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Sexualidade e Freud

Falar de sexualidade em Freud, e sua relação com os sofrimentos


psicológicos, a princípio nos remetem a uma questão social relacionada com o que
se compreende das atividades sexuais humanas.
Tal fato, de certo, é uma questão social que decorre de processos culturais,
dentro dos variados ambientes sociais em que no percurso de desenvolvimento do
ser humano, se deu por relações de poder nas variadas contingências sociocultural.
Então, nesse processo cultural das relações sociais, pode-se pensar em duas
situações que nos levam a pensar o sexo sob dois aspectos: o conceito de sexo e
gênero.
Para não haver dúvidas a respeito do que desejo relacionar, vamos entender
que sexo e gênero se distinguem por construções sociais, em que, masculinidade e
feminilidade se definem por mutua oposição em um contexto relacional de poder.
É esse poder que Bourdieu vai sinalizar como ‘construção naturalizada’. Em
seu conceito de (habitus), como o que nos condiciona a uma maneira de ser, uma
tendência, uma inclinação; o que inclui autodisciplina e censura. ( Bourdieu,1986).
Vale sinalizar, que a constituição do habitus de gênero, de certa forma, nos
conduz pensar no processo de transferência do individual para o coletivo, em que, a
construção do indivíduo e do mundo se articula a estruturas objetivas e subjetivas,
respectivamente o princípio de visão e divisão.
Tais princípios, de algum modo, conduzem-nos às práticas e atos
classificatórios, em relação às coisas do mundo, a partir de distinções redutíveis à
oposição entre masculino e feminino.
Até aqui, pode-se dizer que a relação sexo e gênero, são, certamente, uma
construção social e cultural, e o que se produziu e se produz a esse respeito é,
desde a concepção bíblica a era moderna, compreensões tão variadas que Freud
definiu a sexualidade como tudo o que está relacionado com a distinção entre os
dois sexos.
Por tudo isso, talvez, o tenha concluído que, o que é sexual seja da ordem do
impróprio. E nesse pensamento, o que é sexual “reúne uma referência ao contraste
entre sexos, à busca de prazer, à função reprodutora e às características de algo
que é impróprio e deve ser mantido secreto” (Freud, 1976b, p. 356).
É justamente nesse processo social conflituoso, em que os sexos e gêneros
se confundem numa ordem proposital das relações de poder; nesse caso, masculino
e feminino se subjugam ao tempo histórico, em que, a família, a escola e a igreja
lhes impõem como ordem social a divisão social dos sexos.
Tal divisão, no pensamento de Bourdieu, caracteriza-se nessas instâncias
sociais, em que, a Família legitima a dominação inscrita na visão masculina e,
estabelecida pela divisão sexual do trabalho, garantidos pelo direito e entalhado na
linguagem.
Quanto à Igreja, em sua moral familiarista, bem arranjada no que se organiza
o poder patriarcal, seus valores e, principalmente, pelo caráter dogmático do
catolicismo, não só, mas, da filosofia que dele decorre e estrutura outros
pensamentos religiosos, tão radicais quanto, a manter a mulher no contexto inato da
inferioridade.
Por fim, não menos perturbador, temos a Escola e, mesmo que a cisão com a
Igreja a tenha libertado, ainda assim, organiza-se a partir do patriarquismo e, se
legitima pela figura do educador em suas composições retrogradas do “ordem e
progresso”.
E quando se fala em ordem e progresso, temos a mão do Estado, legitimado
por um acordo tácito, a “ratificar e reforçar as prescrições e as proscrições do
patriarcado privado com as de um patriarcado público, inscrito em todas as
instituições encarregadas de gerir e regulamentar a existência quotidiana da unidade
domestica” [...] Bourdieu (1999).
Dito isso, uma pequena digressão nos colocará no rumo certo do que
desejamos finalizar com a ideia acima proposta, como introdução ao nosso
pensamento clínico, quando o que nos interessa, é tão somente, entender a
inserção do sujeito nessa trama social da sexualidade.
Então, ‘a sexualidade, tal como entendemos, é efetivamente uma invenção
histórica, mas, que se efetivou progressivamente à medida que se realizava o
processo de diferenciação dos variados campos sociais, e sua lógica específica’.
(Pierre Bourdieu).
É com esse pensamento que vamos encontrar em Freud, em ‘Os Três
Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade’, o que se pode chamar de primeiro
momento, em que houve efetiva preocupação em se pensar a sexualidade. Isso, no
modelo freudiano de pensar.
Entretanto, convém lembrar, e nesse caso vamos pensar (Foucault, 1985),
quando ele sinaliza para o fato de que o discurso sexualidade está presente em
diferentes momentos histórico, identificado pelo conceito de que o controle da vida
social e política, de certa forma, explicam-se pelo controle do corpo e da
sexualidade.
Sendo assim, pode-se pensar que, nossas práticas, teóricas e clínica, são
tributárias da cultura, o que nos permite pensar em uma psicanálise distante de uma
cultura moral sexual, que não produzisse conflitos psicológicos, certamente, a
psicanálise na existiria nos molde de sua fundação.
Por isso, quando pensamos a sexualidade em seus primórdios, percebemos
que cada instância social promulgou sua moral, e o discurso sobre a sexualidade
passa atrelado a mecanismos que visavam o controle, a regulamentação, e mesmo,
