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ISBN 978-65-5858-068-3 Este é o segundo volume de uma

série de quatro que trazem ao lei-


tor uma rica coleção de panfletos
escritos à época da Independência
do Brasil (1820-1823). Usados até
agora de modo parcial e esporádi-

José Murilo de Carvalho


co por historiadores, os panfletos
PROJETO REPÚBLICA: estão aqui disponíveis para todos
NÚCLEO DE PESQUISA,
DOCUMENTAÇÃO E
os interessados. A coleção não se

Marcello Basile
MEMÓRIA - UFMG pretende completa, talvez nunca

Lúcia Bastos
o seja, mas é muito mais do que
José Murilo de Carvalho
amostra, aproxima-se da totalidade
É professor emérito da Universidade
dos panfletos que sobreviveram e
Federal do Rio de Janeiro e membro
que estão disponíveis nas principais
da Academia Brasileira de Ciências
bibliotecas, coleções e arquivos de
e da Academia Brasileira de Letras.
Este segundo volume dos panfle- Portugal, Brasil e Uruguai. O que
tos da Independência do Brasil estes panfletos nos revelam é um
Lúcia Bastos inclui análises, reflexões, projetos, lado pouco conhecido da Indepen-
É professora titular de História textos que poderiam ser engloba-

Volume 2 – ANÁLISES
Panfletos da Independência (1820-1823)
GUERRA LITERÁRIA
dência, que na época se chamou
Moderna da Universidade do Es- dos na categoria geral de ensaios.
de guerra literária, uma guerra
São os textos mais especulativos
tado do Rio de Janeiro, bolsista de travada desde a revolução liberal do
da coleção, aqueles que expõem
produtividade do CNPq e Cientista Porto em 1820 até a independência
e debatem os confrontos mais
do Nosso Estado/FAPERJ. completa do Brasil, efetivada em
candentes da época: liberalismo
versus corcundismo, despotismo GUERRA LITERÁRIA 1823, com a libertação da Bahia.
versus constitucionalismo, secu- Panfletos da Independência (1820-1823) Embora não sangrenta, essa guerra
Marcello Basile
larismo, colonialismo, soberania, Volume 2 constitui fonte indispensável para o
É professor associado de História ANÁLISES
nação e império. Em conjunto, entendimento dos grandes debates
do Brasil da Universidade Federal
formam o que se poderia cha- que marcaram a renovação de uma
Rural do Rio de Janeiro. É autor do José Murilo de Carvalho
mar de pensamento político da nação e o nascimento de outra.
livro Ezequiel Corrêa dos Santos:
Lúcia Bastos
regeneração portuguesa e da Marcello Basile
um jacobino na Corte imperial Independência do Brasil.
Organizadores
(2001).
GUERRA LITERÁRIA
Panfletos da Independência
(1820-1823)

Volume 2
ANÁLISES
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Reitora Sandra Regina Goulart Almeida
Vice-Reitor Alessandro Fernandes Moreira

EDITORA UFMG
Diretor Flavio de Lemos Carsalade
Vice-Diretora Camila Figueiredo

CONSELHO EDITORIAL
Flavio de Lemos Carsalade (presidente)
Ana Carina Utsch Terra
Antônio de Pinho Marques Júnior
Antônio Luiz Pinho Ribeiro
Bernardo Jefferson de Oliveira
Camila Figueiredo
Carla Viana Coscarelli
Cássio Eduardo Viana Hissa
César Geraldo Guimarães
Eduardo da Motta e Albuquerque
Élder Antônio Sousa e Paiva
Helena Lopes da Silva
João André Alves Lança
João Antônio de Paula
José Luiz Borges Horta
Lira Córdova
Maria de Fátima Cardoso Gomes
Renato Alves Ribeiro Neto
Ricardo Hiroshi Caldeira Takahashi
Rodrigo Patto Sá Motta
Sergio Alcides Pereira do Amaral
Sônia Micussi Simões
José Murilo de Carvalho
Lúcia Bastos
Marcello Basile
Organizadores

GUERRA LITERÁRIA
Panfletos da Independência
(1820-1823)

Volume 2
ANÁLISES
© 2014, Os organizadores
© 2014, Editora UFMG

Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem
autorização escrita do Editor.
_________________________________________________________________________

G934 Guerra literária : panfletos da Independência (1820-1823) / José Murilo de


Carvalho, Lúcia Bastos, Marcello Basile, organizadores. – Belo
Horizonte : Editora UFMG, 2014.
4 v. : il. (Humanitas)
v. 1. Cartas – v. 2. Análises – v. 3. Sermões, diálogos, manifestos –
v. 4. Poesias, relatos, Cisplatina
ISBN: 978-65-5858-068-3 (PDF)

1. Brasil – História – Folhetos. 2. Brasil – História – Independência,


1822 – Folhetos. I. Carvalho, José Murilo de, 1939-. II. Bastos, Lúcia.
III. Basile, Marcello Otávio Neri de Campos. IV. Série.

CDD: 981.03
CDU: 94(81)

_________________________________________________________________________

Elaborada pela Biblioteca Professor Antônio Luiz Paixão – FAFICH-UFMG

Este livro recebeu apoio da Fapemig.

COORDENAÇÃO EDITORIAL Michel Gannam


ASSISTÊNCIA EDITORIAL Eliane Sousa
DIREITOS AUTORAIS Maria Margareth de Lima e Renato Fernandes
COORDENAÇÃO DE TEXTOS Maria do Carmo Leite Ribeiro
PREPARAÇÃO DE TEXTOS Camila Figueiredo
REVISÃO DE PROVAS Marina Rodrigues e Roberta Paiva
PROJETO GRÁFICO Cássio Ribeiro, a partir de Glória Campos – Mangá
FORMATAÇÃO E MONTAGEM DE CAPA Cássio Ribeiro
PRODUÇÃO GRÁFICA Warren Marilac

EDITORA UFMG
Av. Antônio Carlos, 6.627 | CAD II / Bloco III
Campus Pampulha | 31270-901 | Belo Horizonte/MG
Tel: + 55 31 3409-4650 | www.editoraufmg.com.br | editora@ufmg.br
AGRADECIMENTO ESPECIAL

Os organizadores desta publicação agradecem, de modo especial, o total apoio


que receberam da Fundação Biblioteca Nacional nas presidências de Eduardo
Portela e Pedro Corrêa do Lago. No então Setor de Obras Raras, Suely Dias
foi infatigável em providenciar a fotografia e a digitalização dos panfletos
lá existentes que constituem a grande maioria dos que vão aqui publicados.

AGRADECIMENTOS

A tarefa de buscar, selecionar, transcrever, anotar e editar os panfletos da


Independência exigiu grande trabalho e contou com a colaboração de muitas
pessoas e instituições. A Biblioteca de José Mindlin, com a aquiescência do
proprietário e com a eficiente colaboração de Cristina Antunes, localizou e
microfilmou os panfletos que constam de seu acervo. Posteriormente a nosso
contato, ela foi transferida para a USP com o nome de Biblioteca Brasiliana
Guita e José Mindlin. Graças à intermediação de Esther Caldas Bertoletti,
com a ajuda dos professores Maria Lêda Oliveira e Gilson Sérgio Matos Reis,
o mesmo foi feito pela Biblioteca Nacional de Portugal. Com intermediação
da professora Ana Frega, a Biblioteca Nacional (Ministerio de Educación y
Cultura, Uruguai) e o Departamento de História del Uruguay (Faculdade
de Humanidades e Ciências de la Educación, Universidad de la República)
digitalizaram e nos enviaram os panfletos de sua coleção referentes ao pe-
ríodo. Maria Izabel Mazini do Carmo atualizou a ortografia e a professora
Júnia Furtado, com seus alunos, encarregou-se de conferir a transcrição que
ainda passou por revisão final dos organizadores. Os textos em latim foram
traduzidos por Rafael Domingos de Souza e, subsidiariamente, por José
Murilo de Carvalho. Colaboraram na feitura dos índices onomásticos e das
notas biográficas os estudantes Paulo Roberto Carneiro Pontes, Cláudia A.
Caldeira, Bianca Martins de Queiroz e Marcelo Dias Lyra Júnior. O projeto
só foi levado a bom termo graças ao apoio financeiro da Fapemig, concedido
na presidência do professor Mário Neto Borges, com a intermediação da
professora da UFMG Heloisa Maria Murgel Starling, diretora do Projeto
República, auxiliada por Bruno Viveiros Martins e Rafael Cruz. A Editora
UFMG enfrentou o desafio de publicar obra de tamanho porte.
NOTA EDITORIAL

A publicação de textos antigos sempre enfrenta problemas que exigem


tomada de decisões editoriais. No caso presente, as principais dificuldades
foram: a frequente má qualidade dos originais, devida à impressão falha ou
à precária conservação; os reiterados erros tipográficos, inclusive nas muitas
citações em línguas estrangeiras; e as referências muito abreviadas às obras
dos autores citados.
Adotaram-se os seguintes critérios editoriais: atualizar a ortografia,
inclusive dos nomes próprios, exceto para as tipografias e títulos de panfletos,
jornais e livros; manter a pontuação e o uso de maiúsculas originais; utilizar
colchetes para indicar ilegibilidade de palavras ou dúvidas em sua leitura;
traduzir as citações em língua estrangeira, exceto espanhol; e completar,
sempre que possível, as referências abreviadas. A manutenção da pontuação
oitocentista acarretará não pequena dificuldade para o leitor de hoje, que
necessitará de algum tempo para se adaptar, mas foi julgada importante para
conservar algum sabor da época. Para reduzir a interferência nos textos,
sempre que erros tipográficos eram óbvios, não se recorreu aos colchetes.
Os panfletos provenientes da Cisplatina escritos em espanhol não foram
traduzidos nem tiveram a ortografia atualizada. As traduções de citações
foram colocadas em pé de página, com nota do tradutor (N.T.), quando
houve complementação das referências. Em alguns casos, foram acrescentadas
notas explicativas dos organizadores (N.O.). Nota dos autores dos panfletos,
quando necessário para a clareza do texto, foi indicada com N.A.
Cada volume é acompanhado de índice de nomes, organizado por ordem
alfabética do último sobrenome. Sempre que possível, os nomes incompletos
foram completados, utilizando-se colchetes para indicar a parte acrescida.
CONTEÚDO DOS VOLUMES

Volume 1 – CARTAS

Introdução geral
A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL NARRADA
PELOS PANFLETOS POLÍTICOS

CRONOLOGIA (1820-1823)

INTRODUÇÃO AO VOLUME 1

CARTAS

ÍNDICE ONOMÁSTICO

Volume 2 – ANÁLISES

INTRODUÇÃO AO VOLUME 2 11

ANÁLISES, REFLEXÕES, PROJETOS 23

ÍNDICE ONOMÁSTICO 705


Volume 3 – SERMÕES, DIÁLOGOS, MANIFESTOS

INTRODUÇÃO AO VOLUME 3

SERMÕES, ORAÇÕES E DISCURSOS

DIÁLOGOS, CATECISMOS E DICIONÁRIOS

MANIFESTOS, PROCLAMAÇÕES, REPRESENTAÇÕES,


PROTESTOS, APELOS E ELOGIOS

ÍNDICE ONOMÁSTICO

Volume 4 – POESIAS, RELATOS, CISPLATINA

INTRODUÇÃO AO VOLUME 4

POESIAS

RELATOS

INTRODUCCIÓN A LOS PANFLETOS DE LA ZONA


CISPLATINA
Ana Frega

PANFLETOS DA CISPLATINA

NOTAS BIOGRÁFICAS SOBRE OS PRINCIPAIS NOMES


CITADOS NOS PANFLETOS

OFICINAS TIPOGRÁFICAS CITADAS

PANFLETOS EXISTENTES NA OLIVEIRA LIMA LIBRARY DA


CATHOLIC UNIVERSITY OF AMERICA NÃO INCLUÍDOS

ÍNDICE ONOMÁSTICO
INTRODUÇÃO AO VOLUME 2

O volume 1 desta coleção incluiu os panfletos escritos em formato de


cartas. O atual abrange o que se poderia chamar, genericamente, de ensaios.
São análises, reflexões, projetos (palavras presentes em muitos títulos), teses,
refutações, defesas. O traço característico deste conjunto é o esforço de refle-
xão sobre as transformações por que passava o Reino Unido, deslanchadas
após a Revolução Liberal do Porto, de 24 de agosto de 1820. Discutiam-se
conceitos como os de liberalismo e constitucionalismo, corcundismo, secula-
rismo, soberania, recolonização, e sua aplicação nas leis votadas pelas Cortes,
no comportamento dos deputados constituintes, nas práticas dos cidadãos,
nas decisões de D. João e D. Pedro. É nos panfletos incluídos neste volume
que melhor se pode avaliar o ambiente intelectual da época e a capacidade
de lusos e brasileiros de pensar e fazer o caminho que tomavam as coisas de
um e outro lado do Atlântico.
Antes de apresentar os ensaios, é necessário justificar a exclusão de
um deles. Trata-se do Portugal regenerado em 1820, escrito por Manoel
1
Borges Carneiro. A razão da exclusão foi técnica. Pelos critérios de seleção
adotados pelos organizadores, ficariam de fora os textos de mais de 50
páginas. Portugal regenerado tem 103 páginas e, se incluídas, como seria
recomendável, as reações que provocou em forma de parábolas e diálogos,
2
facilmente se chegaria a mais de 200 páginas, quase um livro completo.
Foi por essa mesma razão, o tamanho dos textos, que foram excluídos os
folhetos de José da Silva Lisboa.
Dada, no entanto, a importância do texto de Manoel Borges Carneiro,
cabe aqui breve resumo de seu conteúdo. Portugal regenerado em 1820 teve
três edições (sendo que a segunda incluiu um aditamento sobre a Convocação
das Cortes) em apenas três meses, sendo também publicado no Rio de Janeiro
em 1821. Foi considerado uma das obras mais importantes do Vintismo,
pois tinha caráter programático por conter as principais linhas de reforma
da estrutura política da sociedade portuguesa. Iniciando com as origens do
Direito Feudal, relatava suas consequências e demonstrava a necessidade de
uma legítima regeneração política. Defendia a Convocação das Cortes, mas
não das Cortes tradicionais de Portugal, pois não havia deputados natos; a
representação da nação só podia se dar por pessoas eleitas por ela mesma.
Inspirava-se em autores como Locke e Montesquieu, aceitando a experiência
francesa que pusera fim ao Antigo Regime, na versão da Constituição de 1791,
mas negando qualquer possibilidade de interferência das ideias jacobinas.
Não seria possível nesta introdução fazer um apanhado geral dos 60
panfletos contidos no volume. Como foi feito na introdução ao volume 1,
vamos nos limitar a indicar alguns temas que nos pareceram ocupar com
maior frequência e intensidade a atenção dos autores e concluiremos apon-
tando alguns panfletos marcantes pela qualidade do texto e originalidade do
conteúdo.
A introdução geral da coleção, publicada no volume 1, apontou os
principais marcos do período que vai de 1820 a 1823. Em benefício do leitor,
que pode não ter tido acesso a ela, damos aqui um pequeno resumo. Tudo
começou com a Revolução Liberal iniciada no Porto em agosto de 1820 que
pregava o fim do absolutismo e a constitucionalização da monarquia; veio,
a seguir, a adesão de várias províncias brasileiras e, meio a contragosto,
da Corte do Rio de Janeiro, a instalação em Lisboa das Cortes Gerais, o
regresso, também a contragosto, de D. João e a eleição dos representantes
brasileiros às Cortes, tudo em 1821; o ano seguinte foi marcado pela reação
brasileira às Cortes, do que resultou o Fico, pela independência e pela eleição
dos deputados à Constituinte brasileira. Em 1823, instalou-se a Constituinte
brasileira, e juntaram-se ao Brasil a Bahia e o Pará. Em 1820-1821, o debate
girou em torno dos polos constitucionalismo e absolutismo; em 1822-1823,
dos de união e separação.

UMA GUERRA PORTUGUESA COM CERTEZA:


A RELIGIÃO
Um primeiro exame dos panfletos deste volume revela a forte presença
do tema da religião, fenômeno, aliás, já verificado nas cartas publicadas no
volume 1. O debate começou quando as instruções para a eleição de cons-
tituintes excluíram do direito do voto os membros das ordens religiosas. A
medida provocou intensa discussão. Do lado liberal, as posições evoluíram
para a denúncia da inutilidade e corrupção dos frades. Um panfleto de autor
desconhecido começa seu texto com a frase: “Os corpos regulares são hoje
3
em Portugal o ódio de toda a nação.” Foram apresentadas propostas de

12
extinção gradativa das ordens, incluindo as militares. Do lado corcunda,
as ordens foram defendidas como instituições tradicionais e beneméritas.
O debate extrapolou o campo clericalismo/anticlericalismo para a defesa
do catolicismo em geral. Diante da defesa feita por jornais liberais da liber-
dade de culto (não encontramos panfletos com essa postura), mais de um
panfletista católico argumentou que constitucionalismo e catolicismo se
equivaliam. O argumento, aliás, valia para os dois lados: liberais diziam
4
que anticonstitucionais não eram bons cristãos; corcundas alegavam que
5
ninguém era bom constitucional sem ser bom cristão. O autor desse último
panfleto, Dr. Hipólito Gamboa, intitulando-se acérrimo liberal, afirmava que
os portugueses aceitariam qualquer forma de governo, desde que preservasse
a religião de seus pais. Outro corcunda, que queria banir do vocabulário a
palavra liberalismo, reclamava que os periodiqueiros não usavam citações
das Escrituras e os acusava de não entender que “nós os portugueses [éramos]
6
tontinhos com a nossa religião”. Um constitucional anônimo chega a usar
linguagem religiosa para combater os corcundas, compondo credos, pais-
7
-nossos, ave-marias e salve-rainhas constitucionais.
Os panfletistas brasileiros ignoraram a discussão religiosa. Isso não quer
dizer que não se importassem com religião. Como em Portugal, o catolicismo
foi mantido em nossa constituição como religião do Estado. Mas isso não
era assunto para discussão política. Não houve aqui anticlericalismo porque
não havia clericalismo. Nem a hierarquia da Igreja, nem as ordens religiosas
tinham o peso social e político de suas congêneres portuguesas. E não havia
corcundas entre os muitos padres e frades que se envolveram nos debates,
alguns deles eram mesmo sobreviventes da Inconfidência Mineira ou da
Revolução pernambucana de 1817.

CONSTITUCIONALISMO, LIBERALISMO,
CORCUNDISMO
Dois temas dominaram os debates nos panfletos incluídos neste volume:
aquele travado entre o constitucionalismo e o liberalismo, de um lado, e seu
oposto, o corcundismo, de outro; e o das relações entre Brasil e Portugal.
Cada um desses temas ocupa cerca de 20 panfletos, ou seja, juntos perfazem
mais de 65% do total de 60. Constitucionalismo e corcundismo dominam o
debate nos anos de 1820 e 1821. Relações com Portugal predominam a partir
do início de 1822. A sequência cronológica não indica qualquer desconexão
entre as temáticas. Houve apenas mudanças de posição dos contendores.
Trataremos primeiro do embate entre constitucionais/liberais e corcundas.

13
O Dr. Hipólito Gamboa, no panfleto já mencionado, observa que, a
partir da Revolução Liberal, surgiu em Portugal um novo vocabulário, uma
“enxurrada de nomes capaz de alagar a todo o reino”. Segundo ele, a nova
nomenclatura ou provinha da invenção de novas palavras ou da extensão
do sentido de antigas. No último caso estava a palavra corcunda, também
grafada carcunda, ressignificada de aleijão físico para aleijão político. Há nos
textos mais de uma versão para a origem dessa metamorfose. Uma delas é
contada pelo autor do panfleto 26, já citado na nota 7. Segundo ele, em uma
das muitas celebrações da Revolução notou-se entre um pequeno grupo de
contrários “dois indivíduos de uma estatura gigantesca, mas todavia corcova-
dos”, surgindo daí a divisão entre constitucionais e carcundas. O Dr. Hipólito
Gamboa, no entanto, contradizendo em parte sua ideia de novidade na recente
conotação da palavra, registra a presença de sentido moral negativo já no
corcundismo anatômico. Vai buscar a prova disso em ninguém menos que
um padre da Igreja, Santo Ambrósio, que chama de corcunda quem possui
alguma torpeza na alma (“Gibbosus est qui turpitudinem in anima habet”).
O santo, por seu lado, recorrera às Escrituras (Levítico 21:20) para mostrar
que o Senhor proibia a corcundas e anões o exercício do sacerdócio em razão
de seu defeito físico.
Seja qual tenha sido a origem da palavra, Portugal dividiu-se entre
corcundas e constitucionais, entre bons e maus. Quem era bom para uns era
mau para outros e vice-versa. No Brasil, a dicotomia e o vocabulário que a
acompanhou foram menos marcados, embora não ausentes. Cada grupo via o
outro como radicalmente distinto em termos políticos, sociais e morais, como
fica claro nos dois panfletos citados acima. No entanto, a batalha se dava em
boa parte em torno da definição dos termos. Praticamente ninguém aceitava
a pecha de anticonstitucional, embora houvesse quem abertamente rejeitasse
a palavra liberal. Como no caso da religião, todos queriam ser constitucio-
nais e cada um se julgava o verdadeiro constitucional. O Dr. Hipólito, por
exemplo, que se intitulava acérrimo liberal, conclui seu arrazoado acusando
os soi-disant constitucionais de serem os verdadeiros corcundas. E faz um
apelo no sentido de que se acabe com “esta impolítica guerra civil, em que
as penas dos escritores públicos servem de espadas para levar a dor até o
coração de tantos portugueses beneméritos”.
No que toca ao conceito de liberalismo, os textos são decepcionantes
na medida em que apresentam pouca originalidade, embora a alguns não
faltem clareza e didatismo, de que são exemplos as Reflexões filosoficas
sobre a liberdade, e igualdade (n. 20), Das sociedades, e das Convenções, ou

14
Constituições (n. 6) e, sobretudo, o panfleto 17, Quaes são os bens e os males
que podem resultar da liberdade de imprensa? Outros são apenas pretensio-
sos como O Esboço do sistema político natural com algumas aplicações ao
Brasil (n. 39), de que se salvam apenas as abundantes notas. Traço marcante
de quase todos esses textos, em consonância, aliás, com o que se viu sobre
o peso da religião, é o conservadorismo político. A começar pelo já citado
O Liberalismo desenvolvido. A conclusão do autor é simplesmente recusar
o termo liberalismo, considerado inútil e perigoso, em favor do constitucio-
nalismo. As Reflexões filosoficas sobre a liberdade, e igualdade concluem
enfatizando o caráter limitado que deve ter a liberdade.
Indicação de conservadorismo é também a geral aceitação da monarquia
e a quase veneração pela figura de D. João VI. Não há um texto republicano
entre todos os panfletos localizados e nenhum título que indique republica-
nismo entre os que não foram encontrados. Quem mais se aproximou de
posições republicanas foi Cipriano Barata em panfleto que ele assinou como
8
Dezengano. Barata critica os resíduos do Antigo Regime presentes na prática
de concessões de ordens, privilégios e comendas pelo Soberano. Condena ainda
a retórica utilizada no decreto: “Minha Imperial Munificência” etc. Mesmo
assim, sua crítica é voltada, sobretudo, contra os ministros, em primeiro lugar
para “nosso Ditador José Bonifácio”, e não para D. Pedro, a quem dirige
apenas algumas veladas ameaças.
Outro sintoma na mesma direção pode ser verificado na literatura citada
pelos panfletistas. Havia grande desconhecimento do pensamento liberal e
constitucional europeu dos séculos XVII e XVIII. O autor de O liberalismo
desenvolvido, por exemplo, vai buscar apoio em Terêncio, Plauto, Cícero,
ou na Patrística. Quando cita Montesquieu é para aproveitar um elogio que
ele faz ao cristianismo. Esse pensador, aliás, considerando agora todos os
textos, tem o maior número de citações, seis, vindo em seguida Rousseau com
cinco, todas críticas, naturalmente. Locke está totalmente ausente, Hobbes
aparece em duas ocasiões, Hume em duas, Voltaire em uma e Adam Smith em
duas. Não são páreo para S. Paulo, com seis, Cícero e Horácio, com cinco, e
Licurgo, com quatro. Seis dos autores dos panfletos deste volume (para muitos
não temos informação sobre local de estudos) formaram-se em Coimbra e
provavelmente não ignoravam a literatura política moderna. É possível que
a censura, abolida apenas em agosto de 1821, ainda que só a prévia, tenha
inibido os autores. Mesmo assim, até nos panfletos de 1822 a presença dos
modernos é modesta. É difícil entender, por exemplo, a ausência de Locke,
o principal pensador do contratualismo e não particularmente subversivo.

15
CONSTITUCIONALISMO, LIBERALISMO, NAÇÃO
O segundo tema mais importante e, para o Brasil, o mais candente é sem
dúvida o da independência do país. Embora intensificado a partir do início
de 1822, já estava em germe em um panfleto anônimo, justamente famoso,
9
publicado ao final de 1820. Hélio Viana identificou o autor como sendo um
10
ex-coronel do exército de Napoleão, Francisco Cailhé de Geine. O coronel
era informante do intendente-geral da polícia, Paulo Fernandes Viana, e tinha
acesso à Corte. Seu texto pode ter sido encomendado como parte da luta que
se travava na Corte de D. João entre o absolutista Tomás Antônio Vilanova
Portugal, que queria a permanência do rei no Brasil para não se tornar refém
das Cortes, e o conde de Palmela, parlamentarista à inglesa, que advogava o
retorno do rei. O folheto de Cailhé segue a linha de Tomás Antônio e aconselha
o rei a ficar, não apenas para não se submeter aos constituintes, mas também
por razões geopolíticas e de política internacional: o Brasil não precisava de
Portugal e poderia transformar-se em um grande império.
O folheto teve resposta em outro publicado, também sob anonimato,
11
na Bahia, provavelmente no primeiro semestre de 1821. O autor, aparen-
temente um brasileiro, ou português-americano, ataca o texto do francês,
autoria que lhe era desconhecida, como “monstruoso parto de uma pena
vil e mercenária” e inverte todos os argumentos nele expostos. Quanto à
relação Brasil-Portugal, afirma que aquele, sem este, se tornaria presa de
disputas internacionais e não gozaria das vantagens de uma constituição livre.
Outro folheto que enfrentou o assunto foi o de um militar português, aluno
12
de Matemática em Coimbra, tenente Antônio d’Oliva de Sousa Sequeira.
Escrito por quem foi, o texto surpreende por reconhecer a maior importância
do Brasil e, como consequência, a conveniência de ficar aqui a Corte, com
um vice-rei em Portugal, no caso, D. Miguel.
Essas escaramuças iniciais se transformaram em guerra aberta a partir
dos decretos das Cortes de 1º de outubro de 1821, subordinando a si todas as
juntas provinciais, criadas ou por criar, estabelecendo nas províncias governos
de armas independentes das juntas e também subordinados às Cortes, orde-
nando o regresso do príncipe real à Europa. A reação foi imediata no Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, daí resultando a pressão sobre D. Pedro
no sentido de desobedecer às Cortes e permanecer no Brasil, o que se deu em
9 de janeiro de 1822. Sem ainda terem notícias do Fico, as Cortes foram ainda
mais longe. Em 13 de janeiro de 1822 extinguiram os tribunais superiores
criados no Brasil por D. João, a saber, a Casa da Suplicação e os Tribunais
do Desembargo do Paço e da Mesa de Consciência e Ordens. Ficava ainda

16
mais óbvio seu propósito de desmontar a obra joanina, eliminando o centro
político que se firmara no Rio de Janeiro e isolando as províncias umas das
outras. A equação anterior “Cortes de Lisboa = Constituição/Corte do Rio
de Janeiro = absolutismo” começou a se alterar no Brasil para “Cortes de
Lisboa = Recolonização/Corte do Rio de Janeiro = independência”.
Datado do dia imediato ao Fico, 10 de janeiro de 1822, apareceu o
13
primeiro panfleto que já formulava a segunda equação. Escrito por Bernardo
José da Gama, pernambucano e desembargador da relação de Pernambuco
em 1821, o panfleto é uma sistemática demonstração da atitude hostil das
Cortes em relação ao Brasil que, segundo ele, produziu uma “força elétrica”
14
que abalou até os mais cordatos dos brasileiros. Sem falar em separação,
afirma que o Brasil precisava reassumir seus direitos perdidos de Reino Unido
e unir as províncias a fim de construir um país capaz de enfrentar os inimigos
externos. Para isso, o país precisava de um centro de poder e um sistema
liberal que mantivesse as conquistas já conseguidas.
Outras intervenções se seguiram. O português Teodoro José Biancardi,
escrevendo ainda em 1821, reconhece que o Brasil não pode aceitar uma
15
retrogradação ao estado de colônia e culpa as Cortes por eventual separação.
Outro português, Heliodoro Jacinto d’Araujo Carneiro, militar com ampla
experiência internacional, em texto realista e lúcido, escrito em abril de 1822
e dirigido às Cortes, reconhece a desigualdade em favor do Brasil e propõe a
16
permanência d’El Rei nesse país e a ida do herdeiro para Portugal. O Brasil
há de separar-se mais cedo ou mais tarde, argumenta, cabe às Cortes não
tornar o processo sangrento tentando vincular as províncias isoladamente a
Portugal. E acrescenta que o Brasil não podia ser àquela altura colônia de
Portugal como Portugal o fora do Brasil durante 14 anos. Intervenção contrá-
ria vem da Bahia e é assinada por alguém que se intitula Voz do Brasil, mas
que era seguramente um português. É uma iracunda reação ao Manifesto de
D. Pedro ao povo brasileiro, de 1º de agosto de 1822, redigido por Joaquim
17
Gonçalves Ledo. Trata-se de virulento ataque a D. Pedro e a seus “infames
conselheiros, seus pérfidos e indignos sátrapas da família dos Bonifácios”.
Defesa explícita da posição das Cortes, particularmente do mais furioso
antibrasileiro, o deputado Fernandes Tomás, é feita por um tal J. B. da R. O
autor repete a conhecida tirada de Fernandes Tomás: “Adeus, passe lá muito
18
bem Senhor Brasil.” Outro português, escrevendo da capital da Bahia, já
sitiada pelas tropas brasileiras, critica as Cortes por não mandarem tropas
19
para acabar com a canalha brasileira que insulta e persegue os portugueses.
Em praticamente todos os panfletos favoráveis ao Brasil, escritos ou
não por brasileiros, o tema da recolonização promovida pelas Cortes está

17
presente, como realidade ou como ameaça. Na melhor das hipóteses, há a
percepção de degradação, de redução do status de Reino, adquirido em 1815,
para uma relação de desigualdade em relação a Portugal. Na pior, há explícita
menção à recolonização. Aliás, a representação do povo do Rio de Janeiro
ao Senado da Câmara em 2 de janeiro de 1822, em reação ao decreto de 1º
de outubro, já falava na tentativa de “reduzir [o Brasil] ao antigo estado de
colônia”. Ainda antes do Fico, o Dispertador Brasiliense acusava as Cortes
de tentarem tomar medidas tendentes a reduzir o Brasil ao seu “antigo jugo,
20
e ao odioso estado de colônia”. Também anterior ao Fico é o panfleto do
português residente no Rio de Janeiro, José Gualberto Pereira, no qual acusa
abertamente as Cortes de quererem reduzir o Brasil ao antigo estado de colônia
21
e exorta os brasileiros à reação.
Não há como negar que as Cortes tomaram medidas que reduziam a
condição de igualdade do Brasil em relação a Portugal, garantidas pelo status
de Reino Unido, sobretudo pela ordem de afastar o príncipe herdeiro, de
eliminar o executivo central, de retirar os tribunais superiores, e de fomentar
as relações diretas das províncias com Portugal, tudo sob o argumento um
tanto cínico de que apenas se procurava defender as liberdades e combater o
absolutismo. As Cortes não propuseram o retorno ao exclusivo colonial, mas,
na atmosfera de hostilidade que se criou, recolonização passou a significar
qualquer recuo no status de Reino Unido e de sede da monarquia, mesmo que
sob a regência de D. Pedro. A ampliação semântica era parte da luta política,
e os panfletos foram uma arma desta batalha vitoriosa. O recuo parcial das
Cortes expresso no parecer da Comissão Especial dos Negócios do Brasil, de 18
de março de 1822, já não teve efeito. E, diferentemente do que se deu quanto
ao debate sobre o liberalismo, os autores estavam aqui bem atualizados no
que se refere à literatura que usavam. Os nomes de Raynal, Mably, De Pradt
e Thomas Paine aparecem com frequência. Concluindo, a mudança política
e dos temas do debate provocada no Brasil pela ação das Cortes entre 1821
e 1822 pode ser resumida na representação que segue.

Tabela 1
Brasil: Constitucionais/Corcundas; União/Separação

União Separação
Constitucionais 1 _ 2
Corcundas 3 _ 4

A célula 1 indica o momento inicial, em 1821, quando, no Brasil, liberais-


-constitucionais eram pró-Cortes e pró-união com o Portugal regenerado.

18
A posição mais firme era da junta baiana, não por acaso localizada numa cidade
com fortíssima presença de negociantes portugueses. A célula 3 estava quase
vazia. Em 1822, os liberais tinham migrado para a separação, sem abrir mão
da Constituição, agora brasileira (célula 2). A Corte do Rio de Janeiro, empur-
rada pelas ruas, juntou-se aos constitucionais aceitando o fim do absolutismo.
As Cortes lançaram os liberais brasileiros nos braços de D. Pedro. Fechou-se
a aliança que garantiu a Independência, consolidada em 1823 com a adesão
da Bahia, quando tropas de outras províncias e do Recôncavo derrotaram o
baluarte português de Salvador.

PANFLETOS MARCANTES
Além dos já comentados, outros panfletos merecem registro por sua
qualidade e originalidade. Apontamos três, todos de 1822.
O primeiro traz a novidade de comparar a situação do Brasil com a
22
da América inglesa. Não identificamos o autor que assinou Um Amigo da
Ordem, mas não por acaso publicou o texto na Bahia, onde era mais forte a
adesão a Portugal. São raras nos panfletos as comparações, aparentemente
inevitáveis, com o movimento independentista na colônia espanhola. Quando
23
aparecem é como exemplo a não ser seguido. Da América inglesa há apenas
a transcrição, sem comentários, dos artigos da Constituição da Virgínia,
24
publicada em Lisboa em 1820. Entende-se o embaraço: eram todos exemplos
de transformação de colônias em repúblicas, de uma que deu certo, a anglo,
de outras que não deram certo (pela fragmentação e turbulência). O autor
do panfleto em discussão acha um caminho original: faz grandes elogios à
independência das colônias britânicas, com vastas citações de Thomas Paine,
25
e, ao mesmo tempo, usa-a para justificar uma solução oposta para o Brasil.
Para sustentar a operação, faz um interessante histórico das duas colônias.
O segundo texto que merece destaque é de autor conhecido, Raimundo
26
José da Cunha Matos (1776-1839), que o assina com as iniciais R. J. C. M.
Cunha Matos era militar português que chegou ao Brasil em 1817 e que, em
1822, já estava ao lado das tropas brasileiras contra a Divisão Auxiliadora
Portuguesa. Distinguiu-se, mais tarde, como fundador da Sociedade
Auxiliadora da Indústria Nacional e do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro – IHGB. O texto é uma corajosa denúncia dos conflitos entre
portugueses e brasileiros cujo início o autor coloca já na chegada dos dona-
tários. Segue-se uma devastadora denúncia da administração portuguesa no
Brasil. Dos governadores que para cá vieram chega a dizer que nenhum “foi
executado pelos roubos, homicídios, violências, e desacatos que cometeram
durante a sua administração”. A cada denúncia, pergunta se não haveria razão

19
para a aversão que têm os brasileiros pelos portugueses americanos. Da crítica
exclui apenas os portugueses de Portugal. O ataque estende-se às Cortes, cujo
sonho seria restaurar o exclusivo colonial. Diante de tal libelo, o autor termina,
um tanto contraditoriamente, apelando no sentido de haver entendimento e
harmonia entre as duas partes. Escrevendo depois do Fico e na sequência de
denúncia tão pesada, o apelo sem dúvida soava pouco convincente.
O último panfleto a destacar foi escrito por figura conhecida no mundo
político e financeiro da primeira metade do século XIX. Trata-se de Manoel
Jacinto Nogueira da Gama, futuro marquês de Baependi (1765-1847). Filho
de inconfidente mineiro desterrado para Cabo Verde, formou-se em Coimbra
e seguiu carreira militar. Enriqueceu graças a casamento com uma Carneiro
Leão, filha da baronesa de São Salvador de Campos. Em 1808 já era escri-
vão do Real Erário e nesse emprego escreveu sua primeira memória sobre as
finanças brasileiras, em 1812. Tornou-se um dos melhores conhecedores do
tema na época.
27
Seu folheto trata do crítico problema das finanças da época: tesouro
exaurido, Banco do Brasil quase à falência, imensa dívida pública de 30
milhões de cruzados, grandes despesas militares, interrupção das receitas
provenientes das províncias. Nogueira da Gama argumenta que seria impos-
sível pagar a dívida e atender às despesas ordinárias e extraordinárias apenas
com redução de gastos e aumentos de impostos diretos e indiretos. Sugere
o recurso a empréstimos internos e externos. Didaticamente, mostra numa
tabela como seria pago um empréstimo de oito milhões de pesos fortes, juros
e capital, em 16 anos. A argumentação é semelhante à empregada no mesmo
ano em relatório de uma comissão criada por D. Pedro, de que Nogueira da
Gama era parte, e em parecer apresentado ao Imperador no ano seguinte,
quando o autor já era ministro da Fazenda. O parecer sugere exatamente a
28
contratação de empréstimo junto a capitalistas ingleses.
O tema era polêmico. Em carta publicada no volume 1 desta coleção,
datada também de 1822, José Antônio Lisboa combate a ideia de empréstimo
29
e defende como remédio a contenção de despesas desnecessárias e inúteis.
Era um debate pontuado de citações de autores da nova ciência da Economia
Política. Revelando uma nova faceta dos panfletos, vemos que Nogueira da
Gama os utilizava para convencer o público e, naturalmente, o Imperador,
da justeza de suas ideias. Não por acaso foi escolhido ministro em 1823. Para
sua infelicidade, a turbulência política que levou ao fechamento da Assembleia
Constituinte tornou curta sua presença no Ministério. Mas em 1824 o Brasil
contratou seu primeiro empréstimo em Londres de três milhões de libras.

20
NOTAS
1
Portugal regenerado em 1820. Por Manoel Borges Carneiro. Lisboa: Na Typographia
Lacerdina, 1820. Houve edição no Rio de Janeiro em 1821 pela Impressão Regia.
2
Ver, por exemplo, Parabolas accrescentadas ao Portugal Regenerado, por D. C. N.
Publicola. Lisboa: Na Impressão Regia. Anno 1820; Parábola VI accrescentada ao Por-
tugal Regenerado. A necessidade de Constituições provada pela injustiça dos Cortesãos.
Lisboa. Na Impressão Nacional. 1821; Diálogo sobre o futuro destino de Portugal ou
parábola VIII accrescentada ao Portugal Regenerado por P. C. N. Publicola. Lisboa.
Na Imprensa Nacional. Anno 1821.
3
Panfleto 14: Memorias para as Cortes Lusitanas em 1821. Bahia, 1821.
4
Panfleto 4: Os anti-constitucionaes. Prova-se que são maos christãos, maos vassalos: e
os maiores inimigos na nossa Patria. Por José Anastácio Falcão, 1821.
5
Panfleto 37: A Corcundice explicada magistralmente, ou a resolução de dois problemas
interessantes a respeito dos corcundas. I. Que cousa seja hum Corcunda? II. Quem são
os verdadeiros Corcundas? Lisboa, 1822.
6
Panfleto 44: O liberalismo desenvolvido, ou os chamados liberais desmascarados e
conhecidos como destruidores da nossa Regeneração, o que tudo serve de resposta a
huma carta que corre impressa contra o P. José Agostinho de Macedo. Lisboa, 1822.
7
Panfleto 26: A Regeneração constitucional ou guerra e disputa entre os Carcundas e
os Constitucionaes: origem destes nomes, e capitulaçaõ dos Carcundas escripta pelo
Constitucional Europeo ao Constitucional Brasileiro, e offerecida a todos os verdadeiros
constitucionaes. [Rio de Janeiro, 1821].
8
Panfleto 57: Analize ao decreto do 1. de Desembro de 1822, Sobre a creação da nova
Ordem do Cruzeiro: com algumas notas. Illustração ao Brazil, e ao nosso Imperador o
Sr. D. Pedro I. Bahia, 1823.
9
Panfleto 2: Le Roi et la Famille Royale de Bragance doivent-ils dans les circonstances
présentes, Retourner en Portugal, ou bien Rester au Brésil? Rio de Janeiro, 1820.
10
A informação está na introdução de Raymundo Faoro ao livro O debate político no
processo da Independência. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura, 1973, p. 12-
19.
11
Panfleto 10: Exame analytico-critico da solução da questão: o Rei, e a Família Real de
Bragança devem, nas circumstancias presentes, voltar a Portugal, ou ficar no Brasil?.
Bahia, 1821. Como o texto anterior, este também foi publicado no livro O debate po-
lítico no processo da Independência.
12
Panfleto 16: Projecto para o estabelecimento politico do Reino-Unido de Portugal, Brasil
e Algarves, offerecido aos illustres legisladores, em Cortes Gerais e extraordinarias. O
folheto foi impresso em Coimbra em 1821 e reimpresso no Rio de Janeiro no mesmo
ano.
13
Panfleto 46: Memoria sobre as principaes cauzas, por que deve o Brasil reassumir os seus
direitos, e reunir as suas provincias offerecida ao príncipe real. Rio de Janeiro, 1822.

21
14
Em carta ao pai de 14 de dezembro de 1821, D. Pedro informou que a publicação
dos decretos “fez um choque mui grande nos brasileiros e em muitos europeus aqui
estabelecidos”.
15
Panfleto 22: Reflexões sôbre alguns successos do Brasil. Rio de Janeiro, 1821.
16
Panfleto 31: Brasil e Portugal ou refleções sobre o estado actual do Brasil. Lisboa, 1822.
17
Panfleto 53: Reforço patriotico ao Censor Luzitano na interessante tarefa que se propoz,
de combater os periodicos. Bahia, 1822.
18
Panfleto 41: Exame critico do parecer que deu a commissão especial das Cortes sobre
os negocios do Brazil. Lisboa, 1822.
19
Panfleto 52: Reflexões Sobre o estado actual do Brasil, dirigidas á Soberania da Nação
Portugueza. Por João Bernardo dos Reis Mota, Bahia [1822].
20
Panfleto 9: Dispertador brasiliense. Rio de Janeiro, 1821.
21
Panfleto 43: Incontestaveis reflexões, que hum Portuguez Europeo offeresse aos sen-
timentais Brasileiros sobre os seus intereses a face do presente. Rio de Janeiro, 1822
(escrito em 26 de dezembro de 1821).
22
Panfleto 29: A America inglesa e o Brazil contrastados, ou imparcial demonstração
da sobeja razão, que teve a primeira; e a sem razão do segundo, para se desligarem da
Mãi-Patria. Por Hum Amigo da Ordem. Bahia, 1822.
23
Ver panfleto 60: Golpe de vista sobre a situação politica do Brasil independente traduzido
d’um manuscrito hespanhol Feito em Junho do Corrente Anno. Rio de Janeiro, 1823.
24
Panfleto 1: Bases de huma Constituiçaõ livre.
25
O panfleto do inglês Thomas Paine, Common Sense (1776), foi a mais importante e
influente justificação da revolta das colônias norte-americanas. Vendeu 100 mil exem-
plares nos primeiros três meses após a publicação e 500 mil ao longo da guerra de
independência.
Panfleto 39: Ensaio historico politico sobre a origem, progressos e merecimentos da
26

antipathia, e reciproca aversão de alguns portuguezes europeus e brasilienses, ou eluci-


daçaõ de hum Periodo da celebre Acta do Governo da Bahia datada de 18 de Fevereiro
do anno corrente. Rio de Janeiro, 1822.
Panfleto 36: Continuação das meditações do Cidadão Constitucional á bem de sua Patria,
27

servindo de additamento ás Reflecções já publicadas sobre a necessidade, e meios de se


pagar a Divida Publica. Rio de Janeiro, 1822.
Para uma análise da situação das finanças na época e da atuação de Nogueira da Gama,
28

ver Liberato de Castro Carreira, História financeira e orçamentária do Império no Brasil.


Brasília: Senado Federal, 1980, tomo I, p. 91-119.
Carta dirigida aos Redactores do Reverbero Constitucional Fluminense relativa aos
29

apontamentos do Patriota Constitucional, para acudir ao Thesouro Público. Rio de


Janeiro, 1822. José Antônio Lisboa fez parte da comissão de 1822, criada por D. Pe-
dro. Em vista de sua discordância, emitiu voto em separado. O debate envolveu ainda
Gervásio Pires Ferreira, que enviou carta a Nogueira da Gama, publicada na Imprensa
Nacional em 1823, também incluída no volume 1.

22
ANÁLISES,
REFLEXÕES, PROJETOS

FBN Fundação Biblioteca Nacional


BNP Biblioteca Nacional de Portugal
BJM Biblioteca José Mindlin

1820
1. Bases de huma Constituiçaõ livre. Lisboa. Na Typografia Morandiana. p.
Com licença da Commissão da Censura. Anno 1820. BNP 33

2. Le Roi et la Famille Royale de Bragance doivent-ils; dans les circonstances


présentes, Retourner en Portugal, ou bien Rester au Brésil? Rio de Janeiro.
A l’Imprimerie Royale. Avec Permission. 1820. FBN 38
1821
3. As amendoas dadas aos Corcundas, por hum Liberal inimigo de golfinhos.
Rio de Janeiro. Na Impressão Nacional. 1821. [Ed. original: Lisboa. Na
Imprensa Nacional. Anno 1821. Com Licença da Commissão de Censura.]
FBN 51

4. Os anti-constitucionaes. Prova-se que são maos christãos, maos vassallos:


e os maiores inimigos da nossa Patria. Por José Anastácio Falcão. I. Parte.
Rio de Janeiro. Na Typographia Regia. Anno de 1821. Com licença. FBN 58

5. Cordão da peste, ou medidas contra o contagio periodiqueiro. [Por José


Agostinho de Macedo?] Lisboa. Na Officin. da Viuva de Lino da Silva
Godinho. Anno de 1821. Com Licença da Commissão de Censura. FBN 69
6. Das Sociedades, e das Convenções, ou Constituições. Reimpresso no p.
Rio de Janeiro. Na Typographia Real. 1821. Com Licença. FBN 85

7. Defeza das memorias para às Cortes Lusitanas em 1821, contra a memoria


de José Daniel Rodrigues Costa, capitão, que foi, da sua legião. Lisboa.
Em a Nova Impressão da Viuva Neves e Filhos. Anno de 1821. FBN 90

8. Destroço em ataque do cordão da peste periodiqueira com a ordem do dia


do Corcunda de má fé chefe da guarnição para se retirarem dos postos,
não obstante o reforço. Incluindo a resposta ao segundo Folheto do Novo
Mestre Periodiqueiro sobre a sua nota; com que tanto o enriqueceo, a
favor da Ex-Inquisição. Lisboa: Na Nova Impressão da Viuva Neves e
Filhos. Anno de 1821. Com licença da Commissão de Censura. BNP 106

9. Dispertador brasiliense. Rio de Janeiro. Na Typographia Nacional. Anno


de 1821. FBN 120

10. Exame analytico-critico da solução da questão: o Rei, e a Família Real de


Bragança devem, nas circumstancias presentes, voltar a Portugal, ou ficar
no Brazil? Publicada na Côrte do Rio de Janeiro por hum Anonymo em
idioma Francez nos ultimos dias do Anno proximo passado. Bahia. Na
Typog. da Viuva Serva e Carvalho. [1821]. Com licença da Commissão
de Censura. FBN 126

11. Genio Constitucional. Porto: Terça Feira 14 de Novembro. Reimpresso


no Rio de Janeiro. Na Typographia Real. 1821. Com Licença. FBN 147

12. Já fui Carcunda, ou a zanga dos periodicos. Lisboa. Na Officina da Viuva


de Lino da Silva Godinho. Anno de 1821. Com Licença da Commissão
de Censura. BNP 151

13. A jornada do Exorcista, desde Villa Franca, até Lisboa, Descripta por
hum Andador das Almas da Freguezia d’Alhandra, que na estrada
encontrou; e este compadecido delle o acompanhou. E a discripção do
Cura de Póvos sobre o Relatorio do que lhe contou o seu Sacristão,
dos desastres acontecidos na Jornada ao Exorcista. Part. II. Lisboa. Na
Nova Impressão da Viuva Neves, e Filhos. Anno de 1821. Com licença
da Commissão da Censura. FBN 155

24
14. Memorias para as Cortes Lusitanas em 1821, que comprehendem
Corpos Regulares d’hum, e d’outro Sexo. = Ordens Militares. = Corpo
Ecclesiastico. = Bispos. = Abbades. = Dizimos. = Bullas. = Inquisição. =
Justiça. = Tropa. = Pensões. = Economia. = e Policia. Bahia: Na Typog.
da Viuva Serva e Carvalho. Anno de 1821. Com licença da Commissão p.
da Censura. BJM, FBN 170

15. Pernicioso poder dos perfidos validos e conselheiros dos reis destruido pela
Constituição. [Por J. M. P. F. R. José Maximo Pinto da Fonseca Rangel.]
Rio de Janeiro. Reimpresso na Impressão Nacional. Anno de 1821. FBN 186

16. Projecto para o estabelecimento politico do Reino-Unido de Portugal,


Brasil e Algarves, offerecido aos illustres legisladores, em Cortes Geraes
e extraordinarias, por Antonio d’Oliva de Sousa Sequeira, Tenente do
6º Regimento d’Infantaria, Estudante do 4º Anno Mathematico na Uni-
versidade de Coimbra. Coimbra, Na Real Imprensa da Universidade.
1821. Com Licença da Commissão de Censura. E reimpresso no Rio de
Janeiro. 1821. Com Licença. FBN 197

17. Quaes são os bens e os males que podem resultar da liberdade da Im-
prensa; e qual he a influencia que elles podem ter no momento em que os
Representantes da Nação Portugueza se vão congregar? Reimpresso na
Real Typographia do Rio de Janeiro. Anno de 1821. Com licença. FBN 205

18. Qualidades que devem acompanhar os Compromissarios e Eleitores.


Extrahido do Genio Constitucional no 39. Reimpressso no Rio de Janeiro.
Na Typographia Real. 1821. Com licença. FBN 211

19. Razão, e mais razão em resposta ao folheto a Razão, e nada mais. Lis-
boa: Na Imprensa Nacional. Anno 1821. Com Licença da Commissão
de Censura. FBN 214

20. Reflexões filosoficas sobre a liberdade, e igualdade. Rio de Janeiro, na


Typographia Real. 1821. Com Licença. FBN 221

21. Reflexões politicas, offerecidas aos Senhores Deputados das Cortes de


Portugal, no anno de 1821. Para a util, e necessaria refórma da nossa
Constituiçaõ, na parte que respeita á religiosa observancia da nossa Santa
Religiaõ Catholica Romana – clero secular, e regular – ordens militares –
Priorado do Crato, e Ordem de Malta – dizimos, &c. Por hum fiel amigo
da Religiaõ, do Throno, e da Patria. Lisboa. Na Typographia Rollandiana.
1821. Com Licença da Commissaõ de Censura. FBN 224

25
22. Reflexões sôbre alguns successos do Brasil. Escriptas por Theodoro José p.
Biancardi. Rio de Janeiro. 1821. Na Typografia Nacional. FBN 240

23. Reflexões sobre hum paragrapho do Astro da Lusitania no 325. Por Aris-
todemo. Lisboa: Na Typografia Maigrense. Anno de 1821. FBN 262

24. Reflexões sobre o Decreto de 18 de Fevereiro deste anno offerecidas ao


Povo da Bahia por Philagiosotero [Antonio Carlos Ribeiro de Andrada
Machado e Silva]. Bahia: Na Typographia da Viuva Serva e Carvalho.
Anno de 1821. Com Permissão do Governo Provisional. FBN 268

25. Reflexões Sobre os proximos successos que tem havido na Côrte do Rio
de Janeiro. Rio de Janeiro. Na Impressão Regia. 1821. Com licença. FBN 276

26. A Regeneração constitucional ou guerra e disputa entre os Carcundas e


os Constitucionaes: origem destes nomes, e capitulaçaõ dos Carcundas
escripta pelo Constitucional Europeo ao Constitucional Brasileiro, e
offerecida a todos os verdadeiros constitucionaes. Por O teu Amigo
Constitucional Europeo. [Rio de Janeiro. Imp. Regia. 1821]. FBN 278

27. O Testamento da Velha que foi a serrar, a favor dos Corcundas, Em-
penados, e Suissos. E o Responso do Exorcista por Alma da Testadora.
Lisboa Na Nova Impressão da Viuva Neves e Filhos. Com Licença da
Commissão de Censura. [1821] FBN 298

28. O triunfo dos liberaes, e o arrependimento do servilismo. Reimpresso no


Rio de Janeiro. Na Impressão Nacional. 1821. FBN 305

1822
29. A America ingleza e o Brazil contrastados, ou imparcial demonstração
da sobeja razão, que teve a primeira; e a sem razão do segundo, para se
desligarem da Mãi-Patria. Por Hum Amigo da Ordem. Bahia. Na Typo-
graphia da Viuva Serva, e Carvalho. Anno de 1822. FBN 315

30. Analyse Das Observações criticas do Escritor da Malagueta, sobre o


Decreto para a convocação de hum Conselho de Procuradores geraes
do Brasil. Rio de Janeiro. 1822. Na Impressão de Silva Porto, e C.ª. FBN 339

31. Brasil e Portugal ou refleções sobre o estado actual do Brasil. Por H.


J. d’Araujo Carneiro. Lisboa: Na Impressão de João Nunes Esteves.
Anno 1822. [Reimpresso no Rio de Janeiro. Na Typographia do Diario.
1822]. FBN 344

26
32. O Brasil indignado contra o projecto anti-constitucional sobre a priva-
ção das suas attribuições. Por Hum Philopatrico [padre Marcelino Pinto
Ribeiro Duarte]. Rio de Janeiro, Na Typographia Nacional. M.D.CCC. p.
XXII. FBN 357

33. Considerações politico-mercantis sobre a incorporação de Monte-Vidéo


por J. S. V. Natural de Minas Geraes. Rio de Janeiro: Na Typographia
Nacional. 1822. FBN 370

34. Considerações sobre as Cortes do Brasil. Rio de Janeiro. Na Typographia


do Diario. 1822. FBN 383

35. A Constituição, e o Povo do Rio de Janeiro offendido no requerimento


que dirigio, á Sua Magestade Imperial, Joaquim Gonçalves Ledo. Rio de
Janeiro. Na Typographia Nacional. 1822. FBN 395

36. Continuação das meditações do Cidadão Constitucional á bem de sua


Patria, servindo de additamento ás Reflecções já publicadas sobre a
necessidade, e meios de se pagar a Divida Publica. Por Manoel Jacinto
Nogueira da Gama. Rio de Janeiro. Na Typographia Nacional. 1822. FBN 400

37. A Corcundice explicada magistralmente, ou resolução de dois problemas


interessantes a respeito dos corcundas. I. Que cousa seja hum Corcunda?
II. Quem são os verdadeiros Corcundas? Pelo doutor Hipolyto Gamboa,
acerrimo liberal. Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira. Anno
de 1822. BNP 413

38. O despertador Brasiliense Refutado: Em Favor dos Povos. Por J. Pinto da


Costa e Macedo Philodemo. Impresso da Typographia de Santos e Souza
ou Officina dos Annaes Fluminenses. Anno de M.D.CCC.XXII. FBN 431

39. Ensaio historico politico sobre a origem, progressos, e merecimentos


da antipathia, e reciproca aversão de alguns portuguezes europeus, e
brasilienses, ou elucidaçaõ de hum Periodo da celebre Acta do Governo
da Bahia datada de 18 de Fevereiro do anno corrente. Por R. J. C. M.
[Raimundo José da Cunha Mattos]. Rio de Janeiro. Na Typographia de
Mor. e Garcez. 1822. FBN 436

40. Esboço do systema politico natural com algumas applicações ao Brazil.


Lisboa, Na Typographia Rollandiana, 1822. BNP 457

27
41. Exame critico do parecer que deu a commissão especial das Cortes sobre p.
os negocios do Brazil. Por J. B. da R. Lisboa. 1822. FBN 488

42. Glosa a ordem do dia, e manifesto de 14 de Janeiro de 1822, do ex-general


das Armas Jorge de Avillez. Rio de Janeiro. Na Imprensa Nacional. 1822.
FBN 498

43. Incontestaveis reflexões, que hum Portuguez Europeo offeresse aos sen-
timentais Brasileiros sobre os seus intereses a face do presente. Por João
Gualberto Pereira. Rio de Janeiro. Na Typographia Nacional. 1822. FBN 505

44. O liberalismo desenvolvido, ou os chamados liberais desmascarados e


conhecidos como destruidores da nossa Regeneração, o que tudo serve
de resposta a huma carta que corre impressa contra o P. José Agostinho
de Macedo. Lisboa. Na Officina das Filhas de Lino da Silva Godinho.
Anno de 1822. FBN 510

45. Memoria para perpetuar a gratidão dos Brasileiros e Portuguezes compa-


triotados no Brasil. Por A. de A. B. Rio de Janeiro. Na Typographia do
Diario. M.D.CCC.XXII. FBN 532

46. Memoria sobre as principaes cauzas, por que deve o Brasil reassumir os
seus direitos, e reunir as suas provincias offerecida ao principe real. Por B.
J. G. [Bernardo José da Gama]. Rio de Janeiro. Na Typographia Nacional.
1º Anno da Regeneração do Brasil. 1822. FBN 541

47. Nova questão politica. ¿Que vantagens resultarão aos Reinos do Brasil, e
de Portugal se conservarem huma união sincera, pacifica, e Leal? Por R.
J. C. M. Rio de Janeiro. Na Typographia do Diario. 1822. FBN 566

48. Portugal e o Brazil. Observações politicas aos ultimos acontecimentos do


Brazil. Por Francisco d’Alpuim de Menezes. Lisboa. Impressão Liberal.
Anno 1822. [Reimpresso no Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1822].
FBN 575

49. [Prospecto para um novo periodico intitulado Correio do Rio de Janeiro,


que sahirá todos os dias, excepto nos Domingos e Dias Sanctos]. Rio de
Janeiro. Na Imprensa Nacional [1822]. FBN
587

28
50. Recordações ao governo da provincia de Pernambuco. Por hum seu
Compatriota. [Bernardo José da Gama]. Rio de Janeiro. Na Impressão p.
Nacional. 1822. FBN 590

51. Reflexões relactivas aos decretos das Cortes Geraes, Extraordinarias,


e Constituintes da Nação Portugueza, em data de 29 de Setembro de
1821, offerecidas a Sua Alteza Real o Principe Regente do Brasil, o
Serenissimo Senhor D. Pedro de Alcantara Por hum Cidadaõ Brasileiro,
na Provincia do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro; Na Typographia
Nacional 1822. BJM 603

52. Reflexões Sobre o estado actual do Brasil, dirigidas à Soberania da Nação


Portugueza. Por João Bernardo dos Reis Motta. Bahia. Na Typographia
da Viuva Serva, e Carvalho. 1822. FBN 610

53. Reforço patriotico ao Censor Luzitano na interessante tarefa que se


propoz, de combater os periodicos. Bahia: Na Typographia da Viuva
Serva, e Carvalho. Anno de 1822. FBN 615

54. Refutação á annalyse das instrucções para a nomeação dos deputados


da Assembléa Geral Constituinte e Legislativa do Reino do Brasil,
extrahida de hum folhfto inedicto, intitulado Reflexões de hum cabocolo
em Cortes. [Por José da Costa Azevedo]. Rio de Janeiro. Na Imprensa
Nacional. 1822. FBN 636

55. Sedativo contra a Malagueta ou obcervasoens sobre este papel. Por J. P.


C. M. Philodemo. Rio de Janeiro. Na Typographia de Santos e Souza.
M.D.CCC.XXII. FBN 641

56. Verdades sem rebuço. Por M. P. R. P. S. [Manuel Pinto Ribeiro de


Sampaio]. Rio de Janeiro. Typographia de Santos e Souza. Anno de
M.D.CCC.XXII. FBN 648

1823
57. Analize ao decreto do 1. de Desembro de 1822, Sobre A Creação da
nova Ordem do Cruzeiro: Com algumas notas. Illustração ao Brazil,
e ao nosso Imperador o Sr. D. Pedro I. Oferecida ao Publico pelo
Dezengano. [Cipriano José Barata de Almeida]. Bahia. [Tip. de M. A.
Silva Serva.] 1823. FBN 663

29
58. [Analize das Instrucções das Camaras municipaes aos eleitos deputados á
Constituinte Nacional]. Por Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque. p.
Rio de Janeiro. Na Typographia Nacional. 1823. FBN 678
59. Analyze dos direitos naturaes do homem inculto, e selvagem, deduzidos
do mesmo direito que rege toda a natureza creada, de que elle he parte.
Direitos de Convenção, em que os homens dão principio ao Corpo
Moral das Sociedades, seguindo na sua Organização o Systhema dos
Corpos fizicos sobre os Direitos da Soberania como Ordem natural Do
Systhema Universal. Por P. L. Veiga Cabral. Amigo da Philantropia. Rio
de Janeiro. Na Typografia de Silva Porto, e Comp. 1823. FBN 685

60. Golpe de vista sobre a situação politica do Brasil independente traduzido


d’um manuscrito hespanhol Feito em Junho do Corrente Anno. Rio de
Janeiro. Na Impressaõ Nacioaal. 1823. FBN 698

30
1820
1

BASES
DE HUMA
CONSTITUIÇAÕ LIVRE.

LISBOA:
NA TYPOGRAFIA MORANDIANA.
Com licença da Comissão de Censura. Anno 1820.

33
________________________________________________
Non tibi sunt integra lintea?
Non Di, quos interim pressa voces malo?
Horat

Não tens, ó Pátria, em ti broqueis seguros?


Não tens uma Nume a quem opressa invoques?
Horácio
________________________________________________

BASES
DE UMA
CONSTITUIÇÃO LIVRE.

Os Habitantes da Virginia na América Setentrional achando-se constituídos


na triste situação de padecerem os maiores insultos, e vexações inumeráveis
da parte de seu antigo Governo, que só mostrava intentos de reduzi-los à
última ruína, convenceram-se de que em tão críticas circunstâncias lhes não
restava já outro meio, para se conservar a imunidade de seus direitos, senão
o de repelirem aquele Governo, respeitado por eles até ali como legítimo, mas
que não podia deixar de sofrer a medida violenta de uma revolução, visto que
sua opressora tirania de um modo tão cruel os flagelava.
Este Povo heroicamente penetrado de um sagrado entusiasmo, e virtude
inabalável, apropriou-se dos sociais direitos, que estão sempre da parte dos
Povos oprimidos, abalançando-se à grande obra de sua liberal regeneração,
cimentada nos sólidos artigos, que depois serviram de base às melhores
Constituições, até agora publicadas, e que julgamos dignos de toda a contem-
plação em nossas atuais circunstâncias; e por esse motivo extraímos deles os
seguintes.

34
ARTIGO I.
Todos os homens sem exceção alguma nascem livres e independentes;
têm direitos naturais e conjuntos as suas pessoas, de que não podem, por
qualquer convenção que seja, privar, nem despojar os seus descendentes: tais
são a vida, e a liberdade com todos os meios de adquirir, e de gozar dos seus
bens; de procurar, e de obter a felicidade, e a segurança pessoal.

2.
Toda autoridade pertence ao Povo, e por consequência dele dimana
sempre. Os Magistrados são os seus depositários, os seus agentes, e como
tais obrigados a dar-lhe uma restrita conta de suas operações.

3.
Os Governos se instituiram para o bem comum, e devem pôr a sua mira
em proteger o Povo, fazendo a segurança da Nação. De todos os sistemas
de Governo, o melhor é sempre o que é mais próprio para conseguir um
maior bem, maior segurança, e o mais insuscetível pela sua natureza de se
deixar corromper na administração pública. Uma vez que se reconheça que
qualquer Governo é incapaz de preencher este fim, ou que a ele é contrário,
a maior parte da Nação tem o direito indubitável, inalienável, e inalterável
de extingui-lo, de mudá-lo, ou de reformá-lo, do modo que julgar mais a
propósito para obter o bem público.

4.
Nenhum homem, nem classe alguma de homens pode ter direito a
privilégios particulares, e exclusivos, senão por serviços feitos ao público, e
à sociedade. Tais privilégios concedidos a um Membro, são um sacrifício real
da parte dos outros, que para ter lugar, é necessário que dos mencionados
serviços tenha resultado um bem que lhe seja equivalente.

5.
Os três poderes, legislativo, executivo, e judicial devem existir separa-
dos e distintos. E para prevenir toda a ideia de opressão nos Membros que
compõem o primeiro e principal poder, a sua autoridade deve ser temporária;
eles devem no fim de certo tempo entrar de novo na multidão do Povo de
onde saíram; e os seus lugares vagos serão preenchidos por outros, nomeados
em frequentes, certas, e regulares Eleições.

35
6.
As Eleições dos Representantes da Nação devem ser livres. Um decisivo
amor pelo bem público, o ódio contra os abusos, a preferência do interesse
geral ao particular, a honra, e a probidade são as qualidades principais, que
devem constituir um digno Representante do Povo.

7.
O direito de propriedade é sagrado. A ninguém se pode tirar parte alguma
de seus bens, nem aplicá-los para usos públicos sem seu consentimento,
ou dos Representantes da Nação, que na realidade o são de cada um em
particular, quando a forma das Eleições é tal, que sobre elas influem todos
igualmente. O Povo não é obrigado a respeitar, senão as Leis que emanam
dos seus Representantes.

8.
Toda a Autoridade que intentar suspender as Leis, ou atalhar a sua
execução sem consentimento dos Representantes do Povo, comete um aten-
tado contra os direitos do mesmo Povo; e por isso deve ser ignominiosamente
banida.

9.
Todas as Leis que punem delitos cometidos antes delas existirem são
injustas, e por consequência indignas de se promulgarem.

10.
Em todos os processos civis, ou criminais cada Cidadão tem o direito
de pedir declarações sobre os motivos, e a natureza da acusação contra
ele intentada; de se fazer confrontar com seus acusadores, e testemunhas;
de produzir justificações em seu favor, e de exigir finalmente uma pronta
sentença dos Juízes competentes e imparciais. Ninguém deve ser obrigado a
prestar depoimento contra si próprio; nem deve considerar-se criminoso, ou
ser privado da sua liberdade, senão por uma Sentença legalmente proferida.

11.
Não se deve exigir cauções excessivas, nem impor avultadas penas pecu-
niárias; nem condenar a penas cruéis, e repugnantes à humanidade.

36
12.
Todas as Ordens expedidas sem provas suficientes são opressivas; é pois
necessário que a Ordem dada a um Oficial, para fazer indagações em lugares
suspeitos, para prender uma ou diversas pessoas, ou fazer-lhe apreensão em
seus bens, descreva circunstanciadamente os lugares, as pessoas, ou as coisas
que fazem o seu objeto.

13.
A liberdade da imprensa é um dos mais fortes baluartes da Liberdade
Pública; e só pode restringir-se onde o Governo é despótico.

14.
As Milícias regulares, e bem exercitadas, compostas de Cidadãos, são a
defesa natural, a mais conveniente, e a mais segura de um estado livre.

15.
Nenhuma Nação pode conservar um Governo livre, e verdadeiramente
feliz, sem se ligar por fortes e constantes laços às regras da justiça, da mode-
ração, da economia, da temperança, e da virtude, recorrendo frequentemente
aos seus princípios fundamentais.

16.
A Religião ou o culto devido ao Criador, e os meios de o satisfazer, só
devem ser dirigidos pela razão, e pela persuasão, e nunca pela força, ou pela
violência; pois semelhantes meios são sempre opostos ao espírito e princípios
do Cristianismo; cuja verdade por si só basta para persuadir; e por esse motivo
com eles coincide a tolerância religiosa, que deve ser estabelecida, como um
dos direitos do Cidadão. Todo o que debaixo do pretexto de religião quiser
perturbar a paz, e a ordem da Sociedade deve ser rigorosamente punido.

F I M.

37
2

Le Roi et la Famille Royale de Bragance doivent-ils;


dans les circonstances présentes, Retourner en Portugal,
ou bien Rester au Brésil?

Le Roi et la Famille Royale de Bragance doivent-ils, dans les circonstances


présentes, Retourner en Portugal ou bien Rester au Brésil?
Telle est la question de haute Politique qui occupe, dans ce moment,
l’attention des Portugais d’Europa et d’Amérique et semble diviser d’opinion
les meilleurs têtes.
Cependant pour peu qu’on envisage, d’un esprit non prévenu, et dégagé
de tout interêt personnel, cette question la plus importante peut-être qui ait
été agitée depuis la fondation de la monarchie, Il nous semble qu’on ne peut
manquer d’arriver à cette solution: Que la Famille de Bragance ne doit point
quitter le Brésil.
Pour suivre la discussion dans toutes se phases et refuter victorieusement
toutes les objections, il nous semble qu’il suffit de prouver la vérité de six
propositions suivantes:
1. Que le Portugal, dans son état actuel, ne peut absolument point se
passer du Brésil, tandis que le Brésil ne retire au contrarie, pas le moindre
avantage de son Union avec le Portugal.
2. Que le Départ de la famille Roayle pour l’Europe serait le prélud de
l’Independace du Brésil résultat inévitable d’une démarche aussi impolitique.
3. Que Sa Majesté peut conserver son autorité Royale tout entière au
Brésil et y fonder un Empire florissant d’un très grand poids dans la Balance
politique du mond.
4. Que l’essor révolutionnaire des Portugais d’Europe sera considérablement
ralenti par la détermination du Roi de ne point quitter le Brésil; tandis qu’il ne
connaitrait pas de bornes, si Sa Majesté se trouvait à Lisbonne au milieu, et à
la merci des Rebelles.
5. Que la meilleure position, sans contredit, du Roi vis à vis des faiseurs
de constitutions est celle-la même où la Providence l’a placé, éloingé du foyer

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de la sédition et maître de la partie sans comparaison la plus importante el la
plus florissante de l’Empire Portuguais.
6. Enfin que, dans tous les cas possibles, Sa Majesté sera toujours à temps
de faire la démarche qu’on pourrait lui proposer aujourd’hui.

Dévéloppons ces diverses propositions.


La première est d’une évidence tellement palpable qu’elle pourrair
presque se passer de démonstration. En effet tous les besoins du Brésil
consistent absolument en articles fabriqués d’Europe et c’est precisément de
fabriques que manque le Portugal. On consomme il est vrai au Brésil beaucoup
de vin de Portugal; mais la raison en est aux droits d’entrée qui frappent
les vins d’Espagne et de France et les repoussent des marchés brésiliens;
de manière que le seul article considérable d’exportation que produise de
Portugal, serait d’une très mauvaise défait au Brésil, malgré la conformité
de mœurs et de gouts des habitans, s’il n’était protegé contre la concurrence
etrangère par des mesure fiscales. Qu’on applique cette remarque sur le
commerce du vin à celui du sel (et cette application est très juste) et l’on
verra que le plus grand mal qui résulterait pour les Brésiliens, d’une scision
avec le Portugal, serait de payer le vin et le sel, ces deus articles de première
nécessité, la moitié des prix auxquels on les vend actuellement.
Les hommes dont les Brésiliens ont vraiment besoin sont les Anglais,
les Allemands, les Hollandais, les Français, les Suédois, les Italiens etc.
parce que les pays qu’ils habitent, outre qu’ils produisent en abondance le
peu de denrées et matières premières qui manquent ici, sont couverts d’une
infinité de fabriques qui confectionnent tous les objets imaginables non
seulement parfaitement bien, mais encore a très bom marché. Le commerce
des Américains, des Allemands, des Suédois, et des Français est surtout
précieux pour le Brésil, attendu que ces nations qui n’ont pas de Colonies,
n’en consomment pas moins une très forte quantité de denrées coloniales
qu’elles se procurent en échange des Produits de leur Sol ou de leur Industrie;
mais en cas d’une séparation entre les deux Royaumes que pourrait envoyer
le Portugal au Brésil pour y acheter ces Produits coloniaux devenus un vrai
besoin pour ses habitants? Serait-ce des espéces métalliques? mais comme il
ne contient ni mines d’or, ni mines d’argent, il en serait bientôt totalement
dépourvu. Enverrait-il des objets fabriqués? Il est sans Industrie. Du Blé, de la
Farine? Il n’en récolte pas peut-être pour la moitié de sa prope consommation.
Des fers, de la quincaillerie? mais jusques à présent il a été obligé de les tirer
de l’Étranger et les payer avec l’Or du Brésil. Que pourrait-il donc importer

39
au Brésil? à peu près rien. Car les vins, les sels et quelquers autres petits
articles avec quelqu’avantage ne lui offriraient plus que de la perte, si les
étrangers n’étaient soumis, pour ces denrées, qu’aux mêmes droits que ceux
qu’il paie lui même.
Les Portugais d’Europa, à qui le jugement ou la bonne foi ne manquent
point convienent sans difficultés, de la vérité de tout cela; mais ils n’en
soutiennent pas moins que le Brésil ne peut pas non plus de son coté se passer
du Portugal. Demandez-leur porquoi, et ils vous répondront très sérieusement
que la Population blanche du Brésil est paresseuse, valétudinaire, qu’elle
a besoin d’être raffraîchie, et pour ansi dire retrempée de temps en temps
par des refforts de Colons venant d’Europe, et que c’est là la plus précieuse
importation du Portugal. Mais, en admettant cette assertion pour aussi vraie
qu’elle nous parait douteuse, nous demanderons à notre tour, s’il ne serait
pas extrêmement facile à Sa Majesté d’encourager par des lois sages et des
Réglements particuliers l’émigration des Européens au Brésil, et si des Colons
Allemands, Suisses, Anglaes, Irlandais, Danois, Suédois et Français ne seraient
point précieux sous le rapport de l’Industrie et de l’activité. D’ailleurs, d’après
notre manière de voir, un des résultats les moins doutex de la séparation des
deus Royaumes serait l’augmentation de l’émigration des Portugais pour le
Brésil; parce qu’on a toujours remarqué que le desir de s’expatrier est chez
les peuples en raison directe du mal-aise, et de la misère qu’ils éprouvent.
Cette objection tombe donc tout a fait d’elle même, et nous croyons
que, s’il est une chose demontrée au monde, c’est que le Brésil peut se passer
parfaitement du Portugal; tandis qu’au contraire celui-ci n’est absolument
rien sans le Brésil.
La seconde preposition nous parait d’une égale évidence. Une contrée
aussi vaste, et aussi riche que le Brésil, qui s’est vue pendant 13 ans le Centre
de l’Empire Portugais, qui a joui pendant 13 ans de la Présence de la famille
Royale et de l’avantage de posseder dans son sein le siège du Gouvernement;
qui sent toutes les supériorités sur le Portugal tant pour son immense étendue
que por seus richesses et population seulemente blanche, qui connait tout
l’importance de sa magnifique position sur le Glôbe, ne peut absolument
point se contenter d’une Part quelconque au Gouvernement, fût-elle plus
considérable encore que celle faite par l’Espagne à ses Colonies; et cela
par la rasion toute simple, que Cette Part au Gouvernement est toujours
parfaitement illusoire lorsque ceux à qui elle est accordée sont à deux mille
lieues de distance du Point ou se traitent les affaires Publiques. Que si on
ajoute à ce puissant motif de mécontentement, l’action des partis, l’Influence

40
irrésistible des contrées environnantes qui toutes ont les armes à la main
pour conquérir leur indépendence, les menées des Gouvernements constitués
d’Amérique pour flatter et propager l’Esprit républicain, qui regne toujours
plus ou moin dans les contrées à Esclaves, comme si la vue de l’extrême
servitude poussait l’homme vers l’extrême liberté; si l’on fait enfin entrer en
compte la discordance de caractère et d’opinions qui s’est dejà manifestée plus
d’une fois entre les Portugais et les Brésiliens, et qu’un evénement, comme
celui que nous occupe, ne peut manquer de faire dégénerer en antipathie
nationale, on coviendra, à moins de vouloir fermer les yeux à l’évidence,
qu’il est impossible qu’un Empire comme le Brésil reste longtemps Colonie,
à quelque condition que ce puísse être, d’une Province comme le Portugal.
La 3.eme proposition demande à être traitée avec quelque attention.
La fermentation des esprits, si génerale en Europe, le penchant irresistible
des Peuples vers un nouvel ordre de choses, vers de nouvelles modifications
de l’organisation sociale, la soif, en un mot, des révolutions qui devore les
habitantes de l’ancient monde civilisé, n’ont point, quoiqu’un en puisse dire,
trouvé jusques à ce jours un véritable accès au Brésil. Il y a bien un bon
nombre de têtes exaltés et de cœurs corrompus, mais la masse est encore
saine. Nous ne faisons point difficulté, toutefois, d’avouer qu’elle témoigne
du mécontentement, qu’elle éprouve les inquiétudes du mal-aise; mais il est
d’autant plus facile au Gouvernement de Sa Majesté d’en faire disparaître
les causes, que se mécontentement n’attaque point les bases de l’edifice
social, mais porte entièrement sur des vices de pure administration. Ce serait
d’ailleurs une bien fausse manière de juger de l’état de l’opinion publique au
Brésil que de prendre pour terme de comparaison les Villes principales de ce
Royaume. Il faut dans ce cas ne pas perdre de vue que ces Villes renferment
un très grand nombre d’Européens, tous partisans plus ou moins décidés des
Révolutions, et qui en soufflent, autant qu’ils le peuvent, l’esprit, en mettant
à profit pour cela les fautes et les erreurs où doit tomber fréquemment une
administration mal organisée. Sa Majesté peut donc aisément étouffer ces
germes de séditions, d’abord en prennant des mesures vigoureuses contre les
Factieux; ensuite en corrigeant les abus, et en faisant subir à la forme et à
la marche de son Gouvernement toutes les modifications agréables avec la
dignité de la Couronne, dignité qui ne se rencontre dans toute sa pureté que
là où le pouvoir Royal existe dans toute sa Plénitude.
Cette marche toute simple ne peut manquer de mener au but qui est,
d’asseoir la Domination de la Famille de Bragance au Brésil sur une Base
inébranlable.

41
Or une fois que ce but si désirable aura été atteint, lorsque une
administration active et eclairée secondera le développement naturel des
Richesses de toute espèce que le Brésil renferme dans son sein, à quel degré
de Puissance et de Prosperité ne s’élévera point ce magnifique Empire?
Peut-on trouver sur le globe une contrée mieux située pour le commerce et
qui lui livre en même temps un aussi grand-nombre de denrées précieuses,
autant de riches Produits? Il ne faut qu’ouvrir les yeux pour voir que les
Ports de Pernambuco, de Bahia, et du Rio de Janeiro sont faits et placés
par la nature pour devenir les Entrepôts du commerce de l’Inde, de la
mer du sud, de l’Europe, de l’Amérique, en un mot, du monde entier.
Oui, nous le déclarons solemnellement, le Souverain que la Providence
a appellé à régir cette magnifique portion du Globe, doit, par la seule
force des choses, en devenir un des premiers Potentats. Il faut sortir de la
vielle routine Européenne. Il ne faut point rester totalement étrangers aux
événemens politiques qui se passent à nos portes, et pour ainsi dire, sous
nos yeux. L’Amérique va peser dans la Balance des nations de tout le poids
de son immense et fertile territoire, de sa population toujours croissante,
de la vigueur enfin qui accompagne la jeunesse des Peuples comme celle
des Individus. Les destins du monde entier ne se régleront plus, à l’avenir,
dans quelque coin ignoré de la vielle Europe. Le sort des habitans de tout
un hémisphère ne dependra plus de l’issue d’un combat ou d’une Bataille
livrés, soit au milieu des Roches des Pyrennées, soit dans les plaines de
l’Allemagne. Le champ de bataille, l’arêne où devront désormais descendre les
nations pour vuider leur querelles c’est le vaste Océan. En effect les intérêts
politiques des diverses nations civilisées sont engagés et liés d’une manière
si particulière, la tendance de l’esprit du siècle est tellement prononcée, qu’il
est impossible, aux yeux de l’homme accoutumé à reflechir que la première
grande guerre qui doit désoler le monde ne soit point une Guerre maritime.
Et alors quel beau rôle devra jouer le Brésil si important, si nécessaire aux
Puissances belligérantes pour faire refraichir et réparer leus Escadres! Comme
l’alliance et l’amitié du Souverain de ce vaste empire placé au centre de la
civilisation et dominant toutes les mers seront avidement recherchées! et
si le Gouvernement du Brésil sait profitter de ces circonstances favorables,
quelle extension et qu’elle activité ne peut-il pas imprimer à sa marine et
à son commerce. Et voilà ce qu’on veut abandonner, ce qu’on veut perdre
pour se retirer au milieu des rochers du Portugal! Il nous semble, en vérité,
voir Louis XVIII. et sa famille abandonner la France pour aller fixer le siège
de son Gouvernement à la Martinique. Mais allons plus loin, supposons,

42
contre tout Espèce de Raison, qu’après que la famille de Bragance aura
abandonné le Brésil pour retourner à Lisbonne, Elle conservera toujours ce
Pays-ci fidèlement soumis à son sceptre; Le roi constitutionnel de Portugal
n’en descendra pas moins, par la seule force des choses, au rang de puissance
Européenne du troisième ordre, parce que le Portugal est si peu important
par lui même et se trouve d’ailleurs si désavantageusement situé, que, pour
se défendre de l’oppression de l’Espagne, Il devra forcément demeurer à
jamais sous la fèrule de l’Angleterre.
Voilà des vérités plus claires que le jour, Luce meridiana clariores,
que rien ne peut ébranler qu’aucun sophisme ne saurait détruire. Et
qu’on remarque bien que nous venons d’admettre, une supposition tout-
-à-fait absurde, celle que le Brésil pourrait rester paisiblement soumis au
Gouvernement transporté à Lisbonne et renoncer à son Indépendance absolue
après en avoir joui pendant 13 ans. Or même avec cette supposition, certes
bien gratuite, nous pensons que tous les bons esprits se rangeront de l’avis
que la Famille Royale ne doit point, dans son intérêt bien entendu quitter
le Brésil. A combien plus forte raison ne doit elle pas s’abstenir de certe
périlleuse démarche lorsqu’il est, pour ainsi dire, évident qu’en l’adoptant
elle se trouverait, avant un petit nombre d’années, réduite au Portugal privé
de ses colonies, c’est-à-dire à une Province d’une étendue ordinaire, pauvre,
peu fertile et incapable de subvenir mème aux dépenses de la cour tenue sur
un pied digne de la majesté du Thrône.
Nous n’ignorons pas que ces propositions paraitront absurdes à bien
des Portugais qui, ne tenant aucun compte de la différence des temps et des
mœurs ne manqueront pas de s’écrier que le Portugal était Royaume et avait
une cour bien avant la conquête de l’Inde et la découverte de l’Amérique. Cela
est certes incontestable; et si les Portugais d’aujourd’hui pouvaient reprendre
les mœurs el les habitudes et surtout la frugalité de leurs ancêtres du temps
du Roi Ferdinand ou de son successeur, ils pourraient, en renonçant, comme
alors, à entretenir une armée permanente et un corps diplomatique, avoir une
cour et se passer de denrées etrangères. L’enthousiasme de la nation suppléera,
nous dit-on, à tout ce qui peut lui manquer. Eh! de bonne foi, est-ce lorsque les
commodités les plus recherchées de la vie sont descendues jusque aux classes
moyennes de la société; est-ce lorsque le luxe est si généralement répandu qu’il
se montre presque autant sous le chaume de la cabanne que sous le lambris
du Palais; est-ce enfin lorsque le goût des douceurs et des jouissances de la vie
est contracté dès l’enfance qu’on peut espérer de voir renaître la simplicité ou,
pour mieux dire, l’austérité des mœurs Portugais des 13eme et 14eme siécles?

43
quel est, par exemple, nous ne dirons pas le grand seigneur, mais le negociant
opulent de Lisbonne ou d’Oporto qui se contenterait aujourd’hui de la table
du Vainqueur d’Aljubarrota? n’attendons point du cœur de l’homme des
chagements diamétralement opposés à sa nature.
Passant à notre quatrième proposition nous la jugeons radicalemente
démontrée si nous sommes parvenus à prouver la vérité de la première, c’est-
-à-dire que le Portugal ne peut absolument pas se passer du Brésil. En effet la
crainte d’une séparation totale d’avec le Portugal ne peut qu’être un puissant
frein pour les Rebelles dans leurs Projets insensés. Il faut que les meneurs,
non seulement affectent de la modération et le plus entier dévouement à la
maison de Bragance mais en mettent réellement dans leur conduite sans quoi
cet enthousiasme factice qui a éclaté chez le peulpe s’évanouirait bien vite
devant l’Idée d’une scission complet [sic] avec les Provinces d’outre-mer.
Des négociants de Lisbonne et d’Oporto ont versé, nous dit-on, dans les
coffres de l’État de l’argent pour subvenir à ses besoins. Nous voulons bien
croire tout cela; mais cet argent comment l’avaient-ils gagné si ce n’est par le
Commerce avec le Brésil. Or pense-t-on que ces mêmes négociants, si chauds
révolutionnaires aujourd’hui, ne sentiraient pas s’attiédir un peu leur zèle
s’ils voyaient se fermer devant eux, par suite des derniers èvénemens [sic], la
voie des richesses qui leur était si largement ouverte au Brésil! Sa Majesté n’a
donc qu’une marche à suivre, pour préserver ses sujets d’Europe des excès
démagogiques où pourraient les entrainer quelques factieux d’autant plus
turbulents qu’ils auraient sans doute moins à perdre, c’est de bien fortifier
son autorité au Brésil. Quelle difference si la famille Royale se trouvait à
Lisbonne au centre de la contagion, au milieu des factieux qui n’auraient
désormais plus rien à ménager! qui oserait, dans ce cas, fixer des limites
à l’esprit révolutionnaire dans l’essence du quel il sera toujours de n’en
reconnaître aucune? nous ne voulons point nous arreter plus longtemps sur
cette Idée, nous l’abondonnons aux réflexions des hommes bien ententionnés
qui, faute d’y avoir murement pensé auraient pu se ranger de l’avis de ceux
qui opinent pour que le Roi retourne en Portugal.
La cinquième Proposition se rattache à la précédente. En effet quelle
était la position de l’Infortuné Louis XVI lorsque l’assemblée nationale de
France lui imposait la constitution dite de 1791? La plus déplorable où se
soit jamais trouvée une tête couronnée. Captif dans son palais, entouré
de surveillants inquiets, dépouillé de tout espéce d’autorité, journellement
abreuvé d’outrages. C’est dans cet état qu’il vit s’élever le contrat social
qui devait le lier au peuple Français et qu’il fut contraint de le jurer malgré

44
qu’un grande nombre de ses dispositions blessât et son cœur et sa raison. En
Espagne lorsque les Cortès retirées dans l’île de Leon discutaint article par
article la fameuse constitution de 1812, qui pouvait prende la défense des plus
justes prérrogatives de la Couronne toutes envahies et détruites par l’Esprit
démocratique qui a présidé à la redaction de cet acte? Était-ce Ferdinand
VII gémissant dans la captivité loin de ses sujets? Était-ce, par hazard son
portrait placée dans la salle des Cortès et auprès du quel on avait la respecteuse
attention de placer deux gardes-du-corps tandis qu’on travaillait sans relàche
à l’anéantissement de l’autorité Royale? que voyons nous à Naples au moment
de la révolution qui vient d’y éclatter? Un Roi vieux et infirme surpris dans
son palais, pressé par des flots de séditieux qui le forcent à jurer un pacte
social que très vraisembablement il n’avait même jamais lu. Partout la force
démocratique opprime des Rois désarmés. Mais que les choses sont dans
un état bien différent pour le Portugal. Les Rebelles qui l’ont bouleversé ne
doivent point oublier qu’il n’est qu’une fraction d’un vaste empire, dont la
partie, sans comparaison la plus considérable, la plus riche, la plus puissant
est demeurée jusqu’à ce jour fidéle au Sceptre paternel de Jean VI. Ce n’est
donc point à eux, à faire la loi à leur Souverain mais à la recevoir de lui. Ce
n’est point du tout ici le cas, pour les Factieux d’opprimer, de menacer, de
forcer la main, choses qu’ils entendent à merveille, mais bien de traiter et de
supplier. Et c’est lorsque Sa Majesté se trouve dans une position semblable
qu’on pourrait lui conseiller d’abandonner le Brésil pour aller se mettre à
Lisbonne à la merci des démagogues!! Voilà de ces aberrations d’esprit qu’on
à de la peine à concevoir.
La sixième proposition découle naturelement de la situation politique
actuelle de l’Europe. Elle est telle que les factieux les plus effrénés sont
obligés de protester hautement de leur sincère attachement aux dynasties
légitimes. C’est par cette marche habile qu’ils ôtent à la grande confederation
Européenne le droit apparent de s’immiscer dans ce qu’ils appellent leurs
affaires domestiques, c’est-à-dire d’arrêter leur essor révolutionnaire. Les
factieux de Naples out offert en ce genre un modéle parfait que ceux de
Portugal ne manqueront pas de suivre. C’est donc un vain fantôme que la
peur qu’on veut nous faire de l’érection d’une autre famille sur le Thrône de
Portugal. Les Révolutionnaires non seulement ne pouvent point se passer
de la Famille de Bragance mais même, nous en sommes persuadés, ne le
veulent pas. Non point que nous croyons à leur dévouement au Monarque
legitime, vertu incompatible avec le caractère de constitutionel radical, mais
parce qu’ils savent fort bien que la masse du peuple est imbue de ce respect

45
de tradition pour la famille regnante et qu’ils n’ont d’ailleurs aucun intérêt à
choquer un sentiment aussi général. En Effet qu’importe aux constitutionnels
la Famille qui sera placée sur le Trône, lorsque leurs institutions annihilent
le pouvoir Royal et font des Monarques autant de machines à signer propres
seulement à faire marcher leur administration. On ne peut donc point craindre
raisonnablement un changement de Dynastie en Portugal, lequel rencontrerait
d’ailleurs les improbations des grandes puissances Européennes. Ou ne peu
pas craindre d’avantage une Réunion du Portugal à l’Espagne; parce que
cette réunion trouverait toujours un obstacle invicible dans l’antiphatie
nationale qui surnagerait toujours sur tous les enthousiasmes du moment
et empécherait qu’il ne s’opérat une véritable fusion entre les deux peuples.
D’une autre coté cette Réunion à l’Espagne blesserait certainement la grande
confédération Européenne plus encore qu’un changement de Dynastie. Il ne
faut donc pas s’imaginer que les Révolutionnaires soient assez fous pour y
penser sérieusement.
Nous croyons en conséquence fermement que dans l’état actuel des
chose, le Roi ne peut rien perdre à temporiser envers ses sujets de Portugal, à
attendre les evénemens et les Resolutions ulterieures du congrès de Troppau.
Tout ce qui doit occuper dans ce moment-ci Sa Majesté, mais ce qui doit
l’occuper sérieusement, c’est de fortifier son autorité au Brésil et de la mettre
á l’abri des attaques des révolutionnaires, soit d’Europe soit d’Amérique.
Nous venons de démontrer succintement, mais à ce qu’il nous paraît
d’une manière satisfesante, la vérité des six propositions qui forment la base
de cet écrit. Nous n’avons point donné, à beaucoup près, à nos raisonnements
tous les développements dont ils seraient susceptibles: mais nous en avons
néanmoins dit assez pour convaincre les hommes sensés et de bonne foi que
la question: Si le Roi doit retourner en Portugal: ne peut-être résolue que par
la négative. Cela est tellement ainsi à nos yeux que nous croyons sincérement
que si Sa Majesté se fut trouvée à Lisbonne lors de l’insurrection d’Oporto,
elle aurait agi très sagement, au moment où le triomphe des Factieux n’aurait
plus été douteux, de s’embarquer avec toute sa famille pour le Brésil, et d’y
venir fixer le siège de son Gouvernement. Qu’on juge après cela si nous
pouvons nous ranger de l’avis de ceux qui dans les circonstances actuelles
conseillent le retour en Portugal.
L’Europe entière fut frappée d’admiration lorsque le Roi, pressé par un
injuste agresseur, entre le mer et la nécessité de soumettre sa politique aux
caprices de l’oppresseur des nations, monta sur sa Flotte, abandonna l’antique
berceau de la Monarchie Portugaise, la terre qui l’avait vu naître, les tombeaux

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de ses pères, et vint fonder au milieu de l’Amérique méridionale cet empire
du Brésil qu’attendent de si hautes destinées. Que dirait maintenant cette
même Europe en voyant Sa Majesté, après un séjour de 13 ans dans cette
magnifique contrée, l’abandonner quand le tempête révolutionnaire grond
autour d’elle et couve dans son sein, lorsque la présence de son Monarque
au milieu d’elle lui est plus nécessaire que jamais. Nous ne craignons pas de
le dire, des murmures improbateurs succéderaint au concert de Louanges qui
s’est fait entendre jusques à ce jour.
Voilà notre sincère opinion sur la matière qui nous occupe. Nous pensons
qu’elle mérite quelque considération, d’abord parce que nous connaissons le
Portugal depuis assez long-temps pour savoir apprécier ses véritables intérêts,
ensuite parce que n’étant né ni au Brésil ni au Portugal, notre jugement,
sur cette importante question, ne peut être faussé par aucun prejugé soit de
localité soit d’education.

1820

__________________________________
RIO DE JANEIRO.
A L’IMPRIMERIE ROYALE. Avec Permission.

47
1821
3

AS AMENDOAS
DADAS
AOS CORCUNDAS,
POR

HUM LIBERAL
INIMIGO DE GOLFINHOS
____________________________

Um Corcunda não tem brio,


Nem honra tem, nem vergonha;
É malhar em ferro frio
Malhar-lhe na carantonha.
Do Autor.
____________________________

RIO DE JANEIRO NA IMPRESSÃO NACIONAL. 1821.

51
AS AMÊNDOAS
DADAS AOS
CORCUNDAS, AMARELOS ETC.

Ilustríssimos Corcundas, e mais caterva de Empenados, Amarelos, Suíços,


Caranguejos, Caçarolas e Pançudos; sans façon. Quero-lhes dar um presente
de amigo e desculpem a limitação: o tempo é próprio de amêndoas, e eu lhes
ofereço: a minha vontade, verdade é que era para mais! porém sopram os
bons desejos ao que a possibilidade não pode alcançar.
Ora não me façam tantas barretadas em agradecimento, ponham as suas
carapaças quando não eu lhes porei... Sem cerimônia... Ora vá a cobrir...
Sentem-se, ou estejam de pé, ou deitem-se com as pernas para o ar (seu costume
antigo) que para mim é o mesmo porque já sei as suas fraldas; a única coisa
que lhes peço é que me atendam.
Eis aqui o presente que lhes ofereço, que é esta bandeja de doces, a qual
há de ser distribuída por todas as Turmas, segundo as suas qualidades; e
depois me dirão se os não sirvo como merecem; (se é que não merecem mais!)
Mas esperem: estejam quietos!... Não bulam na bandeja, que ainda não
é tempo. Não queiram ser como certos rapazes muito mexilhões, aos quais
a velha avó estava sempre a dizer-lhes

Brejeiros! Tolos! Velhacos!...


Sempre de dia, e de noite
Fazendo Patifarias!...
Hão de levar muito açoite.

Ora vamos a começar o brinde. Primeiramente cheguem-se para cá os


Senhores Suíços, e recebam essas flores de Arsênico Branco, que é o extrato do
[ilegível] cujos ramos são de Fouet, e de maço de Blacksmith. Vejam o primor
delas, e o quanto são análogos com o seu paladar, creio que não podia ofertar-
-lhe coisa mais própria ao seu sistema de viver. Então que me dizem?... Em?
Ainda quero aumentar-lhe o presente, dando-lhes para cobrir os doces,
(assim como hei de dar a todos os mais), Este papel, aberto em roda a fogo,
e ferro (assim se fizesse a Vossas mercês) o qual tem no meio uma décima
de chupeta, ora eu lha leio. (Advirto-lhe que vão entrando ali para aquele
Gabinete, e lá esperem todas as turmas pelas suas amêndoas além dos doces
que lhes dou agora).

52
Vós mercenários Suíços,
Aceitai os meus primores;
A minha oferenda é de flores,
Não vos dou bolos cediços:
Bem que sois assaz omissos
Em seguir o que é razão,
O presente é de enche mão!
Podei gozá-lo de costas,
Se vos não fizer em postas
A nossa Constituição.

Agora saíram à frente os brilhantíssimos Corcundas, Árvores de geração


de todos os Portugueses arrevesados: e recebam estas roxas de jalde, com
ovos de Crocodilo, que são preciosíssimas! mas não lhes deixem tocar nem as
moscas, porque só para Vossas mercês é que se prepararam; hão de gostar...
levem também estes pingos de tochas que ainda escaldam, que parecem
bota-bogo! Basta. Agora do resto temos muito com quem repartir. Cubram
depressa o doce com este papelinho que lhes prometi, e ouçam a décima.

Vossa mente não está sã


Corcundas, dignos de o ser;
Quereis a razão torcer
Sem poderdes c’a marrã?
Sem poderdes c’a marrã?
A vossa indigna ilusão!
Rei, Pátria, e Religião
É quem nos dá valentia;
E vós temeis noite e dia
A nossa Constituição.

Agora venham os amarelos, que por estarem dessecados, também preci-


sam papa fina.
Aqui lhes ofereço estes bocados de verdete que é o Cidrão, que lhes
compete; tomem esta escorçioneira de cão negro; e estes sopapinhos
Napolitanos que lhes hão de saber a garras de galego, porque são dados de
muita boa vontade, são de uma nova descoberta de Mr. Caquiri. Ora vão-se
com a breca: mas levem também o competente papel, cujo tem a seguinte
décima.

53
Essa chusma de pedantes
De face cor de Icterícia,
Disfarçados por malícia,
Taciturnos por tratantes:
Se conservarem constantes
A servil opinião
Sua justa punição
Bem depressa hão de sofrer;
Que os fará terra comer,
A nossa Constituição.

Venham à frente agora os Empenados, que são os filhos primogênitos


dos Corcundas; e tomem lá... (isto é para ver se se desempenam) esses cane-
lões de todo o tamanho, com miolo de marmeleiro, que são preciosos!...
Ora esperem. Deixem me tirar daí seis, para dar ao menos um a cada um
dos outros patifões, junto com as amêndoas, que por serem feitas em um
morteiro do Castelo de São Jorge, saíram tão negrinhas – e tão redondas,
que nada pode haver melhor para lhes encher a Pança. Então que me dizem?
não sou amigo? hão de dizer que sim. Que diriam se eu os servisse como eu
desejo!!! Tomem lá o tal papelote com a competente décima, e vão-se com a
fortuna para o gabinete.

Vós indignos Empenados,


Anticonstitucionais,
Que da Nação atacais
Os Direitos mais sagrados;
Negando votos formados
Pela sólida Razão;
Semeando a sedução!
Não vos fieis nesse indulto,
Que há de esmagar-vos o vulto
A nossa Constituição.

Aproximem-se os pançudos, que eu lhe dou com que fartem aquelas


hidrópicas barrigas; visto que são beatos que tudo aproveitam, e de nada
servem: Aqui têm estes Confeitos do Ínclito Porto, que para serem mais perfei-
tos foram fundidos no Arsenal, de propósito para lhes serem dados quando
fosse tempo (se acaso não se emendarem de seguir o erro) são poucos? bem
sei... isto é uma amostra: aquele que os provar, que diga aos outros como

54
eles sabem! se puder... Leve mais cada um duas dúzias de bolos de raiva, e
outras tantas de bolachas; mas vejam lá se as levam na boca, ou na cara. Por
ora não lhes posso dar mais porque ainda há muito quem coma; retirem-se,
levando o competente papel em que vai escrita a seguinte décima.

Ó Pançudos, também vós


Vindes à súcia bailar?
E com panças de arrombar
Fazer figura entre nós?
Metidos neste arriós,
Em viva contradição
Quereis turbar a Nação!
Não julgueis que haja mudança,
Qu’á de esmagar-vos a Pança
A nossa Constituição.

Venham agora cá, Senhores Caranguejos... Mas não, Porque como


Vossas mercês andam para a ilharga, agora venham cá para trás, e esperem
que também hão de levar a sua maquia, que é o resto dos bolinholos, que
já ponho de parte. Cheguem-se os ferrugentos caçarolas derrabados, para
aproveitarem as migalhas da Bandeja... Ora bravo! como vêm flamantes?
... Aposto que adivinham que nestas migalhas pensam ter a miscelânea de
todos os doces? Pois é verdade; e ficam bem servidos, porque levam quase
a Caçarola cheia... Muito ganham os Conserveiros, e muito perde quem faz
presentes! Mas não falemos nisso... Levem as migalhas, e apenas esta exor-
tação: porque papéis delicados só servem para cobrir doces perfeitos, e não
os desperdícios deles. Ora ouçam.

Caçarolas do Diabo
Que ainda estais por acabar,
Podei-vos esperançar,
Que em breve haveis deter cabo.
Assim como a pá tem rabo,
Rabo também vos darão:
E se os doces que vos dão
Não mudam vosso azedume,
Há de pôr-vos sobre o lume
A nossa Constituição.

55
Ora os Senhores Caranguejos, que vêm cá detrás, ponham-se mais longe,
porque receio que não venham muito cheirosos; e esperem que eu lá lhe atiro
com o seu quinhão. Guardei-lho... tomem lá maçapões de pé de parede,
esses SS grandes, que são magníficos!!! É o doce da sobremesa de Baco; e
essas rodinhas de Cabrestante, feitas a cipó, que lhes hão de agradar imenso,
enquanto lhes não vou dar as amêndoas que lhes permiti. Recolham-se ao
gabinete onde estão as mais Turmas, e espere que eu não falto em cumprir o
que prometo: mas não se esqueçam de levar também o papel para cobrir os
doces, no qual vai esta décima, que devem primeiro ouvir,

Caranguejos, olho alerta!


Que andais de esguelha, ou de ilharga;
Se este doce vos amarga
Não andeis de boca aberta:
Comei a fausta coberta
Que os bons Liberais vos dão;
Mudai já de opinião,
Se não pretendeis ficar
Na rede que vos lançar
A nossa Constituição.

Retirem-se agora, e juntos com os outros esperem-me porque antes de


dar-lhe as amêndoas, quero mostrar-lhe a bandeja em que vieram os doces... Ó
cáspite!!! Hão de ficar pasmados! é de uma grande invenção, e digna de eterna
glória; não só trabalharam nela os Grandiosos, e Sábios Portugueses; também
foram manufatores delicados os Espanhóis, Napolitanos, Piemonteses, os
existentes Franceses, os Venezianos, etc. etc. etc. Ça ira... Cheguem a seus
postos, que eu não tardarei em dar-lhe este novo regozijo.
Bravo!... Foram-se todos encurralar no tal gabinete que lhes indiquei, que
é nas pedreiras de Alcântara. Agora vou mostrar-lhe a Bandeja, e explicar-
-lhe os seus emblemas; mas retiro-me para lhes dar afinal as amêndoas, que
já estão preparadas.
“Mas quem diria a estes vis coitados
Que os seus planos seriam malogrados!”
Levemos ao fim a empresa. Eu vou ter com eles e lhes mostro a Bandeja:
mandando que me tragam as amêndoas, com o seu competente aparelho. Ó lá,
caros Patriotas Constitucionais, vinde animar esta ação, trazei as amêndoas e
os canais por onde hão de ser dirigidas etc., que eu levo a simbólica Bandeja,
mas não sejais tárduos que eu sou animoso.

56
Bravo! Bravo! Bravíssimo, que já os bons me seguem. Vamos a estes
velhacos; porém eu é que vou primeiro a eles.

Qual Atleta sem armas, destemido


Pugna, e vence os cruéis, sem ser vencido
Os que a Pátria não amam:
A um Deus negando o Culto;
Que o próprio Rei declamam,
Por banir do seu lado o egoísta estulto;
Os qu’em loucuras tais o peito inflamam;
Quando os posso estragar, é quando exulto.

Vamos concluir a empresa... Bravíssimo!! Ei-los aqui todos de boca


aberta esperando pela Bandeja!... Olá meus amigos, eis me aqui pronto com
ela... Ora tomem sentindo na definição do emblema.
Este chão todo preto significa o caos em que Vossas mercês todos vivem,
por serem inimigos da verdade: e amigos da sandice. E esta tarja em roda,
toda de ouro refulgente, indica claramente o brilhantismo das nossas ações,
e a delicadeza do nosso pensar, porque seguimos Astrea... Olhem que dife-
rença!... Agora esperem pelas amêndoas, que lhas mando dar.
Amigos Patriotas Constitucionais, agora a eles!... Metam as amêndoas
de que já estão cientes, nesses canudos de...; e daqui mesmo, (ainda que
distante) pulsem-nas com este pauzinho chamado..., que verão como lhes hão
de ser gratas; e o resultado, a nós proveitoso. Eu os deixo na ação, espero
bom resultado: porém se eu lhes for preciso, vão procurar-me ao Templo de
Minerva aonde vou estudar, para ver se posso adquirir a energia admirável,
que deve ter aquele que deseja, como eu, ser Digno Luso Constitucional.

F I M.

57
4

OS
ANTI-CONSTITUCIONAES.
PROVA-SE
QUE SÃO MAOS CHRISTÃOS,
MAOS VASSALLOS:
E
OS MAIORES INIMIGOS DA NOSSA PATRIA.
POR
JOSÉ ANASTACIO FALCÃO.
____________
I. PARTE.
____________

RIO DE JANEIRO.
NA TYPOGRAPHIA REGIA
ANNO DE 1821.
______________
Com Licença.

58
PREAMBULO.

Não é sem o maior pesar que ainda hoje existem entre nós muitos
homens que ou por medo, ou por ignorância, ou por se conhecerem indig-
nos de entrar no número dos Beneméritos da Pátria, procuram por meio de
sofismas impedir o progresso da nossa desejada Regeneração!.. São estes os
Anticonstitucionais....
Este bando de homens desprezíveis de que tanto se tem falado uns lhe
chamam Corcundas, outros Empenados, outros Caranguejos; porém eu nada
mais lhe chamo, senão os maiores inimigos da nossa Pátria. Procuram com
expressões suaves persuadir as suas máximas destrutoras, nada mais desejam
que não seja a desordem, as facções, a rebelião e a Anarquia. Detestam a boa
ordem, a classificação das Autoridades, o bem da Liberdade, e é tal a sua
cegueira que até desconhecem seus próprios interesses. Ah! Se todos como eu
os conhecessem e despresassem, não existiriam, como existem tantos honrados
Cidadãos penetrados de temor e de susto! Eia portugueses não vos fieis no
afetado interesse que esses malvados pretendem inculcar que tomam pela nossa
Causa. À maneira das Víboras, e Serpentes que se escondem entre as flores,
para melhor poderem empregar o seu veneno; assim eles dourando os seus
discursos e usando convosco de maneiras dóceis e suaves, só desejam beber-vos
o sangue. Eu me parece que os estou Ouvindo “A Constituição é boa, porém
não é para os nossos dias, nem talvez para os nossos filhos!..” Dizem outros
mais sagazes “Que belíssima Constituição porém...” Ah! E não conheceis
vós imediatamente as intenções destes malévolos?... Não é a desconfiança
que eles procuram estabelecer entre vós, e o Governo? E contentar-me-ia eu
somente em lhe chamar Corcundas? Não tais impropérios, não são as armas
de que devemos usar, para destruir, dispersas, e extinguir para sempre esta
perniciosa raça. Temos outros meios, e meios mais próprios, e mais análogos
ao Sistema Liberal que defendemos. É desmascarar estes monstros à face do
mundo inteiro. É publicar todas as suas tramas, todas as suas maquinações,
acusá-los, persegui-los, fazê-los conhecer ao Governo para os punir porém
nunca insultá-los com fúteis ditérios: e pelo mesmo que eles são os maiores
inimigos da nossa Pátria, todo o Português que assim praticar, faz grandissís-
simos serviços ao Estado, e dará provas de Liberal e de Benemérito.
Porventura a Grande Obra da Regeneração Portuguesa, pode ser
concluída no mesmo momento em que é começada? A reforma de costu-
mes inveterados, é obra de um dia, ou de um ano? Como querem então
os Anticonstitucionais, colher já Sazonados frutos desta Árvore Sagrada,
quando ainda há pouco foi plantada? Porque nós não havemos abrigar à

59
sua sombra, e concorrer todos para a sua Cultura? Quantos Séculos não foi
preciso decorrerem para formar as Sábias Leis que nos regiam? Oxalá que
elas fossem exatissimamente observadas.
Se a Inglaterra toda não tivera concorrido para estabelecer a sua
Constituição, gozaria ela, como hoje goza o nome de uma das primeiras
Nações? Logo como é possível que em menos de um lustro nós experimentemos
todos os benefícios que nos podem resultar da nossa Constituição? Para que
havemos de ser insofridos? Porque nos não havemos todos ligar para concluir
esta Grande Obra, tão feliz, e maravilhosamente começada, sem fazermos
distinção de Portugueses Europeus, e Portugueses Brasileiros?... Porventura
não somos todos Portugueses? Não falamos o mesmo Idioma,? Não perten-
cemos ao mesmo Estado? Não temos todos o mesmo Rei, as mesmas máxi-
mas os mesmos costumes, e a mesma Religião? Porque não havemos confiar
absolutamente nas deliberações, do Vigilantíssimo e iluminado Governo que
hoje possuímos?
Só um Anticonstitucional se não persuade destas verdades. Eu estou
bem certo que o verdadeiro Português; isto é o Português honrado, não se
afasta destes princípios. Porém é preciso evitar aqueles abutres racionais que
só desejam a desordem para cevarem a sua voracidade. Considerai atenta-
mente nos males que eles têm Causado a nossa Pátria, e imaginar também os
que vos podem causar ainda. Vêde que eles só procuram atear a destruidora
labareda da sedição, e olhai para as horrorosas Cenas não há muito aconte-
cidas na França, e motivadas por homens da mesma qualidade. A sedição,
e a Anarquia submergiram o Império Romano debaixo das suas Cinzas, e a
nossa sorte será igual a dele se não formos vigilantes.
Uma cega obediência às Leis; uma Respeitosa Veneração ao Rei: e uma
União geral entre todos os Portugueses de ambos os Hemisférios, é o único
meio de nos elevarmos ao distinto grau de uma Nação Independente. É o
fim para que todos devemos eficazmente concorrer, é a maneira de sermos
respeitados por todas as Nações, e igualmente de sermos todos felizes.
Eis a que se dirigem os laboriosos, e assíduos trabalhos das Cortes
extraordinárias congregadas em Lisboa. Confiai Portugueses nos vossos
Representantes. Não são eles escolha vossa? Não procuram eles a vossa
felicidade e a de vossas Famílias? Que mais quereis?
Cerrai os ouvidos aos malévolos Anticonstitucionais: Eles só procuram,
fazer renascer o Despotismo; porém se hoje vós podeis chamar uma Nação
Livre não desprezeis uma dádiva do Céu, não entregueis outra vez os pulsos
aos pesados grilhões. Amai ao Rei, e obedecei a Constituição, sereis felizes.

60
E para que inteiramente fiqueis Convencidos do caráter dos Anti-
constitucionais é preciso que vos prove que.

São maus Cristãos.


Maus Vassalos.
E os maiores inimigos da nossa Pátria.

Os Anticonstitucionais são maus Cristãos


É indisputável que todos devemos ter uma Religião, sem a qual, nem mesmo os
indômitos habitantes de ocultos matos, tais como são os Índios do Sertão do
Brasil, e os cafres da Costa da África; jamais podem viver tranquilos. Quando
experimentam o bem julgam ter comovido a piedade dos seus Ídolos a quem
chamam Deuses. Quando sentem o mal nunca chegam ao estado de desespe-
ração; porque estão inteiramente persuadidos que o seu Deus lhe ministrará,
o remédio: E ainda que desconheçam a luz do Evangelho: contudo veneram
os seus Deuses sinceramente, e de todo o seu Coração. Eu vos apontaria mil
exemplos se outro objeto mais interessante não fosse o meu alvo.
Porém de todas as Religiões dominantes, além de ser um dever nosso
conservarmos aquela com que fomos educados; eu não encontro outra melhor
do que a Católica Romana. Digo melhor por ser a mais conducente para as
nossas Comodidades sossego de espírito, segurança individual, e própria
conservação.
Eu não pretendo fazer de Missionário; porém desejo demonstrar-vos
filosoficamente estas verdades para vos convencer do que afirmo.
A Religião Cristã pelos mesmos motivos vem a ser a mais política de todas
seguindo a minha opinião = Amar a Deus e ao Próximo como a nós mesmos
= persuade-me que não há Lei mais suave nem que mais contribua para a
felicidade geral de todos que a seguirem. Amando a Deus e adorando-o de
todo o nosso Coração, amaremos também ao Rei, como a seu representante
na terra: Amando ao próximo, e não querendo para os outros o que não
queremos para nós mantemos em equilíbrio a Sociedade. Se não queremos
que nos usurpem a nossa propriedade, não usurpemos a alheia; se não quere-
mos que nos matem, não matemos o nosso semelhante; se o despotismo nos
desagrada para que havemos de ser déspotas? Se abominamos os traidores,
para que havemos cometer traições? Se desejamos o nosso sossego para que
havemos inquietar os outros? Praticar o contrário do que fica estabelecido
é um crime segundo a nossa Lei, e daqui se conclui que a nossa Religião
contribui inteiramente para a nossa felicidade, e politicamente para a nossa
união, sem a qual nenhum Estado pode florescer. Ora se o bom Cristão não

61
quer para os outros o que não quer para si, parece que aquele que deseja
para si, o que não quer para os outros, não cumpre com a nossa Lei, e por
consequência é mau Cristão.
Indaguemos pois o procedimento dos Anticonstitucionais, e vejamos a
Classe a que pertencem.
Os Anticonstitucionais em geral, têm por caráter semear a discórdia; usam
de todos os estratagemas imagináveis para propagar sua opinião. Fazem-se
liberais, sendo muitas vezes avarentos; generosos, quando lhes convém;
afetam patriotismo, quando não são mais que Revolucionários; batem nos
peitos diante do Altar sagrado para melhor iludirem; porém no seu Coração
concentram o veneno com que desejam infeccionar a todos. Eles só preten-
dem os Cargos para saciar a sua avareza; só desejam governar para serem
déspotas. Porém é preciso classificar estes mesmos Anticonstitucionais para
melhor os conhecermos. Segundo as minhas indagações tenho descoberto
cinco qualidades de Anticonstitucionais, que dirigindo-se todos ao mesmo
fim, operam de muito diversa maneira e são os seguintes; a saber:

A 1a são os Anticonstitucionais disfarçados.


2a – os Anticonstitucionais declarados.
3a – os Anticonstitucionais esperançados.
4a – os Anticonstitucionais desgraçados.
5a – os Anticonstitucionais aferrados.

Os Anticonstitucionais disfarçados são os mais temíveis; porque muitas


vezes são tão sagazes que parecem uns Verdadeiros Constitucionais. Vêm com
pés de lã ter conosco, falam com delicadeza, lisonjeiam os Constitucionais,
afetam serem dotados de sentimentos nobres; porém não são mais que uns
hipócritas, uns inimigos da Pátria. Encarai com eles fixamente quando assim
vos falarem, e se conheceis as Doutrinas do Imortal Lavater, analisai o seu
rosto, vereis como eles entram logo a manifestar quanto oculta o seu pérfido
Coração. Eles já se persuadem que vós os conheceis, e de ordinário fogem
acusados pelo remorso.
Os Anticonstitucionais declarados, são ordinariamente homens boçais,
ou muito pouco políticos. Em qualquer ocasião, em qualquer parte aonde
estejam clamam contra a Constituição, e avaliam os interesses do público
pelos seus próprios interesses. São frenéticos nas suas opiniões, não desejam
senão impossíveis, querem tudo à sua satisfação; porém qual é o motivo da
sua delirante Opinião? Eu estou lendo em seu rosto os sentimentos da sua
alma! São estes aqueles homens que sem virtude nem talentos estultos por

62
natureza, sem estudos, sem honra, sem caráter, estúpidos finalmente em toda
a sua extensão, souberam aproveitar-se das circunstâncias, e conhecendo hoje
que estão de posse de honra, e bens, que deveriam ser a recompensa de homens
Ilustres, temem a todos os momentos perder o que ilegalmente possuem, e
por isso procuram apagar o luminoso e brilhante fogo do Patriotismo para
triunfar a estupidez, e renascer o Século do Despotismo, a fim de continuarem
nas suas iníquas usurpações.
Os Anticonstitucionais esperançados, são políticos e moderados incul-
cam generosidade são afáveis, mui dóceis nas suas questões; porém como
tem por caráter seguir o maior partido não se deliberam a falar como os
declarados pelo temor das Consequências. Quem sabe dizem eles se as
Nações Europeias se conspirarão contra nós por seguirmos o Sistema da
Constituição? Quem sabe se a Constituição Irá avante? Quem sabe o que
está para suceder? E muito mais dizem; porém eu não me atrevo a escrever
o mesmo que vós, e eu lhe temos ouvido, a respeito da chegada do Nosso
Augusto Monarca a Lisboa!!! Que monstros como eles procuram derramar
a discórdia entre os Portugueses!!! Tais como os antecedentes conhecendo
a sua falta de probidade ainda esperam uma Contrarregeneração que os
proteja: porém infelizes a sua miserável sorte será igual a dos Sebastianistas.
Os Anticonstitucionais desgraçados, são aqueles, que apesar de terem expe-
rimentado todos os rigores do Despotismo; apesar que nunca mereceram
contemplação alguma, e por isso vivem na maior miséria; assim mesmo é tal
a sua cegueira que ainda hoje desconhecem os Autores dos seus infortúnios.
É a razão porque vemos entre nós muitas vezes homens, que nos parecem
sinceros à primeira vista: Porém guardai-vos destes pois são tais que preferem
a escravidão ao bem da Liberdade: E não há homens mais desgraçados do
que aqueles que assim pensam.
São finalmente os Anticonstitucionais aferrados, aqueles que por
desgraça da nossa Nação se achavam governando alguns povos, e que em
vez de cumprirem as Providentíssimas Ordens que receberam do Ministério
para fazerem jurar a Sagrada Constituição Nacional; vendo que no mesmo
momento devia acabar o seu despotismo, ocultaram estas notícias, e puniram,
e desterraram muitos honrados Cidadãos só por festejarem a suspirada notícia
da Nossa Regeneração!!! Oxalá que estes déspotas nunca tivessem governado!
Não seriam como tem sido sacrificadas tantas vítimas inocentes! Resta-nos
a consolação que o seu diminuto número, apesar da sua iniquidade não tem
tido forças para diminuir o fogo do patriotismo, ao mesmo tempo que nos
tem dado a conhecer homens muito Beneméritos, que jaziam no esquecimento.

63
Fica pois demonstrado, em geral e em particular o Caráter dos
Anticonstitucionais.
Eles nada mais querem, senão engrandecer-se usurpando o alheio; eles
só estão contentes, quando o Despotismo exerce todos os seus furores; eles
desejam ver inundar a terra de inocente sangue, só pretendem sacrificar
inermes vítimas, e finalmente só procuram dilapidar o patrimônio do Estado
para aumentar as suas próprias rendas...
Nem o Órfão chorando, nem a desamparada Viúva, nem o decrépito
Militar que expôs a própria vida em defesa da sua Pátria, e se acha reformado,
são objetos capazes de comover seus petrificados Corações!!!
E não são isto verdades que infelizmente experimentamos? A que fim
se dirige a nossa Regeneração senão a evitar tantos males?
É preciso portanto combinarmos, se o Anticonstitucional quando pratica
semelhantes atrocidades desejará que as pratiquem também com ele? Estou
cabalmente persuadido que não. Embora bata nos peitos, e torne a bater,
nada mais é senão um hipócrita, um egoísta, e um fanático. Desprezando,
atraiçoando, e sacrificando o seu semelhante, como é possível que o ame?
Ora não amando o seu semelhante como pode amar a Deus? Logo fica
evidentemente provado que = O Anticonstitucional é mau Cristão. =

Os Anticonstitucionais são maus Vassalos.


BOM Vassalo é aquele, que ama o Bem da Ordem e procura servir ao Estado
sem usurpar o Direito alheio: obedece às Leis espontaneamente, respeita o Rei,
e às Autoridades Constituídas, e até faz os maiores sacrifícios por engrandecer
a sua Nação. O Vassalo quaisquer que sejam as suas Circunstâncias, seja
rico, seja pobre, fidalgo, plebeu; ou mesmo de uma Condição mediana; em
quaisquer circunstâncias que esteja pode ser útil ao Estado pode merecer o
nome de bom Cidadão, e de bom Vassalo. Cumprindo todos com os seus
deveres são todos beneméritos, e igualmente todos bons Vassalos. Eis como
se deve entender a igualdade entre as diversas Classes de Cidadãos de que
se compõem uma Monarquia, e nunca da maneira que algumas Nações já
têm entendido. Da má inteligência que alguns Franceses deram à Igualdade
lhe resultaram os males, que eles não puderam remediar sem um poderoso
auxílio estrangeiro. Nós o acabamos de ver e não pequena parte tivemos nesta
grande empresa que nos cobriu de tanta glória! Justo é pois que as Classes se
não confundam, e que a boa Ordem nos sirva de guia nesta grande obra que
empreendemos. Para o alcançarmos, é preciso que nos conservemos dentro
dos limites que nos prescreve a Lei segundo as nossas Condições.

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Dispormos da Jurisdição alheia é passar além daqueles limites e por
consequência infringir a Lei, e romper as suaves prisões da Sociedade
Civilizada que devemos cada vez mais consolidar único meio da nossa
Regeneração. A Justiça, e a Lei são imparciais. Se todos os cidadãos fossem
Beneméritos, todos amariam a Lei e a Justiça, todos seriam iguais, não
obstante os diversos Cargos que ocupassem na República porque se todos,
e cada uma em particular se dedicassem ao desempenho dos seus deveres
segundo a sua classe, sem se afastarem daqueles princípios que estimulam o
homem de bem, todos geralmente seriam iguais; porque todos mereceriam
o mesmo nome de Bons Cidadãos e de Bons Vassalos! Porém aquele que só
põe à mira nos interesses pessoais, aquele que só procura engrandecer-se para
esmagar o seu semelhante; aquele que só aspira à posse de imensos tesouros
para saciar seus apetites, não é mais que um Monstro na Ordem Social; é um
mau Vassalo; é um Membro podre da República que precisa ser separado do
Corpo Político da Nação, para não infeccionar os Bons Cidadãos.
Tais são os Anticonstitucionais. Eu vejo que eles não cogitam senão
em engrandecer-se, persuadem-se que tudo lhes é devido: só aspiram a
posse de altas dignidades para escravizarem aos bons Vassalos; só desejam
o Despotismo para saciarem suas paixões. Atraiçoam o seu semelhante, e
divulgam notícias aterradoras: Fulminam Sedições quando descobrem a
união; mascaram-se com a capa da Virtude para derramar o veneno das suas
persuasões, e chega a tanto o seu delírio que pretendem indispor o Povo com
seus Dignos Representantes!... Monstros insaciáveis de sangue humano!...
Oxalá que todos os conhecessem à primeira vista.
Vede pois a diferença que existe entre o bom Cidadão e o Anti-
constitucional. Aquele só deseja o vosso bem quando concorre para o bem
geral: este só pretende fazer engrossar o seu partido para vos despojar
de tudo quanto possuís e para vos escravizar. Ele não conhece os limites
que prescreve a Lei quando pretende saciar a sua ambição, abomina o
bem da Ordem porque só da desordem pode tirar partido; não respeita as
Autoridades constituídas porque vos quer indispor com elas, e só procura
a Decadência da Nação, porque deseja dividir-vos em partidos. São estes os
mais fatais inimigos que nos perseguem; e por isso, é preciso a mais firme
resolução para extinguir de todo estas fúrias abomináveis.
Fica pois demonstrado o caráter do Cidadão honrado e o do Anti-
constitucional. Portanto se ao primeiro só lhe compete o nome de Bom Vassalo
pelas ações beneméritas que pratica; é evidente que o Anticonstitucional,
sendo-lhe em tudo exposto somente compete o nome do Mau Vassalo.

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Os Anticonstitucionais são os maiores inimigos
da nossa Pátria.
SE revolvermos as páginas da nossa história convencer-vos-emos que os
inimigos internos são os maiores inimigos de qualquer Nação. Viu-se, o
Império dos Assírios florescer longos anos, e decair por fim, e extinguir-se.
Floresceu o Império Romano a ponto que os seus Imperadores a nada mais
aspiravam-se não ao domínio geral do Mundo conhecido. Em os nossos dias
vimos o Império da França decidir da sorte de quase todos os Monarcas
da Europa. Aonde está tanta grandeza, tanta Magnificência, tanto poder?
Aonde estão estes Impérios formidáveis que fizeram o assombro do mundo
inteiro? Nenhum deles existe!!! Indaguemos pois a origem da sua decadência,
e da sua extinção. Teriam poder as Nações subjugadas para destruir aquela
força incompreensível? Decerto não. Todas as Nações combinadas com os
valorosos Cartagineses nunca poderiam decidir da sorte do Império Romano,
nem mesmo no tempo do grande Aníbal.
A liga formidável da maior parte das Nações da Europa não alcança-
ria vantagens contra a França se os Generais Franceses cumprissem com
as Ordens do seu Imperador, e se não se dividissem em partidos como se
dividiram. Quando Roma chegou ao Zênite da sua grandeza, persuadiram-
-se os Romanos vaidosos que nada mais tinham a temer. Porém quanto se
enganaram! A ambição, e a falta de Ordem fez rebentar a sedição por todo
Império: Viram-se correr então rios de sangue humano: Apareceram os
Calígulas, os Neros, e os Dioclecianos; e Roma que havia Celebrado as mais
altas Vitórias, que no meio da sua maior Pompa havia visto tantos poderosos
Monarcas arrastando grilhões junto aos Carros do Triunfo: viu-se na precisão
fatal de ceder à força das sedições.
Igual sorte teve a França, e tem tido todas as Nações que se têm alie-
nado e esquecido dos seus verdadeiros interesses. E quem deu origem a estas
Sedições? Não foram seus inimigos internos? Ao meu ver eu não descubro
outra origem. Os inimigos declarados de qualquer Potência são menos
terríveis porque todas as suas operações são visíveis. Se os grandes exércitos
nos acometem devemos procurar o auxílio das Nações poderosas, para os
repelir; e quaisquer que sejam as circunstâncias da Guerra sempre teremos
um Fiador que pague os prejuízos; isto é sempre podemos indmuizar-nos
[indenizar-nos?] porque as relações de umas Nações com outras iguais, e
nunca o podem ser as de uma Nação com os seus inimigos internos; porque
estes nunca podem pagar os prejuízos que resultam ao Estado da pérfida e
malévola conduta. Para se obstar a uma guerra com qualquer Nação, temos

66
grandes recursos. A enviatura de hábeis Embaixadores: uma acizada política;
a liga ocultamente feita com alguma Nação poderosa: um movimento de
Tropas repentino são quase sempre bastantes ou suficientes recursos para
impedir qualquer rompimento. Inda mesmo que o haja se os nossos inimigos
têm baionetas para nos a atacar, nós podemos lançar mão delas para nos
defender. Se têm exércitos para nos ofender, nós também os podemos fazer
marchar para lhes impedir os passos. De mais que o rompimento de uma
Guerra sempre é precedido de certas disposições que o nosso Gabinete nunca
deve ignorar; e por consequência pode igualmente lançar mão dos recursos
que lhe convierem. As grandes massas de um exército nunca se movem sem
um grande aparato militar e por consequência a direção das marchas, e as suas
operações nunca podem ser ocultas; e por isso mesmo lhe podemos obstar.
Porém os inimigos internos que ocultamente trabalham para destruir
a máquina do Estado, esses não admitem Convenções nem Tratados:
Confundidos entre o Corpo da Nação diariamente procuram a sua ruína,
não cessam um só momento de contribuir para a sua desmembração. E
como poderemos evitar tão grande mal? O seu disfarce, a sua vigilância, a
sua aparente Bonomia os faz desconhecer ao homem sincero, e ao Cidadão
desacautelado. Destas harpias sanguinárias é que deveis guardar-vos com
cautela; porque do contrário sereis desgraçadas vítimas da sua voracidade.
Conhecê-los é a maior dificuldade que hoje temos a vencer; e por isso as
armas mais formidáveis com que devemos combater são as Penas, ou a
Imprensa, publicando as suas perfídias, e prevenindo o Público para se não
deixar arrastar pelas suas maquinações. Não vos fieis de suas promessas que
elas todas são Cavilosas e tremei, se revive o seu partido........
A experiência vos deu já sobejas provas da sua bárbara conduta: e se
então praticaram os excessos que vos fizeram deliberar a expor a Vida pela
Regeneração da Pátria; considerai que hoje se prevalecer o seu partido se
vos capacitardes das suas persuasões: eles não se contentarão somente em
vos lançar pesados ferros. Eles exercitarão convosco, a mais atroz vingança,
reduzir-vos-ão a Cinzas; usurparão as vossas propriedades; perseguirão as
vossas Famílias, e chamarão sobre a nossa Pátria todos os horrores............
E não havemos um dia abrir os olhos para conhecermos estes fatais
Inimigos que tantos males preparam? Quem são estes inimigos vos me pergun-
tareis? Eu vos respondo são os Anticonstitucionais e a razão é bem evidente.
Fica demonstrado que os inimigos exteriores não são os mais temíveis,
porque temos grandes recursos para os evitar, e grandes dados para os
conhecer, assim como fica provado que o inimigo interno é o pior inimigo

67
de um Estado. Logo estando como está a Nação Portuguesa briosamente
deliberada a defender seus Direitos; se os Beneméritos da Pátria só procuram
restabelecer a Boa Ordem, e extirpar abusos; se incansavelmente se dedicam a
estreitar os vínculos de amor entre o Augusto Representante e os Portugueses
de ambos os Hemisférios; se todos os seus fins são engrandecer a Nação para
não sermos dependentes e se procuram manter uma igualdade recíproca
entre todas as Classes de Cidadãos: se formando um novo código de Sábias
Leis só procuram extinguir para sempre o despotismo; se nos concedem o
doce bem da liberdade, e o livre exercício das nossas faculdades intelectuais;
se finalmente nos dão uma sábia Constituição para nos governarmos com
acerto; que mais poderá desejar um bom vassalo, se toda esta grande Obra
se dirige à vossa ventura?Aquele que assim não pensa é inimigo da Pátria.
Não obstante estas verdades de que todos somos oculares Testemunhas,
ainda por desgraça da Espécie humana existem entre nós alguns homens que
pensam muito diversamente opondo-se em tudo aos progressos da Nossa
Regeneração. Ora se já dissemos que o inimigo interno é o maior inimigo
de uma nação; sendo os Anticonstitucionais cruéis inimigos disfarçados, e
sendo dotados do caráter que fica demonstrado; é evidente e plenamente se
prova, que os Anticonstitucionais são os maiores inimigos da nossa Pátria.

FIM

68
5

CORDÃO DA PESTE,
OU

MEDIDAS CONTRA O CONTAGIO


PERIODIQUEIRO.

____________________________________
Dii talem terris avertite PESTEM
Virgilio.

Afugentai, Senhor, do Mundo a Peste.


____________________________________

L I S B O A:
Na Officin. da Viuva de Lino da Silva Godinho.
Anno de 1821.
Com Licença da Commissão de Censura.

69
CORDÃO DA PESTE.
Ainda que os remédios extraordinários, e sobrenaturais sejam eficazes,
e poderosíssimos, contudo não se devem desprezar aqueles que se chamam
naturais, e ordinários, porque nós devemos fazer da nossa parte quanto
couber no círculo da nossa capacidade, e forças para conseguirmos o bem
que desejamos, e o despacho que pretendemos em nossas súplicas, e orações.
Quando o terrível mal da Peste se exaspera, e embravece, com razão recorre-
mos ao auxílio eficaz, e poderoso dos Exorcismos para a afugentar das nossas
fronteiras, quando em Nação vizinha ela derrama seus funestos estragos:
porém como seja de uma evidência matemática aquele antigo prolóquio, que
diz = [Ilegível] virgem, e não corras, verás o boléu que apanhas = costumamos
tomar aquelas medidas, que a Prudência costuma julgar mais convenientes,
e proporcionadas, e a primeira que lembra a todas as Juntas da Saúde deste
Mundo, e do oposto, é lançar um cordão de Tropas vigilantes por toda a
vasta fronteira do país ameaçado da proximidade do mal. Esta medida não
se limita unicamente às terras, estende-se também aos mares, de sorte que
não possa entrar pela barra um Alcatraz, uma Gaivota, um Maçarico, que
não seja muito bem espiolhado. Se aparece Goleta de Levante, país mimoso,
e em que parece que a Peste tem aposentadoria ativa, e passiva, manda-se
fazer rigorosa quarentena, vai tudo o que é folgo vivo parar muitas vezes
ao Lazareto, que não sei se é pior morrer de Peste, se se conservam os indi-
víduos no casco da embarcação, duzentas Catraias o vigiam de em torno;
não duvido que escape alguma trouxa para a terra, porque enfim uma chuva
de ouro enganou a Acrísio, e foi emprenhar Dânae fechada a sete chaves e
vigiada em uma Torre, e lá vai muitas vezes o ouro para a Torre velha, e
para a Torre nova, que faz milagres; mas isso são abusos da arbitrariedade,
não fazem nada ao nosso caso: o certo é que estas são as providências que
se dão, e as medidas que se tomam para que a Peste não lavre. Vedar a
comunicação; se ela penetra, está tudo perdido, lá vai tudo quanto Marta
fiou. Basta um hálito, para que o caldo se entorne, e haja uma desordem.
Esta é a praxe que vemos; e falem, ou não falem os Cônsules dos Portos
Levantiscos; em desembocando coisa do Mediterrâneo, e que transponha
as colunas de Hércules, tudo está alerta, e o cordão de quarentena, nem
se suspende, nem se quebra. E na verdade que suspensão, ou interdito não

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merece um Navio de Judeus, apenas o Alvissareiro nos vem dizer, que pelo
casco, e pelas alcofinhas de Tâmaras que o seu óculo lhe mostrara, por
bombordo, e estibordo, é embarcação soraclita [sic]? A peça de quarentena
que se dispara, devia, segundo o meu fraco entender, levar de caminho uma
bala valorosa, e daquelas que se chamam = ao lume d’água; estava feita por
uma vez a quarentena, e desvanecido com bem segurança o receio da Peste.
Mas onde me vai levando este extensíssimo preâmbulo? É coisa bem
fácil de conhecer. São poderosos os Exorcismos contra a praga, e contagião
Periodical, talvez tenham produzido efeitos, bom é ter neles confiança,
mas melhor será ainda não desprezar os meios humanos. Se com razão se
dá o nome de Pai da Pátria a quem salva dos abismos da tortura política,
quebrando as cadeias do Despotismo, da arbitrariedade, quem põe no
caminho direito, e justo as administrações civis, econômicas, e judiciárias,
quem acode aos descaminhos, e empalmações das rendas do Estado, e das
propriedades da Nação, que nome honroso não merece o Cidadão açou-
tador que procura salvar a mesma Pátria, tão sobejamente oprimida com
o pestilencial flagelo dos Periódicos? Merece a coroa cívica, e que para ele
esteja apontado, e bem direito o buril da História. A grandeza do prêmio só
se poderá medir pela extensão do benefício; e quando a Pátria descansar nas
eternas, e seguras bases da sua Constituição política, quando na fruição de
uma inalterável felicidade puder respirar, finalizando suas imortais tarefas,
então conhecerá a grandeza do serviço do Cidadão açoutador. O intrépido
Médico Italiano que foi se meter em Constantinopla (e de melhor vontade se
meteria no Serralho), para combater frente a frente a mesma Peste em pessoa,
talvez, talvez que o seu nome ainda seja gravado nos Anais de Mafoma, e que
se veja não a sua Estátua, mas até a sua própria cabeça em cima da sublime
Porta; e por quê? Porque acalmou com os seus calmantes a braveza daquele
terrível mal na ordem, ou desordem da Natureza. E quanto mais terrível mal
é na ordem política a Peste amarela dos negros Periódicos?
A razão, e a verdade formam um corpo de tropas que se podem chamar
Cavalaria pesada, e talvez que mais pesada, e terrível que aqueles doze mil,
ou vinte quatro mil Cavalos com que Bülow caiu sobre a anca direita de
Bonaparte nos Campos de Waterloo, deixando-os [alastrados], e coalhados
de Cabras, e de Cabrões. Com estes dois aguerridos corpos da Razão, e da
Verdade, eu vou formar um Cordão, para vedar a entrada à Peste Periodical
nos ingênuos, pacíficos, e sofredores ânimos dos Portugueses, desassom-
brando o seu belo país, e belo clima desta negra nuvem dos Periódicos prenhe
de tanta parvoíce.

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Ora pois eu começo com as evoluções destes dois formidáveis corpos,
para a formatura do meu Cordão; eu não os posso meter, a [ilegível] ou a
dois de fundo, porque a violência, e o ímpeto mais que Sueco do inimigo o
romperia logo; é preciso, que eu os forme em qua[drados], e maciços com a
firmeza Prussiana, e com a continência marcial de las Divisiones de la Carrera
que nós aqui admiramos. Ei-los vão... Como marcham, como avançam! E
assim devem ir, porque têm diante coisa mais terrível que a bateria dos cem
canhões de Kutusow oito vezes tomados e retomados. Têm em frente a Peste,
isto é, os Periódicos.
O primeiro sinal de aparecimento do contágio, como as nódoas roxas
na febre amarela, é a bostela da ignorância nos Periodiqueiros. Eu não falo
daquela ignorância que provém da absoluta carência de luzes, de instrução,
e conhecimentos, que provém da instituição de alguns nos ofícios braçais,
tão úteis à Pátria quando esta pode dispor ou tem que dispor do numerá-
rio ainda mesmo na forma, para comprar um Trumó [sic], e uma Cadeira;
nem mesmo falo daquela ignorância que [noutros?] provém da ociosidade
e pobreza, porque, quem não tinha dinheiro para uma Filipina, e um
Charuto no Botequim, menos o teria para comprar um Livro ainda que seja
de Benjamin Constant, que estão pela hora da morte por aqueles Livreiros
Galos, que aqui nos enriquecem, ou se enriquecem: falo daquela ignorância
em que os mais campanudos de Política, e Publicitismo existem a respeito
da índole, do caráter, e dos sentimentos da Nação para quem escrevem, e
que eles querem ou dizem que querem, ilustrar. Conhecem eles fundamen-
talmente a maioridade da Nação Portuguesa, ou do canto do Botequim tem
eles o olhinho tão vivo, que a penetrem, e que a divisem?... Unir fileiras!
Alerta, Cordão, aponta a Peste. Eis a primeira bostela, a ignorância do caráter
geral da Nação. Periodiqueiros, ó Peste, deixai que o tempo faça a reforma,
que não é obra de dias, nada se faz de repente, a marcha de uma revolução
política deve ser lenta, deve ter as mesmas gradações que tem a marcha da
Natureza nas estações do Ano; não se passa repentinamente para o frio,
nem para o calor; entre o Inverno, e o Estio há a Primavera, entre o Estio
e o Inverno, há o Outono. Primeiro estrago desta Peste Periodiqueira. Unir
fileiras, alerta, Cordão. Olha a bostela pestífera da ignorância. Que coisa era
até aqui a grande maioria da Nação Portuguesa? Era um corpo, e com uma
das suas propriedades essenciais, a força da inércia; estava onde estava, até
que outro corpo posto em movimento lhe comunicasse, e o pusesse em ação.
Era um corpo, demos que habituado ao mal, mas convertido em natureza,
imóvel em suas mesmas desgraças, mas inimigo de inovações, e mudanças,

72
que são úteis, mas não devem ser repentinas, porque choques violentos dão
à máquina um movimento acelerado, que, ou a embaraça em sua marcha,
ou a arruína.
Aí vem a Peste... Unir fileiras!!! Aí vem a Peste... Que fazem os
Periodiqueiros? O quê? Repentinamente desde o dia 16 de Setembro de 1820
gritam a esta Nação, oprimida, assim é, mas tranquila inimiga de grandes
saltos, Religiosa, e por isso obediente; e sempre fiel = “Quebram-se as Cadeias,
arremessou-se o jugo; foi-se o Despotismo, recobrou-se a Liberdade, aterrou-
-se, pulverizou-se a Tirania; pois então Liberdade, Liberdade de imprensa,
Liberdade de consciência, Liberdade de Cultos.” Devagar, devagar, ó Peste
maligna, devagar; isto não se faz de repente, inda não há leis que regulem
objeto de tal momento, nem vocês o podem mandar, nem a Nação o quer fazer
porque vocês o mandam: a parte da Nação timorata, escandaliza-se, a parte
da Nação libertina, abusa, a parte da Nação iliterata, e ignorante, cuida que
lhe veio um Governo que a exima de toda a sujeição, de toda a harmonia, de
toda a obediência civil, e que vem converter tudo em salteadores; que cada
Magistrado será um Roberto Chefe de Ladrões; e os Curas, que são imper-
tinentes, aferradíssimos ao Credo velho, idólatras do bom Larraga, e todos
eles casmurros, e de pouco juízo, e que para eles é falar-lhe Mouro, e Judeu
falar-lhe em Algernon Sydney, em Mably, e mais [ilegível] Jacques, cuidando
que os Periodiqueiros são os órgãos imediatos do Governo, e que o Governo
quer fazer o que os Periodiqueiros dizem – cada um deles é uma Víbora lá
por essas Aldeias das Províncias, onde está o Povo grosso, e começam de
gritar à Estação da Missa, e fora da Estação na Adega do Compadre, na
Loja do Barbeiro, na Botica de seu Cunhado, e na vinha que ele cava, e que
ele comprou em nome de uma sobrinha para lhe deixar; que não obedeçam
às ordens do Governo, que é intruso, que é inimigo da Religião; que daqui
a dois dias morrerão todos de Sezões, porque lhes não deixarão fazer uma
festa ao Mártir São Sebastião, em que ele fique sem o Quartinho dos direi-
tos Paroquiais, sem o jantar em casa da Juíza da Festa, e o Pregador que é
um Capucho do seu conhecimento, sem dois mil e quatrocentos de esmola
pelo Sermão (se tanto for), o Tesoureiro sem as benesses do Turíbulo, e que
enfim tudo está acabado e tudo está perdido. E então não é isto verdadeira
Peste, não só para os Povos, mas [ilegível] principalmente para o Governo,
que prossegue seguro na união, e não boa fé da Nação toda? ... Unir fileiras!
Fora Peste, fora Periodiqueiros!
Se os Periodiqueiros, Peste cotidiana, contassem só o que vai, o que
se passa, se os rapazes apregoando o Suplemento ao Liberal (este não só é
Peste; [como] é fogo selvagem) dissessem no pregão uma coisa, e o papel

73
dissesse outra, não seria isto um mal extremo, e irremediável como é a Peste
em Tetuão, e Marrocos; mas meterem-se a Arbitristas, e a Projetistas!! Unir
fileiras! Fora peste!! Fora Peste!! Não só querem ser os Mestres da Nação,
mas os Mestres do Governo. Isto não só é Peste extrema, e pura isto é
atrevimento; é desaforo. O que estes homens, quem quer que eles sejam,
querem é governar!! Pelos modos custa isto menos a aprender, que a fazer
cestos de verga. E a si sabem eles governar-se. Alguns conheci eu, antes de
rebentar a Peste, e que agora dão grandes planos de economias, de finanças
e melhoramentos, que não digo eu que não sabiam governar a sua casa,
porque a não tinham, nem eira nem beira, nem ramo de figueira, mas nem a
si mesmos, porque nunca atinaram com um plano de trabalho para fazerem
uma casaca, a que traziam, tinha mais remendos, que Negociante a falir
com Letras de aparato, e mais pontos, que a Partitura de Missa grande de
Marcos. E agora ensinam o Governo a melhorar o estado de arrecadação
do Tesouro Público, e Nacional; [são] como os Alquimistas que ensinavam
a fazer ouro, e pediam esmola. Unir fileiras! Batalhões! Marcha em frente...
Fronteiras das Províncias! Aperta o Cordão!!!
E com efeito se a Peste Periodical penetra as Províncias do Sul, e do Norte
do retalho Portugal, que estragos! É pior que a febre amarela em Aiamonte,
e em Badajoz! Pobres gentes, avisadas a tomarem tudo alerta, quanto em
letra redonda se lhe oferece aos olhos; cuidam desde logo, que o Governo
vai fazer, e [pôr] em obra, quanto os Periodiqueiros lhe ensinam. Todos os
periodiqueiros são [...cados] em Agromania. A agricultura em Portugal? Em
Portugal a agricultura! Tudo está perdido! Que terrenos desperdiçados, diz
o Astro, diz o Amigo, diz o Indagador, diz o Liberal, diz o Constitucional,
diz o Patriota: a Mnemosine não, essa gosta mais de trastes Urbanos, não
se embaraça com os Prédios rústicos; tudo está perdido, nós não devemos
importar os grãos do estrangeiro; Baldios, Logradouros, Matas, Charnecas,
Matas de Conselho, e por aconselhar; Montes, Pauis, Vales, Despenhadeiros,
tudo a eito, por uma Lei Agrária, que só nós saberemos fazer porque fazemos
Periódicos, deve ser cultivado pela Nação, e não haja palmo de terra, que
não ofereça para os fins de Maio seguinte uma Seara capaz de lhe entrar
a foice, a Agricultura pejará desde logo os Cofres da Nação, e aqui está o
Juízo do Povo, e o seu Escrivão que nos não deixaram mentir. Que será de
nós? diz a gente das Províncias; isto que está impresso vai a executar-se e
o Governo, que consente estes planos, também quererá que se cumpram,
mas se tudo for cultivado onde hão de pastar as nossas Cabras, Que relva
tosarão as nossas Ovelhas, que havemos de dar a comer aos nossos Bois, e

74
aos nossos Burros? Mas quem há de lavrar tantas terras? que braços rotearão
tantas charnecas? Não queremos cá os Suíços, e os Wesfalianos, com estas
Lavouras, que fazemos, porque não temos terra para mais, viveram nossos
avós há bons setecentos anos; desde Sancho V que se cultiva todo o terreno
que é cultivável; e se no tempo de Dom Diniz ia trigo para fora, é porque não
havia tanta gente estrangeira que aqui comesse pão, e não havia tanto luxo,
nem tantos Xales de Caxemira, que levam couro, e cabelo. Pois o Governo
que nós com tanto gosto aceitamos, e aclamamos, que nos prometia tanta
felicidade vem agora pôr-nos a pão e água só quer que haja trigo, e não
haja carne? Está muito boa regeneração esta! E os Rústicos do Alentejo!...
Ah! dizem eles, se vão abaixo os nossos [ilegível], como querem estes papéis
que vêm de Lisboa, não podendo os Almocreves carregar outra coisa, que
já não há, quem apanha uma quarta de manteiga? Aqui nos deixam sem um
chouriço!! Ah! Se todos os paios devam ir para o Brasil, melhor fora que os
comêssemos, isso é verdade! Mas agora com a Agricultura dos Periódicos nem
cá, nem lá, trigos, e se eles vêm com o Tratado da Cultura das Oliveiras, nem
azeite teremos para uma açorda. Só não faltará pimentão de Castela, porque
de lá querem tudo os Periodiqueiros. É preciso adiantar, e apertar mais o
corpo do Cordão, não rompa o contágio para os semimouros do campo de
Ourique, e pior se inficiona os de Beja, são capazes de se levantarem, e de
interromperem a milagrosa harmonia, que há entre a Nação, e o Governo. É
preciso que o cordão tome medidas violentas; descarga cerrada a Periódicos,
e a Periodiqueiros se para lá se aproximarem: é certo que a razão, e a verdade
lhes têm feito grandes Proclamações, lacônicas sim, porém muito enérgicas,
e eloquentes = Não comprem Periódicos = ...Nem o Governo aprova, nem
manda executar o que eles dizem, é verdade que os deixa ganhar a sua vida,
e não é tão desumano que lhes arranque das mãos as suas competentes enxa-
das, que são a bazófia, a mentira, a impostura, o espírito subversivo que os
anima: é verdade que lhes devera mandar converter a pena num alvião, e
como são tantos, e tão robustos mandá-los para a charneca de Monte Argil
dar o primeiro exemplo de agricultores, já que só fazem consistir a grandeza
de uma Nação na Lavoura, e mais nada.
Apertar o Cordão, que já se descobre uma grande bostela, é arroxeada e
amarelenta, verdadeiro sintoma de Peste. Abaixo os Morgados, diz o Astro,
e atrás do Astro o Constitucional, e ao rabo do Constitucional o Liberal,
porque andam todos enfiados uns pelos outros, o que diz o primeiro, diz o
do meio, e diz o do fim, ainda que nenhum tenham em escrever. = Abaixo os
Morgados = eles são causa do Reino estar tão despovoado, e não as contínuas,

75
e surdas emigrações para as nossas vastíssimas conquistas. Os filhos segundos
não casam, porque os bens da casa estão vinculados no primogênito e eis
aqui aumentado o número dos celibatários, e por consequência diminuída
a população do Reino. Abaixo os Morgados. = Batalhões!! Carga cerrada
nos Periodiqueiros, apertar o Cordão, e não deixar passar esta Peste para as
Províncias onde há mais vínculos hereditários, que conservam boas e ilustres
casas na opulência com a integridade dos bens, cuidado na Peste. A união
de propriedades nos grandes Proprietários contribui para a prosperidade
da Agricultura, cultivam-se bem as terras para crescer a soma das rendas,
divididas depois em tantos, e tão suficientes alimentos para filhas, e filhos
segundos, e estes bens fundos repartidos por eles como legítima, atenuavam-
-se na sua mesma divisão, davam nas mãos de um vadio, de um jogador,
que dentro em breves audiências os vendiam para o jogo, para o [Marrane]
e para a Prima Dançarina, Cantarina ou [Figuranta?], e em pouco tempo
dissipada uma grande propriedade que somente no Morgado era inalienável;
ficava o primogênito, e os Cadetes pelas Portarias dos Frades, se com efeito
conhecida a sua utilidade os deixarem ir vivendo.
Os filhos segundos devem destinar-se à Magistratura, à Milícia, à
Marinha, à Diplomacia, e depois de estabelecidos, eles se casarão e há por aí
Ministrinho que chucha casamento com viúva, ou filha de Toucinheiro, ou
Aguardenteiro velho, que o bom do Morgado lhe fica muitos furos abaixo
em opulência, e representação; e desta arte sem desfalque, antes com aumento
da população, vão subsistindo as grandes casas. Não são estes os celibatários
que se devem temer, porque o homem de préstimo, e talentos, seja primeiro,
ou seja segundo, em se vendo estabelecido, casa-se. Suponhamos que abraça o
estado Eclesiástico, a Religião Católica Romana que se proclamou nas bases
da Constituição deve ter Ministros, e se há culto público este mesmo culto
os pressupõe; e de que classes deviam eles ser tirados senão destas classes
médias dos filhos segundos das casas vinculadas, porque têm mais meios
que o simples povo para lhes dar uma educação análoga ao seu ministério?
Celibatários!!! Oh Rocio, oh Botequins, oh Periodiqueiros!! De vocês
é que eu me queixo! Verdade seja que é uma ventura estar em vocês extin-
tas tantas gerações! Este, antes mandriões, sem ofício, nem benefício mais
que passear, beber, e fumar, são os que diminuem a população, e se dela
desaparecessem nada se perdia. O Jus trium Liberorum1 dos Romanos não
é para vocês; mas se fosse, que filhos dariam ao Estado? Cheios de goma

1
Lei de três filhos. N.T.: lei romana que concedia privilégios a quem tivesse três filhos.

76
como vocês andam, débeis, enfermiços, e tais, que quando se prendia para
soldados, nunca vi Tabasco de sobrecasaca muito mal atada com uma
banda, que lhe deitasse a mão, porque eles bem sabiam, como espertíssimos
que são, as lesmas que levavam para os Depósitos Militares, isto é para o
Limoeiro, e Castelo, segundo o velho estilo das redes varredouras de algum
dia. Estes são os pesos da sociedade, estes mofinos são os que descarregam
mais profundos golpes na muito apoquentada população do Reino, e não os
filhos segundos espertos, e ladinos como o Diabo; a coisa de que eles menos
se esquecem é a propagação. Periodiqueiros, esta Peste (doença asmática)
não para enquanto vós falais e ides falando.
Batalhões do Cordão, alto, perfilar!! Soldado! olha à esquerda, olha
agora para a direita, e olha também que isto não é mandar, em monossílabos
dos Ingleses, isto é tática em Português claro... Sentido! Aí vem Peste mais fina:
oh que chaga! Não escape nenhum para as Províncias, um só que lá penetre
fica tudo apestado, e estamos perdidos. Lembrar da Peste grande, que veio
a este Reino, depois que o Senhor Rei Dom Sebastião que vivo, e presente
está, saiu vitorioso dos Campos de Alcácer-Quibir; pois esta agora ainda é
maior, e mais funesta; aquela levou cem mil almas, esta pode ir indispor mais
de dois milhões delas. Quer o Supremo Congresso, e quer muito bem, que
os Bispos, os Párocos, os Prelados dos Regulares, falem, preguem, escrevam
a favor da nossa santa causa, e sagrada luta, para que os Povos se conser-
vem na devida obediência e sujeição ao Governo; que esperem tranquilos,
e dóceis a decisão dos grandes objetos que se tratam, e que não podem já
ultimar-se, para grande felicidade da Nação em sua política regeneração.
Nisto dá o augusto Congresso a conhecer duas coisas excelentes, a qual delas
melhor, a primeira, o decidido desejo que tem de manter a ordem pública,
porque sem ela não há segurança individual; a segunda, que conhece toda a
santidade, todo o peso, toda a influência da Religião Católica no ânimo dos
Portugueses, que nenhum poder terreno lhe arrancara jamais do coração. Se
a Religião não fora mais que um invento da Política, e seu Autor humano,
ele devia ser reputado o maior Legislador do Mundo, e a sua Lei o presente
mais primoroso que se podia fazer à humanidade; mas a Religião, e o seu
Autor são Divinos, por isso têm maior força, e maior poder. Estes motivos
servem de laço aos Povos, e sem Religião nenhuma qualidade de Governo
poderia subsistir. A Religião Cristã faz o homem bom em qualquer estado
que seja. É a única Religião que seja verdadeiramente Moral, e podem acre-
ditar, [ilegível] Cidadão açoitador, que sabe mais de Moral e Legislação que
todos os tarecos Periodiqueiros deste hemisfério, e mais do outro, e das suas

77
Ilhas adjacentes. Faz pois muito bem o Congresso em lançar mão do meio
da Religião, porque conhece toda a sua eficácia, e toda a sua influência...
Batalhões, apertar o Cordão, olho na Peste...
Que fazem os Periodiqueiros, opõem-se às mesmas miras do augusto
Congresso atacando em frente, e descaradamente estes Ministros da Religião,
que o mesmo Congresso destina para meios, e instrumentos de bem da Nação.
Vejamos o que diz um tal Constitucional.
“Cada passo que o Governo dava para Lisboa redobrava a mágoa
[destes] Padres, abrasados no amor de Satanás, e no ódio do próximo, pediam,
e suspiravam pela anarquia, e pela guerra civil... Pensaram os traidores no
delírio da sua execranda maldade, nomear para Deputados de Cortes somente
Bispos!!!! a fim de ganhar preponderância no Congresso, e conseguida esta,
chamar Beresford, restabelecer o Governo antigo, aquecer o novo nas foguei-
ras do Campo de Santana, e dispor uma noite de São Bartolomeu para todos
os Constitucionais... paliados sempre com a hipocrisia, e afetado zelo de uma
Religião que todos inculcam, e nenhum professa etc. etc. etc.”
Para se horrorizar à vista deste inaudito desaforo, não é preciso ser
Corcunda, basta ser homem, que não haja renunciado aos últimos vislum-
bres da razão, da vergonha, e da decência!!! E há um celerado, quem quer,
que seja, que se atreva à face de um Governo supremo e reto, que tem por
Presidente um Clérigo de alta hierarquia, e por um dos seus membros um
Regular respeitável mais ainda pelos seus talentos, e luzes que pelo seu
grande Instituto? Mas o Cordão não tem nada com a Justiça alta, e com
o seu Executor, é um Cordão, veda a passagem, e a comunicação da Peste
fazendo-a conhecer. Aqui temos um Periodiqueiro contrastando as vistas, e as
sábias determinações do Congresso Nacional. Se a Peste passa, se penetra as
Províncias a folha Periodiqueira apestada, se vai à mão de tantos Eclesiásticos
respeitáveis, que tem o Reino, na Universidade, nos Tribunais, nas Sés,
nos Claustros, nas Paróquias, nas administrações, nos empregos públicos;
se vão às mãos de tantos Curas de almas zelosos, e exemplares, seriam de
pedra, se o ressentimento não for proporcionado à atrocidade da injúria, à
enormidade do aleive, e à extensão da pouca vergonha. (Mofino Padre do
Desaprovador, que te calaste, não sei por que, como tirarias o teu quinhão
a limpo, se como o velho Blucher ainda militasses!!!) Que vingança podem
eles tirar de tão grande insulto? O silêncio. = O Congresso quer, que nós,
servindo-nos do Ministério Pastoral, exortemos os Povos, no Congresso há
Bispos, e estão dois Párocos muito doutos, e muito exemplares; e nós enxo-
valhados desta maneira! Está muito bom modo de nos granjear a vontade,

78
e despertar o nosso zelo, Servimos para conduzir os Povos à concórdia, e à
obediência, pelo meio de uma Religião, que todos inculcamos, e nenhum de
nós professa; inflamado no amor de Satanás, e no ódio do próximo. Somos
amigos do Diabo, e inimigos dos homens, e assim se nos diz na nossa cara.
Que devemos fazer? Conservar um rancor concentrado no coração, e não
termos ânimo para proferir uma palavra em abono da causa, sem que nos
fique truncada na garganta. = E não é isso em claríssimo Português, quererem
acinte os Periodiqueiros, inutilizar os meios de que o Congresso se serve para
o bem geral da Nação! Batalhões, fechar o Cordão, não deixeis passar a blas-
fêmia desta Peste aos ouvidos de tantos Eclesiásticos probos, sãos, pacíficos,
e exemplares que estão espalhados por essas Províncias, verdadeiros intér-
pretes da Lei, e que sabem que o Evangelho lhes manda que vivam sujeitos
aos superiores que governam, e que Jesus Cristo mandou pagar o tributo a
Tibério, mas era Tibério; e que se deixou ir à casa de Pilatos, porque era um
Magistrado. Mas o Cordão da Peste não é Pregador; Periodiqueiros, olhai
que entre os Padres pode haver um Padre José de Canavezes, o machucador
dos Franceses, e que pode haver outro, que seja o Machuca Periodiqueiro.
Unir fileiras, dobrar o Cordão... marcha. Aponta, e se divisa uma das
chagas mais pestilenciais, e que mais faz espalhar o contágio atormentador:
A correspondência Periodiqueira. = Que imenso correio é o destes homens
ordinário, e extraordinário! Nem cá em dia de sua vida subiram os dois lances
de escada que leva à grande sala onde se tira o chapéu, para alcançar, entre
uma aluvião de Galegos com bocadinhos de papel na mão, uma carta pelo
seu dinheiro, e uma descompostura de quem lhe dá. Estes Periodiqueiros
antes de se abrirem as cataratas do Céu, e começar a cair o Dilúvio, nem
eram conhecidos da sua mesma escada; fazem-se Periodiqueiros – ei-los em
contato com todo o gênero humano. Ao Buró, ou Telônio do Liberal, pelo
que vemos em grifo, e por grifar, chegam na roda do dia mais correios, que no
espaço de três meses chegariam a Troppau, e a Laibach. Todos estes grandes
Pregos abertos trazem no fim = Seu admirador = ...e com muita modéstia
assim mesmo se traslada. São admirados nos quatro ângulos da terra. A
Mnemosine, como senhora, e a única folha fêmea entre tantos Machos, tem
cartas ternas, bilhetes doces. E qual é o olhinho que tem reparado bem nestas
cartas? Consideremo-las primeiro na sua forma, depois na sua matéria, e logo
depois nos seus fins. É tanta amizade, e a intimidade dos correspondentes,
que de todo se identificam, têm os mesmos hábitos, os mesmos sentimentos,
as mesmas ideias, e o que é mais milagroso ainda, o mesmo estilo, que é
coisa que se não pode confundir, como não se confundem nem os feitios dos

79
corpos, nem as feições do rosto, nem o tom de voz, nem o Caráter de letra
nos indivíduos da espécie humana, pois ainda menos se confunde o estilo.
Venha agora a observação, todas as cartas mandadas ao Liberal são feitas
no estilo do Liberal; tem este homem, ou quem quer que seja, cartas vindas
do Rio, do Maranhão, de Alicante, sem se saber por onde, porque ninguém
as tem se não ele, mas o estilo é o estilo do Liberal, como um ovo se parece
com outro ovo, e um cão com outro cão. É a mesma salgalhada, os mesmos
solecismos, a mesma descambada colocação de palavras, é o Liberal, porque
quem diz este nome, diz tudo. Vamos ver as cartas ao Astro, (que é o Astro
que se fez só cá para Portugal,) é um Astro errante, excêntrico, e que apesar
das tundas não se eclipsa. O correspondente, e o correspondido são a mesma
coisa não só nas ideias mas no estilo, sem que haja a Hermenêutica, ou crítica,
que lhe descubra diferença. Volvemo-nos para o Constitucional. Escreve-lhe
= Barnerveld = Holandês, mas em Português. Combine-se o Batavo com o
Lusitano, não só se há de achar o mesmo azedume, as mesmas ideias incen-
diárias, e subversivas, mas o mesmo estilo, que nem o perspicaz Heinécio,
com todos os seus estilos, achar-lhe-ia diferença. E quem não vê que são os
mesmos Periodiqueiros que se escrevem a si? Todos os seus artigos comu-
nicados, são comunicados por eles, a eles mesmos, são como o Diálogo de
Tomaz Pinto Brandão em que fala = Ele próprio consigo mesmo =: Isto para
quê? Para sustentarem a bazófia de homens ilustrados, a quem os outros se
dirigem como aos oráculos do Politiquismo. E qual é a matéria destas cartas
escritas por eles a eles? A pior, malquistar a Nação com a Nação; chamar
a todos ignorantes, hebetados, miseráveis, inconstitucionais, lembrar coisas
inexequíveis, tirar aos pobres trabalhadores até a consolação de molharem a
palavra com uma Bilha de [mágoa] pé, fazendo desta nossa beberagem uma
Água Tofana, pronto expediente de Bonaparte para se descartar de metade do
gênero humano. Qual é o fim destas cartas da própria lavra? Azoinar a Nação.
Querem publicar algum fato vergonhoso sucedido em alguma povoação do
Reino; descompor uma corporação inteira, ou algum indivíduo particular a
quem escorregou um pé, e deixou pegada, finja-se uma carta, mandada por
um sincero admirador do Periodiqueiro, e peça-lhe com muita urbanidade a
queira inserir no seu preciso Periódico tão capaz de ilustrar a Nação, e de lhe
fazer quebrar as cadeias do Despotismo. Esta a forma, esta a matéria, este o
fim da aluvião das cartas, que de alto a baixo ocupam as duas grandes colunas
do Periódico. Quando os Franceses invadiram Nápoles, e puseram lá El Rei
Joaquim, nenhum destes Periodiqueiros que então trabalhavam em Correios
da Península, em semi-Telégrafos recebeu carta alguma para inserir no seu

80
ilustradíssimo Periódico em que se queixasse o Correspondente daquela
escandalosa rapina: agora é outro cantar! Agora já lhe escreve o primeiro
Publicista de Nápoles remetendo-lhe um áureo Periódico composto por ele,
com as suas reflexões sobre a probabilidade da paz se não passam o Pó, sobre
a probabilidade da guerra se passam o Pó para ir tudo numa poeira. Já lhe
escreve Gallo, já lhe escrevem ambos os Pepes, e ambos os Forestões. Que
miséria! Convertem em cartas enviadas pelos seus correspondentes, retalhos
da Miscelânea Espanhola; retalhos do Universal; e tudo são retalhos, e mal
cerzidos, = continuar-se-á = e nunca aparece tal continuação! Confesso uma
verdade. Quando apontou esta Peste, que tão repentinamente se estendeu,
e multiplicou, pasmava eu muitas vezes ao ler alguns discursos, ainda que
nenhum deles acabado. Valha-me o Céu, dizia eu, tantos conhecimentos
profundos de Política, de Economia, de Legislação, sobre o Rei, e a Nação,
sobre Morgados, sobre Corpos de mão morta, cujas barrigas eles também
querem mortas, e isto feito por quatro pobres Diabos que eu conheço de vista,
e que quando passo pela porta do Botequim vejo lá sentados para um canto
com a tez amarela, e os olhos almejantes pela torradinha, e de tarde vejo no
Rocio a corso da de seis a algum conhecido ou da Província, ou da Corte
ainda pouco experimentado!! Como pode isto ser? Onde foram buscar isto?
Quem porfia mata caça. Eram pedaços literalmente traduzidos de Wather, de
Filangieri, e de Becaria; eis aqui as Cartas dos nossos correspondentes! Daqui
vem o retalhinho sobre Frades, e sobre Clérigos atados pelo pescoço, pelas
mãos, pelos pés, pela barriga à corda de um sino, e com um Apontador tão
olheiro, que por dá cá aquela palha, deita-lhes meia mesada abaixo. Daqui
vêm aquelas Jeremiadas sobre Dízimos, sobre Morgados, sobre Imprensa,
sobre Religião. Daqui vêm, com as repisadas palavras de Despotismo,
Tirania, Arbitrariedade, Cadeias, Escravidão, Rios, Targinis, a vileza daqueles
sarcasmos, e irrisões com que atacam os antigos Governadores a quem eles
mesmos, rompantes beijavam... Que baixeza! Qual é o Médico que insulta
o doente quando diz que o quer curar! Covardes! Nem como a homens
lhes perdoaram! Assentou o Governo por justas causas que um Estrangeiro
não devia comandar o Exército Português, foi-se o Estrangeiro, por certo
não voltará cá, acabou-se: Foi-se Schomberg; foi-se Lippe, foi-se Waldeck;
foi-se Golts, foi-se aquele, vão-se todos, porque não têm cá que fazer depois
de fazerem aquilo para que foram chamados. Para que são estes insultos
dos Periodiqueiros? Para que os estranhos façam uma injúria ao Governo,
supondo que o Governo autoriza isto. Não é de um caráter generoso, qual

81
o dos Portugueses, insultar, e esmagar um homem que está no chão. O leão
deixa o que vê humilhado.
Oh! Peste! Oh! Peste! Eu desejo todos os bens a esta Nação; mas se
por um impossível transtorno das coisas humanas, passassem os Mouros à
Península, e com o Dei, ou com o Bei de Argel à frente ocupassem Portugal
no mesmo dia em que nomeassem um Cadi, logo na secretaria do Cadi
apareciam Requerimentos destes mesmos Periodiqueiros, a qual primeiro
fazerem um Periódico proclamando a Dinastia de Mafamede, apresentando
à censura Mourisca o primeiro N. com este título = Deus, e o Profeta = já
estaria o Camões devolvido para a Epigrafe, que seria esta.

O Rei de Badajoz era alto Mouro.


A Mnemosine, essa não deixa o nome, mas o sobrenome mudava-o, e
chamar-se-ia Mmemosine Muçulmana, com letras grandes, e Mouriscas. E
que diriam eles das Cortes do Governo? O mesmo que disseram dos Franceses,
dos Ingleses, dos Governadores passados. Vinha logo o Astro, o Liberal, o
Constitucional etc. etc. etc. com um plano de curtumes para Marroquinos,
determinaria um Local para uma fábrica de chinelas amarelas. Que projetos
para a plantação de cuscuz, que terrenos arenosos se designariam para a
cultura das Tâmaras! A primeira chalupa que se fizesse se deveria chamar
= Fátima. Que cortes se não dariam nas Matas! O Artista Constitucional, e
a Mnemosine ofereciam logo ao Divã um modelo de Xavecos ligeiros para
o corso, e quatro Fragatas para as bocas do Tâmisa, e abaterem desta arte
o poder marítimo da Nação, dos lanifícios e canivetes. Os Geógrafos, e
Estatísticos, marcariam o Itinerário para as caravanas da Meca, e Novenas
de Medina. Que Homílias se não fariam a favor do Ilanismo [sic], que reco-
nhece a Unidade, e o Profeta!
Oh! Peste! Oh! Peste! Mas é preciso tresdobrar o Cordão que aí vem
mais Peste.
É uma chaga, que já tem bichos, e tão pegadiça, e contagiosa, que
pode trazer a última ruína. O Povo Português é um povo Católico, fiel, e
timorato; em geral a contagiação da incredulidade ainda o não penetrou; e
fosse qual fosse o seu estado político, sempre a massa da Nação conservou
intacto o depósito da sua fé. E, com efeito um Povo sem Religião, é uma
quimera em Política, e Moral. Nenhuma das Religiões é capaz de prender
tanto a consciência, e obrigar os homens ao desempenho de seus deveres,
como a Religião Católica Romana. Voltaire, que era muito amigo da sua
vida, e muito mais ainda do seu dinheiro, não queria em casa Criados,

82
que não fossem muito Católicos Romanos, muito escrupulosos, e até que
pendessem em alguma coisa para supersticiosas devoções; porque além de
não querer amanhecer na eternidade, não queria também amanhecer sem
real na pejadíssima Barra, e tinha razão, porque um velho octogenário,
rico como um porco, metido sempre na cama, cercado de criados livres
pensadores, sem freio de Religião, e sem remorsos, e muito menos sem
temor de castigos eternos, estava em muito risco nestas mãos benfeitoras. A
conservação da Religião deve ser o primeiro cuidado, e o primeiro desvelo
dos Legisladores, uma vez que queiram a segurança pública, e a obediência
dos Povos. Isto não querem os Periodiqueiros. Fora Peste, e Peste maligna!
Abro um Periódico, e vejo em letra Itálica, muito grande = Liberdade de
Consciência = Em bom Português quer isto dizer, que cada um pode seguir
a Religião que quiser, e se não quiser seguir nenhuma, faça o que quiser,
que para isso fica livre a sua consciência. Estabelecido este princípio, dentro
de dois dias não há Religião nenhuma, e no foro da consciência ninguém se
julga réu dos crimes que cometer, porque se os crimes que cometer infringem
as leis desta, ou daquela Religião, essa, é a que ele não quer, porque para
isso tem liberdade de consciência. Ora isto que é ferir no centro o coração
de quase todos os Portugueses, porque [se] abrir-lhe o caminho para a total,
e absoluta indiferença para com todos os cultos, pode ser origem e motivo
das maiores desgraças até para a ordem civil, e social. Ninguém conte mais,
e chame seu a um cruzado novo, que tenha só na algibeira, porque em o
outro vendo que tem forças superiores para suplantá-lo, e tirar-lhe o cruzado
novo, fica sem ele, porque a consciência do tal apanha cruzados novos, como
é livre na escolha de uma Religião, não lhe importa com o sétimo preceito
do Decálogo; e se além do meu rico cruzado novo me quiser também tirar
a vida, menos lhe importará com o quinto, porque a Religião que ele quer
seguir, e lhe é livre seguir, não tem tais dez preceitos, e para eles ficam bem
descansados na Cartilha do Mestre Ignácio. É certo que não sucederá assim
no foro externo, porque não haverá lei, que admita como lícito o furto, e
o homicídio. Mas se este homem com a liberdade de consciência, em que
o deixam, esta adquirir no silêncio a impunidade para o seu crime quem o
poderá estorvar, que o não cometa? Vejo que me dirão que há muitas Nações
em que está estabelecido o Tolerantismo, e que suprem ali as leis penais, que
o medo da Forca supre bem o temor das penas do Inferno. Torno a dizer que
isso é para os crimes visíveis, porque as leis são para os fatos comprovados
judicialmente; mas qual é o freio que essas leis determinam para os crimes
ocultos? Virtudes ainda mesmo as sociais sem a Religião Católica Romana,

83
única, e verdadeira, eu não as conheço. Isso seria não só um escândalo, mas
o maior atentado, que se poderia cometer contra os Portugueses, e seria essa
uma desgraça que eles não sofreriam com sua heroica paciência. Ora não é
bem lançado um Cordão que vede as irrupções destes princípios Pestilenciais?
Como se pode combinar a estabilidade do Governo, o sossego público, o
amor da ordem, a observância das leis do novo regime, com a inquietação,
que nos ânimos derramam tantas ideias destampadas, tantas notícias falsas,
tantos projetos loucos, tanta flutuação de ideias, tanta contrariedade de
doutrinas, e tão encontrados gritos dos incansáveis Periodiqueiros! Quem
por eles saberá o que deve pensar, e o que deve fazer? A Censura olha para
os papéis, e olha para os rostos dos autores, e perdoa a miséria de uns pela
fome que descobre nos outros.

O Curcunda de boa-fé.

Vila de Olhão 18 de
Fevereiro de 1821.

FIM

84
6

Das Sociedades, e das Convenções, ou Constituições.

Por qualquer modo, que os homens aparecessem sobre a face da terra,


é bem verdade, que todos naturalmente, ou por lei da Natureza, aspiram
a sua conservação, seu cômodo, e o seu prazer: e que tratam de repelir, e
remover qualquer obstáculo, que a isso se lhes oponha. Mas como todos são
igualmente livres, e têm iguais direitos, eles concorreriam muitas e muitas
vezes sobre o mesmo objeto, e se originariam desordens de todo o tamanho,
as quais só terminariam pela destruição de ambos, sendo iguais em forças,
ou pela prevalência do mais forte. A isto acrescentariam crimes sem conto, e
barbaridades sem número: o homem andaria sempre numa guerra contínua,
sempre em contínuos perigos, e sustos. A razão, ou a necessidade vindo em
socorro desta desordem, e desgraça, ditou ao homem o estado social; porque
reunindo-se em partidos, ou bando, que mutuamente se auxiliassem, poderiam
então ter mais alguns momentos de descanso.
Para se poderem formar estes partidos, ou estas sociedades, era neces-
sário, que entre si convencionassem todos em certos princípios gerais, e que
todos fossem de uma mesma opinião. Era necessário que todos reunissem todas
as suas forças em uma só força, e convencionassem sobre o modo de viverem
entre si, e de se defenderem do comum inimigo. Eis aqui uma Constituição.
Ora, para que viessem todos simultaneamente, poderiam chocar as
vontades concorrendo dois, ou mais indivíduos sobre o mesmo objeto: para
obviar isto, se estabeleceu necessariamente o direito de propriedade, pelo
qual cada um podia, e só ele usar, e dispor daquilo, que legitimamente tivesse
adquirido. Mas ainda assim mesmo poderia algum, abusando da liberdade,
perturbar violentamente a propriedade de outrem, foi forçoso convencionar-
-se, que todas as forças reunidas se conspirassem contra qualquer que ousasse
perturbar a propriedade alheia.
Estas forças assim reunidas, se foram cometidas a um só, escolhido
dentre eles, como o mais capaz, formaram a Monarquia: se foram cometidas
a dois, ou mais formaram a Aristocracia, e se ficaram na mão, e disposição de
toda sociedade, formaram a Democracia. Da Monarquia pelo abuso nasceu
o despotismo, e a tirania que é quando um só dispõe do todo à sua vontade
sem norma, e sem lei. Da Democracia tem muitas vezes nascido a Anarquia,
que é o despotismo no Povo. Para sanar, e precaver estes abusos, que, a qual
mais e mais, causam males incalculáveis, depois da funesta experiência de

85
muitos anos, e de muitos séculos, se tem pretendido fazer um novo Governo
composto de todos os três, a que se chama Governo misto, ou Constitucional,
onde governa o Rei, e o Povo, e os Maiores ao mesmo tempo. Por este fica
o Monarca coibido pelos dois partidos de ser absoluto, ou despótico; fica
o Povo inibido de passar a democrático, porque os maiores com o Rei lhe
obstam: e ficam os Aristocráticos inibidos de passarem a tiranos, porque o
Povo lhe impede juntamente com o Rei: e assim se mantém sempre em um
perfeito equilíbrio.
Quando num Governo Monárquico os homens depositam todas as suas
forças, e faculdades nas mãos de um só, é para que este munido delas lhe
haja de garantir, 1. a sua segurança, 2. a sua propriedade, 3. a sua liberdade,
4. a sua subsistência. O Monarca pois, para satisfazer a tais deveres, estabe-
lece certas normas gerais, porque por elas todos, e cada um se deve regular,
afim de que, observando-as todos exata, e igualmente, formem uma união
de vontades, e uma mesma opinião, sem que hajam rivalidades, isenções, ou
separações, que causam pequenos males à sociedade.
Mas assim como o Monarca é o mais poderoso, porque tem ao seu
dispor toda a força da Nação, para opor a qualquer, que intentasse perturbar
os direitos da mesma, ou de qualquer dos indivíduos dela; assim também
deveria ser o mais sábio, para poder ele mesmo formalizar, e estabelecer esta
norma ou leis sábias, pelas quais o resto da sociedade se deve regular. Se
no primeiro caso ele é efetivamente poderoso pela união, e concorrência de
todas as forças da Nação; no segundo caso pode ser efetivamente sábio pela
reunião de todos os conhecimentos, e de todas as luzes da mesma Nação.
Eis aqui pois o verdadeiro Monarca sendo o mais forte, e o mais sábio: 1.
pela reunião de todas as forças, 2. pela reunião de todos os conhecimentos.
No primeiro caso, quando carece de repelir a violência, lança mãe da Nação
armada: no segundo, quando carece decidir qualquer questão, lança mão da
Nação ilustrada. E assim como é inconcebível, que um só homem seja forte,
que muitos milhões de homens: assim também é impossível que ele saiba mais...
Deve pois o verdadeiro Monarca lançar mão, e usar das faculdades de
sua Nação só para benefício, e interesse da mesma; porque só para este fim é
que ela o fez depositário delas. E como é natural que cada um conheça melhor
os seus próprios interesses, que um terceiro, deve o Monarca, quando se trata
dos interesses de sua Nação, convocá-la, e consultá-la. E quando o Monarca
falta a este dever, a Nação não só pode, mas tem toda a obrigação de o fazer
independentemente convocando os seus Estados Gerais, e Cortes.
Para que estes Estados gerais, ou Cortes, plenamente possam decidir sobre
os interesses da Nação, devem primo ser regularmente convocados, segundo
estar em plena liberdade; de sorte que o Monarca nenhuma influência tenha

86
sobre eles, e se proponha efetivamente seguir e observar em toda a sua pleni-
tude as suas decisões, ainda mesmo que estas sejam contra seus particulares
interesses; porque o interesse particular deve ceder ao público, e o Rei em tal
caso é um particular. De outro modo os Estados convocados se tornariam nulos,
e até mesmo prejudiciais: pois só serviriam de instrumento para o Rei iludir
a Nação, e galgar sobre ela em detrimento dela mesma; pois que o Monarca
tendo em sua mão, e a sua disposição, as forças todas, pode, abusando delas,
fazer facilmente sucumbir a verdade, e obrigar aos Estados a decidir só, o que
ele quiser. Neste caso uma de duas: ou deve o Monarca ser totalmente liberal,
e generoso para garantir a segurança individual dos membros das Cortes, ou
Estados: ou estes indivíduos sacrificarão inutilmente à verdade, e à Pátria suas
vidas, e todo o seu ser. Digo inutilmente, porque um tal sacrifício, sendo o
maior de todos, se torna infrutífero, pois que o Monarca de nenhum modo
seguiria tais decisões.
Disse, que os Estados gerais deviam ser regularmente convocados; porque
como a causa é pública, e por tanto da convenção geral, e comum depende
a sua decisão, devem estes Estados ser convocados de sorte, que todos os
indivíduos da Nação tenham neles representantes. O método que melhor
satisfazer a este objeto será o verdadeiro. Pois que todos os indivíduos são
igualmente livres, e têm iguais direitos ao bem de sua Nação, todos devem ter
ali parte nas decisões gerais: aliás é excluí-los de tais direitos, e é degradá-los
da honra de Cidadão, que lhe compete. Pelo [que] digo que o método antigo
de convocar Cortes, bem que seja legal, não é próprio da época presente: as
leis são, como tudo o mais, que com o tempo envelhece, e elas que têm por
fito o regular dos costumes, se os costumes mudam, devem as leis também
mudar. Não basta o constarem as Cortes do Clero, Nobreza e Povo; porque
tanto há Clero, Nobre, como Plebeu, e há Plebeus, cujos interesses estão
ligados uns ao Clero, outros a Nobreza. Mas é mais terminante, mais liberal,
e mais conforme às ideias do século, que por exemplo, os pescadores tenham
nelas o seu represente, eleito por eles, sem que seja necessário ser um pescador
mesmo; mas um homem ilustrado, que responda por eles: e assim em todas
as ordens, e classes da Nação; de sorte que eu em minha casa estarei muito
satisfeito, porque naquela Assembleia se tratam também dos meus interesses,
e dos meus destinos.
Pelo que fica dito se deve concluir, que a Nação deve livremente decidir
dos seus interesses, e para isso deve o Monarca, por em tanto ficar privado
do uso, e disposição das forças nacionais, as quais devem ficar ao só dispor
das Cortes. Então este mesmo Monarca pode, e deve presidir a elas, ou por
si, ou por seu delegado.

87
Duas consequências tanto necessárias, como verdadeiras se devem dedu-
zir [d]estes princípios: 1. que nunca uma Nação poderá progredir, e prosperar
sem estas decisões gerais, e efetivas, onde um impulso geral instigado pelo
conhecimento tanto de seus interesses, como de seus próprios males, conduza
a seus fins a vontade geral da mesma Nação. 2. que quantas mais vezes forem
convocadas estas Assembleias gerais, tanto mais deve prosperar a Nação.
Porque quanto mais conhecimento ela tiver dos seus males, e dos seus inte-
resses, tanto mais se esforçará em sanar aqueles, e promover estes, e mesmo
esquadrinhar outros de novo. Logo se os Estados gerais forem permanentes,
a Nação se habilita, e se constitui na possibilidade de chegar ao cume de sua
prosperidade, e grandeza; porque estando constantemente empregada em
propor, e deliberar seus interesses, ela mesma procurará com eficácia os meios
de os promover, habilitando o Monarca para dar a execução a tais delibera-
ções. Eis aqui um Governo Constitucional, eis aqui um Monarca feliz, que
sem se degradar, e sem responsabilidade alguma, executando as deliberações
da Nação, faz a felicidade de seus Povos, sem fazer nada, por assim dizer. O
Monarca que a isto se recusa, é porque não quer governar, mas só dominar
e não quer fazer a felicidade de seus vassalos, mas só desfrutá-la; não quer
perder nada do seu orgulho, não importa que toda a Nação se perca; não quer
curvar-se à razão, não importa que a Nação se curve à desgraça, tombe de
cabeça abaixo, e vá parar nos abismos, porque ainda lá mesmo nos abismos
ele quer ser absoluto. Se houve[r] um tal Monarca ele será indigno de reinar.
Se uma Nação inteira deve fazer todo o sacrifício de suas faculdades pelo
bem comum; se os vassalos todos devem sacrificar seus bens, e vida pelo Rei,
e pela Pátria; que muito é, que mesmo Rei faça também o pequeno sacrifício
de algumas de suas prerrogativas pelo bem de seus vassalos, pelo interesse
da sua Pátria, de que ele também é filho: e pelo seu interesse mesmo? Um Rei
que se nega a tão justas requisições não deve ser Rei.
Um Governo assim Constitucional é o único, e só capaz de fazer a felici-
dade de uma Nação, e fazer mesmo o terror de todos os Déspotas, e Tiranos.
A história dos nossos tempos o tem evidentemente demonstrado. Esse Tirano
abortivo, e efêmero, que de nossos dias soube escravizar a França, deu uma
condução tão forte na Europa, que os Tronos estremeceram, e os povos
acordaram. E conhecendo bem a fraqueza do Despotismo, não hesitou um
momento em o atacar: e sem lhe importar os povos, marchava aos Sólios
intrépido, e rápido, e os achava todos vazios; porque os Tiranos sempre fracos
fugiam covardes. E se a ambição o não cegasse; se soubesse conservar os Povos,
não haveria hoje um só Trono na Europa, nem talvez no mundo. Porém como
igualmente era Tirano, seguiu o destino dos Tiranos, e também fugiu. E por
quê? Porque os Tiranos abaquiavam, assomaram os povos seu horizonte,

88
conheceram-se, e tomando a defesa comum como nacional arrojam-se contra
o comum Déspota, e o fazem fugir à pressa diante de suas falanges: em vão
quer sustentar-se, mas não pode. Como assim!... Pois o vencedor de Iena, de
Eylau, e de Austerlitz é aquele mesmo que foge de Moscou, de Leipzig, e de
Waterloo?... Não eram os mesmo Generais? Não eram os mesmos Soldados?
Não eram as mesmas Armas?... A razão da diferença é bem clara. Os primeiros
combatidos, e vencidos, eram Soldados imperiais, e os segundos vencedores
eram Soldados nacionais. Apesar de tudo os Povos lhe devem o conhecimento
do que eles são: e os Monarcas lhe devem sua existência. E que belas lições
poderão tirar tanto os Povos, como os Monarcas desta época tão fértil em
fatos tão instrutivos? Mas o Astro brilhante da razão vai subindo ao seu
Zênite; suas luzes benéficas vão-se espalhando: o fanatismo, e a hipocrisia
corridos de pejo, e de vergonha fitam os olhos no chão, cobrem a cabeça,
cruzam as mãos, e vão se encafuar confusos: um dia os homens serão livres:
a virtude, e a justiça empunharão o cetro, e de seu Trono majestoso por sua
doce influência farão renascer a idade de ouro tanto apreciada, e desejada,
mas nunca até então vista.
Tendo mostrado, ainda que muito sucintamente, o que é liberdade, e
igualdade tenho exposto a origem possível, e natural das primeiras sociedades,
a cuja imitação as outras se foram formando com aquela modificação, que
o tempo, e as mais circunstâncias foram exigindo; sem falar na usurpação,
injustas invasões, e conquistas que têm assolado a terra, e escravizado os seus
habitantes, tendo indicado os princípios fundamentais, que deverão conso-
lidar as mesmas sociedades: suas instituições, e seus diferentes governos: as
prerrogativas, e sublimes vantagens do Governo Constitucional: o modo mais
próprio de convocar os Estados gerais, ou Cortes: resta-me ainda o prelúdio
da importante história, em que me proponho mostrar o plano, as causas, e
razões urgentes que animaram aos nossos ilustres, e imortais Libertadores,
dos Heróis do Doiro, e os decidiram a arrojarem seus ombros de denodados
à cadente Pátria, sanguentarem-na e salvarem-na. É o que vai servir de digno
objeto às curtas reflexões seguintes: as quais ainda que a alguns pareçam
ociosas, contudo no decurso da Obra se verá, o quanto elas, assim como as
precedentes, são úteis, e mesmo necessárias à mesma Obra.

REIMPRESSO NO RIO DE JANEIRO, NA TYPOGRAPHIA REAL. 1821.


Com Licença.

89
7

D E F E ZA
DAS
MEMORIAS
PARA AS CORTES LUSITANAS
EM 1821,
CONTRA A MEMORIA
DE
JOSÉ DANIEL RODRIGUES COSTA,

CAPITÃO, QUE FOI, DA SUA LEGIÃO.

Desfazem-se também com hum assopro alguns nevoeiros, que


pretenderam levantar alguns falladores curiozos.

Tambem se defende a Honra Militar, que trata dos Regeneradores,


e Emprehendedores da nossa Regeneração.

Conclue com a 2.ª parte do Sermão Constitucional, que de motu


proprio, e certa sciencia ficou sepultada no Cemiterio de Calisto
com animo de nunca mais ressurgir; mas que agora
apparece contra a expectação de quem lá a enterrou.

L I S B O A.
EM A NOVA IMPRESSÃO DA VIUVA NEVES E FILHOS.

ANNO DE 1821.

90
DEFESA
DAS
MEMÓRIAS
PARA ÀS CORTES LUSITANAS EM 1821.

Ora criado do Senhor José Daniel Rodrigues Costa muito do meu respeito.
Quanto sentirá não estar agora em Lisboa o Autor do Folheto, que Vossa
Senhoria com tanta graça impugna, esforçando-se em querer desagravar
a Religião, que Vossa Senhoria julga ofendida, assim como os Religiosos,
Religiosas, e Magistrados! (Não repare Vossa Senhoria dar-lhe este tratamento,
que devidamente merece quem já foi Capitão da sua Legião. E olhe que eu não
me hei de enganar com ele, como Vossa Senhoria tantas vezes se enganou no
seu Folheto. Eu hei de ter mais cuidado, porque sei com quem trato: Vossa
Senhoria é que não reparou bem.) Não teriam certamente passado 7 dias,
que o Autor das sobreditas Memórias se tinha retirado, (e ainda por lá anda)
quando apareceu o seu Folheto, que faz rir as pedras.
Mas eu tomo à minha conta a devida resposta: esse despique fica a meu
cargo enquanto ele não aparece; que talvez ele não queira perder o seu tempo
em bagatelas, e que dê ao seu Folheto a contemplação que ele merece, que é não
fazer caso dele; que eu estive para assim o fazer; mas eu sou mais azougado.
Esta resposta já lhe há de tardar, Senhor José Daniel. Tenha paciência. Eu
não fui culpado na demora; porque lendo o seu Folheto no dia 9 de Fevereiro,
mandei a resposta no primeiro dia, em que devia comparecer, que foi a 13 do
mesmo Mês? porque tinha o empenho que Vossa Senhoria a visse logo; mas
desgraçadamente o Rapaz que a levava, chegou à Travessa do Pombal, e uma
enxurrada insolente o levou de trambolhão, de sorte que o tal papel ficou tão
enlameado, tão incapaz de aparecer, que me foi preciso recolhê-lo; não ficou
com cara de se apresentar; e o Rapaz ficou com uma horrível Comichão, que
tem atormentado desde que chegou ao alto da Travessa do Pombal.
Levou muito tempo a consertar o tal papel, e quando eu julgava que já
estava capaz de aparecer, tornei a mandá-lo; mas suponho que reconheceram

91
o Rapaz a quem tinha acontecido o fracasso, fizeram zombaria dele. Nem
amigos, nem conhecidos lhe quiseram valer. Tal é Barrabás, como é Satanás.
Mas depois soube eu que o mesmo tinha acontecido há muito.
Acomodei-me, esperando ocasião favorável. E com efeito chegou. Já não se
precisam favores; e o Rapaz ficou livre da Comichão, assim como todos. A
14 deste Mês de Julho ficou dissipada; e lá se foi em turbilhões de fumo negro
por esses ares. Mas vamos ao que importa.
Em primeiro lugar louvo muito a sincera confissão que faz da sua ignorân-
cia quando diz, que certas coisas não pode alcançar a sua percepção. Ora isso
é que é falar sincero. Eu sempre conheci a Vossa Senhoria muito verdadeiro.
Mas diga-me, Senhor Capitão, que mal fez a Vossa Senhoria o Folheto
das Memórias, ou o seu Autor? Esse seu procedimento faz-me lembrar
aqueles de quem se conta, que algum dia frequentavam muito a Igreja de
São Domingos; e o seu ofício era ou para servirem de testemunhas falsas, ou
para irem dar uma facada em alguém. Ora não lhe parece uma sem razão
invectivar destemperadamente contra quem nunca lhe fez mal? Eu estou bem
persuadido que a curiosidade não foi sua, nem do seu vizinho Cego. Pois olhe,
a boa moral ensina, que aquele que mata, comete um crime mais agravante
do que aquele que manda matar.
Uma das coisas em que lhe acho muita graça, (deu-me cá no goto) é dizer
Vossa Senhoria que ao Autor do Folheto lhe escaparam pela malha algumas
coisas, pela pressa com que dispôs a pescaria dos 120 réis. Ora rio-me dessa
chalaça. Vossa Senhoria tem muita razão, porque o seu dá-o de graça a quem
o quer. Pois olhe, eu sei que ele tanto não queria dar ao prelo as Memórias,
que em 9 de Novembro entregou ele o Original a quem o devia ler. Mas como
ao público saíam obras tais como o seu Folheto, publicou-as, apesar de serem
um molho de misturadas. Pois olhe, eu não caí na rede em comprar o seu.
Mas como o Folheto de Memórias tem algumas coisas boas, como Vossa
Senhoria conta, que lhe disseram, isto basta para contentar o Autor, porque
tudo bom só o pode fazer o Senhor José Daniel.

Defende-se o 1.º Artigo.


Vossa Senhoria diz que ficou citado para besta quando leu o Folheto,
e eu digo que ficou tal, qual era de antes. Porque se espanta de ler, que os
Corpos Regulares são hoje o ódio de toda a Nação? Vossa Senhoria está na
Aldeia, e não vê as casas. Quem há de negar que os Religiosos todos os dias,
e a toda a hora são insultados pelo meio das ruas, até por pessoas que não
são da ínfima plebe? Fora, Frade; três por nove ruas; é um rancho de ociosos;
precisam enforcados todos; a pior coisa que há são Frades... etc. Eis aqui a

92
cantilena, que por toda a parte se ouve, e quase a toda hora. Estes, e outros
impropérios são os que os Religiosos continuamente estão ouvindo, menos
Vossa Senhoria; e por isso é que diz que ficou besta quando leu o Folheto:
pois olhe para eles ouvirem esses insultos não é necessário que eles andem de
noite sem hábito; que cantem Modinhas Brasileiras; que bailem o Londum
[lundu]; que andem embriagados etc. e tenham os mais defeitos, que Vossa
Senhoria descobre para desagravá-los. Eles hão de ficar muito obrigados pelo
bem que desempenha a comissão do desagravo.
O argumento então que Vossa Senhoria faz com efeito é dos mais fortes,
que se podem produzir; fez-me andar com a cabeça à roda. Diz que os nossos
Avós foram tão amantes dos Religiosos, e agora toda a Nação lhes tem ódio?
Diz bem, Senhor Costa: tem razão para se espantar, porque nada do tempo dos
seus Avós tem mudado: tudo está firme. Os Religiosos também os mesmos:
são tais, e quais os da primitiva; enchem em tudo a santa vontade dos seus
fundadores. Não é assim? É, sim, Senhor.
Mas donde conclui Vossa Senhoria que o Autor das Memórias quer a
sua extinção porque meia dúzia de Frades é mal comportada? Não se adiante,
Senhor Capitão; repare bem: o que ele diz é, que não sendo eles já vanta-
josos não devem existir; porque o que não é útil, é desnecessário, diz ele. E
além disso arbitra-lhe uma muito decente sustentação: isto é ser inimigo dos
Religiosos? Não são meia dúzia de Frades escandalosos, que faz falar o Autor
das Memórias em total extinção; é a falta total de observância em todos os
Institutos; é porque vai um Moço prometer aos 16 anos que há de observar
por toda a vida o que já não está em uso, nem é possível observar.
Não duvido que se achem alguns de muito bons sentimentos; mas por
estes poucos devem-se expor à perdição eterna milhares deles? Aqueles bons
podem ser bons sem aquele modo de vida; e estes maus não podem ser bons
ainda na companhia daqueles. E se ele diz que se acabe este nome de Frade,
é para se acabar este ódio, estes insultos.
Entende agora, Senhor Costa? Se quer então desenganar-se qual é a utili-
dade que resulta da conservação dos Corpos Regulares, e se eles são precisos,
leia o Problema resolvido: eu posso-lhe confiar, porque é obra minha. Ali
verá os espantosos serviços, que eles têm feito em todos os tempos antigos, e
nos de agora. Não personalizo; mas sendo necessário faria uma lista, que há
de meter medo: e nesse caso então subscrevo.
Ninguém nega que nas Corporações tem havido muitos Santos, muitos
Bispos, Arcebispos etc. mas diga-me, Senhor Capitão, se o Senhor seu Pai
tivesse servido bem a Nação num Emprego, e Vossa Senhoria fosse um
malvado, ou ainda que o não fosse, se não tivesse a mesma habilidade, ou

93
não quisesse trabalhar como ele, devia-se lhe conservar o Emprego só porque
era filho daquele honrado homem? Ainda digo mais: se este Emprego lhe
servisse de ruína espiritual, não lho deviam tirar? O mais que lhe podia fazer
era dar-lhe uma decente sustentação enquanto vivesse. Que discorre agora?
Adeus, Senhor Capitão...
Mas não; perdoa; venha cá... ainda temos mais que debulhar. Por que se
espanta Vossa Senhoria dizer o Folheto que se devem totalmente suprimir as
aceitações? E que dirá Vossa Senhoria agora, quando já o nosso Augusto, e
Sapientíssimo Congresso as têm proibido? Se Vossa Senhoria declamou contra
aquele porque assim falou, declame também agora contra a Nação, porque
assim o entendeu. Diga que ele é um libertino porque é de voto que não haja
Religiosos; mas diga também que o nosso Congresso é de sentimento que as
aceitações se suspendam.
Diga também que não havendo Religiosos, lá vai a Religião de Jesus
Cristo por esses ares; porque eu direi sempre, que para ela durar até a consu-
mação dos séculos, não precisa de Frades; precisa sim de puros, e verdadeiros
Cristãos; de zelosos, e bons Ministros, que a sustentem.
E quando se diz na página 5.ª que se devem proibir as Ordenações,
até Subdiácono, é porque, saindo muitos Religiosos dos Conventos, haverá
Clérigos em demasia. Não inverta o sentido do Autor das Memórias, Senhor
José Daniel. Ele fala muito claramente na página 13, onde diz, que os
Religiosos não são essenciais à Nação: o Sacerdócio é essencialmente preciso.
Agora diga que a Religião vai por esses ares não havendo Religiosos. Olhe,
Senhor Rodrigues, leia o Folheto página 4. § 1.º, e então lá verá o que acon-
tece a um moço que vai para o Noviciado. Leia também o Problema folha 18
e lá achará a resposta: leia e entenda; porque legere, et non intelligere, com
licença de Vossa Senhoria, Senhor Capitão, est burrigere.1
Numa palavra, Senhor José Daniel, o Autor das Memórias quando diz,
que se devem extinguir as Corporações, fala em tudo a benefício espiritual, e
temporal dos Religiosos. Aqueles que quiserem ficar nos Conventos, fiquem;
mas sem hábito, para que os libertinos os não insultem. Leia a página 6.ª, e
7.ª; mas leia bem; entende?
Espanta-se também dizer que os Mendicantes fiquem em Hábito secular.
E as Memórias proíbem-lhes terem sotainas, ou Donatos para pedirem? É
necessário explicar-lhe tudo p-a-p-a, Santa Justa. Leia bem o Folheto página
10, e 15; e lá achará a resposta. Eles com a porta aberta ficarão bem dimi-
nuídos; e ficando aptos para os Empregos Eclesiásticos, e Civis, aí os têm

1
Legere et non intelligere est burrigere: ler e não entender é emburrecer. N.T.: Brinca-
deira com o latim.

94
acomodados: os poucos que ficarem, terão sem dúvida esmolas suficientes,
juntamente com as suas capelas.
Também diz (para abonar os Religiosos) que todos os dias se estão
alimentando às suas portarias chusmas de pobres miseráveis. E então parece-
-lhe que para sustentar esses mendigos do seu Caldeirão se devem conservar os
Religiosos? Pois mais valera que não houvesse quem sustentasse esses magotes
de parasitos, e ociosos; que a maior parte deles não quer outro modo de vida.
Essa obra de caridade feita por essa maneira, não é motivo suficiente para
se conservarem as Corporações Religiosas. São João de Deus, o Venerável
Frei Miguel Contreiras, São Camilo de Lellis, São Jerônimo Emiliano, e
outros pasmosos caritativos pegavam nos enfermos muitas vezes às costas, e
os levavam para os hospitais, onde os curavam eles mesmos com assombrosa
caridade; socorriam famílias indigentes; e neste exercício se empregavam.
Não era melhor que os Religiosos de agora fizessem o mesmo em lugar de
darem o caldo à portaria?
Fique persuadido que aproveita mais uma esmola dada a uma família,
a quem o seu chefe não pode sustentar só pelo jornal do seu trabalho, do
que dar esmolas a esses magotes de maganões encartados no bom ofício de
visitar as portas todos os dias com muita leria estudada. Não lhe parece isto
mais acertado? Se disser que sou libertino em não aprovar essas esmolas, eu
não me injurio com isso.

Sustenta-se o Artigo que trata das Religiosas.


Forte espanto faz Vossa Senhoria quando lê que as Religiosas devem ter a
porta aberta! Vossa Senhoria está muito espantadiço. Por isso é que é entendê-
-lo. Porventura diz o Folheto que as Religiosas fiquem nos Conventos com as
portas abertas? Vossa Senhoria suponho que não lê bem; será cataratas? O
Artigo que trata das Religiosas diz que tenham elas a porta aberta como os
Religiosos; isto é, que possam secularizar-se. A sua Lógica está já bem triste,
Senhor Rodrigues. Leia Vossa Senhoria o Liberal de 7 de Fevereiro, e lá verá
uma carta de uma Senhora Portuguesa, que não é daquelas que se entretêm
só em costura; tem outro arranjo de ideias, que não tem quase todas as do seu
sexo, e também do nosso, especialmente alguns que fazem versos; e lá verá
que a ambição muitas vezes a tirania, e outros [ilegível] sinistros ao Estado
Religioso, é que levam quase sempre aquelas Vítimas a serem sacrificadas toda
a vida. Não é melhor, Senhor Rodrigues, haver Recolhimentos sem votos?
Parece-me que Vossa Senhoria é que dá por paus, e por pedras.
E que horror! Dizer Vossa Senhoria que se as Religiosas saírem, enche-
rão Lisboa daquela casta de gente, que faz o arruamento que Vossa Senhoria

95
sabe, e que não é lícito dizer por decência! Lembrar-se Vossa Senhoria dos
Serralhos de Constantinopla quando fala dos Conventos das Religiosas! Isto
não esperava eu do engraçado Senhor José Daniel. Pois olhe só Vossa Senhoria
é que se lembra, que dos Conventos de Religiosas é que pode sair semelhante
casta de gente. Eu falo a verdade, tão péssimo conceito não faço delas. E julga
Vossa Senhoria tê-las desagravado? Elas devem-lhe ficar muito obrigadas pelo
bem que as desagrava, e pelo alto conceito que delas faz.

No Artigo Bulas trata-se de Jejum.


Agora é que o barco vai n’água, diz Vossa Senhoria quando o Folheto diz
que se aconselhe o jejum. Lá vai o Decálogo por esses ares, diz Vossa Senhoria.
Ora com efeito achar Vossa Senhoria no Decálogo o jejum! Essa perspicácia
ainda ninguém teve! Que descoberta! Faz honra o seu Inventor, que é o Senhor
José Daniel Rodrigues Costa. Jejum. Jejum nos dez Mandamentos!... Ora
levante-se; que se deixou cair muito na lama, e foi na mais alta. Pois quem
lhe quiser responder, que lhe responda; que eu digo que não quero.
A esse porém que lá foi desacomodar o Apóstolo São Paulo, trazendo à
memória a 2.ª Carta que ele escreveu aos moradores de Corinto, quando lhes
dizia que fizessem penitência, que jejuassem, que se mortificassem, in vigiliis,
in jejuniis etc.; a esse mando que torne a ler o Folheto; porque mostra que
leu a fugir; e desse modo não se entende o que se lê. O Autor das Memórias
página 21 diz, que a mortificação é essencial para a expiação da culpa: isto
nem é opor-se à utilidade do jejum, nem à autoridade da Igreja; porque no
princípio do Artigo diz, que seria muito para desejar que o Santíssimo Padre
nos dispensasse de tantos jejuns que temos; e também que os Diocesanos
abolissem os que por sua piedade nos fazem também observar. Ora quem assim
fala, conhece bem a legítima autoridade. Quem não entende sua linguagem,
ou é demente, ou quer desacreditar sem tom, nem som.
Está satisfeito, Senhor falador? Se não está, peça a Deus que o mate.
Creio que me entende.
O fanatismo, e a ignorância hão de custar a desarraigar. Aqueles que
na sua infância materialmente aprenderam o que lhes ensinaram não querem
ouvir o que ignoram: qualquer coisa lhes parece uma blasfêmia, uma heresia;
tudo para eles é libertinagem. O tempo desenganá-los-á, se não morrerem
cedo; irão aprendendo, se não forem tolos de todo.

Defende-se o Artigo Inquisição


A Inquisição por Estanco exclama Vossa Senhoria depois! Forte chalaça,
Senhor José Daniel! E que dirá Vossa Senhoria agora quando por nossa
felicidade, já a nossa Regeneração a deu por abolida, não a consentindo,

96
nem mesmo à maneira do Estanque? Não será Vossa Senhoria do voto da
Constituição? Pois olhe que o ponto é melindroso. Algum dia chamavam-se
Jacobinos, aos desafeiçoados do Governo Português; e agora suponho que
lhe chamam Corcundas. Ora, Senhor José Daniel, não queira ter Corcunda:
endireite-se, que fica mais airoso.
E então por que repreende o despejo do Autor das Memórias quando
fala em Religiosas, e na Inquisição? Vossa Senhoria quando se lembrou falar
em despejo, cuidou que andava rondando à meia noite feito Capitão com os
seus Oficiais. Isso já lá vai: não torne a falar em despejo.
Espanta-se também quando o Folheto diz, que em particular pode cada
um viver como quiser! Valha-me Deus! Tomara arrancar da Nação estas
preocupações, estas superstições, e ignorâncias. De uma lei tão suave como
a de Jesus Cristo, querem fazer um montão de leis agravantes, pesadas e
insuportáveis! Consta-lhe que Jesus Cristo obrigasse alguém a segui-lo por
força? Mandou ele estabelecer o Tribunal da Inquisição, e atormentar nele
os que não quisessem observar a sua lei? A mulher, a quem ele disse junto ao
poço de Sicar que ela tivera 5 Maridos, e o que presentemente tinha não era
legítimo, porventura foi esta mulher para o Santo Ofício, ou castigada por
Jesus Cristo? Com a palavra, e com a persuasão é que Jesus Cristo convencia;
e isto é o que diz o Folheto: que se convençam os que sentirem desviar-se do
dogma, que se castiguem, se forem sediciosos; mas em particular não sejam
constrangidos. Eu não queria que Vossa Senhoria aprendesse à minha custa;
mas enfim vá por caridade.

Defende-se o Artigo Justiça.


A Respeito de Ministros pergunta Vossa Senhoria quem há de estudar
para Magistrados com semelhante trovoada, de galés, grilheta, obras públicas
etc. como diz o mesmo Autor das Memórias. Eu lhe respondo, há de estudar
aquele que quiser fazer a sua obrigação; porque a trovoada só será para
ladrões, robolistas, e malvados, que fazem as demandas eternas. E a falta de
respeito de que Vossa Senhoria se queixa, não tem lugar; porque aos Pais
de famílias, e aos Magistrados se lhes dará o acatamento, que lhes é devido.
O jejum para os Juízes da Cadeia também o faz gritar tanto! Não vê que
esse é dado para castigo? Vossa Senhoria pode-lhe dispensar esse preceito
do Decálogo, se tiver comiseração deles.

Defesa do Artigo Tropa.


E como é judiciosa a sua lembrança em dizer que aos Soldados não
se deve dar o fardamento por fazer, nem sapatos, nem feitio; porque vão

97
logo fumá-lo, e entregá-lo àquelas do arruamento, de que Vossa Senhoria
se lembra! Por essa doutrina, não se lhes dê também o soldo; porque levará
o mesmo caminho. Nem eu sei como eles não andam nus, e descalços; não
sei por que não vão lá entregar o fardamento já feito, sapatos, e tudo o
mais que se lhes dá. Em que Vossa Senhoria me atormentou foi em falar nas
barretinas, e chapeirões: e com efeito esse arbítrio da troca tem seu mere-
cimento. Eu estou por ela; e aqui verá que não sou teimoso; convenço-me
com a razão. Passem os chapeirões para os Soldados; e até não será mau que
Vossa Senhoria fique com um; e para que a moda pegue, eu ficarei com outro.
Vossa Senhoria é muito bom Arguente; deixa os pontos mais principais, e
pega nos mais insignificantes.
Mas o que me parece é, que Vossa Senhoria faria mais fortuna em [que]
sua de Almocreve de petas. Enquanto Vossa Senhoria contava, que a velha
tinha dois claustros nas costas, e cataratas nos olhos, era Vossa Senhoria
um herói: depois que quis viajar muito, deitou-se a perder. Torne à mesma,
Senhor Rodrigues, deixe-se de mais misturadas.
Mas a pena que eu tenho é enganar-se na montaria. Não faça juízos
temerários, Senhor Costa. O que lhe digo é, que faça outra obra, que esta é
como os seus narizes.
O mais é que me dizem, que têm saído mais outras do mesmo calibre.
Pois com essas que se entretenha o seu Autor, quando vier; que se eu fosse a
ele deixava grasnar toda essa ninhada, e continuava no meu caminho. Mas
antes que ele apareça, sempre lhe quero aplainar o terreno. Dê-me licença,
Senhor Capitão, enquanto eu me entretenho aqui por um pouco com esses
amigos.

RESPOSTA
AOS MAIS CURIOSOS, E RALHADORES.

Parece que houve quem estranhasse muito que o Autor das Memórias
dissesse, que o homem só salva-se melhor; e apontou trinta sentenças do
Testamento Velho, e Novo, que não é possível arrastá-las onde as querem
pôr. Absolutamente nada infringem a proposição Væ soli2 diz o Eclesiastes

Ai dos solitários.
2

98
Capítulo 4, versículo 10, citado por um deles. Mas não vê esse Doutor, que o
Sábio fala daquele desgraçado, que absolutamente vive só, expondo-se assim
a não poder se levantar quando cair, por não ter quem lhe dê a mão? O Autor
das Memórias não quer dizer, que para o homem se salvar deve ir para o
ermo, onde não veja totalmente gente, diz que no Claustro é mais arriscada
a salvação pelos motivos apontados no mesmo § folha 4. Não é necessário
ir a Coimbra para entender isto.
Antes só, que mal acompanhado diz o rifão Português: isto não é dizer
que os Religiosos fazem má companhia; mas é dizer, que é melhor fugir às
intrigas, e rivalidades de Associações já degeneradas. E por isso não conclui
bem o tal Curioso quando diz. Ó quam bonum, et quam jucundum habitare
fratres in unum!3 Se lá houvesse esse amor, essa caridade fraternal, essa
união que Jesus Cristo tanto recomenda, e os Santos Fundadores, então era o
Claustro um Paraíso na terra; era um ensaio da bem-aventurança: só restava
ao homem ver a Deus face a face. Mas já o Apóstolo São Paulo quando
escreve a 2.ª Carta aos moradores de Corinto lhes dizia para os prevenir,
que em tudo havia perigos: até o homem andava em perigo no meio de seus
irmãos. Periculis in falsis fratribus.4 Estamos no caso. Parece-me que me tenho
explicado. O Problema resolvido tira toda a dúvida, que ainda possa restar
a quem for escrupuloso. Leia-o Vossa mercê Senhor Barbeiro, que veio lá da
Aldeia; e prepare melhor as navalhas por causa das borbulhas. Precisa ter mais
delicadeza; não merecem vintém. Parece-me que é melhor deixar o ofício, e ir
para o alto de Santa Catarina tomar as lições com o Mestre Periodiqueiro, que
ensina bem a fazer planos para se reformarem, e conservarem os Regulares.
Vou-me a ele.
Quer este Mestre que haja um Tribunal, que vigie os Religiosos. Com
efeito este arbítrio é o melhor que se pode imaginar para a sua reforma.
Acontecer-lhe-á o mesmo que às obras que têm Inspetor; o mesmo que às
casas, que têm Administradores; e à Tropa com os Inspetores que havia no
Exército. Os primeiros só cuidam ordinariamente em cobrar o salário, que
sempre é maior do que o dos Oficiais; e quem trabalhou, trabalhou. Só é
zeloso com aquele com quem tem alguma espinha. Os segundos em lugar
de contemplarem os Credores, contentam os Administrados: tudo é pouco
para a sua decência, e grandeza. Bem fez o nosso Augusto Congresso, que
já reformou este abuso. Os Terceiros que têm um soldo que faz vergar o
Estado, vão inspecionar os Regimentos, e se os Comandantes não forem fiéis,
especialmente em praças licenciadas, pregam-lhe na menina do olho. Ora

3
Como é bom e agradável viverem os irmãos em comum. Salmos, 133(132):1.
4
Em perigos entre falsos irmãos. 2 Coríntios, 11:26.

99
eis aqui o que há de acontecer às Corporações Religiosas com o Tribunal
do Senhor Mestre Periodiqueiro. Ele não sabe o que lhe passa lá por casa?
Que tem remediado os Inspetores, ou Visitadores?
No 2.º artigo quer o Senhor Mestre que os Conventos tenham o número
de Religiosos, que possam sustentar-se. Forte descoberta! Esse Estatuto é de
todas as Corporações, e a observância de nenhuma é. Mas talvez que agora
o Mestre Periodiqueiro ponha tudo em ação.
O 4o. é coisa boa! Diz que se escolham os Pretendentes para Noviços,
que haja boa eleição de Mestres, e Prelados. Forte novidade. Aí vem agora
o Padre Mestre pôr em vigor o que as leis Monásticas em toda a parte
recomendam. E basta ele agora escrevê-lo para se pôr na devida execução.
Tudo fica desta vez arranjado, a reforma feita na soalheira do alto de Santa
Catarina, há de dar brado.
Agora então a respeito do Santo Ofício, Padre Mestre é suspeitoso.
Eu também concordo, que ele já não é o que era; e por isso também era
de parecer, que se conservasse, mas com privilégio somente, como fala o
Folheto das Memórias. Mas o nosso Augusto Congresso entendeu-o melhor
do que nós; foi decisivo; porque o fez volatizar. Nessa parte já não tem que
dar arbítrios, Senhor Mestre Periodiqueiro. Perdeu o tempo em nos querer
convencer, que lá não havia cárceres tenebrosos; e que os presos tinham
almoço, jantar, e ceia: com efeito agora vejo eu que não havia melhor vida
do que ser preso do Santo Ofício: era muita felicidade junta. Tenho pena
que se abolisse; porque para passar a minha vida alegre, seria bom casar-me
outra vez; ainda que minha mulher esteja viva, e para viver. Eu já estava para
aconselhar o meu Cura, que não lhe importasse guardar segredo na confissão
enquanto houvesse Santo Ofício; porque se para lá fôssemos, teríamos cama
e mesa à regalada.
Ora pois, meu Padre Mestre, eu bem convencido estou do que era o
Senhor Santo Ofício; descanse; mas fique também da sua parte conven-
cido, que por mais que trabalhasse, nunca chegaria a ser Deputado da tal
Inquisição, ainda que vivesse 700 anos.
E enquanto a dizer que a educação da mocidade deve sair do Claustro,
não desaprovo; mas conservarem-se os Regulares unicamente para esse fim,
ou que seja esse um dos pretextos, é triste lembrança. Então se lhes acontecer
como aos Jesuítas?... Há de ficar contente, Padre Mestre?
Dizer também que os Políticos querem afastar os Regulares da educa-
ção pública, porque estes se opõem aos seus desígnios, isso é uma frioleira,
que me dá nojo; deixe-se disso. Adeus; Adeus. Dê-me licença que vou aqui
arrumar também outro: é um mal agravado da Honra Militar, que me espera

100
aqui fora todo agoniado: parece que se queixa que o roubaram; (e aqui para
nós) eu creio que ele tem agora tanto, como tinha há 14 anos a esta parte...

Defesa da Honra Militar.


Ilustríssimo! Então está muito agoniado? Muito? Muito?... Ora deixe-se
disso. Não tome essas coisas a peito, que lhe podem vir a furo. Então que lhe
fizeram? Tiraram-lhe a honra pelo ponto 18? Ora não faça tanta lamúria;
porque quem tem só 6, ainda lhe faltam 12 para chegar a 18. E ainda que
6 se uniu a 18 no dia 24 de Agosto, quando 6 chegou, já 18 tinha tomado
posto. Olhe aqui é ocasião de se lembrar do Texto, Sunt novissimi, primi; et
primi; novissimi.5 Entende-me? Aplico a parábola; e lá se avenha.
Ora quem é tão zeloso da honra, parece que deve ter o passo mais
ligeiro para galgar o primeiro assento. Olhe aqui em Lisboa aconteceu o
mesmo: 16 apareceu primeiro que 4; e quando aqui se leu a Honra Militar,
ninguém se queixou da igualdade, que se lhe atribuiu; mas não sabe o motivo
do seu silêncio? Eu lhe digo: É porque todos tiveram honra; e ainda a têm.
Contentaram-se com a honra, que lhes resultou de terem feito a maior de
toda as proezas; e não se entretêm em preferências, de que a ninguém resulta
mal algum.
Eu não sei se isso foi esquentação da sua cabeça: já me disseram, que só
é inveja; mas nada; talvez seja demência, ou ignorância... Agora me dizem
que é tudo junto. Não sei, isso não é comigo. Mas eu sempre me lembro que
as mulheres que se mostram em público muito zelosas da sua honra, são
as que ordinariamente têm menos. Aos homens acontece o mesmo. Olhe o
merecimento é que faz conhecer o homem. Nunca se presumem coisas grandes,
de quem quer inculcar grandes coisas.
A sua queixa é tão desarrazoada, tão fraca, que nem ela merece uma
resposta séria. De propósito não quis dar-lhe em separado, por não o fazer
mais vaidoso. Aprenda a ser moderado como esse bravo, e famoso guerreiro...
(eu não quero declarar o seu Nome, por não molestar, por não ofender a
sua modéstia) esse abalizado herói, que tem feito tremer a terra até com as
suas quedas; veja a moderação desse Fidalgo, que não se queixa de não ser
nomeado na Honra Militar. Pois a sua bravura é bem conhecida. Não se
lembra daquela ação de patriotismo no dia 24, que se deitou do Cavalo abaixo
apenas ouviu o estrondo da primeira peça de artilharia em sinal de alegria?
Pois um homem desta qualidade não se queixa, e queixa-se o Ilustríssimo...?
oh diga-me, também foi Impulsor?

