Você está na página 1de 31

Os estudos de gênero

à luz da Análise de
Discurso Crítica

Lorena Araújo de Oliveira Borges


(GEDEALL/FALE/UFAL)
Estudos de
Gênero
Gênero

Falar sobre gênero é abordar um sistema de categorias que organiza cada


aspecto da realidade que vivemos. Na maior parte das sociedades
ocidentalizadas, todo corpo humano que nasce é designado a um local na
estrutura dicotômica de gênero social – ou ele é homem ou é mulher.
Gênero

Essa estrutura estabelece uma relação


intrínseca com as noções de sexo,
entendido pelas epistemologias
masculinistas como a manifestação
máxima do corpo, isto é, o corpo per se,
e sexualidade.

JESUS, Jaqueline Gomes. Orientações sobre


identidade de gênero: conceitos e termos.
Brasília, 2012. Fonte: Genderbread.org
Gênero

De acordo com Butler (2003), os gêneros são constituídos por atos


performáticos, assim como os corpos e as normas em geral, ou seja, eles
seriam configurados a partir de práticas sociais e discursivas reiteradas, até
que sejam incorporados e aceitos como constituintes da identidade do
indivíduo.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero:


feminismo e subversão da identidade. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

Fonte: PlanBrasil
Gênero

Os termos que vão possibilitar o reconhecimento de um


indivíduo, sejam eles relacionados ao sexo, à sexualidade, ao
desejo ou ao gênero, são dados por regimes de verdade
(FOUCAULT, 1976) que configuram as relações de poder que
perfazem todos os campos da vida social, determinando o
inteligível e o ininteligível. Aos indivíduos que não se
enquadram nessa matriz heteronormativa, cabe a exclusão, a
abjeção, a violência e o apagamento social.
Estudos de Gênero

Surgiram a partir da década de 1960 como um campo interdisciplinar voltado


para os estudos das identidades e das representações de gênero. Propõem-se a
criticar a relação binária que naturaliza a dicotomia mulher/homem, inscrita nos
corpos como fêmea/macho.

Interdisciplinaridade

Estudos feministas

Estudos da Mulher

Estudos Gays e Lésbicos

Estudos Trans*

Estudos Queer
Estudos de Identidade Performatividade Desconstrução

Gênero “[P]ontos instáveis de


identificação ou sutura,
feitos no interior dos
“O fato de o corpo gênero ser
marcado pelo performativo
sugere que ele não tem status
A desconstrução é a
condição impossível de
possibilidade de toda
discursos, da cultura e da ontológico separado dos oposição. É, acima de
história. Não uma essência, vários atos que constituem qualquer coisa “[…] essa
mas um posicionamento” sua realidade” (BUTLER, desestabilização em
(HALL, 2006, p. 70). 2003, p. 194). movimento nas, se alguém
pudesse falar isso, ‘coisas em
si’” (DERRIDA, 1988, p.
147)

BUTLER, Judith. Problemas de gênero:


feminismo e subversão da identidade. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-
modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
DERRIDA, Jacques. Limited Inc. Paris:
Galilée, 1988.
Análise de
Discurso Crítica
Análise de Discurso Crítica

A Análise de Discurso Crítica, em um sentido amplo, refere-se a um conjunto de


abordagens científicas interdisciplinares para estudos críticos da linguagem
como prática social

Por que crítica?


Análise de Discurso
Fairclough Textualmente Orientada
(ADTO)
Essas propostas se inserem na tradição da
ciência social crítica , comprometida em
oferecer suporte científico para
questionamentos de problemas sociais
relacionados a poder e justiça. A ADC
Discourse
define-se pela motivação de “investigar
Cognição
social
Van Dijk ADC Wodak Historical
Approach
criticamente como a desigualdade social é
expressa, sinalizada, constituída, legitimada
pelo uso do discurso”
(WODAK, 2004, p 225).

Van Leeuwen Semiótica


Social

WODAK, Ruth. Do que trata a ACD – um resumo


de sua história, conceitos importantes e seus
desenvolvimentos. Linguagem em (Dis)curso, v. 4,
2004.
Realismo Crítico

“A perspectiva social em que me baseio é realista,


baseada em uma ontologia realista: tanto eventos sociais
concretos como estruturas abstratas, assim como as
menos abstratas ‘práticas sociais’ são parte da realidade.
Podemos fazer uma distinção entre o potencial e o
realizado – o que é possível devido à natureza
(constrangimentos e possibilidade) de estruturas sociais e
práticas, e o que acontece de fato. Ambos precisam ser
distinguidos do empírico, o que sabemos sobre a
realidade. [...] A realidade (o potencial, o realizado) não
pode ser reduzida a nosso conhecimento sobre ela, que é
contingente, mutável e parcial” (FAIRCLOUGH, 2003,
p. 14).