o comportamento desviante de uma sexualidade formatada aos critérios sociais, é
assim considerado como uma ameaça ao poder instituído.
Vesse que na idade média, os filósofos, detentores do saber médico,
estimavam a sexualidade, ora como elemento da procriação, ora como condição
médica. O Estoicismo vai transformar radicalmente o pensamento deles, no âmbito
do que reservavam à busca do prazer, fazendo com que a sexualidade fosse
centrada no casamento.
Assim, o que em algum momento era luxúria, desvio do “normal”, ganha no
casamento a permissão para os que consideravam o prazer um momento
indispensável.
E quando o prazer com aval do matrimônio se torna motivo constrangedor
para o ideal teológico, surge o celibato como purificador da alma. Tal pureza,
preconizada por grandes padres; Agostinho, Jerônimo e Tomás de Aquino;
contribuíram, eles, para a manutenção do negativismo ao sexo, que só se justificava
como mister procriador. Tal condição fez surgir uma moralidade sexual.
De tal pensamento, pode-se dizer que dos males o menor seria o casamento;
entretanto, ainda se vivia um impasse ao considerar a virgindade em oposição ao
casamento.
Nesse impasse, o casamento era considerado como local dos desejos
carnais, e ao mesmo tempo defendido como fonte de procriação e, de algum modo,
espaço de fidelidade e sacramento.
Quando comparados, o casamento perderia para a virgindade, sendo aquele,
o prazer da carne, e este, a contingência absoluta. É claro que, não sendo possível
a contingência em sua totalidade, o melhor seria circunscrever o desejo e aprisioná-
lo no casamento.
Então, quando o tempo passa, e as ideias se modificam, de algum modo,
passa à vontade divina e, torna-se um paradigma de reflexão moral, quando se diz
que tudo o que é agradável a Deus, é o que é natural; neste caso, “o coito natural”.
Divide-se assim, o sexo para procriação; o que é normal, e o sexo infecundo,
o que é anormal. Desse modo, tudo o que desvia do sexo natural, ou seja, do ato de
procriar, passa a ser a depravação, o condenável, certamente.
Podemos dizer que a sexualidade desviada de seu objetivo profícuo, torna-se
um pecado contra o que é de caráter natural e, configuram-se aberrações, a saber:
Pedofilia, Necrofilia, Exibicionismo, Sadismo, Frotterismo, e outros mais.
Assim, com as transformações sociais, a concepção de sexualidade muda o
contexto de vida doméstica, e isso tende afetar o Estado, uma vez que tais
mudanças trazem prejuízos a ele, uma vez que a população passou a ser um
recurso humano a serviço do Estado.
Mas, segue-se a isso uma perspectiva que tende a mudar a concepção de
sexualidade, não só, mas, nos remete a uma dimensão maior a considerar o
indivíduo em um contexto em que a sexualidade passa ser subjetiva ao ser, deixa o
modelo religioso para o médico, e então, passa vigorar a sexualidade de prática
sadia, e aquela que é perigosa. Por conta disso, a biologização vai diferenciar os
sexos e legitimar a sexualidade normal. (Sarasin, 2002).
Diante do que vimos até o momento e, do que já tínhamos como
conhecimento de mundo sobre o assunto, pode-se observar que no alvorecer do
século XIX, Freud vai subverter a ideia de sexualidade, quando se concentra na
diferença entre o objeto sexual e, a finalidade sexual. Seja o objeto de desejo, e o
que com ele se deseja sexualmente.
Ao resolver as ideologias sociológicas, concernentes à sexualidade, ela é em
cada ser humano uma história singular, e não se manifesta de forma universal.
Segundo Freud (1976), ‘ não se pode exigir uma idêntica conduta sexual para todos’.
Tal conduta, não se faz a “escolha sexual”, seja a fixação heterossexual ou
homossexual, sem uma explicação; visto ser a escolha, repousar na bissexualidade
humana, e mesmo, na sexualidade infantil de natureza perversa e polimorfa.
Por fim, pode-se considerar que a concepção freudiana de sexualidade
resulta em um novo paradigma: - a sexualidade em todas as suas manifestações
são conteúdos tipicamente humanos, e não há como pensar o bom ou mau sexo, ou
o sadio e o doente. Certo é que não há compatibilidade da sexualidade com as
exigências da civilização; e no entendimento de Freud, tal consideração se constitui,
ante, fonte de mal estar, do que, de felicidade.
O que nos mostrou essa sucinta digressão, é a certeza de que, nas palavras
de Freud, ‘ o homem não é senhor de sua própria morada’. Tudo o que disso
decorre, nos permite pensar o mundo em suas transformações sociais, e o que se
buscou como verdade, transfigurou-se como relação de poder a garantir a
sexualidade caráter normal e o patológico.
Mas, foi no interior de toda essa transformação que a psicanálise surge a
partir do discurso médico e, transformou-se em novo paradigma às questões da
psique humana, e mesmo sua sexualidade. Fato que nos permite ressalta-la como
uma ciência a reclamar dos seus adeptos a confrontar os movimentos sócio-
históricos, e re-construir teses mais sustentáveis frente as demandas dos próximos
séculos.

REFERÊNCIAS:

BOURDIEU, Pierre. La domination masculine. Paris: Seuil, 1999.


FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I, II e III: Rio de Janeiro: Graal, 1984 –
1985.
FREUD, Sigmund (1905), Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Rio de
Janeiro: Imago, 1976, v. VII.

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