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ISBN 978-65-5858-067-6 Este é o primeiro volume de uma

série de quatro que trazem ao lei-


tor uma rica coleção de panfletos
escritos à época da Independência
do Brasil (1820-1823). Usados até
agora de modo parcial e esporádi-

José Murilo de Carvalho


co por historiadores, os panfletos
PROJETO REPÚBLICA: estão aqui disponíveis para todos
NÚCLEO DE PESQUISA,
DOCUMENTAÇÃO E
os interessados. A coleção não se

Marcello Basile
MEMÓRIA - UFMG pretende completa, talvez nunca

Lúcia Bastos
José Murilo de Carvalho o seja, mas é muito mais do que

É professor emérito da Universidade amostra, aproxima-se da totalidade

Federal do Rio de Janeiro e membro dos panfletos que sobreviveram e

da Academia Brasileira de Ciências que estão disponíveis nas principais

e da Academia Brasileira de Letras. bibliotecas, coleções e arquivos de


Os autores dos panfletos da guerra
Portugal, Brasil e Uruguai. O que
literária da Independência do Brasil
estes panfletos nos revelam é um
Lúcia Bastos recorreram a várias modalidades
lado pouco conhecido da Indepen-
É professora titular de História literárias. Neste primeiro volume

Volume 1 – CARTAS
Panfletos da Independência (1820-1823)
GUERRA LITERÁRIA
dência, que na época se chamou
Moderna da Universidade do Es- estão incluídos os panfletos vaza-
de guerra literária, uma guerra
tado do Rio de Janeiro, bolsista de dos em forma de cartas abertas.
travada desde a revolução liberal do
produtividade do CNPq e Cientista Por sua natureza pessoal, por se
Porto em 1820 até a independência
do Nosso Estado/FAPERJ. dirigirem a pessoas específicas e
completa do Brasil, efetivada em
provocarem réplicas e tréplicas,
GUERRA LITERÁRIA 1823, com a libertação da Bahia.
constituem os textos mais polêmi- Panfletos da Independência (1820-1823) Embora não sangrenta, essa guerra
Marcello Basile cos e agressivos de todo o conjunto Volume 1 constitui fonte indispensável para o
É professor associado de História de panfletos. De um e outro lado do CARTAS entendimento dos grandes debates
do Brasil da Universidade Federal Atlântico, portugueses e brasileiros
José Murilo de Carvalho que marcaram a renovação de uma
Rural do Rio de Janeiro. É autor do duelaram uns contra os outros ou
Lúcia Bastos nação e o nascimento de outra.
livro Ezequiel Corrêa dos Santos: entre si brandindo essa poderosa
Marcello Basile
um jacobino na Corte imperial arma retórica.
(2001). Organizadores
GUERRA LITERÁRIA
Panfletos da Independência
(1820-1823)

Volume 1
CARTAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Reitora Sandra Regina Goulart Almeida
Vice-Reitor Alessandro Fernandes Moreira

EDITORA UFMG
Diretor Flavio de Lemos Carsalade
Vice-Diretora Camila Figueiredo

CONSELHO EDITORIAL
Flavio de Lemos Carsalade (presidente)
Ana Carina Utsch Terra
Antônio de Pinho Marques Júnior
Antônio Luiz Pinho Ribeiro
Bernardo Jefferson de Oliveira
Camila Figueiredo
Carla Viana Coscarelli
Cássio Eduardo Viana Hissa
César Geraldo Guimarães
Eduardo da Motta e Albuquerque
Élder Antônio Sousa e Paiva
Helena Lopes da Silva
João André Alves Lança
João Antônio de Paula
José Luiz Borges Horta
Lira Córdova
Maria de Fátima Cardoso Gomes
Renato Alves Ribeiro Neto
Ricardo Hiroshi Caldeira Takahashi
Rodrigo Patto Sá Motta
Sergio Alcides Pereira do Amaral
Sônia Micussi Simões
José Murilo de Carvalho
Lúcia Bastos
Marcello Basile
Organizadores

GUERRA LITERÁRIA
Panfletos da Independência
(1820-1823)

Volume 1
CARTAS
© 2014, Os organizadores
© 2014, Editora UFMG

Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem
autorização escrita do Editor.
_________________________________________________________________________

G934 Guerra literária : panfletos da Independência (1820-1823) / José Murilo de


Carvalho, Lúcia Bastos, Marcello Basile, organizadores. – Belo
Horizonte : Editora UFMG, 2014.
4 v. : il. (Humanitas)
v. 1. Cartas – v. 2. Análises – v. 3. Sermões, diálogos, manifestos –
v. 4. Poesias, relatos, Cisplatina
ISBN: 978-65-5858-067-6 (PDF)

1. Brasil – História – Folhetos. 2. Brasil – História – Independência,


1822 – Folhetos. I. Carvalho, José Murilo de, 1939-. II. Bastos, Lúcia.
III. Basile, Marcello Otávio Neri de Campos. IV. Série.

CDD: 981.03
CDU: 94(81)

_________________________________________________________________________

Elaborada pela Biblioteca Professor Antônio Luiz Paixão – FAFICH-UFMG

Este livro recebeu apoio da Fapemig.

COORDENAÇÃO EDITORIAL E PREPARAÇÃO DE TEXTOS Michel Gannam


ASSISTÊNCIA EDITORIAL Eliane Sousa
DIREITOS AUTORAIS Maria Margareth de Lima e Renato Fernandes
COORDENAÇÃO DE TEXTOS Maria do Carmo Leite Ribeiro
REVISÃO DE PROVAS Roberta Paiva e Marina Rodrigues
PROJETO GRÁFICO Cássio Ribeiro, a partir de Glória Campos – Mangá
FORMATAÇÃO E MONTAGEM DE CAPA Cássio Ribeiro
PRODUÇÃO GRÁFICA Warren Marilac

EDITORA UFMG
Av. Antônio Carlos, 6.627 | CAD II / Bloco III
Campus Pampulha | 31270-901 | Belo Horizonte/MG
Tel: + 55 31 3409-4650 | www.editoraufmg.com.br | editora@ufmg.br
AGRADECIMENTO ESPECIAL

Os organizadores desta publicação agradecem, de modo especial, o total


apoio que receberam da Fundação Biblioteca Nacional nas presidências de
Eduardo Portela e Pedro Corrêa do Lago. No então Setor de Obras Raras,
Suely Dias foi infatigável em providenciar a fotografia e a digitalização dos
panfletos lá existentes que constituem a grande maioria dos que vão aqui
publicados.

AGRADECIMENTOS

A tarefa de buscar, selecionar, transcrever, anotar e editar os panfletos da


Independência exigiu grande trabalho e contou com a colaboração de muitas
pessoas e instituições. A Biblioteca de José Mindlin, com a aquiescência do
proprietário e com a eficiente colaboração de Cristina Antunes, localizou e
microfilmou os panfletos que constam de seu acervo. Posteriormente a nosso
contato, ela foi transferida para a USP com o nome de Biblioteca Brasiliana
Guita e José Mindlin. Graças à intermediação de Esther Caldas Bertoletti,
com a ajuda dos professores Maria Lêda Oliveira e Gilson Sérgio Matos Reis,
o mesmo foi feito pela Biblioteca Nacional de Portugal. Com intermediação
da professora Ana Frega, a Biblioteca Nacional (Ministerio de Educación y
Cultura, Uruguai) e o Departamento de História del Uruguay (Faculdade
de Humanidades e Ciências de la Educación, Universidad de la República)
digitalizaram e nos enviaram os panfletos de sua coleção referentes ao pe-
ríodo. Maria Izabel Mazini do Carmo atualizou a ortografia e a professora
Júnia Furtado, com seus alunos, encarregou-se de conferir a transcrição que
ainda passou por revisão final dos organizadores. Os textos em latim foram
traduzidos por Rafael Domingos de Souza e, subsidiariamente, por José
Murilo de Carvalho. Colaboraram na feitura dos índices onomásticos e das
notas biográficas os estudantes Paulo Roberto Carneiro Pontes, Cláudia A.
Caldeira, Bianca Martins de Queiroz e Marcelo Dias Lyra Júnior. O projeto
só foi levado a bom termo graças ao apoio financeiro da Fapemig, concedido
na presidência do professor Mário Neto Borges, com a intermediação da
professora da UFMG Heloisa Maria Murgel Starling, diretora do Projeto
República, auxiliada por Bruno Viveiros Martins e Rafael Cruz. A Editora
UFMG enfrentou o desafio de publicar obra de tamanho porte.
NOTA EDITORIAL

A publicação de textos antigos sempre enfrenta problemas que exigem


tomada de decisões editoriais. No caso presente, as principais dificuldades
foram: a frequente má qualidade dos originais, devida à impressão falha ou
à precária conservação; os reiterados erros tipográficos, inclusive nas muitas
citações em línguas estrangeiras; e as referências muito abreviadas às obras
dos autores citados.
Adotaram-se os seguintes critérios editoriais: atualizar a ortografia,
inclusive dos nomes próprios, exceto para as tipografias e títulos de panfletos,
jornais e livros; manter a pontuação e o uso de maiúsculas originais; utilizar
colchetes para indicar ilegibilidade de palavras ou dúvidas em sua leitura;
traduzir as citações em língua estrangeira, exceto espanhol; e completar,
sempre que possível, as referências abreviadas. A manutenção da pontuação
oitocentista acarretará não pequena dificuldade para o leitor de hoje, que
necessitará de algum tempo para se adaptar, mas foi julgada importante para
conservar algum sabor da época. Para reduzir a interferência nos textos,
sempre que erros tipográficos eram óbvios, não se recorreu aos colchetes.
Os panfletos provenientes da Cisplatina escritos em espanhol não foram
traduzidos nem tiveram a ortografia atualizada. As traduções de citações
foram colocadas em pé de página, com nota do tradutor (N.T.), quando
houve complementação das referências. Em alguns casos, foram acrescentadas
notas explicativas dos organizadores (N.O.). Nota dos autores dos panfletos,
quando necessário para a clareza do texto, foi indicada com N.A.
Cada volume é acompanhado de índice de nomes, organizado por ordem
alfabética do último sobrenome. Sempre que possível, os nomes incompletos
foram completados, utilizando-se colchetes para indicar a parte acrescida.
Prefácio
CONHECIMENTO PARA A CIDADANIA

A circulação de informações de forma livre e acessível é um dos pilares


das sociedades democráticas. Seja no século XIX, como retratado nas páginas
deste Guerra literária, seja na atualidade, a difusão de conceitos e a troca
de opiniões são fundamentais para que as pessoas construam sua visão de
mundo. A partir disso, elas poderão, com mais propriedade, defender pontos
que consideram essenciais e pressionar por mudanças, exercendo, em última
instância, seus direitos de cidadania.
A presente obra traz uma interessante contribuição ao mostrar o papel
dos panfletos políticos publicados entre os anos de 1820 e 1823, período
que cobre a Independência brasileira. Aqui estão reunidos exemplares que
circularam no Brasil, em Portugal e na Província Cisplatina, então parte do
Império luso. Como apontam os autores, esses panfletos cumpriam o papel de
levar notícias e informações a uma plateia mais ampla, composta não apenas
pelas camadas letradas, mas também pelos segmentos pouco instruídos ou
mesmo iletrados da sociedade. Tal tarefa exigia cuidados especiais, como
a redação de forma simples e direta e o uso de técnicas de argumentação e
persuasão fornecidas pela retórica.
Interessante como a obra, que aparece como fonte de consulta para
estudantes, pesquisadores e curiosos, espelha uma importante batalha da
atualidade: a divulgação de informações sobre ciência, tecnologia e inovação
para toda a sociedade. Se, por um lado, é fundamental para que as pessoas
conheçam e opinem sobre temas que afetam diretamente sua vida, por outro,
a divulgação científica lida com a especificidade de falar a um público variado
sobre temas algumas vezes complexos. Enfrenta, ainda, a resistência de parte
da população apegada a um estereótipo que coloca a ciência – e os cientistas
– em um mundo à parte, descrito por adjetivos como “maluco”, “difícil” e
“distante da realidade”.
Na verdade, a ciência está presente em todos os momentos de nosso
cotidiano: nos alimentos mais saudáveis, em novos medicamentos e tratamen-
tos, em produtos que facilitam nossas tarefas rotineiras, nas tecnologias que
facilitam nosso trabalho e nossa comunicação. Ela é, ainda, fundamental para
o desenvolvimento de qualquer nação. Temos afirmado, insistentemente, que
qualquer país desenvolvido, econômica e socialmente falando, só o é quando
tem uma sólida e robusta plataforma não apenas científica, mas também
tecnológica. Exemplos não faltam na Europa, na América do Norte e na Ásia,
com destaque mais recente para a Coreia do Sul – país de pequenas dimensões
e poucos recursos naturais –, que soube investir na educação e em ciência
e tecnologia, mudando o patamar de qualidade de vida de suas sociedades.
Daí a importância de se divulgarem as conquistas, os avanços e as
polêmicas envolvendo esse campo do saber. A divulgação da ciência para a
população, assim como da história, contribui, também, para a educação de
crianças, jovens e adultos ao apresentar temas e estimular o debate, comple-
mentando a educação formal oferecida nas escolas. Ela é capaz de munir a
sociedade de informações que lhe possibilitem opinar e se posicionar sobre
temas diversos. E, no caso dos órgãos públicos, funciona como uma prestação
de contas dos investimentos, já que os recursos utilizados para o fomento à
área têm origem em fontes públicas. Por isso, várias entidades têm se esforçado
para abrir canais de troca de informações e aprendizado.
Em Minas Gerais, a FAPEMIG mantém, há 15 anos, um programa
de divulgação científica chamado Minas Faz Ciência. Por meio dele, são
produzidos revista, conteúdo para internet, vídeos e programas de rádio
sobre pesquisas desenvolvidas no Estado. Além disso, financia iniciativas de
popularização da ciência por meio de editais específicos e promove parcerias
diversas com instituições nacionais e internacionais, possibilitando a instalação
de novas coleções e novos espaços de ciência no Estado.
No Brasil, ciência, tecnologia e inovação ainda estão longe de ter o
mesmo apelo que a política e o futebol. Mas esse cenário pode mudar quando
as pessoas enxergarem o quanto esse campo exerce influência na qualidade
de vida e no desenvolvimento econômico e social do país. Por isso, obras que
contribuam para divulgar resultados de pesquisas, promovendo a circulação
do conhecimento, são tão importantes. Apresentar esses resultados e essas
conquistas equivale a criar um ciclo positivo, em que ciência, tecnologia e
inovação sejam encaradas pelas pessoas como valores a serem defendidos e
preservados.
Gostaria, finalmente, de registrar nossos cumprimentos aos organizadores
desta edição pela competente contribuição à história do Brasil, numa coletânea
que é única e pioneira e que muito orgulha a FAPEMIG ao participar de sua
disponibilização para a sociedade brasileira.
Mario Neto Borges
Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG)
CONTEÚDO DOS VOLUMES

Volume 1 – CARTAS

Introdução geral
A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL NARRADA
PELOS PANFLETOS POLÍTICOS 11

CRONOLOGIA (1820-1823) 47

INTRODUÇÃO AO VOLUME 1 63

CARTAS 73

ÍNDICE ONOMÁSTICO 867

Volume 2 – ANÁLISES

INTRODUÇÃO AO VOLUME 2

ANÁLISES, REFLEXÕES, PROJETOS

ÍNDICE ONOMÁSTICO
Volume 3 – SERMÕES, DIÁLOGOS, MANIFESTOS

INTRODUÇÃO AO VOLUME 3

SERMÕES, ORAÇÕES E DISCURSOS

DIÁLOGOS, CATECISMOS E DICIONÁRIOS

MANIFESTOS, PROCLAMAÇÕES, REPRESENTAÇÕES,


PROTESTOS, APELOS E ELOGIOS

ÍNDICE ONOMÁSTICO

Volume 4 – POESIAS, RELATOS, CISPLATINA

INTRODUÇÃO AO VOLUME 4

POESIAS

RELATOS

INTRODUCCIÓN A LOS PANFLETOS DE LA ZONA


CISPLATINA
Ana Frega

PANFLETOS DA CISPLATINA

NOTAS BIOGRÁFICAS SOBRE OS PRINCIPAIS NOMES


CITADOS NOS PANFLETOS

OFICINAS TIPOGRÁFICAS CITADAS

PANFLETOS EXISTENTES NA OLIVEIRA LIMA LIBRARY DA


CATHOLIC UNIVERSITY OF AMERICA NÃO INCLUÍDOS

ÍNDICE ONOMÁSTICO
Introdução geral
A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL NARRADA
PELOS PANFLETOS POLÍTICOS

PANFLETOS: UMA DEFINIÇÃO


“Esta guerra, meu amigo, é mais de pena, que de língua ou de espada.”1
Assim escreveu o Sacristão de Tambi ao Estudante Constitucional,2 em
impresso inserido no periódico Reverbero Constitucional Fluminense, em
1822, revelando o agitado clima de debate político vivido neste lado do
Atlântico no processo de separação do Brasil de Portugal. O momento de
crise e convulsão política era, de fato, propício ao surgimento de várias moda-
lidades de expressão escrita que, ao agilizarem a comunicação, facilmente
se transformavam em armas de combate, em autêntica “guerra literária”,
como se disse na época. Entre tais modalidades, estavam periódicos, folhetos,
panfletos manuscritos ou impressos, anedotas, páginas de pequenas histórias,
folhas volantes.
Por sua especial relevância e menor conhecimento, os organizadores
destes volumes decidiram concentrar-se nos panfletos políticos. Não é fácil
definir o que seja panfleto. Na literatura de língua inglesa, foi na década de
1580 que pamphlet passou a ser visto como texto satírico de cunho político
ou social.3 Na França, o termo pamphlet surgiu em meados do século XVII,
com o sentido de escrito satírico, referido especialmente aos cerca de cinco mil
impressos difundidos e lidos pelas ruas e praças conhecidos como mazarinades.4
Nesse mesmo século, panfletos circularam durante as Revoluções Inglesas. No
Setecentos, tiveram grande sucesso na luta de independência dos Estados Unidos
(a partir de 1776) e durante a Revolução Francesa (1780-1799).5 Notórios,
ainda, foram os panfletos publicados na Inglaterra, na França, na Espanha
e em Portugal, no período napoleônico e nas guerras de independência das
colônias ibéricas da América, nas primeiras décadas do Oitocentos.6
No mundo luso-brasileiro, o termo aparece no século XIX, embora
houvesse mais de uma denominação para tal tipo de publicação: panfleto,
pasquim, folhas volantes, folheto, papéis, papelinhos. O Diccionario da
lingua portuguesa de Morais, de 1813, não fala em panfleto, nem folheto,
mas o Vocabulario portuguez & latino de Bluteau, de 1728, registra pasquim:
sátira ou pasquinada; pasquinada ou pasquim: dito picante, posto em papel;
sátira por escrito pregada nas ruas ou portas e Pasquinada: pasquimas. O
Diccionario da língua portuguesa, por D. José Maria d’Almeida e Araújo,
de 1862, só registra folheto, definido como “opúsculo de pouca extensão,
impresso e cosido”.7 Frei Domingos Vieira, na edição de 1871-1874 de seu
Grande diccionario portuguez, registra para panfleto: “termo considerado
como galicismo, e que na língua portuguesa deve significar: folheto, livrinho,
papeleta”.8
Mais ágeis e mais baratos que os jornais, os panfletos eram pequenos
livretos, algumas vezes não encadernados, que, dependendo do formato
– in-fólio, in-quarto ou in-oitavo –, variavam o número de páginas.
Possibilitavam réplicas imediatas ou abrigavam escritos mais longos e mais
refletidos. Eram, em geral, vazados em linguagem apaixonada, quando não
violenta.9
Para efeito do presente texto, considerou-se panfleto uma brochura
escrita, regra geral, por um único autor, voltada para temas do cotidiano,
sobretudo para debates políticos. Limitou-se também a 50 o número de
páginas dos panfletos selecionados, próximo dos parâmetros sugeridos
pela Unesco que vão de 5 a 48 páginas. Houve também, na época, o uso de
panfletos manuscritos que eram afixados a postes, muros e casas, os quais
foram objeto de publicação independente.10

PANFLETOS LUSO-BRASILEIROS:
COMO FORAM ESCRITOS
A característica básica desses folhetos era seu caráter polêmico, mas
também didático, sob a forma de comentários de fatos recentes, ou de discus-
sões sobre as grandes questões da época. Literatura de circunstância por
excelência, essas obras cumpriam o papel de levar notícias e informações a
uma plateia mais ampla, composta não apenas pelas camadas letradas, mas
também pelos segmentos pouco instruídos ou mesmo iletrados da sociedade.
Para atender a essa finalidade, precisavam adotar formas apropriadas de
escrita. Deviam ser redigidos de forma simples e direta, sem os enunciados
rebuscados das obras eruditas. Só assim poderiam transmitir a todos o novo

12
vocabulário político que começava a circular, muitas vezes estranho à popula-
ção. O esforço exigia recurso às diversas táticas e técnicas de argumentação e
persuasão fornecidas pela retórica, que eram, aliás, do conhecimento de quase
todos os panfletistas e de muitos de seus leitores.
A retórica era disciplina amplamente difundida e valorizada, ocupando
lugar importante na formação de qualquer pessoa com nível de instrução
acima da alfabetização elementar. Em Portugal, antes e depois das reformas
pedagógicas pombalinas, era ela ensinada no Colégio das Artes (onde se
cursavam os chamados estudos menores) e na Universidade de Coimbra,
instituições pelas quais passou grande parte da elite política e intelectual
brasileira da época. No Brasil, integrava o currículo das Aulas Régias e, mais
tarde, do Colégio Pedro II, fazendo parte também dos exames preparatórios
exigidos para ingresso nas faculdades de Direito.11 Além disso, era divulgada
em dezenas de manuais especificamente dedicados ao estudo do tema.12
Estava mesmo, como assinalou Maria Beatriz Nizza da Silva, impregnada
na vida cotidiana, presente na oratória sacra e nas cerimônias e festividades
públicas, chegando, assim, até às camadas iletradas, que, se não dominavam
as técnicas, entendiam sua elocução.13
A retórica era elemento primordial na composição desses escritos. As
análises dos acontecimentos, as propostas defendidas, as exposições de prin-
cípios e as críticas aos adversários eram feitas segundo as regras aprendidas.
Um dos recursos retóricos mais encontrados nos folhetos da Independência
é o argumento de autoridade, apontado por José Murilo de Carvalho como
um dos mais recorrentes e de maior peso na tradição cultural brasileira.14
Trata-se de estratégia argumentativa que recorre, como tática de convenci-
mento, à autoridade fornecida pelo prestígio do autor ou da obra referen-
ciados, suplementando a autoridade do orador ou redator. De acordo com a
classificação proposta por Perelman e Olbrechts-Tyteca, à luz da retórica esse
procedimento constitui um dos “argumentos baseados na estrutura do real”
(ou seja, que partem de juízos previamente admitidos e procuram associar
a estes a ideia ou o valor que se deseja promover), do tipo de uma “ligação
de coexistência” (isto é, que busca vincular uma pessoa a seus atos, sendo
este critério para avaliar aquela). No argumento de autoridade, a validade
do que é dito depende essencialmente da opinião que o auditório tem da
autoridade evocada (que pode ser pessoa, grupo, instituição, obra, doutrina,
língua ou a própria divindade).15
Daí a abundância nos panfletos de citações de autores e obras tidos
como portadores de autoridade. Em primeiro lugar, sobretudo nos escritos
eclesiásticos, apareciam autores e textos bíblicos, de ambos os Testamentos,

13
citados de preferência no latim da Vulgata, seguidos dos padres da Igreja,
como santo Agostinho e São Jerônimo. A seguir, vinham os clássicos gregos
e latinos, mais os últimos que os primeiros. Avultam aí os poetas, como
Horácio e Virgílio, e os moralistas, como Sêneca. Aqui e ali, já surgem
os pensadores modernos, diretamente vinculados à temática política que
ocupava os panfletistas.
A forma dos panfletos seguia as regras que a retórica prescrevia para
docere, delectare e movere plateias e leitores. Uso abundante era feito das
figuras de linguagem e dos tropos, como a ironia, o sarcasmo, a paró-
dia, a hipérbole. Os grandes mestres da oratória, como Cícero, Péricles,
Demóstenes, eram citados como modelos, alguns desejando “ombrear em
talentos, esplendor e sublimidade com esses astros brilhantes da eloquên-
cia”.16 O tipo do panfleto também dependia da principal finalidade que
era buscada. Podia assumir a forma de carta, sermão, discurso, catecismo,
dicionário, manifesto, poema e outros, como será ressaltado nas introduções
específicas de cada volume.
Os panfletos visavam e atingiam, além da elite letrada, o povo, pelo falar
“de boca”. Muitas pessoas tomavam conhecimento das novidades políticas
ouvindo leituras em voz alta e participando de conversas e discussões nas
lojas e mesmo na praça pública. Segundo o Mestre Periodiqueiro, persona-
gem de diversos folhetos, o botequim era lugar de grande falácia, em que se
discutiam autores como Locke, Grotius, Montesquieu e outros, mas também
“casas de reuniões patrióticas”, em que a opinião pública encontrava seus
intérpretes, formulando-se questões por “vozes estrondosas”, que retumba-
vam nas vidraças das lojas.17
O foco temático dos panfletos variou de acordo com o momento polí-
tico. De início, foi o constitucionalismo, cultura política que se caracterizou
por uma crítica transoceânica quase unânime aos corcundas, ou seja, aos
partidários do Antigo Regime. Não se questionava ainda a integridade
do Império luso-brasileiro. O ano de 1822 testemunhou o surgimento de
contradições no interior dessa ampla frente constitucional e as primeiras
rivalidades que começavam a se esboçar entre brasileiros e portugueses.
O constitucionalismo converteu-se em proposta de separatismo. Após a
Independência, já em 1823, os panfletos oferecem vasto panorama sobre as
discussões que se realizavam para a constituição do novo país, girando com
frequência em torno dos debates na Assembleia Constituinte, bem como das
guerras de independência.

14
O ideário revolucionário português era relativamente pobre. Daí o
recurso, visível nos panfletos, a princípios básicos do século XVII inglês e
a ideias ilustradas do final do século XVIII e início do Oitocentos, como os
conceitos “da moda”, introduzidos pelos homens de 1789 e seus seguidores.
Havia ainda referências ao modelo de monarquia mista, consolidada em solo
britânico e regida por um conjunto de leis e costumes consagrados pelo peso
da tradição. Por fim, havia os que se inspiravam nas ideias difundidas durante
a revolução da Espanha. Era frequente a venda de constituições espanholas,
tanto em Portugal quanto no Brasil. Em geral, os panfletos não eram obras de
cunho teórico, embora, em alguns casos, houvesse a preocupação de explicar
certos conceitos fundamentais, como constituição, liberdade, igualdade. É
o que se vê nas Reflexões filosóficas sobre a liberdade e igualdade (1821).
Suas fontes intelectuais abrangiam uma gama de autores que ia desde
os da Antiguidade clássica, até os filósofos esclarecidos, incluindo-se alguns
pensadores do início do século XIX. Alguns recorriam a autores que “haviam
iluminado o mundo civilizado”,18 como Puffendorf, Wattel, Robertson,
Burke, Montesquieu e Constant, representantes de um ideal reformador, de
um liberalismo que conservava a figura do rei como representante da nação, e
se negava a reconhecer que a soberania pudesse residir no povo. Outros, mais
abertos às novas ideias do liberalismo francês, citavam Voltaire, Rousseau,
Mably, Condorcet, Condillac, Raynal e De Pradt, para defender posturas
mais radicais, como a ideia da soberania popular e o conceito democrático de
liberdade. Mostravam, assim, a amplitude da recepção das Luzes no mundo
luso-brasileiro, absorvendo novas linguagens que essas elites intelectuais
ensaiavam para exercer seu papel de guias da opinião pública.
Pelo preço, esses escritos de circunstância eram acessíveis a um público
mais vasto. Segundo os catálogos do livreiro Paulo Martin, os folhetos eram
vendidos por um valor entre 80 e 320 réis. Na mesma época, uma empada
de recheio de ave custava 100 réis; a aguardente de cana, 80 réis a garrafa.
Dizia-se que o povo, por não ter recursos para ir ao teatro, divertia-se com
os “bufões [periodiqueiros] por pouco dinheiro”.19
Produzidos em momentos de agitação política, os panfletos foram
instrumentos fundamentais para o surgimento da política pública do mundo
moderno e do início do contemporâneo. Funcionaram como meios de mobi-
lização da sociedade e possibilitaram a intervenção do indivíduo comum na
construção dos destinos da coisa pública. Disseminavam notícias e infor-
mações a uma plateia mais ampla, tirando-as do domínio privado para um
espaço público comum, esboçando uma “voz geral” que se transformaria,

15
com a difusão da mentalidade e da sociabilidade das Luzes, em autêntica
opinião pública.

OS PANFLETOS E SEUS AUTORES


A grande maioria dos panfletos publicados entre 1821 e 1823 era
anônima, provavelmente devido à censura, que só foi abolida em 1821, e
mesmo assim continuaram a ocorrer interdições sobre os escritos já impres-
sos que criticassem o governo e a Igreja. Outros aparecem assinados por
pseudônimos ou apenas pelas iniciais de seus autores. Só foi possível iden-
tificar pequeno número de autores – se isso for levado em conta – diante da
quantidade de escritos que circulou no período. Para efeito de identificação,
recorremos aos Annaes da Imprensa Nacional do Rio de Janeiro: 1808-1822,
de Valle Cabral, e à Bibliografia da Impressão Régia do Rio de Janeiro, de
Rubens Borba de Moraes e Ana Maria de Almeida Camargo, além de outras
fontes. Concentramos o esforço em preencher três informações que nos pare-
ceram mais relevantes: local de nascimento, educação superior e ocupação.
Os resultados estão nas tabelas que seguem.

Tabela 1
Naturalidade dos panfletistas

País Número %
Brasil 40 55
Norte 14 35
Sul 26 65
Portugal 18 24
Sem informação 15 21
Total 73 100
Fonte: Ver Apêndice desta introdução. Entre os “sem informação” está
incluído um natural da Espanha.

Foi possível identificar 95 autores dos 362 panfletos aqui reunidos,


tendo alguns redigido mais de um texto. A preferência foi para os autores
brasileiros. Só foram incluídos portugueses quando redigiram panfletos
no lado de cá do Atlântico, escreveram textos relacionados às questões do
Brasil e/ou tiveram sua vida ligada à história do Brasil. Ficaram de fora da
estatística alguns autores lusos bem conhecidos, como Manuel Fernandes
Tomás, Joaquim Navarro de Andrade e José Daniel Rodrigues Costa.

16
Mesmo com tal restrição, só foi possível obter dados biográficos para
73 autores. No que se refere a sua naturalidade, a Tabela 1 mostra que 40,
ou 55%, nasceram na América Portuguesa, 18, em Portugal e 1, na Espanha.
Considerando-se apenas o número daqueles para quem há informação,
os brasileiros constituem 69%. Destes, 65% eram do Sul, sobretudo, Rio
de Janeiro, São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul, e 35% do Norte, com
destaque para Bahia e Pernambuco, distribuição que reflete com bastante
fidelidade os principais centros políticos e econômicos da época. Entre os
nascidos do outro lado do Atlântico, alguns se destacaram na política para
além do período da Independência, como José Clemente Pereira e Nicolau
de Campos Vergueiro; outros se tornaram importantes nos negócios, como
os livreiros e impressores Paulo Martin e Manuel Joaquim da Silva Porto.

Tabela 2
Curso superior dos panfletistas

Curso Número %
Coimbra 18 25
Outro 5 7
Sem informação 50 68
Total 73 100
Fonte: Ver Apêndice desta introdução.

Quanto à formação universitária, a única que as fontes em geral forne-


cem, encontramos 23 portadores de diplomas, ou 32% do total. Como
diplomas de educação superior eram muito valorizados e, portanto, muito
anunciados, pode-se supor que o número reflita corretamente a presença de
bacharéis no grupo. É percentual pequeno, se comparado à escolaridade das
elites políticas daquele momento, predominantemente universitária. É, assim,
razoável concluir que o grosso dos panfletistas situava-se, por sua escolari-
dade, entre os setores médios da sociedade, termo esse já usado na época.
Do grupo de universitários, 18 estudaram na Universidade de Coimbra (12
brasileiros e 6 portugueses). Desses, 12 frequentaram o curso jurídico, dois
optaram pela Filosofia, dois pelas matemáticas e outros dois pela Medicina.
Entre estes últimos, estava o grande polemista Cipriano Barata de Almeida,
que, no entanto, não chegou a se formar, obtendo apenas o título de cirur-
gião. Fora do grupo de Coimbra, alguns estudaram no Brasil, nas Academias
Militares ou na Escola Cirúrgica do Rio de Janeiro, como Jacinto Rodrigues
Pereira Reis e José Maria Cambuci do Vale. Um formou-se na Academia
Real da Marinha, em Portugal.

17
Entre os coimbrãos brasileiros, destacaram-se os irmãos Andradas,
personagens importantes na Independência e para além dela. Deles temos o
panfleto de Antônio Carlos, escrito sob pseudônimo: Reflexões sobre o decreto
de 18 de fevereiro deste anno offirecidas ao Povo da Bahia por Philagiosotero,
publicado na Bahia, em 1821. Nele o Andrada, recém-libertado da prisão
motivada por sua participação na revolução pernambucana de 1817, combate
duramente a política do ministério do Rio de Janeiro que buscava criar um
arremedo de Cortes no Brasil: “Mas pretender rachar em duas a mesma
nação, destruir a unidade central da máquina política, é lembrança que só ao
inepto, ou antes avelhacado ministério do Rio de Janeiro, podia vir à cabeça.”
Outros coimbrãos utilizavam linguagem mais rebuscada, como o bacharel
Basílio Ferreira Goulart, em discurso sobre as eleições de deputados às Cortes
de Lisboa no Rio de Janeiro:

Lembrai-vos, Cidadãos, que por nossas mãos, e em nossos Irmãos recairá


a sorte, e que do sacrifício daquela renúncia, deverão os Homens tirar-se do
estado errante, tímido, e vagabundo, feroz, e indomável, para se tornar o Ente
racional na sociedade, polido, versado, sensível, e humano!20

A importância intelectual desse grupo é ressaltada por sua participação


em instituições culturais de prestígio, como a Academia Real de Ciências de
Lisboa, da qual eram membros Francisco Vieira Goulart e José Bonifácio, entre
outros; a Sociedade Real Marítima, Militar e Geográfica de Lisboa, da qual
participou Manoel Ferreira de Araujo Guimarães; a Academia de Frankfurt e
o Instituto Histórico de Paris, aos quais se ligava Januário da Cunha Barbosa;
a Academia das Ciências de Nápoles, à qual esteve filiado Raimundo José da
Cunha Matos; a Real Academia de Belas Letras de Munique, a que perten-
ceu frei Francisco Sampaio. Deve-se destacar ainda que, entre os primeiros
sócios do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, encontravam-se vários
de nossos publicistas.21
Há poucas informações sobre a escolaridade dos que não passaram por
Coimbra, à exceção dos padres, que, naturalmente, frequentaram seminá-
rios, e dos oficiais militares que passaram por alguma escola de suas armas.
Quanto aos outros, pode-se supor que pelo menos passaram pelas Aulas
Régias, se não tiveram mestres particulares. Frei Joaquim do Amor Divino
Caneca, autor de um sermão proferido na solenidade da Aclamação de D.
Pedro, em Recife, estudou no Seminário de Olinda. Frei Francisco Sampaio

18
fez Teologia no convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro. Foi autor de
sermões e também redator do periódico Regulador Brasílico-Luso (1822).
A Tabela 3 fornece informações sobre ocupação. Foram classificados
como pertencendo ao setor público os funcionários civis, militares e eclesiás-
ticos. Foram incluídos no grupo os professores, uma vez que era quase inexis-
tente o ensino particular. Entre os profissionais liberais incluem-se médicos e
advogados. O setor, digamos, empresarial é representado por negociantes e
proprietários. Como se vê, há grande predomínio do setor público. A rigor,
os advogados podem ser também aí incluídos porque muitos eram, ou se
tornaram, magistrados, carreira em que vários atingiram a posição de desem-
bargador, como Cassiano Espiridião de Mello e Mattos (Relação da Bahia),
José Clemente Pereira e Manoel Pinto Ribeiro Sampaio (Casa de Suplicação)
e Bernardo José da Gama (desembargador e chanceler da Casa de Suplicação).

Tabela 3
Ocupação dos panfletistas

Ocupação Número %
Funcionários públicos 53 62
Profissionais liberais 15 17
Negociantes e proprietários 13 15
Sem informação 5 6
Total 86 100
Nota: o total excede 73 devido a duplas ou triplas ocupações.
Fonte: Ver Apêndice desta introdução.

São apenas oito os proprietários de terra. Mesmo assim, quase todos


tinham outra ocupação, às vezes no Estado. É o caso de Domingos Alves
Branco Muniz Barreto, que era oficial militar e do padre Manuel Rodrigues
da Costa, herdeiro da Fazenda de Registro Velho em Minas Gerais. Nicolau
de Campos Vergueiro, dono de fazendas em Ibicaba, São Paulo, era também
advogado. Gonçalves Ledo, proprietário de terras na província do Rio
de Janeiro, interrompeu o curso de Direito em Coimbra e tinha emprego
público. Algo semelhante acontece com os negociantes. José Silvestre Rebello,
comerciante no Rio de Janeiro, era também oficial da Secretaria de Estado
dos Negócios do Império e foi o primeiro representante brasileiro nos
Estados Unidos, onde negociou o reconhecimento de nossa Independência. O
acanhamento do mercado fazia com que quase todos buscassem nos cargos
públicos um complemento financeiro de suas atividades, sobretudo literárias.

19
O acúmulo de ocupações manteve-se por muito tempo como característica
básica das elites luso-brasileiras.
A informação realmente impactante da Tabela 3 é, então, a maciça
presença de funcionários públicos, isto é, de pessoas dependentes do Estado
e do governo, entre os escritores de panfletos. São poucos os representantes
da sociedade, ou do mercado, quais sejam, os profissionais liberais, proprie-
tários e comerciantes. Mesmo estes, como vimos, muitas vezes tinham um
pé no Estado. O quadro representa bem o caráter patrimonial da sociedade
luso-brasileira da época, em que era forte a presença do Estado, não só
como regulador, mas também como empregador e distribuidor de benefícios
e prebendas. O peso, a corrupção e a ineficácia da burocracia patrimonial
são, aliás, denunciadas em mais de um panfleto, com destaque para a extra-
ordinária carta de José Antônio Lisboa dirigida ao Reverbero Constitucional
Fluminense, publicada neste volume. No caso português, o custo dos privilé-
gios para o erário público é denunciado na ampla discussão sobre as ordens
religiosas. Os panfletistas tinham assim, já por sua posição social, interesse
em temas políticos. Ao discutir a política e o Estado, estribados no recurso
educacional de que dispunham, estavam, ao mesmo tempo, discutindo
interesses muito concretos; ao combater o despotismo político, combatiam
também o patrimonialismo, os privilégios, a ausência do mérito como critério
de avaliação das pessoas.
Alguns dos autores tinham a polêmica arraigada na própria personali-
dade e a guerra literária dos panfletos foi apenas uma de suas guerras. O padre
Manuel Rodrigues da Costa participara da Inconfidência Mineira; Antônio
Carlos, Cipriano Barata e Frei Caneca, da revolta pernambucana de 1817; o
último foi executado por seu envolvimento na Confederação do Equador em
1824; Inocêncio da Rocha Galvão, autor de O despotismo considerado nas
suas causas e effeitos. Discurso offerecido à Nação Portugueza, por ***, de
1821, presidiu a República da Bahia na Sabinada; Jacinto Rodrigues Pereira
Reis, autor de O amigo da razão, onde defendeu uma Assembleia brasileira,
envolveu-se na sedição de Ouro Preto, em 1833.
Aparecem apenas três mulheres entre os autores dos panfletos: uma
portuguesa, uma baiana anônima (“Lamentos de huma bahiana na triste
crise, em que vio sua patria oppressa pelo despotismo constitucional da
tropa Auxiliadora de Portugal…”) e Maria Clemência da Silveira Sampaio,
considerada a primeira poetisa do Rio Grande do Sul.22 Há ainda uma repre-
sentação de mulheres brasileiras ao imperador D. Pedro I, em que pedem por
seus maridos portugueses, ameaçados de expulsão. Mais significativamente,
reivindicam “certos foros civis” e o estatuto de cidadãs efetivas.23

20
OS PANFLETOS POLÍTICOS E A INDEPENDÊNCIA
Os panfletos da Independência já foram trabalhados por alguns autores, a
partir de diferentes perspectivas. Desde Varnhagen, passando pelos inventários
de Alfredo do Valle Cabral, complementados pelo trabalho de Rubens Borba
de Moraes e Ana Maria de Almeida Camargo, até a publicação de Raymundo
Faoro, com uma pequena introdução, mais explicativa do que analítica, de
seis folhetos do período.24
Em seguida, José Honório Rodrigues, em sua importante obra sobre
a Independência, não só descreveu o conteúdo de alguns folhetos, como
contrapôs aqueles, que chamou de antibrasileiros, contendo insultos e invec-
tivas contra o Brasil, aos demais, que considerou a resposta e o desagravo
dos brasileiros em face dos liberais portugueses. Depois dele, Maria Beatriz
Nizza da Silva foi provavelmente quem primeiro percebeu o alcance dessas
publicações, nelas apoiando-se, e também nos periódicos, principalmente os
da Bahia, para estudar a questão do constitucionalismo e do separatismo no
Brasil.25
Posteriormente, alguns trabalhos acadêmicos também utilizaram parte
desses folhetos, como os de Cecília Helena de Salles Oliveira, Geraldo Mártires
Coelho, Lucia Maria Bastos P. Neves, Gladys Sabina Ribeiro, Iara Lis Souza,
Isabel Lustosa e Renato Lopes Leite. Esses trabalhos se aproximam na temá-
tica, variando, porém, no enfoque e nas interpretações, procurando explorar
os panfletos enquanto veículos de opinião que registram valores, atitudes e
signos indicativos da cultura política da Independência.26
O que se propõe nesta coleção é tornar acessíveis aos pesquisadores o
maior número possível dessas fontes de trabalho. Foram levantados e transcri-
tos panfletos publicados entre 1820 e 1823, no Brasil, Portugal e na Província
Cisplatina, então parte do Império luso. Em virtude da impossibilidade
material de se publicarem todos os papéis políticos da época, foi necessário
fazer algumas escolhas. Além da limitação do número de páginas em 50, deci-
dimos não incluir cerca de 130 textos oficiais (cartas de lei, bandos, ofícios,
correspondência entre as autoridades, manifestos e proclamações governa-
mentais, entre outros), que são de acesso mais fácil e, por isso, também mais
conhecidos. Os papéis escritos por particulares, letrados, políticos, pessoas
comuns, além de serem de acesso mais difícil, têm a vantagem de oferecer
maior variedade de opiniões, perspectivas, vocabulário e linguagens. Com isso,
revelam complexidades e sutilezas do processo político que os documentos
de caráter oficial não conseguem traduzir.

21
Excluímos também os textos de José da Silva Lisboa, visconde de Cairu,
que formalmente poderiam ser considerados panfletos. A razão principal dessa
escolha foi o enorme volume da produção do visconde, fruto de seu envolvi-
mento em inúmeras polêmicas, registradas em panfletos e artigos de jornal,
contra os redatores do Reverbero Constitucional Fluminense e do Correio
do Rio de Janeiro, contra os irmãos Andradas, Cipriano Barata, Diogo Feijó
e outros. Reunidas, as publicações de Silva Lisboa ocupariam por si sós todo
um volume da coleção. Elas, no entanto, estão a pedir publicação à parte.27
Um terceiro critério de seleção foi a limitação aos panfletos publicados
no Brasil, Portugal e Cisplatina. No caso de Portugal, foram selecionados os
que fizessem menção ao Império luso-brasileiro e, posteriormente, ao Império
do Brasil, ou que tivessem circulado no lado de cá do Atlântico. A circulação
no Brasil foi verificada na consulta aos anúncios daqueles que “tratavam em
livros”28 publicados na Gazeta do Rio de Janeiro e no Diário do Rio de Janeiro,
bem como em catálogos avulsos de livreiros. No caso da Cisplatina, entraram
os que diziam respeito à política luso-brasileira. Buscamos os panfletos, no
Brasil, na Biblioteca Nacional, no Arquivo Nacional, no Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, na Biblioteca José Mindlin; em Portugal, na Biblioteca
Nacional de Portugal e, para a Cisplatina, na Biblioteca Nacional do Uruguai.
Foram localizados alguns panfletos na Oliveira Lima Library, da Catholic
University of America. Infelizmente, após longa negociação, foi necessário
abrir mão de incluí-los, repetindo-se a tradicional dificuldade que encontram
pesquisadores brasileiros em lidar com essa instituição.
Nem todos os panfletos identificados em fontes bibliográficas, ou mesmo
em catálogos de bibliotecas, puderam ser localizados.29 Apesar dos cortes, no
entanto, uns voluntários, outros não, o que se conseguiu identificar, encontrar
e, agora, tornar acessível aos pesquisadores e outras pessoas interessadas, 362
folhetos ao todo, constitui um dos mais ricos acervos pertinentes ao período
1820-1823 da história luso-brasileira.

OS PANFLETOS NO CONTEXTO DO
MUNDO LUSO-BRASILEIRO
Foi, sobretudo, a partir de 1808, com a chegada da Corte portuguesa
ao Rio de Janeiro, com o início da Impressão Régia, que teve início maior
circulação de documentos oficiais, de obras de cunho literário e científico, de
jornais e panfletos. Os primeiros periódicos apresentavam caráter primordial-
mente noticioso, característico das gazetas antigas. Mas cedo começaram a

22
emitir opinião sobre as questões políticas do momento. Iniciava-se um debate
público, posto que ainda cerceado pelas práticas sensórias do Antigo Regime.
A conjuntura entre 1820 e 1823, porém, propiciou relativa liberdade de
imprensa e de outras formas de manifestação do pensamento, exercida em
espaços cada vez mais variados. As ruas e praças públicas, com suas pare-
des e postes, forneciam o suporte para panfletos manuscritos e impressos.
Os panfletos pulularam, debatendo as temáticas do momento. Conceitos
como liberdade, constituição, eleições, cidadão, soberania, regeneração e
revolução predominaram em um primeiro momento entre os anos de 1820
e 1821, numa verdadeira guerra ao despotismo nos dois lados do Atlântico.
Um novo vocabulário político passou a ser difundido entre a população.
A Revolução Liberal do Porto de 24 de agosto de 1820 propunha uma
regeneração política, que previa “uma reforma de abusos e uma nova ordem
de coisas”, substituindo as práticas do Antigo Regime pelas do liberalismo,
sob a ótica das Luzes ibéricas. Tratava-se de uma reforma que evitasse “os
perigosos tumultos filhos da anarquia”, típicos de uma revolução, como
convinha a uma conjuntura dominada pela política conservadora da Santa
Aliança.30 Em plano mais amplo, havia ainda a necessidade de conquistar a
adesão das demais regiões do Império, sobretudo do Brasil, com a promessa
de desterrar o despotismo, considerado responsável por todas as opressões.
Na América, as notícias do movimento liberal vintista propagaram-se
rapidamente. Cartas particulares e ofícios dos governadores do Reino alcan-
çaram o Rio de Janeiro em meados de outubro. Mais tarde, sobretudo após
a chegada do Conde de Palmela, em dezembro, a fim de exercer o cargo de
ministro dos Negócios Estrangeiros, a Corte dividiu-se em duas tendências
opostas. De um lado, havia aqueles, como Palmela, que julgavam mais
acertado o retorno de D. João VI a Lisboa, correndo o risco de emprestar
legitimidade à revolução, para conter os excessos, com a promulgação de uma
Carta Constitucional, a exemplo do que fez Luís XVIII na França, em 1814.
De outro, liderados pelo ministro Thomaz Antonio Villa Nova Portugal,
situavam-se os partidários de um absolutismo mais intransigente, que viam
na permanência do Rio de Janeiro como sede da monarquia a possibilidade
de preservar o Brasil do contágio das ideias liberais mais radicais, ainda
que ao preço de se perder o trono português na Europa. Uma das primeiras
polêmicas veiculadas pelos panfletos referia-se à permanência ou não da
Corte no Brasil, sobressaindo um folheto publicado em francês Le Roi et
la famille royale de Bragance doivent-ils, dans les circonstances présentes,
retourner au Portugal ou bien rester au Brésil?. Apesar de anônimo, sua
autoria foi atribuída a um emigrado francês, Caillé de Geine, informante

23
da Intendência Geral da Polícia, que havia escrito o texto sob as ordens de
Vilanova Portugal. Sugeria a permanência da família real no Rio de Janeiro,
com o argumento da preeminência do Brasil no conjunto dos territórios do
Reino Unido.31 Em resposta, publicaram-se folhetos favoráveis ao retorno da
Corte para Portugal. Um deles, publicado na Bahia já em 1821, intitulava-se
Exame analytico-critico da solução da questão: o Rei, e a Família Real de
Bragança devem, nas circumstancias presentes, voltar a Portugal, ou ficar no
Brasil?. Opunha-se totalmente ao folheto em francês, aconselhando o sobe-
rano a “mandar por honra da Nação, de quem é pai, cancelar este folheto” e
“voltar para o berço da monarquia, para a terra que o viu nascer”.32
No Pará e na Bahia, províncias de maior comunicação direta com Lisboa,
surgiram as primeiras manifestações de adesão do Brasil ao movimento
constitucional. Em 10 de fevereiro, agitou-se a Cidade da Bahia, como era
conhecida na época. Uma proclamação esclarecia o objetivo da revolução:
destruir os ferros do despotismo e da tirania e libertar a pátria em prol da
Constituição. Dava vivas às Cortes e exaltava D. João VI, agora soberano
constitucional. Inocentava o rei e culpava seus conselheiros, em atitude típica
do Antigo Regime.33
Dias depois, o jornal baiano Idade d’Ouro do Brasil justificou a atitude
dos baianos e formulou críticas à inércia da Corte: “A Bahia esperava em
modesto silêncio pela resolução do Rio de Janeiro à vista dos sucessos de
Portugal; a Bahia não queria roubar aos ministros de S. M. a glória de
fazerem por bem aquilo que necessariamente se havia de fazer por mal.”34
Em seguida, escolheu-se uma junta provisória de governo, apregoada para
a multidão de povo e tropa e aprovada por geral aclamação. As juntas
multiplicaram-se e foram, posteriormente, reconhecidas pelas Cortes de
Lisboa como instrumento de enfraquecer o controle do Rio de Janeiro sobre
o resto do país. Inaugurava-se prática política inédita: a eleição de juntas
por aclamação popular.
Enquanto isso, permanecia no Rio de Janeiro o impasse sobre qual
pessoa da família real deveria regressar a Lisboa. Prevalecia a tese de Tomás
Vilanova Portugal de preservar o Brasil do contágio revolucionário, enviando
o príncipe D. Pedro a Lisboa. A partida, porém, ia sendo sempre adiada. Em
17 de fevereiro, chegou à Corte a notícia do movimento na Bahia, alterando-se
a situação, uma vez que caía por terra o argumento, defendido pelos partidá-
rios do absolutismo, de que a maioria dos habitantes do Brasil não pensava
em revolução. Urgia uma solução para evitar, como advertia Palmela, que
o incêndio se propagasse pelos principais centros do país.

24
Em 26 de fevereiro, no entanto, o Rio de Janeiro, sede do Império portu-
guês, aderiu à Regeneração. A Divisão Auxiliadora portuguesa exigiu do
soberano o juramento imediato das bases da futura Constituição portuguesa
e a adoção temporária da Constituição espanhola de 1812, até a elaboração
da nova Carta pelas Cortes. Comparecendo ao Rossio, em nome do pai, D.
Pedro acatou parte das exigências, como o juramento da constituição que
viesse de Lisboa, mas evitou tanto a adoção da Constituição espanhola, quanto
a formação de uma junta governativa de nomeação popular. Sobretudo, asse-
gurou a partilha da soberania entre as Cortes e o rei, mantendo uma estrutura
política muito próxima do Antigo Regime. Reforçava-se o teor moderado do
movimento, que aceitava as Cortes deliberativas, desde que se preservassem
a monarquia e a religião católica.
O movimento do dia 26 foi descrito no panfleto Relação dos sucessos
do dia 26 de fevereiro de 1821 na Corte do Rio de Janeiro, publicado em
junho do mesmo ano por um de seus participantes. A Relação denunciava
o despotismo do ministério como o principal motivo da rebelião. Procurava
demonstrar que seus autores, um grupo de militares, nada tinham contra a
pátria ou o soberano, sendo, pelo contrário, súditos leais que promoveram o
“dia em que se abriu a toda a grande família portuguesa, espalhada nas quatro
partes do mundo, o áureo tesouro da Independência nacional”.35
No rastro do movimento de 26 de fevereiro, algumas alterações foram
feitas no ministério. Silvestre Pinheiro Ferreira foi feito ministro e secretário
de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e José da Silva Lisboa,
diretor geral dos estabelecimentos literários. Segundo Oliveira Lima, as
escolhas foram um raro acerto, pelos nomes de prestígio, capazes tanto sob
o aspecto administrativo quanto moral.36
Em 7 de março, D. João VI assinou decreto comunicando sua decisão
de partir para a cidade de Lisboa. Permanecia no Brasil o príncipe D. Pedro,
no lugar de regente. Determinava ainda, em outro decreto da mesma data,
a eleição de deputados brasileiros às Cortes portuguesas, de acordo com as
instruções adotadas no reino de Portugal, ou seja, segundo os moldes da
Constituição espanhola.37
Eram pequenas mudanças que não implicavam alteração profunda no
sistema político. Anos mais tarde, um periódico afirmava que após o 26 de
fevereiro apenas “passou-se a dizer no meio da rua o que se dizia no interior
das casas”. Assim, todos os poderes prosseguiam concentrados no soberano,
sem qualquer concessão aos proclamados princípios de soberania popular.38
Para alguns mais radicais, “o dia 26 não fora mais que uma farsa, para
entreter o espírito revolucionário”, destinado “a paralisar o andamento

25
das ideias constitucionais”. Mudaram-se os ministros, mas as atribuições
permaneceram as mesmas e os novos empregados “tiveram a fraqueza, tão
frequentemente na sua classe, de se tornarem cortesãos”.39
A calma e a normalidade no Rio de Janeiro eram aparentes. Subter-
raneamente, a fermentação política prosseguia, principiando a disseminar-se a
indignação em todas as classes, cujos ânimos foram desabafados em atrevidos
pasquins.40 Silvestre Pinheiro Ferreira escrevia que a agitação se mostrava
principalmente “nos quartéis, nos cafés e nas lojas dos mercadores das ruas
Direita e Quitanda”, lugares que agora eram “o teatro da mais desenfreada
liberdade de falar”. A política ganhava a rua e a praça, que passavam a ter
papel preponderante na cultura política de então.41
Foi nesse ambiente que começou a ser introduzida a liberdade de
imprensa, fato amplamente comentado nos panfletos políticos, como, por
exemplo, Quaes são os bens e os males que podem resultar da liberdade da
Imprensa; e qual he a influencia que elles podem ter no momento em que
os Representantes da nação Portugueza se vão congregar? (Rio de Janeiro,
Typographia Real, 1821). Em Portugal, uma portaria de 21 de setembro
de 1820 mandara “facilitar a impressão (…) dos bons livros nacionais e
estrangeiros”, para que fossem divulgadas as ideias úteis a fim de “se dirigir
a opinião pública, segundo os princípios de uma bem entendida liberdade
civil”. O governo do Rio de Janeiro, “zeloso do progresso e da civilização
das letras”, em 2 de março de 1821, abolia aparentemente a censura prévia
dos escritos, estabelecendo-a sobre as provas tipográficas. Os impressores
correriam o risco de perder um trabalho depois de impresso, em função
das correções exigidas ou de sua simples proibição. Havia ainda multas e a
“correcional de custódia, de oito dias aos menos ou de três meses ao mais”.
Mantinha-se sob as mesmas penas a proibição dos “livros contra a
religião, a moral, os bons costumes, a Constituição, a pessoa do soberano e
a tranquilidade pública”. Suspendia-se a censura prévia até a promulgação
da Constituição, mas não era intenção do governo “abrir a porta à libertina
dissolução no abuso da imprensa”.42 Em Portugal, as Cortes de Lisboa confir-
maram a liberdade de imprensa pela lei de 4 de julho de 1821. No Brasil,
a questão continuou a ser discutida até o aviso do príncipe regente, de 28
de agosto, que extinguia a censura prévia, mas conservava as penas para os
abusos da liberdade.
Tratava-se de grande novidade que incrementou a produção de escritos e
a redução do anonimato que era, aliás, proibido nas publicações da imprensa
oficial.43 Aumentou consideravelmente o número de panfletos publicados
pelas tipografias particulares, resultado da ampliação do número dessas

26
tipografias. Até 1821, havia apenas duas tipografias no Brasil – a Impressão
Régia, no Rio de Janeiro (1808), e a Tipografia Silva Serva, na Bahia (1811),
considerada a primeira tipografia particular no Brasil. Com a redução da
censura, e como a Impressão Régia não era capaz de absorver toda a nova
produção, editores e livreiros aproveitaram a nova oportunidade de negócios.
Ao longo de 1821-1823, surgiram diversos estabelecimentos particulares
voltados, sobretudo, para a produção dessas obras de circunstância. Ainda
em julho de 1821, foi autorizada a abertura da Nova Oficina Tipográfica,
mais tarde transformada na Tipografia de Moreira & Garcez, que funcionou
até 1822. Ainda nesse ano, montaram-se mais quatro prelos: a Tipografia do
Diário, em atividade até 1878, a Tipografia de Santos e Souza (ou Tipografia
dos Anais Fluminenses), a Tipografia Torres & Costa e a Tipografia de Silva
Porto. Sem dúvida, esta última foi a mais importante, funcionando até 1826.
Seu proprietário, Manuel Joaquim da Silva Porto, negociante português
voltado para o comércio de livros, acabou por se envolver na política, aliando-
-se ao grupo mais radical de Joaquim Gonçalves Ledo. Outras tipografias
surgiram em Pernambuco, no Maranhão, no Pará e em Minas Gerais.44 No
entanto, o Rio de Janeiro, centro político mais importante, seguido da Bahia,
continuou a concentrar as atividades impressoras. As tipografias tiveram
papel importante porque, além da atividade editorial, transformaram-se em
espaço de debate público de ideias que alguns contemporâneos, como José
da Silva Lisboa, julgavam revolucionárias e defensoras da Independência do
Brasil sob a forma de um regime democrático.45
Nesse clima de agitação, ocorreu, no Rio de Janeiro, o incidente da
Praça do Comércio em abril de 1821. Na visão de Silvestre Pinheiro Ferreira,
tratava-se da reunião dos eleitores de comarca, com a finalidade de “sancio-
narem” as instruções que deveriam ser deixadas a D. Pedro e a indicação dos
ministros e secretários de Estado do príncipe. Consulta limitada, porém, que
visava dar tintas representativas a uma monarquia ainda moldada no Antigo
Regime, satisfazer “a impaciência do público” e apaziguar os descontentes,
que defendiam “a soberania do povo”. Para outra fonte, a “Memória sobre os
acontecimentos de 21 e 22 de abril de 1821 na Praça do Comércio”, de cunho
liberal radical, a assembleia era dotada de um caráter amplamente consultivo
e convocada somente para todos os cidadãos emitirem seu parecer sobre as
instruções de governo a D. Pedro.46 Diferentes interpretações revelavam os
interesses em jogo. Os documentos oficiais insistiam no caráter exclusiva-
mente eletivo da assembleia para justificar a repressão ao movimento.
Um número extraordinário de cidadãos concorreu para a Praça do
Comércio, no dia 21 de abril, exigindo a entrada em vigor da Constituição

27
espanhola. Posteriormente, a assembleia determinou a nomeação de uma
junta para acompanhar o governo do príncipe regente. Inicialmente, D. João
VI cedeu quanto à principal exigência da reunião – a adoção da Constituição
espanhola. Em 22 de abril, porém, mudou de posição e determinou a dissolu-
ção da assembleia pela força militar, ação de que resultaram muitos mortos e
feridos. Na visão oficial, a assembleia transformara-se em “vozeria e alarido
horroroso”, ou seja, em “motim popular”. No dia seguinte, anulou-se a
adoção da Constituição espanhola e definiram-se as atribuições da Regência,
confiada a D. Pedro.47
O governo dominava a situação com o auxílio da tropa. Dessa vez, no
entanto, o apoio maior veio dos militares brasileiros – não dos portugueses –,
principais atores do dia 26 de fevereiro. A vitória garantia a possibilidade de a
autoridade real se exercer livremente, sem se curvar à vontade da população. Para
muitos contemporâneos, o êxito cabia principalmente a D. Pedro e ao partido
que lhe era favorável, infensos às ideias de um liberalismo mais democrático.48
Por fim, ainda em abril de 1821, embarcou D. João VI para Portugal,
deixando no Brasil, como regente, o príncipe D. Pedro, que exerceria o
poder com um conselho formado por dois ministros de Estado (do Reino
e Negócios Estrangeiros e da Fazenda) e por dois secretários de Estado (da
Guerra e da Marinha). Assegurava-se, em tese, a permanência no Brasil de
uma autoridade central, com sede no Rio de Janeiro, encarregada de articular
as demais províncias.
Um dos temas fundamentais dos panfletos foi ainda o momento das
eleições dos deputados às Cortes de Lisboa, consideradas as primeiras eleições
gerais no Brasil. Era o início da regência de D. Pedro. Vivenciava-se uma situ-
ação inédita, revestida de significado extraordinário e que despertou enorme
interesse. As eleições não estabeleciam censo algum, podendo ser votante
todo cidadão com mais de 25 anos, sendo excluídos do voto as mulheres,
os menores de 25 anos, a menos que fossem casados, os oficiais militares da
mesma faixa de idade, os clérigos regulares, os filhos-família que vivessem
com os pais, os criados de servir, com exceção dos feitores, com casa separada
de seus amos, os vadios, os ociosos e os escravos. Envolviam, no entanto,
mecanismo bastante complexo, com diversos níveis sucessivos de seleção.
A posição dos panfletos era de que todo cidadão precisava adquirir
conhecimento para bem servir à nação. O voto, direito que cada um exer-
cia individualmente, adquiria importância fundamental. É o que se lê em
texto do bacharel Basílio Ferreira Goulart, compromissário da freguesia da
Candelária do Rio de Janeiro, descrevendo as eleições realizadas em abril

28
de 1821: “Nós não temos outra arma, senão o nosso voto: isto é, com que
defenderemos nossos direitos, nossos foros pelos nossos representantes.”49
A regência de D. Pedro foi complicada também em termos financei-
ros. Os cofres públicos estavam desfalcados pela saída do numerário que
acompanhou a saída de D. João VI, que também estancou as receitas. As
províncias do Norte tinham manifestado sua adesão às Cortes e recusado
qualquer subordinação, política ou econômica, ao Rio de Janeiro. As provín-
cias do Sul, embora prestassem lealdade ao príncipe regente, também não o
apoiavam financeiramente. Sem recursos, D. Pedro ficou reduzido quase à
impotência e mais dependente do Congresso de Lisboa, que ele não deixava
de ver com desconfiança.
D. Pedro enfrentou ainda a Bernarda de 5 de junho. Bernardas, na
linguagem da época, eram “novidades e mudanças” que se faziam no Rossio,
isto é, na praça central da cidade (a atual Praça Tiradentes), “juntando-se
tropas e povo”. Na de 5 de junho, obrigou-se D. Pedro a jurar as bases
da Constituição portuguesa, chegadas de Lisboa, e a demitir os ministros
nomeados por seu pai.50 Paralelamente, as outras províncias, ao longo de
1821, formavam governos provisórios ou Juntas Governativas, eleitas e
reconhecidas pelas Cortes, que reforçavam seu próprio poder, em oposição
ao do príncipe regente no Rio de Janeiro. Transformavam-se no alicerce do
Brasil constitucional, como apregoavam alguns jornais, como o Reverbero
Constitucional Fluminense (1821-1822), de Joaquim Gonçalves Ledo e
Januário da Cunha Barbosa. Essas Juntas Governativas foram confirmadas
por novo decreto das Cortes de 29 de setembro do mesmo ano, mas que as
subordinava exclusivamente a Lisboa. Compostas pelas elites locais, as juntas
organizaram-se com ampla autonomia nos negócios internos e se transfor-
maram, na expressão de R. Barman, no governo de “pequenas pátrias”,
encontrando-se na origem da influência provincial, que caracterizaria a
estrutura política do Brasil no Império.51
Diante das dificuldades, o príncipe regente, com grande habilidade,
aproximou-se da facção mais conservadora e experiente da elite brasileira,
aquela formada por pessoas educadas, majoritariamente, na Universidade
de Coimbra e que já haviam exercido funções administrativas no Império
luso-brasileiro – a elite coimbrã.52 Ao longo do segundo semestre de 1821,
porém, as notícias das discussões nas Cortes apontavam para os objetivos
primordiais dos constituintes: submeter o rei ao controle do congresso e resta-
belecer a supremacia europeia sobre o restante do Império. Os revolucionários
portugueses buscavam prioritariamente a preservação e a recuperação de
Portugal, abandonado pela Coroa em 1807. Não havia ainda uma intenção

29
efetiva de recolonizar o Brasil, tanto que os escritos políticos continuavam
a defender a unidade do Império português.53
As notícias, no entanto, acumulavam-se, chegando com defasagem de
cerca de dois a três meses ao Brasil. Assim, somente em inícios de dezembro,
os decretos de 29 de setembro tornaram-se públicos no Rio de Janeiro. Eles
referendavam as Juntas Provinciais diretamente subordinadas a Lisboa e
exigiam a volta incontinente do príncipe regente a Portugal. Nesse clima de
desconfiança, entre aceitar a exigência das Cortes para retornar a Portugal e
tentar construir no Brasil uma monarquia mais próxima de suas concepções
de um absolutismo ilustrado, D. Pedro, pressionado pelas várias represen-
tações do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais, solicitando a sua
permanência, proclamou, no Dia do Fico, 9 de janeiro de 1822, a intenção
de aqui permanecer. As tropas portuguesas ainda procuraram obrigá-lo
a embarcar para Lisboa, mas foram contidas por uma movimentação do
povo e de soldados brasileiros. Desse momento em diante, a velocidade das
decisões tomadas de um lado e de outro do Atlântico, contraposta à lentidão
das comunicações através do oceano, só fez aprofundar o crescente desen-
contro entre as duas partes do Reino, explorado nos panfletos políticos que
ressaltavam a intransigência das Cortes, denunciando-as como despóticas
e, mesmo, recolonizadoras.
Ao longo do primeiro semestre de 1822, as decisões arbitrárias das Cortes
acabaram por promover a união das elites do lado de cá do Atlântico contra
medidas que feriam os interesses dos habitantes da parte americana do Reino
Unido. A oposição manifestou-se tanto por meio de textos escritos quanto
por atos oficiais. Iniciou-se, assim, uma guerra de palavras, polêmica travada
entre escritores brasileiros e portugueses d’além-mar. De início, não se falou
explicitamente em separação política. Para os portugueses, a “aristocracia,
o corcundismo e o servilismo” moviam os defensores da Independência,
sobretudo os paulistas.54 Para os que habitavam do lado de cá do Atlântico,
o Brasil já havia saído de sua infância, tendo entrado na época da madureza,
quando D. João “veio lhe dar carta de sua emancipação”. Assim, os deputados
brasileiros nas Cortes não podiam assistir “mudos e com braços cruzados à
sanção de leis”, para o Brasil, já amadurecido, e que não mais podia aceitar
pacificamente as imposições portuguesas. Afinal, o “Brasil está em marcha”;
não podia retroceder e era “impossível esmagá-lo”.55
Outra conjuntura se delineava. Em 16 de janeiro de 1822, D. Pedro
organizou novo ministério, dirigido por José Bonifácio de Andrada e Silva, o
mais destacado membro do grupo coimbrão. Um mês depois, convocou um
Conselho de Procuradores, com o objetivo de estreitar os laços das províncias

30
com o governo do Rio de Janeiro. Em 30 de abril, denunciando a incapaci-
dade das Cortes para o diálogo, Gonçalves Ledo, líder dos brasilienses, não
identificado com o grupo de Coimbra, levantou em seu jornal, o Reverbero
Constitucional Fluminense, a proposta da emancipação política do Brasil,
e, em 23 de maio, o português José Clemente Pereira, presidente do Senado
da Câmara, entregou ao príncipe regente uma representação solicitando a
convocação de uma Assembleia brasílica. Essa Assembleia tinha o propósito
de evitar o esfacelamento do Brasil, assegurando um centro comum de poder
que conservasse os laços de fraternidade entre os irmãos da nação portuguesa.
Paulatinamente, a linguagem dos panfletos alterava-se: novos vocábulos
surgiam, como separatismo, autonomia, pátria, nacional, brasiliense e Império
brasílico. O constitucionalismo transformava-se em separatismo.
O governo de D. Pedro ainda não pretendia quebrar os laços de união
entre Brasil e Portugal. O decreto de 1º de agosto declarava inimigas todas
as tropas portuguesas que desembarcassem sem consentimento do príncipe
regente, mas tomava a independência em sentido estrito de autonomia política,
sem implicar rompimento formal. Os manifestos do mesmo mês – Manifesto
aos Povos do Brasil, de autoria de Gonçalves Ledo, e o Manifesto às Nações
Amigas, redigido por José Bonifácio – já assumiam a separação como fato
consumado. Contudo, culpavam o despotismo das Cortes pelo rumo dos
acontecimentos, e se o primeiro considerava a separação irreversível, o
segundo ainda hesitava em descartar completamente a alternativa de um
Império luso-brasileiro, reiterando a importância das relações de comércio e
amizade entre os dois reinos.
Quando o príncipe regente proclamou o Grito do Ipiranga, a 7 de setem-
bro, hoje celebrado como data nacional, para a maioria dos contemporâneos,
a separação, ainda que parcial, já estava consumada. O episódio não teve,
aliás, significado especial, nem mesmo foi noticiado na imprensa ou comen-
tado nos panfletos, exceto por uma breve menção no jornal fluminense O
Espelho, datado de 20 de setembro.56 Faltava apenas oficializar a separação, o
que foi feito com a aclamação de D. Pedro como imperador constitucional do
Brasil, ocorrida em 12 de outubro, seguida da coroação em 1º de dezembro.
A partir dessas duas festas cívicas, começou a ser construída no imaginá-
rio político dos povos, outrora irmãos, a ideia de um Império autônomo em
terras americanas. As festas tornaram-se tema central dos escritos e narrações
de época. Houve celebrações na freguesia da Vila de S. Bento do Tamanduá,
onde o vigário colado, perante a Câmara, o clero e o povo, expressou essa
visão de separatismo: “(…) o instante da criação do grande Império brasílico
é chegado, os elementos todos estão prontos, o dia, o preciso dia marcado

31
pelo dedo do eterno para a sua grandeza e vossa glória é este.” Da mesma
forma, o jornal português Trombeta Lusitana afirmava que a aclamação de
D. Pedro era um acontecimento que se formara há algum tempo “a respeito
do novo Estado brasílico”, pois, com “esse passo, o Brasil chegou ao ponto
preciso da sua independência”.57
A partir do final de 1822, a ideia de Brasil como unidade política inde-
pendente começou a despertar um sentimento de distinção do brasileiro em
relação ao português. Até aquele momento, para os brasileiros, nação tinha
apenas um sentido político – a construção de um estado soberano –, faltava-
-lhe o conteúdo cultural de uma comunidade marcada por traços singulares.
Como na América hispânica, a Independência do Brasil não significou a
constituição da nação, como quiseram muitos autores imbuídos de uma
percepção nacionalista, típica do século XIX. Havia, consolidada, uma nação
portuguesa; a nação brasileira apenas se esboçava.58
Oficializada a Independência, surgiram dois problemas fundamentais
para o novo Estado, que exigiam medidas imediatas: a manutenção da unidade
política e territorial em torno do governo do Rio de Janeiro e a obtenção do
reconhecimento internacional do Império do Brasil. Em relação ao primeiro,
a questão decisiva era a reunião de todas as províncias sob o mesmo governo
sediado no Rio de Janeiro. Apesar da concretização da unidade sob Pedro I em
1823, esta só foi consolidada após graves conflitos militares que culminaram,
em 1824, na Confederação do Equador.
Se desde o final de 1822 Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e as
províncias do Sul já haviam se manifestado favoravelmente à Independência
do Brasil, por meio de ofícios e proclamações enviados pelas Câmaras muni-
cipais, as outras províncias titubeavam. Pouco depois, Pernambuco jurou
solenemente adesão e obediência ao imperador. Em virtude da dificuldade das
comunicações, Goiás e Mato Grosso pronunciaram-se somente em janeiro de
1823. Em seguida, foi a vez do Rio Grande do Norte, Alagoas e Sergipe.59 As
quatro províncias do Norte – Pará, Maranhão, Piauí e Ceará –, juntamente
com a Cisplatina e parte da Bahia, no entanto, permaneciam fiéis às Cortes
de Lisboa. Assim, a unidade em torno do Rio de Janeiro ocorreu por meio
das guerras de independência, que também encontraram eco nos panfletos
políticos. Nessas guerras, houve a participação de vários oficiais estrangeiros,
como o Lorde Cochrane e Pedro Labatut, personagens de alguns panfletos.
Vários folhetos foram dedicados à questão da Cisplatina.60
No plano externo, tinha-se que negociar o reconhecimento internacional
do novo país. A questão primordial era enfrentar a possibilidade de uma guerra
externa com Portugal, com o risco de retorno do país à antiga condição de

32
colônia. Apesar de ser ameaça mais imaginária do que real, os escritos dos
dois lados do Atlântico apontavam para essa possibilidade. No Brasil, notícias
sobre eventual envio de tropas lusitanas provocavam imagens de um mar
coalhado de corsários armados pela antiga metrópole. Avistava-se um navio
ao longe e aí vinha “contra nós o Anticristo com a besta de sete portas”; tudo
estava perdido, pois uma esquadra com milhares de homens estava pronta para
saltar “às escondidas em diversos pontos”.61 Do outro lado, estava presente
a ideia de que o Brasil pertencia “aos portugueses como uma herança de seus
pais”, que o conquistaram. Daí, a legitimidade do uso da força para trazer
de volta ao domínio português. Para outros, havia o tom ameaçador de uma
possível revolta dos escravos, citando-se “o exemplo terrível” da revolta de
São Domingos, no final do século XVIII, que, certamente, aconteceria em
um país em que “há seis escravos, ao menos, para um só senhor e aonde,
por consequência, o desejo inveterado das vinganças é como seis para um”.62
Do lado positivo, o novo Império contava com o apoio do representante
da Áustria, barão de Mareschall, que procurava neutralizar qualquer atitude
da Santa Aliança, indicando em seus ofícios a Metternich e ao imperador
Francisco I a necessidade de a Áustria reconhecer a Independência do Brasil,
uma monarquia, em meio a tantas repúblicas. Após negociações que contaram
com o apoio dos ingleses, Portugal reconheceu oficialmente a Independência
brasileira em 29 de agosto de 1825, cedendo D. João a soberania ao Brasil
e tomando para si o título honorário de imperador do Brasil. Tal reconhe-
cimento possibilitou, em seguida, o da Inglaterra, França, Áustria, Santa Sé
e outros países europeus. O primeiro país a reconhecer a Independência do
Brasil, porém, foram os Estados Unidos (1824), com a colaboração do repre-
sentante brasileiro José Silvestre Rebello, autor de alguns panfletos políticos
(sob o pseudônimo Trezgeminos Cosmopolitas).
Era necessário, ainda, definir no Império brasílico a questão fundamental
da distribuição de poder entre a autoridade nacional no Rio de Janeiro e os
governos provinciais, a fim de evitar que ressurgisse o temido espectro do
despotismo, identificado à falta de autonomia das províncias no passado. Para
tanto, devia-se dar início à montagem no Rio de Janeiro de um governo central
e viável, capaz de dar direção e sentido de identidade ao Império. Pelo clima
constitucionalista vivenciado nos últimos anos, a opção não podia deixar de
ser a de uma monarquia constitucional, governada por uma Carta Magna.
Em maio de 1823, a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa reuniu-se.
Na sessão inaugural, D. Pedro colocou-se acima dos representantes da nação,
ao repetir o que proclamara em sua coroação; juraria a “liberal Constituição”
se digna do Brasil e de seu imortal defensor, ou seja, dele próprio. Sinal dos

33
tempos da Restauração, imitava-se a fórmula francesa de 1814, após a derrota
do Império napoleônico, quando da ascensão de Luís XVIII, que concedera e
outorgara “pelo livre exercício” da autoridade real, a Carta constitucional,
mas tomando todas as precauções para que ela “fosse digna de nós e do povo”.
Iniciados os trabalhos, a maior polêmica prendeu-se à concepção da
soberania, fundamental para definir as atribuições dos poderes Executivo
e Legislativo. Para alguns mais democratas, defendia-se com ardor que a
soberania residia na nação, representada pelos deputados eleitos, negando-se
ao imperador não só o poder de veto absoluto, como também o direito de
dissolver a futura Câmara de Deputados, enquanto recurso para a convocação
de novas eleições. Para os moderados, a soberania devia ser partilhada entre
o imperador e a Assembleia, com um Executivo forte, nas mãos do rei, a
fim de afastar possíveis tendências democráticas, que eles viam como desa-
gregadoras. A essa altura, Pedro I começou a cercar-se de amigos pessoais,
naturais de Portugal, embora enraizados no país, que defendiam concepções
mais autoritárias de governo, incompatibilizando-se com José Bonifácio,
afastado do ministério em julho de 1823, e distanciou-se cada vez mais da
Assembleia como um todo.
O calor resultante dos debates na Assembleia transpareceu, no entanto,
menos nos panfletos e muito mais nos periódicos, cuja opinião fora silenciada
desde os acontecimentos do final de 1822 e que, no ano seguinte, se multi-
plicaram. De um lado, o Tamoio, ligado aos Andradas, erguia a bandeira da
oposição não só contra os democratas, mas também contra aqueles que se
mostravam favoráveis a um poder autoritário (corcundas), em particular os
portugueses (pés de chumbo), que passavam a rodear o imperador. A Sentinela
da Liberdade à Beira-Mar da Praia Grande carregava nas tintas contra os
oficiais portugueses integrantes do Exército brasileiro. De outro, o Espelho
e o Diário do Governo criticavam os anteriores por intrigarem brasileiros
com portugueses. Defendiam o pleno poder do imperador. A disputa entre
a proposta de governo mais liberal, em que a soberania residisse nos repre-
sentantes da nação, e a de um governo mais centralizador, modelada nas
monarquias conservadoras da Europa de então, convertia-se em rivalidade
entre brasileiros e portugueses.
Os debates intensificavam-se nas sessões e na opinião pública. Ao abolir
as antigas Juntas, eleitas pelo povo, D. Pedro propôs substituí-las por um
presidente, nomeado por ele e removível ad nutum. A medida desagradou
profundamente aos deputados do Norte e aos de São Paulo e Minas Gerais,
pois tirava a autonomia das províncias e alterava o equilíbrio de poder entre
o governo local e o central. Em verdade, o grupo descontente devotava

34
prioritariamente lealdade à sua pequena pátria de nascimento. Ao insistir na
centralização do poder, o governo do Rio de Janeiro revelava-se mais autori-
tário e centralizador, mais do gosto do imperador e de seu círculo de áulicos.
Daí em diante, os acontecimentos internacionais – a Vila Francada de
3 de junho de 1823, que pôs fim à primeira experiência liberal portuguesa,
com o fechamento das Cortes, pelas armas, e com o restabelecimento do
poder absoluto de D. João VI – serviram de estímulo a D. Pedro para revelar
o lado mais autoritário de seu caráter. Decretou a dissolução da Assembleia
Constituinte, em 12 de novembro, demitindo no ato os ministros que se
recusaram a assinar o decreto. Lido este, e após algumas polêmicas incon-
sequentes, os deputados retiraram-se. Alguns foram logo presos, entre eles
os Andradas, que foram enviados para o exílio.
Pedro I justificou sua atitude em uma proclamação e num manifesto
aos brasileiros, conclamando todos a conservarem a adesão à causa da
Independência. Em sua visão, as facções presentes na Assembleia tinham
convidado “pessoas do povo”, “armadas de punhais e pistolas”, para
amedrontar os deputados leais ao imperador. Concluía sob a promessa de
uma carta “duplicadamente mais liberal”, contendo os temores de todos os
cidadãos pacíficos, preservando a pátria em perigo e afastando o medo da
ruína e da subversão do Estado.63 Daí em diante, os descontentamentos se
acirraram em torno de questões consideradas fundamentais: os conceitos
de soberania, de centralização e de federalismo.

v v v

Os panfletos fizeram parte integrante do jogo político entre 1820 e


1823, seus autores eram atores do jogo. Eles tornavam público o debate,
doutrinavam os leitores, formulavam, interpretavam, combatiam e defen-
diam ideias, propunham soluções, representavam interesses. Sem ouvir sua
voz, não se pode ter compreensão adequada daquele momento histórico,
de como ele foi vivido pelos contemporâneos. Ignorá-los é correr o risco de
fazer interpretações anacrônicas.
Por sua natureza, eles interessam particularmente à história das ideias
no mundo luso-brasileiro. Neles se pode acompanhar a recepção de teorias
e conceitos retirados da tradição ocidental e adaptados a uma sociedade
que, embora também ocidental, era profundamente conservadora em seus
valores e práticas políticas e sociais. Neles vemos desfilar conceitos como
absolutismo, liberalismo, democracia, igualdade, constituição, soberania,
representação, sistemas de governo, nação. Não deixa de ser fascinante

35
acompanhar essa batalha de ideias lutada por pessoas muitas das quais
sinceramente convencidas de que estavam construindo um mundo novo em
oposição ao velho e carcomido absolutismo da tradição lusa. E acompanhar
também como aos poucos o mundo novo proposto pelo vintismo, de início
comum a portugueses e brasileiros, começa a se diferenciar na emergência
do conflito que implodiu o Reino Unido.

v v v

Devido a seu grande número, optou-se pela publicação dos folhetos em


quatro volumes, divididos em função do gênero ou formato adotado. Dentro
de cada volume, foram apresentados em ordem cronológica (ano) e alfabética.
O primeiro volume, com 68 panfletos, é o mais homogêneo, inclui apenas o
gênero “Cartas”; o segundo, com 59, compreende a parte mais especulativa,
expressa em “Análises, reflexões e projetos”; o terceiro, com 107, abrange
textos didáticos e reivindicatórios, distribuídos em três blocos: “Sermões,
orações e discursos”, “Diálogos, catecismos e dicionários” e “Manifestos,
proclamações, representações, protestos, apelos e elogios”; o último volume,
com 128, reúne poesias, relatos, exposições, memórias fatuais, notícias e
narrações e os panfletos da Província Cisplatina.

NOTAS
1
Carta do Sacristão de Tambi ao Estudante Constitucional do Rio, Reverbero Constitu-
cional Fluminense, Rio de Janeiro, n. 9, 8 jan. 1822. Em seguida, a carta foi publicada
em forma de panfleto político pela Impressão de Silva Porto, ainda em 1822.
2
Segundo Rubens Borba de Moraes, baseado em estudos de Raimundo de Magalhães, o
Estudante Constitucional seria Evaristo da Veiga, autor de diversos panfletos políticos
da época da Independência. Cf. R. B. de Moraes e A. M. de Almeida Camargo, Biblio-
grafia da Impressão Régia do Rio de Janeiro, São Paulo, Edusp, Rio de Janeiro, Livraria
Kosmos Editora, 1993, v. 1, p. 256.
J. Raymond, Pamphlets and pamphleteering in early modern Britain, Cambridge, Cam-
3

bridge University Press, 2003, p. 8.


C. Jouhaud, Mazarinades: la Fronde des mots, Paris, Aubier, 1983.
4

5 B. Bailyn, As origens ideológicas da Revolução Americana, Bauru, EDUSC, 2003; A.


de Baecque, Panfletos: libelo e mitologia política, em R. Darnton e D. Roche (org.), A
revolução impressa. A imprensa na França – 1775-1800, São Paulo, Edusp, 1996, p.
225-238.
N. Daupiás d’Alcochete, Les pamphlets portugais anti-napoléoniens, Arquivos do Centro
6

Cultural Português, Paris, 11, p. 7-16, 1978; L. M. B. P. Neves, Napoleão Bonaparte:


imaginário e política em Portugal (c. 1808-1810), São Paulo, Alameda, 2008; F.-X.

36
Guerra, Modernidad e independencias. Ensayos sobre las revoluciones hispánicas, Mé-
xico, Mapfre/Fondo de Cultura Económica, 1992; J. A. A. Rivera, Vicente Rocafuerte,
los panfletos y la invención de la república hispanoamericana, 1821-1823, em P. Alonso
(comp.), Construcciones impresas. Panfletos, diarios y revistas en la formación de los
Estados nacionales en América Latina, 1820-1920, Buenos Aires, Fondo de Cultura
Económica, 2004; M. B. N. da Silva, Movimento constitucional e separatismo no Brasil:
1821-1823, Lisboa, Livros Horizontes, 1988; R. S. Baezza, Los catecismos políticos
americanos, 1811-1827, Madrid, Fundación Mapfre/Ediciones Doce Calles, 2009.
7
R. Bluteau (1712-1727), Vocabulario portuguez & latino, Lisboa, Officina de Pascoal
Silva, v. 6, p. 296; A. de M. Silva, Diccionario da lingua portuguesa, 2. ed., Lisboa,
Tip. de M. P. de Lacerdina, 1813 [ed. fac-símile: Rio de Janeiro, 1922], v. 2, p. 405;
D. J. M. d’Almeida e A. C. de Lacerda, Dicionário da língua portugueza: para uso dos
portugueses e brasileiros, Lisboa, Francisco Arthur da Silva, 1862.
8
Fr. D. Vieira, Grande diccionário portuguez, Porto, Ernesto Chardron e Bartolomeu H.
de Moraes, 1871-1874.
9
Cf. F. Saenen, Dictionnaire du pamphlet: de la révolution à Internet, Gollion, Infolio,
coll. “Illico”, 2010, p. 18.
10
Para os panfletos manuscritos, ver: J. M. de Carvalho, L. Bastos e M. Basile, Às armas
cidadãos! Panfletos manuscritos da independência do Brasil, São Paulo, Companhia das
Letras, Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2012.
11
Ver, a respeito, J. M. de Carvalho, História intelectual no Brasil: a retórica como chave
de leitura, Topoi: Revista de História, Rio de Janeiro, 7Letras, n. 1, p. 130-135, set.
2000. Sobre a formação da elite política imperial, cf. Idem, A construção da ordem: a
elite política imperial, Brasília, Editora UnB, 1981, capítulo 3.
12
Estudando a influência da retórica sobre a literatura brasileira, Roberto Acízelo de Souza
mapeou 34 compêndios de retórica e poética publicados entre 1810 e 1886, estando entre
seus autores indivíduos renomados como Silvestre Pinheiro Ferreira, Frei Caneca e Lopes
Gama, além de diversos professores do Colégio Pedro II (R. A. de Souza, O Império da
eloquência: retórica e poética no Brasil oitocentista, Rio de Janeiro, Ed. UERJ/EDUFF,
1999, sobretudo p. 39-82.
13
M. B. N. da Silva, Cultura e sociedade no Rio de Janeiro (1808-1821), São Paulo, Na-
cional, Brasília, Instituto Nacional do Livro, 1977, p. 172-179. Em relação aos artifícios
de retórica, cf. M. B. N. da Silva, Problemas da análise do discurso político, Atas do
I Congresso Brasileiro de Literatura – Língua – Línguística, São Paulo, USP, 1972, p.
3-16. Sobre a importância da retórica sermonística como elemento de construção de
uma identidade brasileira, ver: M. R. da C. Duran, Ecos do púlpito: oratória sagrada
no tempo de D. João VI, São Paulo, Editora UNESP, 2010, em especial o capítulo 3.
14
Carvalho, História intelectual no Brasil, p. 142-145.
15
C. Perelman e L. Olbrechts-Tyteca, Tratado da argumentação: a nova retórica, São Paulo,
Martins Fontes, 1996, capítulo II da terceira parte, sobretudo p. 347-353; e C. Perelman,
Retóricas, São Paulo, Martins Fontes, 1997, capítulo VIII da terceira parte. A mesma
classificação, pontuada por análise mais simplificada, é seguida também por O. Reboul,

37
Introdução à retórica, São Paulo, Martins Fontes, 1998, capítulo VIII, principalmente
p. 173-181.
Ver: Oração que na reunião do Colégio Eleitoral da Vila de Taubaté, recitou o pe.
16

Joaquim P. de Barros, em 1o de setembro de 1822, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional,


1822, p. 1.
Para o Mestre Periodiqueiro, ver os diversos panfletos presentes no “Volume I – Cartas”.
17

A citação é de José da Silva Lisboa. Cf. Arquivo Nacional, Coleção do Desembargo do


18

Paço, Caixa 170, pac. 3, doc. 75, 18 de junho de 1819.


A citação encontra-se em: Já fui carcunda, ou a zanga dos periódicos, Lisboa, Off. da
19

Viuva de Lino da Silva Godinho, 1821, p. 4. Para o preço dos impressos, ver: Catalogo
de algumas obras modernas e constitucionais chegadas modernamente à loja de Paulo
Martin, rua da Quitanda nº 33, Rio de Janeiro, Imp. Nacional [1821]; Catalogo de
algumas obras que se vendem na loja de Paulo Martin, rua da Quitanda nº 33. Vindas
neste ultimo navio de Lisboa, Rio de Janeiro, Imp. Nacional, [1822]; Diário do Rio de
Janeiro, outubro 1822 e janeiro 1823.
Discurso sobre o dia 8 de Abril de 1821, composto pelo bacharel Basilio Ferreira
20

Goulart, natural desta cidade do Rio de Janeiro, actual parochiano da Candellaria, [Rio
de Janeiro], Typographia Regia, [1821], p. 3.
Os sócios iniciais do Instituto eram: Januário da Cunha Barbosa e Raimundo José da
21

Cunha Matos, idealizadores da instituição; Antonio José de Paiva Guedes d’Andrade,


Antonio Manuel Correia da Camara, Cassiano Spiridião de Melo e Matos, Frei Francisco
Sampaio, Joaquim Gonçalves Ledo, José Antonio Lisboa, José Clemente Pereira, José
Silvestre Rebello, Luís Gonçalves dos Santos e Manuel Rodrigues da Costa. Cf., através
dos necrológios sobre esses elementos ao longo da RIHGB, Lúcia Maria P. Guimarães,
Debaixo da imediata proteção de Sua Majestade Imperial: o Instituto Histórico e Geo-
gráfico Brasileiro (1838-1889), RIHGB, Rio de Janeiro, 388(156), p. 459-613, jul.-set.
1995.
M. E. Moreira (org.), Uma voz ao sul. Os versos de Maria Clemência da Silveira Sampaio,
22

Florianópolis, Ed. Mulheres, 2003.


Requerimento rasão, e justiça. Representação dirigida a D. Pedro I de mulheres do
23

Brasil, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1823.


Cf. F. A. de Varnhagen, História da Independência do Brasil, Brasília, I.N.L., 1972;
24

A. do V. Cabral, Annaes da Imprensa Nacional do Rio de Janeiro: 1808-1822, Rio de


Janeiro, Tip. Nacional, 1881; R. B. de Moraes e A. M. de Almeida Camargo, Bibliografia
da Impressão Régia do Rio de Janeiro; R. Faoro, Introdução, em O debate político no
processo da Independência, Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura, 1973.
J. H. Rodrigues, Independência: revolução e contrarrevolução, Rio de Janeiro, Francisco
25

Alves, 1975, A evolução política, v. 1; M. B. N. da Silva, Movimento constitucional e


separatismo no Brasil: 1821-1823, Lisboa, Livros Horizontes, 1988.
Cf. C. H. L. de S. Oliveira, O disfarce do anonimato. O debate político através dos
26

folhetos: 1820-1822, dissertação (mestrado), Universidade de São Paulo, São Paulo,

38
1979; Idem, A astúcia liberal – relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro
(1820-1824), São Paulo, CEDAPH, 1999; G. M. Coelho, Anarquistas, demagogos e
dissidentes: a imprensa liberal no Pará de 1822, Belém, CEJUP, 1993; L. M. B. P. Neves,
Corcundas e constitucionais: a cultura política da Independência, 1820-1822, Rio de
Janeiro, Revan/FAPERJ, 2003; G. S. Ribeiro, A liberdade em construção: identidade
nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro, Relume Dumará,
2002; Iara Lis Carvalho, Pátria coroada: o Brasil como corpo autônomo, 1780-1831,
São Paulo, Ed. UNESP, 1999; I. Lustosa, Insultos impressos. A guerra dos jornalistas
na Independência (1821-1823), São Paulo, Companhia das Letras, 2000; R. L. Leite,
Republicanos e libertários. Pensadores radicais no Rio de Janeiro (1822), Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 2000.
27
Para Silva Lisboa, ver: Visconde de Cairu, Visconde de Cairu (org. e int. de Antonio
Penalves), São Paulo, Editora 34, 2001; e T. C. Kirschner, José da Silva Lisboa. Visconde
de Cairu. Itinerários de um ilustrado luso-brasileiro, São Paulo, Alameda, 2009.
Silva, Diccionario da lingua portuguesa, v. 2, p. 232.
28

Por exemplo, diversos panfletos citados por Rubem Borba de Moraes não foram lo-
29

calizados. Muitos desses panfletos foram identificados a partir de anúncios de jornais,


não tendo sido publicados no Rio de Janeiro. Mesmo alguns não foram encontrados
em Lisboa. Cf. Moraes e Camargo, Bibliografia da Impressão Régia do Rio de Janeiro,
passim. Destaque-se ainda que vários panfletos publicados na Bahia, pela Tipografia
Viúva Serva e Carvalho, também não foram encontrados. Tal fato pode ser explicado,
em parte, pela destruição da Biblioteca Pública da Bahia, em virtude de um bombardeio
à cidade, no início de 1912, no governo do presidente Hermes da Fonseca.
Ver, respectivamente, A Regeneração constitucional ou a guerra entre os corcundas e
30

os constitucionais, Rio de Janeiro, Impressão Régia, 1821, p. 3; O Pregoeiro Lusitano:


história circunstanciada da Regeneração portuguesa, Lisboa, Tip. João Baptista Morando,
1820, v. 1, p. 353.
A atribuição do panfleto a C. Geine é feita por Hélio Vianna, Um famoso panfleto de
31

1821, em Capítulos de história luso-brasileira, Lisboa, Academia Portuguesa de História,


1968, p. 283-291.
Publicado na Corte do Rio de Janeiro por hum Anonymo em idioma Francez nos ultimos
32

dias do anno passado, Bahia, Typographia da Viuva Serva & Carvalho, p. 52.
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Dl. 345.17; E. J. da S. Maia, Estudos histó-
33

ricos sobre Portugal e Brasil. Estudo décimo oitavo. Relação dos successos effetuados
na Bahia no dia 10 de fevereiro de 1821, [s.n.t.].
Bahia, Idade d’Ouro do Brazil, n. 13, 13 fev. 1821.
34

Relação escrita no Rio de Janeiro em 10 de junho de 1821 e impressa na Bahia. Nesse


35

trabalho, teve-se acesso ao documento manuscrito, que se encontra na Biblioteca Nacional


de Portugal, Reservados, MSs., Códice 10759. Não foi encontrado nenhum exemplar
do panfleto impresso.

39
36
Cf. Lista das pessoas nomeadas para os empregos públicos na Gazeta do Rio de Janeiro,
n. 17, 28 fev. 1821; M. de O. Lima, O movimento da independência: 1821-1822, Belo
Horizonte, Itatiaia, São Paulo, Edusp, 1989, p. 54.
37
Decreto de 7 de março de 1821 apud Gazeta do Rio de Janeiro, n. 21, 14 mar. 1821.
38
Correio do Rio de Janeiro, n. 83, 8 nov. 1823.
39
Memória sobre os acontecimentos dos dias 21 e 22 de abril de 1821 na Praça do Com-
mercio do Rio de Janeiro, escripta em maio do mesmo anno por huma testemunha
presencial, RIHGB, Rio de Janeiro, 27, p. 272-289, 1864. Citações às p. 271-272.
40
Cf. Carvalho, Bastos, Basile, Às armas cidadãos!, passim.
41
Citações em S. P. Ferreira, Cartas sobre a Revolução no Brasil, em Ideias políticas, Rio
de Janeiro, Ed. Documentário, 1976, p. 64 (Carta 7ª) e p. 84-85 (Carta 21ª). Para a
política pública, cf. L. M. B. P. Neves, A política na praça pública, Oceanos: Viver no
Brasil Colónia, Lisboa, 42, p. 148-160, abr.-jun. 2000.
42
Portaria de 21 de setembro de 1820 apud C. Rizzini, O livro, o jornal e a tipografia
no Brasil (1500-1822), Rio de Janeiro, Kosmos, 1945, p. 328. Decreto de 2 de março
de 1821 apud J. P. de F. N. de Araújo, Legislação brasileira de 1808 a 1831, Rio de
Janeiro, J. Villeneuve & Comp., 1836, p. 150.
43
Brasil, Portaria de 19 janeiro de 1822, Rio de Janeiro, Tipographia Nacional, 1822.
44
L. M. B. P. Neves, Tipografias, em M. B. N. da Silva (coord.), Dicionário da história
da colonização portuguesa no Brasil, Lisboa, Verbo, 1994, p. 788-791.
45
Memorial apologético das Reclamações do Brazil, Parte III, 23 jul. 1822.
46
Para a opinião de Silvestre Pinheiro Ferreira, ver: Cartas sobre a Revolução no Brasil,
p. 89 (Carta 24a). Para a outra visão, ver: Memoria sobre os acontecimentos dos dias
21 e 22 de abril de 1821 na Praça do Commercio do Rio de Janeiro, escrita em maio do
mesmo anno por uma testemunha presencial, RHIGB, Rio de Janeiro, 27(2), p. 271-289,
1864.
47
Cf. Memória sobre os acontecimentos dos dias 21..., p. 276. Decreto de 22 de abril de
1821. BN-RJ. DMss. II – 30, 32, 10.
48
Para a análise dos acontecimentos de 21 e 22 de abril, além das fontes citadas, conferir
ainda: M. B. N. da Silva, A repercussão da revolução de 1820 no Brasil: eventos e ideolo-
gias, Revista de História das Ideias, Coimbra, 2, p. 40-52, 1978-1979; M. V. Alexandre,
Os sentidos do império: questão nacional e questão colonial na crise do Antigo Regime
português, Porto, Afrontamento, 1993, p. 535-39; I. L. C. Souza, Pátria coroada: o
Brasil como corpo político autônomo, 1780-1831, São Paulo, Editora UNESP, 1999,
p. 101-105; Neves, Corcundas e constitucionais, p. 251-254.
B. F. Goulart, Discurso sobre o dia 8 de abril de 1821, composto pelo bacharel..., Rio
49

de Janeiro, Impressão Régia, 1821, p. 2.


50
Para a descrição dos fatos de 5 de junho de 1821, cf. Gazeta do Rio de Janeiro, n. 46,
9 jun. 1821; Diário do Rio de Janeiro, 10 jun. 1821. Para a citação, cf. Dialogo polí-
tico e instructivo, entre dous homens da roça, André Rapozo e seu compadre Bolonio

40
Simplício, à cerca da Bernarda do Rio de Janeiro e novidades da mesma, Rio de Janeiro,
Impressão Régia, 1821, p. 4.
51
Cf. Lima, O movimento da Independência, p. 96-97; Reverbero Constitucional Flumi-
nense, n. 7, 15 dez. 1821; R. J. Barman, Brazil: the Forging of a Nation (1798-1852),
Stanford University Press, 1988, p. 75.
52
Para o papel de Coimbra enquanto elemento homogeneizador das elites políticas, ver:
J. M. de Carvalho, A construção da ordem: a elite política imperial, Rio de Janeiro,
Campus, 1980, sobretudo o capítulo 3.
53
L. M. B. P. Neves, O Império luso-brasileiro redefinido: o debate político da indepen-
dência (1820-1822), RIHGB, Rio de Janeiro, n. 387, abr.-jun., 1995; M. R. Berbel, A
retórica da recolonização, em I. Jancsó (org.), Independência: história e historiografia,
São Paulo, FAPESP/Hucitec, 2005, p. 791-808; A. P. Rocha, A recolonização do Brasil
pelas Cortes. História de uma invenção historiográfica, São Paulo, Editora UNESP,
2009.
54
A todos os periodistas de Lisboa, um Amigo da União do Brazil sobre a Malagueta,
Despertador Braziliense e Representação dos Paulistas, Lisboa, Imprensa Nacional,
1822, p. 1. Reimpresso no Rio de Janeiro, Typographia de Moreira, e Garcez, 1822.
55
O Brasil indignado contra o projecto anticonstitucional sobre a privação de suas atri-
buições, por um Philopatrio [padre Marcelino Pinto Ribeiro Duarte], Rio de Janeiro,
Typographia Nacional, 1822, p. 3, 4 e 16.
56
O decreto de 21 de dezembro de 1822 não incluiu o 7 de setembro como dia de gala,
mas sim o 12 de outubro e o 1º de dezembro. Cf. O. Nogueira (org.), Obra política de
José Bonifácio, Brasília, Senado Federal, 1973, v. 1, p. 115-116.
57
Citações, respectivamente, em O Espelho, Rio de Janeiro, n. 106, 22 nov. 1822; Trom-
beta Lusitana, Lisboa, n. 31, dez. 1822.
58
Ver F.-X. Guerra, A nação na América espanhola. A questão das origens, Revista
Maracanan, Rio de Janeiro, n. 1, p. 9-30, 1999-2000. Para o conceito de nação, ver,
também, L. M. B. P. Neves, Nação, em R. Vainfas (dir.), Dicionário do Brasil imperial
(1822-1889), Rio de Janeiro, Objetiva, 2002, p. 544-547; I. Jancsó e J. P. G. Pimenta,
Peças de um mosaico (ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade
nacional brasileira), em C. G. Mota, Viagem incompleta: a experiência brasileira: 1500-
2000, São Paulo, Ed. Senac, 1999, v. 1, p. 127-174.
59
Para tais adesões, ver: Arquivo Nacional, As Câmaras municipais e a Independência, Rio
de Janeiro, Arquivo Nacional/Conselho Federal de Cultura, 1973, 2 v.; Souza, Pátria
coroada.
Para a Cisplatina, ver panfletos do “Volume 4”.
60

Spectador Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 10, 20 jul. 1824.


61

O Campeão Portuguez em Lisboa ou o Amigo do Povo e do rei Constitucional, v. 1, n.


62

6, 11 maio 1822.
Proclamação. Brasileiros!, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, [1823].
63

41
42
Apêndice
NATURALIDADE, NASCIMENTO, ESTUDOS E
OCUPAÇÃO DOS AUTORES DOS PANFLETOS (Continua)
N N P N A M M P C F E
A A R E D E I R L U S
C S O G V D L O E N T
I C P O O I I F R C U
AUTORES O I R C G C T E O I D
N M A O A S O O
D R S N S
O O
R

1 Antero José Ferreira de Brito RS 1787 X


Antonio Carlos ribeiro de Andrada Machado e
2 SP 1773 X X C
Silva (Philagiosotero)
3 Antonio Joaquim Nogueira da Gama * 1791 X X
4 Antonio José de Paiva Guedes D’Andrade X X
5 Antonio José Gonçalves de Figueiredo * X
6 Antônio Manuel Correa da Câmara RS 1783 X
7 Basílio Ferreira Goulart RJ X C
+/-
8 Bernardo Avellino Ferreira e Souza RS X
1780
9 Bernardo José da Gama PE 1782 X X C
(Continua)
Bispo de Castoria, Prelado de Goyaz (Francisco Ferreira
10 MT 1764 X
de Azevedo)
11 Cassiano Espiridião de Mello e Mattos BA 1793 X C
12 Cipriano Jose Barata de Almeida BA 1762 X X C
13 Diogo Duarte e Silva * 1779
14 Domingos Alves B. M. Barreto BA 1747 X X
15 Domingos José de Almeida Lima * 1771 X
16 Eduardo José de Moira RJ X
17 Egidio da Costa Alvarenga PI
18 Estanislau Vieira Cardoso X
19 Evaristo Ferreira da Veiga RJ 1779
20 Francisco da Mãi dos homens carvalho X
21 Francisco da Soledade X
22 Francisco de Santa Tereza de Jesus Sampaio RJ 1778 X X
23 Francisco Ferreira Goulart * 1765 X X C
24 Francisco Maria Gordilho Veloso de Barbuda * X
+/-
25 Francisco Xavier de Santa Rita Bastos BA X
1785
26 Francisco Xavier Ferreira X
27 Gervásio Pires Ferreira PE 1765 X
28 Heliodoro Jacinto D’Araujo Carneiro * 1776 X X C

43
(Continua)

44
29 Inocêncio da Rocha Galvão BA X P
30 Jacinto Rodrigues Pereira Reis MG X ACRJ
31 Januário da Cunha Barbosa RJ 1780 X X
32 João Crisóstomo Calado X
33 João Marcos Vieira de Sousa Pereira X
34 João Roberto Aires Carneiro X
35 Joaquim do Amor Divino Caneca PE 1779 X X
36 Joaquim Gonçalves Ledo RJ 1781 X X
37 Joaquim José de Almeida X
38 Joaquim José Fernandes Oliveira Catta Preta X
39 Joaquim Pereira de Barros X
40 José Anastácio Falcão * 1786 X
41 Jose Antonio de Freitas X
42 José Antonio Lisboa RJ 1777 C
43 José Bonifácio de Andrada e Silva SP 1763 X X C
44 José Clemente Pereira * 1786 X C
45 José da Costa Azevedo RJ 1791 X AM
46 José Fernandes Gama X X
47 José Joaquim Lopes de Lima * 1797 X
48 José Maria Cambuci do Vale SP X X ACRJ
(Continua)

49 José Pedro Fernandes 1765 X


50 José Silvestre Rebelo * X X
51 Luiz Rafael Soyé ESP 1760 X C
52 Luís Gonçalves dos Santos RJ 1767 X X
53 Manoel de Araujo França X
54 Manoel Caetano de Almeida e Albuquerque PE 1753 X X C
55 Manoel da Costa * 1755
56 Manoel Ferreira de Araujo Guimarães BA 1777 X X A. Mar
c.
57 Manoel Francisco da Silva Diniz MG X
1764
58 Manoel de Freitas Magalhães ES 1787
59 Manoel Jacinto Nogueira da Gama MG 1765 X C
60 Manoel Joaquim Ribeiro MG X X
61 Manuel Joaquim da Silva Porto * 1788? X
62 Manoel Paixão dos Santos Zacheo * X X C
63 Manuel Pinto Ribeiro de Sampaio ES 1780 X X X C
64 Manuel Rodrigues da Costa MG 1754 X X
65 Marcelino Pinto Ribeiro Duarte ES X X
66 Maria Clemência da Silveira Sampaio RS 1789
67 Martim Francisco Ribeiro de Andrada SP 1775 X C

45
(Conclusão)

46
68 Nicolau de Campos Vergueiro * 1778 X X X C
69 Paulo José de Melo de Azevedo e Brito BA 1772 X C
70 Paulo Martin * X
71 Raimundo José da Cunha Matos * 1776 X
72 Romualdo de Sousa Coelho PA 1762 X X
73 Teodoro José Biancardi * X
TOTAIS 8 5 11 4 15 18 18 15

Legenda: *Oriundos de Portugal; ENSINO: C = Universidade de Coimbra; P = Universidade de Paris; AM: Academia Real Militar; A Mar =
Academia Real de Marinha; ACRJ = Academia Cirúrgica do Rio de Janeiro
Fontes: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Divisão de Manuscritos. Coleção Documentos Biográficos; Arquivo Nacional. Coleção Desembargo
do Paço, Coleção Mesa da Consciência e Ordens e Registro das Mercês e Graças Honoríficas. Pesquisou-se ainda nos dicionários bibliográficos e
biográficos (A. V. A. S. Blake, Diccionário bibliográfico brasileiro, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1883-1902, 7 v.; I. F. da Silva, Diccionario
bibliographico portuguez, Lisboa, Imprensa Nacional, 1858-1914, 21 v.; e T. de B. Paiva, Achegas a um dicionario de pseudônimos, Rio de Janeiro,
1929). Usaram-se ainda vários artigos sobre os principais membros do IHGB, encontrados nas revistas do referido Instituto.
CRONOLOGIA
(1820-1823)

1820
24 de agosto. Revolução Liberal do Porto exige constitucionalização do Reino
Unido.

15 de setembro. Adesão de Lisboa ao Movimento Constitucional do Porto.

17 de outubro. Chegam ao Rio de Janeiro as primeiras notícias sobre a


Revolução do Porto. D. João VI pede pareceres aos conselheiros sobre as
providências a tomar.

28 ou 29 de outubro. Nota de Thomaz Antonio Villa Nova Portugal ao soberano


afirmando que as Cortes, uma vez já convocadas, não deviam ser dissolvidas,
mas que elas só podiam ser consultivas de acordo com as Leis do Reino e que
todas as propostas de reformas e mudanças precisavam vir à consideração do
soberano.

10 de novembro. Publicação das Instruções para regular as eleições dos depu-


tados às Cortes Extraordinárias Constituintes do ano de 1821 no Diário do
Governo (Lisboa). Adaptação às necessidades de Portugal da Constituição
Espanhola de 1812.

11 de novembro. Martinhada, em Portugal: golpe político-militar ocorrido no


dia de São Martinho por um grupo de chefes militares radicais favoráveis à
escolha dos deputados às Cortes seguindo-se fielmente o modelo da Consti-
tuição espanhola de Cádis de 1812.

17 de novembro. Reação popular para garantir o êxito da Revolução Liberal


contra o golpe militar da Martinhada. Houve cerco dos quartéis por cidadãos
armados, em defesa de uma facção mais conservadora do projeto liberal.
15 de dezembro. Manifesto da Nação portuguesa aos soberanos e povos da
Europa, assinado pelo governo provisório que proclamava a necessidade de
uma Constituição, a fidelidade à dinastia de Bragança e aos princípios da
religião católica.

2 de dezembro. Ofício de Tomaz Antonio Villa Nova Portugal a D. João VI


insistindo na nomeação de um “Governador Soldado”, o conde de Vila Flor,
para a cidade da Bahia a fim de se fazer abortar a Revolução no Brasil.

20 de dezembro. Chegada ao Rio de Janeiro do conde de Palmela, vindo de


Lisboa, com as notícias recentes sobre a revolução liberal.

1821
1 de janeiro. Pronunciamento do povo e tropa no Grão-Pará de adesão à
revolução constitucionalista portuguesa.

2 de janeiro. Ofício do conde de Palmela a D. João VI solicitando reunião


de um Conselho de seu Gabinete para discutir uma solução de compromisso
com as autoridades rebeldes de Lisboa.

5 de janeiro. Ofício do conde de Palmela a D. João VI aconselhando a ida


imediata para Portugal do príncipe real D. Pedro a fim de presidir as Cortes
e sancionar uma Constituição em nome de El Rei.

24 de janeiro. Instalação da sessão preparatória de verificação dos diplomas e


legalização dos poderes dos deputados às Cortes.

26 de janeiro. Primeira sessão das Cortes.

27 de janeiro. Ofício do conde de Palmela ao soberano alertando que, para


evitar uma revolução no Brasil, era necessário sufocar a de Portugal, devendo
o rei tomar providências urgentes.

28 de janeiro. Ofício de Tomaz Villa Nova Portugal opondo-se às ideias do


Conde de Palmela, afirmando que a família real devia permanecer no Brasil
enquanto os portugueses não voltassem à obediência e que não se devia falar
em Constituição.

10 de fevereiro. Revolta militar em Salvador exige adesão ao movimento


constitucionalista. Morrem um major e seis soldados. É aclamada e instalada
Junta Provisional de Governo.

18 de fevereiro. Junta baiana pede ao governo português que mande tropas


para eventual conflito com Pernambuco e Rio de Janeiro.

48
20 de fevereiro. O governador de Sergipe d’el Rei passou o governo ao tenente-
-coronel Carlos César Burlamaqui, por não querer aderir à revolução cons-
titucionalista da Bahia.

23 de fevereiro. Decreto de D. João VI, datado de 18 de fevereiro, em que se


determinava o envio de D. Pedro para Portugal a fim de restabelecer a tran-
quilidade geral daquele Reino e assegurar as reformas e leis que pudessem
consolidar a Constituição.
Decreto de D. João VI cria a Comissão do Conselho Real para estudar as
reformas necessárias para tratar das leis constitucionais e evitar a demora
da chegada dos procuradores das províncias mais distantes convocados pelo
decreto de 18 de fevereiro de 1821. Esses procuradores das câmaras das
cidades e vilas principais do reino do Brasil e das Ilhas dos Açores, Madeira
e Cabo Verde deveriam adaptar as leis constitucionais, que se discutiam em
Lisboa, às realidades locais.

26 de fevereiro. O Rio de Janeiro, então sede do Reino Unido de Portugal,


Brasil e Algarves, adere ao movimento constitucionalista.

7 de março. Decreto de D. João VI anuncia seu regresso a Portugal e a perma-


nência de D. Pedro como regente do Reino do Brasil. Outro decreto convoca
eleições para a escolha dos deputados brasileiros às Cortes de Lisboa, segundo
o modelo da Constituição espanhola de 1812 (eleições indiretas, com sufrágio
universal masculino).

9 de março. Aprovação no Rio de Janeiro das bases da futura Constituição


Política da Monarquia Portuguesa.

18 de março. Carlos Cesar Burlamaqui é deposto do governo de Sergipe e


substituído por uma Junta de Governo provisório por recusar adesão ao
movimento constitucionalista.

26 de março. Carta régia nomeia o brigadeiro João Carlos de Saldanha Oliveira


e Daun capitão general da Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul.

6 de abril. Adesão do Maranhão à revolução constitucional de Portugal.

8 de abril. Eleição dos eleitores de paróquia no Rio de Janeiro, de acordo com


as normas da Constituição espanhola.

14 de abril. Na Vila de Fortaleza, capital da província do Ceará, o sargento-mor


Jerônimo Delgado Esteves, à frente do batalhão de linha e da população, exige
que se jure obediência ao rei e à futura Constituição.

49
21 de abril. Assembleia de eleitores de paróquia reunida na Praça do Comércio,
no Rio de Janeiro, para discutir as instruções deixadas pelo rei a D. Pedro,
transforma-se em manifestação de protesto e em exigência de imediata ado-
ção da Constituição espanhola, da permanência da família real no Brasil,
da nomeação, pela assembleia, de uma junta ou conselho de governo e da
proibição de que qualquer embarcação saísse da barra sem autorização do
novo governo. D. João resolve, a princípio, acatar a primeira reivindicação.

22 de abril. Decreto anula a decisão de 21 de abril (adoção da Constituição


espanhola) e abre devassa para apurar os acontecimentos, após tropas dis-
solverem a assembleia (suspeitou-se que por ordem de D. Pedro), resultando
do conflito vários mortos e feridos. D. João estabeleceu ainda os poderes da
regência e governo provisório do reino do Brasil, que foi confiado a D. Pedro.

26 de abril. A corte de D. João VI parte para Portugal, deixando D. Pedro no


Rio de Janeiro na condição de príncipe regente.

14 de maio. Eleição dos eleitores de província no Rio de Janeiro.

20 de maio. Eleição dos deputados do Rio de Janeiro às Cortes de Lisboa. Início


do processo eleitoral em São Paulo.

5 de junho. “Bernarda” (motim) no Rio de Janeiro das tropas portuguesas da


Divisão Auxiliadora, comandada pelo general Avilez, a favor da revolução
constitucionalista. Reunida no largo do Rocio, a tropa lusitana impõe a D.
Pedro o juramento das bases da Constituição portuguesa, a demissão do
ministério e a nomeação de uma Junta Consultiva de Governo.

8 de junho. Eleição para os eleitores de comarca de São Paulo.

21 de junho. A Junta Provisional da Bahia formaliza seu desligamento do governo


do Rio de Janeiro, vinculando-se diretamente às Cortes de Lisboa.

23 de junho. Eleição, por aclamação, do novo Governo provisório de São Paulo.

24 de junho. Novamente instalada a loja maçônica Comércio e Artes no Rio de


Janeiro. A primeira instalação ocorreu em 1815.

28 de junho. Anúncio da publicação do primeiro panfleto reimpresso no Rio de


Janeiro pela Impressão Régia – a Constituição explicada.

3 de julho. Chegada de D. João VI a Lisboa.

18 de julho. O Congresso Cisplatino, reunido em Montevidéu pelo general


Carlos Frederico Lecor e pelo político oriental Juán Jose Durán, aprova por
unanimidade a incorporação da Banda Oriental ao Reino Unido de Portugal,

50
Brasil e Algarves, como parte do Brasil, e sob o nome de Estado Cisplatino
Oriental. A decisão foi formalizada em tratado do dia 31 desse mesmo mês. A
região fora ocupada em 1816 pela Divisão dos Voluntários Reais, comandada
pelo general Carlos Frederico Lecor.

6 de agosto. Ato de outorga de poderes dos eleitores aos deputados da Pro-


víncia de São Paulo.

21 de agosto. Apresentação nas Cortes de Lisboa, sem a presença de qualquer


deputado brasileiro, do Parecer da Comissão do Ultramar que traçava as
linhas gerais do regime que devia se estabelecer para as relações entre Por-
tugal e Brasil.

28 de agosto. Abolição da censura prévia no Brasil.

29 de agosto. Tomam assento nas Cortes de Lisboa os primeiros deputados


brasileiros (pernambucanos).
Na cidade de Goiana (Pernambuco), instala-se um governo, presidido por
Francisco de Paula Gomes dos Santos, que se contrapunha à junta formada
no Recife sob a presidência do general Luís do Rego Barreto.

3 de setembro. Eleição dos deputados baianos às Cortes de Lisboa.

15 de setembro. Publicação, no Rio de Janeiro, do primeiro número do jornal


Reverbero Constitucional Fluminense, redigido pelos maçons Joaquim Gon-
çalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa, que veio a ter papel preeminente
na campanha em favor da Independência.

21 de setembro. Instalação de governo provisório em Minas Gerais, tendo à


cabeça o antigo governador Manoel de Portugal e Castro.

29 de setembro. Decretos das Cortes de Lisboa referendam ou mandam criar


em cada província brasileira Juntas Provisórias de Governo, subordinadas
diretamente às Cortes; criam também nas províncias o cargo de governador
das armas, independente das juntas e igualmente sujeito às Cortes; ordenam
ainda o regresso de D. Pedro a Portugal.

5 de outubro. Convenção de Beberibe, entre a Junta de Goiana e a Junta do


Recife, decidindo-se pela eleição de nova junta.

26 de outubro. Eleição da nova Junta Governativa de Pernambuco, presidida


por Gervásio Pires Ferreira. No mesmo dia, embarcam para Lisboa as tropas
portuguesas e o general Luís do Rego Barreto.

51
3 de novembro. Tentativa, em Salvador, de deposição da junta obediente às
Cortes e a D. João, com participação do coronel Felisberto Gomes Caldeira,
primo do marechal Felisberto Caldeira Brant. Dezesseis cidadãos envolvidos
são deportados para Lisboa.

9 de dezembro. Carta régia nomeia o brigadeiro Inácio Luís Madeira de Mello


governador das armas da Bahia.

24 de dezembro. Representação da Junta de São Paulo pede a D. Pedro que


fique no Brasil.

29 de dezembro. Diário do Rio de Janeiro anuncia a publicação avulsa Des-


pertador Brasiliense, que se coloca contra os decretos das Cortes de Lisboa e
solicita a permanência do príncipe Regente no Brasil.

1822
9 de janeiro. D. Pedro, atendendo a manifesto com cerca de 8 mil assinaturas,
redigido por frei Francisco de Sampaio, resolve permanecer no Brasil (Dia do
Fico), contrariando as ordens das Cortes de Lisboa.

11 de janeiro. As tropas portuguesas da guarnição do Rio de Janeiro, coman-


dadas pelo general Avilez, rebelam-se contra a decisão de D. Pedro e exigem
seu retorno à Europa. Cerca de 4 mil milicianos e cidadãos armados, sob a
liderança do tenente-general Joaquim Xavier Curado, reagem em apoio ao
príncipe regente e forçam a rendição da divisão portuguesa.

13 de janeiro. Carta de lei extingue os tribunais criados no Brasil por D. João VI.

16 de janeiro. D. Pedro forma seu primeiro ministério, composto por José Bo-
nifácio de Andrada e Silva (ministro do Reino), Caetano Pinto de Miranda
Montenegro (Fazenda e Justiça), Joaquim de Oliveira Álvares (Guerra) e
Manuel Antônio Farinha (Marinha).

2 de fevereiro. Posse da Junta de Governo da Bahia sob a presidência de


Francisco Vicente Vianna.

8 de fevereiro. Senado da Câmara do Rio aprova projeto de José Clemente


Pereira que convoca um Conselho de Procuradores das Províncias. A ideia
surgira na loja maçônica Grande Oriente do Brasil por iniciativa de Joaquim
Gonçalves Ledo, José Clemente Pereira, Januário da Cunha Barbosa e Luiz
Pereira da Nóbrega.

15 de fevereiro. Banidas do país, partem do Rio de Janeiro para Lisboa as


tropas portuguesas do general Avilez.

52
Chega a Salvador a carta régia de 9 de dezembro de 1821 nomeando Madeira
de Mello comandante das armas.

16 de fevereiro. Decreto de D. Pedro convoca o Conselho de Procuradores das


Províncias escolhidos pelos eleitores de paróquia.
Na Bahia, tropas portuguesas amanhecem de prontidão. Em reação, oficiais
brasileiros de linha e milícias coletam assinaturas para representação ao Se-
nado da Câmara contra a posse de Madeira de Mello, pedindo que fossem
consultadas as câmaras do interior e que a consulta fosse enviada às Cortes. A
representação foi redigida pelo advogado Francisco Gomes Brandão, redator
do Diário Constitucional.

17 de fevereiro. A Junta de Governo da Bahia reúne-se para aprovar a nome-


ação de Madeira de Mello.
É eleita a Junta do Governo do Ceará, sob a presidência do desembargador
José Raimundo do Paço Porbem Barbosa.

18 de fevereiro. Em nova reunião, a Junta baiana aceita Madeira de Mello


como governador das armas. No centro da cidade, caixeiros portugueses
gritam “Fora a Câmara! Morra Manuel Pedro!”. À tarde, espalhando-se a
notícia de que o Forte de São Pedro seria atacado por tropas portuguesas, o
contingente brasileiro do Quartel da Mouraria para lá se dirige, acompanhado
de cerca de 500 milicianos e civis.

19 e 20 de fevereiro. Combates em Salvador entre os partidários de Freitas


Guimarães e de Madeira de Mello. No dia 20, marinheiros portugueses
desembarcados e caixeiros invadem e saqueiam casas. Entre os alvos, está o
Convento de Nossa Senhora da Conceição da Lapa, vizinho ao quartel da
Mouraria, onde ferem mortalmente a golpes de baioneta a abadessa Joana
Angélica. Freitas Guimarães rende-se e a cidade é dominada pelas tropas lusas,
calculadas em 1.600 homens. Morrem nos combates entre 200 e 300 pessoas.

22 de fevereiro. Declaração de 848 comerciantes, proprietários e militares de


Salvador a favor de Madeira de Mello e contra a adesão a D. Pedro.
Instala-se em Porto Alegre a Junta Governativa da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul.

27 de fevereiro. Desembarcam na Bahia parte das tropas do general Avilez que


haviam deixado o Rio de Janeiro, reforçando as tropas de Madeira de Mello.

2 de março. A Câmara de Salvador reconhece a legitimidade da nomeação de


Madeira de Mello.

53
16 de março. Representação da Câmara de Salvador ao rei e às Cortes solicita
a retirada da Legião Constitucional Lusitana.

17 de março. O brigadeiro Freitas Guimarães é enviado a Portugal no navio


São Gualter.

26 de março. Com aprovação da Câmara de Salvador e sob o aplauso de co-


merciantes e caixeiros portugueses, desembarcam na Bahia 166 soldados das
tropas do general Avilez para reforçar o efetivo do general Madeira. Famílias e
soldados brasileiros começam a abandonar a cidade em direção ao Recôncavo.

9 de abril. D. Pedro chega em Vila Rica para obter a adesão da Junta Gover-
nativa de Minas Gerais à sua autoridade.

30 de abril. No Rio de Janeiro, Gonçalves Ledo e Januário da Cunha Barbosa


propõem, no Reverbero Constitucional Fluminense, pela primeira vez de forma
explícita, a criação de um Império exclusivamente brasileiro.

13 de maio. D. Pedro aceita o título de Defensor Perpétuo do Brasil, oferecido


pelo Senado da Câmara do Rio de Janeiro com o fim de legitimar o poder do
príncipe regente pela vontade popular (e não mais apenas pela hereditariedade
ou por delegação das Cortes).

21 de maio. Para articular o apoio da província a D. Pedro, baianos organizam


no Rio de Janeiro missa fúnebre pelos companheiros mortos nos combates
de fevereiro. A cerimônia teve frei Sampaio como orador e a presença de D.
Pedro. Três dias depois, os organizadores são recebidos em audiência pelo
príncipe regente.

23 de maio. O presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, José Clemente


Pereira, entrega representação a D. Pedro, com 2.982 assinaturas, pedindo
a convocação de uma Assembleia Geral das Províncias do Brasil, a ser eleita
por voto popular, com poderes legislativos e constitucionais para adaptar ao
Brasil a Constituição portuguesa.

1 de junho. Decreto de D. Pedro convoca para o dia seguinte o Conselho de


Procuradores das Províncias.

2 de junho. Primeira reunião do Conselho de Procuradores das Províncias.


Inauguração da sociedade secreta Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros
da Santa Cruz, composto por 100 membros e liderado por José Bonifácio.

3 de junho. O Conselho de Procuradores das Províncias requer a D. Pedro a


convocação de uma Assembleia Geral das Províncias do Brasil. No mesmo
dia, o príncipe regente atende ao pedido, convocando uma Assembleia Geral

54
Constituinte e Legislativa, com a finalidade de elaborar uma constituição
própria do Brasil.

14 de junho. A Vila de Santo Amaro, no Recôncavo baiano, respondendo a


questionário dos deputados baianos nas Cortes, declara-se favorável a governo
único no Brasil sob a chefia de D. Pedro.

15 de junho. D. Pedro, em carta, ordena Madeira de Mello que se retire para


Portugal.

17 de junho. D. Pedro lança Proclamação aos baianos. Convida-os a aderirem


à “independência moderada” do Brasil.

19 de junho. Instruções assinadas pelo ministro José Bonifácio decretam eleições


indiretas para a escolha dos 100 deputados que iriam compor a Assembleia
Constituinte.

25 de junho. A Câmara da Vila de Cachoeira, na Bahia, subleva-se contra o


general Madeira de Mello e aclama D. Pedro Regente e Perpétuo Defensor e
Protetor do Reino do Brasil. A ata de vereança é redigida por Antônio Pereira
Rebouças. Canhoneira portuguesa atira sobre a cidade.

26 de junho. É instalada uma Junta Interina Conciliatória e de Defesa na Vila de


Cachoeira, presidida por Antônio Teixeira de Freitas Barbosa e secretariada
por Antônio Pereira Rebouças, futuro pai de André Rebouças.

29 de junho. A Vila de São Francisco do Conde reconhece D. Pedro. O mesmo


faz a Câmara de Maragogipe. Seguem-nas outras vilas.

6 de julho. Chegam a Cachoeira o tenente-coronel Felisberto Gomes Caldeira,


primo do marechal Felisberto Caldeira Brant Pontes, e Miguel Calmon du Pin
e Almeida. Promovem a criação de uma Comissão Administrativa de Caixa
Militar, com jurisdição sobre todas as vilas rebeladas. Começa a formação
de batalhões de voluntários.

14 de julho. Sai do Rio de Janeiro, em apoio aos rebeldes da Bahia, a Expedição


Auxiliadora, comandada pelo general Pierre Labatut, ex-oficial do Exército
de Napoleão. Compunha-se de uma fragata, duas corvetas e um brigue, tri-
pulados por 38 oficiais e 260 soldados.
1 de agosto. Decreto de D. Pedro declara inimigas tropas que viessem a ser
mandadas de Portugal para o Brasil sem seu consentimento. Lançamento do
Manifesto aos povos deste Reino, redigido por Gonçalves Ledo e assinado
por D. Pedro, que convoca as províncias à união e fala abertamente em inde-
pendência política, mantendo vínculos fraternais com Portugal.

55
6 de agosto. Lançamento do Manifesto aos governos e nações amigas, redigido
por José Bonifácio e assinado por D. Pedro, no qual este já se apresenta como
chefe de uma nação independente, mantendo a mesma dubiedade quanto aos
vínculos com Portugal.

7 de agosto. Chegam a Salvador 750 soldados portugueses.

20 de agosto. Em discurso feito na Grande Oriente, Gonçalves Ledo declara que


era chegada a hora de se proclamar a Independência do Brasil.

21 de agosto. O general Labatut desembarca em Jaraguá (Alagoas) com as


tropas provenientes do Rio de Janeiro.

Final de agosto. José Bonifácio envia emissário a Salvador para propor a


Madeira de Mello renunciar a seu posto e voltar a Portugal, em troca de
promoção a tenente-general do Exército do Reino do Brasil e de uma quantia
de 100 contos de réis.

4 de setembro. Labatut parte do Recife para a Bahia com força acrescida de


250 soldados pernambucanos.

6 de setembro. Criado em Cachoeira um Conselho Superior Interino de Go-


verno, com a pretensão de exercer autoridade sobre toda a província.

7 de setembro. Em reação a resoluções das Cortes que determinavam seu


regresso a Portugal, a nomeação de ministros e secretários de governo pelas
Cortes e a abertura de processo contra os que estiveram à frente do movimento
a favor do Fico, D. Pedro proclama em São Paulo, às margens do Ipiranga,
a Independência do Brasil (a data só foi oficialmente reconhecida quase um
ano depois).

9 de setembro. Em reunião na Grande Oriente, Gonçalves Ledo apresenta


moção a favor da proclamação da Independência do Brasil.

14 de setembro. D. Pedro retorna ao Rio de Janeiro.

18 de setembro. Decreto cria a bandeira e o escudo de armas do Império do Brasil.

22 de setembro. Eleição dos deputados à Assembleia Constituinte pela província


do Rio de Janeiro.
Instalação, na vila de Cachoeira, do Conselho Interino do Governo da Pro-
víncia da Bahia, formado pelos deputados que tinham aderido a D. Pedro.
A presidência coube ao capitão-mor Francisco Elesbão Pires de Carvalho e
Albuquerque, tendo como secretário Francisco Gomes Brandão Montezuma.

56
23 de setembro. Assinatura da Constituição da monarquia portuguesa promul-
gada pelas Cortes. Foram signatários 36 dos 46 representantes das provín-
cias brasileiras que tomaram assento nas Cortes: Custódio Gonçalves Ledo,
Francisco Vilela Barbosa, João Soares de Lemos Brandão, Luís Martins Basto
e Luís Nicolau Fagundes Varela (Rio de Janeiro); Alexandre Gomes Ferrão,
José Lino Coutinho, Marcos Antonio de Sousa, Pedro Rodrigues Bandeira e
Domingos Borges de Barros (Bahia); Domingos Malaquias de Aguiar Pires
Ferreira, Felix José Tavares Lira, Francisco Moniz Tavares, Inácio Pinto de
Almeida e Castro, Manuel Felix de Veras, Manuel Zeferino dos Santos, Pedro
de Araujo Lima e João Ferreira da Silva (Pernambuco); José Martiniano de
Alencar, Manuel Filipe Gonçalves, Manuel do Nascimento Castro e Silva e
Antonio José Moreira (Ceará); Francisco Manuel Martins Ramos, Manuel
Marques Grangeiro e Francisco de Assis Barbosa (Alagoas); Romualdo de
Sousa Coelho e Francisco de Sousa Moreira (Pará); Domingos da Conceição
e Miguel de Sousa Borges Leal (Piauí); Francisco Xavier Monteiro da França e
José da Costa Cirne (Paraíba); José Feliciano Fernandes Pinheiro (São Paulo);
Joaquim Teotônio Segurado (Goiás); José João Beckman e Caldas (Maranhão);
Lourenço Rodrigues de Andrade (Santa Catarina); e João Lopes da Cunha
(Rio Negro). Os 10 deputados brasileiros que não assinaram a Constituição
foram: Cipriano Barata, Francisco Agostinho Gomes e Luís Paulino Pinto de
França (Bahia); Antonio Manuel da Silva Bueno; Antonio Carlos Ribeiro de
Andrada; Diogo Antonio Feijó; José Ricardo da Costa Aguiar e Nicolau de
Campos Vergueiro (São Paulo); João Fortunato Ramos dos Santos (Espírito
Santo) e Joaquim Belford (Maranhão). Em 26 de setembro, Pinto de França
e Belford pretenderam assinar a Constituição, alegando atraso no correio
para a convocação dos deputados; contudo, não obtiveram permissão do
Congresso, por ter expirado o prazo.

30 de setembro. Os deputados brasileiros, que ainda não tinham conhecimento


da proclamação da Independência, juram a Constituição da Monarquia Portu-
guesa. Quinze deles não juram, a saber: Cipriano Barata, Francisco Agostinho
Gomes, José Lino Coutinho, Pedro Rodrigues Bandeira e Luís Paulino Pinto
de França (Bahia); João Fortunato Ramos dos Santos (Espírito Santo); Ma-
nuel Felix Veras e Francisco Muniz Tavares (Pernambuco); Miguel de Souza
Borges Leal (Piauí); João Lopes da Cunha (Rio Negro); Antonio Manuel da
Silva Bueno; Antonio Carlos Ribeiro de Andrada; Diogo Antonio Feijó; José
Ricardo da Costa Aguiar e Nicolau de Campos Vergueiro (São Paulo).

4 de outubro. Juramento de D. Pedro como grão-mestre da Maçonaria, sob


o pseudônimo de Guatimozim.

57
5 de outubro. Retiram-se clandestinamente de Lisboa, a caminho da Inglaterra,
os representantes de São Paulo Antonio Carlos de Andrada Machado, Diogo
Antonio Feijó, José Ricardo da Costa Aguiar de Andrada e Antonio Manoel
da Silva Bueno; e os da Bahia Cipriano Barata, Francisco Agostinho Gomes
e José Lino Coutinho.

12 de outubro. No campo de Santana, no Rio de Janeiro, D. Pedro é aclama-


do imperador constitucional do Brasil, título sugerido por Domingos Alves
Branco, em sessão na Grande Oriente.

15 de outubro. Sob pressão do ministro José Bonifácio, sai de circulação o


jornal Reverbero Constitucional Fluminense, o mesmo acontecendo, seis dias
depois, com o Correio do Rio de Janeiro, redigido por João Soares Lisboa. É
o início da repressão contra o grupo de Gonçalves Ledo, rival dos Andradas.

25 de outubro. Aconselhado por José Bonifácio, D. Pedro suspende temporaria-


mente a Grande Oriente e outras lojas maçônicas. Ao mesmo tempo, José
Clemente Pereira é pressionado a deixar a presidência do Senado da Câmara
do Rio de Janeiro. Labatut chega a Inhambupe, na Bahia.

27 de outubro. D. Pedro aceita a demissão pedida por José Bonifácio e por


Martim Francisco do ministério. Dois dias depois, atendendo a diversas
representações, reintegra os Andradas no ministério.

29 de outubro. Labatut intima Madeira de Mello a se render.

31 de outubro. Sob aplausos dos comerciantes portugueses, chegam a Salvador


10 navios de guerra portugueses trazendo reforços para Madeira de Mello.

2 de novembro. Instalada devassa contra Luiz Pereira da Nóbrega, Clemente


Pereira, Januário da Cunha Barbosa, Gonçalves Ledo, Alves Branco, Soares
Lisboa, Pedro da Costa Barros e padre Lessa, acusados de republicanismo,
perturbação da ordem e conspiração contra o governo.

8 de novembro. Combates conhecidos como a batalha de Pirajá, a duas léguas


da capital da província, ganhos pelas tropas brasileiras contra os soldados de
Madeira de Mello.

1 de dezembro. Sagração e coroação do imperador D. Pedro I na igreja de


Nossa Senhora do Carmo, no Rio de Janeiro.

7 de dezembro. É preso, no Rio de Janeiro, Januário da Cunha Barbosa, quando


voltava de viagem a Minas Gerais, aonde fora em missão da maçonaria para
promover a aclamação de D. Pedro.

58
8 de dezembro. Solenidade em louvor à aclamação do imperador Pedro I, em
Recife, celebrada com sermão de Frei Caneca pregado na matriz do Corpo
Santo.

16 de dezembro. Juramento em prol da Independência, em Goiás.

20 de dezembro. Condenados na devassa de 2 de novembro, são deportados


para a França José Clemente Pereira, Januário da Cunha Barbosa e Luiz
Pereira da Nóbrega; também condenado, Gonçalves Ledo consegue fugir para
Buenos Aires. Ao mesmo tempo, chegam em Recife, vindos da Inglaterra, os
deputados nas Cortes Diogo Feijó, Silva Bueno, Cipriano Barata, Agostinho
Gomes e Lino Coutinho.

29 de dezembro. Na cidade da Bahia, sitiada pelas forças de Labatut, as tropas


de Madeira prestam juramento à Constituição portuguesa.

1823
7, 8 e 9 de janeiro. Na Bahia, ataques fracassados dos portugueses à ilha de
Itaparica.

23 de janeiro. Deposição da Junta de Governo do Ceará, leal a Portugal,


apossando-se de Fortaleza o capitão-mor do Crato, José Pereira Filgueiras,
que declara fidelidade a D. Pedro.

24 de janeiro. Deposição da Junta de Governo do Piauí pelo brigadeiro brasi-


leiro Manoel de Souza Martins, que proclama a incorporação da província
ao Império.

28 de janeiro. Sai do Rio de Janeiro em direção à Bahia esquadra de sete navios


comandada por lorde Cochrane, nomeado primeiro almirante da Marinha do
Brasil e titulado marquês do Maranhão. A esquadra retornou ao Rio e partiu
novamente em 1º de abril, acrescida de três navios.

28 de fevereiro. Desembarcam em Jaraguá (Alagoas) tropas brasileiras desti-


nadas a atacar as forças do general Madeira de Mello.

6 de março. O Conselho Interino, em Cachoeira, declara que Labatut é apenas


general do Exército reunido para combater as tropas lusitanas, negando-lhe
o título de governador de Armas.

1 de maio. Chega à Bahia a esquadra de Cochrane.

3 de maio. Abertura da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império


do Brasil pelo imperador Pedro I.

59
4 de maio. Combate entre as esquadras brasileira e portuguesa no litoral baia-
no sem resultado claro. A marinhagem portuguesa da esquadra brasileira
desobedece às ordens de Cochrane.

8 de maio. Madeira de Mello declara Salvador praça de guerra em estado de


sítio e assume plenos poderes.

21 de maio. Prisão de Labatut por oficiais brasileiros, entre os quais o tenente do


Batalhão do Imperador, Luís Alves de Lima e Silva, futuro duque de Caxias.

23 de maio. O Conselho Interino nomeia o coronel José Joaquim de Lima e Silva,


tio de Luís Alves, chegado na esquadra de Cochrane, comandante chefe do
Exército, em substituição a Labatut.

27 de maio. Golpe de Vila Francada, em Portugal, fecha as Cortes e restabelece


o absolutismo no país.

28 de maio. Ordem do dia do coronel Lima e Silva reorganiza o Exército. Pro-


clamação do mesmo coronel aos portugueses da Bahia, conclamando-os à
rendição e oferecendo garantias.

3 de junho. Combates com tropas portuguesas ordenados por Lima e Silva.

12 de junho. Invasão da Baía de Todos os Santos, comandada por Cochrane,


fracassa pela falta de ventos.

15 de junho. Junta portuguesa, nomeada por D. João VI em 12 de abril, toma


posse.

23 de junho. Toma posse, em Cachoeira, a Junta provisória nomeada por D.


Pedro I em 5 de dezembro de 1822.

24 de junho. Proclamação de Lima e Silva tranquilizando a população de Sal-


vador.

2 de julho. Com a cidade sitiada e bloqueada, Madeira de Mello decide


abandoná-la. Transpõe a barra com cerca de 4.520 homens transportados
em 83 navios. É perseguido por Cochrane e pelo capitão Taylor, que fazem
várias presas.

16 de julho. Demissão do ministério formado em janeiro de 1822, sob a li-


derança de José Bonifácio. No dia seguinte, é instituído um novo gabinete,
composto por José Joaquim Carneiro de Campos (nas pastas do Império e
dos Estrangeiros), Caetano Pinto de Miranda Montenegro (Justiça), Manoel
Jacinto Nogueira da Gama (Fazenda), João Vieira de Carvalho (Guerra) e
Luís da Cunha Moreira (Marinha).

60
28 de julho. Adesão do Maranhão à Independência do Brasil, com a capitula-
ção da junta portuguesa de São Luís, após a chegada da esquadra imperial
comandada por lorde Cochrane.

31 de julho. Derrota, na vila de Caxias (Maranhão), das tropas comandadas


pelo governador das Armas do Piauí, João José Fidié, garantindo a adesão
dessa província ao Império do Brasil.

15 de agosto. Adesão do Grão-Pará à Independência do Brasil, em meio à vio-


lenta repressão comandada pelo capitão inglês John Grenfell, enviado por
Cochrane a serviço da Armada imperial.

30 de agosto. É redigido e apresentado na sessão de 1º de setembro o Projeto


de Constituição para o Império do Brasil, elaborado por uma comissão com-
posta pelos deputados Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva,
José Bonifácio de Andrada e Silva, Antonio Luiz Pereira da Cunha, Manoel
Ferreira da Câmara de Bittencourt e Sá, Pedro de Araújo Lima, José Ricardo
da Costa Aguiar d’Andrada e Francisco Moniz Tavares.

9 de novembro. A Junta de Governo do Rio Negro (Amazonas) é a última


das partes que compunham a antiga América portuguesa a aderir a causa da
Independência do Brasil.

10 de novembro. Novo gabinete ministerial é formado, integrado inicialmente


por Francisco Villela Barboza (Império e Estrangeiros), Clemente Ferreira
França (Justiça), Sebastião Luís Tinoco da Silva (Fazenda), José de Oliveira
Barbosa (Guerra) e Pedro José da Costa Barros (Marinha).

12 de novembro. D. Pedro dissolve à força a Assembleia Geral Constituinte e


Legislativa do Império do Brasil, mandando prender e deportar vários depu-
tados, e prometendo apresentar em breve um novo projeto de Constituição,
mais liberal do que o anterior.

18 de novembro. Na Província Cisplatina, atual Uruguai, o general português


Álvaro da Costa capitula entregando o controle de Montevidéu às tropas
imperiais comandadas pelo general Carlos Frederico Lecor.

11 de dezembro. Pedro I apresenta o novo projeto de Constituição, elaborado


por um conselho por ele nomeado, formado por João Severiano Maciel da
Costa, Luiz José de Carvalho e Mello, Clemente Ferreira França, Marianno
José Pereira da Fonseca, João Gomes da Silveira Mendonça, Francisco Villela
Barboza, barão de Santo Amaro, Antonio Luiz Pereira da Cunha, Manoel
Jacinto Nogueira da Gama e José Joaquim Carneiro de Campos. Enviado para
apreciação às câmaras municipais de todo o Brasil, a Constituição é outorgada
no dia 25 de março de 1824, permanecendo em vigor até o fim do Império.

61
INTRODUÇÃO AO VOLUME 1

A TRADIÇÃO DAS CARTAS


As características comuns a todos os panfletos da Independência foram
descritas na introdução geral, que também forneceu o contexto histórico
em que foram escritos. Ali foi ainda explicado que o critério adotado pelos
organizadores para a divisão por volumes foram o gênero e o estilo literários.
Na guerra literária travada entre 1820 e 1823, no Brasil, em Portugal e na
Cisplatina, então dependência de Portugal, muitas armas retóricas foram
utilizadas, cada qual com seu particular feitio e sua maior ou menor eficácia.
O arsenal disponível, tributário da tradição ocidental, era variado: poemas,
ficção, pequenos dramas, relatos, ensaios analíticos, sermões, discursos, cate-
cismos, dicionários, diálogos, manifestos, cartas abertas. Por sua quantidade,
68, às cartas foi dedicado um volume inteiro, no caso o primeiro da série
de quatro. Esta introdução, supondo por parte do leitor o conhecimento da
introdução geral, concentra-se na análise das cartas, na indicação de suas
características como arma de combate e na contribuição que trazem para o
entendimento do período histórico em foco.
Cartas tinham já àquela altura tradição respeitável na cultura ocidental.
Nossos panfletários, ou boa parte deles, conheciam bem essa tradição. Prova
disso são as muitas citações que fazem. Estão presentes os clássicos latinos
como as Epistolae, de Horácio (35) e as Epistolae Morales ad Lucilium, de
Sêneca (11, 35). Outra presença marcante é a das cartas bíblicas, como as de
São Paulo aos Romanos (11) e aos Efésios (23, 38), e a de Judas (57). Entre
os modernos, há citação da “Carta a H. Bullingerum”, do bispo anglicano
John Jewell (54). Na epistolografia moderna, as cartas políticas mais famosas
são, sem dúvida, as Lettres Persannes, de Montesquieu, publicadas anonima-
mente em 1721. Curiosamente, elas não são citadas nos panfletos. Mas são
claramente imitadas. A carta 50, por exemplo, escrita por Antônio Manuel
Correia da Câmara, consiste em correspondência de Orkan, um turco emis-
sário secreto da Sublime Porta, residente no Rio de Janeiro, ao Reis-Effendi,
seu ministro das Relações Exteriores. No mesmo caso está a carta 43, escrita
do Rio de Janeiro por Chiang-Tou a seu amigo de Pequim, Elang-Tcheou.
As duas lembram claramente a obra de Montesquieu e, sobretudo, uma de
suas imitações, as Lettres d’un turque à Paris écrites à sa soeur, de Poulain
de Saint-Foix, publicada em 1730. O enredo dessas cartas é o mesmo: um
viajante imaginário relata a um conterrâneo as estranhezas que observa nas
terras que visita e vale-se da falsa identidade para fazer críticas políticas e
de costumes. Outra ausência notável é a das Cartas Chilenas, de Tomás
Antônio Gonzaga, certamente também inspiradas na obra de Montesquieu.
Essa ausência pode ser devida ao fato de que a primeira impressão dessas
cartas, mesmo parcial (sete cartas), seja de 1845, embora seja difícil acreditar
que fossem desconhecidas, sobretudo dos missivistas mineiros, especialmente
de um deles, o padre Manoel Rodrigues da Costa, antigo inconfidente (59).
Talvez a contundência de Gonzaga contra o Fanfarrão Minésio, o governador
das Minas Luís da Cunha Menezes, tenha assustado um pouco os missivistas
da época da Independência.

CARTAS COMO ARMA DA


GUERRA LITERÁRIA
Haveria nas cartas alguma característica que as distinguisse das outras
formas literárias utilizadas nos panfletos no que diz respeito à eficácia como
instrumento de luta? Cremos que sim. Não por acaso, eram elas mais forte-
mente marcadas pelo caráter polêmico. Sermões, discursos, poemas tendiam
quase fatalmente ao elogio, ao panegírico, quando não à pura lisonja; cate-
cismos, dicionários, diálogos tinham na maioria das vezes caráter didático,
visavam prioritariamente à educação cívica dos leitores; representações
e manifestos tinham cunho reivindicatório; análises favoreciam o debate
doutrinário. As cartas, em contraste, eram, em sua grande maioria, belicosas,
agressivas, contundentes. Mesmo as três que foram dirigidas a D. Pedro (2,
59, 67) ajuntavam ao tradicional rapapé elogios, queixas, apelos, sugestões.
Talvez a maior agressividade das cartas se deva a seu caráter pessoal
e iterativo, para usar expressão hoje em moda. A uma carta seguia-se a
resposta, à resposta, uma tréplica. Nesse vaivém, apuravam-se os argumen-
tos e multiplicavam-se insultos, ou, melhor dito, os argumentos evoluíam
para insultos pessoais e a linguagem podia descambar até mesmo para a
chulice. Palavras como besta, charlatão, desaforado, incircunciso filisteu,

64
rufião, farsante, aparecem em várias cartas, com destaque para a do padre
Perereca contra o Compadre de Lisboa (53). D. Pedro I, conhecido seu
estilo, até que se conteve na carta a ele atribuída, escrita sob o pseudônimo
de O Ultrabrasileiro (61). Escrita em 1823 contra o deputado José da Costa
Carvalho, futuro regente, limitou-se a chamá-lo de sujeitinho e fanfarrão e
a sua atitude de velhacaria. A contundência e o insulto pessoal eram facili-
tados pelo uso do anonimato, do apelido e do pseudônimo (os dois últimos
uma ficção, porque seguramente os leitores da época sabiam de quem se
tratava). O frequente tratamento de compadre (ele aparece em seis cartas)
não nos deve enganar. Ele era usado, sobretudo, pelos portugueses e em
nada amenizava a dureza dos ataques. Compadrio por lá parece que não
incluía gentilezas no trato. Alguns apelidos eram em si mesmos agressivos,
como o de pelotiqueiro (54). Vale a pena notar que o uso do anonimato,
de apelidos e pseudônimos, tanto para remetentes como para destinatários,
permaneceu mesmo após a abolição da censura que no Brasil se deu a 28 de
agosto de 1821. Como a prática persistiu Império adentro, pode-se pensar
que não se devia exclusivamente à censura, mas era parte de uma cultura
política de longa duração.
Pseudônimos, aliás, são eles mesmos indicadores da natureza do debate
político da época. Excetuados compadres e periodiqueiros, quase todos eles
tinham conotação cívica. Baste mencionar alguns: Estudante Constitucional
(Evaristo da Veiga), O Constitucional Inimigo da Impostura, O Patriota
Constitucional, Hum Franco Constitucional, O Patrício Observador, O Amigo
da Razão, Veritas (Francisco da Soledade), O Amigo Verdadeiro da Pátria,
Um Brasileiro, O Ultrabrasileiro (Pedro I). Essas personagens assumidas
pelos missivistas revelam intenso envolvimento na vida e no debate público,
expressam crença quase ingênua nas transformações em curso, quais sejam,
o fim do despotismo, a implantação da representação política, a fundação
de um grande império. Sem dúvida, havia interesses em jogo, mas a leitura
das cartas, e de outros panfletos, deixa a nítida sensação da existência de
um autêntico entusiasmo cívico, mesmo que expresso sem muita civilidade.

QUEM ESCREVIA PARA QUEM?


A identificação dos autores dos panfletos, na medida em que foi possí-
vel fazê-la, consta da introdução geral. Pode-se dizer que, nesse ponto, não
havia discrepância entre os autores das cartas e os de outras modalidades de
panfletos. Descontados anonimatos e pseudônimos, alguns indecifráveis para
os pesquisadores de hoje, pode-se afirmar que estamos diante de pessoas,

65
na maioria, em posição social intermediária entre a elite letrada coimbrã e a
massa analfabeta. São padres, militares, magistrados, jornalistas, livreiros,
comerciantes. São os padres Luís Gonçalves dos Santos e Manoel Rodrigues
da Costa, o livreiro Evaristo da Veiga, o empregado público Gonçalves Ledo,
os comerciantes Gervásio Pires Ferreira e José Silvestre Rebelo, os jornalis-
tas Luís Augusto May e João Soares Lisboa, para citar os mais conhecidos.
Podíamos chamar ao grupo de média intelectualidade com escolaridade
superior aos autores dos panfletos manuscritos da mesma época.
Tratava-se de gente formada no Brasil nos seminários religiosos, nas
escolas militares, nas aulas régias ou de simples autodidatas. Não tinham o
refinamento intelectual dos coimbrões, mas estavam mais próximos da vida
política externa aos palácios. Nos extremos desse núcleo, havia, sobretudo
entre os portugueses, alguns coimbrões, denunciados de imediato pelo
estilo rebuscado e afetado de argumentação. Exemplo típico desse grupo é
o português Joaquim Navarro de Andrade (carta 35), dono de estilo parti-
cularmente empolado, infestado de latinório e dialéticas. Do lado oposto,
e excepcionalmente, aparece alguém que mal consegue expressar-se por
escrito, como o alfaiate Jerônimo Pereira (carta 32). Outro missivista se
autointitula pedreiro, mas, pela qualidade da escrita, seria no mínimo um
mestre de obras (carta 38).
Menção especial merecem os jornalistas, sobretudo os redatores de
jornais, chamados também, com toque pejorativo, de periodiqueiros. Nada
menos que 20 cartas são dirigidas aos redatores de jornais, respondendo,
criticando, pedindo espaço. Para ficar só no lado brasileiro, aparecem como
destinatários os redatores dos principais jornais fluminenses da época, como
o Reverbero Constitucional Fluminense, baluarte da Independência, de
Januário da Cunha Barbosa e Joaquim Gonçalves Ledo, ao lado do Correio
do Rio de Janeiro, de João Soares Lisboa, da Malagueta, de Luís Augusto
May, da Gazeta do Rio de Janeiro e de O Espelho, oficiosos, ambos de
Manuel Ferreira de Araújo Guimarães, da Sentinela da Liberdade à Beira
Mar da Praya Grande, do carbonário italiano Joseph Stephano Grondona,
da Verdade Constitucional, cujo redator não conseguimos identificar. Havia
estreita relação entre panfletistas e jornalistas, muitas vezes as mesmas
pessoas. Artigos publicados nos jornais eram um dos principais objetos das
críticas e comentários das cartas. O jornalista tinha, no entanto, a vantagem
de dispor de amplo espaço para se manifestar, quando o panfletista, falando
do Rio de Janeiro, dependia da limitada capacidade das poucas tipografias
existentes na capital. Mas juntos, panfletistas e jornalistas formavam o núcleo
do que se poderia chamar de uma incipiente opinião pública.

66
Era, aliás, a essa mesma opinião pública, formada em boa parte por
eles próprios, que se dirigiam muitos dos missivistas, descontados os poucos
que se reportavam a D. Pedro. O fim da censura em 1821 tornara público
e generalizado o debate que se tinha limitado antes ao âmbito doméstico e
ao interior dos palácios. A própria expressão opinião pública passou a ser
usada e valorizada como parte essencial da montagem de um sistema cons-
titucional. Sua força era, sobretudo, simbólica, mas cada vez mais influente.

CARTAS MARCANTES
Missivistas e suas cartas eram parte integrante das mudanças iniciadas
com a revolução liberal do Porto. Como tal, envolviam-se nos combates que
se foram sucedendo, cuja cronologia geralmente aceita, abrangendo o período
1820-1823, pode ser resumida, grosso modo, em três grandes momentos:
o do impacto da revolução de 1820 e da luta pela constitucionalização do
Reino Unido, com polarização entre liberais e corcundas (1820-1821); o
do conflito entre as Cortes de Lisboa e os brasileiros em torno do estatuto
político do Brasil na nova realidade (1822); o do rompimento do Brasil com
as Cortes e a luta pela manutenção da unidade e criação do governo constitu-
cional (1822-1823). As cartas abrangem os três momentos e nos fornecem a
leitura que os missivistas faziam dos acontecimentos. Na impossibilidade de
discutir todas elas, escolhemos algumas que se destacam pela originalidade
ou pela qualidade da argumentação. Não discutiremos a vedete entre elas,
por ser bem conhecida, a de D. Pedro I, escrita em 1823, sob o pseudônimo
de O Ultrabrasileiro (61).
Duas cartas referentes à Bahia falam do primeiro e do terceiro momentos.
A primeira, de número 37, intitula-se “Carta de um membro da pretérita
junta do governo provisional da província da Bahia com um apêndice”. Foi
escrita em 1822 por Paulo José de Mello de Azevedo e Brito (1779-1848),
vice-presidente da junta e seu membro mais ativo. Embora nela representasse
a lavoura, era um baiano culto, formado em leis e poeta. Mais tarde, entre
1834 e 1837, foi deputado geral por sua província, seu presidente entre 1840
e 1841 e senador pelo Rio Grande do Norte em 1845.
A junta foi criada em 10 de fevereiro de 1821, na sequência de uma
revolta de tropa e povo, com o fim de aderir ao movimento constituciona-
lista português, apoiar as Cortes e jurar a Constituição a ser por elas feita.
Houve contra ela uma revolta fracassada a 3 de novembro e foi substituída
em fevereiro de 1822. Tendo sido duramente atacada, mesmo depois de
extinta, sobretudo pelo Diário Constitucional, cujo redator era Francisco

67
Gomes Brandão Montezuma, e também pelos deputados baianos nas Cortes,
Brito decidiu defendê-la e defender-se. Não vamos aqui relatar os aconte-
cimentos, apenas tentar entender o sentido da disputa. A junta comunicou
sua decisão de aderir às Cortes a D. João e às próprias Cortes e pediu ajuda
militar portuguesa. Para ela, o inimigo era a Corte do Rio de Janeiro, com seu
ministério depravado, seus áulicos e mandões, seu conde de Palmela (todas
essas expressões da carta), baluartes do absolutismo, inimigos da liberdade
constitucional. Pensaram mesmo seus membros em conseguir o apoio das
tropas portuguesas aquarteladas em Montevidéu para colocar o Rio entre
dois fogos. Recusaram-se, a seguir, a reconhecer a regência de D. Pedro. Seu
plano era fazer com que a Bahia liderasse o movimento de constitucionali-
zação, atraindo as outras províncias. Os polos que se opunham eram o do
constitucionalismo e o do despotismo.
A segunda carta são, de fato, duas, uma de abril e outra de maio
de 1822, precedidas de uma introdução de setembro de 1823 (carta 67).
Pertencem ao segundo momento, quando a Bahia, sob o jugo de Madeira,
para lá enviado por solicitação da primeira junta, dividia-se entre as Cortes
e o Brasil, tendendo cada vez mais para o último. Seu autor foi Domingos
Alves Branco Muniz Barreto (1748-1831). De família rica e tradicional
baiana, era militar e naturalista, um típico ilustrado. Politicamente era um
maçom nacionalista do grupo de Joaquim Gonçalves Ledo e Januário da
Cunha Barbosa. Partira dele a sugestão, feita em reunião maçônica, de se
conferir a D. Pedro o título de Defensor Perpétuo do Brasil. Era radical sua
divergência com a primeira junta baiana a que chama de infame: para ele,
D. Pedro não era o inimigo absolutista, era o defensor do novo Império. As
duas cartas, escritas com apenas um mês de intervalo, são um apelo dramá-
tico a D. Pedro no sentido de que envie uma expedição militar para libertar
a província. Se D. Pedro socorreu Minas, por que não a Bahia, a província
mais rica do Brasil? – pergunta. O Brasil, argumenta, não poderá subsistir
como reino sem a Bahia e Pernambuco, suas duas mais ricas províncias.
Na introdução às cartas, o autor tenta justificar a não participação na
luta por ter sido seu nome preterido, segundo ele, por interferência de frei
Francisco de Sampaio, em favor do paisano francês Pedro Labatut para
comandar a expedição que, afinal, foi mandada para expulsar Madeira. A
mágoa, no entanto, não diminuiu seu apreço pelo imperador e a gratidão
por ter reintegrado a Bahia à comunhão brasileira. Os polos que agora se
contrapunham eram o do independentismo e o que os panfletos denunciavam
como tentativa das Cortes de recolonizar o Brasil.

