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Linguagem e terapia

Vamos iniciar nossa discussão, no que diz respeito à terapia


psicanalítica, considerando a linguagem como o eixo principal de comunicação
do indivíduo com o mundo. O que nos leva a admitir, segundo muitos
pensadores, que a linguagem advém de um processo evolutivo, cujo propósito
básico, configura-se a partir de uma necessidade puramente humana de se
comunicar. A comunicação impreterivelmente.
Então, caminhando entre as ideias, como se pensamento e linguagem
fossem um fenômeno dialético, vamos observá-los em contextos qualitativos e
quantitativos de seu desenvolvimento.
Por ser uma necessidade básica do ser humano, a linguagem, em todos
os seus contextos filosóficos; sejam as interações sociais, em que há mediação
das relações do ser humano com o meio em que ele se desenvolve, ou
mesmo, uma relação dialética que o conduz à produção de bens culturais,
sejam materiais ou não.
É justamente esse ser, que ao longo de seu amadurecimento
psicológico, a linguagem se consolidou como instrumento de desenvolvimento
das funções psicológicas superiores; o que nos possibilitou nos comunicarmos
com o mundo. Essa, uma visão vigotskiana.
Nessa comunicação, produzimos nossa própria identidade com o
ambiente em que estamos inseridos, modificando-o e adequando-o às nossas
necessidades, produzindo ações construídas nas relações que os seres
humanos estabelecem entre si e a natureza.
Tal entendimento convém sinalizar, segundo o que preconiza Vigotski, o
papel da linguagem no desenvolvimento das funções psicológicas superiores,
como o que nos caracteriza e individualiza como seres humanos.

O significado das palavras é um fenômeno de pensamento


apenas na medida em que o pensamento ganha corpo por
meio das palavras, e só é um fenômeno da fala na medida em
que esta é ligada ao pensamento, sendo iluminada por ele. É
um fenômeno do pensamento verbal, ou da fala significativa –
uma união da palavra e do pensamento ( VIGOTSKI, 2003, p.
151).
É essa individualização, objeto de percepção de Freud, e muito bem
considerada por Vigotski, quando este nos permite inferir que a constituição do
significado das palavras não é estanque, mas, um processo dinâmico que se
modifica com o amadurecimento mental.
Fato que será apropriado por Freud, quando consideramos JORGE
(1952), ao dizer que Freud vai admitir a importância da linguagem e ponderar
sobre o tratamento psíquico como o que atua sobre a mente, considerando que
entre as medidas que atuam indispensavelmente e imediatamente sobre ela, a
mente, o uso das palavras é o que figura como importância primeira no
processo de tratamento mental.

Agora, também, começamos a compreender a “mágica” das


palavras. As palavras são o mais importante meio pelo qual um
homem busca influenciar outro; as palavras são um bom
método de produzir mudanças mentais na pessoa a quem são
dirigidas. Nada mais existe de enigmático, portanto, na
afirmativa de que a mágica das palavras pode eliminar os
sintomas de doenças, e especialmente daquelas que se funda
em estados mentais (/apud/ Jorge, 2017, p. 20).