5
Os últimos serão os primeiros e os primeiros, os últimos. Mateus, 20:16.

101
Não espero pela resposta: repare. Quando eu digo que 18 com a sua
Brigada foi o primeiro que levantou o grito da liberdade, não excluo o n.º
6.º, porque este pertence à Brigada. E quando digo que aquele está coberto de
glória, é porque, além dos serviços do Porto, goza da honra tão distinta de ser
chamado para a Continência do primeiro dia de Cortes. Se o n.º 6.º estivesse
então em Lisboa, talvez fosse preferido para aquela ação; e não ficaria agora
tão invejoso. Queixe-se da Providência, que assim regulou esses movimentos.
Cá ainda houve votos para se mandar chamar ao Porto o n.º 6.º, mas em
lugar de feijões brancos, apareceram bolas negras.
Enquanto aos Empreendedores digo o mesmo que já disse: que o intré-
pido, e magnânimo Emissário, que veio a Lisboa, deve entre todos ter o
primeiro grau. Quero saber se não merece mais este, que veio expor-se ao
mais arriscado perigo na Capital, onde estava o Governo, que podia logo
justiçá-lo sem muita demora, do que aqueles que ficaram no Porto livres deste
risco. Não me responda; que não quero ouvi-lo.
O mesmo digo a respeito dos Regimentos 16, e 4.º Na Capital, na frente
do Governo, das Autoridades Militares, foram estes heróis que arrostaram
tantas dificuldades. E então não quer que estes tenham o mesmo assento que
a Brigada do Porto? Seja a que quiser, Senhor Impulsor; ou isso que é. Dê lá
ao n.º 6.º o que lhe falta; que eu não tomarei despique. Adeus.
Mais ia-me esquecendo responder-lhe a uma delicadeza: Estranhou
muito que eu desse preferência ao dia 26 de Janeiro. Pois eu, sem ser teimoso,
estou pelo que disse. Os dias de Agosto, e Setembro foram aqueles em que
se principiou a querer a liberdade Nacional; mas o dia 26 de Janeiro foi o
complemento dos nossos desejos, e o princípio de sua execução.
Diga-me qual foi mais glorioso, o dia em que no Algarves se levantou o
grito da Ressurreição em 1808, em Leiria, Évora, Beja, e lá no Porto etc. ou
o dia 15 de Setembro, em que se decidiu a sorte no Vimeiro? Este foi fruto
daquele impulso, todos dirão; e eu também o digo: aquela força impulsiva
é que preparou a sorte feliz do Vimeiro; mas qual é o dia de maior glória?
Daqui a cem anos dará a resposta.
Digo-lhe mais: Se algum Escritor prometesse publicar nominalmente
todos os Indivíduos, que trabalharam na nossa Regeneração, e omitisse alguns,
deveria ser arguido, mas nem eu, nem Cabreira prometemos esse desempenho.
Enfim o Senhor Im... pelidor, ou como é... o que queria era que se falasse
muito em 6.º; pois eu digo que não quero. E adeus; temos falado...

Senhor José Daniel, perdoe a demora: era conveniente atender àqueles


Senhores; que traziam consigo o Mestre Periodiqueiro, aquele que ia fazer

102
Conferências para a soalheira do alto de Santa Catarina com o Monge de
Arrábida, e com o Sebastianista para reformar os Fradinhos: creio que há
de conhecer. Vinha também o Mestre Barbeiro lá da Aldeia. Entendi que a
todos devia por esta vez admitir a Audiência. Houve por bem atendê-los; e
não será fácil conceder-lhe outra semelhante graça.
Assim como faço já a esse devoto Lavrador do Alentejo acostumado a
beijar sempre a manga aos Religiosos seus hóspedes. Não perco tempo com
ele. O homem estava agoniado quando leu as Memórias. Coitado! Merece
desculpa; a vida do campo é trabalhosa. Não lhe correram as coisas como
deseja. A Constituição não tem sido boa para certa casta de gente: pois fique
certo que ela já não retrocede. O arado poderá encalhar; mas há de romper;
e o rego há de ser direito.
Perdoam-se todos os insultos, e grosserias. E para dizer tantas foi lá
desacomodar o grande São Tomás, e o iluminado Van-Espen, que em nada
abonam este pobre, miserável Lavrador! E grita tão alto!... Mas pode fazê-lo
que está em sua casa... e no campo! Ora pois, Senhor Lavrador, Deus o livre
de gafanhotos, que é má praga quando dá nas searas: e a mim Deus me livre
de maus vizinhos de pé da porta; de cães danados, e de línguas de sete cortes.
Desafogue, homem de Deus, que tão descontente está: não desespere: grite
quanto quiser. A nada se lhe responderá. Lá tem as cigarras, que lhe respondam
que estão sempre no mesmo tom; ature-as na sua impertinente monotonia.
Diga muito embora que é medo ou ignorância. Farte-se de chamar tolo
ao Autor das Memórias. Se ele fosse a dar satisfação de todos os seus proce-
dimentos assim como eu, nada bom teríamos feito; e os malévolos ficavam-se
rindo das suas invectivas. Pois desta, e de outras nos rimos nós. O castigo é
desprezá-los. Despreza estes desprezos, dizia antigamente um grande homem,
e vencê-los-á. E um moderno, depois de São Judas na sua Epístola Católica, a
semelhante respeito disse também: Estamos num século onde tantos homens
superficiais blasfemam do que ignoram. Aplico o conto. A quem lhes servir
a carapuça, que a ponha. E quem lhe doer a cabeça, aperte-a.
Mas vamos ao que nos interessa, Senhor José Daniel. Resta-me dar a
Vossa Senhoria os agradecimentos (pela parte que me pertence) desta sua obra,
que tão boa foi para o Autor das Memórias. A Vossa Senhoria acontecerá
agora o mesmo. Desempenhou com efeito muito bem o que me prometeu.
Desagravou, e tornou a desagravar. Ora pois quem tiver juízo, sentencie. O
que lhe digo é, que eu não direi mais uma só palavra. Pode à sua vontade
invectivar quanto quiser, que eu não tomarei já despique por coisa alguma;
e a mesma recomendação faço a todos os ralhadores. Quero aproveitar-me
do conselho, que dá o maior sábio que o mundo viu. – Não faças caso, diz

103
ele no capítulo 26 dos Provérbios, do que diz o tolo nas suas demências;
deixa-o falar; não te pareças com ele; não lhe respondas, para te não fazeres
tolo como ele é. Ne respondeas stulto juxta stultitiam suam, ne efficiaris
ei similis.6
Adeus, Senhor José Daniel, Amigos como dantes.

___________

Segunda parte do Sermão Constitucional, que a Comissão de


Censura, que Deus haja, houve por bem suprimir.

A D V E R T Ê N C I A.
Este Sermão tem por seu tema Quæ sunt Cesaris, Cesari, quæ sunt
Dei, Deo.7 Prova na primeira parte, que fazendo a Nação Portuguesa uma
Constituição; como principiou a fazer nada se tira ao Rei do que justamente
lhe pertence.
Na 2.ª (que ficou suprimida na Comissão, e que entendo deve agora
parecer, pois que a ninguém ofende) prova que a Nação Portuguesa congre-
gada como está apresentando a El Rei uma Constituição, podia obrigá-lo a
jurá-la, ou abdicar à Coroa no seu imediato Sucessor. Ei-la a aqui.

II. PARTE.
SE O Rei não quisesse assentir à nova Constituição, era porque queria mais
do que a Nação concedeu aos seus Predecessores. Sendo assim não era amigo
do seu Povo; era insensível ao amor que todos lhe temos. E neste caso, para
que a Nação conservasse a sua dignidade, podia, e devia exigir do Soberano
o juramento à Constituição; e quando ele não quisesse, transferir a Coroa
ao Sucessor, que estivesse pela convenção. Estamos certos de que já não é
preciso este esforço, que aos Portugueses sempre seria violento, pelo aferro
que sempre tiveram aos seus Monarcas.
Mas se por infelicidade fosse preciso à Nação este necessário procedi-
mento, já não seria novo. Em 1668 foi deposto Afonso 6.º por incapaz nas
Cortes de Lisboa, chamando-se para a Regência do Reino o Infante seu Irmão
Dom Pedro 2.º Parece-me que este fato é bem terminante para convencer os

6
Não respondas ao estulto segundo sua estultice, para não te assemelhares a ele. Pro-
vérbios, 26:4.
7
[Dai] a César o que é de César, a Deus o que é de Deus. Mateus, 22:21.

104
Corcundas de que a Soberania reside em toda a Nação. Estes homens nem
olham para trás, nem para diante. Parece que a mala que trazem às costas
não os deixa voltar, nem ir direitos.
É verdade que sem motivo legítimo não tem a Nação poder para um
excesso daqueles; porque a Nação jurou obedecer ao seu Rei: mas como ele
também jurou manter, e conservar a liberdade Nacional, os seus foros, e a sua
integridade, obrigando-se como deve, a trabalhar sempre pela felicidade do
povo, faltando ele a este desempenho, e às condições do seu juramento, tem a
Nação direito para reintegrar-se da sua Soberania, das suas atribuições, e da
legitimidade dos seus poderes; e ao mesmo tempo fazer conter o Monarca
na esfera, em que deve conter-se.
Tudo isto resulta do que está provado na 1.ª parte; porque a 2.ª é como
corolário da 1.ª O Rei fez-se para a Nação, e não a Nação para o Rei.: Poderá
o Rei depor a Nação? Não é possível. Pode sim castigar os transgressores
das leis. Mas a Nação pode fazer as leis, e limitar ao Rei os seus poderes, a
fim de que não se faça absoluto, despótico, e injusto. O Rei é para felicitar
a Nação, e não para tiranizá-la.
Por consequência faltando o Rei a sua promessa, ao seu juramento;
dilapidando, destruindo e desgraçando a Nação em vez de felicitá-la, de
consolá-la, e de promover todos os recursos para a sua prosperidade, pode
a Nação usar de todos os meios convenientes, proporcionados, e até extra-
ordinários para reassumir os seus direitos a benefício da mesma Nação;
obrigando o Rei a aceitar todo, e qualquer estabelecimento favorável aos
povos. Pode igualmente a Nação transferir a Coroa ao legítimo Sucessor,
uma vez que aquele persista na sua contumácia contra os votos da Nação.
E assim fica provada a 2.ª parte.
A 3.ª, prova que a Constituição em nada ofende a nossa Religião sagrada,
Católica, e Apostólica.
Tenho dado o meu recado. Respondi ao que me pareceu mais urgente
para desenganar os menos acautelados, e dissipar-lhes alguns escrúpulos.
Nada merecia resposta; e o que ficou sem ela, muito menos a merece; mas
com stultorum infinitus est numerus,8 quis desenganar estes insensatos. Meto
a Viola no saco; e por mais que me desafiem, não tornarei a sair a terreiro.

FIM

8
É infinito o número dos tolos. Eclesiastes, 1:15.

105
8

DESTROÇO
EM ATAQUE
DO
CORDÃO
DA
PESTE PERIODIQUEIRA
COM A ORDEM DO DIA
DO CORCUNDA DE MÁ FÉ
CHEFE DA GUARNIÇÃO
PARA SE RETIRAREM DOS POSTOS,
NÃO OBSTANTE
o
REFORÇO.
Incluindo a resposta ao segundo Folheto do Novo Mestre
Periodiqueiro sobre a sua nota; com que tanto o
enriqueceo, a favor da Ex-Inquisição.

LISBOA:
NA NOVA IMPRESSÃO DA VIUVA NEVES E FILHOS.

ANNO DE 1821.
Com licença da Commissão de Censura.

106
_______________________________________________
Sócrates amava muito mais imprimir os seus pareceres
sobre os corações dos homens, do que sobre as peles
dos animais.
Oliv. tomo I. Cart. 36. página 289.
_______________________________________________

Senhor Corcunda de muito má fé.


Que não tenha eu ao presente outro entretenimento, ou passatempo,
senão em tomar por debique o responder à Corcundagem, e Servilismo, ou
aos sábios Egoístas opostos ao Sistema Constitucional; e tão conhecidos, que
a eles parecem-lhe lá de si para si, que não são conhecidos por tais, mas só
sim, que seus escritos vão iluminar, e dissipar as trevas da credulidade em
que jazem aqueles, que confiam em uma bem regular Constituição, que esta
marque os direitos do Cidadão livre, e não escravo de tantos senhores, para
quem toda a vida ganhavam, e adquiriam, sem nunca poderem saber não só
quando seriam livres, nem também qual seria o último senhor, a quem haviam
de acabar de pagar o seu resgate: e nesta dúvida e preferência existiam, até
que morriam, e só assim livres de tantos arbítrios, e senhores, então é, que
lhe passavam a carta de Alforria. Deitando logo olho, ou para os bens, que se
haviam de dividir, em primeiro lugar por eles, depois pela mulher e filhos, ou
parentes; e sendo abemtestado [ab intestato] podem entrar senhores defuntos,
e ausentes, que já cá estiveram os órfãos há pouco.
Confessam os Corcundas, e muitos em outro tempo a mim mesmo me
diziam: isto assim é impossível, não pode existir, isto é preciso uma reforma;
cada um está fazendo o que quer, um Magistrado parece um Rei, no Império,
um Escrivão um Senador de Atenas, (os da Plateia Superior); os da Plateia

107
Inferior andem por força fazer a Penhora, com insulto, e violência, e o
Cidadão há de ir para a Cadeia bem amarrado, ou bem guardado; porque
o maior crime, que muitos tinham, era não proceder primeiro, segundo as
disposições da Ordenação por elas feita, título opresso, que lhe punham;
aliás acordavam em deitar cordão, ou algemas, a quem o crime, que tinha
era não ter respiração na algibeira. Ora isto era por esta primeira ordem, se
passarmos às graduais, encontraríamos o mesmo; e foi indo mesmo como
Vossa mercê Senhor Corcunda, diz o tal Cordão da Peste; deitou-se, uniu-
-se e apertou-se; porém com a mesma propriedade, que tem de cordão, com
corda, esta sempre quebra pelo mais fraco: – Quebrou-se – e Vossa mercê
aparece reforçando o tal Cordão!... e é Corcunda de boa fé? Então preste-me
atenção, que eu principio.
Ora Vossa mercê, e seus sequazes, querem ser os meus pecados?
Para que hão de permitir, que eu seja odioso; digam-me, não somos todos
próximos, então para que hão de vossas mercês fazer com que eu e todos
os Constitucionais, lhe tenham-se a Vossas mercês ódio. A mim lembra-me
quando os Franceses estiveram aqui, e quando eles nos abandonaram (por
força) diziam os amigos deles aos que amavam a liberdade; Vossas mercês
agora estão muito contentes, pois esse contentamento há de servir-lhe de tris-
teza; porque daqui a nove meses espero, que eles joguem a bola com as cabeças
de muitos Portugueses: Bem, então porque lhe não disse Vossa mercê a estes:
Fugite Partes adversæ.1 É verdade, que a prenhez efetuou-se, porém o parto
foi de um aborto feliz, e desgraçado para eles. E quem sabe se este pejamento
terminará também com o mesmo feliz resultado: olhe, eu assim o espero, e
Vossa mercê o que diz? Temos batalha no caso, e que diz ele?... Parece-me,
que os estou ouvindo dizer, assim como já não é o primeiro, o Campo de
Santana lá os espera: – nada, isso nego eu, escolham o vale de Josafá, que é
maior, e no Campo de Santana é impossível caber lá tanta gente. Sei eu, que a
mania dos Corcundas é a mesma, por isso propus o exemplo acima; suposto,
que Vossas mercês não dão nove meses só, dão mais algum tempo; que é até
Agosto dia 24; isto confirmo eu porque tenho ainda a felicidade de conhecer
mais de meia dúzia de Corcundas Mores, que de mim pretendem saber os
meus sentimentos, e opiniões: porém eu, que os conheço, faço-me ainda mais
Corcunda, armo-lhe a ratoeira, caem mesmo sem isca.
Há poucos dias me disse um muito contente, e satisfeito: então senhor
fulano, olhe lá, já está a guerra declarada com Nápoles, já os Exércitos
Austríacos passaram pela Itália, e já Nápoles pouco lhe resta para estar de

1
Fugi, inimigos.

108
todo sucumbida! Não lhe dizia eu. – Respondi-lhe, sim, senhor: é Vossa mercê
um Oráculo, visto isso está já decidida a sorte dos Reinos Constitucionais,
sem mais apelação, nem agravo? – Respondeu-me – Eu assim o julgo, olha
cá, também até Agosto: disse então comigo mesmo, a mania dos Corcundas,
tem ao presente o mesmo sistema, que a dos Sebásticos, mas olho vivo com
eles, que estes são ainda mais velhacos e patifes, que os Bonapartistas: esses
queriam governo de Napoleão o Grande, para subirem pelos degraus da
vileza, e do servilismo, a serem grandes, um querendo ser Patriarca de Lisboa,
que estava vago; outro Intendente, outro Governador, outro General, outro
Desembargador do Paço etc., e no fim falhou o risco, e quando viram, que
a Pátria estava livre, valendo-se da hipocrisia, regressaram a ela, clamando
contra a tirania de Napoleão, que os queria sacrificar, e as suas famílias; e
houve tal, que até se fingiu, que se tinha perdido no caminho, só para vir
buscar a Mãe Pátria, que tanto adorava; e o Decreto de Napoleão, ou na
mala, ou nas solas das botas, para o grande Cargo, caso Massena tivesse
conquistado Lisboa.
É esta, sem dúvida a marcha dos Corcundas, e servis, estes querem fazer
ver ao Soberano, o quanto se arrostam e se expõem, duvidando de cumprir
nos Tribunais os Avisos, e Decretos, que as Cortes dirigem ao Governo, para
a todo o tempo assim mostrarem-lhe o quanto estiveram expostos, cujo risco é
um incentivo para merecerem a estima, e o prêmio de tão relevantes serviços.
Gema embora a Pátria, sacrifiquem-se, pelos interesses dela, as fazendas, e
as vidas de Ilustres Cidadãos, que à face do mundo inteiro mostram o seu
zelo e independência; lutem muito embora as opiniões para o bom acerto das
decisões, proponham-se no Congresso justos projetos, para se discutirem com
prudência, tudo isto estão os Corcundas Mores à capa, olhando, e vendo, para
empecer, e destruir, quando a execução for dependente deles. Agora sim, a
estas sanguessugas do Estado, e Corcundas, Batalhões, e Legiões dos chuços,
alerta; apertai-lhe o Cordão; esta é, que é a Peste, e não os Periódicos, que
tiram a máscara, e dão a conhecer estes refinados Corcundas.
Mas, aonde elevo eu as minhas ideias, vou-me meter em um labirinto
de coisas, que tinha para provar em como os servis amam mais a escravidão
que a liberdade; porque eles nunca são os cativos, mas sim os que forjam a
cadeia para o nosso cativeiro; e por isso aparece nesta cena, um fazendo de
beleguim, deitando o Cordão, e chamando a tudo o que possa ser projeto de
felicidade da Nação, Peste; e outro abrindo o cárceres do Santo Ofício, para
fazer ver o quanto são claros, e o quanto os presos são ali bem tratados, com
almoço, jantar, e ceia; esquecendo-lhe dizer, para melhor provar a sua nota,
que até a carne é sem osso, e o peixe sem espinha! Oh, assombro ardente

109
da caridade! Oh, ilusão dos homens! E pretendemos nós abandonar um tão
grande bem querendo antes uma enxovia do Limoeiro, ou do Castelo; que um
paraíso de delícias. Ora perdoa, senhor Padre Mestre a estes ignorantes, olha,
nem eles sabem o que querem, são como os Israelitas, quando murmuravam
de Moisés; veja, que loucura, queremos antes a cebolas alvarrãs, que o Maná
do Egito, que sabia a todos os guisados; vá-lhe pregando, e faça-lhe ver, que
aquele Tribunal, só serviu para meter almas no Céu, e que não era preciso ir
a Marrocos ser Mártir; porque se notamos neste bárbaros,e outros, o martí-
rio, que eles davam aos Cristãos, era muito de justiça, que estes notassem o
martírio, que os Cristão preparam para todos os infiéis nesta Casa de Ofício
Santo; os bárbaros obrigam os Cristãos a renunciarem à Lei Divina, e os
Cristãos Portugueses fazendo o mesmo aos infiéis, e Cristãos!
Diga-me, senhor Pregador do Evangelho, mais por ofício, que por zelo
Apostólico; qual é o preceito, que o Cristo pôs aos Apóstolos, depois, que a
estes os mandou dividir pelas quatro partes do mundo, a pregar a sua Doutrina,
e Evangelho, para por ela se reduzirem todos os Povos ao Cristianismo? Disse
acaso a estes, armai-vos de machados, serras, e espadas, que eu fortalecerei
os vossos braços, para com essas armas de um golpe, deitardes por terra a
todos os infiéis, que recusarem o receber a minha Lei, se esse fosse o preceito
de Deus, quem escaparia, recusando, que não sofresse o golpe, o alfanje então
pronto, o braço fortalecido, o triunfo dos Apóstolos com esta ordem de Deus,
estava certo, nenhum morria aspado, nem crucificado, e eram assim eles os
maiores conquistadores do mundo: quem lhe[s] havia de resistir? Seriam estes
então punidos pelos Imperadores bárbaros, que lhe preparam os martírios,
certamente que não, porque então os Apóstolos são os primeiros, a quem
procurariam para neles fazerem o exemplo, para o fim de que o seu Povo
logo abraçasse a Lei do crucificado.
Se pois estes princípios se negam, e são falsos, e se a ordem de Deus a
estes foi para que com a sua pregação, exemplo, e humildade, pregassem a
sua Lei, e que se sujeitassem assim a todos os trabalhos, e que para remunerar
seu zelo Apostólico, ele lhe havia preparado um prêmio imenso na Glória, o
qual eles mesmo lhe pediam: porque sem prêmio ninguém é justo que trabalhe,
conhecendo eles, que iam expor a sua vida, e que a tudo se abandonavam;
e do mundo já nada respeitavam, nem queriam. Logo como pode entrar no
racionável juízo do homem, que conhece a Lei de Deus, e a forma como este
quis, que esta a todos se administrasse, e assim a todos os Povos do mundo,
ela se insinuasse!... Batalhões, apertar o Cordão a esta Peste de fanáticos, e a
sanguessugas das alâmpadas da Igreja, e da credulidade dos fiéis, que assim
é, que lhe faz conta, que subsistam estes abusos para se manterem; fazendo o

110
jugo da Lei Católica e Apostólica, pesada aos fiéis da mesma Igreja. – Diz o
editor do senhor Mestre Periodiqueiro na sua nota, falando do Ofício Santo,
ou Casa Santa da purificação, na Palestina.
“Que da beneficência daqueles cárceres, e caridade, que ali se administra
aos presos, que resulta querendo muitos Réus, evitar as misérias do Castelo,
e Limoeiro, procuram obter avocatórias para o Santo Ofício; porque sabem,
que neste Tribunal serão julgados com mais misericórdia.”
Ora se isto não é absurdo, é nova introdução para todos requererem
desde já ao Congresso Nacional, para que se não extinga, e que para admi-
nistrar a Justiça com caridade, fique só aquele reto, e misericordiosíssimo
Tribunal: os primeiros, que devem fazer já este requerimento, são os presos
do Limoeiro, que estiverem para pena de morte, e depois sou eu, e todos os
Constitucionais; porque quando se inaugurar para Agosto o novo estandarte
dos Corcundas (como esperam): todos somos Réus de primeira cabeça, e só
para este Tribunal obteremos uma Sentença com mais caridade, e menos
justiça, (como por exemplo) para não ser tão rigorosa como a dos réus, que
acompanhou no ano de 1817 ao Campo de Santana, lembra-se, que então
lhe ouvi dizer consolando aqueles infelizes, e exclamando para o Povo, que a
falta de Religião os tinha conduzido àquele estado; e que tomássemos aquele
exemplo.
Mas não disse a verdade, devia dizer, que a má administração das rendas
do Estado, e o mau Governo de homens venais, e tímidos é que os tinha posto
naquele estado; e que a arbitrariedade do Despotismo de um Estrangeiro,
a quem o mesmo Governo queria manter, para que este lhe mantivesse o
Despotismo deles, é que lhe haviam assim apressado os dias da existência,
àqueles Cidadãos que choravam a sua desgraça, entregando a vida na mão do
algoz; por lamentarem os males da Pátria Mãe, que nos seus braços os havia
recebido para serem vítimas da inveja, e da mais atroz execução. Por esta
verdade que pregou se pode coligir sendo Vossa Reverendíssima Inquisidor,
e este Tribunal o que então nos julgue, qual será a sentença: aposto eu, que
não servirá o Regimento último de 1774, criado pelo Alvará do Senhor Rei
Dom José, que muito pouco difere do outro que existia no rigor das penas,
e das confissões, que era o que agora existia. E diz “que também se soltam
clamores vagos, dizendo que o Santo Ofício é um Tribunal abusivo, usur-
pador dos direitos episcopais, e que quisera ouvir ler provas disto, ouvir, e
ler argumentos; mas que até aqui temos lido invectivas, e ditos vagos, que
nada provam”.
Bem, pois vou-lhe eu provar, e desmenti-lo, e até lhe digo, que Vossa
Reverendíssima não repara no que escreve, e cuida que está no Púlpito, ou não

111
sabe o que contêm os Regimentos dos mesmo Ofício Santo, ou Casa tão Pia,
que Lagarda gavou para lá meter muitos, sinto não ser Vossa Reverendíssima
um desses para possuir esse bem! Ora tome sentido, e veja o que dizem estes
dois parágrafos do Regimento, que instituíram os Inquisidores no tempo de El
Rei Dom João III, que foi quem requereu ao Papa Clemente a instituição deste
Ofício Santo, para obrigar aos muitos Judeus, que então havia no Reino, a não
espalharem as heresias, nem a fazerem-nas na presença dos Fiéis Católicos,
e para evitar o escândalo destes, que seduziam muitos Cristãos ao Judaísmo.
É louvável o zelo deste Rei a bem da Religião, e o Papa Clemente concedeu
a Bula Apostólica, movido de justos sentimentos: porém recomendou-lhe a
boa escolha dos Inquisidores, e que procedessem com toda a moderação;
aqui campão depois os Jesuítas, e decretam à sua satisfação os seus horrores;
põem-se em prática, morre o Papa Clemente, estremece a estes horrores o
Papa Paulo III, seu sucessor, e manda um Breve inibitório, para moderar, e
limitar tão atrozes penas. A este Breve, se abatem os ânimos dos Inquisidores,
e fomentam estes com o Rei que suplique contra o Breve, o que se efetuou; de
cuja suplicação eu extraí o presente contra: atenda Vossa Reverendíssima, que
está nos livros velhos, e não nos Periódicos dos Periodiqueiros, e ouça então
agora o que contêm os ditos parágrafos daquele sanguinário Regimento feito
por Eclesiásticos, sem que ficassem entreditos, de cujo entredito eles mesmos
a si o levantavam.
Título V parágrafo II.
O conhecimento sobre crime de bigamia, (digamia) não pertence aos
Ordinários, mas aos Inquisidores, por presumir, que os que o comentem,
sentem mal do Sacramento do Matrimônio; e assim definiu a Congregação
da Inquisição Romana,* em sessão a que assistiu Sua Santidade, como consta
da carta que está no secreto do Conselho geral ep. 32.

III.
Escrever-se-á aos Bispos para não fazerem prender pessoa alguma, por
crimes pertencentes ao foro da Inquisição, antes lhe remeterem as culpas a
ela ep. 11.

*
Assento que a Inquisição de Roma, ou esta Congregação Romana a que o Papa assistiu,
que este ajuntamento não é Concílio, a força destes obrigam [sic] o Papa, e sujeitam-no
[sic] às suas decisões: porém esta apontada determinação, não tem força para limitar o
poder episcopal, cujo poder lhe comunicou não só a Igreja, como o mesmo Deus.

112
Poder-se-á daqui tirar algum documento para provar, que a Inquisição
limita o poder aos Bispos? Eu assento que sim, e por isso o deduzo,
cingindo-me à opinião de um Escritor Constitucional moderno, (hoje Ilustre
Deputado), a quem não oculto a séria reflexão, ser de tão atento engenho.
E diz ele respondendo ao primeiro parágrafo – Todo o que peca mostra
logo sentir mal da Fé. Mas se o bígamo sente mal de um Sacramento, por
isso mesmo pertence ao conhecimento dos Bispos, Juízes natos de todas as
causas sacramentais! E aonde fica a ordenação do Reino, que seguindo ao
direito comum faz este crime de foro misto? E respondendo ao segundo,
diz: – E com que direito podia o tal Dom Francisco, (Inquisidor), ainda que
mil vezes se apoiasse na Authoritate Apostolica, despojar os Bispos de um
direito inerente ao Episcopado por instituição divina, qual é conhecer sobre
os erros na Fé, e sobre as culpas relativas a Sacramentos.
Este Autor não é Periodiqueiro, está felizmente no Congresso, sustendo
o ímpeto dos Corcundas; ora a falar a verdade, Vossas mercês Senhores
Doutores da Igreja, declarem-se, digam antes assim, já que não podemos
exorcismar este, e outros Escritores, nem opor-nos ao que o Congresso
delibera, sirva-nos no entanto de alvo os Periodiqueiros, que nós falando
com eles, lá lhe vai também servir a carapuça!... Há maior descaramento,
e petulância! – Batalhões apertar o Cordão, Legiões apontar os chuços às
Corcundas destes servis! – Basta, é só para lhe meter medo! Alto, deixá-los
recuar, porque como eles andam para trás como o caranguejo, e não veem,
lá irão cair em algum despenhadeiro, e assim melhor podem ir recolhendo
com a força da queda a Corcunda. Eu, enquanto a meu modo de pensar,
assento, que não me combato com homens sábios, e que me combato com
Corcundas, para estes sou eu homem muito sábio; porque me julgo Patriota,
e já não faço de Periodiqueiro, estou antes pronto para fazer de Quadrilheiro
em sendo preciso agarrar algum Corcunda, que se declare prejudicial a nossa
Causa, e Civil Liberdade; chamarei então pelos mais Batalhões de honrados
Patriotas, e dir-lhe-ei: – Batalhões de Ilustres Cidadãos, todos somos defenso-
res dos nossos direitos, a Causa é nossa, não vos envergonheis. – Batalhões,
olhai para esta peste de servis, apertai-lhe o Cordão; olhai que eles querem
suplantar a sua fortuna sobre a nossa escravidão, e querem ver, e acompa-
nhar com regozijo ao suplício nosso brioso Patriotismo; eles não respeitam
nem o Rei, nem a Religião ainda que a preguem; só respeitam, e só amam
o caminho de se elevarem às honras, e dignidades, tanto os Eclesiásticos,
como os Seculares; a Religião é Santa, e a mais justa: porém estes não querem
Lei igual, pregam-nos a humildade, e são os mais descarados soberbos. Os
Periodiqueiros têm fome, eles escrevem só por fartura, e não é por interesse,

113
isto o que estes fazem é um jogo, e tudo é disfarce, muitas verdades hoje
públicas, que estavam ocultas se não saberiam; não nos deixemos iludir de
tais escritos, se os Periódicos não merecem fé, menos fé merece o que um ou
dois Corcundas escrevem com o ferrete de sábios, que basta só esta fama para
agora nos pretenderem com seus escritos iludir; se os conheceis desconfiai
ainda mais deles, que dos Periodiqueiros, examinai as ações da vida destes
Corcundas, e vede quem eles são, e sirva-vos de exemplo o tal Corcunda
que se assina de boa fé.
Limito-me, porém noto, e com um gênio Patriótico, que será impos-
sível na Espanha, e Nápoles, ter-se escrito os desatinos, que têm escrito os
Corcundas contra os Periodistas, um abismo pugna por outro abismo, se os
Periodistas escrevem sem reflexão, e transtornam a ordem das coisas: mas
estes opinantes, e sábios escrevem insolências, e desatinos, inculcadas por
aparente zelo! Fora Corcundas servis, petulantes, sejam moderados se querem
merecer a estima, que a sabedoria consagra aos sábios. – Batalhões apertar
o Cordão, atacar a peste, e pestilenta Corcundagem. O inimigo da escra-
vidão, jura pela mais Sagrada Religião, que professa, não guardar decoro,
nem respeitar classe alguma, em que qualquer conhecido Corcunda esteja
constituído, tanto no Governo temporal, como no Espiritual; e declara sem
pejo não temer seus péssimos escritos nem mordacidade; tem ânimo para
os combater, e para os envergonhar; e se acaso julgam que assim o vulgo os
louva, o prudente e o sábio os murmura, e fica bem longe de louvá-los. Diz o
Exorcismador, (ou aliás o deita Cordão que é o mesmo) que os Periodiqueiro
espalham ideias incendiárias, e subversivas. Observemos o que diz o seu
Chefe de Fila, e Autor Mestre Periodiqueiro. Na primeira e na segunda parte:
na primeira, o Resumo de toda a perlenga, é o queixar-se que os Frades
ficavam sem comer, e sem Quintas, Edifícios etc., e que se lhe havia feito
grande agravo em serem excluídos da representação Nacional, para serem
substituídos os seus lugares por Médicos, e sustentando, que tudo quanto
os Reis tinham dado de Estado aos Frades, que lhe devia ser conservado, e
mantido como bens de propriedade, e direito inviolável de Cidadãos; este é
o Resumo da primeira Obra. Passemos à segunda, em que mais se cansou, e
talvez menos diga: vem a concluir, que o homem sempre deseja de melhorar
de fortuna e que muitas vezes se projeta esta mesma felicidade, e que nunca se
obtém como o mesmo homem deseja, pois que o coração do homem tem um
certo vazio, que nada o enche, e que escusado será então o homem procurar
melhoramentos, para viver contente, e feliz sobre a terra, e fazendo uma
Miscelânea com os cárceres da Inquisição, julgo que pretende algum lugar
neste Santo Tribunal, e que este lhe pertencia, como alguma sela no Convento

114
com vista para o Rocio para o estar de lá namorando, e por isso não pode
tolerar que sejam remunerados, tão atendíveis empregos Eclesiásticos, com
os Privilégios de Sabão, e Tabaco, pois olhe, eu ainda lhe faço mercê, isto é
porque sou libertino, (e temia muito esse Santo Santorum) do Privilégio da
Sola, que talvez este Privilégio seja antes de pouco tempo muito útil a alguns
que vestem saia pela cabeça, tanto Seculares, como Regulares: e enquanto
ao Plano que apresenta para a reforma dos Regulares, quem sabe também
se o vazio do coração destes, com este melhoramento serão satisfeitos; bom
será que se estabeleça em Vossa mercê, quero dizer, Vossa Reverendíssima,
a primeira dignidade do Tribunal dos Regulares, que quer instituir, e que
faça força de vela pelo Breve da Marca para sua instituição, e que se deixa
agora de querer ser do Ofício Santo que já morreu que pode ser que lá para
Agosto tivesse muito que fazer nele; e por isso bom será que se lhe passem
já as competentes Demissórias, par a sua abolição, e que se desmembre o
respeitável Corpo que o compõe, assim como desmembraram desde a sua
instituição, tantos corpos humanos, que segundo um apropriado cálculo de
Autor (que respeito) este Tribunal na Espanha, no curto espaço da sua cria-
ção, fez queimar vivas (como atesta Mariana) duas mil pessoas, sem atenção
a sexo, nem à idade. Em Portugal 23.068 recebidas, e 4.454 queimadas: se
isto não é terror para a humanidade Cristã, que esta estremece mais com o
terror da morte do que os Hereges, Protestantes, Idólatras, e Pagãos, que
estes se lançam às chamas, saltando, e bailando, pela rustidez, e cegueira de
seus erros, e conhecimentos ofuscados. E não quer Vossa Reverendíssima,
mesmo porque não queria, que se extinguisse este Purgatório, porque ainda
tem de purificar almas, e dar a caridade aos corpos, sem que seja preciso como
no Limoeiro, e Castelo, rezar a Salve Rainha aos feijões de torna viagem;
tendo no Ofício Santo o belo bife sem osso, e boa cama. Olhe, Senhor Padre
Mestre, só por esta ignorância mereciam todos os Periodistas uma Carocha
na Cabeça! – Batalhões, unir fileiras da retaguarda, à vanguarda – Legiões,
ao centro, formar um quadrado. – Sentido na voz. – (À Portuguesa) Marcha,
Corcundas Mores ao centro – Ordem do dia do Corcunda de boa fé, General
do Cordão da Peste Periodiqueira.

Segue-se a Ordem do dia.


O Comandante em Chefe do Cordão da Peste Periodiqueira, e primeiro
Secretário do Quartel General dos Corcundas, elevado por acesso à alta digni-
dade de Corcunda Mor, em definição de Laibach, e Congresso de Troppau,
substituído pelo vago posto de servil, e um dos primeiros sócios da Academia
de Maomé, Confessor do Grão Vizir, e primeiro Ministro Plenipotenciário na

115
Corte de Troia, Mentor de Telêmaco, Confidente de Ulisses, primeiro Lente
de Hermenêutica crítica na República de Batávia, Substituto de Burnervelt,
primeiro Ditador de Targine, e Ex-Confidente do Governo extinto de Portugal,
Capelão Mor do Marechal Beresford, Cavaleiro da Ordem que Professou,
Arquiteto das Caravanas de Meca, Autor das novenas de Medina, Geógrafo
Estático, Mestre de Naus, e Xavecos do Bei de Argel, e primeiro Censor das
Obras do Divã, com Exercício na Serpa etc. etc. etc.
Faço-vos saber a todos os Comandantes de Mar, e Terra, dos Portos
indefesos do Cordão da Peste de Lisboa, Periodiqueira, que ao presente em
Lisboa graça; que tendo eu empregado todas as minhas forças, tantos natu-
rais, como sobrenaturais para fim de extinguir a Peste, e Praga de Lisboa, e
seus contornos, apesar da mais assídua atividade, com que promovo o bem
do Servilismo, respeitando as Leis carcomidas, e debilitadas, que os séculos
têm feito caducas, e prejudiciais aos Povos Portugueses; os quais se queixam
do flagelo, com que o Despotismo dos executores das mesmas Leis, estavam
arbitrariamente possuídos; e não tendo podido até ao presente descobrir um
meio útil, para apoiar o Império dos Servis, e consolar os meus muito amados
Corcundas, que confiam na minha extraordinária sabedoria, e não querendo
eu tomar só sobre mim negócio de tanta monta; Tenho por fim determinado
a ordenar-vos a vós todos os Comandantes dos ditos postos o seguinte.
1.º Que logo que esta minha Carta de ordem vos for apresentada levanteis
o Cordão, e abandoneis à discrição o vosso posto, e os vossos camaradas vos
seguirão, recomendando-lhes se desviem dos lugares onde houver Povoação,
ou Capitanias-Mores de Legiões, que se possam armar de chuços, por quanto
estes se irão armar muito prestes, para atacar nossas Corcundas, caso que
os progressos do Exército Austríaco em Nápoles nos sejam para nós de boas
esperanças, e nos afiancem um feliz resultado.
Fora Corcunda, antes morte que cair nas mãos do Servilismo.
2.º Que todos os Ilustres Comandantes, e Camaradas muito da minha
atenção, se disfarcem o mais que puderem a favor da Causa da Nação, e
que afetadamente mostrem que são Patriotas, para evitar no entanto algum
incômodo, que nos pode prevenir, se nos dermos já a conhecer, sem que as
operações do Norte nos afiancem favoráveis esperanças a bem do Servilismo,
estado que deve ser inviolável para os nossos interesses, e Graduações, que
sempre em todas as mudanças temos sabido conservar, para subirmos.
Fora Corcunda, sobre as desgraças dos outros.
3.º Que segundo as presentes notícias do Norte se nos faz preciso, que
tenhamos uma séria comunicação com os nossos irmãos servis das Províncias,
tanto Eclesiásticos Seculares, como Regulares: estes como são incansáveis

116
pelos seus interesses, julgo-lhe desnecessário advertir-lhes, o que for só para
o bem seu, e não da Santa Igreja.
Fora Corcunda, que tanto Sermão que tenho ouvido pregar, ainda não
ouvi nenhum, que falasse contra os abusos da Igreja.
4.º Marcar-vos-ei, quando for tempo, o lugar central par a nossa
reunião, e faremos um Congresso, e neste decretaremos então a sorte dos
Periodiqueiros, e mais Liberais que querem pôr-nos freio, para nos desapossa-
rem do alheio, com que nos soubemos em tempo cobrir, que para agora tanto
nos serve; e então falaremos, e escreveremos sem rebuço contra o Congresso
Nacional, e atacaremos sem pejo suas deliberações.
Fora Corcunda, tudo o que Vocês têm escrito contra os Periodiqueiros,
é desafogo para servir a carapuça ao Congresso.
5.º Que depois dentre vós lidas, e determinadas as presentes letras, e
carta de ordem as façais registrar, e correr por todos os da nossa conhecida
graduação; e que os consoleis, e animeis, aplicando-lhe o adágio que diz:
atrás de um tempo outro vem, e para nós o que foi mau foi o melhor, (assim
o vimos no tempo da guerra da Península praticado): em nós não deve haver,
nem humanidade, nem terror pânico, nem fidelidade ao Rei, nem à Nação;
basta só que haja perseverança, aferro, e Despotismo, não nos desviando
um só ápice do maquiavelismo, quando nos faltar o dinheiro para com ele
vencermos, e atropelar o gênero humano.
Confiai portanto todos, no que vos expresso, e na minha sagacidade,
porque eu em todos os da nossa polpa, confio a prosperidade do nosso
permanente bem.
Dado no ano Solar da Lua, Mesquita de Maomé.
Assinado – O Corcunda de boa fé.

Todo o Cidadão, que este tiver um ideia clara, e que for amante da
Liberdade Civil, e que aborrecer o Servilismo, se deve lembrar, que esta é a
frase com que o interior dos Déspotas deseja proclamar, e que não podendo
livre marcharem por este caminho, valem-se para desafogo em exorcismar
Periódicos, e deitar-lhes o Cordão, sendo eles os legítimos Quadrilheiros,
que não só nos desejam prender, e maniatar, mas até reduzir-nos à cinza, e
fazerem para eles a confiscação dos nossos bens, para saciarem o vazio de
seu depravado coração. Olho vivo com eles; suas escritas, e literaturas, se
o público refletir nelas com moderação, brotam mais veneno, que o mais
pestilento Periódico. São Corcundas Servis, e Velhacos Mestres. Não sei qual
seja o Profeta, que este tenha feito certo aos Corcundas, que os progressos

117
das hostilidades da Santa Aliança, seja invadir o Reino de Nápoles, e obriga-
rem a estes Povos a receberem à força de Armas a Lei, que o Despotismo da
arbitrariedade destes Imperantes lhe ditar. Acaso já se esqueceriam eles, ou
a Península em tão pouco tempo da Arte da Guerra, e os seus corpos serão
menos robustos, para à ponta das baionetas, e a fogo castigar usurpações, e
quebrar ferros, que o orgulho forja para se saciar: vimos há pouco castigado
por tais motivos um Déspota, e este valendo-se mais da arte, e indústria para
conquistar, que da força armada, primeiro a sua invectiva era, proclamar aos
Povos a liberdade, se este Déspota como a proclamava, a desse aos Povos,
assim como os mesmos hoje a pedem, posso sem pejo afirmar, que ainda
hoje seria o Árbitro, e Senhor Dominante da Europa: os Povos cediam a
suas instâncias naquele tempo, só por desejarem a liberdade! Este Déspota
conheceu tanto o direito dos Povos, que suplicando-lhe os Polacos, que dese-
javam serem Povos livres, e não sujeitos a quem sem direito os dominava,
respondeu-lhe: – O que vós me pedis está na vossa mão; porque jamais um
Povo, que intentou ser livre, deixou até o presente de o ser. –
Se assim o decidiu este Árbitro do Despotismo, certo é que estava capa-
citado desta verdade, se não houver Corcundas agora, assim como naquele
tempo havia Napoleões, o progresso dos Reinos Constitucionais, há de ser
vantajoso à liberdade dos Povos, e os Imperantes que disputarem assim o
inviolável direito dos Povos, hão de ficar em pior estado, do que se recebessem
agora a Constituição amigável; e a que o seu Povo depois lhe oferecer, talvez
seja para eles menos decorosa. Assim o julga o Amigo da Civil Liberdade, e

O Inimigo da Escravidão.

118
S O N E T O.
Dedicado aos Corcundas, Empenados, e Pançudos.

Malévolos, que a Pátria vistes agitada,


Seu Nome até como nos anais extinto,
E seus Povos sem alento, e em conflito,
E vós que dos remorsos de ser profanada,

Agora que Heróis a hão resgatada,


Pretendeis retrogradar seu fruto,
Dizeis, tremei de Laibaque astuto!
Quem é que assim fala? um Corcunda.

Portugal é menino não teme o papão,


Olhem como é Empenado o que tal diz,
Se és Sebástico ou Pança vai para o Japão.

Sois enfim Servil, e de má nariz,


Não podes ser Pançudo com a Constituição,
Vende Maxos [sic], e Berlinda, deixa ir o Verniz.

F I M.

119
9

DISPERTADOR BRASILIENSE

As notícias, que há pouco nos chegaram de Lisboa têm produzido uma


fermentação tão grande, e tão geral dos ânimos dos habitantes desta Cidade,
que há muito para recear ocasionais desordens de não pequena monta.
Estavam eles convencidos de que abraçando a causa de Portugal nada perde-
riam da sua representação política, nem das vantagens que lhes trouxera o
estabelecimento da Monarquia no seu seio; antes ganhariam muito, não só pela
reforma dos males, que são inerentes a um Governo Despótico, e absoluto,
como também pela requisição de novos direitos civis, e políticos, e sobretudo
pela faculdade inapreciável de serem governados por Leis, que eles mesmos
houvessem de fazer por via de seus Representantes.
A estas bem fundadas esperanças parecia dar um firme apoio o desinteres-
sado procedimento, que a seu respeito tivera até então o Soberano Congresso
Nacional. Nele se não consentia jamais que se deliberasse coisa alguma a
respeito do Brasil, de maneira que apresentando um de seus Membros o projeto
de se nomearem por este País Deputados interinos dentre os Brasileiros, que
ali se achassem mais aptos para isso, o rejeitaram todos os mais, fundando-
-se pela maior parte em que não tinham direito para decretarem semelhante
nomeação. Igual desinteresse mostraram em muitas outras ocasiões, em que
se tocando em coisa deste Reino, responderam sempre que era mister esperar
por seus Deputados.
Esta sua imparcialidade, e sobretudo a natureza da causa, que defendiam,
divulgada nos papéis públicos, que de lá vinham, acenderam no ânimo dos
Brasileiros o amortecido fogo da Liberdade. Ele Lavrou imediatamente em
todos os Corações com mais ou menos explosão à proporção dos obstácu-
los, que encontrava. As Províncias do Pará, e da Bahia foram as primeiras,
que Levantaram o seu Estandarte; seguiram o seu exemplo algumas outras;
e ou porque ignorassem que a do Rio de Janeiro estava para abraçar o
mesmo partido, ou porque temessem intenções ocultas, e sinistras da parte
do Ministério nela residente, ou enfim porque odiassem, como é natural,
uma Província, que era o foco do Despotismo, entraram a corresponder-se
diretamente com Portugal, e a solicitar do Congresso as providências, que
julgaram convenientes ao seu estado de convulsão, e ao seu melhoramento.

120
Aproveitaram as Cortes esta ocasião, e à custa de Lisonjeiras palavras, e
do seu especial agrado entraram a fomentar o Cisma político que tão propício
lhes era para estenderem a sua influência neste vasto Continente. Ela cresceu
ainda mais com a ida de Sua Majestade para Portugal, de maneira que o
Congresso revestido até então só da porção de Soberania, que lhe fora delegada
pelo Povo daquele Reino perdeu imediatamente a sua antiga circunspeção,
e entrou a decretar Leis para este País, que ainda não tinha sido ouvido por
meio de seus Legítimos Representantes.
Para provar o contraste destes procedimentos, que acabamos de notar,
com os anteriores do mesmo Congresso sirva-nos de exemplo o Projeto da
Constituição. O artigo 20 do Título 2.º, que foi redigido logo a princípio, e
quando as Cortes não sabiam ainda da nossa generosa adesão a sua causa;
trata o Brasil de Reino, e o considera como parte componente do Império
Português; mas esta Linguagem, e consideração duraram pouco; as suas
Províncias foram logo contempladas como Províncias de Portugal; para
algumas mandou-se tropa sem audiência de seus Deputados, para outras a
despeito deles; decretou-se que cada uma teria uma Junta Administrativa, e
uma só Relação ou Tribunal de Justiça, bem como Chefe Militar com respon-
sabilidade unicamente às Cortes, e no Poder Executivo, porque convinha
que sendo ele o depositário da força armada, estivesse à disposição daqueles
Poderes somente para a manejar a seu aceno, e arbítrio.
Finalmente para nos tirarem toda a consideração política, e até mesmo as
aparências da graduação, e categoria, a que nos havia elevado a Carta de Lei
de 16 de Dezembro de 1815, eis que por um ciúme mal-entendido mandam
recolher agora com toda a brevidade possível, e sem terem consultado primeiro
a parte mais importante da Nação, o nosso Amável Príncipe, o único apoio
que restava às nossas esperanças, a única sombra do que fomos, e único
centro que era ou podia ser do Poder Executivo neste vasto Continente; e
para cúmulo de nossos males, e brevemente veremos aqui extintos todos os
Tribunais, seus Empregados mendigando o pão, a que tinham bem fundadas
esperanças, e sofrendo os Sarcasmos, e injúrias, que sofreram outros do Senhor
Borges Carneiro por extremo indignos do caráter de um Deputado, veremos o
nosso Comércio proibido de todo com as Nações Estrangeiras, ou ao menos
grandemente coartado, salvo com a Metrópole, o nosso Tesouro aplicado para
as necessidades daquele exausto Reino, destruídas as Fábricas nascentes, a
indústria amortecida, ou talvez sufocada, a agricultura desanimada por falta
de braços e consumidores, o valor das propriedades inteiramente aniquilado,
e as nossa belas e florescentes Províncias reduzidas enfim ao universal estado
de Colônias. Triste e Lastimoso quadro!

121
Eu sei que todos estes males se não hão de verificar de súbito, e neste
momento já. Eu sei que o Soberano Congresso não pode desconhecer a nímia
circunspeção, e cautela, com que se deve tratar um Povo grande e brioso,
que teve a fortuna de sair do cativeiro para o estado de emancipação, que
provou os benefícios dela, e que não consentirá, porquanto haja, em retroceder
jamais na sua carreira política. Eu sei enfim que o há de assustar o exemplo
da América Espanhola. Entretanto não posso deixar de confessar que os
passos, que se vão dando a nosso respeito, não parecem tender a outro fim
senão ao que receamos.
E que faremos em tais circunstâncias, perguntar-me-eis? Desunir-nos da
causa que temos seguido voluntariamente, e até com alguns esforços, e derra-
mamento de sangue? Quebrarmos o juramento que prestamos? Não, amados
Compatriotas; Longe de mim semelhante voto. A paz, e a união serão sempre
o alvo dos meus desejos, e conselhos; mas para termo-la sólida, e durável
cumpre que previnamos os males, que ameaçam perturbá-la, e que o façamos
em tempo, e com energia. Tarde se aplica o remédio às chagas gangrenadas,
elas não têm então outro senão o ferro, e o cautério: tarde se procura atalhar
os efeitos do veneno depois de introduzido na circulação; é inevitável nesse
caso a morte, e uma morte convulsiva, e assaz trabalhosa.
Eis pois meus caros Concidadãos, o momento em que deve mais que
nunca desenvolver-se a vossa energia, e patriotismo. Nas vossas mãos está
hoje a sorte da Pátria; ela não vos é, nem vos deve ser indiferente, qualquer,
que seja o vosso gênero de vida e profissão. Meditai por um pouco nas terrí-
veis consequências, que vos ameaçam as providências já dadas. Tiram-vos as
peças de artilharia, os vasos de guerra, as rendas do Estado, e o vosso amável
Príncipe único penhor das vossas esperanças; e brevemente vos tirarão também
por meio de transmigrações forçadas, e coradas com pretextos aparentes os
bravos defensores da vossa Pátria com dolorosa mágoa de suas famílias, e
esposas, e com dano grande de suas casas, e interesses. E duvidareis ainda
qual seja o fim de tão insidioso procedimento? Acaso esperais chegar à borda
do precipício para retroceder então? Quereis porventura entregar primeiro os
vossos braços aos ferros para depois ter a glória de rompê-los?
Triste e funesta glória será essa, que ainda quando se consiga, será
comprada à custa do precioso sangue de vossos Irmãos. Vós tereis de comba-
ter então partidos sobre partidos, com que a ambição dos vossos próprios
Nacionais vos há de dilacerar; Vós tereis de repelir então as forças da Nação
aliada da Casa Reinante, e enquanto durar a vossa Luta, sereis maculados à
face da Europa com a nota de rebeldes. Não são pois estes os meios que deveis
adotar na ocasião presente. Ela vos oferece outros muito mais fáceis, e muito
mais vantajosos a todos os respeitos. E já que os vossos Representantes por

122
fraqueza ou esquecimento notável de seus deveres não souberam propugnar
pela igualdade dos vossos direitos políticos e civis, ou ao menos pedir tempo
para exigir de vós uma declaração a este respeito, reassumi os vossos pode-
res, de que só lhes havíeis confiado o exercício não pleno, e ilimitado; mas
quanto fosse bastante para manter a vossa independência Nacional debaixo
da mesma Dinastia, e das mesmas Leis. Tornai-vos ao estado em que estáveis
no memorável dia 26 de Fevereiro, e não com tumultuosas aclamações; mas
com a dignidade, que compete a um Povo Soberano, pedi, instai fortemente
com a Junta Provisória desta Província para que seja a intérprete dos vossos
votos perante Sua Alteza Real, e lhos declare pouco mais ou menos da maneira
seguinte.
Senhor; o Povo desta Capital, quando se declarou a favor da Constituição
proclamada pelas Cortes Gerais e Extraordinárias do Povo de Portugal, foi
na inteligência de que o Brasil não perderia jamais as vantagens e represen-
tação de que estava gozando: o seu juramento envolveu esta tácita e essen-
cial condição. El Rei o Augusto Pai de Vossa Alteza Real talvez menos bem
aconselhado, e por interesses particulares de seu Ministério, e Validos, Houve
por bem transferir a sede da Monarquia para Lisboa pelas razões enunciadas
no Decreto de 7 de Março do corrente ano; mas Senhor, permita-nos Vossa
Alteza Real dizer-lhe que semelhante Decreto não tem validade alguma, e que
se este Povo se acomodou com a sua disposição, foi porque não quis magoar
a Sua Majestade com mais representações, e porque lhe restava ainda em
Vossa Alteza Real o penhor das suas esperanças.
Agora porém, que as Cortes aproveitando este acontecimento filho
da desordem daquele tempo, pretendem roubar-nos a Vossa Alteza Real, e
reduzir as nossas Províncias ao detestável estado de Colônias, este Povo por
Si e pelo das mais Províncias se vê na precisão absoluta de reassumir os seus
diretos, e depositar o seu exercício nas Mãos de Vossa Alteza Real. Ele não
consentirá jamais separar-se de Vossa Alteza Real nem adotar a medida das
Cortes a este respeito. Ela é ilegal, injuriosa, e impolítica. Ilegal: porque não
foi decretada pelo voto unânime de nossos Representantes, e por consequên-
cia pela vontade geral da Nação; Injuriosa, porque mostra o desprezo, com
que o Congresso decide da nossa sorte a representação, como se fôssemos
um punhado de miseráveis escravos sujeitos à discrição e capricho de seus
Senhores, e não um Reino aliado mais poderoso e com mais recursos do que
o mesmo Portugal. Impolítica, porque no momento, em que a nossa união
era mais vantajosa a Portugal, é justamente quando ele trata de nos desgostar
a fazer necessária e legítima aos olhos do Mundo todo a nossa separação.
Esta Senhor é a opinião pública dos habitantes desta Província e geral-
mente de todas as mais, que por certo hão de aceder nos nossos votos. A de

123
São Paulo o declarou já nas instruções dadas aos seus Deputados. As outras
no reconhecimento e subordinação ao Governo de Vossa Alteza Real, subor-
dinação esta que não pode já existir uma vez que Vossa Alteza Real prossiga
na Resolução de deixar-nos. E quais serão os efeitos dessa desunião? Nós
Senhor os não podemos entrever senão funestos; e em Vossa Alteza recairá
a responsabilidade dos mesmos.
Animados pois do bem geral deste País, do espírito de paz, e concórdia,
do amor que sempre consagramos à Dinastia Reinante, vimos em virtude
do nosso cargo implorar de Vossa Alteza Real a demora da sua retirada, ao
menos pelo tempo necessário para representar às Cortes a sua ilegitimidade,
e inconvenientes futuros. O Brasil Senhor não pode já conservar-se sem as
prerrogativas de Corte, ou ao menos sem um Ramo da Augusta Casa Real,
que sirva como de centro, e apoio aos seus Governos Provinciais. E qual
outro poderá ser Ele senão o Príncipe, imediato Sucessor da Coroa, que por
este meio se habilita mais para conhecer a extensão, recursos, e precisões de
seus vastos Estados.
Embora digam as Cortes, que não pode haver em uma mesma Nação
dois Poderes Executivos. Não é assim Real Senhor. Eles podem perfeitamente
se combinar com a unidade da Nação, em que existem; contato que um seja
de alguma sorte modificado, e subordinado ao Supremo; e do contrário,
como exigiram as mesmas Cortes que quando Sua Majestade não fosse para
Portugal, fosse ao menos Vossa Alteza Real. Acaso não era então incompa-
tível com a integridade da Nação a existência de dois Poderes Executivos?
Acaso pretendia aquele País se desunir inteiramente do nosso, e se tornar
independente? Seja porém como for, o certo é que as nossas circunstâncias
são as mesmas; os nosso direitos iguais, senão maiores, e que as providências
devem ser também as mesmas.
Províncias do Brasil, ajudai-nos a reclamar a manutenção de vossos
direitos como parte integrante deste Reino: a identidade quase geral do vosso
território, das vossas produções, do clima, e dos costumes dos vossos habi-
tantes, os enlaces de família, amizade, e comércio que entre eles há, exigem
imperiosamente, sobretudo nas circunstâncias presentes, uma recíproca união
e correspondência fraternal. Ela contribuirá muito para o aumento da vossa
prosperidade e grandeza, e até mesmo para a vossa segurança. É justo que não
desampareis a vossos Irmãos de Portugal na gloriosa empresa, que tomaram,
mas é igualmente justo que eles vos tratem como Irmãos em tudo e por tudo,
e não como pupilos. Se eles vos fizeram benefício de arvorar o Estandarte
da liberdade, vós lhe fizestes muito maior em ajudá-los a sustentá-lo. Sem o
vosso poderoso auxílio, e coadjuvação eles não teriam colhido o fruto da sua
perigosa tentativa, salvo se quisessem riscar a sua Pátria da Lista das Nações

124
independentes. Fazei-lhe pois todos os sacrifícios, que não forem incompa-
tíveis com a vossa preeminência atual, e felicidade futura. Lembrai-vos que
Portugal não perdeu ainda a ideia de superioridade e preponderância sobre
vós; que todos os seus procedimentos, longe de serem conformes aos liberais
princípios, que se nos haviam proclamado, são pelo contrário tendentes a
nos reduzir ao seu antigo jugo, e ao odioso estado de Colônia. O Soberano
Congresso reconhece que toda a força da Nação consiste na íntima ligação de
suas partes Constitutivas, de forma que todas elas tendam a centralizar em um
foco as suas relações, e por este modo conspirem para um fim único, qual é a
manutenção da indivisibilidade do Reino Unido, e como esperaremos seme-
lhante resultado, se o procedimento das Cortes todo se encaminha a estorvar
esta união nos seus efeitos? Para tal união ter lugar moral, e politicamente era
necessário, que cada uma das partes deste grande todo se ligasse com as outras
suas limítrofes a fim do Brasil se consolidar primeiro nos seus elementos, e
assim unido gravitar todo inteiro para o centro comum das Relações Políticas
Nacionais. Mas como poderá se esperar semelhante aderência moral, e política,
se tirado do Brasil o único centro para onde deviam encaminhar as suas rela-
ções internas, que era o Governo de Sua Alteza Real, posto que subordinado
ao de seu Augusto Pai; até se tem projetado pôr no meio de cada Província
um princípio destruidor de toda a união, pela nenhuma, que se acha estabe-
lecida nos diferentes ramos do governo, que lhes foi Decretado? Conhecidas
por este modo quais são as intenções dos Representantes de Portugal, vede, ó
Brasileiros, o que em tal conjuntura melhor vos convém, se ficardes sujeitos,
como de antes a Portugal, onde seus Representantes decidem da vossa sorte
sem serdes ouvidos; ou propugnardes pela conservação dos vossos Direitos;
rejeitando quanto se tem determinado a respeito do Brasil, sem a assistência
dos vossos Representantes, como seria necessário para a ligação do sistema
Político do Brasil, e dele com todo o Reino Unido, a conservação de Sua Alteza
Real nestes Estados, propondo que esta seja Decretada nas Cortes, como meio
de conseguir essa tão proclamada indivisibilidade: Não saindo Sua Alteza
Real destes Estados, sem que as Cortes hajam de tomar em consideração esta
proposta. Eis o momento, em que deveis decidir-vos. Lançai mão dele; se o
perdeis não podereis jamais reclamá-lo, senão com muito custo, ou talvez
com o derramamento de muito sangue.

Rio de Janeiro. Na Typographia Nacional. Anno de 1821.

125
10

EXAME
ANALYTICO-CRITICO
DA

SOLUÇÃO DA QUESTÃO:

O Rei, e a Família Real de Bragança devem,


nas circumstancias presentes, voltar a
Portugal, ou ficar no Brazil?

Publicada na Côrte do Rio de Janeiro por um


Anonymo em idioma Francez nos ultimos dias
do Anno proximo passado.

BAHIA:
Na Typog. da Viuva Serva e Carvalho.
Com licença da Commissão de Censura.

126
Vir imprudens, & errans cogitat stulta.1
Ecclesiast. Cap. 16.

OBSERVAÇÃO PRELIMINAR.
Nada há mais familiar ao homem do que sujeitar o ditame da razão ao
interesse. Seja para abrir caminho a sua fortuna, e adquirir amigos, prote-
tores; seja para celebrar seu nome, e ganhar admiradores, não há absurdo,
que não conceberá, contradição, que não sustente, erro, que não abrace: luta
obstinadamente consigo mesmo; faz violência atroz a sua razão, fecha os
olhos à evidência. Cada página da História Sagrada, ou profana é tão fértil
em exemplos desta fatal propensão do coração humano, que seria supérfluo
o referi-los. Todas as idades nos instruem em fatos dos desvarios da razão
causados pelo ardor das paixões; e o Século, em que vivemos nos dá talvez
mais tristes lições desta verdade do que algum dos passados. Há quem diga,
que os homens há 50 anos a esta parte têm perdido o reto uso da razão, e
que para restaurá-lo é necessário que Deus diga hoje na ordem psicologia
fiat lux,2 assim como disse no princípio da criação para destruir as trevas,
que cobriam a face do abismo. Mandemos para a classe das hipérboles esta
severa asserção, sem contudo deixar de confessar com o Sábio que a multidão
dos insensatos é quase infinita.

1
O homem imprudente e desorientado pensa tolices.
2
Faça-se a luz.

127
Não pode isentar-se de entrar nesta categoria o Autor do obscuro folheto,
que tão infelizmente decide a questão: o Rei, e a Família Real de Bragança
devem, nas atuais circunstâncias, voltar a Portugal, ou ficar no Brasil? que por
pouco que se pondere a sutilidade das suas razões, custa muito a acreditar que
no meio de uma Corte, na presença do Trono, e em uma crise tão violenta do
Estado, se deixem sair à luz pública opiniões tão absurdas, e desorganizadoras
dos verdadeiros interesses do Rei, e da Nação. Citemos para o tribunal da
razão o vão aparato de raciocínio com que se ostenta triunfante esta tene-
brosa Memória: dispamos este indigno Português dos trajes emprestados à
francesa, com que astutamente se enfeita para fazer mais recomendável. Vão
estratagema? Já desapareceu o funesto prestígio de idolatrar estrangeiros: a
experiência nos tem feito mais circunspectos em prodigalizar-lhes elogios; e
estamos altamente persuadidos de que a verdade, e a justiça em parte alguma
manifesta com mais pureza, e força os seus Oráculos do que no coração
do honrado, e sincero Português. A este amor da verdade deva a França o
declararmos que não lhe deve ser atribuído um Discurso tão desorientado da
esfera da razão, monstruoso parto de uma pena vil, e mercenária, forjado na
oficina do orgulho, e da lisonja. Para que este sombrio Discursista não forme
queixas amargas de que o condenam sem o ouvir, e perfeitamente entender,
vertamos em linguagem pátria o seu Discurso frívolo, e oco para que todos
os Portugueses de um, e outro Hemisfério vejam pela primeira vez um filho
da Metrópole díscolo, e ingrato atraiçoar a grande causa da Pátria, lançar um
véu de ignomínia sobre a sua face gloriosa, e sugerir conselhos desastrosos
diante do Trono de seu Amabilíssimo Soberano. Está designada a tarefa, que
tomamos sobre nós para vingar a honra da Nação, e do Rei: procedamos.
No fim de cada uma das 6 famosas Proposições, que o Discursista defende,
achará o Leitor o nosso juízo crítico, que demonstra a sua falsidade.

128
M E M Ó R I A.
O Rei, e a Família Real de Bragança devem, nas circunstâncias Presentes,
voltar a Portugal, ou ficar no Brasil?
Tal é a questão da alta Política, que ocupa agora a atenção do Português
da Europa, e da América, e parece dividir em opinião as melhores cabeças.
Contudo por pouco que se contemple com um espírito sem prevenção e
livre de todo o interesse pessoal, esta questão a mais importante talvez, que
se tem agitado depois da fundação da Monarquia, parece-nos que se não
pode deixar de chegar a esta solução: Que a Família de Bragança não deve
deixar o Brasil. Para seguir a discussão em todos os seus diversos aspectos, e
refutar vitoriosamente todas as objeções, parece que basta provar a verdade
das seguintes seis Proposições.
I. Que Portugal no seu estado atual não pode absolutamente passar sem
o Brasil; entretanto que o Brasil pelo contrário não tira a menor vantagem
da sua União com Portugal.
II. Que a partida da Família Real para a Europa seria o prelúdio da
Independência do Brasil, resultado inevitável de um passo tão impolítico.
III. Que Sua Majestade pode conservar a Sua Autoridade Real toda
inteira no Brasil, e fundar nele um Império florente de muito grande peso na
balança política do Mundo.
IV. Que o voo revolucionário dos Portugueses da Europa será consi-
deravelmente mais lento pela determinação do Rei de não deixar o Brasil;
entretanto que ele não conheceria limites se Sua Majestade se achasse em
Lisboa no meio, e em poder dos Rebeldes.
V. Que a melhor posição do Rei certamente defronte dos fabricantes
de Constituições, é esta mesma, em que a Providência o colocou, desviado
do foco da sedição, e Senhor da parte, sem comparação, mais importante, e
mais florente do Império Português.
VI. Que em todos os casos possíveis enfim, Sua Majestade, estará sempre
em tempo de dar o passo, que hoje se lhe poderia propor.
Desenvolvamos estas diversas Proposições.
A primeira é de uma evidência tão palpável, que quase poderia escusar
demonstração. Com efeito todas as necessidades do Brasil consistem absolu-
tamente em artigos fabricados na Europa, e é precisamente de fábricas que
Portugal tem falta. Consome-se, é verdade, no Brasil muito vinho de Portugal;

129
mas a razão disso é devida aos direitos de entrada, que carregam os vinhos de
Espanha, e de França, e os excluem dos mercados Brasileiros: de modo que o
único artigo considerável de exportação, que produz Portugal, seria de muito
pouco consumo no Brasil, apesar da conformidade de costumes, e de gostos
dos habitantes, se não fosse protegido contra a concorrência estrangeira por
medidas fiscais. Aplique-se esta observação sobre o comércio do vinho ao do
sal, (e esta aplicação é muito justa) e ver-se-á que o maior mal, que resultaria
aos Brasileiros de uma ruptura com Portugal, seria pagar o vinho, e o sal,
dois artigos de primeira necessidade, por metade do preço por que eles se
vendem atualmente.
Os homens de que os Brasileiros têm verdadeiramente necessidade são
Ingleses, Alemães, Holandeses, Franceses, Suecos, Italianos etc.; porque os
Países, que eles habitam, além de produzirem em abundância os poucos
gêneros, e matérias primeiras, que aqui faltam, são cheios de uma infinidade
de Fábricas, que manufaturam todos os objetos imagináveis, não só perfeita-
mente, mas também muito baratos. O Comércio dos Americanos, Alemães,
Suecos, e Franceses é sobretudo precioso para o Brasil, porque estas Nações,
que não têm Colônias, consomem uma quantidade muito considerável de
gêneros coloniais, que elas compram a troco dos produtos da sua lavoura,
ou da sua indústria. Mas em caso de separação dos dois Reinos, que poderia
enviar Portugal ao Brasil para comprar estes produtos coloniais, que se têm
feito de necessidade indispensável para seus habitantes? Seriam espécies metá-
licas? Mas como ele não tem minas de ouro, nem de prata fica bem depressa
exausto. Enviaria objetos manufaturados? Ele está sem indústria. Trigo,
ou farinha? Ele o não colhe talvez para metade do seu próprio consumo.
Ferragens, quinquilharia? Mas até agora tem sido obrigado a havê-los do
Estrangeiro, e pagá-los com o ouro do Brasil. Que poderia ele pois importar
para o Brasil? Quase nada. Porque os vinhos, sais, e outros pequenos artigos,
que ele aí pode até ao presente vender com algum lucro, não lhe ofereceriam
senão perda, se os Estrangeiros não fossem sujeitos, pelo que respeita a estes
gêneros, senão aos mesmos direitos, que ele agora paga.
Os Portugueses da Europa dotados de juízo, ou de boa fé convêm sem
dificuldade na verdade de tudo isto: mas não deixam de sustentar que o Brasil
não pode inteiramente passar sem Portugal. Perguntai-lhes: por quê? E eles vos
responderão muito seriamente: Que a população branca do Brasil é preguiçosa,
valetudinária: que tem necessidade de ser refeita, e, para assim dizer, retem-
perada de tempos a tempos por novos reforços de Colonos vindos da Europa,
e que esta é a mais preciosa importação de Portugal. Porém admitindo esta
asserção por tão verdadeira quanto ela nos parece duvidosa, perguntaremos

130
da nossa parte, se não seria extremamente fácil a Sua Majestade animar por
sábias Leis, e Regulamentos particulares a emigração dos Europeus para o
Brasil; e se Colonos Alemães, Suíços, Ingleses, Irlandeses, Dinamarqueses,
Suecos, e Franceses não seriam preciosos pelo que respeita à indústria, e
atividade? Além disto, segundo o nosso modo de pensar, um dos resultados
menos duvidosos da separação dos dois Reinos seria o aumento da emigra-
ção dos Portugueses para o Brasil porque se tem notado sempre que o desejo
de se expatriar é entre os Povos na razão direta do estado calamitoso, e da
miséria, que experimentam.
Esta objeção cai pois inteiramente por si mesma: e julgamos que se há
no Mundo uma coisa demonstrada é que o Brasil pode passar perfeitamente
sem Portugal; entretanto que pelo contrário este não é absolutamente nada
sem o Brasil.

Resposta.
Nesta Proposição só é evidente o seu absurdo, e a injúria que a Pátria
padece de se ver atacada por um indigno filho. Portugueses Americanos,
quem pretende separar-vos da união da Metrópole, é um filho dela mesma,
Réu de alta traição contra seu Rei, e sua Pátria. Se o seu conselho pérfido
for ouvido, em muito pouco tempo ficareis sem navegação, e sem comércio:
tudo passará às mãos dos Estrangeiros, a quem o Discursista quer entregar
o vosso País. Não foi preciso há poucos anos proibir os Navios estrangeiros
de fazer transporte de cabotagem nos portos do Brasil, que até essa pobre
navegação, e lucro de fretes vos queriam tirar? Depois da abertura dos
vossos portos, não tendes experimentado falta de navegação; de tal sorte
que foi preciso tomardes medidas vigorosas para dar giro a vossa mari-
nha; do contrário veríeis apodrecer os vossos navios sobre a âncora? Com
quem haveis de tripular as vossas embarcações se não for com a gente da
Metrópole? Para que portos da Europa navegareis senão para Portugal?
Outra qualquer Potência marítima, aonde poderdes achar mercado mais
favorável vos tratará como a Inglaterra vos tratou, quando Portugal esteve
ocupado pelos Franceses. Vós não sabeis outro modo de negociar com os
Estrangeiros senão em vossa casa: não estais versados em negócios de variada
especulação, nem tendes meios fáceis para isso: estais só acostumados a
vender, e comprar a vossa porta, ou em Portugal pelas mãos dos vossos
Comissários. Se vos separardes da Metrópole os Estrangeiros dominarão
o vosso Comércio inteiramente, e o vosso País; acabarão de vos exaurir, e
vireis a ser seus escravos. Tanto mais será isto certo quanto vós ficais sujei-
tos a um governo frouxo, e egoísta, que vê só o seu interesse pessoal, e não

131
se comove da vossa desgraça. O Estrangeiro tem há muito a sua mira neste
ponto, e, a ser ouvido o Discursista, está perto de consegui-lo.
Uni-vos inseparavelmente a Portugal por meio da sua Constituição,
formareis com ele um Povo, um só Reino, que em recíprocos interesses, e
íntimas relações de parentesco, e de Comércio, será respeitável, e opulento
em ambos os Mundos. Para longe estrangeiros; são nossos inimigos naturais,
querem só o nosso ouro, e o nosso suor: usemos deles, assim como eles usam
de nós: enquanto nos são úteis, muito abraço, muito riso. Tendes necessi-
dade de braços, e de fábricas, e não de preciosos Comércios de Alemães,
Americanos, Franceses etc. Eles pelo contrário é que têm necessidade de
vós. Não é só Portugal quem necessita do Brasil, é a Europa inteira nas suas
circunstâncias atuais; porque só o Comércio da América lhe pode cicatrizar
as feridas, que a longa guerra lhe abriu. Ora vede que secretos esforços não
fará o estrangeiro mais poderoso para empolgar esta bela presa. Parece que
o Discursista só trata de negócios estrangeiros para advogar a sua causa, e
entregar-lhe atraiçoadamente a nossa terra.
Quando se insulta Portugal porque não tem fábricas, nem indústria,
parece-me ver zombar de um homem porque está nu, depois de lhe tirarem
a camisa. Por que razão não tem Portugal fábricas para fornecer ao Brasil
todos os gêneros, de que este necessita? Será por que os Portugueses não têm
talento para as Artes? Em todas as idades produziram milagres em indústria:
criaram modelos imortais, que ainda hoje excitam a inveja dos Estrangeiros.
Porém qual tem sido a sorte dos famosos gênios que a nossa Nação tem produ-
zido? Envergonhe-me de o dizer; sem estimação, sem prêmio, tratados com
desprezo por um Ministério, que só vê de portas adentro, uns enterraram os
seus talentos, e levaram para a sepultura indignados importantíssimos segre-
dos das suas artes; outros emigraram para Países estranhos para receberem
o prêmio, que Portugal lhes negava. Como há de Portugal ter fábricas, se,
além de não ter Governo que promova a indústria, e as artes, só se estimam
as manufaturas estrangeiras? Daqui em diante não será assim: Portugal vai
renascer em exercício de artes, e indústria; terá fábricas para si, e para seus
Irmãos do Ultramar.
Com efeito, Senhor Discursista, Portugal só importa ao Brasil vinho,
e sal? Ferragens, panos de linho, e de lã, não merecem contemplação? Até
o Senhor Discursista teria que importar ao Brasil se quisesse cortar os seus
pinheiros, e escusavam os Americanos de trazerem o precioso comércio de
tabuado de pinho a um país onde tudo está coberto de mato riquíssimo em
lenhos da mais esquisita formosura, e duração. Carnes de porco, azeite,
grande quantidade de outros frutos que fazem as delícias das Mesas Romanas,

132
não entram em nada? Os vinhos, e sais da França, e da Espanha não se afastam
dos mercados Brasileiros pelos grandes direitos somente, porém pelo pouco
consumo, que têm, em concorrência com os vinhos, e sais de Portugal, sem
dúvida de muito superior bondade, e por isso muito estimados em toda a
parte: Portanto sempre o Brasil os iria procurar, e haver pelo maior preço,
no caso de separação; e o Autor do Folheto deporia de parte a força da sua
paixão quando não achasse o tal licor do Douro de larga idade para fornir
a sua copa, e fazer os seus brindes. Senhor Discursista, que delírio o incitou
a escrever que o Brasil só tem necessidade de Alemães, Ingleses, Holandeses
etc. porque nos compram nossos gêneros em troco dos seus? Não vê que
quando levam as matérias primeiras é para as irem manufaturar, e tornarem
a vendê-las no Brasil, a fim de haverem com enorme usura o ganho, que
nos deram? Se dissesse que o Brasil de que tem verdadeira necessidade é de
fábricas, para dar exercício ao grande gênio que tem para as Artes, tinha
razão; porém recomendar só os gêneros estrangeiros para nosso consumo,
sem falar em promover a nossa indústria para escusar subsídios estrangeiros,
isto não é prova de grande conselheiro.
Que mal lhe fez a Pátria, que nem no Brasil quer ver os seus patrícios
senão conduzidos da Metrópole para esta região pelo descarnado braço da
fome, e da miséria? Hão de vir para os nossos braços, mas alegres, e contentes:
o Brasil generoso não quer vê-los rotos, e famintos: espera-os como Irmãos,
com que está unido; e por isso afirma que será mais fácil vir de Portugal ao
Brasil por terra do que separar um do outro. Não forceje pois para suscitar
o velho sistema de estimar mais os estranhos do que os nossos conterrâneos;
já nos curamos dessa epidemia com o antídoto da experiência, e por isso
afirmamos com esses homens de juízo, e de boa fé: que a mais preciosa
importação, que vem de Portugal são seus ilustres, e honrados filhos, nossos
Irmãos. Venham também muito embora esses Colonos Alemães, Suíços,
Ingleses etc. omnis natio, quæ sub Cælo est3 esta vastíssima Região tem
campo espaçoso para todos; mas veja se os atrai sem lhe chegar à notícia
o bom, e humano tratamento, que acharam tantas Colônias das Ilhas, que
errantes nas matas sem socorro, e sem abrigo, morreram ao desamparo, e
à miséria. E contudo Sua Majestade fez sábios, e providentes regulamentos
para a sua conservação; porém não se observaram, e as Colônias pereceram.
Que fiador me dá para que daqui em diante não suceda o mesmo com os
emigrados da sua paixão?

3
Toda nação que exista sob o sol.

133
Segunda Proposição.
A segunda Proposição nos parece de igual evidência. Uma Região tão
vasta, e tão rica, como o Brasil, que há 13 anos se considera centro do Império
Português: que por 13 anos tem gozado da presença da Real Família, e da
vantagem de possuir em seu seio o Assento do Governo: que sente todas as
superioridades sobre Portugal, tanto pela sua imensa extensão, como por suas
riquezas, e População somente branca: que conhece toda a importância da
sua magnífica posição sobre o Globo, não pode absolutamente contentar-se
com uma parte qualquer que seja no Governo, fosse ela mais considerável
ainda do que aquela feita pela Espanha às suas Colônias; e isto pela razão
muito simples de que esta parte no Governo é sempre perfeitamente ilusória,
quando aqueles, a quem ela é concedida, estão a duas mil léguas de distância
do ponto onde se tratam os negócios públicos. Se a este poderoso motivo de
descontentamento se ajunta a ação dos partidos, a influência irresistível das
regiões circunvizinhas, que todas estão com as armas na mão para conquistar
a sua independência: as secretas maquinações dos governos constituídos da
América para lisonjear, e propagar o espírito Republicano, que reina sempre
mais, ou menos nos Países de escravos, como se a vista da extrema sujeição
arrastasse o homem para a extrema liberdade; se se faz enfim entrar em conta
a discordância de caráter, e de opiniões, que por mais de uma vez se tem
manifestado entre Portugueses, e Brasileiros, e que um acontecimento, como
o que nos ocupa, não pode deixar de fazer degenerar em antipatia nacional,
convir-se-á, a não querer fechar os olhos à evidência, que é impossível que um
Império como o Brasil fique por muito tempo Colônia, debaixo de qualquer
condição que ser possa, de uma Província como Portugal.

Resposta.
O Brasil está ufano na verdade com tão altas prerrogativas, mas tem
colhido delas pouco fruto em geral: não porque o Nosso Grande Rei o não
deseje prodigalizar às Mãos cheias sobre nós; mas a ambição, a lisonja, e a
cobiça têm colhido só graças sem medida para os seus favoritos, e ao mesmo
tempo para o resto dos vassalos só inspira tributos sobre tributos, e em tudo
opressão; e chamam a isto: segurar autoridade.
Portugueses Americanos, vede qual é a sorte, que se nos prepara nas
vistas Ministeriais: escravidão perpétua. Gozarão nossos Irmãos da Europa
de uma Constituição liberal, e justa, e nós gemeremos debaixo do jugo sem
remédio: mas que digo...! Senhor Discursista, agora já sabe que saiu falsa a
sua conjectura, porque a Santa Constituição, que proclamamos, e juramos

134
com nossos Irmãos da Europa, fez desaparecer o seu receio, e o nosso susto.
Contentamo-nos, sim, Senhor, com essa parte, que tivermos no Governo, seja
qual for, porque como é a Nação quem a dá, e não homens de vistas curtas, e
interessadas, não há de ser má; e se não for do nosso agrado, requereremos,
seremos ouvidos com muita atenção, e haverá reforma a nosso contento.
Sempre alguma coisa é melhor do que nada, que até agora nos coube, e que o
Senhor Discursista nos destinava em partilha. Não receie que a nossa união a
Portugal seja semente de antipatia nacional. A Constituição Portuguesa tem a
virtude de Arca Noemítica, hão de habitar a sua sombra diversos caracteres, e
todos em perfeita paz. Agora pode dizer a Sua Majestade Nosso Amabilíssimo
Rei que pode ir para a Europa quando for da sua Real Vontade; porque o
Brasil não fugirá eternamente do Seu Cetro: Sem a Constituição corria seu
risco, na verdade, pela urgência dos motivos; mas agora está seguro, e firme:
in æternum stat.4

Terceira proposição.
A terceira Proposição pode ser tratada com alguma atenção.
A fermentação dos espíritos, tão geral na Europa; a inclinação irresis-
tível dos Povos para uma nova ordem de coisas, para novas modificações
da organização social; a sede, em uma palavra, das revoluções, que devora
os habitantes do antigo Mundo civilizado, não tem apesar do que se possa
dizer, achado até hoje um verdadeiro acesso no Brasil. Há um bom número
de cabeças exaltadas, e de corações corrompidos, mas a massa ainda está sã.
Todavia não temos dificuldade em confessar, que ela manifesta descontenta-
mento: que ela experimenta as inquietações do desgosto; porém é tanto mais
fácil ao Governo de Sua Majestade fazer desaparecer as causas dele, quanto
este descontentamento não ataca as bases do edifício social, mas recai intei-
ramente sobre vícios de pura administração. Por outro lado, seria bem falso
modo de julgar do estado da opinião pública do Brasil, o tomar por termo de
comparação as Cidades principais deste Reino. É necessário neste caso não
perder de vista que estas Cidades encerram um grande número de Europeus,
todos partidistas, mais, ou menos, decididos de Revoluções, e que assopram,
quanto lhes é possível, o seu espírito, aproveitando-se para isso das faltas, e
erros, em que deve cair frequentemente uma Administração mal organizada.
Sua Majestade pode portanto sufocar facilmente estes germens de sedição,
tomando primeiramente medidas vigorosas contra os Facciosos; depois
corrigindo os abusos, e fazendo entrar na forma, e marcha do seu Governo

4
Permanece para sempre. Eclesiastes, 1:4.

135
todas as modificações agradáveis ao Povo, que não forem incompatíveis com
a Dignidade da Coroa, Dignidade que não se encontra em toda a sua pureza,
senão onde o Poder Real existe em toda a sua plenitude.
Esta marcha tão simples não pode deixar de conduzir ao fim, que é assen-
tar a Dominação da Família de Bragança no Brasil sobre uma Base solidíssima.
Ora uma vez que se chegar a este escopo tão desejável, quando uma
Administração ativa, e ilustrada favorecer o desenvolvimento natural das
Riquezas de toda a espécie, que o Brasil encerra em seu seio, a que grau de
poder, e de prosperidade não será elevado este magnífico Império? Pode
achar-se sobre o Globo uma Região mais bem situada para o Comércio, e
que lhe meta nas mãos ao mesmo tempo um tão grande número de efeitos
preciosos, e tão ricos produtos? Basta só abrir os olhos para ver que os Portos
de Pernambuco, da Bahia, e do Rio de Janeiro são feitos, e colocados pela
natureza para virem a ser os Depósitos do Comércio, da Índia, do Mar do
Sul, da Europa, da América, em uma palavra, do mundo inteiro. Sim, nós o
declaramos solenemente, o Soberano, que a Providência chamou para reger
esta magnífica porção do Globo, deve, somente pela força das coisas, vir a ser
um dos seus primeiros Potentados. É necessário sair da velha rotina Europeia.
Não convém ficar totalmente estranhos aos acontecimentos políticos, que
se passam às nossas portas, e, por assim dizer, debaixo dos nossos olhos. A
América vai pesar na Balança das Nações com todo o peso do seu imenso,
e fértil território, da sua população sempre crescente, do vigor enfim, que
acompanha a mocidade dos Povos, como a dos indivíduos. Os destinos do
Mundo inteiro não se regularão mais para o futuro em algum canto ignorado
da velha Europa. A sorte dos habitantes de todo um Hemisfério não depen-
derá mais do êxito de um combate, ou de uma batalha dados ou no meio dos
Rochedos dos Pirineus, ou nos planos da Alemanha. O Campo de batalha,
a área, onde as Nações deverão descer daqui em diante para decidir as suas
contendas, é o vasto Oceano. Com efeito os interesses políticos das diversas
Nações civilizadas estão empenhados, e ligados de um modo tão particular; a
tendência do espírito do século está de tal modo pronunciada, que é impossível
aos olhos do homem acostumado a refletir, que a primeira grande guerra,
que deve desolar o Mundo não seja uma guerra marítima, e então que grande
personagem não deverá representar o Brasil, tão importante, tão necessário às
Potências beligerantes para fazer refrescar, e reparar suas Esquadras! Como
serão avidamente procuradas a aliança, e a amizade do Soberano deste vasto
Império colocado no centro da civilização, e dominando todos os Mares! E
se o Governo do Brasil souber aproveitar estas circunstâncias favoráveis,
que extensão, e que atividade não pode ele imprimir na sua marinha, e no

136
seu Comércio! Eis aqui o que se quer abandonar, o que se quer perder para
se retirar ao meio dos penhascos de Portugal. Parece-nos, na verdade, ver
Luiz XVIII, e sua Família abandonar a França para ir fixar o Assento do seu
Governo na Martinica. Mas vamos mais longe. Suponhamos contra todas a
espécie de razão, que depois que a Família de Bragança tiver abandonado o
Brasil para voltar a Lisboa, ela conservará sempre este País fielmente subme-
tido ao seu Cetro: o Rei Constitucional de Portugal não descerá menos só
pela força das coisas, à classe de Potência Europeia da terceira ordem, porque
Portugal é tão pouco importante por si mesmo, e se acha por outro lado tão
desvantajosamente situado que para se defender da opressão da Espanha,
deverá forçosamente ficar para sempre debaixo da palmatória da Inglaterra.
Eis aqui verdades mais claras do que o dia, luce meridiana clariores,5
que nada pode abalar, que nenhum sofisma saberia destruir. E note-se bem
que nós temos admitido uma suposição inteiramente absurda, que o Brasil
poderia ficar pacificamente submisso ao Governo transportado a Lisboa, e
renunciar a sua Independência absoluta, depois de ter gozado dela durante
treze anos. Ora ainda com esta suposição, certamente bem gratuita, pensa-
mos que todos os bons entendimentos serão de parecer que a Família Real
não deve no seu interesse bem entendido deixar o Brasil. Com quanta maior
razão não deve ela abster-se deste perigoso passo, quando é, por assim o
dizer, evidente que em ela o adotando, achar-se-ia antes de bem poucos anos
reduzida a Portugal, privada das suas Colônias; quero dizer; a uma Província
de extensão ordinária, pobre, pouco fértil, e incapaz de suprir as despesas de
uma Corte posta sobre um pé digno de majestade do Trono?
Não ignoramos, que estas Proposições pareceram absurdas a muitos
Portugueses, que, não atendendo à diferença dos tempos, e dos costumes
não deixarão de gritar, que Portugal era Reino, e tinha uma Corte, muito
antes da Conquista da Índia, e do descobrimento da América. Certamente
isto é incontestável; e se os Portugueses de hoje pudessem reassumir os costu-
mes, e usos, e sobretudo a frugalidade de seus Antepassados do tempo do
Rei Fernando, ou de seu Sucessor, poderiam, renunciando, como então, a
sustentar um exército permanente, e um corpo Diplomático, ter uma Corte,
e escusar vitualhas estrangeiras. O entusiasmo da Nação suprirá, dirão eles, a
tudo o que lhe pode faltar. Oh! em boa fé: é quando as comodidades as mais
estudadas da vida têm descido até as classes médias da sociedade: é quando
o luxo está geralmente tão espalhado, que se mostra quase tanto debaixo do
colmo da cabana, como debaixo das abóbodas do Palácio: é enfim quando o

5
Mais claras que a luz do meio-dia.

137
gosto das doçuras, e dos prazeres da vida é contraído desde a infância, que se
pode esperar ver renascer a simplicidade, ou, para melhor dizer, a austeridade
dos costumes Portugueses do XIII e XIV século? Qual é, por exemplo, não
diremos o Fidalgo, mas o Negociante opulento de Lisboa, ou do Porto, que
se contentaria hoje com a mesa do Vencedor de Aljubarrota? Não esperemos
do coração do homem mudanças diametralmente opostas a sua natureza.

Resposta.
O Senhor Discursista não confunda o domínio com o uso. Pode haver
domínio absoluto, e o uso padecer modificações racionáveis como acontece
com as riquezas, e com outras muitas coisas. Por se prescreverem Leis justas
ao uso para que não degenere em abuso, não se segue que o domínio não
fique na sua integridade. Por este princípio, que é axioma em Direito, o Rei
Constitucional não deixa de ser Rei em toda a extensão da sua ideia, só porque
usa da sua Autoridade conjuntamente com as Cortes. É portanto irracional
o conselho, que se lhe dá de abandonar Portugal, porque só no Brasil sem
Constituição conservará a sua Autoridade toda inteira. Se os Portugueses
não estivessem muito certos em que o Senhor Afonso I não foi menos Rei,
recebendo das suas Cortes a Lei, do que o Senhor João V, certamente renun-
ciaria a Constituição, por não ofender em um ápice o Direito Sagrado do
seu Monarca.
E então, Senhor Discursista, parece-lhe entrar no plano da razão que
sendo Portugal nossa Metrópole, e unindo-nos Sua Majestade em só Povo,
tenha Portugal Constituição, e nós só os desejos dela? Os benefícios gerais
devem ser comuns a uma parte da Nação, e a outra não? As prerrogativas de
possuirmos há 13 anos a Casa Real no Brasil deve ceder em nosso dano? Logo
porque não terá o Brasil a mesma Constituição de Portugal, visto que, como
levamos dito, a Constituição não derroga à inteireza da Soberania? Sim, ela
não ofende a sua Majestade, regula somente o uso do seu Poder: E desejara
que me dissesse, em que se opõe a Constituição a que o Brasil não seja Império;
ou se indo Sua Majestade para Portugal deixará por isso de subir a essa gran-
deza? O Senhor Discursista não diz, que ele há de ser Império pela força das
coisas, e por circunstâncias dadas pela natureza, que são inauferíveis? Logo
há de ser Império, quer Sua Majestade vá para Portugal, quer não: e tanto
há de ser Senhor deste Império estando lá, como permanecendo aqui. Esta
segurança de estabilidade de domínio há de ser afiançada pela Constituição,
ainda mais do que pela força das coisas.
E não tema que se Ele for para Portugal, desça à classe de Potência
Europeia da terceira ordem; pelo contrário virá a ser da primeira: ficará em

138
um pé tão respeitoso, e formidável, que nem temerá ataques insuperáveis
da Espanha, nem para se conservar pacífico dará as mãos à palmatória de
Inglaterra. A Santa Constituição de nossos Irmãos da Europa dará à Nação
em ambos os Mundos uma grandeza, que ela nunca teve, e ao Nosso Amado
Rei uma glória incomparável. Isso são verdades derivadas da força das cosias,
mais claras do que a luz do Meio-Dia, e que só os sofismas do egoísmo não
respeitam. Como ficará o Nosso Amável Soberano dentro de poucos anos
confinado em Portugal, sem ter com que sustentar as despesas da sua Corte,
e a Majestade do Trono? Entre Portugueses já apareceu este fenômeno? O
Povo Português nada tem próprio quando o seu Rei necessita; e este sacrifí-
cio lhe confere tanta glória como prazer. Porém o Senhor Discursista ainda
não sonhou, que se Ele ficar no Brasil, abandonando Portugal, e rompendo
com ele para condescender com maus Conselheiros; correndo as coisas
como observamos, em breve não terá renda para suprir a essas necessidades,
que tanto lhe receia em Portugal? Veja que os milhões não são tantos, que
cheguem para os peculatos, e para Ele, não apele o Senhor Discursista para
os tributos; atenda muito a que o dinheiro vai a menos, e as necessidades
a mais. Na suposição, sempre falsa, de que na ausência de Sua Majestade
o Brasil sacudisse o jugo da Dominação, pensa o Senhor Discursista que os
Portugueses sem o Comércio desta Região não poderia viver? O Português é
naturalmente sóbrio, frugal, dotado de costumes graves, e austeros: acomoda-
-se a todas as circunstâncias sem desesperar, e tão contente está com a Mesa
do Vencedor de Aljubarrota como com as iguarias esquisitas de Sardanapalo.
A sua divisa apaixonada é esta: Panhis [sic], & liberté; contanto que lhe não
lancem grilhões, tudo vai bem.

Quarta Posição.
Passando à nossa quarta Proposição, nós a julgamos radicalmente
demonstrada, se temos chegado a provar a verdade da primeira, isto é, que
Portugal não pode absolutamente passar sem o Brasil. Com efeito o temor de
uma total separação de Portugal não pode deixar de ser um poderoso freio para
os Rebeldes, em seus projetos insensatos. É preciso que os Antesignanas não
somente afetem moderação, e a mais inteira reverência à Casa de Bragança;
porém é forçoso que a façam entrar realmente na sua conduta, sem o que
este entusiasmo factício, que tem reluzido no Povo depressa se desvaneceria
diante da ideia de uma ruptura completa com as Províncias do Ultramar. Os
Negociantes de Lisboa, e Porto têm lançado, diz-se, nos Cofres do Estado
dinheiro para ocorrer às suas necessidades. Tudo isto queremos acreditar; mas
como tinham eles ganhado esse dinheiro senão pelo Comércio do Brasil? Ora

139
pensa-se que estes mesmos Negociantes, hoje tão ardentes revolucionários,
não sentiriam afrouxar um pouco o seu zelo, se eles vissem fechar diante de si,
depois dos últimos acontecimentos, o caminho das riquezas, que lhes estava
tão amplamente aberto no Brasil? Sua Majestade não tem portanto mais do
que uma marcha para seguir para preservar os seus Vassalos da Europa dos
excessos demagógicos, onde os poderiam arrastar alguns facciosos, tanto mais
turbulentos quanto eles tivessem sem dúvida menos que perder e é fortificar
Sua Autoridade no Brasil. Que diferença se a Família Real se achasse em
Lisboa no centro do contágio, no meio dos facciosos, que não teriam daqui
em diante mais nada que atender! Quem ousaria neste caso fixar limites ao
espírito revolucionário, na essência do qual será sempre não reconhecer algum?
Não queremos demorar-nos mais tempo sobre esta ideia; abandonamo-la às
reflexões dos homens bem intencionados, que por falta de ter pensado nela
maduramente, poderiam ser do voto daqueles, que são de parecer que o Rei
volte para Portugal.

Resposta.
Como nunca provará que Portugal não pode absolutamente passar sem
o Brasil, cai por terra a verdade desta quarta Proposição. Senhor Discursista,
não pense que Portugal retardará a marcha dos seus projetos, ou deixará de
levá-los ao seu ultimatum com o temor de uma ruptura com o Brasil; nem
menos que professa, e proclama respeitoso amor ao seu Soberano com o
intuito de não enfraquecer o entusiasmo do Povo. O Português ama o seu Rei
sinceramente, e esta inclinação é congênita a todo o nosso Povo. Portanto ou
Sua Majestade vá para Portugal, ou fique no Brasil; ou este lhe vire as costas,
ou lhe mostre face risonha, para ele é o mesmo: contudo como é generoso
com todo o Mundo, muito particularmente se mostra tal com seus Irmãos
Americanos; ama-os, e está pronto para socorrê-los se se quiserem unir a ele.
Está o Senhor Discursista observando com o seu Telescópio de Herscher na
distância de duas mil léguas o Negociante Português chorando ao pé dos cofres
do Estado o dinheiro que neles lançou para subsídios da Pátria, na previsão
de lhe tirarem o Comércio do Brasil, aonde o ganhou. É infeliz o Senhor
Discursista nas suas visões! Se tivesse praticado igual ação, e lhe ocorresse a
ideia do mesmo risco, parece-me que reclamaria altamente com pranto a sua
oblação. Pois não vê bem: e supõe muito mal Portugal pediu empréstimo, e
achou doações, e ofertas generosas, e quem deu não se arrepende.
Supor que a Família Real se se achasse em Lisboa ao tempo da Revolução
seria ofendida no Seu Respeito, e Decoro, e que os Portugueses não teriam a
mais exata circunspecção, e acatamento na presença do Trono, é ser perverso

140
caluniador, e invectivar com faria de energúmeno. Produza exemplos, e não
arbitrárias, e malignas suposições, e ficaremos convencidos. Que diria o Senhor
Discursista, se visse os Deputados das Cortes de Lamego na presença do
Grande Afonso, ao tempo que este lhes pede vênia para ir às Cortes do Reino
de Leão, e pagar-lhe tributo, se visse, digo, levantarem-se em massa com as
espadas empunhadas, e dizerem ao Rei: Qui talia consencerit, moriatur, & si
Rex fuerit non regnet super nos.6 Exclamaria: rebelião, rebelião! Contudo os
Deputados das atuais Cortes de Portugal não imitariam em tais circunstâncias
o exemplo daqueles Padres Conscritos, e o Senhor Discursista os denomina
rebeldes. Fortifique pois Sua Majestade a Sua Autoridade no Brasil, mas não
julgue que isso retarda o voo da Constituição Portuguesa: ela caminha a
grandes passos, e não é o susto de ser alienado o Brasil da Metrópole quem
demora os seus progressos.

Quinta Proposição.
A quinta Proposição se liga à precedente. Com efeito, qual era a posi-
ção do desgraçado Luis XVI quando a Assembleia Nacional da França lhe
impunha a Constituição chamada de 1791? A mais deplorável, em que jamais
se achou uma Testa Coroada. Cativo no seu Palácio, cercado de guardas
inquietas, despojado de toda a espécie de autoridade, cotidianamente coberto
de ultrajes. Foi neste estado, que ele viu levantar-se o contrato social, que
devia ligá-lo ao Povo Francês, e que ele foi constrangido a jurar, posto que
um grande número das suas disposições ofendesse tanto o seu coração, como
a sua razão. Em Espanha quando as Cortes retiradas na Ilha de Leão discu-
tiam artigo por artigo a famosa Constituição de 1812, quem podia tomar a
defesa das mais justas prerrogativas da Coroa todas usurpadas, e destruídas
pelo espírito democrático, que presidiu a redação deste ato? Era Fernando
VII gemendo no cativeiro longe de seus Vassalos? Era por acaso o seu retrato
colocado na Sala das Cortes, e junto do qual se tinha a respeitosa atenção de
pôr duas guardas de Corpo, entretanto que se trabalhava sem descanso no
aniquilamento da Autoridade Real? Que vemos em Nápoles no momento da
revolução, que acaba de rebentar? Um Rei velho, e enfermo, surpreendido no
seu Palácio, oprimido por uma multidão de sediciosos, que o obrigam a jurar
um pacto social, que muito verossimilmente ele nunca tinha lido. Por toda a
parte a força democrática oprime Reis desarmados Mas quanto estão as coisas
em um estado bem diferente a respeito de Portugal! Os Rebeldes, que o têm
posto em desordem, não devem se esquecer que ele não é mais do que fração

6
Se alguém consentir nisso, morra; e se for Rei, não reine sobre nós.

141
de um vasto Império, cuja parte sem comparação a mais considerável, mais
rica, e mais poderosa ficou até hoje fiel ao Cetro Paternal de João VI. Não é
pois da sua competência fadar a Lei ao seu Soberano, mas recebê-la dele. Os
facciosos não estão no caso de oprimir, ameaçar, forçar a mão, coisas estas,
que eles entendem maravilhosamente; mas de tratar, e suplicar. E é quando Sua
Majestade se acha em uma semelhante posição, que se lhe poderia aconselhar
o abandonar o Brasil para se ir pôr em Lisboa à discrição dos demagogos!!
Eis aqui aberrações do entendimento, que custam a compreender.

Resposta.
É constante que a França não tratou respeitosamente Luis XVI; mas
que quer concluir daí o Senhor Discursista? Porventura quererá fazer os
Portugueses responsáveis do procedimento dos outros? O que se pergunta é:
Se Portugal na proclamação da sua Constituição, ou na sua redação se porta-
ria como a França tendo Sua Majestade presente a este Ato? Quem conhece
o caráter do Povo Português, e não tem empenho em invectivar contra ele,
não duvida defender a negativa. E que repetidas instâncias não fez Portugal
depois da paz geral para Sua Majestade voltar ao Reino! Que mensagens
lhe não enviou! Que patéticas falas lhe fez ouvir! Porém Sua Majestade não
foi servida prestar-se aos seus votos: e talvez a sua ausência desse motivo
urgentíssimo para esta nova ordem de coisas. Não é pois a revolução de
Portugal obra da Democracia; mas efeito necessário de repetidas vexações da
Regência, vexações de toda a espécie, que pouco a pouco foram apurando a
paciência até enfim procurar remédio para atalhar a carreira de nossos males.
Não lançamos contudo a mão a remédios exóticos desconhecidos entre nós,
porém lembramo-nos de suscitar aquela forma de governo, que presidiu a
ereção da Monarquia, e debaixo do qual fomos sempre felizes: isto, Senhor
Discursista, não é ser rebelde, é ser fiel aos costumes pátrios consagrados
pelo Rei, e pela Nação.
Conhecemos que a muitos é ingrato, e desabrido este remédio, porque os
cura de moléstias, que tinham interesse em conservar; porém os que desejam
uma saúde perfeita, e total restabelecimento, acham nele as suas delícias.
Desta contrariedade de vontades nasce haverem conselhos tão desastrosos,
como o que contém este folheto, que se El Rei Nosso Senhor o abraçar dará
grande perda à Monarquia, e muito ilustre a Sua Real Pessoa. Senhor, lance
para longe estes Conselheiros de Roboão que só consultam o seu interesse, e
incensam com o turíbulo da lisonja: ouça os Daniéis, que com fidelidade, e

142
desinteresse lhe dizem: Ne erret Rex.7 Estes Daniéis, que ainda perseguidos
pelos Sátrapas, e entre as garras dos Leões não desamparam a Causa da
verdade, e da justiça.

Sexta Proposição.
A Sexta Proposição deriva-se naturalmente da situação política atual da
Europa. Ela é tal que os mais desenfreados facciosos são obrigados a protes-
tar altamente a sua sincera adesão às Dinastias legítimas. É por esta marcha
hábil que eles tiram à grande Confederação Europeia o direito aparente de se
ingerir no que eles chamam seus negócios domésticos, isto é, de suspender o
seu voo revolucionário. Os facciosos de Nápoles têm oferecidos neste gênero
um modelo perfeito, que os de Portugal não deixarão de seguir. É pois um vão
fantasma o medo, que se nos quer incutir da ereção de outra Família sobre
o Trono de Portugal. Os Revolucionários não somente não podem deixar a
Família de Bragança, mas até mesmo estamos persuadidos de que não querem.
Não porque acreditemos na sua adesão afetuosa ao Monarca legítimo, virtude
incompatível com o caráter de revolucionário radical; mas porque eles sabem
muito bem que a massa do Povo está imbuída deste respeito de tradição para
a Família reinante; e por outra parte não têm algum interesse em ofender um
sentimento tão geral. Com efeito, que importa aos Constitucionais a Família
que se há de assentar sobre o Trono, quando as suas instituições aniquilam
o Poder Real, e fazem dos Monarcas outras tantas máquinas para assinar,
próprias somente para fazer marchar a sua administração? Não se pode pois
temer racionalmente uma mudança de Dinastia em Portugal, a qual por outro
lado encontraria a desaprovação das grandes Potências Europeias. Além disso
também se não pode temer uma Reunião de Portugal à Espanha; porque esta
reunião acharia sempre um obstáculo invencível na antipatia nacional, que
prevaleceria sempre sobre todos os entusiasmo do momento, e impediria que
se não efetuasse uma verdadeira incorporação entre os dois Povos. Por outra
parte esta Reunião à Espanha ofenderia certamente a grande confederação
Europeia, ainda mais do que uma mudança de Dinastia. Deixemos pois
de imaginar que os Revolucionários sejam assaz loucos para pensar nisto
seriamente.
Em consequência cremos firmemente que no estado atual das coisas o Rei
nada pode perder em temporizar com os seus Vassalos de Portugal, esperando
os acontecimentos, e as resoluções do Congresso de Troppau. Tudo o que
neste momento deve ocupar Sua Majestade, e ocupá-lo seriamente é certificar

Que o Rei não erre.


7

143
a sua Autoridade no Brasil, e pô-la ao abrigo dos ataques dos Revolucionários
quer da Europa, quer da América.
Acabamos de demonstrar sucintamente, mas quanto ao nosso parecer
de um modo satisfatório, a verdade das seis Proposições, que formam a base
deste escrito. Não temos dado seguramente aos nossos raciocínios toda a
extensão, de que eles seriam suscetíveis; mas temos contudo dito bastante
para convencer os homens sensatos, e de boa fé, que a questão: Se o Rei deve
voltar a Portugal? não pode ser resolvida senão pela negativa. Isto é tanto da
nossa íntima persuasão que julgamos sinceramente, que se Sua Majestade se
tivesse achado em Lisboa no tempo da insurreição do Porto, ela teria obrado
muito sabiamente no momento, em que o triunfo dos facciosos se tivesse
verificado de se embarcar com toda a sua Família para o Brasil, e vir fixar
nele o Assento do Seu Governo. Julgue-se depois disto se podemos unir-nos
ao voto daqueles, que nas circunstâncias atuais aconselham o seu regresso
para Portugal.
Toda a Europa ficou transportada de admiração quando o Rei entre o
mar, e a necessidade de submeter a sua Política aos caprichos do Opressor das
Nações, embarcou na sua Esquadra, abandonou o antigo Berço da Monarquia
Portuguesa, a terra, que o tinha visto nascer, os Túmulos de Seus Pais, e veio
fundar no meio da América Meridional este Império do Brasil, que tão altos
destinos esperam. Que diria agora esta mesma Europa vendo Sua Majestade,
depois de uma residência de treze anos nesta magnífica Região, abandoná-la
quando a tempestade revolucionária troveja ao redor dela, e está escondida
no seu seio: Quando a presença do seu Monarca no meio dela lhe é demais
necessária do que nunca? Não tememos afirmar, que murmúrios reprovadores
sucederiam ao concerto de louvores, que até hoje se tem ouvido.
Eis aqui nossa sincera opinião sobre a matéria, que nos ocupa. Julgamos
que ela merece alguma consideração, primeiramente porque conhecemos
Portugal há longo tempo, e sabemos apreciar seus verdadeiros interesses;
depois disso porque não tendo nascido nem no Brasil, nem em Portugal, o
nosso juízo sobre esta questão importante não pode ser falsificado por algum
prejuízo seja de localidade, seja de educação.

Resposta.
Tem muita razão quem diz que o homem se retrata nos seus escritos.
Pelo que tenho visto o Senhor Discursista sabe pintar de perspectiva, agigantar
átomos, e manejar a intriga: certamente há de ser feliz no meio desses altos
destinos, que esperam o Brasil; mas não deseje que se ache nessa guerra
universal marítima, que há de desolar o Mundo inteiro, porque pode faltar

144
a este Império um gênio de tão alta importância para promover a sua gran-
deza. Rogo-lhe porém que não use entre nós de linguagem francesa em seus
luminosos escritos, nem negue a Pátria, porque sabe perfeitamente que nem
todos os Portugueses têm juízo sólido, nem só os Franceses dizem frioleiras.
Por mais que se oculte, sempre o descobrem, porque está em um País onde
o segredo anda ao lado do Cometa de Gassendi. Vamos a finalizar a tarefa.
Já disse ao Senhor Discursista, que Portugal não sabe fingir respeito para
o seu Rei; e portanto se protestamos adesão à Dinastia do Nosso Augusto
Soberano, é porque realmente o amamos, e não por temor da palmatória
Britânica: quem tem as mãos calejadas das armas não tem medo de bolos.
Do mesmo modo não pretendemos evadir-nos com este protesto de amor,
e de respeito a nossa Casa Real, da agressão da Confederação Europeia.
Estamos muito fixos que as Nações civilizadas conhecem ser contra o Direito
das Gentes ingerir-se nos arranjos internos dos Estados, ou nas suas conten-
das intestinas, quando não afetam os Governos de fora. Suíça, Holanda,
Inglaterra, e outras, quando quiseram reformar os seus negócios domésticos,
não experimentaram contradição de Potência estranha; e se hoje quiserem
fazer alguma mudança, gozarão da mesma independência. Lisonjeia-me muito
o dizer que Portugal não quer outra Dinastia assentada no seu Trono senão
a de Bragança: é verdade puríssima; porém isto acontece pelos motivos, que
o Senhor Discursista não acredita, e não por medo da tal Confederação. O
Português não teme, nem cede nada por força; olha para a morte a sangue
frio, e vê abrir as entranhas com riso; ou há de acabar, ou vencer, e não tem
meio. Todo o Mundo é testemunha deste heroísmo.
Essa reunião à Espanha é sonho desesperado, e só em desesperação se
poderá verificar. Diga o tal Congresso de Troppau o que bem lhe parecer;
já estamos emancipados, e renunciamos à tutoria: roguem, supliquem muito
embora a essas grandes Potências, que atropelando os mais Sagrados direitos,
venham como os Godos destruir-nos, e tirar-nos a Constituição; poderão levá-
-la, mas há de ser arrancando-a do coração do último Português. Fiquemos
nisto, Senhor Discursista, e a experiência o mostrará. Ela mesma dará teste-
munho dos péssimos efeitos da doutrina do seu folheto, se Sua Majestade se
deixar guiar por ela.
Tratou sucintamente a demonstração das suas seis Proposições para
resolver pela parte negativa a questão: Se o Rei deve voltar a Portugal? e eu
também sucintamente demonstrei que não há senão absurdo, e falsidade nos
seus raciocínios, e que todo o aparato do seu Discurso é brinco de imaginação,
e sonhos aéreos. Acrescento só que Sua Majestade deve mandar por honra da
Nação, de quem é Pai, cancelar este folheto para que os Estrangeiros nos não

145
lancem em rosto que um Português escreveu, e imprimiu um Libelo infame
contra si mesmo, que o argui sem réplica inimigo do Rei; e da Pátria. Se algum
me fizer esta exprobração, eu respondo-lhe com a epígrafe: Vir imprudens,
& errans cogitat stulta.8
Senhor Discursista, não seja tão estranho aos sentimentos mais vivos
do coração humano. Diga a El Rei Nosso Senhor que volte para o Berço
da Monarquia, para a terra, que o viu nascer; que vá visitar os veneráveis
Túmulos de Seus Augustos Avós, e sobretudo consolar as saudades, e limpar
as lágrimas de seus fiéis Vassalos. Que se contemple no meio deles como o
Ínclito Afonso Primeiro subscrevendo as determinações da Nação, e jurando
a Constituição para paz de seus Reinos, e consolação de seus amantíssimos
filhos. Dê este saudável conselho, e a Nação Portuguesa lhe consagrará tantos
louvores, quanto ao seu obscuro folheto merece de vitupérios.

FIM

8
O homem imprudente e errante pensa tolices. Eclesiastes, 16:23.

146
11

GENIO CONSTITUCIONAL.
Uma Constituição é um ato de união, que determina as recíprocas
relações do Monarca e do Povo, indicando-lhes os meios de se conser-
varem, de se apoiarem, e de se auxiliarem mutuamente.
B. Constant. Cours de Politique.

PORTO: TERÇA FEIRA 14 DE NOVEMBRO.

Aproxima-se o momento, em que a felicidade geral da Nação Portuguesa


dependerá do livre arbítrio de cada um dos seus indivíduos: Deputados
livremente eleitos formarão a Constituição política do Estado; e esta fixará
nossos destinos. A eleição de Deputados para o Congresso Nacional será em
todas as épocas um objeto digno de madura discussão: na crise atual todas as
ponderações, todas as experiências, e todas as provas serão apenas suficientes.
Depois de sete séculos de monarquia, os Cidadãos, que forem eleitos, serão os
Primeiros Deputados da Nação. Devolveram tantas eras, sem que os Ilustres
Portugueses lidassem, senão para cingir louros; sendo o Monarca seu Paisano,
a Pátria também era seu único Ídolo: conquistaram glória externa, mas foram
despojados, ao mesmo tempo, da liberdade social, e dos direitos civis. Ausente
o Rei, eles abandonados ao império das paixões autorizadas, profanado por
mãos sórdidas o Santuário das Leis, vedado o caminho do trono à verdade,
e à justiça, ofuscando o Cetro pelas infernais trevas da lisonja, da intriga, e
da ambição, maculada a Honra Nacional por empregados públicos, que não
conheciam honra, e mofado o Nome Português, até pelos estrangeiros, que
se estremavam mais em apurar os sofrimentos do Povo oprimido; este Povo
voltou os olhos ao redor de si, e quando parou nas bordas do fundo abismo
reconheceu a justiça dos direitos, de que estava espoliado, e a quantidade de
forças, que lhe restava para os recobrar = Nós somos livres, Independentes,
e Senhores = foi o grito dos Portugueses = Cortes, e Constituição. Eis aqui as
vozes, que fizeram eco por todo o Portugal.

147
Mas quanto chegou tarde a madrugada do luminoso dia, que acordou a
Nação Portuguesa, adormecida sobre o catálogo dos seus Soberanos direitos!
O despotismo, fautor da ignorância, tinha condenado o Povo a ser escravo
desta filha das trevas, que distendia seu império de geração em geração. Agora
necessário é, que a maior parte da Nação seja instruída novamente sobre arti-
gos, que deviam formar a doutrina primitiva do Cidadão Português. A maior
porção do Povo certamente ignora o que é um Deputado de Cortes. Ainda que
os privilégios do nosso estado nos atribuem [sic] outra ordem, contudo nós
respeitamos o Povo, porque pertencemos ao Povo; e por isso queremos ensi-
nar esta parte mais numerosa da Nação, sem dúvida a menos instruída, mas
também a menos viciada; a mais laboriosa, e aquela que aparece mais pobre
no ato de exercitar a sua Soberania. O Povo aprenda o que é um Deputado,
a fim de que saiba dar a importância devida aos seus votos, e eleições.
“O Deputado de Cortes é um Cidadão, que vós livremente escolheis, e
autorizais para destruir todos os males, que tendes padecido, e remediar as
vossas necessidades, e precisões; ele é nomeado para fazer as boas leis, por que
vós quereis ser governados, e renovar todos os bons usos, e costumes, donde
vinha o sossego e abundância dos nossos antepassados. Os Deputados serão
os vossos representantes e os vossos procuradores, se dignos os escolherdes,
sereis bem representados, e bem procurados serão os vossos negócios: vede
que a esses homens entregais vós, todos os vossos direitos, a segurança das
vossas pessoas e propriedades, a vossa felicidade, e a dos vossos vindouros,
vossas liberdades civis, todos os vossos interesses adventícios. A escolha será
livre: portanto a boa Constituição depende de quererdes vós ser senhores da
vossa liberdade um só momento na vida. O momento é aquele de votar. Sabeis
o que é ser Deputado: isto é, que poderes lhes dais; deveis pois escolhê-lo,
como quem escolhe um homem, para lhe entregar os tesouros, mais preciosos,
que possuis: pesai em vossa consciência a sua probidade, ciência, caráter, e
conduta.
Estes Deputados das próximas Cortes têm de fazer nossa Constituição: a
Constituição será um livro pequeno; mas virão nela realizados todos os vossos
desejos para o bem, destruídos os motivos dos vossos sofrimentos, estampados
os vossos direitos, e regulados para todo o tempo os vossos interesses: se os
vossos Deputados forem capazes de cumprir seus deveres, a Constituição vos
dirá: Que não sofrereis mais pena alguma de lei, sem a ter merecido, que o
nosso Rei não poderá exercitar sobre nós outros poderes, além daqueles, que
ora lhe conferirem os Deputados; serão estes Deputados, que hão de arbitrar
os tributos, que vós houverdes de pagar; como estabelecer as Leis, segundo
as quais os Ministros hão de administrar-vos justiça; e o Ministro, que não
vos fizer boa justiça, será disso responsável aos vossos Deputados.

148
A Constituição é formada para proteger a nossa Santa Religião, vigiar a
observância da Moral, e da Doutrina, que professamos; para defender o Nosso
bom Rei, e a sua Augusta Descendência; porque é justo, que conservemos os
feitos de nossos antepassados, que deram o Trono de Portugal à Família de
Bragança; a Constituição há de regular a educação pública, a instrução do
Povo, a boa Administração do nosso Erário, para que não sejam roubadas as
Rendas do Estado, sobrecarregada a Nação de Contribuições. Portanto pensai
bem, antes da vossa escolha: é possível, que, apesar de todos os exames, não
seja acertado o vosso voto; porém ao menos errai com liberdade, e segundo
vos ditar a vossa consciência, de maneira, que possais dizer em todo o tempo,
que votastes convencidos da capacidade do Deputado. Se o não fizerdes
assim, todos os males, que vierem à Religião, e contra os bons costumes, por
defeitos da Constituição; a ruína que sobrevier à Lavoura, ao Comércio, à
Indústria, às Fábricas, e aos Ofícios, os danos causados às Pessoas, e direitos
de propriedades, procedendo da má Constituição, tudo vos será imputado
diante de Deus, e dos homens, porque reclamastes os vossos direitos, para
abusar deles.
Os Deputados das Cortes levarão consigo a vossa felicidade, ou a vossa
desgraça, a felicidade, ou desgraça de vossos filhos, por isso a escolha seja
toda vossa: não deis ouvidos às sugestões dos ricos, e dos poderosos: lembrai-
-vos, de que há certas classes na Sociedade, muito interessadas, em que não
seja boa a Constituição; porque uns querem continuar a viver debaixo do
manto da Religião, para terem respeitos, regalos, e Privilégios, quando a nossa
Religião amaldiçoa a ociosidade, e a inépcia; outros não querem perder a
posse de atropelar as Leis, enganar o Rei, e sustentar faustos, e caprichos, à
custa da vossa liberdade, dos vossos bens, e do vosso suor; todos estes hão de
induzir-vos agora, a que deis voto neles empregando afagos, promessas, e até
ameaças; porém desprezai estas infames seduções, de que se serve a baixeza
dos grandes, quando depende do honrado Povo; seu fim deles é conservar-vos
os grilhões, e talvez engrossá-los mais fortemente. Seja a vossa consciência
a que deite o voto; e antes disso o vosso olho não veja, senão merecimento,
e virtude; os títulos os carachaz [crachás], as togas, as vestes do culto, são
nada diante do mais ínfimo Cidadão, quando este vai falar com Deus para
salvar a Pátria. Fazei bom uso da vossa Soberania desta vez, a fim de que
continueis a usar dela todos os anos; mas se neste voto fôreis traidores a vós
mesmos, nunca mais sereis Cidadãos livres, nem vós, nem vossos vindouros.
Vós sabeis, que as dignidades, e distinções civis, não têm sido concedidas,
a quem justamente as merecia, mas sim àqueles, que tinham poderosos vali-
mentos, ou grandes fortunas: raríssimas vezes a Graça veio coroar a justiça; e
mui raras vezes os grandes lugares foram ocupados pelo mérito, e pela virtude:

149
por isso não vos deixeis fascinar do falso brilho das dignidades, ou privilégios,
percorrei as classes desde a alta nobreza até à do inferior artífice, procurai
nelas indistintamente o Cidadão amigo da Religião, e da Pátria, e que possua
a necessária firmeza de caráter para ser útil à Pátria, e à Religião: onde ele
existir publicai o seu ume, e dai-lhe o voto. Muitas coisas vereis, e mui judi-
ciosamente escritas sobre os dotes necessários no elegendo: mas neste papel
vereis estampadas as qualidades, que fazem o Cidadão inábil para ser eleito.
I. Todo o Português, que se tenha servido da autoridade, ou da sua
representação pública, para oprimir o povo indefeso, ou para infringir as leis
da justiça não é capaz de ser Deputado. II. Todo o Português, cujos interes-
ses, e representação dependiam do antigo sistema de Governo; se não tiver
dado decisivas provas de preferir a igualdade dos direitos do povo, a todas
as considerações pessoais, não deve ser Deputado. III. Todo o Português, que
foi empregado pelo Rei, para dirigir a grande administração pública, e não
somente, não resistiu às muitas vexações, que tendes sofrido, mas consentiu
perseguições, e injustiças, manifestamente praticadas à face da Nação, não tem
caráter para Deputado. IV. Todo o Português, que se haja declarado publi-
camente, Patrono de alguma coisa injusta, e opressor do Cidadão desvalido
é inimigo da humanidade, da Religião, e justiça, ou pelos menos indiferente
a estes sagrados objetos; não deve ser Deputado. V. Todo o Português, que
por palavra, ou por escrito se opôs ao Direito comum da Nação, pugnando
pelas antigas Cortes ilusórias, atribuindo-lhes falsamente legitimidade de
representação nacional; não deve ser Deputado. VI. Todo o Português, que
pedir o vosso voto, não é digno.
Portugueses, se quereis sustentar os Direitos da vossa Soberania, cumpri
vossos deveres na eleição dos Deputados, consultando somente as necessidades
da Pátria. A Europa tem os olhos voltados sobre nós, a ver se sabemos aper-
feiçoar a obra da nossa Regeneração política, começada tão heroicamente.
Elegei Deputados, para estes nos darem uma Constituição justa, e liberal,
que seja a admiração das Nações Europeias, que faça constantemente feliz
Portugal, e não provoque sobre a geração presente as maldições dos vindouros.

REIMPRESSO NO RIO DE JANEIRO. NA TYPOGRAPHIA REAL.


1821.
Com Licença.
_____________________________________________________________
Vende-se na loja de Manoel Joaquim da Silva Porto, a 80 réis.

150
12

JÁ FUI
CARCUNDA,
OU
A ZANGA
DOS
PERIODICOS.

Quem não quer ser lobo, não lhe veste a pelle.


Adagio Portug.

LISBOA.

Na Officina da Viuva de Lino da Silva Godinho.


Anno de 1821.

Com Licença da Commissão de Censura.

151
JÁ FUI CARCUNDA.

Na época em que tudo anuncia uma futura felicidade, a liberdade do


Cidadão, e a independência; não sei por que fatalidade os homens de letras se
têm desorientado a ponto, de quererem fazer de Portugal a casa dos Doidos.
Nunca em Portugal se escreveu tanto, e tão futilmente: nunca se viram tão
estouvados Escritores, que acinte querem que a Nação se volva um modelo
de ignorantes produções, e objeto de motejo para o resto do Mundo. Parece
que alguns desses espíritos malfazejos se apoderaram das cachimônias dos
tais Escritores, para nos zangar com um enxame de Impressos, mais preju-
diciais do que a Peste.
Com efeito, os Periódicos que saem todos os dias são mais suficientes
para sortir doze Fábricas de mechas, não deixando o mesmo Mechas de ter o
seu Periodiqueiro. Porém ainda aqui não para a tal zanguinha, nem o frenesi
dos Escritores. Um deles, também zangado da virtude inata do Santo Borel,
e mais zangado ainda de pertencer ao país da alfarroba, tinge-se de branco;
e não podendo suportar as chocas do Fonseca, embirra com os vestidos
talares, e aparece com as Memórias, em que muda o fardamento por onde
se distingue o Regular do Secular, declarando ódio até aos Frades da Rua
Augusta, e isto, porque lhe dão o nome de Frades. Outro, feito Compadre,
sem constar da Freguesia, que teve afilhado, zanga com o opaco globo o
Astro, que não quer outro sacrifício, que dois manípulos de erva, arrumando-
-nos pelas ventas com o Zenda-Vesta, mui parecido com José da Vesta, e que
julgou ter ganhado muito em pôr na língua vulgar as ideias do Franchinote
de Ferney, e seus colegas. Finalmente, Compadres, Comadres, Periodiqueiros,
Exorcistas, Razão e mais nada, Razão e mais Razão, Barbeiros, Artistas,
Acólitos, Contágios etc. etc. e outros escritores de igual estofa, têm empestado
a Nação, reduzindo-a a uma verdadeira Torre de Babel.
Bem conheço que o sórdido interesse é quem dirige estes Escritores, e
que o povo, que nem todo pode ir ao teatro, se diverte com os tais Bufões
por pouco dinheiro. Porém não posso levar à paciência, que alguns dos
tais Escritores, podendo ser úteis à Nação, tenham adotado a chocarrice
para falarem em objetos tão sérios, como os de que se tratam atualmente.
Ora, que utilidade tira a Nação em saber que tal Periodiqueiro podia este

152
ano entrar na casa dos vinte e quatro, e sair Muito Honrado, quando ele
já era Periodiqueiro quando saiu o mais antigo do seu Ofício? Que outro
Periodiqueiro devia fazer Cadeiras, que o Exorcista foi a Povos etc. etc.? É
inegável que a multiplicidade de tais Folhetos, só prova o grande número de
ociosos, o imenso número de Corcundas, e o estado em que está a Nação,
ou a instrução pública, pois que vemos com tanto frenesi darem extração a
quantas ridicularias podem inventar as cabeças esquentadas.
Ora, à medida que se multiplicam tais Folhetos, e tais Periódicos, os
costumes se corrompem, e os ódios se multiplicam. Para prova disto, basta
dizer, que, se um Periodiqueiro é citado, porque inseriu uma carta; este
mesmo Periodiqueiro cita, e escreve contra outro porque exorcismou o seu
Periódico. Após tais chicanas, vêm as chufas, os ódios, o ridículo, de que se
cobrem tais Escritores, e suas obras.
Nunca o Autor do Hospital do Mundo teve objeto mais amplo para
compor o Hospital dos Doidos. Só este velho Autor, popular, com sua costu-
mada feição, é capaz de achincalhar este aluvião de maníacos Escritores,
que fazem gemer todas as Prensas de Lisboa com ninharias, ou impropérios,
chufas, e atacadores sarcasmos; ao mesmo tempo que não há uma Prensa livre
onde se imprimam obras sérias, donde os Portugueses podiam tirar alguma
vantagem. Que vergonha não é para os nossos Periodiqueiros, as Folhas de
Espanha, bem como o Universal, a Miscelania, o Jornal dos Debates? Que
Folhetos, cheios de erudição, e de ideias análogas às nossas circunstâncias,
não se imprimem continuamente em Espanha? Com que força de raciocínios,
de argumentos, e de provas não sustentam a opinião? Que planos não foram
dados aos Representantes da Nação, concorrendo desta maneira para a
felicidade da sua Pátria? Que Folhetos de instrução para a juventude? Seria
o nunca acabar, se quiséramos enumerar as obras úteis que a Espanha tem
produzido desde a época da sua liberdade; é nesta Nação briosa, que se tem
desenvolvido o verdadeiro amor da Pátria, e da Independência, pois que não
há um só Escritor, que pelos seus trabalhos, e vigílias não tenha concorrido
para ilustrar seus Concidadãos. Parece que nossos Escritores estão em linha
de oposição com os Autores Espanhóis, tendo a defender a mesma causa.
Parece mesmo, que o peso de uma Corcunda, igual ao Zimbório de Mafra,
tem-nos desviado do norte que devia dirigir suas penas, para se abismarem
no país dos Macacos, e nas ideias Targinicas, únicos meios de fazerem que
os povos não leiam aquelas obras, que as pode elucidar nos seus verdadei-
ros direitos, liberdades, e isenções; e mostrar-lhes que Troppas [Troppau],
e Laybaches, de que tanto se fala, só podem assustar as cabeças tão ocas
como o Zimbório do Convento Novo, ou dos Corcundas. À vista disto, que

153
homem haverá tão pachorrento, que não se Zangue de tantos Periodiqueiros,
e tantos Folhetinhos? Porventura a nova ordem de coisas, não oferecerá às
caveiras de tantos Escritores, objetos dignos de suas meditações? E se não
têm cabedal para tanto, por que não deixam livres as Prensas? Eu bem sei que
nem tudo é para todos, nem todos são para tudo; e eis porque vemos maus
Escritores, ou copistas dos Avisos dirigidos aos Tribunais, os que, se não
fugissem da órbita que a providência lhe destinou, seriam bons Pasteleiros,
excelentes Alfaiates, hábeis Carpinteiros, e até bons Gregos. Mas, para tudo
isto é preciso dar anos ao Ofício, aturar Mestres, e às vezes a rabugenta da
Mestra; o que não sucede a todos os nossos atuais Periodiqueiros. Alguns
há, que se destinaram às letras, e os quais, em lugar de insulsos Periódicos,
deviam lançar Mão de uma obra digna do saber, que tanto nos quer vender,
e a qual lhe daria crédito, e mesmo daquilo com que se compram os melões;
porém que sucede? Deixarem-se conduzir pela mania popular, adotarem o
método dos Charlatões, entulharem as tendas de Periódicos, e fazerem que
o papel subisse de preço. E não é isto Zanga? Eu mesmo, que não costumo
zangar-me pelo que dizem, ou fazem os outros, não me pude conter que
não escrevesse contra tais abusos do humano entendimento, e mesmo da
paciência Nacional.
Parece-me já ouvir gritar de todos os lados: Quem será este Novo, que
tem a audácia de desaprovar nossas luminosas Folhas? Onde se poderá
ocultar, ou debaixo de que forma se evadirá a nossa sublima crítica?
Periodiqueiros e Folhetistas, todo o fel da vossa maledicência, toda a vossa
acrimônia, acabará de provar a inutilidade de vossos escritos, e que eles são
uma dessas pragas que nos zanga a toda a hora, e de que o povo não tira,
nem o arrependimento de seus antigos erros, nem a instrução de que tanto
necessita. Deixai-vos de escrever Exorcismos, e Acólitos, e outros que tais;
aplicai-vos a coisas sérias; prestai-vos à Pátria, e então provareis que não
sois Corcundas.

F I M.

154
13

A JORNADA DO EXORCISTA,
DESDE VILLA FRANCA,
ATÉ LISBOA,
Descripta por hum Andador das Almas da Freguezia d’
Alhandra, que na estrada encontrou; e este compadecido
delle o acompanhou.
E a discripção do Cura de Póvos, sobre o Relatorio do que lhe
contou o seu Sacristão, dos desastres acontecidos na Jornada
ao Exorcista.

Part. II.

__________________________________
Pelas longas orelhas que apparecem,
O disfarçado burro se conhece.
Bocage.
__________________________________
LISBOA:
NA NOVA IMPRESSÃO DA VIUVA NEVES, E FILHOS.
________________
ANNO DE 1821.

Com licença da Commissão da Censura.

155
DESCRIÇÃO DO CURA DE POVOS,
QUE SERVE DE DOCUMENTO PARA A HISTÓRIA.

Como posso eu daqui em diante acreditar, que o homem sábio só se


ocupa, e emprega em coisas úteis, e proveitosas à sociedade; para, como o
luminoso facho da mesma sabedoria, ilustrar a ignorância e manter a ordem
social; fazendo-a conter debaixo dos marcados limites da honra, e do dever
da fraternidade do amor do próximo.
Que desgraça! Eu a lamento! Pois o sábio mais que tudo, tem a olhar
ao seu decoro, e reputação pública, para que esta não se veja manchada pela
crítica mordacidade do egoísmo, e da vã Filosofia do século; em a qual o
Libertino parece querer imperar. Que ocasião tão oportuna para a verda-
deira Sabedoria Evangélica, ser ditada com zelo Apostólico pelos Ministros
do mesmo Evangelho: sei que a regeneração feliz da nossa cara Pátria, esta
não pode jamais deixar de ser guiada, pelos sagrados auspícios da Religião,
e que esta tem progredido, exaltando a mesma Religião. Mas contudo, uma
liberdade mal entendida, de falar, pensar, escrever, e obrar, podem alguns
servirem-se destas ferinas Armas para a denegrirem, e fazerem assim por
espalhar perniciosas ideias em muitos, que ainda bem não sabem, os princi-
pais dogmas da nossa Santa Religião, nem os conhecem, e já a combatem; só
por ouvir discorrer, e falar o ímpio, e incauto Libertino. Logo julgo muito
a propósito, que o sábio, caracterizado pela mesma Religião; no estado
Eclesiástico, tanto Secular, como Regular, que estes empreguem seus escritos
a benefício da Religião, e da Causa comum da Nação, e não a bem de seus
particulares interesses; algo, a que só despedem a seta, quando se julgam
atacados, mostrando assim muitos, o pouco apreço que eles fazem da mesma
Religião, que são obrigados a manter, não só com a doutrina, mas ainda mais
com o seu exemplo.
Queixa-se este Arvorado Exorcista da profusão da muita escrita dos
Periódicos, e Periodiqueiros que tem havido em Lisboa, depois que o grito
de uma bem entendida Liberdade fez arvorar o Estandarte dos direitos da
Nação; a este grito se levanta aquele, que o Despotismo imperiosamente

156
tinha derrubado, e não tendo por ora outro desafogo, pega na pena escreve,
e desenvolve suas ideias, e as apresenta à Nação; ele queixa-se das violên-
cias da Magistratura, que o desgraçaram, e a sua família, e faz pela escrita
conhecer os perigos, e desumanidades em que jaziam os Povos Portugueses,
sujeitos todos ao poder arbitrário de tantos Vândalos, que imperavam
sobre a nossa sorte, vidas, e honras; pela Liberdade destes Periodiqueiros
se descobrem segredos ocultos, em que a nossa mesma Regeneração podia
perigar, e vai intimidar ao Servil, e Corcunda, para que as suas ideias se não
possam espalhar em contrário a nossa civil Liberdade. Quem privou ao sábio
que não escrevesse para ilustrar melhor a Nação, do que esses esfomeados
Periodiqueiros que fizeram a aluvião de Periódicos, que nada dizem a favor
da Corcundajem, e do Servilismo? Quem, a esperança em que eles muitos
estavam, de verem se a marcha dos negócios, retrocedia outra vez para a
mesma escravidão, e Despotismo.
Com que, Senhor Exorcista, desafogue agora também, faça-lhe
Exorcismos, já que a suas Preces não foram escutadas, deite-lhe esse cordão
treplicado, aperte-o bem, assim como Vossa mercê desejaria ver apertados,
pelos Beleguins de quem fala, os pulsos daqueles, que têm concorrido para
o bem da Nação. Olha que eu sou o Cura dos Povos, e não é como se diz.
Vossa mercê, Senhor Exorcista, quando vai para o Púlpito arvorado, então é
que lá os faz, e batiza como bem lhe tocam: se os Periodistas traduzem falso,
o que vem em outros Periódicos Estrangeiros, também um Pregador muitas
vezes na Cadeira da verdade terá dito, que o Apóstolo Santa Clara, é filho
da Virgem São Bartolomeu; e todos então estão mudos para lhe responder.
Mas agora assento que não vai bem, olha que donde se não esperam as coisas
daí é que elas vêm, e quem tem, como diz, pesquisado o Mundo miúdo, não
pensa assim: eu se intentasse fazer-lhe um pequeno opúsculo, segundo o que
o meu rapaz me contou do sucesso da sua jornada, e o que a ela o moveu
para ser Exorcista, talvez ficasse sabendo quem era o Cura cá de Povos, que
mui bem o conhece; porém como vai de jornada, há de ter mais algum que
melhor o favoreça, e ajude pela estrada; repare nas Pragas do Egito, olhe
não lhe caiam todas; porque muitas também caem sem se sentir, e vem como
diz, dos Arsenais da Ira Celeste; (que douta expressão, e que bem analisado
Tema!) Concluo por não ser oportuna a minha frágil, e débil descrição, da
qual o público poucos documentos dela poderá tirar; porém sempre lhe digo,
que mais pode, na presente crise, ilustrar um verdadeiro gênio Patriótico,
com conhecimento dos males da Nação, do que as pirrônicas sabedorias de
hipócritas, inculcadas por eles, e não seguidas, e que nunca souberam servir-
-se dela para manejar sua pena, nem a bem da Religião, nem do Estado, nem

157
da Nação. A sabedoria, a ciência, é sempre comunicada aos ignorantes, por
maneiras dóceis, que insinuem, e não por ataques positivos que estimulam,
e desafiam a boa moral, para a mesma ignorância se ver sempre precipitada
no erro, e amando a mordacidade, e a crítica, desprezando a sã moral: tais
são os frutos dos escritos de alguns, que o vulgo quer por força que sejam
científicos, vivendo estes ainda tão retirados da verdadeira sabedoria, cuja
grande Heroína, até duvida em tais Cabeças imperar.
O Cura de Povos por fim diz, tal talento, e tal Cabeça. – Fugite Partes
Adversæ.1

____________________________

Continuando o Arvorado Exorcista na sua jornada de Vila Franca para


Lisboa, encontrou na estrada de Alhandra, ao Andador das Almas da mesma
Freguesia, o qual a ele se chegou compadecido de o ver naquele estado, e faz
a presente narração.
Estou aqui como pasmado, e me parece que para mim nem sequer o ar
respira, se me calo pior, é melhor um leve desafogo. Creiam os que me escu-
tam, que eu não sou senão aquilo, que todos quiserem que eu seja; estou em
idade avançada, e não sigo opinião estranha, e não me convém senão viver
em paz o resto de meus dias. Porém de trabalhos quem é que pode dizer-se
neste mundo livre: toda a minha vida estudei em fazer bem a todos, da forma,
e modo que podia, para fim de que me não fizessem mal: mas a desgraça em
que caí, pela qual para esta vida de Andador me cheguei, é filha do mesmo
bem que ao próximo então fiz.
Quem é que humano fosse, que encontrando em uma estrada um passa-
geiro, montado em um mal ajaezado jumento, e este sempre a tropeçar, e o
Cavaleiro que Padre figura, aos ais, com um disforme nariz a verter-lhe sangue?
Quem seria o cruel, que a ele não chegasse, mormente sendo pertencente à
Igreja, gente com quem já estou costumado? E se acaso eu ali nesta ocasião me
não achasse, ele e o burro se não desviariam de um grande atoleiro, porque ele
tudo era nariz, e o burro, tudo eram beiços; e a um, e outro por tais motivos
a vista lhe estava vedada. Cheguei-me defronte deste Aborto, e grito-lhe? –
Ó Senhor Padre, olhe este atoleiro, sustenha-lhe a rédea, ou abrande-a, que
são regras de picaria se não quer morrer afogado. – Respondeu-me logo
enfadado, não vejo quem me fala, ainda que tenho olhos só vejo para cima, e
não para diante, nem para os lados. – Respondi-lhe: pois abaixa-se para ver,

1
Fugi, inimigos!

158
– concluiu dizendo: ainda pior, que das costas me procede todo o meu mal: –
Compadeci-me, e disse-lhe coitadinho! Como lhe corresponde esta moléstia ao
nariz, que está nessa miséria. – Replicou-me então, como não sei com quem
falo, verdade não posso falar; já que com outro me enganei, contigo não me
quero enganar. – Com muito dó lhe respondi, eu sou homem já maduro, e
livre da sociedade, sou Portugal Velho, e sirvo de Andador das Almas da
Freguesia de Alhandra, e sincero, e sem refolho comigo pode livre falar, que
eu nem sequer entendo isto, a que os Portugueses agora chamam Construção.
– Disse-me logo, rogo-te ó bom varão que me presteis vosso socorro, e que me
não desampares já que à Igreja pertences; como agora por essa sacola, e bacia
em vós diviso, tornai para trás, e acompanhai-me, que eu com o teu Cura vou
tratar negócio de ponderação, para o bem de todos os da Igreja acautelar, e
promover. – Eu lhe disse: eu, Senhor, com o bem que tenho estou contente,
sirvo às Almas nesta vida há mais de 30 anos, elas nunca comigo ralham, e
faço com elas as contas que quero: Missas ouço tantas quantas lhe [ilegível]; e
nada em boa consciência assento que lhe devo; e todos lá na Igreja são muito
meus amigos, sirvo de Tesoureiro, e Sacristão, e sei de cerimônias que nem
um Mestrão. – Respondeu-me: bem, estou contente, hás de me acompanhar,
e só assim com este feliz encontro, é que eu posso prosseguir avante o meu
destino, e como não sabes o que quer dizer Constituição, melhor me servirás
para o fim a que me dedico. – Respondi-lhe: pois vá seguindo para diante que
eu volto para trás; sustenha-se na rédea que eu lhe toco o burro, porém que
é isso! Agora diviso, que Vossa mercê do chicote fez hissope, então quer isso
dizer, vai encomendar algum defunto? – Disse-me, vem aqui ao meu lado, e
conversaremos em ordem, até que à Igreja cheguemos.

Principiamos assim a falar.


Andador. – Senhor Padre, queira-me dizer, que foi isso nesse nariz, deu
alguma queda?
Exorcista. – Nada, isto foi o pó da estrada, estranhei os ares, tomei mais
vento, inflamou-se, e rompeu a borrasca.
Andador. – Pois então Vossa mercê é Padre, ou Tolo Rei dos ventos;
olhe que este quando hospedou Ulisses, fez-lhe presente de muitos odres de
ventos; em os quais estavam recolhidos: os companheiros de Ulisses, não
refreando a sua curiosidade, abriram os odres, dos quais rebentaram os ventos
com tão horrível desordem, que suscitaram a mais furiosa tormenta, e nela
perdeu Ulisses todas as suas Naus, salvando-se só sobre uma tábua: e Vossa
mercê também agora se salvou daquele atoleiro; porque me encontrou, e eu
é que fui a tábua.

159
Exorcista. – Bem te entendo, queres que eu te remunere, seguro-te que
não perderás comigo, se me quiseres acompanhar até Lisboa; isto depois que
eu falei com o teu Cura, e como ainda não sabes o que é Constituição, será
bom que lá venhas a saber o que é; porque em ignorância não deves morrer.
Andador. – Ó, é verdade, diga-me o que quer dizer essa palavra, que
tenho grande desejo de saber o que ela quer significar, e em si abrange.
Exorcista. – Toma sentido, chama-se Constituição; e consiste esta, em
limitar o poder absoluto, e arbitrário ao Rei, do qual eles tanto se têm reves-
tido, este deve sim ser Imperante, e a bem do seu Povo; mas não é Senhor
de Legislar sem a Nação, esta é que dá as Leis ao Monarca, e é Soberana, e
ele só é o Executor da Lei para a fazer cumprir; pode este fazer só o bem, e
nunca concorrer para o mal, e não estar sujeito, nem o Rei, nem os Povos aos
caprichos dos validos, que cercam o Trono, nem por causa de os beneficiar
a eles, pôr tributos aos Povos.
Andador. – Basta, já sei, não diga mais; visto isso é fazer com que o
Rei, seja Rei, e este a bem de todo o Povo, como um bom Pai, a bem de seus
filhos, e não absoluto como até aqui; logo parece-me, que a tal Constituição
é de Justiça, e Vossa mercê o que diz?
Exorcista. – Isso assim é, mas para mim, e para os do meu estado, e para
Frades, Fidalgos, Ministros, e outros Empregados públicos não é boa, porque...
Andador. – Sim, Senhor, eu entendo, os Eclesiásticos Seculares, querem
possuir três, e quatro benefícios, os Regulares, querem livremente desfrutar,
o que eram bens próprios dos Povos, e do Estado, sem uma séria divisão,
daquilo que só eles possam dizer, bens de legítima propriedade individual; o
Nobre quer, a título da sua Nobreza, Foros, e Privilégios, pisar o pequeno,
e humilde; a Magistratura quer fazer justiça só a quem quer, e não a quem
deve; o Empregado Público fazer dependência das partes, e ocupar quatro e
cinco empregos, e outros sem nenhum. Isto assim pela Constituição é pôr-lhe
freio, o Povo não há de tanto gemer, recobra os seus direitos. Então agora
lhe digo, desde já sou, e serei Constitucional.
Exorcista. – Com pouca razão te convenceste, e sabes o que, desse bem
pode resultar muitos males, a mim, e a outros; nada, eu oponho-me com certo
disfarce a esse sistema, e para que logo não seja conhecido, quero combater
esses novos escritores, que têm espalhado contra as minhas ideias outras mais
Liberais: quero por birra achincalhá-los, para que assim me temam, e será
este um meio para mim útil, ficando eu só dando as Cartas para este jogo, se
bem que já é tarde para o remédio, que eu lhes desejo dar.
Andador. – Pois Vossa mercê visto o que me diz, não mostra estar
contente, então quer-se opor ao que todos querem? Olhe que não vai bem,

160
e se quer com esse disfarce, que diz, combater os novos escritores, estes,
conhecendo-lhe o seu gênio, e o fim a que se dirige, ainda que o julguem sábio
não o temerão; e Vossa mercê sempre no jogo vai mal; porque falando com
todos, cada um lhe responderá conforme entender, e a sua reputação pode
perigar para o futuro.
Exorcista. – Não posso mudar um gênio, de que fui dotado, o qual é
de ter espírito contraditório para tudo o que os outros escrevem, ainda que
acertado, e justo seja; porque levo muito em gosto, o pôr certo rabinho de
palha aos Autores, e com especialidade a alguns, com quem eu formo antipatia.
Andador. – Siga o que quiser, que lhe achará o erro, perto estamos da
Igreja, e eu já vejo o Cura, e mais Tesoureiro, e lá estão no Adro a ler os
Periódicos, que alguém lhe trouxe de Lisboa, e pelo que eu tenho alcançado
neles, ambos são Constitucionais, tome sentido como se avém com eles.
Exorcista. – Eu não os temo, e melhor me sei explicar que esses Periódicos,
feitos por tais Periodiqueiros; hei de convencê-los, e me acreditarão logo em
um momento, e prosseguirei no meu intento, e a empresa, a que me abalancei,
permite a minha fatalidade que ela não fique frustrada.
Andador. – Faça alto ó burro, e apeie-se, que eles lá foram para dentro
da Igreja, esperar a sua visita.
Entra na Igreja, e vai falar com o Cura, e o Andador o acompanha.
Exorcista. – Muito boas tardes, Senhor Cura, estimo que esteja bom; eu
julgo que Vossa mercê me conhece bem.
Cura. – Eu para lhe dizer a verdade, conheço-o pela sua fala, e figura;
porém pela fisionomia do rosto, desconheço-o, pelo desconforme nariz que
apresenta, se é moléstia, sinto muito o seu incômodo.
Exorcista. – Isto é uma pequena inflamação, que pouco cuidado ao
presente me dá; porque sei do que ela procede, e não tenho tempo para me
curar sem que chegue a Lisboa, e como o serviço que assento devo fazer à
humanidade, está em primeiro lugar, por isso quero, e devo primeiro tratar
dela, que de mim, e como tive a fortuna de encontrar na estrada este bom
Andador, com ele vim conversando, e instruindo-o de coisas, que ignorava
ainda, sobre a nossa Regeneração política; e esta é que me conduziu a eu vir
procurar socorros a estas Vilas, para com eles ser útil à grande Povoação de
Lisboa: esta nobre Cidade está inundada de Periódicos, depois que a Nação
assentiu a uma Constituição, para recobrar seus antigos, e ofuscados direitos.
Costuma-se chamar flagelo, ou praga a tudo aquilo, que consigo traz calami-
dades para os Povos, para os indivíduos, para os campos, para as sementeiras;
ninguém ignora o dano, que o pulgão causa nas vinhas, e em toda a parte não
só se empregam homens, e mulheres na extinção da lagarta, mas a Piedade de

161
muitos Povos deste Reino recorre a um poder sobrenatural, e espiritual, que é
o raio da excomunhão, pedindo aos seus respectivos Curas, que de sobrepeliz
lisa, hissope, e caldeirinha, acompanhados de seu competente Sacristão, vão
excomungar o Pulgão, intimando-lhe se retire, e que se quer comer, que deixe
as parras, e vá para as charnecas ao tojo, e à carqueja. Contra as trovoadas
também há Exorcismos, e contra a peste, e coisas más que aparecem, e de que
se serve a Divina Justiça para punir os crimes dos homens. Assim o vemos
praticado contra os Egípcios, mandando-lhes o Senhor o flagelo dos gafanho-
tos, que lhe codeassem as searas todas, e o das moscas, que pela sua infinita
multidão importunassem, e picassem homens, e animais brutos. Esta Justiça
vingadora proporcionou as pragas aos tempos, aos sujeitos, aos costumes, aos
caráteres, e até à índole dos séculos; e ao século político, que outra praga se
devia adotar, que não fosse a dos Periódicos Políticos? Sim, saiu dos Arsenais
da ira Celeste esta praga, sem modo, sem jeito, e sem juízo, para atormentar
os homens! Fosse qual fosse o crime dos Portugueses, o castigo é visível; e por
isso eu pretendo aplacá-lo, e julgando tais Periódicos como praga, pretendo
exorcismá-los, e excomungar os Periodiqueiros, e como arvorado em Cura
recorri ao Vigário da Vara deste distrito; e por esta ordem que lhe apresento,
ma cumprirá assim como o Cura de Povos a cumpriu, o qual mandando-me
por Acólito o Sacristão, este insultante zombou do meu poder, e desamparou-
-me em Vila Franca; encontrei na estrada este Andador, e como homem já
maduro de Acólito me servirá, entregando-lhe o Senhor Cura os pertences
para os competentes Exorcismos eu poder administrar.
Cura. – Tenho assaz ouvido com espanto a sua audácia, e na verdade só
posso atribuir, ou à loucura, ou a um disfarçado aspecto, de que se reveste
em contrário ao sistema Constitucional, hoje já sem repugnância adotado
em todo o Território Português, e reconhecido como um mais insigne remé-
dio, para curar a enfermidade absoluta desta Heroica, e sempre distinta, e
Nobre Nação. Confesso-lhe que muito me custa o considerá-lo nesta ocasião
assisado, ou lembrar-me o ser Vossa mercê um homem que representa de
Eclesiástico, com espíritos subversivos, e dolosos, pretender assim manchar
o decoro do nosso estado, o qual deve ser irrepreensível, pelas funções que
celebramos de nosso mais sagrado ministério! Não se lembra que a sua
fatalidade vai a ser conhecida, e que atacando aos Periódicos Políticos, ataca
sem pejo o todo de uma Nação; e um dos primeiros direitos dos Cidadãos,
que é a Liberdade da Imprensa, e que sendo esta bem entendida, é útil, e não
nociva à sociedade: acaso duvida, que a grande esfera do conhecimento dos
homens, se tenha limitado para uns, estendendo-se só a outros de diferente
Classes, e Hierarquias, em que se julga ser mais própria a sabedoria, pela

162
frequência dos estudos; e estes, abusando da mesma, ou não sabendo fazer o
uso que lhe é próprio, são como Membros inúteis da sociedade. Que delirioso
é pois o seu triste modo de pensar, não ama a sua reputação; cuida que todo
o tempo é o mesmo, sem observá-lo, e medi-lo? Ah tristes de nós! se ainda
não desterramos desta vez para sempre esse egoísmo. Atrever-se Vossa mercê
tão descaradamente a profanar, e a meter a ridículo o caráter de todos os
Escritores públicos; comparando sua escrita às pragas, e à peste sem fazer
exceção; medir a todos com a mesma Vara, quando muitos têm ajudado a
manter a ordem, e advertido o que é útil para o bem da Nação; se alguns
Periódicos há, que à causa se julguem nocivos, talvez que estes, ainda não
sejam tanto como a sua escrita, se sobre o interesse do bem da mesma causa,
figurasse querer promover.
Sim, diz Vossa mercê, que saíra dos Arsenais da ira Celeste esta praga,
sem fim, sem modo, sem jeito, e sem juízo: e que fosse qual fosse o crime
dos Portugueses, o castigo é visível! – Que posso eu responder-lhe a seme-
lhantes disparates, e a estas tão incautas expressões? Demonstram, e saltam
os olhos, para se conhecerem sem dúvida o seu perverso espírito; porque
bem se pode coligir que não duvida sem pejo, chamar praga sem fim, e sem
juízo a toda a espécie de escrita, e leitura que esta seja para manter o grande
edifício Constitucional; assim como também não duvida de atribuir a nossa
feliz regeneração, obra toda da Providência, a castigo de pecados. Se a tão
alta eminência leva a sua sabedoria, eu me contaria mais feliz, se eu fosse no
presente o mais mínimo, e menos acreditado Periodiqueiro, a quem pretende
ir excomungar, e exorcismar? Escreva se acaso quer ser mais conhecido, com a
mesma propriedade com que me falou: porque diz um sábio afirmando, que a
escrita é um verdadeiro retrato de cada um que escreve; pois que assim como o
corpo se retrata com o pincel, a alma se pinta com a pena. Que elegância não
terá agora o quadro da sua grande alma, desenhada por seu próprio pincel,
com o mais elegante colorido? Que quadro não apareceria tão perfeito, para
nas eras futuras da época da nossa regeneração; o ver-se o hábil engenho de
um Cidadão Português, que a si próprio se retratou com um disforme aleijão,
o qual é uma visível corcunda.
Exorcista. – Eu não quero atribuir isso à ideia do nosso melhoramento,
porque na enfermidade o remédio é de justiça, e o crime não está em se apli-
car, está em o desprezar; mas que para este seja o ver-se Portugal entulhado
de Periódicos, como o Egito, e mais que o Egito, de rãs, de gafanhotos, de
moscas, de diabos. Apareceu um Astro maligno, que multiplicou as chuvas,
as cheias, as tempestades, e fez produzir os estragos desta febre amarela, além
deste outros Periodiqueiros; uns homens de ofícios, e outros que viviam ociosos

163
pelos cantos dos botequins, desde que se abriam até que se fechavam; de um
pilhava a torrada, de outro o jantar, o calote o vestia, o calote o calçava, e de
repente salta ao meio do mundo com um Periódico; não há cordão que lhe
vede a passagem, são precisas forças extraordinárias, Exorcismos com eles.
Eu não sou Cura, mas às vezes arvora-se um Soldado em Anspeçada, tal, e
qual eu vou excomungar este pulgão. Sei que tais Periodiqueiros escrevem
por esfomeados, a fome, e só a fome os move a isto: é preciso pôr um dique,
a esta cheia real. Com efeito é triste a condição das coisas humanas! Não há
um bem puro, sem a mistura do mal! Não há direito sem avesso! A nobre
obra da intentada regeneração veio unida à praga dos Periódicos, já ninguém
se entende, e...
Cura. – Basta tenho-o eu entendido muito bem, e é o que me basta para
conhecê-lo a fundo. Se confessa que nós existíamos em uma enfermidade, e que
o remédio é de justiça, e o crime não está em se aplicar, está em desprezá-lo; e
se este mal a todo o estado, e classe de viventes se tinha estendido, que muito
é que todos tratassem de aplicar, cada um como sentia, esse mesmo remédio,
que confessa ser de justiça? Para que nota ver tanta receita na botica, se são
tantos os enfermos, e cada um sente a sua moléstia porque padece as dores?
Estas receitas considero eu em alguns Periódicos Portugueses, que tenho
examinado, e lido, e veio nestes de que faço escolha, um verdadeiro espírito
patriótico de ilustrar, e promover o bem da Nação, que muito honram a
seus Autores; e ainda que outros Periódicos não avancem a esfera tão alta, e
distinta de verdadeiros conhecimentos, contudo não espalham ideias subver-
sivas, contrárias a nossa bem premeditada regeneração, por donde mereçam
serem tratados por pragas, e por diabos; porque se um escritor excede, e se
firma em princípios destrutivos, para sustentar a sua mal fundada opinião,
outro que lhe exceda lhe pode com dignidade, e decência pela mesma erudi-
ção, e escrita, mostrar-lhe o seu erro, e o quanto mal sustentou sua opinião.
Esta é a ordem que Vossa mercê como sábio podia estabelecer, para fim
de que os Escritores Portugueses, ao presente poderem ir moderando a sua
escrita, e até atendendo muito ao bem da nossa Santa Religião; e deixar-se
desses insultantes ditérios, pelos quais vai prejudicar-se a si, e à sociedade,
e a prosperidade o olhará sempre, não como sábio, mas sim como um mau
amigo da mesma sociedade, que jamais lhe manterá seu decoro. Se dotado
de um hábil engenho que lhe conheço, e refreando o seu gênio, quiser seguir
a marcha dos nossos bons, e antigos Escritores, cujas obras servem de lustre
a nossa Nação. Então conhecerá que eles se fizeram célebres, não só pela
eloquência de suas obras, como da dignidade de escrevê-las, e ditar. Os que
amam a simplicidade, e propriedade de escrever, tanto amada, e adotada dos

164
nossos bons antigos, ambas estas qualidades nas suas obras se acharão. E
suposto que conheço ser para mim matéria de alta consideração, a que elevo
as minhas ideias, contudo direi o que alcanço.
As puras fontes, onde os nossos antigos, a largos sorvos beberam a sabe-
doria, foram os livros sagrados, estas lições os fez exceder aos Homeros, e
Virgílios na Poesia, e na Eloquência, os mesmos Cíceros, e Demóstenes. Não
quero negar existir nobreza, e majestade nos Escritores profanos; porém não é
para comparar com a eloquência de um Agostinho, e de um João Crisóstomo;
estes têm uma eloquência mais divina, que humana, e um transporte da alma,
a que nada chegar pode. Que sublime não é Santo Agostinho nos Solilóquios?
Crisóstomo nas Homilias? Isto obrigou um grande gênio a dizer: Podem
acaso existir mais perfeitos modelos da Eloquência de Púlpito? Poderão eles
jamais comparar-se com um Clemente de Alexandria, com um Orígenes, e
com outros desta estofa? Se Vossa mercê seguir sempre a eloquência destes,
ou no Púlpito, ou na escrita, mais valente sem dúvida, que a de Péricles, de
quem disse Quintiliano, que quando orava parecia sair trovões, e raios? (mas
olhe que estes trovões, e raios não são para lhe fazer os Exorcismos). Quem
houve, que ouvisse a um Crisóstomo, que se não persuadisse das verdades
eternas? E que não rompesse em justos elogios, e aplausos? Pregando na
Corte de Constantinopla, e constando-lhe, que lhe faziam pomposos louvo-
res, respondeu: que mais estimava a conversão de um só ouvinte, que todos
os estéreis elogios, que consagravam a sua Eloquência. Ah! Que assim não
praticam hoje os Pregadores, ou Oradores dos nossos dias, estas santas máxi-
mas; por isso que só empregam a sua Eloquência em agradar aos ouvintes,
expondo-lhes grandes Retóricas, e Lógicas, deixando-os estéreis na doutrina
Evangélica, para que assim não percam o conceito para serem procurados,
para os Panegíricos, e Elogios, que na Cadeira da verdade vão mais depressa
adulterar aquele lugar respeitável, e tremendo, do que desempenhar os deveres
de tão alto Ministério; o qual muitas vezes ainda bem se não desempenha,
quando bem é pago, e raras vezes sobem a este lugar sem a paga do Obreiro!
E se a isto chamarem os Periodiqueiros fome, não têm razão. Ora lembre-se
disto, e não se queira parecer com os tais diabos, que quer ir exorcismar, se
os conhece, e sabe que alguns andam nos botequins às torradas, e aos calotes,
ou andavam, também eles o hão de conhecer há muito tempo, porém estou
bem certo, que Vossa mercê ainda que os visse nessa indigência, nunca lhe
pagaria a nenhum desses nenhuma torrada. E enquanto aos homens de ofícios,
que são Periodiqueiros, estes ainda me não consta, de que deixassem de ser
Artistas das mesmas Artes Fabris que exercem; e merecem mais ser louva-
dos, ainda que mal façam um Periódico, sempre mostram que o seu gênio é

165
Patriótico, e que desejam de promover o bem da Nação; porque estes amam
o seu estabelecimento, que é sua propriedade, e como mais expostos dese-
jam que lhe seja mantida; e podem em muitos objetos próprios mais ilustrar
a Nação, que um crítico sábio que os critica. Um fará uma cadeira, outro
lustrará, e polirá a prata, fazendo também um Periódico; mas estou certo, que
Vossa mercê não vai fazer um mocho, sem que fique também mocho, quando
intentar querer fazer o que um Artista faz; eles talvez não amochem para lhe
responder a sua mordacidade, com que os pretende aniquilar, negando-lhes
o louvor que lhes é devido.
E como confessa, que não há bem puro sem a mistura do mal, nem direito
sem avesso – Então respondo-lhe, como este não é o mal, de que Vossa mercê
se queixa, e com o qual nos ameaça, e que pretende prevenir sendo Exorcista:
o maior mal, que pode empecer a nossa sorte, é haver ainda tantos assim como
Vossa mercê, que estão avessos ao Sistema Constitucional; e bem precisavam
que se fizesse neles a mesma obra que se faz às casacas velhas, que é voltá-las
para ficarem parecendo ao menos aquilo que não são, porque as novas que se
fizerem bom será que os Alfaiates lhe deem mais folha nas costas, porque os
aleijões vão aparecendo muito visíveis em muitos, assim como Vossa mercê
não pode duvidar, por isso lhe nego o socorro que me pede, pode seguir sua
jornada: olhe que eu não sou o Cura de Povos, deixe-se de Exorcismos, que
nisto não lucra tanto, pregue-lhe mas não faça por descuido, como o Alparca,
se diz fez há pouco, em um dos Púlpitos da Igreja de Coimbra; que estou bem
certo que o não fará, porque Vossa mercê o seu engenho é mais delicado, e
sublime, e o seu estado é outro, há de amar a sua subsistência.
Deixe portanto ir seguindo a ordem das coisas do Mundo, que Deus lhe
porá aquele termo que for do seu agrado; sustenha a Religião, invoque as Luzes
do Divino Espírito, e repare que ele disse: – Estável deve ser o Principado do
sábio: seja também Vossa mercê estável, e imóvel a estas coisas do Mundo,
fazendo por desempenhar à risca as Funções do seu Augusto Ministério,
pregando com a sã doutrina, e não com o seu mau exemplo. Se está deste
acordo me prestarei ao que for útil para o bem da nossa independência, e
civil liberdade, adeus, senhor Padre, (e foi-se).
Exorcista. – Já vejo que me enganei com a sua Pessoa, e por isso é melhor
que eu me cale.
Andador. – Então que lhe dizia eu, não é um verdadeiro Constitucional
cá o nosso Cura; Vossa mercê disse que o havia de reduzir, então ficou redu-
zido certamente.

166
Exorcista. – Qual história, isto é um fanático, se tu queres acompanhar-
-me até Alverca, por já ser tarde dar-te-ei alguma coisa, que eu sempre hei de
entrar em Lisboa como Exorcista. Ora o tal Cura!
Fugite Partes Adversæ.2 = Monta no jumento.

____________________________

Andador. – Pois está bem, ponha-se a cavalo, tome-lhe bem a rédea, ora
agora vá como puder; olhe, o caminho é por aí fora, e eu não o acompanho,
porque já não estou para o aturar, ainda que bem me remunerasse conhecendo-
-lhe, como lhe fiquei conhecendo os seus intentos, que tal é o Exorcista? Não,
ele já foi exorcismado, porque o nariz assim bem o diz.
Exorcista. – Então não te resolves a me seguir?
Andador. – Nada, não Senhor. – Fugite Partes Adversæ, boa jornada,
que tal será ela?

Ora ele lá vai.


Constou-me depois que em Alverca, mudara de cavalgadura, mas que
não procurou mais outro Acólito, nem outro Cura, e que chegando muito de
noite à barca de Sacavém, aí esteve quase para morrer afogado, porque esta
estava desta parte, e ele cuidava que tudo era terra firme, falaram-lhe os da
barca, e passaram-no; duvidando de pagar o competente donativo também os
excomungou, eles que o conheceram não instaram a paga, e só lhe pediram
lhe levantasse a excomunhão. Mas os Soldados como o vissem com um tão
deforme nariz, lembraram-se que era exaspero o que proferiu, disseram-lhe
então, que seguisse para diante sem se demorar; chegou então a Arroios às
onze e meia da noite, os Guardas Barreiras o conduziram para a Casa da
Sisa, para ver se no outro dia aparecia, quem quisesse despachar este Pacote.
O Autor concluiu aqui nesta segunda parte a presente obra, e por decência
a não leva mais avante; porquanto não quer, nem pretende manejar sua pena
à mordacidade; pretendeu só sim, mostrar ao tal Senhor Exorcista, que se lhe
não abrandar mais a rédea, está arriscando a ir mais de uma vez ao chão, e
se cair em algum atoleiro, há de patinhar como a rã no charco: meça como
o sábio, o tempo, e os homens, e abstenha-se de desvarios para não ser por
corcunda de má fé apontado.
N. B. – Está anunciado, para sair à luz, um novo Periódico semanal,
o qual terá por Título – Pedro Malas Artes; e sairá às sextas-feiras, com a

2
Fugi, inimigos.

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Epígrafe ridícula: Manha do Açougue, quem mal fala pior ouve. Neste anún-
cio se declara, ser dirigido à resposta, que Pedro Alexandre Cavroé, com o
Responso de Santo Antonio, deu ao Autor do Folheto intitulado; Exorcismo
contra Periódicos, e outros Malefícios. Em o mesmo se convidam os subscri-
tores a assinarem por mês, pelo módico preço de 100 réis, e levando-se-lhe
a casa 120, e se declara, que havendo quem queira assinar por um ano, ou
dois, se fará algum abatimento, sendo o Autor do dito Periódico o famigerado
Exorcista, ou aliás corcunda de má-fé, digo, de boa-fé para os seus.
Não posso deixar de lamentar o ser este excesso, ou precipitação, só a
vontade que tem de dar a tunda Mestra, como promete, mas sim o que posso
com verdade afirmar, e o que for imparcial comigo há de convir, em que é
muito grande fome que o devora, porque salta aos olhos, e se deixa bem ver,
que o anúncio indica primeiro a Obra, e convida os Assinantes para estes já
caírem com a dose, e facilita-lhes a comodidade para assinarem por um ano,
ou dois, para assim ver na sua mão mais dinheiro alheio, empalmado pelo
Exorcista, praticando mais árduo o que os Periodiqueiros não praticam. Isto
é que se lhe chama não sentir no seu olho a tranca, e ver o argueiro no olho
alheio: que tal é a inveja que o Exorcista tinha dos Periodistas, que levavam
o dinheiro ao Povo, e ele querendo já empalmar Assinaturas por um ano, ou
dois! (uma bagatela). Assinem, meus Senhores, que este é só o Periódico, que
ele diz, que basta que haja para anunciar as verdades, e o que se deve fazer, e
quem for Periodiqueiro, vá para o sarrafo, para os buris, para o calcadouro
do Rocio, e para os botequins; e lá esperem pela tunda Mestra. Diz um Autor
falando de um livro bom, – o seguinte: que eu agora devo acumular a este
insigne Periódico, pelo seu Autor – redigido. – Este Periódico será memória
viva, Estátua animada, com tantas línguas para publicar suas grandezas, como
tem letras, com tantas asas para voar, e as fazer estimar por todos os fins da
terra, como tem folhas, com tanta vida pela que recebe, e renova em virtude
da Impressão, que fica Fênix da isenção das injúrias do tempo, e da idade.
(Frei Luiz de Sousa no Prólogo da vida do Arcebispo D. Frei Bartolomeu dos
Mártires).

F I M.

168
SONETO
Dedicado ao Ilustríssimo Congresso em Cortes.

DEIXAI, Sábio Congresso, que o Corcunda


Espume a raiva da fatal serpente,
Que do Norte em balões espere a gente,
Que nos prometa imaginária tunda.

Enquanto em erros tais ele se funda,


Vós acudis a um Reino decadente,
Nem pode aparecer tão de repente
O que pede a prudência mais profunda.

Portugal mil abusos possuía;


O Corpo, que os abraça é respeitoso,
Cortá-los não é obra só de um dia.

Prossegui, prossegui sempre animoso,


E a Pátria, que o seu bem de vós confia,
Um Povo em si terá rico, e ditoso.

POR

F. M. da S. M. de V.

169
14

MEMORIAS
PARA
AS CORTES LUSITANAS
EM 1821,
QUE COMPREHENDEM
Corpos Regulares d’hum, e d’outro Sexo.
= Ordens Militares. = Corpo Ecclesiastico.
= Bispos. = Abbades. = Dizimos. =
Bullas. = Inquisição. = Justiça. = Tropa.
= Pensões. = Economia. = e Policia.

BAHIA:
Na Typog. da Viuva Serva e Carvalho.
Anno de 1821.
Com licença da Commissão da Censura.

170
MEMÓRIAS
PARA
AS CORTES LUSITANAS
EM 1821

Os Corpos Regulares são hoje em Portugal o ódio de toda a Nação.


Talvez seja o seu procedimento quem lhes tenha atraído esta má vontade.
Os Seculares aborrecem-se de ver um Religioso, que não dá bom exemplo:
querem (e querem bem) vê-lo sempre bem acostumado: olham para ele como
um modelo de virtude; e querem sempre que ele represente este caráter, como
essencial ao seu estado. Os Regulares no seu princípio assim o foram: e com a
fiel observância do seu Santo Instituto foram igualmente vantajosos à Nação,
e à Igreja. Mas a revolução dos tempos, e a natural depravação da natureza
os fez degenerar. Não admira; porque tudo no mundo acaba.
É necessário pois acabar este ódio; e obstar à desgraça individual, que a
mocidade procura no Claustro só por mera comodidade. O que não é útil, é
desnecessário. Coisa perniciosa é ir um moço para um Convento, e prometer
na Profissão à face dos Altares observar uma Lei, que ninguém observa, e
que já não está em uso. Diz-se que é um asilo para melhor servir a Deus; e
mais seguramente salvar a sua alma. Que desgraça! Que ilusão! Que engano!
Que fingimento! Tal diligência se não faz. Aquele que tiver espírito de retiro,
procure-o. Isto é mais acertado. E além disto em todos os estados se acha a
salvação. Em Corporações é mais arriscada. Um homem só, salva-se melhor.
É esta uma das obrigações essenciais da Nação, procurar o bem espiritual
dos seus Indivíduos.
O primeiro passo que se deve dar, (e já) é suprimir totalmente as acei-
tações para Noviços, e a estes a Profissão, mandando aos Prelados que se
lhes entregue tudo quanto levaram, descontando-lhes somente pro rata a
sua sustentação, no caso de terem dado comedorias. A mesma supressão
deve chegar às Religiosas. Ao mesmo passo também se devem proibir aos
Ordinários as Ordenações até Subdiácono.
O segundo passo imediato, e sem intervalo de tempo é sustar todos os
Capítulos. Assim se dissipam as intrigas; acabam-se os ódios, e discórdias
escandalosas, e poupa-se o trabalho aos Tribunais, e Governo, que sempre
nestas ocasiões são incomodados pelos ambiciosos, e intrigantes. Disposto
assim este plano, segue-se o destino para estes Corpos.
Os Religiosos pelos serviços dos seus Maiores gozam dos bens, que
possuem; não é justo usurpá-los. Mas também não é conveniente que os gozem

171
só pelos merecimentos alheios. Os antigos trabalharam muito; trabalhem os
existentes alguma coisa. E como eles não têm culpa no estabelecimento, que
lhes consentiram; conservem-se, mas com outro aparato; e não se consinta
mais para o futuro em tal estabelecimento. As Ordens Monacais (chamo
Ordens Monacais a todas as que não pedem) como não têm rendas para a
sustentação de todo o Corpo Monacal, e Mendicante parece mais acertado
que os Monacais se sustentem das suas rendas enquanto viverem; e por seu
acabamento, disponha delas o Estado: os Mendicantes porém sustentem-se das
esmolas como até agora. É necessário porém designar-se um meio para que o
Estado utilize já alguma coisa dos Corpos Regulares, e os Religiosos fiquem
decentemente tratados, para não se exporem a uma vida triste, e descontente.
O meio mais pronto é uma ampla concessão aos que voluntariamente
quiserem sair. Diminuindo assim o número, seja o resto reduzido a dois, ou
três Conventos em cada Corporação?, conforme o número dos indivíduos:
v. g. Os Crúzios acomodem-se todos em Lisboa, ou em Coimbra, como eles
quiserem escolher; e se não couberem todos, tenham os dois Conventos. S.
Francisco da Cidade, e Província dos Algarves escolham três. A Trindade,
visto ter tão poucos Religiosos, fiquem todos em Lisboa. Todas as mais
Corporações sejam deste modo reduzidas, de sorte que os Conventos fiquem
plenamente cheios; porque só assim é que se podem fazer as funções da igreja
com decência. In populo gravi laudabo te.1 Os edifícios evacuados fiquem
para o Estado com as suas rendas, e encargos. Aqueles Conventos porém que
não puderem sustar tão grande número de Religiosos pela pouquidade das
suas rendas sejam-lhes agregados os rendimentos de outro Convento; v. gr.
o Convento da Trindade de Lisboa não pode sustentar todos os Religiosos
da Ordem; ajuntem-se-lhe as rendas de Santarém.
Feita assim esta redução, ficarão estes Conventos sujeitos imediatamente
ao Ordinário. Este deve intimar aos Prelados, que no fim de um mês nenhum
Religioso aparecerá mais com Hábito Regular, mas somente de S. Pedro; e
desde este momento não haverá mais Provinciais, nem Prelado algum superior;
porque este só será o Diocesano. Cada Convento será independente; e todos
os Religiosos, excetuando os Leigos, elegerão Prelado daquele Convento todos
os anos; se ele for capaz continuá-lo-ão. As mesmas Corporações, que tiverem
mais de um Convento, mesmo assim serão independentes.
Os Prelados Superiores não só são inúteis, mas até sumamente preju-
diciais. Nunca das suas Visitas resulta bem algum. Em lugar de remediarem
abusos, e obstarem às relaxações, só tratam de desfrutar os Conventos,

1
Em meio a um povo grande, louvar-te-ei.

172
consumindo a sua substância em própria comodidade; e para este fim, e para
fazerem Capítulo é que se conservam em harmonia com os Prelados locais:
condescendem em tudo com eles para lhe granjearem o voto: consentem-lhes
todo o gênero de injustiça, e despotismo: severamente castigam os miseráveis,
que ou não têm partido, ou são de outro oposto: e enfim eles mantêm sempre
a intriga, e desassossego em vez de a dissiparem. E devem conservar-se os
Prelados superiores? O Astro Lusitano muito bem falou, quando disse, que
os Conventos só eram bons para os Abades, Priores, e Procuradores.
A Congregação do Oratório, e da Missão devem existir do mesmo modo;
mas sujeitos igualmente ao Ordinário; e também com o hábito se S. Pedro
simplesmente, sem chapeirões, nem diferença na capa, e gola; em fim sejam
uniformes com os Clérigos do Século. Não se deve aceitar mais um só. Do
mesmo modo ficarão os Missionários de Brancanes, e Varatojo; mas também
sem Hábito. Enfim o nome de Frade nunca mais deve lembrar; nem aparecer
vestuário que o inculque. Não por ódio; mas para não dar motivo a insultos,
ditérios insolentes, e vexações.
Quando morrer algum destes Ex-Regulares, que ficam em Comunidade,
dar-se-á anualmente ao Estado uma quantia proporcionada às suas rendas;
e é o mesmo por qualquer que sair um ano depois deste estabelecimento.
Trindade poderá dar cem mil réis, Domínicos 200$, Bentos 400$ Bernardos
600$, Loios 600$, Vicentes 800$.
Todo o Regular, que estiver licenciado, e não quiser recolher, não seja
constrangido: fique sujeito ao Ordinário do Lugar em Hábito de S. Pedro.
Os Comissários dos Terceiros, que estiverem fora dos Conventos, como
o do Menino Deus em Lisboa, em Aldegalega, e outros vestirão de Clérigos
Seculares, sujeitos ao Ordinário.
O Astro Lusitano é do sistema que se devem extinguir todas as
Corporações Religiosas, dando a cada Religioso 800 réis diários. Esse Escritor
fala em tudo com o maior acerto; gosto sempre de ler seus papéis; dá bem a
conhecer que tem a cabeça desempoeirada; e é pena que as preocupações da
Nação ofusquem alguma coisa o seu brilhantismo; mas nesta parte parece-me
que não tem muita razão quando diz, que em respeito aos Serviços vantajosos
de S. Bernardo se lhes deixe um Convento, para ali viverem os que inteiramente
quiserem separar-se do mundo. Se assim se fizer, pegará outra vez a tinha; e
em poucos anos teremos tantos Frades como agora, ou mais.
Que se devem extinguir as Corporações, e dar-se a cada Religioso uma
sustentação decente, concordo: oito tostões é pouco. Menos de 300 para 400
réis anuais não deve ser. Ora as Corporações, que têm rendas, podem a muito
bem fazê-lo assim: cada uma tem para sustentar os seus indivíduos: a Trindade

173
que é hoje a menos abundante, só o Convento de Lisboa, e Santarém bastam
para darem a cada um a dita quantia; e ainda restam para o Estado todos os
mais Conventos, que são outras tantas Quintas. Mas para os Mendicantes
onde se há de ir buscar? É um corpo muito volumoso. Para se tirar das outras
Corporações, e das Ordens Militares, fica o Estado muito desfalcado. O
melhor sistema é, como já disse, todos em Hábito Clerical se sustentem das
esmolas como até agora. Eles com a porta aberta ficam diminuídos.
As Religiosas devem também ter a porta aberta. As que voluntariamente
quiserem sair, nada terão; e as que ficarem terão doze vinténs diários. Mulheres
em comum podem viver com esta tença. Conheço muitos Conventos ricos,
que dão pelas ceias quinze réis; pouco mais ou menos. Deste modo se lhes tira
o trabalho, e despesa na cobrança de suas rendas, em que se gasta uma soma
sempre muito considerável. Ficarão em Hábito Secular, e sujeitas ao Ordinário.
Os Conventos reduzir-se-ão do mesmo modo, que os dos Religiosos, de sorte
que fiquem plenamente cheios indiferentemente de todas as Religiões. E como
se lhes dá dinheiro para a sua mantença, não cobrarão dízimos, nem coisa
alguma. (Os dízimos com efeito andam bem fora dos eixos.)
As Mendicantes sustentem-se das esmolas, como até agora; mas reduzam-
-se também. Seria muito para desejar que o Santíssimo Padre desatasse a
ligadura dos votos a este sexo; assim como também aos Ex-Religiosos, que
não são ordenados de Maiores.

Ordens Militares
Os Freires Conventuais tenham imediata sujeição ao Ordinário. Não
haverá mais Priores mores: fique este nome abolido. Todas as rendas das
Ordens serão para o Estado; e dar-se-á para cada Freire oito tostões, vivendo
em comum; e aquele que quiser sair, dar-se-á porção dobrada. Os que saírem
com licença não terão os 800 réis: só se lhes abonarão, vivendo no Convento.
Eles costumam estar anos inteiros fora; e se lhes correrem sempre os 800 réis,
ficam-se rindo os Prelados da Reforma. Nenhum mais se aceitará.
A Ordem de Malta deve totalmente abolir-se. Aos Comendadores que
não tiverem serviços notáveis se lhes tirarão as Comendas; deixando-lhes
porém uma muito decente sustentação.
Os Conventos das Comendadeiras sejam totalmente abolidos: tudo deve
reverter para o Estado; não é aquela a sua instituição.
Todos clamam que as Corporações Religiosas devem ser reformadas;
e eu não digo semelhante coisa. Toda a Nação Portuguesa precisa a mais
exata reforma, é o que eu digo, menos o Corpo Regular. Este o que precisa
é extinguir-se. S. Bernardo não há de escandalizar-se que em Portugal não

174
haja um Convento do seu Instituto, assim como nenhum dos outros santos
Fundadores. Houve tempo, em que alguns muito piedosos Portugueses, e
demasiadamente apaixonados deste Corpo Cenobitico diziam que se as
Corporações Religiosas deviam ser aniquiladas porque alguns membros da
Corporação eram infames escandalosos, então o Império, o Magistrado, e
o Sacerdócio deviam sofrer a mesma sorte: mas parece-me que não tinham
muita razão; porque os Religiosos não são essenciais à Nação; o Magistrado,
e o Sacerdócio são essencialmente precisos.
Quando El Rei D. João III fez a reforma às Corporações, ainda utilizou
alguma coisa. Aquele Século tinha outros sentimentos. As mesmas ideias
políticas eram forjadas a este respeito com interesses também políticos. Apesar
de tudo não se passaram muitos tempos, que se não precisasse mais reforma.
Se então se fizesse, o que agora se deve fazer, já se não tratava agora deste
negócio. A Espanha conhece bem quanto aquele Corpo é para recear: e apesar
deste conhecimento ela não teve muito boa política em lhes consignar somente
duzentos ducados, até quatrocentos; eles ficaram descontentes, e com razão;
porque eles tinham muita riqueza. Aprendamos nós dos defeitos alheios.

Corpo Eclesiástico
Ninguém seja admitido sem que se lhe dê benefício, que sirva; nenhum
outro patrimônio se deve admitir. Os Clérigos ociosos chamam aos Frades
ociosos: só eles o querem ser.
Nenhum pároco exigirá coisa alguma por administração de Sacramentos;
nem de enterros sejam as pessoas ricas, ou pobres: mas cada pessoa da freguesia
será obrigada a dar ao seu pároco anualmente uma pensão, segundo a sua
possibilidade, e que lhe for arbitrada, de sorte que o Pároco possa viver muito
decentemente. Em Lisboa não poderá ser menos de 400$ réis atualmente.
Os padres serão obrigados sempre ao Coro, onde houver: e só os dispen-
sará o caso fortuito de administrar algum Sacramento, que não admita dilação.
Havendo Cura, será nomeado pelo Bispo: e o tempo que o Pároco não
residir, e não trabalhar descontar-se-lhe-á para quem fizer as suas vezes 50$
réis em cada mês e meio; se menos ou mais faça-se-lhe uma rateação exata.
O Pastor é que é responsável pelo rebanho: deve portanto residir sem inter-
rupção, e quem não trabalha, não deve comer. Eu conheço um Prior... que
arrendou os rendimentos da sua Igreja por 22 mil cruzados, e anda passeando
por Lisboa. Quererá ele Constituição? O Cura, ou Coadjutor não é criado
do Pároco; serve para coadjuvar.
O Pároco que por velho, ou por doente não puder servir, nada se lhe
descontará. As rendas que se tirarem dos Bispados, Abadias, Comendas,

175
Ordens Religiosas, etc., sejam aplicadas para seminários: esta falta de educação
é a causa de todos os males. Ali se aprenderá a ler, escrever, contar: Latim,
Retórica, Grego, Hebraico, Lógica, Metafísica, Ética, e Física; Teologia,
Dogmática, Moral, Exegética, História Eclesiástica, e Cânones; Música, e
Cantochão. Ninguém tenha benefício que não sirva; e por modo nenhum lhe
será permitido renunciar noutro. Ninguém seja admitido a Subdiácono sem
que saiba perfeitamente Cantochão.
Os Regulares devem ser admitidos a todos os Empregos Eclesiásticos, e
até seculares, se forem capazes dos Ministérios.

Bispos
O direito de conferir as Mitras residirá unicamente no Concílio Nacional.
De um bom Prelado pende a felicidade dos Súditos, paz, e tranquilidade na
Nação. O 4o Canon do Concílio de Niceia diz, que o Bispo deve ser orde-
nado ao menos pelos Bispos de toda a Província. Dá a entender que a Igreja
desejaria que todos os Bispos do mundo estivessem presentes para mostrar
a unidade com todos eles.
Isto que se diz da ordenação, com maior motivo se deve entender da
eleição. Nem é dispendiosa, nem dificultosa esta Convocação. Um mês pode
sem detrimento sofrer a Igreja a saudade do seu Bispo. O que não pode vir
a Lisboa, mande o seu voto por escrito. Este ano de 1820 viu Lisboa quase
todos os Bispos do Reino; e aqui se demoraram por todo o verão.
Eleito assim pelo Concílio, sagre-se; e participe-se ao Pontífice para
mostrar a sua obediência, e unidade: e fique abolido o abuso de virem de
Roma as Bulas de Confirmação, que custam a Portugal tão grande soma. Só
as despesas para o Bispo de Vizeu em Bula, agências, etc., importaram este
ano em dez mil cruzados. Mas desta deliberação das Cortes se deve prevenir o
Santo Padre para se anularem as Concordatas. Todas as Abadias, Dignidades,
e Prebendas serão dadas pelo Diocesano convocando o Cabido, Relação, e
Párocos da Cidade para todos deliberarem. Os Priorados porém pelo Bispo,
e Cabido somente: e não havendo Cabido o Bispo convocará os Párocos da
Cidade: tudo será a votos; e será melhor que a sorte decida os empates.
Os Estudantes da Universidade não devem gozar benefícios enquanto
estudam: não residem, não merecem. Enquanto aprendem, só se dispõem para
merecerem: merecendo por fim poderão ser contemplados.
A renda do Arcebispo de Braga não exceda a 16 mil cruzados; o de Évora
a 15; e todos os Bispos a 12. Cônegos, e Dignidades 800$ réis.

176
Abades
A renda dos Abades não exceda a 600$ réis. Se não trabalhar como
Pároco efetivo, perderá cada mês 50$ réis; metade e para quem servir por
ele, e metade para os Seminários.

Dízimos
Os Dízimos, que a Nação paga à Igreja não se devem pagar; esta propo-
sição parece blasfêmia; mas ela não é senão ortodoxa. Os dízimos não são
direito divino, apesar de falar neles o Pentateuco: Jesus Cristo os aboliu: S.
Paulo é que disse, que do Altar devia comer, quem servisse o Altar. Nos primei-
ros três Séculos não se falava em dízimo. S. Jerônimo, S. João Crisóstomo,
e Santo Agostinho é que começaram a pregar, e persuadir aos povos, que
dessem alguma coisa aos Sacerdotes para se alimentarem. No Século 5o é
que a Igreja começou a estabelecer os dízimos; por consequência não sendo
de direito divino, e só Eclesiástico pode esta disciplina modificar-se, segundo
as circunstâncias. Sustentem-se os Ministros da Igreja que servem, isto é de
direito natural; mas apague-se o nome Dízimo.
Tem-se abusado muito desta instituição. O que só pertence aos Ministros,
que servem à Igreja, reparte-se pelos Leigos, pelos Conventos de Regulares de
um, e de outro sexo, e por Fidalgos, Comendadores, e também pela Patriarcal,
que nada utiliza a quem lhos dá. Pois então para obstar a este mal; para que
o Estado utilize, e não se diga que ele usurpa à Igreja os dízimos, que por
direito só a ela pertencem; para que os ignorantes se não escandalizem, e a
Corte de Roma, e os mais interessados do Reino não gritem, requerendo
como essencialmente necessária uma dispensa da Santa Sede, ninguém pague
dízimo. Sustentem-se os Ministros da Igreja pelos seus Fregueses, dando cada
um segundo as suas possibilidades, o que se lhe arbitrar; pois não é justo que
só o Lavrador pague pelos frutos da terra; pague também pela sua indústria,
pelo seu trabalho o Negociante, o Artista, o Fabricante: a todos estes serve
o Pároco.
O Estado pode utilizar muito com este arbítrio; porque os povos alivia-
dos deste encargo, ficam bem contentes; e mais facilmente se prestarão a um
subsídio, quando em tempo conveniente se lhe mostrar forçosa exigência, do
que dar de boa mente dízimos a Fidalgos, Conventos, e Patriarcal de quem
não recebem benefício algum espiritual, nem temporal.
Para se saber pois o que se deve exigir em lugar dos dízimos, quando as
circunstâncias obrigarem a Nação a este sacrifício, precisa-se tomar o peso
a esta massa enorme, que formam os dízimos. Tire-se uma conta do que eles
rendem uns anos por outros, em cada Bispado, e classificando miudamente

177
todas as freguesias tanto as do Campo, como as das Cidades. Saiba-se quanto
tem o Bispo; quanto vai para a fábrica; o que têm os Cônegos, e Dignidades,
Párocos, e todos os Ministros da Igreja, especificando as suas classes; quanto
vai para Cantores, Criados, etc. e balanceando-se a receita com a despesa
conhecer-se-á, que uns têm tudo, e outros quase nada.
Para se remediar este mal, arbitre-se aos Bispos o que está indicado no
Artigo competente; faça-se o mesmo a todos os Ministros, e reforme-se o
abuso dos muitíssimos Cantores, que nas Sés são como enxames: mais vale-
ria que não houvesse tal Música. Todos os Ministros da Igreja devem saber
Cantochão; e todos no Coro devem cantar à Estante: esta é a obrigação de todo
o Eclesiástico. É escandaloso estarem no meio do Coro os Clérigos Cantores,
rebentando com trabalho por 200 ou 300$ réis, e um Cônego, que apenas diz
Amém; et cum Spiritu tuo2 olhando indiferentemente com toda a pachorra
para estes desgraçados, comendo eles em casa 5$ cruzados, ou 3, etc. Ora
isto mesmo que fazem os Cônegos, já não fazem os Principais; porque estes
até não são obrigados a dizer Amém. Louvado seja Deus!
Haja também toda a consideração com as fábricas. A Sé de Évora só
para a tal fábrica tem 20$ cruzados cada ano. E as Igrejas paroquiais, espe-
cialmente as do Campo estão chorando por ornamentos, e mais precisões.

Bulas
Seria muito para desejar que o Santíssimo Padre nos dispensasse de
tantos jejuns, que temos; e também que os Diocesanos abolissem os que por
sua piedade nos fazem também observar. A mortificação é essencial para a
expiação da culpa; é verdade: mas era melhor que se pregasse esta doutrina,
e se aconselhasse a mortificação do jejum: estar esta transgressão ligada à
culpa mortal, é querer fazer o homem carrancudo por força, de má cara, e
andar violento em jejum, amaldiçoando talvez quem assim o obriga a andar;
ou então é querer empurrá-lo para o Inferno por força, contra a sua vontade.
Pouco fruto faz este preceito: é causa de mais delitos. Aconselhe-se; aconselhe-
-se; assim como os cilícios, as disciplinas, a oração frequente, etc.
A Bula da Cruzada para se publicar, não precisa do fausto, e despesa que
nela se faz. Tire-se o escândalo ao povo, e simplifique-se a distribuição dos
exemplares deste modo. Publique-se em todo o Reino na Dominga precedente
ao Advento por uma Pastoral do Bispo em todas as Igrejas. Remetam-se de
Lisboa os exemplares para cada Bispado responsabilizando o Bispo, ou o
Comissário pela quantia numérica, que recebe, e pela soma correspondente:
esta conta deve dar-se até ao fim de Outubro. Os Exemplares devem ter a Era

2
E com o teu espírito.

178
do mesmo ano, em que se dão. Deste modo não há necessidade de Pregadores,
de Comissários, Deputados, e tantos Empregados que diminuem os Cofres
da Bula. Os Párocos preguem na publicação sobre a utilidade.

Inquisição
Está hoje este Tribunal tão moderado, e judicioso que seria talvez impru-
dência abolir-se. Ele hoje nada mais pretende dos réus que o conhecimento
da culpa, e sua emenda. Deve-se portanto conservar; mas sem ordena-
dos. O Tribunal do Melhoramento assim se tem conservado: os mesmos
Qualificadores do Santo Ofício não tem recompensa do seu trabalho. Estes
Deputados porém pelos seus serviços sejam contemplados passados tempos,
segundo os seus merecimentos.
No caso porém de se descuidarem, degenerando para os rigores anti-
gos, e tiranias que se praticavam há cem anos, será então de todo extinto o
tal Tribunal. Aos oficiais pague-se com privilégios, assim como àqueles que
vendem tabaco, cigarros e sabão.
Todo aquele que defender alguma opinião, que pareça contrária aos
dogmas da nossa crença, ou boa moral, não seja por isso incomodado; mas
sujeite-se à censura do Santo Ofício, que será obrigado a convencer o autor
da tal opinião. Se depois de convencido continuar com pertinácia, ou sublevar
o povo ao seu erro com detrimento da nossa Santa fé, e verdadeira Religião
seja castigado como perturbador da paz. Mas particularmente poderá viver
como quiser, uma vez que com o seu exemplo não prevarique a unidade da
nossa Santa crença.

Justiça
A impunidade dos crimes faz os viciosos incorrigíveis. Uma das maiores
injustiças, que se comete em todos os ramos de autoridade é a falta de castigo
àqueles Ministros despóticos, que fazem violências na certeza de que não
são depostos de autoridade. Por costume o maior castigo que se lhes dá, é
dizerem-lhes que fizeram mal; mas como não têm rubor, continuam. É muito
boa a pena de Talião para conter os déspotas. Não deve haver contemplação,
nem indulgência. Aquele que matou, morra: (se não for num caso imprevisto)
aquele que roubou, ou que por algum modo for devedor trabalhe para pagar,
até que o credor esteja plenissimamente satisfeito, e pague também o incômodo
da representação, pela inquietação que causou ao incomodado, ou ofendido.
E como toda a dificuldade está em provar-se o delito, ou a justiça da
parte, esmeram-se os Letrados, Escrivães, e Ministros em indagações, que são
trapaças para a demora, a fim de não castigarem o réu; e isto pelo sórdido

179
interesse, que de tal iniquidade lhes provém. Conhecida porém esta malícia,
seja imperdoável a omissão dos Magistrados: a demora castigue-se com a
deposição: e a sentença injusta dada por ignorância seja punida com um
total sequestro, e degredo perpétuo, indenizando a parte prejudicada; e se for
por malícia, tenha toda a vida amargurada em trabalhar debaixo de ferros,
como os da ínfima plebe na grilheta, galés, obras públicas, e mais ofícios vis,
e trabalhosos. As trapaças dos Letrados, e Escrivães tenham a mesma sorte.
Se por ignorância, degredo; se por malícia, grilheta. Não se afrouxe esta
severidade; aliás a primeira indulgência será o primeiro passo para a desgraça
dos povos. A justiça precisa a mais enérgica reforma.
Aquele que incomodou alguém, ou com demanda injusta, ou de outro
qualquer modo, além de pagar o que fez injustamente gastar, pague o incô-
modo que causou, segundo a vontade do incomodado, se for razoável a sua
requisição; aliás arbitrar-se-á à vontade do Juiz; mas de tal sorte que fique
bem castigado o agressor. Tudo isto tende unicamente à emenda.
É coisa bem indecorosa à Régia Autoridade mandar o Juízo da Coroa
a qualquer Autoridade que cumpra, e não cumprir logo. Reforme-se este
injurioso abuso. Depois do maduro conhecimento, que deve ter o dito Juízo,
ouvindo os litigantes profira o juízo, e nada mais se conteste. O que relutar,
seja castigado como Rebelde às Ordens da Nação.
Deve-se também abolir o mau costume de exigirem os Juízes das Cadeias
carceragem aos presos que se soltam. Ao castigo da prisão não se deve aumen-
tar o da bárbara multa de pagar ainda a casa, que o atormentou. Proíba-se
com penas severas quem tal fizer. O tal Juiz da Cadeia, além de restituir o
que extorquiu, tenha três dias a pão e água.

Tropa
Os pagadores do Exército parecem desnecessários. Onde quer que
estiver o Regimento, aí deve ser pago pelo dinheiro dos Cofres do Estado;
e se não chegar, vá uma escolta buscá-lo à Comarca mais vizinha. Este
dinheiro não se entregará ao Comandante do Regimento, mas a cada
Comandante de Companhia; mas o Chefe do Regimento vigiará pela pronta
distribuição; e de qualquer omissão será responsável.
É de toda a precisão que se ponha em vigorosa energia o Cap.
14 do Regulamento §1o, e N. B. a respeito dos Soldados licenciados,
cujo capítulo, assim como o 23o Artigo de Guerra proíbe altamente ao
Comandante do Regimento aproveitar-se destas licenças para delas tirar
lucro. A Cominação é ser expulso. Este Artigo em alguns Regimentos
não tem observância. Eu conheço alguns Comandantes que dão licença

180
aos Soldados, e ficam desfrutando o pão, e o soldo, que se recebe para
o Soldado. A Lei boa é; mas é como aquelas máquinas, que pelo uso se
desconsertam; é preciso então fortificar-lhes as molas, que já tem afrou-
xado. Não há rede que vede peixe.
As barretinas das Tropas são do pior gosto possível. Nenhuma como-
didade fazem ao Militar; não o defendem da chuva, que lhe entra pelo
cachaço, e lhe corre pelas costas abaixo, não o defendem também do calor,
que lhe abrasa a cara, e o pescoço. Este artigo também precisa reforma.
Os fardamentos, e os sapatos devem-se dar aos Soldados por fazer,
assim como o dinheiro do feitio: muitos são oficiais; ou podem mandá-los
fazer os que não forem oficiais: deve-se fazer este benefício ao Soldado:
o Estado nada perde; e o Soldado lucra, porque lhe poupa o trabalho de
desmanchar a farda quando sai da fundição, e torná-la a fazer: utiliza
também nas sobras, e retalhos, que lhe servem para consertos. A distribui-
ção porém do pano, e sola, etc. não deve ser feita pelo Comandante; mas
pelo Sargento à vista do Comandante. Este será responsável pela fidelidade.
O mesmo se diz a respeito do rancho: todos os Soldados se queixam
do mau rancho; porque no fim do mês sempre sobra dinheiro; e em lugar
de se dar um jantar, ou dois abundantes aos Soldados daquele dinheiro,
que é seu; valateriza-se [sic]; portanto sejam os Comandantes obrigados no
fim do mês a dar conta em frente da sua Companhia das sobras daquele
Mês; assinando esta conta todos os Oficiais, e Oficiais inferiores, e isto na
presença do Comandante de Regimento.
Todo o Soldado, que servir dez anos, será desobrigado do serviço.
Cumprindo-se-lhe exatamente esta promessa, não haverá tantas deserções; e
o Estado utilizará em ter em poucos anos todo o Reino exercitado, fazendo
de dez em dez anos novos recrutamentos. Estes recrutamentos não se devem
fazer com estrondo de prisões, à exceção dos vadios, mas sim pelo alista-
mento das Legiões.
Qualquer Soldado terá direito a representar a sua violência, ou seu
negócio a quem quiser. A lei que proíbe ao Soldado requerer sem ser pelo
seu Comandante, é das mais bárbaras, que conheço. Como é possível que
o Capitão entregue uma representação, que o acusa ao seu Coronel? Assim
como também porque motivo há de ser castigado o Soldado por pedir ao
Coronel licença para casar, se não for pela mão do Capitão, que não quer
consentir em tal consórcio? Desgraçado aperto! Não basta ser espezinhado
pelo Anspeçada, pelo Cabo, por todos os Sargentos, Furriel, Oficiais, e quan-
tos Diabos há, senão ainda tapar-lhe a boca? Se o Requerimento é ilegal,
fique escusado, ou diga-se-lhe que recorra competentemente; mas não lho
admitir é um rasgo argelino, ou talvez ainda mais. O espírito constitucional

181
não consente semelhantes violências. Toda a Nação deve ter liberdade para
representar a quem quiser sem favor de qualquer Autoridade.
As promoções como são feitas pelas informações dos Comandantes,
preterindo muitas vezes por paixões os beneméritos, não se consinta mais em
tal formalidade. As propostas devem ser feitas pelo Estado maior, isto é, pelo
Coronel, Major, etc. e o General mandar esta proposta ao Regimento para
ser ouvido cada um dos Indivíduos propostos, e não propostos, sem exceção
de praça: representando cada um em toda a liberdade a violência, que se faz
ou à sua antiguidade, ou aos seus serviços; pois que havendo serviços iguais,
deve preferir a antiguidade.

Pensões
É de justiça, e equidade que se anulem as pensões, tenças, comendas, e
todas as mercês feitas sem serviços a pessoas, que nas suas administrações
ficaram alcançadas em contas, isto é, que roubaram a fazenda real, e que
agora em prêmio da sua iniquidade estão comendo o que só merece quem tem
feito benefício ao Estado. Conheço algumas pessoas, que tiveram a habilidade
de mover El-Rei a compadecer-se do seu fingimento extorquindo-lhe mercês
pelo mal que serviram; e pessoas aliás ricas. Tirem-se-lhes as pensões. Sejam
porém excetuadas desta lei as Mulheres, que não tiverem outra coisa do que
viverem; mas não sirva de exemplo para o futuro.

Economia
Já se tem falado muito dos supérfluos. Empregados em todas as
Repartições; assim como também dos amontoados empregos num só
Indivíduo. Algumas causas se tem já bem sabiamente remediado com cautela.
Alguns Desembargadores do Paço têm tantas ocupações, que para as desem-
penharem hão de passar um tormento: terão o seu Purgatório em vida.
Os Proprietários dos Ofícios, que não servirem, devem perdê-los. É uma
iniquidade consentir que um Escrivão arrende o seu Ofício, obrigando o
Serventuário a dar-lhe um quartinho cada dia: que fará o Serventuário para
pagar esta grossíssima soma, sustentar-se aparecer com fausto sem roubar?
É necessário também haver muita consideração com os privilégios
hereditários, eles sempre são odiosos. Na França antes de Henrique IV
se tinha suprimido a nobreza adquirida somente pela posse dos feudos.
Henrique IV suprimiu também a que dava somente a profissão das armas.
Os privilégios anexos à qualidade de nobre, onerosos ao povo, não devem
ser concedidos senão com muita reserva. Fazer destes privilégios como fez

182
Luís XV a recompensa dos dilatados serviços militares, é excitar a emulação
sem multiplicar os abusos.
Deve-se abolir o privilégio dos Fidalgos, Militares, e de todos aqueles que
não podem ser citados sem licença: todos devem ser igualmente sujeitos às Leis.
A respeito de finanças lembro-me que Sulli, quando entrou na adminis-
tração no tempo de Henrique IV em França, viu que o Erário estava tão mal
administrado, que apenas entrava nele a 5a parte de tudo o que se exigia da
Nação. Simplificou a arrecadação; restringiu o grande número de empregos;
sujeitou o Erário a uma ordem luminosa, e exata: balanceou a receita, e a
despesa: e o efeito desta economia foi, que em 15 anos se pagaram todas as
dívidas; aumentaram-se os rendimentos em 4 milhões: ficaram 40 milhões de
reserva, e os impostos ficaram consideravelmente diminuídos.
Para restabelecer-se pois esta boa economia, concorre também muito um
bom corte no luxo. O demasiado uso da seda, filós, porcelanas, etc. em toda
a qualidade de pessoas seria bom restringir-se. Na Espanha em 1624 não se
consentia seda senão no Santuário. O luxo é causa de se perverter a moral: e as
paixões desenfreadas são sempre a causa da subversão dos Estados; é necessário
pois enfreá-los. O luxo aparece em todas as classes, e condições: todos querem
inculcar uma hierarquia superior; e como faltam os cabedais para se manter,
cometem-se iniquidades. A justiça treme sempre na presença deste fantasma.
Na República Helvética as Cidades não têm luxo, nem espetáculos:
quase todos pobres, parecem povos desgraçados. Mas a sua pobreza é ativa; e
naquela varonil simplicidade, evitam as necessidades; conservam os costumes,
e temperam as verdadeiras delícias da natureza. Todos iguais, isto é, todos
igualmente sujeitos às Leis; a desigualdade de riquezas não é suficientemente
grande entre eles para que uns cheguem a ser senhores, e árbitros dos outros.
Estes povos são felizes; aprendamos deles. O Repartidor universal de todos
os bens até na situação geográfica, em que os pôs, os fez venturosos. Os
Poderosos que os cercam, parece que mais interesse têm em os defender, que
em os invadir. Nesta parte não cedemos a nossa felicidade a povoação alguma
de mundo. Aproveitemo-nos das vantagens, que a natureza nos subministra;
e demos incessantes graças a Deus.
Cumpre dizer aqui a benefício da Economia Nacional, que ninguém deve
vender fábricas sem licença do Estado.
É também necessário obrigar aos importadores de gêneros a exportar os
nossos em troca dos seus: v. gr. quem traz bacalhau, leve sal, etc.
Os Galegos que só vêm a Portugal ganhar dinheiro para o levarem, preci-
sam de providências para o deixarem: eles até não compram a portugueses o
que comem; os mesmos Galegos têm baúcas, onde lhe arranjam as sardinhas,

183
e fígado para comerem: obriguem-se a comprar aos Portugueses; nomeiem-
-se-lhes tantas lojas, ou casas em cada bairro para lá irem comprar somente;
mas se os donos, ou vendedores abusarem do privilégio vendendo mais caro,
pagarão o dobro.

Polícia
O Alentejo tem suma precisão de estradas, pontes e fontes. Esta incúria
é causa de menos população, e de grande decadência no comércio. Fogem
desta Província pela penúria destas comodidades. Nós temos muita precisão
de população; se cá a houvesse não mandaria El-Rei buscar Suíços para o
Brasil; mas nesta parte melhor foi que não a houvesse. Parece que de propó-
sito temos procurado todos os meios de a diminuir. Os Celibatários nesta
parte pelo seu excessivo número, faz um grande rombo ao Estado, apesar das
belas providências da Santa Casa na roda para os Expostos, como dizem as
más línguas; mas provera a Deus que os adúlteros não lhe dessem mais que
fazer. Para que a agricultura seja florente, é necessário que também concorra
o comércio interior.
O Folheto = Portugal Regenerado = que faz honra ao seu Autor pela
vastidão dos seus conhecimentos lamenta bem energicamente este erro político;
e descobre os tributos de que está onerada aquela belíssima Província para
este fim. Eu não posso dizer mais do que ele. Se este sábio, e tão bom Patriota
fosse Deputado para as nossas Cortes, contribuiria muito sem dúvida para a
nossa felicidade. Queira Deus deferir aos meus desejos.
Em Lisboa é de suam precisão um cano real na rua de S. Bento. A impe-
tuosidade das águas no inverno, que inundam toda a largura da rua, causa
infinitas vezes desgraças. Forte incúria, haver na Capital tal desmazelo! Só o
Convento da Estrela podia com esta despesa: e quando não pudesse deveriam
concorrer os vizinhos. A respeito de Polícia já falou muito bem o = Liberal
de 20 de Dezembro deste ano de 1820, se não me engano.

Apêndice
Pela pressa com que tenho escrito, não vai esta obra tão bem organizada
como deve: alguns pedaços se acham talvez desanexados, mas como o fim
é aparecer o que pretendo que apareça, creio que merece desculpa esta falta
de arranjo. Mas se os Leitores não quiserem dar pela satisfação, nem por
isso me ofenderei muito. Uma das coisas que me escapou de dizer em lugar
competente, é a seguinte. Com que vontade me ficarão os compreendidos! Se
me pudessem morder, não me deixavam; mas eu falo sem paixão.

184
Assim como se disse no 1o Artigo que os Religiosos pelos serviços dos
seus Maiores gozavam dos bens, que possuíam, e que não era justo usurpá-los;
também se deve dizer que não era conveniente que os gozassem só pelos mere-
cimentos alheios. Esta doutrina aplico eu também aos que desfrutam Títulos,
Comendas, Pensões, e Riquezas só pelos serviços de seus Antepassados.
Aqueles trabalharam muito; trabalhem estes alguma coisa. Quem não traba-
lha, não coma. A estes ociosos não digo que se lhes tire tudo; mas que se lhes
tire o supérfluo de um muito decente tratamento. E daqui em diante nada se
deve dar, senão a quem o merecer. O filho do Titular, só porque é seu filho,
não merece título: é necessário ganhá-lo.
Também é necessário haver muita contemplação, e perspicácia nos servi-
ços, que merecem os prêmios. Eu sei que um Fidalgo, haverá coisa de 20 anos,
foi fazer uma caravana, cruzando aqui as nossas Costas, que só de bolacha
para o chá empregou um conto de réis. Foi; e esta formalidade de embarcar
(que não passou de formalidade) valeu tanto como se tivesse conquistado
Jerusalém, e todos os lugares Santos aos Maometanos. Os prêmios conferidos
só por um, não é boa obra; pode enganar-se. A Nação é que deve distribuí-los;
isto é; devem ser propostos por El-Rei; e examinados os serviços pela Nação,
devem conceder-se, merecendo-os o Indivíduo.
Todos os Títulos devem ficar amortizados por morte dos existentes,
excetuando os Duques; mas a estes deve a Nação obrigar a fazer palácios
dignos da sua grandeza. É injurioso à Nação tal desmazelo. Os Titulares
que servem o Rei, e mais Pessoas Reais devem também conservar os Títulos.
Deve também haver uma rígida reforma a respeito das administrações das
Casas dos Fidalgos. Forte desgraça! O que parecia que era saudável remédio,
só serve para fazer o mal incurável. O Credor de qualquer Fidalgo, poderá
tomar posse de metade dos seus bens, ou aquela parte conveniente, que seja
capaz de indenizá-lo em pouco tempo: não se atenda serem bens vinculados,
ou livres. Não haja indulgência nesta determinação.
Todos os vínculos devem anular-se, para bem da humanidade.

FIM.

185
15

PERNICIOSO PODER
DOS
PERFIDOS VALIDOS
E
CONSELHEIROS DOS REIS
DESTRUIDO
PELA
CONSTITUIÇÃO.

RIO DE JANEIRO.
REIMPRESSO NA IMPRESSÃO NACIONAL.
ANNO DE 1821.

186
________________________________________________

Nous devons tous nous réunir contre l’ennemi commun,


et chercher à rendre cette crise profitable à la sûreté du trone,
et à la liberté publique.*
Benjamin Constant.
________________________________________________

VERDUGOS do Povo, Heróis do Crime, e da baixeza, que declarando


guerra oculta aos Reis, que vos prezavam, só consentíeis na sua destra o
Cetro, para que o Cetro fosse manejado a vosso arbítrio, e dele à sombra
pudésseis perpetrar horrores, e atentados, que mesmo vistos a acreditar nos
custam; tremei, estais desmascarados: a verdade contradições não sofre, se
exemplos a roboram: os Reis podem ser iludidos, mas ilusão nem sempre
dura. Sim, Validos infames, raiou a época tanto suspirada; sintomas da vossa
decadência tornam-se cada vez mais decididos, e marcam a vossa ruína. A
liberdade das Nações, sócia inseparável da liberdade dos Monarcas, princi-
pia a iluminar o Mundo: o quadro dos vossos atentados já, sem temer-vos,
desenha-se em Portugal, e copia-se no Brasil: o brilhantismo de indevidas
mercês, extorquidos à força de enganos, e de infâmias, longe de vos honrar,
mais serve a degradar-vos: o vosso nome envolto em maldições corre de boca
em boca; a torrente da opinião lavra de peito em peito, e por toda a parte
com universal entusiasmo trovejam ecos de execração à memória de vossa
existência abominável. Praza aos Céus, que o Augusto benefício da nossa
regeneração política, solidando a Glória de nossos adorados Monarcas, e a
prosperidade dos Portugueses de ambos os Hemisférios, extinga também para
sempre essas Hidras da adulação, e da intriga, primeira causa do infortúnio
dos Reis, e dos Povos.

J. P. F.

*
Devemos todos nos reunir contra o inimigo comum, e buscar fazer desta crise algo
aproveitável para a segurança do trono e para a liberdade pública.

187
PERNICIOSO PODER
DOS
PÉRFIDOS VALIDOS E CONSELHEIROS DOS REIS
DESTRUÍDO
PELA
CONSTITUIÇÃO.

A Educação do Príncipe é quase sempre confiada a sábios e virtuosos


Diretores, que no tenro coração, ainda liso e intacto de impressões artificiosas,
deitam-lhe as sementes da docilidade, da beneficência, da justiça, e da grati-
dão: estas virtudes ali aprofundam grossas raízes, abrolham, estendem viçosos
ramos, e vão crescendo à proporção, que lhes abre espaço a razão conduzida
pela sabedoria; e que a Filantropia (esse Astro benigno, fixando no orbe dos
racionais, para desenvolver e atrair a si todos os afetos da Humanidade) as
ilustra, alenta, e vivifica, qual às plantas o sol criador. A Nação respeitosa, e
contente observa, e aplaude tais progressos, ambiciosa de que eles floresçam;
porque às flores espera sucedam os preciosos frutos, de que ela há de colher
a melhor parte.
Chega o Príncipe ao trono: é logo torneado por 3 círculos concêntricos
de inimiga força. O 1.º é de criados estúpidos; o 2.º de validos astutos; e o
3.º, que em diâmetro maior abrange, e com suas tangentes e secantes corta e
domina os outros, é o dos Conselheiros pérfidos. Estes são os que invejam a
glória do Rei, ambicionam régias prerrogativas, e a liberdade de acomodá-
-las à própria utilidade: não podem usurpá-las; mas se servem de traição, e
da impostura para consegui-las. Eles querem, que o Rei seja grande, rico,
poderoso, absoluto e temido, para que da superabundância destas qualida-
des transborde sobre eles desordenada, e copiosa porção: querem que o Rei,
sobrecarregado de ilimitada, onerosa autoridade os convide para ajudá-lo, e
para aliviar-se, distribua por eles o peso delas.
Para realizar estes intentos, precisam vencer o sitiado Rei; destros porém
na Tática sublime da Corte, cuidam primeiramente de desarmá-lo: empregam a
calúnia, a mentira, as ameaças, a crueldade, e a morte mesma contra o honrado
Educador, contra todos os sábios, e fiéis Amigos, e Conselheiros. Com efeito

188
desaparecem os Sócrates, os Metelos, os Rufinos, e Catões, roubados ao Rei,
e à Pátria pelas Cicutas, pelas Bastilhas, pelas masmorras, pelas sirtes desertas,
pelas bárbaras fogueiras, e pela taciturna Inquisição.
Eis o Rei só inerme, privado de socorros: eis a ocasião de vencê-lo. Ele
é atacado pela Adulação. Esta conquistadora temível, que fez entregar à
torrente do Hidaspes o ingênuo obséquio do Filósofo; e apreciar os ridículos
elogios do ridículo Amon: essas que aos Césares Romanos fez acreditar, e
pretender a insana Apoteose; apresenta-se polida, e suave, e prazenteira,
lambendo os pés do Rei, enquanto lhos agrilhoa; observa-lhe as paixões; e
ao espelho delas se enfeita, e desfigura para assemelhá-lo em tudo.* Novos
Patroclidas de Macedônico Filipe ousam falar, e assim se explicam: “Ditoso
este Povo, cujos destinos governas! Ele te adora, e gostoso reconhece o teu
supremo domínio, porque sabe, que será mais venturoso, quando só a tua
vontade lhe der leis: chama a ti o Despótico poder, que é teu, dádiva do Céu,
que renunciar não podes. Falsa Filosofia, com que pretendeu humanizar-te ao
nível de teus Vassalos o Democrata vil, que te educou, agrava ao Onipotente,
de que és imagem cá na terra, e que te delegou dival [sic] representação, de
que nenhum Mortal pode privar-te.”
Lutam pela vez primeira com estas proposições os ditames da Razão,
os princípios da educação, e a história dos Cômodos, dos Amonitas, dos
Marcos Antonios; e vacila a vitória, que parece declarar-se a favor de um
Agesilau, de um Sétimo Severo, de um João II, e de outros triunfadores da
fraudulosa Inimiga; mas a sócia Hipocrisia voa em seu reforço, confunde as
máximas da sedução com as do Bem público, da dignidade da Soberania,
e da Religião; acode também a Perfídia, que de um tom mais grave assim
fala ao Rei alucinado: “Não duvideis, Senhor, do Poder vosso, estabelecido
na posse de vossos Augustos Predecessores. O Rei não sofre Leis; e nisto se
distingue dos rasteiros Vassalos, e até mesmo da Nobreza excelsa: Vós sois
Árbitro da vida, dos bens, das ações, e até da expressão dos pensamentos;
cabe-nos a glória de ser escravos vossos. O sagrado Código da Prepotência,
e dos majestáticos direitos revoga as Leis da bruta Natureza: se o Rei tem
algum dever, é o de exercitá-los.” Cede a forças tantas o Homem Rei, o Rei
vencido: novo Tibério virtuoso no Senado, aparece diferente no Império. Ele
já não é livre; obedece servilmente às paixões de seu vencedor: ele conhece

* Mentiris, credo; recitas mala carmina, laudo;


Cantas, canto; bibis, Quinctiliane, bibo.
[Mentes, acredito; recitas maus versos, louvo;
Cantas, canto; bebes, Quintiliano, bebo].
MARCIAL.