68
Do segundo momento, uma das cartas mais marcantes da coleção
recebe um título extenso: Justa Retribuição dada ao Compadre de Lisboa
em desagravo dos Brasileiros offendidos por varias asserções, que escreveo
na sua Carta em resposta ao Compadre de Belem, pelo Filho do Compadre
do Rio de Janeiro, que a offerece, e dedica aos seus patricios. Segunda edição
correcta e augmentada, atribuída a Luís Gonçalves dos Santos, por alcu-
nha Padre Perereca (carta 53). Era, como indicado, resposta à provocação
portuguesa feita na Carta do Compadre de Lisboa em resposta a outra do
Compadre de Belem, ou juizo critico sobre a opinião publica, dirigida pelo
Astro da Lusitania (carta 8). O Compadre de Lisboa, preocupado com a
eventual permanência da Corte no Brasil, fato que, segundo ele, transformaria
Portugal em colônia da ex-colônia, procura desqualificar a última dizendo
que não passava de “um gigante, em verdade, mas sem braços, nem pernas;
não falando do seu clima ardente e pouco sadio, o Brasil está hoje reduzido
a umas poucas hordas de negrinhos, pescados nas costas da África”. Era
“terra dos macacos, dos pretos e das serpentes”.
Perereca retruca à altura, fornecendo bom exemplo do estilo panfletário
que ele mesmo caracterizou como típico de uma “guerra literária”. Protesta
contra a “produção infame, parto da inveja e do ódio, que ataca o nosso país
e seus habitantes”, vinda deste “homem espúrio, este agigantado valentão,
esse incircunciso filisteu”, deste “charlatão incivil e furioso”, e por aí vai.
Recorrendo à vasta literatura e depoimentos de viajantes estrangeiros, contra-
-argumenta exaltando o tamanho, as riquezas e o povo do Brasil, invertendo
a acusação, o absurdo era tentar fazer “o Brasil voltar para o antigo estado
de colônia”, depois de ser Reino Unido. Na mesma direção vai a carta de
número 14, atribuída a Evaristo Ferreira da Veiga, e intitulada Carta que em
defesa dos Brasileiros insultados escreve ao Sacristão de Carahi o Estudante
Constitucional, amigo do filho do Compadre do Rio de Janeiro.
Ainda dentro dos mesmos momento e tema, mas destacando-se pela
originalidade é a carta intitulada O Brasil visto por cima. Carta a huma
senhora sobre as questões do tempo, assinada por Trezgeminos Cosmopolitas
(carta 24). Não se conhece a razão pela qual o autor, José Silvestre Rebello,
teria escolhido tão estranho e enigmático pseudônimo com o qual assinou
mais duas cartas, uma dirigida ao redator da Malagueta (carta 26) e outra ao
redator do Espelho (carta 34). José Silvestre era português, fora comerciante
em Lisboa e viera para o Brasil pouco antes da Independência. Não se tem
informação sobre seus estudos, mas, pelos autores que cita (Kant e Burke,
entre eles) e pelo latinório, fica claro que, se não era um coimbrão, tinha lá

69
suas luzes. A partir da adoção pelas Cortes de atitude tendente a reconquistar
o controle sobre o Brasil, negando-lhe a igualdade do Reino Unido conquis-
tada em 1815, assumiu abertamente a causa da Independência do Brasil,
como está claro em sua carta à Malagueta. Sua atitude foi recompensada,
pois em 1823 já era cônsul-geral do Império nos Estados Unidos, e no ano
seguinte tornou-se o primeiro encarregado de negócios quando conseguiu o
reconhecimento da Independência do país.
Comerciante de tino prático, politicamente conservador, sem entusiasmo
por democracias, José Silvestre nos surpreende em sua carta por duas razões:
a primeira por dirigi-la a uma senhora, a segunda pelo artifício do uso de
uma viagem de balão para apresentar o Brasil, muito antes das fantasias de
Júlio Verne. Quanto à primeira, deve-se notar que, na lista geral de panfletos,
aparecem apenas três autoras de versos cívicos e um requerimento de um
grupo de senhoras. O fato de ter José Silvestre escrito um texto político para
atender a reclamações de uma senhora, fosse ela real ou fictícia, uma senhora
que tinha lido sua carta à Malagueta, constitui inovação e progresso. Quanto
à segunda, ela não se deve ao tema, qual seja, a exaltação da natureza e das
riquezas do Brasil. Como visto, ele foi tratado, e com mais contundência,
em outras cartas. Por ser a segunda bem conhecida, preferimos comentar
a carta de José Silvestre, de conteúdo parecido, mas de feitura inovadora.
A inspiração para o texto de José Silvestre veio certamente de André-
Jacques Garnerin (1769-1823), balonista francês que causou sensação em
1798 quando propôs fazer-se acompanhar em voo por uma senhorita.
Depois de muita disputa sobre os riscos físicos e morais para a senhorita,
o voo realizou-se no dia 8 de julho e a cidadã Henri saiu ilesa da aventura.
Trezgeminos Cosmopolitas, que também ouvira falar das experiências de
Bartolomeu de Gusmão em Lisboa, propôs à curiosa senhora: “sejamos pois
os primeiros Garnerins deste hemisfério”, e a levou pelos céus do Brasil, de
norte a sul, descrevendo a geografia, apontando as riquezas minerais e agrí-
colas e as belezas naturais, de modo muito mais atraente do que se escrevesse
mera corografia, como a de Aires do Casal, citada, aliás, por Luís Gonçalves
dos Santos. O texto é um tanto prejudicado pelo contrabando que o autor
faz de suas ideias políticas conservadoras para dentro da narrativa. É, por
sinal, um dos poucos panfletos que fala do perigo de uma guerra racial no
Brasil. Mas nada disso prejudica o encanto do experimento narrativo.
Ainda do segundo momento é particularmente interessante, pela carga
emocional que sugere, a carta que foi enviada a D. Pedro em 1822 pelo
padre Manoel Rodrigues da Costa, morador da vila de Barbacena (carta

70
59). O padre Manoel Rodrigues (1754-1844), formado no Seminário de
Mariana, participara da Inconfidência Mineira, fora preso, condenado e
enviado para a prisão em Portugal. Cumprida a pena, voltou a sua fazenda
do Registro Velho, onde Saint-Hilaire o visitou em 1817, deixando regis-
tradas as inovações tecnológicas que o padre trouxera da Europa. Em
texto sintético e elegante, a que não faltam, naturalmente, muitas citações
bíblicas em latim, o antigo inconfidente, escrevendo depois do Fico e
antevendo a Independência da ex-colônia, fala de paz e da manutenção da
unidade do país. Apela a D. Pedro no sentido de que seja o anjo tutelar, o
fator de harmonia interna de outras províncias, assim como já o fora das
Minas quando de sua viagem de fevereiro de 1822.1 A discórdia existente
nas províncias ameaçava a unidade do país que se formava e que estava
destinado a ser um Grande Império.
O que se passaria no ânimo do ex-inconfidente ao escrever tal carta ao
neto de D. Maria I? Morrera o antigo revolucionário, apagara-se a mágoa
gerada pela dura repressão da Inconfidência? Ou veria o padre Manoel
Rodrigues nos acontecimentos a vitória do sonho de liberdade dos incon-
fidentes, agora expandido para toda a antiga colônia? Não sentiria ele um
secreto prazer com a doce vingança de ver o sonho dos rebeldes realizado
com a preciosa ajuda do neto da louca rainha? Essa segunda hipótese parece
mais provável, pois, em 1842, o velho inconfidente meteu-se de novo em
agitações aderindo à Revolta Liberal desse ano. Seja como for, D. Pedro
o apreciava e o visitou em sua fazenda ao ir a Minas pela segunda vez em
1831, para apagar novo incêndio.
Finalmente, uma última carta que tanto vale para os três momentos
citados como para um quarto, o de hoje, 190 anos depois. Trata-se da Carta
dirigida aos Redactores do Reverbero Constitucional Fluminense. Relativa
aos apontamentos do Patriota Constitucional, para acudir ao Thesouro
Publico, expóstos no no. XIV. do dito periodico, por José Antônio Lisboa
(carta 39). O autor (1777-1850) formara-se em Matemática pelo Colégio
dos Nobres e voltara às pressas para o Brasil, por ter sido perseguido pela
Inquisição acusado de importar livros ímpios. Foi talvez o melhor financista
do período, sem, no entanto, ganhar a fama do outro Lisboa, José da Silva,

Diante dos conflitos surgidos após a escolha da junta provisória de governo, D. Pedro fez
1

viagem relâmpago à província para impor sua autoridade. Sobre o assunto, ver também
a carta 21, escrita por Cassiano Espiridião de Melo Matos, juiz de fora de Ouro Preto,
na qual tenta defender-se das acusações de ter sido o responsável pelos conflitos por ter
antecipado a eleição da junta.

71
futuro visconde de Cairu. Foi ministro da Fazenda em 1830, ficando apenas
um mês no posto por discordar do imperador.
Sua carta, escrita em 1822, antes da Independência, combate as ideias
financeiras do Patriota Constitucional, a quem acusa de não ser nem patriota,
por não visar ao bem do país, nem constitucional, por ignorar as leis. Defende
o equilíbrio orçamentário via cortes nos gastos públicos inúteis. Denuncia
práticas corruptas do patrimonialismo do Antigo Regime: a multiplicação e
acumulação de empregos, ordenados, pensões, tenças, encargos, gratificações
para beneficiar afilhados, cortesãos, adeptos e validos, todos ociosos. O
Patriota Constitucional defendia a manutenção de todas essas mordomias (a
palavra é de hoje, mas adequada à época), em nome de um direito adquirido
que Silva Lisboa não reconhece por ferir interesses coletivos. Cortes nesses
gastos, sobretudo na acumulação de empregos, argumenta ele, permitiriam
cumprir disposições das Bases da Constituição que mandavam investir na
instrução pública, estabelecimentos de caridade, estradas para a agricultura,
proteção do comércio. A redução dos gastos inúteis evitaria a contratação
do ruinoso empréstimo proposto pelo Patriota. Conter os gastos e utilizar
melhor os dinheiros públicos “é tanto mais necessário e indispensável
quanto é preciso respeitar a opinião pública que altamente clama por todas
essas reformas”. Não estranha que o autor tenha ficado apenas um mês no
ministério. Talvez não durasse mais no quarto momento.

72
CARTAS

FBN Fundação Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro)


BNP Biblioteca Nacional de Portugal
BJM Biblioteca José Mindlin
BNU Biblioteca Nacional do Uruguai

1820
1. Carta ao senhor D. Pedro de Alcantara, Principe Real de Portugal, Brasil, e
Algarves. Por O Patriota. Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira. p.
1820. Com licença da Commissão de Censura. FBN 83

2. Carta do Compadre de Belém ao redactor do Astro da Lusitania dada à luz


pelo compadre de Lisboa. Por O Impostor Verdadeiro [Manuel Fernandes
Tomás]. Lisboa. Na Offic. de Antonio Rodrigues Calhardo. 1820. BNP 91

1821
3. Carta de André Mamede ao seu amigo Braz Barnabé, na qual se explica o que
são corcundas. Por André Mamede. Rio de Janeiro. Na Typographia Regia.
1821. Com licença. FBN. 109

4. Carta de hum habitante da Bahia sobre o levantamento do Porto, e miseravel


estado do Brazil. Num. Das obras constitucionaes de Portugal depois de terem
jurado a Constituição na cidade do Porto em 24 de agosto de 1820. Lisboa.
Na Imprensa Nacional. Anno 1821. Com licença da Commissão de Censura.
BNP 116

5. Carta de hum Militar Brazileiro a hum Solitario do Amazonas, e officio deri-


gido pela Junta Provisoria do Governo do Para, ao Soberano Congresso em
Portugal. Por O Militar Brazileiro. Cayenna. S. Tip. 1821. FBN 129
6. [Carta dirigida a Cassiano Spiridiaõ de Mello e Mattos pedindo definição
de corcunda, ou constitucional, datada de 17 de dezembro de 1821]. Por
Francisco Garcia Adjuto. Rio de Janeiro, Na Imprensa Nacional. [1821]. p.
FBN 140

7. Carta dirigida aos habitantes d’Angolla. Por José Anastacio Falcaõ. Rio de
Janeiro. Na Impressaõ Nacional. 1821. FBN 142

8. Carta do Compadre de Lisboa em resposta a outra do Compadre de Belem,


ou juizo critico sobre a opinião publica, dirigida pelo Astro da Lusitania.
Reimpresso no Rio de Janeiro. Na Typographia Real. 1821. FBN 160

9. Carta do Compadre do Rio S. Francisco do Norte, ao Filho do Compadre


do Rio de Janeiro, na qual se lhe queixa do parallelo, que faz dos indios com
os cavallos, de não conceder aos homens pretos maior dignidade, que a de
reis do Rozario e de asseverar, que o Brasil ainda agora está engatinhando.
E crê provar o contrario de tudo isso. Por J. J. do C. M. [Joaquim José da
Costa de Macedo]. Rio de Janeiro. Na Impressão Nacional. 1821. FBN 174

10. Carta do Novo Mestre Periodiqueiro ao author da resposta à segunda parte


do Mestre Periodiqueiro. Por Mestre Periodiqueiro. Lisboa. Na Offic. de
Antonio Rodrigues Galhardo, Impressor do Conselho de Guerra. 1821. Com
licença da Commissaõ de Censura. BNP 179

11. Carta do Novo Mestre Periodiqueiro ao author do dialogo, intitulado Res-


posta ao Novo Mestre Periodiqueiro. Por O Mestre Periodiqueiro. Lisboa:
Offic. de Antonio Rodrigues Galhardo. 1821. Com licença da Commissaõ
de Censura. BNP 193

12. Carta escrita á un americano sobre la forma de gobierno que para hacer
practicable la Constitucion y las leyes, conviene establecer en Nueva-España
atendida su actual situacion. Con observaciones del editor. Rio de Janeiro.
Na Typographia Nacional. 1821. FBN 221

13. Carta escrita ao Senhor Redactor da Gazeta Universal, pelo Veterano, fóra
de serviço, Ex-Redactor do Jornal Encyclopedico de Lisboa, & c. Por José
Agostinho de Macedo. Lisboa: Na Offic. de Antonio Rodrigues Galhardo,
Impressor do Conselho de Guerra. 1821. FBN 240

14. Carta, que em defesa dos brasileiros insultados escreve ao sachristão de


Carahi o estudante Constitucional, Amigo do Filho do Compadre do Rio de
Janeiro. Por O Estudante Constitucional E. [Evaristo Ferreira da Veiga]. Rio
de Janeiro. Na Impressão Nacional. 1821. FBN 247

74
15. Carta segunda do Compadre de Belem ao Redactor do Astro da Lusitania
dada á luz pelo Compadre de Lisboa. Reimpresso na Real Typographia do p.
Rio de Janeiro. Anno de 1821. FBN 261

16. Resposta a hum annuncio de Lucio Manoel de Proença publicado no Diario


de 30 de Agosto desta Côrte. Por João Marcos Vieira de Sousa Pereira. Rio
de Janeiro. Na Typographia Real. 1821. FBN 277

17. Resposta analytica a hum artigo do Portuguez Constitucional em defeza dos


direitos do Reino do Brasil. Por Hum Fluminense [Luís Gonçalves dos Santos].
Rio de Janeiro, Na Typographia Nacional. M.D.CCC.XXI. FBN 280

18. Resposta ao Novo Mestre Periodiqueiro: ou abjuração do Sebastianista, e do


Hermitão: confundindo o Doutor Periodiqueiro. Lisboa: Na Officina de J. F.
M. de Campos. [1821]. Com licença da Commissão de Censura. BNP 304

19. Resposta á segunda parte do Novo Mestre Periodiqueiro: juntando-se-lhe por


appendix as copias authenticas da exposiçaõ do Cardeal da Cunha, que precede
o regimento da Inquisiçaõ, e do alvara de confirmaçaõ do mesmo regimento
em 1774. Lisboa. Na Offic. de Antonio Rodrigues Galhardo, Impressor do
Conselho de Guerra. Com licença da Commissaõ de Censura. 1821. FBN 325

20. Senhor Redactor da Gazeta do Rio de Janeiro. Por O Constitucional Pihauhien-


se, Egydio da Costa Alvarenga. [Rio de Janeiro]. Na Typographia Nacional.
M.D.CCC.XXI. FBN 360

21. Sñr. Redactor da Gazeta do Rio de Janeiro. Por Cassiano Spiridião de Mello
Mattos. Rio de Janeiro. Na Typographia de Moreira, e Garcez. 1821. FBN 366

1822
22. O Amigo da razão, ou carta aos Redactores do Reverbero, em que se mostraõ
os Direitos, que tem o Brasil a formar a sua Camara Especial de Cortes no
proprio territorio, conservando a União com Portugal, em Ordem a salvar-se
dos Horrores da Anarquia; evitando de um golpe o retrocesso do Despotismo;
e as pretenções das Cortes de Portugal, contrarias aos seus interesses. Por O
Amigo da Razaõ [Jacinto Rodrigues Pereira Reis]. Rio de Janeiro. 1822. Na
Imprensa Nacional. FBN 375

23. Analyse e confutação da primeira carta que dirigio a Sua Alteza Real o Principe
Regente Constitucional e Defensor Perpetuo dos Direitos do Brasil, o Cam-
peão em Lisboa pelos Auctores do Regulador Brasilico-luso. Rio de Janeiro
Na Imprensa Nacional. 1822. BJM 386

75
24. O Brasil visto por cima. Carta a huma senhora sobre as questões do tempo.
Por Trezgeminos Cosmopolitas [José Silvestre Rebelo]. Rio de Janeiro. Na p.
Typographia do Diario. 1822. FBN 412

25. Carta Analytica, á cerca do Parecer da Commissão especial dos Negocios


Politicos do Brazil apresentado na sessão de 18 de Março. Por E.C. Rio de
Janeiro. 1822. Na Impressaõ de Silva Porto, & Ca. FBN 443

26. Carta ao Redactor da Malagueta. Por Tresgeminoscosmopolitas [José


Silvestre Rebelo]. [Rio de Janeiro]. Na Imprensa Nacional. [1822]. FBN 448

27. Carta ao redactor da Malagueta. Por Veritas [Francisco da Soledade]. Rio


de Janeiro. Na Imprensa Nacional. 1822. FBN 463

28. Carta ao redactor da Malagueta em analyse ao seu no. 8. Por Antonio José
de Paiva Guedes d’Andrade. [Rio de Janeiro]. Na Typographia de Santos e
Souza Anno de 1822. FBN 469

29. Carta ao Sachristão de Tambi, sobre a necessidade da reunião de cortes no


Brasil. Por E. C. Rio de Janeiro. 1822. Na Impressão de Silva Porto, E Ca.
FBN 477

30. [Carta ao] Senhor Redactor da Verdade Constitucional, pelo Constitucional


Inimigo da Impostura. T.F.X.E. [Rio de Janeiro]. Na Typographia de Santos
e Souza. [1822]. FBN 484

31. [Carta ao Senhor Redator do Correio por ****]. Reconhecida pelo Tabelião
Joaquim José de Castro. Rio de Janeiro. Na Officina de Silva Porto, e Comp.
1822. FBN 492

32. [Carta ao Redactor do Correio do Rio de Janeiro pedindo a publicação de


duas cartas de Jeronimo Pereira e outra de Joaquim José Pinto]. Por Chicote
dos Asnos. [Rio de Janeiro]. Na Officina de Silva Porto, & Ca. [1822]. FBN 499

33. [Carta ao redactor do Correio sobre o despotismo militar]. Rio de Janeiro.


Na Officina de Silva Porto & C. [1822]. FBN 505

34. Carta ao Redactor do Espelho. Sobre As questoens Do Tempo, per T.es. G.os.
C.as. [José Silvestre Rebello]. Rio de Janeiro. Na Typographia de Santos e
Souza. M.D.CCC.XXII. FBN 515

35. Carta Apologetica, e Analytica ao Redactor do Periodico Intitulado O Por-


tuguez, Impresso em Londres. Por Joaquim Navarro de Andrade, Director
Literario da Academia da Marinha, e Commercio na cidade do Porto. Lisboa.
Na Typographia Rollandiana, 1822. FBN 523

76
36. Carta de hum Brasileiro sobre a vinda de tropa para a Bahia e sobre o Go-
vernador das Armas Madeira extrahida do Astro da Lusitania. Por Hum p.
Brazileiro. Rio de Janeiro. Na Typographia Nacional. 1822. FBN 555

37. Carta de hum membro da preterita Junta do Governo Provisional da pro-


vincia da Bahia com hum appendice. [Por Paulo José de Mello Azevedo e
Brito]. Lisboa. Na Impressão de João Nunes Esteves. Anno 1822. FBN 558

38. Carta de Hum pedreiro ao seu Amigo, em que lhe refere hum sonho que teve
a respeito das Cortes. Rio de Janeiro. 1822. Na Typographia do Diario, Rua
dos Barbonios Nº. 72. FBN 598

39. Carta dirigida aos Redactores do Reverbero Constitucional Fluminense. Re-


lativa aos apontamentos do Patriota Constitucional, para acudir ao Thesouro
Publico, expóstos no no. XIV. do dito periodico. Por José Antonio Lisboa.
Rio de Janeiro. Na Typographia de Mor. e Garcez. M.DCCC.XXII. FBN 612

40. Carta dirigida pelo Ill.mo. e Ex.mo. Deputado Vergueiro ao Ill.mo. e Ex.mo.
Secretario do Congresso Lisbonense, e que não foi entregue por ter sahido
de Lisboa o Correspondente a quem fora remettida. Rio de Janeiro. Na Typ.
de Silva Porto, e C.a. [1822]. FBN 625

41. Carta escripta pelo Sachristão da Freguezia de S. João de Itaboray ao Re-


verendo Vigario da mesma Freguezia, narrando os acontecimentos dos dias
9 e 12 de Janeiro deste anno. [Por Manuel Caetano Lopes]. Rio de Janeiro.
Na Imprensa Nacional. 1822. FBN 627

42. [Carta escrita do Rio Grande do Sul por A. J. F. ao] Ilustríssimo senhor
coronel Antero José Ferreira de Brito [datada de 17 de agosto de 1822].
[Rio de Janeiro]. Na Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. 1822. FBN 633

43. Carta escripta por hum China, a hum amigo seu, residente na Capital de
Pekin; sobre alguns males que existiaõ no systhema do antigo governo por-
tuguez, dada á luz por Antonio Vicente Dellanave. Por Chiang-Tou. Rio de
Janeiro. Na Imprensa Nacional. 1822. FBN 635

44. Carta Historico-Politico-Militar diregida a Certo Redactor. Refutando


completamente a doutrina do n.o 49 do Semanario Civico da Bahia. Por R.
J. C. M. Rio de Janeiro Typographia de Santos e Souza. Anno de M.D.CCC.
XXII. FBN 640

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45. Carta que ao Illustre Deputado em Cortes o Senhor Luiz Nicoláo Fagundes
Varella, escreveo Hum Zellozo Patriota em 14 de Dezembro de 1821, dada
á luz por José Alves Ribeiro de Mendonça. Rio de Janeiro. Na Imprensa p.
Nacional. 1822. FBN 652

46. Carta do Arguelles da Provincia do Maranhão ao Ill.mo Ex.mo Sr. Francisco


Simões Margiochi deputado em Cortes. Lisboa. Anno 1822 Na Impressão
de João Nunes Esteves. FBN 658

47. Carta, que hum Brasileiro muito amante da sua Patria dirigio a hum seu
amigo, residente fora da Corte. Por J. dos C. Rio de Janeiro. Na Typographia
Nacional. 1822. FBN 663

48. Correspondencia de Porto Alegre. Por O Continental. Rio de Janeiro. Na


Impressão Nacional. 1822. FBN 675

49. Correspondencia interceptada. Por Manoel Coerente. [Rio de Janeiro]. Na


Typographia de Torrres, e Costa. 1822. FBN 678

50. Correspondencia Turca interceptada á hum Emissario Secreto da Sublime


Porta, residente na Corte do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro 26 de Maio de
1822. Na Imprensa Nacional. FBN 685

51. Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. ATÉ quando... Até quando abusará


Vossa Excelência da generosidade Brasileira? Por Antero José Ferreira de
Brito. [1822]. FBN 736

52. Illustrissimo Senhor Coronel Antero José Ferreira de Brito. Por A. J. F. Na


Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. 1822. FBN 737

53. Justa Retribuição dada ao Compadre de Lisboa em desagravo dos Brasilei-


ros offendidos por varias asserções, que escreveo na sua Carta em resposta
ao Compadre de Belem, pelo Filho do Compadre do Rio de Janeiro, que a
offerece, e dedica aos seus patricios. Segunda edição correcta e augmentada.
[Por Luís Gonçalves dos Santos, padre Perereca]. Rio de Janeiro, Na Typo-
graphia Nacional. M.D.CCC.XXII. 1ª ed.: Rio de Janeiro. Na Typographia
Regia. 1821. Com Licença. FBN 739

54. O Pelotiqueiro desmascarado, ou Carta sobre o N.o 62 do Correio do Rio


de Janeiro dirigida aos Habitantes d’esta Provincia, a fim de se acautelarem,
e premunirem contra os que se inculcão para serem seus Deputados. Por O
Patricio observador. Rio de Janeiro, 1822. Na Typographia do Diario. FBN 765

78
55. Resposta a huma Carta, em que o respondente analysa a representação que a
Sua Magestade Imperial dirigio em 2 de novembro de 1822 o Ex-Procurador
desta provincia Joaquim Goçnalves Ledo. Por O amigo verdadeiro da Patria. p.
Rio de Janeiro. Na Imprensa Nacional. [1822]. FBN 773

56. Resposta ao Redactor da Malagueta, interpretrando aquella parte de Decre-


to de 16 de Fevereiro, na qual S. A. R. diz “e dezejando Eu para utilidade
geral do Reino-Unido, e particular do bom Povo do Brasil hir de antemaõ
dispondo, e arreigando o Systema Constitucional, que elle merece e Eu
jurei dar-lhe &c.”. Por Hum Franco Constitucional. [Rio de Janeiro]. Na
Impressaõ Nacional. [1822]. FBN 783

57. Segunda Parte do Amigo da Razão, ou Continuação da correspondencia


com os Redactores do Reverbero; em que se responde á varios Argumentos
que se tem feito contra a medida apontada primeiramente pelo Author, de
se installar huma Representazão, em Assembléa Legislativa no Brasil. Rio
de Janeiro. 1822. Na Officina de Silva Porto &c. C.a FBN 785

58. Senhor Redactor [Tendo eu dado ao Publico hum annuncio, como Supple-
mento á Gazeta de 30 do mez passado...] Rio de Janeiro na Typographia
Nacional. [1822]. FBN 806

59. A Sua Alteza Real. O Principe Regente Constitucional, Defensor Perpetuo


do Brasil. Pelo padre Manoel Rodrigues da Costa. Morador na Villa de
Barbacena, Comarca do Rio das mortes, e Provincia de Minas Geraes. Rio
de Janeiro. 1822. Na Officina de Silva Porto & C.ª FBN 808

1823
60. [Carta á Manoel Jacintho Nogueira da Gama]. Por Gervásio Pires Ferreira.
Rio de Janeiro. Na Imprensa Nacional. 1823. FBN 817

61. [Carta artigo ao redator de O Espelho em cujo n. 6 foi anexada, demonstrando


o interesse na manutenção e defesa da Independência do Brasil, contra José
da Costa Carvalho, depois marquês de Monte Alegre]. Por O Ultra Brasileiro
[D. Pedro I]. [Rio de Janeiro]. Na Typographia Nacional. [1823]. FBN 823

62. [Carta dirigida a um jornal do Rio, pedindo a transcrição de outra carta


publicada no “O Amigo do Homem” n. 7, do Maranhão, assinada por: “Os
Sertanejos de Paranagoá”, tendo em anexo uma “Proclamação do Tenente
Coronel e Governador das Armas desta Província do Piauí”, Joaquim de
Souza Martins]. Por O Inimigo da Calumnia. Rio de Janeiro. Na Imprensa
Nacional. [1823]. FBN 828

79
63. [Carta de um brasileiro a um português, sobre um projeto de lei de Francisco
Moniz Tavares referente à situação dos portugueses residentes no Brasil, da-
tada de 21/6/1823]. Por Brasileiro. Na Imprensa Nacional do Rio de Janeiro. p.
[1823]. FBN 830

64. Carta do Brasileiro da Roça ao Redactor da Sentinella da Praya Grande em


resposta a Ordem do Dia do Quartel General da Carioca. Por O Mesmo
Brazileiro da Roça. Rio de Janeiro. Na Typographia do Diario. 1823. FBN 832

65. Carta em que se descrevem as festas realizadas na cidade de Paranaguá por


motivo da Acclamação do imperador Pedro I. Por Manoel de Araujo França.
Rio de Janeiro. Na Typographia Nacional. 1823. FBN 839

66. Copia de Huma Carta Vinda de Pernambuco, na qual se relatão os desastrozos


accontecimentos, desde a entrada do Sargento Mór Pedro da Silva Pedrozo,
no Governo das Armas daquella Provincia, até á sua prizão, e remessa a esta
Corte do Rio de Janeiro. Por Hum Pernambucano Amigo da verdade. Rio de
Janeiro. Na Typographia Nacional. 1823. FBN 841

67. Justificaçaõ Patriotica demonstrada em duas cartas dirigidas ao Muito Alto,


Poderoso, e Magnanimo Imperador Constitucional do Brasil e seu Defensor
Perpetuo, o Senhor D. Pedro I. Pelo cidadaõ Domingos Alves Branco Muniz
Barreto. E pelo mesmo dedicadas na publicaçaõ da estampa aos fieis, e valero-
sos Povos da Provincia da Bahia, sua patria. Rio de Janeiro. Na Typographia
Nacional. 1823. FBN 848

68. [Resposta do vigario Antonio José Gonçalves de Figueiredo ao Sup. n. 29 da


Gazeta da Bahia, denominada Echo da Patria]. Rio de Janeiro. Na Imprensa
Nacional. 1823. FBN 865

80
1820
1

C A R T A
Ao senhor D. Pedro de Alcantara, Principe Real
de Portugal, Brasil, e Algarves.
___________________________

SENHOR. O Dia 12 de Outubro é um Dia dos mais memoráveis para os Bons


Portugueses; ele nos recorda o de 1798, em que o Céu, como sempre, propício
ao Povo Luso, lhe concedeu um Príncipe, em que firma as suas esperanças, um
Príncipe, que deverá, quando for determinado pelos imperscrutáveis Decretos
da Providência, ocupar o Trono Português, e dali animando tudo, aparecer
no vasto Teatro do Universo, um Rei querido, e adorado dum Povo Brioso, e
constante, um Rei Sábio, e Justiceiro! Ah! Que duas Qualidades tão necessá-
rias a um Rei! Sem elas, o Rei deixa de o ser, e o Povo, que era propenso ao
bem, e à virtude, que era tranquilo, e moderado na paz, e valente na guerra,
torna-se perverso, criminoso, inerte, indócil, e fraco!
Nada tão difícil, como a arte de reinar! Coisa admirável, e espantosa!
É necessário, que o curto espaço da esfera humana, se estenda a contemplar
milhões de homens; cuide sem cessar, e ao mesmo tempo de milhões de objetos!
Pertence ao Rei conhecer com toda a exatidão, e certeza o estado físico, e moral
do seu Reino, sem o mínimo erro, ou preocupação; as circunstâncias dos seus
súditos em geral, e sendo possível, as de cada um em particular, pelo menos
as daqueles que frequentemente o cercam; deve um Rei ter os mais profundos
conhecimentos das Ciências Divinas, e humanas, da História Universal da
Geografia, enfim deve ser consumado em todos os ramos de literatura: dado a
um profundo estudo, tem uma restrita obrigação de praticar a arte da guerra,
de ser Entendedor da Navegação, de ser um hábil Agricultor, e possuir uma
experiência tal do mundo, que dum golpe de vista conheça o Artista mais
digno, o Literato mais conspícuo, o Senador mais exato, e enfim o Cidadão
mais honrado, e benemérito. O Rei Senhor, deve ser Imenso, isto é, deve ao

83
mesmo tempo estar em toda a parte! Deve ser sábio, isto é, deve prever tudo, e
ter tanta vigilância, que nada lhe escape, nem ao menos a ação mais indiferente!
Deve finalmente ser justiceiro, isto é, livre de todas as paixões! O Rei pois que
for Imenso, Sábio, e Justiceiro, será pois um bom Rei, será o modelo de todos
os Imperantes! Mas pode porventura homem algum ser exornado destas três
qualidades? Ah! Não por certo, elas são privativas só da Divindade! O Rei
é um homem, e como tal sujeito à triste condição a que foram condenados
os desgraçados filhos de Adão! Acaso não vêm eles ao mundo, custando a
suas Mães as mesmas dores? Não são engendrados da mesma forma? Não
sofrem os males da infância, e à proporção do seu desenvolvimento, não se
lhe notam os mesmos sentimentos, sentimentos próprios da adolescência,
e da virilidade? Excedem os limites da vida, que aos outros homens foram
prescritos pelo Supremo Autor do Universo? Ah! Não, Senhor, os Reis são
homens, são sujeitos aos erros, às paixões, e aos vícios, ou que nascem com
os homens, ou que se adquirem por uma educação, ministrada por homens
interesseiros, aduladores, e até muitas vezes criminosos: por mestres, que ou
por costume, ou por ignorância longe de falarem aos seus jovens discípulos
com a ingenuidade, e franqueza, com que hoje falamos a Vossa Alteza, pelo
contrário, imbuindo-o nas máximas mais odiosas dum poder absoluto, e
despótico assegurando-lhe que um Rei é Senhor Supremo das vidas, e dos
bens dos seus súditos, o tornam um tirano, podendo cheio de glória entre os
seus, e entre a posteridade ser eterno seu nome, e sua memória!
É pois o Rei um homem, e um homem sem privilégio algum da
Onipotência, e como tal sujeito, e exposto a todos os males, e revezes, a que
por decretos Divinos, estão sujeitos, e expostos todos os homens, e como tal
não pode possuir, nem ao menos uma só das qualidades que são necessárias,
para se constituir um Bom Rei, tornamos a dizê-lo, porque tais atributos
pertencem só à Divindade!
Concluamos pois que jamais pode haver um Rei Perfeito sobre a terra,
porque Perfeito só Deus; mas confessemos que aquele que nascer com uma
boa índole, e que for conduzido pela aspereza do caminho duma sã educa-
ção, que tiver ante seus olhos sempre patente o quadro da verdade, que com
infatigável zelo se der a um continuado, e profundo estudo, será aproxima-
damente um bom Rei.
Temos pois mostrado a Vossa Alteza com a costumada franqueza, que
os Reis, porque são homens, estão inteiramente sujeitos a todos os males, que
os homens padecem, que jamais podem ser Perfeitos, e que as qualidades que
lhe são indispensáveis para se constituir um Bom Rei, jamais as poderá ter,
porque são atributos da Divindade, que não quer, nem pode consentir outra

84
Divindade, com quem se confunda. Cumpre pois aos Reis diligenciarem o
merecer aproximadamente o título glorioso de Bons; e esta necessidade foi
a origem da criação das diferentes Autoridades Subalternas ao Imperante.
O Rei não é Imenso, não pode existir em toda a parte, e eis aqui o motivo,
por que precisa de Delegados, de Representantes, de Tribunais, e enfim de
Ministros de diferentes Hierarquias: O Rei não é perfeitamente Sábio, e eis
aqui a razão, por que necessita de Conselheiros, de Secretários de Estado,
que assistam frequentemente aos seus despachos, porque carece de conversar
com os mortos, falar de cara a cara com os vivos, escutar todas as classes,
a todas prestar atenção, porque ouvindo-se a todos, e havendo critério,
escolhe-se o bem, que muitas vezes é proveitoso, e o mal, que sempre é
nocivo abandona-se: O Rei não é perfeitamente Justiceiro, nem o pode ser,
sendo homem: ainda não houve sobre a terra um Rei, que na história da
sua vida, não deixasse uma sombra, que lhe deslumbre o seu esplendor! Em
suma nada há perfeito; o Sol que é o astro mais brilhante tem manchas, e
esses santos varões, que por ásperas penitências mereceram a Coroa eterna,
lá no celeste Empíreo foram também sujeitos às paixões; o mesmo Jesus
Cristo foi tentado, quando para nos resgatar tomou a forma humana; e se
alcançou o triunfo completo do seu perseguidor, é porque encerrava em si a
Onipotência do Rei dos Reis de quem era Filho, porque se fora Filho dum
Rei, talvez não tivesse forças para subtrair-se à cilada, que se lhe armava.
Vê-se pois, Excelso Príncipe, a absoluta necessidade; que acompanha o
Rei, para ter Delegados, Representantes, Tribunais, Ministros, Conselheiros
etc.; porém estes Delegados, Representantes, etc. não são homens? Não são
suscetíveis de todas as paixões, parcialidades, e de todos os crimes? Eles o
são certamente, e toda a vigilância, toda a ciência dum Rei, que se aproxima
a gozar o título de Bom, não são capazes para pesquisar as suas ações, para
conhecer se os conselhos são filhos de boas intenções, e se têm por objeto
o interesse da Nação, e do Trono, ou o seu interesse, o seu adiantamento, e
enfim o triunfo completo de todos os seus desejos! Ah! Que horror! Antes
não tivera acontecido! Quantas vezes tem caminhado o Inocente para o
cadafalso, só para satisfazer a raiva dum malvado, só para encobrir as
perversas intenções dum Intrigante, dum monstro! Quantas vezes se tem
cometido as mais inauditas, e violentas atrocidades, só para se nutrirem, e
cevarem em seus caprichos homens, que representavam os seus Reis, e que
traíam as suas Justas Intenções! Ah! E quantas vezes… Mas quê? Vossa
Alteza tem um pleno conhecimento da História dos Augustos Predecessores
de Vossa Alteza, e na Gloriosa, e Memorável Série de Reis tão Famosos, e
Excelentes, que imensas páginas se não encontram, em que a sua glória se

85
vê ofuscada, e escurecida por terem seguido os passos da atrocidade, cegos
pelos ambiciosos, avarentos, tiranos, venais, e vingativos Conselheiros,
que o cercavam! Ó saudosa memória dum Magnânimo Rei? Tu, sem o ser,
mereceste o nome de Justiceiro!… Ah! Senhor, Ele tinha o Nome de Vossa
Alteza! Quantos dissabores este desgraçado Príncipe não sofreu, por seu
Augusto Pai escutar da boca de uns vis Cortesãos a voz do crime, motivada,
e exacerbada pelo ódio, pela raiva, e pelo rancor!
Nada pois, Senhor, tão árduo, e tão difícil, como a arte de reinar, e nada
tão oposto à boa razão, como acreditar-se, que um homem é capaz de dirigir
uma Nação inteira! Já mostramos que por si não pode; já mostramos, que
tendo Delegados, Representantes, etc., como homens, iludem o Soberano, o
que não é difícil, por serem muitos a combater um só; e o que é mais, estes
homens pela maior parte roubam quase sempre a metade da glória, que
pertencia a um Rei, porque quando um Cidadão no recinto de sua casa fala
com liberdade, nunca se queixa do Magistrado, que lhe fez mil violências,
queixa-se amargamente daquele, que lhe conferiu a autoridade.
Os verdadeiros Filósofos, isto é, os amantes do Rei, e do Povo, na balança
da razão, e da equidade pesaram escrupulosamente a natureza humana;
contemplaram o homem em todos os estados, e não se pouparam a indagar,
qual era o mais conforme à sua organização física, e moral, sem contradição
a mais nobre de todos os entes, que a Mão do Onipotente formou: discutiram
muito tempo matérias de tanta importância, disseram-se, e escreveram-se
muitos erros, e falsidades; porém, segundo a ordem da aquisição dos conhe-
cimentos humanos, estes erros, e estas falsidades abriram o caminho a muitas
verdades, e no século passado apareceu finalmente um Gênio, que divinamente
inspirado, se propôs à grande Obra da Regeneração do Mundo, e arran-
cando o Mundo do estado da escravidão, em que estava existindo, dissipou
as trevas, e fez aparecer o homem, o que o homem deve ser! O império da
prepotência estava porém muito arraigado, e para o prostrar eram necessários
sacrifícios, quase insuperáveis, era necessário que se combatesse o despotismo,
para sustentar a liberdade natural ao homem, como se fosse um exército de
poderosíssimos inimigos, e com efeito ousamos dizer, que não sabemos, qual
é mais fácil!... A Regeneração do Mundo começa pela Europa, e a Europa é
num momento o teatro da desolação! Inundou-se em sangue, cometeram-se as
ações mais atrozes, acontecimentos espantosos, ou paralisam, ou concorrem
a aumentar a Santa Causa; porém, Senhor, se é certo, que jamais se conse-
gue o fim dum grande plano, sem se encontrarem na sua execução enormes
obstáculos, também é certo, que estes se vencem, quando tudo é dirigido pela
razão mais ajustada, de que o homem é suscetível; então, sem dúvida, até o

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Braço do Onipotente o conduz aos seus fins, e se encontra alguns escolhos, é
para tornar maior a sua glória. Conseguiu-se enfim parte desta Regeneração,
e aonde se tinha feito, era tudo feliz, tudo ditoso, todos contentes!
Que excelente, e necessária reflexão agora nos assalta, ó Príncipe Excelso!
Embebidos no nosso Patriotismo, ousamos persuadir-nos, que estávamos
ao lado de Vossa Alteza com aquele respeito, e acatamento devidos a uns
súditos, que se prezam, como nós, de o sermos! E que Vossa Alteza tendo
com espanto atendido às nossas ingênuas vozes, nos perguntara: = Mas essa
Regeneração não é Obra dos homens? Acaso são eles perfeitos? Se o não são,
como dissestes, e como Eu o creio, como podem ser perfeitas as suas obras?
= As obras dos homens não podem ser perfeitas, podem porém aproxima[r]-
-se a um grau de perfeição, conforme os materiais, que se empregam no seu
polimento: aplicando esta proposição, absolutamente verdadeira, ao nosso
caso, nós a vamos mostrar a Vossa Alteza com a maior evidência. A Obra da
Regeneração do Mundo empreendeu-se de diferentes modos, e em diversos
tempos; destronizaram-se Reis, para outros Reis subirem ao Trono; prostra-
ram-se Tronos, para se formarem Repúblicas; Repúblicas, para se arvorarem
em Reinos; e em suma, até houve quem preferisse um Tirano, um Estrangeiro,
a um Rei Monárquico, e da Nação! Vítimas sem conto foram sacrificadas
a estas alternativas; e bem depressa ficaria o Mundo um deserto, se o Céu,
compadecido das desgraças humanas, lhe não enviasse a santa paz, e os meios
de a gozar tranquilamente. O despotismo, e a opressão, estes monstros, que
tanto encantam os corações dos malvados, fazendo-lhes conceber o resto dos
homens como seus escravos, tinham (e quem sabe se ainda têm) por toda
a parte inumeráveis satélites, tinham mais, tinham até majestosos altares:
cumpria derribá-los; e para este fim devia o homem a todo custo recobrar a
liberdade, que a natureza lhe deu, conservá-la nos seus limites, e arrombar
as cadeias, que o algemavam: conseguido este passo dificultoso, tudo estava
concluído; estava o Mundo Regenerado, feliz, e ditoso.
Por diferentes modos se desataram estas cadeias, mas tinham todos
por objeto a mesma coisa, isto é, indagar de onde tinha dimanado o poder
aos Reis: conheceu-se que do Povo: por que motivo havia então o Povo ser
escravo? O Povo jurou na formação da Monarquia conservar de per si, e
por seus vindouros uma só, uma única Dinastia... Ó Sagrado juramento;
seja degradado da classe humana, quem o trair, quem religiosamente o
não observar! Mas jurou porventura ser sempre regulado, pelas leis então
formadas, e existentes? Limitou o Rei a alguns princípios, por que os devia
reger, quando em suas Augustas Mãos, lhe depositou o seu poder? Não por
certo, nem era possível: tudo cede ao tempo, e tudo de tempo em tempo

87
precisa sofrer alteração, ser modificado, e conformar-se com as circunstân-
cias. Eis os princípios de que partiram os Regeneradores do Mundo; tais
foram as suas vistas, tais os seus projetos! Governem os Reis, sucedam uns
aos outros, todos da mesma Família, em cada uma das Nações, porque a
Família dos Reis não é só a mais Ilustre; mas até é sempre a mais amada, a
mais querida do Povo; mas este Rei tenha perante si um Código, que lhe taxe
os seus direitos, e os direitos dos seus súditos: este Código seja formado por
um Congresso Nacional de todas as classes de Cidadãos: ali Procuradores
legalmente autorizados requeiram os seus direitos, reclamem o adiantamento,
e progresso da Indústria, da Agricultura, e de todos os ramos, que formam
o brilhantismo da sua Nação: emendem as leis, revoguem umas, façam
outras, seja tudo discutido com prudência, e sabedoria: a administração da
Justiça seja um objeto de primeira ordem, não escapem as mais pequenas
Administrações públicas, onde sempre gira mais a perversidade; e de sorte
alguma sucumbam suas opiniões ao poder da força armada, ou do respeito
pessoal dos Grandes, ou dos interesseiros: feito assim este majestoso Código
seja-o então apresentado ao Rei, examine-o; e instruído plenamente de que
aquela é a vontade geral de todos os seus súditos, assine-o, regule-se depois
sem discrepância pelo que ali está escrito; eis o Rei tornado quase um Deus,
eis a Obra dos homens elevada ao maior auge de perfeição de que os homens
são suscetíveis.
Foi deste modo, Príncipe Excelso, que se conseguiu a Regeneração Política
de uma grande parte da Europa escravizada, e os Portugueses, cujo caráter
honrado, e firme, os eleva acima de todos os Heróis do Mundo, foram por
muito tempo espectadores de cenas tão encantadoras, e enquanto os outros
Povos começaram a gozar os mimos que o Céu lhes enviara com a sua reforma,
gemiam carregados de pesados ferros: órfãos, e miseráveis caminhavam a
passos largos para o precipício, e estavam próximos à sua total ruína; porém
graças aos Céus!... Um grito só basta a acordar os Portugueses do letargo:
em toda a Europa este perigoso grito custou sangue, custou vítimas; mas
em Portugal (apesar de muitos inimigos que Vossa Alteza ainda tem) custou
somente abraços, prazer, e contentamento. A perversidade expirou, o despo-
tismo caiu por terra, e a insolência desapareceu dentre nós! Um Governo
Interino, e Supremo começa a dar acertadas providências; tudo prospera;
já todos estão satisfeitos: o Congresso Nacional coroará em breve tantas
fadigas, tantos esforços, e o Heroísmo dos Benfeitores da Pátria, que tanto
se distinguiu em empresa de tanta importância!

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Temos com toda a franqueza, e respeito, exposto a Vossa Alteza os
nossos sentimentos patrióticos: a grande Obra da Regeneração do Mundo
chegou a Portugal, está em seu princípio; mas são tão formidáveis os seus
alicerces, que é impossível não se concluir com toda a solidez, e segurança.
Os Reis, Senhor, como já disse, são homens, são sujeitos a todas as leis,
que o Autor Supremo do Mundo lhes prescreveu ao formá-los, e segundo
os movimentos regulares da natureza, é de crer, que Vossa Alteza um dia
subirá ao Trono dos Lusitanos; praza ao Céu que tarde se verifique este movi-
mento; conserve por muitos anos o Deus todo Poderoso a Preciosa Vida do
Augusto Pai de Vossa Alteza; mas enfim o golpe fatal é indispensável, trará
aos Bons Portugueses penas acerbas, lágrimas sem conto, e uma saudade
eterna; porém será uma saudade modificada com a doce lembrança de que
vai subir ao Trono, e empunhar o cetro Lusitano, o Augusto Filho de JOÃO
VI, o Preclaríssimo Neto de MARIA I, que tanto se distinguiram pelos raros,
e extraordinários acontecimentos dos seus Reinados: nessa época já então
Portugal gozará os incalculáveis bens, que lhe promete a heroica resolução
dos honrados Portuenses, seguida, e apoiada imediatamente por todos os
Portugueses honrados, amigos da Religião, e do Bem da Pátria; não terá
então Vossa Alteza ao seu lado nem vis aduladores, nem pérfidos; somente
a sábia Constituição que o Congresso Nacional vai formar, será o Nome de
Vossa Alteza, será o Nome do Povo Português: então, Senhor, este Povo de
Heróis será feliz, respeitará com submissão a Sagrada Pessoa de Vossa Alteza,
e o Céu agradecido ao nosso portamento, fará que os campos, que outrora
produziam espinhos comecem espontaneamente a encherem-se de flores, e em
suma cobraremos a nossa antiga, e perdida glória: reconhecerá então Vossa
Alteza as lamentáveis circunstâncias, em que se achava a Pátria de tantos
sublimes Heróis, cujos nomes em todo o Mundo serão eternos; reconhecerá
então Vossa Alteza quais foram os ferros que se esmagaram; até aonde tinha
subido a Prepotência, e o Despotismo; reconhecerá finalmente a que estado
de humilhação os Portugueses, que foram terror do Mundo, chegaram, o que
sofreram, e o que valem!
Nós bem pudéramos, Senhor Excelso, em um tão Faustosíssimo, e
Memorável Dia, tecer um devido Elogio às Altas Qualidades de Vossa Alteza,
e ou em pomposa locução, ou em metro Altissonante expormos ao Mundo
as Grandes Virtudes de Vossa Alteza, e aos Portugueses quanto devem
esperar dum Príncipe tão Magnânimo, e Famoso; podê-lo-íamos fazer sem
temer sermos aduladores, por isso mesmo que nem o Mundo, nem Portugal
ignoram os Incomparáveis Predicados, de que Vossa Alteza é ornado! Uma

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tarefa tal seria pois inútil, e estamos persuadidos que nas sucintas verdades,
que temos, cheios de respeito, expandido, reconhecerá Vossa Alteza, que os
nossos desejos consistem só em ver sustentada a Glória da nossa Nação, e
vermos estreitamente unido com o seu Povo o Rei dos Lusitanos.
Ouça o Céu as nossas vozes, e as unânimes preces de uma Nação, grande
em sentimentos, e fiel em seus princípios… Ah! Senhor, corra a fazer feliz o
Seu Povo, que tanto o adora. Ah! Se de hoje a um ano temos a ventura de
possuir entre nós a Sagrada Pessoa de Vossa Alteza, seremos completamente
ditosos; Vossa Alteza, e uma sábia Constituição farão a mais permanente
felicidade do Povo Lusitano.
Deus guarde a Vossa Alteza tantos anos, quantos desejamos.
Lisboa 12 de Outubro de 1820.
O Patriota.

LISBOA:
Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira. 1820.
__________________________________________________________

Com licença da Commissão de Censura.

90
2

CARTA
DO COMPADRE DE BELÉM
AO REDACTOR
DO
ASTRO DA LUSITANIA

DADA À LUZ
PELO COMPADRE DE LISBOA

_______________________
Os meninos innocentes
escaparam a Herodes.
Sarrabal Saloio pagin. 780
_______________________

LISBOA:
NA OFFIC. DE ANTONIO RODRIGUES CALHARDO [sic]
Impressor do Conselho de Guerra.
Com licença da Commissaõ de Censura

________
1820

__________________

Desta edição existe reimpressão da Real Typographia do Rio de Janeiro feita em 1821.

91
Senhor Compadre

Ainda que eu era pouco inclinado a ver os Periódicos, que hoje se publi-
cam, desenganei-me de que é necessário dar-me a esse trabalho; porque quero
ser Deputado nas Cortes, e dizem-me que para isso convém muito ganhar
reputação de homem literato. Assentei (e foi lembrança minha) que se me
fizesse Autor, seria ouro sobre azul; porque um homem Autor, ainda que
seja de um anúncio de Armazém de fato para vender, fica desde logo com
sua reputação estabelecida, e com direito indisputável para censurar tudo o
que se diz, e o que se faz; e não lhe posso encobrir que a minha balda é essa.
Faça-me pois o obséquio de mandar imprimir esta Carta, a qual eu remeteria
ao Redator do Astro da Lusitânia se não visse no fim do Número 16 dele, que
esse Senhor tem tanta desta mercadoria, que já falta armazém para arrumá-la.
Grande vontade era a minha de fazer também um Periódico, porque no
meu conceito não se pode escrever uma obra, nem mais útil, nem que dê maior
nome; como isto porém excede muito as minhas forças, seguirei o exemplo
dos Santos Padres, que não se achando com barbas para fazer Evangelhos,
escreviam homilias sobre eles. Talvez algum chame a isto impostura, mas isso
é o que eu desejo, porque o que quero é passar por um homem de impor-
tância; e pelo que me dizem, este é o caminho mais breve para o conseguir.
Saiba pois Vossa mercê que eu sou para a sua pessoa um reverente criado,
mas para o resto do mundo um

Impostor Verdadeiro.

Belém 12 de Dezembro de 1820.

P. S.
A minha gota impede-me de ser eu o portador;
mas espero que Vossa mercê não se descuide,
porque tenho apetite de ver já o meu
nome correr por esse mundo.

92
Senhor Redator do Astro da Lusitânia

Antes de eu ler o seu Periódico, assentava que para ser um verdadeiro


Patriota Constitucional, amante como sou da minha querida Pátria, e defensor
da justa causa em que ela se acha tão felizmente empenhada, eu devia pela
minha parte manter a união dos Cidadãos com o Governo, por me parecer
que ela nunca foi mais necessária. Também julgava que o meu primeiro dever
era respeitar esse Governo, e concorrer para que todos o respeitem; porque
não pode haver confiança no que se despreza. Entendia mais que eu devia
olhar aqueles que o compõem como homens, que estão servindo a Nação,
que foram escolhidos por ela, que a representam, que têm procurado o seu
verdadeiro bem, e trabalhado tão corajosamente para o conseguir. Assentava
finalmente em que era possível; e até fácil interpor com alguma segurança,
juízo sobre aquilo, que o Governo faz, porque se vê a razão por que o faz,
as relações que têm as medidas por ele adotadas com o sistema Geral da
Administração, e o bem, ou o mal que daqui pode resultar aos diferentes
ramos dela; julgar porém do que o Governo não faz, sem saber por que o
não faz, parecia-me arriscado.
O que sobretudo eu reputava objeto de grande consideração para se
tratar já, eram as reformas nas pessoas, e nas coisas. Que elas devem fazer-
-se, é para mim um artigo de fé; e creio que em Portugal não haverá homem
tão falto de juízo, que se persuada de que os bens públicos hão de continuar
a ser dados, possuídos, e administrados a título de meras contemplações,
filhas de superstição do orgulho, e da ignorância – Que a Agricultura há de
continuar a ser oprimida com o peso dos direitos, tributos, e regalias, que só
servem de manter no ócio, e quase sempre no crime aquele a que as desfruta,
e goza com ofensa da razão, e dos direitos que o homem adquire na socie-
dade. – Que os Lugares da Magistratura, e os Ofícios da Justiça, e Fazenda, e
geralmente todos os cargos, e ocupações públicas hão de ser por uma espécie
de Lei consuetudinária entregues a homens, que os não sabem desempenhar,
e que não há de acabar por uma vez este desgraçado sistema dos afilhados, e
protegidos, os quais até agora têm feito de algumas administrações públicas,
ou um covil de ladrões, ou uma cavalharice de bestas, e não poucas vezes
ambas as coisas ao mesmo tempo.
Tudo isto, meu amigo, penso eu que não haverá alguém que o não
espere, ou que não julgue preciso, e absolutamente indispensável, tocar em
todos os objetos, extinguindo umas coisas, e reformando outras mais ou
menos, porque em todas ou há abusos, ou uma impossibilidade absoluta
de continuarem a existir, dado um sistema constitucional; e até seria delírio

93
acreditar que uma Nação entrasse em um movimento político de tal ordem
para conservar instituições, que não existem em parte alguma do mundo
que se governa pelo bom senso, e que por experiência própria de Séculos de
desgraças, a levaram ao último apuro de sofrimento.
Todavia eu julgava que esta reforma não podia fazer-se em um objeto só,
e que era essencialmente preciso que o sistema todo fosse ao fogo, à bigorna,
e à lima. Parecia-me por isso que seria o maior dos erros entender já, e sem
mais ver livros, como se costuma dizer, por exemplo, com dízimos, com
direitos territoriais, e outros artigos desta importância, que fazem a única
sustentação de muitos milhares de homens em Portugal, e aos quais será
necessário proporcionar outros meios de viver: não falando nas compensa-
ções, e contemplações que é preciso ter com os direitos adquiridos – Eis aqui,
dizia eu, uma obra digna, e só própria das Cortes. A Nação é interessada
com efeito nestes melhoramentos; deve fazê-los, porque é impossível deixar
de os fazer; mas a Nação é o composto de milhões de indivíduos; se o todo
ganha, muitos em particular perdem; e posto que devam perder, a Justiça, e
a Política exige que tudo isso seja o resultado de uma acertada combinação
do interesse geral com o interesse individual; porque aquele não pode existir
nunca sem este: bem do todo, dizia o Cura da minha terra, é a soma do bem
de cada um.
Tais eram as minhas ideias com que fui criado, e a que me aferrei sempre:
muito mais porque ouvia aos outros o mesmo, com pouca diferença; ideias
que eu supunha próprias, e até praticáveis em estado de revolução: e como
Vossa mercê não gozava ainda então de nome algum entre os Sábios da
Nação, nunca me lembrei de o ir consultar, e por isso continuava no mesmo
fanatismo político. Hoje porém já sou outro homem.
Vossa mercê apareceu de repente em Lisboa a escrever, e depois de certo
dia, em que disse maravilhas, ninguém mais pôde resistir-lhe. De mim o digo
– Estou convertido! O seu Periódico, meu amigo, abriu-me os olhos, e fez-me
convencer de que neste jogo de Governo Vossa mercê é o único, que tem dado
no vinte. Com efeito Vossa mercê vai sempre dizendo o que entende, dê aonde
der: contanto que lhe pareça a favor do público, pouco lhe importa mais.
Como bom Redator, e com grandes conhecimentos de Economia Política, diz
Vossa mercê o que se deve fazer para bem da Nação, e deixa com muita razão
ao Governo a execução, que na verdade é bagatela, porque todo o trabalho
está na invenção do alvitre, e o merecimento na publicação dele. Em não se
perdendo tempo tudo o mais aparece feito tão bem, e tão depressa como
botão de chumbo em folha de cobre.

94
Quanto leio de Vossa mercê tem-me encantado: mas o que sobretudo me
maravilhou, foi aquele artigo que Vossa mercê escreveu no seu Número 13
debaixo do título Tempo Perdido. Só esta epígrafe vale um Periódico!! Diz.
Vossa mercê, e com muita razão, que nada fizemos ainda senão gritar viva
El-Rei, Excelência e eu digo o mesmo, porque se nós temos dado naquela
coisa dos Catecismos, de que Vossa mercê se lembra aí tínhamos conhecida
logo teoricamente em todo o Reino, a natureza do Sistema Constitucional;
e o povo ficava imediatamente a morrer por essas coisas: e sem Catecismos
bem se vê que ele não tem entusiasmo nenhum pela causa da Pátria.
Como nós nunca podemos ser Portugueses somente, porque houve
tempo em que tudo era Inglês; e aquele em tudo era Francês, sucedeu agora
outro em que tudo é Espanhol, (que já vai tendo seus laivos de Napolitano)
diz Vossa mercê uma verdade tamanha como umas casas, quando afirma que
temos perdido um tempo precioso em não se fazer o que lá se fazia: quero
dizer na Espanha.
Por exemplo: os Párocos lá explicavam uma Constituição feita, e jurada
por El-Rei, os nossos cá devem explicar uma Constituição que ainda não se
fez, e que o Soberano ainda não jurou(1); mas isso é o mesmo; ou feita, ou por
fazer tudo é Constituição: em todas há as mesmas ideias, e princípios gerais; a

1
Chegam do Rio notícias de que El-Rei aprovará a convocação das Cortes chamadas pela
medida velha. Diz-se mais que Ele manda ir ao Brasil o resultado destas Cortes para o
aprovar se parecer; e que vendo então a altura, que isto vai tomando, virá Ele, ou coisa
sua para estar entre nós. Perdoa aos do Porto; repreende os ex-Governadores, e faz
outras Mercês pelos quais os agraciados têm direito à honra de beijar-lhe a Mão. – É
certo que Ele respondeu agora pelo mesmo caso, porque de cá se lhe fez a pergunta em
10 de Setembro, e portanto quando lá chegarem as outras perguntas, que se lhe fizeram
depois do primeiro de Outubro, é muito de presumir lhe mereçam que Ele responda de
outro modo, e não lhe pareça mal o que temos feito, antes o aprove: já se sabe, aquilo
que somente d’Ele depender porque o mais não precisa. Se não quiser... Eu sei!... Sem-
pre me pareceu mais difícil contentar a quem quer, do que a quem não quer – Hoje é
inútil perfeitamente andar com estes rodeios, e histórias da carochinha, com que nos
costumavam adormecer nossas Avós – Tenho ouvido em toda a parte, que nós havemos
de ter uma Constituição, e um Monarca Constitucional, porque o queremos ter, porque
é necessário, e indispensável em nossa situação política, e porque ninguém tem direi-
to, nem autoridade para o impedir. O que me parece sem dúvida é que toda a Nação
está deliberada a acabar antes, e a sepultar-se debaixo das suas ruínas, do que deixar
incompleta esta grande obra, que tem começado. A Constituição não existe certamente
ainda nem de Direito, nem de fato, mas existe já traçada, e concebida nos corações, e
nas esperanças de todos os bons Portugueses, e os seus legítimos Representantes vão
levantar sem demora este monumento eterno, e para sempre glorioso da sua bem me-
recida felicidade. Portugueses! Alerta?... Tremam os maus...!
Nota do Compadre de Lisboa

95
mesma base; todas são a mesma coisa, porque todas são semelhantes – Dois
ovos têm os mesmos princípios, a mesma base, e parecem-se perfeitamente um
com o outro; bem que um saísse já da pata que o pôs, e outro esteja dentro
da pata e talvez do pato.
Lá, quero dizer, na Espanha, a Nação sabia já o Governo que tinha; cá
sabe só o que deseja, mas de possuir a desejar não há diferença nenhuma; e
portanto devemos cá fazer outro tanto, porque, caso negado sobrevenham
embaraços, as ideias liberais tudo aplainam – Em havendo Catecismos, meu
Amigo, fica tudo corrente. Catecismos, e mais Catecismos, e deixe gritar os
descontentes.
A ideia das Associações, ou Juntas Patrióticas é divina. Se nos dermos
mal com elas, faremos o mesmo que os Espanhóis fizeram: proíbem-se, e
com isso se acaba tudo. Mas se de[r] certo cá não há de suceder o mesmo,
porque os espíritos estão em perfeito sossego; todos têm ideias do bem; todos
o querem, e todos o praticam; lá não era assim. Como se achavam marcados
os destinos políticos da Nação, era perigoso consentir em ajustamentos, que
o mistério pode desviar do caminho da razão, sendo por isso impossível que
nas trevas se buscasse minar o edifício social; cá não devemos recear o mesmo
dano – Não há destino nenhum marcado ainda não há portanto receio de
que ele seja alterado: quando o houvesse os Catecismos aplainavam tudo;
eu lho protesto.
A lembrança que Vossa mercê sugere dos Dramas fartos de ideias liberais
para se representarem nos nossos Teatros; é com efeito a melhor coisa, que
podia adotar-se agora; e o Governo tem feito um mal infinito em não abraçar
já este seu conselho. Incertos do que Deus tem determinado sobre nossa futura
situação política, ignorando perfeitamente o que seremos, mas dizendo-se,
e desejando-se que vivamos sujeitos a um Monarca, e que a sua Pessoa será
agora ainda mais sagrada, se é possível, para o respeito de seus Vassalos,
nada é tão capaz de radicar no povo estas ideias, do que a representação de
fatos históricos, em que se levam às nuvens os heróis, que assassinam Reis,
ou que os detestam, e que pintam, e defendem como melhor dos Governos
o Governo Republicano. Isto Senhor Redator do Astro da Lusitânia é que
se chama saber conduzir a opinião pública para o bem, e para a felicidade
geral. Que as magníficas ideias de Soberania, e de Constituição Monárquica!
Catecismos para os homens do campo, e Dramas Liberais para os das Cidades,
e verá aonde isto vai dar consigo.
Sou perfeitamente da sua opinião sobre o tempo perdido. Estes
Governadores, meu Amigo, não têm feito nada – Os povos não sabem com
efeito pela prática o bem que lhes resulta na nova ordem de coisas, e o seu

96
argumento dos habitantes de Alcobaça, e de Tomar, dos campos de Coimbra,
e outros, não tem resposta. A que propósito em verdade, devem estes desgra-
çados estar pagando ainda direitos dominicais das terras que lavram? Que nos
importa que tais direitos fossem adquiridos por títulos capazes de transferir
domínio, e prosperidade [propriedade?], e o direito da prosperidade [proprie-
dade?] seja a base do edifício social? Essa base era do edifício velho, e nós
queremos um edifício novo inteiramente – Liberdade e mais liberdade em
falar, em escrever, e em obrar: esta é a verdadeira base dada pela natureza,
e nós voltamos ao estado da natureza: ao menos eu nesse estado vejo muita
gente – Semear um, e outro colher é abuso, e um quanto mais velho é, mais
necessidade há de o emendar – Lavre cada um terras à sua vontade, apanhe
os frutos que tiver, e os Senhorios que vão à tábua – Como querem eles ter
parte no suor alheio? Senhorio em país Constitucional? É forte asneira!!! Isso
é Direito Feudal, como Vossa mercê lhe chama, apesar de que em Portugal
nunca houve Direito Feudal; mas isso não importa. Vossa mercê diz que é
Direito Feudal, e eu também por tal o batizo, e esconjuro, e arrenego. E para
que existe ele ainda? Bem diz Vossa mercê: tempo perdido.
Quanto me regalei, meu amigo, quando vi aquela sua lembrança dos
pescadores da Pederneira! Há maior desumanidade do que terem estes desgra-
çados a obrigação de repartirem com os Rendeiros o peixe, que pescam? Já
que arriscam a sua vida, pesquem só para si. O que paga o peixe é dízimo
aplicado à sustentação dos Ministros do Altar, e estes podem passar sem
isso. Na Doutrina Cristã nunca me ensinaram que seja artigo de Fé comerem
eles: fica portanto meramente disciplinar, que se pode alterar; quando nós
quisermos. Além de que o Concílio de Trento permitiu ordenarem-se Clérigos
com patrimônio, e aí está remediado tudo. Um patrimônio é um capital que
dá 205 réis de renda; e se um homem pode passar com menos, como eu já
ouvi, melhor poderá com tanto dinheiro; e mais agora que já usamos Casacas
Constitucionais, por aquela célebre mania de queremos favorecer as nossas
fábricas, e guardar o nosso dinheiro.
Paga-se mais do peixe a Sisa chamada vulgarmente das correntes, e isto
de Sisas é a maior tolice em que podiam dar os nossos antigos – Costumam
os povos aplicá-las para inteirar o cabeção, que é d’El-Rei por contrato; mas
Vossa mercê bem sabe que El-Rei é muito rico, e não precisa destas ninharias.
Os sobejos são para pagar partidos de Médicos, Cirurgiões, Boticários, despe-
sas de Enjeitados, e às vezes de pontes, fontes, calçadas, casas de Câmara, de
Cadeia, e outras; mas tudo isto é frioleira; são bagatelas de pouco momento;
não vale a pena de se despender real nelas; e o Governo uma vez que não tem

97
deitado abaixo até agora aqueles rendimentos, que lhes são aplicados, não
tem feito nada – Bem diz Vossa mercê: tempo perdido.
Aquela sentença com que Vossa mercê acaba este seu artigo o Tempo
Perdido, é golpe de mestre. Há coisa mais bem aproveitada! Cesar, e Clovis
para provar o tempo perdido! O certo é que os seus discursos não podem
deixar de ser conhecidos pela grande erudição, que neles desenvolve: vejam
aonde foi buscar tão linda semelhança!! Um dia hei de ir a sua casa dizer-lhe
ao ouvido o juízo, que do seu Periódico se forma nos países Estrangeiros; e
não lho digo diante de tanta gente para que não me chamem lisonjeiro.
Bem haja, meu rico amigo, por aquela surra que tem dado nos Bispos!
Eles merecem-na; porque se não for pelo que Vossa mercê diz, será por outra
cousa. E mal sabe Vossa mercê o bom efeito, que tem produzido no público
aquele título debaixo do qual os atacou no seu Número 12 – Silêncio intem-
pestivo! Com efeito é linda coisa! Silêncio antes, ou depois do tempo! Ora
confesse-me Vossa mercê a verdade, e diga-me se eu adivinhei. Há poucos dias
tive uma teima com um sujeito, o qual chamava a isto impostura, pretendendo
que Vossa mercê usava desta inocente malícia para desafiar a curiosidade, e
apetite dos fregueses, como letreiro em garrafa de licor; por exemplo, Azeite
de Vênus, Leite de Amor, Tortulhos de Buonaparte, etc. etc.; mas eu dizia
que não, por me persuadir que Vossa mercê, como homem bem arranjado,
usa destas marcas para saber a qualidade de fazenda, que arruma debaixo
delas; porque é muita; e já lhe custa a achá-la quando a busca. E o saírem
tão sentenciosas as lembranças, é coisa de seu gênio, que não pode escrever
nada que não seja com infinita graça, e propriedade.
Mas falemos dos Bispos – Eu tinha já reparado neste silêncio deles, porém
dava-lhes minha desculpa – Eis aqui como eu falava com Deus, e comigo. Estes
Senhores são meninos, como costumam dizer, foram Lentes da Universidade, e
já se vê que [não] estudaram para tolos. No tempo dos Franceses souberam que
entrava em Lisboa um Exército invasor, faminto, nu, um Exército capitaneado
por Chefes sedentos de riquezas, que lançavam logo mão da propriedade da
Nação, e até da de muitos particulares: viram ocupados os primeiros Lugares
da Administração Pública por homens adidos a esse Exército, que entraram na
fruição dos ordenados correspondentes, aumentando-os quanto eles podiam
crescer. Viram a Casa de Bragança caída do Trono, privados os Portugueses
do seu legítimo Soberano, e tratados como habitantes de país conquistado,
sendo única Lei a vontade de quem os dominava, e oprimia.
O povo sofrendo mal o peso do jugo tão enorme, queria sacudi-lo; mas
não podendo conseguir, também não podia sufocar a demonstração de seus
desejos, e por isso aqui mostrava por fatos a sua má vontade; acolá por ditos:

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era um fuzilado, preso o outro; este tirado do Lugar, aquele mandado para a
França. – Em tal calamidade os Bispos foram o que deviam ser; isto é, verda-
deiros Pastores – Animaram as suas ovelhas, falaram-lhes, persuadiram-nas a
estarem sossegadas, e a sofrerem com paciência; mostraram-lhes a necessidade
da obediência, e a legitimidade dela – Se outra coisa fizessem faltavam ao seu
ministério, e até aos deveres da sua própria conservação.
No caso em que estamos, continuava eu com Deus, e comigo, a coisa
muda de figura: entrou sim um Exército em Lisboa, mas Exército Nacional,
disciplinado, bem vestido, farto, bem pago, comandado por Cabos, a quem
só conduziu o amor a sua Pátria, e o bem dela; e conservou-se a paz, fez-se
respeitar a Lei, e a Ordem.
Um novo Governo sucedeu, é verdade, mas foi para manter, e sustentar
no Trono o legítimo Soberano: e os Lugares foram ocupados por quem não
tira deles um ceitil de interesse – Outro Governo deve suceder; a propriedade
continuará a ser sagrada, e a Lei a regra única das ações dos Portugueses.
Os Bispos testemunhas destes fatos, sabendo que a vontade da maioria da
Nação é a favor da mudança; que o povo está contente, sossegado, e esperando
com alegria o venturoso futuro, que se lhes apresenta; vendo enfim respeitada
a Religião, e os seus Ministros, que necessidade tem, dizia eu, de fazer o que
fizeram no tempo dos Franceses? Seria uma inconsequência se o fizessem.
É verdade que Vossa mercê discorre melhor do que eu; porque quer nos
Bispos entusiasmo, e que a Religião ajude a Polícia: entretanto lá me parece
que é querer muito – Vossa mercê vivia sabe Deus onde, e como, porque eu
decerto o não sei: ninguém falava no seu nome, e, quando figurasse muito,
figurava por lá, hoje figura por cá: é senhor Redator, ganha em um mês o que
provavelmente não ganhava antes em meia dúzia deles; adquiriu o direito de
falar de quem quer, de meter a faquinha naqueles cães, que lha pregaram lá
na sua terra, escreve em Política, e vai-se preparando para ser um homem lá
por aí além. Eis aqui o que Vossa mercê tem tirado da nova ordem de coisas,
não falando nos seus elevados projetos, de que só Vossa mercê pode informar-
-nos, bem que não devam ser triviais; porque Vossa mercê como parente de
Faetonte (porque usa das armas da família) não há de desejar coisas pequenas.
Os Bispos tendo as rendas da Mitra, como borracha ao pé do fogo,
ouvindo as lamentações dos Cônegos, os Beneficiados, vendo as caras dos
Gerais, e Provinciais das Monásticas, e Regulares; sabendo destas faustíssimas,
e lisonjeiras Profecias, que Vossa mercê faz a todos eles no seu Jornal, e muito
agradados do respeito com que Vossa mercê os trata, poderão acaso ter a
mesma vontade de elogiar, e de pregar a favor da nossa revolução? Mas Vossa
mercê sabe o que diz, e eu não – Vossa mercê quer que os homens mudem

99
a natureza, e que falhe, pela primeira vez, o Evangelho Português – de dizer
cada um da Festa como lhe vai nela – Vossa mercê é consumado Político, e
eu sou um pateta, e não deixarei já de o ser.
Não posso deixar de admirar aquele sangue frio com que Vossa mercê
no seu Número 16 conta que se portou em um Café na ocasião em que ouvia
censurar o seu Periódico – Poucas pessoas teriam o mesmo bojo de se calar, e
guardariam, como Vossa mercê guardou, o seu despique para o papel, e tinta;
mas Vossa mercê é um homem Literato, e é demais um Escritor, e estes a não
pegarem na pena ficam sempre mal: excetuando o nosso Camões, e outros,
que também puxavam pela espada, mas esses hoje são heróis de Fábula.
A diferença que Vossa mercê faz do Direito à Moral para convencer o
Governo de que ele deve fazer alguma coisa, e não estar, como até agora, com
as mãos debaixo do braço vendo pernear o doente, é a coisa mais engenhosa,
que pode haver. E aquelas alegorias, ou como lhe chamam, de Procuradores,
e de Comitentes, ou Constituintes é argumento de meter os tampos dentro;
porque lhe digo em verdade que ainda que queiram, não lhe respondem.
Mas não há remédio senão desviar-me agora um pouco das suas opi-
niões. Se Vossa mercê fosse Advogado não cairia em confessar coisa que
pode interessar ao adversário do seu cliente. Atacar o Governo por não fazer
nada, e referir algumas coisas que ele faz, Meu amigo, todos nós caímos,
por mais espertos que sejamos! E para que não torne a acontecer-lhe outra,
ou ao menos para que saiba como há de haver-se, quando a coisa for tão
pública que a não possa negar, aqui lhe direi o que entendo, na matéria. A
grande regra é fazer sempre jogo ainda que seja em retirada. Como Vossa
mercê não é Militar, vou explicar-lhe o Regulamento.
Fala Vossa mercê por exemplo da Intendência Geral da Polícia: Ainda
que ela hoje não seja senão vigia contra os maus, e a protetora do Cidadão
pacífico e honrado, que já pode passear e dormir sossegado na certeza de
que sem crime não será preso, e menos em segredo; Vossa mercê ou negue os
fatos, ou no lugar disso diga, mudou-se um homem, e tudo o mais ficou. Os
mesmos beleguins, os mesmos estabelecimentos, o mesmo tudo; até as mesmas
lamas, os mesmos candeeiros, e a mesma Casa Pia; portanto farelório, pelas.
Outro tanto responderá Vossa mercê ao estabelecimento da Comissão do
Terreiro, da Comissão do Correio, da Junta da Saúde, das Obras Militares,
da Liquidação da Dívida Pública, da Comissão Militar, e da do Erário. Tudo
isto é de pouca ou nenhuma importância, porque são coisas que ou hão de
fazer mal, ou de que não podem resultar bens; porém se os houver serão tão
demorados, que não valem a pena de se considerarem ou estimarem, e menos
de se esperar por eles. São sapatos de defunto, meu Amigo, ou pelo menos

100
oliveira de caroço, que só dá azeite no fim da primeira geração. Também sou
da opinião daqueles que querem que as medidas do Governo sejam como as
pargas, e os vomitórios, que para serem bons, devem obrar logo; de outro
modo o doente está em perigo.
É verdade que no princípio deste Governo havia no Erário pouco mais de
cinquenta mil cruzados; e muitos Soldados (e talvez alguns Oficiais!) pediam
esmola, porque o Estado devia grande parte do Exército sete meses; tudo isso
se pagou, tem-se continuado a pagar, e até a dar-se-lhe pão, carne, e vinho
sem se fazerem embargos ou vexações: tem-se continuado as outras despesas
públicas, pelo menos, também como dantes; e no Erário havia no fim de
Novembro, isto é, dois meses depois, muito mais de um milhão de cruzados,
sem se ter pedido um só real de empréstimo a toda a Nação. – Mas apesar de
tudo isto ser público, e visto por todos, diga Vossa mercê ou que tal não há,
ou que o Governo não tem nisso merecimento nenhum, porque tudo é filho
do acaso; e que finalmente aquele Dinheirão, vindo do Rio de Janeiro, foi o
que encheu o Erário, e que deu para todas essas coisas.
É verdade também que em todos os ramos de Administração Pública
tem entrado o espírito de atividade, que resulta da nova ordem das coisas,
apesar da máquina trabalhar ainda com rodas velhas: as partes são ouvidas
sempre que o querem ser: os requerimentos despachados logo: nos informes,
e nas consultas conta-se agora por dias a demora, que antes se contava por
meses: cada um requer, como lhe parece, sem medo, ou receio de se queixar.
A Nação já principiou a eleger seus Representantes, gozando um bem que
nunca possuiu: vai-se reanimando enfim este corpo moribundo, e próximo
a dar o último arranco: mas a cura vai devagar, como é necessário ir, para
poder com mais segurança escapar, e não cair no perigo oposto; e tudo isto
vai-se fazendo em pouco mais de dois meses. – A isso contudo responda
Vossa mercê, que não vê nenhuma dessas coisas; que ainda houve queixar
de Tribunais, Ministros e Escrivães; e que finalmente tudo isso não vale
nada; e quando valesse alguma coisa, não é uma reforma como se precisa, e
dois meses e meio era tempo mais que bastante para reformar até o Império
da Alemanha com o Corpo Germânico e suas aderências, quanto mais um
Reino tão pequeno como Portugal. Se os Governadores não perdessem o
tempo como os nossos têm perdido, estando sempre com as mãos debaixo
do braço, tudo estava já feito.
Ora aqui tem Vossa mercê o que se chama fazer fogo em retirada.
Voltemos atrás.
Vossa mercê continua, no seu número 16, a repisar o caso dos morado-
res de Tomar, e de Coimbra: dos pescadores da Pederneira; das Associações

101
Patrióticas, e dos Dramas Liberais. Nisto faz Vossa mercê muito bem, porque à
força de repetir a mesma coisa eles hão de aprender. – Um Frade era chamado
para pregar todos os anos em uma Festa de Regateiras, e pregava sempre o
mesmo Sermão. A quem lhe notou isso, respondeu ele = enquanto elas o não
souberem de cor não lhes prego outro. = Não digo que Vossa mercê é como o
Frade, nem eu me atreveria a compará-lo em tudo com uma coisa a que Vossa
mercê mostra tão decidida aversão; porém aquela sua comparação de César,
e de Clóvis faz-me também Comparador, e há de perdoar-me se alguma vez
me escapar sem advertir no que faço.
Lembra-se Vossa mercê dos desgraçados Saloios, que vêm à Cidade
vender gêneros, e pagam imposto na entrada. Esta mesma embiradela tive
eu há poucos dias; e quero-lhe contar, como isso foi. – Dizia eu em um café
(porque de vez em quando também visito estes Lausperenes da ociosidade) há
maior insolência do que mandar-me qualquer amigo um presente de vinho,
de fruta, ou de carne, e ser obrigado a pagar direitos? Isto não se pode sofrer!
Para que fizemos nós uma revolução; não foi para sermos livres de todos os
males? E qual será maior do que este?
Meu Senhor, respondeu-me certo devoto que estava tomando um ponche
de aguardente de França (aguardente de França a vender-se publicamente em
Lisboa!!!). Vossa mercê, continuou ele, provavelmente ignora o que há sobre
direitos de entrada, e não sabe, que, levantados eles, o proveito é de certas
classes, e não de todas as classes. É proveito dos Frades, cada um dos quais
tem meia pipa de vinho, livre de direitos para beber. É proveito dos Ministros,
dos Letrados, dos Procuradores, que recebem por mimo dos miseráveis
demandistas das Províncias as canastras de fruta, de presuntos, de paios, e
os barris de vinho, também livres de direitos. É proveito dos Bispos, do Alto
Clero, dos Fidalgos, e dos grandes Negociantes, que para regalo mandavam
vir continuamente estas encomendas, nas quais, já se sabe, entrava disfar-
çado o extravio, porque à sombra do amo metia o criado, para o vizinho
taberneiro, ou dono da casa de pasto, o que era para vender; e finalmente era
proveito dos abastados proprietários, ou donos de quintas nas vizinhanças
da Cidade, que mandavam vir os frutos delas; sendo mui pouco, ou quase
nenhum o proveito que tirava a classe média, que é a mais considerável, e
a mais digna de atenção nestes objetos; e por esse insignificantíssimo bem o
Erário perdia mais de cem mil cruzados anualmente, e Vossa mercê bem sabe
que sem dinheiro a Nau do Estado encalha no seco, e muito mais facilmente
ainda quando as águas são envoltas, e a maré de vendaval.

102
Eis aqui, meu Amigo, o que me respondeu o tal ponchista, que se ausentou
para não ouvir a resposta; aliás não ficava sem ela; porque eu também sou
como Vossa mercê, a tudo tenho que responder, e já se sabe, sempre contra.
Vossa mercê nota muito bem a falta de liberdade de se queimarem
os vinhos, porque neste ano a colheita deles foi excessiva. – É verdade que
nenhuma lei em Portugal proíbe, antes expressamente permite ao Lavrador
o queimar o vinho de sua lavoura, e portanto se o não fizerem este ano será
por não quererem, e não porque não tenham essa liberdade. Também é
verdade, que só nas três Províncias do Norte a Companhia do Douro tem
privilégio das aguardentes, e que nelas mesmas há Fábricas, onde cada um
pode vender o vinho, que tiver da sua lavra, ou do seu comércio, não sendo
de esperar que em tais sítios aparecessem agora, por maiores que fossem as
franquezas concedidas pelo Governo, Negociantes nem mais abonados, nem
mais prontos para pagar este gênero.
Apesar disso eu também sou da sua opinião: a Companhia é uma Hidra,
e deve deitar-se abaixo já; pelo menos deve-se lhe tirar esse privilégio das
Aguardentes, porque assim, quitados os 400 réis da licença do Físico mor do
Reino (a Vossa mercê nada escapa!) fica tudo uma maravilha. Entram logo a
aparecer de repente, e como por encanto, fábricas nas três Províncias: entram
a aparecer ainda mais encantados Negociantes, com grandes fundos, para
fazer grandes estabelecimentos, que possam competir com os da Companhia,
e fazer-lhe sombra, comprando os vinhos, e sofrendo os empates que têm as
aguardentes; e finalmente os Lavradores tendo compradores, que lhes dizem
mais a mim, mais a mim, vendem com a mão na ilharga, e lucram cento por
cento. Veja Vossa mercê que desmazelo em não se ter dado ao Lavrador a
liberdade, que ninguém lhe tira! Bem diz Vossa mercê tempo perdido. Com
duas penadas se fazia a fortuna de Portugal, e entretanto nada: tudo é apatia,
ignorância de princípios econômicos, enfim misérias, como Vossa mercê
costuma tratar (e com muita razão) as Governanças do nosso País.
Quanto ao azeite parece-me também um desmazelo terrível o não dar já
providências sobre ele. É verdade que ele apanha-se ainda, e vai-se fazendo, a
colheita tem de durar; e nas Províncias setentrionais do Reino há de começar
ainda, e portanto mal se pode saber já o que se há de fazer sobre um objeto,
de que não há por ora resultado certo; contudo estou pelo seu voto: tempo
perdido.
Não acho porém (e Vossa mercê perdoará) aquela comparação da Junta
dos cem Médicos, tão boa como a de César, e Clóvis, de que Vossa mercê usou.
Cem Médicos! Santo Deus! Que doente podia ver-se livre de cem Médicos,
quando custa escapar as unhas de um?

103
Mas a falar a verdade parece-me que nisto não tem Vossa mercê tanta
razão como pretende inculcar. Moléstias crônicas, meu Amigo, só matam
quando se pretendem curar com as pressas com que Vossa mercê quer fazer
tudo. É isto o que tenho ouvido aos bons Práticos. Vossa mercê talvez em
Medicina seja mais forte nas teorias; e por isso peço licença para me desviar
agora do seu voto.
A homilia vai-se estendendo muito, e devo acabar. Espero que Vossa
mercê continue com o mesmo entusiasmo, porque a causa da Nação por certo
há de prosperar – O tom que Vossa mercê tomou é o que lhe compete, e o
mais proveitoso. Fale sempre decisivamente em ar de Concílio Ecumênico;
nada de se aviltar à baixeza de provar o que disser; dê os fatos por certos, e
deixe-os chiar: toque com preferência as teclas mais desafinadas para ser o
som mais desagradável: não louve cousa alguma, que se faça; não ache boa
nenhuma medida, nem dos Empregados, nem do governo; ataque este, pelo
que faz, e pelo que não faz; ralhe de tudo, e não se esqueça de suscitar ânimos
de umas classes contra as outras, falando do Clero, e da Nobreza como gente
que não goza nem consideração, nem de direito algum social, e que perdeu
até o de se defender, e para isso o de ser ouvida. Fazendo isto tão lindamente
como o tem feito até agora, eu lhe seguro, meu amigo, que faz um serviço aos
seus compatriotas; porque mantém entre eles a união de que tanto precisam
para acabar com a mais gloriosa das empresas.
Advirto porém que no fim de ter escrito tudo isto, e com aquele desen-
xovalho, clareza, e energia que é própria de um homem de seus grandes
conhecimentos, e reputação literária, e tão perfeitamente seguro, como
Vossa mercê está, de sua conduta civil, moral, e religiosa, grite sempre que
não há liberdade de Imprensa em Portugal; que viver aqui é pior que viver
em Marrocos, que a maldita Censura não deixa passar nada, e que, em uma
palavra, é preciso morrer embruxado.
Falta-me ainda dizer-lhe duas coisinhas. Como este Governo protestou
nada alterar, segundo Vossa mercê muito bem notou, e como pelo que vou
vendo, ainda que ele quisesse, não podia fazer mais do que faz, porque me
dizem que se tem visto atrapalhado para conduzir as coisas até aqui, pelo
maldito sistema da moderação, que adotou para desgraça nossa, querendo que
se observem as Leis existentes, ou, quando se façam outras, sejam com a mesma
regularidade, sem advertir que em todas as revoluções há sempre Leis revolu-
cionárias, próprias só deste estado de coisas, e até agora não vimos nenhuma
delas, com pasmo, e sentimento dos amantes da Pátria; parece-me que com
efeito, o ser preciso fazer antes das Cortes tantas coisas ao mesmo tempo,
como Vossa mercê diz, o tal Governo não é capaz disso, e provavelmente não

104
o será qualquer outro, porque a obra que Vossa mercê encomenda é muita com
efeito; e portanto lembra-me que, se nós pudéssemos arranjar um Governo de
Vapor graduado com o calor que quiséssemos (porque alguns escaldam com
a quentura demasiada) tínhamos conseguido um grande bem para a nossa
Pátria; e bem que só traria de mal, não ser preciso já o seu Periódico, porque
não haveria então já motivo para atacar os que governam. Entretanto sempre
Vossa mercê havia ser necessário para aconselhar o que convinha fazer-se,
segundo os princípios da mais sólida Política, em que estou desenganado, de
Vossa mercê ser um mestre consumado, e tinha Vossa mercê o gosto de ver
tudo feito apenas o concebesse: porque o vapor tem isso; aumenta as forças
pasmosamente – Ora pense Vossa mercê nesta invenção, que me parece não
deixará de agradar-lhe, apesar de não ser coisa sua. Continue Vossa mercê a
fazer Evangelhos; e eu continuarei a fazer homilias; e no entanto sou

De Vossa mercê
muito admirador
O Impostor Verdadeiro.

P.S.
Agora leio a sua história do Livro velho, que vem no seu Número 18;
e achei infinita graça naquela coisa do Portugal acordar gritando reforma,
reforma! Lembrei-me de Lutero, que dizem sonhava, dando os mesmo gritos.
Em paga quero contar-lhe também uma História, que li num Livro novo –
Certo rapaz travesso, posto à janela, dava com uma bexiga cheia de vento na
cabeça de quem passava pela rua – Outros rapazes vizinhos que viram isto,
deram-lhe gargalhada, e mandaram-lhe bolos doces para ele repetir. O rapaz
gostou, e por isso foi batendo mais de rijo, porque assentava que assim teria
mais bolos; mas passou acaso o Ministro do Bairro, que levando na nuca,
voltou e viu um rapagão já taludo a rir-se, e muito desvanecido, e orgulhoso
pelo mal que fazia: pareceu-lhe por isso, que era insensato; mandou-o para
a casa dos orates, e lá passou muitos anos a fazer bolas de água de sabão.

105
1821
3

CARTA
DE
ANDRÉ MAMEDE
AO SEU AMIGO
BRAZ BARNABÉ,
NA QUAL SE EXPLICA O QUE SÃO
CORCUNDAS.

_______________________________________________

....... Stat mundus perdidus: omnes


Esse volunt hodie auctores: prœloque papelem
Jam quicumque dat, et sahat, quidcumque sahibit.1

Pal. Metr.
_______________________________________________

RIO DE JANEIRO. NA TYPOGRAPHIA REGIA


1821.
Com Licença,
1
O mundo está perdido: hoje todos querem ser autores e qualquer um já manda artigos
para impressão, e saia o que sair. N.T.: Latim macarrônico.

109
Senhor BRAZ.

Meu amigo, vossa mercê sabe que eu há anos, não saio do meu retiro, e que
mesmo tinha feito voto, de não voltar mais a Lisboa; porém certos negócios
que tenho a tratar nesta Cidade, e a curiosidade de saber mais de perto as
novidades que à nossa Aldeia, sempre chegam tarde, e desfiguradas, (porque
aí não há nem Gazetas, nem Periódicos, e apenas nos são transmitidas pelo
Almocreve, que de ordinário as conta no largo da Igreja, antes da Missa das
Almas,) me obrigou a quebrar o meu protesto, e ontem depois de me despedir
dos Deuses Penates montei a cavalo na mula do Cirurgião (por sinal não se
podia ela arrastar tão cansadinha estava de acarretar a azeitona para o lagar)
e tomando a estrada que ducit ad urbem,2 aqui cheguei depois das Trindades.
Dirigi-me à estalagem dos Cachimbos onde antigamente costumava
aquartelar-me, arrumei a mula, despi-me (porque vinha ensopado) e depois
de mudar de fato, disse comigo mesmo; agora Senhor André, toca a tratar
de aquecer o estômago.
Hesitei aonde iria satisfazer esta necessidade, lembrando-me que ali no
Rossio ao pé da Casa do Duque havia a Tasca do Abade, encaminhei-me lá
como um raio; mas qual Abade, nem meio Abade, lembrei-me do Clemente,
porém também me disseram que a sua ucharia estava como a maior parte
das nossas Fábricas; isto é, em perfeito ócio, a mesma notícia tive de José
das Postas de saudosa memória; e portanto em último recurso, marchei
para a Pomba de Ouro, que segundo as informações é das melhores Casas
de Pasto de Lisboa.
Subi e o Moço me apresentou a ceia que por uma lista lhe pedi. Estavam
ceando no mesmo quarto meia dúzia de rapazes, que comendo, e bebendo
sofrivelmente, falavam ainda mais. Fizeram seu juízo crítico sobre o mereci-
mento dos Deputados das Cortes, prodigalizaram elogios a este, encolhiam
os ombros quando liam o nome daquele, e ao nome deste outro, exclama-
vam todos, Corcunda! = A respeito de Corcundas, diz um deles, querem
vocês ver uns versos, que hoje me deram; venham gritou toda a Assembleia;
então o rapaz, puxando por um caderno cheio de Trovas, as principiou a
ler com grandes aplausos e gargalhadas dos seus amigos; este é N. diz um =
esse N. dizia outro = oh! Esse é Corcunda há muitos anos, diziam todos =
porém eu que não tinha confiança, com os meus companheiros de ceia, para
esclarecer-me sobre o que aquilo queria dizer, nem conhecia as pessoas por
eles nomeadas, para achar a inteligência da palavra Corcunda, levantei-me,
paguei a ceia, e abalei para a estalagem. Contudo sempre fui pelo caminho,

2
Leva à cidade.

110
fazendo as minhas reflexões, e dizia eu comigo; não há Corcundas senão
por dois princípios; ou por defeitos da natureza, ou por queda. Ora como
as mulheres se arrocham hoje mais do que bestas de carga, pode ser que
todos ou grande parte dos rapazes nasçam defeituosos. Por queda, também
é possível; continuava eu, pois só por milagre essa gente que por aí corre
calçada abaixo, calçada acima, escarranchada num rabão, sobre um selim
mais chato que uma tábua, não andará sempre aos trambolhões. Mas como
eu tinha feito o bico ao sacho, e tinha bebido uma de doze, cheguei à esta-
lagem encaixei-me na cama e adormeci.
Levantei-me esta manhã e fui direito à casa de um amigo que me tem
tratado algumas dependências nesta terra, e depois dos costumados cumpri-
mentos = Ora bem vindo Compadre = vossa mercê não se faz velho = Como
está a senhora Comadre? = O meu afilhado há de estar muito crescido etc.,
etc. Marchamos para casa de um Letrado a quem eu tinha que consultar
sobre os negócios que me trouxeram a esta terra.
Íamos atravessando o Rossio quando o meu amigo disse por entre os
dentes, que Corcunda! Não fiz maior reflexão porque ia pensando na minha
demanda. Ao entrarmos na Rua do Ouro, torna o meu Compadre; irra já
dois Corcundas! Olhei para a direita, e para a esquerda, para trás, e diante, e
não vi senão homens tão direitos como eu. Onde vê vossa mercê Corcundas,
Senhor Compadre? Perguntei então; estarão por aí encafuados por essas lojas?
Ei-lo acolá vai me diz o Compadre, apontando-me para um Clérigo tão teso
que tirando-lhe uma perpendicular da cova do ladrão fazia dois perfeitos
ângulos retos sobre as lajes em que ia marchando. Oh! Deus de misericórdia,
pois aquele Reverendo é Corcunda? É, é Corcundíssimo, me diz o meu amigo.
Então caí em mim, e me recordei dos sarcasmos, e gargalhadas, que tinha
ouvido na véspera com a leitura das trovas sobre os Corcundas; e principiei a
desconfiar que os Corcundas não eram corporais mas espirituais. O meu amigo
e Compadre que percebeu a minha ignorância sobre a genuína interpretação,
e aplicação da tal palavrinha, a homens esbeltos e bem feitos, me disse, pelo
que descubro vossa mercê não sabe a acepção com que se toma a palavra
Corcunda! Corcunda meu amigo quer dizer pela nomenclatura moderna, o
mesmo que homem Anticonstitucional, ou homem satélite do Despotismo;
estes não perdem ocasião, não poupam trabalho algum para desviar a
opinião pública do verdadeiro espírito do bem, são sujeitos sem vergonha,
revolucionários, e pela maior parte criminosos, que temendo o justo castigo
de suas iniquidades, logo que as Cortes principiem a fazer justiça segundo
os merecimentos de cada um, ou receando perderem os cargos em que com
a mais descarada impudência cometem escandalosos roubos; só maquinam,

111
e só procuram malquistar os Representantes da Autoridade Nacional no
conceito do Povo.
Ora como vossa mercê naturalmente ainda se demora nesta Cidade, e
há de concorrer em algumas companhias onde esteja algum destes cágados,
quero ensinar-lhe os sinais característicos, para os conhecer. Por exemplo
fala-se de Deputados de Cortes, se vossa mercê ouvir que Fulano, faz o
elogio do Deputado fulano, exaltando os seus merecimentos literários, os
seus costumes, o seu Patriotismo etc., e notar que algum dos do ajuntamento
responde por meias palavras, isso assim é, mas esse homem apenas sabe
Matemática, faltam-lhe todos os conhecimentos de Direito Público, não tem
ideias nenhumas da Legislação Pátria, e de mais a mais… Enfim lá do seu
caráter não sei nada… Eu nunca tive negócios com ele… Aí tem vossa mercê
um Corcunda. Pois esse homem de quem ele fala é não só um consumado
Matemático, mas tem uma vastíssima instrução, possui as bases fundamentais
de quase todas as Ciências, tem um talento transcendente, e é enfim um zeloso
Patriota, e um homem de uma probidade sem nota, se falando-se de outro
Deputado algum, dando um riso sardônico, e fazendo beicinho, disser sim…
É um Médico. Corcunda no caso. Ainda que vossa mercê não vem há muito
tempo a Lisboa, contudo deve conservar por esta terra antigos conhecidos.
Se algum depois de lhe dar um abraço da mais cordial amizade, depois de
lhe falar dos negócios Públicos com o mais decidido entusiasmo, e mesmo
depois de lhe ter posto nos cornos da Lua, todos os Deputados das Cortes,
todos os Membros da Junta Suprema, todos os Chefes Militares, lhe disser
com uma cara de Monge-Penitente, eu meu amigo só me receio de uma meia
dúzia que foram Setembrizados por… Ora ainda que, destes já houve quem
escrevesse em letra redonda, (com uma caridade verdadeiramente Cristã)
que deviam passear todos em Lisboa, precedidos pela campainha, e painel
da Misericórdia, contudo, tenha vossa mercê logo o seu conhecido, não só
por Corcunda mais por Patife.
Se vossa mercê senhor Compadre entrar alguma vez em alguns desses
lausperenes da ociosidade (como lhe chama com muita propriedade o
Compadre de Belém) e ao ouvir a análise crítica dos mesmos Deputados, vir
que algum homem assim com cara a modo de cara de homem de bem torce
o focinho sobre a eleição de algum Desembargador, dizendo = esse Ministro
tem seus créditos, mas Ministros, sempre puxam para a parte do arrocho,
eu temo-me dos Becas, porém pode ser que este seja a exceção da regra =
olhe meu amigo, não hesite, e dê logo o homem de cara de homem de bem
por Corcunda; porque ainda que o tal Ministro seja tão bom patriota, como
foi Padre Valerio Publicula, ou tão desinteressado como foram os Fábios, o
Senhor Golfinho terrestre, sempre havia achar-lhe defeitos. Mas se vossa mercê

112
indagar o nome, e emprego do tal Censor, pode ser, talvez me engane; que
ache nele algum daqueles Escribas, Comissário desses mesmos de quem ele diz
mal, Nemo suis trancam cernit in olhis,3 que pedem cinquenta moedas para
passarem um Mandado de soltura, que vale meio tostão, e depois repartem
as ditas com… Eu sei… Com, com… Adiante. Porém, Compadre e amigo,
não há só Corcundas especulativos, há também Corcundas práticos, e estes
a meu ver, os mais terríveis. Corcundas especulativos são uns grulhas, uns
pobretões, uns nadas; mas Corcundas práticos são os que subornam, aliciam,
e compram pardistas são entre eles os

..... Que seguem os trilhos


Que São Francisco lhe fez,
E põe os seus gordos pés
Sobre os seus Santos ladrilhos,

e que sem o menor escrúpulo pretendem arredar os soldados dos princípios


de subordinação, e fidelidade, pregando-lhes doutrinas revolucionárias,
malquistando os seus Chefes, desacreditando o Governo, e avançando Práticas
contrárias à boa ordem, e ao espírito Constitucional, procurando reduzir a
mesma Tropa, e entretendo com ela relações internas de que podem resultar
consequências desagradáveis: e isto tudo porque temem, que um novo regime
os reforme, os coíba, e ponha na necessidade de renunciarem à vida crapu[l]osa
que passam, e às usurinhas em que ganham algum vintém(*). Falo de alguns
porque muitos conheço eu, que são de bem opostos sentimentos, que amam
a Pátria, primeiro dever do homem religioso, que são verdadeiros Cidadãos,
e que desejam com ânsia ver chegado o momento de uma geral reforma: não

3
Ninguém vê a tranca em seus próprios olhos. N.T.: Mateus, 7:15, “et trabem in oculo
tuo non vides”.
* Uma notícia que lemos no C. R. Número CL. deve convencer os Reverendíssimos, e
os M. Reverendos que ainda nutrem ideias Anticonstitucionais de largar mão da obra
com que tentam opor-se à opinião pública, e ao sistema geralmente adotado por todas
as Nações que conhecem, seus verdadeiros interesses. Diz esta notícia que o Gabinete
de Áustria recebera do Papa uma Comunicação pela qual Sua Santidade respondeu à
oferta do Imperador, de mandar Tropas para o Estado Eclesiástico, a fim de reprimir o
ardente desejo do Povo por uma Constituição livre. Diz a notícia que a Carta do Papa
exprime a gratidão de Sua Santidade, pela oferta da Áustria: porém declara, que é tão
sensível ao espírito do Povo, e a seu unânime desejo nesta matéria, que se acha obri-
gado a abandonar toda a ideia de lhe impor alguma restrição Militar, e portanto tinha
o Pontífice já convocado um Conclave, para o fim de preparar uma Constituição livre
que se havia submeter a seus súditos. Sirva esta notícia de desengano aos do partido da
oposição Constitucional. Nota do Moço da Imprensa.

113
desprezando ocasião em que patenteiem suas ideias, e persuadam, a constância,
e firmeza aos empreendedores desta grande obra.
Outros Corcundas práticos são os que espalham todos os dias uma
ninhada de pintos por alguns Missionários do Corcundismo, para irem
por esses Botequins, casas de Pasto, e Praças públicas, pregar sermões
Anticonstitucionais, e contar duas ou três anedotas arranjadas por eles em
que desacreditem o Governo, e as futuras Cortes, não se esquecendo de meter
algum Episódio fúnebre sobre os defeitos das Eleições.
Não duvidando até de chamarem o seu nomezinho injurioso aos
Deputados, como por exemplo P. L. Jac. ignorantes, e se preciso for até
ladrões. Estes segundos, os Corcundas da Propaganda, são de ordinário,
quatro mandriões sem ofício nem benefício, que a troco da espórtula dos
480 réis, e de algum jantar

Negam o Rei, e a Pátria, e se convém


Negarão (como Pedro) o Deus que têm.

Também há outra classe de Corcundas composta de homens tímidos,


indolentes, ou que por vistas culpáveis se opõem a todo o sistema de melho-
ramento, e para tal gente nada há melhor que o estado atual das coisas, tudo
vai bem, tudo vai o melhor possível: assim basta deixar ir as coisas como vão,
e deitem-se a dormir todos os que Governam. Vossa mercê facilmente conhe-
cerá estes choramingas pela jeremiada com que matraqueiam os ouvidos dos
circunstantes lamentando a perda dos costumes antigos, e profetizando a ruína
a que seremos arrastados pela introdução de novos costumes. E ainda que
eles experimentam já os benefícios que têm resultado das novas reformas, nas
diversas Repartições, sempre hão de descobrir pretextos para os seus temores.
A bancarrota do Erário é o seu favorito. A fome de que estamos ameaçados,
se nos puserem um bloqueio, é outra desgraça que se lhes antolha, e para isso
já eles descobrem do alto de Santa Catarina, uma Esquadra maior, que a que
levou o Ermitão da Ilha de Santa Helena para o Egito: e até sonham com um
desembarque nas nossas Costas de um exército de Tupinambás, e Botocudos.
Os mais temíveis de todos são os Corcundas por escrito, e os que
maiores danos podem fazer à causa geral, porque sendo alguns, homens de
talentos, ajeitam com tal arte os seus sofismas que muito influem no ânimo
do povo, e no dos menos espertos. Estes, senhor André, são os Puritanos do
Corcundismo, nada acham bom do que se tem feito, e nenhuma esperança
no que se há de fazer. As eleições, já se sabe, birra dos Corcundas, são a
mola real, que faz pôr em movimento todas as rodas da máquina das suas
Diatribes, as eleições ainda, dizem eles, hão de dar muito de si para o futuro.

114
Reprovam os Médicos, e os Filósofos porque são Médicos, e Filósofos.
Mofam dos Bispos, e dos Magistrados porque são Bispos, e Magistrados: e
só achariam tudo bom, e bem feito, se eles mesmos tivessem tido mais um
par de votos nas ditas eleições, para poderem ir bacharelar o seu bocado
para a sala das Cortes, e acudir com as suas luzes a inópia dos Deputados,
parte dos quais são no seu conceito uns pedaços de asnos. Que Otimistas, que
Patriotas! Mas em abono da verdade se deve dizer que só foram Corcundas
depois que lhe saiu a sorte em branco: porque também há Corcundas por
escrito que o são depois das eleições, e já o eram antes, e que sempre se
serviram da sua perversa pena, sem pejo, sem vergonha, e sem verdade para
intrigarem os Cidadãos uns com os outros, para os caluniarem com as mais
atrozes invectivas; e que parece tinham hipotecado unicamente o seu talento
para denegrirem o crédito, e o nome da Nação atacando sem moderação
os escritos, e as ações de todos, e denunciando em toda a parte do Mundo
onde se lê letra redonda; os seus Concidadãos, os Portugueses, uns por tolos,
e outros com o título de Pedreiros livres por monstros, por infames, e por
tigres. São estes os que escreviam em 1817. Apareça (para divertimento da
Forca) uma Junta Regeneradora, e que não escreviam página em que não
mostrassem seus ardentes desejos de verem enforcados milhares de homens.
Ora eis aqui senhor André o que são Corcundas, e os sinais por que vossa
mercê deve conhecê-los; fuja deles, meu bom amigo, como de cão danado, e
se algum dia os encontrar, pespegue-lhe com um vade retro.4
E como vossa mercê é pessoa que se interessa pelas novidades da Capital
não quis deixar de lhe escrever logo a conversação que tive com o meu amigo
não só para que fique na inteligência do que são Corcundas, mas para lhe
pedir que se por acaso lá na sua Botica entrar algum destes senhores, não
poupe o préstimo da tranca que tem atrás da porta, e que com meia dúzia
de lambadas de amigo lhe endireite a marrã.

Sou

De Vossa mercê

Lisboa 5 de Janeiro
De 1821.

Aten[t]o Servo

André Mamede.

4
Retira-te!

115
4

CARTA
DE HUM HABITANTE DA BAHIA
SOBRE
O LEVANTAMENTO DO PORTO,
E
MISERAVEL ESTADO DO BRAZIL.
_________________
Num.
_________________

DAS OBRAS CONSTITUCIONAES


DE PORTUGAL
DEPOIS DE TEREM JURADO
A
CONSTITUIÇÃO
NA CIDADE DO PORTO
Em 24 de agosto de 1820.

LISBOA:
NA IMPRENSA NACIONAL.
Anno 1821
Com licença da Commissão de Censura
________________________________
Publicar-se-ha nesta obra qualquer Escripto
Constitucional, seja de Espanha, Nápoles &c.

116
ADVERTÊNCIA
A fim de tornar mais interessante esta Obra, nos seguintes números levará
por título: Obras Constitucionais de Portugal, Espanha, e Nápoles, depois
de terem jurado a Constituição. Pelo que respeita à Carta, de que consta este
número 7.º, publicamo-la tal qual a achamos escrita, e com as notas do próprio
autor, para não a desfigurarmos. Podia corrigir-se quanto ao estilo, pois o
seu Autor talvez nunca pensasse, que ela se faria pública pela imprensa: além
de que o ser letrado, não obriga a ser Escritor; e todos os homens judiciosos
reconhecem, que Sábio e Escritor não são sinônimos.

CARTA

De um habitante da Bahia sobre o levantamento


do Porto, e miserável estado do Brasil
__________________________________

DEPOIS das minhas saudades, e de lhe desejar boa ventura, não posso
demorar-me um momento em lhe participar a alegria que se teve pela notícia
do levantamento do Porto. Os bons e fiéis vassalos do Senhor Rei, e nosso
Soberano, Dom João VI proclamaram no seu coração toda a dita e felicidade
à nossa cara pátria; os maus ainda gritam pela opressão, pela tirania, e pelo
cativeiro. Mas tudo será em vão: dentro de poucos dias a voz estender-se-á
por todo o Brasil, e teremos a satisfação de ver renovado este miserável país,
digno de melhor sorte. Tanto o Rio de Janeiro, como esta cidade, Pernambuco,
Pará, Maranhão, e outras Capitanias gemem, e se lamentam: e qual é a causa?
Eu não o posso ainda dizer. O reinado de ferro nos oprime ainda mais que
aos Portugueses da Europa; porque tanto de Portugal como do Brasil desa-
pareceu o ouro, e as peças de 6.400 são tão raras aqui, que é preciso ganhar
um jubileu de 100 anos para ver uma; sendo certo que nas casas da moeda

117
do Rio de Janeiro se tem cunhado milhões delas. Umas estão na Índia, e
outras em Ilhas, que não me lembro agora como se chamam: como sou velho
estou desmemoriado, e também porque desejo acabar os meus dias pobre e
miserável, e não quero que o amigo carrasco de aquém, ou de além venha a
fazer-me uma visita. Os temores ainda reinam aqui: não se pode falar, porque
há sujeitos triplicadamente pagos para averiguar o que se fala. Como a mina
não rebentou, o nosso cuidado é só ajuntar saquinhos de pólvora, e quando
seja a hora, não faltarão artilheiros nesta Cidade. Para isso eu me comprometo.
Caro amigo! Esperançado de que esta Carta chegue às suas mãos, lhe falarei
com extensão sobre o miserável estado do Brasil, reino onde se necessita uma
Constituição. Tenho reunido muitas notícias do país para a adjunta Descrição
geográfica desta região, sem as imposturas grosseiras, de que estão cheias as
viagens de quatro aventureiros, que espalham pela Europa tantos embustes
sobre o Brasil (1): com isto espero fazer um grande serviço à minha cara pátria;
pois já que não sou Pregador, nem Confessor, ao menos serei Escritor. E um
bom Escritor, é uma mina! Pois se vendem livros a milhares, e vale mais que
ter uma Capitania cá no Brasil. O ano passado publicou-se aqui uma excelente
História do Maranhão, escrita por Raimundo José de Sousa Gayoso; vizinho
da mesma cidade; quando tenhamos Constituição, chamar-se-á Cidadão do
Maranhão, que para mim é o melhor título que pode ter um homem de
vergonha. – O de Patriota podia já enterrar-se, e, segundo o ar que assopra,
parece que não tardará muito, depois que no Porto se promulgou a
Constituição e Cortes. Na verdade foram atrevidos os do Porto! Por último
deviam fazer uma que soasse por todo o mundo, e ainda, se possível fosse,
nos países imaginários dos antigos filósofos. Só a cidade do Porto podia ter
valor de gritar pela Constituição, e em um tempo em que ainda se sentia no
Douro o mau cheiro daqueles bons Cidadãos, que morreram mártires no
campo de Santana; que se não o foram da Fé, o foram da Pátria; e se não

1
Entre outros o autor do Viajante Universal, que com o objeto de entreter os seus
compatriotas de Chile, se esforça como todos os Escritores da sua nação, em prevenir o
universo inteiro contra os Portugueses: mas nós jamais seremos tão frenéticos como os
Espanhóis de Montevidéu, que no princípio da revolução das suas Colônias Americanas,
celebraram um triunfo singular contra os Ingleses. Ajuntaram todas as tabuletas das
portas das lojas, e dos armazéns Ingleses, e fizeram uma fogueira de alegria. Muitas
destas tabuletas tinham de inscrição, em grandes caracteres, as palavras inglesas seguintes:
Licenced lot Jeli [to sell] liquors [autorizado para vender aguardente]. Este acontecimento
tão triste, que experimentaram os ingleses em 1807, na evacuação de Montevidéu, no
momento que a ocuparam os Espanhóis, não é de esperar se repita em Portugal, nem
no Brasil, pois os Ingleses são nossos aliados, e verdadeiros amigos, de quem podemos
justamente esperar a nossa ventura, e felicidade.

118
estão canonizados, os canonizarão os Portuenses, que para tudo têm valor e
animosidade. Se Você sabe o caso de Pernambuco, não é preciso que lho
repita. Porém amigo, tanto nesta cidade, como em outras do Brasil, se fala...
E fala... O que se fala, não o sei; mas sei que se fala, e falar-se-á ainda mais
claro, se chegar (ainda que seja em um pequeno iate) a notícia de que Lisboa
professa terna amizade à valorosa cidade do Porto. E tudo é mister, pois o
Brasil, já foi Brasil. Agora só oprime as nossas costas o nome do Brasil; porque
o ouro das minas! Foi-se; o que resta ainda! Também se irá: mas para onde
irá? Não sou autor de Catecismo, para tantas perguntas e respostas. O ouro
do Brasil tem força de atração, e o ouro que se foi atrairá o ouro que irá:
assim pois o foi-se, e irá tudo é para o ouro do Brasil, que pelo que respeita
à miséria, indigência, e pobreza, tudo isto fica no Brasil; e não julgue Você
que esta miséria a causam os Pretos, são Brancos. Estamos rodeados de um
milhão e meio de Pretos, mas estes não causam a ruína do Brasil: a verdadeira
origem é… E também a nossa apatia, frouxidão, preguiça, (2) e pouco amor
à pátria. Como carecemos de fábricas, as botas, os chapéus, camas para
dormir, cadeiras para assentar-se, copos para beber, castiçais para alumiar-
-nos, tudo vem de outra banda; (3) se o soldado precisa de farda, de baioneta,
ou espingarda, tudo vem de outra banda: se as meninas querem lenços, ou
um traje, tudo vem de outra banda: de tal sorte, que um viajante inglês, e o
primeiro que penetrou no interior do Brasil, falando de Tejuco, disse: todos
andam vestidos à inglesa, e os vestidos todos são de telas das nossas manu-
faturas. E por que não deviam ser manufaturas do Brasil? Os Brasileiros não

2
A viagem de J. M. [John Mawe] tomo 9.º página 960 edição de Paris, traz a seguinte
passagem, na verdade terrível para os Brasileiros: “Os habitantes do Brasil, diz, viven-
do em um dos climas mais belos do mundo, e em um país fértil, coberto de excelente
madeira de carpintaria, e regado por todos os lados de rios, e quedas de água, e enfim,
cujo seio encerra os mais preciosos minerais, e também o ferro, vivem cobertos da mais
deplorável indigência. É verdade que o mineiro procura o ouro com um grande trabalho,
mas isto não deveria impedi-lo de melhorar quanto lhe pertence. Se as suas barracas
se convertessem em verdadeiras casas, se os seus escravos fossem melhor alimentados,
e tivessem habitação mais cômoda, se a sua família estivesse mais provida de tudo o
que necessita, os seus negócios receberiam uma impressão nova, e cada porção de sua
fazenda daria um produto muito mais considerável.”
3
De Tejuco, e Minas Gerais se enviam para aqui (Bahia), topázios, ametistas, e outras
pedras preciosas, e recebem em câmbio, mercadorias inglesas manufaturadas, particu-
larmente chapéus (por diamantes!) teias de algodão (por diamantes!) selas para cavalos
(por diamantes) etc. etc. etc. Aqui estima-se mais um chapéu estrangeiro, que um dia-
mante, ainda que pesasse três arráteis mais que o chapéu! E não vale mais um chapéu
que um diamante? Ao menos é maior, e o que avulta mais sempre é melhor, isto é, para
os Brasileiros, que trocam diamantes por chapéus.

119
sabem fabricar panos, não têm indústria, são indolentes? Se é para gabar o
seu engenho, e constância, basta lembrar aos estrangeiros a estrada de
Cuberón [Cubatão?] a Santos. É para admirar o número excessivo de milhões
expendidos para cortar os bosques, para desembaraçar os rochedos, quase
inacessíveis, para pavimentar a estrada; o que tudo faz conceber uma alta
ideia do ânimo empreendedor dos Brasileiros. A Europa mesma não pôde
apresentar muitas obras que igualem a grandeza desta estrada. E contudo
os Brasileiros não sabem fabricar botas, castiçais, facas, e bonecas! Querem
antes enviar as Peças a países onde se enterram em covas profundas de mil,
ou dois mil estádios para não ver jamais a luz do dia. A única consolação
que temos, é que, como estas covas estão nas entranhas da terra, com o peso
de tanto ouro, algum dia podem sair por algum buraco no país dos nossos
Antípodas, onde as naus Portuguesas se carreguem outra vez destas peças,
e venham ao Brasil. Eu asseguro que não tornariam a sair de cá. Peça que
tornar ao Brasil, aqui deve morrer, e enterrar-se; são nossas, ainda que hoje
perdidas, e talvez perdidas para sempre!!!!! Se não fôramos tolos, os
Brasileiros, estas peças ainda estariam cá: e à fé que não são poucas! O
produto anual das nossas minas em tempo dos nossos avôs era mais de 20
milhões de cruzados: veja se estes cruzados hoje se acham no Brasil. E as
peças que se foram para Lisboa? O ouro das colônias Portuguesas registrado
desde o descobrimento das minas do Brasil até 1755, e levado à Europa sobe
a 400 milhões de peças. Também estas peças desapareceram: e onde estão?
Como se carregaram em naus estrangeiras, não se sabe o caminho que leva-
ram; porque como estas peças são geralmente cobiçadas, até os Mouros
gostam delas; e quan[t]o as apreciaram os que não são Mouros? Se não tivera
temor que esta carta chegasse às mãos de algum… E por desgraça fosse a
pobrezinha condenada a ser queimada no campo de Santana, eu diria mara-
vilhas do Brasil. Aqui se pagam mais direitos, que em outro país da Europa
de triplicada povoação: até um novo imposto pelo aluguel das casas acaba
de consolar-nos. Toda a mercadoria que chega aos portos do Brasil paga 15
por 100: o ouro de todos estes domínios paga o quinto; a exportação está
bem carregada: um mulo paga 2:000 réis pela passagem de um rio, se não é
o mulo, pagará o almocreve: um tributo por… outro por… Tudo são tribu-
tos, e mais tributos: e assim deve ser, pois os Brasileiros são riquíssimos, e
vale mais dar dinheiro para tributos, que gastá-lo em… Sim, senhor, vale
mais que vá ao Erário, que ali não está perdido, antes bem fechado com 50
chaves, e no Erário desta cidade da Bahia há barrotes de ferro para aponta-
lar, não seja caso que se arruíne com o enormíssimo peso de tanto ouro como
aqui temos, ou podíamos ter, que se o Erário está pobre, podia estar rico, e

120
riquíssimo. Os impostos em todo o Brasil chegam anualmente a muitos
milhões de cruzados: grande parte desses cruzados são dos Eclesiásticos: pois
aqui no Brasil se vendem as Indulgências, e Dispensas (4), e se sacam ao
público sub-hasta como os Dízimos. (5) Eis aqui o motivo por que estes
cruzados desaparecem; porque não deve consentir-se corram neste país cruza-
dos eclesiásticos, nome desconhecido na Europa, porém, por desgraça nossa,
comum no Brasil. Mas se eles só desaparecessem! Não desaparecem só os
cruzados eclesiásticos; também os seculares, e até o cunho de uns, e de outros,
creio, irá a desaparecer, se a Constituição, proclamada no Porto, não enviar
aqui uma Comissão para fabricar novos cruzados; pois os que têm corrido
aqui, parece que estão encantados. Ó lá! Dirá o meu amigo: Encantados!
Também há encantamentos no Brasil? Também ali há bruxos, bruxas, duen-
des, e essa caterva…? Sim, senhor; aqui como não há Santo Ofício, por todas
as partes nos rodeiam bruxos, e encantadoras, e bofé que são piores que as
de Portugal: nem nos deixam respirar, nem viver, nem comer… Por todas as
partes estamos acossados de estrangeiros. Vem uma nau: de onde? De… Que
traz? Lenços, para enxugar nossas lágrimas. Que leva? Cruzados novos, e
peças de 6.400 réis. E por isso devemos chorar? Não é uma caridade tirar-nos
todo o temor de que os ladrões nos roubem? Não vale mais que estejam
seguras estas peças, por exemplo, em uma ilha rodeada de mar por todas as
partes, e guarnecida de canhões, que não aqui no Brasil, onde apenas se vê
uma fortaleza no Sertão? Ainda deveríamos dar-lhe[s] graças porque tomam
o cuidado de guardar-nos o dinheiro, e de deixar-nos sem ocupação alguma.
Que vale mais, trabalhar, ou estar ocioso? Que trabalhem os Negros nas
minas, e que trabalhem outros para guardar-nos o dinheiro, que os bons
Brasileiros não devem trabalhar. O trabalho nos debilita, e acaba: e se temos,

Não deve parecer estranha a expressão desta carta, pois uma nota do Tradutor francês
4

da Viagem ao Brasil de J. M. [John Mawe] página 94 do volume 2.º diz o seguinte:


o privilégio de vender Indulgências, e as Dispensas nesta Capitania [no distrito do
Diamante] se compra no Rio de Janeiro, ou ao Bispo de Mariana, que disto tira
grandes somas. A venda considera-se como uma empresa excelente: ela produz somas
consideráveis ao que a possui, e tem o talento, e discrição de comprazer ao que paga
melhor.
Enquanto aos Dízimos não deve estranhar-se (não são Indulgências, nem Dispensas),
5

e pertence este ramo tão lucrativo no Brasil ao Governo, depois do primeiro estabe-
lecimento da colônia, quando o Soberano se obrigou, em virtude de uma concordata
com a Santa Sede, a pagar as pensões aos Clérigos, a fim de atraí-los a ir a remotos
países, e ainda não civilizados. Este imposto foi igualmente reclamado pelo Governo,
por ser a dignidade de Grão Mestre da Ordem de Cristo inerente à pessoa dos Mo-
narcas Portugueses. Enquanto aos Dízimos, repito, nada deve estranhar-se; porém
comprarem-se do Bispo de Mariana etc. as Indulgências, e Dispensas!!!

121
como já disse, Pretos que trabalhem nas minas, e Brancos, que nos guardem
o dinheiro… Em verdade que não é pouca fortuna: não dirão o mesmo os
habitantes do Potosí, que em tudo nos excedem; porque não precisam de
Pretos operários, nem de Brancos tesoureiros: eles são Pretos, e Brancos ao
mesmo tempo. Em Tejuco sabemos que há um número crescidíssimo de
rapazes de 7 a 20 anos, os quais não têm absolutamente meios para trabalho
algum: como não são Pretos! E comem? Do contrabando; da pesquisa injusta
dos diamantes, que se contrafazem naquelas comarcas; e vendem em preju-
ízo dos interesses do Soberano (6)… Comem, da rapina… Como outros
muitos vizinhos das margens do Rio da Prata, igualmente ferozes, igualmente
bárbaros, e igualmente irreligiosos (7). Quanto se precisa aqui de uma
Constituição? A empresa dessa cidade do Porto ouviu-se aqui quase com
geral contentamento; porque ela vai a fazer feliz uma região, em outro tempo
ditosa, e agora mais que infeliz: infeliz, porque está pobre: e antes ditosa,
porque estava rica: sendo certo que antes, e agora teve minas abundantíssi-
mas; antes cheias de ouro, e agora de ar. Pois como pode o Brasil ser rico?
Onde estão as minas de ouro de Jaraguá, as primeiras descobertas no Brasil,
e as de Cantagalo pelos Garimpeiros (8) de Minas Gerais? Das minas de Santa

6
Este comércio ilícito tem produzido somas imensas aos que nele traficam: regula-se que
depois do descobrimento das minas do Brasil, se tem levado à Europa mais de 18 mi-
lhões de cruzados em diamantes: porém que desgraça para o Brasil, deixar sair dos seus
portos os diamantes para a Europa, uns por portas francas, e desembaraçadas, e outros
por portas travessas! Contudo isto não nos aflige: no Brasil há minas de diamantes, que
não se esgotarão até o fim do mundo, e até o fim de 20 mundos. E com tanta riqueza
somos pobríssimos!!!
Entre os Brasileiros mais atrevidos contam-se os da margem do Rio da Prata, vizinhos a
7

Montevidéu. Por uma relação verídica sabemos, que dois destes Brasileiros principiaram
um jogo de cartas na porta mesmo d[a] Igreja, depois de ouvirem Missa, o Padre os viu
ao sair da Igreja, e com a ponta do pé espalhou as cartas, para que terminassem o jogo.
Um deles tirando uma grande faca da algibeira, lhe disse: Meu Padre, eu vos obedecerei
como Padre; porém escusai-vos de vos meterdes na nossa diversão. O Eclesiástico conhe-
cendo o caráter atrevido destes Brasileiros, retirou-se precipitadamente. Que educação
em um país tão rico!
Dá-se este nome aos que correm o país só com o desígnio de acharem ouro, sem dar parte
8

dos seus descobrimentos. Estes são os verdadeiros contrabandistas do ouro, e diamantes


do Brasil. As comarcas de Cantagalo, agora pobres, e em outro tempo riquíssimas, pelas
suas abundantes minas de ouro, oferecem pela mesma causa o estado mais deplorável, e
lastimoso. A maior parte dos mineiros vivem nos bosques: as suas casas são construídas
de ramos de árvores, e cobertas com folhas de palmeira. A sua cama é a erva seca. Não
se ocupam nem na agricultura, nem procuram a sua subsistência nas flechas, e arcos; o
seu alimento são raízes, e frutas silvestres… E são estes os mesmos que noutro tempo
viram imenso ouro nas suas minas! Ouro, que desapareceu, ficando só a miséria! E que
vale mais para estes desgraçados, ouro, ou miséria? Vale mais a miséria, que o ouro:

122
Rita, e de Guaracaba apenas pode extrair-se uma onça de ouro: o rio P[o]mba
tampouco dá ouro nesta época desgraçada: a Fazenda do Capitão Ferreira, da
mesma sorte não dá ouro: quase está esgotado nas lavras da Virginia: e igual
sorte corre o Rio das Mortes, que era aurífero (9). Vila Rica perdeu até a
esperança de ter ouro… E todas as minas de topázios, ametistas, esmeraldas,
e outras pedras preciosíssimas, algumas desconhecidas nos outros países do
Universo, ou estão desamparadas, ou não lançam do seu seio mais que restos
informes destas preciosidades. Os diamantes do Jequitinhonha, e dos diversos
riachos da sua comarca, que em tempos passados deram grandes quantidades
de preciosos diamantes da melhor qualidade, onde estão? Guardados nas ilhas
de…, ou em outras partes. Os diamantes de Conceição, de figura octaedra,
onde estão? Depositados para quando precisarmos deles. É prodigiosa a
quantidade de diamantes enviados à Europa nos primeiros 20 anos que se
seguiram ao descobrimento das minas. Dá-se aqui por certo, que excedeu a
1.000 onças. 1.000 onças de diamantes! Por ser tão excessivo este número,
diminuiu-se o valor geral destas pedras preciosas; porque antes só vinham da
Índia, aonde se levaram os diamantes do Brasil, e foram ali muito melhor
vendidos na Europa. Nestes últimos tempos ainda há diamantes no Brasil (10).
Sabe-se que desde 1801 até 6 inclusive, as despesas subiram a 700:000 cruza-
dos; e o peso dos diamantes enviados ao tesouro, é de 115:675 quilates; mas
tampouco se guardam agora tantos diamantes no Rio de Janeiro. Estes diaman-
tes como mais preciosos que os cruzados, e as peças, foram-se a viver juntos,

pois este fugiu, e a miséria é um grande e riquíssimo patrimônio que deixam aos seus
filhos, e bolotas silvestres para que se alimentem como se fossem marr… [sic]. Em
geral, a prosperidade do Brasil perdeu-se com o desaparecimento do ouro. Vila Rica
dava anualmente pelo quinto ao Rei 3 milhões de cruzados: os de Vila Rica dirão o que
se leva anualmente agora o Rio de Janeiro: se não são três milhões, serão dois, 80:000
cruzados, ou 100:000 que para três milhões pouca é a diferença. E chegará tempo que
levem menos de 10:000 cruzados!
As minas do Rio das Mortes estão quase esgotadas, e desamparadas por causa da sua
9

grande distância da estrada pública, e estarem colocadas em meio de lagoas, habitadas


só por selvagens, por cujo motivo os Colonos não podiam receber comodamente as ar-
mas, e os utensílios para a laboração; e são estes os motivos por que se não extrai ouro
do rio Chingon [Xingu?], um dos mais caudalosos, que entram no rio das Amazonas.
Sabe-se que as ribeiras de todos estes rios, e particularmente do Araguaia, Tapuios, e
outros são habitados por hordas de selvagens guerreiros.
10
Sobre os diamantes do Brasil acha-se uma Memória no tomo 1.º das Atas da Sociedade
da História Natural de Paris em 1792 por um tal Andrade. Talvez seja o digno Português
o Senhor Desembargador José Bonifácio de Andrade [Andrada], hábil Mineralogista,
Sócio da Real Academia de Ciências de Lisboa, e atualmente em comissão na Capitania
de Santos, talvez para algum plano sobre as minas do país.

123
pois não era justo, que os cruzados, e peças cunhadas no Brasil estivessem
depositadas, e guardadas fora do Reino, e os diamantes estivessem sozinhos
cá no Erário: era de recear que estando sós podiam ser roubados, e ficarmos
sem cruzados, nem diamantes. A corrente Tib[a]gi, nas vizinhanças de Curitiba,
é abundante de preciosos diamantes: são muito estimados os da montanha de
Monte-Rodrigo, entre os Rios d[a]s Velh[a]s, e o Paraná. Na Capitania de
Goiás acham-se muitos diamantes, mas diferem dos do Serro Frio pela sua
extraordinária brilhantez. Em São Gonçalo há uma famosa laboração de
diamantes, em que se empregam 200 negros. Há outra em Mandanga muito
útil ao Estado. O engenho de Canjica para purificar os diamantes é muito
particular (e leva [lava?] seu cascalho) por três máquinas de cilindro: o único
talvez que se acha no distrito do diamante. Ainda que célebre, o de Monteiro
não iguala ao de Canjica. O rio Abaeté também produz grossos diamantes;
porém de inferior qualidade (11). O rio Pardo é uma excelente mina de diaman-
tes: na Carolina há poucos. O Serro de Santo Antônio é famosíssimo pelos
seus diamantes: em uma palavra no Brasil temos um distrito grande, conhe-
cido pela denominação do diamante, donde se tem extraído cópia imensa,
cujo número, e valor assombraria se se calculasse. Mas onde existem tantos
diamantes? Voaram por esse mundo de Cristo, porque estes diamantes parece
que têm decretado inimizade eterna com o Brasil, e Portugal. Façamos justiça
a estes diamantes, alguns ficaram no Rio de Janeiro, e o nosso Monarca o
Senhor Dom João VI tem uma coleção preciosa de diamantes, que não a
possui igual outro Potentado da Europa, já pela grossura, já pela qualidade
destas pedras: o seu valor sem dúvida ascenderá a 30 milhões de cruzados.
E talvez sejam estes os únicos diamantes, que aqui ficaram, de tantos como
se tem extraído do Brasil. Os diamantes das minas de Tejuco, e Serro Frio
todos pertencem à Coroa, e à família Real elege as pedras, de que mais se

No pequeno rio Abaeté achou-se diamante mais grosso que possui ou possuiu a nossa
11

Coroa: foi encontrado em 1801 por três homens, que pelos seus crimes horrendos foram
sentenciados a viver no interior do país. Persuadidos de achar alguma mina, ou algum
diamante particular, que pudesse dar-lhes a liberdade, fizeram mil diligências pelas
montanhas e rios, expostos a ser pasto dos antropófagos vorazes, ou surpreendidos
pela tropa do Rei, que vigia constantemente naquelas comarcas. Por último chegaram
ao Abaeté, descobriram entre várias porções de ouro, um diamante que pesava quase
uma onça. Participaram alegres este feliz sucesso a um Eclesiástico, e este compadecido
da sua infeliz sorte, acompanhou-os a Vila Rica, e rogou ao Governador pela liberdade
destes criminosos, visto terem achado um diamante de grossura jamais vista na América.
Informado o Governador ser verdadeiro diamante, o enviou ao Rio de Janeiro, de onde
uma fragata o transportou a Lisboa, encarregando ao mesmo Eclesiástico o cuidado de
suplicar o perdão daqueles infelizes. O Soberano o concedeu, e também fez certas graças
ao Eclesiástico.

124
agrada. Antigamente remetiam-se à Holanda, para lapidá-los, porque os
Holandeses, depois do descobrimento destas minas, fizeram um contrato
sobre estes diamantes; porém depois que a Corte deixou a Europa para
residir no Rio de Janeiro, este comércio está reservado só aos Ingleses, e os
diamantes são conduzidos à Inglaterra, e são ali vendidos por um tratado
particular; mas não tornam ao Brasil, nem os diamantes, uma vez que saem
destas regiões, se lembram mais da mãe que os produziu. Pobres diamantes!
Ficam órfãos, e expostos a peregrinar por países que não conhecem! Não
seria para eles melhor fortuna ficar no mesmo Brasil, sua cara pátria? O
distrito chamado do Diamante (12) tem 16 léguas do norte ao sul, e 8 de leste

O país do distrito dos diamantes foi descoberto pelos mineiros empreendedores da


12

Vila do Príncipe, poucos anos depois da fundação da sua colônia. Estes aventureiros
intrépidos avançaram até São Gonçalo e Milho Verde, e chegaram até as torrentes, que
saem do pé da montanha, onde está situada Tejuco. Além de ouro, acharam grande
cópia de diamantes, que foram apresentados ao Governador da Vila do Príncipe; alguns
levaram-se a Lisboa, e foram entregues ao Ministro Holandês, para remetê-los ao seu
país, pois naquela época Holanda era o mercado principal da Europa para o negócio
dos diamantes (do Brasil!…) O mercado único para estes diamantes agora é Inglater-
ra… E por ordem de sucessão deve ser Portugal já que são diamantes das suas minas…
Ao menos na Constituição que se fizer deve ajuntar-se este artigo interessantíssimo:
os diamantes do Brasil nunca devem sair de Portugal, e assim chegaremos a possuir
tão grande número, que deles possa fabricar-se uma coluna diamantina, para suster a
Dignidade augusta da sempre esclarecida, e agora abatida Nação Portuguesa. Sabemos
que do referido distrito se envia anualmente ao Tesoureiro do Rio de Janeiro de 20 a 25
quilates, debaixo de uma escolta de cavalaria. Em poucos anos podia-se comprar meia
Europa com uma quantidade tão imensa de diamantes, e a maior parte só tem servido
para comprar lenços, chapéus, e facas, para se degolarem os mesmos Portugueses, e
não chegar a ver a sua última ruína. Ó Constituição! Ó Constituição! Ó Constituição!
Tejuco, Vila principal das Minas Novas, é uma Vila florescente pela circulação dos
seus diamantes. Os honorários que anualmente se pagam aos Empregados, e negros
que trabalham nestas minas ascende a 200 mil cruzados; mas também Tejuco é a Vila
que vê mais lojas de mercadorias inglesas de todo o gênero das suas manufaturas, e é
tal a cegueira, e alucinação dos seus habitantes, que preferem a importação de todos
os objetos de puro luxo ingleses… E eles dão diamantes puros, e de valor em câmbio!
Ó necessidade! Ó falta de cultura, e combinação! Aqui foi onde disse regozijado um
Viajante Inglês: Todos vestem à Inglesa: bravíssimo! Vestir à Portuguesa, fica reservado
para os Negros das minas dos diamantes. É de notar por último que em Tejuco nem se
cultiva a agricultura, nem as manufaturas. E para quê? Tem diamantes, e manufaturas
inglesas: só isto basta para viver, e serem felizes! Só quatro Negros no espaço de um mês
podem dar de benefício 8.000 cruzados em diamantes; e com 8.000 cruzados quantos
chapéus! Quantos lenços! Quantos… podem comprar-se! Porém a preguiça é muito
poderosa em alguns Cantões do Brasil. Os que habitam as Comarcas da Conceição,
têm por mania (que sabedoria!) andar nus, antes que trabalhar para se vestirem. Que
lástima não tenham minas de diamantes para vestir-se de panos estrangeiros! Pelo mesmo
motivo outro viajante, falando das Possessões Portuguesas imediatas a Montevidéu,
disse: Um estrangeiro, lançando a vista sobre este país, não pode deixar de observar com

125
ao oeste: está debaixo da inspeção do Intendente de Tejuco, e há ali muitos
empregados na administração dos diamantes. Só por este ramo tem o
Tesoureiro 8:000 cruzados: o Administrador geral 6:000: o Caixeiro 4:000:
o Porteiro 1:000 etc… E para que se pagam 8:000 cruzados ao Tesoureiro,
6:000 ao Administrador geral, etc. se tantos cruzados só servem para reunir
diamantes, e carregá-los logo em uma nau, e enviá-los à Europa; não a
Portugal, à Europa! Pois desde a saída da família Real de Lisboa, creio não
terá entrado um só diamante na sua alfândega; dantes iam à Holanda, agora
vão a… [sic] E não deve estranhar-se, porquanto em Portugal não há ourives,
que saibam trabalhar os diamantes! Não sabemos… se tivessem esta ciência,
os diamantes embarcados no Rio de Janeiro se dirigiriam a Lisboa, ou ao
Porto. Tremenda desgraça! Não se achar em Lisboa, nem no Porto um ouri-
ves de diamantes! Eles têm a culpa, só querem ser ourives de ouro, ou de
prata, mas não de diamantes. Sem ser Profeta aventuro-me a dizer-lhe que
com tanto ouro das nossas minas, e diamantes, dentro de pouco ficaríamos
sem ter que comer. E de todo o Brasil dizer-se-ia este provérbio: das misérias
do Itambé, livra-nos, Domine, se a revolução do Porto não nos dá algum
alívio talvez sucederá que em vez de cruzados, peças, e diamantes, trocaremos,
compraremos e venderemos (13) por migalhas de papel formoseado de orlas,

dó, e compaixão, que tendo sido a natureza tão pródiga para fertilizá-lo, os habitantes
se esqueçam tanto de fomentar nele uma excelente agricultura. E que se publique isto
na Europa, fora de Portugal! Também outro viajante, falando das belas ribeiras do
Tietê imediatas a São Paulo, disse admirado: É doloroso ver um Cantão, que pela sua
fertilidade, e bondade do clima, merecia ser chamado um Paraíso, é doloroso, digo,
vê-lo deserto, e menosprezado pelos seus insensatos possuidores, devorados unicamente
da sede do ouro… Que, das suas mãos transmigra para cidades distantes do Tietê mais
de 200 léguas, e que não verão outra vez. Pobres Tietinos! Tão miseráveis como os de
Resequinda, dos quais faz esta pintura um Viajante judicioso, e imparcial: oprimidos,
disse, da fadiga, fomos descansar; mas em toda a noite não pudemos fechar os olhos.
Uma das camas estava estendida sobre o duro chão, a outra sobre um couro seco: e
ambas consistiam em um saco cheio de palha de milho… O negro não se lembrou
de retirar da minha o corpo duro do cilindro, que serve para esmigalhar o grão, de
maneira, que me foi impossível em toda a noite achar uma postura cômoda. Uma
lâmpada suspendida sobre as nossas cabeças, espalhava uma luz moribunda na triste
casa… (tão miserável como seu dono! Se não tinha minas de diamantes, como podia
comprar castiçais?) As bestas da estrebaria estavam com maior comodidade, e melhor
alimentadas que o dono!!! O Viajante conclui: Em Bandeira de Coelho passamos a
noite debaixo do mesmo teto que as bestas, e as camas dos amos não eram melhores
que as destes brutos. Famosa hospedaria!
É uma progressão, ou aritmética, ou geométrica, ou composta das duas, ou ainda outro
13

gênero de proporção, que devia inventar Euclides. Sabe-se que desde 1730 até 1750 as
minas do Brasil chegaram ao grau mais alto de prosperidade, e que neste período, ditoso
para Portugal, o quinto que se pagava ao Rei subia a 9 milhões de cruzados. Para a

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coroas, raias, e rubricas, ou de Tesoureiros, ou de Porteiros do Erário, que,
sendo rubricas, basta[m] para dar valor a um bilhete, ainda que seja de milhão
e meio de réis. Por que, uma destas firmas não vale mais que todos os réis do
mundo? Falo de réis de conta, de câmbio, de troca, e o que se quiser. Pobre
Brasil! Pobre? Riquíssimo, direi eu: riquíssimo, e fartíssimo! Pobre uma região
que não carece de nada? Que falta ao soldado que não tenhamos? Se não
temos de nós, temos dos nossos amigos: já se sabe que por dinheiro! Tudo
vem de fora por dinheiro: nossos armazéns estão cheios de mercadorias
estrangeiras, (14) por dinheiro, e enquanto tivermos minas, não temos de
padecer miséria alguma, que em se esgotando veremos se por via de algum
encantamento podemos outra vez haver minas; e se não, contanto que conser-
vemos olhos para chorar, não é pouca fortuna. Choraremos uma vez, e não
duas; choraremos uma vez, porque não teremos o temor de chorar a perda
doutras minas: sim podemos perder outras minas, que são as da indústria. A

proporção temos dois termos conhecidos, que são produto excessivo das minas desde
1730 até 1750, e o do ano de 1820: o termo que se procura, se não é cifra, virá a ser
cifra, não havendo Constituição, e uns poucos de carrascos para cá, e para lá. Vila Rica
apresenta um espetáculo lastimosíssimo, causado pela preguiça dos seus habitantes,
sucessores, e herdeiros dos primeiros colonos, que estão entregues a uma escandalosa
inércia, pensando certamente, que nunca acabarão as riquezas que lhes amontoaram os
seus avós. Preocupados nesciamente de tão falsas ideias, deixam-se vencer de uma inação
completíssima, sem saber que fazer desde pela manhã até à noite. Todos os gêneros de
indústria estão nas mãos dos mulatos e dos negros, e têm pelo mesmo certo predomínio
sobre seus amos! Ó santa educação; por que não espalhas ideias generosas sobre esses
miseráveis, apesar de estarem cheios de ouro, e prata! Os mulatos, e os negros têm de
gozar maior autoridade, que os mesmos brancos por causa da indolência destes? Santo
código da Constituição, vem afugentar tão vergonhosas preocupações do desventurado
Brasil!
As mercadorias inglesas foram sempre procuradas desde a chegada da família Real ao
14

Rio de Janeiro; porém foi digno de lástima o prejuízo enormíssimo, que experimentaram
alguns negociantes ingleses de Londres. Poucos momentos depois de ter chegado ali o
Príncipe Nosso Senhor, apareceram no porto do Rio de Janeiro imensas mercadorias
inglesas, e não podendo caber nos armazéns, ficaram (ab intestato) no mesmo cais, expos-
tas às inclemências do ar, e à pilhagem geral. Efetivamente os crioulos, e os do interior,
persuadindo-se que se tinham ali deixado pelos mesmos ingleses para se aproveitarem
delas, gabaram extremadamente a sua generosidade, e à sua vontade tomaram o de que
mais gostavam. Foram estes os primeiros ensaios que experimentaram as mercadorias
inglesas. Algumas foram conduzidas à Alfândega, e a maior parte extraviadas. As em-
presas gigantescas regularmente estão expostas a ruínas consideráveis, e a prevenção
dos imensos tesouros da América meridional desbaratou por si mesma os cálculos dos
negociantes ingleses, perdendo 70 por 100, e todas as despesas. Pela indústria, e saga-
cidade dos Brasileiros, as mercadorias inglesas perderam o seu valor, à proporção que
os ditos Brasileiros aumentaram o dos seus frutos coloniais. Jamais o cálculo mercantil
dos ingleses se enganou tão grosseiramente como nesta especulação! É para se lastimar!

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nova Constituição poderá restituir-nos minas mais preciosas, que as Minas
Gerais, estas dão ouro, que voa para a Europa, África, e Ásia, e para outro
mundo, se o houvesse, este ouro desapareceria. As minas da Constituição dão
ouro, que fica no país; e o Brasil será feliz com estas minas, e desgraçado com
as minas que davam tanto ouro. Mina é a indústria, mina a agricultura, mina
as artes, mina as fábricas, mina… Já não dirá um viajante Estrangeiro: Os
acontecimentos políticos ocorridos na Europa, e a cópia extraordinária de
mercadorias inglesas, têm ocasionado no Brasil um entorpecimento geral nos
negócios mercantis… Assim pois não precisaremos mais que Constituição
para ter fábricas, e as nossas naus levarão as manufaturas à África, Índia,
Ilhas do Arquipélago Índico que pertencem à Coroa de Portugal, e à China:
até à Europa poderão levá-las, e tornarão as peças, que agora nos têm guar-
dado. E sem as novas fábricas, pouco a pouco iremos perdendo o que nos
resta que na verdade é pouquíssimo. E é de estranhar que tendo nós tantas
minas, tendo tantos operários, tendo tanta indústria para os lavrar, haja tanta
miséria no Brasil. Acaba por publicar-se aqui uma Memória, que tem por
título: Brasil exausto de cabedais, tendo minas para extrair ouro, mas como
este ouro se extrai, e transporta a outros países, os que trabalham nestas
minas ficam pobríssimos, e em alguns distritos tão miseráveis, que habitam
em barracas, só próprias para morada de antros, e outros animais semelhan-
tes. Como o amor da pátria me arrasta imperiosamente! Oxalá que esta
minha Carta a publicasse nessa cidade, ou em outra do reino de Portugal,
caso que na Capital se jurasse a Constituição. Somos Portugues[es], temos
uma mesma origem, obedecemos a um mesmo Rei, professamos uma mesma
Religião, e só o mar nos separa; mas o Oceano imenso, não é capaz de sepa-
rar os Portugueses, que devem amar-se, e olhar pela glória da sua pátria.
Ressoe pois, nos ouvidos de todos: Viva a briosa nação Lusitana: Viva a
Dinastia da Sereníssima Casa de Bragança: Viva a Pátria: Viva o Brasil unido
a Portugal: Vivam imortais os bons Portuenses, que primeiros levantaram o
grito de independência Nacional. E se chegasse o momento, que julgo não
tardará, em que a Capital, Lisboa, se declare pela Constituição, escreverei a
Você com as expressões que me ditar a sincera efusão do meu espírito. Quanto
estou impaciente pela chegada desta notícia. = Bahia 14 de Outubro de 1820.

É criado de Você o seu amigo

J. F. C. de A. Advogado

128
5

CARTA
DE HUM MILITAR BRAZILEIRO
A HUM

Solitario do Amazonas,

OFFICIO DERIGIDO PELA JUNTA PROVISORIA

DO GOVERNO DO PARA,

AO SOBERANO CONGRESSO EM PORTUGAL

CAYENNA
1821.

129
CARTA DE UM MILITAR BRASILEIRO
A UM SOLITÁRIO DO AMAZONAS
___________________________________

Amigo, e Senhor, Remetendo a Vossa mercê, os Diários e Papéis, que


vieram nas duas Galeras Nova Amazona, e São José Diligente, não posso
dispensar-me de mandar igualmente a inclusa cópia, que pude conseguir da
interessante Representação, que a Junta Provisória dirigiu às Cortes pelo
Brigue Providência, que há pouco saiu deste Porto.
A leitura dos Papéis públicos assaz justifica a resolução que tomou
o Governo de fazer a apologia da má conduta tão injustamente atacada,
mormente vendo-se que o silêncio, que ele tem guardado por motivos de
dignidade, e decência, há dado força às calúnias de seus inimigos, ao ponto
de se ver obrigado o soberano Congresso a tomar já enérgicas medidas sobre
a mudança dos Governos do Brasil, ainda antes de chegarem [os senhores]
Deputados.
Vossa mercê conhece perfeitamente o caráter dos queixosos que têm
acusado o Governo de procedimentos arbitrários, e despóticos, e por isso não
me alargarei sobre este assunto. Basta proferir os nomes de Carneiro e Sá,
Domingos Bahiano, Patroni, e José Baptista, para concluir-se, que o Governo
não tem inimigos de outra espécie, estes só podem fazer honra à Justiça,
Prudência, e Sabedoria, com que têm regido esta Província em circunstâncias
tão críticas e melindrosas. O primeiro é constante que só foi instigado em
todas as suas tentativas contra a Junta Provisória pela inveja, e ressentimento,
que lhe causou a expulsão do Governo, e a vigilância com que a Junta olhava
para a sua conduta, obstando às suas extorsões, rapinas: os três últimos, se
alguma coisa fizeram a favor da Causa Pública, tudo ofuscaram, e deitaram
a perder pelos fins ambiciosos, que os moveram, como bem se viu, quando
um deles no segundo ou terceiro dia de Janeiro requereu ao Governo, que
em remuneração de seus relevantes serviços o nomeasse Major de Linha, e
Ajudante de Ordens, sendo apenas tenente de Milícias; outro fez toda a força
de vela, e empregou quantos meios podia sugerir a sua maldade, para ser
eleito Deputado extraordinário em Cortes, ou Membro da Junta Provisória;
e todos se conspiraram contra ela, só porque não atendeu às suas importunas,
e inaptas representações.
Ah! Meu Amigo, ou eu não entendo o que é ser constitucional, ou tais
Indivíduos não merecem este nome. Constituição é sinônimo de probidade, de
virtude de amor da Pátria, de respeito, e obediência às Leis; e por consequência

130
inimiga implacável do egoísmo, da hipocrisia, da ambição, e da desordem.
Quem não abraça uma coisa senão por interesse, e amor-próprio, é claro,
que estará pronto a abandoná-la, logo que não encontre nela as vantagens, e
proveitos que esperava. É talvez por isso que se atribuem geralmente a Patroni
as vertiginosas ideias de independência, que aqui vieram propagar os filhos do
falecido Manoel Fernandes de Vasconcellos, como Emissários, ou Precursores
desse filantrópico Mortal, que nos tremores da sua débil imaginação se julga
destinado para ser o Penn da sua Pátria. Assim o disse ele nas desenxabidas
notas, que fez ao seu Discurso; agora porém ele descobre claramente quais
são as suas perversas intenções muito diferentes sem dúvida das do imortal
Fundador da Pensilvânia, na sediciosa circular, que ele dirige aos Habitantes
desta Província, e de que remeteu vários exemplares; digno parto de tal cabeça,
que veio pôr o selo à indignação pública contra ele. Assegura nela a próxima
extinção do Governo Provisório, e exorta os Paraenses, que na Eleição da
nova Junta Provincial não atendam nem aos cargos, nem à idade, isto é em
bom português, que não duvidem nomea[n]do a ele, ainda que seja moço, e
não tenha por ora ofício algum, sem se lembrar que ele mesmo tem declamado
tantas vezes contra o antigo Ministério por nomear Generais imberbes (assim
se explica) para governar Povos. Promete enfim que ele aí vem em Pessoa,
para fazer a felicidade da sua Pátria, risum teneatis, amici1!!!
Contudo os Paraenses, que ficaram escarmentados das primeiras aven-
turas deste no[v]o Quixote, não acreditam já as suas palavras, sabem que ele
não tem trabalhado com seus planos subversivos, senão em cavar o precipício,
e a ruína da Pátria, e assim desconfiando dos dons que ele lhes vêm trazer,
requereram ao Governo pelo Órgão do Senado da Câmara, que o não deixe
desembarcar, ficando retido na Fortaleza da Barra. Que golpe para o terno,
e sensível coração de um Homem, que vem ser o benfeitor da sua opressa e
infeliz Pátria!! Povo ingrato, e volúvel, assim é que se pagam tantas vigílias,
meditações, falas, requerimentos, e fadigas deste Jovem defensor da Liberdade
Paraense!!!
Basta, meu Amigo, tenho sido muito difuso, e porventura transcendendo
os limites de uma Carta; mas assim era preciso para fazer melhor conhecer
a justiça com que a Junta Provisória se defende de tão iníquas arguições,
que poderão fazer vacilar a opinião pública, mas que não têm alterado a
moderação do seu caráter, nem a nobreza da sua marcha, lembrando-se da
excelente máxima do Grande Político Ximenes “Quando a consciência do

Contereis o riso, amigos?


1

131
Homem público de nada o repreende, deve-se deixar aos súditos a miserável
consolação de vingar os seus desgostos com palavras.”

Sou com toda a veneração seu Antigo Amigo atento Venerador.


O Militar Brasileiro.
Cidade de Belém, 20 de Novembro de 1821.

OFÍCIO DIRIGIDO PELA JUNTA PROVISÓRIA DO GOVERNO DO


PARÁ AO SOBERANO CONGRESSO EM PORTUGAL.

SENHOR,

A Província do Grão-Pará a primeira do continente do Brasil, que teve


a glória de repetir o Eco da liberdade e da Regeneração da Monarquia, riva-
lizando, o Amazonas com o Douro, e o Tejo, esta Província tão distinta pela
mansidão, brio, e fidelidade dos seus Habitantes começava a gozar os frutos
da sua nobre resolução esperando com firme confiança o feliz complemento,
e como o último remate do novo Pacto Social, cujas Bases luminosas formam
já por assim dizer, a Bíblia Política da Nação, quando aportou nesta Cidade
a Galera São José Diligente, trazendo entre as suas mercadorias as pestíferas
sementes do Partido revolucionário, que pretende levantar sobre as ruínas
da Constituição aceita, e jurada por todos os Portugueses, o Estandarte da
revolta, e da independência do Brasil.
Por mais quimérico, que parecesse este projeto temerário, e ruinoso,
que nas atuais circunstâncias desta Província só serviria de a precipitar no
abismo da sua total ruína, contudo o exemplo de Pernambuco, que ao mesmo
tempo se fez público nesta Capital, e mais do que tudo a ilusão e vertigem,
que costumam produzir tão sedutoras ideias sobre imaginações já exaltadas, e
predispostas pelo entusiasmo, e sentimento da Liberdade, fez justamente temer
o progresso de tão pernicioso contágio, que cada dia parecia ir grassando,
e tomando forças ao ponto de aparecer uma Proclamação anônima, em que
se convida os Habitantes do Pará a seguir o exemplo de Pernambuco nas
hostilidades contra os filhos de Portugal aqui residentes, e conseguintemente
na fatal tentativa da Separação daquele Reino, antigo Berço, e Pátria comum
de todos os Portugueses.

132
Não hesitou este Governo em tomar logo as mais enérgicas medidas
que exigia a segurança pública; e mandado proceder a sumário pelo Doutor
Ouvidor em virtude da Denúncia, que consta da cópia Número 1º., que logo
foi seguida da representação da Câmara Número 2.; fez prender em diferentes
fortalezas João Fernandes de Vasconcellos, Julião Fernandes de Vasconcellos, e
Manoel Fernandes de Vasconcellos, chegados na mencionada Galera São José
Diligente, apenas o Ouvidor participou que neles recaíam as mais veementes
suspeitas de serem os que propagavam a opinião da independência, e procu-
ravam aliciar ao seu partido os mais abalizados cidadãos desta Província.
Sendo igualmente compreendido nas referidas denúncias Filipe Alberto
Patroni Martins Maciel Parente, como o primeiro Chefe, ou Demagogo
da projetada Revolução, que ele pretendia promover com o auxílio da
Escravatura, de quem se havia constituído Advogado debaixo do especioso
pretexto de uma mal entendida filantropia, julgou esta Junta, que assim como
havia já aplicado a mais incansável vigilância para prevenir o efeito dos terrí-
veis sintomas, que se iam divisando na mesma Escravatura animada pelas
promessas do novo Espártaco, era agora ainda mais indispensável obviar os
males, e perigos, que podiam resultar da sua presença, que ele mesmo anun-
ciou para muito breve em um papel incendiário, e concebido em termos, que
não permitem duvidar que a sua intenção se dirige toda a sublevar os Povos,
e aproveitar-se do melindroso momento da reunião dos Eleitores, para ser
nomeado ou Deputado de Cortes, ou da Junta Provincial, quando VOSSA
MAJESTADE a tenha Mandado instalar nesta Província: Entendeu portanto
esta Junta, que cumpria com o seu dever, e com a estreita responsabilidade
que lhe é imposta, determinando ao Comandante da fortaleza da Barra, que o
retenha preso, quando ali chegar, para ser outra vez remetido com o Processo,
que patenteará a urgência, e justiça de uma medida tão extraordinária.
Entretanto temos a íntima satisfação de certificar a VOSSA MAJESTADE
que tudo se acha na mais perfeita tranquilidade, e que o Espírito público se
conserva na mais firme adesão ao sistema Constitucional, sem embargo de
haver sentido mui fortes vibrações no momento em que se espalharam os
Diários, e Periódicos de Lisboa com as seguintes notícias: 1º. Que os Povos
do Pará estavam próximos a uma Anarquia por ocasião da chegada do novo
ouvidor. 2º. Que o respectivo Governo Provisório era acusado de arbitrarie-
dades, e de uma imperdoável apatia. 3º. Que por este motivo se passava a
organizar sem demora o plano geral dos governos do Brasil sem serem ouvidos
os Deputados desta Província, que como todas as outras, têm incontestável
direito à Representação nas Cortes Nacionais, especialmente quando se trata
de regular a sua mesma sorte. [4º.] Finalmente que sobre três Membros do

133
Governo Provisório fazia recair o denominado Procurador do Pará a demora
das Eleições, e conseguintemente dos Deputados.
Sim, Augusto Senhor. É forçoso confessar, que o Espírito público pare-
ceu divergir um pouco da sua constante direção (e talvez que os Malvados
quisessem aproveitar esta oportunidade, para melhor insinuarem suas pérfi-
das sugestões, e cerebrinos projetos) porquanto nem os Povos do Pará, os
Primogênitos da Liberdade Brasiliense podiam sofrer com indiferença a nota
infame de anarquia, e insubordinação às Autoridades Constituídas, nem a
Junta Provisória que se persuade haver mantido a Paz Pública numa Época, em
que é tão difícil conter as paixões, e que em prêmio dos seus constantes desve-
los, e fadigas pelo melhoramento da Província só ambicionava os sufrágios da
opinião pública, que é a Rainha do Mundo, podia ver com insensibilidade,
que ela fosse caluniada à face do Soberano Congresso, à de todas as Nações.
Permita-nos pois a Indefectível Justiça de VOSSA MAJESTADE que em
legítima defesa dos pacíficos Habitantes desta Província, e da honra, inteireza,
e solicitude desta Junta, ela produza perante o Augusto Congresso, os moti-
vos da sua conduta nas mais árduas conjunturas em que se tem visto e que
provavelmente serviram de pretexto aos Inimigos da ordem para acusarem
este Governo, apenas viram que não podiam obter a influência que preten-
deram exercer nas suas deliberações, nem lucrar as vantagens que esperavam
da nova ordem de coisas.
Diz-se que os Povos do Pará estavam próximos a sofrer os horrorosos
males da anarquia pela admissão do novo Ouvidor despachado por SUA
MAJESTADE na Corte do Rio de Janeiro; nada porém pode haver mais
falso, mais injusto, e contraditório. Todos sabem quem era o ex-Ouvidor, e
ex-Membro do extinto Governo de Sucessão Antonio Maria Carneiro e Sá,
ninguém ignora as suas prevaricações escandalosas, e o tráfico infame que
sempre fez da [justiça] e das Graças, que estavam à sua disposição; todos estão
certos e [bem] poucos deixaram de experimentar que durante o seu Governo
se viu esta Província reduzida ao mísero estado daqueles Países despóticos da
Ásia, de que fala Montesquieu onde se não apresenta um requerimento, sem
que vá acompanhado de alguma dádiva, ou oferta; todos se lembram mui
bem, que por este motivo foi ele expulso do Governo no dia 1º. De Janeiro,
e que o voto geral era, que ele fosse também demitido da Magistratura, que
tão indignamente exercia, todos sabem finalmente, quanto ele foi adverso à
Junta Provisória desde o momento da sua instalação, subterfugindo, sempre
que podia, as suas deliberações em benefício da reta Administração da Justiça.
Ora em tão deplorável estado poderia ser indiferente a chegada de um
novo Ouvidor enviado por legítima Autoridade, abonado pelo testemunho de

134
muitas Pessoas de bem, como um Homem digno de se lhe confiar a Balança
da Justiça. Que importava aos Povos a Junta Provisória que El Rey o tivesse
despachado extraordinariamente, se a Província ia decerto melhorar com a sua
posse e prosperar o sistema Constitucional incompatível com o desprezo das
leis, e com os abusos do Poder Judiciário. Que admiração podia causar, que
El Rey prescindindo da rotina de tais Despachos em atenção no merecimento
do Candidato, conferisse a Ouvidoria do Pará a um Bacharel habilitado para
semelhantes Empregos, quando nas mais belas Épocas da Monarquia não
duvidou um dos nossos Reis revestir de igual Magistratura, a um Negociante,
em quem reconhecia luzes, e virtudes próprias de tão Augusto Ministério.
Qual seria o Governo prudente e zeloso da felicidade dos Povos, que flutuasse
um só instante na alternativa, ou admitir um Magistrado, a quem só podia
opor-se a circunstância acidental de não ter ainda servido outro algum lugar,
ou de continuar a sofrer numa Harpia Togada no Santuário da Justiça.
Eis aqui, Senhor, os poderosos motivos, que obrigaram esta Junta a
desprezar as frívolas reclamações de alguns Sequazes do referido ex-Ouvidor
que pretendia sustentar-se no exercício da rapina Judicial, como já fez
presente a VOSSA MAJESTADE remetendo por cópia as Representações da
Câmara que infelizmente iludida serviu de instrumento àquela facção, e mais
Documentos relativos a este objeto. Não houve portanto anarquia, nem por
um só momento se alterou a ordem, e o sossego público, e apenas se viu que
aquele ex-Ministro promovia a desunião e discórdia entre os Cidadãos para
engrossar o Partido que havia formado contra a Junta Provisória, não duvi-
dou esta em reverência de Salvação pública, que é a Lei suprema de todos os
Estados, e o fim último das Associações Políticas, fazê-lo sair imediatamente
para fora da Província; que deve a esta medida a segurança e a paz, de que até
agora tem gozado. Ainda mesmo quando se pudesse então verificar o perigo
de anarquia, não devia ele atribuir-se, nem aos Povos, nem ao Governo, nem
à posse do novo Ouvidor, mas à maldade, ambição e egoísmo, e sedicioso
caráter do ex-Ouvidor, e seus Apaniguados.
Nada diremos das acusações de arbitrariedades, enquanto não soubermos
os fatos em que o Governo se tenha afastado das leis existentes, que consti-
tuem a norma invariável da má conduta. Apelamos todavia para o imparcial
testemunho de toda esta Província que reconhece quanto o Governo as tem
religiosamente observado, [ilegível] dando só talvez que a Junta conduzida pelo
império das circunstâncias, confiasse os seus interesses e Representação pública
a Domingos Simões da Cunha, e Filipe Alberto Patroni, que os Paraenses
olham com execração, como vis instrumentos da perfídia, e da intriga.

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Invocamos sim o testemunho de toda a Província, que sabe com que zelo,
e atividade se tem fiscalizado, e arrecadado as Rendas do Estado, [e] com que
severa economia elas têm sido despendidas; com que exatidão e igualdade
têm sido pagos os diferentes Funcionários, com que vigilância se tem coibido
os abusos, e malversações, com que energia e patriotismo se tem favorecido
o Comércio, e Agricultura, não só removendo os obstáculos da navegação,
quanto as Equipagens das Canoas, mas também mandado abrir um novo
canal de reconhecida importância, e necessidade para a mesma navegação;
com que cuidado se tem provido a abastança pública, e com que assiduidade
ela se emprega no expediente dos Negócios, e nos meios da geral prosperidade
compatíveis com a natureza e caráter de uma Junta Provisória.
Contente com a opinião dos seus concidadãos, e com o ditame da
própria consciência, a Junta Provisória desprezaria semelhantes acusações na
certeza de que os queixosos pela maior parte não são aqueles a quem se faz
violência mas sim justiça, se não fosse por extremo sensível, e aflitiva para o
nosso melindre a menor quebra da consideração que esta Junta se lisonjeia
de merecer ante o Augusto Congresso da Nação.
É por isso que se faz indispensável ocupar ainda por alguns momentos
a Atenção da VOSSA MAJESTADE para responder em poucas palavras a
mui grave arguição de imperdoável apatia, e demora das Eleições, que lhe
tem assacado o fogoso Patroni. Este Mancebo dotado de viveza e de talentos,
que davam esperanças a sua Pátria, se tornou desgraçadamente não só inútil,
mas até perigoso, pelo mau uso dos poucos conhecimentos que adquiriu na
carreira Acadêmica, e sobretudo pelo orgulho, que o domina, julgando-se na
sua desvairada fantasia merecedor das maiores honras, e Empregos do Mundo.
Devorado deste espírito de ambição, e gosto de figurar, ele interrompeu
os seus Estudos, e apareceu nesta Capital nos fins do ano próximo passado;
e como não merecesse a estima de seus Concidadãos, não lhe foi confiado
o segredo, e a glória dos memoráveis acontecimentos do 1º. De Janeiro,
achando-se neste dia em Casa de um seu Parente, donde não saiu senão
depois que viu a causa decidida em favor da Liberdade. Semelhante então ao
Viajante da Fábula, que depois de passado o perigo, ostentava o seu valor, ele
começa a ingerir-se com altivez inaudita em todos os negócios, e erigindo-se
em Assessor do Senado da Câmara, persuade-lhe que represente ao Governo
a urgente necessidade de eleger-se extraordinariamente um Deputado por
esta Província, sem dependência das formalidades prescritas nas Instruções
de 22 de Novembro.
Falhando porém este estratagema, em que ele contava com os votos
dos Eleitores mediante os artifícios da sedução, recorreu às armas da intriga,

136
fomentando a indisposição de alguns Indivíduos contra o Presidente, e
Vice-Presidente do Governo, no intento de substituir o seu lugar, se a Junta
Provisória tivesse a fraqueza de ceder à tentativa dos facciosos instigados
pelo mesmo Patroni.
Malogradas assim todas as suas esperanças; e conseguindo apenas a
Comissão, de que foi encarregado perante a Regência de Portugal, ele conti-
nuou a empregar os mesmos ardis e maquinações, já mandando insinuar em
Cartas particulares, que não deviam ser eleitos por Deputados aqueles dos
seus Compatriotas, que ele via gozarem da confiança pública; já requerendo
a VOSSA MAJESTADE sem autorização alguma, que o admitisse como
Deputado extraordinário em Cortes, vista a demora que deveriam ter os que
fossem nomeados na forma das Instruções em um país, onde ou seja por
imensas distâncias, ou seja pelas dificuldades quase insuperáveis da navegação,
não podia verificar-se em menos de um ano a referida Eleição.
É constante que VOSSA MAJESTADE não Atendeu semelhante requi-
sição, como incurial, e contrária aos princípios da perfeita representação em
que se estriba o Edifício da nossa Liberdade Política.
Mas com que direito se atreve o Procurador do Pará a fazer recair sobre
três Membros desta Junta a demora das Eleições, quando pela sua mesma
confissão ao Soberano Congresso elas não podem realizar-se em menos de
um ano? Por que motivo seriam elas tão difíceis, enquanto ele pretendia ser
Deputado extraordinário, e serão agora fáceis, e o Governo criminoso de uma
imperdoável apatia, depois que foi escusada a sua ilegal pretensão. Não viu ele
que a Bahia a opulenta, e civilizada Bahia, onde as jornadas, e todos os meios
são infinitamente mais prontos e mais cômodos do que nesta Província de uma
vastíssima extensão ainda inculta, pouco pov[o]ada, e cortada de Rios cauda-
losos e difíceis de navegar, acaba de assegurar ao Augusto Congresso, que
não tem ido os seus Deputados por causa das distâncias daquele Continente?
Ah! Senhor, o Procurador do Pará traiu vergonhosamente a Causa no
seu Constituinte, e consultando mais as teorias abstratas, do que a experiên-
cia e conhecimento, que deve ter da estatística do seu País, ele faria a nossa
desgraça, e de todo o Brasil, se infelizmente viessem a vingar seus imprudentes
e arriscados projetos. Não, não é o amor da Pátria, que o dirige, e a seus
consócios, mas sim o torpe egoísmo, o interesse pessoal, e a louca mania, de
uma celebridade que ele não merece.
Releve-nos VOSSA MAJESTADE, tão prolixa narração, como indis-
pensável para pôr em toda a luz o caráter desse punhado de descontentes,
que têm pretendido denegrir na Augusta presença de VOSSA MAJESTADE
a ilibada fidelidade dos Paraenses, e a circunspeção de um Governo que no

137
meio da efervescência das paixões inimigas da ordem social, tem tido a glória
de fazer respeitar a Lei, e a Justiça entre os Povos, que governa.
Poderá dizer-se que a mesma Junta Provisória se denunciou ao Congresso,
como decaída da confiança pública, que constitui a força moral dos Governos;
assim é: mas esta declaração que parece comprovar o que dizem os seus
Inimigos, não foi mais de que um lance de moderação, e patriotismo na
crise momentânea da oposição do ex-Ouvidor, e do seu Partido, desejando
ardentemente como ainda hoje desejamos que mãos mais hábeis viessem
conduzir o baixel de um Estado [ilegível] entre as vagas da intriga, da inveja,
e da discórdia.
Se isto foi o que deu motivo à moção do Imortal Corifeu da Liberdade
Portuguesa, o Excelentíssimo Manoel Fernandes Thomas, requerendo em
consequência das Representações desta Província, que se discutisse quanto
antes o projeto do Governo do Brasil, seja-nos lícito invocar em obséquio
da Justiça, as mesmas judiciosas observações, que faz o Ilustre Deputado no
eloquente Relatório, que apresentou a VOSSA MAJESTADE, em uma das
primeiras Sessões do AUGUSTO CONGRESSO.

