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ENSAR FILOSÓFICO

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O SOFIA E CULTURA
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C.A,, MORAL E DIREITO

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ESTÕES ATUAIS: Novo Paradigma,

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eligência Emocional, Inteligência Artificial,
1>nagem, Terceira Onda e Neoliberalismo

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1,11 i /t ?f�l.iJftJvl�ade. ·· ·
•,A filosofia não oferece receitas miraculosas,
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y�t'dâdes acabadas oU: fórmulas mágicas, vendidas



· nos "b alcões dos desesperados". Ela simplesmente N·"• ·
convoca o homem a pensar e a desvendar, nas
transp arências ou nos ocultamentos do ser, o :3:::
. (.)

�1: quinhão de verdade que é possível a cada um.


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H873p :q1:ôi: Hryniewicz, Severo
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O homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza,


mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se
i:J arme para esmagá-lo: um vapor, urfia gota d'água bastam para
matá-lo. Mas, mesmo que o universo o esmagasse, o homem seria
mais nobre dÜ que quem o mata, porque sabe que morre e a
' !: vantagem que Ó universo tem sobre elei o universo desconhece
tudo isso.
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}! (Pascal, Pensamentos)

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O homem: um ser cultural
O grande milagre do universo não está nas constelações ou nas galáxias inumeráveis, mas nos
recônditos recessas da consciência individual {Platino).

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) di­


zia que b homem é um monstro metafísico, capaz tan­
to de realizar coisas grandiosas quanto de praticar atos hedi­
ondos. Na verdade, o homem é um ser de múltiplas possibili­
dades que, apesar de dotado de inteligência racional, não tem
pleno controle sobre o que faz. Recentes estudos no âmbito
da Neurociência (cf. Coleman, Inteligência Emocional) mos­
tram que os atos carregados de emotividade (sentir medo, rai­
va etc) têm um caráter antecipatório em relação à razão, ou
seja, a racionalidade somente intervém em um segundo mo­
mento. Entretanto, ainda que o homem não tenha sobre ele
total controle, o seu agir diferencia-se essencialmente do agir
dos demais animais porque é capaz de inserir a
intencionalidade naquilo que realiza, isto é, pode, ao menos
até certo ponto e em certas circunstâncias, planejar o que faz.
A Filosofia e as Ciências Sociais e Humanas costumam cha­
mar de cultura 1 o conjunto das coisas qu1e o homem realiza.
1

Fazem parte da cultura tanto as produções grandiosas quanto


as humildes, os conhecimentos mais siniples e os mais com­ Cultura é o con­

plexos, os costumes mais banais e as cerimônias mais pompo­


junto de todas as
atividades huma­
sas, o folclore, a música, a moral, as técnicas. Enfim, tudo o nas, inclusive da­

que é feito pelo homem é cultura, -pois em tudo ele coloca


quelas condená-
veis.
algo de si: mesmo que este agir-em que-põe algo de-si não
seja elogiável, como por exemplo, a prática do canibalismo
ou o 11jeitinho 11 brasileiro.
Somente o homem produz cultura?
Como foi dito acima, o homem é capaz de c olocar
intencionalidade nas coisas que faz. Os demais animais agem
sobre o mundo movidos, em geral, pelos instintos e pelos re­
flexos. A eles é inacessível o mundo das intenções. Diante das
tli
'.1 1 O termo cultura também pode ser empregado no sentido de cultivo da terra ou de animais; de
erudição ou de alguma ativ ida de mais nobre , como é o caso das artes (sentido renascentista) ou, por
analogia, pode ser aplicado à organização dos animais {cultura da s formigas, de c hirnpanzés etc. ..).

41
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Para Filosofar Ho ·e O HOMEM: um ser_cultural

diversas situações, reagem como é próprio a sua espécie rea-i Esta distinção deve-se ao fato de as culturas em geral pres­
dois elementos básicos: o primeiro, de caráter uni­
gir. São incapazes de comportamentos totalmente novos.j suporem
, é a própria capacidade de produzir cultura por parte
Quando isto vem a acontecer, trata-se de mutação genética 1 versal
Cada povo produz

homem e o segundo, de caráter específico, é o modo como


atingindo, assim, toda a espécie. ,., do
sua cultura.
,.

cada sociedade, através de sua história, estabeleceu relações


Cultura é o conjunto de todas as Os chamados animais irracionais�;?: com a natureza, produziu técnicas, artes, folclore, crenças, or­
;}

coisas que os homens fazem de si não são capazes de problematizar'!'.


ganizou -se politicamente e economicamente, desenvolveu sua
mesmos e de seu mundo, e o que a realidade que os cerca. Diante,_f moral, seus costumes, sua filosofia, sua ciência etc ... Os ale­
por exemplo, de uma situação de�i mães chamam esta especificidade do modo como cada povo
Eles a produzem enquanto acrescen­
eles pensam e falam a esse respeito.

perigo, procuram abrigo, mas não,i} desenvolve sua cultura de Volksgeist (espírito do povo). A cul­
param para se perguntar: por que} tura não é_ um dom da natureza; ela é resultado do esforço
tam algo à natureza, através da pa­

como acontece isso? Quando _f_ dos homens.


lavra;do trabalho, das artes, da mo­

muito, como demostraram as expe-J


ral, das crenças, do conhecimento, ou A cultura não é

riências de Wolfgang Kõhler (1887-] O homem: fruto do meio?


das ferramentas etc... uma dádiva da
natureza, mas

1967), psicólogo alemão e um dos formuladores da Psicolo-'i Houve uma escola de pensadores - os positivistas - que
conquista de um

gia da Gestalt, encontram soluções para problemas concretos tentou dar caráter científico a uma tese própria do saber po­
povo.
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como, por exemplo, um chimpanzé que desloca um caixote,, pular, que afirma ser o homem fruto de seu meio. Segundo
para apanhar uma banana pendurada no alto da jaula. Nes­ Hippolyte Taine (1828-1893), se constatarmos quais são as
ses casos, empregam a chamada inteligência concreta. características da raça, do meio e do momento histórico em
que vive uma sociedade, seremos capazes de dizer com certe­
No entanto, não possuem inteligência abstrata e outros
za quais são as características do homem que a ela pertence.
dotes de que dispõe o homem. Por meio deles, ele é capaz
Certamente, não se pode ignorar o fato de o meio cultural
de se perguntar sobre o mundo e ao mesmo tempo de
em que nascemos exercer uma influência muito marcante. É
modificá-lo, para atender às mais diversas necessidades: ali-
por meio do convíviq com os outros que desenvolvemos as
mentar-se, vestir-se, morar, crer, conviver com outros homens,
habilidades humanas. Isto quer dizer que só nos tornamos
satisfazer sua sede de conhecimento etc. .. Enquanto faz to­
realmente seres humanos a partir das influências recebidas
Somente o ho­

das estas coisas, o homem produz cultura.


mem, enquanto

do n:1eio em que vivemos. Há muitos casos estudados pela ci­


dotado de inteli­

Unicamente ele produz cultura e, só por analogia, --pode­ ência qu-e-mo-stram-que se não-_houver este convívio, não se
gência abstrata e
intencionalidade,

mos falar da presença da cultura entre os demais anima-is. desenvolverão as capacidades humanas: falar, rir, perceber os
é capaz de pro­

valores, pensar abstratamente, dentre outras. Algumas das ver­


duzir cultura·.

sões televisivas de Tarzã, criado por macacos, mas bem falan­


Diferenças culturais
Se somente o homem é capaz de produzir cultura, isto não te e capaz de perceber valores morais etc., são pura ficção"
significa dizer que as culturas, por serem humanas, são todas diante das teses científicas. Basta lembrar as conclusões sobre
11 Sem o meio

iguais. Podemos falar em muitos tipos de culturas. Alguns au­


social, o homem

os casos das meninas-lobo (Amala e Kamala/Índia, 1920), que


não se

tores chegam até mesmo a diferenciar cultura de civilização, não desenvolveram as características humanas, por terem sido
''humaniza".

entendendo por civilização uma cultura mais desenvolvida. criadas numa alcatéia.
Sem entrarmos nesta discussão, o que podemos objetivamente
No entanto, não podemos afirmar sem incorrermos em ex­
constatar é a existência de muitas formas de cultura, que dis­ cessos, que o homem é exclusivamente fruto do meio cultural
tinguem uma sociedade de outra. a que pertence; ele é capaz de se voltar contra o meio e to-
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O HOMEM: um ser cultural


Para Filosofar Hoje

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mar decisões próprias em tantas situa-} QUESTIONÁ
sentido o homem é um monstro metafísico?
ções. Enquanto faz isso, é capaz de ino�:j 1. Em que
Diferencie a ativida de humana da atividade animal.
var, não sendo assim um mero espelho,._J 2.
3. Que é cultura? �
mas agente de transformação. Como%: 4. Que fatores distinguem LJma cultura de outra?
exemplo, estão as grandes mudanças quef 5. Por qu e o convívio é necessário ao h omem?
ocorreram nas culturas ocidentais após_?f 6. O homem é fruto do meio em que vive?
7. Quais são os aspectos teóricos e os práticos da cultura?
a Segunda Guerra.
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Também não podemos �esconsiderar;�. LEITURA COMPLEMENTAR
o fenômeno da alienação. E um fato tãol �
Autoridade e liberdade
comum que, muitas vezes, pensamos Severo Hryniewicz
nada poder fazer diante da situação meio em que vive, de imediato vem à
quando se pensa nas relações do homem com o
O cantata com os outros é um meio indispensável que nos encontramos. Contudo, não é bem se pensa ou ficar condicionado pelas regras que
mente a dicotomia entre fazer o que estas duas alternativas parecem ser
o caso de se deixar levar pela visão fata­ vida sociocu ltural. A p' r imeira vista,
ordenam a Contud o, não parece que esta seja a
do meio.
lista de que nada pode ser feito diante de certas situações. excludentes: ou se é livre ou se é escravo
Entre o indiví­ única mane ira de encar ar o proble ma.
A relação que o homem estabelece com a cultura que her­ sem nenhum tipo de obstáculo,
duo e a cultura Se pensarmos a liberdade como forma de manifestação dos filhos, dos professo­
ria matar Deus, matar os pais, livrar-se
se estabelece da é dialética (dinâmica). Enquanto, por um lado, ele sofre seu pleno exercício implica r um ou coisa que ousasse
e de qualque
res, dos vizinhos, dos chefes, de todos os patrões
uma refação de
forte influência do meio1 por outro, pela criatividade e cora­ coisa e o fazê-lo de fato.
troca: ele contri­
a se interpor entre o querer fazer alguma
bui para mo/dá­ gem, é capaz de concorrer para transformá-lo. s não leva em considera­
Este sonho de liberdade sem empecilhos ou constrangimento
/a e ela o influ-
: ele é um ser físico (respeita certas leis da
ção a verdadeira realidade do ser humano
banheiro etc. .. ); ele é um ser
encia.
Componentes culturais física); ele é um ser biológic o (precisa comer, dormir; ir ao
psicológico (tem emoções que não pode evitar: medo, alegria etc ... ) e é, também, um ser
Como vimos, a cultura representa a totalidade das ativida­ potencialidades). Sendo as­
social (precisa dos outros para sobreviver e desenvolver suas
1

des humanas, tanto daquelas de caráter prático quanto da­ ser�ame nte sobre a liberdad e humana se deve sempre levar em
sim, quando se pensa
quelas de caráter teórico. Teoria e prática entrelaçam-se nas consideração que se trata. da liberdade humana não da liberdad e de anjos ou de ETs.
grandes realizações humanas. A prática aumenta os llmites da A busca da liberdade deve começar pela tomada de consciên cia da condição humana,
na sociedad e, dos verdade iros ideais de vida, localiza ndo os perigos do modis­
teoria e a teoria orienta o agir concreto. Não há, em termos do papel
tremend a armadilh a contra a liberdad e, pois acaba por
absolutos, prevalência de uma sobre a outra. Se a teoria não mo. O medismo pode ser uma
é preciso saber
impedir que se tenha capacidade de pensar por conta própria. Também e a agir de
resultasse em prática, seria oca; se a prática não fosse orien­ s ideológi cos que procura m induzir as pessoas a pensar
detectar os controle
tada pela teoria, seria caótica. Há uma relação dialética modo a satisfazer os interesses de grupos políticos ou econôm lcos.
de toda e
ambas: esta conexão entre teoria e prática é também chama­ A rejeição aos controles inibidores da liberdade não implica a eliminação
forma de controle social ou de autorida de em gera!. Imagine- se, por exemplo, o
da de práxis. qualquer do ser
caso de uma greve da Polícia na cidade do Rio de Janeiro, a agressividade naturalação da
dissemin
Enquanto prática, a, cultura é o conjunto das realizações humano assumiria várias formas de violência: mu!tip!icação de assaltos,
social se
materiais; enquanto teoria, é a vasta gama de explicações e violência física, o desrespeito contra a propriedade etc. e, com isso, o caos
àquele estado que Thomas Hobbes chamou
leituras que o homem fez e faz da realidade em geral, inclusi­ instalaria. Dar-se-ia chances para o retorno ­
de "estado natural", no qual todo tipo de violência seria permitido e o homem tornar-se
ve as da própria prática. ia "lobo do homem", entrando numa "guerra de todos contra todos".
A cultura englo­
ba tanto a teoria Nos capítulos a seguir, trataremos da questão do conheci­ Um fato histórico famoso é um bom indicador desta possibilidade. Ourante a ll Grande
foi
quanto a práti-
mento e de suas principais formas de manifestação nas cultu­ Guerra, entre 1940 e 1944, vigorou, na França, o chamado "Regime de Vichy". Assim
l Pétain, que instalou -se depois da rendição da França à
ca. chamado o governo do marecha
ras humanas. Estas podem estar ligadas às crenças ou ao em­ Alemanha nazista. Quando o governo de Vichy caiu, sem que as autoridad es do novo
prego da razão e da experiência.e regime tivessem assumido o poder, viveu-se um período de verdadeiro caos social, ao qual
alguns historiadores se referem como "uma temporada no inferno". Neste perío.do, prati-
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Para Filosofar Ho ·e
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caram-se cri mes de toda espéci e : morticínios, exp u rgos, assaltos e roubos, numa verda.:f 4
deira onda de te rro r passional. W
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Há, ainda, um outro caso adeq uado à d iscussão sobre a questão da necessidade daJ Conhecimento e Linguagem
i!] autoridade e das regras sociais: em 1 9 68, ta m b é m n a Fran ça, a l guns jornais franceses t
J fl agraram o agitador e l íder estudantil Co h n Bendit enq uanto este, d esej oso d e viajar, �
esbravejava co ntra os fu ncion ários grevistas da estrada de ferro q ue, naq uele momentoJ O homem é o único a interrogar o ser (Martin Heidegger)
tl estavam fazendo aq u i lo que e l e sem pre pregou, ou seja, estavam co ntestando o siste ma. :!
Parece óbvio q u e a auto ridade seja n ecessá ria para q ue a vida e m sociedade seja possí- 'J Cercado pe las coi sas d o m u ndo e conviven do co m seus se­
vel e para q u e o indivíduo encontre algu m a forma de orientação para a sua existênci a. f melh an tes, o h o m e m é um ser q u e, d iversam ente dos d e mais,
Segundo o escrito r alemão Goethe: "Um grande homem é um homem ao pé d e quem a É
gente se se nte maior". Esta frase pode ser a p l i cada ao princíp io d a a utoridade em ge ral: 6- pro b l e m atiza o m u n d o q u e o rode i a, col ocan d o p e rgu ntas
q uando esta é exercida de maneira adequada traz segurança e maior sensa ção de !i berda- :� sobre as coisas. Ele não se contenta em s i m p le s m e nte estar ou
de. Mas q uando isso não ocorre, seria o caso de l utar pela i m plantação d e uma sociedade_Jf
,. tra nsitar e ntre e l as, m as p rocu ra esclare ce r o se u sign ifi cado,
sem autoridade alguma e sem regras (an om ia)?
. Para concluir, parece opo rtu no lembrar Freud, para q ue m "é melhor ter u m mau pai do ,Í se u po rquê e seu como.
q u e nenhum pai". Em su ma, u ma li berdade realizada na fl utuação d o vazio, sem nen h u- ]/, Já os fi l ósofos gregos d iziam q u e i sto acontece porq ue só o

Ili
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� ma resistência, como que em estado de agravitação, seria vazia e vã. " U m a l iberdade de ·
h o m em é capaz d e maravi l har-se, de ad m i rar-se (thaumátzo)
ausência não passaria de u m a ausência de liberdade" (C. Cusdo rf).
d i ante d a natu reza (physis) e d e s i mesmo. A a d m i ração gera a
curiosidade. A cu rios idade é acom pan hada d e perguntas e estas homem diante da
A admiração do
EXE RCÍC I O S
Leia o Texto Co m plementar e responda: t procu ram respostas. As respostas q u e o h o m e m foi d a n d o às realidade leva-o
1 . No caso d e ausência de autoridade e de regras, o homem retornaria ao "N a produzir co­
{e

"estado natu ra!"? Justifique a sua posição. ·�· pergu ntas q u e s e m p re se fez sobre o m u n do e sobre si m es m o
2. A autoridade é uma neceSsidade humana ou uma "i nvenção" dos que ;: constituem o conh ecim en to q u e, aliado à práti ca, é u m dos
nhecimento.

mandam? Justifique.

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prin cipais com p on entes da cu ltu ra.
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S U G E STÃO DE F I LM E '2
Que si gn ifica con hecer?
Os DEU S E S D EVEM ESTAR LO U CO S J_; Os te rmos con h e c�r e c o n h e cim e n t o são i m p re c i s os
eqüívocos, na l i ngu age.m fi l osófica 1 . Podem sign ifi car tanto u ma
Jamie Uys. Co m· M arius Weyers, Sandra Pri nsloo. D u r . : 1 0Sm
S!NOPSE
i nformação qualquer, mesmo s u p e rfi cial ·e i m precisa- sob re algo,

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U ma garrafa de Coca Cola é jogada de u m avião sobre uma tribo africana, f_'.
Direto r :

levando seus habitantes a pensar que se tratasse de uma dád iva dos deuses. li q ua nto a p osse da verd a d e . Assi m, m u itas vezes, q u a n d o d igo
Por causa dos confl itos internos gerados pelo objeto, um dos membros da ;�, q ue co n heço alguém estou m e referindo ao fato d e ter vi sto
.JJ tri bo é escol hido para devolvê-lo aos deuses. ocas i o n a l m e n te - u m a d ete rm i n ada pessoa e não possuo d e l a
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l',J
senão u m a i nform ação s u p e rficial; o cie ntista, p o r s u a vez,
i' a) As especificidades de cada cultura.
Temas p ara deba te, a partir do filme:
1 !1 quando fal a de co n h eci m ento está se refe r i n d o a um conj u n ­
b) A cultura e suas influências (positivas e n egativas) sobre o indivíd uo.
:1
i t o de i n form ações rigorosa me nte col etadas a respeito d e algo.
: ··!1
: :;, BI B L I O G RA F IA D E APO I O Em ambos os casos, o press u posto fu n d amental do con he­
• CASSI RER, Ernst. Antropologia filosófica . São Pa u l o : Mestre Jou, O conhecim e n to
· :; cimento é o de q u e se estabeleça u m a rel ação· entre um sujei­
1 9 72.
!
to q u e con h ece e u m objeto q u e é con hecido. Se o suj eito
'; pressupõe uma
il:1 • CHAUÍ, Mari!ena. Cultura e democracia; o d iscurso com petente
I
relação entre o
não d is p user das con d i ções n ecessárias para o con hec i m e nto
e o utras falas. S. P. : M oderna, 1 98 0 .
sujeito e o

'I • G U S DORF, Georges. Impasses e pro gressos da liberdade . Trad . (uso dos sentidos, capacidade de raci ocín io, acesso à l i ngua-
objeto.

Ho mero S i l ve i ra. São Paulo : Convívio, 1 9 79. 1


Os termos eqüívocos são os que dão margem a várias interpretações, enquanto os un ívocos são
• MONDIN, G i ova n n i B . O h om em, quem ele é? E l � m e ntos d e
precisos. Se as l inguagens popular, poética, filosófica e (eligiosa possuem muitos termos eqüívocos,
a ntropologia fi losófi ca. S ã o Paulo : Pau linas, 1 9 80.
)

a linguagem científica (principalm ente a das ciências exatas) se caracteriza pela unívocidade.
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===="--'-'='------------------------i,
Para Filosofar Ho ·e Conhecimento e lin�em

� gem etc ... ) ou se o objeto não se 'mosJ) p ossuir uma Teologia (ciência de Deus). A Teologia elabora

�- r
� trar' de algum modo para o sujeito, o,,. argumentos de ordem racional para justificar - até onde for
óe� f.:;} � conhecimento não ocorre. O objeto não ;If possível - os conteúdos da fé. Assim, enquanto o mito baseia­
O mito pressu­

�� ���
j precisa necessariamente ser material ou ,. · se na crença ingênua, a religião pressupõe a fé esclarecida (Cf.
põe a crença e a

e acessível aos sentidos; ele pode também•% . João Paulo 11, Fides et ratio, 1998). No entanto, sem crença
religião assenta-

1�
.•;·....·
i se na fé.

� ""• e,,, t _ser ideal (símbolos matemáticos), intuído:� ou sem fé não se possui nem conhecimento mítico nem conhe­
. . o pela fé (Deus) ou construído pela /anta- ÍÍ cimento religioso.
sujeito .· ·
O senso comum é um conhecimento superficial, acumula­
"'
� sia (herói mítico).
�\ � O objeto de conhecimento fornece)�/ do e repassado repassado pela tradição, que nasce da neces­

uma imagem que é captada pelo sujeito.· sidade de o homem resolver os problemas com os quais se
Assim1 para que ocorra o conhecimen- ·,:; defronta em sua vida cotidiana e do anseio por uma existên­
Todoconhecimentodá -senarelaçãoent�eumsujeito

forma-se uma imagem. o objeto pode ser idea! (o nú- to, é indispensável que o objeto, de ai- .N cia mais agradável. Embora seja permeado de erros e insufici­
_
que conhece e um obJeto que é conhecido, do qual .,_

meroJ;ima inário{ocentauroJousensível{ocastelol. gum modo, seja contactado pelo sujeito, ências, sua utilidade é indiscutível, pois orienta o homem em
(o homem), isto é, que haja uma correlação entre ambos. seus afazeres quotidianos. Quer seja ele primitivo ou civiliza­ O senso comum

do, ignorante ou ilustrado, não pode prescindir do emprego


é o conheci­

do senso comum. Esta é uma das razões pela qual este tipo de
mento mais su­
Tipos de conhecimento perficial da 'rea­
Por ser próprio da natureza humana problematizar a rea­ saber se acumula e se mantém na tradição das sociedades.
lidade, mas

lidade que o cerca, ao longo de sua história, o homem foi Seus aspectos positivos tendem a ser preservados, enquanto
muito útil no
dia-a-dia.
colocando perguntas sobre o mundo e sobre si mesmo. Ao os negativos a ser eliminados, de acordo com o grau de avan­
mesmo tempo, foi elaborando respostas para as perguntas. ço de cada grupo humano. Suas origens assentam-se nas
As respostas, falsas ou verdadeiras, foram servindo para que vivências pessoais ou do grupo social.
ele pudesse manusear as coisas ao seu redor e sentir-se mais A ciência é um conhecimento racional� metódico, relativa­
tranqüilo. ITlente verificável e sistêmático, que visa a estabelecer relações
Tais respostas foram-se organizando de acordo com certos necessárias entre as càisas. Seus conteúdos são comunicáveis
A ciência é um

esquemas de pensamento: algumas delas basearam-se sobre­


conhecimento
e possibilitam a previsão dos fenômenos. Dotada de
metó_dico, que

tudo na cre:nça 1 outras na experiência, outras na racionalidade aplicabilidade, pode resultar em tecnologias que permitem ao
pressupõe a veri­

mais ou menos desenvolvida e outras, ainda, na sensibilida­


ficação de seus
homem a intervenção sobre a natureza. enunciados.
de. De acordo com estes esquemas, desenvolveram-se seis A filosofia, tal como a ciência, também resulta da ativida­
principais tipos de conhecimento: mito, religião, senso comum,
Há diversos mo­

de racional mais elevada do homem. Mas, enquanto a ciência


dos de conhecer
ciência, filosofia e arte.
trata de problemas objetivos (naturais e humanos), delimitan­
a realidade.

O mito é um modo de conhecer o mundo em que ocorre do-os e tratando-os de uma forma particular, com um méto­
o apelo ao sagrado. Aquele que acredita no conteúdo da nar­ do apropriado, a filosofia aborda criticamente os grandes te­
rativa mítica dispõe de um conhecimento, já que este explica mas, tais como os do sentido da vida, do bem e do mal, do
o porquê das coisas em geral. Ex.: A planta cresce porque um papel do homem na sociedade etc. Os problemas postos pela
A filosofia é o
exercício da ca­
determinado espírito protege-a. filosofia, em geral, não podem ser resolvidos pela ciência, e,
pacidade crítica

A religião é uma forma de compreender a realidade a partir quando o são, deixam de ser filosóficos, passando a constituir
do homem.

da fé na existência de um Deus único, causa primeira da exis­ conhecimento científico. É importante observar que muitas
tência de todas as coisas. Diferencia-se do mito pelo fato de questões filosóficas também são tratadas pela ciência, sobre

48 49
XI
\1
:1
<I,,
Para Filosofar Hoie Conhecimento e linE.!!i!Jfem

as quais levanta hipóteses. É o caso de temas como a origem idéias' necessitaria ser enunciado (dito ou expressado de al­
:1 do universo, a relação entre matéria e pensamento etc. En­ gum modo), para que dele se pudesse tomar conhecimento

êl�\ quanto a ciência faz uso da razão objetiva, a filosofia empre­


ga a razão crítica. Enquanto a ciência procura explicar como
ou para que, em absoluto, pudesse ser mencionado. A estrei­
ta e indispensável ligação entre pensamento e linguagem é
O conhecimento
pressupõe o pen­

u: as coisas funcionam, a filosofia se esforça em compreender própria da natureza humana; não se pode fugir desta condi­ samento e este

()1
seus porquês. ção. Não há 'como' comunicar nem o 'quê' comunicar se não depende da lin­
guagem.
1 A arte é um tipo especial de conhecimento. Em suas diver­ existir uma linguagem. Até mesmo as experiências cotidianas
sas formas (poesia, música, escultura, pintura etc. .. ), a arte, dela necessitam para serem organizadas e adquirirem signifi­
enquanto forma de conhecimento, faz uso da sensibilidade cado (Cf. Luiz Alberto C. Batista, Falar e pensar, p. 44 ss.).
para interpretar a realidade.. A criatividade artística é capaz
l)
A linguagem é o lugar do conhecimento; segundo o filósofo

�!bii
de descrever a realidade de modo a dar-lhe uma interpreta­ alemão Martin Heidegger (1889-1976), é a morada do ser.
Na arte, a· sensi­
bilidade também
ção diferente das demais formas de conhecimento. Com esta afirmação, Heidegger queria dizer que, por meio da
1.l!j
produz conheci- Como vimos, podemos conhecer de diversos modos. Mui­ linguagem, o ser manifesta-se no mundo; mediante ela, o
l.i!i
:,:1
mento. homem toma consciência de si mesmo e dá um sentido - e,
tas vezes, somos capazes de fazer mais de uma leitura do mes­
de um certo modo, realidade - às demais coisas, nominando­
:·1 1 mo fato. Por exemplo, a morte pode ser vista na perspectiva
da ciência, que explica as suas causas; da filosofia, que pro­ as e conhecendo-as.
cura buscar-lhe um sentido ou da religião, que a considera
Linguagem e signos
sob a ótica da vontade de Deus. Nem sempre, no entanto,
conhecer significa possuir a verdade. Toda linguagem pressupõe o uso de signos (sinais). Os sig­
� nos são palavras, gestos, acontecimentos ou objetos que po­
1.-ti Conhecimento, pensamento e linguagem dem significar alguma coisa. Em suma, signo é aquilo que sig-
'
nifica algo1 ocupando o seu lugar.
1

Conforme foi dito acima, por conhecimento e conhecer


pode-se entender tanto uma informação superficial ou erró­ O filósofo norte-americano C. S. Peirce (1839-1914) defi­
nea sobre algo quanto um sinônimo de verdade. Em qual­ niu o signo como 'algo que, uma vez conhecido, nos permite
quer um dos casos, este não pode ocorrer sem a linguagem. conhecer outra coisa', porque ele representa aquela coisa. Ele A linguagem
Há uma conexão indissociável entre conhecimento, pensa­ classificou os signos em três grupos: ícones, índices e símbolos. compõe-se de
signos: [cones,
mento e linguagem. Os ícones são signos associados-à imagem de algo. Tal ima­ fndices e símbo-

;
los.
O conhecimento é composto de pensamentos (idéias) e gem pode ser visual (foto), tátil (a aspereza de uma superfí­
estes, por sua vez, pressupõem uma linguagem. Pensar signi­ cie), olfativa (aroma da flor), gustativa (sabor da comida) ou
ij fica conectar idéias entre si. As idéias são conteúdos que se auditiva (audição musical).
formam a partir da capacidade de representar mentalmente Os índices são signos vinculados às relações de causa e efei­
informações fornecidas pelos sentidos (idéia da mesa que vejo to. Por exemplo, a fumaça indica fogo, o sorriso significa bom
::.:1 ou da música que ouço), intuições desvinculadas dos sentidos Í humor e a sala suja sugere que alguém esteve ali.
?