189
o mal, e abraça-o: vê o bem, e reprova-o: ele antevê precipícios, e corre para
eles: ele pretende amor, e respeito, e só alcança ódio, e desprezo. Tanto, e
tão pernicioso é o Poder dos Conselheiros pérfidos! Eu vou esclarecer, e
provar com fatos estas proposições. Contra Inimigos tais eu vou armar as
Nações, e os Reis.
O Ente Supremo, compadecendo-se, ou irando-se de ver os Racionais
confundidos com os brutos nas trevas da ignorância, vibrou o raio da Luz
Verdadeira, iluminou a Europa; e foram vistos em toda a extensão de seu
horror o Despotismo, e a Escravidão: divisaram-se também quase extintos,
ou apagados os caracteres, com que estavam escritos os Direitos do Homem;
mas a Humanidade aflita serviu-se do sangue do mesmo, que estava vertendo
golpeada pela Tirania, e com ele os avivou. Qual é hoje o Racional, que os não
lê, zeloso de recuperá-los, de mantê-los e exercitar contra aqueles Monstros!
Viu-se então um Napoleão Bonaparte, em cuja presença, ou a cuja voz
os Reis orgulhosos e Despóticos tremeram humilhados, tragaram o fel das
privações, do aviltamento e da morte. Esse mesmo Napoleão, incorrendo nos
crimes, de cujo castigo fora instrumento, declina no apogeu de sua grandeza,
é vencido, deposto do trono, preso e desterrado. Quem lhe deu e tirou tanto
Poder? Foram os Povos, os Homens já cansados, e exasperados de sofrer
Prepotências, e vontades sem lei. Estes Agentes ainda existem, cada vez mais
ilustrados, e decididos para sustentar a sua liberdade, para esmagar a Tirania
debaixo da preponderância da Justiça.
Depois dessa época de luzes, todos os Racionais ficaram convencidos
de que os Reis o são como, quando, e enquanto os Povos querem.
Se o Rei é justo, se cumpre fiel o contrato tácito, ou expresso, que fez
com a Nação, e os deveres, que lhe impõe o Bem das sociedades, é amado,
é defendido por ela; porém quando ele negligencia suas obrigações, abusa
das rendas públicas, e das particulares, calca a virtude, e protege o vício:
ela então reclama os Direitos cardiais da sua conservação; declara que não
quer esse Governo, ou quer mudá-lo, ou reformá-lo. E quem se lhe oporá?
O mesmo Rei? Ele começava por justificar o procedimento da Nação,
provando, que preferia seus erros ao bem, e sossego dela. E com que força
se armaria? O soldado jura defender o Rei, e a Pátria, enquanto estas duas
entidades formam um só corpo político; mas, se a discórdia as separa, fica
o soldado na colisão de perjurar, ofendendo a Pátria, para defender o Rei,
ou vice versa; e qual partido escolherá? Escolhe o que lhe apontam; o que
lhe inspira aquele amor fiel, que aos Cúrcios, aos Décios, ao filho de Midas
fez suaves as covas, as chamas, as voragens: a Pátria, os Pais, os filhos, os
Irmãos, e Amigos chamam por ele; atende estas vozes; olha como um crime a

190
obediência ao Rei, que fica cercado apenas de volúveis lisonjeiros, de sombras,
que desaparecem, logo que se eclipsa a luz do trono; e fica finalmente... mas
ainda melhor, do que em breve descrição, vê-se seu retrato nos originais, que
temos em modernos quadros.
Se outro Rei, por ser vizinho, parente, e colega, intenta auxiliá-lo com
Tropas, parece impossível, que se determine a cometer esse máximo dos
atentados; pois não ignora, que vai infringir os laços mais sagrados da socie-
dade humana, e do Direito das Gentes, entrando injusta e ofensivamente em
uma Nação, derramando sobre ela as calamidades, a penúria, as mortes, os
ultrajes, as afrontas da Religião e da Humanidade. Além disto a sua mesma
Nação, já pungida das desgraças, em que pressupõe, e lamenta a invadida;
já incomodada de violências, e sacrifícios, que sofre, concorrendo para
aquele delito; já horrorizada de se ver covarde, e violenta cúmplice dele; e
reconhecendo-se por este motivo, além de outros, em que era parceira com
a ofendida, mais autorizada para imitá-la, surge também, ou se dispõe para
fazê-lo.
Os Soldados obedecem aos seus Chefes; uns e outros são amigos naturais
dos seus semelhantes; e por isso mesmo, que se honram distintamente em ser
defensores da liberdade e da paz de seus concidadãos, são também liberais
por especial dever; são os primeiros inimigos da escravidão. Indigno seria
um Militar de que a Pátria lhe confiasse uma arma, se ele usasse desta para
defender o Despotismo; se não tivesse pejo e horror de marchar pela vereda
da injustiça, e da vileza.
Obedecer, e respeitar a DEUS, e à Natureza, cujas Leis Ele ordenou, e
tem ensinado a entender, são deveres os mais antigos, poderosos e suaves,
cujo cumprimento há de ser preferido ao de quaisquer outros, quanto mais
ao de injustas Leis; a todos os interesses adventícios, quanto mais aos danos
da Sociedade.
Se a Nação, que pretende reformar seu Governo, vendo, que estranha
Força vem impedi-la, quiser apreender a pessoa do Rei e Real Família (com
a devida cortesia) em penhor de sua segurança, e disser: “ou a nossa justa
liberdade, ou a extinção desta Dinastia:” que fará o indiscreto Agressor?
Ceder? sim; porque para domar e assolar uma Potência, ainda que ele tenha
coragem e temeridade, nunca terá forças dispostas a essa carnagem; nem
seus Exércitos disponíveis equivaleriam a uma massa Nacional, cuja união
e entusiasmo heroico foi e será sempre proprietário das vitórias. Quando o
Rei der passos tão extraviados da prudência e da justiça, deve temer que a
Força mesma, de que abusa, castigue-o, verificando-se: Actorem feriunt arma

191
retorta suum:1 deve esperar a sorte de um Pedro cruel, e da maior parte dos
Déspotas de todos os séculos.
Apesar destas considerações importantes, contra a íntima convicção
destas verdades prevalecem as Leis escritas por férrea mão no Código do
Despotismos, das quais o Conselheiro é Ditador, Intérprete e Executor; o Rei
iludido lhes obedece, e por elas se determina: Ele oprime a Nação, dobra-lhe
os grilhões, atrai sobre ela a guerra, ou a constrange a fazê-la, e não sabe
conhecer o seu erro, nem pode ser desenganando; porque a intriga cautelosa
o circunda com a nuvem de fumantes incensos, que a adulação ministra, para
que ele, olhando do elevado sólio para baixo, não veja o desgraçado Povo:
Ele aturdido pela estrondosa melodia dos aplausos, não ouve os clamores da
justiça. Enfim o horizonte dos Reis acaba na periferia do círculo maior, que
os rodeia; e daí para diante toda a influência é dos Planetas, e dos Satélites,
que o povoam.
Não é contudo o Rei inacessível aos remorsos, aos sustos e aos revezes,
com que vem a ser punido pelos crimes, que o são dos Conselheiros, e para
que Ele não é mais do que involuntário instrumento, e necessário responsá-
vel. Ah! Quantas vezes o infortunado Rei sente no trono uma masmorra, na
Coroa um tormento, na Majestade uma baixeza, na opulência uma penúria!
Quantas vezes a Nação na mesma constância de seu sofrimento acusa a
ingratidão do Rei que a maltrata: enquanto o Conselheiro ardiloso imputa
com simulada obediência, e com sua própria impunidade os excessos de sua
ambição, venalidade, e vingança aos do régio arbítrio; e logra encobrir assim
com os créditos de Patriota o caráter de traidor!
Horrendo e execrando monstro, que estiras, até que se partam, os nervos
da sociedade, que absorves, e devoras a Majestade Real, que consomes a
paciência dos Povos, autor dos Regicídios, das tiranias autor, Perfídia dos
Conselheiros, foge, treme. O Rei vai ser Constitucional; e a ser nulo o teu
poder.
Estão convencidos todos os Povos cultos de que devem eleger para
depositário, e administrador das Leis o mais sábio, e benemérito dos seus
Cidadãos; e depois que esta eleição perigosa foi substituída pela sucessão
hereditária; hereditárias virtudes, auxiliadas pela educação, prometem, e
dão quase sempre um Rei disposto para ser perfeito; mas, precisando este
em todo o tempo auxiliar-se de conselhos, procura Conselheiros: acertar na
escolha deles, é dificultoso; pois debaixo do mesmo uniforme de candura
externa existem os fiéis, e os pérfidos. A natural razão e a experiência devem

1
As armas que retornam ferem seu próprio utilizador.

192
ser consultadas sobre o modo de evitar os danos, que resultam daquela
dificuldade.
A verdade sobreposta a todos os respeitos, e afetos humanos, se declara
órgão da razão, e diz: Uma Constituição prudente é o escudo diamantino,
com que o Rei pode armar-se e cobrir-se; e em que as lanças, com que o
pérfido Conselheiro o investir, hão de resultar quebradas. Ela estabelece
os direitos do Rei, e os da Nação copiados do Natural, que aplicados pela
Filosofia Moral aos princípios da vida social, identificam para a cooperação
do bem público a vontade do Rei, e a do Povo, formando ao mesmo tempo
política harmonia entre a liberdade distinta de um, e de outro. Ela dá ao Rei
uma Soberania independente no Poder Executivo. Ela ordena a formação
das Leis de modo, que sejam sempre úteis, sábias, e suaves, e não produzam
pela força coerciva o ódio do mandado para o que manda; porque ambos
as formam. Pela Constituição é permitida a ilustração dos Povos, para que
vejam, e entendam, que não podem gozar felizmente as vantagens da socie-
dade, sem que cedam de parte de seus Direitos; e então já lhes não é pesada,
mas sim gostosa a falta dos cedidos. Por ela observa a Nação as urgências
públicas, aprova as contribuições, examina a inversão, e devida aplicação
delas: não lhe são violentas, nem estranhas, nem o Rei é exprobado, por havê-
-las imposto arbitrariamente. Por ela é o Rei o mais rico, o mais poderoso;
nenhum Cidadão, nenhuma Corporação, nenhuma classe lhe é superior, nem
ainda igual; é o mais amado, e até o mais venturoso: é mais livre para ser
justo; porque só pode o que a Lei quer, e esta não lhe consente escravidão
das paixões: é mais semelhante à Divindade; porque não pode ser injusto. A
Constituição desonera a consciência do Rei de responsabilidade pela admi-
nistração das rendas nacionais, pela deliberação nos árduos, e ponderosos
negócios: Ele representa tanto mais entre os seus Colegas, quanto mais unido
está com a Nação, e mais a felicita: Ele é constituído Pai de uma numerosa
família, que lhe obedece, e lhe consagra respeito, e amor filial, e a quem ele
conserva em concórdia fraterna por virtude das Leis: e em segurança externa
com vigilante, e sublime Política, apoiada na Força Militar.
Uma Constituição, que prepara para o Rei um trono, onde residam sem
violência a Dignidade Régia e a felicidade Nacional, é a que pode caracterizar
a reunião dos homens civilizados, distinguindo-a da dos irracionais, ou do
bárbaro Gentilismo.
Uma Constituição é dádiva do Céu ao Povo, que a merece: por ela é que
uma Nação sabe que tem Rei legítimo; e sabe o Rei que não pode deixar de
sê-lo, nem a Nação eximir-se de tê-lo.

193
O Rei, que jura e observa a Constituição, fica em majestoso sólio, longe
de remorso, de desgosto, do tropel de supérfluos cuidados, e longe de temo-
res: as Sociedades ocultas, os Iluminados, os Maçônicos, os Carbonários,
e todos esses espíritos zelosos dos direitos do homem, se conseguiram o
que pretendiam, já não têm, por que se queixar dos Reis; nem estes de que
temê-los. E, se esta era a pretensão deles, que homem de bem não a teria?
O Rei virtuoso e sábio não se julga ofendido pela Nação, que deseja
ter Constituição; bem conhece, que ela não pretende deprimir-lhe o poder,
por sofrer o abuso; mas porque treme da humana fragilidade, da perfídia
e destreza dos Conselheiros, temor bem fundado em funestos exemplos da
presente, das pretéritas idades; intenta evitar, que sejam repetidos. Para os
Alexandres, Titos, e Trajanos era talvez desnecessária Constituição; mas pode
ser, que lhes sucedam os Calígulas, e os Neros, que se apoderando da auto-
ridade franqueada às virtudes, abusem dela, para persegui-las, protegendo
os vícios. É preciso portanto levantar, enquanto há tempo, uma barreira,
que os Reis transpor não possam, para exceder os limites da Soberania. É
a Constituição.
Resta, que a experiência produza as provas evidentíssimas de tudo o que
a razão acaba de expressar. Seja-me lícito usar da mais eloquente e moderna.
Era o Príncipe das Astúrias (hoje o Rei Fernando VII) bem educado,
benigno, dócil, e prometia ser as delícias da Espanha; menor de 30 anos já
tinha em 3 lustros a lição de muitos séculos, e por ela sabia o que é ser Rei,
em que consiste a Soberania, de quem depende, como, e quando acaba; mas
sincero não sabia, nem podia conhecer e repelir a perfídia dos Conselheiros:
e a quantos excessos ela o conduz! Eu vou referir alguns, para dar maior
ressalto à gloriosa vitória, que ele alcançou contra os terríveis inimigos; e
ao maravilhoso efeito de uma sábia Constituição.
Os Conselheiros conseguiram que Fernando lhes tolerasse faccionar
um tumulto peculiar em Aranjuez, para destronizar a seu Pai Carlos IV;
que repetiu o protesto contra semelhante procedimento pela Carta de 22
de Maio de 1808. Desistiu Fernando do Direito à Coroa de Espanha, e se
contentou em ser um filho adotivo de Buonaparte. Ele desprezou as rele-
vantes ofertas do Grande George, propostas pelo honrado Barão de Coli.*
Entretanto a Espanha gemia tiranizada por José Buonaparte, que era de
fato seu Rei. Fernando e Carlos estavam nas circunstâncias de Henrique III,
quando deixou a Polônia, e passou a Cracóvia; os Espanhóis estavam nas

* Acontecimento referido exatamente no Correio Brasiliense.

194
dos Poloneses; mas o que fizeram? Empregaram esforços generosos para
sacudir o jugo da escravidão antiga, e da nova, formando uma Constituição
Política, invocaram o nome de Fernando, e lhe ofereceram um trono firmado
sobre a ensanguentada fidelidade, com que o haviam restabelecido. Fernando
presente o influxo da nobre gratidão, e se dá por feliz, quando o desempenho
dela lhe custa apenas a suspensão de supérfluos e onerosos poderes, e de
ilusórias grandezas; o que tudo valia menos, do que a incomparável glória
de ser o Rei da Nação, Mestra do heroísmo. Ele quer jurar a Constituição;
mas os Conselheiros pérfidos, abrindo o Código, acham em cada um dos 3
Títulos, Ambição, Venalidade, e Vingança, direitos, de que fazem sofísticos
argumentos, com que o movem para a contrária deliberação. Fernando
responde sempre equívoca e indecisamente, até seduzir os Elios, e conseguir
forças, com que entra em Madri, novo Napoleão, avivando as feridas, que o
Córsico rasgara; constrange a Nação a insultar a Divindade com o perjúrio;
e insulta ele mesmo a Natureza, a Humanidade, as Leis nas severas, e cruéis
providências, que dá para desfazer as Cortes, e a Constituição; e se declara
absoluto Senhor. Conjecture-se por este exemplo, qual, e quanto pernicioso
é o Poder dos Conselheiros! Eles ainda ousaram a mais, e conseguiram
fazer o Rei seu órgão; pôr-lhe na língua a Dialética errada dos absurdos,
com que o persuadem. O Rei disse, que eram nulas as Cortes para fazerem
a Constituição, mas reconhece-as legais, para o chamar ao trono, vivendo
Carlos I que foram insolenes, porque não as convocara um legítimo Poder;
quando na ocasião, em que foram convocadas, estava habilitado qualquer
Espanhol, e até um só em Soberano para a manutenção do império.** Ele
contempla soleníssimas Cortes pelo vigor, que lhes atribuía, as tumultuosas
aclamações em Aranjuez. Ele disse que a violência extorquira; e por isso nuli-
ficara o juramento prestado à nova Constituição; e queria que fosse valioso
aquele, que aos Povos ele fizera prestar, proferido pela expressão de 40.000
baionetas. Que só queria o bem da Nação; e impugnava a Constituição, que
o promovia. Que seria justo; e queria ser superior às Leis: confessava, que de
tempos em tempos se viam abusos de poder; e não estimava, que fossem evita-
dos, Ele enriqueceu os §§ 8.º, 9.º, 10.º e 12.º do Decreto de Maio de 1814,
datado em Valência, com promessas de moderação; mas o Despotismo dos
pérfidos rompeu por estas exterioridades, e se manifestou no § 14.º, quando
disse: É minha vontade, que entretanto etc. Que tristes ideias se ofereciam
então aos Espanhóis, e à Europa toda, que viam o miserando Rei atado ao

** Imperium etiam in uno superstite ex populo subsistere potest. Grot. T. 2. p. 549 e 541.
[O império pode subsistir em um único sobrevivente do povo].

195
carro triunfal da perfídia! Mas ah! o Céu piedoso conhecia, e compadecia as
virtudes de Fernando sufocadas pela ilusão; lembrava-se da fidelidade cons-
tante, com que a Espanha defendera sempre a verdadeira Religião. De repente
se executam as Divinas Providências: é Fernando ilustrado; divisa a fealdade
dos crimes, descobre as traições, forte e injusto calca aos pés as serpentes, que
o tentavam; caminha ileso sobre os áspides mortíferos, jura a Constituição,
abraça-se com a sua Nação, qual amoroso Pai com os reverentes filhos; e
assenta-se glorioso em um trono o mais seguro, defendido pelo valor, e pela
constância de uma Nação em tudo grande: cuidados e sustos inquietadores
não lhe revoam sobre a Régia fronte; os remorsos incitados pelas sombras
errantes, pelos Manes lacrimosos dos honrados Cidadãos, vítimas da tira-
nia, vão-se moderando satisfeitos pelo público e sincero arrependimento: a
segurança; o prazer, a paz velam em torno do leito de Fernando, presidem
a sua mesa e para toda a parte o seguem.
Eis patentes pela luz da razão, e da experiência os danos funestíssi-
mos, que aos Reis, e às Nações causam os pérfidos Conselheiros e Validos:
eis descoberta pelo mesmo meio a invencível arma contra tão formidáveis
inimigos. Ditosos os Reis, que delas usarem: venturosas as Nações, que lha
aprontarem.

Jam venit et Virgo, redeunt Saturnia regna.2

VIRG.

Portugal 20 de Janeiro de 1821.

M. – J. M. P. F. R.

Vende-se na Loja de Manoel Joaquim da Silva Porto, rua da Quitanda,


esquina da de São Pedro, por 200 réis.

2
A Virgem já chegou, o reino de Saturno retorna. Virgílio. N.T.: Écloga 4, v. 6.

196
16

PROJECTO
PARA
O ESTABELECIMENTO POLITICO
DO
REINO-UNIDO
DE
PORTUGAL, BRASIL E ALGARVES,
OFFERECIDO
AOS ILLUSTRES
LEGISLADORES,
EM
CORTES GERAES E EXTRAORDINARIAS,
POR
ANTONIO D’OLIVA DE SOUSA SEQUEIRA,
Tenente do 6.º Regimento d’Infantaria, Estudante do
4.º Anno Mathematico na Universidade de Coimbra

C O I M B R A,
NA REAL IMPRENSA DA UNIVERSIDADE. 1821.
Com Licença da Commissão de Censura.
E REIMPRESSO NO RIO DE JANEIRO.
1 8 2 1.
Com Licença.

197
I N T R O D U Ç Ã O.

Mui beneméritas e aparadas penas se tem ocupado, desde o Dourado dia


24 de Agosto de 1820, em propagar as benfazejas luzes do liberalismo, até
então ou fechadas no gabinete do Filósofo, ou foragidas com a expatriada
filantropia; mas no meio de tão belos escritos, no meio de tão aparado
Patriotismo, eu não vejo que se trate decididamente do ponto essencial da
nossa futura grandeza, qual é a união de Portugal com o Brasil; eu não vejo
neste ponto mais que algumas metafísicas espalhadas sem projeto, alguma
lógica sem plano.
A íntima união de Portugal com o Brasil é tão essencial para a nossa
futura prosperidade, e de nossos filhos, que, afora o sagrado Código
Constitucional, não descubro matéria mais digna de ocupar a pena do polí-
tico escritor. A imagem de um futuro grande majestoso é delicioso campo,
em que a nossa alma se apraz de espraiar as vistas pelas mais remotas
extremidades, que são tanto mais afastadas, quanto a nossa imaginação está
longe de ser marcada por alguns limites: dom sublime, de que a natureza tão
distintamente nos quis ornar, para fazer-nos duplicadamente venturosos, e
que deixando hoje os abismos da ignorância, levanta altiva cabeça, e mostra
aos Portugueses, já sem egoísmo, e já com Pátria, qual ventura procurem
aos seus netos.
É hoje sem dúvida que os nossos Ilustres Legisladores, ocupados em
lançar bronzeados alicerces a um grande futuro, devem alargar as suas vistas
pelas vastas descobertas desses heroicos Portugueses nossos passados, e traçar
tão sábias linhas, que venham a reunir em um centro comum o produto
de tantos trabalhos o cimento de tanta glória. Qual deva ser este centro, a
perspectiva do grande quadro Português o está mostrando, a simples vista de
um mapa no-lo indica. Mas nem por isso, que estamos vendo e entendendo,
se inclina a nossa franqueza a declará-lo, a vontade de agradar, de ser bem
visto é superior à liberdade do entendimento, e os nossos escritores, bem
que o sintam, não querem declarar doutrinas, que estão em oposição com o
público desejo. A máxima de que todos os nossos infortúnios provinham no
estabelecimento de Sua Majestade no Brasil, está tão arraigada do coração
da maior parte dos Portugueses, que na verdade com alguma razão deixam

198
os escritores de contradizê-lo, podendo aliás demonstrar evidentemente não
ser esta a origem do mal.
Conheço que numa época, em que é necessário conciliar os ânimos,
convém lisonjear-lhes o entendimento; mas faço mais justiça aos meus
Compatriotas: a ninguém julgo tão falto de luzes, que não conheça hoje de
onde eram provindos todos os seus males! que não conheça, que a destrui-
dora política dos Ministros de Sua Majestade era quem fazia acarretar sobre
nós o sem número de misérias, que nos oprimiam! que não conheça, que
a nossa dependência absoluta da Corte do Rio de Janeiro era quem dava
pasto a todos esses Abutres alimentados na podridão do vício! que não
conheça, que a saída sem conto do nosso numerário exauria as fontes da
nossa riqueza! que não conheça, que a falta de recíprocas leis de comércio
bem executadas trazia a nossa decadência! que não conheça, que o escasso
terreno de Portugal, sua diminuta população relativamente com as grandes
Potências da Europa, a infância do Brasil, e sobretudo o mau regime disto
mesmo, junto com a nomeação de Diplomáticos ignorantes, mal versados
e egoístas, fazia-nos ter pequena consideração na Europa; fazia-nos assinar
Tratados vergonhosos, e ter demasiada condescendência com os Estrangeiros;
fazia-nos enfim pequenos de grandes, que já fomos, em valor, em política, e
em riqueza! Faço mais justiça aos meus Compatriotas, eu o repito; eles todos
conhecem melhor, quais devem ser hoje as suas verdadeiras vistas, todos se
ocupam em planos de melhoramento, todos se nutrem em deliciosos futuros,
aliás bem fundados, porque ninguém na Europa, se excetuarmos a Nação
Espanhola, está em começo de maiores venturas; todos finalmente estudam
a carreira da sua felicidade; mas não obstante, diviso aqui um vazio, que
quisera ver preenchido: a união de Portugal com Brasil será o fundamento
da nossa perpétua grandeza, e sem isto, receio que seja apenas temporária.
Guiado por estes princípios, vou a expor aos meus Compatriotas, qual
me parece deveria ser a nossa política em circunstâncias tão melindrosas,
bem persuadido, que eles reconhecerão as minhas opiniões, como nascidas
do zelo da nossa grandeza, e nunca provindas de interesses particulares, pois
nenhuns me animam, a não ser os que me façam Cidadão livre, e benemérito
filho da Pátria. Esta liberdade, que já gozamos, deixa a estrada desemba-
raçada, para que os meus Compatriotas ou exponham as suas opiniões, ou
contestem as minhas; contudo ficarei contente, e só não posso renunciar à
liberdade e franqueza de expor as minhas.
Tratarei primeiro de alguns Problemas, que servirão como de base ao
meu projeto.

199
I. P R O B L E M A.
Será interessante a Portugal a união com o Brasil?
Digo que interessantíssima: demonstra-se. Portugal, considerado em
relação às outras Potências da Europa, hoje todas engrandecidas, é um
limitado Reino, que não pode deixar de ser influenciado por alguma das
outras Nações: Portugal, quando tenha estabelecido o seu bom regime,
mais bem distribuídos os seus bens, povoado todo o seu terreno, revolvido
todo o seio do seu chão, virá a ser jardim do mundo, as delícias da terra;
mas nem por isso poderá crescer em extensão, ou ser avultadamente rico:
Portugal, levado ao maior grau de extensão da sua agricultura, mergulhado
no clima mais saudável da Europa, e embelezado com todas as perfeições
da arte, será invejado, e apetecido por todos esses ambiciosos mandões, que
em nenhum tempo deixam de aparecer. Ora se Portugal, por pequeno, não
pode deixar de submeter-se ao apoio de outra Nação, se ele não pode ser
mais que medianamente rico, considerado por si só, e em relação aos seus
gêneros de exportação; se ele por estes princípios, e por ser um país agradável,
pode tornar-se presa da ambição, e ainda da política, não obstante o valor
indomável de seus habitantes, segue-se, que Portugal, para ser independente
em sua liberdade, procurará sempre outra Potência, que o ajude a se defen-
der: mas se o Brasil, povoado que seja, toma o eminente lugar das primeiras
nações do mundo, se ele, pelas suas imensas riquezas, pode ter uma grossa
marinha, com que nos ponha a salvo de todas as ambições ou políticas, se
nele enfim achamos todos os recursos da nossa independência, que tanto
vale, como achá-los em nós mesmos, por ser habitado por nossos irmãos,
por Portugueses; temos portanto ali tudo o que precisamos; e provado que
a união de Portugal com o Brasil não é interessante, mas interessantíssima.

II. P R O B L E M A.
Será interessante ao Brasil o ligar-se com Portugal?
Digo que lhe interessa presentemente, mas que para o futuro lhe é indi-
ferente, e pode existir independente de alguma colaboração: demonstra-se.
Enquanto o Reino do Brasil, se não povoa, enquanto não tem uma fácil
comunicação entre as suas remotas extremidades, enquanto finalmente não
é aquilo, que necessariamente há de vir a ser = em tudo grande; = precisa
o Brasil de nós, já pelo nosso valor sempre formidável, e sempre pronto a
empreender o que é maior, já pelo adiantamento, que possuímos em manu-
faturas, já pela indústria, que o sobejo da nossa população pode fomentar no
Brasil, já pela unidade de sentimentos, que precisa ter, para se não dividirem,

200
e já pela muita colaboração de diversos modos, que de nós podem receber;
logo não padece dúvida, que lhe convém a sua união com Portugal: prove-
mos a segunda parte. Por maiores que sejam ao presente as dependências
do Brasil, por maior colaboração, que agora lhe seja necessária, esta acaba
logo, que tenha crescido em população, indústria e riquezas; ora tudo isto
pode ser para o Brasil quase momentâneo. Não nos é estranha a rapidez, com
que se povoaram os Estados Unidos da América, sendo um país afetado de
perigosas doenças; ninguém duvidará da rapidez, com que pode ser povoado
o Brasil, país fertilíssimo, e geralmente falando, de excelente clima, e que
só precisa liberdade, providentes e ativas instituições. O Brasil, logo que
chegue a este adiantamento, nada pode temer: como Estado na América, é
superior a todos os seus vizinhos; como Nação do mundo, será talvez única,
que nada precisa de outras; e seu clima próprio para todas as produções da
natureza, os seus portos majestosos, a sua proximidade com a Europa, fará
esquecer aos Europeus essa remota Índia Oriental, esse contínuo sorvedouro
de nossas riquezas representativas, e insensível paralisante das puramente
reais: elevado a este grau, de que precisa o Brasil? Não só é independente
das outras nações, mas até as pode exceder; e por conseguinte Portugal só
lhe pode interessar, como Povo comerciante, e jamais como Povo de quem
dependa, ou precisa: logo ninguém duvidará, que para o futuro pode ser
indiferente ao Brasil a união com Portugal.

III. P R O B L E M A.
Qual deve ser a política dos Portugueses da Europa, para conservarem
todas as suas vastas possessões debaixo do nome do Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarves?
Digo que a de conservarem o estabelecimento de Sua Majestade no
Brasil: demonstra-se.
A parte maior não cede à menor: o Reino do Brasil, ainda que agora, por
e[a]spirar a sua liberdade, mandasse os seus representantes a Lisboa, jamais
o faria para o futuro; e o dia em que Sua Majestade se ausentasse das suas
praias, deixando-lhe a obrigação de mandar os seus representantes a Lisboa,
prepararia a desunião do Brasil com Portugal; e os Brasileiros estendendo os
olhos pelos vastos mares, que nos separam, e ondas, que os agitam, fariam
voto de jamais esperar pelo que lhes levasse à mercê dos ventos, a doçura
dos mares; e eis aqui Portugal com o seu Rei é verdade, mas sem o Brasil,
que tanto lhe interessa.

201
A Metrópole do Reino Unido Constitucional dos Portugueses, conser-
vando-se no Brasil, e fazendo aí um perpétuo estabelecimento, depois de lhe
ser levada a Constituição tão livre, como se está formando, e que não pode
deixar de agradar aos Portugueses do Brasil, como remédio salutar de todos
os nossos males, evita todas as dificuldades, e põe o selo a nossa grandeza;
porque até nem é admissível, o pretendido jus de Portugal ter em si El Rei:
o tronco e a cabeça formam a maior parte de corpo, e a essência da vida;
os membros extremos formam parte do todo, mas não são essenciais para a
existência; ora sendo Portugal em relação ao Brasil, apenas um dos membros
extremos, ou uma fração, não padece dúvida, que o grande corpo Português
ficaria informe com a cabeça fora do tronco, ou numa das suas frações. Por
outro lado também não é menos inadmissível, o dizer-se que o Brasil deve
ceder à Mãe-Pátria, e contentar-se com um Vice-Rei; na verdade, que a expres-
são tem eufonia, mas claramente manifesta um absurdo, porque é fora de
todo o encaixe, que o Reino seja sessenta vezes menos, que o Vice-Reinado.
De tudo se segue, que a maneira de nos unirmos, e formarmos um corpo
bem organizado, não pode ser sem conservar no Brasil a Metrópole do Reino
Unido, ou a cabeça deste corpo: logo esta deve ser a nossa política.

P R O J E T O.

Postos os Princípios estabelecidos, e conhecidos os nossos verdadeiros


interesses, nada é mais fácil, do que conceber desde logo, qual será o meio
de nos unirmos, e ficarmos todos satisfeitos e livres. Não é provável, que
os Portugueses do Brasil deixem de aceitar o Código Constitucional, e eles
serão tanto mais prontos, quando souberem que nós lhe desejamos a mesma
liberdade, que possuímos, e que jamais consentiremos, que sejam menos
livres: que nós temos deliberado ceder-lhe a posse de El Rei, e a política de
preparar o engrandecimento do Brasil, e do vasto Império Português. = Tudo
a meu ver se alcança do modo seguinte. =
Primeiro. Faça-se um Código geral para todos os Portugueses, e nele se
declare, que o Rio de Janeiro (ou Bahia) será a Capital do Reino Unido de

202
Portugal, Brasil e Algarves, a residência d’El Rei Constitucional na Dinastia
de Bragança.
Segundo. Que haja uma representação na Corte, ou residência de El Rei
composta dos Portugueses do Brasil, e Possessões da Ásia e África, e outra
na Capital dos Reinos de Portugal e Algarves, composto dos Portugueses
residentes nestes Reinos e Ilhas adjacentes, em que se compreenda a Ilha
da Madeira, e ainda alguns estabelecimentos da África, que fiquem mais
próximos de Portugal, do que do Brasil.
Terceiro. Que seja da nomeação de El Rei um Vice-Rei para Portugal,
a quem dê todos os poderes de sancionar leis, distribuir mercês, dispor do
exército, eleger os Bispos e os Generais, e ainda os Títulos, tudo em nome
de El Rei, e com o PLACET; mas sem prejuízo dos nomeados, para que não
seja necessário aos Portugueses da Europa mendigar favores no Brasil.
Quarta. Que o Vice-Rei nomeado deve ser ou Irmão de El Rei, ou
seu Filho, e na falta destes o Parente mais próximo da Casa de Bragança,
mas nunca o Primogênito, ou a quem competir a Coroa por sucessão, e
ainda quando aconteça, que, por alguma causa venha a pertencer a Coroa
ao Vice-Rei, deve ficar estabelecido que seja Rei, indo residir na Corte do
Reino-Unido Português, e nunca em outra parte, por evitar infrações, que
para o futuro possa haver.
Quinta. Que se evite a vinda de Sua Majestade, e do Príncipe Real
Duque de Bragança (salvo se quiserem vir para voltar); mas que depois de
jurada a Constituição por Sua Majestade, e admitida em todos os Estados
Portugueses, mande-nos o Senhor Infante Dom Miguel para nosso Vice-
Rei, e que assim se vá seguindo para o futuro, como está indicado no artigo
antecedente; sendo a nomeação ou vitalícia ou temporária à vontade de El
Rei, mas nunca por menos de 10 anos.
Sexta. Que os Portugueses residentes no Brasil não possam ter proprie-
dade em Portugal, e vice-versa; mas que devendo ser a nomeação de Ministros
Diplomáticos dos homens mais sublimes em talentos, seja onde for que
residam, estes estejam excetuados.
Sétima. Que se estabeleçam recíprocas Leis do Comércio entre Portugal
e Brasil, para que seja livre, e corra quase toda por suas mãos, o que se conse-
gue não pagando direitos de entrada, nem os gêneros de Portugal no Brasil,
nem os do Brasil em Portugal; sendo transportados em navios portugueses.
Desta sorte terão grande extração os nossos vinhos e manufaturas, e tornará
Lisboa a ser o armazém dos gêneros do Brasil para toda a Europa.

203
Obrando assim, vencemos todas as dificuldades, em nada compro-
metemos a nossa liberdade, nem prejudicamos os nossos interesses, mas
antes daremos ao mundo a ideia da nossa política, que a Europa imagina
tão atrasada; mostraremos aos Portugueses do Brasil, que somos fruto da
mesma árvore, que uma vez plantada, só o tempo e a nutrição fará robusta;
eles nos darão eternos agradecimentos pela liberdade, por que pugnamos,
e lhe oferecemos, e pelos desejos, que nos animam, da sua futura grandeza.
Eis o que tenho a expor aos meus Compatriotas, bem persuadido que
esta matéria, assaz delicada para ser dignamente escrita por tão imbecil pena,
não deixará de ser plenamente discutida pelo Soberano Congresso, de cuja
sabedoria e amor da Pátria, tudo devemos esperar.

204
17

Quaes são os bens e os males que podem resultar da liberdade da


Imprensa; e qual he a influencia que elles podem ter no momento
em que os Representantes da Nação Portugueza se vão congregar?

Perguntar se a Imprensa deve ser livre ou escrava, é o mesmo que perguntar


por outras palavras, se a Monarquia deve ser Constitucional ou absoluta.
Assim, pois que a Nação Portuguesa já solenemente jurou que quer ter um
governo Constitucional, parece que a questão já está decidida: contudo não
será ainda fora de propósito discutir suas vantagens e seus inconvenientes,
particularmente agora que as Cortes se vão congregar, e nelas se vão firmar
nossos destinos políticos.
A discussão pública das opiniões é um meio seguro de dar a conhecer
a verdade, e talvez ele seja o único: logo todas as vezes que o governo tem
sinceramente o nobre projeto de fazer conhecer a verdade, não pode tomar
outro partido que não seja o de permitir a todos uma discussão amplíssima,
e por consequência de estabelecer francamente o que se chama Liberdade de
Imprensa. Desde a época em que a arte de imprimir se inventou já não é por
discussões verbais, nem por teses, ou sermões que se as nações podem ilumi-
nar e instruir. As palavras passam, e esquecem: só a escritura as fixa e lhes
dá uma duração permanente. Além disso, as discussões verbais só chegam a
pouca gente, e só a escritura impressa é que pode ser geral, e por conseguinte
ser capaz de esclarecer um povo inteiro. Por melhor que certas verdades se
discutam em conferências particulares, nestas nunca podem entrar senão
pouco indivíduos, quer como raciocinadores, quer como juízes: têm demais
um tempo limitado; e acabado este, pode-se dizer que tudo está conhecido.
Mas não é assim que operam as palavras, ou discursos impressos: estas, e estes
são lançados, por assim dizer, dentro de uma vasta estacada, onde a todo o
cidadão é lícito entrar e combater, tendo por juiz a Nação inteira que pode

205
sentenciar livremente. Verdade é que este juiz supremo tem por muitas vezes
sido iludido em suas decisões, mas por os mesmos meios que foi induzido a
errar pode vir também a conhecer a verdade; porque o lugar do combate está
sempre aberto, e nele os combatentes nunca faltam. Assim, se o erro algumas
vezes triunfa é por um momento: não há superioridade de talento que possa
fazer tributar eternamente à mentira as honras que competem à verdade. Esta
pode mui bem por um pouco sofrer um eclipse, porém os eclipses na ordem
física e moral só podem ter duração limitada.
Eu tenho pois por princípio incontestável que a liberdade de discussão é
o único meio que há para dar a conhecer a verdade; e considero esta máxima
como a base fundamental de toda a permanência da liberdade civil e política.
Se nelas há inconvenientes, pode-se dizer que eles são mais prejudiciais a
certos indivíduos do que à pública felicidade: porque quem são em geral os
mais interessados em que certas verdades não sejam conhecidas? São, por
exemplo, os administradores do Estado, que sempre têm, e tiveram uma
grande aversão por todas as discussões em que seu comportamento pode ser
censurado. Portanto, só a estes pode ser desagradável, ou ainda prejudicial
a liberdade da Imprensa; mas será ela sempre mui favorável, e ainda mui
proveitosa para as nações que pagam e nutrem esses mesmos administradores
da pública e geral felicidade.
A quatro se podem reduzir os inconvenientes da liberdade de Imprensa.
O 1.º quando ataca os bons costumes: o 2.º quando ataca a religião: o 3.º
quando ataca os princípios do Governo Estabelecido: 4.º quando ataca a
honra dos cidadãos, o que ordinariamente se denomina libelo infamatório.
Quanto aos ataques contra os bons costumes, já estes se acham proibidos
por a lei natural, que é a lei comum de todas as nações; assim já não precisa
a Imprensa neste ponto de um regulamento especial; porque tão criminoso é
ofender os bons costumes por meio de um escrito indecente como de palavras
indecorosas: e a lei, que se aplica a esta, é também aplicável a aquelas. Sim,
todo o indivíduo que dá escândalos públicos quer seja nas ruas, quer em públi-
cas assembleias, por meio de indecentes palavras, é em qualquer país policiado
tão digno de castigo como aquele que, em vez de falar, escreve ou distribui
escritos indecentes: antes da invenção da Imprensa já isto era um crime, e já
este crime era punido por as leis. Contudo, depois da maravilhosa invenção
da arte de imprimir, todo o homem, que for justo, confessará que em vez de
ela ter dado impunidade a tais delitos, antes, bem por o contrário, deu-lhes
uma nova e maior responsabilidade: porque todo o autor que imprime, dando
com isto maior publicidade a seus escritos, expõe-se mais descobertamente
a ser punido no caso de ofender os bons costumes. Assim, bem longe de a

206
liberdade da Imprensa dar impunidade a estes delitos, é ela que mais serve para
coibi-los, por o perigo em que põem os seus autores. Um só exemplo provará
o que dizemos. Imprimem-se, certamente, livros obscenos em Inglaterra, onde
a Imprensa é livre, porém igualmente os mesmos livros se imprimem ou [se]
têm impresso nos países em que ela não o é: e qual é o resultado? É que em
Inglaterra os autores mui dificilmente escapam à severidade das leis; e que
nos outros países mui dificilmente são eles, ou podem ser punidos: porque o
crime aí se comete, por assim dizer, à traição, e às escondidas.
O mesmo argumento é também aplicável aos crimes da imprensa livre
contra o Governo, religião, e caráter dos cidadãos. Em todos estes casos a
liberdade da Imprensa, em vez de dar impunidade, aumenta a responsabilidade
dos escritores ou publicadores; e por uma mui clara e óbvia razão a publici-
dade diminui a ocasião e frequência dos delitos. Nunca se cometem tantos
crimes em lugares frequentados como entre os bosques ou desertos; e nunca
nas ruas de uma cidade são tão frequentes os roubos, quando elas estão bem
iluminadas, como quando se deixam às escuras: a escuridão é mãe de crimes;
a luz como sua inimiga, é a grande defensora da verdade.
Para impedirem a publicação de opiniões contra a religião, e contra o
Estado, recorrido têm as autoridades, auxiliadas por o Poder civil, à prática
absurda de nada deixarem imprimir sem a aprovação expressa de um censor.
Porém, se antes de recorrerem a esta assassinadora operação, tivessem refletido
que as opiniões errôneas nunca podem ser tão cabalmente destruídas como
por essa mesma liberdade de discussão que procuram impedir: se, como bons
cristãos, tivessem advertido que as portas do inferno nunca hão de preva-
lecer contra as doutrinas da Igreja: e se enfim tivessem ponderado, que sem
um franco e livre exame das máximas do governo, nem aquelas se podem
considerar as mais acertadas, nem este pode adquirir popularidade, requisito
necessário para governar com proveito: então, por certo, todos os inimigos
da liberdade da Imprensa, e todos esses famosos operadores da Castração
literária teriam visto que bem longe de a liberdade de escrever se opor aos
interesses dele, antes é o seu melhor advogado. Censurar os escritos, antes de
serem impressos, é o mesmo que pretender coarctar o pleno desenvolvimento
das ideias humanas: é reduzir à classe de pigmeus muitos entes a quem a
natureza criara talvez para serem gigantes: e é, em uma palavra, operar no
entendimento humano o que hoje um luxo extravagante opera em nossos
jardins, onde vemos árvores majestosas reduzidas à mesquinha situação de
engoiadas árvores anãs, encarceradas em um vaso! Legisladores, e Regedores
dos povos! Ainda quando não seja por o interesse público, ao menos por vosso
próprio e particular interesse não transtorneis as mais nobres obras de Deus!

207
E que outras mais nobres do que as do entendimento e da razão? Só no meio
da escuridão e das trevas é que se formam as intrigas, e se tramam conspira-
ções e cabalas: e desta região das trevas saem de ordinário acontecimentos,
ainda mais funestos para os governantes do que os governados. Quantos se
conservariam ainda hoje sobre os pedestais do poder senão houvessem sido
estupidamente teimosos em conservar as nações às escuras! Atentem pois bem
para seus interesses, governantes e governados! A luz da Imprensa ilumina
o caminho de todos: e quando se marcha por caminho alumiado nenhum
perigo há de cair.
É com efeito um grande mal que se insultem os cidadãos com o que
se chama libelo infamatório. Porém procedem só os libelos da liberdade da
imprensa? Em nossa opinião, todos os libelos que se imprimem livremente
são menos mordazes, e por consequência menos perigosos, do que os que
circulam ocultamente, ou às escondidas. Ora como é impossível impedir esta
espécie de ataque individual, porque tão usual e familiar é ele nos países em
que há liberdade de imprensa como naqueles em que a não há: logo melhor
é que tais ataques se façam às claras, e com toda publicidade do que às escu-
ras, e em ar de traição. Quando um autor escreve uma sátira ou um libelo
contra qualquer indivíduo, e sabe que esta sátira, ou libelo só pode correr
às escondidas, não dá termo nem medida às suas expressões; derrama nelas
todo o fel do rancor ou da calúnia; e nunca receia ferir mortalmente, porque
está quase certo da impunidade.
Porém se este mesmo autor tem a grande Estacada da imprensa aberta
para dentro dela combater seu inimigo, recorre de ordinário a ela, e já então
mede e pondera seus ataques, porque sabe são feitos diante do público, e nele
pode achar antagonista que lhe venha sair ao encontro. Assim, pois que é
impossível impedir que haja sátiras ou libelos, que a Imprensa seja livre, ou
seja escrava; melhor é que estes ataques se façam lealmente, e em público,
do que traiçoeiramente, e às escondidas. No primeiro caso há sempre um
indivíduo responsável, que é o Impressor dá sátira ou libelo; no segundo só
por a imoralidade de um ou outro espião, ou de um ou outro denunciante
se pode dar com o autor do escrito criminoso. Quanto mais, a liberdade da
vingança produz muitas vezes a generosidade: e tal homem há que se não
vinga só porque tem liberdade de fazê-lo. Assim por esta mesma razão de se
dar, por a liberdade da Imprensa, facilidade às injúrias pessoais, e de estas
serem públicas, e responsáveis diante da lei, natural é que elas diminuam, por
a mesma liberdade que há de dizê-las, e imprimir. Mas ainda quando assim
não seja, há sempre um meio seguro para punir tais delitos, meio mui difícil
de achar quando toda a sátira, ou libelo é oculto, por não ser livre imprimi-lo.

208
Agora que sumariamente temos exposto os bens e os males da liber-
dade de escrever, bom será que apliquemos os mesmos princípios à época
presente, época, em que a nação Portuguesa se vai por seus representantes
congregar para discutir seus maiores interesses. Creio que ninguém duvidará
que é absolutamente necessário que a discussão de todos os objetos que em
nossas Cortes se hão de tratar, se faça com a mais ampla liberdade; sem esta
liberdade é impossível conhecer a opinião pública, e por ela a verdade. Nem
valha dizer que se deve limitar a mesma liberdade aos objetos, que se houve-
rem só de tratar nas ditas Cortes. Porque, qual é o homem que de antemão já
pode mencionar todos os assuntos que nelas se hão de discutir? E dependerão
estes da autoridade de um censor, que os haja de marcar, ou lhes dar limites?
Sendo isto assim, meia dúzia de censores formaria de fato a representação
nacional, porque a ninguém, senão a eles, seria permitido ajuizar livremente
dos objetos políticos.
Mas não são unicamente os Deputados em Cortes que precisam ser instru-
ídos: eles são os representantes da nação, e como assim dela só é que podem,
e que devem receber suas instruções. Logo antes de tudo convém instruir a
nação para que ela saiba o que lhe compete encarregar a seus delegados; e
sem liberdade de Imprensa nunca ela poderá ser instruída. Uma assembleia
nacional, sem liberdade de imprensa, formará sempre uma representação infiel;
e uma nação, sem a mesma liberdade, será mui semelhante a um proprietário
que ignora seus títulos, e que por conseguinte é incapaz de os reclamar quer por
si, quer por seus procuradores. Se a nação Portuguesa houvesse, por exemplo,
sido instruída, como hoje o pode ser, nos princípios do século XVIII, nunca ela
teria consentido em que pacificamente se lhe tivessem usurpado seus direitos.
Com razão grandes coisas nós hoje esperamos de nossas Cortes extraordiná-
rias, que em breve tempo se vão congregar, mas para que as esperanças da
nação não fiquem frustradas, necessário é que por via da imprensa livre ela
expresse abertamente seus desejos; seus Representantes os conheçam; e em
conformidade deles se renove entre o Rei e o Povo o Pacto Social.
Que a liberdade de discussão seja essencialmente necessária para conhecer
a verdade das opiniões, é um princípio adotado até por o mesmo despotismo,
aborrecedor de todas as luzes, no caso seguinte, isso é, prática Judicial, ou no
Foro contencioso. Os Advogados nas causas civis, e mais amplamente ainda
nas causas crimes, não estão sujeitos a censura alguma em todas as acusações
ou defesas que fazem. São, em verdade, repreensivas, e estão sujeitos a castigo
quando abusam da liberdade que seu ministério lhes dá, porém nunca são
condenados senão depois de provar-se que tiveram outras intenções além
daquelas de bem cumprir com o nobre emprego que tem. Assim de fato se vê

209
que os Advogados em toda a parte da terra gozam de tão extensa liberdade
de falar e discorrer como gozam, por exemplo, os escritores em Inglaterra,
onde a liberdade da imprensa é a mais ampla que se tem visto entre todos os
povos civilizados do mundo. Apesar de que mais de uma vez os Advogados,
sob pretexto de defenderem seus clientes, tenham abusado dessa sua liberdade,
e hajam empregado sátiras violentas e atrozes; apesar de que os Juízes e o
público por muitas vezes se tenham indignado contra suas ousadas demasias;
assim mesmo todos têm sido de unânime opinião, que mui perigoso seria
coarctar, ainda levemente, a liberdade nos processos judiciais.
Ora se até o mesmo despotismo não se tem atrevido a negar a liberdade
de discussão no caso que deixo apontado, qual será o governo de uma Nação,
que quer ser livre, que possa persuadir-se não ser necessária esta mesma liber-
dade para discutir assuntos, que não interessam só a um ou a outro indivíduo,
mas interessam a todas as classes de cidadãos, desde o palácio do Rei até a
choupana do mais pobre lavrador? Nossas Cortes vão a ser, sem dúvida, um
grande e solene tribunal, em que os interesses nacionais hão de ser publica-
mente discutidos; e será possível que se refuse à nação aquilo que todos os
Juízes concordam é preciso amplamente conceder a todos os particulares?
Se todos os inconvenientes da liberdade do Foro isto é, seus excessos, ou
suas sátiras mordazes, não se têm considerado até agora superiores a outro
ainda maior mal que haveria com a falta dessa liberdade; como podem os
inconvenientes da liberdade da Imprensa, por grandes que sejam em certas
ocasiões, impedir que se estabeleça por lei imediata, uma livre e amplíssima
discussão de todas as opiniões, particularmente em matérias políticas? Quem
isto impedisse, ou pretendesse impedir, seria o mesmo que declarar que os
interesses individuais são superiores aos grandes interesses públicos ou aos
interesses de todos.

REIMPRESSO NA REAL TYPOGRAPHIA


DO RIO DE JANEIRO ANNO DE 1821.
Com Licença
___________________________________________________
C. P. V. 3. n. 30. Vende-se na rua da Alfândega N. 14.

210
18

Qualidades que devem acompanhar os Compromissarios e


Eleitores. Extrahido do Genio Constitucional N.º 39

DA escolha dos bons Eleitores depende a eleição dos bons Deputados. É o


que geralmente se ouve dizer a todos os habitantes da cidade Restauradora:
a mesma verdade sem dúvida se repete na Capital, e por todo o Reino.
Este sentimento comum denuncia o voto geral da Nação. Ela quer dignos
Eleitores na firme esperança de chegar a ver Cortes, formadas por legítimos
Representantes da Sua Soberania.
Mas que é um bom Eleitor? Convém fixar esta ideia principal, que deve
regular o acerto das primeiras Eleições: porque depositando a Nação todos
os seus direitos neste menor número de cidadãos, que há de nomear outros,
progredindo sucessivamente até ao voto final de se alegarem os Deputados
das Cortes das Capitais das Províncias, vê-se bem, que estas primeiras elei-
ções de Compromissários e Eleitores são as que rigorosamente pertencem à
massa geral da Nação. Portanto os Compromissários, e os Eleitores devem
merecer a confiança pública de manejarem retamente a soma dos direitos
individuais, de que são depositários. Esta confiança é naturalmente fundada
em dotes pessoais.
As qualidades indispensáveis do bom Eleitor1 se reduzem a que esteja
animado do Amor do Bem público, tenha uma madura circunspecção, e inte-
gridade de consciência: porém sendo estes dotes puramente internos, importa
haver-se feito conhecido por ações externas: por isso a experiência somente
saberá dirigir as eleições dos Eleitores, a fim de serem menos arriscadas. É
necessário, que o cidadão Eleitor tenha probidade reconhecida: porque nesta
crise a honra da Pátria depende da honra do cidadão particular, que não
pode ser provada, senão pelo quadro de sua conduta pública. A nomeação de
um Eleitor vale o mesmo como se o Povo lhe dissesse = Nós te conferimos o
Direito de nomear o cidadão, que defenda a nossa Religião, e a Dignidade do
nosso Rei; que nos faça boas leis, que nos restitua nossos foros, e privilégios,
e nos livre para sempre das cadeias da arbitrariedade e do despotismo = Se o

1
Neste artigo as palavras Compromissário e Eleitor são empregadas como sinônimos.

211
Eleitor não tiver probidade, para usar bem destes absolutos poderes, que se
transferem à dele só, será menos escrupuloso em trair os seus outorgantes:
dispondo dos direitos transferidos, segundo suas inclinações particulares,
ou a impulso de cegas paixões, e não conforme as necessidades da Pátria,
que lhe forem manifestamente expressadas nos desejos do Povo. Portanto
escolher Eleitor, cuja probidade, e moderação atestem uma consciência reta,
e desapaixonada.
Além disto cumpre ser prevenidos, de que nem todos os homens de
probidade são dotados da fortaleza de ânimo que é necessário para levar
ao cabo grandes ações: alguns há de notória probidade, que não possuem o
dom da penetração, para desmascarar perigosas insinuações, nem a resolu-
ção precisa para desprezar sugestões malévolas: o que nos obriga a procu-
rar essencialmente ao Eleitor a firmeza de caráter, e madura reflexão, que
lhe são necessárias para evitar extremos opostos, não cedendo a respeitos
humanos, nem resistindo pertinazmente a bons conselhos. Feita a eleição
dos Eleitores, não faltará, quem empregue todos os meios possíveis de os
inclinar à nomeação deste, ou daquele Deputado, falando muitas vezes da
sua capacidade, louvando-o com exageração, e até pondo em prática as
armas infames do suborno.
As primeiras tentações da Eleitor sem dúvida serão as suas inclinações
pessoais, e amizades particulares; às quais ele deve ser inteiramente insensível
nesta delicada conjuntura, não reconhecendo motivo externo, que determine
o seu voto, senão o mérito pessoal do indivíduo; e no íntimo da sua alma,
o espetáculo futuro da utilidade comum, que as virtudes, e conhecimentos
do seu elegendo, poderão prestar à Pátria. Só a perfeita firmeza de caráter
coloca o Eleitor naquele grau eminente de independência e justiça, em que
não seja acessível a outros motivos determinantes, senão o mérito alheio,
e o bem comum. Não se acha esta firmeza de caráter em muitos homens
aliás dignos por outros respeitos de serem depositários dos bons desejos do
Povo: pelo que todo o cidadão do Povo deve ser circunspecto na escolha
dos Eleitores, nomeando homens de resolução, e ânimo firme; o que junto
com a probidade de caráter torna menos vacilantes as esperanças de Nação.
Porém a mesma probidade, e firmeza de caráter não bastam para indicar,
no Cidadão, o digno Eleitor, se lhe faltar um verdadeiro e decidido amor da
Pátria: por isso é necessário que o Eleitor esteja possuído dos legítimos senti-
mentos da dignidade, e da independência nacional, da igualdade dos direitos
de todo o Cidadão e da fraqueza igual em todos diante da Lei. Este decidido,
e luminoso amor da Pátria é o que presentemente se requer no Eleitor, a fim

212
de que ele nomeie deputados, imbuídos dos mesmos sentimentos patrióti-
cos, e demais dotados das luzes necessárias, para os manifestar, e defender;
fazê-los úteis e fecundos. Nós supomos no Eleitor, o que todos sabem ser
necessário, cabal conhecimento dos Cidadãos idôneos para Deputados,
tendo-os examinado; e conhecido por si mesmo, por não se deliberar por
informações alheias; porque então seria baldado o fim principal da eleição
feita pelos povos; visto que a eleição do Deputado não era um ato perfeito
dele eleitor, mas este, simplesmente um instrumento, do qual não seria difícil
abusar, por meio de manhosas insinuações, e de pérfidos informadores. A
não existir conhecimento pessoal do caráter, e qualidades do Elegendo para
Deputado, só a opinião pública poderá sossegar o eleitor sobre a justiça do
seu voto. A opinião pública, neste caso, expressa o voto do Povo.
Portanto escusado é, que os Povos se entreguem a profundos exames, de
que pela maior parte não são capazes, para votarem os eleitores; e necessitam
ainda menos de sindicar qualidades científicas, as quais não estão ao fato de
conhecer, e avaliar: os dotes, que deve acompanhar o Eleitor, são ao alcance
de todos: Probidade, firmeza de Caráter, e Amor da Pátria: Probidade, para
que o Eleitor seja fiel à vontade do Povo, que o elegeu; firmeza de caráter
para defender a sua mesma probidade de toda a sugestão, ou suborno; e Amor
da Pátria para nomear Deputados que sejam semelhantes a ele nesta virtude
essencial. O bom Eleitor desta arte acrisolado, saberá acrisolar também o
Digno Deputado, que escolher.

______________________________________________________________________
REIMPRESSO NO RIO DE JANEIRO NA TYPOGRAPHIA REAL.
Com Licença
Vende-se por 40 réis.

213
19

RAZÃO, E MAIS RAZÃO


EM RESPOSTA

AO FOLHETO
A

RAZÃO, E NADA MAIS.

LISBOA:
NA IMPRENSA NACIONAL. ANNO 1821.

Com Licença da Commissão de Censura.

214
RAZÃO, E MAIS RAZÃO.
Nem sempre convém que nos calemos a tudo, bem que saibamos, que às
vezes o silêncio é a melhor resposta. Mas porque nem todos são sábios, e estes
não devem ser iludidos com discursos, que, lisonjeando apenas os ouvidos por
sua dedução, mancam todavia nos seus princípios, resolvemo-nos responder
ao Folheto impresso, intitulado = Razão, e nada mais; querendo nós antes =
Razão, e mais nada.
Confessamos de antemão, que no nosso simples, e aplanado caminho não
nos conduz a faustosa ostentação de representar no mundo literário, porém só
o amor da verdade, e o bom ânimo de que a nossa idade, e as idades vindouras
não oscilem sobre a legitimidade das nossas cortes, o que parece inculcar o
autor do dito Folheto, pelo Artigo décimo do Capítulo I das Instruções para as
eleições dos representantes da nação, o qual Artigo diz assim = São excluídos
de votos os Regulares das Ordens monásticas e mendicantes.
Será pois o nosso norte Razão, e mais Razão. Detestamos o ceticismo, essa
abominanda seita corruptora das sociedades. Em quaisquer circunstâncias,
situações, ou estados, em que nos acharmos, diremos inalteradamente sempre
o mesmo, guiados pela boa razão, desenvolvida de princípios luminosos, e
verdadeiros. Fugiremos a expressões de uma vã toada, e ainda equivocas, e à
triste mania de sustentar com audácia em diferentes crises opiniões diferentes
sobre a mesmíssima coisa.
Assim vamos sem detença, e com a necessária perspicácia, e ponderação
desenvolver os fundamentos da asserção = São excluídos de voto os Regulares
etc.; e quando neste desenvolvimento formos tocados da luz da evidência, que
não se crê, que o sensato não veja, então de boa, e melhor vontade responde-
remos à triste pergunta = E não se envergonham os homens de serem desta
maneira inconsequentes? E mostraremos que nenhuma contradição envolve
com aquele alguns Artigos apontados, e trazidos para a combinação em prova
da pretendida inconsequência, com que se intentou infamar o Manifesto de
31 de Outubro, ao qual acompanharam outros Artigos, que de nenhuma
valia foram, talvez por causa dessa imaginária divindade, que um periodista,
que se diz = Português = soprara à Constituição espanhola, chamando-lhe
por isso = divina.
Aqui bem ocorre, que alguém poderá dizer = a Constituição espanhola
é boa, e como tal é geralmente reputada, pelo que se lhe chamou = divina;

215
mas também aqui já damos resposta ao dito com a seguinte interrogação
= E os portugueses não saberão fazer uma Constituição, que seja toda sua,
a qual também mereça denominar-se divina? isto é, amoldada ao gênio,
caráter, usos, e à nossa mesma posição, e a tudo o mais é, e pode ser objeto
da Política, desta ciência que, prescrevendo leis, regula, e mantém segura, e
habilmente as nações no seu preciso equilíbrio em ordem à felicidade pública,
e particular dos cidadãos? Ou isto é assim, ou menos conta nos têm os nossos
mesmos patriotas; e então pouco ou nada devemos a estes tais, se ainda os
há do coração. Sigamos o nosso gênio, e a nossa obra será boa, e selada com
o nosso honroso cunho português.
Não, não sejamos Proteu; tenhamos como homens de bem uma só forma:
haja constância no amor da pátria, que é este o timbre da nação, a que mui
honrada, e gloriosamente pertencemos, e tal constância, acreditando-nos,
por-nos-á a salvo. Não nos detenhamos: sem mendigar feiamente diferentes
coloridos, que encubram, ou disfarcem a verdade, que deve sempre aparecer
singela, e mesmo despida, e nua, principiemos por descrever o Religioso pelos
votos da sua profissão.
Quais são estes votos? São Obediência, Pobreza, Castidade. Cumpre
portanto saber, o que ele promete no ato da sua profissão; a quem promete;
como promete; por que tempo promete. Isto sabido: desde já mui pruden-
temente requeremos, que ele mesmo resolva a questão, se ainda tal nome se
lhe quiser dar.
Promete pois viver em Obediência, Pobreza, e Castidade, que são estes
os votos essenciais, além de algum outro da particularidade característica do
instituto, que abraça: promete a Deus solenemente à face do céu, e da terra
cumprir seus votos; promete, tomando o mesmo Deus, e seus santos por
testemunhas de suas religiosas promessas; e promete finalmente observá-las
com todas as suas forças por todo o tempo da sua vida. Agora perguntare-
mos: pode ele fazer, ou não esta profissão? Pode, dirá ele; pois se pode, e a
fez como devia, é sem dúvida valiosa, e obrigatória. Esta resposta, aliás boa,
servir-nos-á lá mais para adiante.
E quem não vê logo concentrados essencialmente nestes três votos o
recolhimento, o silêncio, a deixação das coisas do século, a abnegação de si
mesmo, nenhuma vontade senão das coisas espirituais no constante exercí-
cio da possível austeridade consigo, e da maior caridade com o próximo? E
se tudo isto, e mais do que isto entra na essência dos votos, que por muitas
vezes tem santamente feito assustar grandes varões religiosos, qual será logo
a essência daquele que os professa? É tão evidente esta interrogativa, que não
precisa de resposta.

216
É portanto manifesto em toda a evidência, que os negócios seculares,
as honras mundanas, as pompas, as riquezas, e tudo o que respira mundo, e
não uma vida espiritual, é incompatível com o recolhimento, com a modéstia,
com o desprezo do mundo, com a abnegação de si, e por fim é incompatível
com a essência dos votos, e da do Religioso.
Obediência, Pobreza, Castidade! Que não significam estas palavras!
Que grandes ideias não exprimem! Que virtudes não encerram, e inculcam
no sujeito, que as vota, que as professa! Digam-no os Patriarcas dos institutos
religiosos; digam-no as suas vidas, cuja lição é o melhor mestre da vida espiri-
tual, que é a vida do Religioso; e então decida-se, se sim, ou não os Religiosos
devem pretender assentar-se em cortes, e representar nelas.
Ninguém suponha, que somos contrários aos Religiosos, e aos seus
institutos: deles somos amigos, e não levamos a bem as declamações, tão
vulgares nos últimos tempos, contra as instituições religiosas; tais tiros sós
se devem dirigir antes contra os abusos; com manifesta injustiça se imputam
às instituições, fazendo-as todas culpadas. Elas não são culpadas, nem são
edifícios góticos, como se diz: no claustro se pode cultivar melhor os costumes,
e piedade, e mui poderosas causas concorrem para esta boa cultura, o caso
está em que o coração para o claustro se volte com séria aplicação a outra
vida mais durável, e mais importante.
O que temos dito leva o Artigo décimo à clareza e à evidência. E haverá
algum tão pouco sensato, que ponha em dúvida a legitimidade das nossas
cortes pela exclusiva dos Religiosos? Afirmemos pois, que são excluídos,
porque o devem ser; e devem ser excluídos, porque são Religiosos: afirmemos
mais, que no retiro que buscaram do mundo, vivem, mas não para o mundo;
e que sim são homens, mas de uma vida toda de espírito.
Razão, e mais Razão. Agradou ao autor do tal Folheto a ficção política,
mas momentânea, daquele Manifesto, concebida em termos bem enérgicos,
e próprios de seu estremado autor, e também nos agrada agora esta outra
ficção. Finjamos, que existia entre nós algum desses nobres instituidores das
Ordens regulares: será crível, que ele pretendesse aparecer no meio das nossas
cortes, e representar nelas? E se o pretendesse, que juízo faríamos dele? Que
crédito, que reputação nos mereceria? Certamente a de um homem, muito
vulgar, em contradição consigo mesmo pelos seus princípios de especulação,
e de prática, firmados na sua profissão, em que votou uma vida toda espi-
ritual, e atemporal toda penitente. E que outra coisa demonstra o hábito, o
circilio [cilício?]!

217
Sabemos contudo, que o hábito não faz o monge, porém é certo que o
mostra, que o distingue, e que nos faz ver de fora o que ele deve ser por dentro,
e interiormente. Para aqui a boa resposta, que prevenimos nos ser-
[N.O.: NO ORIGINAL FALTAM AS PÁGINAS DE 9 A 12]

to humano; mas não são iguais por direito natural secundário, que supõe
aquele fato, ou estabelecimento, tal como o estado civil, em que há quem
mande, e seja mandado por leis positivas, e legitimamente: donde o estabele-
cimento humano religioso por profissão limita o professante no estado civil
pelas diversas circunstâncias em que se acha por seu próprio fato, como clara-
mente se vê vindo nós ao exame das suas obrigações particulares, e religiosas.
Ora se o estado civil não destrói o estado natural, antes o aperfeiçoa, é
forçoso concluir, que o estado de Religioso por profissão não desaperfeiçoa o
natural, antes o aperfeiçoa, contraindo o professante de um modo particular
pelo seu particular instituto a uma mais exata observância dos ofícios do
homem para com Deus, para consigo, e para com o próximo.
Por certo que aqui não vemos princípios destrutivos da sociedade,
vemos sim princípios perfectivos dela, e uniformes aos princípios naturais,
ou quadrantes à mesma natureza, ou constituição do homem. Vemos, que o
que o Religioso faz pela sua profissão é de bom grado prescindir, e renunciar
certas vantagens indiferentes, variantes, e não essenciais, de que pode pres-
cindir, e renunciar em todo, ou em parte por um direito permissivo, entanto
que assim agradar à soberania temporal. As outras vantagens da profissão,
são recíprocas as vantagens, que pode, e deve tirar dele a comum sociedade.
Tais são, o bom exemplo para edificação dos povos, os santos, e louváveis
costumes no exercício do sacrifício, do púlpito, e do confessionário, que grande
ciência requer. São estas as mútuas vantagens dos regulares, e da nação, que
os permite para fins só próprios da sua religiosa profissão.
Com estes fundamentos por mais que se force a razão para pôr o Religioso
ao nível do que o não é por profissão, nunca a razão o poderá conseguir sem
que primeiro aniquile de todo a ideia verdadeira do verdadeiro Religioso, e
neste caso onde estão os votos? onde o juramento da sua profissão? O estado
da natureza é mui simples, e mui singelo, o da sociedade deve aproximar-se
muito ele, ou antes identificar-se, e muito mais ainda o estado dos regulares,
que para o retiro dos claustros fugiram às vaidades do mundo.
Nesta certeza não se convidem eles para representar em cortes. Cheios
do amor da pátria orem a Deus pelo bem da pátria, e concentrados lá no seu
cubículo façam por não ouvir nem ainda o eco dos estrondos políticos; e aos
que não estiverem por isto, que certamente não são os bons, e verdadeiros

218
Religiosos, perguntaremos = E não se envergonham de serem desta maneira
inconsequentes? Tanto tem podido o abuso, que até se fez inventor de novos
termos que nada significam, ou que exprimem ideias de coisas bem contrárias
às que nos inspira a boa ciência da religião desde o seu berço!
E como de uma menos boa teoria seja fácil ir à ruim prática, se é que esta
algumas vezes não é a inventora mesma da mais extravagante teoria, vamos
a toda a pressa corrigir tais abusos, ou para melhor dizer, curar tão grave
enfermidade, enfermidade já tão conhecida na sua causa, e nos seus efeitos.
Mas qual será o remédio, que cure o enfermo, e não mate o são? Está bem
conhecido, é fácil a sua aplicação, resta só aplicá-lo, = uma reforma = uma
reforma. Tão necessária é ela em todos, e em tudo! Mas não nos desviemos do
nosso caminho, e vamos por ele devagar, e seguros, para fugir a algum tropeço,
de que o mundo nos crimine, e os regulares de nós se queixem, e com razão.
Conservem-se, não se extingam os institutos regulares, e em todo o caso
aqueles que por alguma particularidade em exercícios caritativos são úteis,
e necessários ao todo, e ao particular da nação. Fiquem os regulares, que
quiserem continuar na exata observância deles; mas fiquem com imediata
sujeição aos Excelentíssimos Ordinários, a que pertencerem os conventos por
sua locação, e estes conventos com independência uns dos outros: determine-
-se fixa, e invariavelmente o número de conventos, e de regulares, que os
devem habitar: designem-se as povoações, em que devem residir segundo
a necessidade, e socorro espiritual dos povos em coadjuvação dos Párocos:
assine-se uma sustentação frugal, e todo o preciso na saúde, e muito mais na
moléstia, e isto por modo que a falta do necessário não os leve à indigência,
e à miséria, e os force a declinar para a relaxação pelo estado de dependên-
cia de coisas da primeira necessidade, tomando-se por uma tal necessidade
verdadeiramente seculares, o que a experiência nos tem mostrado, e nos vai
mostrando todos os dias.
É tão necessário o asilo dos regulares que por si mesmo se manifesta; e
se algum há que por agora não reconheça a necessidade deste, tempo virá,
que esse mesmo no sossego das paixões, já de sangue frio, e na idade em que
a experiência do mundo só nos governa reflexivamente, conheça, deseje, e
queira recolher-se cristamente a ele, como fizeram muitos, que ali acabaram
seus dias com honra dos seus instituídos, e da pátria, que muito lhes são
devedores por suas virtudes, e letras. Destes ainda podem existir muitos, e a
pátria deles servir-se, quando urgentes circunstâncias assim o exigir. A pátria
como agente sempre ativo pode ressuscitá-los quando lhe convier, e o Religioso
morto por profissão para o mundo apenas é considerado passivo, suscetível,
e apto para aquela ressurreição; e é por estas razoes que ainda hoje vemos

219
com muita satisfação, aplauso, e proveito da pátria um destes escolhido, e
feito membro do atual Governo; e esta exceção de um, ou de poucos não
deve, como é bem sabido, fazer regra para todos.
E como não vindicaremos nós estes bons Religiosos no tribunal da nossa
razão, se eles são úteis, e necessários? Por certo que os vindicamos; mas não
vindicamos os de nenhum espírito para a vida regular, que mal professaram
por muitas causas, talvez não imputáveis a eles, mas a outros, e que por
isso vivem violentos, desgostosos, e são do fundo perfeitos seculares, e só
regulares no hábito que vestem, se ainda no hábito parecem sê-lo.
A estes de nenhum espírito, violentos, desgostosos, e contrafeitos
abram-se as portas da clausura, que não incorrerão no anátema do Salvador
= “Nemo mittens manum suam ad aratrum, et respiciens retro aptus est regno
Dei” = ninguém lançando mão do arado, e voltando atrás é apto para o
reino de Deus = não, que em todo o caso é melhor ser bom secular, que mau
Religioso. A estes assine-se uma côngrua suficiente como em patrimônio, e
se lhes ordene o regresso aos seus Bispados de origem, para serem pelos seus
respectivos Bispos conhecidos, e empregados, se forem dignos disso, e os que
não forem, sejam obrigados à frequência dos estudos necessários para bem
servirem no seu elevado ministério, fugindo assim à ignorância, e mais que
tudo à ociosidade, mãe cruel dos vícios = “Otia si tollas, periere cupidinis
arcus” Se tirais a ociosidade, acabarão as armas do apetite = verdade esta
tão experimentalmente evidente, que nos obriga a lastimar a ignorância, e
o ócio em muitos, e principalmente na maior parte dos eclesiásticos. Por
esta nossa frase ninguém nos crimine; seja cada um juiz reto de si, e nos terá
por bons amigos; porque dizer a verdade, e aconselhar o bem são sinais não
equívocos de amizade: o modo também é outro sinal; fizemos por conservá-
-lo no nosso dizer, e se não fomos tão doce, e suave, como Cícero requer no
seu Lelio, a todos suplicamos benigna indulgência deste defeito.

C O N C L U S Ã O.
“São excluídos (e devem ser excluídos) de voto nas eleições para as cortes
os Regulares das Ordens monásticas, e mendicantes.”

F I M.

[Manuscrito]Pode correr. Comissão de Censura. 5 de Janeiro de 1821.

220
20

REFLEXÕES FILOSOFICAS
SOBRE A

LIBERDADE, E IGUALDADE

Ou as sociedades são tão antigas como o mundo, ou apareceu sobre a


face da terra o primeiro par da espécie humana, posto pela mão de um Deus
Autor, e Criador. Em qualquer das duas hipóteses poderia eu desenvolver a
mesma doutrina; porém como esta última é mais óbvia, e mais geralmente
adotada, e recebida, eu a tomarei por base.1
Apareceu sobre a face da terra o primeiro par da espécie humana, posto
pela mão de um Deus seu Autor, e Criador. Adão foi, segundo a História, o
primeiro dos dois, que Deus criou, ou formou: e foi de fato o homem mais
livre, que o mundo viu; porque sendo a liberdade a absoluta faculdade de fazer
tudo, quanto se quer, sem responsabilidade, e sem relação a coisa alguma,
sem dever, e sem lei; este, porque isolado, e só no mundo, foi o que menos
relações, e menos deveres, e leis teve. Ora, quanto mais são as relações, mais
os deveres, ou obrigações: e quanto mais deveres, menos liberdade. Logo os
deveres estão na razão direta das relações, e a liberdade está na razão inversa
dos deveres, e por consequência das relações, das obrigações, e das leis. Logo
o mesmo primeiro homem não foi absolutamente livre; porque tinha deveres
consigo, e para com seu Autor e Criador. E se este de fato o não foi, qual outro

1
Para que ninguém se persuada, de que sou Ateu, ou Materialista; declaro, de alto, e bom
som, que me ufanando de ser bom Cidadão, sigo, como devo, a Religião do meu País.
Porém falando como Filósofo, sou indiferente a questões, e ainda mais a opiniões; não
ataco dogma, nem seita, cujo dever só cumpre aos Teólogos: falo com decente liber-
dade, combinando só as leis, e marchas da Natureza, para delas tirar meus resultados.
Não escrevo opiniões de outrem, mas somente as minhas, que unicamente deduzo dos
meus sentimentos, e princípios. Assim, quando chamo hipótese ao venerável Mistério
da Criação, é falando com os que o não creem, e portanto lho peço, como hipótese: e
vice-versa.

221
o poderia ser? logo a liberdade absoluta é uma quimera. E se nem Deus, nem
a Natureza criou o homem absolutamente livre; mas preso a suas relações,
e a seus deveres; segue-se, que todo aquele, que se arroga esta liberdade,
desatando-se de suas relações, revolta-se contra Deus e contra a Natureza.
Apareceu a primeira mulher: eis aqui o primeiro par, e tronco homogê-
neo das gerações futuras. Ora Adão começou mais livre, que Eva: mas esta
apareceu tão livre como Adão; pois que se equilibraram os deveres entre
ambos, equilibrou-se por isso também a liberdade: quero dizer: Eva apareceu
no mundo com relações, e deveres, para consigo, para com seu marido, e para
com Deus: três relações, e três deveres: Adão, pelo simples fato de aparecer
Eva, ficou com iguais relações, iguais deveres; pois tendo até ali somente dois,
acresceu-lhe o dever para com sua mulher. E como ambos tinham iguais rela-
ções, iguais deveres, e igual liberdade, eles eram perfeitamente iguais. Eis aqui
pois a igualdade estabelecida pela Natureza, entre os dois primeiros indiví-
duos, desde o momento mesmo, em que ela os faz brotar de seu fecundo seio.
Da natural união destes dois consócios devia por misteriosas disposições
da Natureza resultar a continuação da espécie humana: e com efeito nasceu
Caim o primeiro dos mortais, que saiu do ventre materno, e que primeiro
gozou das ternas carícias, e do doce, e ardente amor de uma mãe. Nasce este
primeiro filho, fraco, ignorante, e sem ter mais, que o débil instinto de extrair
seu alimento da própria mãe, que o gerou: dependente de tudo, sem mais
expressões, que lágrimas, e choros, ele parece que reclama toda a Natureza
em seu auxílio, e a tudo pede socorro. Nada o satisfaz, nada o consola, só no
seio materno acha o doce manancial da sua satisfação, e seu prazer. E que seria
deste pequeno, e importante ser, se se achasse só no mundo, e indiferente a
todos os outros seres, que o rodeiam? o momento de sua existência seria sem
duvida o mesmo de sua aniquilação. Mas, sábia, e providente Natureza! tu
remediaste toda a sua impotência, e todos os seus males, na ternura de uma
extremosa mãe, que o acaba de dar ao mundo! Há pouco objeto de dores
veementes, de aflições, e de repente se transforma em doce objeto de amor,
e ternura de sua mãe! Com efeito é este um dos mais assombrosos portentos
da Natureza.
Mas este filho, nascendo dependente, não é por isso menos livre, que seu
Pai, e sua Mãe. Chegado o tempo de usar da sua liberdade acha-se tão livre
como ele, porque tem iguais relações, e iguais deveres: porque se lhe acresceu
a relação, e dever para com eles, também a cada um deles acresceu o dever
para com o filho; e assim nesta progressão constante, e continuada em todas
as gerações futuras. Daqui se segue necessariamente, que os homens são todos
igualmente livres por disposição da Natureza: mas nenhum o é absolutamente.

222
Logo se todos são igualmente livres, todos têm iguais direitos; porque os
direitos estão na razão direta da liberdade: eu me explico.
Por direito entendo aquela faculdade permitida a qualquer homem de
adquirir, conservar, usar, e dispor, ou alienar qualquer coisa. Logo o homem;
que é menos livre, tem menos direitos, porque tem menos exercício de liber-
dade, porque menos pode a seu arbítrio adquirir, conservar etc. Mas os
homens são todos igualmente livres, como fica demonstrado, logo têm todos
iguais direitos: e se todos são igualmente livres, e todos têm iguais direitos:
todos são iguais. E quem duvidará disso?...
Porém esta igualdade é necessário entendê-la para sermos coerentes: e
não nos suceder o mesmo, que sucedeu em Paris, quando os Franceses apre-
goaram nas Praças públicas, a igualdade, e a liberdade: e o Povo, que não
sabia, o que era igualdade, nem liberdade, desatou-se todo, e fez aparecer
as cenas pavorosas, que ainda hoje o lê-las horroriza. Pelo que igualdade
é aquela mesma faculdade de adquirir, conservar etc., que a Natureza por
igual permitiu a todos os homens: é igualdade de direitos, e não igualdade
de circunstâncias: e se a igualdade segue a razão direta da liberdade; assim
como não há liberdade absoluta também não há igualdade absoluta: uma, e
outra sempre são relativas: aliás seria um desatino, querer ou pretender que
o filho fosse igual ao Pai, o Mestre ao discípulo, o criado ao Amo, o vassalo
ao Rei etc.*

RIO DE JANEIRO, NA
TYPOGRAPHIA REAL. 1821.
_________________________________________
Com Licença

*
Julgamos muito necessário este pequeno, e breve tratado, porque ouvíamos muito falar
em liberdade, e igualdade sem que qualquer destes termos fossem tomados no verdadeiro
sentido.

223
21

REFLEXÕES POLITICAS,
OFFERECIDAS
AOS SENHORES DEPUTADOS
DAS
CORTES DE PORTUGAL,
NO ANNO DE 1821.
PARA A UTIL, E NECESSARIA REFÓRMA DA NOSSA CONSTITUIÇAÕ,
NA PARTE QUE RESPEITA Á RELIGIOSA OBSERVANCIA DA
NOSSA SANTA RELIGIAÕ CATHOLICA ROMANA – CLERO
SECULAR, E REGULAR – ORDENS MILITARES – PRIORADO
DO CRATO, E ORDEM DE MALTA – DIZIMOS, &c.

Por hum fiel amigo da Religiaõ, do Throno,


e da Patria.

LISBOA,
NA TYPOGRAPHIA ROLLANDIANA.
1 8 2 1.
Com Licença da Commissaõ de Censura.

224
_________________________________________________________________

Tem cuidado de te adquirires bom nome: porque este será para ti


um bem mais estimável, do que mil tesouros grandes, e preciosos.
Eccles. C. 41. V. 15.
_________________________________________________________________

DISCURSO PRELIMINAR

Nada há mais fácil, do que dizer-se em geral – Está tudo perdido; precisa-
-se de uma grande reforma – Assim declamam alguns indivíduos, que sem
maiores conhecimentos do Direito Pátrio, e sem indicarem meio plausível para
se evitarem esses males, que tanto proclamam, tão solenemente se limitam
a blasfemar sem pés, nem cabeça – Contra a intacta observância da nossa
Santa Religião, e respeitável caráter de seus Ministros – Contra os Direitos do
Trono do nosso Augusto Soberano – Contra todos os ramos da Administração
Pública – E finalmente contra tudo aquilo, que de algum modo se opõe aos
seus imaginários projetos; querendo à viva força, pela estúpida linguagem de
seus Panegiristas, nos inumeráveis Folhetos, e Periódicos, que desgraçadamente
têm aparecido nos nossos tempos, engodar a todos os Portugueses menos
ilustrados (à Populaça digo) que por via de regra só abraçam a novidade, sem
saberem conhecer o bom, ou mau resultado, que dela lhe possa provir; mas não
assim a melhor parte da Nação ilustrada, que chorando tantos males, em que
se acham envolvidos, receiam justissimamente mais a emenda, que o Soneto.
Não pretendo portanto ostentar de Sabichão, porque conheço a minha
indignidade, tão somente me limitarei a declarar os puros sentimentos, a
que podem chegar as minhas débeis forças para a grande Obra da reforma
da nossa Constituição Política, na parte, que respeita à Religiosa, e intacta
observância da nossa Santa Religião, e seus Ministros; e outros objetos
tendentes ao mesmo fim; tendo em vista tão somente, o bem geral da Nação,
representada em Cortes pelos Ilustres Senhores Deputados, a quem tomo a
ousadia de oferecer estas minhas Reflexões, implorando a devida Vênia.

225
REFLEXÕES
PARA A REFORMA
DA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA
DE PORTUGAL.

C A P Í T U L O I.
Da Religião.

Proclamada, como se acha justissimamente, a nossa Santa Religião Católica


Apostólica Romana, será esta novamente declarada, e confirmada a Religião
dominante do Estado, com exclusão de outra alguma; promovendo-se, quanto
for possível, a sua rigorosa, e inteira observância, com aquela decência, e
brilhantismo, que cumpre a objeto tão sagrado, e que foi sempre o timbre
dos nossos maiores.
Para que a Religião seja conservada, e mantida com o respeito, que
lhe é devido, ninguém terá direito de opinião contra ela, seja em ponto de
Dogma, ou ainda de disciplina, assim pública, como particularmente; pois
que isto só é privativo dos Concílios Gerais, e Provinciais, e sábias decisões
dos Sumos Pontífices, e Prelados Diocesanos, conforme a direito.
As Igrejas serão preservadas, e defendidas de todos os atos profanos,
como Templos dedicados só para Deus, e para o Oração, e Administração
dos Santos Sacramentos. Conservar-se-ão sempre bem reparadas, e orna-
mentadas com o maior asseio, evitando-se tudo, que for ouro, ou prata, por
causa dos roubos, à exceção dos Vasos Sagrados: tendo tão somente aqueles
Ministros, que forem absolutamente necessários, para a administração dos
Santos Sacramentos, e mais Culto Divino, sem superfluidade. Os Ministros
serão sustentados, e mantidos com decência, de tal forma, que não fiquem
reduzidos a mendigarem o pão cotidiano; taxando-se para isto côngruas
certas, que lhe devem ser pagas, sem falecência alguma.
As Igrejas Catedrais, Paroquiais, e da Real Colegiada de Guimarães
(como devem ficar extintos os Donatários, e Comendadores) serão todas

226
reparadas, e ornamentadas pelo monte dos Dízimos. As Igrejas dos chamados
Regulares por conta de suas rendas, debaixo da expecção [inspeção?] dos
Prelados Diocesanos a quem devem ficar imediatamente sujeitas.
As imunidades, e mais privilégios concedidos às Igrejas, serão conser-
vadas, e defendidos da mesma maneira, que até agora se tem praticado.
O direito de fazer sustentar a Religião, e castigar os delitos, dos que
infringirem pública, e escandalosamente os seus santos preceitos será priva-
tivo dos Prelados Diocesanos, com exclusão de outra alguma autoridade;
por ser isto anexo restritamente à dignidade Episcopal, e conforme o direito
canônico, de que tanto se tem abusado com grave detrimento dos Bispos, e
do bom curativo do Rebanho de Jesus Cristo, que lhe foi confiado: ficando
por isso desde logo suprimido, como se não tivesse existido, o Tribunal do
Santo Ofício, como desnecessário abusivo, oneroso ao Estado, e inteiramente
oposto às Santas máximas do Evangelho.
Para que os Prelados Diocesanos possam exercer nessa parte a jurisdi-
ção, que lhe compete, implorarão o auxílio do braço secular, que lhe será
dado, quando as circunstâncias o exigirem, na conformidade de Direito, e
Legislação Pátria.

C A P Í T U L O II.
Do Clero Secular.

O número dos Clérigos Seculares será restrito: haverá somente, os que


forem necessários para o serviço das Igrejas, não se consentindo Clérigos
avulsos; cuja pluralidade se torna, não só em vergonha do Sacerdócio por não
haver benefícios para todos, e não terem meios de subsistência, como também
pelo prejuízo, que causam ao Estado ligados ao Celibato, e amortização das
fazendas, em que lhe são constituídos Patrimônios.
Para se proceder neste ponto com a devida circunspecção, a fim de
que se não falte à decência do culto, e se evitem abusos, proceder-se-á a um
orçamento dos Clérigos necessários para o serviço das Igrejas que devem
unicamente ficar subsistindo, como são.
A Santa Igreja Patriarcal, que sendo sustentada pelos Dízimos, e em nada
pesada ao Estado, faz uma grande parte do brilhantismo da Corte dos nossos
Soberanos, e da Nação Portuguesa.
A Basílica de Santa Maria Maior da Cidade de Lisboa, por ser a
verdadeira Catedral do Arcebispado deste nome, cuja antiguidade deve ser
conservada.

227
Todas as Catedrais do Reino, e Igrejas Paroquiais; assim como a Real
Colegiada de Guimarães, primeira Corte, e Capela Real dos nosso Soberanos:
ficando suprimidas todas as mais; e ainda mesmo as Colegiadas insignes em
geral, à exceção das Igrejas das Misericórdias, e Hospitais; e da Real Capela
de Santo Antonio de Lisboa.
Na Santa Igreja Patriarcal – Em todas as Catedrais do Reino – Na
Basílica de Santa Maria Maior – E na Real Colegiada de Guimarães, haverá
sempre em todas os mesmos Prelados, Ministros, e empregados, com as suas
respectivas graduações; cujo número se torna absolutamente necessário para
a decência do Culto, e serviço destas Igrejas; vencendo cada um de côngrua
anual, certa quantia em dinheiro corrente, que lhe deve ser paga pelo produto
dos Dízimos, como se dirá em seu lugar.
Na Real Capela de Santo Antonio de Lisboa, e nas Igrejas das
Misericórdias, e Hospitais de todo o Reino haverá sempre o mesmo número
de Clérigos, e vencerão os ordenados, que lhe quiserem dar os Administradores
destas casas, por quem costumam, e devem ser pagos.
Nas Igrejas Paroquiais da Cidade de Lisboa, atendida a sua população
haverá em cada uma um Pároco, que será o principal, e mais dois Coadjutores
com título de Benefícios Curados, para girarem as semanas na Administração
dos Santos Sacramentos, e rezarem em Coro as horas canônicas; e também
um Tesoureiro, que será igualmente Sacerdote, e com a mesma obrigação do
Coro. Nas mais Igrejas Paroquiais de todo o Reino haverá tão somente um
Pároco um Coadjutor, e um Tesoureiro, com os mesmos títulos, e obrigações,
declaradas acima; vencendo todos em geral côngruas certas, que também lhe
serão pagas pelo produto dos Dízimos, sem que possam levar coisa alguma pela
Administração dos Santos Sacramentos – Proclamas – Certidões – Informações
– Árvores de gerações – Habilitações – Ofertas funerais, ou outra alguma coisa
a título de pé de Altar; à exceção de Acompanhamentos, Ofícios, e Cantorias
para que forem convidados fora das suas Freguesias, e assim também das
esmolas das Missas, que lhe quiserem dar, não sendo pela Missa Conventual
dos Domingos, e dos dias Santos de Guarda, que deverão somente aplicar
pelos seus Paroquianos, na forma das Constituições, e Direito Canônico.
Conservado tão somente o número de Clérigos, que ficam declarados, e
havendo agora bastante para o serviço das Igrejas, na forma indicada, proibir-
-se-á imediatamente a ordenação de mais Clérigos para o futuro, e se mandarão
sair para fora do Reino, os que não forem naturais dele: e quando o grande
número caducar, ou por morte, ou por outra alguma impossibilidade física,
ou moral, e ficar reduzido aos que só forem necessários, serão providos os

228
lugares dos que vagarem, nos Clérigos chamados Regulares, como se declara
no artigo, que lhe diz respeito.

C A P Í T U L O III.
Das Côngruas, e Ordenados dos Prelados Diocesanos,
Ministros, e mais Empregados em todas as
Igrejas do Reino.

O Patriarca de Lisboa, atendida a sua alta dignidade, e tratamento, que


lhe compete, vencerá de sua Côngrua anual 40$000 cruzados – O Arcebispo
de Braga 20$000 cruzados – O Arcebispo de Évora 16$000 cruzados – E
todos os Bispos do Reino, cada um 12$000 cruzados – Os Principais da
Santa Igreja Patriarcal, cada um 8$000 cruzados – Os Monsenhores 3$000
cruzados – O Deão, Dignidades, e Prebendas de todas as Catedrais do Reino,
vencerá cada um com igualdade 3$000 cruzados – Os Cônegos todos das
mesmas Catedrais, e da Basílica de Santa Maria Maior da Cidade de Lisboa,
vencerá cada um com igualdade, um 1:000$000 de réis – Os chamados meios
Cônegos, e Beneficiados de todas as referidas Igrejas 600$000 réis cada um –
Todos os mais Clérigos, e Empregados nelas, ordenados fixos, e certos, que
os possam manter.
O D. Prior da Real Colegiada de Guimarães vencerá de sua Côngrua
anual 6$000 cruzados – As Dignidades, e Prebendas 600$000 réis – Os
Cônegos 400$000 réis – Os meios Cônegos, e Beneficiados 300$000 réis – Os
mais Clérigos, e Empregados, como se declara acima.
Os Párocos principais das Freguesias de Lisboa, atendida a sua popu-
lação, vencerá cada um de sua Côngrua anual um 1:000$000 de réis – Os
seus Coadjutores cada um 800$000 réis – E os Tesoureiros a 400$000 réis.
Os Párocos principais das mais Freguesias de todo o reino vencerá cada um
de sua Côngrua anual 800$000 réis – Os Coadjutores a 600$000 réis – E os
Tesoureiros a 300$000 réis.
Os Títulos denominados Abadias devem ficar suprimidos, e somente
reduzidos a símplices Párocos. Devem igualmente ficar suprimidos os
Benefícios chamados símplices, como desnecessários para o serviço das
Igrejas, e de que tanto se abusa, acumulando-se em um só indivíduo, contra
direito expresso.

229
C A P Í T U L O IV.
Dos Fabriqueiros que devem ter todas as
Igrejas do Reino.

Visto que todas as Igrejas do Reino que ficarem existindo, devem ser repa-
radas, e ornamentadas pelo monte dos Dízimos, como dissemos no Capítulo
I pelos motivos ali ponderados, cumpre, que em cada um delas haja um
Fabriqueiro, que seja Secular de boa vida, e costumes, abonado, e afiançado
na Câmera Eclesiástica respectiva; aos quais serão entregues todas as quantias,
que se destinarem para o seu reparo, ornamentos, e guisamentos, tendo-se
em vista, que sejam aquelas quantias bastantes para se suprir a tudo, de tal
forma, que não haja falta: porquanto, o que nas Igrejas se pagava a título
de Fábrica, deve ficar extinto; assim como o rendimento dos covatos, por
não ser justo, que os vivos paguem pelos mortos a terra, que os há de cobrir.
A despesa dos Fabriqueiros nas Igrejas Catedrais, Basílica de Santa Maria
Maior, e Real Colegiada de Guimarães será feita, quando os ornamentos, e
guisamentos, debaixo da inspeção do Sacristão-Maior, o qual lhe passará
bilhetes para, o que for necessário. Nas Igrejas Paroquiais por ordem dos
Párocos, passando bilhetes como acima.
Assim a Receita, como a despesa será lançada em Livro pelos que ficam
declarados, assinando com os Fabriqueiros, para ser tudo apresentado, no
fim de cada um ano, ao Prelado Diocesano, a quem pertencerá a conta, e
Rubricas do dito Livro, ou aos seus Provisores, e Vigários-Gerais.

C A P Í T U L O V.
Da nomeação dos Prelados Diocesanos, e mais
Ministros, e Empregados em todas as Igrejas do Reino.

O Direito do Padroado, e toda a jurisdição espiritual, e temporal, que


competia ao Prelado de Tomar – Priorado do Crato, e Ordem de Malta –
Priores-Mores das três Ordens Militares, que devem ficar extintos; assim
como ao D. Prior de Guimarães, ou a outra alguma pessoa Eclesiástica, ou
Secular de qualquer qualidade, e condição, que seja (salva a Real Pessoa de
El Rei Nosso Senhor, e de seus Legítimos Descendentes, como Chefes da
Nação) ficará tudo igualmente suprimido; impetrando-se para isto da Santa
Sé Apostólica as Bulas competentes; ficando as pessoas, e terras, que lhe
competiam sujeitas à jurisdição dos Bispos confinantes, por quem devem ser
repartidas com toda a igualdade.

230
As nomeações de Patriarca de Lisboa – Arcebispos – Bispos – Principais
– Monsenhores – Dignidades – Prebendas – Cônegos – D. Prior de Guimarães
– E de todos os mais Ministros da Santa Igreja Patriarcal – Basílica de Santa
Maria Maior – De todas as Catedrais do Reino – E da Real Colegiada de
Guimarães, pertencerão a El Rei Nosso Senhor, como Chefe da Nação; e a
confirmação dos Títulos, que a devem ter, ao Sumo Pontífice, como sempre
se tem praticado, sem interrupção alguma, na forma das concordatas.
As nomeações dos mais Clérigos, e Empregados em todas as referidas
Igrejas, deverá continuar da mesma forma, que até agora se tem praticado.
O provimento das Igrejas Paroquiais, e Coadjutorias de todo o Reino
será feito por concurso, em presença dos Prelados Diocesanos, e seus Cabidos,
onde devem concorrer todos os pretendentes, para ser eleito aquele Sacerdote,
que tiver melhor ciência, e for de boa vida, e costumes.
Os provimentos das Tesourarias, e Fabriqueiros de todas as Catedrais do
Reino, será privativo dos Prelados Diocesanos, sem apresentação de pessoa
alguma.
Os provimentos das Tesourarias, e Fabriqueiros da Real Colegiada de
Guimarães, e de todas as Igrejas Paroquiais, serão igualmente privativos dos
Prelados Diocesanos; apresentando o D. Prior, e Párocos respectivo três, para
cada emprego, e ser escolhido aquele, que melhor convier para o serviço das
Igrejas.

C A P Í T U L O VI.
Das Residências, e mais obrigações dos Prelados
Diocesanos, Párocos, Ministros, e mais Empregados
em todas as Igrejas do Reino.

A Residência pessoal dos Prelados Diocesanos, e dos Párocos seus


Coadjutores, no Ministério Pastoral, nos limites das suas Dioceses, e
Paróquias, para ministrarem as suas Ovelhas todo o socorro espiritual, e
temporal, é de Direito Divino, como todos sabem: Cumpre portanto, que
uns, e outros satisfaçam a isto, residindo pessoalmente nas Igrejas dos seus
títulos, enquanto pela sua muita idade, ou por moléstias, ou por outro algum
legítimo impedimento, não forem dispensados pelas autoridades competentes;
cumprindo com toda a prontidão todas as obrigações, que lhe respeitam,
de tal forma, que não haja razão de queixa, e não sofram os Diocesanos,
e Paroquianos vexames, e delongas no que tocar às suas necessidades espi-
rituais, e temporais: não sendo de esperar, que uns, e outros faltem a isto;
e no caso de que aconteça o contrário, deverão ser castigados, conforme a

231
falta, que houver; e pelo que respeita à residência pessoal, quantos forem
os dias que se ausentarem dos seus títulos, sem justo impedimento, tantas
serão as multas que devem sofrer; feita a conta do que corresponde a cada
dia, conforme a sua Côngrua anual. Estas multas reverterão em benefício do
monte maior dos Dízimos, e serão carregadas em receita ao Tesoureiro Geral,
para dar conta delas.
A mesma obrigação de residência compete ao D. Prior de Guimarães
na qualidade de Pároco, debaixo da mesma pena. E quanto às Dignidades,
Prebendas, Cônegos, e mais Ministros, e Empregados em todas as Igrejas do
Reino, que não tiverem título de Pároco, observar-se-á o costume até agora
praticado, tanto pela falta de residências, como das multas.
Os Prelados, Párocos, e mais Ministros, e Empregados, que se impos-
sibilitarem por moléstias, ou por velhice não devem perder coisa alguma de
suas côngruas, e ordenados; satisfazendo-se aos Encomendados das Igrejas
Paroquiais somente, e Coadjutorias, pelo monte maior dos Dízimos, a metade
das côngruas, que vencerem os Proprietários.

C A P Í T U L O VII.
Dos Regulares.

Ainda que as Corporações Religiosas sejam olhadas no presente século, por


alguma parte da Nação com menos veneração, e respeito, do que convém às
suas santas, e louváveis instituições, e a sua dignidade, e caráter Sacerdotal;
sendo talvez um problema custoso de resolver, qual seja a principal razão
de semelhante rancor se a corrupção dos costumes da parte dos Povos, ou
alguns defeitos, que neles se encontrem, visto, que pela Profissão Religiosa,
não deixaram de ser homens, e por legítima consequência sujeitos às mesmas
paixões, e estímulos da carne, que pela força da natureza, carregam sobre
eles; assim, e da mesma forma, que aconteceu ao grande Paulo Doutor das
Gentes, e de que soube triunfar pela graça especial, que lhe foi concedida;
contudo, como nem todos são maus, e remediados os abusos, não deixarão
de ser úteis à Religião, e ao Estado, como sábia, e eruditamente se manifesta
na judiciosa Obra – Dos Frades julgados no Tribunal da razão – Serão por
isso de grande necessidade, que sejam conservadas algumas Corporações dos
referidos Regulares; mas não tão amplamente como até agora, e só sim com
as restrições, e modificações, que vamos a ponderar.
Estabelecido, como regra certa, que os Conventos, e mais bens de raiz,
que possuem em Portugal todas as Corporações Regulares produzem uma
massa enorme, e que não haverá numerário em toda a Nação, que os possa

232
pagar; sendo igualmente certo, que revertendo todos estes bens para o Estado,
e não devendo ser dados a particulares (como desgraçadamente aconteceu
com os da Religião extinta dos Jesuítas, em que pouco, ou nada utilizou o
Estado) se não podem aqueles bens reduzir a dinheiro, pelo que se disse acima;
restariam tão somente dois recursos, que são, ou arrendá-los em Praça (tendo
isto lugar, o que se duvida,) ou mandá-los administrar por conta do Estado.
Quanto ao primeiro, é bastante óbvia, a nenhuma utilidade de semelhan-
tes contratos, especialmente nos Prédios Rústicos; porque, os Rendeiros, como
todos sabem, trabalham somente por desfrutar, e nada de aumentar, nem ainda
de conservar, sejam quais forem as forças das cláusulas dos arrendamentos,
como a experiência tem mostrado, e por legítima consequência teríamos só
fazendas, quanto muito, para dez anos, e passada esta época, nada valeriam.
Quanto ao segundo, é pública, e notória a nenhuma utilidade, que
provém ao Estado de semelhantes administrações: o que bem se tem mani-
festado nas comendas das três Ordens Militares, que sendo administradas
pelos Provedores, e mais Justiças, se absorve seguramente mais de a metade
dos seus rendimentos em diligências, custas, e outros arranjos particulares,
entrando no Erário uma bagatela da maior parte delas, e de outras, nada; e
o Estado na precisa obrigação de reparar as Igrejas, e pagar aos Párocos as
suas côngruas, como desgraçadamente tem acontecido.
Pelo que se tem dito, que são fatos inegáveis, deve-se concluir que o
melhor meio de se utilizarem semelhantes bens em benefício da Religião, e
do Estado será conservar na posse, e administração das Corporações dos
chamados Regulares, que ficarem existindo, os que forem bastantes para
a sua decente sustentação, reparação dos Conventos, e Igrejas, decência do
Culto, e para outras pias aplicações, em que costumam consumir os seus
rendimentos, sendo uma delas, digna de toda a contemplação o socorro, que
prestam a muitos pobres Seculares de um, e outro sexo, a quem sustentam com
rações, que mandam para fora; além dos que vão comer aos Refeitórios nas
segundas Mesas, como tudo é público, e notório; cuja falta produziria, sem
dúvida, prostituições, e males incalculáveis; não devendo esquecer também
os chamados caldos das Portarias, com que muitos se remediam.
Além do que tempos expendido, acresce mais a favor dos Regulares o
direito que lhe assiste, como a outro qualquer Cidadão, para serem sustentados
à custa do País, conforme a sua dignidade, e caráter Sacerdotal; visto serem
todos Portugueses Nacionais; e a posse imemorial, em que se acham daqueles
bens, legitimamente adquiridos, parte deles em cumprimento de votos dos
nossos Monarcas, e outras pessoas particulares, que lhe devem ser guardados;
e a outra, e talvez a maior, em consequência de disposições de última vontade,

233
que também se não devem alterar, quanto ao passado, sem Bula Apostólica,
a qual deverá somente impetrar-se, para reverterem para o Estado os bens e
rendas dos Conventos, que ficarem suprimidos, como desnecessários, e não
dos que devem ficar existindo, pelos motivos já ponderados.
Adotado que seja portanto o sistema proposto, como é de esperar da
Religião, e sábia ilustração dos Senhores Deputados, resta estabelecer a
quantidade dos Conventos, que devem ficar existentes em todo o Reino – O
número fixo dos chamados Regulares que os devem ocupar para o futuro
com profissão Religiosa, e sem ela – E ultimamente a sujeição, e obrigações,
a que devem ficar ligados, para serem úteis à Religião, e ao Estado; obtendo-
-se da Santa Sé Apostólica as Bulas necessárias, para poderem ter lugar os
três pontos indicados, e tudo mais, que for necessário para poderem dar a
sua devida execução.
O que suposto, haverá na Cidade de Lisboa dez Conventos – Nas mais
Cidades, e Vilas, que forem cabeças de Comarca dois em cada uma – E um nas
outras Cidades, e Vilas mais populosas: ficando suprimidos todos os mais, à
exceção – Do Bussaco – Varatojo – Arrábida – E um dos chamados Cartuxos
– Por ser justo, e conforme a razão, que se conservem estes retiros espirituais
para os que se quiserem apartar inteiramente do Século, e cuidarem somente
na sua salvação. Ficando porém os Religiosos destes Conventos sujeitos à
mesma Profissão Religiosa, para se evitar a pluralidade.
A organização dos Conventos, que ficarem existindo em todo o Reino na
forma indicada, será feita de maneira, que se conservem todos os institutos dos
santos Patriarcas fundadores; mas sem divisões dos chamados Reformados,
de maneira, que todos aqueles, que militarem debaixo da regra de Santo
Agostinho, serão todos da mesma vocação; vestirão todos o mesmo hábito;
sem distinção alguma: assim os Franciscanos, e todos os mais.
A repartição deverá ser feita com igualdade quanto aos Conventos dos
Monacais (chamo Monacais a todos que não pedem esmola) tendo em vista
o seu préstimo – O número atual deles, e os seus rendimentos. O resto que
faltar para se preencher o número, serão da Ordem Seráfica.
Em cada um dos referidos Conventos haverá somente para o futuro o
número certo de trinta Sacerdotes, e seis Leigos. Assim estes, como todos os
mais, que agora há (à exceção dos quatro Conventos declarados acima) serão
desligados dos votos, e Profissão Religiosa, e somente obrigados a viverem em
comunidade, à maneira dos Padres da Congregação do Oratório. Não poderão
largar as clausuras, e viverem fora delas; o que só terá lugar, quando forem
providos nos Bispados, e mais Benefícios Eclesiásticos. E quando quiserem

234
sair a trabalhar alguns negócios, o farão com outro companheiro, e nunca
andarão sem ele.
E porque o número total dos Religiosos, que agora há em todas as
Corporações excederá o número dos que devem ficar permanentes, segundo
o cálculo acima; e como ficam desligados dos votos, e Profissão Religiosa,
sairão imediatamente das Corporações todos os Noviços destinados para o
Coro, e todos os Leigos, que excederem o número, conforme o mesmo cálculo
(salvo os muito velhos, e estropiados) assim como todos os professos, que
não tiverem Ordem Sacras, levando os seus dotes. Pagarão porém as come-
dorias, com atenção ao tempo, que nelas estiveram, sem que o Estado lhe
fique dando coisa alguma.
Aqueles porém dos Sacerdotes, e mais Ordens Sacras, que excederem
o número prescrito, se puderem ser todos acomodados, e sustentados com
decência nos seus mesmos Conventos, que ficarem existentes, assim se prati-
cará; e quando isto não possa ter lugar, ou se lhe destinarão mais rendas dos
Conventos suprimidos, ou ficarão em outros, até que a morte os extinga. E no
caso de se lhe frequentar a saída, vencerão diariamente por conta do Estado, e
a título de Patrimônio, a cota parte do juro, que corresponder ao Capital dos
bens, que lhe pertenciam, e reverteram para o mesmo Estado; e isto enquanto
não forem providos em Benefícios Eclesiásticos, ou Tesouraria das Igrejas.
O que temos dito se entenderá somente a favor dos Monacais, e não
dos Mendicantes (falo dos que forem de Ordens Sacras) porque estes últimos,
ou fiquem nas Corporações, ou saiam delas, nunca o Estado lhe dará coisa
alguma, pelo nenhum direito, que eles para isso têm; e continuarão a viver
das esmolas dos fiéis, e do seu trabalho. Os que quiserem sair, só o poderão
fazer a título de Patrimônios, enquanto não tiverem Benefícios Eclesiásticos.
Tendo mostrado a experiência os abusos, e partidos, que tem havido
em algumas destas Corporações nas épocas dos seus Capítulos; ficarão para
sempre extintas todas as chamadas Províncias, Custódias, e Congregações;
assim como todos os Prelados maiores. Os Conventos se governarão sobre si,
elegendo dos seus mesmos moradores o Prelado local, que os devem gover-
nar, presididas as eleições pelos Prelados Diocesanos, respectivos, ou pelos
seus Ministros, a quem ficarão sujeitos todos em geral, sem exceção alguma.
E para que semelhantes Corporações possam ser úteis à Religião, ao
Estado, e a si mesmo, adquirindo todas as ciências, e conhecimentos necessá-
rios, análogos ao seu Ministério, a fim de poderem ser legitimamente providos
nos Bispados, e mais benefícios Eclesiásticos, para que são destinados, como
dissemos no Capítulo 2.º todos os seus Conventos em geral serão declarados
– Seminários públicos para a educação da mocidade – Ficando obrigados a

235
ensinar primeiras Letras – Gramática Latina – Retórica – Filosofia Racional,
e Moral – Teologia Dogmática – Teologia Moral – E História Eclesiástica;
e isto, não só aos indivíduos das suas mesmas Corporações, mas a todos os
Seculares, que se quiserem aproveitar das suas Lições; tendo para isto Aulas
públicas, sem que o Estado lhe pague coisa alguma por este trabalho, nem
ainda mesmo aos Mendicantes; porque sendo estes sustentados pelos Povos,
justo é, e de razão, que sejam agradecidos, ensinando-lhe seus filhos gratui-
tamente. Todas estas Aulas deverão ficar debaixo da inspeção dos Prelados
Diocesanos.
Os privilégios, graças, e isenções concedidas às referidas Corporações,
ficarão inteiramente extintos, e todos em geral se prestarão para as Confissões
– Pregações – Enterros – Procissões – Agonizações – E finalmente para todo o
mais serviço, que respeitar à decência do Culto, para que forem convidados,
sem que se possam escusar, por qualquer título, que seja, podendo receber
estipêndio (pro labore) em tudo, que não forem agonizações, e administração
dos Santos Sacramentos.
Todos os indivíduos das referidas Corporações, ficarão imediatamente
sujeitos no espiritual, e temporal à jurisdição dos Prelados Diocesanos, e seus
Ministros, assim como o são todos os mais Clérigos Seculares; e responderão
perante eles por todos os delitos, que cometerem: E se algum (o que Deus não
permita) for convencido de um crime, que mereça pena de morte, ou aflitiva,
nunca perderão o seu foro, quanto aos Prelados sagrados, e Sacerdotes,
por não ser justo, e conforme a razão, que em País onde se proclama como
verdadeira, e dominante do Estado a Religião Católica Romana, seja esta
ludibriada na pessoa de seus Ministros, que tendo jurisdição, como se não
pode negar, de fazer baixar Deus do Céu, à Terra, e de absolver pecados,
sejam publicamente punidos como qualquer indivíduo da mais ínfima plebe;
havendo aliás outros muitos castigos, que lhe podem ser aplicados, sem que
se falte ao decoro devido ao seu Estado, e caráter Sacerdotal; como até agora
se tem praticado, em todas as épocas da Monarquia, com louvável zelo da
mesma Santa Religião.

C A P Í T U L O VIII.
Das Religiosas.

Se para os Homens que se quiserem apartar do Século, e cuidar somente


na sua salvação lhe ficam conservados quatro Conventos, como se declara
acima, a mesma Liberdade deve ser permitida às Mulheres, que tiverem
igual vocação. E para isto ter lugar se lhe destinarão em todo o Reino três

236
Conventos, que tenham rendas suficientes; do mais rigoroso instituto, que
houver, com a mesma Profissão Religiosa, e número que lhe compete. Todos
os mais Conventos ficarão suprimidos, como desnecessários, e prejudiciais à
população; revertendo logo para o Estado os seus bens, e rendas. As Religiosas
(à exceção dos três Conventos declarados) ficarão desligadas dos votos, e
clausura, e poderão sair com autoridade dos Prelados Diocesanos, que terão
nesta parte toda a cautela, a fim de se evitarem prostituições. Aquelas porém,
que forem velhas, ou outras, que quiserem ficar recolhidas, se lhe destinarão
alguns Conventos, com rendas suficientes, até que a morte as extinga. Todos
estes Conventos, e os três primeiros declarados, ficarão sujeitos aos mesmos
Prelados no espiritual, e temporal, da mesma forma, que os Conventos e
Pessoas dos Regulares.

C A P Í T U L O IX.
Das Ordens Militares, e de Malta.

Ficam extintos os títulos, e privilégios dos Priores Mores das três Ordens
Militares, e do Priorado do Crato, e Ordem de Malta, e a sua Jurisdição
espiritual, e temporal incorporado novamente nos Bispos, da onde tinha
sido usurpada com manifesto abuso, como dissemos no Capítulo V. – devem
igualmente ficar suprimidas todas as referidas Ordens, e os seus Grão-Cruzes,
Comendadores, Cavaleiros, e Freires; assim como todos os seus Conventos,
e Igrejas, que não forem Paroquiais. Os bens que respeitavam aos ditos
Conventos, e Igrejas, reverterão imediatamente para o Estado.
Os Freires, e mais Clérigos, que eram da Jurisdição daquelas Ordens,
ficarão secularizados, e sujeitos aos Prelados Diocesanos, assim, e da mesma
forma, que todos os mais Clérigos Seculares.
Aos que tiverem Ordens Sacras, visto que as suas rendas eram pela maior
parte as comendas, que administravam, perceberão anualmente, a título de
Patrimônio, pelo produto dos Dízimos, 200$000 réis cada um, e isto somente
enquanto não forem providos em Benefícios Eclesiásticos. Os que não tiverem
Ordens Sacras, sairão livremente, e se lhe não dará coisa alguma.
O Tribunal da Mesa da Consciência, e Ordens, e a Mesa Prioral do Crato,
e Ordem de Malta, com todas as suas jurisdições, e dependências, ficarão
igualmente suprimidos, como desnecessários, e onerosos ao Estado: obtendo-
-se para tudo, que temos dito da Santa Sé Apostólica as Bulas necessárias.

237
C A P Í T U L O X.
Dos Dízimos.

O pagamento dos Dízimos continuará da mesma maneira, como até agora


se tem praticado; e a sua aplicação será unicamente para a sustentação, e
manutenção das Igrejas, e seus Ministros, conforme sua instituição; e não para
Freiras, Fidalgos, e mais Pessoas Seculares, de que tanto se tem abusado, com
grave prejuízo do Estado, obrigado muitas vezes a reparar Igrejas, e susten-
tar os Párocos, como já dissemos no Capítulo VII – quando o produto das
comendas ligadas a estas despesas, e dadas a particulares se consome em jogos,
luxo, e outras aplicações menos decentes, como a experiência tem mostrado.
Para se dissiparem por uma vez semelhantes abusos, já declaramos
que nos Capítulos V e IX – e novamente repetimos, que devem ser intei-
ramente extintos, como se não tivessem existido, todos os Donatários, e
Comendadores, de qualquer qualidade, ou condição, que sejam; assim como
todos os Prestimônios – Apréstamos – Tenças, – E mais pensões impostas nas
comendas das três Ordens Militares – Ordem de Malta, e Grão Priorado do
Crato; e outro qualquer título a favor de comunidades, e de particulares, que
percebem Dízimos; abrindo logo mão todos os possuidores de semelhantes
graças como abusivas, e inteiramente opostas à única, verdadeira, e legítima
aplicação deles, de que não pode haver dispensa, que legítima seja.
A arrecadação dos Dízimos será feita em todo o Reino debaixo da inspe-
ção dos Prelados Diocesanos, nas suas respectivas Dioceses, com audiência dos
Provedores das Comarcas que serão os Fiscais desta arrecadação, sem que para
isso percebam emolumento algum; ou ela se faça imediatamente por ordem
dos Prelados, quando não houver Rendeiros, ou quando for arrematada.
Haverá um Tesoureiro Geral em cada Diocese, que seja abonado, e
afiançado na Câmera Eclesiástica respectiva, e um Escrivão da sua receita, e
despesa, com ordenados suficientes, os quais deverão ser Seculares, para se
evitarem suspeitas; cujas nomeações serão privativas dos mesmos Prelados,
e seus Cabidos; ficando todos responsáveis pelos nomeados, e pagarem por
eles, o que tiverem desencaminhado: a mesma responsabilidade terá lugar
com todos os mais Empregados, e Recebedores, que nomearem em todas as
Freguesias da sua Diocese, para fazerem a arrecadação, quando não forem
arrematados.
Para se recolherem os dinheiros do produto dos Dízimos, haverá um cofre
de três chaves em cada Diocese; o Prelado Diocesano terá uma, o Tesoureiro
outra, e o seu Escrivão outra. Este cofre será conservado na Casa Capitular,

238
e guardado por um suficiente Destacamento de Tropa armada, que lhe será
enviada diariamente pela autoridade Militar do distrito.
Os Livros necessários para esta importante arrecadação serão rubricados
pelos Provedores das Comarcas respectivas. O mesmo se praticará com os
Livros dos assentamentos, e pagamentos anuais, das côngruas, e ordenados
dos Prelados Diocesanos, e mais Ministros das Igrejas, e Empregados.
Os pagamentos destas côngruas, e ordenados serão feitos na Câmera
Episcopal das suas respectivas Dioceses em mesadas, quando os Dízimos
andarem arrematados, e não se verificando isto, o mais breve, que possa ser.
Para que tenham lugar semelhantes pagamentos, se não precisará
despacho positivo: serão todos feitos pelos Tesoureiros Gerais, com os seus
Escrivães, à vista das Folhas, e das Certidões, que todos lhe devem apresentar
da residência, e cumprimento das suas obrigações. E pagando os Tesoureiros
de outra maneira lhe não será levado em conta.
Os assentamentos das côngruas, e ordenados dos Prelados Diocesanos, e
mais Ministros, e Empregados em todas as Igrejas do Reino, e dos que devem
ser pagos pelo produto dos Dízimos, serão feitos nas Câmeras Eclesiásticas
respectivas; por onde devem ser igualmente expedidas as Folhas anuais para
os pagamentos, assinadas pelos mesmos Prelados.
As Certidões lembradas acima da residência, e mais obrigações, para se
efetuarem os pagamentos declarados nas Folhas, serão passadas pela auto-
ridade dos Prelados Diocesanos, ou pelos seus Provisores, e Vigários Gerais.
Arrecadados que sejam os Dízimos em todas as Dioceses do Reino, e reali-
zados os pagamentos dos filhos da Folha, de cada uma delas, e mais despesas,
na forma, que temos declarado, se legalizarão as contas gerais no último de
Dezembro de cada um ano, com assistência dos Provedores das Comarcas,
na qualidade de Fiscais, como dissemos acima, remetendo-se imediatamente
para o Tesouro Nacional, pelas Contadorias respectivas, as quantias que
sobejaram, acompanhadas de Guias, e Livros competentes.
Tenho finalmente concluído o meu trabalho, e seria para mim de grande
satisfação, que ele aproveitasse para o fim, a que me propus; mas se com efeito
ficar baldado, sempre me resta a glória de pretender ser útil a minha amada
Pátria, de que tenho a honra de ser Cidadão.

F I M.

239
22

REFLEXÕES
SÔBRE

ALGUNS SUCCESSOS
DO BRASIL.
ESCRIPTAS POR

THEODORO JOSÉ BIANCARDI.

RIO DE JANEIRO
1821.
NA TYPOGRAFIA NACIONAL.

240
Advertência.

A primeira parte destas Reflexões foi escrita em Março. Refira-se


o leitor àquele tempo para julgar delas, e para conhecer a justiça, com
que se negou licença para a sua publicação.

REFLEXÕES
SOBRE ALGUNS SUCESSOS
DO BRASIL.
PRIMEIRA PARTE.

Apenas foram conhecidos no Brasil os felizes resultados da generosa


resolução do Povo Português, que, sem se manchar com os crimes que
sempre acompanham as revoluções de Estado, e ligando os nobres e altivos
sentimentos da liberdade, com os da veneração e respeito ao seu legítimo
Monarca, preparou a grande obra da sua regeneração política, discutiu-se
geralmente nesta Cidade se El Rei devia ou não haver por bom o que as
Cortes em Portugal regulassem sobre a nova forma de Governo.
Entrando hoje no número dos axiomas políticos, que o Chefe de uma
Nação só adquire e conserva legitimamente tão alta preeminência pelo
consenso dos membros da sociedade, e que é inerente a este pacto entre o
Regente e os regidos (ainda que expressa não seja) a condição do bom desem-
penho das obrigações a que ele se sujeita, porque o bem geral é o único fim
da instituição das sociedades políticas; admira que dividisse, como dizem, os
juízos de graves Conselheiros a proposta questão; mas os Conselheiros dos
Reis confundem de ordinário o bem geral com o seu particular, e em paga
da confiança que deles faz o ingênuo Monarca que os escuta, sacrificam-lhe
a reputação e a glória, e expõem o Estado às desgraças e aos horrores das
revoluções.

241
Se é incontestável o direito que qualquer Nação tem a mudar a forma
do seu Governo, quando lhe não resta outro meio de se salvar do abismo
de males em que se vê submergida, e se era evidente que o Povo Português
chegara a esta desesperada situação, apesar das virtudes do Soberano, quem
senão o perverso e vil adulador, ou o interessado em conservar o que alcançou
por intrigas ou indignidades, podia macular com o feio nome de rebelião o
exercício de um direito inalienável a que nos chama o sentimento da digni-
dade de homens! Passaríamos do estado da natureza ao da sociedade para
nos reduzirmos à condição abjeta de escravos? Será virtude civil a estúpida
eterna obediência aos caprichos e insolências dos que governam, atropelando
as Leis, oprimindo o mérito, e acolhendo e exaltando o vício e a ignorância? E
será crime procurar o remédio de tantos males, empregando a força, quando
estão esgotados todos os meios de representações, sempre desprezadas por
não ouvidas? Não: para ser este ato considerado criminoso seria preciso que
na formação da Sociedade os seus membros perdessem a qualidade de homens
para tomar a de brutos. Entes dotados de razão, de liberdade, e do desejo
inextinguível de felicidade, sempre terão o direito de procurá-la, e de combater,
se preciso for, em guerra aberta, os que ousarem privá-los dos preciosos bens
sociais, que em comum lhe pertencem, e de que só os desapossa a Tirania.
Quando inquietos os espíritos se afadigavam em conjecturas sobre
a resolução ainda não conhecida de El Rei, apareceu o celebrado Folheto
Francês, em que seu autor indiscreto, e superficial, afetando ter somente em
vista o aconselhar o Soberano a estabelecer a Sede do Governo no Brasil,
trata Portugal de rochedo (que, com permissão sua, sempre o teremos por
mais fértil em produções pelo trabalho dos homens do que foi o de Horeb em
água pelo milagre da vara de Moisés): apropria-se a ideia furtada a Mercier,
que pressagia a futura preponderância da América sobre a Europa: estabe-
lece por certo que é fingido o amor respeitoso dos Portugueses à Dinastia
Reinante: promove perigosamente a desunião entre os filhos do Brasil e os de
Portugal: considera só nestes os princípios que chama sediciosos; e indica para
embaraçar-lhe os desígnios, que lhe supõem, a multiplicação dos delatores, e
os arbítrios detestáveis de tenebrosa Polícia, que só pode propor o perverso
escritor assalariado, ou o satélite abominável do Despotismo.
Entendeu-se então geralmente, até pela publicação misteriosa, e gratuita
do Folheto, que as ideias neles expostas eram as que tinha o Ministério, e já
cada qual julgava em perigo a sua segurança pessoal, quando as notícias do
levantamento da Bahia, no dia 10 de Fevereiro, reanimando as esperanças
dos amigos do bem público, apressaram os sucessos memoráveis do dia 26
do mesmo mês: dia de glória, e de prazer, em que o Povo feliz desta Capital

242
viu, entre aclamações de júbilo, jurar o Príncipe Real, como Anjo tutelar da
Pátria, em nome de seu Augusto Pai, e em seu próprio Nome, de observar,
manter, e guardar a Constituição, a qual se fizer em Portugal pelas Cortes,
dando, com este juramento ao vasto Reino do Brasil a suspirada certeza da
sua felicidade futura.
Este bem inestimável, que se alcançou, mediante a proteção da força
armada, com a preciosa circunstância de se não derramar sangue, era o alvo,
tanto do povo em geral, como da tropa, que iluminada e briosa, desmentindo o
fim sinistro da sua instituição,(1) auxiliou generosa a causa da liberdade. Porém
ainda a satisfação geral aumentou com a nomeação de diferentes empregados,
de cuja integridade e luzes se esperam melhoramentos nos respectivos ramos
da sua administração, enquanto esta se não regula por novas providências,
que bem defendam as pessoas e fazenda dos Cidadãos dos vexames, tantas
vezes causados pela corrupção, venalidade, e ignorância dos constituídos em
jurisdição, e autoridade; mas estas novas Leis, que havemos de receber da
Constituição, ainda nos não regem; e cumpre por isso respeitar as estabe-
lecidas, e as Autoridades a que toca a sua execução, para não sofrermos os
males espantosos da anarquia, cem vezes mais terrível em seus efeitos do que
o Governo absoluto e despótico. A Constituição há de assinar a divisão dos
três poderes de que se compõe qualquer Governo: o Legislativo que ordena
as Leis, e as derroga: o Executivo que vigia sobre a execução dessas Leis, e
regula, com mais ou menos restrições, o que se refere ao Direito das Gentes;
e o Judiciário que se emprega na decisão dos pleitos e punição dos crimes;
dando o primeiro a uma Câmara ou a duas; o segundo ao Rei; e o terceiro
aos Juízes que a Lei instituir.
Estabelecido o regime constitucional, todas as repartições da adminis-
tração pública terão as reformas de que precisarem, e que forem compatíveis
com as circunstâncias sempre melindrosas de todo o Estado que muda de
forma de Governo; mas querer ver e gozar já os resultados dessas reformas,
que apenas são por ora objetos de discussão, é inverter a ordem das coisas,
e pretender que apareça o efeito antes de existir a causa que o produz.
Conhecidas, e abonadas por um solene juramento, as generosas intenções do
Magnânimo Monarca que nos governa, cumpre esquecer-nos das desgraças
passadas, e até dos causadores delas, para evitarmos os crimes e os horrores
que sempre produzem as oscilações violentas das opiniões populares. Não

1
Os Políticos têm sempre olhado a instituição dos exércitos regulares e permanentes como
a mais funesta à liberdade dos povos, e a mais favorável aos desígnios da Tirania. Agora,
pelo crescimento das luzes, vão os povos devendo aos exércitos a recuperação dos seus
roubados direitos.

243
é preciso recorrer aos tempos da decadência dos Romanos para conhecer
os horríveis resultados do furor do povo dividido em partidos. A França,
que ainda recorda com susto os fenômenos monstruosos da sua revolução,
que levou ao cadafalso milhares de vítimas ilustres sacrificadas ao Gênio
das Facções; que viu nadando em sangue as suas mais populosas cidades; a
virtude e a inocência sem abrigo; e o crime entronizado, espalhando por toda
a parte o terror e a morte; é um moderno e espantoso exemplo dos excessos
e atentados execráveis causados pela animosidade dos partidos, e projetos,
pela maior parte quiméricos, ou ambiciosos, de seus Chefes.
Retiremos pois os olhos do quadro escandaloso que formava a sórdida
venalidade de uns, a ignorância atrevida de outros, e o frívolo orgulho de
tantos mentecaptos, que só se recomendam ao público por distinções hono-
ríficas que alcançaram pela miserável astúcia de transformar em serviços, aos
olhos de Ministros néscios, as suas indignidades e crimes. Não nos lembremos
mais dos que esgotavam em seu proveito os cofres destinados a despesas
públicas; nem dos que nos inçavam de espias, e delatores, anulando assim
a liberdade política do Cidadão, que consiste no sentimento da segurança
pessoal; nem finalmente daquele que, devorando com ânsia, nunca satisfeita,
e descaramento nunca visto, a substância do Estado, e superabundando
em grandezas e superfluidades, pisava com desprezo o militar honrado, e
a desgraçada viúva que lhe suplicavam o escasso soldo e a pensão, de que
se mantinham. Consideremos antes com demorada complacência a nossa
nobre representação entre as nações do mundo como povo livre; o aumento
da nossa indústria e comércio; a nova animação da agricultura; o progresso
das ciências; a elevação do mérito e da virtude; e a posse feliz e tranquila
da igualdade de todos os direitos na presença da Lei. Em vez de inovações
intempestivas, e inconsideradas, que alteram sem fruto a ordem estabelecida,
confundem o Governo, e assustam o Cidadão honrado, que só vive seguro
debaixo do império das Leis, concorra cada qual com suas luzes e serviços
pessoais para o sólido complemento da felicidade da Nação, considerando
que este bem só pode alcançar-se pela união fraternal de todos os membros
dela. Repousemos tranquilos à sombra das excelsas virtudes do Monarca
que nos rege: o Soberano adorável que se penaliza com a súplica da viúva
ou do órfão; destituída de proteção (como diariamente tenho visto por me
facilitar o meu emprego) que, em se tratando de socorrer o miserável ou
desvalido, sempre o despacho é inspirado pelo espírito de beneficência; que
jamais castiga sem repugnância, nem premia sem alegria, como deixará de
se dedicar inteiramente à ventura geral do seu povo, quando lhe são paten-
tes os males que até agora lhe escondiam ou disfarçavam os interessados na

244
continuação das desgraças? Já se achegaram para junto do Trono a Verdade
e a Sabedoria, dele há muito arredadas pela Adulação e a Ignorância; e o
Astro benfazejo e propício que vemos raiar nele, já brilha para nós com toda
a pureza do seu esplendor, retirados os Corpos opacos, que lhe eclipsavam
o luzimento. Consagremos pois, como é dever nosso, respeitosa obediência
aos seus Decretos, para conservação da paz e da ordem; e esperemos, com
imperturbável confiança em seus paternais sentimentos, a época brilhante e
gloriosa da nossa felicidade permanente.

Rio de Janeiro 1.º de Março de 1821.

SEGUNDA PARTE

A Publicação das precedentes Reflexões era útil nos dias imediatos ao do


solene juramento prestado por El Rei à futura Constituição Portuguesa;
porque, se os sucessos do memorável dia 26 de Fevereiro derramaram nas
almas dos amigos do bem público o prazer, que não tem igual de ver raiar
pela primeira vez a aurora da liberdade, também inspiraram nos maus a
lembrança de projetos tendentes a comoções populares, de que esperavam
tirar vantagens, e para cuja execução aliciavam os ignorantes e os espíritos
superficiais, a quem sempre é fácil representar como bom o que é péssimo em
consequências, que estão fora do alcance da sua compreensão. Não vinga-
ram porém meus bons projetos porque a obra não mereceu a aprovação de
certo Censor Eclesiástico, de acanhadas ou ruins ideias, a que foi cometido
o seu exame, e não pude então publicá-la. Talvez desejaria ele até castigar,
ao menos com desviado extermínio, o autor do escrito que condenava como
perigoso, só porque é [sic] notava pensamentos e expressões dignas do defen-
sor da liberdade e da razão. A propagação das luzes é diretamente oposta à
conservação da tirania. O chão onde melhor cresce e engrossa esta árvore
venenosa, com as plantas parasitas que vivem do seu suco, é o da ignorância;
não se dá nem frutifica no terreno em que se cultivam as Letras; antes se seca
e mirra com o calor da Sabedoria; e os seus cultores, quando não podem
regá-la com o sangue dos que punem [pugnam?] pelos foros da humanidade
ofendida, desviam-lhe do pé tudo o que pode empecer-lhe o nutrimento.

245
Porventura nossa, já não têm exercido esses melancólicos Juízes, que
tanto se cansavam em esquadrinhar tensões sinistras nas mais sinceras expres-
sões; e já é dado a cada um escrever quanto sente e quanto pensa, dentro dos
limites da bem entendida liberdade da comunicação das ideias. Sigamos pois
a série dos sucessos começada na primeira parte destas Reflexões.
Os acontecimentos do dia 21 de Abril, a que alguns deram extrema
importância, sempre foram por mim considerados unicamente como tris-
tes (mas não ponderosas) consequências de uma convocação indiscreta,
lembrada por espíritos débeis, e assustados da preponderância passageira
que adquiriram na opinião pública três ou quatro homens sem moral e sem
luzes. O Governo, esquecido de que em tal crise política, cumpria-lhe evitar
vigilante que a plebe tivesse ocasião de se ingerir nas suas decisões, remeteu
ao Ouvidor da Comarca (1) o projeto do Governo que El Rei determinava
deixar no Brasil, para que, sendo presente aos Eleitores que se reuniam
naquele dia na Praça do Comércio, dessem sobre ele a sua opinião. Publicou
então o Ouvidor um Edital, em que anunciou que a toda a pessoa era permi-
tido fazer naquela assembleia propostas por escrito (2); e julgando-se o povo
autorizado para legislar, chegou ao excesso de persuadir-se que podia, só
porque assim o pensavam, sem saber por que, algumas dúzias de homens,
obrigar o Brasil a reger-se interinamente pela Constituição Espanhola. Este
extravagante delírio, exposto por escrito foi mandado à presença de El Rei,
por uma Deputação daquela assembleia de vociferadores, e voltou confirmado
pelo Monarca (3). Alcançado este triunfo, e quando um lembrava como útil
o embaraçar-se a saída dos navios prontos a partir para Lisboa; e outro o
decretar-se um saque geral nas mesmas embarcações, reconhece El Rei os
perigosos resultados da sua condescendência, revoga por novo Decreto (4) o
que acabara de assinar, e manda-se marchar tropas para o lugar da associação
tumultuosa. À sua chegada dispersa-se imediatamente o bando amotinado;
mas desgraçadamente ainda custou a restituição do sossego público a vida de
dois insensatos. Que foram pois os sucessos do dia 21 de Abril? Um motim
popular de muito pouca monta pelo número limitado dos concorrentes, e
de nenhuma influência na ordem política da Monarquia.
Os do dia 5 de Junho que têm sido honrados com o título de gloriosos,(2)
reduzem-se à deposição do Conde dos Arcos, a quem coube a má sorte de
sofrer um castigo real por culpas que ainda se não verificaram; e à criação
de uma Junta Provisória, que sendo formada exatamente nos termos da

2
A Junta da Bahia chamou-lhe memoráveis e gloriosos no seu Ofício de 20 de Junho de
1821, que foi apresentado ao Soberano Congresso no dia 7 de Agosto.

246
proposta dos que se erigiram em Procuradores do povo e da tropa, não
satisfez aos seus desejos depois de criada. Tão bem entendiam aqueles sábios
o que propunham e queriam!
Para se dar, com justiça, a qualquer dia o nome de glorioso, é indispen-
sável que dos fatos desse dia resultem ao Estado vantagens extraordinárias,
sejam estas devidas a eventos casuais, ou conseguidas por esforços e meios
não vulgares, ou por feliz combinação de circunstâncias bem aproveitadas;
e parece-me que não foram de vantagem extraordinária os dois efeitos dos
sucessos do dia 5 de Junho. A Junta Provisória, criada por Decreto do mesmo
dia, é quase um Corpo nulo; pois a faculdade que se lhe deu de votar sobre
Leis, não tendo o Príncipe Regente do Brasil autoridade de fazê-las é intei-
ramente ilusória; foi o mesmo que dizer = somente votará sobre aquilo que
nunca se lhe há de propor =. Ora sendo esta a maior das suas faculdades é
fácil conhecer quanto ganhou a República com a criação daquele Corpo.
Contudo é injusto imputar aos seus membros, como alguns fazem, a inação
ou nulidade da Junta, porque eles não podem transpor os limites das suas
atribuições, como judiciosamente o declararam na sua Proclamação de 16
de Junho do presente ano.
A deposição do Conde dos Arcos não foi mais que uma medida trivial de
prevenção; a justiça dos fundamentos que a motivaram ainda é duvidosa; e
pode ser que nunca se ocupasse o seu espírito dos crimes que lhe tem suposto.
Talvez o Conde fosse de parecer que para a suspirada e proveitosa união
dos dois Reinos era no Brasil indispensável a presença do Príncipe Herdeiro
do Trono Português, e que, dominado por esta opinião, desse alguns passos
indiscretos, que o Público desconfiado julgou preparatórios do projeto da
separação absoluta do Brasil.
Como conjecturas não justificam nem criminam, não duvidei expor esta,
que, de algum modo concilia a carência absoluta de provas que o condenem
com a generalidade da opinião que o desacredita; e é evidente que se estas
fossem as suas ideias, não traçava crimes, meditava o que era mais útil à
causa geral da Nação. Todavia a sua deposição foi considerada por muitos
como um triunfo da boa causa; e partindo, no dia 10 de Junho deste porto,
foi ainda sofrer o amargo pesar de se ver maltratado pela mesma cidade,
que em outro tempo se tinha esmerado em honrá-lo como varão benemé-
rito; pois o Governo da Bahia, à vista de cartas e notícias remetidas do Rio
de Janeiro, julgou de seu dever proibir-lhe a saída para terra, tirar a mala
que o Correio levava para Pernambuco, e escrever para Portugal dando os
motivos do seu procedimento, e das suas suspeitas contra a pessoa do Conde,
que, por este modo recomendado, foi recolhido à Torre de Belém, apenas

247
chegou a Lisboa. Como se trata por determinação das Cortes, de conhecer
judicialmente da sua conduta, o tempo nos mostrará os seus crimes ou a sua
inocência. Passemos a matérias que, por sua maior importância, merecem
mais demoradas observações.
O Governo legitimamente estabelecido por Sua Majestade para o Reino
do Brasil, quando julgou que o bem geral da Nação Portuguesa exigia que
voltasse à antiga sede da Monarquia, bem manifesta que El Rei tomou em séria
consideração quanto seria perigoso ausentar-se deste Reino, deixando cada
uma de suas Províncias separadamente sujeita a Governo particular, sem um
centro comum a que todas se referissem; e encarregando a Regência dele ao
Príncipe Real mostrou que o Brasil lhe merecia muito subida contemplação.
Conhecendo que restituí-lo à servil dependência, em que antigamente estava
de Portugal, era semear o descontentamento, e dar armas ao mais perigoso
partido, conservou os Tribunais para que as partes pudessem usar em seus
litígios e dependências de todos os recursos ordinários e extraordinários, sem
a triste necessidade de ir mendigar esses meios a duas mil léguas de distância.
Sendo tão sólidos os motivos da formação desta Regência, esperava-se
que fosse por todo o Brasil reconhecida; desgraçadamente não foi assim, e
como o Governo da Bahia não duvidou publicar as razões que o determinaram
a lhe negar obediência, exporei as minhas ideias sobre esta matéria, que tem
hoje estreita ligação com as últimas providências das Cortes sobre a forma
dos Governos das Províncias do Brasil.
No Ofício de 3 de Junho de 1821, em resposta ao de 27 de Abril, em
que o Conde dos Arcos remeteu incluso o Decreto da criação da Regência,
diz a Junta do Governo da Bahia que tendo jurado obediência às Cortes de
Portugal e adesão à ordem de coisas, que ali existia, seria perjura se reconhe-
cesse no Príncipe Real o Regente do Brasil. Cuido que não é fácil entender
semelhante perjúrio. Nunca se tinha contestado a legítima autoridade de El
Rei para governar o Brasil; as mesmas Cortes, longe de determinar então coisa
alguma para este Reino, reconheciam que só o Brasil tinha direito de dizer
quero, ou não quero este Governo; logo El Rei podia legitimamente ordenar
o regime dele pela forma, que lhe parecesse mais conveniente.
Jurada a Constituição futura da Monarquia o que parecia mais útil, na
hipótese da retirada do Monarca, era conservar tudo no antigo estado até
a decisão da Nação, completamente representada pela totalidade dos seus
Deputados; mas como isto só poderia conseguir-se perfeitamente, se fosse
possível ir El Rei para Portugal e ficar no Brasil, procurou realizar, por assim
dizer, este impossível, indo para Portugal e deixando seu Filho no Brasil.
Portanto a Junta da Bahia, não reconhecendo o Governo ordenado por El

248
Rei, não fez mais que antecipar-se a dar por decidido o que ainda estava
problemático, isto é, se convinha mais ao Brasil, para a sua própria felicidade,
e segurança da sua união com Portugal, ser dividido em Províncias, gover-
nada cada uma sobre si e dependente daquele Reino, ou ter uma Autoridade
a que fossem subordinados os Governos Provinciais; e estas antecipações de
fato, quando se trata de constituir o Governo de uma Nação, nunca servem
se não de perturbar a ordem regular e sossegada com que se deve marchar,
para não cair em precipícios, que a cada passo se encontram em tão arriscado
caminho. Será difícil mostrar que serviu para mais, esta conduta, de que tem
feito tanto alarde o Governo da Bahia.
Diz em segundo lugar a Junta que não quis reconhecer o Príncipe Regente
porque, se assim o fizesse, desobedeceria a El Rei. Até o momento de ler o
citado Ofício cuidava que quando se cumpria um preceito se obedecia a quem
o ordenava; mas agora sei que executar uma ordem é sinônimo de faltar a ela.
El Rei disse ao Brasil = Serei contente se obedecerdes a meu Filho enquanto a
Nação não determina o que melhor convém =: respondeu a Junta da Bahia =
não o faço porque pôr em prática a vossa ordem é manifestamente contrariá-la.
= Isto será inteligível; mas eu não vejo mais que jogo de palavras sem sentido.
Ultimamente diz a Junta que ainda que os princípios expostos não
ditassem a medida que tomara, seria obrigada a adotá-la para se conformar
com o espírito público da Província, pois se o contrariasse excitaria geral
sublevação. Esta terceira e última razão da Junta seria a mais forte se fosse
verdadeira; mas quem sabe se, iludida, atribuiu à Província seus privativos
sentimentos? Espero desenganar-me em pouco tempo.
É visível a fragilidade de tais fundamentos para deliberação de tanta
importância; e a mesma Junta, como desconfiada da segurança da sua obra,
não se descuidou de lhe reforçar os alicerces, no Ofício de 21 de Junho de
1821 (5), que dirigiu a Lisboa sobre o mesmo objeto.
Principiando por expor que no Ofício de 3 de Junho omitira muita razões
justificáveis, por temer ferir a delicadeza de El Rei na Pessoa do Herdeiro
do Trono, passou a referi-las, sem temer ferir a mesma delicadeza na pessoa
do Monarca.
Não podia, diz a Junta, reconhecer a Regência do Brasil porque na
conformidade da Constituição Espanhola jurada interinamente em Portugal, e
igualmente na Bahia, às Cortes e não ao Rei competia a nomeação de Regência.
Vejamos o que foi este juramento interino da Constituição Espanhola.
Tendo a Comissão Preparatória de Cortes concluído em 31 de Outubro
de 1820 o plano para as eleições dos Deputados, não foi este bem recebido do
Público; e o Juiz do Povo de Lisboa, de acordo com o exército, requereu que

249
se jurasse a Constituição Espanhola. Na Conferência Militar, feita no Palácio
do Governo no dia 11 de Novembro, aprovou-se a proposta; mas no dia 18
declarou-se tudo irregular e nulo, e somente se adotou o sistema prescrito na
Constituição Espanhola para a eleição dos Deputados. Sendo assim tomou a
Junta por fundamento legítimo da sua deliberação um ato que só a força de
uma facção obrigou a praticar, e que foi desaprovado, seis dias depois, pelo
Governo Supremo do Reino.
Mas suponhamos que se tinha adotado para nos reger interinamente a
Constituição de Espanha, nem por isso era menos falso o princípio apontado
pela Junta para sua justificação; porque a Regência de que fala a referida
Constituição,(3) cuja eleição pertence exclusivamente às Cortes, é a Regência
do Reino inteiro, a pessoa moral que representa a do Rei na sua menoridade
ou impedimento; e portanto nenhuma aplicação podia ter à Regência, ou
Governo do Brasil, que é somente uma parte, posto que considerável, do
território Português.
Destruídos assim os mais fortes argumentos não me ocuparei em rebater o
que se funda no imaginado Poder Legislativo conferido por El Rei ao Príncipe
Real, porque basta a lição do Decreto de 22 de Abril e das Instruções a ele
juntas, para se provar a sua falsidade: nem o que assenta no temor que indica
a Junta de se acostumarem os Portugueses do Brasil a nada ter de comum
com os da Europa, e de se preparar a separação das suas partes do Império,
porque se o Governo do Príncipe Regente pudesse, só por abranger o Brasil
todo, produzir estes receados efeitos, era forçoso supô-los já existentes pela
residência do Soberano neste país por espaço de treze anos: nem finalmente o
que é tirado do risco de obedecer a um Ministério que a Junta diz composto
de inimigos descobertos ou ocultos da Constituição, porque uma asserção
caluniosa, escrita por espírito de maledicência, e desmentida por fatos de que o
Público é Juiz, só merece desprezo. A Junta seguiu nisto a moda: desacreditou,
e insultou com injúrias gravíssimas, sem ter prova alguma contra os ultrajados.
Está pois demonstrada a irregularidade deste procedimento; e contudo
as Cortes o louvaram; mas como não o podiam reconhecer justo, é evidente
que o aprovaram como útil, e ajustado ao que provavelmente já delineavam
sobre o sistema do Governo e Administração Pública do Brasil, que ultima-
mente se mandou pôr em execução pelas Cartas de Lei do 1.º de Outubro
deste ano, uma das quais faz independentes entre si as Províncias deste Reino,
com Governo separado, e unicamente sujeito e responsável às Cortes, e a
outra ordena a retirada do Príncipe Regente. Este sistema foi sem dúvida
adotado com a puríssima intenção de estreitar e consolidar a preciosa união

3
No Capítulo 7.º do Título 3.º, e no Capítulo 3.º do Título 4.º.

250
do Brasil com Portugal, mas não sei se a medida será a mais adaptada ao
estado presente do Brasil, nem a mais adequada para se conseguir aquele fim;
e como alguns pensam que só porque as Cortes decretaram deve já o Brasil
obedecer, raciocinemos sobre esta matéria.
A descoberta da América povoada então de Nações que não competiam
na civilização, nem também nos crimes, com aquelas a que pertenciam seus
ferozes descobridores, fez escrava de uma pequena parte da Europa esta
vasta porção do mundo. Principiada e sustentada com atentados horríveis
e devastações sem exemplo, a dominação Europeia nestas regiões, em que a
Natureza gozava ainda de quase todos os seus foros, e que, por sua desgraça
abundavam nas produções que mais irritam a cobiça dos homens, nunca os
Americanos, no longo espaço de mais de três séculos, mereceram de seus
dominadores nem sequer o favor de participar com igualdade desses mesmos
apoquentados bens de que gozavam seus irmãos, por mais vizinhos aos
altares do Despotismo.(4) A sua condição foi constantemente a de escravos
dos escravos Europeus.
As Colônias Inglesas, pela força das Instituições da Metrópole eram as
mais favorecidas; mas ainda assim os agravos foram tantos, e as indenizações
tão poucas, ou nenhumas, que afrontando à desigualdade de poder, arvoraram
o estandarte da liberdade; e abatendo o orgulho da Inglaterra, e até despre-
zando propostas de conciliação, organizaram seu Governo independente, e
abriram seguro asilo aos perseguidos da tirania.
As Colônias Espanholas, aproveitaram-se da invasão das tropas Francesas
na Espanha, para manifestar a sua determinação inalterável de sacudir o
jugo que as oprimia, e caminhando, entre revezes e triunfos, para o Alcançar
da Liberdade, já nada pode estorvar-lhes a entrada em seu Pórtico sagrado.
Finalmente o Brasil, recebendo em seu seio o Monarca legítimo, que
ocupa o Trono Português, não mudou as suas instituições, mas teve ao menos
o prazer consolador de subir em dignidade política, e de respirar livre da
dependência abjeta, em que gemera por tantos anos.
Neste estado de coisas, Portugal aviltado e empobrecido, tira forças
do seu mesmo abatimento, ousa ser livre, e chega a consegui-lo; e o Brasil,
imitando generoso tão magnânima resolução jura unir-se a Portugal, reco-
nhecer a Constituição, organizada pela sabedoria das Cortes Nacionais,
formadas pelos Representantes dos diversos Povos da Monarquia, para gozar
com igualdade de todos os bens sociais.

4
Arredar do mal é sempre medida proveitosa; mas por funesta singularidade a distância
que separava os Americanos do foco da tirania, agravava o rigor da sua opressão.

251
Deste quadro resumido, mas verdadeiro, da situação geral da América,
três verdades se deduzem facilmente: 1.ª que o Brasil, que naturalmente tem
invejado a felicidade permanente dos seus vizinhos do Norte, e a que se
preparam os do Sul, não pode retrogradar para o antigo estado de Colônia;
2.ª que para se conseguir o importante fim da sua união com Portugal, cumpre
fazer por meio de imparcial repartição de cômodos e incômodos entre os dois
Reinos, que este resista à perigosa sedução da independência absoluta; 3.ª
que o Brasil, por esse mesmo juramento, que prestou, adquirindo o direito
de mandar os seus Representantes às Cortes, tem o de ser por eles ouvido,
principalmente nas matérias de seu particular interesse, sob pena de nulidade
do que se praticar sem a sua concorrência. Portanto se o sistema de Governo
decretado para o Brasil o reduz à condição, a que não deve descer: se ele
ataca diretamente os seus melhores interesses, e lhe estorva o progresso da sua
prosperidade pela apertada sujeição e dependência, em que fica de Portugal,
em todos os ramos da administração pública: e se, enfim, foi disputado e
decidido na ausência da maior parte dos seus Representantes, é inegável o
direito que tem de reclamar contra o mesmo sistema por suas desastrosas
consequências, e pedir o que lhe é mais vantajoso. Direi mais: é tão rigorosa
a igualdade na Representação Nacional que ainda sendo convenientes tais
providências, o Brasil poderia dizer = Aceito-as porque se acertou com o
bem, mas não porque reconheça em vós o direito de legislar para mim =. Em
uma palavra a Soberania, segundo as Bases que juramos, reside na Nação
inteira, e se Portugal pudesse fazer Leis para o Brasil seria uma parte da
Nação Soberana da outra. Cuido que há poucas verdades mais evidentes.
Causa estranheza e maravilha a facilidade com que, desprezado estes
princípios, ordenam-se providências, que tanto entendem com a organização
deste Corpo Moral, quando aliás para resolver o difícil problema da forma-
ção de um Governo Constitucional para uma Monarquia composta de dois
Reinos,(5) separados por mares dilatadíssimos, não servem os cálculos e teorias
conhecidas, que se aplicam em geral aos Corpos Políticos: a natureza deste é
nova, e novas devem ser as fórmulas para achar-se a solução que se propõe.
Na antiga forma de Governo, em que era quimera a igualdade de direitos
e deveres, tudo se reduzia à Metrópole mandar e à Colônia obedecer: aquela
dizia a esta = Tirei-te da nulidade em que jazias, civilizei-te, e fiz que abraças-
ses a Religião Católica até debaixo da pena da morte; por estes benefícios, e
porque sou mais forte e mais ilustrada, competem-me todas as vantagens do

5
Falo só das duas partes mais consideráveis; porque as outras, por fracas, aceitam o que
lhe dão.

252
teu comércio e dos teus trabalhos, à exceção das que for preciso deixar-te a
fim de que tenhas forças suficientes para continuar a trabalhar para mim; e
como medidas subordinadas a estes fins se farão as Leis, a que cegamente te
sujeitarás, e que sempre serão justas se me forem úteis. =
Assim falavam os Ministérios compostos de Nobres, orgulhosos e
néscios, para quem o protótipo dos Governos foi sempre o de Constantinopla;
mas esse tempo de tirania e desgraça, em que os Baxás Portugueses vinham
ao Brasil zombar dos direitos e da honra dos cidadãos, e voltavam impando
de riquezas para a Corte onde eram premiados, já passou; e na presença do
Soberano Congresso dos Representantes da Nação todos os Portugueses
são iguais em direitos e obrigações: extintas de uma vez as ideias odiosas
de sujeição e domínio, nenhuma distinção se admite entre Portugal e Brasil.
Todavia estes princípios de evidente verdade não passaram de belas
teorias, em que nada ganha a sociedade, se a eles se não conformarem as
determinações emanadas daquela Augusta Assembleia; se todos os povos
não forem tratados com igual contemplação; e se, a pretexto de unidade
de Governo, e de centro único de Monarquia, uns acharem perto de si o
despacho de suas súplicas e o remédio de seus males, e tiverem outros de
ir mendigar a remotos climas esses mesmos despachos e remédios, com
demoras indeterminadas e despesas ruinosas. Só com imparcial distribuição
de encargos e proveitos se ganha a confiança dos povos; e sem esta é delírio
esperar união verdadeira e durável.
Que diria Portugal se estabelecida aqui a sede da Monarquia, e convoca-
das as Cortes se alterasse o seu regime, se atacassem os seus cômodos e interes-
ses, e isto tudo se fizesse antes de reunidos os seus Deputados? Considerando
quanto contribui para a grandeza da Nação pela sua população, comércio, e
indústria, e qual é a sua Representação Política, e lembrando-se até, (porque
estas coisas nunca esquecem) com justo e nobre orgulho, do heroísmo de
seus filhos, que nas quatro partes do mundo têm emulado em façanhas
ilustres com os varões mais louvados da história, julgaria vilipendiada sua
dignidade, e seus direitos atropelados, por não ser ouvido, sobre o que lhe
convinha, por seus legítimos Representantes. Igual juízo, e com igual razão
faz hoje o Brasil, em idênticas circunstâncias, refletindo na contemplação que
merece pela sua categoria, e pela vasta extensão de território, abundância e
variedade de suas ricas produções, e ofendendo-se da manifesta injúria de
seus incontestáveis direitos.
Não faltam contudo indiscretos e ignorantes, que sonhando distinções
opostas ao espírito da Constituição, até julgam servir bem os interesses de

253
Portugal ostentando desprezos pelo Brasil, e que tratam por inimigos daquele
Reino os que, no estado presente, advogam a causa deste. Mas se é útil a
Portugal a sua união com o Brasil, quem procura melhor que se opere esta
espécie de milagre político, é o que trabalha por consagrar ambas as partes,
desejando desviar todo o motivo de rixa e desconfiança, e aconselhando que
se conserve em constante equilíbrio a balança de Astreia, ou quem faz o que
pode para que se desavenham? Concedamos, se tanto querem, que a força
maior esteja em Portugal, em consequência da qualidade da população, não é
ainda assim o extremo da insolência querer que, em um Estado livre, a parte
mais fraca se sujeite cegamente às Leis da mais poderosa? Seria para legitimar
o direito do mais forte que se jurou a Constituição, ou para que a força e a
fraqueza tenham iguais direitos e vantagens!
Também amo, direi eu a estes iludidos amigos de Portugal, cuja causa
arruínam pretendendo defendê-la, também amo, e muito ardentemente, essa
pátria de heróis onde tive a fortuna de nascer; e, porque a amo, tremo quando
imagino nos males que podem sobrevir-lhe, por não se dar a cada um o que
lhe é devido, e por estólidas preocupações que não se ajustam com a nobre
elevação de ideias que inspira a liberdade; a este apurado amor devo a feliz
audácia com que escrevi verdades que lhe julguei profícuas, no tempo em que
muitos dos que hoje se jactam das virtudes dos Brunos e dos Cássios, tremiam
mudos diante do Despotismo (6); mas se amo Portugal, como devo, ainda
muito mais amo a justiça e a verdade: com o seu sacrifício nunca desejarei
aumentos a minha Pátria.
Era admirável a sabedoria com que procediam as Cortes enquanto não
quiseram entender sobre coisas deste Reino, pela falta dos seus respectivos
Deputados. Este escrúpulo, tão necessário e tão justo ganhava corações e
partido no Brasil, assim como os desafeiçoa, e indispõe o espírito de injusta
independência que parece dirigir agora as suas deliberações. Esta mudança, tão
funesta a Portugal, que não quer nem pode querer desligar-se desta riquíssima
porção da Monarquia, sem a qual é indubitável a sua desgraçada decadência,
é com acerto atribuída à preponderância de alguns homens dominados por
ideias exaltadas de orgulho intempestivo, que tem feito desaparecer daquela
Soberana Assembleia a ilustrada moderação que tão felizmente presidia aos
seus conselhos, e que parecem insinuar que é escusado o voto do Brasil até
nos seus privativos negócios (7). E se o Brasil, clamando por justiça e por
igualdade, não quiser sujeitar-se a tais decisões, por ilegítimas e nulas, quererão
esses Senhores, que as indicaram e sustentaram, talvez sem muitos estudos

254
das coisas deste país,(6) que ele seja constrangido a obedecer, e que tiremos,
por fruto da nossa regeneração, o execrável espetáculo da força apoiando a
injustiça! Se alguém há que se lembre de aconselhar esta revoltosa medida,
tem porventura ponderado bem suas horríveis consequências? Quererá ver
desatados para sempre os laços que se pretendem apertar, e reproduzidas
no Brasil as cenas deploráveis, de que tem sido espantoso teatro as desgra-
çadas Colônias de Espanha? Províncias divididas em partidos, e assoladas
pela guerra civil; cidades incendiadas; povoações inteiras exterminadas dos
seus lares, acabando errantes e dispersas, sem achar asilo na sua miséria; e
o crime apropriando-se impune os despojos da virtude e da inocência! E isto
por quê? Por não se ouvir a voz da justiça, e querer atropelar as mesmas Leis
cuja observância há pouco se jurou!
Ah! e que fruto tiraria Portugal desta guerra tão injusta como insensata,
quando lhe fosse possível, limitada aos seus recursos,(7) armar esquadras,
pagar transportes, e sustentar exércitos lançados em terras tão distantes,
e separadas pelo Oceano das únicas de que poderiam receber provisões e
reforços? Porventura esperaria conseguir o que a Espanha muito mais pode-
rosa não tem podido alcançar? O resultado final seria a perda do Brasil, que
ressentido de suas não merecidas desgraças, até recusaria aceitar o que hoje
não duvidará propor.
De lastimosa consideração é, sem dúvida, o lúgubre quadro de tantos
infortúnios e calamidades; mas sirva de antídoto a tão envenenadas lembran-
ças, a doce e bem fundada esperança de nunca o ver realizado. Os varões
generosos que tomaram sobre si o glorioso encargo de elevar da escravidão à
liberdade a Nação Portuguesa, não podem desatender no Santuário da Justiça
os direitos do Reino do Brasil, tão sagrados como os de Portugal. Não: não é
possível que sendo ali tão bem conhecidas as vantagens recíprocas que resul-
tam da união dos dois Reinos se não tema arriscar, por falsas combinações
de Política, a posse desses bens reais e preciosos, para sustentar planos de
engrandecimento de uma das partes, com menoscabo e detrimento da outra,
ou defender caducos prejuízos, e pretensões de ofensiva superioridade, que a
escravidão sofria, mas a liberdade não admite, e cuja satisfação é incompatível
com o progresso feliz da causa pública. Finalmente o que a Espanha mais
judiciosa e prevista, poderia ter feito, com tanto proveito seu, no princípio

6
Um deles não duvidou confessar, em obra sua, que só conhecia o Brasil nas Cartas
Geográficas; mas nem por isso deixou de opinar, como se estivesse bem farto dos
conhecimentos de que carecia.
7
Digo = aos seus recursos =, porque não pode contar com os estranhos. Os que duvidarem
desta verdade olhem para a Espanha, que também os tem precisado e pedido.

255
da guerra sanguinolenta em que se arruína, pratique-o Portugal; e ajunte à
glória marcial que o enobrece, e que adquiriu por tantos ilustres feitos, outra
mais digna das luzes do século em que vivemos: a de fazer um povo feliz,
guiando-se inalterável pelos ditames da justiça e da humanidade.

Rio de Janeiro em Dezembro de 1821.

(N. B. Se as circunstâncias o pedirem, tornarei a este último assunto com


mais vagar.)

DOCUMENTOS.

(1) Para o Ouvidor da Comarca = Devendo convocar-se amanhã a Junta


Eleitoral da Comarca, em cuja sabedoria e patriotismo Sua Majestade muito
confia, ordenou-me o mesmo Augusto Senhor remetesse a Vossa Mercê,
como Presidente daquela assembleia, o projeto do Governo Provisório, que
Sua Majestade tem nomeado para reger este Reino do Brasil, desde a sua
saída para Portugal até chegar a Constituição, em que trabalham as Cortes
de Lisboa: projeto que vai em minutas por mim assinadas, para que Vossa
Mercê as faça presentes na Junta Eleitoral, que, achando-se revestida da
confiança do povo, poderá fazer sobre esta importante matéria algumas
reflexões vantajosas à causa pública, em que Sua Majestade tanto se interessa;
sem que contudo se possa isto interpretar com ato legislativo que seria nulo
naquela assembleia = Deus Guarde a Vossa Mercê. Paço em 20 de Abril de
1821. = Inácio da Costa Quintella.
(2) EDITAL = O Doutor Joaquim José de Queiroz, Cavaleiro da Ordem
Cristo, do Desembargo de Sua Majestade, e seu Desembargador eleito da
Relação da Bahia, Ouvidor Geral, Provedor, e Corregedor desta Comarca, Juiz
Conservador dos Moedeiros e Índios Aldeados da Capitania, tudo pelo mesmo
Senhor que Deus Guarde etc. = Faço saber, que amanhã 21 do corrente, pelas
4 horas da tarde, se há de reunir a Junta Eleitoral desta Comarca em a Casa
do Comércio, para isso designada, a fim de se dar princípio à apresentação

256
das Cartas de Nomeação dos Eleitores Paroquiais que ali devem concorrer
na forma do Decreto e Instruções de 7 de Março: Foi necessário antecipar
o dia desta reunião para adiantar os trabalho da Junta naquele Artigo, e no
Domingo 22 pelas mesmas horas se há de proceder às Eleições dos Artigos
68 e 69: No dia 23 pela 7 horas da manhã há de a Junta reunir-se para as
Eleições dos Artigos 73 e 74 até se terminar a sua Comissão. Toda a pessoa
que quiser assistir pode ali concorrer nos dias, e horas indicadas, esperando-
-se de todos que observem o silêncio e respeito devidos a um ato de tanta
seriedade, e importância Nacional; e quando tenham a fazer algumas reflexões
as reduzam a escrito, e m’as apresentem para eu como Presidente as propor
à Junta, em a qual o povo desta Comarca tem posto a sua confiança pela
eleição espontânea que fizeram de seus membros. Rio de Janeiro 20 de Abril
de 1821. = Joaquim José de Queiroz.
(3) DECRETO. Havendo tomado em consideração o Termo de
Juramento, que os Eleitores Paroquiais desta Comarca, a instâncias e decla-
ração unânime do Povo dela, prestaram à Constituição Espanhola, e que
fizeram subir a minha Real Presença, para ficar valendo interinamente a dita
Constituição Espanhola desde a data do presente Decreto até a instalação da
Constituição, em que trabalham as Cortes atuais de Lisboa, e que Eu Houve
por bem Jurar com toda a Minha Corte, Povo, e Tropa no dia vinte e seis
de Fevereiro do ano corrente: Sou Servido Ordenar, que de hoje em diante
se fique estrita e literalmente observado neste Reino do Brasil a mencionada
Constituição Espanhola até o momento, em que se ache inteira, e definiti-
vamente estabelecida a Constituição deliberada, e decidida pelas Cortes de
Lisboa. Palácio da Boa Vista aos vinte e um de Abril de mil oitocentos e
vinte e um. – Com a Rubrica de SUA MAJESTADE.
(4) DECRETO = Subindo ontem à Minha Real Presença uma
Representação, dizendo-se ser do Povo, por meio de uma Deputação formada
dos Eleitores das Paróquias, a qual Me assegurava, que o Povo exigia para
Minha felicidade, e dele, que Eu determinasse, que de ontem em diante
este Meu Reino do Brasil fosse regido pela Constituição Espanhola, Houve
então por bem Decretar, que essa Constituição regesse até a chegada da
Constituição, que sábia e sossegadamente estão fazendo as Cortes convocadas
na Minha muito Nobre, e Leal Cidade de Lisboa: Observando-se porém hoje,
que esta Representação era mandada fazer por homens mal intencionados, e
que queriam a anarquia, e vendo que o Meu Povo se conserva, como Eu lhe
agradeço, fiel ao Juramento, que Eu com ele de comum acordo prestamos
na Praça do Rocio no dia vinte e seis de Fevereiro do presente ano; Hei por
Determinar, Decretar, e Declarar por nulo todo o Ato feito ontem; e que o

257
Governo Provisório, que fica até a chegada da Constituição Portuguesa, seja
da forma, que Determina o outro Decreto, e Instruções, que Mando publicar
com a mesma data deste, e que Meu Filho o Príncipe Real há de cumprir,
e sustentar até chegar a mencionada Constituição Portuguesa. Palácio da
Boa Vista aos vinte dois de Abril de mil oitocentos e vinte e um. – Com a
Rubrica de SUA MAJESTADE.
(5) Tanto este Ofício de 21 de Junho, como o de 3 do mesmo Mês, de
que também falamos, acham-se transcritos no Diário do Governo de 9 de
Agosto de 1821, tendo sido apresentados na Sessão das Cortes de 7 do dito
mês, em que foi louvado e aprovado o processo da Junta da Bahia.
(6) Para que não se pense que blasono do que não fiz, sirva de exem-
plo (entre muitos que poderia apontar) o que escrevi no Número 28 do =
Semanário Lusitano = em 2 de Novembro de 1809, falando de Governos.
“Se o bem geral não fosse necessariamente a primeira Lei do Estado, e o
único fim das sociedades civis, não se lembrariam constantemente os povos
de se rebelarem à medida que aumenta a distribuição desigual dos encargos
e cômodos. Muitas vezes vemos mediar grandes intervalos de tempo entre
a lembrança e a execução, mas é porque o Despotismo, que se estabelece
lentamente é o mais fatal aos povos. Estes não atendem ordinariamente às
pequenas alterações, e com o progresso do tempo, e de mudanças, que pouco
a pouco se introduzem, sempre favoráveis ao governo arbitrário, e prejudiciais
aos sagrados direitos do cidadão, adquire a tirania o poder necessário para
desprezar sem susto as representações dos lesados e oprimidos, e emprega
depois, se preciso é, para lhes sufocar as queixas, a força destinada a defender
o Estado. Nesta última época já os homens têm passado de livres a escravos,
e como uns deles, iludidos com a forma aparente de Governo moderado;
entendem que só obedecem às leis e não aos caprichos dos que governam,
e outros pensam, por ignorância, que se não regem de outra maneira as
sociedades, não se procura o remédio do mal, e conta-se por fim na ordem
dos deveres beijar a mão que aperta de dia em dia os grilhões, e que prefere
a elevação de indignos privados à felicidade do povo que governa. Não
são porém de longa dura estes dias de opróbio e de miséria; a violência da
desgraça desperta o sentimento da nossa dignidade natural, e quase sempre
o tirano, que dispunha a seu arbítrio dos bens e vidas dos infelizes vassalos,
é por fim sacrificado pela vingança para desagravo da sociedade.”
Creio que pode jactar-se de amar a liberdade quem divulgava estes
princípios à face do Governo que não fazia escrúpulos das Setembrizadas,
nem das fogueiras do Campo de Santana.

258
(7) Com este juízo que faço de alguns Deputados de Cortes se conforma
o Governo de São Paulo no seu Ofício de 24 de Dezembro de 1821, que é
do teor seguinte.
Senhor = Tínhamos já escrito a Vossa Alteza Real, antes que pelo
último Correio recebêssemos a Gazeta Extraordinária do Rio de Janeiro de
11 do corrente, e apenas fixamos nossa atenção sobre o primeiro Decreto
das Cortes, acerca da organização dos Governos das Províncias do Brasil,
logo ferveu em nossos Corações uma nobre indignação; porque vimos nele
exarado o sistema da anarquia e da escravidão; mas o segundo, pelo qual
Vossa Alteza Real deve regressar para Portugal a fim de viajar incógnito
somente pela Espanha, França e Inglaterra, causou-nos um verdadeiro horror.
Nada menos se pretende do que desunir-nos, enfraquecer-nos, e até
deixar-nos em mísera orfandade, arrancando do seio da grande família
Brasileira o único Pai comum, que nos restava, depois de terem esbulhado
o Brasil do benéfico Fundador deste Reino, o Augusto Pai de Vossa Alteza
Real. Enganam-se; assim o esperamos em Deus, que é o vingador das injus-
tiças; Ele nos dará coragem, e sabedoria.
Se pelo artigo 21 das Bases da Constituição, que aprovamos e juramos
por serem princípios de Direito público universal, os Deputados de Portugal
se viram obrigados a determinar, que a Constituição que se fizesse em Lisboa
só obrigaria por ora aos Portugueses residentes naquele Reino, e quanto aos
que residem nas outras três partes do Mundo ela somente se lhe tornaria
comum quando seus legítimos Representantes declarassem ser esta a sua
vontade; como agora esses Deputados de Portugal, sem esperarem pelos do
Brasil, ousam já legislar sobre os interesses mais sagrados de cada Província,
e de um Reino inteiro? Como ousam desmembrá-lo em porções desatadas,
isoladas, sem lhes deixarem um centro comum de força e de união? Como
ousam roubar a Vossa Alteza Real a Lugar-Tenência que Seu Augusto Pai
nosso Rei lhe concedera? Como querem despojar o Brasil do Desembargo
do Paço e Mesa da Consciência e Ordens, Conselho da Fazenda, Junta do
Comércio, Casa da Suplicação, e de tantos outros Estabelecimentos novos,
que já prometiam futuras prosperidades? Para onde recorrerão os Povos
desgraçados a bem de seus interesses econômicos e judiciais? Irão agora,
depois de acostumados por 12 anos a recursos prontos, a sofrer outra vez
como vis colonos, as delongas e trapaças dos Tribunais de Lisboa, através
de duas mil léguas do Oceano, onde os suspiros dos vexados perdiam todo
o alento e esperança? Quem o crerá, depois de tantas palavras meigas, mas
dolosas, de recíproca igualdade e de felicidades futuras!!

259
Na Sessão de 6 de Agosto passado disse o Deputado das Cortes Pereira
do Carmo, (e disse uma verdade eterna) que a Constituição era o pacto
Social, em que se expressavam e declaravam as condições pelas quais uma
Nação se quer Constituir em Corpo político; e que o fim desta Constituição
é o bem geral de todos os indivíduos, que devem entrar neste pacto Social.
Como pois ousa agora uma mera fração da grande Nação Portuguesa, sem
esperar a Conclusão desse solene pacto Nacional atentar contra o bem geral
da parte principal da mesma, qual o vasto e riquíssimo Reino do Brasil,
despedaçando-o em míseros retalhos, e pretendendo arrancar por fim do seu
seio o Representante do Poder Executivo, e aniquilar de um golpe de pena
todos os Tribunais e Estabelecimentos necessários a sua existência, e futura
prosperidade! Este inaudito despotismo, este horroroso perjúrio político,
decerto não o merecia o bom e generoso Brasil. Mas enganam-se os inimi-
gos da Ordem nas Cortes de Lisboa se se capacitam que podem ainda iludir
com vãs palavras e ocos fantasmas o bom siso dos honrados Portugueses de
ambos os Mundos.
Note Vossa Alteza Real, que se o Reino de Irlanda que faz uma parte
do Reino Unido da Grã-Bretanha, apesar de ser infinitamente pequeno em
comparação do vasto Reino do Brasil, e estar separado da Inglaterra por um
estreito braço de mar, que se atravessa em poucas horas, todavia conserva
um Governo Geral, ou Vice-Reinado, que representa o Poder Executivo
do Rei do Reino Unido, como poderá vir à cabeça de ninguém, que não
seja ou profundamente ignorante, ou loucamente atrevido, pretender, que
o vastíssimo Reino do Brasil haja de ficar sem centro de atividade, e sem
Representante do Poder Executivo; como igualmente sem uma mola de ener-
gia e direção das nossas Tropas para poderem obrar rapidamente e de mãos
dadas a favor da defesa do Estado contra qualquer imprevisto ataque de
inimigos externos, ou contra as desordens e facções internas, que procurem
atacar a segurança pública, e a união recíproca das Províncias!
Sim Augusto Senhor, é impossível que os habitantes do Brasil, que forem
honrados, e se prezarem de ser homens, e mormente os Paulistas, possam
jamais consentir em tais absurdos e despotismos: Sim Augusto Senhor, Vossa
Alteza Real deve ficar no Brasil, quaisquer que sejam os projetos das Cortes
Constituintes, não só para nosso bem geral, mas até para a independência e
prosperidade futura do mesmo Portugal. Se Vossa Alteza Real estiver, o que
não é crível, pelo deslumbrado e indecoroso Decreto de 29 de Setembro, além
de perder para o Mundo a dignidade de homem e de Príncipe, tornando-
-se escravo de um pequeno número de desorganizadores, terá também que

260
responder, perante o Céu, do rio de sangue que decerto vai correr pelo Brasil
com a sua ausência, pois seus Povos, quais Tigres raivosos, acordarão decerto
do sono amadornado, em que o velho despotismo os tinha sepultado, e em
que a astúcia de um novo Maquiavelismo Constitucional os pretende agora
conservar.
Nós rogamos portanto a Vossa Alteza Real com o maior fervor, ternura,
e respeito, haja de suspender a sua volta para a Europa, por onde o querem
fazer viajar, como um Pupilo, rodeado de Aios e de espias; nós lhe roga-
mos que se confie corajosamente no amor e fidelidade dos seus Brasileiros,
e mormente dos seus Paulistas, que estão todos prontos a verter a última
gota de seu sangue, e a sacrificar todos os seus haveres para não perderem
o Príncipe idolatrado em quem têm posto todas as esperanças bem funda-
das da sua felicidade, e da sua honra Nacional. Espere pelo menos Vossa
Alteza Real pelos Deputados nomeados por este Governo, e pela Câmara
desta Capital, que devem quanto antes levar a Sua Augusta Presença nossos
ardentes desejos, e firmes resoluções, Dignando-se acolhê-los e ouvi-los com
o amor e atenção que lhe devem merecer os seus Paulistas.
À Augusta Pessoa de Vossa Alteza Real guarde Deus muitos anos.
Palácio do Governo de São Paulo 24 de Dezembro de 1821. – João Carlos
Augusto de Oeynhausen. – Presidente, José Bonifácio de Andrada e Silva.
– Vice Presidente. Martim Francisco de Andrada. – Secretário. Lázaro José
Gonçalves. – Secretário. Miguel José de Oliveira Pinto. – Secretário. Manoel
Rodrigues Jordão. Francisco Inácio de Souza Guimarães. João Ferreira de
Oliveira Bueno. Antonio Leite Pereira da Gama Lobo. Daniel Pedro Muller.
André da Silva Gomes. Francisco de Paula e Oliveira. Antonio Maria
Quartim.

261
23

REFLEXÕES SOBRE HUM PARAGRAPHO


DO
ASTRO DA LUSITANIA No. 325

Havendo eu lido no tenebroso Astro Número 325 uma insana diatribe


contra o Poder Executivo, contra o Augusto Congresso da Nação, e contra o
General Luiz do Rego, além de outros indivíduos que são abocanhados pelo
Redator daquele incendiário, e perigoso jornal, cumpre-me contradizer, se
não tudo quanto ali se afirma (o que não fora difícil, pois não passa de um
montão de insolentes inépcias) ao menos o que se lê contra Luiz do Rego.
Tenho só em vista defender o merecimento real insultado por um fogo pigmeu
em literatura, e política, cujo mais constante empenho é deprimir o crédito
de Cidadãos ilustres, que merecem a estima pública. Há quem diga que uma
baixa e vil inveja lhe ministra as tintas com que pretende enegrecer a fama de
um General, que tantos serviços tem feito a sua Pátria; também crê muita gente
que auri sacra fames1 o impele a escrever contra o que entende. Eu contudo
como dou muito pouco por seu entendimento, não curando de mais nada, vou
diretamente examinar o que se diz, sobre o que farei as reflexões, que justas
se me antolharem. O público decidirá por que parte está a razão; porquanto
essa turba de homens indignamente caluniadores, que têm aí levantado os
mais atrozes aleives, não me merece a menor atenção; deixo esses desgraçados
envoltos na poeira do vilipêndio, que os cobre, e estou vingado.
O Redator embicou na prisão de Luiz do Rego, dando por motivos de
ela se dever efetuar a prisão de Stockler, o que é um fortíssimo raciocínio.
Stockler opôs-se ao Sistema Constitucional, escreveu ao Governo insul-
tando as Cortes, vedou a entrada de escritos constitucionais nas Ilhas; fez
morrer dentro dos corações de todos os Insulares, que infelizmente governava,
o grito de adesão ao Sistema Regenerador da nossa Pátria; fez um plano
de Inquisição contra Pedreiros Livres, e os perseguiu de morte; Stockler
sacrificou (dizem) ao ídolo sanguinolento do Despotismo muitas vítimas

1
Maldita fome do ouro.

262
que pereceram às mãos de soldados ébrios, e enfurecidos adrede pela mais
indigna impostura, etc.
Olhemos agora para Luiz do Rego: este foi o único de todos os
Governadores do Ultramar que ousou proclamar a Constituição, persuadindo
aos povos, ainda relutantes, a se declararem por ela. Luiz do Rego no mesmo
dia em que juntou o povo do Recife, e lhe persuadiu em um discurso cheio
de energia, e de razão, que lhe convinha ser Constitucional, quis demitir-se
do Governo, e empregou os seus esforços para convencer o mesmo povo de
que esta mudança lhe era útil. Fez isto por três vezes, e outras tantas pediu às
Cortes, a El Rei, e ao Regente do Brasil a sua remoção. Luiz do Rego à força
de continuadas diligências acelerou a eleição dos Deputados, tanto, que foram
os de Pernambuco os primeiros, que no Congresso se apresentaram vindos
do Brasil; havendo-se naquela Província tratado das eleições por mandado
do Governador, muito antes de se receber ordem para isso. Luiz do Rego
não proibiu ao princípio, como todos os mais Governadores, a entrada, e
publicação de escritos Constitucionais, pelo contrário publicamente aconse-
lhava todas as pessoas com quem falava a lê-los, e espalhá-los. Antes do dia
3 de Março em sua casa se cantavam coplas Constitucionais, davam-se vivas
à Constituição, o que muito de propósito se fazia para desenganar o povo
sobre as ideias políticas do General. Antes desse dia o avisou o Comandante
da Rosalia a fim de se fazer à vela o quanto antes, receando alguma ordem de
embargo do Rio de Janeiro. Ainda depois do mesmo dia 3 de Março teve Luiz
do Rego contra si em Pernambuco o partido dos tímidos (e eram tantos!!!)
que o acusavam de revolucionário, e infiel ao Rei, dando-o por causador de
novas desventuras, que, diziam eles, estavam ameaçando a Província. Luiz
do Rego desenganou esse gente, protestando-lhe que ele tomava sobre si
toda a responsabilidade; porquanto ele fora o motor das deliberações, que se
haviam tomado. Assim tranquilizou os ânimos de mil covardes, que só por
medo dele haviam anuído à grande causa da nação. É verdade que mandou
prender muitos indivíduos; porém aposto que o Redator do Astro, antes de
se resolver a atacar Luiz do Rego, não curou saber se este teve razão, ou não,
que a isso o movesse!
Os dois primeiros Oficiais que foram presos causaram por seus discursos
imprudentes, e próprios de homens indignos, o maior descontentamento a
muitos dos principais habitantes do Recife; pois que publicamente começaram
a vozear que era preciso que às Tropas se dessem grandes soldos; e que se do
Tesouro Público lhes não pagassem, os iriam tirar dos Cofres dos Negociantes,
bagatela!!! Assim mesmo não foram nem presos, nem tratados como tais;

263
mas sim rapidamente removidos de uma terra aonde principalmente um deles
tinha feito atos grandes!
Seria longo enumerar agora os motivos que houve para se prenderem
os mais indivíduos, que foram presos; digo só de passagem que os quarenta
e tantos, que vieram para esta Capital, se não eram criminosos, eram pelo
menos geralmente execrandos; pois contra eles se manifestou a opinião
pública quase sem exceção. Nem esta se contentou com detestá-los; porque
as corporações Militares, o Comércio, e a Câmera em nome, e como órgão
do povo, manifestaram por escrito a sua indignação. A única pessoa que
os quis favorecer foi o tirano de Luiz do Rego: isso o pode afirmar o Padre
Caetano Antunes, que lhe pedindo a soltura do Bourbon ficou maravilhado
de o achar disposto a soltar todos. Se o não fez, foi porque os Comandantes
dos corpos armados foram protestar-lhe que se oporiam a essa soltura com
todas as forças do seu comando; pois muitos receavam já a indisposição do
povo contra tais homens, já o resultado dos planos, que estes trançavam.
Existem agora em Lisboa muitas pessoas com quem isso se pode provar;
porque os fatos, que refiro, foram públicos em Pernambuco, segundo de lá
me informou pessoa muito fidedigna. A mesma prisão dos quarenta e dois
inocentes, não foi ordenada pelo General; foi requerida pelo Ouvidor, pelos
mesmos Comandantes dos corpos, e pelo Povo; disso já se tem publicado
documentos incontestáveis: eis aqui a tirania do Vizir Luiz do Rego.
Fica-me para outra vez tratar das mais tiranias, nem ficará no tinteiro
o escandaloso Rodeador, de que tão injustamente se tem falado; e de cuja
catástrofe nenhuma culpa houve o General, como evidentemente provarei.
Ora aqui tem o inimigo do sistema Constitucional: os habitantes de
Pernambuco disso o acusam (diz o detrator) ergo seja preso. Onde diabo
estão os princípios liberais deste Astro? Já vimos a diferença extraordi-
nária, que há entre Rego e Stockler; porém não falemos nisso: Sabe-se, e
tem-se visto que os negociantes de Pernambuco, que os corpos armados, e a
maior parte dos homens havidos por verdadeiros, e probos clamaram por a
conservação de Luiz do Rego, e o reputavam o salvador da Província: isto
há sido público, e autêntico; logo não são os habitantes da Província, que o
acusam; mas quando fossem, uma acusação espontânea é acaso um corpo de
delito? Diz o Astrista que Luiz do Rego depois da chegada do Navio Saint
Gualter mandou devassar de quem mostrasse regozijo por a nossa regene-
ração: mentiris impudentissime:2 nunca tal sucedeu. Se assim tivesse sido,

2
Mentes deslavadamente.

264
estariam os aleivosos inimigos do Governador até agora calados? O Redator
corresponde-se somente com a canalha de Pernambuco; porque nenhum
dos muitos homens de bem que há naquela Província, podia-lhe escrever
estas solenes falsidades. Tal devassa se não mandou tirar; e senão, que o
digam esses mesmos injustamente declarados inimigos de Luiz do Rego os
Deputados em Cortes por Pernambuco; digam-no esses mesmos, que tendo
no Recife em Junta votado ser conveniente não alterar a forma do Governo
da Província, deram Luiz do Rego por indigno de regê-la; e isso à face do
Congresso Nacional.
Diz mais que Luiz do Rego é acusado de se haver oferecido à Corte do
Rio de Janeiro para vir com as armas contra os Constitucionais: mentiris
impudentissime: apareça o Ofício, ou carta que ele escrevesse, aonde esse
oferecimento se viu; pelo contrário, advogou sempre a causa da Nação; e se
eu não quisesse poupar talvez alguns inimigos de Luiz do Rego, mostraria
quanto o seu procedimento foi sempre puramente Liberal; sem embargo de
que depois do dia 3 de Março não pode haver a menor suspeita sobre a sua
adesão à causa da Mãe Pátria. Esta acusação é pois da mesma estofa que a
antecedente, é digna de ter lugar no tenebroso Astro.
Vai por diante dizendo – Acusam-no de ter mandado para a Europa
quarenta e dois Cidadãos julgados inocentes por um Acórdão da Suplicação:
bravo, senhor Astrista, Vossa mercê é fortíssimo raciocinador! – Ora diga-me
por vida sua, consta-lhe que esses quarenta e dois inocentes fossem mandados
para esta Capital pelo mesmo crime de que foram absolvidos? (se é que o
foram, porque isso ainda não está claro) Já se sabe por que razão viajaram
esses quarenta e dois, e repito que outro amigo não tiveram senão Luiz do
Rego, a quem pagaram como costumam.
Acusam-no, continua o tenebroso, de levar as coisas ao extremo de obri-
gar os povos a se levantar – Outra como as antecedentes. Em que levou ele
as coisas ao extremo? Seria em receber aleivosamente um tiro de bacamarte?
Vossa mercê Senhor Astro, acharia esta ação virtuosa, não o duvido; e louvará
o assassino como aprova a separação do Brasil da Mãe Pátria, argumentando
com muita boa lógica a favor dos que a pretendem. Amanhã escreverá que é
permitido às Ilhas adjacentes separar-se da metrópole; e estou vendo quando
aconselha o mesmo aos Algarvios, porque Vossa mercê é capaz de tudo.
Por último acusam Luiz do Rego, e o Governo interino de haver dado
cabo de quanto dinheiro havia nos cofres, despendendo-o em coisas desne-
cessárias. – Tal e quejando – Aposto, Senhor detrator, que Vossa mercê louva
o garrote, que o governicho de Goiana deu a todo o dinheiro, a que pode

265
deitar a unha sem escapar o dos miseráveis órfãos? Aposto mais que acha
liberalíssimas as contribuições violentas lançadas sobre os Europeus? Aposto
também que reputa atos de Constitucional beneficência as perseguições, que
estes miseráveis experimentaram, as prisões que sofreram em calabouços,
o incêndio de suas casas, a destruição das suas fazendas etc. etc. etc.? Oh
isso sim que foi governo Liberal!! Mas a Junta Governativa, que durante
uns poucos de dias pagou a dois batalhões de milícias, isto é a soldados e
oficiais inferiores, como se fossem tropas de Linha, e a alguns marinheiros,
que defenderam a Capital contra os Cossacos, que a vinham saquear, e que
decerto a arrasariam, esse governo foi um bando de salteadores. – Eis aqui
os gastos desnecessários em que a Junta se meteu, afora os indispensáveis
em algumas obras de fortificação. Torno a dizer, que força de raciocínio!
Não fala o detrator (oh isso seria contra os seus bons princípios) da
resolução que Luiz do Rego tomou, muito antes que houvesse Junta, de
suspender a consignação de trinta contos mensais para o Rio de Janeiro; não
diz que essa quantia a mandou aplicar para pagamentos dos particulares, e
para o desses santinhos que da Bahia foram fazer milagres a Pernambuco.
Não fala do socorro que a todos eles deu conta a opinião do Conselho,
oferecendo-se a pagar ao Erário as somas, que se dessem a esses homens, no
caso de a medida ser desaprovada... mas não é aqui o lugar de estas coisas
se enumerarem.
Conclui o detrator do mesmo modo que principiou, isto é disparatando:
O Congresso mandou prender Stockler, contra quem havia não só acusações,
mas também um Corpo de Delito, logo devia Luiz do Rego ser preso, pois
contra ele havia só acusações vagas de crimes improváveis, havendo também
a seu favor a voz púbica de todos os habitantes honrados do Recife. Optime!
Em Pernambuco sabe-se que havia, e há um espírito destruidor, um ódio
implacável entre Brasileiros e Europeus: os primeiros declararam-se contra
Luiz do Rego (que coisa mais natural!?) quiseram assassiná-lo, logo Luiz do
Rego deve ser preso, e todos os seus aderentes. Optime!
Os Goianistas, e Cabistas, e Limoeiristas etc. seduzidos por uns poucos
de furiosos atacaram a Capital à mão armada; Luiz do Rego a defendeu
corajoso, e prudente, poupando quanto foi possível o sangue aos levanta-
dos, logo Luiz do Rego deve ser preso com todos os que nestas jornadas o
ajudaram, e com quantos se lhe mostraram afeiçoados por conhecerem seu
merecimento, e virtudes. Optime!
Eis aqui a recompensa que o Astro desejava dar a um General Cidadão,
célebre por seu Patriotismo, conhecido entre nós e entre os estranhos por

266
hábil, e valoroso capitão (de que deu na guerra tantos exemplos admi-
ráveis,) por generoso, e fiel amigo, e por um Português verdadeiramente
Constitucional.
Se o Augusto Congresso da Nação obrasse segundo os princípios
do detrator, em lugar do amor, e respeito que tem granjeado de todos os
Cidadãos, granjearia o ódio, e execração pública. Porém esta fique toda para
o Astro, já que tão péssimas doutrinas derrama; já que em lugar de inspirar
a confiança, que tanto merece o Congresso Nacional, trata pelo contrário de
derramar a desconfiança entre todos os Portugueses, e prega aos Americanos
que se podem separar da Mãe Pátria, como se o Brasil estivesse em estado
de Colônia, ou fosse reputado conquista nossa, e não uma parte da grande
Monarquia Portuguesa.

Aristodemo.

Distribuído grátis com o Diário do Governo.

LISBOA:

NA TYPOGRAFIA MAIGRENSE.
ANNO DE 1821.

267
24

REFLEXÕES
Sobre o Decreto de 18 de Fevereiro deste anno offerecidas
ao Povo da Bahia por Philagiosotero.

Se o respeito ao Monarca é nas Monarquias o primeiro dever do Povo, é


também certo que uma justa consideração aos direitos do Povo é da obrigação
do Príncipe, e qualquer ataque a estes direitos chama a resistência legítima de
uma Nação contra o mesmo Rei que desconhece as suas funções verdadeiras.
É desgraçadamente o papel que o Ministério faz representar a Sua Majestade
com a publicação do Decreto de 18 de Fevereiro, cujo contexto desmente
vergonhosamente as declarações de amor e desvelo pelo bem do Povo, que
os Ministros amontoam no começo do dito Decreto.
Confessa o Ministério que as circunstâncias em que se acha a Monarquia
exigem providências justas, e adequadas para consolidar o Trono, e assegurar
a felicidade da Nação; e assim confessa também a sua incapacidade; e traição
apresentando providências que aumentam o mal em vez de diminuí-lo, e que
não quadram com o espírito do século, nem com as luzes do Povo Português.
O Trono não é estável se não é sustentado pelo amor do Povo, e o Povo só é
capaz de amar quando é feliz, e reconhece que a felicidade que possui é obra
do Príncipe, que sobre ele impera; mas não podem gerar amor, nem gratidão
os remédios que no Decreto se insinuam, cuja fraude e tendência nociva nem
a um cego escapa: o roubo não faz amar ao roubador. Continua o Decreto
assegurando aos Portugueses Europeus da ternura de Sua Majestade pela Sua
Determinação em Mandar a Portugal Sua Alteza o Príncipe Real munido de
autoridade e instruções necessárias para pôr logo em execução as medidas
e providências que Sua Majestade julga conveniente a fim de restabelecer a
tranquilidade geral daquele Reino; para prover as reformas, e melhoramentos,
e as Leis que possam consolidar a Constituição Portuguesa. É louvável o
interesse que um Soberano toma pelo bem de seu Povo, e ninguém disputará
a Sua Majestade a primazia a todos os Reis do Mundo neste respeito, nem
a relevante fineza de separar de Si o Seu Amado Filho o Senhor Dom Pedro,
para o incumbir de remediar os males de Portugal. Mas este interesse deve
mostrar-se pelo aferro às ideias essenciais do pacto social, e exercer-se dentro

268
das raias das funções próprias ao Monarca, sem invadir as da Legislatura, e
Representação Nacional, que são inalienáveis da Nação.
É veneranda a Autoridade de Sua Majestade; é, e será sempre prepon-
derante o seu juízo a respeito da conveniência das medidas para restabelecer
a tranquilidade. Tudo isso entra nas atribuições legítimas da Execução que a
Sua Majestade só pertence; é porém perfídia manifesta a insinuação de falta
de tranquilidade em Portugal, quando por todos os papéis Públicos vê-se
reinar naquele País a mais perfeita concórdia. Foi de tempo imemorial uma
das artes banais do Ministério fazer crer ao Povo que a sua regeneração, é
sempre acompanhada de convulsões. Este temor assusta os tímidos e mode-
rados que formam em regra o maior número de uma Nação, e faz até recuar
os já empenhados: Porém para com o Povo da Bahia perdeu o Ministro o seu
aranzel; nós sabemos a falsidade da insinuação tão insidiosamente inserida;
e quando verdade fosse nem por isso recearíamos de comprar a felicidade
à custa de alguma desordem temporária, que é sempre prova do excesso
de vida de um Povo, e anima a esperar dele tudo. Um Povo livre, ainda no
meio das perturbações, dá esperança de melhora, mas uma Nação escrava é
cadáver a que não pode mais aquecer o bafo da vitalidade.
É também indisputável no Príncipe a obrigação de ouvir as queixas do
Povo, e remediá-las; mas sempre se entende, que estas queixas rolem sobre
a falta na execução, o que somente é da competência dos Reis.
Quando porém elas versam sobre a insuficiência e danosidade das
instituições mesmas, é à representação Nacional, e não ao Rei que o Povo
recorre, como à só fonte de onde dimanam as determinações gerais, e Leis.
Com inversão pois de todos os princípios faz de tudo o Ministro presente
liberal a Sua Majestade que não precisa para reinar nos nossos corações
de usurpar poderes que nada aproveitam à consideração e estabilidade da
Coroa, e que antes comprometem a Sua Real Pessoa, pela impossibilidade
de bem exercer atribuições que pela natureza delas é só a Nação junta capaz
de desempenhar.
A necessidade da conservação, a facilitação dos meios de defesa, e
subsistência, o complemento também da natureza humana pelo desenvolvi-
mento de uma natureza moral ao lado da física, o que não se podia operar
senão no estado da Sociedade, destruíram a independência natural, e deram
origem à ordem social. O pacto primeiro criou o indivíduo coletivo chamado
Nação, e o dividiu em Povo, em Soberano, isto é, mandado, e mandante; e
este Soberano não é mais que a coleção de todas as vontades; porém é muito
diverso do que ordinariamente denominamos Soberano, que é propriamente
o Príncipe.

269
A criação deste terceiro membro essencial na sociedade é posterior à
primeira criação, e tem só por fim pôr em obra as determinações Nacionais;
ele é o Administrador da Nação, a quem também se defere na fatura das Leis
a precisa ingerência que, como a Cidadão lhe compete, e de que a sociedade
carece, como de um peso para retardar a aceleração, e irremediável sedução
dos corpos populares, que só podem querer; mas não compete à criatura o
exercer o que é do criador. Estas verdades frutos do conhecimento de nossa
natureza e direitos, são as que de propósito, calam no Decreto, inculcando-
-se em Sua Majestade desejo de empolgar outras funções, e concentrar em si
toda a força social, com ofensa manifesta do senso comum, e abandono do
verdadeiro serviço de El Rei. Avança mais o Decreto estas capciosas palavras
= Devendo ser-Me transmitida pelo Príncipe Real a mesma Constituição a
fim de receber, sendo por Mim aprovada a Minha Real Sanção = as quais
parecem implicar, a Nação não pode ter Constituição, sem que Sua Majestade
o queira, e que a Sua Real Sanção seja indispensável nas Leis Constitucionais,
como nas que se lhe seguem.
A sanção Régia é de forma essencial na fatura da Constituição, para
obrigação, e verificação do Poder do Rei; ela é também quem dá o cunho, e
remate à Constituição; mas quando sucedesse que Sua Majestade recusasse
o Seu Assentimento, o que não é de esperar da Sua reconhecida bondade e
justiça, nem por isso a Nação ficaria privada do direito de constituir-se sem
este requisito; o juramento de Sua Majestade autentica a responsabilidade da
Sua Administração, que não podendo exercer-se imediatamente na Sua Pessoa
pela elevação do seu caráter Augusto, e natureza dos fins a que é destinada
a sua coadjuvação, pesa ao menos sobre o Ministério que o rodeia, e obra
em seu Nome; serve de obrigá-lo, e de obrigar seu Povo ao cumprimento
de deveres recíprocos; é uma condição indispensável para a conservação da
sua Dinastia; mas não é condição que tolha qualquer outro desenvolvimento
do poder Nacional, e sem a qual não possa existir Governo; não precisa a
Nação pedir á sua criatura o que é direito seu.
Uma vez porém feita a Constituição, e aprovada, outra será a natureza
da sanção; sem ela não poderá haver Lei, porque só ela é o contraste da
vontade geral, que sem esta forma se não crê possuir esta qualidade, e só ela
segura ao Povo, que a indiscrição, e efervescência de partido não adotaram
medidas nocivas ao bem geral.
Se na parte do Decreto que respeita a Portugal fazem os Ministros
falar Sua Majestade com o tom próprio dos tempos feudais; se desconhecem
todos os dogmas políticos, e se afanam por introduzir um credo heterodoxo;

270
na que se dirige ao Brasil com refinada malícia trabalha-se por frustrar as
nossas esperanças de uma fraternal participação na restauração da glória,
e prosperidade Nacional, e por iludir a nossa boa fé com concessões, que
nada valem, e paliativos que servirão somente de tornar a nossa sorte mais
deplorável para o futuro; restando-nos por fim o amargo arrependimento de
termos, por nossa estúpida confiança num Ministério inimigo jurado de toda
a ideia liberal, perdido a ocasião que a madureza dos tempos nos apresenta
de fugir à enfiada de males, que nos atassalhava.
Dá o bom do Decreto como certo, que a Constituição que se vai
estabelecer em Portugal não pode ser-nos adaptável em pontos essenciais,
atento o estado de nossa povoação, e localidade, e daí parte para instituir
o arremedo do que chama Cortes. Deixo de discutir até que ponto influem
sobre as Leis de uma Nação as relações apontadas, quero mesmo com
Montesquieu reconhecer a necessidade da sua operação; mas daqui se não
segue, que esta influência se estenda a pontos essenciais; pode muito bem
exigir modificações; porém modificações, que apenas toquem acidentalmente
a Nação, e não forcem a mudanças essenciais na Constituição. A influência
é tanto maior, quanto maior é o número, e ponderosidade dos momentos
influentes, e quase desaparece quando, as diferenças como uma gota d’água
no Oceano não podem acrescentar-lhe a massa, ou mudar-lhe a natureza.
Se são os mesmos em uma Nação, respectivamente a outra, a natureza e
princípio do Governo que se quer nela estabelecer, se o gênero de vida,
o grau de liberdade, inclinações, riquezas, comércio, religião, costumes,
usos, prejuízos, estado de cultura mental, e moral, civilização, e mesmo o
físico do país pouco distam, como esperar diversidade no resultado pela só
operação de duas circunstâncias de menos peso? Não é da minha intenção
negar que a diversa localidade do Brasil, e natureza da sua povoação exijam
modificações, em as nossas instituições em comparação com as de Portugal;
seguramente uma povoação composta em grande parte de escravos Africanos,
e mestiços, e de libertos de todas as cores necessitará nas Leis, que regulam
o estado do homem, determinações peculiares, que não podem ter lugar na
Europa onde a povoação é toda livre; forçará a que demos mais energia à
mola da Administração Provincial a fim de não parar pela oposição cons-
tante, e resistência reiterada deste novo elemento de força não existente em
outra Nação. A diversa natureza do terreno, e alguma pequena variedade
no clima, mesmo admitida a sua grande influência, aliás desmentida pela
história e descrição da terra, podem trazer algum matiz no contexto das
Leis; porém só nas Leis particulares, só no Código Civil; não vejo porém

271
que o mesmo suceda nas Leis Constitucionais, ou que regulam as relações
das forças reunidas, que formam o Estado Político. Estas Leis, que marcam
o respeito entre o governante, e os governados, e à maneira por que se põe
em atividade os diversos elementos do corpo social, e em execução a vontade
geral, derivam-se de considerações de outra ordem, – da índole e natureza
do homem, do fim e objeto da associação, e ultimamente de outras relações
que são as mesmas em todos os Seres pensantes, em todos os tempos, e em
todos os lugares – Podem sim diversidades desta casta facilitar, ou dificultar
o estabelecimento, e introdução de certas formas; mas nunca impossibilitar.
Enfim, tudo quanto fica dito é só aplicável para provar o tento com que
os Estadistas devem proceder na aplicação das Leis de um país a outro, o
que não é o caso da presente questão. Os Portugueses do Brasil são a mesma
Nação que os da Europa, e custa a conceber a carência de novas instituições
entre membros da mesma família, em quem os traços gerais da origem não
têm podido alterar-se pelas pequenas diferenças produtos da sua peculiar
situação.
Até é contra a lei da simplicidade, que tanto ama a natureza moral,
como a física, que se compliquem sem precisão os governos, adaptando
diversas formas a Nações, que por necessidade obedecem ao mesmo Rei.
Embora ainda hoje a Rússia, e a Polônia, a Suécia, e a Noruega, e outrora
a Inglaterra, a Escócia, e a Irlanda nos apresentassem exemplos de Nações
sujeitas ao mesmo chefe e execução das Leis, que contudo tinham Legislaturas
separadas, e variações no seu Direito Público e Constitucional. Eram, e são as
que hoje admitem esta aberração, Nações inimigas juntas só pela conquista,
com costumes, linguagem, opiniões, prejuízos diversos, e muitas vezes até
com religião oposta como sucede com os Russos, e os Polacos; mas preten-
der rachar em duas a mesma Nação, destruir a unidade central da máquina
política; é lembrança que só ao inepto, ou antes avelhacado Ministério do
Rio de Janeiro podia vir à cabeça.
Todavia o amor da justiça obriga-me a confessar, que apesar da crassa
ignorância que parece ter ditado o célebre Decreto, acima dela sobressai a
má fé e astúcia mal rebuçada. Em vez de verdadeiras Cortes, do ajuntamento
dos deputados da Nação, em quem tem ela posto a sua confiança e a quem
cometeu todos os seus poderes, em quem se louvou e a quem aprovou para
órgãos da sua vontade soberana, reduzem-se as nossas Cortes do Brasil a um
fantasma de representação, a um arremedo de Consulta, sem consideração,
e inteiramente escrava do Ministério e suas criaturas.

272
Em vez de serem eleitos os Procuradores pela massa da povoação, e
marcado o seu número por uma proporção igual, é apenas concedido o
privilégio de serem representadas as Cidades, e Vilas principais que têm Juízes
Letrados. Não se ignora que uma Nação ilustrada, a Inglesa, toma ainda hoje
por base da representação os privilégios das Vilas, e Corporações, o que se
deveu aos tempos e ideias reinantes, quando se tratou de limitar o poder do
Monarca, e restaurar o direito do povo; os quais sendo particulares àquela
nação, não merecem estender-se a outros povos; principalmente conhecendo-
-se pelos clamores da oposição a urgente necessidade da reforma de base tão
defeituosa. Demos porém passe à base; como pode ainda neste caso desculpar-
-se a circunscrição da franqueza eletiva às só Cidades e Vilas, que têm Juízes
Letrados? Não são as outras Vilas também incorporadas? Não têm Câmaras?
Em que desmereceram para caírem de um direito, que lhes dá a natureza do
corpo social? Fácil é de ver-se, não é mister muito esmerilhar para encontrar-
-se o motivo da sua exclusão. Relevava ter um corpo de deputados sujeitos
à vontade do Ministro do dia, que mansamente aquiescessem às pretensões
do poder arbitrário, e se satisfizessem com os insignificantes melhoramentos,
e míseras vantagens, que aprouvesse ao Ministério conceder ao pobre Povo
para tapar-lhe a boca; enfim queriam-se Procuradores, que não se atrevessem
a erguer a voz em defesa dos seus espezinhados Constituintes. Cumpria pois
que só os lugares em que predominavam servos da Coroa, satélites declara-
dos da arbitrariedade, enfim Magistrados estranhos aos lugares, que nada
simpatizavam com os seus moradores; fossem os únicos que mandassem
Representantes às Cortes: os mandões os preparariam, e teriam o cuidado de
fazer eleger instrumentos próprios do despotismo, e fechar a porta a todos
os Patriotas, cujas almas enérgicas fazem tremer e amarelecer toda a casta
de tirania, e derrotam os agentes interessados na conservação dos abusos.
A Ministros menos ardentes defensores do poder absoluto bastaria,
para tranquilizá-los, a nulidade das chamadas Cortes, pela sua organização,
e certeza de que teriam nelas, não o órgão da vontade do Povo, mas o da
sua. Não pensaram porém assim os do Rio de Janeiro: para contentá-los
era mister degradar em tudo a dignidade do vão Corpo de Cortes. Sempre
as Assembleias Nacionais elegeram dentre si o seu Presidente; os Ministros
porém lhe não deixam esta regalia; para as terem mais peadas, e para mais
nos convencerem que são um mero Conselho, ordenam que obrem debaixo
da Presidência, que El Rei houver por bem de escolher. A Presidência dá peso,
e influência, e no sistema de ilusões adotado no Decreto é preciso empregar

273
tudo para segurar à Realeza a posse das usurpações feitas à Nação, parecendo
que a mesma Nação livremente as aprova.
Continua o despejado Decreto dando às denominadas Cortes um voto
só consultivo: é da essência da representação Nacional a decisão das matérias
oferecidas a sua discussão; porque só à Nação compete estatuir, e apenas ao
Monarca impedir por motivos justos, e dentro dos limites, que prescreve a
razão e a Constituição, a determinação que parece precipitada e contrária
aos interesses do povo. Mas não é este o fim das chamadas Cortes do Brasil;
são apenas escolhidas para examinar, consultar, e propor, sem nada poderem
decidir. Em rigor são um puro Conselho.
Ignoravam os Ministros, que no sério, e elegante Manifesto do Governo
de Lisboa se confessa a impotência e incapacidade das antigas Cortes restri-
tas, somente a representar queixumes e gravames, e consentir em tributos
e fintas; e se apregoa a necessidade de uma nova organização conforme a
natureza das relações resultantes do pacto social, e adequada aos fins do
seu ajuntamento, inconseguíveis sob as antigas formas? Não o ignoravam;
mas obstinaram-se em pretensões sádicas e insustentáveis; e querem antes
expor-se à perda de autoridade em Portugal, do que renunciar aos seus
erros, e render homenagem ao espírito dominante do Século. E injuriando
a presumida infância do Brasil, e contando com uma ignorância exage-
rada, que tem felizmente desaparecido, cuidaram iludir-nos com aparência
oferecendo-nos o fantasma em lugar da realidade da liberdade temperada
a que aspiramos, cujo aroma temos já sentido por meio dos bons escritos
de nossos irmãos da Europa. Que prazer que não tempos em anunciar-lhe
= que nos não conhecem bem, que se enganaram, que não lhes aceitamos o
insidioso presente das suas cerebrinas Cortes, e da sua Comissão preparató-
ria de nova espécie!! = Saibam eles, que suas tretas não aproveitam, saibam
que não somos tão crianças, que confundamos uma Junta preparatória de
Cortes com uma Deputação não eleita, que toma assento em Cortes sem
outro título mais que a vontade do Ministério; saibam que é inadmissível
a amalgamação de Oficiais do Governo com os Representantes da Nação;
saibam que uma função exclui a outra, e que quando se não tem perdido o
pejo, não se insulta um Povo desta maneira. Conheçam enfim, que temos
os olhos muito abertos para deixar de acertar com o alvo de suas medidas;
o golpe bem que calculado a ferir os dois Países, não fará senão acordá-
-los e premuni-los para uma resistência máscula. Ficaremos unidos, e não
sentirá Portugal, por nossa bárbara deserção, aproximar-se-lhe a pobreza,
e com ela o descorçoamento que o conduza a buscar remédio à indigência

274
nos braços da obediência passiva; nem o Brasil arrancado aos carinhosos
mimos da sua antiga Mãe curvará, sem debater-se, o colo a uma escravidão
vergonhosa, tanto mais dura, quanto menos esperada num período de geral
perfeição. Embora queiram os nossos inimigos comuns inculcar-nos, que
separados seriam mais seguros, e acelerados os nossos passos na carreira da
prosperidade, ao menos comercial; nós lhes respondemos – que apesar de
ser certo que a liberdade ilimitada nas nossas relações comerciais concorra
para a extensão da nossa indústria, e possa abismar o comércio de Portugal,
quando rival do das mais Nações Europeias, porque então todos os Povos se
classificariam em relação da sua indústria, comércio, e civilização tão invaria-
velmente, como as Castas do Oriente; contudo é preferível a limitação destas
relações, e mesmo a sua diminuição e retardamento, quando acompanhados
de independência, a uma prosperidade acelerada, que existe na tutela do
poder arbitrário. Acrescentaremos, que esta aparente riqueza não pode ser
duradoura no regaço da escravidão, pois sem a energia da liberdade susta-se
a progressão indefinida do melhoramento em todos os ramos; e se acerta de
aparecer algum enganoso aperfeiçoamento, é flor caduca, que o mesmo dia
vê nascer, e cair. Estou cerque [sic], nem um só Brasiliano, que sinta como
deve os gritos da honra, receberá se não com horror o funesto oferecimento
do cisma que deve arruinar os Membros de uma mesma Monarquia, um pelo
outro, e sobre a comum ruína erigir o regime opressivo do despotismo, que
não duvida rodear-se de desertos para reinar seguro. Mas não o conseguirá
entre nós; desafiaremos os seus esforços cobertos com a égide da mesma
Religião, da mesma Constituição, do mesmo Rei. Será a nossa sorte a sorte
de Portugal, ou pereceremos juntos, ou juntos caminharemos para os grandes
destinos que nos augura o nosso valor, o nosso brio, e a nossa constância
na virtude.

F I M.

B A H I A:
NA TYPOGRAPHIA DA VIUVA SERVA E CARVALHO.
ANNO DE 1821.
Com Permissão do Governo Provisional.

275
25

REFLEXÕES
Sobre os proximos successos que tem havido na Côrte
do Rio de Janeiro.

Deixando em silêncio os acontecimentos anteriores ao dia 5 do corrente,


trataremos deste último como o mais importante, que tem havido nesta Capital,
desde que nela se ouviu o grito CONSTITUCIONAL. Grito Sagrado; que foi
geralmente aplaudido por todos os bons Portugueses de ambos os hemisférios,
os quais conhecem, que só por este meio obterão os Povos o suspirado bem
da sua emancipação.
A Tropa, que no dia 26 de Fevereiro, tinha dirigido as suas súplicas
CONSTITUCIONAIS, à Augusta Presença de SUA MAJESTADE: às quais
Ele se dignou anuir Benéfico, dando nisto a mais incontestável prova da Sua
Munificência, toma as Armas no Dia 5 do corrente, convida o Povo por meio
de Proclamações, para acabarem a obra, que aceleradamente haviam come-
çado no Dia 26. Executaram-se estas duas reuniões com uma felicidade tão
singular, que imortalizando o nome Português, torna-o digno de admiração,
e respeito do mundo todo. Estão juradas as BASES DA CONSTITUIÇÃO.
Instalou-se uma Junta Provisória, que há de responder à Suprema Assembleia
Nacional pelas deliberações do Ministério; sendo o seu dever fiscalizar escru-
pulosamente todos os procedimentos dos Ministros, os quais a ela são dire-
tamente responsáveis pela sua conduta. O que nos resta mais a desejar? Não
temos nós um PRÍNCIPE que no meio dos mais convulsivos acontecimentos,
nos patenteia a sua Heroicidade, Prudência, e Amor? Não são os seus atuais
Ministros de reconhecida probidade, e conhecimentos, e até da geral aprovação
do Povo? Não o são igualmente os Beneméritos, de que se compõe a nova
Junta? Acaso seremos tão néscios, em querermos, que os incalculáveis bens,
que nos promete uma CONSTITUIÇÃO Liberal, apareçam repentinamente? É
necessário dar tempo ao tempo; confiar nas Autoridades por nós constituídas;
consagrar-lhes o respeito, que lhes é devido; sermos coerentes, e refletirmos,
que se nós queremos, que os administradores da Justiça cumpram exatamente
com o seu dever; devemos também reverenciá-los, e não infringirmos as leis
a nosso capricho. Acabem-se de uma vez os ajuntamentos tumultuosos: seja
qualquer o fim a que eles se dirijam, os seus resultados serão infalivelmente
funestos, promovendo-se por esta forma o desassossego público, e dando-se
motivo, para que se acreditem as capciosas tentativas dos Anticonstitucionais,
que envenenam até as mais justas intenções; espalhando notícias assoladoras,

276
projetos infernais; finalmente, lançando mão de quantas invectivas suscita a
malevolência, e a intriga, para produzirem a mais perfeita anarquia. Não pode
negar-se, que há muitas pessoas, que dando aparentes demonstrações de rego-
zijo (grande coisa é o medo!!!) conservam no seu coração o ódio desmedido
à Obra da Regeneração, que necessariamente lhes tolhe os meios de poderem
continuar na execução de suas pretéritas perversidades, e faz gorar os seus fatais
planos futuros: porém nós vemos, que o grande projeto da nossa Liberdade;
prospera felizmente em todas as partes da Monarquia; vemos caírem por terra
as ardilosas tentativas de muitos egoístas, que querem semear a discórdia
entre os Povos, sendo este o único meio, que lhes resta para levarem avante
os seus malvados intentos, triunfarem da nossa credulidade, e continuarem no
antigo sistema usurpador. É necessário que entre nós haja firmeza, união, e
caráter. Estas qualidades, que sempre têm sido inseparáveis dos Corações dos
Bons Portugueses, porventura afracariam em uma crise tão arriscada? Temos
um Tribunal Supremo, ao qual podemos recorrer, quando formos lesados
na nossa justiça; procurarmos outros meios, é ofender as Leis, perturbar a
Sociedade, e produzir a desordem total. Perca-se de uma vez o servil temor de
falar verdade. Sejamos imparciais; detestemos a adulação, e o egoísmo, esses
monstros ferozes, que nos reduziram ao miserável estado em que nos achamos;
e fomentavam a nossa total ruína. É pois o primeiro, e mais importante dever
do Ministério, e da Junta, conciliar os ânimos, manter a segurança pública, e
o direito individual, tão recomendado nas Bases que acabamos de jurar. Isto se
consegue por meio de sábias e acertadas providências, de papéis persuasivos, e
de um Manifesto, que mostre os motivos que ocasionaram os acontecimentos
imprevistos, praticados desde o memorável dia 26 de Fevereiro. Mostre-se a
razão sem máscara; apareça o crime onde quer que ele estiver. Imitem-se os
nossos libertadores de Portugal, e sobretudo ao Nosso Amável SOBERANO,
perdoando a todos os que tiverem sido criminosos, contra a causa geral;
evitem-se porém os meios de se poderem servir de seus sediciosos projetos.
Prestemos unânime obediência ao Nosso Augusto PRÍNCIPE, confessemos
sem lisonja, que ele se tem declarado mais nosso Protetor, do que Regente,
que a Clemência, e a Justiça são inseparáveis do seu Magnânimo Coração;
que a sua glória, é a felicidade de todos os Portugueses Luso-Brasílicos; e é
só por meio destas duas virtudes, que os Soberanos se tornam Ídolos de seus
Vassalos, e respeitados pelas Nações todas, ainda nas mais remotas épocas.
Rio de Janeiro 10 de Junho de 1821.
_________________________________________________
RIO DE JANEIRO NA IMPRESSÃO REGIA. 1821.
Com licença.

277
26

A
REGENERAÇÃO CONSTITUCIONAL
OU
GUERRA E DISPUTA
ENTRE OS CARCUNDAS
E
OS CONSTITUCIONAES:
ORIGEM DESTES NOMES, E CAPITULAÇAÕ DOS
CARCUNDAS ESCRIPTA PELO CONSTITUCIONAL
EUROPEO AO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO,
E OFFERECIDA A TODOS OS VERDADEIROS
CONSTITUCIONAES.