Assim o Governo meramente Provisório desde sua criação, e desde ela


também pouco poderoso pela certeza de sua curta duração, não podia obrar
com aquela energia, que pedem as reformas, e muito mais porque a cada passo
se via obrigado a desviar-se das vagas encapeladas das facções, mais impe-
tuosas ainda no meio dos embates de uma revolução começada. Limitara-se
portanto a pouco mais do que a emenda dos abusos, porque as providências
de universal influência sobre a sorte da Nação, ficavam fora do seu alcance.

Salta aos olhos a aplicação destes princípios irrefragáveis. O Supremo


Governo do Reino composto dos Fábios da Nação, e instalado pela escolha
de um Povo iluminado, e já maduro, se assim se pode dizer, para receber a
Carta da sua Liberdade civil, não pode obrar com energia, não pode superar
as facções, e mais é o que ficou por fazer, do que aquilo que ele fez: e pode-
ria o Governo Provisório de um País, onde a educação se acha tão atrasada,
onde muit[o] de indústria se tem pretendido extinguir as luzes, e perpetuar a
ignorância, de para melhor escravizar os Povos, poderia este Governo deixar
de experimentar choques, contradições, e estorvos a cada passo, que quisesse
dar para o melhoramento da Província. Seria preciso ignorar a marcha
uniforme da Natureza em semelhantes períodos de convulsões, e mudanças,
porque passam os Impérios, para esperar que entre as [únicas] produções do

138
Amazonas aparecesse este fenômeno político, de que não oferece exemplo a
História dos Povos mais cultos, e amantes da Liberdade.
Não pretendemos canonizar a nossa conduta como isenta de erros de que
não escapam os mesmos Gênios superiores, mas além da pureza das nossas
intenções, pode ser que não sejamos culpados daquilo, de que nos argúem os
inimigos, e por isso reclamando o direito, que se não pode negar a qualquer
Cidadão livre, esperamos da Integridade, e justiça de VOSSA MAJESTADE,
que não formará opinião alguma contra esta Junta, sem que ela seja ouvida
sobre as pretendidas arbitrariedades de que há sido acusada.
Digne-se VOSSA MAJESTADE aceitar ao mesmo tempo as respeitosas
felicitações desta Junta, e de toda a Província, pelas gloriosas Tarefas de tão
Iluminado Congresso, mais digno que o antigo Senado Romano, do respeito,
a admiração de todos os Povos, protestando a Vossa MAJESTADE a mais
inalterável, e constante adesão à Causa, que havemos solenemente jurado.
Pará 15 de Novembro de 1821.

O Vigário Geral Romualdo Antonio DE SEIXAS, Presidente. O Juiz de


Fora Joaquim PEREIRA DE MACEDO, Vice-Presidente. O Coronel João
PEREIRA VILLAÇA. O Coronel Francisco José RODRIGUES BARATA.
O Coronel Giraldo José DE ABREU. Francisco José DE FARIA. Francisco
GONÇALVES LIMA. João DA FONSECA FREITAS. José Roiz DE CASTRO
GÓES.

139
6

[CARTA DIRIGIDA A CASSIANO SPIRIDIAÕ DE MELLO MATTOS


PEDINDO DEFINIÇÃO DE CORCUNDA, OU CONSTITUCIONAL.]
_________________________________
Ilustríssimo Senhor Cassiano Espiridião de Mello Mattos
Quando em Vila Rica ouvi dizer, que Vossa Senhoria tinha mandado imprimir
uma resposta às reflexões feitas pelo Redator da Gazeta desta Cidade, sobre
a instalação do Governo Provisional desta Província, não quis dar crédito
algum a semelhante notícia, não só por estar convencido, que às tais reflexões
se não podia dar resposta, que valor tivesse; mas também por conhecer, que
a respeito da tal instalação, Vossa Senhoria longe de dever ser o mesmo, que
produza o seu nome a público, está pelo contrário em circunstâncias de dever
até pagar, se necessário for, para que, tratando-se de um semelhante objeto,
se não fale na sua pessoa.
Alguns dias porém depois, achando-me em Barbacena, tive de desistir
da minha incredulidade, pois que enfim, me veio à mão a célebre resposta.
É com toda razão, que Vossa Senhoria nele diz, que ninguém nessa Vila
contestará as circunstâncias, que relata; pois, quem haverá aí assaz louco,
que se atreva a falar verdade sobre este objeto, vendo aberta uma Devassa de
Inconfidência, e já três Cidadãos, um jazendo em uma Cadeia, e dois fugidos?
Quem se atreverá aí a desmentir a Vossa Senhoria, sendo Vossa Senhoria
mesmo o Juiz desta devassa? Eu, se aí estivesse, não daria palavra, como
porém já me acho a porto, e salvamento, hei de falar, e deste já prometo a
Vossa Senhoria, que em breve há de sair a público uma fiel, e exata narração
do modo, e maneira, como esse Governo foi instalado; narração, em que
hão de figurar ainda as mais mínimas circunstâncias ocorridas neste ato, não
esquecendo aquela, de ser um dos votantes, um criado de Vossa Senhoria.....
Enquanto porém o momento não chega de acabar de desabusar o Público,
que aliás já sabe muita coisa a este respeito, tenho em vista entreter-me um
pouco com Vossa Senhoria, sobre qual seja a verdadeira significação das pala-
vras – Corcunda – e – Constitucional, – pois que o uso, e aplicação, que Vossa
Senhoria delas faz em sua resposta, tem transtornado de tal modo os meus
princípios, que duvidando até se as concebo nas suas verdadeiras acepções,
me vejo na precisão de procurar esclarecer as minhas ideias a este respeito.
Para pois caminhar direito ao fim, e evitar o mais possível, que venhamos
a aberrar da questão, proporei as minhas dúvidas em modo de perguntas, a
que espero que Vossa Senhoria haja de responder, diretamente, e sem rodeios.

140
Primeira Pergunta.

No ano de 1712, o Ouvidor, que então era dessa Comarca, tendo repre-
sentado o pouco rendimento do seu lugar, conseguiu Provisão para receber
anualmente cinquenta mil réis, a título de aposentadoria, pagos metade pela
Câmara de Vila Rica, e metade pela de Mariana.
Passados bastantes anos principiaram os Ouvidores a ter casas de
aposentadoria, dadas pela Fazenda, e positivamente compradas para esse
fim: continuaram porém sempre a receber a anata, até que sendo Juiz de Fora
dessa Vila, (se bem me lembro,) o atual Desembargador Ignacio José, este
Ministro não consentiu que a Câmara dela continuasse a pagar a sua quota
parte. Enquanto porém a Câmara de Mariana, esta, como não teve tão bom
fiscal, continuou sempre a pagar.
O ano passado, achando-se Vossa Senhoria servindo de Ouvidor, e
fazendo a Correição daquela Cidade, não só abonou nas contas do Conselho
uma semelhante despesa, mas até recebeu os vinte e cinco mil réis. Na
Correição porém deste ano aconteceu o contrário: pois que o Ouvidor, não
só não quis receber para si tal quantia, mas achando lançada em despesa a
que Vossa Senhoria tenha recebido, não abonou, mas glosou-a.
Ora é bem de supor que Vossa Senhoria já tinha restituído, ou que pelo
menos não duvidará restituir, logo que tenha notícia da Glosa, pois não é
justo que os pobres Vereadores paguem o que não comeram, e sejam vítimas
da sua mal-entendida complacência em subscreverem a uma despesa, para a
qual não estavam autorizados. No entanto porém pergunto: Vossa Senhoria
não corrigindo o abuso como devia, e aproveitando-se até dele, obrou como
Corcunda, ou como Constitucional? – Rio de Janeiro 17 de Dezembro de
1821. – Sou De Vossa Senhoria Venerador atento.

Francisco Garcia Adjuto.

_____________________________________________________________
RIO DE JANEIRO, NA IMPRENSA NACIONAL

141
7

CARTA
DIRIGIDA
AOS

HABITANTES D’ ANGOLLA

POR
JOSÉ ANASTACIO FALCAÕ

______________

RIO DE JANEIRO NA IMPRESSAÕ NACIONAL


1821.

142
______________________________

O prêmio da Virtude é a Virtude.


O castigo do Vício é o próprio Vício.
B[o]cage
______________________________

CARTA
AOS HABITANTES DE ANGOLA.

Declaram-se os motivos por que o Governador e Capitão General Manoel


Vieira de Albuquerque Tovar mandou prender, o Autor e o remeter para esta
Corte por ele pretender estabelecer a Constituição naquele Reino. Mostram-se
todas as particularidades que houve a este respeito: a indigna e despótica
maneira com que foi tratado pelo Comandante da Fragata Vênus José Maria
Vieira: por que razão era mandado para o desterro de Cabo Verde, e como
obteve a sua soltura, por efeitos da Grandeza, e Magnanimidade Do Muito
Augusto e Piedoso Senhor DOM PEDRO DE ALCÂNTARA Príncipe Real
do Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves.
E termina por uma Conta corrente em que mostra que pagas todas as suas
dívidas ainda resta um grande saldo a seu favor.

Rio de Janeiro 1º.


de Julho 1821

SENHORES

TÊM sido tantas, e tão diversas as opiniões nesta Corte a respeito da origem
da minha prisão neste Reino, e dos procedimentos do General Tovar, que
me vejo constituído na obrigação de declarar toda a verdade, para evitar
imputações indiscretas de pessoas mal informadas, contra a conduta do dito
General, e contra a minha conduta.
Algumas pessoas ainda aí estão persuadidas, segundo aqui me consta
que o General Tovar me convocou para eu lhe delatar indivíduos de quem ele
se desejava vingar. Outros dizem que ele me fechara em um quarto para me
obrigar a fazer papéis que comprometessem alguns habitantes de Angola, e
que procedera contra mim por eu não querer anuir a isto; porém em abono
da verdade devo dizer que é inteiramente falsa esta opinião; pois nem o

143
General era capaz de me convocar para semelhante fim, nem eu era capaz de
executar semelhante pretensão; e é a maior injustiça que se lhe pode fazer;
pois ainda que ele deu motivo a todos os incômodos, tormentos, e insultos
que suportei durante a minha prisão; contudo não devo faltar à verdade;
pois conheço que a origem primária da minha desventura foi devida aos vis
e indignos delatores que me acusaram.
Outras pessoas pensam muito diversamente, e a maior parte tudo igno-
ram a este respeito; razão por que vou declarar todos os passos acontecidos,
a fim de se conhecer toda a verdade.
Eu não pretendo aqui decidir se o General Tovar governou bem, ou
governou mal, pois conheço que aqueles que governam não podem agradar a
todos. Serei imparcial a este respeito, e nunca deverei ser arguido ou suspeito
quando parece que devia ser o mais queixoso: porém se o General Tovar
fora mais prudente não teria hoje tantos inimigos.
É público a todos os habitantes dessa Cidade a desordem, e a oposição
em que estavam as Autoridades Constituídas umas com outras; assim como
que o General Tovar suspirava pelo momento de se retirar de Angola, para
esta Capital.
Quando a Galera Amália chegou a Angola, e se divulgaram as notícias de
estar estabelecida a Constituição Nacional no Reino de Portugal, e que tinha
sido solenemente jurada por todas as Classes em Nome de Sua Majestade,
é bem sabido por todos os habitantes dessa Cidade o que então aconteceu.
Dizia-se que o General estava a retirar-se por haver obtido licença: que
ia estabelecer-se um Governo Interino; e que findava o Contrato da escra-
vatura. Tais foram os motivos que deram origem, a diversos rumores; ao
mesmo tempo que a tropa demonstrava os mais ardentes desejos de seguir
a Constituição Nacional.
Dividida em partidos toda a Cidade, cada um seguia os ditames das
suas paixões, ou de seus interesses; porém a tropa, em cujas mãos estava
depositada a defesa do País clamando pela Constituição por saber que a
de Portugal recebia grandes soldos, e etape; era para temer algum excesso,
muito particularmente, sendo como é tão diminuto o seu número em relação
com os Nacionais.
Como fiel Português considerei seriamente no estado de Angola, e vi que
estava ameaçada pela mais temível anarquia. Ao mesmo tempo o General
ocultava todas as notícias; porém era publicamente sabido tudo quanto se
passava em Portugal pelas muitas correspondências particulares que então
havia…

144
Portanto não duvidei um só momento que sua Real Majestade aprovasse
a Constituição, pois me recordava que se o Nosso Augusto Soberano para
salvar a Nação, e manter a sua integridade havia feito o grandíssimo sacrifício
de sair da sua Pátria, e atravessar um imenso Pélago para vir estabelecer no
outro Hemisfério a Sede da Monarquia Lusitana; não hesitaria um momento
em Aprovar e Jurar a Constituição, uma vez que era o voto geral da Nação e
o único meio de salvar a Pátria dos males em que ia a submergir-se.
Porém poucos se persuadiram desta minha opinião.
Vendo portanto que pessoa alguma dessa Cidade se deliberava a quebrar
os ferros do Despotismo, considerei-me na obrigação de concorrer quanto
me fosse possível, para estabelecer a Constituição em Angola, e convidando
diversas pessoas para este fim, formei um Plano para se criar uma Junta
Provisória que sendo presidida pelo General deliberasse todos os negócios
políticos desse Reino; e retirando-se o General ficasse somente a Junta gover-
nando em Nome de Sua Majestade: Escrevi uma Memória para ser apresentada
ao General, na qual lhe fazia ver a urgência que havia de se estabelecer aí
o Sistema Constitucional; fazendo-lhe igualmente ver o estado miserável, e
formal anarquia em que estava esse País; declarei em uma relação, todas as
pessoas que me pareceram mais dignas de ocuparem as diversas repartições
que se deveriam criar para serem propostas a votos: mencionei em outra
relação os Oficiais Militares que me parecia gozarem de melhores créditos, e
escrevi uma Fala em que provava os interessantes resultados que se seguiam da
Constituição etc. Porém bem poucas pessoas tinham visto estes Documentos
quando chegou a Angola a Fragata Vênus.
Então se realizaram todas as notícias. E qual seria o honrado, e verdadeiro
Português que não desejasse concorrer para a salvação da Pátria, quando ela
exigia a união de todos para destruir de uma vez o Despotismo?
Todo o Português tinha igual jus, e igual direito de Concorrer para esta
grande obra!
Tais foram os motivos que me decidiram a escrever os Documentos que
me foram apreendidos; e a razão por que pretendia estabelecer a Constituição
nesse Reino.
No dia 21 de Fevereiro do corrente ano dia para mim sempre memorável,
fui preso às 4 horas da tarde indo a entrar para minha casa pelo Inspetor das
Rondas dessa Cidade, bem conhecido de vós todos pelos seus grandes serviços.
A maneira com que ele procederia escusa dizer-se todos vós conheceis
bem o seu bom caráter…
Logo que cheguei à presença do General não vi mais senão tropa e baio-
netas, que me cercavam por toda a parte. O General dominado pela maior

145
cólera não pode então ser prudente e somente pretendia saber, se o Ouvidor
Verneque e Mello, seu Ajudante de Ordens, eram combinados comigo, em
coisa alguma, e como lhe afirmasse que não, me prometeu mil tormentos,
e protestou mandar-me fuzilar se não lhe dissesse a verdade. Que apertado
lance para um Anticonstitucional!.. Porém eu não pertencia a esse miserável
e desprezível Partido. Eu era e sou Português Constitucional a todo o custo,
a minha alma jamais conheceu a fraqueza porém neste caso era preciso muita
prudência e muita presença de espírito. Então eu lhe respondi moderadamente
que se ele como General estava munido de Suprema autoridade podia mandar-
-me fuzilar; porém que olhasse quais podiam ser as consequências. Que tais
indivíduos, não eram entrados em combinação alguma comigo; que pessoa
alguma era culpada; que se havia crime, só eu era o criminoso, e se havia
glória só me pertencia, pois que só eu era o Autor de tudo; que uma ou duas
pessoas unicamente tinham visto aqueles documentos, e que ainda que tivesse
falado com muitas pessoas a respeito da Constituição, contudo nada se havia
tratado que fosse oposto à boa Ordem, e que nunca me podia persuadir que
este passo fosse criminoso, quando este era o Voto Geral da Nação segundo
as Notícias de Lisboa muito principalmente sendo constante que Sua Real
Majestade estava próximo a sair para Portugal na Nau Dom João VI para ir
presidir as Cortes Nacionais, e sancionar as Leis.
Pareceu muito estranho ao General este meu modo de falar, e mandando
encerrar-me em um quarto da sua casa junto da Guarda principal com uma
sentinela à vista, pondo em armas todos os corpos militares, até me consta que
fez estar a Fragata Vênus a postos toda a noite e com a artilharia carregada
de metralha, rendeu o Comandante da Guarda principal, e mandou prender
quantas pessoas tinham amizade comigo, como foram o major Govea José
Miguel de Azambuja, Joaquim José Ferreira, Joaquim Filippe, Marcos José
Gilli, Antonio Leão Pinto da Cunha etc.
Que horrorosa noite passei fechado no dito quarto? Nem ao menos
uma cama ou uma esteira, me foi concedida!… Tudo era desordem e confu-
são no Governo, e eu não ouvia mais senão passagem de tropa e estrépito
de armas!… A cada momento eu esperava ser conduzido para o Suplício;
porém o meu coração não me acusava nem eu sofria os tormentos de que são
origem o remorso. Não temia sacrificar a própria vida em defesa dos Sagrados
Direitos da minha Pátria. Poucos como eu tinham experimentado o rigor do
Despotismo. Era preciso portanto ou fazer acabar o Despotismo ou acabar
às suas mãos com valor e com coragem. Eis o que eu procurava nessa fatal
ocasião, de que vós todos fostes testemunhas oculares.

146
No dia seguinte teve o General comigo outra contestação sobre o
mesmo objeto porém não obstante fazer-me novas ameaças, determinou que
eu me recolhesse à Fortaleza de São Miguel com homenagem [menagem?],
e concedeu-me licença para eu ir à minha casa arranjar os meus negócios.
Neste mesmo dia foram soltos a maior parte dos Oficiais e mais pessoas
que o General havia mandando prender.
No dia 28 fui chamado à presença do General o qual me fez entrega
de todos os meus papéis à exceção dos 2 documentos Livro Diário, alguns
Folhetos do Correio Brasiliense, os papéis tendentes à Constituição e uma
obrigação de trezentos e tantos mil réis, a qual estou bem persuadido que
ficou confundida com outros papéis casualmente.
Ele insistiu de novo em que lhe declarasse, se o Ouvidor e o dito Mello
entravam nestes arranjamentos, e duvidou inteiramente que eu fosse o Autor
de uma fala política que pretendia recitar na ocasião da Instalação do Governo
Constitucional.
Depois que cheguei à Fortaleza de São Miguel recebi por mão de um
Eclesiástico uma Carta do Excelentíssimo Bispo desse Reino, o qual pretendia
que eu lhe declarasse, sem contemplação alguma se o General me havia falado
no seu nome; a cuja carta respondi politicamente, mas em papel separado; pois
logo previ que os espiões do General em breve lhe dariam parte deste passo.
No seguinte dia sendo chamado exigiu de mim o General a carta original
do Bispo, e a resposta que eu lhe tinha dado, e depois de ler tudo me pediu
que assinasse dois Termos: Um em que declarasse o teor da Carta do Bispo,
e a minha resposta: outro que explicasse brevissimamente, os motivos que
me haviam deliberado a querer estabelecer a Constituição em Angola; cujos
Termos foram lavrados pelo Secretário do Governo e assinados por mim.
Pouco tempo depois logo que cheguei à Fortaleza de São Miguel recebi
uma Carta do Ajudante de Ordens Mello por mão do seu camarada, e vinha
aberta.
Ele me rogava que lhe declarasse naquele mesmo papel se ele era
incluído em uma Relação, que lhe diziam eu tinha feito de diversas pessoas
dessa; Cidade, ainda que não tinha motivos para o presumir, e que também
lhe declarasse se em todo o tempo que ele estava em Angola, comigo havia
tido comunicação alguma. Conheci imediatamente que o dito Ajudante de
Ordens pretendia haver de mim este Documento para mostrar na Corte que
ele era oposto à Constituição, no caso que assim lhe conviesse; porém como
se enganou nos seus projetos, devo dizer-vos que concorrendo comigo em
casa de um amigo quis persuadir-me que ele também pretendia estabelecer a
Constituição em Angola; afirmando-me que tinha o esquadrão a seu favor.

147
O que são os homens!.. Mello em Angola só pretendia Documentos pelos
quais mostrasse que não entrava em Convenções Constitucionais comigo;
porém hoje que está estabelecida a Constituição, e não há perigo algum
em falar a favor desta Grande Causa pretende pôr-se a nível com os Fiéis
Portugueses que arriscaram a própria vida pela salvação da Pátria, procurando
quebrar de uma vez cruéis algemas, e extinguir para sempre o Despotismo.
Às 6 horas da tarde do dia 28 de Fevereiro; apareceu o Alferes Antonio
Manoel Nogueira, e deu-me ordem do General para o acompanhar, mas
que ignorava para onde; pois que no Cais da Alfândega estaria outro Oficial
munido de Ordens que fixassem o meu destino.
Confesso que esta ordem me sobressaltou. Em um momento, fiz mil
projetos, e mil conjecturas. Lembrava-me que perdia a minha Casa, o meu
estabelecimento, e o meu Comércio, e que tudo estava em desarranjo por
causa da minha prisão; porém ao mesmo tempo, conhecia que estes grandes
sacrifícios, são ainda muito diminutos quando se trata de salvar a pátria,
esmagar o Despotismo, e defender o Rei e a Nação.
Logo que chegamos ao Cais ali estava o Inspetor do Trem (o Major
Abreu) que declarou ser o meu destino para bordo da Fragata Vênus segundo
me disse o alferes Nogueira.
No mesmo momento o dito alferes se embarcou comigo em um escaler,
e às 8 horas da noite entrei a bordo da mencionada Fragata, onde se me
destinou por alojamento a Praça de Armas e uma sentinela à vista.
No dia seguinte fui chamado acima da tolda e o Voluntário Govea me
veio ler uma Ordem do General Tovar na qual determinava que o Comandante
da Fragata proibisse toda e qualquer comunicação, que eu pudesse ter com os
habitantes desse Reino; porém este zeloso Comandante ainda fez mais, pois
não só me proibiu a correspondência para terra, como também ordenou que
eu ficasse incomunicável a bordo, e tirando-me todos os papéis que depois
analisou como bem lhe pareceu, mandou lançar-me ferros no segundo dia,
e fui olhado, e tratado por quase todos os Oficiais da dita Fragata como
se fosse Réu de enormes crimes, o que é bem público a toda a Tripulação
da mesma Fragata, e chegou a tal o excesso do Comandante que tendo-me
conservado incomunicável toda a viagem me insultou e descompôs publica-
mente prometendo-me rodas de pau, e chegando ao Rio de Janeiro depois de
Sua Majestade e toda a Sua Real Família terem jurado a Constituição; assim
mesmo me conservou em ferros até que no dia 18 de Abril fui remetido para
bordo da Nau Príncipe Real; e tão indecentemente que tendo sido conduzido
para bordo da Fragata por um Oficial, de Patente teve a deliberação de me
remeter dentro numa escolta armada!.. E como não houve declaração alguma

148
a meu respeito fui reduzido ao miserável estado de ficar à boca da escotilha; a
dormir confundido com assassinos, e malfeitores, e entre escravos, e Galés!..
Oh! Despotismo!.. É assim que deve ser tratado quem procura a Regeneração
da Pátria? Porém o benigno Comandante desta Nau (o Capitão de Fragata
Fideles José Ribeiro Veloso) sendo sensível à minha representação, teve a
bondade de me conceder logo um decente Camarote na Praça de Armas, e
homenagem em todo o Navio.
Vi então realizadas todas as minhas conjecturas quando li o Provi-
dentíssimo Decreto de 7 de Março pelo qual Sua Real Majestade declarou ter
Aprovado e Jurado com toda a sua Real Família a Constituição Nacional.
Com que respeito eu não li este Diploma prova incontestável da Grandeza
do nosso Augusto Monarca!!!
Desde logo que me considerei em plena liberdade porém eu julgava
que a saída de Sua Majestade transtornaria em parte a marcha dos meus
negócios políticos.
Diversas vezes supliquei a minha soltura porém eu ignorava que Sua
Majestade antes de se retirar tinha Determinado por Seu Real Decreto, que
eu fosse para as Ilhas de Cabo Verde, cujo Decreto é o Documento Número
1.º: E portanto só uma Graça especial do Muito Augusto, e sempre amado
Senhor DOM PEDRO DE ALCÂNTARA Príncipe Real do Reino Unido, e
Regente do Brasil podia impedir esta minha nova desventura.
Raiou finalmente o Feliz e Memorável dia 5 de Junho de 1821!.. Já a
esse tempo eu tinha requerimentos afetos a Sua Alteza Real. Então os meus
Amigos e um principalmente a quem eternamente serei reconhecido, falaram
com bastante calor pedindo a minha soltura.
Sua Alteza Real que neste dia tantas provas deu aos Portugueses de seu
Amor Paternal, da sua coragem, da sua Prudência, e da sua Magnanimidade.
Houve por bem mandar lavrar um Decreto no dia 8 em que não só mandou
que fosse logo solto; como também me perdoou o exílio para Cabo Verde
como se vê do Documento Número 2 =
Feliz a Nação quando é governada por um Príncipe tão cheio de virtu-
des; e tão piedoso; e mais feliz o Príncipe que rege uma Nação que o ama, e
preza. Tais são os sentimentos dos Portugueses Constitucionais!.. Eu falo a
favor da verdade.
Quando o fogo das paixões começa a desenvolver-se, e faz gostar aos
Príncipes a púrpura recamada de ouro, a pompa, a grandeza, o luxo e tudo
quanto pode contribuir para os seus deleites; ao contrário Sua Alteza Real na
sua juventude só procura ser grande fazendo-se amar do seu Povo; só procura
fazer-se respeitar praticando virtudes.

149
Apenas se retirou El Rei logo Sua Alteza Real se despiu de toda a pompa
e luxo! Eu falo à face de oculares testemunhas, falo diante dos habitantes
desta Cidade que assim como eu o têm presenciado: Sua Alteza logo teve o
cuidado de visitar os Estabelecimentos públicos de todas as Classes; dispen-
sou a sua Ucharia, mandou para o serviço da tropa a maior parte dos seus
cavalos, finalmente dedicou-se a fazer a felicidade dos Portugueses. Quantos
Sentenciados não acharam em Sua Alteza Real a mais decidida generosidade,
Este Augusto, e Magnânimo Príncipe, concedendo-lhe[s] a honra de entrarem
nos Corpos Militares, lhes perdoou seus delitos; fez lavrar o respeitável Decreto
de 23 de Maio pelo qual proíbe o despotismo e o irregular procedimento dos
Ministros criminais; manda abolir o uso dos ferros, e das algemas, e extingue
para sempre os tormentos, proibindo que em caso nenhum possa alguém ser
lançado em segredo ou masmorra estreita; finalmente regula a maneira das
prisões, e dos processos.
Felizes torno a dizer os povos quando o seu Príncipe é virtuoso, e procura
o bem geral da Nação.
Os fatos que vos aponto são tão públicos que estou persuadido não há
nesta Cidade uma só pessoa que os ignore. Sua Mão Augusta e Benfazeja
suspendeu a torrente das minhas desventuras, concedeu-me a liberdade perdida
há tanto tempo, e conhecendo a injustiça da minha prisão, por isso Ordenou
que fosse logo posto em liberdade.
Tenho finalmente satisfeito ao que vos prometi declarando todos os
passos acontecidos comigo desde que intentei estabelecer a Constituição
em Angola, até a presente época em que desfruto o incomparável bem da
Liberdade. Declaro que nem o Ouvidor, nem o Ajudante de Ordens Mello
nem Autoridade alguma desse Reino, me convocaram para semelhante fim.
O meu coração não podia por mais tempo suportar o Despotismo nem os
meus olhos podiam ver indiferentemente matar homens carregados com o
peso de enormes penedos, acorrentados com pesados grilhões, enterrados no
mar até o peito para fabricarem essa decantada obra do Cais do Terreiro sem
método, sem proveito, e sem formalidade alguma, por causa do seu ignorante
Diretor. Quantas vezes eu vi esses miseráveis soldados acorrentados pelo
pescoço estarem levantando a braço formidáveis penedos para os colocar no
sítio próprio. Ah! Estupidez! Oh! Desgraça humana!.. Quem ignora que um
mastro, e um cabrestante servem para conduzirmos todas as pedras ao lugar
mais alto de um edifício? Eu julgo que um mestre de obras, ainda dos mais
ignorantes conhece este mecanismo. Portanto fiquem todos persuadidos que
não é Angola quem mata os soldados têm sido a ignorância, e a barbaridade
de quem os obriga a trabalhos com que não podem.

150
Estes e outros fatos além do dever de Fiel Português me decidiram a
lançar mão da pena para escrever os Documentos que o General Tovar me
apreendeu, e a querer estabelecer a Constituição em Angola para salvar estas
desgraçadas vítimas, da opressão e esse povo inteiro do Despotismo. Eis a
que me propunha, e o que meditei seriamente no meu Gabinete, com alguns
amigos os quais sabem perfeitamente que as minhas intenções, só eram esta-
belecer a Constituição tal qual se tivesse jurado em Portugal, sem sacrificar
pessoa alguma.
Porém com a traição ainda quase sempre coberta com a máscara da
virtude para exercer melhor a sua perfídia; eis os motivos por que julgando
eu sinceras as expressões de todos com quem tratava sobre um objeto tão
interessante que se destinava nada menos que ao bem geral de todos, só
encontrei a traição quando me persuadia achar fidelidade, e firmeza de caráter.
Senhores conheçam todos o vil traidor, o inimigo da Pátria, o pérfido
delator que me acusou. Foi este Antonio Manoel Nogueira e Campos Alferes
do Regimento de Linha, único homem que soube perfeitamente iludir-me
a ponto de me decidir a passar-lhe procuração geral para tratar de toda a
minha casa quando ele tinha sido o meu acusador!.. Soube iludir-me masca-
rado com a capa da amizade; porém eu não conheço armas contra a traição
premeditada. Protesto contra este Monstro e contra todos aqueles que o
imitaram denunciando-me igualmente ainda que não tenho certeza alguma
de quem foram. E os tormentos, incômodos, prejuízos, e vexames que tenho
suportado com tanta constância e coragem, servem de abonar o meu caráter
perante a minha Nação à qual tenho dirigido uma exposição destes fatais
acontecimentos declarando o nome daquele delator, e felicitando em nome
de todos os Habitantes desse Reino ao Soberano Congresso pela certeza que
tenho dos nobres sentimentos que vos dominam, e protestando e Jurando
ao mesmo tempo em suas Mãos derramar até a última pinga de sangue pela
causa da minha Pátria.
Sim Senhores hoje estou livre, hoje gozo a minha liberdade estou resti-
tuído às minhas honras, e mais que tudo tenho a ventura que pela minha
deliberação segundo um Decreto das Cortes Nacionais julgo ter merecido
o precioso nome de Benemérito da Pátria! Embora eu visse a morte tantas
vezes diante dos meus olhos logo que fui preso nesse Reino, muito embora
tenha sido, ultrajado ofendido, e desprezado; tão grato nome não se adquire
sem grandes sacrifícios. Se a traição a calúnia, e o despotismo, pretendiam
conduzir-me até ao Cadafalso, um Príncipe benigno despedaça os grilhões que
me oprimiam, faz-me sair das mãos do Despotismo, e concede-me a liberdade
perdida; ao mesmo tempo que uma Nação Liberal Briosa e Magnânima espero

151
que aprove a minha conduta; e com a Dignidade que acaba de conceder a
todos os Portugueses que concorreram para o Sagrado fim da Regeneração
Portuguesa, recompensa os sacrifícios a que me expus pela defesa da minha
Pátria.
Tenho expressado os meus sentimentos, e relatado imparcialmente todos
os fatos acontecidos comigo desde que intentei estabelecer aí a Constituição,
até ao presente.
Eu passo brevemente à Corte de Lisboa e desejarei a todos os habitantes
desse Reino em geral, e em particular aos que me ocuparem satisfazer em
tudo aquilo de que me incumbirem, ficando na certeza que defenderei a sua
causa com tanto calor, como se fosse a própria causa.
Porém como me consta o que têm dito algumas pessoas ociosas dessa
Cidade a meu respeito, das quais nenhum caso faço, sempre quero dar aos
Habitantes honrados desse Reino visto o bem que todos me tratam uma prova
decisiva do meu caráter, rogando a todos com quem eu tenha tido contas se
dignem apresentar os seus títulos ao Senhor Tenente Coronel Joaquim José
Cardozo da Silva, ausente ao Senhor Capitão Mor Duarte José de Mello, e na
de ambos ao Senhor Capitão Luiz Gomes Ribeiro a quem passei ordens para
irem pagando todas as minhas dívidas à proporção que se forem cobrando
as que se me ficaram devendo; ou forem chegando algumas remessas de
Cativos do Sertão.
Rogo igualmente aos meus devedores que sejam prontos nos pagamentos
dos saldos constantes da conta corrente Número 3. =
Desta forma julgo ter cumprido com os meus deveres: Desejo a todos
muitas venturas, e aquele que me ocupar achará em mim um Português
Constitucional que protesta promover quanto lhe for possível a felicidade
dos habitantes de Angola perante as Cortes Nacionais, uma vez que mereça
a honra de ser incumbido de qualquer questão.
E vós meus amigos, e companheiros Constitucionais de Angola, exultai de
prazer e confiai em um Congresso Benemérito Prudente sábio que ainda virá
a ser a admiração dos Séculos futuros, por ter sabido suplantar o despotismo,
e dar-nos uma sábia Constituição; por meio da qual se trata da regeneração
da Pátria, para cujo fim, todos os Portugueses devemos concorrer.
Se o Despotismo vos tem oprimido até aqui, sede constantes como eu fui,
e sereis felizes; porém não pode vir de repente a felicidade: é preciso procurá-
-la, é preciso também grandes sacrifícios; e quando o mal é geral, é preciso
que todos concorram para curá-lo.
Ligados pelos vínculos da amizade, e do Patriotismo, e dirigidos por
meio de uma Sábia Constituição respeitando o Rei como Pai da Pátria, e

152
obedecendo pontualmente às Leis, recobraremos a nossa independência, e
gozaremos o grande Bem da liberdade.

Sou de todos os Habitantes de Angola


muito atento e obrigado Venerador.

José Anastácio Falcão.

Post Scriptum
Há mais de dois meses que esta Carta foi entregue na Tipografia
Nacional para ser impressa, e não obstante eu ter sido privado do gosto de
fazer imediatamente aparecer em público uma exposição dos tormentos,
insultos, e prejuízos, que tenho sofrido por causa da Constituição, ao menos
tenho agora a satisfação de provar plenamente o que disse naquela data por
meio da Certidão que depois obtive e é o Documento Número 4.º. Vede que
Despotismo!!! E ainda eu não publico todos os Documentos que tenho em
meu poder!!!

[Passe do que constar, não havendo inconveniente. Palácio do Rio de Janeiro


em 25 de Junho de 1821.]

Com a Rubrica do Ministro da Marinha.

Número 1.

SENHOR.

DIZ José Anastácio Falcão que para constar aonde convenha precisa que pela
Secretaria de Estado se lhe passe por Certidão o teor do Real Decreto pelo
qual o Suplicante lhe foi transmutada a pena de Degredo de Angola para as
Ilhas de Cabo Verde, e como sem despacho não pode obter a dita Certidão.

Pede a Vossa Alteza Real a Graça de Ordenar


se lhe passe na forma requerida

E Receberá Mercê
José Anastácio Falcão

153
As folhas cento e trinta e cinco verso do Livro terceiro em que se registram
os Decretos que baixam da Real Assinatura por esta Secretaria de Estado dos
Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos consta do de que faz menção
o Suplicante o qual é do teor seguinte =
Por justos motivos que Me foram presentes: Hei por bem Ordenar que
José Anastácio Falcão que fora condenado em degredo para Angola donde
ultimamente veio preso para esta Corte, passe a terminar o tempo do seu
exílio nas Ilhas de Cabo Verde. O Chanceler que serve de Regedor da Casa da
Suplicação do Brasil o tenha assim entendido, e o faça executar pela parte que
lhe toca. Palácio do Rio de Janeiro em 21 de Abril de 1821 = Com a Rubrica
de Sua Majestade = E para constar o referido se lhe passou o presente =
Secretaria de Estado em 26 de Junho de 1821.
Leonardo Antonio Gonçalves Bastos.

Passe do que constar, não havendo inconveniente. Palácio do Rio de Janeiro


em 25 de Junho de 1821.

Com a Rubrica do Ministro da Marinha.

Número 2.

SENHOR

DIZ José Anastácio Falcão que para constar aonde lhe convenha precisa que
pela Secretaria de Estado se lhe passe por Certidão o teor do Real Decreto de
oito do corrente mês de Junho, pelo qual Vossa Alteza Real houve por bem
perdoar ao Suplicante o Degredo de Cabo Verde para onde fora transmutado,
e porque sem Despacho não pode obter a dita Certidão.

Pede a Vossa Alteza Real a Graça de mandar


se lhe passe na forma requerida,

E Receberá Mercê
José Anastácio Falcão.

154
As folhas cento e quarenta e três verso do Livro terceiro em que se
registram os Decretos que baixam da Real Assinatura por esta Secretaria de
Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, existe o de que
fez menção o Suplicante o qual é do teor seguinte =
Querendo usar dos efeitos da minha Real Piedade com José Anastácio
Falcão: Hei por bem perdoar-lhe a pena de degredo para as Ilhas de Cabo
Verde; sendo posto logo em sua liberdade. O Chanceler que serve de Regedor
da Casa da Suplicação do Brasil o tenha assim entendido, e o faça execu-
tar. Palácio do Rio de Janeiro em 8 de Junho de 1821 = Com a Rubrica do
Príncipe Regente = Manoel Antonio Farinha. E para constar o referido se
passou a presente.
Secretaria de Estado em 28 de Junho de 1821.
Leonardo Antonio Gonçalves Bastos.

Pode atestar. Palácio do Rio de Janeiro em 12 de Setembro de 1821.

Com a Rubrica do Ministro da Marinha.

Número 4.

SENHOR

DIZ José Anastácio Falcão que pra constar onde lhe convenha precisa que
o Comandante do Corpo da Brigada Real da Marinha que veio a bordo da
Fragata Vênus de Angola lhe passe por Certidão se teve ordem no dito Porto
para carregar toda a Artilharia de metralha quando ali se dizia que se desejava
estabelecer a Constituição.
Se o Suplicante veio incomunicável ou não durante a viagem mesmo
no mar alto.
Se o Suplicante esteve a ferros no Porto de Angola, e se quando chegou
a este porto foi posto outra vez a ferros.
Se o Suplicante deu motivo algum de ser arguido durante o tempo que
esteve a bordo da dita Fragata, e qual foi a sua conduta.

Pede a Vossa Alteza Real a Graça de Ordenar


se lhe passe na forma requerida

E Receberá Mercê
José Anastácio Falcão.

155
José Cardozo de Miranda Rocha, Primeiro Tenente da Brigada Real da
Marinha, e ex-Comandante do destacamento da Fragata Venus em obser-
vância do Despacho retro =
Atesto que estando ancorado no Porto de Luanda recebi ordem vocal do
Capitão da Fragata Manoel Leite da Luz que servia de segundo Comandante
para carregar toda a Artilharia do convés com bala rasa, e a Tolda, e Castelo
com Pirâmide, e igualmente todo o armamento o que logo se praticou, como
no tempo em que existiam a bordo da dita Fragata, os Napolitanos, e esteve
pronto todo o mais armamento de mão, e assim se conservou até depois que
subimos daquele Porto que tive ordem para tirar a metralha da Artilharia,
a corrê-la de bala rasa como a do convés, e descarregar as Espingardas,
e pistolas, e pôr todo o mais no estado do costume de quando se anda à
vela. Igualmente Atesto que por uma ordem assinada pelo Comandante, e
dada a ler pelo dito Capitão da Fragata, lendo aos Oficiais Comandantes
dos quartos à vela, e das Divisões fundeadas, que eram do dito quarto, o
Capitão da Fragata, do segundo Capitão Tenente Joaquim da Cunha Roda,
do Terceiro Capitão Tenente Manoel José da Costa Valle, e do quarto o
Tenente João Paulino Vieira, como a mim se ordenava ter uma sentinela à
vista do Suplicante, e não o deixar falar, comunicar, nem tratar com pessoa
alguma, da guarnição ou de fora, que o procurasse nem mesmo falar com a
sentinela, que tinha, e quando mesmo fosse a alguma precisão indispensá-
vel, deveria primeiro obter licença do Oficial Comandante do quarto, e ser
acompanhado por um Oficial inferior, que estivesse de serviço sob pena que
se algum Soldado falasse com o dito suplicante levar cinquenta pranchadas
em cima da tolda.
Igualmente recebi ordem para o pôr a ferros e só se lhe tiraram depois
de sair a barra. Logo que se avistou a terra deste porto tornei a receber
ordem do dito Comandante, para lhe mandar deitar ferros, e desde modo foi
conservado até que foi remetido em uma escolta armada para bordo da Nau
Príncipe Real não obstante ter sido há muito tempo Jurada a Constituição
como logo se divulgou.
Enquanto ao procedimento do Suplicante ele sempre foi o mais regular,
Religioso, e Político para todos, não dando nunca motivos para ser ao menos
advertido nas suas ações, e observância de ordens que lhe intimei da parte
do Comandante, porém não obstante eu nunca divisar no suplicante outra
conduta, ele foi contudo asperamente repreendido uma manhã em cima da
tolda na presença de diversos Oficiais e mais guarnição por ter o Suplicante
ralhado com um preto escravo do Comandante por lhe não fazer o serviço,

156
que o Suplicante tanto precisava, naquelas circunstâncias, ao que o Suplicante
nada respondeu apesar do Comandante o ameaçar quando o repreendia em
altas vozes com uma roda de pau que lhe havia mandar dar pelos Oficiais do
Navio. O que por ser tudo verdade testifico com a minha palavra de honra
e em observância do Despacho precedente mandei passar a presente que vai
por mim assinada. Rio de Janeiro 15 de Setembro de 1821.
= José Cardoso de Miranda Rocha =
Primeiro Tenente.

Reconheço Verdadeiro o sinal retro. Rio de Janeiro 28 de Setembro de


1821 = Em testemunho de Verdade. = Joaquim José de Castro.

ERRATAS
Pag. Lin. Erros. Emendas.
3 16 mostra pagas mostra que pagas.
“ 26 Corte Capital.
4 3 relatar delatar.
“ 33 Corte Capital.
5 24 Soberana Monarca.
7 22 exposto oposto.
8 29 dos Documentos dos 2 Documentos.
“ 32 Confundido Confundida.
10 6 29 28.
11 11 17 18.
12 5 só podia podia.

[N.O.: CORREÇÕES FEITAS]

157
Número 3.

JOSÉ ANASTACIO FALCÃO


em Conta Corrente com os Habitantes de Angola.

1821. DEVE

Julho 1. Ao Senhor Francisco de Paula Coelho, dinheiro


que me emprestou .....................................................................100$000
Item S/C .................................................................... 60$000 150$000
Ao Senhor Joaquim da Silva Regadas S/C ................................ 120$000
Ao Senhor Francisco José Luiz Vieira S/C .................................. 70$000
Ao Senhor Raimundo Antonio de Almeida ................................ 30$000
Ao Senhor Januário Antonio de Souza Gomes S/C ..................... 20$000
Ao Senhor João Antonio de Moraes Fayão S/C .......................... 54$000
Ao Senhor Joaquim José Cardoso da Silva S/C .......................... 38$600
Ao Senhor Joaquim José Ferreira S/C .......................................... 6$000
Ao Senhor Marcos José Gilli S/C ................................................. 6$000
Ao Senhor Vieira de Santa Efigenia S/C ....................................... 6$000
Ao Senhor Chagas, aluguel de Casas .......................................... 28$000
Ao Senhor Rocha ....................................................................... 10$000
Ao Senhor Francisco Vicente Ferreira Vianna ............................ 10$000
Ao Senhor Felix José dos Santos S/C ........................................ 316$000
Item ao dito .......................................................... 50$000 356$000
Ao Senhor Joaquim José Pinto Escrivão da Junta .................. 30$000
Ao Senhor João Manoel de Abreu por uma cura que me fez .... 24$000
Saldo ao meu favor .............................................................. 1:502$650

R. 2:466$250

158
1821. HÁ DE HAVER
Julho 1. Pelo que me deve o Senhor André da Costa Ferreira de Ambaca como
consta no meu Livro Mestre folha 25 ................................. 327$600
Item o Senhor Pedro Domingos e filhos a folha 26 .................. 117$800
Item o Senhor Pedro Manoel Semião a folha 27 ........................ 63$400
Item o Senhor Agostinho Domingos a folha 28 ....................... 617$000
Item o Senhor Bartolomeu João a folha 29 ............................. 179$950
Item o Senhor Sezinando ........................................................... 43$000
Item o Senhor Pinto Tanoeiro 60 Timgaz .................................. 12$000
Item o Senhor Francisco Vicente Ferreira Vianna 60
Moios de cal a 6$ réis.................................................................60$000
Item pelo trespasso da horta ..................................................... 50$000
Item produto de diversos trastes .............................................. 596$000
Item pelo tempo que servi de Guarda livros na Casa de Felix
José dos Santos cujas contas nunca se ajustaram 9 meses a
[400$] réis por ano ........................................................ 300$000

R. 2:466$250

N. B. O Senhor Figueredo poderá receber do Senhor Cardozo o Saldo de


N/C, que ignoro qual é; e consta do meu Livro Mestre mas creio não excede
a 10$000. O senhor Paula Coelho tem em seu poder, hipotecados 3 escravos
meus que deverá entregar logo que seja pago, se ainda o não foi e como
todos os meus Livros ficaram em Angola se por esquecimento tiver omitido
alguma pessoa poderá apresentar o seu Título ao dito Senhor Cardozo para
ser pago, ainda que me persuado não ter contas com mais pessoa alguma
dessa Cidade. Rio de Janeiro 1.º de Julho de 1821.

José Anastácio Falcão

159
8

CARTA
DO

COMPADRE DE LISBOA
EM RESPOSTA A OUTRA

DO COMPADRE DE BELEM,
OU

JUIZO CRITICO
SOBRE A OPINIÃO PUBLICA,

Dirigida pelo Astro da Lusitania

______________

REIMPRESSO NO RIO DE JANEIRO.


NA TYPOGRAPHIA REAL
1821.

160
Credite Pisones isti tabulae fore librum
Persimilem, cujus, velut aegri somnia vanae
Fingentur species, ut nec pes, nec caput uni
Reddatur formae.

Assentai, oh Pisões, que a um quadro destes


Será mui semelhante aquele livro,
No qual ideias vãs se representem,
(Quais os sonhos do enfermo) de tal modo
Que nem pés, nem cabeça a uma só forma
Convenha.

Hor[ácio] na sua Carta aos P[isões]1

______________

Senhor Compadre, folguei de ler as suas judiciosas reflexões sobre o Astro;


ninguém maneja com mais destreza as armas da mordaz ironia para ridiculi-
zar uma coisa, que se não sabe o que é; mas que Vossa mercê, e ele chamam
= Tempo perdido =; o meu Compadre pelo que mostra, deixa ver, que foi
algum tempo discípulo do satírico Juvenal; pois que também sabe misturar
o jocoso com o acre, e veemente. É forte a mania que Vossa mercê, e muitos
têm de quererem ver eclipsado o luminar maior da nossa Lusitânia, e com
ele o farol da opinião pública, que agora mais que nunca tão preciso nos é!
Porque aberrou algum tanto da sua órbita, porque os seus movimentos não
foram diretos, mas retrógrados, porque se perdeu no tempo em que devia
consumar a sua rotação; já não é o Astro, já não serve para iluminar o nosso
Horizonte Político!
O Sol, Senhor Compadre, apesar de ser abaixo da Divindade, o Pai
comum da Natureza, o que a ilumina, e vivifica; e a quem os mesmos Incas
não duvidaram de consagrar Templos, erigir Altares; nem por isso deixa de
padecer eclipses em algum dos seus periódicos movimentos, e o armado olho
do Astrônomo muitas vezes descobre no seu núcleo grandes manchas, que
com o rodar dos séculos talvez cheguem a extinguir de todo aquele oceano de
luz: ora se isto acontece no Astro do dia, que muito é que o mesmo aconteça a
este outro, que por mais pequenino, e irregular nos seus períodos, está, como

1
N.T.: Horácio, Ars poetica, 6-10.

161
a Lua, sujeito às mesmas fases, e alternativas; a ser hoje crescente; amanhã
minguante; agora novo; logo cheio! A tão imperiosa Lei, Senhor Compadre,
sujeitara a Madre Natura os Planetas, e seus satélites! A isto dirá Vossa mercê
que um Astro não é Planeta, mas sim um corpo que tem luz própria, e por
isso mais de admirar é que no curto período de 24 horas padeça aquelas fases,
manchas, e Eclipses, que mais afetam os corpos opacos do que os luminosos, e
inextinguíveis; razão tem, Senhor Compadre: o seu telescópio crítico porém lhe
aumenta demais umas, e não lhe descobre outras. Se Vossa mercê o observasse
como eu, desde que ele principiou a aparecer no nosso Hemisfério, formaria
mais seguro juízo, e modelaria pelas minhas as suas observações, que aqui
exponho à sua luminosa crítica.

PRIMEIRA, E ÚNICA OBSERVAÇÃO.


Se o Astro da Lusitânia tem sabido retificar, e dirigir a opinião pública?

O Astro, Senhor Compadre, tomou a seu cargo, depois da nova ordem


de coisas, em que somos felizmente entrados iluminar, e dirigir, como brilhante
Sol, a opinião pública dos Portugueses; e é por isso que tomou logo, como
Vossa mercê engenhosamente nota, por timbre de suas armas as de que usava
o grande Cocheiro-mor Faetonte, quando regia a carroça de seu amo; come-
çou a aparecer, e logo a vibrar raios contra os antigos abusos; coberto com
a máscara do bem público não houve classes, exceto a do povo, que não fosse
retalhada; o Clero, a Magistratura, a Nobreza, e até alguns dos Ilustres
Membros do Governo, tudo foi posto à viola; deixou Portugal de ter homens
beneméritos em todas as hierarquias; os Regulares passavam as vagarosas
noites de Inverno a repetir a escandalosa crônica dos leigos; os venerandos
Bispos esquivavam-se de fazer Pastorais aos seus Diocesanos para proclama-
rem constituições, que se haviam de fazer; os Magistrados vendiam a Justiça;
os Nobres comiam injustamente as Comendas que Sua Majestade lhes havia
consignado para pagamento das suas dívidas; e para que o respeitável Público
não ignorasse quem eles eram, até se lhes deu nas depois remendadas listas
os seus nomes, etc. Ora eu, Senhor Compadre, sou razoável, e confesso que
em todas as classes havia, e há abusos, que tarde, ou cedo devem ser emen-
dados; mas pergunto, será este o verdadeiro modo de os emendar? Gritar,
ralhar, e até personalizar será o verdadeiro meio de encaminhar a opinião
pública, e unir em um mesmo corpo, e sentimento todos os indivíduos da
grande família Portuguesa? Ou não será antes pelo contrário o seguro meio
de tornar discordes entre si todas as classes do Estado, e suscitar entre elas a
sedição, e a desordem? Quando se trata, Senhor Compadre, de reger a opinião

162
pública de uma Nação, e conduzi-la a um mesmo fim, é preciso começar por
mostrar-lhe os seus verdadeiros interesses, de que o primário de todos é
unirem-se em um mesmo voto, como em centro comum, todos os indivíduos
que a compõem. Como poderá, Senhor Compadre, a máquina de um Estado
tomar um, e o mesmo uniforme movimento, se as rodas que a fazem mover,
se moverem em sentidos opostos, e contrários? Roma esteve por muitas vezes
a ponto de perder-se no tempo da nascente República, pela cabala, e intriga
que os seus Tribunos maliciosamente sopravam entre a Plebe, e os Patrícios.
A moderna França talvez não veria assassinar um Rei, que se não era justo
não era tirano, e alagar-se em sangue a sua Capital, se Escritores malévolos,
e sediciosos não atiçassem com seus escritos o fogo da rebelião, e da discór-
dia entre os três Estados. Dizer mal de tudo é querer deitar a perder tudo,
querer corrigir abusos inveterados entre nós pelo longo curso de muitos
séculos com increpar, arguir, e desacreditar os que por hábito, ou pouco amor
da ordem os estão ainda praticando, é o mesmo que pretender fazer com que
os emperrados Sebastianistas larguem os prejuízos da sua arraigada seita,
chamando-lhes os oprobriosos nomes de toleirões, mentecaptos, bestas
muares, etc. O único modo, Senhor Compadre, de cortar abusos, desterrar
prejuízos é o dissipar com método as sombras que os cobrem, inspirar sem
desordem o amor da ordem, e bem geral de todos. De que não é capaz, Senhor
Compadre, um povo numeroso por ilustre, e polido que seja, quando seduzido
pelo falso aparente bem de uma mal entendida liberdade, se deixa arrastar
pelas sediciosas máximas de um Orador furioso, que lhes irrita os ânimos,
que lhes acende as iras, e que ateia o fogo da discórdia entre ele, e outra classe
também numerosa, mas armada, briosa, e coberta de glória! Agora sei eu que
Vossa mercê está dizendo lá para os seus botões: eis-aí vem à baila o nunca
assaz falado dia 11 de Novembro; pois não é o dia 11, é o Número VIII do
Astro, e seu Suplemento. Ah! Senhor Compadre, que dois Astros! Ou para
melhor dizer, que Astro e meio! O vulcão de Java (deixe-me servir desta
pequena comparação que aclara muito) por onde satanás rompeu para empe-
cer os Portugueses no descobrimento da Índia, não vomitou então de si mais
lavas do que os dois Astros despediram de raios para empecerem os progres-
sos da nossa começada liberdade (e ainda bem que não pegaram) senão
teríamos de ver o Ano Grande de Platão! No breve interregno de seis dias
arguiu-se o bárbaro procedimento do Chefe, e da Tropa; notaram-se defeitos,
que não havia, de alguns dos membros do então extinto Governo; gritou-se,
ralhou-se, até chorou-se; mas que importa, dirá Vossa mercê que tudo isso
se fizesse, se este foi o verdadeiro método de consolidar a opinião pública?
Diz bem, Senhor Compadre; se não fossem estes dois Astros, ou lanternas da
liberdade do povo; como poderia ele chegar-se então a persuadir que o Exército

163
estava sujeito, e devia obedecer às legítimas Autoridades Civis? Que os Chefes
obravam incompetentemente, todas as vezes que em lugar de voltarem as
armas a favor da Pátria, as voltavam contra ela? Que o Governo então esta-
belecido, e sancionado pelo consenso dos povos era legítimo, contra o qual
ninguém tinha direito de atentar? Que o povo da Capital, apesar de indefeso,
e desarmado, tinha direito a queixar-se de um tão injusto procedimento, e
tirar mesmo desforra se o caso o pedisse? É assim, Senhor Compadre, que se
firma, e consolida a opinião pública! E foi assim que o astuto, mas verdadei-
ramente Patriota Menenio Agripa congraçou as Legiões Romanas com os
Patrícios; mas este, Senhor Compadre, era menino, e por isso se serviu do
doce meio da persuasão, contando-lhe histórias da carochinha; mas o Astro,
que não é menino, mas Astro; empregou um outro estratagema ainda mais
poderoso, e persuasivo; sabe qual foi, Senhor Compadre, o de chorar!! Aposto
eu, que agora se está Vossa mercê rindo! Pois também eu; nem posso deixar
de o fazer, quando vejo um Astro a chorar no momento em que escreve a sua
exemplaríssima catilinária ao primeiro Chefe! Chorou, Senhor Compadre! E
foi àquela peça, digna de ouro, e cedro, e às suas enternecidas lágrimas,
capazes de abrandarem rochedos, que esta Capital deveu o inestimável bene-
fício de ver restituídas as coisas ao seu antigo estado, de ver reinar a ordem
no mesmo lugar onde tinha reinado a desordem; de ver… Que importa pois
que Vossa mercê, e eu notemos no seu disco radioso algumas manchas, ou
nódoas: Non ego paucis offendar maculis,2 dizia o rançoso Horacio; não
devemos fazer caso de bagatelas, quando vemos tantos fachos que nos deslum-
bram, e afogueiam!!! Verdade é, que o Astro reconhece o seu nada, quando
não atribui só às suas forças a operação de tantas maravilhas; mas ao Deus
de Afonso Henriques, que ele talvez visse, como aquele Monarca viu, afugen-
tando para longe o Anjo exterminador, que estava já pousado sobre as
muralhas do Castelo a decretar mortes!! Feliz mortal a quem não só foi
concedido o dom de tão bem encaminhares a opinião pública; mas até de
penetrares os segredos celestes; até aqui, Senhor Compadre, o meu juízo crítico
sobre o modo com que o Astro soube iluminar, e dirigir a opinião pública da
Nação nos dias 14, e 15 de Novembro. Passo agora a examinar em breve as
suas judiciosas observações sobre o mesmo objeto; e procedendo com aquela
imparcialidade com que costumo; terei de censurar umas, aprovar outras, e
acrescentar outras. Diz Vossa mercê, e com aquela ênfase e sal ático com que
tudo sabe dizer, referindo-se a um N[úmero], ou Jornal que agora me não
lembra; que não havendo diferença alguma entre uma Constituição feita, e
outra que se há de fazer, tinha sobeja razão o luminoso Astro de exigir dos

2
Não me ofenderei com poucas faltas. N.T.: Horácio, Ars poetica, 351.

164
Excelentíssimos Bispos, que por meio de Pastorais modeladas pela da sua
bitola, fossem desde já dispondo os ânimos dos seus Diocesanos, para abra-
çarem esse novo Código Constitucional; e que se no tempo de Napoleão o
Grande, ou de seu Tenente Rei Junot as faziam cheias de unção, e graça
Apostólica, com quanta mais razão as deviam fazer agora que se lhes anto-
lhava um futuro luminoso, etc. Ah! Senhor Compadre, forte obra! De tais
princípios, tais consequências! No tempo de Junot, ou do seu intruso Governo;
de quem tudo havia a recear, faziam os Venerandos Bispos Pastorais aos seus
Diocesanos; agora que é legítimo, e de quem nada há a temer, mas a esperar,
também as devem fazer! No tempo em que todos os desgraçados habitantes
das nossas Províncias se achavam oprimidos com o peso dos males, que sobre
eles carregava; era preciso despertar-lhes ideias de Religião, e exortá-los a
sofrer resignados os flagelos da fome, da miséria, e do despotismo; agora que
vivem satisfeitos debaixo de um Governo liberal, que principia a fazer-lhes
sentir os benéficos efeitos de uma nova ordem de coisas, também é preciso
animá-los a sofrer com paciência esse bem que se lhes faz, ou espera de fazer-
-se-lhes! Forte Lógica! Forte Astro! Mas que quer Vossa mercê se eles são
meninos! Proclamaram no tempo de Junot; mas é porque podiam afoitamente
chegar a brasa para sua sardinha, sem se queimarem; mas agora que podem
queimar-se… E então viu Vossa mercê já descoco como este! Que me diz ao
da Rebeca! É bico, ou é cabeça? A tais insultos peja-se de responder o Escritor
sensato. Mas vamos à Constituição que se há de fazer. Que é o que nós jura-
mos, Senhor Compadre! Porventura ignora que juramos já uma Constituição?
Juramos, e se está ainda in fieri,3 e não in esse,4 como se explicam os
Escolásticos, isso é o mesmo; havemos de tê-la; pois que assim no-lo assegu-
rou o Governo Supremo; e se a havemos de ter daqui a meses, vamos já
amoldando-nos a essa tal, ou qual; ela há de ser mais liberal do que a
Espanhola; e como não sabemos até onde se estenderá a sua liberalidade,
vamo-la já pregando em grau sumo; para o que será bom, e conveniente que
os meninos se vão desde logo imbuindo nos rudimentos de liberdade, igual-
dade e fraternidade, que era a Trindade dos nossos passados Protetores; que
se adotem nas Escolas de primeiras letras Catecismos, que tenham por base
estes luminosos princípios de moral, e poderá servir de modelo um que há
pouco se imprimiu, e gastou logo. Ah! Senhor Compadre, que portento não
virá a ser um menino, a quem desde a primeira infância se lhe forem dando
a comer estas verdades! Aparecerão em vez de um, tantos Astros, quantos os
que brilham na azulada esfera, formigarão os sábios a milhares! Que glória

3
Em processo de feitura.
4
Existente.

165
não será para um Pai ver um filho logo aos dez anos começar por quebrar a
cabeça aos seus Colegas, atirar já a sua pedradazinha aos vidros de uma
janela; amotinar-se com os outros, e recusar obediência aos seus Mestres! –
somos todos livres (dirá com muita graça) logo posso fazer o que quiser,
somos todos iguais; logo ninguém tem direito sobre mim; somos todos Irmãos;
logo ninguém me pode castigar ou ir à mão. Deixo ao seu atilado pensar,
Senhor Compadre, o adivinhar as outras muitas consequências que se seguem
de tão liberais princípios, que eu vou continuando na análise das suas judi-
ciosas observações; corre Vossa mercê de novo após do Astro, e postando-se
em oposição com ele, faz-lhe sofrer um eclipse quase total, exigindo-lhe contas
de se ter arriscado a repreender rebuçadamente o Governo, por não ter já
levantado os direitos do Pescado aos pescadores da Pedreneira; assim como
os terços, quartos, e oitavos aos moradores de Alcobaça, etc. Mas aqui, Senhor
Compadre, (com bastante mágoa do meu coração o digo) aberrou Vossa
mercê; por este lado sustento eu o Astro, e até se for preciso me irei por adiante
dele, e farei dali uma Pastoral para que se levantem logo logo os direitos do
Pescado, não só aos pescadores da Pedreneira, mas até aos da Costa; pois
diga-me, Senhor Compadre, se o Governo lhes tivesse já levantado estes
direitos, vê-lo-íamos nós estar todos os dias de Inverno às moscas na Ribeira
do peixe, sem quererem ir ao mar, fonte da sua riqueza, só por birra contra
a Constituição, que se há de fazer? Ah! Senhor Compadre, se isto se tivesse
já feito, veria Vossa mercê em breve toda esta Capital convertida em um
industrioso povo de Saveiros, que não quereria viver senão sobre as águas do
Oceano; veria o Comércio do Bacalhau passar todo das mãos dos Ingleses
para as nossas, e transplantarem-se na Ericeira os Bancos de Terra Nova;
veria o amaldiçoado gancho, com que lhes cisam o produto da sua indústria,
convertido em charrua com que os cisadores iriam lavrar a terra; veria o
Algarve mandar para aqui o atum de graça, e a pescada escalada andar aos
pontapés pelas Ruas de Lisboa. Vossa mercê contudo lá parece deixa ver
alguns vislumbres de razão, quando diz que a dízima, terços, e quartos deste,
e dos outros impostos são aplicados para a decente sustentação dos Ministros
do Culto; e que levantados aqueles ficariam estes a morrer de fome, e fazendo
cruzes na boca; e que por conseguinte, enquanto se não providenciar de outra
maneira sobre este objeto, não é justo, nem razoável sejam os Povos aliviados
daqueles tributos; valha-me Deus, Senhor Compadre! Pois já ficavam a morrer
todos de fome se de alguma equidade se usasse para com aqueles escravozi-
nhos, que nem sombra de liberdade ainda viram? Se se começasse por se lhes
levantar já um terçozinho, ou um quartozinho não ficariam eles contentes?
E não abençoariam a mão que começava por se mostrar liberal, quebrando-
-lhes os ferros de uma escravidão feudal, que data desde o estabelecimento

166
da Monarquia? Por outro lado aqueles nédios cachaços (para ao depois não
estranhar) não se iam desde já costumando a um jugo que tarde, ou cedo lhes
há de pesar em cima? Não se iam avezando a olhar para aqueles simples
feitores, como seus iguais, e a quem com mais justiça compete o direito de
propriedade, de que a eles? Vossa mercê fala; o Astro escreve; ambos ralham
a trocho-mocho; e eu não sei decidir-me qual de Vossas mercês tem razão, o
que sei é que se ele insta a fazer Evangelhos, e Vossa mercê a compor Homilias
tenho muito receio que vão ambos de companhia, e armados de bexigas soprar
as tais bolas de sabão para onde Vossa mercê sabe, onde lhes não faltará água
para sacar espuma por se dar ali de graça! O que eu não posso levar porém
à paciência, Senhor Compadre, é o querer o Astro, assim como embirra em
tudo, meter-se a falar de tudo; e sempre coberto com a capa da opinião pública;
Artes, Ciências, Agricultura, Marinha, Comércio, Legislação, Fazenda,
Política; e até Composições Trágico-Cômicas para os Teatros Nacionais;
tudo, Senhor Compadre, em Ortografia mesmo não há quem o imite; é um
inextinguível Oceano de luz! Oh! Parece-me que o estava adivinhando, neste
mesmo instante me chega à mão uma bela peça do seu luminoso Jornal, (que
eu por meus pecados também caí este trimestre) é o áureo Número 39; que
mina de Política, Senhor Compadre! Por isso ele vem hoje mais formoso, e
risonho do seu costume! Ah! Traz-nos a faustosa nova do lugar onde Sua
Majestade deve ter a sua Corte! Bem-vindo seja! Começa logo por fazer-nos
uma descrição Geométrica do continente de Portugal, e do Brasil; pinta-nos
este muito grande; aquele muito pequenino; este igual em extensão a toda a
Europa, encravado no meio de duas Zonas, Senhor de grandes Portos, banhado
por grandes mares, regado por grandes rios, abundante em drogas medicinais;
mas principalmente em minas de ferro, e ouro (este é o que mais lhe faz luzir
o olho) aquele um pobre miserável, sóbrio, frugal, aventureiro; mas fecundo
em grandes recursos, e semelhante a um acanhado proprietário, que pela sua
habilidade soube aumentar cem vezes mais o seu patrimônio; que são as suas
conquistas, ou descobrimentos, Madeira, Açores, Cabo-Verde, África
Setentrional, e Meridional (onde também há ouro; mas que se não cultiva
por nosso desmazelo, etc.) Depois de tudo isto lança um rasgo de pena, e em
um instante aparece estabelecido entre todos estes Reinos unidos um sistema
de Governo Federativo, que pega desde a Foz do Minho até à de Macau! Que
Astro imortal! Mas, oh! Desgraça fatal! Quem tal diria, Senhor Compadre!
Quando depois de uma descrição tão pitoresca, esperávamos ansiosos, que
ele nos apresentasse a Pessoa de Sua Majestade ali no Cais de Belém; ficamos
a olhar para o sete Estrelo, deixa-o ficar no Rio de Janeiro! Muito ufano de
que isto lhe devia ser permitido; portanto serem seus estes, como aqueles
Estados; e que uma vez estabelecida em Lisboa uma Regência, ou Governo

167
com plenos poderes; pouco nos devia importar que ele ficasse lá, ou viesse
para cá: Oh! Astro, Brasão Ilustre da nossa Lusitânia, abençoados os Astros
Pais que te geraram! Inextinguível seja a sua luz enquanto assim nos regala-
res com a influência dos teus raios! Sua Majestade ficar no Rio de Janeiro!
No Rio de Janeiro!! Ora eu, Senhor Compadre, não queria parecer-me com
o Astro, metendo-me também a politicar; mas não posso deixar de o fazer
quando assim vejo atacada a opinião pública, e postergados os princípios
da luminosa Crítica.
Qualquer que seja, Senhor Compadre, esse sistema federativo, essa
sonhada Santa Aliança, que se pretenda estabelecer entre os três Reinos;
sempre ela há de ser para Portugal ruinosa, e opressiva, uma vez que Sua
Majestade não venha assentar a sua Corte em Lisboa; será sempre Portugal
o Pigmeu nas mãos do Gigante, o pombo nas unhas da Águia. E se não
suponha, Senhor Compadre, que se estabelece esse sistema governativo de
mútua Aliança entre os extensíssimos Estados de Portugal, e do Brasil; que a
arte une ainda mais estreitamente, o que a natureza desuniu pela interposição
de imensos mares, que se instaura um Governo, ou Regência; não como a
velha que Deus tem, mas investida de amplíssimos poderes; que a Foz do
Minho, e também a do Tejo se beijem com a de Macau; e que Sua Majestade
constituído o centro de todos os movimentos desta grande Máquina se deixe
ficar no Rio de Janeiro; pergunto agora, ficará; ou não Portugal dependente
do Rio? Ficará, ou não Portugal pequena Colônia do Brasil? A resposta
está saltando; ficando Sua Majestade no Rio, sejam quais forem os poderes
conferidos a essa Regência; nunca ele poderá ficar despojado daqueles que
são inerentes à Soberania; como são o de sancionar as Leis, o de prover, e
nomear os altos Empregos das três Ordens Política, Civil e Eclesiástica, o
de mandar o Exército, o de fazer tratados de Comércio, o de assinar a paz,
e declarar a guerra, etc., senão fica só com o nome de Rei: supostos estes
princípios; pergunto agora novamente: fica, ou não Portugal dependente
do Rio? Fica, ou não Portugal Colônia do Brasil? E tão dependente, Senhor
Compadre, como está a Lei do que a sanciona, o Exército do Chefe que o
manda, e o Empregado daquele que o emprega: e então, que lhe parece a
tal Aliança federativa? Por outro lado ficando Sua Majestade no Rio de
necessidade a Nação, isto é Portugal lhe há de assinar uma prestação anual
de dois, ou três milhões para a decente sustentação da sua Corte e da Casa;
e este numerário, Senhor Compadre, torno a perguntar, não é sangue que
todos os anos há de correr das veias abertas do Enfermo Portugal, para ir
animar os membros daquele grande Colosso, o Brasil? As imensas somas
que necessariamente se hão de sacar sobre ele, para sustentar os Áulicos, e
Cortesões, que ali estão estabelecidos; mas que aqui têm as suas casas, não

168
serão outros tantos golpes de raio, que sucessivamente irão abrasando os
desgraçados lavradores seus colonos; e seus feitores, e por consequência o
Estado, e as suas rendas? Os corpos morais, Senhor Compadre, seguem quase
sempre as mesmas Leis dos compostos físicos; e assim como impossível é
(sirvamo-nos de um exemplo tirado dos Astros) que os satélites de Júpiter se
movam independentes do centro daquele grande Planeta; assim também o é
que as partes de um Estado Político se conservem, ou movam independentes
do primeiro Chefe, centro, e cabeça dos seus movimentos; e aplicando para
o nosso caso esta doutrina, impossível é que Portugal deixe de ser um Reino
verdadeiramente independente, tendo Sua Majestade Chefe, e centro dos seus
movimentos a sua Corte no Rio de Janeiro; se me não entende, entenda-me…
Mas, Senhor Compadre, eu quero agora ser mais generoso, e liberal que o
Astro da Lusitânia; quero ponderar-lhe as razões que devem assistir a Sua
Majestade, para vir estabelecer antes a sua Corte em Lisboa, do que no Rio;
isto, Senhor Compadre, já é outra obra! Primeiramente o Brasil por vasto, por
igual que seja em extensão a toda a Europa, é nada comparado a Portugal,
isto é, a sua população, porque eu não meço terrenos, meço povos; é um
Gigante em verdade; mas sem braços, nem pernas; não falando no seu clima
ardente, e pouco sadio, o Brasil está hoje reduzido a umas poucas de hordas
de Negrinhos, pescados nas Costas d’África, únicos, e só capazes de supor-
tarem, (e não por muito tempo) os dardejantes raios de uma zona abrasada;
o seu terreno interior está inculto, e seria preciso que decorressem Séculos
para cultivar-se, ou que Sua Majestade, adotando o sistema de Autocracia de
todas as Rússias, estabelecesse, e criasse ali de novo os antigos infatigáveis
Jesuítas, que com suas mossas de pau fossem cristianizando, e domesticando
todos os Índios Botocudos, Coroados, e Puris; ou então que o Astro; pelas
suas benéficas influências fizesse transportar para lá todos os Calcetas da
Europa, e Meretrizes de Lisboa (que não havia de fazer má colheita)! Por
este modo tínhamos logo povoado o Brasil, e cultivado o seu terreno. Mas
voltemos agora os olhos daquele País selvagem, e inculto cá para a terra de
gente, para Portugal! Ah, Senhor Astro, que também vou já cansando na
descrição da minha Órbita! Portugal como eu, Vossa mercê, e todos sabe-
mos, é o Jardim das Hespérides, os Elísios deste pequeno mundo, chamado
Europa! O Éden que habitaram nossos primeiros Pais, regado pelos quatro
maiores Rios do Mundo, não era tão fértil, e delicioso, como é a Pátria dos
antigos Lusos; parece que a natureza mesmo o destinou para ser o centro,
e Empório de todos os prazeres, de todas as delícias, e riquezas da terra;
Senhor dos melhores Portos da Europa, enlaçado por mútuos vínculos de
Comércio, e amizade com todas as Potências Europeias, banhado pelas águas
do Oceano, que o fazem comunicável com o mesmo Oceano; e Mediterrâneo,

169
situado debaixo de um Céu o mais benéfico, e temperado; produtor de todos
os gêneros, e frutos necessário à vida, sóbrio, frugal, industrioso. Ah! Senhor
Astro, que torrãozinho este! Olhe que também tem minas de ouro! Agora
destes princípios há de ser Vossa mercê mesmo quem há de tirar a conclusão,
e não os Áulicos do Rio; ora diga, diga, qual dos dois Reinos está convidando
com mais meiguice a Sua Majestade, para vir estabelecer nele a sua Corte
o Brasil, ou Portugal? A terra dos macacos, dos pretos, e das serpentes, ou
o País de gente branca, de povos civilizados, e amantes do seu Soberano?
Aquele despovoado, e inculto, ou este povoado, ridente, e delicioso? Uma
Zona ardente, tostada, e insalubre; ou outra risonha, temperada, e benéfica?
O seu País natal, Solar de seus Augustos Ascendentes; ou aquele que nunca
o viu; e só o amava por fé antes da invasão Francesa? Puxe, Senhor Astro,
tenha ânimo, tire, tire a conclusão! E se não quer as Cortes cá tirarão que
eu já não estou para o sofrer hoje, que está de pior catadura, do que no dia
em que viu o Anjo da morte, sobranceiro à Capital, de quem Vossa mercê
nos livrou pela sua habilidade! E o Deus de Afonso Henriques!
Mas assim mesmo insofrido como estou, não pense que o perco de vista;
ou Vossa mercê ande na linha, ou passe para os Trópicos, lá estou com Vossa
mercê feito seu satélite observador; agora deixou Vossa mercê o Equador,
e vem arrastando o seu ebúrneo carro cá para os Bootes, ou Ursa do Norte.
Então avista daí já a mais poderosa Albião, a pátria de Netuno, a Rainha
dos mares? E que lhe parece, será, ou não capaz de faz um desembarque
em Portugal, sem o apoio dos Portugueses? Diz-me logo que não; mas isso
é ódio que tem aos Ingleses; pois não tem razão que eles são nossos irmãos,
e amigos!!
É o que eu digo, Senhor Compadre, o Astro quando prestou juramento à
Constituição, que se há de fazer, prestou logo também outro de andar sempre
em oposição com a opinião pública; esta a verdadeira causa dos repetidos
eclipses, que lhe vemos sofrer; e este de sustentar, que não é provável que os
Ingleses tentem um desembarque nas nossas Costas, sem o nosso apoio, e
coadjuvação (que ainda em cima os havíamos de ir ajudar, e dar-lhes as boas
vindas!) é tão grande, que quase o cobre todo, e sepulta em uma sombra, pelo
menos de doze dígitos, ou polegadas bem medidas; assim mesmo envolvido
em sombras pede licença aos seus Compadres, para resolver esta famosa
questão; e começa logo por atirar-nos lá de cima com um retalho de História
Portuguesa, e Peninsular; pelo qual intenta provar-nos: = Que assim como
foi infrutífero o desembarque que eles tentaram no tempo da Rainha Isabel,
para colocar sobre o Trono o Senhor Dom Antônio, Prior do Crato; por não
terem em seu apoio os Portugueses; assim como foi infrutífero o tentado, e
feito na Ilha de Walchren, para divertir as forças da França, que então caía

170
sobre a Áustria, por não terem em seu apoio os Holandeses: assim também
o há de ser qualquer outro que tentem sobre as Costas de Portugal; uma vez
que não sejam apoiados por nós outros os Portugueses! Mas espere, Senhor
Compadre, que o Astro ainda se não contenta com isto; quer mais alguma
coisa e se não veja: quer que assim como o Exército Inglês, comandando pelo
bravo Moor, depois da desgraçada expedição feita na Península, picado, e
colhido na sua retaguarda pelo Exército Francês de Soult, se viu obrigado
a precipitadamente se reembarcar na Corunha, perdendo aí bagagens,
Artilharias e até as pernas dos cavalos; ficando o mesmo General, qual outro
Epaminondas, estendido no Campo da batalha; e isto porque lhe faltou o
apoio dos Espanhóis; o mesmo há de acontecer a qualquer outro se cá vier;
uma vez que lhe falte o auxílio dos Portugueses. E se não, diga-me, Senhor
Compadre, se esta conclusão é bem deduzida das suas premissas, que aqui lhe
apresento em forma = Maior = Para que os Ingleses pudessem com proveito
fazer um desembarque nas Costas de Portugal, era necessário o apoio dos
Portugueses = Menor = Mas os Ingleses não o podem fazer sem o apoio dos
Portugueses, e prova-se; porque o feito no tempo da Rainha Isabel ficou
malogrado por falta desse apoio, e o executado por Moor no tempo da guerra
Peninsular, não só foi malogrado, porque lhe faltou apoio dos Espanhóis,
mas aí perdeu este General parte do seu Exército, bagagens, e Artilharias =
Conclusão = Logo não só não podem os Ingleses fazer um desembarque em
Portugal sem apoio dos Portugueses, mas se o tentarem fazer, aí perderão
Exército, bagagens, e Artilharias. Bravo, Senhor Astro! Isto é que é Lógica!
Agora é que Vossa mercê brilhou mais que nunca, apesar de estar submerso
em mais de metade do seu Eclipse! Está decidido, não podem os Ingleses
tentar um desembarque em Portugal sem nos pedirem licença, e ao Astro;
podemos estar descansados, escusamos de fortificar os nossos Portos; por
em estado de defesa as nossas fronteiras marítimas; porque eles não vêm cá
sem nós os irmos ajudar (esperem lá por isso) assim o diz o Astro, assim o
entende. Ora meu Senhor, eu para lhe responder, pedia a competente vênia,
começarei por negar a Maior, a Menor, e depois a Conclusão.
Vossa mercê sabe, julgo eu, que a força armada de uma Nação, é quem
sustenta a sua liberdade, e independência, e no estado atual da Europa, a
Inglaterra não só pelas suas forças de terra, mas principalmente pelas de
mar, ocupa o primeiro, e mais distinto lugar; se a experiência ainda o não
desenganou, leia a História Naval daquela grande Nação, e ficará desenga-
nado, suposto este princípio inegável, que partido, Senhor Astro, poderá tirar
Portugal se ele tentar deveras fazer nas suas costas um desembarque? Portugal
cujas forças estão em proporção para aquelas, como as de um Pigmeu, para

171
as de um Gigante, ou como os raios de um pequenino astro da Via Láctea
para os do Astro do dia? Dir-me-ia que Portugal tem um Exército bravo,
aguerrido, coberto de glória; (do qual oitenta recrutas sempre valeram mais
alguma coisa, do que os cinco xelins, de que fala o seu amigo Jornalista
Inglês); que Portugal é hoje uma Nação, animada de um espírito marcial, e
de independência, que consentirá ver antes talados os seus campos, reduzidas
à pavorosa solidão as suas habitações, do que consentir, que um Exército de
Ilhéus lhes venha dar a lei, e bifar seus bens, suas mulheres, seu vinho, e sua
liberdade; e que finalmente uma Nação, quando quer ser livre é-o; tudo isto
concedo a bel prazer, mas tudo isto diz pouco se compararmos os recursos
e possibilidade desta com os grandes recursos, e possibilidades daquela;
Vossa mercê não sabe, que 40 ou 50 mil homens são capazes de dar a lei
a 4 ou 5 milhões de habitantes? Só se Vossa mercê é daqueles, que ainda
creem em massas populares, irregulares, e informes; leia a História moderna;
se não quer ler a antiga, e anuirá a esta verdade. Eu sei que uma Nação,
quando quer ser livre é-o; mas também sei, que este princípio olhado hoje
como axioma Político, é mais certo em teoria, do que em prática; ninguém o
proclamava mais, que o Conquistador-mor da Europa, ninguém o proclamou
tanto depois dele, como os Austríacos, Prussianos, e Espanhóis; mas aquele,
sem respeito pelo Ídolo, que fingia adorar, ia os conquistando a todos, e
estes vendo-se conquistados ia-lhes faltando também a fé para acreditarem
numa brilhante quimera, que os deslumbrava, sem os salvar, e garantir, e
fique certo, que se não fosse a geral coalizão, que deitou por terra aquele
proclamador da independência das Nações, e apresentou com ele a cultivar
batatas no Jardim Botânico dos rochedos de Santa Helena; ainda hoje Vossa
mercê, e eu com todos eles estaríamos mais escravozinhos, do que aqueles de
Alcobaça, de quem há pouco falei; e a razão é clara; porque a força maior
que faz sempre sucumbir a menor. Os exemplos aduzidos para provar a
improbabilidade de um desembarque, não querendo, ou não consentindo
os Portugueses, provam nada; Vossa mercê ignora ainda, que de premissas
particulares se não pode deduzir uma conclusão geral? Isto até os rapazes da
rua o sabem, porque o desembarque feito em Portugal no tempo da Rainha
Isabel, foi malogrado por lhe faltar o apoio dos Portugueses; porque o de
Walchren, e da Corunha o foram igualmente, pelas mesmas razões, segue-se
que todos o sejam? Porque Roma repetidas vezes venceu Cartago (e mais
eram Potências quase iguais em forças) segue-se, que esta não poderá ao
menos vencer uma vez aquela? Porque Vossa mercê uns dias aparece em
quarto crescente, outros em minguante, segue-se que nunca poderá aparecer
como Lua cheia? Quanto mais, que Vossa mercê erradamente atribui à falta

172
de apoio, e coadjuvação daquelas Nações, o mau sucesso daqueles desem-
barques; não foi a falta de apoio, foi pelo contrário o apoio, e reunião de
maiores forças, que os fez malograr, e atirou com os Ingleses ao mar. Que
assim mesmo desses desembarques que Vossa mercê dá o nome de malo-
grados, ou infrutuosos; colheram eles, que são meninos, imensas vantagens;
olhe foram a Copenhague, passaram o Sunda por baixo de Fortins eriçados
de basta artilharia, abrasaram parte daquela Capital, e trouxeram de lá uma
numerosa Esquadra, foram a Walchren incendiaram Flessinga, e comboiaram
de lá outra; foram ao Nilo fizeram saltar pelos ares a maior parte da Armada
Francesa, e fizeram abortar a expedição de Buonaparte, e do seu Mameluco;
foram a Montevidéu, estiveram lá o tempo que quiseram; e afinal pouco lhes
faltou para trazerem a reboque aquela Praça, e convertidos em patacões os
seus Navios; se lhes não foi também na expedição da Corunha, é porque
nem sempre se assam quantas se espetam; isto, meu Astro, não é Direito
Feudal, provado pelas Cartas Régias da Abadessa de Arouca; é Direito de
razão provado pela experiência, e pelos fatos. Portanto à vista disto, e mais
dos Autos, temos decretado, decretamos, que não só são falsas como Judas
a[s] premissas alegadas, e por conseguinte falsa[s] em toda a extensão do
termo a sua conclusão; mas que Vossa mercê em vez de dirigir como Astro,
cujos atributos, e emblema a si arrogou, a opinião pública, e chamá-la a um
mesmo centro, é verdadeiramente um Cometa desastroso, e sempre excên-
trico, fique na sua maior proximidade, tisna, abrasa, calcina a justa opinião,
e pensar de uns, e na sua maior distância, ou afélio obscurece, esfria, e gela a
de outros; vindo a ser todos os seus Jornais, que formam já um não pequeno
calhamaço, em tudo semelhantes àquele quadro, de que fala Horácio, onde só
ideias ocas se representam, quais os sonhos do delirante enfermo; de maneira
que nem pés, nem cabeça; a uma só forma quadram: ut nec pes, nec caput
uni reddatur formae.5 E disse por esta vez. Ora adeus, Senhor Compadre,
até mais ver, que não tardará muito, pois que já fico com as mãos na massa.

FIM

5
De tal modo que nem pés, nem cabeça a uma só forma convenha.

173
9

CARTA
DO COMPADRE
DO
RIO DE S. FRANCISCO DO NORTE,
AO
FILHO DO COMPADRE
DO
RIO DE JANEIRO,

NA QUAL SE LHE QUEIXA DO PARALLELO, QUE FAZ


DOS INDIOS COM OS CAVALLOS, DE NÃO CONCE-
DER AOS HOMENS PRETOS MAIOR DIGNIDADE,
QUE A DE REIS DO ROZARIO, E DE ASSEVERAR,
QUE O BRASIL AINDA AGORA ESTÁ ENGATINHANDO.

E CRÊ PROVAR
O CONTRARIO DE TUDO ISSO
- POR
J. J. do C. M.

RIO DE JANEIRO.
NA IMPRESSÃO NACIONAL. 1821.

174
SENHOR FILHO
DO
SENHOR COMPADRE
DO
RIO DE JANEIRO.

A Brevidade, com que estou a partir para o meu Sertão, não me permite mais,
do que assegurar a Vossa mercê o meu reconhecimento, pela parte que me
toca, e aos meus conterrâneos na muito justa, elegante, e judiciosa defesa do
Grande, Rico, Magnífico, e Fertilíssimo Reino do Brasil, e dos seus generosos,
e ousados habitantes, contra o desacordado Compadre de Lisboa: não menos
reclamar a favor dos miseráveis Homens Pretos, e Índios, que Vossa mercê,
não sei por que fatalidade, deixa ao desamparo, e até deprime.
Eu nasci em Portugal, cujo Ilustre Reino amo muito, mas não menos o
Brasil, cujo solo habito, e a cujos naturais devo imensos obséquios, e bene-
fícios; amo igualmente a verdade: sou Cidadão de toda a Terra; porque a
considero Pátria comum dos homens, e a estes todos irmãos; sem que nada
lhes dê demais, ou de menos, na entidade, haverem nascido na Ásia, Europa,
África, ou América; todos são homens; todos têm uma mesma origem; todos
são aptos a quanto os homens o podem ser ao bem, e mal; e só a educação, o
exemplo, os temperamentos, e livre Alvedrio, que pelo SUPREMO AUTOR
da Natureza lhes foi conferido, os faz diversificar em sentimentos, e costu-
mes. Isto posto, não posso negar-me, apesar de sentir bem as minhas débeis
forças, à justa defesa dos desvalidos Pretinhos, e pobres Índios, que Vossa
mercê deixa em abandono, fazendo nisso a vontade ao mal-intencionado
do Compadre de Lisboa. É necessário observar-lhe, que me parece, que sou
branco; apesar de nos meus apelidos se encontrar Moreno; contudo não me
dói o cabelo ao desencarapinhá-lo: amo a Justiça, e a Verdade; já o disse, e
por isso direi, o que elas me inspiram.
Os Pretos a quem Vossa mercê não concede maior acesso, e Dignidade,
que a de Rei do Rosário, são suscetíveis de todos os bons, e maus sentimentos,
dignos, e grandes feitos, e também baixos, e péssimos, do mesmo modo, que
nós os brancos o somos: se não têm aparecido entre os pretos repetidas vezes
grandes homens, é porque a condição servil, em que estão postos entre nós
lho não consente: na sua Pátria opõe-se-lhes a barbaridade, em que ela está
envolvida; mas apesar disso, quantos Heróis poderiam eles memorar, se lhes
fosse conhecida a prodigiosa Arte de transmitir seus nomes à posteridade?

175
Contudo alguns da sua raça se têm eternizado por grandes façanhas milita-
res, e sem sairmos do nosso Brasil admiraremos um Henrique Dias; não foi
ele preto? Impediu-o acaso o acidente da cor, para que obrasse as grandes
ações de fidelidade, valor, e heroicidade, que praticou na restauração de
Pernambuco? E quantos Henriques Dias teríamos visto se a sua servil, mísera
condição lhes não obstasse? Muitos certamente. O brioso, e valente Corpo
de Libertos Leais d’El Rei não é composto de pretos? Tem por isso deixado
de se conduzir com honra, e valor na Guerra do Sul? Não vemos entre nós
Cavaleiros das Ordens Militares, Coronéis, e Oficiais pretos, que dignamente
preenchem os deveres, e comportamentos? Não vemos Sacerdotes, e Cônegos
muito dignos? São os pretos menos hábeis e aptos para as Letras, Artes, e
Ofícios? Não certamente; temos disso sobejas provas entre nós mesmo[s], e lá
em Lisboa terá o Senhor Compadre visto homens literatos, e Artistas peritos,
de cor preta: eu lá conheci entre outros o Doutor Padre Domingos Advogado
de muito crédito, e probidade, sem que lhe obstasse a escuridade da cor.
Os Índios, a quem Vossa mercê põe em paralelo com os cavalos, mere-
cem certamente outro conceito, não irei buscar as primeiras provas disto
a outra fonte, que não seja a mesma da restauração de Pernambuco, e as
que entre nós, e neles observamos. Felipe Camerão, ou Camarão deixou
acaso por ser Índio de obrar feitos de valor, e heroicidade à testa dos seus
valorosos Indígenas; com os quais eternizou seu nome; e mereceu o nosso
reconhecimento, e veneração?
Senhor Filho do Senhor Compadre do Rio de Janeiro; não vê Vossa
mercê, que quando deprime os Índios, deprime com eles a todo o Brasil, e a
maior parte dos seus habitantes, (aqui dói-me o cabelo) que ou por aliança,
ou por descendência lá têm alguma coisa de comum com esses Índios? Com
quem contraíram os primeiros Portugueses, que ao Brasil vieram, as suas
alianças propagadoras da raça humana? Não foi acaso com as mui carinho-
sas, e solícitas Índias? Foi sem dúvida, e delas descendem muito honradas,
e nobres famílias, sem que por isso deixem de ser tão honradas, nobres, e
Ilustres, como o são, e podem ser as que descendem dos Romanos, dos Godos,
e também dos Mouros, e Judeus, que cá segundo o meu fraco bestunto não
são menos gente do que todos os outros de que fiz menção, e até me vejo
muito obrigado a crer, que tudo isto está muito incorporado já hoje.
Quem conquistou, e descobriu as riquíssimas Minas do Brasil, e a
maior parte dos seus Sertões? Não foram, acaso, os Valentes, fiéis, briosos
e honrados Paulistas, e seus filhos, esses Mestiços filhos de Índias, a quem
Escritores entusiastas chamaram raça perversa, e que pelo contrário sempre
foi raça valente, franca, sincera, e honrada. Quem se atreverá a negar esta
verdade, provada pelos costumes dos presentes descendentes desses bravos,

176
e honrados homens, entre cujos descendentes ainda vemos reinar a boa-fé,
hospitalidade e filantropia.
Eu tenho transitado por algumas dessas Aldeias, e Vilas, onde presidem
esses Juízes Brancos os Índios, que Vossa mercê assegura que os Juízes bran-
cos conduzem os Índios, como o Cavaleiro conduz o cavalo pelas rédeas;
perdoar-me-á Vossa mercê a liberdade de assegurar-lhe, que está mal infor-
mado desses fatos.
Os Juízes nessas Vilas são de fato um Branco, e um Índio; servem por
semanas alternadas, com a diferença, que o Índio só conhece, e despacha
verbalmente diferenças dos seus Índios, ou destes com algum Branco, Preto
ou Pardo, com as decisões deste Juiz nada tem o Juiz Branco, assim como
o Índio se não embaraça nas decisões daquele, o qual conhece dos feitos
contenciosos, e discussões forenses, e é para ver, e admirar, que o Juiz Índio
sem revólver, Bartolos, nem Acúrcios, quase sempre julga com Justiça, reti-
dão, e equidade, quando o Juiz Branco enredado nos intricados torcicolos
da manhosa chicana, raras vezes acerta; por mais que para isso se desvele,
quando se desvela.
Os Índios, diz Vossa mercê, não figuram em coisa alguma porque não
querem: isto é verdade. E por que não querem eles figurar coisa nenhuma?
Porque ainda prevalecem neles os costumes dos seus antepassados; e muito
mais porque a natural, e espontânea fertilidade do pinguíssimo Brasil lhe
fornece, a troco de muito poucas fadigas, quanto as suas naturais, e muito
comedidas carências lhes exigem para conservação de suas robustas saúdes,
longas vidas, e amadas, preciosas Liberdades ao mesmo tempo que as nossas
caprichosas invenções, e gabadas ciências nos atenuam, e consomem, nem
se diga que deste modo eles vivem só para si; falo dos Cristianizados, eles
se nos prestam quando os precisamos para a navegação dos Rios centrais;
na qual são eminentes, e para outros misteres, que estão a seu alcance, e
isto muito fiel e de boa vontade, uma vez que se lhe dê abundante sustento,
e se tratem com agrado, e franqueza, eles nos fornecem alguns gêneros de
Comércio, e sempre os achamos prontos, ou seja para conquistar os Índios
Selvagens, ou para nos opormos às hostilidades deles.
Os Índios não são menos habilidosos para as Letras, Artes, e Ofícios,
disso temos sobejas experiências, e quando a População Brasílica tornar mais
dificultosa a manutenção diária de cada indivíduo, ver-se-ão os Índios tomar
os seus lugares na Sociedade como os outros indivíduos, que a compõem hoje.
Não concordo, também, com Vossa mercê quando para repelir o
desorientado Compadre de Lisboa, na asserção em que ele afirma, que: o
Brasil não tem braços, nem pernas, responde, que já vai engatinhando! Não

177
Senhor: o Brasil já anda pelos seus pés há muito tempo; e está um perfeito,
e robusto Mancebo, apesar de ter sido muito oprimido na sua infância; ele
come pelas suas mãos, vive muito abundante, e tanto que mimoseia aos
que visitam com muito disso, com que se compram os melões, e com outras
muitas, e preciosas coisas, que valem o mesmo.
Espero que Vossa mercê reconheça a razão, com que me queixo do
abandono em que Vossa mercê deixou os pobres pretinhos, e Índios, que
são os mais dignos de contemplação.
Queira ter a bondade de recomendar-me ao Senhor seu Pai, e ao
Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor Rio de Janeiro seu Padrinho; como
também aos honrados vizinhos deste Senhor, aos quais todos vou muito
obrigado: dignando-se Vossa mercê igualmente de dizer da minha parte,
a estes Senhores, que se não lamentem dos cobrinhos, que derem por este
papelinho, no caso, que chegue a ver a luz pelas portas da Imprensa; porque
são para ajuda dos gastos de uma viagem de mais de duzentas léguas, e que
se eu for digno dos seus benignos acolhimentos, mesmo desde lá da minha
longínqua habitação me não esquecerei de lhes confessar o meu reconheci-
mento e gratidão havendo matéria, e oportunidade.
Encomende-me a Deus nas suas orações, e muito mais à boa, e Santa
Causa da nossa Regeneração política; e vida, conservação, e saúde do nosso
amabilíssimo Monarca Constitucional o Senhor Dom João VI, e a toda a
Real Dinastia de Sereníssima Casa de Bragança: e União fraterna do Reino
Unido de Portugal, Brasil, e Algarves.
Deus Guarde a Vossa mercê muitos anos. Rio de Janeiro 20 de Setembro
de 1821.

De Vossa mercê Sou com todo o respeito Atento Venerador.

O Compadre do Sertão Rio de São Francisco do Norte

178
10

CARTA
DO

NOVO MESTRE

PERIODIQUEIRO
AO AUTHOR DA RESPOSTA
À

SEGUNDA PARTE DO MESTRE

PERIODIQUEIRO
______________________
Si non fuerint saturati,
murmurabunt
Se tiverem fome,
murmurarão1
______________________

LISBOA:
NA OFFICINA DE ANTONIO RODRIGUES GALHARDO
Impressor do Conselho de Guerra.
Com licença da Comissão de Censura.
___________
1821.

N.T.: Salmos, 58:16.


1

179
Sapientíssimo Respondão.

Eu o Mestre Periodiqueiro te envio muito saudar como a Discípulo, que me


apraz, e como a Periodiqueiro, que desenganado do pouco lucro, que dão
os periódicos, te mudaste em Folheteiro, para com folhetos ganhares tua
vida, etc.
Acabo de ler a tua resposta à segunda parte do Mestre Periodiqueiro.
O ridículo da frase, a multidão dos disparates, a continuação das malignas
acusações, a impudência dos aleives, a sinistra adulteração das palavras, os
insultos, os ditérios, os erros, que nela estão espalhados, são outras tantas
vozes, que altamente publicam que tal Resposta é obra da mesma fábrica,
osso do mesmo açougue, e produção do mesmo deslinguado Escritor, que
compôs a primeira. Seja porém, ou não seja, não se pode duvidar que tu
és o Autor, e se não és o mesmo, tens com ele muito parentesco. Eu devia
ser surdo a tais clamores, mas como a pena ainda está na mão, o espírito
quente, e eu estou agora de bons humores, julguei conveniente não refutar;
(Deus me livre de tal atentado!) mas louvar tão preciosa Resposta, e ajudar-
-te desta sorte a ganhar mais alguns vinténs, mostrando as riquezas que ela
encerra. Sei que escreves, não para combater erros, mas para matar a fome;
por isso não posso deixar de louvar o trilho que segues. A fome unida à raiva
torna o homem delirante; e, quando o ventre está vazio, entretém-se a fome
murmurando, e maldizendo: Si non fuerint saturati, murmurabunt. Ralha,
grita, ladra, morde, zurra, não perdoes a classe, e indivíduo algum, dize quan-
tos despropósitos te lembrarem; tudo se releva em quem tem fome. Quem
escreve para ter fama, escreve com decoro, e dignidade, mas quem escreve
por ter fome, e instigado pela raiva deve escrever sem decência, servir-se de
aleives, empregar todo o fel da maledicência; porque isto agrada à multidão,
e o dinheiro vai correndo, que é o que se pretende.
Ninguém deixará de conhecer que a tua Resposta à segunda parte do
Mestre Periodiqueiro é uma obra-prima. Nela se manifesta a grandeza do
teu engenho, a candura da tua alma, a sinceridade do teu coração, e a lógica
mais apurada. Alguns dirão que é um chorrilho de parvoíces, mas ficarão
desenganados quando lerem esta minha carta, em que noto as tuas belezas,
e o teu talento.
O plano que adotaste é admirável. Diriges a tua Resposta ao Editor, a
quem só pertence uma pequena nota; e o confundes com o Autor; mas todo
mundo sabe, que Autor, e Editor é uma, e a mesma coisa, e se alguns acham
diferença na significação destas palavras, é porque não têm os Dicionários,

180
que tu possuis. Como me consideras Autor, e Editor, para me conformar
com as tuas ideias, farei as reflexões que devo, e mostrarei, quanto puder,
as belezas, e preciosidades desta tua Resposta, como se fora Autor, e junta-
mente Editor.
Logo na primeira página se encontra uma desordem tal, que a todos
espanta. Começas a dar-me o tratamento de Vossa mercê, e acabas falando-me
por vós. E não é isto admirável? Dirão alguns que isto provém de serem dois os
Respondões, ou Obreiros de tal Resposta, mas enganam-se; é porque escrever
com uniformidade compete a muitos Escritores, e escrever com desordem é
singularidade dos engenhos raros como o teu. A declaração que fazes de que
só escreves para servir a nossa justa causa; e necessária reforma, e que eu, e
outros muitos Escritores só escrevemos para alucinar a multidão, excitar a
desconfiança, rebelar a Nação contra a Nação, ainda que tudo isto seja um
testemunho falso, uma acusação maligna, é também um artifício engenhoso;
porque o pretexto especioso de defender a nossa justa causa, é a melhor capa,
de que nos podemos cobrir para invectivarmos, acusarmos, e criminarmos
os nossos Adversários. Se a ínfima populaça, cobrindo-se da capa do zelo do
bem público, insulta Cidadãos pacíficos, desobedece às Autoridades consti-
tuídas, quebra janelas, e vidraças, e vai, se pode, limpando as casas, e bolsas
do que encontra; que melhor pretexto pode tomar um Escritor do teu caráter
para insultar todos os seus Antagonistas, do que dizer que são inimigos da
nova ordem, que se procura estabelecer? Se alguém estranhar que digas que
a Nação Portuguesa é por essência religiosa, e fiel, etc. e afirmar que isto é
uma sandice, e que deverás antes dizer: é por caráter religiosa, etc. não te
envergonhes disto; porque caráter, e essência na tua particular metafísica
é uma e a mesma coisa, o que ninguém sabe senão tu. Aquele testemunho
falso com que acusas a muitos Portugueses, afirmando que eles fazem Clubes
anticonstitucionais, a sinistra pintura que nos fazes das decisões dos seus
conclaves, como se foras o Diabo coxo, que penetra o que se passa no meio
das trevas, é a coisa mais engenhosa do mundo; porque ainda que tais Clubes,
e tais decisões se não tenham visto, nem ouvido, nem lido em parte alguma,
senão na tua maravilhosa Resposta; ainda que tudo isto seja invento só da tua
imaginação tão fecunda, (em delírios) é conveniente falar assim, para poderes
a teu sabor gritar contra todos aqueles, que têm a audácia de eclipsar as tuas
brilhantes luzes: pois o dizeres que o plano de invectivar contra os periódicos,
é um disfarce para se poder caluniar as determinações do Congresso Nacional,
é sem dúvida um rasgo de mão de Mestre; porque confundindo tu os delírios
dos Periodiqueiros com as sábias decisões do Congresso, tapas a boca a todos
os que quiserem falar contra a peste periodiqueira. Podes gloriar-te que este

181
teu preâmbulo é o maior, e mais claro testemunho dos teus talentos, da tua
erudição, da tua candura, da tua sinceridade, e da tua boa-fé. Passemos a
contemplar as maravilhas da tua Resposta.
Afirmas que eu pretendo denegrir o legítimo procedimento da Nação, que
intentou regenerar-se, e que com o exemplo das Teorias de Platão pretendo
que se não aspire ao mais perfeito; isto é tão verdadeiro como o afirmares
que eu na primeira parte dissera, que ou os bens dos Regulares se dariam
a cômicos estrangeiros, ou eles os conservariam. Todo o mundo conhece
que isto é uma tremenda aleivosia; porque nada disto intentei, nada disto
que afirmas, eu escrevi, e só foi minha intenção mofar dos periódicos pelos
seus títulos, pela brevidade da sua duração, e pelas promessas que fazem de
venturas imaginárias, e pelos planos extravagantes que formam, sem que
jamais eu me lembrasse de denegrir o procedimento da Nação, ou evitar
que se procure o melhor bem. Mas estes aleives com que me honras, são
efeitos da tua agudeza, e indústria: eles servem para me tornar odioso, e para
poderes com tais pressupostos dar cutiladas à direita, e à esquerda, e dizeres
quanto te vier à boca. As provas que aduzes para mostrar que o Tribunal
do Santo Ofício era nos tempos presentes um Tribunal abusivo, e usurpador
dos direitos Episcopais, são as mais convincentes que se podem excogitar:
quem poderá negar que o melhor meio de provar o que se passa atualmente
entre nós, é aduzir o que se passou nos séculos passados? O Santo Ofício
cometeu excessos até o ano de 1732; logo ainda atualmente os praticava.
Esta conclusão é exatíssima pela tua grande lógica. Sei, e ninguém o ignora,
que para provares que o Santo Ofício era atualmente um Tribunal abusivo,
e usurpador dos direitos Episcopais, deverias mostrar que ele condenava, e
absolvia arbitrariamente, abusando do seu Regimento, e das Leis estabelecidas;
que sem ter autoridade, ou jurisdição dada pelas Autoridades competentes,
Régia, ou Pontifícia, roubava aos Bispos o poder que eles têm; e provas isto
excelentemente contando os Réus que apareceram nos cadafalsos, e os que
foram condenados ao fogo até 1732, e esta é a melhor prova que pode dar-se,
de que a Inquisição foi, e era um Tribunal abusivo, e usurpador dos direitos
Episcopais; assim como os milhares de Réus, que em todos os tempos têm
saído das cadeias para desterros, açoites, galés, e patíbulos, são prova mais
decisiva de que os tribunais, que os condenaram, são Tribunais abusivos, e
usurpadores dos direitos alheios.
Quanto é concludente a exposição do Cardeal da Cunha, que alegas!
Ela põe o selo a todas as tuas provas; porque ainda que nela se não encontre
uma só palavra, que declare ser este Tribunal abusivo, e usurpador dos direi-
tos Episcopais, ainda que venha tanto para provar o que se pretende, como

182
manteiga para espeto, contudo ninguém pode duvidar que o que disse o
erudito, e imparcial Cardeal da Cunha em 1774 pode servir para provar fatos,
que aconteceriam em 1820. O Marquês de Pombal, que comunicou a este
Cardeal o seu espírito, a sua política, e até a sua frase, lhe infundiu também
o dom da profecia para poder dizer o que havia acontecer em Portugal nos
nossos tempos, e depois da sua morte; e por isso o seu testemunho é o melhor
que podias aduzir para mostrar o procedimento atual do Santo Ofício. Quem
não acreditar o que diz o Cardeal da Cunha, que sempre falou com zelo da
verdade, e nunca por lisonjear o Marquês de Pombal, é o mesmo que não
acreditar o Evangelho. As notas que fazes à mencionada exposição, são tão
eruditas, e sinceras, que se não me faltasse o tempo, eu te exporia todas as
suas belezas, que te caíram da pena sem talvez as conheceres.
Não sabes a grande alegria que sentiu meu coração, quando li na tua
Resposta, que ainda existem Leis, que autorizam ao Santo Ofício as torturas,
e os tormentos; porque tinha ouvido dizer, que no Santo Ofício já não havia
tais torturas; nem estavam em uso as Leis que as permitiam. Tu me farias um
grande obséquio se com certeza me mostrasse que estas Leis, que autorizam
as torturas, eram só privativas do Santo Ofício, e não se estendiam a outros
Tribunais, porque então teríamos direito de gritar, não tanto contra o Santo
Ofício, como contra os Monarcas que aprovaram tais medidas; mas se houver
Leis, que autorizem também a outros Tribunais as torturas, não me parece
justo clamar por isto só contra o Santo Ofício, e não clamar contra os outros
Tribunais, que estão nas mesmas circunstâncias: e se houver algum Decreto,
que proíba os tormentos; então será erro, ou malícia o dizer-se que ainda
existem as Leis, que autorizam ao Santo Ofício as torturas.
Louvo muito a civilidade com que me dizes, que minto quando digo,
que os mesmos excessos que se praticavam na Inquisição se encontravam nos
outros Tribunais; e tens razão. Nos outros Tribunais não havia torturas, e
tormentos; neles ninguém se condenava a morrer a fogo lento. O Livro 5.º da
Ordenação nunca esteve em prática. O Marquês de Pombal, que extinguiu
as atrocidades, e crueldades da Inquisição, não fez atormentar os Fidalgos,
e ninguém testemunhou o gênero de morte, que eles sofreram na praça de
Belém. Só o Santo Ofício praticava exclusivamente estes excessos.
O que eu não aprovo é dizeres: Fora velhaco sedicioso! Tu me dás estas
denominações por eu dizer: “Quem sabe se aquilo, que hoje aprovamos, e
louvamos virá a ser algum dia objeto de vitupério, e de reprovação.” Digo que
não posso sofrer isto por dois motivos: primeiro, porque por uma refletida
malícia, e suma perversidade mudas as palavras. Eu digo: quem sabe se aquilo
que hoje louvamos, e aprovamos, etc. e tu afirmas que eu digo: quem sabe se

183
aquilo que hoje praticamos, etc. Fazes esta maliciosa mudança de indústria,
para dares a entender que eu pretendo dizer, que algum dia se vituperará a
justa, e necessária reforma, que se está fazendo. E não é isto ser velhaco, e
perverso? Ora se tu não duvidas adulterar um escrito impresso, atribuir-lhe
o que lá se não acha, não obstante o poderes ser claramente desmentido, que
conceito queres que se faça do seu testemunho, e do de teus colegas, que vão
ouvir os Pregadores com o mesmo espírito, com que os Fariseus iam ouvir
a Jesus Cristo, que era para o pilharem em suas práticas, (ut caperent eum
in sermone2) quando podem aumentar, diminuir, tirar conclusões próprias
da sua perversidade, sem que o Pregador se possa defender? Pondera-o, e
medita-o bem. O segundo, é porque deste modo também atacas a um dos
Senhores ilustres Deputados de Cortes, que falando no Congresso sobre a
Inquisição, empregou as mesmas ideias, que se acham na segunda parte do
Mestre Periodiqueiro. Atribuiu judiciosamente os excessos da Inquisição
ao espírito dominante do século, e não pôs em dúvida, como eu, mas disse
que estava tão certo de que os séculos futuros reputariam como bárbaros
muitos estabelecimentos, que nós agora aprovamos, como estava certo que
dois, e dois são quatro. Aqui manquejaste, mas consola-te: Homero também
toscanejou, e os mais brilhantes astros também têm seus eclipses.
Continuas tu a denominar-me mentiroso por eu dizer que algum dia se
considerava como um bem o que fazia o Santo Oficio, e hoje se considera
como um mal. Tens tu toda a justiça: é verdade que não falas com proprie-
dade; porque dizendo que minto, queres dizer, que digo o contrário do que
sinto, que é o significa a palavra mentir, e eu por desgraça minha sempre estive
persuadido do que disse; porque me persuadia que tantos Reis piedosos não
aprovariam o que fazia a Inquisição, se não considerassem como um bem o
que ela praticava; persuadia-me que era conveniente punir os Judeus, que
naquele tempo faziam os mais escandalosos insultos à Religião; persuadia-
-me que os Fidalgos não assistiriam aos Autos da fé, se eles os considerassem
como um mal; mas agora vejo que me enganei: agora sei que os Monarcas
aprovavam o que fazia o Santo Ofício, ao mesmo tempo que o consideravam
como um mal; sei que injustamente lhe davam os Reis, e Escritores daquele
tempo o título de santo, e retíssimo Tribunal; porque diziam o contrário do
que se sentiam. Só as tuas luzes me poderiam tirar deste engano em que estava.
Eu te agradeço este benefício, e muito mais te agradeceria, se tu me desses
provas do que dizes; mas para que são provas? Basta dizê-lo tu, sem que o
proves, para que todo mundo se deva sujeitar ao peso da tua autoridade.

2
Para que o surpreendessem nalguma palavra. N.T.: Mateus, 22:15.

184
Nas páginas 16, e 17 da tua Resposta, tudo é digno de grande louvor.
A enfiada dos aleives, e acusações, o que me fazes dizer, sem que eu o
pensasse, ou dissesse em parte alguma, é maravilhoso, é o meio mais eficaz
de conseguires o teu fim: pois aquela contradição, de que me acusas, é sem
dúvida a maior prova da tua penetração, e agudeza. Pensava eu, que esta
proposição “Para que havemos nós vituperar os excessos da Inquisição,
quando sabemos que tais excessos eram próprios daqueles tempos, e que
cessaram logo que as luzes se aumentaram, e começaram a vagar as novas
ideias, e as circunstâncias mudaram?” Pensava sim que esta proposição não
era nem contraditória, nem contrária à seguinte “Eles (os Jesuítas) se encar-
regavam da educação da mocidade cristã, e hoje a educação da mocidade
está perdida;” porque estas proposições não têm nem o mesmo sujeito, nem
o mesmo predicado, o que é necessário para haver contradição. Mas tu que
és o melhor lógico do mundo, descobres nelas contradição, e para melhor a
mostrares, inventas, e deduzes o que te vem à cabeça. Porque eu digo, que
logo que se aumentaram as luzes, cessaram os excessos da Inquisição, concluis
que eu quero dizer que Portugal esteve em trevas até 1774, como se o termo
aumentar não designasse o havê-las já, e como se as não pudera haver em
respeito a outros objetos: e porque eu digo que a educação da mocidade se
acha hoje perdida, tu com a tua costumada sinceridade finges que eu digo,
ou quero dizer, que tudo em Portugal é ignorância, e daqui concluis, que eu
me acho em contradição. Este artifício é louvável; desta sorte podes notar
contradições nos mais sábios Escritores. Mas deves persuadir-te que eu não
podia dizer tal coisa, depois de ver os teus Escritores preciosos, que são um
tesouro de sabedoria, e depois de ver, que até o baixo povo está tão amigo
de luzes, que quando as não vê às janelas, quebra as vidraças.
Muitas graças deve dar à Providência, o Castelhano; que fez as profecias,
por não seres o Governo, ou Intendente da Polícia. Desgraçado Castelhano!
Decerto o esbarrigavas, pois que também eu havia provar decerto, que ele
fizera as tais profecias. Mas escapou ele, e nós todos de tal flagelo: seja Deus
louvado. O dizeres que eu logo que falo dos Frades, acho meios de uma
perfeita reforma, é este mais um testemunho falso de que darás conta a Deus.
Em parte alguma digo que se pode fazer uma perfeita reforma aos Frades, mas
sim uma prudente, e paternal reforma: porém fazes bem não dizer palavra,
que não seja um aleive, porque de outra sorte; que havias dizer, ou escrever?
Sobre os inventos devidos aos Frades, tens toda a justiça de te queixar
da minha credulidade. Confesso que pequei contra todas as regras da crítica.
Acreditar a quem mente por ofício, por sistema, e por gênio, como tu, é o
que manda a razão, e a arte; mas acreditar a uma pessoa de probidade, que

185
nenhum interesse tinha em enganar, e que falava diante de pessoas de erudição
sobre o invento do plano dos Barcos de vapor, que ele atribui a um Jesuíta,
é um grande erro, é faltar às regras da crítica. Bom seria, que escrevesses a
esta pessoa, para que te ilustre sobre este objeto. O seu nome é o Sr. Coronel
Francisco Antonio G. M.,(*) a sua moradia é na Corte do Rio de Janeiro.
Mas não presumas, que ainda que te venha às mãos o plano feito pelo Jesuíta,
poderás com ele esfregar as ventas a Mr. Buchanam como dizes em termos
tão polidos.
O que diz este Escritor, não se opõe a ser o plano feito pelo Jesuíta. Este
Escritor diz que o primeiro ensaio de um barco se poder mover pela ação do
vapor fora feito em 1801, e que o primeiro barco que se construiu, e pôs a
navegar fora em 3 de Outubro de 1807 em Nova Iorque, e isto podia acon-
tecer, existindo muitos anos antes o plano do Jesuíta. Além disso Buchanam
não fala de quem foi Autor do plano, só fala do tempo em que se pôs em
prática na América; e ninguém ignora que pode estar feito um plano, e só
daí a muitos anos pôr-se em prática. Assim nada se remediaria com o que
exiges, nem Buchanam iria parar sete braças abaixo do inferno, como com
tanta galantaria dizes. Deves advertir também que há muitos anos é conhecida
a força do vapor, e que não é impossível que um Jesuíta fizesse o plano dos
Barcos de vapor. Entre eles havia homens mais sábios em Física, do que tu,
que ignoras as suas Leis. E no seu tempo já Gaultier, Cônego Regular, fez
uma memória sobre o modo de suprir o vento aos navios por meio do fogo.
Muita graça, e galantaria mostras no que escreves! Eu digo que um
Monge Beneditino foi o primeiro, que começou a misturar as uvas de diferen-
tes qualidades em uma e mesma cuba, e o mesmo diz o Autor do Espetáculo
da Natureza, no Diálogo 14 sobre o vinho; e tu com tanta graça acrescentas
de tua casa, que eu digo, que por isto fora o tal Monge o descobridor do
vinho. Fazes muito bem em amontoar aleives sobre aleives, porque de ti
ninguém espera nem mais, nem menos; e porque fingindo tu que eu digo
parvoíces, que tens a glória de inventar, abres um campo vastíssimo, em
que podes dar o combate à tua vontade, podes então dar cutiladas no ar,
notar anacronismos, contradições. E de que modo poderias falar em Baco, e
Bacanais, e dizer o que te vem à boca, se não te fundaras em um testemunho
falso? Estes aleives mostram que não tens pejo, nem vergonha; mas também
declaram que tens muito engenho, e malícia. Continua, farás fortuna.

* Não declaro aqui o seu nome por extenso, por não ter pedido licença ao mesmo Sr. se
porém houver empenho em se saber, eu o direi em particular a quem mo perguntar.

186
Há mil Escritores que atribuem a invenção da pólvora a um Monge;
mas tu és tão engenhoso, que; porque há dois que o duvidam, te serves da
sua autoridade, para dizeres que não há certeza, e desta sorte podes impug-
nar todos os fatos antigos; porque apenas haverá um, que seja confirmado
por todos os Escritores. Aquela diferença que notas entre Frade e Monge,
é a mais admirável que pode haver. É verdade que os Escritores, que mais
polidamente falaram a língua latina, designam o estado Regular com esta
palavra Monachatus; Frei Luiz de Granada, Frade Dominicano, quando
escreve ao Sumo Pontífice, querendo designar a sua profissão, diz que ele
era um pobre Monge, Me pa[u]perculum Monachum;3 mas ainda que os
Italianos o reconheçam como o Cícero das Espanhas, era Frade, e isto basta
para nada valer o que ele escreveu. Os melhores Escritores entendem hoje
por esta palavra Monge todos os que são Regulares, que vivem em comuni-
dade: mas tu, que és tão insigne Escritor, não deves conduzir-te pelo trilho
dos outros; deves dizer que Frade não é Monge. Se alguém chamar a tudo,
que escreves sobre isto, ridículas puerilidades, não te aflijas; eles blasfemam,
porque o ignoram o que é bom.
E que direi do reparo que fazes sobre os Religiosos, que trouxeram à
Europa a cultura do bicho da seda? Bluteau no tomo 2.º das suas Prosas
página 311, Zonaras no tomo 3. página 33, dizem que dois Monges trouxe-
ram à Europa a cultura do bicho da seda; mas tu engenhosamente duvidas
se foram Monges, porque Duarte Ribeiro de Macedo diz que foram dois
Religiosos, e nesta palavra genérica não há certeza de que fossem Monges. Eis
aqui o que é agudeza, e sabedoria? Eu não digo que os Monges trouxeram à
Europa as fábricas de seda, mas sim a cultura do bicho, e tu desenvolves uma
grande erudição, dizendo que só na Europa se começou a fabricar a seda no
ano de 1130, e concluis com tão boa lógica por esta razão, que na Europa se
ignorava até então o resultado dos tais bichinhos, como se os Monges, que
trouxeram da Pérsia os tais bichinhos, pudessem ignorar os seus resultados,
que lá eram tão vulgares lê Zonaras e verás que estes Monges ensinaram
que dos efeitos destes bichinhos se fabricava a seda. Mas não te canses com
isto; tu sabes que eu falei destes inventos por incidente, e um bom Escritor
não deve demorar-se em combater coisas acessórias, porque isto mostra que
não tem armas para combater a questão principal.
Muito favoreces os Frades em exigires de cem só cinco, que sejam
literatos; eu nas tuas circunstâncias; exigia de mil um; porque ainda que
haja muitos, estão escondidos no canto dos seus cubículos: o mundo não os

3
Eu, pobre monge.

187
conhece, e desta sorte os tornavas mais desprezíveis. O que tu não disseste,
digo eu; digo que todos os Frades do mundo destilados não deitariam tão
grande Teólogo como tu és, que sabes o que disse o Padre Antonio Pereira
sobre os bens Eclesiásticos, sabes o que recomenda São Pedro sobre a
obediência devida às Autoridades constituídas, e fizeste uma descoberta nas
letras sagradas; que são as Escrituras, que até agora não fez Teólogo algum;
porque o teu grande trabalho em folhear as Escrituras, te fez lá descobrir
“que o Fanatismo tem prejudicado mais a Religião, do que todos os erros
dos Hereges.” Rogo-te, meu grande Salomão, que me mandes dizer em que
parte das Escrituras se acha esta asserção; porque quero confundir com tal
texto a todos estes Teólogos, que nunca lá descobriram tais palavras.
Que grande erudição desenvolves quando citas São Damaso, que,
trabalhou na reformação dos Frades, o Concílio de Cologne, e de Trento, e
o que diz Frei Bartolomeu dos Mártires. Nestas citações mostras que convéns
comigo, que também quero que os Frades sejam reformados, como queriam
São Dâmaso, e o Concílio de Trento, mas não quero a sua extinção. Se ela
fora conveniente, o Santo Padre, e o Concílio de Trento, a teriam feito: quero
que não haja novas Ordens, não pela relaxação das presentes, mas porque
temos já bastantes. E este era o motivo; por que os Papas, e Concílios proi-
biram o estabelecimento das novas Ordens. Concordo com o que diz Frei
Bartolomeu dos Mártires sobre o que devem ser os Frades, e só não concordo
contigo em quereres a sua extinção, quando da sua conservação com uma
prudente reforma pode a Religião, e o Estado tirar grandes bens. Parece-me
que seguirias melhor caminho se não citaras Frei Bartolomeu dos Mártires.
Não sabes que ele foi Frade, e Frade Dominicano, que deu mais a glória a
Portugal do que têm dado todos os Periodiqueiros? Ignoras que muitos lhe
chamaram teimoso, e até fanático por defender os direitos da Igreja. Não sabe
todo o mundo que ele foi o maior propugnador da existência dos Regulares,
e que longe de os extinguir, fundou de novo vários Conventos para utilidade
das almas? Seria melhor não citares nunca autoridade de Frade para ires
coerente, ou concordares comigo que se faça aos Regulares uma paternal
reforma, que os torne úteis. Esta é necessária; o Estado, e a Religião ainda
pode deles tirar grandes bens. O bom Lavrador vê que uma árvore ainda lhe
pode dar fruto, não lhe deita logo o machado à raiz para a lançar no fogo;
corta-lhe os ramos secos, limpa-a, rega-a, e a prepara para que lhe seja útil.
O mesmo se deve fazer às Ordens Regulares, que se acham em relaxação.
Não sabes a mágoa que me acompanha, por não poder comentar todas
as belezas da tua primorosa Resposta; mas elas são tantas, que não bastaria
todo o papel de Portugal; nem todo o tempo da minha vida, ainda que fora

188
tão longa como a de Nestor para as notar. Aceita-me a boa vontade, e perdoa
esta limitação. Podes ter a glória que nenhum Escritor era capaz de dar uma
Resposta igual a tua. Ela é verdadeiramente uma Respostada: nela não há
palavra, que não seja um aleive, uma maligna acusação, uma destampada
parvoíce, um insulto; mas ninguém ignora que fracas pombas não podem
gerar águias, e todo o mundo sabe que quando não há razões sólidas para
combater um escrito, é preciso recorrer a sátiras, a calúnias, a invectivas,
e ditérios; e nesta parte aproveitaste bem o que recomenda o meu Doutor
na primeira parte do meu Diálogo. Continua a insultar, a criminar, a dene-
grir, e infamar; segues nisto a tua inclinação; dás valor às tuas respostadas;
ganhas crédito, e dinheiro. Eu sofrerei com prazer todas as injúrias, e falsos
testemunhos, contanto que tu utilizes.
Advirto-te porém que não uses desta receita com todos. Pode haver
algum, que te queira pagar estes serviços com usura. Será bem que te conte
uma história para teu governo. Havia junto a Viseu um homem pobre em todo
o sentido, e só rico de maledicência; petulante, atrevido, descarado, insolente,
a todos insultava, e de todos, e de tudo dizia mal, chamava-se por alcunha
o Astro e Companhia, e outros, (corrupto vocabulo) lhe chamavam o Asno
em campanha. Passava continuamente a vida nas tabernas, ou nas praças
públicas enterrando vivos; desenterrando mortos; não havia na sua boca
ninguém honrado, ninguém que fosse fiel aos seus deveres; descompunha a
todo o mundo, e no fim das suas descomposturas, perguntava a quem estava,
ou passava: vale isto que eu digo, ou não vale? Era necessário responder-lhe
logo, e dizer-lhe três vezes, sim vale, sim vale, sim vale, e dar-lhe três vinténs
para ele se calar. Passava um dia um Frade, que ignorava a condição do tal
Astro, e quando este lhe perguntou se valia o que dizia. O Frade longe de
aprovar tais maledicências, o repreendeu; indignado o Astro e Companhia
por esta repreensão, levanta o braço, descarrega-lhe uma tremenda bofetada:
irrita-se o Frade, ajunta-se gente, expõem-lhe todos o costume do Astro, e o
meio de evitar os golpes da sua língua. Tira o Frade de um papel pardo um
cruzado novo, e deu-lhe. Vaidoso o meu bom Astro com esta vitória, assen-
tou que o melhor meio de adquirir alguns vinténs, era dar bofetadas. Ia seu
caminho um Almocreve, e sem mais cerimônia, ou cumprimento desanda-lhe
o Astro e Companhia uma bofetada maior ainda que a do Frade, esperando
em retorno ao menos um cruzado novo; mas o Almocreve, que não tinha os
humores do Frade, puxa da colubrina, que levava na carga, e de um só golpe
parte ao meio o Astro, e o mandou dar bofetadas para o outro mundo. É bom
saber isto para te regulares. Mas quem se atreverá a ofender-te? Frade? Não;

189
porque tu já o foste contra vontade de Deus, e dos homens, e lobo não mata
lobo; Militar: Tu tens arrostado com Generais, tens militares que te socorrem
com a pena, e te defendem com a espada; Bacharel? A tua língua excede a de
todos os Bacharéis do mundo, e a tua pena é mais penetrante que a espada de
Roldão. Quem poderá entrar contigo em combate, que não fique vencido, e
derrotado? Tu és o gênio mais sublime, que há séculos tem aparecido em todo
o mundo: cada palavra tua faz mais estragos do que a espada de Alexandre,
os teus Escritos são um portento de sabedoria, um armazém de erudição. Se
não atas duas ideias, se da tua pena não sai senão fel, e absinto, é porque esta
é a divisa dos homens grandes, como tu és. Ó Salomão de Portugal, ó Bruto
da nossa Pátria, ó Casso da Lusitânia mais famoso que todos esses, de que
se gloria a Itália, tu és o ornamento da Nação Portuguesa, sem as tuas luzes,
apalparíamos as trevas como os Egípcios. Não há quem te iguale. Se segues
o Ofício de Periodiqueiro, excedes a todos na farragem das palavras, no fel
da maledicência, e na mordacidade com que escreves. O teu zelo pelo bem
público te move a berrar, e ladrar contra todas as classes, contra todos os
indivíduos, e até contra o sábio, e ilustre Congresso Nacional. Se te disfarças
em Folheteiro, ou Respondão, os Frades ficam esmagados debaixo do peso
da tua pena: tu os fazes emudecer com teus testemunhos falsos, calúnias, e
insultos, que são as tuas armas do costume. Continua a ilustrar o Público
com tuas Respostas, não cesses de empregar nelas por argumentos injúrias,
por fatos aleives, asserções vagas, por provas erros, por sólidos raciocínios
vãs imaginações, ditérios, e sarcasmos: isto é o que de ti espera todo mundo.
Fico muito satisfeito com as provas que alegas a respeito do Santo Ofício.
Enquanto assim provares, ninguém poderá resistir à força dos teus argumentos.
Adverte que eu não exijo provas a respeito do Santo Ofício, como tu aleivosa,
e maliciosamente dizes; se eu exigira provas em um sentido tão genérico,
podias dizer que a Inquisição estava em Lisboa no Rossio, que tinha Ministros,
cárceres, absolvia, e condenava; e terias dado provas sobre a Inquisição. O
que eu exijo é que se deem provas de que o Santo Ofício era atualmente um
Tribunal abusivo, e usurpador dos direitos Episcopais. E tu pretendes provar
isto com a Exposição do Cardeal da Cunha, que precede o Regimento de 1774,
e com o Decreto de Confirmação do Senhor Dom José. Ora dize-me em que
parte desta Exposição, e Alvará se mostra que o Santo Ofício era atualmente
um Tribunal abusivo, e usurpador dos direitos Episcopais? Eu certamente o
ignoro. Vejo sim que em ambos estes documentos se atribuem os excessos
que cometia em outro tempo o Santo Ofício à influência dos Jesuítas, e isto
não é o objeto da questão. Nem afirmo, nem nego isto; antes me conformo;

190
porque segundo os Escritores daquele tempo, que escreveram por zelo da
verdade, e não por lisonjearem o Marquês de Pombal, íntimo amigo dos
Jesuítas, eles eram ignorantes, eram a causa de todos os males que sofria
Portugal; e só faltou atribuir-lhe[s] a bulha que os gatos fazem em Janeiro.
Vejo que pela influência dos Jesuítas fora Dom Pedro Castilho elevado às
dignidades de Inquisidor Geral, Presidente da Mesa do Desembargo do
Paço, e até de Vice-Rei do mesmo Reino, e este também não é o ponto da
questão; sei que o Cardeal da Cunha tinha todo o fundamento para fazer
esta acusação; porque Dom Pedro Castilho não merecia ter estas dignidades,
e só o Cardeal da Cunha merecia ser, além de Inquisidor Geral, Cardeal,
Regedor das Justiças, e Arcebispo, etc. Vejo que ele nota a altivez de Dom
Francisco de Castro, fundando-se no soberbo Panteão, que ele fez levantar
no Claustro do Mosteiro de São Domingos de Benfica, e acho-lhe razão; por
que fundar majestosos túmulos à sua custa para um dos maiores homens
que teve Portugal, Dom João de Castro, e para sua descendência ilustre, é
um testemunho de altivez; assim como os magníficos templos de Alcobaça,
Batalha, Belém, Mafra, Coração de Jesus, são provas não da piedade, mas
da altivez dos Monarcas, que os fundaram. Vejo que o Cardeal expõe, que
o Regimento por que se regia o Santo Oficio não tinha confirmação Régia,
e continha muitos erros; mas eu nunca afirmei, nem neguei isto. Por conse-
quência os documentos que alegas provam tanto o que eu pretendo, como
nada, e fico do mesmo modo esperando provas de que o Santo Ofício era
atualmente um Tribunal abusivo, e usurpador dos direitos Episcopais: mas
fico muito satisfeito; porque o Regimento que o Cardeal da Cunha deixou
à Inquisição, e pelo qual ela se regulava nos tempos presentes, era segundo
o testemunho do Cardeal, e o Alvará de Confirmação do Senhor Dom José,
um Regimento justo, jurídico, conforme em tudo aos verdadeiros ditames da
Igreja, às sábias Leis, aos louváveis costumes destes Reinos, conforme enfim
com o verdadeiro espírito da justiça, e da Misericórdia; e nesta persuasão
estava eu, posto que nunca fosse Apologista da Inquisição, e fosse sempre
indiferente para sua conservação, ou extinção; ainda que me magoava o
ver tantos Escritores invectivarem contra um Tribunal Régio, estabelecido
por autoridade Pontifícia, protegido, e autorizado pelos Monarcas, e que
procedia agora com moderação, e caridade. Não devo cansar-te mais, nem
roubar-te o tempo, que deves empregar em redigir o teu precioso Periódico,
que brilha como um astro no Céu da Lusitânia. Vai chamando a todo o
mundo corcundas, anticonstitucionais, inimigos da Pátria, sediciosos, e não
te importem Compadres de Belém, e outros que têm pretendido desmascarar

191
a tua hipocrisia, e arrogância; nem te canses em me dares mais respostas,
porque tenho assentado não dever escrever a um Autor de tão boa moral, e
tão civil, como tu és, e desta sorte sigo o conselho de Salomão. Ne respondeas
stulto juxta stultitiam suam, ne efficiaris ei similis.4 Estes os sentimentos do

Mestre Periodiqueiro

P. S.
Agora me dizem que tu não
és só o Autor da Resposta: tens
companhia. Tome cada um pa-
ra si o que lhe compete nesta
carta. Se ela te não agradar to-
lera-a, lembrando-te do adágio
Português, que diz assim: co-
mo canta o Abade, responde
o Sacristão.

4
Não respondas ao tolo segundo sua tolice, para que não te iguales a ele. N.T.: Provérbios,
26:4-5.

192
11

CARTA
DO
NOVO MESTRE
PERIODIQUEIRO
AO
AUTHOR DO DIALOGO,
INTITULADO
RESPOSTA AO NOVO MESTRE
PERIODIQUEIRO.
_________________________
In quo alterum judicas, te
Ipsum Condemnas.1

S. Paul. epist.2. aos Rom.


_________________________

LISBOA:
NA OFFIC. DE ANTONIO RODRIGUES GALHARDO,
Impressor do Conselho de Guerra.
Com licença da Comissaõ de Censura
__________
1821.

Ao julgar o outro, condenas a ti mesmo.


1

193
Ego vero aliquid, quod et mihi, et tibi pro-
desse possit, Scribam: Quid autem id erit, nisi ut te
exorter ad bonam mentem. Hujus fundamentum
quod sit quæris? Ne gaudeas vanis.2

Sêneca, Epístola XXIII.

Senhor Autor da Resposta ao Novo Mestre


Periodiqueiro.

Pensava eu que uma Nação tão grave, e modesta como é a Nação Portuguesa
nunca se encontraria um Escritor, que saltando todas as barreiras do pejo, e
transgredindo todos os limites da decência, prostituísse sua pena, escrevendo
tais coisas, e de tal modo, que causassem enjoo, e execração em todos os que
lessem suas obras; mas desgraçadamente nestes últimos tempos têm apare-
cido entre nós não um, mas muitos Escritores, que pela sua mordacidade, e
ignorância são o opróbrio, e a ignomínia da Nação, em que vivemos. Eu os
considero como aqueles mosquitos, de que fala Dom Francisco Manoel nas
suas discretas alegorias, onde diz:

Vejo também os mosquitos,


Tamaninos um por um,
Muitos vãos de seus Espíritos:
Não valem nada os malditos,
E andam sempre zum, zum, zum.

Entre estes se distingue Vossa mercê, como o Astro do dia se diferencia


de todos os mais Astros. Em todos os seus admiráveis escritos se encontram
tantas inépcias, malignidades, aleives, grosserias, que ninguém há que os leia
sem execração, e horror; mas em nenhum ofende Vossa mercê tanto as leis da
decência, da cortesia, e da caridade Cristã; em nenhum vomita tantos despro-
pósitos, multiplica tantas malignidades como na sua chamada = Resposta

2
Escreverei, deveras, alguma coisa que possa ser útil tanto a mim quanto a ti. Mas que
seria isso senão te exortar à busca da sabedoria? Perguntas qual seria o seu fundamento?
Não te comprazas em coisas vãs. N.T.: Sêneca, Livro III, Carta 23 a Lucíolo.

194
ao meu Diálogo, intitulado o Novo Mestre Periodiqueiro: = Ninguém há
que não conheça, que tal = Resposta = ditada pela mais desenfreada raiva, e
escrita com uma pena molhada em fel, se dirige toda a tornar-me odioso, e a
infamar-me. Nela não se descobrem senão aleives infames, malignas acusações,
sátiras picantes, asserções vagas; puerilidades ridículas, absurdos escandalosos,
personalidades afrontosas, e nem um só argumento sólido; porque todos os
seus raciocínios infelizmente pecam, ou na matéria, ou na forma.
Dizem que Mafoma deixara recomendado no seu Alcorão, que os
sequazes da sua seita não a defendessem com razões; nem se cansassem em
abrir os livros, movendo com fadiga as suas folhas, para nelas mostrarem
os fundamentos da sua chamada lei; mas sim, que voltando as folhas das
espadas levassem tudo à pancada, e a som de desentoados gritos fosse tudo
tumulto, opróbrios, e confusão. Vossa mercê quis imitar os bárbaros sequazes
de Mafoma: não se serve de razões para refutar o meu diálogo; toma sim a
espada da maledicência, e da calúnia para me infamar, para me tornar odioso,
servindo-se de termos os mais escandalosos.
Em tais circunstâncias que deveria eu fazer? Podia dizer-lhe o mesmo
que Sócrates, quando o avisaram, que um êmulo seu caluniava as suas ações,
e os seus escritos. Não estranheis, disse o Filósofo, que fale mal, se nunca
aprendeu a falar bem = Nuntianti, quod quidam de ipso male loqueretur:
nimirum (inquit) non didicit bene loqui.3 Que não dizem os Astrólogos dos
Astros? Que nomes menos decentes lhes não aplicam! A um chamam Basilisco,
que mata só com a vista: a outro Saturno melancólico, que devora meninos:
e acaso os Astros por isto deixam de correr suas órbitas? Não por certo,
antes sem atenderem os Astrólogos, eles vão seguindo os seus movimentos, e
continuando as suas influências. Assim o diz Santo Agostinho no Salmo 92.4
= Convitia fiunt stellis cum dicitur; illa est Mercurii, illa Saturni. Quid illæ
cum audiunt hic Convitia? Nun quid non exercent cursus suos?5 = Daqui
tomaram fundamento alguns Prudentes, para me aconselharem que me não
cansasse em refutar a sua Resposta; porque o desprezo era a mais genuína
refutação, e porque refutar tais escritos é honrá-los muito. Outros me têm
lembrado o emblema de Alicato, 164, em que se vê um rafeiro muito raivoso,
olhando para a Lua, e inquietando o descanso de todos com repetidos latidos,

3
Diz ao que lhe avisa que alguém falaria mal dele: “Evidentemente, não aprendeu a falar
bem.”
4
N.O.: Na verdade, não se trata do Salmo 92, mas provavelmente da referência a ele na
obra Comentário aos Salmos.
5
Surge algazarra entre as estrelas quando dizem: aquela é de Mercúrio, aquela de Saturno.
Mas o que fazem quando ouvem esta algazarra? Acaso não prosseguem os seus cursos?

195
e a Lua sem fazer caso dos seus desentoados ecos, como se fora surda, vai
continuando o seu curso com a comitiva das suas estrelas.

Et Latrat, sed frustra, agitur vox irrita ventis,


Et peragit cursus surda Diana suos.6

Outros por me lisonjearem me dizem com Sêneca, que é inútil quanto se


pretende fazer, petulante e soberbamente contra o sábio. Quid fit in sapientem
proterve, petulanter, superbe, frustra te[mp]tatur.7
Não obstante porém tão prudentes conselhos, lembrei-me que há
Escritores tão fátuos, e tão vaidosos, que consideram como vitória o desprezo,
que se faz de seus escritos; porque se persuadem, que o silêncio é procedido
da falta de razões para combater seus argumentos. Esta consideração me
determinou a lançar mão da pena não para escrever mordentes sátiras, afron-
tosas maledicências, como Vossa mercê faz; porque se eu quisera reconvir
maledicências com maledicências, que outra coisa seria nós ambos senão dois
malédicos? = Si vellem malediciis, maledicta rependere,8 diz Santo Agostinho,
quid aliud quam duo maledici essemus.9 Mas para lhe fazer ver a futilidade
da sua chamada Resposta, a injustiça dos seus aleives, a falsidade e maligni-
dade das suas acusações, a extravagância dos seus princípios, os absurdos,
que deles se deduzem, e sobretudo para o exortar a ser mais moderado em
seus escritos, e reprimir sua vaidade. Ne gaudeas vanis.10 Sem me esquecer
do caráter de um Escritor modesto, eu seguirei o conselho de Salomão, que
manda responder ao insensato segundo a sua estultícia,* para que não se
persuada que é sábio. Responde stulto justa stultiam suam, ne sibi sapiens
esse videatur.11 Se às vezes me rir, ou mofar da sua Resposta, creia que o
não faço senão porque assim convém. O riso, diz o grave Tertuliano, é às
vezes o melhor meio de satisfazer a algumas matérias. Muitas coisas há, que
se devem tratar com mofa, para que não pareça, que se adoram, tratando-se

E ladra, mas em vão, sua voz inútil é levada pelo vento. E Diana segue seu curso sem
6

ouvi-la. N.T.: Alicato, 165.


O que é feito contra o sábio de modo insolente, petulante e soberbo é tentado em vão.
7

N.T.: Sêneca, De Constantia, cap. IV, 2.


Se eu quisesse compensar maledicências com maledicências […].
8

O que seríamos senão dois maledicentes?


9

10
Não te comprazas em coisas vãs.
11
Responde ao estulto segundo sua estultícia, para que não pareça a si mesmo ser sábio.
N.T.: Provérbios, 26:5.

196
com gravidade. Si ridebitur alicubi, materiis ipsis satisfiet: multa sunt sic digna
revinci, ne gravitate adorentur.12 Comecemos o exame crítico da sua obra.
Logo no seu Título aparecem tantas, não digo parvoíces, mas ignorân-
cias, e descuidos, quantas são as palavras. Começa Vossa mercê dizendo:
= Resposta ao Novo Mestre Periodiqueiro. = Primeira palavra, primeiro
descuido, ou primeira ignorância. Resposta supõe pergunta; porque são
correlativos, e dar resposta ao Mestre Periodiqueiro, que nada lhe perguntou,
que é senão ignorância, ou descuido? Esta palavra se desculparia em outro
qualquer Escritor, mas em Vossa mercê, que afeta saber a língua, e falar com
pureza, e propriedade, é ignorância indesculpável: devia dizer: Refutação,
impugnação, etc. Além de que chamar Resposta a um agregado de acusa-
ções, e inépcias, não sei que seja outra coisa, senão ignorância. Continua
dizendo = Ou Abjuração do Sebastianista, e Ermitão confundindo o Doutor
Periodiqueiro. = Tantas palavras, tantos descuidos, por não dizer tantos
despropósitos: abjuração é renunciar ao partido, que dantes se seguia: chamar
abjuração à continuação do mesmo partido, se não é ignorância, é descuido,
e se não é descuido, é disparate. Eis aqui o que Vossa mercê faz. Ninguém
ignora que o partido, que sempre seguem no meu Diálogo o Sebastianista, e
o Ermitão, é confundirem o Doutor; a cada passo o impugnam, e o comba-
tem; e que pretendem no seu Diálogo, tanto o seu Sebastianista, como o
Ermitão? Não é confundir o Doutor que ensina a fazer periódicos? Logo é
seguir nesta parte o mesmo partido, que dantes seguiam; e a continuação
de uma coisa chama Vossa mercê de abjuração! Que ignorância! Se diz que
lhe chama = Abjuração; = porque o Sebastianista, e o Ermitão mudam de
sentimentos a respeito dos Frades, impugnando-os, clamando contra eles, o
que dantes não faziam; assim mesmo, Senhor Respondão, se não justifica,
porque Vossa mercê diz = confundindo o Doutor Periodiqueiro = e que faz
este no meu Diálogo? Não é combater, e clamar contra Frades? E como pode
ele ser confundido quando vê, que o Sebastianista, e o Ermitão se unem aos
seus sentimentos? Considere isto, e creio que há de conhecer claramente a
sua ignorância. Ora se pelo dedo se conhece o Gigante, pela unha o Leão,
que conceito se deve fazer de um Opúsculo, cujo Título não oferece mais
do que descuidos, e ignorâncias, senão que seja um montão de inépcias, de
ideias monstruosas! Quem poderá notá-las todas! Diz o sábio Abade Pará
que um insensato vomita às vezes em poucos minutos tantos despropósitos,
que um Bossuet, e um Fénelon não puderam refutar em muitos meses; e

12
E se algo ridículo surgir em algum momento, conforme-se a tais assuntos. Muitas
coisas merecem ser assim refutadas para que não sejam veneradas com gravidade.
N.T.: Tertuliano, Adversus Valentinianos, cap. VI.

197
Vossa mercê, Senhor Respondão, teve a glória de dizer tantos disparates na
sua magra = Resposta =, que nem todo o papel das lojas de Lisboa bastaria
para os escrever, se quisesse notar cada um por si.
A primeira, e mais agigantada sandice, que é mãe de todas as outras, é o
desígnio da sua Resposta. Pretende Vossa mercê denegrir-me, e infamar-me,
e só se infama a si, e aos Periodiqueiros. In quo alterum judicas, te ipsum
condemnas.13 Não se espante; eu lhe provo esta verdade de uma maneira
irresistível. Todo Autor de Diálogos, que pretende combater algum erro, e
mostrar a verdade, sempre introduz ao menos duas pessoa[s], uma em cuja
boca põe o erro, e que representa os seus sequazes; outra, que combate o
erro, e ensina a verdade, e esta é quem representa o Autor. O sábio Fénelon
querendo combater o mau gosto da eloquência, e mostrar o verdadeiro, forma
um Diálogo de três pessoas designadas nestas três letras iniciais = A = B = C.
= A = é quem combate o mau gosto, e ensina a verdadeira eloquência, e por
isso quem representa o Autor. = B = é o que segue o mau gosto, e por conse-
guinte o que representa os sequazes do mau gosto da eloquência. = C = é uma
pessoa que busca instruir-se sobre este objeto. Eu quis seguir este modelo,
e não me arrependo de assim o haver feito. Querendo mostrar a sem razão,
e injustiça de alguns Periodiqueiros (e só destes), que contra tudo clamam,
contra tudo berram, principalmente contra Frades, e querendo defender os
Frades das sátiras, e invectivas com que estes Periodiqueiros procuram fazê-
-los odiosos, iludindo o povo crédulo, e para que a sua causa não ocorresse à
revelia. Compus um Diálogo, e nele introduzi três pessoas, um Sebastianista,
homem sincero, que representa o povo crédulo; um Doutor, que representa
os Periodiqueiros, e os inimigos do monaquismo, e por isso pus na sua boca
os disparates, e sátiras, que eles amontoam em seus periódicos, e escritos;
e um Ermitão homem de probidade, que combate a doutrina do Doutor
Periodiqueiro, e defende os Frades. Diga-me, Senhor Respondão, quem é aqui
que representa o Autor? Só um néscio poderá ignorar que é o Ermitão; porque
este é quem combate os Periodiqueiros na pessoa do Doutor, e quem defende
os Regulares. Isto é a todas as luzes evidentes: se Vossa mercê combatera, e
refutara o Ermitão, combateria, e refutaria o Autor, procederia com método,
e ordem; mas por um delírio indesculpável pretende confundir o Doutor; logo
pretende confundir a si mesmo, e aos Periodiqueiros nele representados, e
quanto Vossa mercê atribui ao Doutor, é atribuído a Vossa mercê mesmo,
e a todos aqueles, que ele representa. Veja este raciocínio, ou silogismo, e
ficará desenganado, que deveria empregar em outra coisa o tempo que gastar

Ao julgar outro, condenas a ti mesmo.


13

198
em escrever. Os Periodiqueiros estão representados no Doutor; logo quanto
se diz do Doutor, se diz dos Periodiqueiros; Vossa mercê diz que o Doutor
é um embusteiro, traidor, atroz, rebelde, cavalo branco, maroto, tratante,
velhaco, homem de péssimas intenções, mau em pensamentos, e em pala-
vras, perverso, descarado, sedicioso, monstro que escreve as mais pestilentas
máximas, a mais venenosa doutrina, os princípios mais incendiários: tudo
isto diz com a costumada civilidade: logo = per te = por sua própria confissão
os Periodiqueiros representados no Doutor são tudo isso que Vossa mercê
atribui ao Doutor, e sendo Vossa mercê Periodiqueiro, como todo o mundo
por desgraça sabe, veja o elogio, que fez a si mesmo. Eu convenho em tudo
isto, e se não usei destes termos pelo órgão dos meus sentimentos, que é o
Ermitão, foi porque ainda me prezo de ter civilidade, e falar com decoro: não
vivo nos sertões da África, nem pretendo abusar da liberdade de Imprensa,
para escrever com desaforo, e sem modéstia. Ora, Senhor Respondão, não
lhe caem as faces de pejo, considerando que para me desacreditar se serviu
de armas, que só servem para infamar a Vossa mercê, e aos Periodiqueiros?
Não se envergonha de usar de tais palavras, e de não saber escolher um modo
de ataque seguro? Causa-me compaixão a sua ignorância.
Dirá talvez Vossa mercê que na pessoa do Doutor pretende representar-
-me a mim. Que delírio! E não conhece a loucura deste desígnio? Não vê que
eu nunca posso ser representado no Doutor, porque sempre o impugno na
pessoa do Ermitão, que é o meu Representante? Se Vossa mercê tivera saudado
ao menos de longe a Lógica, e a Retórica não escolheria certamente este plano
de ataque, que é um testemunho claro da sua ignorância, ou cegueira. A sua
raiva o cegou para não ver, que representando-me no Doutor, que eu impugno,
faltava às regras da arte, ofendia as Leis da justiça, e se fazia aleivoso, pondo
na boca do Doutor o que ele nunca disse, e só foi dito ou pelo Ermitão, ou
pela Sebastianista, resultando daqui uma tal desordem, e confusão na sua
= Resposta =, que parece ser uma imagem da torre de Babel, onde tudo é
confusão; porque Vossa mercê cego no seu furor , e raiva sem medida não
me entendeu a mim, e poucos puderam entender a sua = Resposta =; e por
isso estamos ao caso, em que disse Camões:

Torvado vem na vista como aquele,


Que não se vira nunca em tal extremo;
Nem ele entende a nós, nem nós a ele.

Virgílio fala de um monstro, que não tendo forças para resistir à maça
do valente Hércules, o qual tinha entrado em sua subterrânea caverna, para

199
o castigar segundo os seus merecimentos, começou a golfar globos de fumo,
para deste modo perturbar a Hércules, e poder resistir aos seus golpes. =
Mutato nomine de te fabula narratur.14 = Vossa mercê vendo que não podia
resistir à força dos argumentos, com que eu impugno os Periodiqueiros, e
defendo a causa dos Frades, não exala senão fumo, e fumo negro, e maligno
em seus sarcasmos, e grosseiras injúrias, que é o recheio da sua Resposta.
Nela semeia a confusão, e desordem para se livrar do combate; mas assim
como Hércules com a sua maça triunfou daquele monstro, eu também com
a maça da crítica espero triunfar da sua Resposta.
Quero conceder-lhe por um momento, que eu esteja bem representado no
Doutor Periodiqueiro, assim mesmo lhe digo que na sua = Resposta = há tanta
descompostura, tanta mordacidade, tantas, e tão malignas acusações, que com
justiça posso dizer-lhe o que dizia em outro tempo David: Os tuum abundavit
malitia, et lingua tua concinnabat dolos.15 Vossa mercê sem refrear a língua,
fazendo dela pena me afronta, me infama, escrevendo falsidades, impondo-
-me o que nunca fiz, e acusando-me com injustiça, e dolosamente. Arguam
te, et statuam contra faciem tuam,16 eu o arguirei não só para vingar minha
fama por Vossa mercê tão cruelmente denegrida, mas para que se conheça
a verdade. Não espere que eu me sirva das suas escandalosas expressões,
porque não quero imitá-lo. Extimasti quod ero tui similis?17 Nem presuma
que me agradam seus defeitos. Quod complaceant mihi mala tua.18 Vossa
mercê por ver impedida a corrente dos três vinténs, depois que apareceu o
Novo Mestre Periodiqueiro emprega todo o fel da calúnia para me desacre-
ditar, pintando-me como sedicioso, inimigo da nossa regeneração política:
não há injúria com que me não honre, maligna acusação, que me não faça.
E quem poderia ser inocente, diz César, se fora bastante o ser acusado? Quis
innocens esse poterit si sufficiat accusari?19 Eu podia queixar-me de Vossa
mercê aos Magistrados, e fazê-lo sofrer o castigo, que as Leis ordenam para
semelhantes difamadores; mas lembro-me da Lei do Imperador Teodósio,
que diz assim: Se alguém esquecido da modéstia, e das leis do pejo for
difamador, ou caluniador, não querermos que seja sujeito a castigo algum,
porque se o for por leveza, deve-se desprezar, se por loucura, é digníssimo

Mudado o nome, a história fala de ti. N.T.: Horácio, Sátiras, I, 69.


14

Tua boca abundou em malícia, e tua língua concertava enganos. N.T.: Salmos, 50:19.
15

Eu te acusarei, e porei tudo diante de tua face. N.T.: Salmos, 50:21.


16

Pensaste que eu fosse como tu? N.T.: Salmos, 50:21.


17

Que me comprazam os teus males.


18

Quem poderá ser inocente se basta ser acusado?


19

200
de compaixão, se por injúria, deve-se-lhe perdoar (*). Eu lhe perdoo todas
as afrontas; porque assim o pede a caridade cristã.
Não me admiro que me chame sedicioso, e inimigo da nossa causa: assim
o fazem as regateiras: chama-lho, filha, dizem elas, antes que to chamem;
assim o praticam as meretrizes, diz São João Crisóstomo: elas chamam
primeiro prostitutas às outras, para que estas não lhe lancem depois esta
afronta em rosto = Hoc prostitutæ faciunt, ut ipsæ prius ingenuas meretrices
vocent, ne probrum illæ reliquum habeant quod ex adverso jaciant20 = e deste
modo procuravam desacreditar os malévolos há pouco tempo aos seus inimi-
gos, quando para se vingarem lhe chamavam Jacobinos. Diga-me, Senhor
Respondão, onde mostro eu que sou sedicioso, e que sou inimigo da nossa
regeneração? Eu fui o primeiro, que, à face das mais respeitáveis Classes da
Nação, mostrei a necessidade que havia de se remediarem nossos males, e
exterminarem nossos abusos por meio de uma sábia Constituição; e Vossa
mercê me acusa de ser inimigo da causa, em que nos achamos empenhados!
Se eu tivera dito que tínhamos o tempo perdido, porque ainda se pagavam
quartos, ainda os pescadores da Pederneira pagavam tributos, etc. Se dissesse
o que sobre este objeto disse certo Periodiqueiro, que Vossa mercê conhece
melhor do que eu, alguma razão teria para me acusar de amotinador; mas
chamar-me sedicioso, e inimigo da Pátria; porque mofo dos seus periódi-
cos; porque combato as suas opiniões; ah, Senhor Respondão, se isto não é
malignidade, não sei o que seja! Lembre-se que as opiniões dos Periodiqueiros
não são decisões do Soberano Congresso, que todos devem respeitar; elas
podem ser refutadas sem ser inimigo da nossa liberdade; e não se esqueça
de que, chamando sedicioso ao meu Diálogo do Mestre Periodiqueiro, inju-
ria a circunspecção dos sábios Ministros da Comissão da Censura, que o
deixaram correr.
Para que eu possa fazer algumas reflexões críticas sobre a sua Resposta,
é necessário saber que Vossa mercê querendo confundir-me, como diz, se
serviu do seu Sebastianista, e do seu Ermitão: eles são os órgãos dos seus
sentimentos; e aquelas palavras, que a sua mui circunspecta civilidade, e
apurada religião põe na sua boca, palavras, que a mais deslinguada regateira
não se atreveria a proferir, são verdadeiramente suas. Esta é uma verdade,
que Vossa mercê se não atreverá a negar: logo refutando eu o que diz o seu

* Quoniam si ex levitate processerit, contemnedunt est; si ex insania, miseratione dignis-


simum; si ex injuria, remiticadum est.
Isto fazem as prostitutas: chamam elas mesmas as mulheres castas de meretrizes, para
20

que não recebam esta mesma infâmia que lançam contra elas.

201
Sebastiana, e o seu Ermitão, refuto a Vossa mercê, ou todo o seu escrito
(Aprenda daqui a combater com método).
Diz Vossa mercê à página 5, que um sujeito lhe dissera, que eu pregara
em Janeiro deste um ano um Sermão em Benfica, chefe de obra, (segundo eu
dizia) em que o panegírico sendo destinado a Nossa Senhora das Virtudes
somente se dirigiu a uma Senhora, que… come, bebe, etc. Eis aqui uma
ignorância, e um aleive; a ignorância é sua, o aleive é de quem lho disse; a
ignorância está em Vossa mercê dizer: um Sermão chefe de obra, em que
o panegírico, etc. porque isto, com perdão de Vossa mercê, não é de boa
linguagem Portuguesa; o aleive está em lhe dizerem que eu preguei em Benfica
um Sermão da Senhora das Virtudes. Saiba Vossa mercê, e saiba o mundo
inteiro, que eu nunca preguei em Benfica de tal objeto. Não ignoro que Vossa
mercê pretendeu desde modo infamar-me; mas eu lhe perdoo. E porque Vossa
mercê creu facilmente o que lhe disseram do Sermão, saiba o que diz o Sábio:
Qui credit cito levis est corde.21
Na mesma página 5 se vê a mais insulsa, e insultante chocarrice. Aqui
peço eu a mesma licença, que pedia em semelhantes circunstâncias Greg-Nanz:
Liceat mihi ridicule de re ridicula loqui:22 peço me conceda o poder me servir
do ridículo para refutar o que em si é uma ridicularia. Parece-me que Vossa
mercê foi, ou é Arrieiro, não só pela frase, que é própria deles; mas porque
nas suas respostas sempre chama a seu socorro, ou um burro, um Doutor de
cabresto, ou um cavalo: a mim por honra, que me quer fazer, e que eu lhe
agradeço, equivoca-me com um cavalo branco com arreios pretos. Há nada
mais insulso, mais ridículo do que esta chocarrice? Servirá ela para refutação
dos meus argumentos? Não é antes um testemunho da sua grosseria, e incivi-
lidade! Para Vossa mercê conhecer o seu delírio façamos uma hipótese: supo-
nhamos que Vossa mercê era um Bacharel, que tinha vindo lá da Beira para
redigir um periódico em Lisboa, por exemplo o Astro da Lusitânia; porque
este é o mais aplaudido, mais celebrado, mais polido, mais civil, mais erudito,
mais acreditado, e mais tudo tudo. Imaginemos, que Vossa mercê movido
de zelo, ou de raiva havia feito esta Resposta, obra-prima no seu gênero. Se
eu para a refutar dissera: junto à travessa das A… encontrei um vulto, que
me parecia ser um jumento pardo, sarnento, marcado no focinho, e figurou-
-se-me que ele tinha vindo de Viseu carregado de inépcias, e parvoíces para
vender em Lisboa a peso de ouro. Cheguei perto, e vi que pouco me enganei:

Quem crê depressa é leviano de coração. N.T.: Eclesiastes, 19:4.


21

Seja-me lícito falar ridiculamente de algo ridículo. N.T.: S. Gregório Nanzianzeno, Oratio
22

prima de Theologia, p. 96.

202
era o Bacharel Redator do Asno da Lusitânia: suponha que eu dizia isto: é
verdade, que Vossa mercê se não devia escandalizar, porque Vossa mercê
mesmo equivoca o Doutor com o cavalo branco; mas diga-me não acharia
esta chocarrice* sem graça, sem galantaria? Não teria estas expressões como
indignas de um homem bem criado? Teria sim: logo para que pratica Vossa
mercê aquilo que condenaria nos outros? Porque a sua raiva o cegou, e eu
o desculpo.
Deixemos a página 6 e 7, onde Vossa mercê vomita as mais insultantes,
e malédicas* declamações contra mim. Eu estou sempre pronto a perdoar-
-lhe, e protesto não combater nunca injúrias vagas. Estou certo, que sendo
já conhecida de todos a sua boa moral, a sua probidade, ninguém haverá,
que deixe de dar às suas declamações e acusações o peso, que elas merecem:
passemos à página 8. Vendo eu que muitos inimigos dos Frades, para os
tornar odiosos, se serviam da Portaria do Governo, que diz, que lhe consta
haver Frades, que proferem palavras sediciosas, pus este mesmo argumento
na boca do Doutor, que representa os inimigos do monaquismo, e o refuto
por meio do Ermitão meu representante: mostro que o governo procedera
com prudência, tomando estas medidas de cautela, e prevenção, e acuso de
malévolos aqueles, que sem fundamento denunciaram ao Governo, que os
Frades seduziam os soldados, e que publicaram a Portaria, fazendo-a anunciar
com um falso, e insultante pregão: e Vossa mercê por aquela ingenuidade,
que lhe é ingênita, ousa dizer que a minha intenção fora inculcar por injustiça
o procedimento do Governo, quando eu em termos os mais claros o inculco
como um ato de prudência!
Diz Vossa mercê que falando eu na Portaria do Governo, dirigida aos
Frades, ofereço ao mundo um testemunho incontrastável, que os condena.
Há maior delírio do que este! Porventura as medidas de prevenção, e cautela
foram nunca condenações manifestas? Se houvesse Frades, que proferissem
vozes sediciosas, pedia a justiça, que em tais circunstâncias fossem severa-
mente punidos; mas nenhum foi processado, nenhum Frade dos Conventos,
em que estiveram os soldados, foi condenado, ou punido: logo não houve
Frades sediciosos: logo foram malévolos os seus acusadores. Eis aqui o que
se deve coligir da Portaria: ela é sim uma prova, de que há malévolos, mal-
-intencionados, que buscam desacreditar os Frades; mas não é prova de que
os Frades fossem sediciosos; porque não os condena, não os castiga; e só diz
que lhe consta; quando podia constar-lhe por mentirosas acusações. Assim
a Portaria, se não é um testemunho da sua inocência, também o não é da
sua culpa. “E Vossa mercê é tão inconsequentemente estúpido, que inten-
tando condenar os Frades, vem oferecer ao mundo um testemunho, que os

203
não condena; é tão estúpido, que ousa provocar a razão com suas loucuras;
é tão estúpido, que não conhece que o silêncio lhe convinha mais do que
uma indiscreta taramelice.” Releve, Senhor, estas expressões, elas são suas;
porque Vossa mercê tem privilégio de dizer o que quer, o que nem todos
gozam. Quero porém supor, que houve ou que haja daqui em diante alguns
Frades, que profiram palavras sediciosas, poderia daqui concluir-se que os
Frades são sediciosos? Os crimes de um indivíduo podem chamar-se crimes
de toda a classe? Não duvido que a sua muito boa Lógica lhe ensine a tirar
estas conclusões.
Continua Vossa mercê, ou para melhor dizer, a sua raiva a insultar-me
no seu conceito; mas a honrar-me no meu; porque declara que eu sou Frade.
Ora, Senhor Respondão, em que livro aprendeu Vossa mercê a combater uma
obra com personalidades? Não sabe que até um Pagão diz, que só se deve
falar dos defeitos dos livros, e perdoar as pessoas? Parcere personis dicere
de Vitiis.23 = O ser eu Frade é razão suficiente para se julgar falso quanto eu
digo? Ignora que se eu quisesse dizer o que Vossa mercê é, diria coisas, de
que talvez não gostaria? Mas não tema que eu o diga: eu sei guardar as leis
da decência; e Vossa mercê é tão feliz, que todos sabem quem Vossa mercê
é, e a causa por que assim escreve.
Passemos a examinar as páginas 11 e 12, onde Vossa mercê promete não
dizer afrontas, ao mesmo tempo, que pela boca do seu Sebastianista, me faz
a caridade de me chamar = bom maroto. = Seja pelo amor de Deus! Intenta
Vossa mercê condenar-me por haver posto na boca do meu Sebastianista
estas palavras. “Nunca a Nação Portuguesa se achou em um estado tão
lastimoso etc.” Que queria Vossa mercê que dissesse em Janeiro deste ano um
Sebastianista, que, respeitando as Autoridades Constituídas, é indiferente para
todos os Governos, e só espera ser feliz com a vinda do seu Encoberto? Que
queria que dissesse? Que Portugal já era feliz nesse tempo? Que já tínhamos
um riquíssimo comércio, uma florescente agricultura? Que a ordem, a justiça
já se achavam estabelecidas? Isto seria mentir descaradamente à face de uma
Nação. Queria que dissesse o mesmo que o Astro da Lusitânia disse; isto é,
que tínhamos perdido o tempo, porque ainda se não extinguiam os quartos
dos Frades de Alcobaça? etc. Confesso-lhe que nunca me atreveria a dizer
isto; porque me parece que isto é inspirar desconfiança no Governo. Queria
que dissesse, que se começavam a exterminar nossos abusos, e que por meio
de uma Constituição seríamos felizes? E não é isto o que eu digo à página
6? Queria finalmente que eu dissesse, que os frutos de uma Constituição não

Poupar as pessoas, criticar os vícios. N.T.: Marcial, Epigramas, 10:33.