'1�::1i
(idéia de número, das leis da ciência, de alma etc.) ou aquilo '
Os símbolos, por sua vez, são signos arbitrários,
:,-,, que resulta da fantasia (a idéia de um centauro ou de um
:--'I

convencionados pelos homens. Em princípio, não há relação


herói de desenhos animados).
i:ti;: entre o símbolo e aquilo que ele significa. Por exemplo, não
l há nenhuma relação de causa e efeito entre a palavra 'casa 1 e
·j:1
Para pensar, por sua vez, é indispensável a linguagem. Não
,:';i há pensamento sem ela. Mesmo o suposto 'pensamento sem o objeto 'casa', entre o preto e o luto, entre o polegar levan-
50 51
:i
Para Filosofar Hoje Conhecimento e lin�em

tado e o fato de estar tudo bem. Convencionou-se que pala­ 1


tencial O existente alienado procura disfarçar no palavrório
11 11
• 1

vras, coisas e gestos significassem aq·uilo que significam. (bisbilhotice, fofoca) a sua situação de decadência. O existen­
Somente o homem é capaz de produzir e entender os sím­ te inautêntico busca, por meio da fala desenfreada, ocultar a A linguagem hu­
mana tanto pode
bolos. O mundo simbólico é inacessível aos demais animais. sua fraqueza. Não está preocupado com o sentido daquilo integrar quanto
A comunicação dos animais não vai além dos ícones (ao ouvir 11
11
que diz, tem urgência em somente falar A notícia de uma

alienar.
uma música suave, Uf!la vaca deixa-se ordenhar mais facil­ desgraça, por exemplo, interessa-lhe só porque é novidade e,
mente) e dos índices (o cão abana o rabo ao sentir o cheiro com essa novidade, ele distrai sua angústia, na expectativa de
de seu dono). A linguagem simbólica é uma das marcas dis­ outra novidade .e
1
1
11

tintivas do ser humano, vinculada à sua racionalidade.

linguagem como distintivo do homem QUESTIONÁRIO


A linguagem é indispensável ao ser humano. Falada, escri­ �
ta, gestual ou de qualquer outra espécie, ela determina todas 1. Qual é a diferença entre o ser humano e os demais seres em
as relações entre os homens. Não há sociedade sem um siste­ suas relações com o mundo? �
2. Qual é a importância da admiração?
ma lingüístico, pois não há sociedade sem comunicação. O
3. Quais são os dois sentidos que se dão aos termos conhecer e
homem é um animal social 11 e, enquanto tal, coexiste com
11
conhecimento?
seus semelhantes. Coexistir implica integrar, por meio da lin­ 4. Quais são os pressupostos do ato de conhecer?
guagem, uma mesma forma de re-presentar 11 a realidade.
11 5. Quais são os principais tipos de conhecimento? Comente
A representação é simbólica, daí poder-se concluir que o 6. Que significa pensar?
7. É possível o pensamento sem linguagem? Justifique.
homem só é um animal social porque consegue comunicar-se
8. Que são signos? Quais são seus principais tipos? Comente.
com os outros por meio de símbolos. O fato de a linguagem 9. Por que somente o homem fala? /
envolver um conjunto de sons (linguagem oral) não significa 10. Quando a linguagem pode ser fator de desagregação ou de
que aquela se reduza a estes. Se assim o fosse, o papagaio alienação? Cite eXemplos.
também falaria. Em sentido estrito, só o homem é capaz de
falar, porque só ele compreende aquilo que diz, ou seja, só LEITURA COMIPLEMENTAR

éill!"li�
ele cria e entende o conteúdo dos sons que emite.
Somente o ho­
mem tem acesso Se o complexo mundo da linguagem simbólica é exclusivo Valor existencial da linguagem
aos símbolos.
ao ser--humano, isto-não significa que, em sua existência con­ A linguagem, com efeito, além de descrever objetos e comunicar sentimentos, serve
creta, o homem não possa dela fazer uso indevido. Por um também para testemunhar aos outros e a nós mesmos a nossa existência. Suponhamos,
lado, a linguagem é um elemento indispensável à integração por exemplo, que alguém tenha-se perdido em uma floresta ou sobre uma montanha. A
mim ocorreu isso uma vez, durante uma escalada. Eram já as dez da noite e não havíamos
dos membros de uma sociedade, por outro, ela também pode
ainda alcançado um refúgio, que deveria estar por perto. Estava muito escuro e, a um
ser fator de desagregação e alienação. certo ponto, percebemos ter perdido completamente a pista; então começamos a gritar,
Desagrega quando gera mal-entendidos e possibilita a men­ com a esperança de que alguém do refúgio nos ouvisse. De fato, foi isso que ocorreu. De
tira, a ofensa etc ... Pode ser fator de alienação quando usada cima, nos responderam algumas vozes fortes. Elas bastaram para nos libertar da angústia,
para estimular as pessoas a pensarem de acordo com certos restituindo-nos, de certo modo, a confiança e o domínio sobre a montanha. Aquelas
padrões ideológicos, que interessam a certos grupos. vozes repentinas invadiram todo o espaço que nos circundava, conquistaram o mundo
silencioso das coisas e o transformaram, dando-lhe um novo significado. Assim, aconte�
Analisando, ainda, um outro aspecto da linguagem, ceu que um universo sem vozes, no qual nos achávamos extraviados, tornou-se um uni­
Heidegger vê nela também a possibilidade da "alienação exis- verso em que o homem fala.
52 53
1
Para Filosofar Hoie

Certamente, o extravio não acontece somente onde o homem não fala; isso ocorre\'.
_
:1 •
-·� Temas para debate, a partir do filme:
Conhecimento e /in�em

também em lugares onde se fala demais, fazendo barulho e confusão. E, no entanto,•� a) O convívio humano e a necessidade da linguagem.
também nesses casos é de novo uma voz, uma voz familiar que nos reassegura de nossa b) Linguagem e violência.
existência. Pense-se no caso de uma criança que se extravia em um lugar cheio de gente ...

Li�i�i
Basta que, a um certo ponto, ouça a voz do pai ou da mãe, que a chama de longe, para º'
que readquira a serenidade e a paz. BIBLI OGRAFIA DE APOIO
( ...) A palavra adquire densidade essendal sobretudo através do nome. Ter um nome . - '-�
• ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia, verbete Lingua­
significa possuir uma existência. Por causa da publicidade do nome, a minha existência iI gem. Tr. Alfredo Bosi. São Paulo: Mestre Jou, 1970.
também adquire publicidade. Segundo Barbotin: "O nome me revela, me exprime para os
, BASTOS, Cleverson L. & KELLER, Vicente. Aprendendo lógica.
outros, franquendo-lhes o acesso ao meu ser. Eu não existo realmente senão para aqueles
Petrópolis: Vozes, 1991.
que conhecem o meu nome; o anonimato, o incógnito são álibis que adicionam às van­
tagens da presença física em um determinado lugar o benefício de certa 'ausência soci­ • BA TISTA, Luiz Alberto Cerque-ira. Falar e pensar. Rio de Janeiro:
al'... Porém, se o meu nome me exprime para os outros, ao mesmo tempo, ele me entrega
UFRJ/IFCS, 1986.
a eles, me coloca em seu poder. Declarando o meu nome, eu renuncio à parte de minha • HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento.Tr. Antônio Correia.
Coimbra: Arménio Amado, 1987.
autonomia; de agora em diante, os outros me dominam e me possuem. A primeira preo­
cupação do diretor de um internato não é, porventura, a de aprender o nome de seus • MONDIN, 'Giovanni B. O homem, quem é e/e? 6ª ed. Tr. R. Leal
rapazes para controlar as suas iniciativas e manter a disciplina? Os serviços de polícia não Ferreira e M. A. S. Ferrari. São Paulo: Paulinas, 1991.
desenvolvem uma atividade vigilante para conhecer os nomes e os múltiplos apelidos das • PENHA, João da. O que é existencialismo. [Primeiros Passos]. São
pessoas suspeitas para, assim, poder controlar-lhes os movimentos?'' Paulo: Brasiliense, 1982.
{Extraído de: Mondin, Giovanni 8., O Homem, quem é e/e? São Paulo: Paufinas, p. 146-7)

EXERCÍCIOS

Leia o texto acima r


� 1. faça uma dissertação sobre a importância da linguagem;
2. comente:"Certamente, o extravio não acontece somente onde o homem
não fala; isso ocorre também em lu gares onde se fala demais, fazendo
barulho e confusão".

.\
SUGESTÃO DE FILME
A GUERRA DO FOGO

Y'\Ç;:?
SINOPSE
'}' Direção: Jean-Jacques Annaud. Com: Everett McGill, Rae Dawn Chong.
Duração: 100 min.
Ficção que retrata a vida nas tribos primitivas, quando a luta pelo fogo gerava
conflitos sangrentos. Também descreve o processo de desenvolvimento das
primeiras formas de comunicação humana.

54 55
,�';I
i
l'''Ii
Para Filosofar Hoie

,Jj: Temas para debate, a partir do filme:

)!I
,}i
a) A condição da classe trabalhadora no final do século passado, na Europa,_
da classe trabalhadora brasileira, na atualidade.
if! b) As instituições e a ideologia e suas relações com as elites.

l·•:·i·I
:,:i
2. A ÚLTIMA BORBOLETA

1·: I
'.{i
SINOPSE

:q,)d Diretor: Kare! Kachina. Com: Tom Courtenay e Brigitte Fossey.

r.:i l Durante a ocupação nazista, respeitável mímico francês é obrigado a mont

iI.'1
espetáculo para a Cruz Vermelha, em cidade que serve de prisão para judeut
Através dos gestos silenciosos seus e das crianças,. ele acredita ser capaz dJ:
:: revelar aos visitantes a extensão da crueldade nazista.
il
Temas para debate, a partir do filme:
;� a) Os abusos contra a dignidade humana resultantes de uma ideologia.
b) As possibilidades de luta contra uma ideologia perigosa.

:!;. 3. 0 SHOW DE TRUMAN - O SHOW DA VIDA

li $1NOPSE
Diretor: Peter Weir. Com: Jim Carrey e Ed Harris.
Truman Burbank (Jim Carrey), pacato vendedor de seguros n�ma cidade !itorã' Dediquei grande parte de minha vida à busca da verdade,

•�j
nea dos EUA, acredita que a vida que leva não vai além daquilo que se esper:
•'ii não teria sido melhor se _tivesse procurado ser bom?
/}i de alguém de sua condição. No entanto, tudo em sua vida é artificial. É dirigid;
(Henri Bergson, no feito de morte)
i.fü) pelo maquiavélico Christof {Ed Harris), que faz dela um show televisivo. Quan

Hi1 desconfia do que está acontecendo, Truman reage de forma imprevisível.

i'.;,::!
l
Temas para debate, a partir do filme:

1,
! Ii a) A interferência dos meios de comunicação na existência de cada um.
b) Decisões autênticas e decisões condicionadas pelos mass media.

i
. BIBLIOGRAFIA DE APOIO
''.• • BOUDON, Raymond. A ideologia. São Paulo: Ática, 1989.
• CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. [Primeiros Passos]. São Pa
r-l)l-1 lo: Brasiliense, 1987.
• GARCIA, N. Jahr. O que é propaganda ideológica. [Primeiros P:__
sos]. São Paulo: Brasiliense, 1987.
1:;;.:
,::,!
r�
L...'.'.J • MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Rio de Janeiro: Zahar, 197
• VAINFAS, Ronaldo. Ideologia e escravidão; os letrados e a soei�
· ll dade escravista no Brasil Colonial. Petrópolis: Vozes, 1986.

J
102
10
A pessoa e sua dignidade
,-.,,.,.-.;}Yk- 1 0 cume dos valores acessíveis ao homem mediante a ra­
<:;fL"'I zão , fulgindo supremamente, encontra-se o valor da pes­
a humana. Apesar de já terem sido escritas verdadeiras bi-
' ii"�q
. /"bliotecas em defesa de sua dignidade, apesar de terem flores­
��i·oo e florescerem tantos movimentos na luta pelo tratamento
\).hümano 11 do homem, basta ouvir um noticiário ou, simples­
'.-:'>�-ente, olhar ao redor para notar como atos grandiosos ou
?thinúsculos que atentam contra a pessoa são praticados corri­
-q-ueiramente. Parece que nos encontramos em um processo
de banalização, no qual tratar a pessoa como coisa ou meio·
·não causa mais mal-estar moral.
Apesar do iluminismo, que defendeu o direito à liberdade
·ê'·à igualdade humanas, dos movimentos humanistas do sécu­
Jo passado, que pregaram a necessidade de uma real igualda,
.de de direitos entre os homens, do Tribunal de Nuremberg,
que condenou veementemente todas as práticas que atenta-
;":ram contra a dignidade da pessoa human11a durante a li Gran­
de Guerra, produzindo a famosa Declaração de Nuremberg 1 e
criando um clima favorável à promulgação da Declaração Uni­
versal dos Direitos do Homem (10/12/1948), parece que a O respeito à dig­
nidade humana,
' questão do respeito à dignidade da pessoa humana encontra­ mais do que
se na estaca zero. nunca, continua
sendo um grande
-No entanto, fala-se muito da necessidade do respeito à desafio.
pessoa. Políticos, profissionais do direito, religiosos, cientistas
e exploradores da tecnologia e comunicadores apelam cons­
:·_'tàntemente para esta temática, procurando dar um colorido
- -especial ao seu discurso. Contudo, estes mesmos se esque­
cem, muitas vezes, de que o efetivo respeito à dignidade da
pessoa não é somente um discurso: envolve, antes de mais
nada, uma profunda convicção da necessidade de respeitá-la,
1 ,,, a_lém de uma prática correspondente.
1 A Declaração de Nuremberg(1947) nasceu da condenação das práticas anti-éticas dos médicos
,-iiãÍ:istas {Menge!e é o mais famoso} durante a Segunda Grande Guerra e é o primeiro Documento de
B_i oética. Nela, estão indicadas que normas devem ser observadas nas pesquisas com seres humanos.

105
f
11:: Para Filosofar Hoie A pessoa humana e sua dignidade
.. -'"''--'
;:�;t�{f{F/
O desrespeito à pessoa humana não ocorre somente n ��)\?pessoa na perspectiva filosófica
guerras, nos genocídios, nas ditaduras sanguinárias, ele ta primeira questão deve ser procurada particu.­
bém acontece nas relações sociais cotidianas. Tanto entre :.. ,�\�[iJ;i)A resposta à
,'i./Hijhnente entre os filósofos. Mais do que em qualquer outra
que detêm o poder e seus subordinados, quanto entre a
pessoas em geral em suas rotinas diárias.
\i.iliF.�a do pensamento humano,__ no âmbito da Filosofia, a preo­
,{J'�u ação com o ser humano tem uma longa tradição. Desde
O cidadão que sente seus direitos individuais e sociais s p
_ ]i�\-:·sofistas e Sócrates, no século V a. C. 1 até os dias atuais,
rem diminuídos ou que é obrigado a enfrentar filas infindávei ;J
·<ll';iitkisofo s das mais diversas vertentes refletem sobre a pessoa
em repartições públicas e convive com a corrupção generali -.;t--h·timana, buscando uma definição de, sua natureza, ao mes­
zada; o postulante que vê, nos órgãos de justiça, a sua caus i\;,o tempo que se notabilizam pelo esforço em defender sua
ser postergada sine die; o crente que é usado como instru
/dignidade_ Um dos motivos pelos quais a Filosofia está hoje A temática da
Existem muitas
-menta de enriquecimento ou é fanatizado; o paciente que i , ,,,_p{.moda é porque, diante da avalanche de ameaças_ contra a pessoa humana
�'1,ir\�::1.
maneiras de des­
respeitar a pes­ transformado em cobaia ou é estimulado a usar medicamen - éssoa humana, ela continua sendo, em quase todas as suas sempre esteve
·_:_-p_
soa em sua dig- tos de origem e efeitos duvidosos; o espectador ou ouvint,
·_\iertentes 1 um repositório de princípios racionais que justifi­
presente na filo­
nidade sofia.
que é tratado como simples objeto de marketing e cujas idéi, fc:âm a preservação de sua dignidade.
as são moldadas de acordo com interesses superiores, enfim/ ·-,'(-Ainda que a temática do ser humano tenha estado presen­
toda pessoa que sofre qualquer forma de violência, seja ela'
tiLentre os filósofos gregos, a noção de pessoa como a enten­
física, psicológica ou moral, está sendo afrontada em sua dlg� :-d\�ITlos hoje só começa a se desenvolver a partir do Cristianis­
nidade.
li
Ôíó. A noção de pessoa desenvolvida no seio do Cristianismo
Os pais que agridem seus filhos, o aluno que não respeita - pode ser considerada como uma de suas maiores contribui­
o direito ao estudo do outro, o professor que descarrega seuS· {ões não só à filosofia, como- a toda a cultura ocidental.
,�:J problemas pessoais sobre o aluno, o motorista que não res:
[.l!ii Os filósofos gregos não deixaram

fli l
peita as regras do trânsito, o policial que viola o direito à pri_-­- O t'ermo latino persona tem,
'de valorizar o homem" diante da
vacidade do cidadão, o profissional que atende ao público) >natureza - tanto os sofistas, quan­ dentre outros, o mesmo sentido
Enquanto ser raci­
com agressividade são alguns exemplos de como, também nas da voz grega prósopon, que signi­
ona!, o homem to-'Sócrates, Platão e Aristóteles - fica máscara. Trata-se da máscara

'rli
merece respeito e coisas mais simples, a dignidade do outro pode ser menos 0
Contudo, neles não existia ainda a que cobria o rosto de um ator, en­
deve respeitar aos
outros. prezada. noção de universalidade da pessoa quanto atuava no teatro, especi­
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu· humana. Somente alguns seres hu­ almente nas tragédias.-Assim,-pes­
',,
.1 artigo 1, diz: ;/Todos os homens nascem livres e iguais em dig­ manos (aristocratas) mereceriam o soa é o personagem, e os persa::.
'I nidade e direitos. São dotados de razão e consciência e de­ �_Stàtus de pessoa. Aristóteles, por nagens de uma peça teatral são
\!1
<(( vem agir em relação uns aos outros com espírito de,> exemplo, sugeriu que as mulheres dramatis personae. Pode-se, tam­
!:{! fraternidade". Acima das posições religiosas, a Declaração su­ ê os escravos são seres intermediá-
bém, fazer derivar persona do ver­
,:::· gere que não é preciso ser homem de fé, a sua racionalidade bo latino personare - soar atra­
! C\' rios entre os homens e os animais. vés de um or ifício ou de uma
1'ic'
é um indicador suficiente, tanto para ser respeitado como, O Cristianismo introduziu a idéia concavidade - enquanto o ator fa.
para ser movido a respeitar a dignidade do outro. d.e que todos os homens são iguais zia ressoar sua voz através da
)1
A seguir, serão feitas algumas considerações filosóficas so- _.; é· merecem ser chamados e trata­ máscara. O ator que usava másca­
bre a natureza da pessoa humana, buscando responder duas""' dos como pessoas. Mesmo que a ra era chamado de personatus (Cf.
questões básicas: que se entende por pessoa? por .que deve Mora, ]. Ferrater. Diccionario de Filosofia.
religião cristã tenha, aos poucos, Tomo 3. Madri: Alianza, 1981, p. 2550).
ser respeitada? ,perdido a força que teve, enquan-
106 107
Para Filosofar Hoie A pessoa humana e sua dignidade

O Cristianismo to moldou o paradigma medieval, ela deixou como herança No pensamento mo derno, que tende ao antropocentris mo,
mais diversas e contrastantes vertentes filosóficas - do ma­
lançou as bases
das atuais consi­ convicção, hoje quase universal, de qu e todos os homens são·
derações teóri­ pessoas. Isto pode, inclusive, ser observado nas constituiçõe ao espiritualismo, do otimismo ao pessimismo, do
cas sobre a pes-
da grande maioria das nações modernas. 1at1v1s 1 111u às filosofias da objetividade - mantém-se a idéia
soa humana.
'"~ de que a p essoa humana é o va l or supremo diante dos
Deve-se ao filósofo cristão Severino Boécio (480-524), d "s\',CV.'º
seres da natureza. N esta fase, o autor que mais influ­
emprego, pela primeira vez, do termo pessoa fora dos senti/
as ab ordag e ns so bre a pessoa humana foi, sem dúvi­
dos restritos que lhe eram dados tanto no teatro quanto nó
lmm anuel Kant (1724-1804).
Direito de seu tempo. Inspirando-se no teatro, onde os ato�:-...
· ·
res que usavam máscaras representavam figuras importanteii: � : [ii/.:".<- Acompanha ndo, a tendência de alguns pensadores de seu
da vida política e social, e no Direito, que já empregava of" tempo, Kant diferenciou pessoa de indivíduo. A r ealidade do
termo persona pa ra designar sujeito jurídico, Boécio usou 0 ··>·;�\ndivíduo é mais pob re e restrita que a da pessoa. A noção de
{.··
termo persona para se r e ferir a t odo ser humano. O ser hu.:"� \'.t\ndivíd uo aplica-se a uma entidade psicofísica dotada de uma
_ Segundo Kant,
mano é pessoa por causa de sua importância e de sua autosJ ·_ --:,.-:._::ç,erta complexidade e de uma unidade que a torna distinta de pessoa e indiví­

nomia. E le e laborou uma das mais fam osas definições de pes�J: -�));>utro indivíduo. Assim , um cão é um indivíduo. A pessoa, ainda
duo são duas re­
alidades diferen-
: até .certo ponto, seja t�mbém um indivíduo, já que tam­
soa de todo o pensamento ocidental, que veio a influ e ncia,'_$;· '/�\9ue, -
tes.
Segundo Boécio
filósofos, teólogos, juristas e o senso comum em geral. Segun-·i} _ ''...\ b_ é _ rn se consti tui de um corpo e de um a estrutur a psíquica,
e Tomás de
Aquino, a pessoa do e le: "pessoa é toda substância individual de natureza raci_�}k ·, nã o reduz totalmente a esta estrutura. O indivíduo é limita­
se
ona/" 2• Todos os seres humanos são rac ionais e todos os se�:)j- ..):!_o- pelas suas car acterísticas psicofísicas - o cão se submete
':f:-; _
é o que há de
mais digno no
res racionais são p essoas. �o talmente à sua condição psicofísica de cão -, enquanto a
universo. _
ntudo pesar da c ntribuição de B oéc io , de n tre os fi-_ : . í i.. '§� sso� tira de si mes�a suas determinações. Por iss o, a pes­
C o , a o .
do , pois eja é capaz de se
ló sofos cristãos, 0 autor que mais se destacou no desenvolvi-:•]< -soa e, sobretu , liberdade

a� , .
inar. O desrespeito a es sa poJsibi lidade d e auto­
menta de uma teori a da pessoa humana e da necessidade de),11"·:· autodeterm
eterminação imp lica o desrespei to à pessoa. Tratar o ser hu­
sua defesa foi Tàmás de Aquino (1225-1274). Segundo ele )1,
somente como indivíduo s ignifica diminuí-lo.
pessoa é um ser singular, compl eto, in comunicável e disti�tof, /))�ano
de qualquer outro ser. Cada pessoa é especia l, não se con�} · ··;\{;:_)· K ant também realçou o e lemento· ético na constituição da
funde com nenhuma o utra coisa ou c om outra pessoa. So_-;_� _,·:�···'p:essoa humana. Sob essa perspectiva, definiu a pessoa c omo
mente o homem é pessoa porque só ele é racional. "A pesso/f :::>// liberdade e a independência diante do mecanismo da na­
signHica o que há de mais perfeito em todo o universov 3• A j ·\·: ,{ureza em gerai, consideradas, por sua vez1 como a faculdade
pess oa é o ser mais perfeito não só porque é raci onal. E!}( t:de um ser subm etido a leis próprias, ou seja, a leis puras prá­
também o é por outros motivos: porque é o s e r mais perfeitO),·- _.,J_lcas estabelecidas pela s�a própria razão". A pessoa - enquanto A liberdade da

em seu aspecto físico e porque é o ser mais perfeito em seu_'}< :_Xj'.:;�prsona l idade moral - é a ;;lib erdade de um ser racional diri­
pessoa consiste
na capacidade de
aspecto espiritual. Dot ada de raciona l ida de, espiritualidade e}_ i,gido por leis morais". O homem retira as leis morais de dentro retirar de si mes­
de superioridad e física em relação aos demais seres da natu-) ·' \li{�,e si mesmo e, enquanto faz isso, é pessoa. Se as leis morais mo os seus co­
mandos morais.
reza, a pessoa é o va l or a bsoluto . Inteligência e liberdade são::'" ,(fossem simplesm e nte impostas de fora para dentro, não po­
os dois máximos poderes do homem e lhe conferem O prima-r -- deríamos falar de p essoa, somente de indivíduo.
do sobre todos os outr os seres mundanos. :� .. ·,.-- Sendo um centro de liberdade, a pessoa é "um fim em si

: 1� ·
· 1:- _. ",:;,: .1T1esmo". Não pode nunca ser tratada como coisa ou substitu-
Severino Boécio. Sobre as duas naturezas I! 4 })j__ : : :
<_ída por outra pessoa. Ao considerar a pessoa como um ser
l

3 Tomás deAquino. Surnrna Theologica, Q.12;, ;.3

108 109
.,,'
,;, '
.;, ;., /,!-,..,
Para Filosofar Hoie A pessoa humana e sua dil{nidade

capaz da autodeterminação, Kant entendia que ela é capaz da igreja medieval, até os humanistas modernos, teve na
de transcender-se continuamente. Transcender-se significa dar._. dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) sua
!/ vazão à permanente faculdade de superar as limitações tanto· reafirmada pela Declaração Universal dos Direitos
A pessoa é
r&: um fim em si físicas quanto sociais, próprias do homem enquanto indiví-· Homem (1948). As reivindicações em defesa da justiça e da
k:' mesmo. duo. A superação dessas limitações não significa, necessaria-" deixaram de ter um caráter puramente acadêmico
!':::;

l ti
:i'!
mente, rebeldia gratuita contra as características psicofísica;·:� religioso e receberam o reconhecimento da necessidade
ou contra as normas sociais: pode também acontecer através· se respeitar o homem com'o pessoa em qualquer situação,
de uma livre aceitação ou adesão a elas. de sua condição social ou física.
No nosso século, Max Scheler (1874-1928), elaborou uma A máxima kanti_ana (Kant era vivo à época da Declaração)

I;
teoria que realça o caráter dinâmico da pessoa. Segundo ele, êxnressa com fidelidade a nota essencial da Declaração. Diz Respeitar a dig­
nidade do ·outro
a essência da pessoa é constituída pelos atos livres que prati­ Age de tal maneira que trates a humanidade, tanto na sua significa jamais
ca. Somente quando se percebe o homem além de sua restri-,) ; própria pessoa como na do outro, sempre como um fim e ja­ tratá-lo como

ril !
ta estrutura psicofísica, entende-se, realmente, qual é a posi-_., , >mais como um meio. Tratar o outro como fim significa, sobre­
meio.

ção do homem no universo. A pessoa é muito mais que sua


<:;fudo, reconhecê-lo como alteridade e centro de dignidade.
• ! Segundo Sche/er, dimensão puramente corpórea ou psíquica. A mente e o cor-.\ \'.;°' Respeitar o outro como a/teridade significa entendê-lo como
a pessoa mani­ po são constituintes da pessoa, mas não são a pessoa. A pes- :· -'' './�iverso, como outro e, portanto, reconhecê-lo como livre. O
festa-se, sobre­ ·
tudo, nos atos li­ soa manifesta-se, sobretudo, rios atos superiores que pratica foconhecimento da alteridade do outro abre a possibilidade
vres superiores livremente. Ao realçar a dimensão da pessoa enquanto cen­ �i'.J:tâ·e também ser reconhecido como diverso e livre. Assim, há
que pratica.
tro de um conjunto de atos livres de valor superior, Scheler
�i não despreza o corpo como fez Platão. Reconhece que o cor-.
.,,\fma correspondência mútua entre reconhecer a alteridade do
[?:)
1··1 ;_::âUtro e ter sua alteridade reconhecida. Referindo-se a esse
1::·: po é o substrato necessário para que se possa, em absoluto,.:! O"tema, diz a filósofa alemã Hannah Arencjt: "/a/teridade} é o
falar de pessoa humana, mas, na hierarquia dos atributos hu­
:.)nativo pelo qual não []Odemos dizer que uma pessoa é, sem
manos, ele é o eJ.emento inferior.
.. ,','distingui-la de outra" (A condição humana).
Ao se referir às relações sociais, em cujo contexto a pessoa
, Respeitar o outro como um centro de dignidade consiste
atua, Scheler conclui que, na esfera das relações jurídicas (con­
na difícil tarefa de tratá-lo, efetivamente, como pessoa e não
tratos, normas, penas etc.), são lançadas as bases para o res-:·
-�·()mo coisa. Tratar alguém como pessoa significa percebê-la e
peito à .pessoa_humana, .no e.ntanto, .somente através do res�
t_ratá-ia ·como um vaiar sui generis, que não pode --ser avaliado
peito amoroso pode-se tratar o outro como pessoa. Por isso, ·}t_Segundo princípios de ordem material ou econômica. A esse
não é a pessoa que deve estar a serviço do Direito, mas
· ''respeito diz Kant: "O que tem preço pode ser também reposto
Direito é que deve estar a serviço da pessoa. A pessoa é digna
/·/'-for alguma coisa, a título de equivalência; ao contrário, o que porque não tem
Temos, então, a resposta à questão da essência da pessoa \}superior a qualquer preço, o que, por conseguinte, não ad­ preço.
humana: ela é o valor supremo, porque dotada de racio-' .;, mite equivalente, é aquele que tem uma dignidade". A pessoa

f�
na!idade, que lhe permite a espiritualidade, o exercício da não tem preço e, por isso, é digna, ou vice-versa.
liberdade, autodeterminando-se por meio dela.
Se, no passado histórico, a prática da escravidão foi o exem­
f;�,)
A dignidade da pessoa mais evidente de desrespeito à pessoa humana5 , por tratá­
O conjunto de reflexões filosóficas sobre a pessoa humana como meio (instrumento de trabalho) e dotá-la de um pre-
que vão desde as pó/eis gregas, passando pelos padres e dou- Brasil, não se trata de passado. Se gundo dados da Comissão da Pastoral da Terra, em 1994,
25.193 pessoas e, em 1995, foram descobertas 26.047 pessoas em regime de escravidão.

