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“No Princípio era o Dildo, e o Dildo se fez carne: Uma análise dos conceitos de
‘Contrassexualidade’ e ‘Era Farmacopornográfica’ de Paul B. Preciado, através da
interface entre Michel Focault e Judith Butler”.
Resumo
O pensamento foucaultiano destaca-se como um dos principais inspiradores da
Teoria Queer, pelo fato de Michel Foucault problematizar o corpo, a sexualidade e o gênero
como dispositivos construídos historicamente, e constituídos de discursos e práticas de
saber-poder. (VENTURA, 2008, p. 64).
O trabalho aqui apresentado se situa a partir da obra de Foucault em associação,
primeiramente por Judith Butler, com a questão da performatividade dos gêneros e agência
dos corpos, de fundamental importância para a Teoria Queer. A partir dessa base, visamos
agregar os conceitos de “contrassexualidade” e “Era farmacopornográfica”, de Paul. B.
Preciado. Este autor toma como base Foucault-Butler para compor um elo de
desenvolvimento conceitual da Teoria Queer (PRECIADO, 2014).
Há ainda um aspecto político a ser destacado a partir da confluência entre a obra de
Foucault e a Teoria Queer. É o problema a respeito do enfrentamento diário das relações de
poder: que resistência opor? É patente, nas investigações de Foucault, a existência de uma
rede de micropoderes que atravessa a toda a estrutura social controlando ou defletindo as
práticas de si (processos de subjetivação). É sob essa perspectiva que o trabalho proposto
aqui desenvolve os conceitos de “Era Farmacopornográfica” e “Contrassexualidade” de
Preciado, para expor de forma clara essa rede de poder que controla as subjetividades das
pessoas, e buscar possíveis formas de resistência a ela.
Em sua obra “Manifesto Contrassexual”, Preciado aponta formas de superação das
dicotomias de gênero e sexo, ou seja, modos que dão possibilidades para os sujeitos-corpos
resistirem a normalização; criticando as categorias fixas de sexo, gênero e sexualidade.
(PRECIADO, 2014).
Palavras chave: Contrassexualidade, Michel Foucault, Teoria Queer.
Introdução tradicionais de gênero e sexuais, pondo em
xeque as dicotomias masculino/feminino,
O termo “Queer”, antes da década de
homem/mulher, heterossexual/homossexual”
1980, era usado como algo pejorativo e para
(LOURO, 2001, p.546), e que iam contra os
inferiorizar pessoas que não se encaixavam
privilégios existentes dentro do movimento,
no padrão heteronormativo, fosse em
entendendo que “o discurso político e teórico
relação aos seus desejos ou modos de se
que produz a representação ‘positiva’ da
comportar e vestir; ou seja, sujeitos que
homossexualidade também exerce, é claro,
desviavam do que se espera dos
um efeito regulador e disciplinador. Ao
comportamentos e desejos “naturais” de um
afirmar uma dada posição-de-sujeito, supõe,
homem ou mulher. Uma tradução livre do
necessariamente, o estabelecimento de
significado de “Queer” para o português
seus contornos, seus limites” (ibdem, p.544),
seria “Viado”, “Bicha”, “Sapatão”, entre
que não dão espaço para figuras como a da
outros. Esse termo, a partir da década de
“bicha afeminada” ou as travestis.
1980, começa a ser ressignificado por parte
do Movimento Homossexual1 de então, Estudos relacionados aos
agora não mais como algo pejorativo, mas trabalhados pela Teoria Queer começaram a
com um caráter de resistência, buscando-se se desenvolver desde os anos 80, como
força e reconhecimento no termo. oposição aos estudos sociológicos
(CARRILLO, 2010). normalizados acerca de gênero e
sexualidade; sendo que a expressão “Queer
Antes de 1980 já haviam debates e
Theory” é usada pela primeira por Teresa de
trabalhos no meio acadêmico acerca do
Lauretis, em 1990, década em que essa
sexo, sexualidade e sujeito, que
linha de pesquisa e debate se consolida de
caminhavam junto ao Movimento
fato (MISKOLCI, 2009, p. 151). De um ponto
Homossexual, porém ele e as discussões
de vista prático, essa teoria é resposta à
que se tinha já não afetavam o status quo da
ordem regulatória dos corpos, das
sociedade, mantendo os privilégios brancos,
sexualidades e das subjetividades
masculinos e a monogamia dentro dos
(PELÚCIO, 2014, p.28). A Teoria Queer tem
próprios grupos minoritários. Depois do surto
como objeto as relações entre sexo e
da AIDS surgem novos agrupamentos
gênero (SPARGO, 2017, p.13). Mais
“preocupados em desafiar as fronteiras
especificamente, ela surge de uma aliança
1 Naquele momento, o atual Movimento LGBT+ era de teorias feministas, pós-estruturalistas e
nomeado de “Movimento Homossexual”.
