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C A EI A N C A M PO

M
NET

LO UR E NC O M A RQUE S
51
VEU DE FUMO

,CL20193
aCA DA FAC DE
LETR
BLiOTEC DOAÇÃO ETRAS
Manuel Fereira

A
2.o4.206
VERSIDADE DE
UNIVERSI LISBO
Viu de Fumo, ..

D
na
eixa-me apenas conversar contigo,

ilusão fugaz que venho a ter,

de que possaS ouvir o que eu n 0 digo


neste muito que tenho a te dizer.

Como andorinhas a buscar abrigo,

são as palavras penas a bater

de encontro à porta de um sentir amigo

que as perceba e as saiba recolher.


.Essas palavras sem sentido ou rumo,
que se espalham no ar em véu de fumo
Como se tal a nossa dor dormisse!...

Deixa que eu fale... E quando me calar,


Sorri-me um pouco e faz-me acreditar
que percebeste o que afinal não disse!...
PARA DEUS..

Deixa-me agora os olhos para ver,


e a força enorme de saber 30frer,
essa razão de não descrer de Tin.
Ti».
ração

eu Deus! Meu Deus! No Teu oculto mando

já tudo me tiraste nesta vida,

as ilusões que iam passando em bando


eo riso da ventura apetecida.

Já tudo me levaste. Já não ando


em busca da quimera prometida.

Tudo passou apenas me ficando


a fé em Ti, que não senti perdida.
Só me resta, nas horas mais serenas,
desfiar o rosário destas penas

na lembrança do tanto que perdi...

Deixa-me agora os olhos para ver,


e a força enorme de saber sofrer,

essa razão de não descrer de Ti.


aria

No azul do céu e nas manhas floridas,

em toda a voz que fala e reza e canta,


e que traduz toda a canção das vidas,
Maria é nome que domina e encanta.

Nome de m e, de irm , de amor, de santa,

que murmuram as bocas comovidas


de criancinhas de inocência tanta,
as mãos pequenas para os céus erguidas.
E Deus quis que esse nome de mulher
fosse o mais lindo que se pode ter,

de harmonia mais doce e mais singela.

..Esse nome sereno de Maria


nasce sorrindo em cada flor de um dia,

palpita à noite em cada luz de estrela!


uinta-teira santa

á sob os alvos e azulinos véus,

postos por Deus, incógnitos destinos,


bailam no alto os corações-meninos,
VOzes de sinos a cantar nos céus.

No campo-santo há rosas em troféus,


e os fariseus escutam os ensinos

contados por Jesus em verbos finos,

perdões divinos a salvar os réus.


Aproxima-se jå o fim da vida
Deus quer que seja esta a despedida
do mais magoado e triste coraçã0,

para que fique em toda a Eternidade

a mais forte expressão de uma saudade


numa divina, humana, comunhão.
orquê

antam canções as águas dos moinhos,


há risos de volúpia em cada rosa,

beijos de amor no coração dos ninhos,


beleza e alegria em tanta cousa!

Nasce o sol em dourados torvelinhos,

em cada madrugada esplendorosa;

liga-se ao trigo a branca flor dos linhos,

pela terra fecunda e amorosa...


:

Renasce a noite ao declinar da hora,

quando o sol parte em luz prometedora

deixando estrelas a brilhar de esperança...

-.eentão, porque há, meu Deus, por Mundo fora,


tanto olhar desolado que não chora,
tanta lágrima em olhos de criança?
i segredos nas folhas

das r0seiras.

as trepadeiras,
Refloriram de novo
povoando de côr o
meu jardim.

Os meus crav0S, dispostos em fileiras,

cantam versos de rosa e de carmim.

Há segredos nas folhas das roseiras,

promessas em botão, mais para o fim...


Mas afinal, de todas as maneiras,
eu sei que elaS florescem para mima.
Pois o carinho dado toda a vida,
se encontraem cada rosa já florida,

a compensar um gesto de bondade.

...Meu Deus! Porque nos deste essa beleza


e nos deixas viver na incerteza,
e nos escondes tanto a Eternidade?!
vumildade

H frémitos na sombra dos sertões,

e súbitos silêncios. Noite densa.