Havendo aprendido na minha juventude, meu caro amigo, os elementos e


princípios gerais de todas as Ciências tanto positivas, como naturais; e tendo
seriamente refletido que não podia ser verdadeiramente sábio sem correr e
examinar os muitos e diferentes Povos do mundo, os seus diversos usos e
costumes, assentei que a Europa, como a parte mais culta, e civilizada do
globo, devia ser o primeiro teatro das minhas viagens. Há trinta anos que saí
de Portugal minha Pátria, e tenho gasto em viajar a Europa todo este tempo,
que dou por bem empregado. Vim terminar pois estas viagens na parte mais
ocidental da Europa, isto é em Portugal, e no dia 24 de Agosto, dia de uma
memorável e eterna lembrança para os Portugueses, saí da Cidade do Porto
para Lisboa, e confesso-te que jamais se ofereceu aos meus olhos uma cena
tão brilhante, e maravilhosa, como aquela que observei desta Cidade até a
Capital do Reino. Vi de perto quase todos os acontecimentos notáveis da
Europa, quase todas as mudanças, e revoluções, que o fim do século passado,
e o princípio do presente, têm oferecido ao mundo, em um espaço de tempo
tão curto, como fértil em sucessos notáveis, e nada tão grande, e admirável
aos olhos do Filósofo, e do Político, como o quadro que tenho observado,

278
e admirado em Portugal. Ao princípio considerei-me em perigo e cheguei
mesmo a me persuadir que o Douro, o Mondego e o Tejo, se tingiriam de
sangue, e as minhas suspeitas não eram mal fundadas. A experiência é a
verdadeira mestra dos homens; e esta me tinha já ensinado, o que eram
revoluções, regenerações, e mudanças políticas; e além disto tinha ouvido, e
lido em outros Países, que Portugal era ainda uma Nação fanática, ignorante,
supersticiosa, e cem ou duzentos anos mais atrasada, que as Nações cultas,
e polidas da Europa. Eu porém tenho vivido enganado, assim como quase
todos os Estrangeiros; todavia a experiência, e a reflexão fizeram-me acre-
ditar, que a Nação Portuguesa tinha mais sabedoria, generosidade, e juízo
prudencial, que os outros Povos da Europa, que mais se picam de cultos e
polidos. Acredita, meu amigo, uma fiel narração de tudo quanto se passou
diante de meus olhos, e ficarás admirado, porque eu ainda o estou!!!
No dia 24 de Agosto saí do Porto, quando o Povo corria já (como
amotinado) de umas para outras ruas, e a tropa marchava na melhor ordem
a se postar nas praças, e quando já uma multidão de homens, e senhoras,
corriam por uma, e outra parte com lenços brancos nas mãos, fazendo uma
gritaria semelhante ao sussurro do mar, quando agitado quebra as suas ondas
nas praias; e eu só pude perceber claramente as vozes seguintes. = Viva a
Constituição que hão de fazer as Cortes da Nação! Viva El Rei o Senhor
Dom João VI.! Viva a nossa Religião, e a nossa Pátria!!! Apesar porém
deste entusiasmo verdadeiramente Nacional, continuei a minha jornada
para Coimbra, onde me demorei alguns dias, para gozar do mimo, e beleza
daquele País, e examinar as preciosidades daquela Atenas Portuguesa, o que
tudo me encantou por extremo, não podendo deixar de confessar, que os
subúrbios daquele Cidade, os seus passeios, são mui agradáveis, variados
e encantadores. Nesta Cidade presenciei a mesma cena que no Porto, e ao
depois prossegui para Lisboa, onde entrei no dia quinze de Setembro, e
presenciei também aqui a mesma cena, e um quadro muito mais encantador
e brilhante que no Porto e Coimbra, o que atribuí à grandeza e magnificên-
cia daquela Capital. A minha jornada do Porto até Lisboa pareceu-me um
verdadeiro triunfo, e foram para mim os dias mais belos da minha vida!!!
No meio pois de um entusiasmo verdadeiramente Nacional, eu ouvi por
toda a parte repetir, e gritar. = Viva a Constituição que fizerem as Cortes!
Viva El Rei o Senhor Dom João VI! Viva o Príncipe Real o Senhor Dom
Pedro! Viva a Dinastia da Casa de Bragança! Viva a Religião e a Pátria!!! Nós
já fomos uma Nação grande, e já fizemos uma brilhante figura no mundo,
e agora não somos nada! Nós possuímos pingues terrenos, e não temos pão
para comer! Nós somos ativos, laboriosos, empreendedores, e vivemos na

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miséria, na indigência, e na desgraça! Nós temos perdido o Comércio, a
Agricultura, as Fábricas, e a Navegação! Nós pagamos tributos enormes e
não chegam para as despesas do Estado! Nós tivemos valor, coragem, ferro,
e braços, para arrancarmos do seio da nossa Pátria numerosos e invencíveis
Exércitos, que como abutres nos devoravam o coração, e bebiam o sangue!
Nós combatemos, destruímos, e vencemos os inimigos externos, que nos
queriam usurpar a nossa segurança pessoal, e não podemos combater vencer,
e destruir os inimigos de casa, mais temíveis ainda e mais perigosos que os de
fora!! Que inimigos ocultos pois são os que nos devoram? procuremo-los, e
nós os encontraremos! Levantemos uma bandeira Constitucional, para que
a ela se reúnam todos os Constitucionais, isto é, todos aqueles, que forem
verdadeiramente amigos da Nação, do Rei, da Pátria, e da Religião.
E com efeito logo que se ergueu a bandeira Constitucional, ou Nacional,
quase todos os Portugueses correram a se unir a ela, isto é todos aqueles, que
desejavam uma Constituição, uma Regeneração política; uma geral reforma
de abusos, e uma nova ordem de coisas. E todos os que se não quiseram
unir a esta bandeira apenas formavam um pequeno grupo, ou reunião de
indivíduos denominados os Carcundas, pela razão de se divisar entre eles
dois indivíduos de uma estatura gigantesca, mas todavia corcovados. A
bandeira Constitucional pois, e os dois corcovados deram nome aos dois
partidos diferentes. O primeiro foi chamado o partido Constitucional, ou
dos Constitucionais, e o segundo o partido Carcunda, ou dos Carcundas,
nomes privativos para designarem os amigos e inimigos da Regeneração; eu
observei ao depois, que o partido dos Constitucionais, apesar da pobreza, e
miséria manifestada em seus semblantes, e vestidos, estava alegre, contente,
e satisfeito; e o partido dos Carcundas, apesar da riqueza e magnificência
de seus atavios e da figura de seus semblantes, estava triste, melancólico, e
pensativo! Refleti também, que o partido dos Constitucionais era composto
por homens virtuosos e amantes da razão, da lei, da Justiça, e da Nação,
do Rei, e conseguintemente bons cidadãos: e o partido dos Carcundas, ou
anticonstitucionais, ainda que muito pequeno em número, era composto
pela maior parte de homens dos primeiros empregos, e de todas as ordens,
e quase todos ou ignorantes, ou egoístas, inimigos do bem público, e da
Nação, e só amigos dos seus interesses, e conseguintemente maus cidadãos.
Eu observei mais no partido dos Carcundas, a raiva, a cólera, e a indignação!
e no partido dos Constitucionais, o sossego, a serenidade, e tranquilidade de
espírito; e depois de um morno silêncio de parte a parte, eu ouvi a seguinte
Disputa entre os dois opostos partidos.

280
Os Constitucionais.
Por que vos separais de nós, oh Carcundas! não sois vós também
Portugueses? não sois vós amigos da Nação, do Rei, e da Pátria?

Os Carcundas.
Nós somos os únicos e verdadeiros amigos do Rei e da Nação!!!

Os Constitucionais.
Vós sois os falsos amigos do Rei, e os verdadeiros inimigos da Nação,
porque tendes a amizade nos beiços e o egoísmo no coração, fingindo-vos
amigos do Rei tão somente para aumentar os vossos interesses pessoais,
ainda que seja com grande dispêndio, e ruína do bem público, e da Nação.
Os verdadeiros amigos do Rei, são só os Constitucionais, que dão ao Rei
o que devem ao Rei, e à Nação, o que devem à Nação, e conhecem que os
interesses do Rei são só os interesses da Nação, e os interesses da Nação, só
os interesses do Rei, e que a Majestade, e Soberania do Povo Português reside
originaria e essencialmente em a Nação. Abri as antigas Cortes de Lamego
(se duvidais disso) e nelas vereis o Senhor Dom Afonso Henriques primeiro
Rei, e fundador da Monarquia, perguntar à Nação se quer que ele se chame
Rei. Abri as Cortes de Coimbra de 1385, e vereis, que a Nação nomeou e
escolheu Rei o Mestre de Avis, o Senhor Dom João I de gloriosa memória,
tronco da Casa Reinante. O mesmo praticou a Nação em 1640 com o Senhor
Dom João IV Duque de Bragança. Todavia vós sabeis muito bem, que há mais
de 140 anos, que não temos representação Nacional. Vós não ignorais, que
nas Cortes de Torres Novas de 1438, e 1525 se determinou, que as Cortes
da Nação fossem convocadas já todos os anos, já de dez em dez anos. Vós
não podeis ignorar que, nesta representação Nacional é que consistia a vida
política da Monarquia, a qual os Constitucionais lhe querem agora restituir,
fazendo com que o Rei esteja sempre identificado com a Nação, e com o inte-
resse público, cuja unidade vós tendes sempre aniquilado, e destruído; porém
desenganai-vos, que a Nação, não para, nem retrocede da sua empresa, e vós
ou haveis de endireitar as carcundas, e unir-vos ao nosso partido, ou haveis
de sair do Reino e ir para o País dos Carcovados!!!

Os Carcundas.
Nós temos sido sempre fiéis ao Rei, e à Nação, e em virtude de um tal
serviço e fidelidade, não podemos deixar de esperar o prêmio, como justa
recompensa, dos nossos trabalhos!!!

281
Os Constitucionais.
Se vós tivésseis sido fiéis ao Rei, e à Nação, vós teríeis tido um compor-
tamento bem diferente, falando-lhe sempre a verdade, e praticando sempre
a virtude, porém vós tendes sido sempre egoístas, aduladores, e mentirosos,
inimigos da Nação, e do Rei, e conseguintemente, se a Pátria premiar vossos
serviços, o prêmio deve ser-vos bem fatal!! Dizei-nos que benefícios, e utili-
dade tendes vós prestado à Nação, e em que úteis ministérios, e trabalhos
vós tendes ocupado?

Os Carcundas.
Nós não nascemos nem fomos feitos para trabalhar!!!

Os Constitucionais.
Todo homem saindo das mãos da natureza, nu, pobre, miserável, e
necessitado, foi condenado por uma irrevogável Lei do Destino ao trabalho,
seja qualquer que for a sua condição neste mundo. Este trabalho porém é tão
diferente, como a condição de cada um, ele é a única sentinela da virtude, e
um saudável remédio para destruir o enjoo; e todo o homem que desperdiça
o tempo em uma perfeita ociosidade, é um peso tão inútil, como incômodo,
que a terra sustenta. Ora dizei-nos sendo a riqueza proveniente sempre de
alguma herança, ou o produto de algum capital empregado em especulações
mercantis, como tendes vós pois acumulado tanta riqueza, tanto ouro, tanto
cabedal, sem heranças pingues, sem negociações lucrativas, e sem trabalho?!!!

Os Carcundas.
Tendo o trabalho de vos reger e governar!!!

Os Constitucionais.
O quê!!! Pois nós trabalhamos de dia, de noite, e a toda a hora, e morre-
mos de fome, de miséria, e vós é que gozais? Nós produzimos, e aumentamos,
e vós é que dissipais? O Lavrador cultiva constantemente a terra, e o suor do
seu rosto é de ordinário o único prêmio certo do seu trabalho: ele paga de todos
os produtos da sua indústria agrícola o dízimo, ou a décima parte de todos
os frutos produzidos, (com a maior exatidão e sem abater as despesas, que
muitas vezes excedem a soma de toda a produção) para a decente conservação
da Religião, e dos seus Ministros; apesar disso porém, se quer ouvir missa,
paga aos Sacerdotes que lhe diga, se tem um filho paga ao sacerdote que o

282
batize, se ele morre paga ao sacerdote que o enterre, se a mulher adoece paga
ao sacerdote que a confesse, se as feiticeiras, as bruxas, os espíritos malignos,
ou o Diabo lhe aparece por casa, paga ao sacerdote que o esconjure, se a
Igreja se arruína, se é necessário uma imagem, uma cruz, um frontal, um sino,
tudo tudo paga o lavrador, quando com dízimo rigoroso, tinha dado mais
que suficiente para o culto divino, e sustento dos Ministros da Religião. O
caso porém ainda não fica aqui. Porquanto o lavrador com a paga do dízimo
sem diminuição das despesas, sofre seguramente um prejuízo de mais de 25
por 100, e depois de ter pago a renda da herdade, isto é os terços, quartos,
ou quintos, as soldadas dos criados, pouco ou nada lhe resta de líquido em
última análise. A isto se segue uma ladainha de frades mendicantes, armados
de sacola ou alforjes, revestidos de um zelo e caridade farisaica, pedindo,
cada um, esmola para o seu Santo Patriarca, e prometendo o Reino do Céu a
todos os fiéis, que piamente se facilitam com a santa esmola de um alqueire
ou medida de trigo, para muitas vezes desperdiçarem na taberna, na casa de
jogos, ou na casa de prostituição!!! A tudo isto sucede um bando de vadios,
fingindo-se pela maior parte pobres, e miseráveis, procurando este modo de
vida para não trabalharem, e se irem sustentando à custa dos outros. Ora
um lavrador, que especula em agricultura, e que tem sempre um prejuízo
de 25 por 100, seja bom ou mau o resultado do seu trabalho não contando
com infinitas perdas já ponderadas de danos emergentes, e outras de lucros
cessantes, que resultam de infinitos dias santos (tão prejudiciais, como inúteis
ao bem público, à exceção dos Domingos, que além de serem de direito divino
são absolutamente necessários para o indispensável descanso do homem) e
revistas de milícias, e outros muitos males, que não ponderamos por não
sermos fastidiosos; é claro que um lavrador, que se entrega a este ramo de
indústria, deve forçosamente arruinar-se, e perder-se; e eis a razão por que a
Agricultura em Portugal está de todo perdida, e arruinada!!!
O Magistrado emprega, desde o princípio da sua vida, um não pequeno
capital, para se habilitar, e poder entrar no primeiro lugar da Magistratura.
O Estado dá-lhe cem mil réis para se sustentar, ele, sua mulher, e seus filhos,
porque a Lei ordena que seja casado; e quer que com tão insignificante rendi-
mento viva com honra, e decência, e para estes mesmos lugares, é necessário
ainda consumir a vida em uma tão inútil como fastidiosa romaria, a casa
dos Ministros e Desembargadores, rezando, andando, fazendo, e entregando
memoriais, e só quando tem chegado aos últimos lugares da toga, isto é
quando já não tem nem olhos para ver, nem dentes para comer, nem pernas
para andar, nem juízo para julgar, nem forças para servir o Estado, e a Pátria,
é que se lhe dá um ordenado suficiente para viver.

283
O Militar para cingir a espada, e entrar nesta carreira, não emprega, é
verdade, nem o mesmo capital, nem gasta o mesmo tempo que o Magistrado;
todavia serve a Nação, defende a Pátria, e sacrifica heroicamente por ela a sua
vida, e quando chega aos mais elevados Empregos ou Postos, apenas todos
os seus soldos, e ordenados, chegam para fazer uma farda, com que todos os
dias é obrigado a parecer em público.
O Clérigo simples, o cura d’almas, prega, confessa, batiza, administra os
Sacramentos, prega a virtude, ensina a moral cristã, e religiosa, porém anda
despido, morre de fome, e pratica muitas vezes indecentes ofícios e ministérios,
para não sucumbir à necessidade. O cônego porém, o Abade, o Monsenhor,
o Principal, o Bispo, que de ordinário não prega, não confessa, não batiza,
não administra os sacramentos, tem 12, 24, 50, 150 mil cruzados, além de
Paços, Palácios, Quintas de recreio, e outras muitas comodidades, de forma
que os prêmios até agora têm sido distribuídos na razão inversa do trabalho,
e do merecimento, isto é tem-se pago muito a quem não merecia nada, e não
se tem pago nada a quem trabalhava e merecia muito. Santa Religião! ou tu já
não és a mesma,ou teus Ministros o nome de Pastores já não merecem!!! E tu
Santa Constituição vem remediar a tantos males, e tantas inconsequências, e
contradições!!! E por isso Carcundas vós que vos julgais muito onerados com
o trabalho de nos governar, poupai-vos a esse mesmo trabalho, separai-vos
de nós, e ide formar uma sociedade separada, e governai-vos a vós mesmos!!
Alguns Carcundas depois de terem ouvido tão sérias e judiciosas refle-
xões, disseram entre si. Nós vamos errados! Os Constitucionais seguem o
caminho da honra, da virtude, e da Justiça: eles são amigos da Nação e do
Rei, eles só querem ligar os interesses da Nação, com os interesses do Rei,
e os interesses do Rei com os interesses da Nação, e fazerem com que haja
Nação, Rei, Justiça, honra, e virtude, o que tudo estava como em um caos,
confundido. Unamo-nos pois aos Constitucionais, e sigamos, com eles, a
Causa da Justiça, e da Pátria? Não! replicaram então os Carcundas da ordem
civil, nós não nos devemos confundir com a multidão, que até aqui temos
governado, e não devemos perder nem os nossos direitos, nem as nossas
regalias! Com efeito alguns Carcundas arrependidos abraçaram a Causa da
Pátria, e o partido dos Constitucionais: e o partido dos Carcundas cada vez
ficou menor. Os Carcundas então da ordem civil disseram para os mais, o
Povo é obediente, tímido, e servil, e devemos falar-lhe na Lei, e no Rei, para
fazê-lo entrar nos seus deveres.

Os Carcundas da Ordem civil.


O Rei quer, a Lei ordena!!!

284
Os Constitucionais.
O Rei e a Lei só querem, e ordenam, tudo quanto é a prol da Nação. O
Rei só interessa em premiar os homens beneméritos, e se algumas vezes premia
os indignos, é porque vós o enganais, ocultando-lhe a verdade.

Os Carcundas da Ordem civil.


A lei é clara e terminante, e manda que sejais obedientes.

Os Constitucionais.
A salvação da Pátria e do trono é a suprema Lei à qual obedecemos, e
devemos obedecer!

Os Carcundas da Ordem civil.


Vós sois rebeldes, facciosos, e sublevados! Loucos! vós sereis extermi-
nados!!!

Os Constitucionais.
Nós somos os verdadeiros amigos do Rei e da Nação, e, pela conservação
do trono e da Pátria, brandiremos, se necessário for, o ferro que nos pende
a cinta, e verteremos o sangue que nos gira nas veias. O nosso fim é restituir
ao trono as regalias do trono, e à Nação as regalias, e direitos da Nação. O
colosso do egoísmo, da impostura, e da mentira, mais elevado que o de Rodes,
já caiu por terra; a luz da Filosofia e da Verdade vai dissipando as trevas
do Fanatismo e da ignorância; e o gênio do bem começa a triunfar sobre o
gênio do mal. Nós não somos rebeldes, facciosos, sublevados: nós somos os
verdadeiros amigos do trono e da Nação, e os salvadores da Pátria. Loucos
sois vós! E vós é que sereis exterminados senão abraçais o nosso partido.

Os Carcundas da ordem civil.


O Rei está pela nossa parte, ele vos ordena que vós submetais!

Os Constitucionais.
Retirai-vos impostores! O Rei não quer senão o bem da Nação, e a Nação
quer só a felicidade do Rei. A Nação e o Rei só formam um único corpo, cuja
união quanto mais perfeita, tanto maior é o bem que resulta a todo o corpo,
e aos membros que a formam e compõem. Impostores retirai-vos!!!
Os Carcundas da ordem civil convencidos da Justiça do Sistema
Constitucional, disseram para os Carcundas da ordem militar = Nós estamos

285
convencidos do nosso erro, e queremos abraçar o partido da Constituição!
Não! Responderam os Carcundas da ordem militar, o Povo é tímido e covarde
metamos-lhes medo!!!

Os Carcundas da ordem militar.


Nós juramos fidelidade ao Rei: o juramento é um vínculo sagrado que
nos prende com o Céu. A nossa Religião, a honra e dever nos tem prescrito a
obrigação de sermos fiéis sempre ao trono. Nós devemos morrer em o nosso
posto, e nunca desampará-lo. Nós constituímos a força da Nação, que deve
ser empregada para a execução da Lei, mas não para fazer a Lei, porque quem
faz o que pode faz sempre mais do que deve.

Os Constitucionais.
Ilustres guerreiros e defensores do trono e da Pátria, esteios firmes da Lusa
Monarquia, que tendes sempre marchado pelo caminho da glória, e da honra,
não vos desvieis desta estrada. Pensai, e refleti, que no juramento de fidelidade,
que prestastes ao Rei, está implicitamente incluído o mesmo juramento de
fidelidade à Nação, porque o Rei e a Nação formam e constituem o mesmo
corpo político. A Nação é que vos deu a existência, é a que vos sustenta e
paga, e por isso tendes obrigação de defendê-la. É uma verdade, que vós sois
o apoio da Lei, e para isso foi depositada em vossas mãos toda a força da
Nação, mas também é verdade que a salvação da Pátria é a suprema Lei a que
deveis obedecer, porque tudo devemos à Pátria nossa Mãe comum. Vós deveis
saber que a nossa Regeneração é obra divina, pois que as promessas feitas pelo
Céu ao fundador da Monarquia não podem enganar os Portugueses, e que o
Carro da Constituição, a que estão ligados os destinos do trono, da Pátria,
e dos Cidadãos, há de marchar sempre com uma regularidade inalterável ao
fim, e complemento da felicidade pública.

Os Carcundas da Ordem militar.


A força armada é essencialmente obediente, e por isso a nossa obrigação
é obedecer cegamente aos nossos Superiores. Tal é o nosso regulamento, a
nossa sorte, e o nosso destino!!!

Os Constitucionais.
Vós pensais bem, quando afirmais que o vosso regulamento, a vossa
sorte e destino é obedecer cegamente aos vossos Superiores! Porém não vedes

286
vós que toda a Nação abraçou espontaneamente o sistema da Constituição?
Não vedes vós que todo o Exército, e os vossos Companheiros d’Armas, a
cujas ordens tendes sido sempre obedientes, ordenam-vos agora positivamente
que abraceis o Sistema Constitucional, isto é a causa do Rei, e da Nação? Se
conheceis que o vosso dever é só obedecer cegamente aos vossos Superiores,
para que quereis agora manchar-vos com o crime de insubordinação, o maior
de todos os crimes militares? Quereis opor-vos ao Carro da Constituição, que
arrastara após de si os Carcundas, Caranguejos, e Pançudos? Pensai e refleti!!!
Nós não somos nem contra o Rei nem contra a Pátria, antes ao contrário
somos os verdadeiros amigos do Rei e da Nação, porém queremos Rei, e
queremos Pátria, e não simulacros de Rei e da Pátria! Refleti pois e pensai!!!
Os Carcundas militares convencidos também, depois de uma madura
reflexão, que o sistema Constitucional era a favor da Nação e do Rei, e o
único meio de salvar a Pátria e trono de uma ruína iminente, disseram para
os Carcundas da ordem Eclesiástica. = Nós estamos convencidos da Justiça
do sistema Constitucional, e queremos abraçá-lo! Não! Responderam logo os
Carcundas Eclesiásticos, o Povo é ignorante, fanático supersticioso, metamos-
-lhe medo com os nomes de heresia e excomunhão, arma mui poderosa em
outro tempo!!!

Os Carcundas da ordem Eclesiástica.


Constitucionais, e caríssimo Irmãos em Jesus Cristo, a Providência de
Deus, que tudo rege e governa por sua sabedoria infinita, colocou-nos neste
iminente [sic] lugar, para dirigir e guiar as vossas timoratas consciências, em
espírito e verdade, e no santo temor de Deus nosso Senhor, nosso Pai, nosso
Criador, e nosso Redentor.

Os Constitucionais.
Deus colocou-vos nesse lugar para governar espiritualmente, mas
não temporalmente. Nós conhecemos a natureza, a índole e os limites do
Sacerdócio, e do Império, isto é do poder temporal e espiritual. O vosso
poder espiritual, limita-se a pregar, instruir, e ensinar o que é necessário crer
e obrar para conseguir a salvação, e isto com aquele espírito de simplicidade,
mansidão, e verdade, que tanto resplandeceu em Jesus Cristo, nos Apóstolos,
e nos primeiros séculos da Igreja, e do qual se abusou muito com o progresso
dos tempos. Porquanto Jesus Cristo e os Apóstolos andavam a pé instruindo
e pregando por todo o mundo, e vós andais em coches e berlindas, e não
pregais nem instruis.

287
Jesus Cristo e os Apóstolos pregavam, e persuadiam com a pobreza,
virtude, e austeridade, e vós escandalizais com a vossa riqueza, vícios, e
devassidão.
Jesus Cristo e os Apóstolos convenciam, mas não constrangiam, e por
isso eram tolerantes, vós ao contrário tendes constrangido com o ferro, com
o fogo, e martírio, a que todos vos acreditassem; e se não fale por mim a
Inquisição Tribunal infame digno de ser habitado pelos monstros da igno-
rância, superstição, e fanatismo, e por isso tendes sido intolerantes.
Jesus Cristo e os Apóstolos ensinavam, que, quem servia ao altar,
devia viver do altar! E com efeito até o tempo de Constantino o Grande
os Sacerdotes viviam das oblações gratuitas dos fiéis, administrando-lhes
o pasto espiritual, e recebendo em troco o pasto temporal. Mas depois que
Constantino restituiu a paz à Igreja, e a enriqueceu com donativos, respeitos,
e considerações, logo o espírito de humildade se converteu em espírito de
orgulho, o espírito de tolerância em o de intolerância; a virtude foi substi-
tuída pelo vício, o trabalho pela ociosidade; os vasos sagrados de pau pelos
de ouro e prata, e os sacerdotes de prata e ouro, por sacerdotes de pau; e a
ambição, a ignorância, e o fanatismo por todas as virtudes Cristãs, donde
nasceram disputas, ódios, vinganças, perseguições, guerras, e todo o gênero
de males, que a história nos apresenta.
Jesus Cristo e os Apóstolos não proibiram o matrimônio ao Clero, pois
que muitos deles eram casados, e viviam com suas mulheres, assim como
alguns dos seus sucessores. E Pafúncio, celibatário, e de uma virtude e vida
exemplar, fez uma moção a favor do matrimônio do Clero no Concílio geral
de Niceia, sustentando, como dura e impraticável, a doutrina em contrário.
Porém Gregório 7 fez geral esta Lei do celibato no clero? desligou-o por este
modo da sociedade civil, e por meio dele, e das ordens Religiosas, e com o
ponto de apoio no Céu, moveu, sem a alavanca de Arquimedes, os negócios
do mundo a seu arbítrio? Não teria sido mais conveniente aos interesses do
Céu e da terra, que os Sacerdotes fossem casados? Não é a Lei do celibato
oposta à Lei da Natureza, e à conservação do mundo moral? Os Clérigos,
casados, chefes de famílias, ricos, e iluminados, não seriam os mais perfeitos
modelos da virtude, os mestres da moral Religiosa e civil e de todas as artes
liberais? Não seria este o meio mais fácil e simples de difundir as luzes, e
instrução pelo Povo? Não foi assim que o Imperador José segundo civilizou
a Alemanha? Que utilidade faz a Deus, à sociedade, assim, uma multidão
de homens e mulheres arrependidas, metidas dentro das paredes velhas dos
Conventos, mirrando-se de enojo, apodrecendo na ociosidade, e morrendo

288
de fome, em um total abandono dos amigos, dos parentes, e do mundo? Se o
Cidadão só pode dispor da sua propriedade na completa idade de vinte e cinco
anos, porque há de poder dispor da sua liberdade na tenra idade de 12, 14, e
16 anos, já para casar, já para professar na Religião, quando absolutamente
nem sabe o que faz, nem conhece os deveres e as obrigações de um e outro
estado? Terrível cegueira! Fatal contradição! Preencher as vistas da natureza,
satisfazer os votos do Criador, perpetuar a cadeia dos seres, trabalhar ao
bem da sociedade, e dar uma boa educação a sua família, eis o caminho do
Céu, e do Cidadão verdadeiramente virtuoso. E a Religião desvia-se sempre
do seu fim político todas as vezes que não promete prêmios aos Cidadãos,
pios, honestos, e justos, isto é que cumprem com as suas obrigações para
com Deus, para com os outros, e para consigo.
Jesus Cristo e os Apóstolos reconheceram os dois poderes, temporal, e
espiritual, e jamais se duvidou desta doutrina nos primeiros tempos da Igreja
nascente. Porém não dispuseram os ambiciosos e orgulhosos Pontífices de
Roma, depois das falsas Decretais de Isidoro mercador ou impostor, dos
tronos, Cetros, e Impérios, afirmando com escândalo universal do mundo,
que eles tinham os poderes temporal, e espiritual? Não pretendeu Gregório
7.º fazer feudatárias todas as Nações da Europa? Não destronou ele Henrique
quarto, obrigando-o a comparecer no rigor do inverno descalço, como um
miserável mendigo, na sua presença em Canossa, onde estava encerrado
com a Condessa Matilde? Não Decretou com ênfase, que os Bispos podiam
dar e tirar a seu arbítrio, as Coroas, e os Cetros? Não escrevia ao Bispo
de Metz que os Sacerdotes eram superiores aos Reis? Não ensinavam os
estúpidos ultramontanos desse tempo, que um Pontífice não era nem Deus,
nem homem, mas sim, um Semideus? Porém não nos recordemos mais dos
males passados, fruto da ignorância, da superstição, e do fanatismo! Basta
saber, que a árvore do Despotismo Papal lançou ramos por toda a Europa,
em cujas sombras todas as Nações estiveram por muito tempo envolvidas,
e das quais Portugal não foi exemplo, sendo vítimas o Senhor Dom Sancho
II, e outros muitos Reis de Portugal. Graças porém à Providência que tem
permitido que o facho da Filosofia tenha luzido em os nossos climas, e prepa-
rado os materiais para a nossa Regeneração Política, e para uma Constituição
liberal, que fará bem depressa a felicidade dos Portugueses. Por conseguinte
podeis estar certos que nós conhecemos perfeitamente a origem, a índole, e
natureza, do vosso poder, e que em tais circunstâncias só vos resta a seguir
o partido da Constituição, e a Causa do Rei, e da Pátria.

289
Os Carcundas da ordem eclesiástica.
Porém, o poder dos Reis vem imediatamente de Deus, como se prova
dos textos sagrados da Escritura, ora vós ensinais o contrário, logo sois
mentirosos, impostores, e quereis enganar-nos!!!

Os Constituintes.
O poder dos Reis e a Soberania da Nação não pode residir originaria-
mente senão na totalidade da Nação. O vosso fanatismo porém, o vosso
interesse, a vossa ignorância, a ignorância e o interesse dos Monarcômacos,
e dos pseudo Políticos, têm estabelecido essa falsa doutrina, origem fecunda
de muitos males na sociedade. Esses textos sagrados, que têm servido de
fundamento a vossa falsa doutrina, provam unicamente que os homens têm
abusado das coisas mais gradas para apoiar os seus interesses, e perpetuar suas
erradas opiniões e falsas doutrinas. E ainda que provassem, que o poder Real
vem de Deus, contudo, o estabelecer a forma Constitucional, Monárquica,
Aristocrática, Oligárquica, de ser exercido e modificado, é só da competência
da Nação, assim como é da competência da Lei modificar a liberdade, que o
homem recebeu das mãos de Deus e da natureza. Porém, eles nada provam,
e a Escritura sagrada é um livro divino próprio para fazer santos, mas não
para fazer sábios; e Jesus Cristo veio ao mundo ensinar o caminho da salva-
ção, e não Direito público, ou das Gentes. Por conseguinte a doutrina que
ensinamos é verdadeira, e nós não somos mentirosos e impostores, epítetos
que competem só aos Carcundas.

Os Carcundas da Ordem Eclesiástica.


Vós duvidais do nosso poder espiritual, que nos foi transmitido por
Jesus Cristo, pelos Apóstolos, e seus sucessores, logo vós sois hereges, estais
excomungados, e deveis ser separados do grêmio da Igreja!!!

Os Constitucionais.
Nós jamais duvidamos do poder espiritual, que a Igreja tem, e que vos
foi conferido divinamente. Nós cremos tudo quanto crê e ensina a Igreja
Romana, e por isso não somos hereges, antes vós é que sois hereges da razão,
ignorantes, e impostores, que quereis macular a pureza das nossas intenções,
porém não sejais loucos, voltai ao nosso partido; e fazei-vos Constitucionais,
quando não?

290
Os Carcundas da Ordem Eclesiástica.
Quando não o quê?

Os Constitucionais.
Sereis constrangidos a jurar a Constituição, ou a sair do Reino, e ir para
o País dos Carcundas!
Os Carcundas da ordem eclesiástica disseram então para os outros, esta-
mos perdidos, porque o Povo Português está muito iluminado e esclarecido.
É forçoso pois capitularmos com os Constitucionais, que seguem a causa do
Rei e da Nação, e são favorecidos pela opinião pública. Proponhamos-lhes
pois todos nós o desejo de abraçarmos o Sistema Constitucional. E assim foi
por todos acordado.

Os Carcundas da Ordem militar, civil, e eclesiástica.


Constitucionais! Nós fomos convencidos do nosso erro e da nossa igno-
rância. Nós pensávamos que vós éreis, como os Jacobinos, inimigos do trono
e do altar, porém vós sois os amigos do trono e da Nação, e os protetores da
Religião! Nós pois queremos capitular e abraçar o sistema Constitucional.
Nós nos entregamos a vossa descrição [sic] com uma ilimitada confiança,
e queremos que os artigos da nossa capitulação sejam ditados pela vossa
generosidade e moderação, com que tendes confundido os reformadores das
outras Nações na certeza de que com a maior resignação os havemos fielmente
executar e cumprir.

Os Constitucionais.
Nós não conservamos ressentimento algum pela vossa conduta passada,
antes nos congratulamos, e regozijamos que abraceis o nosso partido. Nós não
abusaremos da vossa confiança, mas todavia, é indispensável que sofrais um
castigo proporcionado ao delito. E por isso a vossa Capitulação reduzir-se-á
ao cumprimento dos três artigos seguintes.

Artigos da Capitulação.
I. Todos os Carcundas hão de comparecer perante o Congresso Nacional,
logo que esteja reunido, e aí estando em pé, e com voz clara e inteligível,
recitarão as seguintes protestação, e oração Constitucionais.
II. Os Carcundas civis recitarão as mencionadas orações de quinze em
quinze dias, e por tempo de dois meses: os Carcundas militares praticarão o

291
mesmo por tempo de quatro meses: e os Carcundas eclesiásticos por tempo
de seis meses. Porquanto, esta graduação de pena é conforme a graduação
da culpa.
III. Satisfeita esta pena, nunca mais serão chamados Carcundas, pois que
assim ficam puros do Carcundismo, como o Sol.

Protestação da fé Constitucional.
Nós Carcundas até aqui, por interesse, hábito e ignorância, e agora
arrependidos, contritos, e regenerados na Constituição, protestamos de hoje
em diante, ser verdadeiros Constitucionais, e amigos do Rei, e da Nação, e
de obedecer às Cortes, e a El Rei Constitucional, cumprindo as suas deter-
minações, Leis, e Decretos, respeitando todas as autoridades legitimamente
estabelecidas, como único meio de conseguirmos a nossa Regeneração política,
e a felicidade da Nação. Assim o protestamos na presença dos Representantes
da Nação, e assim o juramos à face do Céu, e da terra, e assim nos ajude
Deus, e senão, não.

Os Mandamentos da Lei Constitucional.


I. Honrar Deus e a Religião Católica Apostólica Romana.
II. Não jurar falso.
III. Guardar os Domingos, e festas, que mandar a Constituição.
IV. Obedecer à Constituição, às Cortes, ao Rei, e às Autoridades.
V. Reconhecer a Monarquia Constitucional hereditária, a Dinastia
Reinante da Sereníssima Casa de Bragança, e ao Senhor Rei Dom João VI,
e seus descendentes.
VI. Guardar religiosamente a inviolabilidade d’El Rei.
VII. Reconhecer a Soberania da Nação, em a mesma Nação.
VIII. Reconhecer uma bem determinada divisão, e independência dos
três poderes, legislativo, judiciário, e executivo.
IX. Reconhecer na Lei a vontade geral da Nação, declarada pelas Cortes.
X. Manter a liberdade, propriedade, e segurança individual, de cada
Cidadão.
XI. Escrever, imprimir, e publicar só o que for verdade, e se poder provar,
segundo a Lei.
XII. Não tolerar, privilégios de foro, ou desigualdade entre a pena, e o
delito.
XIII. Não servir cargos públicos, sem talento, e virtudes.

292
XIV. Reconhecer só nas Cortes a autoridade, de impor, e repartir os
tributos com igualdade, e sem isenção de ninguém.
XV. Reconhecer uma força permanente de mar e terra, sempre obediente
à Lei, e ao governo, e destinada só a manter a segurança, e tranquilidade
do Reino. Estes quinze mandamentos se encerram em dois, a saber, amar a
Pátria, a Constituição, e o Rei sobre tudo, e ao depois a nós, e aos outros
com igualdade.

Artigos da Santa fé Constitucional.


I. Crer que a Nação Portuguesa é a união de todos Portugueses.
II. Crer que a sua Religião é a Católica Apostólica Romana.
III. Crer que o seu governo é a Monarquia Constitucional hereditária.
IV. Crer que o Rei é inviolável em sua Pessoa, e que a responsabilidade
é exclusiva dos seus Ministros.
V. Crer que a sua Dinastia Reinante é a Sereníssima Casa de Bragança,
e seu atual Rei o Senhor Dom João VI e seus legítimos descendentes.
VI. Crer que a Soberania da Nação reside em a Nação, livre, e inde-
pendente.
VII. Crer que somente a Nação pode fazer a sua Constituição, ou Lei
fundamental.
VIII. Crer que haverá sempre uma exata divisão dos três poderes, legis-
lativo, executivo e judiciário.
IX. Crer que o poder legislativo reside nas Cortes, e no Rei.
X. Crer que o poder executivo no reside no Rei, e nos Ministros.
XI. Crer que o poder judiciário reside nos Juízes.
XII. Crer que a Constituição há de manter os direitos individuais da
liberdade, segurança, e propriedade de todo o Cidadão.
XIII. Crer que a liberdade consiste em cada um fazer o que a Lei não
proíbe.
XIV. Crer que a segurança é a certeza que cada um tem de viver seguro
à sombra da Lei.
XV. Crer que a propriedade é a faculdade que cada um tem de dispor
de seu patrimônio, conforme a Lei, e a sua vontade.
XVI. Crer que cada um pode pensar, e escrever livremente, respondendo
pelo abuso, segundo a Lei.
XVII. Crer que a Lei há de premiar, e castigar a todos com igualdade, e
que a pena, igual ao delito, não há de passar do delinquente.
XVIII. Crer que a distinção de talentos, e virtude, é a única porta aberta
para os cargos públicos.

293
XIX. Crer que os Deputados, como representantes da Nação, são invio-
láveis em suas pessoas, e por suas opiniões.
XX. Crer que a imposição dos tributos, e a forma da sua repartição, é
só da competência das Cortes.

Credo Constitucional.
Creio no Rei o Senhor Dom João VI, no Congresso Nacional, criador da
Constituição, no Senhor Dom Pedro, Príncipe Real, primogênito e herdeiro do
trono, o qual foi concebido por obra, e graça de seus Augustos Pais, nasceu
de sua Augusta Mãe a Rainha Dona Carlota Joaquina, padeceu sob o poder
dos Ministros e Validos; em 26 de Fevereiro desceu ao Rocio para jurar a
Constituição por si e seu Augusto Pai; em 22 de Abril foi feito Regente, para
premiar os bons, castigar os maus, e fazer Justiça aos Carcundas, Panças,
e Caranguejos: creio no Congresso Nacional, em a Nação Portuguesa, na
comunicação dos sábios, na remissão dos abusos, na ressurreição da virtude,
e da Justiça, na conservação da liberdade, segurança, e propriedade, e na
felicidade da Nação. Amém.

Padre nosso Constitucional.


Constituição Portuguesa, que estás em nossos corações, santificado seja
o teu nome, venha a nós o teu regime Constitucional, seja feita sempre a tua
vontade, um melhoramento de Agricultura, Navegação, e Comércio nos dá
hoje, e cada dia; perdoa-nos os defeitos, e crimes passados, assim como nós
perdoamos aos nossos devedores, que nos não podem pagar; não nos deixes
cair em tentação dos velhos abusos, livra-nos destes males, assim como do
despotismo Ministerial, ou anarquia popular. Amém.

Ave Maria Constitucional.


Ave Constituição, cheia de graça, e sabedoria, El Rei é contigo, benta és
tu entre as Constituições, bento é o fruto do teu ventre: Santa Constituição,
Mãe dos Portugueses, vigia por nós agora, e na hora da nossa morte civil,
ou política. Amém.

Salve Rainha Constitucional.


Salve Constituição, refúgio dos Portugueses, vida, doçura, esperança
nossa, salve, por ti bradamos os verdadeiros filhos da Pátria, por ti suspira-
mos, gemendo, e chorando neste vale de abusos, e arbitrariedades, eia pois,
Ó Constituição, advogada e protetora nossa, esses teus olhos justiceiros a nós

294
volve e depois de tanto despotismo, mostra-nos em todo o vigor, a prática da
Lei como fruto da tua sabedoria; Ó justa, Ó liberal, Ó benéfica sempre virgem
Constituição, vigia por nós, como Mãe dos Portugueses, para que sigamos
dignos das promessas das Cortes. Amém.
Os Constitucionais, ao depois de terem convencido e chamado ao partido
da Pátria, os Carcundas civis, militares, e eclesiásticos, levantaram a voz
dizendo Graças sejam dadas à Providência de Deus que tem permitido, que
o Sistema da Constituição, geral e espontaneamente abraçado por todos os
Portugueses, e por um modo maravilhoso, destrua a tirania e o despotismo, das
arbitrariedades, dos abusos, e das malversações. Não basta porém havermos
destruído estes males por uma vez, é necessário impedir que renasçam jamais
para o futuro. Nós somos homens, e a experiência tem sempre mostrado que
em cada um de nós existe um desejo natural de dominar os outros, e de lhes
ser em tudo superior. É necessário pois entrincheirarmo-nos contra este senti-
mento geral de amor próprio, que insensivelmente, conduz-nos ao despotismo.
É indispensável estabelecermos regras claras, e inalteráveis, dos nossos direi-
tos, e das nossas obrigações. Como, porém, o conhecimento destes direitos,
e o desenvolvimento destas obrigações, são coisas abstratas, e dificultosas,
que não podem estar ao alcance de todos, é, por isso, forçoso escolhermos
homens sábios, probos, e judiciosos, aos quais deleguemos todos os nossos
poderes, para que eles, na qualidade de Procuradores, e Representantes da
Nação, possam, com conhecimento de causa, tratar dos interesses da Nação,
e da felicidade da nossa Pátria.
A Nação, ao depois de ter feito uma escolha de homens beneméritos,
capazes de fazerem a Regeneração Política da Monarquia, delegou-lhe os seus
mais amplos poderes, na forma seguinte.
Procuradores dos Povos, Representantes da Nação, e Deputados de
Cortes, nós temos vivido até aqui em uma sociedade formada ao acaso, sem
condições livres, obrigações recíprocas, e regras fixas e invariáveis; e de uma
sociedade tão mal estabelecida, não tem nascido mais que uma série infinita
de males, e contradições. O desprezo dos direitos do Cidadão, e o esqueci-
mento das Leis fundamentais da Monarquia, têm produzido todas as nossas
desgraças. Agora, porém, depois de uma consumada experiência e madura
reflexão, queremos que se melhore e ponha em observância o nosso antigo
pacto social, que se reforme o nosso Código civil, e criminal, o Sistema de
Agricultura, Comércio, Fábricas, e todos os ramos de prosperidade pública,
para cujo fim, e pela forma mais ampla, delegamos todos os poderes, que vos
podemos ceder e transmitir, pondo toda a nossa confiança nas vossas luzes,
saber, e probidade.

295
Magnânima e Generosa Nação Portuguesa (responderam os Repre-
sentantes da Nação e Deputados de Cortes) a Nau do Estado, sulcando um
mar de abusos, combatida pelo despotismo, e pela arbitrariedade, sem piloto,
sem bussola, sem leme, e sem governo, estava a ponto de soçobrar, ou de ser
sorvida pelas ondas. Sim, Portugal ia abismar-se debaixo das suas ruínas, e
nós condoídos da sua sorte, concebemos o projeto de salvar a Pátria, e de
melhorar sua existência política; empresa sublime, e digna de um Sólon, de um
Licurgo, e de um Numa. A empresa é grande, mas, nós faremos por corres-
ponder à confiança, que a Nação tem posto em nós. Nós pois examinaremos,
com toda a circunspecção, quais devem ser as bases, e condições, do novo
edifício social, que pretendemos levantar. Nós indagaremos a origem, e fim
da nossa associação política. Nós exporemos os direitos que tem cada indi-
víduo, os que delega, e os que não pode delegar, por serem inalienáveis. Nós
estabeleceremos uma regra geral de conduta, e um novo sistema de governo,
cimentado nos verdadeiros princípios, por serem falsos, e viciosos, os que
nos têm até aqui dirigido. Porquanto, nossos Maiores têm marchado sempre
pelos caminhos da ignorância, da rotina, e do hábito, sem consultar a razão,
a filosofia, e a experiência. Uma péssima educação, e um hábito inveterado
nos têm feito correr às cegas sobre os seus passos. Quase tudo até aqui tem
sido praticado por violência, por fraude, e sedução, e as verdadeiras leis da
moral, e da razão, e da Justiça, não têm ainda sido bem conhecidas. Nós,
porém, desembrulharemos este caos. Nós faremos uma nova Constituição,
um pacto social, e uma nova Lei fundamental da Monarquia, que regule os
direitos individuais de cada cidadão, que prescreva a independência, e uma
bem determinada, divisão dos três poderes, legislativo, judiciário, e executivo,
a fim de que o primeiro, como o mais essencial, não usurpe as atribuições dos
outros, caindo insensivelmente na anarquia, e despotismo, que se pretende
evitar, como acontece quase sempre. Nós faremos um novo Código civil, e
criminal, simples, claro, e conforme com as luzes, e costumes do tempo, e
em que mais não transluzam restos do antigo sistema feudal, da ignorância,
e fanatismo, de que a cada passo, ressente-se a nossa legislação antiga e
moderna. Nós melhoraremos o sistema de Agricultura, Fábricas, Navegação,
e Comércio. Nós faremos prosperar as Artes, e as ciências, e reviver o espírito
Nacional, há longo tempo, amortecido. E, finalmente, nós faremos aquelas
reformas, e melhoramentos, que, a nossa sabedoria e prudência nos ditarem,
e forem compatíveis com as circunstâncias do tempo e da Nação que repre-
sentamos, dirigindo todos os nossos trabalhos ao fim da felicidade da nossa
Nação, e da nossa Pátria.

296
Aqui tens, meu caro amigo, uma narração singela da nossa Regeneração
política em Portugal, onde se não cometeu um único desaguisado, nem contra
as Autoridades constituídas, nem contra os particulares, apesar do menos-
cabo de crédito daqueles, e do ressentimento geral destes; conduta admirável,
justa, e generosa, que servirá de modelo aos povos ainda os mais ilustrados,
que intentarem fazer reformas. A obra da Regeneração é grande por certo,
e carecia bem da constância, virtude, e sabedoria, dos Zaratrustas, dos
Licurgos, dos Carondas, dos Minos, dos Sólons, dos Platões, dos Moisés, dos
Numas Pompílios, e outros famosos Legisladores da antiguidade. Os nossos
sábios Deputados das quatro partes do mundo mostrarão, que a política, e
sabedoria não é exclusiva destes grandes homens. Eles estabelecerão a Sede
da Monarquia em Portugal, ou no Brasil, ou em ambas as partes alternativa-
mente: eles farão com que a Lei esteja sempre em vigor, premiando os bons,
e castigando os maus: eles farão com que o Brasil não sofra os males, de que
Portugal até agora se tem queixado, procurando remédio a duas mil léguas
de distância: eles farão com que a Justiça, a prudência, a sabedoria, a boa fé,
e um perfeito equilíbrio, e reciprocidade de direitos, presidam a decisão de
todos os negócios: eles finalmente farão com que se não manifeste espírito
de partido, nem a favor de Portugal, nem a favor do Brasil, pois só assim
é que haverá igualdade, e reciprocidade de interesses, e de direitos, e, que
será eterna a unidade, a indivisibilidade, a independência do Reino Unido de
Portugal, Brasil, e Algarves.
Podes, meu Amigo, expor ao público esta narração fiel do que se passou
em Portugal, e, se lhe for agradável, poderei continuar a te referir, para
publicares, tudo o mais que for acontecendo, esperando que tu me participes
também o desenvolvimento do espírito Regenerador desse País, que eu aqui
publicarei, se tu assim o quiseres.

O teu Amigo Constitucional Europeo.

297
27

O TESTAMENTO
DA
VELHA
QUE FOI A SERRAR,
A FAVOR
DOS
CORCUNDAS,
EMPENADOS, E SUISSOS.
E O RESPONSO DO EXORCISTA POR ALMA DA TESTADORA.

Deixo, deixo, e deixo-lhe; e se mais possuíra, mais lhe deixara: o que


quero é que se cumpra o que é minha última vontade.
Da Testadora.

Em nome da benta hora, meu Testamento vou a fazer; por saber o dia
em que minha existência termina. Decreto em fim rigoroso para as do meu
sexo, e idade; e como caí por sorte assim da vida ser exterminada, cumpra-se
embora o triste fado. Bem cuidei que os meus herdeiros de mim se lembras-
sem, requerendo em meu favor ao Congresso Nacional, para me livrarem
de estar sujeita a uma Lei, que os tempos puseram, e outros não mudaram:
que se este direito é Romano, ou Feudal, o que sei é que ninguém por mim
puniu, e meus herdeiros hão de com ambição querê-lo promulgar. Eu vou
testar a bem de certa ordem de indivíduos, que muito gostam do alheio; e
para que bem sejam saciados, caiu-lhe por sorte o eu ter muitos bens para
lhe deixar, tratá-los-ei não iguais, mas sim com preferência, por não serem
meus herdeiros forçados, e como se me permite a livre vontade, desejo que
esta se cumpra, sem que se altere o que vou atentamente estabelecer para
bem de tão dignos herdeiros.
Em primeiro lugar declaro, ser filha legítima de pais direitos, sem alei-
jões solapados, e se chamava Rodrigo Annes Bordão, por antonomásia o
direito, e minha mãe Rufina Aires de Mendonça Cautela; deste matrimônio só
houveram dois filhos, o mais velho, que era meu irmão, foi despachado para
Governador de Mato Grosso; e lá tomou estado, e conta-me ser extinta sua
Dinastia, e eu que me chamo Felizarda Feliz da Soledade por Antonomásia,

298
a Queixeirinha; este traste ainda hoje possuo, por estar vinculado em Cabeça
de Morgado, e tem grande valor, e estima para agora ser bem aplicado.
Declaro que tenho de idade 145 anos, e sou natural de Aljubarrota,
bisneta da padeira que ajudou a vencer a Batalha, com os Castelhanos naquele
sítio, de quem herdei as pás do forno, insígnias que muito me custam a largar,
e que sei que a meus herdeiros serão muitos úteis: declaro mais que possuo
umas herdades na Serra da Estrela, uma terra de semeadura em Pancas, umas
Casas Nobres na Roliça, com as portas para o Céu, e o telhado ladrilhado,
e junto às mesmas um moinho, que mói mui veloz toda a qualidade de grão,
bem moerá todas as corcundas que já para isso o mandei reservar. Possuo
mais um prédio rústico, e urbano na Villa de Caminha, que paga de foro 20
réis anuais, e tem a pensão de dois frangos aos Frades de Alcobaça.
Sou Senhora, e possuidora na Vila do Pombal, de um forno, junto à
Ermida de Nossa Senhora do Cardal daquela Vila; cujo forno refere à tradição
de pais a filhos, que foi aplacável à praga de gafanhotos, e lagartas nesta Vila,
e que os seus moradores prometeram dar a Nossa Senhora um espantoso bolo,
ou fogaça: aplacada que foi a fúria desta praga, cuidaram logo de fabricar
o bolo, o qual leva 18, ou 20 alqueires, levam-no seis, ou oito homens em
um grande Andor até a boca do forno, que para este efeito se fez há mais
de 50 anos; dentro dele entra um homem para o virar, e por milagre se não
queima; tendo sido o forno quente com duas carradas de lenha, o que meu
pai me asseverou, que viu entrar o bolo no dito forno, e que um mancebo de
idade de 30 anos, em corpo, com uma casaca de bom pano, cabelo atado, e
chapéu na cabeça; na boca levava um cravo encarnado, e assim que chegou
à boca de dentro do forno, tirou o chapéu, e fez sua cortesia, e cobrindo-se
outra vez com toda a brevidade, deu volta ao bolo, e saiu para fora sem que
o fogo o queimasse, e se reparou que o cravo vinha queimado!
Possuo na Vila de Familicão, uma vinha, e courela, e um mato que nunca
foi cortado; e mais em Aldegavinha, um lagar de azeite, e umas casas juntas
à dita Adega, com um recreio e pasto para animais de dois pés, e para os de
quatro pés um vasto campo de restolho: declaro, que tudo são bens livres, e
em muito bom estado; porque nunca tiveram outro senhorio, do que tudo vou
a [testar?] com a mobília da minha casa; peças de ouro, diamantes, brilhantes,
esmeraldas, pérolas finas, pedras, pedregulhos, bens móveis, louça, cacos, e
cacarecos, que tudo tem serventia, para quem eu deixar útil tudo lhe será.
Nomeio por meu primeiro Testamenteiro, ao José Corcunda, Exorcista
de Pragas, e Periódicos, o qual instituo por meu herdeiro na metade de meus
bens. E em segundo lugar, a Pedro Malas-Artes. Ao primeiro fica à dispo-
sição dele o meu funeral, e o segundo receberá os caídos do primeiro, que

299
são muito amigos da manha do açougue; e sendo por mim feita a partilha,
só terão direito de herdar como bem disponho, e é a minha única vontade.
Deixo a minha Caxeirinha ao Liberal, para a fazer desandar pelas
corcundas dos servis, a qual em os apanhando juntos, e dizendo-lhes, desanda
Caxeirinha, olha que é Corcunda, faz mais estragos que os cães de fila, em
um touro; seja para seu ensino esta tunda.
Deixo ao Redator do Astro o bordão de meu pai, para com ele mui
bem sacudir todo o que for empenado: porque enquanto der neles, não dá
no chão, nem no sobrado.
Deixo ao Verdadeiro Liberal, a Loja para pagarem, e a tabuleta da
porta, para memória, fique a disposição dos Suíços, para lhe pedirem a
declaração daquilo que nunca percebem a favor da Constituição.
Deixo ao Indagador, com a condição de mui bem indagar, onde existe
algum Corcunda prejudicial à nossa Causa, as herdades da Serra da Estrela,
e as terras de semeadura em Pancas; para sempre lhe andar bem nas Ancas.
Deixo ao Redator da Abelha Portuguesa, as minhas Casas Nobres da
Roliça, para delas fazer cortiço, e estas possuirá, sem nunca de lá sair, para
não picar com o ferrão o nariz ao Exorcista.
Deixo ao Redator da Espada de Alexandre, a cuja era de dois gumes, e
cortava para todos os lados, que da mesma Espada se sirva para comandar
a Guarnição da Cidade de Nápoles contra os Corcundas Mores, que atacam
sem razão a um Povo, que quer ser livre pela Constituição.
Deixo ao mudo com fala, por tornar com ela ao corpo para ver se
vigoriza, o meu moinho da Roliça, para ir picando as mós, e ter cuidado nas
velas, tendo tudo em boa ordem, poderá receber o produto do que moer:
porém sendo avisado para moer as corcundas; à corcundagem havendo vento
soprará as velas com uma borrasca, até que as mesmas pela sua velocidade
as esmaguem.
Deixo ao meu Testamenteiro Exorcista em paga de seu trabalho, o
meu prédio rústico, e urbano na Vila de Caminha, e o forno junto à Ermida
do Cardal da mesma Vila, o que tudo desde logo possuirá, bem entendido
com as declarações seguintes. – Será obrigado, segundo o contágio das
pragas, que ali grassou, a exorcizá-las, mandando amassar o bolo de 18
Alqueires, cobrindo-se ele todo da dita massa para formar a fogaça. Meu
segundo Testamenteiro a quem deixo as pás do forno, Pedro Malas-Artes,
se servirá das ditas, que proezas fizeram em Aljubarrota, para virar o bolo,
sem que seja preciso ir dentro ao forno voltá-lo; e depois de cozido o porá
em o Andor, e convidando quem nele pegue se correrá a Vila, entoando-se

300
a presente Antífona. – Ecce Fogassa, – Ecce Exorcista, extincta est praga,
extincta est, a Corcunda do Exorcista.
Deixo a courela, e mato, na Vila de Tamalicão, a um Nobre que não
for Corcunda, e que amar a Liberdade Civil, ditada pela Constituição.
Deixo o meu lagar de azeite, e as Casas Nobres, e adega, com o recreio,
e pasto para os animais de dois pés, para lá irem pastar todos os passeantes
de Lisboa, que querem que a Constituição lhe dê de comer sem trabalharem,
nem serem capazes de servir o Estado, e que se queixam de não serem empre-
gados, e caso ainda não fiquem satisfeitos, se apossarão do campo junto,
que produz restolho determinado para alimento dos animais de quatro pés,
mas de certo sei que se não contentam, por ser coisa que não alegra o olho.
Deixo a toda a Senhora, que viver desgostosa com seu marido, por este
ter disforme corcunda, se tiver jeito para lha arrancar, todas as minhas joias
de ouro; e de vez em quando não se descuide de lhe ir na cama chegando
ao couro.
Deixo a toda a Senhora, que for legítima Constitucional, e que por
desgraça o seu marido for Empenado, que é um furo mais abaixo de
Corcunda, que lhe mande dar uma boa tunda; e por prêmio, receberá todos
os meus diamantes, se ele ficar desempenado como dantes.
Deixo a toda a Senhora, que cantar o Hino Constitucional, e o acom-
panhar ao Piano, o Dom por mais um ano.
Deixo a toda a Senhora, que não der vestidos, nem chapéus, ou enfeites
a fazer às Modistas Estrangeiras, todas as minhas pérolas para se ornar, e
a toda a que for vaidosa, que não lhe importar o vestir Constitucional, que
o marido lhe ponha freio, como a um animal.
Deixo a toda a criada de servir dote para casar, contanto, que o noivo
que escolher, não seja Corcunda, nem Empenado, nem Suíço, para dele lhe
não dar sumiço.
Deixo mais os meus brilhantes, a toda a Ilustre Senhora, que não for
Corcunda, e puxar para a Constituição, e não só para a Nobreza, desejando
que prevaleça esta, e não o Despotismo da mesma, como dantes contra a
Nação.
Deixo a toda a Senhora, que esta for mal casada com marido Cons-
titucional, e a este o aconselhar para que seja Corcunda, para por este meio
para o futuro tafular de Carruagem, e Berlinda, que o marido lhe aplique
a dose de mochinga.
Deixo as minhas esmeraldas, à noiva que escolher para marido, homem
que tenha de seu, honra, e sentimentos; que seja Constitucional, e não

301
ambicione a Nobreza com que não nasceu, nem os Cargos Públicos para
servir, sem que o busquem.
Deixo todas as minhas pedras, e pedregulhos a todos os rapazes
que vendem papeis Constitucionais, para que delas se armem contra os
Corcundas, e adjuntos que não são Liberais.
Deixo a todo o garoto mestre, que Corcunda servir, Fanático, Suíço,
ou Empenado, que muito depressa o deixe de olho marcado, e por prêmio,
receberá logo um cruzado.
Deixo a todo o Clérigo, que não for Corcunda, e que me rezar um
responso, ainda que me não acompanhe, o fato de meu uso, para a sua Ama,
não sendo prima, nem sobrinha, estando em boa fama.
Deixo a todo o que for deste estado, e mostrar ser Corcunda, ou
Empenado, que lê nos Livreiros de mofo os Papéis Constitucionais, murmu-
rando deles, e dos Autores, sem puxar pelos cobres, que se lhe dê por caridade
uma escola diferente da que se dá aos pobres.
Deixo a todo o Frade, que for Constitucional, querendo, que se possa
logo desfardar.
Deixo a todo aquele que for Religioso, que com ele ninguém contenda
porque é virtuoso.
Deixo a todo o que também mostrar ser ambicioso, amando mais os seus
interesses, que o bem da Nação, que seja exterminado para pregar no Japão.
Deixo aos meus criados, que bem me têm servido, todos os cacos, e
tarecos para fazer bem bailarem os bonecos.
Deixo às minhas duas criadas, que são Constitucionais, e de idade de
100 anos, que se lhe tirem do corpo os de mais 80 anos.
Por fim deixo todo o um remanescente, que ficar, a meu herdeiro e
Testamenteiro José Corcunda, bens móveis, louça, papéis, e Papelões, cobre,
latão, e tudo quanto acabar em ão; incluso o meu urinol para caldeirinha,
se continuar a ser Exorcista, para lhe servir também de hissope, a vassoura
do mesmo, e um baraço de cordas para deixar o cordão, e para o reforço,
do camelo camelorum, um bom vergalhorum.
Deixo de remanescente do meu dinheiro, depois de cumpridos os lega-
dos, 100$000 ao Mestre Periodiqueiro, para fazer a transladação dos presos
do Castelo, e Limoeiro, para a Lagard Inquisição.
E mais lhe deixo a este talentão, 4$800 para um chapéu, e 1$200 para
duas galinhas, que costuma manducar Sexta Feira de Paixão, quando acabar
de Pregar.

302
Deixo ao ínclito Periodiqueiro, do Jornal Enciclopédico, que nele viu
a visão, que viera a este Mundo para ilustrar a Nação, só por esta heresia,
uma tunda mestra de pancadaria.
Deixo a todo o Beleguim, que seu ofício exercer com a Lei Constitucional
4$000 para um jantar. E aquele que for déspota, Corcunda, desejando para
se manter a antiga escravidão, que se lhe tire o ofício, e que vá comer com
os presos do caldeirão.
Deixo a quem ainda não deixei, e que de mim se queixará, chamando-
-me mal agradecida, três varas de pano nos Fanqueiros para uma Camisa,
ou nos [Alguebes?] sendo bem cozida.
Desta sorte hei por findo este meu Testamento feito por minha mão, e
em meu perfeito juízo, e peço a todas as Justiças, que me cumpram como nele
se contém, por ser esta a minha última vontade, e para que não seja depois
da minha morte anulado, por mim vai assinado perante três testemunhas,
as quais são, o meu vizinho Barbeiro da Aldeia; João Carapuceiro, e José
Corcunda, e foi Tabelião presente para a sua aprovação, Pedro Malas-Artes:
este será fechado, e lacrado na forma da Lei, e todo o que não for com tais
disposições contentes, e o que quiser para o futuro anular; o Juiz o julgará
Constitucionalmente, não se lembrando do direito feudal, aplicado pela
Ordem da Cartucha, todas estas declarações faço pela experiência; porque
com Testamentos, ainda que minha mãe, a cautela assim recomendou, sempre
fica uma pontinha, com que o tal Testamento para alguns herdeiros voou.
Meu Testamenteiro é de consciência pela muita que prega, assim ele a tivera,
que não seria Exorcista: feito em Aljubarrota no ano I° da Constituição, aos
2 de Março de 1821.

Felizarda Feliz da Soledade.

Aprovação
Saibam quantos o presente Testamento virem, que sendo eu o primeiro
Tabelião de Notas, e defeitos, Pedro Malas Artes, insigne não só nas facul-
dades de toda a espécie de literatura, Física, e Artes Mecânicas; o insigne,
que defeito algum acho na beleza de um tão discreto Testamento; e por
isso o aprovo, tendo feito à Testadora as perguntas do estilo nele não acho
emenda, ou entrelinha, ainda que fico por segundo Testamenteiro, este defeito
não sirva para se duvidar da minha aprovação, e podem sem receio assinar

303
as testemunhas, que presentes são, sendo a primeira o Exorcista, pela sua
dignidade, meu amigo, e camarada, dia era ut supra.

Pedro Malas-Artes.

José Corcunda, - Barbeiro da Aldeia,


João Carapuceiro, - e Caravoé, para o Exorcista aplicar o Libera mé.
Responso do Exorcista por alma da Testadora.
Libera me Domine, Corcundum meae, edignatus applacare, contra me illa
Periodiqueira.1

________________________________________

EPIGRAMA

Serrou-se enfim a Velha,


Com generosidade testou,
E nada deixou ó Quelha;
Sua existência acabou
Lembrando-se dos Corcundas,
Que agora levam boas tundas.
Eles queriam como cobiços,
Tudo possuir, e usurpar;
Olhem para a deixa que vão herdar,
Os Corcundas, Empenados, e Suíços.

LISBOA NA NOVA IMPRESSÃO DA VIUVA NEVES E FILHOS.


Com licença da Commissão de Censura.

1
Livra-me, Senhor, da minha Corcunda, e digne-se de aplacar, contra mim aquela
Peridiodiqueira. N.T.: Latim macarrônico.

304
28

O TRIUNFO DOS LIBERAES,


EO
ARREPENDIMENTO DO SERVILISMO.
_________________________
Exultai, ó Liberais,
Tremei Corcundas;
E que tais serão as tundas
Para os vossos prantos e ais.
_________________________

Qual seria o Cidadão Português, que olhando para o Rei mais justo, e
Virtuoso, que o Céu defende, e que o ilustra, e que sabiamente o tem livrado
dos seus inimigos, tanto externos, como internos, e que abrindo os olhos para
a Religião para a Lei, e para a Justiça, que não divisasse claramente, que a
Virtude tem sempre, suposto que combatida, o seu escolhido, e devido prêmio,
e lugar; esta Grande Heroína, imperando sempre a par do Sólio Excelso do
Augusto Trono Português; ela tem feito a mais permanente moradora no
coração benfazejo do nosso Amado Rei, dividindo-se, e propagando-se como
o sangue que gira pelas veias, a toda a sua sempre Excelsa Dinastia.
Que motivos podia ter um Cidadão Português, que conhecendo de perto,
e não negando ao seu Rei as suas nobres qualidades de que foi dotado, para
em paz reger o Império Luso; que este duvidasse de que o seu Magnânimo
Coração, não estivesse sempre propínquo a felicitar seus Povos, e a defender a
Nação, salvando da morte as vidas a um Povo, sempre pronto a entregar-lhe,
em defesa dos seus direitos, e da sua segurança, e perpetuação no Trono; para
que congratulando-se com os sentimentos justos do seu Povo, pudesse ser
ele, não só o Pai da Pátria, e o Chefe da Nação, como aquele que firmasse
a Monarquia Portuguesa em uma base sólida, permanente, e durável; e que
salvando-a pela Constitucional Lei, que respeita, e adota: ele se une ao seu
Povo, salva a Pátria, resgata-se a si próprio da Escravidão, para abrir já livre
o seu peito, aos seus filhos, que ocupavam no seu Coração todo o circuito
do mesmo, que a tenaz adulação dos validos haviam levantado entre o
mesmo, um muro de bronze, o qual os ecos da Justiça, e da razão não fossem
capazes de destruir, e derrubar? Mas que força teria o crime para vencer a
Virtude de um Rei, cujas complacências era o ouvir, e escutar as vozes do

305
seu Povo, com docilidade, afeto, e ternura. Sim, Portugueses, temos jazido
na Escravidão, mas esta não é trazida nem feita pelo nosso Rei, olhai atentos
e vede, que ele agora triunfa da Prepotência do Despotismo, do Orgulho,
da Inveja, da Adulação, e da Lisonja, e à maneira do mais forte Sansão, ele
se lança a todas estas colunas, que firmavam sem base, o edifício do horror,
e do crime, e lança por terra o templo da Escravitude, da ignomínia, e do
opróbrio, em que jazia o seu fiel Povo. Então Senhores eis agora de repetente
edificado o Majestoso Templo de Salomão, corramos a ele; e vamos ver e
admirar a riqueza, e o fausto deste Templo; admiremos o Sólio do grande
Rei, e o Trono novo, que ele colocou para se assentar sem susto, nem temor;
admiremos a riqueza deste Templo, e se o não vemos, para admirar, então
vejamos agora o Templo vivo, e no Coração do nosso Rei, encontraremos
todas as preciosidades que enriqueceram, e enobreceram naquele tempo, o
mais Majestoso Templo, que o Mundo possuiu, e possuirá.
Se aquele Rei dócil, e amorável, faz edificar um Templo para nele receber,
como devia, a grandeza de Deus, que amava, esse Rei grande, e Poderoso,
abre o templo reanimado do seu Coração, e nele recebe seus Povos como
caros filhos, e falando-lhe com afago, diz-nos: filhos, desejais, e quereis de
mim a Lei, por uma Constituição? Eu estou pronto a dar-vo-la, fazei-a vós,
que eu esquecido de todo, de que sou vosso Rei, mas sim vosso Pai, se essa é
a vossa felicidade, estou pronto para sancioná-la.
Se um Pai generoso, que vendo o filho a seus pés humilhado, faz esquecer
ao Pai os crimes do filho, e mutuamente se abraçam ambos, e então o sangue
correndo e girando todas as veias, de um, e outro corpo, ambos sentem o
impulso da natureza, e esbulhando os olhos rios de lágrimas, o Pai recebe
o filho, e este não tem valor de se levantar dos pés do Pai, que o atendeu e
escutou, e perdoando-lhe, mais o excita a amar. (Essa pintura é trágica, porém
tem a mesma analogia)
É agora, que compete a nós Cidadãos e filhos do Pai da Pátria, que
vendo coroada a nossa Regeneração, pela mão Superior da Majestade,
que nós podemos dizer somos livres, e não escravos; e que a Pátria, vidas,
honras, e Propriedades, tudo será salvo, garantidos os Privilégios da Nação
ao Cidadão, e a Liberdade trocada pela Escravidão. Se portanto estes princí-
pios, que estabeleço, são capazes de despertar nos corações de filhos o amor
de um Pai amável, o mais Generoso, e Liberal, então cumpramos da nossa
parte, em satisfazer-lhe com a mesma liberalidade, com que benigno nos
ouviu, acolheu, e diferiu.

306
Graças e louvor ao nosso Augusto Rei, louvor ao Invicto, e Augusto
Príncipe Real, verdadeiro Retrato de um Pai, cujas virtudes do Pai estão depo-
sitadas no Coração do Filho, que iguais em Nobreza de Alma, e de heroicos
sentimentos, ele soube ser o nosso Medianeiro, para alcançar-nos o Triunfo,
que desejávamos, para assim vermos precipitados na queda dos remorsos,
aqueles que pretendiam perpetuar o cativeiro ao Rei, aos Povos, e a toda a
Augusta Dinastia. Este o maior triunfo, que podem cantar alegres os Liberais,
este o maior terror para o Servilismo: confundam-se em seus crimes, sintam
o flagelo dos remorsos, e vejam com horror, a morte, já desejando-a antes
para não passarem pelo opróbrio, de que são merecedores. Vejam agora estes
Monstros, se a Religião triunfa, se a verdade se esconde, se a Inocência se
oprime, e o crime se exalta, se a razão se escuta, se a Justiça se administra,
se o prêmio se divide com igualdade, se se despreza o conselho do Sábio, e
prudente, ou se se escuta, como até agora, só os Espíritos perversos de Venais
Aduladores, atentos só aos seus interesses! Basta, não avanço a mais; devemos
esquecer-nos do passado, e cantarmos só alegres o triunfo; conhecerão estes,
que o espírito Liberal triunfando, teve veemência e força para precipitar o
Despotismo; e o espírito do Servilismo, atento só à rapina, e tão [a]fastado da
Religião, nunca pode ter força para destruir a razão, a Lei, a honra, e Justiça.
Na nossa grande obra da bem premeditada Regeneração não só triunfa
agora o verdadeiro espírito da Liberdade, triunfa a Religião primeiro móvel
das Ações dos Liberais, pois que a ela têm recorrido para serem felizes! E a
quem recorria então o Servilismo, para triunfar dos Liberais, e de todos os
deveres os mais Sagrados do homem livre, e não escravo? Esses recorriam
para o terror, e para a Força Armada dos Déspotas, e de alguns Imperantes,
que serão obrigados agora a seguirem os deveres da honra, e da Liberalidade,
sendo-lhe presente o exemplo, que o melhor dos Reis lhe apresenta, para
aprenderem a serem humanos; este exemplo pode ainda ser um maior triunfo
para o nosso Rei, e para todos os Liberais, que procuram promover o bem
e a Liberdade dos Povos de toda a Europa, que só assim será civilizada em
Leis, Religião, e costumes. O triunfo há de se cantar porque a liberdade dos
Povos está escrita pelo dedo do Eterno, sobre o Orbe do vasto Firmamento
do Universo. Lísia alegre hoje o canta, e ela arvorando este novo Estandarte,
irá levar à Europa a Liberdade, assim como há pouco levou a Independência.
Não é a nossa força que triunfa e faz dos Lusos o triunfo, são as suas ações
guiadas e dirigidas pelo caminho da Religião; ela triunfará sempre, e com
ela triunfará o Rei, e os Povos, ao abrigo da mesma, e assim vejam todos os
Monarcas do Mundo, qual é mais excelente, se ser Rei de todo o Mundo, se
de tal Gente.

307
Nada pode obrigar mais a nossa gratidão, para com o melhor dos Reis,
do que o conhecermos, que o seu desejo foi sempre felicitar seus Povos; temos
a prova a mais eficaz e demonstrativa, esta é a sua adesão à nossa grande
Causa; ele se congratula conosco, como Chefe da Nação, em um mesmo
Corpo, e por esta bem desejada união, temos vencido todos os perigos, que nos
ameaçavam; e aqueles, que tentarem, como Servis, empecer o nosso bem, são
inimigos natos do Rei, Traidores à Nação, Falsos à Religião, e Apóstatas da
Lei Constitucional; como tais os devemos reconhecer, sejam de que hierarquia
forem, ou dignidade, em que estejam constituídos. E porque os Liberais hoje
alegres cantam o triunfo, em altas vozes se entoem os mais toantes Vivas.
Viva a nossa Santa Religião, Viva El Rei Dom João VI Constitucional, Viva o
Augusto Príncipe Real, e Medianeiro, Viva a livre Nação, e Vivam os Liberais.

Lamentos dos Corcundas Mores.


Ai de mim! Para onde fugirei, onde poderei sobre a terra, como vivente,
ter repouso; já nos fugiu o brilhante dia, em que fomos colocados a par do
Sólio e da Púrpura Real; aquele dia alegre e risonho, que nos trouxe a Nobreza,
fausto, a opulência e todos os bens, que podíamos cogitar. Ai de mim! Como
poderei aparecer diante daqueles, que eu avistava, e que olhava com horror,
e desprezo: estes agora nos aviltaram; estes nos encheram de opróbrios! E
por que, se eu não queria promover o bem de tantos desgraçados, que implo-
ravam o meu socorro; se eu não podia atender senão a respeitos humanos,
e só a estes é que eu forcejava para felicitar, para fim de que mais, a mais,
visse em energia toda a minha vaidade, e fantástica honra; esta cegueira me
promoveu a queda, e me sujeita a opróbrios? Ai de mim! Ai de minha nobreza!
Ai daquelas vicissitudes, que apresentavam a minha vista a mais brilhante
carreira dos meus dias! Ai, que neguei socorro à Justiça; fechei os ouvidos à
razão; oprimi a Inocência; protegi o crime; iludi o meu Rei, e Soberano. Ai de
mim! Agora o que hei de fazer; vejo-me abandonado daqueles mesmos, que
eu protegi; e só o que sinto são os remorsos de não fazer o bem, que devia à
Nação, ao Rei, e aos Povos! Ai de mim, que semelhante Peso, que trago em
cima de meus ombros, faz-me curvar, e parecer no visível corpo, que trago
tão disforme Corcunda! Quem poderá ministrar-me remédio a meus males!
Ai de mim, que os Liberais me insultam, e eu não me posso desagravar; como
lhe poderei maquinar agora a sua ruína; já perdi a influência para com o meu
Rei. Ai de mim, que enganei um Rei justo, que lhe estorvei as suas delibe-
rações, que lhe neguei os socorros, que lhe escondi a verdade, e esta sempre
então por mim suprimida, fez vacilar o Trono! Ai de mim! Para onde me
retirarei? Qual será o meu último destino? Ah, triste soberba, cega Avareza,

308
triste Nobreza, que tanto me iludistes, para te aviltar, e parar vos precipitar
também no horror, e desprezo de tantos Liberais, que me combatem, e que
se regozijam com o meu opróbrio!
Ai da minha vida! Que será de mim; que remorsos devoradores, que me
dilaceram as entranhas, e que me sepultam em abatimento; o meu espírito,
espírito, que só era capaz de reduzir em um momento a nada, a Liberdade
de um Rei, que só desejava o bem do seu Povo. Ai de mim! E para que fim
eu estorvava este bem; por que motivo nutri tanto o Despotismo, e para que
protegi a Intriga, contra a Inocência! Acaso não estava muitas vezes na minha
mão salvar a Inocência, fazendo visível o crime do Culpado; mas se eu a fiz
gemer, esquecido do meu caráter, da Religião, e da minha Nobreza; triste
de mim, que não soube ser Cortesão; e que afastei do Trono a virtude, que é
aquela, que regula, e conduz dignamente as ações dos Monarcas! Que farei
agora em tal abandono: posso eu ainda à vista de tantos crimes perpetrados,
suplicar o perdão ao meu Rei; ao seu fiel Povo, e à Nação? Mas em que penso,
estou sem alento para me apresentar diante de um Rei pacífico, e dócil, que se
tornará severo lembrando-se, de que lhe tolhi as mãos benéficas, e benfazejas,
com que deseja liberalizar-se a bem do seu Povo: se volto para a Nação, esta
me olhará com indignação porque lhe frustrei, e sucumbi os seus direitos; e se
apelo para a posteridade, esta fará estampar nas páginas da História, não só
minha crítica situação, como também o meu aviltamento. Eu antes me seria
melhor a morte, que a ignomínia, e o opróbrio, que por tais crimes me faço
digno de tal complacência.

_______________________

N O T A Ç Ã O.

Se olharmos com reflexão, para o estado deplorável da cegueira, estado


estabelecido pelo criminoso, acreditemos, sem dúvida, as vozes da consciência,
quando o mesmo criminoso é convencido do seu crime, e então parece, que a
ouvir tais lamentos, não só se confessa o crime, como desafia a virtude para
perdoar, quando tal arrependimento seja verdadeiro. Porém os Liberais para
em todo o caso serem louvados, eles se esquecem já de seus criminosos feitos,
e não têm dúvida que em paz desfrutem a posse de um bem adquirido, que
os Liberais lhes deixam para sua vergonha. Se portanto estes assim julgamos
que se lamentem; ouçamos também os lamentos dos Corcundas da Segunda
Ordem, que estavam dependentes dos da primeira.

309
Lamentos dos Corcundas da Segunda Ordem.
Frustradas são todas as nossas esperanças, e agora qual será a nossa
sorte; qual será a sorte, a que sejamos reduzidos; morreram para nós todas
as esperanças, que nos restavam e podiam ainda fazer-nos algum dia felizes.
Nós não pretendíamos senão aproveitar-nos da ocasião, que nos era favorá-
vel; pois que contando com as proteções daqueles Cortesãos, que cercam e
rodeiam o Trono, podíamos até aqui ter a certeza de que seríamos em primeiro
lugar atendidos; se posto que nos faltasse a justiça, não nos faltava então, a
proteção! Mas que será de nós agora, a quem buscaremos para nos elevarmos
às honras, à riqueza, ao fausto, à nobreza, e à vaidade! Já não podemos chegar
afoitos aos pés do Trono! Pois o que faremos, é e será pouco, chorarmos só
a nossa sorte. Ai de nós todos, que tanto procurávamos suster o Império do
Despotismo, e que tanto nos afastamos do caminho da honra, e da estrada
da virtude; a quem poderemos recorrer, e quem nos acolherá sabendo, que
tantos de nós outros formávamos uma formidável barreira, para que o bem
geral se não promovesse, em atenção e decoro ao nosso particular bem, que
promovíamos com aqueles, que atendiam aos nossos respeitos. Agora de que
modo podemos amar a Liberdade Civil, que a todos torna iguais diante da Lei,
e que vai a pôr a todo o Cidadão igual para ocupar os cargos, e só distinto
pelo caráter da honra, talento, e virtude. Ai de nós! Extinguiu-se a luz, e só
habitemos em uma Região estranha a nossos interesses, em um clima mais
irregular a nossas esperanças; morreram para nós todas aquelas promessas,
que nos estavam feitas, e já não podemos elevar-nos às graduações senão
pela ordem geral; somos excluídos da proteção, em a qual só consistia todo
o nosso merecimento, e acertada escolha. Ai de nós, que os Liberais cami-
nharam por uma estrada reta e justa, por isso nos precipitaram no opróbrio!
Que faremos agora; qual será nosso destino; porque não seguimos como
eles, o caminho da verdade, da razão, e da Justiça. Ai cruel Despotismo,
cega prepotência para que nos iludistes, e pacífica consentis que os Liberais
de nós triunfem? Quereis antes ser envilecida, do que nos prestar socorro?
Então estais já de todo sucumbido; fostes desarmados pelos Liberais, e assim
repousais tranquilo? Ah cruel, fostes um enganador, para que nos aviltais?
Acaso não temos sustentado os teus direitos? não encaramos descaradamente
com os Liberais? não mandastes vós que lhe cavássemos a sua ruína? não
desempenhamos à risca os vossos Mandatos? e então porque assim o cumpri-
mos, encheis de opróbrios? Ai de nós que golpe, que afronta, e que injúria!
Já não podemos suportar o peso das desgraças, que preparávamos para os
Liberais, as quais vêm a passos longos cair sobre nossos ombros; este peso

310
faz com que sejamos uns verdadeiros Corcundas, ainda que este defeito, e
disforme aleijão não exista no físico; porém existe na moral adotada, para
o bem particular de nossos interesses, Propriedades, honras, e Nobreza. Ai
de nós, que agora já não temos esperanças de podermos atropelar a virtude,
nem ver sucumbir a verdade; estamos precipitados no abismo, e nas trevas,
e só nos restam os remorsos para nos precipitar no horror de nossos crimes.
Ai de nós, que os Liberais triunfam e vencem são findas e extintas nossas
esperanças, e portanto seremos os flagelados, já que pretendíamos flagelar;
sorte adversa, que não esperávamos sentir, e que agora nos pode promover
o mesmo Liberalismo, para evitar a nossa Escravidão, o Despotismo.
Não exasperemos portanto; estamos convencidos, e a cegueira é que nos
precipitou, vendo que quase todos estavam amando mais os interesses, do que
a honra, e como o caráter desta reluz a par da Religião, por isso os Liberais
hoje triunfam; e como souberam vencer-nos, o Servilismo é sucumbido, e nós
voltando aos Liberais, para detestarmos nossos erros, poderemos deles obter
o perdão, e do melhor dos Reis a Misericórdia, e portanto supliquemos-lhes
com verdadeiro arrependimento, e sincera súplica.

S Ú P L I C A.

Ilustres Liberais, verdadeiros Portugueses, sinceros Amigos do Rei,


da Nação, e da Justiça: a vossos pés prostrados, apresentam-se hoje enver-
gonhados, e sucumbidos os Servis, e Corcundas, e desde já protestam de
abandonarem para sempre o espírito perverso do Servilismo; e conhecendo
os estragos feitos à humanidade, que por espaço de tão longos anos têm
suportado, desde já detestam seus crimes, e protestam por todos os deveres
mais Sagrados da honra, de não cooperarem para a antiga Escravidão, e
verdadeiramente arrependidos de suas mal fundadas opiniões, esperam
merecer dos dignos, e Ilustres Liberais, as contemplações de Justiça, com
que generosamente permeiam o Patriótico espírito, que torna ao Cidadão
coluna do Trono, amigo do Rei, e útil ao Estado, e a seus Concidadãos: e
por isso humildes suplicam anistia, firme em que esta lhe não será negada,
ainda que se não julguem dignos da graça, que imploram, nela confiam para
de uma vez dizerem: Vivam sempre os Liberais.

E receberão assim uma Alta mercê.

311
S O N E T O.

OH Monarca Excelso, e Generoso,


Que a Lísia, e Lusos resgatais;
Compassivo, ouvi do Povo os ais,
Que deseja com o Rei ser ditoso,

Nem vós, Senhor, sereis Poderoso,


Se com tal afeto nos deixais;
Com a Constituição, que jurais,
O Trono será firme, e venturoso.

Vinde a quem por vós sempre chora,


E quem a vida deu para defesa;
Nada receeis de quem vos adora;

A maior prova de nossa firmeza


É a saudade, que o peito devora;
Termos este bem! Eis nossa riqueza.

___________________________________________________________________
REIMPRESSO NO RIO DE JANEIRO. NA IMPRESSÃO NACIONAL.
1821.

312
1822
29

A AMERICA INGLEZA
EO

BRAZIL CONTRASTADOS,
OU

IMPARCIAL DEMONSTRAÇÃO
DA

SOBEJA RAZÃO,
QUE TEVE A PRIMEIRA;

E A SEM RAZÃO DO SEGUNDO,


PARA SE DESLIGAREM DA MÃI-PATRIA.
POR

HUM AMIGO DA ORDEM.

BAHIA.
Na Typographia da Viuva Serva, e Carvalho:
Anno de 1822.

315
Les âmes exaltées par l’espoir d’une bonheur inconnu, s’élancèrent tout-a-
-coup dans les régions imaginaires; nous crûmes qu’il était possible d’obtenir
une république sans anarchie, une liberté illimitée sans désordre, un système
parfait d’égalité sans factions: l’expérience nous a cruellement détrompés. (1)

CARNOT. Memória a Luiz 18.

INTRODUÇÃO
Restabelecido o homem no direito inalienável de publicar úteis verdades,
e reclamando este direito, como o meio mais eficaz, de acelerar os progressos
da razão, e de multiplicar as vantagens que a vastidão e fertilidade do Reino
do Brasil; muito distante estamos de querer justificar e animar a audácia, e a
licença para que tanto se propende.
Que as autoridades públicas sejam respeitas, muito convém; e que a
verdade, mesmo às pessoas constituídas em dignidade, seja anunciada com
uma sabia circunspecção. Longe de nós, esses temerários escrevinhadores,
que não conhecem freio, que confundem todos os graus em seu orgulho; e
que atacam sem pudor, tudo que deve ser o objeto de veneração dos povos. É
tanto infâmia e covardia, ser indiferente sobre as desgraças da humanidade, e
defender seus direitos com tímida e trêmula luz; como perigoso e repreensível,
afrouxar os vínculos, que unem os povos ao poder tutelar.
Todos esses panegiristas, penetrados de uma liberdade sem limites, e da
igualdade natural dos homens; todos esses turbulentos declamadores; que
se cobrem com o manto da filosofia, e declamam sem medida, não temendo
alterar a harmonia geral; nunca foram, não são, nem nunca serão patriotas:
declamam, antes devorados pela sede de empolgar lugares lucrativos, do que
aquecidos do santo amor, nato em todo o homem honesto; de cooperar para

1
Os homens, deixando-se apoderar de quiméricas esperanças, procuraram ansiosamente
a felicidade, onde não existe. Acreditamos, que era muito fácil, formar uma República
sem anarquia; adquirir uma liberdade ilimitada, sem desordem; e um perfeito sistema
de igualdade, sem sermos vítimas de facções: mas uma cruel experiência, desvaneceu de
nossas cabeças tais prejuízos.

316
a grandeza e prosperidade da sua pátria; os quais, debaixo desse especioso
pretexto, seu único alvo, é desatar os sagrados laços, que unem a dispersa e
heroica família Portuguesa.
Longe de nós esses Cínicos modernos, que estendem a liberdade de pensar
e obrar, até a arrancar o véu do poder; não se envergonhando de substituir
aos atrativos da virtude, os lisonjeiros engodos da voluptuosidade.
Longe de nós esses Céticos perigosos, que não coligem da comparação
das Leis, e costumes dos povos, desde o estado selvagem até o maior grau de
civilização; mais que uma incerteza universal, sobre a distinção do justo e do
injusto, e sobre os princípios dos nossos deveres.
E longe de nós finalmente, esses novos Erostratos, que querem reduzir
a cinzas, o sagrado edifício da Religião; e roubar à Divindade, todos os seus
adoradores: sem Religião, a probidade não tem base; e a virtude privada de
sua recompensa, não é mais que um nome vão. A consciência, esta voz interior,
que nos fortifica nas tribulações, e vinga das injustiças; este juiz incorruptível,
que nos acusa sem cessar nossas más ações, e nos induz ao arrependimento;
é o sentimento mesmo da presença de Deus, e o selo da Divindade impresso
em nossas almas.
É para não só conservar, mas arraigar quanto for possível, estas sólidas
e saudáveis virtudes nos corações dos Brasileiros, e preveni-los das insidiosas
doutrinas, que o gênio da discórdia, pelo veículo das fúrias, espalha a mãos
largas; jurando não cessar, até de todo os ver mergulhados nos horrores da
mais devastadora anarquia; para de novo os subjugar com as inda mal quebra-
das cadeias do horroroso despotismo; que empreendi desenganá-los, por meio
deste mal traçado opúsculo; do qual, a única recompensa a que aspiro, é ver
precipitados os malvados no abismo, que preparam para submergir os povos.
Que no Brasil há um partido de independência, (incitado bastante pelos
partidários do antigo sistema, depois da volta do Rei para Portugal) é verdade
tão palmar, que pessoa alguma, por bronca que seja, ousará duvidar; assim
como, que o centro deste partido, está no Rio de Janeiro: cuja verdade além
de infinidades de informações particulares, atestam seus periódicos, que bem
pouco se compadecem com o sistema constitucional ali jurado, e respeito
devido a pessoa do Príncipe Real, visto mostrar-se tão Constitucional: mas é
verdade menos verídica, que os homens mais cordatos, (excetuando os que se
nutrem do sangue dos povos) não pertencem a esse partido, principalmente
depois da Regeneração Portuguesa. Essa partido, compõe-se geralmente, de
empregados públicos, pensionários, cabeças exaltadas, meninos presumidos,
vadios, e aventureiros tão desprezíveis, que só têm a ganhar e nada a perder,

317
em qualquer mudança ou revolução política, (2) e é invocando o sagrado
nome da pátria, (profanado a cada momento) que esses perturbadores, aliás
desprezíveis, desassossegam os honestos habitantes, e semeiam entre eles a
discórdia. Nós, pelo contrário, verdadeiro patriota, por termos que perder,
e nada a ganhar em qualquer mudança que se queira fazer no atual sistema,
queremos desenganar nossos concidadãos, dos riscos a que os querem expor,
os corifeus desse afetado partido; (a sombra do qual Ocultam o mais execrando
despotismo, único alvo a que atiram) mostrando-lhe as fortíssimas razões,
que a América Inglesa teve para a sua independência, as ressursas [sic] que
já então tinha, e ajuda que grande potências lhe prestaram; e a nenhuma
razão, que para isso tem o Brasil, a falta de meios, e a nenhuma probabili-
dade de socorro estranho; e tanto mais nesta imparcial demonstração nos
esforçamos, quanto da sua observância, depende a prosperidade do Brasil,
e a nossa segurança, conservação e bem estar. Praza a Deus, que despidos
os povos de preocupações, conheçam e saibam ver, a desigualdade da fiel e
exata comparação que lhes apresento, e a tenebrosa política, dos corifeus da
suposta independência; para não darem ouvidos, às sedutoras doutrinas do
gênio do mal, que tanto os têm cegado.

A AMÉRICA INGLESA
EO
BRASIL CONTRASTADOS.

América Inglesa.

As Províncias da América setentrional, (hoje Estados Unidos) quando inda


desertas e selvagens, foram seus primeiros povoadores, Ingleses perseguidos
em sua ilha, por opiniões civis e religiosas. Era muito difícil, que esta primeira
emigração tivesse consequências importantes; porque, os habitantes da Grã
Bretanha, são de tal forma aferrados ao terreno que os viu nascer, que só

2
Não é natural, que os que têm a perder, folguem com as revoluções, e gostem de anar-
quia, que elas trazem consigo: os Sans-culottes de todos os países, são os que muito se
comprazem com as águas turvas; porque delas é que esperam tirar vantagem.

318
as guerras civis e revoluções, poderão obrigá-los a mudar de clima e pátria:
assim, o restabelecimento da tranquilidade pública na Metrópole, devia pôr
obstáculos insuperáveis aos progressos da agricultura na America.
Por outro lado os Ingleses, inda que naturalmente ativos, ambiciosos e
interpreendedores [sic], não eram próprios para rotear aquelas Províncias.
Acostumados a uma vida doce, a alguma abundância, e a bastantes comodi-
dades, só o entusiasmo religioso, ou político, os podia sustentar nos trabalhos,
misérias, faltas, e calamidades inseparáveis das novas plantações. A Inglaterra,
podia vencer estas dificuldades; mas não lhe convinha fundar Colônias, e
torná-las florentes, com o sacrifício da sua população.
Diversos povos da Europa, e sobretudo laboriosos Alemães, passam
àquelas Províncias, e empreendem roteamentos, com um sucesso e vigor,
que espanta todas as Nações. A população, multiplica prodigiosamente; e
a principal causa, é a multidão de Irlandeses, Judeus, Franceses, Vaudeses,
Palatinos, Morávios, e Salzburgueses; que fatigados das vexações políticas
e religiosas, que sofriam na Europa, procuraram a tranquilidade naqueles
distantes climas.(3) Seus costumes(4) são, os de um povo novo, cultivador,
e que não é polido, nem corrompido pela vizinhança de grandes Cidades:
há entre eles geralmente, economia, asseio, e boa ordem nas famílias: a
galanteria e o jogo, estas paixões de ociosa opulência, raramente alteram
esta feliz tranquilidade: as mulheres, são o que devem ser; afáveis, modestas,
compassivas, e oficiosas; e tem todas as virtudes, que perpetuam o império de
seus encantos: os homens ocupam-se atenciosamente, do cuidado e progresso
de suas plantações, que farão o sustento, e conservação de sua posteridade.
Um sentimento de benevolência, anima todas as famílias; e nada concorre
para esta união, como uma certa igualdade de fortunas, a segurança de

3
Dizia a Inglaterra, que era nossa Mãe pátria; mas como assim, se não havia, mesmo na
Pensilvânia, um terço de habitantes descendentes de Ingleses: pelo que, o título de Mãe
pátria, que queria a Inglaterra, era mal fundado. ([Thomas] Paine)
Descansei por acaso na casa de um Irlandês, (que estava isolada) chamado Mcdonald;
4

onde encontrei ovos, presunto, e galinhas, com o que fez muito bom jantar: este Irlandês,
era honesto e serviçal; e sua mulher, que era bonita e agradável, nada tinha de agreste
em seu porte e maneiras. Mesmo no meio dos bosques, e dos rústicos trabalhos, um
Virginiense nunca se assemelha a um camponês da Europa; é sempre um homem livre,
que tem parte no governo, possui e comanda alguns negros; de forma que, reúne as
duas qualidades distintas, de Cidadão, e Senhor; no que se assemelha à maior parte dos
indivíduos, que formavam nas antigas repúblicas, o que se chamava povo; povo muito
diferente do atual, e que muito fora de propósito se tem confundido com este, nas frívolas
declamações em que os autores semifilósofos, comparando sempre os tempos antigos, com
os modernos, têm tomado os povos pelos homens em geral, e preconizado os opressores
da humanidade, persuadindo-se defender a causa da humanidade. (Chastellux)

319
propriedade, e a esperança e facilidade comuns, de aumentar suas possessões.
Eis o encantador espetáculo, que se observa em toda a América Inglesa: nos
bosques da Flórida e da Virgínia, e mesmo nas florestas do Canadá, pode-se
amar toda a vida o que se ama pela primeira vez, a inocência e a virtude,
que nunca deixam de todo morrer a beleza.
Os Governos, da Nova Escócia, de uma Província da Nova Inglaterra,
de Nova York, de Nova Jérsei, da Virgínia, das duas Carolinas, e da
Georgia, eram chamado Reais; porque o Rei da Inglaterra, exercia a Suprema
Influência; e os Representantes do povo formavam, como na Metrópole, a
Câmara das comunas; um Conselho escolhido, aprovado pela Corte, e esta-
belecido para sustentar as prerrogativas da coroa, representava a Câmara dos
pares, e conservava esta representação, pela fortuna e estado de seus membros,
que eram sempre as pessoas mais distintas do país. Os Governadores convo-
cavam, prorrogavam, e terminavam as assembleias; davam, ou recusavam o
consentimento a suas deliberações, que recebiam com sua aprovação força
de Lei; até que o Monarca, a quem se enviavam, as rejeitasse.(5)
A segunda espécie de Governos, que havia nas Colônias, era conhecida
debaixo do nome, de Governo Proprietário. Quando a Nação Inglesa, se
estabeleceu naquelas regiões distantes; um cortesão ávido, ativo, e acreditado,
obteve sem custo, em desertos tão grande como Reinos, uma propriedade, e
autoridade sem limites; um arco e peles, única homenagem que exigia a coroa,
davam a um homem poderoso, o direito de reinar, ou governar à sua vontade:
tal foi a origem dos governos da maior parte das Colônias. A Maryland e
Pensilvânia, são as que ficaram sujeitas a esta forma singular, ou antes a
este informe princípio de governo. Inda a Maryland, só diferia das outras
Províncias vizinhas, em receber seu Governador da Casa de Baltimore cuja
escolha, devia ser aprovada pela Corte; porém na Pensilvânia, o Governador
nomeado pela casa proprietária, e confirmado pela coroa, não era apoiado por

5
A Minha conferência com Mister Samuel Adams, principiou por um artigo, do qual se
podia evitar a discussão; era a justiça da causa, que ele sustentava muito mais, quando
eu creio firmemente, que o Parlamento de Inglaterra não tinha direito algum, de taxar
a América sem o seu consentimento. Mister Adams, provou-me de uma maneira mui-
to satisfatória, que a Nova Inglaterra, compreendendo os Estados de Massachusetts,
New Hampshire, Connecticut, e Rhode Island, não tinha sido povoada, com vistas de
Comércio e aumento. Mas tão somente por particulares, que fugiam às perseguições, e
procuravam no fim do mundo, um asilo, onde pudessem viver segundo suas opiniões:
que foi por seu próprio movimento, que estes novos Colonos procuraram a proteção
da Inglaterra: que as mútuas relações, nascidas desta conexão, foram exprimidas em
Diplomas ou Tratados, nos quais se não declarou direito de lhe impor, ou exigir qualquer
tributo, ou renda. (Chastellux)

320
um Conselho, que lhe desse ascendência; mas devia concordar com os comuns,
que tinham toda a autoridade. Os cidadãos, elegiam e depunham todos os
empregados; e faziam todas as Leis que julgavam úteis, sem dependência
de aprovação do monarca, por nunca ter arrogado o direito de as anular.
Finalmente, a conquista do Canadá, e a aquisição da Flórida, fez nascer
uma Legislação desconhecida em todos os domínios da Grã Bretanha.
Puseram-se aquelas Províncias, debaixo do jugo de uma autoridade militar,
e desde então absoluta: sem ter mais o direito de reunirem-se em corpo de
Nação, recebiam toda a impulsão, imediatamente da Corte de Londres.
Aquela diversidade de governos, não era obra da Metrópole: foi o acaso
e o clima, foram os prejuízos dos tempos, e dos fundadores, que produziu
aquela variedade extravagante de Constituições.
As Colônias, adotaram cegamente aquela massa informe, e mal dirigida,
cujo peso oprimiu sua antiga pátria; aumentou-se este montão de obscuras
inutilidades, por todas as novas Leis que a mudança de lugar, de tempo, e
de costumes devia acrescentar. Desta mistura, resultou o caos mais difícil
de deslindar, e um montão de contradições, dificultando-as de conciliar; e
disto, instantaneamente nasceu, uma multidão de Jurisconsultos, que foram
devorar as terras, e os homens daqueles novos climas. A fortuna e influência,
que eles em pouco tempo adquiriram, por debaixo do jugo de sua rapacidade,
a classe preciosa dos Cidadãos, ocupados na agricultura, comércio, artes, e
nos trabalhos mais indispensáveis em toda a sociedade. Depois do flagelo da
chicana, que apegando-se aos ramos se apoderou dos frutos; sucedeu o flagelo
das taxas, que rói a árvore até o coração, e raiz.
A Inglaterra, acabava em 1763 de sair de uma longa, e sanguinolenta
guerra, em que suas armadas tinham arvorado em todos os mares, o pavilhão
da vitória; porém a Nação gemia em silêncio, o excessivo preço de seus amar-
gos triunfos. Esmagada, pelo opressivo peso de uma divida de 1: 332 milhões
de cruzados, só lhe restavam para as despesas ordinárias, (pagos os juros da
enorme dívida) 52 milhões; e este rendimento, longe de se poder aumentar,
não tinha uma consistência segura. As molas do estado, estavam forçadas: os
músculos do corpo político, sofrendo uma tenção violenta, tinham de alguma
forma saído do seu lugar; e estava em um momento de crise. Era preciso deixar
respirar os povos; e aliviá-los, pela diminuição das despesas: as que fazia o
governo, eram necessárias; seja para dar valor às conquistas, que custaram
tanto sangue e dinheiro; seja para conter a Casa de Bourbon, irritada pelas
humilhações da última guerra, e pelos sacrifícios da última paz. Na falta de
outros meios, para determinar a segurança do presente, e a prosperidade do

321
futuro, cuida-se em chamar as Colônias a socorrer a Metrópole: este projeto,
era sábio e justo: os membros de uma confederação, devem contribuir todos,
para sua defesa e esplendor, segundo suas faculdades; pois que só pela força
pública, é que cada classe pode conservar o inteiro, e pacífico gozo do que
possui: o indigente tem, sem dúvida, menos interesse nisto do que o rico; mas
ele tem também, o interesse do seu repouso, e o da conservação da riqueza
nacional, da qual ele participa por sua indústria. Não há princípio social mais
evidente, nem falta política mais comum, do que a sua infração.
Sempre que o Ministério Britânico recorria a suas Colônias, obtinha
quanto solicitava; mas por um uso, firmado por dois séculos de experiência,
precedia aos socorros, livres e públicas deliberações, tomadas nas assembleias
de cada estabelecimento. As províncias do Novo Mundo, estavam acostu-
madas a olhar como um direito, esta maneira de fornecer seu contingente
em homens e dinheiro. O primeiro dever de uma sábia administração, é
respeitar as opiniões dominantes em qualquer país; pois que as opiniões, são
a propriedade mais cara dos povos; propriedade mais cara, que sua mesma
fortuna; ela pode trabalhar, sem dúvida, em purificá-las pelas luzes, e mudá-
-las pela persuasão, se elas diminuem a força do Estado; mas nunca se devem
contrariar, sem necessidade. Seja que as Colônias fossem autorizadas, como
desejavam, a enviar Representantes ao Parlamento, para nele deliberarem com
seus Concidadãos, sobre as necessidades de todo o Império Britânico; seja que
elas continuassem a examinar em seu próprio centro, quanto lhes convinha
dar de contribuição; não podia resultar embaraço algum para o fisco. No
primeiro caso, as reclamações de seus representantes, teriam sido sufocadas
pela multidão; e aquelas Províncias, se teriam visto legalmente oprimidas, com
a quantidade do peso que lhe lançariam: e o segundo, o Ministério dispondo
das dignidades, dos empregos, das pensões, e mesmo das eleições, não teria
experimentado mais resistência as suas vontades num ou outro hemisfério.
Com tudo, a base das máximas consagradas na América, não era a dos
prejuízos: Os povos, apoiavam-se na natureza de seus Diplomas; e ainda com
mais fundamento de solidez, na direito que tinha todo o Cidadão Inglês, de só
poder ser taxado com seu consentimento, e com o de seus representantes.(6)
Este direito, que devia ser o de todos os povos; pois que é fundado, sobre o
Código eterno da razão, remontava por sua origem, ao Reinado de Eduardo
1.°: depois dessa época, o Cidadão Inglês nunca mais o perdeu de vista. Na
paz, como na guerra; sob Reis ferozes, como sob Reis imbecis; em momentos
de escravidão, como em tempos de anarquia; ele o reclamava sem cessar.

6
Constituição Inglesa.

322
Os Ingleses, fundando suas Colônias, tinham levado estes princípios além
dos mares; e as mesmas ideias, foram transmitidas a seus filhos. Assim, os
Americanos do Norte, entregues quase todos à Agricultura e ao Comércio, e
a trabalhos úteis, que elevam e fortificam a alma; dando costumes símplices,
tão distantes, até o presente, da riqueza como da pobreza; não podiam inda
estar corrompidos, nem pelo excesso do luxo, nem pelo das necessidades.
É neste estado, principalmente, que o homem gozando da liberdade, pode
sustentá-la e mostrar-se zeloso em defender um direito hereditário, que parece
ser o garante mais seguro de todos os outros.
Seja que o Ministério Britânico, ignorasse as disposições dos Americanos;
seja que ele esperasse, seus delegados conseguiriam mudá-las; aproveitou-se o
momento de uma paz gloriosa, para exigir de suas Colônias uma contribuição
forçada: porque, repara-se bem; a guerra feliz ou desgraçada, serve sempre
de pretexto às usurpações dos governos; como se os Chefes das Nações beli-
gerantes, se propusessem menos a vencer seus inimigos, que a sujeitar seus
vassalos. O ano de 1761, viu aparecer esta famosa Lei do selo, que proibia
a admissão nos Tribunais de título algum, que não fosse escrito em papel
selado, o qual devia ser vendido em proveito do fisco.
As Províncias Inglesas do Norte da América, indignaram-se contra esta
usurpação de seus mais preciosos, e sagrados direitos: de um acordo unânime,
renunciaram ao consumo de quanto lhe fornecia a Metrópole, até que fosse
abolida a ilegal, e opressiva Lei. As mulheres, de quem se podia temer a
fraqueza, eram as mais ardentes em fazer o sacrifício do que servia a seus
enfeites; os homens, animados, por este exemplo, renunciaram da sua parte a
outros gozos. Muitos cultivadores, deixaram a Charrua, para se aplicarem à
indústria das oficinas, e a lã, e linho, e o algodão grosseiramente trabalhados,
são comprados pelos preços, que antes custavam os mais finos tecidos. Esta
espécie de conspiração, espantou o Governo: os clamores dos negociantes,
de quem as mercadorias não tinham saída, aumentaram sua inquietação:
os inimigos do Ministério, apoiam este descontentamento; e a Lei do papel
selado, foi revogada no fim de dois anos de um movimento convulsivo, que
em outros tempos, teria ateado uma guerra civil; mas o triunfo das Colônias,
foi de pouca duração.(7)

7
A Lei do papel selado, foi, é verdade, revogada, dois anos depois de sua criação; mas
esta revogação, foi imediatamente seguida, de outra inda mais funesta, a Lei declaratória
pela qual o Parlamento da Inglaterra se atribuía o direito de ligar a América da maneira
que lhe conviesse. Se a lei do selo, era um atentado contra os mais preciosos direitos dos
Americanos, a Lei declaratória não lhe deixava nenhuma espécie de direito, e continha
os princípios do mais despótico Governo, que jamais tem oprimido a terra. Ela aviltava

323
O Parlamento, tendo recuado com grande repugnância; quis em 1767, o
que antes não pode obter por meio do papel selado, consegui-lo por impostos,
lançados nos vidros, chumbo, papelão, tintas, papel pintado, e chá, que lhe
eram mandados de Inglaterra: os povos não se revoltaram menos com esta
inovação, do que com a primeira.
Em vão se lhe persuadia, que ninguém podia contestar a Grã Bretanha,
o direito de estabelecer sobre suas exportações, os direitos que convinham a
seus interesses; pois que, não tirava a seus estabelecimentos ultramarinos, a
liberdade de fabricar gêneros, sujeitos aos novos direitos. Este subterfúgio,
parecia irrisório a homens, que puramente cultivadores, e reduzidos a só se
comunicarem com a Metrópole, não podiam procurar por sua indústria, nem
pela comunicação com os estrangeiros, os objetos que acabavam de ser sobre-
carregados de direitos. Que seja no antigo, ou no novo mundo, que aquele
tributo fosse pago; eles compreenderam, que o nome não muda a essência
da coisa, e que sua liberdade não era menos atacada desta forma, do que da
outra, que repulsaram com sucesso. Os Colonos viram claramente, que o
Governo os queria enganar, e eles não o queriam ser: estes sofismas políticos
lhe pareciam, o que na realidade são, a máscara da tirania.
Os princípios de tolerância e liberdade, estabelecidos nas Colônias
Inglesas; e devidos, pela maior parte, ao Patriarca, fundador da Pensilvânia;
tinham feito um povo, diferente dos outros povos. Sabia-se ali bem, o que era

a América, não só à mais baixa; mas à mais abjeta vassalagem: porque, exigia uma cega
submissão, sem condições e, como o exprime a mesma Lei, em todos e quaisquer casos.
O que fazia esta Lei inda mais ultrajante, era o afetar o caráter de uma graça; pelo que,
pudesse por este motivo dizer, que a terna misericórdia das mãos é cruel. Todos os Di-
plomas originais da Coroa da Inglaterra, sobre a fé dos quais, os aventureiros do velho
mundo se estabeleceram no novo, foram abalados em seus fundamentos, por esta Lei
declaratória: estes Diplomas, eram contratos, que pareciam até então, ter ligado as
duas partes, mas que, segundo a nova Lei, podiam ser quebrantados, ou alterados à
vontade de qualquer delas. A sorte da América, ficava então entre as mãos do Parla-
mento, e do Ministério; sem que em caso algum tivesse o menor direito.
Não havia despotismo, que esta indigna Lei não apoiasse; e inda que para sua execução,
se devessem consultar os usos, e costumes dos Americanos; não é menos verdade, que
segundo os princípios em que era fundada, legalizava toda e qualquer tirania: ela não
tinha limites, aplicava-se a tudo e dizia respeito a toda a vida do homem; ou, se assim
me posso expressar, a uma eternidade de circunstância. Depois desta Lei, a Inglaterra
não fez mais nenhuma para a América: só lhe transmitia ordens; porque, que diferen-
ça há entre os atos do Parlamento executados [arbitrariamente] entre um povo não
representado, e as ordens de um Governo Militar? O Parlamento de Inglaterra não
era mais septanual [sic] relativamente â América; era perpétuo, era um corpo sempre
existente. (Paine)

324
a dignidade do homem; e violando-a o Ministério Britânico, era necessaria-
mente de esperar, que um povo todo composto por Cidadãos se sublevasse
contra este atentado.
Três anos se passaram, sem que alguma das taxas, que tão vivamente
feriam os Americanos, fosse cobrada: isto era alguma coisa; mas não era tudo,
quanto pretendiam homens zelosos de suas prerrogativas: eles queriam uma
renunciação geral e formal, ao que tinha sido legalmente ordenando; e esta
satisfação, lhe foi dada em 1770: excetuou-se o chá. Esta reserva só tinha por
objeto, paliar a vergonha de abandonar inteiramente a superioridade sobre
suas Colônias; pois que este direito, não foi mais exigido do que os outros
o tinham sido.
O Ministério, enganado por seus delegados, persuadiu-se sem dúvida,
de que as disposições dos habitantes da América tinham mudado; pelo que,
em 1773 ordenou a cobrança do imposto sobre o chá. Com esta notícia, a
indignação foi geral na América Setentrional: em algumas Províncias, votam-
-se agradecimentos aos navegadores, que recusavam receber chá a seu bordo:
em outras, os negociantes a quem ele é dirigido, recusam recebê-lo: numas
partes, declara-se inimigo da pátria, quem ousa vendê-lo: em outras, carrega-
-se da mesma infâmia, quem o conserva em seus armazéns. Muitos distritos
renunciam solenemente o seu uso; e inda um maior número, queima quanto
daquela folha lhe restava; a qual até então, fazia o objeto de suas delícias. O
chá expedido para aquela parte do Globo, anualmente, calculava-se em 5 ou
6 milhões: e desde então, não se desembarcou mais uma só caixa, Boston, foi
o principal teatro desta indignação; e seus habitantes destruíram, mesmo no
Porto, três carregamentos de chá chegados da Europa.(8)
Esta grande Cidade, sempre pareceu mais ocupada de seus direitos, do que
o resto da América; e isto tanto mais, quanto menos ligada era à Metrópole
pelos vínculos do sangue. O menor assalto, que queriam dar a seus privilégios,

8
O imposto, por mais ou menos forte que fosse, não é o que mais inquietava os Ame-
ricanos: o que os revoltava, era o princípio: porque de outra forma, o imposto muito
pouco os teria desgostado. O imposto sobe o chá, que é o de que falamos, era um
ensaio para fazer passar a Lei declaratória: na qual, tinha havido o cuidado de inserir
a frase, a maneira da preeminência universal do Parlamento: porque até então, a Lei
declaratória, estava sem efeito, os seus rendeiros se contentavam, de anunciar de
tempos a tempos, sua opinião a favor dela. Toda a questão, no princípio da disputa,
era saber se seríamos ligados, em qualquer caso, pelo Parlamento de Inglaterra; ou se
não o seríamos: porque nossa submissão ao imposto sobre o chá, era um reconheci-
mento formal da Lei declaratória: ou por outros termos, da preeminência universal do
Parlamento, que nós estávamos resolvidos a sempre negar: e à qual consequentemente
era preciso, opormo-nos imediatamente. (Paine)

325
era repulsado sem atenção; e esta resistência, acompanhada algumas vezes
de desordens, fatigava há alguns anos o Governo. O Ministério, que tinha
vinganças a tomar, aproveitou com avidez a circunstância de um excesso
repreensível; e pediu ao Parlamento uma punição severa.(9).
A gente moderada desejava, que só a Cidade culpada, fosse condenada
a uma reparação, proporcionada ao estrago cometido em seu porto; e à pena
que ele merecia, por não ter punido este ato de violência. Julgou-se esta pena
muito leve, e a 13 de março de 1774 baixou uma Lei, que fechava o Porto
de Boston, proibindo de nele nada embarcar, nem desembarcar.
A Corte de Londres, regozijava-se de tão rigorosa Lei; e não duvidava,
que conduzisse os Bostonienses a este respeito de servidão, para o que até
então se havia trabalhado em vão. Se contra toda a aparência, estes homens
perseverassem em suas pretensões, seus vizinhos aproveitar-se-iam com
presteza, do interdito lançado sobre o principal porto da Província. Suposto
o pior, as outras Colônias, zelosas há muito da de Massachusetts, a abando-
nariam com indiferença à sua triste sorte: e recolheriam o comércio imenso,
que suas desgraças faria refluir sobre elas: desta maneira, se romperia a união
destes diversos estabelecimentos, que há alguns anos, tinha tomado muita
consistência: as esperanças do Ministério, foram geralmente frustradas.
Em Boston, exaltam-se os espíritos cada vez mais: e o grito da reli-
gião, reforça o da liberdade. Os Templos retinem com as mais violentas

9
Os Americanos, disse em Parlamento Lord Talbot, têm-se mostrado opiniosos, ingratos
e difíceis de governar, desde a origem de seus estabelecimentos; e em todos os dias mais
me convenço, que eles jamais entrarão em seus deveres, e na justa subordinação que
devem ter à Inglaterra, sem que sejam obrigados pela força. A moderação para com eles
é perigosa: não lhe concedamos nada, não soframos nada; porque, só faremos aumentar
sua insolência.
A contenda, disse Lord Towsend, é presentemente uma contenda de autoridades. A sorte
está lançada: e o único ponto que resta a decidir, é a maneira mais eficaz e pronta, de
prosseguir a guerra, e reduzir a América a este estado de submissão absoluta de que,
tão dignamente, acaba de falar o nobre Lord. De forma alguma duvido, que as medida
que se vão tomar, não terminem a guerra em uma campanha: porque se durasse mais
tempo, há lugar para crer, que alguma potência estrangeira interviria, para aproveitar-se
de nossas perturbações, e desgraças domésticas.
Lord Lyttleton disse depois: meus sentimentos são bem conhecidos. Limitar-me-ei a
dizer aqui, que medidas de doçura, só têm servido de recebermos insulto sobre insulto.
Quanto mais temos concedido, mais a América tem ousado pedir, e tornado insolente:
por isso, hoje desejarei que se empreguem os meios mais decisivos. Minha opinião é,
que se deve para sempre renunciar à América, ou forçá-la finalmente, a reconhecer a
autoridade Legislativa da Inglaterra: é preciso reduzi-la a uma absoluta submissão.
(Diário dos debates do Parlamento de 5 de Março de 1776)

326
exortações contra a Inglaterra; e era sem dúvida um espetáculo interessante
para a filosofia, ver que nos Templos, e aos pés dos altares, onde tantas
vezes a superstição tinha abençoado as cadeias dos povos, e onde tantas
vezes os Padres tinham lisonjeado os tiranos; a liberdade levantava sua voz,
para defender os privilégios de uma Nação oprimida: e se pode crer, que
a Divindade se digna lançar suas vistas sobres as desgraçadas contendas
dos homens; ela se gloriaria inda mais, sem dúvida, vendo o seu Santuário
consagrado a este uso. Os outros habitantes de Massachusetts, desdenham
até da ideia, de tirar o menor partido das desgraças da capital: eles só cuidam,
em estreitar com os Bostonienses os vínculos que os unem, dispostos antes
a perecer debaixo das ruínas de sua comum pátria, do que sofrer o menor
golpe nos direitos, que eles tem aprendido a amar mais que a vida. Todas as
Províncias se unem à causa de Boston, e a afeição aumentava, em proporção
das desgraças e sofrimentos desta infeliz Cidade.(10)

Deve-se notar, que a primeira Petição que o Congresso dirigiu ao Rei e ao Parlamento,
10

não teve resposta. A proposta chamada de Lord North, foi feita a 20 de fevereiro de
1775, e chegou à América no fim de Março. Esta proposta, devia ser apresentada pelos
Comandantes Ingleses às nossas assembleias Provinciais; e a primeira assembleia que
a recebeu, foi a de Pensilvânia, a quem só foi apresentada no mês de Maio, dois meses
depois que chegou à América: todos estes fatos são exatos. Ora, pergunto eu, por que
razão principiaram as hostilidades no lapso de tempo, que houve desde a resolução
tomada em Parlamento a 20 de Fevereiro, e o momento em que nossas assembleias,
prontamente deliberaram sobre esta resolução? Por aviltante e infame, que fosse a
proposição de Lord North, há lugar que crer, que o Rei e seus Ministros receavam, que
as Colônias não se submetessem às condições que ela continha, e a quiseram prevenir
com hostilidades. Nunca eles duvidaram da possibilidade de submeter a América, sem
dar um tiro; e como por este meio esperavam obter muito mais, do que por simples
taxas, ou por algum acomodamento, resolveram impedir toda a conciliação, mesmo
nos termos por eles propostos.
A proposição de 20 de Fevereiro, e a ordem de começar as hostilidades, são obra da
mesma pessoa, ou pessoas: e não devem ser só atribuídas ao General Gage, como
falsamente se atribuiu nesse tempo: a prova destes fatos, encontra-se no extrato de
uma carta deste General, lida no Parlamento, com outros papéis.
Lord North, queria obrigar-nos a rejeitar, publicamente, sua proposição; para que só
depois as hostilidades não tivessem efeito, a rejeição justificasse quanto se quisesse
entrepreender [sic] contra nós. A proposição passando no Parlamento, e sendo depois
rejeitada na América, favorecia os projetos da bárbara política inglesa; e fornecia-lhe,
sobretudo, o pretexto de apresentar os Americanos aos olhos da Europa, como rebeldes.
Até o ano de 1775, muito pouco se falava na América em independência; antes toda
a política dos Americanos se fundava, na esperança de obter justiça por uma acomo-
dação; esperança inda que geral na América, que entrou nas vistas da Corte Inglesa: ela
nada mais desejava, que conquista e confisco. Justo Céu! Quanto a América deve a esta
Corte! Era necessário um excesso de maldade, de perfídia, e de loucura, para operar tal
separação. A segunda petição, ficou da mesma forma sem resposta. (Paine)

327
As disposições para uma sublevação geral, foram aumentadas pelo ato
contra Boston, que circulava em todo o Continente, escrito em papel orlado
de negro, emblema do luto da liberdade. Imediatamente a inquietação se
comunica de uma a outra casa, os cidadãos se reúnem e conversam nas praças
públicas; e escritos cheios de eloquência e vigor, saem de todas as prensas.
Finalmente, a Inglaterra expediu para subjugar a América do Norte
Exércitos, e Esquadras; para depois de subjugada, tratar seus habitantes
da mesma forma, porque na Índia Oriental trata os povos, que lhe estão
sujeitos.(11)

Se considerarmos a maneira, por que a Inglaterra se tem conduzido para nós: vê-se, que
11

ela nos quis fazer experimentar, tudo quanto pode humilhar uma Nação: insultava-nos
sem cessar; e não mostrava para nós mais, que esta ridícula altivez, característica dos
heróis da populaça, desprezadora das gentes honestas. Ela deve a perda de suas Colônias,
tanto a sua vaidade, como a suas injustiças: estas revoltaram os ânimos dos Colonos;
mas a outra há muito que os tinha irritado; e este, é um exemplo, para ensinar ao resto
do mundo, que é preciso governar um povo, não só com retidão, mas com doçura e afa-
bilidade. Em uma palavra, muitas outras revoluções, têm sido produzidas pelo capricho
e ambição; mas aqui, a inocência humilhada, era atormentada com furor, e violentada
desde a infância a derramar lágrimas. A constituição Inglesa é boa, sem dúvida: para os
Cortesãos, empregados públicos, pensionários e etc., etc. Mas há uma má Constituição
para os 99 centésimos da Nação; a esta verdade, é demonstrada todos os dias.
A Constituição Inglesa é má: em 1° lugar; porque obrigou a Nação, a pagar as despesas
de três formas de Governo diferentes, a Monárquica, a Aristocrática e a Democrática: e
em 2°, porque é impossível, unir uma composição tão discordante, a não ser pelos meios
da corrupção; e esta corrupção que tanto e tão geralmente se lamenta é a consequência
natural de uma reunião muito pouco natural: é nisso portanto, que consiste essa exce-
lência, que exalta com excesso o numeroso rebanho de pensionários e empregados: e é
também nisso que está a origem dos numerosos impostos, que fazem gemer a Nação.
No número considerável dos meios de que se servem, para distrair e enganar a multidão,
tem-se empregado um muito notável: tentaram lisonjear o povo, apelidando o Governo
Inglês, ou antes sua Constituição, a inveja e a admiração do Mundo. Duas revoluções
tem havido, a da América e a da França; e ambas rejeitaram esta mistura heterogênea,
que é a base do Governo Inglês. Logo, em que se fundam estes homens, que persistem
em chamar a Constituição Inglesa a inveja e admiração das outras Nações: ao mesmo
tempo, que duas Nações,(*) Senhoras de estabelecer outra igual, a contradizem e provam
sua ilusão? Mas eu vou mais longe: quero fazer ver, que se se renovasse o Governo da
Inglaterra, a Nação não escolheria mais o que hoje obedece.
Tratando deste assunto, ou de outro qualquer, segundo os sãos princípios; a antiguidade
e o uso, perdem sua autoridade, e o erro grosseiro é rejeitado. O mérito das coisas e
sua propriedade, deve ser examinado, fazendo-se abstração dos costumes e do uso; e
debaixo deste ponto de vista, o que é bom, é demonstrado todos os dias pela prática;
e adquire logo a mesma vantagem, em princípios e teoria, como se tivesse a sanção de
mil séculos. Os princípios não têm necessidade da autoridade do tempo; assim como a
verdade, não tem da dos nomes. Dizendo-se, que o Governo Inglês é composto de um
Rei, dos Lordes, e dos Comuns; não se faz mais, que seguir uma antiga maneira de falar:
ele não é composto, se não de homens.

328
Dissemos da América do Norte: Vamos agora ao

Brasil.
No Reinado de Dom Manoel, foi descoberto o Brasil por Pedro Álvares
Cabral, e as expedições que, em todo tempo de seu reinado, a ele foram
mandadas, só tiveram por objeto indagações, verificações, e tentativas;
mandando só, para povoar a sua achada Possessão, degradados de ambos
os sexos: e as embarcações, que conduziam estes primeiros povoadores, (só
Portugueses) voltavam com papagaios, macacos e pão de tinturaria, única
produção até então conhecida. Tal era a situação do Brasil, 20 anos depois
de sua descoberta; quando El Rei Dom Manoel, depois um longo reinado,
terminou sua gloriosa carreira, chorado como Pai de seu povo, amigo das
ciências, e protetor da navegação.
Até esta época, a descoberta do Brasil era quase desconhecida; e os
Portugueses, ocupados exclusivamente dos negócios da Índia, cuidavam
pouco em um País, cujos produtos e vantagens dependiam, mais da agricul-
tura, que do comércio; ficando assim, aberto o Brasil às Nações da Europa,
até os primeiro anos do Reinado de João III, filho e sucessor do grande
Manoel. Este Príncipe, ainda que mais religioso do que político, ocupou-se
essencialmente da prosperidade do Brasil.
Algumas embarcações Francesas abordaram as Costas do Brasil, com o
fim de obter o pau deste nome; mas, não agradando este procedimento a João
III, fez por via de seu Embaixador em Paris algumas representações, e resolveu
tratar como inimigos, todos os estrangeiros encontrados em suas águas; para
o que, enviou para aqui uma esquadra, capitaneada por Cristovão Jacques,
hábil navegador; e que por suas instruções era encarregado, de examinar
de novo as costas, expulsar os Franceses, e marcar os melhores portos para
estabelecer feitorias. Este navegador, reconheceu novos portos, e sobretudo a

Sejam quais forem os homens, a quem o Governo de um povo é confiado; eles devem ser
os melhores, e os mais sábios que for possível; e se não o forem, não são dignos de seus
lugares. Que um homem se chame Rei, ou Lorde, seu título não lhe dá mais mérito, de
que eu adquiriria, trocando o meu nome de Thomaz Paine pelo de George Guelph. Eu
não teria mais talento para escrever, por ter trocado meu nome; do que outro qualquer
homem tem mais razão, para chamar-se Rei ou Lorde, do que para chamar-se Thomaz
Paine. Quanto à palavra comuns, no genuíno sentido que se lhe dá em Inglaterra; é um
termo de insulto e desprezo que deveria deixar de empregar-se; até porque não está em
uso em país algum livre. (Paine)
(*) Os Estados Unidos, e a França (em outro tempo), a Espanha e Portugal ultimamente;
e outras que necessariamente as hão de imitar.

329
famosa Bahia, que ele denominou de todos os Santos; e da qual, pela extensão
e importância fizeram a primeira Metrópole do País. João III, prestou toda
a sua atenção a tão importante terreno; e dividindo-o em muitas províncias,
projetou distribuí-las pelos Fidalgos, e Nobres mais empreendedores daquele
Reino: este sistema de concessões, foi o manancial e origem dos primeiros
estabelecimentos, que regularizavam a Colônia em proveito da Metrópole.
Estes Nobres Portugueses, (reparem bem nossos leitores) Portugueses, prin-
cipiaram e conseguiram rotear o Brasil, depois de muitos terem, sem fruto,
gasto suas fortunas. Os portugueses, (nem um só estrangeiro) principiaram a
edificar Cidades, e lavrar as terras, a plantar canas, e a estabelecer engenhos
de açúcar; e como vissem, que o terreno era fértil, mandaram pedir gente
a Portugal, que principiou a emigrar em quantidade. Portugueses, naturais
de Portugal, é de quem descendem os habitadores do Brasil, com alguma
mistura de Africanas, e de muito poucos Índios.
João III, em idade já decadente, adorado de seus povos, em paz com seus
vizinhos, e olhado como Soberano e pai da parte de seu povo, que tinha ido
habitar outro Universo, quis finalmente regularizar a Colônia nascente, que
ele tinha a sustentar, e defender; e os inconvenientes que se podiam originar,
dos poderes que ele tinha dado aos Nobres a quem concedeu os terrenos, não
podiam escapar a um Príncipe, para quem a experiência era uma útil lição;
em consequência do que, resolveu cassar os poderes aos concessionários, e
nomear um Governador Geral, com plena autoridade civil, e criminal. Tomé
de Souza, veio revestido deste importante cargo, encarregado de estabelecer
no Brasil uma nova administração, e fundar na Bahia de todos os Santos uma
Cidade, capaz de ser a Sede do Governo e Metrópole da América Portuguesa.
Os novos Colonos, que acompanharam o General queriam-se estabele-
cer na situação da antiga Cidade de Coutinho; mas o General, não achando
aquela situação vantajosa, procurou outra sobre uma altura escarpada, que
dominava a Bahia e o Campo que a rodeava. Uma Catedral, o Palácio do
Governador, e a Alfândega, foram os primeiros edifícios delineados e come-
çados imediatamente: em quatro meses se edificaram 100 casas, para o que
não se poupou despesa; nem para a pronta construção de Igrejas. No ano
seguinte, Portugal enviou socorros de toda a espécie, à Capital de suas novas
possessões. Outra frota chegou igualmente à Bahia no terceiro ano, etc., etc.
A Rainha de Portugal, tinha feito embarcar muitas órfãs de famílias
Nobres, para serem casadas com os oficiais, e empregados do governo; dando-
-se-lhe em dote, por conta da Fazenda Real; negros, vacas, bois e cavalos: eram
estes objetos, os que constituíam a principal riqueza da Colônia nascente.

330
Meninos órfãos, eram também enviados de Portugal, para serem educados
pelos Jesuítas; e todos os anos chegavam Navios à Bahia, que traziam os
mesmos socorros, e as mesmas somas de meios e de forças. Tais medidas,
fizeram rapidamente prosperar a Capital do Brasil, e as outras Cidades e
Vilas da Costa, que participavam do seu sucessivo aumento.
Assim continuou o Brasil em um progressivo aumento, até que com
a sujeição de Portugal à Espanha, foi olhado com indiferença pela nova
Metrópole; pelo que, as esperanças de melhora e aumento se desvaneceram
com a mudança de domínio, que no espaço de quase um século, propagou
na Colônia todos os furores da guerra: mas antes de fazer uma sucinta
narração dos acontecimentos, que tornaram célebre este desastroso período;
vem a propósito fazer conhecer o estado do Brasil, na época em que recebeu
o jugo de Felipe II.
São Salvador, sua Capital, contava então 800 habitantes, e os arredores
e recôncavo 200, além dos pretos e índios: 62 igrejas e 3 Conventos havia
na Cidade e recôncavo, 16 das quais eram Paróquias e a maior parte cheia
de ricos ornamentos. Tinha-se dado princípio a um arsenal, e a um estaleiro,
com suas respectivas oficinas.
As casas e edifícios, eram geralmente de pedra e tijolo. o luxo, já então
tinha feito na Bahia rápidos progressos: contavam-se já nesta capital, mais
de cem colonos, dos quais o rendimento montava de 3 a 5$ cruzados, e as
propriedades de 20 a 60. Estes ricos particulares fazia-se geralmente notar,
pela extravagencia de seu fausto; o vestiário de suas mulheres, era de sêda
bordado de ouro, e suas casas ornadas com a mesma prodigalidade: algumas
possuíam baixelas de ouro, no valor de 6 e mais mil cruzados; e o luxo da
mesa, tinha feito os mesmos progressos.
Algumas fortificações, em que estavam montadas 80 peças de artilharia,
40 das quais de grosso calibre, defendiam a cidade: outras mais fortificações
havia a construir, e em projeto.
O número de engenhos no recôncavo, subia a 36, dos quais 21 eram de
água. A quantidade do açúcar exportado, montava a 120$ arrobas: os carnei-
ros, cabras, e vacas, vindos de Portugal, multiplicavam prodigiosamente; e
davam leite, de que se fazia como em Portugal queijo, e manteigas: laranjas e
limões, produziam excelentemente; bem como café, gengibre e &c. em poucos
anos todas as produções necessárias ao homem civilizado, se naturalisaram
na Bahia, à custa do trabalho e suor dos Portugueses Europeus; e esta era
a Província mais rica, e povoada do Brazil. Não cansaremos mais nossos

331
leitores, com relatar-lhe o estado das mais províncias, por pouco differir no
geral, do que se acaba de descrever.
Nos primeiros tempos, a mudança da Metrópole, foi pouco sensível ao
Brasil. Fellipe 2º, estando em guerra com a Inglaterra, claro era, que o Brasil
não podia deixar de ser nela envolvido, sofrendo calamidades e depredações:
os Ingleses tentaram tomar algumas de suas Províncias, mas sem sucesso. O
famigerado Thomaz Cavendish, saiu do Tâmisa para roubar o Brazil; mas
tomou para o mar do Sul, deixando por esta vez estas costas; porém as rique-
zas, que ele tinha pilhado no mar do sul, inflamaram de tal sorte sua cobiça,
que o excitaram a enterpreender segunda expedição do mesmo gênero; e
tendo posto sua mira no Brasil, para ele se dirigiu em 1591, com tres grandes
Navios, e dous menores bem equipados; forças muito mais consideráveis, do
que as que ele conduziu na sua primeira expedição, produziu-lhe uma série
de infortúnios e desastres, e até a morte. Dá consigo em Santos; desembarca,
ataca os moradores, é desfeito e embarca; e uns poucos dias depois, da sua
retirada, morre em alto mar, mais pelo pesar de ver seus projetos abortados,
do que por sua moléstia.
Sucessivamente diversos aventureiros e piratas ingleses, franceses e
holandeses, cuidaram, não só de roubar o Brasil; mas mesmo de apoderarem-
se de algumas de suas Províncias em todo o tempo da dominação Espanhola.
Tal era situação do Brasil, quando no 1º de dezembro de 1640, Lisboa viu
arrebentar em seu seio, a revolução que assentou a Casa de Bragança no
Trono de Portugal. Escritores superficiais, assinaram diversas causas para
esta sublevação; mas nenhum a principal, que era a opressão em que há
muito viviam os Portugueses.
Tendo Portugal e Algarves, dado ao novo Soberano o exemplo de uma
dedicação sem limites; imediatamente as possessões do ultramar se apressa-
ram a imitá-los: as Ilhas da Madeira e Açores, as praças de Tanger e Larache,
os Reinos de Congo e Angola, a Etiópia, Guiné, Índia, e a opulenta Cidade
de Macau, situada nos confins da China, proclamaram João IV e o Brasil,
muito particularmente se distinguiu, pela adesão mais sincera e animada:
este, tem sido sempre o Norte dos fiéis e leais Portugueses; e será em todo o
tempo, o de seus virtuosos, e honestos descendentes.
Os Holandeses, foram finalmente expulsos do Brasil, pelos esforços do
prudente e valoroso Português Fernandes Vieira, do Índio Camarão, e do
preto Dias; continuando seus habitantes a viver em pacífica paz, debaixo
das Leis da Mãe-pátria; com a diferença dos despotismos dos Capitães
Generais e autoridades subalternas, que deviam ser tanto maiores, quanto

332
mais distantes estivessem da Corte: mas que nem por isso minoraram, quando
a Corte nele se estabeleceu.
Nada de memorável aconteceu, até o reinado de José I; havendo no de
João V aumentando o interior consideravelmente; onde a descoberta de ricas
minas, fez nascer novos estabelecimentos e Cidades.
Sucedeu o Reinado de José I, e com ele o Ministério de Pombal; este
grande Ministro, tão suscetível de conceber grandes ideias, como de amadu-
recer vastos planos e apressar-lhe a execução, não podia desprezar o Brasil;
foi sob este Ministério, que o Rio de Janeiro tornou a Capital da América
Portuguesa. Pombal, julgou conveniente confiar os negócios do Brasil, a
outro ele mesmo; e nomeou seu Irmão, Governador General do Maranhão
e Paraguai [sic].
Carvalho partiu de Lisboa em 1753, com uma esquadra de muitos
Navios de transporte, carregados de munições e soldados, e com mui detalha-
das instruções: tendo recebido mesmo das mãos do Rei, uma magnífica tenda.
Suas instruções, recomendavam-lhe muito particularmente que procurasse
todos os meios de prudência, para domesticar os Índios; evitando quanto fosse
possível, o servir-se da força para os reduzir, tendo-lhe cuidadosamente os
Jesuítas pintado já, com negras cores, a dominação Portuguesa; o que tanto
lhes convinha, para obterem o domínio de toda a América Meridional, no
que tão assiduamente trabalhavam.
Era por sábios regulamentos, e vivificando o comércio, que Pombal faz
florescer o Brasil: seus habitantes, depois da descoberta de Minas, tinham
contraído vícios, e defeitos das Nações ricas; o luxo e o egoísmo, principiavam
a calejá-los; e a maior parte, mandara sepultar suas filhas em Conventos,
debaixo do pretexto de uma vocação que poucas, ou nenhuma tinham; e
antes, com o único motivo de descartarem delas. O grande Ministro, opôs
a autoridade Soberana a este bárbaro costume, muito nocivo à população
do Brasil: proibindo, por um Decreto, que sem o consentimento do Rei,
entrassem nos Conventos as filhas dos habitantes do Brasil. Pombal volta
depois sua atenção e vistas, para os melhoramentos de que o Comércio do
Brasil era suscetível, criando as Companhias de Pernambuco, Paraíba e etc.
À morte de El Rei Dom José, sucedeu a desgraça de Pombal, que assina-
lou os primeiros momentos do Reinado de Maria I; e o Brasil, deve tributar
eterno reconhecimento àquele grande Ministro, pelos melhoramentos que
recebeu no seu Ministério, e que fizeram chegar o Brasil a uma prosperidade,
que até então desconhecia.

333
O Novo Reinado, pôs um termo às diferenças de Portugal e Espanha,
pela conclusão do Tratado de São Ildefonso em 1778; e seus habitantes,
que só tinham a ocupar-se do melhoramento deste vasto império, tiraram
grande partido das riquezas que encerrava.
Eis nos chegados a Regência do Príncipe do Brasil, hoje Senhor Dom
João VI; e principiaremos por ver o que era o Brasil no princípio deste
Século, tão favorável aos seus destinos.
Sua divisão política, compreendia 9 Governos independentes uns dos
outros; e 10 de segunda ordem, subordinados mais ou menos aos de primeira.
Para não darmos uma conta particular de suas Províncias, nem enfastiar
nossos leitores; olharemos esta vasta possessão, debaixo do ponto de vista
de sua administração interior.
O Clero, compunha-se de um Arcebispo, Primaz do Brasil, cuja Sede
era a Bahia; e de cinco Bispos, do Pará, Maranhão, Pernambuco, Rio de
Janeiro e Mariana: além destas, havia duas dioceses sem capítulo, chamadas
Prelazias, administradas pelos Bispos in partibus de Goiás, e Cuiabá. O Rei
paga aos Bispos, Cônegos, e Vigários; por ser ele quem recebe os dízimos.
A Justiça, era administrada no Brasil por duas Relações, uma no Rio de
Janeiro, e outra na Bahia: pertenciam a esta, Pará, Maranhão, Pernambuco
e Goiás; e àquela, Minas Gerais, Mato Grosso e São Paulo.
Não cansaremos mais nossos leitores, até o período em que a Corte
Portuguesa passou para o Rio de Janeiro; parecendo-nos ser este lugar o
próprio, para lhe asseverarmos: que não temos notícia, nem conhecimento,
de que aos habitantes do Brasil, em todo o tempo, desde a sua descoberta,
população, roteação, cultura e civilização, (tudo compreendido e feito por
só Portugueses e filhos destes, sem mistura de estrangeiros) a Metrópole lhe
roubasse regalia ou isenção, de que algum tempo tivessem gozado; ou que
por força lhe quisesse extorquir, o que algum tempo lhe tivesse concedido:
tornamos a dizer; não sabemos, não nos consta, nem ninguém disso nos
dá, nem dará notícia; pois que temos a certeza, de que nunca lhe faltou ao
que uma vez lhe tivesse concedido.
Nada mais faltava ao Brasil, para ser igualado a Portugal, do que o livre
e direto comércio com os estrangeiros, e a elevação à categoria de Reino;
porque, todas as mais prerrogativas já há muito que seus habitantes gozavam,
inda antes que a Corte para ele se mudasse, como era: ocuparem todos os
lugares de Magistratura e Milícia; e até o principal Secretário Português,
há muitos anos, era Brasileiro e tudo isto então, feito de própria vontade
e não forçado por circunstâncias; porque geralmente, os Brasileiros, se

334
conservavam a respeito de seus direitos individuais em muito pacífica paz;
pois viam perfeitamente, quanto sua sorte não tinha razão de comparação,
com Estados de igual natureza.
Como por uma metamorfose, aporta nas praias Brasileiras a Corte
Portuguesa; e na sua escala por São Salvador, declara o Regente os Portos
abertos a todas as Nações; e por consequência, estabelecida a liberdade de
comércio. Que mais faltava, para que o Brasil fosse igualado a Portugal?
Ser elevado à categoria de Reino? Sim: ele o foi em 1815 (sem que para isso
houvesse requisição dos habitantes) debaixo da denominação de Reino Unido
de Portugal, Brasil e Algarves; e assim continuou a corrompida, e imbecil
Corte nas suas antigas, e ainda mais, infames e escandalosas depredações e
torpezas, depois do estabelecimento da nova Sede.(12)

EPÍLOGO.

Temos apresentado a nossos leitores, se não como desejávamos, ao


menos como nos foi possível, um resumo das histórias da América do Norte,
e do Brasil desde suas Colonizações, até a empreensão [sic] da independência
da primeira, e da elevação do segundo à categoria de Reino; para que façam
imparcial juízo, e dentre eles digam, os corifeus da independência; (se é que
em suas cabeças ainda há alguma sobra de boa razão) se os Brasileiros têm
alguma das razões, como as muitas que tiveram, e puseram em desespero
os Americanos do Norte, obrigando-os a conquistar sua emancipação, e
evadirem-se à infeliz sorte que os ameaçava.
A América do Norte foi povoada, por Ingleses perseguidos em sua ilha,
por opiniões políticas e religiosas; e na maior parte, por diversas nações da
Europa; pois que não convinha à Inglaterra, fundar Colônias e torná-las
florentes, com o sacrifício de sua população.(13)

A América Espanhola, combate para conquistar, o que o Brasil adquiriu sem combater.
12

(De Pradt)
O que melhor prova a independência dos Estados Unidos, e a grande razão que tiveram
13

para a declarar; foi que aquelas Colônias, desde sua origem, nunca reconheceram a auto-
ridade do Parlamento, nem tiveram intenção de ser ligadas, por leis que dele emanassem.
(Chastellux)

335
O Brasil foi todo povoado, roteado, cultivado, e civilizado por
Portugueses; menos políticos, na verdade, do que os Ingleses, pelo sacrifício
de sua população.
Na América do Norte, os costumes eram os de um povo novo, cultivador,
e que não estava polido, nem corrompido pela vizinhança de grandes Cidades.
No Brasil, os costumes são os de um povo velho, transmitidos na maior
parte pelos primeiros povoadores; e de mais a mais amolecidos, e corrompidos
pelo demasiado luxo.
Na América do Norte, desde a sua colonização, houve diversidade de
governos, e procurou de seu motu proprio a proteção de Inglaterra; e os
Americanos tiveram sempre representação.
No Brasil viveram sempre debaixo, e segundo as Leis e regulamentos
da Metrópole.
O Governo Inglês, em nada concorreu para a prosperidade, e aumento
da América do Norte.
O Governo Português, sempre cuidou da prosperidade e aumento do
Brasil, proporcionalmente às forças e meios que tinha.
Na América do Norte, com a conquista do Canadá e aquisição da Flórida,
a Metrópole deu nova forma ao Governo das Províncias, sujeitando-as a uma
autoridade Militar.
No Brasil, nunca se fez mudanças, que postergasse direitos.
Os Americanos do Norte, foram (contra o costume) taxados à força,
pela Metrópole.
Os Brasileiros, eram menos vexados por impostos do que os Europeus;
e os que pagavam, eram cobrados sem violência.
Os Americanos do Norte, reclamaram respeitosamente da Metrópole, a
observância dos Direitos contidos em seus Diplomas; que eram tão indigna,
e injustamente atropelados.
Aos Brasileiros nunca se ofenderam direitos; pelo que, nunca fizeram
reclamações.
Os Americanos do Norte, queriam contribuir para as necessidades da
Nação em geral; mas queriam, como era de costume, ser ouvidos.
Os Americanos do Norte, emperrearam em não pagar as taxas, impostas
ilegalmente; e a Inglaterra mandou Esquadras, e Exércitos para os escravizar;
e impor-lhes tão pesado jugo, como o que lançaram aos Índios Orientais.
Os Brasileiros, nada que sombras disto tenha, nunca sofreram.

336
Na América do Norte, havia tropas aguerridas, Oficiais experimentados,(14)
grandes ressursas [sic] locais,(15) e sobretudo um Washington.
No Brasil, há tropas vizinhas, oficiais sem experiência, (que só na guerra
se adquire) grande fala de ressursas [sic] locais; onde o Washington?
O orgulho, e altivez da Inglaterra, deu grande apoio à causa dos
Americanos do Norte, por muitos socorros que Nações poderosas lhe pres-
taram.(16)
Portugal pelo contrário, em harmonia e amizade com todas as Nações, e
sempre fiel aos seus Tratados, não deve esperar de Nação alguma tal aleivosia.
Se com o reflexo deste quadro, inda houverem Pirrônicos tão cabeçudos,
que suponham ter razão para seguir seu delirante sistema; nós lhe vamos
demonstrar, que depois do estabelecimento da Corte no Rio de Janeiro, a
condição dos Brasileiros se não era igual, era superior à dos Europeus.
O Ministério do Rio de Janeiro composto, pela maior parte de homens
frouxos, e ignorantes na difícil ciência do governar; via-se na precisão, de
ajudar-se de subalternos pouco sinceros, corrompidos, sem interesse pela
prosperidade do Império Português; e ainda menos na afeição e amor de povos
à Casa reinante; parecendo que de propósito trabalhavam, na dissolução da
Monarquia, não se descuidando (o que parecia contraditório) de desunir as
Províncias, semeando a cizânia, por meio de seus emissários, entre os diversos
habitadores. Para os lugares de letras e armas, já muito antes da passagem da

Algumas pessoas diziam, que a América do Norte não estava inda madura para inter-
14

preender [sic] sua independência, e que era preciso esperar mais 40 ou 50 anos: ao que
eu respondia, que o espírito guerreiro, e os conhecimento militares que tínhamos adqui-
rido na última guerra, desapareceram nesses 50 anos. Para essa época tão remota, não
existiria já um General, nem mesmo um Oficial; e os que viessem depois de nós, seriam
tão ignorantes de Arte Militar, como os primeiros Índios. Se bem se refletisse, esta única
circunstância provava sem réplica, que para a nossa independência, este momento era
preferível a qualquer outro. No fim da última guerra, tínhamos por nós a experiência;
mas faltavam-nos homens: e em 50 anos, nós teríamos mais homens; mas faltava-nos a
experiência: portanto, este era o momento mais favorável. (Paine)
Era necessário abstrair-me de todas as ideias de poeta, ou de caçador, para admirar
15

estas novas regiões, onde não se caminhavam 4 milhas sem encontrar uma habitação;
e habitação tal, que punha o viajante ao alcance de todos os socorros, tanto na ordem
física, como na moral. (Chastellux)
Se a Inglaterra tem numerosos inimigos, é porque multiplica o ultraje: a insolência inspira
16

sempre o ódio, tanto às Nações, como aos indivíduos. A extravagância da Corte Britâ-
nica, patenteava-se claramente no natalício do Rei, e nas odes do primeiro dia do ano:
coisas só feitas, para preocupar a multidão, e revoltar o homem pensador. A insolência
injusta e grosseira, que desenvolve sobre os mares dos quais arroga o império, tem-lhe
granjeado a inimizade de todas as Nações comerciantes; seus Navios assemelham-se às
aves de rapina; e fazem na superfície do Oceano, o que Tubarão faz no centro. (Paine)

337
Corte para o Brasil, eram despachados os Brasileiros promiscuamente com os
Europeus; e até há muitos anos, quem fazia todos esses despachos, e mesmo
os de Secretários de Estado, era um Brasileiro; na verdade, digno disso.
Tanto o Estado era levado pelos seus algozes, a passo-dobre, para a
sua total ruína; que em 1817 o inquieto Pernambuco se revoltou, com tal
desenfreamento, que era impossível dar muitos passos sem precipitar-se,
como de fato, logo no começo da carreira se precipitou: nem outra coisa
era de esperar, pelos seus falsos princípios, e pela nojenta indignidade, com
que publicamente acumulavam na primeira autoridade da Nação, os mais
torpes vilipêndios; dando por causa de em tal excesso romperem, a corrup-
ção e despotismo dos Magistrados, que há anos os oprimiam; e na verdade,
vexaram aquela Província: mas reparem nossos leitores, e particularmente
os Pernambucanos, que quatro Ouvidores (primeira autoridade civil naquela
Província) sucessivos, eram Brasileiros; três dos quais, filhos da Bahia, bem
engordaram: não lhes sofreremos por esta vez, digam, como não cessam de,
injustamente, a todo o instante dizer, que daquela maldita terra (de Portugal)
é que vêm todos os seus opressores, e a sua desgraça; (mas pela maior parte
os que isto avançam são gentalha, ou por outra, moleques de todas as cores)
o que é tanto mais revoltante, quanto os infames detratores que tal avançam,
a esses opressores devem o ser; o desinfetado ar que respiram; os bens que
possuem; as Cidades, Vilas e Povoações que habitam; os terrenos cultiva-
dos; civilização e etc. O grosso dos Brasileiros, em cujo número entram os
proprietários, e os mais probos, aborrecem esses perturbadores do público
sossego; os quais, como membros podres, a sociedade deveria decepar,
para não ser contaminada. Uma ativa polícia, e bom sistema de educação, é
nas atuais circunstâncias o único remédio; pois que a falta delas, tem feito
numerosos vadios, que aborrecendo e fugindo do trabalho, querem nutrir-se,
quais parasitas plantas do suco alheio.
Parece termos satisfeito, e tanto mais quanto escrevemos para
Portugueses, e particularmente para Portugueses Brasileiros, que bem ao
fato estão das verdades que temos avançado.
Deixaremos o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, no seu perfeito
estado de podridão, ou dissolução; acelerado pela imundície Fluminense,
que povoava os Tribunais da Corte; e o tomaremos suplementariamente,
no de sua Regeneração.

FIM.

338
30

ANALYSE
Das Observações criticas do Escritor da Malagueta, sobre o Decreto
para a convocação de hum Conselho de Procuradores geraes do Brasil.

Um aprendiz de política (que assim modestamente quis inculcar-se o


Autor da Malagueta) abalançou-se a apresentar em público suas observações
críticas sobre o Decreto de 16 do passado, em que Sua Alteza Real o Príncipe
Regente manda convocar um Conselho de Procuradores, que representem as
províncias do Brasil, para os fins no mesmo Decreto declarados.
Mais hóspede do que o Censor, em uma ciência tão vasta e tão difi-
cultosa; e muito fora do alcance das razões genuínas, por que o Decreto foi
redigido nos termos em que ele se acha; tenho todavia por mui pouco judiciosa
a crítica; e ainda menos o oferecimento das observações para o retoque do
dito Decreto, logo que a futura junção, ou Deputação de outra qualquer
província pareça autorizar qualquer conveniente alteração. A matéria é
sumamente grave, e de interesse imediato para os Brasileiros; por isso nesta
qualidade, e como muito interessado pela causa pública, farei também de
Sabichão, apresentando os meus sentimentos a respeito de tais observações.
Sem meter-me nos detalhes Secretariais acerca da falta, que houve na
direção do Decreto, ao que o Autor da Malagueta dá tanto peso, mas em
que eu não posso descobrir o verdadeiro chiste, falarei somente do que me
pareceu importante, e irei seguindo o erudito Censor. O exórdio do Decreto
é o que mais vivamente o tocou, tendo descoberto uma falta imperdoável
nas palavras = E desejando Eu... ir de antemão dispondo e arraigando o
sistema constitucional que ele merece, e Eu jurei dar-lhe. = Por ocasião destas
expressões o crítico observador faz saber ao sábio Ministro, que referendou
o Decreto, os poderosos motivos que indispuseram o povo do Brasil contra
o Conde dos Arcos, por se julgar que ele pretendia dar de seu motu proprio
e bel prazer, aquilo, que a Constituição nos dá sem graça, sem favor, e só
sim por direito natural: e acrescenta que Sua Alteza Real não jurou dar-nos
uma Constituição, mas observar a que se fizesse.
O erudito Censor, mui zeloso, como diz e eu o creio, pela reputação do
Sereníssimo Príncipe, já o seria seguramente em 8 de Junho do ano passado;
mas nem por isso quis mostrar os seus extremos de amor, fazendo suas notas

339
sobre o preâmbulo do Decreto dessa data, em que se leem as seguintes expres-
sões: = Tendo Eu Adotado, e Jurado as Bases da Constituição Portuguesa
etc. = Podendo ter-se dito: que este era o modo de expressar mais próprio,
e ao mesmo tempo mais análogo aos Reais sentimentos de Sua Alteza, que,
decerto, nunca se lembrou de dizer que tinha adotado aquelas Bases para fazer
uma Constituição para Si; e muito menos podia dizer que as tinha adotado
para os Brasileiros; quando estes é que as quiseram e os únicos que as podiam
adotar para si como fizeram: mas ou porque o Ministro, que fez redigir, e
referendou o Decreto, teve a estrela de nascer em Portugal (se bem que isto
pouco pode importar aos que são nullius Dioecesis); ou porque ainda então
não havia Malaguetas, o Decreto pareceu muito bom, e não houve uma só
pessoa que pública, nem talvez particularmente o criticasse. Entretanto o de
16, em que Sua Alteza diz que deseja ir de antemão dispondo e arraigando
o Sistema Constitucional, que o povo do Brasil merece, e Sua Alteza jurou
dar-lhe, excitou tamanhos cuidados ao Censor, que largou o que estava
fazendo, para falar do Decerto; e sem ao menos pesar primeiro a justiça da
sua crítica, a publicou imediatamente.
Nascido Brasileiro, educado entre mui boa gente, e mui cioso dos
Direitos do Cidadão; nem por isso tenho podido divisar a mais leve sombra
de eversão dos princípios, geralmente adotados, nas expressões, de que se
serve o Decreto. Sua Alteza não diz (como quer inculcar a Malagueta) que
quer, ou que jurou dar uma Constituição aos Brasileiros: diz que quer ir
arraigando o sistema Constitucional; e mui diferente coisa é o sistema de
arranjamentos; de instituições; e de estabelecimentos segundo a Constituição,
da organização da mesma Constituição. Quando se diz o sistema de Ptolomeu,
o sistema de Copérnico etc. não se quer dizer que estes é que fizeram as leis
dos movimentos dos Planetas. Os Filósofos, os Jurisconsultos usam frequen-
tíssimas vezes destas expressões = O sistema dos conhecimentos químicos, dos
conhecimentos botânicos, deste ou daquele, o sistema da Natureza de F..... o
sistema das Leis; o sistema dos regimentos de F..... etc. etc.; mas nem por isso
querem dizer que eles é que fizeram as Leis da Natureza, as Leis Sociais etc.
Que Sua Alteza Real jurou as Bases da Constituição é um fato da
maior autenticidade, que ninguém ignora; mas não é menos notório que
Sua Alteza ficou em lugar de Seu Augusto Pai para Reger todo o Brasil
debaixo dos princípios jurados. Ora se esta Regência não podia ter efeti-
vidade sem a faculdade de Decretar nos casos ocorrentes, está bem claro
que quando Sua Alteza jurou as Bases, tendo de aceitar a Regência do
Brasil, onde de necessidade tinha muitos arranjamentos a fazer a bem da
causa pública; jurou implicitamente ir fazendo, ir sustentando o sistema

340
Constitucional. E que outra Autoridade ficou no Brasil para ir providen-
ciando, à proporção das necessidades ocorrentes?
Estas providências, estes arranjamentos segundo as Bases da Constituição
é que vão formando o sistema Constitucional. Eu não vejo, torno a dizer, nas
expressões do Decreto razão alguma para críticas. Diz o autor da Malagueta
que é a Constituição quem nos dá tudo, e só por direito natural (feliz imagi-
nação!): mas onde está essa Constituição? E podem os Brasileiros contar com
leis profícuas, sendo feitas fora do sistema, e sem inteiro conhecimento de
causa, em Portugal? Não está o autor da Malagueta vendo com seus próprios
olhos o descontentamento geral dos Brasileiros em razão do que a respeito
deles se tem decretado em Portugal? Ignora porventura que Sua Alteza Real
é sabedor deste geral descontentamento? E que devia Sua Alteza fazer em
tal caso? Promover o sistema constitucional; chamar os representantes das
províncias do Brasil; consultar com eles sobre o bem geral dos povos; dar todas
as providências necessárias, conformando-se com as Bases da Constituição,
até que um dia o poder legislativo possa operar convenientemente debaixo
dos princípios restritos, que foram pactuados, e jurados; e eis aqui o que é ir
fazendo; ir dando o sistema constitucional; o que é coisa infinitamente diversa
de dar uma Constituição aos Brasileiros. Sua Alteza não faz mais do que ir
após dela; cumpre assim com o seu juramento; e mostra-se à face do universo
um Príncipe digno de reger povos constitucionais.
Passando ao modo de eleger os Procuradores gerais, diz o censor, que não
vê por que devam ser eleitos, por quem elegeu os Deputados de Cortes; mas
não dá a razão por que devam ser eleitos de outro modo; contudo se persuade
que o sábio Ministro, que referendou o decreto é da sua opinião, pois que fez
removíveis os procuradores pelas Câmaras: como porém ainda não disse qual
é a sua opinião, mal se pode saber se ela é ajustada à do Ministro. O censor há
de estar muito certo que nem sempre as coisas se desfazem pelo mesmo modo
por que foram feitas; por isso não deve admirar-se que os procuradores gerais
sejam nomeados de um modo, e removidos de outro. Convocar eleitores para
se proceder na escolha de pessoas, que entre outras de merecimento, tenham
por si uma opinião mais geral, é coisa muito justa; mas seria um delírio andar
com todo este trabalho refundido, e apurando votos em pessoas que digam
que os Procuradores gerais não desempenharam suas obrigações: mas como
é mui conforme a boa razão que pessoas nomeadas pela vontade geral, ou
da maior parte, não sejam removidas, se não pela vontade geral ou da maior
parte; e nada é tão simples como tratar-se isto em vereação geral, que é o
ajuntamento dos vereadores com juízes, e homens bons, que costumam andar
no regimento, e que são as pessoas chamadas pela lei, sempre que se trata de

341
negócios, que dizem respeito às jurisdições, foros, regalias, isenções e costumes
das cidades, vilas etc. Por isso o Decreto determinou mui sabiamente que a
remoção fosse feita pelo método nele prescrito.
A presidência de Sua Alteza Real no conselho é outra coisa que dá que
fazer ao observador; mas para que é o conselho? A sua primeira atribuição
não consiste em aconselhar a Sua Alteza quando o pedir, e assim for neces-
sário? E então acha que Sua Alteza não deve estar presente para ouvir as
razões de decidir? Se deve estar no conselho, será justo que vá em qualidade
de hóspede? Se Sua Alteza é quem os procuradores gerais deviam (no caso de
assim lhes ser permitido) eleger para presidi-los; isto é, se é o presidente nato
do conselho, por que razão se não havia designar desde logo no Decreto qual
era o Presidente? Por que razão Sua Alteza é quem cria, e dá existência no
conselho, se havia de por na dependência da nomeação pelos procuradores
gerais? Suponhamos que o não faziam; não estava estorvado o fim principal
do Decreto, que é poder Sua Alteza ser perfeitamente inteirado das razões,
por que as coisas devem se fazer?
Falando dos dias das sessões, diz o observador, que elas devem ser
regulares ou periódicas, e dá para isso duas razões; a 1.ª porque as regras
gerais estão mais a abrigo das interpretações equívocas; a 2.ª porque será
sempre fácil aos Ministros retardar com manejos sessões, que não são peri-
ódicas, com o especioso pretexto de importantes negócios pendentes; e diz
que acrescentará uma 3.ª razão, que vem a ser para que os conselheiros não
digam aos seus constituintes. = Quando houver sessão oportuna tratar-se-á.
= Era mais breve prometer desde logo as três razões; para não cair no defeito
do jogo de palavras que tanto reprova. Confesso que não posso atinar em
que consiste a força de tais argumentos; apenas colijo que o Censor receia
falta de boa fé nos Ministros; do contrário como é possível pensar que eles
procurarão retardar com manejos sessões que é preciso se fazerem? Também
não posso atinar que influência direta, ou indireta, possa ter para o bom êxito
do Decreto a manhosa análise da parte dos escritores cis-atlânticos, e ainda
mais dos transatlânticos, que estarão muito dispostos a censurar o Censor.
Mas nada me parece tão enigmático como a história das três cabeças, que
não sei a que vem.
A assistência dos Ministros com voto no Conselho é também da repro-
vação do Censor, por não terem os Ministros ali que fazer; apenas admite
o Ministro da repartição, a que tocar o negócio que se houver de tratar, e o
Presidente do tesouro público. Figuremos que estava assim decretado: como
é que os Ministros podiam saber que negócios tinha cada um procurador a
propor, e a que eles devem assistir? O que é que devia fazer Sua Alteza quando

342
tivesse objetos diversos a consultar? Suponhamos que os negócios eram trata-
dos (só para não entrarem em Conselho Ministros de diferentes repartições) em
sessões separadas; não se seguiria daqui além de outros muitos inconvenientes,
o retardarem-se muitas vezes negócios, que necessitassem ser prontamente
tratados? Não diriam então alguns dos procuradores com justificada razão
aos seus constituintes? = Quando houver ocasião oportuna tratar-se-á. = De
mais qual é o voto que têm os Ministros no Conselho? Deliberativo, ou só
consultivo, como cada um dos Procuradores gerais? Com efeito seria para
admirar que os Ministros de Estado que entram com Sua Alteza Real nas
deliberações dos mais importantes negócios, não pudessem dizer os seus
votos em um Conselho onde só se discute, e se trata de apurar-se a verdade.
O que parece porém mortificar em extremo ao Censor, é a vice-presi-
dência mensal, e o secretário sem voto. Grande Deus! (Exclama o descon-
tentíssimo crítico), que direi eu? são necessários, ou não? E sem dizer o que
acha de mau, diz que a razão de se assim haver decretado, foi por se não
convidar os homens de letras a darem a sua opinião em uma folha de papel,
pois que tudo se faria com nobre simplicidade; Sua Alteza seria o Presidente
permanente, e ele Censor não teria de babujar tanto papel. Grande Deus!
não permitais que os negócios do Estado sejam tratados por aprendizes de
política! Babuje cada um o papel que quiser, mas fuja-se do caos, em que os
negócios públicos possam sepultar-se.
Não me cansarei em falar das reflexões sobre o tratamento de Excelência,
assim como da proporção entre os Deputados das Cortes, e os Procuradores
gerais das províncias, porque não vale a pena.
Varão probo e sábio (concluirei com o Censor) cujo conhecimento claro
dos homens me permite pedir vossa indulgência; perdoai a quem se anima a
criticar o trabalho dos sábios, oferecendo em seu lugar seus raciocínios pouco
coerentes; perdoai ao bem intencionado Censor, assim como o pacífico, o
prudente vizinho perdoa ao rabequista, que não sabendo ainda firmar os
dedos, e tirar do instrumento sons harmoniosos, persuade-se agradar a quem
o ouve, quando não faz mais que incomodar.
E vós, Censor zeloso, demorai por um pouco as vossas críticas em maté-
rias tão graves, e acreditai che conviene per fare scarpe saper di mathematica.1

_____________________________________________________________________
RIO DE JANEIRO 1822. NA IMPRESSÃO DE SILVA PORTO, E C.ª

1
Para fazer calçados é preciso saber matemática.

343
31

BRASIL
E
PORTUGAL
OU
REFLEÇÕES
SOBRE O ESTADO ACTUAL
DO
B R A S I L.
POR
H. J. D’ARAUJO CARNEIRO

L I S B O A:

NA IMPRESSÃO DE JOÃO NUNES ESTEVES.


Rua dos Correeiros Número 144.
ANNO 1822.

344
PREFÁCIO

Escrevi a primeira parte destas reflexões, logo que ouvi ler as últimas Cartas
do Príncipe Real dirigidas a El Rei, e a segunda em consequência do que ouvi
acerca da opinião da Comissão especial dos Negócios Políticos do Brasil;
assim como as últimas foram igualmente consequência do que ouvi a respeito
da entrega do Montevidéu. Não tenho nesta publicação outro fim mais que
fazer lembrar àqueles, a quem os destinos dos Portugueses estão confiados,
a situação em que se acha o Brasil, e em que Portugal se vai achar, isto para
que lhe deem o devido peso na balança dos seus cálculos; declarando alta-
mente, que estas têm sido as minhas ideias desde 1817, e que com a mesma
franqueza com que as dirigi a El Rei o faço aos Representantes da Nação;
tenham elas ou não a mesma sorte.

Le changement étant inévitable, de part et d’autre il n’y a plus


qu’un intérêt et qu’un art, celui de l’adoucir et de l’abréger.
Quand L’heure des sacrifices est arrivée, il faut savoir les faire
avec plénitude, alacrité et bonne grâce: il n’y a que de petits
esprits qui s’y décident tard, qui les font de mauvaise grâce,
et de manière à chasser la Confiance et à en perdre le mérite.
L’Europe et L’Amérique par Mr. De Pradt.*

Quando escrevia a El Rei em 1817, e 1820 desse aos Portugueses um


Governo Representativo, e mandasse o Príncipe Real para Portugal, era porque
tinha pensado muito e muito no estado, em que se achava Portugal e o Brasil,
e porque tinha vivido e estava vivendo nas primeiras Cortes da Europa, aonde
se traçavam os planos e destinos das Nações atualmente de segunda ordem,
e tinha de mais a mais ido duas vezes ao Brasil e olhado e visto de perto os

* Quando a mudança é inevitável, de uma parte e de outra, só há um interesse e uma arte,


a de suavizá-la e de abreviá-la. Chegada a hora dos sacrifícios, é preciso saber fazê-los
com plenitude, entusiasmo e boa vontade: só espíritos mesquinhos decidem tarde e os
fazem de má vontade, e de forma a afastar a confiança e perder o mérito.

345
seus grandes recursos, e por isso não dizia a El Rei que viesse, porque achava
não podia nem devia vir. Os fatos confirmam-me na mesma opinião. Todavia
El Rei acha-se em Portugal.
As Potências da Europa principalmente aquelas, que olham para o
futuro, e que têm uma política de prevenção não queriam, que El Rei de
Portugal ficasse no Brasil, e fixasse lá a sede do Governo. Os esforços que se
fizeram para fazê-lo vir decerto que não eram por espírito de cumprimento
e cortesia, nem tampouco pelo nosso interesse; era outro o fim, era já o
receio de que o Gigante se pudesse desenvolver, e que desenvolvido ele, em
perigo lhe ficasse o Comércio da Ásia e bem precária a posse da Jamaica. Eu
sou Português nascido, criado e educado em Portugal e com aquele aferro
ao Pátrio ninho, que é próprio a todo o vivente, porém lisonjeio-me de ter
alguma coisa mais: isto é amor da glória e do nome Português: o nome de
uma Nação custa muito a adquirir e pouco a perder. As grandes Instituições,
que as Nações hoje gozam foram obra e resultado do tempo; eis aqui porque
os Ingleses têm medrado e hão de medrar, porque o que criam não é só
para eles, mas sim para as Gerações futuras desfrutarem, e não como entre
nós, que por isso que não podemos logo gozar não queremos criar; maldito
egoísmo! As invasões de 1581 e a de 1807 podem-se repetir, e é provável
se repitam e com mais reflexão, que evite restaurações. Os Portugueses
não têm meio de evitar isto senão por meio das ligações de amizade com
as Nações preponderantes da Europa, e mais que tudo por meio de terem
da outra parte do Atlântico um outro terreno, que lhe possa servir, como
serviu em 1807; mas este terreno há de se ter só por amizade e de modo
algum por sombra de domínio.
Em uma palavra o Brasil tem proporções para garantir em todo o
tempo Portugal, e não vice-versa. Segundo o novo estado Mundo, e das
ideias gerais e espalhadas na América é impossível, que ela torne a ser um
satélite da Europa. O Pai de família, assim como criou seus filhos e os fez
desenvolver, da mesma sorte, quando se acha decrépito recebe proteção e
amparo daqueles, que outrora protegia e amparava. Portugal, que descobriu
o Novo Mundo e o civilizou; porque não há de tirar partido das suas fadi-
gas? Entendamo-nos o Brasil no estado, em que se acha com os Americanos
Espanhóis ao Sul, e com os Ingleses ao Norte, e com as ideias, que tem,
não pode ser dominado nem governado por Portugal, todas as formas de
Governo, quaisquer que se lhe imaginem, são paliativas; é preciso darmos
de bom grado e a tempo o que se nos possa agradecer; aliás tomá-lo-ão por

346
si mesmo. Enfim é preciso deixarmos ilusões e vermos as coisas, como são,
e não como queremos que elas sejam.
O Príncipe deve ficar no Rio de Janeiro, e deve haver lá para o futuro
um Governo Representativo, assim como então deverá residir lá El Rei; e
o filho mais velho vir governar em Portugal, onde deverá igualmente haver
um Governo Representativo, sendo o Príncipe o que sancione as Leis e que
tenha as mesmas prerrogativas, que seu Pai no Brasil, com a diferença que
será chamado Regente de Portugal e Algarves; além disso o Brasil será obri-
gado a mandar alguns Deputados à Europa, e Portugal a América: assim
os interesses de Portugal com o Brasil e vice-versa serão fundados em Leis
fundamentais e relações mútuas de Comércio. O orgulho Nacional não será
ofendido, porquanto os trabalhos e a honras serão repartidos.
O fim principal, que se obtém com isto é, que, sendo os Portugueses
os que descobriram o Brasil, sejam eles mesmos os que os civilizaram e que
lhes deram o seu maior bem; e para evitarmos nos suceda o mesmo, que
hoje se vê entre os Ingleses da América e os da Europa, a maior rivalidade,
ciúme, e discórdia; e enfim para que possa ser o Brasil um garante à exis-
tência Política de Portugal, e no caso que o não possa ser seja ao menos um
asilo aos que quiserem deixar Portugal. Os Brasileiros são Portugueses; e
eu preferirei sempre o ser Português do Brasil, que Português da Espanha!
Já que a Espanha perdeu a ocasião de ditar ela a Lei, e de fazer o bem, não
caiamos na mesma falta, não nos exponhamos a ver organizado o que nós
mesmos podíamos fazer com os nossos materiais: perca-se a ideia de mons-
truosidades em Política: o Brasil há de se separar; isto porque não pode estar
como tem estado: Quando há de ser esta separação, não se poderá fixar,
mas sim que não será tarde. Que monstruosidade em Política não seria as
Províncias do Brasil confederarem-se e terem o seu ponto de reunião na
Europa e que sangue não ia a correr com estes outros tantos Reinos esta-
belecidos de fato! Que remédio seria este que tornaria pior o mal? Deixar
uma Província independente de outra e todas sujeitas à Europa? por que não
havemos nós de lançar mão da oportunidade que ainda nos resta de evitar-
mos rios de sangue, e anteciparmos a grande época, com o que tenhamos
bênçãos e a gratidão dos nossos Irmãos, e com que façamos jus a ditarmos
conjuntamente as Leis, que nos sejam reciprocamente úteis e vantajosas?
O princípio errado, donde se parte é ainda a ideia de que o Brasil deve
ser aprendiz a Portugal; isto é um erro, nem Portugal podia ser Colônia do
Brasil, como o esteve sendo de fato 14 anos; nem o Brasil hoje o pode ser
de Portugal: o Brasil abriu os olhos e foram os mesmos Portugueses que

347
contribuíram para isto, e portanto hoje tudo que não for dar a tempo o que se
pode tomar depois por si mesmo, é tempo perdido: não pode existir unidade
e firmeza de Governo, sem que haja um ponto de apoio e de reunião o mais
próximo destas partes constituintes. O Brasil deve fazer por força parte do
Sistema Político da América e não do Sistema Político da Europa. Já lá vai
o Sistema colonial. Em que cabeça cabe a ideia de que ao momento que a
América do Norte está emancipada e tendo uma grande influência na Política
do Mundo: ao momento que todo o Sul da América se acha independente
e se proclama tal, que o Brasil haja de se querer unir e sujeitar à Europa!
Português sou eu; mas prescindo de boa mente de semelhante fantástica
prerrogativa que decerto se não verificaria muito tempo na prática.
Com os 14 anos que El rei esteve no Brasil deu-se um impulso à
independência e Liberdade dos Brasileiros, como talvez se não tivesse em
séculos dado aos Portugueses na Europa, isto em consequência do que El
Rei se familiarizava, dando todas as noites audiência, ouvindo e falando a
toda a classe de pessoa, o que se não praticava em Portugal, e em nenhuma
Corte da Europa. E depois de estarem habituados a isto desaparecer-lhes de
improviso a Corte e se lhes substituírem outra vez Governadores! é porven-
tura da natureza que os homens habituados a tal familiaridade quisessem
retrogradar e esquecer-se do que possuíram, e podem possuir? Que coisas
são Governos Soberanos de Províncias: isto seria bom para o princípio do
estabelecimento das Sociedades! Para o tempo dos Sólons e dos Licurgos: o
que se deve cuidar é em fazer Leis e regulamentos de Comércio, com que se
estreitem e identifiquem por todos os modos os interesses dos Portugueses
dos dois Hemisférios; declare-se mesmo em uma Lei fundamental, que no
caso de qualquer querer abandonar Portugal ou por vontade ou por perse-
guição achará no Brasil um acolhimento, não como aliado, mas sim como
irmão facilitando-se-lhe os meios do seu estabelecimento, e o mesmo aos
Brasileiros em Portugal.
Há 16 anos que vivo lá fora, e por isso tenho sido testemunha muitas
vezes da Consideração que se dava ao nome Português depois que El rei fixou
a sede do Governo no Brasil. Os Estrangeiros têm uma grande ideia daquele
País, mesmo os que lá nunca estiveram, isto só pelos gêneros, que enchem
os mercados da Europa, como o Ouro, Diamantes, Açúcar, Algodão, Café,
Cacau, Pau-Brasil etc. etc. E os Políticos sabem mais, que a Corte de Portugal
existindo no Brasil o está na situação de maroma, como tem estado Portugal
desde 1640 de fazer e desfazer tudo com chegada de qualquer Paquete de
Falmouth! Vi-o todos uma prova; tomou o Governo Português posse do

348
Montevidéu; fizeram-se todos os protestos para se largar; meteram-se nisto
as grandes Potências da Europa, e por fim nada conseguiram; isto porque se
não mandava com a mesma arrogância e facilidade uma Esquadra ao Brasil,
como se podia mandar a Lisboa.1
A ideia de ser o Príncipe Real o Regente de Portugal, é a única, que
posso conceber desde 1817, que penso nisto, para se realizar a maior ligação
possível entre os dois hemisférios, isto é ser o herdeiro do Trono o Regente
de Portugal, e que há de ser Rei do Brasil. Portugal não perde coisa alguma
da sua Dignidade, antes pelo contrário vem a ser assim mais Democrático;
Sistema de Governo que lhe deve ser o mais vantajoso;2 e o Príncipe a ser
como um Presidente ou Sthadhouder: vindo o Rei do Brasil a começar por
governar Portugal e deste modo lucrando os Povos de ambos os Países, pois
que conhecendo a ambos melhor os Governará.3
Enfim acabarei em dizer que, a principal razão por que é preciso fazer
sacrifícios é a crítica situação do Brasil com a imensidade de Negros; que ali
abunda, e que uma vez irritados os Brasileiros possam por ultimo e desespe-
rado recurso chamá-los a seu socorro, e reduzir-se aquele vasto e rico País
ao estado da Ilha de São Domingos.
Estamos acostumados a ser francos, ainda que também a nos custar
caro: todavia continuaremos a sê-lo agrade ou não, a quem deseja viver de
ilusões, porquanto trata-se de um ponto muito sério, daquele em que todo
o Cidadão Português tem parte, e uma grande parte.
Os Senhores da Comissão Especial dos Negócios do Brasil pondera-
ram o estado crítico, em que se acha aquela grande parte da Monarquia:
ponderaram mais e persuadiram-se do interessante, que era a Portugal não
fazer abreviar a emancipação do Brasil da Mãe Pátria, e portanto para não

1
Quando se ofereceu ao Eleitor de Hannover o Cetro da Grã Bretanha não hesitou na
oferta não só por melhorar de condição mas até porque como Rei da Grã-Bretanha
poderia muito melhor garantir os seus Estados na Alemanha, que podiam de um ao
outro dia desaparecerem como desapareceu a Polônia.
Com este Governo é que os Lusitanos resistiram por muito tempo aos Cartagineses e
2

aos Romanos.
3
Quem conhecer outro meio melhor que o aponte, mas que se possa realizar na prá-
tica. Em um Governo Absoluto governarem 2000 léguas quadradas 200:000 é um
fenômeno: porém em um Governo representativo é uma monstruosidade eis porque o
remédio para casos tais devera ser extraordinário. Na história das sociedades acha-se
tudo menos destes casos, vê-se um País, aliás pequeno dominar o maior, mas jamais
se viu um País querer-se unir em direitos e prerrogativas a outro que se acha duas mil
léguas distante, por isso a se verificar hoje esta união extraordinária é que se precisa
cumprir planos, que se não acham na esfera dos cálculos ordinários.

349
apurarem a efervescência cuidaram em contemporizar, por isso que desta
contemporização podia resultar, 1.º (a não haver apoio nas expressões da
Junta de São Paulo), que os Brasileiros podiam contar com a tolerância da
Mãe Pátria, 2.º (a havê-lo e querer-se separar o Brasil de Portugal) ficassem
na persuasão de que os Portugueses fechavam os olhos a tudo que faziam
seus Irmãos do Ultramar, e por isso sendo credores da sua amizade, fosse
qualquer que fosse o seu novo estado.
Que conseguiam os do partido oposto? Isto é que pretendiam se formasse
já culpa aos Deputados da Junta de São Paulo, e se castigassem? [Seria] acabar
já com o Brasil! Eu não me persuado que haja Portugueses de senso comum,
que reputem por indiferente a separação do Brasil, e esta feita de estouro, e
irritando os Brasileiros: o resultado deste proceder, e deste decretado castigo
devia ser por força o desenvolvimento das ideias, que há muito dominam
na América do Sul. De mais as expressões da Junta de São Paulo não são
expressões de 12 homens, são sim as da Província; porquanto esta Junta foi
eleita pelo Povo, e como tal deve ser o órgão dos seus sentimentos.
A participação da Junta ao Príncipe Real não é, como alguns Senhores
Deputados têm querido, participação ao Poder Executivo, e, como tal, uma
afronta dirigida às Cortes por via do dito Poder. Não só as Juntas Provinciais
do Brasil não reconheciam o Príncipe Real por Chefe ou Delegado do Poder
Executivo, por isso que as Cortes assim o tinham decretado, mas até o mesmo
Príncipe na sua Carta a El Rei, e comunicada às Cortes confessava achar-se em
uma situação inferior a de um Capitão General. Portanto esta participação era
mais particular e confidencial, que oficial; e se o Príncipe a remeteu a seu Pai,
foi para que ele visse e conhecesse o espírito público daquela parte do Brasil.
Os da Comissão conheceram o perigo, em que está o Brasil, e dando
todo o apreço devido à união possível do Brasil com Portugal, queriam que se
fechassem os olhos a formulários e a insignificâncias para obterem realidades
coisas de outra monta, os que alegando com a Dignidade do Congresso dizem
que se percam 1000 Brasis; mas não a honra, dizem uma bela expressão em
teoria, mas não na prática, pois que Pátria, honra, e dignidade, andam sempre
a par. Quando se trata de perder ou conservar parte, e uma grande parte da
nossa Pátria, do Território, que constitui não só o nosso Patrimônio, mas o
da nossa posteridade, não há dignidade a ganhar, quando aquilo se perde.
Que Dignidade podemos nós conservar, a perdermos a maior parte
do Território que Constituía a Monarquia Portuguesa? Quando Portugal
conservava a independência Nacional sem o Brasil, era quando a Espanha
se achava dividida em vários Reinos; e perdendo hoje ambos as Américas
deve ser a falta muito mais sensível a Portugal, por isso que a Espanha se

350
acha concentrada em uma só Monarquia; e Portugal pelo contrário com
Províncias de menos, que tinha em 1500. Eu quero admitir, que a Junta de
São Paulo fosse desmedida nas suas expressões, porém deveríamos nós sem
conhecimento de causa adotar uma medida, que pudesse ser o sinal para o
imediato levantamento do Brasil? Ignora-se na Europa o espírito público da
América do Sul? e então que admiram hoje as expressões da Junta de São
Paulo? A prudência em casos tais é a mesma Dignidade: o homem em perigo,
e em situações críticas diz, e avança, o que aliás, e a sangue frio não faria.
Quem acelerou a nossa regeneração política? Não foi o nosso abandono? E
então por que espírito de injustiça, e inconsequência criticamos hoje nossos
Irmãos nas mesmas, e talvez mais críticas circunstâncias, que aquelas, em
que nos achávamos.
O argumento de que o Brasil se não acha na situação de se emancipar,
e de formar um Governo estável, e que deverá por isso ter a mesma sorte,
que tem tido Buenos Aires: é contraproducente, pois que é por essa mesma
razão, que os Portugueses da Europa com a prudência devida deviam cuidar
em evitar as guerras civis, que se iam a desenvolver no Brasil, uma vez que
lhe tirem de lá o Príncipe Real, único meio de obstar a isto, e de desfazer
partidos. Deveriam evitar que um terceiro tirasse vantagem de tais divisões.
Que faz um Pai de Família a um Filho, que tendo de tomar estado um
dia o quer já fazer por ter idade e até legítima, que o pai administra? Não
procuraria ele todos os meios suaves de o entreter, e dissuadir? Até que a
fazê-lo fosse o mais conforme aos sentimentos de ambos. Porventura usaria
ele de meios violentos? Não seriam eles o modo de decidir o filho? O mesmo
acontece com o Brasil: este País há de se emancipar, e muito cedo, pois que
é o último que resta na América. E não seria político? não seria do maior
interesse aos Portugueses da Europa, que isto se fizesse o mais tarde possível,
e que quando chegasse a hora de se fazer fosse quase de comum acordo e em
tais ligações de comércio e amizade que não houvesse separação senão em
nome? Que coisa são caprichos entre Irmãos: deixemo-nos de fazer compa-
rações de mais ou menos dependência; todos dependem, e talvez um dia virá
que se possam verificar entre nós os serviços dos Cartagineses aos Tírios* de
que foram Colonos.

*
Todos sabem que os Cartagineses foram Colonos dos Tírios, e que estes últimos pela
alternativa dos tempos receberam os maiores serviços daqueles. Diodoro Sículo Livro
17 diz que durante que os Cartagineses eram perseguidos pelos seus inimigos, os Sira-
cusanos; receberam uma Embaixada de Tirio a qual lhes vinha implorar o seu socorro
contra Alexandre, o grande, que estava ao ponto de lhes tomar a Cidade, que ele sitiava,
havia muito tempo. Que o extremo, a que se estavam reduzidos os seus Compatriotas
(pois assim os chamavam) os [ilegível] tão vivamente com o seu próprio mal. E que se

351
Que dizem os da Junta de São Paulo ao Príncipe? Que os não deixe
e se não embarque para a Europa, que eles responderão às Cortes pela
desobediência. E qual seria melhor dizer-lhe isto, ou que se fosse o mais
breve possível, que eles cuidariam em se governar, como se governa toda
a América? Qual seria mais social, mais organizador? E mais interessante
aos Portugueses? Que o germe dos partidos se sufocasse na sua origem?
Ou que se abrisse um imenso campo às guerras civis? Os Povos do Brasil
podiam em casos desesperados pôr em questão se as Cortes de Portugal
tinham pensado bem em mandar retirar o Príncipe Real: e tanto que já a
Comissão Especial no seu parecer diz, que fique o Príncipe: isto porque
achou que assim o pediam e exigiam as Circunstâncias; logo já na Europa
se admitem circunstâncias, que façam mudar as ordens das Cortes. De mais
alguns Povos do Brasil juraram as Bases condicionalmente, e mandaram
os seus representantes colaborar na Constituição na suposição de muitos
dados, um que não queriam Constituição sem um Poder Executivo e este
da Família Real, muito mais tendo-o assim declarado El Rei antes de sair.
Quem poderá afirmar, que existiriam hoje Cortes em Espanha? se Fernando
VII se achasse em Madri em 1812? E em Portugal, se o Senhor Dom João
VI residisse em Lisboa em 1820? Foi a ausência dos Chefes e o abandono,
em que ficaram os Povos o que os autorizaram a se levantarem e organizar
um Governo: o que foi um dos primeiros motivos alegados no Manifesto,
que se fez à Europa: e então por que não devemos supor os mesmos direi-
tos nos Povos, que se achassem na mesma situação; em que nos achamos?
Se responsabilidade tivesse alguma coisa de real de que calibre não seria
aquela por que deviam responder os que exacerbam os partidos? Aqueles
que iam fazer correr rios de sangue entre o Amazonas e o Rio da Prata! Se
aos amigos da ordem em Buenos Aires tivessem dado um Príncipe, como
eles têm estado a pedir ao Rio de Janeiro desde 1809, mas tudo frustrado,
graças às intrigas do Conde de Linhares, e de Lord Strangford! Quanto
sangue se teria poupado? Quantas desgraças se não teriam evitado?

achando fora do estado de socorrê-los acharam que ao menos os deviam consolar, e


deputaram 30 dos seus principais Cidadãos para assegurá-los da [ilegível] e dor, em que
se achavam de lhes não poderem enviar tropas em uma situação tão urgente. Os Tírios
perdida a única esperança que lhes restava, não perderam coragem: puseram nas mãos
destes Deputados as suas Mulheres, seus filhos, e todos os velhos da Cidade, livres da
inquietação acerca do que lhes era mais caro no Mundo cuidaram em se defender com
coragem. Cartago recebeu esta tropa desolada com todas as possíveis mostras de amizade
e lhes rendeu os serviços que se podem fazer a Pais, filhos e Irmãos.

352
Ponham-se, se é possível, os que murmuram e gritam, na situação
daqueles Povos, e então talvez mudassem de linguagem, porque haviam de ver
que a sangue frio se raciocina de diferente modo, que com ele exaltado. Em
Pernambuco já as autoridades mandadas pelo Soberano Congresso anuíram à
vontade do Povo e fazem reembarcar as Tropas. E não é isto contra a ordem
das Cortes? e depois de ser feito uma grande despesa? e então que tem de mais
terrível a conduta da Junta de São Paulo? Caracas foi a primeira Província
da América Espanhola, que deu o impulso; portanto não é argumento o ser
uma Província a que representa; isto devia-nos servir de lição para contem-
porizarmos, pois que se quatro ou cinco Províncias fizessem o mesmo sem
remédio estava o negócio. Eu avanço sem medo de passar por impostor ou
temerário, que, se o Príncipe Real se decide a embarcar e o pode realizar; adeus
Províncias do Sul e do Brasil e até o resto; isto é adeus à reconciliação com
os Portugueses; Alguém há na Europa que, há muito tempo, cogita e aspira
ter uma Feitoria no Brasil! Até Santa Catarina já foi designada e pedida, e
portanto já se vê o quanto se aumentará o número dos que excitam as divisões
e discórdias no Brasil, pois que é delas que os especuladores tiram partido. É
por isso que desejaríamos se fechassem os olhos a muitas coisas, e se abrissem
a outras muito sérias.
É da Natureza de todas as Sociedades terem uma infância, um cresci-
mento, um estado adulto, e um decaimento: Há 300 anos que se continua a
denominar a América Novo Mundo, apesar que também se tem continuado
a se lhe negar educação devida; mas assim mesmo, e sem se pensar, tem dado
passos para a civilização. Todos sabem o que deu os principais motivos para a
emancipação da América do Norte: e que na do Sul, apesar do Sistema adotado
pela Europa, havia um fundo de independência, que lhes imprimiu aquela, e
que o que se esperava era um momento oportuno para a sua desenvolução. Esse
se verificou logo que a Família Real da Espanha teve a fraqueza de se separar
da Nação e de se deixar arrastar a uma prisão em França; e que a Espanha
ficou assim abandonada à sua sorte. Foi então que as colônias Espanholas
conheceram que era tempo de fazerem desenvolver as suas forças e os seus
Direitos, e é dessa época que data a sua independência. E do Brasil, desde que
o Monarca Português com a sua Família e Corte acharam um asilo naquele
País em 1808: acrescendo a isto a residência ali da Corte por 14 anos com as
relações comerciais e políticas com todas as Nações civilizadas.
As independências das Nações originaram sempre de uma oportuni-
dade, e a sua conservação de esforços e sacrifícios: quantos não custarão aos
Estados unidos? é verdade que a umas Nações custa-lhe mais que a outras.
Se a América Inglesa tinha a civilização, que a Mãe Pátria lhe tinha dado;

353
também teve ao depois uma imensa resistência e Marinha com que lutou
por muitos anos. E se o Brasil se acha, como querem alguns, muito atrasado
para se organizar independente, também tem menos forças com que lute:
as da França e Inglaterra essas não assustam porque não têm partidistas
no Brasil, como teriam as Portuguesas, portanto pense nisto seriamente o
Governo e queira-se lembrar do ciúme, que hoje reina em toda a América
da menor ingerência Europeia. Os Estados unidos são os primeiros, que
protegem e animam isto.
É desgraça que se não limitem os homens a falar sobre o que conhece,
mas que queiram dar por paus e por pedras para conseguirem os fins que têm
em vista. Há quatro anos que às instâncias da Corte de Madrid se nomearam
Agentes tanto da parte de Espanha, como de Portugal a fim de se ajustarem as
desavenças acerca de Montevidéu. Os Agentes da Espanha proclamavam por
toda a parte, como o maior atentado, a posse de Montevidéu pelas Tropas
Portuguesas, e isto junto às intrigas particulares, que se manejavam pelos
diferentes Gabinetes fez arranjar notas e protestos, que as primeiras Nações
da Europa dirigiram à Corte do Rio de Janeiro: escreveu-se de parte à parte,
puseram os Escritores Portugueses o Negócio no seu ponto de vista verda-
deiro, e além disso a Corte do Brasil fez conhecer o caso tal, como era, e em
consequência desistiram as quatro Potências de se entremeterem mais nisto.
Todo o Mundo que tem lido os papéis Públicos de 1818: 1819 deve
estar ao fato das razões imperiosas, que obrigaram a Corte do Rio de Janeiro
a tomar posse de Montevidéu; devem saber mais que não só não houve
ataque, nem se forçou a Praça a render-se: que pelo Contrário o Cabido
de Montevidéu entregou as Chaves da Cidade voluntariamente ao General
Lecor com a declaração de que S. M. F. as não deveria entregar a outrem,
nem abandoná-los depois aos seus inimigos. Portanto temos pois de olhar
a evacuação de Montevidéu por três faces: uma de nossa segurança e das
nossas Fronteiras: 2.º pela responsabilidade, em que estamos a proteger um
Povo, que se uniu a nós e a quem prometemos não abandonar: 3.º Porque
o Governo que hoje nos aperta a que larguemos o Território nos é devedor
de uma Província e de mais a mais devedor ligado à face do Congresso de
Viena, e quanto me não admiro eu em ver e ouvir dizer que a nossa usurpação
de Olivença nada tem, nem deve ter com a evacuação de Montevidéu. Em
Medicina Conjectura-se e atrapalha-se acabando por matar o doente com
a mesma indicação com que outro o cura. Em Política há um trilho mais
seguido e regular: os fatos são mais fatos que Sintomas.

354
Com que tira-se-nos uma Província no tempo das usurpações de
Bonaparte e por meio dos seus agentes! Decide-se no Congresso de Viena
[que] fora uma usurpação e deve, como tal, restituir-se; nada disto se faz! e
nós que tomamos posse de Montevidéu abandonado pela Espanha e tirado
a um salteador, que nos vexava: e depois de nos custar isto imensas somas
e muito sangue devemos largar este Território! Que vergonha não faz o
ouvir-se pronunciar tal a chamados Portugueses! Ainda que Montevidéu não
fosse tomado na ideia de indenização, como não foi, pois é assaz conhecido
o caso, hoje devia-se reter prescindindo das outras razões, só para nos não
aviltarmos mais aos olhos das Nações. Para que se grita do Tratado de 1810
se vejo hoje com um Governo Representativo avançar-se uma degradação
muito acima das de 1810! como é que se negocia? De que servem as Praças
que se tomam em uma campanha? Não é para troca? Não é o mesmo com
os prisioneiros? Grita-se muito dizendo, que fora impolítica a tomada de
Montevidéu e escandaloso o gasto, que se fizera para a conservação desta
Praça! Palavras não são argumentos, muito menos provas: por isso mesmo
que nos custou muito cara a conservação, é que se não devia dar hoje às
mãos lavadas. Além disto a conservação de Montevidéu no estado atual da
América do Sul não é tão indiferente, como alguns pensam: o Território de
Montevidéu é a chave do Brasil da parte do sul, assim como o é o Pará da parte
do Norte. Depois as Nações, quando ganham em nome e glória vale-lhe bem
a pena de fechar os olhos a desperdícios, que nunca verdadeiramente o são.
O nome que as Tropas Portuguesas adquiriram nas margens do Rio da
Prata é de maior monta e consequência, que saques de riquíssimas Cidades.
Os grandes soldados de Alexandre, de Pompeu, de Bonaparte, e do Grande
Afonso de Albuquerque não se fizeram senão à custa de grandes tentativas,
e empresas: o tempo mostrará um dia, e custará a crer talvez a quem tanto
clama disto, a influência que terá nas Negociações futuras as façanhas, que
fizeram os Portugueses nas margens do Rio da Prata. Já se tem visto os dese-
jos, que os Povos daquele território mostram em se unir à Grande Família
Portuguesa: da outra parte do Rio Prata tem havido iguais desejos de que
uma alma empreendedora e ambiciosa teria já tirado vantagem.
Portanto digo, que se não deve largar Montevidéu, muito menos se os
habitantes pedirem a nossa proteção, e isto porque o não tomamos à Espanha,
mas sim a um salteador, e porque a Espanha tinha abandonado e alienado
os Povos daquele Território.
Enquanto dizer-se, que se não devem pedir ao Governo os papéis que
têm relação às Negociações em Paris em 1818, e sobre Olivença: digo e

355
devem pedir para fazer calar os que falam sem conhecimento de causa. E
o dizer-se mais, que os papéis que o Governo achar serem de segredo se
não devem pedir, pois que nem essa é a prática nos Governos constitucio-
nais, nem deverá jamais ser: respondo em 1.º lugar, que a Negociação de
Montevidéu e de Olivença não é Negociação pendente, é sim de anos passados
e por consequência não é segredo que possa influir em Negociação! Em 2.º
lugar, não tem lugar algum argumentar se nos Governos constituintes com
Governos constitucionais e constituídos; nós ainda não temos uma norma
ou constituição fixa e sancionada e por isso se entremete o Poder legislativo
a cada passo no Poder Executivo, pelo contrário na Inglaterra e nos outros
Governos constitucionais jamais o Parlamento manda evacuar uma Praça,
visto que isto em bom regime constitucional pertence ao Executivo; e portanto
assim como hoje se altera uma coisa pode-se alterar outra, muito mais que
esta é a prerrogativa das Cortes constituintes.
Além disto o dizer hoje um Secretário de Estado se não devem dar certos
papéis não é prova. 1.º Porque deve haver desconfiança, muito mais da parte
de quem confessa não haver Tratados para entregar dois Espanhóis; mas sim
havia um Direito das Gentes, que só ele conhecia para se entregarem! 2.º
Porque não há ainda responsabilidade organizada; nem eu posso conceber que
responsabilidade se possa fixar a um Ministro, que comprometa altamente
uma Nação, e como ele possa responder por isto.

ABRIL 1822

356
32

O
BRASIL INDIGNADO
CONTRA O

PROJECTO ANTI-CONSTITUCIONAL
SOBRE A

PRIVAÇÃO DAS SUAS ATTRIBUIÇÕES


POR HUM

PHILOPATRICO

RIO DE JANEIRO,
NA TYPOGRAPHIA NACIONAL
M. D. CCC. XXII.

357
N’est-il pas temps de secouer le joug de cès maximes barbares, qui ont fait
gemir le Brésil pendant de siècles! N’est-il pas temps de rompre ces entraves
multiplices, qui ont arreté son essor, et l’ont fait ramper dans la bassesse.

L’Ami des Brésíliens.

Não será ainda tempo de sacudir o jugo destas máximas bárbaras, que há
séculos fazem gemer o Brasil? Não será tempo de abater estas barreiras multi-
plicadas que impedindo seu voo fizeram com que ele se arrastasse na baixeza.

O Amigo dos Brasileiros.

Sempre será avaliado como um absurdo em política o projeto de fazer


retroceder uma Nação, quando ela aproveitando-se das suas circunstâncias;
e dirigida pelo impulso de suas próprias forças avança rapidamente para a
época de seu verdadeiro destino, e de sua glória. Não, não foi dado às forças
humanas o poder de resistir à misteriosa combinação destas causas ocultas,
que se deve desenvolver na ordem dos tempos produzindo necessariamente o
seu efeito, e encarando todos os obstáculos, que se opuserem à violência de sua
marcha. As Nações, assim como cada homem individualmente considerado,
tem um período de infância, outro de mocidade completa, outro de velhice;
em cada um destes períodos há uma espécie de existência própria da idade,
um modo de pensar diferente; as leis, que regulam a educação na infância não
podem ser aplicadas na época em que as paixões se mostram desenvolvidas, e
a razão iluminada por novos conhecimentos, e pelas relações sociais; é preciso
que as Leis atendam a esta mudança, porque sem uma igual contemplação
perdem o seu respeito e bem longe de desempenharem o seu objeto fazendo
ilesa a prosperidade dos povos, farão a sua desgraça, ou os obrigarão a que
eles por si mesmos organizem o plano de regulamento. O Brasil havendo saído
já há muito tempo do estado de infância, tinha por consequência entrado na
época de sua madureza quando o Senhor Dom João VI passando além do
Atlântico veio dar-lhe a carta de sua emancipação; exemplo novo nos fastos
das Nações polidas, que os Gregos conservariam em lembrança pela soleni-
dade das Olimpíadas, e que entre nós será o despertador das homenagens
devidas a este Augusto Soberano. Se o Brasil não recebeu logo igualmente com
aquela carta a Legislação, que devia desenvolver suas forças físicas, e morais;
se ficou em tudo semelhante a estes escravos, que se acham por muito tempo

358
entorpecidos depois que se lhe tiram os ferros, com que eles já se haviam acos-
tumado a trabalhar, nós conhecemos os motivos desta demora, e a decência
exige que poupemos os antigos agentes da política ministerial. Era impossível
que a emancipação do Brasil não despertasse um grande ciúme nessa parte
da Nação, que viu mudar-se o Trono, e a residência do Soberano para o
nosso Hemisfério. Nenhum dos nossos grandes políticos se lembrou do que
em 1809 dizia altamente na Europa o citado Amigo dos Brasileiros; nenhum
quis lançar os olhos sobre estas linhas traçadas há cinquenta e oito anos pelo
Abade Genty na sua obra imortal da influência da descoberta da América =
Políticos inquietos, e ciosos até quando os benefícios da Natureza servirão
de pretexto à vossa tirania? Porventura porque os povos das Américas têm
infinitos meios de fazerem a sua prosperidade deverão sofrer um jugo de dia
a dia mais pesado, e verem sempre sobre os seus pulsos novas cadeias? Temei
que a Natureza vingadora da conservação do gênero humano não revele algum
dia a estes povos os seus direitos, e os auxílios, que ela tem de reserva para
lhes oferecer; temei que os obstáculos, que vós opondes a sua prosperidade,
em lugar de vos segurarem sua submissão não venham a servir para desuni-los
do vosso Império. Povos da Europa, se vós quereis conservar vossas colônias
do novo mundo, não espereis que elas quebrem pela força os laços da infância
em que vós as retendes; fazei cair de suas mãos estas cadeias odiosas, e uni-vos
com elas por uma mútua felicidade: nenhum se lembrou enfim de considerar
esta emancipação como um golpe desta política, que se levanta acima do seu
tempo, e vai ver no seio das idades futuras a marcha dos Impérios. A Europa
julgou que a passagem do Senhor Dom João VI para o Brasil fora resolvida
pelas circunstâncias ameaçadoras de Portugal; e com efeito essa parecia ser a
causa urgente, mas só foi a ostensiva; a Providência suprema reguladora dos
destinos das Monarquias não quis que se mostrasse a causa principal, quero
dizer, a necessidade de se mudar, ou de se destruir o sistema colonial estabe-
lecido no Brasil, sistema mui impróprio de suas forças físicas, e morais, mui
contrário à opinião geralmente concebida, e vulgarizada pelas diversas classes
do povo, e já tão insuportável, que se continuasse a existir, seria motivo de
grandes males. O Brasil via com indignação, bramindo de raiva, os imensos
recursos, que a Natureza lhe havia dado para o elevar à altura das Potências
mais respeitáveis; via a balança de suas transações mercantis já toda propensa
para a sua parte como diz o ilustre Pinkerton: e diante dos seus passes via
barreiras erguidas por aqueles mesmos, que deviam mostrar o maior interesse
pelo progresso de sua prosperidade; via leis do Comércio exclusivas, bastões
de ferro, planos de morte para a indústria, e para o entorpecimento das
artes; em uma palavra sentia o peso de uma mão opressora que o violentava

359
a estar como um menino em seu berço, ou debaixo das carrancudas vistas de
um tutor devorado de ciúme pelas riquezas, e pelos talentos, que descobria
no seu pupilo. Os escritos filosóficos dos Mablys dos Paines, dos Rouseaus,
dos Volneys, dos De Pradts, dos Simonides introduzidos pelas brechas feitas
nas barreiras coloniais, circulavam pelas mãos dos Brasileiros; eles tinham
conversado com os Parnys, com os Humboldts, com os Dreys; e os seus
Irmãos do antigo Hemisfério ainda os consideravam como uma Tribo estú-
pida, inteiramente privada das primeiras espécies da Literatura, e com a mais
decidida negação para as altas ciências: viam-se nos gabinetes da mocidade,
nos dos homens do campo, e do Comércio bibliotecas escolhidas fora do
estado da virgindade, e cabeças elétricas só capazes das primeiras impressões
classificavam os Brasileiros na hierarquia dos macacos. A Europa admirava
os nossos Alexandres de Gusmão, os Costas; em tempos mais modernos, os
Josés Bonifácios, que a mesma França elevaria acima do seu Lacépede, os
Azeredos Coutinhos, que devia obrigar a Nação a não ter ciúme de não haver
produzido os Bossuets e os Fénelóns, e Portugal não se corria de dizer que o
Brasil só dava à luz serpentes, e insetos matadores, esquecendo-se, ou melhor
não temendo que do seio da antiga Albion um Brasileiro respeitável pelos
seus conhecimentos filosóficos, e políticos, o imortal Hipólito não lançasse
no meio de suas praças os raios inextinguíveis da nossa vingança.
Sendo pois esta a ideia que se fazia do Brasil era bem de supor que se
arranjassem todos os planos para o privarem da coroa, de todas as suas atri-
buições e darem-lhe um pobre chapéu de grosseira palha; era bem de esperar
que os seus Deputados fossem chamados para assistirem mudos, e com os
braços cruzados à sanção das Leis, que em tábuas de pedra deviam trazer ao
Brasil: era bem de esperar enfim que a menor oposição da nossa parte fosse
considerada como um atentado de Lesa-Nação, ou desviada com a presença
do copo oferecido a Sócrates, e a Focion. Os Brasileiros acudindo ao grito
de regeneração Nacional deram as provas mais decisivas de seu prazer, e de
seu interesse por esta causa julgada então comum a ambos os Hemisférios;
avançaram até a pronunciarem um juramento novo, desconhecido em todos
os tratado da Moral, que falam de juramentos; deixaram com lágrimas sair
dos seus braços o Senhor Dom João VI, esperando que a Sua Presença no
Congresso, firmando o plano da prosperidade Nacional segundo o rito das
nossas antigas Cortes, apertasse mais e mais os laços da nossa união, e servisse
de penhor à permanência das nossas atribuições; ergueram-se em todos os
nossos corações mil altares em honra dos Deuses que nós supúnhamos ocupa-
dos em fazer remoçar a Monarquia dividindo com igualdade o germe vital
por todas as Províncias dos Reinos unidos; o entusiasmo foi o mais público,

360
o mais enérgico, o mais extraordinário. E não deverão os Brasileiros clamar
à face das Nações da Europa vendo-se já iludidos em suas esperanças à vista
dos projetos estabelecidos para o seu retrocesso político? Haviam no Brasil
sujeitos que conhecendo perfeitamente o estado da moral pública em toda a
Nação; e sabendo que sem os seus elementos se não poderá jamais organizar
o plano de uma regeneração feliz no seu resultado, descobriam o verdadeiro
motivo da mudança do antigo sistema; eles teriam feito ver ao Senhor Dom
João VI quais eram as providências próprias para salvar o Brasil dos punhais
acicalados pelo ciúme, que ameaçavam a propriedade de suas atribuições se
este Augusto Senhor não mostrasse os últimos desejos de fazer em benefício
geral da Nação o sacrifício de uma viagem tão crítica depois de 14 anos de
uma nova climatização, e tão exposta a mil diversas contingências. Sim o
Brasil teria dado o passo mais vantajoso para o estabelecimento fixo de sua
prosperidade e para a segurança da coroa, que recebera das mãos do Soberano
se aparecendo então aos pés do Trono com a verdadeira estatística de suas
forças, e com o grande mapa de suas imensas possibilidade dissesse a este
Senhor com a mesma liberdade dos nossos velhos, e honrados Portugueses,
= Senhor, as Províncias centrais e marítimas deste vastíssimo Continente
havendo recebido de Vossa Majestade os títulos de sua honrosa emancipação,
vendo abertos os seus portos para o comércio de todas as Nações, e tendo
recursos sempre existentes, e progressivos para sustentar em atividade o mesmo
comércio, esperam que estes títulos, verdadeiros penhores de sua futura glória,
sejam firmados por uma Legislação adequada às suas circunstâncias atuais.
Ninguém melhor que os seus Deputados poderá informar a Vossa Majestade
sobre as providências, que elas exigem para que as suas forças se desenvolvam,
e se percebam na grande artéria da Nação vantagens mui superiores àquelas,
que até aqui se percebiam. Embora, Senhor, a povoação do Brasil seja mui
desproporcionada com a imensidade de sua superfície; se é verdade, como
dizem os políticos, que a Europa vai a tocar no último climatérico de sua
existência, e que já principia pelas oscilações, que a agitam, a descer para
o túmulo onde caiu o Egito depois que civilizou a Ásia, onde se abismou a
Ásia depois de civilizar a Europa, não lhe restando outro recurso para esca-
par à imperiosa marcha desta alternativa se não o renovo da mocidade, que
lhe oferece a América, deixarão os povos desse velho Continente de virem,
como os antigos reis do Ponto aos pés dos Césares de Roma mendigar aos pés
de Vossa Majestade os meios de prolongar sua existência? A que altura de
glória não subirá o Brasil recolhendo em seu seio essas Tribos já civilizadas,
que nos trarão, para motivo de melhor hospedagem, as artes, e as ciências já
em outros séculos transplantadas pelas Nações do Bósforo para o meio dia

361
da Europa? Portugal ou virá com elas participar desta nova vida recebendo
sempre de nossa parte todas as considerações devidas a um Irmão mais velho,
ou posto ao longe, desamparado pelos estrangeiros, que o procuravam nos
dias de nossa mútua união se debaterá em uma agonia fatal até se abismar
no golfo da Espanha. =
Não se deu então este passo, e talvez mesmo fosse julgado antipolítico
nas circunstâncias do tempo: mas não se poderá hoje dar, se o Congresso
persistir nas ideias já anunciadas a nosso respeito; e se não anuir à nossa
representação sobre a residência de Sua Alteza Real do Brasil? As Províncias
hoje desunidas, vendo que este Príncipe amável, e cheio de entusiasmo, de
quem necessitam os Criadores dos Impérios se decidiu a abraçar a nossa causa
comum, e que deseja entrar com elas em conselho para levantar o plano de
nossa Legislação econômica, adiantando a obra começada por seu Augusto
Pai, deixarão de vir procurar sua Pessoa para se reunirem em um centro de
interesses recíprocos? Portugal não teria lançado contra o Brasil os primeiros
raios de seu exaltado ciúme se conhecesse melhor a energia deste povo pela
conservação e suas atribuições. Os Brasileiros não sentem perder o ouro
porque nasce debaixo dos seus pés ou em metal, ou em substâncias, que se
convertem pelas transmutações mercantis nesse precioso símbolo das riquezas;
mas nunca poderão consentir que se desencrave a mais pequena pedra do
diadema, que cinge sua fronte: as Províncias no estado atual de divergência,
e de falta de equilíbrio entre suas mútuas relações parecem caminhar para
a anarquia, elas se ajuntarão em massa logo que vierem a Lei que as force a
retornar a infância para dizerem. = não queremos, não consentimos; é tarde,
é mui tarde. = Os pontos mais invasíveis do Brasil oferecerão o espetáculo das
gargantas de Termópilas, e os Brasileiros se converterão em Lacedemônios.
Aqueles que julgam que se pode zombar impunemente da força física quando
esta não é auxiliada pela força moral vejam o que diz o Filósofo da Sé de
Malinas na sua obra profética sobre os três meses, e os últimos seis meses
da América, e do Brasil = Seria uma bela coisa a existência de um poder
capaz de fazer parar o movimento impresso no espírito dos homens, ou
no corpo inteiro de uma Nação. Infelizmente ainda não se descobriu este
maravilhoso segredo, e enquanto se não descobre, vivamos na certeza que as
forças humanas não poderão jamais demorar o progresso de uma disposição
de semelhante natureza. Cem anos de vexames da parte de Roma contra a
Alemanha levaram este Império à desesperação, como se pode ver no = centum
gravamina = apresentado, na dieta de Worms; achou-se a mina carregada pelo
descontentamento de um século inteiro; um monge lançou fogo a esta mina,
e a explosão retiniu em toda a Europa: dilatou-se o incêndio, a metade da

362
Alemanha, e da Europa em outros tempos tão subestimadas abjuraram sua
fé e as torrentes de sangue espalhadas no longo espaço de duzentos anos não
puderam extinguir o fogo. Carlos Quinto gastou aí as molas de seu poder,
Filipe Segundo perdeu os Países baixos, Francisco Primeiro, e seus sucessores
nada conseguiram apesar de torturarem seus vassalos com os incêndios de
Cabrieres, de Merindol, e com as Dragonadas. Poderíamos ajuntar a este
exemplo de impossibilidade um retrocesso moral as tentativas da implacável
Maria de Inglaterra, de Jacob II, de Henrique VIII, de Izabel, de Cromwell, de
Guilherme III, para obrigarem a Irlanda a retroceder do sistema Religioso que
ela havia adotado; poderíamos ajuntar as funestas consequências, que tirou a
Grã-Bretanha pretendendo fazer reentrar debaixo do jugo os Estados Unidos;
mas não é preciso autorizar com muitas provas de fato uma verdade que tem
por fundamento o capricho de uma Nação ressentida de se ver enganada em
suas esperanças, insultada as invioláveis pessoas dos seus Representantes, e
até exposta a ser objeto de zombaria das Nações, que testemunharam sua
alegria à vista das promessas, que lhe foram feitas.
Não, aqueles que ofereceram o projeto não se lisonjearão de ver que as
suas providências anticonstitucionais a nosso respeito foram recebidas no
código de nossa Legislação; não se lisonjearão de ver caídos os Tribunais em
que se ultimavam as nossas causas civis, e nós obrigados a irmos na distância
de duas mil léguas procurar os recursos da justiça, que sempre deveram ser
prontos pelas consequências, que arrastam as delongas: Ministros postos ao
longe e inteiramente hóspedes no verdadeiro espírito das questões agitadas
neste Continente nunca poderão ser juízes naquelas causas, que pedem um
maduro exame sobre os mesmos lugares, em que elas se moveram. Sei que se
poderá objetar dizendo, que tal era antiga prática do Brasil, e que nunca se
murmurou; mas eu respondo com as próprias palavras do Arcebispo Filósofo
= Ce qui a pu exister sans de graves inconvenients lorsque la Colonie en raison
de sa petite population n’avait que peu des affaires est intolerable depuis que
l’acroissement de cette population, et celui de sa richesse ont creé, comme il
arrive toujours un grand courant des affairs, qui reclament acceleration, et
célérité. = O regulamento que podia existir sem graves inconvenientes quando
a Colônia, em razão da sua pequena população tinha poucos negócios, é insu-
portável depois que o aumento desta população, e de suas riquezas criaram,
como sempre acontece uma grande afluência de negócios que exigem o mais
pronto expediente. = É público entre nós que esta medida foi apresentada
nas Cortes em projeto, e sendo inteiramente oposta às ideias liberais de qual-
quer Constituição, basta só o seu anúncio para no fazer entrar em grandes
suspeitas sobre as vistas pouco favoráveis que se começam a lançar contra

363
nós. Que! deveremos esperar a explosão da mina para depois fugirmos dos
seus estragos! Estaremos porventura nos princípios do célebre Epiteto, herói
do Estoicismo que vendo seu Senhor disposto a quebrar-lhe uma perna, só
falou depois que a viu quebrada? Teremos a covardia de ver com indiferença
caídos os nossos Tribunais , assim como a França viu em silêncio o seu
Parlamento desterrado pelas intrigas desses Ministros, que abriram o túmulo
da Monarquia de Henrique IV.
Um dos motivos, que aparecem no Manifesto da Nação Portuguesa aos
Soberanos da Europa apressando o momento da regeneração da Monarquia
é ser a Justiça administrada do Brasil aos povos fiéis da Europa em uma
distância de duas mil léguas com excessivas despesas, e delongas, e quando
a paciência dos povos estava já fatigada. Não se lembrariam porventura
os nossos pretendidos Regeneradores quando projetaram que caíssem os
nossos Tribunais, não se lembrariam que eles haviam escrito estas Linhas
no Manifesto, e que os Brasileiros podiam argumentar com elas trazendo as
mesmas delongas, as mesmas contingências dos mares, os mesmos combates
dos elementos para mostrarem a absoluta impossibilidade de por em marcha
regular os negócios públicos de uma Monarquia achando-se a tamanha
distância o centro de seus movimentos? Lembraram-se; mas dirigidos pelo
fogo da paixão contra este País considerado por eles, ainda mesmo hoje,
como o antigo escravo que Pedro Álvares Cabral achou na América sem
ter Senhor, a quem pertencesse não refletiram que o Soberano previdente, e
filantrópico o Senhor Dom João XVI já havia tirado as argolas deste escravo,
e desembaraçado sua língua para dizer ou em frase Brasílica, ou em Francesa,
ou em Inglesa, ou em Grego, ou em Latim, ou em Alemão = isto não convém
=. Lembraram-se; mas quiseram sem dúvida capacitar-nos que os Tribunais
em Portugal ficariam tão expurgados dos homens iníquos que cada Ministro
seria um Aristides ou um João das Regras; e que os Procuradores das nossas
causas logo que chegassem a Portugal mandariam dizer aos seus Constituintes
o mesmo que César vencedor de Farnace Rei do Ponto mandava dizer aos
Romanos “veni, vidi, vici” embora na volta fossem engolidos pelos mares,
ou apresados pelos piratas, e os papéis levados ao Tribunal de Netuno, ou
de algum Rei da Barbária. Lembraram-se: mas decidiram com um rasgo de
pena verdadeiramente anticonstitucional que nem os Portugueses residentes
neste País e ligados conosco ou pelas nossas dependências civis, ou pelas
relações mercantis, ou pelos interesses de nossa segurança individual, nem
os Brasileiros, por ser no seu conceito um povo organizado como a quimera
de Horácio, não deveriam ser considerados na hierarquia desse povo ou

364
grande, ou pequeno, segundo a frase do mesmo Manifesto; que não deve
sujeitar-se irrevogavelmente ao arbítrio de uma vontade, que pode ser injusta,
caprichosa, e desregrada, quem não vê que deste modo se nos pede a grande
carta de nossa emancipação? Não se pode atacar com mais imprudência a
Dignidade de uma Nação que pelas suas riquezas figura com muito brilho no
meio das Nações mais polidas da Europa; não se pode com mais furor correr
a negra esponja do espírito de partido sobre os escritos desses estrangeiros,
que maravilhados por haverem conhecido melhor o Brasil, confessaram à
vista de sua elevação à categoria de Reino, que ainda era mui pouco, porque
o Brasil podia ser o maior, o mais opulento Império do mundo, le plus grande
le plus opulant empire du monde. Os Romanos não levaram mais longe os
seus projetos quando pretenderam despojar os Batavos do título de Cidadão
que César lhes havia dado em recompensa dos seus bons serviços.
A Providência permite algumas vezes que os homens se confundam em
suas ideias, e passem a obrar em oposição com as suas boas palavras para
que se vejam à luz do dia os planos traçados na obscuridade das trevas; é
assim que o Supremo Árbitro dos destinos humanos se compadece destes
povos, que deixando-se arrebatar com entusiasmo pelo impulso das primei-
ras impressões correm à presenças daqueles, que de longe os convidam, sem
refletirem que vão encontrar coroas de cipreste em lugar de coroas de Louro.
Os Brasileiros nunca poderão ser criminados em acederem à causa comum
da Regeneração prometendo os Agentes deste Plano indispensável às nossas
circunstâncias restituir à Monarquia em geral aquela perspectiva brilhante,
que era como a divisa de sua glória. Se os mais prudentes desconfiaram do
feliz sucesso desta empresa por conhecerem melhor com os grandes Filósofos
os perigos inevitáveis, que se encontram quando se deslocam as bases de um
edifício político escorado sobre séculos de existência, não lhes era possível
anunciar sua opinião no meio da efervescência dos espíritos ansiosos de que
aparecesse a suspirada Panaceia, em que se firmavam suas futuras esperan-
ças: não era tempo de publicar os escritos desse insigne Filósofo político,
que se viu obrigado a ir visitar as ruínas de Atenas, e as margens do Jordão
por haver dado à luz o seu ensaio moral sobre a marcha dos povos antigos
confrontados com os modernos: não era tempo de sair do gabinete com as
reflexões políticas do Conde de Segur mostrando a delicadeza que a prudência
exigia em uma crise tão digna de atenção: era preciso ler Vetel, Filangieri,
Felice e saltar algumas páginas com receio de ofender a opinião anunciada.
Os mais teimosos, ou os mais desconfiados ficaram a margem como Raynal
ficou na França quando viu que as medidas tomadas para reformarem os

365
abusos introduzidos nos últimos dez anos de Luis XIV, crescidos com a
regência de Orleans, e com o ministério de Dubois não prometiam mais do
que os atentados da Demagogia; outros saíram da cortina, e apareceram
em cena supondo certamente que eletrizando o povo, o fariam mais digno
das considerações do Congresso Regenerador; estes se mostraram neutros,
e foram apedrejados, aqueles firmes, e constantes, e foram aplaudidos.
Pronunciem agora o seu juízo as Nações da Europa, e digam se os
Brasileiros deveriam ser avaliados com a manifesta indiferença, que escan-
dalosamente se observa nos papéis públicos; digam se os projetos formados
sobre o Brasil podem ser filhos de uma Constituição Liberal dirigida a enobre-
cer a Nação a sua totalidade: digam se as atribuições dos povos entrando
na classe dos objetos de propriedade deverão ser ofendidas por aqueles, que
prometeram a garantia deste direito tão sagrado como inviolável; digam se
os Brasileiros considerados como Constitucionais serão de uma ordem mais
inferior para virem esperar o ultimato de suas questões jurídicas, e civis nos
pórticos dos Magistrados de Lisboa? Sim a conduta que os Regeneradores
da Nação já mostraram a nosso respeito será nas gerações futuras mais uma
prova desta indestrutível rivalidade com que em todos os tempos alguns maus
pensadores desse antigo Hemisfério contemplaram o Brasil. Nós ajuntaremos
essas linhas traçadas no Congresso com outros testemunhos autênticos do
que aí se praticou com alguns dos nossos Deputados, e entregaremos à nossa
posteridade para que digam aos seus últimos netos que na época em que
as Cortes Gerais, e Extraordinárias da Nação se reuniram para mudarem a
antiga, e viciosa forma do Governo os Brasileiros chamados para aderirem a
esta causa, e se havendo já prestado como o último entusiasmo em seu desem-
penho foram ridiculamente insultados, e até obrigados a ouvirem o sacrílego
projeto para se despojar o Brasil dos títulos de honra, e de emancipação,
que havíamos recebido do Senhor Dom João VI durante a sua residência
entre nós. A par desta fiel exposição a Posteridade também achará escritos
os protestos, que nós fizemos altamente à face da Europa pelo direito que
tínhamos, e sempre teremos à conservação e heroica defesa dos nossos títulos
honoríficos, e de todas as nossas regalias como Nação.
As medidas que nós devemos tomar para desviarmos dos nossos
túmulos os epitáfios demonstradores de fraqueza, de covardia, e de falta de
caráter parece que deverão ser as seguintes. A primeira dirigir aos nossos
Deputados instruções decisivas sobre o verdadeiro objeto de sua represen-
tação a fim de que se estabeleça a nossa união Constitucional sem a mais
pequena, sem a mais ligeira suspeita de ofensa daqueles direitos, que nós

366
não podemos perder porque são constitutivos de nossa existência política,
e moral na hierarquia dos povos civilizados: a segunda que se deve consi-
derar nas nossas circunstâncias como o centro de onde hão de partir todas
as linhas para organizarem o quadro de nosso progressivo melhoramento
é o empenho mais decidido pela conservação da Sua Alteza Real no Brasil
com um Conselho Deliberativo em que apareçam os Deputados de todas as
nossas Províncias centrais, e marítimas escolhidos legalmente na classe dos
homens mais conhecedores deste Continente e em estado sancionarem com
Sua Alteza Real o plano de regulamento, que deve ser apropriado ao Brasil.
Não, não percamos a posse de um PRÍNCIPE que segundo testemunhas de
Mister Larive um dos emigrados de maiores conhecimentos, que residiu entre
nós eclipsa o efêmero esplendor dos Príncipes da Europa. Se fosse permitido
tocar ligeiramente na urna inacessível, onde debaixo das vistas do Supremo
Arquitetor do Universo estão encerrados os destinos das Monarquias talvez
achássemos o Nome do Príncipe Regente na lista dos Príncipes reservados
para criarem novos Impérios. Nascido no meio dos balanços, que agitavam a
Europa, quando de todas as partes se ouvia o estrondo da queda de seus mais
antigos Tronos, instruído pela observação destas alternativas, que mostram
aos Reis quanto são fracas as bases das Monarquias se não se sustentam sobre
o amor, e a satisfação dos povos, observação esta que não pode escapar á
extraordinária agudeza de seu engenho, o Príncipe Regente nos dá as mais
lisonjeiras esperanças de uma prosperidade inalterável. O Brasil já não está
em estado de ser governado por bastões; sentiu a presença de um Soberano,
viu que a maior parte daqueles, que de longe o vinham representar, não
encheram a sua missão, e agora só o Herdeiro da Monarquia pode segurar
sua existência política e sua Fortuna. Já as nossas Províncias o esperam para
lhe oferecerem as primícias de sua indústria melhorada; já se ouvem os gemi-
dos da terra anunciando que vão dar à luz riquezas muito mais sólidas, que
o ouro, e os diamantes, parece que esses bosques cerrados, onde vegetam, e
engrossam madeiras próprias para as construções navais, já se desembrenham
para lhe patentearem os seus tesouros. Brasileiros vede, vede em roda do
Príncipe viajor as nossas Províncias empenhadas em crescerem debaixo de
suas vistas; uma diz – eu posso produzir tudo quanto produz a Europa, e a
Ásia porque a Providência me assentou debaixo de um Céu temperado, talvez
para recolher em meu seio na época atual a transplantação desses gêneros,
que com tanta dificuldade se vão buscar através de mares altivos: outra
exclama “eu posso erguer grandes fábricas de manufaturas, e sustentadas
com vigor para prolongarem a vida do comércio, e entreterem a navegação

367
em giro ativo” ali mil braços se oferecem aos seus olhos dizendo “segurai
nossa existência como agricultores, não consintais que se nos arranquem
os instrumentos da lavoura para nos darem uma baioneta, e a Agricultura
aparecerá vingada dos insultos, que até agora sofreu; aqui mil vozes chegam
aos seus ouvidos” Fazei cessar o despotismo destes Comandantes, que nos
distraem dos nossos trabalhos obrigando-nos a sacudir dos nossos vestidos
o pó dos campos para aparecermos como militares todas as vezes que os
estimula a arbitrariedade de sua vontade; fiquem esses homens para sempre
inibidos de nos encarregarem de comissões contrárias aos nossos interesses,
aos mesmos interesses da Nação, que perde os seus lucros com o nosso
desvio do trabalho. Deixará Sua Alteza Real de se mostrar acessível a estas
representações? E ouvindo-as benignamente como nós esperamos quanto
não ganharam as Províncias do Brasil? A Constituição da Suécia, que os
políticos consideram como um grande modelo de Legislação determina que
os Príncipes viajem muitas vezes pelos campos, que entrem nas cabanas dos
Lavradores para verem a situação, e providenciarem o que for preciso em
benefício da Agricultura. O Príncipe Regente já conhece mui bem quais são
as vantagens, que percebem os Estados quando esta Arte aparece debaixo
de todas as imunidades, que lhe são devidas, e o Brasil deve esperar que ela
seja o grande objeto dos seus empenhos porque sem agricultura não há nem
comércio, nem navegação, nem riquezas Nacionais.
Honrados, Generosos Portugueses, que haveis confundido vossos inte-
resses com os nossos, e que hoje unidos pelos vínculos do sangue ou pelas
relações mercantis, e sociais já viveis climatizados debaixo do nosso Céu;
intrépidos ilustres Defensores da Pátria, e da Nação, que cingiu a espada
para garantir a prosperidade, e a segurança individual do Povo, que vos
alimenta, e que vos oferecerá multiplicados penhores do seu reconhecimento
à proporção que vos mostrares mais zelosos pelos seus interesses prestai-vos
de bom ânimo às justíssimas representações que aparecem neste Manifesto,
elas são feitas pelo amor da ordem, e para conservação da harmonia geral,
são os sentimentos de um povo, que abraçou sem hesitar a causa comum
de nossa regeneração, e que se vê ameaçado de não entrar na partilha de
suas vantagens, imortalizai vossos nomes nos fastos do Brasil, e lembrai-vos
que defendendo os nossos interesses, vós salvais a Monarquia Portuguesa
ameaçada de um perigo eminente [sic]. E vós, Brasileiros das Províncias
centrais e marítimas, mostrai o entusiasmo de vosso brio pela nossa causa
comum; não perca o seu eletricismo a cadeia, que nos deve unir, agora
mais do que nunca estreitada em roda do Príncipe Regente: a força física

368
das Nações nunca pode entrar em concorrência com a sua força moral; os
povos unidos com um só modo de pensar são barreiras que permanecem
sempre de pé á vista dos maiores combates; firmemos nossas esperanças no
amor que o Príncipe Regente nos consagra; sim, ele está disposto a promover
nossa felicidade; o plano será traçado no meio dos nossos Representantes;
e no momento em que aparecer em público nós deveremos dirigir-lhe estas
expressões que um grande Filósofo dirigiu em nome dos Russos ao Imortal
Criador do seu Império. = Senhor, vós adquiristes uma glória incomparável,
os homens testemunhas das vossas empresas apenas podem acreditar o que
vós tendes executado; vós sois semelhante a esses filhos dos Deuses, que em
outros tempos ajuntaram os homens errantes, e fizeram sair das entranhas
da terra novas Cidades, ou a esse Prometeu que roubou o fogo do Céu para
animar um grosseira argila. Completai esta grande obra dando à Nação a
divisa deste gênio nobre, e elevado, que vos dirige, e fazendo-a marchar de
dia a dia com mais vigor para o Zênite de sua glória. = Brasileiros, qual será
a Nação que para o futuro se poderá comparar convosco? Brasileiros, esperai
em vossos braços as Nações da Europa, porque o Céu nos tem reservado a
glória de as remoçar completamente. E tu, Amigo dos Brasileiros, que em
1809 quando nós já íamos a entrar na época de nossa emancipação clamavas
contra os obstáculos, que impediam os voos deste continente, que em 1815
vistes nossa elevação à categoria de Reino, e que, se ainda vives, bramirás
sem dúvida sabendo que se ofereceu em uma grande, e Augusta Assembleia o
projeto para tornarmos a entrar nestas barreiras, aceita nossas homenagens,
e fica na certeza que o Brasil está em marcha, que não pode retroceder, e que
até é impossível esmagá-lo. Le Brésil est en marche, il ne peut retrograder,
le refouter [refouler?] est imposible.