RESENDE, Viviane. Análise de Discurso Crítica:


reflexões teóricas e epistemológicas quase
excessivas de uma analista obstinada. Campinas:
Pontes, 2017.
Realismo Crítico

A percepção dessa relação entre mecanismos e experiências leva Bhaskar


(1998) a propor o Modelo Transformacional da Atividade Social (MTAS),
que busca superar tanto as abordagens estruturalistas, que não veem
possibilidade de ação social do indivíduo, quanto as abordagens voluntaristas,
que diminuem o papel das estruturas na ação social. Para esse modelo, existe
uma relação dialética entre estrutura e ação, ou seja, a estrutura constrange ou
fornece recursos para a ação, que pode, como resposta, iterar ou transformar a
própria estrutura.

MAGALHÃES, Izabel; et al. Análise de Discurso


Crítica: um método de pesquisa qualitativa. Brasília:
Editora UnB, 2017.
Conceitos importantes

Hegemonia Ideologias Mudança social


O poder, na ADC, é Para a ADC, ideologias “A mudança envolve formas
compreendido como devem ser entendidas como de transgressão, o
hegemonia (GRAMSCI, representações de aspectos cruzamento de fronteiras,
1971), modo particular de do mundo que podem ser tais como a reunião de
conceituar poder e a luta pelo utilizadas para estabilizar e convenções existentes em
poder nas sociedades manter relações de poder, novas combinações, ou a sua
capitalistas, enfatizando que dominação e exploração exploração em situações que
este depende antes do (FAIRCLOUGH, 2003) geralmente a proíbem”
consentimento ou da (FAIRCLOUGH, 2016, p.
submissão do que do uso da 133).
força.

FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança


Social. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
2001, p. 91.
Discurso Discurso

Para a ADC, o discurso é entendido


como o uso social da linguagem,
um momento das práticas
presente em todos os níveis da vida
social. Configura-se como um
modo de ação historicamente
situado, por meio do qual “as
pessoas podem agir sobre o mundo
e especialmente sobre os outros”.

FAIRCLOUGH. Norman. Analysing discourse:


textual analysis for social research. London, Nova
York: Routledge, 2003.
FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e Mudança
Social. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
2001, p. 91.
Discurso
Práticas sociais

“[…] maneiras recorrentes, situadas temporal e espacialmente, pelas


quais agimos e interagimos no mundo” (CHOULIARAKI;
FAIRCLOUGH, 1999, p. 21). São entidades intermediadoras entre o
potencial abstrato presente nas estruturas e a realização desse potencial
em eventos concretos. Uma determinada prática, qualquer que seja ela, é
constituída por quatro momentos:

RESENDE, Viviane. Análise de Discurso Crítica


como interdisciplinar para a pesquisa social: uma
introdução. Campinas: Pontes, 2012.
Discurso
Ordens do discurso
Ordem do discurso

“Uma ordem do discurso é uma combinação ou


configuração particular de gêneros, discursos e estilos que
constitui o aspecto discursivo de uma rede de práticas
sociais. Como tal, as ordens do discurso têm relativa
estabilidade e durabilidade - embora, é claro, mudem. O
termo deriva de Michel Foucault, mas é usado na análise
crítica do discurso de uma maneira bastante diferente.
Podemos ver as ordens do discurso em termos gerais como a
restrição social da variação ou diferença linguística - sempre
existem muitas possibilidades diferentes na linguagem, mas
a escolha entre elas é estruturada socialmente

RAMALHO, Viviane; RESENDE, Viviane. Análise


de Discurso (para a) Crítica: o texto como material
de pesquisa. Campinas, SP: Pontes, 2011.
Significados do discurso

Os três elementos constituintes das ordens do discurso representam três


diferentes maneiras como o discurso figura nas práticas sociais – como modo
de ação e interação (gêneros), como representação de aspectos do mundo
(discursos) e como (auto) identificação (estilos) – e correlacionam-se aos três
significados do discurso: significado acional, significado representacional e
significado identificacional. Esses significados ocorrem simultaneamente nos
textos, estabelecendo uma relação dialética: discursos (significados
representacionais) são ordenados em gêneros (significados acionais) e
incutidos nos estilos (significados identificacionais) na mesma medida em
que as ações e as identidades são representadas nos discursos
(FAIRCLOUGH, 2003).

