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DECONSTRUIR A
IGUALDADE-VERSUS-DIFERENÇA: USOS DA
TEORIA POS-ESTRUTURALISTA PARA O
FEMINISMO*
Joan W. Scott**
O feminismo precisa de teoria, isso nem precisa ser dito (talvez porque
tenha sido dito muitas vezes). O que nem sempre está claro é o que essa teoria
vai fazer por nós.
Embora existam certas premissas comuns em um amplo espectro de
escritos feministas. Precisamos de uma teoria que analise o modo de agir do
patriarcado em todas as suas manifestações - ideológicas, institucionais,
organizacionais, subjetivas - e que seja capaz de explicar não apenas as
continuidades, mas também a mudança ao longo do tempo. Precisamos de
uma teoria que nos permita pensar em termos de pluralidades e diversidades,
em vez de continuar a fazê-lo em unidades e universais. Precisamos de uma
teoria que rompa a supremacia conceitual das antigas tradições da filosofia
(ocidental) que sistematicamente construíram, uma e outra vez, um mundo
único em termos de universais masculinos e especificidades femininas.
Precisamos de uma teoria que nos permita articular formas alternativas de
pensar sobre gênero (e, portanto, formas de agir sobre ele) sem nos limitarmos
a reverter as velhas hierarquias ou confirmá-las. E precisamos de uma teoria
que seja útil e relevante para a prática política.
*Este artigo apareceu em Conflicts in Feminism, compilado por Marianne Hirsch & Evelyn Fox
Keller, New York & London, Routledge, 1990, pp. 134-148.
**Joan Scott é Professora de Ciências Sociais no The Institute for Advanced Study; é autora de
Gender and the Politics of History .
teoria e suas posições e formulações também não são únicas, isso é evidente.
No meu caso, no entanto, foi a leitura da teoria pós-estruturalista - e a fértil
discussão com o estudo - bem como a literatura - que me ajudaram a
esclarecer o quadro. Encontrei ali uma nova forma de analisar construções de
sentido e relações de poder, uma forma que questionava categorias universais,
unitárias e conceitos historicizados que geralmente são tratados como naturais
(por exemplo, masculino/feminino) ou absolutos (por exemplo, igualdade ou
justiça). Por outro lado, o que me atraiu foi a conexão histórica entre dois
movimentos. O pós-estruturalismo e o feminismo contemporâneo são
movimentos do final do século XX que compartilham uma certa relação
consciente entre si e as tradições políticas e filosóficas. Portanto, achei
importante e valioso que aqueles que estudam o feminismo explorem essa
relação para seus próprios fins.¹
Este artigo não vai discutir essa “exploração” variada ou estudar a lista
completa de razões pelas quais um historiador pode estar interessado em
organizar sua pesquisa.² Acho mais útil fazer uma pequena lista de alguns
pontos teóricos e, em seguida, dedicar a maior parte do meu esforço à análise
de um exemplo específico. A primeira parte deste artigo, portanto, é uma
breve discussão de conceitos utilizados pelas pós-estruturalistas que considero
úteis para o feminismo. O segundo aplica alguns desses conceitos a uma das
questões mais discutidas e controversas do feminismo americano
contemporâneo: o debate “igualdade versus diferença”. Estes são alguns dos
termos úteis que o feminismo tira do pós-estruturalismo: linguagem, discurso,
diferença e desconstrução.
Linguagem. Seguindo o trabalho da linguística estruturalista e da
antropologia, esse termo é usado não apenas para designar palavras ou
vocabulários ou um grupo de regras gramaticais, mas sim um sistema de
construção de significado, ou seja, qualquer sistema, estritamente verbal ou
não, através do qual o significado é construído e as práticas culturais são
organizadas e de acordo com as quais as pessoas representam e
compreendem o mundo, incluindo sua própria identidade e relacionamento
com os outros. A “linguagem”, concebida dessa forma, é um dos focos
centrais da análise pós-estruturalista.
