permanên-
cias prolongadas e todo o conjunto de serviços, e
a pequena vil/a suburbana, na saída da cidade,
que s6 servia para acolher por breve tempo uma
companhia agradável1, e cujo objetivo principal
era permitir a seus ocupantes saborear os pram--
res de uma vida longe das restrições da cidade.
Por isso a arquitetura era o mais possível leve e
alegre: amplas salas abertas~ . planta articulada,
que muitas vezes renuncia até à simetria; no inte-
rior um complexo de cômodos claros e ~pios,

1. Divisão teórica já em Alberti. Cf. BURCKHARDT, Re-


naissancein ltaiien, p. 219.
"transparência; tudo é cheio de ar e de luz" (J. fachada lisa do palácio urbano: um andar princi-
Burckhardt)2. O modelo mais perfeito de uma pal com mezanino, sem pilastras, janelas sem or-
villa urbana no estilo da Renascença é a Villa Far- namentos. A oposição entre o lado da rua e do
nesina (Fig . 69). jardim é executada do modo mais enérgico; a fa-
2 Mesmo nas casas de lazer o barroco não chada dos fundos, de uma riqueza esfuziante,
perde de todo a seriedade . O estilo maciço apo- apresenta flancos salientes, pequenas torres,
dera-se também da villa; ao mesmo tempo procu- grandes salas abertas com colunas de arco central
ra-se o contraste entre a fachada da frente e a dos em semicírculo, uma parede coberta de nichos,
fundos: na frente, aspecto severo, pouco atraente; relevos, guirlandas e medalhões, em parte super-
na parte de trás, onde se está "mais à vontade" a postos. Uma progressão para o centro anima o
riqueza exuberante. Estudemos primeiro a villa conjunto, enquanto os nichos exteriores perma -
suburbana. necem vazios (Figs . 70- 71).
A reforma da Villa Madama enfatiza com toda A Villa Borghese (Fig . 72) de Vasanzio é
a energia o aspecto imponente e a seriedade pe- uma construção barroca típica, Aqui não havia
sada. A disposição de Rafael, que irradiava ale- propriamente o lado da rua, já que todo o edifício
gria, foi transformada por Giulio Romano numa se acha dentro do parque; não obstante, a dife-
disposição tão grandiosa que se tomou quase si- rença entre a frente e os fundos é mantida de
nistra3, predominando a impressão de grandes modo preciso. O motivo da parede ornamentada
superfícies unifonnes. A Villa Lante no Giani- na frente só aparece nas partes laterais salientes.
colo, igualmente de Giulio Romano, é uma obra Mas esses flancos não são livres e independentes
anterior, também pouco alegre e na qual a in- como, por exemplo, na Famesina, mas, ao con-
quietude barroca se manifesta na disposição das trário, ficam pres·as à massa. As saliências que
janelas. A Villa di Papa Giulio é totalmente substituem as pilastras, a l.oggia sobre a qual pe-
anormal, mal merecendo ser evocada. Tantos ar- sa uni ático alto, a parede sem divisão, todos es-
tistas diversos contribuíram na construção que o ses elementos evidenciam um gosto pela força
resultado não possui qualquer atrativo. opressiva. E precisamente a comparação desse
O primeiro modelo importante é a Villa Medi- edifício com a Famesina talvez seja a mais apro-
ei, de Nanni Lippi 4 • O arquiteto adota também a priada para tomar clara toda a mudança que
ocorre no gosto artístico: de um lado um corpo
perfeitamente delineado e composto, do outro,
2. "Tota ac<lium focies atque congressio penitus sit illustris uma sujeição à matéria que dá a impressão de ar-
atque admodum perspicua- Amideanromnia a<lventu hospitis at•
que congratulentur." Alberti, lib. IX . (Que ao se vere<lescobriro ticulação falha.
ediffcio, ele se apresente em todas as partes bem iluminado e cla{o. Além disso, verifica-se agora a necessidade de
- Que, à chegada do hóspede, tudo pareça sorridente e alegre.)
3. Compare-se a obra muitas vezes citada de GEYMÜL- um ndmero maior de cômodos, com o aumento da
LER, Raffaelo smdiato come archiletto.
4. Reprodução em FERRERIO, I, 13. Monografia de BAL- p~ belles ".1'"5ºns de plaisance de Rome etc., Paris, 1809. Ade-
I ARD.Paris,A maioriadasvülascitadasaqui e a seguir tanibém menc10namos as coobccidas coleções e gravuras de ROSSI e
mais,
estão reproduzidas em PERCIER ET LAFONTAINE, Choix des FALDA, com diferentes títulos.

152
69. VillaFamesina.Roma.
-

70-71. NANNI LIPPI. Ville Mediei. Roma.


