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CIDADES MUÇULMANAS

aqueda do Império Romano a unidade do mun-


.
ico é interrompida por causa da expan- JE~································l·························lf1

li EJ
civilização islâmica.
Os árabes invadem as costas do 1\h'<litcJT<ineo
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do século VII; encontram primt'iro as zonas
urbanizadas do Orit•nw ht•lt•nistko. st.• apo· ;-- -- ----- - l:
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cidades existentes - Alexandria, Anti·
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,_,,,.,.,""'"• Jerusall>m - t• adaJ>tam·nas ;., su;~s
se torna <1 prinwira capital dos ~ Il .,_..,_
(de 660 a 7;->() d.( '.)c no n•t•into saj..'l'a·
surge a primeira m<'Slluita {Fif..'S. 1()9-·171).

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tarde, nos no\'OS l<'ITilúrius conquistados a
a oeste, os áraht•s prcft•n•m fundar uma shit• de
novas: Kairouan nu Tunísia t•m ()70. Xiraz na
674, Ba~-rdú - <1 nova t·apital dos califas
-na Mcsopotflmia t•m 7():l, Ft•t. no l\larro-
808, o Cairo no E1.!Íto ('111 !1()!1: quando passam
Espanha (cm 7 11 ) c p;u·a a Sic·ília (cm H27).
como capitais as ddad(•s- at(• cnt;'w sccun-
Córdova c de J'nlcrmu. e transfimnam-nas
metrópoles, com c<•ntt'IHIS de milhares de

469470. A grande mesquito dr /)a masco: o rccmto <m~tll<irío.


tinham lugar ao mesmo tempo a IJ.:tf.'ja <• o nu.t.'ilJuiur. e o
construido depois de 70!i d.C.

22:-l
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Fig. 47 /.O centro da cidad<• eh• /)ame. .:o. com a
tecido da cidade árabe"'' implanta •obr<' o
cidade helenística. destruindo sua rel(ulari<l<•de.
mentos da cidade árabe: em tracejado, os dcsaparecid..
helenística.

Figs. 472-473. O império Romano- qut• cerca o


território conquistado pelos árab<w. que corta em dw•
Mediterrâneo.
O (Àiro. Vista do século XVII e planta leuanwda As cidades fundadas ou transformadas pelos
durante a expedicão napoleónica em fins elo " 'cu/o árabes, entre o Atlântico e a Índia, são muito seme-
lhantes entre si e conservaram sua estrutura ot;giná·
ria até a época moderna. Mantém um dos caracteres
fundamentais das cidades do mundo antigo, dos quais
já se falou: todos os elementos de construção - as
casas, os palácios, os edifícios públicos - formam
uma série de recintos, e os ambientes internos se debru·
çam sobre eles, não sobre o espaço externo. As praças
são recintos maiores - ágoras, foros, mercados - e
não se confundem com as ruas, que são corredores
apenas suficientes para a passagem dos pedestres e
dos carros (as grandes ruas porticadas das cidades
helenísticas são arranjos excepcionais, comparáveis a
praças alongadas). Mas além desta continuidade é
preciso considerar algumas diferenças importantes.
1) A simplicidade do novo sistema cultural, que
está todo contido no Alcorão, produz uma redução das
relações sociais. Por isso, as cidades árabes perdem a
complexidade das cidades helenísticas e romanas:
não têm foros, basílicas, teatros, anfiteatros, estádios,
ginásios, mas somente habitações particulares - ca-
sas ou palácios - e dois tipos de edifícios públicos:
a) os banhos para as necessidades do corpo, que
correspondem às termas antigas;

22;)
Fig. 476. A Casbah de Argel. Plástico executado pl'los franceses no
momento da conquista (18JO).