23

204
são obra de um momento? Eu o disse em termos tão claros, que Vossa mercê
mesmo não se atreve a negá-lo; mas Vossa mercê, que é um Anjo, não duvida
dizer que eu falo assim por ironia. E quem pode resistir aos ataques de uma
calúnia refletida? Quem pode escapar aos golpes de uma língua maldizente,
que do que é indiferente tira consequências as mais envenenadas, e qualifica
de ironia o que se diz a favor da nossa regeneração política? Se este modo
refutar fora sólido, eu podia dizer-lhe, que tudo quanto Vossa mercê tem
escrito a favor da nossa causa, é em sentido irônico; e ficaríamos pagos.
À página 13 diz Vossa mercê assim. “Se pensas que [os periódicos] dizem
falsidades criminosas, combate-os, ilustra os teus Concidadãos.” E que fiz eu?
Não combati as falsidades criminosas, com que tantos Periodiqueiros atacam,
e insultam o Estado Regular? Não procurei ilustrar meus Concidadãos
sobre os sofismas, sátiras virulentas com que eles buscam denegrir, e tornar
odiosa esta profissão? Permita-me agora que eu me sirva das suas palavras
com as mudanças necessárias. “Se os meus argumentos são falsos, mostre
qual é a verdade, e nisto desempenhará o caráter de um Escritor grave: mas
seguindo Vossa mercê o trilho, que adotou, de desacreditar-me com calúnias
dirá o mundo que Vossa mercê é, o quê? Um Periodiqueiro? Não; porque
esta circunstância só por si não designa mau caráter, e péssimas intenções;
alguns há que pensam com retidão; porém dirão, que é um Periodiqueiro
mau, ambicioso, egoísta, turbulento, sedicioso, que as verdades o ofendem, e
por isso intenta invectivar* contra todos aqueles, que as proferem, e buscam
reprimir suas vistas criminosas.” Se não gosta desta receita, tenha paciência,
ela é sua.
Voltemos esta página, e examinemos a página 14. Diz Vossa mercê, que
eu falo com ironia sobre o despotismo, tirania, fogueiras do Campo de Santa
Ana etc., e diz a verdade. Eu pus estas palavras na boca do Doutor, para fazer
ver o ridículo, e a indignidade com que muitos periódicos, principalmente
o meu amigo o Astro da Lusitânia repetiam mil vezes estas palavras, sem
atenderem à modéstia do Governo, que em suas Proclamações, ou Escritos
jamais tem usado de tais expressões; sem advertirem, que por ordem da
Intendência foi riscada esta palavra = a ilegal = (Sentença) em um elogio,
recitado no Teatro do Salitre; sem refletirem (e quem sabe se refletiram?)
que tais expressões não remediam nossos males, e só servem para atacar
homens, que estão por terra, e para inspirar desconfiança, ódio, rancor, às
Autoridades Constituídas, e aos Magistrados, que serviram de Juízes: e Vossa
mercê, soltando os ventos da sua raiva, rompe nesta tempestade de palavras
declamatórias. “Qual será o Português, que não estremeça de horror por
imaginar uma alma tão depravada, como aquela, que se apraz de tratar em

205
ar de mofa o que pode haver de mais sagrado na ordem social, e de mais
tremendo na ordem Religiosa?” Ah! Senhor Respondão, de que mofo eu?
Todo o mundo sabe que é dos periódicos, que estão recheados destas pala-
vras, despotismo, tirania, etc., logo (per te) os periódicos, que falam nisso,
são o que pode haver de mais sagrado na ordem social, e de mais tremendo
na ordem religiosa: se isto não é parvoíce, é blasfêmia, e talvez que seja tudo.
Continuam as suas sinceras acusações, todas filhas do seu zelo, daquele
zelo, que o obriga a declamar contra tudo quanto há mais respeitável na
Nação Portuguesa. Querendo eu fazer ver a ridícula contradição de alguns
periódicos, que tendo atribuído ao Juiz do Povo a representação do mesmo
Povo, no dia 15 de Setembro, lha negaram no dia 11 de Novembro, fiz
dizer ao Doutor do meu Diálogo estas palavras, com as quais, nem pretendo
defender, nem negar se tinha, ou não nestes dias, tal representação o Juiz do
Povo. “Mostrai que o Juiz do Povo nenhuma representação tinha no dia 11 de
Novembro, nem da Cidade de Lisboa, nem da Nação, sem que vos importe se
a tinha, ou não no dia 15 de Setembro” e Vossa mercê, que descobre cobras
debaixo das ervas, que por efeito do seu bem conhecido zelo se levantou em
meu acusador, esquecendo-se de refutar o meu Diálogo, como devia, me acusa
de que eu sem me correr de pejo, e de vergonha quis comparar o dia 11 de
Novembro com o dia 15 de Setembro. Onde fiz eu semelhante comparação?
Não se envergonha de tais, e tão infames criminações? Suponha porém, que
eu tinha feito esta comparação. Seria isto um crime? Se Vossa mercê não fora
tão hóspede, ou para falar com mais clareza, e propriedade, se não fora tão
ignorante em Lógica, havia [de] saber que comparação não é o mesmo que
igualdade: quando se mostra que todas as partes de uma coisa são conformes
a outra, mostra-se que são iguais; e comparar é por uma coisa a par da outra,
e notar a conformidade, ou diferença que há entre uma, e outra, e pode ser,
ou para mais, ou para menos, e também de coisas entre si contrárias. E que
crimes cometeria eu se comparasse o dia 11 de Novembro com o dia 15 de
Setembro? Não vemos na Escritura comparar-se o bem com o mal [?] Melior
est patiens arrogante.24 Mais vale um homem paciente, que um soberbo? E
por que não poderia eu comparar um dia de tristeza com um dia de alegria,
mostrar o que houve de semelhante entre estes dois dias, e o que houve de
diferente? Mas nada disto fiz, e Vossa mercê acusando-me disto só declara a
pureza dos seus sentimentos, e os bons desejos que tem de me fazer amável
ao Público. Toquei nisto para que conheça a sua raivosa cegueira, e para que
se confunda contemplando o que tão indignamente escreveu.

N.T.: Eclesiastes, 7:8.


24

206
Não falemos mais no dia 11 de Novembro, dia de luto para todos, mas
que, segundo o pensamento de alguns, foi para Vossa mercê um dia de glória;
porque lhe sucederam os dias 15 e 16, em que Vossa mercê brilhou como um
Astro. Sinto que alguns afirmem, que a sua alma anda berrando por outro dia
de São Martinho, porque tem um jeitinho particular para pescar em águas
envoltas. Eu não creio isto: todo o mundo sabe, que Vossa mercê nenhum
partido tirou de tal dia. Passemos à página 16.
Até aqui não tem oferecido a sua Resposta senão inépcias, e malignas
acusações, e tão malignas, que parece que Vossa mercê escreve com a cauda de
Escorpião; agora principia a refutar o que não serve de coisa alguma à questão
principal; mas é tal a sua cegueira, e a sua raiva, que não diz uma só palavra,
em que não deixe de aparecer a malignidade, a mais cruel injustiça, e em que
Vossa mercê mesmo não ofereça corda para lhe formar o laço em que fica
enredado. Pretende Vossa mercê mostrar, que um Sebastianista não pode ser
afeto aos Frades. Que tem isso com a questão principal do meu Diálogo? Eu
podia conceder-lhe isto: mas, como Vossa mercê só o diz para tornar os Frades
odiosos, é preciso que eu lhe faça ver a sua malignidade, e a sua ignorância.
Os Frades, diz Vossa mercê, contribuíram eficazmente para que El Rei Dom
Sebastião intentasse segunda vez a expedição de África, em que ele se perdeu:
logo um Sebastianista não pode ser afeto aos Frades. Quem há tão cego, que
não veja aqui a sua malignidade, e a sua ignorância? Pretende Vossa mercê
desacreditar os Frades por aconselharem a El Rei Dom Sebastião a jornada de
África, querendo atribuir ao seu conselho as desgraças, que acarretou sobre
Portugal esta expedição. E não sabe Vossa mercê, que os maus sucessos das
empresas nunca foram provas da malícia no conselho? Se houve Frades, que
aconselharam ao Rei esta jornada, outros houve, que o dissuadiram dela; e
querer Vossa mercê tornar os Frades odiosos por darem com puras intenções
o conselho da expedição de África, quando houve muitos, que aconselharam
o contrário, não sei que seja senão malignidade. Querer por este conselho
concluir, que um Sebastianista não pode ser afeto aos Frades, é uma redonda
parvoíce. Se porque os Jesuítas aconselharam a El Rei Dom Sebastião esta
jornada, um Sebastianista não pode ser afeto aos Frades, seguia-se que um
Sebastianista devia estar em ódio com todas as classes da Nação; que não devia
ter afeto aos Magistrados, Militares, Fidalgos, e Eclesiásticos; porque de todas
estas classes houve indivíduos, que deram o mesmo conselho ao Rei. E não
é isto uma parvoíce? Veja agora como Vossa mercê se enreda, e confunde a
si mesmo na falsidade do seu raciocínio. Um Sebastianista crê, que, segundo
a ordem da Providência, era preciso que seu Rei se perdesse em África, para
que Deus o conservasse até vir algum dia livrar a sua Nação do meio de seus

207
males: logo deve ser afeto àqueles, que mais contribuíram para que o seu Rei
fosse à África. Os Frades (per te) foram os que mais contribuíram para esta
expedição: logo um Sebastianista deve (per te) ser afeto aos Frades. Ainda
mais: os Frades, diz Vossa mercê, foram os primeiros, que estabeleceram a
crença da volta d’El Rei Dom Sebastião: consequentemente foram eles os
fundadores da seita Sebástica, e os primeiros Sebastianistas. E não é esta
uma razão sólida para se dizer, que um Sebastianista ama os Frades? Qual é
o discípulo de uma seita, que não ama os seus Patriarcas, e os seus compa-
nheiros? Mas deixemos inépcias, que enjoam. Se Vossa mercê não ignorara
os primeiros elementos da Dialética, combateria esta proposição causal do
meu Sebastianista. “Eu sei que o meu Rei sempre amou os Frades, e por isso
eu os amo também, etc.” Combateria sim esta proposição com método, e
regra, se mostrara a falsidade da causa, isto é, se mostrara, que El Rei Dom
Sebastião não amou os Frades: porém Vossa mercê nada disto faz, antes se
desvaira em puerilidades, e inépcias: Apage nugas!25
Pasmo quando considero os disparates da sua Resposta: e quem não
pasmará vendo os princípios, de que Vossa mercê se serve, para mostrar, que
os Frades deviam ser excluídos de votar em Cortes? Eu não pretendo outra
coisa agora senão fazer ver a falsidade dos seus princípios, a extravagância
das suas conclusões, e a grande Lógica, Lógica especial que Vossa mercê
tem. Analisemos pois o seus princípios, e as suas consequências. Diz Vossa
mercê, que os Frades não deviam entrar no Congresso Nacional, porque não
são Cidadãos etc. Há maior disparate do que este? Os Frades, que são filhos
de uma Nação, que servem a mesma Nação, que pagam tributos ao Estado,
que participam dos bens, e males da Nação, não são Cidadãos, não pesam
sobre eles os cargos do Estado? Que delírio! Se não são Cidadãos para que
se exige deles que jurem obediência à Constituição, assim como dos outros
Cidadãos? Seguindo a doutrina, que hoje se segue, não há homem algum,
que se não considere como Cidadão de algum povo, e se os Frades não são
Cidadãos de um Reino, onde nasceram, onde vivem, e a quem servem, a quem
pagam tributos, de que Povo serão Cidadãos? Os Frades, continua Vossa
mercê, renunciaram ao temporal; as Cortes são cousas temporais: logo eles
não devem entrar em Cortes. E não se envergonha quando estabelece tais
princípios, e deduz tais conclusões? Confunda-se à vista dos absurdos, que se
seguem dos seus princípios. Segundo o seu modo de raciocinar os Frades não
devem, nem comer, nem beber nem vestir; porque segundo a sua boa Lógica
seria verdadeiro este silogismo: os Frades renunciam ao temporal: comer,

Fora as bobagens!
25

208
beber, vestir são cousas temporais: logo os Frades não devem comer, beber,
vestir. Mas quem lhe dá com tanta liberalidade 800 réis diários, não quer
que eles morram de fome, e se vistam de folhas de figueira, como o Pai Adão.
Não é isto ainda tudo: se fora exato o seu modo de raciocinar, seguia-se, que
o benemérito Regular Membro da Regência, todos os ilustres Deputados de
Cortes Ex-Regulares estão aí indevidamente. Eis aqui a prova: os Regulares
e Ex-Regulares renunciaram ao temporal: a Regência, e as Cortes são coisas
temporais: logo não devem os Regulares, e Ex-Regulares votar, nem na
Regência, nem em Cortes: consequentemente o digno Regular Membro do
Governo, os sábios Ex-Regulares Deputados de Cortes, segundo a sua grande,
e especial Lógica, estão ali ilegitimamente. Que absurdo! Com quanta razão
podia eu dizer-lhe, servindo-me das suas palavras. “E não receias, monstro,
provocar a opinião pública, a legítima autoridade dos Representantes do
Povo, a fulminante espada da justiça do seu Governo Executivo?” Mas Deus
me defenda de o imitar!
O Concílio de Leão, continua Vossa mercê, proibiu aos Príncipes impor
tributos aos Eclesiásticos nos seus Estados, e deste princípio conclui Vossa
mercê, que os Regulares não devem votar em Cortes. Que disparate! Quem
nunca sonhou que tal conclusão se continha em tal princípio? Confesso que
este delírio me move a compaixão, porque me dá a conhecer que tem perdido
a cabeça. Creio que nem todo o heléboro* das Anticiras* é capaz de o curar.
Só quem está delirante pode deduzir tal conclusão de tal princípio, e não ver
os absurdos que se seguem. Por esta sua Lógica se conclui que todos os Dignos
Deputados de Cortes, que são Eclesiásticos Seculares, estão indevidamente no
Congresso Nacional; porque são Eclesiásticos também, a quem, pelo Decreto
do Concílio de Leão, os Príncipes não devem impor tributos. Causa-me lástima
o seu modo de discorrer. Quero agora que veja como Vossa mercê mesmo
se condena, e se serve de provas, que são contraproducente[s]. O motivo da
justa exclusão dos Regulares votarem em Cortes é, segundo a sua doutrina,
o Decreto do Concílio de Leão; mas este Decreto não se observa, porque os
Regulares pagam tributos: consequentemente não devem ser excluídos de
votar. É o que se deve seguir: e não se confunde ainda? Não reconhece a sua
ignorância?
Um abismo chama outro abismo. Os Seculares não podem votar nos
Concílios, diz Vossa mercê; porque aí se tratam negócios espirituais; e daqui
conclui que os Regulares não devem votar em Cortes; porque aí se tratam
negócios temporais, a que eles renunciaram. E quem é tão cego, que não veja
a falsidade deste princípio? Quem não conhece a extravagância de tal conse-
quência? Saiba, Senhor Respondão, que os Bispos, que não são Regulares,

209
são Seculares, e estes podem votar nos Concílios: logo os Seculares não são
excluídos de votar nos Concílios; são sim os Leigos. Não confunda as palavras.
Além disto Vossa mercê assina por causa, o que não é: diz que os Seculares
(devia dizer os Leigos) não podem votar nos Concílios, e dá por causa, o
tratarem-se aí matérias espirituais, quando a verdadeira causa é o não serem
eles Juízes, e Pastores, a quem só Jesus Cristo, e a Igreja julgou conveniente
dar voto definitivo nos Concílios em matérias Espirituais. Não é assim que
acontece a respeito dos Regulares: eles são Cidadãos; e por isso estão habilita-
dos para votarem em Cortes, assim como o estão os Bispos Seculares, apesar
de eles votarem nos Concílios. Os Bispos Seculares, dirá Vossa mercê, não
renunciaram ao temporal, e os Frades sim: ora como este é o seu Aquiles,
quero que me mande dizer em que ato fazem eles esta renúncia no sentido tão
restrito, como Vossa mercê imagina: será na profissão? Não: ali só fazem voto
de obediência, pobreza, e castidade, e nenhum em tais votos tem intenção de
renunciar ao temporal no sentido, que Vossa mercê pretende. Quando farão
eles tal renúncia? Confesse que não sabe, e que diz a torto sempre, e nunca
a direito, tudo que lhe vem à cabeça, seja ou não verdade.
É de admirar que não produza a sua alta sabedoria um só argumento,
que jeito tenha! Trata-se no meu Diálogo se a Espanha excluiu com justiça
os Regulares de votarem em Cortes, e Vossa mercê pretende mostrar a justiça
desta exclusão, dizendo que eles não são lá necessários. Quem lhe disse que eles
eram necessários? E por não serem lá necessários devem ser excluídos? Então
deveriam também pela sua Lógica ser excluídos os beneméritos Prelados, e
dignos Eclesiásticos; porque não são necessários; pois que lá estão os Leigos
muito instruídos em matérias Eclesiásticas. Admire os absurdos da sua
Lógica. Vamos ao último argumento, que oxalá fora a última sandice. Nas
Cortes deve tratar-se sobre os bens dos Regulares, e por isso julga prudente,
que lá não haja Frades, para não serem ao mesmo tempo Juízes, e Partes =
Risum teneatis amici!26 = Quem se não rirá deste disparate? Com razão tem
Vossa mercê criminado a Lógica dos que têm mostrado as manchas dos seus
Astros, que são os seus escritos; porque a sua Lógica é tão particularmente
sua, que não se encontra outra igual em Autor algum desde Aristóteles até
Condillac. Mas peço-lhe que veja as excelentes consequências, que se dedu-
zem dos seus princípios. Se Vossa mercê julga prudente não Votarem em
Cortes os Regulares, porque lá se há de tratar sobre os seus bens; também
será prudência o excluir de Deputados de Cortes Magistrados, Eclesiásticos,
Militares, Lavradores, Comerciantes; porque lá também se hão de tratar

Contereis o riso, amigos?


26

210
negócios relativos a estas Classes. E não se confunde, meu Senhor, à vista de
tais absurdos? Ainda continuará a fazer mais Respostas? Não o duvido: a
tudo se atreve a ignorância.
À página 18 mostra Vossa mercê louvável caridade em me levantar uma
escandalosa aleivosia*, afirmando que eu digo que se tiraram os bens aos
Frades para os dar a Arlequins, a Cômicos estrangeiros, etc. Onde digo eu
semelhante coisa? Não admiro que Vossa mercê não saiba os primeiros rudi-
mentos da Lógica; mas que não saiba ler, ou que a sua cegueira, ou malícia
chegue a tanto, que leia no meu Diálogo o que lá não se encontra, é o que me
enche de pasmo, e admiração. Leia bem, e verá que as palavras, que pus na
boca do Doutor, que representa os inimigos do monaquismo são estas “De
que servem os Mendicantes, que vivem de esmolas? Melhor é que, o que eles
comem, se dê a cômicos estrangeiros, etc.” Quis deste modo mostrar a sem
razão daqueles, que lamentam o que se dá por esmola aos Frades, e o que eles
comem, sendo nossos naturais, e não lamentam o dinheiro, que nos [d]evam
Arlequins, Cômicos estrangeiros, Ursos, etc. É a todas as luzes evidente, que
falando eu dos Mendicantes, que vivem de esmolas, não podia dizer, que se
lhe tiraram os bens, para dar aos Arlequins; porque a tais Mendicantes, que
nada possuem, nada se lhe[s] pode tirar; e Vossa mercê que movido de raiva
tudo transtorna, tudo envenena, não duvida dizer, que eu ouso insultar desde
modo a circunspecção do Respeitável Congresso Nacional, querendo dar a
entender, que a minha intenção era dizer que o Congresso Nacional tirará
os bens aos Frades, para os dar aos Arlequins: assim o declara em termos os
mais expressivos na página 30, em que diz com a verdade, que costuma. “Já
Vossa mercê disse uma vez, que ou os Frades deviam ter os bens, ou se haviam
destinar para Cômicos estrangeiros, Arlequins, etc.” Deus lhe perdoe este
aleive. E é deste modo que Vossa mercê adora os preceitos divinos, e tem no
mais profundo respeito os da Igreja como diz à página 29? Veja se com razão
eu lhe podia agora aplicar a receita universal, que Vossa mercê aplica a todos,
que lhe vão ao pelo: Quem te conhecer que te compre! Não se envergonha de
me levantar um falso testemunho, fazendo-me dizer o que nunca disse? No
meu Diálogo não se acha a disjuntiva, que Vossa mercê estabelece. Eu não
digo em parte alguma = Ou os Frades hão de ficar com os bens, ou se hão
de dar aos Arlequins = a disjuntiva = Ou = é sua, e não minha, assim como
a exceptiva = Só = (os dízimos) com que o seu muito conhecido o Astro da
Lusitânia responde ao Compadre de Belém, é só dele. O que me consola é a
nota que li do Compadre de Lisboa à Carta do Compadre de Belém, em que
diz que o desenfreado desejo de deprimir as obras alheias nasce de ordinário
de uma devorante inveja, que consome o coração dos maldizentes; e os faz

211
chegar a um estado bem pouco diverso dos cães danados. E neste estado
contemplo eu a Vossa mercê, e o contempla muita gente boa.
Em companhia do aleive anda sempre a malignidade. Vendo eu que os
inimigos dos Frades lhe lançam continuamente em rosto a desordem dos seus
Capítulos, como se estas desordens não fossem próprias de todos os homens,
que se juntam para deliberarem em qualquer ponto, fiz que o Doutor falasse
nestes Capítulos, e Vossa mercê que não perde ocasião de pôr em exercício
a sinceridade do seu coração, ou perversidade (isto é palavra sua) toma
estas expressões entre dentes para morder nos Capítulos dos Frades, sem se
lembrar das belas pinturas, que Vossa mercê mesmo nos fez da harmonia,
concerto, e ordem dos Capítulos eletivos feitos nas Províncias por Seculares,
sem concorrência de Frades, e precedendo também a Missa do Espírito Santo;
e sem advertir, que talvez chegasse a tal ponto o seu zelo, e amor da verdade,
que nos representaria algum dia a Majestade do Congresso Nacional, do
Capítulo mais respeitável da Nação, como uma açougada!!!
À página 23 da sua Resposta aparece outra malignidade do tamanho de
um Astro. Não falo daquela, em que Vossa mercê pretende denegrir minhas
intenções sobre o que disse Las Casas: pode acusar quanto quiser, que ninguém
o acredita: falo sim da injúria atroz, com que Vossa mercê pretende desacredi-
tar os Frades, dizendo que é impossível haver um Frade, que fale a favor da
humanidade, ao mesmo tempo que diz, que há Frades bons: falo da maligna
ideia, com que Vossa mercê pretende injuriar os Frades Domínicos, expondo o
acontecimento do ano de 1506. Todos sabem que naquele tempo em Portugal
os Cristãos Velhos tinham tanto ódio aos Hebreus, como Vossa mercê tem aos
Frades, Fidalgos, Magistrados, e Eclesiásticos, de quem tem dito maravilhas.
Os Cristãos Velhos vendo que os Judeus, aqueles mesmos que se tornavam
Cristãos, por seu poder, e malícia, procuravam iludi-los, oprimi-los, e insultar
os mistérios da Religião, desconfiavam de tudo quanto eles diziam, e faziam;
e desta desconfiança talvez nasceria o adágio vulgar = Livra-te de Judeu, e
da gente de Viseu. = Esta desconfiança unida à credulidade foi quem deu
princípio ao tumulto, que houve na Igreja de São Domingos, em que entra-
ram dois Frades; que movidos de um zelo indiscreto aumentaram o fogo de
discórdia, não por espírito de sedição, mas por se conformarem com as ideias
do tempo, com os sentimentos do povo; e sobretudo, porque indevidamente
se persuadiam, que faziam um bem em clamar contra uns homens, que pelos
insultos, que faziam à Religião, se consideravam como causa do castigo da
peste, que então havia em Portugal. Todos os Religiosos lamentaram estes
sucessos, deram testemunhos públicos de sua mágoa, e desaprovação. Mas
Vossa mercê, porque é um santinho, que adora os preceitos divinos, expõe

212
este fato aos olhos do Público, para concluir que os Frades são sediciosos,
como se os crimes de um, ou outro indivíduo fossem os crimes de toda a
corporação, e como se todos os séculos tivessem as mesmas ideias.
Advirta, Senhor Respondão, que os Frades não foram os que deram
princípio ao motim, foi sim o Cristão novo, como consta da Crônica de
Damião de Góes; porque não só negou o milagre, mas porque disse, segundo
refere Jerônimo Osório Autor gravíssimo, que não era verossímil que um
madeiro seco fizesse milagres. O Povo irritado por isto se arrojou sobre ele;
apareceu um Padre do Convento, que por zelo mal-entendido fez continuar
o motim. Este se entendeu por toda a Cidade, e no meio dele se acharam
dois Religiosos, que unidos ao povo gritavam: heresia, heresia. Ambos estes
Frades estavam isentos do Convento, e para Vossa mercê saber do caso,
pois certamente o ignora: um era Frei João Mocho, Médico do Hospital
Real da Cidade de Lisboa, onde vivia; outro era Frei Bernardo, Organista da
Igreja do Loreto, ou Flamengo como dizem uns, ou Italiano como afirmam
outros. Foram ambos justiçados; o que causou depois tanta pena a El Rei
Dom Manoel, que no ano de 1517 por um gênero de satisfação, fundou o
Colégio de São Tomás, o qual foi trasladado para Coimbra em 1539 por El
Rei Dom João III. Tudo isto consta das nossas Histórias. E a sua boa Lógica
conclui daqui que os Frades são sediciosos. Tenha a bondade de me dizer,
qual é a família, que no espaço de três séculos não ofereça alguns indivíduos,
que prevaricassem em seus deveres? E os crimes de um, ou dois indivíduos
podem chamar-se crimes de toda a família? Se os Frades se devem chamar
sediciosos, porque dois, que não estavam em obediência aos Prelados, o
foram, chame também sediciosos aos Magistrados, aos Fidalgos, e a todas as
Classes do Estado; porque em todas elas tem havido indivíduos sediciosos;
chame sediciosos a todos os Moradores de Lisboa; porque segundo o mesmo
Damião de Góes, e o seu mesmo Lemos, El Rei mandou por este mesmo
motivo, e delito castigar os moradores de Lisboa. Cada vez admiro mais a
sua Lógica! Se Vossa mercê expõe aos olhos do mundo dois Frades, que não
vivendo no Convento, procederam indignamente, considere que eu posso
oferecer-lhe milhares deles amigos da humanidade, beneméritos da Pátria, e
da Religião. Não digo que leia o nosso polidíssimo Escritor Frei Luiz de Sousa
Mestre da Língua, e da História; porque é Frade, e Frade Domínico, a quem
Vossa mercê tem tanta zanga: leia a História do Reino, e verá, que em todas
as calamidades públicas, sem falar das outras Ordens, apareceram sempre
os Frades Domínicos em socorro da humanidade aflita. Se Deus açoita este
Reino com fogo da peste, os Domínicos são os primeiros, que fundam Casas
de Saúde para os enfermos; eles os que, sem temerem a fúria do contágio,

213
e os horrores da morte, buscam com uma caridade ardente ministrar aos
desgraçados todos os auxílios temporais, e espirituais. E os Frades não são
amigos da humanidade!!! Leia as Histórias, e verá exércitos de Missionários
Domínicos que arrostando ventos ponteiros, mares verdes, cabos tormen-
tosos, Correntes impetuosas, sem temerem naufrágios, fomes, sedes, frios,
calores, perfídias, cárceres, desterros, derramamento de sangue, e a mesma
morte propagaram a Religião nos bárbaros, e remotos povos da África, e
Ásia, fazendo mais serviços à sua Pátria do que se pode dizer, ou imaginar.
Verá que foram eles os que conciliaram as discórdias dos Reis, e dos Povos,
e os instruíram na Religião. Verá São Frei Gil, que não obstante ser valido
de El Rei Dom Sancho II, apesar de ter seus Irmãos em Palácio, animado
só do zelo do bem público, sem temer insultos, e afrontas, foi o primeiro,
que pronto a dar a cabeça ao talho, intimou aquele Rei a sua deposição,
que Vossa mercê no primeiro aborto, ou parto público do seu entendimento
louva como um dos maiores heroísmos dos Portugueses. Verá um Soeiro, um
Vogado, um Padilha, um Sotto-Maior, um Azambuja, um Vasconcellos, um
Granada, um Foreiro, e sobre todos um Bartolomeu dos Mártires, que por
sua virtude, e sabedoria foi o esplendor do Concílio de Trento, e o crédito
imortal da Nação Portuguesa. Verá… Mas para que me canso em referir a
Vossa mercê tantos Padres Domínicos, e muitos outros que poderia apontar,
que deram glória à Pátria, e à Religião? Não basta qualquer destes per si
só para limpar a nódoa, que causaram à Ordem Domínica os dois de que
fala, e que não estavam sujeitos aos Prelados? Eles já não vão pregar por
esse mundo, diz Vossa mercê, sendo o fim da instituição da sua Ordem o
pregar aos povos, e não para servir de asilo aos Cadetes das famílias nobres
da Beira, Minho, etc. Se não vão pregar por esse mundo como d’antes; não
é porque eles se neguem a isso; eles o fizeram sempre enquanto não havia
Conventos por toda a parte do Reino; mas hoje, que muitos Conventos se
acham espalhados por todo o mundo onde chega o nome, e domínio de
Portugal, não é necessário que eles vão por esse mundo pregar. Os Povos
julgam mais conveniente, e favorável darem uma pequena esmola a um
Pregador dos seus Conventos próximos, do que alimentar os Missionários
todo o tempo da sua Missão. Pregam nas suas Igrejas sem esmola, e alguns
fora, como sabem os que sobre isto lhe falam, e se pregam por esmolas, é
para acudirem as suas necessidades religiosas; porque os Conventos, apesar
do ouro do Potosí; que Vossa mercê imagina que eles possuem, não lhes dá
tudo quanto lhes é necessário. Sei que as Ordens Regulares não foram insti-
tuídas para asilo dos Cadetes: mas diga-me, o Exército, a Magistratura, a
Universidade, os Tribunais foram instituídos para asilo dos Cadetes? Não: e

214
pode negar que estes estabelecimentos lhe[s] servem de asilo? Logo ainda que
as Ordens Regulares não fossem instituídas para servir de asilo aos Cadetes,
mas sim para pregarem, e confessarem, elas podem servir de asilo aos filhos
das famílias nobres, asilo útil, e até necessário, como o prova o Opúsculo
intitulado: Os Frades julgados no Tribunal da razão, que Vossa mercê dizia
algum dia ser o seu manual. Nem julgue que o escolherem-se os filhos das
famílias nobres, é contrário ao Evangelho, porque o Evangelho não reprova,
que se escolham para o estado Religioso aqueles de quem se espera uma boa
educação; e na incerteza, ou dúvida das qualidades de um Pretendente, a
prevenção está a favor dos filhos das famílias nobres, que se supõe ter melhor
educação, e que procederão melhor, tanto por não deslustrarem a Ordem,
como para não desacreditarem as suas famílias. Se há Pais, que pretendem
sacrificar seus filhos ao seu orgulho, encerrando-os nos Claustros, ninguém
aprova tal procedimento, e os filhos podem fazer o que Vossa mercê fez, e
o que todos sabem.
Não posso sofrer a multidão de estultícias, e despropósitos, que Vossa
mercê diz a páginas 30, 31, e 32. Eu mostro no meu Diálogo que a Inglaterra
nenhuma utilidade tirou da supressão dos Mosteiros; porque esperando-se
que as riquezas dos Conventos serviriam para remediar a pobreza, e para
fazer florescer o Reino, como se dizia, para que o povo consentisse na sua
extinção; sucedeu tanto ao contrário, que nunca houve em Inglaterra mais
pobreza, maior miséria, mais exorbitantes tributos. Para combater este
argumento devia Vossa mercê mostrar o contrário; mas é esta uma verdade
tão evidente, que Vossa mercê se não atreve a negá-la; e só pretende mostrar
que o tempo deu a conhecer que a supressão dos Conventos lhe foi útil. Duas
são as razões, em que se funda: primeira o prosperar Inglaterra depois desta
supressão; segunda o não voltarem lá os Conventos. Há Lógica igual à sua?
Eu não duvido que a Inglaterra prosperou muitos anos depois da supressão
dos Mosteiros; mas se Vossa mercê tiver a habilidade de me provar que esta
prosperidade se deve à supressão dos Conventos será o meu grande Apolo.
Porém que pretendo eu? Querer que me dê provas quem não é capaz de
fazer um só raciocínio exato, é querer extrair água de um rochedo. Porque
Inglaterra prosperou depois da extinção dos Frades, não se segue, que esta
prosperidade seja efeito de tal extinção. Sempre se reputou falso o raciocínio
que se funda nesta regra = Post hoc ergo propter hoc27 = Porque uma coisa
acontece depois de outra, segue-se que esta seja causa da outra? Suponha
que um homem logo depois de ler o Astro da Lusitânia caia morto com uma

Depois disso; logo, por causa disso.


27

215
apoplexia, poderia alguém afirmar que quem o matou foi a pestífera influência
da lição do Astro? Não, não discorria bem; porque ainda que o Astro pode
matar como verdadeira peste, este efeito poderia não se seguir dele naquele
caso. Logo ainda que a Inglaterra prosperasse depois dos Mosteiros supri-
midos, não se segue que esta prosperidade se deva a tal supressão. Outras
foram as causas, que ninguém ignora. A segunda razão, que é só sua, é o
maior disparate que nunca vi. Se porque os Conventos não voltaram outra
vez à Inglaterra se prova que a sua supressão não lhe foi nociva, também
devemos dizer que não foi nociva, mas sim útil à medida que Inglaterra
tomou de romper os laços, que a prendiam à Igreja Católica Romana;
porque também ainda lá não voltou a Religião Católica. Envergonho-me de
combater tais absurdos!
Não param aqui as parvoíces; ainda continuam mais e mais. Para eu
mostrar as misérias, a pobreza, os tributos, que sofreu Inglaterra, cito a
Ribadaneira, por ser este o Autor, que temos em linguagem, que melhor falou
sobre este objeto; e Vossa mercê, para me deprimir, ridiculariza esta citação,
dizendo, que Ribadaneira era, segundo afirma, o Dicionário Universal, um
Jesuíta de um zelo infatigável; mas de uma credulidade pueril, um homem
em cujas obras da vida dos Santos se acham espalhados falsos milagres,
profecias absurdas, visões ridículas. Ah, Senhor Respondão, queira dizer-
-me, porque um homem é crédulo quando se trata de milagres, profecias, e
visões de Santos, segue-se que nunca fala verdade, que é falso tudo quanto
diz, e quando, escrevendo particular história sobre um assunto, como o que
escreveu do cisma da Inglaterra, conta, não fatos milagrosos, mas fatos do
seu tempo, fatos públicos, de que foi testemunha uma Nação inteira, e que se
acham confirmados nos anais da mesma Nação? Se o que refere Ribadaneira
é falso, mostre a sua falsidade, alegue testemunhos, que mostrem o contrário
do que ele diz, e não cite Dicionários, que nada provam contra o que eu digo,
e ele refere. Ribadaneira compôs obras preciosas, entre elas tem o primeiro
lugar o Tratado das virtudes, e Religião de um Príncipe, que trasladou para
o Latim o Padre Ballinghem; compôs a vida dos Santos, e aqui, seguindo o
espírito do seu século, mostra credulidade, quando fala de milagres, profecias,
e visões; escreveu a História do Cisma de Inglaterra, história do seu tempo,
história, que extraiu de Autores graves. O que ele refere nesta história, é
o que se acha nos anais de Inglaterra, e o que referem os Escritores desta
Nação; por isso merece todo o crédito; porque não conta coisas extraordiná-
rias por ouvir dizer, que é quando, segundo o seu Dicionário, não mereceria
crédito; mas conta o que sentiu, o que viu uma Nação inteira, e o que ele
tirou de Escritores célebres, que é quando o seu Dicionário recomenda que

216
se acredite. E Vossa mercê mofa de mim por citar este Autor, que desgraça,
Senhor Respondão, que desgraça!
Digo no meu Diálogo, que a Nação nenhuma utilidade tirou da extinção
dos Jesuítas, e devendo Vossa mercê impugnar essa proposição, fazendo ver
que a Nação utilizou com esta medida, desvaira-se em dizer, que eles mais se
empregavam nas intrigas dos Gabinetes, que na propagação da fé. E será isto
um argumento sólido, de que a Nação utilizou com a extinção dos Jesuítas?
Acabaram com eles as intrigas dos Gabinetes? Se este era o seu crime, não
havia outro castigo para o punir, e se este era o seu mal, não havia outra
medicina para o curar senão a sua extinção? Creia, meu Senhor, que as chagas
de qualquer corpo moral, ou físico, não só se curam com ferro, e botões de
fogo, muitas vezes é mais suave e saudável a medicina do óleo brando para
se curarem. O outro argumento, com que pretende mostrar a utilidade da
extinção dos Jesuítas, é o não os querer novamente admitir em Portugal o
Senhor Dom João VI. “Tanto o nosso bom Monarca, diz Vossa mercê, os
não considera úteis, que resistiu às solicitações da Corte de Roma, em 1815,
que pretendia restaurá-las, e El Rei não consentiu.” Oh quantas parvoíces
em uma só! A primeira é = Aberratio Scopi.28 = Eu digo que a Nação não
utilizou na extinção das Companhias, e Vossa mercê pretende refutar esta
proposição, dizendo que a sua restauração seria inútil, o que nem afirmo,
nem nego: suponhamos que hoje é inútil a restauração dos Jesuítas: Quem
poderá daqui inferir que a Nação utilizou, quando os extinguiu? A segunda é
dar por causa o que não foi causa = Non causa pro causa,29 como pode Vossa
mercê afirmar, que a causa por que o nosso bom Rei o Senhor Dom João VI
(cuja bondade Vossa mercê tem excelentemente pintado) não quis admitir os
Jesuítas, foi por que os julgou inúteis? Não poderia haver outros motivos?
No decreto de 1817 declara El Rei, que os Frades devem permanecer, como
Vassalos úteis: logo, segundo o voto d’El Rei, a existência dos Frades é útil:
e se não quis admitir os Jesuítas, poderiam ocorrer outras causas, sem ser a
sua inutilidade. Terceira, é dizer Vossa mercê por mofa. “Se queres vai ralhar
com ele (o Rei), e dizer-lhe as tuas baboseiras do costume!” Que indignidade!
Que impudência! Aqui podia eu dizer-lhe o que Vossa mercê diz à página
14. “Qual será o Português, que não estremeça de horror por imaginar uma
alma tão depravada, como aquela, que se apraz de tratar em ar de mofa o que
pode haver de mais sagrado na ordem social, e de mais tremendo na ordem
Religiosa?” Mas, torno outra vez a dizer, eu me envergonharia se quisesse

Desvio da meta.
28

Tomar o que não é causa por causa.


29

217
imitá-lo. Basta, já estou cansado de notar tanta parvoíce, e malignidade: sobe-
jamente lhe tenho mostrado quão malignas, e aleivosas são as suas acusações,
tenho mostrado a futilidade, e falsidade dos seus princípios, a irregularidade
das suas conclusões, e me servi dos seus mesmos princípios para o refutar;
porque todos eles são contraproducente[s], de sorte, que eu lhe podia dizer
o mesmo que Santo Agostinho diz contra Petiliano. Vides ne tandem quem
ad modum ista tua con argumentatio, sed vesica, non solum inani sono sed
etiam in capite vestro crepuerit!30 Não vê como esta sua, não resposta, mas
bexiga, não só rebenta com um som vão, mas sobre a sua cabeça? E que
conceito quer Vossa mercê que se faça da sua Resposta, onde as parvoíces
fervem, as malignidades, e calúnias saltam, os erros são aos montes; onde não
se encontra método, ou ordem alguma, senão aquele que todos fazem, isto
é, que tal obra é infame, e indigna de ver a luz, e que só merece o desprezo,
e a execração! Ela acusará em todos os tempos a sua probidade, e o quanto
adora os preceitos divinos; e enquanto existir servirá para tirar as cataratas,
e limpar as névoas aos olhos cegos de toda a gente, que quiser saber o que
são os periodiqueiros gritadores do tempo.
Permita-me licença para lhe dar um conselho antes de acabar esta minha
carta, que lhe será de proveito; e começarei com as suas mesmas palavras.
“Quando não tenha forças para defender um partido não empreenda a sua
defesa; porque sem cabedal, olhe que mais o prejudica do que o defende.”
Não pense que a eloquência consiste em descomposturas; porque se assim
fora; ninguém seria mais eloquente do que as regateiras. Para se escrever
para o Público não bastar ter papel, e tinta, Vossa mercê sabe que há Pretos,
que quando caiam as paredes, também ficam caiados; e que houve no Brasil
um, que lavava as ventas com garrafas de tinta. Siga o aviso de Pérsio. =
Tecum habita, et noris quam sit tibi curta supellex.31 = Entre em si mesmo,
e conhecerá a sua pobreza literária. Mas quando Vossa mercê tivera luzes
tão brilhantes como as de um Astro: assim mesmo se não deve ensoberbecer,
e ter vaidade; porque os mesmos Astros não são tão belos, que não tenham
seus eclipses, são estropiados, disformes: Suponhamos que as suas luzes são
como as das Constelações, ou Astros, que têm o nome de animais venenosos,
estólidos, bravos, e que andam para trás e para diante, como são o Escorpião,
o Cavalo Pégaso, o Touro, o Caranguejo, o Centauro, deve lembrar-se, que
o Escorpião não tem braços; o Cavalo, e o Touro não têm senão metade do

Não vês, finalmente, como este teu pensamento estourou, como uma bexiga, não apenas
30

com um som vazio, mas ainda em tua cabeça? N.T.: Citação truncada.
Vive contigo e saberás quão limitados são teus haveres. N.T.: Pérsio, Satyra IV.
31

218
corpo, o Caranguejo não tem os dois olhos, o Centauro só tem um. Este era
o meio de que se servia um Astrólogo(*) para consolar um aleijado, e é aquele
de que Vossa mercê se deve servir para abater a sua vaidade.
Além disto deve saber, que ainda que tenha luzes de Astro, elas são
nocivas, quando se não governam bem. Faetonte quis governar o Príncipe
dos Astros, e porque não o sabia reger, ou incendiaria, ou obscureceria o
mundo, se Júpiter o não fulminara: um facho aceso na mão de um furioso,
longe de servir de guia, serve de abrasar tudo por onde passa. Finalmente se
tem luzes de Astro, é necessário que se lembre que há povos, que adoram o
Astro do dia no seu nascimento, e o apedrejam, e amaldiçoam no seu ocaso:
receba com docilidade este importante conselho. Não fale nas Cruzadas,
olhe que não só insulta os Frades; mas ultraja tantos Capitães respeitáveis,
tantos Reis, e Santos, que entraram nelas, um São Luiz, um São Bernardo;
releve os defeitos dos tempos, defeitos nascidos, não da malícia da inten-
ção; mas da falta de luzes, e do espírito dominante dos séculos; seja mais
moderado nos seus argumentos, para não desafiar a execração de todos os
bons. Concluo dizendo-lhe o contrário do que dizia São Jerônimo a Rufino
na sua Apologia 3.ª Deixa de acusar, dizia este Santo Doutor, e eu cessa-
rei de me defender, se queres que me cale, não acuses, eu cederei vendo-
-te atencioso; mas não deixarei o campo reconhecendo-te arrogante. Noli
accusare, et cessabo defendere; vis me tace[r]e? Ne accuses. Blandienti possum
aequiescere, non timeo criminantem.32 E eu digo a Vossa mercê, que acuse,
grite; declame, injurie, infame; suas acusações, seus gritos, suas declamações,
suas injúrias, e infâmias não me farão jamais sair a campo para o comba-
ter. Sei que ninguém o acredita, e conheço a honra, que me faz nos seus
insultos. Eu sentiria, diz Sêneca, que falassem mal de mim um M. Catão,
um sábio Lélio, ou os dois Cipiões, mas ser arguído pelos maldizentes, é ser

*
Quod si solerti circunspicis omnia cura
Fraudata invenies amissis sidera membris,
Scorpius in Libra consumit brachia: taurus
Succidit in curvo claudus pede, lumina cancro
Desunt, centauro superest, et quæritur unum.
[Marcus] Manil[ius] L. 2. Astron[omicon]
Pois, se examinares tudo ao redor com detida atenção, encontrarás os astros em priva-
ção, perdidos seus membros. Escorpião em Libra consome os braços; Touro verga-se,
manco, em curvo pé; faltam os olhos a Câncer, a Centauro sobra, e um lhe é pedido.
32
Não acuses, e cessarei de defender-me; queres que me cale? Não acuses. A quem lison-
jeia posso aquiescer, mas não temo quem me incrimina. N.T.: São Jerônimo, Apologia
adversus libros Rufini, liber III, 43-44.

219
louvado… Eles falam mal de tudo; porque não sabem falar bem, são como
certos cães, que ladram sempre, uns por fereza, outros por costume. Pode
Vossa mercê trovejar, descompor, e infamar quanto quiser, porque será Vossa
mercê o ultrajado no conceito do público inteligente, e reputando-se invul-
nerável será sempre surdo aos seus clamores, e insensível aos seus ataques.

O Mestre Periodiqueiro

Postscriptum
Recebo agora uma resposta à 2.ª Parte do Novo Mestre Periodiqueiro:
cheira-me a coisa sua. Lerei, farei meu juízo, e o publicarei. É de esperar que
seja melhor que a primeira; porque não é diálogo, cujas regras Vossa mercê
ignora, e tão mal, e tão indignamente pratica: mas se Vossa mercê mudou de
método, eu também mudarei de linguagem.

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CARTA
ESCRITA Á UN AMERICANO
SOBRE LA FORMA DE GOBIERNO
QUE PARA HACER PRACTICABLE LA CONSTITICION Y
LAS LEYS, CONVIENE ESTABLECER EN NUEVA-
ESPAÑA ATENDIDA SU ACTUAL SITUACION.
CON OBSERVACIONES DEL EDITOR
____________
Querido Rafaelito: por el anterior te hablé de cosas domesticas, y
principalmente del cuidado que debes poner en que no pierdan tiempo
nuestros muchos y tan preciosos sobrinos, cuya felicidad debe hacer nuestras
ulteriores delicias. Mas como, cumplidas las obligaciones provenientes de la
naturaleza, debemos ocuparnos del bien estar de los demás en proporción de
los lazos sociales que nos unen, doy por bien empleados algunos momentos
en indicarte algo de lo mucho que se dice en esta Corte, en cuanto a fijar el
bien estar de todos los españoles de ambos mundos bajo un arreglo interior,
que estrechando las relaciones mutuas que ya existen entre América y España,
haga que unos y otros sean igualmente y de hechos felices, y compongan en
verdad una sola, numerosa y buena família. Afortunadamente la cultura de
Europa, las luces difundidas a torrentes sobre la Península Española por el
largo tiempo de mas de treinta años, y á rios en los doce ultimos, ha puesto
à sus venturosos habitantes, y muy en particular à su paternal gobierno,
en estado no solo de reconocer la solidez de los principios generales ya
proclamados y solemnemente jurados en favor de la America Española,
sino también de convencerse por um profundo, detenido y maduro examen
del estado en que se halla la Monarquía, de que, no bastando para hacer la
felicidad de los pueblos, las meras teorías por sólidas que sean, es de absoluta
necesidad adoptar medios proporcionados para reducirlas a la practica con
la utilidad comun que pueden producir y tanto se apetece.
Es ciertamente glorioso el cuadro que presenta Madrid, y toda la
Península, sirviendo de teatro enteramente libre para tratar francamente las
cuestiones mas importantes de política práctica, relativas a la suerte de la
América Española. Cuestiones que pocos años ha era um crimen indicar en
coversaciones privadisimas, ahora se tratan com la mas absoluta libertad: se

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tratan en tertulias, se tratan en sociedades públicas patrióticas por discursos
y muy sólidas arengas, se tratan en papeles públicos, se tratan em reuniones
de Diputados, y se tratan en uma comision especial de Córtes, nombrada
públicamente á que se asisten con gusto los Señores Secretarios del Despacho,
y muchos diputados españoles y americanos: y aún se asegura que en esta
comision han sentado estos Señores Ministros que el Rey, nuestro buen
Fernando VII, los habia autorizado para decir á la comision de Cortes, que
S. M. impuesto en el estado de la America Española, despues de oír á todos
sus Ministros sobre este grave negocio, y queriendo sinceramente conciliar
los intereses verdaderos, generales y estables de ambas Españas, reconocía
que era ya tiempo de ocuparse seriamente su gobierno y las Córtes en
meditar y adoptar medidas radicales y grandes que produzesen de un modo
sólido y efectivo un bien tan apetecido de todos: y que los autorizaba para
que asistisen á las discusiones de la comision de Córtes que se ocupaba de
un objeto tan interessante. ¡Loor eterno al nombre y á la memoria de um
Rey, que à manera de un buen padre quiere verse rodeado y se deja rodear
libremente de sus adultos hijos, prestándose grafo [sic] á oírlos, cuando se
trata de sus mútuos y sólidos intereses, y de la gloria de su grande y opulenta
familia! ¡Gloria immortal á las Córtes de España, que unidas á tan buen Rey,
van á añadir cosa nueva y muy sublime á las que ya tienen merecida de la
humanidad, sorprehendiendo con esta á la misma sabiduría de la generacion
presente que se supone tan ilustrada!
Hacer que la América Española tenga dentro de sí un gobierno que,
disminuyendo á lo sumo sus males, lo eleve em breve tiempo á sua mayor grado
de prosperidad con mas seguridad y mas órden que la que ha proporcionado
á sus respectivos pueblos, cualquiera otra clase de gobierno conocido,
estrechando mas al mismo tiempo los vínculos con la España Europea, cuya
gloria y sólidos intereses se consultan con igual seguridad y ventajas, es, á mi
entender, lo que ocupa en el dia al Rey y á las Córtes de España. Combinar
y modificar el gobierno interior de la América Española de tal suerte que,
consolidando con una mano suavemente protectora la naciente planta de la
libertad civil, se evite que esta sea despedazada por muchos, ó sofocada por
uno, es la obra nueva y ciertamente sublime, cuya ejecución está encomendada
á la sabiduría de la Nacion Española, destinada exclusivamente á presentear
al mundo fenómenos políticos de gloria y de utilidad para el género humano.
Se dice pues que para llegar á um término, tan útil á todos los Españoles
como glorioso à nuestro Monarca, ha fijado y acordado la comision unas bases
ó puntos capitales que comprendem las medidas interiores que los diputados
de América exigen para a prosperidad de su pátria y bien de España: esto es,

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para que tenga um pleno efecto en América el juramento solemne que el Rey y
las Córtes tienem hecho de guardar y hacer guardar la Constiticion, mirando
en todo por el bien y prosperidad de la Nacion. Convencida la comision de
que todos los males que sufre la América, y la privación de los bienes à que
tiene derecho de aspirar, provienen de que los tres poderes Supremos del
Estado no ejercen ni pueden ejercer en el estado actual de nuestra legislación
su benéfica influencia en aquellas provincias separadas por peligrosos mares,
hasta una distancia de cuatro mil léguas, ha convenido en que continuando
dichos poderes Supremos su íntegro y pleno ejercicio en la Capital del Reyno,
y por una ley sabia y justa se pongan también en ejercicio en lo interior del
continente de América. Para esto se formaran en aquel vasto continente tres
secciones de Córtes, una en México para [N]ueva España y Guatemala: otra
en Santa Fé para Nueva Granada con Quito y Caracas; y otra en Lima para
el Perú, Buenos Aires y Chile (1). Se compondrán de los diputados de aquellos
respectivos territorios: enviando cada seccion à España cierto número de sus
indivíduos para que asistan siempre en las Cortes generales.
La prosperidad de las naciones proviene infaliblemente de la justicia y de
la bondad de sus leyes. Estos caracteres no podrán hallarse jamas en las que
se forman por conocimientos generales y abstractos del hombre y del país que
habita: y como en Madrid no pueden tenerse otros de los Americanos y de
la América, es consiguiente que las leyes que se aqui se hagan seran siempre
insuficientes para curar los males que padece la América: y para pormover
[sic] los bienes y prosperidad à que la llama la naturaleza y su mismo estado.
Es pues de absoluta necesidad y de rigurosa justicia que en el continente
de América exista en ejercicio un poder que con presencia de los hombres
como son actualmente, y de las innumerables circunstancias que los rodean y
modifican de mil modos diversos su situacion actual, haga las leyes que han
menester para su prosperidad.
También parece que la comision, conservando el poderio del Rey en
su pleno ejercicio, ha convenido en que se establezca en cada uno de los
tres puntos del continente de América ya indicados una Delegacion que en
nombre del Rey ejerza su autoridad. Esta autoridad delegada se depositará
en personas de relevantes cualidades y que merezcan la plena confianza de S.
M., sin excluir para tales destinos las de su Real familia: seran nombradas y
removidas à la libre voluntad del Rey: seran inviolables respectos de la seccion
de Cortes en cuyo territorio gobiernen; y solo responsables de su conducta al
Rey y à las Cortes generales de la Monarquía.
Nada habria conseguido la América con poder hacerse leyes buenas para
su prosperidad, si el poder que las ha de hacer poner en egecucion continuaba

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residiendo à miles, y miles de leguas con mares inmensos por medio. De
suerte que para remediar los males que sufre la América, y elevarla al grado
de prosperidad à que la llama con una voz irresistible la sabia naturaleza
y su estado actual de población, de ilustración y de riqueza, es de absoluta
necesidad y de rigorosa justicia que tenga dentro de sí un poder efectivo
plenamente expedido que haciendo cumplir y ejecutar inmediatamente la
Constiticion y las leyes que allí se hagan, produzca el fenomeno nuevo en
América de que se haga pronto y bien lo que, ó no se ha hecho jamas, ó si
se ha verificado alguma vez ha sido tarde y mal.
Fija toda tu atencion en la combinacion con que se establece este poder
ejecutivo, de cuyo ejercicio pende siempre la buena o mala suerte de todos
los Estados, y hallarás que es bastante para por ella formar um gobierno, que
teniendo todas las ventajas de quantos se conocen hasta ahora, tiene menores
inconvenientes y peligros que todos los conocidos. Por tal gobierno viene
a ser la América verdaderamente Independiente y libre dentro de sí, puesto
que tiene en su seno un cuerpo que haga con libertad e independencia sus
leyes según su dignidad y sus necesidades, y un poder que obrando del mismo
modo, cuide de su inmediata e irrevocable egecucion. En esto viene a ser la
América Española igual aún a los mismos Estados Unidos del Norte, modelo
de libertad para el resto del continente; pero ademas goza de la ventaja de
que su poder ejecutivo, sin tocar el estremo de una perpetuidad hereditaria,
ni aún de por vida, sea mas libre y mas estable, por no estar sujeto ni a
tiempo determinado, ni a responsabilidad respecto del cuerpo legislativo
de su territorio; viniendo a determinase la duracion de las personas que lo
ejerzan por sus misma virtudes públicas y buen desempeño de sus deberes. Es
también consecuencia de él la ventaja, inapreciable para la conservación de
una libertad civil apenas naciente, de no tener que estar expuesta la América
a las oscilaciones violentas y peligrosísimas que sufren aún los mismos
Estados Unidos cada vez que tienen que elegir las personas que deben ejercer
el poder ejecutivo: (2) oscilaciones y peligros tan graves que muchas veces
con pérdida de la libertad civil han precipitado en ese tránsito momentaneo
hasta un abismo de males à las repúblicas mejor establecidas, y han obligado
a muchas Monarquías electivas à convertirse en hereditarias, abrazando este
estremo que no deja de tener en sí muy graves inconvenientes, como menos
peligroso para la libertad, que la elección frecuente del poder egecutivo, ó
de Monarca. De suerte que la América por este sistema ni está expuesta
a los peligros de una elección de poder egecutivo, ni a los inconvenientes
de un poder hereditario: y quedando responsable de su conducta al Rey
y a las Córtes generales, no tiene el caracter de per[pe]tuidad, y lo que es

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mas apreciable, viene a quedar templada su fuerza y natural propencion al
mando absoluto, ya moderada también por la responsabilidad inmediata
que se impone a sus ministros, bajo la vigilancia y autoridad de los cuerpos
legislativos territoriales, y tribunales respectivos de justicia que se establecen
en su mismo continente. Ademas se modera la tendencia ominosa de ese
poder ejecutivo hacia el despostismo por el establecimiento de un Consejo de
Estado que bajo su inmediata responsabilidad lo atraiga del mal, y lo dirija
hacia el bien con sus luces y su patriotismo.
Deben establecerse en América Tribunales Supremos de Justicia, para
que cumpliendo las obligaciones que la Constiticion y las leyes les imponen,
se ocupen muy principalmente en imponer las penas debidas a los principales
funcionarios públicos. Los mayores males, que por tres siglos há sufrido la
América, han nacido ciertamente de la seguridad en que han vivido y viven
hoy sus funcionarios públicos de que jamas serán castigados sus horrendos
crímenes: ellos temblarán al ver que en el mismo suelo manchado con sus
crímenes, y a la vista de los mismos pueblos que han destruído o empobrecido
con sus latrocínios, han de ser castigados egemplarmente sin poder ya cubrirse
con una enorme distancia, ni con la anchura y peligros de mares inaccesibles a
los desgraciados americanos; y ellos sabrán en adelante que si quieren honra
y provecho han de ganar la primera con su buena conducta, y su bien estar
con su industria y sus fatigas.
La comision también conviene en que bajo los principios de una
verdadera fraternidad el comercio entre la Península y la América Española
sea considerado como interior de una província a otra de la Monarquía,
disfrutando en consecuencia reciprocamente los españoles de ambos mundos
de iguales ventajas mercantiles en ambos hemisférios. También disfrutarán del
mismo modo en ellos de los mismos derechos civiles y de la misma opcion a los
empleos y cargos públicos que los naturales respectivos. Por estos principios
verá todo el mundo reconocida la unidad de la Monarquía, y establecida por
uma combinacion de verdaderos intereses la fraternidad entre españoles y
americanos para que unos y otros compongan en verdad una misma grande
y poderosa familia. Nada mas puede apetecer España, ni nada mas puede de
exigir de la opulenta América, que con tanta franqueza ofrece a sus hermanos
de Europa sin mas cambio que el de laz paz y la concordia su rico y fértil
suelo, su clima saludable, y todos los elementos de prosperidad y de opulencia
que en sí tiene.
Pero aún hace mas la América respecto de su anciana madre, pues
dicen que Nueva España y demas territorio comprendido en los términos de
la sección legislativa de Mégico ofrece contribuir para el pago de la deuda

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estrangera en el espacio de seis años con la suma de doiscientos millones
de reales vellon, y ademas com cuarenta millones de reales vellou cada año
con destino à la marina y demas gastos generales de la Península: de suerte
que por una parte descarga a la Península de una tercera parte de su deuda
estrangera, con la ventaja interesante de recibir esos diez millones de pesos
fuertes en el breve tiempo de seis años, teniendo para cumplir sus obligaciones
con el estrangero el largo espacio de veinte y cinco, y pudiendo por lo
mismo con aquel cuantioso numerario hacer negociaciones de muchísima
importancia; y por otra le ofrece un subsidio anual, que raro año ha recebido
de las contribuciones de aquel vasto país. Ofrece ademas Nueva España
hacerse cargo de pagar toda la deuda que el gobierno español ha contraido
en su territorio en favor de corporaciones y particulares, no mezclandose
absolutamente en nada de lo económico de aquel país el gobierno español.
A la verdad son estas ofertas de sumo interes para la España. Puede
asegurarse que jamas el gobierno español ha percibido anualmente cantidad
igual a la que percibirá en los seis primeros años. Con tamañas ofertas va a
aumentarse el Crédito público de España en términos que, vendiendo, como
ya sucede, las fincas consignadas para amortizar su deuda por un valor
triple en vales y demas créditos, no solo conseguirá aumentar su crédito en
el estrangero, sino que en diez años habrá amortizado toda su deuda interior.
Este punto es de sumo interes para España y puede desenvolverse con mucha
extensión y solidez. Las Cortes y el Gobierno no podrán dejar de conocer que
todo este plan se inclina en favor de la Península, y por un convencimento de
su ilustracion y sabiduría profunda tendian que adoptarlo, para no perder
todas las ventajas que ofrece, y aún la gloria de haber hecho dignamente el
sólido bien de América combinado con los verdaderos intereses de España.
Te [ilegível] algo da las opiniones de particulares en cuanto he podido
comprenderlas. Unos, y creo sean los menos, nos amenazan diciendo que no
hay mas que dejarnos solos en manos de nuestro propio consejo, cuidando
unicamente de atizar de lejos el fuego de la discordia, pues esto bastará para
que nos destruyamos los unos a los otros y aniquilamos el país, preparandolo
para que sea presa del mas atrevido, o talvez de una nacion estrangera.
Estos, que como digo son unos cuantos valentones furibundos, son por otra
parte unos pobres hombres que no conocen el estado politico de Europa y
sus verdaderos intereses respecto de la América, ni mucho menos el estado
verdadero de esta.
La mayor parte de los gobiernos de Europa estan en una pugna mas o
menos abierta con sus respectivos pueblos, de suerte que harán mucho en
sostenerse a sí mismos, y en poder evitar transtorno político de que estan

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amenazados dentro de sus propias casas. Por otra parte la Europa entera, y
principalmente Inglaterra, ha llegado a un grado de ilustración bastante para
conocer los errores que se han cometido en la adquisición de colonias, y que
no estan sus verdaderos intereses en hacer guerra a la América, ni menos
en dominarla; sino en participar en paz y buena armonia de sus opulentos
mercados. Conoce ademas la tendencia de la América hacia su libertad, la
desicion irrevocable de establecerla y consolidarla y los medios que tiene
para llevar al cabo a toda costa esta empresa gloriosa: medios que siendo en
si suficicentes, son sobradamente poderosos para resistir al mundo entero,
subsistiendo unidas por intereses recíprocos bien entendidos ambas Españas.
Los pocos que así piensan y que así hablan, no hacen mas que servir de prueba
de que en España hay libertad de pensar lo que se quiere, y parlar lo que se
piensa, lo que en política es ciertamente un bien inestimable.
Otros, y creo sea el mayor número de españoles sensatos, penetrados
de los mas vivos deseos del bien de toda la Monarquía, y haciendose cargo
de su estado actual en ambos mundos, quisieran que la América y España
permaneciesen unidas mientras que, consolidandose en ambas la planta tierna
de la libertad civil; y curandose las llagas abiertas en todo los ramos del
Estado en los años y aún en los siglos pasados, no exijan una independencia
ó separacion absoluta los mutuos, sólidos y bien calculados intereses de una y
otra; ó los de la América sean incompatibles con los de España permaneciendo
en tal [union]. La opinion de esta gente juiciosa vendrá facilmente a coincidir
con las bases de que te he hablado, convencidos de que adoptado este sistema
en Nueva España, esta no tiene que pensar en mas, por las ventajas que
disfrutará, según antes te he indicado.
Hay otra clase de pensadores, en quienes ciertamente no falta talento ni
otras cualidades apreciables, los cuales dicen que la América Española debe
ser declarada independiente, estabeleciendose en ella diferentes Monarquías,
en las que sean colocados los Serenísimos Señores Infantes de Castilla, y otros
de la misma Real estirpe. Esta idea gigantesca, si se hubiese realizado alla en
los ocho primeros años de este siglo, antes que la Europa, y mucho mas la
América Española, viesen lo que han visto, aprendiesen lo que han aprendido,
y resolviesen lo que han resuelto, puede ser que hubiese sido bien recebida
y producido el bien de que han gozado los portugueses del Brasil. Pero en el
dia exige un examen muy circunspecto y detenido, pues todo ofrece peligros
gravísimos para todos ................ [sic]. Ademas me parece poco conforme
con los sólidos intereses de ambas Españas, y contraria a los incontestables
derechos que para tal caso tiene la América. Es opuesta a la unidad y dignidad
de la Corona, que al menos respecto de Nueva España puede respetarse y

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conservarse ilesa, reconociendo las virtudes de su Rey, quien por el bien
sólido de sus súbditos ha sabido pener bajo sus pies las pasiones mas grandes
y mas seductoras del corazon de los potentados de la tierra, según acredita la
historia del género humano desde el principio de las sociedades basta nuestros
mismos dias. Cuando las pasiones han roto el freno de la subordinacion a
la ley, cuando las opiniones se han dividido en su estado, y dado tendencias
diferentes a los intereses comunes, suele suceder lo que se dice en pequeño: el
que mete paz lleva mas. Es pues necesario que ante todas cosas manos menos
fuertes que diestras reúnan y consoliden suavemente las opiniones, para que
formando un verdadero espíritu público, puedan dar a la masa general del
Estado la tendencia y direccion que mas convenga a sus sólidos intereses, y
así prepararla para que sin peligro de nadie llegue al grado de madurez que
convenga, sin precipitarse en un abismo de males.
La idea de independencia de un país respecto de otro es facilmente
conocida y apetecida hasta del mas ignorante de sus habitantes; mas la idea de
libertad civil no está igualmente al alcance de todos. De aqui nace que muchos
se alucinan con la idea brillante de independencia, sin detenerse a examinar si
al conseguir esta aseguran aquella, sin la cual nada importa la independencia.
Tu no te alucines; sin la libertad nada aprovecha la independencia. Fija tu
vista sobre las Naciones europeas, y con particularidad sobre España, y
hallarás que muchas han sido siempre independientes; pero cuasi siempre
esclavas. Para que Nueva España no sufra igual suerte, es necesario que sus
buenos hijos se apliquen a adquirir, ó aumentar los conocimientos del corazon
humano, que nos presentea la sana filosofia auxiliada de la historia sagrada
y profana: que mediten y trabajen sobre el estado de civilizacion de su país,
haciendose cargo de los hábitos y aún de las preocupaciones de sus habitantes;
que tomen en cuenta las relaciones que Nueva España tiene y debe conservar
con el resto del continente, con la Europa y todo el mundo; y sobre todo que
con una imparcialidad y rectitud inflexible de corazon, que aparta al hombre
de sus mismos intereses y de los de los suyos, solo fijen su atencion y todos
sus esfuerzos en el bien general de su Patria. Los que tengam este tesoro de
virtudes son los únicos que pueden ser los autores de la felicidad nacional.
Me he estendido mas de lo que pensaba en esta carta escrita a trozos
en algunos ratos que he podido robar a otros negocios, y que se versa sobre
puntos poco tocados tan de cerca, y que estando apenas indicados, no es tan
fácil preveer el modo con que se fijarán. La diversa actitud política en que se
halla la América Española del Sur, especialmente la república de Colombia
que tiene aquí ya sus comisionados hacia el Gobierno, debe producir diferentes
resultados, respecto del plan ó forma de gobierno de que te he hablado; y

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mi opinion sería que al pronto se hiciese aplicacion, y como un ensayo de él
en Nueva España, dejando para tratar por separado, como lo exijen por su
naturaleza y situacion los asuntos de Colombia, cuya independencia absoluta
no puede, en mi juicio retroceder, pudiendo con certa diferencia decirse lo
mismo del resto de aquella América. Temo que la política española rebullendo
como siempre el entrar en las grandes cuestiones de política practica, y
ocupandose em meras teorías dé lugar a que Nueva España le escuse el
trabajo, y le arrebate como de las manos la gloria de haber mejorado su
forma de gobierno según lo exigen la naturaleza, su poblacion, su riqueza y
su ilustracion. Iturbide ha lanzado el grito de independencia, aún no sabemos
los resultados de su empresa; yo espero que no morirá fusilado como tantos
héroes que le han precedido. Según pueda, continuaré dandote razón del
giro que tomen estos grandes asuntos; mientras cuidate, ten mucho esmero
en que no pierdan tiempo los chicos, que con utilidad suya pueden hacer la
gloria de su patria. Corresponde por mi a las expresiones de tantos amigos,
pudiendo todos vivir seguros del afecto, del reconocimiento y del patriotismo
inestinguible de tu M. = Madrid à 6 de Junio de 1821.

________________
No hay período en la historia de la revolucion de las Américas que
presente un aspecto tan interesante como el actual. El contenido de la
antecedente Carta publicada en la Capital del Imperio Español, a la vista de su
Congresso nacional y Monarca, no deja duda de la libertad que ha adquirido
la España, y de sus progresos rápidos tanto en Europa como en América.
La actitud en que se presenta la seccion que comprende el Rio de la Plata,
Chile y el Perú es de tanta importancia que exige los esfuerzos combinados
de los políticos Españoles de ambos mundos: el término de una lucha tan
ominosa para ambas partes, es el servicio mas importante que pueden hacer
a la humanidad; por que el destino de millones de almas está pendiente de
los hombres que estan a la cabeza de los negocios públicos y cuya conducta
conserva cuidadosa la historia para que el mundo civilizado pronuncie su
juicio imparcial.
Las 15 proposiciones que los Diputados de Ultramar presentaron a las
Cortes en la sesion del 25 Junio de 1821 para la definitiva pacificacion de
aquellas províncias acompañandolas con una exposicion luminosa, parece
son la producción de los Diputados de Nueva España, y en este caracter los
Señores Arispe y Couto concretan el projecto de ley a la América Española
del Norte, y como tal fue admitido a la primera lectura en la sesion del 26
de mismo.

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Es natural que las Cortes extraordinarias traten el asunto con toda la
madurez y talentos políticos de que estan dotados sus ilustres miembros.
Hay razones para presagiar que se debe a efecto la ereccion de aquel nuevo
gobierno, el que conducirá sin duda a la Nueva España, a la cumbre de su
prosperidad preparandola a su emancipacion progresiva y gradualmente sin
pasar por las violentas convulsiones que estan sufriendo los otros pueblos.
Facil es conocer que el defecto radical de la administracion en las Américas, es
el recurso tan distante al centro del supremo gobierno cuyos rádios no pueden
vibrar con la misma fuerza y velocidad desde Europa a América. Removida esta
dificuldad entran los Españoles del Norte en el goze de un gobierno especial
que sin el nombre de independiente, tiene todas sus atribuciones esenciales,
los escuda de las invasiones exteriores, calma la inquietud y desarolla las
simientes de su prosperidad. Es muy loable por cierto que los representantes
de aquel opulento país hayan esforzadose a desviar los males inherentes a
la revolucion, sugeriendo aquela medida, única que en su situacion, puede
suspender sus efectos. Las sumas de dinero que ofrecen como para comprar
su independencia parcial, prueban la necesidad de conservar a toda costa la
tranquilidad, y que el patriotismo consiste en conducir y guiar a la libertad
reformando las instituciones sin destruirlas.
Pero es sensible que no hayan presentado con la misma ingenuidad el
estado de la parte meridional; por que no se puede concebir que sujetos de
tanta penetracion, como son los Diputados que subscriben la exposicion
ignoren la situacion política y modo de pensar de los Americanos del medio
dia. De esta parte justamente las noticias son las mas exactas y públicas que
casi no hay rincón de Europa en que no sea familiar el conocimiento de los
progresos de la revolucion. La circulación ingente de papeles públicos, viageros
y otros conductos de universal información, estan al alcanze de todos, que
hace débil la evasión de no tener los datos necesarios. Si hubieran querido
correr el velo con la misma mano diestra que lo han hecho sobre el quadro
de Nueva España, tal vez habria cesado ya la guerra y la España seria hoy
mas gloriosa dando libertad al nuevo mundo como lo fue descubriendolo.
Al primer golpe de vista divisase sobre las margenes del Rio de la Plata
a Buenos Aires surgiendo como la estrella polar de la revolucion, con una
juventud entusiasta por las armas, educada en el espíritu de independencia,
espíritu que como un gas se ha conservado inextinguible en medio de las
vicisitudes de la guerra, desolacion y anarquía que aún no cesa. Divididos
como estan los pueblos del Rio de la Plata, entregados a sí mismos, reducidos
à gobernase por esas simples democracias que son el primitivo estado de la
sociedad, y dislocados en todos sus principios políticos, solo han conservado

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como por instinto su inclinacion y perseverancia a la independencia. No
importa que bajo este nombre hayan sido víctimas de la arbitrariedad, el hecho
es, que arrostrando todas las dificultades han llevado las gorras jacobinicas,
unidas al estandarte de la independencia, hasta las margenes de Titikaka, y
del Rimac.
Si atravesando las llanuras del Rio de la Plata se sube a los cumbres
nevados del magestuoso Andes aparece el hermoso Chile gozando ya
tranquilamente su gobierno independiente y por una singularidad feliz
mantiene su unidad bajo una forma regular.
Lima la Capital del bajo Perú que ha sostenido una guerra de 11 años
contra los independientes, que ha sido el centro de los recursos y el baluarte
(puede decirse) de todos los pueblos hasta el Istmo de Panama, hallase
abandonada de la Madre Patria, en los momentos de estar amenazada a sus
puertas por los mismos enemigos a quienes mandó atacar y vencer en sus
hogares; y vacilante por la divergencia de opiones y por la cisura abierta en la
union moral por la insurreccion militar y escandalo con que aquellos oficiales
depusieron al Gefe supremo en quien las Leyes de la Monarquía depositan
la seguridad y defesa del Estado. Este atentado cometido a vista del enemigo
con un oficial general que habia conducido con honor y conocimientos los
Exercitos del Rey, es sin ejemplo en la historia de las colonias, y confirma
la necesidad de tener en la tierra una autoridad suprema que contenga a
los militares en sus justos limites, por que su intervencion en los negocios
políticos, ha sido siempre fatal a todos los pueblos y es eversiva del ordem
civil. Aquel hecho en el Perú puede reputarse como el introito a la revolucion,
la que aceleran sin duda los mismos que estaban encargados de evitarla. Tal
es el estado de aquellos pueblos en donde con mas o menos rapidez cunde
el espíritu de independencia. No es esto decir que la opinion está uniforme,
ó que no haiga entre los mismos independientes un partido que desearia la
adopción del plan trazado para Mexico.
Demasiado cierto es que principalmente en el Perú existe uno muy
considerable que está en oposicion con el sistema de innovacion: todos saben
que los exercitos constan de hijos del país; que estos pelean con el mayor vigor
por mantener la autoridad de la Metrópoli; que las distintas castas, la nobleza,
y el clero, cuyo influso es ilimitado, son los escollos fuertes para acelerar la
emancipacion. Pero estas son dificultades que las luces, el comercio libre, y la
misma constitucion Española han de allanar necesariamente; por que ¿como
es possible que los Peruanos no se acuerden que son hombres libres, con los
mismos derechos que los Penínsulares y Mexicanos, para mejorar su situacion
y formar un gobierno análogo a sus necesidades y hábitos? Las semillas que

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han sembrado sus padres regadas con el blando rocio del ejemplo, producirán
a su tiempo los mismos frutos.
Por una calamidad en que ha sido envuelta la Monarquía no quiso
conocer el gobierno oportunamente que era llegada la época de no poder
gobernar arbitrariamente en Europa, ni mantener las instituciones coloniales
en América, pues que ya declarada una vez la guerra de la libertad, ella se
llebaria con el mismo entusiasmo que la de la religion en los siglos en que
dominaba el fanatismo. Los que aconsejan o persuaden la continuacion de
ella en América tienen el mismo delito que los que persuadieron al Rey que
destruyse la Constiticion. Así como aquel estado violento rompió todos
los diques que sofocaban el espíritu público de España, del mismo modo
serán efímeras y fugazes todas las ventajas que consigan para ahogar la
independencia. Dos son las armas conocidas para vencer ó conquistar = que
son la fuerza física, y la moral = y en el estado actual del mundo la segunda es
irresistible: ella ha destronado los colosos mas poderosos al mismo tiempo que
levantado del polvo a los mas humildes. Nadie puede dudar que en estos once
años ha sido prodigioso el caudal de conocimentos difundidos en América,
por que puesta en contacto con las Naciones mas ilustradas del mundo, ha
operadose una revolucion general en las ideas políticas y religiosas y hasta en
las maneras civiles, que puede reputarse como una sociedad absolutamente
nueva: sus progresos ya no se detienen, las instituciones son todas liberales,
y la carrera del saber y del honor, abierta a todos, hace marchar rapidamente
la ilustracion del Norte al Sur. No se descubre pues agente tan poderoso que
pueda reputarse como enemigo invencible que destruya la opinion: a lo que
és preciso añadir que conocen el valor de tener un gobierno independiente y
que el de Buenos Aires esta ya reconocido com tal por un poder extranjero.
Si se considera que es preciso ocurrir a la fuerza abierta, esta medida a mas
de los ingentes caudales que necesita, halla dificultad en el mismo gobierno,
y en las Cortes: estas por la conservacion de sus principios no pueden dotar
exercitos expedicionarios para llebar la desolación al nuevo mundo: entonces
lebantarian la voz los liberales de España como los Burkes, y Chathams en
Inglaterra. En vano, decian, nuestras tropas ocuparán las Ciudades y fortalezas
de América, en vano los batirán en sus campamentos y los perseguirán en sus
fugas; los Americanos se retirarán a sus incultos bosques y cubiertos alli con
pieles de lobos y animados con el valor que inspiran las adversidades, volverán
otra vez a regar su suelo con la sangre de nuestros compatriotas.... la paz és la
única arma que nos queda para conquistar sus corazones, ofrezcamosela de
buena fé, y entonces revivirá el amor filial y recordarán que bajo de nuestra
sombra han adquirido esa virilidad con que nos resisten. ¿Y no es este el

232
verdadero estado de la América del Sur? Luego será igual el lenguaje que
resonará en la augusta asamblea. Entonces sí, la España dará al mundo el
ejemplo mas notable de grandeza y heroismo que la ha distinguido entre las
Naciones, haciendo revivir así aquellos siglos de gloria en que Aragon era el
único asilo de la libertad en el continente Europeo, y [la] América, unida por
gratitud y no por dominacion, la mirará como el molde donde debe formar
sus instituciones por la asimilacion de su religion, idioma, leyes, y parentesco.
Descubrase imparcialmente el objeto de esta guerra, aún admitiendo que el
Perú no sucumba al exército del mando de S. Martín ¿se puede creer que
exista este en un país enemigo sin un apoyo de parte de sus habitantes, a
tanta distancia de sus recursos? Los que así creen tienen una ignorancia
supina de lo que pasa alli, del espíritu de inovacion dominante en el siglo y
de las necesidades adquiridas en el discurso de estos años? Y qual será, por
otra parte, la tendencia de estos pueblos si sacuden la dominacion española?
Se dividirán en repúblicas independientes unas de otras, como ha sucedido
en el Rio de la Plata, en donde ha sido el origen funesto de tantos horrores.
Si las Cortes quieren desde luego cortar las desavenencias, es preciso que
estraigan lo bueno aún de lo malo de esa mole de mecanismo que encierra
la benevolencia civil, tratando con los gobiernos disidentes, quienes por su
parte inmediatamente deben ajustar un armisticio; al menos por tres años
garantido por una Potencia marítima para no esponer la seguridad al capricho
de un jefe como Bolívar. Disposicion a conversar y habilidad para mejorar,
son los padrones del estadista y por los que se deben reglar la conducta de
ambas partes. Hacer que la España conserve su influencia en las províncias,
de hecho independientes; y que estas mejoren su situacion deteniendo los
progresos de la anarquía, son los tópicos que deben ocupar a los políticos
prácticos de España y América.
Un Legislador de la antiguedad, célebre por su sabiduría, quando
después de largas convulsiones volvió la tranquilidad, puso la paz bajo la
protección del Cielo, este ejemplo se recomienda para su imitación a los
que estan a la cabeza del gobierno del Rio de la Plata y Chile: sepultar en el
profundo olvido las injurias que mutuamente se han inferido, restabelecer el
comercio y la comunicacion franca con la España, reparar los daños que la
guerra ha hecho, y arraigar instituciones que conservando todo el vigor en el
gobierno mantenga toda la libertad posible; son la obra cuya direccion se ha
confiado a los talentos de los hombres que presiden los pueblos. El gobierno
de Buenos Aires parece que está dispuesto a curar las heridas del estado,
y armado con la buena doctrina adquirida en la adversidad y experiencia
prepara los animos a la concordia, encaminando a los pueblos a un centro

233
comum de union; la falta de este vinculo primordial de toda sociedad civil,
ha causado el derramamiento de tanto sangre y la desmembracion de la mas
fecunda porcion de aquel territorio. Ahora es quando esos hombres llenos
de benevolencia, que aman y exercitan los impulsos innatos de humanidad
y religion, que son los guardas fieles y activos maestros de la moral liberal y
varonil, deben empeñarse en dirigir la opinion pública a fin de poner término
a desavenencias tan ominosas; y como en las cosas humanas no hay que
esperar ventajas sólidas sin una voluntad constante, es indispensable persuadir,
demostrar y convencer la necesidad de aceptar un sistema de gobierno sólido
y permanente que les asegure una paz duradera y corte el germen de anarquía
que grasa en todas partes.
Tal debe ser la creacion de una Monarquía constitucional llamando al
Trono a un Príncipe de la Casa reinante de España. Con este proyecto no
se pretende desviar a los que no quieren conocer el estado de estos pueblos,
por que no hay peor ciego que el que no quiere ver ni tampouco a los que
prefieren que se reduzca el país al estado de Carta blanca para escrivir en ella
a su gusto o delinear quantas republicas quieran. El examen imparcial de las
ventajas y desventajas que traeria consigo esta medida producirá sin duda
la opinion pública a cuyo pronunciamiento no pueden resistir ni el gobierno
de España, ni el de los independientes. La ciencia de un gobierno consiste en
adoptar una línea de conducta que está de acuerdo con el genio e índole del
pueblo para que no aparezcan esas revoluciones hijas de la violencia. Muchos
creen que monarquía y despotismo son sinónimos: unos dicen que el orgullo es
inerente al monarca: que és insoportable la importancia que se atribuye hasta
a el honor de acercarsele: que las espensas de la Casa Real son excesivas: otros
que la altivez de los Cortezanos, su ambicion y arrogancia sobre las classes
mas bajas son insufribles; que el respeto servil y supersticioso que exige esta
grandeza artificial, está en oposicion con la igualdad y libertad civil. Para
desvanecer estas impresiones que una triste experiencia ha confirmado en las
monarquías absolutas, és indispensable advertir que el despotismo no es una
forma de gobierno, por que la palabra despótico, indica un abuso, vicio que
se encuentra mas o menos en todos los gobiernos, por que las instituciones
son tan imperfectas como sus autores. Hay despotismo, opresion o abuso
de poder en donde quiera que las leyes establecidas carecen de vigor, o
quando ellas ceden a la ilegal autoridad de uno ó muchos hombres: esto es
lo que se ha percibido, de tiempo en tiempo, por todas partes. En muchos
países los hombres no han sido bastante prudentes, ó han sido demasiado
ignorantes para precarverse de aquellos males, por consiguiente, los medios
adoptados han resultado insuficientes; pero en ninguna parte, ni aún en el

234
Oriente, ha establecidose por princípio; por esto no hay gobierno que por su
naturaleza pueda llamarse despótico. Así que las democracias, aristocracias, y
Monarquías tienen este vicio, con mas violencia, las primeras, que las últimas,
y el demagogo que adula al pueblo tiene el mismo pésimo caracter que el
cortesano que lisongea a un príncipe, por que ambos vienen a ser validos
del poder arbitrario. Por lo que respecta a la nobleza, esta tiene su origen
en el valor que indistintamente se premian todo el mundo, degenera como
todas las cosas, quando se prostituye su institucion, y no es precisamente el
orgullo, inherente a la nobleza: todo hombre que es superior a los otros, sea
en riqueza o saber, tiene aquella altivez que inspira la preeminencia, y en las
monarquías templadas es útil, por que como su educacion es cuidadosa son
casi todos hombres de estado, protegen las artes y ciencias y estan suavisadas
sus maneras con la filosofia del siglo.
El monarca en un gobierno representativo, és la primera persona del
estado colocado de un modo que jamas pueda hacer mal, y así siempre el bien;
pero el gobierno que és el que dirige el estado, és bueno, o malo, según las
instituciones políticas y civiles que existen en el país de modo que la libertad
y seguridad individual como también la prosperidad nacional, dependen de
una causa superior, independiente de la persona que ejerce la parte ejecutiva
del gobierno. Los Estados Unidos de América que son el tipo de la libertad, y
à la que debe la rapidez con que marcha en su prosperidad, desde el Atlantico
al Pacifico, prueban esta verdad: no és la amovilidad del Presidente la que
influye en la felicidad del pueblo, sino el caracter moral de los habitantes
formado en sus instituciones libres que adquiridas habitualmente a convierten
en una barrera fuerte que no permite el abuso del poder, ni la usurpacion
de sus derechos. Sin estas vigilantes centinelas de la conducta pública del
gobierno, el Presidente Monroe aunque sacado de los tobacales de Virginia,
seria tan tirano y arbitrário, como Carlos V, o Felipe II, por que no faltan
exemplos en que ha mostrado su propension a la usurpacion. Por esto la
prudencia humana formando el gobierno, que es un instituto de beneficencia,
le pone los correctivos necesarios para contenerlo en sus limites. Estos son, la
división de poderes, la independencia del judiciario, los juicios públicos y por
jurados, la libertad civil, y religiosa, la de la imprenta, la instituicion y difusion
por todos medios de los conocimientos exactos y sólidos de todo género, y
mas particularmente el esmero en la educacion pública y particular: si estas
instituiciones se radican y desenvuelven en todo el pueblo, ha de prosperar
necesariamente qualquiera que sea su forma de gobierno.
Así que quando se propone el analisis de esta medida política, se parta del
principio de utilidad general, que es el calculador social que suma y multiplica

235
la cantidad del resultado feliz o adverso, tanto desviando los pueblos de esa
propension democrática que los lleba a su perdicion, como la conveniencia
y necesidad de aceptar este remedio moral preparado desde el reinado de
Carlos IV quien mucho antes de la revolucion de España concibió la idea de
erigir tronos independientes en América colocando en ellos a los infantes de
Castilla: pero posteriormente el mismo Carlos IV, cuándo residía en Roma,
estaba decidido a embiar a Rio de la Plata al infante D. Francisco de Paula:
expresamente dijo este monarca, que la autoridad de Rey y Padre lo obligaba
a tomar esta medida en favor de sus pueblos como único remedio para
aplacar la guerra civil. La batalla de Waterloo desgraciada para el Emperador
Napoleon, intimidó al anciano monarca, e iludió su ejecución, que realisada,
no podrían anular ni el actual Rey ni las Cortes, como ha sucedido con la
cesión de las Floridas, sin embargo que esa parte de la monarquía era la llave
del golfo Mexicano y de la Isla de Cuba. En las conferencias de Miraflores
se habló de esto mismo, y en las de Punchauca el general S. Martín, propuso
al General La Serna, por base, que admitida la independencia se llamase un
príncipe de la casa reinante. Se asegura que este aceptó la proposicion en el
acto, y se retrajó después. En el Congreso del Tucumán se admitió a discusión
el proyecto loco de resucitar un Yuca, príncipe que solo podría servir para
adornar una novela, y ultimamente lo del Príncipe de Luca está a la vista de
todos. Estos datos se aducen para probar que no és estraña en el país la idea
de erigir una monarquía constitucional, la que puede serle mas conveniente
por su educacion y costumbres.
Las ventajas serian sin duda la paz duradora, tan necesaria para reparar
los daños causados por la revolucion; la restauración de la Banda oriental,
la concordia de todos los partidos, y la consideracion exterior inherente a
un bástago de una de las mas antiguas dinastías de Europa. Algunos ponen
la dificultad que en América no hay medios para sostener el esplendor de
una Corte, ni el lujo de la nobleza; los que así piensan, ignoran que el lujo
como todas las cosas en el mundo, es relativo. Ni el estado colonial, ni el
momento presente en que estan obstruidos todos los canales de su industria
y producciones, pueden ser el regulador de su opulencia futura. La riqueza
de un país consiste en la abundancia de artículos valuables; y en la demanda
permanente de ellos. ¿Quien no conoce que la América, prescindiendo de sus
infinitas producciones, posee en sus rios y montes auríferos y argentíferos
las fuentes de riqueza y el nervio del comercio universal? Y que los metales
preciosos siempre estarán en demanda, mientras no se sostituyan en el mundo
otros para signo de riqueza y de cambio? Entretanto los señores del Potosí y
Perú atraerán a su mercado a la industria de todas las naciones, que animadas

236
por la libertad del comercio, se internarán a simplificar la explotación de los
minerales y a dar uso y destino a las infinitas substancias con que la mano
prodiga de la Providencia la ha dotado. Los que detestan hasta el nombre de
monarca son essos hombres ilusos cuyo empeño ciego consiste en sostener
esas democracias primitivas, y simples, impracticables por mucho tiempo,
y que solo pueden existir entre tribus de selvajes, o entre naciones un poco
mas civilizadas en algún rincón de la tierra aislado y remoto, en donde los
vínculos de la sociedad no son muchos ni estrechos; pero cuando estos son
íntimos y multiplicados no pueden permanecer por mucho tiempo, por que
luego degeneran en anarquía la que conduce inevitablemente a la aristocracia
ó tirania. Se la historia no confirmara esta verdad, los pueblos interiores del
Río de la Plata en donde se han degollado sin piedad, remueven toda duda.
Solo la democracia representativa, que es quando el pueblo delega su poder
efectivo a funcionarios elegidos y sujetos [] à ser renovados de tiempo en
tiempo en períodos limitados, tiene subsistencia, por que estriba sobre la
representación popular que es el modo expresado en una acta e ley, hecha
por libre convenio titulada Constiticion en que todos los asociados llamados
ciudadanos, concurren igualmente a elegir sus representantes, que define las
autoridades y fija los limites que no deben traspasar. Pero aquellos pueblos del
interior que se llaman republicas, ni estan formadas de este modo, ni tienen
elementos para ello: continamente han sido el juguete de alguns atrevidos que
los rigen con barra de hierro, sacrificandolos a sus miras personales, ulcerando
sus corazones con los zelos de pueblo a pueblo y con la separacion de Buenos
Aires: esta discordia doméstica, es el enemigo mas temible que se ha levantado
en el seno de aquellos pueblos. Acuerdense que la Italia, esa nacion en otro
tiempo tan valiente, y señora del mundo, es el lubridio de la Europa, por que
sus enemigos han tenido la política de dividirla en pequeños estados, y en
hacer que el Toscano mire como extranjero al Milanes, esto mismo sucederá
en el Río de la Plata si continua el espíritu de província y aislamiento, y esa
rivalidad insensata hacia la Capital, cuya superioridad no pueden sufrir.
Al concluir estas observaciones no podemos dejar de recomendar
nuevamente que quanto antes se haga um armistício con la España, y que esta
escuche libremente la expresion general de los pueblos del Sur. Entre tanto el
comercio y la libertad de comunicarse dos pueblos que por vínculos los mas
estrechos y tiernos son unidos, es muy necesaria y producirá ventajas que tal
vez la España nunca ha sacado de América.
Antes de salir a luz este papel llegan avisos de Europa que anuncian la
reunion de Cortes en 28 de Setiembre, y el arrivo de comisionados Españoles
a Paris, para comprar buques de guerra con el objeto de preparar nueva
expedición para las Américas.

237
Aunque no hay certeza de la autenticidad de la segunda parte de esta
noticia, ni del punto donde se destine aquella fuerza; sin embargo como
parece que en las Cortes no faltan Diputados que insisten en las cruzadas
para América, no se puede dejar de observar que si el gobierno accede a estas
pretensiones con respecto a las províncias del Sur, resiste al impulso del siglo,
y se expone obstinadamente a encarnizar mas la guerra a tiempo que estan
calmando las pasiones, formando desde luego una reaccion, mas vigorosa,
en desventaja cierta de la Metrópoli.
Es indispensabel no perder de vista que el principiar o continuar una
oposicion en que no está interesado el público, és un error, y al presente
todo error en política, és peligroso: el público de Chile y la Plata miran su
independencia como una necesidad del siglo por que todos los hombres
ilustrados de estos países sin variacion alguma por el curso de muchos años,
la reputan por buena y conveniente: lo tienen así declarado solemnemente, y
esto és suficiente para formar la firme conviccion de ligar el interes particular
a la fuerza pública que es el gobierno que los preside. Con [tudo], se espera
de la profunda previsión del Ministerio quo no empleará en este tiempo la
fuerza para conciliar los animos y en estos mismos momentos tal vez las
Cortes extraordinarias habran decidido la gran cuestión de un modo digno
a la alta reputación con que marchan en su política en medio de la Europa
culta; si nos equibocamos en nuestro juicio, nos contentaremos con el buen
deseo por la felicidad de España, y de América, quienes pueden considerarse
como dos grandes comerciantes en diferentes ramos, haciendo un tráfico
mutuo y benéfico.

Rio de Janeiro 15 de Octubre de 1821.

NOTA

Al fin las armas de los independientes ocuparan el 6 de Julio a Lima


en donde entró en triunfo el General San Martín el 12 del mismo. Este
acontecimiento no hace mas que confirmar la opinion manifestada en las
anteriores observaciones. El exercito realista parece que se retiró al interior del
Virreinato, donde se consumirá por su propia virtud; ó servirá de instrumento
a algun malvado que desesperado de los sucesos fomente y propague entre
las Castas una guerra mucho mas desoladora que la que hasta aquí se ha
llebado. Es de temer que los ambiciosos quieran revivir en el animo de los
indígenas del Perú las ideas de su antigo explendor y derechos, sacando del
polvo y obscuridad a algun descendiente supuesto ó espúreo de los Incas;

238
con este hecho harian correr arroyos de sangre como los que se vieron en los
años de 1780 y 801.
Ahora es que se necesita la prudencia y vigilancia de todos los hombres
amantes à la humanidad para corregir el desvio de las opiniones políticas.
El Gobierno de la Metrópoli ha permitido, lo sentimos decir, que lleguen
las cosas a este ultimo trance por no haber transigido oportunamente con
los independientes puesto que no tenía el poder ó voluntad para sostener
su autoridad en el Perú, por que los remedios a medias en política siempre
son ineficaces. ¡Quanto mas útil seria que el ministerio de Cevallos hubiera
admitido las proposiciones que se le hicieron! El hecho es que con las
esperanzas muchos han perdido sus fortunas y se han visto en la necesidad
de emigrar con sus famílias abandonando sus posesiones y hogares.
Hallandose independiente el Perú como ya lo está, qual será la
tendencia política que tome? Si formarán un gobierno central todos los
Pueblos del antiguo virreinato de Lima? Si cada Província eligirá su gobierno
independiente? Si se unirán, o confederarán con los Gobiernos de la Plata, y
Chile? Los Pueblos del Perú son muy diferentes en caracter, y costumbres de
los de la Plata; tienen castas; sus intereses son diversos y estas son dificuldades
dificiles de remover. Los Cholos son muy espertos, y vigorosos, conocen el uso
de las armas, y estan dispuestos a unirse a los Indios para formar una coalicion
contra los que genericamente llaman Españoles; a eso es preciso añadir que
no desconocen los principios de libertad, diseminados sin parsimonia, ni
previa instruccion. Así que antes que nascan esas hydras, y la propencion a
disputarse cada Pueblo el mando, supremacía, o soberanía es indispensable
tomar un partido que los distraiga, y los encamine a una mejora racional:
este, en nuestro concepto, es el llamar a un Príncipe de España, convocando
un congreso general de todos los Pueblos para examinar su utilidad, y para
formar las divisiones análogas aquellos vastos países: esperamos que este sea
el primer cuidado de los Xefes.
Los limites de este papel no dan lugar para demostrar la utilidad que [re]
sultaría à la España de reconocer la independencia: los Políticos Penínsulares
habrán presentado à esta hora en toda su luz esta importante question à
satisfacción de los Españoles de ambos mundos.

________________________________________________________
RIO DE JANEIRO, NA TYPOGRAPHIA NACIONAL.
1821.

239
13

CARTA
Escrita ao Senhor Redactor da Gazeta Universal,
Pelo Veterano, fóra de serviço, Ex-Redactor do Jornal Encyclopedico de
Lisboa, &c.
___________________________________________

Senhor Redator.

Não começo por lhe louvar o seu Periódico, chamando-lhe eruditíssimo,


atilado, benemérito, ilustrador, dizendo-lhe, que sou dele o admirador, o
Leitor apaixonado, e o mais que dos Autos consta, repugnante emético dos
homens de siso; direi somente que o seu papel é honrado como Vossa mercê,
porque não sai da esfera da verdade, da sinceridade, e da imparcialidade.
Os periódicos fizeram-se para anunciar o que vai, não para descompor, e
insultar o que está; são canais das novidades políticas, não são veículos de
personalidades escandalosas, de infâmias revoltantes, de insultos vergonhosos,
de instrumentos de vinganças particulares, e que, quando se escudam com
a liberdade de Imprensa, dão a conhecer, que entendem por isto um desca-
rado, e absoluto desenfreamento de costumes, chegando a imoralidade neste
ponto a tal excesso, que metade da Nação está desconfiada da outra metade,
e julgando-se regenerada com tantos esforços de homens, que se supõe bem-
-intencionados, se acha descomposta, e insultada por uma tropa, ou tropel
de escrevedores venais, que mais infames que os assassinos da Itália, que por
um prato de macarrão impingem uma facada, ou que os negros do Brasil,
que por um coco de cachaça dão uma cabeçada; por meio tostão, que se lhe
[sic] mande, insultam classes, indivíduos, corporações, e até os mais respei-
táveis Funcionários públicos, obrigando os homens de bem a se retirarem da
sociedade, temendo em cada Cidadão um espião, e em cada Jornalista um
carrasco; porque sendo o fim do Sistema Constitucional manter a segurança
do indivíduo, e a tranquilidade pública, de uma, e outra coisa tem dado, e
vão dando cabo os Jornalistas atuais. À Nação importa o que se deve fazer,
e não o que se fez, que já não tem remédio. E nem há de remediar agora,
por exemplo, a ferra a que procedeu no segredo da Cadeia o Juiz de Fora de
Arronches há tantos, e tantos anos. Os Jornalistas, Senhor Redator, estão no
caso em que eu já fraternalmente repreendi uns Missionários, a quem ouvi
do Púlpito para baixo descompor o Auditório, deitando-lhe na cara tudo

240
quanto os homens fazem, e fizeram, e foram sempre: = Senhores Padres,
digam ao Povo o que ele deve fazer, não lhe digam o que ele faz, que isso
sabe ele muito melhor que Vossas Reverendíssimas. = Os indivíduos que se
acham insultados pelos Jornalistas Jornaleiros, conservam não só a eles um
ódio implacável, mas ao Governo administrativo: persuadindo-se que lho
consente, desvaira-se-lhe a opinião, dividem-se, e assim se perde a obra, e
mais o feitio; e não é adicto à causa quem direta, ou indiretamente a destrói,
e se opõe aos seus progressos. A malignidade gosta da maledicência; mas há
se de arruinar o edifício social para se agradar aos malévolos? Muitas coisas
me ferem o coração no espetáculo da atual imoralidade, e me obrigam não
só ao silêncio que tenho guardado, mas ao retiro em que me conservo, e
conservarei sempre; e se não fosse a absoluta necessidade de um amargurado
pão para subsistir, nunca falava, nem aparecia em público; mas entre tanto
objeto aflitivo, e doloroso, nenhum me punge tanto o vivo da alma, como
ouvir aqui, e ali quando por força atravesso alguma rua: = Hoje o Astro vem
bom! = Vou ver este Luminoso Astro, ou meteoro calamitoso, e encontro,
ou uma escandalosa publicação de fatos ocultos, ou uma virulenta invectiva
contra Varões respeitáveis, corporações atendíveis, e Tribunais graves, e
circunspectos. Não pode chegar a maior auge a depravação do tempo, que
chamar bom ao que é mau, e mau ao que é bom!
Nenhuma coisa, Senhor Redator, se deve temer tanto, no estado civil,
como a Anarquia; se a não há felizmente no Governo, encontra-se à cara
descoberta na Tipografia. O estado dos papéis públicos, é um estado perfei-
tamente anárquico. Estão divididos entre si, e dividem as opiniões. O seu
fim devia ser instruir; o seu fim, por encontrados caminhos, é descompor,
insultar, indispor. Não só escandalizam os homens honrados para quem
ainda a virtude tem preço, a Religião respeito, a Pátria valia, os Legisladores
poder, e os Magistrados autoridade: mas expõe à irrisão dos Estrangeiros
a totalidade da Nação; onde quer que chega o conhecimento da língua
Portuguesa, que não está tampouco estendido como se julga, se dirá, que os
Escritores Públicos Portugueses são todos filhos das Regateiras da Ribeira e
irmãos uterinos dos Gaiatos das caixas de açúcar; assim parece, porque não
há discursos; há insultos; não há respostas, há respostadas. Começam pela
autêntica promessa de ilustrar a Nação, contin[u]am, progridem, e acabam
por descompor os Portugueses, [e qu]ando estes esperavam ser instruídos,
pasmam de se ver vilipendiados.
Concordo em que deve haver descontentes, porque é uma necessária
mudança de fórmulas administrativas, sempre há ofensa de interesses: o

241
homem que ama o bem geral, sofre com magnanimidade a quebra de interesses
particulares, que vão refluir no todo; mas terá este homem paciência para
sofrer como bom Cidadão, depois de ofendido nos seus interesses: ser ainda
em cima insultado por quatro Miqueletes de capa em colo sem missão e sem
autoridade? Que se segue? Aumentar-se a soma do descontentamento geral,
fazer aborrecer o novo sistema, e avivar o desejo de retrogradar aos séculos
da mais inculta barbaridade, preferível pela honra, e probidade natural, ao
presente século, que se chama de Luzes! Que compatibilidade pode ter o
claro conhecimento dos direitos dos homens, e do Cidadão com o ultraje
continuado da dignidade do homem? Reclamar estes direitos, prescrever
os deveres do mesmo homem, melhorar em política, e piorar em costumes!
Há monstruosidade semelhante! Fazer-se uma Constituição fundada nos
imutáveis, e eternos princípios de Justiça, e de equidade, e começar por
uma guerra declarada aos costumes, pela impunidade do caluniador, e pela
impudência, ou descaramento do insultador, e Escritor público! Pôs-se um
termo ao Despotismo, e não se há de pôr à imoralidade? Chegam os inimigos
a ameaçarem-se reciprocamente com o Astro!!!
Não é novo, Senhor Redator, nem é estranho, que um Jornalista sirva
a um partido político: em França, e em Inglaterra, de que mais notícias
temos, é isto ordinário, e comum. Uns são do partido Ministerial, outros
dos Representantes da Nação; são as armas das opiniões políticas, para isto
nascem, e disto vivem. Nada conheço mais útil nos Governos Constitucionais,
e representativos, que um partido de oposição, e que deste, e do outro partido
sejam trombetas os Jornalistas; aclaram-se as questões mais abstrusas da
Política, e por estes canais julga com retidão o Povo do estado dos negócios
públicos. Sucede muitas vezes, que os Jornalistas de um, e de outro partido
entrem em guerreias [sic] furiosas, e passem uns, e outros às personalidades
escandalosas; mas conspirarem os Jornalistas na ruína da moral pública com
os seus mesmos desvairados escritos… Só em Portugal, e naquele momento
em que o que há de mais sublime em política, se devia casar com o que há de
mais puro nos costumes, e nas virtudes, não digo eu só Religiosas, mas natu-
rais, e civis. Nós não temos, seja Deus louvado, o que se chama a guerra civil
porque, um prodígio raro da Providência, não só se não tem derramado uma
gota de sangue, mas nenhum só obstáculo se tem posto à marcha das coisas
entre nós tão novas ou estranhas pela sua dessuetude; mas há outra espécie
de guerra civil, mais bárbara, encarniçada, sanguinolenta. Vejo um mútuo, e
contínuo ataque de Cidadãos; vejo a mais criminosa ingerência em todos os
negócios; vejo um incessante espírito de invectiva ao Governo de fato, e às

242
Autoridades reconhecidas; vejo uma manifesta hipocrisia repreensiva de todas
as ações, de todas as medidas políticas; vejo um continuado fio de impropérios,
e vilipêndios; vejo o punhal oculto da vingança tornado público nas mãos dos
Jornalistas; vejo escritos sem dignidade, discursos sem nexo, palavras sem
propriedade, frases sem decência, e homens sem caráter, e sem costumes. A
imoralidade dos escritos periódicos passa para os sentimentos, os sentimentos
transformam-se em ações, as ações em crimes, os crimes em desordens, as
desordens em desunião, e a desunião das opiniões se transformará tarde ou
cedo na ruína tal da grande obra política regeneração deste Reino; e tudo isto
nasce de um só princípio, que é transformar-se a Liberdade natural, de que
ninguém deve despojar o Cidadão, em desenfreada licença. E quem ateia, e
dilata este funesto incêndio? Os Jornalistas. Tenho-me explicado bastante,
e a muitos causará admiração esta infração do meu razoável silêncio entre a
confusa matinada de tão discordantes vozes; mas sou obrigado a obedecer
às insinuações de um grande, e respeitoso Magistrado, homem tão amável
pela doçura das suas maneiras civis, como respeitável pelas suas indisputáveis
luzes, e talentos; e que, pelo seu ministério, de mais perto conhece o estado
da corrupção pública, obra dos Jornalistas, e a necessidade do seu remédio.
Quando a Pátria periga por uma agressão estranha, todos os Cidadãos são
chamados às armas: quando a Pátria periga pela imoralidade dos escritos,
todos os homens dados ao honesto, e verdadeiro estudo das letras devem
buscar a salvação da Pátria. Os bons, e sinceros desejos dão energia às
faculdades intelectuais. Eu não devo trair a minha consciência, nem ser um
hipócrita de humildade literária; e previno a Vossa mercê com esta Carta
para ir progressivamente inserindo na sua Gazeta alguns discursos meus,
que mostrem aos Portugueses o que devem ter, ou quais sejam os essenciais
deveres do homem Cidadão em um Governo Constitucional, que é o nosso e
um Comentário a cada um dos Artigos das suas Bases no espírito da pública,
e atual Legislatura, será um serviço feito à Pátria, à Constituição, aos homens
de bem, e à Moral pública, à mais ponderável, e augusta de todas as coisas.
Eu não me sacrifiquei, nem ao Governo passado, nem ao Governo presente,
sacrifiquei-me à verdade, que é uma, invariável, e indestrutível. A minha pena
nunca foi venal; nem assalariada, e a todos os Governos, com pena de não
serem justos, deve agradar um homem, que ou disse sempre a verdade, ou
dignamente se calou. Sobre mim tem desfechado a calúnia os mais ardentes
raios; é verdade que nada tenho deixado sem a mais terminante, e irreplicável
resposta; e se tenho guardado silêncio sobre alguns objetos, este silêncio é a
maior prova da minha honra. Com a liberdade, que a Lei me concedeu a esta

243
pena, eu podia ter tirado a mais justa de todas as vinganças pela maior injúria,
que ainda se fez à Liberdade, e à dignidade do homem, e pelo mais bárbaro
ato de despotismo de que se não achará exemplos nos Anais das Regências
de Argel, de Túnis, e de Marrocos. Notei uma frase escandalosa de Antonio
Viera, em que diz que o cavalo branco, que viu São João, era a humanidade
de Jesus Cristo. Aparece em público um Frade Bento por nome Mateus com
um escrito apologético da frase de Vieira, em que, em lugar de defender o
Jesuíta, me ofende a mim com os nomes mais afrontosos, tudo isto impresso
com a prévia Censura de muitos Tribunais, e junta com esta descompostura
me apresenta uma Provisão Régia dos Ministros do Desembargo, em que se
me proíbe não só responder-lhe, mas nem falar nele direta, ou indiretamente.
Se algum homem teve então razão de sair deste Reino, e escrever fora dele,
fui eu; mas nem então me vinguei, nem agora me vingo, mas com este incon-
testável fato mostro, que o Governo não atava as mãos aos outros, atava as
mãos a mim. Eu as tinha atadas, e o Frade soltas; eu tinha uma rolha, ou
outra coisa na boca, ele a língua em legal badalamento, ou badalação: não
só me privaram do direito de Petição, mas até do desafogo de um grito. Se
o encontrasse na rua, e lhe dissesse – A Deus Senhor Padre Mateus; – se o
Desembargo, como infrator da Provisão, me não mandasse fazer companhia
Bonaparte para a Ilha de Santa Helena, fazia-me seu vizinho paredes meias,
cá da banda de África ocidental, no delicioso clima das Pedras Negras.
Já que falamos neste objeto, de que Vossa mercê tem tão pleno conheci-
mento, pois lhe passou pelas mãos, sendo [balda]das todas as nossas comuns
diligências para responder ao Padre Mateus, pois tudo ficava embarrancado na
Censura, que tinha sobre a cabeça a espada do Tirano da Sicília, a redutável
[sic] Provisão, cumpre falar alguma coisa de Pato, que com tanta impudência
forceja ainda por me tirar a terreiro, como agora faz em o Número 79 do
seu Regenerado. Este Pato é um indivíduo anôm[a]lo na espécie humana.
Foi dois anos a fio tosado, sacudido, e depenando no Espectador, pois, nem
ainda os dois grossos volumes de Censura das Lusíadas lhe fizeram cair da
cara um bocadinho de estanho, ainda é a mesma, ainda é da dureza, e cor
de arame de candeeiro. Que ele se a[té] calasse com o que eu lhe disse, não
me admira, mas que não emudecesse com o tombo de gozo, que levou do
nosso Augusto Congresso para fora, por mandrião, e preguiçoso, é coisa que
excede os limites da pasmaceira humana! Tudo engolem os Patos, mas nunca
cuidei que a goela fosse tão larga! Veio ainda grasnar de novo ao Mundo.
Que culpa tenho eu, Senhor Redator, das Bulas de Pio VII, e das Pastorais
do Cardeal da Cunha? Que culpa tenho eu de se imprimirem em Lisboa, e

244
até no Porto? Se os Jurados todos do Mundo me dissessem no princípio do
tremendo interrogatório: = Vossa mercê mandou imprimir esta Pastoral do
Pastor às Ovelhas? = Não Senhor. Estava acabada a questão. Se a impressão
é um delito, seja Réu quem a imprimiu: mas por que Vossa mercê, Senhor
Redator, imprimiu a Pastoral, hei de eu ser descomposto por Pato, não pela
Pastoral, mas porque no Jornal Enciclopédico de Agosto de 1820, que estava
feito desde Maio do mesmo ano, reprovo o Governo popular, a que os Gregos
chamam – Oclocracia? – Isso ainda eu hoje reprovo. Nós não temos o Governo
popular, temos um Governo Constitucional, e um Rei com o Poder Executivo,
que se chama Rei Constitucional. Há Pato como este Pato!!

São provas do que eu digo


Roliça, Badajoz, Pombal Rodrigo.

E se é preciso mais com que isto prove,


Giros de Febo cinco vezes nove.

Que versos também de Pato quando ele era um grande Realista, grande
Panegirista dos Ingleses; que tanto louvou o Lord deles, que à vista dos seus
feitos Militares (que nós fizemos) fez dizer no Teatro a Dom Nuno Álvares
Pereira, como a um velho apatetado, com uma boca muito aberta para a
respeitável, e integérrima Plateia:

Ah! Tanto não fiz eu!!

Eis-aqui quem é Pato. Mas que fim terá Pato em vir entender comigo,
sem eu ser Pega, nem Gavião em matéria de Bulas, e Pastores? Lembra-me
uma coisa, Senhor Redator; tenho às vezes ouvido uma expressão que pelo seu
Laconismo encerra grandes pensamentos, e faz pensar. Insulta uma marafona
a uma mulher honesta ou um maroto a um homem de bem, desafia com o
insulto uma bofetada, o homem não lha dá, e só lhe diz: Vossa mercê quer
Capote. Não sabia o que isto era, até que me explicaram; o ma[ilegível] quer
a bofetada para ir querelar, e o homem quer obter o perdão da parte em
que o Escrivão quer comer, dá-lhe algum dinheiro, e ainda que fique com a
bofetada, também fica com um capote. O Pato quer capote, eu me explico. Se
eu desse uma resposta das costumadas a Pato, iam todos comprar o papel de
Pato em que estampa os seus descarados, ou impertinentes insultos, dando eu
indiretamente voga ao Regenerado, que de fato está às moscas porque todos
conhecem Pato, que nem as mesmas moscas lhe pousam. Eis aqui o que ele
quer, mas engana-se; também o desdichado Artista Constitucional queria o

245
mesmo, mas [enga]nou-se. Tomara o Couto que eu desse uma vista de olhos
ao Liberal. Estou Veterano, Senhor Redator, mas não inválido; verdade seja,
que se me apanharem de jeito, rebentam a mina, ou se fará a bomba em tantos
estilhaços, que cul[ilegível] toda a Falange periodical.
Tornando ao nosso sério assunto, procuremos a pública utilidade, fixe-
mos, e dirijamos a um bom fim a opinião pública; já que tão dignamente o
Sábio, e Augusto Congresso tem determinado os Direitos do Cidadão, com
Suprema Autoridade Legislativa, façamos-lhes nós conhecer os seus deveres.
Não basta mostrar ao homem o que é, cumpre mostrar-lhe o que deve ser.
As profundas, luminosas ideias de Hoffman nos seus dez áureos livros – De
República – vão ser conhecidos pelos Portugueses. Ali está o verdadeiro desen-
volvimento dos nossos adotados, e proclamados princípios Constituintes, e no
livro – Dos deveres dos Cidadãos em um Governo Monárquico Representativo
– veremos a estrada para a glória, independência, prosperidade, e soberania
a que aspiramos. Haja um papel sem chufas, e sem inventivas, sem Patos, e
sem patadas; um papel cuja leitura não envergonhe a probidade pública, e já
que os Portugueses obram tão bem não escrevem tão mal, e se os Estrangeiros
nos admiram pelo que fazemos, também nos respeitem pelo que publicarmos.
Não se aterre com insultos, aí estão os cães a ladrar na rua, e nas hortas, e a
Lua muito serena continuando em sua tranquila marcha; tal tenho eu andado,
e vou andando com cinquenta mil gozos ganindo atrás de mim.

Fica para o servir como seu amigo.

Lisboa, e Forno do Tijolo,


Número 45 segundo andar,
5 de Novembro de 1821.

José Agostinho de Macedo.

LISBOA:
NA OFFIC. DE ANTONIO RODRIGUES GALHARDO.
Impressor do Conselho de Guerra.
_____________
1821.

246
14

CARTA,
QUE EM DEFESA,
DOS
BRASILEIROS
INSULTADOS
ESCREVE
AO
SACHRISTÃO DE CARAHI
O
ESTUDANTE CONSTITUCIONAL,
AMIGO DO FILHO
DO
COMPADRE DO RIO DE JANEIRO.

RIO DE JANEIRO
NA IMPRESSÃO NACIONAL.
1821.

247
AMIGO E SENHOR

Tantas vezes me tem Vossa mercê encomendado a pronta remessa dos pape-
linhos, que por aqui forem de novo aparecendo, que já há muito tempo lhe
deveria eu ter enviado uma célebre carta escrita pelo Compadre de Lisboa
ao de Belém; que nesta tem corrido, em que o tal Senhor Compadre tomou
por seu desfastio insultar a torto, e a direito o nosso Brasil, e seus habitan-
tes. Mas não me arrependo da demora; por ter agora o gosto de mandar-lhe
juntamente a Justa Retribuição, que lhe foi dada, e com que um amigo meu,
o filho do Compadre do Rio de Janeiro fez sofrivelmente a barba ao autor
da dita Cartinha. Vossa mercê na horas, que lhe ficam vagas do assíduo
trabalho inseparável da sua honorífica ocupação, aí lerá na forma do seu
louvável costume em alta voz, perante meia dúzia de amigos a Carta, e a sua
competente Resposta; e verá que obrazinha a do rapaz! Não há de deixar
por certo de receber os costumados cumprimentos que em sinal de lisonjeira
aprovação prodigalizam aos bons escritos os delicados Censores. Porém são
coisas de Macacos! Misérias! Misérias!
Se me dirigisse a outra qualquer pessoa, que Vossa mercê não fosse,
contentar-me-ia com a simples remessa dos referidos papéis sem interpor
de maneira alguma o meu juízo; mas como a nossa amizade não é de ceri-
mônias, e eu não quero morrer embuchado; que também sei os meus dois
dedos de Latim, e tenho aparecido nas aulas, como qualquer e não hesitarei
em fazer nesta algumas Reflexões, filhas somente do amor, que professe à
minha Pátria, e da justa indignação, que me causou a leitura da tal fami-
gerada Carta. Perdoe-me, pois a sua esclarecida crítica, se algumas vezes
sair, como lá dizem, fora do sério, scilicet,1 se passar rapidamente do jocoso
ao sisudo combatendo com fundados argumentos ridículas frioleiras, que
parece, nenhuma refutação mereciam. Também o meu intento na que lhe
dirijo, não é de refutar plenamente as proposições, que avança o tal Senhor
Compadre de Lisboa; o que já foi executado com todo o primor cá pelo
amigo da Retribuição; mas sim mostrar ao meu amigo Sacristão, quais sejam
na matéria os meus sentimentos, e expor-lhe assim algumas ideias, que os
dois mencionados folhetos lhe suscitaram. Além disso, outro motivo mais
me instigou a escrever-lhe esta meia dúzia de linhas; porque achando-me eu
em certa casa, onde se lia Carta, e Retribuição; um figurão, que ali presidia
que pela parola, e imposant2 arremedava a Doutor, começou a discorrer em

1
A saber.
2
Pomposo

248
tom magistral, apoiando com insultos sarcasmos, e ridículas notas o texto da
Carta do sobredito meritíssimo Senhor Confesso que se me excitou um tanto
a bílis, e para que me não tivessem mudo ali sustentei da forma, que pude, a
causa do nosso insultado Brasil. Porém o que poderia eu conseguir, se o meu
campeão era daqueles, que lhe dão logo com o risinho sardônico, e com o
costumado: terra de Macacos!... De bananas!... Etc. Ainda eletrizado com a
questão vim para casa, e tornando de novo a ler com bastante repugnância
o tal libelozinho, admirei os despropósitos, as injustiças, os absurdos, em
que formiga, e que tão bem desenvolveu, e desmascarou o meu amigo na
sua Retribuição. E sem seguir passo a passo quanto diz o Senhor Compadre
resolvi-me a falar somente alguma coisa daquelas belezas, que mais me caíram
no goto; examinando em primeiro lugar a razão, que o acompanha no seu
principal objeto: De mostrar que a residência do Monarca deve ser em Lisboa,
e não no Brasil, proposição, a que o meu amigo com comedida moderação
não quis responder.
Diz pois o Senhor Compadre depois de um longo aranzel, em que nada
entendi: que quer ponderar as razões, que devem assistir a Sua Majestade
para ir estabelecer a sua Corte antes em Lisboa, do que no Rio de Janeiro. Ao
depois veremos se cumpre a palavra: e como, amigo Sacristão, se toca neste
ponto tanto da sua paixão, permita-me licença para que lhe tome um pouco
de tempo com um quadrozinho, ou como lhe quiser chamar, sobre o nosso
Brasil; e seja em troco da elegante pintura que de Portugal nos dá o Senhor
Compadre na sua elegantíssima Carta. Aqui largando por um pouco a pena,
coço a cabeça; escarro, e logo principio.
O Brasil, este vastíssimo continente compreendido entre os dois maio-
res rios do Universo, o Amazonas, e o Prata apresenta a ninharia de 1.200
léguas de costa adornada de muitos, e excelentes portos. A magnificência, e
variedade das suas produções em todos os três Reinos da Natureza, que não
admite comparação com qualquer outro dos países conhecidos, deviam por
certo logo desde o seu descobrimento chamar sobre ele a atenção das Potências
Europeias, e com especialidade daquela, a quem coubera em sorte. Portugal
porém esteve muitos anos inteiramente ocupado com as suas conquistas das
Índias Orientais, que abriam ao nosso espírito guerreiro uma brilhante escola
militar, onde colhêssemos abundantes messes de glória, e ofereciam ao nosso
gênio Comercial um povo civilizado, cuja avançada indústria nos ministrava
fáceis proporções para um riquíssimo tráfico.
Era pois de esperar que as riquezas ocultas de uma região na aparên-
cia bárbara, e agreste fossem muito tempo tidas em pouca consideração.
Portugal, perdida a Índia, onde recebeu a troco da melhor da sua gente troféus,

249
gloriosas memórias, e nada mais, voltou as suas vistas para os esquecidos
Descobrimentos da América. Desde então começaram a acudir de contínuo e
este país nascente aqueles, a quem a falta de fortuna, e o desejo de melhorá-la
faziam emigrar da Europa, desde então o epíteto de Brasileiro ou Mineiro que
vale o mesmo, começou a ser em Portugal, o sinônimo de homem abastado.
As Mães embalavam os seus pequenos com as pinturas das grandezas do
Brasil, e dos teres que aí facilmente se adquiriam: o Brasil em uma palavra
era ali olhado, como antigamente entre os Hebreus a Terra da promissão.
(É uma pena não ter escrito naquela data o Senhor Compadre para tirar
toda aquela pobre gente da ilusão em que viviam!) Desde então Portugal
sem fábricas, sem manufaturas se locupletava da excessiva disparidade que
ia da sua limitada exportação à importação enorme, que fazia, com o ouro,
e exclusivo comércio deste vasto continente: E apesar dos males procedidos
de um sistema tendente só a extraviar os seus produtos, e a cortar e arrancar
pela raiz todos os ramos da indústria mesmo a mais grosseira, este crescia
desmedidamente, e caminhava com passos agigantados a exceder (até em
população) a sua Mãe Pátria. Os rápidos progressos desta imensa porção
da Monarquia Lusitana não podiam escapar às vistas perspicazes do grande
Marquês de Pombal, que dizem ter já há 60 anos aconselhado a El-Rei Dom
José num momento de aperto a mudança da Sede da Monarquia Portuguesa
para alguma das Cidades do Brasil. Que vasto campo à imaginação não
apresenta só esta única ideia! O Marquês de Pombal pondo em execução os
seus extensos, e sublimes planos neste produtivo, e imenso território!
O desejo do profundo Ministro se viu finalmente realizado pelo nosso
Rei o Senhor Dom João VI, que frustrou com este passo decisivo os iníquos
desígnios do usurpador Bonaparte. Foi então o Brasil a tábua do refúgio, onde
se salvaram os foragidos restos do Luso Estado. Nessa época toda a Europa
assombrada viu levantar-se no Novo Mundo um novo Reino, que por sua
riqueza natural, por sua imensa vastidão e magníficas circunstâncias locais
seria um dia o objeto da sua inveja, e do seu ciúme. O Gabinete de Lisboa nada
mais tinha sido que o brinco da política das vizinhas Potências Europeias: o
novo Reino apresentou (mesmo por sua localidade) um aspecto sobranceiro,
e independente, que o tornou respeitável. O Brasil enfim mereceu de toda a
Europa muito maior consideração política, do que Portugal jamais tivera. Bem
longe estariam os ilustrados Gabinetes Europeus de julgar que este mesmo
Príncipe abandonando todas as vantagens e recursos, que lhe subministrava
a bela posição em que situara a sua Corte, interposto natural do comércio
dos mares da Ásia, da África, e Pacífico, voltasse outra vez a ir concentrar-se
no limitado espaço; de que saiu? (São razões de Estado!)

250
É este o lado, amigo Sacristão, (para entrarmos finalmente em maté-
ria) é este o lado; por que todos os Políticos, os mais consumados olharam
tão delicado problema: este o lado por que o encarou aquele Estudante da
universidade, cuja Memória me pareceu ter-lhe já enviado, na qual com fortes
argumentos ele estabelece a opinião diametralmente oposta à do Senhor
Compadre, o que me dispensa de alongar-me mais neste artigo, que como diz
o Provérbio, dava pano para mangas. Vejamos agora as sólidas razões, com
que o tal Senhor destrói todas as que em favor do Brasil possam alegar-se.
Sólidas Razões! Nada não Senhor, isso não é para eles. Verdade é, que se o
Senhor Compadre se dignasse de ler alguns dos Viajantes e Políticos, aonde se
veem decantadas as excelências deste desgraçadíssimo país, quer se considere
em si mesmo, quer em relação aos estranhos, talvez tivesse ao menos hesi-
tado, ou mesmo decidido o problema pela parte contrária. E se acaso se não
entende ou não tem fé com os estrangeiros, recorresse aos escritos vernáculos
de dois sábios da Nação, o Bispo de Elvas, e o Desembargador Lisboa, ou à
Corografia do Padre Aires, Português Europeu, e aí acharia traçada com as
devidas cores a pintura dessa feliz região, que com tamanha injustiça, e não
sei se diga, descaramento, ultraja, e insulta. Aí veria o que é o Brasil: veria,
que ele contém muitas Cidades e Vilas populosas, comerciantes etc. etc. Aí
veria que a hospitalidade verdadeiramente Patriarcal, a generosidade, e muitas
outras virtudes formam o característico dos seus habitantes.
E se o tal Senhor Compadre quer perfeitamente conhecer a maneira civil,
e obsequiosa, com que deve ser tratado o brioso Povo Brasileiro que abra,
e leia os Diários do Soberano Congresso Nacional, e neles verá a justiça,
que nos fazem os Ilustres Deputados nos seus patrióticos, e eloquentíssimos
Discursos. E depois disto, creio confessará que a terra dos Macacos não é
indigna da descrição, que dela fez o Redator do Astro da Lusitânia, e que
tanto o escandalizou. E depois disto confessará que este grande país… Grande
país, disse eu! Nós vamos ver o que ele seja, segundo a opinião do Senhor
Compadre, numa das suas mais célebres asserções.
É uma de deitar por terra, e que não tem contra! A proposição é inegável;
não tem dúvida nenhuma! O Brasil, diz ele afoitamente, é nada! Vejam isto: É
nada! De sorte que já nem tal Brasil existe, já não é nada será quando muito
algum vão fantasma sem realidade!
Sim, Senhor Compadre, o Brasil é nada: e já era nada no tempo das
guerras da Aclamação, quando sacudiu denodadamente o jugo da Holanda, e
a despeito de todas as forças daqueles formidáveis Republicanos se sustentou
fiel à Mãe Pátria, de quem nenhum socorro recebia! Os Campos de Olinda
ainda fumam do sangue dos Vieiras, dos Camarões, e Henrique Dias, que

251
tão generosamente o derramaram pela boa causa. O Brasil é nada, Senhor
compadre, e esquecendo tudo o mais, esta mesma Cidade, em que ex[tá]tico,
viu os Franceses comandados por Le Clerc desbaratados por um punhado de
Estudantes (Eterna glória de toda a Escolástica progênie, que então mostraram
não lhes ser menos fiel à espada, do que à pena!) Pouco depois ela foi resgatada
das mãos de Dug[u]ay-Trouin com os bens dos seus honrados, e generosos
Cidadãos! O Brasil é nada… Porém não, Senhores, não é isso. O Brasil é nada;
mas é comparado a Portugal. Ah! Isso agora é outra coisa! Com que o Brasil
é nada à vista de Portugal? Como será feita esta comparação? Pelo Mapa?
Por certo que não. Então como? Pelos seus recursos? Pela sua indústria?
O Brasil contém matérias-primas de uma grandíssima exportação: açúcar,
café, fumos, algodão, com que abastece toda a Europa, além de ouro, esse
precioso metal, de que apenas somos os fiéis depositários: dos diamantes, do
Pau-Brasil (com que foi paga grande parte da dívida que a guerra de Portugal
fizera contrair com a Inglaterra); e mil outras diferentes drogas, e especiarias.
E a respeito destas últimas, só uma de suas Províncias, a do Pará, poderia
facilmente rivalizar com as mesmas Índias Orientais. As de São Paulo, Minas
Gerais, e Rio Grande do Sul, cujo clima é semelhante ao de Portugal, e a
extensão delas muito maior, produzem todos os frutos, e gêneros da Europa.
E Portugal? Portugal é um fértil, e belíssimo país (não todo) mas ele recebe
de fora ao menos para a metade do ano até o sustento de seus habitantes: e
além dos Vinhos, nenhum outro gênero de exportação apresenta, que avulte, e
mereça maior consideração, e apreço. Isto, meu Amigo, não é querer deprimir
Portugal: todos sabemos os imensos sacrifícios, que fez no decurso de uma
guerra assoladora; e os males, que teve a sofrer de um desgraçado sistema de
administração; e que estes motivos, e a perda do exclusivo comércio do Brasil
o reduziram ao estado do aniquilamento, em que se achava, e de que com
generosos esforços procura agora levantar-se. Nem duvidamos de que possa
vir a cicatrizar suas feridas, que ainda vertem sangue, e que chegue mesmo a
florescer com algum esplendor. Não poderá porém exceder jamais os estreitos
limites que lhe impôs a Natureza, e as suas desvantajosas circunstâncias, em
meio de outros Estados, cuja indústria se acha já tão avançada, e brilhante.
O Brasil oferece aos olhos do observador um mais agradável espetáculo:
ele tem todas as proporções para um grande Império, extensão de território,
salubridade de clima (sem embargo de tudo quanto diz o Senhor Compadre)
e fertilidade de solo. O Naturalista aqui encontra milhares de espécies de
quadrúpedes, e de aves desconhecidas: o Botânico uma variedade infinita de
diversas plantas, muitas delas de grande uso na Medicina: o Mineralógico se
espanta à vista das riquezas, que neste gênero quis prodigalizar com o Brasil,

252
a Mãe Natura, e lhe dá com justo título o nome de País do Ouro! Nem se
repute o que digo hiperbólicas amplificações, quando nada mais faço do que
copiar literalmente as expressões de inumeráveis escritores de reconhecida
autoridade tanto Nacionais, como estrangeiros, de cujo nomes me seria fácil
formar um extenso Catálogo, e de citações suas um dilatado volume.
Mas para que tem sido todo este aranzel; se o homem só o que mede são
povos. Ora aí está como eles se armam! Como se fala sem tom, nem som! E
tudo por quê? Por falta de paciência. Se eu tivesse concluído o período logo
veria que o Senhor Compadre não é medidor de terrenos mas sim de povos.
Famoso invento para a Estatística! Evita o trabalho, que exigem os cálcu-
los, ou recenseamento, e não há mais do que ter o incômodo de procurar o
Senhor Compadre; pedir-lhe a vara, com que se medem povos, e está tudo
concluído! Até nos tinha sido, de bastante serventia para calcular o número
dos Deputados correspondentes à população de cada província, o que é
nesta imensa extensão de tão difícil conhecimento. Mas deixando de parte os
gracejos com tão respeitável, e autorizada personagem: em 1.º lugar eu não
sei que só número de habitantes influa na maior, ou menor representação
política, pois há muitas outras causas concorrentes, como por exemplo os
frutos da indústria; as produções naturais etc., e em 2.º lugar não estou pelo
que diz o Senhor Compadre, que Portugal excede ao Brasil em população.
Se ele por população entende mais unicamente gente branca; então concedo;
mas se dá licença para que entre neste número todo vivente racional; então
nego. Portugal não conta 3 milhões de almas, e o Brasil vai muito além deste
cômputo. Com que o tal Senhor medidor de povos bem pode quebrar o
côvado, ou vara, de que se serviu para a medição, e que se conhece agora ser
de muito pouco préstimo.
Logo depois liberalmente nos concede o Senhor Compadre que o Brasil
seja com efeito gigante: mas para quê? Para mutilá-lo miseravelmente,
cortando-lhe os braços, e as pernas, e reduzindo-o assim a tronco. Aqui
perguntara eu ao tal Senhor quais sejam os braços, e as pernas, que faltam
ao gigante Brasil; que por mais que me ponha a parafusar, não me ocorre
a significação do tal gigante mutilado. Vossa mercê que é dotado de maior
agudeza, perspicácia, e sangue frio, do que este seu criado, e que pela comu-
nicação de Eclesiásticos doutos, e profundos terá aprendido a decifrar figuras
enigmáticas, talvez facilmente atine com genuína inteligência do tal tronco
gigantesco, e nesse caso fará o obséquio de participarem-no para minha cabal,
e plena satisfação. Mas é indubitável que se o tal gigante perdeu na amputação
os braços e as pernas, o Anatômico tinha por seus pecados, perdido a cabeça.

253
A acusação, que ele faz ao nosso país de ardente, e pouco sadio, respon-
deu com tanto acerto, e erudição o nosso amigo, filho do Compadre do Rio,
que na verdade não parece coisa de rapaz, e nada deixa a desejar. Assim não
tenho mais do que ponderar-lhe neste ponto, muito mais a [Vir]; que gozando
da amenidade desse salutífero, e areado sítio, maior causa tem de dar por
mentirosa semelhante imputação. O Brasil, como diz muito bem a tantas vezes
citada obrinha, não está debaixo das influências de um só clima: das suas
províncias umas sofrem mais intenso calor; outras menos; e outras finalmente
sentem um Inverno tão rigoroso, como o de Portugal. E isto deixando de
parte a questão de países frios, e países quentes, e de quais sejam mais aptos
aos melhoramentos da espécie humana; no que a errônea opinião do ilustre
autor do Espírito das Leis tem sido tão plenamente refutada.
Somos enfim chegados a uma das mais atenciosas, e elegantes linhas,
que saíram dos bicos da aparada pena do delicadíssimo Senhor Compadre.
Elegantes, e atenciosas linhas digo, em que o Senhor Compadre se dignou
de honrar-nos (nem menos se devia esperar do seu ânimo elevado, e liberal!)
muito além dos nossos fracos merecimentos. Só por elas seria da nossa obri-
gação, erigirmos-lhes uma estátua… Onde ficasse para sempre eternizada
a sua veneranda memória! Prepara a sua atenção, meu caro Amigo: tome
tabaco: assoe-se: levante essas bastas sobrancelhas; e limpe bem as cataratas
dos olhos; que vai ler em letra redonda… Sabe o quê? Será algum conto
da Carochinha? Não, Senhor: Olhe que não são Fábulas sonhadas: é uma
Proposição Filosófico-Econômico-Política. Finalmente não há remédio: ei-la
aí vai: não se ria; não se ria; Senhor Sacristão; que o caso não é para graças:
veja que não é menos, do que isto o Brasil está hoje reduzido a umas poucas
de hordas de Negrinhos pescados na Costa d’África etc. De forma que o Brasil
(o sentido é claro) já noutro tempo foi habitado por Brancos, mas hoje (por
alguma emigração sem dúvida, ou por alguma peste destruidora) acha-se
reduzido… A quê? A algumas hordas de Negrinhos pescados na costa d’África.
Ora aí está o que é falar! E o que é falar de verdade! Segundo a ideia do Senhor
Compadre o desgraçado Brasil nada mais tem, do que hordas de Negrinhos!
E toda a Real Família, que aqui então se achava? E os empregados públicos?
E uma multidão de Europeus aqui estabelecidos? E os seus descendentes o
que serão? Hordas de negrinhos!
Eu creio que não pode chegar a mais a insolência, nem se pode tratar mais
ignobilmente tão preciosa porção da Monarquia. E cuidou o Senhor Compadre
que assim de um só golpe, ou de um só traço de pena desacreditava o Brasil.
Como se engana! Só o autor de semelhantes absurdos é o que pode com eles

254
ficar desacreditado. E que multidão de falsidades, e de calúnias encerradas
em poucas regras! A isto é que se chama dizer muito em poucas palavras.
Contam que nessa antiguidade apresentara a um poderoso Monarca
certo Poetastro versos da sua lavra, onde era o Príncipe, na forma do costume,
elevado às estrelas, exigindo dele ao mesmo tempo a competente remunera-
ção. Determinou o Soberano fosse o panegírico lido na presença de pessoas
inteligentes, e que atendendo-se a sua decisão recebesse o Cantor por cada
verso bom uma boa soma de talentos, e por cada mau verso uma bofetada.
Consentiu o miserável; e referem mais que fora tal a afluência dos maus
versos, que o infeliz sucumbiu à violência, e repetição dos golpes: tendo sido
julgado um só digno da prometida recompensa. Aplicando o conto a s[i] por
cada falsidade, e calúnia, que se contém na Cartinha do Senhor Compadre
alguma mão caritativa lhe desse igual espórtula, e a mesma remuneração
por cada uma verdade, parece-me que no meio da operação o tínhamos bem
pago do que nos fez, sem que recebesse nem ao menos uma vez, como Poeta,
o prêmio pacteado.
Continuemos com o conteúdo na sobredita, e vamos concluindo esta
tarefa, amigo Sacristão, que já me enfastia tanto despropósito. Estávamos nós;
se bem me lembra: não tem dúvida: era isso mesmo: nos Negrinhos pescados.
E o pescados é barro! Negrinhos pescados! O que é a força da expressão!
Pois se o rapazinho não tivesse aparecido à luz com a sua Retribuição, ou
da maneira, que pudesse, havia de mostrar ao tal Senhor o quanto se engana
acerca dos seus Negrinhos. Porém, como talvez não acredite, senão aquilo,
que vê: Ver, e crer; como São Tomé: nesse caso não seria mau que aceitasse
o convite, que lhe fez o nosso amigo de vir acompanhado à súcia dos calce-
tas, que tão liberalmente nos queria enviar para povoarem estes Desertos
da Arábia. Aqui viria então viver entre os Macacos, Pretos, e Serpentes, que
não eram indigna companhia, para tão conspícuo sujeito. Talvez qual outro
Orfeu, ou Anfião com a doçura da sua melíflua eloquência abrandasse os
costumes dos seus honrados Colegas, e os reunisse em Vilas, e Cidades. E ao
menos sempre teríamos nós a doce satisfação de ver com os próprios olhos
o nosso ilustre Panegirista, e dar-lhe de viva voz os sinceros agradecimentos.
Gabo-lhe a comiseração, que teve com os Jesuítas; pois vendo-os expulsos
de quase toda a Europa, e ainda da mesma Rússia (apesar do que ele parece
querer dar a entender) projeta oferecer-lhes na América um refúgio, bem que
seja em um país tão horroroso, que os mesmos Negrinhos apesar de pescados
na Costa d’África não podem suportar por muito tempo os dardejantes raios
da Zona abrasada: (E como isso tudo é Poético, e sublime!) Mas no alvitre
dos Calcetas da Europa e Meretrizes de Lisboa é que se está vendo bem a

255
descoberto a fértil, e produtora inventiva do nosso Compadre: Na verdade que
feliz lembrança! Os Calcetas da Europa, e as Meretrizes de Lisboa. Só acho
aqui alguma desproporção entre machos, e fêmeas: porém bagatela! Bagatela!
Também entre os Muçulmanos é permitida a pluralidade de mulheres para um
só homem; porque o não será a pluralidade de homens para uma só mulher?
O sapientíssimo autor da moção, a quem tocava dirigir tão brilhante colônia,
poderia reuni-los na província do Mato Grosso aos Coroatos, e Puris, que
na sua menciona; e arrancarem ali das entranhas da terra os tesouros nela
escondidos, que não lhe haviam de abrir pouco a vista.
Contudo, meu grande amigo, custa a tomar em tom de mero gracejo o
que não é senão uma grande impudência. Que diriam ao ler tais sandices o
nosso Barros, ou o grande Padre Vieira se agora ressuscitassem? Que diriam!
Chorariam de lástima, vendo que é um Português o que fala por semelhante
maneira! Vossa mercê mesmo com toda a pachorra, que é própria do seu
minucioso emprego, e dos seus largos anos; pois bem se lhe pode chamar sem
injúria o Avô dos Sacristães, como quem já um tanto inclina para o chão a
cabeça, (apesar de não ser Corcunda, vade retro): contudo isto digo, e aposto
que não chegará a ler estes, e outros que tais artigos da mencionada Carta sem
dar indícios certos da sua exaltada cólera. Sim, Senhor Sacristão, parece-me
que já o vejo todo engrilado, levantando-se do tamborete tão ligeiro, como
qualquer nos seus 25; exclamar em termos claros, e frisantes: Não há patifaria
semelhante! Não pode haver maior borracheira!…
Mas sossegue a sua ira: descanse: tome fôlego; que vamos já sair dos abra-
sados sertões da tórrida inabitável; e passamos num momento: sabe aonde?
Ao jardim das Hespérides! Aos Elísios! Ao Paraíso de Éden! Qual Paraíso! É
mais do que Paraíso. Que lindo quadro! Ah, Senhor Compadre: Sunt quos
curriculo pulverem Olympicum Collegisse juvat.3 Vossa mercê nasceu para
as descrições e isso já é fado! Há pouco traçou-nos um desenho do Brasil,
coisa horrorosa! De mão de Mestre! E agora? É grande em todos os gêneros.
Que belezas! O Éden, que habitaram os nossos primeiros Pais, regado pelos
quatro maiores rios do Mundo não era tão fértil, e delicioso, como a Pátria dos
antigos Lusos! E logo depois Banhado pelas águas do Oceano, que o fazem
comunicável com o mesmo Oceano, e com o Mediterrâneo. Que miserável
galinácias! Fique porém em paz neste sonho o ponto o Senhor Compadre para
que não pareça que quero deslust[r]ar as excelências de Portugal.

3
Há aqueles que se agradam em levantar o pó Olímpico na corrida. N.T.: Horácio,
Odes, I, 1.

256
Para realçar os vivos traços do seu delicado pincel, torna ele a exibir-nos
uma nova paridade entre o Brasil, e Portugal: entre a terra dos Macacos, dos
Pretos, e das Serpentes, e a terra de gente! Concedo que Portugal seja terra
de gente, e com efeito o é de muito boa gente, ainda que lá esteja o Senhor
Compadre: e quanto à dos Macacos: Não sei se ao Brasil sirva de desar o
produzir entre uma multidão de outros diferentes animais aquele, que tanto
na sua forma, como nas suas qualidades mais com o homem se assemelha.
Terra dos Macacos, de Pretos, e de Serpentes. Com a mesma Lógica, de que
se serviu o Senhor Compadre ser-me-ia também fácil apelidar Portugal, terra
dos Lobos, de Galegos, e de Raposas; pois se entre nós existem Pretos, que nos
servem, e nos nossos matos, os Macacos, e as Serpentes: também lá servem
os Galegos, e vivem nos bosques os Lobos, e as Raposas. É certo que sendo
o Brasil de imensa vastidão, e por falta de suficiente número de habitadores,
em muitas partes inculto, e despovoado, deve necessariamente conter uma
maior quantidade de animais de todas as espécies, e ignoro que daqui lhe
resulte nenhum desdouro, ou infâmia.
Nada direi dos demais pontos de comparação, que ele estabelece, que
magnificamente refutou o nosso rapaz: só não ficará em claro a audácia,
com que ele se atreve a inculcar, ou dar a entender que os Brasileiros não
amam o seu Monarca. Pois pode ficar certo, o tal sapientíssimo Senhor que
os Brasileiros rivalizam com os seus irmãos da Europa em amor ao seu Rei,
bem como na mais firme adesão ao sistema Constitucional.
Com efeito nada há que redunde em maior elogio do povo Brasiliense,
que o radiante júbilo, com que neste país foram recebidas logo as primeiras
notícias de haver rompido na Europa Portuguesa a bela Aurora da verdadeira
Liberdade. Uns aos outros se abraçavam, e davam os Cidadãos mutuamente
os parabéns, transportados da mais patriótica alegria. E que direi do elétrico
entusiasmo, com que nesta Cidade verdadeiramente Constitucional se fizeram
as Eleições Paroquiais para a nomeação dos nossos Deputados no Augusto
Congresso da Nação? Só quem as viu, só quem assistiu a elas poderá formar
ideia da embriaguez dos arrebatamentos do mais ardente patriotismo. Todos
pareciam possuídos de uma agradável alienação, de um encantamento igual
àqueles, que em fantásticos castelos nos pintam os antigos Romancistas.
Esquecera no meio do prazer a fúnebre lembrança dos erros, dos abusos,
de que tanto tínhamos sofrido: parecia já completa a grande obra da nossa
regeneração política. E com tudo isto, que sossego, meu Amigo! Nenhum
insulto: nenhum escândalo no meio de uma multidão reunida, que pela vez
primeira gozava as doçuras da até aí desconhecida liberdade. Eu falo diante

257
de milheiros de testemunhas, que todos estes fatos presenciaram, este espírito
ainda existe: o povo é ainda o mesmo!…
E é este o povo de Macacos? As hordas de Negrinhos? Ah, meu Amigo:
que miséria! A Cidadãos dotados de sentimentos tão generosos, e sublimes é
que se trata com semelhante indignidade!
Mas é gastar já muito com o tal Senhor Compadre, que menos mal
ensinado fica por esta vez, e talvez lhe sirva daqui em diante de emenda; para
se não meter noutra, ao menos que seja tão calva. E agora, amigo Sacristão,
estando próximo a concluir esta, que saiu mais longa, do que Vossa mercê,
e eu desejaríamos, não posso deixar de lamentar a estultice, ou a malícia,
com que alguns irmãos nossos da Europa, regidos pelas mesmas leis, e pelo
mesmo Monarca, que nos regem, iguais todos no anelo, e esperança da
mesma Constituição regeneradora, atacam a cada passo sem nenhum justo
o fundamento não só o inocente país, aonde à tantos tem soprado a aura da
prosperidade, mas ainda mesmo a seus honrados habitantes, de quem nenhum
mal receberam, soltando contra eles indignos sarcasmos e impropérios. Bem
diferente nisto de um muito maior número de seus compatriotas, que fazem
sempre a devida justiça ao Brasil, e aos Brasileiros.
Desprezemos pois meia dúzia de loucos, e de mal-intencionados, e pros-
sigamos sempre unidos com vínculos cada vez mais estreitos ao nosso bom
Portugal, aonde devemos ter postas as mais lisonjeiras esperanças, fitas as
vistas, no Augusto Congresso, de cujas sábias e providentes leis é que deve
emanar a nossa felicidade, e a ventura do nosso país. E basta, amigo Sacristão,
que é muito abusar da sua paciência. Deus o conserve com perfeita saúde para
amparo das suas veneráveis cãs, que tanto o hão mister.

Sou Seu Criado e Amigo


O Estudante Constitucional E.
[Evaristo Ferreira da Veiga]

P.S.
Como sei que é apaixonado
do seu versinho, aí lhe sujeito
à sua crítica judiciosa o seguinte,
que é fruto do meu exaltado
patriotismo.

258
SONETO

Minha Pátria, oh Brasil! tua grandeza


Por léguas mil imensas se dilata
Do Amazonas caudoso [sic] ao rico Prata
Os dois irmãos sem par na redondeza:

De tuas serranias na aspereza,


Na fechada extensão da intensa mata,
No solo prenhe d’ouro se recata
Tosca sim, mas sublime a Natureza:

Da antiga Europa os dons em ti derrama


Junto dos mares a civil cultura,
Que das Artes, e Indústria os frutos ama:

Mil bens Divino Código te augura,


Que aos lares teus a Liberdade chama:
Não; não tens que invejar maior ventura.

Senhor Estudante Constitucional

Mal sabe a satisfação que tive ao ler esta na sua Carta escrita ao Sacristão
de Carahi! Sim, Senhor, eu sou Europeu, amo muito a minha Pátria; porém
também amo muito a verdade, e a justiça; e por isso assim como não
posso tolerar que se deprima o antigo Portugal, a Pátria dos Castros, dos
Albuquerques, e dos Nunos, também não posso tolerar que houvesse um
Português Europeu de cabeça tão esturrada, o qual com a maior impolítica,
e injustiça, e sem ser provocado, se lembrasse de querer deprimir o Brasil, e
os Brasileiros; que se lembrasse de atiçar uma certa rivalidade que desgra-
çadamente tem existido entre Brasileiros, e Europeus (rivalidade que só tem
ocupado estultas imaginações, e que é tão mal-entendida quanto é terrível a
discórdia entre Pais, Filhos, e Irmãos) e isto quando pede o comum interesse
que se trate de uma união fraterna, e indissolúvel; de uma amizade a mais

259
estreita, a mais pura, a mais inviolável! Mas que há de ser, Senhor Estudante,
se as almas baixas não se podem ocupar se não de coisas vis, e ridículas! Está
pois entendido que essa lembrança, esse palavreado do Senhor Compadre
de Lisboa não é filho da imparcialidade, e cordura; portanto merece todo o
desprezo. Os Homens probos, Políticos, e de bom siso abominam semelhantes
loucuras, e só buscam, só anelam essa união dos dois Hemisférios Portugueses,
para que formando ambos um poderoso Império, sob um Governo liberal,
e justo venham a ser felizes todos os seus habitadores. Eu sou Europeu,
como já disse, vivo no Brasil há vinte e cinco anos; conheço-o bem: se ele
não está mais adiantado é porque não quiseram; e quanto aos Brasileiros
direi que tenho tido, e conservo amizade a muitos honrados, e virtuosos, e
instruídos; que de nenhum tenho a mais pequena ofensa, e que de alguns
tenho recebido obséquios, e particular estimação. Por isso achando injusto
tudo quanto contra o Brasil inventou o tal Compadre de Lisboa não posso
deixar de louvar esta sua carta, na qual Vossa mercê ampliando aquela justa
Retribuição do Filho do Compadre do Rio de Janeiro, sem abater Portugal
(porque o não merece) com muita verdade, e elegância defende; e abona o
seu País, digno, sem dúvida, de toda a contemplação.

Seu Amigo, e admirador.


Um Portuense Imparcial

260
15

CARTA SEGUNDA
DO
COMPADRE DE BELEM
AO REDACTOR
DO
ASTRO DA LUSITANIA
DADA Á LUZ
PELO COMPADRE DE LISBOA.

___________________________________________
Abranda-lhe a redea...
Abranda-lhe a rédea...

Conselho de meu Mestre o Senhor José Daniel


no seu entremez da Arte de Tourear
___________________________________________

REIMPRESSO NA REAL TYPOGRAPHIA


DO RIO DE JANEIRO ANNO DE 1821.

261
Senhor COMPADRE

Recebi a sua carta de 13 do corrente, e não posso deixar de agradecer-lhe


o mimo dos últimos Jornais, que se tem impresso em Lisboa. Para um gotoso
não há melhor remédio, e certo que o único prazer que tenho agora, é ler
estes papéis, porque me consola já ver o grande cabedal de seus autores. Os
Portugueses, meu Compadre, são homens para tudo: o que lhes faltava era
um Governo, que os pudesse fazer felizes, respeitando sua liberdade, porque
eles sem dúvida são capazes de gozar dela com juízo, e discrição, apesar dos
incendiários, que procuram encaminhá-los para o mal, empregando para isso
escritos insidiosos. Deixe passar mais alguns dias, e Vossa mercê conhecerá os
homens dignos, verdadeiros amantes da sua Pátria, que até agora viviam ou
calados, ou na obscuridade por temerem os efeitos da tirania, e do despotismo.
Não me foi possível ainda ler todos os números do nosso Astro, que
se mostra um pouco enfadado comigo, porque lhe respondo de chalaça, diz
ele: ora, meu rico Compadre, como havia eu escrever tais matérias, e a tal
Senhor? Políticas, Economias, Moral, Governos, e outras frioleiras desta
natureza, são o seu entretenimento, em que ele parece escrever com tanto
desembaraço, como Ajudante de cartório a tirar do processo. Quase que
já cheguei a desconfiar, de que ele compõe o seu Jornal quando esgaravata
os dentes; servindo-lhe talvez de passatempo ao fazer do chilo, e deixando
para as horas sossegadas escrever em matérias mais profundas, nas quais se
espraiará sem dúvida seu gênio criador, porque a qualidade de original faz,
no meu entender, o primeiro merecimento deste sublime Escritor.
Eu pobre Diabo, que não digo senão trivialidades, graduado em Doutor
orelhudo depois de ter sido estudante de cabresto, que poderei fazer ao pé de
um sábio de tal ordem? Respondo na minha língua, e vou trapaceando o meu
bocado. Sirvo-me portanto de ideias caseiras, que são o patrimônio daquele
que é falto de literatura. E como desde que andei em Coimbra me ficou este
jeito para gracinhas, meto sempre que posso, a minha colherada; mas já se
sabe, à escolástica, porque Vossa mercê bem conhece, que Deus não repartiu
os talentos igualmente. Seguirei contudo o conselho de meu Mestre, dizendo
agora menos chalaças. Abrandarei a rédea, e veremos o potro como marcha,
e o touro como investe.
Sua Comadre chama-me. Há dias que a vejo muito meiga, e carinhosa
comigo: que quererá ela, meu Compadre? Vou falar-lhe, e acabar a carta.
Se houver tempo, mandarei também outra dirigida ao nosso Astro para se
imprimir, mas não se esqueças Vossa mercê de lhe remeter logo um exemplar,
porque me parece que ele se queixa; com razão, de lhe terem faltado com esta

262
cortesia na primeira: e porventura me magoaria muito, que isso acontecesse
agora, dado que este senhor se mostra cada vez mais civil, e mais atencioso
comigo.
Sou
De Vossa mercê
Compadre, e amigo sem reserva

O Impostor Verdadeiro.

Belém 15 de Janeiro
De 1821.

P.S.
O Inverno parece já com cara
menos melancólica: venha Vossa mercê
aqui jantar um dia, e conversaremos
um pouco sobre negócios do tempo.
Como não tenho vagar, é fácil
escapar-me alguma expressão, que
deva ser explicada: Tome Vossa mercê, por
isso o trabalho de notar os lugares,
que for preciso esclarecer.

