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Contextualização

Nos primeiros anos do século XVII, a crise econômica, a crise do renascentismo, e as


insatisfações da sociedade, fazem mudar a gestão urbana. Os reis, o clero e a nobreza
(composta agora também pelos burgueses, que são os novos ricos) não possuem mais a
mesma competência e desejo artístico. Sendo assim, a arte passa por uma transformação,
onde o se estuda agora as coisas não objetivas, sentimentais, subjetivas, esse novo
período é conhecido como o período Barroco. Além do campo artístico, a cultura barroca
surgia como uma transformação também nas cidades, onde, através do seu
monumentalismo, dramatização, fantasia, tornaria a cidade, e não o rural, um grande teatro,
um instrumento de demonstração de poder (do monarca e da igreja). O espaço urbano seria
agora o palco para grandes intervenções urbanas, monumentos, a arte espalhada por todos
os lados, espetáculos teatrais, poesia, literatura, celebrações religiosas e exaltação à
realeza.
Há um outro aspecto que marcaria a estrutura urbana europeia já em meados dos séculos
XVI e XVII. Existiriam cidades que ganhariam maior prestígio e destaque, de modo muito
mais intenso e explícito, social, político e econômico, processo que se inicia no
Renascimento e se concretiza no Barroco. Essas são as chamadas “Cidades Capitais”. Se
na Idade Média e no Renascimento os núcleos de poder eram transitórios, juntamente com
o rei (ou senhor feudal), a nobreza e o clero, na cidade capital barroca isso já não é mais
possível.

A Cidade Capital
Qual a causa (e efeito) do surgimento Cidades Capitais? O que motivou esse processo, que
se muda um sistema social, uma estrutura urbana, que seguia o mesmo modelo a vários
anos? Segundo o historiador americano Lewis Mumford (1895-1990) – Livro: The city in
history, edição lançada em 1961, esses sintomas do surgimento de uma cidade
caracterizada como as capitais de uma nação ocorreriam séculos antes do período barroco,
por volta do século XIV. Até então, os reinos da Alta Idade Média se organizavam em
pequenos feudos, sob o comando de um senhor feudal, que, repetidas vezes, ia ao auxílio
das regiões de seu domínio. Dessa forma, assim como foi dito acima, não era
exclusivamente do rei essa necessidade de transição, mas, também, de toda a corte. Logo,
esse domínio era inexoravelmente móvel (MUMFORD, 1989, p. 353). Entretanto, com o
crescimento territorial e populacional que ocorreu no século XIV, esse modelo itinerante de
organização fica inviável. O que exige uma nova estrutura urbana, onde um núcleo de poder
domine e lidere toda a sua nação. Reinos, às vezes, muito distantes entre si, passariam a
fazer parte de um único Estado. Com isso, a administração pública necessita de um grande
aparato de funcionários, formando agora, uma corte bem maior do que antes, onde era
delegado aos membros da corte acorrer aos reinos vizinhos.

“No século XVII a centralização dos poderes determina a


prevalência de uma cidade, que se torna a sede da
autoridade do Estado, dos órgãos de governo e da
administração pública, das representações diplomáticas
que regulam as relações entre os Estados.
Cidade-Capital determina, obviamente, a regressão das
outras cidades do Estado à categoria subalterna de
sedes de província: de agora em diante, teremos uma
cultura e uma arte da capital, abertas a todas as trocas
internacionais, e uma cultura e arte de província, às
vezes de nível elevado, mas em posição periférica em
relação às grandes correntes da metrópole.” Giulio Carlo
Argan [2004, p. 59, L’Europa delle Capitali (1964)]

Desse modo, para Argan, a cidade capital é, em suma, barroca. Se na Idade Média e no
Renascimento, com a formação das primeiras capitais, as cidades que exerciam domínio,
absorveriam toda a cultura do território europeu, na Cidade Capital barroca, ela seria o
centro da cultura, da arte do poder de todo o continente.
E é óbvio que se tratando de barroco, essas capitais deveriam exprimir, de forma
deslumbrante e exuberante, o poder do soberano, que implicava em grandes
transformações, como por exemplo, Paris, que falaremos posteriormente. A imensa
concentração do poder político, decorrente da administração absolutista dos novos Estados,
contribui para que seja possível financiar esses projetos de cidade monumental.
As cidades de menor destaque, que não ascenderam ao ponto de se tornar uma “cidade
capital” ficariam à periferia do prestígio social e político. Algumas vezes passariam por
intervenções mais simplórias, nada muito complexo, além do que já tivesse sido testado nas
sedes. De modo que, os investimentos realizados nas capitais, seriam de cunho global,
expondo com extravagância o poder excessivo dos governos barrocos.