A linguagem não é pensada como uma representação de ideias que causam
relações materiais ou das quais tais relações decorrem; na realidade, nessa
abordagem, a oposição idealismo/materialismo é falsa. Em vez disso, a
análise da linguagem fornece um ponto de entrada crucial, um princípio a
partir do qual entender como as relações sociais são concebidas e, portanto -
uma vez que entender como elas são concebidas significa entender como elas
funcionam - como as instituições são organizadas, como as relações de
produção são experimentadas e como a identidade coletiva é estabelecida. Se
não for dada a devida atenção à linguagem e aos processos pelos quais as
categorias e o significado são constituídos, o que se consegue é impor ao
mundo modelos muito simplificados que perpetuam uma compreensão
convencional em vez de abrir novas possibilidades interpretativas.
O objetivo é encontrar maneiras de analisar “textos” específicos - não
apenas livros e documentos, mas também expressões de fala de qualquer tipo
e em qualquer meio, incluindo práticas culturais - em termos de significados
especificamente históricos e textuais. O pós-estruturalismo insiste que as
palavras e os textos não têm um significado fixo ou intrínseco; que não existe
uma relação transparente ou evidente entre eles, sejam coisas ou ideias, nem
existe uma correspondência básica ou definitiva entre a linguagem e o
mundo. Portanto, as questões respondidas pelas análises de que estamos
falando são: como, em quais contextos específicos, entre quais comunidades
específicas de pessoas e por meio de quais processos sociais ou textuais o
sentido é adquirido? Ou mais geralmente: como os significados mudam?
Como certos significados considerados normativos surgiram e outros foram
eclipsados, que por vezes desaparecem por completo? O que esses processos
revelam sobre a forma como o poder é constituído e operado?
Discurso. Algumas das respostas a essas questões aparecem no conceito de
discurso, especialmente como aparece nas obras de Michel Foucault. Um
discurso não é uma linguagem ou um texto, mas uma estrutura de frases,
termos, categorias e crenças. Foucault sugere que a elaboração do significado
envolve conflito e poder, que os sentidos são discutidos localmente por meio
de “campos de força” discursivos, que (pelo menos desde o Iluminismo) o
conhecimento é incorporado não apenas na escrita, mas também em
organizações profissionais e disciplinares, instituições (hospitais, prisões,
escolas, fábricas) e nas relações sociais (médico/paciente, professor/aluno,
empregador/empregado/-a, pai ou mãe/filho/-a, marido/esposa). Portanto, o
discurso está contido ou expresso em organizações e instituições tanto quanto
em palavras; tudo isso constitui uma série de textos ou documentos
que precisa ser lido.³
Os campos discursivos se sobrepõem, influenciam e competem entre si;
alguns apelam para as “verdades” dos outros para ganhar autoridade e
legitimidade. O que se faz é supor que essas verdades estão fora da invenção
humana, sejam conhecidas e autoevidentes ou a serem descobertas por meio
de pesquisas científicas. Precisamente porque lhes é atribuído o status de
conhecimento objetivo, eles parecem estar além de qualquer discussão e,
portanto, cumprem uma função legitimadora muito poderosa. As teorias de
Darwin quanto à seleção natural são um exemplo de tais verdades de
legitimação; teorias biológicas quanto à diferença sexual, outra. O poder
dessas “verdades” vem da maneira como elas funcionam: elas são
consideradas fatos ou premissas de ambos os lados de uma discussão. Dessa
forma, os conflitos que ocorrem dentro dos campos discursivos os sustentam
ao invés de questioná-los. A importância do trabalho de Foucault baseia-se,
acima de tudo, no fato de que ele ilumina os pressupostos compartilhados de
argumentos que parecem completamente opostos e, portanto, expõe os limites
da crítica radical, por um lado, e, por outro, a extensão do poder das
ideologias ou epidemiologias dominantes. Além disso, Foucault mostrou o
quão mal os desafios reais a esses pressupostos fundamentais historicamente
funcionaram: eles foram marginalizados e silenciados, tiveram que abaixar
suas vozes em relação às reivindicações mais radicais para alcançar metas de
curto prazo, ou acabaram fazendo parte de um quadro já existente. No
entanto, a mudança é crucial para a noção de “arqueologia” de Foucault, para
a maneira como ele usa contrastes entre diferentes períodos históricos na
apresentação de seus argumentos. Muitos historiadores acreditam que a
