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I. A SEXUALIDADE COMO IDENTIDADE SOCIOHISTÓRICA II.

CONSTRUÇÕES CONCEITUAIS DA SEXUALIDADE NO


DECORRER DO TEMPO
- Para que compreendamos a sexualidade, precisa-se compreender também
questões morais, políticas e ideológicas. Isso pois, na cultura ocidental, lida-se - Partindo desse pressuposto anti-essencialista, é basilar tomar a sexualidade
com as manifestações da sexualidade por meio dos códigos e valores que como uma construção conceitual que se transforma ao longo do tempo, então
sustentam o imaginário dessa cultura. Esses códigos ditam o que é, ao longo que definitivamente não segue sendo a mesma ao no decorrer da história.
do tempo, normal/patológico e permitido/proibido no que diz respeito à - E para chegar até a noção de homossexualidade eu vou percorrer um recorte
sexualidade humana. histórico que o autor faz a respeito de modelos sexuais – dando ênfase então à
- “Na cultura ocidental, o termo homossexualidade deve ser compreendido, questão de gênero – para depois chegar até a questão da sexualidade a
inicialmente, como uma construção social tributária do contexto histórico no relacionando com a homossexualidade, ou a inversão, ou a perversão (como
qual emerge. Portanto, quando dizemos algo a respeito da homossexualidade, queira a psicanálise).
devemos ficar atentos para que esse termo não represente uma essência em si, Até o século XVIII) Até o século XVIII, predominava uma visão (e uma
mas algo próprio da construção da linguagem moral da modernidade.” Aqui, visão científica) acerca da sexualidade que se pautava em um modelo sexual
vê-se um posicionamento anti-essencialista do autor. único. Isso significa que de certa forma se admitia a existência de apenas um
- “Assim, sustentar a existência de uma sexualidade ‘natural’ transhistórica, sexo e, não nos surpreendamos, esse único sexo existente era o masculino. A
baseada no imperativo biológico da divisão dos sexos, seria no mínimo mulher, então, era compreendida como sendo um homem, mas invertido e
ingênuo. Todas as ideias e termos que temos a respeito da sexualidade são inferior. Essa perspectiva operava em um sentido de que somente a partir do
sustentados pela cultura judaico-cristã que os criou (COSTA, 1992). É corpo do homem a mulher poderia realizar todas as suas potencialidades. O
importante ressaltar que toda a teorização sobre a diferença dos sexos foi autor pontua que essa visão tem continuidade com a posição falocêntrica da
construída nos séculos XVIII e XIX. Homossexualidade e heterossexualidade teoria freudiana.
são, portanto, identidades socioculturais que determinam nosso agir, sentir, Fim do século XVIII e início do século XIX) A realidade social é
pensar etc., e não uma essência universal.” Aqui, vê-se novamanete a transformada pela revolução burguesa e pelo Iluminismo. E aí a percepção
perspectiva anti-essencialista do autor. médicocientífica da anatomia feminina é também transformada, porque surge
⁕ “Dessa forma, Costa (1992), retomando Ferenczi, propõe que venhamos a aí uma uma nova ordem política. E essa ordem política tornava necessário
substituir o termo homossexualismo e homossexualidade pelo termo opor homens e mulheres, fazendo com que o modelo sexual deixasse de ser,
homoerotismo, pois abrange melhor a pluralidade das diversas práticas e então, único, para se tornar dual. Então se passa a dividir os modelos de sexo,
desejos entre os indivíduos do mesmo sexo, evitando, assim, alusões à para justificar e estabelecer diferenças morais aos comportamentos femininos
anomalia, à perversão ou ao desvio.” e masculinos, respondendo às exigências da sociedade burguesa. E, dessa
- Se não há essência da sexualidade, pode-se dizer que “o que existe são forma, passa-se a legitimar, de um ponto de vista biológico mesmo, a
construções conceituais e eventos que a linguagem, o simbólico, se utiliza superioridade masculina como sendo algo de ordem “natural”. Essa ideologia
para chamar, definir e classificar tanto a sexualidade quanto as práticas nasce de uma necessidade dos filósofos, moralistas e políticos de justificar
sexuais.” E essas construções sexuais variam ao longo das épocas. uma suposta inferioridade político-jurídico-moral da mulher e de a
transformar em símbolo de delicadeza, fragilidade, vida privada, família, etc.
Quando eu digo que a legitimação dessa ideologia bebe da biologia, é no
sentido de que se recorre à questão da biologia feminina para naturalizar essa
“vocação” inata para os cuidados da casa e dos filhos, e manter as mulheres,
assim, longe da esfera pública. A mulher, então, passa a ter a função de
procriação, de reproduzir a população e, consequentemente, a força de
trabalho. O homem, por sua vez, passa a exercer o papel de protetor, devido à
sua força física e à sua superioridade moral.
A partir do século XIX) A mulher, diante do novo modelo dos sexos, torna-
se o inverso complementar do homem. Só que, por outro lado, (ponto chave) a
categoria de inversão (agora como algo anormal, antinatural e perverso) passa
a designar o homossexual. “Sua inversão será perversão porque seu corpo de
homem será portador da sexualidade feminina que acabara de ser criada. O
invertido apresenta um duplo desvio: sua sensibilidade nervosa e seu prazer
sexual eram femininos. Seu sexo foi, por isso mesmo, definido como contrário
aos interesses da reprodução biológica” (COSTA, 1995, p. 129). Então parece
que o que o autor nos traz é que é como se o homossexual, nesse período,
passa-se a ser também esse inverso do homem, porque ele teria, em tese, uma
sexualidade feminina. Mas no caso das mulheres, parece que essa sexualidade
ainda se justificaria pela procriação, pela reprodução da força de trabalho.
Mas isso é algo que não ocorre no caso dos homossexuais – o que parece ter
muito a nos dizer sobre a imagem de perversão, a imagem do ser contrário aos
interesses da reprodução biológica.

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