FAIRCLOUGH. Norman. Analysing discourse:


textual analysis for social research. London, Nova
York: Routledge, 2003.
Na prática
Significado acional

Remete ao estudo do gênero discursivo, que corresponde à ação e à interação


que o texto exerce nos eventos sociais. Analisar os gêneros discursivos implica
analisar como a mensagem é utilizada na relação que se estabelece entre os
participantes do discurso. Para tanto, este significado deve ser estudado em
termos de atividade, relações sociais e tecnologias de comunicação O que analisar?
(FAIRCLOUGH, 2003, p. 70).

Ethos: processos de modelagem;


comportamentos verbais e não-verbais

Gênero Discursivo: Estrutura dos textos;


cadeias de gênero

Intertextualidade: Cadeias textuais


Intertextualidade

Segundo Fairclough (1992, p. 81), qualquer prática discursiva é definida “por


suas relações – intertextualidade e interdiscusividade”. A intertextualidade é a
propriedade que os textos têm de serem cheios de fragmentos de outros textos,
que podem ser assimilados, contraditos e ecoados ironicamente, dentre outros.
Significado representacional

Está vinculado aos diferentes modos de representação do mundo. Diferentes


discursos implicam, necessariamente, diferentes maneiras de se relacionar e
representar o mundo que nos rodeia. “Os discursos constituem parte dos
recursos que as pessoas aplicam para se relacionar uns aos outros – mantendo-se
separados uns dos outros, cooperando, dominando – e na busca por mudar as O que analisar?
formas como eles se relacionam” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 124).
Gramática: Transitividade, Apassivação,
Nominalização, Tema/Rema

Intediscursividade: Relações entre os


discursos, Dominância discursiva

Vocabulário: Significado das palavras, criação


de palavras, processos de ressignificação
Ressignificação de palavras

De acordo com Fairclough (2001), um dos focos do estudo semântico discursivo


está no sentido das palavras, “particularmente como os sentidos das palavras
entram em disputa dentro de lutas mais amplas: quero sugerir que as
estruturações particulares das relações entre as palavras e das relações entre os
sentidos de uma palavra são formas de hegemonia” (FAIRCLOUGH, 2001,
105).

Vadia (Houaiss)
1. mulher que, sem viver da
prostituição, leva vida
devassa ou amoral.
Significado identificacional

Remete aos estilos, que se relacionam à capacidade que o indivíduo tem de


identificar a si mesmo por meio dos discursos. “Quem você é é em parte uma
questão de como você fala, como você escreve, bem como uma questão de
corporeidade – como você olha, como se mantém, como se move e assim por
diante” (FAIRCLOUGH, 2003, p.159). O que analisar?

Avaliação: Afeto, Julgamento e Engajamento

Modalização: Aspectos modais nos verbos,


adjetivos e advérbios

Metáforas

Emilio Moralez Ruiz


Considerações
finais
Considerações finais

A Análise de Discurso Crítica se destaca


enquanto aparato teórico-metodológico no
estudo das construções das identidades de
gênero porque:

1. Fornece um aparato metodológico


amplo e diversificado para a análise de
discursos;