110 111
i
Para Filosofar Hoie A pessoa humana e sua dignidade

ço de mercado, práticas re centes, de diversos modos, trilha -�· mesmo se pode dizer das inúmeras experiências científi-
os mesmos caminhos. Existem os exemplos clássicos de trata· 1it/rínodernas no campo da engenharia social, da bioquímica,
mento de pess oas como meios para fins políticos, econô rni·�,
f:{cirurgia cerebral etc. Todas visando a manipular e a modifi­
cos1 científicos ou, até mesmo, rel igiosos: o incentivo às guer
ras com fins de venda de armamento bélico, o tráfico de ór' -�{\J -material humano como se tratasse de qualquer outro
wlilierial. Essa
atitude mecanicista é típica da era moderna " (A
gãos (em que a pessoa humana é vendida 11aos pedaços\ se
gundo express ão de Volnei Garrafa), os horrores praticados !lô�dição humana).
pelos médicos naz istas com cobaias hum a n as durante a l] - ··,:; .Se a máxim a kantiana de que em nenhuma hipótese se
Grande Guerr a ou as guerras de religião, incentivadas por lí­ :':'._�;;;;]��ª:9·,de tratar o h omem como meio ou como coisa for válida, o
deres fanáticos. Nestes casos, claramente, pessoas são avalia.; .-:\r;.\fi1JrÍ_áteria! humano nunca pode ser tratado segundo categorias
das-enquanto simples instrumentos de obtenção de fins dife, \'.fà\-ordem económica. Sequer um caso pode ser tolerado, pois
rentes do que seria o de sua realização como um ser digno._
>i·-violência contra uma única pessoa, por mais miserável ou
Conforme foi dito no início, o utilitaris mo reinante faz com :,.-_<_{Viol enta que seja, significa um abu so contra toda a humanida­
que nas ações menos bombásticas também existam práticas'· -_:/}_'�:�:-·_ Ixperimento s com material humano de um miserável anal­
que menos prezam a dignidade humana: basta citar o exern< :_·,i, 'f;b t u de um doente são eticamente tão condenáveis quan-
, eoo
pi o de alguns centros de pe squisas bi o lógicas em certas uni_'•
A visão
mecanicista do
Sf0 o genocídio do povo judeu pelos nazistas ou do povo
versidades norte-americanas 6 • Em mu i tos destes centros, é

--·;�lf,·. •_'. ·:•·.·


homem atenta
contra sua dig-
comum agenciar estudantes mais nece ssitados para servirem, "·:_yjet- namita pelos norte-americanos.
nidade.
de cobaias, oferecendo-lhes, em contrapartida, bol sas de es- í · Não se pode em nenhuma hipótese fazer valer os princípi-

.,
tudos. Recentemente, alguns dentre eles depuseram, afirman-. do utilitarismo social, segundo o qual justifica-se o sacrifí­
do terem sofrido dores durante as experiências, sendo que,- de alguns para a felicidade de um mai?r número de pesso-
não pou cos ar: am com _ seqüelas f�sicas e psicoló g i c as pe!o.. •::·. a ·· s_._ Para O bem-estar d� maioria, é ju sto q.�e se faça menos da
res:o de sua: vrdas. O clima _que reina_ nestes centros __de_ pes--•-ç ,·-:·:'. Jeli , cidade e até mesmo da vida de alguns· poucos. A aceitação
Atentar contra
uma única pes­
quisas t a mbem pode ser sentido pelo tipo de vocabulano em-·,:, : ·. · .d· · es.sa f'ormu 1 a e, mei. o camin • ho para a pra't"1ca d e barb'anes

soa significa um
h
pregado para se referir a o ser umano: , Usina de montagem"-:.:5,
desrespeito con­
. . .

... , contra inocentes. tra toda a huma-
(J. Mono d ); "m�quinarra reprodutora", "usina vegeta 1 " (F. •
Enfim, respeitar a pessoa humana implica também· comba.­
_,_-ii:
. ·_ .•• nidade.
Dagognet) ou "E preCiso 50.000 produtos para fazer um ser;f
hum-ano, como numa ·usina são necessárias 50.000 peças paraJ*.-_ �_er toda prática que a diminu a. A pessoa humana; -em sua
criar um único aparelho" (D. Stehelin) são expressões ou afir-;f -t_()talidade, é muito mais que um simples corpo ou uma sim­
mações que p assaram a repercutir no imaginário, facilitandO i:
ples "máquina", que pode ter suas peças trocadas com o des­ A pessoa é um
a visão de que- o ser humano é sobretudo uma máquina, uma j
é
(!)Onte de uma outra "máquina", que pode ser tratada como
mundo de valo­
res e refações,
coisa, um meio. Sua dimensão de pessoa é relegada a um·_::�,-- meio de enriquecimento ou de afirmação pessoal ou política. ela é única e,
'· por isso, _é digna.
segundo plano.
)1 A pessoa é também um mundo de val ores e de relações. É
A esse respeito, afirma Hann ah Arendt: ''A história política�,
m fim em si mesma, um centro de liberdade e complexidade
recente está repleta de exemplos indicativos de que a expres- �
ue é único, indivisível e não-intercambiável. Por isso, a pes­
são 'material humano' não é uma simples metáfora inofensi�-:j
:!1 possui dignidade .•
61ronicamente, os Estados Unidos costumam ser classificados pela ONU entre os países que mais fi.­
respeitam os direitos humanos no mundo. '"

112 113
1i,

lil Para Filosofar Hoje A pessoa humana e sua dignidade

.,
l[i\ii QUESTIONÁRIO DE FILME
1. Fale sobre a situação em que se encontra o respeito à digni:·

',,
\( 1 � dade da pessoa humana hoje. A LISTA DE SCHINDLER

\:!
'"i
2. De que modo a Declaração Universal se refere
humana e às suas conseqüentes obrigações?
SINOPSE

Steven Spielberg. Com: Liam Neeson, Ben Kingsley e Ralph Fiennes. �


3. Qual é o sentido etimológico do termo pessoa?
!1lil 4. Fale sobre as preocupações da filosofia sobre a
'ária rea! de um industrial alemão que, movido pelo sentimento de solida­
mana.
, ..,,, ade, usa seus contactos com altos funcionários nazistas e seu dinheiro,
5. De que modo os filósofos gregos encaravam a pessoa huma�
auxiliar judeus a fugirem dos campos de extermínio, durante a 1l Grande

[1JilT'1i
na?
6. Qual é a contribuição do Cristianismo p ara a abordagem da/
pessoa humana? para debate, a partir do filme:
1::1 A violência em suas diversas formas de manifestação: guerra, ambiente
7. Qual é o sentido etimológico do termo pessoa?
8. De que modo Boécio e Tomás de Aquino compreenderam ,i de trabalho, escola etc...
A ca_pacidade de desenvolver sentimentos humanitários em meio a si­
pessoa humana?
tuações de caos político, económico etc.
9. Qual é, segundo Kant, a diferença entre pessoa e indiví�'Sli
duo?
10. Por que a pessoa humana é dig na e de que modo deve-sei';', BIBLIOGRAFIA DE APOIO
fi

'·\1[,: .l
i
respeitá-la?
'DEL VALLE, Basave. Filosofia do Homem. Tr. Hugo di Primio Paz.
LEITURA COMPLEMENTAR Paulo: Convívio, 1975.
!:1 Excelência da Pessoa . -; /URTADO, Antonio Augusto M. Direito, fraube & respeito mútuo.
Rio de Janeío: LUAM, 1997.
Porque subsistimos como seres dotados de espírito, somos pessoas. Somos os únicoS-:
':,'.-_.:··JAPIASSU, Hi!ton. Introdução às ciências humanas. 2ª ed. São

(i
seres que nos possuímos, que nos determinamos por meio de nossa vontade. Temos cons- ·
;:_,.-·Paulo: Letras e Letras, 1994.
ciência de nossa própria existência, de nossa missão supratempora!, de nosso destino
., ...:'iADRIÊRE, Jean. Ética e pensamento científico; abordagem filo­
eterno. Temos consciência de que somos limitados, ao menos em parte, pela história, pela�
sófica da questão bioética. 6ª ed. Tr. Hilton Japiassu. São Paulo:
sorte e pela culpa. Contudo, também sabemos que podemos entregar-nos livremente.a:t
!:! li
ifi
plenificar os outros por meio de nossos dons.
Árbitros de nossos destinos, nós p odemos comandar os animais e imp or nossa vontade
letras e Letras, s.d.
MONDIN, Giovanni B. O homem, quem é ele? 6ª ed. Tr. R. L.
Ferreira e A. S. Ferrari. São Paulo: Paulinas, 1991.
i/:! às coisas. Nenhuma outra criatura visível nos supera.(...) Só o homem é capaz de atingir as
-.Y:i
mais elevadas verdades especulativas e de reproduzir abstratamente a ordem do universo
e de suas causas. Dominamos nossas forças e transformamos o meio natural que nos

�,:;. :;
circunda; temos fome de eternidade e alimentamos sentimentos sublimes.
(Basave Dei Valle. Filosofia do Homem.)

l�il 1f
.

EXERCÍCIO

ri1
1. Faça uma dissertação sobre a grandeza e as !imitações da pessoa huma·


na.
1

'>: 1

�!i
114 115
Para Fifosofar Hoie

QUESTIONÁRIO 12
1. Que tipos de valores fazem parte da vida humana?
2. Quais são as principais teses sobre a natureza dos valores?
Moral e Ética
� 3. Por que o valor não pode ser confundido com seu suporte?
'.'Mesmo um cão sabe distinguir entre o pontapé voluntário e aquele do fiomem que tropeça nele"
4. O valor pode resultar da criação da consciência? Por quê? (Oliver W. Holmes, Juiz de Direito}
5. Em que consiste a essência do valor?

C
6. Por que há tantas discordâncias sobre os valores?
omo vimos no capítulo anterior, a experiência dos valores
faz parte da rotina da vida humana. E do conjunto dos
SUGESTÃO DE FILME valores que fazeni parte da experiência humana, os VALORES
MORAIS parecem -estar entre os--mais importantes. A todo ins­
AMADEUS
tante a questão do bem e do mal se apresenta no horizonte
SINOPSE
•h

,;y da ação humana. Todos temos uma sensibilidade moral que -:í;
��\

Diretor: Milos Forman Com: Tom Hulce, F. Murray Abraham e Elizabeth


nos leva a avaliar nossas ações como boas ou más, justas ou
Berridge. Duração: 158m. � ., . Os valores morais
injustas, corretas ou nao. E interessante observar que a nor- estão entre 05
A história de um dos maiores gênios da música (Mozart), contada na perspec­
ma moral resultante desta capacidade de avaliar as ações apre- mais importantes.
tiva das suas relações com o invejoso e ciumento compositor Sal!ieri. i
, senta-se como imperativo. Os valores morais impõem-se com 1'
Tema p ara debate, a p artir do filme: :I
força prescritiva quase como que ditando o que devemos
A produção dos suportes de valores e as relações entre valores estéticos,
fazer. Agir de forma contrária àquilo que eles nos indicam traz
morais e religiosos.
a sensação de que estamos fazendo aquilo que não deveria
feito.
BIBLIOGRAFIA DE APOIO
• KNELLER, G.F. Arte:_ e ciência da criatividade. São Paulo: !BRASA,
1971. O conjunto dessas experiências - perceber os valores mo­
• READ, H. O. O sentido da arte. São Paulo: IBRASA, 1978. rais, sentir o chamado do dever, ter-a.satisfação do dever cum­
• MACEDO, Ubiratan Borges de. Metamorfoses da liberdade. Rio prido ou, ao contrário, a experiência do remorso - tem com_o 1;

de Janeiro: MEC/FENAME, 1978. ponto de referência a consciência moral. Esta é exclusiva do


• PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais.-São Paulo: Pers­ ser humano. Os ..dema.is seres não__atin.gem o mu.ndo dos valo­
pectiva, 1979. res e a moralidade é a eles inacessível.
A consciência moral humana ao longo de sua história é res­
ponsável pelo desenvolvimento daquilo que normalmente i
,:I'
designamos moralidade. Num primeiro momento, podemos :11
. •.
•i<: ,
considerar a mora/ como um conjunto de condutas que indica A moral é um 1
I!1
conjunto de nor­
qual deve ser o comportamento do indivíduo num determina­
i
mas sociais.
do contexto social. Ao nascer o homem já encontra regras de 1,
conduta moral às quais é levado a se adequar. Segundo nos ii
li
mostram as conclusões de muitos antropólogos e sociólogos, "
,,
é possível imaginar uma sociedade que não tenha um mí­
de indicadores morais.

120 121
r Para Filosofar Hoje
Moral e Ética

Enquanto, por um lado, temos a moral social como urn a moral vigente numa sociedade revela a verdadeira
A moral social
conjunto de regras de conduta que indica o comportamento do mundo dos valores. Os interesses presentes nas nem sempre é a
do indivíduo, por outro, não podemos esquecer que cada in­ constituídas, muitas vezes, obscurecem a consciên­ expressão dos
valores supre-
divíduo, na medida em que desenvolve sua consciência crítica, ,sX ,.c,a moral da maioria dos indivíduos e permitem o acoberta­ mos.
e se torna capaz do exercício de sua autonomia, pode assu- 1
da prática de injustiças.
Podem ocorrer
divergências en-· mir posições diferentes ou contrárias à moral social. Desen­
tre a moral indi­ volve-se, assim, aquilo que chamamos de moral individual. A
vidual e a moral Conforme vimos, a experiência da moralidade é comum a
social. decorrência disso faz com que se estabeleça uma dicotomia
os homens, em todas as sociedades, contudo, nem to-
entre a moral social e a moral individual.
são capazes de desenvolver a crítica do conteúdo da mo­
Muitas vezes, a experiência das divergências entre as duas
. .+ral: esta tarefa cabe à ética.
faces da moral leva o homem a situações penosas, como, por
exemplo, a dificuldade de aceitar comportamentos de seus \'.°1'?_.__ Ainda que muitos empreguem indistintamente os termos
semelhantes que não condizem com a sua percepção dos va­ ·;.:;/(mora/ e ética, no âmbito da linguagem filosófica, costuma-se
lores; decisões suas que não serão bem aceitas pelos outros; <,/:distinguir esses dois substantivos. Um breve aceno sobre a
a insegurança em estabelecer a supremacia de um valor so­ (etimologia dos termos torna mais claras as suas diferenças.
bre outro ou, ainda, o caráter dramático de certas situações }jf, O termo ética provem do lexema grego éthos. Quando es­
em que não há nenhum norte axiológico, ou seja, o sujeito h\tc rito com 1 e1 breve, significa 11 hábitoU, enquan_to que com 1 e1
moral não vislumbra com clareza que valor deve orientar sua ·,:;\<longa significa propriedade de caráter 11 Nas su�s investigações
11 •

ação. Karl Jaspers designa tal situação de situação-limite. A ?:?Sobre as questões do bem e do mal, da virtude e do vício,
situação-limite é uma determinada situação que o sujeito vive · "Aristóteles empregou ethiké com o sentido de reflexão sobre
e da qual não se pode libertar (exemplos: viver num determi­ , >>as "propriedades de caráter".
nado momento histórico, conviver com uma doença incurá­ O jurisconsulto e filósofo romano Cíc�ro (106-43 a.C.), ao
vel etc.) ou que se apresenta ao homem como insuperável )}<.:criar o termo latino riioral, fê-lo derivar de mos, moris, que
porque a solução não depende dele particularmente (exem­ -·\:,significa 11 costume1', conforme éthos_ em.grego. A partir daí, nor- Os termos moral
1 1 11 11 e ética tém
plos: falsa acusação, possibilidade de acesso a certos objetos - - _· malmente, os substantivos 1 moral e 11 ética - não só nas lín-
etimologias se­
ou serviços etc.) ou para a qual duas ou mais ">/:-guas neolatinas, como também nas anglo-saxónicas - passa­ melhantes.
A moral social é o conjun­ soluções se impõem com a mesma força. -ram a ser tratados como _sinónimos. Contudo, do ponto de
to de atitudes ou maneiras 1 Embora não se possa entrever uma saída vista filosófico, há algumas diferenças entre eles.
de agir que se impõe aos teórica definitiva para o impasse resultante Por moral, entende-se a reunião de costumes ou hábitos
membros de uma sociedade destas duas dimensões da vida moral, o mais 'º', de um indivíduo ou de um povo, orientada por um princípio
como um todo. A moral in­ muito genérico de bem 11 ou de 1correto 11 enquanto, por ética,
11
sábio será considerar um meio termo no qua! 1
dividual é a forma de agir
'});'f.·'entende-se, também, o conjunto de princípios ou regras ava­
que se impõe a um indiví­ o espaço para a liberdade individual não seja
podado, mas, também, que esta liberdade -.,, liados com rigor e consciência crítica. Isto significa que a ética
duo como pessoa frente ao
mundo, às outras pessoas e não seja empregada como desculpa para a ,.procura desenvolver uma rigorosa avaliação sobre o que é o
à sociedade em geral. destruição de um ambiente favorável ao con- bem e o qui; é o mal, preocupando-se em indicar quais os
vívio social. realizam o homem enquanto agente do bem. As-
O aspecto que aqui nos interessa é o de que a mora,I social sim, se a mora! indica os costumes de um determinado grupo
não pode ser tomada como absoluta. Isto quer dizer que nem fundamentando, inclusive, o seu direito - a ética também
123
122
Para Filosofar Hoje Moral e Ética

questiona e teoriza sobre o que é justo, so­ oral ou imor a l. Estas condições são chamadas de
A ética é uma disciplina fi­ bre o agir adequado a uma determinada ,;j:,:?(rÍ1lfusto, m
losófica que, a partir de uma :< \t :(1dições transcendentais porque antecedem e acompanh am
situação, na qual se realize o bem e se evi­ { i t ?_
determinada idéia de bem,
te o mal. ·.:;,ÍI- prática de determinado ato.
\:'}(::.(:Ainda que as discussões s9bre o tema sejam quase inesgo­
tem por objeto a elaboração
de uma teoria crítica sobre Enquanto um conjunto de normas, a ' á-_Vé s, podem ser apontados como pressupostos ou condições
a conduta humana no con­ ética indica ou sugere o modo adequado -�,- }{}f i
texto das sociedades e a aná­ de comportamento em vista da rea lização :· --,;-:;�'it;a.nscendentais do ato moral:
lise do conjunto das condi­ do bem e d a felicidade huma na. Tem por i1.t·· 1. Liberdade- só pode ser avaliado do ponto de vista ético
ções necessárias para que objeto a elaboração de uma teoria crítica _
i ) ?: . · ;_ & 6rno bom ou mau, justo ou injusto, um ato livremente prati­
uma experiência moral qual­ ::n_�t,�;k;ado. Se, conforme pensam muitos, o homem não é livre, não
sobre a conduta humana a partir de uma
;\',:,;p.odem os falar propri a mente em moralid ade humana;
quer possa ocorrer.
determinada idéia de bem. Por outro lado,
além disso, cabe à étic a a análise do con­ '\/tf_Moralidade não passaria de um termo para designar a condu­
junto d as condições necessárias para que a experiência da /:_:ihtià humana que não seria essencialmente diferente da condu­
,,//;{� dos demais animais. Podemos dizer que a liberdade. é a
eticidade possa, em absoluto, ocorrer.
::}\�_V.fi'6�ditio sine qua non da ética.
Assim, enquanto a moral está associada ao agir concreto,
a ética vincula-se também à teorização sobre os valores e a · - '2. Conhecimento ou Consciência - de um certo modo, esta
·/ >-q\g·iJndição já está presente na anterior. Para que um ato seja
vida morais, discutindo basicamente a questão do bem e do
mal. Em outr as palavras: enquanto a moral envolve a prática1 --real-mente livre é preciso que se·tenha clara consciência da­
a ética pode referir tanto a prática quanto a teoria sobre a
mesma. Enquanto teoria, a ética privilegia, especialmente, os /1.•,•i·.._·_•_:·.•·-.'.·.• •·. ".
\;·
\ uilo que se está fazendo. Esta condição não se dá principal-
, ..�m_fn por dois motivos: a) erro na a valiação daquilo que se
te -
dois seguintes temas: ..
' .·.· cínio
sta· fazendo; b) incap acid ade_ do usodas faculd ades de racio-
. . (o doente mental, a cnança etc) .
1. a análise crítica dos costumes de uma determinada so­
A ética também é ciedade ou pessoa, a partir de um critério para identificar
.
::: .·:_'
. .
3. Norma - uma norma deve reger o comportamento, pois
a crítica da mo­
ral vigente e bus­ o bem e o mal, o certo e o errado; i · · 0 �ma liberdade absoluta, não dirigida por norma alguma, é Sem liberdade,
ça os fundamen- 2. a indicação dos pressupostos necessá6os (condições -)t, _ f:.:_)iecessariamente amor a l. Não imora( mas am·oral, isto é, um
conhecimento
do que se faz e
,!,·: )to praticado sem que se tenha noção precisa do que seja
tos da
moralidade em transcendentais) para que um determinado ato humano normas que ori-
geral. possa ser inserido no âmbito da moralidade. . . ·ê:erto ou errado, por falta de consciência ou porque de fato entem a ação,

lj-·· .
não há
Ao abord a r o primeiro a specto, a ética considera de que _h-ão existe uma norma 1 fic a fora do âmbito da muralidade. A eticidade.

modo, nas mais divers as sociedades, os homens vivem con­ discussão sobre que normas devem reger a ação hum ana dá
cretamente os valores mora is, apontando suas fraquezas ou ·- .. }rigem a diversas filosofias morais. A indicação de um conjun-
enaltecendo as suas realizações-. Alguns exemplos clássicos do - :.;_to ·de normas morais passa necessari a mente pela discussão
exercício da crítica no âmbito da ética foram Só crates, em ,,-$obre a essência ou natureza humana. Isto significa que para
Atenas, Pascal, nos primórdios da modernidade e Jaspers, na dizer como deve o homem proceder, deve-se primeiramente
contemporaneidade. .responder à questão - quem é o homem?
Em relação ao segundo aspecto, a ética desenvolve uma Assim, par a que determinado ato possa ser avaliado do
análise sobre as condições necessárias para que um ato hu­ i�J?onto de vista da ética, esse deve ser livre, consciente e orien­
mano qualquer possa ser introduzido no âmbito da moral ou (.:;ado por alguma norma. A partir daí, o ato humano pode ser
da ética e, com isso, avaliado como bom ou mau, justo ou <\{classificado como moral, imoral, amoral e não-moral.
124 125
Para Filosofar Hoje Moral e Ética

• Moral é o ato que está de acordo com uma norma étic, Distinga Moral de Ética.
ou indicação de conduta social. É o ato por meio do qual 5 Fale sobre as condições transcendentais do ato moral.
realiza o valor do bem, da justiça etc. Distinga ato moral, ato imoral, ato amoral e ato não-moral.
• Imoral é o ato que fere uma norma ética ou uma condu Cite exemplos diferentes daqueles indicados no texto.
ta estabelecida pela moral social ou individual. É o ato peJ Por que é difícil julgar, do· ponto de vista ético1 os atos alhei­
Quando um ato
Cite exemplos.
cil
é praticado sem qual se dão os anti-valores: da injustiça, do mal etc.

I.
intencionalidade,
foge da esfera da • Amora/ é o ato que não pode ser avaliado do ponto
ética. vista da ética ou da moral, pois nele não se dão as condiçõe;:,- DE FILME
transcendentais para a moralidade.
• Não�moral é o ato em que não estão -envolvidos direta ASSASSINATO EM PRIMEIRO GRAU

mente os valores mora.is, como, por exemplo, assistir SINOPSE


-�\,;\':\
jogo de futebol ou ir à praia. Henry Thomas e James Wi!der. Dur.: 94 m. (/
de pequeno furto, um jovem é encarcerado em Alcatraz, o mais
Para tornar mais clara a distinção entre ato amoral e imo�
presídio norte-americano de então. Ali sofre todo tipo de tortura e
ral tomemos um exemplo: um atropelamento com morte. Caso; um·assassinato. Um advogado recém-formado recebe a tarefa de
este tenha ocorrido sem a intenção por parte do autor, não' Filme baseado em fato real.
pode ser julgado na perspectiva da ética; sob este ponto de
vista ele é amoral. Caso o autor tenha procedido intencional�_­ para debate, a partir do filme:
mente, tal ato será considerado como imoral pois fere nor,�­
I
Suficiência do saber técnico para o bom exercício da advocacia.
ma própria da grande maioria das convençóes de Moral Soci­ O assassinato e as condições necessárias para o ato moral.
al e dos Códigos de Ética: Não matarás! As instituições ligadas à Justiça e a defesa do valor justiça.

Outros exemplos: a criança ou o louco na agressão a uma,,


O mesmo ocorre outra pessoa. Este ato será considerado como amoral, já que
com os atos de
uma criança ou eles não têm consciência clara do que estão fazendo, por nãQ{ Jacques. As grandes linhas da filosofia moral. São
de um louco. estarem ainda plenamente desenvolvidas ou não poderem se� Herder, 1967.
empregadas suas potencialidades racionais. Jacques. A filosofia moral. Rio de Janeiro: Agir, 1970.
Estas considerações sobre as condições da experiência éti:=,; SANCHEZ VASQUEZ, Adolfo, Ética. Rio de Janeiro: Civilização
ca nos mostram a dificuldade em avaliar ou julgar o ato de,
outro ser humano. É difícil estabelecer, por exemplo, se o ou-�
tro tem consciência do que está fazendo ou se o faz livremew
É muito difícil
julgar os atos te. Muitas vezes, a pressa e a necessidade de julgar os atos
alheios. alheios são causas de profundas injustiças. Podemos dizer que 1 _ _
sabendo-se disso, o próprio ato de julgar apressadamente Q,
outro se constitui em ato imoral.e

QUESTIONÁRIO
1) Descreva a consciência moral.
2) Distinga moral social de moral individual.

126
Mora/L Ética e Direito

13 :·\Qualquer que seja a teoria que se construa sobre a sociabi­


Ide humana, o certo é que os homens se encontram em
Moral, Ética e Direito ,t�:do de convivência e, n esse estado, interferem e recebem
/(�_rferências de outros homens. As interferências podem, em
}�ús dife rentes, causar desequilíbri os. Para conter ou limitar
O direito existe

O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) afirmava que ;!{possibilidades, é mister que se estabeleçam no rma. s jurídi­
para tornar pos­
sível o convívio
homem é um "animal político" (zóon politikón) por ins :�1c.\Surge, então, o direito.
social.

tint o e que a experiência do convívio social favorece o desen 0 direito nasceu porque nem todos os membros da socie­
volvimento das potencialidades humanas .
são virtuosos e, para que seja possível o convívio huma­
A tese aristotélica alimentou e ainda alimenta comentári�_:, /ei proíbe os vícios mais graves, os menos comuns, os
os, críticas e considerações de toda espécie. Apesar das polê_-­ por sua natureza, tragam mais prejuízos aos outros e à
micas quanto ao caráter instintivo da sociabilidade humana; 1

não há genericamente discordância quanto à importância fun�:­ quais são os fundamentos do Direi­ O direito é o conjunto de
damental da expe riência social do homem. convivência social dá origem a muitas normas, condicionadas pelo
Relações sociais e Direito de associação entre os homens. As poder político, que se impõe
por sua vez, produzem orde­ e regula a vida social de um
O convívio social estabelece uma vasta gama de relações. determinado povo em deter­
>ríâções jurídicas. O pluralismo de ordena­
Migu el Reale, por exemplo, ente nde que as relaçõeS sociais· minada época.
jurídicas resultante da divers idade de
que pressupõem a criação de normas de organização e con­
necessita da intervenção de um
duta no seio de uma sociedade são as seguintes: coordena-­
que lhe dê uma certa harmonia. É nesse ponto que o
ção, subordinação1 integração e delimitação.
qu e di spõe de amplos poderes, int ervém e dá
• As relações de coordenação são as que ocorrem entre:fí..4,· :·:;êfetividade normativa à disciplina das as�1ociações menores.
partes que tr�tam de igual para igual, P· ex., 0 princípio); jfsto não quer dizer qu e o Estado seja a única fonte do Direito,
ª
do contraditório, que observa igualdade das partes no:. /mas é ele que condiciona a criação das normas jurídicas. S ob
p rocesso ; ·
;.'. · ste ponto de vista, uma norma só a.dquire o status jurídico
';{�'
• as relações de subordinação são relações de mando por·j iféaso esteja de acordo com a ordenação da sociedade política .
parte da sociedade política, p. ex., a cobrança de impos- -\/�'.�_ evidente que a norma jurídica surge de um ato decisório do
tos ou a -obrigato riedade do serviço militar; ')t::: z '.!foder (constituinte, legislativo/ judfr;járiol executivo, comunitá­

• as relações de integração são as que agrupam as re!açõe5. ;f -: .);i�{o ou coletivo, e individual) PolíticO I/ 2•
de massa, de comunidade vital e da pessoa comum, ouf fr >ireito
. t: e moral
seja, nas relações de integração, surge a noção de coletivi-?(_: ,<;,�r'., . � . .· .
}Jf'
As relações soci­
ais podem se dar
dade ou de um 11nós 11 coletivo; ,_,t,; Hans; Kelsen (18�1-1973) um dos mais notav_
. e1s Juristas do
• . .
em condições
- · · - - • }1t· · iQosso ·
• as re laço es de deltm,taçao dao or'.gem ao aparecimento · f�•·é . · ·••·•·.••.v·•.' ' m
seculo, tambem conhecido pela sua ligaçao com O mo-

:.1·
diferenciadas.
· .• ento filosófico den ominado Círculo de Viena, desenvolveu
de um eu11 responsável que se relaciona com os outros de •.:fi, :,-,· · . . . .
. . . :I ..,u. ma • · _teoria sobre o Direito que teve e ainda tem muita reper-
11

forma pos1t1va (am1zad e, por exemp 1 o) ou de forma nega-J, .