369
33

CONSIDERAÇÕES
POLITICO-MERCANTIS
SOBRE
A INCORPORAÇÃO
DE
MONTE-VIDÉO
POR
J. S. V.
Natural de Minas Geraes

RIO DE JANEIRO:
NA TYPOGRAPHIA NACIONAL.
1822.

370
Quand on ne peut pas donner la loi on
ne doit songer que’ à eviter de la recevoir. –*
Mémoires du Prince
Eugène de Savoie.

CONSIDERAÇÕES
POLÍTICO-MERCANTIS

D I S C U R S O.

A Incorporação do Estado Cisplatino é um sucesso que pode ser conside-


rado debaixo de dois aspectos. O primeiro, que é o da sua importância abso-
luta, tem merecido até aqui uma atenção preferível, talvez porque os Povos
gostam mais de admirar que de discorrer. O segundo, que só “apresenta” as
dificuldades de conservar tão preciosa agregação1 de homens e território ao
Império nascente do Brasil, observo que não é contemplado tanto, quanto
devera sê-lo, e é que preciso, para nos subtrairmos ao poder dessa mesma
fortuna; a quem tanto devemos, neste caso. Não poderá ainda renascer das
cinzas, o incêndio? A engenhosa discórdia não poderá ainda recolher os
destroçados restos do seu templo arruinado?....

* Quando não podemos dar as leis, só devemos sonhar em evitar recebê-las.


1
Seis mil léguas quadradas, e trinta mil Habitantes.

371
Certamente, a Incorporação está rodeada de perigos e incertezas que
não convêm ocultar ao Público, quando o Público tem direito a discorrer, e
a propor os meios que o seu zelo lhe ditar como os mais oportunos a dar a
tão grande obra a solidez de que necessita.
O Estado Cisplatino é uma fração das Províncias, que, em outro tempo,
constituíram o rico e extensíssimo Vice-Reinado de Buenos Aires. Os seus
habitantes, dóceis até certo tempo, obedeceram fielmente a Buenos Aires, e se
alistaram sob as suas bandeiras para fazer a guerra a Montevidéu, único lugar
onde as ideias de Liberdade e Independência não acharam entrada franca,
quando apareceram nas margens do Paraná. Era esse, o primeiro ensaio em
que os Cisplatinos puderam desenvolver o seu valor, a sua constância, e a sua
disposição natural para a guerra; circunstância esta, que contribuiu muito a
realçar os seus serviços, e fazê-los mais atrevidos, ou menos prudentes nas
suas pretensões e rivalidades com Buenos Aires.
Para maior desgraça de ambas as Províncias, enquanto a primeira
começava a mostrar-se inimiga dos novos Estatutos – enquanto propendia
à formação de uma República única e indivisível – a outra principiava a
sentir na sua espantosa debilidade o triste efeito da corrupção e convulsões
intestinas: de maneira que ambas concorreram reciprocamente à escandalosa
separação, inimizade, e guerra de extermínio, em que se viram envolvidas
até fins de 1814.
Foi então que a Praça de Montevidéu se rendeu a Buenos Aires, e que
nós começamos a ver em nossas praias os Emigrados daquela Povoação, por
cuja possessão os Cisplatinos pugnavam, depois de uma grande vitória, como
Senhores do território; e os Transplatinos2 como vencedores, como Senhores
da força, e como Depositários da autoridade suprema de todas as Províncias.
Não teria sido difícil terminar essa contenda, se na sua sustentação só se
interessasse o patriotismo ou a glória Nacional, porém ela era sustentada por
um partido de bárbaros, que respirando vingança e sangue, propunham se
chegar por meio do terror e dos delitos a ocupar o antigo dossel dos Vice-Reis;
pretensão esta, que era tão quimérica em outro qualquer estado de coisas,
como era fácil a conseguir no estado de que falamos, e que só esboçaremos,
para que os nossos amigos vejam, no seu original, esse monstro horrível,
essa hidra de cem cabeças, que se chama Anarquia.
Muito antes de render-se Montevidéu, haviam os Orientais abandonado
o sítio desta Praça, para melhor hostilizar e comprometer o Exército de

2
Adiante os chamaremos Argentinos, para denotar que pertencem à Província de Buenos
Aires.

372
Buenos Aires, que todavia mais firme do que a prudência permitia, manteve
as suas posições, fez frente aos refratários, e zombou do inimigo com pouco
mais de 2.500 homens.
O Chefe dos Cisplatinos, Dom José Artigas não esperava um rasgo tão
eminente de entusiasmo, e apesar disso, jurou guerra eterna ao Governo das
Províncias, proclamando os princípios de uma = Confederação = que pusesse
a cada um dos Povos nas circunstâncias de velar por seus interesses mais
chegados, como sucede (diziam os seus Mentores) na Pátria de Washington.
Debaixo desta farsa que, assim referida; parece mui miserável, conseguiu
Dom José Artigas exercer na Cisplatina um Império mais absoluto que o dos
Sultões, até que os Povos cansados dos seus excessos, e cansados de ver tintos
de sangue humano os campos da margem oriental, outrora dignos de inveja,
arrojaram-se nos braços do primeiro Potentado que se dignou estender-lhes
uma mão amiga para livrá-los do Tirano.
Debalde os seus prosélitos, seduzidos por palavras, e ansiosos pelos
saques, uniram-se neste momento crítico para salvá-lo: uma derrota era o
anúncio de outra maior, e a perda diária de Chefes, tropa, e opinião, acele-
rou o momento da suspirada Salvação, fazendo cair o Ídolo nas mãos dos
Paraguaienses, que ele julgara interessados na sua glória, e libertando os
Povos do terror que os impedia a se declararem pelo restabelecimento da Paz.
Aqui podemos dizer, que a Província Oriental começa a ser um objeto
mais digno da nossa consideração. Quieta, contente, e ativa, ela se mistura
com os Guerreiros que lhe deram paz: canta com eles o hino da vitória, e
com eles torna às ocupações úteis da vida social: porém bem que esta união
mostra quanto pode o benefício, e quanto é proveitoso aos Conquistadores
o respeitar os Povos3 qualquer que seja a opinião da sua grandeza, pelo que
a nós toca tinta mui pouco de sólida e interessante. Não havia outro pacto
mais que o de obedecer ao Governo existente, e fazer a guerra à Anarquia,
nem a Corte do Rio de Janeiro parece que anelava outra espécie de vínculos,
sempre receosa de excitar os zelos da Inglaterra e a vingança da Espanha,
até que impelida pela força dos sucessos inopinados deliberou que os Povos
já pacíficos da Província Oriental escolhessem ou a sua Independência, ou o
seu regresso ao antigo regime, ou a sua incorporação a Portugal. Já sabemos
o resultado desta medida, só resta que discorramos, tendo presente a história
dos sucessos, cuja revista nos tem ocupado.

3
Não se pode dizer que foi com as outras armas, que as nossas Legiões combateram em
Montevidéu.

373
O Estado Oriental não tem podido pacificar-se sem fazer alguns descon-
tentes, os quais juntos aos partidários da antiga Capital Buenos Aires, aos
indiferentes, e aos aspirantes; raça bastarda de todas as sociedades, formam
uma forte oposição ao mais sólido estabelecimento da nova ordem: porém
inda quando semelhante oposição não exista, ou não mereça as atribuições
de forte e perigosa poderemos negar que um povo acostumado a pensar
e a lisonjear-se de uma Independência, bem ou mal entendida, retrograde
sem violentar-se, e receba com gosto a Lei de um poder armado? Bom é
falar com franqueza em todas as matérias: os Povos experimentam nessas
mudanças o mesmo que os indivíduos na passagem de um para outro clima
diferente: e para naturalizá-los com o seu destino é preciso mostrar-lhes toda
a conveniência da nova ordem a que são chamados, cometendo deste modo
à persuasão; o que raras vezes se consegue pelas armas ou pelos Tratados.
Se na aplicação desta verdade ao nosso caso quisermos discorrer como
filósofos, quanto não deve regozijar-nos os ver aniquilados na Província
Oriental todos os crimes, que grassam ainda no Entre Rios, na Baixada de
Santa Fé, em Córdoba, em Tucumán, em Mendonça, e quem sabe se mesmo
em Buenos Aires! A humanidade não pode ser indiferente a esta vantagem
da nova ordem de coisas nem a Religião permite que a posterguemos a
outras que, de qualquer forma que se pintem, nunca seriam desejadas, sem
a suposição de que ficavam conservados ou restabelecidos os costumes.
Tanto mais nos horroriza o aspecto de um Estado quase deserto, onde
só aparecem unidos às leis de uma Confederação com todos os vícios alguns
milhares de homens, que incendeiam, devastam, roubam, assassinam, e
defloram, que blasfemam, irritam-se, se atraiçoam, vingam-se, e se maldi-
zem reciprocamente no seio das suas bárbaras delicias; quanto outrossim,
deve aumentar-se a gratidão de qualquer homem sensível ao ouvir que estes
monstros têm desaparecido, que os seus prosélitos já os detestam, e que os
seus crimes já não poderão mais repetir-se com impunidade e aplausos. Isto
certamente é uma obra quase divina para quem tem visto as cenas do ano
de 1815 em Montevidéu, e de Buenos Aires em o de 1820;4 porém falemos
com os Políticos.
Montevidéu estando incorporado a uma Potência grande pelo seu terri-
tório, grande pela sua feliz posição, e por suas raras e esquisitas produções,
começa a constituir-se um Estado de Ordem,5 e representação; um Estado

4
Neste ano os Anarquistas Orientais tomaram Buenos Aires, destruíram o Diretório,
dissolveram o Congresso Soberano, e devastaram a seu capricho todas as Províncias.
5
Veja a Ata de Incorporação.

374
que conservará as suas Leis, usos, e privilégios até obter outros mais liberais;
um Estado que terá o manejo exclusivo do seu Erário e o mando do seu
Exército; um Estado finalmente que poderá governar-se a si mesmo com toda
a independência que lhe seria outorgada naquele sistema (a Confederação)
por cujo estabelecimento supõe-se os Cisplatinos haver lutado, com o resto
das Províncias Argentinas. Se esta Independência é por si só tão apetecível,
com se supõe, seria uma contradição o reparar para a mão donde vem para
recebê-la, ou um capricho indigno de homens, que amam verdadeiramente
a sua Pátria: porém se o que se apetece é precisamente a união futura e
incerta com Buenos Aires, ou outra Província mais distante, então não se
justifiquem os Orientais, nem pretendam desculpar-se de sua guerra com o
novo Mundo; da sua obstinação; e dos males que possam haver ocasionado
à independência de Chile e de Peru; porém observem e escutem.
A confederação tem prevalecido, e é por um efeito deste grande benefício
que, enquanto a Província de Salta se vê invadida por um Exército de Sua
Majestade Católica; comandado pelo General Olanela – enquanto Tucumán
desbarata as Tropas de Santiago, ameaçam a Córdoba – Buenos Aires só se
ocupa em formar uma Constituição para o Governo interior do seu distrito.6
Clamam as Províncias Irmãs contra este egoísmo, e pedem que Buenos
Aires concorra ao Congresso reunido em Córdoba; porém os Políticos
daquela valorosa Capital são inflexíveis neste ponto: o seu plano está
formado pela experiência do ano de 1820: eles tratam de salvar-se; e eu
creio que se Montevidéu lhes pedisse outra coisa eles não fariam mais senão
deixar que cada Estado cuide no seu destino.
Para fundamentar este juízo apelaríamos para a Província de Salta
submetida de fato por 1.500 homens – para Tucumán ameaçado de igual
perigo, e para as Províncias desoladas pela guerra civil; porém falando com
os Orientais, nem tanto é preciso. Eles têm visto a conduta de Buenos Aires
no tempo da Invasão Portuguesa; sabem qual foi a sua conduta quando um
Exército de 20.000 Espanhóis ameaçou Montevidéu;7 não se tinham esque-
cido da cruel indiferença de que alardearam todas as Províncias quando

6
Todos os Periódicos de Buenos Aires, porém especialmente o “Argos” nos Números
correspondentes a Outubro, Novembro, Dezembro, Janeiro e Fevereiro último, mani-
festam que nunca as Províncias Unidas mereceram menos esta dominação do que nos
anos de 1820, 21, e 22.
7
Nesta ocasião bem se soube que o General Odonell, Chefe daquelas forças era esperado
pelos Europeus de Montevidéu com armas, víveres, e dinheiro: viu-se também que os
Portugueses abandonavam a Praça, e que o inimigo devia assentar nela o seu Quartel
General. Que fez Buenos Aires?

375
viram decretado (em 1821) o abandono de Montevidéu pelas Tropas de Sua
Majestade Fidelíssima. Que mais é preciso para inferirmos qual seria a sua
conduta se os Orientais implorassem o seu patriotismo?
Prescindo das razões que podem justificar a apatia recíproca de uns
Povos para com outros Povos, cujos interesses não se têm podido conciliar
em 12 anos de assídua contenda; porém quando a desgraça tem chegado
a um tal ponto, não deve ser motivo de queixa ou de censura que cada
paciente procura para si o remédio mais conforme ao seu mal. Foi assim,
que o Diretório Supremo de todas as Províncias convencionou com Luís
18 de França a colocação do Duque de Luca no Trono de Buenos Aires; e
Salta não podendo defender-se, nem recorrer às Províncias irmãs, jurou, por
uma Convenção, a Constituição de Espanha tal qual lhe foi apresentada por
uma força armada...... Quanto é diferente a conduta de Montevidéu! Ele
não só propôs as condições, mas ainda ditou a Lei ao Estado maior dentre
os da América Meridional:8 não rendeu as suas armas nem alienou os seus
direitos; e pode dizer em qualquer século que defendeu a sua liberdade por si
só, e só por si é que se erigiu em um Estado poderoso, e isto quando parecia
mais exposto a sofrer as cadeias de um Poder estranho.
Em circunstâncias semelhantes, se Montevidéu lança os olhos em si
mesmo, vê-se um Povo, a cuja fidelidade e valor fica confiada toda a fronteira
do Sul do Brasil: a sua importância não pode ser inferior a esta qualidade
sendo considerado debaixo do aspecto Político, mas quanto ao mercantil,
então a imaginação perde-se em contemplá-lo.
De Montevidéu sairá o alimento de todo o Brasil, e do Brasil virão a
Montevidéu todas as produções da Zona Tórrida de mistura com o ouro,
esmeraldas, diamantes – produções, que, a não serem tão necessárias às
Províncias do Baixo Peru, como são para o Brasil as carnes, o trigo, os
azeites etc.: não haveriam dado que fazer por três séculos à vigilância das
Leis Coloniais. Foi apesar destas Leis e dos mais brutais castigos, que nós
formamos relações mui estreitas com os Povos da margem Oriental; e estes
igualmente se corresponderam com muito lucro com a Colônia, São Diogo,
e Rio Grande. O que não será, quando aquelas proibições se converterem
em regulamentos liberais de um Comércio recíproco. Então, não o duvidem
os nossos rivais, então verá Montevidéu por uma feliz experiência, que
nenhum dos Povos que bebem as água do Paraná tem com que sustentar
uma permutação e mercado mais ativo, mais extenso, e mais lucrativo; que

8
Pela Capitulação com o General Lecor se estabeleceu que as chaves de Montevidéu não
possam ser entregues, no caso de abandono, se não ao Cabildo da Capital.

376
os que habitam, do Amazonas ao Ibicuí! Com estes Povos podem-se manter
por terra comunicações semelhantes às da França com todo o Continente
da Europa; e por mar, o tráfico de Montevidéu com os mesmo Povos será
como o da Espanha em todas as Costas do Mediterrâneo.
Enfraqueçamos porém o colorido deste quadro, e fazendo ao Brasil uma
injustiça, que não afeta muito a sua verdadeira importância, suponhamos
que a Montevidéu eram iguais os partidos tendo o centro das suas relações
no Rio de Janeiro, por exemplo, ou em Córdoba de Tucumán; mas jamais
havemos de convir em que a Baixada, Entre Rios, e Buenos Aires cedam
pacificamente as vantagens das suas respectivas posições sobre o Paraná e
o Uruguai; nem concordamos que seja possível a estes Povos abandonar a
outros a navegação de uns rios, que são o único apoio de sua prosperidade
mercantil.9 Ora bem fica claro que impedido o Paraná para Montevidéu,
ou há de suportar esta injustiça ruinosa ao seu comércio, ou pegar nas
armas para emendá-la, ou buscar amigos mais generosos e prudentes, com
os quais façam câmbio das suas produções: e estas produções (tenhamos
isto bem presente) que são idênticas às de Buenos Aires, Entre Rios, e
Santa Fé, correrão por todo o Brasil, preferidas pela Lei e procuradas por
conveniência Nacional.
Se eu tenho manifestado algum empenho em descobrir toda a preferên-
cia que os Cisplatinos deviam dar à Incorporação, ou a considerem como
Políticos, ou como Negociantes; não é porque tenha julgado duvidoso:
I. Que uma Incorporação, pela qual Montevidéu consegue a maior
independência com que pode constituir-se um Estado da sua classe, é um
bem, cujo gozo se não deve expor aos riscos e contingências da mais desgra-
çada revolução.
II. Que as revoluções (e todas as empresas humanas) têm um termo
contrário ao seu objeto, quando se quer levá-las ao extremo. Exemplo a de
Inglaterra subjugada por Carlos 2.º; e a de França hoje em dia reduzida a
Potência de segunda ordem.
III. Que a posição de Montevidéu e o seu clima apresentam uma extre-
midade favorável ao Brasil, e o Brasil um Teatro incomparavelmente mais
grandioso, mais elevado e mais nobre que o Vice-Reinado de Buenos Aires
para qualquer Estado que pretenda elevar-se a uma grande consideração
entre os Impérios futuros das Américas.

9
Questiona-se todavia em Buenos Aires, se deve conceder-se aos estranhos a navegação
do Paraná para que Santa Fé tenha com eles um comércio livre. Questiona-se quem deve
cobrar os direitos, onde, quando, como.

377
Isto só é duvidoso para as facções, só é problemático para a ignorância:
só pode entrar em questão entre homens de vistas mui limitadas. Porém o
pundonor? a Justiça? – Eu ouço estas reconvenções e quero satisfazê-las.
O pundonor de um Estado não é o orgulho de um particular: este pode ser
tudo o que quiserem as Leis e as Convenções Nacionais: porém aquele está
reduzido a limites mui precisos: e consiste (falando de um modo geral) em
que “os direitos do Povo e por conseguinte a sua dignidade, não sejam depri-
midos impunemente, nem ultrajados sem vingança.” – O pundonor portanto
de um Estado não consiste naquilo que pretendiam os do Rebuzno, nem em
outras frivolidades, pelas quais parece tão indiferente que se degolem dois
contendores: quanto é sacrilégio que as sociedades se batam, destruam, e
se engolfem em crimes: mui especialmente se ainda para esta barbaridade
só se pode contar com a paciência e candura da multidão: pois em tal caso
se pospõem a Lei Suprema da conservação às Leis vergonhosas do orgulho
pessoal – e este é aqui o nosso caso.
Montevidéu perderá o momento favorável de assegurar a Independência
que Buenos Aires não lhe quis conceder: perderá os gozos a que lhe convida
uma sorte inesperada: perderá o que tem granjeado em 4 anos de paz; será
ingrato com um vizinho generoso; e tornará, se é necessário, a ser a Pátria
dos Tigres.10 Por que não é honrosa a união com os estranhos? – Quão
miserável [é] a condição humana! É hoje honra para Montevidéu receber de
Buenos Aires o que já não pode negar-lhe: é honra tomar parte nas discussões
de vinte Povos desgraçados, que farão a paz, que serão amigos, que serão
irmãos, quando fizer conta a Buenos Aires o ser octogonal.11 Na verdade,
esta honra nem parece de um gênero tão abstrato, que seria preciso abrir
mão da Incorporação, retirar as Tropas Portuguesas, e deixar-lhes o direito
de obrar contra Montevidéu como Auxiliares da Espanha12 para que então
compreendesse o mais estúpido quanto é mais glorioso tornar às cadeias
de um tirano vingativo, do que ter uma Pátria, um Código próprio, e uma
Constituição livre.

Todos sabem que governando o feroz assassino Fernando Torguez, [passaram] pelas ruas
10

de Montevidéu alguns Tigres, [ilegível] sem dúvida por aquela simpatia que é natural
entre as fezes da mesma espécie.
Reúne-se atualmente em Santa Fé um Congresso que o = Argos = chama quadrilátero;
11

e nós chamamos de polígono, ou como parecer melhor aos entendedores de Congressos


com lados.
Em 1816 dizia-se eles vêm de acordo com os Espanhóis = em 1820 se disse eles entre-
12

gam Montevidéu aos Espanhóis = em 1822 tem-se dito. Eles venderão Olivença por
Montevidéu. Se assim tivesse sucedido, ou sucedesse?

378
Falando agora da justiça com que Montevidéu tem tomado por fim um
partido decisivo, conhecemos que nem os limites da nossa tarefa, nem as nossas
relações com as Províncias Unidas nos permitem enumerar com exatidão
todos os motivos de queixa e desgosto que operaram a separação da Província
Oriental muito antes de 1815; porém como isto não nos seja essencialmente
preciso, limitar-nos-emos ao que tenho por mais próprio do assunto.
Quando Artigas começou a desenvolver os seus planos e recursos a favor
do Federalismo, bem podia Buenos Aires sair-lhe ao encontro, e frustrar em
grande parte as vistas deste Bárbaro, deixando as Províncias congregadas
livremente, a eleição de um Governo Provisório; que regulasse o particular
de cada Província;13 porém teimosa em sustentar a supremacia e primazia,
fez a guerra inutilmente, desolou inda mais inutilmente a Córdoba, Santa
Fé, Entre Rios; abandonou o Peru aos Espanhóis, e Montevidéu à Anarquia.
Em vão se lhe representou de lá a proximidade do inimigo; e em vão
se representou daqui os sofrimentos de toda uma Província, rica, valente, e
patriótica como nenhuma outra. Buenos Aires fechou os olhos ao mal alheio e
só cuidou em ter Diretores, que, debaixo de um título pomposo fossem muito
menos que os Beys de Barbaria. Não a censuremos por isto de egoísmo, nem
de traição contra os seus deveres: a Política é às vezes um Ídolo que só se
aplaca com o sangue dos primogênitos; e talvez podia esta ser uma desculpa,
se não houvessem mais motivos de se acusar a Política de Buenos Aires; temos
porém um que não podemos ocultar ao Público.
Vendo-se Artigas livre de inimigos, e Senhor das Forças que haviam
servido para libertar a Província, foi tal o despotismo, tal a ignorância e
desarranjo das suas melhores disposições, que perdendo logo a opinião e
ganhando em proporção o ódio dos homens sensatos, viu-se ultimamente
rodeado de assassínios, e espoliadores, que só têm préstimo para fazer guerra
aos vizinhos, e às suas propriedades. A nossa Corte, que não perdia o Tirano
de vista, descobriu este momento, o mais propício para um ataque; e conhe-
cendo bem as vistas do Diretório Supremo, abraçou o partido de dar conta
de Artigas enquanto Buenos Aires não variasse de conduta relativamente à
margem Oriental...14 Os Povos julguem deste Pacto; e apreciem quão religio-
samente foi cumprido: quanto a nós basta saber já quem nos conduziu às

Parece-nos que se devera preferir outro qualquer partido ao da guerra, contra o voto
13

público de Buenos Aires: contra o ódio geral dos Orientais; e contra todas as probabi-
lidades de um mau êxito.
Buenos Aires também esteve de acordo com os Portugueses para enviar a Entre Rios a
14

Expedição do General Montes de Oca: e sendo isto tão louvável, não poderia deixar
de escandalizar, se agora o Governador Mancilla se incorporasse a Montevidéu. Oh!

379
margens do Uruguai, para conhecer quem pode acusar os Portugueses de
intrusos, e de injustos para com os Cisplatinos.
Esta acusação seria menos ridícula, se pesasse sobre uma Província que,
assolada primeiro pelos Espanhóis, atormentada depois pelos Portenhos, e
ultimamente entregue às baionetas de 8.000 Estrangeiros, não pudesse dizer:
– Tenho padecido mais que nenhuma outra das que comigo levantaram o
grito..., todas me insultaram; porém eu não terei a ousadia de inquietá-las
nas suas deliberações, ainda que me assista o direito de represália. Estando
Montevidéu assim justificado, e desenvolvidas todas as relações da sua
Incorporação, quer políticas, quer comerciais – ia eu deixar a pena quando
ressoam aos meus ouvidos os gritos de Liberdade e Constituição com que os
Filhos do Brasil anunciam a todos os Povos da Terra; que eles também têm
sabido derrubar o Ídolo da Tirania Colonial... Agita-se o meu Coração, e o
meu espírito penetrando por entre as sombras do futuro começa a descobrir
um montão de prodígios, que só esperam o sinal do tempo para cobrir a
face desse novo Império! Que descobrimentos, que novidade de produções,
que artefatos, que comércio, que navegação, que Povo!!!
Aqui o vedes, Cisplatinos: tendes nele um Irmão robusto, cujo patri-
mônio unido ao vosso pela Natureza e a Política não terá rivais, mais sim
invejosos da sua glória. Nele achareis sem dúvida alguma os descendentes
de Cabral, assim como entre vós existem os de Solis e de Cabot: porém
fujam dentre nós esses acidentes da fortuna, e aquelas prevenções filhas
de um século menos luminoso; – cada Filho da América se considere um
Cosmopolita deste Hemisfério, a fim de que destruído o germe dos ódios
nacionais não se repitam entre nós os indignos espetáculos entre França e
Inglaterra, Itália e Alemanha, Suécia e Noruega, Portugal e Espanha.
Acidentes próprios da miséria, choques devido à estreiteza dos territó-
rios respectivos foram sem dúvida a origem primitiva daquelas desavenças,
que tanto humilham a civilização Europeia; porém a preciosa América, a
Matrona rica e graciosa do Universo não tem filhos que possam desconhecer-
-se por causas tão quiméricas para eles. Todos são poderosos pelo mero
título do nascimento, e todos devem ser uns, porque cessaram as distinções
desde o dia em que a Providência de um Deus vingador e justiceiro fulminou
o Decreto da emancipação à América, e morte aos que intentarem prolongar
seu cativeiro.

decerto! vender os Povos = isto se vê diariamente; porém incorporar-se por si só, e abrir
o mercado... não, não se vê senão em nossos tempos.

380
Oxalá que estas ideias penetrem no coração de todos os Americanos
– Oxalá que nenhum deles se recorde da sua origem senão para imitar as
virtudes e detestar os erros dos nossos ascendentes: talvez que assim se realize
na América aquele tão vasto como ditoso plano de Federação que atribui
Plutarco ao Conquistador do Universo. “Plutarco não errou em dizer que
o projeto deste Conquistador não era de assolar o mundo, deixando por
todo ele vestígios de seu furor, da sua corrupção; mas sim tinha formado o
plano de converter todos os homens da Terra em Cidadãos de uma mesma
Cidade; de dar-lhes as mesmas leis, o mesmo governo; e de reunir todos os
espíritos e todos os corações em uma concórdia e união, que assegurariam
a felicidade geral.”*
Seja como for, os Cisplatinos nunca se esqueçam de qual foi a base dos
Impérios, e qual o princípio das suas vicissitudes. A vizinhança de um amigo
poderoso é conveniente – a do inimigo é nociva. Os limites naturais exercem
uma força de atração aos extremos e de repulsão ao centro dos Impérios.
As relações fundadas no interesso recíproco das partes são tão duráveis,
quanto são efêmeras as que só nascem de um capricho.
Em política cada século tem suas ideias, e cada época seus princípios:
os que hoje parecem mais bem estabelecidos, não o serão depois, quando
de tudo o que foi Espanha e Portugal nas duas Américas só tenha restado
o idioma e alguns usos. Este momento não está distante: a Política deve
preveni-lo, formando enlaces correspondentes a um [ilegível] coberto de
Nações ou Povos, entre os quais (se os meus votos não se cumprem) neces-
sariamente obrarão a seu tempo os mesmo zelos de poder e glórias donde
têm nascido na Europa tantos Reinos e Repúblicas, que delas só têm o
nome e o orgulho.
Que pois! Não vemos já um Estado em Chile; outro em Lima; outro
em Cuzco; outro no Paraguai, e outro em Buenos Aires, que segundo todas
as aparências será a base de mil outros mais ou menos poderosos que Luca,
Florença, Mântua, Ragusa?15
E todos serão irmãos, todos serão amigos, e aliados, porque foram
uns no século 18? Respeitar-se-ão, quando forem livres porque se amaram

*
Plutarque n’a point tort de dire que le dessein de ce conquérant n’était pas de ravager le
monde, et de laisser partout des traces de sa fureur et de sa corruption; mais qu’il avait
formé le plan de rendre tous les hommes de la terre citoyens d’une même ville; de leur
donner les mêmes lois, le même gouvernement, et de réunir tous les esprits et tous les
cœurs dans une concorde et une union qui auraient assuré le bonheur général.
15
Dir-se-á algum dia daqueles o que se diz destes = a Geografia lhes obsta o ser honrados!

381
quando foram escravos? Os seus interesses serão então comuns, porque não
foram diferentes os do seu tirano? É bem verdade que a esfera do possível
não tem um raio conhecido; mas é mui difícil que uma bonança impertur-
bável seja o fruto de uma guerra que tem separado os povos, dividido as
famílias, e cortado os caminhos por onde o homem ambicioso pode chegar
ao cúmulo de todos os seus desígnios.
Mais algumas palavras – e será o resumo do que fica exposto. Assim
que a Paz tiver demarcado os limites de cada República, demonstrado
claramente a verdadeira distância que separa os seus interesses, logo que
os mais fracos conhecerem a necessidade de unirem-se contra o mais forte,
para formar um equilíbrio que assegure a liberdade de todos – eu espero
que as Províncias Argentinas serão um exemplo mais ou menos doloroso
desta verdade que recomendamos ao Estado Cisplatino:

Não há coisa mais detestável que a Política de um Estado pequeno.

382
34

CONSIDERAÇÕES

SOBRE

AS CORTES DO BRASIL.

RIO DE JANEIRO
_________________________________________
NA TYPOGRAPHIA DO DIARIO. 1822.

383
Il n’y a que la Nation elle même qui puisse connâitre ce qui lui
convient; si elle fait elle- même ses Loix, elle en supportra plus
patiemment les défauts, elle aimera ses Lois comme son ouvrage.∗
MABLY. INSTR. OU PRINC. DE PARM. T. 12.

CONSIDERAÇÕES
SOBRE
AS CORTES DO BRASIL

Plus nous tarderons à assurer notre indépendence, plus la


chose deviendra difficile.∗∗
TH. PAIN. Sens. Com.

Necessidade da Convocação de Cortes Legislativas


no Brasil.
A convocação de uma Assembleia Legislativa de todas as Províncias do
Brasil sem dependência de Portugal é hoje o grande objeto da geral atenção;
mas nada nos parece menos digno de admiração do que um sucesso, que os
homens sensatos sempre encararão como inevitável; o que porém é mara-
vilhoso, é a rapidez e a segurança, com que os nossos negócios políticos
vão sendo conduzidos; graças à coragem, e à união de nossos Concidadãos
Brasileiros, e a Magnanimidade de um Príncipe, que sabe preferir a glória de
ser o Chefe de uma grande Nação toda livre, consolidando os verdadeiros


Só a própria nação pode conhecer o que lhe convém; se ela mesma faz suas leis, ela
tolerará com mais paciência seus defeitos, ela amará suas leis como obra sua. N.T.:
[Gabriel Bonnot de] Mably.
∗∗
Quanto mais tardarmos a garantir nossa independência, mais difíceis ficarão as coisas.
N.T.: Thomas Paine, Sense Commun.

384
fundamentos de um Império indestrutível, à aparente grandeza de ocupar
entre os Príncipes da Europa um velho Trono, observando dele numa distância
imensa Regiões vastíssimas cobertas de autômatos1 empregados em trabalhar
para a sustentação de uma Corte mole e afeminada.
A Europa conhece há longo tempo a prodigiosa grandeza do Brasil:
entretanto Portugal, bem como um Pai dissipador, e invejoso, que recusa a
entregar a seus filhos já emancipados a legítima materna, e seus bens adventí-
cios com o vão pretexto que nem a idade, nem a capacidade dissolve o pátrio
poder, esforça-se por conservar debaixo de sua tutela destruidora ao Brasil
grande, e poderoso, a quem a Natureza, e a indústria de seus habitantes
têm enchido de riquezas. Eis a origem de uma luta injusta, de que Portugal
não espera sair vitorioso; mas que não pode deixar de nos ser nociva, se nos
demorarmos um só momento em nos investirmos de nossos direitos.
Em todas as contendas há sempre uma razão especiosa, que seduz ainda
ao mais injusto litigante; mas quando a verdade se apura, e se manifesta, ele
é forçado a estar pela sentença, que o pronuncia.
O centro político da Monarquia, este lugar forte e seguro, donde a
Nação legitimamente representada difunda com igualdade as suas forças por
toda a Esfera, tem sido o ponto melindroso das nossas diferenças, apesar
do estudado silêncio de nossos rivais a este respeito. Pelo ciúme de que os
igualássemos, tendo-nos eles aplainado as primeiras dificuldades; e receosos
de que ainda lhes avantajássemos, não duvidaram tornar-se menos generosos
a respeito de nossos direitos, que ora nos é mister sustentar. Esta a origem
da convocação das Cortes Legislativas no Brasil; este o estado da presente
questão; aprofundê-mo-la bem; comparemos Portugal o que foi, o que é, com
relação ao Brasil; vejamos também o que este é, e o que viria a ser sem um
Corpo Legislativo propriamente seu; e a justiça, e o interesse que Portugal
pode ter em obstar que ele se congregue, e se instale.

Estado comparativo de Portugal no tempo do


descobrimento do Brasil com a época atual.
A Época a mais brilhante da Monarquia Portuguesa foi a que principiou
com a ascensão do Senhor Dom Manoel ao Trono: já nesse tempo Portugal
engrandecido com muitas conquistas na África era, não sem grande ciúme
das outras Nações um Reino florescentíssimo, e poderoso: seu Novo Rei,

1
É o que foram os Brasileiros por muito tempo e o que ainda hoje muitos estariam dese-
jando que eles tornem a ser; mas percam-lhe as esperanças.

385
naturalmente ativo, e empreendedor, via nas Regiões remotas novos títulos
para sua glória; todos os dias novas fontes de prosperidade nasciam para
Portugal; a Europa, Ásia e África todas lhe tributaram os mais profundos
respeitos. Era apenas conhecida esta parte do mundo, que habitamos:
Colombo tinha inutilmente oferecido ao Senhor Dom João II seus sinceros
serviços, de que ele não quis aproveitar-se; tudo estava reservado para os
Portugueses. Principiava então o décimo sexto século quando o Brasil come-
çou a ser considerado parte da Monarquia; mas as riquezas da Ásia, em que
Portugal estava todo embebido, faziam-lhe olhar com fria indiferença para
o império nascente: Príncipes tributários iam de mui longe submeter-se ao
Poder Português, como quem achava nele segura proteção; todos os Príncipes
do mundo apreciavam a sua aliança; era enfim Portugal quem mais figurava
no meio das Nações; o império dos mares todo era seu; ninguém se atrevia a
disputá-lo; a providência parecia ter-lhe destinado uma Monarquia univer-
sal. As Nações rivais viam com impaciência a predominação Portuguesa; a
Espanha conservava-lhe um ódio implacável; não lhe bastavam as riquezas
do Peru, que já a este tempo2 lhe estava submetido; todas as suas possessões
Americanas lhe pareciam poucas à vista de um vizinho, que possuidor já de
imensa grandeza na África, e na Ásia, achava no Brasil fontes inesgotáveis
de um poder incalculável.
Entretanto os ânimos Portugueses ocupados todos com as riquezas
Orientais, apenas a posse do Brasil servia-lhes de aumentar seus títulos de
soberba, e de vaidade, Portugal não conhecia ainda a importância da sua
nova aquisição; a sua mesma grandeza o cegava.
A Monarquia Portuguesa, espalhada então pelas quatro partes do
mundo, conservava em Portugal o seu centro político; ali se ditavam as Leis,
que nas outras partes deviam ser observadas. Nada era mais justo em tais
circunstâncias.
Muito mais que um século decorreu sem que se fizesse do Brasil o devido
apreço; mas apesar das grandezas Orientais, que faziam esquecer este mar de
grandezas, Portugal viu desaparecer os motivos de sua soberba. A lamentável
perda do Senhor D. Sebastião; a fraqueza do Cardeal Rei, que depois de
convocar os pretendentes à Coroa designou como legítimo sucessor a ela a
Felipe II de Castela, trouxeram após estragos, que nunca mais se remediaram.
A Nação caiu debaixo da dominação Espanhola; a Holanda, a Inglaterra,
a França, os Príncipes Asiáticos, todos apressaram em aproveitar-se do

2
Em 1531.

386
abatimento Português, os Felipes de propósito tinham procurado aniquilar,
e submergir um Povo tão esclarecido. Portugal perdeu enfim toda a conside-
ração; reduzido a Província Espanhola já não era o terror das Nações; mas
o brio próprio daquela gente nunca de todo se extinguiu.
Os gloriosos sucessos de 1640 levantando a Nação do abatimento, em
que por tantos anos havia jazido, fizeram-na então recordar de que ainda
existia o Brasil, que apesar de maltratado, nunca soubera afastar-se da união
Portuguesa, nem podia sofrer algum jugo estrangeiro.
Já a este tempo as possessões Asiáticas tinham na maior parte desapa-
recido para Portugal; já a formosa Ormus, onde o Comércio da Pérsia se
encontrava com o das Índias, não via tremular o Pavilhão Lusitano; a África
estava quase toda esquecida das façanhas Portuguesas: Lisboa enfim não via
já aqueles montões de riquezas Orientais, que noutro tempo atraíam todas
as Nações da Europa a irem ali admirar até onde a indústria humana era
capaz de chegar. Com a mesma sorte do Império Grego, Portugal viu desa-
parecer o comércio da Europa, e da Ásia, que em Lisboa, como antigamente
em Constantinopla, se manejara com tanta atividade; mas ainda restavam a
Portugal novas fontes de prosperidade, que não teve aquele outro império,
que ainda hoje nós tanto admiramos.
O Brasil era esse manancial de riquezas, que ainda restavam a Portugal,
e que preservando-o de toda destruição deviam sustentar a Monarquia; então
principiou, a dar-se atenção a esta parte do mundo.
Passou-se longo tempo sem que Portugal contasse com outros socorros;
a posse do Brasil era-lhe bastante para sustentar a paz e a guerra; para manter
as suas alianças; e mesmo para nutrir, como nutriu à custa de somas incalcu-
láveis, uma neutralidade destruidora de toda energia: já os pequenos restos,
que se recolhiam dessas desfalecidas possessões Asiáticas, apenas serviam de
fazer lembrar ao envergonhado Tejo aqueles tempos afortunados, em que
soberbas Naus Portuguesas, que pareciam desafiar as torres e os castelos,
lhe tributavam homenagem. O Brasil era então o verdadeiro sustentáculo da
Monarquia; mas a política Olisiponense não podia sofrer que este vastíssimo
continente jamais figurasse.
Os sucessos de 1807 trouxeram a Família Reinante para este vasto
Império; só aqui ela podia achar segurança com dignidade. Todas as Nações
viram desde logo um futuro, que as assombrava: outra vez se recordaram
desses tempos, que pareciam fabulosos, em que os Portugueses dominavam
o mundo inteiro; mas era-lhes forçoso resignarem-se com o poder inevitável
dos destinos.

387
Os erros de uma péssima administração iam perdendo Portugal, sem
que o Brasil jamais visse as utilidades, que se lhe agouravam; mas o Brasil
emancipado já pela sua idade, e pela sua robustez física, e moral era, apesar
do título de colônia, de que felizmente foi aliviado no sempre memorável dia
16 de Dezembro de 1815, de toda a Monarquia a porção mais considerável.
É desnecessário relatar os sucessos que nos são presentes. Portugal
abatido, e aniquilado tentou todavia recobrar seus antigos direitos. O dia 24
de Agosto de 1820 assinalou uma nova época à Monarquia: uma Constituição
liberal foi proclamada; mas Portugal bem sabia que por si só pouco ou nada
podia; os Portugueses espalhados pelas quatro partes do mundo foram em
consequência disso convidados para figurarem naquela grande obra por
via de seus representantes. Era forçoso que as coisas então se tratassem em
Portugal; mas adotada a Constituição por todos os Portugueses, cumpria
que esta nova máquina rodasse sobre seus verdadeiros eixos.
O velho Portugal circunscrito, e limitado ao pequeno espaço de 36.337
milhas quadradas, contando apenas perto de três milhões de habitantes; e
com uma pequena agricultura, mal pode acudir à sua manutenção interna:
o seu comércio, que outrora abrangia todas as produções, e mercadorias de
umas, e outras Índias, não forma já aquela grande feira, onde as Nações da
Europa iam escolher as preciosidades, que nada mais apeteciam; sem expor-
tação mais do que a do sal, vinho,3 frutas, algumas pequenas manufaturas, e
poucos outros artigos de sua indústria, vê-se por outra parte na necessidade de
uma importação ruinosa. A sua marinha tristemente reduzida a um pequeno
número de vasos, ainda há bem poucos tempos se dizia com ingenuidade que
não era suficiente para a defesa de todos os seus portos, e absolutamente
invigorosa para proteger a marinha mercante. Olhando-se para sua posi-
ção topográfica, para suas praças fortes, e para todas as suas fortificações
fronteiras; quem pode avançar que os Povos da Europa o consideram como
um Reino inexpugnável? Se atendermos às outras possessões Portuguesas
na Europa, na África, e na Ásia, que [subsídio] podem elas subministrar a
Portugal, que o levantem do abatimento a que chegou e o ponham a par das
Potências, ao menos, de segunda ordem?

3
Pelo Tratado de 1703 Portugal concedeu à Inglaterra a introdução de todos os estofos
de lã com a condição de pagarem os vinhos de Portugal em Inglaterra uma terça parte
menos dos direitos, que pagavam os vinhos Franceses. O negociador Português igno-
rava que os vinhos de seu país já gozavam, em virtude de um ato do Parlamento, dessa
diminuição; mas o hábil Methuen teve todo o cuidado em o não advertir: assim ganhou
Portugal aquilo que já tinha. Tal era a necessidade de dar extração a seus vinhos.

388
Golpe de vista sobre o Brasil
UMA nuvem espessa, que carregava sobre o Horizonte do Brasil, está dissi-
pada; já um campo perfeitamente limpo, onde a planta da liberdade espon-
taneamente nasce e floresce em todas as estações, se abre, e se manifesta a
todas as Nações do mundo.4
É o Brasil, sem a menor contradição a mais rica porção do Globo: sepa-
rado das três partes do mundo em uma distância imensa, tendo junto a si a
vasta Região do Amazonas, que o defende pela parte do Ocidente; guardado
por esta porção imensurável, que forma o resto da América Meridional, e
que vai continuando pela Setentrional até onde a intrepidez do homem ainda
não pôde penetrar, ele se apresenta a todos os habitantes do mundo, como
um lugar, em que a Natureza tem depositado as mais belas produções, que
o capricho, e a imaginação do homem pode apetecer. Aqui a terra sempre
fértil, e grata, nutre com liberalidade a todos, que a procuram; o mar, que por
mais de mil, e duzentas léguas vai pelas suas arenosas costas, oferece a cada
passo aos navegantes portos seguríssimos, que em nenhuma estação do ano
lhes são interceptados; o comerciante, o especulador, o artista, o manufator
vem aqui achar um campo imenso, onde sem o mais ligeiro embaraço a sua
atividade se excita; o Filósofo, o Naturalista encontram nesta deliciosa terra,
como em nenhuma outra parte, os mais encantadores segredos, e maravilhas
da Natureza. A estas, e a mil outras vantagens, que é possível enumerar,
acresce a que nos provém da frequência dos Povos da Europa: sem sermos
obrigados a i-los procurar, nós gozamos do produto da sua indústria, e das
suas manufaturas fabricadas com imenso custo, no mesmo passo que eles se
contentam com as produções quase espontâneas de nossa terra, fazendo assim
conosco um comércio de vantagem mútua, sem que uma rivalidade indiscreta,
filha do egoísmo ou da pobreza; tente privar este, ou aquele Povo do uso da
sua indústria. É enfim o Brasil em realização esse país delicioso, que o sábio
Xenofonte5 imaginava na sua encantadora Ática, da qual nós lhe apropria-
mos todas as belezas: vasto, rico, e poderoso ele parece estar detalhado pela
Natureza para ser a primeira das Nações. Aqui a população ainda que até
agora escassa, e acanhada, oferece já aos nossos recenseamentos perto de três
milhões de habitantes, não contando com mais de dois milhões de escravos
empregados nos trabalhos árduos da agricultura, e das minas, e nos serviços

4
Veja-se o Decreto de 3 de Junho deste ano, e as Instruções para as eleições dos Deputados
para a Assembleia Legislativa, onde se não excluem os Estrangeiros, tendo os requisitos
necessários.
5
Veja-se o projeto para aumentar os rendimentos da Ática por Xenofonte.

389
domésticos; bem depressa a população se aumentará prodigiosamente e para
que ela se multiplique, não é preciso um especial favor celeste, como ao Povo
de Israel, bastam-lhe os meios, que o Brasil tem de subsistir, ajudados pela
sabedoria de um Governo livre.
Sem dependência dos nossos mares nenhum Povo da Europa pode (não
dizemos já) transitar para esta parte do mundo; mas nem mesmo visitar muitas
das ricas possessões, que formam com a mesma Europa um só continente.
É, numa palavra, o Brasil a mais importante porção do Globo dele é que
propriamente se pode dizer que é o centro do Universo; e nunca se errará
quando se disser que é o centro natural, e político da Monarquia Portuguesa.

O que seria o Brasil sem um Corpo Legislativo


propriamente seu?
O Importante Comércio do Brasil tendo cessado de ser feito, e dirigido
pelo interposto de Portugal desde o dia 28 de Janeiro de 1808, em que os
nossos portos foram franqueados a todas as Nações aliadas; secaram-se
imediatamente as fontes de riqueza àquele Reino; nós mesmos, que isto
estamos escrevendo, fomos testemunha do seu lastimoso estado ainda em
Fevereiro de 1820; as Cortes deram-lhe (é verdade) um choque elétrico; mas
como é um doente debilitadíssimo pode recobrar as forças perdidas, faltando-
-lhe os necessários alimentos? O primeiro passo, que aqui deram os nossos
irmãos Lusitanos depois de adotada a Constituição de Portugal, foi a volta
de centena de indivíduos, carregado de imensas riquezas adquiridas no Brasil,
para seus antigos lares, ou convidados pelo amor da Pátria,6 ou por motivos
outros particulares. Que temos nós visto depois? Um constante esforço para
repartir com os que ao Brasil não vieram todo o produto dos nossos trabalhos;
por agora Portugal se contenta com o sistema da igualdade das fortunas; é
preciso que os Brasileiros sejam hoje Platônicos; é preciso que repartam suas
riquezas com seus irmãos de Portugal: amanhã a velha Mãe Pátria deve ser
quem regule a economia dos filhos; e quem lho poderá obstar se este filho
mais moço se for de todo entregando à discrição da Mãe? À proporção de que
nós formos cedendo dos nossos direitos, passos retrógrados nos chamarão ao
antigo sistema; e então, seja qual for a distinção nominal, com que sejamos
acariciados, figuraremos outra vez de Colonos; então experimentaremos
quanto em uma Nação livre esta sorte de estabelecimentos (se desejam ter
com tais) é mais opressiva do que nos Estados despóticos.

6
Quantos conhecemos nós que daqui se foram sem saber para onde; mas que foram
contentes, só por irem gastar fora do Brasil, o que aqui haviam adquirido!

390
Será talvez isto um terror pânico. Não tem o Brasil em Portugal seus
representantes, guardas de seus Direitos? Não; decerto não é um terror pânico;
nós vimos Portugal ainda lânguido e trêmulo pretender devorar-nos logo
ao momento que seu Médico político lhe fez conhecer que estava passada a
crise do seu maior perigo. E que devemos julgar do futuro? O Brasil repre-
sentado em Portugal por meio de seus Deputados jamais pode chegar àquele
eminente grão de consideração, que a sorte dos estabelecimentos humanos
lhe tem destinado. Para descer da sua grandeza nada mais é preciso do que
qualquer leve sombra de dependência de Portugal. E por que razão o Brasil
grande, e poderoso há de ser dependente? Onde se viu em política que um
Povo deve enfraquecer-se para engrandecer a outro? Por mais razões, que se
procurem, nunca o Brasil poderá deixar de descer da sua Categoria, cedendo
de ter uma representação propriamente sua, uma representação propriamente
Brasileira, sem visos de inferioridade. E que lhe falta para isto? Nada mais
que uma perfeita união; mas esta mesma união nunca poderá existir perfei-
tamente sem uma Assembleia Legislativa entre nós. Os Representantes das
nossas Províncias (em Portugal) tendo como primeira obrigação promover
os interesses particulares de cada uma delas; logo que poderem combiná-los,
relativamente às pretensões daquele Reino, julgarão ter preenchido o seu
principal dever; e então desta condescendência poderá resultar uma oposição
de interesses às outras nossas Províncias daqui seguir-se-á a desunião; e por
consequência o enfraquecimento, e atraso do Brasil.
Fujamos pois destes escolhos; apressemo-nos; não dificultemos com a
nossa excessiva moderação o complemento da nossa felicidade; não injuriemos
a nossa espécie, estorvando a marcha natural, e os progressos próprios do
espírito humano; façamos as nossas Leis, governemo-nos por elas; só assim
ocuparemos um lugar decente no meio das Nações.

Portugal não pode, sem manifesta injustiça, opor-se à


convocação da nossa Assembleia Legislativa, mas antes é
de seu interesse que ela se instale quanto antes.
O Poderoso Direito, que tem o Brasil, de fazer por si as suas leis não entra já
na ordem das questões; o seu estado de grandeza, a sua elevação por si sós
fazem desaparecer toda a perplexidade a este respeito. Os Brasileiros liberta-
dos já do ignominioso estado colonial; investidos de seus direitos, defendidos
pelo Imortal Pedro, Ornamento e Glória da humanidade, não podem jamais
deixar de ser um Povo Livre. Portugal não lho pode disputar. Por muito tempo
foi o Brasil Colônia Portuguesa; mas não foi também Portugal Colônia dos

391
Romanos? E não passou depois a formar por si uma Nação Livre, e inde-
pendente? Hoje que a igualdade dos Direitos é o Evangelho político pregado
por todo Orbe; hoje que a independência Nacional é proclamada por todos
os Portugueses, será justo que o Brasil vá mendigar a uma distância imensa
leis tardias, e desapropriadas às circunstâncias dos tempos, e dos lugares?
Será esta a porção que nos toca de independência? Nós vemos nesses tempos
remotos as Colônias da antiga Grécia7 formando por si suas leis, elegendo
seus Magistrados, fazendo a paz e a guerra sem necessidade de alguma apro-
vação ou consentimento; a Metrópole apenas as considerava como filhos
emancipados, a quem a todo tempo ela devia proteção, e socorro. Roma tão
altiva, e soberba como era, soube das suas conquistas fazer Estados livres;
daí o provérbio de que não eram os Romanos que queriam apossar-se do
universo, mas que este é que pretendia fazer-se Romano. As Nações modernas
têm todas visto cair por terra o sistema colonial, que só tinha por fim saciar
a sacrílega sede do ouro. E porque razão Portugal ainda quer conservar-se
menos generoso a respeito do Brasil, seu filho emancipado, de quem tem
sempre recebido todos os socorros? A nossa sorte está em fim decidida; a
nossa Assembleia legislará para nós! Ela salvará ao mesmo tempo a Portugal
do abismo, em que tem estado a sepultar-se.
A nossa Assembleia Legislativa, dizemos nós, vai salvar Portugal; falando
com imparcialidade ninguém poderá contradizer-nos; tem-se a história da
Monarquia desde a sua fundação; examinem-se os diferentes períodos da
sua existência; e então vê-se há quanto tempo falamos com franqueza. Em
nenhuma época Portugal necessitou mais do Brasil.
Na espécie humana o desejo de preferência é um sentimento natural;
mas isto que entre os indivíduos não é sempre um desejo imoderado, é entre
Povos diferentes uma paixão violenta; eis ao que se dá o nome de antipatia
Nacional; de ordinário entre as Nações vizinhas é onde ela mais aparece, por
isso mesmo que os motivos de conflitos são mais frequentes.

7
The colony settled its own form of government, enacted its own laws, elected its own
magistrates, and made peace or war with its neighbours as an independent state, which
had no occasion to wait for the approbation or consent of the mother city. Nothing can
be more plain and distinct than the interest which directed every such establishment.
Smith Wealth of Nat. Cap. VII Part I.
A colônia estabeleceu sua própria forma de governo, promulgou suas próprias leis, elegeu
seus próprios magistrados, e fez a paz ou a guerra com os vizinhos como um estado
independente que não tinha tempo para esperar pela aprovação ou consentimento da
cidade mãe. Nada pode ser mais simples e distinto do que o interesse que orientou cada
um desses estabelecimentos [Adam] Smith, Wealth of Nat[ions], Cap. VII, Parte I.

392
A Espanha naturalmente rival da gente Portuguesa; a Espanha forte e
poderosa pela extensão do seu território, pela sua população, pelo grande
número de suas Cidades, pelas riquezas próprias de seu país, pela antiguidade
da sua fundação; e em pretensões continuadas sobre Portugal, e hoje cheia
de entusiasmo, ainda que fortemente magoada pela perda de suas Colônias,
sofrerá porventura que Portugal, tornando à posse das suas, se lhe adiante, e
a assombre? E poderão os tratados, e as alianças acabar com tão inveterado
ciúme?
Todos os dias nós estamos ouvindo clamar pelo equilíbrio da Europa;
as Nações poderosas intrometidas a árbitros nas suas próprias causas, e nas
alheias, em nenhum tempo têm deixado de falar de Portugal ainda quando
abatido: e será possível que hoje gratuitamente lhe concedam que ele pros-
perando à sombra de sua constituição, e chamando a si todas as riquezas do
Brasil, se engrandeça, e se eleve acima dos outros Povos da Europa, como
nesses tempos remotos, em que dava Leis ao mundo? Que pueril ilusão!
Quanto é mais óbvio acreditar que as Nações trabalharão para uma certa
igualdade de poder!
Se Portugal, fomentando a desunião das Províncias do Brasil, conta
enfraquecê-lo para depois reduzi-lo ao antigo estado de colônia, jamais o
conseguirá; além de que as Nações da Europa não poderão consenti-lo; o Brasil
com uma resistência inaudita saberá fazer respeitar seus inauferíveis direitos.
Então (se ainda não existem solapadamente centelhas de perfídia8 nada resta
a Portugal a desejar, nada lhe pode tanto convir, nada é mais justo do que
uma franqueza propriamente fraternal entre os Reinos unidos; franqueza, que
não pode existir ao mesmo tempo que o plano da impolítica dependência,
em que se pretende pôr este vastíssimo país a respeito das Leis, que devem
governar. É portanto do interesse imediato de Portugal que tenhamos uma
Assembleia Legislativa, que, fortificando-nos nos nossos direitos acabe todas
as diferenças entre um e outro Reino, para que estes se ajudem mutuamente,
e possam à sombra de uma perfeita harmonia ser o que convém que sejam.

CONCLUSÃO
DO que fica demonstrado resulta, que todas as Províncias do Brasil devem,
sem perda de tempo, enviar seus representantes, para se instalar essa Majestosa
Assembleia, que há de regular os justos limites dos Poderes Políticos do Estado;
pondo debaixo da proteção de uma força comum regulada e dirigida pelos
princípios imutáveis de justiça, e da razão, os direitos de todos os Cidadãos.

8
Lembramo-nos do Arcebispo de Braga, e seus sequazes em 1641.

393
Com o socorro das Bases da Constituição Política da Monarquia, e
ajudado pelo Heroísmo de um Príncipe, que qual outro Carlos I9 é o próprio
a franquear a convocação de uma Assembleia Legislativa, o Brasil vai bem
depressa completar a grande obra da sua regeneração; vai salvar Portugal,
vai salvar a integridade da Monarquia.
Mas seja a nossa tão suspirada Assembleia um verdadeiro Areópago,
onde somente homens sábios, os homens respeitáveis, despidos de toda
vaidade, sem se deixarem levar de uma vanglória de louvores e aplausos, e
sem o menor espírito de rivalidade, trabalhem de comum acordo por fazer
indissolúvel a aliança entre todos os Poderes Políticos, que devem manter
a nossa independência, a nossa grandeza, a nossa felicidade. Possa um dia
o Trono do Imortal Pedro, rodeado de intérpretes fiéis da vontade justa, e
razoável dos Povos, manter dignamente o esplendor do Brasil, e de Portugal
conjuntamente! Possa uma Constituição sábia, e liberal, onde se não divise
a mais pequena sombra de parcialidade, de dependência, nem de prejuízos
populares, formar dos Reinos unidos um si Império indestrutível! Cessem
todas as desavenças, de que possa originar-se a efusão de sangue, e a carna-
gem, impróprias de um século Filosófico! Serão as relações comerciais,10 e as
da mais pura amizade quem estreite os vínculos de confraternidade entre os
dois Povos Portugueses, que hoje parecem rivais! Seja em fim o Brasil com a
sabedoria de sua Assembleia Legislativa o asilo de toda a humanidade! Leis
francas, e liberais abram um caminho seguro a todos os Povos, que desejarem
frequentar-nos! Possam eles achar sem dificuldade a sua fortuna entre nós!
Possam todos os homens achar nos Brasileiros um puro amor como a verda-
deiros irmãos! Tais devem ser os cuidados, e as vistas da nossa Majestosa
Assembleia.
FIM.
9
Carlos I, Rei da França, denominado Magno, Príncipe dotado de um gênio vastíssimo,
foi o que restabeleceu primeiro o Governo da França sobre os antigos princípios das
Leis Sálicas. Ele conhecia que o Poder Legislativo depositado nas mãos de um só homem
não podia deixar de ser vicioso.
L’effet naturel Du commerce est de Porter la paix. Deux nations qui negocient ensemble,
10

se rendent reciproquement dependentes: si l’un a intérêt d’acheter, l’outre a interêt de


vendre; et toutes lês unions sont fondeés sur lês besoins mutueles. Montesq[uieu]. Esp[rit]
des [Lois]. L. 20. Cap. 2.
O efeito natural do comércio é levar a paz. Duas nações que negociam entre si tornam-se
mutuamente dependentes: se uma quer comprar, a outra quer vender; e todas as uniões
são baseadas sobre necessidades mútuas.
(II) Aimons donc les humains, puis que ils sont touts nos frères. Philosoph de Sanssouci.
Amemos os humanos, pois são todos nossos irmãos. Filósofo de Sanssouci [Frederico
II da Prússia].

394
35

A CONSTITUIÇÃO, E O POVO DO RIO DE


Janeiro offendido no requerimento que dirigio, á Sua Magestade
Imperial, Joaquim Gonçalves Ledo.

SE se pudessem confundir estas duas palavras = edificar, e destruir = o repre-


sentante desta peça original, produzida pelo frenesi do orgulho mais infunda-
mentado, poderia esperar que o ilustre Povo do Rio de Janeiro retrocedesse da
marcha, em que entrou, pedindo altamente a queda de um homem, julgado
por uma solene aclamação indigno de ocupar o emprego de seu Procurador.
Quando se descobrem os fins a que se dirigiram ações na aparência filhas
do patriotismo, inspiradas pela Justiça, negam-se os louros, e as honras do
triunfo àqueles, que as empreenderam. Em um Povo civilizado, na época
em que todos olham para os seus interesses com igual energia, a imposição,
e os pretextos simulados não podem ganhar fortuna. Já havia muito tempo
que a conduta do representante se mostrava bem equívoca, e desigual: suas
intenções opostas ao verdadeiro sistema de uma Monarquia Constitucional,
transpiravam dos seus escritos públicos: o Reverbero parecia-se muito com as
alâmpadas Atenienses: os Povos sentiram no mesmo nome do representante,
pela força da significação do verbo = Laedo = alguma coisa de ofensivo, e
contrário aos seus mais puros sentimentos; já não é um segredo o motivo
da sua promoção ao lugar de Deputado; a intriga e a cabala fizeram esta
nominação, e introduziram no corpo Legislativo um sujeito, que não tinha
crédito senão no seu partido, e cuja fama pede mais um ponto final, do que
uma análise. Portanto, o requerimento levado à Presença de Sua Majestade
Imperial, deve ser julgado, 1.° falso, e revolucionário, 2.° contraditório, e
anticonstitucional; 3.° insultador do Povo do Rio de Janeiro = Diz o represen-
tante, com todo o despejo próprio do seu caráter, que no Conselho de Estado
estabeleceu com o seu voto a atual forma de Governo, como o fundamento
da segurança interna do Brasil. = Esta asserção é inteiramente falsa, porque
consta de boa origem que nunca no Conselho de Estado se tratou de formas
de governo. Mas conceda-se que assim fosse; teria o Conselho a imprudência
de mostrar ali o seu Sistema? Quando ele trabalhava em conseguir a Grã-Cruz
da Ordem de Cristo, e querendo inculcar de grande valido na presença de Sua
Majestade Imperial, que despreza estes infames parasitas, solicitava o posto

395
de Marechal para o ex-Ministro da Guerra com intento de o conservar mais
sujeito às suas funestas inspirações; quando enfim aspirava a aparecer no
lugar da Águia de Júpiter, e ser o único Mentor do nosso Augusto Imperante,
que outra figura deveria tomar, senão a de um legítimo Constitucional, e o
mais empenhado em sustentar a honra do Imperador?
Seria ele o mesmo homem nas suas conferências particulares com o
ex-Presidente do Senado José Clemente Pereira, Ministro que começou a
descer da altura do conceito que merecera, depois de suas publicações com
o representante havendo por esta aliança simpática de ideias, conciliado
uma indignação geral a ponto, que já no dia 10 de Outubro, temeu-se que
o Povo rompesse nos últimos excessos contra a sua pessoa, publicamente
ameaçada no dia 30? Conservaria o mesmo caráter no círculo dos seus
apaniguados; cujos nomes se viram naquele mesmo dia nas esquinas das ruas
desta Cidade como vítimas marcadas pelo Povo, ficando assim denegridos
com nódoas indeléveis aos olhos da posteridade apesar de que o represen-
tante os caracterize com o título de Cidadãos honrados, e colaboradores da
causa do Brasil? Não! Não era certamente o mesmo homem, suas palavras
em diferentes lugares mostravam tendência de suas ideias para um Sistema
bem oposto ao Monárquico Constitucional, e daqui nascia o seu furor contra
o Ministro; a quem o Brasil deve a sua elevação, por conhecer que lhe não
seria fácil ocultar de seus olhos o plano da intriga, e por isso já de muito
tempo trabalhava em sua queda, espalhando pelo povo prevenções contra
a sua conduta, dando-lhe o título de déspota, e de inimigo da Constituição,
todos estes testemunhos fazem conhecer que o representante maquinava
uma revolução política e Ministerial; encarando denodadamente os homens
mais conceituados na opinião dos Brasileiros, e dos mesmos Estrangeiros,
a fim de não achar quem se lhe opusesse quando ele aparecesse como um
novo Faetonte, conduzindo o carro do Sol, ficasse embora em labaredas, e
em ruínas este belo País que o viu nascer.
E atreve-se a falar em seus serviços, denegrindo com o título de despó-
ticos os verdadeiros Constitucionais, que por entre os abismos abertos pelos
proclamadores da liberdade democrática, conduzem o leme do Estado ao
porto da felicidade pública, que todos já avistam no horizonte do Brasil?!
Atreveu-se, e estampou em papel, com uma Declaração Catilinária, as expres-
sões que já não cabiam nos imensos espaços do seu orgulho, pretendendo
sem dúvida suscitar uma revolução no meio desse mesmo Povo insultado, e
a cujos olhos ele se apresenta como o mais enérgico trabalhador da grande
causa do Brasil. =

396
II. O requerimento é contraditório, e anticonstitucional. Diz o repre-
sentante que os seus perversos êmulos, tendo por fim somente substituir o
governo despótico, e arbitrário ao Constitucional proclamado, antecipam
as épocas de o poderem fazer, pondo-se já em esquecimento a Constituição,
enquanto a toda a brida perseguem Cidadãos honrados, que desejam ver bem
marcada a linha dos poderes políticos, bem estabelecida a responsabilidade,
e bem firmada a segurança individual.
Logo depois o espírito vertiginoso o força a dizer que os povos querem
ser bem governados, e não se importam com formas de Governo. Não se deve-
ria presumir que no requerimento falam dois homens opostos um ao outro,
um Constitucional, exigindo os princípios deste sistema, e outro indiferente
pelo infame paradoxo de que o povo não tem interesse em conhecer qual é
a organização do seu governo? É um só homem, porém tem um coração e
uma boca em contradição com ele mesmo. O Sistema Constitucional marca
os direitos do homem, conservando sempre a representação Monárquica; o
sistema Republicano vinga igualmente estes direitos, mas como este nivela
o povo, e o aproxima da liberdade indefinida, e esta é a que convém aos
interesses dos falsos amigos do povo, dê-se esta forma como o sobrescrito
de Constitucional, porque o povo não sabe fazer diferença entre um e outro
Governo. Apareçam os empenhados, na eminência dos Ditadores, dos
Cônsules, dos Pretores, apareçam as machadinhas em lugar do Código da
Constituição visto que o Povo, no sentido desses homens, é uma máquina
que segue o impulso que lhe dão, sem refletir, se é o Cetro do Imperador que
o dirige, ou a espada de Pompeu. Assim discorria na Assembleia de Paris o
infamíssimo Gandet, assim arengava o façanhoso Petion: era impossível que
o representante não caísse como caíram aqueles ídolos, e com mais estrondo,
com maior vergonha; porque o Brasil não tem a populaça de Paris, mais
empenhada em um Governo que lhe abrisse as portas do crime, do que no
estabelecimento de um Sistema que os punisse: tem um povo geralmente
interessado pelo Governo Constitucional, por ser o único que garante a
propriedade, e a segurança individual com vínculos indestrutíveis, e defen-
didos dos caprichos Republicanos; nem jamais admitirá outro Governo que
não seja Monárquico Constitucional com todos os predicamentos assinados
pelos publicistas de maior conceito. = O requerimento é insultador do povo do
Rio de Janeiro. Muito desmontada estava a cabeça do representante, quando
se arrojou atrevidamente a dizer que fora atacado por indivíduos da mais
baixa plebe. Que bela linguagem na boca de um amigo, de um procurador,
de um Deputado do Povo? Como soube honrar aqueles mesmos que iludidos,
ou atrasados pelas forças das facções Eleitorais o elevaram a uma altura tão

397
desproporcionada com a pobreza dos seus talentos? Indivíduo da mais baixa
plebe!!! É o homem da natureza, e da igualdade que assim fala, ou um furioso
Aristocrata inchado com o volume dos títulos que lhe engrossaram o ventre?
Este Povo que merece os mais respeitosos cortejos a Sua Majestade Imperial,
é, no conceito do seu Procurador, uma baixa plebe, indigna de consideração,
sem direitos, sem esperanças, sem crédito. Duvidará alguém dar o nome de
déspota àquele que tão grosseiramente insulta o Povo? Há porventura, em
uma Monarquia Constitucional, algum indivíduo, por mais pobre que seja,
que não mereça consideração e respeito, sendo todos iguais diante da lei?
Viram-se representações contra o insultador feitas e assinadas pelos Ilustres, e
honrados Procuradores das Províncias; pelo Corpo do Exército; viram-se nos
Paços do Conselho Negociantes, Estrangeiros, Comendadores, Eclesiásticos,
Empregados públicos clamando contra o Representante, pedindo o seu
castigo, e a reintegração dos Ministros demitidos; viu-se o Campo, a Praça
da Constituição coberta de povo de todas as classes, todos Constitucionais,
e por consequência distintos sem exceção.
Esta Multidão respeitável no todo, e individualmente, é a baixa plebe
insultada por um homem que exercia as funções de Procurador da Província;
é uma turba amotinadora, que ele supõe comprada pelos seus inimigos,
ignorando que os seus princípios, só na aparência Constitucionais, não
estavam tão escondidos como ele julgava, e que todos tremiam sobre a segu-
rança de sua fortuna, vendo passar em triunfo pelas ruas públicas aquele
que trabalhava em vestir a toga dos Romanos. Não é justo que fiquei de pé
este colosso ameaçador da mesma liberdade Constitucional, que ele afetava
defender: não é conveniente que viva no Rio de Janeiro nem no Brasil um
Aristocrata, que gritando contra os títulos pedia em segredo faixas de honra,
que desejando ver extinta a nobreza, pretendia ser o primeiro nobre Império;
que se inculcando enfim amigo do Povo, faz diferenças tão escandalosas.
Que porção de sangue seria bastante para desalterar esta hidra sedenta, e
indomável, se por desgraça do Brasil e da humanidade, tornasse a aparecer já
não digo em empregos, mas na condição privada de um simples particular?
Talvez que a esta hora ela já tenha os nomes dos que devam ser proscritos
ou apanhados, e só espere que uma mão protetora o conduza à Cena onde
foi apupado com uma vergonhosa, transcendental e indelével. Em conclu-
são vê-se no todo do requerimento 1.° Que o intrigante procura menos o
justificar-se do que fazer ver a esta Província, que sendo ele o conciliador
mor das Províncias centrais, e marítimas, a sua deposição fará com que elas
nunca se unam às causas do Rio de Janeiro, onde o representante figura
entronizado o Despotismo, e a Constituição em vésperas de ser banida. Alega

398
o Ex-Conselheiro que sua Majestade Imperial faltou à palavra que lhe dera
de não conceituar os rumores espalhados pelos inimigos da sua pessoa: ele
queria dizer que Sua Majestade Imperial o não honrou dissipando a nuvem
do Povo que o fizera cair, e dando-lhe a mão para que ele se erguesse do pó,
consentindo por esta indiferença a que ele e os mais zelosos trabalhadores
(na aparência) da Constituição Monárquica fossem calcados, ficando este
Sistema sem propugnadores, vitorioso um Ministério que se opunha aos
seus interesses particulares, e abertas as portas ao antigo despotismo. Tal é
o conceito que este homem forma da sua infinita liberalidade. É preciso que
ele viva no Rio de Janeiro à frente dos seus colaboradores, porque no Povo
não há quem conheça os verdadeiros princípios Constitucionais, e estando
ele ausente, o Despotismo romperá as barreiras cobertas pelo escudo deste
Aquiles Constitucional, e o Ministério forçará o Povo a ir receber aos seus
pés os ferros da escravidão.
Conheçam todos a virtude plástica do novo revolucionário: conheçam,
tremam, e permaneçam firmes em zelar pela sua segurança comprometida,
se tiver lugar a reação do partido deposto pelo entusiasmo da Justiça, e
da razão, nunca unidas com mais glória da causa do Brasil. A união das
Províncias centrais, e marítimas, não ficará abalada pelos acontecimentos
do dia 30 de Outubro; há motivos para se acreditar que a sua flutuação em
diversos tempos nascesse das intrigas disseminadas pelos inimigos de Sua
Majestade Imperial e do puro sistema Monárquico Constitucional: rompidos
os canais por onde a bile dos facciosos se dilatava ao longe, elas virão traba-
lhar conosco no sistema da nossa regeneração política. Alerta Brasileiros!
Os Gauleses querem avançar, segurai o vosso Capitólio; o novo Coriolano
está às portas da pátria; Alerta! Procurai a sombra do Imortal Defensor dos
nossos direitos, e a vossa honra, a vossa propriedade, as vossas pessoas, nunca
serão ofendidas. Alerta generosos Portugueses! Amigos do Brasil! Vede os
exemplos de Lima, talvez que a sorte desses infelizes Europeus fosse a vossa
mesma sorte, se os facciosos chegassem a desenrolar a bandeira do seu partido
anticonstitucional. União, e tranquilidade, é o que vos Recomendou a Nosso
Augusto Imperador, Constituição Monárquica é o que todos esperamos: fora
os ritos da Liturgia Grega, e Romana.

RIO DE JANEIRO. NA TYPOGRAPHIA NACIONAL. 1822.

399
36

Continuação das meditações do Cidadão


Constitucional á bem de sua Patria,
servindo de additamento ás Reflecções
já publicadas sobre a necessidade, e
meios de se pagar a Divida Publica.

O Decreto de 3 de Junho do corrente ano de 1822, pelo qual se orde-


nou a convocação de uma Assembleia Geral Constituinte, e Legislativa,
foi sem dúvida inspirado pelo Anjo Tutelar do Brasil: Graças lhe sejam
dadas, e parabéns recebamos todos os sinceros amigos, todos os bons filhos
deste vasto, e riquíssimo Continente. Acabrunhado de uma grande dívida
pública, sem crédito, sem recursos, estava o Brasil à borda do precipício,
se não tomasse a atitude, que lhe convinha, e era indispensável, para não
depender o remédio de seus males de mãos alheias, que talvez, quando não
traidoras, e assassinas, fossem guiadas simplesmente por alucinação, e erro
de princípios, por velha rotina de monopólios, e por detestável egoísmo.
Em presença de 24 a 25 milhões de cruzados, que deve o Tesouro Público
do Rio de Janeiro, entrando nesta quantia o Banco do Brasil como credor
de cinco a seis mil contos de réis: à vista da urgente necessidade de despesas
extraordinárias para o estabelecimento, e sustentação do nosso Edifício
Social e Constitucional: Todo o Cidadão instruído, e que for digno do nome
de amante do Brasil, e da sagrada causa, em que estamos empenhados, deve
pensar nos meios de tirar o Tesouro Público do embaraço, em que se acha.
Nenhum serviço mais relevante se poderá fazer em tão melindrosa crise: sem
meios, e recursos pecuniários serão baldados todos os esforços do nosso valor,
do nosso Patriotismo, do nosso amor da liberdade Constitucional. Até aqui
nos víamos presos pela falta do Poder Legislativo neste Continente: nada se
podia projetar com fundamento, e menos conseguir: mudou-se a cena com
o nunca assaz louvado Decreto de 3 de Junho: das decisões da Assembleia
Brasiliense virá adequado remédio a todos os nossos males: no entanto
preparem-se os assuntos para a discussão: publique cada um o resultado

400
de suas meditações, sem vexame, e com toda a franqueza, a favor de nossa
santa causa: instrua-se o Público de seus verdadeiros interesses: mostre-se
a ele a vantagem, que pode tirar dos seus sacrifícios, que dele se exigirem,
para que se preste de bom grado: fale-se somente verdade simples, e clara:
este o caminho, que vai um Cidadão Constitucional novamente seguir, a fim
de concorrer com o fraco cabedal, que possui.
O Tesouro Público do Rio de Janeiro necessita, quanto a mim, trinta
milhões de cruzados pelo menos, além de sua atual renda, que tem determi-
nadas, e indispensáveis aplicações. Qual será o meio de obter com o menor
sacrifício Nacional tão avultada quantia, necessária para pagar suas dívidas,
e fazer face a despesas extraordinárias da atual crise?
Entre todos os métodos, a que os Financeiros têm recorrido, para se
haver dinheiro, e que seria ocioso numerar, trazendo consigo imediata e deci-
dida reprovação, somente me parecem dignos de consideração os Impostos,
e os Empréstimos: portanto só deles tratarei o mais laconicamente, que me
for possível, procurando todavia ser claro, e inteligível.
Toda a Nação tem despesas ordinárias, e extraordinárias a fazer para o
seu bem ser, e para a sua conservação: os Indivíduos, de que ela se compõe,
são, e devem ser obrigados como partes interessadas a concorrer para estas
despesas por uma justa distribuição: nos Governos Despóticos, e Absolutos
são os seus Chefes, os que marcam, e exigem as quotas de cada um dos seus
desgraçados Escravos, ou Vassalos, sem a estes competir o menor exame sobre
a necessidade de tal exigência, sobre a aplicação do seu produto, sobre a
igualdade ou desigualdade da sua distribuição: nos Governos Constitucionais
compete à Nação por meio de seus Representantes o conhecimento de suas
necessidades, e o exame, e adoção dos meios de provê-las por uma justa e
imparcial distribuição.
O Governo iluminado só deve procurar obter por Impostos diretos
ou indiretos uma soma, que pouco exceda as suas ordinárias despesas: o
contrário seria em prejuízo dos Coletados, e por consequência da riqueza
Pública. Quando há necessidade de grandes somas para despesas extraordi-
nárias, como sejam, a do pagamento de uma dívida anteriormente contraída;
a de estabelecimentos Públicos para bem da geração presente e futura, para
sua instrução, e comodidade; a de construção de estradas, pontes, e canais
para aumento da Agricultura, Indústria, e Comércio; seria máximo erro
de Economia Política o exigir-se tão quantiosas somas por dons gratuitos,
derramas, capitações, empréstimos forçados, loterias, tontinas, vendas de
ofícios, e empregos, antecipações de rendas, resgates de pensões, vendas de

401
honras, e distinções, vendas de propriedades nacionais, desgraçados meios,
de que infelizmente, e para sua ruína têm lançado mão muitos Governos.
Seria também erro o recorrer-se em tais casos aos Impostos diretos, ou
indiretos ainda mesmo, os que são tidos por menos opressivos, mais iguais
na sua distribuição, e mais suaves na sua percepção, pois que se deve ter
em vista, que a faculdade de impor tributos tem limites, que se não podem
ultrapassar, sem total ruína Pública; e que se respeitando estes limites, não
será jamais possível o conseguir-se de pronto uma grande soma por meio
de Impostos. Se o produto atual das Contribuições diretas, e indiretas, que
entra no Tesouro Público do Rio de Janeiro, é orçado, quando muito, em dez
milhões de cruzados por ano, que aumento não deveriam ter as contribuições,
para que pudessem dar em um ano, ou de pronto os trinta milhões, de que
necessitamos? É claro, que se deveria triplicar ao atual ônus público, ou mais
exatamente quatriplicar, em prejuízo, e talvez total ruína da Agricultura, da
Indústria, e do Comércio, obstruindo-se, e secando-se absolutamente estas
grandes fontes da riqueza Nacional. Nada mais se necessita dizer a este
respeito, para ficar ao alcance ainda do mais ignorante em Economia Política
a impossibilidade deste recurso. Tratemos portanto dos Empréstimos.
Todas as Nações, sem excetuar a nossa, têm recorrido a Empréstimos
com o fim de se livrarem do embaraço de despesas extraordinárias, contraindo
estes Empréstimos dentro, ou fora do seu território, e a condições mais,
ou menos onerosas, segundo o método adotado, e segundo a qualidade, e
quantidade das hipotecas oferecidas ao pagamento do capital, e seu prêmio.
A teoria, e a experiência não podem deixar em dúvida a decidida preferência
dos recursos a Empréstimos com fundo de amortização, sobre os recursos a
Imposições, e a Empréstimos perpétuos: pelos primeiros se tem a Inglaterra
tirado de todos os embaraços, e conseguido o alto grau de opulência, de
riqueza, e de consideração, de que goza, desde que em 1717 Roberto Walpole
adotou o fundo de amortização, que fez célebre o seu nome, ficando em escuro
o de João Bernardo, que o inventou, e o de Price, que o elucidou com raciocí-
nios, e cálculos terminantes: pelos segundos a Áustria, a Espanha, Portugal,
a França, e quase todas as Nações têm caminhado à sua ruína, fechando os
olhos, não sei por que fatalidade, aos prodígios acontecidos na Inglaterra,
e devidos ao seu sistema de Finanças. É verdade, que os adversários deste
sistema se escudam com os respeitáveis nomes de Montesquieu, Hume, Smith,
Raynal, e outros Autores de subido mérito, que tanto, tão forte, e eloquente-
mente declamaram contra as dívidas públicas contraídas por Empréstimos:
mas convém notar, que o verdadeiro sistema dos Empréstimos com fundo de

402
amortização, sistema admirável, e que até merece o nome de milagroso, não
era conhecido por estes Sábios, pois que tendo sido descoberto em 1716, e
principiado a se pôr em prática no Ministério de Roberto Walpole, somente
em 1786 no Ministério do imortal William Pitt é que realmente se estabele-
ceu sobre bases sólidas o fundo de amortização, e se pode dizer, que desta
época em diante é que tão vantajoso Plano foi verdadeiramente conhecido,
e posto em execução. Se Montesquieu, Bolingbroke, Hume, Raynal, e Smith,
que escreveram antes de 1775, tivessem observado a marcha, e os prodígios
da Caixa de amortização, depois que foi estabelecida com segurança em
1786, sustentada religiosamente até o presente pelo Ministério Britânico;
se tivessem bem refletido, e conhecido os raciocínios, e cálculos de Price, e
notado a rapidez, com que se podem amortizar avultadíssimas somas por
meio de um moderado sacrifício, uma vez que se proceda com firmeza, e com
a maior religiosidade, em se não desviar quantia alguma, por insignificante,
que seja, da destinada para o pagamento do prêmio, e amortização do capi-
tal, a fim de ter lugar o espantoso efeito dos juros compostos, com quanta
força estes Sábios não desenvolveriam a sua eloquência a favor de um tão
útil, sólido, e luminoso sistema, que reduzindo as Contribuições Públicas a
um duodécimo, ou quando muito a um décimo, vem a deixar livres 90 por
cento em proveito da Agricultura, da Indústria, e do Comércio; que dando
lugar à criação de Proprietários de rendas, abre uma nova fonte de riquezas;
e que unindo singularmente os interesses Nacionais pelo estreito enlace dos
Particulares com a fortuna Pública, mantém a ordem, e desvia partidos,
tumultos, e sedições.
Destas minhas preposições, que talvez conviria elucidar, e demonstrar
uma por uma, para cabal conhecimento, e persuasão, dos que se não têm
dedicado ao estudo da Economia Política, da Administração, e do Crédito
Público, poder-se-á deduzir, que não reconheço defeitos neste sistema de
ocorrer às despesas públicas por meio de Empréstimos amortizáveis, e que os
podemos indefinidamente empreender. Para que assim não se conclua, e para
perfeita elucidação de tão importante objeto, convirá expor miudamente toda
a série de operações, que são necessárias, para se realizar um Empréstimo,
e fazer algumas reflexões, pois que entre nós são pouco conhecidas estas
transações, e porque muitos somente atendem à ideia de se conseguir a
soma proveniente do Empréstimo, e com ela se alucinam, sem conhecerem
os sacrifícios, que se fazem, a responsabilidade, que se toma, e a diferença
notável dos mesmos sacrifícios, segundo o lugar, onde se contrai o emprenho.
Tomarei por exemplo o seguinte

403
Projeto de um Empréstimo de oito milhões de
Pesos-fortes contraído em Londres a favor do
Brasil, e garantido pela sua Assembleia
Geral Constituinte, e Legislativa, com
as seguintes Condições:

1.ª A Nação Brasiliense ficará devedora da importância deste Empréstimo


de oito milhões de Pesos-fortes aos Portadores das Apólices, que se emitirem,
sendo hipotecadas subsidiariamente todas as suas rendas, e especialmente
aquelas, que a Assembleia Geral Constituinte, e Legislativa designar, para
serem recolhidas à Caixa, por onde devem ser pagos os juros por semestre
computados à razão de 6 Pesos-fortes por cento, no ano, e o capital à razão
de 500:000 Pesos-fortes também por ano, em dois pagamentos iguais de 6
em 6 meses.
2.ª Os fundos provenientes da cobrança dos juros, ou principal deste
Empréstimo não sofrerão impedimento algum, nem pagarão Direitos na sua
exportação do Brasil em moeda metálica, ou em barras.
3.ª Os Contratadores em Londres, obrigar-se-ão a pagar a importância
total das Apólices de principal deste Empréstimo em razão de ...... Pesos-fortes
por cada 100 estipulados nas Apólices de principal, sendo uma terça parte
pagável em Londres, e duas terças partes pagáveis no Rio de Janeiro.
4.ª A terça parte pagável em Londres o será em moeda corrente Inglesa,
calculando-se o valor dos Pesos-fortes pelo preço do dia em Londres, e as duas
terças partes pagáveis no Rio de Janeiro, serão entregues nesta Cidade pelos
Contratadores em Pesos-fortes efetivos, ou em prata de igual peso e toque.
5.ª Para indenizar os Contratadores das despesas, riscos, e demoras na
remessa dos fundos para o Rio de Janeiro, abonar-se-lhes-ão cem Pesos por
cada noventa e quatro efetivos, ou o seu equivalente em prata, que entregarem
no Rio de Janeiro.

Reflexões sobre este Projeto

Para se conseguir, e facilitar a realização de qualquer Empréstimo sempre


se busca o intermédio de Banqueiros, e Negociantes de crédito, que tomando a
si os pagamentos em épocas ajustadas, oferecem menor perda pelas Apólices:
estes Banqueiros, ou Capitalistas são, os que se encarregam da venda em

404
detalhe das mesmas Apólices, regulando a sua emissão de modo a elevar, e
sustentar o crédito delas, como convém ao seu próprio interesse, havendo-
-as recebido com rebate, e tomado a responsabilidade dos pagamentos. Não
poderá reputar-se excessivo o orçamento deste rebate a 20 por cento a favor
dos Contratadores, e que não se acha declarado na 3.ª Condição. Em 1793
o Governo Britânico por um Empréstimo de 4.500.000 Libras Esterlinas a 3
por cento, se constituiu devedor de 6.250.000 Libras, correspondendo a perda
ou rebate a mais de 38 por cento: em outros Empréstimos, que se seguiram,
sofreu perdas de 40, e até de 50 por cento, como no de 1798, recebendo 17
milhões de Libras Esterlinas, e ficando responsável pelo pagamento de 34
milhões de Libras: no Empréstimo feito em 1797 à Áustria de 1.620.000 Libras
Esterlinas houve de perda 56 por cento, e no de 1809 de 600.000 Libras para
Portugal foi a perda de 33 por cento. Bastam estes fatos, para se reconhecer
a moderação do rebate orçado em 20 por cento, devendo-se esperar, que a
muito mais suba, quando for discutida a 3.ª Condição.
Logo pelo abatimento indicado na 3.ª Condição, se por fortuna for
somente de 20 por cento, o que não é provável, ficará reduzido o Empréstimo
de 8 milhões de Pesos-fortes a 6 milhões e 400:000 Pesos, que unicamente se
receberão, ficando a Nação devedora de 8 milhões de Pesos, e do seu respec-
tivo juro de 6 por cento, como se efetivamente recebesse a pré-dita quantia
de 8 milhões, vindo a sofrer a perda de um milhão e 600.000 Pesos, que deve
pagar com os seus competentes juros, sem tê-los recebido.
Como pelas duas terças partes do Empréstimo, que devem ser entregues
pelos Contratadores no Rio de Janeiro, e que montam a 4 milhões 266:666
Pesos-fortes, se propõem na 5.ª Condição um outro abatimento de 6 Pesos
em cada 100, perder-se-ão mais 256:000 Pesos: logo estas duas perdas subi-
rão pelo menos a um milhão 856:000 Pesos-fortes, que avaliados a 960 réis
montam a 1.781.760$000 réis, ou 4 milhões e 454 mil cruzados com pouca
diferença, de que devemos pagar o juro anual de 6 por cento, além do capital
equivalente, como se o houvéssemos recebido. É claro, que somente o juro
anual desta soma, que se não recebe, vai a 106.905$600 réis.
Não deve parecer excessivo o valor dos Pesos-fortes a 960 réis, de que
nos servimos em nossos cálculos: como pela 1.ª Condição os juros, e o capital
devem ser pagos na mesma moeda, em que se contrai o Empréstimo, isto é,
em Pesos-fortes, seremos obrigados a comprá-los nas épocas dos pagamentos,
e não é provável, que os obtenhamos por menor preço.
Além da perda, de que tenho feito conta assaz moderada, deve-se
contemplar, a que haverá na passagem da 3.ª parte do Empréstimo, que se há
de pagar em Londres na forma da 3.ª e da 4.ª Condição, e que decerto será

405
considerável em razão do Câmbio, sacando-se Letras sobre os Contratadores,
não sendo provável, que estes saquem a favor do Tesouro do Rio de Janeiro,
como nos conviria: também dever-se-ão contemplar outros pequenos preju-
ízos de semelhantes transações, como sejam comissões, corretagens, portes
de Carta, e outras, que todas são acusadas, e exigidas.
Vejamos agora, a quanto montarão os pagamentos do Tesouro Público
do Rio de Janeiro, no caso de se realizar um tal Empréstimo, supondo, que a
liquidação do Capital se há de fazer em 16 anos consecutivos por pagamentos
anuais de 500:000 Pesos-fortes na forma da 1.ª Condição, e que principia a
amortização logo no segundo ano depois de sancionado o Empréstimo, que
é o caso mais favorável, a fim de pouparmos o juro do Capital, que se for
amortizado.
TABELA
TABELA DEMONSTRATIVA

Dos pagamentos do Tesouro nas épocas ajustadas por um


Empréstimo de oito milhões de Pesos-Fortes

Desembolso do Tesouro
Capital Juros Amortização no fim de cada ano
Anos Semestres em em em
Pesos-fortes Pesos-fortes Pesos-fortes. Total em Total em
Juros Capital
Pesos réis

1º 8.000$000 240$000 250$000


1º 472$500 500$000 972$500 933.600$000
2º 7.750$000 232$500 250$000

1º 7.750$000 225$000 250$000


2º 442$500 500$000 942$500 904.800$000
2º 7.250$000 217$500 250$000

1º 7.000$000 210$000 250$000


3º 412$500 500$000 912$500 876.000$000
2º 6.750$000 202$500 250$000

1º 6.500$000 195$000 250$000


4º 382$500 500$000 882$500 847.200$000
2º 6.250$000 187$500 250$000

1º 6.000$000 180$000 250$000


5º 352$500 500$000 852$500 818.400$000
2º 5.750$000 172$500 250$000

1º 5.500$000 165$000 250$000


6º 322$500 500$000 822$500 789.600$000
2º 5.250$000 157$500 250$000

1º 5.000$000 150$000 250$000


7º 292$500 500$000 792$500 760.800$000
2º 4.750$000 142$500 250$000

406
Desembolso do Tesouro
Capital Juros Amortização
no fim de cada ano
Anos Semestres em em em
Total em Total em
Pesos-fortes Pesos-fortes Pesos-fortes. Juros Capital
Pesos réis
1º 4.500$000 135$000 250$000
8º 262$500 500$000 762$500 703.200$000
2º 4.250$000 127$500 250$000

1º 4.000$000 120$000 250$000


9º 232$500 500$000 732$500 674.400$000
2º 3.750$000 112$500 250$000

1º 3.500$000 105$000 250$000


10º 202$500 500$000 702$500 645.600$000
2º 3.250$000 97$500 250$000

1º 3.000$000 90$000 250$000


11º 172$500 500$000 672$500 645.600$000
2º 2.750$000 82$500 250$000
1º 2.500$000 75$000 250$000
12º 172$500 500$000 672$000 645.600$000
2º 2.250$000 67$000 250$000
1º 2.000$000 60$000 250$000
13º 112$500 500$000 612$500 588.000$000
2º 1.750$000 52$000 250$000
1º 1.500$000 45$000 250$000
14º 82$000 500$000 582$500 559.200$000
2º 1.250$000 37$000 250$000
1º 1.000$000 30$000 250$000
15º 52$500 500$000 552$500 530.400$000
2º 750$000 22$000 250$000

1º 500$000 15$000 250$000


16º 22$500 500$000 522$500 501.600$000
2º 250$000 7$000 250$000

3.950$000 8.000$000 11.960$000 11.481.600$000


ou ou
3.801.600 reis 28 milhões e
ou 704 mil cruzados
9 milhões e 500
mil cruzados

Pelo que se disse antecedentemente, e pela inspeção desta Tabela reco-


nhece-se claramente.
I: Que havendo-se recebido, quando muito, 7 milhões 144.000 Pesos,
sem atendermos às perdas provenientes do Câmbio, Comissões, e outras,
constituímo-nos devedores de oito milhões, para serem pagos no espaço de
16 anos com os seus respectivos juros.
II: Que a importância destes juros sobre a 3.960:000 Pesos, que no valor
de 960 réis importam 3.801:600$000 réis, ou 9 milhões 504 mil cruzados
no espaço de 16 anos.

407
III. Que o Tesouro Público no dito tempo de 16 anos tem a despender
11.960:000 Pesos no valor de 11.481.600$000 réis, ou 28 milhões e 704
mil cruzados.
IV. Que havendo-se recebido, quando muito a quantia de 5.898.240$000
réis, ou 14 milhões e 745 mil cruzados, e pago por esta soma a de 28 milhões
e 704 mil cruzados, sofremos uma perda de 13 milhões e 959 mil cruzados
no espaço de 16 anos.
V: Finalmente que o Tesouro Público se deve aprontar para despen-
der no 2.º ano depois de realizado o Empréstimo a soma de 933.600$000
réis, que suposto vá gradualmente diminuindo, ainda no 16.º ano será de
501.600$000 o último pagamento a fazer.
A vista deste quadro não pode deixar de aterrar, e muito mais refletindo-
-se, que a perda dos 13 milhões e 959 mil cruzados da Nação será toda em
proveito da Agricultura, da Indústria, e do Comércio Estrangeiro; que a
entrada de 14 milhões e 745 mil cruzados em prata proveniente desta tran-
sação, ocasionará a saída de 28 milhões, e 704 mil cruzados também em
prata, e que para se pagar este Empréstimo será necessário obter por meio
de novas Imposições a soma de 933.600$000 réis, logo no primeiro ano, e
com pequena diminuição nos seguintes até a sua completa satisfação.
Estas pungentes considerações tornar-se-ão mais acerbas com a
lembrança, de que, sendo a Dívida Pública de 24 a 25 milhões de cruzados,
tão grandes sacrifícios não nos livrarão dela, e muito menos nos habilitarão
para fazermos face às despesas extraordinárias, com que devemos contar
na atual crise, e para que devemos infalivelmente estar preparados. É certo,
que este último inconveniente desaparecerá, elevando-se o Empréstimo
tanto, quanto for necessário, para por ele obtermos a quantia líquida de
30 milhões de cruzados: mas neste caso o prejuízo Nacional seria de 28
milhões, e 400 mil cruzados no espaço de 16 anos, e as Imposições subiriam
proporcionalmente, a fim de se obter a soma necessária ao pagamento do
juro, e à amortização do capital.
Corramos um véu sobre estas tão justas ponderações, para não nos
aterrarmos, e desviar-nos do único objeto, que nos deve ocupar, a salvação
Pública. Quando um corpo físico se acha em perigo de perder sua existência, o
hábil Médico lança mão de todos os remédios, que a Arte lhe prescreve, ainda
mesmo os mais asquerosos e aflitivos, ordena a amputação dos membros
podres, não obstante a falta, que depois farão, e empreende operações assaz
dolorosas, e arriscadas; a tudo se sujeita o Enfermo para conservar sua
vida: outro tanto deve acontecer com o Corpo moral, com a Nação. Se os
Estados Unidos da América na porfiosa luta para firmar sua independência,
prendessem-se com a consideração dos sacrifícios, e empenhos, que foram

408
obrigados a contrair, e que ainda lhes pesam, não apareceriam hoje com
tanto garbo entre as Nações poderosas: se Portugal tivesse atendido aos
sacrifícios do Empréstimo de 13 milhões de Florins contraído em 1802, teria
deixado de existir nessa desgraçada época: se a França se assustasse com
a sua dívida pública de mais de mil e duzentos milhões de cruzados, não
figuraria hoje como Potência da primeira ordem: se a Inglaterra finalmente
não se achasse com o peso enorme de perto de oito mil milhões de cruzados
de dívida pública, que foi obrigada a contrair, para se salvar de sucessivos
embaraços, e levar avante seus projetos, e empresas, não apareceria hoje tão
rica, tão poderosa, com assombro, e inveja de todas as Nações.
Os Impostos, e os Empréstimos são verdadeiros males públicos: portanto
somente se devem estabelecer, e empreender para se evitar outros males de
maior lote, e que possam arruinar a Nação com a perda da sua liberdade,
ou empecer o seu andamento para o grau da civilização, de instrução, de
opulência, de riqueza, de que é suscetível. Na escolha dos meios menos
opressivos é que deve haver o maior discernimento.
Temos já visto a necessidade absoluta, que há de uma considerável
soma para o Tesouro do Rio de Janeiro pagar suas dívidas, e fazer face às
despesas extraordinárias da atual crise: das reflexões, que publiquei sobre
a necessidade, e meios de se pagar a dívida pública, e do que de novo tenho
dito, fica claro:
I. Que por economias nas atuais despesas públicas não será possível
obter-se a soma, que nos é necessária, ainda mesmo que se extinguissem
todos os Tribunais, e Empregos, e nada se despendesse com a conservação
do Culto, administração da Justiça, instrução pública, e com a nossa defesa,
sendo verdadeiramente insignificante a economia, que poderá resultar da
supressão de alguns poucos lugares inúteis, e da cessação do vencimento de
Ordenados pela falta de residência efetiva dos Empregados.
A este respeito convirá notar-se, que sendo muito louvável na econo-
mia doméstica o regular-se a despesa pela renda, que se tem, na Economia
Política se deve seguir uma marcha diversa. O homem de bem se sujeita a
privações, escolhe casas de menos preço, reforma sua mesa, diminui todas
as suas despesas, tendo somente em vista a renda, de que goza, para por ela
se regular. O Governo, ainda mesmo o Constitucional, deve pelo contrário
estabelecer primeiro as suas despesas sem prodigalidade, mas de nenhum
modo com mesquinhez, procurando depois por meio de Impostos equili-
brar a sua receita ordinária com a despesa ordinária, e indispensável para o
esplendor do Chefe do Poder Executivo, para a dignidade da sua Religião,
para o entretenimento da força armada, dos Ministros, dos Magistrados,
dos Funcionários Públicos, todos eles conveniente e decentemente pagos

409
pelos serviços, que prestam à Nação. Se por um lado convém proceder com
economia, para aliviar, ou minorar o peso das Imposições tão contrárias à
felicidade do Povo, por outro lado é necessário para a conservação da feli-
cidade Nacional, que o Governo se torne respeitável pelos meios postos à
sua disposição, sendo impróprio de uma Nação grande, rica em território,
em produções, em luzes, talentos, indústria, e comércio o ser pequena, e
mesquinha em suas despesas.
As economias tão gravadas da supressão, ou diminuição dos ordenados
são mais filhas das almas pequenas, e invejosas da alheia comodidade, do
que de puro, e bem entendido amor da ordem e felicidade pública.
Aqueles, em quem se verifica a economia, reformam suas despesas, e
com esta reforma se estende muito ao longe a cadeia dos prejuízos ao último
comprador, ou vendedor, cessando equivalentes consumos, de que tirariam
vantagem a Indústria, a Agricultura, o Comércio, os obreiros, e os artistas,
e cessando a percepção de todos os Direitos, que se cobrariam das diferentes
transações assim estorvadas: daqui porém se não deve concluir, que apoio
abusos, e prodigalidades.
II: Que por Imposições diretas, ou indiretas não se poderá jamais
conseguir o pagamento de despesas extraordinárias em sua totalidade, mas
tão somente consignando-se a quantia das mesmas Imposições, que for
necessária, para se empreenderem operações de crédito, e circulação, que
nos livrem de embaraços.
III: Que estas operações de circulação e crédito trazendo consigo
despesas em pagamentos dos juros, e do capital, demandam o aumento das
Imposições em prejuízo dos coletados, se bem que insignificante compa-
rativamente, ao que sofreriam, se deles se exigisse de pronto toda a soma
necessária, para se fazer face a despesas extraordinárias.
IV: Que um Empréstimo contraído fora do país segundo o Projeto apon-
tado, e sendo elevado ao ponto de nos dar toda a soma, de que necessitamos
para o pagamento de nossas dívidas, e despesas extraordinárias, exigirá um
muito considerável aumento de Imposições, e ocasionará as perdas, que
ficam indicadas, sendo todas elas em proveito da Agricultura, Indústria, e
Comércio Estrangeiro.
V: Finalmente que, se este Empréstimo pudesse ser realizado no Brasil
segundo o sistema adotado pela Grã-Bretanha, estabelecendo-se quantia certa
para pagamento dos juros, e amortização do Capital, desapareceriam estes
graves inconvenientes, e colheríamos os mais felizes resultados, não obstante
o peso das Imposições, que acrescessem às atuais destinadas ao pagamento
das despesas ordinárias.

410
Vejamos agora se será, ou não possível conseguir-se um Empréstimo
no Brasil com a latitude, de que necessitamos.
Pela falta de Capitais ociosos, e disponíveis, e mais que tudo, pela falta
de crédito, e de conhecimentos de semelhantes transações, pode-se afirmar,
que será impossível ou que ao menos com muita dificuldade se poderá obter a
soma de 30 milhões de cruzados, que julgamos necessária para o pagamento
de toda a dívida pública, e para ocorrermos às despesas extraordinárias,
com que devemos contar, ainda que a nossa Assembleia Geral Constituinte,
e Legislativa estabeleça adequados Impostos para a Caixa sagradamente
destinada ao exato pagamento, do juro, e amortização do Capital. Que
faremos em tal caso? Sujeitar-nos-emos aos enormes sacrifícios de um tal
Empréstimo fora de nosso País, para não corrermos o risco iminente da
falta de recursos para o pagamento do que devemos, e para a nossa defesa,
e estabelecimento do nosso sistema Constitucional? Não sem dúvida: ainda
nos resta um meio termo a seguir.
O Tesouro Público do Rio de Janeiro deve ao Banco do Brasil 12 a 15
milhões de cruzados: logo consignando-lhe 400 ou 480 contos de réis por ano
para pagamento do prêmio de 6 por cento, e amortização do capital, ficará
atendido este seu credor Brasileiro, que por todas as razoes de política, de
decência, e de interesse Nacional deve ser preferido a credores Estrangeiros,
que buscaríamos, se com um Empréstimo quiséssemos pagar-lhe de pronto,
como alguns propõem sem fundamento atendível, e até exagerando os emba-
raços deste Estabelecimento, e desacreditando-o sobremaneira, como já fez
um dos seus tímidos Diretores com a representação dirigida sem proveito
algum às Cortes de Lisboa. Seria na verdade máximo erro, que para nos
livrarmos de credores Nacionais, fossemos contrair uma dívida em Praças
Estrangeiras, cedendo-lhes todas as vantagens de semelhantes transações,
como havemos tão claramente mostrado.
Os outros credores de 3 a 4 mil contos de réis podem ser contemplados,
e atendidos pelo modo proposto pelo Patriota Constitucional, e publicado
no N.º 14 do Revérbero, fazendo-se as alterações já apontadas nas minhas –
Reflexões sobre a necessidade, e meios de se pagar a dívida pública – a que
nada mais tenho a acrescentar.
Como porém além do pagamento de suas dívidas necessita o Tesouro
de 5 a 6 milhões de cruzados para despesas extraordinárias, com que deve
contar, busque consegui-los por um Empréstimo em Londres, ou outra
qualquer Praça, onde encontre Banqueiros, e Capitalistas, que melhores
condições ofereçam, sendo realizado, em Pesos-fortes segundo o Projeto, de
que fiz menção, limitado a três milhões de ditos Pesos.

411
Por este modo ficará o prejuízo Nacional, e que se volta em favor do
Estrangeiro, reduzido à quinta parte, do que seria realizando-se todo o
Empréstimo de 30 milhões fora do Brasil. Este prejuízo assim minorado
nos habilitará para as despesas extraordinárias da atual crise, e dará lugar
à entrada de prata, de que também agora necessitamos, o que o faz mais
tolerável.
Ficarão entre nós todas as vantagens, que os Estrangeiros receberiam
do Empréstimo de 24 a 25 milhões de cruzados, e com o pagamento desta
dívida se obterá a incalculável vantagem do Estabelecimento entre nós de
operações de crédito, segundo o luminoso sistema de Walpole, de Price, e Pitt;
aumentar-se-á mais uma classe de riquezas com a criação dos Proprietários
de rendas: dar-se-á emprego seguro aos Capitais ociosos, que não faltam:
crescerá prodigiosamente a riqueza Nacional, e com ela a do Tesouro Público.
Resta somente tratar dos meios de se realizar tão grande, e útil Plano
com a devida segurança. São necessárias rendas, para aplicar às Caixas de
amortização, por onde se devem pagar os juros, e os Capitais representa-
dos pelas Apólices do Empréstimo, que se fizer, e pelas Letras, e Bilhetes
de crédito, que emitir o Tesouro. A nossa Assembleia Geral Constituinte e
Legislativa tomará este objeto em sua alta consideração, por lhe ser priva-
tivo o estabelecimento de novas Imposições, podendo no entanto pôr já em
prática o Tesouro Público o método, que se lhe tem apontado, das Letras, e
Bilhetes de crédito, de que se podem, e devem tirar tão grandes vantagens,
e que não é dependente do poder Legislativo.
É tempo de largar por esta vez a pena, dando por bem empregada a
tarefa, que tomei por devoção, se dela se puder colher alguma utilidade.
Bem conheço que a natureza do assunto interessará a poucos Leitores, e
despertará a atenção somente, dos que forem versados nos conhecimentos
da Economia Política, e na ciência da Administração, e do Crédito Público.
Espero uma altiva, e categórica reprovação de muitos, e principalmente dos
que fundam todo o seu luminoso sistema Financeiro na cobrança de Impostos
no ato das Importações, e Exportações marítimas: mas nem por isso deixarei
de ir apresentando ao Público, como agora faço, tudo o que me parece útil
à Nação, e à Pátria, como cumpre a um Cidadão Constitucional.

Manoel Jacinto Nogueira da Gama.

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RIO DE JANEIRO. NA TYPOGRAPHIA NACIONAL.
1822.

412
37

A CORCUNDICE
EXPLICADA MAGISTRALMENTE,
OU

RESOLUÇÃO DE DOIS PROBLEMAS


INTERESSANTES A RESPEITO DOS CORCUNDAS.

I. Que cousa seja hum Corcunda?


II. Quem são os verdadeiros Corcundas?

PELO

DOUTOR HIPOLYTO GAMBOA,


ACERRIMO LIBERAL.

L I S B O A:

NA OFFICINA DE SIMÃO THADDEO FERREIRA.


ANNO DE 1822.

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Gibbus designare potest quidquid anima turpe vel cogitat,
vel facit: unde Gibbosus est qui turpitudinem in anima habet.1
Santo Ambrosio no serm. 4. aludindo ao Cap. 33 do
Levítico, e citado em Silv. Allegorrar. Pag. 494.

P R E Â M B U L O.

Logo que a porção mais nobre da Europa quebrou os ferros, com que por
largos tempos a tinham agrilhoado as Nações bárbaras, eis que de repente
principiam os seus habitantes a desenvolver a enérgica força, de que tão
liberalmente os dotou a natureza; e então se viu, que a inventora paixão dos
homens pode ser privada do seu exercício, porém nunca extinta. Recobrou o
entendimento humano os direitos de investigar verdades ocultas; descortinar
os mistérios da natureza; aperfeiçoar os seus conhecimentos; e enriquecer
o mundo com descobertas as mais úteis, e importantes. Então as ciências
cultivam-se: adquirem as Artes um aumento progressivo: desterram-se
pouco a pouco os abusos: até se renova a linguagem dos homens, já com a
invenção de novos termos assaz delicados, já com a redução de outros a tom
mais harmonioso, já com uma prodigiosa extensão de significado há muitos
concedida. Por esta novidade de nomes, ou recém-nascidos, ou reformados,
é de primeira necessidade a publicação de um novo vocabulário para o uso
dos Portugueses.
É porém de notar, que entre todas as palavras, que têm saído da fábrica,
ou feitas de pouco, ou consertadas, nenhuma prefere à palavra Corcunda no
préstimo, no uso, e até nos privilégios. Achava-se ela posta a um canto cheia
de ferrugem, porque a ninguém servia de ordinário, senão aos rapazes de rua,
arrieiros das estradas, e outros heróis a eles semelhantes quando tinham de

Corcunda pode designar o que quer de torpe que a alma pense ou faça; daí, corcunda
1

é aquele que tem torpeza na alma.

414
recitar as suas eloquentes surriadas a algum desses infelizes, a quem a natureza,
o desastre, ou a velhice entortaram o espinhaço. Hoje a tal palavrinha está
mais luzida, que um espelho: anda nas asas da fama: está servindo todas as
horas; deve ser proferida cada dia mais de vinte vezes, e quem assim o não
fizer, é um velho carunchoso, ou um desengraçado jarreta, se é que o não
batizarem com o nome de servil. Os tafuis nas suas partidas em ar judicioso;
as Senhoras nas assembleias com discreta galanteria; os caparrotas às portas
das tavernas, inflamados com a matéria elétrica do Deus Baco; todos, todos,
todos fazem uso mais frequente da palavra Corcunda do que São Paulo
escreveu do Santíssimo Nome de Jesus em suas Epístolas.
Vai pela rua o Cidadão honrado com aquela gravidade, que é própria
do caráter Português: aí lhe sai de uma esquina o positivo Corcunda em tom
de mofa; ali cai de uma janela o diminutivo Corcundinha articulado por um
sonoro tiple feminino, acolá vem de uma loja o superlativo Corcundíssima
arrojado na estrondosa explosão de uma voz ameaçadora. Caminha de sua
casa para a Igreja o Eclesiástico morigerado com a modéstia, e traje, que fazem
honra ao Sacerdócio: aí têm os seus ouvidos de aturar a desafinação do nome
Corcunda com o remate dos obséquios, que a ele, e ao seu chapéu triangular
oferece à populaça com mais atrevida coragem do que o faria o Argelino irreli-
gionário nas praças da sua Capital. Vê-se o Cristão devoto no Templo ajoelhar
com ambos os joelhos segundo o antigo rito da Igreja Católica: benzer-se com
uma Cruz perfeita, formada de uma linha perpendicular, e outra horizontal,
como ordenam os Catecismos; levantar as mãos para o Céu em observância
ao culto exterior, devido ao Ente Supremo: aí o espera à porta um figurão
desabusado, para lhe adicionar ao nome Fanático o sobrenome Corcunda.
Caminha da Casa do moribundo para o seu Convento o pobre Religioso com
a edificante compostura, que ainda se divisa em muitos, e seria justo, ver-se
em todos: (caso verdadeiro, sucedido há pouco na Capital. Que escândalo!!!)
eis lhe sai ao encontro um bizarro Cidadão, o qual depois de o saudar com o
decantado nome Corcunda, regala-lhe a cara com uma estrondosa bofetada.
Creio que se este honrado herói se achasse em Jerusalém no tempo da Paixão
do Redentor, preferiria a todos os Judeus na sacrílega glória de dar bofetadas
na divina face. Dizem-me, que ele está de viagem para os Sertões da América,
e África, a fim de instituir os tigres, e leões na habilidade de perseguir os seus
semelhantes; e que em completando as funções do seu Magistério, entrará na
gostosa empresa de ilustrar os antissociais, sistemas de Hobbes, e Rousseau,
tão injuriosos à natureza humana, e seu Autor, como subversivos de toda a
Ordem. Queira Deus, que ele se não esqueça de ingerir na obra a galanteria

415
do nome Corcunda, que hoje tem mais consumo do que o verbo sum es fui,2
ou o relativo qui quæ quod.3
Atônito andava eu com tanta Corcundice, e conversando comigo
mesmo dizia muitas vezes “Que novidade é esta? Que mania? Que loucura?
Corcundas, e Corcundas, e mais Corcundas, quando vemos o gênero humano
com a ossada tão direta, como até agora, e além disto crescer todos os dias o
assisado rancho dos que passeiam às ruas de proa levantada! Acaso se descon-
certou o delicado mecanismo das cabeças dos homens? Ou passaria para os
cérebros a ferrugem epidêmica das Oliveiras? Que será isto? Aqui certamente
há mistério, ou chiste, ou metáfora, ou alegoria, ou o que quer que é: estou
vendo, que o nome Corcunda tem hoje privilégios de algazares contra o cão
danado, e significa alguma deformidade moral gravemente nociva”.
Quando eu julgava ter assim desatado o nó górdio, eis que o vejo mais
imperceptível. “Se o nome Corcunda é nome do crime, ou delito, qualquer que
seja (continuava eu concentrado no difícil labirinto das minhas dúvidas) se o
nome Corcunda é o nome do crime, ou delito, acaso não temos leis penais, não
temos Autoridades legítimas, para castigar os inimigos da boa ordem? Serem
tantas vezes insultados, provocados, apupados, o homem sábio, o homem
sisudo, o Cidadão pacífico, o Cristão edificante, o Eclesiástico exemplar, o
Religioso modesto! E isto por umas personagens de alta consideração! Uns
maganões dirigidos escrupulosamente pela moral das suas paixões desenfre-
adas! Uns homens de luminosos conhecimentos, que escrevem sofrivelmente
o seu nome, e alguns deles doutorados na ciência de pregar calotes! Umas
janeleiras enfeitadas e tentadoras, a quem adorna a duplicada glória de serem
filhas de Aqueronte, e discípulas da honrada Vênus! Uma tropa de ranhosos, a
quem a falta de educação habilita para todos os empregos da brejeirice. E isto
no meio da Nação Portuguesa, Nação Religiosa, honrada, política, modesta!
E isto, quando o Soberano Congresso emprega a sua energia para adstringir
todos os indivíduos da Nação com os vínculos da Caridade, Fraternidade, e
mais virtudes sociais. E isto, quando a Constituição da Monarquia afiança
do modo mais solene os direitos pessoais do Cidadão! E isto quando Portugal
necessita mais que nunca de identificar a opinião pública, aplicando aos extra-
viados as delicadas molas, que podem obrar com eficácia no coração humano!
Em tais circunstâncias é que o furor da gentalha, a astúcia dos malvados, a
persuasão errônea dos ignorantes, o inconsiderado aplauso da novidade se

2
Sou, és, fui.
3
N.T.: Pronomes relativos no nominativo singular masculino, feminino e neutro, respec-
tivamente.

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conspiram de comum acordo, para disseminarem a desconfiança, o rancor,
a discórdia, a rivalidade entre dois partidos de Corcundas, e não Corcundas!
Não pode deixar de reprovar este procedimento popular, como impolítico,
e perigoso, quem ler as histórias das Nações, cuja glória esteve sempre na
razão direta, e cujas desgraças na razão inversa da sua união! Mas que coisa
é ser Corcunda? Quem são esses Corcundas?”
Tendo eu resolvido por muitas vezes os mais intricados Problemas da
Física, não pude nestes meter bico, que a minha surpresa me propunha como
indissolúveis. Felizmente fui desabafar com um amigo, homem estimabilís-
simo, que pode irmanar em si mesmo as apreciáveis qualidades de sábio,
Prudente, Jovial, Discreto, Patriota, e Cristão, qualidades estas, que erronea-
mente se reputam insociáveis. Propus-lhe as minhas perplexidades, misturadas
com as partículas ignitas de um cérebro eletrizado; e com a sincera exposição
das minhas dúvidas o fiz também ciente da ingrata paixão, que me dominava.
Então ele a tudo satisfez a sangue frio, resolvendo os Problemas sem aumentar-
-me a escandescência da cabeça com cálculos matemáticos, e restituindo-me
o equilíbrio dos humores agitados com a suave atração de uma agradável
conversa, em que as minhas opiniões, até ali ambíguas, passaram a verdades
demonstradas. Como excedi os peixinhos de Santo Antônio na fixa atenção,
com que ouvi o respeitável Oráculo, conservo de memória todas as suas
palavras, cuja publicação julgo proveitosa aos meus amados Compatriotas,
para instruir os ignorantes, prevenir os desacautelados, descortinar as sinistras
intenções dos ímpios, coibir o ridículo abuso do nome Corcunda, e restituir
a mesma Corcundice com todos os frutos pendentes, a seus legítimos donos.
Quis remeter escrita a interessante conferência a algum Redator, para
inseri-la no seu Periódico, a título de Artigo Comunicado, ou Notícias
Nacionais; porém uma instrução esfarrapada, que tenho de químico, fez-me
temer a fermentação, que podia resultar da mistura de elementos heterogêneos.
Lembrei-me; que a curiosa Gazeta Universal, onde não entram alcalinos, podia
sem perigo satisfazer o meu empenho; mas não quis incomodar o seu Redator,
que no Tribunal do Público anda em atual livramento pelo horroroso crime,
que cometeu em publicar a Pastoral do Patriarca, e usar no Preâmbulo da
escandalosa palavra Rebanho, que por seu volume não pode entrar pela goela
de um pato, (artigo Correspondência) ainda que tivesse saído pela delicada
garganta de uma cândida Pomba (no Evangelho vem o seu nome próprio) que
voou do Céu. Ora, Patates in lamarates4: dizia discretamente um Oficial de
Estudante da Universidade com exercício de passeador das ruas de Coimbra.

4
N.T.: Parece uma expressão de sentido cômico, mas sem significado.

417
Resolvo-me pois a dar eu mesmo ao prelo a Corcundice explicada.
Queira Deus que não esteja a Imprensa ocupada com alguma babosice, como
é de bico a rabo a célebre Resposta à Pastoral do Ex-Patriarca de Lisboa,
assinada por J. A. F. Ouvi dizer, que o nome é suposto, e que a eloquente
peça (valha a verdade) fora composta por um curioso Aguadeiro junto ao
Chafariz do Carmo, nos intervalos de esperar vez para encher o seu barril.
Não se faz incrível a notícia a quem confrontar imparcialmente o caráter de
um tal Autor com o merecimento da Obra.

P R O B L E M A I.
Que coisa seja um Corcunda.

QUANDO ao sexto dia da grande fábrica do Universo, o Supremo Artífice


criou o homem à sua imagem e semelhança, logo depositou nele os preciosos
elementos da vida social; e além de outros dons, enriqueceu-o com órgãos
proporcionados, mediante os quais pudesse comunicar aos seus semelhantes
as afeições ocultas da alma, e designarem com nomes próprios a multidão
quase infinita dos entes produzidos. Reservou porém a natureza a si mesma
o regulamento de certos sons, ou sinais (se o não fizesse, já agora tudo estava
confundido) como o riso, o choro etc., para significarem perpetuamente as
internas impressões ingratas, ou jocundas: ao arbítrio do homem se cometeu
a faculdade de inventar as palavras, ou organizar de muitos sons indivíduos
um som complexo, ficando aos seus vindouros o direito salvo, para aumentar,
corrigir, ou reformar a linguagem segundo a exigência, ou gosto dominante
de cada Século. Se a Nação imitasse ainda hoje o exemplo de nossos antepas-
sados, tão zelosos pela pureza da língua materna, não estariam naturalizados
entre nós tantos idiotismos estrangeiros, e a multidão de palavras novas, que
aparecem para brindar a moda, seriam um rigoroso contrabando. Mas que há
de ser? Prevaleceu nestes últimos tempos o espírito vertiginoso da novidade
para ombrear com as justas reformas dos abusos; e a impostura dos néscios,
que não podia conceder-lhes a verdadeira eloquência de pensamentos sublimes,
quis contentá-los com a falsa eloquência de palavras desconhecidas.
Eis aí pois uma enxurrada de nomes, capaz de alagar a todo o Reino,
e nela apareceu há perto de um ano a senhora palavra Corcunda, como um
diamante lapidado, cujo valor era até então desconhecido. Não posso decidir
com certeza, se haveria no curioso inventor intenções maliciosas dirigidas a

418
grandes projetos; porém eu não serei temerário em o suspeitar, atendendo à
época da invenção, e honra pessoal dos que apropriaram a seu uso a plausível
palavrinha. O certo é, que ela está servindo a todo o bicho careta, incluso um
numeroso exército de mascarados, cujas feições são bem patentes, depois que
eles perderam o pejo de trazer sobre a cara um larva esfarrapada. O certo é, que
ela, há poucos dias do seu aparecimento, converteu-se em pau de muitos bicos,
para picar aqui, picar ali, picar acolá segundo o arbitrário impulso que lhe
imprimem os desumanos picadores. O certo é, que ela, depois da enriquecida
pela metáfora com um novo significado análogo às circunstâncias presentes,
degenerou bem depressa em um equívoco venenoso, que vai propagando a
epidemia contagiosa da mortífera rivalidade entre os Cidadãos Portugueses.
O certo é que um punhado de malévolos são os principais interessados na sua
conservação, e aumento, a fim de indisporem contra a parte mais respeitável
da Nação o resto do povo, que por desgraça levam atrás de si, como o infeliz
cego é levado ao precipício pelo desumano condutor. É pois necessário para
cautela destes, e confusão daqueles (se ainda são capazes de vergonha) analisar
a fatal palavra Corcunda nos três estados, que a condecoram, isto é, nos três
sentidos, próprio, metafórico, e abusivo.
No sentido próprio é Corcunda aquele desgraçado a quem afeia uma
elevação monstruosa, e ridícula no costado, ou no peito, que o obriga a
formar com o corpo uma linha curva, ou parabólica, mais ou menos exata;
mas sempre com direção oposta ao inchaço, que o desfigura. É Corcunda no
sentido metafórico o que oprimido com o temor das próprias paixões, mais,
ou menos volumoso, tem a alma curvada para o vício, para o crime, e para
a impiedade. É Corcunda em sentido abusivo todo aquele, a quem quiserem
presentear com este polido nome, ímpios, ou ociosos, ou tolos, ou rapazes
da rua. Os Corcundas em sentido próprio carecem da retidão, que a natureza
concedeu ao corpo humano; e esta Corcundice pode-se muito bem medir
com um compasso, régua, prumo de pedreiro, ou outro apto instrumento
a arbítrio do medidor. Os Corcundas, em sentido metafórico, declinam da
retidão da lei; e esta Corcundice só é marcável pela mesma lei, contanto que
não seja explicada por algum Literato, que saiba fazer comentos a Pastorais
de Patriarcas. Os Corcundas em sentido abusivo afastam-se das escandalosas
máximas dos Libertinos; e esta Corcundice só pode ser mensurável pelo ódio,
raiva, furor, ou loucura dos seus próprios inventores.
A respeito dos primeiros Corcundas, nada resta a dizer senão que neces-
sitam de muita paciência, e fazer orelhas de mercador, quando um regimento
de rapazes lhes for na retaguarda dando as costumadas descargas. A respeito
dos segundos deve-se notar, que somente são Corcundas por Antonomásia

419
os inimigos da nova Constituição Política, chamados por isso mesmo
Anticonstitucionais. Agora a respeito dos Corcundas em sentido abusivo, eu
só poderia desempenhar dignamente o assunto, se quisessem emprestar-me
por um pouco a sua bílis exaltada os ímpios, os frenéticos, os mal-criados,
e os vingativos. Supram aqui a minha penúria a Santa Religião, tantas vezes
mofada, a virtude metida a ridículo, a honra do Cidadão pacífico exposta ao
insulto, a inocência denegrida com a calúnia etc. etc. etc. Digam... Falem...
Gritem...
O Religioso, que não entra no botequim, na partida, na assembleia, que
usa do hábito pobre, rude, grosseiro; que vive recolhido, aplicado, estudioso;
incorre ipso facto na censura de Corcunda; e se além disso gasta as manhãs
na Igreja no desempenho do Ministério Santo, é Corcunda Reverendíssimo.
O Eclesiástico Secular, que regula a sua vida, traje, e ações pela norma dos
Sagrados Cânones; que diz a sua Missa inteira, sem usar do escandaloso
privilégio da figura Síncope, ou afetar a ligeireza de dançarino, é logo bati-
zado com o nome Corcunda; e se tiver além disto a confiança de dirigir almas
para o Céu, é um Corcundão. O Cristão devoto, que ouve Missa ao dia de
semana, e frequenta os Sacramentos, Corcunda. O honrado Militar, que foge
das Sociedades para viver no retiro da sua casa Corcunda. O sério Português,
que não arreganha muito os dentes ao som das palavras Patriota, Liberal,
Constitucional, é Corcunda. O Cidadão temente a Deus, que não aplaude a
frase incendiária de certos Periódicos, e não concorre com a bendita esmola,
para ajudar a viver os seus piedosos Redatores, Corcunda. O que não está
bem ensaiado em umas tantas macaquices prescritas no Cerimonial de uns
homens esquentados, Corcunda, e mais Corcunda. Fazer oração, Corcundice!
Rezar por umas contas, Corcundice!! Dar graças a Deus depois da comida,
Corcundice!!! Obedecer aos preceitos da Santa Igreja, Corcundice!!!!!
Desgraça...! Desgraça...! Desgraça...! Portugal...!
Agora pergunto eu: E contra esses homens pacíficos é que se dispara a
artilharia grossa da maledicência, não tendo precedido manifesto, que justifi-
que os motivos da guerra? A eles se dirige a nuvem negra, que ameaça raios,
coriscos? São eles com efeito uns Corcundas? São na verdade por definição
Canônica dos Sínodos Botequinais, e Sentença irrevogável de uns Julgadores
intrusos, que ornados com a Toga do crime, ou revestidos da jurisdição
indefinita de uma ignorância crassa, tudo decidem com ciência infusa, e às
vezes com ciência enfusa. Porém, oh homens de cérebro esturrado, e oco,
onde estão os crimes dessa classe de Cidadãos honrados, a quem insultais?
Em que se afastam eles da lei, que deve regular a todos? Se me dizeis, que eles
são inimigos da nossa Regeneração Política, ou Inconstitucionais, mostrai-me

420
a loja, onde se vendem óculos para ver os segredos do coração humano: dizei
o nome desse demo, que vos ensinou a adivinhar: produzi fatos, que justifi-
quem a acusação do horroroso crime; porque eu não admito o escandaloso
privilégio Periodiqueiro de infamar sem prova. Apareçam já as culpas desses
réus, as suas desobediências, as suas tramoias, os seus enredos. Mostre-se pelo
seu procedimento serem eles inimigos do sossego público, insubordinados às
autoridades constituídas, ou pelo menos suspeitos de rebelião. Diga-se... Não
há que dizer. Pois então são Inconstitucionais por viverem mais ajustados, do
que os outros, às máximas do Evangelho? Mas a Santa Religião de Jesus Cristo
amolda-se perfeitamente a toda a forma de Governos, que a ela se querem
amoldar. Serão logo Inconstitucionais, por não andarem feitos uns leros-leros
metendo à carinha a palavra Constitucional? Mas a cabeça provida de miolos
não os deixa imitar as crianças, que andam a mostrar com pueril alvoroço os
sapatos novos. Não são Inconstitucionais, não: eles querem, desejam, amam a
Constituição da Monarquia, mediante a qual gozem os mais felizes resultados.
Sim; desde que o grito da liberdade soou aos ouvidos dos Portugueses,
tem-se-lhes mostrado o debuxo de uma Constituição tão vantajosa ao homem
sociável, como ao homem Religioso; e é de esperar, que o Soberano Congresso
execute a obra conforme o risco e faça amanhecer à Nação um luminoso
dia de felicidades. É uma Constituição, que já declarou a Religião Católica
Apostólica Romana, Religião dos Portugueses, e por consequência deve prote-
ger a imutabilidade dos seus Dogmas, a pureza invariável da sua Moral, a
permanência essencial do seu Culto, a obediência devida aos seus Ministros,
a conduta edificante do Cidadão Religioso, a praxe toda do Evangelho. Uma
Constituição, que estabelece o racionável equilíbrio entre as atribuições do
Monarca, e da Nação; que reconhece os direitos do homem livre, que fortifica
a sociedade com o baluarte da lei. Uma Constituição para desterrar abusos,
plantar a justiça, proscrever o arbítrio, castigar o crime, premiar a virtude,
e pôr o Cidadão a coberto de todas as violências. Esta, e não outra é a
Constituição anunciada aos Portugueses, cometida aos Ilustres Representantes
da Nação; amada, apetecida, desejada por esses mesmos, a cujas cabeças
tantas vezes se arremessa a infamante carapuça de Corcunda. É contudo
certo, (falemos com sinceridade) que eles abominam outra Constituição ideal,
concebida dentro dos miolos de uns poucos de ímpios, furiosos, destituídos
da representação Nacional; (esperamos, que o adulterino feto há de morrer
abafado no útero materno) mas estes semeadores disfarçados da discórdia
serão confundidos, quando se manifestar, que os chamados Corcundas são
os verdadeiros Constitucionais. E com efeito há Corcundas? Quem são eles?
Diga-o a resolução do

421
P R O B L E M A II.
Quem são os verdadeiros Corcundas?

Não há dúvida haver muitos Corcundas de várias configurações, manei-


ras, e feitios; mas todos afastados de retidão da lei com inclinação monstruosa
para a parte do arrocho, ou do crime; e só é para lamentar a má aplicação
deste nome alegórico. Há na verdade inimigos da Representação Política,
Inconstitucionais, mas é tempo de se voltar o feitiço contra o feiticeiro, e
mostrar à Nação iludida, que são réus do crime acusado os seus caluniantes
acusadores.
Não falo aqui de uns Corcundinhas miseráveis, a quem as justas reduções
econômicas dos empregos públicos têm privado dos meios de subsistência,
e transferido à classe dos abatidos, a que não estavam costumados. Estes
por uma imperiosa lei do amor próprio amam a antiga forma do Governo,
e seria crueldade querer inibir-lhes o triste desafogo de lamentar as suas
desgraças. Não falo tampouco de certos Corcundões de focinheira caída,
que no escrupuloso desempenho dos seus ofícios mostravam habilidade para
fazerem curiosos adicionamentos à arte de furtar do P. Vieira. Estes naufra-
gantes, que deram à costa impelidos do rijo vento, que lhes soprou da proa,
não merecem o nome de Corcundas; e seria melhor honrá-los com o nome de
Crocodilos, pelas tenras lágrimas, que derramam sobre a presa devorada; ou
conceder-lhes a fruição desse glorioso apelido, que tantas vezes tem subido
as escadas da forca identificado com os padecentes. Com outra classe de
Cidadãos é que eu pretendo conversar um pouco, para que nos fiquemos
todos entendendo: Cidadãos bizarros, desempenados, jucundos satisfeitos
contentes; e muitos não sabem de que, por terem suspensas as funções do
homem racional, e as cabeças a razão de juro. É porém necessário partirmos
de princípios certos, como homens de bem, ainda que nem todos o sejamos.
É verdadeiro Corcunda (por alegoria) o que se afasta da retidão da lei
com uma tortura sistemática para o vício. Esta Corcundice mede-se pelo
espaço, que medeia entre a lei, e a sua transgressão: e daqui vem haver
Corcundas de mediana fealdade, e Corcundas de figura horrorosa. A lei
pode ser natural, Evangélica, Eclesiástica, ou Civil; mas qualquer que ela
seja, a Religião Católica é órgão de todas; auxiliar de todas, protetora de
todas, intimando em nome de Jesus Cristo a observância dos seus preceitos,
sendo de tudo garante a Constituição anunciada aos Portugueses: até aqui
não temos bulha, e todos concordam; ainda que alguns não gostem de tanta
clareza pelo temor das consequências.

422
Vamos a mais: Quando a nossa Constituição, logo nas suas bases declara,
que a Religião Católica Apostólica Romana é a Religião dos Portugueses,
não nos fala historicamente para designar o culto Religioso da Nação na
época presente: não faz um simples relatório do estado atual da nossa crença;
não nos propõe um nome ilusório para ganhar a benevolência popular:
(Deus nos livre de suspeitá-lo) quer, determina, manda legalmente, que essa
Religião Santa seja a Religião dos Portugueses inculca, reconhece, decreta
essa mesma Religião, em um artigo bem claro, para ser base, fundamento,
alicerce do majestoso edifico da Constituição; e como, sublato fundamento,
coruit fundatum,5 fica sendo entre nós determinação Constitucional a perpe-
tuidade do culto Católico, sob pena de caducar o novo sistema. Não haja
também quem impugne estes princípios, porque o contestá-los seria injurioso
à honra, sabedoria, e probidade dos nossos Ilustres Representantes, e além
disto poria em fermentação o povo Português, que está pronto a abraçar
todas as reformas, contanto que fique intacta a Religião de seus maiores.
Peço vênia, para dizer mais umas verdades: A Religião Católica
Apostólica Romana decretada na Constituição da Monarquia não é uma
quimera semelhante ao Catolicismo, de que o Religioso Junot se jactou
em Lisboa com aquela tanta sinceridade, que pode ganhar o nosso amor,
e depois as nossas saudades: é uma Religião existente há dezoito séculos,
com Dogmas, Moral, Sacramentos, Culto: uma Religião, que reconhece no
Bispo de Roma jurisdição verdadeira, para apascentar espiritualmente as
ovelhas (não digo rebanho, para não atormentar com escrúpulos a timorata
consciência de um sapientíssimo, e ficar eu participante das raivas contra
lopes) de Jesus Cristo espalhadas por todo o Orbe Católico: uma Religião
que ordena aos fiéis o respeito aos seus Ministros, a obediência aos seus
chefes, o acatamento aos seus Templos: uma Religião que inculca aos seus
Filhos a praxe da devoção interna, e externa; o uso frequente da Sagrada
Eucaristia; o exercício de todas as virtudes, que se compreendem no Santo
Evangelho, ou como preceito, ou conselho. Logo o artigo das bases, que
declara a Religião Católica, Apostólica Romana, Religião dos Portugueses
abrange quanto nela se compreende. Logo o ser Constitucional há de estar
infalivelmente na razão direta da observância da mesma Religião. Logo é
mais Constitucional quem for mais Religioso. Logo são Inconstitucionais
todos os que por obras insultam, injuriam, deslustram, ridicularizam, ou
desprezam a Santa Religião, por mais que pretendam mascarar-se com o nome
de Católicos, a fim de iludir, e perverter. Suponho, que ninguém dirá chus,

5
Retirado o fundamento, desmorona-se o fundado.

423
nem bus a estas ilações, que a respeitável lógica antiga afirma serem bem
deduzidas de princípios certos. Se elas desagradarem, o argumento nervoso
de um rizinho à moderna é bastante, para fazê-las em poeira.
Apareçam já a par da reta lei tantos Cidadãos Portugueses, que blasonam
da sua adesão, direitura, conformidade ao sistema Constitucional, e estejam
quietos, para sair a medição exata; mas é justo, que deponham entretanto
as asseadas carapuças de Liberais, Constitucionais, Patriotas com que se
enfeitam, até vermos, se elas são furtadas. (isto em muitos sujeitos, são
nomes de impostura, para enganar os que engolem araras: por fora cordas de
viola, por dentro pão bolorento.) A Religiosa Constituição estabelece como
base a Santa Religião Católica Apostólica Romana (aliás o artigo não teria
significado) tal qual se mostra no pequeno quadro, que debuxei; (os peritos
da arte não dirão, que trabalhou nele o pincel do fanatismo) mas tantos
Cidadãos, para quem Dogmas, Moral, Sacramento, Culto não passam de
ser uns nomes insignificantes, e às vezes nomes de horror! Em quem se não
divisa em todo o ano um só ato de piedade! Que só a ouvir a palavra Igreja
fazem uma Carranca mais feia, do que faria o Mouro mais apaixonado do
Alcorão! Eles são Constitucionais? Se o dizem, mentem: estão tortos, são
Corcundas. E um rancho numeroso de Portugueses degenerados, que aos
Domingos entram por essas Igrejas, com as mesmas cerimônias, que prati-
cariam em casa do Compadre João Fernandes! Que nem se dignam dobrar
o joelho ao Ente Supremo, em cuja Presença tremem as Potestades! Que até
se atrevem a misturar o fétido vapor das brutais paixões, que os inflamam
com o fumo odorífero dos incensos, queimados no tempo [templo?] dos
Sacrifícios! Apelidam-se estes homens Constitucionais? São observantes de
uma Constituição, que tem por base a Religião Católica? Fora monstruosos
Corcundas. E a mania de querer a extinção de todos os Regulares, só para ter
o gostinho de ficarem privados os fiéis dos socorros espirituais, que eles lhes
prestam na vida, e na morte! E a malícia de se dar indistintamente o nome de
fanatismo a exercícios devotos, segundo as máximas do Evangelho, dirigidos
à honra de Deus, e bem das almas! E o ódio furioso de muitos contra todo o
Estado Eclesiástico, a quem pintam de mil formas ridículas, para ser objeto de
desprezo, de irrisão, de zombaria! Os autores destas infernais invectivas são
Constitucionais? São infratores da Constituição; Corcundas. E o desembaraço
da gentalha miúda em dar caçoadas a um Sacerdote sisudo vestido de hábito,
ou chimarra! (neste Religioso, e pio exercício tem-se ganhado por vezes uns
vintenzinhos.) E o atrevimento de uns meninos sem barba; que ainda não
sabem medir bem quatro côvados de baeta, ou pesar uns arráteis de arroz,

424
jogando a sua rapazal Constitucionalidade contra Cidadãos respeitáveis! E
a modal indecência de traje, que adorna umas figuras femininas, capazes de
inspirar pejo a mesma Vênus dissoluta! A Santa Religião permite tais escân-
dalos? não é essa mesma Religião uma das bases do sistema Constitucional?
Logo, tortos, Inconstitucionais, Corcundas.
Tenham paciência os meus ricos Senhores; e já que figuram de Autores
na demanda, hão de aturar a defesa dos réus, que não sofrem serem julgados
à revelia: Voltemos de outro lado a reta medida, para continuarmos impar-
cialmente a melindrosa operação, que envolve matéria de justiça. Que coisa
é a Nação Portuguesa? É (diz o artigo 16 das Bases) a união de todos os
Portugueses de ambos os hemisférios. Não é a união territorial, ou corporal: é
união moral, social, Constitucional: um pacto espontâneo, voluntário, solene,
de que resulta como efeito imediato um ajuntamento de todos os indivíduos
debaixo de uma só forma de Governo com sujeição às mesmas leis, salva
a Religião Católica Apostólica Romana. Como este ajuntamento não é de
escravos ligados com ferros, ou de Asiáticos oprimidos debaixo do enorme
peso do despotismo, mas sim de Cidadãos Portugueses, com perfeita fruição
de todos os direitos do homem livre, é necessário haver convicção de entendi-
mento, e eleição da vontade, para aderir ao sistema Constitucional. Inculcar
as vantagens deste, radicá-lo, fortificá-lo, está incumbido a certos funcionários
públicos: não o transtornar, não o empecer, é obrigação transcendente de
todos os Portugueses. Mas poderá jamais aperfeiçoar-se esta união social,
progredir a convicção de entendimento, generalizar-se a eleição de vontade,
enquanto o nome Constitucional, for apelido arbitrário de alguns ímpios, que
o insultam, deslustram, ridicularizam? A noção de Constitucional verdadeiro
abrange a ideia de Católico Romano segundo as Bases: ser Católico não é
um título honorário de impostura: viver sem Religião é desobedecer a lei,
quebrantar a fé do pacto social, pôr impedimentos à união da grande família
Portuguesa. Que monstruosa Corcundice! Eu lhes mostro, meu Senhores.
A Constituição é a lei fundamental da Monarquia, promulgada em nome
da Nação pelos seus Representantes; mas a estabilidade, firmeza, e resulta-
dos felizes desta lei (sendo base firme a Santa Religião Católica) só podem
dimanar da sua observância, podendo aqui aplicar-se: Leges instituuntur,
cum promulgantur: firmantur, cum moribus utentium approbantur.6 (Dist.
4. Cap. In istis.) ou ainda melhor em Governo Representativo: Ipsæ leges

6
As leis são instituídas quando promulgadas, mas são estabelecidas quando aprovadas
pelos costumes dos que delas se servem.

425
non alia de causa nos tenent, quam quod judicio populi receptæ sunt.7 (Leg.
de quibus nondum. D. de Leg.) A Nação viu com prazer o artigo das Bases,
que declara a Religião Católica Romana Religião dos Portugueses admira-se
agora espantada de que o nome Constitucional esteja em poder de muitos
usurpadores injustos, que o deslustram, e estão em oposição direta com a
lei. Que se segue daqui? Desgosto, perplexidades, desconfianças, (das ocultas
manobras de uns, que na Itália chamam à moderna Bons Primos, e cá tem
outro nome assaz conhecido, cujo procedimento Inconstitucional tornaria
duvidosas as retas intenções do Soberano Congresso, se delas não estivessem
bem persuadidos.) Segue-se, vacilar a convicção do entendimento, retardar-se
a eleição da vontade, esfriar o entusiasmo Constitucional. Segue-se contrarie-
dade nos sentimentos, discórdia de opiniões, e dificultar-se mais aquela união
geral, que é necessária para radicar o novo sistema. Meus Senhores, a ordem
da Natureza decretou a conexão da causa com o efeito; e a ordem Moral
adotou a mesma lei. Não pode um Constitucional ímpio ser Criatura de uma
Constituição Religiosa; e a aparição deste fenômeno raro, observado por toda
a casta de pensadores, é funesta à união desejada. Fora manhosos hipócritas!
Queriam enganar-nos com a fingida Constitucionalidade? Batizaram-se a si
mesmos com o honroso nome Constitucional? O Batismo feito pelo próprio
batizando é nulo por falta de Ministro: adotar por eleição própria nomes
gloriosos é mania de impostores: cada um é quem é: obras, procedimento,
caráter... Entretanto estão muito tortos, Corcundões.
Isto, Senhores, não é farsa, não: isto não é peta, não é quimera: a
Constituição é lei feita para reger os Portugueses, e não uma patranha para
iludir os Portugueses: porque, se o fosse, não era pacto social, era traição
detestável: a sua observância faz Constitucionais beneméritos, a sua transgres-
são criminosos rebeldes. Mas venha outra vez a reta medida, para examinar a
consciência, a configuração dos costados. A Liberdade consiste na faculdade,
que compete a cada um de fazer tudo o que a lei não proíbe (artigo 2 das
Bases). A livre comunicação dos pensamentos é um dos mais preciosos direitos
do homem. Todo o Cidadão pode... manifestar suas opiniões em qualquer
matéria (artigo 8 das mesmas). Suponhamos agora um Cidadão Português,
que por ignorância, prejuízo, egoísmo, ou outra qualquer causa não é afeto
ao sistema Constitucional; mas sujeita-se a ele com resignação, reprova os
tumultos, aconselha a obediência; e é um espectador pacífico das mesmas
políticas reformas, que lhe não agradam. Nenhuma lei reprova a conduta

7
As próprias leis não nos detêm por outra causa senão porque sejam recebidas pelo juízo
do povo.

426
deste homem, antes ele sacrifica as suas opiniões em obséquio da lei. O seu
pensar é exercício da sua liberdade; mas nessa liberdade não há abuso, que
possa classificar-se crime. E quem poderá inquietar um Cidadão deste caráter?
Quem? Uns meninos bonitos, que atiram com a palavra Corcunda a quem
querem, com mais furor, do que as trovoadas de Agosto arrojam os raios.
Quem? Um racho de homens esquentados, que aprenderam de certa regateira
honrada o importante documento, chama-lho antes que to chamem. Quem?
uns certos indivíduos, que até recusam sujeitar os seus delírios filosóficos ao
órgão infalível de Revelação Divina; que mofam das decisões Dogmáticas
da Igreja Católica, ditadas pelo Espírito Santo; que preferem as impiedades
incoerentes de um Rousseau frenético às luminosas doutrinas de tantos
séculos; que excedendo as justas balizas de livre pensadores, passaram a
ser pensadores libertinos. Pois esta casta de gente, que usa da sua liberdade
sem respeito à Religião, que a condena, quer restringir a liberdade do seu
Concidadão com injúria da lei, que a concede? Quem os autorizou para
governarem as opiniões particulares dos outros? Donde lhes veio a ilimitada
jurisdição? Isto é desmentir às claras o texto das Bases; ser Inconstitucional,
descarado Corcunda; horrendo.
Não, Senhores; não se queixem os que ficaram para o fim da medição,
arguindo-me de afeição apaixonada para com os outros. A todos venero muito;
e às vezes tem seu chiste dar o lugar último aos que preferem no merecimento.
Venha outra vez a medida, que não pode falhar uma polegada na imparcial
medição das Corcundices. A Constituição Política da Nação Portuguesa deve
manter a... segurança... de todo o Cidadão (art. I das Bases). A segurança
pessoal consiste na proteção, que o Governo deve dar a todos para poderem
conservar os seus direitos pessoais (art. 3). Com uma tal Constituição vivem
sem o menor susto a inocência, a fama, a honra do Cidadão benemérito:
fugiram do meio de nós a calúnia, a maledicência, a impostura: já estão vagos
os ofícios de falsário, intrigante, mentiroso: já ninguém conta fatos desfigura-
dos com prejuízo de terceiro: fala-se dos que são públicos sem aumento, ou
diminuição maliciosa: os ocultos ficam sepultados em um profundo silêncio,
sempre que a lei Natural, ou Evangélica o determinam.
Assim deveria ser, assim o manda a Constituição nas suas Bases quando
mantém a segurança pessoal; mas por desgraça de toda a Nação Portuguesa,
puseram-lhe embargos à execução por causa de alimentos a favor de uns
pobres asseados, que não tinham que comer. Eles não haviam cavar com
enxada: as despesas deviam ser proporcionadas aos gênios de tais criaturas:
um emprego honesto já usado era ocupação indigna daquelas almas grandes:
era necessário um novo modo de vida, que enchesse a bolsa de dinheiro, e

427
fosse decoroso à pessoa. Eis aí logo uma carregação de periódicos, tendo em
frente os plausíveis títulos, que excitam a curiosidade de alguns, lisonjeiam
o gosto de outros, e enganam infelizmente a muitos: um Astro brilhante
(carantonha muito mal feita estampada com tinta negra em um papel;) um
Liberal generoso (que ensaca com toda a liberdade os lucros do seu trabalho)
um Constitucional observante (de certa Constituição, que ele lá sabe;) um
Patriota denodado (que pretende empurrar a toda a Nação o seu fingindo
Patriotismo:) homens sapientíssimos, que apareceram no mundo para ensi-
nar aos Portugueses qual é a sua mão direita: Teólogos consumados, para
darem quinaus aos Santos Padres da Igreja: Políticos sagazes para emendar os
erros dos Gabinetes: Históricos exatos, narrando fatos, que o Pai da mentira
ainda se não atreveu a contar no inferno: homens grandes, raros, universais
em todo o gênero de Ciências. Apareceu o Vigário de Jesus Cristo com uma
Bula Dogmática contra os Carbonários! Fala-se dela em frase tão escandalosa,
que chegaria a consolar o piíssimo Lutero, quando mais assanhado contra
Leão X. Publica-se em Lisboa uma Pastoral do Patriarca! Aí vem logo um
comento, em que trabalhou com entusiasmo a impiedade, combinada com
uma ignorância crassa das regras da Hermenêutica. Há quem deseje a morte
de Luiz XVIII! Publica-se logo descaradamente a patranha com monstruosas
contradições, e ao pé dela uma Proclamação autorizada com o selo de um
Juramento Maçônico, para que todos conhecessem a fábrica, em que foi tecida
a preciosa peça. Deste modo, e ainda mais vão os nossos Periódicos fazendo
sua a glória dos nomes, que assumiram.
É pena, que um deles Número 79, artigo Correspondência (Deus sabe
se é com o seu tinteiro) quisesse embrulhar a sabedoria de Palas com o furor
de Marte, declarando aos servis guerra de opinião; guerra de proscrição;
guerra de exterminação; e guerra eterna, enquanto tiver alentos de vida. (E
não admitirá o tal Censor Lusitano eternidade mais extensa?) Oh lá Senhor
gigante, quem quer que é, guerra de opinião, sim, e talvez que um desprezível
David armado de funda seja bastante para lançá-lo por terra: agora guerra de
proscrição; guerra de exterminação; guerra eterna; isso não lhe pertence por
modo algum: isso é um atrevido insulto, feito, a bons bigodes, injustamente
esmurrados com o nome de servis. Deixe às Autoridades competentes todos
os negócios pertencentes à guerra de proscrição, e guerra de exterminação;
e consinta, que seja só privativo de Deus o declarar a guerra eterna aos
condenados do inferno. Para desculpa do sábio Varão, penso, que todo o
aparato bélico, com que amedrontou os servis, foi ralho de Castelhano, ou
transporte de furor.

428
Quem desempenha com tanta glória o Ministério Periodiqueiro, por
força há de ir concorde com as Bases da Constituição, que anunciam ser
mantida nesta a segurança de todo o Cidadão, a fim de conservar os seus
Direitos pessoais, Direitos sagrados, que abrangem a honra, e a fama, talvez
com preferência à mesma vida. Mas, que vejo praticado notoriamente à
face de toda a Nação Portuguesa na brilhante aurora da sua Regeneração
Política? Uns homens, que a título de instruir o Público, pegam na pena
para arremedarem um furioso com a espada na mão; e depois corta aqui,
corta ali, corta acolá: estocada neste, cutilada naquele, golpe mortal naquele
outro: fere, mata, degola: queixe-se quem se queixar, perca a honra quem
perder, seja difamado quem for: ande embora o nome do inocente arras-
tado pelo pavimento dos botequins, pelo chão imundo das tavernas, pelas
estações lamaçosas das praças, envolto na infâmia, e calcado aos pés de
homens indignos: triunfe a calúnia, o ódio, a vingança com o auxílio eficaz
dos Periódicos, que sem distinção, de fatos verdadeiros, ou falsos, certos ou
duvidosos, sinceros ou exagerados, estão prontos a ser os instrumentos da
malevolência, e trombetas sonoras da rival mordacidade.
Diga agora Portugal; falem os habitantes do Globo civilizado, pergunte-
-se às mesmas feras, a quem a Natureza imprimiu inclinações amigáveis para
com seus semelhantes, se jamais aconteceu um procedimento, que seja tão
irregular, e escandaloso! Acaso realizou-se a vida selvática sonhada pelo
ímpio Hobbes com a aparição desse homem fera, que foi criatura imaginada
do seu delirante cérebro? Perdeu a humanidade as essenciais atribuições que
lhe designou o Sábio Criador do Universo? Trocaram-se em armas ofensivas
todos os vínculos da vida social; o amor, a compaixão, a beneficência, a
ternura, a urbanidade? Extinguiu-se a brilhante luz, que até resplandeceu
nos desertos mais incultos, e medonhos, para que os homens todos lessem no
eterno Código da Natureza: Quod tibi non vis, alteri ne facias?8 Riscou-se do
Evangelho a segunda parte do grande preceito da caridade: Diliges proximum
tuum sicut te ipsum?9 Cidadãos contra Cidadãos invadindo os bens mais
apreciáveis do homem honrado com desprezo da Constituição Regeneradora,
que os mantém? Com abandono de todas as leis? Com ofensa do glorioso
epíteto de homem sociável? Que respondem os Senhores Redatores?
Responderão talvez uns com riso de mofa, outros com uma olhadura
medonha; mas alguns dirão com mais urbanidade, que a lei faz responsá-
veis os Autores dos artigos comunicados. Não o nego; porém dar armas ao

8
Não faças aos outros o que não queres para ti.
9
Amarás o teu próximo como a ti mesmo?

429
matador, é ser participante do seu crime; ajudar o Ladrão é concorrer para a
injustiça: dar à estampa a acusação do impostor é ser instrumento de calúnia.
Dirão também que o Cidadão invadido injustamente nos seus direitos pessoais
pela Liberdade da Imprensa acha na mesma Imprensa o meio eficaz de uma
completa indenização. É falso. O vestido precioso, lavado da nódoa, perde
o lustre: a ferida curada deixa a fealdade da cicatriz: a fama, que uma vez
foi manchada, fica sendo na opinião popular um Problema indemonstrado.
Senhores Redatores, outro ofício, ou emendar os erros do ofício: gozem
da Liberdade da Imprensa, mas fujam de cooperar para o seu abuso. A Mãe
Pátria ama ternamente os seus filhos; não quer a amargura de seus filhos; não
consente o desperdício do seu bom nome, se não quando a Justiça o manda
por meios legítimos, e Autoridades competentes. A segurança do sistema
Constitucional exige, que se acabe por uma vez essa impolítica guerra civil,
em que as penas de Escritores públicos servem de espadas para levar a dor
até o coração de tantos Portugueses beneméritos: A nossa Constituição polí-
tica, fundada sobre a Base da Religião Católica Apostólica Romana, jamais
poderá aprovar uma praxe, que a mesma Religião condena. Outro ofício, ou
emendar os erros do ofício; aliás, estão tortos, Inconstitucionais, Corcundas,
e Corcundíssimos.
Parece-me, que ouço dizerem-me: Quem lhe encomendou o Sermão,
que lho pague. Nem é Sermão, nem eu espero a paga; Como simples curioso
propus-me o exame de dois interessantes Problemas, que julgo resolvidos, e
demonstrados; e como há muito que dizer sobre a matéria, pode ficar para
outra vez.

F I M.
Vende-se esta Obra nas lojas seguintes: = Na de Antonio Manoel
Policarpo da Silva, nas ruas dos Capelistas = Na de João Henriques, no
princípio da rua Augusta Número 1 = Na de Antonio Pedro, na rua do ouro
junto à loja do Diário do Governo = Na de João Nunes Esteves, na mesma
rua = Na de Caetano Machado na rua da prata Número 12 = Na de Carvalho
ao pote das Almas = Na de Francisco Xavier de Carvalho, defronte da rua
de São Francisco da Cidade = Na de Matos na mesma rua = Na da Viúva
e Filhos de Luiz José de Carvalho defronte dos Paulistas = Na de Costa, a
Santos Velhos = em Belém na da Viúva de José Tibúrcio.

Preço 120 Réis.

430
38

O DESPERTADOR
BRASILIENSE
REFUTADO:
EM FAVOR DOS POVOS.
Por

J. PINTO DA COSTA E MACEDO


PHILODEMO

Impresso na Typographia de Santos e Souza


ou
Officina dos Annaes Fluminenses.
ANNO DE M.D.CCC.XXII.

431
1.º Havendo lido um papel que publicastes, apelidado o Despertador
que, bem que desarranjado, e em si mesmo inconsiderável, é todavia em seus
efeitos, o papel mais atrevido, dos mais perniciosos, que podem oferecer-
-se aos Povos; e entre os Portugueses sem exemplo; e o mais subversivo da
paz pública, e particular: me sinto de tal maneira penetrado, que não posso
deixar de considerar-me em uma tão estrita obrigação de fazer-lhe rosto,
que me julgaria réu de grandíssimo delito, se não empreendesse o refutá-
-lo, fraternalmente corrigir-vos, e desenganar , e sossegar os Povos, que tão
desumanamente seduzis, e inquietais.
2.º Persuadido pois desta verdade, e por não me complicar em tais desgra-
ças, passo sem demora a analisar, e desenvolver miudamente, o vosso pestífero
papel, e exprobar-vos perante os Povos, as erradas doutrinas que espalhais,
as vossas más intenções, e os grandes males que daqui resultam: tanto porém
quanto dele pode coligir-se; e com a força que justamente merecem vossas
culpas. Dai-me licença: e não vos enfadeis, Irmão, que quem corrige, é amigo.
3.º E primeiramente: Como é que vós, meu Irmão, vos considerais o
Despertador do Brasil? Que arrogância, que impudência é a vossa. Parece-
-vos, que todo Brasil dorme a sono solto, e que somente vós velais? Vós sois
um homem fraco, de corpo, e alma, como mostram bem as vossas obras;
sois como a galinha, que esgravatando destrói a sementeira que custou
suores ao lavrador? e quereis dar a mão ao Brasil inteiro. Que fraqueza não
é aquela, em que o considerais! Certamente não vos conheceis, nem o Brasil.
Vós sois assim, como seve; o Brasil contém homens grandes em ciência, e
força; conhecedores de interesses; vigilantes para o bem, e para o mal, como
ordinariamente costuma suceder; Tem o Brasil corporações, Academias,
tribunais, tem câmaras dos conselhos, governos, provisórios nas províncias;
tem o Príncipe Real a sua testa Tantas cabeças, tantos homens; todos estão
calados; e só vós, entre tudo isto um zero, levantais a voz para a defesa do
bem público! Tereis vós porventura, no interesse dos povos, maior parte de
interesse, que cada um destes homens, que ocupam na República, lugares
importantes; que possuem grandes riquezas, e cuja felicidade depende da
felicidade dos povos? Certamente não; e eles entretanto não publicam, como
vós falsamente publicais, que as Cortes em Lisboa se esforçam, a reduzir os
povos do Brasil, ao antigo estado de Colonos.
4.º Dois partidos há em o Brasil, bem distintos um do outro, por seus
fins, por seus meios, e pelos indivíduos que os compõem. Um deseja a união de
Portugal com o Brasil; porque deseja a grandeza, e a glória da Nação; e porque
conhece, quanto Portugal influi na glória, e grandeza da Nação. Esses homens
são sisudos, são cordatos; não confundem o passado com o presente. Se até

432
agora, dizem eles, nos oprimia um mau sistema, ele acabou! é presentemente
a Nação que cuida da Nação, a que cuida de si mesma, é a Nação que faz as
leis para a Nação; que busca o bem da Nação; é impossível que a nação seja
inimiga de si mesma; que ela não ame igualmente suas partes integrantes,
Portugal, e Brasil; impossível que ame mais, ou ame menos uma de suas partes
essenciais Portugal ou Brasil. Não o receamos. Assim querem eles; e tais são as
suas expressões; respeitam profundamente as Cortes e firmemente assentam,
que as Cortes, isto é, a Nação representada, ou a Nação em pequeno, não só
não querem fazer mal, mas não podem mesmo fazer mal. É assaz possível, sim,
que a sua representação Nacional, contenha em si, e tolere alguns membros
podres, e que, com uma influência temporária, acanhem e desfigurem suas
determinações; isto porém, não pode ser durável; porque as forças, que,
heroicamente, ergueram a Nação, ao estado que se acha, ainda existem feliz-
mente e não verão abortar a sua obra em seus princípios. O Segundo Partido
é daqueles que querem a separação de Portugal, e que querendo a separação
de Portugal, querem consequentemente; e necessariamente a separação das
Províncias do Brasil seu despedaçamento e sua aniquilação.
5 º Demonstra-se assim: se todo aquele; que é amigo da Nação, que lhe
deseja tanto, quanto pode escançá-la, e contribui ao seu bem sente amarga-
mente, e é profundamente magoado, ao ver que se desprezam, ou que se não
solicitam, aqueles meios, que podem concorrer a engrandecê-la, e torná-la
florescente; é uma consequência necessária, que todo aquele, que despreza,
grandes meios de felicitá-la, que os torne, que os estorva, que trabalha em
baldá-los; tão longe está de ser amigo da Nação, que antes é seu inimigo
declarado. Ora, todo o homem não amigo, ou inimigo da Nação (o que é
indiferente neste caso) é inimigo de cada um dos indivíduos que a compõem,
deseja fazer-lhes mal; o inimigo porém de todo o homem, é por isso mais
amigo de si mesmo, que outro algum homem, isto é, converte tudo ao próprio
interesse, à proporção das circunstâncias, o amor próprio é quem o rege, o
próprio interesse é o seu ídolo, e a Nação, talvez inteira, a vítima imolada.
6.º Façamos aplicação. Portugal presentemente, atento ao estado, de
população, de ciências, artes, armas, manufaturas, comércio, agricultura etc.,
importa mais, que o Brasil. Não me demorarei em prová-lo; isto conhece
até o vulgo: só vós podereis negá-lo, meu Irmão, ou por ignorância vil, ou
por uma má consciência, que por vosso papel mostrais gozar eu não torno
a culpa ao Brasil: antes faz admiração que o Brasil tenha feito o que tem
feito imensamente acabrunhado!). Portugal pois ofereces grandes meios à
prosperidade, à grandeza e ao esplendor da Nação; quanto mais não seja,
contribuirá tanto, quanto o Brasil inteiro, atualmente. Portugal é para o

433
Brasil, como o pai para os filhos, já adultos, mas que ainda, não tocaram a
madureza; com ele podem tudo; mas sem ele pouco podem. Portugal é para
o Brasil, relativamente ao globo, como é para a família, o chefe de família,
se em público ele eleva a cabeça respeitoso, ele torna a família respeitosa.
Ergo, meu caríssimo irmão; aquele que, sem causa desdenha Portugal, que
vomita contra ele insultos podres, é um profano, um anátema, um inimigo
jurado da Pátria, e da Nação.
7.º No Brasil há homens bons, e homens maus: que supomos convosco,
estar dormindo. Neste estado nenhum bem resulta à Nação dos homens
bons, nem os malvados a perseguem. Dai corda ao despertador, eles serão
acordados e entrarão em ação. Dizei-lhes que a Nação fraqueja; que uma
parte dela, prepara a ruína à outra parte; que convém salvar os povos, dos
desastres iminentes, que se trate dos meios; não se perca um momento. Que
sucederá, Irmão? Darão os maus, facilmente ouvidos às vossas velhacadas;
o momento é para eles precioso; a vária disposição, que o povo toma, nestes
casos, lhe é sumamente favorável. Proclama-te logo, que há sangue; que em
Portugal se forjam ao Brasil, novos ferros, escravidão nova, o não poder
esperar-te a liberdade, do Príncipe Real que a não ama; que as Províncias estão
em comoção e abaladas: soa logo o nome de república liberdade, e felicidade:
quando só se intenta, a escravidão, a tirania, e a miséria. O portador deste
papel, entre contente e medroso, ajuntará: Rio de Janeiro!! E que será dele
neste instante? tudo isto é levado, com rapidez ao vento, aos pontos mais
distantes da província: surgem, aqui, e ali tropas de bandidos, que, como o
raio tudo exterminam, por onde passam. Eis pois, meu bom Irmão, a província
desmembrada, despedaçada, destruída, aniquilada, sem oposição alguma, e
apanhados de improviso, os poucos bons, que ainda aí restavam. E a razão
de tudo isto, é, que estes querem a ruína do Brasil, a quem apraz, a separa-
ção de Portugal: não tendo, por maneira alguma compatível; o desprezo das
vantagens da Nação, com as vistas do proveito da Nação.
8.º Ora, vós, meu Irmão, a todas as vistas pareceis, pertencer a esta récua;
o vosso papel, é o vosso retrato. Padeceis um frenesi, de lúcidos intervalos,
aqui me pareceis um santo; ali a renegada fúria que lá vejo levantar-se do
Averno, [anisabuada?]. Aqui procurais o bem; aí o último mal, convidais aqui
os Portugueses, o mundo todo, aos frutos da amizade, da união, da paz, da
benevolência, e da gratidão; mas nenhuns meios vos escapam, para amotinar
os povos, reduzi-los a enxames e montões; pôr o fogo a uma Cidade: a uma
Cidade, ah! a um país todo e inteiro: e como monstros tais, tem o nome de
facciosos; vós sois por conseguinte, ao menos, em alguns momentos, um
Faccioso, um bandido.

434
9.º Provo: os povos não se ajuntam, uma assembleia popular é impos-
sível, é quimérica: será isto, como a empresa, de reduzir, a duas braças de
diâmetro, o Globo sublunar. As tentativas em geral, que se encaminham a
convocações gerais, são frustradas; mas tem o único efeito, e infalível dos
bulícios, dos motins, e dos tumultos, ou, os motins, os tumultos, são o único
resultado, e infalível do ajuntamento dos povos. Os bulícios, e os motins,
formados pelo peso da maldade, não podem produzir naturalmente, senão o
roubo, a morte, o incêndio, o horror. É tal a experiência desses fatos, que o
simples instinto basta, a fazer a sua ideia estremecer, o homem mais tapado.
Logo. Todo aquele, que procura, que intenta, assembleias populares, intenta
cruelmente os motins e os tumultos, intenta a morte, o roubo, o incêndio,
intenta o horror; é um faccioso, e um vandido [sic]. Logo, vós, mau homem,
que pregais, com tanta ânsia, o ajuntamento dos povos, sois um faccioso,
um malvado, inimigo capital dos mesmos povos, e deveis ser, o objeto do seu
ódio, e da sua execração.
10.º Defendem-vos alguns, dizendo: Este homem não é mais, que um puro
realista, (um crocoz [sic];) ele só procura, tomar pelo beiço os Brasilianos, e
levá-los ao engano, ao derradeiro Governo, ao Reinado do Brasil, e pode ser,
que estas suas tentativas, tenham algum efeito. Quem traz os seus negócios, por
mãos de outrem, vive sempre receoso; (mormente se eles são de consequência,)
e se está escarmentado; e leves motivos bastam, a pô-lo em agitação; fazê-lo
romper muitas vezes, e escolher novos meios. Ora, diz este homem ao Brasil
e afirma em tom de mestre, que todo o esforço das Cortes, relativo ao Brasil,
se reduz a escravizá-lo. Os seus discursos são falsos, é verdade, e o tempo bem
depressa o mostrará; mas pode ser que o Brasil, deixe alucinar-se, e faça algum
rompimento; antes vassalos, que escravos, dirão, talvez, os Brasilianos. Este
artifício não é seu, dizem eles; é urdido no Congresso, por certos ramos secos,
que o empecem; e dignos membros do Partido; urdido, dizem, no Congresso,
tecido cá em um Conselho; e intimado e inculcado pelo órgão deste homem.
Não costuma porém reinar por muito tempo, a velhacada e a mentira: antes
pode ser que o efeito desta tentativa, seja momentâneo. Tem-se propagado em
o Brasil, de tal sorte o Regulismo, [seja] sanguinária,) ensaiado, e adiantado
aos latebrícolas; que é de crer-se, que [só] aguardem o momento da rotura;
e com sua aparição, desaparece a o recém- renascido Reino do Brasil. É isto
o que dizem, mas eles estão em erro. E assim mesmo vós éreis um maligno,
um perverso, se por obter estes fins, que eles lá dizem, tomásseis meios tão
devastadores. São péssimos em si os meios, e jamais podem aplicar-se para
algum fim; são uns meios, que se opõem diretamente a esse
[N.O.: DOCUMENTO INCOMPLETO]

435
39

ENSAIO
HISTORICO POLITICO
SOBRE A ORIGEM, PROGRESSOS, E MERECIMENTOS
DA

ANTIPATHIA, E RECIPROCA AVERSÃO


DE ALGUNS

PORTUGUEZES EUROPEUS,
E BRASILIENSES,
OU

ELUCIDAÇAÕ DE HUM PERIODO DA CELEBRE


ACTA DO GOVERNO DA BAHIA DATADA DE
18 DE FEVEREIRO DO ANNO CORRENTE
ESCRIPTO POR

R. J. C. M.

RIO DE JANEIRO
NA TYPOGRAPHIA DE MOR. E GARCEZ.

M. DCCC. XXII.

436
...Originando-se toda esta indisposição principalmente da funesta
rivalidade entre Naturais, e Europeus, que desgraçadamente plantada
por alguns espíritos malévolos, tem prodigiosamente crescido, ameaçando
a total ruína deste País.

Ata do Governo da Bahia de 18 de


Fevereiro de 1822, assinada pela Junta
Provisória, Câmara, Governador das
Armas, Tribunais, e Pessoas distintas
em número de 54.

ENSAIO HISTÓRICO POLÍTICO

Apesar dos esforços, e diligências feitas pelos mais zelosos amantes do Estado
para livrarem a Pátria da infeliz catástrofe de que se vê ameaçada; apesar
das repetidas solicitudes, e desvelos com que os amigos da união do Brasil, e
Portugal promovem os bem entendidos interesses da Monarquia; apesar dos
enérgicos discursos, das veementes expressões, dos sólidos argumentos com
que os sábios procuram dissipar as densas nuvens, que giram em turbilhão
pela nossa política atmosfera; apesar de todos estes desejos, não é possível que
os esforços, as diligências, as solicitudes, os desvelos, os discursos, as expres-
sões fortes, e os argumentos sólidos acabem de convencer a várias pessoas,
a um grande número de pessoas, que os interesses de todos os habitantes de
Portugal e de todos os habitantes do Brasil devem ser a salvação, a glória, e
a felicidade da Pátria!
Depois de tantas revoluções, de tantas desgraças, que nestes últimos anos
têm afligido os Povos da Europa; depois que ela tem presenciado a decadência
de uns Impérios, a aniquilação de outros, deverão os homens convencer-se de
que o espírito de partido, a intriga, as rivalidades nascidas da falta de virtude,
da falta de patriotismo receberam os prêmios, que lhes estavam destinados.

437
Qual foi a sorte dos Venezianos, a dos Genoveses, a dos Ragusanos, a dos
Luqueses, e de outros Estados de pequena extensão que blasonavam de Livres
no meio de Nações poderosas? Acabaram-se, extinguiram-se, aniquilaram-se,
os seus nomes desapareceram da lista das Potências, e acham-se confundidos
com outros Estados hereditários!! O espírito de partido, as inimizades de famí-
lias, a odiosa tirania dos Nobres, a desenfreada licença do Povo, a extinção
do Patriotismo, o esquecimento da sã moral, foram motivos destas desgraças.
Os Venezianos antigos Senhores do Adriático, Vassalos modernos do
menor Potentado marítimo antigo! Os Genoveses descendentes dos valorosos
Ligures, que por séculos disputaram o Império do Mediterrâneo; hoje sujeitos
a um Monarca que sempre desprezaram. Estes homens, que com os seus Dorias
foram o terror dos Déspotas Bizantinos, que repeliram as falanges do primeiro
Potentado Europeu; estes homens no dia de hoje Vassalos do Rei de Sardenha!
Sim, eles receberam o prêmio, que mereciam as suas impolíticas rivalidades,
a antipatia, e a aversão de umas contra outras famílias, o rancor dos Nobres
contra os Plebeus a falta de mútua cooperação de uma com outras Províncias.
Tudo isto nós observamos; toda a desgraça daquelas Nações passou-se
diante dos nossos olhos, ainda ontem vimos as calamidades que as afligiram,
mas apesar de tão áspera, como recente lição, não nos emendamos, não
queremos convencer-nos de que a antipatia, e a aversão de vários Brasileiros
contra os Portugueses Europeus, e a de alguns destes contra aqueles, há de
um dia trazer sobre nós as mesmas desgraças, os mesmos destinos que já
experimentam outros Povos da Europa. Portugueses Europeus inimigos de
Brasileiros! Estes adversários daqueles!! Que fratricídio, que impolítica, que
calamidade, que imoral!!
Muitos Filósofos dizem que Pátria é a terra do nascimento; que a Pátria
de um Romano é a Cidade de Roma; a de um Lisbonense a Cidade de Lisboa!
Que estouvada filosofia própria para criar egoístas! Pátria é a coisa pública; o
Rei é Pátria; o Governo é Pátria; o País que habitamos é Pátria; a Coleção dos
nossos Concidadãos, de nossas mulheres, de nossos filhos, de nossos paren-
tes, de nossos Amigos é Pátria; o nosso próprio bem estar é Pátria, entidade
sagrada, e por cuja conservação tudo devemos arriscar. Tal é a definição de
Pátria dada por um sábio Espanhol!
Desta doutrina nem todos quererão persuadir-se; paixões particulares;
espírito de partido; maus tratamentos presentes, e passados obstarão talvez
ao gozo das bênçãos, que nos dá a Pátria. Pode ser que muitos Patrícios
(por este termo entendo todos os Portugueses de ambos os hemisférios) se
julguem justificados do desvio da linha de conduta, que devem observar os
bons Patriotas; falemos claro, pode ser que hajam Brasileiros, que se julguem

438
ser, ou ter sido maltratados pelos Portugueses Europeus, e pode também ser
que estes últimos atribuam aos primeiros a culpa dos males, que eles sofrem.
Esta grande questão há séculos agitada entre os Portugueses do antigo,
e novo Mundo, mas nunca tão furiosamente debatida como desde o mês de
Dezembro do sempre memorável ano de 1821, merece ser elucidada para
vermos qual é a parte agressora, e darmos depois o conveniente remédio ao
mal, que nos pode devorar.
A questão reina há muitos séculos. A famosa Ata do Governo da Bahia
lavrada no fatal mês de Fevereiro próximo passado, fala em termos enérgicos,
nenhum Escritor se propôs publicar as suas ideias a este respeito, ou por não
haver liberdade de escrever, nem de pensar, ou finalmente porque sendo maté-
ria de prática, uso, e costume com que os homens já estavam familiarizados,
entendiam que desnecessário era raciocinar sobre coisas tão triviais. Mudaram
os tempos; a rivalidade, e a antipatia entre os Europeus, e os Brasileiros era
antigamente muito prejudicial; mas no dia de hoje esta rivalidade pôs a Pátria
em perigo, e exige meios muito poderosos para de todo se aniquilar.
Quando a glória do nome Português cobria a face da terra de um Polo,
ao outro Polo, e que os ilustres feitos do Senhor Rei Dom Manoel eclipsavam
os dos Alexandres, Ptolomeus, Augustos, Trajanos, e ainda os dos fabulosos
Osiris, e Sesostris, aborda por acaso as praias do Novo Mundo o célebre
Cabral, que mais ávido de fama, do que de ouro ia completar no Oriente
as altas proezas, a que para honra de Portugal, e fortuna dos seus habita-
dores tinha pouco antes dado começo o invicto Gama de renome imortal.
O Almirante achou a terra de Santa Cruz rica em produções vegetais, mas
habitada por um Povo simples, inocente, pacífico, e muito diferente daquele
que no berço da Aurora fora visitado pelos nossos Argonautas.
O Brasil fez ver aos seus hóspedes homens rudes, e pobres, que mostra-
vam acabar de sair das mãos da natureza, ao mesmo passo, que a Índia
Oriental apresentava edifícios majestosos, luxo refinado, riquezas imensas,
política cultivada. Cabral deixando nas costas de Porto Seguro dois infelizes
degradados, enviou para a Europa a notícia das suas descobertas em um
navio da Esquadra, e a bordo dele um indígena, e lindas Aves, objetos pouco
interessantes, mas que deram motivo a nova expedição, cujo resultado foi o
decidir-se que os Países explorados eram quase inúteis a Portugal, ou quando
muito deveriam servir de lugar de extermínio dos mais notórios facinorosos!
Por efeito desta importância opinião do Ministério de Portugal, ficou
desprezada a terra de Santa Cruz, enquanto alguns aventureiros talvez mais
ilustrados não fizeram conhecer a imensa riqueza vegetal das matas do Brasil.
O pau conhecido por este nome na Costa da África, e Ásia, e agora encontrado

439
em muito maior quantidade, e perfeição na terra de Santa Cruz fez perder
a este País o nome que lhe fora dado por Cabral, e em lugar dele recebeu o
daquela preciosa, e abundantíssima madeira. O Governo contudo enviou
para as quase inúteis descobertas alguns degredados, e muitos Ciganos de que
quiseram expurgar o Reino de Portugal. Tais foram as primeiras sementes
da população do vastíssimo, aurífero, e diamantino território Brasiliense.
A opulência a que logo subiram aqueles expatriados, não obstante os
contínuos rebates que lhes davam os indígenas bárbaros, ou maltratados,
chamou ao Brasil mais alguns habitadores, que vivendo a lei da natureza,
sem governo regular, e sem reconhecerem autoridade de Portugal foram
lançando os alicerces de imensas fortunas dos seus descendentes, e da futura
riqueza do Estado.
Chegou enfim o tempo em que o Ministério havia de coroar a obra da
sua imprevidência. Distribuíram-se as terras do Brasil por uns poucos de
homens distintos da Mãe Pátria, e cada um dos Donatários ficou possuindo
uma extensão de País maior de que alguns dos mais extensos territórios dos
grandes Príncipes da Europa. Aqueles grandes Proprietários às vezes bem-
-sucedidos, e outras horas desgraçados fizeram altos esforços para melhorarem
os seus interesses, mas infelizmente foram eles os primeiros que urdiram a teia
da rivalidade, e antipatia entre Brasileiros, e Europeus. É desde essa época
desditosa que data o mal, que tanto nos aflige, mal que bem longe de dimi-
nuir, tem aumentado à medida do crescimento da população. Os Donatários,
ou os seus Tenentes chegaram às suas terras quando já ali haviam alguns
Portugueses estabelecidos, e com famílias. Pelos direitos das suas Doações, ou
para melhor dizer, com o alfanje em uma mão, e a Carta de mercê das terras
na outra, quiseram reduzi-los a condição de Colonos, quando não fosse a
de escravos; obrigaram-nos logo a conhecenças, impuseram-lhes alcavalas, e
sujeitaram-nos à servidão que eles acharam intoleráveis. Como era possível,
que homens livres, filhos da natureza, Soberanos absolutos dos terrenos, que
cultivavam, e defendiam com o suor do seu rosto, vissem tranquilamente, e
de bom grado a invasão de um Senhor Lisbonense nas suas terras impor-lhes
condições onerosas, tratá-los como Colonos, e isto só pelo único princípio de
uma Carta de Doação concedida pelo favor de um Ministro, ou em recompensa
de serviços feitos em remotíssimas partes do Universo? Quereriam aqueles
filhos da terra sujeitar-se a Direitos banais, ou passarem de soberanos a condi-
ção de escravos? Ah! Quanto é dolorosa esta transição! Quanto é sensível esta
metamorfose! Quanto repugna aos princípios da liberdade individual! Com
quanto aferro se não havia de defender o direito da propriedade! Que ódio,

440
que rancor, que aversão contra os déspotas que esbulhavam os homens do
patrimônio adquirido, e regado com o seu sangue, e o seu suor!
Passados alguns anos conheceu o Ministério Português, que as suas
imensas conquistas da Ásia já oprimiam a Mãe Pátria; que as rendas daquele
Estado não eram suficientes para as suas despesas; que Portugal falto de
população não se achava em circunstâncias de enviar largas forças para o
Oriente, enfim, que aquele País depressa lhe sairia da mão, pelos esforços dos
Príncipes Asiáticos, ou pelo resultado da política dos Soberanos Europeus, que
bem desejavam entrar na partilha da rica prosperidade de Portugal. Foi então
que lembrou o Conselho importante de Dom Francisco de Almeida, para se
conservar a Ilha de Ceilão para dela se dominar a Índia toda; ou o de Afonso
de Albuquerque que desejava que só estivessem no poder dos Portugueses as
suas favoritas Goa, Ormuz, e Malaca. O Ministério Português porém, não
queria largar a presa, que tanto lhe havia custado a subjugar; cheio de ambi-
ção, e com vistas de absoluto domínio da Ásia pretendia conservar a Índia,
dominar na China, e descobrir, e subjugar o Japão.
Como porém fossem necessários para este fim auxílios muito poderosos;
conhecendo o Ministério a inutilidade de algumas Praças da África em que se
exercitava, e também se consumia a mocidade Portuguesa, e lembrando-se,
que uma vez que o Brasil estivesse mais povoado, e fortalecido haveriam meios
de levar avante as suas empresas do Oriente, ou pelo menos ir-se dispondo
no Ocidente novo teatro para a glória Lusitana, se viesse a murchar-se a do
berço da aurora; deliberou o abandono das mais desinteressantes Praças da
África, e a formal, e mais sólida Colonização, e aumento do Brasil.
Com efeito o Senhor Rei Dom João 3º mandou fundar a célebre Cidade
do Salvador na Bahia de Todos os Santos. O ilustre Tomé de Souza foi incum-
bido desta empresa, e a virtuosa Senhora Rainha Dona Catarina, verdadeira
Mãe dos Brasileiros (posto que fosse Castelhana) enviou para ali um grande
número de nobres donzelas para serem Mães, e Avós das mais ilustres famí-
lias daquele Empório, e Capital dos vastos Estados Luso-Americanos. Ah!
Lembrar-se-iam aquelas beneméritas Portuguesas de que no ano de 1822 a
terra em que elas vieram aumentar o número dos Povoadores havia de ser
banhada de sangue dos netos dos seus netos à força de baionetas Lusitanas!
Eu tremo de horror quando me recordo de semelhante crueldade.
O Ilustre Tomé de Souza que tinha conduzido para a sua Província
mil Colonos, entre os quais se compreendiam 400 degradados, fez todas as
diligências para remediar os males que sofriam tanto os indígenas, como os
Luso-Brasilienses compatriotas, ou nascidos entre eles. Remediou os desacer-
tos causados pelo mau comportamento de Francisco Pereira Coutinho, único

441
Donatário da Bahia, e fez todas as diligências de pôr os habitantes do Brasil
nas mais felizes circunstâncias que eles podiam desejar. E não via a Corte de
Lisboa que homens perversos como Coutinho, que tratavam os seus súditos
como escravos davam motivos a antipatias e inimizades contra os Europeus?
Castigaria a Corte de Lisboa aquele mau Capitão no caso que os Tupinambás
o não punissem dando-lhe cruel morte? Certamente não; Coutinho seria
suspenso do emprego, e nisto pararia a sua desgraça. O tempo veio a mostrar
que este era o sistema da Corte, pois não convinha punir os que exercitavam
os poderes da Majestade, pelo deslustre em que ficaria uma jurisdição Real
de que estiveram revestidos. Que sofisma, que tirania, que barbaridade!
Como em companhia de Tomé de Souza vieram pessoas de todas as
qualidades, a maior parte das quais não tinham instrução alguma, como
sabiam que os Luso-Brasileiros, e as castas mistas procediam de Colonos
voluntários, Degradados, Ciganos, Cristãos novos, e pretos importados da
Costa da África; como sabiam que essa tal qual autoridade estabelecida no
País era exclusivamente exercitada por pessoas vindas de Portugal, e que
havia cuidado de se excluir dela todos os crioulos, ou pessoas nascidas na
Colônia, começaram aqueles ignorantes homens a tratar os Luso-Brasileiros
nascidos nas Colônias, pelos epítetos de – Marcados, ou Degradados – Negros
– Mulatos – Bodes – Cabras – Judeus; e quando muito favor lhes faziam,
davam-lhes o nobre epíteto de – Caboclos, ou Tapuios.—
Não podiam os Luso-Brasilienses sofrer esta iniquidade dos Europeus,
que sem atenção às circunstâncias das diversas famílias, trataram com tanta
indignidade os filhos da terra, sem se lembrarem, que dali a dez, ou doze anos,
os mesmos que agora praticavam estes absurdos, e injúrias, ou os filhos que
deles nascessem apesar de serem brancos puros, haviam de entrar na ordem
dos Negros, Cabras, e Marcados, e como tais seriam tratados pelos Europeus,
que de novo viessem de Portugal.
Acresce, que o Governo da Metrópole desejando ter o Brasil debaixo
do mais rigoroso sistema Colonial, raríssimas vezes permitia que os filhos
da terra ocupassem os primeiros empregos públicos da Colônia, dando por
motivo desta exclusão a falta de conhecimentos literários dos referidos filhos
da terra, os quais por isso mesmo olhavam para o Estado Eclesiástico Secular,
ou Regular, como para a mais elevada estação a que no Brasil podia aspirar
um Luso-Brasileiro, e não queriam que estes homens fossem necessários
inimigos de Portugal, e dos Portugueses Europeus?
A Corte de Lisboa enviava para o Brasil Vice Reis, Governadores, Bispos,
Desembargadores, e outros Oficiais de Justiça, Chefes de Corpos Militares,
Oficiais superiores, os quais achando nas Colônias introduzido entre os

442
habitantes Europeus o belo uso de tratarem os filhos da terra brancos, e os
de outras castas mestiças pelo epíteto de Mulatos, Cabras, Bodes, Tapuios,
e outros do mesmo toque, não só imitavam aqueles indignos Europeus, mas
exacerbavam a dor dos Luso-Brasileiros, roubando-os, injuriando-os, e até
fazendo alarde de os honrarem quando por desgraça os oprimiam domestica-
mente, ou lhes impunham algum ferrete no que há de mais precioso entres as
Ordens da sociedade. E não teriam os Luso-Brasileiros razão de antipatizarem
os Portugueses Europeus seus inimigos, e seus opressores implacáveis?
Se havia algum Brasileiro rico que desejasse figurar no teatro brilhante
da Magistratura, ou no Exército, era infalivelmente necessário, que o primeiro
fosse para a Europa adquirir aquela instrução que se lhe vedava no País; e que o
segundo sofresse centos, e centos de preterições, em razão da contínua remessa
que a Mãe Pátria fazia de Oficiais (muitos deles o refugo dos Regimentos, e
sempre com postos de acesso), para virem tratar de Negros, Mulatos, Cabras,
Bodes, e até cobardes os Oficiais beneméritos, que por serem filhos da terra, ou
por se acharem nela compatriotados, gemiam anos e anos, nos mais inferiores
postos esperando a toda a hora que de Lisboa chegassem os – escolhidos do
Senhor – para entrarem não só em efetivos, mas mesmo para se amontoarem
como agregados nos Regimentos em que os primeiros tinham praça, não
queriam, que estes Oficiais Luso-Brasileiros fossem inimigos dos Europeus, e
de Portugal, que tão sem piedade os tratavam?
Vinha um Europeuzinho para o Brasil com o seu capote de Camaleão,
sua véstia de Zaragoza, meia de laia, sapato de vira com suas taxas nos saltos;
era logo agasalhado, vestido, estimado pelos negociantes filhos da terra, ou
casados, e estabelecidos nela; entrava a servir como caixeiro, juntava algumas
patacas, punha seu armarinho, passava a ter uma loja, casava com uma rica
Brasileira; vai senão quando dizia aquele homenzinho à mulher, e à sogra,
que elas eram mulatas; ao sogro que era marcado; e que ele homenzinho era
filho de um rico Proprietário lá na sua terra; que veio ao Brasil com o fim de
viajar; e que a sua maior desgraça foi contrair um casamento tão desigual, que
muito desonrava a sua ilustre família, que tem armas na porta. E não queriam
que os Luso-Brasilienses dessem ao Diabo tais fidalgões lá da Falperra, e que
tenham antipatia a outros iguais Europeus?
Aparecia um Galego de calo no cachaço, polaina de saragoça igual à
véstia e calção, colete de baetão encarnado com seus corações bordados, e
sapatos de três bandeiras e meia, desembarcando de bordo de um Navio do
Porto com um pau às costas, duas réstias de cebolas, e outras tantas de alhos,
uma trouxinha de pano de linho debaixo do braço, rompendo a sua cantilena
= cebolas frescas, alhos grossos, fregueses. = Tomava por aposentadoria a

443
porta da Ordem 3ª do Carmo, ou a de São Bento, vendia as cebolas, e alhos,
pedia alguma fazenda fiada a um seu Patrício, e fazia-se Mascate, e dentro de
pouco tempo pela sua indústria, e pela alheia metamorfoseava-se o tal Galego
em Taverneiro, Carne seca, ou outro emprego deste lote. Ajuntava milhares
de cruzados; vestia sua casaca, e dizia-nos redondamente = quem tem a culpa
sou eu, de estar metido com estes bodes, com estas cabras, = e não querem
que os Lusos-Brasilienses tenham aversão aos Europeus daquele lote?
Chegava um Navio de Portugal, fugia um Marinheiro, ia pedir a um
Brasiliense que lhe desse algum trabalho; pegava na enxada, incorporava-se
com os negros, e ganhava o seu pão com o suor do seu rosto. O Brasiliense
afagava-o, admitia-o em casa, dava-lhe uma filha, e um bom dote; dali a
pouco transformado o Marinheiro em Senhor de Prédios, ou de Engenhos,
principiava a sua oração matutina = o Diabo leve o Brasil, e quem nele quer
estar; não se vê senão negros, e mulatos (aludindo à família que o tirou do
pó da terra), hei de vender tudo para ir morrer entre brancos = e não irrita
este discurso o coração do Brasileiro, contra o Europeu que é desaforado?
Vinha outro Navio, e aparecia um Petit maître que deu com sete Caíques
à costa, inculcava-se bom Piloto, era admitido em casa de um negociante
Luso-Brasileiro, que lhe confiava o seu Navio, e talvez lhe desse uma filha, e
grosso cabedal. Daí a poucos dias principiava o Senhor moço a fungar = Diabo
do cheiro desta casa; não se come senão carne seca, e feijão com toucinho;
= estas mulheres todas são umas pamonhas, não sabem falar = e mil outros
despropósitos que ofendiam Pais, Irmãos, e Parentes da pobre Senhora que
casou com o tal Peralvilho. E não querem que haja antipatia, e aversões?
Chegava um Frade, um Clérigo, um Militar, um Procurador de causas,
dizendo-nos com a boca cheia = eu sou Doutor em Teologia; não quis ser
Provincial na minha Ordem, e por isso venho ao Brasil em Capelão de Navio,
= o outro = eu sou Doutor em Cânones, ofereceram-me dez Abadias em
Portugal; mas como tenho consciência delicada, larguei o Mundo velho, e
venho procurar o retiro de Capelão, e Mestre de meninos em algum Engenho,
= outro = eu fui o mais bravo Militar do Exército do Príncipe de Condé posto
que seja Português; servi com o grande Sowarrof nas Campanhas da Polônia,
na Turquia, e nas Campanhas da Itália; o General Laudon foi meu íntimo
amigo; estive em São João d’Acre, comandei as Colunas Turcas que repeli-
ram os ataques das de Bonaparte; achei-me nas Batalhas das Pirâmides, e na
do Marengo, em que obrei prodígios de valor; sou Grão Cruz da Ordem de
São Jorge, e da Águia negra, mas agora aborrecido das vaidades do Mundo
ando disfarçado pelo Brasil, voltarei a Portugal para ver se Sua Alteza Real
me faz Alferes agregado a um Regimento desta Capitania, = outro = eu fui em

444
Lisboa o mais célebre Advogado, rejeitei muitos lugares da Magistratura; estou
cansado, e quero acabar os meus dias em tranquilidade = Vai senão quando
todos estes, e outros tais velhacos impostores, abusando da confiança, e boa
fé dos Luso-Brasilienses, entravam nas casas de alguns, que deles se compade-
ciam; roubava-nos, fugiam, e passavam a desacreditá-los sem piedade. Então
[não] há de existir aversão contra semelhantes Europeus? Pois tais são os fieis
quadros que se apresentavam muitas vezes no Brasil antes da chegada de Sua
Majestade a este Reino. Eu vou fazer menção de mais alguns privativos aos
Governadores, que vinham mandados pelo Ministério Português a favorecer
as Colônias do Novo Mundo.
Devo desde já prevenir o público de três verdades indisputáveis: 1ª, que eu
não desejo campar como Escritor, e por isso mesmo merecem perdão os meus
desacertos. O amor da Pátria, o achar-me amalgamado e a minha família toda
Europeia com o Brasil, o ter unido a minha sorte à sorte deste Reino, são os
motivos porque escrevo; 2ª, que eu tenho mui insignificantes conhecimentos
da história do Brasil; 3ª, que não escrevo por espírito de partido. Fiz a Portugal
os serviços que pude. No Brasil comportei-me como homem honrado. Um
Ministro de Sua Alteza Real praticou comigo a mais escandalosa violência. A
Pátria já tem colhido frutos da mais negra intriga. Protesto que desejo servi-
-la, que nada pretendo dos Ilustres Ministros, que agora se acham à testa dos
Negócios; que nenhum deles foi meu gracioso inimigo (Deus lhe dê o Céu)
e que talvez também não tenha a honra de ser conhecido por qualquer dos
quatro. Quem assim fala não é suspeito de parcialidade para com o Brasil,
nem para com Portugal.
Um grande número de Governadores, Capitães Generais, Vice-Reis,
Magistrados superiores que governaram o Brasil foram uns déspotas, uns
tiranos, uns insolentes Vizires, uns cruéis Baxás.
Um pequeno número daquelas altas personagens foram uns indolentes,
uns egoístas, uns omissos, uns desleixados.
Um número diminutíssimo dos mesmos Empregados foi dotado das mais
brilhantes, filantrópicas, e distintas, qualidades.
Nenhum dos Despóticos, e Tiranos Governadores do Brasil foi executado
pelos roubos, homicídios, violências, e desacatos, que cometeram durante a
sua Administração.
Muito poucos daqueles grandes Empregados foram punidos em recom-
pensa das suas maldades.
O maior número dos ditos Empregados receberam prêmios em lugar de
castigos, que bem tinham merecido.

445
O menor número, ou o dos mais beneméritos foram morrer de miséria
no seio das suas famílias.
Tal era a ordem do antigo Governo com o seu detestável sistema
Colonial. Vou fazer diligência para provar estas asserções no que toca aos
Governadores, por que os outros Magistrados achavam-se quase geralmente
tão desacreditados que tanta loucura era defendê-los, como acusá-los.
Estavam no hábito de serem maus, porque o despacho quando se lhes conferia
vinha sempre como favor, e meios de enriquecer, e nunca com o ônus de se
administrar imparcialmente justiça aos Povos, ou aos Vassalos. Comecemos
pelo Pará, e Rio Negro por serem Províncias mais setentrionais do Brasil.
Francisco Caldeira de Castelo Branco foi Nomeado Capitão Mor do
Pará em 1615, onde um seu sobrinho chamado Antônio Cabral assassinou
publicamente o Capitão Álvaro Neto, do que se seguiram tão notórias
desordens todas em dano do Povo, que foi por ele deposto, preso a ferros,
e remetido ao Governador do Brasil Dom Luiz de Souza.
Em 1661 principiaram novas desordens promovidas pelo Capitão-Mor
Marçal Nunes da Costa contra os Jesuítas que defendiam a liberdade dos
infelizes indígenas Brasileiros de diversas Nações que os do partido do dito
Capitão-Mor queriam reduzir a Escravidão = Eis aqui como os Governadores
procuravam a felicidade dos naturais do Brasil.
Em 1753 sendo nomeado Francisco Xavier de Mendonça Furtado
para Governador das Capitanias do Maranhão, e Pará, e Comissário das
Demarcações dos limites do Norte, renovaram-se as calamidades dos
Aborígines arrancados da tutela dos Jesuítas. As povoações começaram
logo a declinar por falta de execução do Diretório para o Governo dos
Índios, e os serviços dos Arsenais, Canoas, e outros encargos a que ficaram
sujeitos aqueles desgraçados, deixaram quase desertas as populosas Aldeias
das margens do Amazonas, e seus tributários, de maneira que na época das
visitas do Bispo Dom Frei Caetano Brandão todas elas se achavam no mais
lastimoso estado, conservando com tudo evidentes indícios da sua antiga
opulência. É assim que os Brasileiros hão de ser felizes?
Abandonando-se aos Marroquinos a Praça de Masagam passaram os
seus infelizes habitantes para a província do Pará onde encontraram a morte
antes de verem providências para o estabelecimento das suas famílias. Não
há de existir antipatia entre os Brasilienses, e Europeus?
Passemos ao Maranhão; o Capitão-Mor Baltazar Fernandes pela sua
omissão, e negligência deu asas a Manoel Beckman fazer as estrondosas desor-
dens do ano de 1684, que terminaram com a execução do mesmo Beckman

446
por ordem do General Gomes Freire de Andrade um dos mais distintos, e
beneméritos Governadores daquela Província, e da do Pará.
O Bispo Dom Frei Timóteo do Sacramento, cometeu aqui os mais extra-
vagantes excessos contra o Povo. Excomungou o Ouvidor Mateus Dias da
Costa, lançou interdito geral, e local, e pôs em convulsão todas as Províncias
Setentrionais do Estado.
Vejamos o que aconteceu em Pernambuco; André Vidal de Negreiros,
que se tinha coberto de glória na Guerra da restauração desta Província, come-
teu no tempo da paz, toda a espécie de violência contra os Pernambucanos
seus antigos camaradas, e agora seus subordinados. O Governador Geral
do Brasil quis dar algumas providências contra a sua prepotência, mas
contentando-se com palavras aparentemente submissas, deixou-o continuar
nos seus antigos excessos; mas o sucessor de Vidal de Negreiros, Jerônimo
de Mendonça Furtado, levou ao galarim a perversidade, e mania contra os
Pernambucanos, que fatigados de sofrerem os seus furores, prenderam-no por
estratagema, e enviaram-no para Portugal, donde foi degradado para a Índia,
não pelo que havia feito em Pernambuco, mas sim por se entender que tinha
conhecimento dos desígnios de seu Irmão Francisco de Mendonça Furtado,
que sendo Alcaide-Mor de Mourão havia passado para os Castelhanos com
quem estávamos em guerra. Que belo Governador!
Em 1710 houveram novas convulsões políticas sendo Governador
Sebastião de Castro Caldas; os Pernambucanos queixavam-se da falta de
atenção aos seus antigos serviços; opuseram-se à criação da Vila do Recife.
Os Mascates (denominação, que naquele tempo se dava aos Europeus chega-
dos de fresco, assim como agora são chamados Marinheiros) eram os seus
adversários. As desordens tomaram grande vulto, e acabaram em uma guerra
civil; durante a qual o Governador foi ferido quando ia passear à Boavista, e
pouco depois obrigado a embarcar-se com alguns amigos seus. Eis aqui um
original copiado no fim do Governo de Luiz do Rego Barreto. O Povo conti-
nuou em desordem até que alguns Demagogos lembraram-se de estabelecerem
uma República semelhante à de Veneza, ou de Holanda, da qual pretendia
ser Presidente um Bernardo Vieira de Melo, que se entendia com Leonardo
Bezerra Cavalcante, que foi às Alagoas sublevar o Povo contra o Governo de
Portugal; este Cavalcante era um dos maiores inimigos dos Mascates (hoje
Marinheiros), e dizia que Mascate era sinônimo de Ladrão. As desordens
continuaram, os Europeus do Recife tomaram a ascendência; cortaram-se
as comunicações entre Olinda, e o Recife; o Bispo fugiu para aquela Cidade,
onde na qualidade de Governador recebeu protestos, da mais pura lealdade

447
dos insurgentes para com Sua Majestade; resignou depois o Governo em um
Triunvirato, a Guerra continuou; o Recife sofreu toda a sorte de privações,
mas tinha o mar livre; os insurgentes eram superiores no campo, atacaram o
Governador da Paraíba, destroçaram Camarão nas Alagoas, e puseram sítio
à Fortaleza de Tamandaré. O Governo do Recife pediu auxílio à Bahia, e
disse ao Governador Geral do Brasil, que não queria que Sebastião de Castro
Caldas tornasse a ser instalado em Governador de Pernambuco, porque a
sua presença prejudicava a causa pública nas circunstâncias atuais. Chegou
de Portugal nomeado Governador Felix José Machado de Mendonça, que
pela sua prudência, e boas maneiras restabeleceu a ordem; e os cabeças da
insurreição tiveram o justo castigo das suas iniquidades. Eis aqui o resultado
da antipatia hereditária dos Brasileiros contra os Europeus.
Passemos à Bahia. Ao distinto, e virtuoso Governador Roque da
Costa Barreto, sucedeu Antônio de Souza e Menezes, o Braço de Prata, que
consentiu, que Francisco Telles de Meneses, Alcaide-Mor da Bahia, donde
era natural, cometesse toda a sorte de agressões, e arbitrariedades contra
os seus Patrícios. Este homem cruel dirigia imperiosamente a vontade do
Governador Geral, que não satisfeito com a indigna proteção concedida
àquele malvado, oprimiu todo o Povo, de maneira que fazendo-se intolerável,
deu motivo a que os Tabaréus não trouxessem mantimentos à Cidade, que
por isso padeceu graves incômodos antes que aquele mau Governador fosse
rendido pelo Marquês das Minas Dom Antônio Luiz de Souza. Que castigo
se deu àquele Governador que tanto mal causara à Bahia? Dicant Paduani.
A estes males sucedeu o motim da Tropa durante o curto Governo de
Matias da Cunha, e logo depois a exemplar execução dos opressores de
Porto Seguro por ordem de Antônio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho,
que sucedeu ao dito Matias da Cunha no Governo do Estado.
Vieram novos males à Bahia por motivos do imposto de 10 por cento
em todos os gêneros, que se importassem, e do aumento do preço do sal no
tempo do Governo de Pedro de Vasconcelos e Souza. É de notar que todos
os cabeças desta desordem eram Portugueses Europeus, canalha infame
misturada com algum Estrangeiros. Os homens de bem, tanto da Mãe Pátria,
como Brasileiros, sofreram toda a qualidade de insultos por não se unirem
àqueles malvados!
Vejamos o que havia no Rio de Janeiro. As mais notáveis ocorrências
políticas desta Capitania antes da vinda de Sua Majestade foram (além
das Guerras com os Indígenas, e Franceses comandados pelo Cavaleiro de
Villegagnon), as da invasão de Mr. Le [Du] Clerc, e a de Duguay-Trouin. O
Governador Francisco de Castro e Morais foi certamente quem causou as

448
desgraças desta Cidade, e de nenhum modo contribuiu para a glória alcan-
çada pelos seus subalternos desde o dia do desembarque até ao da derrota,
e capitulação de Mr. Le [Du] Clerc. Note-se que a fraqueza, omissão, e
desleixamento de Francisco de Castro e Morais foram recompensados em
Lisboa com uma Comenda!
A outra ocorrência ainda mais triste pelos seus resultados foi a invasão
da Cidade, por Duguay-Trouin, Francisco de Castro e Moraes, Governador da
Província, e o Coronel de Mar, Gaspar da Costa de Ataíde Teive, Comandante
da Esquadra Portuguesa, comportaram-se com tanta indignidade, que o
primeiro fez a grande proeza de encravar a Artilharia, desamparar a Fortaleza
da Ilha das Cobras, e o último mandou incendiar as Naus, que comandava,
e ficaram ambos em completa inação até que o = valoroso = Governador
entrou em ajustes, ou Capitulação com o inimigo, que pelo resgate da
Cidade recebeu 610 mil Cruzados, 100 Caixas de Açúcar, 200 Bois, e mais
40 mil Cruzados a troco de pólvora. Vejamos se o castigo correspondeu aos
delitos; o Governador, que além de não se defender proibiu expressamente
aos moradores o salvarem as suas riquezas, foi condenado em degredo para
a Índia; outro tanto aconteceu a mais um, ou dois Oficiais; ignoro qual foi
a pena imposta ao Coronel de Mar. Este pequeno castigo (devido talvez
à proteção que o Governador tinha na Corte, na pessoa do Padre José de
Castro Reitor do Colégio de Santo Antão, e valido de El Rei Dom João V)
deu motivo aos boatos espalhados então, e ainda hoje não desvanecidos,
de que a Esquadra Francesa viera saquear o Rio de Janeiro por convenção
de ambas as Cortes! Que absurdos nascidos da antipatia dos Brasilienses
contra os Europeus motivados pelos escandalosos procedimentos de alguns
dos últimos. Tratando de São Paulo direi mais alguma coisa.
Passemos a São Paulo achamos logo atrocidades, horrores, morte,
devastações dos miseráveis Indígenas pelos Europeus e Companhia. Vemo-
-los quererem eleger um Rei para se livrarem da opressão Europeia, e da
do Marquês de Montalvão Vice-Rei do Estado; e de fato eles teriam um
Soberano Paulista se não encontrassem tanta firmeza, e tanta heroicidade
no Ilustre Amador Bueno da Ribeira, que ao tempo em que o Povo clamava
= Viva o nosso Rei, Amador = ele respondia em altos brados = Viva El Rei
Dom João IV = Apontem os inimigos do Brasil muitos rasgos de semelhante
heroicidade! Um Brasileiro rejeita a Coroa oferecia pelos seus Concidadãos;
um Brasileiro filho de um Espanhol, e uma Portuguesa, mostra tão extremosa
lealdade! Em 40 Séculos apenas se encontrará um homem deste caráter.
Rejeitar o Título de Rei!

449
Poucos anos depois resolveram-se os Paulistas a socorrer os habitantes
do Rio de Janeiro, ou pelo menos a entrarem nas vistas dos seus moradores
contra o Governador Salvador Correia de Sá, a quem eles desejavam lançar
fora do Governo e aos seus partidistas pô-los fora da terra no espaço de 48
horas. Salvador Correia teve a fortuna de ser ouvido pelos bons Paulistas,
que observando as excelentes medidas que tomava para felicidade dos Povos,
puseram à sua disposição vidas, e fazendas para o que ele determinasse. A
este patriotismo dos Paulistas, seguiu-se a tranquilidade do Rio de Janeiro.
As dissensões entre os Paulistas, e os de Taubaté foram notáveis, mas
nenhuma comparação tem com as dos mesmos Paulistas, e os Forasteiros.
Manoel de Borba Gato, descobridor do Sabará constituiu-se Governador das
Minas, no que convieram os seus patrícios Paulistas, e com efeito governou-os
com equidade; mas depois da sua morte suscitaram-se novas contestações
entre os Paulistas, e os Forasteiros, ou Emboabas. Os Forasteiros por ocasião
de certa desavença em que um deles foi morto por um Paulista no Arraial
do Rio das Mortes, pediram ao Governador do Rio, que lhes enviasse um
homem para os Governar, isto não foi bastante; as desordens continuaram
em razão da petulância de Jerônimo Poderoso, e Júlio Cesar, ambos Paulistas
inquietos, e deram lugar à escolha de um certo Forasteiro chamado Manoel
Nunes Vianna, para o emprego de Governador das Minas, contra vontade dos
Paulistas. Foi então que rompeu a Guerra civil em que os Europeus, e o seu
partido tiveram vantagens sobre os Brasilienses, e por conseguinte aumentou
mais o ódio, rancor, aversão, e antipatia em uns, e outros, sobretudo quando
viram que os Europeus obrigavam a Manoel Nunes a pôr-se em resistência
contra o Governador, que do Rio de Janeiro partira para Minas, por Ordem
da Corte, e com efeito, o dito Governador não só se retirou, mas ainda deu
confirmação á escolha feita de Manoel Nunes para o emprego que ocupava.
Desnecessário é, dizer por miúdo o que se passou entre Paulistas,
Mineiros, e Europeus; Cenas de carnagem, fúria, destruição, é o que respi-
ravam os partidos contrários até que finalmente os Paulistas oprimidos, ou
fatigados abandonaram as Minas, e voltaram às suas terras levando nos
corações a antipatia contra os Europeus.
As Províncias do Rio Grande de São Pedro, e dos Goiazes, Cuiabá, e
Mato Grosso não têm sofrido vertigem, e furor das Guerras Civis por isso
reservo para outro lugar a conduta dos seus altos Magistrados a favor, ou
contra os seus habitantes.
As Minas Gerais requerem particular menção, posto haver já falado
alguma coisa a respeito delas quando tratei da Província de São Paulo.

