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A tradução é idealmente a expressão de uma leitura. E, uma vez que certa equivalência
estilística é o mínimo que se pode exigir de uma tradução, a consciência de fatos expressivos
vernácula em que aquela desejável equivalência se verifique num grau cada vez mais próximo
do ideal.
Conforme adverte João Batista Toledo Prado, nas traduções de poemas latinos para o
Ainda que reconheça de bom grado a justeza do preceito, o tradutor trabalha nos
escolha, nem sempre o espírito se contenta. A resignação consciente é uma estratégia que se
Nas reflexões acerca do Homo Ludens, Johan Huizinga faz notar que
sublimes de uma sociedade. Ressalte-se que Virgílio adotou o hexâmetro datílico como
padrão métrico de sua obra e que Camões fez do decassílabo o molde de composição da sua.
Nos dois casos, a escolha do metro parece corroborar estilisticamente a grandeza do tema
cantado.
O verso latino é formado por uma seqüência de sílabas longas, indicadas, nos
exercícios de escansão, pelo macro ( ¯ ) e breves, indicadas pela braquia ( ˘ ). Uma longa
os pés métricos. O hexâmetro datílico é um verso composto por seis pés de quatro tempos
cada (uma sílaba breve correspondendo a um tempo e uma longa, a dois). Os quatro primeiros
pés são datílicos ou espondaicos, isto é, unidades compostas pela seqüência de uma sílaba
longa e duas breves ou de duas sílabas longas. O quinto pé, que caracteriza o verso, é
quebrado, um troqueu ( ¯ ˘ )1. Completa esse esquema métrico a cesura, indicada pela barra
dupla (║), uma espécie de corte semântico que estabelece o equilíbrio rítmico-sintático do
verso, fixada com freqüência após a primeira sílaba do terceiro ou do quarto pé (embora
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A última sílaba do verso teria, na verdade, sua duração neutralizada pela pausa final, daí a possibilidade de ser
longa, no caso do espondeu, ou breve, no caso do troqueu, sem que isso represente variação formal do modelo
rítmico de vinte e quatro tempos.
acento não ocorre na sexta sílaba, exigem-se acentos na quarta e na oitava. Essa variação
sexta sílaba, ancorando-se na referência eqüidistante das sílabas pares mais próximas. Como
exemplo, observem-se os seguintes versos de uma das estrofes finais d’Os Lusíadas (X, 153),
É impossível não pensar n’Os Lusíadas, obra que funda magnificamente a tradição
épica do português, como referência modelar para uma tradução da Eneida. Por isso, numa
mais ou menos à maneira de Camões, vale dizer, quase sempre em versos com acento
de não serem normalmente acentuadas a sétima e a nona sílabas em cada verso. Esse recurso
parece garantir ao decassílabo camoniano uma cadência final própria, certa regularidade
A melhor desculpa para não intentar a oitava rima é alegar que não têm rima nem
formam estrofes os versos de Virgílio (ainda que boa, não deixa de ser uma desculpa). Um
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Cf. Márcio Thamos (2007).
a disparidade numérica de versos não deve induzir ninguém a uma conclusão precipitada
quanto ao poder de síntese expressiva das línguas (são sempre mais decassílabos do que
hexâmetros): deve-se antes notar que, se o texto em português é mais “comprido”, o texto em
procurou-se garantir que fossem tanto quanto possível sucintas, suprindo não mais do que a
necessidade básica de referência exigida pelo contexto. Elas são os respingos que indicam o
necessário mergulho do tradutor nas águas caudalosas da cultura antiga, mas não devem
espantar da beira o leitor que se assentou a fim de fruir tranqüilamente o frescor da poesia.
Referências bibliográficas
BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du. Obras de Bocage. Porto: Lello & Irmão, 1968.
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. In: _____. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
2003, p. 8-264.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 4a ed. Trad. João Paulo
Monteiro. São Paulo: Perspectiva, 1996.
OVÍDIO. Metamorfoses. Trad. M. M. B. du Bocage (Introd. João Angelo Oliva Neto). São
Paulo: Hedra, 2007.
PRADO, João Batista Toledo. Canto e encanto, o charme da poesia latina: contribuição para
uma poética da expressividade em língua latina. 272 f. Tese (Doutorado em Letras).
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1997.
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Cf. Bocage (1968) e Ovídio (2007).