maneira exata pela qual esse processo ocorre não é suficientemente explicada e
exige um modelo causal mais explícito. Mas quando as teorias causais são
muito gerais, elas podem nos fazer cair nos pressupostos do mesmo discurso
que queremos questionar. (Se quisermos questionar essas suposições, pode ser
necessário renunciar aos padrões de pesquisa histórica existentes.) Embora
algumas pessoas leiam Foucault como um argumento sobre a futilidade do
agente humano na luta pela mudança social, acho que é muito mais
apropriado tomá-lo como um alerta contra a aplicação de soluções simples em
problemas complexos, uma maneira de aconselhar os atores humanos a
pensar dentro de uma estratégia e com mais autoconsciência sobre as
implicações filosóficas e políticas e os significados dos programas aos quais
aderem. A partir dessa perspectiva, o trabalho de Foucault oferece uma
maneira importante de pensar de forma diferente (talvez mais criativa) sobre
as políticas de construção contextual de significados sociais com base em
princípios organizadores da ação política, como “igualdade” e “diferença”.
Diferença. Há uma dimensão importante das análises estruturalistas da
linguagem que tem a ver com o conceito de diferença, a noção (de acordo com
a linguística estruturalista de Ferdinand de Saussure) de que o significado é
fabricado por meio de contraste implícito ou explícito, que uma definição para
o positivo repousa na negação ou repressão de algo que é representado como
antitético. Dentro dessa concepção, qualquer conceito unitário contém, na
verdade, material reprimido ou negado, uma vez que se estabelece a partir de
uma oposição explícita com outro termo. Qualquer análise de significado
envolve um jogo de negações e oposições, descobrindo como elas operam em
contextos específicos (se é que as oposições são baseadas em metáforas e
referências cruzadas. Muitas vezes no discurso patriarcal, a diferença sexual
(contraste masculino/feminino) serve para codificar ou estabelecer significados
que literalmente não têm qualquer relação com o gênero ou o corpo. Desta
forma, os significados de gênero estão atrelados a diversos tipos de
representações culturais, e estas, por sua vez, estabelecem termos segundo os
quais as relações entre mulheres e homens são organizadas e compreendidas.
As possibilidades desse tipo de análise têm atraído muita atenção dos
feminismos e os motivos são óbvios.
Oposições fixas ocultam o grau em que as coisas que são realmente
interdependentes são apresentadas como opostas - isto é, elas derivam seu
significado particular de um contraste estabelecido para o caso, e não de uma
antítese inerente ou pura. Além disso, segundo Jacques Derrida, a
interdependência é hierárquica: tem um termo dominante ou anterior, e um
termo oposto, subordinado e secundário. A tradição filosófica do Ocidente, diz
ele, repousa sobre oposições binárias: unidade/diversidade,
identidade/diferença, presença/ausência e universalidade/especificidade. Os
termos que aparecem em primeiro lugar têm primazia; seus parceiros são
sempre representados como derivados ou mais fracos. No entanto, os
primeiros termos dependem e derivam do segundo quanto ao seu significado
e isso é assim para que os termos secundários possam ser lidos como
geradores da definição do primeiro.⁴ Se as oposições binárias nos oferecem
uma visão clara da maneira como o sentido é construído e, se elas operam da
maneira que Derrida sugere, as análises dos sentidos não podem aceitar as
oposições binárias como elas são, sem exames prévios; em vez disso, elas
devem “desconstruí-las” dos processos que incorporam. Desconstrução:
Embora acadêmicos e estudiosos usem esse termo muito livremente - muitas
vezes com o significado de um ato destrutivo, de desmantelamento - ele
realmente tem uma definição precisa na obra de Derrida e seus seguidores. A
desconstrução envolve a análise das operações da diferença nos textos, as
maneiras pelas quais ela faz os significados funcionarem. O método consiste
em duas etapas relacionadas: a reversão e, em seguida, o deslocamento das
oposições binárias. Esse duplo processo revela a interdependência de termos
que aparentemente formam dicotomias e seus significados, que são relativos e
dependem de uma história particular. O processo demonstra que eles não são
naturais, mas, pelo contrário, oposições construídas para fins particulares
dentro de contextos particulares.⁵ A crítica literária Barbara Johnson afirma que
a diferença é crucial dentro da teoria da desconstrução.