· Aiu· ·.
·;;,,. •-.. .,{:. . L. · ssao: a T ,eona . P ura do 0.1re1to. .
tiva (conflitos de interesses) ou de forma mista (troca, con-.:\'.· º· .;t
.

· · ·
trato, acord o etc). ·
'.-�� · :��·,-'�,-r c-:f-. M-IT_R_O_P_O_U_LO_S,-A-,i-,d-,-,-.
,-,g-alidade ejustiça. Palestra proferida na Univ. Gama Filho, 1995.
. . . . },r
.'%·' . . . . F. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v. 1 São Paulo: Saraiva, 1985, p.
.;.····.··.·

_@:.
128 ':.�: - 129
Para Filosofar Hoje
Moral, Ética e Direito

Segundo ele, a Ciência Pura do Direito é uma teoria exclu'] ó r o rinc1p10 e o seu próprio fim. Abstraindo-se do ho-
sivamente normativa, independente de todo fato e de tod{;: pr p i p
lei positiva. As normas das quais se ocupa tal Ciência do o( ,;,em e da sociedade, alhear-se-ia de sua própria finalidade e
reito são normas ''enquanto significações" e não normas "en ">,i\tJe suas funções, passaria a ser u ma pura idéia, criação
{\�ff�r_ebrina e arbi trár ia // 3•
quanto atos 11 As leis, nesse caso, são leis puras, análogas
;�}i;;5:t,;:: ::A nor ma jurídica deve víslumbrar as circunstâncias efetivas

"idealidades" ou essências". Não é que não possam se ligar


11

Segundo Kelsen, fatos, mas precedem os fatos, isto é, são a priori. As normas \ii((;'ostumes, dificuldades, valores etc) em que se acham situa­
o direito deve
leis puras não são vazias, têm seu próprio conteúdo, mas esti. >1Jid',;_s seus destinatários. E é por meio dela que o Direito almeja Anão n orma jurfdica
pode desco­
};'a;\ingir o equilíbrio social, impedindo a desordem e os delitos, nhecer a moral
devincular-se
dos costumes e conteúdo é ideal e não real. Neste sentido a sua teoria é cój
.a.·}Jüpcurando proteger a saúde e a moral pública, resguardan­
soci al.
fundar-se sobre
nhecida como formalismo jurídico. Os conceitos elaboradà�!
, - /do os direitos e a liberdade das pessoas •
princípios de
pelo Direito Puro constituem-se, segundo ele, no fundame8:
4
ordem puramen­
te lógica. to para todos os outros conceitos. Assim, não se deve con :.:Bi) ;\profundando a argumentação, Leonardo Van Acker lem­
fundir a Teoria Pura do Direito com a ciência que se preocú5i "_bja que uma norma jurídica, uma vez gerada, não fica estag­
pe com o "dever ser" enquanto um dever ser moralmente 11 .e,
11
,'!l;ada, mas continua a ter vida própria, mantendo-se na medi­
nem com a ciência do justo".11
'd� em que integre os fatos de sua alçada e os valores com que
Na verdade, a preocupação de Hans Kelsen é, à semelhanç� /i{�}._.pr etende reger. Deste modo, podemos dizer que o Direito
da Física, desenvolver um conjunto de princípios jurídicos qu,� ·::"n"ão se resume à norma jurídica. Esta compreensão do mundo
antecedam a experiência e possam constituir-se nos funda'. )/:J�:-�:ídico deve-se sobretudo a uma exigência didática ou ins­
:·{fúmental ou a uma postura legalista, própria do positivismo
mentas de um direito universal, independente de qualque'
influência da moral social.
\j� 1 dico.
tí Na verdade, o direito compõe-se de três elementos
<\,tk terligados: fato, valor e norma.
-'

A teoria kelseniana é a grande inspiradora do positivisní·\


§tt:·;,·Para melhor esclarecer a relação unitária entre estes três
jurídico atual. Embora, ao final de sua vida, o próprio Kelse
'\b\�inentos, tomemos um. exemplo do Direito Penal: a prática
tenha reconheddo a influência da moral na co nstrução e apl
JtH�:-·um homicídio. Temos primeiro um fato - fulano matou
cação da ordem ju rídica, tais considerações não tiveram r�.,;.
)ti�'rano. No fato está implícito o atentado' contra um valor éti­
percussão no ambiente acadêmico, preferindo-se sua pos('
ção inicial - a de que é possível construir e aplicar a arde
;-:gt'�
. fundamental - o valor da vida. E, por fim, temos uma nor-
jurídica ..sem uma consulta prévia ao mundo dos valores e
/�a jurídica - artigo 121 do Código Penal - que prevê uma
/\âflção para, de algum modo, "compensar" o desrespeito ao
moral social constituída.
-
A posição de Kelsen e dos positivistas em geral, inclusi .)� �for. Se não houvesse na base uma categoria axiológica - o
:)v�lor vida - não teriam sentido tanto a elaboração de uma
dos anteriores a ele, sofreu e sofre crítica de parte de U[ !;:{?9rma que visa à preservação do valor vida, quanto todos os
número considerável de jusfilósofos. Se o Direito não conSf 0
fprocedimentos posteriores ao fato no âmbito penal.
derasse a realidade lática e axiológica (relativa aos valores)
}0(Tend0 como pressuposto esta visão mais aberta do direito Segundo Reale, o
uma sociedade, a norma jurídica seria, como diz o eminen
:·.p_9-ra alem das limitações em que o considera a tradição' va
:1.h:1° ,.,. � • Direito deve /e-
mestre alemão Rudolf von lhering, um "fantasma de direito rem conside-
um conjunto de termos ocos que viveria uma vida de menti :;_:;fbSitivlsta no âmbito da ciência jurídica, podemos considerar ração também os
'/pino válida a definição de Miguel Reale. Segundo ele, o direi- valo,es.
sem possibilidade efetiva de realização. Neste caso "a nor .,-;:;,..>
jurídica viveria numa torre de marfim', isolada, à margem dé
11
"{i��§iN1z, Maria Helena. Op.
realidades, auto-suficiente, procurando em si me.Sma o s '-'·y. _DOWER, Né!son Godoy Bassil. 7.Curso moderno de Direito Civil. São Paulo: Ne/pa, 1976, p.6.
cit., p.

130
131
Para Filosofar Hoie Mora/L Ética e Direito

to é uma ordenação externa (heterônoma) das relações soe, interna, geralmente sob forma de remorso. Ela é fruto do
chamamos consciência moral.
ais, que tem por substrato a integração normativa de fatos
valores 5• ato legal é o que tem por base a heteronomia (normas
O sujeito que o pratica não é movido pela própria
Para concluir estas considerações sobre as relações entf; mas por fatores externos. Este ato é movido pelo te­
moral e direito, é oportuno relembrar as reflexões do filósof, receber punição externa ou pelo desejo de receber Enquanto o ato
alemão Max Scheler (1874- 1928) sobre o assunto. Segund lega{ é heterô­
As relações jurí­ recompensa. Neste caso, o interesse pela consecução de nomo, o ato mo­
ele, não se pode exigir o cumprimento de qualquer dever ju
i'in (isenção de punição ou desejo de recompensa) sobre-
dicas pressu­
põem a confian­ fim ral é autônomo.
ça mútua entre rídico, formalizado através de contratos, por meio de um out_r/ 6e,se à convicção subjetiva da necessidade da prática do ato
os homens. contrato que o garanta. O mundo jurídico é permeado d
:�ê realiza um valor.
uma confiabilidade entre os homens. Esta confiabilidade é d
ordem moral e o Direito existe exatamente para vigiar, a ''Nem todo ato moral é legaf_e nem todo ato legal é moral.
C:;\:;,)fífJ'l17.emos um exemplo: se pago impostos por considerá-los
certo ponto, os abusos contra ela.
}.:j}Ji.J:�_tos, este será um ato moral e legal ao mesmo tempo, mas
Ética e Direito ·\:'�t:;:j�:,pag o impostos somente por temer uma punição, este ato é
Como vimos no capítulo anterior, a Ética diferencia-se d' ·,:\t�gal mas não é moral e, sim, amoral. Amoral porque não
Moral enquanto é capaz de teorizar sobre a vida moral, d� ;,f;�reenche o requisito da liberdade, que é uma das condições
senvolvendo uma análise crítica sobre o comportamento hlJ · \·'.tr�ri
· scendentais do ato moral.
Isto nos mostra que o comportamento ético se dá em nível
mano diante de uma idéia de bem, de justiça, de certo e e( ___ ,.-=:,:.... diferente do comportamento no âmbito jurídico. Nem por isso a
rado. É evidente q_ue, pela sua própria natureza e em vist�: _:•i\{F.•._ Ética e o Direito estarão se referindo a coisas completamente
,·\/distintas. Ambos se referem à mesma realidade - o comportamento
das relações do direito com a moral, a Ética, como disciplini ·-· ::'.A,imano. Possuem perspectivas diferentes, "!ªS têm por fim a mesma
filosófica, tem muito a dizer em relação ao Direito. .--->_::1 -,neta: o bem-estar do homem. Enquanto a Etica tem presente sobre-
Embora a pretensão aqui não seja a de desenvolver . um. - :·,tudo a dimensão subjetiva do homem, enquantO indivíduo, o Direito
·- · ··visa a sua dimensão objetiva, enquanto membro de uma sociedade.
extensa análise âas contribuições da Ética ao Direito, é opoí
Í
A conquista do belTI-estar pelo homem, no entanto, não se dá
tuno apontar alguns aspectos que mostram suas divergênci_� exclusivamente numa dimensão. Assim, o diálogo entre esses dois
<f;:-:, campas •pai'ece ser imprescindível.
e aproximações.
/__j)(!_i·Nos tempos atuais, há uma forte tendência para a retoma­ A pesar de dife­
É importante fazer algumas distinções entre um ato etica,: •iii" ,idesse diálogo, que foi e continua ainda a ser obstaculado ren ças de pers­
mente__q.ua!ifi.cável e um ato considerado do ponto de vis� rn pectiva, o Direi­
'\'/pelo positivismo -jurídico, de um l.ado, e·-pelas---tntermináveis to e a Ética refé­
jurídico. Estamos falando de dois tipos diferentes de atos hu-' ;_/piscussões sem conclusões substanciais, por outro. No entan­ rem-se ao mes-
manos: um é o ato moral e o outro é o ato legal.
O ato moral é aquele que brota da autonomia (norma'.
..a'it&, o diálogo é possível desde que se tenha boa vontade e se
/lenha como projeto a busca efetiva da justiça.
mo objeto.

internas) do sujeito, isto é, nasce de uma decisão livre, mov_i '.\ Uma das grandes contribuições nesse âmbito é a de Otfried
da pela c0nsciência do dever em vista de determinada norm -�/:_8pffe, ciue propõe uma releitura do pensamento de lmmanuel
ética. Este ato é praticado não pelo temor de receber um '}i}ant (1724-1804). Kant considerava o imperativo categórico
sanção externa, mas porque o sujeito está firmemente co, _ '\tomo fundamento de todo ato moral. Este comanda que uma
vencido de sua necessidade. A sanção que pode vir a ocorre"· \f}ão seja praticada pelo simples fato de que a razão assim o
em caso do descumprimento de uma norma ética será se
-�-f:)9f.dena e a razão o ordena, simplesmente porque considera a
})_E'ição boa e não pelo temor de punição ou coisa parecida. A
5 0. REALE, Miguel. Op. cit., p.67. ,t/iJ�itura que sempre se fez do imperativo categórico kantiano é

132 133
Para Filosofar Hoie

a de que este se aplica soment; Fale sobre a necessidade do diálogo entre o Direito e a Ética.
ao indivíduo isolado.
Hoffe distingue o imperativo
RAS COMPLEMENTARES
categórico singular do imperativo· ,\
categórico plural. O imperativo RepensalJdo o Judiciário
categórico plural seria o conjun:i André Terrigno Barbeita *

to de prescrições que teriam un/} judiciário volta à "ordem do dia". De tempos em tempos, a crítica
bombástica, emocional, guiada, no mais das vezes, por
caráter de obrigatoriedade ética'
para todos os indivíduos. Este contrariados é, assim, minada pela visão comprometida.
/J1�
críticas são antigas: o elevado grau de corporativismo dos seus integrantes, o
poderia ser aplicado à prática·
da sociedade, o elitismo, a vaidade exacerhada, a morosidade... Todas
institucional em geral, mas prin-'.;
uma certa procedência. Contudo, é de se questionar se boa parte delas não encontra
cipalmente ao Direito, procuran-; · '"'"\essonância também em outras categorias profissionais, tais como militares, médicos e
do a instauração de uma ordem, que não?) jornalistas. O corporativismo não será, então, uma característica, antes
justa. Teríamos, assim, um impe'<, tudo, cultural?
rativo categórico jurídico, que\ Prefiro ater-me a uma questão que é própria do Judiciário e o diferencia dos demais
Na mitologia romana, a Justiça (simbolizada pela balança e pela es­
orientaria toda a nor matizaçã()·'.·-;:' o Legislativo e o Executivo. Enquanto estes se encontram muito mais expostos -
pada) é acompanhada da Paz (simbolizada pelo ramo de oliveira) e assim, podem ser controlados pela sociedade-, o Judiciário à guisa de ser um poder
jurídica.
da Verdade (simbolizada pela tábua das leis). A comp anhia das três e não "político", quando, raramente, vem a sofrer alguma forma de crítica
divindadessugereaintegraçãodaJustiçacomoutrosvalores. I Em suma, a grande meta qué•' na sua atuação, dificilmente deixa de escudar-se no tecnicismo jurídico.
se almeja por meio do diálogo entre Ética e Direito é a da E o tecnicismo não deixa de ser um fenomenal instrumento político, sobretudo porque
conquista da justiça, que, certamente, será mais difícil enquan-'·,· a formação de um discurso ideológico que rechaça qualquer ingerência exter­
Cabe ao Judiciário e só a ele interpretar as leis sob um prisma técnico-jurídico. As suas
to ambas permanecerem distanciadas. É isto o que nos mos-·
a par de traduzirem a visão de um órgão tido como "imparcial", "eqüidistante"
tra a experiência brasileira. interesses das partes.e, pois, "isento", refletem o que é "direito", "justo", "certo".
Mas, se no âmbito da formulação das normas pelos órgãos pois, admitir que um órgão externo a e!e e, só por este fato, necessariamente
competentes a consecução da justiça não pode prescindir da i/a'técnico venha a pretender estabelecer. u_ma. visão crítica das suas decisões?
consciência ética, mais se justifica essa consciência em relaçãÜ que, e este é o ponto fundamental, no seio da atividade interpretativa das leis
tudo pode ser justificado juridicamente. Eis aí o cerne do descontrole do Poder,
àqueles que, em razão de suas funções, ocupam-se da manu�
a capa do discurso do "julgamento eminentemente técnico", pode esconder-se, tran­
tençã:o da ordem social,.- c-' .c,iiilo e solerte, o político. E� o que é mais grave, passa ele inteiramente despeFcebido,
Sem Ética, o Di­ estando muito bem dissimulado pelo discurso "técnico", escapa à apreciação
reito dificilmen­ sociedade que, por sua vez, sente-se impotente para criticar ta! ou qual decisão, visto
te realizará o
ideal de justiça. QUESTIONÁRIO possuir os conhecimentos "técnicos" para tal.
:�i;I' "",·; -. O desafio a vencer é descobrir o véu do "técnico" e vislumbrar os interesses reais subjacentes
1. Fale sobre a concepção das relações sociais em Miguel dã_o suporte a certas decisões. Aí, talvez, cheguemos à conclusão de que as diferenças
2. Como se origina o Direito? os poderes podem não ser tão profundas quanto, a princípio, elas parecem.
(BARBEITA, André Terrigno. /n: JORNAL DO BRASIL, 16 de maio de 1995, 1º Caderno, p. 9).
3. Fale sobre a teoria das relações entre Direito e Moral,
* O autor é Procurador da República
gundo o positivismo jurídico.
B
4. Fale sobre as relações entre Direito e Mora! 1 'fora da teori�,
positivista. ''Nós vos pedimos com insistência: nunca digam - Isso é natural! Diante dos aconteci­
� s. Diferencie ato moral de ato legal. de cada dia. Numa época em que reina a confusão, em que corre o sangue, em

134 135
•·�-
Para Filosofar Hoje

SUGESTÃO DE FILME 15
LEIS DA CORRUPÇÃO Bioética
,r\�'.9 SINOPSE
[.''

Diretor: G. Sax Com: Tom Selleck, E. McGovern, M. Mason e W. Antherton. <;, ,: grande avanço da Biologia e da Medicina nas últimas
º
Duração: 95m. ,,e décadas possibilitou ao homem transformar-se numa es­
pécie de feiticeiro, capaz de interferir diretamente nos proces­
Juiz honesto é convencido pela Promotoria Federal a participar de operação
cuja missão é descobrir juízes corruptos. Usando o disfarce da cumplicidade,
�-()5 naturais de procriação, habilitou-o a produzir em labora-
consegue desvendar uma rede de corru pção em que estão envolvidos inclusi­
''i'.tório o tipo de ser humano que julga ideal, a sintetizar poções
ve seu pai e sua melhor amig a (também juízes).
._,;:r�·ágicas para dizimar populações inteiras e, até mesmo, a pia- A bioética surgiu
- : �eJ·a r cientificamente sua própria morte. O progresso do sa- da preocupação
Tema para debate, a partir do filme: _-- - . com os avanços
A poSsibilidàde de neutralidade do Magistrado, mesmo que honesto. ,/b�r biomédico, que parece tornar seus possuidores donos da das ciências
/\Jida e da morte, tem provocado muita angústia entre aqueles biomédicas.

,)jtjue têm . consciência de que,.ªº lado dos benefícios há um


'.

BIBLIOGRAFIA DE APOIO AI . �
".;:,;];grande rrsco de seu emprego inadequado. As aval,açoes des­
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,:,-,\'.�?;;;:genético, dentre outros, dão o toque da caminhada da-huma---.progres_so cientí-
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..�:_/}iidade em busca de um futuro cujas características ainda nos
da da legitimidade do Sistema Penal. Rio de Janeiro: Révan, :-/,)_:If:iJ1arecem
muito obscuras e ameaçadoras. Temer pelo futuro
1991. -·-.--não é novidade na história do homem, mas quando se sabe
ritmo frenético do progresso, o temor aumenta.

história da Bioética
Ao final da li Grande Guerra, quando o termo bioética ainda
',não existia, suas linhas mestras já tinham sido traçadas. As
i-':e_ xperiências dos médicos nazistas com cobaias humanas (des­
,;\\_kÜ;facando-se a figura sinistra de Mengele), reveladas ao mundo
'lf{:,:pelo Tribunal de Nuremberg (Alemanha), causaram um im-

148 149
Para Filos ofar Hoie Bioética

pacto tão grande não só e ntre os co mponentes d o Tri b u nal, As pal avras do gran de gén io parece m esco lhidas a ded o
mas m u n d i a l m e nte, tanto q u e , ainda d u rante o j u lgame nto in d ic a r q u al é a es sência da B icética:
d os cri m i n osos de guerra, foi e l aborado u m cód igo - co nhe­ ne cess idade de discutir as relações en tre Bioética é um estudo in ter­
O Código de
Nuremberg foi o c i d o c o m o C ó d i g o d e N u r e m b e rg - n o q u a l fo r a rn e o conh ecimento que produz. A disciplinar que investiga a
prime iro m ani­ estabelecid as a s normas básicas para orientar q uaisq uer p es­ .lJ ii,ét1 c a vis l u mbra a urgência e m se estabe­ totalidade das condições ne­
festo de
Bioé tica. q u isas com seres h u manos. le c er p arâm etros para a p rodução do co­ cessárias para uma adminis­
N o i n íc i o da década de 70, o utro fato deu n ovo i m p u lso à nhe cime nto e tam bém para sua a p l i cação. E tra ção responsável da vida
B i oéti ca. O progresso d a Genética perm iti u a descoberta da ·}fq u a nd o o con heci � e nto d iz resp eito d i re­ humana em gera/ e da pes­
p o ssi b i l i dade da re p rod ução h u mana fora do útero m aterno: itam ente ao val o r fu ndamental da vida, a u r- soa humana em particular.
a p rocriação in vitro . Foi uma novid a de de gran de i mpacto, -,":tiif-kê n cia to rna-s e urgentíssima .
q u e n ão p o d e r i a se n ã o r e s u l tar n u m a av a l a n c h e d e J/::· Vivemos em u m a é poca e m q u e o relativi s m o se encontra
p os i c i o n a m e ntos pró e c o ntra, o u , n o míni mo, de rese rva. E /('.é nt ranh ado no modo de pe nsar da gra nde m a i o r i a : n ão h á
n ão e ra para m e n o s , esta novidade envolvia qu estões l iga das - t?f�e rd ades absolutas q u e oriente m seu agi r moral, cada u m d e­
a m u itas áre a s: B i o l ogia, Med i ci na, Antro pol ogia F i l o sófica, :\):: id e pela sua verdade e, nes s a decisã o , i nterfere m m u itos fa­
Rel i gi ão , Di reito e, s obretudo, Ética . ' "\ to res: fo rmação fam i l iar, re l i gio s a, e s colar, a profissão, a clas­
N esta época, os meios de com u n i cação - pri nci pal mente a )e social etc . . . N o e ntanto, todos os h o m e ns, de a lgu m modo,
televi s ã o - j á ti n ham assu m i d o u m papel m u ito i m portante ?{procu ram seu bem-estar e, na procu ra deste, torn o u -se i n d is­ Diante de certas

na vida social e a d ivu lgação da n ovidade por meio de les pro­ ) ,Ap ensáve l o d i á l ogo entre os vá rios ca m p os de co n h eci m e n to . ameaças do pro­
Os meios de co­ gresso, é preciso
municação fa vo­ vocou u m a avalanche de d e bates. A p o ssibi lidade de se gerar · ;JU nes ta perspectiva q u e deve ser e n ca rada a B ioética. Seg u n ­ estabelecer cer­
receram o deba-
o s e r h u m a n o fo ra d o útero tro u x e c o n s i go u m n ú m e ro } do o Pro fesso r de Ética e Te ol ogia Moral da U n ive rsidade d e tos parâmetros
te bio ético. de conduta.
i ncontáve l d e q u estões q ue d izem respe ito a o valor vida . ) Mo ntreal (Canadá) G u y D u rant, a Bi oética ,resu lta d a n e cessi -
• 'I' :. , .
E m m e i• o a, p o, 1 e• m 1• ca esta b e 1 ec1' d a 1 o o n co 1 o g 1 s t a V an \,, -.: · · ·:. ·
daded e p rofi s sionais d e cam p os i n te rliga d o s estabe l e cere m
_- :._-,- .- _ -

. . . .
1

.
' , . • ·
' t -
'..' · ; um cantata e ntre si com o fito d e ass u m i rem consciente m ente
Ren sseler Potter em prego u o termo b 10et1ca pe 1 a p r i m e •i ra vez, :.t <_.. -_. .

·\t>
. , . . · ·,
� ' . · ·· ª respon s abi l i dade n a ad m m 1straçao da vid a h u m a na.
. . . • _ .

na obra 810et1ca: uma ponte para o . futuro (l g 71 ) r re ferin d o� ·,,:...e. .<,. '..Y .. · · •
se a ela co mo o estud o do e q u i l íb rio e ntre o progresso da -.,\(A títul � de ilus�r�ç�o da riqueza temática proposta pela bioética, segu em-se algumas de suas mais
_
Ciência e a pre s ervação d a vi d a h u man a 1 pri nci pal m e nte na J· · .:_.' "'."ª) ,/º� hecidas defm ,ço es: . _ . . . . .
_ � . JifJ:g _ fu proponho o termo B10et1ca como forma de enfatizar os dois componen tes mais importantes
O oncologista perspect1va --ecolog1ca. N O m e s mo a n o , And re H ell ege rs , em� · il , .::.,_ para se atingir uma nova sabedoria, que é tão desesperadamente necessária: conhecimento biológico
Potter emp regou p rega O te rmo para se referi r à necessi dade d a p reservaç ão ·-;)r e valores humanos". (POTTER, Van Rensselaer. Bioethics: bridge to th e future, 1 971 ).
o termo pela , ." . • i<< b) Bioética é o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e a atenção à saúde,
prime ira vez. d a d i g n i dade h LI mana d I ante d O p r ogresso d as c i e n c i a S, e m //:; \}"iílquanto que esta conduta é examinada a /uz dos prindpios e valores morais. (RE1cH, W.T. Encydopedia
geral 1 e d as B i o ciênci as, e m parti cular. Desde então, a B i oética _dt : - ,/i;:_�! Bioethics, 1 978)
to rn o u -se u m c a m p o i n d i s p en sáve l p a ra q u e m q u e r to m a r :·� -.;':/}Yl A Bio�tica é o es tudo in ter disciplinar do conjun to das condi�ões exigidas para u � a admin istração
_

J:
. :,·, >º.f:�ponsavel da vida humana, ou da pessoa humana, tendo em vista os progressos rápidos e complexos
consci ência d e seu tem po. Torno u-se tem a assíd uo e m revis-
:
\)Iif1 - �.saber e das tecnologias biomédicas. (ROY, D. La biomédicine aujourd'hui et l'homme de demain.
tas méd icas 1 j u ríd icas1 fil osóficas, teo lógi cas e até mesmo em _Çil · ; '.,-'J.l�_.lnt _de départ et direction de la bioéthique, 1 9791.
- I} <;,;"'_tl )Afüoética é a pesquisa de soluções para os conflitos de valores no mundo da intervenção biomédica
ve1cu
, I OS n ao e s pecia . 1 ·JZa d OS. . ;"' :, . '· Ó .uRANT, G . A Bioétlca: natureza, princípios, objetivos, 1 995).
à :. ; )9
·J,,% ••• ::,::t,�)__A Bicética funciona como uma lógica do pluralismo, como um instru mento para a negociação
Que é Bioética? - ;<,pacrfica das instituições morais (ENGELHARDT, H.T. Manual di Etica, 1 991
).
Na m a n h ã de H i ro s h i m a , E i n ste i n l a n ç o u u m a l e rta ao , _- i{�:Bioética é a nova ciência ética que combina humildade, responsabilidade e uma competência
r,:,_, '}_!;h,terdiscip/;nar, intercultural e que potencializa o senso de humanidade {POTTER, IV Congresso Mun­
m u n d o : Não se pode verdadeiramente fazer não im/Jorta o :'. _
:/t;?i�I de Bicética, 1 998).