comitiva do dono da casa. Já não se conhece o grande, Lisa, severa, à maneira dos palácios urba-
prazer de uma existência bela e simples, e em to- no de Roma .
da a parte se torn a necessário um pesado aparato. A Villa Lante6, atribuída, tradicionalmente, a
A Villa Negroni, construída por Dom . Fontana Vignola, tem ainda um aspecto bem renascentis-
para Sixto V, quando ainda era cardeal, não ta. Dois pequenos edifícios quadrado idênticos,
apresenta nenhuma característica barroca: com pilastras geminadas sustentando arcadas falsas,
suas pilastras, parece mais um palácio que uma alvenaria lisa e discreta.
vil/a. Do mesmo modo, a Villa Mattei, do arqui- Caprarola foi construído por Vignola para o
teto siciliano G, del Duca, não faz parte da evo- protegido do papa Alexandre Farnese, e sugere
lução romana . A Villa Daria de Algardi pertence um estilo de vida faustoso (.piano mobile, piano
inteiramente ao segundo período do estilo. dei cavalieri, piano de' staffieri). É uma constru-
As observações que fizemos sobre as salas dos ção pentagonal maciça e imponente. O acesso é
palácios valem a propósito do interior das villas. executado com grande suntuosidade ; no interior,
As dimen ões são aumentadas a ponto de se tor- um átrio redondo, que representa talvez o ponto
narem incômodas . A sala principal abrange dois máximo que a construção civil pode alcançar no
andares 5• Sente -se em toda parte uma atmosfera · campo da gra ndiosidade contida.
cerimoniosa. A Villa d'Este 9 caracteriza-se por uma arqui-
A vil/a suburbana mantém-se voluntariamente tetura árida de palácio, alvenaria simples, janelas
oculta . A entrada não leva diretamente à casa, sem decoração, disposição horizontal; em opo si-
que não deve aparecer imediatamente . Isso se ob- ção à arquitetura urbana, aqui a divisão é feita
serva nos Orti Farnesiani, na Villa Borghese, na por alas ligeiramente salientes (em outros lugares
Villa Doria e outr as. Alberti exigia, pelo contrá- também se encontram saliências na alvenaria
rio, que a villa fosse construída no alto de uma rustica). O motivo principal é o pórtico que con-
pequena colina para que pudesse ser vista togo clui as escadas e os terraços pelos quais se sobe
ao sair da cidade, "tota se facie videndam obtule- através do jardim; a casa s6 interessa quanto à
rit laetam" (que ela se apresente inteira e alegre- sua parte central, isto é, aquela que é visível do
mente à vista) . No barroco só a vil/a campestre caminho de acesso (Fig . 74).
se apresenta dessa maneira.
3. Quanto à arquitetura da vi/la campestre, 6. O esboço em Pereler e Fontaine continua a ser o ónico,
reinava uma grande vacilação no fim da Renas- apesar de muito insuficiente.
7. Reprodução em FERRE RIO, 11, 1 ss.
ce nça. Existem todos os tipos possíveis, tanto nas
8. Também o projeto de Peruui para Caprarola mantém
dimensões como na execução. A Villa Lante a forma pentagonal (ver em R. REDTENBACHER, Mittheilu11 gen
(perto de Viterbo) é pequena, semelhante a um aus der Sa11vnlwig arei,, Handzeichnungen der Uffuien, l, foi.
1875). Da sua parte, ele provavelmente seguia a fortaleza mais ao-
pavilhão; Caprarola é um pentágono imponente, úga que A, da Sangallo tinha construído ali (VASARI, V, 451,
semelhante a um castelo; a Villa d'Este (Tivoli) é xn.) .
9. Muito próximo de Antonio da SaogaUo; compare-se
principalmente o pórtico com a galeria de jardim do Palau.o Sac-
5. Fora da Itália, sempre se chama "sala à iialiana" . . cbetti (reproduzido em LET AROUILL Y, texto da p. 231).

VILL.ASE JARDINS 155


72. GIOVANNI VASANZ IO. Yilla Borghese . Roma.
Esse tipo impõe-se mais ou menos em tudo o pátio do Vaticano, podem ser consideradas como
que se constrói nas imediações de Roma. o modelo ideal para todas essas escadas.
Mas nenhuma dessas construções tem real- A Villa d'Este comporta um canteiro com uma
mente importância. A ausência de formas da corbelh a ao centro, depois uma subida com qua -
Villa Aldobrandini em Frascati (de G. della Porta tro patamares, ainda íngreme, o conjunto tem um
e Domenichino) dá-lhe um aspecto desagradável. aspecto acanhado. Os jardins de Farnese, na en -
Parece que se procurava expressar o caráter rural costa do Palatin o, são muito pitorescos; os quatro
recorrendo a um critério 10 pouco apropriado ao nfveis apresentam uma riqueza e diversidade
aspecto sisudo das fonnas . A fachada posterior é cresc ente, terminando por dois aviários, dispos-
mais livre e serena com urna loggia aberta; o tos assimetri camente. Na Villa Aldobrandini, lar-
mesmo contraste como na vil/a suburbana. A gas escadarias em rampa, que continuam a se
Villa Mondragone, também em Frascati (de M. alargar, são tão ornamentadas com fontezinhas e
Longhi, A . Ponzio e G. Fontana) não passa de limoeiros que os degraus desaparecem . Na Villa
um enorme monte de pedras sem maior valor; a Mondragone uma comprida alameda sobe lenta -
parte central é muito estreita para poder ser en- mente entre ciprestes, e a estrutura desaparece
quadrada pelos ciprestes do acesso. Citemos ain- completamente.
da a Villa Borghese, em Frascati . Diante da casa estende-se uma esplanada em
terraço; primeiro estreita, depois cada vez mais
4. Para ser justo, é preciso ter sempre em
larga à medida que as escadas se nivelam, a es-
mente que a arquitetura não quer ter um papel
planada marca a transição para o gosto pelas su-
autônomo . A casa integra-se modestamente no
perfícies. A da Villa Mondragone já é muito im-
ambiente. Quanto mais esses princípios arquite -
portan te 12; ela se liga à grande vista que, numa
tônicos são aplicados tanto mais desaparece do
palácio toda arte mais elevada. Poder-se-ia pen- época anterior, teria parecido por demais selva-
sar que se visava aproximar arte e natureza. gem e ilimitada.
As partes situadas atrás da casa apresentam o
Primeiro exige-se a valorização do acesso.
Procura-se para a vil/a um terreno em declive, mesmo contraste que se vê no tratamento da fa-
colocando -a bem no alto, de tal modo que o chada da frente e dos fundos. Atrás da casa, onde
acesso possa consistir num sistema suntuoso de uma pessoa não se sente observada, põem-se de
escadarias 11 • As rampas dispostas de forma di - lado as maneiras reservadas. A esplanada dian-
vergente e simétrica, adotadas por Bramante no teira é retangular, a dos fundos é redonda, reto-
mando o motivo do "teatro" de Bramante, no
átrio do Vaticano. O exemplo mais notável en-
contra-se na Villa Aldobrandini 13 , onde a deco-
10. Serllo observa expressamente que no campo rudo é pc.r-
lllÍtido. A passagem está citada em BURCKHARDT, Renaissan- 12. As grandes colunas esparsas são as chaminés das cozi -
ce ín ltalíen, p. 221. nhas subterrâneas .
li. Os jardins da Villa Lante são característicos da Renas- 13. Além das gravuras de Falda, Li Giardini di Roma, deve-
cença; as duas casas se acham ao p~ da encosta; um canteiro qua- se mencionar especialmente a bela obra de Domenico Barriere,
drado constitui a entrada. 'vdlaAldo bratulina T u.rculana. 1647.