Senhor Redator do Astro da Lusitânia

MEU amigo e Senhor! Deixei a Vossa mercê no seu Número 18, preten-
dendo despertar o nosso Portugal, que continuou a dormir depois de ter
acordado, como Vossa mercê tão judiciosamente notou. Os anos, e as molés-
tias chegaram este pobre velho ao último estado de abatimento, e a não ser
algum cáustico, que Vossa mercê lhe aplica de vez em quando em seu Jornal,
tornaria ele a cair para não se levantar mais. Faz Vossa mercê muito bem,
meu Amigo, trate dele, deste enfermo desamparado de que ninguém cuida,
nem se lembra! As receitas de Vossa mercê hão de pô-lo a andar.
Eu tenho querido continuar as minhas homilias sobre as suas histórias,
mas esperava que Vossa mercê respondesse à minha primeira carta, para lhe

263
agradecer ao mesmo tempo os seus obséquios, porque já contava com os
bons termos, de que Vossa mercê havia de usar comigo, porém como vejo
que Vossa mercê pretende livrar-se do incômodo, que lhe causam as minhas
notícias, do mesmo modo que os doentes de áreas, que as pinguinhas vão
aliviando, mudei de plano, e resolvi-me a dançar, como Vossa mercê for
tocando. Seguirei portanto como sombra o seu Astro, cada vez mais luminoso,
e mais radiante, e aos meus filhos, netos e sucessores deixarei em morgado,
(que bem poderá existir, creio eu, com as suas ideias liberais de reforma) o
cuidado de responderem a Vossa mercê, quando Vossa mercê for servido
acabar; já que eu não poderei viver tanto, que chegue a ver o fim de tudo o
que Vossa mercê tem para me dizer.
Leio sempre com grande consolação minha estes seus discursos sobre
os Poderes, Autoridades, população, etc. e com efeito são coisa pasmosa!
Deles falarei agora principalmente. – O meu barbeiro; que é homem amigo,
como Vossa mercê, de se meter em tudo (e o maldito quase sempre embica
no que não entende!!) disse-me há poucos dias, que muitos dos seus fregue-
ses notavam manifesta variedade de estilo, que se observa nos escritos de
Vossa mercê, pretendendo que alguns deles não sejam obra sua, porque em
nada se parecem com aqueles, que não podem deixar de ser conhecidos por
part[e] da sua pena, mas eu desenganei o que de tudo é de Vossa mercê, e lhe
pertence por algum título1 com pequenas diferenças somente; e uma delas é
esta. – Quando Vossa mercê escreve como Político consumado, que é, quando
entra na indagação da natureza dos poderes da Soberania, etc. etc. tudo
então é majestoso, digno dos objetos, e escrito com aquele sangue frio, que é
próprio da madureza, e da reflexão: mas quando Vossa mercê respondeu ao
Compadre, ou a outros túnicas, semelhantes, perde as estribeiras, como lá
dizem, porque não está mais na sua mão: e quando fala destas ignorâncias,
e erros do Governo! Então Deus nos acuda! Não há remédio, há de zangar-
-se por força, porque isso é do seu gênio; visto que o bem da Pátria não lhe
consente falar dos males dela sem comoção de espírito: e as expressões então
devem ser mais azedinhas como parece mui natural. – Ora o ácido lançado
na tinta há de fazê-la desmaiar mais necessariamente. Creio que Vossa mercê
concorda nestes princípios.
Eu ouvia dizer muitas vezes a estes a quem nada, ou muito pouco agrada,
que Vossa mercê parecia escrever o seu Jornal sem plano, e sem sistema, e que,

1
O de compra, por exemplo. Um padre, a quem notaram que pregara um sermão, que
não era seu, respondeu = venham comigo à casa do Livreiro, que o vendeu, e ouvirão
que me custou meio tostão. =

264
esquecendo-se de o conduzir a um fim verdadeiramente útil, não se divisava
nele mais do que um desejo imoderado de empregar o fel da sátira, porque
há muita gente que folga de ouvir pregar à custa dos outros, mas eu defendi
sempre a Vossa mercê, dizendo, que não podia ser porque Vossa mercê tem
trabalhado sobre o nosce te ipsum, e aquele que deseja deveras conhecer-se,
e lida para o conseguir, como Vossa mercê diz, que tem lidado2 não se deve
supor, que tenha por fim senão regular suas ações, de modo que não ofenda
seus semelhantes, e muito menos atacando-os, e injuriando-os com palavras
descompostas, porque isso, sobre ser contrário à moral, cuja falta de ensino, e
de prática, Vossa mercê com tanta razão lamenta, é demais, pouco decente, e
muito digno de se estranhar a um homem, que deseja passar por bem-educado,
e eu não me persuado, de que não veja o que vai na sua casa aquele, que tanto
espreita a dos outros. – Nesta parte pode pois Vossa mercê ficar descansado,
porque eu fiz as vezes de bom amigo, e fui Gedeão a seu respeito.
É verdade, que um objeto tão vasto, e um acontecimento de tal ordem,
e por tal modo conduzido, como tem sido nossa resolução [sic], pode dar
a qualquer Jornalista boa ocasião de empregar seus talentos, e literatura,
mostrando as utilidades que devem esperar-se desta nova ordem de coisas;
procurando convencer-nos que receiam perder, de que eles vão antes ganhar
pela combinação do sistema administrativo, o qual é de supor que melhore
a sorte de todos, fazendo florescer ainda os vastos campos da prosperidade
pública, há muito tempo incultos e abandonados.
Alguns discursos bem feitos concorreriam, e muito poderosamente, para
os Gabinetes da Europa (com quem assaz nos importa ganhar bom nome) se
convencerem de que nossos desejos são de homens, que procuram ser livres,
respeitando sempre o Trono, o Altar, o Direito Público, e o das Gentes. –
Far-lhes-ia ver, que nossos princípios são de melhorar, e não de destruir.
– Que a moderação, e a suavidade, glorioso timbre de bom Governo justo e
ilustrado, hão de acompanhar sempre as medidas empregadas nas operações
econômicas das reformas, que forem necessárias. – E que finalmente a nossa
conduta pode servir de exemplo e modelo aos Povos do Universo, que quise-
rem regenerar-se, porque em nossa revolução não separamos ainda, nem as
ideias morais das ideias liberais, nem a Justiça da Política.3

2
Veja-se o Número 22 do Astro, onde o Redator afirma que costuma fazer este exame
de consciência, o qual poderá servir-lhe talvez para confessar os pecados, porque para
a emenda não lhe vejo jeito.
Nota do Compadre de Lisboa
3
Era bem para desejar, que alguns dos nossos Jornalistas se convencessem das atuais cir-
cunstâncias, e política situação em que nos achamos. – Importa-nos sempre muito, mas

265
Vossa mercê, Senhor Astro, podia bem desempenhar tudo isto se quisesse,
porque Deus lhe fez presente dos talentos necessários, e até podia fazer mais,
que era rechear alguns desses discursos com a exposição (desgraçadamente
bem fácil) de nossos erros em administração, das causas deles, dos remédios,
que devem aplicar-se aos males, que tão enormemente pesam sobre nós. – Este
trabalho nos aproveitaria, iluminando os que devem regenerar-se, e era obra
digna de um Jornalista, amante do seu crédito, e do da Nação para quem
escreve. Em verdade um Português, a quem tanto berra na alma o bem de
sua Pátria, como Vossa mercê quer inculcar, um homem, que não precisaria
do Espírito Santo para figurar no respeitável Congresso de nossas Cortes, e
alardeia bastante capacidade para não representar nelas como testa de ferro,4
podia, e devia fazer isto sem dúvida, e tanto mais quanto Vossa mercê no seu
Número 1.º, em que ofereceu ao Público o projeto de suas fadigas literárias,
prometeu que o faria, e notou aos outros Jornalistas, seus Colegas, porque o
não tinham feito. – Eis aqui, meu Amigo, as erradas e muito quiméricas espe-
ranças, que eu concebi a seu respeito, mas hoje não há remédio senão confessar
a Confissão. – Vossa mercê nem faz, nem diz senão coisas judiciosas; e a mim
só coube em sorte com a Madre Abadessa de Arouca escrever asneiras,5 e o
que mais é, até esperar asneiras, donde só podiam vir acertos e discrições.
Depois que Vossa mercê fez do seu Jornal mala do correio para não trazer
senão muitas cartas com algumas encomendas, tanto sem valor, que nem

agora mais que nunca, o adquirir e conservar a boa vontade dos Gabinetes Estrangeiros;
e sendo esta uma verdade, que decerto conhecem todos, não pode deixar de magoar o
coração de um verdadeiro Português, o ler em alguns Periódicos nossos formais ataques
aos Soberanos da Europa, que mais influências podem ter na sorte dela. Nem basta,
que isso fosse escrito em papéis de outras Nações; cada uma responde per si; cada uma
tem suas vistas e relações Diplomáticas, e ainda que as épocas políticas dos Estados se
designam algumas vezes pela linguagem, que eles adotam, é sempre contudo preciso
convencer, de que o pinto nunca há de cantar tão alto como o galo. – Qualquer indis-
crição pode levar-nos a uma situação bem desagradável. A regularidade, a moderação,
e a suavidade de nossas medidas tanto no interior, como com o Estrangeiro tem-nos
chegado até aqui sem trabalhos, e sem incômodos; e que males não podem seguir-se,
se nos desviarmos desse caminho, e adotarmos uma conduta diversa? Dar bofetadas, e
esperar beijos em recompensa, não é de homem que conhece o mundo. Portugueses! É
preciso não abusar da nossa ventura! Tenhamos juízo, e teremos tudo o que desejarmos
e seremos tudo o que quisermos ser.
Nota do Compadre de Lisboa
4
Veja-se o Número 22 do Astro, onde o seu Autor tem a modéstia de nos fazer esta
ingênua confissão.
5
O Senhor Astro assim parece querer batizar, em seu Número 43, o que diz meu Com-
padre.
Nota do Compadre de Lisboa

266
prêmio pagam do seguro, tudo tomou novo aspecto, e nos vimos regalados
com belos discursos seus; mas o que mais brilhou foi a grande demonstra-
ção Categórica da soberania do povo porque a Vossa mercê pareceu muito
necessário e conveniente persuadir destas máximas uma Nação, que acaba
de mostrar pelo modo mais eficaz e decisivo, qual é a sua convicção a este
respeito; visto que ela concebeu o glorioso projeto de fazer as Leis para se
governar, e de renovar com a Casa Reinante as condições, a que esta se obri-
gou expressamente, quando subiu ao Trono.6
Entendia eu, Senhor Astro, que não havia necessidades de escrever agora
para os Portugueses tais ideias abstratas, e metafísicas de Direito Público,
quando eles derivam sua representação política, suas prerrogativas, sua
independência, e suas liberdades do mero fato da convenção que fizeram, e
de que não querem agora mais do que a execução e cumprimento – E se isto
é inegável, e se o é também, que a Nação dá como certos e demonstrados a
seu favor todos esses direitos, que competem às outras Nações, pois que ela
os reconheceu, quando se deliberou a reassumi-los; de que serve, dizia eu,
entrar nestas demonstrações, e ainda noutras, que cheiram a certas ideias,
cuja simples enunciação custou já rios de sangue? Assenta Vossa mercê acaso,
que nós precisamos deste molho para o nosso guisado? Pois engana-se. Deixe
ao Congresso Nacional o cuidado de estabelecer esses princípios políticos,
quando o julgar conveniente; e persuada-se, de que em Portugal não se dão
hoje nessas matérias novidades em teoria, e que na prática podemos ser os
mestres de outros.
Ora eu bem sei, que isto em mim é pusilanimidade, e medo tão indiscreto,
e tão exaltado, como em Vossa mercê sublime grandeza de alma, e intrepidez
da inocência; o que de Vossa mercê não é já novo, porque naquela ocasião7

6
A Casa de Bragança reina entre nós, porque nós a chamamos para isso em 1640. – As
condições, com que aceitou, foram manifestas nas Cortes, que então se celebraram. El
Rei Dom João IV as sancionou e aprovou. – O tempo e as circunstâncias havendo-as
alterado, nós agora fizemos valer nosso direitos, e só buscamos, que eles sejam respeitados
sempre, e sempre respeitaremos aqueles que, então concedemos, e a que nos obrigamos.
As últimas notícias chegadas do Rio de Janeiro nos convencem, de que os sentimentos
do herdeiro da Coroa, o Príncipe Real, o filho do nosso Augusto e Adorado Monarca,
são de anuir aos votos da Nação, e concorrer para a felicidade de seus Compatriotas,
como ele lhes chama, adotando a nova ordem de coisas. Se tanto acontece (e certamente
o devemos esperar) ele será o mais venturoso dos Reis do Mundo, e o ídolo dos Por-
tugueses: seu Trono será firme e seguro, porque ele há de reinar com justiça, e terá em
nossos corações o mais sólido apoio de sua Grandeza.
7
Veja-se o Número 28 do Astro.
Nota do Compadre de Lisboa

267
(para Vossa mercê com efeito mui gloriosa) em que certas pessoas tremiam
maleitas, sem dúvida porque suas consciências as acusavam de crimes, Vossa
mercê pelo contrário; sossegado em sua casa, era o Sócrates de nossos dias:
com esta diferença só; que ele esperava a morte, falando da virtude, e dos
seus encantos, e Vossa mercê desprezava a vida, escrevendo verdades como
punhos. Gênios raros, e almas de têmpera velha! Em tudo Vossa mercê se
parece com este grande Filósofo!!
Excede Vossa mercê contudo no meu entender, quando se derrama nestas
mimosas pinturas, em que tanto brilha a força da sua imaginação. Pergunta
Vossa mercê por exemplo em seu Número 21, Tudo irá como dantes? Em
vez de responder, Vossa mercê conduz o seu leitor aos cais de Santarém, e aí
lhe apresenta um Jeremias do avesso, que em vez de lágrimas de amargura,
derrama lágrimas de alegria. Mete depois o seu episódio do cais das colunas,
e outras galantarias semelhantes, que ornam o seu discurso infinitamente.
Ora o bom do Profeta, que nesta ocasião não só não adivinha o futuro, mas
nem ainda o presente, visto que pergunta pelo que vai na terra, fica de queixo
caído quando não lhe sabem dizer, se os Escrivães tratam melhor as partes
do que a si, recebendo só o que seu Regimento lhes manda pagar; se nos
aboletamentos se guarda a justiça, etc. etc. Tudo isto, Senhor Astro, é com
efeito lindíssimo, e bem imaginado!
Contudo não me parece (salvo o juízo do seu Jeremias da esquerda do
Tejo) que ele tivesse muita razão para querer achar tantas reformas feitas, e
em tão pouco tempo. – Quanto à primeira dos Escrivães (por falar de alguma)
é com efeito para desejar, que eles sejam limpos de mãos; porém será possível
conseguir isso de todos os Escrivães, enquanto medidas gerais se não tomam
sobre um ramo tão complicado, como é a administração da Justiça? Muitos
deles, meu Amigo, ou não têm ordenado, ou têm tão pequeno, que não lhes
dá para viver um mês, e com os salários da lei alguns não têm para meio ano.
A barriga dá horas; os rapazes querem calças; as botas andam rotas; a mulher
quer capa, quer lenços, quer sapatos, quer… Quer… Quer… Ah! Senhor
Astro! Senhor Astro! Sabe Vossa mercê bem o que é necessidade? Viu Vossa
mercê alguma vez a cara da fome ainda que fosse em miniatura? Tem Vossa
mercê filhos, ou sabe o que custa a um pai ver… Meu Amigo! No ato de
julgarmos os homens nunca nos esqueçamos de que somos homens – A lei, que
nos obriga a comer, é anterior à lei, que nos obriga a respeitar a propriedade
alheia – Deus me livre de que se entenda, que eu pretendo justificar o roubo, ou
defender a imoralidade; mas julgo que o querer obrigar um homem a praticar
a virtude, pondo-o na necessidade quase de ser criminoso, e dando-lhe meios

268
para cometer os crimes, é querer um esforço, de que o coração humano nem
sempre é capaz. Um Escrivão, dos que falou o seu Profeta, não tem acesso a
lugares maiores, nem predicamento naquele que ocupa; e no Regimento das
Mercês não lhe marcou talvez prêmio dos seus serviços, porque nem recebe
comendas, nem foro, alcaidaria mor, nem tença. Ora não tirar do ofício,
com que viver no ofício, e trabalhar sem esperança de ver ao menos, para o
futuro, recompensado o serviço, poderá fazer bom cabelo, mas creio que a
Vossa mercê não – Um Escrivão, meu Amigo, é um cidadão, serve o Estado,
é um homem, numa palavra, e tem por isso os mesmos direitos que Vossa
mercê, que eu, e que os mais de diferentes ocupação; portanto haja súcia, mas
seja para todos. – Uns a rir, outros a chorar, não podem fazer muito boa, e
agradável harmonia.
Assim que, Senhor Astro, vamos um pouco mais de espaço. E como
seu Jeremias se ausentou, e eu não terei provavelmente o gosto de lhe falar,
mande-lhe Vossa mercê dizer da minha parte, que a cousa vai devagar sim,
mas vai, e melhor irá querendo-o Deus, e que se os Escrivães não são ainda
tão heróis como ele pretendia achar, ao menos não consta fosse cheia neste
Natal, como era sempre para eles, a lua dos porcos, e dos perus, falecidos de
morte violenta; e olha Vossa mercê que isso não é já pouco.8
Mas tempo é já de deixar os seus discursos, e vamos agora a certo biqui-
nho de obra, falando da resposta a minha carta. – Principia Vossa mercê,

8
Esta moléstia de querer tudo feito de repente, vai sendo menos vulgar; mas como ainda
se encontram muitos enfermos dela, que se não gritam com as dores, queixam-se ao
menos, como homens de pouca saúde, aqui dou um extrato de uma passagem, que li
num Discurso escrito nos fins do ano passado, em Madrid, por João Romero Alpoente,
no qual ele pretende provar a necessidade em que se acha a Espanha de proceder já às
Cortes extraordinárias, para nelas se fazer o que não se fez nas que acabaram, e vem a
ser o seguinte. – Regular um novo sistema de Fazenda – organizar o exército permanente,
e milícia ativa – marcar o número dos Eclesiásticos; suas obrigações, e suas rendas –
diminuir, ou abolir inteiramente os dízimos – abolir os Senhorios territoriais, como os
povos oprimidos reclamam, e é uma questão já debatida, e pronta para se resolver desde
o ano de 1814 – realizar o projeto de educação pública já plenamente discutido, e em
estado de se pôr em execução – fazer passar Lei contra os infratores da Constituição, cujo
projeto já se achava pronto também desde o ano de 1814, etc. etc. etc. E que lhes parece,
senhores apressados? Na Espanha, onde há Constituição, onde há Cortes Legislativas,
onde há trabalhos preparados para tais assuntos, não se ultima depois de quatro meses
nenhum destes negócios, nem muitos outros de igual importância, e queriam Vossas
mercês que um Governo Provisório fizesse tudo isto em três meses, e fizesse ainda mais,
porque Vossas mercês não pretendiam menos, do que ver já tudo voltado de baixo para
cima. Meus amigos, bom é falar, porém é melhor ainda falar com juízo.
Nota do Compadre de Lisboa

269
Senhor Redator, esta grande empresa no seu Número 48, e pelo que vejo
nele, Vossa mercê penteia-se não menos para ser Jornalista da Oposição. Faz
bem, meu Amigo. – Um Lavrador perguntou em hora de bom humor (não
sou eu só que as tenho) a dois filhos pequenos, com quem brincava = o que
querem vocês ser, rapazes? Eu, disse um, o que meu pai é; pois eu, respondeu
o outro, quero ser Bispo, Bispo. Dá cá um beijo, meu filho, tornou-lhe o bom
do homem, pegando ao colo o Reverendo Prelado de Expectativa, sempre
te pareceste comigo nesta elevação dos sentimentos – Tua mãe decerto me
pregou alguma peça, quando se tratou de teu irmão, e receio bem, que não
seja ele muito meu parente.
Quanto eu posso julgar, Vossa mercê é talhado para aquele lugar de
Jornalista de Oposição, e se não veja-se a boa escolha que Vossa mercê faz
das matérias, com que nos quer instruir!9 Mas que muito porém me admira a
exatidão das suas conclusões! Porque alguns assassinos dos Reis não ouviram
representar Dramas fartos de ideias liberais,10 conclui Vossa mercê logo, e
conclui bem, que tais Dramas não podem ser nocivos ao nosso atual estado,
que era, e é a causa dos meus receios. Pedirei contudo licença a Vossa mercê
para observar, que me pareceu estiradinha a outra conclusão, que Vossa
mercê tirou dos meus juízos (Vossa mercê é muito concludente!!) quando quer
pintar, que eu por não ser dos exaltados receio assassinos, mortes etc. etc. etc.
Fico-lhe muito obrigado, meu Senhor; lá no outro mundo achará mais esse
testemunho falso, de que dar contas a Deus Nosso Senhor.
Tenho por muito boa, e muito judiciosa aquela sua reflexão sobre a
opinião pública:11 mas se Vossa mercê admite, que ela é por ora a favor
das operações do Governo, parece que são sem razão, e por mera zangui-
nha todas estas sublimes reflexões, com que Vossa mercê não deixa de nos
querer ilustrar sobretudo o que pertence ao mesmo Governo; porque em tal
caso talvez se diga, que Vossa mercê quer campar por homem singular em
seus juízos, enquanto acha mau aquilo, que no senso comum da maioria da
Nação encontra, apoio e bom acolhimento. Se a vontade geral se conforma

9
Por exemplo, as reflexões, que o Senhor Astro faz em seu Número 32, a respeito de
feiticeiras, e lobisomens exclamando como filosófico entusiasmo = se uma mulher é
feiticeira, e um homem é lobisomem, se há determinação do Fado, aonde vai para a
moralidade das ações? Que feliz, e original lembrança teve este Sr., quando entendeu o
Fado dos lobisomens pelo Fado, do qual se supôs que violenta a nossa liberdade!
10
Folgaríamos de saber aonde o Senhor Astro foi buscar esta certeza. Entretanto ele o
afirma no seu Número 41, e nós devemos acreditar, que eles nunca assistiram a tais
representações.
11
Veja-se o Número 18 do Astro.
Nota do Compadre de Lisboa

270
à individual, se os que obedecem, obedecem com gosto por conhecerem a
utilidade, que lhe resulta de obedecerem,12 como quer Você, que passem em
claro as suas censuras, e críticas virulentas.
Mas eu sou um pateta e, Vossa mercê um sábio: eu não sei o que digo, e
acrescento que os outros Jornalistas de Lisboa, seus colegas, não estão mais
adiantados do que eu, porque eles não imitam a Vossa mercê nestas espertezas.
Naturais, e Estrangeiros têm prodigalizado elogios ao Manifesto da Nação,
e se este trabalho é daquele a quem se atribuiu, devo crer, que Vossa mercê
não podia deixar de achar-se arrenegadito, quando escreveu deste papel
coisas do arco da velha!13 Parece-me com efeito, que (a ser do tal…) Vossa
mercê não fazia pior se se calasse, porque não sendo o seu Jornal dedicado
a analisar obras de literatura, e não resultando da sua censura bem algum à
causa da Nação, a favor do qual Vossa mercê se propôs escrever, não dava
a sua esperteza ocasião a dizer-lhe (perdoe Vossa mercê era chocalhice) que
Vossa mercê tem a mania dos Provincianos Literatos, que vêm da sua terra
persuadidos, de que hão de dar novidades em Lisboa, e campar por grandes
homens14 – Escusava também de dar ocasião a fazer-se o paralelo de Vossa
mercê com aquele, que se diz Autor do Manifesto, e que é conhecido entre
nós por sua ciência, por seus escritos, por seus talentos, e por sua abalizada
literatura, ao mesmo tempo que Vossa mercê o é por… Em outra ocasião lho
direi, que por ora é cedo.15

12
Esta coincidência de vontades, é o maior argumento de ser boa a administração, segun-
do diz J. J. Rousseau: que creio o Senhor Astro não crismará também com o nome de
Corcunda, ou ainda de Empenhado segundo a nomenclatura corrente.
13
Por exemplo, que tem galicismos: aonde os acharia este grande clássico Português? Que usa
da palavras servos. Forte caso! Servo dos servos de Deus se chama o Papa, e por ventura
quererá Vossa mercê (que é uma das boas almas dos nossos dias!) obrigá-lo pela palavra?
Que não foi assinado. Agora essa não esperava eu!! Quem assinou o último Manifesto,
que a Corte do Rio de Janeiro espalhou por esse mundo contra a França em 1 de Maio
de 1808, e que se publicou em Lisboa em 12 de Maio de 1809? Mas Vossa mercê tem
razão; esse exemplo não prova nada; porque o Manifesto do Rio era de um Monarca
anônimo, e aquele de que fala o Senhor Astro é da Nação, que se deu a conhecer, e ao
menos podia assinar de cruz, como lhe acontecia sempre nas cousas do seu interesse, ou
que se faziam em nome dela.
Nota do Compadre de Lisboa
Há cá muito Jesuíta, meu Amigo! Até se acham a cada passo de quarto voto, e Vossa
14

mercê não fez ainda profissão nem do Primeiro!


O desenfreado desejo de deprimir as obras alheias, nasce de ordinário de uma devorante
15

inveja, que consome o coração dos maldizentes, e os faz chegar a um estado bem pouco
diverso dos cães danados. – Um escrito é bom no seu todo, satisfaz ao fim, mostra o
trabalho do seu Autor, e o seu talento; mas porque desgraçadamente ele teve um descuido
em pequena cousa, ou ainda que o não tivesse, se se lhe atribui, morde-se tudo indistin-
tamente, porque desde logo tudo se tornou mau, e objeto de raiva, e em consequência

271
A demonstração da existência do Direito Feudal em Portugal, que Vossa
mercê principia a fazer em seu Número 43, é a cousa mais bem trabalhada,
que eu tenho visto, e portanto dará licença para que me alargue nela um pouco
mais. – Principia Vossa mercê por nos dar a definição do Direito Feudal, que
Vossa mercê afirma ser direito do Reino, e vai buscar um autor estrangeiro
para nos chimpar as suas palavras por extenso, e daqui poderia eu tirar
muitas conclusões (porque também sou muito concludente como Vossa mercê)
porém tirarei só esta, e é, que tendo sido o Direito Feudal direito do Reino,
segundo Vossa mercê quer sustentar, os nossos jurisconsultos o passaram
em claro, e não trataram dele como Direito Pátrio, ou ao menos nenhum o
definiu de modo que prestasse, porque, sendo Vossa mercê tão defensor das
coisas nacionais (Deus sabe o que Vossa mercê é!!) não era de esperar, que
fosse buscar uma definição estrangeira, se cá houvesse definição, com que
nos pudéssemos remediar.16
Alarga-se Vossa mercê muito, para nos dizer depois, quais eram as conse-
quências da obediência do vassalo ao Senhor do feudo, e deixou no tinteiro,
como era de razão, o explicar-nos, e em que consistia essa obediência; o modo
por que se dava; quando se dava; quem tinha obrigação de a dar; quais eram
as formalidades, com que se dava, etc. etc. etc. Tudo isto tenho eu lido, que
fazia uma parte muito principal dos direitos dos Senhores, e das obrigações
dos feudatários, de sorte que, faltando alguma destas cousas, ou não havia
feudo, ou era ele irregular. Vossa mercê porém disse só o que lhe fazia conta
para aplicar aos documentos do Cartório de Pendorada, e de Pombeiro.17

guarda-se um silêncio absoluto sobre as utilidades, e o merecimento da obra, e não se


fala senão no que nela pode dar ocasião à sátira. Ouvi ontem a um homem sensato fazer
esta reflexão, e ele acrescentou, que esta era a linguagem de alguns dos nossos antigos
Escritores, os quais se queixavam já desta desgraçada mania de muitos Portugueses do
seu tempo quererem à força achar mau tudo o que se faz na sua Pátria.
Nota do Compadre de Lisboa
Meu Compadre não tem aqui toda a razão, porque pode ser que o Senhor Julio Claro,
16

de quem o nosso Astro aproveita a definição, tivesse carta de naturalização em Portu-


gal, sem o Compadre saber, e nesse caso fica sendo a definição tão Portuguesa como a
forneira de Aljubarrota.
Valha-me Deus com este meu Compadre! Vão-me desgostando muito as suas reflexões!
17

O Senhor Astro discorre bem. Nos documentos antigos acha-se um, ou outro encargo
semelhante aos dos feudos; e portanto concluiu ele, e eu concluo também, que entre nós
houvera Direito não só Feudal, mas Feudalíssimo. Que importa que uma definição não
possa compreender, senão uma, ou outra qualidade da cousa definida? Um burro tem
orelhas, eu também as tenho, logo eu sou burro. – Haverá por aí alguém, que se atreva
a negar esta conclusão? O meu Amigo e Senhor Astro, decerto não.
Nota do Compadre de Lisboa

272
A prova, que Vossa mercê faz de que houve Direito Feudal em Portugal,
só porque na Ordenação do Reino se acha escrita em um único objeto a simples
palavra = feudo – é, e deve ser para todo o mundo a mais convincente, que
Vossa mercê podia produzir, mas permita-me, Vossa mercê, que eu faça aqui
o meu reparo, porque me parece, que o pilhei numa contradiçãozinha. Dá
Vossa mercê (e dá bem) por demonstrada a existência do Direito Feudal com
uma só palavra, que acho no Corpo do Direito Pátrio, e nega a existência das
Feiticeiras, achando no mesmo Corpo não digo uma palavra, mas um título
inteiro com seu preâmbulo, e três parágrafos, dois dos quais são bastantemente
estirados, e de bom tamanho, onde se legisla sobre esta matéria em toda a
sua extensão, e se castiga com morte (como é de justiça) o crime de feiticeira:
portanto tenha paciência, que desta vez o abatoquei. Agora não tem Vossa
mercê que responder.18
Se o fato de um Donatário da Coroa mandado justiçar por Dom João
II pela culpa de querer usurpar a jurisdição Real, prova que houve Direito
Feudal em Portugal, como Vossa mercê diz em seu Número 44, também o
fato de se terem enforcado salteadores, prova haver ainda neste Reino direito
de saltear estradas.19
As Cartas Régias da Abadessa de Arouca, que Vossa mercê acha de
importância, fazem ver somente que houve e há neste Reino Donatários da
Coroa com certos privilégios, regalias, e direitos próprios da mesma Coroa;
porém que daí se possa concluir a existência do Direito Feudal, coisa é que
não me parecia tão manifesta, como Vossa mercê nos quer inculcar; porque eu
entendia, que Donatário da Coroa em Portugal, e Senhor de Feudo nos outros
Países oferecem diferentes ideias, quando se trata de falar com exatidão.20

18
Respondo eu por ele, Senhor Compadre. O Senhor Astro falou no seu Número 32 das
feiticeiras, lobisomens, milagres, e outras frioleiras diz ele; e a Ordenação fala dos feiti-
ceiros. Logo há diferença como de macho para fêmea. Vossa mercê, Senhor Compadre,
veio agora buscá-la, mas foi tosquiado.
Esta conclusão é exatíssima. – O certo é que meu Compadre, depois que lê os escritos
19

do nosso Astro, tem mais Lógica.


Nota do Compadre de Lisboa
A Madre Abadessa de Arouca exercitava no seu couto a jurisdição, e outros poderes, pelo
20

modo que em suas doações lhe foram concedidas sobre todos os moradores do mesmo
couto, ainda que alguns deles não tivessem recebido do mosteiro uma propriedade,
por que lhe pagassem foro ou direito dominical; bastando habitar dentro do termo ou
distrito para viver nesta sujeição. – Ora sustentar o Senhor Astro que há feudo, sem se
ver a concessão de uma propriedade em domínio útil, parece um pouco quimérico pela
própria definição, que o mesmo Senhor nos deu tirada do seu Julio Claro, e portanto
vou-me inclinando a acreditar, que a grande e muito importante questão do tal Direito
Feudal não tem sido por ora muito feliz para o dito Senhor Astro. Como porém ele

273
Em seu Número 46 pretende Vossa mercê inculcar o grande merecimento,
que teve nos dias 15 e 16, e diz que não receia perder a glória desses dias: eu
também penso como Vossa mercê porque com efeito Vossa mercê tem a tal
glória tão agarrada, que não será fácil perdê-la; e não supondo também que
a vá jogar. Mas alguém dirá (eu não decerto) que Vossa mercê a troco destes
grandes serviços, quer uma carta de seguro, ou um salvo conduto para dizer
o que lhe vier à cabeça a torto e a direito: e quer mais ainda do que isso,
porque quer atacar e insultar todo o mundo, e quer que todo o mundo se
cale, só porque Vossa mercê fala.21 Desde o dia em que Vossa mercê ganhou
esta glória, perdemos nós a paciência, porque Vossa mercê depois que se fez
glorioso, tornou-se inaturável. – Eis aqui o que dizem por essas lojas, e praças;
e acrescentam, que Vossa mercê neste seu plano desempenha exatissimamente
o daqueles, de quem reza a crônica, que desfazem com os pés o que fizeram
com a cabeça.
Fecharei a abóbada, Senhor Astro, falando da boa-fé, com que Vossa
mercê responde ao que eu disse sobre o peixe da Pederneira, porque Vossa
mercê mata-se por provar em seu Número 46, que em Portugal, o peixe paga
mais do que dízimo; e esta sua briga parece-se com a que teve certo sujeito
com os moinhos de vento, e não pode deixar de merecer toda a compaixão,
porque é por uma palavra sua, que Vossa mercê podia bem deixar de dizer,
se lesse com mais algum cuidado o que os outros escrevem – Olhe, Senhor
Astro, venha cá, eu não lhe disse que o peixe paga o dízimo; esse só é seu,
não é meu – Tome bem sentido o só é seu, e não é meu – Quando eu escrevi

continua a escrever, e a ilustrar-nos, vá-se entretendo nas suas experiências, e veja se


consegue com efeito levantar essa torre de bugalhos, porque é uma empresa digna de
grande habilidade. Há homens de paciência monacal.
Nota do Compadre de Lisboa
Meu Compadre tem tratado sempre dos escritos do Senhor Astro, mas nunca de sua
21

pessoa. – Apesar de não o conhecer, não mostrou ainda também essa curiosidade, e
muito menos a de saber de sua vida e costumes. – O Senhor Astro porém, desde que viu
a primeira carta de meu Compadre, entrou no empenho de o designar, e bem entendido
para o refrescar como ele costuma. – Nesse ponto então não há que dizer; tem dado por
paus, e por pedras, mas sempre debaixo do mesmo plano de personalidade. – A mode-
ração deste genioso Redator conhece-se com efeito a cada passo, até no cuidado que
mostra em descobrir as pessoas de quem fala injuriosamente, porque costuma indicá-las,
ou pelas letras iniciais dos seus nomes, ou de modo que até os cegos as podem ver. – Este
Senhor, que assim observa as Leis da caridade, da Religião, e da civilidade, é o mesmo
que se queixa de meu Compadre o julgar por escritos, respeitando sua pessoa! Não vai
saindo mal o tal Astro, que nos veio lá de cima. O certo é, que as revoluções, como as
cheias, trazem de tudo.
Nota do Compadre de Lisboa

274
aquele artigo sabia também pelo menos como Vossa mercê (porque quem
quer o sabe em Portugal) que o peixe paga, pela maior parte direito real de
pescaria, arrecadado ou pela Coroa, ou pelo Donatário dela; mas acabando
eu no parágrafo antecedente de falar dos direitos dominicais, competentes aos
Senhorios, fazia-me filho de clérigo se tornasse a repetir a mesma coisa, e logo
no parágrafo seguinte, falando destes direitos do peixe, que tem como outros
a mesma origem, o mesmo fundamento, e a mesma natureza, porque tudo
entra na classe de direitos dominicais. Portanto, e porque eu já me lembrava,
de que Vossa mercê havia querer pegar, escrevi com muita prevenção, que o
peixe da Pederneira paga dízimo, sem excluir o mais.
Adeus, Senhor Astro; fique Vossa mercê com Deus, e por ora não espere
carta minha, porque como eu desejo que o meu Compadre venha jantar
comigo, hei de ver, se se demora para conversarmos, e por isso não haverá
ocasião de escrever a Vossa mercê.
Tenha-me Vossa mercê sempre na sua graça, e seja meu amigo, porque
eu mereço-lhe essa fineza. – Apesar de não ser grande avaliador de trabalhos
literários, e de não poder almotaçar essas obras com a mesma exatidão pres-
teza, e laconismo, com que Vossa mercê nos deu seu juízo sobre o Manifesto
da Nação, também entendo alguma coisa de letra redonda, e vejo, que Vossa
mercê tem habilidade, e capacidade para ser um dia bom escritor de um Jornal,
e que decerto mereceria já a estimação de seus concidadãos, se não fosse este
desejo imoderado de dizer mal, e de o dizer de um modo tão ofensivo, porque
nem eu nem alguém quer, que Vossa mercê haja de trair o testemunho de sua
consciência, nem que diga bem daquilo que lhe parece mal. Critique, censure,
diga quanto mal quiser, e lhe parecer que é necessário dizer, ou com a mira
no bem público, ou na satisfação do seu capricho, porque enfim Vossa mercê
é homem, e todos nós o somos; porém saiba fazer isto, e ralhe sempre com
modo, modo, modo, modo.
Também quero lembrar-lhe, que esta palavra bem público tem dado
ocasião a fazerem-se grandes males, porque é uma arma, de que se servem
com o mesmo proveito os tiranos da Pátria, e os libertadores dela, e a Vossa
mercê não é novo, que as nossas Leis, muitas das quais fizeram em desgraça,
e nos chegaram ao lamentável estado, em que nos vimos, tinha, ou se dizia
que tinham esse fim.
Persuada as reformas, mostrando a necessidade e a utilidade delas; mas
nunca se esqueça de que a nossa regeneração até agora tem sido, graças a
Deus, singular na história, e que devemos procurar, que o seja sempre em tudo;
porém muito particularmente em conseguir, que a felicidade dos que hão de
viver depois de nós não seja comprada à custa das desgraças, e desventuras

275
dos que vivem atualmente: porque esse tem sido sempre o escolho, em que vão
naufragar aqueles, que se lançam aos mares tempestuosos de uma revolução.
Aproveitemo-nos de tão desgraçados exemplos e procuremos conduzir
as cousas de modo, que façamos bem dizer os dias 24 de Agosto, e 15 de
Setembro, ainda por aqueles, que até agora os olharam como fatais a sua
existência.
Hoje ninguém deixa de estar convencido, de que valem menos seis alquei-
res de milho mal pagos, e vendidos a crédito pelo preço de dois tostões, do que
três alqueires a cruzado, recebidos logo que se devem, e vendidos na ocasião
em que se precisa de dinheiro. – Todo o caso está em descobrir o modo de
segurar esses três alqueires, e procurar-lhes sempre um bom mercado, mas
para adivinhar esse segredo não é preciso ir às covas de Salamanca.
Como vai fazer-se um novo Governo, aqui lhe deixo, meu Amigo, esta
história para descargo de minha consciência; faça dela o uso que lhe parecer,
porque Vossa mercê há de querer continuar a dar ao badalo, e os ares talvez
corram diferentemente. – Um Sapateiro falando da Lei dos Judeus exclamava
= não há Lei melhor! Poder um homem ter mais de uma mulher! O certo
é que Moisés foi o maior legislador do mundo! – Sendo porém agarrado, e
levado à Inquisição gritava depois contra a Lei dos Judeus, e contra Moisés
que a tinha feito, chamando-lhe nomes injuriosos – Tornaram a agarrá-lo, e
quando saiu perguntou-lhe um vizinho; e agora que dizes tu de Moisés. = Desse
Senhor, respondeu ele, nem bem, nem mal. Nunca mais voltou à Inquisição
e acabou seus dias em sossego.
Se Vossa mercê adotar os meus conselhos prometo, e juro, que não lhe
direi mais chalaças, e que até deixarei de ser a respeito

De Vossa mercê
O Impostor Verdadeiro.
Lisboa 15 de Janeiro
de 1821.

276
16

RESPOSTA A HUM ANNUNCIO


DE LUCIO MANOEL DE PROENÇA
Publicado no Diário de 30 de Agosto desta Côrte.
___________

A conservação própria é de Direito Natural, e tão interessante a sua


defesa a qualquer Cidadão quando é atacado pelo lado da honra, que se torna
um dever imperioso conservá-la no maior auge de pureza. É debaixo destes
princípios que João Marcos Vieira de Sousa Pereira, pretende justificar-se com
o Público judicioso (a quem unicamente se dirige) de um libelo famoso que
Lucio Manoel de Proença, fez imprimir com licença superior no Diário de 30
de Agosto; e suposto que do mesmo libelo se tire imediato conhecimento de
causa, todavia é justíssimo que se dilucide melhor a verdade.
Não é repelir injúria por injúria; nem opor insulto a insulto; no que
consistem os meios desta defesa: é bastante que apenas se relate o aconteci-
mento para dissipar a calúnia.
Em Agosto de 1819, época triste em que o horrendo Despotismo com suas
asas tolhia a luz da verdade, e por toda a parte difundia horrores e estragos;
neste tempo em que os Mandões calcavam aos pés os mais sagrados direitos
do Cidadão, obteve Lucio Manoel de Proença licença do Intendente Paulo
Fernandes Vianna para levantar uma barraca à margem da Estrada Real de
Santa Cruz, para ali vender comidas e bebidas: encareceu tanto a utilidade
deste estabelecimento, que este Magistrado prevenindo-se a seu favor, não
reparou na exageração com que era feita a súplica, e muito menos se preju-
dicava ou não algum direito de propriedade. Sem proceder a informação
alguma, e sem a mais nada atender, concede a licença, mandando logo que
se lhe demarcassem à margem da Estrada dez braças de frente, e cinco de
fundo; concedendo-lhe outra igualmente para cobrir de telha a mesma barraca.
Eis que repentinamente se vê levantar uma casa nas terras do Engenho dos
Afonsos pertencentes aos Herdeiros do finado Capitão-Mor João Marcos
Vieira, dos quais é Procurador bastante o mesmo João Marcos Vieira de
Sousa Pereira; que não poupando diligência alguma para por em vigor o
direito de seus Constituintes reclamou a sua justiça àquele Magistrado por
meio de requerimentos para reivindicar o terreno usurpado; não foi possível,
que a nada disto o Ministro se movia: os requerimentos foram indeferidos;
e como de tais despachos as partes não tinham recurso ficou Lucio mantido
no lugar da questão a despeito dos mais Sagrados direitos: assim triunfou

277
o orgulho e a prepotência. Raiou finalmente o dia 26 de Fevereiro, dia em
que os Mandões estremeceram, e com pesar viram cair-lhes das mãos a virga
férrea com que minavam os alicerces de edifício social. Novas reformas se
introduzem no Governo, e já as queixas do Cidadão oprimido podiam ser
ouvidas. João Marcos Vieira, aproveitando tão boas disposições recorre a
Sua Alteza Real o Príncipe Regente que por Seu Aviso de 21 de Maio deste
ano Manda remeter o seu requerimento ao atual Intendente Geral da Polícia,
de cuja Autoridade já pendia esta questão, para que deferisse este negócio
como fosse justo. Este sábio Magistrado em Portaria de 29 de Junho próximo
passado declara que não toma conhecimento desta causa, e ainda que ela
tivesse origem pela Intendência Geral da Polícia contudo a desligava dela
para os Proprietários haverem o terreno por meios legais. Quais são pois estes
meios legais quando qualquer Proprietário se acha esbulhado do que é seu?
Não manda a Lei que o intruso seja expelido? Eis o que João Marcos Vieira
praticou a benefício seu, e de seus constituintes, reivindicando por meio de
desforço incontinente, o terreno usurpado, depois que a Intendência desligou
de si a questão. Com efeito a barraca foi demolida no dia 8 de Julho com toda
a moderação possível, e em presença de testemunhas convocadas já para esse
fim, despejando-se a mesma sem se quebrar coisa alguma, despregando-se as
madeiras inteiras, tirando-se a telha sem dano. Tal aconteceu este fato que
com tão horrendas cores tenta Lucio afear aos olhos do Público; o que não
foi mais que o cumprimento do artigo 7º das Bases da CONSTITUIÇÃO, que
declara que a Propriedade é um direito sagrado, e inviolável, e por salvar a
sua propriedade é que João Marcos Vieira usou deste ato de desforço para
mostrar que Lucio não tem feito mais que usurpar aquele terreno, e que o
Intendente Paulo Fernandes não tinha autoridade para mandar demarcar
terrenos de outrem, e dispor deles a seu arbítrio: e ainda que se inculque ter
sido edificada a barraca no terreno da Estrada contudo bem se deixa ver que
não é possível que uma estrada por mais larga que aqui seja além da largura
suficiente para seu trânsito, deixe espaço para edificar prédios com cinco
braças de fundo, e dez de frente!! Convém mais observar que entre a Estrada
Real e as terras do sobredito Engenho não pode existir terreno vago, pois que
esta passa por meio delas. Eis aqui a ação estupenda que assombrou tanto
o Autor de tal Libelo, oxalá que todos os Proprietários soubessem usar de
seus direitos, que decerto não estariam tão estendidas as violências contra
o direito de Propriedade, e oxalá que todos os Cidadãos arrogassem a si as
devidas prerrogativas que lhes competem. Os dias 26 de Fevereiro e 5 de
Junho, faustos na verdade a Nação Portuguesa se não tem passado de boas
manhãs é porque ainda a perversidade não está de todo extinta; é porque ainda
as ambages de alguns Mandões não existem de todo desenredadas. Porém

278
outros dias amanhecerão que farão sobressair a glória daqueles; então não
se fará abuso do artigo 8 das Bases Constituintes, para se imprimir libelos
injuriosos, com o fim de semear a discórdia entre os Cidadãos, e de tornar
culpadas ações virtuosas. João Marcos Vieira conserva a sua honra intacta;
não são discursos injuriosos escritos por penas venais que o desacreditam,
como o que se escreve em nome de Lucio Manoel de Proença, que antes este
o desacreditaria se lhe tecesse elogios. Lucio não é mais que um desgraçado
que tem sido comprometido; e não é mais que o instrumento de vinganças
particulares. O pleito que existe entre João Marcos Vieira, e Lucio ainda não
está decidido, e seja qual for a sua decisão protesta mandá-lo imprimir, para
chegar ao conhecimento do Público. Ainda há juízes que cumprem os seus
deveres, e hão de punir o crime e os postergadores das Leis; há Constituição
para garantir os direitos individuais do Cidadão, e para confundir os simu-
lados impostores que dela se valem para atacar os verdadeiros amigos da
Liberdade. João Marcos Vieira publicamente insultado é superior a todas
as calúnias que lhe acumulam; considera-se com algumas virtudes sociais, e
patrióticas, como bem o sabiam os habitantes da Freguesia de Irajá quando
o chamaram a exercer um ato de SOBERANIA NACIONAL, nas Eleições a
que então se procedeu nas Juntas Eleitorais de Paróquia na primeira convo-
cação de Deputados do Brasil para as Cortes. O mau comportamento do
indivíduo é quem o torna digno da execração pública, e nunca discursos
aéreos vendidos à baixeza de quem os compra. O Público ilustrado é agora
o Juiz desta causa; e as pessoas que quiserem conhecer mais particularmente
este negócio, poderão ver os documentos que lhe são relativos na Secretaria
de Intendência Geral da Polícia.

João Marcos Vieira de Sousa Pereira.

Reconhecido pelo Tabelião José Pires Garcia.

___________________________________________
RIO DE JANEIRO NA TYPOGRAPHIA REAL 1821

279
17

RESPOSTA ANALYTICA
A HUM ARTIGO
DO

PORTUGUEZ CONSTITUCIONAL
EM DEFEZA DOS DIREITOS
DO
REINO DO BRASIL

POR UM FLUMINENSE

RIO DE JANEIRO,
NA TYPOGRAPHIA NACIONAL
M.D.CCC.XXI.

280
Rumpere Livor edax, magnum jam nomen habemus,
Majus erit: tantum, quo pede coepit, eat.1

Ovíd.in Remed amor.

O Autor da má Cizânia
Arrebenta de inveja, arde de insânia.

Poema da Assunção2

Com que Gloria há de sobressair o Nome de João VI no Templo da Memória


ereto pela Verdade e Filantropia, quando nele reluzir em Tábua Diamantina a
Nova Legislação, que aboliu o velho Sistema Mercantil para substituir-lhe o
da Leal correspondência, livre ajuste, e imparcial proteção de toda Indústria
honesta; dando, o Primeiro, este exemplo de Sabedoria e de Justiça, que
deve ter as consequências as mais favoráveis à Ordem social: os receados
inconvenientes se mostraram quiméricos e transitórios, e o bem que se teve
em vista manifesta-se a todas as luzes real e permanente… Assim o Brasil
acha-se elevado a uma existência e consideração Política, que nunca pensou.

Observações sobre a Prosperidade do Estado pelos


Princípios Liberais da nova Legislação do Brasil por
José da Silva Lisboa.

O Português Constitucional Número 72.


Lisboa 15 de Dezembro de 1820.

“Sexto mal o Comércio. Parece que este mal é incurável, mas que
portanto é bem fácil de remediar, o caso está em os Portugueses, Europeus
e Brasileiros, querermos. Como assim? Pondo tudo no antigo estado como
estava até 1807. Tempo feliz, em que Lisboa era o depósito geral da Europa!

1
Rebenta-te, voraz inveja, já temos um grande nome, / E maior será: tanto quanto o pé
alcança, irá. N.T.: Ovídio, Remedium Amoris, 526.
2
N.O.: Trata-se do poema Assunção, composto em honra a Virgem Maria, de autoria
de Frei Francisco de São Carlos. A epígrafe citada está na página 33.

281
Por força assim deve ser a imitação da Itália ser o depósito dos seus gêneros
Cereais. Sim, Portugueses Brasileiros, quando fostes mais felizes? Quando
nadáveis em ouro? Antes ou depois de serem francos os vossos Portos?
Falai, Senhores de engenho, e lavradores do Brasil, quando fostes felizes?
Agora? Desenganai-vos o vosso único armazém é Portugal. Este armazém é
o único que pode livrar de todas as misérias a Nação Portuguesa de ambos
os hemisférios. Falai. Quando tivestes mais navios? Quando ganhastes mais
cabedais? Falai povo, quando expirou a vossa felicidade? Respondei: quando
se abriram os vossos portos às nações estrangeiras. Pois bem, volte isto ao
antigo estado: abula-se o Trato de Comércio com Inglaterra para todos os
Portugueses serem felizes em ambos os hemisférios. É bastante este passo,
o caso é – querermos. –”

Um Lisboeta.

À semelhança dos Professores de Medicina, que costumam administrar


aos seus enfermos alguns confortativos, que lhes corroborem o estômago para
não lhes provocar a enjoo, nem lhes causar ânsias os remédios, que depois
passam a tomar: assim dei a ler aos meus Leitores a respeitável autoridade
do venerando Nestor da Literatura Brasileira, antes de lhes apresentar o
fétido, nauseante, e venenoso Artigo do Português Constitucional, que um
Amigo me remeteu para que o analisasse, e fosse a mesma análise apenas
a Justa Retribuição, que dei ao Compadre de Lisboa. Apesar de conhecer
que semelhante Artigo está abaixo de toda a refutação e que não merece a
honra de uma resposta séria, instrutiva, e decorosa, contudo por desafogo
patriótico, e por obedecer a quem pedindo, tem a força de mandar, não hesitei
um só momento entrar em luta com este novo inimigo do meu País, o que
fingindo-se amigo, e compadecido da nossa suposta infelicidade, com ósculos
de paz pretende esbulhar-nos de um dos maiores benefícios, que recebemos
da Munificência do Nosso Amabilíssimo e Saudoso Rei o Senhor Dom João
VI benefício, que jamais podemos, nem devemos renunciar de um grado ou
por força; pois segundo o Insigne Orador Romano no Livro 3.º dos ofícios:
Não devemos ser inimigos das nossas vantagens, e largá-las a outros quando

282
temos necessidade delas: Nec tamen nostrae nobis utilitates omittendæ sunt,
aliisque tradendæ, cum his ipsi egeamus.
Senhor Lisboeta, Vossa mercê que é do número daqueles, a quem o abutre
da inveja e do ciúme mercantil rói as entranhas, Vossa mercê que estima em
mais o sórdido lucro do que a glória e honra nacional, Vossa mercê que se
acha quase tão insensato e frenético como o Compadre de Lisboa, depois de
ter feito a sua cantilena Dialogal incline por um pouco os seus ouvidos, preste
benigno a sua atenção a um Fluminense, que não se dando por satisfeito das
suas proposições, perguntas, e respostas, e mais horrorizado ainda da final
decisão, com que conclui a dita cantilena, reclama o sagrado Direito de ser
ouvido, e a permissão de analisar e responder aos seus paradoxos e sofismas,
com que nos pretende iludir.
Sexto mal o comércio. O comércio um mal! É absurdo, que nem os
Selvagens da Cafraria, ou dos nossos sertões, jamais proferiram; pois que
folgam de trocar o seu supérfluo por aquilo, de que necessitam. A isto repli-
cará o Senhor Lisboeta: o que tenho em vista dizer, é que o comércio franco
do Brasil é um mal para o comércio de Portugal, e também para comércio
do mesmo Brasil. Ah! Isto é outra coisa: por que não falou Vossa mercê logo
claro para que todos o entendessem? Não senhor, a franqueza do comércio
do Brasil é um grande bem, um máximo benefício político, que o Senhor
Dom João VI nos concedeu; por tal sempre o tivemos, por tal o havemos, e
por tal o conservaremos.
Parece que este mal é incurável; mas que portanto é bem fácil de reme-
diar: o caso está em os Portugueses, Europeus e Brasileiros, querermos. Se
a facilidade da cura, que nos propõe consiste na reunião de vontades em
semelhante negócio, que os Portugueses Europeus olham como um mal, e
os Brasileiros como um bem, então o Senhor Lisboeta pode já dar-se por
despedido; porquanto jamais fará a cura que pretende; porque é impossível
conciliar, e concordar coisas entre si opostas, e repugnantes, o bem e o mal.
Assim largue o ofício: pois que solenemente lhe declaramos, e protestamos,
que não queremos.
Como assim? Pondo tudo como estava em 1807. Isto em bom português
quer dizer volte o Brasil a ser colônia nossa. Já é tarde, meu Amigo, já não
há forças, que façam girar a roda em movimento contrário, tenha paciência,
ela há de continuar o seu moto na mesma direção, que recebeu da Poderosa
Mão de Sua Majestade, quando sendo Príncipe Regente aportou à Cidade
da Bahia, e nela assinou no dia 29 de Janeiro de 1808 o imortal Diploma da
abertura dos Portos do Brasil, e da franqueza do comércio com as Nações
Estrangeiras, que estivessem em paz com a sua coroa, cujo Diploma foi de
novo confirmado, e ampliado no Rio de Janeiro pelo Decreto de 18 de Junho

283
de 1815 depois da Paz Geral. O Brasil, Senhor Lisboeta; tendo a felicidade de
passar de morcego a papagaio não volta mais a transformar-se em morcego,
ou em coisa pior ainda do que morcego.
Tempo feliz em que Lisboa era o Depósito geral da Europa. Para quem
era a decantada felicidade desse tempo? Para o corpo do comércio de Portugal,
e também, concedo de boa vontade, para alguns dos seus comissários e
correspondentes do Brasil, para os monopolistas, para os contrabandistas, e
os chamados comissários volantes: mas de sorte alguma para o povo em geral
tanto Europeu como Brasileiro. Assim chore embora o Senhor Lisboeta e os
da sua parcialidade pelos dias antigos, em que via entrar pelo Tejo e Douro
os seus navios prenhes de ouro e carregados dos efeitos Coloniais, que os seus
correspondentes e caixeiros lhes remetiam comprados aos pobres lavradores
pelos preços, que a avareza, e a usura prescrevia, e que a necessidade aceitava;
lamente embora a perda dos excessivos ganhos, que lhes deixavam as remessas
das fazendas estrangeiras, que nos faziam, e que nos eram vendidas por preços
exorbitantes com lesão, e progressiva pobreza do Brasil; pranteie embora já
não estar mais este País sujeito à descrição [sic] e à mercê dos negociantes de
Portugal pela extinção do infausto sistema Colonial, com a abertura dos nosso
portos, com a franqueza do comércio, e com a concorrência estrangeira. Nós
pelo contrário alegres e risonhos cantaremos a nossa felicidade, abençoaremos
o Liberal e Augusto Doador de tanta e tão benéfica Mercê, e prudentes como
Ulisses taparemos os ouvidos para não nos deixarmos encantar das vozes
das sereias, que maquinam introduzir de novo nesta Grande Terra o fatal e
pernicioso espírito do monopólio.
Por força assim deve ser a imitação da Itália, ser o depósito dos seus
gêneros cereais. Que Portugal por força ou por vontade deposite em Lisboa,
ou onde bem lhe parecer os seus gêneros cereais, e que guarde de uns anos
para outros o excedente (se o houver) do seu trigo, do seu milho, e dos mais
grãos, que produzir o seu território é muito justo e louvável, nem semelhante
providência ofende os direitos de alguém, mas que o Brasil seja obrigado
a mandar depositar em Lisboa os produtos da sua agricultura e indústria,
que não possa dispor deles ao seu arbítrio, que os deixe de vender nos seus
portos a quem melhor mercado fizer, que por força os deva mandar ir fazer
quarentena em Lisboa: correr risco da navegação e do mar, sofrer avarias,
pagar fretes, comissões, alfândegas, armazéns, etc. Somente em benefício
alheio, com risco de tudo perder, e quase sempre com prejuízo no valor e na
demora, é absurdo, que só lembra a um egoísta avaro e sedento de ouro, e
que olha para os seus irmãos do Brasil, se não como seus escravos, ao menos
como seus feitores, e jornaleiros.

284
Sim Portugueses Brasileiros quando fostes mais felizes? Quando nadáveis
em ouro? Antes ou depois de serem francos os vossos Portos? Estas interro-
gações o Senhor Lisboeta não as devia fazer aos Brasileiros; porque na sua
boca são irrisórias e de atacar: nós é que, com razão as podíamos fazer aos de
Portugal, dizendo-lhes: quando fostes mais felizes quando nadáveis em ouro
antes ou depois da abertura dos nossos Portos, que se nos podia aplicar o sic
vos non vobis3… de Virgílio; era então que todo o nosso ouro desaparecia
quer em moeda; quer em barra, quer mesmo em pó (por ser invendável o
extravio) à saída das frota[s]: dos comboios, e das fragatas: o erário, a casa
da moeda, os depósitos públicos eram varridos, varridos eram os cofres dos
negociantes, as gavetas, e bolsas dos particulares, (não falando no ouro dos
quintos e nos diamantes) todas as nossas riquezas corriam pelas barras do Rio
de Janeiro, da Bahia, de Pernambuco, do Maranhão, e pela foz do Amazonas,
e entravam pelas de Lisboa e Porto. Ora como a felicidade de um povo, e de
uma nação não consiste em nadar em ouro, mas sim na franqueza e liberdade
do seu comércio, no aumento e perfeição da sua indústria tanto fabril como
manufatureira, na extensão, diversidade, e progresso da sua agricultura, no
conhecimento das ciências, na prática das belas-artes, no cômodo suprimento
das coisas necessárias à vida, na fruição de outras, que são de mera utilidade,
e prazer, e em outras muitas coisas, que os Economistas apontam. Segue-se
que, ainda quando nadássemos em ouro, os Brasileiros eram muito infelizes
por causa do desastrado sistema colonial, que umas cousas reprimia outras
absolutamente proibia, e até com penas as mais agravantes, e infamantes.
Falai, Senhores de engenho e lavradores do Brasil, quando fostes felizes?
Agora? Sim é agora que já não compramos por preços enormes as caldeiras,
os alambiques, e os demais utensílios indispensáveis para as nossas fábricas,
é agora que as máquinas começam a suprir a força dos braços e dos animais,
é agora que vendemos o nosso açúcar, e aguardentes a quem melhor e sem
demora nos paga; é agora que os produtos da nossa lavoura apenas são
colhidos quando acham compradores, é agora que o Brasil já não é um país
fechado e vedado ao resto dos mortais; é agora que vemos pisar o nosso
solo, e penetrar pelos nossos sertões homens de diversas Nações, que nos
trazem as suas mercadorias, e permutam pelas nossas; que nos comunicam
as ciências, as artes, a indústria, as máquinas, a civilização, e bom gosto, e
tudo quanto a Europa encerra de precioso; é agora que a nossa população
começa a crescer e aumentar, que a nossa agricultura principia a estender-
-se, e a florescer, que a nossa indústria entra a desenvolver-se; é agora que
conhecemos o que é Tipografia, e começamos a dar à luz pelo prelo as

3
Assim vós, não para vós.

285
produções dos nossos gênios: é agora finalmente que a liberdade, ainda que
tarda, benigna para nós olhou.4
Desenganai-vos que o vosso único armazém é Portugal. Não nos desen-
ganamos, não: o Senhor Lisboeta, é que com pés de lá nos quer vir enganar.
Temos cá muito terreno para levantar armazéns, cada um dos nossos Portos
é armazém; não precisamos mais de ir guardar na casa alheia o que podemos
guardar na nossa; não carecemos mais de tutela e de procuradores, que tanto
engordaram, e por tanto tempo à custa dos seus pupilos, e constituintes.
Muito folgamos, e estimamos que Portugal seja armazém para os efeitos,
que nos comprar e permutar pelos da sua indústria e lavoura: mande para cá
bastante vinho bom e por preço razoável, mande azeite, vinagre aguardente,
sal, presuntos, tabaco da Fábrica de Lisboa, mande panos de linho, chapéus,
lenços, e outras mercadorias suas, que são preferidas às estrangeiras, em
retorno irá ouro, algodão, fumo, café, cacau, açúcar, aguardentes de cana,
couros, etc. para o seu armazém. Se não se contenta ainda com isto, tome
um conselho de amigo e de verdadeiro Português, envie para cá bastantes
famílias que por lá vegetam na miséria e na indigência a povoar as férteis
campinas do Sul e as de São Paulo, repartam-se por elas as melhores terras
de lavoura dos gêneros cereais para que Portugal não se veja obrigado a
comprar o que há de comer aos Mouros, aos Americanos, aos Ingleses, e às
Nações do Báltico e do Mediterrâneo, compre antes aos seus Irmãos do Brasil,
assim terá muito, com que atulhar o seu armazém sem perigo de morrer de
fome, ou de dar tudo quanto possui aos estranhos.
Este armazém é o único, que pode livrar de todas as misérias a Nação
Portuguesa de ambos os Hemisférios. A experiência de três séculos mostrou
o contrário disso; todas as nossas misérias têm nascido do velho sistema
colonial, da teima e obstinação com que os Portugueses da Europa têm
insistido em acanhar, reprimir, e enfraquecer o Brasil por todos os meios,
que dita o mais refinado maquiavelismo fazendo que o interesse de poucos
prevaleça sobre os interesses da Nação em geral e da Humanidade. Ah! Meu
rico Lisboeta, o que Vossa mercê pretende, o por que suspira, é dar um golpe
de machado a raiz à prosperidade nascente do Brasil, inculcando por grande
benefício nacional que pelas mãos dos negociantes de Lisboa passem outra
vez as fazendas estrangeiras destinadas para o Brasil, e todos os efeitos da
nossa agricultura e indústria, que os estrangeiros demandam. E não é isto
o que Vossa mercê chama com tanta lábia, e com cara de piedade, livrar

N.O.: Libertas quae sera, tamen respexit inertem. Versos de Virgílio, Éclogas, I, 27, cuja
4

primeira parte foi usada como dístico da bandeira dos inconfidentes mineiros.

286
das misérias a Nação Portuguesa de ambos os Hemisférios? Quem o não
conhecer que o compre.
Falai quanto tivestes mais navios? Se isto não é chasco e pulha; é
certamente delírio manifesto, ou pouca vergonha. Mais navios? Quem? Os
Brasileiros? Raro era o negociante do Rio, da Bahia, de Pernambuco, que
tivesse navio seu próprio, que navegasse para a Europa. Bem poucos eram
interessados em um quarto, e quando muito em a metade com os seus sócios
e correspondentes de Lisboa e Porto. O Senhor Lisboeta devia perguntar-
-nos: quando entraram mais navios nos vossos Portos? Quando fazíeis mais
comércio? Eu então lhe responderia apresentando-lhe a presente Nota:
no ano de 1807 entraram no Porto do Rio de Janeiro 777 embarcações
Portuguesas de todos os lotes, e apenas meia dúzia de estrangeiras obrigadas
a vir refrescar-se, e a reparar algumas avarias; ou como era bem notório a
fazer comércio ilegal e de contrabando: Logo que no ano seguinte de 1808
soou pelo Universo o Liberal Diploma de abertura dos nossos Portos e da
franqueza do comércio, além de 765 embarcações nacionais entraram 90
vasos estrangeiros, sendo quase todos Ingleses; no ano de 1809 entraram 822
Portugueses e 83 estrangeiros; no de 1810 entraram 1.214 Portugueses e 422
Estrangeiros: e assim o mesmo número pouco mais ou menos de embarcações
nacionais, e estranhas até 1819, no qual ano entraram 1.292 Portuguesas, 340
Estrangeiras, no de 1820 Portuguesas 1.460, Estrangeiras 346. Ora como estas
embarcações não vieram todas em lastro, e também não saíram em lastro,
que se segue daqui? Vossa mercê o dirá quando lhe passar a paixão, se é que
lha não aumentar ainda mais (*).
Quando ganhastes mais cabedais? Se o Senhor Lisboeta falasse com os
Negociantes de Portugal não duvidaria conceder-lhe, que foi nesse período
do sistema colonial: mas como fala com os Brasileiros, digo que somente no
calamitoso tempo da Guerra da Revolução Francesa, é que os nossos efeitos
subiram a grande preço; por se achar toda a Europa em armas, e unicamente
Portugal gozar de uma precária neutralidade, que bem caro lhe custou, e
a nós: porém apesar disto quase todo o nosso ouro correu para lá, e bem
pouco cá ficou; deste modo Lisboa, e Porto podia[m] contar muitas casas de
comércio milionárias, quando no Brasil apenas haveriam duas ou três nos seus
principais Empórios. Agora é que ganhamos certamente mais cabedais; pois
compramos por 4, o que em outro tempo se vendia por 8 ou 10. Vendemos os
nossos efeitos a quem por eles mais dá, e a nossa agricultura tem prosperado
tanto que só o artigo café dá milhões ao Rio de Janeiro.

*
Vejam-se as Gazetas do Rio de Janeiro relativamente a cada ano.

287
Falai povo, quando expirou a vossa felicidade? Respondei quando se
abriram os vossos Portos às Nações Estrangeiras. Senhor Lisboeta, não seja
tão espertinho, e atrevido demais para meter a ensinar o Povo do Brasil o que
devemos responder: olhe que estamos mais adiantados do que Vossa mercê
pensa. A nossa felicidade não expirou com a abertura dos nossos Portos;
o que expirou foi o sistema colonial causa da nossa desgraça, expirou com
ele o monopólio, expiraram as restrições comerciais, expirou o egoísmo
avarento e usurário, expirou o tráfico ilegal e clandestino, expirou finalmente
o nosso cativeiro.
Pois bem volte isto ao antigo estado. Que blasfêmia política! Que
diabólico conselho! Que infernal proposta! O Brasil tornar a ser colônia,
fechar os seus Portos, perder a franqueza do comércio, repelir os estrangeiros,
despojar-se dos seus direitos, da sua representação e dignidade, do Reino que
é, reconhecido pelas Potências, tornar a ser colônia, feitoria, e conquista?
Heu pietas! Heu prisca fides!5 Senhor Lisboeta faça-me o favor de responder
a este quesito: quando Sua Majestade, que Deus guarde, felicitou o Brasil
por 13 anos com a sua Real Presença, Portugal perdeu a dignidade de Reino,
fechou os seus Portos aos Estrangeiros, aboliu o seu erário, as suas secretarias,
e os seus tribunais superiores, desligou as suas Províncias do Governo da
Capital, despojou-se dos seus privilégios, das suas regalias, dos seus direi-
tos? Se nada disto aconteceu, nem podia acontecer, como pretende Vossa
mercê que o Brasil gratuitamente sacrifique a sua dignidade e representação,
a sua honra, e a sua felicidade aos caprichos do egoísmo, da avareza, da
rivalidade, e da tirania do comércio de Lisboa? Se aqui não anda excesso de
ponche ou de filipina, anda certamente grande conspiração, grande aleivosia,
e a mais revoltante injustiça. Sim, Senhor Lisboeta, onde está a igualdade
de direitos entre os dois Reinos Unidos, se o do Brasil voltar, segundo nos
propõe, ao antigo estado? Um Reino colônia é absurdo, é quimera, é nada.
Abula-se o Tratado do comércio com Inglaterra para todos os
Portugueses serem felizes de ambos os Hemisférios. Sim Senhor abula
Vossa mercê se tanto pode, o Tratado feito, assinado, e ratificado por dois
Soberanos, antes de expirar o tempo da sua duração; contanto que tome
sobre si a responsabilidade da infração da fé pública, e as consequências do
ressentimento dos Ingleses. Olhe que estes amigos não são para graças; por
muito menos eles têm posto os Espanhóis em grandes apertos e aflições de
morte. Meu rico, de paroleiros, e riscadores de dedo, está o Mundo cheio.
Oh tempora!6

5
Ai, piedade! Ai, antiga honra!
6
Oh, tempos!

288
É bastante este passo: o ponto é querermos. Hoc opus; hic labor est.7
Entende Senhor Lisboeta? Quer dizer: aqui torce a porca o rabo. Que Vossa
mercê queira isto e muito mais ainda do que acaba de dizer-nos, e que tenha
por lá bastante séquito de aprovadores, eu o creio, e todo o Brasil o crê: mas
que se persuada de que os Brasileiros sejam tão estúpidos e condescendentes,
tão destituídos de patriotismo, de brio, e de honra que a voz de um quidam8
incline obediente o pescoço ao novo jugo, que lhe prepara, é insulto, é
desaforo, é… Faltam-me expressões, que caracterizem tão grande atentado.
Em Conclusão. Os Brasileiros não querem, e se tem razão, ou não, ouça
o Grande Padre Antonio Vieira Carta CXXXV, escrita da Bahia a 8 de Julho
de 1692 ao Conde de Castello Melhor.
Passando da terra quanto mais alta mais estéril, aos que aram o mar.
Já é pequeno aquele dano dos lavradores do Brasil em que lhe sobejarem
os frutos por falta de quem os navegue, como Vossa Excelência pondera.
Fecharam-se este ano os mercadores em não querer comprar, e os Mestres
de Navios em não querer carregar, para levarem de graça o que se não pode
cultivar sem tão custosos instrumentos como os das fábricas de Engenhos; e
havendo leis e forças para os outros ladrões, e homicidas, só para estes que
roubam e matam um Estado tão benemérito, não há castigo. Ao princípio
as frotas eram companhias de negociantes, que vinham comerciar, depois
foram Armadas de Piratas que vêm a saquear e destruir; e porque acharam
mais conta em levar o dinheiro que não paga fretes nem direitos. Com esta
contínua extração está acabada e exausta de todo a moeda, e se pede a Sua
Majestade o único, e último remédio de o haver Provincial no Brasil, etc.
A fim de que o nosso compassivo Lisboeta, ou outro qualquer da sua
facção, aprenda a tratar o Brasil com mais contemplação e respeito, e se
abstenha de tornar a propor-nos o detestável sistema colonial, lhe farei ver,
e conhecer primeiro que o Brasil é de Direito um Reino sendo elevado a esta
graduação pela legítima autoridade do Senhor Dom João VI então Príncipe
Regente. Segundo, que os Povos do Brasil aceitaram, agradeceram, tão
honrosa e magnífica Mercê, e que a solenizaram com as maiores demonstra-
ções de prazer, satisfação, e gratidão. Terceiro, que as Potências soberanas
da Europa reconheceram, e sancionaram o novo Título de Reino do Brasil,
louvando igualmente tão generosa e esplêndida Determinação Real como
um rasgo da mais iluminada Política.

7
Está é a tarefa, este é o labor. N.T.: Virgílio, Eneida, 6:129.
8
Um qualquer.

289
Primeiro: o Brasil é um Reino não só de Fato mas também de Direito.
Logo que o Senhor Dom João VI então Príncipe Regente felicitou com
a sua Augusta Presença a Grande Terra do Brasil este vastíssimo, fertilís-
simo, e riquíssimo continente deixou de fato de ser colônia de Portugal; por
cujo motivo Sua Alteza Real ainda bem não tinha chegado ao termo da sua
jornada quando na Cidade da Bahia, a que havia aportado, se apressou a
quebrar as cadeias, que por tantos anos prendiam a liberdade, o Comércio,
e a indústria dos Brasileiros, Mandando pela Carta Régia de 29 de Janeiro
de 1808 abrir os Portos do Brasil às Nações Estrangeiras Aliadas e Amigas
da Coroa Portuguesa, e Permitindo uma absoluta franqueza e liberdade de
comércio; porém na Cidade do Rio de Janeiro, onde chegou a 7 de Março,
e nela fixou a sua Corte, é que deu toda extensão ao liberal sistema político
de emancipação do Brasil não somente pela criação dos estabelecimentos
indispensáveis ao decoro e majestade do Trono, mas também dos que eram
necessários e úteis ao bem e prosperidade dos Povos do Brasil. Portanto além
dos arranjos da Sua Real Casa, e Capela, passou o Augusto Príncipe Regente
a estabelecer na sua nova Corte as Secretarias de Estado para o expediente
dos negócios assim e do mesmo modo como havia em Lisboa, igualmente
criou os Tribunais superiores, como a Mesa do Desembargo do Paço, a da
Consciência e Ordens, o Conselho da Fazenda, o Supremo Conselho Militar,
a Junta do Comércio, a Casa da Suplicação do Brasil, e outros vários estabe-
lecimentos próprios de um Reino, e que até esse tempo eram desconhecidos
em um país colonial, tais [for]am entre outros o Erário Régio, o Banco do
Brasil, as duas Academias Militar e da Marinha, a Escola Médico Cirúrgica,
a Tipografia etc. etc. Desde então vimos publicarem-se muitos, e mui sábias
Leis análogas ao liberal sistema do novo Governo para o fim de animar a
agricultura, e a mineração, excitar a indústria fabril e manufatureira, promo-
ver o comércio interno e externo, aumentar a população, favorecer as artes,
e as ciências, em uma palavra para regenerar este país, e dar-lhe nova forma
no seu físico, e um novo caráter no seu moral. É desta sorte que o espírito
de Nacionalidade e de Patriotismo começou a avivar os Brasileiros, que já
se consideravam filhos e não enteados, e a justa e bem fundada expectativa
de uma futura, e continuada prosperidade do seu país, regido pessoalmente
pelo Augusto Príncipe Regente trazia a todos muitos satisfeitos e contentes;
mas esta satisfação e contentamento, apesar de ser grande, não era de todo
completa.
O Brasil reconhecia-se devedor ao seu Augusto Príncipe Regente de
muitos e mui grandes benefícios, mas ainda não se via honrado como exigia
a magnitude do seu território, quase sem limites de espaço e de riqueza;

290
ele se considerava ainda como fora de seu nível sem representação alguma
honorífica e preeminente, sem denominação fixa e legal; pois umas vezes era
caracterizado nos Reais Diplomas por Principado, outras vezes por Estados,
e não raras por Domínios: enfim o Brasil via com desprazer e indignação
conservar-se ainda impresso com caracteres indeléveis sobre o ouro e a prata
o ferrete da ignomínia: Portugaliae Regens et Brasiliae Dominus,9 quando de
fato já não era colônia, e tinha todo o direito pra ser um Reino. Não desco-
nhecia Sua Alteza Real esta anomalia política, mas por motivos ponderosos
era necessário esperar oportuna ocasião para tudo se fazer com as solenidades
legais. Chegou finalmente esta em 1815 em que se fez a paz geral entre as
Potências beligerantes da Europa: então o Nosso Augusto Príncipe Regente
usando do legítimo, e incontestável poder inerente à soberania, que exercia
como Regente da Monarquia Portuguesa, sem ser pedido, nem rogado, por
espontânea deliberação sua, e munificência Real, para fazer mais alegre,
pomposa, e eternamente memorável nos Fastos do Brasil o dia 17 de Dezembro
Natálico de Sua Augusta Mãe a Senhora Dona Maria Primeira Rainha de
Portugal, Mandou publicar a seguinte.

CARTA DE LEI
DOM João por graça de Deus Príncipe Regente de Portugal, etc. Faço saber
aos que a presente Carta de Lei virem, que Tendo constantemente em Meu
Real Ânimo os mais vivos desejos de fazer prosperar os Estados, que a
Providência Divina confiou ao Meu Soberano Regime: e Dando ao mesmo
tempo a importância devida à vastidão, e localidade dos Meus Domínios da
América, à cópia e variedade dos preciosos elementos de riqueza, que eles
em si contém: e outrossim Reconhecendo quanto seja vantajosa aos Meus
fiéis vassalos em geral uma perfeita união, e identidade entre os Meus Reinos
de Portugal, e dos Algarves, e os Meus Domínios do Brasil, erigindo estes
àquela graduação e categoria política, que pelos sobreditos predicados lhes
deve competir; e na qual os ditos Meus Domínios já foram considerados
pelos Plenipotenciários das Potências, que formam o Congresso de Viena,
assim no Tratado de Aliança concluído aos 8 de Abril do corrente ano, como
no Tratado final do mesmo Congresso: Sou portanto Servido, e Me Praz
ordenar o seguinte.
Primeiro: Que desde a publicação desta Carta de Lei o Estado do Brasil
seja elevado à dignidade, preeminência, e denominação de = Reino do Brasil =

Regente de Portugal e Senhor do Brasil.


9

291
Segundo: Que os Meus Reinos de Portugal Algarves e Brasil formem
de ora em diante um só e único Reino Unido de Portugal, e do Brasil, e dos
Algarves. =
Terceiro: Que aos Títulos inerentes à Coroa Portuguesa, e de que até
agora Hei feito uso, se substitua em todos os Diplomas, Cartas de Lei,
Alvarás, Provisões, e Atos públicos o novo Título de = Príncipe Regente de
Reino Unido de Portugal, e do Brasil, e Algarves d’aquém e d’além Mar em
África, de Guiné, e da Conquista, Navegação, e Comércio da Etiópia, Arábia,
Pérsia, e da Índia, etc. =
E esta se cumprirá como nela se contém. Pelo que Mando a uma e
outra Mesa do Desembargo do Paço, e da Consciência e Ordens: Presidente
do Meu Real Erário: Regedores das Casas da Suplicação; Conselhos da
Minha Real Fazenda, e mais Tribunais do Reino Unido; Governadores das
Relações do Porto, Bahia, e Maranhão; Governadores e Capitães Generais,
e mais Governadores do Brasil, e dos Meus Domínios Ultramarinos; e todos
os Ministros de Justiça e mais Pessoas a quem pertencer o conhecimento, e
execução desta Carta de Lei, que a cumpram e guardem, e façam inteiramente
cumprir e guardar como nela se contém, não obstante quaisquer Leis, Alvarás,
Regimentos, Decretos, ou Ordens em contrário; por que todos e todas Hei
por derrogadas para esse efeito somente como se delas Fizesse expressa e
individual menção, ficando aliás sempre em seu vigor. E ao Doutor Thomaz
Antonio de Villa nova Portugal do Meu Conselho, Desembargador do Paço,
e Chanceler Mor do Brasil Mando que a faça publicar na Chancelaria, e
que dela se remetam cópias a todos os Tribunais, cabeças de comarcas, e
Vilas deste Reino do Brasil: publicando-se igualmente na Chancelaria Mor
do Reino de Portugal; remetendo-se também as referidas cópias às Estações
competentes, registrando-se em todos os lugares onde se costumam registrar
semelhantes cartas, e guardando-se o Original no Real Arquivo, onde se
guardam as Minhas Leis, Alvarás, Regimentos, Cartas, e Ordens deste Reino
do Brasil. Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos 16 de Dezembro de 1815.

O PRÍNCIPE Com Guarda

Marquês de Aguiar.

Segundo: Os Povos do Brasil aceitaram, agradeceram, e solenizaram a


elevação do seu País à dignidade de Reino.
Logo que se publicou nesta Cidade do Rio de Janeiro, Capital da América
Portuguesa o Beneficente e Esplêndido Diploma acima transcrito; pelo qual

292
o Brasil passava a ser de Direito um Reino. Os seus moradores se encheram
do mais completo prazer, e satisfação bem manifestada pelos mútuos para-
béns que uns aos outros se davam, e pela espontânea e geral iluminação da
noite do faustíssimo dia 17 de Dezembro, e das duas seguintes, O Senado da
Câmara, que representa o Povo da Cidade, como tinha a honra de se achar
tão perto da Augusta Pessoa da Sua Alteza Real, foi o primeiro em ir beijar
a Régia Mão do seu Príncipe Regente, e agradecer tanta e tão assinalada
Mercê. Assim no dia 28 do mesmo Mês de Dezembro o Presidente do Senado,
Vereadores, e Procuradores, acompanhados de muitos Cidadãos, formando
todos o Corpo da Cidade, se apresentaram em solene Audiência ante o Real
Trono, e o Presidente dirigiu a Sua Alteza a fala, que se segue.
Senhor, a iluminada política, e espontânea deliberação com que a Vossa
Alteza Real Houve por bem elevar este Estado do Brasil à preeminência de
Reino, Unindo-o debaixo de um só Título ao de Portugal e Algarves, é o fausto
motivo, que hoje conduz aos pés Vossa Alteza Real O senado da Câmara e
alguns Cidadãos desta Capital a fim de renderem as devidas graças a Vossa
Alteza Real tanto por si, como em nome de todos os seus habitantes, o Brasil,
Augustíssimo Senhor, merecia aquela preeminência pela sua vastidão, ferti-
lidade, e riqueza: a Mente Esclarecida de Vossa Alteza Real o reconheceu: a
Paternal, e Augusta Mão de Vossa Alteza Real firmou o liberalíssimo Diploma,
a Carta de Lei de 16 de Dezembro corrente. Que inauferíveis direitos a nossa
eterna gratidão! Que título à imortalidade! A Providência tinha reservado
para Vossa Alteza Real esta Glória. O Ato desta união será o objeto de uma
brilhante página na História da gloriosa Regência de Vossa Alteza Real por
isso que abrange a prosperidade geral das partes Constituintes da Monarquia
Portuguesa. Depois do imediato impulso com que os moradores desta Cidade
patentearam o seu júbilo, toca ao Senado da Câmara, como órgão dos seus
votos ir com eles invocar a Clemência do Todo-Poderoso para que nos
conceba a conservação da preciosa vida de Vossa Alteza Real, e da Sua Real
Família. Os dia 7 de Março e 16 de Dezembro rivais em celebridade vão a
ser consagrados igualmente nos Anais do Brasil. Comemorados na série dos
anos por vir, renovarão as demonstrações de gratidão, que constantemente
se deverá ao Dispensador de tão importantes Benefícios. Por adição a eles
Suplica de novo a Vossa Alteza Real este Senado queira anuir benignamente
à sua humilde oferta de erigir um Monumento, que patenteie à Prosperidade
o seu reconhecimento, e perpetue a Memória de um Príncipe Magnânimo,
Munificente, e Justo. [A] este discurso Sua Alteza Real Foi servido respon-
der: “Podeis assegurar aos habitantes desta Capital que Prezo as expressões
de gratidão e amor, que em seu nome Me tendes repetido. A prosperidade
dos meus vassalos é o monumento, que mais Ambiciono; porém Anuindo

293
aos vossos desejos, Permito aquele, que Me quereis erigir.” Então o Senado
e os Cidadãos penetrados da mais viva gratidão beijaram a Augusta Mão
do Príncipe Regente; e retirando-se para a Casa do Conselho tomaram o
Acórdão Seguinte:
“Aos 28 dias do Mês de Dezembro de 1815 nesta Corte do Reino do
Brasil, e nos Paços do Senado da Câmara se ajuntaram o Desembargador
Presidente, Vereadores, Procurador, e Cidadãos abaixo assinados, vindos
de beijar a Mão de Vossa Alteza Real pela graça de haver elevado os seus
Domínios da América à graduação e Categoria de Reino, e acordaram, que
se fizessem demonstrações públicas de alegria com Ação de graças na Igreja,
com fogo de artifício, e três dias de iluminação. Mais acordaram, que para
eterna memória se fizesse um Aniversário com Ação de graças, e três dias de
luminárias a 16, 17 e 18 de Dezembro; e que para os moradores desta Cidade
ficarem cientes se poriam os editais do estilo. Eu Antonio Martins Pinto de
Britto Escrivão do Senado da Câmara o escrevi. Assinados. – Desembargador
Presidente Luiz Joaquim Duque Estrada Furtado de Mendonça. – Vereadores
o Coronel Antonio de Pinna. – O Comendador Manoel Ignacio de Andrade
Souto Maior. – O Comendador José Pereira Guimarães. – Procurador o
Capitão Carlos José Moreira. O Escrivão Antonio Martins Pinto de Britto.
Cidadãos o Comendador Amaro Velho da Silva. – O Comendador Luiz
de Souza Dias, o Comendador Joaquim José de Siqueira. O Comendador
José Marcelino Gonsalves. O Comendador Francisco de Souza e Oliveira.
O Tenente Coronel Luiz José Vianna Grugel [Gurgel?] do Amaral Rocha.
O Tenente Coronel João Pedro Carvalho de Moraes, O Tenente Coronel
Manoel José da Costa. O Capitão Mor Leandro José Marques Franco de
Carvalho, José Luiz Álvares. Miguel Alves Dias Villela. José Antonio de
Oliveira Guimarães. Domingos José Ferreira Braga. Miguel Ferreira Gomes.
José Pereira da Silva Manoel. Manoel Ferreira de Araújo. José Dias de Paiva.
Doutor Marianno José Pereira da Fonceca. Bernardo Gomes Souto. Manoel
Gomes de Oliveira Couto.
Em cumprimento de parte deste Acórdão determinou o Senado da
Câmara por Editais, que se afixarão nos lugares públicos com aparatosa
cerimônia de um Bando muito numeroso e luzido, que assaz demonstrava a
importância do seu objeto, que nas noites dos dias 20, 21 e 22 de Janeiro do
ano de 1816 se iluminasse a Cidade e os seus subúrbios em demonstração
da pública alegria pela Elevação do Brasil a Reino, e que depois da grande
Festividade, que se havia de fazer na Igreja de São Francisco de Paula no
dia 21, dar-se-ia na noite do seguinte dia o espetáculo de um magnífico fogo
artificial no Terreiro do Paço. O que tudo se executou com todas as demons-
trações do mais completo prazer, e da mais viva gratidão dos moradores

294
desta Capital (como todos bem lembrados estamos) sobressaindo como por
encanto o amor e a gratidão com que o Povo do Rio de Janeiro recebeu o
Seu Augusto Príncipe Regente na sua passagem desde o Real Palácio até a
Igreja de São Francisco de Paula. As repetidas girândolas de fogos, os vivas,
sobrevivas, o ornato das portas e janelas, o chuveiro de flores que delas
caiam sobre os coches Reais, a imensa multidão, que ocupava o largo do
Paço, parte da Rua Direita e toda a Rua do Ouvidor, e largo da Igreja, assaz
indicavam o apreço, que o Brasil fazia da sua nova dignidade de Reino, e o
quanto era agradecido ao Magnânimo Doador de tão esplêndida Mercê, e
de Honra tão relevante, primeira, e singular em o Novo Mundo.
Por tão justo motivo o respeitável Corpo do Comércio desta capital
pretendia ofertar a Sua Alteza Real aparatosas festas e divertimentos públicos;
porém em lugar delas concebeu resolução mais acertada, de maior utilidade à
Pátria, e mais do Agrado de Sua Alteza Real assim havendo o mesmo Corpo
do Comércio escolhido alguns dos mais notáveis Negociantes, estes por si e em
nome de toda a corporação comercial se apresentaram ante o Real Trono no
dia 26 de Janeiro, e depois de beijarem a Mão do Augusto Príncipe Regente
agradeceram a honra da elevação do Brasil à dignidade de Reino, e ofertaram
a Sua Alteza Real uma Subscrição voluntária para se formar um capital, cujo
rendimento anual fosse empregado a bem da educação pública. Sua Alteza
Real Dignou-se de aceitar esta graciosa oferta, e para sua efetividade Mandou
expedir o seguinte Aviso.
O Príncipe Regente Meu Senhor Dignando-se benignamente aceitar a
generosa oferta, que em testemunho de gratidão pela elevação deste Estado
do Brasil à preeminência de Reino lhe tem feito os Negociantes desta Praça,
de formarem um capital, cujo rendimento seja perpetuamente aplicado para
Estabelecimentos que promovam a instrução pública: É servido Ordenar a
Vossa Senhoria (por ter sido na sua Augusta Presença o órgão da referida
oferta). Primeiro. Que no seu Real Nome agradeça aos sobreditos Negociantes
este memorável rasgo de generosidade expressando-lhes o quanto o seu
ânimo foi penhorado por tão liberal demonstração tanto do seu exemplar
patriotismo, como do afeto, e lealdade, de que eles têm constantemente dado
provas para com a sua Augusta Pessoa. Segundo. Que lhes participe que Sua
Alteza Real tem determinado, que os novos Estabelecimentos sejam erigidos
nesta Corte, a fim de que os descendentes dos autores, e voluntários contri-
buintes para a formação de um benefício tão vantajoso, e perene, hajam de
preferivelmente utilizar-se dele. Terceiro. Que o mesmo Senhor Mandará
unir às Cadeiras, das Ciências que presentemente existem nesta Corte,
aquelas, que de mais se houveram criar, em ordem a completar um Instituto
Acadêmico, que compreenda não só o ensino das Ciências, mas ao mesmo

295
tempo o das Belas-Artes, e o da sua aplicação à indústria, o que contribui de
fato para a civilização e prosperidade das Nações. Quarto. Que Sua Alteza
Real Incumbe aos próprios Subscritores a escolha de algum ou alguns dentre
si para na conformidade da oferta receberem, e irem sucessivamente empre-
gando em Ações do Banco do Brasil os pagamentos parciais da Subscrição
oferecida; devendo afinal subir a esta Secretaria de Estado dos Negócios do
Brasil para ser guardada no seu Arquivo uma relação dos Subscritores, e
dos seus respectivos donativos. Quinto. Que mandará expedir ordem aos
Diretores do Banco do Brasil para que formem uma relação dos nomes dos
contribuintes, das quantias por que tenham subscrito, e do especial objeto,
para que são consignadas; e outro sim para que nele continue sempre aberta
a mesma subscrição a fim de não privar a outras muitas pessoas, igualmente
animadas de tão honrosos sentimentos, da satisfação de contribuírem também
para um estabelecimento de tão manifesta e geral utilidade o que participo
a Vossa Senhoria para fazer constar aos mais Negociantes: – Deus guarde a
Vossa Senhoria – Paço em 5 de Março 1816 = Marquês de Aguiar. = Senhor
Fernando Carneiro Leão”.
Eu seria certamente difuso em demasia se me fosse possível referir as
demonstrações de alegria e de gratidão, que as mais Províncias do Reino
do Brasil deram por tão plausível motivo: concentrar-me-ei com dizer, que
em toda parte a exultação dos Povos foi geral, e pouco mais ou menos se
patenteou e desenvolveu da mesma sorte como a desta Corte em vivas,
aplausos, iluminações, salvas, fogos artificiais, e solenes Ações de graças: e
que de todas as Províncias vieram Deputados enviados pelas Câmaras das
Capitais a beijar a Augusta Mão de Sua Alteza Real e agradecer a honra
de ter elevado o seu País à graduação de Reino. Para memória da gratidão
e satisfação dos Brasileiros passarei a transcrever os ofícios das Câmaras
da Bahia, de Mariana, de São Paulo, e juntamente a Carta do Governo de
Pernambuco, pois que estes são suficientes para mostrar qual foi o espírito
público dos Brasileiros em aceitar, agradecer, e solenizar tão grande Mercê.
Ofício da Câmara da Cidade da Bahia. = Senhor, na gloriosa rege-
neração, que Vossa Alteza Real pelo beneficentíssimo Diploma de 16 de
Dezembro de 1815 houve por bem fazer do Brasil, a Bahia, Senhor, muito
particularmente por suas felizes circunstâncias reconhece os preciosos frutos,
e incomparáveis vantagens, que Vossa Alteza Real com a sua Paternal Mão
tão benignamente lhe reparte. Por isso o Senado da Câmara desta Cidade da
Bahia, assim que recebeu tão feliz notícia, imediatamente correu ao Templo,
e deu graças ao Altíssimo na solene função, que para esse fim com toda a
pompa e magnificência possível fez celebrar. E para levar aos pés do Trono de
Vossa Alteza Real os puros votos do mais ETERNO RECONHECIMENTO

296
por uma tão singular graça, o Senado da Câmara nomeou logo dois dos seus
atuais Vereadores Manoel José de Araujo Borges, e Pedro Bettamio, os quais
Deputados em nome do Senado, e do Povo da Bahia possam ter a fortuna de
beijar a Paternal Sagrada Mão pela devida felicidade, e tão alta preeminência
a que Vossa Alteza Real Se Dignou a elevar este seus vastos Domínios da
América com tão assinalado Diploma. Rogamos pois aos Céus, que tão libe-
ralíssimo Príncipe nos deram, o imortalizem, e nos concedam a conservação
da preciosa vida de Vossa Alteza Real e de toda a Real Família por longos
Séculos. Bahia em Câmara aos 15 de Março de 1816. E EU Manoel Ezequiel
de Almeida a escrevi no impedimento do Escrivão do Senado. = Presidente
Antonio Jordão. = Vereadores Manoel José de Araujo Borges, Manoel José
Freire de Carvalho, Pedro Bettamio, Procurador Thomé Afonso de Moura. –
Este ofício foi entregue em Audiência, que Sua Majestade foi servido dar
aos referidos Deputados aos 9 de Abril, sendo já Rei do Reino Unido pelo
falecimento da Rainha Sua Augusta Mãe a Senhora Dona Maria Primeira
aos 20 de Março. Nesta Audiência depois de beijarem os Deputados a Real
Mão de Sua Majestade assim se expressou o Primeiro Vereador. Senhor
o Senado da Câmara da Bahia por si e em nome dos Habitantes daquela
Cidade nos envia aos Augustos pés de Vossa Majestade para que penetrados
do maior acatamento, e da mais viva gratidão, tenha a honra de beijar a
munificente Mão, que elevou o Brasil à preeminência de Reino: O Sublime
Trono Vossa Majestade está solidamente firmado nos corações agradecidos
daqueles fiéis Vassalos: e eles pedem ao Céu que conserve esta preciosa vida
de Vossa Majestade enquanto durar o seu profundo reconhecimento (que será
ETERNO) por tão altas e generosas Mercês. Permita-nos Vossa Majestade
que ponhamos [a]os Régios pés o Ofício do Senado. Então Sua Majestade
com benignidade lhes tornou. “Aceito e aprecio muito as demonstrações de
agradecimento de tão fiéis Vassalos”.
Fala que um dos Deputados da Cidade de São Paulo fez na Augusta
Presença d’El Rei. = Senhor, Enviados pela Câmara da Cidade São Paulo nós
temos a honra de fazer-nos presentes à Soberana Pessoa de Vossa Majestade
os sentimentos de amor e reconhecimento, de que se acham penetrados os
habitantes daquela Cidade pela deliberação, que Vossa Majestade acaba de
tomar elevando à graduação e preeminência de Reino este Estado do Brasil.
A Carta de Lei de 1815 constitui uma das épocas mais gloriosas da felicíssima
Regência de Vossa Majestade. Testemunhas oculares nós ousamos afirmar
a Vossa Majestade que os habitantes da Cidade de São Paulo têm unanime-
mente reconhecido a importância do benefício, que acabam de receber, e fiéis
imitadores dos seus antepassados, que serviram aos Augustos Predecessores
de Vossa Majestade com valor de lealdade em ocasiões mui assinaladas na

297
História do Brasil, eles empregarão todas as suas forças para se mostrarem
sempre os mesmos fiéis Vassalos de Vossa Majestade e assim se farão dignos
da honra e preeminência, a que vem de ser elevada a sua Pátria. Sua Majestade
Respondeu, benignamente! Fazei ver aos Povos de São Paulo, que lhes agra-
deço muito, e reconheço a sua lealdade, e o muito bem que Me servem.
Ofício da Câmara de São Paulo, que os Deputados entregaram a Sua
Majestade = Senhor, a Câmara da Cidade de São Paulo em seu nome, e como
Representante dos habitantes da mesma Cidade, ousa dirigir a Vossa Alteza
Real pelo meio, que lhe é possível as mais firmes protestações de respeito, de
amor, e de reconhecimento motivados não só pelos inumeráveis benefícios,
que Vossa Alteza Real tem derramado sobre esta venturosa Capitania, mas
muito especialmente por aquele com que acaba de rematar a glória e a ventura
deste Estado do Brasil elevando-o à dignidade e Categoria de Reino Unido
ao de Portugal e Algarves. A Carta de Lei de 16 de Dezembro de 1815 que
constitui o Ato desta memorável União fará uma das épocas mais brilhantes
nos Fastos do Brasil, assim como é um Monumento eterno da grandeza, e
da glória que acompanham as ações todas de Vossa Alteza Real. Quando
pois a voz geral do Povo do Brasil tem feito soar as mais sinceras e afetuosas
expressões do seu reconhecimento não é justo que fiquem em silêncio os habi-
tantes desta Cidade. Gratos à Providência Divina e fiéis aos seus deveres eles
começaram já a manifestar espontaneamente o seu júbilo; porém cumprindo-
-lhes dirigir ao Céu fervorosas súplicas pela conservação da preciosa vida de
Vossa Alteza Real da qual depende essencialmente a felicidade pública esta
Câmara implora de Vossa Alteza Real a graça de poder solenizar o Aniversário
de um tão assinalado benefício com uma festividade celebrada na Catedral
daquela mesma Cidade. Assim se irá transmitindo de geração em geração a
mais remota idade não só a Memória de um Príncipe Justo e Grande, que
tem feito as delícias do seu Povo, como também este testemunho autêntico
da nossa Gratidão. Deus guarde e prospere a Augusta Pessoa de Vossa Alteza
Real por felizes e dilatados anos, como hão mister os seus fiéis Vassalos. São
Paulo em Câmara 21 de Fevereiro de 1816. = João Gomes de Campos. – João
Lopes França. – João Gonçalves de Oliveira. – Antonio Cardozo Nogueira,
Antonio José de Britto.
Fala do Deputado da Câmara da Cidade de Mariana na Real Presença
de Sua Majestade no dia 17 de Abril. – Senhor, como Deputado da Câmara
da Leal Cidade Mariana, e em nome da Nobreza e Povo da mesma Cidade
e seu Termo tenho a honra de pôr na Augusta Presença de Vossa Majestade
os nossos fiéis sentimentos de gratidão e reconhecimento pela especial Mercê
que Vossa Majestade se Dignou fazer aos seus fiéis Vassalos elevando o Brasil
à dignidade de Reino Unido ao de Portugal e Algarves. Mercê esta que será

298
sempre indelével nos nossos corações, e de todos os Brasileiros, não só pelos
grandes be[n]s e prosperidades, que dela nos resultam, mas também por ser ela
um efeito da paternal desvelo, com que Vossa Majestade se Digna a promover
a nossa felicidade. Aceite Vossa Majestade estes ingênuos sentimentos do nosso
amor e gratidão, que em nome de todos humildemente apresento a Vossa
Majestade rogando a Deus que para felicidade nossa e de toda a Nação dilate
o felicíssimo Reinado de Vossa Majestade por muitos e mui longos anos. =
Sua Majestade se Dignou responder: Estou bem persuadido dos sentimentos
de lealdade dos Meus Povos da Cidade de Mariana, que muito aprecio. =
Ofício da Câmara. = Senhor. Aos pés de Vossa Alteza Real prostrados
o Juiz Presidente, Vereadores e Procurador da Câmara da Leal Cidade de
Mariana, cheios do maior respeito e acatamento, eles por si e em nome
da Nobreza e Povo da mesma Cidade e seu Termo depois de tributarem
os mais puros e sinceros votos de obediência, fidelidade e amor à Augusta
Pessoa de Vossa Alteza Real em reconhecimento do Paternal Decreto e da
incomparável beneficência com que Vossa Alteza Real tem feito por tantos
modos prosperar o Estado do Brasil, felicitando-o ultimamente com a sua
elevação à preeminência, e categoria de Reino Unido ao de Portugal e dos
Algarves pela sábia e providente Carta de Lei de 16 de Dezembro do ano
próximo passado, vão submissa e afetuosamente agradecer esta tão grande
Mercê e Beneficência, que já tinham aplaudido penetrados da maior glória e
alegria com os públicos festejos que lhes foram possíveis em demonstrações
do seu júbilo e gratidão. E porque em razão dos seus cargos não podem eles
Juiz, Vereador, e Procurador da Câmara cumprir pessoalmente este dever,
e conseguir a honra de beijar a Augusta e Benéfica Mão de Vossa Alteza
Real como ardentemente desejam deputaram para o fazer em seus nomes
ao Coronel Fernando Luiz Machado de Magalhães da Governança desta
Cidade e apresentar ao mesmo tempo na Presença Augusta de Vossa Alteza
Real todos estes votos do seu reconhecimento, gratidão, e lealdade. O Céu
felicite por longuíssimos anos a preciosa vida de Vossa Alteza Real e de toda
Augusta, e Real Família como havemos mister. Na Leal Cidade Mariana em
Câmara aos 16 de Março de 1816. Vereador que serve de Presidente Miguel
Martins Chaves. Vereador Manoel Ignacio Valadão, – José Joaquim da Silva
Brandão. – Procurador Pedro Vidigal de Barros.
Ofício do Capitão General, e Governador de Pernambuco dirigido ao
Excelentíssimo Secretário de Estado Marquês de Aguiar. – Ilustríssimo e
Excelentíssimo Senhor. No dia 30 de Março chegou a este povo a Sumaca
Estrela pela qual recebi o Aviso Régio que Vossa Excelência me expediu em
29 de Dezembro do ano passado com a Carta Lei de 16 do mesmo mês e ano,
Monumento eterno do amor da Sua Alteza Real para com os seus vassalos

299
do Brasil, e da Sabedoria que preside aos seus conselhos. A iluminação desta
Vila e da Cidade de Olinda, salvas de artilharia, fortalezas, e embarcações
embandeiradas são as demonstrações, que estamos dando do nosso prazer e
contentamento; e no terceiro dia havemos de render a Deus as devidas graças
e pedir que abençoe, e faça indissolúvel a União dos três Reinos, e que eles
sejam longos anos governados por um Soberano tão Sábio e Justo. Os meus
votos como bom Patriota, e como encarregado da felicidade dos habitantes
de Pernambuco, são votos de antigo Português, e os mesmos que faria o
Descobridor do Brasil, se hoje vivesse; mas não podendo ir consagrá-los aos
Reais pés de Sua Alteza, com o mais profundo respeito e acatamento peço a
Vossa Excelência queira beijar por mim, e pelos fiéis Pernambucanos a Real
Mão do Mesmo Augusto Senhor por tão alto Benefício. Deus guarde a Vossa
Excelência muitos anos. – Recife de Pernambuco em 2 de Abril de 1816.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Marquês de Aguiar. Caetano Pinto de
Miranda Monte-Negro.
Terceiro. As Potências Soberanas da Europa reconheceram e Sancionaram
o novo Título de Reino do Brasil, e apreciaram tão generosa e esplêndida
Determinação Real como um rasgo da mais iluminada Política; como mostram
as seguintes Respostas Diplomáticas à participação, que a nossa Corte fez
aos Gabinetes Estrangeiros da mencionada Determinação. Seja a primeira a
de Inglaterra.
O abaixo assinado Principal Secretário de Estado de Sua Majestade
Britânica na Repartição dos Negócios Estrangeiros tem a honra de acusar a
recepção da Nota de Mister Freire de 16 do corrente, transmitindo-lhe por
ordem do seu Governo a cópia de um Despacho, que tinha recebido, e acom-
panhava uma Lei pela qual Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal foi
Servido a criar os seus Domínios do Brasil em Reino, e uni-lo ao de Portugal,
debaixo do título ou denominação de Reino Unido de Portugal, do Brasil, e
dos Algarves. O abaixo assinado pôs esta comunicação na presença de Sua
Alteza Real o Príncipe Regente, e recebeu ordem de Sua Alteza Real para rogar
ao Senhor Cipriano Ribeiro Freire de aproveitar a primeira oportunidade de
levar ao conhecimento do Príncipe Regente de Portugal as congratulações
de Sua Alteza Real sobre este acontecimento, e de repetir as seguranças de
satisfação, que sente Sua Alteza Real em um arranjamento, que parece ao
Príncipe Regente de Portugal calculado a promover a prosperidade e felici-
dade do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. O abaixo assinado roga
ao Senhor Cipriano Ribeiro Freire de aceitar as seguranças da sua distinta
consideração. Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros 20 de Fevereiro
de 1816. – Castlereagh.

300
Sobre este mesmo objeto o mencionado Ministro Plenipotenciário se
expressa de maneira seguinte no seu ofício dirigido ao Excelentíssimo Marquês
de Aguiar. No mesmo dia 16 de Fevereiro em que recebi o Despacho de Vossa
Excelência escrevi a Milorde Castlereagh a Nota oficial participando-lhe esta
Real Resolução: e no dia 20 do dito mês recebi do mesmo Ministro de Estado
a Nota, que tenho a honra de transmitir à Real Presença do Príncipe Regente
Nosso Senhor, devendo segurar a Vossa Excelência que esta grande medida
Política agradou muito ao Príncipe Regente do Reino Unido da Grã-Bretanha
e Irlanda, e ao seu Ministério; que assim me certificou verbalmente Milorde
Castlereagh: que todos os Embaixadores, e Ministros Diplomáticos nesta
Corte comunicaram aos seus respectivos Governos este feliz acontecimento,
que calculam de profunda Política e de futura Grandeza para a Monarquia
Portuguesa: e que Suas Altezas Imperiais os Arquiduques de Áustria João
e Luiz, aqui viajantes, me fizeram também a honra de felicitar ao mesmo
respeito com expressões do maior louvor e sincero interesse. Permita-me Vossa
Excelência que tenha a honra de humilde e reverentemente beijar a clemente
Mão do Príncipe Regente Nosso Senhor pela Régia e Paternal Proteção, com
que estende a sua Real Beneficência a todos os seus vastos Domínios, e fiéis
vassalos, que o adoram como o Melhor e mais Justo dos Soberanos; cuja
preciosa vida Deus nos conserve como lhe oramos, e muito havemos mister.
Deus guarde a Vossa Excelência – Londres 7 de Março de 1816. – Ilustríssimo
e Excelentíssimo Senhor Marquês de Aguiar. – Cipriano Ribeiro Freire.
Resposta do Duque de Richelieu Ministro e Secretario de Estado dos
Negócios Estrangeiros de Sua Majestade Cristianíssima à Nota do Encarregado
dos Negócios de Portugal. = El Rei soube com satisfação da sábia medida,
que tomou o Príncipe Regente de Portugal de Constituir seus Estados em
Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Sua Majestade tem os mais vivos
desejos de que uma resolução tão própria para mais ligar entre si todas as
partes daquela Monarquia haja de surtir todo o seu efeito, e considera este
arbítrio de Sua Alteza Real como um novo testemunho da Previdência, e
judiciosa política do seu Governo, como dando uma mais alta e justa ideia
da importância, e extensão do seu Reino, e como prestando a cada um dos
Estados, que o compõe a garantia do interesse igual, que Sua Alteza Real
toma na prosperidade de todos os seus vassalos. Esta declaração das vistas
e amigáveis disposições de Sua Majestade serve de resposta à Nota, que ao
abaixo assinado Ministro Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros
dirigiu em data de 26 do corrente o Senhor Cavalheiro Britto Encarregado
dos Negócios de Sua Alteza Real o Príncipe Regente do Reino-Unido de
Portugal, Brasil, e Algarves. A quem tem a honra de renovar as asseverações

301
da sua distinta consideração. – Paris 29 de Fevereiro de 1816. – Richelieu. –
Ao Senhor Cavalheiro Britto.
O abaixo assinado Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros de
Sua Majestade Imperial e Real Apostólica não tardou em levar à Augusta
Presença do Imperador seu Amos a Nota, que o Senhor Miranda Encarregado
dos Negócios de Sua Alteza Real o Príncipe Regente do Reino Unido de
Portugal, Brasil, e Algarves, lhe fez a honra de dirigir-lhe a data de 12 do
corrente para lhe comunicar o Edito, pelo qual Sua Alteza Real o Príncipe
Regente Houve por bem elevar o Brasil à dignidade de Reino, declarando
que reunido aos outros seus Domínios, e Estados, constituiria para o futuro
o Reino Unido de Portugal Brasil e Algarves, e que Sua Alteza Real se decidiu
a tomar de agora em diante o correspondente Título de Príncipe Regente do
mesmo Reino Unido. Sua Majestade Imperial e Real Apostólica tendo o mais
sincero interesse na prosperidade e glória da antiga Monarquia Portuguesa
soube com satisfação, que Sua Alteza Real acaba de dar-lhe um novo lustro
com a elevação do Brasil à preeminência de Reino, e Houve por bem ordenar
ao abaixo assinado, que fizesse chegar ao conhecimento de Sua Alteza Real
não somente os seus agradecimentos pela amigável comunicação, que sobre
estes objetos lhe tem feito, como também a segurança dos seus sentimentos
e do particular empenho, que tem de manter as relações de boa amizade
existente entre as duas coroas. O abaixo assinado, preenchendo as ordens do
Imperador seu Augusto Amo, aproveita com prazer esta ocasião para renovar
ao Senhor Miranda os protestos da sua distinta consideração. Verona 27 de
Março de 1816. Metternich. Ao Senhor Cavalheiro Miranda Encarregado
dos Negócios de Portugal na Corte de Viena.
Petersburgo 18/30 de Março de 1816. O abaixo assinado Secretário de
Estado de Sua Majestade o Imperador de todas as Rússias tem a honra de
acusar ao Senhor comendador Saldanha da Gama Enviado Extraordinário e
Ministro Plenipotenciário de Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal
e do Brasil a recepção da Nota, que lhe dirigiu em data de 10/22 do corrente
para anunciar que Sua Alteza Real seu Amo tomava a resolução de erigir
em Reino os seus Estados da América unindo-os em um só, e mesmo corpo
Político debaixo da denominação de Reino Unido de Portugal, Brasil, e
Algarves. O abaixo assinado havendo levado a referida Nota à Augusta
Presença do Imperador tem ordem de participar ao Senhor Comendador
Saldanha da Gama, que Sua Majestade o Imperador apreciando os motivos,
que decidiram a Sua Alteza Real a dita reunião Política dos seus Estados,
folga de reconhecê-la, assim como Sua Alteza Real por Príncipe Regente do
mesmo Reino Unido. Segundo os desejos do Imperador abaixo assinado roga
ao Senhor comendador Saldanha da Gama, que haja de levar ao conhecimento

302
de Sua Alteza Real esta Nota, como um novo testemunho dos sentimentos,
que Sua Majestade o Imperador tem por ele. O abaixo assinado aproveita esta
ocasião para renovar ao Senhor Comendador Saldanha da Gama os protestos
da sua mui distinta consideração. – Nelserode. –
O abaixo assinado recebeu com o mais vivo interesse o ofício do
Senhor Cavalheiro Lobo da Silveira Enviado Extraordinário e Ministro
Plenipotenciário de Sua Alteza Real o Príncipe Regente dos Reinos de Portugal,
Brasil, e Algarves, e não tardou em levar o seu conteúdo ao conhecimento do
seu Soberano Augusto. Os ponderosos motivos, que ocasionaram a reunião
dos três Reinos de Portugal, do Brasil e dos Algarves mereceram como era de
esperar a aprovação de Sua Majestade, que se esperança de que a Monarquia
Portuguesa experimentará bem depressa os saudáveis efeitos desta reunião,
pela qual me encarrega de felicitar ao Senhor Cavalheiro Lobo. El Rei se
interessará igualmente nas medidas, que posteriormente, se tomarem para
consolidar esta reunião, e o sincero afeto, que consagra à Pessoa de Sua Alteza
Real o Príncipe Regente, contribuirá sem dúvida para aumentar o interesse,
que tomou sempre na glória e prosperidade da Sua Regência. Sua Majestade
se desvelará não somente por manter as relações de amizade, e boa harmonia,
que presentemente subsistem entre as duas Coroas; mas ainda por estreitar
cada vez mais, na justa expectação de que Sua Alteza Real animado de iguais
sentimentos se prestará a dar todas as facilidades possíveis ao comércio dos
seus respectivos Vassalos, que não pode deixar de ser reciprocamente vanta-
joso. O abaixo assinado tem a honra de reiterar ao Senhor Cavalheiro Lobo
os protestos da sua alta consideração. Berlim em 30 de Maio de 1816. – O
Príncipe de Hardemberg. – Senhor Cavalheiro Lobo da Silveira.

Fortunati nimium, sua si bona norint [agricolas].!!10

[Luís Gonçalves dos Santos]

10
Quão felizes seriam [os agricultores] se conhecessem suas riquezas! N.T.: Virgílio,
Geórgicas, II.

303
18

RESPOSTA
AO
NOVO MESTRE
PERIODIQUEIRO:
OU
ABJURAÇÃO
DO
SEBASTIANISTA, E DO HERMITÃO:
CONFUNDINDO
O
DOUTOR PERIODIQUEIRO.
______________________________
Nolite judicáre, ut non judicemini
S. Math.1
______________________________

LISBOA:
________________________________________
NA OFFICINA DE J. F. M. DE CAMPOS.
________________________________________
Com licença da Commissão de Censura
1
Não julgueis para não serdes julgados. Mateus, 7:1.

304
ABJURAÇÃO
DO
SEBASTIANISTA,
E DO
ERMITÃO:
CONFUNDINDO O DOUTOR PERIODIQUEIRO
___________________________________

Sebast. MUI grande seria o meu desgosto, bom Arsênio, quando vos nos
encontrasse hoje neste sítio: ignoro a vossa morada, não seria possível no
labirinto de Lisboa o achar quem pudesse instruir-me sobre a maneira de poder
deparar com ela; faltavam-me as indicações necessárias, quando intentasse
procurar-vos, e, ao mesmo tempo, muito séria precisão me obrigava a exigir
de vós uma conferência para tranquilizar o meu espírito.
Lembrado estareis do que ontem se passou neste mesmo lugar, quando
em Companhia de Silvestre Doutor em ambos os direitos pela Universidade
de Salamanca, intentaste mitigar minha saudade, suavizar a minha pena,
e consolar minha aflição. Nesse momento, alucinado de dor, e julgando a
sinceridade dos outros pela minha singeleza, não atendi à gravidade da maté-
ria, sobre que versou o nosso diálogo, nem podia estar prevenido contra o
aleivoso afago com que o tal Doutor se propunha a zombar de mim, insidiar
minha franqueza, envenenar o meu espírito, e tornar-me cúmplice de seu
embusteiro maquiavelismo. Serviu-se do tom de ironia o traidor, para, em ar
de gracejo, me fazer triste vítima de seus criminosos sofismas, e vomitar, com
aparências de conselho amigáveis, os mais sediciosos paradoxos, os princípios
mais incendiários: intentando, talvez, criminosamente preparar em mim um
instrumento faccioso, que propagasse a venenosa doutrina que ardilosamente
pretendia imbuir-me, e conseguir afinal que eu fosse um dos seus estúpidos
sectários contra a sagrada Regeneração da minha Pátria.
Ermit. Encontraram-se nossos desejos: eu também ansioso buscava o
poder avistar-vos, para tranquilizar minha consciência, e poder informar-vos
com exatidão do artifício escandaloso do tal Doutor, e do fim a que se dirigem
suas vistas criminosas, e seu comportamento embusteiro, atroz, e rebelde.
Sebast. Ah! também descobriste o veneno! Então perdoa meu amigo:
confesso-te que cheguei a desconfiar que fosses também, como ele, outro
embusteiro. Enganei-me: peço-te que me perdoes… Porém rogo-te que te

305
abstenhas de semelhantes companhias, pois do contrário sereis envolvido
em seu descrédito.
Ermit. Não é meu costume acompanhá-lo: ontem o vi pela primeira vez
aqui mesmo neste sítio: foi ele quem se intrometeu a falar-me, e eu apenas
posso ter culpa em ser condescendente em escutá-lo. Pareceu-me à primeira um
homem de propósito: um sujeito, que se despedia dele quando eu chegava, lhe
chamou Padre Mestre, e lhe pediu afinal que mandasse imprimir um grande
Sermão, que pregou, em Janeiro deste ano, na Freguesia de Benfica: “Chefe
de obra (dizia ele) em que o Panegírico, sendo destinado a Nossa Senhora
das Virtudes, somente se dirigiu a outra Senhora, que (ainda concedendo que
as tenha) reside neste vale de lágrimas, come, bebe, e passeia neste mundo
sujeita por agora, a viver como pecadora, e que não está canonizada.” Eu
que ouvi um tão esfarrapado cumprimento, vi um homem com aparências de
Religioso, e, como quem mal não usa mal não cuida, olhei-o com respeito,
tratei-o com afabilidade, e me demorei (como presenciaste) a falar com ele
até que todos três nos separamos.
Sebast. Se eu tivesse ouvido a tal conversa do Sermão, assim como escu-
taste, dou-vos a certeza de que ele me acharia logo de pé atravessado, quando
a mim se dirigisse! Essas misturas de profano com o sagrado na Cadeira da
Verdade me dariam logo a conhecer, a rês com que tratava.

“E sabe, com hábil mão,


Unir em profunda paz
Babilônia com Sião.”

Não o saber eu!… Mas não observas ao longe uma coisa branca com sua
mistura de preto?
Erm. Vejo sim: parece-me um Cavalo Branco, e trará talvez arreios
pretos. O que quer que é mexe-se, e vem cá para este sítio… a mim parece-me
que tem Sela, e tem Freio… é Cavalo, é: agora que já vem mais perto, bem
se conhece que é Cavalo.
Sebast. Sabes que mais… Ora deixa-me afirmar. Espera homem: não é
o Cavalo, que tu julgavas, é o Doutor Periodiqueiro.
Erm. Também pouco errei; e dize tu mesmo se ele o não parece assim
em mais distância; enquanto senão distingue que anda só em dois pés? Ora
olha tu para a cabeça…
Sebast. Deixemos agora parecenças, e vamos a preparar-nos para o
combate.
Erm. Ora deixa o pobre diabo: o melhor é não fazer caso dele.

306
Sebast. Que! Não fazer caso dele? Isso era o que ele desejava.
Erm. O homem estava gracejando certamente, não deves tomar a coisa
em tom sério.
Sebast. Parece-me que torno a desconfiar a vosso respeito! Sereis vós
do seu partido?
Erm. Devagar meu amigo! fazes de mim outro conceito! Eu nunca me
associei para maroteiras.
Sebast. Então para que buscas defendê-lo?
Erm. Eu tal não defendo, somente o que dizia, era, que talvez ele grace-
jasse, e que não deves tomar a peito o que ele disse; antes sim tratar com
desprezo as suas loucuras. E acreditarás acaso que ele esteja persuadido das
asneiras que proferiu?
Sebast. Sei bem que não; e que só o disse por excesso de maldade, e
maldade fundada em ambição: sei que buscou na ironia o disfarce das péssimas
intenções que o dominam: sei, que, não tendo forças para sustentar sisuda-
mente os princípios que deseja propagar, recorre a pérfidas maneiras, com que
possa iludir os menos cautos: sei que, mordendo-se de raiva por ver começar
a ordem; e desterrar os abusos que produz o fanatismo, e a impostura, quer
tirar o partido do ar chocarreiro que adotou: sei… Porém ele chega, e eu
me disponho a ir-lhe às ventas com a justiça, com a verdade, e com a razão.
Erm. Vejamos primeiro de que ânimo ele vem; talvez esteja arrependido,
e venha desculpar seus desvarios: Ouçamos.
Dout. Boa tarde, meus bons amigos: muito folgo de vos encontrar:
passastes bem a noite? E tu, meu Rogério, já trabalhaste alguma cousa no
teu Periódico? – Esqueceu-me ontem de te dizer, que primeiro deves arran-
jar um Prospecto inculcador: letra muito grande; tarja bem debuxada, que
prometa muito, ainda que dê pouco; e que a linguagem seja retumbante,
empolada, e decisiva.
Sebast. A este respeito temos bastante em que falar, Senhor Doutor, e
muito estimo que nos desse o gosto da sua Companhia.
Dout. Por quê? Escorregou-te da memória a lição que te expliquei? Não
te dê isso cuidado: eu tomei a prevenção de reduzir a escrito o que ontem
palestramos: aqui tendes em 38 páginas o nosso diálogo, e assim podeis mais
facilmente aprender de cor, tão úteis instruções.
Sebast. Como! Pois tu, embusteiro, não contente de seres mau em pensa-
mentos, e palavras, intentas, ainda em cima, dar ao mundo inteiro nas tuas
obras um testemunho inextinguível da tua perversidade?
Dout. Que dizes, Rogério? Acaso enlouqueceste? Eu, dar ao mundo
testemunhos da minha perversidade? Eu? Então em quê?

307
Sebast. E ousas perguntá-lo!!! Já te não lembra o que disseste?
Dout. Lembro muito bem: e tanto, que fui para o meu Cubículo escrevê-
-lo, sem lhe faltar uma palavra.
Sebast. Pois bem, como o tens tanto de memória, sem que precises ler o
que escreveste, acharás no que disseste as mais pestilentas máximas, a mais
venenosa doutrina, e os princípios mais incendiários. E não receias, monstro,
provocar a pública opinião, a dignidade Nacional, a originária Soberania do
Povo, a legítima autoridade de seus Representantes, e a fulminante espada
da justiça do seu Governo Executivo? Esqueceu-te porventura o que ontem
mencionaste relativo à Portaria dirigida aos Frades, a fim de os coibir de
proferirem vozes sediciosas? Julgas que o tom de ironia, que adotaste, pode
encobrir tuas péssimas intenções! Quando em tal falaste não queiras tu
inculcar por injustiça um tal procedimento? E és tu mesmo tão inconsequen-
temente estúpido, que apresentas com o maior descaramento aos olhos do
mundo um fato, que prova até a evidência a muita justiça, e razão, com que
o Governo procedeu, e a suma perversidade com que ousas criminar o seu
reto proceder? Dize, como hás de negar, à vista do teu escrito, que os Frades
propagam doutrinas sediciosas?
Dout. Como hei de negar?
Sebast. Sim, como hás de negar. – Dize: tu não és Frade?
Dout. Suponhamos que sim.
Sebast. Qual suponhamos, nem meio suponhamos: eu quero uma
resposta positiva, e não uma simples suposição. És, ou não és?
Dout. Pois bem: eu te concedo: sou Frade sim, sou Frade. Então daí o
que se segue?
Sebast. Segue o que eu já te disse: que és tão inconsequentemente estú-
pido, que, intentando defendê-los, vens oferecer ao mundo um testemunho
incontestável que os condena: és tão estúpido que ousas provocar a boa
razão com tuas loucuras: és tão estúpido que não conheces, que o silêncio
te convinha mais, do que uma indiscreta taramelice: és tão estúpido, que
não queres somente que o Povo conjecture sobre o fundamento com que os
Frades foram arguidos, e vens muito lampeiro dar-lhe provas de que não
pode duvidar.
Dout. Então que provas são essas?
Sebast. São provas as mais convincentes (a julgar todos pelo que dizes) do
espírito sedicioso que os anima. Não te disfarça o manto da ironia: descansa
que te conhecem. – Quem deixará de penetrar o tal manto, e ler nas tuas
expressões o sentido criminoso, com que intentas desaprovar os procedi-
mentos legais, sagrados, e legítimos da Nação? Quem não observa o modo

308
escandaloso, com que intentas denegrir os faustíssimos dia 24 de Agosto, e
15 de Setembro? Quem não descobre a rebelde maneira, com que projetas
ridicularizar os atos das Eleições, e tornar odiosas as sábias providências,
que os Eleitos hajam de praticar, quando, reunidos em Congresso Augusto,
hajam de Decretar Soberanamente em benefício da Nação?
Dout. Já vejo que enlouqueceste.
Sebast. Louco estava eu quando ontem dei ouvidos aos disparates, que
proferiste, sem que, por entre o disfarce dos irônicos sofismas, descobrisse o
veneno que traziam.
Dout. Ó Arsênio, que te parece? Estás calado? Dize alguma cousa: não
sejas mudo espectador da nossa controvérsia
Ermit. É melhor que eu me cale; porque se me obrigas a falar, duvido
muito que me seja possível sustentar aquela moderação, decência, e polidez,
que devo ao meu caráter, ao meu sistema, e até mesmo à gravidade da matéria
em questão.
Dout. Ah! já se sabe. Também tu sentes revoltar-se o teu espírito com
os desassisados escrúpulos de Rogério! Ora vê tu, meu amigo, se pode haver
loucura…
Ermit. É o teu descaramento que me faz tédio, e não os escrúpulos de
Rogério, que tem mui atendível fundamento.
Dout. Pois também tu…
Ermit. Sim, também eu; porque sei qual é o dever do Cidadão, amo a
minha Pátria, respeito os direitos da Nação, e vejo com prazer entronizar a
Lei, e desterrar o Despotismo.
Dout. Mas tu não pensavas ontem deste modo!
Erm. Sim, eu te concedo, que por momento foi vítima inocente da tua
malícia refalsada, e que, desgraçadamente, sem atender ao precipício, podia
muito bem entregar-me à sedução que preparavas, e com que intentas arrojar
em um abismo de desordens aqueles espíritos crédulos, que se decidem por
aparências, e para quem a chocarrice mentirosa tem muitas vezes tanta força,
como a verdade mais evidente. Escuta-me, Doutor: – Eu deixei o mundo, e
fui buscar um asilo na Serra de Arrábida, para fugir ao comércio dos homens
corrompidos, de que, por grande desgraça, esta nossa Capital estava bem
recheada: há muita gente boa; porém o número dos maus não é pequeno;
e destes os piores são aqueles, que, não contentes de o serem eles somente,
querem arrastar consigo para o caminho do crime aqueles que os rodeiam, os
escutam, ou dão atenção às perniciosas doutrinas que propagam. Enquanto
eu vi a minha Pátria abandonada ao desmazelo, e ao desleixamento, sem lei,
sem ordem, e sem Governo, o meu sistema estava formado, de acabar meus

309
dias no ermo, visto que eu só não podia tratar da reforma de costumes; porém
agora muda tudo de figura. Acabou o sistema irregular, e vai começar outro
sistema. Para que ele seja o mais perfeito, que os homens possam formar, é
preciso que todos e cada um dos Portugueses, que merecem este nome, contri-
buam da sua parte, conforme as suas faculdades, para que tão grande Obra se
complete. Neste caso eu me proponho a voltar outra vez para o mundo, que
havia abandonado, e a não poupar fadiga, nem trabalho, que possa coadjuvar
a Regeneração da minha Pátria. Começarei a minha tarefa por desmascarar
tua impostura; mas não esperes de mim chocarrices, nem afrontas: sou, por
caráter, sisudo, e a matéria, que passamos a tratar, é assaz consequente.
Dout. Não te canses, que perde comigo o tempo. Se quiseres chalaça,
vamos a isso, porém tratar a coisa a sério, nem isso é para mim, nem o caso
tal merece, nem… Mas olha tu, Arsênio, queres tu uma coisa? Escuta-me, e
talvez nos arranjaremos. – Como não te conformas comigo, eu me dou por
convencido a teu respeito; porém deixa-me cá com um certo rancho de patetas,
que me atendem, e me louvam, e não te embaraces comigo.
Sebast. Ah bom maroto! Pois você é desses?
Erm. Eu seria tão criminoso como tu, se, podendo destruir o teu embuste,
o deixasse progredir, e propagar impunemente. Para irmos com algum método
dá cá o tal papel que dizes que trazias, e ele nos servirá de guia.
Dout. O papel aqui o tens; porém, meu Arsênio, argumentos sérios para
mim são perdidos; porque nem sou para coisas sérias, nem as entendo, nem
mesmo neste caso me convém.
Sebast. Ó meu caro Arsênio, fogo nele: nada de quartel a quem busca
atraiçoar a sua Pátria.
Erm. Farei o que puder, e como sigo o partido da razão, e da justiça;
a justiça, e a razão, bem sabes que podem tudo. – Vamos ao tal papel. –
Deixemos esta sensaboríssima introdução, que buscaste impingir ao pobre
papel, e saltemos à página 5 quando aleivosamente atribuis a ditos de Rogério
Sebastianista o que ele não proferiu, como por exemplo = “que nunca a
Nação Portuguesa se achou em estado tão lastimoso como atualmente: os
males, que a oprimem, são incalculáveis…”
Sebast. Pois ele é tão descarado que me atribuiu um tal dito?
Dout. Cala-te homem, que assim me era preciso cá para uma certa coisa.
Sebast. Qual calar, nem meio calar! Um Sebastianista, nem é cego, nem
sedicioso: pode ser arguido por demasiado crédulo, mas não por inimigo
da sua Pátria. Se esperava da Onipotência de Deus um milagre, é porque o
mundo estava tão torto que, só por milagre, poderia endireitar-se. Esperar um
milagre de quem os pode fazer não é o mesmo que mentir; e só quem mente

310
pode dizer que a Nação Portuguesa se acha agora no estado mais lastimoso,
quando aliás todos os bons Portugueses se gloriam por ver começada a sua
portentosa regeneração.
Dout. Escusas de estar a deitar os bofes pela boca fora: concedo-te que
o não disseste, e já te disse que assim o escrevi, porque me era conveniente.
Sebast. Então se queres atribuir estes ditos a outrem, não é melhor, que
os atribuas a um teu Companheiro, sem que lhe levantes um falso testemunho?
Dout. Pois sim; fiquemos nisso.
Ermit. Continuemos: à página 6 referes tu o que na realidade eu disse
relativo à Constituição sábia, e providente, que os bons Portugueses esperam
da sabedoria, e probidade dos seus dignos Representantes. É verdade, que
eu disse que do bem geral se deriva o bem particular; que este bem há de ser
fruto do tempo, e do progresso de uma boa legislação; que não é possível o
passar do abismo da miséria para o seio da prosperidade por um ato repen-
tino: porém eu o disse do fundo do meu coração, e com todas as veras da
minha alma; porque conheço a marcha das coisas humanas, e os limites das
nossas faculdades. – Tu porém descreves maliciosa, e abominavelmente o que
eu disse, substituindo à minha sincera ingenuidade a tua sediciosa ironia, e
apresentas a verdade envenenada.
Sebast. Esse é o costume dos perversos; quando não têm forças para
combater o que detestam recorrem ao tom da ironia para encobrir sua
fraqueza.
Ermit. Agora que eu vejo escrito às páginas 7, 8, e 9 o que disseste rela-
tivo aos Redatores dos Periódicos, que se publicam em Lisboa, é que melhor
valor posso dar à escandalosa malícia com que buscas deprimi-los. – Ora,
meu Doutor, entra em ti, e não sejas tão indiscreto que vás acordar o cão
que dorme, e que, se o pisas, e ele acorda enfurecido, pode muito bem fazer-
-te em estilhas a ti, e ao partido que pretendes sustentar! Se tu pensas que
eles dizem verdades úteis; louva-os, ou cala-te; se tu pensas que eles dizem
frioleiras indiferentes, compadece-os, e não os leias: e se pensas que dizem
falsidades criminosas, combate-os, mostra qual é a verdade, convence-os,
ilustra os teus Concidadãos; assim castigas a sua temeridade, triunfas da sua
inépcia, e te fazes credor das bênçãos da tua Pátria. Mas seguindo o trilho,
que adotaste, dirá o mundo inteiro que és…
Dout. O quê, Frade? Isso sei que eu sou, e não me dou por insultado.
Ermit. Não dirão que és Frade; porque todos sabem que essa circuns-
tância só por si não designa mau caráter, e péssimas intenções: alguns há, e
talvez muitos, que pensam com retidão, e vivem como verdadeiros Religiosos;
porém dirão que és Frade mau, ambicioso, egoísta, turbulento, sedicioso, que

311
as verdades te ofendem, e por isso intentas invectivar contra todos aqueles
que as proferem, e buscam reprimir as tuas vistas criminosas.
Dout. Consiga eu o que pretendo, e bem me importa o que eles dizem!
Sebast. E que tal é o tratante!
Ermit. Não conseguirás; porque os Portugueses não são estúpidos, que
desconheçam a razão, e o teu embuste. Nem é possível que possas iludir
alguém, quando a perversidade do teu caráter se patenteia tão claramente
como se vê às páginas 10, e 11 quando falas com ironia em despotismo, tira-
nia, fogueiras do Campo de Santa Anna, Mártires da Pátria, ilegalidade da
Sentença. Qual será o Português, que não estremeça de horror por imaginar
uma alma tão depravada como aquela que se apraz de tratar em ar de mofa
o que pode haver de mais sagrado na ordem social, e de mais tremendo na
ordem religiosa? Qual o Português, que não penetre logo o Coração iníquo,
e tenebroso, que é capaz de nutrir tais sentimentos, e mais ainda a impu-
dência escandalosa, com que ousa expressá-los? Qual o Português… Porém,
suspenda-se, reprima-se mesmo a indignação, que me desperta comporta-
mento tão nefando, para que não aconteça…
Sebast. Continua, bom Arsênio, não poupes este mau homem, faze
com que, ou emende seu comportamento, ou o mundo se acautele da sua
péssima influência.
Dout. Está bom, está bom: nessa parte confesso, que foi asneira o
falar em uma coisa, que era melhor calar, para não ofender o reto Caráter
Nacional. Porém, meu amigo, não desculpas nada a quem fala com a sua
paixão? Se eu não buscar fazer do branco preto, e do preto branco, então
que Diabo hei de eu dizer?
Ermit. Nada, que é melhor do que dizer despropósitos, e despropósitos,
que podem custar-te bem caro, e dar-te na Cabeça. – Vamos continuando
à página 11. – Está feito; esta, relativa ao Bacharel que se há de mandar vir
da Inglaterra, passe, porque nisto apenas se descobrem os efeitos da inveja;
mas quando chega ao que diz respeito ao Juiz do Povo, dia 11 de Novembro
etc. então aqui devemos parar.
Dout. Ora não pares, anda para diante, deixa isso, que eu já sei o
queres dizer.
Ermit. Ah! Vossa mercê quer escapar-se! Não senhor, venha para cá;
pois nisto há crime, e grande crime!
Dout. Pois não vês que é brincadeira?
Erm. Eu vejo que maliciosamente o dizes nesse ar; porém = Latet anguis
in herbis.2 E não te corres de pejo, e de vergonha de querer comparar o dia

2
Uma serpente esconde-se na relva. N.T.: Virgílio, Bucólicas, III, 93.

312
11 de Novembro com os gloriosíssimos dias 15 de Setembro, e 24 de Agosto?
Pesa no teu conceito da mesma sorte aquele ato majestoso, em que toda a
população de Lisboa, do Porto, e de todas as Vilas e Cidades do Reino reas-
sumiram a sua originária Soberania para verificar a Santa Regeneração da
nossa Pátria, como pesa o ato abusivo de um só homem, que, prevaricando no
seu dever, se atreve a dar um passo contra o voto geral de seus Constituintes?
Não pesa; tu bem conheces a diferença; porém intentas vilmente denegrir
a glória de tais dias, que se opõem à tua sórdida ambição; e, como não
podes mais, queres ter o gostinho de ver se aos olhos dos estúpidos fazem
com que percam alguma parte do seu brilho; porém sabe que a Nação, que
pretendes insultar, é mui discreta, conhece bem os seus direitos, quais são as
verdadeiras atribuições do Juiz do Povo, as vistas abomináveis que dirigem
as tuas expressões: portanto não pegam. Nos faustíssimos, e para sempre
memoráveis dias 24 de Agosto, e 15 de Setembro, não foi mister que o Juiz
do Povo se explicasse pelos seus Constituintes, estes se explicaram por si
mesmos em aclamações espontâneas, enérgicas, e cheias de entusiasmo: no
dia 11 de Novembro porém, um silêncio majestoso, e aterrador repreendeu
no tal Juiz o criminoso abuso que tinha perpetrado; e o dia 17 reclamou o
ato de rebeldia, com que havia prevaricado em seus deveres. Tu bem sabes
isto; porque ninguém melhor desfrutou os espetáculos de tais dias, do que
os habitantes do Rossio; e bem sabido é que a propriedade, em que habitas,
tem muitas, e boas janelas sobre esta grande Praça. Quem observou tais
espetáculos, e pretende confundi-los, dá sobejas provas de malícia refletida.
Dout. Ora, meu Arsênio, tens razão, tens razão; porém fique somente
aqui entre nós o que me dizes: bem sabes que eu devo chegar a brasa à minha
sardinha, e que o não posso conseguir de outro modo, senão alucinando a
multidão, pervertendo os ânimos dos incautos, desfigurando os sucessos, e
criminando como ilegais atos legítimos. Bem sabes, que se não tiver recurso
às invectivas, às calúnias, às falsas alegações, e à mentira, então não consigo
o meu intento.
Erm. Não digas mais, já sei o que tu queres: aqui vejo às páginas 12,
13, 14, e 15 quais sejam as tuas pretensões; porém, Doutor, tem paciência,
advogas muito mal a tua causa. Tu pretendes arguir a Nação, por excluir
os Regulares do Congresso Nacional, e dizes nisto uma chuva de parvoíces
destituídas de razão, e de justiça. Mas o que pior me parece é quereres que o
pobre Rogério, este crédulo Sebastianista, seja quem figure perante o mundo
como sendo ele quem diga o que queres dizer.
Sebast. Que! Pois o Doutor é tão velhaco, que se atreva…
Erm. Olha o que ele tem escrito aqui à página 12.

313
Sebast. Deixa ver… Ó Doutor dos meus pecados! Pois eu disse que
amava os Frades porque o meu Rei os amou? Eu não sou injusto, e cumpre
agora dizer o meu verdadeiro modo de pensar, e de sentir. Eu nem os amo,
nem os aborreço, porque são Frades: sei que são homens, e como tais é que os
amo, ou aborreço, conforme o seu comportamento. Frade bom pode contar
com a minha veneração: Frade mau tem decerto o meu desprezo. Agora,
como Sebastianista, direi que lhe [sic] não posso ter afeto, porque foram eles
quem mais comprometeram o meu Rei, contribuindo eficazmente para que a
segunda vez intentasse a expedição da África, de que foram consequências a
sua perca [sic] pessoal, a orfandade do Reino, e todas quantas calamidades
abismaram a nossa Pátria na escravidão, e na miséria. Perdido o meu Rei,
foram eles (os Jesuítas) quem estabeleceram a crença da sua volta; quem o
intitularam = O Encoberto =; quem vulgarizaram as profecias; quem auto-
rizavam a sua aparição com o expresso no Apocalipse, Esdras etc. Depois,
tornando-se perjuros ao meu Rei, e com as vistas criminosas de quererem
adular o Senhor Rei Dom João IV, foram eles mesmos (e até o grande Padre
Antonio Vieira) quem torceram as profecias, e pretenderam mostrar que este
Monarca era o = Encoberto = em que se achavam verificadas. E depois de
tal comportamento pode um bom Sebastianista ser-lhe afeto?!
Erm. Eu não sei como isso é: o que sei é, que vejo aqui à página 13, que
o Doutor Silvestre pôs à tua boca um escândalo fortíssimo contra o haverem
sido excluídos os Regulares das Eleições, e voto em Cortes; e até diz que os
consideras Cidadãos como os outros.
Sebast. Eu! Pois tu não estavas aqui? Ouviste-me porventura dizer tal?
Ora já vejo que é grande tratante o tal Doutor! Os Frades Cristãos como os
outros! e eu dizer tal? Como entendes isto Doutor?
Dout. Entendo por um modo que eu sei, e me faz conta.
Sebast. Ora dize-me tu: os Frades quando professam não renunciam a
tudo quanto é = Temporal?
Dout. Renunciam.
Sebast. Podem ser considerados Cidadãos aqueles indivíduos, sobre
quem não pesam todos os Cargos, e ônus do Estado?
Dout. Não.
Sebast. Não se proibiu no Concílio de Leão em 1297 aos Príncipes o
imporem tributos aos Eclesiásticos em seus Estados?
Dout. Proibiu.
Sebast. É permitido a Seculares o votarem nos Concílios?
Dout. Não.
Sebast. E por quê?

314
Dout. Porque aí somente se tratam negócios espirituais.
Sebast. Pois se os Frades na sua profissão renunciam ao = Temporal;
= se não podem ser sujeitos ao ônus do Estado, como podem eles exigir ser
considerados Cidadãos como os outros? = Se os Seculares são excluídos dos
Concílios, porque aí se tratam negócios = Espirituais = que direito podem ter
os Frade, ou qual é a injustiça, que se faz em os excluir de votar em Cortes,
aonde se trata de negócios = Temporais, = a que eles têm renunciado?
Dout. E nas Cortes não se hão de tratar assuntos de Religião?
Sebast. Hão de sim: nem mesmo a Constituição podia ser perfeita, nem
a Pátria feliz, se o mais Sério, e Sagrado de todos os assuntos não fizesse a
parte mais respeitável da nossa legislação.
Dout. Então já vês, que os Frades devem ser ouvidos.
Sebast. Não Senhor, não é preciso: descanse, não tenha incômodo com
isso. No Congresso Nacional há Prelados respeitabilíssimos pelo seu grande
saber, e virtude: a eles pertence fazer uso das suas muitas luzes, e princípios
ortodoxos, para bem desempenharem o seu Augusto Ministério.
Dout. Porém bem sabes, que há Frades de muito bom saber, que muito
úteis seriam em tal Congresso.
Sebast. Concedo que haja Frades mui sábios; porém tu sabes também
que muito eruditos são os Prelados que ali se acham, que pela maior parte
têm sido Lentes da Universidade, bem como o são muitos Eclesiásticos de que
o Congresso está composto. Assim mesmo não é proibido aos Regulares o
poderem remeter às Cortes quaisquer = Memórias = sobre qualquer assunto
que julguem útil à Causa Nacional; e daqui nasce que, desejando eles coadjuvá-
-la, o podem muito bem fazer.
Dout. Mas, além dos objetos de Religião, bem sabes que eles têm bens,
têm riquezas, e devem ir também tratar dos seus interesses.
Sebast. Agora isso aí mais devagar: isso lá de bens, e de riquezas é que
eu não sei como isso é.
Dout. Pois tu não sabes que eles são grandes proprietários?
Sebast. Sei que eles possuem grandes bens; porém proprietários é que
eu não sei que eles sejam; porque também me parece que na sua profissão
renunciam ao direito de propriedade.
Dout. Isso é o indivíduo físico, mas não o indivíduo moral: um Frade
sim renuncia ao direito de propriedade, mas nem por isso a Comunidade, a
que pertence, deixa de ser proprietária.
Sebast. Um Sebastianista não conhece bem essas distinções metafísicas: o
que sabe, sim, é que não admite propriedade em quem tem renunciado a ela.

315
Dout. Pois, homem, tu não sabes que certas Corporações têm tido
doações Régias, e que desfrutam pacificamente de grandes bens, e há muito
tempo?
Sebast. Sei, sim: já te disse que sei que os desfrutam; porém a respeito
de doações entendo pouco, e mesmo talvez seja melhor não mexermos nisso.
Eu sei lá a natureza de tais doações, ou o direito com que foram feitas, e se
gozam? Porventura sei eu também se os Forais são mantidos em pureza, ou
se os tem alterado? O que me parece é, que em Cortes se deve tratar desse
negócio, e que julgo prudente que lá não haja Frades, para não serem ao
mesmo tempo Juízes, e Partes em assunto de tanta importância.
Ermit. Porém então seguir-se-á o que Doutor aqui diz à página 18:
tirar-lhes-ão os bens para os dar a Cômicos Estrangeiros, Arlequins, etc.
Sebast. Pois ele diz isso? Sempre é necessário ser muito descarado
para ousar desse modo insultar a circunspecção do Respeitável Congresso
Nacional! Pois tu, Doutor, não achas meio termo entre os dois extremos?
Ou os Frades hão de possuir um cabedal imenso, incompatível como o seu
Estado, e sem proporção com a prosperidade da Nação, ou então se hão de
aplicar tais bens para sustentar Cômicos Estrangeiros, Arlequins, Ursos, e
Macacos? Não achas entre um, e outro extremo outras aplicações mais úteis,
mais justas, mais urgentes, e até mais Santas? Tu não pensas desse modo;
dizes isso muito expressamente por mau, por desmedido caluniador, e por
força de partido. E não queres que falem dos Frades? Intentas defendê-los,
quando tu mesmo os vás expor às mais sérias acusações? Não vês que por
tal modo provocas a verdade com tuas loucas invectivas? – Descansa, meu
Doutor, não te aflijas sobre um tal assunto: verás o destino útil, e louvável,
que os Representantes da Nação sabem dar a esses bens (quando seja adotado
o sistema de com efeito entender com eles, o que eu por agora ignoro se terá
execução) sem que tenhas o desgosto de os ver tão mal distribuídos.
Ermit. Parece-me, Rogério, que sempre era bom haver em Cortes algum
Frade, pois muitos há conspícuos por sua sabedoria, e virtudes; e, de mais,
estando eles acostumados a falar livremente nos seus Capítulos (como o
Doutor afirma à página 14) também nas Assembleias Nacionais falariam
com a mesma liberdade.
Sebast. Deus nos livre de tal! – Ó Doutor, pois tu não te envergonhas de
querer falar em Capítulos? Ignoras acaso aquilo que todos sabem a respeito
da parcialidade, intriga, e cabala com que tais Capítulos são celebrados?
Não sabes que passa em provérbio, quando aparece uma grande velhacada
em votos ou eleições, o dizer-se – parece Capítulo de Frades? – Nunca
chegou ao teu conhecimento aquela vulgar anedota das Canastras de facas

316
mandadas pelo Senhor Rei Dom João V aos Franciscanos por ocasião do seu
Capítulo? Pois então atreves-te à face do mundo, assaz instruído nas maqui-
nações Capitulares, a querer inculcar um Frade para o Congresso Nacional
(onde deve reinar o espírito de ordem, lisura, boa-fé, circunspecção, e amor
do justo) por aquilo que pratica em seus Capítulos, aonde somente aparece
o espírito de partido, ambição, dolo, fraude, e a malícia mais refinada?
Intentas defender os Regulares, e logo os vais apresentar naquele ponto de
vista, em que eles mais têm manifestado a sua prevaricação como homens,
e mais ainda como Religiosos? Não sabes tu mesmo (pelo que te passa por
casa) que na qualidade de homens em tais ocasiões desejam degolar-se uns
aos outros; e na de Religioso invocam o Espírito Santo, Cantando o – Veni
Creator Spiritus3 – ao mesmo tempo que na alma lhe ferve o espírito de
partido, e ambição?
Dout. Não vás buscar essas razões: outras são as que os tem excluído: é
o temor e o medo das suas luzes quem de lá intenta repeli-los. A Nação não
quer ver Eclesiásticos sábios no Congresso.
Sebast. Oh maldito Doutor! A Nação não quer sábios Eclesiásticos
em seu Congresso, e tem para isso eleito o que há de mais respeitável no
Corpo Eclesiástico? Não observas ali um grande número de Bispos, Lentes
da Universidade, e muitos outros respeitáveis Eclesiásticos de mui profundo
saber de reconhecida virtude, e probidade?
Ermit. Tudo isso é verdade; porém o Doutor sempre queria que lá
houvesse algum Regular com o espírito do virtuoso – Dellas Casas [De Las
Casas] –. Não observas o que ele diz aqui à página 14?
Sebast. Então o que diz ele?
Ermit. Ora ouve; e parece-me que pensarás como eu a respeito do nefando
espírito deste Doutor. – “Os Espanhóis ainda se lembram, que o sábio e
virtuoso – Dellas Casas [De Las Casas] – Domínico, (já se sabe: isto é que é
gente!) teve a audácia de dizer à face de todo o mundo, que os Castelhanos,
a cuja Nação pertencia, haviam imolado 15 milhões de Americanos com o
pretexto de os quererem mais felizes, quando só queriam o seu ouro. E quem
sabe se agora aparecia outro – Dellas Casas [De Las Casas] – que, constituído
Vogal em Cortes, pusesse a todos a calva à mostra?”
Sebast. Basta: não digas mais: está conhecida a perversidade do tal
Doutor. Já ouviste, Arsênio, alguma coisa tão repreensível, tal infame, e tão
horrivelmente criminosa? Não observas aí a malícia mais atroz?… Porém,
Senhor Doutor, volte-se cá para mim, e ouça-me um bocadinho, Acha vossa

3
Vem, Espírito Criador! N.T.: Hino cristão.

317
Doutorice algum paralelo entre a imolação dos Espanhóis, e a nossa Santa
Regeneração? Qual é o ouro, que tem querido, ou inculcam pretender os nosso
Regeneradores? Qual seria a calva que o Domínico – Dellas Casas [De Las
Casas] –, ou quantos Domínicos tem o mundo lhe pudessem pôr à mostra?
Vossa Doutorice agora falou mais como, Demônico, do que como Domínico.
– Ora; meu Doutor, outro Ofício! Não te metas a querer advogar, olha que
perdes os teus clientes! – Pois achas que – Dellas Casas [De Las Casas] –, sendo
Frade pode ter bem falado em favor da humanidade sacrificada, e imolada à
crueldade, e ambição? Um Frade! Um Domínico!… Ora dize-me quem foi,
que no ano de 1506 soprou, e acendeu a Sedição em Lisboa, e sacrificou à
mais criminosa Superstição mais de 20.000 vítimas inocentes? Quem? Ora
ouve, não a Filosofia do século, contra quem tanto te queixas, mas um dos
nossos Historiadores – Damião Antonio de Lemos Faria e Castro, Livro
XXXVI. volume IX. Página 277. – “Com semblante melancólico entrou em
Portugal o ano de 1506, alternando Deus as venturas, e as desgraças, para
o homem não se exaltar sobre a terra. Lavrava a peste com grandes estragos
em Lisboa, Santarém, e outras terras, que obrigaram a Corte a retirar-se para
Abrantes, aonde a Rainha deu à luz o Infante Dom Luiz. Quando se padecia
esta calamidade, os moradores de Lisboa se deixaram apoderar do furor, e da
demência. Sucedeu na Igreja do Convento de São Domingos.” (repare bem:
olhe que foi em São Domingos, Convento em Lisboa, que Vossa Doutorice
deve conhecer como os seus dedos.) “ajuntar-se a um numeroso concurso a
adorar o Santíssimo, que se expôs no lado de um Crucifixo coberto com um
cristal, que, recebendo então com maior impressão a luz, cintilava reflexos
mais brilhantes. Comove-se o Povo fácil, e, como se estivesse vendo a própria
pessoa de Jesus Cristo sem o véu dos acidentes, principia a exclamar, que era
milagre. Acaso se achava no Templo um Hebreu recém-convertido menos
crédulo, que quis aquietar o alvoroço, persuadindo a gente que aquele reflexo
era coisa natural originada do modo, porque o vidro recebia a luz.”
“A multidão inconsiderada, atônita por uma certa espécie de Religião,
ouvindo ao Hebreu duvidar do imaginado milagre, se lançou a ele, levou-o
para o átrio, tirou-lhe a vida, e queimou o cadáver. Acudiram a aumentar
a Catástrofe dois Religiosos fanáticos” (olhe que eram Domínicos; e faná-
ticos chama-lhe o Historiador, e não eu, que apenas transcrevo o que ele
diz) “clamando, e excitando o Povo por todas as partes, para que vingasse
a impiedade Hebraica, que era a causa da cólera do Céu descarregada sobre
o Reino no flagelo da peste. A estas admoestações” (dos Frades Domínicos)
“o Povo furioso corre às armas: as tripulações de muitos Navios Franceses, e
Alemães, que estavam no Rio, saltam em terra, e, seguindo aos Portugueses,

318
degolam 500 Hebreus, pilham, e roubam as suas Casas. No dia seguinte
vieram os moradores da Campanha aumentar a desordem. Do mais interior
do Santuário eram arrancadas as vítimas inocentes; umas, que se lançavam
vivas ao fogo; outras despedaçadas; os meninos esmagados contra as pare-
des, o respeito aos Magistrados estragado; as suas vozes desconhecidas, tudo
exposto a esta emoção popular que foi em três dias o algoz de mais de 2.000
vítimas. Ainda o sangue derramado nesta Cena continuaria a lavar as ruas
de Lisboa, se não acudissem com um reforço de tropas Aires da Silva, e D.
Álvaro de Castro, a cuja vista os sediciosos não se moveram; os Franceses, e
Alemães se embarcaram, levaram âncoras, e com os Navios cheios de riquezas
se fizeram à vela.” (E como não iriam obrigados aos Frades Domínicos!!!) “El
Rei, informado de uma mortandade tão estranha à humanidade, ordenou a
D. Diogo de Almeida, Prior do Crato, e a D. Diogo Lobo, Barão de Alvito,
que, revestidos da sua autoridade, viessem castigar os moradores sediciosos
de Lisboa, como eles mereciam. Os dois Fidalgos se apoderaram das Praças
principais da Corte; postaram corpos de guarda; prenderam um grande
número dos Chefes do tumulto, que pagaram a impiedade com as vidas. Os
Dois Religiosos” (tome sentido para ver o que acontece a quem é sedicioso,
e veja se aproveita no exemplo), “que andaram com as Cruzes levantadas,
excitando o Povo à vingança, foram degradados da Dignidade do Sacerdócio,
estrangulados, e consumidos em uma fogueira.” Veja-se neste espelho, meu
Doutor, e, se lhe parecer, assopre também alguma sedição.
Dout. Já vejo, meu Sebastianista, que também te chegou da mania do
Século, para ralhar contra Frades! Ralha, ralha muito embora; porém sabe
que eles têm muitos homens de sã virtude, e de consumada sabedoria.
Sebast. Sim, estou por isso, nem eu faria a injustiça de negar o mereci-
mento a quem o tem; porém o que é certo também, é que nem um só desses, que
podes apontar como sábios, e virtuosos, diriam o que tu dizes: pelo contrário
eles, em vez de propagar vozes sediciosas, enviaram preces ao Céu, para que
ilumine os nossos Deputados, e os guie pela estrada do acerto, a fim de que
possam formar uma sábia Constituição, que possa completar nossa ventura.
Dout. E também tu quererás dizer, como dizem os mais, que os Frades
são ociosos?
Ermit. Ó Rogério, agora deixa-o comigo por um pedaço, porque tenho
vivido mais com eles, e lhe conheço melhor a vida. – Ora volte-se para cá,
Senhor Doutor, e ouça; mas, para irmos com método, vá respondendo as
minhas perguntas. Comecemos pela Ordem de São Domingos, que há de ser
mais sua conhecida. Em que ano se instituiu esta Ordem?
Dout. No ano de 1219 no Pontificado de Honório 3.º;

319
Ermit. E qual foi o fim da sua instituição?
Dout. São Domingos, e alguns seus Companheiros tinham abraçado a
Regra de Santo Agostinho, para se conformar ao Concílio de Latrão contra
as novas Religiões; porém adicionou a esta Regra práticas mais austeras, que
depois ainda foram mais reformadas; deixou o hábito de Cônego; adotou o
que ainda hoje se usa; e desde então passou a Ordem Domínica a ser chamada
= a Ordem dos Pregadores.
Ermit. Bem: logo foram instituídos para pregarem a palavra do Senhor.
Dout. Certamente.
Ermit. Logo a sua instituição não foi para servirem de asilo, e estabele-
cimento aos Cadetes das famílias nobres do Minho, Trás-os-Montes, Beira,
e Alentejo… Porém vamos ao caso. E a respeito de pregar como vamos nós?
Vão com efeito por esse mundo ensinar aos Povos a palavra do Evangelho?
Dout. Por esse mundo! Nada. – De graça só pregam na Igreja do próprio
Convento algum Sermão por obedecer à pauta; (o que muito lhes aborrece)
e se vão fora pregar é quando lhes pagam bem, a estrada é cômoda, e podem
ir em Sege.
Ermit. Pois não pregam excitados pelo zelo Religioso, e força de sua
instituição?
Dout. Esse tempo da primitiva era outro.
Ermit. Sim! Pois então, se mudaram de vida, não estranhem também
se os ventos se mudarem! os Domínicos já nós vemos que prevaricaram na
regra que abraçaram: passemos adiante, e tratemos agora a Ordem de São
Bernardo, a cuja Ordem pertencem os 4.os, e lagares de Alcobaça, que eles
possuem com o mesmo direito, com que tu possuis o teu Casal na Picada
dos Corvos, e Quinta na Serra de Sintra. Dize-me, em que ano, e com que
instituição fundou São Bernardo a sua Ordem?
Dout. Eu te digo. São Bernardo nasceu no ano de 1091: aos 22 anos
abraçou a vida monástica em Citeaux, com trinta Companheiros, a quem a
sua eloquência persuadiu, que deviam renunciar ao mundo. Por consequência
data a fundação desta Ordem do ano de 1113.
Ermit. E qual foi a sua instituição? Começaram desde logo a ser grandes
proprietários, e possuir grandes riquezas, a ter grandes Quintas, boas Seges,
ótimos Cavalos, matilhas de Cães e de Galgos, e finalmente, a gozar todas as
comodidades, prazeres, delícias, e a maior suntuosidade?
Dout. Isso agora não me importa a mim, nem a ti deve também impor-
tar. Não sei o que a Ordem foi na sua primitiva, sei o que ela é no tempo
presente: o uso faz Lei; e portanto, sem me importar o que foi, vejo o que é,
e o tenho por legítimo.

320
Ermit. Tenha não, Senhor Doutor: ainda quando eu lhe conceda que o uso
faça Lei, nunca lhe concederei o mesmo a respeito do abuso. Se Vossa mercê
não sabe como foi a instituição de São Bernardo, eu lhe digo. São Bernardo
fundou a Ordem no espírito de pobreza, e teve grandes questões com alguns
de seus Companheiros, que não pensavam como ele, mesmo até sobre os
ornamentos das Igrejas: e eis-aqui as suas próprias expressões – “Dizei-me,
pobres, que faz o ouro nas Igrejas? Qual é o fruto que se tira da pompa, e
magnificência dos Templos? Qual fim útil com isto se consegue? Servem os
Templos para inspirar sentimentos de dor, e compunção aos penitentes, ou
para excitar o prazer e o deleite aos espectadores? Oh vaidade Oh loucura!
A Igreja brilhante em seus edifícios, e pobres morrendo de miséria! Orna de
ouro as suas paredes, e vê homens entregues à nudez! Os curiosos encontram
em que recreiem suas vistas, e os miseráveis não acham em que saciem a fome
devorante que os oprime! –” Eis aqui tens qual foi a instituição da Ordem
de São Bernardo: a qual, na verdade, já hoje se não conhece em seus filhos.
Dout. E mui útil é que assim aconteça; porque, a subsistir ainda o mesmo
espírito de pobreza, não achariam os Cadetes das famílias nobres do Minho,
Beira, e Alentejo um asilo cômodo aonde pudessem ir viver em abundância,
e regalados.
Ermit. Isso é possivelmente um tremendíssimo despropósito. São
Bernardo, quando instituiu a sua Ordem, certamente não previu os horrores
que ela devia agasalhar. Não foi certamente para fornecer a Pais tiranos a
comodidade de sacrificar ao seu orgulho a liberdade de seus filhos, encer-
rando-os no Claustro para vincularem os seus bens no primogênito, a fim de
perpetuar sua criminosa vaidade: não foi dos pobres ilustres que ele tratou
com exclusão; essa = Aristocracia monacal = é obra mais moderna. E como
podes tu, meu Doutor, associar com a Doutrina do Evangelho as provanças
de nobreza, que se exigem para ser admitido no Claustro de tal Ordem? –
Ora não sejas louco, busca outros argumentos, e não dês armas contra aquilo
mesmo que buscas defender. Se podes demonstrar, que eles são de alguma
utilidade espiritual, demonstra-o; porque, enquanto à utilidade temporal, não
te canses, isso pertence a outra repartição, que ousamos esperar que o faça
com todo o acerto: não é nem a ti, nem aos Frades que pertence o cuidar em
tais arranjos.
Dout. Já que me tens obrigado a deixar o estilo da ironia, te direi mui
claramente que és um ímpio, que ousas falar desse modo, buscando destruir as
trincheiras donde saem os mais valentes Soldados para defenderem a Religião.
Ermit. Ímpio! Devagar, meu Doutor! Eu não poderei competir em virtude
com esses valentes Soldados de que falas, porque sou grande pecador; porém

321
em matéria de crença, e fundo de Religião ouso competir com eles, e não
lhes cedo. Qual é o ponto de Dogma que eu ofendo na matéria que expendi?
Então, como Vossa mercê se esquenta, e vem com parvoíces, saiba que adoro
os Preceitos Divinos, e tenho no mais profundo respeito os da Igreja. Nem
estes, nem aqueles instituíram os Frades. Então em que sou ímpio? A Primeira
Ordem Religiosa que se instituiu foi a dos Eremitas de São Paulo no ano de
250; mas eles se reuniram para escapar à perseguição, e não por instituição
Divina, ou da Igreja. Deus deixou na sua Igreja o remédio para toda a casta
de pecado, e neste remédio não se compreendem os Frades, nem Vossa mercê
tal poderá mostrar: então em que sou ímpio?
Dout. Pois bem, então suprimam-se as Religiões, não haja Frades, e, os
que existem, deixem-se morrer de fome.
Ermit. Eu não lhe digo que sejam, ou não suprimidas: isso não pertence
a Vossa mercê, nem a mim o decidi-lo: deixei isso a quem pertence, não seja
taralhão: no Congresso Nacional há homens mui conspícuos, e Prelados
Ortodoxos, que sabem muito bem o que devem fazer em tal assunto, sem
que percam de vista a honra de Deus, e o proveito do próximo. Em quanto
a morrerem de fome, não lhe dê isso cuidado, que também as suas barrigas
hão de entrar em linha de conta. Ora Vossa mercê, Senhor Doutor, sempre
é muito esquisito! Tudo em Vossa mercê são extremos! Já Vossa mercê disse
uma vez que, ou os Frades deviam ter os seus bens, ou se haviam destinar para
Cômícos Estrangeiros, Arlequins, Ursos etc., e agora também não acha meio-
-termo entre o possuir imensos Cabedais, e o morrer de fome? Porventura não
acha Vossa mercê um ponto arrazoado entre esses dois extremos? Ora, meu
amigo, não se canse; porque, se Vossa mercê o não acha, alguém o achará.
Dout. Será muito malfeito que se mexa com tais bens; e bem vê o que
aconteceu a Henrique VIII.
Ermit. Meu Doutor, sois mui malicioso! Não deveis observar a pros-
peridade da Inglaterra somente no tempo de Henrique VIII: os benefícios de
uma reforma não se podem observar na sua origem, devem ser examinados
no progresso da sua marcha. E diga-me Vossa mercê, o tempo veio a provar,
que a supressão dos Conventos foi útil, ou com efeito foi reconhecida como
nociva tal medida, e para remediar, o erro voltaram os Conventos? Diga:
voltaram, ou não voltaram?
Dout. Não voltaram.
Ermit. E a Inglaterra tem prosperado! ou desde o tempo da tal suspensão
foi sempre de mal em pior?
Dout. E não sei cá disso: veja o que diz Ribadaneira.

322
Ermit. Ribadaneira! Ó Doutor! És muito infeliz em argumentos, e mais
ainda em Citações! Ribanadeira foi um Jesuíta de um zelo infatigável, porém
de uma credulidade pueril! Queres ver qual é o conceito que ele merece, vê o
Dicionário Universal, ali achareis = “C’étoit un home [sic] d’un zèle infatigable,
mais d’une crédulité puérile.”4 achareis mais que em suas obras = “Les faux
miracles, les prophéties absurdes, les visions ridicules y sont prodigués.” 5 e
afinal que = “On peut l’en croire sur tout ce qu’il dit avoir vu et entendu de
ces hommes celèbres; il n’en est pas de même des choses extraordinaires qu’il
rapporte sur des ouï-dire.”6 Eis aqui o teu Ribadaneira, que tu citas como se
fosse um Evangelho.
Dout. Eu preenchi o meu fim: escrevi para tolos que desejam, e acreditam
citações; mas não têm o escrúpulo de as aprofundar. – Porém vamos ao mais
essencial: Bem sabes que os Frades são úteis pelos seus Estudos, e sua erudição.
Ermit. Alguns há de muito bom saber; porém o número dos sábios, que
há nos Claustros, não equivale às grandes rendas que possuem: nem o bem,
que dos Conventos resulta à Sociedade, entra em comparação com a massa
enorme dos fundos que absorvem.
Dout. Porém, se não houvesse Conventos, não haveria sábios, descobertas
úteis, e os conhecimentos humanos estariam mui atrasados.
Ermit. Ora isso é vaidade louca! Vê o Dicionário dos Homens Grandes,
e acharás que a maior parte das úteis descobertas, e o progresso dos conheci-
mentos humanos pela maior parte não são devidos aos Claustros.
Dout. Forte obstinação! Ora para que serve ir verificar estas coisas! o
que nos importam exatidões! eu por mim quero dizer o que me vem à boca,
e não me importa mais nada, – Porém não achas que os Jesuítas fizeram
grande falta neste Reino?
Ermit. Os Jesuítas faltam nesse Reino! Se eles se limitassem aos deveres
que lhes impôs Santo Inácio seu Fundador (sem contudo professarem aquele
quarto voto) ainda seriam toleráveis; porém bem sabes que eles ultimamente
se empregavam mais nas intrigas dos Gabinetes, do que na propagação da
Fé. Tanto o nosso bom Monarca os não considera como úteis, que resistiu às
Solicitações da Corte de Roma em 1815, que pretendia restaurá-los, e El Rei
o não consentiu. Se isto fosse medida tomada depois do dia 24 de Agosto de
1820, poderias tu achar que era violenta; porém foi El Rei em pessoa quem

4
Era homem de zelo infatigável, mas de uma credulidade pueril.
5
Os falsos milagres, as profecias absurdas, as visões ridículas nelas abundam.
6
Podemos acreditar em tudo que ele diz ter visto e ouvido desses homens célebres; o
mesmo não se dá com as coisas extraordinárias que ele relata por ouvir dizer.

323
tal determinou: com que, meu amigo, se queres vai ralhar com ele, e dizer-lhes
as tuas baboseiras do costume.
Dout. Não estou para mais te sofrer: adeus que já te não posso ouvir.
Sebast. Como te não faz conta, queres safar-te! Ora quem te conhecer
que te compre!
Ermit. Eu também não tenho grande prazer em aturar um impostor como
tu és; porém, antes de te retirares, quero dar-te um conselho. – Quando não
tiveres forças para defender um partido, não empreendas a sua defesa; porque,
sem Cabedal para isso, olha que mais o prejudicas, do que defendes. Não fales
em = Dellas Casas [De las Casas], = e na humanidade dos Regulares; porque,
se Rogério se contentou em te mencionar somente a sedição de Lisboa, outros
haverá que possam lavar-te as ventas com as Cruzadas, guerras de Religião,
fogueiras da Inquisição em que os Regulares têm praticado heroísmos. Não
venhas com ditos vagos como = meninos de Nápoles = amigos de Espanha
etc. – Olha que tais ditos já não pegam; nem mesmo a favor da Santa Aliança.
Os homens bons conhecem-se pelas obras = ex operibus eorum cognoscetis
eos7 =, e não pelo que dizem. Os amigos da humanidade, os verdadeiros
Religiosos, os que amam a sua Pátria, e desejam a sua prosperidade hão
de ser conhecidos pelas suas obras: agora os sediciosos, egoístas, e rebeldes
podem ser conhecidos somente por palavras; porque, na impotência de obrar
contentam-se com falar. Vai para o teu Cubículo, cuida nos teus deveres, não
te metas com o que não é da tua competência, ama a tua Pátria, busca inspi-
rar princípios virtuosos àqueles que te ouvem, não promovas partidos filhos
de ambição; nesse caso merecerás veneração, e não o desprezo que sobre ti
chamaram as parvoíces escandalosas que tens dito, e escrito.

F I M.

7
N.T.: Mateus, 7:20.

324
19

RESPOSTA
Á
SEGUNDA PARTE
DO
NOVO MESTRE

PERIODIQUEIRO:
JUNTANDO-SE-LHE POR APPENDIX AS COPIAS
AUTHENTICAS DA EXPOSIÇAÕ

DO CARDEAL DA CUNHA,
QUE PRECEDE O REGIMENTO DA INQUISIÇAÕ,
E DO ALVARA DE CONFIRMAÇAÕ DO MESMO
REGIMENTO EM 1774

_____________________
Dic bene, dic ráro: digito
compésce labellum1.
_____________________

LISBOA:
NA OFFIC. DE ANTONIO RODRIGUES GALHARDO,
Impressor do Conselho de Guerra.
Com licença da Comissaõ de Censura.
__________
1821.
1
Fala bem, fala poucas vezes; aperta teus lábios com o dedo. N.T.: Rezende, 1264.