b) as m<!squitas para o culto religioso, que não 1·uas, coh(•l'tas ou dcscohcl'tas, formando o
têm 4::orrcspondcntes n o mundo clússico: nào se asst• ta tcssitura irregular se abrem - e
melham aos templos pagãos (edificios fechados no valor - Qs J...'l'andes pátios regulares> das
público, que se olham do lado de fora) ou às igrejas ;J) A cidade se torna um organismo
cristãs (espaços fechados unitát;os, onde todos os fiéis fechado por uma ou mais voltas de muros
participam de uma cerimônia coletiva), mas são pú- renciam em vários recintos (o mais
tios porticados, com um pórtico mais profundo dividi- medina). Cada J...'l·upo étnico religioso tem
do por muitas fileiras de colunas, onde os fiéis indivi- d istinto, c o príncipe reside numa zona
dualmente ou cm grupos encontram um local isolado (maghzen), protegida dos tumultos. A
para rezar. (bab) é muitas vezes um edificio mcmulmE:nbl!t
2) A regularidade cm f..'l'ande escala das cidades cado (com uma porta externa, um ou mais
helenísticas c romanas é abandonada c não existe ao mediá rios e uma porta interna), e
menos uma administração municipa l para impô-la. O bulo para a cidade inteira. De fato,
Islã acentua o carátcr reservado e secreto da vida interna começa a rede das ruas, onde
familiar. As casas são quase sempre de um andar só vel o encontro e a parada.
(como prescreve a reli~-,rião) c a cidade se torna um o.l) A religião proíbe representar a
agregado de casas que n~to revelam, do cxtet;or, sua na, portanto impede o dcscnvol ·me:nu>d~lSli
forma c s ua importãnciu. As ruas são cst1·eitas (sete rativas -escultura c pintura - tal
pés, diz uma regra de Muomé) e formam um labirinto elidas na An tigu idade; usa-se, ao
de passagens totiuosas- muitas vezes também cober- decoração abstrata. composta de
tas - que levam às portas das casas mas não permi- c de sinais da escrita, estritamente
tem uma orientação e uma visão de conjunto do baino. arquiteturn. Seus motivos são difundidos
Ta mbém as lojas dos comerciantes não são agrupadas mundo islâmico, com notável uniformidade
cm uma praça, mas são a linhadas em uma ou mais 514).

226
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f i!:. ·Iii. A Casbah de Argel como é hoje. en~loboda "" rede <i<·
<'~fradas da cidade européia.

fi!:·' · .f7X /MI. Planta di' uma casa dt' Casbah (rue Khul"!'dlll.ll .•5};

I. ingresso; 2. patio: 3. C!O'Wlha; 4.latrlna; S. quartos de dormir: 6. ltrn~

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227
fi/i. -IX I. l'ts((l aérea do tecido urbano de Tripoli; todo
pátio parlwulczr. grande ou pequeno, e .se debruca

FtJ!.s. li<:!-/11.1. Este pátio se l.()ma estrt'ito e profundo


<·l'w... ,,,u/rulas. romu os Ksar marroquinos.

o ~ 10 .
L-L-.1
Figs. 484488. Em tomo do pátto os quartos tlldo
modo a permitir um uso multo eldstiCO. varuiuel
dos do dia e ron{orme as estaro..s (os deser~hos
casa de &gdá).

manhã tarde
INVERNO

noite

primeiro andar

sala de estar

VERÃO

489-492. A distribuu::âo du$ pfl/111$, d<J$ 1/IWrtvli ,. dos pórticos


em nfueis diuerso.~ J>f>rmtf(• uma uentilaçdo para
clima demasiado que11te (os exemplos sdo tomados em
a{aiUJpróximo aos desertos. desde o Marrocosat~o A{rJ:aiiÍS·

229
Pigs. 493495. A cidad~ d~ GtiT(/aia na Arl(~lia. {u11dada
pla11ta, uista aér~a e desenhos de dois tipos de"''-'"'·""''""
res e de um andar. .Vo centro - 11a POsi('do mtJrc~raaptl<lal
-=::&..~:""-"-' encontra-se a mesquita com um alto muwrtle.
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,...,, n•nraaacidode árlzbe de 'l'útus, cetrc<ula Jll'i<Js /mirro:. d11 ..


{ranceses:·escala I: IU.OOO.

J9i. Planta du bateu <h• Ah·,Ju~ di."illltJ.!Uem·.•W as ruas rom as


(Suks) e os pátios dos edt{icw.• <i<' S<'tt'Íço (armazélrs. a/ber·
Em branco, os ambirntt•s cobNtos:em pontil/rado. os espaços
...nro.•nos; em tracejado, as zona.• urbana.., rm volta. C"(fm a,., mf'."·
, os banhos. os coi<'I!IOS.
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sahn dflla MOS.Cht'a agg1unta
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S&hn deUa moset~ea c••o•na1e
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Planta da cidad~(lr(lllarde 1Jal(d6. proJ<'todo <'IIII<'W· Fig>. ,;u;t..;u.1. Planta do nuc/t•u<·••lltral"plall/111<'/rWI(fta/ dt• Cord11
l'O, a capital do reino 6rabf na r:SJ>Onloa. Fora da cidadf, owam/.·
AI Mansur cm 762 d.C.: planto da wamlt• ""'·'<iwto
palril'i11 dt• .11nrfinat-al-Zolora. rrsid<'ncw do (a/ifa Al>d-ai·Rahman