1 50 151
Para Filosofar Hoje
Bioética

O fi lósofo fr an c ês Emânuel Lévinas afirma que vida e mo r-. sido desenvolvido no meio da c omunidade pensante
. olhar atento aos perigos do manuse io do saber científico,
te, saúde e d oe nç a, se xo e procriação - discussões que ::
permeiam o estudo da Bioética - ultrapassam o laboratór io h\' "°'ª' teriam proliferado muito mais. A difusão da consciência
científico . Em si mesmas, as descobertas não são boas nern<: :bi,oe t1ca torna-se indispensável para que pessoas de todas as
A falta de cons­

independentem ente do grau de poder de que dispõem,


O debate sobre ciência éiica de
a vida e a morte más: o bem ou o mal depende sempre das aplicações a que• alguns pesquisa­
deve ir além das
serão destinadas. capazes de manifesta r seu protest o contra abusos que dores é causa de

oc orrendo ou que venham a oco rrer.


paredes dos la­ muitas
Assim, a Bioética nã o se assemelha em sua natureza a ne­
·./ri" 't
boratórios cien- barbáries.
-
nhuma disciplina científica especializada em um assunto bem 1_\}i%f;;_ Em seus primórdi os, a Bioét11ica teve uma preocupação so­
tíficos.

de limitado. Ela é interdiscip linar, isto é, combina conclusões ;}i '(i\it;".;� retudo quanto ap como fazer enquanto prescreveu as nor-
•·'.fj; ,.·; .t"'.-�.:,{·•. i•.;I· f. •· :.
1'.
11 ,

científicas e reflexõe s oriundas _dos �ais va:�ad� s -campos do :.hi.� s da p esq uisa científi�a com seres h� manos, hoje ela � m ­

.
...:...
:-.J:

saber h umano: ela envolve a B1olog1 a, as C1encras da Saúde, __·-l:-\·':;.'.)/p!10u o seu campo: o simples como nao parece ser mais a
-.
a Antropologia Filo sófica, a Religião, a Engenha ria, a Psicolo- 5]_;-;..;, :'{\:,,única per
gunta que lhe interessa, ta mbém o porquê das expe­

··I (/\°1{
gia, a E c onomia, as Ciêndas Po líticas, a Demografia, o Direi- _,_2 1
:_riências assume importância cada vez maior. Considerando o
fa to de a pesquisa c ientífic a não estar mais desvi nculada de
::·.

to e a própria Ética. Em sentido rigoroso, não é uma ciência .


embora envolva conheci me ntos científicos. Em função de su� ::,; ·''.,:i{i;;· � lgum tipo de interesse que não seja o da simples aquisição

,;I
unive rsalidade e do caráter altamente crítico nela implícito, a -'..;}. '•'"··:-, -de c onhecimento, isto é, há nela interesses políticos, milita­
A Bioética preo­
cupa-se com o

Bioética está vinculada à Filosofia. .-}f: ->_--· :-_res, económicos etc., a Bicética procura estabelece r o limite "como" e o "por-

A Bioética não pode ser confundida com a Ética Médica. A .J ":


entre o que é realmente be néfico para o homem e o q ue é
uro jogo de in�eresses .
quê".

segun_dª. é de c�r�ter mais r�strito �ue a primeira, já que se :·_fj,. , ; ):p � . .


const1tu1 num cod 1 go normativo particular e tem como objeti- O padre e teologo Fernando Bastos Avila afi rma que o avan-
vo p rinci pa l p roporcionar respostas para questões específi cas .••·/· · · · · . • ç· o da Biotecnolog ia tem dup la face: "Pod ,e tanto fazer um bem
· ·
ao ex e rcí c. io d a_ Medicina.
. A ch a íl1ad a Étic a Médica é,;. {• . ......,- . •· ··· ..,,•. ..extraordinário1 pode �atar a fome, mas . :vive períodos vertigi-
A Bioética não
deontológica2 e não abrange a totalidade das preocupações . ·'.·.-t-;--nosos .. . �t · quando começâ a mexer no próprio mistério da vida,
da Bicética. Além disso, a Bioética possui um caráter de inde- ,} '.; /:,>,:.alterando o genoma. Aí é um granf]e desastre. A busca do ser
pode ser con­
fundida com a
p endência e nã� corre o risco do corporativismo, tão comum·:{ I - <:/er�eit�,_por e�e'!1plo, não ,;e m nenhuma cOnsideração co m a
Deontologia

,.-:;
Médica.
nos grupos profissionais. ,.1.nst1tw çao genet1ca natural 3•

N ecess,"d a d e d a 8.me't·,ca
lf· . .
Em suma, num cenário em que ocorre o e xtraordinário O progresso ci­
''..progr esso das B iociênci as, onde a human idade já en(ontra-ao
� . 4.
•;i · entífico tanto
, _
De�de seu surg1 m:nto cor:n a condenaçao das barba nes -Jf -_ '}eu dispor um fantástico arsenal de recurso s biotecnológicos
pode-ser positi­
� . __ ,_ vo, _como pode
co et1� as pelos m�d1cos nazistas na Segunda Grande G�er- \t· •\.referentes à procriação , ao mapeamento genético e ao siste­
m se constituir em
� . ,..
r�, a B1oet1 c a tem �ido, pela voz de seus culto res, a consc1en-
, _
J_.
\_.);-:-:-:.ma nervoso, é indispensáve l a pre ocupação co m a preserva-
ameaça ao ho-
mem.
eia a�:nt� a necess1dade de se pensar eticamente o progresso. /.ção dos valores fundamentais ligados à pessoa humana.
_
•:j.; · - -

da c1enc1 as que lidam com a vida human a . Mui tas outras ·


barbárie s têm sido cometidas, co mo o desenvolvimento e uso
de terríveis armas bio lógicas pe los norte-americanos ou o re-
cente caso dos embriões na Ingl aterra, no entanto, se já não ,
:)Biodireito
1
O progres so das Ci ênc ias Biomédicas provocou muitas al­
t,erações na vida social. Muitas de suas novidades acabaram

eotceambmocs"te, sobcetodo. co cacátec coat,vo da Deoatolog,a, do qoal a Et,sa cao ,e cm>'e ,


2 O termo filosoficamente correto para designar as éticas prof1ss1ona1s é DEONTOLOGIA. A diferença ";,:"·-'\Tt/; ,
.. ,,.. ln: AMAERJ NOTICIAS · Ano 5' n º 2 8,; eUout l 996, P· 1.
; ••,,J.

152 153
!
Para Filosofar Hoie Bioética

por tocar também a esfera das relações jurídicas, o que não é.­ QUESTIONÁRIO
de se estranhar, já que o Direito não deixa de ser um re flexo 1. Quarído e como surgiu a Bioética?
da vida social. As novidades trazidas pela Biomedicina (a pro­ 2. Que é Bioética?
criação fora do útero materno, o "útero de alugue!", o pro­ Qual é a diferença entre Bioética e Ética Médica? �
,,-3.
longamento indefinido da vida humana por meio de apare-. 4, Por que a necessidade da·s reflexões no âmbito da Bicética?
lhos cada vez mais sofisticados e a clonagem, dentre outros)] 5, Que é Biodireito?

-
provocaram a necessidade de uma adequação por parte do 6, Que significa "jogo dos possíveis" e qual é a responsabilida­
Direito. Situações totalmente novas necessitam de legislação de do Biodireito diante dele?
adequada.
O Biodireito é Tomemos um caso hipotético: uma jovem decide ser mãe-, LEITURA COMPLEMENTAR
uma área em Código de Nuremberg
formação e seu solicita a um rapaz que este lhe ceda seu esperma para
objeto é a dis­
Tribunal Internacional de Nuremberg-1947
inseminação artificial. Tendo sido bem sucedida em seu in-J
cussão e a pro­ tento, a jovem torna-se mãe. Passado um certo tempo, com)
Triais of war criminal before the Nuremberg Military Tribunais. Contra! Council Law 1949;10(2):181-182.

dução de nor- 1 - O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso significa
mas que regulem dificuldades financeiras para o sustento do filho, ajuíza, re, --_ \<-_que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de
o progresso da presentando o filho, uma ação de investigação de paternida­
ciência e seus - ---'i�'.j_dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer
efeitos sobre a de, cumulada com pedido de alimentos, contra o cedente do \hin_tervenção de elementos de .força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de
sociedade. esperma. Ao mesmo tempo, alega que o rapaz também tinha -,-/Iéstrição posterior; devem ter conhecimento suficiente do assunto em estudo para· toma­
manifestado o desejo da paternidade. Nenhum tipo de doeu, , :·{_\e_m uma decisão. Esse último aspecto exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a
mento que prevenisse o cedente é preparado. Feita a perícia) '.ii)/id_uração e o propósito do experimento; os métodos segundo os quais será conduzido; as
' por meio de exame de DNA, cuja margem de acerto beira os ,'\)/)·_(�conveniências e os riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa do
:\}f{�articipante, que eventualmente possam ocorrer, devido à sua participação no experi-
100%, o exame resulta positivo.
'

'\:TTlento. O dever e a responsabilidade de garantir 4 qualidade do consentimento repousam


O caso acima não encontra solução na legislação vigente.'_ ·t;':}óbre o pesquisador que inicia ou dirige um experimento ou se compromete nele. São
Cabe ao Biodireito preencher as lacunas existentes. \,;'.deveres e responsabilidade·s pessoais que não podem ser delegados a outrem impune­
Há, ainda, um segundo aspecto ligado à questão: o dos·­ •:''/;;;;-·hlente.
limites das pesquisas biomédicas e das aplicações da. - O experimento deve ser tal que produza resultados vantajosos para a sociedade, que
biotecnologia. Como já foi dito acima, à pesquisa científicá_ possam ser buscados por outros métodos de estudo, mas não podem ser feitos de
casuística ou desnecessariamente.
ligam-se interesses.estranhos.à ciência (e_conômicos;··po!íticos;
bélicos etc.), além disso, a propaganda pode induzir pessoas_:_, - O experimento deve ser baseado em resultados de experimentação em animais e no
da evolução da doença ou outros problemas em estudo; dessa malleira, os
incautas ao uso de recursos de eficiência duvidosa, ao em-:�;
já conhecidos justificam a condição do experimento.
prego de instrumentos ou ao consumo de alimentos nocivo(�
- O experimento deve ser conduzido de maneira a evitar todo sofrimento e danos
à saúde. A Biotecnologia é responsável por muitos destes pro-'
quer físicos, quer materiais.
Cabe ao dutos. Na verdade, suas maravilhas são tantas que há um ver:_
Biodireito esta­ - Não deve ser conduzido qualquer experimento quando existirem razões para acre­
belecer as regras dadeiro "jogo dos possíveis" no dizer do geneticista francê5::
para o "jogo dos
que pode ocorrer morte ou invalidez permanente; exceto, talvez, quando o próprio
François Jacob (Nobel de Medicina, 1965), ou seja, a ela nada_' pesquisador se submeter ao experimento.
possíveis".
parece impossível e a criação de novidades tornou-se umi
- O grau de risco aceitável deve ser !imitado pela importância do problema que o
espécie de jogo. Ora, ao Direito cabe também normatizar sO�:'
fe>qtJl5',a,or se propõe a resolver.
bre o assunto. As pesquisas e estudos sobre estes .�specto�:
- Devem ser tomados cuidados especiais para proteger o participante do experimento
constituem a outra grande área do Biodireito .• qualquer possibilidade de dano, invalidez ou morte, mesmo que remota.
154 155

,. .,,,,,..,, r,,..
, ,.
Parq._ Filosofar Hqie

8 - O experimento deve ser conduzido ap�nas por pessoas cientificamente qualificadas}:-·


9 - O participante do experimento deve ter a liberdade de se retirar no decorrer do'
experimento.
1 O - O pesquisador deve estar preparado para suspender os procedimentos experimen­
tais em qualquer estágio, se ele tiver motivos razoáveis para acreditar que a continuação
do experimento- provavelmente causará dano, invalidez ou morte para os participantes.

EXERCÍCIOS UNIDADE IV
Leia o texto acima e:


1. fale sobre os cuidados com o ser humano por ocasião da pesqui_sá
científica e da aplicação da biotecnologia. FILOSOFIA E .O
SUGESTÃO DE FILME
MlJNDO ATUAL
1

GATTACA - A EXPERIÊNCIA GENÉTICA


SINOPSE

Diretor: A. Niccol. Com: Ethan Hawke, Uma Thurman, A!an Arkin e Jude la½t
Duração: 112m.
Num sistema obcecado com a perfeição genética, marcado pela diferenciação''
entre os seres humanos geneticamente programadas e·aqueles naturais, um
1, jovem "ln-válido" ousa desafiar as regras na tentati'va de participar de uma
1

missão espacial, privilégio reservado somente aos "Válidos". Apesar do suces-_,


soem burlar os sistemas de controle de identidade, um crime às vésperas da-' A filosofia é seu t.�mpo vazado em conceitos.
missão coloca em risco os sonhos do jovem. (Hegel, Enciclopédia das ciências filosóficas)
Tema para debate, a partir do filme:
a) os perigos do uso indevido dos conhecimentos produzidos pelas A filosofia é uma volta ao eu pensante puro, para fazet reviver
biociências e pela biotecnologia. os valores eternos que dele procedem.

--BIBLIOGRAFIA-DE--APOJ_O (Husserl, Meditações cartesianas)


• HALACY JR., D.S. A revolução genética. São Paulo: Cultrix, 1976.--
• bu\/EJRA, Fátima. Engenharia genética. São Paulo: Moderna,.
1995.
• RIOS, André Rangel et alii. Bioética no Brasil. Rio de Janeiro:
Espaço e Tempo, 1999.
• SAUWEN, Regina F.; HRYNIEWICZ, Severo. O Direito "in vitro";
da bicética ao biodireito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,· · !
2000.
• SPJNSANTI, Sandro. Ética biomédica. Trad. B. Lemos. São Pau 0

lo: Paulinas, 1990.


• SGRECCIA, Elio. Mànuàl de Bioética; flfndamentos .e
biomédica. Tr. O. S. Moreira. São Paulo: Loyola, 1996.

156
: 1,
16
O novo paradigma

N °
as diversas fases da história há idéias que, não sendo con
traditór ias, tendem a se agrupar. ldéias religiosas, filosó­
fl cas, científicas, políticas, econômicas etc. mesclam-se com ele­
:-\ men tas ideológicos e acabam por ditar a maneira do homeni
interpretar a realidade. Este amálgama é denominado
par adigma (do grego, paradéigma/modelo, exemplar). Um
\:
·; fà'. parad igma serve para indicar os rumos do conhecimento, das
)
· r< /relações sociais (família, escola, classes sociais etc.), das cren­
O paradigma é
:-/1:)t;: ças religiosas, do desempenho econômico, das ar:tes, enfim, um modelo de
·-::;.:t:{t. de toda a cultura. leitura da reali-
-' dade.
i/"}\l
}
No mundo ocidental, a partir da afirmação do cristianis­
· }/ - _mo, desen volveram-se dois paradigmas: o paradigma
,;,W;teocêntrico da Idade Média e o paradigma cientificista da lda-
::de Moderna. No momento atual, o paradigma cientificista está
>fBf\/em crise, encontrando-se um novo em pleno processo de de-
--<\senvolvimento.

O paradigma teocêntrico
seja exclusividade da Idade
já que nas sociedades trib9-i_s ou nos grandes impérios
.da antigüidade as crenças míticas ditavam o ritmo das ativida­
des humanas, é nessa época que se pode notar melhor a for­
ça das idéias religiosas em me.ia a um relativo progresso.da
Na Idade - Média,
filosofia e da ciência. No Ocidente, durante período que vai pred9minou o
as conversões dos bárbaros ao cristianismo (entre os paradigma
teocêntrico.
sécs. V e VIII), até o fim da Renascença e a Revolução lndus-
(séc. XVII), predominou a visão teocêntrica de mundo.
Nessa fase da história, do ponto de vista político, a Europa
encontrava-se pulverizada em milhares de condados, ducados
em feudos maiores ou menores. Não havia, com algumas
ex,ce,;õ,,s passageiras, um agente político centralizador (os es­
nacionais surgiram somente no início da modernidade).
único fator que unificava as sociedades era a fé em Deus,
re,enbrlr terrenamente pela Igreja. Deus colocava-se como
159
Para Filosofar Hoie Um Novo Paradis.ma

a autoridade a cima de qualquer limite geográfico ou político siste ma capitalista e das reformas r eligiosas, fatos
conforme a expressão bíblica: "Eu sou Aquele que tudo vê'' /Sóo,n1e,1ac,s pelo desenvolvimento de idéias filosóficas novas.
sem ser visto''. Dele advinham os princípios da moral .Embora não se poss a atribuir a este ou àquele pensador 0
(virtude e pecado), do conhecimento (Revelação Bíblica) e da ,, --"''"ºdeter iniciado ou de ser pessoalmente responsável por
autorida de terrena (representação papal). , ·-'• ,,,;v tão complexo como um par adigma, não se pode negar 0
O filósofo francês Georges G usdorf, lamentando a instabi- ,'!?:\fato de que a lguns pensadores, que consideramos gênios, ti-
lidade da sociedade contemporânea, afirma q ue a Época Me. ,8/ve•ra1T1 o mérito de ser seus grandes propulsores.
dieva l, notabilizou-se pela harmonia social (A agonia de nos- Nos momentos iniciais do paradigm a cientificista, destaca-
sa civilização, 1979). ":',,,m-se Galileu Galilei (1564-1642) e René Descartes (1596-
0 elemento unificador era da ordem do sentimento, ex-
,,·-1,
,,:,; nos séculos XVII e XVIII, notáveis foram as contribui- A crise da socie­
dade medieval
de Isaac Newton (1642-1727), de Gottfried·Leibniz (1646-
pressa na fé em uma verda de única. Como a experiência do favoreceu o
sagrado está acima das exigência s fri a s da racionalidade, t eve 6), de lmmanuel Kant (1724-1804) e dos iluminista s fran- surgimento do
O sentimento de nos séculos XIX e XX destaca-se a participação dos filó- paradigma
religiosidade fa­ excepcional força de coesão. Na Religião, está implícita uma cientificista.
voreceu a relati­ positivistas e neopositivistas e de u m sem número de
constel a ção de valores que pair a por sobre as mentes indivi-
va harmonia da
duais, indicando a todo s como devem se comportar. imp regnados de" idéia s positivista s.
sociedade medi-
eval.
No entanto, a dita h a rmonia foi acompanh a da da estagna- Descartes afirma va que a razão h um an a1 qu a ndo bem em-
_
serra cap az de atingir a verd ade. Ele elaborou um
ção das atividades de pesquisa. As verdades funda mentais
ch a mado de ''método da dúvida" ou "método
estavam expostas nos Textos Sagrados e à filosofia e à ciência
era reserv ado o papel de, quando possível e de acordo co,-r,Tl! f, r a c , q ue julgava ser um c a minho seguro para a co n-
de certezas, tanto no campo da Filosofia como no das
certos limites, dar-lhes um a cabamento racional. No fundo,
i da natureza (Discurso sobre o mé�odo). Seu emprego
tanto o mundo n at u ral quanto o humano eram vistos como ']J; \;'ci.ênc
O omem não necessitar mais das verdades reveladas nos
mistério e não caberia ao homem tent ar desvendá-lo. Sua ta- •l±I</<taz h
bíblicos. Galileu deu o exemp l o deste novo tipo de b u sca
refa primordial era a da salvação da alma, por meio da solíci- d ••·<•.•
ta obediência aos m andamentos divinos. A mortificação1 0 saber. Segundo ele, não é nos li":'ros _que se deve procur'a r
mas na própria natureza. Sua linguagem era a Ma-
desprezo pelos bens mundanos e corpora is e o arrierito .:tír..";·
bastaria conhecê-la para decifrar seus mistérios e
das satisfa ções para u m mundo futuro traçavam a maneira
'll•·'":.•"tontrolá (O ensaiador). Galileu desenvolveu instr u mentos
como os homens deveriam lida r com sua emoções.
'.;/ çifehtíficos; inven�ou máquinas e foi resp on sável .por _ u m .gran-
Assim sendo, no paradigma teocêntrico, não cabia _ �
. - . . ao ho-
- avanço da F1s1ca e da Astronomia
'I mem tirar as verd ades de suas pesquisas, pois est a s Já lhe ti-
n ham sido dadas na esfera da fé. Va lorizar demasiadamente ..,., .... ••�
Newton embora pa rticularmente afirmasse acreditar em um
1,

.... ,.,,nrl'n em evolução, ao descobrir as engrenagens do movi­


a ciência era considerado perigoso, pois isto poderia afastar
homem de Deus. através das leis da Físic a, retirou o mistério do univer­ A visão
mecanicista de
Segundo ele, o mundo assemelha-se a uma grande máqui­
Newton é a mar­
O paradigma cientificista um relógio, que funciona segundo certas leis. O futuro é ca distintiva do
O paradigma teocêntrico predominou até fins do século 'i"sim,<t ,,,rr em relação ao passado; num certo sentido, o futuro paradigma
cientificista.
XVI; em alguns lugares, como no Brasil, permaneceu até fins_ porque nada de novo pode ocorrer. Se, por acaso,
do século XVIII. Su a substituição de u-se a partir da crise do; alg u m descompasso, Deus, o grande relojoeiro, inter­
feudalismo, d o fortalecimento das cidades, da impl a ntação)! para recolocá-lo no ritmo adequado.

160 161
Para Filosofar Hoie Um Novo Paradis_ma

· · , .
O físico e filósofo Leibniz, co ntempo râneo de Newton ' ,,;,D:,,,,ss,a. em no s so sécu lo na� o h,a su bstanc1a1s acresc1mos da parte
. a 'I de . " . ., , ·
fund1u , ia da natureza como automata, isto e , lhe é •;id•DS neopositivistas e de ou tros au tores responsavers pela sua manu-
, e l a no vi. d ade p o rque nela h a., uma hom,�
poss1v !'1$/teriçã,o.
p reestabel ecida po r Deus (Novos ensaios). . . .
Do que foi dito ac1ma 1 depreendem-se tr ês característic as
. " .
Kant, um do s maiores genio s do pe nsamento ocide,ntal; paradigma cientificista:
e nca ntado c om as de scob e rta s da física newtonia n a 1

a) Raciona 1 ismo - confiança de q ue a raza-o pod e dar co n-
. . , . .
vo1 veu um sistema filosof1 co no qual apontou os motivos da realidade.
Racionalismo,
, . mecanicismo e
certezas po ss1ve1s no campo d as ciências matemáticas e b) Me�anicismo - ª n atureza é um meca nismo com [e.is es- reducionismo
natureza, enquanto neg ou esta possibilidade à teologia e cup descoberta é só u ma q uestão his tórica. Não há mis-
caracterizam o
paradigma mo-
metafísica em geral (Crítica da razão pura). pode ser explicado· derno.
. . . .
Aos I 1 um1n1stas co ub e , sobret udo, o papel de d ifund ir Reduc,orn . . mo - seg undo o paradig ma cientificista p ro-
; 1
idéia de que o único conhecimento q ue merece ser levado de carater abr angente, como a origem do homem,
sério é aquele proporc io nado pela ciência. Su a luta foi ·, o,,u ser entendidos a p artir da explicação de aspectos par-
defi nitiva eliminação dos resquícios do pa radigma do mesmo. O universo, por exemp lo , pode s er exp li -
Com alguns deles (La Mettrie, D Alembert, D 11 Holbach), �cu,.,,.
11
_
ª partir das desco bertas das leis da Física e o fenômeno
O iluminismo e foi defin i tivame nte expulso da ciência. pelas descoberta: da Genética. Os macroproblemas
o positivismo fa­ No paradigma
voreceram a di- O positivismo do século XIX, que teve Augusto r,,_,c- com as soluçoes dos microproblemas. cientificista, os
.
fusão do
paradigma
(1798-1857) como seu grande divulgador, reto m ou as ª
Ne5t visão eStá também implíci ta a idéia de q ue só me re-
macroprobfemas
são resolvidos a
cientificista. ilumi ni stas, dando-lhes um caráter messiânico . U ma nova ser tratado s racionalme nte e, portanto, cientificamente, partir dos micro-
ma nidade e star ia por surgir. Esta não daria mais ouvi d os 1 u , 1 " p roblemas que passam pelo contrq le d a metodo log ia
problemas.
conheci mentos qu e não resultassem de r igoro sa pesquisa \>x,� ,11 ,,e,H ',,_ _, Deus e O de5tino da alma humaha ou o sentido da
entífica (po sitiva), centrada no raciocínio lóg i co-m atemático
''/;;;;,fa e da morte fogem .a tal controle e, pÜr isso, não devem
na expe rimentação. Até então , a humanidade tinha considerados p roblemas merecedores·· de atenção. As re-
do o mundo por meio das crenç as fa ntasiosas (estado relieir,!; em torno deStas q uestões nàda acresce ntam ao saber
soJ e da imagi n ação controlada (estado metafísico). ra,,anlei
Há um a tendência para a simp lificação e, ao mes-
a humanidade, tendo já at i ngido a maturidade, aceitaria tempo, para a especialização. No paradigm a cientificis ta,
m e nte as explicações científicas (estado positivo). Deus 0 especialista.
seria mais necessário p ara o novo homem, até porque,
gundo Comte, el e não existe. Somente aquilo que está novo paradigma
alcance da ciência m erece atenção. Qu e stõe s de o r dem Apesa r dos alertas dado s por fi lósof os (principa lmente
tencial, co mo o sentido da vida e da morte, imortalidade e religiosos), pela Psicanálise e, até mesmo, por
finitude d a a lma, não preocupari a m mais (Catecism-,, (Bohr e outros), de que a Ciência não é onipotente e
Positivista). A explicação do comportamento humano e a in-, que é incapaz de dar conta da realidade em seu co njunto,
dicação de no rmas de conduta moral ficariam a cargo d a Bio cientificista continua predominando.
logia e da Soc io logi a . Descobertas, que se d ão em ritmo cada vez mais acelera­
A visão comtiana, ainda qu e por muitos considerada frági levam ainda hoj e um grande número de pessoas, princi­ Alguns acreditam
numa teoria ci­
na perspe cti va filosófica, s i nteti zou as idéia s mestras d -· cientistas, a co nfia r em em uma não muito distante entífica final.
parad i gma cientificista. Do po n to de vista que aqui 'nos int, · tese científica final, em que todos os fenômeno s naturais e

162 163
Para Filosofar Hoie
Um Novo ParadiRma

�)\i ��pteis e da sinfonia de Beethoven, que são exemplos de com­


r
humanos terão uma explicação .e poderão ser controlados;}
enfim, o homem tornar-se-á, de fato, senhor do universo. ii '>fex1'da de " •·
1
{:p
"'/('.

e xemplos de sistemas complexos multiplicam-se, isto é,


No entanto, esta convicção já não encontra eco uníssono·" \Jrf:-_:._,Qs
não só em meio aos intelectuais em geral, como na cornuni:·-­ · /.:;,,\�áó det ectados processos dos quais a ciência não consegue
dade científica, em particular. Um número cada vez maior de \ia'r conta: a previsão meteorológicà, o fenómeno humano, a
cientistas de ponta e filósofos da ciência reconhece a necessi-. 2ríação artística, a etiologia da violência etc. Um exemplo prá-
dade de se rever o paradigma. Segundo eles, há problemas' :{;fco: até hoje não se sabe como se formou o deserto de Gobi, O deserto de
Cobi é um exem­
para os quais a ciência, conforme entendida no modelo '
,-
ia Mongólia. Apesar do saber acumulado e de toda a tecno­ plo de sistema
Há problemas cientificista, não encontrará respostas seguras. A própria no� i'\'',gia disponível, continua sem explicação. Segundo Prigogine, complexo.

ção de solução de problema precisa ser modificada. Solucio­ exemplo de como um sistema complexo manifesta-se
para os quais a

nar um prob/-ema dentro do novo paradigma é, antes de mais�


ciência não en­
.contra soluções. simplicidade.
nada, dar-se conta de que há certos aspectos imprevisíveis e, < Pode-se ainda tomar o exemplo da previsão meteorológica.
por isso, incontroláveis. Se há autores pensando em contra,� meteorologista norte-americano Edward Lorenz, do
iar o caos, isto não significa dizer que eles não tenham cons�_­ de Tecnologia de Massachussets, acreditava que, caso
ciência do imprevisível. preparado um programa de computador, capaz de tra­
O que leva muitos filósofos e cientistas a pensarem assim é. tadas as informaÇões fornecidas por satélites e por ins­
a constatação de que há um conjunto de problemas que re-' ,·�·:fri.Jmentos das estações meteorológicas, seria possível prever
sistem às soluções dadas pelo antigo paradigma. Estes não diA sem margem de erro. Em 1961, com o programa pron­
zem respeito somente a convicções religiosas ou a outros as�-· Lorenz jogou nele os dados e observou que este indicava
pectos subjetivos, são problemas relativos à natureza detecta/ aspecto imponderável, ou seja, constatou que não seria
dos pelos controles científicos, em relação aos quais não se_ IYbbssível prever o clima com total precisã9. Os super-progra­
vislumbra a possibilidade de uma solução nos molde;_ atuais continuam sem conseguir superar o obstáculo. Este
cientificistas. São os chamados sistemas complexos. -t"feiiômeno ficou conheéido como atrator de Lorenz e deu ori-
Os sistemas complexos caracterizam-se pela imprevisibili1 à teoria dos sistemas caóticas: Segundo esta teoria, na
dade, ou seja, não se pode controlar com segurança todos os; ocorrem fatos imprevisíveis.. Há um "efeito borbole-
elementos neles envolvidos. llya Prigogine, físico belga, Nobel, - que os permeia. A expressão "efeito borboleta" nasceu da
- de Química em 1977 e um dos mais ferozes críticos do para,.' pergunta de Lorenz, ao falar do imponderável: " Não
digma cientificista, referindo-se aos sistemas complexos, co�­ o bater de asas de uma borboleta em Tóquio, provo­
menta: Um sistema complexo é aquele que, de acordo com)
11 uma tempestade em Nova Iorque?". O fenômeno E/ Nino é
as circunstâncias (próximo ou afastado do equilíbrio), com_--"
outro exemplo de sistema complexo.
porta-se diferentemente. As histórias humanas são exemp/os'1 vez instalada a insegurança da razão científica no que
disto. A vida é outro sistema complexo. A complexidade apa· à possibilidade de solução de qualquer tipo de proble­
rece em situações muito simples. Complexidade é algo que' abre-se uma nova perspectiva no horizonte das maneiras
depende de como você a descreve e o seu principal elementri
Os sistemas
complexos carac­ encarar a realidade. Elementos desprezados no paradigma
terizam-se pela
é a multiplicidade de comportamentos. Sistemas complexo recuperam seu prestígio, em especial as emoções
estão associados com a possibilidade da surpresa, novidad�,
imprevisibilidade.
Atualmente, valoriza-se a inteligência emocional, são
A complexidade está relacionada ao fato de que as leis nã
são determinísticas. Ninguém podia prever o surgi,;.,ento dos, revista concedida a Cláudio Cordovil. ln: Jornal do Brasil, Caderno ldéias. 09/11/96, p.8.