Murmúrios vagos, sons e oraçõesS

e, sobretudo, uma doçura imensa.

Há macias e leves vibrações

no fundo azul da ramaria intensa,


como se as folhas fossem corações
a palpitar em mística presença.
Deus que passa em todo o seu poder
na Catedral da noite, à flor da terra
onde me arrasto semelhante ao pó.

Porque me deste o dom de conhecer


toda a beleza que esta noite encerraa

e me fizeste assim, pequeno e só?...


Cvoca ção

Q ualquer meu Deus, que seja o


nos lábios que te imploram com fervor,
bendito sejas pelo que nos deu
nome T'eu,

o teu calvário de tormento e dor.

Bendito sejas Tu por todo o amor,


de tudo quanto é bel0 e que nasceu,
bendito pela vida e toda a côr
de cada flor erguida para o céu.
Bendito sejas Tu nesta obra Tua,

Asa que voa ou que no mar flutua,


o Homem, Céu e a flor em cada haste!..

Escuta agora o nosso human0 grito:

Ergue-Te e vem de todo o Infinito

salvar da Morte a Obra que deixaste!


PARA TI...

aComo voz que 8e apaga e balbucia


há poetas ainda ao fim do dia:
são seus irmãos 08 simples e as crianças».
oetas

O lhando estrelas sem notar que passa


por pedras no caminho que ele trilha,
O poeta pertence a estranha raça

vivendo numa abandonada ilha.

Deixa que sonhe. Deixa que ele faça

OS versos em soneto ou redondilha


e quando a noite é escura, triste e baça,
te vá dizendo que uma estrela brilha.
Lembra-te que Jesus já prometeu
aos simples e às crianças dar o céu,

Com palavras de amor, doceS esperanças...

Como voz que se apaga e balbucia,

há poetas ainda ao fim do dia:


são seus irmãos os simples e as criançaas.
Uma 36 palara

ão
nem a
julgues nunca
razão por que se
a vida de quem
ri ou chora.
passa,

Cada ser é um muro sem vidraça


cujo mistério toda a gente ignora.

Por muito que se diga ou que se faça,


O seu aspecto engana e muito embora

nos pareça ventura, é só desgraça

que não se pode avaliar por fora.


.Uma palavra dita sem pensar,
é como pedra em lago tranquilo,
um circulo crescendo sem parar

e sem que o nOSso olhar possa segui-lo,

ou a razão o possa acompanhar


até à margem onde busca asilo.
Mada

O
Não
)lha e passa, silenciosamente...
te debruces sobre a vida alheia.

...Há muita vida que é visão ridente

e a quem a sente só parece feia.

Olha e passa, pois toda a vida mente


eé para nós desconhecida teia.

..Parece, muita vida, ser pungente,

ea muita gente satisfaz e enleia.


Passa à beirinha de uma dor enorme
Como quem passa ao pé de alguém que dorme
depois de dolorida caminhada,

porque há dor que é tão grande e t o profunda,

que a angústia nos invade e nos circunda


de contra ela não podermos nada.
nde não pode haver esmola

O vento passa

e é noite escura,
num
fria,
sinistro uivar

o céu troveja.
.Abre a janela muito devagar,

tão de mansinho que ninguém te veja.

Ali, em frente, um vulto deve estar,

que não sabes quem é; quem quer que seja


contempla triste a paz deste teu lar

onde o amor existe e a luz sobeja.


Olha bem: Sc vier pedir-te p o
tu lh'o darás, mas se disser que não

com olhos de saudade, a soluçar,

fecha a janela, muito de mansinho,

porque ele não tem fome, é pobrezinho


de uma ventura que deixou passar.

OLHHAIUUUIAMIUUMOI1
Sebom..

bom, sorri, hás-de sofrer contudo


Se
-porque amar também tem o seu castigoo

mas hás-de ter o reconforto nmudo


no teu final e sossegado Abrigo.

Esquece-te de ti, esquece tudo!