O ponto de partida é muitas vezes uma diferença binária que, como
demonstrado mais adiante, é uma ilusão criada através do trabalho de
diferenças que são muito mais difíceis de detectar. As diferenças entre
entidades... como demonstrado, baseiam-se em uma repressão das diferenças
encontradas dentro das entidades, maneiras pelas quais cada entidade difere
de si mesma... Portanto, a "desconstrução" de uma oposição binária não é uma
aniquilação de todos os valores ou diferenças; é uma tentativa de seguir os
efeitos sutis e poderosos das diferenças que já estão em ação dentro da ilusão
de uma oposição binária.⁶
Como podemos ver, a desconstrução é um exercício importante porque nos
permite ser críticos sobre como as ideias que queremos usar são comumente
expressas, críticos sobre a maneira como essas ideias são exibidas dentro de
esquemas de significado que podem estar subvertendo os fins que queremos
alcançar. Um desses casos - significado expresso de uma forma que leva à
autodestruição - é o debate “igualdade versus diferença” no feminismo. Lá,
foi criada uma oposição binária que oferece uma escolha às feministas: aderir
à "igualdade" ou apoiar seu suposto oposto, a "diferença". Na realidade, a
antítese esconde a interdependência dos dois termos, pois a igualdade não é a
eliminação da diferença e a diferença não exclui a igualdade.
Nos últimos anos, o debate igualdade versus diferença tem sido usado
como um atalho para caracterizar posições feministas e estratégias políticas
em conflito.⁷O grupo que pensa que a diferença sexual deve ser uma
consideração irrelevante em instituições de ensino, empregos, tribunais e
legislatura geralmente aparece dentro da categoria de igualdade. O grupo
que insiste que os pedidos em benefício das mulheres devem ser feitos em
termos das necessidades, interesses e características que lhes são comuns, na
categoria de diferença. Em confrontos sobre a superioridade de uma ou outra
dessas estratégias, as feministas invocaram a história, a filosofia e a
moralidade e criaram novos rótulos de classificação: feminismo cultural,
feminismo liberal, separatismo feminista, e assim por diante.⁸ Mais
recentemente, o debate sobre igualdade e diferença para analisar o caso Sears,
o processo judicial em que a discriminação sexual foi acusada contra a
gigante do varejo. O caso, iniciado por uma queixa da Comissão de Igualdade
de Oportunidades de Emprego (EEOC) em 1979, terminou em um debate
entre as historiadoras Alice Kessler-Harris e Rosalind Rosenberg, que
testemunharam em lados opostos.
Muito tem sido escrito sobre o caso Sears. Em artigo recente de Ruth
Milkman, insiste-se que prestemos atenção ao contexto político, que não
deixemos de notar certos princípios que parecem independentes do tempo:
“Se ignoramos as dimensões políticas do debate igualdade versus diferença, o
fazemos por nossa conta e risco, especialmente em um período de
ressurgimento conservador como o atual”, afirma a autora. E conclui:
Notas
Quero agradecer a William Connolly, Sanford Levinson, Andrew Pickering,
Barbara Herrnstein Smith e Elizabeth Weed por suas sugestões e reflexões, que
aguçaram e melhoraram meu pensamento. Este ensaio apareceu pela primeira
vez em Estudos Feministas, 14, no. 1, primavera de 1988.