325
Senhor Editor do novo Mestre Periodiqueiro.

Nem sempre aos lobos é possível o disfarçarem-se com a pele de cordeiro:


um pedaço da cauda, a ponta do focinho os dá muitas vezes a conhecer; e
quando em seu mal-entendido disfarce intentam armar ciladas traidoras a
incautas reses, são eles mesmos as vítimas do seu aleivoso estratagema.
Se Vossa mercê meditar sisudamente em seu aleivoso comportamento,
achará que o aviso que lhe fazemos é de amigo; se o quiser aproveitar, tempo
virá em que muito por isso nos fique agradecido; se não quiser, a sua custa
aprenderá o quanto é perigoso o caminho da traição.
Nós poderíamos, Senhor Editor, fabricar também um diálogo entre
um Doutor, um Sebastianista, e um Ermitão, para respondermos à segunda
parte do seu Novo Mestre Periodiqueiro; poderíamos seguir o mesmo estilo
chocarreiro para corresponder ao seu estilo; mas de tal não usaremos, por
duas razões mui atendíveis: 1.ª porque a matéria em questão é de mui séria
gravidade, tanto em sua mesma essência, como nos resultados, que Vossa
mercê busca promover: 2.ª porque a justiça deve apoiar-se em razões sóli-
das, sem que precise recorrer a sofismas, chocarrices e ardis, como fazem
os que intentam propagar absurdos, paradoxos, e falsas doutrinas. Nisto
deveis conhecer que o trilho que vamos a seguir é tão diverso do trilho que
adotastes, quando diferem entre si os princípios que nos regem, e os fins a que
aspiramos. Os vossos são os de alucinar a multidão; os nossos de a manter
em bom espírito: os vossos de excitar desconfiança; os nossos de consolidar
a boa-fé: os vossos de perverter os incautos, querendo santificar abusos; os
nossos desterrar abusos, e santificar a boa ordem: os vossos de inventar crimes
religiosos, para favorecer vossos interesses contra os interesses da Nação;
os nossos promover os interesses da Nação, e patentear os vossos erros: os
vossos, finalmente, são para rebelar a Nação contra a mesma Nação, para
marcar o vosso intento; os nossos, destruir o vosso intento para que a Nação
possa prosperar.
Eis aqui pois os diferentes princípios que nos regem, e o motivo por
que devemos seguir um trilho bem oposto; e como, para destruir a razão e a
justiça, não tem forças a malignidade, vós recorreis a invectivas, chocarrices e
sarcasmos: pelo contrário, como a razão e a justiça têm armas de sobejo; com
que, sem descer a tais baixezas, possa aterrar seus inimigos, nós usaremos das
armas da razão e da justiça, para combater as vossas invectivas, e sarcasmos.
Talvez vos pareça impossível que o vosso plano esteja descoberto, e talvez
busqueis persuadir-vos a vós mesmos, que falamos ao acaso sobre as vossas

326
intenções; mas para que não luteis por muito tempo com as vossas mesmas
conjecturas, eu vou desenganar-vos, e desenganar ao mesmo tempo aquela
parte dos nossos concidadãos, que, por nimiamente crédulos, poderiam ser
desgraçadas vítimas da vossa perversidade, e das nefandas maquinações de
vossos tenebrosos associados, e sacrílegos cooperadores.
A nossa Regeneração, justa e portentosa (justa na sua origem; porten-
tosa na sua execução) vos persuadiu que os abusos seriam acabados, e que
a boa ordem devia substituí-los: primeiro gole que se apresentou ao vosso
egoísmo, e por isso encarastes com horror o feito heroico dos Regeneradores
da nossa Pátria; porque um ambicioso não tem Pátria, e quase que não tem
Deus; se consultar com atenção a própria consciência talvez suas vozes lhe
digam – Deus noster venter est.2 –
Em princípio ainda vos alentavam as esperanças do que no Congresso
Nacional houvesse parte distinta certas corporações, que pudessem sobres-
sair ao voto geral da Nação, transtornar a ordem desejada, e restabelecer a
escravidão em que gemíamos. Vendo porém que os Portugueses conheciam
exatamente os seus interesses, e que sabiam tirar proveito da grande lição que
aprenderam na escola da desgraça; que resolveram com muito acerto não vos
admitir em seu Congresso; e que se dispunham a sustentar com energia os
verdadeiros princípios de consolidar a prosperidade nacional; então variastes
de plano, e projetastes sacrilegamente tornar em vosso proveito as virtudes
nacionais, e convertê-las (plano horrível!!!) contra a mesma Nação, a quem
servem de singular ornamento.
Sim, pérfidos, vós bem sabeis que a Nação Portuguesa é por essência
religiosa, fiel, e acérrima defensora da sua independência. De tudo tendes mil
provas, e sabeis que por tais virtudes o mundo inteiro a respeita. À vista pois
de tão raros e nobres predicados, parece que deveríeis encher-vos de glória
pela ventura de pertencer a tal Nação, e que para manter em pureza a honra
que disso vos resulta, concorrêsseis da vossa parte para aumentar o esplendor
de seu nome, e sua geral prosperidade; porém bem pelo contrário só buscais
perpetuar sua desgraça; ressuscitar a escravidão em que gemia; redobrar seus
ferros; santificar a sua ignorância; dividir seus filhos; iludi-la, enganá-la, traí-
-la, e abismá-la em um caos de desordens, e desgraças… Sim, estas virtudes
sublimes, Rebelião, Fidelidade, Independência, que adornam o coração de todo
o verdadeiro Português, são o alvo das vistas criminosas de certos homens
corrompidos, que abusando do nome Português, do Sagrado Ministério que
exercitam, e da boa-fé nacional, intentam sustentar o seu partido e ambição,

2
Nosso deus é o ventre.

327
convertendo-as contra nós mesmos, a fim de conseguir nossa desgraça, por
aqueles mesmos princípios que nos constituem respeitáveis, e que deviam
completar nova ventura.
Por tais e tão nefandos princípios, Senhor Editor, se associaram alguns
Portugueses degenerados com as vistas criminosas de traírem a nossa Pátria e
seus mais caros interesses: arranjaram Clubes anticonstitucionais; ligaram-se
por força de partido; estudaram meios de conseguir seus péssimos intentos; e
foram adotados como ótimos os de alucinar a multidão. Para isso discutiram-se
as matérias com vigor; veio a conselho a impostura, o fanatismo, o desaforo, a
traição, a perfídia e o descaramento: e todos em pleno conclave decidiram: “Os
Portugueses são por caráter essencial religiosos, fiéis, e amantes da independên-
cia nacional. O modo de levarmos avante o nosso intento, e de os perdermos,
é dividindo-os.” (Tome sentido, Senhor Editor, como vai certo o seu plano, e
como vai encontrando expressões, e até frases muito suas conhecidas) “Logo
que o tenhamos conseguido, sem mesmo nos expormos, o negócio marcha
por si mesmo. O vulgo ouviu falar em Constituição, e não sabe o que ela seja.
Pensou, nas primeiras impressões, que as riquezas lhe entrariam pela porta
adentro sem trabalho; porém como o benefício das reformas não é obra do
momento, mas sim da progressão, e ele não experimenta desde logo as fortunas
que antevia, é fácil iludi-lo pintando-lhe com feias cores a impossibilidade de
as ver realizadas. – A tropa também esperava grandes vantagens repentinas;
e ainda que os pagamentos se façam com mais regularidade; que os Postos
ocupados por Estrangeiros fiquem para os Nacionais; que as promoções
não excluam os Sargentos e fique a estrada do adiantamento franca a todo
o Soldado benemérito, seja qual for a sua hierarquia; que em geral a orga-
nização, e administração do Exército melhore em tudo: como tudo isto não
pode corresponder às suas esperanças (porque os desejos sempre excedem os
limites da possibilidade, e da razão) facilmente se desgostam, e por mais dez
réis com que se lhes acene, eles seguem o partido dos dez réis.” (Fora, Senhor
Editor! isso é conhecer bem mal o nobre caráter do Soldado Português! isso é
ignorar absolutamente o que ele tem constantemente praticado nos antigos, e
nos modernos tempos. Um soldado Português jamais vendeu a sua Pátria, e
a Causa da Nação.) “Os Lavradores, acabrunhados por impostos e tributos,
pensam que a nova ordem de coisas deve arrancá-los de improviso da opressão
para o estado da abundância, que os impostos se destroem, que os tributos
se aniquilam; mas vendo pela experiência que tal não acontece no ponto em
que o desejam (porque, nem o restabelecimento da agricultura é obra de um
momento, nem o Estado pode prescindir de certas rendas para as despesas
indispensáveis) facilmente se consegue o desgostá-los – Os Comerciantes, os

328
Artistas, e enfim todos, como esperavam mais do que na realidade é possível
que se faça; porque a tendência natural do coração humano, é desejar com
exorbitância, e por isso mesmo impossível o preencher os seus desejos; tanto
mais, que a massa geral do povo cede quase sempre às primeiras impressões,
e atende mais aos sentimentos do coração, do que aos ditames da prudência
refletida: por isso é razoável que se deixem arrastar ao que deles pretende-
mos. – No calor da revolução muitos conceberam esperanças vantajosas, que
depois se lhes não verificaram: estes são outros tantos inimigos da Causa que
a princípio promoveram. – Os Portugueses em geral têm por hábito inveterado
uma cega veneração por certas Classes, que não é possível destruir em um
momento; porque certos princípios, bebidos com o leite, e arraigados com
a educação, ganham tal força no espírito, particularmente da plebe, que os
absurdos mais grosseiros adquirem o privilégio de verdade incontestável. – A
tudo isto, pois, devemos acrescentar as nossas boas diligências, e levá-los por
todos os lados melindrosos: pelo que diz respeito à Religião, mostrar que se
pretendem fazer inovações que a destroem; que os Regulares são excluídos
do Congresso; que pretendem extinguir os Frades; que não haverá quem
para o futuro confesse, e subministre os outros Sacramentos; que, abolida
a Inquisição, a impiedade fica impune, e a libertinagem se propaga; e que
finalmente tudo isto não é mais do que a perniciosa influência da iniquidade,
que, a título de regeneração, intenta alucinar os Povos, banir o Sacerdócio,
destruir a Santa Religião, e perverter o ânimo dos fiéis: – pelo lado de fidelidade
ao Soberano, é preciso confessar, que a reforma era necessária” (pérfidos! E
como poderiam negá-lo!!!) “mas que esta reforma devia ser por outro modo,
convocando os Três Estados; consultando o Imperante; respeitando o Clero e a
Nobreza; não lhe usurpando as suas legítimas prerrogativas; pondo nestes uma
plena confiança; e confiando-lhes inteiramente a nossa sorte:” (estávamos bem
aviados! Quem perdeu Portugal?) – “pelo lado, finalmente, da independência
devemos absolutamente propagar por todos os modos, falando, escrevendo, e
até dirigindo cartas anônimas às Autoridades Constituídas, avisando que há
entre nós um partido vendido a uma Potência Estrangeira para lhe entregar
a nossa Pátria. O modo mais seguro de o fazer, é imputar este delito, a uma
Seita misteriosa; porque uma causa invisível não só é própria para auxiliar o
nosso manejo (porque ninguém poderá convencer-nos de falsários), mas ao
mesmo tempo é a maneira mais oportuna de fomentar a desconfiança geral
que tanto nos convém. Porventura não foi este o melhor partido que adotaram
no Congresso Laybac? Não atribuem aqueles Diplomáticos a regeneração de
Nápoles à influência dos Carbonaris? Um movimento espontâneo e universal
de todos os Napolitanos em massa nacional não foi atribuído às tenebrosas

329
maquinações daquela Seita? Deveriam porventura os da Santa Aliança confes-
sar que o peso da opressão, e a força do despotismo obrigavam os povos a
usar dos seus direitos, para recobrar a liberdade? Deveriam eles patentear ao
mundo inteiro que se dispunham a infringir todas as Leis divinas e humanas,
levando ao seio de uma Nação inocente todos os flagelos e horrores de uma
guerra injusta, somente para sustentar o seu poder absoluto, e despótico?
Deveriam eles dizer à mesma Nação, a quem vão sacrificar ao seu orgulho,
que não querem que ela goze dos seus Direitos? Não: era preciso achar um
pretexto: e qual melhor do que aquele que até pode dividir a mesma Nação
que pretendem destruir? E para isso, qual mais oportuno do que um princípio
invisível, que, não podendo conhecer-se no resto dos indivíduos, os torna
vacilantes, desconfiados, e desunidos entre si por suas mesmas conjecturas?
Eis aqui a razão por que mui judiciosamente procuram o artifício de imputar
aos Carbonaris aquilo que só tem por origem o despotismo dos governantes, e
a nímia opressão dos governados. – E por que razão havemos de seguir um tal
exemplo? Falemos em Religião profanada; ilegitimidade de procedimentos que
ofendem o Soberano; venda de nossa independência a uma Nação estranha:
espalhemos tais notícias por todos os modos possíveis: atribuamos tudo a uma
Seita invisível, – e vai lá buscar quem te deu. – Por este modo conseguiremos
semear a desconfiança no Congresso Nacional, no Governo Executivo, na
massa geral da Nação, e o resultado será o que pretendemos, transtornar, e
dividir. – Entretanto alguém deve chegar do Rio de Janeiro, e, se antes disso
não houver ocasião favorável, esse é o momento da coisa arrebentar. – A fim
de melhor dispor os ânimos, devemos escrever para o povo: coisas sérias não;
porque podemos destruir a razão, e a justiça, porém escolhamos um assunto
que possa favorecer as nossas vistas, e logo mãos à obra”.
Eis aqui, Senhor Editor, o vosso plano: olhai-o bem, e conhecei-o.
Daqui nasceram os Novos Mestres Periodiqueiros, os Exorcismos, a Carta
do Barbeiro da Aldeia, o Cordão contra a Peste, e o mais que vier.
Foi adotado o plano de invectivar contra os Periódicos, porque preen-
chem duas indicações: 1.ª o meter a ridículo as verdades que eles dizem, e
que vos não convém: 2.ª o poder caluniar as determinações do Congresso
Nacional, com o disfarce de somente atacar os Periodiqueiros. E na verdade
debaixo deste véu tendes cometido os crimes mais atrozes! Quereis vê-los?
ora dizei: o assunto da primeira parte do Novo Mestre Periodiqueiro não era
o criminar as eleições dos Deputados por não serem admitidos os Regulares?
E tal deliberação foi tomada pelos Periodiqueiros? – Dizei mais: o negócio
de se abolir a Inquisição tem sido porventura tratado em algum periódico
tão vigorosamente como se tem tratado na sala das Cortes? – E o que dizeis

330
vós na segunda parte do Novo Mestre Periodiqueiro, sobre um tal assunto?
E ainda vos atreveis a sustentar, que é somente contra os periódicos, que
empregais a vossa pena? – Quanto sois indigno da indulgência da Nação, e da
benigna moderação do seu governo!!! Que seria de vós, e de vossos cúmpli-
ces, se houvésseis praticado tais horrores opostos aos interesses do Governo,
que findou em 15 de Setembro!!! = Porém tende cuidado, vede bem que......
Mas vamos à resposta do que escreveis na segunda parte do Novo Mestre
Periodiqueiro. Nesta resposta eu me lisonjeio de fazer à Nação um serviço,
e a vós grande favor, se o quiséreis aproveitar; ou abjurando vossos crimes,
ou ao menos coibindo o vosso desaforo.

_______________________________________

RESPOSTA À SEGUNDA PARTE


DO
NOVO MESTRE PERIODIQUEIRO
Deixaremos o artifício maquiavélico apresentado em forma de diálogo:
não trataremos do que se diz a Periodiqueiros, que neste caso olharemos
como as tabelas de um bilhar, de que os jogadores somente usam quando não
podem sem risco empregar o jogo direito; e desembrulharemos da pérfida
ironia tudo quanto por sua gravidade, impostura, e sentido errado, pode
alucinar, perverter, ou iludir.
Não trataremos portanto do que há desde o princípio, por serem friolei-
ras insulsas (ainda que aleivosas), e vamos à página 7. Ali diz o Sebastianista:
“Há coisa mais temível, do que calar-se A Voz da Razão, e aparecer em seu
lugar a Espada de Alexandre? Quando a razão se cala, aparece a espada!
Isto é mau agouro: eu não sei o que isto me prognostica.” A isto responde o
Doutor com o artifício da ironia costumada, e adotada no plano anticonsti-
tucional do tal conclave. “Longe de vós esses maus agouros: isso é fraqueza
de cérebro, é debilidade de nervos. A razão e a espada têm entre si relações
muito íntimas; não digo que sejam irmãs naturais; mas são comadres. A
razão para se fazer escutar chama a seu socorro a espada, e a espada serve
para sustentar os direitos da razão. Quem sabe se a espada de Alexandre
aparecia agora para defender os povos da voz da razão, que se dispunha a
calar-se? Enfim tudo isso são ninharias em que ninguém deve ocupar-se.”

331
Quem haverá tão estúpido que não descortine, por entre o fingido dito do
Sebastianista e a resposta irônica do tal Doutor, a perfeita malícia com que
o Editor do sedicioso folheto intenta denegrir o procedimento legítimo e
santo com que a Nação intentou regenerar-se? Quem não vê com evidência
a maneira indecorosa com que intenta deprimir o comportamento brioso,
honrado, heroico e nunca assaz louvado, com que o nosso Exército coadjuvou
a causa da Nação? Quem não observa, na alegoria de se calar a razão e apare-
cer a espada, que o Editor quer inculcar que o partido da força e a violência
usurparam os direitos da razão e da justiça? Quem?... Só quem não tiver lido
com atenção a primeira e segunda parte do Novo Mestre Periodiqueiro, e
todos os outros alfarrábios escritos pela vil caterva dos servis: só, finalmente,
quem não tiver atendido ao que eles chamam razão, justiça, e legitimidade;
porém todos os que lhes derem atenção, bem conhecerão o veneno. E não
treme da Nação, e do Exército quem tanto ousa ofendê-los! Parece incrível!
À página 8 continua. “Platão escreveu grandes coisas sobre uma perfeita
República, que nunca há de existir, nem existiu senão na sua cabeça. Cícero
compôs um livro do perfeito Orador, que nunca há de haver. Deixai pois aos
Periodiqueiros formar esses planos de uma perfeita administração política,
sem que vos importe se podem, ou não realizar-se. O que o Público quer é
ser feliz, porque isso é natural ao coração humano. Quando lê planos, que
lhe prometem uma próxima, e abundante felicidade, alegra-se, exulta de
júbilo, compra os papéis que lhe prometem semelhantes venturas, e raras
vezes se demora no exame da sua possibilidade ou impossibilidade.” Ora
diga, Senhor Editor, é porventura aos Periodiqueiros a quem Vossa mercê se
dirige quando trata de planos de melhoramento? Não: Vossa mercê a quem
se dirige é àqueles que realmente se ocupam em melhorar a administração
política; e aos Povos, para que tenham como impossível um tal melhoramento,
e desanimem de o conseguir, julgando-se iludidos em suas esperanças. Para
isso é que Vossa mercê lhe apresenta o exemplo de Platão e de Cícero, e a
impossibilidade de conseguirem seus intentos: para isso é que Vossa mercê
argumenta com a propensão do coração humano para buscar felicidade: para
isso é que Vossa mercê mostra os sentimentos que produz a esperança da
ventura; e para isso é que Vossa mercê lembra, que tal esperança só por si
alegra e dá júbilo, enquanto se não examina a possibilidade ou impossibili-
dade de a ver realizada. Mas, para destruir tudo de uma vez, logo a princípio
lhe atira com a impossibilidade de se conseguir a perfeição. Mui ridículos, e
fúteis são os argumentos de má-fé! Então porque não é possível obter a suma
perfeição (porque essa não se dá nas coisas humanas) não devemos aspirar à
perfeição possível? Porque não podemos ter o ótimo, devemos sujeitar-nos

332
ao péssimo? Porque não podemos ser completamente felizes, devemos nós
mesmos conservar-nos na desgraça absoluta? Ora, Senhor Editor, seja mais
coerente em suas ações, do que o parece em seus argumentos: fuja do mal
quanto puder, e aproxime-se à ventura quanto couber em sua forças: tome o
meu conselho, e não siga o otimismo, olhe que é doutrina errada e absurda.
Vossa mercê bem o sabe, mas não o quer dizer. Ora diga, Senhor Editor, acha
Vossa mercê que, por falharem as teorias de Platão, não devem os Portugueses
arranjar planos para melhorar a sorte do seu País? Se os Ingleses, os Suíços,
os das Províncias Unidas da América, os Suecos (já lhe não quero falar em
acontecimentos mais modernos) assim pensassem, acaso gozariam eles hoje a
ventura que desfrutam? Forte propensão tem Vossa mercê para os extremos!
Já na primeira parte do seu Novo Mestre Periodiqueiro Vossa mercê queria,
que ou os Frades gozassem grandes riquezas, ou morressem de fome: que
ou os bens que possuem lhes fossem conservados intactos, ou que fossem
destinados para cômicos estrangeiros, ursos, e macacos! Não acha Vossa
mercê que pode haver um meio-termo entre ótimo e péssimo? Por exemplo:
não acha Vossa mercê que na ordem dos Frades pode haver mediania entre
um Santo como foi São Bruno, e um perverso relaxado, e sedicioso como
certos que Vossa mercê há de conhecer, que desacreditam o seu semelhante,
promovem a desgraça da sua Pátria, excitam a desconfiança, profanam a
Religião, e só premeditam horrores? Pois não acha Vossa mercê entre o ótimo
e o péssimo, bom, sofrível, menos mau, e mau? Não acha Vossa mercê, que,
se não podemos conseguir o ótimo, devemos trabalhar por alcançar o bom,
o sofrível, o menos mau? Pensa que, porque nos querem empurrar o péssimo,
devemos fechar os olhos, contentar-nos com ele, e andar para diante, dê lá por
onde der? – Não seja assim, pense como deve pensar, e não ensine doutrinas
erradas: olhe que no seu modo de expressar até se descobre erro em princí-
pios religiosos. A providência fornece-nos os meios de sermos felizes, mas as
diligências estão da nossa parte: quem disser o contrário disto é mais ímpio
do que são aqueles que chamam aos Frades ociosos, e dizem que não deve
permanecer a Inquisição.
A respeito deste Tribunal (que tendo sido o verdugo da humanidade,
fez o seu maior opróbrio) ocupais vós em vosso folheto quanto vai de página
8 até página 14, e dais por paus e por pedras: chamais ímpios, sacrilégios,
blasfemos a quem propugna pela extinção desse sanhudo Tribunal. – Dizei,
conheceis acaso alguma história mais escandalosa a todos os respeitos do
que a história da Inquisição? E não vos correis de pejo dos paradoxos que
escrevestes? Não vos tremeu a mão quando escrevestes a Nota que se acha a
página 8, e conclui: “Quem for a imparcial decidirá. Também soltam clamores

333
vagos, dizendo que o Santo Ofício é um Tribunal abusivo, usurpador dos
direitos episcopais. Nós quiséramos ver provas disto, ouvir, e ler argumentos,
mas até aqui só temos lido invectivas, e ditos vagos que nada provam.” Quer
provas, Senhor Editor? Quer provas?… Pois bem: no fim achará por apêndice
a exposição do Cardeal da Cunha, que precede o Regimento da Inquisição
de 1774, e o Alvará de confirmação do Senhor Rei Dom José. Ali verá com
horror (se tem alma para isso) que desde a instituição funesta deste horrível
Tribunal (no tempo do Senhor Dom João III) até a época de 1732, apareceram
nos cadafalsos públicos, em hábitos de infâmia, vinte e três mil sessenta e
oito réus recebidos, e mil quatrocentos e cinquenta e quatro condenados ao
fogo: ali verá de que é capaz a impostura, fanatismo, hipocrisia, e superstição
dos Regulares. Ah! E atreveis-vos a exigir provas? Pois ali as achareis: e se
quiserdes recorrer à história geral da Inquisição, achareis que a hipocrisia, e
o fanatismo têm vertido mais sangue sobre a terra, do que todas as guerras
políticas. E à vista de tais provas poderá alguém admirar-se do que praticam
os hipócritas para conservar os povos na estupidez, e mascarar as torpezas
que exercitam? À vista de tais provas podereis sustentar que tal carniçaria se
compadece com a Religião de um Deus misericordioso?
Ah! e são estes somente os horrores que têm produzido o fanatismo?
Quantos nomes de Monges e Jesuítas não encontrais vós em todas as conspi-
rações contra Soberanos? Quem tem acendido todas as guerras de Religião e
das Cruzadas? Quem tem nos púlpitos, e confessionários excitado à revolta
contra o Senhor Dom Sancho, e outros muitos Príncipes? Quem (dizei mais
ainda Senhor Editor) tem hoje mesmo em nossa portentosa Regeneração
procurado transtorná-la, excitar partidos, e promover a guerra civil? Quem
senão os mesmos hipócritas, que sempre têm intentado sacrificar o mundo
às suas perniciosíssimas vistas de ambição? E quais são os princípios de que
tais monstros sempre se têm servido? Não são os manejos da hipocrisia, a
título de manter em pureza a doutrina da Religião? Não tem sido por tais
pretextos que eles têm querido estorvar as melhores instituições? Não tem sido
por tais pretextos que têm feito anatematizar tantos Príncipes? Não é agora
mesmo por tais pretextos que aparecem nos Novos Mestres Periodiqueiros,
Exorcismos, Cordão contra a Peste, Barbeiro d’Aldeia, e outros papéis
semelhantes, as doutrinas mais erradas, e fanáticas? Não é por tais pretextos
que alguns pregadores hoje mesmo, com o maior escândalo da boa razão
e doutrina do Evangelho, clamam contra a soberania legítima da Nação, e
autoridade legitimamente exercitada pelos seus representantes? Em que sóli-
das razões fundaram eles os seus ditos? Não poderá o Congresso Nacional
abolir a Inquisição? Será ímpio e sacrilégio quando a tanto se atrevesse? Qual

334
é a lei Divina que a tem instituído? Qual é o Dogma que se ofende, quando
se decrete a sua abolição? Não poderá o Congresso Nacional tomar qualquer
disposição acerca dos bens eclesiásticos sem incorrer no crime de impiedade?
Se há quem duvide do poder da Soberania sobre as pessoas e bens de eclesiás-
ticos, leia o nosso Padre Antonio Pereira de Figueiredo em suas obras escritas
em 1765: leia a Epístola de S. Pedro em que recomenda como primeiro dever
a obediência à Soberania e Magistrados… Ah! quão providentemente este
Príncipe dos Apóstolos dirigiu a sua Epístola aos Fiéis para os firmar em guar-
darem inviolável a doutrina, e a tradição dos Apóstolos, e para os premunir
contra as ilusões dos falsos Doutores! Quão evidente hoje observamos o que
anunciam as Sagradas Letras, que nos dizem: “Que as ilusões do fanatismo
tem prejudicado mais a Religião, do que todos os erros dos hereges!”
Senhor Editor, entre em si, leia São Damaso, e veja que o primeiro trabalho
deste santo varão, quando ocupou a Cadeira Pontifícia, consistiu em reformar
a disciplina do Clero (principalmente Regular) que em geral só cuidava em
procurar as comodidades da vida, envolver-se em negócios temporais, ter
comunicação com seculares e mulheres mundanas: levando a tanto o excesso
do seu escandaloso comportamento que procuravam com preferência as viúvas
ricas para satisfazer ao mesmo tempo um segundo crime, o de ambição, e
avareza. Se no tempo de São Damaso a depravação dos Regulares precisou
ser coibida por uma severa reforma, qual será a precisão em nossos dias!!!!!!!!
Leia bem os dois documentos que damos por apêndice, e conhecerá que
os excessos, atrocidades e horrores pela Inquisição praticados, não são enfer-
midades do século, como Vossa mercê à página 12 assevera; nem tampouco é
verdade que nos Tribunais civis se praticassem outros semelhantes. Sabe quem
produziu tantos horrores? Foi a malícia, ou maldade refletida dos Regulares;
foram as máximas despóticas do claustro; foi o criminoso fanatismo: ali o
verá com evidência. Vossa mercê deve saber isto muito melhor do que eu;
porém como o que pretende é desfigurar os fatos, e alucinar a multidão, por
isso à página 12 escreve: “Quero conceder” (obrigado a sua generosidade!)
“que a Inquisição cometesse em outro tempo alguns excessos: estes mesmos
excessos se encontram nos outros Tribunais civis;” (mente Senhor Editor; e
senão prove-o) “eram defeitos do tempo, e não das pessoas, ou dos Tribunais,
rigorosamente falando. Todos os séculos têm suas enfermidades” (as do nosso
são Corcundas) “que se curam com o andar dos anos pelas novas ideias, e
novas luzes que adquirem.” (Enganou-se Senhor Editor: aquelas curaram-
-se, não com o andar dos anos; mas sim com o andar dos Jesuítas) “O que
parece bem em um século, é considerado como um mal em outro. Quem sabe

335
se aquilo que hoje praticamos, virá a ser algum dia objeto de vitupério e de
reprovação?” (Fora velhaco sedicioso!) “Não sei; o que sei é, que naqueles
tempos se considerava como um bem o que praticava a Inquisição;” (mente,
torno a dizer) “e hoje considera-se como um mal. E por que há de clamar-se
contra a Inquisição por este mal, quando tal mal era próprio dos tempos?”
Dos tempos, Senhor Editor? Ora leia bem o que diz o Cardeal da Cunha, e o
Alvará do Senhor Rei Dom José, e diga-nos depois se o mal era dos tempos,
ou da perversa iniquidade dos Regulares! Vossa mercê anda mesmo como gato
por brasas, sem saber o que diz, nem o que faz. O seu fim é falar e embrulhar;
o mais não lhe importa. Diz e desdiz, como quem vai de caminho. Quer que
o correr dos anos tragam novas ideias, e novas luzes; mas quando estas ideias
e luzes aparecem, grita contra elas; não quer inovações; tudo são impiedades
e sacrilégios; ninguém se mexa; deixe-se estar tudo como está; e o contrário é
destruir a Religião pela raiz. Então como é isto? Que vêm as ideias e luzes cá
fazer, se tudo há de ficar como estava?
Também não é para desprezar o excesso de má-fé, e da velhacaria com
que Vossa mercê converte em crimes do século os crimes dos Regulares; porém
logo que apareça alguma coisa que não pertença a estes Senhores, então é crime
de indivíduos. Então isto é em tudo: por exemplo: tem a Inquisição cometido
mil horrores; a culpa é do século: intentamos nós obstar aos abusos que nos
perderam; somos homens corrompidos, infiéis, ímpios e sacrilégios: – há um
Frade virtuoso, e dez mil que o não são; todos os Frades são virtuosos: – há dez
mil Seculares honrados, e um que o não seja; no século tudo é perversidade:
– há um Frade que fez uma descoberta, em comparação de cem mil que tem
feito os Seculares; todas as descobertas se devem aos Frades, e coitadinho do
mundo se eles não existissem! – Finalmente os crimes nos Frades nascem da
enfermidade do século; e os erros nos Seculares têm outra origem, é perversi-
dade de um coração mundano engolfado na iniquidade. Pois assim é que é o
fazê-lo: o mais é história!
Tanto Vossa mercê anda como gato por brasas, e fala a torto e a direito
sem lhe importar contradições, que só por marcar aos seus fins diz agora uma
coisa; e porque daqui a pouco lhe convém o contrário do que disse, venha o
contrário sem lhe importar o mentir, ou não mentir: por exemplo; como Vossa
mercê agora o que pretende é provar; que as atrocidades da Inquisição eram
enfermidades do século, e tinham por origem a ignorância daquele tempo; diz
à página 13: “Para que havemos nós vituperar os excessos que a Inquisição
cometeu, quando sabemos que tais excessos eram próprios daqueles tempos,
e que cessaram logo que as luzes se aumentaram, começaram a vagar novas

336
ideias, e as circunstâncias mudaram?” Aqui tem Vossa mercê o Reino de
Portugal submergido nas trevas, e na ignorância até o ano de 1774, em que
começaram a vagar novas ideias, e as luzes a progredirem até que mudaram
as circunstâncias. Isto diz Vossa mercê agora porque neste momento, para
desculpar os horrores perpetrados pelos Regulares, intenta atribuir ao pobre
tempo os crimes que eles cometeram. À página 27, porém, da primeira parte
do Periodiqueiro, como o seu intento era provar os grandes serviços que se
devem aos Regulares, foi buscar o argumento da extinção dos Jesuítas, e faz
uma bulha dos meus pecados para mostrar que a educação da mocidade,
desde esse tempo, se perdeu, a imoralidade e irreligião de tal maneira se
desenfreou que causa horror: tudo é ignorância, impiedade, etc. Ora agora
escolha, Senhor Editor, ou Vossa mercê mente quando diz que a culpa das
atrocidades da Inquisição é filha da ignorância dos tempos, (porque eles eram
os da influência Jesuítica) ou mentiu quando disse que a ignorância tinha
começado entre nós pela extinção destes Regulares. Se mente agora, então é
claro que a culpa não é dos tempos; mas sim da maldade dos Regulares: se
mentiu, então restitua-nos o nosso crédito; diga que as luzes têm progredido;
que os abusos foram corrigidos; que foram muito bem exterminados os tais
Regulares; que nenhuma falta, antes muito bem da extinção se nos seguiu; e
que será um grande benefício para a Nação, que se faça outro tanto a todos
os que, como eles, prevaricarem em seu ministério.
Também nos parece duro, que Vossa mercê se atreva a tratar de séculos
de ignorância aqueles em que existiram os seus Ribadaneira, Mabillon e toda
a chusma de Monges com que nos aturde como prodígios de saber! Tanta
ignorância em tempos de tais sabichões, e tantas luzes e novas ideias no
desgraçado tempo de nossa insapiência!!! Oh fanatismo, fanatismo! Muito
velhaco, e muito descarados és tu!!!
Se o não fora tanto, estou bem certo que Vossa mercê, Senhor Editor, se
não atreveria a escrever o que vai no fim de página 14 , e à página 15, quando
atribui a um Castelhano uma profecia, que Vossa mercê diz que ele fizera no
meio de uma assembleia de Portugueses, e é a seguinte: “El año de mil ocho-
cientos y veinte uno, no havrá Rey alguno: en mil ochocientos y veinte dos,
no havrá ni Rey, ni Diós: en mil ochocientos y veinte tres, España y Portugal
una és.”* Ora sabe Vossa mercê, Senhor Editor, o que me veio agora à cabeça?

* No ano de mil oitocentos e vinte e um, não haverá Rei algum: em mil oitocentos e
vinte e dois, não haverá nem Rei, nem Deus: em mil oitocentos e vinte e três, Espanha
e Portugal será uma.

337
Eu lhe digo: desejava neste momento ser Governo Executivo, ou, pelo menos,
Intendente Geral da Polícia. E sabe para quê? Para o mandar agarrar a Vossa
mercê, e fazê-lo dizer a quem, quando, e como tinha ouvido essa profecia;
indagar bem o fato, e proceder severamente contra quem tivesse dito tais
blasfêmias, e absurdos religiosos e políticos, se com efeito fosse verdade a exis-
tência de um fato tão nefando, ou sendo isso invenção (como é) da sua pessoa
e companhia, pagar-lhe muito bem a curiosidade. Olhe que esta medida, aliás
justíssima e necessária, aclarava muito um calcanhar, e talvez curasse grandes
aleijões! Ora diga a verdade: se tal acontecesse (e devia acontecer) que diria
Vossa mercê? Parece-me, parece-me que havia sentir assim alguns arrepiamen-
tos de frio, como quem se assusta por ter sido apanhado com a boca na botija.
Aqui para nós ninguém ouça: Vossa mercê com tais ditos (que a
ninguém ouviu) o que pretende é ir andando com o seu plano; semear a
cizânia; motivar desconfianças que dividam; transtornar as boas intenções
dos que esperam úteis reformas, arrefecer o bom espírito nacional; e desem-
penhar por este modo os arranjamentos, que tratou com a súcia do conclave:
eis-aqui a razão por que Vossa mercê vai por aí afora até a página 24 dando
à direita, e à esquerda em todas as quantas esperanças de melhoramento
lhe vão ficando a jeito, apresentando teorias abstratas da imperfectibilidade
das coisas humanas; até que na mesma página 24 chega aos Regulares, e
então como por milagre (ou porque eles não pertencem a coisas humanas)
acha Vossa mercê que a seu respeito pode haver uma perfeita reforma, e
tirar deles a Sociedade o mais sólido proveito. Então como é isto, Senhor
Editor? Platão escreveu grandes coisas sobre uma perfeita República, que
nunca há de existir: os homens cansam-se em vão para melhorar a sua sorte,
porque sempre hão de existir os mesmos erros, os mesmos males: sempre
desejamos mudar, porque mudando nos parece que seremos mais felizes;
mas por mais que trabalhemos, nunca encontraremos a pretendida felicidade:
e Vossa mercê apenas chega aos Regulares logo acha meios de os reformar
perfeitamente, e torná-los um modelo de perfeição, e utilidade? Como diabo
pode ser isto? Pois eles não são homens? Então como acha Vossa mercê, que
seja possível arranjar-se com a perfeição uma Constituição Monacal, e que
seja impossível à Nação conseguir levar à possível perfeição a sua Constituição
Política? Vossa mercê não faz caso de bagatelas: contradições e verdades para
Vossa mercê tudo é o mesmo: a diferença só está na conta que lhe fazem.
Pois se Vossa mercê se embaraça com essas coisas, como se atreveria a
mentir à face do mundo inteiro, atribuindo à invenção dos Monges, e dos
Regulares aquilo com que nem ao menos eles se atreveram a sonhar? Ora
diga, Senhor Editor de parvoíces, com que alma, e com que consciência intenta

338
Vossa mercê mangar com a pobre gente que o atura (parecendo-lhe que essa
casca há de ter algum miolo) para lhe impingir assim sem mais nem mais, que
os barcos de vapor são da invenção de um Padre da Companhia? Diz Vossa
mercê que não leu isto; mas se o não leu, que culpa tem a pobre gente de
Vossa mercê engolir os carapetões que lhe arrimou essa pessoa muito erudita,
e muito curiosa (em arranjar a sua mentirinha) sobre o que viu na Biblioteca
do Rio de Janeiro? Pois Vossa mercê porventura crê que ele visse o tal plano
do Jesuíta a respeito de barcos a vapor?… Porém falemos um bocadinho
aqui à mão: se Vossa mercê me assegura que o tal Senhor erudito, e curioso é
pessoa de palavra, peça-lhe da minha parte que vá procurar o tal plano reme-
tido ao Excelentíssimo Senhor Bispo de Beja Dom Fr. Manoel do Cenáculo
(é provável que o não levasse para outro mundo) só para esfregarmos com
ele as ventas a Mr. Buchnan: maganão! intentar roubar-nos a glória de tal
invenção! Veja Vossa mercê no Arquivo das Descobertas, e Novas Invenções,
como este tratante diz em muito boa letra redonda: “que o primeiro ensaio
de barco se poder mover pela ação do vapor, foi feio no ano de 1801; e que o
primeiro barco que se construiu e pôs a navegar foi em 3 de Outubro de 1807
em Nova Iorque.” – Venha, venha já o plano do nosso Jesuíta, e com este
documento incontestável (se não bastar a palavra do erudito curioso) vamos
sem demora intentar uma ação de reivindicação contra aquele mariola, que se
atreveu a roubar a nossa glória. Não se descuide, Senhor Editor, bem vê que
se trata da honrosa memória de um Regular, que mesmo no momento da sua
prisão quis deixar a sua Pátria um testemunho tal da grandeza da sua alma:
Aquilo é que eram homens! Aquilo é que era saber pagar ingratidões com
finezas! Aquilo é que era… Oh não lhe esqueça dizer ao tal Senhor erudito
curioso que sempre será bom saber o nome do tal Manigrepo por causa do
requerimento que havemos de fazer… Porém isso também não importa: se
aparecer, apareceu; e se não começa-se: “Diz um Senhor erudito e curioso,
como bastante Procurador de um Jesuíta, que por nome não perca, etc.” assim
tudo se remedia; Mr. Buchnan vai para sete braças abaixo do inferno; e a
alma do Jesuíta fica se lambendo com a patente de Inventor. Ora deixe-nos,
que nós lhe faremos o catatau!
A respeito de Vossa mercê querer atribuir a um Monge a invenção de
juntar as uvas de diferente qualidade em uma mesma cuba; e que por isso
foi o descobridor do vinho, sobre este ponto lá me parece que poderemos
ter alguma contenda mais séria com algum destes taralhões, de que o século
abunda tanto: eu sei lá se porventura eles começaram a ir por esse paganismo
dentro a agarrar pelas barbas algum sacerdote de Baco, e que o tragam a juízo
a fim de nos acusar com procuração da sua divindade, do mesmo modo que

339
o Senhor erudito curioso há de acusar Mr. Buchnan! Eu sei lá se todos esses
estudantinhos de Gramática Latina (que às vezes são atrevidos) nos pregaram
por aí alguma caçoada escolástica, por engolirmos Araras! Bem sabeis que eles
trazem entre mãos as Bucólicas, e as Geórgicas de Virgílio, as Odes de Horácio,
as Comédias de Terêncio, que por ali a cada canto estão encontrando o deus
Baco, e uma vinhaça dos meus pecados; e tudo isto em tempo que nem ao menos
se sonhava que os Monges, e Frades haviam de vir abrilhantar o mundo com
as suas descobertas! Quem nos dá a nós a certeza também, de que não haja
ainda por aí alguma Figuranta, ou Comparsa que entrasse em razão de ofício
em uma Burleta, que há poucos anos se representou no Teatro de São Carlos,
com o título de – O Bacanali di Roma –! Se tal acontecesse, e se lhe mete na
cabeça fazerem-nos algazarra? Ora imagine Vossa mercê, Senhor Editor, que
um destes dias de Primavera Vossa mercê saía de sua casa, atravessava a Praça
do Rocio para ir visitar um seu amigo ali pelas alturas do segundo quarteirão
da rua do Ouro (já se sabe dia feriado em que não houvesse aula) e que nestes
comenos lhe saía ao encontro um bando dos tais sujeitos e sujeitas, Estudantes
de Gramática; Comparsas e Figurantas, gritando como galfarros: “Fora tolo!
Fora tolo! Fora tolo! Quem te meteu na cabeça o carapetão de ter sido inventor
do vinho o Monge Beneditino do Mosteiro d’Orvigliers? Forte Editor és tu!
Engoles petas, ou queres empurrá-las aos outros? Se as engole és tolo: se as
empurra és maganão.” Então qual há de ser a sua desforra quando isto lhe
aconteça, Senhor Editor? Eu, só de o pensar, estou tremendo!… Porém Vossa
mercê é de feição, não encordoa com estas coisas… E também tem razão:
quem tem contradições por ninharias, deve ter anacronismos por bagatelas!
Quem é tão asno que tenha tais escrúpulos! Que importa que já houvesse
muito vinho antes de haver Monges, para se dizer que foi um Monge quem
o inventou? E até mesmo quando se veja apertado pode dar-lhe uma saída,
e vem a ser: que Vossa mercê tem certeza de que foi um Monge o inventor,
e se não era Monge existente, era um Monge possível. Com que assentamos
nisto, e eu fico mais descansado.
Agora pelo que pertence à pólvora, que também Vossa mercê pretende
que seja invenção de um Monge, teremos por aí também algumas dúvidas;
porque sobre esse assunto nada temos certo: olhe Vossa mercê o que diz Mr.
Brisson no seu Dicionário de física. “O Autor, o lugar, e o tempo da descoberta
da pólvora não são bem conhecidos. Thevet quer atribuí-la a um Monge de
Fribourg, chamado Constantino Anelzen: Belleforest, e outros pretendem que
tal descoberta fosse de um Alemão chamado Betholdo Schwart; eles asseguram
que, pelo menos, foi ele o primeiro, que no ano de 1380 ensinou a usar dela
aos Venezianos, quando faziam a guerra aos Genoveses. Entretanto Ducange

340
diz que o registro da Câmera das Contas faz menção de pólvora no ano de
1338. Apesar de tudo isto ainda se julga que a pólvora é mais antiga; porque
há menção dela em um tratado publicado em Oxford em 1216.”
Não obstante a incerteza do Autor, do lugar, e do tempo de invenção da
pólvora, se Vossa mercê quer que com efeito atribuamos decerto a um Monge
a sua descoberta, isto pouco custa; porque assim como se diz, que um Jesuíta
inventou os barcos de vapor, e um Monge o vinho, diz-se também que outro
inventou a pólvora: vamos lá, eu por mim não desmancho a súcia; vamos a
isso atribua-se tudo aos Monges… Mas agora me lembra que vamos imbicar
com um sabichão do seu conclave, o ilustre Editor do Reforço ao Cordão da
Peste. Este homenzarrão (sem saber que Vossa mercê pretendia brindar um
Monge; porque se o soubesse não era certamente capaz de o afrontar, depois
que a nossa Regeneração os uniu em partido, apesar dos Desaprovadores,
Espectadores, e tudo quanto termina em ores, em que ele pôs os Frades a
ver jurar testemunhas…, porém o que lá vai, lá vai) vamos ao caso: este
homenzarrão, como eu ia dizendo, atribui a invenção da pólvora a um
Franciscano: vid[e] Reforço ao Cordão da Peste, página 17, e 18. Ora Vossa
mercê sabe que um Franciscano não é um Monge; e o querer comparar uma
coisa com outra, seria o mesmo que dizer que um Fidalgo é um Barbeiro, e um
Barbeiro é um Fidalgo: e Vossa mercê não ignora a bulha por aí vai naquela
Carta gratulatória, correcional, adicionatória, e apologética (que também é
da fábrica do seu conclave) sobre um tal assunto: em consequência do que
fiquemos certos, de que, nenhum Franciscano é um Monge, nenhum Monge
é Franciscano. Neste caso pois de não ser um Monge um Franciscano, nem
um Franciscano um Monge; e dizendo Vossa mercê que um Monge é o inven-
tor da pólvora, e asseverando o tal homenzarrão, que a descoberta é de um
Franciscano; segue-se que os Expositores não concordam: e esta discrepância
pode produzir algum conflito, pelejarem as comadres, e descobrirem-se as
verdades. Se Vossa mercê quiser tomar o meu conselho, não deve mostrar
muito afinco em defender a sua opinião; porque o tal homenzarrão é cabeçudo
como todos os diabos; e, se uma vez se abispa, é capaz de tornar à vaca fria
(que outros dizem ferida; mas eu não teimo: valha a verdade) e lá vão outra
vez Frades, e Monges tudo em polvaroz; rebela-se contra o partido (mesmo
até, porque o seu forte não é ter palavra, constância, e fidelidade) e tornará a
dizer o que já disse. – Tenha Vossa mercê paciência por esta vez; dê a prece-
dência ao Franciscano; não propague pelos foros monacais; e seja embora
um Franciscano o inventor da pólvora: se não é Monge, sempre é Frade, e
então nesse caso sempre é melhor que tal glória lhe pertença, do que vá por
aí cair nas mãos de algum bigorrilhas secular.

341
Só me resta ainda um pequeno escrúpulo, e vem a ser, o dizer o tal
homenzarrão: “O Frade Franciscano que casualmente a encontrou na Europa,
foi tido por um diabo, e quando ele saiu ao ar pela boca do almofariz em
que pisava os tais adubos de que ela” (pólvora) “se compõe, todos disseram,
que ou era o diabo, que se ia embora, ou era o diabo que o levou.” Aqui
há três coisas muito atendíveis para Vossa mercê: 1.ª ser um Franciscano,
e não um Monge; 2.ª ser um encontro casual a tal achada; e nesse caso já
vê que a descoberta nem é filha de observações, nem de estudo, nem de
meditação, nem de força de combinações: portanto não é tão gloriosa a
invenção como Vossa mercê queira inculcar-nos; porque, se as descobertas
ao acaso conferem merecimentos, grande mérito tem o porco, e mais não é
Frade (ainda que a maior parte destes o sejam) em descobrir as batatas; 3.ª
e mais consequente, que me parece que o tal homenzarrão, segundo o que
nos dá a entender, é daqueles que dão assenso àquela vulgar anedota, ou
história da carochinha que nos dá a invenção da pólvora pela forma, e teor
seguinte: “que um Frade se estava divertindo em pisar enxofar [enxofre],
(talvez para se curar sarna: se é que um sol ofende outro) salitre, e carvão:
os quais ingredientes se inflamaram, e atiraram com o Frade por esses ares”.
Ora, se tal é a opinião, então ainda pior; porque neste caso não foi o Frade
quem achou a pólvora, foi a pólvora quem achou o Frade, e pregou com ele
em vaza-barris, sem que lhe desse tempo de nos contar como foi o tal encontro.
Seja como quer for, entenda-se lá com o seu amigo, porém não teime com
ele, se não quer ir mal no jogo.
Também Vossa mercê atribui aos Monges a cultura, e criação dos
bichos-da-seda na Europa. Não há dúvida que o Doutor Duarte Ribeiro de
Macedo diz que apareceram pela primeira vez na Europa os tais bichinhos no
tempo do Império Justiniano pelos anos de 450, trazidos do Oriente por dois
Religiosos. Porém olhe Vossa mercê que neste termo genérico Religiosos não
achamos a certeza de que sejam Monges; e pela razão sobredita pode haver
engasgalhadela entre Frades, e Monges (que com razão, ou sem ela, fazendo
boas ações, ou cometendo desaforos, todos querem ser Religiosos) e pode
haver empate. Eu, se estivesse no seu lugar, pelo sim pelo não, sem especifi-
car Monges ou não Monges, diria: “Aos Frades deve a Europa a criação, e
a cultura dos bichos-da-seda, etc.” Parece-me isto assim uma conta corrente
dos Monges com a Europa! “Aos Monges deve a Europa!…” Ora diga-me,
Senhor Editor, neste balanço não entra o Há de Haver? Pois não há Débito,
e Crédito? Somente a Europa deve aos Monges, e os Monges não devem
à Europa? Afirme-se bem, Senhor Editor, trate esta liquidação com algum
escrúpulo; porque me parece que, se a Europa deve aos Monges a criação

342
dos bichos-da-seda, também os Monges devem à Europa a criação de muito
bicho. Então que bichos, Senhor Editor!!! Tire, tire o balanço com exatidão,
vejamos o saldo contra quem é, e quem deve que pague.
Entretanto sempre devo dizer-lhe, que o tal favor que deve à Europa tais
Religiosos (ou Monges como Vossa mercê melhor entender) sempre se asseme-
lha alguma coisa ao favor que devemos ao Porco (com perdão da sua pessoa)
na descoberta das batatas. Porque eles os trouxeram por divertimento, assim
como uma criança, que brinca com pincéis de um Pintor sem lhe conhecer o
préstimo ou serventia. Aí vai a razão, e perdoará se não for do seu agrado. Os
Monges, os Frades, ou o que na verdade seja, trouxeram os bichos no tempo
do Império Justiniano em 450; e somente na Europa se começou a fabricar
a seda no Reinado de Rogério da Sicilia no ano de 1130, porque ele trouxe
consigo os Fabricantes de Atenas, Corinto, e Tebas, que conquistou na sua
expedição à Terra Santa. Já Vossa mercê vê que a diferença de 680 anos,
(que tanto vai de 450 a 1130) entre o aparecimento dos bichos, e começo da
fabricação, bem inculca a ignorância do resultado dos tais bichinhos. Com
que, meu amigo, descoberta das batatas pelo Porco! (torno a pedir perdão
a sua pessoa).
Insensivelmente, Senhor Editor, lhe faltei ao prometido: disse (e bem me
lembra) que não empregaria o estilo chocarreiro, e faltei a minha promessa;
porém, voltando ao sério lhe digo, que eu não tenho empregado a chalaça
senão depois que Vossa mercê de criminoso passou a charlatão com as tais
descobertas dos Monges, que, na verdade, causam riso, e eu em vendo misérias
tais pede-me o corpo folia, e não posso ter. Se não está mais na minha mão!…
Porém deixemos brincadeiras, porque Vossa mercê não brinca: antes ao
contrário as suas vistas se dirigem a fins sérios e da maior consequência: nada
menos do que a ver se pode transformar a grande obra começada. Exagera
o grande mérito dos Monges, e dos Frades para daí mostrar a necessidade
da sua conservação. Porém consinta que lhe diga, Senhor Editor, que Vossa
mercê adotou um trilho errado. Querer estabelecer como base dos seus argu-
mentos a literatura e virtudes dos Regulares, seria talvez admissível quando
isso pudesse apresentar-se ao mundo com a força de regra geral; porém Vossa
mercê bem sabe que, por desgraça, a literatura e a virtude nos claustros vão
para a classe das exceções. Não me crimine de pouco afeiçoado aos Regulares,
ou de rigoroso censor de suas ações e saber: eu apenas me proponho a destruir
seus argumentos, com que pretende criminar o mundo, imputando-lhe os feios
crimes de ingratidão, e de impiedade: de impiedade, enquanto a não olhar
os Regulares como necessários à Religião pelas virtudes que os adornam; de
ingratidão, enquanto a não apreciar a sua literatura, as suas descobertas, e a

343
utilidade que eles têm prestado e podem prestar à sociedade. É somente neste
sentido, que me proponho a mostrar-lhe que Vossa mercê nem tem razão, nem
escolheu bom fundamento, e que maior vantagem seria para o seu partido o
guardar silêncio, do que intentar mexer em tais matérias.
Tratemos de literatura. Disse eu que a literatura nos claustros ia para
a classe das exceções. Provo. Junte Vossa mercê na sua imaginação, Senhor
Editor, todos quantos Regulares tem Portugal, e depois de todos juntos,
passe-lhe [sic] uma inspeção rigorosa, e veja se em cada cem encontra cinco
literatos, que mereçam este nome. Bem vê que eu não peço muito: é o juro
da lei; pois assim mesmo aposto que Vossa mercê não é capaz de aprontar
a tal continha. Vossa mercê não sabe que há corporações inteiras, que não
possuem um homem que mereça o nome de literato? Não sabe também que
naquelas em que se promove mais os estudos, nessas mesmas não há tão
grande número de sábios, que possam contrabalançar o número do todo, e
chegar ao ponto de formar regra geral? Venham os cinco por cento, e eu me
dou por satisfeito.
Tratemos de virtude. Creio que Vossa mercê não terá dúvida em me
conceder, que não poderemos contar muito com a virtude daqueles Regulares,
que não cumprem os deveres de suas instituições. Talvez que Vossa mercê
pretenda que sejamos com eles indulgentes como homens, e eu anuirei a isso
de muito boa vontade, e anuirei sempre que Vossa mercê me convide para
empregarmos a indulgência em seu favor; porém no caso em que nos achamos,
e a que fomos levados pelos seus argumentos, devemos considerá-los somente
no sentido de Regulares, e como tais exatos observantes de seus Institutos.
Ainda lhe prometo outro partido, e vem a ser: não os julgar com austeridade
no rigorismo Canônico.
Ora venha cá, venha comigo, e vamos observar os Concílios que têm
tratado das reformas dos Regulares: observe-os bem, e compare o ali deter-
minado com o que se vê que eles praticam. Observe-os em tudo, tanto no seu
regime interno, como nas suas relações temporais, e diga-me o que acha. Vossa
mercê sabe que no Concílio de Cologne em 1452, se proibiu a instituição de
novas ordens Religiosas (se elas fossem de utilidade reconhecida, haveria tal
proibição?) pela prevaricação em que tinham degenerado as existentes: não
ignora o que a respeito dos Regulares se determinou no Concílio de Trento, e o
que sobre a relaxação de seus costumes disse o respeitável Dom Fr. Bartolomeu
dos Mártires: “Que! (dizia aquele Santo Varão) pensam os Regulares que
entram para o Claustro a fim de se habilitarem para ter entrada nas Cortes
dos Príncipes, habitar grandes Palácios, ter lauta mesa, e desfrutar todos os
prazeres da vida? Um Regular só deve conhecer o mundo para exortar os

344
fiéis, persuadi-los à prática do Evangelho, distribuir esmolas e palavras pelos
pobres, e finalmente para, sem atender a sua, promover sempre a utilidade
dos outros.” Será este o comportamento dos nossos Regulares? Será este o
comportamento daqueles que escrevem Novos Mestres Periodiqueiros, pregam
contra a Soberania da Nação, propagam doutrinas erradas, e pretendem
sacrificar a ventura geral da sua Pátria à criminosa ambição que os devora?
Entre em si, Senhor Editor, escolha outros argumentos, veja as coisas na sua
verdadeira luz: nem crimine nos outros delitos que não cometem, nem blasone
de atribuir ao seu partido predicados que não tem.
Ainda Vossa mercê até certo ponto poderia recorrer ao subterfúgio de
atribuir certos erros ao abuso de indivíduos; porém hoje fraco recurso tem para
defender os Regulares em seu irregular comportamento: muito particularmente
depois do que têm feito para admitir Noviços, e abreviar por dispensas as
Profissões dos que entram. Fique certo de que a Nação quer o justo; de que
os seus Representantes hão de corresponder ao alto conceito que merecem;
de que não torcem a sua marcha, nem pelo que dizem Periodiqueiros, nem
pelo que Vossa mercê escreve: e neste caso acolha-se ao silêncio, e achará
nisso mais proveito.
Como Vossa mercê disse à página 9, em uma Nota, que queria provas
a respeito da Inquisição, eu lhas prometi: aí vão, estimarei que sejam do seu
agrado.

345
O CARDEAL DA CUNHA, ARCEBISPO
de Évora, do Conselho de Estado, e
Gabinete de El Rei meu Senhor,
Regenerador das Justiças, e
Inquisidor Geral nestes Reinos
e Senhorios de Portugal, etc.

FAZEMOS saber: Que tendo-se feito manifesto por uma série de fatos os
mais incontestáveis, metódica e cronologicamente deduzidos na Dedução
Cronologia e Analítica, e no Compêndio Histórico, que fez a base da nova
fundação da Universidade de Coimbra: Que não houve estabelecimento útil
nestes Reinos, na ordem daqueles que os podiam fazer respeitáveis entre os
outros da Europa, que a pravidade Jesuítica não deturpasse, aniquilasse, e
reduzisse aos miseráveis termos de os fazermos compatíveis com as máxi-
mas do seu despotismo, e com o império da bárbara, e cega ignorância,
que fizeram dominante nos mesmos Reinos até ao ponto de os fazerem
descer desde aquele sublime esplendor e respeito, que tinham adquirido
nos Reinados anteriores, até o último estrago, e abatimento a que a mesma
terrível Sociedade os foi reduzindo, desde a sua entrada nos ditos Reinos,
até a felicíssima época da sua expulsão.3 Parece-nos impossível, que os
Regimentos e Disposições fundamentais, que tinham dado as normas para o
governo do Santo Ofício, se conservassem na sua primitiva pureza, sem que
deixassem de contaminar-se pelo decurso do tempo com os malignos influ-
xos da sobredita Sociedade. Entramos na mais assídua, exata, e escrupulosa
indagação, se nos ditos Regimentos e Disposições tinha também entrado
veneno Jesuítico. E feitas as precisas combinações mostrou a experiência,
que não foi infrutuoso o nosso exame.
Pois que estabelecida a Inquisição nestes Reinos à instância do Senhor
Dom João III, pelo Breve do Santo Padre Paulo III, do ano de 1536, que
com tão exuberante cláusulas cometem ao mesmo Senhor a nomeação de
Inquisidor Geral, que até aceitou a desistência, que desta grande Dignidade
fez nas suas Reais mãos o primeiro Inquisidor Geral Dom Diogo da Silva,
para haver de nomear para ela o seu Irmão o Senhor Cardeal Infante
Dom Henrique, que servia somente por Provisão sua: criado o Tribunal
do Conselho Geral pelo mesmo Monarca, no espírito da referida Bula, e

3
Já se vê, Senhor Editor, que não foi enfermidade do século; foi maldade refinada dos
tais Regulares.

346
sempre sustentado como Tribunal Régio, nos termos que foram expressos
na judiciosíssima Carta firmada pela Real mão d’El Rei meu Senhor; e a Nós
dirigida no dia 15 de Novembro de 1771, que se acha registrada no mesmo
Conselho: formado de ordem do Senhor Rei Dom Sebastião o Regimento do
mesmo Tribunal pelo dito Senhor Cardeal Infante Inquisidor Geral, no 1.º
de Março de 1570, para se regular como um Tribunal da Coroa, que fora
desde o princípio por sua natureza: E ultimamente aprovado, e confirmado
o dito Regimento pelo mesmo Senhor Rei Dom Sebastião pelo seu Alvará,
dado em Évora a 15 do referido mês de Março do dito ano.
Sendo este legítimo, e verdadeiro Tribunal, que fez o objeto das
instâncias do Senhor Rei Dom João III: O que o mesmo Senhor erigiu, e
muniu com a sobredita Bula do Santo Padre Paulo III pelo que pertencia
à espiritualidade, e doutrina, reservando expressamente o que pertencia à
sua Real Jurisdição: O que o mesmo Senhor Rei Dom Sebastião conheceu,
aprovou, e confirmou como Tribunal Régio, dando-lhe regras, e Leis tão
pias, e conformes à indispensável separação do Sacerdócio, e do Império,
em que consiste essencialmente a união de ambos; como coerentes com a
sujeição de que o mesmo Tribunal, e Ministros dele não podiam separar-se
a respeito dos Senhores Reis destes Reinos, em cujo Real Nome somente lhes
podia ser permitido erigir Tribunal, formar processos, levantar cárceres, e
impor penas temporais.
Foi tal o esforço da malignidade Jesuítica, que tudo transfigurou, e
confundiu, fazendo crer pelo progresso das suas intrigas e maquinações, que
aquele mesmo Tribunal ereto, e regimentado pelos dois Senhores Reis Dom
João III, e Dom Sebastião era puramente Eclesiástico.4
Para assim o irem persuadindo aqueles nocivos Regulares, a primeira
tentativa que fizeram, foi a do primeiro Regimento, que foi dado pelo Senhor
Cardeal Infante Dom Henrique, no dia 18 de Julho de 1552, para as Mesas
Subalternas, dezesseis anos depois de fundada a Inquisição nestes Reinos; o
qual suposto fosse formado de Ordem do mesmo Senhor Rei Dom João III,
como se declara no seu princípio, não consta fosse aprovado, nem confir-
mado pelo dito Senhor: Conservou-se manuscrito, e clandestino nos cinco
anos que o dito Senhor Rei viveu depois dele por uma capciosa intriga do
Jesuíta Leão Henriques, árbitro absoluto do espírito do dito Senhor Cardeal
Inquisidor Geral; porque sendo a ideia daquele terrível5 Regular, e dos seus

É manha antiga, já não há que estranhar.


4

Percebe, Senhor Editor? Olhe que esta linguagem é muito anterior a 24 de Agosto de
5

1810.

347
Sócios de atribuírem ao Papa uma absoluta e ilimitada autoridade, assim no
espiritual, como no temporal; desterrarem as luzes, e fazerem dominantes as
trevas, ainda não era tempo de correr impressa aquela obra deles, sem que
primeiro se aparelhassem outras tão bárbaras, e sacrílegas, como as que logo
foram manifestando os sucessivos tempos.6
Era primeiro necessário, que o Concílio de Trento, que fulmina golpes
tão mortais contra a autoridade, e independência da Real Soberania, fosse
pura, e simplesmente recebido pelo Senhor Cardeal Infante, na Regência que
teve do Reino, durante a impuberdade de seu Sobrinho o Senhor Rei Dom
Sebastião, como conseguiram aqueles infames Regulares, fazendo não só
publicar a Bula da sua conclusão em 7 de Setembro de 1564, mas expedir
cartas circulares para a indistinta observância dos Decretos Conciliares:
Passando o mesmo Leão Henriques, e seus Sócios, ainda no ano de 1569, a
extorquir ao dito Senhor Cardeal Infante, para o mesmo fim, o irregularíssimo
Decreto, que refere à Dedução Cronológica 1.ª Part[e]. Divis[ão]. 5.ª § 127.
Era necessário se assassinassem, e sepultassem nas águas do Tejo mais
de dois mil Varões doutíssimos, que ao mesmo tempo que faziam o esplendor
da boa e sã literatura, eram os mais fortes baluartes, que podiam opor-se aos
projetos Jesuíticos da fundação da ignorância artificial, em que precipitaram
estes Reinos.7
Era necessário se alterasse, e desse nova forma na Cúria Romana à
expedição das Bulas dos Inquisidores Gerais; o que se efetuou com uma tão
livre prepotência, que sendo eles pela mesma Bula da fundação, da Real
nomeação dos Senhores Reis destes Reinos, reconhecida por todos quantos
escreveram a história da Inquisição, atribuindo uniformemente a nomeação
aos mesmos Senhores, e somente a confirmação aos Santos Padres, fizeram
o mesmo Leão Henriques, Martim Gonçalves, e Luiz Gonçalves, desde o
princípio do Reinado do Senhor Rei Dom Sebastião, expedir as ditas Bulas
em forma de Motus Próprios, sem menção alguma das Régias Nomeações,8
abuso que se sustentou, até o felicíssimo Governo de El Rei Meu Senhor,
que pela Nomeação, que em Nós fez para a Dignidade de Inquisidor Geral,
reuniu, e reivindicou aquela regalia usurpada a sua Real Coroa, havia quase

6
O fanatismo sempre teve pés de lã, e quando se lhe apresenta ocasião, sabe apanhá-la,
ainda que seja por um cabelo.
7
Isso para eles foi um divertimento!… Então, Senhor Editor, como é isto? Educaram bem
a mocidade precipitando na ignorância estes Reinos?
8
E que tal? São bonitos Regulares! Pois assim mesmo, se hoje existissem, também haviam
de gritar contra a nossa Regeneração, e criminar o não se terem convocado os Três
Estados! Senhor Editor, funil de Moralista!!!

348
dois séculos, na conformidade da dita Carta a Nós dirigida pelo mesmo
Senhor em 15 de Novembro de 1771.
Era finalmente necessário, que escrevessem os Belarminos, e no
mesmo espírito os mais sócios da sua confederação, a favor das Máximas
Ultramontanas: Que se tivessem por suspeitos na fé todos os Autores, que
contra elas declamassem nos seus escritos a favor da verdade:9 E ultimamente,
que no mesmo gosto, e nos mesmos errados princípios se compilassem as
Ordenações do Reino, e se formassem as Leis e Estatutos da Universidade
de Coimbra.
Depois de introduzidas, por modos tão bárbaros e sacrílegos, a ignorân-
cia e a superstição nestes Reinos, fácil ficou sendo de persuadir aos Povos sem
luzes, e sem livros;10 reduzidas a Motus próprios as Bulas dos Inquisidores
Gerais: Que o Tribunal da Inquisição era pura e meramente Eclesiásticos:
Que nada menos importava, que uma Delegação dependente só do Papa; que
este fazia aos Inquisidores Gerais de um e outro Poder, sem restrição, para
os exercerem contra todas as pessoas desde a primeira, até a última Ordem,
sem exceção, ou distinção alguma.
Tais, e tão supersticiosos foram os efeitos daquela artificiosa ignorân-
cia, que fizeram possível que um Tribunal estabelecido, e regimentado pelos
Senhores Reis destes Reinos, Régio por sua natureza, e desde o seu princípio,
possa ser um Tribunal meramente Eclesiástico, sem que os mesmos Senhores
Reis, que lhe deram a natureza, lha houvessem mudado, como era preciso:
E o que mais é, sem que nunca chegassem a conhecer a transformação, que
dele se tinha feito por aqueles clandestinos, e aleivosos meios.11
Firmada a nova figura deste Tribunal, era já então o tempo oportuno
de poder sair à luz, impresso sem rebuço nem receio algum, o segundo
Regimento das Mesas Subalternas, que perverteu ainda mais do que o fora
na sua origem, e ampliou exorbitantemente aquele primeiro Regimento
manuscrito, e até ali sepultado no impenetrável segredo das referidas Mesas.
Para poder reduzir a efeito aquela temerária Obra; e outras da mesma
natureza, levantadas sobre as ruínas da Inquisição, e destes Reinos, fez a

9
Justamente o que vemos hoje fazer a respeito dos Redatores de Periódicos, e de todos
quantos se empenham em favor da boa Causa! Os Jesuítas foram-se; porém a sua Po-
lítica ainda hoje nos persegue, manejada pelos tais Senhores, que pretendiam entrar no
Congresso Nacional. Estamos bem servidos!!!
10
Pois isto tem sido sempre a menina dos seus olhos! Promover a ignorância, e persuadir
o que eles querem a título de Religião foi sempre a grande arma da impostura.
11
Quando se atrevem a praticar de tal modo com os Soberanos, vejam o que devem esperar
os Povos!

349
bárbara prepotência Jesuítica levantar do pó da terra Dom Pedro de Castilho,
e fazê-lo aparecer a toda grandeza de Portugal nas impróprias figuras de
Inquisidor Geral, de Presidente da Mesa do Desembargo do Paço, e até de
Vice-Rei do mesmo Reino.12
Este disforme Inquisidor Geral, havendo arruinado por uma parte a
Legislação destes Reinos, fazendo-a mais Jesuítica, que Régia, foi pois aquele
que pela outra parte abandonando, e revogando sem alguma Licença Régia
o dito primeiro Regimento manuscrito, que com ela se tinha formulado,
e o que erigindo-se em Superior Eclesiástico absoluto, e independente da
Suprema Jurisdição da Coroa destes Reinos, e em despótico Executor das
Máximas Ultramarinas já neles introduzidas e dominantes, por efeito das
maquinações anteriores que ficam referidas, teve a sacrílega temeridade de
fazer estampar pela sua própria autoridade dentro do Secreto desta Inquisição
o Livro a que serviu de Prospecto o Título seguinte: Regimento do Santo
Ofício da Inquisição de Portugal, Recopilado por mandado do Ilustríssimo,
e Reverendíssimo Senhor Dom Pedro de Castilho, Inquisidor Geral, e Vice-
-Rei dos Reinos de Portugal; impresso na Inquisição de Lisboa por Pedro
Craesbek, Ano da Encarnação do Senhor de 1613.13
Prospecto, cuja temeridade acrescentou o nosso grande horror; quando
vimos estampadas, entre o título e a data dele, as próprias e idênticas Armas,
de que usou sempre a Companhia chamada de Jesus, no centro de um sol,
que lança raios para todas as partes exteriores do círculo em que se acha
impresso, para significar a mesma temerária Companhia, que ilumina, e
domina a todo o Universo.14
De sorte, que à vista do referido, e do mais que observamos no contexto,
e nas disposições do dito segundo Regimento, revocatório do outro ante-
cedente manuscrito, e de tudo o mais que até a data dele tinha havido, não
ficou nem ainda razão para duvidarmos de que o mesmo segundo Regimento,
não só foi ordenado, e ditado pelos denominados Jesuítas; mas ao mesmo
tempo um sacrifício que Dom Pedro de Castilho fez à sobredita Sociedade,
debaixo de cujas Armas o estampou, para mostrar que era inteiramente
seu. Foi porém tudo maquinado debalde; porque não teve a Aprovação e

E até Menino Jesus se possível fosse!


12

Que tal era a enfermidade do século! Ó Senhor Editor, isto era gangrena: precisava bem
13

amputação!
Ó Senhor Editor, ora confesse a verdade: este sempre era um astro bem mais maligno
14

do que o da Lusitânia?

350
Confirmação Régia, indispensavelmente necessárias para poder ter nestes
Reinos observância de Lei, que obrigasse aos Vassalos deles.
Seguiu-se a este temerário Inquisidor geral o famoso Dom Fernando
Martins Mascarenhas, que seria mais decente se não houvesse maculado
o seu nascimento com outra igual sujeição cega, e servil, que professava à
Sociedade daqueles terríveis Regulares: Com eles de mão comum fez grassar
nestes Reinos o Índex Expurgatório da Cúria Romana, para extinguir os
Livros da sã doutrina, como se fez manifesto na primeira parte da Dedução
Cronológica e Analítica: Ele fez compor dentro de Santo Antão pelo Padre
Baltazar Álvares, o outro Índex mais volumoso, em que tirou das mãos, das
casas, e do público comércio das Gentes todos os Livros úteis aptos para
substituir em lugar deles os que se julgavam mais aptos para perverter, do
que para instruir: Ele foi finalmente o que por este modo deu último, e mortal
golpe no crédito e na reputação Portuguesa.15
Sucedeu na Dignidade de Inquisidor Geral Dom Francisco de Castro:
Achando este Prelado já de todo usurpado à Régia Autoridade; e sendo
dominado de um espírito de tanta altivez, como bem significa o Soberano
Panteão, que fez levantar no Claustro do Mosteiro devoto de São Domingos
de Benfica, teve a animosidade de se erigir em Legislador despótico e indepen-
dente, no terceiro, e último Regimento, que deu para as Mesas subalternas:
E persuadindo-se a que não dependia de outra aprovação e confirmação
mais que as suas, fez estampar na frente do mesmo Regimento a arrogante,
temerária, e sacrílega Provisão de 22 de Outubro de 1640 pela qual aprova;
e confirma o dito Regimento.
Um e outro Regimento foram formados nas suas disposições pelo espírito
das Decretais de Bonifacio 8.º no Título de Hereticis in 6.º um dos Papas que
mais se deixou vencer do entusiasmo dos dois poderes: No mesmo espírito
compuseram os Eiméricos, os Penhas, os Simancas, os Canenas, os Delbenes,
e outros muitos em que os referidos Regimentos se fundaram: E sendo, tanto
aquelas Decretais, como estes Doutores os que mais se separam dos pios, e
benignos sentimentos da Igreja; os que totalmente confundiram o Sacerdócio
com o Império; e os que atribuíam aos Papas o poder direto, e indireto no
temporal dos Reis: De tais fontes não podiam emanar, como emanaram, senão
doutrinas, e práticas irregulares, que ao mesmo tempo que desafiavam o ódio
irreconciliável que tem concebido e espalhado contra a Inquisição as Potências

Combine, Senhor Editor, com o que Vossa mercê escreveu à pág. 37 da primeira parte
15

do Novo Mestre Periodiqueiro. E quanto dariam os Regulares de hoje, para fazer outro
tanto!!!

351
mais cultas da Europa, necessariamente se haviam fazer intoleráveis neste
Reino, depois de não ceder nas luzes a nenhuma das outras Monarquias.16
Por força desta consideração, passando dos defeitos de Jurisdição ao
exame da substância das Disposições estabelecidas no mesmo Regimento,
achamos outros erros tais, e tão perniciosos como são os seguintes.
Primeiro: O de se negarem aos Réus os nomes das Testemunhas que
os acusaram, os lugares, os tempos dos delitos, e todas as circunstâncias
que lhes pudessem dar conhecimento individual das pessoas das referidas
Testemunhas: Deixando assim os mesmos Réus às escuras, cegos, e privados
da efetiva vista dos seus acusadores; com uma violência contrária aos Direitos
Natural e Divino, formalizados no Capítulo 3.º do Gênesis, no Cap. 1.º da
Causa possess. et propriet. na Ordenação Livro 1.º Título 9. §. 12, e em todas
as mais disposições do Direito positivo, pelas quais se está cotidianamente
dando provimento no Juízo da Coroa aos oprimidos pelos Juízes Eclesiásticos
com esta desumana violência.
O segundo erro é o de se haver procedido à relaxação, que é morte natu-
ral, confiscação de bens, e infâmia até a segunda geração por Testemunha
singulares sem o necessário concurso de três identidades jurídicas do fato,
do lugar, e do tempo; também com outra violência contrária aos Direitos
Natural e Divino igualmente formalizados nos dois Capítulos 17, e 19 do
Deuteronômio, determinando o segundo deles, que ninguém seja condenado
pelo depoimento de uma só pessoa, por mais grave que seja o delito: Sendo
esta Disposição Divina a mesma de todas as bem entendidas Leis humanas
quando se não trata do crime de solicitação, ou indagação dos cúmplices
no confessionário, em cujo caso da indispensável necessidade de não poder
achar-se outra prova, se supre o defeito desta com as muitas e muito circuns-
pectas cautelas, que fizeram com que até agora não padecesse algum solici-
tante inocente, ainda quando a respeito se não trata da perda da vida e dos
bens: E havendo-se necessariamente seguido da falta da vista efetiva, junta
à singularidade das Testemunhas, ficarem os miseráveis Réus, ou obrigados
à prova improvável da negativa genérica e vaga, de que não judiaram, ou
constrangidos a deporem que se declararam Judeus com todas quantas pessoas
do seu conhecimento a memória lhes pode fornecer.
Absurdos deploravelmente manifestos nas funestíssimas tragédias dos
Autos da Fé de Évora do ano de 1563, aonde se viu arruinada sem culpa a
Cidade de Beja; do outro Auto da Cidade de Coimbra, no tempo do Governo

Veja, Senhor Editor, como Vossa mercê se enganou quando à página 12 diz: “que naquele
16

tempo se considerava como bom o que praticava a Inquisição.”

352
de El Rei Dom Felipe 2.º aonde se amontoaram outros grandes estragos da
inocência da Cidade de Bragança; do outro Auto da Fé de Lisboa, celebrado
não há muitos anos no tempo do Inquisidor Geral Nuno da Cunha de Ataíde
aonde se publicaram com a Sentença do famoso Francisco de Sá e Mesquita
outras numerosas, e irremediáveis ruínas da inocência; e ultimamente do
Auto da Fé da mesma Cidade de Lisboa, há muito menos anos, no qual se
publicou outro horrendo caso do inocente Prior do Convento da Vidigueira,
defunto nos cárceres.
O terceiro erro foi, de que havendo os Gentios Gregos, e Romanos
estabelecido os tormentos para os escravos somente, nos títulos do ff. e
do Código De questionibus. Sendo Castela a primeira que adotou aquelas
disposições nas Leis 2.ª e 3.ª título 39. parte 7.ª, e Portugal a sua imitação na
Ordenação Livro 5.º Título 131, para constrangerem os homens livres àquela
cruel espécie de averiguação dos delitos, por terem prevalecido contra ela os
clamores da humanidade, e os jurídicos sentimentos dos Professores mais
doutos; e por ter mostrado a experiência, que sendo a fragilidade humana
inferior à constância que seria necessária para tolerar as dores dos tormentos,
vêm os atormentados a confessar, por se livrarem delas, o que nunca fizeram
nem ainda imaginaram: De tudo isto se seguiu antiquar-se e abolir-se a dita
Ordenação Livro 5.º Título 131 pelo Direito não escrito do costume contrá-
rio; e este procedimento cuja severidade aboliu o foro secular, como cruel e
enganoso, é o mesmo que pelo dito Regimento se ordenou e ficou praticando
até agora em nome da Igreja, que como Mãe piíssima, e Mãe de misericórdia,
nunca teve o direito de matar, ferir, e atormentar.
Esta incompatível deformidade no foro da bem entendida razão de
Direito, não poderia haver tido outra conciliação, que não fosse a de se
concordar o espírito da Inquisição com o do Gabinete, nos delitos de Estado,
e conspirações contra as Pessoas Reais.
Nos Juízos da Inconfidência só se permitem os tormentos nas Conjurações
de muitos, em que é necessário extirparem-se todas as raízes de tão nocivas
pestes, até se extinguirem; porque sem isso não podem ter segurança as
pessoas, e as vidas dos Monarcas, de que depende a conservação de toda a
Monarquia; e que por isso este caso constitui uma indispensável necessidade
de prevalecer a segurança pública, contra o cômodo particular do delinquente
atormentado.
Nos Juízos da Inquisição cessa inteiramente do modo ordinário aquela
necessidade indispensável; porque a Suprema Majestade Divina, ainda que
é tantas vezes ofendida, quantos são os inumeráveis pecados que contra ela

353
se cometem, nunca pode ser lesa, nem posta em perigo; é sempre impassí-
vel, sempre imutável, e eterna pela sua mesma natureza e essência Divina;
a que somente pode ser alterada é a Religião, se contra ela se levantaram
novadores, e heresiarcas que difundam e disseminem as suas perniciosas
seitas; e no caso (que Deus sempre desvie de nós) em que apareçam alguns
Réus daquelas péssimas qualidades, que tenham difundido e disseminado
erros perniciosos; como o maior bem comum de todos os Estados, é o de
conservarem a Religião pura, ilibada, e isenta de cismas e heresias; prevale-
cendo esta necessidade pública, contra o cômodo particular dos tais supostos
cismáticos e heresiarcas; depois de constar que eles fizeram sequazes dos seus
erros, podem, e devem ser atormentados até declararem todas as pessoas
que perverteram, para se extinguirem estas venenosas plantas da Vinha do
Senhor, até as suas últimas raízes.
O quarto erro foi o de se haver pervertido, no Regimento referido, a
ordem da Providência Divina, e humana; pela primeira os pecadores, verda-
deiramente arrependidos e perdoados, ficam puros e limpos de toda a mácula
dos pecados que cometeram; pela segunda os Réus presos processados em
penas pecuniárias ou corporais extraordinárias, que não são imediatas às de
morte natural, impostas, por delitos que não são famosos, depois de pagarem
as condenações, ou de cumprirem os degredos, ficam tão hábeis, e ingênuos
como de antes eram; e como o são todos os outros Cidadãos e habitantes das
suas respectivas terras; porque as cadeias introduzidas para custódia dos Réus,
não infamam; sim os delitos, por que são condenados quando são famosos;
o que não obstante com outra exorbitância incompatível com a benigníssima
índole da Igreja, tem bastado até agora para que qualquer Réu do Santo Ofício,
e por qualquer delito do seu conhecimento, fosse por ele preso e processado,
para ficar com infâmia na sua pessoa, e na dos seus descendentes, ainda
depois de cumprir as penas que lhes foram impostas, posto que fossem leves,
e de nenhuma sorte imediatas à última de morte; procedimento que se faria
incrível, a não ser achar tão autenticamente manifesto.
O quinto erro foi de que não havendo, nem podendo haver outra ordem
e forma de processos, contra os Vassalos de Sua Majestade, mais que as
que prescrevem as Leis do Reino de tal sorte compreensivas dos que contra
eles se formam ainda nos Juízos Eclesiásticos, que de se faltar neles à ordem
estabelecida pelas ditas Leis compete recurso para o Juízo da Coroa, em que
é infalível o provimento; foram as mesmas Leis preteridas e abandonadas no
sobredito Regimento, dando-se nele nova ordem aos processos dos Réus, sem

354
mais autoridade, que a do arrogante Dom Francisco de Castro, que a ordenou,
e estabeleceu, mas por isso mesmo insanavelmente nula e de nenhum efeito.
Não podendo pois à vista de tão urgentes motivos permitir, nem a Nossa
fidelidade e consciência, nem a dos leais e Religiosos Deputados, de que
atualmente se compõe o Conselho Geral, que depois de chegarem os mesmos
motivos ao Nosso conhecimento, se conservassem por mais tempo ocultas
nos secretos das Inquisições tantas obras da infidelidade, da malícia, e da
iniquidade, quantas as que se acumularam nos sobreditos Regimentos, por que
as mesmas Inquisições se estão ainda governando; ou que sendo os mesmos
Regimentos, por falta de autoridade e confirmação Régia, indubitavelmente
nulos por defeito notório da jurisdição, que para os processos no foro exterior
somente lhes podia provir das referidas autoridades e confirmação Régia, se
estejam nulamente julgando e condenando tantos Vassalos de El Rei meu
Senhor em penas tão graves, com procedimentos de mero fato, quais são todos
os que se obram sem jurisdição legítima; tomamos de uniforme acordo com
os sobreditos Deputados a necessária deliberação de recorrer a El Rei meu
Senhor, denunciando na Real Presença da Sua Majestade o apertado caso em
que nos tinha posto a boa-fé, que seguindo os nossos antecessores pusemos
na grande autoridade exterior de D. Francisco de Castro, por não caber na
nossa credulidade, que ele se tivesse atrevido a tanto como claramente se viu,
que com efeito se atrevera, depois que passamos da superfície à substância
do dito Regimento.
E porque o dito Senhor, havendo recebido benignamente a ingenuidade
da nossa confissão, e honrado a fidelidade, e zelo da Justiça, com que a puse-
mos na sua Real Presença, foi servido ordenar, que ela subisse a buscar a sua
Régia aprovação outro Regimento Jurídico e justo, que declarando a notória
nulidade dos anteriores, se fizesse digno de por ele se regerem os Tribunais da
Fé; estabelecemos com a mesma Régia Autoridade o seguinte, que o mesmo
Senhor se serviu aprovar e confirmar efetivamente pelo seu Régio Alvará do
1.º de Setembro de 1774.

______________________

Eis aqui tem Vossa mercê, Senhor Editor, as bonitas obras de que é capaz
o fanatismo ambicioso. Já me parece que Vossa mercê me vem com as mãos
à cara, para me dizer: “Esses males foram conhecidos em 1774, pôs-se-lhes
o remédio, e portanto já hoje não existem tais horrores, e pode conservar-se
a Inquisição.” Talvez em breve tempo lhe seja fácil o ver este Regimento que

355
Vossa mercê julga moderado, e que de fato o não é. Ainda existem as Leis que
autorizam as torturas, os tormentos; ainda nos processos há aquelas diferenças
metafísicas dos Negativos, dos Confidentes, dos Relapsos, dos Confidentes
diminutos, etc. Em último resultado saiba que se já não se praticavam tantas
atrocidades de fato, poderiam ainda praticá-las de direito; porque o novo
Regimento, isto é, o de 1774, as não coíbe, ou antes as permite. Apesar disso
foi confirmado pelo Alvará que transcrevemos.

ALVARÁ DE CONFIRMAÇÃO.

J. Cardeal da Cunha, Inquisidor Geral, Eu El-Rei faço saber aos que este
Alvará de Lei e confirmação em forma especifica virem, que o Conselho Geral
do Santo Ofício me representou em Consulta de seis de Julho do ano próximo
passado de 1773, que sobre a justa consideração de que no funesto período
dos dois últimos séculos, em que as Ordenações destes Reinos, os Estatutos
da Universidade de Coimbra, e a moral Cristã haviam padecido tantas e tão
perniciosas alterações, não era verossímil que a Bula fundamental, as Leis da
criação, e os Regimentos, que tinham dado as normas para o bom governo
do Santo Ofício da Inquisição, deixassem de padecer iguais ou maiores estra-
gos por efeito dos mesmos estratagemas da terribilidade Jesuítica, que havia
acumulado nas outras sobreditas Legislações tão enormes ruínas; passasse a
examinar com a mais exata indagação o que havia sucedido no dito Regimento;
que pelos meios das suas zelosas e assíduas diligências viera a descobrir; que
a nociva prepotência daquela Sociedade Jesuítica, abusando da calamidade
do tempo em que estes Reinos governaram debaixo da sujeição de domínio
estranho, por uma parte fizera nomear diversos Inquisidores Gerais seus
notórios faccionários, os quais conspirando com ela perverteram as Leis
fundamentais, e até a mesma natureza de Tribunal Régio, que na realidade é
o mesmo Conselho Geral; e pela outra parte na presença das verdades mais
claras, e evidentes, constantes na Bula da fundação, e Lei da criação do mesmo
Tribunal, e substanciadas na minha Régia Carta, dirigida em 15 de Novembro
de 1771, ao Cardeal Inquisidor Geral, e estampadas nos coletá rios da mesma
Inquisição, se atrevera a persuadir, e divulgar em muitos escritos, por ela
maquinados, que o Ministério do Santo Ofício fora introduzido em Portugal
por um falso Núncio chamado Savedra, que em efeito de todas as referidas
maquinações saltando por cima, não só das manifestas verdades da verdadeira
instituição do Santo Ofício, mas também de todos os mais sagrados direitos
da união Cristã, e da Sociedade Civil; e cobrindo-se com as tenebrosas sombras

356
da ignorância, que fora difundindo sobre todos os três Estados destes Reinos,
e seus domínios fizera crer em todos eles, que o mesmo Supremo Tribunal
da Inquisição (Régio pela sua fundação, e Régio pela sua mesma natureza)
consistia em uma Congregação de Eclesiásticos independentes e despóticos
em um corpo acéfalo, e absoluto no meio de uma Monarquia, e em um
monstro tal, e tão espantoso, que causou tanto medo a Portugal, e seus
domínios, e tanto horror à Europa inteira, como tem sido notório a todo o
Universo; que ao mesmo passo em que foi crescendo o referido despotismo,
e imitando o mesmo que havia praticado na repetição e multiplicação dos
Estatutos da Universidade de Coimbra, fora reduzindo as suas disposições
verbais, e os seus abusos cruéis, e arbitrários a corpos de Leis escritas, nos
três Regimentos, que foram estampados debaixo das armas na sua
Companhia, transgredindo neles todos os Direitos, Natural, Divino, e
Positivo; todos os Princípios Morais, toda a Caridade Cristã; e até os ditames
da mesma humanidade; que com estes mesmos abomináveis fins estabelecera
outros Direitos não escritos, a que atribuíra o nome de estilos, sendo na
realidade abusos cruéis, e corruptelas ferozes sanguinárias, e incompatíveis
com todos os princípios da razão natural, e da Religião; que cobrindo todas
aquelas atrocíssimas Leis, escritas e não escritas, com o impenetrável véu de
um supersticioso mistério, o qual persuadia, que ninguém se podia atrever
a perscrutar sem cometer um crime contra a Religião; fizera por uma parte
com a distinção maliciosa de Cristãos Velhos, e Cristãos Novos (criada nos
sobreditos Regimentos, e Estilos) ilaquear todos os habitantes destes Reinos
uns com os outros, acendendo entre eles a geral discórdia, que os não deixou
dali em diante gozar dos pacíficos frutos da Sociedade Civil, e da união
Cristã;17 fizera trocar a mesma Sociedade e união em uma mútua aversão, e
recíproco ódio entre os Portugueses filhos da mesma Monarquia; fizera desde
o infausto período daqueles atentados Leis, e malvados Estilos até ao ano
de 1732 (a que tinha chegado o cálculo das Listas dos Autos da Fé) aparecer
nos Cadafalsos públicos em hábitos de infâmia o número de vinte e três mil
sessenta e oito Réus recebidos, e de mil quatrocentos e cinquenta e quatro
condenados ao fogo; aumentando assim tão espantosamente o número dos
delinquentes contra todo o espírito da legítima e sã Legislatura, que sempre
teve por objeto fazer cessar, e extinguir os delitos; e que sendo as cinco claras
e evidentes causas destes deploráveis estragos de honras, de vidas, e de

Isso é prática inveterada em todos os fanáticos para marcharem aos seus fins abominá-
17

veis. Oxalá que os bons Portugueses se saibam acautelar contra este estratagema dos
pérfidos, que é entre todos a mais perigosa e terrível arma de eu costumava servir-se
para nos tronarem tristes vítimas de funestas prevenções!

357
fazendas, as que o Conselho Geral punha na minha Real Presença com a mais
específica concludência, e com as mais demonstrativas provas: Suplicava, que
Eu lhe permitisse formar um novo Regimento em tudo conforme aos verda-
deiros ditames da Igreja, das sábias Leis, e aos louváveis costumes desses
Reinos; para que subindo a minha Real Presença, e achando-o Eu conforme
com o verdadeiro espírito da Justiça, da Misericórdia, e da perfeita harmonia
que entre o Sacerdócio e o Império é tão indispensável, o pudesse honrar, e
legitimar com a minha Régia aprovação e confirmação, sem as quais se não
poderiam promulgar nestes Reinos as ditas novas Leis, que neles se fazem tão
precisas, para abolir, e desterrar todos aqueles atrocíssimos abusos, e para
estabelecer em lugar deles, nas causas da Fé e da Religião, as legítimas regras,
que devem conservá-las naquela pureza de que Eu sou nos meus Reinos e
Domínios Supremo Protetor e Defensor. E porque em resolução da sobredita
Consulta houve por bem conformar-me com o parecer do Conselho Geral,
e ordenar-lhe que o sobredito novo e necessário Regimento subisse a Minha
Real Presença, para sobre ele resolver o que achasse conveniente: porquanto
em outra consequente Consulta de 14 do próximo pretérito mês foi agora
apresentado o sobredito Regimento, escrito nas setenta meias folhas de papel,
que baixam referendadas no fim de cada uma delas pelo Marquês de Pombal,
do Meu Conselho de Estado, e Ministro por Mim privativo, e deputado para
o expediente de todos os Negócios concernentes ao Santo Ofício da
Inquisição: porque tendo mandado ver, e visto o dito Regimento, com tudo
que nele se contém, achando-se que a execução e observância dele serão
muito convenientes ao serviço de Deus e Meu: Hei por bem e Me praz de o
aprovar em forma específica, como por efeito deste confirmo e aprovo, e hei
aprovado, e confirmado o dito Regimento em todas as coisas nele declaradas,
que tocam e pertencem ao Fisco, à minha Coroa, e à minha Real Jurisdição.
Mando ao Regedor da Casa de Suplicação, ao Governador da Casa do Civel,
aos Desembargadores das Relações das ditas Casas, Governadores e Capitães
Generais das Províncias destes Reinos, e Domínios Ultramarinos,
Corregedores, Ouvidores, Juízes, Justiças, e Pessoas dos Meus Reinos e
Senhorios, que cumpram, guardem, e façam inteiramente cumprir e guardar
o dito Regimento com tudo que nele se contém, porque assim o hei por
serviço de Nosso Senhor, e por coisa que o Meu muito cumpre. Mando
outrossim que este Alvará se registre nos livros das Relações das ditas duas
Casas, em que se registram as Leis: e que valha e tenha força e vigor como
se fosse Carta feita em Meu Nome, por mim assinada, e passada pela minha
Chancelaria, posto que por ela não passe, e ainda que o efeito dela haja de
durar mais de um e muitos anos, não obstante o que em contrário dispõem

358
as Ordenações do livro 2.º títulos 39 e 40, que para esse efeito somente
derrogo, de meu moto próprio, certa ciência, poder Real, pleno e Supremo,
ficando aliás sempre em seu vigor. Mandei outrossim que este fosse escrito
em dois duplicados; um para ficar no depósito do Conselho Geral; outro
para ser reposto no meu Real Arquivo da Torre do Tombo, depois de have-
rem sido registrados na sobredita forma. Dado no Palácio de Nossa Senhora
da Ajuda ao 1.º de Setembro de 1774.

R E I.

Marquês de Pombal.

____________

Parece-me, Senhor Editor, que Vossa mercê ficará satisfeito com as provas
que lhe damos, e bem lhe mostram o que tem sido a Inquisição; e nós seremos
bem indiscretos se não aprendermos do passado a regular-nos para ao futuro.

Dies posterior prioris est discipulus.18

O dia seguinte é discípulo do anterior. N.T.: Provérbio latino.


18

359
20

Sñr. Redactor da Gazeta do Rio de Janeiro.


JÁ Vossa mercê saberá que um dos princípios admitidos, e jurados como bases
da Constituição, que as Cortes em Lisboa devem dar à Nação Portuguesa, é
a liberdade para cada um comunicar seus pensamentos, autorizado por este
princípio, e convidado pela racional franqueza, prontidão, exatidão, com
que Vossa mercê insere no seu Periódico as comunicações, de que sabe ou
presume que o Público ao menos em parte, pode tirar alguma utilidade, lhe
vou oferecer vasta matéria para a sua admiração, e ao mesmo tempo para
a sua impaciência. É salvo de toda a contestação, que um dos conhecimen-
tos mais úteis aos homens de qualquer condição, estado, e país que seja, é
o conhecimento dos outros homens, e alguns querem que o não haja mais
necessário; eu tenho, como todos, uma opinião, porém não decido porque não
tenho forças; admito pois que nos seja útil conhecermos aqueles com quem
vivemos, ou com quem pela proximidade do local poderemos vir a viver, ou
ter algumas relações, e querendo além disso evitar que Vossa mercê me dê um
quinau semelhante ao que deu o Redator da Bahia ao Maragogipano, vou a
dar-lhe notícia do que vai cá por este mundo de Oeiras, Capitania do Piauí,
juntamente esperançado, em que se me não há de impor a pena de ficar no
escuro = (que na verdade o caso não o merece) e era que a minha voz não há
de ser Voz clamantis in deserto.1
Julgávamos nós (digo nós porque não sou eu só) que estávamos no caso
do filho mais moço daquele homem, que faz menção em um dos Periódicos
o Redator da Bahia, que julgando-se lesado em seus direitos clama que
também era filho porque o Pai o julgou decentemente paramentado com a
casaca usada do filho mais velho, e por isso lhe pertencia também casaca
nova; e por consequência estávamos, e ainda estamos, persuadidos que, assim
como em Lisboa, Bahia, no Rio de Janeiro etc. já cá devíamos também ter
entrado na terra da Promissão, por outra, já cá devia ter começado a preciosa
Regeneração, em consequência dela dado os últimos suspiros, e arrancos a
fraude, a violência, e o despotismo; porém Senhor Redator vana petis.2 Muito
ao contrário; quem somente recorda o pretérito e observa o presente não
pode deixar de se ver cada vez mais longe da suspirada redenção, pois que as
Autoridades, em cujas mãos têm parado (principalmente desde a Época de
ferro começada a 16 de Junho de 1819) o poder de fazer bem ou mal a esta
Província; são todos como o cego frenético, e desesperado, que de propósito
fecha os olhos para não encarar no perigo e abismo, em que se vai lançar; ou

1
A voz daquele que clama no deserto. N.T.: Marcos, 1:3.
2
Buscas coisas sem importância.

360
ao menos não se atrevem a desfazer-se da frágil pegadilha de = enquanto o pau
vai, e vem folgam as costas = Em 16 de Junho de 1819 como lhe ia dizendo
tomou posse do Governo desta Capitania o atual Governador Elias José
Ribeiro de Carvalho, e uma grande parte do povo desta Capitania esquecido
do = ver e crer = julgou a sua instalação como o bálsamo mais saudável, e o
mais aprovado específico para cicatrizar as feridas que na felicidade pública,
e na boa administração tinha aberto, ou deixado de curar o seu Antecessor;
porém em breve nos vimos forçados a fazer a mais justa aplicação do = atrás
de [mim] virá quem b[e]m me fará = pois logo no mesmo dia 16 de Junho o
dito Governador deitou, como lá se diz, as mãozinhas de fora: sendo como
eu creio uma das classes mais respeitáveis, e em muitos casos a mais necessá-
ria a classe militar, o bom do tal Governadorzinho começou logo a mostrar
que não era da mesma opinião pelo modo grosseiro e pouco civil, com que
recebeu ao Tenente Coronel José Joaquim de Lima e Silva neste mesmo dia
à noite, vindo receber-lhe a visita à porta da rua na ocasião, em que este
Comandante junto com a sua oficialidade o foi cumprimentar. É verdade
que logo no dia 17 mons murem peperit3, isto é, rebentou um comprido
palavreado tecido com forma de = ordem do dia = em que se faziam a este, o
mesmo Comandante, seus Oficiais e Soldados mais elogios, que os que toda
a rua dos Sapateiros em Lisboa te[m] feito ao valor e disciplina de Ferrabraz,
Oliveira, e Roldão etc. porém em muitas esquinas não pregaram, nem podiam
pregar semelhantes cartazes, porque estas tropas, com serem do Sertão, não
têm natureza de camaleões que se sustentam de vento. Ponhamos de parte o
decente epíteto de = Tropa de Sapateiros = com que os honrou em o dia 12
de Outubro seguinte, e outras ridicularias semelhantes, para cuja memória
se não pode achar facilmente papel, tempo, nem pachorra, e metamos só em
conta o mais grado: ou o que se tem feito mais escandaloso, como são as
muitas prisões tão intempestivas, como ilegais que aqui se tem visto, e mais
agravantes que todas pelas circunstâncias ocorrentes as dos Capitães Vicente
José Dias, e Vicente da Rocha Araujo (documento número primeiro ao que diz
respeito a este) a do Tenente de Artilharia João Miguel Coelho Borges, a do
Sargento de Milícias Thomé Joaquim Gomes Teixeira, e proximamente a de
Antonio Maria Cau, Escrivão Deputado da Junta da Real Fazenda, Inspetor
dos Armazéns Reais, e Vedor Geral das Tropas desta Província.
O dito Dias foi duas vezes preso; a primeira em 17 de Abril do ano
próximo passado de 1820, unicamente para se fazer a vontade a Miguel
José Ferreira, e José do Carmo, que dele se queixaram ao Governador,

3
A montanha pariu um rato. N.T.: Referencia a Horácio, Ars poetica, 139: Parturiunt
montes, nascetur ridiculus mus –Parirão os montes, nascerá um risível rato.

361
imputando-lhe a publicação de uma sátira, que poucos dias antes tinha
aparecido em dois lugares únicos desta Cidade, letra desconhecida, na qual
se julgaram ofendidos os ditos Ferreira e Carmo e suas famílias: pretende-se
aumentar ao dito Dias o imaginado crime como o de resistência por se não
dar logo a prisão, apesar de ir por assinar o mandado do Juiz, e foi de fato
pronunciado em uma chamada devassa, entre cujas ilegalidades apontarei
as menores: o terem sido as testemunhas escolhidas pelo Juiz, e feita a
pronúncia sem a devassa até hoje ser distribuída etc. etc. tudo ordenado ou
menos consentido pelo Heroico Governador, e pelas famílias Souza Martins
Mendes etc. todos inimigos acérrimos do dito Dias.
O segundo foi preso pelo enorme atentado de adoecer sem licença dos
seus Superiores, e em consequência disso ficar inabilitado para a execução de
certas ordens que já ao atar das feridas lhe foram dirigidas à Vila de Marvão,
de que era Comandante, relativas à captura de um malfeitor por alcunha =
Barros = que nas vizinhanças de Caxias Vila da dependência do Maranhão, foi
apanhado e morto por tropas vindas do Ceará tudo isto sem se querer admitir
que a impossibilidade no cumprimento das ordens tira a responsabilidade
aos que delas são incumbidos, jazendo apesar disto o dito Araujo em uma
tão ignominiosa, como violenta prisão há onze meses ou mais, e querendo se
justificar pelo Conselho de Guerra lhe foi determinado seguisse para sua casa
ficando desta forma injus[ti]ficado dos crimes de que falsamente é acusado,
como bem se deixa ver do documento numerado primeiro.
João Miguel Coelho Borges Pereira, Tenente de Artilharia, foi preso em 7
de Maio do ano próximo passado de 1820, apesar de se achar munido de carta
de seguro, que o mesmo Governador lhe aconselhou fosse tirar, e que depois
não quis atender, e tendo sido o dito Dias solto depois de 50 dias da primeira
prisão, era consequência de se lhe reparar o Agravo da injusta pronúncia,
interposta do Juízo ordinário para o da Ouvidoria, o dito Coelho Borges, que
tinha sido preso pelas mesmas culpas, isto é, pronunciado na mesma exótica
devassa, como Autor da Sátira Ferreirina e Carlamitana; apenas obteve meio
de homenagem na Cidade sob o pretexto de que devia na forma das Ordens
Régias, ser julgado em Conselho de Guerra. Foi depois o dito Coelho Borges
sepultado em uma indigna prisão porque é calabouço, contíguo ao quartel
da Guarda do Governador, incomunicável por 15 dias, e privado de muitas
coisas necessárias à vida, em o dito dia 2 de Setembro, imputando-se-lhe o
enorme atentado (que ele não nega) de autor do = Semanário de Oeiras = e
lá jazeu encerrado até ao dia 14 de Maio do corrente ano, em que a título de
doente se lhe deu homenage [menagem] em sua casa, sendo[intimado no dia
25 do mesmo mês que se aprontasse a seguir para o Pará onde era da vontade
e ordem de Sua Majestade (diz o Governador) que passasse a ter exercício do

362
seu Posto: note-se bem que o homem havia de se aprontar estando preso! E
note-se ainda mais (que aqui é que tem lugar as admirações, e os anátemas)
que tudo isto, que se passou, ocupou o prazo de 13 meses e 10 dias por boas
contas, pois o dito Tenente saiu de Oeiras a 17 de Junho do ano corrente,
sem se lhe notificar nem de palavra nem por escrito como é da Lei, a culpa
por que estivera tanto tempo preso!!! Já nos não embaraçamos com a falta
de socorros para uma tão longa viagem a um oficial, que vai a ser ocupado
ao Real Serviço etc. O qual é forçoso que se saiba porque é na verdade
Agravante, é que esteve 13 meses e 10 dias malvisto, caluniado, e preso sem
saber pelo que, e nem isto se lhe notificar oficialmente, sem ser ouvido; nem
convencido, e que finalmente sem saber pelo que passa a servir no Pará (do
que ele não deve ter pena) quando a Patente que tem de Sua Majestade é para
ser empregado no Piauí.
Não cessa o Déspota de vociferar que por favorecer a este seu Patrício,
por atender ao seu bem etc. É que lhe não tem feito assim, assado, cozido, e
frito etc. Tomara quem me dissesse que maior modo, que mais infernal modo
de oprimir, e de vexar, que Despotismo maior, que o de acusar (porque tudo
isto tem sido empreendido por apoio, e por Conselhos do Governador) e não
querer ouvir, nem consentir meio algum de justificação, e finalmente assim
padece a reputação de um homem, como quem ainda lhe faz muito favor.
Antonio Maria Cau foi preso a primeira vez, e suspenso de seus empre-
gos, e nos mesmos restituídos no fim das 48 horas por uma ampla ordem
do atual Governador, e isto porque o dito Cau em conformidade das Reais
Ordens fizera apreender por contrabando a um José Mendes Vieira 5 arrobas,
e 16 libras de pólvora, gênero proibido em que o dito Mendes negociava; o
dito Mendes requereu arrecadação daquela pólvora nos Armazéns Reais, sob
pretexto de maior segurança, para dali a ir extraindo à medida que lhe fosse
necessário, como se o Almoxarife dos Armazéns Reais, ou outro algum dos
empregados no Serviço de Sua Majestade tivesse obrigação alguma de estar
às ordens dos particulares, ao que prontamente se lhe deferiu; mas depois
da dita apreensão = mo[u]ro que o não podes haver dá-o pelo amor de Deus
= a pólvora, que já a este tempo era de Sua Majestade, Mendes… E Cau
é assim insultado por não consentir que ela tornasse a sair dos Armazéns,
por não convir em um furto desta importância, e desta qualidade. Foi preso
o Cau da Segunda vez em 15 de Maio do corrente ano (depois de jurada
a Constituição) à ordem de Sua Majestade, foi posto incomunicável, com
sentinelas à vista, saqueado o seu escritório, donde violentamente se levaram
quantos papéis fizeram conta a malevolência de quem ordenou, e de quem fez
a prisão; foram-lhe arrebatadas as chaves dos Reais Cofres, e por encurtarmos
razões, foi Cau ignominiosamente exterminado para a vila da Parnaíba 129

363
léguas distantes do Tribunal onde Sua Majestade o tinha colocado, onde a
sua presença era necessária ao Serviço do mesmo Senhor, e donde há muito
quem sustente que não devia ser tirado sem ordem expressa, sem ser com
culpa formada, ou sem se lhe dar por escrito no termo das 24 horas qual era
o motivo de tão violenta prisão.
Vá vossa mercê agora vendo Senhor Redator, os motivos desta segunda
violência embaraçar Cau, que Raimundo de Souza Martins, filho de Manoel
de Souza Martins, primeiro Sabichão da terra; isto é, o mais antigo, e o
mais mau homem desta Capitania toda, furtasse a Sua Majestade 280 bois
que não eram da era, que o dito Raimundo tinha rematado, mas sim da era
posterior, que ele presumia, se há que o não sabia de certo, haviam subir
a maior preço; embaraçar como creio que vossa mercê já saberá, que José
Maria Ribeiro, filho natural que dizem ser do dito Governador, havido em
uma filha de Eugenio José de Moraes da Ilha do Faial, percebesse contra as
Reais Ordens 29$000 réis mensais sem título legítimo, quando pela patente
de Segundo Tenente de Artilharia, único documento, que apresentou só lhe
competiam 12$000 réis; dizer por ocasião de se receber em Junta o Aviso
do Real Erário para se dar a razão por que os poldros do Real Fisco tinham
sido arrematados tão baratos (a 6$400 réis cada um) em 1810 = é porque aos
Partidistas ali do Senhor (apontando para o dito Manoel de Sousa Martins,
Tesoureiro da Junta) todos temem opor-se, aliás eles subiriam, e talvez exce-
deriam a 9$500 réis como o ano passado = o que de fato tinha sido verdade,
não havendo depois quem cobrisse o lance de 6$400 réis, dado pelo Joaquim
de Sousa Martins, Irmão do dito Tesoureiro, que foi quem para si e seu Irmão
os arrematou: não consentir em que o gado vacum este ano se arrematasse
a Ignácio Francisco de Araujo Costa (seu Primo e Compadre) pelo mesmo
preço do ano antecedente, que foi o de 8$400 réis porque sabia que ele havia
render muitos mais a Sua Majestade, como de fato rendeu, arrematando-o
o Capitão Raimundo Pereira da Silva, a preço de 11$000 réis cada um boi;
em o número de 9000 e tantos bois a lesão é pouco menos que enorme: e
mais subiria se ele Martins coligado com o Governador não excluíssem tão
escandalosamente a um Arrematante, que fez ver a Junta possuir em bens,
e seus Sócios 190 [e] tantos contos de réis, que requerendo uma rigorosa
indagação se possuía ou não o que dizia lhe foi negada, admitindo a lançar,
a Ignácio Francisco de Araujo Costa, e ao Sócio que não possuem em bens
nem 30 contos de réis, só porque no negócio deste o dito Martins vinha a
perceber lucro conforme é sempre o costume, e com o maior descaramento.
Em uma palavra isto é só o que a memória apresentou nesta primeira meia
hora, que se fôssemos a dizer tudo talvez nem séculos bastassem: Cau quis
protestar contra todas estas violências; porém não se lhe recebeu o protesto,

364
porque dizia o Meirinho do Governador, isto é o Ouvidor pela lei Bernardino
José de Mello, não tinha ordem: ora como lhas havia de dar o Governador
quando não tendo Cau ainda tomado posse, já o Governador na noite de 4
de Junho do ano próximo passado sem que, nem para que mandou dizer a
Cau que o havia de atropelar, embrulhar, e deitar a perder, e que para isso
tinha toda a autoridade de Governador, a amizade de Thomaz Antonio, e uma
casa nas Ilhas de 150 mil cruzados!!! Como lha havia de dar o Governador,
a quem pareceu mal que Cau mandasse por em segurança certos livros da
Vedoria das Tropas; [visados] pelo Secretário do Governador Francisco de
Sousa Mendes, um dos prediletos do Governador, fazendo de um [nove] um
6, para adquirir mais três anos de antiguidade, que não tem! Como lha havia
de dar o Governador se tendo jurado a Constituição a 7 de Maio não jurou
em realidade senão fazer a sua própria vontade, e dos da sua facção, como
se viu logo no dia 12 do mesmo mês, fazendo um Conselho (isto é que se
chama querer tirar a sardinha com a mão do gato) de que ele Governador foi
Presidente, Secretário o dito Mendes, vogal Manoel de Souza Martins, o Juiz
Miguel José Ferreira, o Capitão Manoel Pimenta de Sampaio, o sobredito
Ouvidor, et reliquos hujus mod[i],4 todos inimigos capitais de Cau, todos
reduzidos pela autoridade, e medo do Governador. Como lha havia de dar o
Governador, e como havia finalmente executar ele Ouvidor, se eles tiveram
proximamente a habilidade de descobrir lei, que permite que José Nicolau da
Costa Freire Ex-Contador desta Capitania não pagasse a Vicente José Dias
490$000 réis que lhe deve sendo o devedor aqui estabelecido, e com bens até
mesmo nesta Cidade, sendo aqui mesmo contraída a dívida, e sendo requerido
a tempo. Destas, e outras que tais, já como disséssemos, não têm fim, e por
isso mui de propósito lho damos aqui, pedindo a vossa mercê desculpa de
toda a falta de arranjo, que a sua perspicácia puder advertir nesta sucinta
exposição, pois não é muito que crimes perpetrados sem razão, sejam expostos
sem ordem: aí vai essa massa informe; selada em tudo pela verdade, insinua
vossa mercê no seu Periódico, que me obrigo aprovar, sendo preciso. Oeiras
2 de Outubro de 1821.

O Constitucional Pihauhiense

Egídio da Costa Alvarenga

NA TYPOGRAPHIA NACIONAL.
M.D.CCC.XXI.

4
E outros do mesmo tipo.

365
21

Sñr. Redactor da Gazeta do Rio de Janeiro.1

Lendo sua Gazeta N.º 94, nela, no artigo do Rio de Janeiro, vi a sarabanda
com que vossa mercê ou por devoção sua particular, ou talvez por servir a
algum amigo, ou mesmo por… &c. (Deus me livre de o chamar Corcunda)
se dignou honrar a esses vários Militares de Vila Rica sobre a aceleração da
instalação do Governo Provisório, e como não posso ver enxovalhado um ato
tão meritório, que tendo por Autores estes vários Militares, que vossa mercê
pretende tosar com este seu eloquente, ajuizado, e bem disfarçado discurso,
vem necessariamente recair sobre todos os mais beneméritos Cidadãos, que
prontamente guiados só de um verdadeiro, e ajustado espírito patriótico
seguiram sem hesitar os mesmos passos desses vários Militares, por isso pela
vez primeira, quero que o meu nome se estenda na sua Gazeta, como defen-
dendo, e apresentando as razões de defesa, de tão justa, como acertada medida:
antes de produzir estar razões, que serão bem simplificadas permita-me vossa
mercê, Senhor Redator, que entre na indagação de algumas finuras suas para
publicar o dito artigo: primeiro, que tudo, notei logo, que sendo vossa mercê
o mesmo, que em uma das suas primeiras Gazeta, quando tomou conta do
nobre ofício de Redator, avisou ao Público, de que não escreveria senão
aquilo, que viesse assinado, e reconhecido, é o primeiro que viola, e infringe
tão justa, e acertada medida, fazendo por este meio recair sobre si nada menos
do que a bem fundada presunção de que vossa mercê ou é Corcunda, (o que
Deus não permita, porque um Redator Corcunda, é uma serpe política) ou
que, por servir a causa de alguns seus amigos, quer sacrificar a causa pública,
o que não é menos pernicioso, e deve sempre aberrare a nostris sensibus:2
depois disto admirou-me também a sutileza com que vossa mercê debaixo do
título de – Ordem Superior – quis inserir o tal récipe, querendo assim tirar
a sardinha, como diz o adágio, com a mão de gato; mas esta sutileza Senhor
Redator não podia escapar, ou tapar os olhos senão àqueles, que entram
nestas cousas, por ver entrar os outros; e não àqueles, que desenvolvendo
circunspecta vigilância sobre estes infames Corcundas, dão com facilidade
nas suas tramas, e ardis: mas sobre tudo escandalizou-me, não pouco, que
vossa mercê logo a par de tão nobre rasgo do melhor dos Príncipe, arrumasse

1
N.O.: trata-se do conflito que surgiu em Ouro Preto com a antecipação da eleição da
junta provisória de governo, promovida pelo autor da carta, então juiz de fora de Ouro
Preto. D. Pedro fez uma viagem relâmpago a Minas em abril de 1822 para pôr fim ao
conflito. Ordenou nova eleição e suspendeu o juiz de paz.
2
Repugnar a nossos sentimentos.

366
tão indigna, e incompetente página, pelo que vossa mercê merecia não menos
do que o Mesmo Augusto Senhor tomá-lo debaixo de suas vistas no número
daqueles da primeira classe, a quem ele declara desapiedada, e cruelíssima
guerra: de mais disto de que lhe pode servir dizer, que de cartas de Minas
Gerais lhe participam isto, e aquilo, quando ao menos nisto podia dizer a
verdade, dizendo, que de cartas de Vila Rica lhe dizem isto, e isto, &c. não
cuide, que pelo estilo, e fraseologismo, que serviu de base ao seu discurso, ou
para melhor dizer, algumas penadas que lhe escaparam, se deixa de conhecer
quem foi o autor da obra, que com o véu da dissimulação queria excitar a
indignação contra os acertados passos do dia 20, e 21 de Setembro.
Diz vossa mercê por órgão do tal seu amigo, que por Ordem de Sua Alteza
Real tendo de instalar-se um Governo Provisional &c. vários Militares, sem
esperarem o resultado das Ordens, que para isto se expediram, se arrogaram
a autoridade de ajudar a Tropa, e com ela acelerar a referida nomeação no
dia 20 do passado mês, muito persuadidos de que tinham exercido um ato
muito meritório, intrometendo-se a figurar como principais agentes, e motores
de bom acontecimento, que aliás teria lugar, guardando-se todas as medidas,
que prescreve a subordinação, e boa ordem: e que lhe parece Senhor Redator?
que estes Militares não exerceram um ato meritório? pois eu lho vou provar:
é preciso, que saiba, que o modo acertado por que Sua Alteza Real mandou,
que se instalasse o Governo Provisório, por não convir a intenções ocultas na
opinião de seus autores, mas bem conhecidas de outros deu logo motivo a se
procurar desvanecer essa forma, procurando-se imitações já do Governo de
Maranhão, já de outros, que se combinavam com o sistema, e que por isso
se reputavam melhores; e como isto se não podia descobertamente conseguir
pela falta de consenso, e inteira oposição sempre dos da Governança, que
protestavam à custa do seu sangue mesmo, cumprir a forma que estava deter-
minada, e não outra, cuidava-se com todo o empenho de se ensanguentar esta
Vila, para sobre a desgraça de muitos levantar-se a Igrejinha do Provisório
físico, e não moral: nestas circunstâncias ninguém ousava boquejar, e o grande
aparato das desgraças estava destinado para o dia Sábado 15 de Setembro,
que felizmente não surgiu, por se descobrir: o dia aprazado era o primeiro de
Outubro, dia que ao mesmo tempo, que inspirava a todos prazer, e alegria,
lhe suscitava logo a terrível ideia dos males que prometia: a mesma Tropa
astutamente enganada, mais fomentava estas ideias; e como nem era toda
desta opinião, e nem igualmente todo o povo mais terríveis se tornavam as
consequências que esta anarquia premeditada nos fazia esperar: isto cada
vez mais se verificava com as promessas de mortos, disposição dos bens dos
mortos, e acontecimentos das noites de 4, e 6 de Setembro, em que até se ouviu

367
cantar a louca Constituição, em lugar da Lusa Constituição: atenda agora
Senhor Redator ao que fizeram estes vários Militares, ou pela obediência,
que lhe consagravam os Soldados, ou pelas verdades que proferiram, conse-
guiram dispor geralmente a Tropa a favor da boa Causa; e assim reduzidos,
que restava? aproveitar a ocasião, frustrar esperanças, estorvar inteligências,
e abreviar a instalação do Governo, único passo que poderia, com pode
em uns, abafar, e reconcentrar suas loucas ideias; e em outros, por verem
gualdidos [sic] os planos dos seus sedutores, arrenegá-los, e converterem-se
para a boa causa. Fez-se com efeito o Governo Provisório antes do dia 1.º
de Outubro, aceleração que em nada contraveio às Ordens; porque de mais
a mais, achavam-se presentes nos Eleitores de todas as Comarcas, e mesmo
de algumas Câmaras, que para este efeito os tinham remetido: pese por tudo
Senhor Redator as razões, que expus, que todas são verdadeiras, e geralmente
manifestadas, e que ninguém nesta Vila se atreverá a contestá-las, e o efeito
que delas surtiram; e diga-me, que tais são, ou foram estes vários Militares;
e se lhes serve a carapuça, que vossa mercê talvez sem o auxílio do alfaiate
Constitucional lhes quis preparar?
Diz mais o Senhor Redator do Parraf. II da sua reprimenda corcundís-
sima, onde com efeito desenvolvendo tão belos princípios de direito público
universal, faz deles tão terrível uso; que estes Senhores se convençam = e aqui
ficamos: porque continuando a discorrer tão amplamente sobre o Decreto
18 de Abril, chega no fim, e não nos diz, de que se hão de convencer os tais
Senhores, concluindo somente, que isto se fundava na suprema Lei de absoluta
necessidade pública, traduzindo muito bem o Rei publicae Salus Suprema
Lex esto = e como nada conclui do ponto principal, nada também há para
se lhe dizer, senão que os tais Senhores ficam-lhe muito obrigados com a
comparação que deles faz com os tais varões beneméritos, que reduziram a
unidade de sentimentos; e se a absoluta necessidade é que preserve as medidas
para a integridade política Nacional, ninguém estava mais nestas circunstân-
cias do que nós, e só assim se podia salvar a nossa integridade política, que
estava bem em perigo, e desculpe-me o Senhor Redator, se com este último
período explanei o seu pensamento, que vossa mercê talvez por obtuso sem
saber o modo por que formaria o seu sofisma, não o pôde apresentar, mas
glorie-se, que a sua obtusão sempre o conduziu à verdade.
Enquanto o seu Parraf. III, cuido, que não entra no seu discurso senão
para mostrar, que sabe, que Sua Majestade jurou no Rio de Janeiro a
Constituição; e em Lisboa as suas Bases antes de desembarcar, e fez bem;
porque senão, em virtude da tarefa com que se fez cargo a favor dos vários
Militares, podíamos entrar sem dúvida se vossa mercê de tal sabia; mas

368
sempre lhe direi, que nunca os Governos Provisionais foram instalados com
o único fim de fazerem jurar a Constituição, e mandarem Deputados às
Cortes; porém sim com mais alguns; e talvez ainda mais precisos fins, como
o extirpar abusos, extinguir despotismos, tirar o bastão dos Generais, e umas
fardas muito bonitas, e fazê-los vestir conformemente com os Povos sobre
quem estendiam os bastões &c. &c. &c.; e deste seu Parraf. concluo, que
vossa mercê, ou nada tem lido dos Acontecimentos de Portugal, e Brasil, ou
então faz-se moita para servir aos seus amigos, e honrar estes vários Militares.
O seu Parraf. IV. com que vossa mercê pretende roborar a sua opinião,
exarada no antecedente sobre a função principal dos Governos Provisionais,
faz-se notável, pela delicadeza de seu discurso; e por isso não nos dispensamos
de lhe dizer, que as Cortes quando reconheceram a necessidade das refor-
mas, a que infatigável, e heroicamente procederam, e continuam a proceder,
sempre contaram, como deviam, com o magnânimo, e generoso assenso do
nosso Rei o Senhor D. João VI: e por isso as suas medidas tomadas sempre
debaixo de tão bem fundadas esperanças, nunca podiam ter por objeto senão
o bem comum dos Portugueses de ambos os hemisférios, e a consolidação
mais indissociável do Sistema Constitucional; para isso era necessário remover
todos os obstáculos que pudessem empacar a prosperidade da Causa, cujos
obstáculos, principalmente no Brasil, sempre se encontraram mais identifica-
dos nos Governadores, e Capitães Generais, únicos que têm ensanguentado a
nossa tão desejada Regeneração: e eu ver-me-ia nas circunstâncias de provar
mais circunstanciadamente esta minha proposição, se não lhe pudesse dizer
imediatamente, que visse o que aconteceu com o General Stokler, com o
de Santa Catarina, e outros; e ultimamente o proveito que estão tirando os
Pernambucanos, por acovardarem ao punhado de homens que concorreram
para constituir o Provisório nas mãos de Luiz do Rego: além disto, admira-
-me a sem cerimônia com que vossa mercê pretende acomodar os generosos
sentimentos de Sua Majestade ao mimoso do seu discurso; e argumentando
com os seus mesmos princípios direi, Sua Majestade por isso mesmo, que jurou
a Constituição, deu a entender, que suas intenções se dirigiam somente ao
bem dos seus Súditos; e que por isso mesmo sendo os Governos de Capitães
Generais um verdadeiro flagelo dos Governados, nunca Sua Majestade os
podia consentir, e menos querer, que eles existissem quando os Povos faziam
ver o quanto com eles sofriam; e assim é que se entende a expressão do Parraf.
da Carta dirigida pelas Cortes a Sua Majestade, que vossa mercê cita, ou para
melhor dizer, torce a seu modo; pois que instalando-se Governos Provisionais,
em nada se falta com respeito no Chefe da grande Família Portuguesa: porque
não podendo este inspecionar por si só todas as divisões desta Família, é

369
necessário, que isto se faça em seu nome, e debaixo de sua autoridade: o
nome, e autoridade do Rei nunca pode anunciar senão boas obras, estas
obras só se reputam, quando elas promovem o bem, e a utilidade daqueles,
em quem elas se empregam: estes efeitos porém nunca se encontraram em
Capitães Generais, como desgraçadamente a experiência nos tem mostrado,
ergo, segue-se a falsidade de sua asserção; e o melhor seria Senhor Redator,
que vossa mercê não tivesse falado no Decreto de 18 de Abril, porque quando
uma Lei determina, como este Decreto, uma cousa decisivamente, nem só é
impróprio, como até criminoso, que um Senhor Redator venha reflexionar
sobre um passo todo filho da mesma Lei, pretendendo caracterizá-lo de mau,
e incompetente, só porque pretende servir a um amigo; mas não cuide vossa
mercê que o dizer-se que o homem é livre, e senhor das suas opiniões, que lhe
dá direito para improvisar conforme quiser; e por isso permita-me repetir-
-lhe, que vossa mercê ou faz-se néscio, ou então não atende, nem entende as
mesmas discussões das Cortes, que insere na sua Gazeta.
Mas sobretudo realça a sua bela conclusão compreendida no Parraf.
V. da sua palinódia anticonstitucional. Admira-me bastante a claridade que
vossa mercê quer figurar nos seus argumentos, quando eles ofuscam as ideias
de quem os lê: certamente nem outra consequência era de esperar dos seus
bem estabelecidos princípios: com que, por as Cortes depositarem nas mãos
do Rei o poder executivo, julgaram desnecessários os governos Provisórios?
Então de duas uma, ou vossa mercê supõe, que as Cortes logo que começaram
suas operações não pretenderam, que a Regência obrasse em nome de Sua
Majestade o Senhor D. João VI, o que é verdade de fato deduzida dos termos
em que se concebiam todas as ordens da mesma Regência, e que vossa mercê
não pode contestar; ou então não faz ideia do que é divisão de poderes, do
que é o poder executivo, quando há um outro legislativo, nem das atribuições
de cada um destes poderes, quando há uma forma de Governo Aristocrático-
-Monárquico, como a nossa; decerto estou pela segunda das duas, e nem podia
deixar de estar, à vista da mixórdia, e confusão, que vossa mercê apresenta
no seu jogo do poder executivo, com os Governos Provisionais.
Por coroa de tudo vem vossa mercê com a evidência dos seus princí-
pios de direito público Constitucional: logo vi, que tendo vossa mercê neste
seu pedaço de eloquência levantado falsos a tanta gente, e a tantas cousas,
certamente não lhe escapava a mesma Constituição: diga-me, que quer dizer
direito público Constitucional? Por ventura a Constituição é mãe, filha, tia,
ou avó de algum direito público novo? Ora na verdade, quem mais vive,
mais vê: eu supunha, que a Constituição se fundava nos mesmos princípios
de direito público universal, e particular de que temos ideia, e que os nossos

370
Pais nos têm escrito, e ensinado; porém graças ao Senhor Redator, que já fez
mais esta descoberta em benefício da Ciência; e na verdade quando saírem
à luz os seus folhetos, grande extração hão de ter; e por isso Senhor veja se
as Cortes lhe concedem um privilégio exclusivo, ganhe muito dinheiro, e
deixe-se de Periódicos.
Também vejo neste seu último Parraf. a grande descoberta do paralelo
desta Província, com S. Paulo; porém como tenho mais que fazer, e não posso
empregar mais tempo com vossa mercê, só dir-lhe-ei, que se o desleixo em
S. Paulo deu causas à instalação do Governo de S. Paulo, maiores, e mais
urgentes motivos obrigaram à aceleração da instalação do de Minas Gerais; e
se Sua Alteza Real houve por bem mandar fazer um Governo Provisório, ele
não demarcou tempo, antes no seu Aviso diz, que se instalasse com a possível
brevidade, marcou-se aquele tempo sem o epíteto de inalterável para o 1.º
de Outubro, os vários Militares de acordo com os bons Cidadãos assenta-
ram conveniente abreviar-se quanto antes, porque podia escapar o meio que
facilitava a brevidade, fizeram muito bem, lançaram mão dele, e hoje estão
contentes, e satisfeitos, bem que ainda inquietados, por alguns amigos do
antigo jugo; e portanto o seu paralelo, Senhor Redator, dá a entender, que em
S. Paulo também tem algum amigo, a quem pretende obsequiar; e assim, quem
lhe encomendou o sermão que lho pague; e como estamos para ter aqui uma
Imprensa, desde já rogamos a vossa mercê queira passar-se a esta Vila, para
ser o Redator da nossa folha, pois os seus talentos estavam mesmo destinados
pela Providência para guiar às bordas do precipício um País nascente como
este. Pode contar Senhor Redator com a minha vontade sempre pronta para
o servir nesta, e outras ocasiões, e de graça. Cassiano Espiridião de Mello
Mattos, Juiz de Fora desta Vila Rica, e seu Termo que o subscrevi, e assino.

- Cassiano Espiridião de Mello Mattos.

RIO DE JANEIRO.
NA TYPOGRAPHIA DE MOREIRA, E GARCEZ, 1821.

371
1822
22

O AMIGO DA RAZÃO,

OU
CARTA
AOS

REDACTORES DO REVERBERO,

Em que se mostraõ os Direitos, que tem o Brasil a formar


a sua Camara especial de Cortes no proprio territorio,
conservando a União com Portugal, em Ordem a
salvar-se dos Horrores da Anarquia; evitando de um
golpe o retrocesso do Despotismo; e as pretenções das
Cortes de Portugal, contrarias aos seus interesses.

___________________________
Legant prius, et postea despiciant.1
S. Jer.
___________________________

RIO DE JANEIRO.
1822.
NA IMPRENSA NACIONAL
1
Leiam primeiro, critiquem depois. N.T.: São Jerônimo, Prefácio ao livro de Isaías.

375
Senhores Redatores do Reverbero.

QUANDO eu me propunha responder ao Redator do Semanário Cívico da


Bahia sobre a questão, que em sua Folha número 35 de 25 de Outubro deste
ano procurou discutir sobre o local mais conveniente ao assento das Cortes da
Nação Portuguesa para o futuro; apareceram Vossas mercês prevenindo-me
na execução deste intento, com louvável zelo da Causa Pública, pelo que ao
dito respeito discorreram na última folha do seu Periódico do 1.º do corrente
Dezembro: mas porque senão desenvolveu o assunto na sua resposta debaixo
dos precisos pontos de vista, com que eu havia concebido a mesma questão:
os quais pontos de vista descobrem em maior diâmetro a esfera da razão que
temos para sustentar a proposição Política de que o Brasil não pode prescindir
de ter no seu próprio território a sua Representação Nacional, permitam-me
Vossas mercês, que eu amplie com as minhas observações a sua resposta no
caso, pois que me persuado que o negócio é de interesse mui geral à Causa
Pública de todos os nossos Concidadãos de um, e de outro hemisfério;
principalmente quando estamos organizando o nosso Pacto Social, de que
justamente esperamos o melhoramento da nossa situação Política, e Felicidade
Universal de toda a Nação Portuguesa, a cujo alvo se devem referir, como a
centro comum, todos os nossos discursos: e entrando na controvérsia direi:
Que me parece e sempre me pareceu mui ociosa a questão suscitada no
dito Semanário Cívico, se deva Portugal, Matriz, e antiga Sede da Monarquia
Portuguesa ter em si o Assento das Cortes Gerais de toda a Nação Portuguesa:
ou se deviam as mesmas Cortes congregar-se antes no Brasil, como parte a
mais importante do Reino Unido; pois por mais tratos que dê ao meu curto
entendimento, não concebo nem posso descobrir no Código da Igualdade,
e Liberdade dos Direitos Cívicos, que una voce tanto proclamamos, como,
ou por que razão devam os Portugueses Brasileiros ser obrigados a mandar
seus Representantes às Cortes de Portugal para aí fazerem Câmara conjunta
e Ecumênica com os Representantes das Províncias daquele Reino: ficando
adstritos e obrigados os mesmos Brasileiros a irem aí procurar e promover
os seus recursos e queixas em tão longa distância da Eminência do Poder
Executivo: ou como, e por que razão, vice e versa, devam os Portugueses
Europeus ser obrigados a vir em igual condição concorrer à Câmara das Cortes
do Brasil, ficando igualmente dependentes das Providências do Supremo Poder
Executivo, que nesta hipótese aí deve residir para todos os negócios do seu
território, que dessas providências dependam, que é o efeito necessário de se
seguir uma das partes da alternativa proposta.

376
Que nos importa a nós Portugueses Brasileiros que Portugal seja mais
povoado que o Brasil, ou que importa aos Portugueses Europeus, que o Brasil
seja mais [ilegível] de melhores vantagens Políticas do que Portugal para ficar
qualquer destes Reinos dominados na partilha, e gozo dos seus correspectivos
Direitos, quando estamos tratando de extremar, e distribuir a cada um aquela
porção dos mesmos Direitos, que lhe é inegável? O ser Portugal mais povo-
ado do que o Brasil dá-lhe porventura algum Direito de preeminência sobre
o mesmo Brasil: ou fica ele sendo por isso mais Reino do que, este é? Não.
O ser o Brasil mais rico, e de melhores vantagens, dá-lhe porventura, vice e
versa, algum Direito para ser mais Reino do que o é Portugal? Também não.
Pois logo como se pode meter em questão, sem ofensa dos Direitos individuais
destes dois Reinos (supondo identificado Portugal com Algarve) qual deles
deva praticamente ficar constituído Província do outro?
Sim, Província, digo, porque eu não dou validade a Entidades nominais,
e Metafísicas. O que foi Portugal durante o período dos últimos 13 anos, em
que esteve dele separada a sede da Monarquia; quero dizer: enquanto dele
esteve ausente o Supremo Poder Legislativo, e Executivo, que conjuntamente
exercitava Sua Majestade e Senhor Rei D. João VI no Brasil apesar mesmo
de que ali existisse [ilegível] Regência, e todo o trem dos diversos Tribunais
e Ministros que compunham a sua antiga Corte e exercitavam sem mágoa a
parte do poder administrativo e [ilegível] que desde longos tempos [ilegível]
sido amplamente delegada pelo mesmo Soberano, para providenciarem, e
decidirem em seu lugar os casos mais ordinários em todas as Repartições do
seu Governo Interno? O que foi Portugal, digo, nesse período?.. Província
do Brasil. Província do Brasil.
Não sou eu que o digo. Assim o diziam altamente, e de bom som todas as
folhas escritas em Países livres: Assim o proclamavam todos os Pretendentes,
que de Portugal vinham à nova Corte do Brasil para promoverem seus
Despachos, e interpor os seus Recursos imediatos contra as opressões, que
lhes faziam as Autoridades secundárias do mesmo Reino de Portugal; e não
o diziam gratuitamente, se não bem convencidos pela própria experiência.
E que virá então agora a ser Brasil, vice versa, sem o Poder Legislativo,
e Executivo Supremo no seu território; e extinguindo-se-lhe de mais todos
os Tribunais que compunham a sua Corte, de maneira que até essa sombra
da sua Categoria venha a ficar nula? O que virá a ser o Brasil, digo, em tal
condição? Província de Portugal, Província de Portugal.
Não sou eu que digo: di-lo a razão, di-lo a experiência, e o estão já
dizendo todos, Nacionais, e Estrangeiros.

377
Como é pois que, assentado uma vez o grande, e filantrópico princípio
da igualdade dos Direitos Políticos dos dois Reinos: e dos Direitos Civis dos
seus Habitantes, se dá ainda lugar à questão de semelhante natureza, que,
suposto pareça liberal em teoria (se isso se pode conceber) induz todavia uma
conclusão prática ex diametro contrária à mesma igualdade? Como é que não
recorre o discurso em tal crise a outros meios de conciliar a união indissolúvel
dos dois Reinos (supondo identificado, como disse, Portugal e Algarve) que
não seja o de manter-se a Soberania de um à custa da Soberania do outro?
Dirá alguém talvez que não acha meio-termo de conciliação se não este? Mas
a isso respondo: que sejamos todos liberais, e logo atinará o discurso com a
razão das coisas. Quando o nosso coração, ou a nossa vontade nos previne:
e seus atos precedem as operações do nosso entendimento, deparamos a
cada passo com dificuldades, ao nosso parecer, invencíveis, em tudo quanto
não lisonjeia a medida dos nossos desejos; pois achamos prazer em ceder às
mesmas dificuldades antes do que combatê-las: por outra, afetamos procurar
aquilo mesmo que não quiséramos descobrir: quando porém ao contrário
procedemos como Campeões da Verdade, e como Filósofos de extremada
Filantropia; nunca se nos oculta a mesma verdade; pois que a sabemos ir
tirar debaixo dos mesmos esconderijos do nosso interesse, e amor próprio,
onde ela se nos ocultava.
À luz pois desta verdade, única diretora das minhas palavras, é que eu
vou expor os meus sentimentos sobre este assunto Político, que há tantos
meses traz em perpétuo redemoinho as cabeças dos Discursistas, e quais sejam
os outros meios que me parecem se devem seguir, para assegurar ao mesmo
tempo a união Política do Brasil com Portugal, sem ofender todavia os Direitos
individuais de cada um destes Reinos: o que perpetuaria sem dúvida nos seus
Habitantes os antigos ressentimentos e rivalidade da mesma união Política tão
necessária, para em pouco tempo se constituírem os Portugueses uma grande,
e poderosa Nação. E por servir à brevidade, e clareza, dividirei em três teses,
ou pontos cardeais, o meu Discurso, comprovando-os depois seguidamente.
1.º Ponto. O Brasil, como Reino que é, tem Direito a uma Representação
individual do seu território; e a formar a sua Câmara representativa composta
de todos os Procuradores dos Povos das suas respectivas Províncias, reuni-
dos em a sua Corte atual, assim, e da mesma forma que com igual Direito
procedeu o Reino de Portugal na convocação das Cortes atuais reunidas na
sua Corte de Lisboa.
2.º Ponto. O Brasil, segundo se acha tão longinquamente distanciado de
Portugal na maior parte das suas Possessões, quer marítimas, quer centrais,
tem absoluta necessidade de usar deste Direito de formar a sua Câmara

378
particular de Cortes, em que se ventilem, e decidam todos os negócios que
forem meramente relativos ao seu Governo interno: havendo demais no seu
território uma Delegação absoluta do Supremo Poder Executivo, que em
nome de El Rei dê sanção aos Decretos das suas Cortes: e exerça todas as
mais funções do mesmo Supremo Poder Executivo; assim e da mesma forma
que em Portugal se acaba de praticar, depois da instalação das suas Cortes,
e durante a ausência Sua Majestade o Senhor D. João VI.
3.º Ponto. A união Política do Brasil com Portugal não pode permanecer
por muito tempo sem o estabelecimento de duas Câmaras de = Cortes do Brasil,
= e = Cortes de Portugal, = a cujo cargo fique a Legislação especial dos seus
respectivos territórios; conspirando uma, e outra em fraternal união Política
a sustentar o grande Edifício da Felicidade Pública da Nação Portuguesa,
por meio de Leis gerais, que, respeitando ao todo da Nação, devem ser por
isso mesmo ventiladas e vencidas à pluralidade de votos em ambas as ditas
Câmaras.
Quanto ao primeiro Ponto da minha Divisão, isto é, que o Brasil tem
Direito a haver no seu território uma Representação individual da sua grande
família composta por Procuradores das suas diferentes Províncias, em que
particularmente resida o Poder de fazer as Leis convenientes ao seu Governo
interno, é verdade demonstrável assim em teoria, como em prática. Em teoria,
porque estando o Brasil elevado, como está, à sublime categoria Política de
Reino, e como tal reconhecido de fato, e de Direito; não se lhe pode negar
a atribuição de convocar os Procuradores dos Povos das suas Províncias; e
formar a sua Representação individual para deliberar com poder absoluto,
e independente de outro qualquer Povo, e fazer as Leis que o devem gover-
nar; assim e da mesma forma, que igual Direito compete individualmente
ao Reino de Portugal; e a qualquer outro Reino, que reconhecido seja como
tal; pois se é Reino; não se lhe pode negar este Direito; e se acaso o não tem,
então é Província; e não é Reino; porque esta Denominação entre as Nações
Civilizadas induz a ideia de Emancipação Política dos Povos que habitam
este, ou aquele território, com absoluta independência de outro Povo; posto
que acidentalmente obedeçam com outros a um, e o mesmo Monarca, ou
Soberano. Assim que no nosso caso não obstante que façamos uma só Nação
com os Portugueses da Europa, não tira isso todavia, que possamos ter a
nossa Representação própria em Câmara de Cortes separada da dos Povos de
Portugal; porque uma Nação se pode compor de muitos Reinos, como sucede
na Espanha, e estes até bem diferentes em costumes, e Leis.
É demonstrável em prática pelo exemplo de Casa que nos têm dado os
mesmos nossos Irmãos habitantes de Portugal e Algarves; pois não obstante

379
que estivessem intimamente unidos como ainda estão conosco compondo uma
só Nação sujeita à antiga forma de Governo, de que nos libertamos; não tive-
ram nenhuma dúvida contudo em convocarem singularmente os Procuradores
das Províncias, e com eles comporem a sua Representação individual para
tratarem somente dos negócios pertencentes ao território do seu Portugal, e
Algarve; resguardando em tudo, e por tudo com escrupulosa circunspeção os
nosso Direitos, de que podíamos igualmente usar então como nos parecesse; ou
permanecendo no antigo Despotismo; porque hoje ainda alguns interessados
choram ou sacudindo-o como bem nos conviesse; segundo fosse a expressão
da vontade geral das nossas Províncias. Donde fica manifesto que o nosso
Direito nesta parte não padece a menor dúvida, ou contestação; porque até
praticamente está já reconhecido pelos mesmos Povos de Portugal, segundo
o voto que os seus Representantes hão proferido na atual Câmara das suas
Cortes de Lisboa.
Quanto ao 2.º Ponto, isto é, que o Brasil, segundo se acha distanciado de
Portugal na maior parte das suas possessões assim marítimas, como centrais,
tem absoluta necessidade de usar este Direito inauferível a sua Categoria,
para se fazer representar em Câmara própria do seu território, e haver nele
uma Delegação absoluta do Executivo Supremo; bastará para o comprovar
consultarmos o senso comum. Como pode prosperar o Brasil, onde tudo
está por fazer na Ordem da Civilização, quero dizer, onde a Agricultura,
Comércio ativo, e Artes estão ainda no berço; como pode prosperar, digo,
estando a tantas mil léguas separado do assento do Poder Legislativo, e
Executivo, donde lhe há de provir o espírito vital que deve animar as grandes
empresas que lhe é necessário pôr já em prática, ou seja, na educação dos
seus concidadãos miseravelmente desprezada até aqui, ou na civilização dos
seus indígenas que têm padecido a mesma sorte, ou na povoação das suas
Províncias centrais desertas, ou na construção de uma Marinha que defenda
os seus Portos derramados em uma extensa Linha do Oceano compreendida
entre o Amazonas ao Norte, e o Rio da Prata ao Sul, participando de todos
os climas; ou já finalmente na construção de grandes estradas, de que tanto
necessita para se comunicar o Comércio de Beira Mar com o Sertão, e outros
muito artigos de grande intenção?
Como é possível tolerar o miserável Cuiabano a ideia de que há de ir a
Portugal buscar um Escusado no Livro da Porta das Secretarias da Corte de
Lisboa, depois de trabalhosa viagem de 20 meses pelo menos de ida e volta
somente, em que deve ter sofrido porventura o dispêndio da sua fortuna, e
os mais acerbos incômodos?

380
Como se pode sofrer que Mato Grosso, Goiás, Rio Grande do Sul,
e outras Províncias longínquas do nosso País hajam de mandar todas as
Legislaturas, ou de dois em dois anos, Deputados a Portugal, para não faze-
rem aí mais do que verem os Representantes do mesmo Portugal darem a
seu grado a Lei às Províncias do Brasil, pelas quais são mandados; pois que
segundo a nossa Representação se acha aí diminuta, vencerá sempre o número
daqueles a razão desta; e se nos darão por Leis só aquelas que interessarem aos
Portugueses da Europa; as quais nunca podem ser senão danosas aos nossos
interesses: assim como o foram todas aquelas que dali o velho Governo nos
fulminou, em proveito do mesmo Portugal? Sirvam de exemplo os execran-
dos Editos, pelos quais se nos mandaram queimar os teares em que as nossas
industriosas mães fabricavam os seus grosseiros tecidos de algodão, com
os quais a menos custo cobriam a nudez de seus inocentes filhos, e de seus
escravos; principalmente nas Províncias centrais, onde toda a qualidade de
estofa, e lençaria custava o duplo do seu preço nos Portos marítimos pela
dificuldade da sua condução por estradas, que ainda hoje fazem vergonha à
indústria, e civilização dos Povos que as transitam.
Como é que se pode conceber sem indignação a ideia de nos privarmos
de dois a dois anos de todos os sujeitos mais conspícuos em saber, e costumes
das nossas Províncias Brasileiras, para nos irem representar a Portugal, onde
nos consumirão muitos centos de contos de réis em proveito daquele País pela
sua devida manutenção ali; sem falarmos no prejuízo resultante às Casas dos
indivíduos empregados em tais missões; pois não sendo admissível nenhuma
escusa para deixarem de receber a Procuração dos Povos; devem deixar os
seus negócios a tão grande distância desamparados da sua assistência, talvez
em tempo de crise, em que ela lhe seja mais necessária: o que reverte neces-
sariamente em prejuízo público do nosso território?
Como é que podem os Povos do Brasil gozar do benefício integral da
Constituição, ficando entregue a sua sorte ao arbítrio da prepotência das
Autoridades secundárias em tão remota distância de Poder Executivo, e
Legislativo, com o que podem tiranizá-los as mesmas Autoridades segundo
têm praticado; e ainda o estão praticando por toda a parte?
Que importa que em lugar de um Governador tenhamos cinco, ou sete
escolhidos pelos Povos, se a experiência nos mostra, que um, ou dois mais
expertos vêm a ser ordinariamente a alma do Governo; assim como acontece
por desgraça nossa em muitos Tribunais, subscrevendo os outros a quantas
maldades fazem aqueles mais expertos em cujas palavras juram? A que se
queixará o miserável Cidadão das opressões que lhe fizerem estes Déspotas
de nova invenção, se no seu País não tem Recurso contra eles, e se não tem

381
meios para atravessar o vasto Oceano que o separa do remédio ao seu mal;
ou, quando os tenham, em que tempo haverão emenda do dano, que os
mesmos lhe houverem feito?
Oh minha Pátria, oh lamentável Brasil, oh País das graças da Natureza:
eu te pressagio a mais desditosa carreira de agora em diante, se desapercebido,
como vás, não reassumes os teus Direitos; e não cuidas por ti mesmo em lançar
os alicerces à tua nascente Liberdade civil, convocando as tuas Cortes; para
ocorrer com a expressão da vontade geral dos Povos aos males que te estão
iminentes: os Povos não foram feitos nem para os Reis, nem para os outros
Povos: tudo quanto são, e quanto podem ser, deve-se referir à felicidade
comum da grande família que cada um deles compõe, e os seus interesses
individuais cumpre que sejam discutidos, e advogados pelos Representantes
da mesma grande família a que pertencem, e mais não.
Nós temos presentemente duas classes de interesses Políticos: uma dos
que respeitam a prosperidade individual do nosso País; e que nada tem de
comum com os outros Povos, que estão fora dele, e outra dos que respeitam
à nossa união com Portugal.
Naqueles só nós, e só nós é que devemos deliberar; nestes convém ouvir o
voto geral da Nação. Confundirmos, e identificarmos estas diversas relações,
é caminharmos more pecudum2 ao nosso precipício.
A tão ponderosas reflexões porém talvez me objete alguém, que tendo
os Brasileiros jurado a Constituição que se fizessem em as Cortes atuais
de Portugal, já não podem proceder nesta legítima medida de se fazerem
representar no seu território em Câmara especial; muito principalmente
tendo muitas das suas Províncias mandado já para ali os seus Deputados
Representantes. Mas a isso respondo: que o grande Pacto Social ainda não
está firmado: que a Nação se acha ainda em caráter organizante, e não
organizado: que ninguém se presume juridicamente aprovar seu dano impli-
citamente: que contra este dano são todos assistidos por Direito do benefício
de Restituição em todos os contratos, nos quais não houve conhecimento
de Causa, e que não se firmariam se a houvesse. Donde se segue que posto
jurássemos aderir à causa do Reino de Portugal, conspirando com iguais
esforços para reavermos a perdida dignidade Nacional, não renunciando
todavia, nem podíamos jamais renunciar ao Direito da nossa defesa natural
contra as lesões que se pretendam arrogar no nosso País, para deixarmos de
recalcitrar oportunamente a qualquer condição que nos seja ofensiva dos
mesmos Direitos no estabelecimentos do grande Pacto Social, para o qual

2
À maneira dos animais.

382
não duvidamos já concorrer com a nossa efetiva cooperação: E se, pelos
princípios Constitucionais estabelecidos pelas mesmas Cortes de Portugal,
há Direito a alterar os artigos da Constituição depois de firmados, contanto
que tenham decorrido quatro anos, e que os nosso Procuradores tenham
expressa outorga de Poderes para esse efeito, manifesto é que com maiori-
dade de razão podemos contravir ora aos mesmos Artigos antes de firmada
a mesma Constituição; revogando nós como partes constituintes que somos
os poderes que temos dado aos nossos Procuradores para a firmarem, pelo
mal que nos vai em continuarmos a fazer Câmara conjunta de Cortes com
os Povos de Portugal; que vem a ser o mesmo que ficar o Brasil constituído
Província daquele Reino contra a nossa intenção; pois quando entre o alarido,
e estrondo de Armas, proclamamos a mesma Constituição que fizessem as
Cortes de Portugal, foi no firme pressuposto de que não se trataria dos inte-
resses do Brasil, sem a reunião dos seus Deputados ou da sua Representação
inteira; muito principalmente com prejuízo manifesto deste Reino.
Resta-nos ora demonstrar o 3.º Ponto da Divisão seguida, isto é, que não
pode ser permanente a união do Brasil com Portugal sem o estabelecimento
de uma Câmara especial de Cortes no mesmo Brasil, além da Câmara de
Cortes de Portugal. Dois são os meios de se conservar esta união; ou a força,
ou a espontânea adesão dos Povos: o meio da força é impraticável; porque
estando as Províncias do Brasil assaz prevenidas, como se sabe, e sendo os
seus Governos populares, falta-lhes o espírito de obediência para se sujeitarem
a uma dominação contrária aos seus interesses, espírito que só podia existir
com o Despotismo dos antigos Governadores de Cetro de ferro; e fazendo
todas elas causa comum, como é evidente que farão, nenhuma esperança
absolutamente pode haver de se conseguir por este meio a sua sujeição
batizada com o nome de união. E quanto à adesão dos Povos, ainda que
porventura possa haver alguma a princípio na esperança do melhoramento da
sua sorte; logo porém que a experiência os desengana com as consequências
que acima notei na demonstração do 2.º Ponto da minha Divisão, de que a
nova Ordem de coisas lhes não traz nenhum dos bens que esperavam; e que
continuam a ser oprimidos sem recurso pelas dificuldades da distância em
que lhes ficam o poder Legislativo e Executivo, se tornarão pouco a pouco
desafetos à Causa da Constituição: e julgando-se iludidos, proclamarão a sua
independência, com o que virão a separar-se de Portugal; deixando de fazer
com ele uma grande, e respeitável Nação: seguindo-se daí perderem muito
da sua consideração Política ambos os Reinos; porém sempre mais Portugal
que o Brasil: pois a este basta que o entreguem à sua natural vegetação; e que
lhe tirem os estorvos que a embaraçam, para vir a ser em pouco um Reino

383
poderosíssimo; quando Portugal, para se conservar, é mister todos os esfor-
ços da indústria humana, e de socorros externos; que tornam precária a sua
existência Política na escala das Nações independentes: acidente funesto que
se evitará se, estabelecida a Câmara das Cortes do Brasil no próprio território,
com uma Delegação absoluta do Supremo Poder Executivo, se centralizarem
todas as suas relações imediatamente; na parte respectiva ao seu Governo, e
administração interna: de maneira que tirada toda a razão de queixa, não seja
mister aos seus Habitantes saírem fora, do seu Continente para promover os
interesses da sua Pátria, o os seus próprios; pois os Brasileiros têm recíproco,
interesse em existirem unidos com Portugal; contanto que os não lesem. Tal
é o meu modo de pensar; se acaso erro, deve-se-me imputar a [ilegível] do
meu entendimento e não da minha vontade, pois, suposto seja Brasileiro,
sou contudo, segundo tenho manifestado, número 20 de Dezembro de 1821.

O Amigo da Razão

Post Scriptum. Como pode suceder que alguém ao ler esta Carta me
pergunte como se ordenará um projeto de Representação Nacional no Brasil,
que não ofenda a união Política dele com Portugal, aqui lhe aponto algumas
Bases, que me parecem essenciais para o efeito.
1.ª Haverá duas Câmaras de Cortes compostas ambas de igual número
de Deputados: com as Denominações Câmara de Cortes de Portugal e Algarve
= e = Câmara de Cortes do Brasil.
2.ª Na Câmara de Cortes de Portugal e Algarve se farão as Leis somente
que disserem respeito ao seu território; e na do Brasil somente aquelas que
forem relativas às Províncias do seu Continente.
3.ª As Leis Constitucionais; e todas as outras que respeitarem ao todo
da Nação; serão discutidas, e deliberadas à pluralidade de votos em ambas
as Câmaras.
4.ª Sendo livre ao Rei residir em qualquer dos dois Reinos, deve haver
uma Delegação absoluta do Supremo Poder Executivo no outro Reino, de
que ele permanecer ausente: a qual será confiada ao sucessor da Coroa, ou a
uma pessoa da Casa Reinante, e na falta a uma Regência; a qual Delegação
se estenderá a sancionar Leis, que as respectivas Cortes fizerem para o seu
território.
5.ª A El Rei imediatamente fica competindo a sanção das Leis de relação
geral com a Nação inteira, que houverem de passar por ambas as Câmaras.

384
6.ª Nas Cortes de Portugal haverá dois ou mais Representantes das Cortes
do Brasil, para assistirem aos seus trabalhos; e nas Cortes do Brasil haverá
igual n.º de Representantes das de Portugal para o mesmo fim.
7.ª Estes Procuradores assistentes podem impedir que se Decrete nas
Cortes em que assistem qualquer Lei, que direta, ou indiretamente possa ofen-
der os Direitos do seu País; até que o projeto da mesma Lei seja presente às
Cortes pelas quais representam, e possam estas fazer as suas observações, sobre
as quais se fará nova discussão nas Cortes Deliberativas da mesma Lei: o que
convém para evitar ressentimento, e ruptura entre os dois Reinos: que nunca
pode haver, resguardados que sejam os seus Direitos locais na mútua união,
e adesão com que devem conspirar a manter a unidade e dignidade Nacional,
donde deve resultar a sua preeminência relativa na escala das Nações.
Outras posições poderão lembrar aos amantes da Felicidade Nacional; e
remato o meu discurso com o lembrar ao Povo do Rio de Janeiro, que se até
agora tínhamos um inimigo a combater, que era o Despotismo Ministerial,
agora temos dois; e que nos não devemos unir com nenhum deles por fazer
causa comum contra o outro. Inter utrumque tene… Medi[o] tutissimus ibis3
lhe exclamarei eu sempre com Ovidio.
Não há liberdade Civil sem Constituição; não há Constituição onde não
há Representação dos Povos: portanto sem Cortes especiais ficamos sempre
na mesma, ou servos do Despotismo, ou pupilos das Cortes de Portugal; e
em todo o caso sem reação Política, que não seja a da força física, que nos
deve custar a perda da paz, ou os horrores da Anarquia, com que tem lutado
a Espanha da Europa, e da América. Rio 31 de Dezembro de 1821.

O Amigo da Razão4
[Jacinto Rodrigues Pereira Reis]

3
Mantenha-se entre os dois, no meio irás seguro [Metamorfoses, l. II, 137-140].
N.O.: Ver segunda parte de O Amigo da Razão na carta 57.
4

385
23

ANALYSE E CONFUTAÇÃO
DA PRIMEIRA CARTA
QUE DIRIGIO
A
SUA ALTEZA REAL
O
PRINCIPE REGENTE
CONSTITUCIONAL
E
DEFENSOR PERPETUO DOS DIREITOS
DO BRASIL,
O CAMPEÃO EM LISBOA
PELOS
AUCTORES DO REGULADOR BRASILICO-
LUSO

RIO DE JANEIRO NA IMPRENSA NACIONAL.


1822

386
É impossível que a indignação dos Brasileiros se não transporte aos
últimos excessos, que não conceba as medidas mais violentas de uma pronta
vingança, à vista desta Carta insultadora, onde a hipocrisia, os sofismas, o
rebuço se mostram em campo, pretendendo-se iludir, e arrastar aos abismos
do novo vulcão revolucionário, um Príncipe, que a Providência conserva no
Brasil para quebrar os ferros do Despotismo, com que nos ameaçam pérfidos
Irmãos, e assentar em bases inabaláveis esta Monarquia Constitucional, que
algum dia oferecerá à Europa um espetáculo bem diverso do que lhe oferecera
no longo espaço de sua degradação política.
De que crimes não é capaz um gênio atrabilar [atrabiliário], quando
prostitui a sua pena ao furor dos partidos, e não se envergonha de lançar
sobre o papel a negra espuma das Eumênides? Por desgraça dos povos
sempre aparecem vampiros desta ordem, no momento em que as Nações
perdem o equilíbrio da razão, e se apresentam em cena com o jogo de suas
paixões, ridiculamente disfarçadas pelo título dos interesses gerais. Fazendo
de um povo escravizado degraus para subirem à altura de sua ambição, eles
encaram atrevidamente os gritos do seu século, e a censura da posteridade,
deixando de parte a honra, e o crédito, como mobília desprezível. Deveríamos
adotar para confutação desta Carta uma marcha séria; porém não nos será
possível sustentar este caráter, o escapelo da análise nos cairá muitas vezes
das mãos, e nós nos serviremos da pena do filósofo de Freney,1 e desde já
pedimos vênia aos nossos leitores para que nos desculpem vendo-nos em
negócio tão sério seguir um sistema inteiramente oposto = Príncipe = Eis o
princípio da Carta = há três anos que o Campeão Português em Londres =
vejamos o caráter deste novo epistolante, que com tanto descaramento dirige
carta ad Ephesios2 é o Campeão, que escrevia em Londres, que hoje escreve
em Lisboa, que daqui a alguns anos arrebatados pelas lavas revolucionarias
irá escrever na Lapônia, e depois nas terras Austrais, que formam a quinta
parte do Globo. Terá ele as virtudes desse ilustre Nonagenário Magistrado
de Bearne, que, pressentindo as fatais convulsões da França, dirigiu a Luiz
16, essa famosa Carta, que mostrava bem o patriotismo de seu autor? Não: o
dialeto do respeito, e da consideração não foi feito para a boca do Campeão;
é um maníaco atacado da epidêmica enfermidade de Raynalismo, e por isso
julga-se em circunstâncias de invectivar contra os Reis, de os julgarem com
rasgos de pena, oferecendo-os em estado ridículo aos olhos das Nações.
Entretanto nós acreditamos, sobre os testemunhos, que temos da póstuma

1
N.O.: Voltaire
2
[Carta de São Paulo] aos Efésios.

387
conduta daquele Abade, que se ele ainda vivesse, e aparecesse em Lisboa na
época atual, mostraria os mesmos sentimentos; que publicou, quando viu a
França debaixo do cetro de ferro do Diretório, servindo-se de uma linguagem
bem diversa da do Senhor Campeão: ele diria; Príncipe, retira-te deste vulcão,
que vai a cobrir de chamas, e de ruínas a bela Monarquia de teus pais, foge
deste país abandonado aos Monstros, debaixo de cujos pés gemem cheios de
horror os ossos dos honrados Portugueses; vê este Rei, que os facciosos sem
pejo proclamam bom, conservando-o com as mãos ligadas, circunscritos nos
muros de palácios desertos, receando a todos os momentos que um punhal
enviado por alguns desses Maquiáveis vá terminar suas lágrimas, suas angús-
tias, e sua degradação. Sim, esta seria a linguagem do velho filósofo, que antes
de descer à sepultura, teve a desgraça de ver a França posta em leilão, como
o antigo Império Romano nos últimos dias de sua decadência; mas o nosso
Campeão seguiu outro rumo, adotou a frase Senatorial, ou, por outro modo o
mais verídico, segue a rotina da inspiração, e nos pórticos da sala do Congresso
faz as vezes da Estátua de Menon,3 reproduzindo o eco das insidiárias expres-
sões de alguns Deputados seus patronos Ele prossegue com a encomenda, que
lhes fizeram, entra nos lugares comuns da bazófia, faz alegações de fidelidade,
anuncia dois memoriais, que dirigiu a Sua Majestade em um ano; faz uma
pintura dos tempos difíceis, em que estava El Rei, descreve os horrores da
tempestade política, que ameaçava Portugal, inculca-se (infame hipócrita)
verdadeiro amigo do Rei nessa época, lembra-se de Sejanos, e de Tegelinos,
confessa, que trabalhou para que se dissolvesse a tempestade, porque não
era lisonjeiro, pinta o Gênio do mal adejando em roda o Trono, Thomaz
Antonio ditando leis atrozes, apresenta enfim o quadro de Despotismo, e a
verdade esmagando com mão firme todos os obstáculos, que se opunham
à sua marcha, até erguer seu invencível estandarte nas margens do Douro.
Toda esta arenga não apresenta mais do que lugares-comuns, já batidos
por outros gênios muito mais elevados: todos conhecem hoje os fatais bancos
em que se quebrou o Navio do Estado, os erros da política, a opressão dos
povos, as violências cometidas contra a inviolabilidade de seus direitos, a arro-
gância dos antigos Ministros, a insensibilidade dos pórticos de seus palácios,
o ar insultador dos seus domésticos; em uma palavra todos estão plenamente
convencidos de que a mudança do antigo Sistema era indispensável, porque a
paciência dos povos, depois de haver passado muito além dos limites, em que
se poderia conter pelo temor, e pelo hábito da escravidão, rompeu quebrando
ferros, que já começavam a estalar em seus pulsos, pedindo uma Constituição

3
N.O.: Colossos de Mêmnon, estátuas de Amenófis II, que se dizia emitirem sons.

388
para sufocar a prepotência da arbitrariedade, e fazendo ver aos depositários
do Poder Real, que eles não haviam nascido para escravos, nem para serem
eternamente infelizes.
O Senhor Campeão expondo estes males desempenhou bem o seu papel:
a sua cabeça foi à Tribuna dos Cicerões = Os Catilinas e seus sequazes beija-
ram o pó à vista da trombeta do novo Ariosto: mas logo depois vem com uma
asneira, que se fosse pronunciada pelo velho Midas só teria desculpa em suas
grandes orelhas, é a seguinte transcrita fielmente = Por um desses milagres
raras vezes acontecidos nas revoluções políticas dos povos, soou o trovão
político, despediu-se o raio (não sabemos como também não disse o raio
político) caiu o velho edifício, e no meio das suas ruínas apareceu o Augusto
Pai de Vossa Alteza Real não só ileso porém muito mais radioso, e brilhante
do que nunca antes estivera. O fortunatam natam me Consule Romam:4
Que tirada de eloquência! Este trovão político, este Rei ileso, e muito mais
brilhante no meio das ruínas… Que quadro Senhor Campeão! Mas permita-
-nos que lhe demos a nossa pincelada. Um Rei, que aparece com um pedaço
de manto, com um cetro de frágil cana bem como o homem Deus no Pretório:
é um Rei mais brilhante do que dantes era? Um Rei algemado sem voz, sem
ação livre, não podendo advogar a causa do povo, que derrama lágrimas na
sua presença, obrigado a assinar papéis, que lhe são apresentados na ponta
de uma espada; um Rei guardado por serpes venenosas, vendo em roda de
si mil cabeças de Medusa, debaixo dos Sangrentos olhos de infames espias,
ah! De homens, que em outro tempo ele salvou das tábuas dos Silas, sendo
sem dúvida mais criminosos do que os Romanos proscritos pelo Ditador, e
que hoje, comprados por alguns membros do Congresso, são os seus algozes;
um Rei neste estado é um Rei ileso? O edifício ainda jaz em ruínas, porque
os arquitetos trabalham com a confusão das línguas da Torre de Babel; que
perspectiva brilhante pode dar àquele, que já se figura hoje em um esplendor
qual não teve em outros tempos? Nós sabemos que os Reis constitucionais são
os mais ilesos os mais respeitáveis, os mais dignos de empunharem o Cetro:
que se por um lado se estreitam os limites do Poder, por outro se dilata a
órbita de Sua Majestade: porque os povos não os consideram senão como
os Gênios do bem, como sentinelas da lei e os primeiros propugnadores dos
seus direitos. Porém não existindo ainda organizada a Constituição, sendo
já negadas ao Rei as atribuições, que para bem da Monarquia e para maior
segurança dos povos não lhe devem ser disputadas, como otimamente susten-
taram os mais eloquentes oradores da Assembleia de França, qual o brilho

4
Ó Roma afortunada que nasceu quando eu era cônsul! N.T.: Juvenal, Sátiras, 122.