Dá aos outros com sentimento amigo,


a mão aberta, o coração desnud0,
Com gesto audaz de quem semeia trigo.
E deixa cá na terra tal semente,

porque o amor que dá e nunca mente,


algo de eterno
e grande traz consigo.

Hã0-de pensar em ti a cada pasSO,

e essa recordação irá, no espaço,


ter contigo.
abençoado o teu nome,
Rpigio

om tuas próprias m os, devagarinho,


os muros de uma Herdade,
vai construindo
a pedra, como um ninhno,
crguendo-a pedra
claridade.
de harmoniosa e doce

Constroi esse refügio


com carinho

eo vivo sentimento de quem há-de


o abrigo no caminho
encontrar nele

semeado de lutas e ansiedade.


Mas se não for o Amor, cimento eterno,
dessa Casa,
que cimentar os muros
os fortes vendavais,
erguendo-a contra

no fim da vida, ao começar o inverno,


encontrarás Sòmente a pedra rasa

de uma ventura-que n o volta mais!...


Caridade

unca tenhas vergonha de ser bom


ao saber que a maldade é aplaudida,
porque o mistério intenso desta vida
é, entre o mal e o bem, o contra-tom.

Há quem conheça da palavra o som,


e só do instinto a força desmedida,

ignorante da intenção sentida,

que é do espírito inefável dom.


Não tenhas pejo de ser bom também,
e não te escondas por caminhos tortos
para exercer a tua caridade...

Repara que Jesus fazia o bem,


tendo a força de dar a vida aos mortos,
e era Senhor de toda a Imensidade.
liver

A
no
proveita, um
decorrer de toda
por um, cada segundo
a tua lida,

e em cada um procura erguer um mundo


e faz de mundos, cheia a tua vida.

Cada minuto deve ser fecundo,


na hora haver uma obra pressentida,
um dia ter qualquer sentido fundo,

e ser a vida uma beleza erguida.


Não percas um
momento, um só momento,
sem que das tuas
mãos ou pensamento,
algo na.sça que tique a reviver...

Terás a de haver sentido


glória, assim,
O orgulho raro e
audaz de ter vivid0,
e a paz augusta de poder morrer.
Cia
Criança

ão conheces da vida nem metade


e a vida para ti, é sempre aurora;
há misticos silêncios mundo fora,

quando ergues as mãos à Imensidade.

As estrelas, com mais intensidade,


são 1ágrimas de luz que o céu nos chora,
Como se a cada instante, em cada hora
tivesse já de ti, tanta saudade,
Coração pequenino, guarda em vida
essa paixão que tens, enternecida,

pelas estrelas, céu, Eternidade.

E vive a tua vida com vigor,

mas nunca esqueças esse teu amor


porque é o teu cartão de identidade.
estamento

E u nada tenho para te deixar


anão ser alguns versos que já fiz.

Alguns cantei por me sentir feliz

outros eu fiz no jeito de chorar.

Soletra todos para os decorar,

em memória do muito que te quis.


Serás homem, o coração me diz

que todos me farão por ti lembrar.


Depois da morte ficarei à escuta
dos teus passos na vida, a tua luta,
a mesma em que vivi até ao fim.

Na dor, diz os meus versos de baixinho


porque eu virei, descendo ao teu caminho,

chamar a tua dor só para mim.


0Smo3

ada se pode em vida desprezar


que bata à porta de qualquer sentido;
nem a voz de um ribeiro a murmurar,
nem mesmo um olhar que fita, distraído.

A palavra que passa pelo ouvido,


e que se escuta šem sequer pensar,
tem um sentido eterno e definido

que fica pelo tempo a caminhar...

MA E
A 14grima, na 1ace entrístecida,

responde a um sorriso já de outr'ora

ca uma outra hora já vivida.

Porque tudo que passa, mundo fora,

tem a razão de ser na própría vída,

c vem nascer, viver, na própria hora.


iragens

O homem
promessa de
alcançou
uma
a toda

permanente
a altura

dita,

e fala um viver em que a ventura


de
será a que a ciência lhe permita.