450
O primeiro golpe dado nas Minas foi a guerra feita aos Indígenas para
serem empregados na mineração, e na agricultura como escravos; o segundo
foi a expulsão dos Estrangeiros ainda mesmo os naturalizados com a única
exceção dos Ingleses, e Holandeses, Aconteceram depois os motivos por
causa das fundições estabelecidas para o Ouro, sendo Governador o Conde
de Assumar um dos homens a favor, e contra o qual mais se tem escrito no
Brasil. Se este Conde de Assumar é o mesmo herói da Alorna a quem foi
dirigida uma carta de Alexandre de Gusmão, é muito provável que com efeito
merecesse nas Minas os mesmos encômios, que sobre a sua administração
Asiática lhe fez aquele célebre Secretário.
Eis aqui a exposição de um grande número de fatos notáveis acontecidos
no Brasil desde a época da sua Colonização até ao tempo da chegada de Sua
Majestade. Por ela fiz ver aqueles em que os Europeus foram agressores, e
outros em que as hostilidades foram cometidas pelos Brasilienses contra os
seus Irmãos de Portugal. Estou certo, que todo o homem sisudo, que se despir
de prevenção achará que os Europeus seja pelo título de descobridores, seja
por se considerarem nascidos na Mãe Pátria donde nos vinham as Leis, os
Governadores, os Magistrados, os Chefes Militares, o maior número dos
Empregados públicos; donde nos vinham os gêneros precisos para vestu-
ário, muitos comestíveis de luxo, ou indispensáveis; donde nos vinham as
luzes, ou conhecimentos teóricos, os mestres dos Ofícios Mecânicos, donde
finalmente nos veio a nossa Religião, e os seus Ministros, os usos, os costu-
mes, os prejuízos, o fanatismo, e a superstição talvez por estes motivos os
europeus se julgassem com direitos de nos tratarem pelo modo com que os
Espartanos tratavam os seus Helotes, ou que os Senhores de Feudos olhavam
para os seus Escravos.
Desejara eu bem poder lançar um denso véu sobre as atrocidades come-
tidas por muitos Baxás contra os miserandos Luso-Brasileiros! Bem quisera
esquecer-me do infame comportamento de vários Ministros julgadores. Que
prepotência, que roubos, que venalidades, se não acham nas ensanguentadas
páginas da história do Brasil! Se aqueles, que há pouco existiam apesar de
serem talvez melhores do que o foram muitos dos seus antecessores; se aqueles
que há pouco administravam justiça aos Povos foram pelos mesmos Povos
havidos como indiferentes, maus, ou perversos e por isso mesmo lançados
fora dos empregos, e lugares que ocupavam, se aqueles mesmos não obstante
saberem que tínhamos um Paladium na Nossa Santa Constituição ainda
marchavam pela estrada larga dos seus desacertos, das suas paixões, das
suas iniquidades, que seriam muitos desses antigos Déspotas, que abusando

451
da autoridade de que estavam revestidos, confiados na distância do Trono,
contando com as enormes somas que extorquiam dos Povos para repartirem
com os seus protetores da Corte, que seriam, torno a dizer, esses antigos
Governadores, e Magistrados, que pisando aos pés os direitos de homem, os
direitos de propriedade, deixavam cair sobre os Governadores a pesada vara
de ferro, que empunhavam? E não tinham os Luso-Brasileiros demasiada
razão de se queixarem? Haviam de sofrer em silêncio os insultos de um, as
ladroeiras de outro, e o desprezo de todos, e todos eles tão ignorantes, que
não sabiam que os homens posto que subjugados tinham bastantes conhe-
cimentos dos seus direitos como Cidadãos, dos seus deveres como Vassalos?
A ignorância dos Déspotas, o sistema do Governo arbitrário, e os
conhecimentos, ou luzes dos Povos foram os que deram lugar aos célebres
sucessos das Minas Gerais durante a administração do devoto Visconde de
Barbacena, às da Bahia no tempo do Governo do benigno Dom Fernando José
de Portugal, e às de Pernambuco na época em que era regido pelo pacífico
Caetano Pinto de Miranda Montenegro. Os homens estavam cansados; uma
escravidão de três Séculos era muito dilatada, e cruel para se dever suportar.
Os interesses da Mãe Pátria, que não se ajustavam com os interesses do
Brasil tinham semeado a cizânia, e a discórdia; os erros da administração
amontoavam-se sem que deixassem esperança de acabar = Sistema de mono-
pólio absoluto = Exclusão de Estrangeiros Entraves ao adiantamento das
Ciências = Preterições sistemáticas no Exército = Governadores sem respon-
sabilidade, ou com ela puramente nominal = Estudo constante de transferir
para a Mãe Pátria toda a riqueza das colônias = Extirpação, e completa
ruína das nossas pequenas, mas brilhantes Fábricas de Santa Catarina, Rio
de Janeiro, e Minas Gerais!!
E como não havia de acontecer isto mesmo pelo modo que fica rela-
tado, se o Governo de Portugal sabia a quanto montavam as horrorosas
somas de milhões de Ouro, Diamantes, Pau Brasil, e Tabaco que haviam
entrado nos cofres públicos de Portugal. Se sabia que o estrondoso luxo da
sua Corte só se podia conservar à força da numeração do Ouro, das escava-
ções dos Diamantes, corte do Pau Brasil, e cultura do Tabaco; se sabia que
essas Colossais fortunas de Anselmo, Quintela, Bandeira, Sola, e milhares
de outros, os seus soberbos Palácios, as suas magníficas Quintas, as suas
imensas propriedades todas eram devidas aos braços, e indústria Brasileira.
Se esses elevados Templos, esses enormes morgados, essas grandes Casas
Titulares deviam a sua opulência aos Brasileiros Helotes dos Europeus. Se os
habitantes de Lisboa viam entrar continuamente pelo meio das suas Torres,

452
as frotas mais ricas do Universo. Se os Negociantes da Mãe Pátria sabiam
que os bens do Brasil eram todos seus; se enfim até as Amas dos Estudantes
da Universidade estavam com olho de palmo a observarem se chegava algum
filho de Senhor de Engenho, que lhes desse mais lauta paga!
Ah! Queremos nós que conhecendo os Europeus os grandes bens que
tiravam do Brasil antes da vinda de Sua Majestade para este Reino, não
se lembrem agora das Cebolas do Egito? Não quererão eles que os nossos
metais, os nossos gêneros preciosos pertençam exclusivamente aos Portos
de Portugal? Não quererão eles que os seus Linhos, e outras manufaturas,
as suas ferragens, os seus vinhos, os seus sais tenham uma exclusiva saída
nas Províncias do Brasil? Não quererão eles que os seus, e os nossos Navios
nos conduzam dos seus Portos todos os gêneros Estrangeiros de que preci-
sarmos? Não quererão eles ser os Corretores de todas as negociações da
Europa, e Ásia? Não folgarão de ver os nossos Portos fechados a sete chaves
às Embarcações dos nossos Aliados?
Não quererão eles que as nossas Províncias sejam exclusivamente
governadas por Generais Europeus? Não quererão eles que os nossos Corpos
Militares sejam debandados, ou tenham por Oficiais um grande número de
Lusitanos? Quererão eles que nós tenhamos manufaturas, que cultivemos o
Vinho, que lavremos marinhas de Sal, que propaguemos o azeite, que criemos
o bicho de Seda? Nada, nada; o interesse dos Portugueses Europeus é que
sejamos Helotes; que vistamos o que eles nos derem, e que nos governemos
como eles quiserem.
Esta é ó Brasileiros a sorte que nos estava reservada; Esta é a recompensa
dos nossos precipitados juramentos; Estes são os desejos da Mãe Pátria.
Nós já por desgraça vimos tudo isto Decretado, ou proposto para Decretar.
Ordenou-se a separação, e completa isolação política, e moral das Províncias
do Brasil; ordenou-se o regresso das nossas esperanças, a âncora da nossa
salvação Sua Alteza Real o Príncipe Regente. Nomearam-se Generais juntos
às Cortes, ou à pessoa de Sua Majestade, esperai um pouco; o mais há de
talvez vir, e infalivelmente viria no caso de que a Providência não permitisse
que os inimigos do Brasil errassem os seus cálculos, faltando-lhes uma grande
quantidade, isto é, Sua Alteza o Príncipe Real.
Sim Brasileiros, vós já vistes o que podíamos esperar dos nossos
Lusitanos, que reputam os naturais do Brasil, irmãos bastardos, ou filhos
espúrios dos Europeus. Vós já vistes os papéis de Lisboa cheios de sarcasmos
indignos, e negras inventivas contra os nossos filhos, as nossas mulheres,
os nossos amigos, e parentes. Vós já fostes tratados como Orangotangos,

453
hordas de negros pescados nas Costas da África, e Tapuios tirados dos fundos
dos bosques. Vós já vistes nos próprios Diários do Governo ser olhado o
nosso Exército como um Corpo de Milicianos composto de dois pretos, dois
pardos, e um branco = Vós já vistes que eles disseram que não há no Brasil
quem saiba que coisa é Constituição; Vós já vistes o maligno desprezo com
que os infelizes Pernambucanos correram à vergonha as ruas de Lisboa; Vós
já vistes que um Ilustre Deputado do Congresso declarou perante a Nação,
que não se embaraçava que os mesmos Pernambucanos se degolassem uns
aos outros; Vós tendes visto a nulidade absoluta dos nossos Deputados em
Cortes; o suspeitoso silêncio de uns, o desprezo que se faz de outros; Vós já
vistes o dia 5 de Junho de 1821, em que a Tropa Lisbonense insubordinada
deu a Lei no meio desta pacífica Cidade; Vistes o descaramento com que
no dia 9 de Janeiro de 1822 essa mesma Tropa quis anular o nosso melhor
direito, o sagrado direito de Petição; Vistes a Rebelião aberta em que no
dia 11, e seguintes estiveram contra a sua Alteza Real, única autoridade
revestida do Poder Executivo, que lhe foi delegado por El Rei Seu Pai, e
Nosso Augusto Soberano; Vistes os seus delírios enquanto se demoraram
na Armação da Praia grande, e os sustos que os pacíficos habitantes desta
Cidade trouxeram no fundo da alma; Vistes as recentíssimas calamidades
da Bahia, e de Pernambuco; Vistes as pérfidas, e falazes sugestões com que
iludiram a um crescido número de ignorantes, que ou por aspirarem ao
antigo monopólio do negócio, ou por desejarem que as Províncias ficassem
divididas para mais depressa serem subjugadas, ou porque têm a perversidade
alojada nos seus corações, e são inimigos graciosos dos Luso-Americanos,
ou porque finalmente queiram saquear-nos, e dar por justas as Contas com
os seus Credores, todos eles suspiram pela retirada de Sua Alteza Real para
Portugal. Miseráveis, sabeis o que desejais? Tendes vontade de ver correr
Rios de Sangue pelas ruas desta Cidade? Tendes apetite de copiar as trágicas
Cenas de Buenos Aires? Quereis a infalível, e eterna separação entre o Brasil,
e Portugal? Ah desgraçados, tremei da sorte que vos esperava!
Depois de haver mostrado os justos motivos de queixa, que os Brasileiros
tem dos Europeus, exige a imparcial justiça que sejam ouvidos os últimos,
para dizerem a seu favor tudo o que lhes lembrar. O Europeu pode dizer
que em Portugal nunca se fez diferença entre o Brasileiro, e o filho da Mãe
Pátria; que todos são ali estimados, acolhidos, e respeitados; conforme as
suas virtudes, riquezas, e talentos; que os lugares de Letras, os postos do
Exército, os Tribunais, as mais altas estações sempre estiveram abertas aos
Brasileiros; que agora mesmo depois da nossa regeneração política havia

454
Bispos, Magistrados, e Generais Brasileiros, e que na Corte, no Exército, na
Igreja, na Universidade, nos Tribunais, nunca se lhes deu o injurioso nome
de Bodes ou Mulatos, e que lá gozavam os mesmos foros, privilégios, e
benefícios, que as Leis concediam aos filhos de Portugal. Eu advogo a causa
dos Portugueses Europeus do recinto da Mãe Pátria, tudo isto é verdade.
As queixas dos Brasileiros versam tão somente contra alguns Europeus
residentes, ou que têm exercitado empregos no Brasil. Estes homens (pela
maior parte) discorrem por outros princípios, e põem em prática no Brasil,
termos diferentes daqueles de que se servem os que estão em Portugal. Eles
roubam, e não querem que lhes chamem Ladrões; eles matam, e não querem
ser tratados de assassinos; eles tiranizam, não querem ser tidos por déspotas.
Em conclusão, aqueles Portugueses, que residem no Brasil, e vexaram os
Brasilienses são homens muito diferentes do honrado Povo de Portugal, que
nunca veio ao Brasil, ou que não tem relações de conveniência direta com o
mesmo Reino. Esta gente é boa, e a outra é uma raça degenerada, uma horda
de egoístas, uns inimigos públicos, ou secretos da sua Pátria.
Tenho demonstrado os motivos da antipatia, e má vontade que por
desgraça existe entre um grande número de Europeus de ambos os Mundos;
mostrei que ela é hereditária; que data desde a época da descoberta; que não se
fizeram diligências para se extinguir, e dissipar, antes pelo contrário, homens
desenfreados correndo atrás das suas paixões vergonhosas não tinham dúvida
de procurarem a ruína deste belo País, onde vinham enriquecer-se, e figu-
rar. Resta agora dizer-vos ó Portugueses meus amados Concidadãos, que é
tempo de abandonarmos prejuízos, preocupações, rivalidades, antipatias, e
inimizades. Todos somos Portugueses, todos somos Irmãos filhos da mesma
Pátria; não nos arruinemos; vivamos todos ligados pelas cadeias da mais
cordial amizade; abandonemos os maus aos gritos da sua consciência; ela
os acusará, ela os punirá; os homens honrados hão de fechar os ouvidos aos
seus furiosos clamores, os inquietos não lhes agradecerão os frutos das suas
iniquidades. Todos nós conhecemos o que é Portugal, todos nós sabemos
o que poderá vir a ser o Brasil. Portugal, Pátria de heróis, berço dos nossos
antepassados adquiriu há séculos glória imortal; o Brasil tem mostrado ao
mundo que não é indigno de obter imortal glória. Portugal pode subsistir sem
os socorros do Brasil, e ter a Categoria que resulta da sua excelente posição
geográfica. As sábias providências que a respeito daquele Reino têm dado
os seus ilustres, e beneméritos Representantes; há de fazer renovar os belos
dias do Rei Dom Diniz. O Brasil pode igualmente existir sem Portugal; como
País novo, rico, abundante em produções, em um tempo em que a emigração

455
passa por moda, se não é uma verdadeira enfermidade, o Brasil pode aspirar
aos destinos mais elevados. Os dois Reinos governados pelo mesmo excelso
Monarca, ligados os Povos pelos vínculos de sangue, de Religião, com os
mesmos costumes, prejuízos, e inclinações devem dentro de poucos anos
chegar ao mais alto termo de glória; ajudando-se reciprocamente nas suas
necessidades, não afetando esta ridícula superioridade, que por si só basta
para dividir, e separar não um Reino, mas muitos Impérios; tendo o seu Rei
na parte mais importante, rica, e segura dos Estados, e não vedado de ir de
um, ao outro País (como impoliticamente se Decretou, mostrando-se daquele
modo, que só Portugal, e Algarve é Reino Unido); conservando Corpos
Legislativos tanto em Portugal, como no Brasil; existindo uma Regência, ou
Delegação mui potente do Poder executivo no País onde o Rei não estiver;
expedindo esta Regência, ou Delegação todas as Ordens em nome do Rei
para se conhecer que o Rei é um só, e só uma Monarquia; introduzindo, e
generalizando, as ciências pelo estabelecimento de Universidades; dando o
prêmio a quem tocar, e o castigo a quem merecer; melhorando a sorte dos
Cidadãos; aumentando o seu número por via de emigrações estrangeiras,
e pela emancipação dos Escravos pardos, naqueles tempos, e por aqueles
meios que o Congresso Nacional tiver por mais acertado, sobretudo os que
pertencem a Corpos de mão morta; diminuindo os males que padecem os
outros infelizes Escravos; tendo sobre eles uma restrita, e muito sisuda vigi-
lância, pondo logo, logo fora do Brasil a três, ou quatro furiosos Portugueses
degenerados, que promovem por todos os meios a decadência, a anarquia,
e a escravidão do Brasil. Se todas as Províncias se ligarem cordialmente, e
reconhecerem sua Alteza Real, como Centro de União no Brasil e Lugar-
-Tenente de El Rei seu Pai, e Nosso Monarca, durante a ausência deste; se
nos amarmos reciprocamente os Portugueses de ambos os Mundos; se assim
fizermos, ó Portugueses está consumada a nossa felicidade, e preenchidos os
fins que devemos esperar.
Rio de Janeiro 1º de Abril de 1822.

456
40

ESBOÇO
DO

SYSTEMA
POLITICO NATURAL
COM

ALGUMAS APPLICAÇÕES AO BRAZIL.

LISBOA,
NA TYPOGRAPHIA ROLLANDIANA,

1822.

457
ESBOÇO
DO
SISTEMA POLÍTICO NATURAL
COM
ALGUMAS APLICAÇÕES AO BRASIL

1. O todo político, assim como qualquer corpo físico, ou moral, forma


um sistema unido com relações entre as suas partes: achar o princípio regu-
lador destas relações, e classificar segundo elas todos os objetos, e operações
da sociedade, é o problema da maior importância para a solidez, e bem ser
da mesma sociedade, cuja resolução tem dado ocasião a um sem número de
teorias.
2. As relações naturais do sistema são intrínsecas ao corpo, e não podem
ser diferentes do que são, sem alterá-lo: logo todas as teorias, que substituem
relações artificiais às naturais, sendo também artificiais, são falsas, e viciam
o corpo na sua aplicação. Daqui concluímos que só pode haver uma teoria
verdadeira, e é aquela, que não inventa, porém mostra as relações naturais.
3. Se queremos achar as relações naturais do sistema social, é necessá-
rio procurá-las nos elementos da sociedade, e não nos seus acidentes. Seus
elementos são a população, ou complexo de indivíduos, o governo, que os
une, e a segurança, e felicidade de todos, fim para que se unem. Entre estes
três elementos é óbvio, que a substância, isto é, a população prefere aos ou-
tros, que são a forma, e o fim: logo a população é o principio regulador das
relações do sistema social, ou como se usa dizer, a base do sistema político.
4. Depois que o progresso das ciências, e das artes aumentou conside-
ravelmente os gozos, e a força das nações com o socorro de instrumentos,
aparelhos, e operações dispendiosas, foi considerada a riqueza, como indis-
pensável para a sua felicidade, e independência, e tal importância se atribuiu,
que cada um dos seus mananciais foi em diferentes teorias qualificado como
base do sistema político, subordinando-se a substância a um dos acidentes.
Esta inversão da ordem natural devia desarmonizar o sistema político, e fazê-lo
menos apto para conseguir os fins da sociedade: as artes de luxo, de roubar,

458
e de matar foram levadas a subido grau de perfeição, ao mesmo tempo que
a procriação, e a educação foram abandonadas. Tal é o fruto dos sistemas
artificiais.
5. No todo político observa-se a população unida debaixo de forma
determinada, capitais, e administração. Sendo a população a base do sistema
político, deve primeiro que tudo ser preparada, e quanto é possível aperfei-
çoada, para sobre ela se levantar o edifício social; e secundariamente serão
preparados, e aperfeiçoados todos os outros objetos da sociedade, postos em
harmonia, e graduados pela maior ou menor proximidade, e importância a
respeito da população.
6. A população pode ser considerada coletiva, ou individualmente: no 1.°
caso é o complexo dos indivíduos, que entre si contrataram ligar-se debaixo
de certas condições, e governo para segurança, e felicidade de todos.
7. O direito de contratar esta associação, estipular as condições, criar o
governo, e determinar suas atribuições, isto é o direito de constituir-se nação,
é o que se chama soberania, direito coletivo, que resulta do direito indivi-
dual imprescritível, e inalienável de cada um dos contratantes, derivado da
liberdade, de que a natureza dotou o homem sem sujeição a outro homem.
No contrato de associação, além das leis orgânicas, podem-se acrescentar
quaisquer outras, que ficarão sendo condições de contrato.
8. Feita a Constituição cessa o exercício da soberania, e entram em
ação os poderes por ela constituídos, que se costumam dividir em legislativo,
executivo, e judiciário, e algumas vezes se lhes dá coletivamente o nome de
governo, que especificamente designa o poder executivo. Os associados fi-
cam divididos em governantes, e governados, competindo a cada uma destas
classes direitos, e obrigações, cuja guarda, e desempenho são da primeira
importância para a conservação, e boa ordem da sociedade. A soberania, que
dizemos ficar sem exercício, não diminui de direito: ela vigia, se o contrato
se cumpre, observa, se convém alterar alguma das condições, ou acrescentar
outras, e, quando é necessário, reassume o exercício.
9. Seria muito precária a existência de uma nação, se logo que se consti-
tui, não cuidasse da sua conservação por meio de negociações com as outras
nações, e dispondo a conveniente força armada para sua defesa: logo estes
dois meios de conservação são imediatos à constituição.
10. Constituída a nação (nota 1.), e tomadas as urgentes disposições
para a sua conservação, segue-se passar em resenha os indivíduos, ou cidadãos,
considerando sua segurança, número, capacidade, e trabalho.

459
11. Como o cidadão renunciou parte da sua liberdade para gozar pa-
cificamente do resto, e dos direitos novamente adquiridos, é claro, que a
segurança individual é logo depois da segurança pública.
12. A perfeição do número está na exata proporção com os meios de
subsistência: (nota 2.) aumenta-se o número pela reprodução, (nota 3.) e
aquisição: esta pode ser de pessoas civilizadas, isto é, tiradas de povos cultos,
(nota 4.) e no Brasil também de selvagens, indígenas, (nota 5.) ou africanos
(nota 6.).
13. A capacidade adquire-se pela educação física, moral, civil, e religiosa,
aplicável a todos os cidadãos, (nota 7.) e pela profissional, regulando-se a
importância desta pelos misteres, a que se destina.
14. De nada serviriam muitos, e bem educados cidadãos, se nada fizessem:
é por isso necessário pô-los em atividade, promovendo o trabalho, (nota 8.)
guardada a conveniente preferência entre o necessário, útil, e de luxo.
15. Nas capitais distinguem-se o solo, e os produtos: o seu valor, proprie-
dade, e circulação. A divisão do solo deve ser determinada pelo que convém
aos produtos, a que serve de matriz.
16. Os produtos são naturais, ou artificiais, entrando naquela classe
os da agricultura, (nota 9.) mineração (nota 10.) salinas, e pesca, ainda que
dependam de trabalho, e arte para a sua extração: preferem entre si na ordem
em que ficam enunciados; porque primeiro se procura a subsistência, e co-
modidades na superfície da terra, é depois que se rompem as suas entranhas,
e desce às bordas do mar.
17. Obtidos os produtos naturais, a indústria fabril (nota 11.) forma
deles os artificiais, dando-lhes nova forma, e utilidade. Entre uns, e outros
devem preferir os de consumo aos de exportação.
18. Para que se desenvolvam os precedentes mananciais de riqueza, é
necessário pôr os capitais em circulação pelo comércio interno, (nota 12.)
e depois pelo externo; (nota 13.) fixar, e manter o direito de propriedade.
(nota 14.)
19. Todos os negócios precisam de administração, que se compõe de
agentes, e fórmulas: (nota 15.) também exigem despesas, que supõem com
precedência rendas, ou impostos, o que constitui as finanças. (nota 16.)

CONCLUSÃO

1. Qualquer que seja a sabedoria das nossas leis, não se pode deixar de
ver no seu complexo, que um montão de leis ainda que isoladamente boas é

460
sempre uma legislação má. A sua desconexão devida à razão particular dos
casos ocorrentes, à sucessão dos séculos desde o princípio da monarquia, e
à mudança de hábitos, relações e conhecimentos, que os tem acompanhado,
tira-lhes a força de cooperação, quando não se estorvam obrando em sentido
contrário. A necessidade de refundi-las todas, adaptá-las às luzes, e espíritos
dos séculos, e dar-lhes nexo, e ordem, é por si evidente: tão grande obra porém
não pode ser feita de uma vez, é necessário, que, traçado o sistema, em que
devem ser ordenadas, e pré-delineadas nele, sejam trabalhadas por partes,
para depois se unirem, como peças já feitas para formarem um todo conexo,
e uniforme.
2. Convirá porém o mesmo corpo de leis a Portugal, e ao Brasil? Lan-
cemos um ligeiro golpe de visa sobre as diferentes circunstâncias dos dois
grandes ramos da família Lusitana separados pelo Oceano a tal distância.
3. O Brasil foi colônia por muitos anos, e desde o seu princípio; Portugal
não. O povo Brasiliense é novo; o de Portugal é maduro: por isso aquele é
mais empreendedor; este mais adido aos seus hábitos; ali tudo resta a fazer;
aqui há muito que se desfazer. Aquele, disperso em uma grande superfície,
coadjuva-se menos, e exercita mais a sua razão para suprir a cooperação, de
que o priva o isolamento: goza de mais liberdade, e a ação da lei é mais frouxa
sobre ele. Portugal medianamente povoado não precisa, nem talvez pode sofrer
a energia de medidas, que o Brasil pede para encher seus vastos desertos: o
Brasil em socorro desta necessidade oferece meios de subsistência incompa-
ravelmente mais fáceis, os claustros consomem menos braços vigorosos, e o
celibato é raro no campo; chama, e recebe muitos estrangeiros; os escravos
têm sido, e continuarão a ser por algum tempo um suprimento conveniente.
No Brasil há classes distintas por cores; em Portugal por privilégios.
4. Portugal deve acrescentar sua agriculta de consumo: o Brasil variá-la,
e tem para isso toda a capacidade desejável na diversidade de seus climas. A
de exportação é consideravelmente maior no Brasil, que por isso tem maior
necessidade de substituí-la, para estar menos exposto à sorte dos tratados,
em que nem sempre reina a justiça, nem a segurança. No Brasil há imensos
terrenos fertilíssimos sem quem os cultive, Portugal precisa fertilizar os estéreis;
aqui o lavrador laborioso, e econômico conserva a herança de seus pais; ali
enriquece.
5. As entranhas das terras contém incomparavelmente maior soma de
cabedais no Brasil, que em Portugal. Portugal precisa quanto antes aproxi-
mar a soma das suas manufaturas ao consumo; o Brasil pode, e é obrigado
a marchar mais devagar neste sentido.

461
6. O valor nominal dos fundos de raiz no Brasil vai em aumento progres-
sivo; os fundos móveis multiplicam-se com o mesmo progresso. O comércio
tem quase uma só direção derivada da ação imediata do externo: este, pela
falta de divisão do trabalho, tem muito maior extensão do que convém. Os
nacionais podem abandoná-lo porque o país lhes oferece outros empregos
aos seus braços, e capitais, no que o Brasil lucraria muitos braços e capitais
estrangeiros: Pelo contrário em Portugal a riqueza não progride; o comércio
interno está mais ramificado por alguma indústria: o externo é menos extenso;
e a classe mercantil deve ser favorecida.
7. A administração pública é mais fácil em Portugal pelo conchegamento
de sua população, e sobra de braços para empregar nela: no Brasil pede pelo
estado oposto maior simplificação, e mais ampla delegação de poderes. As
finanças do Brasil já têm um avançamento para melhor no destino da décima
eclesiástica, e podem ter grande recurso no comércio externo: também não
se exige lá tão grande força armada a não ser marítima.
8. Estas, e outras diferenças induzem necessariamente variedade nas
leis, que devem fazer a felicidade dos dois países, sem que com tudo deixe de
haver fortes identidades, que podem, e devem ligá-los em uma só nação. Se
em dois corpos com propriedades tão diferentes, e colocados a tanta distância,
não é bastante força de atração para confundi-los em um todo homogêneo,
o espírito da família, a identidade de hábitos, e a reciprocidade de interesses
produzem quanta baste para agregá-los; não podendo ambos formar um
sistema simples, tendem fortemente a formá-lo composto.
9. Não nos iluda o tempo passado: as nações escravas são máquinas
passivas, que recebem o movimento da vontade do déspota, comunicado
pela força até onde ela pode chegar; em uma nação livre a vitalidade é geral
em todos os seus membros, cada uma das suas partes procura a atitude, que
melhor convém a suas circunstâncias, salva a ordem geral. Suas leis não são
a expressão de caprichos, sim relações de utilidade: com tanto que cada um
concorra para o fim geral da sociedade, a cada cidadão deve ser livre escolher
os meios de ser feliz, e o mesmo direito compete a qualquer grupo maior, ou
menor de cidadãos. É deste modo que uma nação livre adquire uma força
irresistível de indissolubilidade, força que reside na espontânea e deliberada
vontade de todos, e de cada um dos seus membros. Porém quando se preten-
de que uma parte da nação obre contra o que quer no que lhe é particular,
tolhe-se-lhe a liberdade, e destrói-se nela o princípio de adesão e de vitalidade
social: resta só para contê-la empregar os instrumentos do despotismo, isto é,
a força, que só pode prevalecer contra força menor, e em quanto for menor.

462
Soberania.
Constituição.
Governo.
Coletiva. Organização. Governados.
Negociação.
Conservação.
Força armada.

Pessoal.
População Segurança.
Civil.

Reprodução.
Número. Civilizados.
Aquisição.
Selvagens. Índios.
Individuais. Africanos.
Física.
POLÍTICO

Capacidade. Moral.
Educação. Civil.
Religiosa.
Profissional.

Necessário.
Trabalho. Útil.
De luxo.
Solo.
TODO

Agricultura.
Mineração.
Naturais. Salinas.
Pesca.
Capitais. Produtos.
Artificiais. Indústria fabril.
O

Circulação. Comércio. Interno.


Externo.

Propriedade. Pública.
Particular.

Agentes.
Administração. Fórmulas.
Finanças. Impostos.
Despesas.

463
N O T A S.
1. Convindo a exatidão da linguagem à exatidão das ideias, não parecerá
inútil adotar nomenclatura não equívoca, que designe o todo da nação, e o
que a ela em geral pertence. Neste sentido não seria impróprio denominar
Grã Lusitânia todo o nosso território, e Lusitano, o que é da nação.
A Grã Lusitânia está divida em quatro partes, Lusitânia Europeia, ou
Portugal; Lusitânia Americana, ou Brasil; Lusitânia Asiática; e Lusitânia
Africana. As duas primeiras rivalizam entre si, e não é, ou não há de ser,
entre elas pequena a questão sobre a sede da monarquia: Portugal tem a seu
favor o estado de madureza, e o concentramento da sua população: se ambos
os países houvessem de ficar estacionados, ou progredir na mesma razão, a
preponderância daquelas qualidades seria decisiva a favor de Portugal; mas
não é assim. O Brasil no tempo do despotismo dobrava sua população em
36, ou 38 anos, nem de outro modo poderia ter a que tem: nesta progressão,
tendo hoje quase igualado à de Portugal (sem contar os Escravos) segue-se que
em um período pouco maior teria o duplo, e no seguinte o quádruplo: porém
o sistema liberal felizmente adotado deve aumentar muito aquela progres-
são, suponhamos um terço, e teremos o Brasil daqui a 48, ou 50 anos com o
quádruplo da população de Portugal: e não é impossível, que, consolidado o
sistema constitucional no Brasil, seja mais forte a progressão, e mesmo que
se acelere por extraordinárias emigrações da Europa. A riqueza do Brasil terá
passado em provérbio: as ciências, e artes prosperam facilmente no meio da
abundância. A situação geográfica do Brasil é sem questão a mais central
para comunicação de todas as partes da monarquia, e de todos os pontos
mais apartados do globo. Finalmente o Brasil considera-se com elementos
para poder ser um dia a primeira nação do mundo. Aplicando todas estas
considerações ao presente estado político, parece estar na cadeia natural dos
sucessos, que no atual reinado seja em Portugal a sede da monarquia, e que
depois dele ou pouco mais adianta passe perpetuamente para o Brasil.
2. As nações antigas cuidaram muito mais de aumentar sua população
que as modernas: o Brasil deve, e tem grande campo a correr para imitar
aquelas; Portugal não tem a mesma necessidade, nem os mesmos recursos;
porém unido ao Brasil pode imediatamente empregar todos os meios, que
tiver a seu alcance, porque tem quem receba o excedente.

464
3. O meio natural, e o mais fecundo, e proveitoso de aumentar a popu-
lação é a reprodução. Esta sendo legítima produz frutos mais abundantes, e
melhor sazonados: a incontinência esteriliza mais do que produz. Deve por
isso o legislador promover com grande cuidado os matrimônios, removendo-
-lhe todos os obstáculos, que provém das instituições sociais, entre os quais
merecem a primeira consideração a pobreza, e a incontinência.
Pobreza nesse sentido é a falta de meios para sustentar uma família
conforme o lugar que cada um ocupa na sociedade. Os lavradores do Brasil
todos têm estes meios, por isso raros são solteiros; os artistas estão quase nas
mesmas circunstâncias; a sorte dos negociantes, ainda que mais pomposa,
é mais incerta, por isso casam menos; os funcionários públicos raras vezes
casam, porque lhes faltam aqueles meios; o clero é celibatário por instituto.
A riqueza do lavrador, artista, e comerciante não pede providências do
governo, que digam respeito à pessoa; mas os funcionários públicos devem
ser sustentados pela nação, a quem servem, e igualmente suas famílias: por
isso os casados, além do estipêndio necessário para a subsistência, devem ter
uma quota mais para o sustento da família, e nem um deve ser privado do
emprego sem culpa.
Os casados estão mais ligados à sociedade, e prestam-lhe mais que os
celibatários, porque suas necessidades são mais extensas, e fornecem-lhe
cidadãos; devem por isso ser mais considerados, e atendidos, preferindo nos
empregos; e os celibatários de certa idade pagar uma imposição, o que não
é novo, nem chegará a compensar o menos serviço, que fazem a sociedade.
Se os costumes são formados pelas pessoas de maior consideração, como
tenho por certo, não admira, que a incontinência tenha estendido tanto os
seus estragos quando vemos, que estando na razão inversa dos casamentos,
cabe em sorte aos ministros da nossa santa religião, e em grande parte aos do
poder temporal, donde deve necessariamente difundir-se sem pejo pelas outras
classes. Também se pode afirmar, que, diminuído o número de celibatários,
restabelecida a autoridade familiar, e melhorada a educação, a incontinência,
diminuindo consideravelmente, cederá enfim ao império do decoro.
A diminuição dos celibatários deve principiar pelas classes mais influen-
tes. Aqui, se o próprio amor da religião, que professo, me não animasse à
expressão de terríveis verdades, que oxalá fossem menos notórias, cuidaria
em lançar um véu sobre a fonte mais perniciosa da impudicícia. Vejo à frente
dos celibatários o clero fortalecido por suas instituições. Sem nada afrouxar
no respeito, que tributo à disciplina da Igreja, a experiência que todos os
dias fala a meus olhos, ainda que eu os vire, me força a desejar altamente
a revogação daquele instituto, sem o qual nada se fará ou muito pouco, na

465
regeneração dos costumes. A sã doutrina desacreditada pelo escândalo de seus
ministros recobrará o crédito com eles, em quanto outros, que, ajudados pela
Divina graça puderem vencer a natureza, serão mais dignos de veneração por
obrarem livremente, e formaram em seu estado mais perfeito uma sublime
escola da doutrina, e de costumes. O Brasil por seu estado de adolescência,
onde a natureza forceja para encher o grande vazio por meio da reprodução,
pede mais urgentemente esta medida, que por si só remediará mais da metade
dos males na regeneração dos costumes, e influirá por isso com grande poder
sobre o aumento da população.
Se não fosse possível fazer estancar de uma vez esta fonte de imoralidade,
deveriam ao menos ser decepados os abusos acumulados. Dever-se-ia reduzir
o número dos ministros às necessidades do ministério, entrando nesse cálculo
os regulares, demitir os indignos, e os que se ocupam em outros exercícios.
Mas por que não faremos de uma vez todo o bem que se pode? Esmagou-se
o monstro do despotismo: e queimaremos ainda incenso aos seus satélites? A
luz da razão que desembrulhou, e desatou os direitos do cidadão das cadeias
da tirania, também arrancou das trevas os direitos do Cristão: a lei de Cristo
pura, e Divina, não se confunde mais com os acumulamentos dos homens;
os limites entre os poderes temporal, e espiritual estão marcados de direito,
ainda que em parte continuem confundidos de fato.
Como este escrito há de chegar principalmente a mãos de pessoas não
versadas no direito eclesiástico, traduzirei aqui a propósito o que se lê em
Gmeiner, canonista, e teólogo muito célebre, e recomendável pela pureza
da sua doutrina, e clareza de suas ideias, omitindo por brevidade o que não
altera o sentido.

Instituição de direito eclesiástico tomo 2° sessão Iª

§. 259. O que faz o contrato do matrimônio ilícito, e inválido, chama-


-se impedimento dirimente: o que o faz só ilícito chama-se impedimento
impediente.
§. 260. O contrato do matrimônio foi elevado por Cristo à dignidade
do Sacramento.
§. 261. A matéria do Sacramento do matrimônio é o contrato civilmente
válido e lícito; sem a qual não pode existir o Sacramento.
§. 262. Como o matrimônio é sacramento, e à Igreja pelo poder litúrgico
compete determinar o modo por que os sacramentos se deve administrar, e
receber, segue-se que à Igreja compete também prescrever o modo, tempo, e

466
condições, sem as quais não é lícito receber o sacramento do matrimônio, isto
é, pode estabelecer impedimentos ao matrimônio como sacramento.
Corolário 1. As coisas que Cristo ordenou para ser válida, e lícita a recep-
ção dos sacramentos, são essenciais, e imutáveis: as que a Igreja acrescentou
são mudáveis, e pertencem à disciplina externa.
Corolário 2. Como todas as leis disciplinares da Igreja são sujeitas
ao beneplácito temporal, também os impedimentos do matrimônio, como
sacramento, estabelecidos pela Igreja não têm força de lei sem o beneplácito
temporal.
Corolário 3. Os impedimentos do matrimônio como sacramento, já
estabelecidos pela Igreja, e recebidos pelo beneplácito temporal, perdem
outra vez a força de lei logo que o Imperante faça leis contrárias aos mesmos
impedimentos.
§. 263. Cisto não ligou a dignidade do sacramento com o contrato do
matrimônio de tal sorte, que o contrato não possa subsistir sem o sacramento.
Cristo não mudou a essência do contrato matrimonial, porém concedeu aos
contraentes receberem também o sacramento. Se os contraentes não querem
usar desta graça anexa, ou a excluem, subsiste sempre o contrato sem o
sacramento, assim como subsiste entre os infiéis, e entre os que negam o
sacramento do matrimônio.
§. 264. Só ao Imperante civil compete estabelecer impedimentos do
matrimônio, como contrato; porque é um direito majestático examinar os
pactos dos cidadãos, anulá-los, e proibi-los quando são nocivos à sociedade.
Corolário 1. Como o costume legitimamente introduzido tem força de lei;
também podem ser introduzidos impedimentos do matrimônio por costume,
mas estes na dúvida hão de ser tidos só por impedientes.
Corolário 2. Como quem faz a lei, é quem a pode dispensar; só o
Imperante civil pode dispensar os impedimentos do matrimônio como
contrato, exercitando por si mesmo este poder, ou permitindo à Igreja que
o exercite em seu nome.
Escolástica. 2. Do mesmo parecer é São Tomás, Livro 4, sent. dist. 34, q. I.
artigo I. Onde discorre assim: Matrimonium in quantum est in officium naturae,
statuitur lege civile, in quantum est sacramentum, statuitur jure divino.1
Escolástica 3. Ao parecer que só ao Imperante civil compete estabelecer
impedimentos dirimentes do matrimônio. Não se opõe o [Concílio Tridentino].

1
O matrimônio, naquilo que diz respeito ao dever da natureza, está regulamentado pela
lei civil; no que diz respeito ao sacramento, está regulamentado pelo direito divino.

467
Sessão 24. can. 4° “Siquis dixerit, ecclesiam non potuisse constitituere
impedimenta matrimonii dirigimentia, vel in iis constituendis errasse,
anathema sit”;2 porque o concílio impõe o anátema somente àqueles,
que lhe negam esse poder no mesmo sentido, e pelo mesmo princípio
que lhe negava Lutero, e os outros protestantes, porque este concílio foi
convocado principalmente para compor as controvérsias entre os católicos,
e os protestantes, que, negando que o matrimônio fosse sacramento,
exprimiam-se assim: “Se competisse à Igreja estabelecer impedimentos
dirimentes do matrimônio, seria por ser o matrimônio sacramento, mas
não o é, logo a Igreja não pode pôr tais impedimentos.” Assim o concílio
Tridentino só impõe anátema aos que com os protestantes negam à Igreja
este poder com o fundamento de não ser sacramento o matrimônio. Mas
nós os católicos não negamos este poder à Igreja porque o matrimônio não
seja sacramento; mas porque este direito majestático só compete ao Príncipe
civil, e nunca a Igreja o pode exercitar em nome próprio, mas somente por
delegação do Príncipe. Logo o anátema do concílio Tridentino de nenhum
modo pode tocar aos católicos.
Escolástica 4. Se a Igreja antiga reconheceu que os Príncipes, estabele-
cendo impedimentos dirimentes do matrimônio, não excederam os limites
do seu poder, é claro, que o concílio Tridentino não quis, nem podia querer
tirar-lhes este poder. E é sem dúvida que os Imperadores Romanos desde
Constantino estabeleceram impedimentos dirimentes do matrimônio, não o
contradizendo, mas aprovando-o a Igreja, tanto assim que todos os impedi-
mentos dirimentes, que hoje se compreendem no direito canônico tiveram
origem no direito civil.

No mesmo tomo, e sessão.

§. 10. A Igreja exige o celibato nos clérigos de ordens maiores; e como a


disciplina da Igreja Grega é diferente da Latina, trataremos de uma e outra.
Escolástica. Nenhuma lei divina natural, ou positiva, obriga os clérigos
ao celibato: disto não há quem duvide; por isso a nossa questão é puramente
disciplinar, e nada toca à fé, nem à moral.
§. 11. Na Igreja Grega foi permitido aos diáconos casarem, se o protes-
taram na ordenação. Assim estabeleceu o concílio de Ancira (celebrando
em 314).

2
Se alguém disser que a Igreja não pode estabelecer impedimentos contra a dissolução
do matrimônio, ou que errou ao estabelecê-los, seja anátema.

468
§. 12. Na Igreja Grega era permitido aos Presbíteros, e Diáconos casados
antes da ordenação conservar a mulher e usar do direito conjugal; como se
vê no Cânone 13 do concílio Trullano, que diz assim: “Chegando ao nosso
conhecimento ter-se ensinado conforme o Cânone da Igreja Romana que os
promovidos ao diaconato e presbiterado professem apartar-se para sempre
de suas mulheres, observando nós o Cânone antigo da perfeição, e ordem
apostólica, queremos que os legítimos matrimônios dos que se ordenam
fiquem firmes, e estáveis, e de nenhuma sorte dissolvido o ajuntamento com as
mulheres, nem privada a mútua coabitação em tempo conveniente. Pelo que
se houver algum digno de ser ordenado subdiácono, diácono, ou presbítero,
de nenhuma sorte lhe obste o habitar com sua mulher; nem ao tempo da
ordenação se lhe peça que prometa abster-se dela, para não injuriarmos deste
modo as núpcias instituídas por Deus, e abençoadas em sua presença com
Evangélica voz, que exclama: O que Deus ajuntou, o homem não separe.”
Escolástica. Do concílio de Niceia refere Sócrates (História Eclesiástica
Livro 1° Capítulo 8°) o seguinte: “Tinha lembrado aos Bispos (juntos no
concílio Niceno) introduzir na Igreja uma lei nova, para que os clérigos de
ordens sacras não dormissem com as mulheres, com quem antes eram casados.
Levantou-se entre eles Pafúncio, e falou fortemente, dizendo: Não se lhes
imponha este jugo tão pesado: o matrimônio é honroso entre todos, e o toro
imaculado. Acautele-se não causar a Igreja grande mal com esta proibição,
porque nem todos podem suportar tão austera disciplina, nem guardar esta
regra de castidade com suas mulheres. Chamou castidade o ajuntamento
do marido com sua mulher. Assim discorreu Pafúncio no ajuntamento dos
Bispos, sendo ele celibatário, e não tendo em tempo algum tocado mulher;
porque desde mínimo se tinha dado no mosteiro a severo modo de vida, e
adquirido grande reputação por sua singular castidade. Todo o ajuntamento
dos Bispos, presbíteros, e diáconos concordou com as palavras de Pafúncio.”
§. 13. Na Igreja Grega não era permitido aos presbíteros serem casados.
Porque o concílio de Neocesarea cânone 1° determina. “O presbítero, que
casar, seja deposto da ordem.”
Corolário. Logo o presbiterado não era nesse tempo impedimento
dirimente.
§. 14. Na Igreja Latina não é permitido aos subdiáconos, diáconos, e
presbíteros usar da mulher com quem eram casados, nem casar depois da
ordenação; e se casam não só são obrigados demitir as mulheres, e fazer
penitência (capítulo 1 e 2 qui. cler. vel vovent.) mas também são proibidos

469
de exercitar a ordem, que têm, e subir aos outros graus, e incorrem em
excomunhão ipso facto. (Clem. un. de consang.)
§. 15. O fim por que a Igreja proíbe o matrimônio aos clérigos de
ordens sacras, costuma-se vulgarmente dizer ser este para não distraírem
do ministério sagrado com o cuidado dos negócios temporais, e desejos dos
sentidos; e produzem o lugar de Paulo (1ª ad Corinth. 7). “O que está sem
mulher está cuidadoso das coisas do Senhor, de como há de agradar a Deus.
Mas o que está com mulher, está cuidadoso das coisas do mundo, de como
há de agradar à mulher, e está dividido.”
Escolástica. Melancthon julga que a verdadeira causa do celibato escolás-
tico é para se conservarem melhor as riquezas da Igreja, e poder-se sustentar
o esplendor da ordem, não se sustentando mulher e filhos.
§. 16. A Igreja não exige aos clérigos voto de celibato, mas proíbe-lhes
o matrimônio por uma simples lei.
§. 17. A Igreja não tem poder de ordenar o celibato aos clérigos de
sorte que os matrimônios sejam inválidos. Porque o direito de estabelecer
impedimentos dirimentes do matrimônio compete aos Imperantes civis.
Corolário 1. As leis Pontifícias, que invalidam os matrimônios dos cléri-
gos, só obrigam por si nas províncias sujeitas ao poder temporal do Papa, e
nas outras com o beneplácito civil.
Corolário 2. A lei que invalida os matrimônios dos clérigos deve ser
considerada não como eclesiástica, mas como civil, que os Imperantes fize-
ram sua pelo beneplácito.
Corolário 3. Como só aos Imperantes civis compete revogar ou dispen-
sar as leis por eles feitas, ou aceitas pelo seu beneplácito, só aos Imperantes
compete revogar, ou dispensar a lei, que invalida os matrimônios dos clérigos.
§. 18. O celibato dos clérigos mandado por lei nada promove o fim da
sociedade civil. A religião é meio fortíssimo de promover o fim da socie-
dade; e promove-o principalmente por ministros probos, e sábios: mas a lei
do celibato aparta do estado eclesiástico muitas pessoas com todas as boas
qualidades para o ministério sagrado; e os mesmos, que, tendo entrado no
estado eclesiástico, sentem não ter o dom da continência, encheriam melhor
o ministério sagrado, casando, do que não sendo continentes, logo a lei do
celibato eclesiástico não promove o fim da sociedade.
Corolário. Logo à sociedade é mais útil recomendar o celibato aos
clérigos, do que mandá-los por lei.

470
Escolástica 1. Os clérigos casados ministram tão perfeitamente como os
celibatários, ainda que não se abstenham temporariamente do matrimônio. Se
isto assim não fosse, era a sabedoria do Cristo proibir-lhes o matrimônio, ou
ao menos o uso dele temporariamente. Porém se o casado pode ministrar tão
perfeitamente como o celibatário, ministra mis perfeitamente que o celibatário
não continente, isto é, os Presbíteros casados são tão úteis à sociedade, e à
Igreja como os celibatários continentes, e mais úteis que os não continentes.
Escolástica 2. Muitos e distintos sábios sustentam, que a lei do celibato,
não só não promove o fim da sociedade, como que lhe é nociva.
§. 19. Nenhuma utilidade resulta aos fiéis do celibato eclesiástico
mandado por lei. Os clérigos casados administram tão perfeitamente como
os solteiros, ainda que não se abstenham temporariamente do uso conjugal;
(§18. Escolástica 1.) logo os fiéis tanta utilidade recebem do ministério
sagrado do pastor casado, que têm as qualidades, e ciência necessárias; como
do solteiro, e recebe maior utilidade, se o casado excede em ciência, e pureza
de costumes. Porventura o penitente terá menos dor dos pecados quando os
confessa ao ministro casado? Terá Deus mais dificuldade em perdoá-los por
não serem confessados a ministro celibatário! O Cristão solidamente instru-
ído na religião assistirá com a mesma devoção ao Sacrifício do Sacerdote
casado, que do celibatário; com a mesma reverência receberá o Santíssimo
Sacramento da Eucaristia daquele, ou deste; O batismo conferido por qual-
quer deles tem a mesma eficácia, etc. logo nenhuma utilidade resulta aos
fiéis da lei do celibato, nem com ela se promove de alguma sorte a salvação.
Corolário. Aos fiéis é indiferente ser o celibato ordenado aos clérigos
por lei expressa, ou somente recomendado.
Escolástica. Objeta-se, que os cuidados das coisas temporais, e os
desejos da carne embaraçam os clérigos casados no exercício do ministério
sagrado; o que pretendem provar com o texto de São Paulo já citado (§.
15). Responde-se: É necessário violar todas as regras da hermenêutica para
aplicar este lugar de São Paulo ao celibato eclesiástico. O Apóstolo, escre-
vendo esta carta aos Coríntios, não cogitou do celibato dos clérigos, nem da
maior perfeição do ministério dos celibatários; recomendou o celibato não
só ao clero da Igreja Coríntia mas indistintamente a todos os conversos, ou
clérigos, ou leigos, porque a sua epístola foi dirigida a todos os fiéis, que
ali viviam. Os Coríntios tinham consultado o Apóstolo, perguntando se no
tempo das perseguições convinha casar, ou permanecer na vida celibatária? E
respondendo-lhes: “Sobre o que me escrevestes digo que bom seria ao homem
não tocar mulher alguma.” (Epístola citada versículo 1) “Entendo que isto é

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bom por causa da instante necessidade, porque é bom para o homem estar
assim.” (versículo 26). A instante necessidade era o tempo das perseguições,
porque nesse tempo o marido, temendo deixar a mulher viúva, e os filhos
órfãos, podia aterrar-se com o martírio, e mover-se a negar a fé, por isso
o Apóstolo disse: “o que está com a mulher está cuidadoso das coisas do
mundo, de que modo agrade à mulher, e está dividido.” (versículo 33). O
celibatário, pelo contrário não tendo esta dificuldade para sofrer o martí-
rio “está cuidadoso das coisas do Senhor” (versículo 32). Daqui conclui o
Apóstolo, que no tempo da perseguição é bom que todos os fiéis, ou sejam
clérigos, ou leigos, estejam sem mulher, porque menos perigo correm de se
apartar da fé. Não obstante porém este perigo ensina o Apóstolo que quem
não tiver o dom da continência, ou seja clérigo ou leigo, case: “mas se não
têm o dom da continência casem-se, porque melhor é casar-se do que abrasar-
-se” (versículo 2). Agora é evidente quanto seja torcido e peque contra as
regras da hermenêutica o argumento: “O Apóstolo recomenda os Coríntios
tanto leigos como clérigos o celibato no tempo das perseguições por causa
do perigo de negarem a fé, porém, manda-lhes que casem se não têm o dom
da continência. Logo aos clérigos fora do tempo das perseguições não só se
há de recomendar o celibato mas mandar-se-lhe por lei expressa, tenham,
ou não tenham o dom da continência.
§. 20. A lei do celibato imposta aos clérigos nada promove a salvação
espiritual dos mesmos. Os que têm o dom da continência, permanecendo
espontaneamente celibatários, têm na presença de Deus, se não maior, ao
menos igual merecimento ao daqueles, que não casam, porque a lei lho proíbe.
Os que não têm o dom da continência, podem espontaneamente vencer-se até
certo ponto, e permanecerem solteiros; porém se não podem, ou não querem
resistir às tentações da carne, casando terão menos merecimento, mas não se
expõem ao perigo de sucumbirem às tentações; (porque posto que qualquer
possa sempre resistir com o auxílio da Divina graça, a experiência mostra,
que nem sempre acontece.) Nestes termos os que sucumbem, não existindo
a lei do celibato, evitariam o pecado, se ela não existisse; o que é maior bem
do que aperfeiçoar-se menos, e concorre mais para conseguir a felicidade
eterna. Logo a lei do celibato não promove a Salvação dos que têm o dom
da continência, nem dos que o não tem.
Corolário. O fim da sociedade eclesiástica é a felicidade da outra vida.
A Igreja compõe-se de fiéis leigos, e clérigos: a lei do celibato não promove
a salvação dos leigos, nem dos clérigos: logo nada promove o fim da socie-
dade eclesiástica.

472
§. 21. A lei do celibato, se não é nociva, ao menos é inútil. As leis que
nas sociedades dotadas de império não promovem o fim social, são injustas,
ou ao menos inúteis e vãs, porque o poder legislativo não se estende além do
fim por causa do qual existe. As sociedades dotadas de império, de que no
estado presente somos membros, são a civil e a eclesiástica. Porém a lei do
celibato nem promove o fim da sociedade civil, (§. 18.) nem da eclesiástica
(§. 20. Corolário) logo se não é nociva, ao menos é inútil, e vã, principal-
mente quando os ministros da religião, sendo casados, podem ministrar tão
perfeitamente como os solteiros continentes, e mais perfeitamente que os
incontinentes. (§. 18. Escolástica 1.)
Escolástica. Os patronos do celibato disseram que o cuidado dos negó-
cios domésticos, e familiares impede os ministros eclesiásticos casados para
exercerem bem o ministério sagrado; mas o cuidado do regime político, e
do principado territorial, causa maior impedimento no ministério sagrado.
Logo por que razão concede a Igreja que as pessoas eclesiásticas, e o mesmo
Papa, se carreguem com os cuidados do regime político de um território
inteiro, e não concede aos ministros inferiores o matrimônio, principalmente
não sendo necessário dom especial para abster-se do regime político, e sendo
necessário dom da continência para abster-se do matrimônio? Posto que São
Paulo claramente diga: “Nem um ministro eclesiástico se implique em negó-
cios seculares.” (a Timóteo, capítulo 2) e ainda que os negócios do regime
político sejam seculares, a Igreja não proíbe aos eclesiásticos serem senhores
territoriais, e exercitarem poder civil. Pelo contrário São Paulo em nenhum
lugar diz: nenhum ministro eclesiástico possa casar. Logo, porque razão é
proibido aos eclesiásticos o matrimônio em todos os casos?
§. 22. A lei do celibato é nova e repugna com a antiga disciplina da Igreja.
Nem Jesus Cristo, nem os Apóstolos, nem os que governaram a Igreja nos
primeiros quatro séculos proibiram o matrimônio aos eclesiásticos por lei
expressa. O primeiro que isto tentou, foi o Papa Siricio no fim do IV século,
como se mostra da sua carta decretal a Hincmaro, Bispo de Terragona em
Aragão. Porém o mesmo Siricio confessa que depois de promulgada a sua
lei muitos presbíteros coabitavam com suas mulheres sem que os Bispos o
reprovassem, como atesta o Papa Inocêncio I, sucessor daquele depois de
Anastácio I. Daqui se deduz que nos primeiros quatro séculos da Igreja o
celibato eclesiástico não obteve força de lei por algum costume universalmente
induzido, e recebido por toda a Igreja como alguns pretendem. Depois de
Siricio a sua lei do celibato mesmo na Igreja Latina (porque na Grega até
hoje não é recebido o celibato) tão pouco universalmente foi recebida, que

473
ainda no século XI não se encontra que na Germânia, e Boemia os Bispos
repreendessem os matrimônios dos clérigos, porque antes dos severos decretos
de Gregório VII não era lícito desprezar o ministério dos sacerdotes casados.
Nesta conformidade se lê em Buchard, Bispo de Worms (morto em 1028) no
livro 19 dos decretos sobre penitência: “Desprezaste a missa, ou a oração, ou
a ablação do presbítero casado, ou não queres confessar-lhe os teus pecados,
ou receber dele o corpo, e o sangue do Senhor, porque te parece pecador;
se assim obraste farás penitência por um ano.” Gregório VII em 1075, tido
um concílio em Roma, estabeleceu que os sacerdotes não casassem, e que os
já casados abdicassem as mulheres, ou o sacerdócio. Esta lei não só excitou
tumultos, graves dissensões, e escândalos, como esteve muito longe de ser
geralmente recebida na Igreja, de maneira que em 1143 na Boemia não era
indecoroso aos clérigos casarem. O mesmo Alexandre III nas epístolas (que
se encontram no apêndice do concílio Lateranense em 1180) aos Bispos de
Inglaterra, e de outras regiões, ensina com que condições se podem tolerar os
matrimônios dos clérigos. Para dizer tudo em poucas palavras: só no século
XIII se começou a chamar concubinados os clérigos casados, e a reputarem-
-se ilegítimos os seus filhos, ou, o que é o mesmo, a lei do celibato só foi
recebida universalmente na Igreja Latina no século XIII. Daqui discorro
assim: se dividirmos em três partes os 18 séculos, que têm decorrido desde
o nascimento de Cristo, cada uma delas conterá 6 séculos; e conforme esta
divisão os acontecimentos dos primeiros 6 séculos são antigos, os do princípio
do século VII até o fim do século XII são da idade média, e os que se seguem
são modernos, ou novos: porém a lei do celibato eclesiástico principiou a ser
universalmente recebida no século XIII, logo a lei é nova.
Foi o espírito da antiga Igreja, recomendar o celibato aos clérigos, não
ordená-los por lei, porque a antiga Igreja viu muito bem que nem todos são
dotados da continência conforme o que diz o Cristo: Nem todos são capazes
de tomar esta resolução, mas aqueles, a que, foi dado (Mateus. Capítulo 19.
Versículo 11). Julgou a antiga Igreja que o celibato só se devia recomen-
dar, e não mandar por lei, por causa da doutrina do Apóstolo, que ensina:
“melhor é casar-se do que abrasar-se, e que por isso convém que qualquer
tenha sua mulher para evitar a fornicação.” (§. 19. Escolástica). Na antiga
Igreja eram recebidos para o ministério sagrado homens de provecta idade,
que por experiência podiam saber se eram dotados do dom da continência,
e não obstante isso a antiga Igreja não quis ligá-los com a lei da continência
por causa das palavras de Cristo, e do Apóstolo já referidas. Logo a lei,
que impõe o celibato a mancebos de 24 anos, que ainda não conhecem por

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experiência, que são dotados do dom da continência repugna com o espírito
da antiga Igreja.
Corolário. Os clérigos, que no tempo de Gregório VII tinham mulheres,
obravam com consentimento de seus Imperantes civis: e como só estes têm
direito de determinar quais são os matrimônios legítimos, (§.17.) segue-se
que os matrimônios destes clérigos foram legítimos. Mas dos matrimônios
legítimos ensina Paulo: (aos Coríntios. Capítulo 7. Versículo 10) “Mando,
não eu, mas o Senhor, aqueles que estão juntos em matrimônio, que a mulher
não se aparte do marido.” Logo a lei de Gregório VII repugna à lei Divina,
e por isso não podia ter força de obrigar.
§. 23. A Igreja podia conseguir tanto mais fácil, e seguramente o fim que
pretende pelo celibato, se somente recomendasse e nunca mandasse por lei
expressa. Dizer que desde o tempo em que a lei do celibato foi geralmente
introduzida, o estado da Igreja se tornara mais perfeito, e que os clérigos
passaram a ministrar mais perfeitamente do que nos primeiros quatro séculos,
em que não existiu esta lei, é ignorar completamente a história eclesiástica.
Suponhamos que a Igreja até o nossos tempos, conformando-se com a disci-
plina dos primeiros quatro séculos, só tivesse recomendado, e não mandado
por lei o celibato, nesse caso os que tivessem o dom da continência, entrassem
no ministério sagrado, espontaneamente ficariam celibatários, (pelo menos a
maior parte) uns para se isentarem dos encargos do matrimônio, outros para
terem maior merecimento: assim em relação a estes a Igreja obteria o mesmo
fim, recomendando, ou ordenando o celibato. Aos que, tendo entrado no
ministério, sentem não ter o dom da continência, mais convém recomendar,
do que mandar o celibato, principalmente quando o Apóstolo, conforme os
princípios do direito natural, ordena a todos os leigos, e clérigos que casem,
se não têm o dom da continência (§. 19. Escolástica) porque o bem menor e
certo é preferível ao bem maior e incerto: porém a não existência da lei do
celibato, quando fosse um bem menor, do que a sua existência seria contudo
um bem certo; e a existência, quando fosse um bem maior, é incerto. Por
quanto o bem, que pode provir do celibato, é que os ministros sagrados
exerçam mais perfeitamente as suas funções (ainda que nos quatro primeiros
séculos sendo só recomendado o celibato, o clero exercitou o ministério tão
perfeitamente como agora, §. 18. Escolástica 1) mas esta maior perfeição
é um bem incerto porque é incerto que sejam continentes os ministros, que
não têm o dom da continência, e pelo contrário o bem, que se seguiria do
celibato só recomendado, é um bem certo, porque é certo que se evitarão
alguns pecados da carne. Além disso, o efeito de se tirar a lei do celibato

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seria a diminuição de pecados, e tudo o que tira, ou diminui pecados é útil
a Igreja, e promove o seu fim, e consequentemente é um bem verdadeiro, e
certo: pelo contrário o único detrimento, que resultaria de se tirar esta lei,
seria que os ministros sagrados encheriam menos perfeitamente suas funções
(como falsamente se julga, mostrando a prática dos primeiros séculos o
contrário). Este detrimento suposto, e imaginário consistiria na falta de um
meio que facilite conseguir o fim, o qual meio não é mandado por Deus. A
falta deste meio é menor mal, do que a existência dos pecados, que consigo
traz. No conflito de dois males o menor é um bem em relação ao maior, logo
a Igreja conseguiria mais fácil, e seguramente, o fim, a que se propõe com a
lei do celibato, se a exemplo de Cristo, dos Apóstolos, e dos prelados, que
governaram a Igreja nos primeiros quatro séculos, recomendasse somente,
e não mandasse o celibato.
Escolástica. Dirão: é indecente que os Presbíteros celebrem o sacrifício
da Missa no mesmo dia, em que tem ajuntamento conjugal. Resposta. Se isto
fosse indecente, também o seria que os fiéis castos recebessem o sacramento
da Eucaristia, contudo a Igreja nunca lho proibiu, e com razão, porque os
Apóstolos (1a. aos Coríntios. Capítulo 7, versículo 5) manda aos casados
que não se fraudem um ao outro na obra conjugal, senão por consentimento,
para se aplicarem à oração: logo é pelo consentimento, e não por preceito da
Igreja que há de haver abstinência em tal tempo, e faltando este consentimento
nenhuma irreverência se faz ao sacramento da Eucaristia: do mesmo modo a
respeito dos Presbíteros casados. Nem há lei que os obrigue a celebrar todos
os dias. Nos primeiros quatro séculos da Igreja muitos casados entraram ao
sacerdócio, sendo-lhes lícito o uso conjugal sem se atender, que celebrassem,
ou não todos os dias. Logo conforme a mente de Cristo, dos Apóstolos de
toda Igreja antiga, não é indecente ter ato conjugal, e celebrar sacrifício da
Missa no mesmo dia.
§. 28. Permanecendo a lei do celibato, a Igreja é obrigada demitir os que
por graves razões querem largar o sacerdócio e casar. Demonstro esta propo-
sição com as seguintes palavras [de um autor anônimo]: “Não compreendo
a razão por que aqueles que querem largar o sacerdócio, não são demitidos
pelos seus Bispos. Que direito pode competir aos Bispos; ou à Igreja contra
aqueles, que conduzidos por honestas razões, querem seguir outro gênero
devida? Sirvam ao altar que vivem do altar, e sujeitem-se às leis da Igreja.
Mas para que se hão de aplicar essas leis àqueles que não servem ao altar
nem vivem dele, e ganham a vida por outros meios? Alistaram-se na milícia
clerical não coactos livremente: E por que lhes não há de ser já mais livre

476
desamparar a mesma milícia? Que necessidade exige, que os clérigos uma
vez alistados não sejam mais demitidos? Qual é a razão por que, dispen-
sando o Pontífice, são lícitos os matrimônios aos sacerdotes, principalmente
àqueles, que, abundantes de riquezas, compram esta liberdade por alto
preço? Se a nobreza do sangue parece exigir tais dispensas, por que razão
não será lícito o mesmo por causas mais graves? Parece-me ter aqui lugar a
regra dos nossos Teólogos: “Os preceitos da Igreja não obrigam com grave
incômodo: Concede-se comer carne àqueles a quem o estômago enfastia os
peixes, e as comidas farináceas, julgam-se desobrigados de ir aos templos
nos dias festivos os que não possam sofrer um ar mais áspero. Logo por que
razão não se aliviará a lei do celibato quando ela obstar à saúde de algum,
ou produzir outros incômodos?
Corolário. Como ao Imperante civil compete determinar os impedimen-
tos dirimentes do matrimônio (§. 17.) também lhe pertence declarar que as
ordens sacras não são impedimento dirimente quando o clérigo abdica o
sacerdócio.
4. Não só porque a reprodução obra lentamente, mas porque o vazio
é grande, precisamos recorrer a outros meios ainda que menos fecundos,
contudo mais prontos. Roma lançou os fundamentos da sua grandeza com
o roubo das Sabinas, e asilo de malvados: o Brasil não precisa recorrer ao
crime, por si mesmo convida os estrangeiros, contanto que leis sábias lhes
mantenham a segurança pessoal, a propriedade e o livre uso de seu culto;
basta acolhê-los, e quando muito facilitar-lhes a passagem, e os primeiros
meios de estabelecimento. Esta aquisição avantajará mais na indústria, que
no número porque o Brasil não tem tão poucos habitantes, que apresente
diferença sensível com alguns milhares. É por isso que o dispendioso meio de
importar colônias (não fabris) deve ser proscrito: a experiência tem mostrado
que a despesa excede o proveito.
5. Também podemos tirar grande partido dos Índios empregando
meios apropriados, que não são os praticados até agora: com uma porção
deles sujeitaram os Paulistas muitos outros, e descobriram as dispersas minas
das províncias do interior. São geralmente arguidos os antigos colonos de os
escravizarem, é de crer que cometessem abusos, mas não sei que geralmente
os pudessem tratar melhor, suposto o seu estado de selvagens sem o menor
princípio de civilização e sua curta capacidade de pensar. Sem se atender a
estas essenciais circunstâncias; foi estabelecido o Diretório de 1758, onde
brilham com esterilidade pomposa os lugares comuns da filantropia, e da
economia política e seus efeitos corresponderam ao erro da concepção, e nada

477
ao intento do plano: os Índios ficaram estúpidos, indolentes, e insociais, como
antes. O Marquês de Pombal estranhando aos Missionários, constrangerem
ao rigor do Cristianismo os índios, que apenas tinha aquiescido à água do
Batismo, dizia: “Antes de formar os cristãos é necessário formar o cidadão.”
Porém caiu no mesmo erro pretendendo formar o cidadão com igual ligeireza.
Contudo em quanto os Índios estiveram aldeados com sujeição a
Diretores, ainda que nada adiantassem em civilização, ao menos tiveram
que comer, e prestaram-nos alguns serviços: em progresso para pior foram
extintas as diretorias, e os Índios igualados a qualquer cidadão: entregues a
uma liberdade, de que não sabiam gozar, abandonavam o pouco trabalho
necessário para sua rude subsistência, vitimas da miséria, e da devassidão,
têm diminuído consideravelmente, e podem acabar.
Quanto menos cultura tem o homem, tanto é mais aferrado a seus
hábitos: o selvagem o deve ser em grau superior, seu poder paterno deve ser
absoluto, e corresponder-lhe obediência cega. Como pois civilizar um montão
de famílias pela direção de um só homem, provavelmente pouco hábil? O
cidadão é obra muito trabalhada para poder ser feita tão ligeiramente. Se
queremos civilizar os Índios é necessário reconhecer a impossibilidade do
projeto nos adultos limitando-se aos impúberes, separando-os daqueles, e
baralhando-os entre nós debaixo de cuidadoso ensino: talvez ainda os filhos,
e os netos, devam ser conservados debaixo da mesma ou mais moderada
disciplina; quando porém mostrassem suficiência para gozar todos o direitos
do cidadão, concedam-se-lhe, sendo no entanto vigiados debaixo de dire-
ção, e tutela, como os nossos pupilos. Os que restam das aldeias devem ser
transplantados, e tratados desta maneira: o comércio mais vantajoso com
as hordas selvagens é o dos filhos que algumas não duvidam permutar; é
também na guerra o único despojo, que oferecem, e que, bem conduzido,
pode utilizar os conquistadores, e conquistados. As aldeações só podem ser
úteis como viveiros onde se transfiram as tenras plantas a melhor lugar.
6. O recurso mais pronto para suprir a falta de braços tem sido o
resgate dos escravos. Se este título fosse desempenhado nenhum pretexto teria
a humanidade para arguir-nos. Não somos injustos, porque não reduzimos
pessoas livres a escravos, trazemos ao nosso domínio os que já estão no de
outros, e melhoramos sua sorte, como é fácil ver, comparando-a. Sujeitos na
África ao bárbaro despotismo do mais forte, debelando-se uns aos outros,
e sempre entregues a paixões brutais, passam ao Brasil, onde são obrigados
a trabalhos diários, como paisanos da Europa, sendo-lhes em compensação
garantida a sua conservação, e recebendo o bem incomparável da religião

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com uma ideia mais vantajosa do seu ser. É verdade, que são grosseiros os
alimentos e vestidos, que se lhes dão, porém melhores, do que tinham no seu
país. São obrigados com castigos a entrarem em seus deveres: reflita-se antes
de reprovar este uso. O homem civilizado pode ser conduzido por motivos
morais, e factícios, porém o selvagem, que nada conhece de moral, que nada
tem de imaginação, só pode ser conduzido fisicamente: são menos dolorosos
a este os açoites, do que àquele uma repreensão, ou uma palavra equívoca:
muitos têm pretendido substituir o afago, e a persuasão ao constrangimento
corporal e nunca saíram bem: sirva de exemplo o modo, porque se exige a
obediência de um soldado, ou marinheiro, e de um homem de educação. Não
disfarçarei que há abusos, em que a lei não tem vigiado suficientemente: é
contra eles que a humanidade deve principalmente reclamar seus direitos:
e não contra a passagem dos escravos da África para o Brasil, onde vão
melhorar a sua sorte. Mas a humanidade não exige só que sejamos justos,
porém também generosos: ela ficará plenamente satisfeita se efetuarmos o
resgate no rigoroso sentido da palavra, reservando-nos o justo direito da
indenização. Não se pode fazer o resgate sem despesa, que deve ser paga por
quem lucra o benefício; e como estes desgraçados não têm outros meios de
pagá-la senão o seu trabalho, prestem os serviços equivalentes, quando por
outro modo não puderem satisfazê-la. Deste modo ocorreríamos às nossas
precisões, sendo ao mesmo tempo benéficos.
A prematura abolição do comércio de resgate faria retrogradar a nossa
agricultura de exportação (onde os negros são mais necessários) e conse-
quentemente produziria diminuição dos meios de comprar as manufaturas
da Europa; mas em compensação excitaria a indústria do país, e progressiva-
mente seriam menos necessárias aquelas manufaturas: o Brasil se apressaria
mais a chegar àquele grau de independência, a que pode aspirar. O Brasil
tem em si recursos tão sobejos, que nenhuma causa externa pode impedir
consideravelmente o progresso da grandeza, em que caminha com passos
largos, uma prova disto é que o tolhedor sistema colonial não pode obstar-lhe,
a que chegasse ao estado, em que se encontra: Contudo a abolição repentina
do resgate dos escravos, fazendo mudar a marcha de prosperidade, (ainda
que para melhor) causaria uma impressão sumariamente forte estacionando
por algum tempo o progresso de riqueza, e obrigando a empreender novas
especulações: esta grande mudança de hábitos faria execrar a mão, que a
produzisse.
7. O cidadão não educado não merece o nome de cidadão: tais há,
que, quando não são nocivos, prestam menos à sociedade do que qualquer

479
máquina simples: é portanto, necessário dar conveniente desenvolvimento
a suas forças físicas, e morais. Não sendo possível reunir toda a mocidade
para educá-la em comum, é necessário deixar este cuidado aos pais, que da
natureza receberam esta obrigação, e o desejo de desempenhá-la, facilitando-
-lhes os meios com o estabelecimento de escolas. O povo Romano não de-
senvolveria talvez caráter tão heroico, nem o conservaria por tanto tempo
apesar de seus maus princípios, e constituição, se o pátrio poder fosse mais
limitado.
Nos antigos costumes de nossa monarquia os pais exerciam grande poder
sobre os filhos: as nossas leis, como nunca foram organizadas em sistema,
sim estabelecidas para as necessidades ocorrentes, supondo o pátrio poder
introduzido pelos costumes derivados da natureza, ou das leis dos Visigodos,
mencionaram alguns dos seus efeitos, sem defini-lo: enquanto os costumes
tiveram vigor nada mais se exigia, porém hoje é necessário declará-lo por
leis fixas: é conveniente considerar a sociedade menos como o complexo de
indivíduos, o que de famílias unidas debaixo da autoridade dos chefes, a quem
todos os magistrados devem auxiliar oficialmente: o que hoje acontece tanto
pelo contrário, que muito raras vezes se recusa assentar praça ao filho que
foge de casa paterna, e procura este meio para ser desobediente a seu salvo.
Há penas estabelecidas contra os que auxiliam a fuga dos escravos; (porque
é propriedade) e a mocidade tem merecido menos atenção. Note-se que em
Portugal a necessidade da subsistência contém muito os filhos na casa dos
pais, porém no Brasil, onde é tão fácil a subsistência, é mais necessário que
a lei os contenha.
Há porém filhos desamparados dos pais, ou porque os perderam, ou
porque os não conhecem, ou porque os pais são inábeis, e algumas vezes
nocivos: a educação de todos estes deve estar a cargo do governo; e como a
dos que não têm patrimônio deve consistir principalmente em habituá-los
a trabalhos braçais, não será muito dispendiosa: os estabelecimentos fabris
podem ser para eles boas escolas: podem mesmo estes educados ficar sujeitos
a prestarem alguma indenização em serviços.
8. Os Brasileiros não são indolentes, como geralmente se diz: a falta,
e dispersão da população obstam ao perfeito roteamento das terras, a varie-
dade de produtos, e a divisão do trabalho: o que tem iludido observadores
poucos refletidos. É certo que o Brasil nutre muito maior número de vadios,
que Portugal, efeito necessário da maior facilidade de subsistência; porém
quando se atende a rudeza dos serviços da agricultura, o trabalho, e privações
nas longas viagens do interior, não se pode negar aos Brasileiros assinalada

480
constância, e coragem no trabalho. É na raça Índia principalmente, e no
mais baixo povo, onde se encontra maior número de ociosos, que reduzindo
suas necessidades a muito pouco, com muito pouco trabalho as satisfazem,
e mais nada lhes importa. Convém despertar-lhes a imaginação e fazer-lhes
sentir as comodidades da vida social, o que principalmente deve ser operado
pela educação a respeito de muitos, que não têm suficiente capacidade para
usarem de sua liberdade, é necessário vigiá-los especialmente, e dirigi-los.
Os dias destinados ao culto Divino, e ao descanso aproximam-se à
quarta parte do ano: trabalhar menos um quarto de tempo é para o produto
do trabalho o mesmo que ter menos um quarto de trabalhadores, e produz
maior diminuição no líquido produto, em razão da despesa, que continua nos
dias de descanso, e até com aumento porque se ostenta mais o luxo. É porém
devido o culto a Deus, e é necessário descansar entre o trabalho. O mesmo
Deus fez este distribuição, misturando os dias entre as noites, e santificando
o dia sétimo: os homens nada podem fazer melhor. Daqui concluímos que
abolir os dias santos de guarda transferindo todas as festividades religiosas
aos Domingos, será seguir sem reforma a lei do Criador, e aumentar consi-
deravelmente o produto do trabalho, que equivale a um correspondente
aumento de população. Os dias feriados estão na mesma razão.
Toda a simplificação da ordem judiciária, e de todos os ramos de admi-
nistração pública, a prevenção dos delitos, e a diminuição da tropa, equi-
valeria igualmente a um proporcionado aumento de população. O mesmo
efeito se deve reconhecer nas máquinas, e métodos de trabalho, que com o
mesmo número de braços dão maior soma de produtos.
9. Nada mais necessário ao progresso da Agricultura, do que a
conveniente distribuição de terras. No Brasil adquire-se primeiramente o
domínio das terras incultas por Carta de sesmaria, ou por mera ocupação,
a que chamam posse: as posses não são autorizadas por lei, de que eu tenha
notícia, mas toleradas, e favorecidas pelo menos em algumas províncias.
Grandes abusos tem havido em um e outro meio de adquirir: O Alvará de
5 de outubro de 1795, suspenso pelo decreto de 10 de dezembro de 1798,
mostra a necessidade de legislação a respeito. As grandes sesmarias de 3 e
de 4 léguas quadradas, e algumas vezes de 9, estorvam a agricultura, porque
muitos sesmeiros nada cultivam, outros pouco, e nenhum tudo, obrigando
assim os cultivadores a irem procurar terras a grandes distâncias, onde os
frutos não podem ter valor mercantil. Os posseiros produzem muitas vezes
semelhantes males e ordinariamente se envolvem em rixosas contestações de
limites. Seria demasiadamente extenso, se me propusesse dar a esta matéria

481
o desenvolvimento, que pede sua importância, e dificuldade; eu me limitarei
a dar unicamente os resultados de muitas observações práticas.
Em quanto ao futuro: Melhor seria proscrever o sistema de dar, e
substituir o de vender: cada um compraria só o que houvesse de cultivar,
e o estado lucraria em dois sentidos. Querendo-se porém continuar o mau
sistema de dar, evite-se ao menos a prodigalidade: nem uma data de sesmaria
exceda o quadrado de meia légua, sendo a maior parte de menos, e de muito
menos: tenha a doação a irremissível condição de cultivar uma determinada
quota de terreno dentro de tempo certo: seja outra condição a demarcação.
O sesmeiro, que não cumprir estas condições, perca a data e pague multa.
A concessão seja plenamente feita pelo governo da província. Proscreva-se
a ocupação arbitrária, autorizadas a câmeras dos conselhos a concederem
pequenas datas com as mesmas cláusulas.
Mais dificultoso é remediar o passado. São 3 as condições principais
das cartas de sesmaria, demarcar, confirmar, e cultivar: a falta de cada uma
delas faz caducar o título conforme a lei; porém o indulgente Desembargo
do Paço absolve tarifalmente, e sem conhecimento de causa todas estas
faltas a quem quer pagar os emolumentos de uma provisão, e uma pequena
multa. É fácil ver quanto se terá abusado de uma relaxação tão aberta, da
qual têm resultado males incalculáveis; e também resultariam do rigor da
justiça: vejamos pois o meio termo que convirá seguir.
A confirmação é inútil, e gravosa, lembrada só pelo ruinoso abuso
de chamar todos os negócios à corte pelo proveito dos emolumentos, da
dependência, e da venda deles. A demarcação é necessária porque designa
os limites: e a cultura também o é, por ser o fim da concessão; não podendo
porém ter lugar em toda a extensão da data, (como parece exigir a Ord. I. 4°
tít. 47) porque o roteador no Brasil precisa grande reserva de terras incultas,
e convém mesmo deixar lugar a subsequentes divisões. Combinando estes
princípios com os interesses da agricultura, e dos proprietários, parece-me
convir o seguinte:
1° A cláusula da confirmação tenha-se por não escrita.
2° As datas, que excedem a extensão marcada pela lei sejam nulas no
excesso não cultivado.
3° As que não estão medidas, nem cultivadas ao menos em alguma parte,
tendo passado o termo da lei, fiquem sem efeito.
4° Tenha-se por cultivada uma data com a cultura de 16ª parte.

482
5° A data demarcada, se está cultivada, (artigo 4°) valha por inteiro;
se tem menos cultura valha em metade; se não tem cultura alguma valha só
na quarta parte.
6° A data não medida, se está cultivada na 16ª parte reduza-se à metade;
e se tem menos cultura a um quarto.
7° Quando no ato da demarcação se encontrar algum posseiro, morando
dentro da data, seja-lhe dado o terreno cultivado, e o mais, que por árbitros
parecer necessário ao seu estabelecimento conforme suas forças, e maneio
de agricultura.
A importância de boas estradas deve obrigar os proprietários a consen-
tirem que sigam a linha mais curta, e vadeável: o mesmo digo dos aminhos
particulares, não sendo, nem devendo ser aplicável no Brasil o §.12 da lei 9
de Julho de 1773: há prédios de mais de 20 léguas quadradas, não se fran-
queando estas barreiras ninguém poderia passar adiante. As estradas públicas
pedem uma soma pública constantemente aplicada ao seu melhoramento.
Se o governo pretende introduzir um novo ramo ou método de agricul-
tura, não se limite a fazer ensiná-lo por escrito, dar as sementes, e os mode-
los: é necessário um ensino prático; porque o lavrador faz muito uso dos
braços, para fazer igual do entendimento. Se o governo não quer fazer por
si os novos ensaios, preste generosamente todos os socorros a um lavrador
de conceito: os outros seguirão depois o exemplo. Há melhoramentos que
só podem ser feitos pelo governo: tais são muitos que dependem de mandar
vir de fora sementes, instrumentos e mestres.
A riqueza do Brasil por efeito do antigo sistema colonial ainda se
conserva acumulada nos portos de mar: é necessário difundi-la pelo interior
com a introdução das artes.
O sistema de finanças oferece também grandes estorvos à agricultura:
em cada rio de canoa são tributados os transportes, que apenas podem sofrer
as despesas da condução por dezenas, e centenas de léguas. As alfândegas
entre as províncias são outras barreiras, que devem ser tiradas.
10. Na exploração dos metais prefere o ferro, como indispensável à
agricultura, às artes, e à civilização. A generosidade verdadeiramente real,
com que Sua Majestade dotou, e eficácia, com que promoveu a fábrica de São
João do Ipanema apesar da desgraçada concorrência de incríveis obstáculos,
deram ao Brasil o mais útil, e importante estabelecimento: em Minas Gerias
já se encontram muitas pequenas fábricas de ferro, e no Serro Frio também
se tem cuidado em fornos altos. Deve o governo pôr todo o cuidado em

483
aperfeiçoar, e propagar estes estabelecimentos mais úteis que a mineração
do ouro: a abundância de ferro será um grande passo para a indústria.
11. A liberdade de manufaturar, isenção de direitos, e outros privilégios,
podem engrandecer, e aperfeiçoar a indústria existente em um país; mas no
Brasil é necessário criá-la de novo por meio de boas escolas, e mestre da
Europa, onde os pupilos encontrarão o asilo mais útil a si, e à sociedade. A
dificuldade desta empresa é muito arriscada no lucro para poder ser efetuada
por particulares: é necessário que o Governo a tome à sua conta, como toma
o ensino das ciências, e artes liberais. Entre as manufaturas devem preferir
as que põem em obra os produtos, que exportamos em bruto, como são
principalmente o algodão, e açúcar. Tirando braços da cultura destes gêneros
para os filatórios, e refinarias, diminui-se a quantidade sem diminuir o valor,
facilitando o consumo total: aos filatórios seguirão facilmente os teares, etc.
Porém o que merece maior cuidado sobretudo, é a manufaturação do ferro
em todos os seus ramos, promovendo-se ao mesmo tempo a sua explotação.
12. O comércio interno merece a mais ilimitada liberdade, e franqueza.
Obstam-lhe muito no Brasil as taxas nas passagens dos rios, e nas divisas
das províncias: aquelas devem-se melhorar com grande cuidado, ainda que
seja à custa de grandes despesas: estas devem ser abolidas: também merecem
atenção as pastagens públicas junto às estradas, assim como os edifícios
para acondicionamento dos transportes, e comodidade dos viandantes nos
lugares despovoados.
13. Entre os mananciais da riqueza nacional tem o último lugar o comér-
cio externo, ainda que a reunião de grande massa de cabedais nos portos de
mar conduza ilusoriamente a pensar o contrário. É certo que sem o comércio
externo não teriam valor os produtos da agricultura, e artes, que sobram de
consumo; mas é necessário, que existam os sobejos desses produtos, depois
de repartidos pelo comércio interno para o consumo, para que possam ser
exportados, e comprarmos com eles o que nos falta. Quanto mais se variar
a agricultura, e a indústria, menos sobras haverá, que exportar, e menos
necessidade de gêneros estrangeiros, e diminuindo assim o comércio externo,
ficará mais sólida a riqueza acional, e mais seguro o suprimento de nossas
necessidades. O Brasil por efeito do antigo sistema colonial só tem agricul-
tura pouco variada, e mineração de ouro, de pedras preciosas, dependendo
por isso de todas as manufaturas da Europa, o que expõe sua riqueza e suas
comodidades a grande contingência.
Comércio é o giro das mercadorias das mãos do produtor às do consumi-
dor: tendo o Brasil tão grande falta de uns produtos, e tanta sobra de outros,

484
claro está que deve promover com grande cuidado as operações deste giro
externo, mas é indiferente que os operadores dele sejam nacionais ou estran-
geiros, contanto que o giro se faça com a mesma vantagem da massa geral.
Uma nação abundante de gente, e de capitais, deve prover o seu emprego,
porém o Brasil, tão falto de gente, como de capitais, deve chamá-los de fora,
e nem um meio tem mais eficaz do que igualar os comerciantes, e navegantes
estrangeiros aos nacionais: os braços, e os capitais, que sobram ou produzem
menos nas praças da Europa, caminharão espontaneamente para o Brasil, que
se aumentará, e enriquecerá com eles, ganhando ao mesmo tempo a amizade
das nações confundindo-se com elas em recíprocos interesses, as quais defen-
derão a causa dos seus cidadãos quando defenderem o comércio do Brasil.

Duas Objeções muito curtas se farão contra esta liberdade:


1ª Os nossos comerciantes, tendo menos fundos, e indústria mercantil,
serão suplantados pelos estrangeiros. – E que importa? O país lhes oferece
inesgotáveis meios de subsistência, e fortuna: uns estimulados com o exemplo
dos estrangeiros procurarão competir com eles, e os que não tiverem ânimo
para tanto, vão tratar de outro modo de vida, mas não se sacrifiquem ao
seu atraso de conhecimentos, e atividade os interesses da nação, estreitando
a entrada de braços, e capitais estrangeiros.
2ª A Nossa marinha mercante não podendo concorrer com a estran-
geira deixará de existir. – Respondo o mesmo: Que importa, se esta falta
só existe, porque está suprida? Mas o mal não será tão grande, porque,
devendo ser privativa a navegação de porto nacional a porto nacional, ou
ao menos a dos portos onde não há alfândegas; teremos sempre alguma
marinha mercante, que estimulada com o exemplo da estrangeira procurará
rivalizá-la, em quanto os capitais, e braços, que haviam de ser empregados na
navegação do comércio estrangeiro serão empregados com maior utilidade
dentro do país. A marinha de guerra (com que se argumenta) pode florescer
por meio de boas escolas, estaleiros, e soldos, e nunca faltarão marinheiros,
pagando-se-lhes bem.
14. A propriedade é estéril em si mesma, porém um meio necessário
para a produção; porque ninguém cultivará, manufaturará, ou comerciará,
sem se considerar com direito ao fruto do seu trabalho. Tem-se dito: este
direito deve ser sagrado; e eu o repito, subordinada esta regra ao interesse
dos mananciais produtivos, para não preferir, ou pôr a par um dos meios
com a causa substancial: é portanto sagrado o direito da propriedade todas
as vezes, que não colidir com aqueles mananciais, a que deve servir, e ceder;

485
assim como por mais forte razão deve ceder ao aumento, e aperfeiçoamento
da população.
15. É muito sabido, e falado que os empregados, e as fórmulas, por-
que devem reger-se, são criados para os negócios do seu destino, e que por
consequência seu número e qualidade emanam exatamente da exigência dos
mesmos negócios: porém a prepotência dos empregados tem-lhe substituído
o seu interesse, e com tal extensão que hoje mais são as formulas úteis aos
empregados do que aos negócios. A expurgação destes abusos não só bara-
teará a expedição dos negócios, como soltará muitos braços empregados em
proveito só seu, e dano da sociedade, que podem ser úteis a ela em trabalhos
produtivos.
Outro erro igualmente fatal do antigo sistema, e emanado do mesmo
vício, era atrair à corte os negócios das províncias para sustentar o luxo
dos cortesãos, e de seus aderentes; do que resulta grandes despesas, e retar-
damento na sua expedição, sujeitando-os ao capricho, a venalidade, e ao
desprezo. Um Estado simples consta de províncias, que entre nós se dividem
em comarcas, conselhos, e lugares, os lugares compõem-se de famílias, e estas
de indivíduos: cada um destes grupos tem interesses, que lhe são próprios,
e devem ter uma ação própria e interna que os promova. Cada família deve
ter um chefe, que a reja, do mesmo modo cada lugar, conselho, comarca, e
província: o governo supremo só deve exercitar sua ação sobre os interes-
ses gerais do estado, e vigiar que os governos das províncias façam o seu
dever: semelhante devem ser as atribuições dos governos das províncias,
das comarcas, etc. Igual classificação se deverá fazer da renda pública, para
que o Governo Supremo administre a que é destinada às despesas gerais
do Estado; os das províncias a que pertencer às despensas desta etc. O
Governo do Estado, desembaraçado assim de uma multidão de negócios,
ganharia tempo, e energia para promover os interesses gerais, e todos os
negócios seriam expedidos com maior prontidão, e acerto. O Brasil por sua
demasiada extensão tem maior necessidade de seguir esse método ensinado
pela organização natural das grandes sociedades: com ele não se sentirão os
longes da sede do Governo. Porém se o Brasil continuar no artificial, vicioso,
e dominador sistema de dirigir pelas supremas autoridades os negócios, que
pertencem em particular às províncias, e aos grupos menores, deve contar
com o descontentamento e pouca adesão das províncias remotas.
16. O nosso sistema de finanças está muito longe de ser bom: 1° Porque
despende muito na arrecadação, e ocupa muitos braços, que fazem falta a
outros trabalhos. 2° Porque há grandes abusos na aplicação dos rendimentos,

486
tendo-se desenvolvido em muita gente grande tendência para viver à custa do
Estado, em lugar de trabalhar para sustentá-lo, com o que se tem condescen-
dido escandalosamente, criando-se empregos, e dando-se acessos escusados.
3ª Há também tributos, que atacam positivamente as fontes da riqueza: tais
são todos os que empecem o giro do comércio interior.
Os impostos sobre a importação, e exportação externa podem ser
nocivos, e também poder ser úteis, favorecendo a produção das coisas mais
necessárias, e a divisão do trabalho. Como é mais fácil adotar as regras
gerais do que meditar sobre os objetos em particular, ouve-se dizer com
frequência que a exportação deve ser livre, e a importação tributada: o que
nem sempre convém. O Brasil tem grande sobra de agricultura, e grande
falta de manufaturas, o que expõe a sua riqueza a grandes e repentinas
quebras; porque (como já tem acontecido) havendo estorvo no comércio
externo, descem de valor, ou o perdem os gêneros de exportação, e sobem
os de importação: para moderar este grande inconveniente convém substituir
parte das manufaturas, que nos faltam, aos gêneros de agricultura, que nos
sobram; porém em quanto a agricultura desses gêneros for mais proveitosa,
do que a manufaturação, não terá empreendedores: para pôr o proveito a
par, não bastarão algumas vezes os impostos da importação, porque sendo
grande excitam ao descaminho, e promovem a fraude: logo pode haver casos,
e de fato há, em que convém tributar a exportação, no que contudo se deverá
marchar lenta, e acauteladamente, para não destruir a indústria, que sobra,
antes de substituir a que falta.

FIM.

487
41

EXAME CRITICO
DO PARECER QUE DEU
A COMMISSÃO ESPECIAL DAS CORTES
SOBRE OS NEGOCIOS DO BRAZIL

La liberté est un aliment de bon suc, mais de forte digestion; il faut des
estomacs bien sains pour le supporter. Je ris de ces peuples avilis qui, se
laissant ameuter par des ligueurs osent parler de liberté sans même en avoir
l’idée, et, le coeur plein de tous les vices des esclaves, s’imaginent que, pour
être libres, il suffit d’être des mutins. Fière et sainte liberté! Si ces pauvres
gens pouvoient te connoître; s’ils savoient à quel prix on t’acquiert et te
conserve; s’ils sentoient combien tes loix sont plus austères que n’est dur
le joug des tyrans; leurs faibles âmes, esclaves des passions qu’il faudroit
étouffer, te craindroient plus cent fois que la servitude; ils te fuiroient avec
effroi comme un fardeau prêt à les écraser – Rousseau.

“Liberdade é um alimento suculento; porém de difícil digestão, bem


robusto há de ser o estômago para o suportar. Rio-me desses povos abastar-
dados, que deixando-se sublevar por alguns conspiradores, ousam falar de
liberdade, sem mesmo dela ter ideia; e com o coração cheio de todos os vícios
dos escravos, cuidam que, para serem livres, basta serem rebeldes. Altiva, e
santa liberdade! Oh, se essa pobre gente pudesse te conhecer, se soubessem a
que preço és conquistada e preservada; se sentissem quanto tuas leis são mais
austeras que o jugo dos tiranos; suas almas tímidas, escravas das paixões que
precisam ser controladas, te temeriam cem vezes mais que do que a escravidão;
fugiriam de ti com pavor como um fardo prestes a esmagá-los”. Rousseau.
Cuidava eu, recém-chegado à Pátria, que nela descansaria por algum
tempo, para folga de trabalhos literários, e longo desterro que sofri em terra
estranha; aquietando-me nesses pensamentos de um ócio decoroso o ver que
estava a bons engenhos encomendado o escrever dos acontecimentos ordi-
nários, onde não faria míngua a de minha pobre contribuição; porém, mal
o cuidei assim porque os tempos mudaram com as alterações políticas, que
sobrevieram, e cá vim achar. Tocou alarma a discórdia, que ameaça perturbar
no gozo da liberdade a Povos irmãos, quando haviam sido tão concordes no

488
conquistá-la (como se essa liberdade admitisse partilhas; e não a houvessem
todos gozar em comum) por isso; arreceando-me eu com razão das guerras
ateadas entre irmãos, que de ordinários são as mais bravas e cruas, não
me julgo dispensado de outra vez acudir ao meu posto, ainda que me sinta
estropiado inválido; pois quando há tanta necessidade, e aperto de serviço,
nem os que já passaram por ele são reformados, nem os achaques escusam.
Já não há dúvida nas más novas, que se arreceavam, de haver uma
grande parte do território Sul do Brasil mostrado indícios quase certos de
querer separar-se de Portugal, bem que ainda cá não haja certeza do quão
longe se estende o contágio desse cisma político, e quanto seja o número do
Povo contagiado: bem é que seja assim, e não venham todos os males de
tropel; que não temos nós a paciência do santo Jó sobre quem caíram todos
de enfiada. O certo é que o Príncipe Real, que fora deixado no Rio de Janeiro,
informa dali, que tem por impossível o embarcar-se para Portugal, e cumprir
com essa e outras ordens das Cortes; que a Capital está em grande reboliço,
e que dali se mandam Correios para as mais Províncias, se bem que tudo se
fará com ordem, como lhe dizem – Além disso, uns Varões de São Paulo (12
em número, mas não de tanta fé como o Apóstolo das Gentes) enviaram ao
mesmo Príncipe por um Correio um instrumento de homenagem absoluta,
e obediência cega, no qual o requerem, e instam para senhor de vidas, e
fazendas, ao mesmo tempo que dão manifesto de queixas e agravos contra
as desorganizadoras Cortes de Lisboa. Eis aqui os motivos sobejos, porque
se as Cortes determinaram a nomear dentre seus membros uma Comissão
de outros 12 (aí temos Horácios contra Curiácios) composta igualmente de
Deputados daquém e dalém, para ela informar com o seu Parecer acerca dos
remédios, que ao mal se podiam aplicar. Já essa Comissão deu mui pontual
seu Parecer; e acerca dele agora daria eu o meu (valha-me a santa lei da liber-
dade da imprensa), se não fora o não poder eu bem assentar, antes de avaliar,
por as razões de meu fraco juízo, o que formo da natureza desse mal, e dos
remédios que lhe convém. Assim poderei (com todo o devido respeito) fazer
exame no Parecer da Comissão, e apontar nele o que tenho por inferior ao
merecimento da boa gente que nela entrou.
Razões principais (ou antes pretextos pueris) do reboliço e desavenças,
que vão por o Rio e São Paulo, são as que alegou a Junta desta Capitania em
seu manifesto que já foi lido em Cortes, e breve teremos publicado; a saber
– tirania das Cortes de Portugal para com o Brasil, porque retalharam este
Reino com as Juntas Provinciais, que lhe deram; porque nomearam Generais
para as Províncias, sem às mesmas Juntas ficarem sujeitos por obediência;
porque extinguiram o Desembargo do Paço, Mesa da Consciência e outros

489
Tribunais do Brasil, quando deles muitos proveitos se esperavam; porque lhe
queriam agora roubar o seu adorado Príncipe, havendo-lhe já roubado seu
adorado Pai, não falando nos adorados Netos, que por mercê da Providência,
ou boa fortuna, a tinham de haverem nascido Brasileiros; enfim, porque se
queria assim privar o Brasil de um centro de unidade e de um Poder Executivo.
Não me cansarei agora com destruir castelos de cartas de jogar, ou meter
luz no dia, que isso fora o pelejar a peito contra essas sem razões, que não
passaram de empolas de sabão; já alguns Escritores as desfizeram, já o Parecer
da Comissão respondeu a uma parte delas amplamente (que não me parece
havê-lo feito a todas, talvez por receio generoso de contra grande fraqueza
usar de grande força) e enfim, mais adiante, quando couber, alguma coisa
mais direi a ponto. Agora só apontarei a única, e verdadeira razão desses
desaguizados no Brasil, e vem a ser, o Eu e o Meu, com injusta exclusão, já
se sabe, de todos os outros pronomes primitivos, ou derivativos; e aí é que
bate o ponto. Viram os Meritíssimos Desembargadores do Rio, com toda a
infinita caterva de zangões empregados em comer e destruir, que lhes havia
sido escrita nas paredes do Paço das Necessidades a sentença de Baltasar
– conta, peso; e medida – assim o viu essa chusma de Fidalgos decaídos,
Cortesãos desenganados, Militares expectantes, com tantos outros embriões
do poder, e da fortuna; daí nasceu o remoinho da desordem, que em suas
mal equilibradas cabeças o primeiro começou, e queira Deus que pare aí, sem
revolver no turbilhão o pobre Povo. Não se me quer sair da memória o nome
de um dos principais comparsas nessa burleta de São Paulo. É um homem...
(chamá-lo-ei homem?) é um monstro do Brasil, coberto de benefícios, honras e
riquezas, por a nossa última Rainha de saudosa memória, e por El Rei, nosso
magnífico Soberano! Assim descobriu o caminho mais atalhado para pagar
benefícios, que mal mereceu! É de crer, que ainda os julgasse minguados, e
por a rebelião quisesse fazer degraus para chegar a proprietário explorador
de todas as minas preciosas do Brasil. Que bem conhecia Franklin a gente
desta laia! Eis aqui acerca deles a opinião desse ilustre filósofo.
Tinha (diz Condorcet no Elogio de Franklin) por desfavoráveis à liber-
dade e ao bem público as opiniões exageradas, com que os espíritos vãos ou
superficiais encobrem seu nenhum saber ou seus perversos intentos; detestava
sobretudo o criminoso maquiavelismo dos que se não correm de vergonha
por o uso de meios injustos, ainda a favor da liberdade, nem se arreceiam de
a causa dela envelhecer e mal servir, confiando-a de talentos que são deslus-
trados por os vícios. Aquele (dizia) que para ser livre comete um crime; sem
remorsos o cometera para se fazer mandão; e qualquer homem, que por vilezas

490
ou perfídias tiver desonrado sua vida, como já incapaz de amar a liberdade,
quando lhe faz serviços, é para melhor a atraiçoar.
Entre o muito, que há para lastimar em todas essas desordens, é o ver,
que essa matilha trás o seu Príncipe enganado, metendo-o em perigo de faltar
à piedade filial, que é virtude inata na Augusta Casa de Bragança. Como não
vê Sua Alteza Real por o que já lhe fizeram no Rio, aonde lhe quebraram a
autoridade, quanto deve arrecear-se das novas ternuras dos crocodilos? Bom,
seria nesse caso o aprender esta doutrina de uma Dama ilustre –
“Quand l’autorité du Prince est en défaveur auprès de l’opinion, le
principe da la monarchie, qui place l’honneur dans l’obéissance, est attaqué
par sa base –” Stael.1
Todavia, boa esperança fica ainda a todos os Portugueses de que Sua
Alteza Real não abandonará o hereditário patrimônio de suas virtudes; e se a
elas alguma aparência se mostra desfavorável, ainda lhe fica a desculpa, que
aos defeitos de Carlos 2.° deu o Historiador Hume –

Achou-se em tal situação, que não podia ser sem faltas; e essa situação
mal a podia superar a fraca natureza humana.

De tudo o que deixo ponderado outra melhor confiança me fica, que é,


a de se colher daí, que não são esses alevantamentos nem obras das tiranias,
que o Governo de Portugal fizesse aos Povos do Brasil, nem efeitos de acordo
neles, para o fim de alcançarem carta de emancipação, e independência, a
qual carta lhes fosse mandada passar por a natureza, com o justo fundamento
da boa, e inteira confiança nas próprias forças deles. Porquanto, depois que
no Portugal restaurado começou a luzir a liberdade, e por ela se ajuntou o
nosso ilustre Congresso, e este começou a entender nos negócios do Brasil,
como poderá este, com a mais sombra de razão, acusar aqueles de tirania?
Foi este convidado com termos de igualdade, e entrou explicitamente para
a Representação de Portugal; deu-se-lhe uma administração popular, e toda
de sua escolha; fizeram-se reformas nos seus daninhos estabelecimentos, e
todas muito de agradecer; estávamos prontos a lhe acudir a quantas mais
necessidades aparecessem, que se pudessem remediar; foram os Deputados,
quando chegados do Brasil, levados nos braços, e recebidos nos corações
de seus irmãos Europeus; ali os tenho visto usar largamente dos direitos
da liberdade constitucional, com aplauso, ou generosa moderação de seus
Colegas Europeus; então, que falta ao Brasil, ou que mais pretende, se não é

1
Quando a autoridade do Príncipe decai perante a opinião, o princípio da monarquia,
que coloca a honra na obediência, se vê atacado em seu fundamento.

491
a independência? Talvez, talvez o Congresso tenha dado ocasião a perder por
sobeja liberalidade o que se podia ganhar com discreta parcimônia; que mal
posso eu agora decidir, se não foi extravagância de prodigalidade o no Brasil
conceder Representação Nacional por a base da de Portugal, (*) e o dar-lhe
Juntas populares de administração, em que nenhum Membro é nomeado aqui
por o Governo. Não é extraordinário, que o sobejo favor das Cortes desse
azo a exagerarem suas pretensões os Demagogos do Brasil, que quisessem
arremedar a insolência de Breno em seus Contratos com os Romanos; pois
da injustiça, e desmandada cobiça é natural o ser insaciável, em proporção
das vontades que se lhe fazem; e sempre foi costume e uso da franqueza o
confundir os motivos do temor com os da generosidade, e aí carregar mais a
mão no arbitrário das pretensões.
Impossível me parece, como disse, que por o Povo Brasileiro, nossos
irmãos, lavre ateado o fogo da discórdia, e que entre eles haja concreto para
se de Portugal separarem. Vaidosos são eles por natureza (boa qualidade,
se for bem aproveitada) e por isso, nunca deixaram seus louvores em mãos
alheias; porém mui estúpidos seriam, se renunciando à intima convicção de
seu atraso presente, e suas muitas necessidades, assim como aos benefícios,
que já lhes fizeram as Cortes, e as mais que têm de lhe fazer, cortassem de um
golpe os vínculos de parentesco, origem, pátria, religião, língua, interesse, e
educação: e tudo isso para quê? Para o famoso Sarmento ser Secretário dos
Negócios do Reino, e da Guerra o imbele Marquês de Angeja? Impossível:
que só quando as verdadeiras necessidades apertam rijas, é que uma Nação
recusa obediência ao seu Governo (e sempre nisso tem razão); mas quando
são de pura fantasia as razões de queixa, ou essas prendem em cobiça, e
ambição, só podem tocar a poucos, e nunca estes podem tornar em causa
do Povo a deles; donde é fácil adivinhar o mau fim que terão, ainda quando
alcancem por algum tempo o iludir o Povo. Por maior que seja o orgulho dos
Brasileiros (que neles menos é amor da Pátria, ou estimação em si, que ódio
dos Europeus) impossível é que sejam cegos ao estado de fraqueza, em que
estão postos. Com pequenos cabedais de indústria, e com pouco comércio,

(*) Não se ofendam os sensitivos brasileiros no toque de verdades tão nuas; pois se em
Portugal, onde há mais comunicação de letras, e não há escravatura, não se acha gente
a cada canto para servir no Congresso, como não haverá dela míngua no Brasil? Um
ilustre deputado por Pernambuco bem deu a conhecer essa falta, que lá há. Pois numa
sua indicação patriótica, talhada em ponto grande, requereu o estabelecimento de uma
Universidade para Olinda; e mágoa foi, que não se lhe concedesse mais uma Escola de
primeiras letras.

492
mal doutrinados por educação, separados, e com pouco trato entre si, como se
vivessem de polo a polo, e ainda tão desunidos por ciúmes provinciais, como
se fossem inimigos: enfim, escarmentados por o exemplo funesto das guerras
civis de Buenos Aires, como poderiam sonhar com Repúblicas, Monarquias,
Independências? Vão aos amigos da discórdia com seus cocos espantar crian-
ças; mas não venham cá a gente de senso comum meter medo com essas vãs
carrancas. Que direi da mui sobeja povoação Africana, que ameaçam, quando
boa ocasião se ofereça por algum rompimento de guerra civil, de no Brasil
representar a tragédia dos Espártacos de São Domingos: Que remédio haverá,
que esse cancro mortal possa extirpar, quando até nos Estados Unidos, ao
sentir de um insigne Geógrafo, é de mui difícil cura? Warden o diz –

L’esclavage est la grande plaie des États Unis, et malheuresement il est


difficile d’y trouver un remède.2

Podem dizer-me, que no mesmo continente existem Americanos Unidos:


e eu lhe tornarei, que aí mesmo vivem o tigre Real, e vermes infusórios, que
nadam (segundo a frase do Filósofo Poeta) sobre uma gota d’água, e para
quem uma gosta d’água é um vasto oceano. Não quero agora anotar todas
as variedades, que há nos dois países; com uma só me contentarei, e será,
para aos Americanos fazer justiça igual, até à custa da terra em que nasci.
Americanos do norte são vindos dos primeiros colonos ingleses, que para
lá passaram bem doutrinados na liberdade civil e religiosa, que já se havia
estabelecido na Inglaterra, quando daí saíram: Brasileiros são oriundos dos
povoadores Portugueses, que para o Brasil se passaram, desde o tempo de
João 3.° para cá, já quando a liberdade, e os costumes iam entre nós caindo
em degeneração. Só por aí bem se pode fazer a conta, e ver o quanto cabe a
cada um.
“Porém (dirá o povo) se perdermos o riquíssimo Brasil, perdidas ficam
para nós as minas de ouro e riquíssima pedraria; ficamos neste canto do
mundo uma coitada, pequena e pobríssima Nação, que mal pode sustentar
independência. Ai de nós! O sul do Brasil está perdido, e breve o norte lhe
seguirá o rumo.”
Deixe-o perder, profano vulgo, contanto que possamos dizer, como
Francisco 1.° depois da rota de Pavia: perdeu-se tudo, menos a honra. Em
verdade, são de fazer inveja os nobres espíritos de um muito ilustre Deputado,
que hoje mesmo no Congresso proferiu estas palavras, dignas de se esculpirem

2
A escravidão é a grande praga dos Estados Unidos, e infelizmente é difícil encontrar-lhe
um remédio.

493
em letras de ouro: Percam-se dez Brasis; mas fique salva a honra nacional, e
não se perca a do Congresso.
Quero agora, por um pouco, conceder de barato que até aqui passavam
para as nossas mãos as riquezas do Brasil, e que perdido ele, perdidas eram
elas para nós: embora: acaso seguia-se daí, que ficava Portugal arruinado, e
acabada ficava nossa consideração nacional? Ainda assim, ficavam-nos mui
valiosas Ilhas adjacentes, e outras possessões no continente da África, que
melhoradas por nossa indústria nos fizessem ricos. É nossa a grande ilha da
Madeira, flor do campo undoso, e donde noutro tempo o Conde Henrique
recebia, por os quintos para o Mestrado de Cristo, tão grande quantidade
de açúcar, que hoje é de maravilhar, ainda que nisso não deixe dúvida o
seu verídico Cronista: temos as fertilíssimas Ilhas de Cabo Verde, para onde
podemos passar todas as drogas; e especiarias, que se dão nas mais favoreci-
das partes do globo: temos o Tejo, que se está abrindo, e alargando ao mar,
para receber o comércio do mundo: temos Portugal, que é hoje melhorado,
e engrandecido por a nova liberdade, e pode tornar a ser o de algum dia:
então, que mais havemos mister, ou que mais possuíram os Holandeses, que
sendo habitadores de pobres charcos, deram leis ao mundo? Ficaríamos sem
o Brasil, e também sem os cuidados de o defender e conservar, e por isso
mesmo, sem um princípio de grande fraqueza, que daí nos vem: ficávamos
sem a obrigação de aos nossos Conselhos Nacionais admitir Representantes:
que poderiam tornar-se díscolos, e servindo a mal merecidas antipatias, e
a interesses encontrados, embaraçassem a ação do Governo, e confundis-
sem as deliberações do Congresso com a palra de ninharias atrapalhadas.
Ganhávamos o ser restituídos à nossa inteira confiança, e a necessidade de
só em nós a pôr, que já por si só é mais de meia certeza a nosso remédio:
e daí viria o exaltar-se a energia do caráter nacional, o cultivarmos todos
os campos da indústria; onde pudéssemos entrar, o reformar, e aperfeiçoar
nosso sistema de governo, e mais que tudo, o cuidar com amor e zelo na
conservação de nossa preciosa liberdade, em que nos ia tudo. Não sei se
aplique para aqui a sentença do Senhor Xavier Monteiro – Oh que isso vale
mais que dez Brasis!
Além disso, no caso de se todo o Brasil separar de Portugal porventura
ficaria cerrado para sempre à nossa indústria e comércio? Não consentem
as paixões que haja no mundo paz perpétua (salvo se for nos cemitérios)
e por isso também não pode haver perpétua guerra: acabada que seja, as
nações tornam ao mútuo trato de comércio, e cada um o faz segundo seus
cabedais, e facilidade que para isso têm; que não sei eu de outro segredo para
o tráfico do negócio. Os Holandeses apuraram na prática esta teoria; pois

494
andando em guerra aberta com os Espanhóis, iam-lhes vender a pólvora por
contrabando. Ora pois, se dos cabedais depende o mútuo trato de comércio,
quem tolherá aos nossos capitalistas fazer o do Brasil, ainda quando se este
aparte de Portugal? Quando se entre nós introduza um bom sistema de leis
mercantis, como as facilidades, que nós temos para o comércio, impossível
é que não venhamos sempre a ter boa parte no do Brasil. Custa-me a crer
como não possa isto entrar em todas e quaisquer cabeças; antes hajam algu-
mas (até de negociantes) persuadidas de estar a ruína do comércio português
(como se ele estivera bem aproveitado) pendente da separação do Brasil!
“Venha cá, Senhor (pergunto a um deles) Vossa mercê faz algumas coisas
com o Brasil?” Não Senhor. “Pois então, que lhes importa a Vossa mercê
que se perca ou se ganhe o comércio do Brasil?” – E Vossa mercê (pergunto
a outro) tem algum biscato com o Brasil? Tenho, sim Senhor; recebo de lá
muito boas comissões. “Pois então esteja descansado; que sempre lhe hão de
vir, em quanto isso fizer conta ao seu correspondente, que não se importa
com uniões e desuniões, e nunca lhe mandou comissões por Vossa mercê
ter os olhos azuis; ou por outro qualquer respeito, senão o de conveniência
e proveito dele”. E assim é; mas o povo não o pode crer.
O que nós podemos crer, e o juráramos, sendo necessário, é que há
mais de 14 anos não veio do Brasil dinheiro para Portugal, antes daqui lhe
foi para lá o muito, ou pouco que tínhamos; e assim estamos agora com
as mãos abanando, ou levadas à cabeça: as decantadas riquezas do Brasil
escoaram-se por os agueiros e canais de Inglaterra; e o padre Tejo ficou
com as naturais areias de ouro que tinha. E para mais ajuda de custo, está
agora o nosso tesouro, ainda em cima de sua pobreza, pagando ordinárias a
Deputados que vieram do Brasil! E não para aí; que se o Rio de Janeiro não
se declarar império à parte, estamos obrigados a lá pagar a dívida pública e
nacional, a qual se diz que é passante de 15 milhões; e aí temos as riquezas,
que hão de sair dos cofres do Rio de Janeiro para as nossas mãos vazias!
Adeus (disse em Cortes o Senhor Fernandes Tomás) adeus; passe por lá
muito bem, senhor Brasil.
À vista do que levo dito, poucas saudades nos devem ficar de o Rio
de Janeiro se declarar independente; pois além de ser um Estado pobre, é
agora sobremodo endividado; porém como temos o Povo por inocente das
desordens, que por lá vão, que é obra só de uns poucos Áulicos e Mandões,
não é justo, segundo me parece, que o Povo se deixe de todo ao desamparo.
Pode lembrar o lançar na ilha de Santa Catarina até 1500 soldados que
sirvam de socorrer o Povo fiel; quando se disso oferecer ocasião. Não é que
me venham pensamentos de se perturbar com hostilidades esse engoiado

495
reino, império, ou não sei que (antes se deverá deixar em paz, e até votaria,
se eu tivesse voto, para que não se fechassem ao seu comércio nossos portos,
antes neles se admitisse como de neutrais) mas é que esse império promete
ser tão curto como o do Espírito Santo, e então poderiam nossas poucas
forças tomar seguramente conta da Província. Lá não há dinheiro para se
acudir à caterva infinita dos empregados: porque o Príncipe, se não me erra
a memória, escreveu para aqui, que lhe faltavam, a despeito de todas suas
economias, seis milhões para as despesas anuais: dinheiro não lhe vem das
Províncias do norte, que nunca o Príncipe reconheceram: que virá a ser?
Soltam-se lá os lobos famintos, e devoram quanto puderem achar; acabam-se
uns aos outros os Magnates cobiçosos do mando: inunda-se a Província de
toda a casta de crimes e maldades; e acaba o famoso império, como todos os
entremezes Espanhóis, que hei visto, com desordens e pancadaria; então, a
nosso socorro, que for chamado, assistirá como lá dizem, ao atar das feridas.
O Norte do Brasil, que é a parte mais rica, parece que não tem espíritos tão
elevados como o Sul, para se desejar nas grimpas de uma categoria Imperial:
essa sim, por alguns anos poderemos nos conservar na união, em quanto não
o beliscar a saudade da república do Martins.3
Depois destas minhas observações gerais ou particulares sobre os
negócios do Brasil, já agora pode ter lugar meu humilde parecer sobre o da
Comissão Especial de Cortes a esse respeito, que foi o título com que mais
prometi ocupar-me, e em que menos posso agora cumprir, como estava obri-
gado, e o desejava: porque, já agora, depois de haver consumido longo espaço
de tempo no facilitar os estorvos da jornada; não o tenho mui folgado para
a levar ao fim. Todavia, ainda direi a opinião que tenho desse Parecer, em
verdade, inferior à minha expectação, por o muito que os ilustres Deputados,
que assinaram o Parecer, me mereciam.
Começa esse Parecer por justificar cabalmente o que havia o Congresso
determinado para regimento do Brasil, e sabe-se no fim reformando isso, que
era cabalmente justificado, e ainda agora parece que não deixe de o ser! O
Príncipe real fora mandado vir do Brasil, como ele mesmo o requerera, por se
não poder aí sustentar com sua Corte; que não há dinheiro para essa despesa:
depois disso, aconselha-se que o Príncipe não se mova por ora do Brasil, e ao
mesmo tempo não se aponte donde há de vir o dinheiro, ou como há de ser,
para se o Príncipe ali manter com a pompa e dignidade de sua Casa Real!

3
N.O.: Provável referência a Domingos José Martins, um dos principais chefes da revo-
lução pernambucana de 1817.

496
Justificando-se com as melhores razões do mundo o haver o Congresso
feito a força armada independente das Juntas de administração no Brasil;
porque destas, segundo sua natureza, nunca poderia haver responsabilidade
nesse caso, mormente não sendo sua atribuição o nomear essa força armada
para o Brasil; depois disso propõe a Comissão que fique a força militar à
obediência das Juntas!
Entrega-se a Fazenda Nacional às Juntas do Brasil, depois de já se lhes
ter dado autoridade sobre a tropa. E agora até se lhes prometem um ou dois
centros gerais de Governo no Brasil! Que vai daí ao declará-lo independente?
Isso é o que desejam alguns Brasileiros, que bem conhecem não poderem
chegar por si à independência, e só a poderão alcançar, quando de cá os
ajudem nisso; porém, embora sejam eles, ou se declarem independentes: mas
nunca venha essa obra por nossas mãos, e nunca esperávamos vê-la ajudada
inocentemente por as de ao atilados Varões, como são os que entraram na
Comissão desse Parecer. Estamos maravilhados como ela pudesse concordar
união e unidade da Monarquia Portuguesa, e ao mesmo tempo um centro geral
de Governo no Brasil! Já agora talvez esteja eu guardado para ver dois centros
no mesmo círculo. E também não posso eu descobrir a parte da Constituição,
que favoreça os Brasileiros no empenho de terem no Brasil um centro de
Governo, que só lhes podia negar o Congresso, se fosse bárbaro! Quando vejo
a Varões de tanto juízo concordar no conceder impossíveis, talvez só porque
a natureza dispensa que se ponham por obra, digo comigo mesmo: não sei
como tal fizeram homens de tanto juízo, que se quiserem escapar à nota de
menos sinceros, nunca será sem injúria de seus entendimentos!
Impossível é que passe no Congresso o Parecer da Comissão, por o mal
concorde que está com os seus mesmos princípios, e conclusões, por seu
acanhado estilo, que todo o Português terá por menos próprio da dignidade
da Assembleia, e porque vai de encontro a todos os princípios da sã Política
e da Justiça, não menos que aos verdadeiros interesses de nossos irmãos
Brasileiros. Não sei em que Autor li este pensamento sublime – que só Deus
podia governar o mundo: e eu atrevo-me a dizer – que um Anjo não podia
hoje governar a Brasileiros independentes. Poderão as Cortes regê-los com
trabalho, mas será, quando constantes em seus propósitos e resoluções, adotem
para si este mote: DEUS E A MINHA JUSTIÇA.4

Lisboa 23 de Março de 1822. – J. B. da R.

4
N.O.: Dieu et mon Droit. Mote da monarquia inglesa.

497
42

GLOSA
A
ORDEM DO DIA, E MANIFESTO DE 14 DE JANEIRO DE 1822.
DO
EX-GENERAL DAS ARMAS
JORGE DE AVILLEZ

Não falta com razões quem desconcerte


Na opinião de todos, na vontade,
Em que o esforço antigo se converte
Em desusada e má deslealdade.
Não queirais louvores arrogantes
De serdes contra os vossos mui possantes.
Lus. IV. 13. VII. 13.

Os Corpos de delito da mais criminosa insubordinação, patentes nos próxi-


mos impressos com o título de Ordem do Dia, e Manifesto aos Cidadãos do
Rio de Janeiro, são objetos do Conselho de Guerra, do Juízo do Congresso,
e do Tribunal da Opinião Pública de todos os Estados, onde se abomina,
e não se tolera, o péssimo exemplo de rebeldia de parte da Força Armada,
que proclama com ufania a sua desobediência, e independência do Governo
legítimo. Julgue pois com justiça quem tem Direito de sentenciar.
Porém, ainda que o caso seja mais da Jurisprudência Criminal, que
de Polêmica Literária, contudo, como tais Papéis anticonstitucionais são
de extremoso escândalo, pela arrogância da Ditadura, e odiosas sugestões
contra a Autoridade que nos rege, e contra a probidade dos incorruptos, e
incorruptíveis, advogados da Pátria, que têm espírito firme, e peito impávido,
para (quanto podem) sustentarem os Direitos do seu País; não convém deixar
correr sem alguma Glosa tais malignos Libelos difamatórios.
Refutar em forma a capitulada neles conteúda, seria mais que humilha-
ção; pois o demitido Ex-General das Armas, mal sabendo manear a arma da
intriga, e jactando-se de sua fortuna independente, – Brigada de Artilharia,
– e eleição da Soldadesca, sem um átomo de argumento, e ostentando por

498
únicos Silogismos seus arcabuzes e espadões, ataca (oh valor heroico!) aos
inermes escritores, que, com fatos e razões, apelam para o Testemunho dos
Céus e Terra, e para a Razão Pública; somente anelando remover dos Pátrios
Lares a iminente Desonra, e Desgraça que maquinavam, sob a máscara de
patriotismo, os inimigos comuns do Reino Unido.
Prescindindo do aranzel carregado de drogas de antigualha, e plagiatos
dos Alcorões Gálicos, e Castelhanos, em que se alardeiam Constituições sem
segurança das pessoas, substituindo-se ao caduco Despotismo do Ministério
monóculo, ainda pior tirânica Estratocracia, não da fiel e valorosa Tropa Luso-
-Brasílica, (sempre estimada e estimável) mas de alguns corpos da intitulada,
Divisão Auxiliadora, que tentou ressuscitar a insolência das Cortes Pretórias
do Império Romano, que punham em Leilão o Diadema Imperial; só chamo
a atenção dos Cordatos a alguns pontos capitais, em que o Ex-General com
altanada cabeça quer dar a lei, em vez de a receber, fantasiando, que estamos
em Marrocos, ou Turquia, sempre em susto de Janízaros.
Decide, que nesta capital só existe = Governo arranjado inconstitucio-
nalmente. Como assim homem inconsiderado! O Governo de Sua Alteza
Real foi estabelecido por Nomeação de Seu Augusto Pai, que tem, e tinha,
o Poder Executivo. A este pertence, por todas as Regras da[s] Monarquias
Constitucionais, a Nomeação dos Empregados Civis e Militares. Quanto
mais deve proceder esta Regra a respeito do Herdeiro da Coroa, declarado
Regente do Brasil?
Além de que o Supremo Congresso de Lisboa, ainda que na Lei do
1º de Outubro do ano passado ordenasse o seu Regresso quanto antes a
Portugal, contudo não lhe deu o Lugar por acabado; antes, em final cláusula
decante, declara, que a ordem era, pura e simplesmente, para a inteligência
das Autoridades: mas a nenhuma cometeu a sua imediata execução; no que é
visto (segundo cumpria ao acatamento devido ao sucessor do Trono) deixar o
seu efetivo cumprimento ao Arbítrio do mesmo Senhor em oportuno tempo;
o mais seria o absurdo dos absurdos.
O termo, quanto antes, admite a interpretação extensiva a imperiosas
circunstâncias; bem como o termo logo, que sempre se entendeu em Direito
com temperamento de tempo; e até pela Ordenação do Reino* se declara que
há Pessoas, para quem a execução do logo não bastem meses.
Sendo o Sistema Representativo todo fundado na Vontade do Povo; e
reconhecendo o Ex-General, que a Vontade dos Habitantes desta Capital
(nascidos em Portugal ou no Brasil) era a continuação da Residência de Sua


Liv. 4. Tit. 58. §. 2.

499
Alteza Real neste Reino; sendo este Comum Voto manifesto pelo solene e
pacífico Ato notório de todas as ordens e classes, que requereram ao Senado
da Câmara que levasse às Reais Mãos a sua respeitosa Petição para esse
efeito (a que o Augusto Senhor Se Dignou Anuir por tantas considerações
políticas, tendentes a consolidar a União dos Interesses da Nação em ambos
os Hemisférios); é incompreensível, como um Militar de alta Patente se precipi-
tasse ao falso passo do dia 11 e 12 do corrente mês, apoderando-se do Morro
do Castelo sobranceiro à Cidade; e, não tendo participado do Júbilo Público,
ouse, com raiva impotente, abocanhar o Governo, e caluniar o Povo, de não
menos honra, e de sublime espírito, supondo-o tão vil e baixo, que, por adula-
ção e idolatria (segundo inculca) houvesse de renunciar à sua Legitimidade
Liberdade, e Jurada Constituição, encantando-se com hediondo Despotismo.
E de que mais hediondo Despotismo pode existir do que o que havemos
sofrido desde 26 de Fevereiro passado, em que temos estado absolutamente
à mercê da (por antífrase) Tropa Auxiliadora? Se, como diz o Ex-General,
desgraçadamente todos os homens tendem ao despotismo (o que é verdade) só
os Avilez, Carretis, e os da Companhia, são corações de Anjos, isentos desta
tendência, e não têm a glória de mandar e vã cobiça, que lamentou o Cantor
das Lusíadas? Quem é o peregrino nesta terra que não tem ouvido o rumor
de suas ameaças, e até as vozes de saques da sua soldadesca indisciplinada e
mortífera? Querem ser nossos Legisladores, e Senhores! Oh infâmia!!!
Para que deixou em silêncio o horroroso malogrado ataque sobre o
Teatro Nacional (inviolável Asilo do Povo em todo o país culto), quando aliás
a Voz Pública o argui de ter feito com seus valentões a tentativa de surpreender
no Camarim Real ao Senhor Príncipe Regente, afim de o forçar ao regresso
a Portugal, abaixando-se Militares a categoria de Beleguins; o que pôs os
Espectadores em terror, que os impeliu à tumultuário abandono da casa?
Tais fatos, de intuitiva e terrível evidência, sem paralelo na História da
Monarquia Lusitana, não dão título ao Ex-General, e a seus comensais, e
soldados, de se chamarem Portugueses, tendo feito o Manifesto de que lhes
falta o caráter que dá a este Sagrado Nome o nosso Gênio Nacional, atri-
buindo aos Varões assinalados

Aquela Portuguesa alta excelência


De Lealdade firme, e de obediência

Temos, Compatriotas, Réu Confesso, sem que ninguém o obrigasse ao


Manifesto do seu crime. Tanto pode o remorso, e o verdugo do arrependi-
mento! Ele, apesar do estilo de Boletim, com que dissimula nove décimos da
verdade, propala o Hórrido Fato do dia 11 e 12. Lá virá tempo, em que o

500
infernal mistério das tenebrosas orgias se manifeste a toda a luz, para a sua
confusão, e dos seus satélites, e apaniguados.
Carregue embora com o peso da vida, depois do seu inútil golpe de mão à
francesa, aspirando a dominar a Cidade e Subúrbios. Nacionais e Estrangeiros
presenciaram o nobre auxílio!!! da Tropa Auxiliadora, e o seu pago a um
Povo cândido, hospitaleiro, e obsequioso, que dormia tranquilo sob o Escudo
da Fé Nacional, entregando-lhe suas vidas, honras, e fazendas. Dez mil bocas
a acusam, e mais de cem mil corações a detestam. O seu Monstruoso Delito
é atestado (quando faltassem provas) pelo terror com que tantas famílias
desertaram a Capital do Brasil, alongando-se de furiosos levantados, que
não atenderam à Voz do Príncipe da Nação = UNIÃO e TRANQUILIDADE.
É mais fácil cometer malfeitorias, que justificá-las.
O Ex-General arroga a si, e a seus Batalhões, a glória e graça de nos
ter dado e segurado a Constituição de Portugal; estando com tanta filáucia
e cegueira, que não vê ter, com o cerco de seus obuses e arcabuzes, que fez
ao Paço, Teatro, e Templo, cometido diabólico Ato de Força Pública, e de
Usurpação da Soberania da Nação, imitando os Pantomimos Napoleônicos
de Países anárquicos, que dão, e mudam Constituições como Modas, a seu
bel prazer; afetando fazer benefícios aos Povos com a baioneta aos peitos; e
querem por isso (o que é o último na escravidão) Agradecimento.
O Corpo Militar é digno de cordial estima, quando é Defensor da Pátria,
e não quando quer ser Imperante.
Em que Artigo da nossa Constituição o Ex-General achou autorizado o
seu violento e apregoado Ascendente? Até se jacta da horribilidade do dia 5
de Junho, invadindo o Palácio do Ministro do Estado, fazendo-o prender e
embarcar incontinente, pondo e dispondo do Ministério, e Governança, sem
o menor respeito ao Herdeiro da Coroa! Onde iremos parar com o Sistema
de Deportações impunidas?
Assim se viola a casa dos Cidadãos, que é nas Monarquias Constitucionais
a sua torre de fortaleza, e, como até diziam os Jurisconsultos no Despótico
Império de Roma = tutissimum perfugium!1 Quem daí em diante teve mais
uma hora de seguro sossego, e não continuou em perpétua alarma; e medo de
cárcere, embarque, e saque? Isto é pouco menos que viver-se em Alger [Argel].
Postergou o General, e a sua Pandilha, o Artigo 4 da Constituição, que
proíbe jamais prender alguém sem culpa formada.
Infringiu o Artigo 21, em que, tão justa e liberalissimamente se declarou,
que até a mesma Lei Fundamental não fosse obrigatória nas Partes Ultramarinas

1
Refúgio muitíssimo seguro!

501
da Nação, enquanto os respectivos povos por seus Representantes não fizessem
o manifesto de ser essa a Sua Vontade.
Ofendeu o Artigo 36, que determina que a Força Militar tenha sujeição
ao Governo.
Diz que inimigos da humanidade têm aqui atacado o Congresso, e ridi-
cularizado os Deputados, com veneno encoberto nos corações.
Diga o Senhor Ex-General a verdade nua e pura. Os amigos da pátria
nada têm mais feito que mostrar ao Povo os seus Direitos, e desabusá-lo de
ilusões funestas. Sem sentinelas avançadas, e batedores de campo, não se
pode bem sair ao encontro aos inimigos declarados, ou falsos amigos. Os
grasnos dos gansos foram os que salvaram uma vez Roma da noturna invasão
dos Galos. Imagina que o Povo agudo do Rio de Janeiro tem a estupidez em
partilha, e é destituído de previdência, e telescópio político?
O sagaz Povo de Lisboa sustenta e aplaude o Astro Lusitano, que não
está com turíbulo na mão para idolatria do Congresso. Nem este Corpo
deixa de respeitar ao Gênero Humano, e a si próprio, para se presumir ter
o arrogado privilégio da infalibilidade da Cúria Romana, a qual em escuros
séculos apregoava, que no fundo do Vaticano reinava a Política. Ele mesmo
já tem reformado várias das suas leis, não sendo surdo à voz do Povo. Nem
de outra sorte poderia sustentar o crédito de Sabedoria e Justiça.
Nas Monarquias Constitucionais, executam-se as Leis dos Supremos
Senados, enquanto não se revogam; mas é livre a todo o Cidadão contradizer,
e discutir as decisões, e ainda mais as opiniões e falácias dos seus Membros;
o que contribui à progressiva melhora de tudo. Testemunha Inglaterra. Por
isso assombra o Universo. Isto convém com especialidade entre nós, que ainda
andamos às apalpadelas em busca às cegas da verdade política. Só Juízes de
primeira entrância se arrepiam de réplica e embargo: Senadores velhos dão
com serenidade = Vistas às partes. = Só maus Comandantes Militares não
toleram ainda a mais submissa petição do soldado, e unicamente deferem
com tornilho, e pranchada.
Não apregoa o Ex-General que nos dera o benefício da Liberdade da
Imprensa? Por que por si, e por seus oligarcas de Parada, escribas de Quartel,
não usa de igual direito, para convencer com razões, e não com denúncias,
invectivas, e notórias Listas de proscritos, a arguida falsidade dos escritos
de que tanto se doem, e roem! Rejeitamos a sua Constituição de papeladas;
queremos Boa Constituição em realidade, que tenha o abono da experiência.
Não queiram os só fortes em impropérios, que a que chama Canalha, diga,
que lhes cabe a censura que o Vate Pátrio fez aos Capitães do seu tempo:

502
Enfim não houve forte Capitão,
Que não fosse também douto e ciente,
Da Lácia, Grega, ou bárbara nação,
Senão da Portuguesa tão somente.

A notória cabala, que nos fez o espólio do nosso Monarca, tentou fazer
o espólio do nosso Príncipe, dos nossos Armamentos, da nossa honra, e das
nossas esperanças, para nos sub-rogar em mau troco, Generais das Armas
independentes do Governo Local, Berrafortes em miniatura, para vermos os
horrores dos Regos, e Morillos. Ora isso é muito espólio: é muito sofrimento.
Os Céus nos preservem dos resultados das nefandas tramas, dos não menos
inimigos da Pátria que da Humanidade, cujos bens desejam aniquilar com
suas invejas, más vontades, e preocupações cerebrinas.
No ofício arbitrário que apareceu na Gazeta de 19 do corrente dirigido
pelos Chefes dos Corpos levantados ao Ministro da Guerra, se diz haver
geral indisposição entre a Divisão Auxiliadora e a Tropa da terra. Se assim
é, que pode ser a causa, senão a hórrida conduta desse corpo convulsivo?
Sempre houveram nesta Praça Corpos Militares de Portugal estimados, e
estimáveis, contra que nunca houve indisposição antes afeição do povo, pela
regularidade do Serviço. Se tanto apreciamos e zelamos os Portos Francos
no Brasil, pela oportunidade, que Liberal Sistema estabelecido dá para atrair
ao país estrangeiros de todas as Nações, facilitando seus estabelecimentos,
e casamentos, como não cordialmente amaremos os vindos de Portugal que
sempre veneramos como do Estado-Pai?
É desnecessário progredir avante, pois seria um nunca acabar. Porém direi
mais uma palavra, pois não sou autômato que me mova direita e esquerda à
voz de quem sem título empreende proclamar Ordem do dia, e faz Manifesto,
como se fosse Potência.
Deu-se em culpa aos Habitantes do Rio de Janeiro, naturais, ou domi-
ciliados, (unidos em vínculos de sangue e afetos de família, religião, língua e
lei) porque (ainda que em vão suplicaram a Sua Majestade, que continuasse
a Sede da Monarquia nesta Sua Primeira Corte da América Meridional,
onde entrara Agigantado na Política do Universo. Dá-se lhes ainda agora em
maior culpa, o suplicar a Seu Augusto filho, que não efetue o seu Regresso
e o Desarmamento ordenado desta Capital do Reino do Brasil, tendo toda a
gente honesta horror [ilegível] experimentado da Ausência de El Rei, e que
ainda será maior com o Vácuo da Presença do seu Príncipe Regente, deixado
para nossa Consolação e Proteção.

503
O Ex-General e os da sua Cáfila esbravejam, e proclamam ter feito Atos
de Beneméritos da Pátria, substituindo o Sistema de Terror ao Sistema da
Liberdade; e jactando-se de nos ter dado a liberdade da Imprensa, só fazem
denúncias e injúrias contra os Patriotas enérgicos, que se valeram do Indulto
da Lei para libertarem a seu País dos ferros da escravidão, que queriam impor
transgredindo-se a Constituição.
Quando se perde o caráter, perde-se tudo. Embora vá (como diz) com
a sua gente, como se trouxesse sempre os troféus pendentes da Vitória. Tem
grandes façanhas a contar: mas o Oceano não os lavará da negra nódoa. Somos
indulgentes, e generosos, bem que maus Irmãos nos tenham ofendido além
dos limites do perdão; mas se teimam a permanecer em nosso seio, perdida
irremediavelmente a confiança, que antes neles tínhamos, todo o Povo com
seus Montes, Matos, e Pedregulhos, clamará = NÃO, NÃO, NÃO.

RIO DE JANEIRO NA IMPRENSA NACIONAL, 1822.

504
43

Incontestaveis reflexões, que hum Portuguez Europeo


offeresse aos sentimentais Brasileiros sobre os seus
intereses a face do presente.

Até onde ó bem-aventurados Povos, sim chamo-vos bem-aventurados


porque não conheço um país que se ache colocado debaixo de uma tão bela
zona como o vosso, mostrai-me Brasileiros qual é o terreno que iguala em
produções a este que habitais, e cujas qualidades sejam mais interessantes ao
Comércio dos Povos Civilizados: vós conheceis a vasta extensão do vosso
país, conheceis igualmente a distância em que vos achais das ambiciosas
Nações conquistadoras, e tendes bem presente que, sem dependência de outra
alguma Nação, podeis ter no vosso continente tudo o de que elas poderiam
fornecer-vos. Brasileiros em tão vantajosas circunstâncias, sabei regular-vos,
que livremente vos podereis chamar Povos bem-aventurados! Ha! mas até
onde, torno a repetir-vos, até onde pretendereis ser surdos às vozes dos vossos
interesses, até quando querereis ter agrilhoados os pés para não dardes um
só passo para a vossa estável felicidade; sim bem-aventurados Povos até
quando conservareis fechados os olhos para não verdes o grande precipício
em que ides a cair. Acaso vos esquece, que enquanto o Augusto Senhor D.
João VI esteve no meio de vós os retíssimos ou!!! Deputados de que se forma
o Soberano Congresso em Portugal vos nomeavam com o suave e doce nome
de seus Irmãos do Brasil, e que ansiosamente vos esperavam para os ajudar-
des na pesadíssima tarefa de uma Regeneração política, que constituísse a
todo o Português de ambos os hemisférios igual nos interesses, e em toda a
sorte de vantagens sem dependência de outras qualidades, que não fossem as
do talento e da virtude: destas tão lisonjeiras e pomposas frases de certo me
persuado vós não tereis esquecido, e sendo assim respondei-me agora
Brasileiros qual tem sido a marcha com que o reto e sapientíssimo Congresso
tem feito mover-se e dirigir-se os vossos interesses, Brasileiros aqueles famo-
sos libertadores do opressor jugo da Nação, com tanta modéstia suplicavam
a sua Majestade, que ou fosse ou lhes mandasse seu Augusto filho para
consolação daqueles Povos. Desde o fatal momento em que sua Majestade
entrou em Lisboa, foram logo às vistas do Soberano Congresso o apalpar-lhe
o pulso para por mil debilitantes medicamentos o enfraquecerem, quanto lhe

505
fosse possível, e à maneira que lhe foram observando o abatimento nas forças
e no espírito foi crescendo no Congresso desmedidamente o orgulho, que de
todo se estabeleceu com a crença que as suas lisonjeiras expressões deram as
incautas Províncias da Bahia, Pará, Maranhão e &c. e em tal caso já vos não
chamam os seus Irmãos do Brasil, já disputam se os vossos Representantes
deveriam ter no Soberano Congresso um assento igual ao deles já dispõem
de vós, e de vossos direitos como lhes apraz, dando-vos leis sem consultar-vos
pelos vossos Deputados; Brasileiros abri os olhos, e contemplai-vos como
quem sois, não sois vós uma Nação de que se formou um Reino Unido aos
de Portugal e Algarve, não declaram formalmente os Excelentíssimos
Falaciosos da nova Regeneração da Monarquia tanto no seu Manifesto à
Nação, e Nações como nas Bases da Constituição, que a Soberania está nos
Povos, os quais tem o indespertável [sic] direito de estabelecer as leis e
Governos que lhe for mais vantajoso, não diz este Soberano Congresso nas
suas Bases, que elas só se entendem para Portugal e Algarve, e que quanto ao
Brasil os seus Representantes dirão o que lhes convier; e como se compadecem
estas públicas declarações com o que atualmente pratica o Soberano Congresso
a vosso respeito, perguntai-lhe, Brasileiros pergunta-lhe [sic] de onde lhe veio
o Soberano poder, que exercem; e se vos responderem, que dos Povos em que
está a Soberania, então pergunta-lhe se acaso sois vós uma Nação escrava,
ou um Povo livre, e se como tal não tendes como eles o indisputável direito
de Legislardes a bem dos vossos interesses, segundo a localidade de vosso
país debaixo da mais íntima união de um só Governo e mútuos interesses,
mas não, não pergunteis nada; o tempo que haveis de gastar em perguntas
gastai-o em obras dignas de vosso brio e das futuras bênçãos de toda a Nação,
não percais tempo em sairdes da apatia em que estais; vede, que os
Congressantes o não perdem em promover a vossa total ruína pelo que já há
muito tempo devíeis ter feito juntar-se ao Soberano Congresso os
Representantes de todas as vossas Províncias para estes formal, e decisivamente
sustentarem os vossos direitos à face daquele Soberano Congresso, de que
também deviam formar parte como Representantes de um Povo livre qual
vós sois; devíeis tê-los instruído para propor, e sustentar com todo vigor, que
o Brasil já não podia de modo algum voltar ao antigo estado de Colônia,
porque se os Portugueses da Europa procuravam com uma Constituição fazer
a sua fortuna e manter a sua liberdade, como pretendiam eles, que os seus
irmãos Portugueses do Brasil não gozassem essas mesmas vantagens, e serem
os mesmos. Se os Príncipes não podem de modo algum dispor a bem dos seus
caprichos ou interesses particulares quando estes se opõem ao benefício geral

506
da sua Nação, como Decretam os Deputados de Portugal em corpo de
Soberano Congresso e sem ouvir-vos, que de vós se aparte e a eles volte a
única coluna em que podia segurar-se a vossa liberdade e os vossos interesses!
e como quem opinião eles se o Brasil deve ou não ser Reino Unido ao de
Portugal, e se em consequência de Reino deve ou não ter Portos francos para
os Estrangeiros? o grande e sapientíssimo Congresso deverá ter muito em
vista, que tendo todos os Portugueses de ambos os hemisférios jurado vassa-
lagem a El Rei, que em consequência deste Juramento tudo o por Sua
Majestade feito até o fixamento das Bases da Nova Constituição da Monarquia
devia impreterivelmente observar-se e cumprir-se pena de perjuros, e como
tais dignos de exemplar castigo pelo que, sendo o Brasil em 1815 cinco anos
antes da Constituição elevado por El Rei à categoria de Reino Unido ao de
Portugal, é decisivamente o Brasil um Reino Unido, e como tal franco o seu
Comércio a todas as Nações que estão em boas inteligências com a Nação
Portuguesa, à vista pois destes fatos, fica claramente manifesto, que os
Excelentíssimos Senhores Congressantes uns ignorantemente persuadidos,
que o vosso país é somente habitado por hordas de negros, e caboclos de arco
e flecha, e que a nenhum custo devia seguir e aceitar a sorte que de lá lhe
destinassem: assim opinaram e outros poucos mais instruídos a este respeito,
querendo como os primeiros que este fértil áureo e diamantino Reino torne
a ser uma Colônia Portuguesa (o que, jamais conseguirão) ardilosa, e sagaz-
mente inventaram os Governos Provisórios para segundo eles vos porem na
antiga, ou maior escravidão; pois que com estes Governos fazem a desunião
das vossas forças e põem cada uma das vossas Províncias na obsoleta sujeição
de um Governo Militar com amplo poder sobre o civil, tendo à sua testa
Chefes pagos generosamente pelos Excelentíssimos Congressantes e a eles
somente responsáveis, e o que deveis esperar deste opressor Governo é que
ele desmanche as vossas Milícias, que não consinta que o Brasil tenha forças
da primeira linha, formadas dos seus filhos; e que sejam eles quem deem o
valor e a extração aos vossos gêneros pelo modo e forma que mais lhes inte-
ressar. Ora, de tais medidas tão hábil como aniquilantemente tomadas, dizei-
-me Brasileiros? em elas formalmente se realizando em todas as vossas
Províncias, como podereis defender-vos? Se pois ó Brasileiros a nobreza dos
vossos sentimentos é tal qual eu a creio não é possível que, por seguir Partidos,
e desunir-vos deixeis, lançar em vós e vossos filhos os ferros de uma eterna
escravidão: eu firmemente estou convencido que desejareis tanto as vossas
felicidades como as dos Portugueses da Europa, e que jamais passareis a
desligar os vossos dos seus interesses, como o fizeram os americanos dos

507
Ingleses, e Espanhóis: e muito mais me convenço destas verdades, quando me
lembro que vós conheceis perfeitamente que todo o Portugal em Peso vos não
poderá abafar (uma vez que haja em vós união) porque ele se computa em
três milhões de habitantes não completos, e vós contais o melhor de quatro
milhões deles, que vós estais em vossa casa e posições que de sua mesma
natureza se tornam defensáveis, e que eles têm de andar duas mil léguas para
vos acharem. Brasileiros; vós conheceis que já as vossas Armas não são as de
1529, 30, 31, por terdes substituído àquelas, muitas mil espadas, Chuços,
Espontões, Espingardas, Baionetas, Pistolas, Bacamartes, Peças de Artilharia
de todos os calibres, Morteiros, Bomba, e até o Laço, Arma desconhecida na
Europa e cujo dano é semelhante ao da Arma de Fogo, vós conheceis que
tendes para o manejo destas Armas Soldados destros Generais hábeis e boa
tática; vós enfim conheceis perfeitamente que as Nações Europeias jamais
quererão ligar-se aos Portugueses para vos oprimirem e pôr-vos outra vez em
Colônia, pois que seu maior interesse consiste em poderem elas francamente
comerciar convosco. Se pois ó Brasileiros outra vez o repito; a nobreza dos
vossos sentimentos é tal qual eu a creio, é como um impossível físico, que
deixeis de dar uma ideia a todas as Nações, e para todas as idades, não só a
da grandeza da vossa alma, mostrando-lhes que esquecidos do desprezo que
o Soberano Congresso de vós faz, ligais os vossos interesses aos de toda a
Nação Portuguesa, com também que os briosos estímulos do vosso Coração
e da vossa Honra vos não consentem, de livres que sois, o deixardes vos
arrastar ao vil e infame Jugo da escravidão que se vos prepara, mas para
conseguirdes é-vos absolutamente indispensável dar o seguinte passo. As
vossas Provinciais desunidas não são mais que um corpo despedaçado, de
quem qualquer formiga zomba, mas as vossas Províncias Reunidas debaixo
de hum Governo central formarão uma força invencível que se fará respeitar
de todo o mundo: portanto Brasileiros dai as mãos, e segui todos uma só voz,
e um só partido e seja este o de reconhecerdes o herdeiro do Trono Português
por Augusto Regente do Brasil, proclamai nele a total Regência do vosso
Continente e estabelecei-lhe aquele Governo, que melhor vos convier para
ele o fazer executar, pois que sendo como sois um só povo livre, ninguém
com justiça poderá disputar-vos esse direito. Bani para sempre o Despotismo;
e organizai o vosso Governo de um modo Constitucional que seja vantajoso
aos interesses gerais e particulares da grande Nação Portuguesa em todos os
pontos da sua extensa Monarquia; e com por princípio de razão o Augusto
Regente deve sobreviver a El Rei seu pai, quando este passar da presente a
melhor vida, será então aclamado Rei do Reino Unido de Portugal e Algarve

508
o nosso Amabilíssimo Príncipe, ficando sempre a Corte no Brasil como centro
inabalável, e a Nação toda de comum acordo por seus Representantes juntos
com o Rei proverão nos meios com que deve exercer-se o poder Executivo
em Portugal, sem que seja necessário aqueles Povos recorrer à Corte do Brasil,
salvos alguns casos à maneira do que usa o Imperador da Áustria com a
Boemia e Hungria, a Inglaterra com a Irlanda, os Países Baixos com a Suíça,
e os antigos Espanhóis com os Napolitanos; ou enfim de qualquer outro modo
que melhor convenha aos interesses da Nação em todos os seus pontos.
Brasileiros, outra vez vos suplico por vós mesmos, que aproveiteis o momento
de serem um Povo Grande, temido e respeitado, e o mais bem-aventurado de
toda a terra; lembrai-vos que a cobardia a pusilanimidade, e o temor são
sempre marcados em todas as épocas com o vil ferrete da ignomínia, e que a
intrepidez, o valor, a coragem e a Constância em empreender, e levar ao fim
o benefício geral de uma Nação, ficam gravados em lâminas de ouro onde
em caracteres diamantinos os vindouros leem em todos os séculos os glorio-
sos feitos dos seus antepassados, e não cessando então de bendizê-los sentem,
em seus corações um prazer e uma honrada inveja inexplicáveis: se pois nas
reflexões que vos ofereço achardes erros de Sistema Político, desculpai caros
Irmãos a minha ignorância com o grande desejo que tenho, de que sejais
felizes. Rio de Janeiro 26 de dezembro de 1821.

João Gualberto Pereira.


Reconhecido pelo Tabelião = Manoel Marques Perdigão.

____________________________________________________________
Rio de Janeiro na Typographia Nacional 1822.

509
44

O LIBERALISMO
DESENVOLVIDO, OU
OS CHAMADOS LIBERAIS
DESMASCARADOS E CONHECIDOS

COMO DESTRUIDORES

DA

NOSSA REGENERAÇÃO,
O QUE TUDO SERVE DE RESPOSTA

A HUMA CARTA
QUE CORRE IMPRESSA
CONTRA

O P. JOSÉ AGOSTINHO DE MACEDO.

LISBOA.
Na Officina das Filhas de Lino da Silva Godinho.
Anno de 1822.
Rua do Cavalleiros N. 79, primeiro andar.

510
Ex fructibus Eorum
Cognoscetis Eos1

[N.O.: O ORIGINAL COMEÇA NA PÁGINA 7]


abrir a porta da desgraça para os Portugueses. Ora diga-me meu estonteado
velho, quem é que forma ensaios de reação contra a nova ordem de coisas?
Quem é anárquico, e provocador da rebelião! É o Padre Macedo, ou é Vossa
Mercê, e os seus camaradas? São Vossas Mercês, que atacam as Bases da
Constituição, ou é o Padre Macedo, que os ataca a Vossas Mercês? ... O
prólogo já vai saindo grande, mas os meus leitores hão de desculpar-me, e
ter paciência ainda mais um pouco, porque me encanzinei com este rafeiro,
e estou disposto ou a mandá-lo ladrar a uma Horta, ou fazê-lo calar.
Ora venha cá meu velho: vamos a conversar um pouco ainda, sobre a
definição que Vossa Mercê dá da palavra = liberal =. Aonde achou Vossa
Mercê que liberal vem de libertas? Se é descoberta sua, gavo-lhe a habilidade;
mas não posso relevar-lhe o descoco, a ousadia, o atrevimento com que Vossa
Mercê quer introduzir um termo novo em uma Nação, sem que apresente
as credenciais, que o autorizam para isto. Um Decreto, diz Mr. Malte-Brun,
um Decreto pode naturalizar um indivíduo; mas não uma palavra, que seja
contrária ao gênio da Língua, este termo = liberal = na acepção em que
Vossa Mercê o quer tomar é novo, e pela teima com que Vossa Mercê no-lo
quer encaixar, faz-se suspeito. Creio que Vossa Mercê não ignora o que diz
Quintiliano acerca dos que podem autorizar o uso das palavras em uma
Nação; que são só aqueles = penes quos est jus, normaque loquendi2 etc. etc.
Ora, Vossa Mercê querendo confiadamente, meter-se no rol destes bicharocos,
volta-se para o Padre Macedo, e falando-lhe em tom de Mestre na página 5
linha 26 lhe diz assim: Liberal meu Reverendo Padre (lembrou-me logo aqui
aplicar-lhe o sus Minervam)3 liberal vem de libertas.
Porém meu velho, se liberal vem de libertas, que significa liberdade; então
também se poderá dizer, que livre vem de liberalitas, que significa liberalidade,
porque = contrariorum eadem est ratio =.4
Mas se eu tenho um termo próprio para explicar o que é ser livre, e o que
é ter liberdade; para que hei de ir para isto buscar um termo, que só exprime

1
Por suas obras os conhecereis. N.T.: Mateus, 7:20.
2
Com quem estão o direito e a regra da fala.
3
Sus Minervam [docet]. Um porco querendo ensinar a Minerva.
4
A razão dos contrários é a mesma.

511
o que é ser liberal, e o que é ter liberalidade? A primeira coisa exprime-se por
liber, e por libertas: a segunda por liberalis e por liberalitas; de maneira, que
nem libertas é liberalitas, nem liber é liberalis. Cada um é quem é. Liberal
descende por linha reta de liberalitas, e se tem algum parentesco com libertas,
há de estar no mesmo grau em que estava o Manteigueiro com o vilar de
Perdizes. Ora, liberalitas, verdadeiro Tronco de liberal, significa liberalidade,
virtude moral que designa munificência, generosidade, franqueza; de maneira
que o homem, que pratica esta virtude, é tido por um homem dadivoso,
munífico, generoso, franco; qualidades, que praticadas dentro dos limites de
uma prudência esclarecida, estabelecem o homem liberal, entre o pródigo, e
o mesquinho. Isto sim, isto entendo eu; agora que liberal venha de libertas?
Apage nugas!5
Vossa Mercê, não quererá, que estes dois termos sejam opostos, mas
ao menos, há de conceder-me que são disparados. Ora, um disparate não
pode servir de fundamento a outro disparate. Ideias liberais, sentimentos
liberais em sentido moral, sei o que é; agora sentimentos ou ideias liberais, em
sentido político, confesso-lhe, que só o Diabo podia sugerir tal estratagema
ao manhoso Bonaparte! Este alecantinero, que sabia bem o jogo todo, de la
Madre Celestrina encantadora; quando regressou da Ilha de Elba, entrou
pela França dentro, entoando a antífona = ideias liberais = e isto em tom de
fabordão; mas eis que lhe aparece por diante, e por detrás, e pelas ilhargas, e
por toda a parte, um coro de Reverendos de diferentes liturgias, salmeando
com tal estrondo, que lhe fizeram meter a viola no saco, e o rabinho entre as
pernas. Receio bem, que aconteça o mesmo a Vossa Mercê e aos seus cama-
radas, se não cuidam em pegar no tom; pois na verdade, Vossas Mercês estão
cantando muito, muito desentoados!
Valha-o Deus, meu venerado! Porque não há de Vossa Mercê contentar-se
com o honroso Epíteto de Constitucional? É porventura necessário, que a par
deste título, apareça o de liberal? Pois em dizendo Constitucional, não está
dito tudo, o que nós queremos? Aqui não pode deixar de haver Nigromancia!
Não falta quem diga que liberal termo vago, palavra altissonante, e lisonjeira;
foi inventada para aturdir os ouvidos da multidão, a fim de que esta se não
esquive quando lhe quiserem arrumar certas coisinhas embrulhadas nesta
franja! Sim Senhor, eu estou para aqui virado e todo o mundo sensato me
dá o exemplo. Portanto:
Falemos claro, rasgue-se o véu, descubra-se o enigma, e saiba todo o
mundo que: Ideias liberais quer dizer: ideias livres sem freio, ideias libertinas,

5
Deixemos de ninharias!

512
debochadas, licenciadas. De maneira que: assim como ideias constitucionais,
são ideias legais ou segundo a lei; assim ideias liberais são ideias naturais, ou
segundo a natureza. Assim como o constitucional, quer um governo livre;
o liberal quer um governo libertino: assim como o constitucional, quer um
governo segundo a lei; o liberal quer um governo segundo a licença. Numa
palavra: o constitucional, quer uma liberdade moral; e o liberal quer uma
liberdade física. A primeira consiste em fazer aquilo que a lei não proíbe, e
a segunda, em fazer cada qual o que lhe vier à cabeça. A primeira é própria
do homem, a segunda é própria dos Cães. A primeira faz o homem feliz, a
segunda, fá-lo desgraçado. Uma e outra se acha no homem, mas nunca lhe é
permitido usar senão da primeira. Esta é a que quer o constitucional, porque
quer ser feliz. O liberal quer a outra, porque quer viver à rédea solta, isto é:
quer ser livre em ter ou não ter Religião, em seguir este ou aquele culto: quer
ser livre em casar, e descasar; quer ser livre em por e depor os que governam;
quer ser livre... Ah! Meu velho velho! Faça-me justiça ao menos por esta vez, e
confesse, que eu dei no vinte! Mas aonde iriamos nós dar conosco, se pegasse
a lábia dos amiguinhos liberais!... Há de confessar também, que a liçãozinha
não tem sido má; porque, ainda que seja verdade, que perro velho não toma
língua; também a é, que até morrer aprender. Mas que me importa a mim
que Você aprenda, ou não aprenda! O que eu pretendo é fazer com que o
público ou incauto, ou já iludido, aprenda a conhecê-lo a Vossa Mercês, que
são para o que eu prestar!
Concluamos pois, que a tal palavrinha ideias liberais deve ser proscrita
por inútil, e por perigosa. Por inútil; pois que constituição, governo livre,
governo constitucional exprime admiravelmente tudo o que nós queremos,
e tudo o que se nos prometeu. Não haverá um só Cidadão que diga, que
jurou ser liberal, nem obedecer a um governo liberal, nem a um Rei liberal.
Constituição, Cidadão Constitucional, nisto está dito tudo; porque isto é o que
nós queremos. Logo o liberalismo deve ser desterrado, e proscrito por inútil.
Igualmente o deve ser por perigoso, pois que esta palavra serve, como de capa,
para encobrir ideias destruidoras do sistema constitucional, como trago dito
e provado, e continuarei a dizer, e a provar em todo o discurso desta carta.
Terêncio, Plauto, e Cícero, tomam muitas vezes o termo liberalis numa
acepção diferente do sentido moral; por exemplo: liberalis conjugium,
matrimonio interessante. Terent. Andr. Cicero usa do termo liberalis para
designar uma pessoa vestida com gosto, e modesta elegância. Cicer. De Ofic.
1.39, igualmente quando qualquer oferece um semblante alegre. Cicer. Brut.
25, contudo, por mais que esfolheie estes, e outros clássicos, não é possível
encontrar semelhante termo aplicado, nem mesmo arrastadamente, ao sentido

513
político: concluirei este argumento fortificando-o com as mais judiciosas
reflexões do insigne Político Mr. Malte-Brun.
“Há palavras, diz ele, que só servem para transtornar as coisas, no que
se parecem com a corneta mágica de Oberon, que fazia dançar os velhos, e
até agitava os inválidos (não admira isto, pois que as ideias liberais dos nossos
dias, não só tem feito dançar, mas até endurecer muitos velhos) feliz o partido,
continua ele, feliz o homem de Estado, que sabe aproveitar-se deste órgão
encantador! Ele leva atrás de si a multidão embriagada!... Mas desgraçado
dele quando a verdade, (que tem um encanto mais poderoso) chega a dissipar
a ilusão! É então que o risonho Jardim de Armida não parece mais do que
um hórrido deserto.”
“Definir os termos é sempre o primeiro passo para evitar o erro. A palavra
liberal é porventura só Francesa? Pode ela ser admitida na nossa língua? Em
vão no-la mostrariam em alguns atos públicos: um Decreto pode naturalizar
um indivíduo; mas não uma palavra, que seja contrária ao gênio da língua.”
“Porventura será chegado o momento em que os amigos da Monarquia
legítima (fala em oposição ao intruso Bonaparte) possam arrancar aos que
se dizem sectários das ideias liberais, esse Prisma enganador, que eles apre-
sentam a uma multidão extraviada? E vós principalmente generosa, mas cega
mocidade, vós cujo coração palpita ao ouvirdes este termo vago de liberal
(porque vos parece, que ele significa alguma coisa grande, e nobre) será
permitido desenganar-vos, mostrando-vos todo este montão de baixezas, de
traições, de vis furores, de tramas funestas, de doutrinas envenenadas, a que
esta palavra serve de véu?”
Que diz meu velho, meu venerável, que diz, que responde a estas judicio-
sas reflexões? Não ouve? Não vê aqui a sua palavrinha favorita reconhecida
pelo nome de véu, que serve para encobrir baixezas, traições, vis furores,
tramas funestas, doutrinas envenenadas, e tudo o que é patifaria, e pouca
vergonha? Não vê as suas ideias liberais, honradas neste discurso com o bem
merecido elogio de Prisma enganador? Ora emende a expressão, e aquele
tom positivo, com que Vossa Mercê à página 8 linha 13 diz: que desde
Cádiz até Petersburgo, se entende a palavra liberal, do mesmo modo, que
Você a quer entender. Forte Papelão! Com que desde Cádiz até Petersburgo,
assenta Você, que não há senão patifes, e desavergonhados! Peço-lhe que
dê uma volta pela França, e verá como ali se entende a tal palavra; e se lá
não quer ir, pergunte-o ao Quixote Brethon, e àqueles meninos, que indo
à caça ficaram caçados, e deram com a verruma no prego! Não sei se me
entende! Mal empregado não ir com eles, para lhe fazer companhia! Mas

514
Você é meninão, e a sua falta ser-nos-ia muito sensível, porque Vossa Mercê
é o Rei dos... é o Rei dos homens!
Não posso deixar de confessar, que o exórdio saiu maior do que eu
tencionava; portanto meu velho, desculpe se notar alguma desproporção
entre a cabeça e o corpo. Faça de conta que tudo é sermão, e que preguei
sem exórdio. Aos Constitucionais não dou este cavaco porque são homens
de bem; o que eles querem é ouvir verdades bem demonstradas, sem se
embaraçarem com proporções. Portanto direi: atendei, que eu

Continuo.

-/-

Senhor Liberal Constitucional.

(São os dois contraditórios Epítetos com que Vossa Mercê se acha escarrado
no frontispício da sua Liberal Carta).
Como Vossa Mercê por motivos particulares (e que todos nós sabemos)
oculta o seu venerável nome; venho eu a conversar sem saber com quem: mas
para lhe falar a verdade, não me importa saber quem Vossa Mercê é. Para
o meu intento, basta-me saber, não quem Vossa Mercê é, mas o que Vossa
Mercê quer ser. O que Vossa Mercê é, é liberal; o que Vossa Mercê diz que
quer ser, é Constitucional; e isto é o que Vossa Mercê não é. Provo.
Constitucional é uma palavra, que exprime um homem de bem, um
homem pacífico, um homem de probidade, um homem que aborrece a licença,
que ama a sua Pátria, que a quer ver regenerada; um homem que ama a
Religião, que respeita o Soberano, que teme as Leis. Vossa Mercê não é nada
disto, porque é liberal: logo, não é Constitucional. Provo a menor: liberal e
constitucional são duas coisas que se destroem reciprocamente. Vossa Mercê
é liberal: logo não é nada do que eu disse; salvo se Vossa Mercê tem privilégio
de Sereia, que é a metade Mulher, e a metade peixe, como dizem as velhas, e
os rapazes. Eu provo a maior deste Silogismo, pois que provada ela sobre o
resto não há dúvida: digo pois, que liberal; e constitucional são duas coisas
que se destroem reciprocamente.
Liberal é um termozinho encaixado em política há tão pouco tempo;
que judiciosos políticos, consumados gramáticos, e homens de toda a casta
de saber, têm querido achar a aplicação política deste termo; mas debalde.

515
Em último resultado das suas meditações, vieram no perfeito conhecimento
de que, liberalismo é um termo cheio de veneno, véu de maldades, Prisma
enganador, que só serve para fascinar os olhos da multidão, conduzindo-a
a todos os males, de que só a pode livrar, o Divinal Sistema Constitucional.
Por não repetirmos o que já fica dito a este respeito, concluamos; que liberal,
e constitucional, não podem casar, nem com dispensa, nem sem ela. Com
dispensa não, porque não há entre eles parentesco, nem se quer por afinidade.
Sem dispensa também não, porque são inimigos irreconciliáveis.
Logo destroem-se reciprocamente. Ora Você é liberal; logo, não é cons-
titucional. Esta demonstração é exata, e só deixará de o ser, se for sofística.
Portanto, desafio a Você para que me mostre aonde está o sofisma, porque
quero, ou dar a mão à palmatória, ou desmenti-lo. Olhe meu liberal cons-
titucional (chamar-lhe-ei assim, enquanto não acabar este argumento, mas
acabado ele, será Vossa Mercê apeado do segundo Epíteto, e deposto com
infâmia) olhe que eu não reconheço império maior que o de um bom Silogismo,
e de uma demonstração bem feita. Agora que eu diga: Amém só porque Você,
ou Vossa Excelência, ou Vossa Senhoria, ou Vossa Reverendíssima é quem
é!... Só porque tu és Pitágoras, ou Platão amigo, ou Mafoma impostor, ou um
Areopagita soberano!... Onde se disse nunca tanta asneira como no Areópago,
que autoriza com suas liberais decisões, as descomposturas de Vênus, os espe-
táculos dos brutais gladiadores, assembleias Nacionais daqueles tenebrosos
tempos! Graças infinitas a uma Religião divina, que veio mostrar ao homem
a degradação a que ele tinha chegado, e que o fez entrar no conhecimento da
sua nobreza, e da sua dignidade! Que injuria não fazem os liberais dos nossos
dias, a esta Religião Santíssima, quando pretendem com tanta ingratidão
associar-lhe cultos estrangeiros, e supersticiosos!... Sinto tremer-me a mão ao
lembrar-me destas coisas! E quando intento queixar-me dos Portugueses, que
se lembram delas; não só desejava molhar a minha pena em fel; mas desejava,
que o inferno me emprestasse seus negros pincéis, para melhor pintar estas
monstruosas liberalidades!!!
Esta digressão ia-me fazendo esquecer da demonstraçãozinha em que eu
estou empenhado com o meu liberal constitucional; mas eu boto-me outra
vez a ele com unhas, e dentes. Sim, desengane-se; Você não é Constitucional,
por isso mesmo que é liberal: e lembra-me, provar ainda esta asserção com
o seguinte dilema:
Ou Você há de ser ambas as coisas juntas, ou há de ser uma delas.
Ambas as coisas, não pode ser, pois que eu já mostrei concludentemente, que
elas se destroem reciprocamente, e que não podem casar nem com dispensa,
nem sem ela. Resta portanto, que Você seja, ou constitucional, ou liberal.

516
Constitucional não é Você. Ergo, ficará sendo liberal. Provo a menor. Quem
é o homem constitucional? Eu o digo: o homem constitucional, é aquele,
que não quer um Deus para si, e uma figa para os outros. É aquele, que ama
a sua Religião com preferência a si próprio. É aquele que detesta o espírito
facioso, inquieto, e revolucionário. É aquele, que aborrece a arbitrariedade, o
despotismo, a prepotência. É aquele que não quer senão lei, imparcialidade,
retidão, obediência, lei para todos, imparcialidade nos que mandam, retidão
nos que executam, obediência nos que são mandados. Diga-me antes de mais
nada, Você tem alguma destas nobres qualidades?... Quem? Você? Você que
é um refinado egoísta? Você que... Sed motos praestat componere fluctus...6
Concluamos; o homem constitucional, finalmente, é aquele que não é egoísta
como Você é; é aquele que quer ver tudo na Ordem; é aquele, em suma, que
quer ser regenerado, mas que não quer ser destruído. Tudo quanto tenho
indicado serve de maior ao Silogismo; a menor é esta; Você em qualidade
de liberal, cava a nossa destruição. Logo Você não é constitucional. E por
consequência, fica desde já apeado, e deposto deste honroso título; de maneira,
que jamais o tornarei a conhecer, nem a tratar senão pelo ferrete de liberal,
ou de coisa que o valha.
Aqui acima muito perto, fica uma proposição que lhe havia de fazer
ranger os dentes, quando a leu. = É a tal menor do silogismo, em que eu
assevero, que você cava a nossa destruição. Conheço o peso e a gravidade
desta acusação, e por isso sou obrigado a prová-la, e a dar a razão do meu
dito, até para me não parecer com Vossa Mercê, que fala de papo (na forma
do seu costume) ex-cátedra, quando ensina o Padre Macedo (sus Minervam)
a definir o liberalismo.
Sim Senhor Liberal, vamos a isto. Eu digo que: Vossa Mercê; e todos os
seus Camaradas, cavam a nossa destruição. A acusação é grave, e a prova
igualmente o deve ser. Se eu não provar, você deve logo levar-me aos Júris,
e dali para a forca; mas se eu a provar, para onde deve ir Vossa Mercê?...
Para entrar nesta contenda, porei á testa das minhas reflexões, uma verdade
pronunciada por aquele que, ainda que Vossa Mercê não queira, é a verdade
por essência. Ego sum veritas.7 Não sei se Vossa Mercê sabe que estas pala-
vras são de Jesus Cristo? Pois se não o sabe, saiba-o. Igualmente o são as que
se seguem, e que eu tomo por tema do pequeno Sermão, com que pretendo
provar: que Vossa Mercê, e os seus Camaradas estão empenhados em cavar
a nossa ruina. Aí vai o tema

6
Se apressa a acalmar as ondas moventes.
7
Eu sou a verdade.

517
Omne Regnum in se de[i]visum desolabitur.8

Não vai aqui o nome do Evangelista, nem o Capítulo, nem o verseto, pois
para lhe falar a verdade, não tenho a Bíblia à mão. Contudo, posso afiançar-
-lhe, que esta Sentença saiu da própria Boca de Jesus Cristo, o maior Político
do mundo. Que! Você admira-se de me ouvir chamar a Jesus Cristo, o maior
Político do mundo? o certo é que nada há tão atrevido como a ignorância!...
Mais me podia eu admirar de não ouvir falar nele aos nossos Liberais!... E
porque será isto? Não terão eles, que aprender dele?
Não terão, que aprender dele, que tão política, e sabiamente, manda
dar a Deus o que é de Deus, e a César o que pertence a César? Dele, a quem
os Fariseus (liberais daquele tempo) nunca puderam apontar uma falta de
observância na lei? Dele, que repreendeu, e desmanchou a facção de um povo
inteiro, que o quis aclamar Rei? Dele, quem foi o Cidadão mais pacífico, o
Vassalo mais fiel, e obediente, que já mais tiveram os imperantes? Dele, que
teve a estupenda habilidade de organizar um sistema Religioso, capaz de se
amoldar a quantos sistemas, e governos Políticos podem existir sobre a terra?
Dele, diante de quem os Confúcios, os Platões, os Sólons, e os Licurgos, são
apenas balbuciantes? Dele, (repare) dele, que parecendo não ter por objeto
senão a nossa felicidade eterna, até sobre a terra, faz a nossa ventura? Sabe,
Senhor Liberal, sabe de quem é este rico pensamento? Olhe que é de um
Constitucional às direitas, a quem nunca lembrou apelidar-se liberal. Olhe
que é do próprio Autor do Sistema Representativo. Olhe que é de um Gênio
Criador, e Político consumado, Filósofo profundo, que nunca se lembrou de
recorrer a palavras vazias de sentido, nem a Prismas enganadores. Não sei
se sabe, que eu estou falando de Montesquieu? E por que razão dirá ele no
seu Espírito das Leis, Livro 24, Capítulo 3 que a Religião Cristã ainda nesta
vida faz a nossa felicidade? Porque dirá ele isto? Não fosse ele Corcunda!
Com efeito, se advinha em que ele ia fundado, quando disse aquilo, dou-lhe
dez réis para uma navalha...
Ora, o certo é que as ideias do homem, podem às vezes comparar-se
com as cerejas, quando se enguedelham umas nas outras. É isto justamente o
que me tem acontecido, já mais de uma vez, desde que entramos a conversar.
Conforme se me apresentam as ideias, assim as deixo cair do bico da pena,
contanto, que venham ad rem. Vossa Mercê talvez dirá que o que eu acabo de
dizer não vem para o caso, pois que eu prometi provar que Vossa Mercê cava
a nossa ruína, e... Espere, Senhor Liberal, espere, que a navalha o procurará.

8
Todo reino dividido contra si mesmo precipita-se para a ruína. N.T.: Lucas, 11, 17.

518
Isto foi um episódio, que assim mesmo, não deixa de ter algum parentesco,
com a tal demonstraçãozinha, que eu lhe prometi. Quando Vossa Mercê, lá
por aí abaixo, encontrar outra vez aquele oráculo terrível: Omne Regnum in
se de[i]visum etc. etc. é mesmo aí aonde há de começar o Sermãozinho. No
entanto conceda-me licença para acabar o episódio, que me estão a formigar
as ideias.
Na verdade lhe digo, que me tem dado no gosto este silêncio, esta indi-
ferença com que os nossos discorredores políticos, tratam a Jesus Cristo, e a
sua Religião! Pois não acham nada nada no Evangelho; nada nada em toda
a Bíblia, com que possam autorizar os seus discursos? Vossa Mercê, e os seus
Camaradas, quando nos embutem os seus discursos políticos, com quem lhe
parece, que estão falando?
Não é com todos os Portugueses, e muitos deles cristãos velhos sem carun-
cho? E por que não hão de Vossas Mercês, dar-nos papinha, autorizando os
seus apotegmas políticos com um textozinho da Escritura? Tão pouco fecunda
é ela em Sentenças graves, em princípios luminosos, em conselhos saudáveis,
em fatos históricos, e em tudo aquilo, que pode esclarecer o homem, que
obra de boa fé, e que quer acertar? Pois nem uma só palavra do nosso Divino
Legislador, nem da sua Religião! Ora isto não é saber engalhar-nos! Vossas
Mercês bem sabem (e também o lamentam) que nós os Portugueses somos
tontinhos com a nossa Santa Religião. Se Vossas Mercês, nos soubessem levar
por aqui, então lhe digo eu que nos acertavam com a balda. Estávamos todos
como Deus com os seus Anjos. Andávamos todos de braço dado; e por não
ser assim, que acontece? Andamos todos a olhar por cima do ombro, e a dar
figas uns aos outros! Forte desgraça!
Ó Senhor Liberal, não lhe parece, que eu já ia petiscando no Sermãozinho
prometido? Pois ainda não; tenha paciência, espere mais um pouco. Patientiam
habe in me, et omnia redam tibi.9 Vê Vossa Mercê? Olhe como eu, de quando
em quando, vou salpicando isto com um textozinho tirado do melhor livro
do mundo? e como não há de ser a Bíblia o melhor livro do mundo, se o seu
Autor, é o mesmo Autor do mundo, e de quantos homens tem o mundo, e
de tudo quanto há no mundo, e de tudo quanto há fora do mundo?... Há
contudo aqui, uma pequena exceção a fazer; pois que ainda há no mundo
duas coisas, que Deus não criou: uma pertence ao reino animal, e a outra
pertence ao reino dos liberais. A primeira são os Machos, e as Mulas, resul-
tado de duas espécies diferentes: a segunda são Vossas Mercês produzidos
nas trevas, vomitados do abismo, para cavarem a ruína dos Impérios, e por

9
Tem paciência comigo, e tudo te devolverei.

519
consequência são filhos do diabo, inimigo nato da ordem, e de tudo o que
pode fazer o homem feliz. Vos ex patre diabulo estis. Que tal é o safanão?
Pois olhe, que foi dado por mão de mestre! E persuada-se, que nas suas ventas
não assenta menos do que assentou nas ventas dos Fariseus. E sabe por quê?
A razão é clara: é porque você, e os seus Camaradas liberais; relativamente a
Constituição, e aos Constitucionais, fazem o mesmo, que faziam os Fariseus
a respeito de Jesus Cristo, e das suas doutrinas.
Como Vossas Mercês são uma espécie de gente, que formam uma classe
nova no mundo político, lembra-me compará-los (com o devido respeito)
aos animais de que aí acima falei, que não têm aquela docilidade, que é
própria das duas espécies, de que resultam. O sangue nobre, e animado do
brioso cavalo, misturado, nas veias de outro animal, com o grosseiro sangue
de melancólico Burro; que se pode esperar de uma tal mistura? Má índole,
braveza, gênio falsário, e manhoso... Há tal mulinha, e machinho, capaz de
apresentar um coice nas ventas da Lua! Cabeça rija, pescoço inflexível, em
tomando o freio nos dentes, nem o diabo tem mão neles... À letra, Senhor
Liberal, olhe que o Sermãozinho prometido, já não pode tardar. O Pregador
já vem saindo da Sacristia à direita do Mestre de Cerimônias. Ia eu dizendo,
que os tais bravos animais em tomando o freio nos dentes, nem o diabo tem
mão neles. E assim é, pois por onde quer que passam desenfreados, fazem logo
praça vazia. Tudo o que pode fugir, foge: e quem vem a pagar as favas, são
os incautos, os inválidos, e os inocentes, que ficam esmagados!... E quantas
vezes o próprio Cavaleiro, sacudido pela fera, vai por esses ares, dos ares
para o chão, do chão para a sepultura? Quantas vezes... Mas já é tempo de
entrarmos no argumento: façamos a aplicação, e vamos a isto.
Vossa Mercê, Senhor Liberal, e os seus Camaradas, não têm imitado...
que digo? Não têm excedido estes animais inquietos, e desenfreados? Que
estragos não têm vocês feito na Religião, e nos costumes, que são os únicos
esteios do Governo Político, únicas Bases sólidas do Pacto Social? E atacando
vocês a nossa grande Obra pelo seu alicerce, não cavam a nossa ruína?
Chegamos finalmente à cepa torta. Sim, Senhor Liberal, Vossa Mercê e os
seus Camaradas cavam a nossa ruína, e obstam a nossa feliz, e tão desejada
Regeneração. A Religião é o esteio do Governo: os liberais atacam a Religião:
logo os liberais atacam o Governo. Logo são os liberais, logo são vocês, que
são revolucionários, e anárquicos.
O Poder Legislativo estabeleceu por Base principal do nosso sistema
Político a Religião Católica Romana, única Divina, e por isso mesmo, única
verdadeira, porque só Deus é quem pode manifestar aos homens o modo
como ele quer, e deve ser honrado. Esta Religião não é pois um ente ideal. É

520
a coisa mais augusta, e mais respeitável, que podia aparecer sobre a terra. Foi
um Deus benfazejo, que a fundou, e é um Deus Onipotente, que a conserva,
e protege; porque se assim não fosse, aonde estaria ela a esta hora!... Esta
Religião não pode existir sem Culto; se tem Culto, há de ter Ministros; tendo
Ministros, há de ter Sacrifício; tendo Sacrifício, há de ter Cerimônias, Altares,
Templos, Liturgias, Sacramentos, Dogmas... A Religião não pode existir sem
isto. Atacar qualquer desses pontos, é atacá-la a ela mesma.
Vós liberais, fariseus, filhos do diabo, vós atacais tudo isto por ações,
palavras, e obras. A tudo isto tendes declarado uma guerra aberta por meio
da mofa, do chiste, do desprezo. Tudo isto se acha atacado por vós, com uma
inundação de escritos, de Periódicos, de Jornais, de Diários, produções escan-
dalosas, atrevidas, incendiárias, que confundindo o fanatismo com a piedade,
a devoção com a hipocrisia, o Culto com a superstição; o uso com o abuso
o que pretendeis é desmoralizar os povos, descatolizar os Portugueses. Ora
diga-me Senhor Liberal: isto não é obrar em sentido contrário ao Soberano
Congresso, que trabalha por edificar um Governo sólido, e permanente? E
como é possível conseguir isto, achando da vossa parte uma reação tão terrí-
vel contra as Bases deste edifício? Estas Bases são a Religião, e a Moral, nem
podem ser outras; vós atacais estas Bases; logo atacais o edifício. Logo estais
em oposição com o bem da Nação, e com o resto da Nação. Logo cavais a
nossa ruína, pois é certo, que todo o Reino entre si dividido, é por isso mesmo
destruído, Omne Regnum in se de[i]visum, desolabitur.
Ah! Monstros! E quereis apelidar-vos Constitucionais! Atreveis-vos a
profanar este nome! Este nome, que traz associadas as ideias da Ordem, da
Lei, da Harmonia, da Segurança, de tudo o que é bem individual e geral da
Nação! Lobos esfaimados, raça de víboras, que rasgais o seio da Mãe Pátria,
e da Religião Santíssima dos Portugueses? Que expressões seriam suficientes
para vos cobrir de opróbio.
Vossa Mercê Senhor Liberal, talvez me pergunte, cheio de bílis, com quem
estou eu falando? E eu digo-lhe com todo o sangue frio, que é com você, e
com outros ejusdem furfuris.10 Também me perguntará por que razão, se é
verdade o que eu venho de dizer; a Nação, ou o Governo, ou os Júris, não
cuidam em atalhar tantos males? Vossa Mercê como mais sutil (sem ser João
Scotto) é quem pode entrar na razão disto. O fato existe, e existe também
a impunidade! isto é o que eu sei, e sabem todos; porque se está vendo com
escândalo, nem embaraço. A mim, como Cidadão particular, apenas me toca
lamentar os males da minha cara Pátria, e defender a Religião Santíssima

Da mesma laia.
10

521
de meus Pais que vejo tão totalmente enxovalhada por uma corja de vadios
petulantes, a quem a impunidade faz mais petulantes ainda. Vossa Mercê dirá
que não é deste número; mas não basta, que você o diga: eu quero obras,
porque palavras leva-as o vento. Ex fructibus eorum cognoscetis eos. Eu sei
cá quem você é? Eu só sei, que você é Liberal; e isto é quanto me basta para
saber, que pela sua parte, não há de ficar a Religião sem a sua competente
martelada. Quando eu digo, que não sei quem você é, falo com mais fran-
queza, e verdade do que Vossa Mercê, quando diz que não é Pedreiro-Livre.
Era melhor calar-se sobre este ponto, porque, repetir quatro vezes que o
não é! Quatro vezes atestar que não é Pedreiro! É fazer-se mais suspeito do
que Pedro, que negou só três vezes; e apesar disso a tal tramela da Ancila,
sempre lhe disse; et tu ex illis es.11 Ora atestando Vossa Mercê quatro vezes,
serei temerário se disser, que Vossa Mercê é ex illis?12 A tal tralheta não se
enganou: e eu enganar-me-ei?... Vamos adiante.
Vossa Mercê talvez dirá, que não sabe quem tenha atacado a Religião,
nem que qualidade de ataques se lhe tenham feito... Pois deveras Vossa Mercê
não o sabe? Tu es Magister in Israel, et haec ignoras!13 Ora fale a verdade,
seja franco, já que é tão liberal: Ainda não leu o Abade de Medrões? Não
tem lido esses imorais, desumanos, e antirreligiosos Diaristas, Jornaleiros, e
Periodiqueiros? Não tem colaborado para nenhum deles? Não tem lido as
diatribes formadas contra os Ministros do Culto, contra o Culto, contra?...
Não tem ouvido apregoar a tolerância?... Ainda não leu o Retrato de Vênus?
Ainda não leu uma Brochura, que dizem ser copiada infielmente por um
tocador de canudos? Ainda não viu este charlatão, que de Organista passou
a ser Órgão? Mas Órgão de quê? De blasfêmias, de impiedades, de... Ó Céu!
Que Monstro! Vilipêndio do Claustro, vergonha de seus Irmãos! Lutero sem
ciência, Nestório sem arte, Iconoclasta sem princípios!... Pobre por voto, mas
ambicioso por gênio. Humilde por profissão, mas orgulhoso por caráter.
Penitente por instinto, mas relaxado por corrupção. Exemplar por estado, mas
escandaloso por vontade. Organista por ofício, mas ímpio por venalidade,
Cerimônias, Liturgia, Devoção, Piedade, Conventos, Frades, Freiras, Templos,
Altares, Ministros... tudo vai por esses ares, tudo é julgado à revelia, por um
Frade arrenegado, ímpio charlatão!
Mas de que me admiro eu, se nem a Divina, a inocentíssima Maria
escapou aos virulentos golpes deste depravado ignorante? Quantas vezes

Também tu és um deles.
11

Um deles.
12

Tu és Mestre em Israel, e ignoras isso?


13

522
terá dobrado os joelhos à prostituição, este Monstro, que recusa dobrá-los a
Maria Santíssima, quando se lhe entoa o Hino Ave Maris Estella, e a Estrofe
Mostra te esse Matrem?... Ah! Desgraçado! Eu tremo por ti, e pela tua sorte,
quando me lembro daquela terrível Sentença de Guilherme Parisiense: Non
preaesumat aliquis Deum se habere propitium, qui Benedictam Matrem
offensam habuerit (Guillel. Paris. I. Rhet. Col.). Ninguém presuma achar a
Deus propício, ofendendo lhe a cara, a abençoada Mãe!
Que tu ataques o Filho, sabe-se a razão; porque sendo o seu jugo suave, tu
o achas duro, e insuportável. Mas a Mãe! Mas a terna, a carinhosa Mãe! Mas
a Santíssima Mãe de Deus, e dos Pecadores?... Mas aquela, na qual como diz
São Bernardo, nada há austero, nada terrível, tudo é amor, tudo é bondade!
In Maria nihil austerum, nihil terribile, sed est tota suavis! (Bernard. Serm. In
sign.) Ah! Mesquinho! Como te não cai a cara com vergonha, falando com tão
pouca dignidade de uma Criatura, que na frase Ortodoxa de São Boaventura,
chegou a esgotar a Onipotência de Deus? Majorem Mundum Deus facere
potest, majorem Matrem, quam Matrem Dei, facere non potest,14 (Bonav. In
Specul. Cal. 8). Que temes, Ministro de Satanás, que receias? Receias dizer
coisa, que exceda o merecimento da Santa Mãe de Deus? Ainda que tu tivesses
a inocência dos Anjos, o amor dos Querubins, a alta ciência dos Paulos, e os
conhecimentos tão sublimes, como piedosos de todos os Santos Padres... Ah!
Com tudo isto não farias mais do que balbuciar as grandezas, os privilégios,
as excelências de uma Criatura, que nunca se pode avistar senão confundida
com o mesmo Criador! Queritis, diz Santo Euquerio, queritis qualis Mater?
Querite potius, qualis Filius (Eucher. Serm. de Nativ.) Quereis saber quem é
a Mãe? Procurai primeiramente compreender o Filho...
Não digas que Maria é Deus: de resto dize quanto quiseres, que tudo é
pouco relativamente ao merecimento de uma Criatura, que na frase de São
Pedro Damião, só é inferior àquele, que a criou. Opus, quod solus Artifex
supergreditur.15 Tudo é pouco para exprimir a elevação de uma Criatura, que
nada vê no Céu, e na terra, que não veja curvado diante de seus pés. Supra te
solus Deus, infra te omne quod non est Deus.16 S. Anselm. lib. de excelent.
virg. Do Augusto, doce Nome de Maria, pode dizer-se afoitamente o mesmo,
que São Paulo diz do Santíssimo Nome de Jesus, diante de quem o Céu, e a
Terra, e o Inferno reverentes se inclinam. Constituta, diz Arnoldo Carnutense,

Um mundo maior Deus pode criar, mas não pode criar uma Mãe maior que a Mãe de
14

Deus.
Obra que só o Artífice sobrepuja.
15

Acima de ti só Deus, abaixo de ti tudo que não é Deus.


16

523
Constituta super omnem Creaturam, quicunque Jesu curvat Genu, Matri
quoque pronus supplicat.17 (Arnold. Carnot. de laud. virg.) Tudo, tudo se
prostra diante de Maria, só tu ímpio, só tu recusas prestar-lhe esta tão justa,
e tão merecida homenagem!!! Não te sentes oprimido, e até esmagado com
o peso de Autoridades tão respeitáveis, que não fazem mais do que exprimir
os sentimentos de toda a Igreja? Chora, malvado, chora o teu crime, e não
conspires contra o Culto devido a uma Mãe que mal de ti e de mim, se ela
nos desampara!
Sim Augustíssima Virgem! Eu suplico para mim, e para todos os
Portugueses a vossa infalível, e quase infinita Proteção, e Piedade. In domo
Regis es praecunctis.18 Advogai a causa dos fiéis Mardoqueus defendei-os dos
altivos, infiéis Amans. Para isto foi que o grande Rei, vos fez tão grande, e tão
Poderosa. Idcirco ad Regnum venisti.19 Vós tendes todo o poder no Céu, e na
Terra, como diz Santo Anselmo. Vós sois, como canta toda a Igreja, Vós sois
o flagelo, a morte do erro, e da heresia, em todo o mundo. Cunctas hereses
sola interemisti in universo mundo.20 Estrela de Jacó, dissipai o erro em Israel.
Estrela do Mar dissipai os negros, tenebrosos vapores da heresia, que é tanto
mais perigosa, quanto mais oculta, e solapada! Ilustrai-nos a todos, Senhora,
principalmente aqueles que em nome da Nação trabalham de dia e de noite
para anos fazerem felizes por meio de justas, e sábias, Leis. Ilustrai-os, Senhora,
outra vez vo-lo rogo. Não, Piedosa Virgem, não abandoneis uma Nação, que
é herança de vosso Filho, e de quem Vós foste sempre, e de quem sois ainda
hoje a Protetora. E ultimamente, Senhora, desculpai o arrojo de um pecador,
que se propôs a defender-vos contra os insultos da impiedade. Eu não tenho
as luzes, o zelo, a piedade, que animou os Cirilos, e os Damascenos; mas Vós
Senhora, nem por isso tendes menos direito àquilo que eu posso. E que posso
eu Senhora? Vós o sabeis melhor do que eu. Mas também sabeis, que uma
Mãe nunca se enfastiou de ouvir balbuciar um filho.
Senhor Liberal, eu não lhe pergunto se gostou da Apóstrofe, porque sei até
onde chega a sua piedade; mas perguntar-lhe-ei se lhe agrada o procedimento
daquele desbocado, e execrando Frade? Diga, Senhor Liberal, fale-me de boa
fé, agrada-lhe isto? É isto concorrer para a nossa Regeneração, ou cavar a
nossa ruína? Diga-me o que entende na sua consciência, se acaso é, que a tem.

Erguida, diz Arnoldo Carnutense, erguida acima de toda criatura. Quem quer que curve
17

o joelho a Jesus, também à Mãe curvo suplica.


Estás na casa do Rei, diante de todos.
18

Por isso vieste ao Reino.


19

Aniquilaste todas as heresias em todo o mundo.


20

524
Nós aspiramos à nossa Regeneração Política. Este é o nosso fim. Para isso é
que a Nação trabalha por meio de seus Representantes. Para conseguir um
fim, é necessário, que se apliquem os meios proporcionados. Todo aquele,
que obsta a estes meios, transtorna o fim. Os meios únicos, que nos podem
conduzir ao nosso fim, são a harmonia cívica, a união das vontades pelos
mesmos laços, pelo mesmo Culto, Doutrina, e Religião. Ora, bem se deixa
ver, que a divergência de sentimentos nestes pontos, é o que pode haver de
mais fatal na Sociedade Civil; pois que isto é um germe de ruína, e morte
política. Este germe, que estava como adormecido no Oveiro da Pata, que o
pôs, tem-se desenvolvido mais do que era necessário! O Culto, a Religião os
Ministros, e tudo aquilo, que diz respeito à mesma Religião, acha-se atacado
descomedidamente, e com frequência por uma porção de Cidadãos. O resto
olha para isto com mágoa, e até com indignação. Temos por consequência,
dois partidos: um que ataca, e outro, que se considera atacado. Logo, temos
a Nação dividida. Logo... mas não fale eu, fale o Oráculo terrível do meu
tema: Omne Regnum in se de[i]visum, desolabitur.
Eu estive tentado a dar aqui o Sermão por acabado, antes, que Vossa
Mercê me dissesse, quem to encomendou, que te pague. Mas olhe, eu também
não pretendo paga da sua mão liberal. Nem mesmo uma pitada de Rapé
lhe quero, porque as pitadas dos liberais ficaram substituindo a proteção
a francesa. Portanto, tome você lá o seu Rapé, porque não gosto senão de
Rapé simples: o composto faz-me espirrar muito, e até me causa vertigens.
Enquanto à paga do Sermão, eu bem sei quem me há de pagar. Continuemos.
Portugal acha-se dividido em duas Seitas, que vem a ser Liberais e
Corcundas. Vossas Mercês, lá fizeram estes dois Batizados, sem ninguém lhe
disputar a autoridade. Eu bem podia fazer aqui algumas reflexões sobre a
sua validade, e até sobre a competência destes dois ridículos alcunhos; mas
não quero demorar-me, porque tal Cartinha vai saindo maior do que eu
queria. = Dizia eu, que Portugal se acha dividido em liberais, e corcundas,
e ambos os partidos se arrogam o título de Constitucionais. O liberal diz,
que é Constitucional, e argui os outros de inconstitucionais. O corcunda diz
o mesmo, e faz a mesma arguição aos liberais. Ora, seja lá um homem Juiz
com semelhantes Mordomos! Qual dos dois partidos terá por si a justiça, e
a verdade? Logo examinaremos isto. Por ora o que me basta saber é, que há
dois partidos. Por onde quer que um homem vá, não observa senão antipatias,
rivalidades, desconfianças, e carantonhas. Ide ao Rócio, ao Terreiro do Paço,
ao Passeio Público, a toda a parte... Que vedes? Aqui, um grupo de um dos
partidos, olhando vesgamente, e apontando para outro, que fica defronte,
e dizendo: olhai que tais acolá estão!... Aqueles de acolá, estão fazendo os

525
mesmos Ofícios a estes de cá... Ali, está um magote falando baixinho, e pondo
o dedo na boca, porque há irmãos espreitas encarregados de averiguarem
o que se passa. Além... Ora diga-me, Senhor Liberal, aonde irá isto dar
consigo? Aonde? Aonde nos leva este caminho? À nossa Regeneração, ou à
nossa ruina? Responda-me com Deus, ou com o Diabo. Aonde caminhamos
nós? Mas como você se engasga, nem você há de dar a resposta, nem eu.
Há de ser aquele Oráculo tão terrível, como infalível: Omme Regnum in se
de[i]visum desolabitur.
Diga-me também: quem motiva esta desunião! Pela sua honra o conjuro,
que não queira iludir-se a si, nem a mim; diga-me com franqueza: Quem
motiva esta fatal desunião? São os corcundas, ou são os liberais?... São os
corcundas, disse Vossa Mercê são os corcundas, que não gostaram desta nova
ordem de coisas. São os corcundas, que têm um tal aferro ao Rei, que são
capazes de o beijarem, não só na mão, mas até no Rabo. São os corcundas,
que têm um tal ódio aos nossos Regeneradores, que só ficariam contentes,
se os vissem pendurados em uma forca. São finalmente os corcundas, que
ainda choram pelas Cebolas do Egito, e suspiram pelo despotismo... E não
diz mais nada? Então espere, que eu lhe reforço o seu argumento.
São os corcundas, que observam os preceitos da Igreja. São os corcundas,
que se confessam, que se desobrigam, que comungam. São os corcundas,
que vão aos Templos, que dobram ambos os joelhos, que levantam ambas
as mãos, que batem nos peitos, e que enganam o mundo, e injuriam a Deus
com estas macaquices. São os corcundas, que acreditam em milagres, que
visitam o Lausperene, que veneram as Imagens, que dobram o joelho a Maria
Santíssima, que rezam à Bula, cuidando, que lucram Indulgências. São os
corcundas... Senhor Liberal, aqui tem a pedra de escândalo, a origem do divór-
cio, e todo o fundamento das duas Seitas. Os corcundas vão para a Igreja, os
liberais para as Lojas... Que dois caminhos tão opostos! Desengane-se meu
Liberal, vá com o que eu lhe digo, olhe que o divórcio não pega senão aqui.
Todo mundo sabe, que Vossas Mercês não gostam daquelas miudezas, nem
de quem as pratica. As práticas do corcunda cristão, não são próprias de
almas grandes, de espíritos fortes. E se algum liberal se sujeita ainda alguma
vez, é por contemporizar; esperando sempre que chegue o momento em que
isto há de acabar por uma vez.
Ora vamos agora a fazer algumas reflexões sobre as causas, que Vossa
Mercê apontou aí acima. = São os corcundas, diz Vossa Mercê que não
gostam desta nova ordem de coisas. Engana-se os corcundas são homens de
juízo, e amigos do que lhe é interessante. Eles bem sabiam, que não estavam

526
bem; e se agora lhe for melhor, porque não hão de gostar? Quem negar que
nós precisávamos de uma reforma, merece com uma palmatória, e ainda
não falei com um só corcunda, que não confesse isto mesmo. Porém... Aqui
havia tanto que dizer!!!...
São os corcundas, diz Vossa Mercê que têm um tal aferro ao Rei, que
são capazes de o beijar não só na Mão, mas até no Rabo... E que tem você
com isso? Ora deixe-os beijar aquela Mão magnifica, e dadivosa, que vocês,
desejam ver cortada! Aquela Mão que semeando benefícios, multiplicou
ingratos, e rebeldes! Deixe ao menos, que os corcundas sejam amigos de um
Rei tão virtuoso, tão bom, tão carinhoso, e tão amável a todos os respeitos.
Isto é pelo que toca a sua Pessoa. Pelo que pertence ao seu caráter, se Vossa
Mercê quiser ser imparcial, há de confessar que os Portugueses fazem o que
devem. Se todo o Superior, merece ser respeitado; que respeito, que cortejo,
que veneração não é devida àqueles, que estão à testa de toda a autoridade
subalterna? Que respeito não é devido àqueles, a quem o mesmo Deus honra
com o Epiteto de Cristos do Senhor? Todas as Nações do mundo têm sido
unânimes no respeito devido à Pessoa dos Reis. Eles o merecem pelo sublime
lugar que ocupam. Os Católicos fazem isto, não só por sentimento, mas até
por princípios. Colimus, diz Tertuliano Liv. 2, Cap. 2, ad Scapul. Colimus
Imperatorem ut hominem a Deo secundum, et solo Deo minorem.21 Neste
honrado sentimento, nesta sublime, heroica, e virtuosa adesão à Pessoa dos
seus Soberanos, ninguém excede... que digo? Ninguém imita os Portugueses.
Eles derramam lágrimas, vendo insultada a Religião; mas fariam derramar
sangue, se lhe insultassem o caro Rei. Tanto pode a honra, o patriotismo, a
fidelidade, e aquela Religião que inspira sentimentos tão nobres!...
São os corcundas continua Vossa Mercê que têm um tal ódio aos
nossos Regeneradores, que só ficariam contentes, se os vissem pendurados
numa forca... Não Senhor, não é assim, porque houve um Sandoval, que os
denegriu; Vossa Mercê bem sabe; que nem todos são Sandovais; e isso já
lá vai. Com águas passadas não moem os Moinhos. É verdade que aquele
papelucho alguma impressão fez no público; mas foi impressão do momento.
Os acusados justificaram-se, que seria melhor se o não fizessem: quero dizer;
seria melhor a palavras loucas, fazer orelhas moucas. Numa palavra, estão
justificados: os corcundas estão calados, e apenas com a boca aberta como
uns papalvos, à espera dos bens, que lhe estão prometidos... Rorate Caeli
desuper!... Finalmente conclui Vossa Mercê são os corcundas, que ainda

Veneramos, diz Tertuliano, veneramos o Imperador como homem em segundo lugar


21

após Deus, e só a Deus menor.

527
choram pelas Cebolas do Egito e suspiram pelo despotismo... Isto é libere
dictum.22 Os corcundas não podem hoje chamar um bem, a aquilo mesmo, a
que ontem chamavam um mal. Eles conheciam o abatimento político a que
tínhamos chegado; eles murmuravam dos abusos da administração, e ainda
hoje os confessam. O que eles estão a ver, é se chega esse divinal, e preconi-
zado Governo em que não hajam abusos. A falarmos a verdade; se é o que
diz o diabo do Periódico Correspondente, a respeito daqueles que deram com
a berruma no prego; são bem desculpáveis os corcundas se chorarem pelas
Cebolas!... Qual será melhor a Cebola do Egito, ou a Cebola Albarram!...
Em última conclusão, quero conceder-lhe, Senhor Liberal, quanto Vossa
Mercê aponta no seu improviso. Sim, suponhamos que os corcundas não
gostam desta nova ordem de coisas: suponhamos que têm ao Rei todo esse
aferro, que Vossa Mercê diz: suponhamos que não podem ver nem encarar
os tais Regeneradores: suponhamos que choram pelas tais Cebolas... Que
lhe importa a Vossa Mercê isto? Isto é da sua competência, ou da conta de
ninguém? Ou também Vossa Mercê quer governar nos desgostos, nos aferros,
nos ódios, nas lágrimas dos outros? Veja você se lhas pode enxugar, e com o
resto não se embarace. Se os corcundas não manifestam o seu aferro, nem o
seu ódio, nem o seu desgosto por um modo, que obste à nossa Regeneração,
para que se queixa Vossa Mercê deles? Para que os irrita, para que os insulta?
Quem não inquieta, tem direito a não ser inquietado. Os corcundas não
inquietam ninguém: se amam, se aborrecem; o seu amor, e o seu ódio lá fica
sepultado com eles; de maneira que o mais que fazem, é desabafarem uns com
os outros, e isto por um modo que não inquieta ninguém, só se for a Vossas
Mercês que são muito desconfiados. Mas olhe que quem é desconfiado não é
fiel... Diga-me: já ouviu dizer, que os corcundas levados do amor ao seu Rei,
se lhe fossem oferecer direta ou indiretamente para alguma contra nova ordem
de coisas? Já ouviu dizer, que os corcundas, levados do seu desgosto, e do
seu grande ódio forjassem alguma conspiração contra a legítima autoridade?
Já ouviu ou leu alguma Obra, Brochura, ou Periódico, em que os corcundas
atacassem a legitimidade dos Governos, ou ofendessem a reputação, a honra
de algum Cidadão? E porque não terão eles feito nada disto? Será por impos-
sibilidade, ou será por motivos de consciência?... Meu Liberal, este problema
merece ser resolvido. Você mastiga em seco! Ora tome lá a sua pitada, que
eu também cá tomarei da minha caixa, enquanto Tertuliano fala por nós
ambos: é este grande Gênio, quem vai resolver o problemazinho, e por um
modo irresistível, por um modo digno dele.

Dito livremente.
22

528
Vestra omnia (diz o Cícero Africano, falando muito liberalmente aos
Imperadores Pagãos) Vestra omnia replevimus, Urbes, Insula, Castela,
Municipia, Conciliabula, Castra ipsa, Tribus, Decurias, Palatium, Senatum,
Forum: Sola vobis reliquimus Templa. Si ergo hostes excitos, non tantum
vindices occultos agere vellemus, deesset nobis vis numerorum atque
copiarum?23 Tertul. Apolog. 37. Apliquemos ao nosso caso, que é idêntico;
e se há alguma diferença é a favor dos gentios pois que defendiam a sua
Religião, e Vossas Mercês Senhores Liberais, abandonam, atacam, e insul-
tam aquela que todos professam, e juramos defender. Não percamos o fio,
vamos no problema.
Os corcundas são imensos relativamente a Vossa Mercê e aos seus
Camaradas. Entre eles há gente para tudo, e em toda a parte. Vossa Mercê
na página 9 linha 6 da sua, diz com ênfase, que os liberais são muitos...
Muitos... Repare bem no que lhe digo sem ênfase: os corcundas são muitos
mais... muitos mais... muitos mais... e cada vez hão de ser mais, hão de ser
mais... Hão de ser mais... Porque a deserção de lá para cá, cada vez é maior...
É maior... É maior... E o fio sempre a cortar-se! Vamos ao problema: como
ia dizendo, os corcundas são imensos relativamente a Vossa Mercê e aos
seus Camaradas. Há entre eles gente para tudo e em toda a parte. Há ricos
Proprietários: há Capitalistas; há Negociantes; há Acadêmicos; há Mitras,
há Becas; há Militares; há Sábios; há penas muito melhor aparadas do que
as suas; há Oradores; há Cônegos, e Beneficiados; há Frades, e Clérigos, e
disto então é uma praga que os definha, que os consome a Vossas Mercês!...
Espere que ainda continua: há Artistas; há Impressores; há Cidadãos; há
Magistrados; há Fidalgos; há Mecânicos; há Lavradores, Marinheiros,
Banqueiros, Armadores, Ferreiros... Entre Vossas Mercês petisca-se de tudo
isto; mas de tudo em ponto pequeno, ou em miniatura. Esta aluvião de
corcundas, acham-se espalhados por toda a parte, e em todos os lugares.
As Cidades; as Fortalezas; as Praças; os Tribunais; o Exército; a Marinha;
o Palácio; as Cortes, tudo, tudo está cheio desta gente, apesar das grandes
medidas, que se têm tomado para os excluir dos Empregados Públicos!
Numa palavra ou empregados ou por empregar, eles cá estão; e andando
misturados com Vossas Mercês, só recusam acompanhá-los às suas obscuras,
e tenebrosas Mesquitas = Sola vobis relinquimus Templa.24

Enchemos tudo que é vosso: cidades, ilhas, fortificações, municípios, assembleias, os


23

próprios acampamentos, tribos, decúrias, palácio, senado, fórum; só vos deixamos os


templos. Mas se quiséssemos desempenhar abertamente o papel de inimigos, e não
somente o de vingadores ocultos, faltar-nos-ia a força dos números?
Só vos deixamos os templos.
24

529
Ora diga-me, Senhor Liberal, e aqui torno a conjurá-lo pela sua honra,
se acaso é que a tem, diga-me: falta alguma coisa a estes homens para fazerem
uma Revolução? Se os corcundas fossem, como vocês, facciosos por caráter, e
por princípios, deixariam eles de manifestar a sua facção por falta de meios?
Si ergo hostes excitos agere vellemus, deesset nobis vis numerorum, atque
copiarum?25... Pense bem nisto, Senhor Liberal, e faça mais justiça a estes
homens de bem, a quem Vossas Mercês chamam corcundas por zombaria,
só porque se não querem amoldar ao seu fatal liberalismo. Faça também
justiça aos princípios da Religião, que eles professam, pois é o único laço,
que os prende de pés, e mãos. Sim, é a Santa Religião, que eles professam,
que os faz obedientes, pacíficos, sofredores. É esta Divina Religião, quem
os faz obedecer aos Governos, ainda os mais prepotentes, e injustos. Nihil
timendum (dizia São Fulgêncio arguindo os Imperadores, que perseguiam os
Cristãos, com medo de que estes por serem muitos, os derrubassem do Trono)
Nihil timendum ex parte Christianorum, ut pote quod habeant Apostolum
vetantem, rebellare adversus Principes.26
Não tema pois Senhor Liberal. Ah! Assim pudesse Vossa Mercê ter mão
em si, e em todos esses Machos desenfreados do liberalismo, que tudo iria
uma maravilha! Não, não é por cá, que faz o Barco água. São vocês temíveis
Aquerontes, execrandos Barqueiros! Barqueiros do Inferno! São vocês, que
fazem tombos na Barca do Estado para a levarem a pique, ao mesmo tempo,
que outros trabalham no seu concerto!... São vocês, que ameaçam, e cavam a
nossa ruína. São vocês que atacam tudo a torto, e através!... Probidade, decoro,
decência, Culto, Religião nada escapa! Mostre-me, se é capaz, mostre-me
alguma Obra, Periódico, Folheto, ou Brochura, que fosse escrita por algum
corcunda contra a Religião, contra os louváveis usos de nossos Maiores, ou
contra as respeitáveis práticas do Cristianismo... Haverá um Militar, um
Magistrado, um Eclesiástico, ou um só Cidadão, que fosse enxovalhado por
algum Escritor Corcunda? Pergunte aos mesmos Cegos, e eles lhe dirão aonde
é que se forjam as infâmias, as calúnias as patifarias, que com tanta mágoa
da Religião, e da humanidade, se andam a apregoar por essas Praças!!!
Diga-me depois de tudo isto, quem é Constitucional? São vocês, ou
somos nós? Diga-me quem é que cava a nossa ruína? São os corcundas, ou
são os liberais? São os corcundas, que se calam, que sofrem, que obedecem?

Se quiséssemos combater inimigos denodados, faltaria-nos a força dos soldados e das


25

tropas?
Não há nada a temer da parte dos Cristãos, visto que o Apóstolo os proíbe de se rebe-
26

larem contra os Príncipes.

530
Ou são os liberais, que nutrem o divórcio, a desunião aonde só devia reinar
a harmonia, a unidade Cívica, e Religiosa? Fica sobejamente demonstrado,
que são os liberais, por cujo motivo:
Requeiro à Nação toda, que daqui em diante, tenha este vocábulo, por
objeto do rancor, do ódio, e da mais viva execração. Desterre-se dentre nós
um termo, que nada exprime em sentido Político, e que só foi inventado como
Prisma enganador, e com o véu que serve de encobrir maroteiras, patifarias,
e velhacadas. Somos todos Constitucionais, somos todos filhos, Membros,
Cidadãos de uma Nação Constitucional; de uma Nação, que quer ser livre
segundo a razão, segundo a Lei, segundo a Religião; mas de modo nenhum
segundo a licença desenfreada de um liberalismo irreligionário, anticristão,
antipolítico, anticonstitucional. Tudo isto, e mais do que isto, exprime o
termo Bonapartista = liberal.
E queixam-se estes diabos de que o Padre Macedo escreva contra eles? E
nós queixamo-nos, de que só ele apareça em campo! Glória eterna ao Gênio
Português... Sim és tu, sábio, e erudito Macedo; és tu o flagelo da Seita infame,
que medita perder-nos, e destruir-nos! Permite, que por esta vez me associe
ao teu zelo; ainda que tu não precisas de quem te auxilie. O teu saber, a tua
erudição, e sobretudo o teu estilo faceto, picante, e irônico irrita a bílis destes
sandeiros, e manhosos charlatões. Eles querem escoucinhar, e quanto mais
pinoteiam, mais se lhe enterra a espora... Pica, grande Macedo, pica, que pela
minha vergastada não há de ficar.

Adeus Senhor Liberal, perdoe a limitação, quando quiser mais...


Lisboa, Rua das Casas.
P. S. A respeito das seis questões que Vossa Mercê propõe como desafio
ao Padre Macedo... ele bem conhece, que você faz aqui o mesmo, que faziam
os Fariseus a Jesus Cristo, que lhe propunham certas questões, com o fim insi-
dioso, e farisaico de o pilharem pela língua = ut capperent eum in sermone.27 =
Destinguere tempora, et concordabis jura.28 Creio, que entende!...
Valle meu libertas Liberal.

FIM.

Para que o surpreendessem em alguma palavra. N.T.: Mateus, 22:15.


27

Distingue os tempos, e harmonizarás as leis.


28

531
45

MEMORIA
PARA PERPETUAR A GRATIDÃO
DOS

BRASILEIROS
E PORTUGUEZES COMPATRIOTADOS
NO

BRASIL.
POR A. de A. B.

RIO DE JANEIRO.
NA TYPOGRAPHIA DO DIARIO.
M DCCC XXII.

532
Nas abóbadas das nossas Fortalezas retiniam os gemidos da probidade
oprimida. Na Nau que serve de preziganga, e onde o malfeitor, para pagar
seus crimes, suspirava ao triste som de seus ferros, se ouviam de mistura
os suspiros do inocente. O Cidadão pacífico não estava seguro no seio de
sua família; desamparavam-se casas; fechavam-se portas, e os poucos, que
apareciam olhavam-se em silêncio, e lia-se no semblante de cada um = Caiu
sobre nós o maior poder do mundo; não é possível escapar-lhe; montões, e
montões de males vêm sobre as nossas cabeças. Ah! = Não se dava ao amigo
a triste consolação de lamentar em voz alta a sorte do seu amigo. Esposas
chorosas, filhos aflitos, Pais consternados! Eis o estado funesto, em que
esta Cidade se achava, quando o nosso Amabilíssimo Príncipe, o Perpétuo
Defensor do Brasil, e seu Anjo Tutelar tomou as rédeas do Governo.
Terei eu, de propósito, enegrecido as cores deste quadro? Ou antes lhe
faltam ainda muitas figuras, que o devem apresentar tão terrível como a
coisa o era na verdade? É triste a recordação de males: mas assim como a luz
aparece com mais vivo esplendor depois das trevas, é depois da contemplação
dos males, que sofremos que se pode dar o preciso valor aos bens recebidos
da mão portentosa, que nos tem libertado.
A Divisão, chamada Auxiliadora, soberba com os novos louros, que
se presumia haver colhido, não se fartava de insultar-nos. E poder-se-á crer
que o último de seus Soldados, e o Tambor mesmo, olhavam com insultante
desprezo para o homem de bem, que os nossos Oficiais Militares precisaram
respeitá-los como é preciso que um Soldado respeite a seus Oficiais? Mas
isto assim foi.
Muitos destes Soldados enfadados, por não realizarem um projetado
saque, se ajuntavam em companhias noturnas, e nos atacavam mesmo em
nossas casas; seduziam nossos escravos; apartavam-nos do nosso serviço, e
os iam vender.
Quem não pensaria que esta terra tão rica, ia bem depressa a ser deserta?
O temor se tinha apoderado de todos os corações. O Príncipe Regente era
moço, julgava-se ofendido, podia-se temer nele um Deus inexorável, um Deus
do antigo México; que se aprazia de que lhe imolassem em um só dia mil
vítimas! Mas ah! Este Príncipe vai já por ações manifestar-se! Ele principia
a exercer a sua Regência, e principia por exercer as funções mais augustas
de que a humanidade se pode gloriar.
Esposas chorosas! Filhos aflitos! Pais consternados! Sossegai; enxugai
o vosso pranto; porque o nosso Bom Príncipe não é o que temeis. Ele vai
dar as suas primeiras ordens, e os vossos Esposos, os vossos Pais, os vossos

533
filhos virão logo derramar em vosso seio lágrimas de alegria! O meu Coração
sobrenada em prazer; mas este prazer é muito grande; não pode ser conhe-
cido, senão por quem o sentiu.
Uma terna esposa, aflita, e consternada, por 15 dias não sessou de
chorar. Os males físicos sobrevêm aos males da Alma: enferma, quase sem
alimento, e descorada jazia: seu marido é militar; mas ele tem uma alma
sensível, quando os pequenos, que não cessavam de estar à porta, grita-
ram, à porfia, que era ele, (oh Céus!) ela não é já doente, ela corre, ela é a
primeira que o abraça: lágrimas, e lágrimas caem de seus olhos em silêncio;
mas este silêncio é muito expressivo! Ele foi o primeiro, que pôde falar =
Minha filha! Basta = Ah, disse ela, Eu não cuidei que vivesse até hoje; se tu
tardas... se tu tardas mais... daqui a pouco não tinhas quem chorasse por ti
= Oh minha amiga! Ele disse, pois tu que sabes a candura da minha alma,
a minha inocência, tu tinhas que temer a meu respeito! = Ah! Poupa-me,
por agora, disse ela, o dizer-te os horrores de que minha alma se tem visto
coberta!... mas crê que se a calúnia triunfasse, se não te valesse nada a tua
inocência, eu não viveria mais; iria morrer contigo. Sofre-se esta digressão,
em que o meu coração se tem desabafado, eu torno ao meu assunto.
O Príncipe Real começa a exercitar o seu poder, e o primeiro ato
deste poder é a suspenção das prisões, que durariam enquanto os Oficiais
da Divisão Auxiliadora não estivessem cansados de caluniar, massacrar, e
prender. Covardes! É assim que se fazem prisões a Oficiais muito beneméri-
tos, que longo tempo deram provas da sua fidelidade, e bons serviços? Para
homens muito obedientes não bastava a intimação de Ordem Superior? Se vós
conheceis a honra militar, para que prescindir dela? Era preciso que fosseis
assustar a minha família com doze baionetas? Era preciso que, no largo do
Convento da Ajuda, reforçásseis este número com mais quatro? Dezesseis
baionetas para mim! Indigno Oficial! Se tu avaliasses a minha força pelo
desprezo em que eu tinha, todo o teu Batalhão seria pequena escolta!
Afetavam zelar os direitos da Realeza, direitos, que eles já tinham
atropelado, e que estavam prontos a espezinhar, quando o seu fim era só
destruir-nos; malvados! Se nós não respeitássemos muito mais do que vós a
Augusta Casa Reinante, se não vos cobrísseis com hipocrisia, senão temês-
semos obrar de maneira, em que aparecesse a mais leve sombra de infideli-
dade, presumiríeis vós que a nossa Tropa, assim mesmo em desprezo, como
estava, enfraquecida, e acanhada não sobraria para rebater vossos insultos?
Tão covardes, e tão soberbos! Que raiva que manifestavam contra nós!
Indignos! Que tínheis vós que invejarmos? Não era o vosso soldo maior do

534
que o nosso na razão de 42 para 19?1 não tínheis Quartéis muito cômodos
enquanto o nosso pequeno soldo se consumia nos alugueis das casas? Não se
tinha profanado em vós os títulos de Heróis, defensores da Pátria, e amantes
do Rei? Não tínheis os peitos ornados com medalhas, que não trouxestes da
Europa? Vós nos aborreceis de graça mas ide-vos, e eu volto ao que serve.
O Príncipe Regente não é um Príncipe usurpador, que começa a esta-
belecer o seu poder sobre cadáveres; sobre a ruína de homens pacíficos, mas
que a calúnia, e intriga tinham feito suspeitosos; é o filho do nosso Rei. Ele
firma o seu poder nos corações dos Povos; ele tem perspicácia, conhece, e
declara inocentes, e manda pôr em liberdade os perseguidos da Divisão. Foi
este o primeiro dia de desgosto que ela teve no Brasil; mas, enquanto ela
se morde na sua confusão, que torrente de prazeres se derrama em toda a
Cidade! Aqui o amigo! Acolá o parente! Mais longe o compadre! Parabéns!
Parabéns! Abraços, vivas! Cada um se sente rodeado de pessoas interessantes,
que, em forma de acompanhamento, vão ser testemunhas da cena mais terna!
Eu esbocei em breve a entrada de um em sua casa. Não servirá o mesmo
esboço, com muito pouca diferença para todos? Os homens não são brutos;
eles têm, como as mulheres, lágrimas na dor, e lágrimas no gosto. Digam
todos se nesse lance não sentirão o coração comovido, e os olhos cheios
de água? Tão rápida mudança não se podia esperar só da nossa inocência;
porque nós tínhamos acusadores, e o Tribunal da Inconfidência era mais
sanguinário que o da Inquisição. Príncipe Augusto! Os doces transportes,
de que já falei, e de que vou falar são obras de Vossa Alteza.
O Cidadão, que andava fugitivo, ouviu o estrondo da nossa alegria; ele
corre a secar o pranto de sua família; de sua família desolada, que não tem
podido saber de sua sorte! Vinde Cidadãos! Que o nosso Príncipe vos chama;
mas não chegueis de repente; porque a súbita passagem da dor ao prazer
produz algumas vezes acidentes funestos, e a esposa que esta hora julga seu
marido submergido no fundo dos mares, e comido dos peixes, não se assuste
com a inesperada vista de um objeto, que lhe é tão caro! Ah! O quadro
patético destas aparições, se se pode conceber, não se pode desenhar. Meu
bom Príncipe! Se os ponderosos cuidados, com que as nossas circunstâncias
contrapesam a glória de Vossa Alteza, permitem um momento de descanso,

1
Os Capitães da Divisão chamada Auxiliadora tinham por mês.
De soldo..................................................................24$000-rs.
Um terço como Destacados.......................................8$000-rs.
De gratificação de Comando de Companhia...........10$000-rs.
Soma 42$000-rs.
E os da Terra já se sabe.