1
Sobre o problema da apropriação do feminismo pelo estruturalismo, ver
Biddy Martin, “Feminism, Criticism, Foucault”, in New German Critique 27,
autumn, 1982), pp. 3.30
2
Joan W. Scott, “Gender: A Useful Category of Análise Histórica ", em
American Historical Review, 91, pp. 1053-75; ou Donna Haraway, “A Manifesto
for
Cyborgs: Science, Technology and Socialist Feminism in the 1980’s”, in
Socialist Review, 15, março-abril, 1985, pp. 65-107.
3
Alguns exemplos de Michel Foucault são: The Archaeology of Knowledge,
New York, Harper and Row, 1976, The History of Sexuality, New York,
Vintage, 1980, Power/Knowledge: Selected Interviews and Other Writings,
1972-1977. Ver também Hubert L. Dreyfus e Paul Rabinow, Michel Foucault:
Beyond Structuralism and Hermeneutics , (Chicago, University of Chicago
Press, 1983).
4
A filósofa australiana Elizabeth Gross diz sobre assim: “O que Derrida tenta
mostrar é que dentro desses pares binários, o termo dominante ou primário
deriva seu privilégio de um encurtamento ou supressão de seu oposto.
Sendo iguais, identidade, presença, fala, origem, mente, etc. são todos
termos privilegiados em relação aos seus opostos, que são considerados
variantes baixas e impuras do termo primário. A diferença, por exemplo, é a
falta de identidade ou qualidade igual; a ausência é a falta de presença; a
escrita é o suplemento da fala e assim por diante.” Ver “Derrida, Irigaray,
and Deconstruction” em Of Grammatology (Baltimore; Johns Hopkins
University Press, 1976) e o livro de Jonathan Culler, On Deconstruction:
Theory and Criticism after Structuralism , (Ithaca, Cornell University Press,
1982).
5
Novamente nas palavras de Elizabeth Gross: “Se tomados em conjunto, a
inversão e, em seguida, o deslocamento útil demonstram a função
necessária, mas infundada, desses termos no pensamento ocidental.
Devemos inverter a dicotomia e os valores inerentes a cada um dos termos, e
também deslocar o termo exclusão, colocando-o para além do seu papel de
oposição como condição interna do termo dominante. Esse movimento deixa
clara a violência da hierarquia e a dívida do termo dominante com o
subordinado. Também mostra que existem outras maneiras de conceber
termos, maneiras que não são dicotômicas. Se esses termos fossem
necessariamente dicotomias, o processo de deslocamento não seria possível.
Embora historicamente necessários, os termos opostos não são necessários
do ponto de vista lógico.” Ver Gross, 74.
6
Barbara Johnson. A diferença crítica: ensaios na Retórica Contemporânea da
Leitura, (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1980); x-xi.
7
Nos últimos tempos, a atenção foi voltada sobre a questão dos benefícios
relacionados à gravidez. Veja, por exemplo, o artigo de Lucinda M. Finley
“Transcending Equality Theory: A Way Out of the Maternity and the
Workplace Debate,” em Columbia Law Review 86, outubro de 1986, 1118-83.
Veja também, Sylvia A. Law, em seu artigo “Rethinking Sex and the
Constitution” na University of Pennsylvania Law Review, 132, junho de 1984.
955-1040
8
Recentemente, os historiadores começaram a moldar a história do
feminismo em termos do debate “igualdade versus diferença”. Em vez de
aceitar isso como uma caracterização exata de posições antitéticas, acredito,
devemos examinar com mais cuidado a maneira como as feministas usam
esses argumentos. Uma leitura cuidadosa dos textos feministas franceses do
século XIX, por exemplo, me leva à conclusão de que eles são muito mais
difíceis de separar do que se poderia pensar em termos de posições de
igualdade ou diferença. Acho que é um erro para as historiadoras feministas
escrever esse debate na história de forma acrítica, porque essa atitude
objetiva é uma “antítese” que talvez nunca tenha existido. Em vez disso,
precisamos "desconstruir" argumentos feministas e lê-los em seus contextos
discursivos, como explorações do "dilema da diferença".
9
Ruth Milkman, “Women 's History and the Sears Case”, em Feminist Studies 12,
Summer, 1986; 394-95. Na minha discussão sobre o caso Sears, tirei grande
proveito deste artigo inteligente e pensativo, o melhor já escrito sobre o
assunto.