389
que o Senhor Campeão mostra na Augusta Pessoa do Rei? Desculpe-nos o
Príncipe a comparação, que agora vamos fazer, nós vemos no Senhor Dom
João 6.º uma destas imagens respeitáveis, que por disputas dos festeiros, foi
arrancada do Altar, em que era venerada, e posta na sacristia onde apenas
recebe alguma ligeira cortesia de piedosos devotos, e mil insultos dos sacristães.
Esperemos pela época da Constituição, (que já nos parece de Sebastianistas)
e vejamos se ela desempenhará o que o Senhor Campeão viu nas margens do
Rio Cobar, ou nos espaços imensos de sua imaginação.
Prossegue a Carta, (atenção leitores vós ides ver o Tartufo em Cena, ides
ouvir o nome de Deus na boca do Silvain Português) = Todavia porque o Deus
dos nossos Pais, o Deus, que nos reconheceu livres no campo de Ourique,
operou tão assinalado milagre em favor do Augusto Pai de Vossa Alteza Real
segue-se que operará ainda outro em favor de Vossa Alteza Real depois de já
lhe haver dado a enérgica lição do fatal perigo, que correm os Príncipes em
se deixarem levar atrás das seduções de seus Cortesãos e aduladores = Ora
eis aqui o Senhor Campeão perdido no labirinto de suas ideias. O milagre
do Campo de Ourique reproduzido na Augusta Pessoa do Senhor Dom João
6.º é um milagre desconhecido, (sem dúvida daqueles, que o diabo faz aos
centos) nós vemos no Campo de Ourique um Rei levantado sobre os escudos
de seus companheiros de armas, favorecido pelo braço do Onipotente, vence-
dor de seus inimigos, e lançando nos alicerces de sua Monarquia os ferros
da escravidão Ismaelítica, que ameaçavam os briosos Lusitanos; vemos este
povo unido com o seu Rei, trabalhando igualmente com ele na grande cadeia
social, que devia ligar seus interesses recíprocos; vemos enfim em resultado
desta harmonia sair das mãos deste Rei, e deste povo livre a nossa primor-
dial Constituição, este Código, que cobriu de glória os acanhados muros do
berço da Monarquia Portuguesa, que lhe deu um povo de bravos, uma prole
sucessiva de heróis, que levou enfim o nome Português em triunfo sobre as
quatro partes do mundo. Esta união, esta harmonia, este encadeamento de
vitórias começadas no campo do Ourique mostram sem dúvida o milagre da
Providência, e as proezas, que pode fazer um povo, que sabe fazer uso de
sua liberdade. O milagre de que o Senhor Campeão fala não é daqueles, que
são sobre as forças da natureza; em lugar de prodígio, vemos o resultado
de manobras obscuras, a Pessoa do Rei em vilipêndio, o povo ameaçado da
mais horrível escravidão, novos Arimanos forjando e despedindo raios sobre
todas as classes da hierarquia social; em uma palavra, vemos as fúrias, e as
parcas trabalhando no eclipse da grande Monarquia Portuguesa, sepultando
esses troféus ganhados em outros séculos, e iludindo esse povo, que pede aos
seus Representantes uma Constituição, única tábua, em que eles se poderiam

390
salvar dos furacões das arbitrariedades; mas que pelas intrigas, pela falta de
inteligência, pela vertigem das paixões já obriga os bons, e fiéis Portugueses
a desconfiarem que esperam pelo testamento de Enoc. Não duvidamos e por
isso afirmamos que o milagre de que fala o Senhor Campeão é o de se have-
rem embainhado as espadas, que se aprontavam para serem tintas no sangue
Real, e cobrirem-se de flores as ruínas onde estava marcado o túmulo desta
Augusta Família, que os Dantons proclamaram reinantemente que o povo
caísse contra aqueles que se atrevessem a arrancar o Cetro de suas mãos.
Ora não será necessário que Deus renove este milagre a respeito do nosso
Príncipe: está salvo de ruínas; os tições revolucionários, que nos assustaram
vão-se apagando de dia a dia, à proporção dos multiplicados grãos de amor,
e confiança pública, que o Príncipe ganha pela decidida, e verdadeira mani-
festação do seu liberalismo: ao lado do seu Trono não há clientes, não há
validos nem Áulicos, nem lisonjeiros: ele arrancou as raízes de todas estas
ervas parasitas, e as mandou plantar em roda da sala do Congresso de Lisboa,
apagou para sempre as brasas dos turíbulos da lisonja, e nos pórticos de seu
palácio não se vê hoje, nem esta fumaça epidêmica, nem olhos ameaçadores,
nem risos labiais. Pode o Senhor Campeão afirmar aos seus sócios, missio-
nários do novo varatojo, que mudem para outro teatro as suas doutrinas, e
ameaças; no Brasil os mesmos Barbadinhos já não pregam, porque nem na
Corte, nem nas Províncias centrais, e marítimas, nem nas vilas mais pequenas
há infiéis para converter.
Prossegue o Senhor Campeão com a sua encomenda, e mostrando Sua
Alteza Real em circunstâncias mui diversas daquelas, em que estava o seu
Augusto Pai, porque este em 1819 tinha uma impossibilidade moral para
condenar a verdade (já se vê nos conselheiros, nos Áulicos e na política do
Ministério) cai em uma contradição, dizendo que Sua Alteza Real na época
atual não tem desculpa alguma que dar perante Deus, e perante os homens,
se não arredar para longe de si os funestos Cortesãos, e aduladores, que o
pretendem perder, e não dar em seu coração entrada franca à verdade =
Diga-nos, bom homem, Santíssimo missionário, como está Sua Alteza Real
em circunstâncias diversas se em roda de sua Pessoa existem aquelas mesmas
barreiras, que tolhiam os passos da verdade, e a desviavam da Augusta
Presença de Seu Pai, estes Cortesãos, que o Senhor manda arredar para longe
do Príncipe? Sentido; sustente o caráter, não dê desgostos aos que lhe pagam.
Vamos adiante = Achando-se portanto Vossa Alteza Real em uma mui arris-
cada situação, e havendo gente, que de propósito parece estar disposta para
o precipitar no fundo do abismo das infelicidades o Campeão Português, que
de novo entrou em a nobre carreira de escritor público, não será hoje mais

391
generoso para com Vossa Alteza Real do que já dantes fora para Seu Augusto
Pai, com a mesma franqueza, e com a mesma honesta liberdade lhe dirá hoje
sérias, e importantíssimas verdades, oxalá que Vossa Alteza Real as atenda,
e as medite; = Meu caro, deixe cair o capote, mostre-nos com lisura o seu
Coração, este novo Templo da verdade; fale sem rebuço, explique-se por uma
vez e diga “Príncipe ninguém vos pode ser mais útil do que eu na época em que
vós ides erguer o Império Brasílico, minha fortuna nesta Corte é muito precá-
ria, eu sinto o estrondo do terremoto político, que de dia a dia se aproxima:
eu vejo a pobreza, a miséria, a desgraça à frente de um povo embravecido,
porque já está cansado de esperar o estabelecimento de sua liberdade civil:
eu vejo os meus patronos com um pé em terra, e outro no mar; a trombeta
da guerra civil já soa aos meus ouvidos, é preciso que eu mude de pátria, e
que me vá lançar nos braços desse Brasil, que nunca foi ingrato: para com
os honrados Portugueses, e que para o futuro será o berço do renascimento
desta Nação, que parece tocar o termo, em que deve ser riscada da lista dos
povos civilizados. Mas de que modo deverei eu aparecer? Porventura como
cliente aspirando a entrar na vaga de alguma Secretaria? Esta posição não é
própria de um escritor, que escreveu em Londres, que foi político na pátria
dos Benthams, que hoje escreve em Lisboa, e se corresponde com os primeiros
heróis do Congresso. Os meus talentos, a prática, que tenho dos negócios,
o conhecimento da política dos Gabinetes da Europa, minhas grandes ideias
sobre os manejos da intriga marcam no primeiro Ministério do Brasil o lugar,
que eu devo ocupar. A vosso lado eu farei esquecer a memória dos Kaunits,
dos Oxienterns, dos Pits [Pitts]; eu farei aparecer os imensos recursos que,
o Brasil tem para subir à altura das grandes Potências. Vosso Augusto Pai
perdeu-se porque me deixou viver em Inglaterra, devendo chamar-me para
o seu Gabinete, quando entrou Thomaz Antonio, este homem neutro na
ciência diplomática, e feminino em ideias políticas. Eu não deixaria a Corte
do Brasil cair no desprezo, em que ainda jaz, e donde não se levantará se eu
como novo Arquimedes não lhe meter de encontro a minha alavanca; Portugal
seguiria outra marcha mui diversa, e a nação estaria concorde, em perfeita
harmonia, em tranquilidade, gozando de novas Leis, de uma nova economia
política, que mudando a triste perspectiva, que nessa época degradava esse
povo, faria florente o seu comércio, e a sua navegação. Aceite este conselho
Príncipe, e basta um ligeiro aceno para que eu mude de pátria, de costumes,
de ideias, e de sistema.” Ora, Senhor Campeão, diga perante Deus, mas com
a boca em um saco não são estes os seus verdadeiros, e genuínos sentimentos,
não seria melhor que se explicasse deste modo, do que ocupar-se em fazer
cartas? Porém vá vivendo das suas missões, e ajuntando em roda da sua testa

392
vulcânica os troféus, que lhe oferece o título de escritor público, ainda que da
idade de ferro, da ordem daqueles, que entram como gazuas no Parthenon
das ciências, e da literatura. Vamos adiante = Ah! Sólon! Sólon! Consta que
mil vezes repetia certo Rei poderoso em lances críticos = Esta exclamação
que o nosso varatojano tira da boca do Rei da Lídia para fazer sair algum
dia da boca do nosso Príncipe, se o não escutar, mostra bem as suas inten-
ções. O que deverá pois fazer Sua Alteza Real para que também não diga ah!
Campeão! Campeão! Está claro, chame-o para junto da Sua Pessoa revista-o
com a sublime dignidade de Arconte, ou de Supremo Legislador do Brasil,
entregue-lhe a economia do Governo, com a mesma representação, que teve
José no Egito. Se não der este passo Adeus Brasil, Adeus Príncipe, triunfarão
os Esopos como na Corte do infeliz Cresso [Creso]: o novo Império, que se
premedita erguer acabará como o Reino da Lídia; e o novo Ciro terá a glória
de ver a seus pés, como uma triste vítima destinada às chamas, o Príncipe
que não ouviu os conselhos do Campeão. Per pietà mio Padrone, preguiamo,
preguiamo,5 não rogue esta praga ao jovem amável, ao ídolo dos Brasileiros,
veja se a velha Pitonisa de Endor lhe inspira coisas mais alegres. Vamos adiante;
renovemos nossa atenção leitores, o Senhor missionário vai entrar em provas,
o mezzo termino famoso vai subir a campo: calem-se todos, emudeçam os
ventos, cesse o marulho das ondas, fujam os besouros, ouvidos alerta.
Ouvidos alerta = No memorável dia 26 de Fevereiro de 1821 ganhou
Vossa Alteza Real uma glória, que nem sempre os Príncipes da terra têm
ocasião para adquirir; neste dia glorioso se associou Vossa Alteza Real com
os gerais desejos da Nação, e declarando-se por mediador entre ela, e seu
Augusto Pai, rendeu-lhe um serviço que lhe mereceu as bênçãos de todos os
corações Portugueses. Esta ação briosa, e verdadeiramente Portuguesa foi
ainda solenizada pelo mais solene de todos os atos humanos, que foi o santo, e
como tal o inviolável juramento, que Vossa Alteza Real deu à face de Deus, e
dos homens de guardar, e manter perpetuamente o que a Nação Determinasse
pelo órgão legal de seus Representantes juntos e convocados para Lisboa =
Sim o dia 26 de Fevereiro foi um dia verdadeiramente Nacional entre nós,
porque abriu a época da carreira política de Sua Alteza Real, não só no Brasil,
não só entre os Portugueses, como até aos olhos das Nações estrangeiras. A
história, fiel panegirista e censora das ações memoráveis ou repreensíveis,
nunca se esquecerá desse dia, em que o Príncipe, o futuro herdeiro de uma
Monarquia degradada pelas escandalosas prostituições de um Gabinete, e de
um Ministério indignamente ocupado, apareceu à face do seu povo com o

5
Por piedade, meu senhor, suplicamos, suplicamos

393
Augusto Caráter de intrépido vingador dos seus direitos. No momento, em
que ele mostrou em público a Rubrica de El Rei firmando tudo quanto seus
súditos desejavam para alívio de antigos males, a filosofia correu a esponja
sobre os fatos mais ilustres, e mais famosos, que a tradição dos séculos nos
oferece na conduta dos Príncipes: Ele mostrou então que havia nascido para
Governar na época da regeneração universal das Nações; mostrou ainda
mais que abominava a infernal política do velho Sistema, que conhecia e
respeitava os inalienáveis direitos dos povos, que não havia sido enfim tocado
da péssima influência da moral dos cortesãos. Portugueses, Estrangeiros,
Diplomáticos todos a uma voz aplaudiram a grandeza da alma, a presença
de espírito, a verdadeira alegria, com que o Príncipe apareceu na majestosa
Praça da Constituição, oferecendo-se ao povo como o primeiro Arquiteto
de novo edifício moral. A notícia deste comportamento tão extraordinário,
tão inesperado como louvável fo[i] além dos mares até Portugal; porém
que impressão fez nesses gênios embravecidos, não só contra as más, como
ainda contra as boas ações dos Príncipes, porque procurando realizarem a
empresa de verem abatidos a seus pés os Augustos, e legítimos depositários
da Soberania das Nações, desejam que eles não apresentem, títulos alguns
que lhe adquiram o amor, e a admiração dos povos? Um Príncipe tão liberal,
tão firme, ligado por um juramento, garantido pela religião, e pela honra
de sua pessoa, poderia acaso ser objeto de temor aos seus olhos? Bárbaros!
Pérfidos! Tigres sedentos do sangue dos Reis! As salas do Congresso ainda
conservaram os ecos das injúrias, e das indecências com que Sua Alteza Real
foi ali tratado, novos Crassos, novos Brutus, mas inteiramente despidos
das austeras virtudes desses Republicanos exclamaram “Não convém, não
convém que o Príncipe viva no Brasil, nem tampouco em Portugal; é preciso
que ele vá viajar, e que pelas estalagens das Nações estrangeiras aprenda as
línguas: é necessário que ele se vá instruir nos elementos da política, conhecer
a marcha dos Governos Constitucionais, que vá…” Nós temos horror de
continuar a reproduzir expressões atrozes, e infames de que se envergonha-
riam os Gregos, e os Romanos, tão sisudos em suas Assembleias políticas, e
atreve-se o Senhor Campeão à vista de fatos tão indignos, atreve-se a alegar o
juramento proferido, não tendo ele sido bastante para conter a imoralidade, e
a falta de atenção daqueles, que assim, insultaram ao Príncipe? Miseri, quibus
intentata nites,6 infelizes, dizemos nós com Horácio aqueles, a quem pretendes
enganar: O juramento, Senhor Teólogo, foi na verdade o vínculo sagrado, o
penhor solene que afiançou a estabilidade do novo contrato pactuado entre

6
N.T.: Horácio, Odes, V, 12-13.

394
a Nação, e o Rei. Se da parte do Príncipe estava a obrigação de o guardar,
também da parte dos Representantes da Nação estava a necessidade de
serem fiéis às condições estabelecidas nas bases da nova aliança; e ainda com
mais rigor a obrigação de mostrarem para com o Príncipe aquelas virtudes
políticas, e sociais, que em todos os séculos foram os distintivos dos briosos,
dos honrados, e leais Portugueses para com a Augusta Família dos nossos
Príncipes, e principalmente para com o sucessor da coroa. Mas nós temos
visto que alguns dos Senhores Deputados se encarregaram da Representação
da Soberania Nacional, mas não das suas virtudes. Qual foi o primeiro, que
rompeu este vínculo sagrado? As Nações civilizadas da Europa respondem
pelo Príncipe e dizem “foram os Deputados, foram os Deputados”; dirá a
sombra de algum antigo jurisconsulto que o Príncipe só pela força do seu
juramento se devia sujeitar em silêncio a tudo quanto fizessem esses Senhores
do Congresso contra o respeito devido a Sua Pessoa, entregar-se com o peito
descoberto a todos os punhais, que visse armados contra a sua vida, obedecer
enfim a Decretos ofensivos do bem, e prosperidade da Nação, cujos interesses
devem ser o primeiro objeto da vigilância dos Príncipes? O Deus do Campo
do Ourique reprova esta moral; o Deus que reconheceu os Portugueses livres,
não quer que seus Príncipes sejam escravos. Desde o Sólio erguido sobre as
sete montanhas de Roma até as extremidades do mundo católico: desde o
Supremo chefe da Igreja até ao último sacerdote simples todos os que rece-
beram o Poder da ordem já há muito estenderam a mão sobre o Príncipe e o
absolveram do fatal juramento. Apele, Senhor Campeão, para algum Concílio,
que se vá solenizar na Capadócia, convide os Gregos, e o seu cavalo para que
sustentem que o juramento devia ser inviolável, e espere pela decisão para
então nos intimar o contrário do que afirmamos.
Para mostrar quanto foi horrível a violação do juramento feito com a
última solenidade por Sua Alteza Real o Campeão faz aparecer no período
seguinte a religiosa conduta de Sua Majestade ratificando, e guardando à
risca o juramento pronunciado = O Augusto Pai de Vossa Alteza Real o
Senhor Dom João 6.º hoje por certo o Rei mais nobre, o mais leal, o mais
virtuoso dos Reis conhecidos, tem até ao dia de hoje guardado o Solene
juramento, que por Vossa Alteza Real foi prestado em seu nome e Ele mesmo
também depois espontaneamente ratificou dentro da Sala do Augusto
Congresso. = Quem não vê neste período o corpo de delito pelo qual as
Cortes serão em todos os séculos julgadas criminosas à face das Nações da
Europa, pela inconstitucionalidade, de seu comportamento para com o Rei?
Que influência tem tido sobre as Cortes esta nobreza, esta lealdade, esta
virtude do Senhor Dom João 6.º? Ah! Elas continuam em sua desconfiança,

395
em sua insensibilidade, em toda a dureza para com este Rei considerado como
modelo dos Reis conhecidos; elas o conservam na mais vergonhosa degrada-
ção, impondo ao mesmo tempo o mais rigoroso silêncio à Nação, que nunca
deixou, que não pode deixar de ser fiel, e de amar o Rei porque de seus
maiores recebeu a tradição deste ilustres sentimentos: hoje mais exaltados do
que nunca. Aqueles, que julgarem talvez mui carregadas as cores, com que
nós pintamos a triste situação do Rei, vivem certamente iludidos pela brilhante
perspectiva, com que ele aparece nesses periódicos, arranjados à maneira dos
boletins de França para enganarem os povos. Qual seria o coração sensível,
que se não doesse vendo deposto no mais cruel abandono um Rei, que nunca
se tingiu no sangue dos seus súditos, que muitas vezes à nossa vista mostrou
os mais vivos transportes de prazer, vendo que se livraram do patíbulo os
réus condenados pela justiça; um Rei, a que nunca se puderam imputar outros
crimes senão os que cometiam os excessos de Sua bondade, acostumado a
julgar todos homens pela candura do seu coração? Sim bravo Campeão, o
Senhor Dom João 6.º é o mais leal dos Reis conhecidos, e por que se lhe negam
as prerrogativas que de direito competem aos Reis Constitucionais? Porque
se lhe não permite o encher com toda a nobreza o Augusto caráter do primeiro
Representante de um povo livre! Por que se pagam espias para inspecionar
sua conduta particular? É o mais virtuoso como fez ver ratificando o Seu
juramento na Sala do Congresso; qual é pois o motivo do temor, que obriga
os Deputados a organizarem a Constituição longe de seus olhos, negando-lhe
o direito de conhecer a compatibilidade, ou incompatibilidade das novas leis
com os interesses de uma Nação, que Ele pela experiência de muitos anos de
Governo conhece mais de perto do que os seus Representantes? Ah! O Senhor
Dom João 6.º tem todas estas virtudes (dizem nos Clubes secretos dos conju-
rados), mas não importa conservemos ligadas suas mãos, encadeada sua boca,
vendados os seus olhos, e sejam os sombrios muros do seu palácio as barrei-
ras, que apartem de nós Sua presença perigosa. Nós iludiremos entretanto o
povo pelos obséquios, que lhe prestarmos nos grandes dias Nacionais; os
nossos escritores espalharão pelos estrangeiros as notícias destas demonstra-
ções de respeito; mas vamos sempre aguçando os nossos punhais em segredo,
aproveitando-nos da escravidão, e da mudez, em que jaz o povo. Há quanto
tempo se não teria reproduzido a cena dos Idos de Março em Roma se uma
Providência misteriosa não vigiasse sobre os dias de El Rei! Depois de um
curto período, que não é mais do que uma reprodução de ataques feitos a
Sua Alteza Real porque violou o juramento, entra o Campeão no ponto, que
ele vai examinar e diz = Com a necessária, e até prudente retirada de Seu
Augusto Pai para a Europa ficou Vossa Alteza Real no Brasil para ser o

396
primeiro executor das ordens do Soberano Congresso, e de El Rei, e para aí
dar o primeiro, e mais inequívoco exemplo de uma respeitosa obediência às
duas primeiras autoridades Nacionais; pois que Vossa Alteza Real é por
direitos, por lei o primeiro dos súditos. (Ninguém ajunta em tão custas linhas
uma sucessão de primeiros com mais aparato, nem com mais energia, grande
coisa é haver entrado na hierarquia dos escritores públicos: é preciso que os
leitores sejam os primeiros em respeitar as primeiras, e últimas asneiras desses
primeiros sábios, que escrevem em primeira ordem, para vingar os direitos
das primeiras autoridades Nacionais! Este pedaço da linda, e primeira carta
dirigida a Sua Alteza Real nos parece ter muita analogia com a epístola do
célebre cavalheiro da Mancha, que começava dizendo a razão da sem razão.)
Mas deixemos análise. Vamos ao que importa. = incumbia-lhe, prossegue a
carta ainda outra mui nobre, e elevada obrigação, que era a de ser um sincero,
e imparcial mediador entre o povo, e as Soberanas autoridades Constitucionais;
no caso que o Gênio da discórdia pretendesse quebrar a necessária união
que o mesmo interesse de Vossa Alteza Real pedia se conservasse indissolú-
vel entre todas as partes políticas da vasta Monarquia, que seus felizes
destinos lhe guardavam para herança, = A outros, a outros, gritamos agora
com o amigo de Mecenas, nós te conhecemos: quære perigrinum [peregrinum]
vicinia rauca reclamat:7 Por que se julgou prudente, e necessária a retirada
de Sua Majestade para a Europa? Diz Magistralmente o Senhor Campeão;
foi necessária, foi prudente a retirada de El Rei, não para os interesses
Nacionais em geral, porém só para as intenções do Congresso sobre a proje-
tada recolonização do Brasil. EL Rei ficando neste Continente seria obrigado
ou mais cedo ou mais tarde a convidar Cortes para organizarem uma
Constituição, que absolvendo-o do juramento prestado a aquela, que se
pretendia fazer em Portugal, pelo convencimento de sua incompatibilidade
com as circunstâncias do Brasil, destruiria toda a prepotência, que hoje
mostram a nosso respeito os Ditadores do Congresso. Dado aqui este passo,
Portugal procuraria suas relações com o Brasil de uma maneira mais política
como verdadeiro Irmão, e amigo procuraria ter o primeiro lugar entre as
Nações, que negociassem conosco, e em silêncio seria obrigado a devorar os
motivos do seu ciúme, à vista da brilhante elevação de uma Monarquia, que
por séculos arrastou os ferros de sua escravidão. O Plano, Senhor Campeão,
foi bem lançado porém mal-sucedido: julgou-se que o grito da Constituição
obrigaria Sua Majestade a voltar para o berço de seus maiores, porque
haveria no Brasil quem convencesse El Rei de que bastaria Sua Presença em

7
Procura o estranho, exclama a rouca vizinhança. N.T.: Horácio, Epist., I:17,62.

397
Portugal para chamar os povos à ordem, despertando nos corações
Portugueses estes sentimentos de amor, que constituíram sempre a herança
da Nação para com os nossos Monarcas; julgou-se que o conselho seria
abraçado como foi, e que logo, que o Senhor Dom João 6.º aparecesse sobre
o Tejo, poderiam ir saindo do segredo, pouco a pouco as providências, que
se haviam tomado para arrancar da frente do Brasil o diadema dos Reis,
com que fora condecorado, dando-se-lhe o antigo penacho à vista das baio-
netas espalhadas pelas Províncias do Norte, e existentes no mesmo Rio de
Janeiro. Eis aqui porque era necessário que El Rei voltasse para a Europa:
mas que vantagens tiraram os facciosos desta retirada? Hoc opus hic labor
est.8 O Brasil começou a espirrar com as pitadas de tabaco, que lhe manda-
ram, e os bravos filhos do Tâmisa, e do Sena, que conhecem perfeitamente
a justiça, que nos acompanha diziam em segredo Dominus tecum.9 Autorizado
pela íntima consciência de suas forças, embravecido pela hipocrisia, com que
se via tratado, tendo a mais justa ideia da energia do denodo, e da bravura
natural de seus filhos, conhecendo neles em sumo grau todas estas virtudes,
que se desenvolvem ainda nos povos menos civilizados, quando pugnam
pelos direitos de sua liberdade, o Brasil viu nos Decretos de Setembro de
1821, o motivo da necessidade do regresso de El Rei; a hipocrisia das expres-
sões, que apareceram nas cartas de convite que lhe foram dirigidas, descobriu
enfim toda a intriga; porém viu ao mesmo tempo, que tinha um Príncipe
capaz de o vingar, dando este passo, verdadeiramente heroico, que Seu
Augusto Pai não quis dar, indo entregar seus pulsos aos ferros dos tiranos,
que se intitulam Constitucionais. Sim debaixo do escudo deste Príncipe, cujo
liberalismo se anuncia a par da candura de Seu Coração, o Brasil jurou
mostrar-se, como um gigante à vista de todos os pigmeus, que o insultavam,
jurou, tornamos a dizer, porque tem toda a certeza de que Portugal, que
entre as Nações da Europa representa o papel do pequeno pastor, que venceu
o Filisteu, não lhe há de por o pé no pescoço. Eis aqui, Senhor Campeão,
porque Sua Alteza Real cuja permanência no Brasil foi mais necessária, e
prudente do que a retirada de Sua Majestade para a Europa, saiu fora dos
limites, que lhe prescreviam as rigorosas funções de primeiro executor das
ordens do Soberano Congresso, e de El Rei. Se então as executasse fielmente,
a posteridade julgaria o Príncipe, como o maior inimigo da Nação, porque
retirando-se para Portugal deixaria escapar por uma vez a ponta desta cadeia,
que ligava o Brasil a sua antiga Metrópole. Antes de sair de todo das vistas

8
Está é a tarefa, este é o labor. N.T.: Virgílio, Eneida, 6:129.
9
Deus esteja contigo.

398
do Rio de Janeiro, veria erguida aos ares a bandeira da independência, e da
separação, iria vendo o mesmo espetáculo pelas Províncias do Norte; e talvez
que antes de entrar em Portugal soubesse que os Brasileiros se haviam ligado
por meio das relações mercantis com todas as Nações, que conhecem nossa
riqueza, e que impelidas pelo interesse (que é a mola real do mundo) renova-
ram as antigas alianças de sua amizade conosco, abandonando uma Potência
velha, que pela nossa separação ficava sendo nula entre as Potências da
Europa. A presença de Sua Alteza Real conteve os impulsos da indignação
do povo, logo que se começou a julgar iludido; Amortizaram-se os rumores
espalhados, e os Brasileiros, desejando sempre mostrar, que eram fiéis ao seu
juramento, diziam = Representemos às Cortes a impolítica de suas primeiras
medidas, esperemos que as reformem, não devemos crer, que homens since-
ros nos enganem; o Príncipe é o nosso Mediador, e seja Ele mesmo, o
Encarregado de levar à presença do Augusto Congresso, e de El Rei os nossos
sentimentos sobre os motivos, que nos impedem de mostrarmos neste ponto
a obediência jurada. O Manifesto de 9 de Janeiro deu bem a conhecer estas
ideias: O Senado apareceu em público com toda aquela majestade, que
mostravam nos seus atos solenes, os Senadores Romanos; o intérprete dos
desejos do povo desta Capital sustentou com a última energia o caráter de
um Cidadão livre, de um orador eloquente, de um Magistrado zeloso pelos
interesses do povo; tudo foi grande, tudo foi feito em ordem, porque tudo
quanto fazíamos nascia do direito, que têm as Nações de reclamarem contra
qualquer providência, que se oponha aos interesses do pacto social, represen-
tando os inconvenientes que se encontram nesta, ou naquela medida expedida.
Mas somos obrigados a dizer em abono da verdade, que conhecendo nós,
como os mais prudentes, que o Congresso não podia escutar a nossa recla-
mação sem destruir o plano traçado, para elevar a grandeza de Portugal, sobre
o acanhamento do Brasil, vimos no dia 9 de Janeiro lançada a primeira pedra
do nosso edifício político.
Portugal conhecerá algum dia quanto perdeu por não reformar esses
Decretos; por continuar na sua teima sobre o regresso de Sua Alteza Real;
conservando nas Províncias os Governos Provisórios, a quem se enviavam as
ordens particulares para irem pouco a pouco violentando estes povos ao fatal
retrocesso, que se projetava, diminuindo, por esses estabelecimentos divididos,
a Representação do Augusto, e Legítimo Delegado do Poder Executivo, e
pretendendo fazer acreditar aos Brasileiros que todas estas medidas tinham por
objeto impossibilitar as usurpações do antigo despotismo, porque o Príncipe,
depois de nos ver unidos em roda de Sua Pessoa abusaria de nossa confiança.

399
Passemos a outro artigo, vamos em seguimento deste hipócrita, disfar-
çado com o título de amigo de Sua Alteza Real, e dos Brasileiros = Príncipe,
exclama o novo Proteu, meta as mãos puras dentro de sua consciência, e
diga, diante de Deus, se até aqui se há comportado como bom Filho, como
bom Súdito, e até como homem probo, e bom Português. = À vista de um
ataque tão formal nós não podemos deixar de dizer com Horácio, que todo
o Heléboro, que produzem as três Anticiras não poderá curar a loucura do
Senhor Campeão. Tribus Antyciris caput insanabile.10 De que gênero é a sua
consciência Senhor Campeão? Diga que é neutra, ou que é comum de dois,
porque de qualquer modo, que se explique dirá a verdade. Aqui temos o
Tritão Nacional representando a papel do luzidio, e nédio Teólogo, de que
fala Montesquieu nas cartas Persas: respeitemos este Juiz da consciência: o
certo é que Deus não gasta tempo; em mudar tempo o Jesuíta Escobar não
foi mais escrupuloso: mas como se puderam mover os órgãos imortais da
pronunciação na boca deste homem, para que ele proferisse esta palavra =
consciência? Dicite Io Pæan, et Io bis dicite Pæan11 = Entoemos uma e outra
vez cânticos de alegria, o Senhor Campeão deu o primeiro sinal, em sua vida,
de que conhece, que há uma coisa no mundo, a que se chama consciência;
dizemos bem, porque se nos figura estar ouvindo a linguagem do Redator
do folheto intitulado = o Padre Amaro = perseguido em Londres por este
Santo homem, que se não mostrou, com o referido escritor, nem como bom
Português, nem como homem probo, nem como homem de consciência.
Dar-nos-á ele licença para que nós profanos, da raça dos Tamoios, continue-
mos a nossa análise? Sim a consciência inspira a caridade, esta é paciente, e
benigna vamos portanto ao período que se segue.
= Em verdade os maus conselheiros, e os ambiciosos, que pretendem
seduzir a inexperiência de Vossa Alteza Real, que o têm forçado a cair em
graves erros. Vossa Alteza Real, que como já disse devia ser o primeiro
executor da lei, que jurou guardar, o grande mediador dos povos, a quem
Preside, e às supremas autoridades Nacionais, passou desgraçadamente a
figurar como simples Chefe de uma desgraçada facção, que tem procurado
iludi-lo = Dio Nostro, per pietà! Não seria melhor que este pobre cego
recebesse os nossos vinténs, e fosse cantar a outra porta? Estão tão cheias
de povo as águas livres de Lisboa que não ofereçam um canto ao Senhor

Cabeça incurável pelas três [ilhas] Anticiras. N.T.: i.e. totalmente louco. Horácio, Ars
10

poetica, 300-301.
Dizei, “Io Peã!”, e duas vezes “Io”, dizei, “Peã!”. N.T.: Ovídio, Ars amatoria, 2, 1. Peã:
11

canto em louvor de Apolo.

400
Campeão para ir tomar os ares? É forte mania supor o Príncipe cercado de
Achitofeis, empenhados em sua ruína. Nós sabemos que a ponte do Mondego
há muito tempo dá direito a certa classe de gente para insultar sem reserva
nem de pessoa, nem de dignidade, os homens fiéis ao Príncipe; os verdadeiros
políticos não podem ser produção deste país: as margens do nosso Niterói
(soberbamente cantado por um dos gênios filhos da pátria, que recebeu
elogios em Londres) só produzem facciosos, rebeldes, estúpidos, e em lugar
de políticos, politiqueiros. Não negamos o direito de espernear a aqueles,
que se veem com a corda no pescoço. Venha para o Brasil, nós lhe pagare-
mos a viagem, venha destruir esta facção, vingar a Majestade do Príncipe, e
salvá-lo deste abismo, em que o querem lançar os indignos descendentes do
Patriarca Seth: nós seremos mais generosos com o Senhor porque em lugar
das 300£ esterlinas, que lhe dava o antigo Ministério, quando comprou a
sua pena para escrever o Investigador, nós lhe daremos 1.200£ em moeda do
nosso país, e as insígnias de conselheiro de Estado: mas veja que se arrisca
a ficar estúpido, logo que passar a equinocial, e nesta contingência antes vá
sendo Campeão em Lisboa, do que venha ser papelão no Brasil. Diga-nos
porém o que entende por esta palavra facção? Os publicistas dizem que é um
partido suscitado, em uma tribo de qualquer povo, contra a marcha geral
da Nação. Considerando-se a Província do Rio de Janeiro separada, por
sentimentos, das outras Províncias do Brasil, poder-se-á dizer, ainda que já
impropriamente, que a sua oposição aos Decretos do Congresso, era uma
facção; porém esta Província, unida à de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, e
Rio Grande, e todas com a mesma linguagem, não pode ser avaliada como
facciosa. A vontade explícita de todo este povo em massa merece grande
respeito, e Sua Alteza Real a contemplou, como uma barreira mui digna de
sua atenção, no momento, em que ele fez parar todas as providências, que
tomava para o seu regresso. Estas Províncias tinham a certeza de que todas as
suas Irmãs do Norte seguiam o seu partido, logo que refletissem na manhosa
política dos Decretos, embora os Governos Provisórios pretendessem sufo-
car suas vozes, dilatando a ilusão, com que as entretinham. Bastaria só o
horror concebido à vista do antigo Sistema Colonial, para que elas dessem
este passo, e viessem procurar o verdadeiro ponto de sua centralização na
Augusta Pessoa de um Príncipe, que se mostra infinitamente interessado pela
sua prosperidade, e que lhes faz ver em sua conduta liberal, e filosófica o
penhor mais seguro de que não quer erguer, o Seu Trono sobre Brasileiros
escravizados. As nossas ideias já hoje estão realizadas, as baionetas erguidas
diante dos nossos caros Irmãos das Províncias do Norte, a perspectiva das
ruínas, e das maquinações feitas com o maior insulto das virtudes Sociais,

401
não podem conter os gritos de reunião, nem fazer com que se cruzem os
braços, que eles de longe nos mostram estendidos, para se ligarem conosco.
O Príncipe rodeado de tantos corações, que o adoram, não é o Chefe de uma
turba de facciosos; é o Supremo Chefe de uma Nação restauradora da liber-
dade civil; a primeira sentinela da segurança da sua Independência política;
o penhor de sua futura prosperidade; o digno executor enfim dos Decretos
desta Providência, que marca, na sucessão dos séculos, o termo, em que os
grandes Impérios devem fazer ponto na carreira de sua glória; assim como a
época em que as Nações oprimidas hão de começar a quebrar seus ferros, e
a aparecer com a brilhante fisionomia, que as deve fazer respeitáveis. Meta
mãos puras em sua consciência, Senhor Campeão, e diga-nos o que ajuíza
desta nossa liberdade de escrever? Talvez diga que estamos pondo em papel
os sonhos da magruhada [sic], ou que somos rebeldes, servis, assalariados,
corcundas, corcovados, corcundíssimos, corcundões, inimigos da Nação:
venha mais isso para os pequenos; mas que terá esta cantilena de Bacante
com o nosso caso? Seremos ou não seremos livres, e INDEPENDENTES;
ficaremos com a nossa Coroa, ou com um chapéu de palha; responda, e
escreva-nos pelo primeiro Correio, ou pelas pombas de Alep, ou por esses
mil homens (certamente da raça daqueles que produziu Pirra, e Deucalion)
que se aprontam para vir contra nós.
Prossegue o Campeão com um dilema, que trabalha em o falso suposto
da divergência, e desunião das Províncias do Brasil, porque está convencido
sem dúvida que as pílulas douradas, que alguns membros do Congresso têm
enviado ao Brasil, vão obrando o seu efeito: continua, indo com a sua venda
nos olhos, bem como esse fornicoco, que em algumas das nossas procissões
nos traz à ideia o pregoeiro do Senado Romano, e chega ao ponto, em que a
sua febre delirante faz mais um paroxismo = Não contentes os maus
Conselheiros, que tão criminosamente seduzem a Vossa Alteza Real, de o
haverem levado à fatal extremidade de desobedecer às ordens do Soberano
Congresso, e de Seu Augusto Pai, ainda o conduziram a outro novo abismo,
porque de um abismo a outro abismo é sempre curto o caminho. (Forte
novidade) Quiseram que Vossa Alteza Real se arvorasse em Legislador;
fizeram-lhe rubricar esse monstruoso Decreto com data de 16 de Fevereiro
do corrente; no qual Vossa Alteza Real é forçado a criar um ridículo Simulacro
de Cortes no Brasil, de que ainda a seu tempo espero falar; (já a demora nos
atrasa) e a condecorar os membros desse ridículo Simulacro com o magnífico
título de Excelência = Leitores que dizeis? Este pedaço não mostra bem que
o paroxismo da febre veio com muita força? Vamos aos vesicatórios, é o
último recurso; que melhor seria usarmos do receituário do Doutor Sangrado,

402
para darmos cabo da pele de um enfermo tão rabugento. Este Decreto, sacri-
legamente caracterizado monstruoso é um dos mais públicos testemunhos,
que o Brasil oferece às Nações da Europa e à posteridade em abono da polí-
tica, e do liberalismo do Augusto Príncipe, que o firmou com seu nome.
Julgá-lo como uma produção arbitrária é supor que ainda no caso de não
estar Sua Alteza Real autorizado, como Príncipe Regente, e por este título
obrigado a providenciar, pelos meios mais próprios, tudo quanto fosse preciso
a nossa conservação, não poderia (obrigado pelas circunstâncias, em que se
achava o Brasil), tomar medidas mui sérias, e até novas, para salvação dos
povos, entregues a sua Regência, Ouvir as representações destes pela media-
ção dos seus Procuradores, assinar-lhe ao lado do Trono lugares distintos,
honrar enfim os povos pela condecoração daqueles, que ali enchem os deve-
res de seus mediadores; todas estas ações são realmente as mais belas, as mais
dignas, de um Príncipe, que sabe respeitar a dignidade dos homens. Não
abramos a história para descobrirmos fatos iguais: nós apenas veremos uma
sombra desta heroica criação na vida daquele célebre Monarca de França,
que nos bosques de Vincennes escutava as representações dos povos, e defe-
ria a suas súplicas sem o intermédio de Ministros, que saindo ordinariamente
das classes da nobreza, olham para o resto dos homens com última indife-
rença. Sua Alteza Real já havia dado a entender que a criação dos Procuradores
dos povos era uma das Suas grandes ideias políticas para que nunca houvesse
queixas de faltas de Providências nas Províncias mais remotas do Brasil; e
ao mesmo tempo para que ele tivesse sempre debaixo dos seus olhos uma
espécie de Estatística viva, pela qual regulasse a economia do seu governo,
guardando as devidas proporções entre as necessidades de um, e outro povo.
Foi portanto uma lembrança verdadeiramente filosófica, digna de um século
ilustrado, em que todas as Nações começam a recobrar a sua nobreza: foi
uma grande lembrança, tornamos a repetir, inspirar aos povos, que esco-
lhessem em as diversas tribos da Sociedade sujeitos dignos da sua confiança
da mais conhecida probidade, do mais enérgico interesse pelo bem público,
para que estes fossem seus advogados, na Presença do Soberano Chefe do
Governo. E porventura estes homens assim escolhidos, encarregados dos
votos de uma Nação Soberana, não seriam dignos do maior tratamento que
nós conhecemos na hierarquia diplomática? Depois desta ridícula mordedura
o Campeão bacanisa [sic] contra o benemérito Ministro, que subscreveu o
Decreto, passa a fazer perguntas de catecismo para que o Príncipe lhe
responda e diga donde lhe veio o Poder de Legislar, ajunta mil ideias, todas
fundadas em supostos falsos, para provar a nulidade do Decreto, e não
sabemos como lhe escapou o inquirir se o Decreto foi passado antes ou depois

403
do sol posto, o que daria muita força a todas as outras provas. A que altura
não subirá a negra bílis deste nosso amigo, quando chegar a suas mãos o
famoso Decreto de 3 de Junho para a reunião da nossa Assembleia Constituinte
e Legislativa? Se o outro já mencionado foi tão combatido, e até censurado
porque oferecia um simulacro de Cortes, que grossa artilharia de impropérios
não virá contra este? Quantas vezes não serão invocadas as Eumênides? Ah!
Terá razão em tudo quanto fizer. Este Decreto cortou o nó górdio, e lançou
sobre as margens do Tejo, do Douro, do Minho, e do Mondego a pretendida
cadeia de Ouro, com que nos queriam escravizar aqueles, que nos convidavam
como Irmãos, para depois nos tratarem, como Ilotes. Este Decreto mostra que
quatro milhões de Brasileiros têm uma verdadeira Soberania Nacional, que
sua fortuna, ou sua desgraça não deviam ser objetos indiferentes, que a vontade
da pessoa moral desta Nação devia ser escutada, e atendida: mostra enfim que
o Brasil depois de perder todas as esperanças dos bens, que esperava do
Congresso, vendo que os seus Representantes eram atrevidamente insultados,
quando propunham os seus interesses, lançou mão do único recurso, que lhe
restava para não entrar no rateio das custas da demanda, de que ele não tirou
vantagem. Uma Assembleia no Brasil! (dirá o Senhor Campeão) que temeridade,
que loucura, donde sairão os homens instruídos capazes de organizar o sistema
de uma Legislação? Amigo, lembre-se do ditado que diz, a vista fará crer: nós
esperamos que o nosso Código feito à face de um povo, que conhece os seus
interesses, e que na escolha dos seus Deputados dará a entender que sabe quais
são os homens mais próprios para os sustentar, será um Código Constitucional
Brasileiro, extraído das circunstâncias, em que nos achamos, firmado sobre
as bases do direito das Gentes, que no Congresso se desconheceu a nosso
respeito: um Código feito com toda a prudência, com toda a circunspecção
para que no momento, em que aparecer dirigindo a marcha da Nação, não
obrigue a parar, ou a fazer um retrocesso de mau agouro. Tenha paciência,
Senhor Campeão, leia uma e muitas vezes a eloquente, e justíssima
Representação do Rio de Janeiro, levada à Presença de Sua Alteza Real no dia
23 de Maio; leia o nosso grande Manifesto às Nações, obra de um dedo filo-
sófico, e que não tem susto das almas do outro mu[n]do, nem atende às
vociferações, que se usavam na Tessália. Nós desejamos chamá-lo ao grêmio
da verdadeira Igreja, ainda que sabemos que de ruim Mouro mau Cristão:
veja-se um povo, que se considera em as circunstâncias energicamente ali
apontadas, teria ou não direito para adotar as medidas, que tomou em seu
benefício geral; vejo essa espantosa cadeia de vexames, de extorsões, de injus-
tiças, de insultos desafiando nossa paciência já cansada de sofrer. Se a lição o
não converter, peça que o exorcizem, porque decerto está endemoninhado. O

404
primeiro Decreto sofreu os golpes da sua mordacidade, porque nos Procuradores
das Províncias oferecia um simulacro de Cortes, o segundo convoca uma
Assembleia de Representantes Nacionais; e agora que diz a esta? Olhe bem
que salto deu o Brasil: é ou não é Gigante? Vós o pagareis, dirá o Campeão,
as fileiras dos bravos instruídos na tática, que humilhou a sombra de Frederico
da Prússia; os vencedores desses heróis, que pretendiam fazer da Europa um
montão de ruínas; os novos Viriatos, que fizeram proezas, em Almeida, já
começam a calçar as botas para irem suplantar esses facciosos, que promove-
ram a instalação das Cortes: já se avizinha para as margens do Tejo o penacho
do General Gargantua, em pouco tempo vosso orgulho será punido exemplar-
mente, e o Brasil será campo, ubi Troia fuit.12 Contra isto, Senhor Campeão,
não há que fazer: enfim venham, corram, voem, rompam a barra mais formi-
dável, que se conhece depois da de Gibraltar, entrem na Ilha de Santa Bárbara
acharão caniços e cigarros para divertirem a paixão, e se lhes vier a mania de
combater contra nós; os tambores, que estiveram da outra banda, lhe farão
cantar a palinódia a rufo de caixa, e nós teremos o prazer de ver em cena uma
segunda representação da comédia de Jorge Dandin. Um povo nas nossas
circunstâncias, Senhor Campeão, é invencível, tentar subjugá-lo é uma empresa,
que pode ser concebida, mas que em saindo da imaginação para o estado real
deve por força cobrir de vergonha os empreendedores. Com que armas se há
de subjugar uma Nação, que de um lado vê a Augusta Árvore da liberdade
política plantada por suas mãos, e de outro os machados agressores servindo
de estímulo à bravura do seu entusiasmo; qual será entre os pontos mais fracos
de sua defesa aquele, que acometido não reproduza o heroico espetáculo, que
eternizou a lembrança de Termópilas! Deixemos porém este episódio para
construirmos mais depressa a Carta do Senhor Campeão = Uma última verdade
dirá ainda o Campeão Português a Vossa Alteza Real, e tome-a para si; porque
lhe é dita por um homem, que nem aspira a ser seu secretário de Estado, nem
seu Mordomo de Palácio. A facção, que hoje domina no Rio de Janeiro, e por
consequência, dispõe a seu arbítrio com grande escândalo, e notória malícia
da inexperiente Pessoa de Vossa Alteza Real, ou há de ir avante em sua escan-
dalosa empresa, ou há de morrer, sufocada debaixo das ruínas de suas inépcias
políticas; se vai avante conte já Vossa Alteza Real que dela irremediavelmente
será a primeira vítima infeliz. Sim persuada-se que toda essa gente, que tanto
abusa da sua credulidade não o estima, nem o ama de coração, serve-se de
Vossa Alteza Real como de um mero instrumento para fazer certas políticas,
ou destrezas políticas, a fim de melhor enganar o bom povo Brasiliense,

Onde foi Troia. N.T.: Virgílio, Eneida, 3:1-12.


12

405
ocultando-lhe suas fundamentais intenções. Encaminham-se estas na verdade
à formação monstruosa de uma República no Brasil, porque todos esses
pequenos Licurgos não sonham em outra coisa se não em Democracias, e
Repúblicas; chegando a tanto seu estulto delírio que cuidam que, porque o
Brasil produz algodão, e açúcar, também necessariamente há de produzir
Washingtons, e Franklins; o melhor tratamento que deles pode esperar é ser
enviado para a Europa são, e salvo; mas já depois de não poder aparecer com
honra diante de seu Augusto Pai, da nobre Nação Portuguesa. =
Um homem da rígida, e virtuosa têmpera do Senhor Campeão, no meio
de um povo corrompido tal, como a Nação Portuguesa se apresentava à face
da Europa, há muitos anos, é sem dúvida o fenômeno mais espantoso, que o
século XIX pode oferecer, ou melhor, é um novo milagre, e por não ser feito
no campo do Ourique, julgamos, que é da Serra Morena. Amigo da verdade,
e não querendo outra recompensa mais do que a glória de a apresentar
diante dos Reis, nem as primeiras dignidades da Corte de Sesostris, nem o
Ouro de Felipe, nem os presentes de Harpalo o poderão corromper. Graças
à Providência que nestes últimos tempos ainda nos mostrou este fruto mila-
groso na árvore já seca, que produzia em outros séculos os pomos de ouro,
como que se abrilhantava a Coroa Portuguesa. Ora nem ao menos o Senhor
Campeão imitando a sacerdotisa de Delfos aceitaria alguma trípode de ouro
em pagamento dos seus oráculos? Enfim respeitemos o herói do desinteresse,
não corrompamos o novo Dentato [sic] Português, os Brasileiros a sua vista
são outros novos Samnites. Qual é entretanto a verdade, que diz este homem
que não quer ser nem Secretário, nem Mordomo do Palácio de Sua Alteza
Real = A facção que hoje domina no Rio de Janeiro ou há de ir avante ou há
de morrer sufocada, e se for avante Sua V. [sic] Real será a primeira vítima. =
Não seria melhor que este novo profeta, conduzido no bucho de uma baleia,
nos viesse fazer esta profecia, para ficar entre nós desacreditado, como Jonas
ficou em Nínive? Não nos dirá o Senhor Campeão, onde compra os seus óculos
de ver ao longe, ou onde achou as postilas inéditas do Bandarra, pois que no
seu modo de escrever tem descartes de político e de profeta, ainda que não in
utroque fora.13 Desengane-se amigo, no Brasil não há assassinos de Reis: as
carabinas, que fizeram fogo sobre o Senhor Dom José não vieram para este
continente, as nossas Brasileiras não dão à luz Josés Policarpos; nos nossos
bosques, tão ricos em madeiras preciosas, não se encontram essas árvores,
que em Portugal produziam bastões para ferirem os Príncipes. Se depois de
fatal enxerto, que destruiu o nosso Éden da América, depois que começaram a

Em ambos os foros.
13

406
aparecer entre nós os Apóstolos enviados com a missão do Congresso, tem-se
visto alguns gênios atribilares [sic] pretendendo paralisar com quimeras,
ou ameaças os nossos esforços, encaminhados ao estabelecimento de uma
Monarquia Constitucional, é tão desprezível esta Grei, que os Brasileiros a
consideram com a mesma indiferença com que os Lapônios são avaliados na
Europa. Porventura cinco ou seis cegos postos no caminho poderiam desviar
aqueles, que vão seguindo sua carreira? Amigo, faça menos libações ao gordo
Thioneo, e não sentirá tanto calor nos miolos. O Brasil também produz como
as margens do Delaware, e do Mississipi, Washingtons, e Franklins; pouco
importa que o Campeão lhe negue estas produções, a Europa os conhece,
os admira; e os classifica na hierarquia dos grandes homens: se ele passasse
os olhos só pelos escritos de Sismonidi [Sismondi], sobre a literatura do
meio dia da Europa, não seria tão atrevido em sua proposição. Mas estes
grandes Brasileiros convencidos, que a arquitetura política dos Gregos, e dos
Romanos já é muito gótica para a época atual; não lançam vistas sobre as
ruínas desses edifícios, pretendem pelo contrário fazer aparecer seus talentos
em uma Constituição, que deverá reger o Brasil, como uma Monarquia, e não
como uma República. A honra dos Brasileiros lançará por terra todas essas
bandeiras, que as intrigas dos partidários do Congresso de dia a dia levantam
entre nós; sua intrepidez, seu patriotismo quebrará todos os punhais, que
pouco a pouco forem saindo das trevas, seu zelo pelo bem geral, arrancará
as máscaras dos Gregos, enviados de propósito para nos seduzir, e em menos
tempo do que em Portugal, o Príncipe, o ídolo do Povo, infinitamente digno
das mais sinceras, e afetuosas homenagens do nosso amor, aparecerá sobre o
Trono da Monarquia Brasílico Constitucional, vendo em todos os corações
dos Brasileiros outros tantos penhores de sua segurança, de Sua glória, assim
como na nossa Constituição o garante mais infalível da prosperidade, e de
respeito de seus últimos netos. Não somos profetas, Senhor Campeão, mas
todos os nossos patrícios têm este dedo que vossa mercê insulta, invectivando
contra o sábio Ministro dos Negócios do Brasil, e este dedo adivinha tanto
como as Sibilas. É com este pequeno profeta que nós vemos a brilhante marcha
do Brasil, assegurando ao Senhor Campeão e Companhia, que nós olhamos
para o seu Apocalipse com tanta comiseração, como para aquele, que o céle-
bre Newton comentou. Nos últimos parágrafos da Carta o Senhor Campeão
desempenha perfeitamente o seu caráter, é um missionário na exclamação:
ele figura Sua Alteza Real no caso de ser violentado a regressar para a Europa
como um criminoso no Juízo final, não sabendo, como se há de desculpar
na presença dos Juízes das doze Tribos de Israel, ele o considera coberto de
vergonha pelo desprezo das graças recebidas, das advertências, e dos bons

407
conselhos, pede-lhe que se emende enquanto ei [ilegível] que bom êxito dos
grandes deli[ilegível] [ilegível] algumas vezes a sua enormidade, reco[ilegível]
[ilegível] que fuja da má companhia dos conselheiros, que o enganam, que se
arrependa de haver dado ouvidos à Junta de São Paulo, que peça perdão de
haver publicado atos Legislativos, para que não tinha direito algum, roga-lhe
enfim, que se lance nos braços de Seu Pai, e do Soberano Congresso, porque
decerto não há de ser repulsado por eles = Alto lá, Senhor Campeão, lançar-se
o Príncipe nos braços do Congresso! À qual dos membros, que compõe esse
presumido Areópago se poderá aplicar o que Napoleão dizia a Cambacerès
quando defendia a causa do Infeliz Príncipe de Enghien. “Hé! Depuis quand
êtes vous devenus si avare du sang des Bourbons”. A que tempo começastes
vós a ser tão avaro do sangue dos Bourbons? Nós não achamos diferença
entre aquele, que se lançasse do alto da rocha Tarpeia ao mar, e aquele que
se lançasse nos braços do Congresso, quanto dariam as partes ao Senhor
Campeão por este conselho? Hipócritas! É assim que vós levais os insultos além
dos marcos, em que param os mais desaforados insultadores; nós vemos os
punhais escondidos debaixo das Togas Senatórias; vemos a estátua de um novo
Pompeu esperando o sangue, não de um outro Cezar, inimigo da liberdade de
Roma, mas do imortal criador do nosso Império Constitucional, e esta vista
nos obriga a estreitar mais, e mais os anéis da inabalável cadeia, com que o
Príncipe aparecerá sempre ligado aos nossos Corações. O mundo tem visto
muitos Imperadores, Reis, Príncipes, entre estes uns verdadeiramente egoístas,
amigos da pompa, do esplendor, e dos cômodos da vida, outros indiferentes,
mas tanto para o bem, como para o mal. Um Príncipe Constitucional, que se
expõe a todos os perigos para salvar o seu povo, que lhe oferece o penhor da
sua honra para garantir a fidelidade de suas promessas, é um homem novo,
e este, só devia aparecer, como de fato apareceu em um país, que pela pers-
pectiva de seu atrasamento, em outras épocas, e por aquela, que hoje oferece,
se deve justamente considerar, como um país novo no berço de seu renasci-
mento político, e moral. Talvez que o Brasil pela força de algum terremoto
saia do seu assento natural, e se converta em uma Ilha boiante, que conduzida
pelos ventos vá ter a Portugal, só assim aparecerá o Príncipe na presença dos
Radamantos Portugueses, preparem-se portanto as girândolas para esse dia;
mas enquanto não chega; continuem o jogo do Voltarete.
Termina enfim o Campeão a sua carta com o mesmo descaramento,
com que a tinha começado, avançando algumas preposições, que mostram
o furor com que ele serve a aqueles, que compraram a sua pena. Tal há sido
o comportamento dos seus conselheiros, diz o Campeão = que o governo de
Vossa Alteza Real não tem podido ganhar amigos, já não digo na Europa,

408
porém até nem mesmo no Brasil = Depois de mais algumas asneiras encon-
tram-se estas palavras = Sim Vossa Alteza Real ainda não contente de haver
desobedecido ao Soberano Congresso, e a Seu Augusto Pai, tem além disso
querido macular a honra Portuguesa insultando os brios, e a heroica obedi-
ência dos valentes soldados Portugueses: e cuida Vossa Alteza Real que a não
ser filho, ainda que desobediente, do Nosso bom Rei o Senhor Dom João 6.º,
haveriam Portugueses que tão pacificamente embarcassem para a Europa?
Ah! Meu iludido, e preocupado Príncipe, queira Deus, que não venha ainda
um dia, em que Vossa Alteza Real veja, por uma terrível experiência, que
nem à Nação Portuguesa, nem à sua valorosa tropa faltam honra, valor, e
dignidade = Muito sofre o papel! O governo do Brasil, Senhor Campeão,
não se havendo ainda dirigido por meio de negociações políticas às Cortes
da Europa está contudo convencido, de que estas Potências conhecendo já a
imperiosa força das circunstâncias, que o obrigaram a tomar novas medidas
para sua segurança, não deixarão de felicitar não só o Príncipe que salvou
a liberdade política do Brasil, como a Nação, que ofendida no ponto mais
essencial da sua honra, proclamou sua INDEPENDÊNCIA. A nossa conduta
seria mui criminosa, aos seus olhos se o Congresso fosse conosco igual,
verdadeiro em suas promessas, e amigo fiel; Sim, nós seríamos avaliados
como traidores, e rebeldes: porém esta censura nunca poderá cair sobre nós,
nem jamais deveremos esperar que nos julguem deste modo aquelas mesmas
Nações, que de longe lançam vistas de horror sobre todos as passos, que dão
os pretendidos regeneradores da Monarquia Portuguesa, e das quais não
são ignoradas as grosserias, e invectivas, com que se aplaudem os nossos
Representantes, todas as vezes, que levantam a voz no Congresso para susten-
tar os interesses, e a dignidade do Brasil. Diga-nos agora, Senhor Campeão,
quais têm sido as demonstrações de respeito das Nações da Europa, para
com o atual governo de Portugal? Porventura por que o sábio publicista o
nonagenário filantrópico Bentham dirigiu uma carta de felicitação às Cortes,
julgaram estas que todos os erros, em que vão caindo progressivamente,
estão a abrigo da censura dos governos da Europa? Também em 1793 este
mesmo publicista escreveu uma carta de felicitação à Assembleia Nacional;
mas poderiam acaso os anarquistas, e revolucionários da França servirem-
-se desta Carta, como de um salvo-conduto para autorizar todos os excessos
depois cometidos contra o sistema de uma Legislação Constitucional, que a
Assembleia prometera dar ao povo. Nós sabemos que alguns dos Enviados
Portugueses não foram reconhecidos nas Cortes, apesar de levarem os seus
Diplomas, dando-se-lhes por motivo, que elas não tinham negócios a tratar
com o Governo existente em Portugal: aqui temos uma prova bem pouco

409
favorável aos nossos censores, porque dizendo que o Governo de Sua Alteza
Real não tem merecido amigos na Europa, parecia dar a entender que tudo
quanto eles vão fazendo, já se acha transcrito nas pontas da Lua. Enquanto
a outra parte do período, em que o Campeão afirma que nem no Brasil Sua
Alteza Real tem amigos, não respondemos: não só porque conhecemos a
falsa suposição, em que está o benemérito escritor, como porque julgamos,
que faríamos grande injúria aos nossos honrados patrícios se pretendêssemos
ajuntar nos limites de um folheto, os infinitos testemunhos do nosso amor, e
fidelidade ao Imortal Vingador dos Direitos do Brasil. A bazófia do último
período era bem digna de ser apopada [sic] em um Drama: a tropa auxilia-
dora, marchando em passo grave para os Navios de transporte, e oferecendo
em sua conduta um testemunho de obediência às ordens de Sua Alteza Real,
e igualmente de sua comiseração para com aqueles, que seriam vítimas de
suas espadas se eles não julgassem os sentimentos de vingança indignos de
seus brios militares, apresenta uma cena bastantemente heroica às vistas
daqueles, que a julgaram só pelo que lhe ouviram expor: mas esta cena vista
por outro lado, e pelo mais verdadeiro desafiaria o riso em todos aqueles, que
viram a divisão tremedora, levantando à pressa o seu abarracamento; para
não ter o desgosto de o ver ir pelos ares, diante de milhares de baionetas,
indignadas pelos insultos de homens tão miseráveis, que só foram poupa-
dos, porque eram Portugueses. Se pela conduta de uma parte de qualquer
corpo respeitável, se pudesse julgar, e condenar o todo, a que ela pertence,
nós apresentaríamos agora uma ideia bem triste do exército de Portugal,
afirmando só pelo que vimos, que a disciplina, a subordinação, a obediência
eram virtudes inteiramente desconhecidas pelos Soldados Portugueses: mas a
justiça pede que não julguemos deste modo tantos homens ilustres, honrados,
briosos, intrépidos, de que se compõe o exército, mostrando que ainda vivem
entre eles as antigas virtudes dos conquistadores da Ásia, e África. Nós não
vimos soldados naqueles, que foram enviados para o Brasil, porque a palavra
soldado é sinônima da palavra subordinação: e se eles não falassem, ainda
que mal, a linguagem Portuguesa, diríamos que a nossa divisão havia sido
recrutada em Nápoles, na ínfima classe dos Lazaronis. Desgraçada tribo,
valentes em ameaças, atrevidos em palavras, inimigos do sagrado direito
de propriedade, estes homens apareceram entre nós mais como bandas de
Árabes, do que como soldados Portugueses: coitados, pobre gente! O seu
regresso para Portugal deu a última prova de sua fraqueza, disfarçada porém
já mui tarde, com o pretexto de obediência às ordens de Sua Alteza Real.
Amigo Campeão, recomende uma e muitas vezes que escolham melhor gente

410
para mandarem contra o Brasil, gente brava, intrépida, bem instruída, bem
disciplinada, porque os nossos honrados patrícios nunca desejaram que se
diga que eles triunfaram, porque combateram contra homens miseráveis;
escolham-se a dedo os soldados, que vierem, seja cada um, um Ciclope por
que um exército bem aguerrido dá glória àqueles que o suplantam. Veremos
então se Sua Alteza Real chegará aos extremos desse futuro, em que o Senhor
o considera, dizendo que conhecerá pela experiência o que são soldados
Portugueses. Adeus, Senhor Campeão, saudades aos nossos amigos, não
se esqueça de nos escrever por aqueles, que nos vierem trazer o sírio. Saiba
por fim que nós achamos tão bela a sua carta, que a oferecemos como uma
vítima a Deus Vulcano, fazendo as mesmas exclamações, que Frederico
Rei da Prússia fez, quando consagrava a esse Deus a infame Assahia,14 que
Voltaire compôs contra o ilustre Maupertuis

F I M.

N.O.: Voltaire escreveu um panfleto Diatribes du Docteur Akakia onde fez pesadas
14

críticas a Maupertuis, razão pela qual Frederico o mandou queimar.

411
24

O
BRASIL VISTO POR CIMA.

CARTA
A
HUMA SENHORA
SOBRE AS QUESTÕES
DO
TEMPO.

___________________
RIO DE JANEIRO
NA TYPOGRAPHIA DO DIARIO.
1822.

412
SENHORA.

Hac iter est Superis ad magni tecta Tonantis.1


O[vídio]

EM malfadada hora escrevi eu a minha Carta ao Redator do Malagueta, pois


que tive o terrível dissabor de a ver execrada por todos; eu segui nela aquele
partido, que me pareceu conforme à razão; esta em mim como em todos os
indivíduos, é o resultado do modo como consideramos as coisas; o homem
recebe as suas ideias pelos sentidos tais quais estes lhas apresentam; neste
ato não há liberdade; delas forma os juízos, e raciocínios, e se o indivíduo
recebeu por força tais, ou tais ideias, como lhe será livre o fazer estes, ou
aqueles raciocínios? Um Mestre, a quem se dão materiais de certa qualidade,
apresenta a quem o empregou, feita dos mesmos necessariamente a casa, que
lhe foi encarregada: em [ilegível] de ideias abstratas, deixando a Kant, e a
outras almas atiladas a solução problemática ainda da sua origem, eu creio
que as abstraídas das oriundas dos sentidos, e talvez que todas o sejam, hão
de por força apresentar as qualidades da sua genitura; logo como poderia
acertar eu nas minhas opiniões políticas, se as ideias, que os meus sentidos
me transmitissem, fossem falsas? Que culpa teria, e tenho eu de não ver, ler, e
portanto entender melhor a história do gênero humano? Se não sou daqueles
que receberam os cinco talentos, para que me criminam se discorro como quem
só recebeu um? Tu nihil invita dices, faciesve Minerva;2 se eu me prostituísse,
e dissesse por adulação o contrário do que entendo, como quase todos fazem
depois do dia 24 de Agosto, soando-lhes ainda o eco de expressões opostas
ditas no dia 23, então a murmuração seria justíssima; quando surdem opiniões
políticas novas, uns opõem-se, porque creem o contrário, e estão habituados
a falar com o coração nas mãos; outros porque o medo é o seu Norte; ao
mesmo tempo que terceiros clamam, e repetem vivas, pela mesma razão por
que o Catavento mostra aquele, que o impele, é verdade que estes são às vezes
marcados, como o foi há pouco nos umbrais do Areópago Algarvoluso um

1
Este é o caminho dos deuses para a casa do grande Tonante. N.T.: Metamorfoses, l. 1,
170.
2
Tu nada dizes nem fazes, Minerva, contra tua vontade. N.T.: Horácio, Ars poetica, 385.

413
preopinante, ficando-nos a todos o pejo de ver maculada uma esquírola da
majestade vinolenta com um bem temível empurrão; se eu tenho por gênio,
ou sistema a honra de não pertencer aos últimos, a que viria tanta maldição?
Apesar da convicção da minha própria insuficiência analiso as acusações feitas.
Maldisseram-me uns porque desculpando a excessiva autoridade, que
se arrogara o Comício no dia 21 de Abril de 1821, atribuí esta desordem à
escandalosa influência que a populaça tomou no Ajuntamento, efeitos que
quis coonestar atribuindo-os à Genebra, ou corrupção Estrangeira, defeitos
que assim considerados não molestavam muito o Povo, porque um dia bom
mete-se em casa, e todo o homem de bem limpa a sua mão à parede, e porque
meia dúzia de malvados são inerentes a todos os Povos. – Dos Portugueses
alguns traidores houve algumas vezes – a nada disto se atendeu, era preciso
ralhar, calcaram-se as regras da Gramática, fingiu-se crer que um relativo tinha
o seu antecedente duas proposições distantes, quando na próxima estava claro,
e concordavam em gênero, e número; confesso Senhora, que vendo homens
trepados em escadas a gritar, e outros aluminando-os e assanhando-os; um
sobre os espaldares da arquibancada, rasgando as cortinas, que a compu-
nham, e clamando por atenção; este advenidiço [sic] prostrado aos pés do
Presidente com as mãos erguidas pedindo com voz lacrimosa a Constituição
da Espanha; aquele ilegalmente admitido no meio do Ajuntamento, e com esse
código revolucionário na mão, gritando ei-la aqui; um Duprat feito orador
ingênito, e apoiado; peditório levado aos pés do Trono, querendo Portugueses
encarapuçar-se com – Monteras – de fábrica Espanhola, razão bastante para
serem desprezadas quando Portugal era Pátria de Heróis; ordens expedidas
às fortalezas assumindo-se o poder executivo uma Assembleia de Eleitores;
estes escândalos e outros; que não recordo, e dos quais meminisse horret3 eu
os atribuí a uma fraqueza, à imoralidade, e traição de poucos; e isto com mira
de aliviar o povo dos epítetos de revolucionário, anárquico, e sans-culottes,
que por tão desorganizadora conduta lhe competiam; chamo à Constituição
de Espanha código revolucionário, porque como tal considero aquele, aonde
o grande proprietário não goza do direito herdado de dar conselhos ao
Governo; aonde para ser legislador temporário basta possuir qualquer coisa; e
para fazer [ilegível] basta existir; e aonde se sancionaram outros princípios, e
regras, contra os quais irei argumentando nesta carta: os Conselhos, e corpos
legislativos só têm dois fins a preencher, dar segurança aos indivíduos, e às
propriedades, cumprirá melhor estes deveres o rico do que o pobre, porque
aquele tem interesse íntimo em conservar, e em aumentar o que tem, quando

3
Horrível de ser lembrado. N.T.: Virgílio, Eneida, 11:12.

414
este para ter alguma coisa, cometerá crimes, como se cometem todas as horas,
e fará revoluções; são os de ante-câmera, que querem vir para a sala; eis-aqui
a revolução da França definida em quatro palavras, isto é são os criados, que
querem ser amos, e os pobres que querem ser ricos por força; ideia expressiva
do Abade de Siyeies [Sieyès].
Amaldiçoaram-me outros porque chamei ao dia 24 de Agosto de
1820, dia de ira, calamidade, e miséria; ah! Senhora, eu não tenho alma de
Matemático, mais tout cela que prouve,4 disse d’Alembert, abalizado corifeu
nesta ciência, e um dos afamados Estentores do sansculotismo, quando em um
Teatro de Paris se escutavam os soluços, que a representação de uma tragé-
dia arrancava aos corações, que sentem, e choram com os desgraçados, até
mesmo aparentes; o desterro de homens beneméritos em Portugal, as prisões
no Pará, e Maranhão, as mortes em Pernambuco, Bahia, [e] Santos, os sustos
em Porto Alegre, Minas e em todas outras Capitais das diferentes Províncias,
que compõem o novo Reino Unido, a desastrada noite de 21 de Abril nesta
Cidade, os crimes, os horrores, os estupros, os roubos com que nos ameaçam
alguns dos contumviros [centúnviros], me farão classificar aquele dia nos de
luto e desgraça, ainda que pálido, e frio calculador de partes infinitamente
pequenas me amaldiçoe; eu tenho, Senhora, um coração, e quando chora, e
geme o triste, eu choro e gemo.
Excomungaram-me certos porque classifiquei entre os nulos o juramento
prestado, [ilegível] fazer no dia 26, e seguintes com que [ilegível]tamente
gravamos as nossas consciências; confesso, Senhora, que mal abri na meninice
os Livros Teológicos; e que caro me custa! Ignoro pois a classificação dos
pecados, que habilmente distinguiram Larraga, e Van Espen segundo ouço:
digo só; que sendo o preceito da Lei na minha Cartilha, – Não jurarás o Santo
Nome de Deus em vão, – inferi eu deste modo de mandar, que o Ente supremo
proibiu pronunciar o seu Santo nome em abono de proposições duvidosas, ora
como todos (nada de exceções agora) ignoravam o que se faria em Portugal, e
como se podiam determinar coisas contra os interesses de cada um, e nemo se
ipsum prodere tenetur,5 está claro, que o juramento absoluto foi nulo, sendo
nulos toma[r]mos o Santo nome de Deus em vão, logo gravamos as nossas
consciências, pondo em ação o delírio mais estupendo, que talvez sofreu
ainda Nação alguma; esta excomunhão levantada me foi em Lisboa no dia
18 de Março, tomara eu ouvir agora estes Senhores a quem tanto mal pareei?

4
Mas tudo isto é a prova de quê.
5
Ninguém é obrigado a se autoincriminar.

415
Execraram-me muitos porque escarneci o novo dogma da Soberania
do Povo; eu bem podia agora fazer alarde rebuçado das ideias de Burke, e
outros atlantes da ordem, e o governo monárquico hereditário moderado, que
afugentaram, qual luz as trevas, da rica Albion o Sansculotismo, que enga-
tinhando entrar queria naquele santuário do trabalho, e da indústria com o
fim de anivelar tudo, a fim de melhor montar sobre todos; mas bastante que
enuncie o que diz o meu Moraes; – Soberania, a qualidade de ser Soberano, e
os direitos anexos a ela; – logo é uma qualidade anexa a um emprego público,
logo esta qualidade é exercida por um ente, que pode ser moral, logo não se
exercita por todos assim como os outros empregos, logo não reside no povo;
se a qualidade de ser Soberano existe em todos, em todos existe a de ser
Almotacé, e a de ser carrasco; eu por mim, Senhora, não quero a esquírola da
Soberania para não ter a da Carrascaria; enquanto à da Almotaceria cócegas
tive por uma parvidade a ver se o encarnado me fazia serviço.
Escandalizaram-se bastantes porque eu disse mal do Soberano Congresso,
como eles lhe chamam; pois bem, Senhora, antes de mim o tinham dito os
papéis de São Paulo, o Despertador, a Malagueta, e no mesmo Portugal uma
chusma de Periódicos, e alguns com bastante Vinagre, a todos estes se lhe
deixou passar porque tinham razão, eu que tinha a mesma, e que disse o
mesmo, fui insultado com expressões próprias de vil regateira, e se por fatali-
dade tivesse calva, ou corcova havia de sabê-lo o mundo, ainda que eu usasse
chinó feito em Paris, ou casaca de Toubodie; pareceu-me que a história da
Revolução de França me autorizava a maldizer de antemão uma congregação
de sábios pedintes; ainda bem que o Diário do Governo de Lisboa me justifica
todos os dias, e que as medidas sobre o Brasil, tomadas no tal Congresso
Soberano, me forçam a dar valor de Dogma à seguinte proposição, – o mundo
não se governará nunca bem por um Filósofo, – dando a esta palavra o sentido
lato com que definem hoje os modernos, e senão que o diga Frederico II.
Enfim, Senhora, inferiu-se da aversão, que manifestei contra a tirania
popular, que eu a amava em um só; Alberto Magno fez um tratado de lógica
tão enorme, que não há leitor tão peitudo, que o folheie inteiro, entre todas
as regras silogísticas, que enumerou, não se descobrira contudo uma, que
mande tirar conclusão de coisa, que não existe nas premissas; se aborreço o
Despotismo de muitos, logo abomino o de um, pois que a universal inclui a
particular [o] de muitos causa-me horror, o de um asco nauseante [e] prefe-
rirei sempre podendo o Governo Monárquico hereditário a todos os sistemas
de Governo, que a casualidade tem posto em uso; creio que a Soberania é a
coleção dos deveres anexos àquele emprego, e como tais estão marcados por
lei; aborreço o Despotismo tanto quanto o amam todos os meus detratores,

416
como seja por eles exercido; indivíduo algum que me tenha visto há, que ao
ler isto me não creia; quando estavam pois, permita-me usar por um pouco de
gabamento, a maldizer-me a amaldiçoar-me, a excomungar-me, a execrar-me,
e a escandalizar-se, contradiziam com a boca o seu próprio entendimento.
De pouco valeriam todos estes ditérios, e mudo, e quedo, qual rocha em
meio das vagas, olharia sobranceiro, deixando arrolar as opiniões sem as obstar,
se Vossa Senhoria não se alistasse no número de queixosos; quando lhe ouvi
expressões de descontentamento fiquei sem pinga de sangue, pegou-se-me a
voz às goelas, e com dificuldade, não sei se reparou, perguntei qual era a falta
que me notara; ah! Senhora, que larga foi a respiração, que tomei, quando
da engraçada boca lhe caiu a reflexão, de que se sentira de não descrever eu
Corograficamente o Brasil, bem como fizera Topograficamente o Portugal,
respirei largo, torno a repetir, porque a acusação era de facílimo reparo, e
porque só designava agravo, ou coração de queixoso, e quando é esta víscera
a que se sente em uma Senhora, a satisfação é fácil, depende de carícias, e
ternas meiguices.
Vou pois obedecer-lhe, porém visto nos Mapas o Brasil parece menos;
quero ir falar dele com ele à vista, mas eu não posso ir só, não se trata de dar
quatro pernadas do Cabo de São Vicente à foz do Minho, é preciso viajar
uma décima quinta parte da porção terrestre do globo pouco mais ou menos;
hei de gastar tempo, e é [ilegível] do[r] [ilegível]gente a dor da saudade, eu
não posso abster-me de a ver sem tormento excessivo por mais de vinte, e
quatro horas, venha pois comigo, tenha dó desta alma, é cortando os ares que
se viaja para a habitação dos Deuses; elevemo-nos à Região da brisa; é fácil
descer mesmo ao profundo dos abismos, mas subir às regiões celestes é uma
empresa; que nos emparelha com os habitadores do Olimpo; sejamos pois os
primeiros Garnerins deste Hemisfério, ninguém se admirará; os Portugueses,
logo que os sábios modernos entraram a fazer das regiões aéreas objetos das
suas teorias, apresentaram uma máquina, cujo liame era de vimes, que subiu
duzentos pés, Lisboa foi o Teatro aonde se exibiu em 1736, ignoro o como
isto foi feito, e por quem;6 mas é certo que ali então se filosofava melhor em
Física do que agora em moral, e política.
Entremos em uma máquina aerostática, chegaremos por fim, e não
cansados; ei-la aqui, a forma de Balão é de vela latina, é nova, Senhora, não
há que admirar, muita coisa nova se faz em formas apesar da sentença, que
respeito; o punho da amura é fechado por uma válvula, da qual disporei à

6
N.O.: Possível referência à Passarola de Bartolomeu de Gusmão apresentada em Lisboa
em 1709.

417
minha vontade; do penol, do punho da verga, e de toda esta baixam cordas,
que seguram a gaiola, em que iremos, em lugar de carreta ou navicela; pare-
ceu-me mais próprio este cômodo para nós, porque até nos ares é louvável
a decência externa, e porque a figura de leito oferece comodidades, e lugar
de descanso; a escolta irá amarrada no centro de um lado, de onde partirá
a parede, que nos separa, e aonde haverá só um postigo com um palmo de
largo; por ele passaremos o que for preciso, os nossos viveres, bebidas; etc.
Estes odres vão cheios, uns de Oxigênio puro, outros do mesmo Carbonizado,
farei que entrem combinados de sorte, que não nos elevemos mais de mil pés
acima do Corcovado; aqui estão dois chapéus de sol com vinte, e três [pés de
diâmetro] cada um; bom é prever desgraças possíveis, se preciso for baixar
não como há de subir, enfie esta cilha forte até debaixo dos braços, deixe-
-se cair, e irá à terra suavemente; a superfície da vela é igual a de um Balão
esférico de trinta pés de diâmetro; suspenderá pois quinhentas, e oitenta, e
uma libras; Nós dois pesaremos trezentas; a gaiola, os víveres, etc. cento, e
cinquenta; a roupa sobre-excedente, e de lã, óculos, termômetro, barômetro,
aerômetro, agulha de marcar, e este abanador de Bengala para servir de leme, e
alguns poucos livros; trinta; ficam oitenta a dispor, sobre as quais combinarei
a mistura dos dois Gases.
Quem me sugeriu a ideia da gaiola em vez de carreta, ou navicela, foi o
passarinho João-de-Barros, diferimos em que, ele faz a sua casa de barro, e
a nossa é feita de caniços; pareceu-me, que imitando na construção da casa
um habitante dos ares, seria por eles lá bem recebido; dou-lhes prova de
respeito aos seus costumes; não sou daqueles estrangeiros rabugentos, que
querem por força achar a sua terra no país aonde estão, sem se lembrarem,
que dum fueris Romæ Romano vivito more.7 Não somos os primeiros, que
aprenderam Geografia em viagem aerostática; Lomet foi encarregado já de
coisa semelhante, e a feroz arte de guerra, ou já se serviu, ou quis servir dos
Balões para melhor assaltar as praças inimigas.
Enquanto pois os nossos compatriotas se ocupam em rebater as vãs
pretensões de Centunvirato,8 e que com tento, e tino regulam o modo para
que o nosso Ajuntamento figure entre os legais, e se não torne em um covil
de sans-culotte, partamos nós a ver por cima o nosso delicioso Brasil.
Eis-nos pois elevados mil pés, a proa vai ao Oeste, mal se move o ar em
nosso favor; ali está a Ilha Grande, a Angra dos Reis, e a Vila que o mesmo
nome tem, a mais antiga da Província toda coberta de parras, e sombreada de

7
Enquanto estiveres em Roma comporta-te segundo o costume romano.
8
N.O.: Referência aos 100 deputados às Cortes de Lisboa.

418
figueiras; reparte no Taipu, e no Frade, célebres montanhas pela sua figura,
lavadas pelo Mambucada, e dando as primeiras águas ao Paraíba; aqui está
Parati azafamada em carregar cachaça, toucinhos, tabaco, e café, e outros
gêneros, que a fazem rica, e florescente; ocupa talvez o lugar da selvagem
Iperoig, aonde fez seus primeiros ensaios de amor ardente à humanidade o
virtuoso Anchieta, que a Grécia decerto colocado houvera entre os seus semi-
deuses; veja São Sebastião, precioso pedaço de terra, que tudo produz perfeito
no seu gênero, eis a mãe do Brasil moderno, a abandonada São Vicente, este
local foi aquele, que primeiro abrigou no seu seio o Português, que começou
a existência da raça Brasílio Lusa, já era avô em 1540 quando na Bahia a
criada do primeiro Governador foi disputada pelos mais abastados da terra;
pelas datas se infere que João Ramalho fora um dos dois degradados, que
em Porto Seguro deixou o Cabral, e os seus serviços facilitando o estabeleci-
mento de Martim Afonso, e Pedro Lopes, aqui, em Santo Amaro, e Pertininga
[Piratininga?], foram essenciais, e quase uma providência celeste. Aparecendo
vai Iguape, e a sua fértil ribeira, a qual logo conduzirá à beira mar as máquinas
de ferro fundidas em Sorocaba, um canal de mil braças as levará à barra de
Cananeia, e outro de duas milhas à de Paranaguá, ao mar alto, ao Brasil, ao
mundo quando tempo for, e ocasião; aí fica pois a última Bahia com suas duas
Vilas, e a aldeia do Morrete, que uma parece; cruzando vemos, São Francisco
aonde aparecem Pérolas; eis-nos pois sobre Santa Catarina, o vento brando
como é, veio à proa, não importa, bordejamos sobre este jardim, tão mimoso
como o do Éden: olhe como são industriosos estes moradores, sem o infernal
sistema militar, posto aqui em ação sem cálculo ou regra, e suscetível de corre-
ção porque o mal local nunca foi necessário, seria esta Província hoje a mais
rica, e a mais povoada do nosso mimoso país; aqui chegaram os Portugueses
logo no princípio do século XVI, um digno, e benemérito Sacerdote empre-
gava na conversão dos Chacios, quando malvados aventureiros roubando os
pacíficos Índios o levaram de embrulhada à Bahia, aonde servia de socorro
aos prisioneiros destinados à escravidão, auxiliando o seu zelo o benemérito
Thomé de Souza, que primeiro governou estas terras; chupam aqui o mesmo
terreno a Ginja, a Grumixama, a Cereja, a Jabuticaba, a Ameixa, o Ambu,
a Amora, a Pitanga, a Pêra, a Pinha, a Maçã, a Ata, o Pêssego, a Goiaba, o
Abrunho, o Araçá, o Linho, e o Algodão, enfim, Senhora, casará um dia o
curioso lavrador a vinha com o coqueiro real, mas estarão sempre sem par
Europeu a Teobroma, o Cacauzeiro, e o Ananás, este último porque a natu-
reza enamorada como a Rei lhe quis pôr Coroa, e porque amor, e Majestade
não admitem sociedade, ali corre água acidulada, excelente arranjadora do
estômago; parece que grande porção dela é forçada a passar por uma fenda

419
de Molibdena, ou outra rocha, na qual o Carbôneo é o princípio mais cons-
tituinte; a elasticidade, que a água comprimida tem em grau eminente, a faz
obrar violentamente sobre a rocha, desta ação desenvolve-se o Calórico, com
a presença deste combinam-se o carbono com o oxigênio, e o gás acido carbô-
nico, que vem com a água à luz, traz cem graus de calor, que na combinação
dos dois gases necessariamente se desenvolve, e se põem em ação; alargou um
pouco o vento, prossigamos; veja a Laguna com as suas medas de Bagres, que
preparados com indústria serão também petora [sic] como os gelados arenques
do norte; a restinga da área, que agora mesmo vai principiando a estender-se
debaixo dos nossos pés, árida como parece, nutre animais, e vive nela gente
rica; bem disse eu já outra vez, que o Brasil continha em si tais germens de
fertilidade, que até sobre as pedras criará pão; cruzando vamos a barra do
Rio Grande do Sul, defesa aos navios de grande porte, por ela se despeja um
volume de águas bastante grande, levam a velocidade de seis milhas, a tanto
as forçam o estreito canal por onde saem, e a sua elevação sobre a linha do
mar; chegamos pois, Senhora, sobre as terras grossas, que dividem as águas
mais meridionais entre o Rio da Prata, e a Lagoa Mirim, aqui passaremos
a noite; abro a válvula, largo a fateixa, a vela por si se amaina. Enquanto
comemos, e nos agasalhamos, digo-lhe, que pouco menos de trezentos anos
há, que estadistas Portugueses, e Castelhanos começaram a marcar a linha,
que nos devia separar por este lado, nunca a concluíram, e será ainda obra
de outros; não se admire de não se haver feito em séculos, o que devia ser
obra de meses; desde que me entendo, ser grande estadista na Europa, quer
dizer, entortar tudo o que convém aos Povos; semear entre eles cizânia em
lugar de paz, e fazer ridículas coisas com grande pompa, aparato, e imenso
palavreado; pois que eu não sou político, e portanto isento das paixões, que
como tal devia ter, vou traçar uma linha divisória, partindo de dois pontos
evidentes: Os Habitantes das margens meridionais do Rio da Prata precisam
por agora de portos, aonde embarquem os seus produtos, e aonde desembar-
quem os equivalentes, visto que a natureza lá lhos negou na parte do Sul; os
Brasileiros necessitam, que entre eles, e o Rio não medeie uma Nação, nem
terreno aonde ela se possa criar; pois bem, principie a linha aonde deságua o
lago de Castilhos, busque o outeiro mais próximo, siga a terra grossa como
a natureza a criou, debaixo à direita as águas do São Luiz, e do Cebolati, e
à esquerda as do lago sobredito, e as do Rocha; o ponto mais meridional na
curva, que ali a terra grossa descreve, jaz na Latitude Sul 34º:27’, Long[itud]e
19º:24’ ao Ocidente do Meridiano do Cabo de Santo Agostinho; parece-me,
Senhora, que o Brasil deve ter o seu meridiano próprio, e não acho nele ponto
mais apto para isso do que o dito Cabo; a sua posição ao Oriente não só do

420
Brasil todo, mas de todo o Continente da América, como nos vão provando
os Ingleses, que seguem abrindo a tão buscada como inútil passagem do
Noroeste lá no Norte, lhe dão bem justos títulos para ser notado: Quando
os navegantes ajoujados, passarem ao Ocidente deste ponto em demanda do
Brasil, sentirão efeitos da branda viração, e inchar-lhes-ão as velas no quarto
da modorra os prazenteiros terrais. Dali seguirá a linha sempre curva para
as partes do noroeste até aonde borbulha o Mansabilhagra, seguindo as suas
águas até ao Jie, e as deste ao Negro, e por este abaixo ao Uruguai, e ao Rio
da Prata, teremos uma linha divisória, formada mesmo pela natureza; os do
Rio da Prata possuirão quanto terreno lhes basta para nutrir setecentas mil
almas, mui suficientes para guarnecer os portos, e para correspondentes, e
Mercadores, e Agentes dos moradores do interior meridional; já se vê que
isto durará só até que a Costa Patagônica se povoe, e se estabeleçam por
lá os Cais, e Trapiches, por onde as Províncias internas devem exportar os
seus frutos, e manufaturas; os Brasileiros não terão em contato número de
homens, que os amedronte, e havendo de navegar à vista de portos, aonde
tremula bandeira estranha a fim de que cheguem ao mercado mais baratos
os gêneros, que criarem deste o Rio Negro até o Peperimerim, respeitar-se-ão
mutuamente, a mútua necessidade forçará ambos os Povos a viver em paz,
se é que há de chegar o dia, em que duas Nações vizinhas hão de sacrificar
a bens reais caprichos, ditérios, e quidlibets Diplomáticos. Mas aí, Senhora,
adormeceu, fez bem, é natural adormecer quando nos contam sonhos, e visões
= mas enfim cante-se a paz beatifica dos Céus. =
Enquanto brando vento sopra do Sul, uma vez almoçados, sigamos a
nossa viagem até ao aéreo de Batoby; não conheço coisa mais aprazível do que
a viajar pelas Regiões das nuvens, a impressão, que a Coluna de ar dividido,
faz sobre os intestinos, é mais agradável do que a outra produzida pelo veloz
curso do Trainaiú, sentado no qual se precipita da fingida, e fria montanha lá
na Rússia o passeadouro cioso. Esta é a montanha, que buscávamos, pairemos,
e repare: lá perto do lugar aonde dormimos, fica a Lagoa Mirim, por cuja
águas se conduzem os nutridores produtos, que se criam, e se colhem desde
Índia muerta até a Guarda de Santa Rosa; um milhão de habitantes viverão no
terreno médio com largueza, o sangradouro de São Gonçalo comunica estas
águas com as do Palus Meothides Brasileiro, a Lagoa dos Patos; não distante
de nós parte o Icabaquaguazú, que é o Kitzin deste mar de água doce, assim
como o Jacuí figura bem o seu Don. As terras grossas, chamadas por aqui
serros, que principiam no morro de Castilhos, e correm em curva ao Sul até
ao ponto aonde dormimos, vem depois sempre em forma circular ao Norte
até as vertentes do Jacuí, e desde ali vão com o nome Babiraqua até ao mar a

421
Leste, fazendo nos Mapas uma figura semelhante àquela, que Vossa Senhoria
faz, quando abre os braços para neles amimar os seus lindos, e tenros meninos.
Pastam inumeráveis bois, e bestas cavalares estas terras; crescem nelas
perfeitamente os Cereais; esta Província é a Sicília Brasileira, o seu clima é
precioso, as suas frutas são as da Zona temperada sem exclusão absoluta
das da tórrida. Viremo-nos ao Oeste; são tantos os Rios que vão engrossar
o Uruguai, que nos faz horizonte, que a sua numeração é enfadonha. Pouco
ao Norte do Ibicuí existem, Senhora, ainda os restos deslabrados dessas
famosas Missões, obra de homens virtuosos, e alvo de intrigas maquiavé-
licas, parto nefando dos infernos. A abundância e a paz reinavam entre os
mansos Guaranis; casas asseadas, ruas limpas, Igrejas magníficas, oficinas
bem surtidas, tudo foi sacrificado, e destruído, e nos mesmos lugares aonde
agora reinam a porcaria, a devassidão, a preguiça, e todos os vícios, existiam
antes decência, limpeza, trabalho moderado, e uma devoção talvez nímia,
mas que [ama]ciado havia selvagens ferozes, fazendo homens os que brutos
eram: Foi para sempre aniquilada a sociedade de homens beneméritos, que
tanto bem fizera, castigando-se defeitos de alguns com a destruição de todos;
a economia, e indústria, que os enriquecera, foram alinhadas com os crimes,
de sorte que as virtudes por eles exercidas, consideradas foram vícios, e o
que precisava, se acaso, só reforma, foi inteiramente destruído; tais são os
homens! Quem sabe Senhora se os enormes males Civis, que pouco há sofreu
a Europa, e que ainda agora sentimos, bem que mais suaves, não tiveram
origem na injustíssima destruição dos Jesuítas? Quem sabe se assim, se assim
como uma sociedade secreta ligou os Templários aos Inacistas, outra, que
agora voga, não ligará ainda estes a outra Companhia futura?
Prossigamos, o vento nos acomoda; olhe como debaixo dos nossos pés
corre o Uruguai, serpenteando em mais torcicolos do que faz uma Menda
quando está no sarilho; estes campos, que vai regando, são todos férteis, e
criarão no futuro numerosa população; adejemos agora sobre o Maracaju; ao
longe fica o vale, que desde quase beira-mar, e perto de Santa Catarina conduz
as águas do Uruguai; e logo o outro por onde corre o Curitiba, separados por
serros pouco elevados, carregados do majestoso Curi, e outras árvores, que
lhe são indígenas; em frente temos os Campos de Guarapuava, em outros
tempos o Guairá, que os nosso Paulistas seguraram a Portugal, do que louvor
sem par mereciam, se com a primeira das Missões, a ignorada Loreto, e suas
vizinhas, não praticassem crueldade, das quais rebatendo ainda grande parte
de exageração, sempre foram muitas, e só se desculpam com a ignorância, e
dureza dos tempos. O ruído, que escuta, é produzido pela estupenda cascata,
que além está, a primeira raridade de toda a América neste gênero, trata-se,

422
Senhora, de ver um rio, que ali mais acima tem uma légua de largo, e tanta
água como oitenta dos maiores da Europa, de repente encaixado, por assim
dizer, em um cano de cento, e trinta palmos de largo, precipitar-se por uma
inclinação horizontal de cinquenta graus, com a figura de um Prisma de água,
coisa pasmosa! Coroando em torno de si uma garoa perpétua, e formando com
o Sol milhares de Arco-Íris, aturdindo, deleitando, e dando ao contemplador
meditativo ideias sublimes de um Criador Onipotente, a água, parece, que
queixosa da compreensão por onde a obrigaram a passar, vai desabando-se
de tanta violência ainda por trinta léguas, emitindo ecos tais, como os que o
Brasil agora dá, por isso que o querem encaixar em cem léguas de terra, como
se ele lá pudesse caber. Os rochedos, que o rio abriu, e despedaçou, e outro
com que ainda hoje se abraça, são de granito, e portanto coevos das águas,
a mim contudo, parece-me, que outros rios, que cerrem no nosso horizonte,
cortam massas calcárias, se assim é ver-se-ão os Geólogos na necessidade de
classificar estas rochas últimas entre as primitivas; Vagueiam ainda por estes
matos Índios Selvagens, muitos dos quais descendem daqueles, que a impolítica
previsão das Cortes de Lisboa, e Madri forçou a buscar nos matos a mesma
desenfreada liberdade, que faz dos homens brutos, e os alinha aos irracionais.
Esta serra corre daqui a Leste até se encontrar com a geral, sigamos nós ao
Nordeste em demanda da Araassoiava, Chapéu de Sol, ou Sorocaba; debaixo
de nós há outro Chapéu de Sol mais apropriado na figura feito pelas entrela-
çadas copas dos Curis, indígenas destes privilegiados terrenos; são muitas as
léguas de terra, que cobrem, sustentar podem milhões de criaturas por três
meses do ano, os seus Pinhões crus são saborosos, cozidos excelentes, e assados
deliciosos. Sendo os viventes, na opinião de alguns, uma combinação feita de
certo modo de Óxidos metálicos, pode inferir-se, que estas terras contêm em
si metais desconhecidos, e peculiares, porque em todo o resto do globo não
se encontram Curis, são produção privativa das terras, que vertem as águas
do Uruguai, e do Paraná, se algum se vê fora delas ou aberrou, ou deve a sua
existência forçada a algum curioso.
Estamos sobre esta massa quase de puro ferro, abro a válvula, e largo
a fateixa; o Sol vai descansar, faremos o mesmo, tomaremos alimentos, e
conversaremos até que Morfeu adormentar venha os nossos sentidos. Estamos
muito próximos da célebre São Paulo, é incrível o número de calúnias, que
alguns Jesuítas escreveram destes habitantes, e os absurdos, que deles se leem
em historiadores modernos; aconteceu contudo aqui um fato novo, ao que me
parece na história dos homens: Quando os Portugueses em 1640 aclamaram
a Dom João IV, e puseram no Trono, que de direito era seu, a Sereníssima
Família de Bragança, houve bastantes Sectários de Castela nesta Cidade para

423
formar partido contra a mudança de dinastia, e como não pudessem sustentar
Felipe IV, idearam substituir-lhe pelo menos nestas partes outro indivíduo,
enfraquecendo com a divisão dos Estados o verdadeiro Soberano, aclamaram
pois Rei a João Bueno,9 este fiel a sua consciência gritou Real pelo legítimo
Monarca; escandeceu-se o Povo por efeito mesmo de tanta fidelidade, quis
forçar o homem a tomar a púrpura, fugiu este gritando Viva El Rei Dom João
IV, enquanto que o povo atrás dele em desfilada aclamava Rei a João Bueno;
nesta carreira extraordinária, que nunca teve, e que provavelmente nunca
terá outra semelhante, venceu a virtude, e a Província, assim como todo o
resto do Brasil, reconheceu por seu Rei o progenitor da Família Augusta, que
nos governa. Pode apostar-se, Senhora, que este homem raro era um homem
verdadeiramente liberal, e que desobedeceria ao mesmo Monarca se o impe-
lisse a pôr em execução alguma ordem evidentemente injusta; a virtude de ser
liberal no sentido moderno só a possuem aquelas Almas, que se conformam
com a situação em que os p[ôs] a casualidade do nascimento, e que cuidam em
elevar-se entre os seus iguais pela escada gradual do trabalho, e da indústria, e
não a estes sans-culotte Filósofos em parola, que querem saltar da Taverna ao
Salão, e do Convés à Tolda, trepando por sofismas, preconizações, violências,
e revoluções. Uma ação tão virtuosa suscita a ideia da nobreza do coração
humano; alegremo-nos pois, e adormeçamos contentes.
Como o Sol já está um pouco elevado observe o grande espaço de terra,
que cobre com a sua sombra a montanha, bem vê pois, que os Guaranis
falavam uma linguagem eloquente, aquelas, aonde nos nomes designam as
qualidades das coisas, são as que merecem este epíteto. À esquerda no hori-
zonte temos a Serra de Amarambaí, a qual saindo de Maracaju sobredita
vai em linha curva pelo Noroeste ligar-se à de Santa Marta, ou Dourada, e
volvendo depois pela da Canastra pega-se com o Morro do Chapéu, que faz
parte da Geral, e virando ao Sudoeste torna a entrar no extremo Oriental
da mesma Maracaju, de onde saíra; o grande espaço, que cerca, é a mãe das
águas do Paraná; quando corta os limites desta Província, e da de Minas é
muito elevada, ignoro contudo quantos pés está acima do mar; só sei, que
na parte mais alta tem um lago, o qual dá águas ao sobredito Paraná, ao
Paraíba, e a dois outros rios, que se perdem nestes; parecendo-se nisto com
o monte Hermínio, a mais elevada montanha do nosso viveiro Europeu.
Nesta a atmosfera é deliciosa, colhem-se os frutos das duas zonas, aonde
os homens só deviam viver; todas estas terras, que à vista temos, e que são
cabeceiras dos rios São Luiz, Pirapó, Piaí, Paranapanema, e as meridionais

9
N.O.: Trata-se de Amador Bueno.

424
do Tietê, contêm óxidos de ferro, e portanto são próprias para a cultura da
vinha; devemos quanto antes cuidar nesta cultura: Portugal não produz já, e a
Europa não dará logo, o que precisaremos; ao primeiro em se lhe diminuindo
das suas quarenta e seis mil pipas sobrantes, trinta mil, que lhe bebem os
Bretões, restam só dezesseis mil pipas; pois bem Senhora, só a Capital da
nossa Província importou em 1820 dezenove mil pipas; apesar desta falta
evidente pretende agora, que bebamos só o seu; ora que um indivíduo com
armazéns recheados peça a preferência de fregueses, lá se entende; mas que
um pobre taverneiro se lembre de vender sozinho aquilo mesmo, que ele não
tem, é uma pretensão tal, e prova tanta ignorância, e inconsequência que
só se deve atribuir, ou a uma coleção de Filósofos modernos, ou a algum
daqueles animais, que movendo rouco chocalho guia grande récua na estrada,
que conduz de Sevilha a Madri.
Elevemo-nos em demanda do Itacolomi; cruzando vamos à Mantiqueira
no lugar aonde chama a guarda da Itajubá, e já vemos as vertentes orientais do
mesmo Paraná; lá estão Carandaí, e Paraopeba, que, distando só três léguas,
bebem uma as águas do dito Paraná, e a outra as do grande São Francisco,
com quem nos encontraremos mais de uma vez; estamos sobre a montanha
demandada, aqui daremos fundo, ainda que é só meio-dia, porque assim o
exige a nossa despensa; saia a passear um pouco, e ao mesmo tempo ajude-
-me a renovar os nossos víveres; não é justo, que duas criaturas unidas seja
qualquer que for o fim para que, se não auxiliem nos trabalhos, donde há de
proceder a felicidade, e gozo dos dois; esta elevada planície abunda de caça,
armemos pois alguns Mundéus, e ao pôr do Sol teremos quanto nos baste
para alguns dias de consumo; que gordo está este Mutum que agora matei;
olhe, nesta regular distância da nossa Gaiola façamos fogo, e comê-lo-emos
assado, ajuntando-lhe alguma Maitaca; se a farinha da Jetroba Mandioca, a
qual supre o pão muito bem enquanto à insipidez do sabor, contivesse tanto
glúten como a de trigo, seria hoje o principal sustento do Universo; não é
assim, e portanto nem a maior quantidade de farinha, que rende igual porção
de terreno plantado com a mandioca, nem a facilidade da conservação da
última, nem a aptidão para o uso no que muito excede a favorita de Ceres, a
equilibram ao proveito, que da última os homens tiram, visto que os nossos
tutanos são compostos de uma matéria análoga ao mesmo glúten. Repare no
número dos rios que saem destes montes ocidentais, todos vão formar o São
Francisco; lá se vê, e não longe, o Itacambira, o qual segundo opiniões hipo-
téticas, disputa a este a elevação de 5780 pés sobre o mar, a qual o marcará
como o mais elevado do Brasil, até que alguém meça o sobredito Itacambira,
e as outras montanhas. Ao norte do último, fica o Serro do Frio, que divide

425
outras águas entre o São Francisco, e o oceano, assim como este morro as
divide aquele, e o Rio Doce; o que temos ao Norte, ao Oeste e ao Sul, produz,
e cria os mimos da zona temperada, e tudo o que a Leste pertence à Província
dá em abundância as preciosidades da tórrida, é indizível a sua fertilidade.
Aqui se ouviram, não há muitos anos, os ecos da palavra liberdade,
que caros custaram aos inconsiderados, que os soltaram; esta palavra tem
feito derramar rios de sangue, quando só no sentido moral lhe corresponde
ideia, e devia portanto estar gravada nos Patíbulos com grande letras; o
homem, comparando as leis com as suas ideias, pode não as achar razoáveis
a seu modo, e isto por uma razão metafísica irresistível, em tal caso mesmo,
deve obedecer ao regulamento comum, este ato lhe é perfeitamente livre; se
interrompeu pois a tranquilidade pública deve sofrer um castigo; estando
a palavra liberdade escrita nas Forcas, dizia-se mudamente aos indivíduos;
que o doloroso passeio para ali só o dá quem quer. Não somos livres meta-
fisicamente, menos fisicamente, civilmente somos escravos da lei, que regula
as relações mútuas dos indivíduos; ora já se vê que quando os demagogos
modernos nos falam em liberdade, os piores querem fazer-nos seus escra-
vos, e os melhores pretendem que nos governemos por leis feitas por eles, o
que em última análise é o mesmo, que governar-nos por outras; é verdade
que algumas das últimas podem necessitar correção, para fazer isto não é
necessário suscitar comoções civis; havendo boa-fé, franqueza, e constância,
qualquer sociedade por subscrição obterá do Governo sempre a modificação
de quaisquer leis, que com o andar dos tempos se tornam dignas de reforma:
depois do Ministério de Pombal entre nós a fábrica das leis trabalhou pere-
nemente, ficando no fundo dos Tinteiros o plano da execução das mesmas,
com evidente desperdício de papel, e [zanfia] dos Estudantes em Coimbra;
é verdade, que estes se vingavam bem da moedeira deixando além da Ponte
as Extravagantes servindo de embrulho às consciências.
Os homens só seriam perfeitamente livres no estado selvagem, e vivendo,
se possível fora, segregados uns dos outros; ora pois já que é de necessidade
obedecer, nunca deve servir de questão a qualidade do Governo: Selim I, e
Mohamed III, foram grandes soberanos de um Governo despótico; Carlos I,
e Jacob II foram talvez maus Reis em um Governo representativo; o cuidado
atento dos homens, verdadeiramente de bem, deve consistir em que o Governo,
uma vez estabelecido, exerça as suas funções de sorte, que a maior parte dos
indivíduos, que compõem a Nação, goze da maior porção das coisas, que nos
dão prazer. Um poeta inglês disse, e com razão, que os loucos disputavam
sobre a qualidade dos governos enquanto que os prudentes vigiavam aten-
tos, que a administração fosse menos má; para que o Povo goze de grande

426
quantidade de prazeres é preciso, que o governo encarregado de proteger a
aquisição individual dos mesmos, seja Soberano, e que haja quem com ele
faça as regras, que lhe devem servir de guia na divisão da proteção esperada;
o atributo de mandar é inerente ao governo, e não lho deram os governados;
o primeiro governo que houve, foi o de um Pai de família, os filhos não foram
quem deu ao Pai a autoridade de mandar, e a obrigação de amparar; governar
um povo, é governar muitas famílias, a essência do emprego não a alterou,
nem a altera, o número dos governados; assim foi que a sociedade humana
saiu das mãos da natureza, e quando assim se consideram estas coisas, não é
erro o dizer, que o poder veio de Deus, pois que Deus é o Autor da natureza.
De todas as questões, que os homens podem suscitar, outra não há mais
ociosa do que a de esquadrinhar de onde veio o poder aos que governam; é
claro como a luz do dia, que veio da necessidade dos governados; não pode-
mos existir se não juntos, juntos não o podemos estar sem certas regras; é
preciso pois que algum as faça observar; é pois a Soberania, ou a obrigação
de vigiar na execução das mesmas regras a coleção dos deveres anexos ao
emprego de Rei, lá aonde, como entre nós, o governo é Monárquico; dever
que ninguém lhe deu, é inerente, é o seu atributo essencial, sem o qual se não
pode compreender; sempre assim o entenderam os homens, nunca se dispu-
tou sobre os direitos de quem governa, quando são empregados para bem de
todos; o que tem sido objeto de arriscada disputa, é o modo de organizar o
governo; destes riscos estamos nós livres; a Divina Providência já nos fez a
especial graça de organizar para nós uma Monarquia hereditária; ao pai, que
governa bem seus filhos, ninguém pergunta de onde veio o poder de assim
obrar; aquele que os usa com tirania, se lhes tiram, e se castiga, porque para
fazer mal não há direito nenhum.
Para evitar que não usem mal do poder aqueles a quem tocou, é excelente
remédio a união periódica de alguns indivíduos, como sejam os mais ricos,
e os mais assisados, os quais não só devem fazer, que se publique a marcha
pretérita do governo na administração, muito principalmente na distribuição
dos dinheiros do Tesouro, mas até propor as modificações, que as leis vão
precisando, para que o Governo, vista a demonstração da necessidade, as
sancione, devendo ter o direito de suspender a modificação proposta, para que
maduras e repetidas reflexões provem a necessidade da alteração; esta união,
a quem cabe menos mal o nome de Ajuntamento, por isso mesmo, que deve
resolver depois de maduro exame, dividido em dois obrará menos exposto à
influência de partidos, ou de pessoa; a parte mais distinta, sendo composta
dos proprietários hereditários, conservará melhor as suas propriedades, para
as quais olham, e olharão, sempre com inveja os outros homens; a segunda

427
parte deve ser obra dos pequenos proprietários, a fim de que os grandes não
gozem gratuitamente do suor alheio nos arrendamentos, e foros etc. etc. para
o que tanto tende neles o ser de homens, como nos outros o desejo inato
de apossar-se por força do que lhes não pertence; se o Governo se recusa a
dar as explicações necessárias; se ao Conselho, e ao Ministério, lhe entre a
mania de arbitrariedade, toma-se então um partido, o da violência mesmo,
justificam-no às vezes as circunstâncias.
Para que este momento temível, e portanto digno só de recurso, esgotados
que sejam todos os meios pacíficos, não traga consigo a tirania popular, ou
governatriz, são próprias as sociedades particulares, pagando os indivíduos
componentes as despesas, com o fim de manter o sistema de Governo, ou
Constituição, e a liberdade da Imprensa, único Paládio contra os abusos
individuais dos que governam, e alguns outros estabelecimentos, que põem
os povos ao abrigo de vexações. Congregado uma vez o nosso Ajuntamento,
há de ver uma formada para o último fim, e é tanto o bom desejo, que nos
anima, que para o primeiro já se estabeleceram Lojas de Maçons segundo
ouvi; é de esperar que os ilustres varões, que as compõem se ocupem nisso
principalmente, assim como também é racional, e de Lei, que nos digam pela
Gazeta aonde se reúnem, a fim de que busquem admissão os cidadãos zelosos
da conservação do governo representativo, que temos, pois que a declaração
do local não quebra os seus segredos. Dizem-me mais, que alguns estrangeiros
abriram também a sua Loja, se assim é, bem fará o Governo, no meu modo de
entender as coisas, em lhe pregar a porta; devem saber estes senhores, que só
os nacionais têm direito de zelar a conservação do governo do País; a hospita-
lidade limita-se a asilo, e nega positivamente o direito de ingerência nos negó-
cios domésticos, exceto quando muitos anos de virtuosa residência provam
compatriotação de ideias. Qualquer pobre, e mesmo perseguido, recebendo
amparo em terra estranha, como deve viver, tem grande direito a trabalhar,
mas nunca o de por si mesmo se arvorar legislador, nem conselheiro; cuide
em usar dos seus talentos em seu proveito, e esse é o marco além do qual não
deve passar senão mandado, e então mesmo com o Chapéu na mão em sinal
de respeito, e agradecimento. A Europa viu-se pouco há assolada, prostituída,
aterrorizada, violada, roubada, e nas bordas de um escuro, e profundo pego,
aonde só navegaria um bote tendo ao Leme o despotismo militar, sistema de
governo tão repugnante à natureza, que aponta logo a destruição de tudo o
que é prazer social; e deveu isto em parte ao abuso, que se fez das sociedades
secretas; se o segredo pois foi a alma dos males, a declaração, e franqueza há
de evitar, e prevenir os mesmos.

428
Tivemos a desgraça, Senhora, de nascer em um tempo, em que se
confundiu esta simplíssima doutrina com uma metafísica revolucionária, e os
demagogos, para fazerem uso depois em proveito pessoal, têm querido pôr a
Soberania no povo, onde só está a força, e o direito inato de sacudir tiranos;
a fome, e a ociosidade mesmo forçada tem aviventado estas ideias confusas;
uma porção de terreno, tal qual tocou a cada Nação, chega ao ponto de não
produzir para os indivíduos nele nascidos, já se vê, os esfomeados levantam
questões aparentemente justas, e que iludindo a outros pobres como eles, e
alguns dos ricos, porque sempre em todas as classes, houve homens para tudo, e
os Cueiros de Seda, ou Lã entram por nada na formação da pessoa, acabam pela
extinção dos que possuíam, entrando os díscolos na posse do que era alheio, e
estabelecendo as mesmas regras, contra as quais tanto declamaram; neste país,
que aqui nestes Mapas cercam os Alpes, o Rim, os Pirineus, e o Mar, assim
acaba de acontecer, fazendo-se para o conseguir coisas, que assombraram o
Céu, enchendo de espanto a Terra, e horrorizaram até mesmo Inferno; todos
o vimos, mas a lição foi perdida para todos: Sempre aquele Povo foi pobre,
e díscolo; há quase dois mil anos, que dizia um Romano Gallus ob inopiam
audax,10 e falando dos seus vizinhos acrescentou Britannus hospitibus ferox;11
estes últimos Senhores de uma Ilha, e portanto terreno limitado, encararam
os estranhos sempre carrancudos; é coisa bem natural, quem põe a mesa com
pouco pirão não gosta de hóspedes ao meio-dia. Felizmente as circunstâncias
do nosso País por esta razão mais nos auguram paz, donde infiro eu, que se
entrarmos em Guerra Civil será só por um abandono da Mão Divina, e teremos
em perspectiva o melancólico, e horrífico quadro, o de mimosear os netos de
Caim com o mais prestante pedaço do Globo.
Muitos nos renderam os nossos Mundéus, tratemos de moquear estas
carnes, e entretanto lembro-lhe, que o número, e qualidade das pedras e
metais preciosos contidos no seio destas montanhas ainda se ignora, o que
se conhece contudo basta para classificar a Província como a mais rica do
Brasil; é uma das suas duas plataformas mais elevadas, quem dela parte desce
para todos os lados; juntas todas as águas doces, que daqui saem, formariam
uma foz mais larga, e mais profunda do que o Canal da Mancha, que lá no
mundo velho só faz o mar; os seus habitantes são robustos, as damas gentis, é
a pedra central preciosa do Anel, na periferia do qual andamos nós passeando
como se fossemos um casal de pombinhos. Nesta Província vive a Cáa Mirim,
as folhas da qual, com o nome de Mate, infundidas fazem uma bebida tão

O gaulês é corajoso por necessidade.


10

O britânico é feroz com os estrangeiros.


11

429
necessária aos Povos, que nos ficam ao Sudoeste, como a beveragem do chá
é preciso aos Chineses, e o vinho aos Europeus; diferindo na forma as duas
primeiras plantas entre si, pois que uma é árvore, e outra arbusto, contém
qualidades iguais até parece que são ambas Poliandrias Monogêneas. O
serviço da tarde fatigou-nos, o cansaço moderado provoca o sono, celestial
lenitivo aos trabalhos da vida.
Elevamo-nos hoje mais cedo, temos que fazer viagem larga; adejemos
um pouco sobre esta Serra de Santa Marta, da sua parte do Norte saem as
águas do Araguaia, e do Tocantins; todo o país que estes rios abraçam, são
fertilíssimos, e riquíssimos em ouro, e outros metais; a célebre Mina dos
Anicuns apresentou no momento da sua descoberta um quadro raro; foi
uma satisfação nova aos olhos dos homens, o ver um grande serro talhado
a pique cravejado do metal, que tanto poder tem para mover o Universo;
estes habitantes de Goiases levam por terra à nossa Cidade os seus efeitos,
pelas águas dos dois rios até ao Pará, e servindo-se por algum tempo das do
São Francisco a Pernambuco, ou Bahia, como bem lhes parece; o Café, aqui
criado contém mais óleo essencial do que outro algum do Brasil; são muito
felizes os homens, que por aqui vivem, se é que o sabem ser.
Sigamos ao Oeste, lá vai aparecendo Camapuã, língua de terra de duas,
e meia léguas, única que embaraça o viajante de ir de São Paulo sempre
por água até Mato Grosso; há de vir um dia, Senhora, em que cortado este
istmo, e o outro, que no mesmo Mato Grosso separa uma das vertentes do
Jauru, o Aguapeí, do rio Alegre, língua de terra com 3.920 pés de largo; que
ficará comunicada por navegação interna uma extensão de quarenta, e cinco
graus de Latitude; um homem embarcado em Maldonado, no Rio da Prata,
poderá ir sem pôr o pé em terra até a Ilha da Trindade na foz do Orinoco;
eu não quero, Senhora, entregar-me agora a projetos, mas parece-me que
saindo de Porto Feliz, sempre por água se pode cortar em diferentes direções
o imenso pedaço de terras cercado pelas serras, que principiam em Caracas, e
unindo-se em Popayan à grande Cordilheira, que sombreia o mar Pacífico, se
prolongam até Mendoza, e outras, que começam em Castilhos, e abraçando
a Província do Rio Grande vão terminar na Ibiapaba; parece, que estas duas
muralhas sobressaíam aos mares séculos antes, que a mal lembrada submersão
da Atlântida recolhendo as águas deixasse em seco estes mesmos terrenos.
Pairemos agora sobre os Parecis, que nada mais são do que a segunda
plataforma natural do nosso País; à esquerda temos a temporária, e célebre
Lagoa Xaraiés, onde se cria espontaneamente arroz selvagem, e onde brincam
os focas, que desde o oceano vêm até aqui. Esta Lagoa é um fenômeno peculiar,
muitos rios têm enchentes periódicas, mas em todos eles, ou são junto à foz,

430
ou são gerais, não acontece aqui assim, depois do Pão de Açúcar para baixo a
enchente é desconhecida, é preciso ao que parece, que as cem léguas do Norte
Sul, e as quarenta de Leste ao Oeste, que se tornam Lagoa, sejam de terrenos
mais baixos do que o Álveo do Rio, e que vencidas as margens ordinárias,
que considerar-se podem monções, pelas superabundantes águas, estas ali se
estagnam, e que o espaço ocupado é suficiente para recolher as mesmas que
choveram; o certo é que a água busca sempre o seu nível, que a corrente do
Rio excetuada alguma muito pequena velocidade maior, é sempre a mesma
entre o Pão de Açúcar, e a Cidade de Correntes, e que a detenção de tantas
águas não se deve atribuir só a ventos do sul; todas estas terras donde saem
as águas do Paraguai, estão por assim dizer cravadas de Diamantes, e Ouro;
lá bem ao Sul se vê a nova Coimbra, a qual está ainda muito ao Norte do
lugar aonde deságua o Ipane, que nos separa por aquele lado do Paraguai, em
frente temos o forte do Príncipe; nesta parte o ponto mais ocidental do Brasil;
jaz ao Oeste do nosso meridiano 29°:38’:30”, se não houvesse diferença nas
latitudes teríamos aqui uma linha reta igual a quinhentas, e noventa e três
léguas, e tal seria a largura do Brasil entre os dois pontos onde parece mais
bojudo, largura equivalente a mais de metade da Longitude da Europa inteira.
É notável a comunicação, que parece existir entre esta plataforma, e os
Andes do Peru; o Terremoto que em 1742, submergiu o Calhau, e arrasou
Lima, sentiu-se aqui, talvez um fio de rochas homogêneas fosse o condutor
desse movimento fatal; dois anos depois tremeram estes contornos por si
mesmos; não me consta, que outra alguma parte do Brasil sofresse ainda tais,
e tão estupendas comoções; a seca, que dois anos havia, tornava árida a terra,
durou mais três, e por bem pouco, que não despovoou, e assolou este bem bom
pedaço do Brasil. Quando apraz ao Ente Supremo castigo os nossos crimes
com o mesmo poder, com que nos liberaliza prazeres aos Centos; a Poderosa
Mão do Onipotente nos Castigos é tremenda, nas Graças é Santíssima.
Prossigamos a nossa derrota, e agora que as terras altas se distanciam,
repare como são majestosas as planícies, que corta[m] o Amazonas, ao qual
chamaremos o Rio, bem como a antiga Roma lhe chamavam simplesmente
cidade. Os inumeráveis braços, que o engrossam, parecem outras tantas veias
secundárias, que retornam à Aorta, Artéria principal, o sangue, que por outros
canais lhe comunicou; o número de plantas indígenas desconhecidas, que
por aqui vegetam, excede o mais volumoso herbário, que ainda até agora se
coligiu. Se no tempo em que cantaram os Poetas Hebreus fossem conhecidas
estas regiões, não seria o Oriente com os seus aromas que lhes entusiasmaria as
imaginações, e as frotas de Salomão regressariam abarrotadas com objetos, e
preciosidades, que lhe fariam classificar em segundo lugar o rico, e decantado

431
berço do Sol, o comércio, do qual fez de terras carrasquentas, e escalvadas um
Paraíso de delícias, onde vivem as mais Canoras Musas. Cruzando vemos este
Rei das águas doces, como é largo, e magnífico! Que deliciosas margens não
apresenta! Que manancial de riquezas, e de prazeres! Que objeto tão próprio
para elevar o espírito do homem à presença sublime do Criador gratuito de
tanto bem! Hosana in excelsis!12
Tem sido esta derrota muito grande, o Sol vai-se sumindo por detrás
da enorme massa de montanhas, de onde saem tantas, e tão benéficas águas;
viajaremos pois com o crepúsculo por algum tempo sobre este bosque aromá-
tico; os eflúvios do Cravo chegam até nós, é bem deliciosa neste instante a
sensação, que sinto; enfim, Senhora, chegamos, daremos fundo sobre esta
parte da Serra Paracaina; descansemos, e tomemos das nossas refeições. Como
já estamos satisfeitos, devo dizer-lhe, que este nosso último arranco contém
dezessete graus em Latitude, e que em todo este intervalo não há um pedaço
notável árido, e inapto para a Cultura; a Linha Matemática, que corta a
nossa, tem a de longitude desde o Cabo de Santo Agostinho, até a volta mais
Ocidental do Hyabary, trinta, e cinco graus, e é precisamente a maior linha
em Longitude do Brasil; ora suponhamos uma linha tirada daqui ao citado
ponto Ocidental, outra ao Cabo nosso meridiano, dos dois pontos duas,
que vão coincidir em 34º:27’ Sul, lugar onde dormimos na primeira noite da
nossa viagem Geográfica, e teremos um Trapézio, suprindo os terrenos, que
em alguma parte ficam fora de um lado, o pequeno vácuo, que há dentro de
outro, o qual sendo medido Topograficamente dará de resultado ao Brasil uma
superfície Física pouco mais, ou menos, igual àquela, que arbitrei na minha
tão amaldiçoada carta. Não longe do lugar onde estamos jaz o Cassiquiare,
o qual é um canal natural entre o Amazonas, e o Orinoco. As comunicações
por água entre esta Serra, os Andes de Popayán, as de Cuchaé, e a plataforma
de Aguap[eí], seguindo as terras grossas, que da última se prolongam até a
confluência do Tocantins, são livres [de] Cachoeiras, e Catadupas, de sorte
que existe nestas regiões mais esta comunicação aquática peculiar a elas só;
um pedaço do Globo com figura oval, o eixo da qual tem vinte, e cinco graus,
e a perpendicular quinze, comunicado por água livremente, e em diferentes
sentidos é único no Universo, se há outro eu o ignoro. Ideias que fantasiam
grandeza, prazer, e imensidade a mim conduzem-me aos braços de Morfeu.
É dia, Senhora, abafe-se muito, almocemos bem, vamos elevar-nos muito
mais além da região das Nuvens, daremos uma vista de olhos àquela parte
da América, que primeiro se viu forçada, pelas imprudências da mãe Pátria,

Hosana nas alturas!


12

432
a declarar-se Nação sobre si; elevemo-nos pois perpendicularmente; o Balão
eu o enchi de oxigênio quase puro; com efeito é grande o frio, quase que não
posso respirar, demoremo-nos pouco, tome depressa o Telescópio; a Cidade
que lá vê muito ao Norte, é Washington; não posso mais, abro a válvula,
desçamos, e logo lhe direi o resto; é bem rápida a descida, eis-nos já abaixo
de trinta mil pés, introduzo do Gás ácido carbônico, e agora lhe digo, que
subimos cento, e vinte e quatro mil e duzentos pés sobre a superfície do mar;
ainda nenhum mortal subiu outro tanto; Gay-Lussac subiu em 1814 vinte,
e dois mil, e oitocentos, e a Crista do Globo, o monte Dhawalagiri, tem só
vinte, e seis mil quatrocentos, e sessenta, e dois de elevação; por um triz nós
vamos para sempre habitar o claro satélite da terra; foi preciso subir tanto,
porque tão grande é o raio do círculo, ao qual servindo do centro o ponto
onde dormimos, apresenta na periferia à Tangente, que toca na sobredita
Cidade segundo a curvatura da terra; quis mostrar-lhe a Capital do país, que
deu o ser a Franklin, nome, que suscita ideias de respeito, e lembra um varão
digno de ser imitado; quando este homem se cansou debalde para conservar
unidas à Inglaterra as que então ainda eram suas colônias, que o presumido
Lord Bute emancipou, da mesma sorte como o Congresso em Lisboa acaba
de emancipar o Brasil por ignorância, traição, e sans-culotismo, que custa à
Espanha a penúria dos seus Cofres, e que lhe há de custar ainda lágrimas de
sangue, e talvez a aniquilação Nacional; deu pois aquele homem ao Governo
o plano seguinte, o qual uniria talvez por muito tempo os dois países, e que
sendo pouco conhecido não o considerava Vossa Senhoria agora advenediço
[sic] importuno; este plano foi chamado o plano de Albânia [Albany], porque
foi nesta Cidade que se ajuntaram os Deputados das diferentes Províncias;
ei-lo aqui em resumo. – Haverá nas Colônias um Governo Central, adminis-
trado por um Presidente Geral, nomeado por El Rei e por um Ajuntamento
composto de Membros Eleitos pelas diferentes Províncias, devendo cada
uma nomear uns tantos, em proporção das quantias com que concorre para
o Cofre comum, de sorte que nenhuma dê mais de sete, nem menos de dois.
– Todo o poder executivo deve estar concentrado no Presidente Geral. – O
Poder Legislativo compete ao Ajuntamento, e ao Presidente, sem o concurso
do qual se não fará a Lei. – Os Poderes do Presidente, e Ajuntamento são:
o de declarar guerra, ajustar paz, e fazer tratados com as Nações Indianas;
o de regular o comércio com as mesmas; o de comprar-lhes terras, tanto em
nome de El Rei, como em nome dos Estados; o de estabelecer novas colônias,
e de fazer leis para elas, até que se façam Províncias sobre si; o de levantar
corpos militares, erigir fortificações, e armar barreiras de guerra; o de pôr
em uso todos os meios necessários para a defesa do país. A fim de bem

433
preencher estes deveres têm eles o direito de fazer leis; o de impor direitos,
impostos, e contribuições, segundo, e conforme melhor o entenderem, e que
menos gravosos forem aos Povos. Todas as Leis serão mandadas à Inglaterra
para obterem a sanção Real, e ficarão consideradas em vigor, como a sanção
não lhes seja negada em três anos. Todos os Oficiais civis serão nomeados
pelo Ajuntamento, e aprovados pelo Presidente Geral. Tais são os traços do
plano, que o Doutor, e imortal Franklin propôs à deliberação dos Deputados;
depois de muitos debates foi aprovado, e remetido ao Ministério em Londres,
e às Juntas Administrativas das Províncias; o seu destino foi singular, foi
desaprovado por todos, provavelmente, diz o Doutor Stuber de Filadélfia,
porque era o que melhor convinha a ambos.
Franklin mal aprendeu nas aulas os rudimentos do Latim, toda a ciência,
que adquiriu, foi devido a estudos pessoais, o grau de Doutor foi-lhe dado
em prêmio das ideias Físicas, que espargiu por si mesmo; este homem sem
princípios de estatuto achou um meio, como se vê do plano exposto, para
transportar à América uma porção da Soberania sem menoscabo de poder de
El Rei: cento, e tantos Doutores de Coimbra com pergaminho, e Capelos, só
descobriram divisibilidade no poder Executivo, quando o Açúcar do Brasil se
lhe melou nas mãos; um era um homem de bem, os outros são uma coleção
de Filósofos do século XVIII, e baste-lhes.
É bem claro, que poucos meses há, um sistema de Governo semelhante
em parte ao do plano conservaria o Brasil unido a Portugal, logo outro, quase
idêntico, unirá o Portugal ao Brasil; que tende ser uma Nação independente,
o que conseguirá continuando a sua marcha [co]nstitucional com energia,
reunindo ao Governo, quanto antes, homens proprietários; só sendo proprie-
tários são os homens independentes; e só é independente o Governo quando
se compõe se homens independentes; e só é independente o povo, que tem
um Governo independente.
Vamos outra vez cruzando o Rio por antonomásia, eis aqui a Ilha de
Joanes, que ela só é um Principado; lá está Belém, Capital da Província; eis
aqui o Maranhão, povoação célebre na nossa história. Tanto esta Província,
como a que acabamos de cruzar, produzirão tantas especiarias, quantas o
mundo precisar; podem excluir dos mercados as da Ásia, e roubar aos iner-
mes G[il]olos a única fonte das suas riquezas; se um dia as terras, cujas águas
geraram o Amazonas, parirem de si tudo o que podem, o Brasil excluirá das
praças do Orbe quase todas as Nações, que cultivam a Zona tórrida; não
pense por isto que sou daqueles, que desejam ao nosso País o poderio de dar
tudo, maior castigo não lhe podia vir, tornar-se-ia outro Midas, que morreu
de fome com os beiços cobertos de Ouro; desejo só que tire da concorrência

434
humana a maior porção, que puder, de riquezas; um País contendo tudo, e
querendo vender só tudo, não seria parte política do mundo; este compõe-se
de Nações dependentes uma das outras para mútua felicidade. Todos, e tudo
depende, e se não fora um Paradoxo dissera, que já uma vez o Ente Supremo
dependeu de nós para se alegrar. Placuit eum quod hominem fecisset.13
Capiemos aqui sobre a ponta Setentrional da Ibiapaba, pátria do célebre
Camarão; a Província que fica à esquerda é regada pelo Parnaíba, o qual tem
mais braços do que o Briareu; é mui fértil, [cria]otimamente o gado vacum;
o Ceará que a abriga dos ventos gerais, é árida, e mal [ilegível] um só porto
de pouco préstimo; prossigamos ao Sul entretendo-nos com o recortado da
Província de Piauí; os diferentes rios no meio das suas planícies parecem os
encruzilhados traços, que o patinador descreve lá nas frigidas terras sobre as
planícies de neve com pasmo, e inveja dos homens do meio-dia, quando pela
primeira vez, absortos os contemplam.
Aquietemos a nossa casa volante nesta ponta meridional da mesma
Serra, e uma vez aquietados, digo-lhe, Senhora, que temos ao Oriente a antiga
Província de Pernambuco, fértil na sua beira mar, e árida no seu centro; esta
Serra, sobre a qual dormiremos, é quase perpendicular no seu lado oriental, os
ventos gerais, que continuamente a açoitam, parece que lhe cerraram os poros,
por assim dizer, todas as águas, que colhe, e combina, verte para o Ocidente,
nenhum dos rios, que regam as terras vizinhas da costa, nem mesmo os que
conservam as Alagoas, que cognominaram parte desta Província tem as suas
vertentes na Serra; estas terras mais baixas estão impregnadas de Nitrato de
Potássio, nos meses periódicos da seca tudo é salgado, há de vir um dia, em
que Máquinas de grande poder postas em movimento pelo vapor hão de elevar
a água do São Francisco até as alturas interiores, o dali, onde haverá tanques
de reserva, serão divididas em quatro, ou seis canais, os álveos dos mesmos
rios, que existem, e irão ao Mar fazendo perenes as mesmas correntes, que em
grande parte do ano não têm sinal algum de o haverem sido; a despesa, que
isto custará, será uma ninharia em comparação ao proveito, que se tirará; lá
onde principiam as cachoeiras do Paulo Afonso existem rochas anegrejadas,
e mui lisas, talvez que bem perto haja Minas de carvão de pedra; se assim
for, a despesa para elevar as águas será mais facilmente paga, um pequeno
imposto sobre cada animal, que o criador vender, e cada arroba de Algodão,
que exportar, renderá de sobra; entretanto, o Umbuzeiro Spondias tuberosa
mata a sede ao viajante sequioso.

Agradou-lhe ter criado o homem. N.T.: Em Gênesis, 6:6 está paenituit em vez de placuit,
13

isto é, “Deus se arrependeu”.

435
Por estas terras existem sinais de que antes das épocas das nossas histó-
rias, houve aqui um Povo, que adorava ao Ente Supremo, pois que tinha
altares, e templos, do que há vestígios ainda; não foram obra dos homens,
que aqui achou Vicente Pinzón, o primeiro Europeu, que deu vista desta
Província. A semelhança da Arquitetura faz lembrar, que os Helenistas, os
Montchous, os Astecas, e os… ignorados habitadores de Pernambuco tiveram
origem comum.
Muitos poucos anos há, como sabe, que na Capital da Província,
surdiu um aventureiro, o qual fez um revolução política; Martins, um mau,
e ignorante mercador, deitou na história Portuguesa o primeiro borrão
Democrático;14 o resultado foi fatal para ele e algum outro dos seus asso-
ciados. Que diriam Péricles, e Alcebíades; Silla, e Octavio; Sixto V, e Leão
X; Carlos V, e Rodolfo I, Luiz XI, e Richelieu; Nassau, e D’Wit; Izabel, e
Guilherme III, Ximenes e Felippe II; Dom João II, e Pombal; se soubessem que
nos nossos dias a Política se mede à vara, e côvado, e que retalham o sistema
do Governo homens, que ignoram as proporções, que existem entre a mesma
vara, e côvado, e as medidas dos países de onde nos vêm as fazendas, que
diariamente nos vendem? Que diriam? Sabendo que mal haverá mercador
Português conhecendo o país aonde se fabricam os gêneros, que compra, e a
situação Geográfica das Cidades, e portos, onde se embarcam, e que ignoram
tudo menos a arte boçal de vender por três o que custou dois? Como passaria
nunca pela cabeça de varões, que meditaram anos na história humana, nos
usos, e costumes dos Povos, antes de se apresentarem nas [praças], e nos
rostros para merecerem atenção, e respeito dos seus Concidadãos, que chegaria
uma época, na qual indivíduos educados, atrás dos balcões a… e a medir,
haviam de alçar sem pejo à frente, falar de papo cheio em Constituição, e
Governo, tendo por farol, se acaso, o porco Português, o ex-vario, e ex-venal
Brasiliense, a revolucionária Constituição de Espanha, e as sediças sandices
dos Areopagitas de Lisboa? Que diriam pois? Que diriam! Encher-se-lhes-ia
o espírito de vigor, e do Santo amor da Pátria, e vendo tanta baixeza, e misé-
ria, tomariam o Zurrague [sic] da razão, e justiça eterna, e espancariam do
Santuário o estudo, saber, aplicação, e raciocínio, os vendilhões indigestos,
que com descaro, e atrevimento inauditos maculam o átrio do sacrossanto,
e misterioso templo da Política, e Filosofia.
Sei muito bem, Senhora, que têm aparecido homens sábios, e ilustres
sobressaindo das Oficinas, Franklin é um exemplo Americano, e bem distinto;

N.O.: trata-se de Domingos José Martins, um dos chefes da revolução pernambucana


14

de 1817.

436
se se apresentassem os nossos Licurgos de Loja como ele com escritos
Econômicos, Políticos, e Científicos, sem dúvida se lhes devia pôr o barrete
de Doutores, e seriam nomeados Diplomáticos; mas se os pobres brutos igno-
ram até o rudimento da própria linguagem, e se pronunciando trocam a cada
instante umas por outras letras, como querem ser tranquilamente ouvidos,
quando impudentes papagueiam em uma ciência dificílima, por isso que nela
não há princípios se não prováveis? Ciência que coroou a Augusto, Guilherme
III, e bem poucos outros mui raros, que passaram ao descanso eterno com a
mesma quietação de espírito, com que nós dormiremos à noite?
Elevemo-nos, e sigamos ao Sul em demanda das nossas casas; cruzando
vamos o São Francisco, o qual, apesar das suas águas, não dá fácil comunica-
ção com o mar, a sua barra é baixa, e perigosa; os ventos gerais que [ilegível]
sempre nesta costa, dão ao mar um movimento perene sobre ela, e portanto
detêm as áreas, que o Rio acarretou, os quais formam o parcel.
A gente, que cultiva as margens do Cutindiba, que ali corre, é valente,
e passa por desalmada; contudo a primeira qualidade de nada lhe serve na
questão, que a Província da Bahia tem agora com três mil homens, o que
prova, que o valor individual físico presta para pouco nas bulhas das Nações.
Eis-nos sobre a Serra do Camisão, pairemos, e verá lá ao longe a mais antiga
Cidade do Brasil, Soterópolis, nas margens da sua grande Bahia, seu nome
comum; tudo são Canaviais à roda de nós, vegeta bem aqui a Nico[t]iana,
os Gozypios, Algodoeiros, e Mandioca estão misturados por toda a parte; é
muito fértil todo este terreno; figura na história do nosso País, porque primeiro
ligou em matrimônio um Europeu com a Filha de um Rei da terra; a bela
Paraguaçu foi o dote dado ao homem do fogo, Caramuru, Diogo Alves Correa,
que passaria por outro Prometeu, se a imaginação dos Tupinambás tivesse
analogia mais marcada com a dos Helenistas; aqui se criou o Padre Antonio
Vieira, do qual só falar-se deve com o dedo na boca; e aqui inspiraram as
Musas os primeiros cantos Bucólicos Brasileiros a José Rodrigues de Mello,
de origem Portoense, e a Prudêncio do Amaral Brasileiro. Por uma aberração
inconsiderada foi esta Província a primeira, que no Brasil deu o primeiro sinal
de marcha divergente das outras, as quais como tantos Astros formam este
Céu aberto; o seu arrependimento sanativo fará esquecer tão extravagante
conduta, e este tão distinto satélite girará mais brilhante na órbita do Astro
Vital, que nos vivifica.
Prossigamos, e deixando à esquerda a grande Bahia, com oito léguas de
largo, e seis de comprido, fechada pela Ilha de Itaparica, passaremos sobre a
Serra dos Aimorés; este, e outros montes, de que abunda a antiga Capitania
de Ilhéus, todos cobertos de matos, exceto pequeno pedaço à beira-mar, que

437
está bem cultivado, estão ainda incultos; aqui corre o rio das Contas, que
primeiro mostrou pinta de Ouro. Nas terras, aonde nasce, há mais uma prova
de que houve no Brasil, habitadores, talvez ante diluvianos; têm aparecido
ossos de gigantesco Megatério, como lhe chamou Cuvier; se houve na América
meridional animais extintos pelo Dilúvio, ou por um acontecimento, que nos
é perfeitamente desconhecido? Por que não haveria homens, que desapare-
ceram? Estamos sobre o monte Pascoal, que se avista de mar em fora, lá está
Porto Seguro, o primeiro porto, que no Brasil recebeu Navios Portugueses; aqui
foi que os nossos ascendentes de ambos os mundos, se viram, e festejaram pela
primeira vez; os da Europa apresentaram-se vestidos, e armados, celebrando
Mistérios e Sacrifícios incruentos; os da América apareceram nus, e as suas
Damas como Eva quando se reclinou nos braços de Adão a vez primeira; sem
Leis, nem ritos, pasmados de ver vigor, energia, e cerimônias, tudo para eles
novo; abraçou-se então o Portugal com o Brasil; deu-se o ósculo da paz, que
Gaspar de Lemos levou a Portugal, e transmitiu aos seus compatriotas, que
até aqui o conservaram puro, e o conservarão apesar da tirania das Cortes
Gerais, e Extraordinárias, que se criaram a si mesmas em Lisboa, e da igno-
rância asquerosa com que as faz falar do Brasil a Prata de Espanha, e a sua
escandalosa imoralidade; o Brasil viverá em paz; porque ele o quer com os
seus comprogenitores, e há de liberalizar-lhes mil meios de gozarem, e serem
felizes, porque lhe sobram, e é justo, e natural preferir na divisão das graças,
os amigos e parentes aos estranhos.
As terras da Província de Minas, que limitam estas, e as da Província,
que se segue, contêm mil preciosidades, das quais mal há tradição; um mine-
ral de Esmeraldas, uma Ametista tão grande como um penedo; uma nova
espécie do gênero sílex, que pertence ao Beril, e mil outras coisas, que todos
ignoramos, e que um dia provarão com toda a evidência, quantas são as
riquezas inumeráveis, que a Natureza depositou no seio da nossa querida,
e mimosa Pátria. Olhe como correm mansos os rios de Belmonte, e o Doce;
os algodoeiros, e logo os Cafezais hão de coroar estes montes em vez dessas
árvores antediluvianas, a classe, e a ordem das quais tem consumido, e
consumirá o fogo; sepultando em esquecimento ideias Botânicas, que muito
enriqueceriam os conhecimentos humanos. Eis aqui o morro das Cacimbas,
nele dormiremos, pois que o Sol já disse adeus ao Oceano Etiópico. Estamos
arranjados, ceemos e ouça-me; aquele rio, que acolá corre, é o Paraíba, o
qual nasce no Frade de Parati, passa não longe de São Paulo, e depois volta
ao Norte, e vem dividindo a nossa Província da de Minas Gerais, metido
entre a Mantiqueira e a Serra do Mar, até que enfadado, por assim dizer,
da tal compressão, quebrou a Montanha em São Fidelis, e criou um Delta;

438
as planícies, a que chamamos Campos dos Goitacazes, têm todos os anos a
sua aluvião periódica, assim como a tem o baixo Egito; o rio sai do seu leito,
rega, fertiliza, e estruma as terras, que combinam em Açúcar todos os sais,
que as águas lhe deixaram; quando a riqueza animar as artes, e as ciências,
ver-se-ão nestes países máquinas Hidráulicas, e grandes diques para se dispor
das águas, segundo e conforme for preciso; regará mas só aonde se necessi-
tar, e quando se precisar, e as águas sobrantes irão por levadas ao mar sem
ensoparem demais as terras, porque tudo tem sua conta. O mesmo rio não
tem boa barra, contudo, parece, que está ao alcance dos homens o remediar
este defeito; o mar é muito manso na costa geralmente falando, portanto
não será difícil erigir-lhe um padrasto; uma vez feito, e encanadas as águas
elas aprofundarão a entrada, e ficará franca mesmo não sendo nas Sizígias.
A Alagoa feia tem uma comunicação feita pela natureza com o rio, os dois
principais, que a formam, talvez terão as suas vertentes não longe das do
Macacu; já se vê, Senhora, que se esta distância for suscetível de comunica-
ção por água, em tal caso teremos sessenta léguas de terra, comunicadas por
aquele meio o mais apto, que a natureza nos deu; quando mesmo a comu-
nicação precise do auxílio dos Rios de São João, e Macaé, será algum dia
empreendida, porque a utilidade da navegação interna se tornará então mais
necessária. A Capital deste distrito é uma Vila bem bela; os seus moradores
são muito ricos, generosos, e hospitaleiros; é a Anjinga Brasileira; bastantes
noites tranquilas já passei nela, sem me lembrar de que viria uma, na qual
antes de conciliar o sono estaria eu de gaiola, qual pissitaco, papagueando a
seu respeito. Nestes campos o melhor administrador de Engenho, e o mesmo
sucede em todo o Brasil, não vende mais caixas com cinquenta arrobas de
açúcar do que escravos tem: Na Ilha de Cuba o pior Feitor põe no mercado
três por cabeça de negro, que dirige; não é a qualidade do terreno, nem a
bondade da Atmosfera, quem produz esta enorme diferença, é a energia, e a
indústria, que para ali transplantaram os colonos de São Domingos, quando
pelas suas dissenções Políticas entregaram aquela preciosa Ilha a Toussaint,
e aos seus parecidos; queira o Céu, que o exemplo se não perca, e que os
nossos semelhantes durmam por aqui milhares de séculos com o sossego, que
teremos esta noite.
Elevar-nos-emos hoje muito pouco; será só quanto baste para transitar-
mos sem obstáculos até ao cimo do Corcovado… Renovou-se-me a saudade,
que sempre tive por algumas criaturas, que habitam esta Vila de São Salvador,
e seu termo, sobre a qual vamos passando; assim lhes pago o agasalho, e a
hospitalidade, que lhes devi; praza aos Céus liberalizar-lhes os bens, que de
todo o meu coração lhes desejo; por ali se escoa a Lagoa, em que já falamos,

439
o baixo de São Tomé, que fica defronte poderá, com o auxílio do braço de
homem, servir-lhe de padrasto, sendo assim, talvez que viesse a dar entrada a
barcos de certo porte; o certo é que entre o baixo, e a costa, o canal, ainda que
estreito, tem fundo para navios de grande lote. Aqui está o Frade de Macaé,
montanha notável pela sua figura, lá aparece a nossa Serra dos Órgãos, e
os nossos lares; como vamos devagar observa a enfiada de Lagoas, que com
barra em Cabo Frio irão até as de Maricá, quando nos persuadirmos, que
as comunicações por água são as mais proveitosas; as Ilhas do último nome
fazem um excelente porto, a modo que me parece possível fazer aí uma barra
artificial, se assim for, escusarão os barcos campistas de gastar três meses
para dobrar Cabo Frio, como mais de uma vez lhe[s] têm acontecido; disse-
-lhe ontem à noite que era possível abrir um canal entre a Capital e a Vila de
São Salvador; marquei-lhe então uma direção, se esta não servir, aqui tem os
traços para outra como se deixa ver nos Mapas: entrando pelo rio de Macacu,
encontra-se, não longe da Vila, o Quecerebu; subindo-o até a Freguesia da
Conceição acham-se ali muito próximas as vertentes deste, e as do Bacaxá;
descendo por ele vai-se entrar no de São João; o último que nele conflui do
Norte é o Rio Dourado, cortando as suas águas, vão descobrir-se as vertentes
do Macaé; navegando por este abaixo descobre-se a barra do rio do Frade;
subindo-o encontra-se o outro de Homens deitado; as vertentes do qual, e as
do Macabu, que conflui na Alagoa Feia, devem distar muito pouco, porque
desde a barra do Macaé até ao Furado as águas da Serra não vêm ao mar
diretamente; o que dá indícios de que os dois rios as recolhem todas; o olho
d’água, que está no meio da distância, é uma vertente, que vem quase para-
lela com a costa de Norte sul, e faz a lagoa do Paulista, é a única de alguma
grandeza, que existe nestas doze léguas de costa.
Bem chegados, Senhora, estamos sobre o Corcovado, aqui desarrumarei a
nossa Máquina para me não tornar a servir; antes porém, que nos separemos
escute-me; sofra um pouco mais a maviosa saudade, que tem, dos seus meni-
nos; este porto, e a nossa Sebastianópolis, são duas pedras preciosas, ela é a
primeira povoação do Brasil, e ele é o primeiro, e o melhor do universo; estas
montanhas que o cercam são quase todas de granito; há da parte de além um
banco de Pórfiro, mas eu ignoro onde, nas margens do Pirassununga há uma
pedreira de pedra sabão, tem Amianto, e cal, é um Muriato de várias terras;
ao desembocar na praia do Valongo está à vista uma fieira de Hornblende,
ora como todos estes três minerais contém cal, segue-se que por aqui à roda
existe o Cálcio oxidado; é bem preciso, que apareça combinado em grande
quantidade com algum agente natural a fim de que tenhamos cal, que se vai
tornando escasso, visto que as conchas se criam muito devagar.

440
A Serra de Santana, que acolá está, deixou-se cortar pelo Quecerebu,
de sorte que a da Urussanga, ou Ponta Negra e a de Itatindiba, que vem
ao morro da viração, e depois ao norte até Guaxindiba, parecem que não
pertencem à Serra dos Órgãos; da mesma sorte da parte ocidental está dividida
a Juroxino pelos rios Retiro, e Guandu-Mirim; um homem embarcado no
sobredito Guaxindiba, pode ir por água sempre até a barra de Taguaí; parte
destas comunicações está naturalmente feita; o resto custará muito pouco,
a natureza, na divisão das águas no Brasil, parece que caprichou em fazer
paradoxas em Física, assim como eu me tenho fartado de as dizer a Vossa
Senhoria nesta nossa longa, e terminada viagem.
É mui notável a tentação, que têm todos os viajantes para narrarem
coisas novas por capricho, descuido, ou irreflexão; ainda prossegue nos seus
trabalhos Hidrográficos, e Náuticos um ilustre varão, e já imprimiu em Paris,
que a preamar neste porto nas Luas é às quatro horas, quando é às duas e
quarenta, e nove minutos; que Cabo Frio jaz na Latitude Sul 23º: 1’: 18”,
quando comparando mesmo a sua derrota, está em 22º: 58’: 56”; a dar-lhe
inteiro crédito a disenteria na nossa costa é tão fatal para os Navegantes que
a prolongam, como o Vômito preto é matador em Vera Cruz; graças ao Céu
os Médicos e Cirurgiões dos portos sabem apalpando as bolsas que assim não
é; a moléstia de contar exagerando padecem-na todos os que narram viagens,
Maw [Mawe], Coster [Koster], e ultimamente Taunay dizem sobre o nosso
País parvoíces inumeráveis.
Agradeço-lhe Senhora, e louvo-lhe muito o valor com que se prestou a
navegar comigo pela imensidade dos ares, inumeráveis homens não fariam
outro tanto; bem parece descendente daquelas ilustres Matronas, que com
espírito varonil correram às armas, e guarneceram as muralhas da nossa
então nascente Cidade, quando lhe deram vista Navios de inimigos Franceses,
achando-se combatendo terra adentro os seus beneméritos maridos; o valor
a constância, e a franqueza são virtudes, que caracterizam as nossas compa-
triotas a par da beleza, da modéstia, e do pudor.
Lembrei-me no princípio da viagem de ir designando a cada Província a
sua população possível, mas depois assentei de dizer com o Iroquois, podes
tu contar as estrelas do Céu, as folhas das árvores, e as penas das aves, pois
tal é a quantidade dos indivíduos, que pode conter, e nutrir o Brasil.
Esta região está naturalmente dividida em seções, que se distinguem
por algumas produções peculiares; o que vem do Oiapoque ao Maranhão
produz bem as especiarias; do Maranhão até o rio São Francisco cria-se mais
fino o Algodão; deste ao Paraíba as terras combinam-se melhor em Açúcar,
e Tabaco; do último ao de São Francisco do Sul vegeta com primor o Café;

441
a Província de Santa Catarina dá tudo; e o que fica da Laguna para o Sul é
próprio para os Cereais; a vegetação mais distinta destas plantas não exclui
uma das Províncias das outras, e em todas elas se criam inumeráveis fariná-
ceas, e outros objetos do consumo humano, sendo a Ipecacuanha, quanto eu
sei, o seu único produto monopolizado.
Ao ver, Senhora, tantas maravilhas da criação, derramadas sobre esta
Pátria, o majestoso, e esverdeado dos montes, o [ilegível] e fértil dos Vales,
a abundância, a clareza das águas; o saudável, e fino do clima; a serenidade,
e meiguice da atmosfera; a perenidade da vegetação, o supérfluo dos nutri-
tivos, enfim tudo o que se pode desejar de grande, [ilegível] e recreativo,
entregue a nós pela benéfica, e gratuita mão de um Deus Onipotente; ao ver
tanta maravilha, torno a dizer, é justo que louvemos ao Ente Eterno, que
nos deu tanto só por sua infinita bondade. Cantemos pois a Aleluia cento e
cinquenta, as poucas palavras, que contém, dizem a Deus quanto as criaturas
lhe podem dizer.
Olhe, Senhora, repare naquela Gambá, que ali com os filhinhos pelados
está como encantada de ouvir a melodia da sua engraçada voz; veja como
agora os vai de novo escondendo no felpudo saquinho, com que a dotou
a Natureza para melhor criar o fruto dos seus amores; ah! Senhora, como
gostam todos os entes de amimar os seus filhinhos! E como são felizes aqueles,
que podem legitimamente gozar de tão terno, tão natural, e tão bom prazer.
Adeus Senhora. Julho 12 de 1822.

Trezgeminos Cosmopolitas.
[José Silvestre Rebelo]

442
25

Carta Analytica, á cerca do Parecer da Comissão


especial dos Negocios Politicos do Brasil
apresentado na Sessão de 18 de Março,

Meu Amigo.
As agradáveis notícias divulgadas na manhã do dia 4, do corrente, e recebidas
com os transportes do mais vivo entusiasmo eram na verdade merecedoras de
extremos de prazer; e justificam assaz as demonstrações de júbilo, com que
o povo ainda não desenganado as aplaudiu, iluminando o maior número as
frentes de suas moradas. Eu, bem como todos os demais habitantes desta, me
entreguei desde logo, não sem uma certa dúvida, às mais lisonjeiras ideias,
vendo destruídos de um golpe os receios de Anarquia, e desmembração da
Províncias Americanas; congraçados os nossos irmãos dissidentes; restabele-
cida a antiga confiança no Congresso Soberano e cimentada a grande obra
da união Luso-Brasileira. Mas à primeira intuição da suspirada folha, que
continha os títulos do nosso regozijo, todo este brilhante quadro se dissipou,
como o clarão do relâmpago. Qual não foi a minha surpresa, quando em vez
de um Decreto expresso, e Categórico determinando a permanência de Sua
Alteza Real no Brasil, como Regente, e Chefe do Poder Executivo, e orde-
nando às Juntas Provinciais que como a tal lhe obedecessem; encontrei um
simples parecer de uma Comissão das Cortes, parecer, que exige posterior
discussão, que pode ser ou adiado, ou rejeitado, ou finalmente admitido em
parte, e refugado em pontos essencialíssimos? Muito maior foi o meu espanto,
quando passando a ler o preâmbulo, que o precede, achei nele a minuciosa
apologia de todos os Decretos do Soberano Congresso, que fizeram o motivo
de nossos queixumes, entretecida de delicados sofismas, tanto mais perigosos
na sua leitura por isso mesmo que recatados debaixo da sedutora capa de uma
aparente moderação. Com efeito, (salvo todo o respeito devido aos ilustres
Membros, que compunham a Comissão especial dos negócios Políticos do
Brasil) parece-me que bem se pode com justa razão afirmar que naquele bem
deduzido Discurso nem sempre se sacrificou à Deusa da Verdade.

443
E que outra coisa poderemos nós dizer, quando ali vemos avançar-se
que jamais se negara ao Brasil um centro do Poder Executivo; e combinamos
isto não só com as ordens enviadas às diversas Províncias do Ultramar (hoje
finalmente o Reino, o Irmão Reino do Brasil) intimando-lhes que se refiram
a Lisboa, como a Capital, e centro único da Monarquia Portuguesa; não
só com os artigos 105, e outros do Projeto da Constituição já discutidos, e
aprovados, em que se estabelece, que o Poder Real não pode ser delegado;
mas muito principalmente com a discussão, que tivera lugar nas seções de 11
e 13 de Fevereiro presente, acerca da proposta do Senhor Borges Carneiro
apoiada pelos Senhores Antonio Carlos, Vergueiro, e alguns outros Deputados
Brasileiros. Nada mais naquela proposta se exigia que a delegação de uma
única atribuição da Autoridade Executora, a de suspender os Magistrados, e
foi contudo combatida com a maior energia, o vigor sem atenção nenhuma
às comodidades dos Cidadãos Ultramarinos; porque, como bem disse o
Senhor Deputado Freire = ninguém tem culpa de ficar o Brasil a tamanha
distância = que se chegue para perto, se quiser partilhar todas as vantagens,
que Portugal desfruta.
O Senhor Trigozo, agora um dos Membros da Comissão, em ambas
aquelas seções foi o mesmo, que mais sobressaiu, como Campeão da indi-
visibilidade dos Poderes, e em meio de estrondosos, e repetidos = apoiado =
apoiado – ali sustentou não só que o Poder Real não podia jamais delegar-
-se; mas ainda, que isto se achava sancionado nos artigos já discutidos, e que
deviam servir como de base, em que assentasse a discussão dos seguintes;
como melhor se poderá ver nos números do Independente aqui reimpressos.
E será possível que no breve período de um mês de tal sorte esquecesse aos
Senhores da Comissão o que haviam então estabelecido, que ousem asseverar,
não ter sido jamais da intenção do Soberano Congresso privar o Brasil de um
centro de Governo dentro de seu seio? Notável esquecimento por certo, e que
deve servir de desculpa a muitos outros, que logo à primeira leitura do citado
preâmbulo saltam aos olhos ainda dos menos entendedores.
A nobre declaração do Congresso, conteúda no artigo 21 das Bases,
continua a Comissão especial, em vez de ganhar-lhe os corações dos Brasileiros
pelo respeito mostrado aos seus direitos, é hoje o tema de seus gravames. =
E por que o não será, se nos faltaram a essa mesma declaração, a que não
convém de maneira alguma o epíteto de nobre, que lhe aplicam; pois jamais
houve nobreza em proclamar qualquer que não é seu aquilo, que lhe não
pertence. Nem nos iluda a escapatória de que = se resguardavam para o tempo
do comparecimento dos nossos Deputados as modificações, que exigisse a
peculiaridade das nossas circunstâncias = quando nós vimos sempre nessas

444
poucas ocorrências, em que os nossos Representantes reclamaram contra
algum ponto já antes decidido, opor-se-lhe o regulamento interior das Cortes,
e o grande princípio, a copiosa fonte de tantos males – aqui não há Deputados
de Província; todos são Deputados da Nação = A Soberania da Nação está
aqui toda representada etc. etc. Sirva-nos de exemplo entre outros a Discussão
de Setembro passado, em que foi rejeitada in limine1 a proposta do Senhor
Martins Bastos: sirva-nos de exemplo o grito unânime de todos os Senhores
Deputados da Província de Pernambuco contra a medida de se enviar para
ali Força armada Europeia, a que se não dignou o Soberano Congresso de
prestar ouvidos com escândalo, e dor dos ulcerados corações Brasileiros.
Quanto teria sido para desejar que o Congresso de Lisboa contendo-se
sempre dentro das raias de moderação, que no princípio ele mesmo se pres-
crevera, tivesse prosseguido, até se achar reunida a Nação toda por meio dos
seus constituídos, a legislar unicamente para Portugal, sem que fosse para isso
necessário, como a Comissão objeta com evidente subterfúgio permanecer
em uma criminosa inação! Mas o contexto, e nunca o espírito do juramento,
de 26 de Fevereiro os fascinou, fazendo com que nos tivessem, testemunha o
Senhor Miranda, em conta de mais boçais do que na realidade somos.
A 1.ª razão, que a Comissão alega a prol de haverem decretado o regresso
de Sua Alteza Real para a Europa é de uma caridade nimiamente especiosa, e
permita-se-me dizê-lo, nada concorda com o saque de 60 e tantos contos, feito
há pouco a favor do Erário de Lisboa sobre uma Província, que se considera =
à borda de uma bancarrota quase infalível (quod absit.2) A generosa magna-
nimidade do nosso Regente obviou, e cortou pela raiz todos esses receios, que
afixam, limitando-se para os gastos de sua Augusta Família à módica soma
de 10 contos mensais, equivalente ao rendimento da Casa de Bragança, que
em Portugal lhe fora adjudicada, e que lá entra no Tesouro Nacional.
Qual será porém a causa da firmeza com que a Comissão decide que deve
cumprir-se a todo o perigo o Decreto da extinção dos Tribunais; se ao mesmo
tempo que aponta os motivos de uma bem fundada desconfiança pela não
simultaneidade da sua abolição em ambos os Reinos, nenhum motivo apre-
senta capaz de remover semelhante suspeitas? Porque não esperarão também
os Tribunais do Rio de Janeiro por essa reforma geral, que se promete. Por
que hão de ser menos bem partilhados que os de Lisboa? Será por não existir
no meio de nós a Assembleia da flor da Nação, cuja autoridade eficaz basta,
segundo a Comissão a substituir a falta de todos os Tribunais existentes? Será

1
De início.
2
O que Deus não permita.

445
este um novo favor da classe daqueles supostos = gravames, que os Brasileiros,
quando abrirem os olhos, que lhes cerra a desconfiança, e virem as coisas,
como elas são, reputarão benefícios =? Nada direi sobre o demasiado respeito
aos princípios, que os obrigara a estabelecer os monstruosos Governos de 4
cabeças, visto que a Comissão confessa a inexperiência, e propõe a emenda
do erro, que tão fatal se tem já mostrado. Sirva-nos de exemplo a Bahia. Não
posso porém passar em silêncio os pretextos, com que se pretende colorar a
medida da remessa de Tropas Europeias para o Brasil; medida por si só capaz
de revoltar os ânimos do povo o mais singelo, e sofredor; medida, que mais
que tudo influíra sobre a separação da América do Norte, medida enfim, que
em lugar de ser instantaneamente revogada, é não só apoiada, mas sustentada
com afinco talvez como fiador precioso da escravidão Brasileira.
Mas pondo de parte mil outras lembranças, que na minha imaginação
borbulhavam; passarei rapidamente à leitura dos artigos do Projeto, que
estão bem longe da ideia, que deles se havia formado, posto que tanto eles,
como o preâmbulo respirem na sua linguagem uma doçura de expressão, a
que estávamos bem pouco acostumados.
O 1.º que era de todos o mais essencial, interessante, e o grande ponto
das nossas reclamações, (sine quo, nihil3) é ao mesmo tempo aquele, que
mais se busca iludir.
Se se concede que o Príncipe Regente não abandone o Rio de Janeiro,
no caso de já o não ter feito (como era de presumir) é por = enquanto = e o
princípio, que no preâmbulo se consignara, quando afirmam = ser mister que
o Herdeiro de Trono resida em um País, que faz parte do sistema Europeu =
o torna de pouco, ou nenhum preço. O 2.º é uma óbvia consequência do 1.º
Acerca do 3.º já vimos quantos motivos nos oferece de justa queixa. O 4.º e
o 5.º que são os que mais amplamente nos satisfazem, versam sobre maté-
ria secundária; todos eles enfim nada me pareceram corresponder a nossos
desejos (bem que apareça no fundo da caixa de Pandora a Esperança;) já
esquecendo a cizânia, que deixam por assim dizer, cair por entre os dedos na
oferta hipotética de 2 centros para o Continente Brasiliano.
Talvez alguns taxem de prevenção, e de nímia delicadeza sobre palavras,
estas minhas fracas observações; mas estas palavras significam coisas, e coisas
de grandíssimo momento. Talvez mesmo me increpem (e quem poderá evitar
a censura?) de má-fé; porém, se é dado ao Cidadão livre exprimir livremente
as suas ideias; se é este um dos mais preciosos bens, que nos trouxe a nossa
Regeneração; atribuam-no antes aos mais puros desejos da felicidade Nacional

3
Sem o que, nada.

446
aos desejos, de que homens ou desvairados pela paixão, que perturba o enten-
dimento, ou pouco ao fato dos negócios políticos não inculpem de injustos,
ou mesmo de falsários os Cidadãos zelosos, que à vista dos Decretos de 29
de Setembro tomaram em defesa da Pátria ameaçada a pena, que lhes punha
na mão o amor legítimo da União Luso-Brasileira próxima à sua iminente
ruína: e mesmo a fim de que se não impute a todo um povo amante da boa
ordem, e da justiça o feio crime de uma ingratidão, que não existe. Não me
dilatarei mais sobre um assunto tão fértil, e que abre um extenso Campo
para as mais sisudas reflexões; fique essa empresa para aqueles, a quem de
perto toca em defesa da própria honra comprometida repelir os epítetos de
Escritores venais e desorganizadores, com que se vê maculada a sua conduta.

Seu Amigo.

E. C.

RIO DE JANEIRO 1822. NA IMPRESSÃO DE SILVA PORTO, & Ca.

447
26

CARTA
AO
REDACTOR DA MALAGUETA
______________________________________
Troas, Tyriusve mihi nullo discrimine agetur.1
______________________________________

CARTA

Senhor Redator.