Não mais a pena intensa, negra, dura,


de procurar o pão, que a fome incita,

nem a canção feliz na manha pura,


das tarefas do campo, em luz bendita...
.E fala, como sc a ventura apenas

fosse o corpo a vive, sem luta e penas,


numa completa e eterna mansidão,

e nâo houvesse em cada um, sujeita,

uma alma que vive insatisfeita,

na sede de infinita vastidão!


O beijos que se dão...

tanta forma de se dar um


Ha beijo!...

Beijo de amor ou beijo de ternura,

um que traduz a forma do desejo0,

outro de boca pequenina e pura.

Há tanto beijo que é assinatura

e que se dá no oportuno ensejo,


de firmar um afecto que perdura

mesmo depois do último lampejo.


iliiia

Outros beijos que escondem ódio fundo


em corações de judas que há no mundo,
c outros beijos sem alma, tristes, sós...

..E há outros, dados em vizinha face,


para iludir quem porventura passe,
mas que sentimos serem para nós!
Canção

U ma palavra só.. Dita baixinho,


a quem a diz ou escuta, vida fora,

pode tornar eterna alguma hora,


ou traçar para sempre algum caminho.

Uma palavra só... Voz de carinho


em poca que a murmura e que se adora,
pode ser a canção a mais sonora,
que venha na saudade fazer ninho.
Essa palavra pode ser poesia,

onde nasce a primeira melodia,

porque é no verso que a canção se aninha;

pois que a canção que mais se admira e exalta,


é apenas dizer em voz mais alta,
o que o verso já disse em voz baixinha.
dourenço arques

R ompe de leve 0 azul da madrugada,


Como 2.cordar de moira preguiçosa,

ea luz tão fina, estranha, delicada,

pinta as casas de verde, anil e rosa.

meio-dia. O sol em gargalhada


põe luz em cada pedra em cada rosa,

e a moira linda, rindo, atarefada,

torna-se na cidade esplendorosa.

iitistinitditlu
Chega a tarde em que o sol, já menos alto,
espalha em luz a fina poeira de ouro

da luminosa e última cantiga...

No crepúsculo é roxa a cor do asfalto,

e as pétalas de acácia são tesouro

que a noite beija e com veludo abriga.


Perdao

Serão olhos cheiinhos de alvorada,

olhos que fitam sonhos de ventura,

olhos beijados por amor de fada,

olhosespelho de alma branca e pura?...

Não!.. Um olhar de sombra alvoraçada,

onde palpita um mundo de amargura


que a fome já cavou, e volta ao nada
pois que a vida lhe foi triste aventura...
Olhar profundo que se pousa em nós,
de angustia muda, que afinal tem voz
e acusa... E chora... E fita longamente...

Pequeninos qule sofrem pelo mundo..

Que nos perdõe o seu olhar profundo


e não nos siga assim eternamente!
Dilêncio

e contra muita dor nada podemos,


porque Deus destinou que fosse assim,
há muita dor na vida em que vivemos,

que nóS sabemos abrandar por fim.

E não é só o bem que nós faremos


dando ao pobre ilusão de algum festim,
mas esse bem que sem saber fazemos,
quando dizemos a palavra: Sim!...
Comungar numa dor de quem a sente,
de coração leal que nunca mente,
tem um valor que pouca gente mede.

Pois sempre em cada hora ha um momento,


em que passa por nós um sofrimento

que fita longamente e nada pede!

nuwtil
Pisântemos

P étalas delicadas, coloridas,


Como sorrisos de jardim chinês,
os crisântemos são as despedidas

que o outono nos faz de cada vez.

Estilisada flor das nossas vidas,

de estranha graça e doce languidez,


Sombra de tantas horas esquecidas,
que o tempo já levou e já desfez.
Crisântemos! A flor do fim-da-luz,
que entristece mas que afinal seduz,

pelo perfume, côr, serenidade..

Crisântemos! A flor da despedida,


que o outono nos faz no fim da vida
para nos obrigar a ter saudade.
A,paz que desce

D epois da caminhada agreste e dura,


alargamos o olhar em toda a volta:

caminhante cansado que procura

distinguir uma estrada em noite envolta.