psicanalíticas, que orientavam a
investigação que já vinha se fazendo sobre A proposta de trabalho aqui
a categoria do sujeito, propondo-se a apresentada se situa a partir da obra de
construir o espaço de desestabilização, Foucault em associação com Judith Butler, a
subversão e emancipação para fenômenos respeito da performatividade dos gêneros e
relacionados com gênero e sexo (SALIH, agência dos corpos, de fundamental
2002, p.19). importância para a Teoria Queer. A partir
dessa base, visamos, com a nova etapa
O pensamento foucaultiano destaca-
agregar os conceitos de
se como um dos principais inspiradores da
“contrassexualidade” e “era
Teoria Queer, pelo fato de Michel Foucault
farmocopornográfica”, de Paul. B. Preciado.
problematizar o corpo, a sexualidade e o
Este autor justamente toma como base
gênero como dispositivos construídos
Foucault-Butler para compor um novo elo de
historicamente, e constituídos de discursos e
desenvolvimento conceitual da Teoria Queer
práticas de saber-poder. Sua obra é
(PRECIADO, 2014).
marcada por três fases: arqueologia,
genealogia e a estética da existência,
divididas em três eixos, respectivamente:
Objetivos
saber, poder e subjetivação. A arqueologia
propôs um modelo de descrição baseado GERAIS: Levantamento bibliográfico
nas transformações dos saberes. A sobre o desenvolvimento da Teoria Queer.
genealogia procurou analisar o surgimento
ESPECÍFICOS:
dos saberes e de que forma, através da
experiência social, os indivíduos eram 1. Complementar os elos que já
levados a reconhecer a si próprios como vinham sendo estabelecidos, em plano de
sujeitos de uma sexualidade, que se atividades anterior, entre Foucault e Butler, a
articulava em um sistema de regras e partir de novas leituras.
coerções relativas a relações de poder. Na
2. Analisar e caracterizar o conceito
terceira fase, estética da existência,
de “Contrassexualidade” de Preciado, assim
Foucault trabalha, a partir da antiguidade
como os instrumentos usados para sua
greco-romana, as práticas de si, que
elaboração, como “contraprodutividade” e
apontam para a possibilidade da produção
“Dildo”.
de si mesmo através de condutas
historicamente situadas. (VENTURA, 2008, 3. Analisar e caracterizar o conceito
p. 64) de “Era Farmacopornográfica” de Preciado,
assim como possíveis instrumentos de
micropoder que existem para mantê-la,
como é o caso do “farmacopoder”.
corpos são entendidos como submissos aos estabelecida para nós (..)
‘homens’ e ‘mulheres’ são
gêneros, como se fossem passivos, prontos
categorias políticas, e não fatos
a serem inscritos por algo metafísico. Se
naturais”. (BUTLER, 2018,
venho ao mundo dentro da categoria
p.201)
“Mulher”, meu corpo necessariamente deve
corresponder às normas sociais que Ao se entender que os gêneros,
caminham junto a essa categoria, nos sexualidades, sexos e corpos são
modos de se vestir, agir ou desejar. Nesse performativos, e construídos por meio de um
sentido, a autora afirma que os gêneros são discurso, e que àqueles considerados
vistos como algo metafísico, porém, na “anormais”, como os homossexuais, também
realidade, não passam de construtos sociais são criação do mesmo poder que formula os
criados nas malhas do poder para atender “normais”, heterossexuais, a questão que
ao mesmo, de modo a serem performativos, começa a existir é “Como escapar desse
como em um teatro, em que os movimentos, poder? Como subverte-lo?”, e segundo
gestos, comportamentos e “los variados Butler, a resposta dessas questões está na
actos de género crean la idea de género, y capacidade de agência que possuímos
enquanto corpos, já que, como dizia
Foucault, “contra o dispositivo de