535
Digne-se Vossa Alteza de gozar nesse momento a doce contemplação do que
é fruto de sua Real Bondade. Está acabado! Eu disse no princípio que Sua
Alteza Real começou a sua Regência exercendo as funções mais Augustas
de que a humanidade se pode gloriar: e com efeito, Ele enxugou as lágrimas
dos que choravam, e fez cair a tristeza sobre os que tinham nos beiços um
sorriso maligno!
Assim dissipado o temor dos povos admirando-se no Príncipe um homem
Angélico, Ele entra nas árduas fadigas do Governo. Não houve Repartição
alguma que não sentisse logo a sua paternal influência. A justiça se começou
a administrar com mais prontidão, e os presos, que se achavam de longos
anos esquecidos nas enxovias, foram sentenciados, postos uns em liberdade,
outros a cumprir suas sentenças, e aquele, que, por seus nefandos crimes,
era digno de servir de terror, e exemplo aos que se inclinam à maldade, foi
também prontamente justiçado. Perseguiram-se os ladrões, e malfeitores
noturnos, e ter-se-lhe-ia em breve dado cabo, se a Divisão Auxiliadora não
fosse deles um manancial perene. Eu provo; porque desde a época, em que
começa esta Memória, até o dia 15 de Fevereiro deste ano feliz,2 ninguém
saía de noite que não fosse dizendo = Deus adiante = e de então para cá cada
um passeia a toda a hora, por qualquer rua, e mesmo por lugares esquisitos,
tão tranquilamente como em sua casa.
O Príncipe não descansa; em saindo do Despacho ele é visto nos Arsenais,
na Marinha, em todos os Tribunais, em todos os Estabelecimentos; e tudo
sente um progressivo melhoramento. Ávido do bem público, que não cortou
ele por si? Reduziu o número dos seus criados, e oficiais de Sua Real Casa.
Extinguiu as assombrosas despesas da Ucharia, e Cavalariça. Diminuiu os
empregados de Sua Real Capela, e fez enfim desaparecerem todos os consu-
midores, que, não utilizando senão a si próprios, tinham concorrido tanto
para a nossa decadência, pelo mau estado de nossas finanças. Pode-se então
regular aos Oficiais do Exército um soldo compatível com as suas despesas,
e o Capitão que recebia em papel 19$000 réis tardios, passou a receber
no princípio do mês 34 em moeda corrente, a dívida Pública se começou a
amortizar, e o crédito do nosso Banco se restabeleceu.
Entanto que Sua Alteza Real desenvolvia os seus talentos, e as suas
virtudes, o Congresso de Lisboa desenvolveu os seus crimes, e a Divisão
Auxiliadora tratava-nos como a uma Nação conquistada! Que não fez o
Príncipe para os congressar conosco? Mas aquelas bestas não cessavam de

2
De 1822.

536
escoicear. Eles se manifestaram mesmo nossos mortais inimigos associando-
-se às intenções do Congresso!
O Brasil estremeceu, quando viu o Sistema desorganizador de legisla-
ção para o Brasil! Sistema de recolonização, que arrancando-nos o Homem
Necessário a nossa prosperidade nos submetia ao despotismo constitucio-
nal de novos Baxás! Recolonização! E esta Cidade tão bela seria ainda o
desterro de outro Dom José Pedro da Câmara? E porque o Governador das
Armas conhecesse a família deste nobre sofreria o povo em silêncio os seus
insultos? Ancorariam ainda neste porto expedições navais, que tivessem por
Comandantes um Dom Manoel Locio, um Dom Pedro de Tancos? Viriam
eles à terra com os seus marinheiros; para se divertirem anavalhando em certa
rua aos que encontrassem pela direita, e noutra rua aos que encontrassem
pela esquerda? Se o Governador das Armas fosse outro Conde da Cunha,
tornaríamos a ver o homem de consideração civil contar tijolos, com senti-
nelas à vista, por ter tido a temeridade de aparecer à janela de barrete e de
chambre? Outro Pilatos poria na Cidade de São Paulo um Juiz Almotacé a
socar taipas, enquanto um General Lorena cedesse o Governo de Minas a
três prostitutas? Receberia o Brasil a Lei daquela mãe rigorosa, que de seus
grandes e de seus nobres lhe destinava tão odiosos presentes, e isto enquanto
o exemplo dos nossos vizinhos nos instigavam a que sacodíssemos o jugo?
Não. Isto já não era para o Brasil. Ele é já grande, conhecido, e até conside-
rado pelas Nações; ele havia de dar o grito da independência, formar as suas
leis e reger-se por elas, e os Governadores de suas Províncias bem como os
outros empregados públicos seriam os seus próprios filhos.
Mas, a que preço conseguiria o Brasil este futuro feliz, se o Príncipe não
tivesse anuído às suas representações! Se ele nos tivesse deixando sós a lutar
contra os nossos opressores? A Divisão Auxiliadora sabe que este Príncipe
tão previdente no governo é também um Homem de guerra. Quando ela
tomou as armas para nos obrigar (dizia) a ser felizes, ela se surpreendeu
vendo manifestar-se o talento político, e atividade militar daquele, a quem
o Congresso de Lisboa destinava ainda a aprender viajando! Era um gosto
vê-lo! Já com a pena na mão encarregando o governo das Armas a um General
Brasileiro, já depondo um Ministro de Estado Português, e nomeando em
seu lugar um Brasileiro; já com a espada na mão animada, e organizando
as nossas poucas tropas; outra vez com a pena depondo outro Ministro de
Estado Português!... No mar e na terra não sossegava. Chegou mesmo a passar
noites sobre a carreta de uma Peça, e a influência de Pessoa tão respeitável,
e com tão decidido amor pelo Brasil desenvolveu nos seus filhos o maior
patriotismo! Nós tínhamos pouca tropa; mas nos nossos pontos de reunião

537
se achavam milhares, e milhares de homens prontos a cingirem-se de armas.
Até mesmo os Portugueses (excluídos os satélites da Divisão) chamaram sua
a nossa Causa, visto que ela era a do Príncipe.
É principalmente por isto que nunca poderemos agradecer quanto baste
a Sua Alteza o quanto lhe devemos. Sem este Grande Mediador quem poderia
persuadir aos Portugueses aqui residentes que a nossa Causa era justa? Eles,
que nos tinham em desprezo! E até estavam autorizados para isso! Sim. Se
nós olhávamos para a nossa Marinha, os seus Oficiais eram Portugueses; os
primeiros Oficiais dos nossos Arsenais Portugueses. Empregados no Erário
e mais lugares de Fazenda Portugueses. Oficiais do Estado Maior, Coronéis,
e Brigadeiros Portugueses. Conselho Supremo Militar Portugueses. Numa
palavra em sendo lugar de representação, ou de lucro Portugueses! Só na
Magistratura é que haviam alguns Grandes Brasileiros; mas esse direito
tinham o ido comprar a Portugal, por mais dinheiro do que Claudio Lisias
comprou em Roma do direito de Cidadão Romano! Eram apóstatas do Brasil,
que professavam o Portugueísmo, e devia-se temer em cada Ministro, ou
Desembargador um Português refinado.
Não era pois o punhado de homens insubordinados, de que se compu-
nha a Divisão Auxiliadora Portuguesa, que nos aterrava: era a presença
de uma guerra intestina; guerra, que não terminaria sem que muitos filhos
fizessem a seus próprios pais mortíferos fogo! Terrível ideia! Antes um filho
do Brasil escusar-se-ia de tomar as armas contra os inimigos; porque seu pai
é do número dos Portugueses; mas então o ressentimento do Brasil faria um
crime desta ação piedosa, e a desgraçada família seria sacrificada!
Graças vos sejam dadas, Príncipe Augusto, cuja Real presença nos livrou
destes horrores! Falou Vossa Alteza, e os homens se persuadiram! Vossa
Alteza ameaçou, e os que serviram ao Congresso temeram! Mandou Vossa
Alteza e os nossos inimigos nos deixaram em paz.
Está acabado. Os partidistas declarados do Congresso de Lisboa foram-
-se como a Divisão Auxiliadora; se alguns ficaram entre nós, eles se disfarçam;
mas o Ministério vela sobre as suas ações, em caindo-lhe a máscara seguirão
o rumo dos primeiros; para nós não há daqui por diante senão bens a gozar!3
As Províncias que tinham chegado a contemplar esta Cidade como o foco
de onde emanavam os Regos com os seus Mermes, agora convencidos de que
aqueles Regos, e Mermes são Portugueses, é contra Portugal que voltam os

3
Falando do Rio de Janeiro, e outras Províncias: e é crível que a Bahia, com o socorro
de São Sebastião, já esteja livre da guerra, ou que a Legião de Diabos, a quem coube
afligir aquela Cidade exorcismada em nome de São PEDRO, e São Paulo tenha deixado
a possessa.

538
seus ressentimentos, e conosco ligadas pelos mesmos interesses sujeitam-se
espontaneamente ao Ministério, e nos protestam a mais firme e proveitosa
união. Já das sobras destas Províncias se aumenta o numerário comum, que
será em breve empregado na elevação da nossa Marinha; para que fazendo
respeitar as nossas Costas protejam o nosso comércio.
Sem estorvo será esta Cidade o empório do mundo, para onde as Nações,
que habitam desde o cabo de Kamschatka no Oriente, até o cabo de São
Vicente no Algarve, e desde o cabo da Boa Esperança, até o dos glaciais,
virão trazer o mais precioso de suas produções e o mais perito de suas Artes.
O China e o Persa nos importarão o chá, e a seda, enquanto o Inglês, e
o Russo nos exportarão o café e açúcar. Levarão o nosso ouro em bruto, e
trazê-lo-ão lavrado. Sairá o algodão em rama, e entrará tecido.
Ah! Na posse dos bens, de que já gozamos, e na ideia dos muitos, que
os políticos nos agouram, restaria ao Brasil que desejar, e temer? Sim. Devia
desejar a perpetuidade de sua fortuna, e podia temer que porventura, na
quinta, ou sexta geração do nosso Rei o Herdeiro do Trono não se adornasse
com todas as virtudes que adornam o nosso Grande Príncipe. E que seria dos
nossos vindouros se então nenhuma lei ligasse ao Brasil o seu Imperante?
Talvez que a prosperidade deste vasto País tivesse seu decaimento, por um
Ministério frouxo, e que Portugal, ou o Despotismo, nossos antigos opres-
sores viessem ainda a oprimir os nossos netos.
Por isso o Brasil representou a necessidade da convocação de uma
Assembleia Nacional (necessidade que o Príncipe conhece) ele não hesitou
em concedê-la; para que homens iluminados e escolhidos ao gosto da nova
Nação, formem o laço de Ouro que vai estreitamente ligar os seus Reais
descendentes à venturosa Pátria que os verá nascer, e, sobre este principal
fundamento, edifiquem a magnífica obra da Santa Constituição; para perpé-
tua felicidade do Brasil e exaltada glória dos seus Reis.
Brasileiros, meus Patrícios, e vós que fostes Portugueses; mas que sois
Brasileiros, por adoção, e que não conheceis outra pátria senão aquele país de
donde tirastes os preciosos socorros, que remetidos a Portugal conservaram
a vida a vossos pais, e difundiram o prazer entre vossas irmãs, aquele país
onde tendes feito, ou contais fazer a vossa fortuna, e que é Pátria de vossas
esposas, ou que será de vossos filhos! Está dito. Enquanto Portugal braveja
contra nós estragos e mortes, o filho do nosso Rei se dispõe belicoso a rebater
os seus golpes, e estabelece os alicerces da nossa fortuna.
Haverá algum dentre nós cujo coração perverso se deixe manchar da vil
ingratidão? Permita Deus que esse seja a execração dos Brasileiros, e vá ele
com seus descendentes habitar a terra que os Portugueses dominam! Quanto

539
a mim, eis aqui um pensamento que a minha gratidão me tem sugerido.
Que pelo órgão de nossos Procuradores façamos a este Príncipe adorado a
suplica seguinte:
SENHOR
Os Títulos que se unem à Sagrada Pessoa de Vossa Alteza, são de muita
glória para Vossa Alteza, e de muito proveito para nós; mas nós desejamos
que Vossa Alteza Real tenha um Título, que desperte para sempre a nossa
gratidão; o de LIBERTADOR. Não importa que ele traga a memória dos
nossos tempos infelizes; debalde daríamos ao silêncio o que o Mundo não
ignora, e o Mundo viu por mais de três séculos a cruel dominação, que o
Brasil suportou. Nós rogamos a Vossa Alteza nos permita que lhe demos
este Título: que possamos gritar no entusiasmo da nossa alegria = Viva o
PRÍNCIPE REGENTE CONSTITUCIONAL, LIBERTADOR, E PERPÉTUO
DEFENSOR DO BRASIL.

FIM.

Setembro 19 de 1822.

540
46

MEMORIA
SOBRE
AS PRINCIPAES CAUZAS, POR QUE
DEVE O BRASIL
REASSUMIR OS SEUS DIREITOS,
E REUNIR
AS SUAS PROVINCIAS
OFFERECIDA
AO
PRINCIPE REAL
POR
B. J. G.

1.º ANNO DA REGENERAÇÃO DO BRASIL


1822.
RIO DE JANEIRO:
NA TYPOGRAPHIA NACIONAL

541
MEMÓRIA
Sobre as principais causas, por que deve o
Brasil reassumir os seus direitos, e
reunir as suas Províncias

Por mais que um sistema de brandura, emprestado pelas santas máximas da


moderação, e da prudência, empregue todos os possíveis esforços de manter
projetos de pacificação, e serenidade; e queira o pacto conformista arredar
por todos os modos as aparências, que se lhe opõem, da perturbação, e da
desordem; já não pode este sistema, bem que angélico, e puramente teórico,
deixar de estremecer ao estampido dos horrores, que se veem descarregados
sobre o infeliz, e espezinhado Brasil; nem guardar por mais tempo aquele
forçoso (e por isso mesmo desculpável) silêncio dos débeis Representantes,
que têm nas Cortes.
A inopinada série de rápidas emanações, que desta Augusta Assembleia
tem rebentado no curto espaço de nove meses, ao mesmo tempo que dormem
em um profundo silêncio os importantes artigos, para que foi organizada,
depois de entreter em um estado espasmódico os ânimos Brasilienses since-
ramente constitucionais, não tardou a produzir aquela força elétrica, que a
um só tempo, a uma só voz tem abalado os mais pacíficos, e os mais cordatos
habitantes deste Reino inteiro. Uns ao princípio vacilaram sobre o melhor
partido a seguir, sem poderem convencer-se da incompreensível mistura, com
que se afiançava ao Brasil uma igualdade de irmãos, ao mesmo passo que as
prévias medidas já tendam a subjugá-lo. Outros porém desde o memorável
dia 26 de Fevereiro, que marcava a época da nossa desigualdade, tem levado
avante seus bem fundados pressentimentos, desde então sufocados pela
dourada pílula da Constituição. Mas hoje, depois de fuzilarem os raios da
perfídia, nem uns, nem outros já podem conceder às Cortes aquela pressuposta
insciência, e boa fé, que as poderia ressalvar sobre o estado destas Províncias.
Examinemos por partes as suas primeiras operações, e escutemos de sangue
frio as melífluas palavras proclamadas no seu Honroso agradecimento, se é
possível repeti-las sem contestar, sem ofender.

“Brasileiros! O Congresso não duvidava de vossos sentimentos patrió-


ticos, e liberais; mas ele respeitava o direito, que só a vós pertencia, de

542
manifestar competentemente vossos desejos... é preciso contudo, que
vossos deputados venham completar o quadro da representação nacional...
Brasileiros! Nossos destinos estão ligados: vossos irmãos não se reputarão
felizes, sem que vós o sejais também.”

Oh! Que tocantes notícias para um povo agrilhoado! Para um povo, que,
há três séculos gemia na antiga arbitrariedade, e no férreo jugo! Que trans-
portes de prazer viram-se derramados por todo o Brasil, já entretido com um
futuro respeitável, que ocupava a imaginação, e se divisava nos semblantes!
Analisemos porém (é revoltante de memorar-se!) quais foram seus resultados;
e quais os suspirados frutos desse lisonjeiro quadro de prosperidades!!
O Brasil de um golpe despojado não só do Poder Legislativo, como
também da posse do seu Rei, e até já decretado a perder o Herdeiro da
Coroa, que fazia o arrimo às suas esperanças, e já reputado como país
indecoroso para a habitação da Realeza. – A extinção do Poder Executivo,
e mesmo daqueles meios, com que todas as Províncias concorriam a manter
e esplendor do Trono, degradadas assim da categoria de Reino. A extinção
dos Tribunais Supremos, ficando os povos privados dos antigos recursos, que
tinham aos seus Negócios, assim como os Empregados públicos dos meios de
subsistência, com que mantinham milhares de pessoas inocentes. A desunião
das Províncias decretada não só dentre umas às outras, como também entre
as próprias autoridades constituídas em cada uma delas; e para cúmulo de
desgraças prometendo-se já liberdade à desenfreada escravatura, e tudo para
as enfraquecer, e as agrilhoar de novo pela força armada. – A privação dos
vasos de guerra e da artilharia, com que poderia defendê-las de alguma invasão
estrangeira, perdendo além dos antigos recursos, a própria defesa. Finalmente
o descrédito, o aviltamento, e o desprezo na pessoa de seus Representantes!
Eis em poucas palavras descrito todo o horrível quadro da prometida
felicidade! Haverá quem se atreva a negar, que cada uma destas privações
seja um golpe na liberdade, na honra, e na fortuna; seja um ataque à segu-
rança pessoal, e uma verdadeira pena? Que crime teria cometido o Brasil
para merecer tantas penas, e tão desproporcionadas? Receber o Rei com os
braços abertos, e de joelhos, sustentando uma Corte por espaço de 13 anos
com dispêndio de 360 milhões de cruzados? Receber impostos sobre impostos
com submissão, e respeito; e afinal jurar uma futura Constituição ao primeiro
aceno das Cortes?
São tão palpáveis, tão repetidos, e tão vulgarizados estes justos motivos
de ressentimentos, que já parece fastidioso repeti-los. Mas, sem preceder a

543
exposição destas poderosas causas, não pode o Brasil apresentar suas conse-
quências; isto é, fundamentar com justiça a resolução, que deve tomar, de
reassumir os seus direitos. Bastará tocar levemente sobre cada uma delas com
a possível concisão, e clareza.

1.as
A privação do Poder Legislativo,
e da posse do Rei, como país
indecoroso para a Realeza.

Os políticos, que têm melhor profundado as diferenças dos Governos, e


que os têm proporcionado à infinidade de causas locais, estão continuamente
declamando, quanto o Rei de um pequeno Estado é fácil de ser oprimido pela
força tanto estrangeira, como doméstica, em que o povo pode a cada momento
reunir-se, e conspirar-se contra o seu Poder. Esta doutrina é vulgaríssima; e
é este o mesmo caminho, por onde Portugal, depois de circunscrever a El Rei
nos estreitos limites de uma desordenada restrição, como se uma perfeita
nulidade da Pessoa do Monarca fizesse alguma prova da liberdade nacional;
pretende ao mesmo passo usurpar ao Brasil aquelas largas prerrogativas, que
lhe são inerentes, e não podem ser supridas pela estreiteza de Portugal, e sua
posição topográfica.
Todo o Português, ainda de um medíocre estudo, conhece esta verdade
de primeira intuição, assim como conhecerá, que desde o ano de 1807 ficou
a sorte do Brasil tão estreitamente ligada à sede da Monarquia, que já não
pode ser debatida sem a recíproca mistura de uma com outra. Mas este objeto,
que devia ser o frontispício de todas as discussões, como o preliminar mais
importante a debater-se, pois que dele dependem as importantes contestações
de ambos os hemisférios; contudo era preciso sepultar-se em um perpétuo
esquecimento, porque sem manifesta incoerência não podia ser abertamente
ventilado, e abertamente decidido.
Não percamos tempo em demonstrações, que até os estrangeiros já têm
publicado sobre a visível preponderância do Brasil;1 nem mesmo já é tolerável
aquela esquisita prosperidade futura, com que o espírito de partido a pretende
inculcar como eventual, ou falível. Basta confrontar-se as suas exportações
com as de Portugal, para saltar aos olhos que as deste apenas chegam à
vigésima parte das daquele; basta confrontar-se a população de quase cinco

1
Veja-se a erudita Memória de Langsdorf.

544
milhões de habitantes, para ver-se, que já é o duplo da de Portugal; e que
compreendendo os escravos, não deixam estes de ser outros tantos braços
de agricultura, que constitui o presente sistema fundamental do país, e de
dar suficiente movimento ao chamado Gigante sem braços. A prosperidade
é presente; e a diferença não pode entrar em linha de comparação. Mas
conheço um destes contraditores tão opiniático contra a grandeza do Brasil,
que não duvidaria queimar todas as cartas geográficas, e mesmo riscá-las da
compreensão humana, por ser este o único modo de esconder a vírgula de
Portugal, e forrar-se ao golpe de uma tão dolorosa confrontação.
São sempre tristes os esforços, que se ostentam contra a evidência!
Portugal, concentrado nas suas poucas, e rústicas necessidades, não foi
também Província dos Godos, dos Vândalos, dos Suevos, e dos Romanos?
Quem estimulou os Portugueses aos descobrimentos de Países remotos, senão
a estreiteza de seu território mísero, e insustentável? Que seria dele na última
desmembração da Espanha, se lhe não chegasse o socorro, que levavam as
frotas deste país, que agora se ataca com o título de indecoroso? Todas
estas verdade respiram involuntariamente dos cinco Indicadores das Cortes,
que estão sempre em tanta contradição com o sistema fundamental, que os
Políticos modernos, que já escrevem sobre esta matéria, não puderam deixar
de intitulá-lo mais Democrático-Monárquico, do que Monárquico-misto,
atendendo ao princípio de Direito Público, que manda derivar o nome daquele
Poder, que mais predomina.
Já não se duvida, que este último projeto de abater o Brasil seja também
o de abater Portugal, e que este seja mais próprio para reunir-se à Espanha.
Tudo, tudo se lhe pode conceder por um momento; mas pretender durar no
sistema de terror, e ser tão independente, como o Brasil, isto é um impos-
sível, é um fogo irrisório, e bem próprio de entusiastas mais talentosos, do
que judiciosos; mais amigos da popularidade, do que daquele siso, que devia
presidir a Negócios de tanta importância. É certo, que lançando um golpe de
vista sobre as Constituições antigas, achamos que Lacedemônia durou muito;
mas por que razão? É porque se contentava só com o seu território. O seu
fim era só a liberdade, e a glória; e quando Atenas a ocupou, foi apenas para
ser a cabeça de uma união de povos livres, e não de escravos.
É por essa série natural das coisas, que é sempre olhado com irrisão o
plano impetuoso de um estado pequeno e pobre! Acabrunhado pela própria
impotência cada particular se ocupa só dos meios de prover à sua subsistência.
Note-se, quais são as matérias que enchem os diários da luzida Assembleia!
Pobreza, e brigandage! E brigandage, em que (sem ironia) deve contemplar-
-se um Navio de trigo com maior atenção, do que as grandes Potências do

545
Norte! Se só a distância tem dado lugar a esta proposição contra as Potências
conterrâneas, que dirá o farto Brasil dividido pelo largo Oceano?
O único meio, que restava a Portugal, e a oculta âncora de toda a sua
esperança era ligar o Brasil como Colônia, monopolizar o Comércio da
maneira compatível ao estado das coisas, e desfrutar-nos por tanto tempo,
quanto fosse possível conservar o medonho terrorismo da força armada; mas
uma vez desenganados deste projeto, as paixões, e a cegueira serão em breve
tempo reduzidas a uma forçosa inação; o povo voltará para o interior da sua
república; e procurando cada um ter parte em todos os Negócios públicos,
só poderá recuperar aquela agitação, que o seu espírito já não pode dispen-
sar para exercer algum pequeno poder, que apenas servirá de lisonjear o seu
amor próprio.
No Brasil é o contrário. Um país rico, independente no todo, e indepen-
dente em cada uma das suas partes, é propriamente criado pelo Autor dos
destinos humanos para firmar o assento de um grande Império, em que se
pode melhor, que em Portugal, sustentar o esplendor do trono. Quão feliz já
estaria, se os seus Governantes, depondo a rebuçada medida de supérfluas
etiquetas, refletissem na sua posição, e nas suas forças! Um país, digo, tão
fértil, que diariamente cresce na sua opulência, e um país enfim já ligado pelo
Comércio de tantas Nações da Europa, e onde se tem enraizado os direitos
do homem; já não pode desaprender as predispostas ideias da liberdade, nem
gratuitamente deixar-se escravizar por estúpido. Inesgotável por todos os
três Reinos da natureza as suas produções já são quase incalculáveis, e fazem
aquela Arquimédica alavanca, que pode alevantar a Europa em peso, para não
dizer, que já a tem subjugado pela riqueza. Sim, caros irmãos Portugueses,
a riqueza é a Potência.

2.as
A privação do Poder Executivo, e dos Tribunais
Supremos do Brasil, degradado
da Categoria de Reino.

Em todos os tempos, e lugares, mostra a caduca experiência, que as


restrições de ideias, ou reservas mentais consentidas nas Leis, assim como
nos Tratados, têm sido sempre a funesta origem das discórdias, e roturas
entre os povos, assim como entre as Nações. A célebre, e extravagante cláu-
sula, com que nesta Cidade foi jurada uma futura Constituição, tal, qual

546
houvessem de fazer as Cortes de Portugal, foi certamente o vago princípio,
de que o mesmo Portugal se julgou munido para a salvo extinguir todas as
prerrogativas do Brasil, que acima descrevemos.
Se o contrato bilateral obriga a ambos os contraentes de maneira que o
direito, que dele resulta, deve ser simultâneo, e coexistente; é fora de toda a
dúvida, que cessando de uma parte esse direito adquirido, deve igualmente
cessar da outra a obrigação, que lhe é correlativa. Mas quando o contrato
é leonino, isto é, quando todos os interesses ficam de uma parte, e todos os
prejuízos ficam de outra; este contrato é por sua natureza nulo; porque de
uma oculta desigualdade nunca se presume ânimo de contrair: e logo que não
intervenha uma espontânea deliberação, vem o contrato a ter tanta validade,
quanta podem ter as palavras de um louco.
Quando intervém juramento, este segue a natureza do ato, a que acede:
donde vem, que se o ato é torpe, ou fisicamente impossível, assim como não
obriga pela justiça, é igualmente irrito pelo vínculo da iniquidade, verbi
gratia Henrique 3.º da Inglaterra foi absolvido pelo Papa Alexandre 3.º de
guardar o juramento prestado à Carta Magna; mas esta perfídia, apesar de
ser coonestada com a capa do Céu, deixou de ser prontamente reparada
pelos seus sucessores? Se o juramento pois recebe a sua validade, ou a sua
nulidade, segundo a natureza do ato, a que acede; é bem manifesto, que só
este ato é que regula os deveres do homem social, ou intervindo juramento,
ou desmanchado.
Como por estes princípios simultâneos, e correlativos mostra-se, que
Portugal nas disposições emanadas contra este pacto tem infringido não só
o contrato, como também o juramento, que acedeu, desatando desta sorte a
sua liberdade natural; é bem claro ter o Brasil ganhado também a faculdade
correlativa de reassumir os seus direitos, e de recobrar a sua liberdade natural.
São estes pois os fundamentos, por que se deve entender o Decreto de 24 de
Fevereiro de 1821, que aprovou no Brasil a Constituição, que se havia de
fazer em Portugal, segundo o pacto expressado no mesmo Decreto, mas não
acrescentando-se a exótica, e inconsequente cláusula do tal qual; pois que
então seria um Decreto tal, qual dele se seguia o absurdo de mudar as leis
físicas do Universo, supondo-se o Oceano subvertido, e ligadas as costas do
Brasil com as de Portugal, para ter cabimento as disposições de vizinhança.
Com efeito, como do Brasil pode caminhar-se diariamente a Portugal
para os recursos dos Tribunais, bem como para fixar-se as forças de terra,
e de mar com as diferenças da paz e da guerra pela maior parte invistas?
Como esperar a criação dos Empregos públicos de todas as repartições;

547
procurar propostas do Conselho de Estado, e confirmações do Rei; e até
mesmo esperar, que se discutam em Cortes objetos de sua natureza rápidos, e
incalculáveis? Eis aqui a impossibilidade física, que o Decreto não podia, nem
pode desmanchar; eis aqui a precisão de entender-se coerentemente fundado
nas bases de direito Público, que são invariavelmente em qualquer governo,
mas nunca para arrancar-se do Brasil tantos artigos mudáveis, dependentes
do local, e como tais reconhecidos por todas as Constituições do mundo.
Todas elas têm atendido, porque é preciso atender, às diferenças dos
lugares; e nenhum exemplo é mais terminante, do que o da Espanha sobre as
Américas, onde há muito, permitiu-se, que pudessem constituir seus corpos
Legislativos. Se os Russos reconheceram a necessidade de fazer-se na Polônia
uma Constituição separada da sua, apesar de estar na mesma parte do mundo,
por que não hão de reconhecer os Portugueses a mesma necessidade, que
é ainda mais urgente em um outro hemisfério? Finalmente não precisamos
mendigar exemplos nas Nações estrangeiras. O Senhor Soares Franco, homem
talentoso, e Secretário atual nas Cortes, escrevendo um tratado sobre o
governo de Portugal no tempo, em que El Rei estava no Brasil, mostra com
a maior clareza a possibilidade de ficar Portugal com todos os três Poderes
sem haver precisão de receber as leis do Brasil; e prova, que esta medida em
nada transtornava o sistema da união. Acaso não poderá o Brasil traçar o
mesmo plano, e com a mesma possibilidade? E nem ao menos ter um Poder
Executivo, e seus Tribunais Supremos? Qual será o motivo da diferença?
Não obstaria a distância das Províncias, se estas não estivessem inde-
pendentes pelo Decreto das Cortes, uma vez que para Portugal os recursos
são sempre mais difíceis, e mais arriscados, do que do Brasil para o Brasil.
Até os mais quietistas, trabalham por salvar a contradição dessa Política no
suposto princípio de ser impraticável o concurso dos Deputados para um
centro comum; e não se envergonham de concluir, que o Brasil para o futuro
não deixará de ser a presa de diversas Nações. Mas desta mesma conclusão
tira-se um argumento contraditório. Se para o futuro há de ser este país tão
retalhado, e tão desgraçado, como se pretende fazer; é uma consequência
necessária, que para esse futuro deverá progredir na opulência aquela Nação,
que mais antiga for, e for mais sólida no começo de seus estabelecimentos;
ficando mais preponderante aquela que primeiro radicar-se em bases mais
antigas, e mais duradouras. Posto isto, pergunta-se não será melhor prevenir
em tempo, consolidando-se todos os Estados num só edifício inabalável, o
mais antigo, o mais formidável, e o mais preponderante, quando algum dia
aconteça desmembrar-se algum ângulo da sua vasta extensão? Triste humano

548
capricho, amigo do maravilhoso, que concentrando-se no seu bem constitu-
ído, mas apertado Portugal, bem como um dos pequenos Estados da Itália,
qual será então o seu grande abatimento, vendo fugir-lhe das mãos as mais
extensas, e as mais ricas possessões que tinha!
Bem perto estaria essa fatal experiência, se o Brasil, como parte mais
ponderosa da Nação, e por isso mesmo mais capaz de conseguir o seu justo
projeto, não a pudesse evitar, e até se por um dever de caridade Cristã não se
propusesse arredar de princípios o cego entusiasmo de seus irmão Europeus.
O Brasil bem conhece, que Roma sustentava as suas conquistas longínquas,
onde o Senado não podia lançar os olhos, por meio dos Pró-cônsules com a
despótica reunião dos poderes, e com tanta contradição, que os seus habi-
tantes não eram julgados pelo povo, segundo o privilégios de Roma, porém
sim por estes Baxás da República revestidos de autoridade civil, Militar,
Legislativa, Executiva, e Judiciária. O Brasil bem conhece, que no Império
Romano os homens livres eram extremamente livres, e os escravos extre-
mamente escravos, que é o mesmo, que certo Político moderno observa a
respeito da avara liberdade Inglesa. Mas semelhante lembrança de Portugal,
segundo a rotina das antigas conquistas, é hoje no Brasil um ridículo objeto
de mofa, que nenhuma compatibilidade pode ter com o estado de suas luzes: e
mesmo prescindindo desta diferença, observe-se, qual foi o resultado daquela
contradição Romana? Foi, que nas conquistas longínquas olhava-se a perda
da liberdade de Roma como desejada época do estabelecimento da sua.
Deve o Brasil desta sorte desenvolver a marcha do sistema oculto
daqueles poucos espíritos superficiais, que tanto comprometem as Cortes,
e aos Portugueses beneméritos os mais sensatos, e os mais zelosos, que as
compõem. Só de certos tafulos da moda, que se nutrem dos aplausos da
populaça pelos rasgos de temeridades, têm provindo todos os nossos males;
pois que só estes é, que pela maior parte saídos da miséria, e invejosos de
que um só Rei tirasse do Brasil tantas vantagens, procuraram entrar nesta
imensa partilha. Não há aquele suposto combate entre os habitantes dos
dois hemisférios para ganharem a presença do Rei; é certo cloubs [clubes],
ou fonte destas empresas, que bem conhecem, que não é em Portugal, mas
só no Brasil, onde se funda toda a esperança da Nação; e que é só no Brasil
onde descansa aquele imarcescível germe da opulência, porque o grande
Pombal afrontava as Nações estrangeiras com as arrogantes palavras Nós
podemos passar sem vós, e não vós sem nós.

549
3.as
A desunião das Províncias, e a privação
dos vasos de guerra, da artilharia,
e até da Pessoa do
Príncipe Regente.

A Família Tártara no tempo, em que dominou a China, guardou sempre a


Política de não desesperar estes povos vencidos, e nem assoberbar muito os
seus vencedores; conservando tanto os Tribunais, como o corpo das Tropas,
metade Chinas, e metade Tártaros, a fim de espalhar os conquistadores por
todo o vasto território sem enfraquecerem-se, mas antes com esta mistura
fazerem-se capazes de resistirem incorporados tanto às guerras civis, como às
estrangeiras. Mas estando o Brasil já muito aguerrido nestes Asiáticos manejos
desde o tempo dos Capitães Gerais, não pode deixar de preveni-los por meio
de uma escrupulosa Constituição, e Constituição, a que se propunham muito
antes do projeto de Portugal, por serem as suas causas mais urgentes, e mais
antigas. Se o violento estado de treze anos de colônia foi quem despertou
Portugal a sacudir o jugo do Brasil, que diferença não apresentará este com
a experiência de três séculos?
A Política, bem como a Religião, em todos os tempos tem flutuado sobre
os mares da superstição, e dos sofismas; e por mais sólidas, que pareçam as
bases das humanas instituições, elas vêm sempre minadas por aquele espírito
de partido, que não sabe edificar a sua glória, se não no cego entusiasmo,
e no interesse. Mas... (funesto engano) quando o estado da opressão, longo
tempo suplantada por um bárbaro jugo, tem chegado ao extremo de desgraças,
que despertam o rompimento da desesperação; e quando as luzes do século,
desenvolvidas dentre as trevas, que a ofuscavam, têm chegado a proclamar
os sagrados direitos do homem; jamais pode um novo despotismo recobrar
a odiosa, e antiga preponderância, e nem retrogradar para a estúpida barba-
ridade estes luminosos resultados da dissolução, e da carnagem.
O infeliz Brasil (infeliz desde o berço) lamentando a perda de tantos
filhos, cuja lembrança horrenda não cessa de despertar outros tantos imita-
dores, parece tomar já uma firme resolução de arrostar perigos, de recobrar
da mesma natureza do ataque às desejadas metas de uma bem entendida
liberdade. Embora se pretenda reproduzir o subversivo sistema de separação
das Províncias, aquele rançoso princípio de cimentar discórdias entre povos

550
unidos pela natureza, e há muito, guiados pelo farol da razão, e da verdade.
Jamais deixará de ser ligado em um só corpo, quando o interesse geral viva-
mente gritar por toda a sua extensão. Depois de recobrar-se os frutos de tão
pesados sacrifícios, já se não desaprende; já agora tem o Brasil ganhado a
elegante atitude de reclamar os seus direitos.
Não obste o suposto atributo de luxo, e de moleza, de que é falsamente
arguido pelo estúpido, e vago espírito da moda. Todo o homem em todo o
clima, seja um Morgado, seja um peão, logo que se sente em um estado tal,
que pode preencher as precisões da vida, falta-lhe a necessidade do trabalho;
faltando a necessidade do trabalho, cresce aquela inação, que se observa
mesmo nos climas temperados, quando se vive no seio da abundância. É
pois neste fértil país a abundância dos viveres a causa do seu atrasamento;
a facilidade de subsistência a causa do ócio, e da inércia; e a riqueza, que
parece marcar a base de uma duradoura felicidade, torna os seus habitantes
indiferentes àquilo, que se chama ambição; pois que são tão ativos e tão férteis
em ressursas [sic] do engenho, como por isso mesmo inaplicados à aquisição
de riquezas; por cuja causa é menos precisa uma Constituição Política, que os
anime à indústria, do que uma, que os faça amar a opulência. E que se lhes
responderá, quando argumentarem, que da própria temperatura do clima
nutrem aquela ardência de caráter, com que muitas vezes tem rechaçado os
invasores estrangeiros? As histórias da América estão cheias destes prodígios
de ardor, mesmo no tempo, em que a sua população era menos numerosa,
e menos iluminada.
Só um oculto espírito de partido nimiamente desordenado pelo interesse
privado, ou pelo depravadíssimo gosto de dominar, poderia iniciar em Cortes
uma segunda queda da liberdade do Brasil, despojando-o dos vasos de guerra,
de artilharia, e de todos os meios de sua natural defesa, e até da Presença do
Príncipe Real; medidas estas tão visivelmente contraditórias aos interesses
de Portugal, e ao estado de toda a Nação, que aqueles, que se animarem
a defendê-la, tão longe estão de serem Constitucionais, que devem ser até
castigados como verdadeiros motores da separação Portuguesa.
É este um dos fenômenos, que maiores abalos tem produzido no meio
das revoluções, quero dizer, o encadeamento de opiniões ocultas, que só se
deixam perceber pelos seus efeitos: tais são os que ainda rolam sobre a saída,
ou não saída do Príncipe Regente, que tanto tem divergido os espíritos retos,
e bem-intencionados. Entre as diversas ramificações dessas opiniões eu vejo
duas, que são como troncos capitais, donde se destacam todas as outras,
ou acertadas, ou delirantes. Uma dos entusiastas, que levados só da inveja
contra o Brasil, vingam-se com o imaginário conceito de colônia; outra dos

551
egoístas (se o interesse não é sempre a bússola dos partidos) que atribuindo
ao mesmo Brasil uma opulência diametralmente oposta, só se curvam à
devoção do Francklinismo para ocuparem os maiores empregos da esperada
Democracia. É esta a verdade nua, e crua; e é este o nó das difusas contesta-
ções, que nascendo de opostos interesses, ainda formam um só corpo, que
tem por fim a saída do Príncipe.
Examinemos os primeiros. Estes são os que por um cego rancor contra
o Brasil, fizeram violar o juramento, que os Portugueses certamente não
violariam, se por eles não fosse submetido a pretexto de não haver mesmo
Brasil quem entendesse a palavra Constituição para comensurar perfídias.
Quereriam porventura que todo ele fosse um povo composto só de homens
literatos? Observe-se, quais são as matérias impenetráveis ao rústico Brasil,
que não se achará mais, do que uns princípios trivialíssimos, assaz repetidos
pela chusma dos Publicistas, que de ordinário só contém algumas modifica-
ções para engrossar o Comércio da tipografia. Lancem-se os olhos sobre o
Universo inteiro, e examine-se, quem tem elevado os Impérios a sua maior
grandeza; quem mais engrandeceu Portugal, foram os Portugueses, ou um
raro Pombal? por que não aparece um segundo agora, que o liberalismo tem
desafiado os mais sábios, e os mais talentosos da Nação? Em todas as idades
do mundo um só homem é sempre quem faz a glória, e a magnificência dos
Estados: um Frederico 2.º, um Pedro Grande, um Luiz 14, e enfim um espírito
criador; ou homem de gênio é sempre quem grava nas bronzeadas lâminas
do futuro o nome, a honra, a opulência, e o respeito das Nações. O Brasil
está nas mesmas vicissitudes das coisas humanas: basta que se desenvolva
algum destes gênios para fazer o terror do Universo. E enquanto porém aos
cinco iniciadores das Cortes, bastaria um espírito medianamente arranjado
para equilibrar a segurança do Brasil contra a torrente de contradições, em
que se acha envolvido.2
Quanto porém aos Francklinistas, estes são mais que suficientes para
prova daquele iluminismo, que certamente Portugal não tem previsto.
Incapazes de se acomodarem a uma mediana liberdade eles têm surdamente
promovido as suas empresas, há muito calculadas, e bem refletidas: confor-
mistas na externa aparência, com que azedam os ânimos do povo contra os
abusos da Constituição, não cessam de predispô-los ao seu futuro rompi-
mento, convencidos de que Portugal, depois de perder o Brasil, passará a
ser um Estado de Licurgo, único compatível à sua estreiteza, e acanhada
proporção.

2
São 136 Decretos. In corruptissima Republica plurimæ leges. Tácito, Annaes.

552
E o mais é que este Reino, depois de ser soberanamente emancipado,
isto é, quando as vizinhas dominações da América haviam por meios
violentos sacudido o jugo Europeu, ao mesmo tempo que nos lisonjeamos
de ter vindo o Rei em Pessoa emancipar-nos, o Brasil, digo, se fosse agora
despojado de seus vasos de guerra, e artilharia; e ressentido do inopinado
abandono do Herdeiro da Coroa, não tardaria muito a ser presa desse sistema
Democrático, e a melhorar a sua condição por qualquer forma de governo,
que tendesse a aproveitar-se de todas as possíveis vantagens, ainda debaixo
das mais duras condições. E para consegui-lo bastaria inspirar ao povo o
amor da glória, pois que já existia a sua predisposição, que é a paixão da
pátria. É sempre venturoso um povo, quando é movido com regra.
As esquadras Portuguesas são impotentes para o grande detalhe de uma
reconquista de povos civilizados; e um tal projeto provocaria as Nações
mercantes, e os Governos iluminados da Europa cheios de doçura, e huma-
nidade, que jamais dariam socorro contra a liberdade dos povos,3 e nunca
o mísero Portugal lhes poderia oferecer tantas vantagens, quantas podia o
Brasil franquear-lhes, bem como as de um mercado de primeira mão. Então
precipitar-se-iam as Nações em montão a repartir o país; umas prestando
auxílio para apoio da independência a troco de certas vantagens mercantis;
outras firmando liga ofensiva, e defensiva para a recíproca prosperidade;
e outras enfim ou conquistando, ou por voluntária recompensa da garan-
tia repartindo todo este território. Mudar-se-ia a face da terra; e Portugal
concentrado ao nada, donde saiu!!!
Tais seriam as forçosas consequências das mal calculadas medidas, com
que neste século das luzes, e das ciências se pretendesse agrilhoar o Brasil,
manietar, e desarmar este colosso imenso, que estando numa posição fron-
teira, pode dominar a Nação espalhada pelas outras três partes do Globo!
Façamos um paralelo destas medidas hostis com as que foram empregadas
contra Portugal pela dominação Espanhola, que diferença se não descobre?
Que Portugal com seu liberalismo pretendeu enfraquecer mais o Brasil em
nove meses, do que fizeram os Filipes sobre o mesmo Portugal em sessenta
anos!... Contra Portugal não digo bem, contra cinco, ou seis indiscretos
perturbadores das Cortes, é que deve o Brasil um dia alçar a voz e proclamar
com o símile da linguagem seguinte

3
Livrar um povo oprimido é ganhar um amigo fiel. O cantão de Schwcitz arrancou o país
de Glaris à casa da Áustria. Glaris foi recebida na confederação Helvética, e formou o
6º cantão.

553
“Perturbadores de Portugal! Nossos destinos estão ligados; vossos
irmãos do Brasil não se reputarão escravos, sem que vós o sejais também.
Recordai a heroica resolução, que o Brasil mostrou contra a dominação
Holandesa... E para completar agora o quadro da sua representação, tanto
o Brasil amou a Dom João IV, como hoje ama a sua prole.”

4.as
O descrédito, o aviltamento,
e o desprezo na pessoa dos
Representantes do Brasil.

Todos os tratos de vilipêndio, com que são olhados os nossos Repre-


sentantes, podem-se resumir ao que se acha nas atas da propaganda na Sessão
de 3 de Agosto, Diário das Cortes N. 143, quando o Senhor Margiochi, antes
de ouvir os votos do Brasil sobre a extinção da escravatura, já os removia
com as terríveis formais palavras: se os Deputados do Brasil vierem com
princípios contrários a estas indicações, não devem ser até admitidos aqui.
Se, quando Thomas Hobbes refundia as máximas as mais detestáveis
para exprimir o caráter de um malvado, encontrasse uma tão desorientada
indicação, certamente esconderia o seu infante robusto; e se as revoluções
da Inglaterra fizeram odiosa a memória deste Filósofo, por ter excitado a
desigualdade civil com a regra de que a razão do mais forte era sempre a
melhor; é ainda mais para sentir, que numa tão iluminada Assembleia, como
a Portuguesa, apareça quem lhe consagre os mais ardentes cultos, como um
modelo de verdade, e de justiça! Quem diria, que uma nova Metempsicose
renasceria no século 19 no corpo do Senhor Margiochi!
É ainda mais lamentável o silêncio, em que ficou uma tão inconsi-
derada declaração de guerra, quer fosse deste só Deputado, quer fosse de
maior número. O Congresso proclama, que respeita os direitos, que só aos
Brasileiros pertencem; convocam-se estes como Irmãos para pugnarem por
estes direitos; e assenta-se já de os não admitir, quando queiram pugnar
por estes mesmos direitos!!! Há uma contradição mais palpável, e mais
escandalosa? Poderá considerar-se como perdido o tempo empregado numa
discussão de boa fé? Como pode já decidir-se, que aquele, que pedir a pala-
vra, não terá nada útil a dizer? Ninguém hoje ignora a lição dos críticos

554
dos Estados mais livres da Europa, que têm desertado sobre o método, e
arranjamento dos Corpos Legislativos, e que têm demonstrado as decididas
vantagens, que diariamente se colhem de admitir-se réplicas sobre réplicas,
e tudo quanto pode esclarecer a Assembleia.
Ainda mesmo a opinião chamada de maior número, uma vez despida
de provas, diz o profundo Bentham,4 é argumento sem força; porque de
ordinário é devida a duas, ou três pessoas, que se supõem tê-la examinado a
fundo, e em quem os mais descansam, para evadirem-se a um sério exame,
de sorte que aumentando-se de dia a dia o número destes sectários crédulos,
ou preguiçosos, vem isto mesmo a ser um novo penhor para o resto se não
atrever a examiná-la. Quantas vezes um Deputado reduzido à necessidade de
crer o que todos creem, só por se não reputar faccioso, e por não contradizer
a venerável antiguidade! Desta sorte a opinião de grande número (conclui o
Autor) deve respeitar-se como forte; mas não se considerar como boa, nem
como uma regra de legislar.
Em que estado estariam nossos povos de Goiás, se não se emendasse
o projeto da Constituição, quando na descrição do território Português
omitiu-se essa extensa Província? Quem governaria o Rio de Janeiro regu-
lado por uma Junta composta (diz o Projeto) de tantos Membros, quantas
fossem as suas Comarcas, não tendo mais, do que uma? Eis aqui qual seria
o esclarecimento do Senhor Margiochi, se por um tom categórico tivesse
dispensado ouvir, e emendar estas matérias!
Sobre tanto erros, e tão repetidos, que para evitar bastaria a mais ligeira
notícia destas Províncias, acresce não só a falta de polidez, e respeito, que
devia ser inseparável de um Soberano Congresso, mas também a picante
incivilidade, com que toscamente se removem os Irmãos, e colaboradores
de uma Constituição! Bastavam os rudimentos do Direito Público para
reconhecer-se, que os Deputados estavam a coberto de toda a violência,
durante o tempo de seu Ministério, como se observa nas Dietas do Império,
nos Parlamentos de Inglaterra, e em todas as Nações cultas da Europa, pois
que ninguém já pode ignorar, que as relações, que há destes Representantes
para com o Soberano Congresso, são as mesmas, que há da imunidade
dos Embaixadores de Estado a Estado. Mas não será supérfluo lembrar
ao Senhor Margiochi, que os Turcos metem em prisões, e maltratam por
todas as formas os Embaixadores das Potências, com quem querem romper.

4
Tratado dos Sofismas Políticos.

555
Tal o favorito terror de anticonstitucional, com que se sufocava a voz
do ilustre Basto, que opinava contra a impolítica emissão de Tropas para o
Rio de Janeiro. Quem nos ataca, ataca a Constituição, é a frase ordinária
ad metum. Confundir uma simples réplica contra abusos da Constituição
com a inimizade da Constituição é uma escandalosa injustiça. Pelo contrá-
rio, pelo grande amor à Constituição é, que a desejamos ver em mãos mais
hábeis, e mais puras. A segurança dos povos não depende da estima, ou
desestima de uma réplica, antes é um meio de firmar melhor a moção, dando
um indício das disposições do Público, como um poderoso instrumento
para retificar as opiniões desvairadas. Quanto mais, que nesta luta tem o
ofendido um caminho aberto, e com maiores vantagens sobre os rústicos
do Brasil pela proteção (com desgosto o repito) de seu partido Europeu,
pela facilidade das provas, e pelos favores do Governo para empenhar em
seu apoio os mais hábeis defensores da Assembleia. Até seria mui suspeita
a honra daquele, que só aceitasse este Cargo com a condição de não ser
contestado! A verdadeira honra chama os exames, e desafia as acusações.
Todos sabem como a censura na Inglaterra é livre, e como a Representação
Nacional costuma ser vivamente atacada.
Com razão diz o Abade Raynal5 = Ao momento, em que se tem elevado
no centro da Nação um novo fantasma, que toca as vistas da população,
erige-se quase sempre uma nova classe de tiranos subalternos = Ainda sem
aplicar esta verdade inconcussa a nossa Assembleia Legislativa, é inegável,
que só se ouve falar uma menos que a décima parte. O Congresso quer – É
o Sistema do Congresso – O Congresso da Nação Ordena – vozes estas,
que sendo escutadas com espanto, acabam por ser tomadas como Ordens
Soberanas. Proibir pois o progresso de uma indicação começada, é desi-
gualdade tirânica, e proibir arrogantemente, que os Deputados do Brasil
exponham os seus princípios, é o mesmo que se dissesse, ó Deputados do
Brasil, eu quero provar por todas as maneiras as mais insensatas, e as mais
atrozes, que este Congresso só é para nós; nele se não discute por vós,
nem para vós; e se algum Brasileiro tiver a temeridade de me contradizer;
uma série de desgraças o privará da faculdade de cometer uma segunda
indiscrição. Eis aqui o forçoso silêncio da nossa Representação, o quadro
da liberdade, sobre o qual só um Bispo de Elvas poderia agora retraçar um
patético colorido!!!

Histor. Filosof. e Polit. dos Estabelecim. dos Europ.


5

N.O.: História Filosófica e Política dos Estabelecimentos dos Europeus nas duas Índias,
1770.

556
Não acontece assim no Brasil. A liberdade de pensar está radicalmente
garantida por um Príncipe Magnânimo, e Justo. Qualquer Cidadão, como
proprietário da Lei, constitui-se na legítima obrigação de lembrar os meios
de salvar a Pátria. Em toda a sociedade bem ordenada (é doutrina corrente)
não deve haver matéria, sobre a qual se não possa livremente falar; quanto
mais grave, e mais difícil for, tanto mais importa ser discutida; proibir
o exame é desconfiar das suas operações, ou mostrar certeza de que são
más. Ainda nos mais despóticos Estados do mundo seria preciso deixar
ao oprimido a liberdade de se lamentar; porque o descontentamento, que
se evapora, diz um Político moderno,6 não é o que mais se teme, porque
as revoltas nascem daqueles que reconcentrados em si mesmo, exaltam-se
pela fermentação interior, e desenvolvem-se por efeitos tão rápidos, como
terríveis. Infeliz do Soberano, quando aumenta a opressão sobre seus povos,
e a murmuração cessa!
São portanto necessárias as réplicas, e as censuras não só nas discus-
sões dos nossos Deputados as mais renhidas, as mais severas; mas também
no mesmo Brasil, pois que tão longe estão de ofender, que pelo contrário
podem muito favorecer aos costumes, subministrando um freio ao vício,
e um terror ao vicioso. Só a estes Deputados do Brasil, digo, pertencia o
proporcionar bem uma legislação ao seu país, porque só eles podiam ter
conhecimento do local, da qualidade do clima, e sua abundância, e por
consequência da tolerância mais fácil, ou do sofrimento mais forte de seus
Concidadãos; das máximas, e costumes dominantes; e finalmente de todas
as particularidades do terreno, suas produções, e seu comércio, que devem
constituir o espírito do Sistema fundamental. O que nunca se poderia preen-
cher pelos que habitam na enorme distância de Portugal, até porque estes,
sendo estranhos a tudo, pelo depravado gosto de dominar, não poderiam
ter tanto interesse de seu bom regime, como aqueles, que são filhos do país,
ou são nele proprietários. A justiça naturalmente segue a propriedade.
Só estes, torno a dizê-lo, é que tocados da confiança de uma liberal
Constituição deviam ser encarregados do cuidado de seu país; eles fariam
uma glória, e até uma felicidade de embelezá-lo, e de criar todas as doçuras
de uma sociedade civilizada. E por consequência só estes é que poderiam
fornecer medidas mais próprias, e mais adequadas, tanto a respeito da
necessidade, ou desnecessidade de força armada, como a respeito do árduo,
e espinhoso artigo da escravatura, contrabalançando os sacrifícios da falta

Diderot. Pensam.
6

N.O.: Denis Diderot, Pensamentos Filosóficos, 1746.

557
da agricultura com esta justa causa da humanidade, e marcando de uma vez
a segurança, e a lentura, com que, sem ofensa dos direitos de propriedade,
poderia então terminar-se este infame comércio, introduzido pelo feudalismo
da antiga Europa.
Esgotados estes preliminares com a madureza, e a circunspeção, que
coubessem ao nosso alcance, teriam então lugar as últimas, e profundas
discussões do Congresso para a sanção final. Desta sorte nenhum receio
haveria, de que faltassem no Brasil bons governos Administrativos, unifor-
mes, e coerentes ao Sistema Constitucional; e seriam os Decretos das Cortes
tão precisos, tão claros, e tão bem adaptados aos Negócios obvenientes,
que os Brasileiros, ainda os mais inertes, já não poderiam ser acusados de
indolência, de ignorância, e de inaplicação; antes ganhariam um novo gosto
pelo interesse público, e aquele calor científico, que é sempre o resultado
de um governo livre.
Dispensar arrogantemente estas ideias é dispensar a legitimidade de uma
Soberania Nacional, é atacar diretamente uma parte da Nação, e inculcar
as discussões das Cortes como um objeto impenetrável aos seus legítimos
Reformadores. Mas quem deixará de penetrar na manifesta hostilidade,
com que se pretende inculcar o Brasil tão ignorante, e tão barbarizado,
que seja suscetível da sonhada recolonização? Quem crerá, que no século
o mais esclarecido, no tempo, em que os direitos do homem têm sido mais
severamente discutidos, e debaixo de um Governo, que se proclama benfeitor
pretenda-se contra as fórmulas Constitutivas do Estado sufocar a voz dos
Legisladores dedicados para combater os erros? Quem poderá conter-se
indiferente a um semelhante desafio tanto mais reparável, quanto mais alto
se considere o luzido Congresso, donde tem emanado?
A morte política do exangue Portugal será um resultado inevitável. Que
se pode seguir do enunciar esta verdade? O famoso Galileu foi queimado
em Roma por ensinar a doutrina do movimento da terra, e não do sol. Que
se seguiu desta barbaridade Romana? Queimar-se-iam também em Roma
as leis físicas do equilíbrio, e do sistema solar em cada uma das órbitas?7

7
Nunquam aliud natura, aliud sapientia dixit Juvenal.
N.T.: Nunca a natureza alude a uma coisa e a sabedoria a outra, disse Juvenal.

558
SISTEMA DA REUNIÃO

Até aqui poderia ter a presunção de merecer alguma aprovação; mas agora
passarei decerto a desagradar à proporção, com que for tocando nos interesses
de cada um. Veritas odium parit.8 Mas tal é o apego à verdade (embora se diga,
que é mais devida ao gênio, do que à virtude) que tendo na minha cansada
carreira suficiente experiência de seus funestos resultados, nunca poupei, e
nem pouparei os mais horríveis sacrifícios pelo brutal medo de conservar a
unidade de conduta. Se um estéril Aristidismo tem arruinado os meus mais
belos dias, mui pouco é, que lhe sacrifique o resto.
Manifestadas as justas causas, por que deve o Brasil reassumir os seus
direitos, pergunta-se qual será a única medida de salvar as duas contradições,
que ocorrem, e vêm a ser Conservar esta liberdade já adquirida, e conservá-la
ligada a Portugal?
O dia de ontem é marcado nos Fastos do Brasil como a verdadeira época
da sua Regeneração; e os sólidos fundamentos, por que o Príncipe Regente Se
resolveu a ficar entre nós, são os mesmíssimos, que para o futuro o deverão
perpetuar. Nesta conjuntura não pode haver mediania de comportamento no
Brasil; e toda a moderação é perigosa. Quando o erro é nascido de boa fé, ou
de uma ignorância invencível; deixa ao homem circunspecto todos os indícios
de esperar uma honesta docilidade da parte daquele, que tem tropeçado; mas
quando se manifesta um ânimo prevenido pela má vontade, que não admite
réplicas, nem conhecimento de causa, um espírito indócil, com que os cinco
Agentes do Congresso têm feito expedir as suas primeiras hostilidades; já
nenhuma esperança nos resta de convencê-los, por isso mesmo que não há,
de que convencer.
Suponhamos que a debilidade dos tesouros de Portugal (que é mais
uma verdade, do que uma suposição) que não chegam para pagar as despe-
sas diárias, por ora apenas permitirá uma contestação de termos paliativos,
quero dizer, de rebuços da sacra prudência, que se segue? Ficar a Corte do
Brasil por mais tempo no estado, em que hoje se acha, e com que se vai
depauperando, ao mesmo passo que se vai enraizando a mal entendida
liberdade das Províncias? Este preciosíssimo penhor, por que todas elas, há
séculos suspiravam, ainda à custa de rios de sangue, decerto não o perderam,
senão a troco de tantas vantagens, que cheguem quase a contrabalançar-se

8
A verdade gera o ódio.

559
com os sacrifícios desta perda voluntária. Estas vantagens não podem ser
outras, senão as de um estabelecimento de Cortes no seu centro; o que é mui
compatível, sem desligar-se de Portugal, como o demonstrou o Senhor Soares
Francisco acima citado. É regra infalível em todos os tempos e lugares = uma
vez recuperada a liberdade, poderá talvez pactuar-se com modificações; mas
nunca perder-se gratuitamente. =
Pretender, que se reúnam as Províncias do Brasil sem estas vantagens,
é uma quimera, é trabalhar em vão, e é dar tempo a engrossar partidos, e
partidos funestíssimos. Tenho corrido uma grande parte delas, e conhecendo
bem os seus sentimentos, posso comensurar, quanto a ocasião urge. A presente
crise não pode dispensar uma pronta resolução; e o estado de independência,
a que as Cortes as têm reduzido, não poderá cessar, sem que um decidido inte-
resse de mútua conservação as faça confederar para a prosperidade recíproca.
Todas elas têm homens instruídos, e todos muito bem conhecem, que
os Estados Federativos, em lugar de destacar-se, pelo contrário, é próprio de
sua natureza o reunir-se. A Espanha era ao princípio dividida em 12 Reinos,
além de alguns Principados antigos, por cujas conquistas se reuniram em três
que foram Castela, Aragão, e Granada, e estes mesmos em 1516 se reuniram
ao poder de Carlos 5.º, que formou a atual Monarquia Espanhola.9 A França
é igualmente composta de Províncias, que se reuniram debaixo do poder
dos Reis por diversos princípios; já pela força de conquista, como foi a de
Rambouillet, tomada por Hugo Capeto, já por testamento dos possuidores,
como foi Provence deixada a Luiz XI.º, já por dote em casamento, já por
falta de herdeiros, e até por compras. A Escócia, sendo antigamente separada
da Inglaterra, não pôde deixar de reunir-se a um só Governo, que faz a sua
felicidade.
Para provar das vantagens, que resultam em favor desta união nota
Montesquieu10 que as pequenas Monarquias dos Cananeus foram destruídas
por não serem confederativas, para defenderem-se em comum; e que a confede-
ração de Alemanha composta de Cidades livres só subsistiam, porque tinham
um Chefe, que de alguma sorte era um Magistrado da reunião, e quase um
Monarca. Ainda mais livres eram as Províncias da Holanda; mas nenhuma
delas podia fazer aliança sem o consentimento das outras, para evitar-se a
imprudência, ou avareza de qualquer delas; pois que assim unidas, só podia
ser dado o Estado inteiro, e cada uma por si nada tinha a dar.

9
Ferreir. História geral das Espanhas.
Esprit de loix. L. 9 C. 2.
10

N.O.: De l’Esprit des Lois, 1748.

560
Discorrendo desta sorte por todos os Estados do mundo ainda os mais
livres, e independentes, em todos eles se reconhecia, e reconhece-se a união
dos povos como os mais sólidos fundamentos da sua persistência, e duração:
por isso o Filósofo comparava a uma abóbada de pedras soltas, sustidas só
pela junção de umas às outras.11
E será possível que só as Províncias do Brasil não saberão reconhecer
os seus verdadeiros interesses na reunião de um só todo para serem inex-
pugnáveis, e poderem arrostar-se com a maior das Potências da Europa?
Todas elas sabem, que são igualmente responsáveis pela guarda da Augusta
Pessoa do Príncipe Regente, que El Rei deixou em garantia do nosso pacto
social; por cuja causa também conhecem (talvez primeiro que nós) que não
podiam cinco Agentes das Cortes decidir da importante matéria sobre a sede
da Monarquia sem acordo deste Reino ainda não representado nas mesmas
Cortes. Todas elas conhecem, que sendo por estes motivos nula a maior parte
daqueles Decretos, como emanados sem legitimidade, e até com infração
do juramento, que os Portugueses violaram; tem o Brasil, como parte mais
ponderosa da Nação, reassumido os seus direitos, a fim de proceder-se à
geral organização de seu bem-estar. Estes interesses são comuns a todas; e
tanto basta para de acordo concorrerem a reunir-se para conservação da sua
verdadeira categoria de Reino, legitimamente conferida por Sua Majestade,
e já reconhecida pelas Nações Estrangeiras, que profundamente pesam a sua
grandeza, preponderância, e riqueza.
Depois de reconhecido o centro da reunião que deve consolidar o seu
governo, então se não duvidará conservar as relações de irmão com Portugal,
sem contudo ser preciso maltratá-lo; pois que por efeito da costumada gene-
rosidade Brasílica, e mesmo pela convicção, de que os males provindos das
Cortes são ocasionados só pelos poucos entusiastas, que as ofuscam, mas
não por todos os nossos irmãos Portugueses; deve por ora permitir-se o
ligamento de Concidadão, que ainda é compatível com o estado das coisas,
assim como o das mútuas relações mercantis; medidas estas tão gerais, que
não deixarão de ser lembradas, e, há muito, reconhecidas por todas as mesmas
Províncias; uma vez que o interesse de todas elas se têm identificado; apesar
da pretendida separação, que nunca terá efeito, porque nunca poderá mudar
a natureza, e a essência da verdade. Contudo o Brasil, como o maior volume,
que é da Nação, está na restrita obrigação de condoer-se desses mesmos

Societas nostra lapidum fornicationi similima est, quæ casura, nisi invicem obstarent;
11

hoc ipso sustinetur. Sêneca. Epístola 96.


Nossa sociedade é muitíssimo semelhante à abóbada de pedras, a qual, havendo de cair
se não se apoiarem as pedras umas nas outras, com isso mesmo se susterá.

561
cinco perturbadores de Portugal, que se têm precipitado pela desesperação
da miséria; deve dirigi-los, sustentá-los, e até encaminhá-los, bem como um
filho grato, que conduz pela mão seu Pai decrépito.
Estou intimamente convencido, de que todas elas têm meditado sobre
a melhor forma de seu governo, achando nos seus Provisórios um certo
vácuo, que se não determinam a encher; assim como sobre a forma mais
segura, e mais adaptada à extensão deste território imenso, e ao estado tanto
de agricultura, como da Marinha, e do Comércio. As ideias políticas estão
hoje mui vulgarizadas por todas elas para nos seus exames compreenderem,
que a organização deste todo não poderá deixar de ser a de um só Sistema,
que equilibre as vantagens com a segurança recíproca, isto é, de um Sistema
Monárquico modificado por uma Constituição tal, que seja compatível ao
estado de liberdade, em que hoje se acham. Porquanto (torno a dizê-lo) o
perderem esta liberdade já adquirida, e já desfrutada, sem as novas vantagens
de uma Constituição Brasílica, é um impossível.
Por outra parte crer, que os domínios de grande extensão não sejam
suscetíveis de outro governo, que não seja o despótico, e que o problema de
uma Constituição não seja resolvido, senão a favor de pequenos Estados; é
um erro manifesto, e um paradoxo, em que se não apresenta razão suficiente.
O profundo Filangieri falando com muito critério sobre os estabelecimentos
de Pedro o Grande, increpa fortemente (e com razão) o Autor do Espírito
das Leis, por ter caído no mesmo erro, nascido só de uma falsa experiência;
e bem podemos com ele lamentar, quanto esta errônea doutrina tem sedu-
zido alguns Políticos modernos. A grande extensão de um terreno deverá ser
privada do benefício de uma boa Constituição, e elanguescer debaixo do jugo?
Antes por isso mesmo é um objeto mais interessante, e um novo motivo para
o Legislador adoçar a empresa de um novo Código.12
Podem-se por tudo isto avançar sem receio os axiomas seguintes = Que
o Brasil todo deve estreitar-se nos vínculos de uma perfeita união não só
para a sua prosperidade, como principalmente para a segurança de invasões
estrangeiras = Que atendendo à sua vasta extensão, o Governo geral deve ser
colocado em um centro comum = E que atendendo ao estado de liberdade, em
que se acham as Províncias, só poderão estas reunir-se por máximas livres,
e Constitucionais = A estas se deve acrescentar mais uma, que é a Capital, e

Scienza della Legislazione Liv. I. Cap. 16. La situazione, l’estensione del paese, e la natura
12

del suo terreno sono tra il numero degli oggetti più interessante, co’ quali il legislatore
deve combinare le sue mire nell’intrapresa di uno nuovo Codice.
Ciência da Legislação. Liv. I. Cap. 16. A situação, a extensão do país, e a natureza do
seu terreno estão entre o número dos objetos mais interessantes, com os quais o legislador
deve combinar as suas direções na empresa de um novo Código.

562
vem a ser: que devem, quanto antes, passar-se cartas circulares para todo o
Brasil, contendo estas matérias, sendo assim entretidas com as Câmaras, que é
donde respira a vontade dos povos, e não com os governos Provisórios, que são
quase sempre levados por interesses pessoais, como são os da Bahia, e Minas.
Com este acordo tocará o Brasil ao maior possível engrandecimento.
Num tal Governo geral desaparecem os motivos da ambição, e da revolta;
nele se desconhece o temível inconveniente dos Candidatos, que procuram
uma Presidência suprema para perpetuarem-se, e usurparem poderes tirânicos;
nele evitam-se os choques de caprichos das Aristocracias, que pela maior parte
se convertem em uma multiplicidade de Déspotas, e sempre redundam em
desgraças dos povos; e nele finalmente falta a arbitrariedade Monárquica, de
que se valem os favoritos, que são sempre a funesta origem dos despotismos.
Desta sorte livra-se um Príncipe da responsabilidade, de que no Império abso-
luto é muitas vezes injustamente acusado; e os mais Empregados públicos,
sendo ligados por este nexo indispensável, sentem-se tão obrigados a uma
exata execução das Leis, como a uma necessária veneração à Soberania. Enfim
é o Príncipe necessariamente amável, como o verdadeiro apoio, e nivelador
dos negócios públicos; é o justo garante dos três poderes, e das virtudes; um
Cidadão coroado, que equilibrando todos os laços da pública prosperidade,
faz ao mesmo tempo o respeito, e as delícias da sua Nação.13
Uma vez tomada a resolução de ficar no Brasil, é preciso não misturar o
método velho com o novo, como adverte Mr. de Pradt,14 mas sim interessar-se
decisivamente como Brasileiro, e tomar medidas muito sérias sobre o estado
dúbio, e perigoso, em que naufragam as Províncias. Da irresolução porém
podem nascer males irreparáveis. Devem-se nomear Ministros de Estado, que
olhem para o Brasil, e não para Portugal; enquanto não forem deste caráter,
tudo está perdido; a experiência está nos eleitos desde 5 de Junho último.
Só estes verdadeiramente interessados na prosperidade de seu país,
tomarão medidas adequadas à nomeação do Conselho de Estado composto
de Membros das Províncias. Esta lembrança não é minha; mas reconheço o
seu merecimento para traçar as bases do grande edifício, a que se propõe.
Acrescento porém, que em atenção às diversidades dessas Províncias, umas
maiores que outras, seria bem análogo aumentar, ou diminuir o número de
seus votos neste Conselho, tendo as grandes dois, e as pequenas um; sendo
estas também as justas proporções, com que cada uma deverá concorrer para
as despesas comuns da Corte. Nas mesmas Repúblicas livres, e independentes

Ea demum tuta est potentia, quae viribus suis modum imponit. Salústio.
13

Certamente está segura a potência que impõe a ordem com suas forças.
Nos três últimos meses da América Meridional, e Brasil.
14

563
sempre foi esta a marcha para o centro comum; tal foi a da Holanda compre-
endida em sete Províncias. Esta acertada providência com razão mais sobeja
deve haver nas Províncias de um mesmo Império.
Não será fora de propósito o indicar logo o espírito Constitucional, que
deve regular este Conselho de Estado para a proposta dos cargos Eclesiásticos,
Civis, e Militares, e bem assim para tratar-se dos negócios os mais importan-
tes de todas as Províncias, como são, por exemplo as disposições de forças
de guerra, e diminuição delas no tempo da paz; inversões dos fundos em
proporção das urgências do Estado; e outros infinitos objetos, cuja descrição
peculiar pertence à Constituição.
Como ao Príncipe toca o poder Executivo, a Ele pertencerá a escolha
dentre os propostos pelo Conselho de Estado para os Cargos públicos de todas
as Províncias, assim como de todos os mais objetos, que seriam explicados
pela Constituição, e que nunca poderão pertencer aos Governos Provisórios,
tanto para se não verificar a insubordinação de Status in statu,15 como para
se evitar a perigosa contradição dos habitantes de Neuchâtel na Suíça, que
até podiam impunemente socorrer a uma Potência estrangeira, que estivesse
em guerra com o Rei da Prússia seu Soberano.
Estes Governos das Províncias ficarão por ora como estão, e como
significa a Palavra = Provisório = porém com a diferença de ficarem todos os
mais cargos delas sujeitos aos mesmos Governos, pois que é indispensável a
subordinação a alguma Autoridade. Por cuja igualdade ficarão os Membros
dos mesmos Governos com responsabilidade ao Conselho de Estado da Corte
com a Presidência do Príncipe. Devem notar-se os exemplos das Cidades da
Grécia, e das Províncias dos Países Baixos, que apesar de serem libérrimas,
tinham um Corpo de reunião total, que tomava conhecimento das desordens,
que se elevavam em qualquer delas. Donde é fácil de comparar, que se assim
era indispensável naqueles Estados Federativos, posto que cada um tivesse a
sua Soberania, e a sua formal independência, ainda melhor se deverá verifi-
car nas nossas Províncias, onde não é compatível, que cada uma tenha uma
Soberania.
Os Ministros de Estado, e Conselheiros de Estado também devem ficar
responsáveis, e julgados em um Tribunal Supremo de Justiça. Aliás teríamos
de ver os abusos reproduzidos. Tão necessária é a subordinação aos superio-
res, como a responsabilidade destes para o equilíbrio geral. A empresa exige
toda a possível coerência.
É da maior importância a incorporação de Montevidéu, visto que seus
habitantes querem voluntariamente reunir-se, e têm já reconhecido o rio da

Estado dentro de outro estado.


15

564
Prata como o limite do Brasil marcado pela mão da Natureza; devendo estes
habitantes por isso mesmo participar das ordens circulares, e das comodidades
gerais de todas as mais Províncias deste Reino.
São estes os primeiros passos, e a gradação progressiva para a comuni-
cação, que deve circular por todas elas. Então não tardará muito, que nesse
Conselho de Estado se discutam as matérias da maior ponderação, e até não
tardará que se mostre a absoluta, e imperiosa necessidade de convocar-se um
Corpo Legislativo. É esta a ordem natural das coisas, que irão tendo lugar
quase insensivelmente, reunindo-se interinamente nesta Cidade para acor-
darem sobre o lugar próprio da nova Corte, a fim de se evitar a emulação,
que há de resultar, e já resultou no tempo de El Rei, por não preceder esta
medida de acordo geral.
Então se mostrará o modo, por que se deve organizar esse Corpo
Legislativo não absoluto como o de Portugal, mas sim com a preponderância
do Príncipe, que é o maior interessado na conservação do Estado, do que
os Deputados temporários; é este o prumo, com que a Inglaterra muito tem
durado, até por ser o Príncipe a única garantia da liberdade, ou para melhor
dizer, o único reparo dos abusos, que podem ter os mesmos Deputados.
Estas providências exigem toda a atividade nas tropas de terra, e igual-
mente na força naval, construindo-se em todos os nossos portos os vasos
de guerra, que couberem nas suas capacidades, armando-se no entanto
os Mercantes, que poderem suprir-se, a fim de não ficar ilusório o nosso
Comércio. Pois que já estamos no aperto, de que não bastam a razão, nem
os mais sagrados direitos da natureza. Quando se nos opõem com a espada
na mão, já não há lugar a discussões de direito. Aplicar remédios ordinários a
males extraordinários, é o mesmo que abandonar o enfermo. Já não há lugar
a súplicas, nem a representações. Enfim tem o Príncipe tomado a resolução
de ficar entre nós. Resta organizar-se a verdadeira Regeneração do Brasil.
Eis aqui o breve esboço, com que convido os verdadeiros amigos da
ordem a lembrar o que melhor convier. Não fiz mais, que desenhar o primeiro
traço: a vós profundos Pensadores, sábios Paulistas, que fostes os primeiros a
romper o véu do moderno despotismo, pertence sustentar a empresa; descansai
sobre o oculto santuário do Filósofo, que se vosso rasgo for mordido pelo
partido da brutal maledicência, bastarão para vosso triunfo as mudas bênçãos
do amador da verdade.

Rio 10 de Janeiro de 1822

565
47

NOVA QUESTÃO POLITICA.


¿Que vantagens resultarão aos Reinos do
Brasil, e de Portugal se conservarem
huma união sincera, pacifica, e Leal?

Havendo há poucos dias discutido a questão política = Qual será a sorte


dos Reinos do Brasil, e de Portugal no caso de romperem hostilidades = devo
agora tentar outra discussão diametralmente oposta, isto é, mostrar quais
serão as vantagens, que hão de resultar aos Reinos do Brasil, e de Portugal se
conservarem entre si uma união sincera, pacífica, e leal.
Esta importante questão, objeto de magnitude muito transcendente, e
muito além das forças da minha limitadíssima eloquência, e conhecimentos
literários, deve encarar-se por dois lados diferentes: 1.º pelo que toca às
vantagens de Portugal, 2.º pelo que respeita aos interesses do Brasil. Eu vou
entrar nesta árdua tarefa, fundado na hipótese de que Portugal não quer por
maneira alguma atacar as honras, os direitos, os interesses, as comodidades, e
as preeminências de que goza o Reino do Brasil ligado em um corpo político
formado de todas as suas Províncias tal qual se achava ou existiu desde o dia 7
de Março de 1808 até ao tenebroso, e infausto 28 de Abril de 1821 em que Sua
Majestade abandonando as praias do Novo Mundo, regressou para o Reino
de Portugal; assim como suponho, que o Brasil não pretende afetar primazia,
autoridade, nem prerrogativas maiores do que presentemente goza, ou vir para
o futuro a gozar à Mãe Pátria com quem há séculos se acha ligado com mais
ou menos franqueza, e liberdades. Vamos a tratar das vantagens de Portugal.
Este Reino assentado na extremidade ocidental da Europa, pequeno em
extensão mas povoado por uma gente briosa, valente, empreendedora, frugal,
urbana, e industriosa. Senhor de muitos Portos e entre eles o de Lisboa um
dos melhores do Universo; possuindo dentro do seu solo em maior ou em
menor abundância todos os gêneros necessários à vida; dominando no Oceano
ricas, e florescentes Ilhas; sobre a costa da África imensos, posto que bárba-
ros territórios; conservando na Ásia o brilhante teatro da sua antiga, e talvez
vindoura glória; e tendo no Novo Mundo Um Filho ou um Irmão generoso na
primavera dos seus anos cercado de todas as preciosidades, que uma pródiga, e
benigna natureza amontoou para seu esplêndido ornato; este Reino digo pode
aspirar aos destinos mais elevados, e fazer-se respeitado, temido, e admirado
por todos os Povos da Terra. Um único quesito se exige para se obterem tão

566
grandes fins, quesito indispensável, e sem o qual ficarão mostradas todas as
diligências, que empregarem para se alcançar a glória, que se ambiciona. O
quesito a que aludo, é a = Prudência. =
Havendo = Prudência = da parte dos Portugueses Europeus, eles conhece-
rão que o Brasil como País vastíssimo, abundante em metais, madeiras, e outros
gêneros preciosos; não oprimido por essas personagens, que tão pesadas foram
aos Povos, quero dizer, por essas famílias nobilíssimas privilegiadas aos olhos
da Lei, e dos homens; pouco carregado de outra classe, que podendo ser bem
útil, é por desgraça sumamente ociosa como são os Frades; tendo terras imensas
a distribuir sem haverem ainda conhecido o ferro do machado; podendo receber
no seu seio um número de Emigrados maior que toda a população da China;
desfrutando a melhor atmosfera, e isento desses terríveis flagelos com que a
Providência muitas vezes aflige a humanidade em outros Países do Globo! Em
havendo = Prudência = torno a dizer, os Portugueses Europeus conhecerão,
que Portugal, e o Brasil unidos, formarão um Colosso inabalável, e mais firme,
e sólido do que as Pirâmides do Egito, e outro qualquer monumento da mais
remota antiguidade.
Desta = Prudência = de que tanto se necessita resultam a Portugal bene-
fícios mui consideráveis, e entre eles os seguintes.
I. Achar no Brasil um certo, e constante consumidor dos seus vinhos,
vinagres, azeites, aguardentes, sal, linhos tecidos, e em fio, lãs tecidas, chapéus,
algodões tecidos, e estampados, peixe salgado, figos, amêndoas, ferragens de
todas as qualidades, e muitos outros gêneros, que só pode ter saída neste Reino
ainda quando concorram com artigos idênticos manufaturados, ou produzidos
em Países estrangeiros.
II. Achar no Brasil uma segura escala para as embarcações, que nave-
gam para a Ásia, e pronta venda dos efeitos tirados da África, e dos Portos
da América.
III. Receber o considerável benefício dos fretes de imensos Navios, que há
de empregar na carreira do Brasil; criar um avultado número de Marinheiros,
que hão de servir nas suas Esquadras; perceber os jornais dos artífices, que
entrarem na laboração das manufaturas, e gêneros, que se embarcarem, os
lucros sobre os primeiros custos dos mesmos gêneros, e as comissões daqueles,
que se negociarem.
IV. Ter no Brasil excelentes madeiras de construção para os Navios de
guerra, e mercantes, madeiras muito mais fortes e em maior quantidade do
que as de Portugal.
V. Achar um imenso País amigo onde se pode estabelecer, figurar, e
enriquecer toda aquela gente, que em Portugal for superabundante, e não tiver
cômodos meios de sustentação.

567
VI. Receber muitos interesses nas fortunas, que para Portugal levarem
aqueles, que estiverem no Brasil, e queiram regressar para a Mãe Pátria.
VII. Enfim achar no Brasil um contribuinte para a massa das despesas
gerais, que se fizerem na sustentação do Governo, conservação da Força
armada, subsistência dos Diplomáticos, e todos os outros Corpos políticos
comuns aos dois Estados.
Se as vantagens, que Portugal há de colher da sua fraternal união com o
Brasil são consideráveis, também não deixam de ser muito distintos os inte-
resses, que o Brasil receberá desta mesma sincera união com a Mãe Pátria.
I. Porque achará nas Cidades de Lisboa, e na do Porto saída segura, a
uma avultadíssima porção de gêneros deste Continente.
II. Porque aumentará o número dos Marinheiros, e dos Navios, que hão
de interessar nos fretes dos imensos gêneros, que Portugal enviar para o Brasil.
III. Porque terá excelentes escalas para as embarcações Brasileiras que
navegarem para o Mar Mediterrâneo, Atlântico, Norte, e Báltico. Este interesse
é tão transcendente, que ainda há bem poucos anos o Governo dos Estados
Unidos ofereceu uma enorme soma de dinheiro ao Rei de Nápoles pela posse
da Ilha de Lampedusa, ou pela Cidade de Siracusa, e ao Grão-Duque de
Toscana pelo Senhorio de Porto Ferraio, contrato, que aqueles Soberanos
muito prudente, e politicamente rejeitaram com grande satisfação da parte
de outras Potências, que tomaram alarme quando souberam do projetos do
Governo da América.
IV. Porque no caso de desastrosos acontecimentos de guerra estrangeira
no Brasil, tem um auxiliar zeloso, e valente, que de boa vontade correrá ao
perigo como se tratasse de causa própria.
V. Porque se infelizmente se verificassem os negros receios, que sempre
andam no coração de alguns homens timoratos, os Navios e Tropas Portuguesas
apareceriam no Novo Mundo a combater ao lado dos Guerreiros Brasilienses
como combateriam no reino da Mãe Pátria.
Uma vez convencidos destas verdades, somos obrigados por honra, e
a bem da nossa própria conservação a promovermos quanto for possível a
concórdia, e boa harmonia entre os Povos dos dois Reinos, abandonando todas
as prevenções, que de qualquer maneira influam, concorram ou se encaminhem
para uma separação, desgraça fatal aos mesmos Reinos, que por ela podem
retrogradar ou perder parte da categoria, e representação, que já desfrutam,
e a que para o futuro hão de elevar-se.
Haverá quem diga, que o Brasil está nas circunstâncias de passar sem
Portugal. Isto é verdade; eu já o demonstrei em outro escrito; o Brasil é grande,
forte, opulento, e pode mui bem representar entre as Potências do Universo
sem estar debaixo da tutela de Portugal assim como figurou desde o ano de

568
1808 até ao de 1821 em que o Soberano por motivo da invasão dos Franceses,
e subsequentes guerras contra eles gloriosamente sustentadas residiu neste
Reino com o maior esplendor da Majestade. Entretanto se o Brasil por si só é
digno de figurar no meio de Nações ilustres quanto não realçarão mais as suas
vantagens, o seu esplendor, e a sua dignidade se estiver amigavelmente unido
ao Reino de Portugal, que não obstante a sua pequenez é um dos Territórios
mais favorecidos da natureza, que se conhece na Europa? Portugal não deve
por maneira alguma ser pesado ao Brasil; o Brasil não virá nunca a ser pesado
a Portugal; contudo os dois Reinos em casos urgentes podem, e são obrigados
por princípios de honra, e amor da Pátria a socorrerem-se mutuamente; se
um fizer sacrifícios, o outro também os fará; quando chegarem os interesses
ambos interessarão; o que se pretende é uma perfeita igualdade de Direitos,
isto é, que Portugal não se julgue superior ao Brasil; que o Brasil não se repute
mais conspícuo do que Portugal; que ambos os Reinos sejam governados
pelo mesmo Monarca, em conformidade dos mesmos princípios, debaixo das
mesmas regras políticas, estimando-se, protegendo-se e nunca obrando sem
candura, e com má-fé.
É verdade, que os Portugueses Europeus, e os Brasileiros desejam uma
coisa, que ambos não podem ao mesmo tempo desfrutar, isto é, conservarem
o Soberano no Reino em que vivem; semelhante mal é irremediável. A posse
de uns fará a privação dos outros. Ambos os Povos mostram o seu amor ao
Monarca, ou para melhor dizer ambos evitam o serem tratados como Colonos.
A não se adotar um expediente monstruoso, posto que não singular em polí-
tica de fazer existir o Rei um certo tempo em uma parte, e outro igual tempo
na outra, não há remédio senão tomar em consideração qual dos Territórios
da Monarquia é mais importante, rico, extenso, e seguro para residência do
Soberano, e fixação da Sede do Império. Portugal indicará a seu favor muitas
qualidades recomendáveis tais como a sua posição Geográfica; o interesse dos
Príncipes Europeus na sua independência, e separação da Espanha; número, e
valor das suas Tropas; a contiguidade da sua população; a antiguidade dos seus
estabelecimentos; a beleza dos seus edifícios; a proximidade das suas relações
políticas etc. etc. etc.; o Brasil apresentar-se-á como um País rico, vasto, fértil,
salubre, e vizinho de Nações, que daqui a poucos anos serão muito poderosas;
colocado entre a Europa, e a Ásia; fronteiro à África, e na melhor porção da
América; não temendo invasões, e muito menos uma conquista universal. O
Brasil ainda poderá argumentar com os exemplos do Senhor Dom Fernando
perseguido até as portas de Lisboa pelas armas de Castela; o Senhor Dom João
I. sitiado naquela Cidade; o Senhor Dom João IV. com o Alentejo invadido
até Alcácer do Sal; o Senhor Dom José nos termos de abandonar o Reino, e
finalmente Sua Majestade o Senhor Dom João VI. compelido a passar o mar,

569
e a estabelecer o seu Trono no Brasil; e não será possível repetirem-se outras
iguais cenas na Europa? Sabemos nós o que virão a ser os Espanhóis, ou se
alguma Nação poderosa por mar, e terra quererá ditar a lei a Portugal? não têm
os Brasileiros tanto direito à posse do Monarca como os Povos da Mãe Pátria?
Quando porém aconteça, que o Soberano resida no Brasil, e que este
Reino seja atacado, pela mais poderosa Nação da Europa ver-se-á Ele na cruel
necessidade de atravessar o Oceano? não certamente; O Monarca ajuntará
os seus Povos, e de acordo com os seus vizinhos, Amigos, e Aliados, há de
expulsar cedo ou tarde os invasores, e não irá jazer em um Palácio em Toledo,
ou em uma prisão em Valencey como aconteceu aos desgraçados Dom Sancho
II de Portugal, e a Fernando VII de Castela, aquele perseguido por alguns
Eclesiásticos, e Grandes do Reino, e este enganado pelo astucioso Napoleão
Bonaparte. Parece-me desnecessário apontar mais exemplos destas catástrofes!
Bem conheço, que as razões, que acabo de dar não convencerão aqueles,
que a olhos fechados querem, que o Rei resida na Europa. Isto tem desculpa:
o amor ao País em que nasceram; a antiga superioridade de Portugal sobre o
Brasil, obrigam-nos a discorrerem por semelhante modo. Eu entretanto digo
que um negócio desta natureza como o mais importante da Nação, deve ser
tratado por homens desapaixonados. Se o Redator do Astro da Lusitânia no
dia 25 de Abril do ano corrente nos mostra um florido, e brilhante discurso
a favor da residência do Monarca em Portugal; se o Francês verdadeiro ou
suposto Autor deste discurso (estava muito mal informado sobre vários
acontecimentos, e por isso errou miseravelmente) entende que Portugal deve
preferir ao Brasil; eu lhe respondo, que consulte a nossa História moderna, os
escritos do grande Dom Luiz da Cunha, os do celebre Marquês de Pombal,
leia Beauchamp, de Pradt, Southey etc. etc. desprezando contudo os indignos
sarcasmos dos venais Redatores de Lisboa, que nos quebram as cabeças com
histórias dos Áulicos do Rio, Empregados do Rio, Condes de Limonada,
Marqueses de Marmelada, Duques de Goiabada, e outros deste lote! Ah quanto
se acham enganados aqueles Redatores! Dia virá era que eles conheçam, que
nem Duques de Goiabada, nem Marqueses de Marmelada, nem Áulicos, ou
Áulicas, ou o que eles quiserem têm contribuído para as alterações políticas
do Brasil: Os Áulicos têm sido = Senhor, e Escravo = Opressor, e Oprimido
= Entendam isto como lhes parecer, e deixem-se de Marmelos, e Goiabadas,
e de Duques, Condes ou Marqueses, Áulicos do Rio e Cabala Paulistana,
entidades quiméricas geradas nas fracas cabeças de meia dúzia de ignorantes,
que discorrem a respeito do Brasil assim como eu agora ajuízo sobre o que se
passa na Feira da Ladra em Portugal.
Enquanto porém o Supremo Árbitro das Nações prolonga a vida ao nosso
amável Monarca, e que Este conserva o seu Trono em Lisboa não é grande

570
fortuna para os Povos de ambos os hemisférios a residência de Sua Alteza Real
o Príncipe Regente neste Reino do Brasil para fazer as vezes de seu Augusto
Pai? Responderão os homens cordatos, os verdadeiros, e sinceros amantes de
uma Monarquia Constitucional: Sim: respondam eles enquanto os Anarquistas,
os Democratas, e os Aristocratas (de tudo há no Brasil) refletirem sisudamente
sobre a sorte dos homens sem Governo; sobre as consequências da criação de
uma República Democrática em um País imenso; e sobre os resultados de um
Governo de Nobres detestado por todos aqueles, que não são seus iguais. Aos
primeiros sirvam de exemplo as Províncias do Antigo Vice-Reinado de Buenos
Aires; aos segundos aponto as facções de Genebra, e de alguns Cantões Suíços;
e aos terceiros mostrarei o Conselho dos dez, os Inquisidores de Veneza, e os
Palatinos da Polônia no tempo do infeliz Estanislau.
A Constituição dos Estados Unidos em que tanto se fala, é muito boa
para os Americanos Ingleses, mas segundo o meu modo de pensar não admite
uma perfeita imitação no Brasil. As Colônias Anglo-Americanas antes da sua
independência eram umas quase Repúblicas Democráticas. Emancipando-se
ficaram em termos pouco diferentes. Bolívar, que não deixa de ser tão profundo
político como hábil, e venturoso General, declarou, que aquela Constituição
não podia ser adotada na sua República de Colômbia, e por isso propôs um
Senado hereditário (não defendo esta doutrina, nem me atrevo a reprová-la)
além da Casa dos Representantes. Nós não nos devemos considerar como
Colonos emancipados tais quais são os habitantes das antigas possessões
Espanholas. Nós somos Moradores de Províncias de um Reino em que habitou
o Monarca, e ainda reside o seu Augusto Herdeiro, e sucessor; os nossos usos,
os nossos costumes, as nossas mesmas preocupações são próprias de um Povo
amigo do Governo Monárquico. É este Governo (o Constitucional) o que nos
convém, porque com ele conservamos muitas das nossas antigas formalidades
a par das instituições procedentes da nossa política regeneração. Esta regene-
ração para ser completa, ou pelo menos para se aproximar quanto for possível
à perfeição exige = Tranquilidade = Honra = Valor = e uma cordial união dos
Reinos do Brasil e Portugal, união fundada sobre uma bem entendida inde-
pendência, liberdade, e gozo pleno dos Direitos, que a natureza concede aos
que não são, e não querem ser Escravos. Tal é segundo me parece a vontade
dos Leais Brasilienses, e a de.

Rio de Janeiro 1 de Julho de 1822.

R. J. C. M.

571
Post scriptum.

A rogos de um amigo meu consenti, que se imprimissem vários escri-


tos insignificantes próprios da tosca pena de um Soldado, que profanando
o Santuário da literatura, recebeu o justo prêmio da sua temeridade. Este
prêmio não consiste em dinheiro (eu não escrevo por interesse pecuniário,
nem por espírito de parcialidade, porque o meu partido, o meu Clube, e o
meu servilismo são a honra, o dever, o respeito à Lei, e a obediência às auto-
ridades constituídas) mas sim porque se desmascarou a minha incapacidade
até agora problemática, e servi de alvo à maledicência de certos esturrados,
que deprimem tudo aquilo, que toca no seu melindre, e amor próprio ainda o
mais desordenado, e de outros, que sem quererem refletir no sentido literal, e
genuíno das expressões, traduzem o que não entendem, e desaprovam aquilo
sobre que não querem meditar.
Verdade é que os meus escritos também receberam alguns louvores,
mas que significa para o homem honrado o mais alto elogio a par da mais
surda voz de = Incendiário? = Grande Deus! eu incendiário, eu perturbador,
eu impolítico, eu inimigo de Portugal!!! Serei porventura Apóstata? Passaria
de Português a Elche? Aborrecerei a terra em que vi a luz do mundo? não
certamente: Eu sou Europeu e tão honrado como o melhor homem nascido em
Portugal; sou Brasileiro, e de sentimentos tão puros como o melhor Português
nascido no Brasil; não faço distinção entre um, e o outro Reino; protesto viver,
e morrer por ambos, e também protesto à face do Céu, e da Terra que serei
implacável e eterno adversário de todos os adversários do Brasil e de todos os
inimigos de Portugal, que quiserem atacar a honra, a dignidade, e os interesses
do Brasil Pátria minha, cuja sagrada Égide me ampara, cuja substância me
alimenta, cujos habitantes me honram, e cujo Governo me encaminha a uma
feliz tranquilidade. Estes mesmos sentimentos eu desempenharia em Portugal
se lá me achasse; isso mesmo pratiquei enquanto lá estive; obediência cega
ao Governo, respeito, e veneração aos superiores, candura, e fraternidade
com os iguais.
Merece porventura um Cidadão honesto ser tratado de = incendiário
= por dizer que o Brasil defende-se, e triunfou com as suas próprias Tropas;
que este Reino pode agora, e para o futuro figurar como Estado livre, e inde-
pendente, e sustentar toda a Família Real Portuguesa assim como a sustentou
desde o ano de 1808 até 1815 sem os socorros de Portugal, e desde então até
ao ano de 1821 com a concorrência de alguns auxílios daquele Reino? Deve
este Cidadão ser deprimido com o mesmo odioso epíteto por desejar, que Sua
Alteza Real o Príncipe Regente resida no Brasil com uma plenitude do Poder

572
Executivo concedido por Seu Augusto Pai? Não somos nós, e os habitantes de
Portugal os que havemos de colher as vantagens da presença deste Príncipe no
Brasil? Que triste catástrofe seria a sua retirada para a Europa! Eu bem sei que
não faltam pessoas que isso desejam! Ah se ela se verificasse, que desgraça, que
calamidades antes mesmo de haver passado a Fortaleza de Santa Cruz o Navio
que o transportasse!! Merece ser chamado = incendiário = um Cidadão probo
por refutar os desatinos do Redator do Semanário Cívico da Bahia? Pode o
mesmo Cidadão ser notado de inimigo dos Europeus por trazer à lembrança
as circunstâncias em que alguns deles vinham de Portugal a fazer fortuna no
Brasil, e que foram tão ingratos que menoscabavam este Reino, e os Povos,
que nele os alimentavam? De que época tratei, por princípios de delicadeza,
e circunspeção? Não foi de uma época anterior à vinda de Sua Majestade
para o Rio de Janeiro, época feliz em que acabou a rivalidade e aversão, que
existia entre alguns indiscretos habitantes dos dois Reinos, rivalidade que por
desgraça torna a ressurgir no tempo presente? tratei de alguma pessoa em
particular? O que fiz em desabono de Portugal, ou dos Portugueses? indicar
vícios, apontar abusos, atacar indiscrições? desagradou a minha linguagem?
Sim ela desagradou; bem o conheço. Eu disse no dia 1.º de Abril do ano
corrente, que existia rivalidade, e antipatia entre alguns Portugueses Europeus,
e Brasilienses; se isto é crime, acusem do mesmo crime a comissão composta
dos Ilustres Deputados das Cortes, que fizeram o relatório sobre a remessa dos
Presos da Bahia envolvidos nos acontecimentos de 3 de Novembro próximo
passado = acusem o Governo, Câmara, e outras autoridades da mesma Cidade
da Bahia, que declararam no dia 18 de Fevereiro deste ano existir tão funesta
rivalidade entre os Europeus, e os Brasileiros = acusem o Redator do Correio
desta Corte, que trata de ingratidões no seu N.º 49 = acusem o Autor de um
folheto, que há poucos dias apareceu assinado por J. S. P. L. o qual na página
52 trata dos germes de rivalidade = acusem finalmente esses homens a quem
hoje mesmo tenho ouvido martelar sobre essa antiga inimizade = todos eles
são Europeus, e todos por desdita conhecem, que é uma dolorosa verdade
aquilo, que escrevi nos tristes papéis, que foram censurados por meia dúzia
de ociosos, e por dois ou três indivíduos a quem se acomodavam os exemplos,
ou anedotas, que eu apontava.
Bem conheço que os senhores a quem tanto enfastiaram os meus
escritos a favor do Brasil aplaudiram sobremaneira uma mais = decente =
linguagem, isto é, se eu dissesse, que – o Brasil nunca foi, não é, nem há de
ser digno de figurar com esplendor entre as Nações cultas do universo = Este
modo de falar agradaria certamente aos seus indispostos corações, e nesse
caso não se lembrariam de fazerem passar de mão em mão (como trabalho

573
à formiga) um vil manuscrito cheio de baixezas com que indignamente
pretendem injuriar-me. Apareçam em público, desmascarem-se, escrevam,
refutem-me, convençam-me, e não andem chilrando como aves noturnas por
esses ninhos empestados em que derramam o veneno das suas iniquidades;
escrevam contra mim para eu lhes dizer com Terêncio = Par pari retuli1 = ou
com o Macarrônio – Nos quoque gens sumus, et cavalgare sabemus2 = não se
acanhem nem façam como as crianças, que só querem jogar os murros lá nas
ruas em que habitam; portem-se como homens de bem, e não pensem, que
o seu afetado patriotismo tem força de fascinar-me. Acreditem-me: eu não
sigo partidos, não entro em clubes, não mendigo proteção; estou capacitado
de que me comporto como Cidadão pacífico, amante sincero do Brasil e de
Portugal; não conheço que coisa é servilismo; muito pouca gente sabe quem
eu sou; o meu joelho curva-se a Deus, ao Soberano, e a mais ninguém, e por
isso lançando a minha luva para o campo como gage de batalha, desafio-os
a combaterem-me, ou a imitarem-me.
A estes mesmos senhores tomo a honra de fazer as seguintes questões:
obriga-os alguém a residirem no Brasil? Se não gostam de viver entre macacos
para que estão comendo as nossas Bananas? Por que se não retiram para o
Jardim das Hespérides? faltam territórios pertencentes a Portugal em outras
regiões distantes do Brasil? não há a costa de Angola, a terra dos Hotentotes,
o Império do Monomotapa, as Ilhas de Cabo Verde, e o seu continente, e
as Ilhas de São Tomé, e Príncipe? vão para lá se não lhes agrada o Brasil, e
querem estar fora de Portugal.
Parece-me suficiente o que acabo de dizer para mostrar aos meus detra-
tores, que os não temo: que a minha consciência não me acusa; que defenderei
os interesses do Brasil, (os bem entendidos interesses dos homens honrados,
e nunca os de meia dúzia de anarquistas) enquanto vida tiver; e ultimamente
servindo-me das palavras do Ilustre, e sábio Marquês de Penalva, hei de dizer-
-lhes de cara a cara que = as verdades que declaro com a pena, estou pronto
a defender com a espada. Rio de Janeiro 23 de Julho de 1822.

R. J. C. M.

__________________________________________________________
RIO DE JANEIRO. NA TYPOGRAPHIA DO DIARIO. 1822.

1
Respondi de igual para igual.
2
Também somos gente e sabemos cavalgar. N.T.: latim macarrônico popularizado pela
revista Palito Métrico de Coimbra.

574
48

PORTUGAL E O BRAZIL.
OBSERVAÇÕES POLITICAS
AOS ULTIMOS ACONTECIMENTOS DO BRAZIL.
POR
FRANCISCO D’ALPUIM DE MENEZES.

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Concordia disjuncta est, ordinum.1
Cicero.
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LISBOA,
ANNO 1822
Rua Formosa Número 42.

A concórdia das ordens foi desfeita.


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PREFÁCIO

As terríveis consequências de uma crise, ameaçadora para os Portugueses


de ambos os mundos, instiga-me como Português, como amigo da pátria, a
pegar na pena para manifestar meus sentimentos, ao que tenho todo o direito.
Não é o espírito de facção, não é o interesse nem a parcialidade quem dirige
a minha pena. É o amor da causa geral da Nação, é o medonho precipício
que vejo abrir-se debaixo de nossos passos!
Não é para os homens que só leem por passatempo, e que nada influem
sobre nossos destinos, que eu escrevo estas poucas observações.
É a vós Legisladores Portugueses, que eu me dirijo; é a vós que eu conjuro
em nome da Pátria, desta Pátria que vos constituiu, confiando de vossas mãos,
não só o seu Poder, mas também os seus Destinos, que vigieis por sua salvação,
por sua felicidade, e por seus interesses. Reuni-vos, pensai com madureza e
obrai com energia. Legisladores! de um e do outro hemisfério, tende uma só
verdade, sede justos e coerentes em vossas decisões. Vede que só delas depende
hoje a felicidade ou a desgraça, a glória ou a desonra do Orbe Português.

PORTUGAL E O BRASIL

PORTUGAL.

“Pode Portugal existir sem as Américas? A separação destes dois Estados


poderá ser para ambos eles, fatal, ou indiferente?”
Eis aqui a terrível questão do dia, eis aqui o fatal pomo da discórdia,
que inflama a uns, e abate a outros. Vejamos agora o que a tranquila razão
nos demonstra.
Desde que Portugal, cansado, e esgotado pelas conquistas, principiou
a fundar nelas os seus primeiros estabelecimentos, e a gozar dos vantajosos

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recursos que elas lhe forneciam, tanto nesses dois metais, primeiros deuses
do coração do homem social, como por suas naturais produções, desde esse
tempo, digo, que todas as suas atenções se voltaram para elas. O seu ouro,
começando a afluir abundantemente sobre o Portugal, serviu de lisonjeira
proclamação aos Portugueses; e com a poderosa atração do ímã, arrebatou-
-nos uma tão considerável porção de habitantes, que bem depressa o agri-
cultor largou a charrua, o negociante o seu comércio, o artista a sua oficina,
e as Cidades se esvaziaram.
Estes novos Colonos, encantados da sedutora perspectiva que estes
vastos e ricos países ofereciam aos seus interesses, esqueceram-se da Mãe
Pátria, e trataram de se estabelecer. Com efeito, bem depressa apresenta-
ram respeitáveis cidades marítimas, e se estabeleceram em uma atitude tão
importante para os seus interesses, como para os de Portugal.
Foi então que o Portugal começou a gozar, extasiado, o belo quadro
da sua grandeza, da sua magnificência, e do seu poder. Na verdade, que
nação ofereceria então na Europa um tão belo painel de prosperidade? Que
nação deixava de nos invejar, admirada? Nós, é verdade, que havíamos
perdido gente, e indústria; mas faltou-nos acaso o menor dos recursos da
vida? Deixamos por isso de fazer uma importante figura, não só entre as
nações Europeias, mas mesmo entre as demais conhecidas? Não foi então
que a Europa nos respeitou mais? Não foi então que nossa influência inva-
diu todos os Gabinetes? Mas basta; são verdades estas, tão conhecidas, que
escusado é o repeti-las.
Ora, como nós possuíamos, não só o ouro do Brasil, mas também uma
grande parte do da Europa, por isso que o Portugal se constituiu exclusi-
vamente em armazém geral de todos os gêneros Americanos que entraram
a afluir no mercado da Europa, não podíamos sentir de maneira alguma a
falta da perdida indústria, nem mesmo darmo-nos de novo a ela, porque não
tínhamos necessidade; tal era a abundância do ouro, que se ramificava até
as últimas classes da sociedade; e o homem que não necessita não trabalha;
porque a indústria é filha primogênita da necessidade.
Contudo, à força de disposições tão desnecessárias como escandalosas,
de um luxo sempre progressivo, e de um comércio ruinoso, se foi esgotando
pouco, e pouco, não digo bem, aceleradamente esta abundância do gênero
primordial, do ouro, ao passo que as suas fontes se esgotavam também.
Restou-nos [ilegível] essas vantagens comerciais que os estreitos laços de uma
fraterna união ainda alcançava. Porém, estas vantagens, esta união deviam,
pela marcha natural das coisas, passar um dia por uma terrível experiência.

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Se aqueles que então governavam, tivessem estendido suas vistas
sobre um futuro que já se avizinhava, precedido de tantos, e tão sinistros
precursores, haveriam preparado de antemão, uma barreira aos males que
ele arrastava, e meteria fortes escoras ao edifício político, que principiava
a ameaçar ruína.
Porém, nada disto se fez: em nada se conveio senão em desfrutar os
prazeres da ociosidade, quando já não era tempo nem de prazeres, nem de
ociosidade. A Nação gozava ainda os derradeiros momentos do plácido sono,
a que as suas passadas prosperidades a haviam convidado, e já a fatalidade
lhe batia à porta.
Enfim, a invasão dos exércitos desse homem que morreu há pouco
em Santa Helena, afugenta a Família Real, e rasga o véu do futuro que nos
esperava. Foi então que já sem remédio, se decretou a nossa sorte, e que
começaram as nossas dores. A obstinada luta dos sete anos foi o ópio que nos
adormeceu, e que nos eximiu à penosa sensação que elas nos deviam causar.
A luta terminou-se, e as dores apareceram de novo, mas com muito mais
violência, por isso que nos achamos desfalecidos pelos efeitos do remédio
que as havia rebatido. Então todos nos interrogávamos, todos deploráva-
mos a nossa sorte, e só os únicos que a podiam minorar ou adoçar, eram os
mesmos que a tornavam mais amarga, e extensa! Na verdade, que Nação
se viu nunca em semelhante alternativa? Sem dinheiro, sem indústria, sem
Comércio, sem Rei, com um Governo efêmero, e por cúmulo de todos os
males, entregue à vergonhosa tutela de uma nação estrangeira!!
O Portugal já não tinha Américas, não, não as tinha: porque o seu
Rei havia transplantado para lá a Sede da Monarquia, e os seus Cortesãos
haviam em seu Nome, proclamado já, por meios talvez mais que indiretos a
desunião dos dois mundos. Tal foi a franca liberdade de comércio concedida
às demais nações, com incalculável prejuízo da Mãe Pátria! E que queria isto
dizer? Não era que nos entrávamos para com o Brasil na ordem geral das
relações Comerciais das outras nações para com ele? E que manifesta este
passo tão antipolítico, como atraiçoado? Que a nação acabou, e que ela não
existe mais que em um vão fantasma.
Qual era a dolorosa mágoa dos Portugueses? Não era a de se verem
despojados deste único recurso que sustentava Portugal? Sem dúvida. E por
que motivo? Porque Portugal está ainda acostumado a viver do Brasil, e não
pode no estado atual passar sem ele. Será acaso inútil a plena experiência que
disto temos? Confronte-se o estado de Portugal até 1808, com o que desde
então tem decorrido até hoje, e o resultado nos mostrará que desde aquela
época, não temos feito mais que marchar a longos passos para a pobreza,

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e para a desesperação: sim, para a desesperação, porque ela é o cruel efeito
da repentina passagem da grandeza, para a miséria. E haverá ainda quem
trate com indiferença a desunião do Portugal com o Brasil?
Tal era o mísero estado a que nos víamos reduzidos, quando raiou o
memorável dia 24 de Agosto. A plácida e majestosa marcha de uma diferente
Instituição Política, acontecimento, talvez único na história das Nações; a
pronta adesão do Brasil, e a generosa condescendência do virtuoso Rei,
tudo parecia até agora conjurado em nosso favor, e tudo anunciava, não só
que os nossos males iam terminar, mas que um brilhante futuro nos abria
as portas da consolação, e da felicidade. Mas baldada esperança: ilusório
sonho! Não sucedeu assim. Uma fatal e sinistra desconfiança se apodera,
quase geralmente dos corações portugueses, e com a rapidez da eletricidade
se comunica às províncias do Brasil! Que repentina contradição!!
O Rei, por motivos tão conhecidos, como plausíveis, abandona o Brasil,
deixa lá o herdeiro do seu trono, e volta para Portugal. Embora, alucinado
espírito de um partido declame contra este acertado passo, porque ele desfez,
e aniquilou seus ambiciosos e execrados projetos; mas o amigo da Pátria, o
amigo da ordem abençoa o Rei, por saber aproveitar o único recurso que a
dificuldade das circunstancias oferecia, vindo Ele para entre nós animar, com
o seu imortal exemplo, a sagrada causa da nossa Independência, e deixando
seu filho no Brasil, como um refém, com o mais caro penhor da recíproca
fraternidade, e união que deve enlaçar os dois povos.
As Cortes, mais inclinadas à prática do bem geral, e ao necessário
extermínio de velhas e abusivas instituições, que a uma mal entendida
condescendência para com elas, legislaram com afoiteza, e derrubaram uma
parte gótica do edifício que se ia renovar, e que de nada lhe servia. É então
que o espírito da discórdia se enfurece, e tomando este primeiro passo que a
necessidade prescrevia, pelo sinal da dissenção, agita os ânimos, e pretende
fazer surgir das suas cinzas o pálido estandarte do despotismo, ou da anar-
quia. Irrita-se de toda a parte contra as Cortes, que Elas tudo destroem, e
nada criam; pretendendo-se desta maneira fazê-las odiosas aos mesmos que
as constituíram! Na ideia de derrubar este antemural da liberdade de tudo
se aproveitam, tudo lhe serve de tema as suas injustas arguições! Infames
Libelistas, em vez de pregarem a concórdia, e inspirarem a confiança, tão
necessárias nas crises políticas, vomitam venenosas invectivas, e insultam
vergonhosamente, tanto ao particular tranquilo no centro da sua labuta-
ção, como à corporação assentada no tribunal das Leis, ou no da opinião
pública! E que é isto? Não é já o estado das agressões, o da anarquia? É
assim que se conciliam os espíritos, para dirigi-los pela escabrosa estrada

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da Liberdade? É assim que os homens hão de amar uma Instituição toda
nova? Acreditai-me, infames Libelistas, todos os golpes que a sagrada causa
da Liberdade receber, todos os males que sobre nós pesarem, só vós, só vós
haveis sido os seus autores; porque os públicos insultos, que não podem ter
uma honrosa desafronta, levam o homem à desesperação, e à desesperação
seguem-se males tão terríveis, como incalculáveis.
As Cortes, persuadidas, ou iludidas pelos discursos de alguns dos seus
Membros, decretam a saída do Príncipe Real do Brasil, e apesar de o chama-
rem para a Sede do Império, dizem que ele deve viajar, porque sua residên-
cia não convém nem num, nem noutra parte! Esta deliberação voou como
facho da discórdia a incendiar a América! Os seus habitantes, já cansados
de sofrerem os males, que a falta de um Poder Deliberativo, que entre eles
residisse, lhe havia motivado, não lhe podiam mais suportar a triste condi-
ção de Colonos. E vendo-se depois constituídos em Nação Representante,
não era de esperar que eles tolerassem, nem mesmo a ideia, de volverem
ao primitivo estado. Como podiam pois conformar-se com tal deliberação,
quando a partida do Rei para a Europa, dando um profundo golpe em suas
bem fundadas esperanças, os sobressaltou, e encheu de receios? Restava-lhe
o seu Herdeiro; e apesar de sinistras prevenções, conformaram-se nutrindo-se
com a lisonjeira esperança de o possuírem.
Neste estado de coisas, como esperavam, pois as Cortes ser obedecidas?
Ignoravam Elas o espírito público do Brasil? Não estavam perfeitamente
informadas dos ulteriores acontecimentos? Desterremos a ideia aparente de
que só os Cortesãos do Príncipe Real servem de estorvos à sua partida para
a Europa; não são eles, são os Brasileiros, são aqueles mesmos Brasileiros,
que já passaram pela miserável sorte de colonos, governados pela aristocracia
militar. E haviam então de encarar tranquilos a partida do Príncipe Real,
e logo substituído por baionetas Europeias, e por funcionários militares
Europeus? Que conclusão deviam eles tirar deste procedimento? Que era
uma generosa franqueza, que ia com a Constituição na mão, convidá-los
a uma mais doce, e estreita fraternidade, ou uma agressão decisiva sobre
seus direitos? Dizei-o vós, autores da Deliberação; dizei-o vós, Ministros
do Estado, que mais precipitados, ou parciais em vossas distribuições, que
atentos sobre a verdadeira marcha de importantes negócios, acabais de ver
o resultado de vossas operações!
Os erros podem ainda reparar-se; ainda é tempo. Vejamos pois os
meios que a razão para isso nos aconselha, e abraçando-os, evitemos a perda
fatal do Brasil. Ela nos aconselha que digamos aos Brasileiros, não só com
palavras, mas com obras: “Brasileiros! O Portugal, despido de preocupações

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ambiciosas, e de todo o orgulho Metropolitano, não quer ditar-vos uma Lei,
filha só do seu capricho; esses tempos sumiram-se. Agora quer de boa fé tratar
convosco, como homens livres. Quer que esta Lei geral que deve estreitar os
nossos vínculos, e fazer a nossa mútua felicidade, seja feita amigavelmente,
entre os nossos e vossos Representantes. Acabai pois de os enviar; e quando
todos reunidos, se preencherá o honroso claro que vos temos reservado na
Constituição Lusitana. Nós somos justos; não queremos mais que a nossa, e
a vossa felicidade! Esqueçamo-nos sinceramente do passado, abracemo-nos
com ternura, e corramos os mesmos Destinos. Nós seremos Brasileiros, e
vós sereis Europeus, todos irmãos, e todos uns.”
Eis aqui a conduta que deve ter Portugal para com seus irmãos do
Brasil. Eis aqui o único meio de não perder diretamente num dia o que tanto
tempo levou a adquirir, com tantas fadigas, com tantos perigos, e com tantos
sacrifícios!
Voltemos agora as nossas vistas para

O BRASIL.

O Brasil, pela sua vasta extensão, pela fecundidade do seu solo, e pela
riqueza de suas produções, é sem dúvida um dos países mais admiráveis do
mundo. Se ele, desde seu princípio tivesse estado em poder de mãos hábeis, e
criadoras, que soubessem aproveitar-se das inumeráveis vantagens que oferece:
a sua representação na cena das Nações Transatlânticas, seria hoje a mais
brilhante e respeitável. Porém o Gênio conquistador, sempre atento em abafar
todos os germes de civilização e engrandecimento, entre os povos que uma
vez subjugou, fazendo continuados esforços para atrasá-los, conseguiu, em
grande parte, ver realizados os seus projetos. Mas enfim, os tempos, que não
são sempre os mesmos, foram-lhes esclarecendo com o archote da verdade, o
miserável quadro da situação. A esta penosa vista, eles surgem do letargo em
que se achavam submersos, e começam a conhecer que são Homens!
A parte Setentrional da América é a primeira que sacudindo o colo, mani-
festa a seus Senhores, a sua nobre resolução. Porém, ela não só é desprezada
com todo o orgulho de um senhor absoluto, mas tratada de rebelde, e como
tal perseguida com todo o furor da devastação! Uma luta obstinada, e tão
fatal para os agressores, como para os agredidos, termina-se afinal com um
memorando exemplo para os Europeus que têm irmãos além dos mares! E
será ele hoje inútil?

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O Brasil, devia à sua volta sentir um dia os influxos que o Setentrião
lhe soprava. Isto não era meras conjecturas; era um cálculo exato, que só
a ignorância podia imprever. Contudo, a presença da Família Real, pode
diminuir e atrasar os livres sentimentos que principiavam a se apoderar dos
corações Brasileiros. Pernambuco iludido, julgando já suficientes os neces-
sários combustíveis para uma explosão, lançou- lhe o fogo em 1817 porém
a explosão falhou, porque os combustíveis já não eram próprios para uma
inflamação geral. O Brasil, portanto, esquecendo-se de seus passados projetos,
já não aspirava a mais que uma perfeita consolidação da Monarquia Brasílica,
quando os acontecimentos de Portugal lhe foram dar um novo impulso. Este
impulso, causando a mais saudável impressão no Brasil, assegurou ao Portugal
os mais felizes resultados.
Porém, uma marcha irregular, e toda oposta à que o Portugal devera
prosseguir, vai assustar o Brasil, e espalhar a desconfiança pelas suas provín-
cias! Então o Portugal, mais precipitado, que circunspecto, invectiva contra o
Brasil, quer tomar ainda o tom de senhor, e esforça-se por lhe soprar o fogo
da discórdia! Mas ao empolado mar das paixões, vai sucedendo a bonança, e
a praia da salvação já se descobre nas Cortes. Eia! Naufragantes, constância!
Vamos saltar nela! Mas indaguemos o ponto melhor para a aportarmos.
“Pode o Brasil, atualmente, subsistir separado do Portugal? Pode manter
a sua Independência?”
Quem sustentará esta tese política pela sua afirmativa? Ninguém,
certamente. Vejamos, pois se são verdadeiras, e sólidas as dificuldades que
se oferecem pela negativa:
O Brasileiro, desprovido de máquinas para o penoso serviço de seus
engenhos, estabelecimento primordial do seu país, vê-se ainda na dura neces-
sidade de fazê-los servir por escravos, sempre inimigos implacáveis de seu
senhor. O Brasileiro não podendo suportar os ardores de um sol abrasador,
entrega a cultura de seus campos a escravos, sempre implacáveis inimigos
de seu senhor. O Brasileiro, julgando ainda indecoroso para as suas mãos o
mais insignificante trabalho, constituiu-se dependente de escravos, sempre
inimigos implacáveis de seu senhor. O Brasileiro, enfim, dentro da sua mesma
habitação, só se acha servido, e rodeado por escravos, sempre seus inimigos,
e sempre prontos a se sublevar!
Ora o número destes escravos é superior aos Brasileiros, na proporção,
pelo menos, de um para seis. Pergunto, pois, decretada a Independência
absoluta do Brasil, quem será o escravo? O Brasileiro, ou o Africano? Quem
receberá a lei, o forte, ou o fraco? A razão, e a experiência, mostram bem

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claramente que será o fraco.2 Temos por uma consequência necessária, que
enquanto o Brasil necessitar de escravos, necessita de uma Potência Europeia,
que lhe afiance a obediência destes escravos. Eis aqui um dos primeiros, e
mais fortes obstáculos que se opõem a uma Independência absoluta. Vejamos
os demais, se são atendíveis.
O Brasileiro, por um gênio natural, tão amante do luxo, como das
melhores comodidades da vida, não tendo ainda a necessária indústria para
se prover a si mesmo, vem prover-se à Europa. Para equilibrar esta despesa,
é necessário também fazer um vantajoso comércio de exportação. Porém,
este comércio nunca lhe poderá ser proveitoso, sem ter uma Potência da
Europa que o apoie, e que sirva de depósito geral às suas mercadorias. De
outra sorte, os seus navios ao passar a linha, seriam o espólio de esfaima-
dos piratas, que não respeitariam mais o seu pavilhão. Além disto, quando
mesmo estas poderosas causas expendidas não fossem bastantes, vejamos
se o são as que se seguem.

É inegável que o principal baluarte da Independência absoluta do Brasil,


deveria ser uma respeitável marinha, para poder opor às primeiras agressões,
que sobre ele tentasse qualquer ambiciosa nação da Europa, o que necessaria-
mente se deverá esperar. Ora o Brasil, no estado presente, sem um só navio
de guerra para cobrir suas extensas costas, como resistirá às formidáveis
esquadras da Inglaterra, ou da França? Persuadir-se-ia acaso o Brasil, que
qualquer destas duas ambiciosas Potências, se reduziriam ao simples papel de
espectadora de um tal acontecimento? Não sem dúvida; porque ambas elas
acabam de sofrer perdas de igual natureza, e desejarão ansiosas encontrar
uma indenização. O Brasil, portanto, não se desfraternizaria de Portugal,
senão para passar para o jugo de ambiciosos estrangeiros.
Se ainda tudo isto não basta, quem afiançava ao Brasil que esta sonhada
Independência havia de ser unanimemente abraçada por toda a sua vasta
extensão? Quem lhe afiançaria que o pavoroso flagelo da anarquia, esta
assoladora peste das sociedades, não arvorava o seu negro pavilhão? E que
seria então do formoso Brasil? Só o imaginá-lo faz tremer de horror!!
Possuído destas importantes verdades, concluo, que o Brasil cheio de
uma escravatura imensa e tão bárbara como desejosa de se revoltar; o Brasil
sem um garante poderoso para o seu comércio; o Brasil sem indústria, sem
fábricas, sem artes; sem uma força militar suficiente; sem marinha; e sem uma
Potência Europeia, que despida de ambição tenha o generoso rasgo de cobri-lo

2
Eu poderia servir-me do exemplo de São Domingos, mas não é necessário.

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com toda a sua influência, digo, o Brasil não pode ser ainda Independente.
Ele o conhece melhor do que nós mesmos; ele a nada mais aspira que a ser
livre, e não escravo, a ser adulto e não pupilo. Eis aqui os seus votos, eis aqui
sua nobre ambição. Tudo o mais são invectivas, com que o infame gênio da
intriga intenta caluniá-los. Eia, Brasileiros! não vos iludais! não vos deixes
seduzir pelas abomináveis vozes de meia dúzia de desprezíveis atrabiliários.
Os vossos irmãos de Portugal fazem-vos toda a justiça de que sois dignos, e
chamam sobre vós todas as bênçãos do Céu. A família não se desunirá por
falta de um recíproco amor; não, não desunirá. Agora, só resta um passo
a dar: que é o da nossa Convenção Familiar; confiai, pois de todo o vosso
coração naqueles que a devem organizar; porque ela há de ser o resultado
da meditação da Sabedoria, e da Justiça.
Qual será a base de Legislação em que deve assentar o Poder
Administrativo de toda a Família Lusitana-Brasílica? Sobre este importantís-
simo ponto, Ó Legisladores! é que eu chamo toda a vossa atenção, e toda a
vossa sabedoria! Estabelecei, primeiro, princípios de eterna justiça; e com a
balança na mão, pesai depois as vossas deliberações! Vede que um pequeno
déficit para qualquer dos lados, fará perder o equilíbrio, e perdido ele tudo
pode perder-se. Não vos precipiteis; estais em tempo, e tendes tempo; a
precipitação é mãe dos erros. Vede bem, que desta delicada operação, vão
depender os destinos de dois grandes Povos! que se querem unir em um
só, apesar da enorme distância que os separa! Consultai, consultai, não
vos envergonheis disso, a opinião desses melhores Políticos do século, que
ilustram hoje a Europa, e formai depois o vosso sistema. Que o Mundo,
então, olhe para vós espantado! Que os vossos Constituintes vos ornem as
majestosas frontes! Com eternos louros! E que a posteridade vos adore como
divindades Legislativas!
Enquanto esta organização se não verifica, qual deverá ser a conduta do
Portugal para com o Brasil? Não deverá, sem dúvida, ser a mesma que tem
havido há meses a esta parte. Ela tem sido diametralmente oposta à razão, e
à justiça! Porém, as Cortes, em sua Seção de 23 de Março, deliberaram com
sabedoria, e deram uma manifestação, e brilhante prova, das retas e sinceras
intenções que As anima, para com o Brasil. Agora cumpre também que o
Ministério torne si, e ao exemplo das Cortes adote os mesmos princípios;
despindo-se de todas as fraquezas que o podem tornar odioso, e distribuindo
com imparcialidade e justiça, não só os empregos do Brasil, mas também os
de Portugal; porque os povos, olham com mais interesse, e circunspeção para
as operações do Executor, que do Legislador; pois que deste só depende o
bem geral, quando daquele depende o particular, que é o que mais nos afeta.

584
A origem das revoluções nunca foram as Leis, mas sim os seus executores.
A experiência o acaba de mostrar entre nós!
É necessário, pois que o Brasil conheça, que não são os seus cargos o
sórdido objeto dos nossos interesses. Que esfaimados Europeus, ornados de
respeitáveis vestes, não irão com a voracidade da ave de rapina, nutrir-se
das suas entranhas, e arrancar-lhes, por fim, para trazê-las para a Europa!
Este fatal sistema, que tanto tem afligido os povos Americanos, foi quem os
separou das suas Metrópoles; foi quem os levou à desobediência, e à rebelião!
Se a equidade e a justiça houvessem presidido a conduta dos Governos para
com eles, ainda hoje os veriam ligados aos seus interesses; e não haveriam
sacrificado inutilmente homens, navios e dinheiro, para submeter desespera-
dos, que antes haviam de preferir, na última extremidade, entranhar-se pelos
desertos sertões, afrontar a sanha dos animais ferozes, e todos os horrores
da desgraça, que tornarem a submeter o colo a um jugo infernal!
Porém, isto não deve ficar em palavras, e promessas; porque os povos
estão tão escandalizados, que já não acreditam nisso, e só se decidem pelos
fatos. O Brasil está ainda com os olhos fixos sobre Portugal. Preenchamos,
pois as suas esperanças, obrando com franqueza, com justiça e com energia; e
não se gaste o precioso tempo em declamações vãs, que de nada servem, senão
de atrair ódios, e de dar lugar às facções para intrigarem, e ganhar terreno.
O Parecer da Comissão Especial sobre os negócios do Brasil, foi justo,
e sábio. As Cortes deverão quanto antes pô-lo em prática. Acrescento mais
ao Parecer da Comissão: As Cortes, não só devem já mandar suspender, se
ainda é tempo, a partida do Príncipe Real, mas autorizá-lo legalmente com
o Poder Executivo, dando-lhe o título de = Príncipe Regente do Brasil, = e
nomeando-lhe um Conselho de Estado, composto de homens respeitáveis na
opinião pública; dos quais uma a metade, deve infalivelmente ser do Brasil.
Esta medida se declarará Provisória, até ao juramento da Constituição no
Brasil.
Se assim se executar, qualquer homem de bom senso, pode afiançar um
êxito feliz. Se assim se não obrar, a Representação da Junta de São Paulo,
não sendo, por hora, nada em si mesma, pode vir a ser muito; pode ter
imitadores, e funestíssimas consequências! Torno a repetir:
Legisladores! De vossas mãos depende ainda a união dos dois povos!
Aproveitai o momento: não o deixeis fugir! A vossa reputação, a vossa glória;
a reputação e a glória dos dois povos, sirvam de incitar em vossos corações,
tudo quanto exige o amor da Pátria!

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Post Scriptum.

Depois deste escrito se achar na imprensa, chegaram as desagradáveis


notícias de Pernambuco, que todos sabem. Se nós devemos regular pelas
expressões e votos da Junta Governativa, Pernambuco não quer separar-
-se do Portugal; o que não quer é a tropa, nem o Governador, a quem a
mesma Junta faz bastante carga. Agora cumpre saber se este acontecimento
é o resultado da opinião geral, ou se é unicamente uma facção sediciosa?
Se for o resultado da opinião geral, que Pernambuco declare qual é o papel
que pretende representar; se obedecer a Portugal, ou ao Rio de Janeiro? Se
a Portugal, deve então submeter-se cegamente às decisões das Cortes, onde
tem os seus Representantes, e faça-se responsável a Junta Governativa por
qualquer infração, pondo-se a sua disposição todos os meios que ela julgar
conveniente para manter a ordem, e a segurança pública. Se ao Rio de Janeiro,
fica sujeito ao poder do Príncipe Real, uma vez que este seja nomeado Regente
do Brasil, provisoriamente, como a cima fica dito; entra então no sistema geral
do Governo Brasílico, e nada temos com ele diretamente.
Porém, se é uma facção sediciosa que opera, então deixemo-nos de
contemplações; caia sobre ela a espada da Justiça com a violência do raio.
Mande-se já sobre Pernambuco, e dê-se um exemplo memorável aos faccio-
sos. De outra sorte é protegê-los, é mostrar fraqueza, é perder a dignidade
Nacional, enfim, é abandonar, e sacrificar o digno Povo do Brasil a todo o
furor, a toda a devastação das facções anárquicas.

F I M.

586
49

[Prospecto para um novo periodico intitulado Correio


do Rio de Janeiro, que sahirá todos os dias, excepto
nos Domingos e Dias Sanctos]. Rio de Janeiro. Na
Imprensa Nacional [1822]. FBN

Sendo a nossa Regeneração Política == Obra da Nação == foi com


toda a justiça, e sabedoria, que o Soberano Congresso, disse sem vaidade,
Ilustríssimo Senhor Pereira do Carmo, na sessão de 27 de Junho o seguinte ==
Como Deputado, e um dos colaboradores deste Projeto, (o da Constituição)
muito folgava eu, que ele se patenteasse à Nação; para que todos o vissem,
e examinassem, mais de espaço, e pudessem com suas luzes aumentar as
luzes deste Congresso, que só tem por fim desempenhar bem, e fielmente,
as altas funções de seu alto ministério. Este era o único meio mais cabal de
pormos em contribuição as luzes de todos os Portugueses instruídos, e de
todos os sábios da Europa, para aperfeiçoarmos o nosso pacto social. E por
isso proponho que se mande imprimir um número suficiente de exemplares,
os quais se ponham à venda nas Lojas do Diário das Cortes, pelo preço que
baste para as despesas do papel e impressão == foi aprovado == resultou de
tão liberal e acertada medida, que os sábios de Portugal, e o melhor número
dos da Europa, contribuindo com o seu contingente, muito têm influído nas
deliberações essenciais do Soberano Congresso; mas o Brasil, metade da
Nação Portuguesa, parece que de si mesmos esquecidos, tem desempenhado
muito pouco este sagrado dever, e pode afirmar-se, que só desta falta se tem
originado algumas decisões do Soberano Congresso, pouco vantajosas ao
Brasil e por consequência a toda a Nação. Será esta omissão dos Portugueses
do Brasil procedida de falta de Patriotismo e amor à santa Liberdade? Não,
porque se os de Portugal têm uma e outra coisa, os do Brasil sendo nele planta
exótica == transplantada da lá, nenhum motivo os podia obrigar a perder os
sentimentos de seus Irmãos, Pais e Avós, não cessando nunca a comunicação
diária com eles, e até princípio de 1808, só com eles; e se alguma diferença
pode notar-se em geral, é mais brandura e docilidade de gênio, qualidades
que se não poderão taxar de vícios enquanto a nomenclatura se não mudar
para significação inversa. Será por embrutecidos, pelo longo cativeiro que
sofreram debaixo de um abjeto Despotismo, e por se terem familiarizado
com a vista e educação dos Escravos Africanos? Não, porque os de Portugal

587
sofrendo o mesmo Despotismo conservaram a nobreza de sentimentos que
agora desenvolveram, e a vista da Escravidão faz encará-la com mais horror,
e despertar os desejos da bem entendida liberdade; em prova desta asserção
poderíamos referir várias tentativas que os Portugueses do Brasil têm feito sem
instigação dos de Portugal para se libertarem, sendo a última em Pernambuco
em 1817, a par da de Lisboa e com os mesmos resultados.
Será pois estupidez, ou falta de conhecimento de seus mais peculiares
interesses? Não, porque além dos muitos Portugueses que do Brasil têm ido
aprender nas mesmas escolas onde aprenderam os de Portugal, voltando instru-
ídos, e dos muitos naturais de lá que têm vindo depois de terem adquirido esse
precioso tesouro, as ciências no Brasil se têm cultivado com extraordinário
proveito dos Alunos, e admiração de seus Mestres, os quais lhes ensinaram
o mesmo que tinham aprendido nas Universidades; de mais, para cada um
expor os vexames que sofre, os abusos das Autoridades, a distância em que se
acha dos recursos, o atrasamento ou quase extinção do Comércio marítimo; a
nenhuma indústria fabril, o mau estado ou nulidade da navegação pelo inte-
rior, o péssimo das estradas de comunicação de umas com outras províncias,
para o transporte de seus muitos gêneros de produção de qualquer dos três
Reinos, Vegetal, Mineral, e Animal, não obstante achar-se a Agricultura e
indústria rural na sua infância, para expor, dizíamos nós, tudo isto, e muito
mais, não é necessário o conhecimento das ciências exatas, ou especulativas.
Logo por que não manifestam seus sentimentos principalmente sobre o atual
estado político dos dois Reinos de Portugal e Brasil, cuja opinião pública
deste, se deve fazer muito sentir em Portugal e na Europa? Parece-nos que
as verdadeiras causas que para isto têm influído são, a primeira a boa fé do
Brasil esperando de seus Irmãos a mesma igualdade de direitos, com que eles
os convidavam à santa causa, quando El Rei cá estava, a segunda a riqueza
de seus poderosas recursos, quando esquecidos ou desprezados, e a terceira
a falta de Tipografias, e por consequência de Redatores. A outros Periódicos
mais eloquentes deixamos o desenvolvimento das duas primeiras causas que
demandam imensa riqueza de luzes políticas, enquanto que a terceira reme-
diada em parte pela chegada de uma nova Tipografia, nós nos propomos a
suprir o resto oferecendo ao Público uma folha diária, (exceto nos Domingos
e Dias Santos de guarda) com o título de == Correio do Rio de Janeiro. ==
Não temos suficiente cabedal de luzes para ilustrar e dirigir a opinião
pública. Mas temos assaz firmeza de caráter, e probidade para manifestá-
-la; e sendo o principal fim a que nos propomos, servir de Órgão de nossos
Concidadãos do Brasil, será nosso primeiro objeto, inserir em nossa folha
todas as memórias, planos, e cartas que nos forem dirigidas, sobre Política,

588
Governo, Finança, Agricultura, Comércio, e tudo o mais que for de interesse
Nacional; seremos solícitos em publicar as Injustiças ou Despotismos das
Autoridades Constituídas, que nos forem comunicados afim de que se coíbam
de tais abusos, servindo-lhe de primeiro castigo a execração pública pela
notoriedade de seu procedimento; teremos igual assiduidade, em publicar
tudo quanto fizerem as mesmas Autoridades ou qualquer pessoa a bem da
nossa Regeneração ou boa Administração de Justiça, e desempenho de seus
públicos Empregos, para que se lhe renda o devido tributo a suas virtudes e
talentos. Terão lugar em nossa Folha as deliberações do Soberano Congresso,
principalmente as que forem relativas ao Brasil; não nos comprometemos a
seguir ordem diária das Sessões, porque principiando a nossa folha um ano
depois da reunião do Soberano Congresso, não podemos resumir de modo
que possa servir de coleção. Extrataremos notícias não só das folhas públicas
de Portugal e de toda a Europa, mas também de qualquer parte do Mundo
que chegarem ao nosso conhecimento, e nos pareçam de interesse público,
ou dignas da curiosidade de nossos Leitores.
As cartas e papeis serão remetidas pelo correio (porte pago) == Ao
Redator do Correio do Rio de Janeiro == e guardaremos religiosamente as
condições que nos forem impostas por nossos correspondentes, a respeito
de seus nomes, ou de qualquer outra particularidade; advertindo que devem
vir na forma da Lei, enquanto à responsabilidade pública ou particular
que incluírem; pode igualmente, ser entregue toda a correspondência nesta
Cidade ao mesmo redator, na rua Direita 2º. andar da Casa no. 77, ou na
Loja da gazeta, de Manoel Joaquim da Silva Porto. Assina-se para esta folha
ou periódico na Casa do Redator == na Loja da gazeta, de Manoel Joaquim
da Silva Porto == pelos preços seguintes 9$600, para seis meses, 5$000,
por três meses. Na mesma Loja da gazeta se vendem a 80 réis cada folha.

----------------------------------------------------------------------------------------------------------------
RIO DE JANEIRO NA IMPRENSA NACIONAL

589
50

RECORDAÇÕES
AO

GOVERNO
DA

PROVINCIA

DE

PERNAMBUCO
Por hum seu Compatriota.

RIO DE JANEIRO,
NA IMPRESSÃO NACIONAL. 1822.

590
Heureux toutes les fois que je médite sur les Gouvernements, de
trouver toujours dans mes recherches des nouvelles raisons d’aimer
celui de mon pays.1
J. J. R. O Contr. Soc. pag. 3.
[Jean-Jacques Rousseau, O Contrato Social, p. 3.]

RECORDAÇÕES
AO
GOVERNO
DA PROVÍNCIA DE PERNAMBUCO

________________________________________
Provincia quum te
Rectorem accipiet......................................................
............................................................
.....................................................................................
Respice quid moneant leges, quid curia mandet.2
Juv. Sat. VIII.
________________________________________
Motivo do presente escrito

A mudança, quase repentina, da forma de Governar nas nossas Províncias


do Brasil não pode deixar de ter trazido consigo embaraços, e faltas ainda nas
coisas mais fáceis, e ordinárias. Os Governadores passados não conheciam

1
Feliz todas as vezes em que medito sobre os governos, de encontrar sempre, em minhas
pesquisas, novas razões para amar aquele do meu país.
2
Quando a província te receber como chefe... Examina o que as leis exortam, o que a
cúria ordena.

591
Regimento;3 a sua lei era a sua vontade; e o mais, a que parecia que estavam
sujeitos, eram algumas instruções das Secretarias de Estado, contrariados
desde logo por Avisos, e insinuações particulares, que variavam segundo o
humor dos Ministros, que as dirigiam. Os Governadores atuais não podendo,
nem devendo regular-se por essas instruções, e ordens antinômicas, de que
estão cheios os livros das Secretarias, necessariamente hão de ser vacilantes
a muitos respeitos; e não tendo por onde se regulem, se não as leis gerais
acomodadas ao estado das coisas (o que não é tão fácil de fazer-se) não
podem deixar de ir mui vagarosos na marcha das suas operações.
Ninguém pode negar que o Governo atual de Pernambuco tem-se
conduzido até aqui mui distintamente, apoiando-se nas leis, nas Bases da
Constituição, e firmando-se bem, para que as ordens equívocas,4 que de
Portugal têm chegado a respeito da Província sem todo o conhecimento de
causa, não tornem ilusórios os princípios Constitutivos, que se juraram;
oxalá que todos os das outras Províncias tivessem feito outro tanto; e que
não tivéssemos visto ter saído da pena de homens, alias beneméritos e instru-
ídos, que ocupam o Governo de uma das maiores Províncias, a asserção
impolítica5 de que não deviam ser obedecidos em coisas tendentes a dirigir
a força armada, segundo as exigências da Província; como se fosse possível
existir um Governo sem vida, e sem a verdadeira influência na segurança
pública. Contudo como o Governo de Pernambuco, ocupado em mil coisas
diversas, pode esquecer-se de algumas, que devem estar sempre presentes;
não será inútil trazer-lhe à lembrança algumas providências gerais, que não
são coisas novas, mas que por isso mesmo muitas vezes escapam; e ainda
quando o Governo esteja presente em todas elas; e não tenha neste meu
pequeno trabalho de que possa aproveitar-se; o interesse, que eu tenho pela

3
O Regimento do Governados Geral do Brasil de 1677, e algumas instruções em forma de
Regimento dadas aos Capitães Generais, nunca passaram de mero formulário; e mesmo
lhes facilitavam que fizessem quanto quisessem, dando conta para a Corte, onde quase
tudo se lhes aprovava. Mas não se segue daqui que todos os Governadores fossem maus;
pois muitos houve beneméritos, que são bem conhecidos; o sistema é que era péssimo.
4
Quando se comparam as Ordens vindas de Portugal relativas à Administração, e Governo
das Províncias com os artigos 21, e 24 das Bases, não se pode deixar de se descobrir
quanto são equívocas.
5
Veja-se o Ofício do Governo Provisório da Bahia de 25 de Fevereiro ao Comandante
dos Batalhões da Torre, em que contraditoriamente se lhe diz (respondendo-se a um
ofício do mesmo Comandante de 21 do dito mês) que ele não deve executar as ordens
daquele Governo relativas a negócios militares; e ao mesmo tempo se lhe ordena não
marche para a Cidade com o Corpo de seu comando por não ser preciso. Sup. ao N.º
19 da Idade de Ouro.

592
minha Província; e o direito6 a solicitar-lhe uma boa administração me fará
desculpável; feliz se eu pudesse aplicar estas expressões, como o Filósofo
de Genebra.7

R E C O R D A Ç Õ E S.

Todos sabem que não podendo alguma sociedade subsistir sem leis,
e sem que todos lhes obedeçam, há uma força estabelecida pela vontade
geral, que obriga a cada um de seus membros a se não desviar deste dever;
e a concorrer para a conservação, para a segurança, e para a felicidade do
todo, e de cada uma das suas partes; a esta força é que se chama Governo.8
A obrigação, que há de obedecer ao Governo Geral de todo o Corpo
Político, ou da Nação, se estende a obedecer aos Governos parciais; porque
ainda que são uns Poderes subordinados, são também uma emanação da
Autoridade Soberana; mas é preciso que eles preencham os fins para que
são postos; é preciso que promovam, quanto está da sua parte, a segurança,
a conservação, e a felicidade do país, em que são postos para Governar.
Como a maior riqueza da sociedade é a população sobre ela deve recair o
principal cuidado do Governo; deve portanto informar-se qual ela seja; quais
os meios de a aumentar; e quais as causas de seu decrescimento, se o houver.
Nada é tão fácil como ter mapas exatos da população. Mandando-se
que os Chefes das famílias nas Cidades, Vilas, e Povoações apresentem em

6
Le citoyen a droit dans tout l’État d’aspirer au Gouvernement le plus propre à faire
le bonheur public [O cidadão tem direito em todo Estado de aspirar ao Governo da
forma mais apropriada à realização da felicidade pública]. Mably. Droits du Cit. Let.
2.ª Entret 2.º.
Quelque faible influence, que puisse avoir ma voix dans les affaires publiques, le droit
7

d’y voter suffit pour me imposer le devoir de m’en instruire. [Por pequena que seja a
influência de minha voz nos negócios públicos, o direito de votar basta para me impor
o dever de me informar sobre eles.] Contr. Soc. pr.
8
Esta noção bem clara, e expressiva, devida ao Autor da Política Natural coincide com a
definição do Autor do Contrato Social. “J’appelle Gouvernement, ou Suprême Adminis-
tration, l’exercice légitime de la puissance exécutive.” [Eu chamo Governo, ou Suprema
Administração o exercício legítimo do poder executivo.] Neste sentido é que aqui se
toma a palavra Governo, ainda que a maior parte das vezes vai empregada no sentido
vulgar, significando, e designando as pessoas, que governam; o que pelo discurso muito
bem se conhece.

593
certo número de dias, e em lugares designados listas de todas as pessoas da
família com declaração do sexo da idade, do estado, e da condição de cada
uma; dizendo-se também a rua, e os números das casas, tudo debaixo da
cominação de se mandar proceder a esta diligência por ofício da Polícia à
custa dos contraventores; e de outro maior procedimento contra os que
faltarem à boa fé, conseguir-se-á o que se pretende. Nos campos pode
adotar-se o mesmo método com pequena diferença; estendendo-se o prazo,
e destinando-se pessoas, perante quem os chefes das famílias, que não
puderem apresentar por escrito suas relações, façam as devidas declarações.
Para isto podiam servir os Párocos, se muitos deles não fossem os mesmos,
que procuram ocultar o número de seus Paroquianos; mas pode-se lançar
mão daqueles, que forem conhecidamente desinteressados. Para maior
comodidade na formatura dos mapas, convém que as listas sejam todas
por um modelo, impressas, com os claros precisos para se encherem com as
respectivas declarações. Devem facilitar-se gratuitamente; ou por um preço
tão diminuto, que não lese a alguém.
Conhecida a população, é fácil ao Governo promover o seu aumento,
tendo conhecimento do país (que deve visitar as mais vezes que puder);
informando-se dos meios, que há de subsistência, e promovendo-os, quanto
for possível; pois que dos meios de subsistir depende em grande parte o
aumento da população.9
Animando a agricultura, removendo toda a sorte de vexames aos
lavradores, facilitando-lhes os instrumentos, e utensílios precisos, (com as
devidas seguranças) que eles devem depois pagar; protegendo o comércio,
fazendo abreviar todas as suas causas, e tirando-lhe todos os estorvos, com
que costuma ser embaraçado; animando as artes, e as manufaturas, de que
o país for suscetível vantajosamente; promoverá os meios de subsistência,
que são também os da população.

9
La mesure de la subsistance (diz Mirabeau) est celle de la population [A medida da sub-
sistência é aquela da população] L’Ami des hom. Cap. 2. Rien ne gêne la multiplication
des sauvages de l’Amérique Septentrionale; mais ils ne vivent que de chasse, et son reduits
à la condition, et presque à la population de loups [Nada impede a multiplicação dos
selvagens da América Setentrional; mas eles vivem apenas da caça, e estão reduzidos
à condição, e quase à população de lobos] Mirab. Cap. cit. Todavia nada é capaz de
fazer crescer rapidamente a população, como um Governo liberal; porque este convida
habitantes de toda a parte a povoarem o país. E se a terra não tem hoje (como pensa
Montesquieu) o mesmo número de homens, que já teve; e continua a despovoar-se,
não é, de certo, outra a razão senão o despotismo dos Governos. Entretanto a arte de
Governar vai-se aperfeiçoando. – Vid. Mont. Carta Persana 112.

594
Não basta porém que na Província haja um grande número de habi-
tantes; é necessário que estes sejam bons, e úteis à sociedade,10 o que se não
consegue senão por meio da educação. Não há na sociedade a quem se não
deva toda a instrução, de que ele for susceptível; por isso é de rigorosa obriga-
ção que em todas as Povoações haja Mestres (pelo menos de primeiras letras)
homens instruídos, e bem morigerados, a quem se remunere suficientemente.
Nas Cidades, e Vilas deve haver todo o cuidado em que os estudos maiores
sejam bem dirigidos; havendo-se toda a atenção a que a mocidade se aplique
desde logo à História, à Geografia, à Geometria, e às línguas Estrangeiras,
como preliminares indispensáveis. O Governo deve obrigar os pais a fazerem
dar a seus filhos a necessária educação.
As filhas não estão fora desta generalidade; posto que seja essencial para
a felicidade doméstica a honestidade, que tão comumente se encontra em tais
pessoas naquela Província, não é isto só que forma o interesse, e as delícias
no estado conjugal. Uma matrona discreta, e bem educada é uma verdadeira
preciosidade; porque além de outras coisas, ela faz acelerar a educação dos
filhos, indo-lhes desde logo preparando o espírito, que depressa se desenvolve.
Para que na Província haja uma certa educação, que chegue a toda a classe
de pessoas, deve o Governo promover o estabelecimento de boas imprensas,
por meio das quais apareçam escritos dignos de circular; no que deve haver
toda a liberdade legal. É para lastimar o estado de atrasamento, em que a
Província está a este respeito; parece que quatro anos da mais rigorosa inqui-
sição civil afugentaram da Província toda a sorte de escrita; e teriam mesmo
feito perder o hábito de pensar, e de discorrer; se (usando da linguagem de
Tácito) estivesse nas mãos do homem o esquecer-se das coisas, como está em
seu poder o conservar-se em silêncio.11
Com o socorro de bons escritores, que o Governo deve animar, espalhar-
-se-á uma certa instrução, que fazendo nascer entre os habitantes da Província
um certo modo de pensar a respeito dos negócios públicos, uma certa opinião

Gratum est, quod patriæ civem populoque dedisti,


10

Si facis, ut patriæ sit idoneus, utilis agris,


Utilis et bellorum, et pacis rebus agendis.
Juven. Satir. XIV.
Bom é que tenhas dado à pátria e ao povo um cidadão,
Se fazes que ele seja proveitoso à pátria, útil aos campos,
Útil no fazer tanto guerra quanto paz.
Memoriam quoque cum voce perdidissemus, si tam in nostra potestate esset oblivisci,
11

quam tacere. [Teríamos perdido a memória juntamente com a voz, se estivesse em nosso
poder tanto o esquecer quanto o falar.] Tacit.

595
geral, e, para assim dizer, os mesmos sentimentos, e virtudes sociais; estreite
cada vez mais entre eles os laços da união.
Esta mesma união, que tão necessária é entre os indivíduos da mesma
Província, é indispensável entre as Províncias uma para com as outras;
porque dela nasce a verdadeira força, que as faz respeitáveis.12 Deve, pois, o
Governo promover, quanto está da sua parte, a estreita ligação da Província
com todas as mais; procurando sempre o centro de toda a união, que, como
muito bem sabe, não é, nem pode ser outro, senão a Corte, onde reside
o Príncipe Regente com os seus Ministros, Tribunais, e pessoas doutas, e
práticas nos negócios políticos.
Sendo de sumo interesse para o Brasil as mais estreitas relações entre
as suas Províncias, devendo o Governo de cada uma delas promover estas
mesmas relações, especialmente para o Rio de Janeiro, é muito para desejar
que Pernambuco tenha (pelo menos aqui) um Procurador, ou Agente,13 pessoa
hábil entendida do comércio, a quem não só o Governo, mas os negociantes,
que não tiverem Procuradores e outras quaisquer pessoas possam dirigir-se.
O dito Procurador será encarregado, além de solicitar os negócios de que for
incumbido, de remeter regularmente os impressos, em que apareçam notícias
interessantes; e de comunicar quaisquer outras, que convier saberem-se,
dando todas as instruções sobre o estado do comércio. O Governo fará da
sua parte participar-lhe tudo, que for conveniente informar-lhe, de maneira
que estando o dito Procurador ao fato das coisas, possa contestar as falsas
novas, que muitas vezes se espalham mesmo de propósito em descrédito da
Província.
Para que os sucessos da Província possam aparecer sem serem desfigu-
rados, não será menos útil que o Governo ordene uma Gazeta oficial, por
meio da qual apareça a verdade; e em que se contestem as falsas notícias
ou sejam ali mesmo nascidas, ou comunicadas de fora; não consentindo
jamais o Governo que alguém queira estorvar que as verdades se publiquem,
agradem, ou não agradem a quem elas disserem respeito; porque a regra em
tal caso é usar do conselho de Tibério ao Senado, querendo este entrar no

12
A necessidade da união das Províncias do Brasil não é conhecida de agora; já nas
Instruções de Martinho de Mello a Dom Antonio de Noronha, Governador de Minas
se recomendava isto mesmo. Eis aqui nas suas formais palavras as razões, que para
isso dava. “Sendo certo que nesta recíproca união de poder consiste essencialmente a
maior força de um Estado; e na falta dela toda a fraqueza dele.” Instr. de 24 de Janeiro
de 1775.
Este Procurador, ou Agente, não faz dispensável os Procuradores Gerais, de que trata
13

o Decreto de 16 de Fevereiro deste ano. Cedo, ou tarde o Brasil há de ter um Corpo


Legislativo; é por isso preciso que as coisas se vão adiantando.

596
conhecimento de certas murmurações.14 Todavia deve o Governo fazer, que
o caluniador nunca fique impunido, provada que seja a calúnia.15
Sendo a Província de Pernambuco aquela para que sempre se tem
olhado muito atentamente; e para a qual ainda hoje se tem os olhos fitos,
invectivando todos os dias contra ela os defensores do sistema colonial,
contando historietas, e novidades estudadas, só com o fim de incendiarem,
e de fazerem a discórdia, e a desunião com as outras Províncias; é de toda a
necessidade desenganar de uma vez os mal intencionados, fazendo-lhes ver
que Pernambuco é integral e perfeitamente ligado às outras Províncias; que
respeita sinceramente, e reconhece como Legítimo Regente de todo o Brasil
Sua Alteza Real, Príncipe verdadeiramente Constitucional, e Digno da maior
Glória, a que na terra se pode aspirar; que a Província não sofrerá jamais o
servilismo, e que finalmente defenderá nos seus direitos, que há de manter
sempre ilesos, a causa da Nação.
Desta firme união com os Povos seus verdadeiros irmãos, e da energia de
seus habitantes depende muito a segurança do (em outro tempo) esmagado
Pernambuco; mas isto não lhe basta. A sua posição topográfica, a sua riqueza,
o caráter de seus habitantes, e mil outras vantagens com que a Natureza o
dotou, continuamente desafiam a emulação de milhares de indivíduos, que
não podem sofrer pacificamente a existência de um país tão favorecido pela
Divina Providência; todos os dias se está vendo fulminarem-se contra ele
maldições compradas com o próprio dinheiro extorquido aos seus habitantes;
por outra parte não podem jamais os naturais do país esquecer-se de 24 anos
de jugo Holandês, que tanto custou a sacudir; e debaixo desta consideração
é que se há de dirigir a segurança, e estabilidade da Província.

In civitate libera linguam, mentem que liberas esse debere. Et quondam Senatu
14

cognitionem de ejusmodi-eriminibus, ac reis flagitante. Non tantum, inquit,


otii habemus, ut implicare nos pluribus negotiis debeamus. Sic hanc fenestram
aperueritis... omnium inimitiæ hoc prætextu ad vos deferuntur. Si quidam locutus
aliter fuerit, dabo operam, ut rationem factorum meorum, dictorum que reddam; se
perseveraverint, invicem cum odero. [Em uma cidade livre, a língua e a mente devem
ser livres. E quando certa vez o Senado exigiu uma investigação de crimes e réus dessa
sorte, “Não temos”, disse, “tanto tempo livre para que devamos nos envolver em mais
ocupações. Se abrirdes esta janela... as disputas de todos serão trazidas a vós sob tal
pretexto. Se alguém disser de outra maneira, cuidarei em prestar contas de meus feitos
e ditos; se perseverarem, o ódio se tornará mútuo.”] Suet. Vit. Tiber.
É preciso por isso fazer-se a nomeação dos Juízes competentes; e isto quanto antes.
15

A escolha destes Juízes deve ser feita com a maior circunspecção possível, de maneira
que aqueles que devem ser os defensores da liberdade da imprensa, se não tornem o
instrumento do ódio e da vingança dos poderosos; por outra parte é preciso que os
caluniadores não fiquem impunidos por falta de haver quem tome conhecimento dos
crimes, e abusos da imprensa.

597
Além da força de terra, que não deve ser confiada, se não às pessoas
conhecidamente honradas, especialmente às do país; é indispensável uma
força marítima, capaz de defender os portos da Província, e de proteger os
navios mercantes em caso de necessidade; e até mesmo de defender, e ajudar
as outras Províncias em circunstâncias urgentes; cuja força marítima deve
igualmente ser confiada tão somente às pessoas honradas, que tenham por si
o voto geral; pois que em tempos de agitação, como o em que estamos, não
se pode confiar o manejo dos negócios públicos, senão a aqueles, que têm
a confiança do Povo; do mesmo modo que acontece a um doente a respeito
de seu Médico.16
A este objeto de defesa do país se deve atender primeiro que a nenhuma
outra coisa à exceção da educação geral, porque esta é essencialíssima, mesmo
para fortificar os espíritos; mas tudo isto se pode ir fazendo a um tempo.
A má fortuna na direção dos trabalhos públicos nos Estados Portugueses
não pode deixar de fazer despertar o Governo para se não confiar em
Engenheiros, e Intendentes da Marinha da antiga escolha; o Governo deve
fiscalizar por si mesmo todas as obras de fortificação, e arranjamentos maríti-
mos que se fizerem, tanto pelo que pertence a sua economia, como pelo que diz
respeito à segurança, e conveniente direção, segundo o fim que se pretender.17
Como nada se pode fazer sem meios, é indispensável que o Governo
vigie sobre as rendas públicas, informando-se a quanto chegam e a quanto
podem chegar sem vexame dos Povos; indagando se há alguns abusos na sua
arrecadação; fazendo que os prevaricadores sejam castigados; facilitando o
método das cobranças, e reduzindo os Oficiais de Fazenda de tal maneira que
as rendas públicas se não consumam na sua arrecadação; quero dizer que, se
não consumam nas despesas com os Oficiais.18 Convém fazer aparecer por

Lorsque l’état est agité par des factions intestines, et que la république est en danger, on
16

ne doit confier le maniement des affaires qu’á ceux, qui ont la confiance du peuple. Un
malade voudroit-il être traité par un médecin, dont il soupçonnerait les intentions, et qui
ne lui serait pas agréable? [Quando o Estado está agitado por conflitos entre facções,
e a república corre perigo, deve-se confiar o manejo dos negócios somente àqueles que
gozam da confiança do povo. Quereria um doente ser tratado por um médico de cujas
intenções suspeitasse e que não lhe fosse agradável?] Guichardin Max. Polit.
O General Lloyd nas suas memórias militares observa que quando os Políticos se metem
17

em negócios de guerra, não fazem senão embaraçá-los em lugar de os acelerar; mas é


porque o General Lloyd nunca teve notícia dos Engenheiros, e Intendentes da Marinha
de Pernambuco, os quais nunca fizeram senão acelerar a ruína de tudo quanto acharam
feito pelos Holandeses, e pelos antigos habitantes do país. Não há por isso outro remé-
dio senão desconfiar dessa gente da antiga escolha; e ir o Governo por si mesmo ver, e
examinar todas as coisas.
Não há quem ignore até que ponto de negligência, e de depredação chegou a admi-
18

nistração das Finanças nos Estados Portugueses; mas em Pernambuco ela foi a mais

598
via da imprensa as contas de receita, e despesa com separação dos objetos;
e isto de seis em seis meses pelo menos. Não se limitará o Governo a saber
quais são as rendas públicas, que entram no Tesouro Geral da Província; mas
informar-se-á de quaisquer outras, ainda administradas por Corporações;
como pelas Câmaras, Misericórdias, Hospitais etc.; pois convém saber-se a
quanto elas montam, e quais são as rendas de toda a Província; assim como
também quais são as suas despesas; sem cujo exame a administração pública
não pode deixar de caminhar às cegas.
Ainda que haja na Província uma junta de Fazenda, encarregada da sua
administração, não está o Governo dispensado de olhar para ela, e de fisca-
lizar essa mesma administração; pois ao Governo nada pode ser estranho, e
alheio da sua jurisdição (falo nos termos hábeis) aliás deixaria de ser Governo;
nem se pode conceber como em uma Província esteja o Poder das armas em
um, a administração da Fazenda pública em outros a jurisdição contenciosa
igualmente em mãos diversas; e o Governo civil (que verdadeiramente não se
sabe em tal caso em que consiste) nas mãos de outros; e todos estes Poderes
desligados; e como membros dispersos de um corpo dilacerado; porém magi-
camente animado por uma força a duas mil léguas de distância.
Toda a energia do governo, por maior que seja nunca será suficiente
para chamar as cousas à ordem imediatamente; achando-se elas tão fora
dos eixos, como as deixou o maior dos déspotas do Brasil:19 É preciso pois
que o Governo se revista de toda constância, tendo de lutar com milhares de
desafeiçoados, fora, e de dentro do país, mas fundando-se o Governo sempre
nos princípios, e nas regras de justiça, se fará respeitado em toda a parte.
Toda a publicidade, que o Governo pode dar à sua conduta, será de
grande vantagem; principalmente naquilo, que disser respeito a reprimir os
abusos da antiga administração, e a castigar os crimes graves: é por via da
imprensa que deve fazer-se esta publicidade.

escandalosa do mundo no último Governo do Capitão General. As coisas estão hoje


grandemente melhoradas; mas é impossível que cheguem tão depressa ao estado, em
que devem ficar. Todos querem ter afilhados, e o público é quem o paga. Este defeito
é muito velho; e não é só dos Portugueses. Vejam-se as histórias de todos os Países; e a
cada passo se encontrará que os Povos são de ordinário vitimas da ambição dos Exatores
públicos; veja-se o que dizia Sully, falando dos vexames que os Franceses sofriam, quando
ele entrou no Ministério; eis aqui como ele se exprime. “Je pris la plume, et entrepis ce
calcul immense; je vis avec une horreur, qui aumenta mon zèle, que pour 30 millions,
que revenoient au Roi, en sortoit de la bourse des particuliers (j’ai presque honte de le
dire) 150 millions.” [Eu apanhei a pena, e empreendi este cálculo imenso; eu vi com um
horror, que aumentou meu zelo, que para 30 milhões que chegavam ao Rei, saíam da
bolsa dos particulares (tenho quase vergonha de dizê-lo) 150 milhões.] Memor. de M.
le Duc de Sully, pág. 296.
Luiz do Rego Barreto, de execranda memória.
19

599
Um dos objetos de maior dificuldade no presente tempo é a tranquiliza-
ção dos espíritos desassossegados pela nova ordem das coisas; e ainda mais
nova para Pernambuco que acaba de surgir do mais ignominioso estado de
abatimento ao muito elevado grau em que se acha formando parte de uma
Nação Livre, e constitucional: Por isso é preciso todo o desvelo em sustentar-
-se na confiança do público tão justamente adquirida. Esta confiança não se
pode conservar senão fazendo-se respeitar as leis, e que ninguém se torne
superior a elas.
Como aos Ministros de justiça pertence a decisão dos negócios conten-
ciosos, a qual muitas vezes se afasta da razão, e do direito das partes, princi-
palmente nas causas crimes, deve o Governo informar-se donde procede este
defeito (no caso em que apareçam decisões escandalosas, que não tenham
remédio ordinário) e dar parte circunstanciadamente (e logo) a S.A.R. como
Regente de todo o Brasil, para providenciar: remediando o Governo interina-
mente tanto, quanto couber na sua autoridade. Neste artigo não deve haver
o menor descuido, ou contemplação; porque da boa administração da justiça
depende todo o interesse dos Povos.
O Governo das armas, ainda que entregue a um chefe, que as Ordens não
pensadas de Portugal fizeram independente da essencialíssima subordinação
ao Governo Geral da Província, está no pé em que devia estar, por efeito da
justa consideração dos Governadores, que devem recomendar-lhe todo o
cuidado na tranquilidade pública; e na mais exata, e severa disciplina militar;
sem o que as tropas são um terrível flagelo em qualquer parte, em que estejam.
Não estão os Governadores isentos de vigiar sobre o clero: e ainda que
enquanto à jurisdição espiritual ele esteja subordinado a outro Governo, é
preciso que este se não exceda: mas o Governo civil deve ajudá-lo na defesa
da Religião, pura, sem fanatismo, nem hipocrisia.
Entra nas obrigações do Governo fazer manter na província toda hospi-
talidade, e bom tratamento a todas as pessoas de fora do país, ou sejam
Nacionais, ou Estrangeiros; deve haver toda a vigilância em que não hajam
desavenças, e ódios indiscretos.
Toda harmonia entre os empregados públicos é indissociável: por isso
deve o Governo procurar todas as ocasiões de os congregar, e de os fami-
liarizar; (sempre com a necessária gravidade). O restante do Povo necessita
também viver em toda a união; para o que não deixam de concorrer os
espetáculos bem dirigidos, os teatros, e outros divertimentos lícitos, em que
o Povo se ajunte frequentemente.
É de absoluta necessidade fazer reprimir com toda a energia toda a
sorte de ferocidades, que as pessoas de baixa condição, especialmente pretos

600
escravos, costumam praticar. Um pronto castigo deve seguir-se infalivelmente
a qualquer insulto político, fazendo o Governo constar por via da imprensa
o delito, e a aplicação imediata da pena; para que chegue à notícia de todos;
para que os maus se coíbam; e para que os bons não murmurem da fraqueza,
e indolência do Governo; mas em todo o caso é preciso que as coisas se façam
desapaixonadamente, e que o Governo não queira ser juiz quando lhe não
pertence.
O Povo necessita ser provido das coisas indispensáveis para a vida; mas
além destas ele tem direito a todas aquelas, que puderem facilitar-lhe uma
subsistência mais vantajosa; e por isso deve o Governo promover tudo aquilo
que puder concorrer para a felicidade da Província.
As rendas de Pernambuco chegam superabundantemente para todas as
despesas públicas,20 sem faltar com a quota parte, com que ela deve contribuir
para a manutenção da Corte Brasílica, e centro da união. Economizando-se
essas mesmas rendas, como fica dito, tanto mais chegarão para tudo que se
precisa.
Para que o Governo possa mais comodamente prover sobre o bom
regime da Província, convém distribuir o trabalho entre si, encarregando-se
cada um de seus membros de certos, designados objetos, dando conta de seus
trabalhos nas sessões diárias. Convidando-se as corporações a dizerem o seu
parecer sobre os objetos de pública utilidade, encarregando-se disto também
os homens sábios, ainda os que não pertencem às corporações; as coisas
públicas irão caminhado vantajosamente.
O Governo deve estar desde já prevenido de que um novo código se
há de indispensavelmente fazer mais cedo, ou mais tarde; e não devendo os
Brasileiros esperar pelo que algum dia se fizer em Portugal, convém desde já
que os homens de letras especialmente os jurisconsultos sejam encarregados
de fazer seus apontamentos sobre as emendas de que necessitam as nossas

Fazendo-se o cálculo pelo rendimento de 1810, aumentado com uma quinta parte, tanto
20

em razão do crescimento das rendas da Província, como da economia na sua arrecada-


ção, pode-se considerar o rendimento total 1:013.705$770. Naquele ano a despesa da
Província chegou a 67:911$958, compreendendo muitas adições, que hoje já não entram
em despesa; mas considerando-a como então era, e ainda acrescentada com uma terça
parte, que é já um cálculo excessivo, temos 90:549$277, que diminuídos do rendimento,
ficam 923:156$423. Concorrendo-se com a 4.ª parte para a indispensável manutenção
do centro da união Brasílica, ficam 692:367$321. Como na primeira despesa já vai
compreendida a que se costumava fazer com os Navios da Coroa, e outras semelhantes,
não há necessidade de deduzir deste remanescente coisa alguma para elas; mas conce-
dendo ainda uma oitava parte deste mesmo remanescente para outras despesas a bem
da Nação em geral, resta a não pequena soma de 519:025$490 que chegam muito bem
para as novas despesas da Província, de que tenho falado.

601
leis existentes, tendo em consideração a necessidade de abreviar os proces-
sos, e de diminuir o grande número de demandas. Apesar da antiguidade
das Ordenanças do Reino, elas são o mais perfeito modelo de legislação; e
é sobre elas que devem recair as principais reflexões dos sábios, que forem
encarregados de tão nobre trabalho; para que a seu tempo possam convenien-
temente aparecer com os seus juízos críticos sobre o modo de distribuir-se a
justiça entre os Cidadãos.
Nenhum dos presentes artigos é alheio das funções do Governo, e ainda
que alguns deles pareçam precisar da direção do Poder Legislativo, não estão
os Governadores da Província dispensados de examinar tudo quanto for a bem
da mesma; de propor para se tomar competentemente a necessária deliberação;
e de ir inteiramente providenciando conforme as circunstâncias o exigirem.
Os Governos das Províncias do Brasil na forma, em que presentemente se
acham, participam do Poder judiciário, e de uma porção do Poder execu-
tivo, que é a força motriz de todo o Governo; sem esta força era impossível
que todas as Províncias não tivessem caído na anarquia (como a em que se
acha a Bahia) enquanto se não chegassem para o seu centro natural, como
têm vindo chegando. Graças ao Imortal Defensor do Brasil já a pretendida
desunião das Províncias não passa de um sonho, e de um delírio dos nossos
disfarçados opressores.
Estas recordações ainda que suscetíveis de muitas emendas, não podem
deixar de servir ao menos para patentear os bons desejos do Cidadão, que as
dirige na expectação de que elas poderão ser de alguma utilidade.

602
51

REFLEXÕES
RELACTIVAS
AOS DECRETOS DAS CORTES
GERAES, EXTRAORDINARIAS, E CONSTITUINTES
DA
NAÇÃO PORTUGUEZA,
EM DATA DE 29 DE SETEMBRO DE 1821,
OFFERECIDAS
A SUA ALTEZA REAL
O
PRINCIPE REGENTE DO BRASIL,
O SERENISSIMO SENHOR
D. PEDRO DE ALCANTARA
Por hum Cidadaõ Brasileiro, na Provincia do Rio Grande do Sul.

RIO DE JANEIRO;
NA TYPOGRAPHIA NACIONAL 1822.

603
SENHOR.
_______________________________________
Eu desta vida só fico contente
Que a minha terra amei, e a minha gente.
Ferreira1
_______________________________________

Se é permitido a qualquer Cidadão expressar hoje seus sentimentos; com


justiça me é lícito, conduzido pelo bem da minha Pátria, e amor à Augusta
Pessoa de VOSSA ALTEZA REAL, fazer minhas reflexões, que respeitosa-
mente dedico a VOSSA ALTEZA REAL.
Senhor, os Decretos das Cortes Gerais, e Extraordinárias da Nação, em
data de 29 de Setembro do ano findo, que acabam de chegar, ordenando o
regresso de VOSSA ALTEZA REAL para Portugal, e estabelecendo o método
dos Governos para as Províncias do Brasil, desligando-as, e obrigando-as
cada uma per si a prestar ali contas em toda a extensão, são sem dúvida o
maior desprezo feito ao Brasil, e seus habitantes, e uma prova não equivoca
de que ele tem perdido a integridade, e consideração Política de Reino, a que
SUA MAJESTADE El Rei o Senhor DOM JOÃO VI, Augusto Pai de VOSSA
ALTEZA REAL o havia e levado por tão justos motivos; lançando-se-lhe por
este modo o sistema Colonial, de que se havia livrado, depois de três séculos
de sofrimento.
VOSSA ALTEZA REAL há de ter ouvido homens imparciais, erudi-
tos, e estes lhe terão dito, que a partida de SUA MAJESTADE foi pouco
considerada; e VOSSA ALTEZA REAL, tendo consultado a sua consciência,
terá conhecido o quão impolítica foi aquela deliberação; e sem mencionar
outros, citarei o folheto impresso no Rio em Francês, que continha a seme-
lhante respeito verdades incontestáveis, tornando-se incendiária parte de sua
doutrina, porque se afastava da Conciliação tão necessária para não produ-
zir alguma cisão entre Brasileiros, e Europeus; de então, as coisas tomaram
um prospecto diferente; e alguns daqueles que influíam no Ministério, ou
outros com malícia, ou ignorância aconselharam a SUA MAJESTADE a
volta para Portugal, ao que o mesmo Senhor anuiu; mas deixando a VOSSA
ALTEZA REAL encarregado da Regência do Brasil, deu provas que não se
esquecia dos Brasileiros, e que não olhava para este rico Império, o melhor

1
N.O.: Antônio Ferreira. Versão mais comum do primeiro verso: Eu desta glória só fico
contente.

604
sem dúvida do Globo; com menoscabo; e neste ínterim saudoso, restava nos
Brasileiros a fortuna de terem um PRÍNCIPE digno Sucessor da Coroa em
seu seio, prometendo a prosperidade futura deste Reino por ideias tão liberais
que VOSSA ALTEZA REAL ia desenvolvendo, e esperavam que reunidos
seus Deputados, ainda que em número menor, mas em plena Assembleia, se
discutissem os negócios desta natureza, com atenção à igualdade de direi-
tos, e à Consideração que pertence no Brasil, e por meio de Leis recíprocas
estreitassem os laços de união, único modo de ligar por muito tempo o Reino
Unido; mas agora se frustraram de todo estas vãs esperanças com o sistema
que o Senhor Congresso tem Decretado; o qual, pondo o Brasil em uma mais
pesada sujeição que dantes tinha, e em um labirinto, o faz perder também a
sua integridade, ficando-lhe só o título de Reino, e por isso seus habitantes
terão de encarar com bastante desprazer estas deliberações, e a introdução
de forças Militares em suas Províncias, não deixando em dúvida que se tem
em pouca consideração sua fidelidade, ou que com elas se pretenda segurar
a escravidão; cujas forças só têm promovido a desunião como tem aconte-
cido no Rio, que apesar da presença de VOSSA ALTEZA REAL tem sofrido
comoções filhas da influência dos Batalhões de Portugal ali destacados, e
ainda hoje não existe toda a segurança pública.
Se os Brasileiros prestaram o juramento de observar a Constituição tal
qual fosse feita para Portugal (em cujo princípio o Soberano Congresso se
tinha fundado) constituindo-se ao mesmo tempo na obrigação de enviar seus
Deputados a Portugal com tanto detrimento, não foi por espírito de submissão,
e um dever, sim para o estabelecimento de uma Constituição liberal, que eles
há muito desejavam, mas que a ordem de coisas, e circunstâncias exigia que
elas abraçassem aquela medida, como de bom grado o fizeram; mas agora
parece ao bom senso não deve entrar em linha de conta aquele juramento
como obrigação restrita, a que se devam submeter, e pelo contrário estão em
grande parte desonerados, 1º. Porque jurando eles a Constituição tal qual
fosse feita para Portugal, ela torna-se mui diferente ao Brasil que fica excluído
dos benefícios que tocam a Portugal, que tendo em si todos os três poderes
Políticos, o põem no máximo da dependência; além de que perde sua inte-
gridade, e por isso não é comum uma Constituição; que revestindo Portugal
de Direitos, despoja o Brasil dos que gozava. 2º. Porque o juramento que os
Brasileiros prestaram uma grande parte, (e todos é verdade com satisfação)
sendo por coação, juraram observar um pacto social que ainda não existia,
e por estes princípios o Soberano Congresso recebeu de SUA MAJESTADE
um novo Juramento; 3º. Porque tendo o Brasil sido elevado à Categoria de
Reino, com a integridade Política, por SUA MAJESTADE, Autoridade reco-
nhecida com plenos poderes pela Nação, e sendo uma de suas Províncias a

605
Capital para onde se dirigiam as outras, não podem estas ser desligadas desta
Capital, sem que seus Representantes expressem ser esta a vontade de seus
Constituintes; estando em tudo munidos de Procurações que tratem deste
objeto tão delicado; pois de outra qualquer maneira, é violar os direitos do
Brasil, que o Soberano Congresso manifestou a sua inviolabilidade, chamando
seus Deputados, e não admitindo em discussão negócios de pequena consi-
deração, sem que pelo menos estivessem reunidas as duas terças partes deles.
Agora porém acontece tudo pelo contrário, e em troco da adesão pronta
dos Brasileiros ao sistema Constitucional, e da sua fidelidade, lhes vem um
jugo mais insuportável do que o tinham com o Despotismo. Todos estão
convencidos que em qualquer País, por mais bem regulado que seja, nem por
isso deixa de haver queixosos, pretendentes, e infrações das Leis, e como não
haverá de tudo no Brasil donde uma nova ordem deve principiar a desarreigar
um sistema antigo e vicioso? está claro que ficando dividido, e em cada uma
das suas Províncias três autoridades civil, Militar, e Junta de Arrecadação,
e cada uma destas diretamente per si obrigadas a dar contas a Portugal: é
muito natural que os Povos tenham de sofrer com as decisões que por via de
regra devem acontecer, e a menor providência irão a Portugal requerê-la na
distância de duas mil e mais léguas!!
Dirão os Brasileiros com Justiça: de que nos serve essa Constituição que
se nos prometeu tão liberal, e que espontaneamente abraçamos, para minorar
nossos males, se ela vem acumular males sobre males, e nos torna Escravos?
Senhor, É justo e necessário que se organizem as Juntas de Governos nas
Províncias do Brasil pelo método prescrito pelo Soberano Congresso; porque,
sendo estes Governos da escolha dos Eleitores Paroquiais a quem os Cidadãos
confiaram seus poderes, são por isso Governos da Confiança Pública; mas ao
mesmo tempo que fiquem responsáveis todos a dar contas a VOSSA ALTEZA
REAL no Rio de Janeiro, donde se deve pelo mesmo método organizar um
Conselho a quem VOSSA ALTEZA REAL seja obrigado de ouvi-lo em todos
os negócios do Brasil, e então VOSSA ALTEZA REAL com o mesmo Conselho
deem contas a Portugal; pois só deste modo se pode o Brasil conservar em
unidade, e com a representação que lhe compete, e neste caso, algumas
Províncias cujos Governos, arrogando a si a vontade dos Povos, se quiseram
chamar (estando elas colocadas no Brasil) Províncias de Portugal para donde
se tem dirigido diretamente, se afiliarão ao Brasil porque certamente nenhum
Brasileiro desejará ver que a sua Pátria fique só com o título de Reino, mas
sem as prerrogativas de que gozava, e quando não entrem nos seus deveres,
preferindo ignominia, uma ou duas Províncias não fazem o Reino do Brasil;
sendo aliás aquelas que menos se podem manter.

606
A residência de VOSSA ALTEZA REAL no Brasil é de primeira neces-
sidade, e útil à Nação em geral, devendo ter todas as atribuições do Poder
Executivo, para que seus habitantes tenham um Governo livre, e é fácil de
conceber o que ele poderá aumentar em pouco tempo, tendo em si vanta-
gens tão conhecidas, que tendo-se ocupado um grande número de sábios em
descrevê-las, Eu, Senhor não necessito fazer menção delas, mas em substância
direi, que se ele no curto período de 14 anos, só com o único benefício de
seus Portos francos, mas com um Tratado de Comércio desfavorável tem
crescido em um ponto de vista considerável, na sua Agricultura, Comércio
interior, população, e tal ou qual grau de civilização, não se tendo em nada
cooperado para isso; deixa-se ver que o Brasil oferece o futuro mais prós-
pero à Nação Portuguesa a quem já dá uma grande consideração política,
esta parte da Monarquia; apesar de que alguns contestam que antes da sua
descoberta já Portugal era de per si Nação Respeitável! Não há dúvida, mas
as Nações Europeias estavam então na sua infância, e tendo-se aumentado
pelas proporções que tinham, têm chegado ao seu Zênite de engrandecimento,
e Portugal por si jamais poderá rivalizar com a menor delas.
Se a falta de população presente do Brasil não pode fornecer Braços a
Portugal, única adição em que ele o excede (mas que por ora não precisa) pode
oferecer-lhe vantagens não de menos importâncias que façam aumentar sua
Agricultura, Comércio, e Indústria, tornando-o assim a um estado florente.
Com um sistema liberal, e recíproco, o Brasil preferirá exportar a maior parte
de seus estimáveis e preciosos gêneros a Portugal, recebendo em troco uma
grande parte de suas manufaturas, e lavouras; e em mui pouco tempo pode ter
uma esquadra respeitável, que servindo de guardar suas costas, serve também
de garantir o respeito a Portugal pelas Nações Estranhas, de quem o Brasil
pode dizer-se livre de qualquer Conquista, ou Agregação.
A partida de VOSSA ALTEZA REAL para Portugal, e a responsabilidade
que o Soberano Congresso impõe às Províncias do Brasil, acarretam males
incalculáveis, cujas consequências serão difíceis de remediar.
É muito factível que estas medidas opressivas despertem a alguns
Brasileiros ideias Republicanas, a exemplo dos Americanos Ingleses, e
Espanhóis nossos vizinhos, e uma vez que, se desenvolvam eis o Brasil dilace-
rado, dividido em partidos; porque está bem demonstrado que as Repúblicas
são incompatíveis aos grandes Estados, e à maneira da América do Sul que
experimentará o Brasil? facções, guerra civil, Anarquia, e só sendo útil ao
Comércio Estrangeiro, e então Senhor, que fará Portugal em tão grande distân-
cia, sem Marinha, sem numerário, e num estado decadente para prevenir estes
males? Pedirá socorros às Nações Estrangeiras, talvez lhe neguem porque,
neste caso que será ele senão um Pupilo da Espanha, França, e Inglaterra.

607
Senhor, é preciso falar claro, o Brasil só se pode conservar unido a
Portugal, quando ele empregue meios suaves, e Leis recíprocas, adquirindo
a estabilidade pela força moral dos Brasileiros, e quando não, debalde virão
de lá as Baionetas subjugar o imenso terreno do Brasil; como e com que
dificuldades será possível a muitas Províncias centrais, bem como São Paulo,
Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, e mesmo Rio Grande do Sul etc., que
sempre deram Contas ao Rio de Janeiro Metrópole do Brasil, reverter estas a
Portugal, e é crível que o Soberano Congresso, que se compõe dos homens os
mais Sábios da Nação, ignorem tão atendíveis obstáculos? já pela longitude
central de muitas Províncias, e porque outras não oferecem uma viagem direta
a Portugal, sendo necessário ir fazer escala pelo Rio, Bahia etc., por isso que
os Brasileiros não ficam em dúvida que se lhes prepara o Governo Asiático;
e poderá ele persistir muito tempo no Brasil? É muito natural que não; e que
muitas Províncias se não sujeitem a um tal regime, e que os Brasileiros não
estejam sempre em letargo, e que pelo contrário lembrando-se que Portugal o
conservou sempre à maneira de alguns Senhores que colhem todas as vanta-
gens de seus escravos, com mui pequeno dispêndio, despertem e clamem por
seus direitos. VOSSA ALTEZA REAL ficou Regendo o Brasil com Instruções
de poder declarar a Guerra, repelir os inimigos que o atacassem, fazer trata-
dos de aliança etc.; a maior parte das suas Províncias tem sobras, aquelas
remanesciam ao Tesouro da Capital que amontoaria um fundo de reserva,
principalmente agora que todas as rendas devem crescer, e deste Tesouro
sairiam socorros para qualquer Província, que os precisasse, e mesmo para
acudir às necessidades de Portugal; mas sai VOSSA ALTEZA REAL, ficam
as Províncias cada uma sobre si, e sem Representação política; quaisquer
Piratas se podem aproveitar das circunstâncias para fazer um insulto na Ilha
de Santa Catarina, ou em outra qualquer parte, e os mesmos Americanos
Espanhóis, que por vezes têm infestado o Continente do Rio Grande com suas
guerrilhas, também não perderão estas circunstâncias; não podendo senão de
Portugal a quem todas ficam sujeitas virem instruções, socorros etc., ficando
por isso tudo em conjecturas duvidosas, o que não acontece estando VOSSA
ALTEZA REAL no Brasil, e suas Províncias unidas, porque formando uma
parte integrante, não só tem outra Representação, como com mais prontidão
prestando umas as outras, tais ou quais socorros facilmente podem repelir
alguma tentativa, que não deve então ter lugar, porque difere muito atacar
um todo, ou uma parte.
Por último, com a partida de VOSSA ALTEZA REAL, ficam extintos os
Tribunais, que há quatorze anos se haviam criado, se não for já, não tardará
muito, e então quantas desgraças? muitos dos Empregados tinham feito sua
subsistência de seus Ordenados; e agora ficam sem ela, e como irão muitos

608
a Portugal requerer seus direitos? Em que transportes? Que deixarão a suas
Famílias para remediar as necessidades da vida? E que levarão para subsistir
em Portugal?
Senhor, é necessário que VOSSA ALTEZA REAL não parta por ora
do Brasil, que consulte em matéria de tanta ponderação os Governos que se
houverem de estabelecer nas Províncias mais próximas, e que ouça mesmo
os votos dos Eleitores de Paróquia do Rio de Janeiro, e que estes convidem
alguns Cidadãos conspícuos a darem seu parecer a este respeito, e que pondere
ao Soberano Congresso, e a SUA MAJESTADE, que a estada de VOSSA
ALTEZA REAL no Brasil é muito necessária para o não lançar em uma
Anarquia, que precisamente se deve desenvolver, e que terá funestos resulta-
dos, e irremediáveis; que pondere mesmo que não é político enquanto pelo
menos duas terças partes de seus Representantes se não reúnam, ao Soberano
Congresso, pertencendo a estes os negócios do Brasil, e as responsabilidades
que ele deverá ter para com Portugal, e que a vontade dos habitantes de São
Paulo prescrita a seus Deputados como Instruções, não difere da dos mais
Brasileiros, pois mui poucos haverá que se afastem daquele modo de pensar;
e eu mesmo posso assegurar a VOSSA ALTEZA REAL o estado convulsivo
em que fica esta Vasta, e Rica Província; cujos habitantes têm manifestado
o maior dissabor com as medidas tomadas pelo Soberano Congresso, de
mandarem retirar a VOSSA ALTEZA REAL, e obriga-lo a ir buscar remédio
a seus males a Portugal.
Senhor, quem fala a VOSSA ALTEZA REAL é Brasileiro, mas não
Empregado Público, e não ambiciona Graças ou Mercês de Governo, só a
felicidade de sua Pátria, e de seus Compatriotas, em que funda a sua, e como
amante da verdade dedica estas reflexões, implorando a VOSSA ALTEZA
REAL queira recebê-las, na mente que um Súdito que deseja a prosperidade
de VOSSA ALTEZA REAL para fazer as delícias da Nação Portuguesa, jamais
deixará de desviar-se desta doutrina que tem gravada no Coração.

_______________________________________
Eu desta vida só fico contente
Que a minha terra amei, e a minha gente.
Ferreira
_______________________________________

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RIO DE JANEIRO NA TYPOGRAPHIA NACIONAL. 1822

609
52

REFLEXÕES
Sobre o estado actual do Brasil, dirigidas à Soberania da Nação
Portugueza.

O Amor da Pátria, a honra e a verdade é o sentimento mais nobre do


Cidadão, e pelo menos, eu instigado por ele, firmado, e apoiado pelo Artigo
8º das Bases da Constituição, vou francamente expender a minha linguagem
pura; conheço que não será grata a muitas pessoas, cujo caráter é desconhe-
cido, ou que muito prezam a ignorância!
É na verdade bem de supor que o Soberano Congresso deseja acertar
com as suas Sábias deliberações; mas infelizmente no que toca artigo – Brasil –
muito pouco tem acertado. O Congresso é sem dúvida composto de Deputados
Sábios da Nação, e seria portanto loucura minha contrastar suas decisões se
deixasse de conhecer, que os sábios são os que erram, e que todo homem é
suscetível de engano; partindo destes princípios seguirei a linguagem franca
filha da verdade, em estilo respeitoso.
O Soberano Congresso logo desde a sua instalação, sem mais conheci-
mento de causa, projetou abandonar a forma do governo que regia o Brasil;
proclamou aos povos tanta liberdade, quanta eles ignoram hoje mesmo; decre-
tou ser legítimo todo o Governo que se levantasse em favor da Constituição.
Não antevendo que estes Governos tumultuários teriam sempre terríveis efei-
tos por ser a maior população do Brasil de gente de poucas luzes, e nenhum
caráter, o que assaz o hão mostrado; desprezado que fosse os governos que
jamais deixaram de ser adotados para o Brasil, entrou em exercício as Juntas
provisórias; total ruína do Brasil, é quando os facciosos e revolucionários de
que no Brasil há grande soma; têm campo franco para eleger a seu arbítrio
homens da sua facção, o que jamais carece prova, pois ninguém duvidará que
em todas as Províncias do Brasil há homens de muito caráter, tanto Brasileiros,
como Europeus, mas estes têm sido vítimas dos desprezos, para entrarem nas
funções do Governo aqueles de que já tratamos, ainda quando tem entrado
algum homem de honra, este que seja capaz de desempenhar os seus deve-
res, é logo pelos anarquistas repudiado com mil insultos, e arbitrariamente
nomeado outro para o seu lugar; estas Juntas compostas de homens pouco
ilustrados, e de más intenções arrogam a si autoridade de Soberanas, deixam
de obedecer aos Decretos das Soberanas Cortes, não põem em execução os
mandados de El Rei o Senhor Dom João VI, põem e dispõem a seu arbítrio,

610
e de unânime vão com a vontade, dos rebeldes, e facciosos, excitam os povos
à guerra civil convida-os formalmente em suas proclamações, e escritos
particulares por a independência do Brasil, e de palavra tudo é união, mais
união com os nossos irmãos de Portugal, e em execução se vão pondo planos
da mais ridícula contemplação, debaixo de mão mandam fazer perseguição
aos Portugueses Europeus, são estes no Brasil vilmente insultados; roubados,
destruídos, e assassinados aleivosamente, é finalmente o nome Português
afrontado, e Portugal insultado injuriosamente; por quem? Pelo povo da
plebe mais ínfima do mundo?
O Soberano Congresso que sobejas provas tem tido destes desastrosos
procedimentos que por si mesmo se deve julgar bastante ofendido, e caluniado
atrozmente, ainda hoje não o vejo ao menos projetar remédio a tantos males,
ainda as suas decisões para com o Brasil são indiferentes. Mas eu espero que
os últimos procedimentos da decantada junta de Pernambuco, e Alagoas,
assim como todas as mais, contando desde São Paulo pela costa até ao Ceará,
vão soar no recinto do Congresso Nacional, e que os Deputados Sábios da
Nação mudem de sistema, e façam proceder imediatamente a outra forma de
Governo que não seja popular, abandonando as Juntas provisórias que tanto
têm escandalizado, e flagelado os bons Brasileiros, e Europeus, elas neste tênue
tempo, têm mostrado à Nação inteira, e a todo o mundo que não são capazes
de governar, e que são só capazes de se revoltar contra a autoridade Soberana,
contra a Nação, e finalmente a levantar-se com o santo e com a esmola.
Tendo pois manifestado sinceramente o que sinto sobre as Juntas
Provisórias, suas eleições, e seus péssimos procedimentos, tratarei também
das eleições dos Deputados do Brasil, que sendo forma do mesmo pão, tem
tido iguais procedimentos, por serem estes já muito patentes em todo o orbe
Português, sempre por esta vez me limitarei a falar de um Senhor Deputado
pela Província de São Paulo Ribeiro de Andrade,1 que depois de dever sua
vida à Piedade de Sua Majestade, por haver feito uma morte cruel, e injusta,
apareceu nesta Cidade em 1817, acorrentado em uma gargalheira por ser
um dos primeiros Republicanos em Pernambuco; outro Senhor Padre pela
Província de Pernambuco, Muniz Tavares, bem conhecido no Congresso pela
firmeza de caráter; este herói também frequentou as Cadeias desta Cidade
pelas mesmas opiniões; e outro Senhor França pela Província do Paraíba
que também esteve no Oratório de alva vestida para subir..., e entre outros
muitos um Senhor Barata2 pela Província da Bahia que pelos seus bons
procedimentos deu três voltas à roda da forca desta Província. Ora falemos

N.O.: Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva.


1

N.O.: Cipriano José Barata de Almeida.


2

611
verdade; quem conhece estes figurões, e hoje os vê representando no Augusto
Congresso Nacional, que esperanças pode ter da sua prosperidade? Agora
dirá o Soberano Congresso se eles não eram capazes para que os mandaram
cá? direi eu então, no Brasil há homens de muito caráter, e honra, probos,
capazes de ser representantes da Nação; mas contra cada um destes tem pelo
menos cem facciosos, mal intencionados, que muito prezam a desordem para
após dela mudarem de fortuna, por isso que é inútil a votação dos homens
amantes da ordem; porque os maus chegando ocasião de darem o seu voto
excedem muito em número, e estes desprezam os justos, para votarem no da
sua facção; mil eleições que haja no Brasil, todas serão iguais à primeira. O
Povo do Brasil é semelhante ao povo Judeu, que incrédulo, conhecendo os
milagrosos feitos de Jesus Cristo, sempre clamaram contra ele; este também
tem os mesmos sentimentos; e ainda conhecendo os terríveis efeitos das suas
eleições sempre hão de insistir na sua teima, sendo assim funestos os resultados
de todas as eleições no Brasil.
A instalação das Cortes, e da Constituição nada mais foi que o remediar
dos males da Nação, e desfazer os abusos que nela se tinham introduzido. Se
pois isto se não acabou de fazer, como é possível que já se deixe introduzir tão
graves males, é portanto do Soberano Congresso, o dever remediá-los a tempo.
Tendo nesta matéria falado no todo do Brasil, não deixaria de fazer
justiça a Pernambuco, que sendo aquela Província sempre a primeira no mau
proceder, foi quem primeiro deu exemplo a eleger Deputados; e que monstros
não tem eles sido? A eles, e a seu intérprete Astro da Lusitânia* se deve a
desgraça do Brasil, e que firmeza de caráter têm eles tido no Congresso, onde
estão o brio dos Portugueses que tanto blasonam, que ainda conservam em
seu seio cruéis feras que o devoram? É na verdade coisa mui ridícula que meia
dúzia de homens de poucas luzes fossem enganar uma Nação inteira! Quem
jamais pensou que um Congresso Sábio e Justo se deixasse iludir covarde-
mente, ainda tendo a seu lado homens honrados e amantes do Sistema, que
tanto trabalhavam para desfazer as ilusões de que sou testemunha, quando
se projetou mudar o General de Pernambuco, e o Batalhão dos Algarves;
que esforços não houve para fazer ver o Soberano Congresso quanto era
perigosa aquela medida; nada foi atendido, só os Deputados de Pernambuco
tiveram razão, quando se quis soltar os quarenta e dois revolucionários, que
o General, e povo honrado de Pernambuco remeteram às Cortes, e a Eles;
quanto se fez ver a sua conduta, e quanto eram criminosos; tudo foi baldado,

*
Maldito é o homem [que por] ambição de metais se põem [sic] em campo com a espada
da leitura na mão contra a sua Pátria aviltando-a atrozmente com infames escritos para
exaltar pérfidos traidores.

612
foram soltos, e além de soltos remunerados com mil e duzentas e sessenta
moedas; que tanto justos beneméritos em Portugal a falta delas chora; esses
quarenta e dois inocentes, que assim foram julgados, hoje em Pernambuco
são os primeiros desorganizadores da ordem social, os primeiros que aclama-
ram o Príncipe, que calcaram aos pés o Sistema Constitucional, e que negam
obediência às Cortes, e a El Rei o Senhor DOM JOÃO VI; passados alguns
tempos depois da soltura dos criminosos, alguns disseram, que a causa deles
serem soltos era não estarem bem informados; daí a poucos dias aparecem
os revolucionários remetidos pelo Governo da Bahia e que, tão justamente os
havia prendido, e tão recomendados que foram, apesar disto, foram soltos; e
hoje nesta Província são os primeiros motores da independência, os primeiros
a negar obediência às Cortes e a El Rei, os primeiros a aclamarem o Príncipe,
a fazer guerra a Portugal, e aos Portugueses Europeus daqui se pode supor
que as Cortes têm mais em consideração proteger os maus, que os justos, e
que hoje por Lei se deve se mau.
Já depois do Congresso ter entrado mais no conhecimento do Brasil,
a ponto de alguns dos Senhores Deputados dizerem, que tinham errado em
ter solto aqueles presos, assim mesmo há pouco que acabam de soltar dois
monstros de traição Pedroso, e José Mariano, que, segundo os seus crimes, as
Cortes os não podiam soltar, pois é contra a Lei Divina, e humana; este último
procedimento fez desacorçoar muita gente; eu ouvi muitos clamar traição;
as Cortes nos hão vendido; está consumada a nossa desgraça, o que eu tal
não direi, antes defenderei; e pendo mais para a estupidez; só me queixo de
uma facção Brasílica que existe no Congresso, e de uma Comissão especial
para tratar dos negócios políticos do Brasil, e que impolíticos pareceres têm
apresentado nas sessões do Soberano Congresso, não parece obra de uma
Comissão composta de homens Sábios da Nação, que a serem aprovados
seus pareceres já não existira um só Português no Brasil!
Augusto Congresso! Lançai uma só vista de olhos sobre o estado
desgraçado do Brasil, e acharás que toda a política é tempo perdido, e que
a maioria dos Deputados do Brasil tem incansavelmente trabalhado para a
ruína da sua mesma Pátria. Que desgraças se vê em Pernambuco, Paraíba, Rio
Grande do Norte, Alagoas, que treme até a natureza! Tudo promovido por
canalha de nenhum valor** tudo à falta de não haver uma deliberação justa

**
Aonde está esse General Luiz do Rego Barreto, esse valoroso guerreiro, esse grande
Herói conhecido até às estrelas que o mundo admira, os Estrangeiros o invejam, e os
bons Portugueses o adoram, quanto inútil é sua existência em Portugal onde tudo é
sossego, e tranquilidade, e quanto preciso e útil é sua existência no Brasil, aonde o seu
nome é respeitado pelas suas virtudes, e demasiado valor; só a sua espada é capaz de

613
e adequada conforme os casos o têm exigido, finalmente o que se tem visto
nas malfadadas Províncias do Sul, tudo pelas empalhações do Congresso, que
largo campo tem dado aos rebeldes, e anarquistas para saciarem a sua sede
incansável; o Congresso é responsável ao Altíssimo pela falta de Justiça, esta
que tem dado lugar a tanta desgraça; tudo é devido a sua incoerência, o que
se vê ultimamente nesta Província, assim mesmo a mais feliz, há mais de dois
meses, que se acha esta Cidade em um cerco por terra rodeada de bárbaros,
tudo estagnado, os desgraçados Europeus, residentes em toda a Província,
flagelados, destituídos de seus bens, e fazendas, gemendo acorrentados, suas
famílias desfloradas à sua vista por infame canalha, já os rebeldes servindo-se
deles como escravos, não tendo outro crime mais do que serem Portugueses,
filhos de Portugal, e serem leais a sua Pátria. Oh! Que desgraça, que horrores,
e que insultos, e afrontas não sofre Portugal! E de quem? Da canalha mais vil,
e mais covarde de todo o mundo, tendo Portugal em si forças para arrasar
dez vezes o Brasil inteiro, e então deixarão os bravos, e briosos Portugueses
da Europa de desafrontar a honra, e dignidade Nacional, e defender os seus
direitos, e socorrer a seus irmãos residentes no Brasil, e os honrados Brasileiros,
que por guardar fidelidade a seus irmãos de Portugal vivem mais agitados
que os Cristãos em Argel? Se eu pensasse que não havia de ver os rebeldes
castigados, e o nome Português desafrontado no Brasil, desde já deixaria de
ser Português, e ocuparia um País Estrangeiro.
Mas eu confio muito demasiado na Soberania da Nação, que cheia de
razão e justiça um dia fará tremer todos os rebeldes, e fará conhecer à Nação
inteira, e a todo o mundo quanto é sábia, justa, e valorosa a Nação Portuguesa
em mandar castigar os rebeldes, premiar as virtudes, e afiançar a todos os
bons Portugueses a sua [glória] e prosperidade. Bahia 18 de Setembro de 1822.

João Bernardo do Reis Motta.

BAHIA

Na Typographia da Viuva Serva, e Carvalho

pacificar os ânimos alterados da plebe Brasílica (isso não quer dizer que em Portugal
não haja Generais Guerreiros, e capazes de desempenhar o caráter Português, porém
eu temo muito que apareça outro Francisco Maximiano, e José Correa de Mello, que
tão vilmente procederam, ou aliás atraiçoaram) é Luiz do Rego a única esperança dos
bons Brasileiros, e Europeus, eu tenho ouvido muitos, que se tivessem a certeza que ele
não vinha mais ao Brasil, desde já abandonariam a sua Pátria, para irem transitar um
terreno Estrangeiro; eu direi então que mais útil será à Nação mandar ao Brasil Luiz do
Rego, Senhor de baraço e cutelo, com quatro mil homens, que outro qualquer General
com oito mil.

614
53

REFORÇO PATRIOTICO
AO
CENSOR LUZITANO NA INTERESSANTE TAREFA
QUE SE PROPOZ, DE COMBATER OS
PERIODICOS.
__________________________________________
“Cesse de t’étoner, si l’envie animée,
Attachant à ton nom sa rouille envenimée,
La calomnie en main, quelque fois te poursuit”1
Despréaux Ep. VII. a Racine.
__________________________________________

ANÁLISE DO MANIFESTO DO PRÍNCIPE REAL AOS BRASILEIROS

2
BRASILEIROS BRASILEIROS

E stá acabado o tempo de enganar os E stá acabado o tempo da ilusão para


homens. Os Governos, que ainda querem os Portugueses e para o mundo inteiro. O
fundar o seu poder sobre a pretendida Príncipe Dom Pedro de Alcântara, Filho
ignorância dos povos, ou sobre antigos do nosso Rei Legítimo quer perpetuar na
erros, e abusos têm de ver o Colosso da sua América os antigos erros, os velhos abusos
grandeza tombar da frágil base sobre que pretextando que vós todos o quereis adotar
se erguera, outrora. Foi por assim o não por Chefe. Este Mancebo inexperiente, e
pensarem, que as Cortes de Lisboa força- ambicioso iludido pelos conselhos de uma
ram as Províncias do Sul do Brasil a sacudir facção, tirou a máscara, que há muito
o jugo, que lhes preparavam; foi por assim tempo encobria o projeto de reinar durante
pensar que Eu agora já vejo reunido todo a vida de seu Pai, a quem ele sempre desejou
o Brasil em torno de mim; requerendo-me deitar do Trono abaixo: vendo porém que
a defesa de seus direitos, e a mantença da o amor dos Portugueses a este Rei tão bom,
sua liberdade, e independência. Cumpre, e tão sábio lhe faria pagar cara semelhante
portanto, ó Brasileiros, que Eu vos diga a usurpação, pôs-se à testa de um partido,
verdade; ouvi-Me pois. supôs que todo o Brasil auxiliava seus

Não te admires se a inveja despertada, prendendo a teu nome a ferrugem envenenada, com a
1

calúnia na mão, às vezes te perseguir.


N.O.: A redação do manifesto é atribuída a Joaquim Gonçalves Ledo.
2

615
desígnios; e profanando os nomes sagrados
de liberdade e de independência, declarou-
-se ele mesmo independente; porque o seu
sistema é, e foi sempre o ser superior a toda
a autoridade.
Cumpre portanto ó Brasileiros, que
escuteis a voz de um vosso irmão, que
pretende pôr neste papel ditames da
verdade em frente, das vozes da impostura,
da ambição, do delírio para comparardes e
para escolherdes.
O Congresso de Lisboa arrogando- O Príncipe Dom Pedro, e seus infa-
-se o direito tirânico de impor ao Brasil mes conselheiros, seus pérfidos e indig-
um artigo de nova crença firmado em o nos sátrapas da família dos Bonifácios
juramento parcial, e promissório, e que arrogando-se o falso atributo de órgãos
de nenhum modo poderia envolver a legítimos da vontade geral da grande
aprovação da própria ruína, o compeliu população Americana proclamou com a
a examinar aqueles pretendidos títulos, e mais ultrajante ilegalidade, que as Bases
a conhecer a injustiça de tão desassisadas da Constituição Política da Monarquia por
pretensões. Este exame que a razão insul- vós, ó Brasileiros, espontaneamente adota-
tada aconselhava, e requeria fez conhecer das e solenemente juradas, eram um artigo
aos Brasileiros que Portugal destruindo de nova crença firmada num juramento
todas as formas estabelecidas, mudando parcial, promissório. Vede as loucuras
todas as antigas, e respeitáveis Instituições que vão aqui. Não podendo negar que em
da Monarquia, correndo a esponja do tudo o Brasil se tenha prestado este famoso
ludibrioso esquecimento por todas as suas Juramento no qual se funda a reunião do
relações, e reconstituindo-se novamente, Brasil com Portugal, e se firma a represen-
não podia compulsá-los a aceitar um tação, que vós todos deputastes às Cortes
sistema desonroso, e aviltado sem atentar Gerais, tem o traidor Conselho deste mal
contra aqueles mesmos princípios, em que aventurado Príncipe o desacordo de vos
fundara a sua revolução, e o direito de propor que falteis a este juramento; e por
mudar as suas instituições políticas, sem quê? ... (a razão admirará a todo o mundo)
destruir essas bases, que estabeleceram seus Porque o sagrado Posto que jurastes destrói
novos direitos, nos direitos inalienáveis dos (dizem os servis conselheiros) as formas
povos, sem atropelar a marcha da razão, e estabelecidas, e muda as antigas e respei-
da justiça que derivam suas Leis da mesma táveis instituições da Monarquia... Ah!
natureza das coisas, e nunca dos caprichos Aqui estais pilhados!... Ó infames e ineptos
particulares dos homens. conselheiros, bastante dais a conhecer,
no meio da vossa aristocracia ufania; que
vós quereis as instituições velhas, liberais
a vosso modo, vós desejais as Cortes das
três Classes, em que o vil terceiro estado

616
só pedia e suplicava. E esta é a liberdade
política; objeto dos vossos desvelos, e a
que vós desejais reduzir esse bom povo, a
quem enganais com os [ecos?] da liberdade?
A isto é que vós chamas mancha da razão
e da justiça. E poderá o homem Brasileiro
escutar semelhantes impostores? E poderão
eles durar muito tempo sobre o ignomi-
nioso trono da impostura e da ignorância?
Então as Províncias Meridionais do As Províncias Meridionais do Brasil
Brasil coligando-se entre si, e tomando a não lançaram os olhos sobre o Príncipe
atitude majestosa de um povo, que reco- Dom Pedro; que miserável ilusão é a deste
nhece entre os seus direitos os da liberdade, Príncipe! Foi uma pequena Classe, que se
e da própria felicidade, lançaram os olhos quis manter nos seus Privilégios; foi um
sobre Mim, o Filho do seu Rei e seu Amigo, partido servil que em São Paulo se levantou
que encarando no seu verdadeiro ponto de para ditar a lei ao Brasil e à Europa; foi
vista esta tão rica, e grande porção do nosso um fanfarrão de Política, e de literatura,
Globo, que reconhecendo os talentos dos que manejou uma intriga de Palácio, e que
seus habitantes, e os recursos imensos do pensa governar o Brasil com duas palavras
seu solo, via com dor a marcha desorien- repetidas nos acessos de uma vertigem
tada e tirânica, dos que tão falsa, e prema- despótica, e frenética; foram finalmente
turamente haviam tomado os nomes de uns poucos de intrigantes que aborrecendo
Pais da Pátria, saltando de Representantes o Príncipe, se apossaram dele para instru-
do povo do Portugal a Soberanos de toda a mento cego de seus fins detestáveis, fins
vasta Monarquia Portuguesa. Julguei então em que eles próprios não estão de acordo;
indigno de Mim, e do Grande Rei de quem porque uns querem a democracia, para
sou Filho, e Delegado o desprezar os votos serem Éforos, e Arcontes; outros querem
de Súditos tão fieis, que superando talvez sim a Monarquia temperada, mas é só para
desejos, e propensões republicanas, despre- serem Duques e Pares; outros querem a
zaram exemplos fascinantes de alguns Monarquia antiga para continuarem a ser
povos vizinhos, e depositaram em Mim Conselheiros, Tribunalistas; todos porém
todas as suas esperanças, salvando deste homens sem saber, nem moral se reúnem
modo a Realeza, neste Grande Continente no ponto da independência para mais a
Americano, e reconhecidos direitos da seu sabor desdobrarem o plano da sua
Augusta Casa de Bragança. ambiciosa fatuidade. Os Povos do Brasil
não te julgarão digno, ó Príncipe infeliz,
de dirigir os seus destinos; eles já tinham
confiado estes destinos ás Cortes, e a El Rei.
Tu não sopeastes na América as propensões
republicanas, nem salvastes a Realeza, e
os direitos da tua Família Augusta. Essas
propensões, Príncipe, lá existem ainda,

617
e os Direitos da Dinastia da Casa de
Bragança nunca estiveram em perigo na
América, e muito menos na Europa para
te arrogares o título de Salvador. Que
infames Conselheiros os que desacreditam o
Príncipe Real por toda a Europa, pondo na
sua boca semelhantes inépcias, semelhantes
contradições, semelhantes imposturas.
Acedi a seus generosos, e sinceros votos, Os votos sinceros, e generosos do
e conservei-me no Brasil; dando parte Brasil eram e são atualmente a reunião
desta Minha firme resolução ao nosso com Portugal, e a obediência ao Poder
bom Rei, persuadido que este passo seria Legislativo, que ele escolheu, e no Rei a
para as Cortes de Lisboa o termômetro das quem ele adora, e Vós, Príncipe, dando
disposições do Brasil, da sua bem sentida parte desse inadequado propósito fizestes a
dignidade, e da nova elevação de seus mais gratuita declaração da vossa rebeldia à
sentimentos, e que as faria parar na carreira vontade Nacional, a da vossa inobediência
começada e entrar no trilho da justiça, de às determinações Paternais. Este passo é
que se tinham desviado. Assim mandava a para as Cortes de Lisboa o termômetro
razão; mas as vistas vertiginosas do egoísmo da vossa ambição, Príncipe, e do Egoísmo
continuaram a sufocar os seus brados, e daquele a quem vós no meio do mais deplo-
preceitos, e a discórdia apontou-lhes novas rável abandono, confiastes aquele poder,
tramas; subiram então de ponto, como era que vosso Pai Augusto só confiou a Vós
de esperar, o ressentimento, e a indignação mesmo, e que as Cortes vos conservaram,
das Províncias coligadas, e, como por uma e reconheceram até que os clamores dos
espécie de mágica, em um momento todas povos não reclamaram contra a incompe-
as suas ideias, e sentimentos convergiram tência da vossa autoridade, e vosso poder.
em um só ponto, o para um só fim. Sem
o estrépito das armas, sem as vozerias da
anarquia, requerendo Me elas como ao
Garante da sua preciosa liberdade, e honra
Nacional, a pronta instalação de uma
Assembleia Geral Constituinte e Legislativa
no Brasil. Desejara eu poder alongar este
momento para ver se o desvaneio das
Cortes de Lisboa cedia às vozes da razão e
da justiça, e a seus próprios interesses; mas
a ordem por elas sugerida, e transmitida
aos cônsules Portugueses de proibir os
despachos de petrechos, e munições para o
Brasil era um sinal de guerra, e um começo
real de hostilidades.

618
Exigia pois este Reino, que já Me tinha Príncipe, quanto lamento a vossa sorte!
declarado seu Defensor Perpétuo que Eu Que pena me não faz a vossa ilusão? Que
provesse do modo mais enérgico, e pronto à cegueira a de não verdes que as declarações
sua segurança, honra, e prosperidade. Se Eu desses títulos pomposos de defensor e de
fraqueasse na Minha Resolução atraiçoara Protetor longe do serem devidos à vontade
por um lado minhas sagradas promessas, e geral dos Povos do Brasil, são fruto de
por outro quem poderia substar os males manejos indiscretos do vosso primeiro
da anarquia, a desmembração das suas Ministro, que calculando a fraqueza da
Províncias, e os furores da Democracia? mocidade, pretende começar vãs ilusões
Que luta porfiosa entre os partidos encar- do poder, e da grandeza, manter o seu
niçados, entre mil sucessivas, e encontradas Jovem Cativo na sujeição à sua vontade,
facções? A quem ficariam pertencendo o enquanto com ele se apresenta às Nações
ouro e os diamantes das nossas inesgotá- do Mundo; e aos Povos a quem rege? Tudo
veis minas? Estes rios, rios caudalosos, que se ressente dos delírios políticos deste estou-
fazem a força dos Estados, esta fertilidade vado. Que desacordo é este de misturar a
prodigiosa, fonte inexaurível de riquezas, aceitação modesta do título de Defensor, e
e de prosperidade? Quem acalmaria tantos Protetor com os males da anarquia, com a
partidos dissidentes, quem civilizaria a luta, dos partidos, com a propriedade do
nossa povoação disseminada e partida ouro, e dos diamantes, com a civilização
por tantos rios, que são mares? Quem iria dos Povos e com a reunião dos Índios?
procurar os nossos índios no centro de suas Porventura a Constituição das Cortes, que
matas impenetráveis através de monta- os Povos encomendaram a seus legítimos
nhas altíssimas, e inacessíveis? De certo, representantes, porventura as Bases desta
Brasileiros, lacerava-se o Brasil; esta grande Constituição, que os Povos tinham jurado,
Peça da benéfica natureza, que faz a inveja, e que vós mesmo, Príncipe, como primeiro
e a admiração das Nações do mundo; instrumento fizestes parar à povoação do
e as vistas benfazejas da Providência se Rio de Janeiro; porventura este sistema
destruíam, eu pelo menos se retardavam Político favorece os partidos, e a anarquia;
por longos anos. inverte o curso das riquezas Brasílicas,
atrasa a civilização dos Povos, e dispersa
os Índios pelas matas? Ah! Povo infeliz,
como só abusa de tua vontade e com que
hipocrisia invocam os Déspotas teu nome
sagrado?
Eu fora responsável por todos estes Todos os males, que sobrevierem, todo
males, pelo sangue, que irá derramar-se, o sangue, que se verter, todas as vítimas,
e pelas vitimas que infalivelmente seriam que caírem ao cutelo da anarquia popular
sacrificadas às paixões, e aos interesses ou da arbitrariedade dos Governantes, são
particulares; resolvi-me portanto, tomar o da tua particular responsabilidade, Príncipe
partido que os povos desejavam, e mandei infeliz, porque perjurastes na presença da
convocar a Assembleia do Brasil a fim de Nação toda; derrubaste o majestoso edifício
cimentar a independência política deste de sua união; desobedeceste a teu Augusto

619
Reino harmonizando-se com decoro e Pai, por cúmulo de toda a sem razão os teus
justiça todo o Reino Unido de Portugal, conselheiros têm ainda a impudência de
Brasil e Algarves, e conservando-se debaixo dizer ao povo do Brasil que proclamando
do mesmo Chefe duas famílias separadas a Independência, convocando Cortes no
por imensos mares, que só podem viver Brasil não rompem os vínculos da frater-
reunidas pelos vínculos da igualdade, direi- nidade Portuguesa, antes harmonizam
tos, e recíprocos interesses. com decoro, e com justiça todo o Reino de
Portugal, Brasil e Algarves! E conservam
duas famílias debaixo do mesmo Chefe.
Insolentes! Hipócritas! Bem sentis vós, bem
penetrados estais, e bem convencidos de que
um sistema de governo; que por ora convém
ao Brasil, a e que toda a gente bem pensante
deseja ver estabelecido na América, é o de
união com Portugal, e por isso lhe estais
falando desta união na mesma página em
que a destruís, e, como quem escarnece
ao mesmo passo que fundais a separação,
destes dois irmãos, tendes o inaudito desa-
foro de falar em fraternidade! Quem vos
acreditará jamais? Indignos! Reparai na
vossa própria contradição. Enganais a um
Príncipe sem experiência e pela primeira
vez da sua vida fora do alcance do poder
paternal. Ah! Que se ele acompanhasse a
seus Augustos Pais outro seria o destino
desse afortunado Continente! Desgraçado
Continente, se tem de ser governado pelos
Baratas, Gomes, Linos,1 e outros que tais,
todos homens sem vínculo Político, Moral,
ou Religioso que os prenda à sociedade!
Brasileiros! Para vós não é preciso Brasileiros ponde aí os olhos; os males
recordar todos os males, a que estáveis a que vós estáveis sujeitos eram os da
sujeitos, e que vos impeliram à representa- anarquia absoluta; eram os da opressora
ção que me fez a Câmara, e o povo desta arbitrariedade de seus agentes que iam
Cidade no dia 23 de Maio, que motivou o
governar-vos para se enriquecerem; eram
Meu Real Decreto de 3 de Junho do ano
os da Dependência absoluta de Portugal
corrente; mas o respeito que devemos ao
– As Bases da Constituição, que juraste,

Cipriano José Barata de Almeida, José Lino Coutinho, José Agostinho Gomes, deputados às
1

Cortes pela Bahia.

620
gênero humano exige que demos as razões vos libertarão desta tirania; mas o Príncipe
da vossa justiça, e do meu comportamento. Real à testa de uma facção intenta reduzir-
A história dos feitos do Congresso de -vos à mesma arbitrariedade antiga. Ele
Lisboa a respeito do Brasil é uma história de mesmo vo-lo diz mui claramente neste
enfiadas injustiças, e sem razões, seus fins célebre Manifesto, que há de chegar à
eram paralisar a prosperidade do Brasil, posteridade como testemunho claro da
consumir toda a sua vitalidade, e reduzi-lo insânia do delírio do Ministério do Rio
a tal inanição, e fraqueza, que tornasse infa- de Janeiro. O mesmo Príncipe diz, que o
lível a sua ruína, e escravidão. Para que o motivo do seu Decreto de 3 de Junho para
mundo se convença do que digo, entremos a convocação de Cortes foi a representação
na simples exposição dos seguintes fatos. da Câmara, e Povo da Capital!!! Insensatos
Conselheiros! E aconselhais o desgraçado
Príncipe a ser perjuro ao seu juramento,
a desunir dois povos irmãos, a destruir
o Governo estabelecido, e jurado há tão
pouco tempo, a desobedecer a um Pai que
é o Ídolo de todos os Portugueses, só pela
simples representação de uma Câmara, e
pelas parciais, e efêmeras representações
de um tumulto! Como a vossa ambição
é cega! Como são indiscretas as vossas
maquinações, que vós mesmos as delatais
no meio de contradições incompreensí-
veis! – Largai a presa, malvados, deixai
esse Jovem incauto, a arrebatado; consenti
que ele venha sentar-se no Trono de seus
Progenitores; não o priveis da Glória de ser
o Sucessor de Afonso; não espere ele ver-se
banido dentro dessa República de loucos
o privado alfim de seus herdados direitos;
consenti, malvados, que ele reflita um
pouco na crítica situação a que o reduzistes,
alucinando o seu amor próprio, e exaltando
a sua vaidade. Todos veem a vossa pérfida
política; o Príncipe serve só para argumento
da Independência a que aspirais e logo que
ela for estabelecida, ele pensa reinar à sua
vontade; mas o seu Império será o de um
presídio, e quando menos o do extermí-
nio – A História dos feitos do Congresso
de Lisboa a respeito do Brasil é o que vós
invocais, pérfidos, para vos desculpardes

621
com o gênero humano? Aí a tendes nos
Registos Públicos das Cortes de Lisboa; e
se reduz ao seguinte = As Cortes conven-
cidas que o Brasil queria estar unido com
Portugal debaixo de um mesmo Governo
deram aos povos daquele vasto continente
a mesma representação política, e a mesma
Constituição = Onde está aqui a injustiça,
aonde está a sem razão? Que tendes mais
que alegar? Pretextos; Ah! Como são fúteis
os vossos pretextos!
Legislou o Congresso de Lisboa sobre Se o Congresso de Lisboa legislou para
o Brasil sem esperar pelos seus represen- o Brasil foi depois que o Brasil adotou, e
tantes, postergando assim a Soberania da jurou as Bases da Constituição, em que
maioridade da Nação. era reconhecida a Autoridade Legislativa
das Cortes. – O Congresso legislou para
o Brasil já depois de haver dentro do seu
recinto Deputados do Brasil; esperar por
todos seria o cúmulo do absurdo: como
paralisar a ação do Poder quando todo o
Brasil a reclamava? Quem havia legislar
nesse interim? A Junta de São Paulo, ou a
de Minas?
Negou-lhe uma Delegação de Poder O Congresso não negou ao Brasil uma
Executivo de que tanto precisava para Delegação do Poder Executivo; pois desde
desenvolver todas as forças da sua virili- Março passado a prometeu efetivamente, e
dade, vista a grande distância, que o separa é hoje um Artigo Constitucional.
de Portugal deixando-o assim sem leis apro-
priadas ao seu clima e circunstâncias locais,
sem prontos recursos às suas necessidades.
Recusou-se lhe um centro de união, e O centro da União, que sempre trazeis
de força para o debilitar, incitando previa- na boca é o Governo, é a Unidade do
mente as suas Províncias a despegarem-se Poder de Legislar, é a Unidade do Poder
daquele, que já dentro de si tinham feliz- de Executar exercida na América por essa
mente. delegação do Poder Real.
Decretou-lhe Governos sem estabi- Os Governos, que o Congresso decre-
lidade, e sem nexo com três centros de tou foram os mesmos, que vós tínheis
atividade diferentes, insubordinados, rivais, adotado, e que ainda agora estão em vigor,
e contraditórios, destruindo assim a sua foram os Governos Populares das Juntas
Categoria de Reino, aluindo assim as Bases Provinciais, que substituíram a arbitrarie-
da sua futura grandeza, e prosperidade, e dade Proconsular dos Capitães Generais;
então do que vos queixais?