10
Martha Minow, «Learning to Live with the Dilemma de Diferença: Educação
Bilíngue e Especial ”, em Direito e Problemas Contemporâneos, 48, no. 2 (1984);
157-211. A citação é de p. 160. Veja as páginas 202-6. 11Parece-me que há uma
diferença entre dizer que mulheres e homens têm interesses idênticos e dizem
que tal identidade deve ser pressuposta em todos os aspectos do processo de
recrutamento de funcionários. A segunda posição é apenas uma forma
estratégica de não introduzir a questão do preconceito ou os pressupostos
equitativos sobre as diferenças de interesse** no processo.
12
Artigo de Rosenberg, “Oferta de Prova” (Oferta-ciendo Proof) e o de
Kessler-Harris, “Testemunho Escrito” apareceu em Signs, 11, verão de 1986;
757-79 (Signs). O “Testemunho de Refutação Escrita da Dra. Rosalind
Rosenberg” faz parte da transcrição oficial do caso, Tribunal Distrital dos EUA
para o Distrito Norte de Illinois, Divisão Leste, EEOC v. Sears, em direito civil,
no. 79-C-4373. (Agradeço a Sanford Levison por compartilhar os documentos
do julgamento comigo e pelas inúmeras conversas que tivemos sobre eles.)
13
Apêndice ao “Testemunho de Refutação Escrita de dr. Rosalind Rosenberg",
1-12.
14
Quanto aos limites impostos pelos tribunais e buracos negros que podem
engolir testemunhas especializadas, ver o artigo de Nadine Taub, “Thinking
about Testifying”, em Perspectives (American Historical Association
Newsletter), 24, novembro de 1986, 10-11.
15
Neste ponto, Taub faz uma pergunta útil: “Em casos de discriminação, não há
o perigo de que os depoimentos de historiadores ou outros especialistas,
depoimentos que não estão diretamente relacionados aos fatos do caso,
reforcem a ideia de que é aceitável fazer generalizações sobre grupos
específicos?” P. 11
16
Ver interrogatório em Kessler-Harris. EEOC vs.Sears, 16376-619.
17
A “refutação” de Rosenberg é particularmente veemente neste ponto:
“Supor que todos que os empregadores discriminam é uma característica
importante do trabalho (Kessler-Harris)... Em um artigo de 1979, ela escreveu
com alegria e esperança que as mulheres carregam valores, atitudes e padrões
de comportamento potencialmente subversivos ao capitalismo” (p. 11).
“Existem, é claro, exemplos documentados de empregadores que limitam as
oportunidades das mulheres. Mas o fato de alguns empregadores terem
exercido discriminação não prova que todos o façam” (p. 19). A refutação
sugere outro ponto interessante, o dos limites políticos e ideológicos de um
tribunal ou, talvez seja melhor dizer, a maneira pela qual o tribunal reproduz
as ideologias dominantes. A noção geral de que os empregadores discriminam
era inaceitável (mas a noção geral de que as mulheres preferem certos tipos de
trabalho não era). Essa falta de aceitabilidade foi ainda mais ressaltada ao
uni-la à subversão e ao marxismo, posições intoleráveis no discurso político
dos EUA. As alusões de Rosenberg tentaram desacreditar Kessler-Harris de
duas maneiras: primeiro, com a sugestão de que ele estava fazendo uma
generalização ridícula e, segundo, com a sugestão de que apenas pessoas que
estão fora da política aceitável podem fazer tais generalizações.
18
Leiteiro, 391.
19
Naomi Schor, “Reading Double: Sand 's Difference,” em The Poetics de
Gênero , ed. Nancy K. Miller, (Nova York, Columbia University Press, 1986),
p. 256.
20
Michael Waltzer, Esferas da Justiça: Uma Defesa de Pluralismo e Igualdade ,
(Nova York, Basic Books, 1983), xii. Ver também Minow, 202-3.
21
Leiteiro, 384.