Pois na vida que esmaga e nos tortura


há dois caminhos ao virar da volta:

há um que nos conduz a toda a altura


e outro que leva à máxima revolta.
A paz desceu como se fosse luz
sobreo último orvalho de algum
pranto
que a dor redime e no final seduz,

porque depois de ter sofrido tanto,


sentimos que aceitamos essa cruz
Como um destino aventureiro e santo.
A.Casa abandonada

O
em
nosso coração talvez consista

casa alegre, triste, ou habitada

por sentimentOs, que à primeira vista,

nos parecem ser grandes e são nada.

Assim se forma em nós o egoista


que depois de bem longa caminhada,
procura a paz que porventura exista,

no silêncio da casa abandonada.


E ali dentro, onde a noite já desceu,
e a solidão é grande além das portas,

passam vultos de sonhos recordados...

Pois não renasce amor que já morreu,


em se dá vida e côr a cousas mortas,
nem sorrisos a lábios já fechados.
Altitade

E a vida uma longa caminhada


de piso desigual e rumo incerto.

Umas vezes borrasca despegada,

outras vezes a cobre um céu aberto.

Não é caminho sempre o mesmo. Estrada


que é para uns um trilho igual e certo,

apenas para outros é cansada


marcha pelas areias de um deserto.
mesmo ponto: a Morte,
Todas vão dar ao

mas nã0 em mesmo rumo e mesma sorte:


À beira de um abismo ou de um riacho.

Mas quando a estrada sobe, amor, vingança,


se apagam na visão de quem alcança
olhar de cima o que se passa em baixo.
Despedida

...Uns olhos que nos fitam bem de frente


lábios fechados num silêncio atroz..

Quantas vezes o olhar à gente


sorri

porque de todo se extinguiu a voz? !

..A pressão de alguns dedos, docemente,


num gesto que, depois de estarmos sós,
só mais tarde se lê devidamente,

quando o temp0, aliás. fugiu de nós!


..Um olhar que aceita, sofre e que consente,
ocullando uma lágrima furtiva
que é certo não se ver mas se pressente

na despedida triste, doce e altiva,


que esconde a dor e que, por bem, nos mente
a fim de nos poupar a dor mais viva!
Nscenção

P ara aqueles que já náo têm fé,

na foz da vida, no sorrir da hora,


em Deus, no Bem, no Mal, nem mesmo até
no sol que nasce em fogo a cada aurora.

Para aqueles que a vida não melhora


como se esta lhes fosse uma galé,
o rumo já perdido, mar afora,
sem praia firme onde fincar o pé,
para esses, simbólico, Jesus
deixou uma verdade sem ter véu

que na vida se afirma e se traduz:

a limpida certeza, qual troféu,


de que após um calvário ou uma cruz,
existe sempre uma ascensão ao céu.
lusão

P ercorres, caminheiro, essa jornada,


na ânsia de alcançar um mundo incerto,

que tu encaras de alma enamorada,


povoando de imagens um deserto.

O que essa vista alcança, deslumbrada,


fitando ao longe o que tu julgas perto,
tem a tristeza eterna de ser nada,
em contra-luz do que afinal certo.
E levas sobre os ombros o madeiro
do teu sonho, de que sonhar não cansas,
crendo que o céu te vê e te sorri..

Quando afinal, ó pobre caminheiro,


O mundo que procuras não alcanças,
porque ele apenas Só nasceu em ti.
uando tu passas..

Q uando passas ao pé da minha porta,


airosa, fina, leve e tão loirinha,

renasce em mim uma ilusão já morta,

e o sonho lindo de que fosses minha...

.Eu sei! Um sonho apenas... Mas que importa?!


Se te amo assim: A linda figurinha

que paSsa airosa ao pé da minha porta,


sabendo bem que nunca será minha.
.Mas este encantamento de te ver,
a ti, que passas sem me conhecer,
com quem naão chegarei mesmo a falar,

põe um ar de ventura em minha vida,


acorda uma afeição adormecida,
e é como em noite escura a luz do luar.

wumumi
ue inda a sua carta...