VILLASE JARDINS 157


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73. GIACOMO DE LLA PORTA. Villa Aldobrnndini. Detalhe , a 74. GIACOMO DELLA PORTA . Villa Aldobrandini. A grande
ninfa. Frascati. cascata.
ração é riqu(ssima com nichos, fontes, estátuas, lado, um jardim quadrado, também em nível re-
jogos de água etc. Do mesmo modo os arbustos baixado. A ligação é feita por grandes sistemas
das partes da entrada são submetidos a um trata - de escadarias, mas o conjunto não possui unidade
mento severo. Os canteiros da frente são cerca- própria e nenhuma relação com a casa, não se
dos por seb~s da altur a de um homem, tudo her- unindo a ela nem na composição, nem na locali-
meticamente fechado; atrás da casa , as sebes são zação: ele fica aos pés da coli na do pa lácio , li -
mais baixas, o conjunto é mais livre, mais aberto. geiramente des locado de lado, seguindo a confi -
5. Não s6 a área mais próxima à casa, mas to- guração do relevo. Pretendia-se ainda instalar
do o Jardim está sob o domínio de um espfrito num pequeno vale mais para trás um "ninfeu".
arquitetônico, o que, de fato, não é novidade. Já um jardim no qual a água formaria o motivo
a arquitetura dos jardins da Alta Renascença ti- principal (com piscina etc . 15 ) . Segundo os dese-
nha estilizado todos os motivos da natureza, as nhos dos dois Sangallo, que no essencial coinci -
irregularidades do terreno, a ramagem das árvo - dem, a composição teria sido um pouco mais uni-
res, a água, separando as diversas partes do jar - ficada, ligando mais intimamente o jardim à casa:
dim e mode lando tectonicamente cada parte indi- os três terraços supe rpo stos, à direita da casa,
vidual. Mas embora a Renascença trabalhass e acompanham o declive da colina, mas são total -
com motivos arquitetônicos, não os ligava, dei- mente diferentes entre si, de modo que ainda não
xando-os sem unidade de composi ção ; e precisa - se pode falar de um desenvolvimento regular.
mente nisso consiste o progresso realizado pelo O barroco não se sujeita ao terreno, mas o
barroco em direção a uma concepção arquitetôni - submete, procurando impor-lhe, a qualquer pre-
ca do espaço. ço, uma disposição homogênea: há um motivo
principal de uma ponta a outra, perspectivas do-
Na Renascença o arquiteto deixa-se guiar pe-
los movimentos do terreno, renunciando a sub- minantes, e cada detalhe combina com o conjun -
metê -los a um princípio geral . Um exemplo claro to, segundo o seu efe ito tota l; o eixo da casa dos
são os ajardinamentos da Villa Madama, como proprietários é manti do também no jardim, pav i-
foram projetados por Rafael. Possuímos três lhões ou salas de recreaçã o não são espalhados
projetos: um, do próprio Rafael, um segundo de ao acaso ou relegados a um canto, mas postos na
Francesco da Sangallo e um terceiro de Antonio linha central, reinando em toda parte correspon-
da Sangallo, estes dois desenhados para Rafae114. dência e simetria.
Esses projetos representam diferentes estágios da A Villa d'Este, a primeira onde se procurou
evolução. Rafael justapõe três motivos: um jar- uma composição dessa natureza em grande esca -
dim circular no centro, num dos lados, uma espé- la, é prejudicada pelo fat o de que o curso d'água
cie de hipódromo, em nível mais baixo, do outro não coincide com o eixo do palácio, que deter-
mina ao mesmo tempo a aléia principal do jar-

14. H. v. GEYMÜLLER teve o grande mériLO de ter trazido


essas coisas à luz e ter reconhecido seu valor. Cf . Raffaello Sanzio 15. Estudos sobre esse jardim de Antonio da Sangallo en-
swdiaco come archi tecro. As planias estão nos Uffizl. contram-se t.ambém nos Uffizi..