Assim, em (FONTANA &CRUZ, 1997, p. 83), há que se considerar a


linguagem como “um produto histórico e significante da atividade mental dos
homens, mobilizada a serviço da comunicação, do conhecimento e da
resolução de problemas”.
É como produto socio-histórico que a linguagem ganha forma em ser
signo linguístico a serviço da significação mediador, a converter-se em principal
meio de comunicação, enquanto a palavra, inicialmente, é produto das formas
naturais de comunicação.
Então, quando nos dirigimos aos processos de tratamento psicanalítico,
em que o uso da palavra se converte como principal meio desse tratamento, e
nas palavras de Freud: “os distúrbios patológicos do corpo e da mente podem
ser eliminados por ‘meras’ palavras”.
Convém considerar Lacan, ao dizer que o sintoma se resolve por inteiro
numa análise linguajeira, por ser ele mesmo estruturado como uma linguagem,
por ser a linguagem cuja fala deve ser libertada (apud JORGE, 2017, p. 19).
Libertar o indivíduo de si mesmo, criando condições favoráveis à
expressabilidade por meio das palavras, de certo modo, nos parece o caminho
terapêutico a consolidar a psicoterapia. Não raro, a relação íntima entre os
fenômenos transferenciais e o poder da palavra, que conduziram Freud ao
estabelecimento das bases do método psicanalítico.
Entretanto, devemos sublinhar que o processo psicanalítico se organizou
a partir de muitos eventos vivenciados por Freud, e estudado exaustivamente;
devendo ser considerados nesse processo, a sugestão e a transferência.
Ambos obtiveram de Freud percepção muito diferenciada, a ponto de ele
considerar distinção fundamental entre um e outro. Sejam os perigos de se
desencaminhar um paciente por sugestão, seja o poder que a transferência
outorga ao psicanalista de dirigir o tratamento.
Assim, nas palavras do pai da psicanálise, “o perigo de se
desencaminhar um paciente por sugestão, persuadindo-o a aceitar coisas em
que nós próprios acreditamos, mas que ele não deveria aceitar”, [...] “um
analista teria de se comportar muito incorretamente antes que tal infortúnio
pudesse dominá-lo; acima de tudo, teria de se culpar por não permitir que seus
pacientes tenham oportunidade de falar”. Freud se orgulhava de que tal fato
jamais teria ocorrido em sua clínica.
Então, o que objetivamos com as considerações acima, foi tão somente
chamar a atenção de futuros psicanalistas, a importância de se entender a
linguagem como o que promove no indivíduo o desenvolvimento das
características essencialmente humanas, como memorização ativa, atenção
voluntária, capacidade de abstração, mas, que tais eventos, só se consolidam
no convívio social. O que nos permite, de algum modo, a partir da
compreensão do espaço coletivo e subjetivo do analisado, conduzi-lo em seu
processo de tratamento.

Se as palavras revelam o sentimento de quem às falam, então, finalizo


com Veríssimo, ao dizer:

[...] Sou um gigolô das palavras. Vivo às suas custas. E tenho com elas
exemplar conduta de um cáften profissional. Abuso delas. Só uso as que eu
conheço, as desconhecidas são perigosas e potencialmente traiçoeiras. Exijo
submissão. Não raro, peço delas flexões inomináveis para satisfazer um gosto
passageiro. Maltrato-as, sem dúvida. E jamais me deixo dominar por elas. Não
me meto na sua vida particular. Não me interessa seu passado, suas origens,
sua família nem o que outros já fizeram com elas. Se bem que não tenho
também o mínimo escrúpulo em roubá-las de outro, quando acho que vou
ganhar com isto. As palavras, afinal, vivem na boca do povo. São faladíssimas.
Algumas são de baixíssimo calão. Não merecem o mínimo respeito. [...]
(“GIGOLÔ DAS PALAVRAS”, DE LUIS FERNANDO VERÍSSIMO)

Com isso, pode-se considerar que o uso dos signos linguísticos para
auxiliar na construção de soluções dos sofrimentos psicológicos é comparável,
de algum modo, a novos instrumentos de trabalho que ocasionam novas
estruturas sociais; novos instrumentos do pensamento suscitam o surgimento
de novas estruturas cognitivas.

Referências:

Crystal, David, 1941 – Pequeno tratado da linguagem humana. São Paulo,


Saraiva, 2012.

Jorge, Marco Antônio Coutinho, 1952 – Fundamentos da psicanálise de Freud


a Lacan. Rio de Janeiro, Zahar, 2017.

Oliveira, MK, Piaget, Vygotsky, Wallon – Teorias psicogenéticas em discussão,


São Paulo, Summus Editorial, 1992.

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