Q ue linda
a falar-me de
a sua carta delicada,

versos sobre

e que maneira fina, requintada,


amor,

de me dizer o que não sei expor...

Poetas?... Sim... As suas m os de fada


que sabem dessa forma bem dispor,
em carta leve, em prOsa burilada,

a sílaba com arte e com primOr.


...Que mágoa eu nåao poder cantar sòmente
esses versos de amor feliz, contente,
que pede em sua carta e diz que adora...

Uma lágrima em face dolorida

inspira-me poesia mais sentida

que o mais feliz amor, minha senhora..


ão me procures

ãome procures, não! N o quero ver

no teu olhar a sombra de um espanto,


não quero que tu chegues a saber
e canto.
que sou eu afinal que escrevo

Não procures! É brando este viver


numa ilusão e no tristonho encanto
de que não chegarei a conhecer
aquela amiga que me escreve tanto.
Deixa passar a nossa vida assim!

Não sei quem és, nunca me viste a mim.


Apenas és Aquela que me sente..

Pois este afecto que nasceu em nós


exige, a ambos, o sonharmos sós,

porque assim durará eternamente.


Cu s0u rico

Sou rico! Tenho o azul do horizonte,


e é minha a clara luz da madrugada,
são meus a Terra, o Mar, o erguido monte

ea flor mais rica, linda e perfumada.

E é minha a água pura de uma fonte,

que brote da colina deslumbrada,


ea magia mais linda que nos conte
o colorido conto de uma fada...
Porque apesar da vida eu tenho ainda
o olhar de uma criança onde lampeja
a luz de alguma cousa doce e bela

.Sou rico de riqueza que não finda:

o meu sonho, que embora se não veja,


canto num verso ou pinto numa tela.
As três
paixões

Fu tive três paixões que dia a dia,


me deram a ventura de viver,

e que sempre cantei conforme as via:


a flor, a poesia e a mulher.

Ouço os sinos tocar «Avé-Marias


ouço a vida tocar a recolher,

vai o sol já n0 fim da sua via,

e as três paixões irão até morrer.


Depois... Depois da morte (eu não me iludo)

na triste solidão da despedida


passa-se o mesmo no final de tudo...

Das três paixões que tive nesta vida,

no triste desfolhar sereno e mudo,

só ela, a flor, me segue na partida.


Solidao

bato de mansinho à tua porta,


Eu
fantasma de mim mesmo a ter contigo
murmurando palavras de mendigo,
palavras v s de uma canção já morta.

O vento ruge ao largo, o frio corta.

Paro um momento... Não te vejo... Sigo,

repetindo palavras de mendigo,

palavras tristes de oração já morta.


E no caminho de um destino incerto,

que ao mesmo tempo eu julgo longe e perto,


escuto os passos do meu próprio andar,

monótono compasso que me diz,

depois de muito e muito que te quis,


seguir, seguir e nunca mais parar.
rinquedo...

A pesar
e esse teu
desses lábios côr de aurora

doce olhar de águas serenas,

considerei-te sempre, muito embora,

a0 pé de mim -uma criança apenas..

Gostei de ti depois de aquela hora


em que tu me contaste as tuas penas

numa ingénua franqueza que não cora,


confiando às minhas essas mãos pequenas.
Eu não te respondi; depois de tudo
nascera em mim um sentimento mudo
onde bailava uma feliz esperança..

Mas não sentiste, não, que eu tinha medo


que o meu amor fosse um fugaz brinquedo
em mãos inconscientes de criança!
Longe da vista...

Nao paso já (nem por acaso o tento)


onde encontrava o teu perfil amigo,
no desejo de ver se assim consigo
apagar-te em completo esquecimento.

Procuro, enfim, o tão feliz momento


de me sentir de nov0 a sós Comig0,

mas quanto mais insisto, mais contigo

se encontra a cada hora o pensamento.


Repara que o ditado antigo mente
quando diz: «Quem do olhar se encontra ausente,
do coração se afasta sem ter fim...»

Pois só agora, que afinal


partiste,
é que eu tenho a certeza funda e triste
do muito que tu eras para mim.
Jeixa correr a água

D fonte a água corre para o rio,


do rio a água vai parar ao mar;
se é de água pura e cristalina o fio,

ela é canção da vida a marulhar.