164 165
Para Filosofar Hoie
Um Novo Paradig_ma

avid amente
debatidas questões
premissas do consumo, isto é, não é economicamente pro­
filosóficas, a v ivência religiosa
No entanto, recentemente, sobretudo a partir do iní­
recupera seu status etc.
d a décad a d e 11 90 1 está ocorrendo uma retomada do gosto
Embora não se possam tra­ Filosofia.
çar com segurança as caracte�--,
Quando muitos tomam consciência de que o saber científi­
rísticas do paradigma em de.
não é mais capaz de fornecer respostas segura s p ara os
senvolvimento, a tendência é J problemas de ponta, é natural que outras saídas
d e uma int egração entre a;
buscadas. No momento, as alternativas que tomam corpo
conquistas da ciência estabe.;
lecida e as novas conquistas b/ ••narece,11 ser a Religião e a Filosofia. A primeira é a saída da fé
segunda é a da razão crítica. Cientistas renomados 1 inclu­
seadas em novas leituras da re�­-
materialistas, não de scartam a p ossibilida de de um diálo­
alidade. Prigogine entende, por•
entre ciência e fé (Cf. GUITTON, Jean. Deus e a ciência.
O movimento da agua produzido por um reptr! na Áfnca pode resul-
exemplo 1 que a ciênci a do pró- ,
de Janeiro: Nova Fronteira, 1992).
tarem maremoto no Brasil' Segundo a teoria dos sistemas complexos, X i m O Sé CU l O será Orientada
-
é impossível respo nder(MAX PHOTOS &oo, sonop ress-R1mo)
� ca� vez m is pela noção do , i� 1 {,··} ·••·· ·••·• •- � este �ontext�, a �presença do . �ensar fil�:ófi �o torna se
� � . n . di sp en av l, p rns ate me mo o d i logo da c1enc ia com a fé
tempo : "Nos passamos de uma v1sao geometnca do universo 1 <r-:1. •
•.. .•.·• ••. • . s pe o p eparo os co. Os vazios deixados pe l a ciência
como em Hawking e Einstein, para uma visão mais narrativa; /:'._pas a l r fil ófi
s e s a

!.
sa d e algum modo ser preenchidos; à Fil osofia compe­
Gosto com \ f iii�•preci m e
:
parte desta taref a. Os g ra ndes a vanços da
Scherazade, em As mil e uma noites. A natureza nos conts{�> .}.\� g
No paradigma eza arece
h istórica. de dizer que a n atur se p Os problemas

a, 0 prog resso da Neurociência, as pesquis as da Fí­


em formação,

a história,_ depois outra, uma história cosmológica e a nos�)�_:, ·;$;\!nformátic


rand insolúveis para a

emocional, a re­ um
valorizam-se a ciência convo­

ligião e a filoso­ sa própria história. É o universo de um escritor, de um roman>f; .J})�!ca d e p nta acabam p or deixar lacu n as que só podem ser
inteligência cam a filosofia a

ee c idas por formas de reflexão estra qh as à c iência, em­


cista" (Idem.). Isto não quer dizer que a ciência abandone as_ :::lfpr n h
o se posicionar.

_
;:iF :�ora com el a compatív �is.
grandes questões e deix e de buscar so luções para os proble_�)i; jf
fia.

mas que afligem a humanidade (recentemente, foramf;, 'iIY Tomemos o seguinte caso como exemplo: em dezembro
·
divulgados os g randiosos resultados do Projeto Genoma, q u �•.·••··�. '. ·• ).· ,f...• · ••. •· ;•:•··•d e 1996, o físico nuclear francês Lou.is Klub erg e sua equipe
. . .
abrem perspectivas otimistas para a cura de muitas doençasL):. . . i . ;-'•. ·• ·!fepro
. · · · . ·· duziram, no ac el erador de partículas do Centro furo-
C ontudo, a visão ge ométrica e determinística do univ rso;\fl: :-�i\P-�u de Pesquisas Nuclea�es �� enebra - �uíça), o cenário do
com o em Newton, tende a ser abandonada e· a arroganc1a __ : da))11Í;. . Bang:-Segundo a teoria f1s1ca predomman.te, somente nos_
??-if1g
A visão
c ênc a co o detentora de todo o c onheci
i ! m
en d e
� � to, váli o st á· ••:.;•�.
,i�.:•·.•· .·•'.·•;•·:. •·'. i e s m cr s egundos e ex stência do unive so, os uarks
·.•.·r m ir� i � � � i r
em vi as de ser quebrada. A grande maquma", as vezes, se):'f - .'\rros gluons ex istiram em liberdade. Os quarks são considera-
determinfs1.ica
• . · •• .

p · ·
· . q
·• .
"e squece" de respeita r a s l eis conhecidas, e continuam a existir'f · •· . .. •.•. ;: - �k;Q?s . os tij olos da matéri a e os glúons, o cimen to que os une.
da realidade está 11

sendo abando­

coisas interessantes que a razão não explica . :'A}!; . /}l\pós os primeiros microssegundos, qu a rks e glúons só existi­
nada.

kL;_l�; ; m unidos. A grande conquista da equipe de Kluberg, que


��
A filosofia e o novo paradigma �.!=rtamente p assa rá p ara a história c omo o libertador d o s
Com o ritm o frenético d o progresso da ciência no s dor�f-i ·úons, a liada a outras conquistas já ex istentes sobre o tema,
últimos séculos e a expa nsão da ideologia consumista no sé�/ t, /ixa ainda em aberto a questão da origem última do Univer­
culo XX, ocorreu um esvaziamento do papel da Filosofia, prin ) o. Qual é a origem daquilo que havia antes da explosão?
-;;
0

cipalmente por dois motivos. Primeiro, porque nãq dá res-' • Um outro exemplo pode ser tirado da Neu rociência. As
postas seguras como a ciência; segundo, por que não satisfat'. randes descobertas feitas nas pesquisas sobre o cérebro não
766 167
Para Filosofar Hoie

foram capazes, e parece que nunca o serão, de dar conta dol<; busca. O que a distingue das demais áreas é o fato de que ela pressupõe o uso
totalidade das vivências humanas. Onde está o fundamento ' próprias. Uma regra científica possui certas características: clareza, isenção,
último, o quid que dá a todas as atividades cerebrais urna·,:.,__ e abertura ao público. Além disso, na procura de respostas às perguntas
linha de continuidade? Como pode ser explicada a subjetivi- · sobre o mundo, o cientista deve fazer emprego do método científico.
dade, sentida, por exemplo, na experiência da liberdade? Para que a tese de Horgan tenha fundamentos, deveríamos considerar como válida uma
duas seguintes hipóteses:
Cabe aos filósofos procurar respostas a essas questões fun_·;-_
damentais. Tais respostas, ainda que sujeitas à polêmica, são,, . não há mais pE!°rguntas interessantes a se fazer sobre o mundo;
indispensáveis ao homem. Principalmente ao homem que não . não há como estabelecer regras científicas aptas a resolver questões que estimulem a
curiosidade.
se contenta com respostas pré-fabricadas pelo senso co-,
mum,8 Casti, nenhuma das duas hipóteses faz sentido e nenhuma delas pode ser
a sério. Argumentando a favor da insuficiência da primeira hipótese, na obra
QUESTIONÁRIO perdidos (Ed. Rocco), Casti e!enca seis problemas que desafiam a ciência hoje
1. Que é um paradigma? que, por conseqüência, mantêm aceso o interesse não só dos cientistas, mas de toda a
2. Caracterize o paradigma teocêntrico. São eles:
� 3. Como surgiu o paradigma cientificista? Como surgiu a vida na terra?
4. Cite e comente as principais características do Os padrões sociais do comportamento humano são determinados pelos genes?
cientificista.
Como os seres humanos adquirem a linguagem?
5. Quais são as críticas atuais ao paradigma cientificista?
6. Fale sobre as previsões sobre o novo paradigma. É possível construir um computador capaz de pensar como o ser humano?
7. Qual é o papel reservado à filosofia no contexto do Há formas inteligentes de vida extraterrestre na Via Láctea?
paradigma? Há uma realidade objetiva independente da observação humana?

---0 · -·- LEITURAS COMPLEMENTARES


relação a cada uma destas questões, Casti ,apresenta um longo elenco de cientistas
pelo mundo que se ocupam de solu'cioná-las.
I
à�[l �\ A
à segunda hipótese, Casti fala da permanente reformulação e adaptação dos
científicos aos detalhes que envolvem a busca da solução dos problemas atual­
ente investigados. Cita, por exemplo, o·trabalho desenvolvido pelo Santa Fe lnstitute no
Uma polémica atual: o fim da ciência?
de adaptar os computadores, tornando-os capazes de se constituírem em labora­
aptos a realizar um número tão grande de experimentos que seriam quase impossí-
Em meio às discussões sobre o.novo paradigma, disseminam-se muitas profecias.. anunci: - e extremamente caros - no mundo real. Segundo Casti, este é um belo exemplo de
ando a agonia �e alguma coisa: Steven-Weinberg anuncia o fim da Física de partículas "'''�'"'v os métodos científicos não estão obsoletos ou passivos diante das novas �iflculda­
(Sonhos de uma teoria final); Francis Fukuyama profetiza o fim da história e, recentemente>,­ que surgem na pesquisa científica. Ta! como o microscópio e o telescópio, no seu
John Horgan, no livro The end of science, prenuncia o iminente fim de toda ciência. possibilitaram um verdadeiro boom de descobertas científicas, a utilização ade­
Diante da profecia de Horgan, muitos pensadores, particularmente cientistas, reagiram;_ do computador também possibilitará a geração de uma ampla gama de novas
afirmando tratar-se de mais uma encenação capaz de provocar grande estardalhaço gra.. :" ainda por responder. Estas novas questões serão a base para a criação de sistemas
ças a uma imprensa ansiosa por teorias deste tipo. Basta, por exemplo, lembrar a famà
instantânea adquirida por Fukuyama. relação àqueles que são pregoeiros - as Cassandras - do fim de alguma coisa, Casti
Dentre os autores que reagiram contra Horgan, está John Casti, matemático, diretor d, }ta um caso famoso de descrédito em relação a descobertas científicas: Lord Kelvin,
Centro de Pesquisas do Santa Fe lnstitute e professor titular da Universidade de Viena. [,_�.�idente da Royal Society e um dos mais famosos físicos do século passado, quando do

1j
Segundo Casti, a ciência não é um substantivo ou um adjetivo segundo o qual se poss. úncio da descoberta do raio-X, proclamou ruidosamente: "O raio-X vai se revelar uma
rotular definitivamente uma determinada área e negar este rótulo a uma outra área, como_: � de" e numa outra ocasião afirmou: "Posso garantir que mecanismos maiS pesados que o
·nào podem voar. É absolutamente impossível". As duas afirmações parecem ridículas
a religião ou a arte. A ciência deve ser vista sobretudo como um verbo, ou seja, um

1
168 169
Para Filosofar Hoje Um Novo Paradi�ma

Ji hoje. Por fim, Casti cita uma famosa afirmação do escritor de ficção científica Arthur
Clarke, conhecida como a Primeira Lei de Clarke: "Quando um cientista eminente, poré
idoso, declara que uma determinada coisa é possível, ele provavelmente está certo. Quand·;
i'.ia cura da doença, até por motivos econômicos (doença rara é sinônimo de
iJ:Gco lucro), seus pais (N. Noite e S. Sarandon) lançam-se por conta própria
,.
�" rocura de um remédio. Enfrentando todo tipo de resistência, conseguem
ele declara que algo é impossível, ele provavelmente está errado". :-�abrir um famoso óleo, capaz de curar seu filho. Este óleo é hoje mundial-
1·Ate usado. Drama baseado em história real.

:- ;
B
debate, a partir do filme:
Uma ingenuidade do século XIX ,-.. _ as para
':Yém
As li mitações do conhecimento científico.
Os obstáculos externos (econômicos, políticos etc) e internos (orgu­
As conclusões do senhor Horgan me parecem tão ingênuas como as dos físicos d(i lho, autoritarismo, dogmatismos) para o progresso da ciência.
' século XIX, que proclamavam que todas as !eis da física haviam sido descobertas, que nà ·­
restavam senão migalhas para os demais cientistas pesquisarem.

!1lr1i
I,;,;:;
'�•: .·· :·'··

Alguns anos mais tarde, vieram a Teoria da Relatividade de Einstein, a Teoria dos Quan---:
OGRAFIA DE APOIO
ta, o Big Bang, as partículas elementares ...
Rio de Janeiro: Revan, 1996.
Ao contrário do senhor Horgan, penso que ainda há grandes descobertas a serem feita�
"�\bAMASIO, Antonio. O erro de Descartes. São Paulo: Companhia
em biologia. A biologia molecular e a genética já nos deram muito e continuarão�­ .
aprofundar o conhecimento de nossa natureza, mas a identificação de todos os nosso5; Letras, 1996.
genes não será o objetivo final da biologia. \·•:··. ---· O mistério da consciência. São Paulo: Companhia das Le-
,
Ainda há muito o que esperar da pesquisa do desenvolvimento do embrião, do funci0:.:,
�� namento do sistema nervoso e do envelhecimento. Sem falar de grandes patologias, com</; James. Caos - A criação de uma nova ciência. Rio de
1::.: as doenças nervosas degenerativas e o câncer. Campus, 1991.
:JI
r/q O homem vive em um ambiente biológico que ele modifica cada vez mais rapidamente .­ Daniel. Inteligência emocional. Rio de Janeiro: Ob-
:·r1:1
: O ambiente, por sua vez, reage a essas modificações. Haverá sempre a necessidade de_'
::}i prosseguir a pesquisa, para que simplesmente a humanidade possa sobreviver. Deus e a ciência. Rio de Janeiro: Nova Frontei�
{Extraído de: FOLHA DE SÃO PAULO, Caderno MAIS, 29/9/1996, p.5]
* Luc Montagnier é Diretor e Pesquisador do Instituto Pasteur de Paris e descobridor do vírus HIV, que provoca a AIOS:
Howard. Estruturas da.mentE:; a teoria das inteligências
FI Porto Alegre: Artmed, 1994.
,;é.,,
EXERCÍCIOS oger. Complexidade; a vida no limite do caos. Rio de
Leia os Textos Complementares e: Rocco, 1994
a) discuta a possibilidade do fim da ciência;
F, Lou. Mais Platão, menos Prozac; a filosofia aplicada
� b) fale sobre as questões mais importantes que a ciência ainda tem por_
resolver. no. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2001.

.,,,..
Cremilda; GRECO, Milton. Saber Plural; o discurso
da ciência e a crise de paradigmas. Novo Pacto

·1�.•
SUGESTÃO DE FILME da Ciência n.º 3, São Paulo: ECA/USP/CNPq, 1994.

,.(''
0 ÓLEO DE LOURENÇO

SINOPSE
Diretor: George Miller. Com: Nick Noite, Susan Sarandon, Peter Ustinov:·
Duração: 132 min.
Diante da certeza de que Lourenço morreria por causa de uma doença rara e1.
ao constatarem que o establishment médico não manifestava grande interesse.;�;
i� 170 171
..
�''
·. , i
;'
.
lntelil{ência Emocional

17 ,�-;lmente no processo de crescimento do cérebro no embrião

lnte/iJzência emocional parte mais primitiva do cérebro, presente em todas as


com um sistema nervoso acima do mínimo, é o tron­

D
em volta do topo da medula espinhal. Esse cére­
es�e as origens da filoso�ia no Ocide�:e, :specialm ent�\ regula as funções vitais básicas, como a respiração e Em sua evolução,
apos o grande desenvolvimento das c1enc1as na moder/
me tabolismo dos outros órgãos do corpo e também contra­ o cérebro, de­
nidade, século XVII em diante, a cultura ocidental notabili- .. e movimentos estereotipados. Este cérebro primiti­ senvolveu pri­
meiramente os
zou-se pela supervalorização da razão. Das faculdades hu./ pensa nem propriamente aprende; constitui-se num centros emocio-
manas, ela passou a ser vista como o único meio hábil par.e/ de reguladores pré-programados que mantêm o fun­ nais.
conhecei a realidade (racionalismo cartesiano); estabelecer os-_,_ do corpo como deve e reage de modo a assegu-
parâmetros da sociedade democrática (iluminismo); fundamentI
tar a Religião (Hegel e a teologia protestante); indicar os prin-}'1!"·
partir do tronco cerebral, a mais primitiva raiz do cére-
cípios éticos (Kant e os neokantianos); explicar o comporta�·:._):
O pensamento desenvolveram-se os centros emocionais e1 muito tempo
ocidental sem­ menta humano em sociedade (Comte e os positivistas); expli�
pre valorizou car a estrutura psíquica e o comportamento individual desenvolveram-se o cérebro pensante e o neocórtex,
muito a razão.
tentes da Psicologia e da Neurofisiologia) e controlar o mun: 'l\l•J,/i'.9 bulbo de tecidos ondulados que forma as camadas
do natural (cientificismo e tecnocentrismo). do cérebro. Assim, o cérebro pensante desenvol-
com os centros emocionais já instalados, o que quer
Apesar do contraponto de muitas correntes filosóficas
que já havia um cérebro emocional muito antes do cére­
(existencialismo1 vitalismo, voluntarismo etc.) e da
racional (o neocórtex).
este excessivo racionalismo acabou por relegar a um
plano as demais dimensões da estrutura humana. As O neocórtex é a sede do pensamento;,' contém os centros
ções, a afetividade e a sensibilidade não tiveram a devida reúnem e comprE:endem o que os sentidos percebem. O neocórtex,
lorização num ambiente em que sempre se realçou a habili- a um sentimento o que pensamos dele e nos per­ sede do pensa­
mento racional,
dade na solução de problemas por meio daquilo que ter sentimentos sobre idéias, arte, símbolos, imagens etc... desenvolveu-se
mos de inteligência racional ou cognitiva. r· (��}--todavia, esse centro superior não controla toda a vida emoci­ tardiamente.
há ocasiões em que a ela se submete. Isto comumente
Há uma tirania da razão e o indivíduo é valorizado
·/ocorre no caso das .situações
As emoções fo­ grau--de inteligência racional de que dispõe. Esta, por sua
ram relegadas a é medida de vários modos: provas, testes de Q.I., Em cada um dos lados de nosso cérebro, instaladas para o
um segundo pla-
etc. É por meio destas avaliações que um indivíduo é julgado da cabeça, existem duas amígdalas (do grego, amigdále/
no.
apto a executar certas tarefas, ocupar um cargo político ou Conforme sugere o nome, a amígdal?- é um feixe,
As amígdalas são
preencher uma vaga no mercado de trabalho. forma de amêndoa, de estruturas interligadas e situado responsáveis
do tronco cerebral, na parte inferior do anel límbico. O pelo significado
emocional dos
A evolução do cérebro e o "lugar" das emoções ?.pipocampo e a amígdala, duas partes-chave do primitivo "na- fatos.
Segundo revelam as mais recentes pesquisas sobre o cére�)! cerebral"1, no decorrer do processo evolutivo, deram ori­
bro, no decorrer dos milhões de anos de sua evolução, ele foi} ao córtex e, depois, ao neocórtex.
se desenvolvendo "de baixo para cima"; os centros superio-_: ou rinencéfalo é parte da fiação límbica e base rudimentar do neocórtex que
res resultaram de elaborações das partes inferiores, mais an­ aos animais distin guir cheiros, sabores etc., permitindo, assim, diferenciar alimentos não
tigas. A trajetória deste percurso evolucionário repete-se nor-''.'. n_o.dvos de alimentos nocivos.

172 173
Para Filosofar Hoie tnteli}j_ência Emocional

As amígdalas são especialistas em questões emocionais. , O medo faz o sangue fluir para os músculos do esquele­
Caso sejam extraídas, conforme revelam casos estudad os como o das pernas, preparando a fuga. Ocorre uma para­
ocorre o que se chama de "cegueira emocional", ou seja, acon�
;0:.1':\11,a,cão momentânea, como que dando um tempo para se ava­
tece a incapacidade de avaliar o significado emocional dos a ação a empreender. Circuitos cerebrais injetam uma tar­
fatos. Além disso, o hipocampo e as amígdalas são responsá­ de hormônios que põe ·o corpo em alerta geral, desvian-
veis por grande parte ou a maior parte do aprendizado e da-­ a atenção para a causa ameaçadora.
memória do cérebro. Sem amígdalas não há lágrimas, medo, , A felicidade é acompanhada de uma atividade mais in­
raiva, competição, cooperação e senso do lugar que se ocupa do centro do cérebro, que inibe pensamentos negati­
na ordem social.
aumenta as er:iergias existentes e dá disposição para a re- As emoções pre­
O neurocientista Joseph LeDoux (Centro de Ciência Neural param o corpo
··. alização de qualquer tarefa. para uma reação
da Universidade de New York), famoso pela alta tecnologia adequada.
* Amor, sentimentos afetivos e satisfação sexual estimulam
que emprega no mapeamento do cérebro, descobriu que, en­ sistema parassimpático - o oposto fisiológico de lutar, fugir.
quanto nosso cérebro pensante, o neocórtex, ainda está to­ padrão parassimpático provoca um conjunto de reações que
mando uma decisão, a amígdala pode assumir o controle do
ao relaxamento, à calma e facilitam a cooperação.
que fazemos.
* Na surpresa, ocorre maior incidência de luz na retina, o
Conforme demonstrou a pesquisa, sinais sensoriais do olho
permite maior informação sobre o inesperado, dando
ou do ouvido viajam no cérebro, primeiro para o tá/amo e, '
rhances de perceber o que está acontecendo e planejar a ação.
depois, por meio de uma única sinapse, chegam até a amíg­
Antes do
dala. Um segundo sinal do tá/amo é encaminhado para o
' A repugnância ocorre a partir de algo que desagrada a
neocórtex tomar
uma decisão, as neocórtex - o cérebro pensante. Esta ramificação permite que dos sentidos. O enrugamento do nariz ou o retorcer do
amígdalas assu­
a amígdala comece a responder antes do neocórtex, que ru­ superior parecem sugerir, como dizia Darwin, uma ten­
mem o controle.
mina a informação em vários níveis dos circuitos cerebrais antes primordial de tapar o nariz ou de !cuspir uma comida
de percebê-la plenamente e, assim, dar início à sua resposta,
mais elaborada. ' A tristeza é acompanhada de uma queda da energia e
Conforme sugere a etimologia do termo, a emoção (do ,,;,,,""º'mento em relação às atividades que tragam prazer, e
verbo latino emovere=afastar, expulsar, colocar para fora) in-_ o retraimento atinge a beira da depressão faz dimi­
dica uma tendência para a ação. É fácil notar como nas crian­ ritmo da atividade metabólica. Parece que esse retrai-
�,;,,{mpntn prepara a pessoa para lamentar uma perda, avaliar suas
ças, onde ainda não se dá o divórcio entre emoção e ação, tal
tendência é clara . Nos adultos, o divórcio pode ocorrer por­ para a vida e planejar novas atitudes.
que, neste caso, já há uma contenção das emoções, decor­ As pesquisas do Dr. LeDoux e sua equipe mostraram que,
rente do processo "civilizatório". Para Goleman, tal compor­ arquitetura do cérebro, a amígdala tem uma posição privi­
tamento é uma "anomalia do reino animal"(lnt. -Em., p.20). t]i}; \egiada como "sentinela emocional", capaz de seqüestrar o
Segundo revelaram algumas pesquisas no âmbito da :,,�:; cérebro. Este seqüestro significa que a amígdala toma uma de­
Neurofisiologia, as emoções preparam o corpo para as rea­ antes do neocórtex ter tempo de tomá-la. Quantas vezes
O cérebro pode
çóes subseqüentes. Vejamos alguns exemplos: arrependemos de certas reações que tivemos! A agressão ser "seqüestrado"
ou verbal decorrente da ira ou o abraço dado em pes­ p ela amígdala.
* A ira faz o sangue correr para as mãos, facilitando em­
que detestamos quando estamos felizes, mostram que,
punhar uma arma ou golpear alguém; a adrenalina i,n jetada
n_ntes de se tomar uma decisão racional, a tendência é a de se
provoca uma pulsação, capaz de suscitar uma ação vigorosa.·-'.:

174 175

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- TI)T: ,!:,I
Para Filosofar Hoie lnteli�ência Emocional

tomar uma decisão emocional. É como se na origem das re r:]%unstâncias de vida. Observa-se que o Q.I. é muito impor­
ções fosse feita uma pergunta: é algo que me agrada? que rn �-fl:te para o sucesso, mas há um conju,,nto de outras caracte­
desagrada? que me dá medo? A primeira resposta, a respost Ücas que também são importantes. E a chamada intefigên­
dada pela amígdala, é a que vale para as reações imediatas ''emocional, entendida como a capacidade de motivar-se e
Só posteriormente esta resposta será avaliada pelo neocórtei isistir diante de frustrações; controlar impulsos e adiar sa-
ou seja, racionalmente. O neocórtex pode formular, entã Jfaçóes; regular o próprio estado de espírito e impedir que a
respostas diferentes como pedir desculpas, no caso da agres. ifi_ção invada a capacidade de pensar, criar empatia e espe-
são verbal, ou fazer de conta que nada aconteceu, no cas
,,,•

do abraço no inimigo. .,--Embora as pesquisas sobre a inteligência emocional sejam


Assim, cada emoção tem um repertório de reações mai} iéfB.tivamente recentes e ainda não se possa dizer com preci­
ou menos fixas para -as diversas situações vivenciadas. No enl-i ,�-âO-como se manifesta e varia de acordo com a história de
tanto, conforme reconhecem os próprios pesquisadores, nãói "ia.d a pessoa, existem indicadores de que a inteligência emoci­
se pode descartar o fato de que o melo cultural contribui par�1, lnal pode ser tão ou até mais importante do que o Q.1. Se­
que as emoções adquiram novos contornos. De acortjo corri{ "ú'ndo Goleman, o ideal seria uma perfeita sintonia entre os
a leitura que se faz delas, aos aspectos fisiológicos acrescen� ois tipos de inteligência (op. cit. p.40).
tam-se novos fatores. Por exemplo, a tristeza que decorre dá_ '}pesquisas feitas pelo Dr. Antonio R. Damásio, chefe do
perda de um ente querido é vivenciada diversamente da tri�·>:, >J.epartamento de Neurologia da Faculdade de Medicina de
teza resultante de um fracasso que envolve culpa (notas bai< ,\wa (EUA), mostraram que pacientes com danos no circuito
xas ou uma justa causa); a felicidade experimentada numa' e-frontal-amígdala, apesar de não revelarem nenhuma de­
relação aceita pela sociedade tem "tempero" próprio e pro\ do Q.I. ou das capacidades cognitivas, passaram a
voca reações diversas da felicidade experimentada numa re-\'
'

decisões desastrosas tanto na vid9' profissional quanto


lação classificada como adúltera; enquanto a ira momentâ-:· 'a vida pessoal (O erro de Descartes. SP: Companhia das Le­
nea dava ao homem primitivo uma vantagem muito impor� aS· , 1996, p. 77 ss.). Segundo suas conclusões, isto se deve
tante para a sobrevivência, hoje, com armas perigosas ao fácil o fato de eles terem perdido o acess.o a seu aprendizado emo­ Acidentes na
alcance, recomenda-se sua contenção. "i0nal. Houve um corte entre o centro das emoções, junta­ amígdala podem

A importância da inteligência emocional com sua memória, e o centro do pensamento racional, anular as memó­
rias emocionais.
Dois _centros que deveriam trabalhar juntos pas­
São tão comuns os casos de pessoas que foram alunos bri�_ a trabalhar isoladamente. A atividade meditativa do
lhantes e são fracassados na vida profissional. Qual seria a faz tabu/a rasa das memórias emocionais. É como
razão disto? Na leitura do senso comum, tal fato pode ser ficasse meio cinzento. Aquilo que é pensado não pro­
Um alto Q.I. não entendido como destino ou falta de sorte. Na leitura mítico­
nenhum tipo de reação emocional: por exemplo, uma

1
é sinónimo de
sucesso na vida. religiosa, pode ser atribuído a um castigo divino. Em uma outra antes detestada, agora é vista com neutralidade.
leitura, ainda, pode ser visto como prova do fracasso do s·1s­
tema educacional. No caso do estudante bem sucedido, mas profissional fra­
há uma descontinuidade, não n·ecessariamente trau­

11
Para muitos estudiosos, entre eles Goleman, a resposta deve,;
entre as emoções e a atividade racional. Num plano
ser procurada em um outro lugar. O que houve foi falta de vai bem e, em outro, um desastre. Provavelmente está
inteligência emocional. Não podemos duvidar de que há uma a "cegueira emocional", ou seja, a incapacidade de
relação entre o Q.1. (Quociente de Inteligência Racional) e as o significado emocional dos fatos.