VILLAS E JARDINS 159


dim, o que cria uma ruptura. Mas os dois eixos De duas maneiras se abandona a composição
ao menos são rigorosamente perpendiculares. São arquitetônica. O parque perde-se numa natureza
os jardins da Villa Lante e de Caprarola que selvagem, passando aos poucos para a paisagem
apresentam soluções perfeitamente puras. Na natural, livre; depois, a perspectiva aberta sobre
Villa Lante 16 , o canteiro diante das duas constru - a paisagem é considerada essencial, dispõem-se
ções é quadrado, fechado, autônomo; mas em se- as aléias de tal modo que a distância forma o fe-
guida toda a encosta da colina recebe um trata- cho; em outras palavras, o elemento tectônico in-
mento homogêneo. O motivo principal é um cur- corpora em si algo atectônico, alguma coisa sem
so d'água que aparece sob diferentes formas de forma nem limite. A Renascen ça ainda não ti vera
cascatas e quedas. Os dois lados utilizam uma nem a mais vaga idéia desse tipo de composição.
disposição escalonada, mas sempre simétrica. 6. A arquitetura do jardim barroco organiza,
O jardim tem quatro patamares, cada um deles por princípio, espaços e motivos maiores do que
disposto de forma diversa e ligado ao seguinte os da Renascença. Seu ideal é o spazioso, o am-
por escadas todas diferentes entre si, terminando plo. Vincenzio Giustiniani, que traçou pessoal -
por uma esplanada com uma fonte no mei o e mente os planos de um parque em Bassano, es-
duas pequenas salas de jogos que correspondem creveu17 que se deve fazer um projeto con animo
aos dois palácios inferio res. A mesma unidade é grande. Le piazze, i teatri, e vicoli siano piu
mantida em todos os jardins subseqüentes. lunghi e spazioso che si puo; tudo deve ser con -
Pode parecer estranho que o estilo "pictórico" cebido com o máximo de grandeza, devendo-se
submeta do modo mais radical possíve l o ele- evitar o que pareça abertado e estreito: e sopra
mento mais pictórico, a paisagem, à lei arquitetô- tutto non pecchino di str:etto o angusto. O artista
nica, mas isso é apenas aparente. O barroco esti- não se deve perder em minudências, em lavori
liza a natureza para lhe restituir a atitude de minuti di erbette e fwri, mas acentuar grandes
grandeza e dignidade comedida que a época exi- motivos, omamenti piu sodi, cioe de' boschi
ge. O parque, porém, não é absorvido pela lei ar- grandi, che abbiano del salvatico, de' boschi
quitetônica: o informal e o infinito são introduzi- d' alberi, che mantengono sempre foglie etc . Os
dos na composição, o que torna possível o de- elementos variegados e bonitos devem ser elimi -
senvolvimento da paisagem moderna, de Poussin, nados do parque, onde só se calcula em grande
de Dughet, em contacto com esse estilo de jardim escala. Por isso o canteiro de flores e até tudo
e paralelamente a ele. aquilo que só tem interesse botânico ou medici -
nal e que, antigamente, se acbava espaJbado por
todo o jardim 18 , é confinado a compartimentos
16. A tradição nomeia Vignola como o criador do conjunto.
De fo10 chama a atenção a semelhança com os jardins de Capra-
ção. O esboço em Percier e Foataine é ruim. Há alguns esboços
ro)a. A Villa Lante parece ser a construção anterior. Tu do ali é
em LÜT ZOW, Zcitschriftfiir bildende KwJSI, pp. 292 e ss.
ainda menor e mais amontoado, as formas mais severas (redon-
das em vez de ovais etc.) Segundo Percier e Fonta.me, a villa foi 17. AL TEODORO AMIDENI, BOTTARl, lettere pittori•
melhorada, recebendo a forma atual por volta de 1564; cerca de che, VI, pp. 117 e ss.
1588, foi construída a segunda casa e terminadas as plantações 18. ALBERT!, liv. IX: "haer bis rarioribus ct quae apud me-
e instalações hidráulicas. Não sei de onde foi tirada essa o~rva- dicos in pretio sint, hortum virentem reddet" .