lllliOTECA CENTRAL PROF~ EURICO BACK- UUE!O


Com estes caracteres, a cidade árabe se parece
mais com as cidades orientais antes do helenismo
(poderemos fazer uma comparação com Ur, a primeira
cidade ilustrada neste livro); o Islã intetTompc a coloni·
zação do Oriente Médio e do Mediterrâneo pelos gre-
gos e romanos, e faz aflorar a tradição mais antiga das
regiões onde se tinha iniciado, quatro mil anos antes, a
aventura da civilização. Do século Vlll ao século XH,
esta área se toma novamente o coração civilizado do
antijjo cont!ncntc. o ponto de distribuição entre Euro-
pa, Asia e Africa.
Neste período, as cidades úrabcssào as maiores e
mais ricas do mundo. Bagdá - fundada cm 762, se-
gundo um ambicioso plano urbanístico circular, com
mais de dois quilómetros e meio de diâmetro, destruída
pelos mongóis cm 12.'58 c reconstruída no mesmo lugar
sem reproduzir a ori~rinária regularidade- teve mais
de um milhão de habitantes c foi, por longo tempo, o
primeiro centro do comércio c da cultura mundiaL As
capitais dos Estados periféricos, fundados no Ocidcn·
te c no Oriente. são pouco menos ~Tfandiosas c apare-
lhadas. Córdova na Espanha (Figs. 502-506) e Paler·
mo na Sicília (Figs. 515·516) contam com várias
centenas de milhares de habitantes, espalhados cm Ftg 51).1 v,,,0 aorm "'' Corclm·a. r:m prommo plono, •
áreas vastíssimas entre jardins c pomares. ..,,.,,qmw rum a r:apc/a t•cl•f•caci<z p<'io$ n•ts r:at61icosno
Figs. 5(}7-MJS. Platt/a ,. t't>la do ~•dodt• de Toledo,
ára~s na Espanha: no luJ,!ar da uu·~qmta, Ntt'Ontrol#
catedral.

Fig. 509. As casas do bairro árabe c·m &>t'liha, vist41 d;)


torre da catedral.
Scah• I: '000

Figs. 510·511. Visto do cidade de Granada.na &;panha.e p/antczd11


cidadela com o palácio dos reis árab<•s (a Alhambra ).
•:

10 20 30 40m
j_____ I _L _ _ _JI

Fig. 5 12. Pla11to. do palácio da Alhambra.

I. pt"qU('I1ft Pr111('3 dt lnt(f'f'.SSO


l. J)nmtuo pit1o
J_ ruinalil dl.l mf':&QUIU\
I, run
;,_~ti o d{' MachutA
6 torft' df' Machuca
7 . •\tt')C.Qt
H.. pâho do tll)(ttt.."t:mtnto Oourado
9. npnttnmtnto Dourado

~~:·~~;:~~~
10. pâllo dt' los Arrayane.
11. Ml3 du &rco
12. ~la do lrono
;; Jv-~a ~~; t;l banho n.•t•l
1 1. 1H'1:11o dn Hninha
!: : )!', apartamtnto <'On•lruldo por C"11rlo8 V
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\~~r.
16 tortf' dq quarto d~t \rQhr <la R11nha
17 p.áho dt l>araxn
:. ·:: IK. MirCtdor de llarMcn
:: 11 19 8ala dA~t DuM lrmAt~
" lO. pótJO dO!!. J~
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t'.l. ~~:nln doll H~·~
/;J_ sala do~ Alx-ncerrHKtA
.'1 o~tf'rna
~:=:· C'~f: :•. c~
~=-----)~:··.,
~;. Rawda
0 '1.7. caJ)<'lft do palttcio de Cttrlo~t V
~. pal áclo dt• C'arlo11 V

23fl
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palaczo
"'- 3 -14. Decorações em pe r a
·.)
. d a Alhambra.
d .
I'SI:IIIpzda e em mosaico,
239
nl
240
Figs. 515-5 16. Palermo. Vista a vôo df! pássaro d<' fins do século
XVI, e planta da cidade atual (mapa do lMtituto Geogrófioo Mili·
tar). Pode-se reconMcer o traçado sinuoso da cidade drabe, oortado
pelas duas ruas retillneas espanholas e circundado pelos bairros
modernos em forma de tabuleiro.