176 177
Para Filosofar Hoie Jntelif:ência Emocional

Suas experiências não estão sendo acompanhadas de urna: ,,.,._._Em vista da "descoberta" científica da importância das emo­
devida avaliação do lugar na ordem social. Isto quer dizer que lôe s, surgiu uma grande variedade de métodos de treinamen­ Desenvolver a
ele não está sabendo, via emoções, lidar com as pessoas e ô ou educação das emoções. Alguns voltam-se para o treina­ lnteligéncia
Emociona! signi­
situações vivenciais envolvidas em sua profissão. Pode faltar� ento das emoções visando ao mercado de trabalho; outros, fica saber lidar
lhe a noção de competição ou a habilidade no trato com os; relações familiaí-es; e outros, ainda, para prssoas que li- com os senti-
mentos.
colegas ou superiores. am com atendimento ao público (relações públicas, recepci­
Os exemplos de fracassados se multiplicam: o brilhanté advogados etc.).
intelectual com dificuldades nas relações afetivas (contenção+ algumas escolas, inclusive no Brasil, a disciplina lnteli­
das emoções); o empresário que não consegue tornar sua·} Emocional já faz parte do currículo regular. �m geral, a
A cegueira emo­ empresa um ambiente agradável de trabalho e, portanto, mais-'-f das emoções é centrada na busca da compreensão
cional provoca
descompassas produtivo (agressividade com os funcionários); o teólogo ou--J próprias emoções, no estímulo à cooperação, �a habili­ As emoções po­
dem ser
existenciais. ministro religioso, que afasta os fiéis de sua Igreja (rigor':: de interpretar os sentimentos alheios, no saber receber educadas.
indevido) ou o rabugento que não tem amigos. d uma ordem, na escolha de atitudes adequadas a uma
ar
marcada pela emotividade. Por fim, a educação emo­
A educação das emoções pode, também, voltar-se para a moralidade.
Howard Gardner, orientador do Projeto Spectrum, da Es"
cola de Educação de Harvard (EUA), que há cerca de duasi e inteligência emocional
décadas se dedica à pesquisa das emoções e da inteligência,'_.·:: Do ponto de vista filosófico, dois aspectos envolvidos nos
chamou de inteligência interpessoal e o psicólogo D. Goleman,). lL�s_tudos sobre a inteligência emocional merecem ser conside­
professor em Harvard, de inteligência emocional, a capacida-\ os alcances destes estudos e a posição a ser destinada
de de o homem ter acesso às suas emoções, discriminá-las �-·j intPligência racional. Estes aspectos mer12cem uma conside­
delas fazer bom uso em seu comportamento. não tanto em relação aos grandes �studiosos, mais ou
Segundo as pesquisas , centradas em acompanhamentos conscientes dos· problemas envolvidos, mas, sobretu­
biográficos,. entrevistas e avaliações de diversas espécies, as. àqueles que de .uma leitura incompleta tendem a tirar con-
pessoas emocionalmente competentes estão mais habilitadas indevidas.
a se tornarem mais eficientes em suas vidas, dominando os--· aspecto, deve-se ter presente que os
hábitos mentais que as fomentam. As pessoas que lidam_ade­ não são conclusivos, muitas conclusões 11 são apenas
11

quadamente com seus sentimentos e têm habilidade para dis­ Do ponto de vista da Filosofia da Ciência, essas
criminar os sentimentos alheios, levam vantagem em todos são chamadas de constructos teóricos, pois têm
setores da vida. Aqueles que não o conseguem, acabam por hipotético e não definitivo. O homem é um sistema
A fnteligéncia travar lutas internas que dificultam a concentração no traba� e deve ser visto como tal. Sua natureza não pode
Emocional per­
mite um bom re- lho, as relações com outras pessoas e, conseqüentemente, con­ reduzida a um aspecto único. Caso isto ocorra, cai-se numa
lacionamento sigo mesmos. Há vantagens não só no âmbito profissional mas º unidimensional do homem e, mais uma vez, criar-se-á
social.
da vida em geral, mesmo que seja escolhido o caminho da hiato entre o homem real e a teoria que dele se faz.
mortificação de certas emoções. Até mesmo a opção pela vid�:j Quanto ao segundo aspecto, em vista do grande sucesso
ascética é mais edificante quando se tem controle sobre q.;j �-e a teoria das emoções vem obtendo, já se ouve dizer por
que se mortifica. Já dizia a respeito o filósofo medieval Pedrq :-( que a essência humana é representada pelas emoções. Con­
Abelardo: "É mais nobre enfrentar a tentação do que evitá-la". ariando a clássica visão de que a essência humana consiste
,,i!
!
! 178 179
Para Filosofar Hoje lnteliJíência Emocional

na racionalidade, muitos estão afirmando que o elemento Qual é a influência da cultura sobre as reações emocionais?
primordial ou fundamental da natureza humana é o das emo�·· Por que a inteligência emocional é importante? Cite exem­
O ser humano ções. Sabe-se com certeza que, no processo evolutivo, há um� plos diferentes do texto.
não pode ser re­ anterioridade do sistema límbico em relação ao córtex e tem­ É possível educar as emoções?
duzido às emo-
ções.
se quase certeza de que no ato perceptivo a leitura emocio� De que forma a Filosofia encara as atuais pesquisas sobre as
nal antecipa a leitura raciona!. Isto, no entanto, não é argu-),}
em oções?
menta decisivo para validar tal leitura da natureza humana. ··

1\,
Descartar a importância das emoções, tanto na teorização
sobre o homem quanto no encaminhamento de sua vida prá�::� DE FILME
tica, tornou-se obsoleto. Até mesmo na nossa cultura, marcada·)'
GÊNIO INDOMÁVEL
pela superva[orização da racionalidade, tal postura está pres,',
tes a ser aposentada. No entanto, aquilo que efetivamente SINOPSE

distingue o homem dos demais animais, tornando-o Cus van Sant. Com: Matt Damon, Robin Williams e Ben Affleck. V

mente sui generis, continua a ser sua racionalidade. Sobre o 130m.


neocórtex, centro da atividade racional, muito pouco se
do ponto de vista da Neurociência, mas seus produtos são '"'''"""ª das mais famosas universidades americanas-MIT - um p rofessor (Affleck)
O ser humano é , · 7,,,, ·"'"'ª um obscuro teorema na lousa que nenhum de seus alunos é capaz de
essencialmente marca reg1s· trada da espec1e h umana. A 1.1nguagem, a
racional. , " . . . . . Um faxineiro (Damon), às escondidas, deixa a resposta no quadro. Ao
dade de a bstraçao e de autotranscendenc1a 1 a 1ntenc1onali- .
descoberto pelo professor, o rapaz esta, na .iminência de ser preso. O
_ � _ _,._ _ moral etc., 9 Ue
dade, a produ çao art1s:1ca, ª CO�sc1enc1a /i{fôrnfessor assume responsabilidades sob re ele, livra-o da prisão e pede auxílio
_ _
algum modo 11gam-se a rac1onal1dade, tornam o homem um um antigo colega de colégio (Williams) para ajudá-lo no seu tratamento. No
ser único. convivem a genialidade e o descontrole emociona!.
Observe-se, ainda, que o excesso de valorização da ativi­
dade emocional carrega o risco de um desprezo pela pedago,
A importância do controle das emoções para o sucesso existencial.
gia da racionalidade. Acompanhando o raciocínio de um
pais da teoria das emoções, Daniel Goleman, é preciso esta­
Mas, acima de belecer o justo equilíbrio na vida prática, mas, no todo, con­ DE APOIO
tudo, o homem siderar a superioridade da razão. Para concluir, acompanhando.-\
continua sendo António R. O erro de Descartes. Tr. Dora Vi.cente -e-­
um mistério. o filósofo francês Gabriel Marcel, devemos- continuar a ver o Segurado. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
homem como mistério. Segundo o novo paradigma, tal
Tr. Laura T. Motta. São Paulo: 'i
não é delírio. 8

QUESTIONÁRIO Daniel. Inteligência emocional; a teoria revolucioná­


1. Como são encaradas as emoções no paradigma cientificista! ria que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objeti-
Cite exemplos da "tirania da razão".
� 2. Como se desenvolveu o cérebro? Que são as amígdalas? E e( Inteligência emocional e arte de educar nossos filhos. Rio
neocórtex? de Janeiro: Objetiva, 1997.
3. Que tipo de relação existe entre as emoções e as reações'
Steven. Como a mente funciona. Tr. Laura T. Motta. São
humanas? Descreva as principais emoções e o modo comÓ{
Paulo: Companhia das Letras, 1998.
preparam a ação.

180 181
1;;;!!

lntelis_ência Artificial

:i cupam grandes espaços nas indústrias e em outros setores


º
PI
\"
18 :�a produção1 inclusive, em parte, responsáveis pelo desem­
lnteli8_ência artificial :dfego. Num futuro próximo, serão capazes de realizar muitas
-;;�_efas que parecem exclusivamente humanas. Por exemplo,
previsões de cientistas dos Laboratórios Nacionais de
isegundo
ma discussão que, atualmen.te, envolve muitos filóso-,,_.
U \)stemas Inteligentes e Robóticas de Sandia (EUA/1996), sol­
Artefatos inteli­

los, teólogos, psicólogos, neurocientistas, bioengenheir05:


gentes já fazem

PHados robôs serão comuns na primeira década do terceiro


parte da rotina.

e intelectuais de quase todas as áreas, e ocupa a imaginação·· ,::-i lênio. Eles terão capacidade de detonar minas, detectar ar­
fai de muitos leigos, é a de que, num futuro não muito distantet· as químicas e guiar mísseis. Colocados à frente das tropas,
Ft' será possível construir seres artificiais tão ou mais perfeitos ·ncionarão como verdadeiros batedores.
que o próprio homem. Segundo o Livro do Gênesis, Deus criou
il,.·i : o homem à sua imagem e semelhança; nas previsões de mui)'.'
i,
Na área da computação, estão sendo desenvofvidos pro­
cada vez mais sofisticados, voltados para o lazer (jo­
tos pesquisadores da área da inteligência artificial, tambéni·:�
:.ii
computação gráfica, aplicações técnicas (como em Medi­
chamados de conexionista_s, o homem construirá um outro_'\· Agronomia e Astronomia), realidade virtual etc. lnteres-
'.'

ser a sua imagem e semelhança. Contudo, diversamente da


::
metodologias de pesquisa são usadas,�-- - - - - - - - - -

narrativa bíblica, mais perfeito que ele mesmo.
,i2tH11a, envolvendo uma pressuposta inteligên­
Em vários lugares do mundo, principalmente Estados Uni,

i li
• dinâmica, como no caso das pesquisas fei­
'1

dos, Japão e Europa, existem centros de pesquisa envolvidos por John Holland, físico e professor de Ci­
�·•·

na tentativa de produzir andróides com características huma�. da Computação da Universidade de


nas. Como foi dito, mais perfeitos que o ser humano, pois," r.ivu.uu�ª'", que, para obter programas mais ha­
além de mais inteligentes, os andróides não teriam os nossos a resolver certos problemas, faz c;::ru-
,'.<'I
! l!:i Os conexionístas
defeitos como deslealdade, corruptividade, perversidade, i'ic!,3/JZ:amentos de programas já existentes.
:·:(j
acreditam na

psicopatologias, doenças físicas e mentais, etc...

(!
são máquinas
possibilidade de
se criar uma có­
O que até há bem pouco tempo parecia possível somente
micromáquinas
com células inteligentes, c�pazes de
pia humana

no cinema (Jornada nas Estrelas, Biade Runner, Guerra nas diante de situações mais ou menos
)�:
"mais perfeita"

Estrelas etc .. .) ou na realidade virtual, para renomados cien­


que o próprio
:·q Os dispositivos utilizados para abrir
homem.

tistas do Projeto Inteligência Artificial está bem próximo da fechar portas, as fotocélulas empregadas em
realidade fatual. Segundo eles, só não se constrói um andróide de alarme, em automóveis ou em ci­ A computação gráfica gera polêmica sobre
mais perfeito que o homem por custar muito caro e por ne­ são exemplos de micromáquinas.
·�
os limites da arte como produto hÜmano e

nhum governo ou empresa se predispor a financiá-lo. nanomáquinas (do grego nánnos/anão)


da arte como produto das máquinas.
ti
os mais recentes produtos das pesquisas da inteligência
.
�-1
'

Um dos avanços obtidos por essa nova área1 é o gan-


O estágio das pesquisas
As pesquisas no âmbito da Inteligência Artificial orientam­
absurdo na quantidade de informações contidas em deter-
se para quatro áreas: robótica, computação, micromáquinas
nado espaço físico, pois, ao invés de superfícies magnetiza-
(células) e nanomáquinas (moléculas).
-as, utiliza a própria estrutura molecular para armazenar os
A robótica, a mais tradicional das áreas da inteligência ar-, ados. Isto permite, por exemplo, a produção de micro-ins-
ti
fi
tificial, tem por objetivo desenvolver máquinas de porte mai
or, capazes de substituir a mão-de-obra humana. Atualmente·"
,.,

�i
A nanotecnologia estende-se a outras áreas, além das pesquisas em Inteligência Artificial.

r:tl 182 183


i!i!!
Para Fifosofar Hoie lnteUg_éncia Artificial

trumentos, capacitados a fazer cirurgias em vasos capilares. • Possib;Jidade de produção do andróide - é perfeitamente
São artefatos inteligentes em nano-estruturas. \1 ½ft 100;;sÍ\ie construir um robot com características melhoradas em
Segundo
Dennett, só não
ao ser humano. Tal só não ocorre porque é muito se constrói um
Os resultados das pesquisas destas quatro áreas, associa- andróide mais
dos a conquistas da Neurociência, da Microbiologia, Enge- ix,1 '·" e n ão traria grandes benefícios científicos. É mais válido, perfeito que o
nharia Molecular e campos associados, poderiam ser aplica- rar,1e n re falando, con·struir sistemas que modelem par- homem por
questões econó­
dos na construção do suposto andróide. ,;/i,t,es do raciocínio humano aproveitá veis em microcirurgias ou micas.
possibilitem a compreensão de como funcio n a o cérebro
Características do andróide
Em fevereiro de 1996, o campeão mundial de xadrez Garry • Emoções - 0 robot coe (1997), em cujo projeto Dennett Podem ser
Gasparov e o computador Deep Blue RS/6000 SP da IBM Ira- foi programado para sentir as mesmas emoções inseridas emo­
varam duelo num empolgante torneio de xadrez. Ao final, o O homem. Dor, alegria, tristeza e fe licidade não lhe são
ções num
andróide.
campeão humano venceu o confronto, com quatro v itórias '""' <1; '''"''" estranh as.
contra duas, Em maio de 1997, Deep 8/ue, com sua capaci- -
Um computador • percepçao sensona - 1 - os sensores b'10 1,og1cos
, presentes no
, ·
dade ampliada de 100 milhões para 200 milhões de movi- hnmem responsave1s pe 1 as percepço, es dos senti'dos ( ce'I u 1 as
é capaz de supe­
rar o homem
num jogo de xa­ mentas por segundo, vingou-se, derrotando Gasparov, Além !.ifotos:serisíveis da re1-ma ou os sensores de ca 1or pe 1 o corpo
drez. das vitórias contra o maior jogador de xadrez do mundo, Deep ,,,,. ,.,., pod em ser repro d uz1'd os com va n tagens nos rob ôs
Blue venceu todas as partidas que jogou contra os engenhei- , ,J,r,e,re nrl,a-,e out ,
. , ros mars, como os sensores ,infrave rme lh os·
ros que o proj etaram.
radar.
Em outubro de 1996, muitos ficaram encantados com a • "/
va ores morais - e soc1a . b'/'d
1 1 a d e - os ro b'

os serao capazes
cantora de rock Kyoto Date que, lançada de surpresa, cati' , , • •
desenvo 1 ver seus propr1os va 1 ores morais e possuir senti'do
vou os espectadores, não só pela bel eza de sua voz, como - .
� . . . . cooperaçao. poderao • farmar comun1,d·,ades integradas por Valores morais,
lambem pelo ritmo que 1mprim1a ao corpo enquanto canta- comuns a tod os.
autoconsciência
· e sentimento re­
va. Grande foi o espanto de muitos ao ficarem sabendo que ,, , - 0 robot, e·nquanto máquina pensante, ligioso seriam
• AutoconsC1enc,a
não se tratava de um ser humano, mas de uma andróide. possíveis à má-
como O homem poderá desenvo-lver consciência de si mes- quina.
Apesar de saber-se que é uma andró ide continua fazendo
e refletir sobre suas origens.
sucesso, com gra n de vendagem de discos� •?!l,/.S!i
• Diferenças entre inteligência artfficial e natural - A inteli--
Estes dois casos são bastante sugestivos quanto às possibi'-
humana resulta de uma evolução_de_artefatos, com aju-
lidades futuras da passagem de um super-andróide d�s telas
,;i de outros artefatos. A inte ligência artificial segue o mesmo
do cinema para o convívio com o ser humano. '''·'º"
Daniel Dennett, Doutor em Filosofia e Diretor do Centro
• Sentimento religioso - se houver interesse de quem o
de Estudos Cognitivos da Universidade Tufts (Boston) e
um ªndróide poderá ser dotado de uma inclinação a
borador no projeto de construção do robot COG - lançado
V'ic•ann,a, seus conStrutores.
recentemente -, no Instituto de Tecnologia de Massachussets,
considerado uma das maiores autoridades no assunto, em en­ • Procriação - apesar de existirem estudos favoráveis a tal A única dificul­
trevista concedida a Peter Moon, publicada pela Isto É (outu­ t. e se (John von Neuma nn - 1903/195 7), Dennett considera dade é a da re­
produção.
bro 1996), revela as conquistas e as reais possibilidades de, , Q ifícil que os robôs venham a gerar outros robôs, de modo
construção do supracitado andróide, Segue um res�mo das 's�melhante ao homem,

opiniões e ce rtezas do autor:

184 185
lntelifí..ência Artificial
Para Filosofar Hoje

Filosofia e Inteligência Artificial 2. Transcendência - no caso, trata-se tanto da auto­


As assustadoras conclusões do Dr. Daniel Dennett, ainda transcendência quanto das ligações do homem com o sa­
mais por se tratar de um Doutor em Filosofia, revelam o que grado. Quanto à autotranscendência1 não parece ser possí­
vel transferir para a máquina a experiência da liberdade,
muitos consideram ser perfeitamente viável: produzir uma
que torna o homem capaz- de se perceber como agente de
cópia aperfeiçoada do ser humano. Com exceção da possibi­
sua própria história e diferente não só dos outros seres hu­
lidade de reprodução nos moldes humanos, que, conforme\
manos assim como diferente das coisas. Em relação às liga­
sugere Aldous Huxley, em Admirável mundo novo, seria subs-'
ções do homem com o sagrado, Dennett fala de uma su­
tituída por modos mais sofisticados de procriação, os robôs
posta programação para a veneração dos andróides aos seus
teriam consciência de si (acompanhada de um inconsciente),
programadores, sabemos, no entanto, que a experiência
senso de comunidade, noção de valores, emoções e, até mes­
do sagrado tem infinitas possibilidades e detalhes que vão
mo, um sentido de religiosidade.
muito além de um simples respeito ao criador: esperança, Noção do ines­
Caso Dennett tenha razão, muitas questões, tradicional­ perado, reconhe­
int ensidade da fé, noção de pecado e a angústia provocada cimento da
mente discutidas em relação ao homem, deverão ser retoma­ pelo mesmo são somente alguns exemplos da experiência transcendência e
das, agora em relação aos andróides: teriam eles uma alma? religiosa. Experiência essa que, para alguns é loucura, en­ idéias paradoxais
caso a tivessem, seria ela imortal? eles pecariam? suas ações são vetadas às
quanto, para outros, representa a plenitude humana. A pró­ máquinas.
poderiam ser classificadas de_viciosas ou virtuosas? pria noção de plenitude e falta é claramente inacessível à
Não há dúvidas de que, em alguns aspectos, como no caso máquina.
Se os do raciocínio lógico-matemático, as máquinas levam algumas· 3. Simultaneidade de idéias opostas - apesar de certa
conexionistas vantagens sobre o homem. No entanto, isto não significa que·, insegurança, o homem não deixa de agir diante de situa­
tiverem razão,
muitas ques­ em sua totalidade, estas possam ser a ele comparadas. ções em que há duas idéias com o mesmo valor lógico. No
tões filosóficas
tradicionais
Das reais dificuldades encontradas pelos pesquisadores caso da máquina, este impasse é insolÚvel, pois ocorreria
deverão ser re­ inteligência artificial em transportar para uma máquina a na­ um "bloqueio".
pensadas. tureza humana, três parecem ser intransponíveis. Trata-se de_ _, __,,'i'-'" -- Alinhados a estes aspectos, há i.Jm sem número de com­
características inapropriadas à máquina: .)��{�:fortamentos específicos do homem q�e parecem ser impossí­
1. Noção do inesperado - diante de certas situações ,_\\itfJ_eis à máquina: percepções estéticas, graus de afetividade, a
que não recebem uma definição clara, o homem é capai /f;5f:?xperiência do remorso ou da alegria, em suas. inumeráveis
de se adaptar, dando às reações gradação variável. Por ,�?;;mformas de manifestação;- -a própria percepção dos valores é
exemplo, se no decorrer de uma conversa percebe-se que__ '"\�/:.e'xclusividade humana. Certamente que, tal como a cantora
o elogio não passa de um jogo de interesses do interlocutor, - 'i:Je rock (Kyoto Date) ou Deep Blue, as máquinas já podem
há uma variação do sentimento em relação à situação, da.,;, '.;;i.zer algumas coisas melhor que o homem, no entanto, pre-
sensação agradável de se ouvir um elogio passa-se à desa'<
1ender construir uma que tenha todas as características hu-
gradável experiência de perceber a vileza do outro. Neste' füanas, em toda sua gama de especificidades, continua a ser
mesmo exemplo, ocorre também a experiência do para�_ _J})_la utopia. As máquinas su­
doxo: palavras elogiosas que não são elogiosas. Acrescen­ O homem da Matemática e da Lógica, das operações ele­ peram o homem
no âmbito das
te-se, ainda, entre os aspectos inesperados, a variação d� ,entares da dedução e da indução pode ser até imitado e o perações lógi­
humores tanto do próprio sujeito quanto dos outros que 9.' J>erfeiçoado na máquina, no entanto, o homem como ser co-matemáticas.
1'!
i,,l cercam. A imprevisibilidade humana é inimitável. Xistencial complexo continuará sendo único. Da mesma for-
Ili
1 186 187
!
Para Filosofar Hoie lnteJi.g_ência Artificial

ma como o automóvel mostrou-se mais apto que o homem dizem que não, mas eu não tenho certeza. Nessas horas, eu adoro citar Marvin
no superar distâncias, assim também as nanomáquinas são (autor de :A sociedade da mente', um clássico do pensamento informata): 'Pode uma
mais hábeis do que cirurgiões para fins bem específicos. pensar? Eu sou uma máquina e penso'. E também gosto de citar J.B.S. Haldane
Mesmo assim, a relação do homem com elas se asseme lha: t/i'C'/bi6/c,go, autor de 'Dédalo: sobre a utopia da evolução'): 'o universo não é apenas mais
à relação que este tem com o automóvel. É somente uma ·:::-estranho do que imaginamos. É mais estranho do que podemos imaginar'. Tudo o que eu
Mas é e/e quem questão de perspectiva, que deve ser entendida adequada­ é isso: se tiver uma guerra entre homem e máquina, eu sei qual lado começará."
as produz e as
manuseia. mente ao estágio de evolução do homem. É ele quem produz
as máquinas e, apesar da alienação que esta pode provocar
em muitos, ele continua e continuará não só diferente, Leia o Texto Complementar e discuta:
também superior a seus produtos .• - o tratamento do homem como máquina; �
- a possibilidade da consciência moral entre as máquinas.

QUESTIONÁRIO
DE FILMES
1. Que é Projeto Inteligência Artificial?
1. 2001: UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO
� 2. Quais são as principais áreas de pesquisa nele envolvidas?
SINOPSE
3. Que características, segundo Daniel Dennett, poderiam
Stanley Kubrick. Com: Keir Dullea, Gary Lockwood. Duração: 149min.
inseridas num andróide?
estranho monolito interfere no destino da Terra desde a vida nas cavernas
4. Que características humanas podem ser transferidas sem di­ rc,p_ré-históricas e, no futuro, leva os homens a viver uma fascinante aventura no
ficuldades para uma máquina? ,
Ficção científica; filme baseado no romance do mesmo título de Arthur
5. Que problemas filosóficos seriam levantados, caso fosse cri­ Clarke. Ano de Produção: 1968; vencedor do Oscar para efeitos especiais.
ado um andróide com as características sugeridas por Daniel
''
Dennett? Tema para debate, a partfr do filme:

6. Que tipos de experiênci as humanas não podem ser -o fascínio do homem pe!a inovação tecnológica e a interferência desse
, . fascínio na produção do conhecimento.
transfenºd as para as maquinas.,
7. Em que área pode-se falar de uma efetiva superioridade da

�-
máquina sobre o homem? Justifique. 2. GUERRA NAS ESTRELAS
SINOPSE.

LEITURA COMPLEMENTAR George Lucas. Com: Mark Hammill, Harrison Ford, Carrie Fisher e
Cushing. Duração: 121 m.
Ficção e realidade Léia (C. Fisher) é capturada pelas forças malignas do Império, na sua
para conquistar a Galáxia. O aventureiro Luke Skywalker (M. Hammi!!)
"Agora a construção do Ha! (computador que se tornou estrela de '2001: uma odisséia no com o capitão Han Solo (H. Ford) e a adoráve! dupla de robôs R2-D2 e C­
espaço), é certamente possível. Nós percorremos um longo caminho no desenvolvimento lutam para destruir o vilão Darth Vader e a Estrela da Morte e, então,
da inteligência artificial. Sem dúvida, haverá computadores mais inteligentes do que mui­ ajustiça no Império. Ano de Produção:1977.
tos seres humanos em 2020. Se eles desenvolverão uma consciência, valores morais?

l
Tema para debate, a partir do filme:
Arthur C. Clarke, escritor nascido nos EUA e domiciliado no Sri lanka, autor do best se/ler "2001: UMA ODISSÉJA NO_ ' A real possibilidade da existência de robôs como os do filme, dotados de
1 ESPAÇO", adaptado ao cinema por Stanley Kubrick (1968). Depoimento concedido a Gyles Brandreth (Daily" Telegraph) e emoções e da noção do inesperado.
! publicado em O GLOBO, 25/12/2000, p. 19.