160
próprios: vemos surgir um giardino secreto, um namentação muito rica com estátuas, nichos, es-
jardim especial de ornamentação ou ostentação , cadas, fontes etc.; é o segundo período do barroco.
que é colocado bem próximo à casa. É um espaço Com a separação do jardim do parque, os
aberto, ensolarado, cujo ordenamento geométric o grandes motivos são deixados para o dltimo : ele
pode ser abarcado com um s6 olhar, com cami- não é mais composto de uma série de canteiros
nhos lajeados, canteiros rigorosamente desenha- de flores, cortados por alameda s, mas de massas
dos, baixas aléias de buxo 19 • de árvores, aléias, canteiros gradeados em forma
Já a Villa Madama tem para isso um canteiro de corbelhas etc.
especial. É o giardin0 na acepção própria da pa- O jardim urbano, que só dispõe de espaço li-
lavra20, com um canto mais uma vez de horticini, mitado, dependendo muito dos serviços pdblicos
possivelmente para plantinhas, medicinais e ou- (traçados das ruas etc.), ocupa um termo médio
tras. o segundo patamar há um laranjal em cor- entre o parque e o giardirw secreto, não apre -
respondência com o. giardirw, enquanto o tercei - senta qualquer característica especial.
ro é reservado aos pinheiros e castanheiras 21 • No
7. O espír ito barroco não só se exprime nas
jardim do Bel vedere o giardirw secreto está em grandes dimensões, mas também no tratamento
nível inferior, logo atrás do palácio. Mais tarde, severo das massas. O jardim da Renascença é
ele é afastado inteiramente da vista, sendo cerca - aberto e luminoso; Alberti pede que seja cercado
do de muros ou localizado num terraço alto dos por gramados floridos e que a paisagem seja em
dois lados da casa ou escondido num canto, onde toda a parte ensolarada e aberta 22 : "Nolo spectetur
não perturbe a simetria. Na Villa Mondragone, uspiam aliq uid, quod tristiore offen~at urnbra".
ao lado do palácio, _foi instalado para essa finali- O barroco romano emprega pouco o espaço
dade um pátio fechado com duas salas abertas de aberto ; em vez de claros bosquezinhos, massas
alvenaria rustica, uma diante da outra. fechadas de árvores com folhagem escura, em
Finalmente o giardirw volta a aparecer num vez de prados livres, claros (corno os que existem
canteiro situado em nível inte1ior concebido co- nas villas toscanas: Castello e_outras), e das vi-
mo parte principal da vil/a (Villa Doria, Villa deiras em colunas, espessas abóbadas de folha-
Albani); ele não é mais oculto e recebe _uma or- gem; em vez de cores variegadas, um conju nto
maciço e escuro .
19. Além disso, às vezes se encontra ainda um "giardino de' a. A árvore em si mesma não tem ignifica-
semplici", jar dim de plantas medicinais e exóticas e diversos
pomares. ,tas todos essesjardins e pomares não são admitidos no ção, devendo fundir-se numa ação comum. Sur-
parque, masmantidos à pane. gem aqueles grupos enormes de carvalhos sem-
20. Segundo as anotações encontradas no projetO de Fran- pre verdes, que, reunidos e cercados por altas se-
cescoda Sangallo.
21. A nota marginal de Antonio da Sangallo que se encontra
bes de loureiros, condicionam essencialmente o
em seu projeto (sem inscrição) refere-se certamente a essa repar -
tição triplice: "la villa sia partita i tre parti i urbana rustica frut -
ruaria". Mas, que eu sabia, nunca se utili.iou o termo "urbano" 22. ALBE RTI, liv. IX: "prati spatia circum florida et cam-
para o jardim ornamental, nem o termo "rústico" para o jardim pus perquc apricus" (Ao redor prados floridos e uma vasta ex-
de vegetação luxuriante. tensã.o eosolarada).

VILLJ.SE JARDINS 161


caráter da vi/la italiana. Acentua-se propositada- tos. Trata-se do uso hábil das diversas espécies
mente o contraste entre forma e ausência de for- de árvores; de efeito sumamente monumental são
ma. As sebes devem ter o aspecto de terem sido os ciprestes, reservados às vias de acesso de en-
traçadas com a régua, os ângulos são ocupados trada; como as magníficas alamedas da Villa
por hennas rígidas, mas no alto despontam as Mondragone, Villa Mattei, Giardini Boboli (Flo-
enormes massas de folhagens, informes, como rença). Na Villa d'Este os ciprestes são ,reserva-
que querendo romper a moldura. dos às partes principais: à cesta (no centro do
Os inícios da Renascença não demonstravam canteiro) e à escada que se bifurca em duas cur-
entusiasmo nem pela árvore de copa cerrada em vas no meio da subida Os ciprestes não apare-
particular - Alberti relega o carvalho para o po- cem nunca isolados. Recorre -se também aos ol-
mar - nem por essa composição em grupos cerra- mos e aos carvalhos, que formam um via/e reco-
dos. Exigiam uma disposição clara em seqüência berto por uma abóbada. Nem sempre é possível
ordenada. Em Alberti o preceito é o seguinte: saber se por via/e coperto se entende um sistema
"Arborum ordines ad lineam et intervallis com- de alamedas com espaldeiras; em todo o caso, no
paribus et angulis correspondentibus ponentur, começo, era esse o sentido da expressão 25 • Mas o
uti aiunt ad quincuncem" 23 • (Que as árvores se- caminho coberto por uma cúpula de folhagem já
jam dispostas em linha reta, a intervalos regula - em si é algo novo.
res e em ângulos equiláteros, em quincôncio, Quando possível, monumentos antigos também
como se diz.) contribuem nessas aléias de efeito estético. Tam-
Nos projetos da Villa Madama ainda se en- bém nesse caso, não aparecem isoladamente, mas
contra planejada tal plantação nos terraços à es- em massa e apenas quando não há recursos para
querda do palácio; deviam ser árvores mais no- encher de maneira regular os espaços entre as ár-
bres; os "pinheiros e castanheiras" provavel - vores; abandona-se então esse processo, cujo
mente já deveriam formar um grupo maciço, um melhor exemplo se encontra na Villa Mattei.
salvatico, como era chamado. Dali em diante, c. O bosque toma a forma de natureza selva-
diminuem cada vez mais os canteiros abertos, e o gem e arremata o conjunto, sulcado de estreitas
motivo denso se difunde até reivindicar todo o veredas.
espaço. O célebre pineto, o bosque de pinheiros espar-
Além do carvalho, também se usa o pinheiro sos da Villa Daria, não é motivo do início do
escuro e o cipreste. Para as sebes, além do lou- barroco. Pertence já ao segundo período, que se
reiro, também se usam amoreiras ou ciprestes. caracteriza, em toda parte, por uma evolução pa-
Alberti havia imaginado sebes de roseiras 24 • ra formas claras e descontraídas.
b. A segunda tarefa do arquiteto que planeja
um jardim é dar forma às alamedas e crnzamen-
25. "E<l anco nel gill-l"dinosíano viali coperti, i quaii sono
assai in uso in Francia, ove si dicono alMes." BOITARI, Lettere
Pittoriche, VI, 119. (E que haja igualmente no jardim esses ca-
23. Isto é, à maneira dos cinco pontos do dado, minhos cobertos, que são freqüentes na França e que se chamam
24. Cf. as madonas "roseiral" que também desaparecem. allées.)