Se é de água turva, o lodo a poluiu,


deixa-a então correr sem te molhar,

encobre um fundo que ninguém já viu,

para das margens ir a murmurar.


Deixa falar o mundo!... A água passa
envolta em na desgraça,
lodo, envolta

Água suja de alguma fé perdida --

Deixa falar o mundo!.. Que te importaa


que a água suja passe à tua porta
se tens por dentro a paz na tua vida?!
elógio antigo

enho um relógio de ouro que me deu

um velho amigo a quem eu muito quis


um relógio que nunca se esqueceu
de dar, em ponto, as horas do que eu fiz.

Mas tenho outro, também, que pertenceu,

a alguém que desejoume ver feliz...

Trabalha na gaveta à qual desceuu


tudo o que o coração guardar me diz.
E de metal usado e pobrezinho,
e marcou muitas horas do passado
a quem me deu bem muitas de carinho...

Dele é que eu gosto: Atrasa-se, cansado,

ou talvez por querer, devagarinho,


retardar-me o Momento já marcado.
TIANNRANNNHRAANRANITNH|

pulencia

as mãos esguias deslisava o ouro


esmaltado de pedras preciosas,

e moedas de metal brilhante e louro,


nas mãos se desfolhavam Como rosas.

E parecia eterno o meu tesouro,


que eu esbanjava em noites faustuosas..

Caprichosas orgias de um rei mouro,

compostas de visões maravilhosas!


..Sou pobre que lamenta, conta e chora,
o pouco ouro que me resta agora,

depois das horas lindas que vivi..

O tesouro?!... Era a minha juventude

promessa com que a vida nos ilude-


a imensa fortuna que perdi!
i

Companheiro

N
em
as longas horas de

que a insónia é
uma
quase
noite v ,

uma tortura

e anseio o nascimento da manhã


Como a promessa de qualquer ventura,

ES tu, meii companheiro de alma ch ,

a única abençoada criatura

que me rodei de ternura sã


no siléncio que tanto pesa e dura.

NNNERNHANTANRNNNNANANNANRNANNR=
Meu cão amigo!... Nada me pediste,
mas deste sempre a luz desse olhar triste

nas minhas horas de melancolia,

e o teu olhar que fita longamente,


diz-me bem mais, silenciosamente,

que muita gente estranha me diria.


octurno

entir chegar devagarinho a morte,


quando ainda há encanto nesta vida,
e ver nos outros mais alegre sorte,

e ver em nós a vida já perdida,

sentir que a em pálido recorte,


luz,

já não define uma feição querida,


e haver em nós, e cada vez mais forte,
o amor de tanta cousa enternecida...
É agonia lenta, dor atroz,

que mais se aviva quando estamos sós,

que se torna em calvário fundo, enorme...

E porque a morte, à espreita, nos assusta,


e que o dormir é jeito que nos custa,
...Que angústia ver que tudo à volta dorme!
ND ICE
Véu de Fumo 6
Oração 10
Maria 12
Quinta-feira santa 14
Porque 16
Há segredos nas folhas das roseiras .18
Humildade 20
Evocação 22
Poetas 26
Uma só palavra 28
Nada 30
Onde n o pode haver esmola 32
Sebom.. 34
36
Refugio
Caridade 38
Viver 40
Criança.... 42
Testamento 44
CosmosS 46
Miragens 48
Os beijos que se dão...... 50
Canção 52
Lourenço Marques 56
Silêncio 58
Crisantemos. 60
A paz que
A
Altitude
Despedida...
Ascensão .....
Ilusão
Quando tu passaas
.
desce
casa abandonada
62
64
66
68
70
72
74
Que linda a sua carta.... 76
Não me procures 78
80
Eu sou rico
82
As três paixões
Solidão 84
Brinquedo 86
Longe da vista 88
Deixa correr a água ... 90
Relógio antigo 92
Opulência 94
Companheiro 96
Nocturno .. 98
Facaldade d Letras de Lisboa

ULFL201923

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