622
deixando-lhe todos os elementos da desor-
dem, e da anarquia.
Excluiu de fato os Brasileiros de todos Onde, em que parte da Constituição, em
os empregos honoríficos, e encheu vossas que Decreto das Cortes são os Brasileiros
Cidades de baionetas europeias coman- excluídos dos Empregos Públicos, ou de
dados por Chefes forasteiros, cruéis, e qualquer direito político? Já vos esqueceu
imorais. a partilha no Conselho de Estado, e na
Recebeu com entusiasmo, e prodigali- Deputação permanente? As Tropas! Ah!
zou louvores a todos esses monstros, que E não eram elas precisas para apagar os
abriram chagas dolorosas nos vossos cora- fachos da discórdia? Quais são as leis
ções, ou prometeram não cessar de as abrir. bárbaras que essas Tropas foram executar?
Qual foi o despotismo que elas aí foram
plantar? Livrar-vos da opressão anárquica
dos pretos, e dos pardos? Proprietários,
homens de bem, cidadãos pacíficos,
Senhores do Engenho, Plantadores ilus-
tres, como estava mais segura a vossa
Propriedade real, estando à sombra da
força protetora do Madeira, e do Rego, ou
vendo-vos cercados pelo Batalhão negro,
e mulato de Pernambuco, às ordens do
Barata, ou do Gervásio? Falai, dizer os
vossos sentimentos sem rebuço.
Lançou mãos roubadoras aos recursos O Banco do Brasil deve? E quem causou
aplicados ao Banco do Brasil sobrecarre- os seus atrasos, e a sua ruína? E quem esta
gado de uma dívida enorme Nacional, de ainda hoje chupando a sua substância?
que nunca ocupou o Congresso; quando o Portugal! Ah infames! Com que má-fé não
crédito deste Banco estava enlaçado com pretendeis alucinar os Povos? Com que
o crédito público do Brasil; com a sua mentiras! Com que estranha impudência!
prosperidade. As Cortes negociam a alienação de territó-
Negociava com as Nações estranhas rio? Falai claro; as Cortes desejam ver-se
alienação de Porções do vosso Território livres da inútil, dispendiosa, ruinosa, e
para vos enfraquecer e escravizar. injusta ocupação de Montevidéu. Guardai
Desarmava vossas fortalezas, despia vós esse ponto. O ouro dos Portugueses
vossos arsenais, deixava indefesos vossos despejou-se em torrentes para vos conservar
portos, chamando aos de Portugal toda a esse limite. Hoje há quem veja, e quem fale
vossa Marinha; esgotava os vossos tesou- mais claro. – A despesa da Tropa em que
ros com saques repetidos para despesa de falais deve ser vossa, porque é para vossa
tropas, que vinham sem pedimento vosso, guarda, para vossa Proteção.
para verterem o vosso sangue, e distrair-vos,
ao mesmo tempo que vos proibia a intro-
dução de armas, e munições estrangeiras

623
com que pudésseis armar vossos braços
vingadores, e sustentar vossa liberdade.
Apresentou-se o Projeto das Relações As vantagens Comerciais, se não fazem
Comerciais, que sob falsa aparência de recíprocas, de que nos serve a união? Os
quimérica reciprocidade, e igualdade vossos representantes foram acolhidos
monopolizava vossas riquezas, fechava no recinto do Congresso com a maior
vossos portos aos estrangeiros, e assim cordialidade, e muitos deles ganharam, e
destruía a vossa agricultura, e indústria e conservam ainda a reputação do talento,
reduzia os habitantes do Brasil, outra vez da sabedoria, e da moralidade; outros
ao estado de pupilo, e Colonos. provocaram por seus discursos, por sua
Tratou desde princípio, e trata ainda baixa dicacidade, por imoralidade abjeta,
com indigno aviltamento, e desprezo os por sua má-fé, e por até por sua má-criação
Representantes do Brasil quando têm a o ódio de seus compatriotas, e muitas
coragem de punir pelos seus direitos, e até vezes as respostas acres de seus Colegas;
(quem ousará dizê-lo?) vos ameaça com e que queríeis vós? Queríeis que fossem
libertar a escravatura, e armar seus braços escutados como oráculos! Queríeis que ao
contra seus próprios Senhores. ouvir insultos, e impropérios, se calassem
Para acabar finalmente esta longa os que tinham direito, e razão para lhes
narração de horrorosas injustiças, quando responder? A inviolabilidade das suas
pela primeira vez ouviu aquele Congresso opiniões foi reputada até mesmo quando
as expressões de vossa justa indignação, chegaram ao nunca visto delírio de não
dobrou de escárnio, ó Brasileiros, querendo assinarem a Constituição que acabam de
desculpar seus atentados com a vossa fazer. – Por muitas vezes no Congresso se
própria vontade, e confiança. tem ouvido, não as justas indignações dos
A Delegação do Poder executivo que o Brasileiros, mas a indecência com que se
Congresso rejeitava por anti-Constitucio- explica o mesmo Príncipe, e a resposta do
nal, agora já uma Comissão do seio deste Congresso nunca foi o escárnio, foi sempre
Congresso no-la oferece, e com tal liberali- a razão, e a justiça.
dade, que em vez de um centro do mesmo
poder, de que só precisáveis, vos querem
conceder dois, e mais. Quão generosidade
inaudita! Mas quem não vê que isto só tem
por fim destruir a vossa força, e integri-
dade, armar Províncias contra Províncias,
e Irmãos contra Irmãos!
Acordemos pois, generosos habitantes Acordai pois generosos habitantes do
deste vasto e poderoso Império, está dado vasto Continente Brasileiro, vede como a
o grande passo da vossa Independência, e vossa independência, e a vossa felicidade,
felicidade há tantos tempos preconizada que até aqui todos vós consideráveis conexa
pelos grandes políticos da Europa. Já sois com a união dos dois indivíduos de uma
um Povo Soberano; já entrastes na grande família de São Paulo,2 que declaram uma

2
N. O.: Provavelmente José Bonifácio de Andrada e Silva e Martim Francisco Ribeiro de Andrada,
ministros do Regente D. Pedro.

624
sociedade das Nações independentes, a que independência, prematura independência,
tínheis todo o direito. A honra, e dignidade que porá em luta perpétua as Províncias
Nacional, os desejos do ser venturosos, a umas com as outras.
voz da mesma Natureza mandam que as Tenha muito embora crescido a vossa
Colônias deixem de ser Colônias quando população, e a vossa cultura, mas tem
chegar à sua virilidade; a ainda que tratados crescido a vossa civilização? Qual é a viri-
como Colônias, não o éreis realmente, e até lidade que ostentais? É a de um ser moral,
por fim éreis um Reino. De mais; o mesmo e inteligente? Admito a perfectibilidade,
direito que teve Portugal para destruir as mas não admito a perfeição. Onde estão os
suas instituições antigas, e constituir-se; elementos morais desse estado de perfeito
com maior razão o tendes vós, que habi- desenvolvimento! Em Pernambuco agora
tais um vasto, e grandioso país com uma mesmo quiseram os Gervásios criar dois
Povoação (bem que disseminada) já maior corpos de linha, e acharam só duzentos
que a de Portugal, e que irá crescendo com pretos, e duzentos mulatos!
a rapidez com que caem pelo espaço os Portugal nunca vos negou jamais o
Corpos graves. Se Portugal vos negar este direito de vos constituirdes independen-
direito, renuncia ele mesmo ao direito, que tes: vós mesmos fostes os que declarastes
pode alegar para ser reconhecida a sua nova o contrário, e só agora um Funcionário
Constituição pelas Nações estrangeiras, as Público ajudado por dois intrigantes do
quais então poderão alegar motivos justos seu Palácio, sem missão expressa, sem
para se intrometerem nos seus negócios motivo fundado em reclamações gerais,
domésticos, e para violarem os atributos ousa destruir o que estava feito de um
da Soberania, e independência das Nações. modo legítimo, e regular, e levanta a voz
no meio de um Povo, querendo persuadir
que a maioria deste Povo anua [sic] a seus
ambiciosos desígnios. O contrato estava
feito; quem deu pois um Príncipe, que é um
simples Funcionário Público, a autoridade
para o desfazer? Era ele porventura um dos
contratantes? Quem o elevou a supremacia
de árbitro, sendo ele súdito? A Soberania
da Nação foi por ele diretamente violada, e
grosseiramente insultada; Brasileiros, temei
as consequências deste perigoso exemplo...
Olhai, por isto, Brasileiros; a causa é vossa.
Que vos resta pois, Brasileiros? Resta- Que vos resta pois Brasileiros? Resta-
-vos reunir-vos todos em interesses, em -vos considerar em que consiste essa
amor, em esperanças; fazer entrar a união dos vossos interesses, do vosso
Augusta Assembleia do Brasil no exercício amor, e das vossas esperanças. Resta-vos
das suas funções; para que maneando o considerar atentamente, que já tendes em
leme da razão, e prudência, haja de evitar exercício uma Assembleia composta de
os escolhos, que nos males das revoluções Representantes vossos, e de toda a Nação,

625
apresentam desgraçadamente França, a qual tem sabiamente maneado o leme
Espanha, e o mesmo Portugal; para que da razão, e da prudência; tem marcado
marque com mão segura, e sábia a partilha numa Constituição livre a partilha dos
dos Poderes, e firme o Código da vossa Poderes públicos; tem evitado os escolhos
Legislação na sã Filosofia, e o aplique às das revoluções, (que são de ordinário os
vossas circunstâncias peculiares. excessos das pretensões populares) e tem
finalmente correspondido aos votos públi-
cos da Nação toda conservando a Religião,
e o Rei, e mantendo as liberdades públicas
por meio de um exercício constante dos
direitos imprescritíveis e inalienáveis dos
Povos. Nesta Filosofia é que se firma o
Código fundamental da nossa Legislação,
que as Cortes de Lisboa vos oferecem
como fruto do trabalho, que vós mesmos,
ó Brasileiros; lhes encomendastes, e como
resultado daquelas Bases, contrato original,
que vós mesmos jurastes; porém toda esta
obra já feita, quer o Príncipe Dom Pedro,
e os seus Conselheiros destruir, e frustrar,
prometendo-vos outra igual obra feita
debaixo da sua influência, ordenada por
seu motu proprio, e por seu poderoso arbí-
trio; pouco lhe importa o político perjúrio,
que comete; o que ele quer é governar: há
muito tempo que lhe parecem longes os
anos de seu virtuoso Pai; a sua ambição, a
sua vaidade alimentada pelos conselhos do
homem o mais vaidoso, e mais ambicioso,
que tem nascido nas Plagas Brasílicas, fez
chegar seu orgulho ao ponto de desprezar a
vontade do Povo para lhe substituir a sua;
de afrontar a Majestade Nacional no seu
próprio Recinto; e após dos insultos mais
ultrajantes, dizer = Não obedeço!...
Não o duvideis, Brasileiros; vossos Não duvideis, Brasileiros, do resultado
Representantes ocupados não de vencer das pomposas promessas, que vos faz o
renitências, mas de marcar direitos, susta- Príncipe Dom Pedro; e se o duvidais refleti,
rão os vossos direitos calçados aos pés, e qual era o estilo por que ele se exprimia
desconhecidos há três séculos: Consagrarão no princípio quando se dirigia às Cortes, e
os verdadeiros princípios da Monarquia qual foi o modo súbito, e inexplicável por
representativa Brasílica: declararão Rei que ele mudou de tom. Além de que tudo

626
deste belo País o Senhor Dom João VI, quanto ele vos promete é exatamente o que
meu Augusto Pai, de cujo amor estais as Cortes de Lisboa, o que vossos legítimos
altamente possuídos. Cortarão todas as Representantes, e que vossos Procuradores
cabeças à Hidra da anarquia, e a do despo- Legais desde já vos ofertam. Não se ocupa-
tismo; inspirarão a todos os Empregados, e ram vossos Representantes nas Cortes de
funcionários públicos a necessária respon- Lisboa em vencer renitências, ocuparam-
sabilidade; e a vontade legítima, e justa -se em marcar os direitos da Nação, em
da Nação nunca mais verá tolhido a todo sustentar os vossos, ó Brasileiros, desco-
instante o seu voo majestoso. nhecidos há três séculos; em consagrar os
princípios da Monarquia Representativa;
em declarar Rei de ambos os Hemisférios o
Senhor Dom João VI, em cortar as cabeças
à Hidra do Despotismo e da Anarquia; (e
para isso mandaram para o continente
Americano forças Europeias); a impor a
responsabilidade a todos os Funcionários
públicos; e a precaver, que nunca jamais
deixe de ser atendida a Vontade Legítima
e justa da Nação. Brasileiros, peço-vos, que
tenhais um só momento de reflexão para
desde logo perceberdes, que a fanfarronada
destas promessas, que vos faz o Príncipe de
nada valem, é fósforo de Patriotismo. Tudo
isto já estava feito nas Bases; e é o que vos
assegura agora a Constituição; ele não
tenta outra coisa senão enganar-vos, para
reinar, em [eis?] o alvo do seu decantado
liberalismo.
Firmes no princípio invariável de não Firmes portanto vossos Representantes
sancionar abusos, donde a cada passo no princípio invariável de não sancionar
germinam novos abusos, vossos repre- abusos o primeiro abuso, que eles querem
sentantes espalharão a luz, e nova ordem destruir, e aniquilar, é aquele que o Príncipe
no caos tenebroso da Fazenda Pública, da faz do seu poder político. O Príncipe
Administração econômica e das leis civis e arroga Títulos, que a Vontade Nacional
criminais. Terão o valor de crer que ideias lhe não lhe decretou; usurpa um poder
úteis, e necessárias ao bem da nossa espé- político, que a Nação lhe não deu, e que
cie não são dedicadas somente para ornar mesmo seu Augusto Pai lhe não deu, nem
páginas de livros, e que a perfectibilidade podia dar; tem o arrojo inaudito de se por
concedida ao homem pelo Ente Criador em paralelo com a Soberania da Nação,
e Supremo deve não achar tropeço em reunida em Cortes legítimas; é ele, que
concorrer para a Ordem Social, e felicidade com uma parcela do Poder Executivo na
das Nações. mão, quer contrabalançar todo o peso do

627
Poder Legislativo, e tomar a direção do
direito de resistência; e por quê? Ah! Refleti
Brasileiros; a razão e o motivo foi porque as
Cortes o não deixam permanecer em uma
situação em que ele tem prostituído por
mil excessos, por mil dissoluções baixas, e
desprezíveis não somente a sua autoridade
atual, mas também a sua dignidade futura;
foi porque as Cortes o mandaram regressar
para a Europa, aonde ele não queria fazer
o papel secundário de Herdeiro presuntivo,
e aonde não queria estar sopeado pelos
conselhos venerandos e até pelo respeitável
aspecto de seu Augusto Pai. Eis os motivos
verdadeiros, por que o Príncipe achou
que era chegado o momento de pôr em
prática o direito de resistência. As Juntas
e os Tribunais foram os pretextos; a causa
verdadeira, o seu amor próprio ofendido;
foi a sua ambição malograda; foi o furi-
bundo ardor de reinar, que o devora; este
é pois, ó Brasileiros, o primeiro abuso, que
vós deveis combater; não é comparativa-
mente de importância alguma um simples
erro ou vício na Administração das rendas
públicas, que deva agora absorver a vossa
atenção, é aquele grande abuso de que hão
de germinar novos abusos; pois consiste na
inversão dos Poderes delegados, inversão
despótica, perigosa, e intolerável, que um
Chefe hereditário faz logo no princípio
da sua carreira política. Tudo o mais são
palavras, e promessas; em palavras, e em
promessas ninguém foi mais liberal do que
o Príncipe, quando prestava obediência às
Cortes e a El Rei – Protestações, juramen-
tos, corria o sangue de suas veias para selar
as suas declarações pomposas; e no fim
rebelião, prejuízo, desunião e independên-
cia – Credad Judaeus Appella... Non Ego.3

Que o judeu Apella acredite nisso, eu não. N.T.: Horácio, Sátiras, liv. 1, sat. 5, 100-101.
3

628
Dar-vos-ão um Código de Leis adequa- Dar-vos-ão um Código de Leis adequa-
das à natureza de vossas circunstâncias das à natureza de vossas circunstâncias
locais, da vossa povoação, interesses e locais, e de vossos interesses – Dar-vos-ão
relações, cuja execução será confiada um Código penal ditado pela razão, e
a Juízes íntegros, que vos administrem pela Humanidade – Tereis um sistema de
justiça gratuita, e façam desaparecer todas imposto que respeite os suores da agri-
as trapaças do vosso Foro, fundadas em cultura e da indústria – Tereis valentes
antigas leis obscuras, ineptas, complicadas Soldados, um Código militar, que prescreva
e contraditórias. Eles vos darão um Código a disciplina e fomente o valor – Agora
penal ditado pela razão, e Humanidade, em tereis, a cultura das ciências a ocasião de
vez dessas leis sanguinolentas e absurdas, adquirir glória e honra; – Agora sim, ó
de que até agora fostes vítimas inocentes. mocidade Brasileira tereis um Código de
Tereis um sistema de impostos que respeite instrução pública e Nacional, que comuni-
os suores da agricultura, os trabalhos da que a instrução necessária para promover
indústria, os perigos da navegação e a a felicidade do Grande Todo Brasileiro.
liberdade do Comércio: um sistema claro Aqui está em breve quadro a República
e harmonioso que facilite o emprego e de José Bonifácio. Bem sabe o louco se
circulação dos cabedais, e arranque as cem as Cortes de Lisboa tem tido todos estes
chaves misteriosas que fechavam o escuro objetos em vista; e apesar de todo o seu
labirinto das Finanças que não deixavam esquentado amor próprio, bem sabe este
ao Cidadão lobrigar o rastro do emprego furente Publicista, que os Representantes
que se dava às rendas da nação. atuais das Cortes de Lisboa são capazes
Valentes Soldados, também vós tereis de suscitar, de desenvolver, e de pôr em
um Código militar que formando um prática todos os estabelecimentos, de que
Exército de Cidadãos disciplinados, reúna pode resultar a felicidade, e o resplendor
o valor, que defenda a pátria às virtudes de uma Nação; porém ele quis para si a
cívicas, que a protejam e segurem. glória de talhar a prosperidade futura de
Cultores das Letras e ciências, quase um Povo, e persuadir que de Portugal não
sempre aborrecidos ou desprezados pelo podia nascer, nem sequer a ideia destas
despotismo, agora tereis a estrada aberta venturas e destas grandezas. Fátuo? Que
e desempeçada para adquirirdes glória e prometes tu? O que ainda não principiaste,
honra. Virtude, Merecimento, vós vireis nem sequer a executar, ou antes o que tens
junto ornar o Santuário da Pátria, sem que principiado a executar, mas no sentido
a intriga vos feche as avenidas do trono, inverso. E as Cortes de Lisboa já lançaram
que só estavam abertas à hipocrisia e à os fundamentos dessa futura prosperi-
impostura. dade. O que tu tens feito por ora é dar ao
Cidadãos de todas as classes, mocidade Público estas declarações jactanciosas, mas
Brasileira vós tereis um Código de Instrução atacando ao mesmo tempo a liberdade de
pública Nacional, que fará germinar, e pensar, e infundindo no juvenil espírito de
vegetar viçosamente os talentos deste clima um Príncipe a perigosa ideia de distrair as
abençoado, e colocará a nossa Constituição Liberdades públicas; desobedecendo ao
debaixo da salvaguarda das gerações Poder legítimo da verdadeira Soberania.

629
futuras, transmitindo a toda a Nação Todas essas prosperidades, desse teu aran-
uma educação liberal que comunique aos zel hipócrita se podem procurar a uma
seus membros a instrução necessária para Nação que adota o Sistema representativo,
promoverem a felicidade do Grande Todo e a partilha dos Poderes Políticos; mas
Brasileiro. poderás tu, homem ambicioso e estólido,
consolidar a garantia desse sistema onde
dás ao primeiro agente do Poder Executivo
a força e a audácia de paralisar a ação do
Poder Legislativo, que é a primeira auto-
ridade Nacional, e onde permite, que um
chefe diga: Eu sou a quem compete reger
os destinos da nação, só porque assim o
diz a Câmara de uma cidade, e porque
assim o implora uma facção, que nasceu
nas salas do meu Palácio! Bárbaro, inepto,
imprudente, vaidoso político, onde preten-
des tu conduzir esse arrombado baixel em
que te embarcas? Onde dirige a proa teu
Leme inexperto? Ao poder, às honras e à
opulência de tua família, e dos teus amigos?
Antes de lá chegares, eu te profetizo está
certo, que o leme te cairá das mãos; a que
a tempestade das facções há de dar com o
baixel ou nos escolhos da anarquia, ou nos
baixos da Oligarquia. Em lá chegando os
Baratas, os Linos, e os Gomes, não hás de
governar tu só e teus irmãos; eles também
hão de tomar o seu pedaço, e então veremos
todos esses presumidos oligarcas dirigir
todos a um tempo o seu Real cativo no meio
do furor, e do frenesi, até que o Madeira
vá plantar a razão, e a justiça naquela feliz
região, e afugentar para os matos esses
fofos Republicanos, que ainda não deram
testemunho senão de uma vaidade raivosa
e iracunda.
Encarai habitantes do Brasil, encarai a Encarai habitantes do Brasil, encarai a
perspectiva de glória, e de grandeza que se perspectiva do despotismo, e da anarquia,
vos antolha; não vos assustem os atrasos que por entre as risonhas promessas do
da vossa situação atual; o fluxo da civili- vosso soi disant Defensor, e Protetor se
zação começa a correr já impetuoso desde deixa ver a quem sabe calcular o prová-
os desertos da Califórnia até ao Estreito vel efeito das causas morais postas em

630
de Magalhães. Constituição e liberdade constante atividade. A loucura, o furor,
legal são as fontes inesgotáveis de prodí- e a vaidade, paixões, empregadas numa
gios, e serão a ponte por onde o bom da agência não interrompida, forçosamente
velha, e convulsa Europa passará ao nosso hão de conduzir à confusão, e à desordem.
Continente. Não temais as Nações estran- O vaidoso Estadista do Rio diz pela boca
geiras: a Europa que reconheceu a inde- do seu Real Cativo que é tempo de procla-
pendência dos Estados Unidos da América, mar a Independência do Brasil, e que ele
e que ficou neutral na luta das Colônias há de ajuntar a esta emancipação todas as
Espanholas, não pode deixar de reconhe- vantagens da civilização, que hão de passar
cer a do Brasil, que, com tanta justiça, e da velha, e convulsa Europa por cima de
tantos meios, e recursos, procura também uma ponte lançada sobre o Atlântico,
entrar na grande família das Nações. Nós porém no meio da sua delirante incandes-
nunca nos envolveremos nos seus negócios cência acrescenta, que não se assustem os
particulares; mas eles também não quererão Brasileiros com os atrasos da civilização
perturbar a paz, o comércio livre que lhes atual... Involuntariamente te caiu da boca
oferecemos; garantidos por um Governo o ponto principal da questão. Tu bem
Representativo que vamos estabelecer. sabes (porque o tens diante dos olhos) quão
mesquinho, e apoucado é esse fluxo de
civilização desde o Estreito de Magalhães
até os desertos da Califórnia; se a tua inata
vaidade, se a tua ambição sem vergonha
te não tem obstruído de todos os órgãos
intelectuais, deves ter mil vezes observado
o nada da população Brasileira; se o compa-
ras com a vastidão do território; mil vezes
terás refletido (se as paixões te deixam o
uso da razão) que no Brasil a indústria de
um átomo, e que a agricultura não pode
fazer progressos rápidos: que essa gente,
a quem queres governar, é gente imbele
e frouxa; que a ilustração apenas conta
um punhado de indivíduos das cidades
Marítimas; e que o interior só apresenta
a rudeza do cabouco [sic], a imoralidade
do mestiço, e as tetras ameaças do negro;
que o Brasileiro rico só alonga os olhos
após das comendas, das distinções hono-
ríficas, e da nobreza Constitucional; que
o Brasileiro pobre sonha tão somente com
as Repúblicas, e com os Governos popu-
lares; que o Empregado público suspira
pelas cebolas do Egito, e pelos vícios do

631
Poder Arbitrário; que o preto, e o mulato,
a parte principal da população brasílica
(população que sempre caminha nesta
ascendente proporção) deseja só libertar-se
e dominar. E é no meio destes tão discor-
dantes elementos, que as Repúblicas de São
Paulo e de Pernambuco querem estabelecer
a sua independência, quando um Governo
Constitucional, e de sua escolha, oferece
da Europa a sua cooperação para plantar
no Brasil a liberdade política e civil sobre
as ruínas do despotismo e da Anarquia?
Só loucos podem rejeitar semelhante
partido. Povos do Brasil, abri os olhos, e
fixai a vossa atenção sobre aqueles, que se
arrogam o leme do vosso Governo! São o
Príncipe Dom Pedro, José Bonifácio e seus
Irmãos!!!... Está dito tudo.
Não se ouça pois entre vos outro grito Não se ouça pois entre vós outro grito,
que não seja União. Do Amazonas ao que não seja União com Portugal... Do
Prata não retumbe outro eco, que não seja Prata ao Amazonas não retumbe outro
Independência. Formem todas as nossas eco senão o do mesmo Poder, e o mesmo
Províncias o feixe misterioso, que nenhuma Império... só assim pode formar-se aquele
força pode quebrar. Desapareçam de uma feixe misterioso, que nenhum Poder será
vez antigas preocupações, substituindo capaz de quebrar uma vez que a unido seja
o amor do bem geral ao de qualquer a do interesse público, o da justiça, e o da
Província, ou de qualquer Cidade. Deixai, igualdade dos direitos. Se assim é, ou se
ó Brasileiros, que escuros blasfemadores isto são só palavras, ai vai a Constituição;
soltem contra vós, contra mim, e contra o ela que o diga. O amor do bem geral, de
nosso Liberal Sistema injúrias, calúnias e que vos fala o Príncipe Dom Pedro, é abuso
baldões: lembrai-vos que se eles vos louvas- de palavras, e é, a Catequese Política; é
sem – o Brasil estava perdido – Deixai que o seu amor de reinar; é a ambição dos
digam que atentamos contra Portugal, Empregados, dos validos, e dos conse-
contra a Mãe-Pátria, contra os nossos lheiros, que querem ter menos com quem
benfeitores, nós salvando os nossos direi- repartam o poder, vós temeis as nossas
tos, punindo pela nossa justiça, e consoli- blasfêmias, as nossas calúnias, as nossas
dando a nossa liberdade queremos salvar injúrias, e os nossos baldões. – Ah! infames,
a Portugal de uma nova Classe de tiranos. quem foi o agressor? E que comparação tem
o que a vossa baixeza tem de lá enviado
com o que as Cortes nobremente vos tem
respondido?

632
Deixai que clamem que nos rebelamos Sim, a rebeldia mais qualificada já vos
contra nosso Rei; ele sabe que o amamos, não faz remorso; já tendes calo nesse crime.
como a um Rei Cidadão, e queremos salvá- Vós amais o vosso Rei, e como? Deitando
-lo do afrontoso estado de cativeiro, a que o por terra o trono, que ele tem no Brasil.
reduziram; arrancando a máscara da hipo- Vós quereis salvá-lo do cativeiro a que o
crisia a Demagogos infames, e marcando reduziram os Demagogos; Ah! infames
com verdadeiro liberalismo os justos limites conselheiros que assim comprometeis o
dos poderes políticos. Deixai que vozeiem pobre Príncipe na opinião dos Portugueses;
querendo persuadir ao Mundo que quebra- se quereis um testemunho do cativeiro do
mos todos os laços de união com os nossos vosso Rei; perguntai aos vossos sócios que
Irmãos da Europa; não; nós queremos daqui vergonhosa, o vilmente fugiram há
firmá-la em bases sólidas, sem influência pouco, e eles vos contarão o Real triunfo,
de um partido, que vilmente desprezou que ofereceu a esta Capital o dia 1º de
nossos direitos, e que mostrando-se à cara Outubro em que o Rei foi ao Congresso
descoberta tirano, e dominador em tantos assinar, e jurar a Constituição; a pompa do
fatos, que já se não podem esconder, com poder Real; a gravidade dos Demagogos...
desonra, e prejuízo nosso, enfraquece, e o júbilo de um Povo inteiro; as lágrimas
destrói irremediavelmente aquela força dos expectadores; a alegria de um Monarca
moral, e necessária em um Congresso, e no meio do Povo, fazendo com ele um
que toda se apoia na opinião pública, e contrato por escrito, é o espetáculo que
na justiça. nunca o Príncipe Real verá no Brasil;
porque não é digno de benção paternal o
filho que se revolta, e que desobedece. Até
que ponto não chega porém a impudência,
e a contradição, que se ouve dizer a este
iludido Príncipe que ele tem estabelecido
a independência para firmar em bases
sólidas os laços da união da com seus
irmão da Europa! Basta já de escarnecer
de Portugal... Príncipe, apenas a mocidade
te desculpa.
Ilustres Baianos, porção generosa, e Ilustres Baianos, vós só deveis temer
malfadada do Brasil a cujo solo se têm as famintas harpias do Despotismo, da
agarrado mais essas famintas e empestadas anarquia, e da oligarquia; não temais as
Harpias, quanto me punge o vosso destino! tropas europeias, que vos defendem, e não
Quanto o não puder ir há mais tempo enxu- vos molestam; temei o Barata, que se quer
gar as vossas lágrimas, e abrandar a vossa pôr à testa dos pretos; temei este homem
desesperação! Baianos, o brio é a vossa insignificante, mas turbulento. Fugi do
divisa, expeli do vosso seio esses monstros, Lino, que arde no amor das riquezas,
que se sustentam do vosso sangue, não os e do Poder, deste, e de outros Patriotas
temais, vossa paciência faz a sua força. furiosos é que deveis fugir. O vosso sangue
Eles já não são Portugueses, expeli-os, e não será derramado senão quando não

633
vinde reunir-vos a nós, que vos abrimos tiverdes auxílio para rebater a audácia
os braços. de chefes perversos, e furor da canalha.
Uma Regência em breve irá levar-vos a
Constituição, e vós vereis qual dos Povos
é mais feliz; se o das Províncias do Sul
governado pela cólera de José Bonifácio, e
pelo arbítrio de um Príncipe rapaz, e dado
a todas as dissipações da adolescência, ou se
os das Províncias do Norte governado por
cinco varões sábios, patriotas moderados,
e justos, sujeitos a uma Lei fundamental, e
a uma responsabilidade.
Valentes Mineiros, intrépidos Pernam- Valentes Mineiros, intrépidos Pernam-
bucanos, defensores da liberdade Brasílica, bucanos, quereis a vossa liberdade? Quereis
voai em socorro dos vossos vizinhos as garantias mais seguras para que ela
Irmãos; não é a causa de uma Província, é faça eternamente a vossa segurança, e a
a causa do Brasil, que se defende na primo- vossa prosperidade? Ah! Tendes tudo na
gênita de Cabral; extingue esse viveiro de Constituição. Escolhei entre o Governo
fardados Lobos, que ainda sustentam os Constitucional, por vós adotado, e jurado,
sanguinários caprichos do partido faccioso. e aquele que vos oferta do Rio de Janeiro
Recordai-vos, Pernambucanos das foguei- um Príncipe moço rebelde, inexperiente, e
ras do Bonito, e das Cenas do Recife. um Ministro louco, ambicioso, e frenético.
Poupai, porém, e amai como Irmãos todos
os Portugueses pacíficos que respeitam
nossos direitos, e desejam a nossa, e sua
verdadeira felicidade.
Habitantes do Ceará, do Maranhão, Habitantes do Ceará, do Maranhão,
do riquíssimo Pará, vós todos, das belas, e do riquíssimo Pará vós já tendes exarado,
amenas Províncias do Norte, vinde exarar; e assinado o Ato da vossa emancipação,
e assinar o ato da nossa emancipação, Libertando-vos do Governo arbitrário,
para figurarmos (é tempo) diretamente na e violento do Rio de Janeiro; para vós
grande associação Política. Brasileiros em não valem as seduções do vosso suposto
geral! Amigos, reunamo-nos; sou vosso Defensor; a vossa prosperidade é essen-
compatriota; sou vosso Defensor; encare- cialmente conexa com a vossa reunião a
mos, como único prêmio de nossos suores, Portugal; as vossas liberdades, e os vossos
a honra a glória, a prosperidade do Brasil. foros estão reconhecidos, e garantidos;
Marchando por esta estrada ver-me-eis em perpétua união conosco havemos do
sempre à vossa frente, e no lugar do maior fazer rugir o Leão da discórdia, e zombar
perigo. A minha felicidade (convencei-vos) dos seus furibundos rugidos; embora eles
existe na vossa felicidade: é minha glória atroem as praias do Atlântico desde o Mar
reger um Povo brioso, e livre. Dai-me o da Prata, até o do Amazonas.
exemplo das vossas virtudes, e da vossa

634
união. Serei digno de vós. Palácio do Rio de E tu Príncipe que foste outrora as espe-
Janeiro em o 1º de Agosto de 1822. ranças de Portugal; tu que foste o primeiro
dos Príncipes Europeus, que fez a profissão
PRÍNCIPE REGENTE. pública do Liberalismo, ouve as lições da
prudência; entra em ti; vê o que fazes; é
Portugal que te chama; é teu Augusto Pai,
N. B. Este Manifesto apareceu no dia 6 do
que do alto do Trono te avisa, e te mostra
sobredito mês.
qual é o teu destino, enquanto a Providência
guarda seus dias, e qual há de ser quando
os Decretos Eternos trouxerem a Portugal
um dia de aflição, e de Luto. Príncipe, não
percas o Trono de Afonso, e de João 1º;
um breve arrependimento fará esquecer
os teus desvarios; as Cortes chamam-te;
o Pai Augusto, que te deu o ser te abre os
seus braços... Vem, não temas; teme só o
desvairado furor dos que te cercam; se o
não fazes repara que perdeu o Trono de
teus maiores; és Autor da desunião do
Brasil; és a origem das desgraças desse país;
és o primeiro agente da guerra civil. E se
voltas ouvindo os clamores da tua Pátria,
és o Herdeiro Presuntivo de um Trono; és
a esperança dos Portugueses; és o segundo
defensor da Constituição; o seguindo as
pisadas do Rei Augusto, Ínclito, Sábio, e
Justo de quem procedes, podes ainda aspi-
rar ao amor dos Portugueses, amor que ele
já possui como coroa dos seus anos, e das
fadigas do seu Governo.

E duvidarás escolher entre a rebeldia e


obediência.

VOZ DO BRASIL

___________________________________________________________________
BAHIA: NA TYPOGRAPHIA DA VIÚVA SERVA, E CARVALHO.
ANNO DE 1822.

635
54

REFUTAÇÃO
Á ANNALYSE DAS INSTRUCÇÕES
PARA
A NOMEAÇÃO DOS DEPUTADOS
DA
ASSEMBLÉA GERAL
CONSTITUINTE E LEGISLATIVA
DO
REINO DO BRASIL,
EXTRAHIDA
DE HUM FOLHFTO INEDICTO, INTITULADO
REFLEXÕES DE HUM CABOCOLO EM CORTES.

Já houve quem criticasse sobre alguns artigos destas Instruções, começando


a perguntar com que autoridade Sua Alteza Real Ordenou que a nomeação
dos Deputados fosse feita por novos Eleitores de Paróquia; mas seguramente
quem se diz ter sido um dos Colaboradores da Representação, que esta Capital
fez subir à Presença de Sua Alteza Real esquece-se 1º, que nela se pedira isto
mesmo, e que o adjetivo = direta = ao lado das assinaturas devia referir-se
ao texto, entendendo-se direta por novos Eleitores de Paróquia, o que fazia
marcar uma diferença entre este, e o passado modo de eleições. Assim o
entendeu o Senado da Câmara; pois que, sendo ele o atual órgão da vontade
do Povo, seu Presidente no dia 23 de Maio disse a Sua Alteza Real, (o Povo)
“pretende e requer; que Vossa Alteza Real Haja por bem mandar convocar
nesta Corte uma Assembleia Geral das Províncias do Brasil, representadas
por um número competente de Deputados, nomeados por novos Eleitores
Paroquiais, eleitos pelo Povo”. 2.º que como a palavra representação suscita
a ideia de autoridade da parte daquele, a quem se representa, cumpria que
ele Colaborador primeiramente se fizesse a nota de haver colaborado a que
os Povos desta Província (melhor seria ter dito a Povoação desta Cidade)
desconhecessem, seu direito de ditar a lei suprema, quando representaram,
em vez de mandar, que se convocasse uma Assembleia, e os meios, que para
isto se poderiam empregar; 3.º que a autoridade, com que Sua Alteza Real
ordenou o modo semidireto de eleições, é aquela mesma, com que no dia 23
de Maio anuiu condicionalmente à convocação da Assembleia, primeiro objeto
da vontade geral dos Povos desta Província; porém como o impertinente

636
perguntador não quis saber (ó coisa rara!) donde vinha a legitimidade deste
ato anterior da Autoridade, eu não lhe responderei; 4.º É certo, como diz, que
os Povos desta Província não têm direito de legislar sobre os das outras, mas
também é certo, que igual nulidade de direito existe entre os habitantes desta
Cidade, e os da Província, seja embora aquela a Capital, e como os nossos
Procuradores Gerais o são da Província inteira, eles deviam votar sobre o
processo das eleições da maneira, que mais julgassem convir a toda ela; não
se podendo, nem se devendo, pela longitude dos lugares, interpretar o seu
silêncio a favor da vontade geral desta Cidade, assim como se supôs que, por
6000 de seus habitantes, que falaram, 12000 ou mais silenciosos anuíram à
representação e nos seus artigos; 5.º que a lei suprema só pode ser a vontade
geral das Províncias Unidas, nem já cada Província se pode ditar a lei suprema,
sem que isto lhe seja concedido pela vontade geral de todas; porque a sobera-
nia de um Povo é indivisível,1 e a legislação é um ato peculiar da Soberania.
Parece-me que tenho, senão provado, ao menos fornecido dados suficien-
tes para mostrar que os habitantes desta Cidade não tinham direito de exigir
o modo puramente direto de eleições, ainda quando tivessem manifestado
ser esta a sua vontade; e do que tenho dito, se podia concluir a futilidade da
solução, que o colaborador apresenta, do chamado problema fácil a resolver.2
Agora que não pode mais dar-me em resposta a dita solução, chegou também a
minha vez de perguntar em ar categórico de sabichão. Que direito têm os Povos

1
O Povo de Portugal quando se representou em Cortes, o fez legitimamente; uma das ra-
zões, única, que por me servir, aponto, é que nas antigas Cortes não entravam Deputados
da Nobreza, Clero, e Povo do Ultramar, e nem tinha havido anteriormente contrato social
de União entre Portugal, e o Brasil; o Congresso começou pois a legislar legitimamente
para aquele Reino, mostrando por este ato legítimo que a Soberania de Portugal era
separada da do Brasil. Ora, o nosso juramento de união ultramarina sendo írrito desde
o seu princípio, como era fácil demonstrar, desde então o mesmo Congresso ilegitima-
mente ditava leis para o Brasil, muito embora se fossem reunindo alguns Deputados
Brasilienses. Desta legitimidade, e ilegitimidade relativa se deduz a existência de duas
soberanias, que por essência são independentes. Assim já de direito o Povo Brasiliense
não é o Povo Português, são dois Povos diferentes, são duas Nações, conquanto ambas
possam ter, e tenham por Chefe do Poder executivo ao Senhor Rei Dom João 6º, e agora
de fato já não são mais que Potências Confederadas, só pela convocação decretada de
uma Assembleia Constituinte e Legislativa. Se porém se duvidasse da nulidade primitiva
do juramento, nem por isso destruir-se-ia a consequência; porque Portugal o quebrou
pela sua má fé, e pelas desvantagens de um contrato social, que não pode existir sem a
presença de todas as partes contratantes, ou de seus Procuradores, e por muitas outras
razões, que talvez em outra parte se apontarão.
2
Quem na leitura do infame periódico = Correio do Rio de Janeiro = tiver chegado à linha
11 coluna 1.ª página 271, Número 64, não poderá negar que seu redator é capacíssimo
para dar soluções fáceis de problemas intrincados da alta política. Pois saibam mais,
que ele tem dois dedos de Retórica, muita maledicência, porém de lógica? a nulidade.
Que bom Deputado para a nossa futura Assembleia!!!

637
desta Província de exigir, que anuam a sua manifesta vontade os Procuradores
Gerais das outras Províncias, e se as decisões do Conselho são ou não, ditadas
pela pluralidade de votos, ou, o que é o mesmo, se o Colaborador sabe que os
Senhores Ledo e Mariano votaram pela eleição semidireta, para os ameaçar
de inabilitados, ipso facto, à continuação de seus altos empregos? É certo,
que no caso de dúvida, ele os crimina de não terem publicado o protesto,
que deviam ter feito em Conselho contra tal modo de eleições; mas por fim
conclui que, “ambos desempenharam mui mal os seus deveres nesta parte
como Procuradores, e como Conselheiros”; porém como não sei se quis falar
da não publicação do protesto, da não existência dele, da votação pelo modo
semidireto, observarei, que o ser de Conselheiro e não impondo obrigação de
publicar o voto, de protestar contra as decisões do Conselho, mas somente de
dar bons conselhos, dever-se-á entender a citada passagem da maneira seguinte,
“ambos desempenharam mui mal os seus deveres (e em vez de = nesta parte
= dir-se-á) como Procuradores por não terem publicado protesto algum, ou
por não terem protestado, e como Conselheiros por terem aconselhado mal,
segundo o entender profundo do Colaborador.3 Deste modo ele assevera,
e duvida simultaneamente se os nossos Procuradores Gerais votaram pela
eleição semidireta.
O intrometido Colaborador, como queria que em cada Província se
procedesse às eleições dos Deputados segundo a vontade geral dela, devia
ter-se conduzido com unidade, a que faltou, quando colaborou para o efeito
da Representação do dia 23 de Maio, para a convocação de uma Assembleia
Geral; ele devia primeiramente tratar de saber, se o Povo Brasiliense a desejava,
e com que atribuições; tal Província quereria que ela fosse somente legislativa,
conservadas as mesmas bases constituintes do Reino de Portugal, e tal outra
não, esta que o número de 100 Deputados fosse o limite em menos, e aquela
em mais etc., ainda que daqui resultasse um só corpo político, semelhante ao
monstro, que Horácio descreve. Esta marcha parecia tanto exata, e mesmo
necessária, que o Cisplatino não tinha recebido instruções de seus Constituintes,
e Deus sabe se a alguns deles lhes faltava mais alguma coisa; quem autorizou
a Sua Alteza Real para mandar que um povo que ora constitui uma parte da
soberania Portuguesa, se representasse soberanamente com independência da
outra? As Províncias do Rio de Janeiro, e de Minas Gerais, só por si não o
podiam fazer será arbitrariedade de Sua Alteza Real?
Mil graças às luzes dos nossos tempos! Já está aniquilado o atributo da
infalibilidade nas decisões dadas pelos Corpos Políticos da sociedade! Já a
pluralidade dos sufrágios não é a medida da verdade política! Já, se bem me

3
Não é aqui lugar de discutir sobre a bondade atual da nomeação semidireta.

638
lembra, no periódico Correio do Rio de Janeiro tenho lido análises refutadoras
das resoluções do Congresso Português, e das medidas tomadas em Conselho
dos nossos Procuradores Gerais. Oh demasiado amor próprio que não faz
honra ao seu redator! e contudo um só voto, (e tanto bastava) podia fazer
que o Congresso de Portugal se determinasse pelo modo direto das eleições!
A crítica feita sobre o §5, capítulo 2, é a mais fútil de todas as críticas do
colaborador; quem não sabe escrever manda fazer uma lista e assiná-la em
seu nome, e vão lá perguntar-lhe se ele a fez, ou se a mandou fazer; contudo,
o § citado diz, que elas (as listas) serão assinadas pelos votantes, e reconhe-
cida a identidade pelo Pároco. Ora se o Pároco não quiser reconhecê-la?
Irá o Cidadão? Este exige a assinatura de cruz; mas muito ocioso trabalho
por inútil nos parece a assinatura da cruz. E a lei, ou o costume imemorial,
respondeu o Tabelião? Talvez que para poupar o dispêndio ao pobre Cidadão,
que também deve votar, se redigisse este §, que venera, com a assinatura da
cruz, a imemorabilidade da lei, ou dos usos. Oh quanta sabedoria descubro
nos Membros do Conselho ao ler o § 5 do capítulo 2! Se alguém, que não
soubesse ler, se dirigisse ao Colaborador criticamente para fazer-lhe uma lista
de Eleitores... mas o votante não sabe ler, e podia o Criticante Colaborador
escrever um nome e ler outro... O conselho devia colaborar para que qualquer
pudesse, não só eleger-se a si, como a outros, que lhe parecesse? Ah! Se a
nomeação fosse direta, quem resistiria... Quando pelo disposto no § opõe-se a
esta fraude o bom conceito do Secretário, mas também de toda a Mesa. Enfim
não concebo como, para complemento da operação apontada, se pudesse levar
anos, ainda quando, guardadas as proporções, houvesse tanta gente, que não
soubesse escrever, como grande é o número daqueles (e eu aí me incluo desde
já) que escrevem mal, conquanto não se envergonham de dar-se a conhecer
ao público sem necessidade.
Quanto pudera o meu sentimento divergir do sentimento do exclamador
contra o § 2, capítulo 4, se eu dissera “Doze anos somente! Pois haverá algum
Português, que se desminta a ponto de promover os interesses do Brasil, quando
se encontrem com os de Portugal, sua pátria natal! Não é esta uma Assembleia
destinada a fixar as bases de aliança entre os dois Reinos, e não é certo, que
os interesses de ambos estão em razão inversa, sendo a separação o limite das
vantagens para este, e o das desvantagens para aquele!4 Doze anos somente! Em
tão curto espaço esquece-se a Pátria! Quem está pronto a sacrificar a própria
vida, ou já o tem feito, duvidará um só instante em sacrificar ainda, a seus

4
Pesando bem as sábias reflexões de muitos Escritores beneméritos do nosso país, pode-
-se concluir, que no Brasil só pode ser vantajosa uma aliança comercial com Portugal,
isto é, uma separação declarada sem guerra: Nós podemos conhecer verdades, que nos
desagradem; também sentir as vantagens, sem a desejarmos.

639
filhos, sua esposa seus bens, quando tudo isto devemos à mesma Pátria? Não
deviam os Portugueses ser excluídos da eleição passiva, já que não era possível
excetuar nomeadamente alguns, que se tem decidido abertamente a nosso
favor? Se, deixando exclamações, calcularmos as circunstâncias recíprocas do
Brasil e de Portugal, e recordarmos os fatos, que temos visto, sentiremos ser de
prudência, mais que necessária, não confiar o futuro destino de nossa Pátria em
mãos estranhas, ainda quando se conhecesse entre nós um Jeremias Bentham
Português; ele havia de mais bem querer a sua Pátria, porque a filosofia não
exclui, antes alimenta o patriotismo. Se o exclamador anti-Jeremias Bentham,
supondo mesmo que tem lido todas as constituições do Mundo, provasse a
identidade das nossas circunstâncias com as das outras Nações, quando apenas
exigiram sete anos para a naturalização, ou baseasse sua opinião da suficiência
deste prazo sobre fortes razões independentes do uso, e costume dos Povos, eu
lhe responderia; quando agora para refutá-la basta dizer, que as outras Nações
poderiam ter errado; embora exclame depois, oh demasiado amor próprio que
não faz honra a quem tal diz!
O § 5, Capítulo 5 é um dos que manifestam o profundo saber dos
Membros do Conselho; por ele se vê tomar em consideração a vontade geral
dos habitantes das partes componentes de cada Província, e mais talvez poderia
dizer em abono deste §, assim não fora arrojo tentar reflexões para descobrir
os motivos, que o fizeram redigir. Era melhor, que o colaborador não o tivesse
profanado, abocanhando-o; nele não há erro, como lhe pareceu, salvo se o é,
proceder nas eleições de um modo diferente ao praticado pelo povo Português.
Que diferença! Enquanto o colaborador marcha no mesmo terreno, sem
marcar o dia aprazado para as eleições, andam os Párocos a calcular o número
de fogos de suas freguesias, pois respondem pela exatidão (§ 6. capítulo 1.)? E
sem esta operação ultimada poder-se-ia fixar o dia para as eleições?
Mas enfim o descontentadiço colaborador contentou-se com o § 7 capí-
tulo 4, alegando-o em abono da boa fé e candura do Conselho. Alguém disto
duvidava? E conclui protestando desejar ver a Assembleia no exercício de
tão altos, quanto apetecidos fins = a Constituição Brasílico-Lusitana = nome
que competira àquela que se faz nas Cortes de Portugal, se o Brasil a tivesse
adotado.5 Que longo assunto vou dar às longas tediosas páginas do periódico
correio do Rio de Janeiro.
__________________________________________________
RIO DE JANEIRO. NA IMPRENSA NACIONAL. 1822.

5
Seria bom lembrar ao Periodiqueiro, redator do Correio do Rio de Janeiro, que os Por-
tugueses deviam chamar-se Galo-Portugueses, para não se perder a memória da raça
generatriz, se é certo, como alguns dizem, que uma Colônia Francesa povoara Portugal.

640
55

SEDATIVO CONTRA
A
MALAGUETA
OU
OBCERVASOENS SOBRE
ESTE PAPEL
POR
J. P. C. M.
PHILODEMO
Spectatum admisse risum teneatis?1
Horat. de Art. Poet.

_______________________________________________
RIO DE JANEIRO
Na Typographia de Santos e Souza
M. D. CCC. XXII.

Admitidos para vê-lo, conteríeis o riso?


1

641
OBSERVAÇÕES CRÍTICAS
SOBRE O PAPEL
INTITULADO
A
MALAGUETA

Em um tempo, meu Amigo, em o qual a liberdade de escrever, e a liberdade


2

de falar é em moda; em o qual pode tudo escrever-se livremente, com a única


subjeção à pena que a Lei comina, é evidentíssimo, que aquele que se oculta,
que se embuça, e que cobre a cara, para falar, ou para escrever; uma só de
duas coisas, ou ambas juntamente o obrigam; a ignorância, ou a maldade; ou
a ignorância, e a maldade ao mesmo tempo. O ignorante teme o sábio, receia
a sua crítica, o seu ludibrio; o malvado teme o mau, e teme o bom, receia o
seu ódio, e sua vingança. A vã curiosidade é simplesmente muitas vezes a que
leva o ignorante a impertinentes discursos, a disparates, nocivos com efeito
em todo o caso; mas o velhaco que se oculta, é mais temível, escapando por
mais tempo ao castigo ou escapando às vezes totalmente sobretudo se a isto
acresce a aleivosia, e com a capa de amigo, se procura o maior mal; como
acontece com estes solapados, e imundos partidistas que minam a Nação, e a
querem destruir, (tão grande empresa, para espíritos tão vis, tão miseráveis!) e
a querem destruir, enganando os povos, ou de viva voz, ou por escritos cheios
de espurcícias, grosseria e lacaiadas. Tanto é certo que a maldade infame é
parelha sempre da ignorância.
1.º Por vosso periódico, não periódico, meu Amigo, é somente que eu
tenho a medir-vos.
Entremetei-vos, meu amigo em coisas altas, e certamente as maiores, que
depois da salvação, devem ocupar os sábios, e os filósofos. Entremetei-vos em
matérias concernentes a Estados, e Constituições de Estados, que respeitam o
bem e o mal dos Povos ou sociedades civis; grandes assuntos que dependem
de vastos conhecimentos do Direito da Cidade tanto interno, como externo;
do Direito Natural; da Política (ciência scilicet, e não uma escola política);
da História social, antiga e moderna; da História Universal do Homem; cuja
felicidade é o único objeto das grandes sociedades ou Estados Políticos.
Entremetei-vos, digo em matérias tão ilustres, para instruir os Povos; e
simplesmente pensais ser uma estremesada, digna do título, com que distinguis
vosso papel, e que me envergonha repetir. Coordenar uma Cidade, meu amigo,

2
N.O.: O redator da Malagueta era Luís Augusto May.

642
é para vós, como arranjar em sua senzala os vis cacaréus de um negro vil!
Que Doutores para demagogos, para pais da Pátria, compromissários de nós
outros portugueses! Que espíritos fortes, que ralé que escória, que atrevimento!
2.º Erros espalhados entre os Povos; confundidos o sagrado e o profano;
vituperados os legítimos Poderes descido o imperante até o súdito; a fez da
plebe com a proa levantada, e isto impunemente, e facilmente; entes do bosque
a dar a Lei, e entre Portugueses, sérios, prestantes, homens; (quem o diria?)
é o que se vê infelizmente?
3º. Que vós porém sejais destes entes especiais até seres toscamente
esboçados, o afirma claramente vossa indigna papelada sanguinolentos partos
que maravilhosamente conspurcam o Venerando Nome Português, eu o farei
ver sucinta, e facilmente nas seguintes observações críticas.
4.º 1. Folha. Dizeis vós ingenuamente, que hão de extinguir-se todos os
tribunais, e simulacros criados por Sua Majestade em o Rio de Janeiro. Não
me explicareis, a mim e a outros que também ignoram; que nova espécie é esta
de extinção de simulacros, que haviam sido criados em o Rio de Janeiro? Mas
como falais por fama pública, talvez repetireis neste caso, o que ouviríeis do
Povo. Como também, porque vos enfadais, por ouvir dizer se abolirão certos
tribunais (se não quereis por aqui com insubjeção [sic], morder as Cortes);
sabendo todo o mundo, ser inteiramente outro o sistema judicial; e que isto
requer alterações e mudanças?
5.º Dizeis pela boca de Rousseau que o Governo deve estar em aquela
parte que é mais rica. Por consequência; deveria estar em Londres, que é
mais rica que o Rio de Janeiro; e se isto vos parece mui extensivo, deveria
estar no Porto, praça mui mais opulenta; que o Rio; e a fortiori em Lisboa.
Eis aqui porém como se fala quando se não raciocina totalmente. Mas enfim
o principio é falso; El Rei é Pai adotivo de seus Povos; o pai como pai lá se
acha sempre com efeito, onde a sua gente o necessita; e onde o Rei está, tudo
abunda, o lugar porém onde o Rei se necessita é o meio de seus filhos, o centro
de território ao contrário não é pai, e ofende a santa Justiça. Ora Rousseau
não soube resolver sua questão, tão trivial que faríeis vós, um homem leigo;
como mostra o vosso palavrório, (inanis verborum sonitus3).
6.º Falais do Príncipe Regente com desenfreada impolítica, e em tom de
pedagogo; e com supercílio das Cortes. Figura-se a mim, ao ouvir-vos, um
petimetre assentado in cathedra pestilentiae,4 o dentis clapia5 entre os dentes,

Som de palavras vazias.


3

Na cadeira da pestilência. N.T.: Salmo 1.


4

Palito.
5

643
ditando a ordem do Mundo. E assim é que quatro Libertinas bem contáveis,
almas de asno, ou tolos burros, cabeças ocas, querem reduzir à selva os
Portugueses, Nação grave; desacatando os legítimos Poderes, e tornando a
ridículo o mais sagrado entre os Povos, a obediência às Leis! Que tola tenta-
tiva, que pueril empresa! E será pela modéstia meu politicão, que sois levado
em tal caso a cobrir o vulto?
7.º Porque um Príncipe, dizeis vós, há nascido em o Brasil, deve morrer
em o Brasil. Logo se nascesse em Paris um Príncipe Lusitano, deveria morrer
sem dúvida em Paris se em Guimarães, ou Lisboa; em Guimarães ou Lisboa.
Deve logo o Príncipe Regente transportar-se quão antes, a Lisboa, onde
nasceu, que o não surpreenda a morte em o Brasil. Eis aqui como palra o
ignorante, e o que é a palradura sem ideias. O Príncipe Regente não é glebæ
adscriptus6 (isto para vós é Japonês) esteja ele em o Brasil esteja embora em
Portugal, ou navegue em o Atlântico, que continua o seu estado, conforme
o demandarem as circunstâncias, não haverá que reclamar, achando-se em
o território governado; e sendo inatendível para isto o lugar do nascimento.
8.º Força moral. É uma força universal, cuja descoberta é nova, e devida
ao filosofismo deste homem. Por vez há força moral do exército, força moral
do ímã; das genitais, e de tudo mais que a sabeis, bem como uma Madama
que tal meiguice encontrara em a palavra finalmente, que comia finalmente,
dormia finalmente, e tudo enfim fazia finalmente.
9.º 2. Folha. Nesga. A expressão nesga da Europa, dizeis vós, é político-
-geográfica. É um termo técnico, e privativo da Política-geografia; e a Política-
-geográfica é o mesmo que a arte sartória. Mas a proposição tem pilhas, e deve
oferecer-se inteira ao censor judicioso. Ei-la! Expressão nesga da Europa é
político-geográfica toda e qualquer outra extensão de sentido é absolutamente
inadmissível. Toda, e qualquer de suas partes entretém, bem à vontade, uma
rodinha de sábios; e o repeti-la vale mais do que o analisá-la. Mas em geral
o contexto do papel, sem excetuar palavra, é uma insigne algaravia; que
precisamente corresponde ao Francês jargon.
10.º Momento das eleições em que o Povo é verdadeiramente soberano;
dizeis vós. Entre cujas mãos se acha já a Soberania, tão sórdida, tão Plebeias,
tão mecânicas? Lembra-me um cozinheiro, que ouvi um dia, dissertando sobre
a diferença entre forças mortas e forças vivas, questão que tem atormentado
os espíritos em Dinâmica, mas hoje puramente curiosa; está-se-me porém
representando, que pensais ser a Soberania alguma meretriz que podeis facil-
mente frequentar, imaginar, e definir ou delinear. Que charlatanismo o tocar

6
Preso à terra (como os servos da gleba).

644
mistérios, reservados a homens de saber profundo; e que tolice o persuadir-se,
que a gente grave o sofreria, e não mandaria logo à tábua.
11.º Tem-me feito admiração e a todo o mundo, o quanto mudastes
de tom na vossa a folha; e como principiastes a solapar-vos. O Soberano
Congresso, o Príncipe Regente, e o Governo, tudo era nada a par de vós; e com
efeito que é isto para chusma, de que fazeis uma parte digníssima? Depois lá
vos entrou um terror pânico, e não sei por que, começaste, a tratar as Cortes,
aquele punhado de homens, tão distantes, com acatamento, e homenagem;
mas o Príncipe é e será sempre para vós sua coisinha insignificante; e pensais
e pensa a vossa chusma o podê-lo iludir e fazer que sirva aos vossos cabanei-
ros fins profanamente? Esta chusma é amassada de pobretões, nascidos em o
esterquilínio, do outro mundo a maior parte; de ladrões, matadores, homens
de fortuna mal segura, e alguns aventureiros; que havendo falado eles sós
aos Povos de viva voz, e por escritos, tais como este vosso, bem semelhante
a sua carta de um arrogante alfaiate, pedindo à pessoa de alta Hierarquia,
o preço dos vestidos, que lhe havia consumido; havendo falado, digo, aos
Povos rudes, os tem levado ao engano, e feito abraçar a linguagem Libertina;
fazendo por esta arte aparecer, numerosa a chusma imunda, e grande a soma
dos bandalhos ou bandarras, com adição dos inocentes, e Portugueses Povos;
e aparecer uma voz pública, que os charlatões, ou pedantíssimos chamam
ruidosamente: opinião pública, público espírito!
12.º Desaforam-se entre Portugueses uma alcofa de entes, sombra do
homem, encoraram com arrogância o Cidadão; falam do Príncipe Regente
como sendo um quidam homo;7 lisonjeiam-se de construí-lo ponte, para
salvar um estreito que eles imaginam; sendo isto um mar, em que soçobraram
por pura necessidade; negras formigas figurando-se levar a maior parte da
Nação, à borda do precipício, e entorná-la. Vós sois um dos mais pançudos
corifeus da sobredita cáfila, um insigne estadista, uma monstruosidade em
Diplomática, e alguns outros em o chamado Civitatis Jus; e assentados em a
tal cathedra pestilentiae, (Este Latim não se equivoca com o vosso barbarismo)
dogmatizais ao vosso gado, nada mais vendo, em o complexo de uma Cidade;
fatal cegueira, que vos rouba à vista os homens sábios, estas Divindades, que
maravilhosamente esmaltam o corpo político, e dos quais um só fará ver aos
Povos a vã quimera dos vossos sonhos; e que as sábias Cortes só entraram
como nesga, em vossas papeladas infantis, por lhe dar uma maior amplitude,
e acreditar a vileza dos autores.

7
Um homem qualquer.

645
13.º 3. etc. folhas. Por todas as que tenho visto se encontra sem cessar o
mesmo ram ram, os mesmos estribilhos, os mesmíssimos adubos, Rousseau,
De Pradt, adubos ou impertinentemente arrastados, ou textificados para
prova da vossa meninice anosa; por toda a parte a mesma algaravia não
inteligível, linguagem de boçal produto da vossa reverendíssima ignorância,
e garrulidade singular: o que manifestamente se deixa ver por uma reflexão,
comparando a vossa babilhagem, com os extratos que fazeis de pensamento
alheios; que bem que conspurcados pelo vosso misto, lá se deixa penetrar de
alguma sorte, quer pela tralha quer pela malha. Nada mais se encontra, além
de algumas descobertas, tais como sistematicamente inteireza, etc. etc. sendo
natural que torneis sempre à vaca-fria (eadem cantilena)8 e que não produza
a causa mais que efeitos novos monstruosos, quer dizer sandices.
14.º Pensais vós, se é que pensais, estar em o país dos burros; que a
burrada cobre o terráqueo globo, e que vós sois o Rei da grã manada; e de
jure competir-vos o dirigir-lhe os passos com os vossos zurros? Com que
admirável fidúcia levantais a voz no meio desta Cidade, e quereis dar o
tom a tudo, animado e inanimado? Plebeu, Patrício, Ignorante, sábio, tudo
deve obedecer-vos, e entrar em a tal burrada. Formalizai-vos, e em ar severo
dais severas normas ao Ministério; dais ao Príncipe Regente o quadro de
conduta para o seu benesse, e para traquear, como dizeis, os Povos; notais
suas fraquezas, e arrojai-vos a sugerir-lhe máximas maquiavélicas (palavra
nova para vós) para o suplantar; o anjo das trevas dirige a voz às Cortes, que
considera indivíduos como ele, e quer sujeitar, anjos de luz aos seus ditames;
um verme da terra, vil, encrespa a cabeça, contra o poder sumo abençoado!
Quer que estudem curvadas sua papelada, quer que obrem conforme a ela!
Não podia suscitar o Inferno uma mais eficaz praga para inutilizar as Cortes, e
aniquilá-las; fazê-las depender ao todo de um tal oráculo sempre impenetrável,
ininteligível sempre! Todo o Cidadão tem a liberdade de falar publicamente
o que convém ao Cidadão; nenhum Cidadão tem a liberdade de desacatar
ou desonrar as Autoridades; muito menos vós que o não sois; e que Cidade
edificada de Cidadãos tais! Sois um elemento sem afinidade para entrar na
estrutura do Corpo Político, e que só serviria para perturbar.
15.º Que periodiqueiro! E para instruir os Povos! O perfeito demagogo,
aquele dentre os Cidadãos, que toma a seu cargo o iluminar os Povos, deve ter
o globo inteiro debaixo dos olhos, conhecer as relações todas entre as Nações;
e os resultados certos e indubitáveis das suas maduras combinações, isto é o
que ele deve patentear aos Povos unicamente; as coisas duvidosas, que não

8
A mesma cantilena.

646
têm por fim imediatamente os interesses dos mesmos Povos, devem deixar-se
em todo no silêncio; e portanto que horrendo crime o meter os Povos em um
labirinto, donde não podem desembaraçar-se com profecias, com embustes
e mentiras, com charlatanarias prestígios; como tudo aquilo que deve sair
necessariamente de sua boca tão enxovalhada e asinina, como a vossa para
os levar enfim à última ruína.
16.º Agora finalmente é que advirto, mas a desoras, que o meu desemba-
raço honrado de falar abertamente contra aquilo, a que mais modestamente
alguns chamam Libertinos, labora em um suposto falso. Libertinos acabaram,
transformaram-se em Corcundas; transformação primeira; a segunda porém,
e que há de reduzi-los ao perfeito estado, pende ainda do oráculo sacratís-
simo. Eu me comprazo neste erro, não havendo ofendido assim ente algum
da Natureza. Não poderá portanto o quer que for formar com razão queixas
contra mim sobre pena de ser injusto e de chamar-se torpe, e ridiculamente
Libertino. Quando a vós satis superque9 hei dito; tenho outros com quem devo
de justiça entreter-me; e o demorar em coisas tais, não é menos que honrá-las.

F I M.

9
Mais que suficiente.

647
56

VERDADES
SEM
REBUÇO

Rio de Janeiro Typographia de Santos e Souza


ANNO DE M.D.CCC.XXII

648
AS
VERDADES SEM REBUÇO

Ainda a Real Casa de Bragança se acha na gloriosa posse de produzir


Príncipes dotados de grandes virtudes, e mui próprios para felicitar Povos, e
engrandecer súditos. Já o nosso Augusto Regente, dotado de entendimento
são em corpo gentil e robusto, ostenta nos seus poucos anos qualidades
dignas dos seus mais respeitáveis Progenitores, e é geralmente reconhecido
por um Herói criador de respeitosa Veneração, capaz de grandes empresas, e
necessário à gloriosa obra da liberdade, e prosperidade da terra que habita-
mos; da terra que não tem par no Globo conhecido, que não precisa de favor
alheio, inimiga de estranha dominação; e que por si mesma governar-se deve.
E como poderia o Brasil sofrer de bom ânimo, que o homem necessário
lhe fosse usurpado! Perdido o Augusto Pai, também deveríamos perder o
Filho, o novo César, único refúgio das nossas bem fundadas esperanças! Tais
eram porém os desejos imoderados das Cortes de Portugal; e tanto se achava
por elas decretado, ousando julgar definitivamente a lide para nós da maior
importância do Século 19, preteridas todas as regras da justiça, e sem que se
dignassem ouvir, posto que formulariamente a parte mais preponderante da
Nação, existente neste País, que muito receiam perder, e não sabem conservar.
Não contentes as Cortes parciais, e incompletas com a Orfandade do
Brasil, adiantaram muito além as suas ideias, decretando que Sua Alteza
Real logo que chegasse à antiga Corte de Lisboa, deixada a Esposa Augusta,
e abandonados os tenros Filhos, penhor sagrado da nossa perpétua pros-
peridade, passasse a viajar incógnito pelo círculo designado de Espanha,
França, e Inglaterra, por tempos ilimitados, e só pendentes da vontade dos
Sábios mandantes. Em que parte do mundo, debaixo de que Zona, ou em
que governo o mais absoluto se proclamou até agora uma Lei tão contrária
às regalias de um Príncipe?
Não agrada aos nossos Legisladores que Sua Alteza Real exista no Brasil,
para que este País não cresça com passos mais agigantados, e não resida em
Portugal, para não encontrarem naquele legítimo e temível Contraditor das
suas não bem fundadas ideias. Que triste quadro se não apresenta em tais

649
circunstâncias à consideração do homem político, que tem aprendido de
longa mão a interpretar alheias ideias, ainda que de todo não exprimidas!
Para os Deputados das Cortes de Portugal obterem o fim que se haviam
proposto, não deveriam descobrir-se tanto, fazendo alarde da força, que pelo
comum perde os melhores planos. Talvez não perderiam eles a sua obra, se
continuando, como no princípio a oferecer-nos a doce fraternidade, com que
tanto nos iludiram, nos não acordassem do sono que dormíamos em boa fé
abraçados com a feia nuvem, como se fora a formosa Juno. Pode ser que Sua
Alteza Real convidado por palavras brandas e respeitosas regressasse apesar
da nossa oposição, para a terra que o vira nascer, e que por semelhantes
maneiras se sujeitasse a viagens, que provavelmente terminariam com a
morte de seu Augusto Pai; e entretanto ficaria por conta da guerra dos trigos
dos azeites, e dos porcos de Espanha a desolação do pobre Portugal, que
como pequena nesga da grande Península na expressão de em Deputado,
formaria uma parte integrante daquele país agora livre e ilustrado, perdida
a sua representação Nacional, honra e decoro, no que assim mesmo divisa
aquele sábio bens do maior valor. Até quando os homens encarregados do
governo das Nações quererão conduzir-se por paixões cegas, e pelo espírito
de partido, negando, os devidos cultos à razão, e à justiça!
O Brasil, segundo a decisão dos Deputados de Portugal, não precisa
da residência de Sua Alteza Real, porque já tem governo paternal para cada
uma de suas Províncias. E na verdade não necessita, dizem, do poder legis-
lativo; porque a sua carinhosa Mãe Pátria se encarrega do dever sagrado, e
importantíssimo trabalho de lhe impor preceitos, bem que entre os mesmos
Deputados uns não conheçam a nossa terra, senão pelos mapas, fortuna que
cabe a bem poucos, outros acusem a temeridade de pretender a honra de
forma uma Parte do Reino Unido, não sendo senão misérrima Colônia do
Novo Mundo, e ousem por fim outros afirmar, que entre os habitantes do
Brasil o mais erudito ignora que coisa seja Constituição.
De que aproveitaria pois a junta oposição dos nossos Deputados contra
tão temerária, e a mais injusta decisão? Pretendendo instruir os seus Colegas
nos princípios que tornam a mesma Lei útil em um país, e prejudicial em
outro, ouviriam a Categórica resposta, já outras vezes dada, que depois de
entrarem no Soberano Congresso não eram mais Deputados do Brasil, porém
da Nação inteira. Que sempre esta terra fora governada pela ord[enação]
Filipina, pelo Regimento da Fazenda, e outras Leis posteriores, que era força
vigorassem para o futuro, auxiliadas por novas providências ditadas pela
maioria dos votos. São pois inúteis nas Cortes, a que não cabe o nome de

650
gerais, os nossos Deputados, e tão inúteis, que para se decidir sobre a forma
da nossa futura administração, nem ao menos se esperou que se congregas-
sem os muitos, que respeitavam, e deviam representar as suas respectivas
Províncias: parece que neste negócio se consumiu menos tempo, do que na
decisão importantíssima sobre o Laço Nacional, honra que se não devia
estender até a misérrima Colônia do Novo Mundo, e a quem de fato não é
Cidadão. Voltem pois para suas casas os nossos inúteis Deputados, porque
oprimidos pela força, não podem preencher seus deveres, nem representar
dignamente seus Constituintes.
Ignoram porventura as Cortes, que a Soberania de uma Nação se divi-
dirá em duas, dissolvido o antigo pacto social, quando uma parte intenta
escravizar a outra, e esta, não oferece humildes pulsos a pesadas algemas.
Negue-se embora pelos representantes de dois milhões e meio de habitantes
em Portugal o direito que compete a quatro milhões de pessoas livres1 no
Brasil de firmarem o seu governo em Convenções e Leis que elas mesmas
fizerem: esqueçam, e não se recordem do que os antigos fizeram a respeito
das suas Colônias, olhando para elas, como para outros países aliados com
próprias e privativas instituições, e que por semelhantes medidas felicitou
a política Inglesa as suas Colônias com o livre exercício da Soberania.
Lembrem-se somente que o Sábio Portugal se conduziu sempre por um
sistema particular, e estranho de todos os princípios Liberais, que aos seus
Soberanos qualificou com Título de Rei na Europa inventando o de Senhor
para o Brasil, e que enfim a escravidão designada por este último título não
deve acabar ainda que a razão, a justiça, as luzes do Século a necessidade
enfim, e a utilidade do Mundo inteiro persuadam o contrário; nós porém que
somos mais fortes, não fraudaremos jamais os direitos da solene emancipação
que a Autoridade de um Legítimo Soberano nos Liberalizou sem restrição
alguma, que deveríamos ter há muito reclamado, e dos quais nos pretende
esbulhar o interesse mal entendido da Mãe Pátria, conduzida em todos os
tempos pela avareza, e implacável ódio noverçal [sic].
Se conservar para sempre o governo Colonial, que para o nosso País era
singular, tirânico, e três vezes mais bárbaro, do que o feudal nos tempos da
sua maior degeneração, é absurdo insuportável, como contendo a doutrina
da escravidão contrária à natureza, esta mãe terna, e carinhosa, que a todos
os indivíduos da espécie humana concede liberal emancipação, logo que por
própria indústria podem viver livres da tutela de seus Pais, ainda que mui
suave seja, que deverá dizer-se da temeridade das Cortes, quando intentam

651
Colonizar um povo Livre, com manifesta usurpação dos direitos que lhe
competem de fazer Leis para o seu governo e prosperidade?
Sabem as Cortes muito bem, que o poder Executivo é a guarda vigi-
lante das Leis, e Quem faz pôr em movimento as máquinas do Estado para
se obter o fim da Sociedade. Mal do Poder Executivo se tem de lutar com
Leis imperfeitas, e contrárias à felicidade dos Povos; ou da maior parte da
Comunidade! E como poderá ele na distância de duas mil léguas, através da
inconstância dos mares, e dos perigos inseparáveis da navegação preencher
dignamente os seus honrosos deveres? Sempre fará curas erradas, ou pelo
menos imperfeitas, o médico que não assistir pessoalmente ao seu enfermo,
e só curar por informações; mas enfim para a misérrima Colônia do Novo
Mundo são bastantes o despotismo, e a ignorância na opinião dos nossos
Legisladores; e muito principalmente quando na sua incalculável sabedoria
tem já organizado a administração, que convém ao Brasil?
E na verdade que mais precisamos para a nossa futura, e tantas vezes
prometida prosperidade? Um Déspota Governador em cada uma das nossas
Províncias, tendo a sua disposição a força armada, sem responsabilidade
neste País, não é bastante para conservar-nos no estado em que vivíamos
até o ano de 1807? Acabou então, dizem os Satélites das Cortes, a riqueza
do Brasil; e com a entrada da Corte, com a liberdade do comércio, e com
os novos e mais Liberais estabelecimentos dimanados da vontade de um
Soberano.... a pobreza os outros males que procedem de tão triste origem
se apoderaram da vossa agora desgraçada terra. Por que vos queixais pois
do antigo governo, e do novamente projetado e àquele mui semelhante? É
este sem dúvida o governo que vos convém no estado da infância em que vos
achais. Sem ele, observai bem, (continuam as penas compradas, insultadoras
da razão, e da imprensa, abusando da liberdade) vos tereis entregue ao ócio
improdutor, e não existirão no vosso País tantas Cidades, Vilas, Arraiais, e
outras Povoações! menores, e tão numerosos estabelecimentos lucrativos de
diversos gêneros, quantos não é fácil numerar.
Deus Imortal, vós já há muito nos dotastes da idade viril, e própria da
emancipação; e cruéis tutores, para devorarem toda a nossa substância, nos
insultam com o nome de impúberes!! E é com efeito merecedor de injúria
tão atroz! É na verdade impúbere um povo criado entre as árduas empresas,
e sempre em duro trabalho! Aquele que destituído de todos os socorros da
sua denominada Mãe Pátria, antes sempre vexado e oprimido, descobriu o
imenso País que habitamos, que o defendeu de Estrangeiros insultos, e de
ambiciosas conquistas, derrotando poderosos, e bem aguerridos exércitos,

652
que por todas as partes nos comprometeram por motivos estranhos do Brasil,
e que procederam principalmente das intrigas da Europa.
Manes respeitáveis dos Vencedores dos Espanhóis, dos Franceses, e
dos Holandeses aparecei, e com voz alta e sonora dizei aos Legisladores de
Portugal, ou antes os opressores da nossa Pátria: Que foi bem na fraqueza
da infância que reconquistastes os nossos Limites do Uruguai, e Paraguai,
este Rio de Janeiro, os Campos dos Goitacazes, a Bahia, Pernambuco, e
Maranhão. Que passados quase dois séculos, têm crescido a um ponto
admirável a força física, e moral dos vossos descendentes e sucessores, a sua
indústria, com todas as mais partes que formam uma Nação Sábia, vigorosa,
rica, e sobretudo não sofredora de alheia dominação, e dos despotismos, com
que a querem fazer retrogradar da brilhante carreira, que é do nosso brio levar
ao fim. Intimai-lhes finalmente: Que aos déspotas destinados à torpíssima
obra da nossa escravidão espera pior e mais triste sorte, do que a sofrida
por um.... e por todos os pretendidos Governantes do Príncipe, presumidos
domadores desta Capital, já desprezados e só dignos de Compaixão.
Muito mais havia que dizer: porém os imortais guerreiros se retiraram
aos seus honrosos túmulos clamando; oh! Povos do Brasil! Fique para sempre
nesta incomparável terra o Príncipe que adorais: Levantai-lhe um Trono
magnífico, em que à sombra da Constituição Portuguesa revista, e acomodada
às vossas circunstâncias, desfrute dias serenos com a digna Esposa, e a Prole
dos Céus abençoada. Dizei-lhe, mas isto não é necessário, que respeite o Pai
Augusto, e ofertai então à Mãe Pátria, a quem não deveis imputar os erros
de filhos desvairados, doces alianças, igualdade de direitos, perpétua união.
Tais são na verdade os votos do Brasil; mas as Cortes não satisfeitas
de enviar-nos o já envenenado presente de déspotas opressores, mandam
levantar nas nossas Províncias Juntas Administrativas com a faculdade
de Suspender Magistrados, e de vigiar todos os negócios públicos e de
polícia, regulando as suas ações pelas Leis do Reino, inibidas porém da
Superintendência, e direção da força armada, destituídas ao mesmo tempo
do direito de fiscalizar a arrecadação da fazenda Nacional, ou da Província;
restando-lhes portanto a regalia de aconselhar somente, e impossibilitadas
de promoverem a fortuna pública e particular não tendo Cabedais para
isso destinados ainda que se possam tornar mais odiosas de dia em dia,
esmagando os povos com imposições novas sem embargo de não poderem
já suportar as antigas. Eis aqui pois a sorte que nos esperava: Sujeição ao
despotismo Militar, obediência às Juntas Comerciais Capazes de todo o mal,
sem poderem fazer bem algum; inutilidade de recorrer, além dos mares, da

653
dureza fiscal das Juntas da Fazenda, ou para me explicar mais francamente
das feitorias do Erário Nacional de Lisboa, que pagando, como por favor,
pobres ordenados, Côngruas, e Pensões mais pobres ainda, fariam consistir
a essência dos seus deveres no aumento progressivo das rendas públicas,
exigidas com rigor tirânico para merecerem entre os Financeiros da Capital
do Império a mais decidida proteção, a perpetuidade nos ofícios, e o método
certíssimo de emdagarem [sic] grande fortuna.
Ainda isto não bastava: privados dos poderes Legislativos, e Executivo,
e sujeitos a um governo todo novo, e de cunho original, também não devia
existir entre nós o exercício do poder judiciário; mas as Cortes na sua incal-
culável sabedoria fizeram comum este poder a ambos os Hemisférios. Podem
os nossos Juízes decidir definitivamente; e sem recurso todas as Causas, cujo
valor couber em suas respectivas alçadas: das outras haverá apelação, ou
agravo ordinário para as Relações Provinciais à vontade das partes: todas
aquelas porém que excederem sobre bens móveis ou de raiz a dois contos
de réis ficam sujeitas às revistas da Casa da Suplicação de Lisboa. É fácil de
conceber que todos os litígios de alguma, ou bem pequena consideração terão
passagem franca para a Capital do Império. Belo! Que este é um dos meios
mais próprios de passar muito dinheiro para Lisboa, e de se fomentar aqui, e
por toda a extensão de Brasil o espírito da intriga forense; de se perpetuarem
os protestos, de se sevarem os ódios, e inimizades entre vizinhos e parentes;
e de se tornar em última análise vacilante o domínio com perda irreparável
da agricultura e indústria.
Pergunto agora: E haverá um governo tão disparatado, tão desligado nas
suas partes, e tão contrário aos fins da sociedade civil? Uma administração
composta de partes heterogêneas, e incombináveis poderá jamais produzir a
boa ordem entre os povos, e promover a sua prosperidade ou antes em guerra
aberta, desligaria todos os laços sociais? Tanto é porém, eu me horrorizo
de dizê-lo, o que desejavam as Cortes. Desligar as nossas Províncias umas
das outras, torná-las indiferentes, rivais, e inimigas reciprocamente, como
se foram outras tantas Nações arrastadas por ódios antigos, e prejuízos de
velha herança, e enfraquecem todos ao mesmo tempo no seu próprio seio; não
seria o meio mais bem calculado para sermos governados arbitrariamente, e
para se restabelecerem depressa todos os pretendidos direitos Coloniais na
nossa Pátria? Tal é a política do fraco, tal a das Cortes. Dividir para vencer.
Os princípios mais subversivos da Ordem Social: Assim quero, assim
mando, assim é a minha Soberana vontade, que deveriam riscar-se de todos
os atos de Legislação, são o ídolo das Cortes, a liberdade que elas proclamam,

654
pertence privativamente a Portugal; nas terras Ultramarinas por congênita se
deve ter a escravidão. Querem que o nosso trabalho seja destinado para alheia
fortuna, e que por toda indústria nos sejam permitidos os grosseiros tecidos
de algodão para sacos, como já pôs por Lei um tigre com feições de homem,
ignorante presumido, abusando, para tão enorme delito, da confiança que
nele punha uma excelente Soberana, a quem muito mal servia.
Tantas e tão atrozes injúrias porém, tantos erros de política, e de admi-
nistração pública, e tudo firmado na força, e na avarenta arrecadação de
injustas contribuições, tendentes à ruína de um País, para engrandecimento
do outro, e no torpíssimo e detestável monopólio de que proveito seriam a
Portugal?
Foi aquele pequeno Reino, ilustre pelas suas empresas, Senhor da Índia,
levou o seu comércio lucroso e brilhante até a China, e o Japão, sem prescindir
ao mesmo tempo do Mar roxo, da Pérsia, Ceilão e Malaca. Dominou uma, e
outra Costa da África, descobriu o Brasil. Concentrou em Lisboa as riquezas
incalculáveis, que de todas as quatro partes do Mundo afluíram à porfia para
ser ela o assento do Comércio Universal, e a inveja das Nações. Atacou a
nascente indústria do Brasil, apenas libertado das armas Holandesas, com
monopólios, e Companhias exclusivas, e a mais injusta proibição de tudo
quanto era necessário a nossa civilidade, instrução, e aumento. Criou por fim
as Célebres Companhias de Pernambuco, e Paraíba, do Pará, e Maranhão
cujos fundos ainda se não liquidaram.
De que aproveitaram pois a uma pequena Nação circunscrita em País,
cuja superfície se estende apenas a 3.555 Léguas quadradas, tantas e tão
incalculáveis riquezas? A agricultura, que felicita os povos, e é a mãe da abun-
dância, retrogradou a passos largos, as manufaturas não ousaram aparecer
com lustre em tempo algum; e o Comércio só teve força de transmitir para
as Nações Estrangeiras a riqueza Nacional.
Se a dominação Espanhola, ou a escravidão Portuguesa agravou todos
estes males, e ocasionou a enormíssima perda das possessões Asiáticas de
Portugal, para o que cooperaram com força incrível os vícios, e as desordens
dos degenerados Portugueses, que habitavam a Ásia, e se tornaram tão abor-
recidos por toda a extensão daquele País, quanto tinham sido ou amados
ou somente respeitados; uma nova época de prosperidade se apresentou
ao Estado com o descobrimento das Minas; porque desde então até o fatal
terremoto de Lisboa de 1755 passaram para Portugal 1:500$ Milhões de
Cruzados em Ouro, além de muitas vezes outro tanto em efeitos Coloniais
por toda parte procurados e de pronta venda.

655
Poucos anos depois daquela triste Catástrofe quebrado finalmente o
grilhão das frotas, o Comércio do Brasil dobrou muitas vezes crescendo a
passos largos a exportação dos gêneros Coloniais. E contudo não melhorou
a sorte de Portugal, nem lhe serviu de grande proveito o Comércio da Índia
e China monopolizado pelos prepotentes mercadores da insociável Lisboa
nem o exclusivo dos tabacos, Pau-Brasil, Urzela, Sal, azeite de peixe, com
todas as gravosas imposições de Dízimos, e muitas outras de diversas deno-
minações aqui arrecadadas, e enviadas à Capital do Reino. Como querem
agora felicitar-se pela mesma infernal política, não tendo os mesmos meios?
Os monopólios e os exclusivos já não podem achar hospitalidade nesta terra:
procurem outros Climas.
Quando uma Nação não tem providência, não economiza as suas
Riquezas, não olha para o Comércio exterior, e para os rendimentos que
lhe vão de fora sem troco de Capitais, como são quase todos resultantes das
Colônias; e não dá enfim a superabundância dos seus rendimentos anuais a
necessária direção em favor da agricultura, das manufaturas, e do Comércio
interior auxiliando estes três ramos de prosperidade com boas estradas, canais
navegáveis, e outras muitas e necessárias providências, como tem sido o
sistema absurdo, e invariável do governo de Portugal, não é de admirar, que
faltando os proventos do Comércio de monopólio, e achando-se a mesma
Nação privada dos direitos Reais que exigia das suas fazendas Ultramarinas,
sempre mal administradas, lamente ao mesmo tempo duas causas, bem dignas
de Comiseração: a saber, pobreza e roubos públicos, e particulares, do que
na época presente fazem a mais triste pintura os Periódicos Portugueses.
Na verdade é muito para admirar, que Portugal por toda a sua indús-
tria agrária ostenta poucos vinhos manufaturados grosseiramente, e quase
sem arte, algum sal, e fruta não suficiente para o pedido no Comércio de
exportação. Montes áridos, charnecas incultas, e areais, sem muito trabalho
inabitáveis, é quanto em geral nele se oferece aos olhos do curioso Viajante de
dia sujeito ao perigo das estradas, às manhas das bestas, a não interrompida,
e insolente crápula dos arrieiros, e de atrevidos Ladrões, à noite a insofrível
imundície das estalagens e inevitável lesão dos cruéis estalajadeiros.
Não procede isto por certo da esterilidade do terreno e da incapacidade
que se lhe atribui para sustentar os seus habitantes como há muito inten-
taram persuadir os Ingleses talvez para estenderem mais o seu Comércio
com perda absoluta da Nação Portuguesa. A causa verdadeira da desgraça
que lamentamos, procede unicamente do mau governo. Tudo em Portugal
era Lisboa: esta soberba Cidade não estendia as suas vistas além da barca

656
de Sacavém. Concentrou nos seus muros todo o Comércio das Possessões
Ultramarinas, associando em parte a Cidade do Porto não sem restrições;
sofreram as Províncias a mesma Sorte dos Países Ultramarinos proibindo-se
em todas as Alfândegas do Norte a entrada das fazendas de Selo. E como
o Comércio da Capital não passava de simples interposto em quase toda a
sua extensão, não tinham as Províncias os meios necessários para fugirem da
miséria que as oprimia, e muito menos para as grandes despesas que exigia
a sua desgraçada agricultura.
Mas para que nos Lembrarmos das Províncias um pouco afastadas
da Corte! Não é verdade que as terras a ela imediatas, situadas em uma e
outra margem do Tejo são inabitáveis, e que devendo produzir copiosos
frutos, oferecem aos seus desgraçados habitantes prematura morte, porque a
indústria não ensinou melhor caminho ao dito Rio, e a arte não acautelou os
males procedentes da sua irregular carreira? Ao monopólio pois de Lisboa,
e ao seu governo, e não a esterilidade do terreno se devem imputar todos os
desastres que sofre Portugal.
Mas enfim, se as causas da Pobreza de Portugal consistem precisamente
na esterilidade do seu terreno e se agricultura não pode nele prosperar sujeito
à sorte geral da Europa, aonde a miséria se terá como naturalizado depois
de alguns anos, vivendo aquela parte do Mundo debaixo de um Céu irado,
que trocando sucessivamente os seus flagelos, faz suceder a pálida fome à
guerra, e redobra pela fome os estragos do ferro.2 Venham os Portugueses
para os braços dos seus Irmãos, e venham com eles todos os Habitantes da
Europa, que quiserem desfrutar as delícias destes Climas no meio da paz, e
da abundância estes bens, de que as Cortes nos pretendem privar, são inau-
feríveis desta terra tão saudável, como fértil, e na sua prodigiosa extensão
maior do que a da Europa, mais de duzentas mil Léguas quadradas todos
acharemos larga, e Cômoda habitação. Venham que a hospitalidade é virtude
inseparável dos Brasileiros.
E que diremos das fábricas Portuguesas! Os seus principais Lanifícios
da Covilhã, e Porto Alegre ora regidos pela administração pública, ora pela
particular, não têm prosperado de uma maneira Conveniente, deliberando por
isso as Cortes a venda de uma, e outra fábrica a pessoas, que provavelmente
destituídas dos fundos necessários para a compra de materiais em abundância
empates das fazendas manufaturadas, e seu giro a crédito, lhes ocasionem
a mais completa inanição ainda quando possam entrar as mesmas fazendas
em concorrência com as Estrangeiras em qualidade e preço consistindo na

657
reunião de todas estas circunstâncias o adiantamento, perfeição, e lucro das
fábricas, que não podem jamais prosperar sem muitos Capitais e empates.
Do Comércio interior nem a mais ligeira ideia se pode formar; porque
faltando os meios de se passarem de umas para outras Províncias e Comarcas
os poucos frutos da acanhada agricultura, ficam estes nos lugares da sua
produção, podendo apenas compensar as despesas do cultivo. Eis aqui as
causas verdadeiras por que a povoação diminui sensivelmente, e por que
tendo-se destruído muitas povoações antigas do Reino, não se encontra nele
alguma notável edificada no largo espaço de quase 700 anos de existência
da Monarquia, entretanto que o Brasil ostenta diariamente prodígios a este
respeito. É sem dúvida por falta de meios ou antes por inércia, e culpa do
governo que a indústria Portuguesa não pode exercitar-se no seu País natal;
porque também desconheço a incapacidade tão apregoada pelos Ingleses
para o estabelecimento das Fábricas em Portugal.
A reedificação de Lisboa é a única exceção que se oferece nesta maté-
ria; ela porém não se teria efetuado e não chegaria a tanta magnificência se
não houvera achado meios superabundantes no monopólio mercantil deste
Reino, nos repetidos e importunos pedidos, e exigidos à força derramados
por todas as nossas Províncias, e em algumas ainda existentes, posto que
se apregoassem como temporários e de mera liberalidade, enfim que fizera
a praça daquela Capital dos quatro por cento de Consulado sobre todas as
mercadorias entradas em Portugal: o que vexa a esta mais do que a qualquer
outra parte integrante do Estado: porque paga das fazendas destinadas ao
Consumo particular da terra, e entradas por isso nas Alfândegas daquele
Reino se paga de todos os gêneros da sua produção importados naquele
mesmo País; e em última análise tem pago as custas da reedificação de Lisboa
com muitas sobras, e vai pagando. Tal é a desgraça que para se imporem
gravosos tributos entre nós, bastava o Conselho de um Ministro ardiloso,
servindo de preceito, sem réplica, a meia dúzia de Negociantes para fazerem
o mais absurdo oferecimento do que não era seu e deviam outros pagar.
Mas além de tudo, foi conforme as regras da prudência, e da sã política
a restauração da nova Lisboa, e a edificação dos seus mui altos e pesados
edifícios no mesmo lugar da antiga! Quaisquer que possam ser as Causas
físicas dos terremotos, não se pode duvidar que Lisboa tem sofrido muitos,
sendo por isso de recear que um semelhante ao de 1755 destrua outra vez
aquela soberba Capital envolvendo o país todo em irreparável desgraça. Já
esta ideia lembrou a um Sábio Político. E é em um Local tão perigoso que
deve fixar-se a Sede da Monarquia! Ah! Não; Não.

658
Se quando enfim Portugal na idade viril, superabundando de riquezas
para o seu estabelecimento interior, utilidade e decoro, não fez o que devia
fazer, agora na ancianidade, oprimido de usuras, e das perdas sucessivas do
seu tirano papel moeda, tendo o luxo imoderado estendido a sua mão destrui-
dora sobre as duas grandes Cidades: Lisboa e Porto, que poderá ou deverá
fazer! Ainda por certo lhe resta o meio de andar; por caminho oposto ao por
onde se deixou arrastar até agora; remediando pouco a pouco os terríveis
resultados de sua pobreza por meio da indústria aplicada à lavoura, às artes
e ao Comércio, destruídos com prudência os embaraços antigos, e intervindo
em todas estas operações a liberdade, que só deve ser coarctada para o mal,
e sem a qual não podem os povos gozar de prosperidade permanente, como
a experiência lhe tem feito ver, e fica demonstrado.
Reduzir a tropa ao menor número possível, e fornecer trabalho útil aos
povos nas suas próprias Províncias, exoneradas dos tributos mais gravosos,
não seriam as primeiras medidas que se deveriam tomar e os meios próprios
para desviar a mocidade da ideia e gosto da emigração continuada, que em
todos os tempos atacou a Povoação de Portugal, e o há de destruir de todo!
Este novo método de administração e governo será mais útil sem dúvida e
mais proveitoso, do que enviar tropas para o Brasil e exigir à força pesados
tributos e restabelecer o Comércio de monopólio em um País pronto a quebrar
os laços Sociais que o ligam a sua antiga Metrópole, logo que as Cortes não
desistam da Violência com que o pretendem oprimir.
Mas graças à Providência! Os alicerces da nossa Liberdade acham-se
firmados sobre o mais sólido rochedo; e já não temos que recear os flagelos
que nos ameaçavam. Rogamos ao Príncipe Augusto para que ficasse entre
nós, esperando que o Soberano Congresso prezando bem a nossa justiça, e o
interesse comum da Nação, respeite a Solene declaração da nossa vontade e a
doce violência que fazemos ao novo César, como um ato da maior importân-
cia, e o único meio de não separarem já e para sempre os dois Países, no que
a Utilidade é toda de Portugal ou pelo menos incomparavelmente maior do
que o do Brasil. A resposta foi a mais Sábia e positiva, digna certamente de
tão Grande Príncipe Como é para bem de todos e felicidade geral da Nação,
estou pronto; diga ao povo que fico.
Parabéns Ó Povos do Brasil! Aqui tendes nas poucas palavras do
Vosso Príncipe decidido quanto podíeis desejar: As nossas Províncias
acham-se já em grande parte Unidas em um Centro comum: as outras bem
depressa se hão de unir para formarem do Brasil inteiro um todo indizível
debaixo da mesma Constituição e do mesmo Chefe: A Sede da Monarquia

659
Constitucional Portuguesa é a terra que habitamos, nem dela se poderá
ausentar mais o Príncipe que agora nos rege e sua Real Descendência na
Linha da Primogenitura.
Quem duvidar, observe com a devida e necessária reflexão os motivos
e a Causa da decisão final e da enérgica resposta de Sua Alteza Real Como
é para o bem de todos e felicidade geral da Nação. Este bem de todos, esta
felicidade geral da Nação, quando, em que tempo, ou em que circunstâncias
deixará de necessitar a existência pessoal de um Soberano entre Nós! Cresce
a nossa povoação, e a par dela a agricultura, as artes, e o Comércio aparecem
e adquirem novas forças e desconhecido vigor; multiplicam-se os interesses
de todos os gêneros; torna-se a administração pública mais simples, e não
menos trabalhosa. Todos os dias pois crescerá a urgência do necessário
cumprimento da Real Promessa: e um Príncipe que não reconhece por norma
das suas ações e regulamento inalterável da sua vontade, senão o bem de
todos e felicidade geral da Nação não pode ausentar-se mais do Brasil. A Sua
Palavra está dada; e Ele não saberá fraudá-la. Necessitávamos um homem,
já o temos. Trabalhemos para a sua e nossa felicidade.

Rio de Janeiro 10 de Março de 1822.

C. E.
M. P. R. P. S.

NOTAS
1
Vejam-se os Mapas da População do Brasil inferidos no fim do 1.º Número dos Anais
Fluminense [sic] de Ciências Artes e Literatura impressos no Rio de Janeiro, em Janeiro
de 1822.
2
Depuis quelques annés la disette s’est comme naturalisée en Europe; cette contrée vit sous
un Ciel courrencée qui ne faisant que changer les fléaux, fait succéder la pâle famine à
la guerre et redouble par la faim les ravages du fer.
Préface Des Colonie par M. De Pradt.

[Depois de alguns anos a fome como que se naturalizou na Europa; este lugar vive sob um
céu irritado que apenas muda os flagelos, faz suceder a pálida fome à guerra e redobra
pela fome a devastação do ferro.
Prefácio das Colônias por M. De Pradt.]

660
1823
57

ANALIZE
AO
DECRETO
do 1. de Desembro de 1822,
Sobre
A Creação
DA NOVA ORDEM DO CRUZEIRO:
Com algumas notas.
ILLUSTRAÇÃO AO BRAZIL,
E AO NOSSO IMPERADOR
O SR. D. PEDRO I.
Oferecida ao Publico
PELO DEZENGANO.

BAHIA.
1823

663
________________________________________________

E vê do Mundo todo os Principais,


Que nenhum no Bem Público imagina,
Vê neles, que não têm amor a mais,
Qu’a si somente, e a quem filáucia ensina.
CAMÕES.
________________________________________________

A N Á L I S E.

§. I.

O impolítico revoltante Decreto publicado no Rio de Janeiro com a data


do primeiro de Dezembro de 1822, sobre a criação de uma nova Ordem de
Cavalaria, acaba de dar horrível choque aos corações dos Brasileiros, que
têm verdadeiro amor à Liberdade, e à Pátria. Quem diria, que os Ministros
do Rio de Janeiro abusariam tão depressa da confiança Pública, e da do
Imperador, apresentando com abominável hipocrisia um Decreto; que apenas
serve para desmascarar as insidiosas manobras, com que a Aristocracia, e o
Despotismo maquinam levantar de novo o seu trono sobre a singela fé dos
iludidos Brasileiros. É muito para admirar, que os acontecimentos do tempo
presente, e a incerteza dos negócios políticos do novo Império, não sirvam ao
menos de freio à torpe ambição daqueles fabricadores de Decretos, que dão
ao prelo este abominável parto de sua corrupção, chegando tão audaciosa
impudência a publicar o Decreto em questão, que além do mais faz reluzir a
surpresa, e ob-repção praticada contra a singeleza do Imperador, só a fim de
se completarem os tenebrosos planos trabalhados sobre as bigornas, em que se
têm caldeado algumas pesadas algemas, que hão de arrochar os nossos pulsos.

664
Oh! Maldade sobre todas as maldades! Sim, são os Ministros Brasileiros, que
iludindo o nosso Imperador e Defensor Perpétuo, e Constitucional liberal,
pretendem fazer retroceder de novo o espírito humano, idolatrar a Tirania,
e restaurar seu apetecido império das trevas, e da arbitrariedade.1

1
Até certo tempo viu-se o andamento liberal da Corte do Rio de Janeiro. Enquanto os
Ministros de Estado julgaram os negócios políticos mal seguros, fingiam, que se promo-
via a Liberdade, e tudo eram carinhos, e amores; porém agora que se persuadem estar
reforçados de algum partido, e apoiados pela Força Militar, ostentam a mais notória
arbitrariedade, de sorte que já se não duvida, que eles aspiram a fazer o Imperador des-
pótico, e restabelecer debaixo de novas fórmulas a passada Monarquia arbitrária, essa
Bem Aventurança de Fidalgos, Privilegiados, e Gente Togada; e sua ranchada. Quando
se leem em outro Decreto estas palavras – a Fazenda Nacional, e Minha – percebe-se
facilmente o ardiloso passo do Despotismo. A Fazenda Pública pertence à Nação exclu-
sivamente; não pertence ao Imperador de maneira alguma; o Imperador recebe dela um
salário como Primeiro Empregado Público Nacional, segundo a Constituição; portanto
nada lhe pertence de propriedade; pretender o contrário disso é querer perturbar a ordem,
pois os Povos estão alertas, e ninguém consentirá, que o Imperador denomine a Fazenda
Nacional – Minha – O segundo passo dos Ministros para restaurarem seu esplendor,
influência, consideração, poderio e tirania do Gabinete, é a provocante Portaria, pela
qual se manda abrir em todas as Cidades, e Vilas, e proceder a devassa de inconfidência
por motivos imaginários; prendendo-se, e proscrevendo-se os Beneméritos da Pátria por
suspeitas, sem serem ouvidos, nem convencidos; este plano de terrorismo inventado
para amordaçar as bocas dos que combatem, ou podem debelar de presente, ou para
o futuro o Despotismo, ataca direta, e absolutamente os dois direitos do Homem, a
segurança pessoal, e a liberdade da Imprensa, e pedem reação Pública; não há maior
petulância, do que a dos Ministros do Rio de Janeiro! Para se apartarem de Lisboa
algumas pessoas suspeitas, pediu-se a suspensão da Lei Habeas corpus (isto é, da lei
da segurança da pessoa) por trinta dias; prenderam-se os homens, e enviaram-se para
o interior do país, vinte, ou mais léguas fora de Lisboa, a 10 léguas do mar; porém no
Rio de Janeiro os Ministros em um abrir de olhos devassaram, prenderam na Ilha das
Cobras, e exportaram, ou degradaram para Europa sem defesa, nem sentença! Quem
poderá viver seguro no dia de hoje, se as Províncias obedecem a tais ordens? Parece,
que o Despotismo está pior, que antes, e mesmo mais excessivo, do que em Argel, ou
Constantinopla. O Rio de Janeiro vai apresentando o aspecto medonho de Roma no
tempo de Mário, e Silas, debaixo da vingança, e furor do nosso Ditador José Bonifácio, e
seus vis satélites, cobertos com a Toga do Sacrificado Imperador, que lhes dá demasiado
crédito, e confiança: Desgraçado Imperador.
Se o Rio de Janeiro não mudar já de conduta; se não curar as feridas, que tem aberto na
honra, e na liberdade dos Cidadãos; se não restabelecer o sossego público, extinguindo
as devassas, e chamando os perseguidos; se não puser em paz, e quietação as famílias, os
corações, e os espíritos; se não desembaraçar as bocas, e a Imprensa; barulhadas vão as
Províncias, e perdidos sem remédio os negócios do Imperador: porque nem lhe hão de
valer as devassas, e terrores, que só servem para mais irritar, e fermentar o ódio; nem os
espiões, e proscrições, que unicamente têm a virtude de abrir os olhos a todos os virtuosos
Cidadãos, e dispô-los para a revolta; nem os soldados, porque estes hoje estão instruídos
nos seus deveres para com o Brasil sua pátria, cuja defensão está em primeiro lugar, do
que ninguém; e mui particularmente porque também conhecem, que o Despotismo os há
de por sua vez devorar; tudo isto merece mais atenção, quando vemos o Rio de Janeiro

665
§. II.

SE OS ARISTOCRATAS Ministros do Rio de Janeiro não estivessem tão


corrompidos, e atolados ainda nas antigas maldades, teriam diante dos olhos
a temerosa oscilação, e desconfiança das Províncias, a instabilidade das coisas
humanas em tempos de revoluções, e a desconfiança e medo dos Povos a
respeito do método de um Governo amoldado pelo execrando e devastador
sistema, que nos esmagou mesmo nesse covil da tirania, o Rio de Janeiro; e
de que ainda se conservam as feridas abertas: eles teriam reparado, que as
Províncias, posto que tenham aclamado o Imperador, e a Independência,
ainda estão vacilantes com os Governos criados por seu único esforço, e
heroísmo para manterem sua liberdade; que podem retroceder, e sublevar-
-se à vista de insidiosas manobras, que atacam de frente a Constituição, e
a Liberdade: eles teriam reconhecido, que os Povos do Brasil, cansados de
sofrer os Aristocráticos, e os horríveis atentados da nossa velha Monarquia,
não podem tolerar um Governo, que faça recordar as desgraças, e a escra-
vidão da detestada vara de ferro, que nos regeu: eles teriam visto, que parte
do Brasil ainda não se tem reunido;2 que o Império ainda novo e tenro não
deitou as necessárias raízes, que a guerra civil ainda continua, e que o espírito
humano é variável, e a sorte da guerra inconstante; eles teriam visto, que os
Povos do Brasil rejeitaram a união com Portugal só porque a Constituição
lhes não conveio, e que se desejam fazer corpo com o Rio de Janeiro, é porque
esperam novo sistema, e Constituição livre, que lhes agrade; Constituição
feita sobre princípios liberais, que destrua Ordens, Privilégios, e Isenções,
Classes, Morgados, Comendas etc.; que não se lembre de duas Câmaras, nem

dividido em partidos. Se o Imperador não sufocar este gérmen de discórdias políticas,


e não cortar pela raiz o sistema de terror, e o manancial das discórdias, o qual consiste
nas bem fundadas suspeitas de pretensões sinistras, e alheias da nossa liberdade; se não
substituir em seu lugar brandura, e confiança nos Povos, restabelecendo a paz geral dos
espíritos, e das Províncias novamente desconfiadas; se não publicar a todo correr, que Ele
se sujeita às deliberações do Congresso Brasileiro; então podemos exclamar com Cícero
na Oração pro Milone – O’ spes falaces! O’ cogitationes inanes meae! [Ó esperanças
enganadoras! Ó meus pensamentos vãos]
É para admirar a loucura do Ministro José Bonifácio; ele supõe, que tudo vai excelen-
2

temente, e que o Brasil está bem unido, e o Povo disposto a sofrer o despotismo; pelo
contrário devia ele atender à melancólica face do novo Império; que Pará, Maranhão, e
Piauí, como mais ignorantes, e povoadas de Portugueses, estão unidas a Portugal; que
Montevidéu e Bahia ardem em guerra civil desesperada; que as demais Províncias estão
unidas, mas desconfiadas, e vacilantes; ele finalmente deveria temer, que sendo o nosso
Império, como de vidro, pode quebrar-se com facilidade, ficando vítima de sua ambição,
loucura, e despotismo o nosso Imperador.

666
de Veto absoluto3 que diminua, e corrija os Magistrados, fazendo eleger estes
pelo Povo; que deixe toda liberdade à Imprensa, às Ciências, e às Artes; que
institua Jurados no cível, e crime etc.; que faça finalmente reluzir um governo
em tudo novo, livre, e perfeito, segundo os desejos das Províncias, que tendo
sacudido o jugo, serão antes arrasadas, do que dominadas; eles finalmente
teriam encaminhado o nosso Imperador pelas planícies da sincera Liberdade, e
não pelas tortuosas veredas do maquiavélico Despotismo, alentado ainda por
este abominável, e execrando resto da semente dos Áulicos, que se mordem
de raiva, e lutam para restabelecer no Rio de Janeiro a sua dominação.
Lancemos pois um golpe de vista sobre aquele Decreto, e mostremos aos
nossos Brasileiros em breve análise o primeiro mortífero veneno envolvido na
pílula dourada e adocicada, que o Anjo das trevas, e do mal preparou para
escravizar o Brasil. Eu vou separar as ideias, e apresentar com verdadeiras
cores o quadro do Ciclope, ou do horrendo Minotauro, que para o futuro
nos há de devorar.

§. III.

TRÊS são as primeiras observações, que devem chamar a atenção, e vigilân-


cia do Povo Brasileiro, e mover os Patriotas, e as Províncias a atalaiarem, e
oporem-se aos subversivos manejos, e sutilezas do Governo do Rio de Janeiro.
A 1.ª é sobre as palavras = E sendo prática constante, e justa dos Augustos
Imperantes, e particularmente dos Augustos Reis Meus Predecessores =
A 2.ª sobre as palavras = Criar novas Ordens de Cavalaria, para melhor
perpetuarem as épocas memoráveis de seus Governos, e com especialidade
de Meu Augusto Pai =

3
De qualquer modo que se considere a Veto absoluto, ele vale o mesmo, que a não
existência da Constituição, ele é o escárnio das Cortes, e verdugo dos Povos; porque
de nada servem fazerem as Cortes uma boa Lei, quando o Rei, Imperador, ou Príncipe,
julgando-a nociva aos seus interesses, com a sua única e despótica vontade, e com uma
só palavra – Veto, isto é, proíbo, não quero – proíbe, desfaz, e aniquila a Lei. Com esta
condição de Veto absoluto não existirá a Constituição, e cairemos novamente no Despo-
tismo: (e o mesmo há de acontecer com as duas Câmaras.) Mas para bem do Brasil estas
ideias já se acham tão generalizadas, e causam tanto horror, que é de crer, que com tal
Veto absoluto o Brasil não aceitará Constituição, ainda que venha do Céu; embora se
esforcem os Ministros com devassas, terrores, perseguições, espias, malsins, proscrições,
emissários pregadores, subornos, insinuações, ameaças etc., tudo é debalde, pois que
com este andamento de política cresce a desunião, e se formam partidos de oposição,
que cedo ou tarde derribarão o colosso; os Ministros, segundo entendo, sacrificam o
nosso Imperador, bem contra a vontade dos Povos...

667
A 3.ª = E por querer outrossim aumentar com a Minha Imperial
Munificência os meios de remunerar os serviços, que Me têm prestado, e
houverem de prestar. =

§. IV.

CORRAMOS agora o pano a esta temerária cena de atentados contra a nossa


Instituição Imperial, e derribemos o monstro, que, posto que seja de sombra,
já nos ameaça. Se o Brasil se está regenerando; se o Imperador é planta tenra
em solo novo, em tudo despegado do antigo sistema, cuja lembrança só por
si nos faz estremecer o coração no peito; e tudo em consequência deve ser
diferente dessas máximas, e fórmulas velhas, que trazem à memória as pesadas
cadeias, que temos arrastado, como é que os Ministros têm a animosidade de
usar destes termos – constante e justa –? Isto mostra, que os Ministros querem
emendar o sistema novo com o velho; isto é, querem fazer este Governo
Imperial uma continuação do Governo Monárquico passado, fazendo revi-
ver o monstro do Despotismo; isto é certamente um ardil do Gabinete do
Rio, a fim de pouco a pouco, e por meio de honras e privilégios corromper
as almas fracas para se acostumarem aos ferros que se vão preparando nas
fornalhas ainda ardentes do antigo ministério. Que desgraça do Brasil! Quando
apenas principiamos a carreira da nossa Independência, já os Ministros
buscam amontoar partidários, formando facções contra a nossa Liberdade!
Quem deixará de se indignar à vista das palavras – dos Augustos Reis Meus
Predecessores? O nosso Imperador é Brasileiro, e é criado Imperador por
graça dos Brasileiros;4 Ele é o primeiro Imperador e nunca teve Predecessor;
o nosso estado político é recente; a nossa Independência prova a nova ordem
de coisas; o Reinado do Senhor Dom João VI é odiado no Brasil,5 pois que

4
Os Povos do Brasil aclamaram Imperador ao Senhor Dom Pedro por amizade, e fizeram
do Brasil uma Nação nova; mas não sei por que força de fado os Ministros querem
fazer o novo Império continuação do Governo velho; não é preciso ser muito perspicaz
para penetrar esta verdade; até fizeram ungir, isto é, untar com azeite o Imperador, e
inventaram um pantomimo de cerimonial, chamado sagração, (risum teneatis amici!)
a fim de renovarem a irrisória ideia, de que o Poder do Imperador vem de Deus. Os
Ministros estão doidos; o Império é obra toda dos Brasileiros, os quais escarnecendo das
macaquices da sagração, têm determinado, que o Imperador, como criatura sua, eleito,
aclamado, e conservado tão somente por graça do Povo, se conforme com os seus votos
e vontades, aliás....
5
O Reinado do Senhor Dom João VI é abominado no Brasil. Os Povos ainda se lembram,
que ele em poucos anos lhes impôs mais de dezoito tributos arbitrários; que oprimiu
a todos com vexames, roubos, e insultos de seus validos; etc. Os Povos ainda têm as
cicatrizes das algemas, grilhões, e correntes, muito frescas; e as lágrimas mal enxutas

668
nos traz à memória despotismos, roubos, mortes, calamidades, misérias, etc.;
logo toda esta parte do Decreto foi organizada para corromper o coração de
Sua Majestade Imperial e meter-Lhe nas entranhas a soberba, e vaidade, que
devem ser degradadas do seu Palácio, a fim de não excitar a desconfiança, e
dar voo a outros males, que nos abalem os alicerces do Império, ainda mal
consolidados: para que combinar a velha Monarquia com o novo Império; o
estado do passado aviltamento do Brasil com a nova Regeneração política?
Longe, longe de nós semelhantes ideias, que só provam adulação, e manobras
para fazer apadrinhar a premeditada fundação de um Império Aristocrático.
Ó IMPERADOR abri os olhos; os vossos Ministros Vos iludem; eles querem
astutamente fabricar uma máquina, em que Vós haveis de servir de testa de
ferro para os poderosos serem tudo, desfrutarem tudo, e oprimirem tudo,
sendo a Vossa partilha ficar escravo desses mesmos, que Vos lisonjeiam!
Sereis Grande, sereis tudo (Crede-me SENHOR) pela Liberal Constituição:
de outro modo Vós estais perdido.6

§. V.

VEJAMOS pois a segunda observação, que faz ainda crescer nossas descon-
fianças, e talvez esporear mil desordens. O Imperador cria esta nova Ordem
para perpetuar a época do seu Governo, etc. eis outro erro perigoso no tempo
presente. O Imperador não deve dizer, que quer perpetuar a época do seu

pelas crueldades horrorosas, ilegal, e barbaramente cometidas na Bahia; e carnificina


inaudita de Pernambuco com mortes, esquartejamento, arrancamento dos cadáveres das
sepulturas, profanação do Sacerdócio, roubos, estupros, adultérios, sacrilégios, violências,
insultos, injúrias, e tormentos; surras mortais, e palmatoadas* na gente forra pretos,
pardos, e brancos, até nas mulheres, e meninos, a ponto de saltarem fora as unhas, e de
ficarem aleijados; bofetadas, chicotadas, pontapés; etc. etc. Os Povos ainda se recordam
do ataque atraiçoado feito à Praça do Comércio do Rio de Janeiro, para sepultar nas
ruínas os Eleitores e o Povo, cujas ordens foram dadas por Sua Majestade o Senhor Dom
João VI do que se seguiu morrerem 21 pessoas (alguns querem, que fossem 43) em uma
palavra os Povos têm em vista o horrendo quadro da Monarquia absoluta passada,
abominam a memória desse Reinado, e por isso não querem união com Portugal, e nem
tampouco, que o novo Império se assemelhe ao Reino do Senhor Dom João VI etc. Lutar
contra isto, é maquinar a desunião das Províncias, e a dissolução do Império.
6
Se os Ministros do Gabinete do Rio teimarem, fazendo manobras para que se coordene
Constituição com desprezo das Bases adotadas, e juradas, só com uma alteração, que
é no artigo 19, pois o Senhor Dom Pedro é o nosso Imperador; se maquinarem Consti-
tuição com duas Câmaras; se quiserem dar ao Imperador Veto absoluto, e a iniciativa
das Leis, contra as Bases 23, e 25, farão a ruína do nosso pacto social e do Imperador,
que, por falta de experiência, julga tudo mui seguro, e bem ordenado; mas uma fatal
experiência O há de desenganar.

669
Governo, sim a época gloriosa do novo Império Independente; as palavras do
Decreto provam, que o Imperador Se põe em primeiro lugar, como absoluto,
quando Ele é parte do Império; elas mostram, que tudo se deve referir à Nação,
de que o Imperador só é, por eleição, e espontânea vontade, e escolha dos
Brasileiros, Chefe do Poder Executivo, isto é, Delegado do Povo, ou da Nação:7
os Ministros não nos afogam com a palavra – Imperador –; os homens livres
não se engasgam com quimeras. Oh! Praza a Deus, que a demasiada lisonja
dos Ministros não precipite o nosso Sincero Imperador, fazendo, que n’Ele
se cumpra o rifão – quem tudo quer, tudo perde –. Mas não sucederá assim:
nós iluminaremos o nosso Imperador: nós O criamos como Patriota; nós O
elegemos; nós O sustentaremos: nós O defenderemos, assim como Ele nos
defende a nós; mas só com a diferença, de que o Reino da Aristocracia será
destruído, e a nossa Pátria Independente, e verdadeiramente Livre.

§. VI.

PASSEMOS já à terceira observação, que versa sobre as palavras – com


a Minha Imperial Munificência –. Que desatino de Ministros! Mísero
Imperador! Como vás enganado! Como é possível, que todos os Cidadãos
honrados, e livres não se encham de indignação, lendo, que o nosso Imperador,
tendo chamado Cortes, ainda diz – a Minha Imperial Munificência – os meios
de remunerar os serviços que Me tem prestado, etc.–? É preciso, que o Brasil
abra os olhos com tais pretensões, e afugente semelhantes ideias. Quem faz
serviços, fá-los à Nação, e nunca ao Imperador, que é parte da Nação: o
Decretar pelos públicos serviços pertence às Cortes, que figuram a Nação
inteira; quando antigamente o Chefe da Nação, por ignorância, e cegueira
dos Povos, e nefanda usurpação dos inalienáveis imprescritíveis direitos
de Representação, Legislação, etc. etc., se acreditava Senhor desses Povos,
como se estes foram manadas de bestas de carga, então é, que o Imperador,
ou Rei dizia – Minha Imperial Munificência – mas hoje não é assim; o nosso
Imperador é Constitucional, não é Senhor: Ele é um Cidadão, por nossa

7
No Rio de Janeiro já se tem escrito, que o Imperador pode tomar o título, que quiser,
eleger-se a Si mesmo Imperador, Generalíssimo dos Exércitos, Senhor do Erário Nacional;
e já se diz, que o Imperador só deve estar pela Constituição, se Lhe agradar; etc. etc.:
que abismo se abre debaixo dos nossos passos! Nesta marcha ou o Brasil se dilacera, e o
Império baqueia; ou aliás ficamos novamente escravos, e mais vis escravos, do que antes.
Os Ministros aduladores, desprezando o bem do seu País, e a liberdade dos vindouros,
querem o Senhor Dom Pedro despótico, para eles o serem; mas eu nada receio, porque
as disposições do Brasil são muito livres, e os Brasileiros sempre vigilantes não curvarão
a cerviz para receber jugo de ninguém.

670
graça Imperador, e Chefe do Poder Executivo; mas isto não é, para que se
arrogue, e usurpe tais poderes, que só pertencem à Nação; o Imperador não
deve, nem pode remunerar serviços, fazendo tais Decretos; a Nação como
Soberana por meio de suas Cortes é, que deve, e pode fazer tudo; este modo
de dizer tão absoluto na boca do Imperador prova, que existem manobras
ocultas para dominar no Congresso, e é por isso, que o Público murmura,
e suspeita muito mal das eleições de certos Deputados, que parecem feitas
por mágicas tramoias, a fim de se aprovarem máximas perniciosas, e de se
introduzir em o novo Império o sistema da Aristocracia, e do premeditado
Despotismo, etc. eu sou amigo do Imperador, como nosso Defensor perpétuo,
e por isso desejo, que os seus Ministros O não iludam, e precipitem por meio
de tão baixas adulações. É para desejar que o exemplo de Jaques II Rei da
Inglaterra, e de Bonaparte Imperador dos Franceses, e de outros muitos abram
os olhos ao Senhor Dom Pedro I para que se previna contra as fantasias de
seus Ministros; Ele deve ver tudo, e pesar tudo, porque os Povos do Brasil
querem ser bem governados, e não dominados.

§. VII.

LANCEMOS agora os olhos para os artigos. Que montão de desconsertos,


ou para melhor dizer, de arbitrariedades! Sua Majestade Imperial é Grão
Mestre, Imperador, e Ministro para despachar; o ardil é mui grosseiro; algum
sequaz dos Andradas há de ser o Chanceler, etc. Que desgraça! Quando pela
Constituição se devem diminuir as despesas e os Ministros, estes verdugos do
Brasil, então é, que se cria um novo lugar de Chanceler, para acrescentar o
número dos poderosos, e sequazes do novo Império, a fim de fazer sólido o
método da dominação. Desgraçado Imperador, que sendo tão dócil, e liberal
só acha Ministros, que O levam pelas vias da iniquidade, e da perdição!

§. VIII.

QUANTO aos demais artigos, e suas divisões, e arranjos, bem se vê que estes
inculcam a mesma desordem, pois são consequências da primeira. No terceiro
se vê o número dos Cavaleiros ilimitado, o que decerto é arbitrariedade. No
sexto lemos com horror as palavras – da Minha Imperial escolha e justiça –
parece, que o Grão-Turco em Constantinopla não falaria com tanto arrojo;
no fim do mesmo artigo lê-se – mereçam da Minha Imperial Munificência
dispensa etc. – pois o nosso Imperador pode dispensar na Lei? Estamos em
boa figura! Que temeridade de Ministros! Eis aqui bem palpável o empenho

671
destes aduladores em amoldar o novo Império pela corrompida detestável
Monarquia que nos governou com cetro de ferro, esmagando os míseros
Brasileiros, a ponto de não terem jazigo, se não os abismos da morte e dos
sepulcros. Mas não; eu não deixarei o meu Imperador cair incautamente
nos laços, e labirintos dos facciosos Aristocratas; eu tenho braços para O
defender, tenho coragem para O iluminar, e voz para Lhe gritar: = acordai,
SENHOR, acordai: os Vossos Ministros Vos arruínam, abismando Convosco
o Brasil; Confiai nas Cortes Brasilianas; Confiai nos Vossos Súditos, que Vos
têm compatriotado; eles Vos elevarão mais alto, do que as estrelas; são eles,
os Estados Gerais Brasílicos, e a Constituição, que Vos hão de colocar no
Templo da Glória, e da Imortalidade.

§. IX.

POR seguirmos o nosso plano de brevidade, ponhamos de parte tudo quanto


dizem os outros artigos até o undécimo; este pela sua matéria é certamente
um dos que envolvem maiores agravos aos olhos dos Brasileiros; o que mani-
festamente apresenta o mais escarrado do arbítrio; diz o artigo: – gozará de
todos os privilégios, foros e isenções de que goza a Ordem de Cristo – eis
aqui uma miscelânea que tira toda a dúvida de pretenderem os Ministros do
Rio de Janeiro fundar um Governo Aristocrático, deslumbrando os olhos dos
incautos brasileiros com ornatos de fitas, e medalhas; e os espíritos fracos com
promessas de privilégios, foros, isenções, etc. Lisonjear o coração humano
sempre foi arma dos Tiranos, e a mais perigosa à Pátria; mas felizmente o
artifício não tem lugar no dia de hoje, em que o nosso Corpo Legislativo tudo
pode prever, e acautelar, pois que só a Ele pertence Decretar, etc. Todavia
eu sempre perguntarei aos Ministros, que deram a Sua Majestade Imperial a
assinar sub-repticiamente este Decreto sem o ler nem refletir se não é espalhar
um terrível fermento de nova revolução, tocar em privilégio foros, e isenções,
neste tempo de luzes e em que se tem diante dos olhos mil sublimes instruções,
reformas, e leis da Constituição Portuguesa e nesta ocasião, em que se esperam
outras semelhantes do nosso Congresso no Rio e em que não se podem sofrer,
e de fato se hão de extinguir privilégios, foros, e isenções. Se todos são iguais
perante a Lei, e deve haver responsabilidade, segundo a mesma Lei, como
é que arrojadamente se fala em privilégios, foros, e isenções? Eu não posso
duvidar, que havendo padecido a antiga Nação Portuguesa (e nós com ela)
grandes males por estes privilégios, foros, e isenções, ninguém dará apoio no
Brasil a tão corrupto sistema; se Sua Majestade Imperial tivesse extinto as
três Ordens de Cristo, Avis, e Santiago, como Ordens da Nação Portuguesa,

672
que hoje nos é estranha; se conservasse as de Torre e Espada, e Conceição,
privativas do Brasil por serem criadas no Rio de Janeiro, esperando, que as
nossas Cortes Brasileiras instituíssem esta do Cruzeiro para distinção hono-
rífica dos Beneméritos da Pátria exclusivamente, com alguma insígnia, que os
cobrisse de glória (assim como em tempos antigos se premiavam as melhores
ações dos Heróis de Roma com uma coroa de louro;) se não se tomassem na
boca estas palavras detestáveis – privilégios, foros, e isenções – cada uma das
quais prova com evidência a restauração do despotismo por meio da nova
classe de Cidadãos, que só servem para pesar sobre o resto da Sociedade; neste
caso daríamos talvez alguma desculpa aos Ministros, e esperaríamos que o
semivivo monstro do Despotismo não infeccionasse com hálito pestilento as
bem-aventuradas plagas Brasileiras; mas não é assim; à vista do artigo XI do
Decreto em frente os Cidadãos devem tremer, pois já os Ministros se supõem
tão fortes, que apresentam sem rebuço, e sem temor tão arriscadas decisões.
Porventura não se lê nos rostos de todo o mundo a firme e briosa resolução
de não receber algemas, e cadeias, ainda que sejam fabricadas do mais fino
ouro? Salta aos olhos, que este Decreto com tais artigos é o precursor do
Governo despótico, e da tirania. Quem deixa de ver, que aquelas palavras –
no que não for contrário à Constituição do Império – são expletivas? E que
o alvo, a que se atira é engodar os escolhidos Cavaleiros para por interesse
protegerem os abusos; e acostumar o povo ignavo a sofrer golpes da arbitra-
riedade? O Gabinete do Imperador quer ganhar terreno passo a passo, para
breve nos esmagar com Morgados, Barões, Condes, Viscondes, Marqueses,
e todos quantos formam o cortejo do Despotismo. Torno a repetir; estas
palavras – privilégios, foros, e isenções – devem ser banidas no Brasil pelo
nosso Sábio Imperador; aliás temos a recear graves males e os mais tremendos
fenômenos políticos.

§. X.

FALEMOS agora do artigo 15 que trata do prêmio dos serviços dos


Membros desta nova Ordem. Eu já toquei de passagem nos títulos hono-
rários de que os Beneméritos da Pátria devem gozar agora porém entro em
matéria espinhosa, pois vou proferir estas palavras aterradoras – tenças,
e comendas rendosas – horresco referens –. Custa-me a acreditar, que os
Ministros tivessem o desacordo de imprimir este artigo sem temer, que o
Público recalcitrasse abertamente, e que a Nação inteira levantasse a voz de
seu ressentimento, e com ele as armas. O artigo fala em dotação aos Nobres
e importantes fins da Ordem, e assevera, que se criará um número certo

673
de tenças, e comendas de diversas lotações, etc. Pergunta-se, que serviços
fez Gordilho, e outros semelhantes? Que fizeram os Presidentes das Juntas
Governativas das Províncias, e o Bispo de São Paulo? Que merecimento
tem para Grão Cruz Ribeiro de Andrada, que minutou, redigiu e assinou o
mais vergonhoso de todos os pareceres de Comissões contra o Brasil? Muniz
Tavares, Fernandes Pinheiro, e outros, que assinaram a Constituição de
Portugal? Além disto a confusão, e desigualdade da escolha demonstra que
os fins da Ordem são atrair os que têm influência no Povo, e segurar os mais
fortes, e temerários, como o dito Andrada, Barata, Lino Coutinho, e outros
capazes de serem chefes de partido, para fazer deles escoras do despotismo
do Rio de Janeiro; etc. etc. Mas quando melhor seria, que nosso Imperador
deixasse o Soberano Congresso Brasílico criar espontaneamente uma Ordem
temporária (pois é sua inalienável atribuição) para premiar os Beneméritos da
Pátria, por ele Congresso escolhidos, até a conclusão da paz geral, e tranqui-
lidade do Império, assinando a cada um o ordenado, que bem lhe parecesse;
ficando contudo extinta a dita Ordem pelo falecimento dos Cavaleiros, bem
como praticaram os Americanos do Norte. Não há maior indiscrição, do
que detestar as sábias instituições destes imortais Legisladores do Universo,
só porque cheiram a República. Oh! Infeliz Brasil! Ainda hoje te perseguem
teus tristes Fados, afastando os Ministros do Rio dos olhos do Imperador a
melhor legislação! Ora quem poderá consentir hoje, que se julgue honrada
por excelência a classe militar, e que se criem Cavaleiros igualados a Tenentes
Generais, Brigadeiros, Coronéis, Capitães, etc., repartindo-se com eles tenças,
e comendas em ar de soldo; não julgo eu as nossas Cortes tão dorminhocas,
e pouco ilustradas, e mesmo tão escravas, que deixem ir por água abaixo os
interesses da Pátria a ponto de anuírem a tão revoltantes, e ruinosas insti-
tuições. É de notar, que posto não adotemos a Constituição Portuguesa, por
não convir em grande parte aos interesses, e Liberdade do Brasil; contudo
nela vemos os Fidalgos, e Grandes contemplados unicamente como Cidadãos;
destruídas tenças, e comendas, privilégios de classe, etc., e por isso é preciso
respeitar a opinião pública do Brasil, que não abraçará Constituição menos
liberal, do que a de Portugal o é para os Portugueses; creio firmemente, que
esta é a opinião dominante das Províncias; e tais são as esperanças dos Povos,
e mesmo parece, que os nossos Destinos nos convidam a essa ventura por meio
do nosso Imperador, e Defensor Liberal Perpétuo; e nem de outra maneira
será admitida a Constituição;8 seguindo-se necessariamente a desmembração
das Províncias, que ainda se acham na expectativa por serem todos os seus

8
Esta é a resolução dos Povos e das Províncias; bom seria, que os Ministros lessem as
obras de Mr. De Pradt.

674
juramentos promissórios, e implicitamente condicionais. Quanto ao fim
do artigo – na forma que deliberar a Assembleia Legislativa do Império do
Brasil – parece-me, que são palavras de formulário, torno a repetir, à vista
de todas as frases decisivas, e imperiosas, que se leem no corpo do Decreto.
Eu desejo, que o Brasil se acorde, e conserve bem vigilante, e determinado,
porque a fraqueza humana é muito grande, e a ambição monstro terrível, e
até receio, que o espírito de condescendência de uns, o pouco zelo de outros,
talvez ignorância, egoísmo, ou pusilanimidade deixem ir os negócios segundo
a vontade dos perversos Ministros sob pretexto, de que o Decreto já existia
e que é de prudência condescender com o nosso Imperador; o meu coração
pressagia não sei que de mal da influência dos Ministros do Gabinete e da servil
condescendência para com o Imperador, pois que a novidade dos negócios, os
maus hábitos, a influência dos corrompidos Sátrapas; e o peso dos incautos
militares9 farão transtornar os planos patrióticos mais bem concertados. Di
talem terris avertite pestem!10

§. XI.

ORA havendo nós tocado em comendas, parece natural, que se pergunte, se


o Papa em Roma também criará agora comendas no Brasil; se estando nós
livres desse flagelo Europeu filho dos tempos das trevas lhe daremos entrada
no Brasil, neste tempo de luzes, na frente das Cortes Gerais Constituintes, e
Liberais do Brasil? Eu tenho por impossível; tais ideias não são admissíveis,
pois os homens têm os olhos abertos, e as armas nas mãos, para sustentarem
seus direitos, e organizarem com sabedoria a Constituição, que os há de reger
apesar da porfiada luta, viciosos elementos da abominável Aristocracia, e
tendência violenta da corrupção ministerial. Quero fazer mais outra pergunta.
Donde há de sair o dinheiro ao Poder Legislativo para tenças, e comendas?

9
Pelo que lemos e observamos é evidente, que nosso Imperador quer conservar à força o
comando das Tropas, pois que com elas tudo se fará a bem do Governo despótico. Eu
advirto ao Povo, que não estando as Tropas sujeitas, e obedientes unicamente às Cortes,
ou Estados Gerais não se organizará Constituição capaz, por faltar a Liberdade; e por
isso as Províncias ficarão desobrigadas de recebê-la; Constituição coordenada debaixo de
terror, e sem segurança é Constituição de Escravos, ou para melhor dizer, não é Consti-
tuição; e aos Soldados advirto, e recomendo, que não se deixem enganar com coroas de
diamantes, púrpuras magnas, brilhantes vestimentas, títulos mudados, bandeiras novas,
sedas, galões, carruagens, cerimônias pomposas, posto que insignificantes, insinuações
secretas, sedutores discursos, sórdidos subornos, ordens criminosas, etc.; é preciso, que
os soldados se lembrem, que o seu primeiro, e sacratíssimo dever é defender sua pátria,
sua liberdade, etc.
10
Deuses, repeli esta peste da terra!

675
É da maior evidência, que não há dinheiros eclesiásticos para este fim, e
que de hoje em diante não pagaremos tributos, se não os que forem justos,
e absolutamente necessários para as despesas públicas da Nação, e nunca
para luxo, e superfluidades do Imperador, e seus Ministros, pois já lá vai o
tempo de – Hei por bem, e Me praz – isto é, – quero porque quero; porque
sou Imperador, ou Rei e Senhor para dissipar, e todos os Cidadãos são meus
escravos, para trabalharem em meu proveito – já expirou aquela arrogante
frase – pleno poder, absoluta vontade, etc. –; agora temos outra frase, outra
justiça, leis justas, e Constituição, e mais que tudo o conhecimento dos nossos
direitos inalienáveis imprescritíveis; além disto a Sociedade está alerta, e
reconhece a sua Soberania; e não há de consentir que se imponham mais
tributos arbitrários, nem que se arranque um só real para gastos fúteis, e de
capricho;11 o povo de agora em diante não há de dar dinheiro, sem saber o
para que, nem sob fingidos pretextos; ele não há de pagar tributos, para se
aplicar o dinheiro, que é suor e sangue, em subornar, e comprar uma parte dos
Cidadãos, para com ela subjugar, e sopear a outra parte, aniquilando assim
os nossos direitos de igualdade, liberdade, propriedade, segurança, justiça,
etc.; em uma palavra o tempo é de luzes; o Povo não pagará mais tributos,
para manter o despotismo, e esmagar a si mesmo, reduzindo pouco a pouco
à sombra, e a nada o bem particular, e público, a felicidade da Pátria, e da
Espécie Humana.

§. XII.

MAS porventura temos nós a temer algum desastroso futuro? Não; não; o
Decreto em questão apenas é um desses partos monstruosos, filhos dos cére-
bros escaldados dos corruptos Ministros, a quem os antigos hábitos ainda
impelem a redobrar tentativas de restaurar seu poderio; o Imperador como
Moço inexperiente foi enganado pela demasiada confiança, que pôs naqueles,
que O cercam. Eis aqui pois a ocasião, em que o generoso livre Povo Brasileiro
deve bradar ao pé do Trono: – Eia, SENHOR, vigilância! Os Brasileiros não

É uma verdade, que o nosso Imperador já gasta 17 contos de réis na sua Capela Im-
11

perial; quem deixará de murmurar à vista desta despesa, quando nos falta marinha, e
quase tudo? Porventura sairá de hoje em diante dinheiro do Tesouro Nacional para
tais desperdícios? Se Sua Majestade gosta de música, que a supra à custa de seu orde-
nado, e não com o dinheiro do Erário Nacional, que não é seu. Teremos porventura a
desgraça de sustentar ainda Capados da Itália, e outros vadios semelhantes??? E deverá
Ele ter música, quando o Império novo, endividado, pouco sólido, cercado de guerra,
calamidades, e intrigas reclama, e pede sólidas providências? Fora com tais Ministros;
fora com tais desordens!!!

676
curvarão nunca mais o joelho ao Despotismo; eles o conhecem, e detestam, e
lhe farão eterna guerra. Alerta, alerta! Ó Adorado Chefe do Poder Executivo,
IMPERADOR AUGUSTO, unicamente por nossa escolha, eleição, e vontade!
Alerta! Ó DEFENSOR PERPÉTUO deste vasto Império! Vigiai, SENHOR;
vigiai sobre as maquinações dos Vossos infames Ministros; elas são arbitrá-
rias, e subversivas; Segurai as rédeas do Governo Liberal; Ponde-Vos a nossa
frente para debelar a Tirania; Firmai-Vos no Trono, que nós Vos temos
dado com tanta magnanimidade; Parai nas balizas das Vossas atribuições;
Cortai o passo aos embustes, e às insidiosas tramoias dos servis Áulicos, que
Vos levam de rojo ao precipício; eles perderam Vosso Augusto Pai, e podem
cavar Vossa ruína! Monstros! Não, não, não! Os Brasileiros, SENHOR, Vos
adoram, e Vos queimam incensos sobre as aras da Liberdade; eles conhecem
Vossas sinceras intenções, são Vossos amigos, Vossos leais súditos; eles, e
não os Ministros traidores a Vós e à Pátria, hão de fazer eterna, e feliz Vossa
Dinastia; Reclinai, AUGUSTO IMPERANTE, a Cabeça sobre nossos peitos;
nós Vos conduziremos Glorioso sobre nossos corações, e nossas espadas;
os Brasileiros, SENHOR, Vos têm dado um Império poderoso, eles sós Vos
conduzirão em triunfo ao Templo da Memória.

FIM.

677
58

[Analize das Instrucções das Camaras


municipaes aos eleitos deputados á
Constituinte Nacional]

ILUSTRÍSSIMOS SENHORES.
Com a remessa dos Diplomas a alguns dos Senhores Deputados dessa
Província que hão de servir na próxima Assembleia Constituinte (para o que
eu tive também a honra de ser nomeado) transmitiram Vossas Senhorias
instruções para por elas nos regermos. Posto que eu as não tivesse de Ofício,
nem mesmo ainda visse alguma cópia autêntica tenho todavia uma mui fiel,
a que não duvido dar todo o crédito. E porque nas mencionadas instruções,
assim como nas da Câmara de Recife (de que também tenho cópia) encontro
artigos inexequíveis, e outros que laboram na mais visível equivocação, devo
em obséquio à boa fé, que é a única vereda por onde sei caminhar, dirigir
a Vossas Senhorias as seguintes observações. Principiarei por falar em geral
sobre a matéria. Quando uma Nação livre, em que a forma do Governo é
representativa trata de fazer as suas Leis, não pode este Majestoso trabalho
deixar de ser confiado às pessoas, que se supõe as mais literatas, práticas nos
negócios públicos, probas, e em que recaia a confiança pública. No caso de
uma Legislação nascente e na organização de uma Constituição, que vai ser
o alicerce do edifício social, tanto maior é a necessidade de grandes gênios;
então escolhe-se sempre a flor da Nação. Sendo assim (o que ninguém poderá
contradizer) está visto que os nomeados para tão nobres trabalhos tão longe
estão de precisar de insinuações, que eles são os que se consideram em estado
de poderem bem dirigir os negócios políticos.
Concedamos porém que os Deputados para qualquer Assembleia
Constituinte devam receber Instruções: de quem é que eles as devem haver?
seguramente de seus Constituintes: dos representantes do Estado, ou da
Província, que em tal caso não são outros senão os Eleitores em quem tem
delegado os seus poderes. Concedamos ainda que as Instruções tenham sido
dadas legitimamente: que força devem elas ter? de mandatos, ou de meros
conselhos?
No primeiro caso a forma de Deputações como as nossas, não só é desne-
cessária, mas prejucialíssima: é escusada tanta gente; basta um negociador

678
um Plenipotenciário. No segundo os conselhos dados fora da ocorrência dos
fatos não podem deixar de ser mancos e desapropriados. Para se considerarem
regras gerais; então desgraçada a nomeação, que recai em pessoas, que não
sabem os princípios de justiça universal, e que não são capazes de conhecer
o bem do seu País.
Fazendo aplicação ao nosso caso: as Instruções por Vossas Senhorias
transmitidas trazem o cunho de mandatos imperativos, tanto assim, que são
acompanhadas de penas, e ameaças. Cuido que se quis ir buscar a origem
para tais insinuações no Decreto de 3 de Junho do ano passado: mas o que
é que diz esse Decreto? Que as Câmaras das Províncias darão aos respecti-
vos Deputados instruções sobre as necessidades, e melhoramentos das suas
Províncias. Em outra frase quer dizer que as Câmaras darão informação,
farão saber aos Deputados as precisões das Províncias, nem outra coisa se
pode entender do Decreto.
Nos Governos Federativos, onde Estados independentes formam seu
regime interno, sua legislatura particular em muitos casos; e que só se unem
nos grandes objetos de defesa mútua, da segurança, e do interesse do todo,
costuma-se dar instruções para os Deputados nas Assembleias Gerais: isto
é necessário mesmo para eles não serem tentados a aceder à infração dos
privilégios, imunidades, usos, e direitos particulares de cada um dos estados.
Mas são as nossas Províncias Estados confederados? Formam elas porven-
tura Repúblicas coligadas? Eu creio que Vossas Senhorias tão longe estão
de semelhante ideias, que até se armariam contra quem as tivesse. O fato
acontecido com Venâncio Henriques de Resende me deixa convencido; por
ser ele o autor de uma Carta em que apareciam desejos Republicanos, foi
excluído de Deputado* na apuração dos votos; tendo aliás tido um grande
número deles. Não formando pois as nossas Províncias Estados separados,
mas sim fazendo um só todo, como convém à Dignidade do grande Império
Brasiliense, e é próprio das nossas circunstâncias políticas; que efeito poderão
ter quaisquer Instruções dadas pelas Províncias a seus Deputados? Quando
os Representantes da maior parte não quiserem estar pelo que os outros
exigirem: o que farão estes? Retirar-se-ão do Congresso: irão fazer com os da
sua Província Governos separados? (Que fatal absurdo)! Ou antes receberão
humildemente as Leis que lhes quiserem dar, sem ao menos poderem modificá-
-las a bem da sua Província, por se não poderem afastar das instruções?
Se algum espírito turbulento, ou malfazejo não foi que apresentou a
Vossas Senhorias a norma das ordens, que acabam de transmitir: eu não sei

*
Não duvidamos da ilegalidade de tal procedimento. Nota do Editor.

679
a que atribua a produção de peças tão eversivas dos princípios fundamentais
da Política, e tão aniquiladora da Dignidade Brasiliense.
Lembrando de passagem o choque de interesses, e de opiniões que da
má inteligência sobre o direito de dar instruções há de provir necessariamente
cedo ou tarde entre as diferentes Câmaras; vou mostrar em mui breve análise
tanto a incongruência das instruções dadas por Vossas Senhorias, como pela
Câmara do Recife: antes porém farei ainda uma observação.
Com a chegada dos Deputados de São Paulo ao Congresso de Lisboa
principiou a moda de se falar em instruções; e os Deputados de Portugal –
destros em servir-se de todas as armas lançaram logo mão dessas circunstâncias
para increparem as outras Províncias do Brasil por as não terem dado aos seus
Deputados assim pretendiam colorar a sua falta de franqueza para conosco,
ou antes a sua má fé. Então já não era preciso recorrer ao princípio de que
os Deputados do Brasil eram Deputados da Nação e não das Províncias que
nos haviam enviado. Assim se foi fazendo geral a moda de se falar em instru-
ções, sem se fazer a necessária distinção dos casos em que elas podem ter ou
não lugar: talvez daqui nascesse entenderem as Câmaras dessa Província que
o Decreto lhes dava autoridade para expedirem mandatos imperativos aos
Delegados em quem a Província tem depositado toda a sua confiança para
formação das Leis pelas quais todos nós devemos reger-nos.
Para qualquer se desabusar do erro a este respeito, basta poder entender
a diferença; que tenho já feito ver que existe entre Estados confederados e
as Províncias de um mesmo Reino, que deve ter uma Lei geral: os mesmos
regulamentos (não falo de certas providências econômicas): as mesmas prer-
rogativas; e que fazem coligadamente uma só Pátria. Tira-se ainda tudo o
equívoco, que possa nascer do argumento tirado do procedimento de São Paulo
quando enviou seus representantes a Portugal, notando-se a grande diferença
entre Brasil e Portugal; e entre as Províncias do Brasil umas para com as
outras. Logo que os ferros da Escravidão foram quebrados, Portugal e o Brasil
constituíram duas Nações distintas: era um sonho fazer um todo de partes
heterogêneas. Por mais que se falasse dos Reinos irmãos era impossível que
tal irmandade houvesse em realidade. Portugal não podia prosperar, senão à
custa do deterioramento do Brasil: e assim os de uma e de outra parte fazíamos
de fato Nações distintas; não estava porém ainda feita a cisão expressamente,
era forçoso entrarmos em negociações, e tanto mais porque Portugal é que
nos havia convidado, não devíamos ser faltos de generosidade. Entretanto
a simples inspeção, das fontes de prosperidade para aquele Reino, que não
tinha donde extrair forças, se não de nós, devia advertir-nos que os nossos
Deputados necessitavam ser escudados com procurações restritas, para não
serem forçados a aceder à maioria dos votos que indispensavelmente havia de

680
pesar sobre nós; por isso com muita circunspeção a Província de São Paulo
tratou de instruir seus Deputados, sem aliás inserir nas suas instruções cláu-
sulas degradantes da dignidade de tão nobres funcionários. O caso porém em
que estamos é mui diverso; nós não vamos tratar com uma Nação diferente:
as Províncias do Brasil fazem todas juntas um só todo: o engrandecimento
de uma anda na razão direta da prosperidade das outras e esta era a razão
por que os Demagogos de Portugal tanto se esforçavam por destruir-nos: não
lhes convinha que nos conservássemos unidos, porque esta união era o mais
violento garrote que podíamos dar a sua louca esperança de suplantar-nos;
para sobre a nossa ruína fazerem a sua elevação.
Mas para que me demoro em demonstrar aquilo que os nossos olhos
estão vendo? O Brasil forma uma só família, tem um só Chefe, cujos interesses
estão identificados com os nossos, é um só Império; todas as nossas Províncias
têm igual direito a uma Lei patriótica da liberdade, da prosperidade, e da
segurança: estas são as únicas instruções que hão de guiar os Deputados da
nossa Assembleia: tudo o mais que as Províncias podem fazer, é manifestar-
-lhes as suas precisões.
Entrarei agora na breve análise das instruções dadas.
Principiarei pelo artigo 13 que é a chave mestra, que parece guardar a
execução de todos os outros: ele corresponde nas instruções da Câmara do
Recife ao artigo 16. Diz uma e outro quase pelas mesmas palavras = Que
afastando-se os Deputados das instruções que lhes são dadas, a Província
pelo mesmo fato haverá como retirada a sua Procuração, eles responsáveis,
os seus atos nulos e a Província desobrigada do seu cumprimento. = Que
turbilhão de ideias contraditórias oferece só este artigo? Pretenda cada uma
das diferentes Câmaras da Província qualquer coisa desarrazoada: diga-o nas
suas instruções: lembre-se algum Conselho de pretender uma prerrogativa
para si, e eis aqui já obrigados os Deputados a fazer o que lhes mandam, seja
ou não possível: do contrário é condenada a Província a ficar sem os seus
Deputados que nomeou por via de seus Eleitores. Que luminosos princípios!
Como se combina este artigo com o 3.º, que corresponde ao 1.º da Câmara
do Recife? Vejamos o que eles dizem: = Que o Reino do Brasil tendo já jurado
as Bases de uma Constituição liberal qual tem feito as Cortes de Lisboa, os
nossos Deputados nada poderão decretar contra aqueles princípios liberais
= Mas como Decretam essas Câmaras as ditas bases? Não diz o artigo 28 =
Que os Deputados das Cortes são como representantes da Nação invioláveis
em suas pessoas, e nunca responsáveis pelas suas opiniões? = Como querem
pois Vossas Senhorias que os Deputados sejam ao mesmo tempo responsáveis
porque as suas instruções assim o ordenam; e não sejam porque não se devem
alterar as Bases? Que dignidade para uma Província, cujos representantes em

681
a Assembleia Legislativa não podem ter opinião. Vamos aos outros artigos. O
primeiro exige 19 Deputados em razão da população: o segundo quer que essa
mesma população nada influa na nomeação dos Eleitores nos distritos, a que
pertencem: mas que entre em consideração no cálculo da população da Capital
para assim esta aumentar o número dos seus eleitores. Onde estarão aqui as
regras da Justiça? Donde provém a pretensão de aumentar a representação
da Capital com a população dos outros distritos? Figuremos que qualquer
Câmara do interior da Província quer usar do mesmo direito a respeito da
Câmara da Capital, que farão os Deputados? O Artigo quarto é redundante:
não era preciso outorga das Câmaras para os Deputados tratarem do bem da
sua Província. Exige o Artigo quinto explicações das Bases indeterminadas
na Constituição de Lisboa: já no artigo terceiro se havia estabelecido, que
os Deputados nada pudessem decretar contra elas, mas ainda agora se pede
explicação daquilo contra o que nada querem que se decrete?
O Artigo sexto, que coincide com o quarto da Câmara do Recife, ordena
que se cumpra à risca o Decreto de 3 de Junho, para que no Brasil não haja
mais do que um Congresso de representantes. Qualquer que seja a justiça,
ou conveniência de uma tal medida, é da decisão do Augusto Congresso que
deve tomar a sua força, e não de outra fonte. O Artigo sétimo corresponde ao
quinto daquelas outras Instruções, toma a pôr em contradição o artigo terceiro:
neste quer-se que nada se decrete contra as Bases: no sétimo ordena-se que
os Conselheiros de Estado sejam nomeados de outra forma da que manda a
Base 33. Determina o Artigo 8, que o Governo da Província seja composto
de cinco Membros sem Presidente fixo, e que tenha um Secretário Membro
do Governo: a Câmara do Recife quer dois Secretários, sendo um deles para
o expediente da Secretaria, e que o Presidente assista efetivamente no Palácio
do Governo, o que dá a entender, que o quer fixo (não se podendo supor que
queira que os Membros do Governo mudem todos os meses de casa, e eis
aqui uma dificuldade de satisfazer a ambas as Câmaras em coisas diversas. As
propostas dos cargos tanto Civis, como Militares devem pelo Artigo nono, e
oitavo das Instruções do Recife ser apresentadas por mãos dos Conselheiros
de Estado. Não sei por que razão deva distrair-se a atenção destes com seme-
lhantes objetos, e como se possa privar os Ministros de Estado das funções
inerentes a seus cargos. O Artigo décimo de ambas as Instruções exigem [sic]
na Província um Tribunal de responsabilidade, como se todo e qualquer
Tribunal que houver não seja também de responsabilidade. Nas Instruções de
Vossas Senhorias não se diz como seja a organização desse Tribunal: apenas
se diz que é para serem punidos todos os empregados Públicos: mas quem
há de punir os Membros do lembrado Tribunal de responsabilidade? Outro
Tribunal, e assim in infinitum? Nas Instruções da Câmara do Recife mais

682
detalhadamente se trata, da sua organização! pelo que diz o Artigo, de jure
pertencente às Câmaras (mas só as do Recife e de Olinda) a representação do
dito Tribunal, porque são elas a tutela dos Povos (é preciso ouvi-los). A fonte
de um tal direito, assim como o de excluir as outras Câmaras da Província
me é inteiramente desconhecida: mas além disto não vejo no método de fazer
efetiva a responsabilidade por ser do dito Tribunal, senão uma série de atos
ineficazes até chegar a súplica do queixoso ao Juízo competente. O Artigo
onze, que quer que o Tribunal da Relação seja Supremo, apelando-se de
uma Mesa para outra, deixa ver que se não tem ideia da organização de tais
Tribunais, e quando se tenha projetado alguma nova forma, não é do silêncio
a este respeito, que se pode marchar para alguma execução.
O Artigo doze diz que Sua Alteza Real (hoje Sua Majestade Imperial) terá
o pleno poder executivo em todo o Reino do Brasil sem a menor influência
no Corpo Legislativo. Segundo as presentes Instruções, e as da Câmara do
Recife apenas lhe pertenceria a sombra do Poder Executivo, se fosse possível
pôr-se em prática o que as ditas Instruções mandam que se decrete.
O Chefe do Poder Executivo, mandam Vossas Senhorias não tenha a
menor influência no Corpo Legislativo, como se fosse preciso este Aviso; e
não fosse o mesmo que Sua Majestade Imperial com todos os Brasileiros
tem manifestado querer. Entretanto que Vossas Senhorias assim querem que
o Chefe da Nação não tenha sobre o Corpo Legislativo a menor influência,
querem ter sobre tão Majestosa Assembleia a maior ascendência a ponto de
a dissolverem em parte, retirando os Deputados da Província todas as vezes,
que não forem após do que lhe determinarem.
Não me radçarei [sic] com os artigos que vêm debaixo do título de =
Providências de Leis = A maior parte delas não forma propriamente objetos
de Legislação: não é preciso uma Lei para se estabelecerem Fábricas em um
País onde não é vedado a alguém estabelecê-las. Também não é preciso Lei
para se regular a economia dos fardamentos. Tão longe está de ser mau que
o fardamento de um Soldado chegue a 80$, ou a 90$, que seria muito para
desejar que cada Soldado pudesse tê-lo do valor de muitos mil cruzados. Não
é possível que alguma coisa se faça sem meios, e se os de que se lança mão
não são os legais, o que está à testa dos negócios deve remediar sem precisão
de uma Lei para isso.
Alguns dos outros artigos lembrados ainda quando sejam objetos de
Legislação não são decerto os apropriados aos fins para que se querem, tal
por exemplo o estabelecimento de uma casa de moeda com o fim de vedar a
sua saída: a moeda não deixa de sair por ser feita nesta ou naquela Província.
Os bons economistas políticos não olham como um mal a exportação do
ouro e prata cunhada ou não cunhada, é um gênero que representa e é

683
representado: a medida da utilidade e da necessidade é por onde se calculam
as vantagens das exportações, e das importações. Em uma Província como
a de Pernambuco nunca pode haver receio de falta de riqueza senão quando
os homens quiserem ser ociosos.
Concluirei as minhas observações fazendo ver a Vossas Senhorias que as
verdadeiras instruções de que necessitam os Deputados da Província (ao menos
eu) é uma Estatística, em que se veja com clareza o número da população
com todas as necessárias distinções; a extensão da Província com designação
dos lugares habitados, e cultivados: o pé de defesa em cada um dos diferentes
pontos: as suas fortificações; as rendas da Província com especificação de onde
provêm (nisto são incluídos os direitos); as despesas em cada um dos seus
diferentes ramos; os estabelecimentos literários particularizando-se o número
dos Mestres, os lugares onde ensinam, e o quê: o estado da agricultura, e do
Comércio, assim como o das artes e fábricas: o número dos Magistrados, e
lugares em que servem, e as distâncias de uns distritos aos outros.
Todas as informações a respeito dos abusos em qualquer repartição; das
necessidades da Província, dos meios de melhoramento serão bem proveitosas.
Mas é preciso que nada se diga vagamente. Posso afiançar a Vossas
Senhorias que a Província não deixará de ter todo o melhoramento possível
por defeito de minha vontade e energia. Independentemente da honra que
tive de ser nomeado, e que me liga a desempenhar os meus deveres, eu sou
Pernambucano.
Aproveito esta ocasião para manifestar a Vossas Senhorias o meu
respeito, e estima com que os considero. Deus Guarde a Vossas Senhorias
muitos anos, Tejuco 25 de Janeiro de 1823.

Ilustríssimos Senhores do
Senado da Câmara de Olinda

Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque.

Deputado pela Província de Pernambuco

________________________________________________________
RIO DE JANEIRO. NA TYPOGRAPHIA NACIONAL 1823.

684
59

ANALYZE
DOS
DIREITOS NATURAES DO HOMEM INCULTO, E
SELVAGEM, DEDUZIDOS DO MESMO DIREITO
QUE REGE TODA A NATUREZA CREADA,
DE QUE ELLE HE PARTE.

Direitos de Convenção, em que os homens dão principio


ao Corpo Moral das Sociedades, seguindo na sua
Organização o Systhema dos Corpos fizicos sobre
os Direitos da Soberania como Ordem natural

DO SYSTHEMA UNIVERSAL
POR
P. L. VEIGA CABRAL.
AMIGO DA PHILANTROPIA

RIO DE JANEIRO

Na Typografia de Silva Porto, e Comp.


1823

685
ANÁLISE.
PARTE 1.

Quando a Universidade de Paris premiou um dos seus Sócios por mostrar,


que a entrada das Ciências na Europa tinha causado a sua ruína, foi por
deixar imortal o seu nome nos Séculos vindouros.
Sim, raça humana mais que infeliz! Vanitas vanitatum et omnia vanitas1
= são os efeitos da tua Sabedoria! Deves conhecer tão somente por sábio
aquele, que conhecer melhor que os outros = que o homem pouco mais de
nada pode saber! Que importa que a tua sabedoria possa fazer algumas
descobertas úteis à humanidade, se elas são zero comparativamente às que
inventa no mesmo tempo para destruir?
Oh Altitudo Sapientiæ et Scientiæ Dei! Quam incomprehensibilia sunt
opera Tua!!!2 Criaste neste Globo animais, vegetais e minerais, de tal forma
ligados, harmonizados e identificados, que a natureza de um destes reinos
não pode existir sem os outros dois; e da destruição de uns (ao nosso ver)
vivificas os outros! Vejo igualmente permitires que no decurso dos Séculos
um dos Cometas pela impressão sobre a atmosfera da Terra desequilibra as
águas, ou que um outro de fogo incendeia, submergindo ora aos abismos,
ora a cinzas as gerações! Será isto efeito da Vossa Ira contra a depravação
dos homens, ou fins incompreensíveis, tendentes à boa Ordem Universal!!!
Abaixemos o voo dos fins do Criador à Criatura. Observemos a sua
natureza, e acharemos: Que o Universo é o ilimitado espaço em que se acha
difundida a majestosa obra da Criação, que compreende todos os Sistemas
da Natureza.
Que o grande sistema da Natureza, ou o Universo se compõem de um
infinito número de sistemas particulares.
Que há em cada sistema um corpo luminoso, colocado no centro, à roda
do qual se move um número de corpos opacos, e que cada um destes corpos
forma outro sistema particular, regido pelas mesmas leis gerais.

1
Vaidade das vaidades, tudo é vaidade.
2
Oh altitude da sapiência e ciência de Deus! Quão incompreensíveis são as tuas obras!

686
Qual é essa Lei geral, que sustenta todo o Universo? É a atração, e
movimento (ou força de projeção.) Que é atração? Certa força inerente à
matéria. Que é movimento? Certa força comunicada à matéria. Logo duas
Leis de força sustentam a harmonia da majestosa obra do Universo.
Abaixemos o voo sobre o Globo da terra, que habitamos, o qual forma
um dos sistemas particulares, e que foi classificado em três reinos = Animal,
Vegetal e Mineral. = Que observamos?
Que o reino mineral não é outra coisa mais que um Laboratório químico,
em que se observa por certa disposição natural a união de certos princípios,
e deles resultar necessariamente certos efeitos. Ora obrar necessariamente,
é obrar por direito de força inerente à matéria. Aqui temos o mesmo direito
de força.
A animação do reino vegetal, marchando por nova ordem mais análoga
ao reino animal, produz os mesmos efeitos sempre necessários no desenvol-
vimento da sua criação, perfeição e decadência. Eis a mesma força criatriz.
O reino animal, colocado (ao nosso entender) em ordem mais nobre
pela sua construção orgânica, está sujeito às mesmas Leis gerais no desenvol-
vimento da sua criação, perfeição, e decadência; sim, o homem observa em
si nascimento, perfeição, e decadência; no poder dos elementos atribui estes
três estados na sua ordem física, com a diferença, que tudo o que promove a
sua existência e perfeição, chama harmonia e princípio bom; e o que produz
a sua destruição, chama guerra, e princípio mau, quando a estabilidade da
vivificação também depende da destruição; Lei fatal, e segredo do Eterno, a
que está sujeita a mesma cadeia da Ordem moral; porém o homem, esque-
cendo-se destes princípios, quer analisar o segredo da força criadora nos
elementos; voa com asas de vidro sobre os astros, observa ali o movimento,
mede a extensão, calcula a massa; e, arrebatado pelo orgulho e ambição, voa
com a imaginação à Eternidade, aonde então adormece, e fica descansado.
Acabemos de mostrar, que atração, e força de projeção são as duas
molas, que sustentam a ordem física do Universo; agora veremos, que
Egoísmo e Liberdade são as que conservam a ordem moral, e que corres-
pondem perfeitamente às duas primeiras, ainda que por diferente marcha;
porém são uma e a mesma coisa relativamente aos fins e resultados.
Sendo a força de projeção comunicada aos astros graduada segundo o
grau de força de atração dada à matéria, os seus efeitos são sempre gradua-
dos, proporcionados, e constantes na sua marcha, como efeitos calculáveis;
pelo contrário, o homem sendo Senhor da sua liberdade absoluta, ou Senhor
de dar o movimento às suas ações (que corresponde à força de projeção)

687
era necessário que a sua força física inerente a sua matéria corpórea fosse
graduada, a fim dele não exceder os limites da sua existência; porque se o
homem gozasse de uma força imensa, como goza de uma liberdade absoluta
nas suas ações, um só destruiria tudo: e por isso foi dotado com uma limitada
força física, precária, desigual, e sujeita às necessidades da subsistência da
propagação, e da força maior sustentada pelo interesse comum da vontade
geral, da qual o Soberano é o Sustentáculo.
Daqui se conclui, que força de projeção, movimento, e liberdade são
sinônimos; assim como atração, e egoísmo são sinônimos, com a diferença,
de que a primeira rege os corpos inanimados, e a segunda os animados: a
primeira pode ser calculável por estar sujeita à quantidade de matéria, e a
razão inversa do quadrado da distância; e a segunda segue a proporção da
ignorância e da maldade, e tem por limites o fim da existência de cada homem.
Observemos agora o mesmo homem fora da Sociedade, entregue aos
impulsos da natureza desde o seu nascimento. É na verdade um ente digno
de compaixão, sem que reconheça em si outro direito além da força, e outra
Divindade além do Egoísmo – Ídolo primordial da natureza feroz, e inculta
– primeiro dote (segundo Teólogos) procedido da corrupção do primeiro
homem desobediente – Cancro, que rói continuamente no coração humano
– fome, que todas as riquezas da terra não podem saciar – fonte e origem
devastadora da boa ordem social – monstro, que induz o homem a cometer
toda a qualidade de crimes; que lhe faz perder o crédito, a boa fé, a honra, o
brio, a vergonha, o decoro, a probidade, e até finalmente a própria existência
– contra o qual não há Filosofia, mas tão somente os princípios Sagrados
de uma Religião Santa, que ensina a desprezar as riquezas mundanas em
paralelo da Eternidade: Sim, um abismo de vingança, uma força limitada
e precária, e a Lei de Primi capientis – são os direitos, que nascem com o
homem Selvagem e inculto.
Aonde estão os direitos naturais e de propriedade tão decantados pelos
impostores Naturalistas, a não ser a força concedida a todos os animais,
igualmente o egoísmo?
Tenho a meu ver mostrado: Que o grande sistema da Natureza é ainda
regido por Direito de Força, e por consequência, que os seus efeitos não
podem ser senão do mesmo gênero e espécie, digo, não pode haver força
moral numa Sociedade sem ser coadjuvada pela força física.

688
PARTE 2.

Passemos agora a examinar a origem das primeiras Sociedades. Sendo o


direito de força no homem muito desigual já por defeito orgânico, por idade,
ou por moléstias, e outras necessidades, foi obrigado a convencionar com os
da sua espécie: isto é, a ceder da sua liberdade absoluta, que é deixar de usar
do direito de força em certas ocasiões motivado pelo impulso das paixões,
para gozar dos direitos da Convenção ou do direito Civil.
É pois evidente, que se o direito de força preside a toda a natureza, o
seu resultado deverá ser do mesmo gênero e espécie; e por isso o Direito de
Convenção será – A união de todas as forças particulares de cada homem
em uma só, sujeita à voz e obediência de um Chefe escolhido e proclamado
pela Sociedade – como o mais hábil em destreza, ânimo e força, a quem o
Ancião mais venerando fala em nome e presença de todos do seguinte modo.
“Senhor, temos observado, que todo animal nasce, cresce, decresce, e morre;
para estes fins come, bebe, e tem ao menos uma fêmea, em que produz
geração; conhecemos que a terra é dote para todos sem repartição; que se
o nosso sustento só fossem ervas, haveria entre nós menos guerra; mas os
frutos e as Caças acabam localmente, pelo que somos obrigados a criar e
plantar, ou continuamente a mudarmos de situação; nestas mudanças esta-
mos expostos a uma contínua guerra, e se plantamos, não colhemos, porque
somos roubados. Eu estou velho, mas já sustentei por minha agência e força
muitas mulheres, de que tenho muitos filhos, uns de força e valor, outros
fracos e tímidos; porém tanto me dói o forte como o fraco quando choram
de fome. Eu os entrego à vossa disposição para com eles, e todos os que aqui
se acham do mesmo acordo, fazeres guerra aos nossos inimigos, e defenderes
o suor do nosso rosto. Se não posso correr, porque me tremem as pernas, e
se não posso adestrar a flecha, porque me treme a mão, pacífico na aldeia
ainda posso trabalhar unido aos outros velhos, fracos e tímidos; pois não é
justo que seja sacrificado ao desamparo quem até aqui foi útil. Disponde,
Senhor, das nossas forças, porque todos vos obedeceremos – Esta é a nossa
vontade – Gritarem todos – Estamos pelo mesmo – Esta é nossa vontade.”
Eis a linguagem da natureza, e a forma do primeiro Pacto Social, reco-
nhecendo um Chefe, a quem tudo presta obediência e respeito, vivendo talvez
por muito tempo em comum, até pelo decurso do tempo se irem acostumando

689
ao trabalho social; e até finalmente pela experiência se fazer o apuro das Leis,
capazes de remediar os inconvenientes, que fossem ocorrendo.
Daqui se conclui, que da multiplicação de muitas forças unidas entre os
homens se formam os grandes Impérios. A dificuldade é a união, ou reduzi-las
à unidade de vontade; pois que sendo o egoísmo ordenado a mola real para a
conservação dos homens; sendo desordenado (como quase sempre acontece)
é um inimigo tão poderoso, que os desune, e tanto quanto os homens são
diferentes no pensar e na fisionomia.
Deus tudo quis precaver, para conseguir os fins a que se propôs; porque
criou os homens sujeitos a tantas necessidades, e sua força tão desigual e
precária, que servisse de contraste ao desordenado egoísmo, obrigando-os
desta forma a unirem-se, fazendo prevalecer a força maior sujeitando a menor.
Eis a prática de todas as Nações, fazendo prevalecer a vontade geral,
sujeitando a particular.
Sendo estes princípios infalíveis na prática de todas as Nações, elas não
fazem mais do que seguir a marcha da natureza; pois que a ordem moral
segue a ordem física, que é: Os corpos menores serem atraídos pelos maiores.
Além disso, entre efeitos de atração, e efeitos de Egoísmo, há só a diferença
de que, uma move os corpos inanimados, a outra os animados.
O Egoísmo particular de cada homem fica portanto coarctado pelo
direito da força maior, que é a vontade geral, que manda: Todo homem
só poderá fazer aquilo que as Leis de Convenção não proibirem: E jamais
poderão dizer: Eu hei de fazer o que quiser.
Não basta que a vontade geral queira; mas sim que se ponha em execução
esta vontade de conveniência, isto é, passar de possibilidade a fato perma-
nente, pois que vontade geral é um Ente mudo sem ação, e quando obra
por si, é semelhante às inundações, que, longe de serem úteis às plantas, as
destrói: Donde se conclui, que nunca um estado de revolução pode decidir
desta vontade geral; pelo contrário é confusão da vontade geral, da qual os
Anarquistas aventureiros se servem para fazer prevalecer a força da intriga,
e do seu egoísmo particular com a bandeira de vontade geral dos Povos,
escrevendo uma parte com veneno coberto de ouro – Viva a Liberdade; – e
da outra com caracteres de fogo – Morra o Despotismo, – sendo eles os
próprios monstros que o exercitam a ferro e fogo, para fazerem prevalecer
o seu interesse, e cevar sua vingança particular, calcando aos pés as Leis de
Convenção, que serviam de prisão ao seu desenfreado Egoísmo, voltando ao
estado da natureza selvagem, porém muito mais perigoso e feroz, semelhante
ao tigre embravecido, que rompendo as prisões, assola tudo por onde passa.

690
Deixemos verdades palpáveis, que todos conhecem, e passemos ao
suprassumo da Sabedoria humana! Isto é, a grande e importantíssima ques-
tão da matéria vasta do tempo = Qual seja a melhor forma de Governo =
porque os carrancas antigos eram uns brutos, e a marcha, que a natureza
tem seguido desde o Dilúvio sobre Monarquias, é cheia de ferrugem em
proveito dos Bonzos, e Soberanos (dizem os tolos, porque tolos são bem
conhecidos) mas sim devemos seguir uma forma de Governo próprio dos
grandes conhecimento do Século das Luzes; cuja luz tem feito despovoar da
Europa vinte a trinta milhões de habitantes de forma humana, para irem
com seus Satélites do Governo Representativo povoar o Rio das Mortes, e
merecedores por seu heroísmo na Pátria, que deixaram com LIBERDADE
REPRESENTADA de que seus nomes (salvo os Mártires) sejam imortais na
Posteridade de Verdugos e Monstros, e cujos sufrágio de pragas, e maldições
irão de geração em geração; principalmente entre os Povos Franceses, aonde
quem era rico, ficou desgraçado, e o pobre ficou rico.
Por não entrar em o No dos pobres de juízo, protesto não entrar em
análise no labirinto dos esquentados Publicistas, que por satisfazerem a
vaidade de seu egoísmo em ganhar séquito na popularidade, traçaram um jogo
de palavras ocas debaixo de princípios uns imaginários, outros contraditó-
rios, que servissem de matéria combustiva e incendiária à parte mais vaidosa
dos povos (a que se presume instruída) para esta fazer correr a multidão
atrás do aparente, que não conhece o sofisma (semelhante ao cão da fábula
de Esopo, que largou a presa dentro da água para agarrar na sua sombra)
julgando-se lesada de tantos direitos naturais, e tantas liberdades pintadas,
espezinha as Leis da Sociedade, quebra o Juramento em virtude destas devido
ao SOBERANO de Obediência e Respeito, caminha após de sombras, e com
tal mania, que se julga até com autoridade de envolver por força as Classes,
que não acreditam em sonhos, e o mais é! Que até os mesmos Soberanos!!
Não me cansarei igualmente em revolver as páginas da História para
mostrar a constante marcha da natureza dos Legítimos Poderes dos Salomões
e dos Czares; porque os Políticos de água de Colônia me argumentarão com
séculos de ferro, séculos de ouro, séculos de ignorância, e séculos de Luzes,
e os tempos serem outros (argumentos das velhas) como se os homens não
fossem sempre os mesmos, e como se a depravação dos costumes não fosse
o único objeto, que os faz mudar, e de cujas circunstâncias se aproveitam os
Anarquistas para promoverem a guerra Civil, origem fatal e tragadora do
gênero humano, de todas as ciências e Artes, de onde lhes procede os nomes
de séculos de ferro, e séculos de ignorância.

691
Da fraqueza e bonomia dos Soberanos também algumas vezes se ante-
cipam as Revoluções; que por falta de igualdade na execução das Leis, e da
escolha de empregos para acomodarem os homens, e não de homens para
empregos; pouco zelo da sua Autoridade, e grande familiaridade com povos,
lhes faz lembrar o atentado de julgarem Representativa a sua Autoridade,
quando sua Realeza está unida ao Lugar, deduzida a marcha da Natureza
Universal, como abaixo farei ver. Santo, exposto à irreverência do povo, e às
injúrias do tempo, pouco a pouco se lhe perde a fé: Tal é a condição corrupta
do homem, e tanto pode a sua educação, acostumado a Reverenciá-lo no
Templo.
Desenganem-se os malvados, que a Natureza pugna pelos seus direitos,
e há de ser constante na sua marcha. A causa dos Soberanos é a mesma causa
dos Povos, e não causa dos malvados; e aquele ponto que dela se desvia por
Alto Destino incógnito ao homem, não pode deixar de ser precária a sua
existência, como temos visto na edificação de Repúblicas, que apenas têm
hoje existência na História.
O Universo, como já disse, ou a grande e majestosa obra da Natureza
se compõe de infinitos sistemas: neste Número entra o nossa sistema Solar,
único que em parte caí debaixo das nossas vistas, o qual se observa ser
composto de um grande corpo luminoso, colocado no centro do Sistema,
que é o Sol; de seis Planetas, nos quais entra a Terra, que giram à roda dele;
dez Satélites, que se movem à roda dos Planetas; e mais de vinte Cometas,
tudo sustentado nas suas Órbitas pela força de projeção e atração, sendo o
Sol o seu Soberano, que os conserva na sua rotação, harmonia, vivificação,
e estabilidade.
Todos os mais sistemas sem dúvida devem seguir a mesma marcha.
Aqui temos outros tantos Impérios físicos, dominados cada um por seu
Sol, (ou Soberano) que lhes coarcta a força de projeção (ou Liberdade) a
fim de que na sua respectiva esfera de atração (ou terreno do seu Império)
possam gozar de suas influências (ou Governo) animando por efeitos de seu
calor e Luz (Sabedoria) os três Reinos Animal, Vegetal, e Mineral = (Os três
Poderes = Legislativo, Executivo, e Judiciário = de tal forma harmonizados,
e identificados entre si, que cada um nada obra sem comum acordo com os
outros, de onde procede sua admirável harmonia, e sua estabilidade).
Aqui temos a Ordem moral das Sociedades perfeitamente deduzida da
mesma ordem física, e dela se conclui evidentissimamente, que pela mesma
ordem geral da natureza, que é a mesma Lei Eterna que, a Soberania não
consiste em nenhum dos três Poderes, mas na Legítima Autoridade de dirigir
os três Poderes por sua prudência (calor graduado) e Sabedoria (Luz) a cuja

692
Autoridade é devida a obediência e respeito dos Povos, de cuja Obediência
e Respeito provêm da União e tranquilidade, de cuja tranquilidade provém
a mútua e recíproca felicidade das Nações.
Bem se vê que o Poder Legislativo é o mais Nobre, e que corresponde
ao Reino Animal colocado também ao nosso modo de entender na Ordem
mais nobre por sua construção orgânica, e mesmo por nele se achar a classe
dos homens, a quem foi dado o maior grau de Raciocínio, e como que parece
criado para dar as Leis sobretudo no Globo da terra, e quase com poder
de alterar os outros dois Reinos Vegetal e Mineral, assim como o Soberano
pode alterar o3 Executivo e Judiciário; porém por esta ilação da natureza
parece que o Legislativo corresponde à força criadora, que conduz a ordem
Moral, dimanada do centro, que é a Soberania, e que os outros dois são
umas forças, ou agentes, que correspondem à atração do Sol, que coarctava,
o excesso de Liberdade, e cujas forças devem ser tão unidas à obediência do
Soberano, assim como a atração está inerente à matéria (se possível fosse)
para reinar a perfeição da harmonia Moral, assim como Reina na ordem
física, de que aquela é cadeia.
Também se conhece da mesma ordem da Natureza, que os Impérios
devem ser tais na sua extensão, que as influências do Governo do Imperante
possam produzir os seus efeitos com a possível prontidão, para a felicidade
dos Vassalos; assim como o Sol obra só na atmosfera da sua atração. Tire
cada um as conclusões que quiser.
É certo que quando uma Nação se acha em estado de emancipação,
segue a marcha da natureza em se constituir Independente; e se ainda não
está neste estado, debalde pretenderá lutar contra o direito da força maior,
único móvel de toda a Natureza.
A Proteção do N. Imortal Imperador; a distância de duas mil léguas, e
todas as mais circunstâncias, e recursos em que se acha o Brasil comparativa-
mente ao de Portugal, podiam ter desvanecido todo e qualquer receio sobre
a conservação da Independência Brasílica; porém o espírito Revolucionário
dos malvados Anarquistas, levados pela vingança particular, egoísmo desor-
denado, para conseguirem entronizar-se à maneira de Napoleão, não lhes
importou (nem importa) seminarem pela intriga esta desconfiança de tal
forma, que a Nau do Estado teria encalhado, e despedaçado se não fosse o
N. Imortal Defensor Perpétuo.

3
Bem se deixa entender que as mudanças serão quanto à forma, assim como o animal
não pode dar a força criadora à vegetação e mineração.

693
Meus Patrícios, fujamos de tudo quanto for representativo, queremos
realidades. Que quer dizer lançar mão da Legítima Autoridade dos Soberanos;
baralhá-la nos três Poderes; obrigá-los a entrar em rateio; criarem desta forma
três Corpos inimigos uns dos outros, para disputar cada um a sua Autoridade;
de cuja guerra há de proceder o equilíbrio, a união, e uma só vontade em seus
resultados? Eis a descoberta da Pedra Filosofal, que estava reservada para o
século das Luzes, em que se calcula a maldade dos homens por quantidades
iguais, para corpos heterogêneos darem resultados homogêneos. Não temos
aqui um Mistério superior em privilégios ao da Trindade, que sendo Este
superior às forças do entendimento humano, aquele é contraditório? Não é
pretender que um círculo tenha três centros? Não é pretender que uma só
roda se mova em três eixos? Não temos aqui um Monstro de três cabeças,
semelhante ao fabuloso Dragão, que forma um dos trabalhos de Hércules.
Símbolo (além dos doze signos) que alguns Antigos tomaram por emblema
do nefando, e execrando Republicanismo, que pretende grassar disfarçado
com o Manto Real, e que felizmente lhe tem acontecido por toda a parte
como ao Lobo vestido de pastor, segundo a fábula de La Fontaine?
A prosperidade da Inglaterra, procedida do florescimento do seu
Comércio, como Nação industriosa por necessidade, para suprir as faltas de
seu agreste País, e procurar por este meio o equilíbrio com as Nações, tem
sido um dos principais espelhos, que os facciosos têm encarado aos povos, a
fim de conseguirem também por este meio iludi-los. Pergunto: A Inglaterra
tem tido poucos choques populares procedidos da sua forma de governo?
Não tem sido eles sufocados pelo direito de força armada a título (e bem
entendido) de Salus Populi prima Lex esto: Não são leis de força, o bravo
mar de que está rodeada, as fortalezas, a sua ponte de naus, ou seu imenso
estado de marinha, e por isso sem receio das influências Continentais, pela
dificultosa proteção deste havendo alguma energia no Governo? Falemos
verdade. Muitos animais no mundo precavendo a sua defesa futura contra
seus rivais, fazem covas na terra, que também lhes vêm a servir de prisão e cati-
veiro. Deixarei igualmente de memorar (por ser desnecessário) a prolongada
estabilidade de todos os Impérios poderosíssimos, e Reinos sobre o Globo da
terra, que têm feito a felicidade de seus Povos por tempos imemoriais, onde
nunca se consentiu que os malvados se desviassem da Liberdade que dirige o
interesse comum. Logo não podemos atribuir só à forma do Governo Inglês
o seu florescimento e estabilidade, mas sim às suas circunstâncias locais ou
físicas, donde dimanam as morais e políticas.
Outro sofisma trazem os facciosos: Que tudo na ordem da natureza está
sujeito à mudança e alternação quanto à forma: sim, tudo nasce, chega ao

694
estado de perfeição, e decai. Concedemos, que o Estado Político das Nações,
como cadeia moral unida ao físico, da mesma sorte que o nosso Espírito está
unido ao corpo, tem alterações de saúde pelos maus Médicos (Ministros) etc.
etc.: Respondo: se deve com relação ao terreno, ao Comércio, à Indústria, à
vizinhança, e localidade, à Sabedoria do Imperante, e sua vigilância sobre os
Ministros executores da Lei; mas nunca pelo estado infernal das revoluções,
que, semelhantes aos incêndios, reduzem tudo a cinzas.
Não tem o barro direito de se levantar contra o Oleiro, porque de uma
porção formou vasos para flores, e de outra para diferentes usos, quando
tudo por sua natureza ficou sujeito a se quebrar. Estas e semelhantes razões
alegam os Teólogos para responderem aos que se queixam da desigualdade
da sua sorte Espiritual (dando Deus graça eficaz a quem quer) e temporal
pela desigualdade de fortuna. Seja ou não conveniente esta razão, é certo
que existe esta desigualdade em toda ordem física e moral, em cuja infinita
modificação diferente se mostra a grandeza do seu Autor.
Se existe em toda a Natureza esta desigualdade para os Altos fins do
Criador, até mesmo desigualdade entre o amor dos Pais e dos filhos, como
queremos que o Soberano na distribuição do prêmio e castigo seja tão exato,
que exceda até a mesma ordem natural determinada por Deus? Sim, todos
querem na Sociedade ser ricos, todos querem descanso, benefícios sem
merecimento, despachos honoríficos do Imperante, e atribuir a sua falta de
Justiça e Equidade seus infortúnios.
Quem não conhece, que prêmios sempre lisonjeiam Egoísmo; e o castigo
ainda no fiel da balança da Justiça, sempre desagrada, e reclama vingança,
e é batizado por quem o sofre por Despotismo?
Quem não conhece que nos tempos revolucionários se faz quase sempre
necessário, que a Balança da Justiça participe também das oscilações do
estado, para tapar a boca dos celerados (ordinariamente confeitos de enfor-
cado) deixando muitas vezes os gemidos do Cidadão benemérito acantonado,
por haver certeza que ele não grita, até que os Soberanos, restituída a tran-
quilidade, desviando-se do círculo ótico, principiem a olhar com a razão os
cantos do seu Império?
Quem não conhece que os soberanos não gozam de atributos Divinos,
para poderem simultaneamente estender a sua percepção para toda a parte,
e dissipado que seja o nevoeiro das preocupações de que procedem as pertur-
bações, o prêmio, que por ele for dado ao Cidadão probo, e honrado, fará
tanta mais impressão aos olhos da Nação, quanta fazem os raios de Sol pela
mesma reverberação dos vapores, que o encobriam?

695
Alerta, Brasileiros, contra os malvados, que vos falarem em despotismo
de Soberanos, para transtornarem as Sociedades; quais Raposas astuciosas,
e quais Lobos vestidos de pastor para nos enganarem. Quereis um sinal sem
equívoco para os conheceres? Todo aquele, que por sua escrita, ou palavra
for incendiário ou promover o mal ou a perturbação, fomentando partido
de discórdia; eis a única hidra, eis o monstro do Despotismo horroroso,
que intenta entronizar-se cercado de satélites desmoralizados, fulminando a
intriga com máscaras de cativeiro, Despotismo Real, Pátria infeliz, Direitos
naturais, Soberanos Populares. Encarai-os, e virai-lhe as costas, e deixai-os
à vigilância de quem compete conhecer e castigar sua maldade.
Tenho mostrado por análise a cadeia, que prende a ordem física com
a ordem moral de toda a natureza criada, e que ela se rege em toda a sua
extensão por uma Lei de Força proporcionada; e como nada mais existe,
também por ela havemos de ser regidos. O mais tudo são palavras sem
sentido; resultado de Sociedades Secretas da Classe média, ou aquela que
possui os sofismas filosóficos, para sempre tirar partido de conveniência.
Não vos deixeis iludir com meros sons, ou com o retrato da Liberdade,
como desgraçadamente aconteceu à França! A Liberdade nos foi confiada
por Deus debaixo do cativeiro das necessidades da subsistência, criação, e
educação da espécie humana; a desigualdade de força física e moral desde o
estado de criança até velho ancião; a desigualdade de sorte, de fortuna, de
saúde, de pensar, de gênio, de condição, e de outros imensos riscos da vida
humana, procedidos do ímpeto das paixões do desordenado – Egoísmo – E
por isso nos obriga por todas estas desigualdades a vivermos em Sociedade,
isto é, à sombra da força maior, que sustenta o interesse comum, que é
proteger a Propriedade, e o sossego, ou asilo do Cidadão, que tem timbre
de sustentar em sua cabeça as Armas com que o Ente Supremo o distinguiu
dos brutos, que é a razão, ou a Liberdade racional dimanada do centro para
a periferia; aliás nos confundiremos com toda a espécie de animal.
O Soberano, como Chefe vigilante, que ocupa o centro da Sociedade, e
único, que tem a seu cargo o conhecimento da força moral, digo, que número
de rebeldes se desvia atracionadamente [sic] da vontade geral, e interesse
comum, é o Piloto, que dirige a Nau do Estado Político, e que quanto ela
for maior, tanto cresce a ruína. Ele é o Prisma Político, que divide o prêmio
e o castigo; é por ordem natural o Defensor do interesse comum da Nação;
é o centro da reunião da vontade geral, e por isso Senhor da reunião das
nossas forças, para poder fazer guerra aos nossos inimigos externos e inter-
nos, a fim de conservar a harmonia social; faz-se portanto necessário, que,
para nossa lembrança e Honra de seu Autor, que tanto nos tem livrado dos

696
perigos, conservemos sobre nossos corações a seguinte Legenda – UNIÃO,
e TRANQUILIDADE –.
E tu, homem Vaidoso, e Impostor, que transtornas com teus Sofismas
filantrópicos a ordem natural das Sociedades, debalde te cansas contra o
Poder da Onipotência! Lembra-te antes, que essas faculdades intelectuais,
de que tanto te desvaneces, são tão limitadas, e besuntadas de barro, de que
foram revestidas, que jamais formas ideia alguma sem corpo, e jamais sairás
de observar efeitos! Eis a tua Sabedoria! Na indagação do mais insignificante
objeto da natureza te precipitas no mais impenetrável abismo de trevas! A
vaidade porém sem limites, te faz jogar a Cabra-cega por meio dum jogo de
palavras, que nem tu mesmo as entendes, só por ostentares impostura para
com as classes que te nutrem, repartindo por elas com mão franca Soberania
aos pedaços, até pelos que só te podem servir como gansos do Capitólio.
Quem me dera uma Trombeta de tantas bocas quantos são os habitantes
da terra enganados, a fim de poder gritar contra a impostura destes malvados
Aventureiros, que querem fazer passar como Heroísmo a intrepidez, com que
ousam atacar com seus sofismas de Direitos Naturais, e Soberanias populares
a marcha da natureza, que sempre seguiram as Sociedades, e há mais de trinta
anos que as principiaram a desorganizar, levando Reis ao Cadafalso, e mais
de trinta milhões de seus Semelhantes à morte civil e natural; pretendendo
à sombra do Manto Real apoderar-se da Balança de Astrea, só confiada
ao Primordial, e Único Chefe das Nações, para quê? Para no fim de imen-
sos estragos voltarmos desenganados, e despedaçados à mesma ordem da
Natureza. Assim aconteceu à França, Nápoles; Espanha, e Portugal.

F I M.

697
60

GOLPE DE VISTA
SOBRE
A
SITUAÇÃO POLITICA
DO

BRASIL INDEPENDENTE
TRADUZIDO
D’UM MANUSCRITO HESPANHOL
FEITO EM JUNHO DO CORRENTE ANNO.

RIO DE JANEIRO.
NA IMPRESSAÕ NACIOAAL. 1823.

698
GOLPE DE VISTA
SOBRE A SITUAÇÃO POLÍTICA
DO
BRASIL INDEPENDENTE

A Ninguém deve surpreender que o Brasil proclamasse sua Independência, e


que elevado à categoria de Reino por mercê do Senhor Dom João VI passasse a
constituir um grande Império pelo brio de seus filhos, e pelas atrativas virtudes
do atual Monarca. Apesar de seu talhe agigantado, viam-se encadeados estes
acontecimentos com a triste emigração de 1808, época memorável, em que
toda a América Meridional cessou de ser para sempre o patrimônio exclusivo
de duas Potências incapazes de fazê-la venturosa, ou desgraçada. Um Trono
apareceu então na Terra de Santa Cruz; era o Trono de João VI sempre
destinado a transformar uma parte do Globo para felicitar a outra parte.
Nós pois, que o vimos deixar o Tejo, – que o vimos correr pelo Atlântico – e
levantar o seu Pavilhão nas faldas do Corcovado, disposto a seguir a carreira,
que lhe traçaram os Pombais e os Pitts,1 se alguma coisa temos que estranhar
hoje é somente o ter tardado tanto em amanhecer o Dia 12 de Outubro de
1822. Empenhava-se o Gabinete do Rio de Janeiro em arredar este momento,
ou temia porventura os seus primeiros alvores? Convinha-lhe o primeiro?
Era justo o segundo? Eu o ignoro, e até para formar suspeitas faltam-me
os necessários dados; mas se de tais circunstâncias me fora permitido dizer
alguma coisa, seria somente = que o interesse de uma classe corrompida pela
extensão de seus privilégios, opunha constantes embaraços à única resolu-
ção, digna do mais dócil Monarca, e de Ministros capazes de reconhecer a
delicada situação dos negócios; os quais surpreendidos por acontecimentos
não previstos; assim como açodado o Rei, e os Grandes atentos unicamente
em conservar o que tinham adquirido em 14 anos de concussões, tomaram o
pior de todos os arbítrios; qual foi abandonar o País ao poder das baionetas,
ou à força do destino.2

1
Transladar para o Brasil a Sede da Monarquia era um dos golpes preparados pelo grande
Pitt para castigar o orgulho dos Franceses.
Todos os passos da Corte do Rio de Janeiro mostram a agitação, a incerteza, a imbecili-
2

dade dos homens, que dirigiam o leme dos negócios públicos na grande crise do começo
do ano de 1821.

699
Eis aqui sem dúvida o que Portugal apetecia, e o que os seus Agentes no
Brasil chamaram o maior triunfo da Constituição; crendo, e não sem funda-
mento, que pela desaparição do Trono, pela ausência do Monarca, e pelo
súbito transtorno de todas as relações estabelecidas, no largo espaço de 14
anos, deviam seguir-se dias de espanto, e de incerteza; onde o Povo incauto,
longe de irritar-se encheria de bênçãos um código destinado a soldar a antiga
cadeia com metais de têmpera mais fina. E com efeito, quem o desconhece?
Este cálculo era cruel, era pérfido, sanguinolento; em uma palavra, era tudo,
porém não um absurdo.
Portugal contava desde Pernambuco até Montevidéu com mais de 8.000
Soldados seus, e a sua inteira disposição; e desde o Uruguai até o Amazonas
tinha por seus partidistas quase todos os que se chamavam nobres, ricos,
proprietários, Comerciantes, e bons Portugueses no Brasil: tinha além disto a
seu favor o prestígio de Instituições liberais, o poder da novidade, o auxílio
das Sociedades Secretas,3 o temor das convulsões intestinas, e o exemplo da
América Espanhola, o que tudo os instigava a conter o Brasil nos limites de
uma cega subordinação à Metrópole, ou dividi-lo, incendiá-lo, e pôr-lhe um
jugo mais pesado, que o antigo, em caso de resistência. A prova mais clara,
e manifesta de que estes recursos davam a Portugal, ou ao seu partido uma
preponderância sem limites, aparece; quando ao simples Fiat de umas Cortes
incompletas, vemos abater-se o Pavilhão do Trono, o Rei estremecer, os
Ministros fugirem, calar-se a Grandeza, e correrem todos como escravos ante
os orgulhosos Tribunos, que tinham jurado a sua perda, como base nas novas
Instituições. Isto era difícil, e parecia impossível;4 mas uma vez conseguido,
tinha então direito Portugal de esperar tudo da sua fortuna, ou da miséria
dos povos, que lhe tinham dado tantos exemplos de escravidão heroica.5
Não o acusemos pois se assim imbuído começa desde logo a deliberar sem
a concorrência dos Representantes do Brasil, nem se, sobremaneira ousado,
manda viajar para que se instrua, o Herdeiro da Coroa, em Quem pouco

3
Mui pouca gente ignora hoje a parte principal que elas tiveram em todos os sucessos da
Bahia; assento do partido das Cortes, e foco das suas primeiras intrigas.
Vejam-se para a prova as Representações do Senado do Rio de Janeiro ao Senhor Dom
4

João VI pedindo-lhe suspendesse a sua volta para Portugal. Vejam-se as Ordens que deu
à Junta Eleitoral da Praça do Comércio para que se não permitisse sair navio algum de
guerra ou mercante, quando já estavam prontos para dar à vela os que deviam conduzir
a Lisboa a Real Família.
Se o Diário do Governo de Lisboa do 1.º de Maio de 1821 com a primeira notícia de
5

El Rei haver jurado a Constituição, clama: – Segunda vez temos conquistado a Améri-
ca! – que diria sabendo que Avilez tinha conseguido restituir a Portugal até os ossos da
Rainha Dona Maria I.

700
antes depositara as chaves do Brasil. Este passo, bem difícil, era necessário à
sua Política, e para o dar sem risco, sobrado lhe parecia o auxilio da mesma
espada, que há pouco tinha escrito o juramento da Constituição nas lousas
do Rocio, da mesma espada, que imolara as vítimas de 21 de Abril, e que
arrancara do seu novo assento, e não receara um só momento de perturbar
a majestade silenciosa do Real Sepulcro6 para não deixar ao Brasil, nem
sequer um Esqueleto capaz de o lembrar, que fora o asilo dos Braganças,
mal defendidos, e ainda abandonados pelos Portugueses do Século XIX.
Com efeito a orfandade do Brasil foi por alguns dias alguma coisa mais
do que simples suspeitas, e temor. Nós vimos, sim nós vimos o Povo dessa
Corte dividido, vacilante, e receoso de grandes mudanças: vimos as Províncias
isoladas, ciosas, e dispostas a disputar entre si a Soberania: vimos a insolência
das facções, que erguiam a cerviz, sacudiam as melenas, e aguçavam as garras
para as entranhar no seio da Pátria.
Graças à Providência, louvores ao Povo Brasileiro, glória ao homem de
alma forte, que interpondo das alturas da Pauliceia seus clamores perante o
Augusto Herdeiro da Coroa, conseguiu ver suspensa a sua retirada, alentou
os débeis, desconcertou os planos dos malvados, e só confiado em seus recur-
sos, soube formar um Exército, que arrojasse para longe das nossas praias
os Janízaros insolentes, os Avilezes, e Carretis! Então a face do Brasil muda
em um momento; porém seus campos retalhados de bosques impenetráveis,
de profundos rios, e grandes precipícios deixavam pouco espaço à Política,
para dirigir-se por uma linha reta ao grande ponto de todos os seus cálculos;
e nas aberrações seguintes, via-se claramente, que os inimigos da Nação não
estavam todos em Portugal.
Não direi se isto era uma felicidade, ou desgraça; posso porém afirmar,
que foi um novo embaraço para o Governo, que necessitando entregar-se todo
ao estabelecimento da força pública – dar nova ordem às Finanças – levantar
uma milícia, e abrir novos condutos à marcha geral dos negócios, via-se cons-
trangido a volver os olhos para o interior das Províncias, a conter a ambição
desvairada de seus partidos, a ilustrar a opinião pública, e a distrair-se, por
fim do que parecia ser de maior urgência, qual era estabelecer um novo
sistema, e preparar-se a defendê-lo energicamente. Foi nesta conjectura que
o Príncipe Regente viu-se obrigado a deixar por duas vezes a sua Corte para
penetrar até as Capitais de Minas, e São Paulo. Foi então que se projetaram
assuadas e motins no Rio de Janeiro para destruir o Ministério. Foi então que

6
Alude-se ao embarque precipitado dos despojos mortais da Rainha Fidelíssima Dona
Maria I.

701
na Bahia se incumbiu o Povo às baionetas Portuguesas, e que Montevidéu
convulsionado por 2.000 Voluntários de El Rei veio redobrar os cuidados de
uma invasão anunciada sem rebuço pelos confidentes de Portugal.
Quem isto escreve presenciou esta crise; viu o Exército aniquilado – a
Marinha abismada – o Tesouro gravado com uma dívida imensa, e oprimido
por um descrédito ainda maior – viu as relações do Governo obstruídas para
com as Províncias irmãs, e as despesas públicas dobradas pelas exigências
extraordinárias da Guerra – viu o comércio assustado – a navegação quase
perdida – e o Brasil inteiro atacado de uma paralisia, que muitos tiveram pelo
anúncio da sua última queda...!!
Graças, outra vez à Providência, e glória ao homem de gênio raro, que
sobremontando tantos obstáculos, preparou-nos os Dias preciosos de 13 de
Maio, 12 de Outubro, o 1.° de Dezembro de 1822.
As idades vindouras não saberão calcular como, em tão curto espaço
de tempo, couberam sucessos tão avultados; porém nós diremos = tudo isto
fez um Príncipe nascido para grandes coisas: um Ministro que não conhece
pequenas: e um Povo que para ser tudo só esperava por este momento = Nada
mais havia, quando o Brasil arrojou-se a combater seus opressores, e de então
para cá, quanto portentos! Avilez foi batido, pois foi obrigado a retirar-se,
deixando-nos o Príncipe Real; e deixando sem apoio o partido das Cortes,
pelo qual ele Avilez era mais forte, que pelos seus soldados. Novas tropas
chegam de Portugal para reforçar, ou substituir as antigas; mas vendo a sorte
destas temem outra igual, e se submetem às ordens do Príncipe, regressando
vergonhosamente para o Tejo. Novo triunfo realçando o primeiro fez ver quão
importante é nas grandes crises o arrojo, e a energia dos que mandam. Que
seria do Brasil se Avilez à frente de um Exército aguerrido, com uma Esquadra
respeitável, pudesse bloquear nossas Costas, e dirigir-se a qualquer ponto
com uma massa de quatro mil veteranos? Então a Divisão dos voluntários
Reais, realizando os planos do Conselho Militar, ou tivera voltado aos seus
antigos Quartéis da Praia Grande, ou servindo de apoio aos partidos, que se
aninhavam em Porto Alegre, e Rio Grande teria conseguido muito mais, do
que pôr em contingência a posse do Estado Cisplatino: porém esta Força,
inutilizada por um golpe de energia, e por outro de Polícia, a vemos hoje
em parte dispersa, e em parte reduzida a depender, para ir vivendo, da sua
vergonhosa união com um punhado de assassinos, e de ladrões.7 o seu número

7
A divisão dos Voluntários Reais unida aos Batalhões de Pernambuco, e Libertos, não
tinha menos de 5.000 homens, quando por Ordem de Sua Majestade, o Imperador se
mandou que o Barão de Laguna saísse de Montevidéu, e o sitiasse com as Tropas pura-
mente Brasileiras. Efetuado este movimento começou a deserção. O temor e a esperança

702
é curto, seus recursos precários, seu último fim a ignomínia, ou a morte. Ali
se vê, e não é somente ali, que o Brasil não podia ser independente sem uma
Marinha. Como era porém possível a formar? A falta de vasos fazia ainda
mais sensível a escassez dos marinheiros, de Oficiais de confiança, e de Chefes
bem dispostos a medir-se deveras com o inimigo. Era difícil atraí-los de País
Estrangeiro:8 pagar-lhes com prontidão, e franqueza aumentava os apuros do
caduco Erário. Quanto por aquele lado, ganhava-se na aparência, tanto se
perdia em crédito, e recursos para suster o Exército de Terra, e cobrir a Lista
civil, – para fazer a guerra na Bahia – para manter a paz na Campanha de
Montevidéu – e para guarnecer as Praças literais [litorâneas?] mais expostas,
por sua situação, às incursões repentinas. Formou-se a Marinha neste mar de
Conflitos – ela formou-se em menos de seis meses, e em menos de quatro deve
dar-nos por troféus da Independência do Brasil os primeiros Emblemas da sua
projetada escravidão... uma Esquadra Portuguesa – e a Terra da Santa Cruz!!9
Mas o Tesouro longe de sucumbir ao peso enorme da tantas, e tão rápidas
prestações conquistou a confiança pública – satisfez dívidas antigas – e pagou
as novas com uma exatidão nem imaginada pelos melhores amigos do Império.
Assim tudo prospera, vigoriza-se, e prepara-se a receber as reformas
em que trabalha a Assembleia Geral, digna deste título, e da confiança que
os Povos depositaram nela. Assim também as facções foram sufocadas por
medidas enérgicas; as Leis conservam, aquele império tão necessário para a
felicidade dos Povos; e estes Povos regidos por um Príncipe Heroico, que lhe
deu por divisa – Independência ou Morte –, representados por um Corpo
Legislativo, defendidos por seu Exército, por sua Marinha, por seu Tesouro,
e pelos recursos de sua produção territorial, quase espontânea e prodigiosa,
principiam a gozar daquela consideração, que não puderam granjear os seus
vizinhos em 13 anos de positiva Independência.
Na verdade, o Brasil tem Agentes aceitos em Inglaterra: em Áustria, que
os protege; na França que os considera; em Buenos Aires, que os reconhece
e a despeito dos anátemas de Portugal todos o brindam com a sua amizade,

têm diminuído continuamente a Divisão; e para isto concorreu muito, que o Batalhão
inteiro de Pernambuco se declarasse pela Causa do Império, e que o de Caçadores se
licenciasse. Contam-se 300 desertores do 1.º e 2.º Regimento: de forma que a Força
Europeia existente em Montevidéu não passa de 1.600 homens.
8
Quando mesmo não custasse então talvez a vencer a repugnância que pessoas assaz
influentes mostravam pela admissão dos Estrangeiros.
9
Note-se que isto foi escrito em fins de Junho; a segunda profecia do Autor já se cumpriu,
e a primeira não tardará a sê-lo.

703
demandam seus Portos, e fazem não estéreis votos pela duração e progressos
do seu novo sistema.
Falta somente a este Império, cuja infância é de Hércules, que reconcentre
suas forças em um único objeto; para que estendida a civilização, e propagadas
as luzes por todos os recantos da sua vasta superfície, possa dar-se instituições
análogas ao caráter, que resta a formar, ao gênio por desenvolver, aos costu-
mes, que precisam de grande reforma, ao comércio, que pouco se conhece,
finalmente ao clima, e à Religião dos Povos, que saindo apenas da escravidão
mais severa não podem passar ao estado oposto, sem exporem-se aos riscos
da experiência, à falta de hábito, à pedanteria, tão fatal às sociedades como
aos indivíduos; e tão inimiga da Liberdade, como do verdadeiro saber. Ela
dividiu o Peru em tantas Repúblicas, quantas cidades: que sem um só Liceu
se julgam capazes de rivalizar com a sábia e guerreira Atenas; e deste modo
caindo primeiro nos males de tão raro delírio se viram expostas ao ridículo
de todos, e ao desespero de seus vizinhos. Queira o Céu preservar o Brasil de
tal destino! Possa a prudência, um zelo, uma constante subordinação, guiar
seus passos na árdua tarefa de constituir-se; e que, tendo em vista a História
de todas as Idades, saiba que a tirania popular é a pior de todas as tiranias!

704
ÍNDICE ONOMÁSTICO

A
Andrada, Martim Francisco Ribeiro
A. de A. B., 28, 532
de, 624
Adams, Samuel, 320
Andradas, 671
Adão, 221-222
Andrade, Gomes Freire de, 447
Afonso I (ou Afonso Henriques),
Angeja, marquês de, 492
138, 281
Anselmo, santo 524
Afonso VI, 104
Antonio, Marco, 189
Agesilau, 189
Antônio, santo, 417
Agostinho, santo, 165, 177, 234
Antunes, padre Caetano, 264
Albuquerque, Afonso de, 355, 441
Aquiles, 399
Albuquerque, Manoel Caetano de
Almeida e, 30, 684 Arcos, conde dos, 246-248, 339
Alcântara, Pedro de, 29, 603, 615 Areopagita, 516
Alexandre, o Grande, 194, 351, 355, Aristides, 364
439 Aristodemo, 26, 267
Alexandre III, 474, 547 Arquimedes, 288
Almeida, Francisco de, 441 Arrábida, monge d’, 103, 234
Álvaro Neto, 446 Artigas, 373, 379
Ambrósio, santo, 14 Assumar, conde de, 451
Amigo da Filantropia [P. L. Veiga Astrea, 57, 697
Cabral], 30, 685 Augusto, 439
Anastácio, I 473 Avillez, Jorge de, 28, 498
Ancila, 522
B
Andrada, Antônio Carlos Ribeiro de,
26, 611 B. J. G., 28, 541
Baco, 56, 415
Baltasar, 490 Brandão, Tomaz Pinto, 80
Bandeira, 452 Brutus (Brut.), 513
Barata, Cipriano, 15, 29, 611, 620 Bueno, João Ferreira de Oliveira,
Barbacena, visconde de, 452 261
Barbeiro da Aldeia, 303, 304 Buonaparte, José, 194
Barrabás, 92 Burchard, bispo de Worms, 474
Barreto, Luiz do Rego, 262-266, C
447, 599, 613-614
Barreto, Roque da Costa, 448 Cabot, 380
Bartolomeu, são, 78, 157 Cabral, Antônio, 446
Basto, 556 Cabral, Pedro Álvares, 329, 364
Beauchamp, 570 Caldas, Sebastião de Castro, 447-
448
Becaria, 81
Calígula, 66, 194
Beckman, Manoel, 446
Câmara, José Pedro da, 537
Bentham, Jeremias, 555, 640
Camarão [Felipe], 332, 448
Beresford, 78, 116
Camões, 82
Bernardo, João 402
Canavezes, padre José de, 79
Bernardo, são, 173-174, 523
Capeto, Hugo, 560
Berraforte, 503
Caquiri, mr., 53
Biancardi, Teodoro José, 17, 26, 240
Carapuceiro, João, 303-304
Blucher, 78
Caravoé, 304
Boaventura, são, 523
Carlos I, 195, 394
Bolingbroke, 403
Carlos II, 377, 491
Bolívar, 571
Carlos IV, 194
Bonaparte, Napoleão, 71, 80, 190,
355, 444, 512, 514, 570, 671 Carlos V, 560
Bordão, Rodrigo Annes, 298 Carmo, Pereira do, 260, 587
Bossuet, 360 Carneiro, Borges, 11, 21, 121
Bourbon, Casa de, 321 Carneiro, H. J. D’Araujo, 17, 26,
344
Braga, arcebispo de, 176, 229
Carnot, 316, 524
Bragança, duque de, 203, 281
Carnutense, Arnoldo, 523-524
Bragança, Família Real de (ou Casa
de/dinastia de), 21, 24, 126, 128, Carondas, 297
129, 136-137, 139, 143, 145, Carreti, 500, 701
149, 203, 279, 292-293, 332, Carvalho, Francisco Xavier de, 430
491, 617-618, 649
Cássio, 254
Branco, Francisco Caldeira de
Castro, padre José de, 449
Castelo, 446
Catão, 189
Brandão, frei Caetano, 446

706
Catarina, dona, 441 Cromwell, 363
Cautela, Rufina Aires de Mendonça, Cunha, conde da, 537
298 Cunha, Luiz da, 570
Cavalcante, Leonardo Bezerra, 447 Cunha, Matias da, 448
Cavroé, Pedro Alexandre, 168 Curiácio, 489
César, Júlio, 450
Chastellux, 319-320, 335, 337
D
Cícero, 15, 165, 220, 513, 529, 575, Damasceno, 524
666 Damião, são Pedro, 523
Ciclope, 667 Daniel, 142
Cirilo, 524 David, 428
Clara, santa, 157 De Pradt, 18, 335, 345, 360, 563,
Clemente, papa, 112 570, 646, 660, 674
Coli, barão de, 194 Defensor Perpétuo (do Brasil), 533,
Condé, príncipe de, 444 540, 619, 665, 671, 674, 677,
693
Condorcet, 490
Demóstenes, 165
Confúcio, 518
Despréaux, 615
Constant, Benjamin, 72, 187
Deus, são João de, 95
Constantino, 288, 468
Dezengano [Cipriano José Barata de
Constitucional Brasileiro, 21, 26,
Almeida], 15, 29, 663
278
Dias [Henrique], 332
Constitucional Europeu, 15, 21, 26,
278, 297 Diderot, 557
Contreiras, frei Miguel, 95 Diniz, dom, 75
Copérnico, 340 Diocleciano, 66
Corcunda, José, 299, 302-304 Drey, 360
Costa, 93 Dubois, 366
Costa, José Daniel Rodrigues, 24, Duguay-Trouin, 448-449
90-91, 96
Costa, Marçal Nunes da, 446
E
Costa, Mateus Dias da, 447 Eduardo I, 322
Coutinho, Antônio Luiz Gonçalves El Rei, 17, 80, 104, 112, 123, 142,
da Câmara, 448 146, 175, 182, 184-185, 202-
Coutinho, Azeredo, 360 203, 230-231, 241-242, 245-246,
248-250, 263, 270, 273, 279,
Coutinho, Francisco Pereira, 441
292, 294, 308, 329, 333, 345-
Coutinho, José Lino, 620 348, 350, 352, 449, 454, 456,
Crisóstomo, João, 165 490, 503, 507, 508, 544, 548,
Crisóstomo, são, 177 561, 565, 588, 604, 610, 613,
617, 628, 643, 700, 702

707
Elvas, bispo de, 556 G
Emiliano, são Jerônimo, 95
Gage, general, 327
Estanislau, 571
Galileu, 558
Euquerio, santo, 523
Gama, Manoel Jacinto Nogueira da,
Eva, 222
20, 27, 412
F Gama [Vasco da], 439
Gamboa, doutor Hipólito, 13, 14,
F. M. da S. M. de V., 169 27, 413
Faetonte, 396 Gandet, 397
Falcão, José Anastácio, 21, 23, 58 Gato, Manoel de Borba, 450
Felice, 365 Genty, abade, 359
Felipe II, 331, 386 Golts, 81
Fénélon, 360 Gomes, 620, 630
Fernandes, Baltazar, 446 Gomes, André da Silva, 261
Fernandes, João, 424 Gonçalves, Lázaro José, 261
Fernando, rei, 137 Gordilho, 674
Fernando VII, 141, 194, 352, 570 Gregório VII, 288-289, 474-475
Ferreira, 604, 609 Guelph, George, 329
Ferreira, Gervásio Pires, 22, 623, Guilherme III, 363
625 Guimarães, Francisco Inácio de
Filangieri, 81, 365, 562 Souza, 261
Filipe, 363 Gusmão, Alexandre de, 451
Filósofo da Sé de Malinas, 362
H
Focion, 360
França [Francisco Xavier Monteiro Heinécio, 80
da], 611 Henrique, conde, 494
Francisco, dom, 113, 441 Henrique III, 194, 547
Francisco I, 493 Henrique IV, 182-183, 364
Franco, Soares, 548 Henrique VIII, 363
Franklin [Benjamin], 490 Henriques, João, 430
Frederico II, 394, 552 Hércules, 70, 694, 704
Fulgêncio, são, 530 Hipólito [da Costa], 360
Furtado, Francisco Xavier de Hobbes, Thomas, 15, 415, 429, 554
Mendonça, 446 Homero, 165
Furtado, Jerônimo de Mendonça, Horácio, 15, 34, 364, 628, 638
447 Hum Amigo da Ordem, 22, 26, 315
Hum Cidadão Brasileiro, 29, 603

708
Hum Philopatrico, 27, 357 Juno, 650
Hum Seu Compatriota [Bernardo Junot, 423
José da Gama], 29, 590 Juvenal, 558
Humboldt, 360
Hume, 15, 402-403, 491
L
La Fontaine, 694
I
Lacépede, 360
Ignácio, mestre, 83 Laguna, barão de, 702
Inocêncio I, papa, 473 Langsdorf, 544
Izabel [rainha da Inglaterra], 363 Larive, 367
J Larraga, 73
Laudon, general, 444
J. A. F., 418
Lavater, 62
J. P. C. M. Philodemo, 27, 29, 431,
Le Clerc, 448-449
641
Leão X, 428
J. P. F., 187
Lecor, general, 354, 376
J. S. P. L., 573
Ledo, Joaquim Gonçalves, 17, 27,
J. S. V., 27, 370
395, 615
Jacob II, 363
Lellis, são Camilo de, 95
Jacques, 73
Licurgo, 15, 296-297, 348, 518, 552
Jacques, Cristóvão, 329
Linhares, conde de, 352
Jaques II, 671
Lippe, 81
Jerônimo, são, 95
Lisias, Claudio, 538
João I, 281, 569
Lloyd, general, 598
João II, 189, 386
Lobo, Antonio Leite Pereira da
João III, 112, 175, 329, 330
Gama, 261
João IV, 281, 332, 449, 554, 569
Locio, Manoel, 537
João V, 138, 333, 449
Lorena, general, 537
João VI, 15, 142, 279, 292-294, 308,
334, 352, 358-361, 366, 505, Luca, duque de, 376
569, 604, 610, 613, 627, 668- Luís XI, 560
669, 699-700 Luís XIV, 366
Joaquim, El Rei, 80 Luís XV, 183
Joaquina, Carlota, 294 Luís XVI, 141-142
Jordão, Manoel Rodrigues, 261 Luís XVIII, 137, 376, 428
José I, dom, 333 Lutero, 428, 468, 522
José II, 288 Lyttleton, lord, 326
Judas, são, 103

709
M Methuen, 388
Metz, bispo de, 289
M. – J. M. P. F. R., 25, 196
Midas, 190
M. P. R. P. S. [Manuel Pinto Ribeiro
Miguel, dom, 16, 203
de Sampaio], 29, 660
Minos, 297
Mably, 18, 73, 360, 384, 593
Minotauro, 667
Macedo, J. Pinto da Costa e
(Philodemo), 27, 431 Mirabeau, 594
Macedo, José Agostinho de, padre, Monteiro, Xavier, 494
21, 23, 28, 510-511, 517, 531 Montenegro, Caetano Pinto de
Machado, Caetano, 430 Miranda, 452
Mafoma, 71, 516 Montesquieu, 12, 15, 271, 402-403,
518, 560, 594
Malte-Brun, 511, 514
Morais, Francisco de Castro e, 448-
Mancilla, governador, 379
449
Manoel, dom, 329, 385, 439
Morillo, 503
Margiochi, 554-555
Motta, João Bernardo dos Reis, 22,
Maria (rainha da Inglaterra), 363 29, 614
Maria I, 333, 700-701 Muller, Daniel Pedro, 261
Mariano, José, 613
Mário, 665
N
Mártires, frei Bartolomeu dos, 168 Negreiros, André Vidal de, 447
Mateus, 101, 104, 474, 511, 531 Nero, 66, 194
Matilde, condessa, 289 Noronha, Antonio de, 596
Maximiano, Francisco, 614 North, lord, 327
Melo, Bernardo Vieira de, 447
Melo, Ignácio Luiz Madeira de, 623,
O
630 O Amigo dos Brasileiros, 358-359,
Mello, José Correa de, 614 369
Mello, Martinho de, 596 O Corcunda de Boa Fé, 84, 108,
Mendonça, Felix José Machado de, 114-115, 117, 168
448 O Inimigo da Escravidão, 114, 118
Meneses, Francisco Telles de, 448 Oca, general Montes de, 379
Menezes, Antonio de Souza e, 448 Odonell, general, 375
Menezes, Francisco d’Alpuim de, 28, Oeynhausen, João Carlos Augusto
575 de, 261
Mercier, 242 Olanela, general, 375
Merme, 538 Oliveira, Francisco de Paula e, 261
Mestre Periodiqueiro, 24, 99-100, Orleans, Regência de, 366
102, 106, 111, 114, 302
Osiris, 439
Metelo, 189

710
P Price, 402-403, 412
Príncipe R. (Regente), 29, 247, 249-
Pafúncio, 288, 469 250, 339, 367-369, 453, 500,
Paine, Thomas, 18-19, 22, 319, 324- 503, 533, 535, 540, 550-551,
325, 327, 329, 337, 360, 384 559, 561, 571-572, 585, 596,
Palas, 428 603, 635, 643-646, 701
Parisiense, Guilherme, 523 Príncipe Real, 16, 21, 28, 203, 243,
248, 250, 258, 268, 270, 279,
Parny, 360
294, 307-308, 317, 345, 349,
Paulo, são, 96, 99, 415, 471, 473, 350-353, 432, 434, 453, 489,
523, 538 496, 534, 541, 551, 580, 585-
Paulo III, papa, 112 586, 615, 618, 621, 633, 702
Pedro, Antonio, 430 Prometeu, 369
Pedro, o Grande, 552, 562 Proteu, 216
Pedro, são, 172-173, 538 Ptolomeu, 340, 439
Pedro I, 21, 29, 663, 671
Q
Pedro II, 104
Pedrozo, 613 Quartim, Antonio Maria, 261
Penalva, marquês de, 574 Queiroz, Joaquim José de, 256, 257
Perdigão, Manoel Marques, 509 Quintela, 452
Pereira, João Gualberto, 28, 509 Quintella, Inácio da Costa, 256
Pereira, José Clemente, 396 Quintiliano, 165, 189, 511
Petion, 397 R
Pilatos, 79, 537
Pinheiro, Fernandes, 674 R. J. C. M. [Raimundo José da
Cunha Mattos], 19, 27-28, 436,
Pinkerton, 359 571, 574
Pinto, Miguel José de Oliveira, 261 Racine, 615
Pitágoras, 516 Raynal, abade, 18, 365, 402-403,
Pitt, William, 403, 412, 699 556
Platão, 516 Redator da Abelha Portuguesa, 300
Plauto, 15, 513 Redator da Espada de Alexandre,
Plutarco, 381 300
Poderoso, Jerônimo, 450 Redator do Astro da Lusitânia, 570
Pombal, marquês de, 478, 570 Redator do Jornal Enciclopédico,
Pompeu, 355, 397 303

Pompílio, Numa, 297 Redator do Semanário Cívico, 573

Portugal, Fernando José de, 452 Regente do Brasil, 29, 247-248, 263,
499, 508, 585-586, 603
Portugal Regenerado, 11, 18, 21,
184 Regras, João das, 364
Rei, cardeal, 386

711
Rei e a Família Real de Bragança, O Simonides, 360
21, 24, 126, 128-129 Siricio, papa, 473
Rezende, Venâncio Henriques de, Smith, Adam, 15, 392, 402-403
679
Sócrates, 107, 189, 360, 469
Ribeira, Amador Bueno da, 499
Sola, 452
Rousseau, 15, 415, 427, 488, 591,
Soledade, Felizarda Feliz da, 298,
643, 646
303
Rutílio (Rufino), 189
Solis, 380
S Sólon, 296-297, 348, 518
Sousa, frei Luiz de, 168
S. A. R. [Sua Alteza Real], 29, 123,
125, 339-343, 362, 367-368, Southey, 570
444-445, 453-454, 456, 491, Souza, Antônio Luiz de, 448
499, 536, 571-572, 597, 600, Souza, Luiz de, 446, 448
603, 636, 638, 649-650, 660,
Souza, Pedro de Vasconcelos e, 448
683
Souza, Thomé de, 330, 441-442
Sá, Salvador Correia de, 450
Sowarrof, 444
Sacramento, Timóteo do, 447
Stael, madame de, 491
Salomão, 306
Stockler, 262, 264, 266
Sancho II, 289, 570
Strangford, lord, 352
Sancho V, 75
Sua Majestade Imperial, 27, 395,
Santíssimo Padre, 96, 174, 178
398-399, 669, 671-672, 683
Savoie, Eugène de, 371
Suet[ônio], 597
Schomberg,81
Sully, 599
Scotto, João, 521
Sydney, Algernon, 73
Sebastião, dom, 77, 386
Sebastião, são, 73, 538 T
Segur, conde de, 365 Tácito, 552
Sêneca, 561 Talbot, 326
Senhor Exorcista, 157, 167 Talião, 179
Sequeira, Antonio d’Oliva de Sousa, Tancos, Pedro de, 537
16, 25, 197
Tavares, Muniz, 611, 674
Sesostris, 439
Teive, Gaspar da Costa de Ataíde,
Severo, Sétimo, 189 449
Sículo, Diodoro, 351 Terêncio, 15, 513, 574
Silas, 665 Tertuliano, 527-538
Silva, Antonio Manoel Policarpo da, Tomás, Fernandes, 17, 495
430
Tomás, são, 103, 467
Silva, José Bonifácio de Andrada e,
Towsend, lord, 326
261, 624

712
Tibério, 79, 189, 596
Tibúrcio, Viúva de José, 430
Tito, 194
Torguez, Fernando, 378
Trajano, 194, 439

U
Ulisses, 116, 159

V
Vênus, 416, 425, 516, 522
Vetel, 365
Vianna, Manoel Nunes, 450
Vieira, Fernandes, 332
Vieira, padre, 422
Villegagnon, cavaleiro de, 448
Virgílio, 69, 165, 196
Volney, 360
Voltaire, 15, 82
Voz do Brasil, 17

W
Waldeck, 81
Walpole, Roberto, 402-403, 412
Warden, 493
Washington, 337, 373

X
Xenofonte, 389

Z
Zoroastes (Zaratrustas), 297

713

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