188 189
li :
Para Filosofar Hoje

BIBLIOGRAFIA DE APOIO 19
• DENNET, Daniel. Tipos de mentes; rumo a uma compreensão da
consciência. Trad. Alexandre Tort. Rio de Janeiro: Rocco, 1997,
�Engenharia Genética e Clonagem
.,.....
• MARCONDES FILHO, Ciro. Sociedade tecnológica. São Paulo:
A biotecnologia apresenta-se como produto da ciência da vida. Não estará ela simplesmente
Scipione, 1994. violando o código da vida? (lsmail Serageldin, geneticista do Banco Mundial)
• PINKER, Steven. Como a mente funciona. Trad. Laura Teixeira\:}
Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. /' o dia 21 de fevereiro de 1997, o jornal alemão Frankfurter
.- , Rundschau trouxe a seguinte manchete na primeira pági­
}j�j\· N
):í;±\{ q. : Pesadelo, a besta nasceu". Era o day after à divulgação
11

_n .
.,.,,,-:-'da notícia de que a experiência de clonagem de uma ovelha
fora bem sucedida. Dolly é o nome da besta; lan Wilmut, o
�orne de seu sacerdote e o lugar mágico é o Instituto Roslin,
�-m Edimburgo, na Escócia.
A descrição apocalíptica do jornal alemão retrata o modo
e,,,,, •• -. a grande maioria das pessoas passou a encarar o fato.
que a clonagem da ovelha traz consigo uma
de questionamentos de toda espécie, no entanto, a
maniqueísta de que tal feito representa somente mal e
para a humanidade precisa ser melhor avaliada. A
também abriu um conjunto de possibilidades alta­ A clonagem pro­
vocou uma série
positivas no campo da medicina,, da nutrição, da re- de debates teoló-
animai etc... gicos, éticos e
jurídicos.
Não há dúvidas, pórém, que o impacto causado por Oolly
com que grande parte da hu�anidade se perguntasse so­
os limites da ciência, capacitada· a alterar a estrutura gené­
humana e, sobretudo, se perguntasse sobre a validade ou
da clonagem de seres humanos, possível segundo os pró­
pais de Dolly.

conquistas da Engenharia Genética


,,,, No contexto da chamada revolução biotecnológica pela
-,iiual a humanidade está passando, a Engenharia Genética de­
s,mpenha um papel fundamental. De suas conquistas e difi­
-- uldades - técnicas e éticas - depende o avanço ou não dessa
evolução. Em seus quase 35 anos de história, a Engenharia
enética obteve resultados realmente fantásticos, que contri­
j_uíram para que muitos passassem a temê-la. Há motivos re­
\s para que se avaliem seus avanços com bastante equilíbrio,

190 191
Para Filosofar Hoje En1:enharia Genética e Clona1:em

ou seja, sem um entusiasmo exacerbado. Diante da instabili­ produtividade dos rebanhos e da possibilidade de reposi-
dade ética do homem, os motivos de receio não podem ser - ção dos animais em extinção, a Engenharia Genética per­
simplesmente tratados como fruto da imaginação fabuladora, . mite que sejam produzidos remédios para o tratamento de
É preciso que se tenha muito cuidado sobre o emprego que ias doenças. Já é comum a produção de insulina a partir
pode ser feito dos resultados da Engenharia Genética. :{.�ár
· de bactérias modificadas com o implante de genes huma­
A Engenharia
Deixando as considerações de cunho ético-filosófico para nos. Está em fase experimental a produção do fator de co­
Genética está ulterior aprofundamento, vejamos algumas das conquistas da agulação para o tratamento de hemofílicos a partir de alte­
trazendo muitas
contribuições
Engenharia Genética sobre cuja validade não há grandes po- rações na estrutura genética de ovelhas.
positivas. lêmicas. São, portanto, sem grandes discórdias, consideradas • Terapias gênicas ou genéticas - Esta é uma das áreas
conquistas positivas para a humanidade em geral: mais "simpáticas" da Engenharia Genética. Embora, con-
• Introdução de novas plantas no meio ambiente - o forme declare a geneti.cista Mayana Katz (USP), seja um cam-
CklL>·:tc' po que ainda esteja engatinhando (ln: Revista Globo Ciên-
manuseio genético permite a produção de plantas mais
adequadas ao meio ambiente a que se destinam. Desde eia, SP/RJ: Globo, fevereiro/97, p. 24), as conquistas já são
1983, quando as primeiras plantas transgênicas foram pro- grandiosas e as promessas causam expectativas de otimis-
duzidas em laboratório, os avanços nessa área foram enor- mo. Trata-se de técnicas de intervenção sobre as causas da
mes, trazendo benefícios no reflorestamento e na produ- · ;:;ª:'/:': doe1nc,1. principalmente no caso de doenças adquir idas,
Muitas doenças
ção de alimentos. Atualmente, a Biotecnologia aplicad a à o câncer. Por meio de vetores, ou veículos, é possível já podem ser cu­
botânica movimenta bilhões de dólares. Cerca de 2,5 mi- transportar e infiltrar na célula o "gene remédio" ou o ''gene radas por meio
de remédios re-
lhões de hectares do planeta encontram-se ocupados por , que leva dentro de si munição para destruir a cê- sultantes das
plantas modificadas em laboratórios. cancerosa. Ou, ainda, utilizar o "gene repórter", que pesquisas em En­
genharia Genéti­
• Animais transgénicos ou clonados - Desde há muito, ite ao pesquisador monitorar o /luxo das células ca.
experiências genéticas fornecem preciosas indicações de cancerígenas em doentes em estágio ava:nçado. Em geral, a
_
como intervir sobre os genes animais para melhorar a raça terapia gênica consiste em substituir o maior número pos-
e, conseqüentemente, seu desempenho e produtividade. de moléculas de DNA do doente. Calcula-se que, em
Em 1920, algumas dessas técnicas já eram utilizadas em ft!><t:;, a partir de diagnósticos tanto nos genitores quanto
cavalos e, na década seguinte, passaram a ser empregadas, nos fetos, muitas doenças congênitas poderão ser evitadas.
em larga escala, em gado leiteiro. Em 1982, nasceu o pri- algumas doenças congênitas, como o Mal de Afzheimer,
Plantas e ani­
mais meiro animal transgênico. Atualmente, em todo o mundo, podem ser diagnosticadas com -muita antecedência, em-
transgênicos fa­
são desenvolvidas técnicas cada vez mais sofisticadas ainda não tenham cura.
cilitam a preser-
vação do intervenção na reprodução e no melhoramento da produ­ : aspectos positivos
ecossistema e
garantem a ali­
tividade animal. Com o desenvolvimento das técnicas de
maior entre todos os feitos da biologia ou, segundo ai­
mentação huma- clonagem e, vinculando os progressos da Genética em ge­
na. de toda a história da ciência, foi a clonagem de uma
ral com a Engenharia Genética em particular, conforme·
pelo geneticista lan Wilmut e sua equipe do Instituto
previsões tidas como seguras, a fauna poderá ser'\
em Edimburgo. Talvez de maior envergadura que a des­
reabastecida de animais em extinção e, segundo anunci?' ·
lij lan Wilmut, em breve, estarão à disposição vacas e ove-:·_,_.
cia eletricidade, que a fissão nuclear, que as viagens
:1 que a fertilização "in vitro" e outras grandes con­
1: lhas ainda mais produtivas que as que atualmente são re-'.
i:
J,
sultantes dos avanços da Genética. Além do aumE!nto da··.;
da ciência, a clonagem provocou e continua provo-

l
\l,

192 193
l
i
ii =~•.·~·-.•--
t··•.·:
F;-.
::::
Para Filosofar Hoje Engenharia Genética e Clonagem

cando uma série quase interminável de debates em todos


:;!il _ tei puros-sangues velocíssimos nas raias dos hipódromos e
,,,:1 ambientes. animais em extinção reocupando seu lugar na natureza são
·,!;:1
"I:l:'1 Os motivos são óbvios: mais uma vez a ciência conSE,Rui
fazer muitos se perguntarem sobre os limites dos feitos
cenas que, em pouco tempo, tornar-se-ão comuns.
i'! • Órgãos para transplantes - A partir de alterações na
manos, sobre o sentido da vida, sobre o papel do homem estrutura genética podem ser desenvolvidos animais
mundo, sobre os perigos e as vantagens do progresso. Órgãos para
tra nsgênicos capazes de produzir órgãos como coração, fí-
foram poucos os que se referiram ao cientista como um
transplantes em
Segundo muitos,
os cientistas es­
gado e rins a serem utilizados em implantes em seres hu- humanos pode­
tão "brincando caprichoso, que "brinca de ser deus", capaz de provocar a manos. A empresa Alexion (EUA) prevê que dentro de três rão ser produzi­
dos em animais
de ser Deus". da natureza e dos céus. anos colocará ó,rgãos desse tipo à disposição do mercado. clonados.
Da clonagem que resultou em Dolly à clonagem humana Animais com essas características poderão ser clonados,
caminho é curto. O geneticista Patrick Dixon, diretor do rnnct•;,,, na solução para o problema da carência de
tuto Roslin, confessa: "Em tese, a experiência permite a órgãos para transplantes.

\,f1.
,, dução de réplicas de qualquer ser humano vivo e até de • Produção de ,remédios - com o desenvolvimento das
, ' soas mortas, desde que sejam congeladas em tempo técnicas de clonagem já está sendo possível criar condições
do", e o pesquisador americano Bruce Hilton, do Centro favoráveis à produção de remédios para aplicação em ani-

'i ,· .•i cional de Bioética (EUA), não duvida que "em um canto
ro de alguma universidade desconhecida, a clonagem de um
<>• 111 ct» e em séres humanos. A empresa que financiou em
parte as pesquisas do Instituto Roslin no�projeto Oo//y -
},:,:,l ser humano não esteja sendo tentada". O temor de Hilton PPL Therapeutics - já está em vias de produzir uma proteí-
justifica porque, conforme revelou lan Wilmut, em artigo na derivada do leite de ovelha transgênica para tratamento Poderão ser pro­
revista Nature, no qual descreve como conseguiu da fibrose cística, e pesquisa a possibilidade de produção duzidos remédi­
DoLLY a fórmula é assustadoramente simples e os custos do fator 4 importante para tratamentos ·de hemofílicos e os para doenças
'"'1 ,·:ec tidas como incu-
uma �lonagem são relativamente baixos. de vasta a�licação em cirurgias. Tambéni, no campo da Me· ráveis.
Baixos custos, relativa simplicidade técnica, grandes possi- dicina Veterinária, já.estão sendo prodl!zidos remédios para
bi!idades de fama, boas perspectivas de resultados t1nanc:e1- curas de doenças como o mal da V?Ca louca" e outras mais.
11

ros e precária legislação na maioría dos países são -. Estes são somente alguns exemplos de que tipo de empre-
É possível fazer tes de um quadro de incertezas e perguntas quanto ao
clonagem a bai­
positivos podem ser dados à aplicação das técnicas de
xos custos. da clonagem. Tal como aconteceu com muitas outras ':(2;çLona1ge111 já conseguidas. O desenvolvimento·das·técnicas e as
descobertas, a clonagem pode trazer grandes benefícios, •v,·;/c,pc em laboratórios espalhados pelo mundo a serem

t�1.\ mesmo modo que representa um conjunto de ameaças à


nidade humana. Vejamos alguns aspectos positivos
rc,,,n,""" por cientistas ligados às mais variadas áreas da
Bic1m,edici1na, certamente descobrirão inumeráveis novas apli·
clonagem em geral: \.y,;Ç.açõ,,s em benefício da humanidade. Não se trata de profe.
• Seleção de rebanhos animais - Em breve será possi,1e1 mas de simples constatação das possibilidades da
produzir em série animais idênticos com desempenho ,,, 1ria1:iv1cta.de humana, aliada a interesses de todo tipo, tam-
,i
dutivo dezenas de vezes superior aos existentes. KebanniJS.. os de ordem econômica.
Animais de vacas clonadas produzindo 60 litros ou mais de do status quo, parece se descortinar diante de nos-

J
dia, com baixos teores de gordura e proteínas
clonados evita­
rão a extinção olhos uma cena não muito diferente de outras cenas da
das espécies. porcos e galinhas com prazos de desenvolvime�to e da Ciência e de suas relações com a sociedade: um
'':':::
l:i
gorda rapidíssimos e com carnes quase ao sabor do salto - no caso, cumulativo - da ciência faz entrever
:;:;

1
'<',
'ii 194 195
);i
"i
•i• i
Para Filosofar Hoje Emt..enharia Genética e Clonagem

um cenário sombrio de possíveis aplicações contrárias aos··;,


anseios de bem-estar do homem ou um cenário de perfeita' •;;cr{,Jê Hiroshima e Nagasaki. Se, no caso da clonagem, trata-se de
t��(:_�té mesmo poder alterar o genoma humano, no caso do avião
harmonização entre os frutos da descoberta e a felicidade
•'-le ,particularmente, da bomba atômica, trata-se de poder des-
humana. ,_ f

r,'.�;ir, com r:naior eficiência, a vida humana .


A esse respeito é interessante ouvir o que dois grandes
pensadores de nosso século têm a dizer sobre a relação entré;' 1;�__'..fv1ais uma vez a humanidade encontra-se diante da possi­
Ética e Ciência: O grande literato Umberto Eco, em seu livro '1;i i dade de uma de suas descobertas poder vir a ser emprega­
O pêndulo de Foucault interroga: Como não acreditar no Mar} =:;-_tanto em seu benefício quanto co!:_llo um meio de desres-
1efro a si mesma. E, mais uma vez, é preciso tomar consciên­
quês de Carabás se até o Gato de Botas diz estar a seu serv/
ço? Tal como o Gato de Botas, também a ciência está a servi/·· fit de que é necessário se preparar para que o pior não acon-
ço de alguém. Considerada em si mesma, ela não é ném bol •�ça. O melhor caminho é o de uma séria legislação sobre o
_{�_sunto e, acima de tudo, a consciência ética de que é preciso
nem má e parece neUtra. A neutralidade da Ciência foi so�-::
nhada e fundamentada metodologicamente por muitos pen-' i;speitar a pessoa como centro de dignidade e como um mis­
·�rio, de valor incalculável e, por isso, inalienável. As leis, por
sadores, como Husserl por exemplo. No entanto, umà ciênX
"··ais necessárias e justas que sejam, por si só não bastam, é
eia neutra de fato é pura ficção. É evidente que não sendo·
r eciso que se vislumbre a necessidade de cumpri-las, exata­
em si mesma nem boa nem má, o malefício ou o benefício' :
pente porque justas.
que dela advierem dependerão da destinação que lhe for dada.
O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), combaten, .iÂdonagem e as questões éticas
do os apologistas da perversidade da ciência, como Marcus·e· rg. A clonagem da ovelha e dos embriões de macacos não te-
A ciência tanto
pode ser usada e alguns eXistencialistas, não cansou de insistir na idéia de qué ,;: �_ i;'t:ffa causado tanto espanto, caso, na sua trilha, não estiveSse a
para o bem, ela não é má em si mesma, sempre dependerá da aplicação ,,i/:,)iàssi bilidade de clonar seres humanos. Açreditam os cientis­
como provocar
tra gédias. que lhe for dada. Assim, no terreno da ciência, há urfi� f}'\}�:s que, com os conhecimentos adquiri_düs nas duas experi­
substrato ético que não pode ser esquecido, caso ·se queir/'
<�:Ji\l-;tncias 1 já seria possível·clonar seres humanos sem-grandes di­
fazer dela não somente um meio de enriquecimento ou de 'civ:rrcuidades técnicas.
simples jogo" mas um caminho, não o único� de efetiva reaj
11

lização da humanidade. �:;!:f�(t:1sso significa que, depois de ter desenvolvido a capacidade


- "-"·'.<é interferir no ritmo natural do mundo vegetal e animal, o
Se tomarmos como exemplo somente duas grandes descà_:1 ,,dmem já está habilitado· para,interferir no seu próprio ritmo. O homem é ca­
beTtas co-mparáveis-·em+mpacto à clonagem·- o avião e a fissã'1\ ''áb se trata mais de consertar 11 alguns defeitos", associados
11
paz de interferir
11

nuclear - podemos observar que diante delas alguns man'i-: (doenças, mas de alterar um processo, desde seus funda­ em seu" p róp rio
festaram entusiasmo, enquanto outros, temor pela possibil_i�\ i;-\ttW"entos. Depois das rãs, das ovelhas, dos macacos, dos ani­
ritmo natural de
procriação.
dade de más aplicações e pelas catástrofes que poderiam pro•· i,liJ,;is em extinção, poderá chegar o dia em que o homem pro-
vocar. Uns e outros não deixaram de ter razão: o avião e "i' .�i.�,uzirá em laboratório sua própria cópia. O elenco de pergun­
fissão nuclear foram empregados tanto para o bem quantd ��j;!_iS que sucedem o hipotético - por enquanto - feito são
para fins duvidosos. Da mesma forma como o avião é empre:.\ '"· 1./indáveis: Não estaria o homem brincando de Deus? Para
gado para transportar pessoas, também é empregado com' ú'�-c/onar seres humanos se há ta�tos vivendo em condicões
instrumento de guerra. A fissão nuclear tornou possível tant 1
=;;;;:I�-i�_eráveis? Por que não aplicar recursos em outras áreas :nais
a geração de energia e o desenvolvimento de sofisticad •-irgentes? É justo retirar do homem 11norma/ 11 a exclusividade
tecnologias médicas, quanto a produção de bombas atômic 'reproduzir-se por meio da sexualidade? Não poderá a
- transportadas por um avião - responsáveis pelas catástrof

196 197
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Para Filosofar Hoie Engenharia Genética e Clona gem
'i:1
:::
clonagem servir para fins eugênicos? Um clone seria uma pes­
soa? Um clone deve ser batizado? Teria ele alma? Caso desen­
A clonagem na perspectiva religiosa
Quando do anúncio do sucesso da clonagem, a reação dos
volvesse as características de pessoa, ao saber-se cópia plane­
líderes religiosos foi de condenação de sua prática. Apesar das
jada e geneticamente idêntica a um outro ser humano, que
sabidas discordâncias em outras áreas da teologia dogmática,
tipos de problemas psicológicos e existenciais poderia enfren­
houve concordância no repúdio à possível clonagem humana,
tar? O clone seria considerado filho de quem: do cientista, do
considerada unanimemente como uma forma de abuso con­
bl•

dono da empresa que o financiou, da dona do óvulo, daque­


tra a natureza e a vontade diyina.
\(\
;7 1

le de quem foi retirada a célula mãe ou daquele que o enco­


O Rabino Chefe de Israel
;j

mendou? Não poderiam ser produzidos em série clones cuja


M eir Lau (lei Aviv) condenou
estrutura genética fosse alterada de forma a terem habilida­
a clonagem por entender que,
des para práticas de crimes, como o tráfico de drogas, por
além de violar a natureza e a
das ciências1 sua clonagem não retiraria a dimensão lúdica do lei divina, ela não tem por ob­
exemplo? Ou no caso de grandes atletas 1 artistas ou gênios

esporte1 e a criatividade das artes e da pesquisa científica? jetivo a cura de doenças. O te­
Um clone artista produziria arte de fato? Como se sentiriam ólogo muçulmano Abdemuti
os outros seres humanos diante disso? Qualquer um teria co­ Bayoumi (Cairo, Egito) reagiu
ragem de conviver normalmente - casar-se1 por exemplo - negativamente por entender
com um clone? Caso viesse a cometer um ato considerado cri­ a lei islâmica proíbe a mui­
É oportuno

A clonagem de Dolly provocou uma série de debates éticos e reli­


clonar um ser

artificial de seres hu- iosos sobre a possibilidade da clonagem humana.


humano? O
clone de um ser

As questões acima, às quais a imaginação poderia anexai-


humano seria
minoso1 poderia ser punido normalmente?
1·:C

fi1 muitas outras, apesar de poderem ser vinculadas a diversas Entre os representantes das várias religiões cristãs, a reação
uma pessoa?

ll áreas como ao Direito, à Religião, à Psicologia e à Medicina, não foi diferente. O cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Con-
tadas contêm um fundo ético porque, em última instância se para a Doutrina da Fé (Vaticano) exortou para que a
i'T referem ao respeito à dignidade humana. De todas as per- "não supere o limite insupedvel, além do qual tudo é
. A ciência deve respeitar certos parâmetros para
i1_i.1•

'\i guntas duas parecem fundamentais: a 12rimeira, ante factum, ,31,,••,.,,


,:1

diz respeito à validade ou à oportunidade de se clonar seres se respeite a vida desde sua concepção, de acordo com a
humanos e a segunda, post factum, é relativa à ·essência do divina. O papa João Paulo li, no sermão dominical de
clone: seria ele uma pessoa ou não? \1'!•<' 00 de março de 1997, condenou veementemente a clonagem, As religiões em

Para responder tais questões nada melhor que dirigir-se ã que as atenções deveriam estar voltadas para ou-
geral condenam

tros problemas como a fome, a exploração dos pobres e çlas


a clonagem.

filosofia, via bioética, cujas respostas, como sói acontecer,


vavelmente irão influenciar tanto as normatizações juríd icas o comércio do sexo etc ...
quanto aquelas deontológicas. Também as doutrinas das di- Ainda que em geral tenha reagido negativamente à clonagem
versas religiões cujas Teologias não deixam de pressupor uma: ?\ii'/%,hurr1ar1a a doutrina espírita não vê com repúdio total a possi-
l:i Antropologia, têm importantes contribuições a dar na busca' da clonagem enquanto tal. As conclusões do médico
dessas respostas. Consultemos primeiro os teólogos para do espiritismo kardecista Djalma de Souza Pacheco
'II_' primir a opinião das mais importantes religiões e, depois, do escritor e também estudioso Marcelo Luís Occhiutto são
/:1
"1 posição dos filósofos. de que a clonagem só é possível no que tange a matéria

198 199
r,...

Para Filosofar Hoje

biológica, sendo impossível clonar espíritos. Occhiut'to chega Ent retanto, a grande maioria dos filósofos por um motivo
até mesmo a ver na clonagem uma nova possibilidade coloca­ ou outro - agressão à natureza, desrespeito à pessoa, falta de
da à disposição do process o de reencarnação. Diz ele: "Há, bom senso - reagiria contrariamente à tal prática. No entanto, a
como de há muito sabemos, milhões de Espíritos à espera de O mesmo panorama de condenação e apoio repete-se en­ grande maioria a
condena.
uma nova oportunidade reencarnatória e as leis naturais nunca
tre os filósofos vivos. Os que se alinham à philosophia perennis
desperdiçarão nenhuma chance de que a volta de alguns des­
condenam a clonagem e, dentre os neopositivistas e os cha­
ses Espíritos aconteça ... ". E continua: ;/Todos supomos que fi/ósofos pós-modernos, muitos são favoráveis ou indi­
poderão até um dia, se o génio humano assim ousar, permitir
ferentes à clonagem.
a criação de 10 ou 20 gémeos idênticos, em se tratando de
Por outro lado, 'em relação à dificuldade em se saber se um
aparência- e estrutura corporal. Mas, seguramente, nesses 10
'clone s e . ria pessoa ou não, não parece haver polêmicas entre
ou 20 seres habitarão espíritos absolutamente diversos, úni­
cos, individualidades exclusivas em todo o Universo... " os filósofos, independente da lin ha a que pertençam.
Ari stóteles, Tomás de Aquino, Descartes, Kant, Hegel,
(Clonagem de Espíritos/ Jamais! ln: Jornal Espírita, Órgão da
Nietzsche, Scheler, Maritain, Sartre, Deleuze e tantos outros
Federação Espírita de SP, n. 260, Ano XXI, Abri l 1997, p. 12).
que poderiam ser citados, concordariam com o fato de que,
A clonagem na pers pectiva filosófica se o clone for capaz de exe rcer a liberdade, de fazer escolhas
Do ponto de vista filosófico, as duas perguntas recebem da vontade, de sentir o mundo da moralidade, será uma pes-
tratamentos diferentes. Enquanto a questão sobre a validade fS! ·;;\ 1 ,,vu em sentido pleno, merecendo ser tratado como tal. Isso
ou não da clonagem pode receber respostas contraditórias · porque o que faz do ser humano uma pessoa não é propria-
(alguns filósofos são favoráveis e outros não), a questão - se mente sua estrutura psicossomática, mas sua capacidade de
o clone seria pessoa ou não - recebe respostas convergentes. escolha. Para alguns, essa capacidade resulta do fato de o ser Se o clone for li­
Na assim chamada phi/osophia perennis _ representada humano possuir uma alma espiritual; para outros , simp les - vre, terá a natu­
reza de pessoa.
pela grande tradição filosófica ocidental - encontraríamos pou- mente p orque a matéria da qual é composta a estrutura hu-
•:sil.f..s! ,
cos pe nsadores que, de acordo com as linhas gerais de seus mana é capaz de reflexão. Muitos, -ainda, tratam esse dom
sistemas de pensamento, não se oporiam à c lonagem. Fala- _.humano c omo um mistério. No entanto, todos concordam
mos por hipótese, é obvi o, na medida em que eles não se que, enquanto escolhem, todos são pe ss oas e, enquanto pes-
puseram, de fato, essa questão. Poderiam·-ser- elencados en- .--c;
soa5,___ p_ossue-m--:-d-ignida·de-1
Alguns filósofos
aceitariam a
tre seus defensores, ou ao menos entre os que não reclama­
clonagem huma­ riam veementemente de sua prática, os filósofos que se en­
na. QUESTIONÁRIO :1
caixam na vertente do pragmatismo. Para eles o critério que
1. Quais são as grandes conquistas da Engenharia Genética? !·i,
valida qualquer tipo de conhecimento e procedimento é o ,,,,
2. Quais as contribuições positivas que decorrem da clonagem?
critério da eficiência prática. Considerações que não podem
3. De que modo as religiões reagiram à clonagem? � ,:
ser testadas experimentalmente não devem ser levadas a sé-., 4. Que tipo de questões filosóficas podem ser postas a respei­ 1,,
rio. Assim, se a clonagem permitir a produção 11 de seres
11
to de um c lone humano? 1·
manos mais sadios, mais bonitos e mais inte ligentes, não ha­ 5. Em que consiste a dignidade da pessoa? '
:;;

veria porque não serem feitas cópias de modelos que tenham


essas características, aperfe içoando-os cada vez mais. 'A respeito do sentido de dignidade humana, ver Capítulo 10.

200 201
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Para Filosofar Hoie Engenharia Genética e Clonagem

LEITURA COMPLEMENTAR
A Pessoa na perspectiva jurídica
'\·e;a O texto complementar e desenvolva os seguintes temas:
Regina Fiuza Sauwen / Severo Hryni ewicz �) a noção de pessoa na perspectiva ju_rídica;
Ainda que o termo persona tenha sido empregado pelo Direito Romano como sinônimo b) o clone e seu status jurídico. �
de sujeito jurídico antes do que pela Filosofia, a partir do século V, as elaborações filosó­

1\
ficas sobre a pessoa marcaram tanto o Direito Medieval quanto o Direito Moderno. Tam� (SUGESTÃO DE FILME
bém o pensamento popular é influenciado por essas elaborações.
Segundo Maria Helena Diniz, Professora Titular de Filosofia do Direito da USP, do pon­ o CAÇADOR DE ANDRÓIDES
to de vista jurídico existem duas maneiras de se conceber "pessoa": a primeira é a chama­
da concepção tradicional e a segunda é a concepção kelseniana (D!NIZ, Maria Helena.
SINOPSE

Curso de Direito Civil Brasileiro. 1 º volume. São Paulo: Saraiva, 1984-85, p. 81 ss.). ;_;))iretor: Ridley Scott. ·com: Harrison Ford, M. Emmet Walsh, Rutger Hauer,
Segundo a concepção jurídica tradicional, a pessoa é um "ente físico ou coletivo sus ce­ \baryl Han n ah, Sean Young e Edward J. Olmos. Duração: 95 min.
tível de direitos e obrigações, send.o sinônimo de sujeito de direito. Sujeito de direito é 'N o ano 2016, quando grande parte da humanidade já se encontra habitando
:.ie:
i';1
aquele que é sujeito de um dever jurídico, de uma pretensão ou titularidade jurídica, que
é o poder de fazer valer, através de uma ação, o não-cumprimento do dever jurídico, ou.
, � outros planetas, na Terra, um ex-policial {H. Ford) é convocado a caçar
a-ndróides revoltosos (os replicantes). As características dos andróides asseme­
melhor, o poder de intervir na produção da decisão judicial" (p. 81 ). às humanas. Em sua caçada, o ex-policial apaixona-se por uma andróide
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i Na concepção kelseniana, menos aceita que a anterior, o conceito sujeito de direito é sua vida salva por outro. Ficção científica.
um constructum jurídico. Não é um conceito fundamental para a descrição do direito. O
conceito de pessoa expressa figurativamente o conjunto de direitos e deveres. A pessoa para debate, a partir do filme:
não é um indivíduo ou uma comunidade de indivíduos, mas a unidade personificada das A ciência e o respeito à ética.
,;., normas jurídicas que impõe direitos e deveres tanto ao indivíduo quanto a uma comuni­ Aspectos positivos e negativos da ciência.
dade de indivíduos.
•.,:·., ;
Embora faça parte de debates acadêmicos, a teoria ke!seniana de pessoa é pouco acei­
''""' ,BIBLIOGRAFIA DE APOIO
\
ta. A que predomina na realidade jurídica brasileira é a tradicional.
Aliada ao conceito de pessoa está a noção de personalidade jurídica. Há dois tipos de DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 1.
personalidade: a pessoa física (a pessoa natural) e a pessoa jurídica (agrupamento de São Paulo: Saraiva, 1984-1985.
indivíduos). Em ambos os casos existe o pressuposto da capacidade jurídica. Se, /ato· JoÃO PAULO li. Evangelium Vitae; so��e o Valor e a inviolabilidade
sensu, todo ser humano é pessoa, stricto sensu nem todo ser humano é pessoa. Só a pessoa
da vida humana. São Pau!o: Paulinas, 1995.
capacitada tem a possibilidade de requerer em juízo. A capacidade é o passaporte para o
ingresso no mundo jurídico. Se alguém for considerado incapaz - p. ex., o desequilibra­ KANT, lmmanuel. Textos Seletas. Petrópolis: Vozes, 1989.
1::::, OLIVEIRA, Fátima. Engenharia Genética. São Paulo: .. Moderna·,
do menta! ou o menor - para qualquer tipo de reivindicação em foro, deverá ser repre­
sentado por alguém dotado de tal capacidade, e isso depois de observadas rigorosas
li'.,'<,·.'·
<;i 1995.
formalidades legais. ;a SAlJWEN, Regina Fiuzai HRYNIEWICZ, Severo. O Direito"in
,1 1:
:1 ji!::1
, :;
Assim, no mundo jurídico temos dois tipos de pessoas: a pessoa de fato e a pessoa de,
direito. No primeiro caso, qualquer ser humano é pessoa - o menor quando sofre algum
vitro"; da Bioética ao Biodireito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen

lIrr.:'·1 .,
Juris, 2000.
tipo de violência é considerado pessoa e por isso protegido pelo direito - e, no segundo
caso, só é pessoa aquele que tiver sua capacidade jurídica reconhecida legalmente. f
.
SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética; fundamentos e ética médi-
Embora no conceito de pessoa de fato estejam incluídas todas as características da. 1( ca. São Paulo: Loyola, 1996.
pessoa concebida pela Filosofia em geral, objetivada nos assim chamados direitos da:·­ fSPINSANTI, Sandra. Ética biomédica. São Paulo: Paulinas, 1990.
personalidade (integridade física, integridade intelectual e integridade moral), no âmbito ,­
�q.':.-:\ do Direito, corre-se continuamente o perigo de abandonar este sentido amplo para ater­

1fi!
se ao conceito de pessoa segundo os cânones jurídicos stricto sensu.
(Extraído de SAUWEN, Regina Fiuza; HRYNIEWICZ, Severo. O Direito "in vitro": da Bioética ao Biodireito. Rio de
Janeiro: Lumen Jurls, 2000).
1

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