241
Depois das Cruzadas e da destruição de Bagdá,
o Islã continua se expandindo somente para leste. Os
impérios mulçumanos dos séculos XVI e XVII- o dos
Safâwidas no Irã, e o dos Moghul na Índia - reali-
zam os últimos grandes arranjos em Isfahan, Agra,
Dehli. Eles são caracterizados por uma regularidade
geométrica em grande escala, que entra por vezes em
conflito com as cidades já formadas, e que incorpora-
além dos modelos persas e indianos- as influências
dos arranjos barrocos europeus.

Isfahan (Figs. 517-524) é escolhida para nova ca-


P•tal do reino persa do Xá Abas I (1599-1627). O orga.
!
I
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l'..ra aér.a parríal ~ planta de ls/alwn. com v.,


II'IOnumtnlOI$ rtaltzados prlo Xli Abbas no IIIÍ(ÚI do :O.f;('U/o

•,___J,..___..__':f'-
da cidade medieval, concentrado em torno da
da Sexta-feira, é ampliado par a oeste e para
uma série de episódios simétricos: a grande
a mesquita real, uma alameda reli·
de jardins, duas pontes cobertas. Os
•ambientes se sobressaem no tecido urbano não
consistência volumétrica, mas por seu traçado 1. m~1ui1•• dt· QurHhm
2. UW'>(IUII;I d,t ~t·\:lol ftirl!l
que exprime o carúlcr eminente do poder, 3 ll,ti;'IC'IO
Varsailles. 4 mt'MIUIIOI
'•· b.t/.11'
dt• 1\Ji

Na lndia, os Imperadores Moghul, Akbar e Ja- 61"''1:·• rt·.tiiMt·ulnn i XCt)


7. 11U':-.I!UIIol ~·.t\
realizam imponentes conjuntos de edificação: em ~- fMI:"u·m n•ul
acidadela com o palácio, c os jardins ao longo do ~~ ll'lll'lol do h111ur
Hl nw~ tult.t dn Xt~tut• l .ul't1uluh
o célebre Taj Mahal; cm Dehli, o Forte Verme- 11. J.u·dm~ dn \'1111'
a grande mesquita (Figs. 525-531). 12 aH'Illd.t )lrlllt"IIMI
n_ 1,.mh·<·"lj,(·rtu
\I ttHnid,t l't'(·undl'\rm
Os viajantes europeus admiraram cm todos os \.1 I)IIHI(o <·ulw·t1H
estas esplêndidas cidades, que ficaram como \h nu z.-.\.md,lh

de toque fabulosas e estimulantes no deba·


F•i! .i/9. .\tapa gual de Js[ahan. Em preto, as zon••
{:J.!'UJ>tJd as no lltru!rtido do bazar.

Fig. 520. P/an/4 da Meidan·i·Xá de ls[ah<m e doi


cantes.
5ZJ.522. Duas vistas européias da Meidan-i-Xó de lsfahan.
esplanada servia para muitos usos: as recepções. a
das caravanas, as cerimOnias militares, as partidas de

24.)
ri![. 523 Detalhe de um mapa empersp<'<'tu a
parte cEntral de 11/o.han

Fi![. 524. V,. ta ifNal de /s{trhan (grauura européia


A paisagem circunstante com as árvore.~ t as IX!I'SOi1GRru
fantasia.

:?~li
I :onadactdad4."\.'tl~a(s«ufoXIIJ pr1nc1p:us monum('nl~
! C1d0d~ d~ Siri (stculo XIII) a· nu"ortlt do ctdodt ~·tlho
J c-•dadf' dos Tuglaq (stl-culo X IV) bc, ~. g, k, l · lumbot '"onutntnroa
4 c'dod~ dos .\1oghul (s.k:oulo XVII) d ·fortt d• SHt
h • I'Ortdf mtlq'Ut!O
1 • Fortf Vrrm.,llto
J • ci<lodtlo Puronofdo

f"t}l> .;25-526. .\topo do ~tdod<' de Dehlt no fndto. e do f"utl<' Vrrm•·


1to çon~truido pelos domwadores .\1oxhul rm /6.1b

f .: .i2i. Uma t·tsto do Forte \'Nm~lho dr /)rhll

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Figs. 528-530. Mapa de Agra, planta e vista do Taj Mahal, a tumba
da esposa do Xó Johan (embaixo â direita no mapa da cidade).
Fig. 531. Uma uista axial do Ta} Mahal.

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