2. Possui uma abertura essencial para o


reconhecimento das peculiaridades de
práticas sociais localmente situadas
(MAGALHAES in RESENDE;
PEREIRA, 2010), garantindo a fluidez e
negociação necessárias para a
compreensão das práticas de gênero
contemporâneas.
Referências
BHASKAR, R. General Introduction. In.: ARCHER, M. et al HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.
(Orgs.). Critical Realism. Essential readings. London / New Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
York: Routledge, 1998, p. ix-xxiv.
JESUS, Jaqueline Gomes. Orientações sobre identidade de
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão gênero: conceitos e termos. Brasília, 2012.
da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
MAGALHÃES, Izabel; et al. Análise de Discurso Crítica:
DERRIDA, Jacques. Limited Inc. Paris: Galilée, 1988. um método de pesquisa qualitativa. Brasília: Editora UnB,
2017.
FAIRCLOUGH, N. Discourse and social change. Cambridge
(UK) / Malden (USA): Polity Press, 1992. RAMALHO, Viviane; RESENDE, Viviane. Análise de
Discurso (para a) Crítica: o texto como material de
FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. pesquisa. Campinas, SP: Pontes, 2011.
Tradução: Izabel Magalhães. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 2001. RESENDE, Viviane. Análise de Discurso Crítica como
interdisciplinar para a pesquisa social: uma introdução.
FAIRCLOUGH, Norman. Analysing discourse: textual analysis Campinas: Pontes, 2012.
for social research. London, Nova York: Routledge, 2003.
RESENDE, Viviane. Análise de Discurso Crítica: reflexões
FAIRCLOUGH, Norman. Critical discourse analysis. 2ª ed. teóricas e epistemológicas quase excessivas de uma analista
London: Longman, 2010. obstinada. Campinas: Pontes, 2017.

WODAK, Ruth. Do que trata a ACD – um resumo de sua


história, conceitos importantes e seus desenvolvimentos.
Linguagem em (Dis)curso, v. 4, 2004.
Discurso

Obrigada!
Metáforas

Ainda que seja um dos recursos disponíveis para representar o mundo de Meu corpo, meus limites
diferentes formas, nos estudos discursivos críticos, as metáforas são
consideradas um traço identificacional, pois têm implicações na maneira Por meio dessa metáfora conceitual
estrutural, a ativista se identifica como
como as pessoas se identificam por meio dos discursos. Segundo Ramalho e
limitada – fisicamente e discursivamente –
Resende (2011, p. 146), “[…] ao selecioná-las num universo de outras pelo corpo que possui.
possibilidades, o/a locutor/a compreende sua realidade e a identifica de
maneira particular, embora orientada por aspectos culturais”. Desse modo, as (1) eu acho que o meu corpo, ele representa
metáforas interferem nos processos de construção das identidades e boa parte das minhas limitações.
materializam linguisticamente as diferentes maneiras por meio das quais o
indivíduo molda a sua própria realidade.

Meu corpo, meu ser Meu corpo, minha luta


Por fim, temos a ativista que se identifica como sendo por meio Nessa metáfora conceitual estrutural, a
do próprio corpo, entendendo este como um cabide ou um ativista se identifica como empoderada a
instrumento que expõe a subjetividade dela. partir da relação que estabelece com seu
corpo, sendo este entendido como o locus
(3) Acho que meu corpo é a morada do meu do meu ser. É a no qual se estabelece uma luta, portanto,
expressão de tudo o que eu sinto, mesmo, de tudo o que eu fui um campo de batalha.
sentindo, tudo que eu fui encontrando na vida mesmo, durante
todo esse percurso de dezoito anos, mas é a forma como eu me (2) Olha, atualmente, o meu corpo significa
expresso, é a forma que, infelizmente, carrega várias opressões um meio de resistir e até mesmo de lutar
sobre o meu corpo, mas é a morada do meu ser, sabe? É a forma por uma sociedade que aceite a diferença.
como eu me expresso mesmo perante a sociedade.
Interdiscursividade

A interdiscursividade é um dos aspectos da


intertextualidade e se relaciona com os discursos que são
articulados nos textos, assim como a maneira como eles
são articulados e mesclados com outros discursos
(FAIRCLOUGH, 2003). O estudo dessa categoria
envolve não só a articulação dos discursos em textos, mas
a forma como estes estabelecem vínculos com as lutas
hegemônicas e contra-hegemônicas. “Discursos
particulares associam-se a campos sociais, interesses e
projetos particulares, por isso podemos relacionar
discursos particulares a determinadas práticas”
(RAMALHO; RESENDE, 2011, p. 142).
Enquadre metodológico

• Percepção de um problema social com


1º aspectos semióticos
Inspirado na crítica explanatória de
Bhaskar (1986), a ADC se preocupa com
o mapeamento dos problemas oriundos • Identificação de obstáculos para que o
das práticas sociais e da busca por problema seja superado

soluções para que os mesmos sejam
superados. Para tanto, Chouliaraki e
Fairclough (1999) apontam cinco • Investigação da função do problema na
estágios que devem ser contemplados prática
pelas pesquisas realizadas no seio da 3º
ADC.
• Investigação de possíveis modos de
4º ultrapassar os obstáculos

• Reflexão sobre a análise



Gênero

Você também pode gostar