162
8. Do mesmo modo que a vegetação, a água é a. Afonte
tratada como massa (Fig. 75); nem pequenos ria-
chos nem fontezinhas, mas grandes massas rumo- A fonte ou está isolada ou apoiada em uma pa-
rosas; não mais claras e transparentes, mas opacas, rede, geralmente dentro de um nicho. Quanto ao
profundas. Albeni fala s6 de aquulae 26 , de "fontes tratamento, pode ser arquitetônico ou tendendo
et rivuli limpidissimi" . As características menores para a alvenaria n1stica, ao naturalismo da cons-
não são as menos interessantes. Desde que surgiu trução em rochedo. Do cruzamento dessas ten-
o gosto pelo maciço, a pintura de paisàgens nunca dências resultam quatro tipos principais de fontes.
mais mostra aquela água clara, transparente que A fonte arquitetônica isolada 29 comporta uma
sempre se encontra nos quadros da Renascença. E taça inferior, um co·rpo, uma taça superior e,
retomando o paralelo entre a Renascença e a Anti- saindo dela, o elemento que expele a água (é raro
guidade feito acima, cabe lembrar mais uma vez haver uma segunda bacia). A bacia inferior, ou-
que essa água clara como o cristal era precisa- trora quase sempre angulosa, torna-se redonda,
mente o símbolo predileto de Winckelmann. ampliando-se em oval; de perfil, não é mais reta,
É inconcebível uma villa barroca sem água 27 • mas bojuda, voltada para baixo. Alguns degraus
Ela é o elemento preferido do século, o ruído é baixos a ligam ao chão.
indispensável ao barroco: massas rumorosas de São ainda de formato angular a célebre Fonta -.
folhagem, correntes rumorosas de água. Fazem- na della Rocca, de Vignola, em Viterbo, a Fon-
se gastos enormes para conseguir água abundante tana de G. delta Porta, na Piazza in Campitelli e
e com força vigorosa 28 • A Villa d'Este anuncia outras isoladas . A de perfil mais belo é, sem dú-
essa arquitetura, graças ao Teverone, que corre vida, a de Domenico Fontana, que a desenhou
muito próximo dali . Mas aqui ainda se encontram com a fonte que outrora estava na Piazza del Po-
muitos dei:alhes graciosos, que mais tarde desapa - polo 30. De resto ela se inspira na solução já en-
recerão; por exemplo, o grande muro com inume - contrada por Giacomo della Porta para a fonte
ráveis fontezinhas. Bem mais grandiosos são os diante do Panteão 3 1 •
vinte e dois nichos da Villa Conti, em Frascati. A taça superior, chata e de bordas retas na
As formas como a água aparece são a fonte, a Renascença, torna-se profunda, a borda recurva-
cascata e o tanque. da, de modo que a água cai igualmente de todos
os lados; o barroco não admite esguichos isola-
dos, a água deve transbordar e correr sem apre-
26. "Praerupent aquulae praet.er spem locis complusculis." sentar formas precisas.
(Em diversos e inwneros lugares, filetes de água jorrarão de mo•
do imprevisto .)
27. BOTI ARI, uuere Pittoriclui,VI, 120. 29. Permitam-me tratar aqui deste assunto embora as villas
28. Também a cidade de Roma é célebre pela riqueza de renham ali uma importância menor que as praças das cidades. Os
fontes. SCAMOZZl, 1, 343: "sopra tutto Roma, ove non ~ piazza mestres principais mais uma vez são Vignola, Giacomo della
ne campo n~ strada principa.le che non abbia una o due bellissime Porta e Madema . Valeria a pena dedicar a esse assunto um estudo
fontane". (Sobretudo Roma, onde não ex..istepraça, nem espaço à pane.
aberto, nem rua importante que não possuam uma ou duas belas 30. Reprodução em FALDA, Fontane diRoma, I, tav. 14.
fontes.) 31. FALDA, I, 25.

VILLASE JARDINS 163


75. Villa d'Este. Trivoli . 76. CARLO MADERNA. Foote da Piazu della Colunnara.
Do mesmo modo, a água não é impelida num blocos de rocha. Nisso a arquitetura de jardins
jato aloogad9; mas numa girândola de jatos, ma- precedeu naturalmente à urbana. Nas villas, esses
ciça e informe, como nos magníficos exemplares grupos de rochas eram cQnhecidos muito antes
de Madema na Praça de São Pedro 32 (Fig . 76). A que Bemini ousasse erguer na Piazza Navona um
água é expelida para fora de um corpo largo, se- monumento desse gênero (Figs. 78, 79, 80).
melhante a um cogumelo, tomando a cair nessa Nas fontes do grande jardim do Vaticano, Ma-
superffcie arredondada. Onde não era possível um dema já cedo havia tirado as illtimas con seqüên -
feixe de jatos, contudo, tratava-se de obter um jato cias da maneira rústica. Aqui támbém se pode ver
tão encorpado quanto possível. O mais importante como esse tipo de fonte naturalfstica se transfor-
não é o jorro de água, mas sua queda em catadupa. ma quase por si mesma em gruta. O modelo desse
Depois as fontes se tornam cada vez mais lar- tipo é a Fontana dello Scoglio (Fonte do Esco-
gas e baixas; mais tarde, a bacia já não é separa - lho), um amontoado selvagem de rochas com
da, mas escavada no chão. grutas, precedido de uma bacia, na qual de todos
A fome com nicho. Poucas vezes ela aparece os lados e de todos os modos a água jorra, ex-
isolada; as mais das vezes, é encontrada num gru- plode e cai com ruído. Uma forma desse tipo é a
po de três a cinco nichos. Em Roma, Domeoico e construção de gruta com estalactites (Stanzone
Giovanni Fontana deixaram modelos célebres, o della Pioggia), em que foi possível cons ervar, em
com a Agua Felice 33 (Fig. 77) (1587), aquele com graus muito diversos, elemento s de uma estrutura
a Agua Paola 34 (1612) . São grandes nichos em ar- tectônica. Já Alberti conhece a composição com
co, encimados de um pesado ático. O monumento conchas e pedras de tufo. Annibale Caro faz uma
posterior alargou o conjunto, acrescentando dois descrição pormenorizada de uma construção des-
pequenos nichos laterais aos três principais. De se estilo (1538) 36 , analisando também a variedade
resto, não mais se vêem essas fontes em sua for- de impressões acdsticas que ela oferece ao visi-
ma original; no infcio, s6 havia uma série de ba- tante. O conjunto, diz ele, é sinistro e provoca
cias redondas em seus nichos. As grandes bacias arrepios: "d'un orrore, che tiene insieme del riti-
diante delas foram acrescentadas s6 mais tarde 35 • rato e del venerando" (um arrepio que é uma
O exemplo da Fontana di Trevi poderá ter influí- mescla de secreto e sagrado). Também Vasari dá
do decisivamente. algumas breves instruções em sua Introduzione
A fonte naturalística tem como seu represen- às biografias 37 , mas trata-se apenas de motivos
tante principal a Jontana rustica, construída de muito modestos .