Classicismo
O Classicismo Barroco romano e o que se espalhará por outras regiões da península e por
outros países da Europa seria diferente comparado com aquele em formação do período
renascentista. Um dos mais importantes aspectos dessa diferença, não só com o
renascimento, mas também com a fé protestante, seria a confiança no agir humano como
meio para a salvação. Contudo, com o clássico retornando esse “equilíbrio existencial”, no
final do século XVI e início do XVII, isso não ocorreria apenas no que se tratava de fé, mas
também na política com a consolidação dos grandes Estados nacionais e a monarquia
absoluta. Desse modo, o Humanismo atingiu países como a França, produzindo uma
arquitetura e um espaço urbano de alto teor clássico, porém, com uma linguagem e a
monumentalidade típicas do Barroco. Então, tanto o Estado quanto a Igreja exerceram o
mesmo papel: reformuladores do projeto humanista oferecendo uma nova concepção, a da
estética barroca. Esta prática de organização da cidade em busca da ostentação e da
magnificência – herdeira direta da ideia de um Classicismo barroco – poderia ser
denominada como a Grand Manner.

Transformações urbanísticas barroca


Essas cidades européias passariam por renovações urbanísticas procurando, mais uma
vez, reforçar esse modelo barroco, essa “Grand Manner”. Novas ruas e avenidas cortavam
o núcleo urbano. Das diversas possibilidades de abertura de artérias de circulação no
ambiente da cidade, os planejadores barrocos preferiam a confecção de ruas mais largas
diretas e retas, como amplas avenidas.
Para Mumford, cortar a cidade com longas e largas avenidas seria a forma mais prática,
econômica e rápida reafirmar uma drástica mudança em seu aspecto geral:
“A avenida é o símbolo mais importante e o fato capital
no que diz respeito à cidade barroca. Nem sempre era
possível planejar toda uma cidade nova no estilo
barroco, mas, no traçado de meia dúzia de novas
avenidas ou de um bairro novo, seu caráter podia ser
redefinido. Na evolução linear da planta da cidade, o
movimento de veículos de roda desempenhou um
papel crítico; e a generalizada geometrização do
espaço, tão característica do período, teria sido
inteiramente sem função, não houvesse facilitado o
movimento do tráfego e dos transportes, ao mesmo
tempo que servia como manifestação do sentido
dominante de vida.” (MUMFORD, 1991, p. 399)

As avenidas surgiram no centro das cidades, como o principal aspecto do


distanciamento entre as classes sociais. Era para as camadas dominantes, a realeza, a
nobreza, a burguesia, que as vias eram abertas, pois eram os únicos que possuíam
veículos de roda. No mesmo sentido, o retorno das calçadas mostraria para as classes
baixas qual era o seu verdadeiro lugar: rejeitados, nos cantos, longe do destaque do
rápido tráfego de veículos que acontecia no âmago da avenida, onde os ricos se
mostravam como os protagonistas.
Muitas vezes, esta regularidade estava presente não só nas vias de circulação, mas
também nas praças ordenadas e homogêneas que representavam-se como elementos
essenciais na urbanística barroca – principalmente no caso francês.

“Como as autoridades planejadoras se asseguraram


da execução de ruas e praças uniformes? A maneira
mais comum foi construírem, elas mesmas, as
edificações reais. Estados totalitários onde a indústria
de construção é centralizada não têm outra
alternativa. Um método mais barato para o Estado, e
os séculos barrocos dispuseram dele, foi construir
somente as partes externas, as fachadas contínuas,
deixando a construção das casas para os indivíduos
que possuíam os terrenos.” (KOSTOF,1991, p. 260,
tradução nossa)
Ou seja, era construído um cenário apenas bidimensional, que aos poucos ia recebendo
edifícios em sua parte posterior. Porém, atrás desse “cenário”, as habitações não eram
semelhantes: variavam a largura, a cobertura e o tratamento exterior. Mas nada disso era
visível no espaço urbano, enquanto as fachadas se apresentavam uniformes e
homogêneas, no posterior das habitações apresentavam-se grandes diversidades. Logo, as
praças urbanas possuíam:
● formas geométricas regulares;
● Estátua do soberano em seu centro geométrico, sugerindo a idéia ilusória de ser
formada por pátios internos de grandiosos palácios reais – bem diferente da sua
condição real.
Já as grandes avenidas detiam a presença de residências aristocráticas que percorriam
infinitamente, na fuga perspectivada. Em ambos os casos, o resultado era totalmente
teatral: um ambiente monumental, dramático, magnífico, que cultuava o vasto poder da
figura do soberano, do governante.

Paris

Roma

Considerações finais

As cidades capitais são um marco do período barroco, onde não só exprimem uma
transformação de grande relevância no espaço e na concepção urbana, que inclusive, são
modelos que usamos direta ou indiretamente até hoje, mas que também é mais uma forma
de se ver como era o pensamento daquela época, afinal, gastamos tempo, energia e
recurso no que acreditamos ser.

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