b. A cascata
32. FALDA, 1, l. O elemento central do jardim situado na en-
33. LETAROUILLY, li, 231. A id6i.a de aproveitar Mois6s
fazendo brotar a água da rocha coroo motivo de fonte jâ fora costa de um monte é um curso d'água. Ele desce
concebida por Micbelangelo. VASARI, VII, 58.
34. LETAROUILLY, lll, 276.
35. É o que ao menos se deve con.cluir das reproduções de 36. BOTT ARI, únere Pitroriche, V, pp. 271 e ss,
Falda (1691). 37. Cap. V;I,pp.140ess .

VILLAS E JARDINS 165


n. DOMENICO FONT ANA. Fonie de I' Acqua Feiice.
78-80. BERNINI. Piazza Navonna. Fonte dos Rios, Roma.
pela encosta não como um arroio livre, sem for- e. O tanque
ma, mas com um curso estilizado; as etapas do Já a Renascença o conhece na forma retangu -
curso e da queda visam o máximo de grandiosi- lar de viveiro ou tanques para banho; geralmente
dade e potência maciça. Passa-se de uma canali- está integrado num contexto formal mais rigoro-
zação infonne e frouxa a urna canalização mais so.
rigorosa, à medida que se aproxima da casa. Na Villa Madama ele se acha na proximid~e
O exemplo principal nos é dado pela grande imediata da casa, encostado ao terraço lateral; na
cascata da Villa Aldobrandini. A água aparece Villa d 'Este insere-se nos canteiros de flores.
bemno alto, emoldurada por uma natureza selva- Mais tarde, geralmente é redondo ou oval, o mais
gem, como fontanone rustico, seguindo então um das vezes com uma fonte como grupo central. É
curso em linha reta através das protuberâncias sempre profundo, não devendo aparecer o fundo.
semicirculares. A água redoe-se a seguir para se O primeiro lago "natural" com uma pequena ilha
precipitar de um grande muro numa bacia, desa- no centro se encontra na Villa Daria, nas partes
parece, mais abaixo torna a sair por um orifício, exteriores mais livres da villa. Mas o naturalismo
depois passa novamente · do curso em linha reta limita-se a wna beirada de alvenaria nistica. A
ao represamento numa bacia. Os enquadramentos forma do lago é dete~nada por uma figura re-
são então delineados com mais nitidez, a água se gular, cujo centro é ocupado pela ilha 3 9.
anima e se transforma em superfície escalonada
9. Finalmente, a água teve de servir a finali -
que desce em ondas por uma inclinação mais
dades que pouco têm a ver com o ideal formal do
pronunciada; a caída final constitui o trecho cen-
barroco, como nesses jogos musicais que os
tral do "teatro" atrás do palácio. A solução mais
contemporâneos admiravam enormemente e as
perfeita para o problema da cascata é aquela da
brincadeiras que o proprietário se permitia, inun -
Villa Conti. Há ali só um motivo, mas majestoso,
dando repentinamente os inocentes visitantes.
pujante, rumoroso. Quatro saliências que se tor-
O barroco aprecia as sonoridades poderosas.
nam sempre mais volumosas, em cada protube-
Quase todos os grandes sistemas hidráulicos es-
rância uma bacia com bordas intumescidas, de
tão unidos a mecanismos acdsticos. Os mais cé-
onde a água transborda e desliza por um plano
lebres eram os artifícios sonoros no teatro da
inclinado omamentado 38 com conchas para se Villa Aldobraodini. Keissler4° descreve-os assim:
precipitar na bacia seguinte. Tudo o que é pe-
um leão e uma tigresa lutam, e esta imita com
queno e mesquinho desaparece: as colunas ro-
muita perfeição o rosnar de uma fera enfurecida
deadas por espirais pelas quais corre a água, as
fazendo jorrar jatos de água pelo nariz e pela
pequenas conchas nas balaustradas das escadas,
que fazem a água passar de uma para a outra, re-
presentando assim uma cascata em miniatura etc. 39, Contudo, a visão desse lago foi capaz de inspirar ao
poeta o verso: "S tagna superfusi dum cernis rustica fontis, Ur-
bani possis spemere fontis acquas". (Quando se olha para esse la-
go campestre e a profusão de suas éguas, pode-se perfeitamente
38. O de6enho de escamasé muito comum, Cf. a fonte de desdenhar as fontes de Roma.) Em FALDA, V-ulaDoria Panjiiia.
Maderna diante de São Pedro, 40. KEISSLER,Nt"4Slt Rti.stn, 1751, I, 696,

168
goela. O jato de água do centro produz. um ruído naturaís, cabanas de colmo, ruínas artificiais etc.,
semelhante ao de obuses e balas; um centauro to- mas aos jardins que nasceram do entusiasmo
ca uma trompa que é ouvida a quatro léguas de rousseauniano pela natureza. Esse gosto está li-
distância. As farsas em que se utilizam a. água gado a uma sensibilidade elegíaca. O ideal de
representam um papel importante nas reprodu- uma natureza pura e inviolada na qual a alma as-
ções contemporâneas: nunca se desenha um jar- pira fundir -se é tão estranho à arquitetura do jar-
dim sem que haja algumas personagens brusca- dim italiano como na poesia n1stica de um Tasso
mente molhadas com água. &a preciso princi - ou um Guarin i.
palmente estar de sobreavis o quando se queria Isso também explica o fato de que o italiano
sentar-se ou abrir uma grade ou subir escadas. não sente necessidade de ter um contato solitário
Principalmente a Villa Conti parece ter sido par- com a natureza. É preciso registrar a liberalidade
ticularmente perigosa nesse sentido 41 • com que o parque italiano é aberto a todo mundo.
10. Para apreciar convenientemente o estilo Essa liberalidade expressa-se de maneira
desses jardins, é preciso lembrar que o parque muito diversa em inscrições recolhidas parcial-
das viUas daquele tempo sempre era calculado mente por Keissler. A mais bela é o aviso do jar-
para receber uma sociedade numerosa e cheia de dine iro de Villa Borghese ao visitante. Que ela
fausto. possa com parecer aqui como uma inocente fioritu-
Em meio a esse cenário, nada podia ser des- re final:
cuidado, a estrita estilização do jardim exige de- Villae Burghesia Pinci.anae
coro e dignidade. Não se vaga por esses cami- Custos haec edico:
nhos, mas anda-se gravemente por eles, se possí- Quisqui s es, si /iber,
vel com grande pompa, com damas, cavalos e Legwn compedes ne hic timeas,
carruagens. Tudo isso evoca as festas galant es, lto quo voles, carpito quae voles,
como foram pintadas mais tarde. Abito quando voles.
Exteris magis haec parantu:r quam hero,
Opondo-se diretamente a esse parque italiano,
ln aureo Seculo, ubi cuncta aurea
o parque moderno, de origem n6rdica, quer nos Temporum securitas fecit,
apresentar a natureza como ela é. Não me refiro Ferreas leges praefigere herus vetat:
aos jardins afetados anglo-chineses com pontes Sit hic arnico pro lege lwnesta voluntas.
Verum si quis dolo maio
41. Cf. KEISSLER, op. cil. I, 686 . Serlio (liv . ili, p. 121) Lubens sciens
traz de Poggio Reale, perto de ápoles, um exemplo de outro Aureas urbanitatis l.egesfregerit,
estilo. Quando o rei estava de bom humor podia afogar com um
geslO toda a sociedade sob vagas de água, "e cosl ad un tratto, caveat ne sibi
quando pareva al re, faceva ri.J:nanere quel luogo asciuao ne vi Tesser am amicitiae subiratus villicus
mancavano vesti.menti diversi per rivestirsi". "0 delitie italia- Advorswn frangafl'-.
oe", acresce nta Serlio, "come per la discordia vostra siete estin-
te". (E assim, de súbito, o lugar podia, ao bel-prazer do rei, tor- • "Eu, o guarda da Villa Borghese do Pfncio, declaro: Quem
nar-se de novo seco, e não faltavam trajes diversos para se vestir quer que sejas, se és livre, nlio receies aqui as cadeias da lei. Vai
outra vez. .• Ó delicias da Itália, como por culpa de vossas quere- para oode quiseres, colhe o que desejas, retira-te qWllldO quise-
las, haveisdesaparecido!) res. Tudo o que vês, destina-se mais para os de fom do que para o

Vlll.AS E JARDINS 169


dono. Neatc l&:ulo de ouro, DO qual os tempos pacíficos faum por aankia e prua conceolradoa, faltares b «iireu feiada urba-
tudo parcca' de ouro, o proprietário uãD quer que haja leis de nidade, toma cuidado, para que o jardineiro contrariado Dão
brome. Seja a dedDCiade teus deaej01 a lei para o aurigo. Mas se quebre DONO amical trato."

170
Coleção tylus

1.0 Modernismo. Affonso Ávila (0rg . .


2J4an eiri 1110, mold Hauser.
3.0 Romam ismo , 1. Guin ·burg 0rg .).
4.Do Ro oc6 cw Cubismo , Wylie Sypher .
5.0 Simbolismo, Anna Balakian.
6.0 Grotesco , Wolfgang Kayser.
7.Re11asce11ça e Barro co, Heinri ch Wolfflin.
8.Estudo:, sobre o Barroco, Helmut Hatzfeld .
9.0 Classicismo. J. Guinsburg (0rg. ).
!O.Barro o: Teoria e A11á/ise, Affon o Ávila (0rg .).
I 1.0 Expressionismo , J. Guinsburg (0 rg.).
12.0 P6s-Modemismo, J. Guinsburg e Ana Mae Barbosa (0rgs.).
G á e a
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