A SUA Malagueta, talvez por não estar ainda bem madura, picou um pouco
mais do que devera ser; a sua opinião, sobre o desastroso acontecimento do
dia 21 de Abril, é nimiamente popular para ser boa: Os eleitores de Paróquia
reuniram-se naquela dia aziago para preencher deveres marcados pela lei, e
não havia então criatura, não havia poder autorizado para lhes mandar trans-
gredir a linha marcada; o procedimento da assembleia classificou-a desde o
começo em facção; é verdade que a populaça a forçou a isso, já fosse porque
a Genebra a desorientou, já porque alguns Pesos Espanhóis fizeram aparecer
mais de um Duprat; fosse o que fosse, o Governo respeitou o Comício, até
que o Presidente o dissolveu, e como continuou uma assuada, é evidente, que
o seu dever era dissolvê-la, mesmo pela força, sendo preciso; se é verdade, que
os tumultos devem ser espancados por ela; houve erro no modo de executar a
ordem, porém um erro, Senhor Redator, pode bem fazer alguns desgraçados,
mas nunca fará mártires gloriosos.
Vossa mercê recomenda no seu Periódico, que é um epílogo de exce-
lentes ideias, a todos os homens de bem o crítico momento em que nos
achamos, como aquele, em que cada um, desenvolvendo as suas faculdades
intelectuais, deve acudir à causa pública com o seu próprio cabedal. Sólon

1
Não distingo um troiano de um tírio. N.T.: Virgílio, Eneida, I:574.

448
proibiu a neutralidade individual em questões políticas, como o único mau
de as extinguir; Vossa mercê conformando-se com as ideias de tão grande
sábio, pede a todos as suas opiniões, e concorrência no momento presente,
o mais fatal por onde ainda passou a Nação Portuguesa; trata-se de decidir
se o Brasil deve ser um Reino, compondo com dois outros uma Monarquia,
ou várias Províncias de Portugal governadas como Colônias, e principiar-se
assim a dissolução da mesma Monarquia: a resposta devia ser a que deu o
outro em Lisboa no 1.º de Dezembro de 1640; como, contudo, a paridade não
é perfeitamente igual, marchemos segundo as circunstâncias, e peçamos para
o mal o remédio, que lhe convém, e que o Céu, e a prudência nos confiou.
Vou pois à questão; e isso em ar de quem conta histórias.
Enramados de louros, que tanto os honram, como a quem lhes ensinou
a coubê-los, regressaram os Soldados Portugueses em 1814 para contar
vitórias no seio das suas saudosas e abundantes famílias, encontraram os
seus Patrícios, por assim dizer, brincando com Guinéus; as Administrações
do Comissariado, e conduções, vinte milhões anuais para pagar trinta mil
homens, sessenta ditos [m]ais de indústria Britânica, que para abordarem
nos cais da Anglo América iam cobrir-se de passaporte a Lisboa, e algumas
outras miudezas faziam em Portugal uma circulação assombrosa de capitais
vivificadores; já se vê, tudo isto devia acabar, e era da última necessidade,
que os Portugueses esquadrinhassem os meios de substituírem este princípio
vital das sociedades: o Brasil ofereceu-se-lhes com os braços abertos, e em
vez de um Comércio de cinquenta milhões, que a tanto montava em 1807,
apresentou-lhes um mercado de duzentos, e este patrocinado pela fraterni-
dade, e por um desejo sincero de preferir sempre, ainda que mais caro, tudo
o que fosse propriamente Nacional, contato que a diferença de preço não
fosse enorme; não quebrou logo o Governo os empecilhos, que empatavam
um pouco a circulação doméstica, mas tinha desejos, e cederia a razões justas,
digna e energicamente expostas, como o fez depois, bem que um pouco tarde.
Quanto pois se esperava, que a Nação se dedicasse toda à indústria rural,
e fabril, a fim de ter as coisas com que comprar no Brasil os seus preciosos
produtos, que devia, ou consumir, ou vender com alguns dos seus no Norte
da Europa, e da África, a Leste da mesma Europa, e na Ásia menor, não acon-
teceu assim; os Capitães, que aumentariam a propósito a cultura dos vinhos,
a manipulação do sal, as fábricas de Chapéus, Ferros, e Panos ordinários,
Chitas azuis, e as novas, que as circunstâncias dos tempos deviam ir ensinando,
foram ou consumidas ociosamente, ou mandadas para a Ásia, seguindo rotina
antiga, que o tempo forçava a atentas modificações: os Navieiros [sic] em
lugar de calcularem, e imitarem outros Povos na economia da navegação,

449
entraram a murmurar, e a suspirar por aquele tempo, em que o monopólio
das viagens ao Brasil os habilitava para animar o destroço, e desperdício, que
escandalizara ao mais indiferente estrangeiro, que viajou em Navio Português:
os Grandes Proprietários, isto é, os Nobres, ou Fidalgos, se nenhuma outra
coisa diz hoje Fidalguia, e creio que sempre assim o disse em última análise a
palavra Hijo d’algo, ou Ricohombre, fingiram recear de atravessar um mar
mais pacífico do que aquele, que esse nome tem por onde deviam navegar
antes de chegar aos pés do Trono a cumprir com os seus serviços pessoais, e
conselhos que essencialmente devem ao Soberano; entrou-lhes a saudade das
honras, e Comendas, e não procuraram o alívio na memória daqueles heróis,
seus antepassados, que cruzavam mares dantes não navegados, arrepiaram-
-se-lhes as carnes ao molhar o biquinho do sapato no cais da Pedra, e isto
em um tempo em que se vem de Lisboa ao Rio de Janeiro por divertimento,
como se viaja nos continentes, e nem sequer se lhes antolhou o desejo de irem
aviventar pessoalmente a cultura dos seus prédios rústicos, ensinar aos povos
a trabalhar com cálculo, e a conformar-se com circunstâncias forçosas, que
lhes fariam haver a uns trabalhos, e a outros uma nova Pátria, que com os
braços alongados, e os olhos fitos, os chamava a grandes brados, tendo em
apojadura leite e mel, que a população da Europa inteira não estancaria em
dois séculos.
Os Comerciantes apoltronados nos seus escritórios lembraram-se suspi-
rando, daquele tempo a seus olhos precioso, em que, os que menos larga
consciência tinham, recebiam vinte por centro do troco, que os Brasileiros
mandavam fazer dos ricos produtos do seu vasto País pelos frutos, e manu-
faturas da Europa, que precisavam, e dos quais Portugal lhes fornecia parte
limitada, e raras vezes de superior qualidade.
Os Soldados, quando esperavam licença para pendurarem dos anosos
castanheiros as armas tão dignamente enramadas com os cabelos de Dafne,
viram com surpresa as suas filas recrutadas, e souberam que uns deviam
conquistar, e outros manter pelo respeito a posse subreptícia de um quase
deserto, e isto no tempo em que outros estadistas conceberam, e puseram em
prática o atrevido plano de conduzir de uma vez ao Brasil duas mil almas
Alpinas para povoar esta rica parte do mundo, que devia perder parte dos
seus habitantes, concorrendo com eles para a conquista do tal semideserto.
– Risum teneatis amici:2 –
O Governo, composto de partes heterogêneas, comprometia a todos,
zombava de todos, deixava governar a todos, e para maior desgraça, estava

2
Contereis o riso, amigos?

450
encasquetado que isso era governar bem, sem se lembrar, que se o Governo
é necessário, é precisamente para a conservação da franqueza, verdade, e
ordem que nem sempre estão de acordo com os interesses individuais; enfim,
governando só quando lho requeriam, obrava no sentido diametralmente
oposto àquele, que o faz indispensável, isto é o de governar logo, que a coisa
pública assim o exige.
Quando o espírito público estava tão banzeiro, empreendeu-se uma
conquista, sofreu-se uma revolução parcial em uma Província, consequência
daquela empresa, celebrou-se com a devida pompa um casamento, e tudo isto
sem se providenciar os meios de suprir às despesas, e se não fora o desejo de
bem tratar os esfomeados indígenas do Cantão de Berne, não se veria um plano
de aumento da renda pública, o qual não evitou assim mesmo, que o Tesouro
não continuasse a dar aos seus credores mentiras por moeda, e que os seus
meritíssimos serventuários não seguissem rebatendo a propriedade alheia com
trinta por cento, e exigindo ainda em cima cortesias, reverências, e Peruns.
Um tal jogo de contradições animou em Portugal propriamente dito, a
opinião de que a Corte devia voltar a Lisboa, e o Brasil tornar a ser Colônia,
ou coisa mui próxima; os grandes Proprietários, e os Comerciantes erigiram-
-se alma desta cabala; nesta parte do mundo, o Governo ficou sem crédito, e
o povo entrou a apetecer modificações no mesmo, fossem elas quais fossem,
contanto que trouxessem Governo.
Entretanto, o espírito democrático revolucionário, e desorganizador,
novo na história dos homens, mas predito em um livro, que tem tantas
palavras como mistérios, via o seu chefe aferrolhado em Santa Helena, rugia
buscando terreno aonde outra vez jogasse a sua força acabrunhada, mas não
destruída em Waterloo, abraçou avidamente a ocasião que na Ilha de Leão lhe
ofereceram os Aristocratas eles mesmos; DEUS sabe quem pagou a Quiroga e
Riego, a sua traição; quem foi, esqueceu-se bem depressa da horrorosa cena
representada em Paris em 21 de Janeiro de 1793, queira o Céu perdoar-lhe um
tal crime! O espantalho de uma Constituição, intrinsecamente revolucionária,
içou-se de novo em Madri na mesma sala, donde o Decreto de Maio de 1814
o tinha arreado com partidas de Leão, e paradas do sendeiro.
Portugueses houve, e entre os Portugueses, traidores há, que quiseram
aproveitar a ocasião de melhorar a sua fortuna, (a Espanha aprovou, e
pagou retribuindo-nos os nossos bons ofícios na Andaluzia e na Cisplatina)
agarraram-se pois da cabala acima dita, espalharam as ideias de uma nova
Constituição para Portugal, asseverando a todos que à sombra dela ainda
Lisboa seria o que fora antes de 1808, isto é o armazém do Brasil, ora como
isto era o que essencialmente se queria, não só se deixou abalar o edifício da

451
Monarquia, fez-se mais, ajudou-se a minar-lhe os cimentos, e fizeram isto
aqueles, que tinham necessidade absoluta de o conservar intacto, e de o conser-
tar a pouco e pouco; a inépcia da Regência apressou o dia 24 de Agosto de
1820, que será dia de ira, calamidade, e miséria, apesar de Decretos, e bailes,
e os Portugueses acharam-se qual barca sem Piloto longe das praias, e tão sem
ele, que lançaram mão às cegas das resoluções, e regras dos Espanhóis, sem
atender à diferença de costumes, pelo menos dos dois povos, e sem ver que
aos vangloriosos Castelhanos se lhes ia de dia em dia encurtando as capas, e
as abas dos chapéus, e que já estavam quase a pedir por portas.
Os Brasileiros, isto é todos o que respiram o ar deste Paraíso, como
queriam Governo, e a palavra Constituição promete um, juraram no dia 26
de fevereiro seguinte obediência cega ao feito, e ao por fazer em Portugal;
uma venda mais grossa do que a fariam todos os couros unidos, que tem
saído pela barra do Rio Grande, lhe tapou os olhos, e o entendimento; todas
as faculdades mentais do homem estiveram sem uso na Praça do Rossio, pois
que é preciso não ser raciocinador para jurar obedecer ao que ainda estava
em embrião, e para vir, e cumprimentar-se gravando a consciência com um
juramento essencialmente nulo.
Passado o prestígio, acordou o interesse individual, mas era tarde; partiu
a Corte, a residência da qual, apesar do seu desmazelo, tinha aviventado
a terra; e um Soberano, epílogo de virtudes individuais, foi sofrer insultos,
que bem descobrem o espírito sanguíneo do Centunvirato;3 e aqueles que,
como verdadeiros descendentes de Israel, suspiravam pelas cebolas, e Peras
Bujardas, torcem secamente as orelhas sentados sobre os penhascos de Sintra,
repassando na lembrança os dias de paz, e abundância, que haviam gozado
nesta terra da Promissão, e entregando ao Tejo lágrimas saudosas, e papéis
ambíguos, que muito nos explicam a tirania inaudita, que os governa, enca-
potada no sacrossanto, e prostituído nome da liberdade. As Cortes saltaram
de prazer ao ouvir a submissão do Brasil, ela foi quem os animou a receber
o Soberano com todas as indecências possíveis; agarrada lá a Corte, restava
pagar ao Brasil a sua cooperação na apregoada regeneração, reduzindo-o à
Colônia, e como crianças, a quem a demora enraive[ce]sse, em menos de seis
meses, decretaram, que cada Província do Ultramar era uma de Portugal;
que os seus representantes não se precisavam presentes para se decidir da sua
sorte; idearam-lhe um sistema de Governo de quádrupla cabeça, novo, e que
escapou à sagacidade de Aristóteles, o sábio dos sábios, e lá levou o Diabo
em duas palhetadas* a Carta Régia de 28 de Janeiro de 1808, a Carta de Lei

3
N.O.: Referência aos 100 deputados às Cortes de Lisboa.

452
de 16 de Dezembro de 1815, e muitos Avisos, Editais, e Notas Diplomáticas,
que fizeram do Brasil um Reino, e o quer ser como o é o Algarve em conexão
dos dois Irmãos, e como o foram os dois desde 1808 até ao desgraçado dia
de 26 de Abril de 1821 comparados com o Brasil: entretanto, o Ministro
do Tesouro lá está esperando em Lisboa, que a moeda de ouro do Brasil
vá representar o papel moeda, para o acreditar, e com pés de lá, atrairá ao
Tejo todos os produtos do Brasil por agora com a bisca de porto franco, ao
depois com algum outro plano de Teoria Conimbricense, que com injúria
da tal Universidade não tem aceitação no mundo inteiro.
À vista de tanta maldade de uma vez patenteada, dizem os Brasileiros,
que não estão pelos autos; pretendem que o Brasil continue a ser Reino; que
tenha em si uma emanação do Governo executivo, e que esta seja confiada
ao Príncipe Herdeiro; e até mesmo se lhes meteu em cabeça, que a Capital
da Monarquia Luso-triple deve ser no Brasil se é que o Portugal não quer ser
desde já ente de história pretérita; vou expor-lhe as razões em que se fundam,
e espero que as achará claras, e convincentes.
Em todos os tempos enxamearam Colônias de uns para outros países;
os antigos desde logo consideravam a nova povoação um povo independente,
e que só lhes pertencia fraternalmente.
Não o fizeram assim os Europeus, depois que Colombo, buscando o
Japão esbarrou com a América; as Colônias para cá mandadas foram consi-
deradas dependentes da Metrópole, com que só se deviam corresponder
para todos os fins; a Espanha inventou, e legislou este sistema, e a paz de
Utrecht pôs-lhe o selo Diplomático, e fez dele ramo de direito público; nós
os Portugueses, bem que acossamos sempre os Estrangeiros, que abordavam
ao Brasil, demos contudo à nossa parte do novo mundo mais direitos civis,
do que nenhum outro povo da Europa deu a sua; as Câmaras foram ouvidas
na repartição dos impostos; pagavam-se direitos com o nome de donativo; o
Maranhão e Bahia nomearam Deputados para as últimas Cortes legais que
o Monarca convocou; enfim, com menos crença, em Dragonas e Fardas, os
Brasileiros deviam estar em 1807, quase como os pôs a Carta Régia de 1808.
Este novo sistema de colonizar dos Europeus foi uma consequência de
novas ideias no mundo; os antigos consideravam a guerra, e a Política como
os únicos empregos dignos do homem, a riqueza devia ser o resultado de
possuir com eminência os talentos, que distinguiam o indivíduo naquelas
duas ciências; depois que os cruzados espalharam luxo da Ásia, a riqueza
faz ganhar batalhas, dá Leis em Diplomacia, e é a alma, e o grão motor do
universo; ora, como a riqueza é a posse de coisas, cuidou cada povo em obter
estas; o melhor de todos os meios, ou o mais cômodo, é desfrutar parte, e

453
quanto maior melhor, do trabalho dos outros; sendo as Colônias obrigadas
a mandar à Metrópole as coisas que lhe sobravam, para serem trocadas pelas
que lhe faltavam, tinha esta os meios de dar a quantidade dos seus frutos, que
bem lhe parecia, pela dos Colonos, que melhor lhe acomodavam, fazendo a
necessidade a Lei, enquanto à qualidade; e ao mesmo tempo o de pagar-se
por suas próprias mãos da transação, que só se faria por sua intervenção,
dos produtos das mesmas Colônias pela indústria estrangeira, paga a que se
chama Comissão, que é paga sem espinho. Se a Europa metesse em análise
Química as mais belas coisas modernas que tem, os precipitados haviam de
ser quase tudo matéria fosca, opaca, e catinguenta.
Este estado de coisas é de sua natureza precária, porque todo o homem
vive com a imprecisa necessidade de dar o menos do seu trabalho, pelo mais
do trabalho alheio, por ser este o único meio de mais gozar, e como gozo,
e vida são quase sinônimos, e a obrigação de viver é a primeira das Leis,
está claro, que a segunda é a de gozar. Logo que as Colônias possam, hão
de classificar se entre os povos, a fim de comprar pelo menos possível tudo
o que lhes falta, e vender por maior preço o que lhes sobra, único meio de
gozar mais, e portanto de mais viver.
A prova destas verdades intuitivas já a América deu à Europa, e logo
terminará por lhe evidenciar: queira o Céu que as Metrópoles concorram de
boa vontade para um ato forçado, e que não arrisquem a sua raça ao exter-
mínio, que ia sofrendo na parte setentrional, se a Providência não deparasse
um Washington, um Franklin, Adams, e três ou quatro heróis mais, para
quem o templo da imortalidade ainda é pequeno: as Colônias Espanholas e a
Hispanhola devem servir exemplo, se é que o exemplo serve para alguma coisa,
o que desmente a conduta dos Gabinetes Europeus nos últimos trinta anos.
O Brasil ia entrar na lide necessária de emancipação, quando o Ente
Supremo, (talvez por que os crimes do povo não enchiam ainda a medida
da sua justa indignação, talvez! Não digo bem, foi só por isso,) deputou o
Soberano para este País, e ei-lo em um momento Monarquia com os seus
mercados providos de tudo com o menos custo possível; acordou Reino,
contendo tudo o que os homens podem pretender; graças, promoções,
administração de Justiça em última apelação, perdão para o Crime, em tais
circunstâncias cometido, circulação de Capitais livre, enfim tudo aquilo, para
o que um Rei é preciso, lhe surgiu como vindo do Céu, e só do Céu podia vir
um tão gratuito, e tão bom presente.
Calculem pois lá em Lisboa como quiserem, ensurdeçam-se à razão e à
justiça, escutem só os interesses dos indivíduos mercadores, e Fidalgos, o Brasil
não quer, não pode deixar de ser Reino; consente em preferir nas suas praças
os seus Irmãos sempre dando-lhe de antemão vinte e quatro por cento de lucro;

454
não lhe importa, nem nunca lhe importou, que os Vinhos e Sal saiam para
quem os precisa pela derrota mais curta; mas quer, que os seus Açúcar, Café,
etc. etc. e etc. vão pelo rumo mais aproximado buscar os próprios mercados;
estimará muito, que a Justiça se administre em Portugal, como sempre se
administrou em última apelação, mas não deve buscar os seus Mimos a duas
mil léguas, bem lhe basta ter, que pagar cá mesmo Procuradores, Letrados, e
Juízes: a despesa, que carregava um consignatário, é insuportável; preencham-
-se lá as vagas como bem lhe parecer, um só Brasileiro não pretende os lugares
Europeus, mas diz mui redondamente, que não pode continuar a ver entrar
batendo o pé nas Administrações de seu País lobrigando*, e atraindo as
Patacas com um despejo verdadeiramente poético, a um advenidiço [sic], cujo
merecimento consistiu em fazer a tempo algumas cortesias, ou em aprovar
com uma insulsa gargalhada alguma excelentíssima asneira; providencie-se
para que lá mesmo sejam agraciados aqueles, que o merecerem, mas não
forcem um homem de aquém dos mares a satisfazer a sua vaidade, ou mere-
cimento real à custa de muito do seu dinheiro: o Soberano nunca vendeu
graças, pois bem excetuados Henrique Dias, e Camarão, e Pinto Bandeira,
um só Brasileiro se punha uma condecoração sem lhe custar mil cruzados,
por que a pagar pouco, tinha que embolsar o consignatário dos emolumentos
com juros, da Comissão, e de mais certas adições da conta, que entravam nela
como coisas sabidas. Enfim o Brasil não quer, não pretende, não deseja, não
ambiciona de Portugal senão, em lugar de remessa de moeda de outro para
dar valor ao Papel-moeda, amizade fraternal, e obras de ferro de Guimarães;
em vez de Comissão de depósito de seus frutos, muitos de Portugal para
consumir, pelos quais dará de boa mente vinte e quatro por cento de lucro
gratuitos em lugar de Deputados, que de nada servem, e valem, pois que
sem eles se decide dos seus negócios; todo, e qualquer desgraçado, a quem
faltarem meios de subsistência, cá achará, quando pouco, uma barraca nas
praias, aonde o procurará o dinheiro sem que o sol o queime, e se tiver energia
de espírito, meia légua de terra, a qual em poucos anos lhe dará mui justos
direitos a ser chamado o Sr. fulano; foi assim que principiaram os Fidalgos
na sua terra; em vez de Províncias dependentes a duas mil léguas, como se
tal fora possível, Portugal, e o Algarve abraçando-o como parte íntegra da
Monarquia, gozando cada um dos bens que a sua situação Geográfica, e a
sua indústria lhe der, e cantando ao som das conhecidas violas mesmo os
insulsos sons da desgarrada, que com saudade lembrar fazem a cara Pátria
comum, e que sempre agradaram, se a mais cega e danada Política o não
forçar a abnegar a origem promíscua, como ímpia, e escandalosamente o
tem feito nas Colônias Espanholas.

455
El Rei, que tem mais claro entendimento do que muitos dos seus Vassalos,
muito principalmente do que os do centunvirato, previu que só assim consti-
tuído o Brasil, seria parte da Monarquia Portuguesa, e portanto deixou-nos
em seu Augusto Filho tanto quanto por agora nos basta da Soberania; com
isso vivemos contentes; tomara eu que um dos nossos legisladores, feitos um
pouco à pressa, me respondesse às perguntas seguintes; tinha El Rei direito de
nomear o Governo próprio para o Brasil, quando partiu? Para quem nomeou
este Governo? O Brasil para quem foi, já representou, que o não queria?
El Rei que o nomeou, já o organizou de outro modo? Quem deu direito às
Cortes para alterar o Governo de lá? O Povo de lá, se lhe deu, que direito
tem a governar o Brasil? Onde está a representação Brasileira que pediu a
alteração? Por que dispôs do Governo conveniente ao Brasil em Setembro, sem
ouvir os representantes do mesmo; pois que quando chegaram os primeiros
já o sistema estava fundido; quando em Março se tinha demonstrado, que
sobre o Brasil sem os seus Deputados nada se devia resolver? Acaso deu-lhes
este direito o juramento nulo do dia 26 de fevereiro? Cada uma da resposta
anula os Decretos de 23 e 29, ainda quando intrinsecamente não fossem
nulos: o tagarela do Deputado Rebelo, que aqui se sofreu, como viandante
sofre o rachado som do chocalho de Burro velho, folheie o seu Bartolo,
Pufendorff, Filangieri, e Bentham, e responda, mas não argumente em lugar
de raciocínios com insultos, como os que vilmente disse de quem lhes não
mereceu pessoalmente, e de quem é digno de respeito, e acatamento até por
prestígio necessário.
Conhecem os Brasileiros quanta, e qual é a tentação, que o Coração
humano tem para mandar, e sem dependência de outro; portanto percebem,
que qualquer porção do poder executivo, que se confie a qualquer individuo,
que o Governar, será depressa empregada para criar um patrimônio heredi-
tário, que dote a família do homem, e que em tal caso a guerra será a conse-
quência de um tal sistema; é isto o que não pode acontecer, sendo Regente o
Herdeiro do Trono, ninguém como ele tem necessidade de conservar a união
da Monarquia, um pão com um pedaço é preferível a um só, traz mais poder
quinze separados, do que oito unidos, e quando tanto se empenham porque o
Herdeiro do Rei esteja aqui, dão mais uma prova aos seus Irmãos de quanto
desejam fazer parte da Monarquia Lusitana do modo, que organizou a Carta
de Lei de 16 de Dezembro de 1815.
Reduzido o Brasil a Províncias, e desatado o nó central, cada uma delas
fica apta para fazer uma revolução, sem que as outras lhe possam valer: o
primeiro ambicioso, que se apresentar formará um partido, este atacará ao
Governo local com um argumento infalível, que a organização do mesmo lhe
fornecerá, isto é o maior, ou menor número de Brasileiros, ou Europeus de

456
que ele se comporá, a questão da pátria será escrita nas bandeiras dos dois
partidos, um deles será por força mais fraco, buscará auxílio nos Escravos!
Ai! Coração mais caloso, que o meu, trace o resto do quadro! Perder-se-á o
Brasil para a raça Caucasiana, e Portugal será de fato, e direito Província de
Espanha, ou de direito uma Nação, e de fato uma Província da Inglaterra;
se as Cortes Gerais, e Extraordinárias não viram este futuro é porque não o
querem ver, são mais claras estas consequências, do que a da Soberania do
Povo, que tanto os enfunou, e que é derivada de um sofisma.
Enfim, se a Sua Alteza Real custa o saudoso sacrifício de residir sepa-
rado do seio da sua Augusta Família, Composta tão gentilmente de graças, e
virtudes, lembre-se de que com treze anos de residência no Brasil tem já mais
no seu físico deste país do que de Portugal, aonde só esteve dez, porque os
corpos transmutam-se em todos os momentos, e portanto já nada lhe pode
restar de Europeu; e lembre-se mais, que os Reis se devem aos seus povos que
por eles subiram até a escada de um patíbulo, se tal for o único, e horroroso
remédio, que exigir a conservação dos mesmos povos. – Vertatur, obsecro,
manus tua contra me, et contra domun patris mei4 – deve pois Sua Alteza Real
demorar-se no Brasil como Regente; a conservação da raça Portuguesa assim
o exige imperiosamente; o Brasil como Nação, e indivíduo civil é uma criança,
e um menino mesmo ao despontar da infância, se o abandonam a si mesmo
dará tantas cambalhotas, que se precipitará em um profundo poço cheio de
fedorenta catinga; e se está no livro dos destinos – Quod Deus avertat5 –,
que ele tem de passar em matérias de Governo por fórmulas republicanas,
antes de gozar da sagrada Égide da Realeza, não deve enquanto criança ser
abandonado no pico de um princípio, o sistema de Governo com que mamou
deve criá-lo até, que chegue à idade varonil; e eis aqui, Senhor Redator, um
Paradoxo, que mesmo a mim me assombrou, depois de o haver concebido.
A questão, sobre o lugar onde deve residir a Corte, ou Sede da
Monarquia Portuguesa, não é nova; no tempo dos Felipes esta questão andou
muito em voga, pois que um escritor Português defendeu, e demonstrou, que
Madrid era o local mais próprio então; quis lembrar-me de quem fora este
homem, procurei o livro, mas como me não lembrei do título, não o pude
descobrir, se o achara, os argumentos que serviram para provar o direito
do Mançanares à presença do Soberano, seriam concludentes relativamente
ao Rio de Janeiro; argumentarei pois com o que me lembrar, e decida Vossa
mercê do mérito dos meus raciocínios.

4
Volte-se, imploro, tua mão contra mim, e contra a casa de meu pai. N.T.: Samuel, 24:17.
5
Que Deus não permita.

457
Se Jacinto Freire de Andrade pusesse hoje na boca de Coge Cofar,
animando aos Conselheiros do Badur a declarar a guerra aos Portugueses,
entre outras razões a franqueza da Nação dizendo – que temos nós, que temer
deste império de loucos, que com a cabeça na Europa, o Corpo na América,
um braço na África, e outro na Ásia, parece que querem abraçar o mundo
inteiro? – Teria este eloquente varão dito uma verdade palpável, no seu tempo
o Brasil, salpicado de casas no interior, e tendo à beira mar alguns aldeões,
era pouco mais de um nada civil: hoje porém, se lá no etéreo assento onde
subiu, se consentisse saber das coisas deste mesquinho globo, saberia que esta
parte principal da Monarquia Lusotriple está povoada de Fazendas, e que as
suas praias gemem ajoujadas com Cidades como o Porto, Braga, Faro, Aveiro,
Évora, e tem Vilas tais como Setúbal, Santarém, Viana, Tomar, e Tavira; e
então, se orar alguém fizesse, diria – abstenhamo-nos de guerrear com um
povo, que concentrado no Brasil há de, com o andar dos tempos, dominar os
mares, e transbordar de si riqueza, e poder em tal abundância, que o Universo
inteiro curvará o joelho perante aquela Nação filha, e criadora de heróis – ora
se a alma deste corpo é o poder executivo, deve unir-se a ele; corpo sem alma
é corpo morto, e quando os dois se separam ambos continuam, é verdade a
existência, mas debaixo de novas formas, principalmente o primeiro.
Para que qualquer local deva merecer a residência do Poder executivo,
a meu modo de ver as coisas, é preciso, que goze de certas vantagens; que
seja o ponto central do País, e da população; por isso que sendo os homens,
os que precisam dos recursos, e abrigo do Governo, este deve estar à mão do
maior número deles; que, militarmente considerado, não exponha o mesmo
Governo, a uma surpresa, e marcha rápida; bem sabe Vossa mercê que uma
vez dissolvido este, o resto do povo fica como família sem pai de repente
morto, para a qual nos primeiros dias a existência é difícil, e penosa, e às vezes
só por isso se aniquila; que tenha abundância de viveres, que o constituíam
independente do resto do mundo no caso extremo de ser forçado a manter,
ou a justiça, ou a honra Nacional com o heroísmo, que devem desenvolver
os povos em último recursos; outras preposições mais se poderiam debater
para demonstrar esta tese, mas a tomar ou tal partido tornar-se-ia esta carta
em livro.
Portugal não é o ponto central Geográfico da Monarquia, nem também
o da sua população. Os Domínios Portugueses principiando na Europa
acabam em Macau, ora como o centro de uma extensão qualquer nunca foi
o ponto de seu começo, é claro, que o centro desta não é Portugal: ele pode-
ria ser centro de si própria, e das Ilhas dos Açores, e Madeira, mas já não
pode servir às Ilhas de Cabo Verde, porque é mais fácil vir destas ao Brasil,
do que ir Portugal, e o regresso difere em bem pouco, qualquer navegador

458
provará isto palpavelmente; os habitantes das Possessões Portuguesas na
Costa Ocidental e Oriental da África, e os da Ásia cortejavam o Brasil quando
iam buscar os recursos da Administração à Lisboa; a parte setentrional do
mesmo Brasil pode por mar ir à Europa em tanto tempo, como gastará
até a Cidade de Olinda, mas há de cruzar um mar, que não é de Rosas; o
chamado Golfo das Éguas dá às vezes coices mortais; ora se tinha razão o
outro, que contava como a principal asneira da sua vida, o ter viajado por
água, podendo fazer por terra, é claro, que os incômodos que hoje oferece
a estrada interna, que do Norte conduz ao Sul do Brasil, principalmente ao
cruzar as duas Jacobinas, são sofríveis, e com mais cinquenta anos achar-
-se-ão ceias lautas, camas moles, para o gosto de muitos sempre preferíveis
às penduradas redes, excedendo estas mesmas em demasia as alcatroadas
macas, que embalando o timorato passageiro, só sofrer-se devem onde não
há terra. A população de Portugal, e Ilhas não chega a quatro milhões; o
Brasil, e as outras, chamadas outra vez, possessões ultramarinas, tem cinco,
e mais; logo a maior porção do terreno Lusitano, e mais numerosa parte da
sua população está concentrada à roda do Brasil; é verdade que esta concen-
tração tem figura de caranguejola, mas relativamente a Portugal a mesma
parece um Canguru, animal que tem a cabecinha de coelho, braços de Anão,
corpo de Novilho, pernas de Avestruz, e rabo de Raposa.
Como os Romanos encontraram dificuldades militares antes de efetuarem
a conquista da Lusitânia, porque era então um bosque emaranhado; desconfio,
que foi de lá que veio a mania de se considerarem os Portugueses quase inven-
cíveis, física, e moralmente; a fácil conquista dos Godos sobre aqueles, e a dos
Árabes, e Mouros sobre estes, devia desenganar-nos desse erro; Bonaparte se
tivesse sucedido no Trono do Imperador São Fernando, havia de amanhecer
um dia em Lisboa tão inesperadamente, que os seus soldados esfregariam os
olhos aos pobres jornaleiros, que para espancar o frio buscam ao raiar de
Apolo as porcas tavernas.
Pois que eu creio, e cuido mais em dar cintilas vitais do que em tirar
vidas, e nisto parecemo-nos muito, Senhor Redator, nunca me importou
estudar as ideias de Dumouriez, Freire, Eliot, etc., mas estou plenamente
convencido, que Napoleão havia de Imperar em Lisboa sem o orgulho dos
Ingleses; cem mil homens meio esfomeados, e que não podem recrutar-se,
não defendem um país aberto, e deixemo-nos de bazófias, e se não que o
diga o testamento do Senhor Dom João IV, Alexandre de Gusmão, Dom
Luiz da Cunha, Vieira, e outros.

459
E quanto a víveres, espero eu, que todo o homem, que vê as Tercenas
nas margens do Tejo, e que sabe que no Algarve se desembarcam diariamente
Bois, não reputará o Portugal uma Sicília; os Antigos, ou pelo menos um
deles disse, que a Lusitânia não era – ingrata cereri6 –, isto é, que também
produzia, esta expressão não é sinônimo de fertilidade, uma breve análise
Topográfica nos dará claras ideias.
O Algarve produz Cereais, Azeite, e Vinho para os seus habitantes,
que não provam, consumindo-os, o melhor paladar; preciosos Figos são a
sua superabundante colheita, e as Mães mandam os filhos à Tulha, quando
estes lhes pedem pão, isto é mandam-nos comer dulcíssimos figos passados.
Ponha agora um Mapa à vista, e tire uma linha de leste, Oeste de Seija por
cima da Serra de Monchique até São Antonio do Marechal, e dali ao Norte
até Castro, quebre à esquerda para Ourique, siga outra vez ao Norte até
ao Rio Voliarca, e vá bebendo as suas águas até ao lugar onde engrossam a
Odiaria, com o qual se avizinhará às serras da Vidigueira, trepe-as, e depois,
estando ao Ocidente de Monte, tome ali a estrada, que vai por Alçadas, um
pouco ao Norte da última povoação, torne outra vez à serra, e vá descer na
Venda, dali siga a linha ao Norte até que cruze o Ervedo, e dirija-se a São
Martinho, busque Margem, Lagontel, Aldeia do Mate, Monte Camisso, não
se desviem muito de Alpalhão, dirija-se à Póvoa, e dai a Leste ao Rio Vide,
desça-o até o Sever, e por este abaixo até ao Padre Tejo; todos as terras ao
Sul deste, e ao Oeste desta linha são siliciosas, despidas de húmus, e abun-
dam de Magnésio, inimigo jurado dos Cereais, e só nutridora dos copados
sobreiros, que com a sua oxide vegetam; são ávidas, sem que lhes possam
advertir outro epíteto nem os belos pomares de São Thiago de Cacem, que
criam saboroso Malacutões, dos quais saudades tenho bem como dos hospi-
taleiros vizinhos da Vila; nem o encantado vale de Palmela enfeitado, qual
gentil Donzela com rubicunda Rosa, com a antiga, e rica Cetobriga, delícias
de Portugal; nem as vizinhanças de Almeirim, e Belmonte, e algumas outras
geiras de terras gordas; ainda mesmo excedendo em produtos a falta, que
no resto do Alentejo faz todo o terreno, que medeia entre as duas estradas,
que saem de Vila Viçosa, e Cruzam o Guadiana, uma em Juromenha, e outra
em Marmelar, pois que tanto este pedaço como tudo, o que possui Portugal
além do Guadiana, é tal, que nem os Espanhóis o querem, esta Província
sustenta Lisboa de Trigo quatro meses no ano.
Toda a Província da Estremadura produz Cereais, os termos de Belém e
Oeiras, onde eu vi a luz do dia são iguais ao melhor, que há no mundo para
todos eles, e nem o pequeno deserto entre Belas, e Sintra, nem os areais que

6
Imprópria para a agricultura.

460
emparelham a Costa desde o Mondego até São Martinho, nem a Serra que
surge em Tagarro, e se engasta na da Estrela, árida em todas as suas abas
lhe podem fazer merecer outro nome senão o de Província fértil; sustenta
Lisboa de Cereais outros quatro meses de frutos, e verduras em todo o ano.
As duas Beiras são muito povoadas, o que supera fertilidade, mas são
tão pobres, que verificam à letra o pedaço – non in solo pane vivit homo7 – é
preciso contudo não chamar fértil a três quartos do que está além do Côa,
por que tais terrenos são a miséria personificada.
O Minho é, o que todos sabem, um viveiro de homens, de vinhos
preciosos, e de excelentes frutas, e de indústria, que não se pegou à Província
de Trás-os-Montes, onde vivem indivíduos bem apessoados, pobres, e em
número desproporcionado à extensão do seu território; a primeira importa,
e a segunda não exporta cereais.
Um país pois, que tem três mil quatrocentos e trinta e sete e meia léguas
quadradas de superfície, ainda tendo a quarta parte de ingratos terrenos,
enceleiraria suficientes produções para manter a sua pouca população,
ocupando-se a parte proporcional na cultura, se outros Romanos forçassem
aos Portugueses a trabalhar os campos, onde com prazer cantariam as proe-
zas dos Gamas, Almeidas, e Albuquerques, e não nos botequins, e tavernas,
em que o espírito alcoólico os faz imputar ao Governo a falta de pão, como
se o Governo tivesse obrigação de cavar, ou como se os indivíduos fossem
exemplos do cuidado de trabalhar para a manutenção daqueles, a quem tocou
a obrigação de governar, isto é de conservar a ordem pública.
De tudo o que vai dito é evidente a conclusão, que o Portugal está esbu-
lhado por si mesmo da pretensão a ser a Sede do Poder Executivo, ou do
Soberano do Reino Lusotriple; a sua situação Geográfica, a sua pouca popu-
lação, a sua naturalmente fraqueza militar, e os seus poucos produtos, tudo
o rouba de tal fortuna; não é partido, não é cabala, quem me sugeriu estas
ideias, sou nascido em Portugal, herdaria nele alguns bens se negro Corvo não
grasnara no rural telhado, que ouviu os meus primeiros gemidos; não tenho
bens de raiz no Brasil, é provável, que evite a aquisição dos mesmos porque
não deixarei depois de mim, coisa de mim procedida, que os goze; parece,
que o destino aponta o meu trilho neste Globo, como o que faz em alto mar
curvo baixel, que não deixa de si rastro ou pista; tenho feito à minha pátria
os sacrifícios, que as circunstâncias me têm exigido, e darei por ela o sangue,
quando um punhado de malévolos forçarem os Brasílio-Lusos a vedar aos seus
irmãos uma terra, onde literalmente corre leite e mel.

7
Não só de pão vive o homem. N.T.: Lucas, 4:4.

461
Examinemos agora o Brasil, e sem paixão; mesmo sem o Calo da
Cisplatina tem, Senhor Redator, três dúzias de graus, e não duas como disse
na primeira Malagueta; do Oiapoque até o Arroio Taim, nossos limites hoje
indisputáveis, há trinta, e seis graus, e alguns minutos de latitude; despre-
zados estes, e tomada a menor longitude média, que ou agora não estou
para calcular, tem de superfície mais de duzentas mil léguas quadradas; de
tão vasta extensão excetue as duas Jacobinas, e creia, que todo o resto é
fertilíssimo, tem só por si mais povoações que os seus dois Irmãos, é centro
relativamente às Ilhas de Cabo Verde, costas Oriental, e Ocidental, da
África, e às Índias; situado Geograficamente para dar, e não receber Leis do
mundo; independente em todos os sentidos; defendido hoje pela natureza,
e no futuro pelos homens; em víveres rico de sobra, produtivo ao ponto
de criar sobre o Pão de Açúcar tanto capim, quanto basta para nutrir uma
Vaca, tem os requisitos, que me pareceram necessários para um país, que
aspire a ter em si o Poder Soberano, e para ser assento de um Trono cheio
de resplendor e de Glória, e para repartir com os seus ascendentes, como
eles quiserem, coisas necessárias, úteis, agradáveis, e supérfluas, para assim
lhe pagar a civilização, a Cultura, e o gosto, que necessariamente lhe deve,
e que ingenuamente confessa.
Agora permita-me que lhe diga: que se não calcarem no dia 9 de Janeiro
de 1822 a razão, e entendimento, como já o fizeram em 26 de Fevereiro de
1821; é necessário, que o Brasil tenha em si a Regência; o bom senso condu-
zirá as outras Províncias (segregadas pela contupla [sic] cabala) a buscar a
união, e o abrigo das asas de um Governo central, que é só capaz de dar
calor aos pequenos e recém-nascidos; o tempo ensinará aos nossos Irmãos
da Europa a recorrer ao mesmo foco; os decrépitos precisam de Calórico,
tanto quanto os que engatinham.
Enfim, Senhor Redator, venho do Largo do Paço, e ouvi as consola-
doras, e verdadeiramente Reais palavras – como é para o bem de todos, e
felicidade geral da Nação, estou pronto, diga ao povo que fico. – Hæc dies
quam fecit Dominus exultemus, et lætemur in ea8 – Dias de alegria não são
dias de meditação.
Adeus Senhor Redator, tenha-me na sua graça.
Tresgeminoscosmopolitas.
[José Silvestre Rebelo]

Na Imprensa Nacional.

8
Este é o dia que fez o Senhor; exultemos e alegremo-nos nele. N.T.: Hino de Páscoa.

462
27

Carta
ao Redactor
da Malagueta
Senhor Redator. Como eu sou um dos seus mais assíduos Leitores, e poderei
acrescentar, um dos seus mais sinceros apreciadores, bem que muitas vezes
discordemos em princípios e consequências, o que não é de maravilhar,
porque entre os homens = tot capita, tot sententiae1 =; logo que apareceu o
Número 8.º da sua Malagueta, lancei-me a ele, como lá dizem, com unhas
e dentes. Li com bastante gosto o quadro, que Vossa mercê faz em o seu
original palavreado do antigo Governo, e de seus Empregados e apaniguados;
mas permita-me dizer-lhe, que deixando de ser historiador, e passando a ser
político e legislador, não me encheu Vossa mercê bem as medidas; e todavia
seria injustiça aplicar-lhe o provérbio latino = Ne sutor ultra crepidam.2 =
Propõe Vossa mercê um Corpo provisório debaixo do nome que lhe
quiserem dar, (bem que o nome que se dá às coisas deve ser tirado, se possível
for, da sua natureza – e mal está Vossa mercê com os da Escola de Condillac,
– mas façamos-lhe justiça, porque depois o chama Conselho) composto de três
membros eleitos pelos Colégios de Eleitores de cada Província grande, e de
um das Províncias pequenas; mas, meu caro Senhor, esqueceu-lhe o melhor,
que era o dizer-nos, quais são as Províncias que reputa grandes, e quais as
pequenas. – Igualmente lhe ficou no tinteiro a demonstração por que devem
ser os membros desse seu Corpo provisório só um ou três por cada Província.
Confesso também ingenuamente, que me parece erro dizer Vossa mercê, que
as Províncias grandes têm três vezes mais população etc., que as pequenas;
porquanto pelo Censo, que regulou o número dos Deputados em Cortes de
cada Província, na razão de um por trinta mil pessoas livres, umas deram um
só Deputado, qual a de Mato Grosso; outras dois, três, quatro, seis, dez etc.
Logo são falsas as bases do seu cálculo. Quanto a sua Metafísica dos números
ímpares dos Procuradores para um Conselho geral, em que todos votam em
qualquer proposta, confesso que é superior às minhas forças intelectuais.
Diga-me, Senhor Redator, não leu todas as luminosas discussões
das nossas Cortes sobre os inconvenientes das eleições indiretas por
Compromissários, Eleitores de Paróquia, Eleitores de Comarca, e Eleitores
de Província; operação esta, com que a escolha dos Cidadãos, passando por
um estreito funil, vem apenas a deitar alguma gota impura da vontade real

1
Tantas cabeças, tantas opiniões.
2
Não vá o sapateiro além do sapato.

463
dos povos? Como quer pois agora que os membros do seu chamado Corpo
provisório hajam de ser nomeados pelos Colégios Eleitorais de Província? Eu
creio que Vossa mercê nunca foi Eleitor de Província, aliás não aprovaria tal
método de eleição, em si complicadíssimo, e sujeito a subornos e conluios.
É de admirar que Vossa mercê que parece desconfiar da boa-fé de todo o
mundo, apesar de ser muito bom Cristão, como me consta, não desconfiasse
da boa-fé dos Colégios Eleitorais de Províncias neste caso.
Quer também Vossa mercê, que perante este seu Corpo provisório,
ou Conselho, se tornem sucintamente responsáveis os Ministros. Confesso
deveras que não sei o que seja (lógica e constitucionalmente falando) esta
sua sucinta responsabilidade, bem que tenha meus fumos de saber algum
poquito de Português. De mais diga-me, esse seu Corpo provisório é Conselho,
ou Legislatura? Se é Conselho não lhe pertence acusar os Ministros, se é
Legislatura, o que Vossa mercê deseja, então por que não fala com fran-
queza? Creio que enquanto não tivermos um Corpo constitucional, que vigie
sobre o comportamento dos Ministros, e os acuse perante algum Tribunal
competente, deverá deixar Vossa mercê esse cuidado à Imprensa livre; que
não só os acusará perante o Público dos seus maus feitos, mas talvez de suas
próprias virtudes e méritos. É verdade que para obviar estas incoerências
Vossa mercê se lembra de encaixar no dito seu Conselhinho um Promotor
de Justiça, a quem dá o honroso título de Censor, cujos atributos serão o
informar o Conselho de todos os atos anticonstitucionais, praticados nas
Estações Públicas, (Declaro aos meus Leitores que as Estações, de que Vossa
mercê aqui fala, não são as quadras do ano, e que se devem tomar em sentido
Francês, cuja significação devem buscar em algum Lexicon da dita Língua,) e
isto por meio da Imprensa, e sumariamente. Graças lhe sejam dadas, Senhor
Redator, pelo trabalho que poupam aos Conselheiros, e ao seu Censor estes
atos sumários: o pior é que o pobre homenzinho, além de ficar subordinado
inteiramente ao Conselho, será também obrigado a publicar pelo prelo a
decisão, ou estagnação de todos os negócios deste mundo, e do outro, dentro
de um prazo, que não exceda três meses, com o que nem tempo lhe ficará
para coçar as sarnas das pernas, e descansar os dedos, que devem andar
sempre em motu continuo.
Passa Vossa mercê depois a dar uma rabanada ao Redator do Espelho;
mas com isso não me meto, e lá se avenha com ele.
Finalmente entra Vossa mercê a fazer o seu juízo sobre o Decreto de
Sua Alteza Real de 16 de Fevereiro próximo passado: Hoc opus, hic labor
est.3 – E é pena que suspendesse por tão insignificante motivo os preciosos

3
Está é a tarefa, este é o labor. N.T.: Virgílio, Eneida, 6:129.

464
trabalhos deste Número, que já se achava no prelo. – Como eu sempre fui
muito bom homem, e muito bom Cristão igualmente, assim o quero crer
piamente; mas haverá por aí homens desalmados, que ousem afirmar, que
Vossa mercê não arrumou o seu caótico Corpo provisório, senão depois do
Decreto: mas deixemos isto, e passemos ao que importa.
Principia Vossa mercê a sua análise, fazendo uma grande Metafisicada
sobre equivocações secretariais (Bravo, Senhor Redator, por esta sua nova,
e sonora palavra Portuguesa!) sobre culpas, que lhe põem os Ministros,
etc.; pois fique certo, Senhor Redator, porque o sei de boa parte, que tudo
o que se disse no Diário, sucedeu assim; e foi mero efeito de nímia pressa
na remessa para a Tipografia; mas Vossa mercê é tão escrupuloso, e de tão
mau gênio, segundo dizem as más línguas, que em tudo deita veneno. Que
remédio, se assim Deus o fez!
Passa Vossa mercê depois a dar uma interpretação falsa, ou maliciosa,
adubada com aplicações deslocadas ao seguinte período = E desejando Eu,
etc., ir de antemão dispondo, e arreigando o sistema Constitucional que
ele (bom Povo do Brasil) merece, e Eu jurei dar-lhe, etc. =; e diz catedrati-
camente, que o Sereníssimo Senhor PRÍNCIPE REGENTE não jurou dar
nenhuma Constituição, mas sim jurou observar a que se fizesse: mas diga-
-me, e não jurou ele as Bases da Constituição também já feitas? Decerto o
confessará Vossa mercê, porque não sabe faltar à verdade; ora isto mesmo
é o que se colhe da letra, e do sentido do período. Sua Alteza Real não
diz que jurou dar uma Constituição, diz que jurou dar ao Povo do Brasil
um sistema Constitucional, que é coisa mui diferente, isto é, jurou no seu
Coração Magnânimo organizar um Governo Executivo, fundado nas Bases
da Constituição, e a isto é que se chama Sistema Constitucional de Governo,
por dever ele, ser um todo ligado e metódico. Nunca abriria Vossa mercê
por acaso o Sistema Naturae4 de Lineu? Ora diga-me, já ouviu que alguém o
chamasse Constitutio Naturae5? Não; porque constituir a Natureza, pertence
ao Criador dela, e formar, ou expor o Sistema desta Constituição, competiu
ao Grande Engenho de Lineu, classificando, e descrevendo metodicamente
todas as produções da Natureza, para facilitar o estudo científico das mesmas,
e o seu uso prático.
Decerto Sua Alteza Real não diz no Decreto que os Eleitores de Paróquia,
que devem nomear os Procuradores gerais, sejam os mesmos antigos, que
elegeram os Deputados para as Cortes; mas diz meramente que serão nome-
ados pelos Eleitores de Paróquia: Ora estas eleições podem-se fazer de novo,

4
Sistema da Natureza.
5
Constituição da Natureza.

465
se assim cumprir, em cada Freguesia; e depois de nomeados os Eleitores
Paroquiais, juntarem-se estes nas cabeças de Comarca, para nomearem os
Procuradores, etc.
Continuemos. Que razão tem Vossa mercê para dizer, que o Ministro,
que referendou o Decreto, fez removíveis pelas Câmaras estes Procuradores?
Sua Alteza Real não fez outra coisa mais que aprovar o que Lhe tinham pedido
os Deputados de São Paulo, o Senado da Câmara desta Cidade, e o Deputado
da Província de Minas. Leia Vossa mercê o fim do Discurso pronunciado pelo
Deputado do Governo e Câmara de São Paulo, e nele verá as seguintes expres-
sões. = Convocará uma Junta de Procuradores gerais, ou Representantes,
legalmente nomeados pelos Eleitores de Paróquia, juntos em cada Comarca,
para que, etc.; podendo ser revogados seus poderes, e nomeados outros, se se
não comportarem conforme as vistas e desejos das mesmas Províncias. = Na
Carta do Senado da Câmara desta Cidade ao PRÍNCIPE REGENTE se pede o
mesmo nas seguintes palavras = Convirá muito aos interesses de toda a Nação
Portuguesa, e aos do Brasil, em particular, a criação de uma Junta composta
de dois Representantes, etc., nomeados pelos Eleitores Paroquiais amovíveis
e substituídos por outros a arbítrio das Províncias Constituintes. = O mesmo
diz o Vice-Presidente do Governo Provisório de Minas em nome do mesmo,
e da sua Província nas seguintes expressões = Conservando-se Vossa Alteza
Real entre nós como centro comum de união, revestido do Poder Executivo
para o exercer constitucionalmente sobre as Províncias unidas, (Eis aqui tem
Vossa mercê o sistema Constitucional, que Sua Alteza Real jurou sempre, e
jura ainda agora dar-nos no seu Decreto) com assistência de dois Conselheiros
por cada uma delas, etc., e amovíveis pelo povo, se não desempenharem os
seus deveres. = Ora diga-me, Senhor Redator, quanta tinta e papel não teria
Vossa mercê poupado, se antes de escrever o que escreveu, tivesse lido, e
refletido nas antecedentes passagens, que se acham impressas nas Gazetas
desta Corte, e em outros papéis avulsos e periódicos? Continuemos a nossa
cansada tarefa.
Por que razão deita fel sem motivo na honra, que quis fazer ao Conselho
Sua Alteza Real, Dignando-se de o presidir? E por quem melhor seria presidido
um tal Conselho, se não pelo Príncipe Regente Constitucional? Em Inglaterra,
e em todos os Países de Constituição Monárquica, sempre semelhantes
Conselhos foram presididos pelo Rei, e Sua Alteza Real foi tão Liberal que
concedeu ao mesmo Conselho eleger dentre si um Vice-Presidente, que fizesse
as suas vezes em caso de moléstia, ou justo impedimento.
Diz Vossa mercê, que melhor fora que as sessões do Conselho fossem
periódicas; mas perdoe, pois há muita gente que crê, que o serem periódicas e

466
fixas tais Sessões são ou inúteis, ou prejudiciais muitas vezes: inúteis, porque
ajuntando-se os membros em dias fixos, sem haver que fazer, se são bons
homens e de prudência, ocupam-se em bagatelas, e conversas particulares
de suas, e de outras famílias, com que matam o tempo; prejudiciais, porque
se são cabeças esquentadas, mexem em tudo, desconcertam tudo, só para
mostrarem o seu poder e atividade, como dizem as más línguas que o estão
praticando hoje as Cortes de Lisboa. Todas as suas outras suspeitas, de que
me não quero fazer cargo, são injuriosas ao caráter do Jovem Herói, que nos
governa, ou ao seu honrado Ministério, e partos meramente da malfadada
sagacidade política de Vossa mercê, ou da sua manhosa análise, se me permite
usar de suas próprias expressões.
Quanto à assistência dos Ministros com voto no Conselho, que
Vossa mercê não aprova, digo que, ou se considere este como reunião de
Procuradores gerais das Províncias, ou como Conselho, em todos estes casos
é muito conveniente, para melhor informação, andamento, e discussão dos
negócios, que assistam e tenham o voto os Ministros de Estado. Assim se
pratica em Inglaterra, e França, seja nas Câmaras Legislativas, seja nos
Conselhos de Estado. Pelas mesmas razões, que Vossa mercê diz, que pode
ser admitido ao Conselho o Presidente do Tesouro Público, também o devem
ser os outros Ministros; pois que neste novo Conselho não se trata somente
de despesas e impostos, mas de todos os outros Negócios públicos do Estado.
Porém que ódio figadal tem Vossa mercê às nossas pobres Cortes de Lisboa,
para achar mal que Sua Alteza Real quisesse imitá-las na Vice-Presidência
mensal do Conselho? Tem muito mau gênio, Senhor Redator, torno a dizer,
nada o contenta!
Forte telescópio tem Vossa mercê, Senhor Redator, pois só no tratamento
de Excelência, que Sua Alteza Real deu aos Procuradores gerais, vislumbrou
ser esta a única atribuição, em que reconhece o dedo da ingerência de Sua
Alteza neste Decreto! Se Vossa mercê fora Astrônomo, decerto com tão baço
telescópio nunca veria as cavidades, e montanhas da Lua; e muito menos os
satélites de Júpiter, ou o anel de Saturno; e ainda menos os três planetinhas
novamente descobertos de Ceres, Juno, e Vesta.
Estou cansado de analisar o Número 8.º da sua Malagueta; e a não serem
os males, que ele poderá produzir entre a gente tola ou malvada do Rio de
Janeiro, e outras partes do Brasil, decerto me teria poupado a tão insípido
trabalho. Concluirei pois esta carta, rogando-lhe com toda a franqueza, e
sinceridade da minha alma, que ocupe os seus talentos, que verdadeiramente
os tem, em trabalhos mais profícuos à Causa Pública, e não queira ofuscar o

467
bom nome, que tem, despertando suspeitas mal fundadas, que amedrontam
almas fracas, ou dando pasto à maledicência de homens perversos, que deitam
mão de tudo para perturbar o sossego e a tranquilidade pública; e peço-lhe
como seu verdadeiro amigo, que para o futuro se lembre Vossa mercê do belo
rifão Grego, que aqui lhe escrevo com letras latinas = Sophronein Kalos = o
qual significa em bom Português = Ter juízo, é cousa boa. =

Seu Venerador e Criado

Veritas
[Francisco da Soledade}

RIO de JANEIRO na IMPRENSA NACIONAL 1822.

468
28

CARTA
AO REDACTOR DA MALAGUETA
EM ANALYSE AO SEU No. 8
POR
ANTONIO JOSÉ DE PAIVA GUEDES D’ANDRADE

CARTA AO REDACTOR DO MALAGUETA


em analyse ao seu No. 8, e defeza do Decreto de S. A. R. o
Principe Regente, datada de 16 do Corrente,

Rio de Janeiro 26 de Fevereiro de 1822.

469
SENHOR REDATOR.

TENHO a honra de lhe participar que me chegou à mão o precioso Número


8 do seu Jornal, em que Vossa mercê depois de um exórdio dos da sua inven-
ção, onde poeticamente pinta uma tempestade com tão vivas cores, que fará
chorar as pedras: depois de muitas coisas que escreve para dizer = Portugal
desde a retirada do Marquês de Pombal nunca foi bem governado =: oferece
ao Público as suas ideias sobre a formação de um Corpo Provisório; no
suposto caso de = que convém desempecer no momento atual o Ministério
da marcha morosa de operações políticas, sujeitas a miúdas investigações,
intrigas e maldosas interpretações, de Escritores mal-intencionados e pedan-
tes; e do jogo e declamações de numerosas Juntas. = Talvez, Senhor Redator,
que Vossa mercê nestas poucas linhas tenha dito pérolas; porém como não
pretendo adquirir reputação de adivinho, não me envergonho de ingenuamente
confessar que o não entendo: as suas expressões são tão vagas que, por mais
que medito, por mais que trabalho em determinar o valor delas, não posso
alcançar o alvo a que Vossa mercê atira: será por falta de capacidade minha,
não duvido; será também por falta de clareza sua: nestes termos muito obri-
gado lhe aca[ilegível] eu e talvez também o Público, se Vossa mercê apoiasse
em fatos, e me comunicasse com maior precisão as suas ideias a este respeito.
Deixando pois para quando as entendermos, as causas que Vossa mercê
julga reclamarem a formação de um Corpo Provisório, passo à análise do
plano que para ela propõe: “Um Corpo Provisório, diz Vossa mercê, debaixo
do nome que lhe quiserem dar, composto de três Membros eleitos pelos
Colégios de Eleitores de cada Província Grande, daquelas que vão, ou forem
reconhecendo de direito, e de fato o centro comum no Brasil, e de um Membro
nas Províncias Pequenas: este Corpo tendo a sua testa um Presidente.”
Ótimo! Porém vamos ao que importa: este Corpo Provisório que há de fazer?
Esqueceu-lhe o essencial. Bem dizia, Senhor Redator, uma oração que li sobre
a Gramática Latina, a qual atribuía grandes males à falta da regência, pode
ser que, se tivesse verbo o seu período, tal não lhe acontecesse.
Julga Vossa mercê indiferente que a Presidência do Corpo Provisório
recaísse = no Sereníssimo Senhor Príncipe Regente, ou em outra qualquer
pessoa; contanto que sobre ela se pudessem fixar ideias de Pura Boa-fé;
fundado em que, = sendo a existência deste Corpo mui Provisória, tirava-se
uma grande vantagem em não fazer aqui matéria de zelosa contestação de
porfiada desconfiança, quando nós temos tudo, e tudo a esperar dos primeiros
desenvolvimentos de Sua Alteza Real. = Segundo colho das suas expressões,
o tal Corpo Provisório vem ao Mundo fazer o papel de alguns Médicos, que

470
chegam, dão bordoada de cego no doente ou na doença, e desaparecem. Não
sei como se possa de outra sorte conciliar a tão limitada existência desse
Corpo, com a reforma que Vossa mercê julga necessária em tantas coisas que
não entendo, mas devem ser grandes… Estou pasmado, Senhor Redator, de
ver a sua habilidade em Política!
Assenta Vossa mercê ser indiferente que Sua Alteza Real ou outro qual-
quer tivesse a Presidência do Corpo Provisório; e a razão disto é a pouca
duração que lhe assinala. Perguntarei por que o Corpo Provisório há de durar
pouco, não importa instituí-lo de maneira que a justiça, os interesses deste
Reino, e a conservação do mesmo Corpo reclamam?
Afiança Vossa mercê que = temos tudo, e tudo a esperar dos primeiros
desenvolvimentos de Sua Alteza Real. = Se assim é, Senhor Redator, que vem
cá fazer o seu projetado Conselho de reforma?
Não são estes os únicos argumentos com que posso provar-lhe que a
instalação de um Corpo Provisório, formado pelo seu plano, não preenche os
fins a que Vossa mercê o destina; e que não é indiferente ter esta ou aquela
pessoa à Presidência dele. Não sei que atribuições Vossa mercê lhe imaginava,
o certo é que não podia competir-lhe o Poder Legislativo, pois este, segundo
o atual sistema, reside nas Cortes; nem o Executivo, que no Brasil reside
no Príncipe Regente, nem o Judiciário, porque tal poder não existe: ora,
Senhor Redator, tenha paciência, firme-se bem nestas ideias, e diga-me com
que qualidade de Poder havia de fazer o Corpo Provisório aquelas grandes
reformas no Ministério?
Vamos ao segundo ponto. Não podendo aquele Corpo existir por si
mesmo, como acaba de ver, fora necessário para conservar a vida a este feto
do seu engenho, enlaçá-lo com alguns dos Poderes, que o vivificasse. Ora,
posto que este enlace do Corpo Provisório com os Poderes repugna, contudo
há exemplo de um Conselho de Estado anexo ao Executivo: e a Vossa mercê
não acomodar nesta classe o Corpo Provisório, decerto não poderia existir;
logo, se do Poder Executivo somente podia o Corpo Provisório tirar a sua
conservação, no caso de haver uma Presidência é a quem, se não à Sua Alteza
Real, como Chefe daquele poder no Brasil, competiria ela de direito? Aqui
tem Vossa mercê o que em tal caso ditara a razão e a justiça: e como essas
verdades são palpáveis, ninguém duvidaria conformar-se com elas, ficando
Vossa mercê livre dos sustos dessa = zelosa contestação de porfiada descon-
fiança, = que tanto o mortificavam.
Continua Vossa mercê “Perante este Corpo Provisório se tornariam
sucintamente responsáveis os Ministros, e no caso da Presidência do
Sereníssimo Senhor Príncipe Regente, se poderia divisar com olho fino donde

471
procediam as aberrações lá do Conselho dos Ministros: ainda que este reco-
nhecimento só serviria para instrução particular dos homens de Estado, visto
que a Constituição torna responsáveis os Ministros, e não o Chefe do Poder
Executivo.” Confesso-lhe que cada vez o entendo menos, nem sei como se
estabeleceria esta responsabilidade de Ministros perante uma Junta (ou como
quiser chamar-lhe) cujas atribuições não têm a sua esfera demarcada. Além
disso, como concilia Vossa mercê a pequena consideração que parece dar a
essa Junta, com o eminente atributo de conhecer dos Ministros? Os Ministros
são responsáveis, mas ao Poder Legislativo; e a responsabilidade perante a
Junta só poderia efetuar-se, se Vossa mercê obtivesse que aquele Poder nela
delegasse para este fim parte da sua jurisdição: o que teria seus obstáculos.
Um novo problema se me oferece, o qual não posso resolver. Vossa mercê
quer fazer os Ministros responsáveis, e declara que o reconhecimento das suas
aberrações só serviria para instrução particular dos homens de Estado. = Em
que consiste então esta responsabilidade?
Finalmente, Senhor Redator, esqueceu-se de determinar os casos em que
deviam ser responsáveis os Ministros do Brasil; se quando observassem às
cegas quanto as Cortes determinam, ou quando fizessem executar somente o
que convém à felicidade deste Reino, e deixassem o resto por cumprir. Esta
declaração era essencial; rogo-lhe que não prive o Público dela.
Permita-me Vossa mercê mais essa última observação, que tomo a liber-
dade de fazer-lhe: = Se tudo, e tudo devemos esperar dos primeiros desenvolvi-
mentos de Sua Alteza Real, = não confiaremos que Este Senhor tenha desvelada
vigilância sobre o exato cumprimento das obrigações dos seus Ministros? Ora,
Senhor Redator, isto é contradição evidente.
Deixando a razão que dá para os Membros das Províncias serem entre
si na razão de três a um, passo àquela por que prefere números ímpares. Diz
Vossa mercê que prefere estes números = para se conseguir sobre qualquer
noção provincial com uma pluralidade dos mesmos Membros das Províncias:
= ora, se lhe não causa muito incômodo, queira explicar-me que pluralidade
há, sendo a noção sobre Província pequena, em um único Membro que essa
Província devia dar?
Lembrou-se Vossa mercê da = Criação de um Censor ou Acusador
Nacional, cujos atributos fossem informar o Conselho de todos os atos anti-
constitucionais praticados nas Estações Públicas, mas isto com Publicidade
pelo Tipo, e sumariamente =; Eis-aí, Senhor Redator, uma lembrança feliz!
Este Censor ou havia de examinar tudo por si, ou receber as queixas das Partes
lesadas: no primeiro caso quantos olhos, bocas, mãos e pernas daria Vossa
mercê a esse homem para espreitar, informar e publicar pela imprensa todos
os atos anticonstitucionais que se praticassem? No segundo caso não fora

472
absurda a criação do tal Censor quando as Partes têm efetivamente o direito
de representação ou queixa e a liberdade de imprensa para as publicarem?
Quero supor que os atos anticonstitucionais não são em ofensa de parti-
culares, mas do Governo. Neste caso semelhantes atos só podem consistir na
inobservância e alteração de ordens recebidas; o que mui pronta e facilmente
descobre o Governo, a quem compete tomar conhecimento deles.
Em derradeira análise deste parágrafo esqueceu-se de arbitrar as penas
em que devia incorrer o Censor pelas falsas denúncias que fizesse, quer perante
as Autoridades, quer perante a opinião pública. Ora, Senhor Redator, se estes
são os seus verdadeiros sentimentos, se é esta a sua retidão e imparcialidade,
pode ir exercê-la para Alger.
Julga Vossa mercê que = pouca confusão faria = quanto até este lugar do
seu Periódico tem escrito: eu acabo de mostrar-lhe que nada há mais confuso,
contraditório, nem pior imaginado. Diz que = fancaria foi o Tratado de 1810,
fancaria houve no modo de instituir os úteis Estabelecimentos que aqui se
fizeram; = e eu tenho para mim, por idênticas razões, que a maior de todas
as fancarias são os seus escritos; e com especialidade o Número que estou
analisando.
Para decidida prova da extensão do seu espírito (permita-me a figura),
basta notar o reparo que fez a quem usou da sua expressão = quase silêncio,
= como se com ela lhe tivessem roubado um tesouro. = Pelo dedo se conhece
o gigante. =
Vamos, Senhor Redator, à análise que Vossa mercê faz ao Decreto de 16
do corrente, que, = por falta na sua direção foi necessário reformar =. Leva
Vossa mercê muito a mal esta sorte de equivocações pela sensação (deva talvez
subentender desagradável), = que produzem ao Público, que em todos os
tempos, e maiormente agora se cansa em assinalar causas extraordinárias aos
acontecimentos que parecem de natureza equívoca. = Eu, Senhor Redator, faço
ao Público mais justiça, do que Vossa mercê. O Público bem conhece que tais
equivocações em nada o prejudicam, antes lhe podem ser úteis. Quem sabe se
o Ministério não procura por aquele meio, enquanto outro se não estabelece,
informar-se da opinião geral, ouvir as discussões que se agitam = pró e contra,
= e aproveitar-se do que assim lhe chegar à notícia para fazer emendas talvez
importantes? Será isto um serviço ou um prejuízo à Nação?
Passemos ao ponto mais delicado do seu Número, tanto porque envolve
um importantíssimo objeto para o Brasil, como pelo muito que Vossa mercê
se ofendeu. Versa a questão sobre as seguintes palavras do Decreto de Sua
Alteza Real = E Desejando Eu para utilidade geral do Reino Unido, e particu-
lar do bom Povo do Brasil, ir de antemão dispondo, e arreigando o Sistema
Constitucional, que ele merece, e Eu Jurei dar-lhe etc. = instando Vossa

473
mercê que = o Sereníssimo Senhor Príncipe Regente não Jurou dar-nos uma
Constituição: Jurou observar a que se fizesse. =
Ora deixe-me tirar-lhe esse argueiro dos olhos. Que pediu o Povo e Tropa
desta Capital no Largo do Rossio (faz hoje um ano) a Sua Majestade pelo
Órgão de Sua Alteza Real? A Constituição que as Cortes fizessem. Que resolveu
sua Majestade? Dar aos seus Povos essa Constituição; e para afiançar a sua
dádiva, jurou imediatamente observá-la. É tão verdade que Sua Majestade deu
aos Seus Povos a Constituição que as Cortes fizessem, que Portugal solicitou a
Sanção Régia para a nova ordem de coisas, para legalidade de novo sistema:
sem cuja Sanção todos aqueles acontecimentos memoráveis degenerariam em
uma completa rebelião contra a legítima autoridade do Soberano.
Acrescento, Senhor Redator, se El Rei não podia dar aos Seus Povos a
Constituição, para que lhe pediram eles? O Senhor Redator foi testemunha
dos acontecimentos de 26 de Fevereiro de 1821, para que guardou para agora
as suas preciosas reflexões? Por que não apareceu no momento para remediar,
com toda a sua sagacidade política, tão grave erro?
À vista das sólidas verdades que deixo estabelecidas, verdades que a mais
crassa estupidez não deixará de conhecer, é claro que o dever em que Sua
Majestade se constituiu por sua promessa e juramento, de dar aos Seus Povos
a Constituição que as Cortes de Portugal fizessem, passou [à] Augusta Pessoa
de seu Filho o Príncipe Real com o encargo da Regência do Reino do Brasil.
O reparo que Vossa mercê faz ao Decreto ataca a dignidade do Sereníssimo
Senhor Príncipe Regente, e o Caráter leal da Nação Portuguesa: Ataca a digni-
dade do Sereníssimo Senhor Príncipe Regente, porque ousa tornar suspeitosa
a Sua Conduta, que Lhe tem ganhado a posse inalienável de todos os corações
daqueles que verdadeiramente amam a causa da justiça e da Pátria; e por
que se atreve a supô-lo perjuro aos seus prometimentos: ataca o caráter leal
da Nação Portuguesa, porque ela jamais quereria uma reforma que lhe não
fosse concedida pelo seu legítimo Chefe, para se cobrir perante o Mundo do
ferrete de rebelde.
É para lastimar, Senhor Redator, que Vossa mercê sendo, segundo ouço,
um Empregado público, entrando no conhecimento dos negócios, afetando
saber avaliar as crises do Estado, seja o primeiro que na atual de melindrosís-
sima Política tão desacisadamente pretende solapar, em vez de arraigar a boa-fé
que o Brasil tem no seu Ministério, e de que tanto depende neste momento a
sua felicidade.
Sempre pensei que Vossa mercê tivesse um tato mais apurado em Política,
e fosse ao mesmo tempo mais atencioso para com um Povo, de quem talvez
tenha recebido benefícios: quem o autoriza para Vossa mercê abusar do nome

474
deste Povo, encobrindo com ele uma facção detestada, que injustamente causou
a retirada do Conde dos Arcos?
Vossa mercê não vê porque devam os Procuradores Gerais ser eleitos por
quem elegeu os Deputados de Cortes; eu também o não vejo; mas é provável
que Sua Alteza Real, e os seus Ministros, tivesse[m] para isso razões mui pode-
rosas; além de que sendo indiferente, como Vossa mercê confessa, a maneira
das Eleições, torna-se ocioso o seu reparo. Quanto à Presidência do Conselho
fica respondido nas observações que fiz ao seu projeto.
Vossa mercê descobre vários motivos para que as Sessões do Conselho
sejam regulares: tem melhor vista do que eu que não descubro nenhum. Todo
o seu parágrafo labora em uma manhosa falsificação; porque não só há de
reunir-se o Conselho, quando Sua Alteza Real Ordenar, mas também quando
o mesmo Conselho o julgar preciso, dando disso parte ao Ministro Secretário
de Estado.
Funda-se Vossa mercê em que o Conselho é de Procuradores Gerais das
Províncias para mostrar ser inútil na Assembleia a assistência de Ministros.
Por esta mesma razão é que eu julgo ali necessária a sua assistência. Cada
um dos Procuradores Gerais propõe, informa, e promove os negócios da sua
Província, porém é necessário conciliar o bem dela com o bem geral da Nação,
cujos negócios competem privativamente aos Ministros.
Vossa mercê provavelmente assustou-se com a lembrança da influência
que os Ministros podem adquirir sobre os Procuradores Gerais. É isto coisa
que me não mete medo; porquanto, ou os Procuradores são donos e dignos
do Seu emprego, ou não: no primeiro caso não há influência que temer; no
segundo porém vale mais que os negócios se decidam pela bem arranjada
cabeça do Ministro, que pela do Procurador ignorante. Este segundo caso
não pode ter lugar pelo Artigo do Decreto que faz amovíveis os Procuradores
Gerais, inábeis para aquele Emprego.
A Vice Presidência mensal, e o Secretário sem voto fez com que o Senhor
Redator soltasse uma grande exclamação. Quanto ao primeiro é muito provável
que Sua Alteza Real não possa assistir a todas as Sessões, tornando-se portanto
necessário um Vice Presidente. Concedida esta necessidade, razão parece que
todos participem dos mesmos trabalhos e das mesmas honras; ao mesmo
tempo em que não vejo no seu escrito motivo que preste, para que assim não
seja. Quanto ao segundo é preciso faltarem, não digo talentos, mas o próprio
senso comum, para desconhecer que nem os negócios das Províncias, nem os da
Nação pertencem ao Secretário, e que por isso torna-se inadmissível o seu voto.
Reflete Vossa mercê que não acha razão para que o número dos
Procuradores Gerais das Províncias não seja igual ao dos seus Deputados;
fundado em que os fins de uns e outros são idênticos ou quase idênticos. Não

475
sei, Senhor Redator, como se atreve a confiar ao papel semelhantes absurdos:
aponte-me a identidade que existe entre as atribuições conferidas pelo Decreto
a uns, e as dadas pela Nação aos outros. Um Conselho, ou uma Assembleia de
Procuradores Gerais representa a Soberania, ou a Nação? Além disso, vale o
mesmo manterem as Províncias, ou o Tesouro Público 20 ou 80 Procuradores?
O que acima se lê no seu Projeto do Corpo Provisório, não está em manifesta
contradição?
Talvez se persuada que fico tremendo da sua resposta, e que tomara nem
soubesse o meu nome: não, Senhor; aí o entrego à sua generosidade, e com ele
tem a honra de dar-lhe um apertado abraço quem se confessa.

De Vossa mercê
Amigo do C.

Antonio Jose de Paiva Guedes d’Andrade

Postscriptum. Para ornar a dicção procurei algumas exclamações: estavam


todas alugadas para a sua malagueta. Compense Vossa mercê como puder as
que em uma sobram com as que em outra faltam.

Na Typographia de Santos e Souza Anno de 1822

476
29

CARTA
AO
SACHRISTÃO DE TAMBI,
SOBRE A NECESSIDADE
DA
REUNIÃO DE CORTES
NO
BRASIL

Amigo Sacristão.

LENDO, e relendo a tua bela Carta, não pude deixar de dar a mim mesmo,
e à Pátria os parabéns por ver que até em Tambi aparece quem debaixo da
capa do Sacristão, e traduzindo apenas o seu Cornelius Nepos, seja capaz de
definir a palavra Constituição, e de conhecer, o que é mais, o seu sistema,
desmentindo assim solenemente a triste ideia, que de nós em Lisboa se tem
formado. Porém aos pequenos, e humildes dá Deus força para abater o orgulho
dos sábios, e soberbos.
Uma centelha do calor patriótico, que te anima na defesa de teus conter-
râneos oprimidos, passou ao ler-te, para a minha alma, e repetindo contigo
– Convém que cada um de nós escreva, e publique os seus pensamentos…
Ninguém se deve recolher a silêncio, porque ele é sem dúvida um crime, quando
convém expender os nossos direitos. – Resolvi-me finalmente a escrever-te
sobre estes mesmos direitos algumas reflexões, que pelejavam na minha cabeça,
havia já algum tempo, e que morriam por sair à luz.
Os grandes objetos, que de presente nos ocupam, e dão matéria a nossos
desejos, temores, e esperanças, são, ao que se me afigura, o estabelecimento
do Sistema Constitucional neste ditoso País, e a integridade do nosso terri-
tório Brasílico ameaçada de iminente ruína. Para nós conseguirmos tão
amplos, e vantajosos fins é que temos trabalhado neste último período com
tanto zelo, e mesmo com risco de nossas vidas, que uma Tropa insolente
punha em contínuos balanços. Mas eu julgo, eu tu concordarás comigo,
que nada alcançaremos, sem que o Brasil, segundo as suas circunstâncias,

477
e graduação Política, possua em seu seio todos os elementos de um bom
Governo Constitucional.
A necessidade, em que está este vasto Continente de um centro do Poder
Executivo, que regule, e dê o impulso aos seus movimentos, ou a precisão de
impedir o regresso de Sua Alteza Real o Príncipe Regente para a Europa (o
que em frase Constitucional são rigorosos sinônimos) tem sido nestes últimos
três meses demonstrada com os mais palpáveis, e ponderosos argumentos,
e já não é admissível da mais ligeira dúvida. Há porém outro ponto pelo
menos essencial e interessante, o qual eu quereria ver imposto e repetido,
[ilegível] analisado em toda a sua luz e que aliás reputa em menos conta, do
que convinha a um povo livre e que decidiu sê-lo a todo o custo.
Este ponto, que havemos olhado até hoje em pouca consideração, não
tem merecido a mesma indiferença da parte dos nossos vizinhos, que ou
mais perspicazes, ou mais experientes do que nós pugnaram sempre pelo
órgão de seus Constituídos nas Cortes de Madri por isso mesmo que acaba
de decretar-se (ainda que já tarde) delegando-se para as Províncias Hispano-
-Americanas conjuntamente com as três emanações do Poder Executivo, três
outras do Legislativo, que sobre aquele vigiem. Eis, meu amigo, o que não
podemos jamais apartar da nossa Lembrança: Poder Legislativo no Brasil, tal
seja também o alvo a que atirem todos os nossos desejos. Ele é absolutamente
indispensável, e muito mais na delicada situação, em que nos achamos. A
sombra do Despotismo no Rio de Janeiro ainda amedronta as Províncias do
Norte; ainda as alonga, e faz divergir do seu centro, e ponto de apoio natural.
Não é pois de admirar que tampouco se cuide em insinuar uma ideia
talvez a única apta para reunir em um ponto as desvairadas opiniões, que
aqui mesmo se observam com tanta mágoa nossa? Ninguém me oponha que
as coisas devem ir gradualmente, e sem precipitação: que não é este o tempo,
e ocasião própria de se apresentar à nossa contemplação um tão importante
objeto. Eu lhes tornarei em resposta que a necessidade insta, e que devemos
aproveitar os momentos preciosos, que fogem, e não tornam: os momentos
do entusiasmo, que vai fazer nascer em todos os corações Brasileiros o gene-
roso esforço, com que um povo pacífico, tomando rapidamente uma atitude
formidável, e guerreira, expeliu cheio de indignação os pesados ferros, que ia
lançar a seus pulsos o feroz Despotismo Militar. Fiquem os bons Americanos
firmemente persuadidos que uma breve, e próxima reunião do Corpo
Legislador Brasiliense irá derramar sobre suas feridas um bálsamo consolador,
e vivificante. Façamos brilhar de antemão a todos os olhos este farol, que nos
sirva de guia no meio da escura cerração da tempestade.

478
Eu não direi que demos desde já o decisivo passo de convocar os nossos
Representantes, e que tratemos de arranjar o nosso Código Político sem
consultarmos os nossos Irmãos da Europa, bem como eles em caso idêntico
o fizeram sem nos consultarem a nós: nem muito menos que imitando os
Mexicanos nos desliguemos sem mais contemplações da Mãe Pátria, formando
separadamente um Corpo de Nação. Não, Senhores: eu desejaria, (e todos o
devemos desejar) que o Brasil prosseguisse ainda na feliz união, em que até
hoje tem subsistido com Portugal; mas sem que sintamos quebra alguma em
nossos foros, e inalienáveis direitos. Dir-me-ão: e que meio poderá encontrar-
-se para que isto se consiga, sem que se destrua de um golpe a proclamada
indivisibilidade do Reino Unido? Parece-me que existe um muito fácil, e óbvio.
Não acaba agora a limitada Província Cisplatina de dar-nos uma lição
que deve por certo envergonhar-nos; e que é merecedora da nossa imitação?
Eles juram as Bases da Constituição Portuguesa, como garantindo o sagrado
jus da propriedade, e segurança individual: estabelecem ao mesmo tempo
as nobres condições, com que hão de fazer causa comum com os povos do
Império Lusitano; enviam às Cortes de Lisboa os seus Procuradores com o
fim de ali fazerem as convenientes propostas; e concluem dizendo que só
receberão a Constituição emanada do Soberano Congresso, depois de se
achar ali completa a Representação Americana. E então? Não nos mostram
bem palpavelmente o erro grosseiro em que caímos, e que tantos dissabores
nos têm causado?
Por que tardaremos pois em imitar este tipo, que se nos oferece?
Estabeleça desde já a preponderante força da Opinião Pública os artigos
fundamentais do nosso pacto, e depois de eles ratificados em Lisboa; vão
embora por esta única vez o restante de nossos Constituídos à Europa, para que
reunidos todos, formem com regular, e sólida Arquitetura o majestoso Edifício
Constitucional, debaixo de cujos tetos protetores deveremos todos repousar
contentes. De outra maneira que vão lá fazer os nossos Representantes? Para
que havemos de banir de entre nós 70, ou mais Cidadãos honrados, a flor
de nossos compatriotas constrangidos a abandonar casas, famílias, e interes-
ses? Para levantarem ali inutilmente a voz em favor de nossos foros? De que
nos aproveitam os seus vãos e infrutíferos clamores? Nós o vimos, quando
as vivas instâncias, e súplicas de todos os Senhores Deputados da Província
de Pernambuco não puderam conseguir o único artigo, em que os novos
Procuradores intentaram opor-se à gigantesca maioria Europeia a remessa
de 600 baionetas para aquela infeliz Cidade!
Mas oxalá que ao menos tivessem eles sempre clamado a bem dos inte-
resses dos seus Constituintes! Uma triste experiência nos tem feito conhecer

479
o contrário. Uns lá residentes, e estabelecidos pouca, ou nenhuma lembrança
conservam do País, que os viu nascer: outros ou aliciados pela aura dos aplau-
sos, ou receosos de desagradar a seus Colegas; todos enfim colocados a uma
imensa distância da Opinião Pública, que deveria dirigi-los, ainda mesmo com
as intenções as mais puras, ou se calam, ou apoiam, propostas funestas para o
Brasil, e só servem de selar com o seu nome a Carta da nossa escravidão. Eis
ali os felizes resultados, que derivamos de tão doloroso sacrifício: resultados,
que tiraríamos ainda mesmo no caso de se obviar de algum modo os danos
provenientes do mesquinho cálculo, que se formou acerca da nossa população.
E a este respeito; não sei o como se não tem advertido numa falta de
equidade, que tanto pode influir em prejuízo nosso. Portugal, contando
segundo os melhores cálculos Estatísticos apenas 2 milhões, e meio de habi-
tantes apresentou no Congresso um cento de Deputados: o Brasil porém,
que só de pessoas livres oferece um igual número, por que motivo poderá,
quando muito reunir afinal nas Cortes Soberanas, 70, ou 80 Representantes?
Por que motivo? Nós o iremos encontrar nas Instruções, que em Lisboa se
deram para as Eleições de 1820; onde se determina que por cada 30 mil almas
nomeie Portugal 1 Deputado, mas nunca menos de 100! E o pobre Brasil,
que não teve estas largas, ainda de mais a mais o amputaram, e cercearam
por todos os lados! Ajunta a tudo isto, querido Amigo; 10, ou 12 votos dos
Senhores Representantes das Ilhas, que pesam na balança Política em favor
de Portugal; e vê que partido temos nós, ou que vantagens conseguiremos
dos nossos sacrifícios!
E ainda continuaremos a causar incuráveis chagas ao nosso País com
semelhante improfícua remessa bienal. Continuaremos ainda (e até quando?)
a receber, e cumprir reverentes as Leis, que da Europa forem servidos mandar-
-nos ditadas ou pela má-fé, ou pela mais [ilegível] ignorância da nossa situação
Política, e peculiares [ilegível]?
Para que melhor conheçamos a necessidade indispensável de um Corpo
Legislativo entre nós: finjamos a hipótese de que com efeito anui o Congresso
de Lisboa ao anelo, que havemos manifestado, e fica no Rio de Janeiro o
Príncipe Regente encarregado do Poder Executivo. Como prossigam a execu-
tar-se aqui as Leis emanadas do Congresso de Lisboa, restamos sempre sujeitos
a todos os inconvenientes acima ponderados. Ficaremos sempre à disposição
da decidida maioria Europeia, que não há de poupar-se a todos os artifícios
com o intuito de frustrar o benefício, que alcançamos: Se porém a Autoridade
Executora aqui residente falta em obedecer a semelhantes Decretos, aí se
reúnem outra vez os Poderes, e estamos em caso idêntico àqueles, que procu-
ramos evitar, quando no glorioso dia 26 de Fevereiro (glorioso digo; apesar

480
de erros, e inconsiderações filhas do entusiasmo, que a todos fascinava, e da
franqueza de um povo ainda noviço em Revoluções Políticas) proclamamos
o sistema de uma Constituição liberal, segundo as luzes do século, e fruto da
sabedoria dos Representantes da Nação.
Ah! Meu bom Amigo; se desejamos sinceramente ser regidos por um
Governo Constitucional; se queremos evitar os horríveis males da Guerra
Civil; se é do nosso mais caro interesse que toda esta imensa região, a quem
abraçam os dois maiores rios do Universo se reúna em um centro de unidade;
proclamemos sem tardança o grande princípio da infalível Convocação de
um Corpo Legislativo no Brasil. Se assim o não fizermos, quanto é de recear
que as Províncias, perdida num momento a cega confiança, que haviam
depositado nas Cortes de Lisboa; suspeitando sempre de sinistros intentos
o Ministério do Rio de Janeiro, onde tinha o Despotismo antigamente o seu
foco; arvorem o estandarte da Independência, e com ele o da anarquia? E
nesse caso que será de nós? Que triste papel representaremos divididos em
diminutas parcelas, e retalhos? E é contudo o que nos ameaça, se franca, e
lealmente não pugnamos pela pronta junção dos Procuradores de todas as
Províncias Brasileiras, como medida interina, e tendente a tratar da reunião
do nosso Congresso.
Nós sabemos com indubitável certeza que o espírito de suspeita contra o
Rio de Janeiro predomina por toda a parte, suspeita, que pode não ser [ilegível]
que é sempre desculpada em um povo cioso da sua Liberdade, quando não
vê um seguro fiador, que para longe arrede os seus temores. Ora busquemos
a verdadeira causa destes desgraçados receios, e desta aparente antipatia.
Ninguém, a não ser louco rematado, poderá com sinceridade afirmar, que
os nossos Irmãos Brasileiros, quando de nós se desligaram, e buscaram em
Lisboa o centro de seus movimentos, fora[m] ou movidos de alguma natural
aversão com seus irmãos do Sul, ou porque julgassem mais cômodo o recurso
a 2 mil léguas de longitude, atravessando o Oceano, antes que conseguir
iguais vantagens a muito menor distância, e por muito menos difícil trajeto.
Isto posto; alguma causa estranha os obrigou a este violento sacrifício?
E qual outra mais imperiosa, do que o horror, que nutre todo Brasileiro
contra o Despotismo, e mesmo contra as aparências dele? Removam-se pois
os motivos, em que assenta esta fatal desconfiança; e nós os veremos, lembra-
dos dos estreitos laços, que nos prendem, correr outra vez aos nossos braços
a consolidar a grande obra da majestosa federação Brasiliense, debaixo do
regime de um Príncipe verdadeiramente Constitucional, e de Leis ditadas
pela vontade geral, e protegidas por uma Legislatura composta de nossos
legítimos Representantes.

481
Que risonho futuro se oferece a meus olhos no caso de se não baldarem
tão formosas esperanças! O Brasil vai a ser a inveja de todas as Nações da
Europa. As riquezas, que encerra o seu seio; a extensão de suas Costas; a
magnificência de seus portos; a sua bela localidade; a salubridade do seu
Clima; dando a tudo isto alento, e vida uma forma Governativa Patriótica
quantos, e quão rápidos engrandecimentos não prometem! Daqui os nossos
Legisladores influirão extensamente sobre o sólido estabelecimento de uma
Constituição Regeneradora em um país novo, que agradecido abraça todos
os melhoramentos, e reformas. E só assim gozaremos nós dessa confraterni-
dade, dessa perfeita igualdade de direitos, que nos foi tão gabada. Porque ou
isto são vãs palavras, sem significado, ou valem o mesmo que dizer que nós
desfrutaremos sem a mínima diversidade aqueles mesmos bens, que Portugal
desfruta.
A falta de luzes, que neste nascente Reino se observa e que tanto exageram
os nossos inimigos, não pode servir de obstáculo ao complemento de nossos
desejos. Pois ainda quando se trata de formarmos em separado o nosso Código
Político; não é entre nós a ignorância tanto, que à vista [os] exemplares, que
neste gênero nos submetem não só a Europa; porém mesmo a América ilus-
trada; não pudessem os nossos Representantes coordenar uma Constituição
sábia, liberal e adaptada às nossas particulares circunstâncias, que eles devem
conhecer melhor, que quaisquer outros, por ilustrados que sejam.
Não nos atemorizem portanto as tremendas, e proféticas cominações
de algum dos Senhores Deputados Europeus nas Cortes de Lisboa, quando
exclama – Levantem os Brasileiros as mãos ao Céu: deem graças à Providência
de haverem encontrado o Congresso; que encontraram. Outros poderíamos
nós ser que disséssemos quereis-vos governar; governai-vos a vós mesmos. O
resultado havia de ser funesto. – Acaso somos nós os selvagens Tupinambás,
ou os bárbaros Etíopes? Esses mesmos subsistem; e há entre eles tal ou qual
forma de Governo. E só nós miseráveis! Não poderemos dispensar tão dura,
e rigorosa tutela para nos regermos! Vede, Brasileiros, com que desprezo
vos tratam!
Bahia, Pernambuco; a causa é também vossa. Vós podeis salvar este
belo, e rico Continente dos horrores da Anarquia, e da dissolução de suas
Províncias. Reuni-vos aos vossos Irmãos do Sul debaixo da Regência do
Herdeiro do Trono Lusitano. Enviai ao Conselho dos nossos Procuradores
Provinciais o vosso contingente: e declarai abertamente a necessidade de um
Corpo Legislativo, que dentro do nosso seio tenha os olhos sempre vigilantes
sobre a nossa comum prosperidade, e grandeza, e seja o firme garante da nossa
indomável liberdade. Não separemos jamais uns dos outros a nossa Sorte.

482
Unidos seremos tudo o que quisermos: separados porém a presa, e o ludibrio
de Nacionais, e Estrangeiros. Não presteis ouvidos à linguagem da intriga, que
só intenta perder-vos. De quem podereis recear-vos? De um povo, Brasileiro,
como vós e como vós amante da sua querida liberdade? Com que Exércitos,
com que Esquadras pretenderemos subjugar-vos? A sincera linguagem, que o
amor da Pátria põe na nossa boca são as únicas armas, com que poderemos
render-vos. União, Brasileiros!
Mas basta, Amigo: que já me parece que escuto murmurar, e escarne-
cer de minhas expressões, e do meu entusiasmo essa cáfila infame de servis
corcundas inimigos de tudo aquilo, que respira o santo fogo da Liberdade.
E esses outros [ilegível] quem não sei que nome convenha, e que só podem
comparar-se à venosa serpente, que morde o seio, cujo calor a alenta, e dá ao
próprio Benfeitor a morte: eu os ouço que com grosseiros sarcasmos respon-
dem, e aniquilam todas as minhas reflexões, e argumentos.
Tu porém, que sabes casar com a simplicidade do Estado, em que a Sorte
te colocou, sentimentos de um nobre patriotismo, filhos de uma alma livre;
tu desculparás o mesquinho ornato de minhas pobres palavras, em atenção
ao puro zelo, que as faz nascer.

Adeus.

Teu Amigo.
E. C.

RIO DE JANEIRO. 1822


___________________________________________
NA IMPRESSÃO DE SILVA PORTO, E C.ª

483
30

[CARTA AO] SENHOR REDACTOR DA VERDADE


CONSTITUCIONAL.
Ami, pour m’écouter laissez là votre ouvrage.
Levez un peu la tête, et tournez le visage.1

COMO sou Brasileiro, e Constitucional, (com licença dos Senhores Deputados


Miranda, e Margiorchi) tenho muito cuidado em que me não escape papelinho
algum impresso, sobretudo esses, cuja edição é periódica, e que se considera
como órgãos da opinião pública, só a fim de ver em que alturas vai o nosso
Sistema Constitucional, e a dignidade e honra do Brasil. Segundo este meu
gênio, bem vê, Senhor Redator, qual seria o meu alvoroço com o seu Anúncio,
que prometia um Periódico Semanário intitulado: A Verdade Constitucional.
Ah! exclamei eu, ó que grande descoberta! Que júbilo não teria Mallebranche,
se vivesse! Temos efetivamente tocado o áureo Século de Saturno; entre os
inúmeros benefícios, que nos augura a nossa metempsicose política, vamos de
mais a mais conhecer o que é Verdade: debalde perguntou-se outrora ao nosso
Divino Mestre o que Ela era; porém hoje em dia não só aparece definida, mas
até classificada por Vossa mercê, pois já podemos concluir que assim como
há Verdade Constitucional, também deve haver Verdade Anticonstitucional,
Verdade despótica, Verdade preta, Verdade branca etc. Portanto sobejamente
prevenido a favor de um Periódico tão metafísico – verídico – político; logo
que o mesmo saiu da prensa, corri a ele, com lá dizem, com unhas e dentes;
e sem os preparatórios da pitada e do escarro (com medo de perder tempo)
passei logo à suspirada lição. Mas, Senhor Redator, queira desculpar a minha
fraqueza, este parto da sua talentosa cabeça teve em mim a virtude da Cabeça
de Medusa; fiquei ao princípio mudo e quedo, e como a nossa surpresa e
espanto anda sempre em proporção do prévio estado das nossas esperanças,
calcule Vossa mercê como eu não ficaria com a leitura de uma Folha tão
alheia da verdade inculcada, e somente ditada pelo mais decidido espírito
de partido Ultramarino! Ao princípio quis persuadir-me de que Vossa mercê
se enganava bona fide,2 e então merecia indulgência, pois como diz o Autor
do Espírito das Leis: = Dans une nation libre il est très souvent indifférent
que les particuliers raisonnent bien ou mal, il suffit qu’ils raisonnent3 = mas

1
Amigo, para me ouvir deixai a vossa obra. / Levantai um pouco a cabeça, e virai vosso
rosto.
2
De boa-fé.
3
Em uma nação livre, é muitas vezes indiferente que as pessoas raciocinem bem ou mal,
basta que raciocinem.

484
refletindo no seu Semanário, percebi que Vossa mercê não está neste caso,
pois chegou a avançar proposições não só falsas, porém caluniosas ao Povo
desta Cidade, e por isto não devem ser indiferentes; nem tampouco se pode
inferir, que fossem filhas de simplicidade sua.
Eu reconheço bem qual é a linha de conduta traçada desde muito tempo
pelos Escritores entre si; eles devem redarguir asserções errôneas, poupando
todavia as pessoas de seus Autores; mas esta regra ditada pela urbanidade,
e que a prudência sanciona, sendo exequível nas matérias meramente cien-
tíficas, que nenhuma correlação tem com a moral dos Escritores, pode ser
inadmissível em discussões políticas, sobretudo no conflito de opiniões, que
tem quase sempre o cunho da moral dos que as defendem. Será portanto lícito
escrutar o caráter e demais requisitos de um Escritor público, que se inculca
por órgão, e regulador da Opinião do Povo; e porque muitas vezes despreza-
mos este exame preliminar, acontece que damos pleno crédito a Jornalistas,
que não só tem a voz das Sirenes, mas também as duas caras de Jano. Tal é
a razão, Senhor Redator, porque lido o seu belo Periódico, etc., não duvido
alcançar uma Verdade Constitucional, e é que Vossa mercê me parece um
daqueles, que procuram abrigar-se sob a égide respeitável da Constituição,
para aventurarem os seus botafogos, e opiniões perturbadoras. Porém,
Senhor Redator, procrastinemos o mais, contentemo-nos com a inspeção
do seu Corpo de delito: leia-se, e releia-se a sua Folha, e veja-se se é o zelo
da Constituição, se é amor do Brasil, e patriotismo local, quem agora o fez
Periodiqueiro Hebdomadário. Note-se a sofreguidão, com que Vossa mercê
pretende disseminar a intriga em uma crise tão momentosa, pois logo neste
1.º Número mostrou em toda a latitude qual era o seu Sistema subversivo.
Já prescindindo do tom virulento, com que Vossa mercê trata os
Deputados de Minas Gerais, procurando possivelmente prevenir a este respeito
a decisão do honrado Povo daquela Província, e sem ponderar que as razões
de Estado só podem ser apreciadas por ânimos prudentes e desprevenidos:
já prescindindo do pomposo e ridículo alarde, com que se inculca protetor, e
defensor acérrimo (que defensor!) das operações do Soberano Congresso de
Portugal, quando deve respeitar a opinião dos Brasileiros, que estão ressen-
tidos da Política daquela Assembleia: já prescindindo das asserções ou vagas,
ou apaixonadas, com que Vossa mercê increpa o Governo de Minas, sem se
lembrar de que esta linguagem (ainda que verídica) pode-se tornar suspeita
e parcial na boca de um homem, que segundo me consta, travara questões
com aquele Governo e acaba de vir de Minas como proscrito: prescindindo,
repito, de todos esses rasgos da sua pena: eu não me demoro senão na última
página do seu Periódico; pois como Fluminense, e como Militar, pareceu-me
ser este o ponto principal. Na verdade, Senhor Redator, basta para conhecer

485
as suas intenções ver o denodo, com que Vossa mercê ousa apregoar na sua
Folha, que a Tropa recém-chegada de Portugal deve desembarcar… e que
esta é a opinião da maior parte dos habitantes desta Corte…

Non aliter stupui, quam qui Jovis ignibus ictus


Vivit, et est vitae nescius ipsae suae.4

Um raio, que caísse a meus pés, não me extasiaria mais, do que achar
estas expressões temerárias e falsas consignadas em um papel público, e à
face dos honrados habitantes desta Corte, apesar de já saber, pela leitura
antecedente, o que devia esperar de tal Escritor. Se Vossa mercê quisesse de
boa-fé indagar a verdade, teria descoberto o contrário; mas Vossa mercê ou
não quis ter este trabalho, ou já mui de propósito quis enganar as outras
Províncias. Dizia Montesquieu que no seu tempo quase todos os escritores
compunham-se de duas coisas: Facilidade de falar: insuficiência de examinar.
Nós vemos que o nosso tempo pouco tem mudado a este respeito. A Escola
dos Las Beaumelles, dos Frerons, dos Desfontaines e de outros Escritores dessa
estofa, não cessa de deitar discípulos prontos a combater a opinião dominante,
muitas vezes por ser este um meio de fazer vendáveis as suas produções, e
outras para servirem de cloaca aos partidos comprimidos, que não têm outro
recurso, senão o evaporarem a sua raiva. Quem sabe se Vossa mercê será o
instrumento ostensivo de algum Pandemônio de Israelitas, onde se ventilam
os planos de paralisar a marcha livre e majestosa deste Reino!
Quem sabe se Vossa mercê terá recebido três cartinhas de três…,
prometendo-lhe subsídios pecuniários para progredir na sua honrosa tarefa
Constitucional!! Veja-se o como Vossa mercê impelido a escrever o seu
Semanário, iscado da febre dos Abderitas, vocifera em uma só Folha contra
os Governos, contra Deputados de Povos, e finalmente o como ataca o
Ministério e os Fluminenses, dizendo, que eles desejam que a Tropa desem-
barque, tornando de mais a mais, dúbia e inconsistente a Política do Príncipe
Regente, que decidiu o contrário! Vontade geral! Que escandalosa e inaudita
temeridade! Quais são os habitantes, que disseram ao Senhor Redator, que
tinham aquela opinião? Há tão pouco tempo, que o Senhor Redator está
nesta Cidade, e já conhece a opinião de toda ela? Se Vossa mercê dissesse: Eu
conheço meia dúzia de pessoas mal-intencionadas, que instam comigo para
que escreva, e que desejam espalhar a desconfiança e a rivalidade, para se
não conseguir Unidade de Sistema, e estes são da minha opinião: então dizia
Vossa mercê a verdade; pois não há dúvida, e é tempo de não nos iludirmos

4
Paralisei-me como aquele que foi atingido pelos fogos de Júpiter, que vive inconsciente
da própria vida. N.T.: Ovídio, Elegia III, v. 11-12.

486
mais, alguns homens existem (assim como já existiram em Pernambuco, onde
não foram tolerados) que desejam no Brasil Tropa Europeia a todo custo.
Eles pensam: 1.º que a Constituição vai gorada se a não houver: 2.º pensam
que as suas pessoas não estão em segurança, sem esse apoio: 3.º e pensam,
ou afetam pensar, que não podemos passar sem estas Tropas para o serviço
das nossas Praças. Eis os três pontos, que cumpre objetar, Senhor Redator,
na inteligência de que eu tenho mais razões, que Vossa mercê, para poder
avançar que a minha opinião é repartida por todos os meus Compatriotas, e
por todos os honrados Europeus, aqui enraizados, e que têm confundido os
seus com os nossos interesses: e saiba, Senhor Redator, que estes últimos são
os que mais se ressentem das suas asserções, pois muitas vezes por um mau
Frade se reputa mal de toda uma Comunidade. 1.º Ponto. Temer que não
teremos Constituição sem Tropa de Portugal, deixa a pensar o seguinte: 1.º
que o Brasil não quer Constituição: 2.º que este Sistema Divino e saudável
deve ser arreigado à força de armas. Ora, Senhor Redator, Vossa mercê sabe
perfeitamente, e há de ter ouvido, que por todo o Brasil já de largos anos
existia uma tendência a melhoramento de Governo, ora abafada, ora aparente,
e muitas vezes pronunciada, como em Minas, e Bahia no Século passado, e
em Pernambuco no ano de 1817. Além de que muitos Políticos afirmam,
que os Americanos, seja pelo Clima, seja pelo hábito de mandarem escravos,
sempre foram mais ardentes amigos da Liberdade. O exemplo da Província
de Pernambuco, que se defende de uma Nação inimiga contra as ordens
expressas do seu Rei, que se via obrigado a contemporizar com a Holanda, é
um exemplo único na História de todas as Nações do Mundo. O exemplo dos
Paulistas, que quando toda a Nação Portuguesa jazia curva debaixo do cetro
dos Filipes, estiveram 60 anos sem prestar-lhe obediência, é outro exemplo,
que por não ser único, não deixa de ser a prova mais conspícua do caráter
livre e brioso destes habitantes, que hoje em dia se quer fazer Constitucionais
à força das armas. Mas prescindamos destes e outros exemplos mais remotos,
o Senhor Redator deve lembrar-se que apenas os Heróis Lusitanos, a quem
todos respeitamos, quebraram os ferros do Despotismo, e proclamaram a
Liberdade à sua Pátria; os Brasileiros aprovaram esta nobre resolução, com
uma pressa que bem evidencia o quanto simpatizavam com aquelas ideias; e
mostraram espontaneamente que queriam também um Sistema Constitucional;
declaração esta que fortificou e cimentou a Regeneração de Portugal. Como se
ousará dizer que o Brasil não quer Constituição, e que as Tropas de Portugal
a hão de manter! Suposto mesmo que o Brasil a não queira, o que se nega,
as legiões, que viessem de Portugal, teriam suficiente força para constrangê-
-lo! Que cegueira, ou que orgulho! Por outra parte, não seria uma anomalia
de princípios, e um Liberalismo bem contraditório, o arranjar o Sistema

487
Constitucional à força de armas! As mesmas Cortes declararam sabiamente,
que respeitavam os nossos direitos: muitas vezes proclamaram solenemente,
que o novo Pacto Social não era compulsivo, é para quem o quer; e se isto
é aplicável a um simples Cidadão, como foi ao Cardeal Patriarca, como o
não será a todo um Povo! Embora haja pessoas, que afetando um interesse
vivíssimo por este País, lastimam-nos por não querermos estas Tropas,
exclamando, que somos néscios, e que vamos cair espadanando no golfão do
despotismo. Mas nós lhes agradecemos tanta filantropia, e os dispensamos
de conselhos, que só se dão àqueles, em quem se considera falta de poderes
mentais para perceberem o perigo. Nós dizemos que se acaso nos agradasse
esse Despotismo (admita-se neste ponto a hipótese) ninguém teria direito
para fazer-nos felizes contra a própria vontade: e isto não é mais do que o
desenvolvimento da ideia do Autor dos Direitos dos Reis:

Let willing slaves in golden fetters lie


There’s none can save the men that choose [to] die.5

Além disso, seja-me lícito ponderar que se é precisa Tropa entre nós para
manter o novo Sistema, que cordialmente abraçamos, não sei o motivo por
que se prefira a Tropa de fora à Tropa local. Em epílogo, Senhor Redator, os
Brasileiros querem uma Constituição sem a influência da força armada, que
já muito cara lhes tem custado, e dispensam gostosos o auxílio das Divisões
Auxiliadoras, em quem sempre consideraram os Soldados, e nunca os Irmãos:

Non tali auxilio, nec defensoribus istis


Tempus eget.6

2.º Ponto – Pensam que as suas pessoas não estão em segurança sem
esse apoio – Esta também era a irritante linguagem, com que em Pernambuco
alguns Europeus preocupados induziam o Batalhão do Algarve a espaçarem
a órbita dos seus deveres. Esta é a causa por que proximamente muitos habi-
tantes têm dali regressado para a Europa, desde que viram sair o Batalhão.
Esta enfim é a linguagem, que se reproduz entre nós, sem recearem que se
acelere também aqui a época fatal das hostilidades, que sempre resultam da
dissidência de sentimentos. Por ventura os Brasileiros são tão Canibais que

Vivem só de piráticas rapinas


Sem Rei, sem Leis humanas, ou divinas?

5
Deixai os escravos voluntários jazerem nos dourados grilhões / Nada pode salvar os
homens que escolhem morrer. N.T. Daniel Defoe, Jure Divino, 1706.
6
O tempo não requer auxílio e defensores como estes. N.T.: Virgílio, Eneida, II:521.

488
São tão sanguinários, que os seus irmãos de Ultramar temem viver entre
eles sem o apoio de espadas e baionetas? Para responder a estes receios eu
poderia memorar qual é, e sempre tem sido a bem conhecida hospitalidade
Brasileira; eu poderia citar exemplos os mais concludentes, que de um golpe
desbaratassem as iníquas asserções com que se pretende duvidar da nossa
honra, e cordial fraternidade; mas elas são por si mesmas desprezíveis e indig-
nas de resposta: principalmente por não querermos imitar o Senhor Deputado
Fernandes Thomaz, que já por vezes nos tem lançado em rosto os benefícios,
que Portugal tem feito ao Brasil. Direi simplesmente, que muito prudente,
e elogiável foi a resolução dos que emigraram de Pernambuco por aqueles
receios; pois logo que o homem se não identifica inteiramente com os interesses
da nova Pátria, que adota: quando não lhe agrada o Sistema predominante
de um País, é melhor retirar-se dele, do que ficar para maldizer o Governo
local, e por em combustão a plebe. Assim fazem os Ingleses, os Franceses,
os Alemães, que vêm para esta Terra de Promissão; enriquecem-nos com a
sua indústria, transplantam-nos os conhecimentos da Europa, consomem os
nossos produtos, e gozam em retribuição da proteção do Governo, sem de
maneira alguma se ingerirem na marcha da Administração Política.
3.º Ponto: Pensam, ou assentam pensar que nós podemos passar sem
essas Tropas para o serviço das nossas Praças. Eis o pretexto mais especioso,
com que se pretende coonestar o ingresso de Soldados de fora; e creio, Senhor
Redator, que Vossa mercê está exultando por pensar que não poderei dar-
-lhe saída; mas, meu amigo, se Vossa mercê, e os seus apaixonados não têm
outro pretexto para nos dourarem a pílula, então permita que lhe diga [o]
leum, et operam perdidisti.7 Saiba, Senhor Redator, que não só não temos
precisão de Tropas de fora; mas até; quando a tivéssemos, não devíamos
recebê-la. Mostra-se que não temos precisão, pois (falando por ora do Rio
de Janeiro) esta Cidade era bem guarnecida muito antes de vir para aqui a
Divisão Auxiliadora. Contavam-se [5] Regimentos completos de Infantaria,
1 de Artilharia, e outro de Cavalaria, com os mesmo Corpos Milicianos, que
hoje. Se o antigo Ministério fez a Portugal a infausta requisição de Tropas, a
todos é já patente, que estas Tropas vieram para fins ocultos, que a decência
não permite lembrar; e com efeito, em seguimento dessa política tratou-se
de desfalcar os Corpos Militares da Terra, sendo o ex-General de Oliveira,
adepto daqueles mistérios Eleusinos, quem descarregou o último golpe. Saiu
finalmente a Divisão Auxiliadora, e tendo mudado o sistema, os Brasileiros
respiram mais livres, e estão prontos a preencher os seus Regimentos, o que
será com facilidade: pois se antigamente estes Corpos estavam completos;

7
Perdeste o azeite e o trabalho.

489
com maior razão ficarão agora, que à população, o patriotismo tem avul-
tado consideravelmente, o que é inegável. Na verdade nós já vemos o como
a mocidade briosa, possuída do mais ardente entusiasmo, corre a alistar-se
sob as bandeiras Nacionais. As nossas Tropas não vão mais ser compostas
de Soldados mercenários, ou de Cidadãos constrangidos, arrancados dos
braços das suas famílias, e agrilhoados com rédeas, que só se fizeram para
os malfeitores. Pelo contrário, a defesa da nossa Liberdade vai ser entregue
a defensores voluntários, os quais ainda que poucos fossem, valeriam por
exércitos, pois a força destes não reside no número. Entretanto que os nossos
Corpos se não restabeleçam, temos a nosso lado os nossos caros Conterrâneos
de São Paulo, e Minas, que têm os nossos mesmos interesses, e cujo exal-
tado amor da Pátria não é preciso lembrar sacrifícios. Se temos, no nosso
mesmo território, quem nos coadjuve, todas as vezes que precisarmos, por
que obstinação se quer que incomodemos sem necessidade os nossos Irmãos
do Ultramar, muitos dos quais vêm até constrangidos por deixarem os seus
Lares, e maldizer os dardejantes raios deste Clima, contemplando-se aqui
como em um exílio honorífico. Poucos são, Senhor Redator, aqueles que a
exemplo dos antigos Romanos, que na derrota de Crasso ficaram prisioneiros
entre os Parthos, sendo depois resgatados, não quiseram mais regressar à
sua Pátria, da qual já estavam esquecidos!
Diz Vossa mercê, Senhor Redator, que a Tropa de fora é precisa para
aliviar do serviço os nossos Soldados, que esses últimos tempos têm sido
bem trabalhados. Diga-me, qual é o nosso Militar, que aqui se tem queixado
do serviço mais ativo, em que por circunstâncias imprevistas nos vemos
empenhados? Nenhum só Militar honrado pode ter semelhante egoísmo:
ele bem vê quais têm sido também os incômodos da Tropa das Províncias,
que para aqui desceu; e o nosso Militar não sabe sacrificar ao descanso do
momento o futuro bem estar da sua pátria, a que deve todos os sacrifícios.
Os Pernambucanos apesar de assolados, e despojados de muitos de seus
Compatriotas, uns povoando os cárceres do Despotismo, outros desterra-
dos na Cisplatina, e outros já cadáveres pelas diversas comoções daquela
Província; contudo sentem-se com forças para dizerem abertamente, que
não precisam de Tropas de fora para o serviço; e os Fluminenses terão
outra linguagem, quando até é mister andarmos uniformes com as outras
Províncias?
Digo finalmente, que quando fosse precisa a Tropa de Portugal, não
nos cumpria mais recebê-la. As razões são óbvias. O Rio de Janeiro acaba de
expelir do seu seio uma Divisão fratricida, motora de tantos sacrifícios: os
que sofrem incômodos por essa causa, não querem que haja a possibilidade
de se repetirem algum dia semelhantes eventos. Não se pense que é a minha

490
intenção comparar a Divisão, que ora aqui se acha, com a que já repelimos:
pelo contrário sou o primeiro a fazer a devida justiça aos briosos e subordi-
nados sentimentos desta Tropa; ao menos não tenho provas do contrário;
e todas as conjecturas são odiosas. Eu respeito os Militares que vêm a estes
climas por uma justa subordinação às Cortes, que os enviaram; eles nenhuma
culpa têm do comportamento iníquo dos seus predecessores; os Brasileiros
não são seus inimigos, pensar assim é injuriá-los; mas são inimigos do Sistema
Militar, com que os querem reger; e é contra o Sistema, e não contra os indi-
víduos, que eles pretendem reagir. Além disso, esta mesma Tropa, que aqui
aportou, reconhecerá bem a justiça das nossas pretensões, e respeitará as
nossas medidas, filhas de uma prudência, que merece louvores, pois tende a
cimentar a nossa União. Quando entre nós, mesmos não tivessem já ocorrido
essas cenas lastimosas produzidas pela presença de duas Tropas que é natural
se rivalizem, basta atendermos aos tristes sucessos, que têm tido lugar em
Pernambuco, e os que por ventura a esta hora ocorrem na sacrificada Bahia.
Instruímo-nos dos nossos deveres ou pelas próprias desgraças, ou pelas de
outrem. A experiência, que se adquire à nossa custa, é sem dúvida mais eficaz,
mas aquela, que resulta das desgraças alheias, é a mais segura, visto que nos
ensina sem trabalhos, nem riscos, o que devemos fazer, ou evitar.
Mas, Senhor Redator, para que gastaremos mais palavras em uma matéria
dilucidada por tantos Escritores, e mesmo por alguns Ilustres Deputados de
Cortes? Contudo sempre será bom que Vossa mercê leia a Portaria de Sua
Alteza Real de 17 de Fevereiro último, e aí verá que o Povo não quer, nem pode
consentir que desembarque a Tropa: isto é claro e terminante; e não consta
que no tempo ocorrente ninguém desaprovasse aquelas expressões. Tal era,
e é a vontade geral, pois os motivos expendidos na Portaria ainda subsistem.
Meu amigo, por mais que Vossa mercê grite como Estentor, e se estrebuche
todo à semelhança da Sacerdotisa de Delfos para ameaçar-nos com o seu final
oráculo, assente que perde o seu tempo, e pode-se ir preparando a seguir o
exemplo dos Profetas Judeus, que tinham ordem para mudar de país, quando
não eram bem recebidos. Já que Vossa mercê, segundo diz a fama, tem uma
tendência decidida a correr mundo, aconselho-lhe que dê uma chegada até
Anticira, pois precisa muito de uma dose de heléboro; e pode ficar certo de
que deixará pouca saudade ao
Constitucional Inimigo da Impostura;
Rio 19 de Março de 1822.
T. F. X. B.

Na Typographia de Santos e Souza

491
31

[Carta ao Senhor Redator do Correio por ****]


_____________________
Senhor Redator do Correio.

Sendo a segurança pública, e a queda do velho despotismo o fito geral de todos


os Portugueses liberais, que desejam a reforma dos costumes, e a bem entendida
liberdade de sua Pátria: é assaz doloroso, que na Época feliz da Regeneração
Portuguesa, mesmo a despeito das Leis mais justas, e que serviram de Bases
ao grande edifício da nossa liberdade Política, gemam oprimidos debaixo da
mais boçal escravidão para mais de trinta mil habitantes, que compõem a
População da Comarca de Paranaguá, e Curitiba, manejada por dois régulos
arbitrários, sem pejo, e sem costumes; um na qualidade de Coronel de Milícias
da Vila de Curitiba, o outro na de Corregedor da mesma Comarca, os quais
de mãos dadas, e unidos, como se une o lodo ao lodo, têm reduzido aquele
belo País a um estado desgraçado, e verdadeiramente lamentável: talando suas
propriedades: maculando a honra, e a decência de suas famílias: destruindo a
segurança individual de seus habitantes, a todos os momentos enxovalhados
com palavras grosseiras, e indecentes: deixando correr impunes atrocíssimos
crimes, apadrinhados em suas venais condutas, por sórdidas, e vergonhosas
peitas; carregando por outra parte de apócrifos, de sonhados crimes a regular
conduta de pacíficos Cidadãos, que preferem o bem de sua Pátria ao vergonhoso
tráfico da vil adulação, e da fria condescendência com aqueles novos Verres
da Curitiba: finalmente reduzindo aquele belo, e em outrora pacífico País
ao foco da mais perigosa intriga, sem o menor respeito às Leis, e ao sagrado
direito do homem. E como seja lícito a todo o Cidadão assoalhar por meio
da Imprensa, perante o Tribunal respeitável do Público, a conduta assoladora
de péssimos Cidadãos, que atendendo somente suas desreguladas paixões,
antolham o resto dos homens, como se antolham animais de mero instinto:
sirva-se, Senhor Redator, de inserir em sua respeitável Folha, a breve, mas
verdadeira análise destes célebres sujeitos, não para rubor seu; porque duvida-se
que o tenham, mas para o conhecimento do judicioso Público, e escarmento
de seus Sucessores; certo que o que vou recontar são fatos autênticos, já por
verídicos documentos, e já por geral conhecimento de toda a Comarca, por
cuja prova me obrigo.
Há trinta e tantos anos apareceu Ignácio de Sá na Vila de Curitiba, embu-
çado em uma velha batina, sem mais outra fortuna, que a insigne habilidade
que o tem feito assinalado em toda sua vida até o presente; casou em uma
muito decente família da mesma, conforme o nunca louvável costume do País,

492
de sacrificarem os Pais suas filhas, a quanto tratante nele aparece, sem o prévio
conhecimento de seu Vit[a]e et moribus.1 Tendo dado à sola o regular dote,
que lhe deram, começou, para manter os deboches de sua irregular conduta,
a lançar mão de suas habilidades, como, por exemplo, jurar em sua alma,
para subtrair-se ao pagamento de dívidas, que havia contraído; sacar firmas
de sujeitos acreditados no Comércio, para com elas haver fazendas, que eram
vedadas a seu raro procedimento, etc., etc., etc. Esgotados estes recursos pela
descoberta de suas habilidades, e vendo-se sem crédito, sem dinheiro, e sem
ânimo de trabalhar licitamente, empregou os restos de sua arruinada fortuna
em uma desconcertada Marmota, com a qual às costas, e na companhia de
um entrevado Volantim, começou a correr a caravana, vaidoso das venturas,
que lhe prometia seu = to[tius] mundi;2 = porém o pouco resultado deste
novo negócio, lhe fez ver, que ainda não havia acertado com o que para que
foi nascido; porque lá diz o provérbio = onde hás de ir, não hás de mentir,
= portanto, vendendo seu único bem, quero dizer, sua Marmotinha a seu
companheiro o Volantim, tornou para casa, qual filho pródigo, condenado
por seus enormes pecados a cavar a terra com seus braços, para dela tirar o
necessário pão para si, e para sua boa família, a qual, apesar da má educação
que lhe dava seu Pai, sempre teve créditos de virtuosa.
Passou alguns anos nesta vida inocente, com a qual parecendo reformado,
se não adquiriu o amor do Público, ao menos ganhou dele muita compaixão;
mas como aquilo que a natureza dá, ninguém pode negar, tornou o nosso
cavalheiro de indústria para o século de suas desenvolturas; e acertando por
acaso com o ofício que melhor lhe convinha, troca os rurais instrumentos pelas
brilhantes armas do filho de Maia, e com galero sobre a cabeleira, caduceu nas
mãos, e asas nos calcanhares, começou a servir os Semideuses, sacrificando-
-lhes muitas Ios, apesar da vigilância dos Argos, que os defendem: não foi
nada; o sacrifício de uma Dama a certo Eclesiástico lhe valeu nada menos,
que o posto de Sargento-Mor de Milícias com soldo, cujo Eclesiástico, que
lhe tinha recomendado a guarda da referida Dama, enquanto ia à Corte do
Rio, ele teve habilidade de meter o nosso cavalheiro, à queima roupa, com o
Conde da Barca, apelidando-o por seu muito honrado parente, alcançando
do mesmo Conde a referida mercê. Logo que o nosso herói se viu de um
salto, de simples paisano, sem outros serviços mais, que os que fez ao Padre,
ao elevado grau de Sargento-Mor de Milícias com o seu competente soldo;
pôs cabeleira nova, lavou a camisa, e tomando um tom de pseudo Fidalgo,
começou a disputar tanta nobreza, e antiguidade, que a do Padre Adão lhe

1
Vida e costumes.
2
De todo o mundo.

493
ficava a perder de vista. Seriam, contudo, estes fumos pouco prejudiciais à
Sociedade, se por entre eles não rebentassem continuamente vulcões que têm
abrasado a República; destruído a paz dos Cidadãos; manchado a honra das
Famílias; esgotando as bolsas dos Soldados, por meio de baixas, e dispensas do
serviço Militar: e intrigado aos Cidadãos mais beneméritos já com o Governo
da Província por via de partes falsas, já com os Magistrados territoriais, os
quais servindo-se deles para torpes fins, fazem com ele a desgraça, e a infe-
licidade daquele País. Conhecendo porém o nosso cavalheiro de indústrias,
que era pequena a circunferência de Sargento-Mor, para abranger a extensão
de seus sinistros projetos marchou para a Corte, apadrinhado de benemérito
Personagem, que de fato ignorava sua péssima conduta, onde soube iludir o
Ministério, com sonhadas feitorias de vinho, até hoje não realizadas, alcan-
çando o lugar de Coronel do mesmo Regimento, vindo a ser com esta nova
graça azedo vinagre para aquele Povo. Eis-aqui o novo homem largando as
velas à sua desenvoltura, e imoralidade: já o vemos com uma escada às costas
em pleno dia, para tirar uma rapariga, e de medíocre condição, para servir
a certa pessoa, a quem incensava; já seduzindo uma pobre família, que visi-
tava a sua, para sacrificá-la ao seu amigo o referido Ouvidor; e porque o Pai
desta família, homem honrado, posto que pobre, repreendesse a sua mulher,
e filhas, proibindo-lhes a continuação de semelhantes visitas, foi este pobre
homem, pelo ilimitado despotismo de ambos, levado à enxovia, e ameaçado
severamente, no caso que se tornasse a opor a seus projetos: seguiu-se tira-
rem a esta família da casa de seu marido, no número de mulher e três filhas,
uma da quais se tem prostituído com o Ouvidor, à vista, e face de seu pai, e
do Público, sem o menor respeito às Leis da decência: já o vemos levado do
sórdido interesse fazer o mais vergonhoso tráfico do serviço Militar, dando
baixas por dinheiro, disfarçando do serviço pela mesma forma, maiormente
da determinada marcha do Regimento, para a defesa da Praça de Santa
Catarina, em cuja época com suas Família fez a melhor, e a mais lucrativa
fortuna de sua vida; dando por tão repreensiva conduta tão mau exemplo
naquele Regimento, que entre grande parte de seus Subalternos, e Imediatos,
já corre em problema, se é, ou não lícito roubar por tal maneira ao Soldado:
pelo que se tem feito impraticável o recrutamento daquele corpo de maneira
que jamais o veremos completo: finalmente, tem chegado a imoralidade, e
descaramento deste Coronel a tão alto grau, que esquecido do lugar, que
por nossa desgraça ocupa, tem arrematado o ramo dos juramentos falsos em
todas as Causas crimes, só com o fim de satisfazer as carniceiras intenções
do Ouvidor, cuja conduta sem exemplo na ordem dos Magistrados, vamos
assoalhar nesta nossa segunda parte.

494
Apenas o Bacharel José Carlos Pereira de Almeida Torres, foi revestido da
autoridade de Corregedor da Comarca de Paranaguá, e Curitiba, esta terrível
autoridade, que ainda depositada nas mãos de um sujeito de luzes, de prudência,
e de morigeração é sempre pesada, é sempre nimiamente sensível aos Povos:
que virá a ser esta mesma autoridade nas mãos da ignorância, da imprudência,
da imoralidade, e da má conduta de um Magistrado, que pisando aos pés os
mais sagrados direitos do homem, só respeita, como únicos simulacros de sua
veneração, a orgulhosa Soberba, a insaciável Avareza, e a debochada Luxúria?
Apenas, digo, foi este mau Cidadão revestido da referida autoridade, quando
começou a desenvolver sem o menor escrúpulo, um tropel de crimes ligados
como por uma cadeia de ferro, a sua imoral conduta, crimes que seriam mesmo
insuportáveis nos tenebrosos tempos de nossa colonial escravidão, ainda em
um indivíduo particular, e sem representação.
Para fazer mais evidente esta verdade, eu vou analisar seus procedimen-
tos naquela Comarca, combinando-os com os sinais acima: não para sua
vergonha, porque todos sabem, que não morre desta enfermidade, mas para
conhecimento do Público, e satisfação de infinitos Cidadãos enxovalhados por
seus descomedidos procedimentos.
Com um tom infátuo, e presumido começou por apelidar-se o nosso
cavalheiro, Rei daquela Comarca: Rei… não no sentido em que se tomamos
os nosso Reis de Portugal, respeitados por sua Justiça, adorados por suas
Virtudes: mas sim Rei na extensão, em que tomamos aos Reis de Marrocos, ou
aos Paxás da Porta, que a seu bom gré, fazem de preto e branco, e vice-versa;
porém vendo-se o nosso Rei de Marrocos em Curitiba, rodeado de muito
pequena Corte, que se compunha de dois pretos, um Meirinho velho, e de mais
quatro a cinco adulões, que para embaçar seus Crimes faziam-lhe respeitosas
cortesias, intrigando pacíficos, e beneméritos vizinhos: conhecia, bem a seu
pesar, a enorme diferença que vai de Rei a Roque; e querendo encher este vazio,
que tanto descortinava a realidade de seu sujeito, começou por formar uma
Legião de Quadrilheiros, fazendo recair a nomeação da referida Quadrilha
em pessoas de muita boa família, mesmo alguns Oficiais com Patentes Régias,
como fosse o Alferes Antonio Falcão Bastos, e o Alferes João da Silva Pereira,
Juiz Ordinário daquela vila Cabeça de Comarca, no ano próximo pretérito,
procurando com suas balbuciantes, e desconectadas frases capacitá-los, que
Quadrilheiro era o que havia de maior = in rerum natura3 =, ajuntando, que

Na natureza das coisas.


3

495
ele mesmo era primeiro Quadrilheiro (única verdade que ainda hoje se lhe
não nega) porém aqueles sujeitos bem longe de lhe darem o menor crédito,
não quiseram estar pela glosa: donde resultou entrar em seu costumado furor,
vomitando grosseiros, e indecentes ditérios contra os habitantes daquela Vila.
Rompeu no mais desmesurado excesso, e decidido despotismo contra
Domingos José da Motta Capitão das Ordenanças, confirmado por El-Rei e
cobrador das Rendas do Banco Nacional naquela Vila, metendo-o na enxovia,
de tronco, e entoando-o incurialmente, porque aquele Capitão recusara entre-
gar 6$400 réis, que por um seu despacho informe, e contra todo o direito, havia
mandado repor ao Alferes José Lustoza de Andrade, interpretando lá muito a
seu modo a Lei do Tributo, que só deveria pagar metade do mesmo Tributo
aquele, que tivesse Loja aberta menos de um ano: prova de sua ignorância em
Direito, e de sua orgulhosa soberba: por cuja ação mereceu do Excelentíssimo
ex-General da Província a mais severa repreensão, mandando soltar ao dito
Capitão, e que lhe desse uma satisfação tão pública, como foi a ofensa; o que
ele não cumpriu, não aproveitando esta tão bela lição, pois continua.
Mandou meter na enxovia a Manoel Dias da Costa, porque eletrizado
com os fumos do vinho o não conhecera para o cortejar com aquela profunda
reverência devida a um Rei de Marrocos; desautorizando com palavras inju-
riosas, na mesma ocasião a Antonio Alves de Araujo Juiz Almotacé, por estar
tocando viola dentro de sua casa, quando Sua Majestade Marroquina passava
pela porta. Prova de orgulhosa ignorância, e da alma pequenina.
Mandou pelo Porteiro dar Palmatoadas em um moço, livre, na porta da
Cadeia, com notável injúria, e quebrantamento das Leis do Reino, e inten-
tou fazer o mesmo a umas moças brancas, e de boa família, metendo-as na
enxovia da Vila do Príncipe, sem mais crime, que a supersticiosa credulidade
que tributavam à Alma de um certo Peregrino, e só se desvaneceu do infernal
projeto das palmatoadas quando lhe fizeram ver que semelhante ação era um
tanto arriscada porque as referidas moças tinham uns Tios, que n[ã]o eram
de muito boas barbas. Prova de desavergonhado.
Passou a praticar escandaloso fato, contra José Ribeiro Batista, arran-
cando de seu pátrio poder a mulher, e três filhas, que as pôs de casa posta,
prostituindo-as com público e geral escândalo, e enxovalhando ao miserável
pai, homem pobre, mas honrado, com enxovia, e ameaças, por se opor a tão
descomedido procedimento, cujo ato já ficou apontado na vida do Coronel
Sá, principal ator desta vergonhosa cena. Prova da mais decidida imoralidade,
debochada luxúria, e nenhum respeito às Leis.
Nos momentos do furor da sua desconcertada mente, insultou com pala-
vras indecorosas, e nas ocasiões mais públicas a honra, o crédito, e a decência
dos mais conspícuos Cidadãos da Comarca, e a melindrosa honra de suas

496
famílias, pondo aquele Povo na precisa necessidade de romper em criminosos
excessos contra um depravado Magistrado, que sem o menor acatamento às
Leis, calca aos pés os mais sagrados Direitos do homem. Prova do Bacanal
furor, que lhe tolda a mente.
Insultou com palavras injuriosas, no meio da rua, a Domingos Fernandes,
homem branco, e mandou meter na enxovia, por haver lançado em Praça
pública, em uma escrava pertencente aos Órfãos do falecido Joaquim Gonçalves
de S. Paio, mandando entregar a escrava à viúva, sem admissão de mais lanço,
sem a menor formalidade de Direito, em prejuízo dos Órfãos, e para anuir aos
empenhos do tal Coronel Sá. Prova do seu ignorante despotismo.
Por empenho que teve, e o fez público para certos fins, absolveu a um
escravo do Capitão Antonio Xavier Ferreira, réu de crime de morte, feita de
dia em presença de muitas pessoas, por caso pensado, e rixa velha; tirando
para isso, sem autoridade legítima, nova Devassa, e desprezando a que tinha
tirado o Juiz Ordinário, que a reprovou lá por certas nulidades, que ele só
sabia. Prova de sua ignorância, e incapacidade para ser Ministro.
Aliciado pelo vil interesse de uma parelha de bestas, negou toda a Justiça
a Rosa, de tal, que recusava seu marido Agostinho Gomes do Canto, do crime
de homicídio, que por seus próprios escravos mandara fazer a sua mulher, a
referida Rosa; cujos escravos depois de a ferirem mortalmente, pegaram-lhe
fogo à casa, sendo presos pelas diligências do Capitão-Mor da Vila de Castro,
em sua presença, e de mais pessoas de probidade, confessaram, mostrando
as conhecidas armas de seu Senhor, que ele lhes mandara fazer aquela morte,
com promessa de liberdade, de cujo crime ficou aquele réu absolvido. Prova
de avareza, e criminosa venalidade.
Na eleição de barrete para um Juiz Ordinário da Vila de Curitiba, para
este ano de 1822, havendo recaído a maioridade de votos em um Tenente,
sujeito que merecia os sufrágios daquele Povo, por suas boas qualidades,
recusou Sua Majestade Marroquina mandar passar sua carta de confirmação,
e usança, somente porque o conhecia incapaz de cooperar em seus criminosos
procedimentos, mandando espontaneamente passar a usança ao Sargento-Mor
Ignácio Lustosa de Andrade, tanto porque o achava próprio para seus sinistros
projetos, como por ter sido este Sargento-Mor agente, e principal cabeça de
uma criminosa, e malograda revolução, projetada na Vila de Paranaguá, na
qual era Sua Majestade Marroquina contemplado Vice-Presidente do projetado
Governo, devendo aquela Comarca a sua tranquilidade, em aquele momento,
aos patrióticos desvelos do Tenente Francisco José de Brito, que corajosamente
animado pelo bem da ordem, e tranquilidade daquele País, fez desvanecer o
espírito de Anarquia, semeado no corpo do Regimento de Milícias daquela
Vila pelo ânimo orgulhoso, e intrigante daquele Sargento-Mor, querendo, para

497
desgraça daquela Comarca, divergi-la de seu comum centro de união com a
Província. Prova de seu Despotismo.
Movido de sua escandalosa avareza, comprou os dois melhores escravos
do Inventário do falecido Tenente-Coronel Diogo Pinto, por menos de seu
primitivo valor, ainda antes de Partilhas, pendendo o Inventário em seu Juízo,
com notável prejuízo dos Órfãos, e contra o determinado na Ordenação Livro
1. Título 62 § 38, Título 88. § 30. Prova de sua insaciável avareza.
Sendo Francisco Monteiro homem de probidade, e que tem servido por
vezes os Cargos da República, chamado pela Câmara, para suprir a falta de
um Vereador ausente em uma Sessão da mesma Câmara, em que assistiu Sua
Majestade Marroquina, esta Majestade o lançou fora da Câmara com pala-
vras injuriosas, e com desprezo da mesma Câmara, e ofensa do Povo, para ali
convocado. Prova de seu Despotismo.
Praticando, finalmente, outros muitos, e iguais excessos com os mais
beneméritos, e honrados Cidadãos daquela Comarca, por ser a sua dispo-
sição amedrontar uns, e corromper outros, e que reduzidos assim ao estado
de cegos, surdos, mudos, e sem-vergonha, seriam aprovadas, e executadas as
suas mais injustas pretensões, e dos vis aduladores que o cercam, e com ele se
empenham nas mesmas injustiças; porém estes não deixam de lhe pagar bem
tantos favores, pois já se sabe, que o ajudam com empenhos para obter das
Câmaras, e Autoridades da Comarca atestações, e documentos que favoreçam
a sua conduta tão estragada: forte lástima! Como se tais Documentos sejam
valiosos, ou lhe possam aproveitar defesa, na acusação de tantos delitos, que
tem perpetrado, e que se hão de provar com imensas Testemunhas.
E bem, Senhor Redator, que seja esta meia dúzia de fatos, pequena parte
do máximo da criminosa conduta destes dois homens, destas verdadeiras pestes
da República, contudo, para não ser eterno na recontação de outros muitos
crimes perpetrados na extensão de toda a Comarca, e porque por estes pequenos
dedos [dados?] bem pode o Judicioso Público avaliar a estatura do Gigante
termino a minha tarefa, certo que guardo muito material para outra ocasião.

Tenho, Senhor Redator, com toda a sinceridade a honra de ser

Seu muito atento e venerador criado

****
Reconhecida pelo Tabelião
Joaquim José de Castro.
__________________________________________________________________
RIO DE JANEIRO. NA OFFICINA DE SILVA PORTO, E COMP. 1822.

498
32

[Carta ao Redator do Correio do Rio de Janeiro]


Senhor Redator do Correio
do Rio de Janeiro

Omne tulit punctum, qui miscuit utile dulci1

COMO Vossa mercê não pretere ocasião alguma, em que possa ser interes-
sante ao Público, concebi a esperança de obter no seu Periódico lugar para
as duas cartas inclusas; cuja matéria relevante por sua natureza, se por uma
parte nada perde da sua nobreza pelo elegante estilo, e pureza de linguagem,
em que é magistralmente tratada, por outra muito maior valor adquire pela
energia, e dedução dos argumentos, que se expendem com toda a oportunidade
e exatidão. A questão, que nelas se debate, tem muitas vezes sido discutida nas
Cortes de Lisboa, sempre pelo mesmo método, mas nunca com igual clareza,
e valentia; certamente pela notável diferença, que ali se descobre nas luzes dos
competidores, quando os dois campeões, que as escreveram, de tal sorte se
ajustam em qualidades intelectuais, que, caminhando por opostos caminhos,
se encontram na área sem o premeditarem, e até sem se conhecerem. Tal é a
atração entre substâncias homogêneas.
A parte histórica destes escritos também reúne as qualidades de sublime,
e divertida: reduz-se ao seguinte. Jerônimo Alfaiate, bem conhecido nesta
Cidade, e ainda melhor no Limoeiro de Lisboa, donde trouxe vivas saudades
pelas repetidas vezes, que aquele palácio o hospedara, remendão insigne pela
tesoura e unha, retirando-se honradamente para aquela Cidade, de tal sorte
se achou regenerado, que atirando com o dedal para o canto principiou a
riscar com pena o tema, que outros escrevem com giz. Incredibile dictu!2
Apenas mudou de clima, concebeu perfeitamente o que era Constituição,
e compadecido dos degradados filhos deste inóspito país, julgou ser obra
meritória instruí-los, e admoestá-los, não tendo em vista outro prêmio mais
que mover e deleitar.
É pena, Senhor Redator, é calamidade não aparecer a carta, a que nesta se
refere, exarada em 3 folhas de papel! Por bem do gênero humano chegou-me
à mão a que lhe remeto; e por um acidente, que talvez deva ser qualificado
de misterioso, veio justamente na mesmíssima ocasião, em que outro gênio

1
Obteve todos os votos quem uniu o útil ao agradável. N.T.: Horácio, Ars poetica, 343.
2
Incrível de dizer!

499
igualmente raro, Joaquim José Pinto, Guarda da Alfândega desta Cidade,
dava à luz uma produção sua em igual estilo e método.
Esta circunstância, Senhor Redator, não é para perder-se. A relutância,
com que a matéria é debatida pelos seus autores rivais em opinião, mas
igualíssimos em forças, torna a vitória duvidosa: é o Público o competente
juiz deste pleito: a Ação é sumária; e quem pagará as custas da demanda?
Peço-lhe, Senhor Redator, que se conserve a original ortografia, e
pontuação, cuja propriedade se não pode disputar aos autores, munidos do
privilégio do invento. Pode VOSSA MERCÊ atestar ao Público, que estes
escritos nada têm de apócrifos.

Sou, Senhor Redator,


Chicote dos Asnos

Ilustríssimo Sr. João Francisco de Pinho3


Lisboa 19 de Junho de 1822.
Amigo muito lhe agradeço o quidado que tem a Respeito do Nome de
hum meu muito amigo o Sr. Leite; não se emcomode a este respeito pois eu e
Seu muno de Putado em Cortes ja vimos seu nome! na estraurdinaria repre-
zentacão de Santo Paulo que o autor da dita he o jrmaõ do Selbre Antonio
Carlos a que os periodico, lhe nomeio o jrmaõ por mano zeze porem ignoraõ
que no brazil seria mais conhecido pelo mano Cazuza enlugar de Cazuza foi
ou he o mano zé.4 meu bom amigo ja respondi assua muito estimada Com
huma grandicima carta de tres folhas; agora farei deligencia em dizer o mesmo
em menos palavras; Senhor para que são tantas tropas que se reunem neca
praca; como v. m, lhe xama; as DE PORTUGAL NÃO TORNAÕ LA SENAÕ
DE POIS DE HI HAVER AS MEMSAS SENAS QUE TEM A VIDO EM
BOINOS AIRES ou os pretinhos de guiné terem feio o seu samartinho emtão
jraõ la naõ perciza a forca que de la Veio Como v. m. dis embarcaraõ Como
Carneiros pois para hi he bastante tres Companhia na Baía duas Companhias
tomaraõ fortalezas e toda a Artilheria e fizeraõ depor as armas a toda a tropa
que la havia quatro regimentos neste Numaro um de Artelharia que este teve
a ouzadia de fazer fogo com a dita para os quarteis dos Batalhoens e estes
envergonharaõce de empenhar toda a sua forca foraõ so duas companhia

3
N.O.: Atendendo ao pedido do Chicote dos Asnos, mantêm-se a ortografia e a pontuação
originais das cartas.
4
N.O.: Cazuza: trata-se de José Bonifácio de Andrada e Silva.

500
que fizeraõ em borra toda a Cabronada Baiana; meu Amigo quem Conteve;
os Batalhoens nessa; foi o estar Sua Alteza a frente e detreminando-lhe que
se retiracem; hera o Erdeiro do Reino quem dizia isto e o general naõ tinha
ordens para dezobedesser esse dezobedecece naõ sabia Como se lhe tomaria
esse procedimento este o motivo porque essa Sidade naõ esta reduzida a Sinzas
pois toda a tropa quanta ha desde o amazonas ate o prata reunida toda; toda
dezaparecia a primeira descarga; o general Corado [Curado] bem Cenhece
pois quando o Principe o mandou que atacace ele lhe dice que diz; Sr. Sisto
tudo desaparece os primeiros movimentos que aquela gente fizerem note;
que os Soldados Baianos espeliçaõce asim; que Diabo de gente; nos faziamos
fogo Com artelharia e eles coriaõ para as pecas que demonios de gentes: estes
saõ os termos Com que se espolicaõ: meu bom amigo he percizo ser pateta o
dizer o contrario: saõ os periodicos da Baia que dizem que para Consquistar
o Brazil todo naõ se perciza mais do que tres mil oropeus; naõ ve meu amigo;
Saõ emdulentes So atraicão he que fazem alguma couza naõ tem Caracte naõ
saõ capazes de fazer frente aninguem jsto a tropa de linha pois melicias; as de
Portugal naõ se pode fazer dellas nada Com ariguroza desceplina que tinhão;
na cua tera o Porto estavaõ la mais de 15 mil meliciannos e todo o Povo Com
uma arogancia dos Diabos Veio hum ofecial Frances Com 2 Companhias de
Cavalaria e 2 de emfantaria e toda a arogancia do Povo do Porto e 15 mil
melicianos dezapareceo eraõ oropeus Com vergonha e 4 Companhias desfes
tudo; que se pode esperar dos mizeraves emdulentes por caracte todos os
Braziliences nada nada querem Sim a Anarquia Sedo a teraõ em Caza Se ó
fazer desta ja naõ esta tudo ahi em dezordem se o naõ esta Conte meu Amigo
que ahi vai a assoceder o mesmo que na america Espanhola e de mais a mais
os Pretinhos do gapam; no fim ou quaze no fim la jremos Vezitalos por agora
naõ; devirtaoce por la: falaremos odipois de haver la o que Sertos Sugeitos
desejaõ e desgraçadamente Portuguezes o Ropeus que parece que o Diabo
os educou: tem zanga a tera em que nasçeraõ e punem por vis mulatos eles
mesmo lhe darao o pago está a porta a epoca dezejada; naõ de mim pois
lastimo muito a sorte do Brazil e tanto Conheco o Caracte dos Braziliences
que meretirei em tempo; e Vira Dia em que v. m. dira que eu Sou profecta.
Amigo naõ se lembre que os mizerabilicimos e pouquicimos e dezor-
ganizadicimas tropas todas todas do Brazil Seiaõ Capazes de fazer frente os
Batalhoens que ahi estiveraõ a naõ estar la quem esta ofeciais ha que se ofere-
ceraõ para hirem la e Com hum posto menos do que tem e saõ Conhecidos
de v. m. e os Regimentos desta Corte Se ofereceraõ e sem gratificaçaõ alguma
Con tanto que levacem ordens pozetivas de levar a fero e a fogo tudo o que
aparecece diante dessi sem atencaõ a esta ou aquela pessoa; este he todo o

501
Cazo meu amigo lembrolhe a Baia Baia 2 Companhias so foi bastante para os
fazer em selada la naõ estova O Principe; obrava o Commandante livremente.
Meu Amigo e Sr. pecolhe que me escreva pois estimo muito Saber de
Sua Saude; esta trevoada da minha Carta naõ he Com v. m.; he Com os vis
oropeus que Seguem o partido dos indulentes amariqados porem todos Com
o espirito de Emdependência esquecendoce do que tem avido na America
espanhola e hi de mais a mais os Pretinhos moro em hum primeiro Andar em
que já morei em tempos antigo o Pe da grande Praca do Rocio Rua Augusta
N.º 111 das genela me devirto vendo os emencos artistas trabalhando no
monumento Constucional.
Seja felis Como lhe dezeja o Seu Amigo e o Brigado
Jeronimo Pereira.

Extracto de huma Carta do Macaco Nº 16


Queira ter a bondade de mandar imprimir na sua Folha as noticias que
acabo de receber no espelho de 30 de Julho de 1822 Relativas as desordens
que Querem cauzar as Cortes estraudinarias da Nação Portugueza aos noços
Irmaõs do Brasil por cauza de não quererem estar do baixo do dominio das
Cortes de Portugal em querem Subejugar o Brazil a força de Armas & Pois
Voças em celencias Por esse caminho não baõ bem pois de bem tratar os
Brazileiros Como Irmaõs e não como Inimigos porque eles não o são e asim
Voças em celencias de bem Saber o que querem o Brazil o Brazil Responde
nos Brazileiros obedecemos Ao Sr, D. João Sexto e ao nosso amado Principe
Regente o Sr, D. Pedro de Alcantra e fazer Cortes no Brazil para Para formar as
Leis a bontade dos Pobos e o noço amado Princepe Regente para Mandar eszi-
cutar as Leis taes como Voças em celencias estão formando nessas Soberanas
Cortes de Lisboa e por tanto Vossas em celencias Com que direito querem
mandar tropas para subejugar o Brasil a força de Armas quando os de bem
tratar como Irmaõs e não como Inimigos para dar este Paço bem empregado
he nesasario que perguntem aos seos amados Brazileiros qual he o seu sistema
os Brasileiros Responde desta Forma nos Brazileiros queremos obedecer ao
Sr. D. João Sexto.e ao noço amado Princepe Regente do Brasil o Sr. D. Pedro
de Allcantra e formar huma Assemblea de homens de honra para nos fazerem
as Leis a noça Satisfação e o Princepe Regente para as mandar izicutar pois
neste cazo Vossas em celencias debem fazer hum tratado de união e tranqui-
lidade desta forma Amigos Brazileiros e Irmaõs Conhecemos que temos feito

502
muita asneira em os Queremos subjjugar a força de Armas e Conhecemos
que tem muita Razão em querer formar Cortes no Brasil pois Cada hum de
bem cuidar em aranjar a sua caza porque o mesmo estamos nos fazendo em
Lisboa e por tanto estamos por tudo Que fizerem os noços Irmaõs Brazileiros
huma Ves que seja tudo em huma Pas e união que nos he muito mais util por
tanto giri o Comercio e Nabegaçãos e trabalhem as fabricas Portuguezas e
a gricultura e he o que debem Voças em celencias Praticar e não a força de
Violetas pois esta huma Cabalada muito Grande que fas Voças em celencias
porque o Brazil não querem emdependencia de Portagal nem tão pouco estar
de baixo de Portugal o que querem he o noço Amado Princepe Regente faça
o seu goberno izicutivo e as Cortes para e Leger e formar Lei a Satisfação dos
Povos e emtão não me dirão com que direito Pertende Voças em celencias
Subijugar o Brazil a força de Armas Com que Direito fas favor em mo dizer
por Ventura he alguma Nação estrangeira Por Ventura não são Portuguezes
po Ventura não estão debaixo da mesma Bandeira ha por elles querem o seu
direito por iso se lhe debem declarar huma guerra sem Mais direito se não o
da força por elles querem estar dobaixo do Dominio do Princepe Regente ja
não são Portuguezes pois não a mesma Constituição não Reza semelhante
asneira portanto Portugal debeia tratar aos Brazileiros como Irmaõs e não
como Inimigos em eles querem o seu direito niço muito bem os Brazileiros
debem tratar deseja aos seus Irmaõs de Portugal como Irmaõs e não como
seus senhores pois os Brasileiros em não querem tropas de Portugal nas suas
Probicias niço fazem elles hum grande serbiço a Portugal porque Portugal
Para mandar huma esquadra para o Brazil não a manda com Palavras he
pricizo aprontar naus fragtas e tirar os Braços as fabricas Machocar todo
o Comercio tirar os bracos a Laboira Familias dezarranjos ficar o estado
Pobre tanto em Portugal como no Brazil e ficarem tudo em huma disgracia
e emtão se tibece alguma Rezão para o fazer mais eu Joaquim Joze Pinto
Não lhe vejo outra Rezão se não o poder da força que Voças em celencias
querem Mandar contra os seus Propios Irmaõs do Brazil por tanto huma ves
Que não he bontade dos Povos do Brazil não obedecer as soberanas Cortes
de Lisboa fação huma pas geral entre os dois imisferios e de as mãos huns
aos outros dobaixo de huma tranquilidade e união e cabece estas Quistans
por huma ves pois todos semos Irmaõs giri o Cormercio trabalhem as
Fabricas e deixemonos de guerras Pois ao prezente não a temos Cos Nação
alguma so Voças em celencias são os propios que a querem por aos seos
Irmaõs Brazileiros somentes para satisfazer a sua paixão pois não iso não
he asim para Voças em celencias alcançar huma grande Vitoria no Campo
da honra de bem uzar com toda a pordencia e não com o poder da força

503
porque Deos quando Veio ao mundo Foi para todos portanto o que se pode
fazer tudo dobaixo de huma tranquilidade Porque Rezão so não ade fazer
e o goberno do Brazil Cuide tambem em Repartir as suae terras a quem nas
trabalhe porque abendo Comercio e Laboira ha tudo ninguem Paça mal
que eu como fui nacido no campo não se me daria de trabalhar em terras
se as tibece minhas Propias porem ha sertos sugeitos que querem atrancar
o seu com as pernas por iço he que estou ganhando doze Vintens por dias
so de trabalho que meto selos na Alfandega desta Corte do Rio de Janeiro e
antão ainda se ganhace quando estou doente e Domingos e Dias santos mais
nem iso antão ainda tente não cabias porem os Domingos e dias Santos faça
Crus na boca Como me em Sina o meu doator Sabina he para os Senhores
inlustres depotudos das Soberanas Cortes de Portugal Saberem que não he
nenhum comendador nem nenhum que esteja ganhando mundos e fundos
Como Vejo hum papel ja a tempos falando a esse Respeito eu Sou Sim hum
triste Guarda trabalhador porem no tempo que fui Pastor Sempre Vivi
alegre e adebertido e a Gora tambem quero que os meus Irmaõs do Brazil
e de Portugal fação huma pas e união que giri o Comercio que trabalhem
agricultura e as fabricas que são os tres Ramos que sustentão o estado e não
quistans nem guerras Cibis entre Irmaõs Viva a noça santa Constituição e
o Sr. Dom João Sesto e noço nmodo Princepe Regente do Brazil o Sr. Dom
Pedro de Alcantra e Viva a tranquilidade Com isto queirome disculpar estas
minhas groceiras Palavras e quem me emcomendou o Sirmão que me Pague
eu digo estas Palabras groceiras porque nunca tibe istudos Não sei discorer
mais amigo da pas da união.

Joaquim José Pinto

NA OFFICINA DE SILVA PORTO, & C.ª

504
33

[Carta ao redator do Correio sobre o despotismo militar].


_________
Senhor Redator do Correio.

QUANDO a Espada, cujo dever é manter a Augusta liberdade do Cidadão


interna, e externamente, e sustentar a balança da Justiça, se erige em Arbitra
da mesma Justiça, perdido está o equilíbrio social; o Despotismo Militar,
cercado de todos os horrores, levanta a feroz Cabeça; cala-se à Lei inerme, e
espantadora; e os míseros Cidadãos, cujo sangue alimente as Serpentes, que
lhe preparam a morte, ficam abandonados aos caprichos sempre sanguinários
de homens, que, embaraçando a égide da mal-entendida honra, se julgam
habilitados para todo o gênero de violências.
O Requerimento, que ora reimpresso se apresenta ao Público, feito
em nome da Corporação Militar da Guarnição desta Corte, contra mim,
posto que sem o consentimento da maior parte dela, e até com repugnância
de muitos, que involuntariamente o assinaram, é contudo uma prova sem
réplica da desorganização dos poderes, e o do abuso da força, que arrebata
aos competentes órgãos da Justiça o direito de julgar sobre os invectivados
crimes, que se me imputam, e dos quais tenho direito a defender-me.
Neste delirante documento de tendência ao desenfreado Despotismo
Militar, se acham assinados, salvo o erro, 132 indivíduos, que erigindo-
-se Juízes, e Partes ao mesmo tempo, pedem seguindo o impulso dos seus
Autores (a quem só me dirijo:) que eu entre em Processo, e condenam-me
desde logo, sem mais forma de Juízo, à infame pena; e pior que a morte,
de indigno da sua Associação Militar!!! Em que parte do Mundo a não ser
em Constantinopla, ou outro País semelhante se viu um tão bárbaro proce-
dimento? Onde se viu um mais audacioso desprezo, e atropelamento das
sagradas Leis? E é desta classe distinta da Sociedade, onde em todo o tempo
brilhou a generosidade, e o brio; desta classe respeitosa; que tem a seu cargo
o garantir à massa geral da Nação uma Constituição liberal, que rebenta um
Vulcão, cujas matérias combustíveis não só mostram Servilismo, e adulação,
como atacam sem rebuço a Justiça, insultam a desgraça, revoltam a virtude,
e finalmente injuriam a Constitucionalidade do amabilíssimo Regente? Um
tal procedimento, que se capeia com o brasão da honra, (que todos devem
reconhecer como parte mais preciosa da sua existência moral,) e Santidade
dos Juramentos, mostra ao Brasil inteiro, que sorte deve esperar da preponde-
rância das baionetas se for indiferente ao golpe que a prepotência Militar me
tem preparado, e à triste sorte que já experimentou meu desgraçado Irmão!
Em ambos verá como em resumo, as venturas que os guardam.

505
Horroriza-se o mais duro Coração ao lembrar-se, que 132 Militares
se deram as mãos para a ruína de um ser Irmão de Armas, que a nenhum
cede em valor, firmeza de caráter, fidelidade, honra, e que finalmente tem
por divisa = Constituição, Pátria, e Rei; = e que a raiva, o mal-entendido
zelo e ferocidade dos Autores deste citado documento, em desdouro da sua
dignidade chegasse ao ponto de se constituírem meus acusadores, e Juízes
impondo-me penas arbitrárias!!! Não seria bastante, que quando eu fosse
eminentemente culpado, executassem esses mesmos Autores (com piedade que
sempre mereceram as Almas livres, e bem formadas os crimes de Opinião)
a Sentença que proferissem Juízes legítimos, sem que eles se arrogassem
atribuições odiosas, que tem demandá-los à posteridade com o labéu de
Sanguinários?
Pergunte-se agora: e qual é a aparente causa desta inaudita conspira-
ção contra mim? É porque eu escrevi uma Carta, (antes de se ter Decretado
neste Reino a Assembleia legislativa:) em que me queixei na forma da Lei
dos horrorosos Despotismos praticamos com meu infeliz Irmão, e comigo
mesmo: Despotismos mais claros do que a luz do meio-dia; em que finalmente
reclamei os Sagrados direitos, que se me tem usurpado; e os meus adversá-
rios tergiversaram o sentido da mesma Carta, não querendo ouvir a quem
os informou da verdade, e das minhas sinceras intenções, para inculcarem
pública violação de decoro, e respeito devido ao nosso Regente; como se dar
louvores, fazer elogios, àquele prudente Rei, que nunca foi sanguinário, mas
sim uma Arca de Clemência, fosse ofender o Régio Filho, de quem não disse
uma só palavra. Eu magoado com a minha desventura, e a de meu finado
Irmão expus as prepotências de um Governador, que nunca escrupulizou na
escolha de meios para conseguir elevar-se em graduações, e sirva para prova,
que tendo sido igualmente como eu Primeiro Tenente no mesmo Regimento
galgou os Postos até ao de Coronel; e Comendador etc. etc., enquanto eu
só consegui o de Capitão, de que me pretendem esbulhar, em que tendo
sofrido escandalosas preterições tendo a meu favor as Leis, e a Justiça. Eu
queixei-me de um Ministro, que criminosamente apoiou estas prepotências
sendo responsável pelo que se obrasse contra o sagrado, e inviolável direito
da segurança dos Cidadãos: disse que somente o meu bom Soberano era
inviolável em relação aos déspotas de quem tratava; e daqui inferiram
afetadamente, e por adulação os meus ferozes perseguidores, que faltara
ao respeito, e decoro ao Augusto Regente que tem detestado o Servilismo!
Que disparatada, e horrorosa consequência!! Que encarniçamento para me
sacrificarem, e a minha inconsolável Família, que me é tão cara!
O complexo de intrigas, que desumanamente se tem urdido para a
minha ruína, na época, em que nos asseveram que temos Pátria, temos lei,

506
e temos tudo, é patente a quase todos os Cidadãos, que sabem ler; porém
uma violência de nova invenção, é a que aponta o último documento pelo
qual agora se me determina, que responda em Conselho de Guerra a uma
sonhada culpa, cujo conhecimento quando ela existe competia ao Tribunal
da Liberdade da Imprensa. Que caos! Que esperanças ao futuro!! Se assim
se respeitam as Leis, e a Opinião no momento, em que é preciso conciliar
vontades; inspirar amor ao Governo, e amalgamassar princípios discordes,
que sucederá ao futuro se as cousas continuarem neste andamento?
Nestas críticas circunstanciais, ainda que fortificado no Santuário
da Inocência, Imploro a Proteção do meu Augusto Príncipe Regente, cujo
Coração Magnânimo desaprovará tais meios como repugnantes à Sua
Delicadeza; imploro Proteção de Seus ilustrado Ministros, cuja retidão a par
da sua responsabilidade me afiançam, que nada ilegal, e iníquo se tentará
contra minha pessoa: porém se desgraçadamente se reunirem forças para
me sacrificarem, que não possam ser, contrastadas nem pela luz da razão,
nem pela voz da Justiça, e da Humanidade; declaro que estou resignado a
receber o conluiado bárbaro golpe com aquele nobre Orgulho, que é virtude
própria do homem justo na adversidade: mas primeiro Protesto solenemente
à face de Deus; e de todos os meus honrados Concidadãos, a minha inteira
inculpabilidade; e quero que todos conheçam pelos concordes Documentos
que lhes apresento, que eu nunca fui criminoso; que tenho servido sempre
a minha briosa Nação (Sim esta mesma, que arvorando quatro Pendões nas
quatro partes do Mundo tornou eterno nas páginas da História o nome
Português, que tanto me honra!) com todo o desvelo, e préstimo que tem
estado ao meu alcance, sem nunca esfriar o desejo de lhe consagrar a minha
vida com o sofrimento de imensas perquirições tais, e quais agora acabo de
experimentar, por alguns que sendo Alferes, e eu Capitão se acham neste
momento Majores; é que por tudo isto, e pelo muito que deixo em silêncio,
podendo com verdade abonar-me, tenho o direito ao interesse, e reconheci-
mento dos meus Compatriotas, e à estimação dos meus Irmãos de Armas,
visto ser moralmente impossível que um homem em todo o tempo amante
da sua Pátria, e do seu Rei, e sem delitos se tornasse repentinamente tão mau
como a mordacidade o quer inculcar sem receio, de que com ela se prati-
que com justiça, o que sem razão alguma tem praticado comigo: Protesto
igualmente que todos os atos, e invectivas, que contra mim tem aparecido
são tramas infernais, de meus insaciáveis perseguidores; e lembro a todos os
meus Concidadãos, que ponham atentamente os olhos nos procedimentos
que cotidianamente se praticam comigo, (em proporção a minha defesa que
tenho publicado!) para exacerbar-me a infeliz situação, com notório desprezo
dos mais sagrados Juramentos, e da Real vontade do Herdeiro do Trono

507
Bragantino. Fortaleza da Lajem 13 de Julho (pelas três horas da madrugada
entalado em uma abóboda) de 1822.
Luiz Antonio Cau.

REPRESENTAÇÃO
DOS ABAIXO ASSINADOS.

SENHOR. A Corporação Militar da Guarnição desta Corte, e mais Oficiais


nela residentes não podendo sofrer a pública violação do Decoro, e do
Respeito, devido à Augusta Pessoa de Vossa Alteza Real, que acaba de
aparecer nesta Corte na carta de Luiz Antonio Cau, inscrita no Correio
Número 52, de 12 do corrente, julgam que é do seu dever, de sua honra, e
até da santidade do seu juramento há poucos dias firmado com tanta energia
na Presença de Vossa Alteza Real, pedir a mais pronta satisfação contra o
autor desse libelo tão crítico, e perigoso em uma época, em que alguns gênios
facciosos, e atrabilares [sic] procuram enfraquecer a bem fundada confiança,
que todos os habitantes honrados deste País têm no Liberalismo de Vossa
Alteza Real, tão decidido pelo bem da Nação, do Brasil em particular. A Falta
de pronta punição sobre sujeitos de semelhante nota, talvez tenha dado azo
à marcha precipitada da intriga e a todos os movimentos desorganizadores,
que ameaçam já de mui perto o desempenho do nosso plano Político. Julgam
estes homens, que à sombra da Constituição, austera vingadora das Leis, e
com garantia da liberdade da Imprensa, que em todas as Nações Políticas
se permite para o adiantamento das ideias morais, e não para insulto de
Autoridades, nunca mais respeitáveis do que nos dias Constitucionais; Sim,
Real Senhor, julgam que podem impunemente dirigir suas ferozes diatribes
contra as Pessoas mais Augustas, mais Invioláveis, e mais Defendidas pelo
escudo da Constituição. A Corporação Militar, que tem por herança a honra,
único brasão de seus indivíduos não pode sofrer, que dentre os seus membros
saiam à luz monstros de semelhante natureza, e firme nestes sentimentos pede
decididamente a Vossa Alteza Real,que em reparo da ofensa diretamente
dirigida ao Respeito do Trono de Vossa Alteza Real se forme com toda a
brevidade o processo do referido Cau, a fim de que este seja o primeiro crime
pelo qual seja punido depois de se proceder a todas as formalidades legais em
semelhantes circunstâncias. E desde já protestam a Vossa Alteza Real, que
julgam o referido agressor indigno de sua associação Militar, buscando-lhe
para este juízo a publicidade da referida Carta, que de nenhuma sorte pode
esconder a sua malícia.
José de Frias e Vasconcelos, Tenente às Ordens do Quartel General.
Feliciano José Álvares Gonzaga, Assistente do Ajudante General. João Maria

508
da Gama e Freitas Berquió, Capitão e Ajudante das Ordens do Governo das
Armas. Antonio Gomes Ribeiro, Tenente às Ordens do Quartel General.
Francisco de Frias e Vasconcellos, Capitão Graduado às Ordens do Quartel
General. Francisco Vicente Souttomaior, Major às Ordens do Quartel General,
Vicente Paulo d’Oliveira Villas Boas, Capitão de Cavalaria Graduado. Manuel
Pinto Mora, Primeiro Tenente de Artilharia. Luiz Caetano da Silva, Major do
Estado Maior. Manuel Antonio Henriques Tella, Tenente-Coronel e Delegado
do Cirurgião Mor do Exército. Joaquim Francisco das Chagas, Major do 4.º
Regimento de Milícias. Antonio Aureliano Rolão, Major Comandante de
Caçadores. Estevão de Araujo Costa, Major do Batalhão de Henriques. Miguel
Joaquim Prestes, Major do Batalhão Número 14. José Soares da Costa Reis,
Capitão de Caçadores. Theodoro Fernandes Gama, Alferes. João Crisóstomo
da Silva, Ajudante de Caçadores. João Rabello Vasconcellos e Souza Coelho
Henriques, Major Graduado. João Francisco Bellegarde, Major. Feliciano
José da Silva Braga, Sargento Mor do 3.º Regimento de Milícias. Thomaz
Antonio da Silveira, Capitão às Ordens do Quartel General. Manoel Antonio
Leitão Bandeira, Major do 2.º Batalhão de Fuzileiros da Corte Francisco
Rodrigues Bravo, Capitão Ajudante do 2.º Regimento de Milícias da Corte.
Jozé da Nóbrega Botelho, Brigadeiro. José Caetano de Araujo, Major do
2.º Regimento de Milícias. Manoel Correia de Oliveira Doria, Ajudante
de Caçadores de S. Paulo. Antonio Joaquim Bracett, Major de Artilharia
a Cavalo. Luiz Antonio da Costa Ferreira, Major do 1.º Regimento da 2.ª
Linha. O Capitão do 1.º Batalhão, João Duarte Nunes. Francisco Álvares
de Barcellos, 2.º Tenente. João Gervázio de Queiroz Correia, Capitão às
Ordens do Quartel General. Francisco Maria Gordilho Veloso de Barbuda,
Brigadeiro Graduado. José da Costa Azevedo, Sargento-Mor de Engenheiros.
Francisco de Paula e Vasconcellos, Major Graduado do Regimento de
Artilharia. José Manoel Carlos de Gusmão, Capitão Graduado. João Firmino
Rangel, Capitão do Estado Maior, Joaquim Pimentel do Vabo, Tenente às
Ordens do Quartel General. José Constantino Lobo Botelho, Coronel do 1.º
Regimento de Infantaria de Milícias da Corte. Manoel Ferreira de Araujo
Guimarães, Coronel Engenheiro. José Leite Pacheco, Major de Granadeiros.
José Dias da Silva, Capitão. José Jacinto Godinho, Tenente. Carlos José de
Mello, Tenente. Antonio Wenceslau Ferreira, Ajudante. Thomé Joaquim de
Almeida Mascarenhas, Tenente do Batalhão de Granadeiros. Joaquim José
Coelho, Tenente. Francisco Rodrigues de Sá, Quartel Mestre de Granadeiros.
Pedro Francisco Guerreiro Drago, Tenente Graduado. Liberato José Feliciano
Kelly, Capitão. Antonio Gonçalves Lima, Alferes. Antonio José Teixeira,
Alferes. Vicente Ferreira de Goes, Alferes. Antonio José de Oliveira, Alferes.
Hermenegildo José de Souza, Alferes. João da Costa Pinheiro, Secretário.

509
Joaquim José de Barros, Ajudante. Lopo da Cunha d’Eça e Costa, Major
adido ao Batalhão de Caçadores de S. Paulo. José Joaquim de Lima e Silva,
Tenente-Coronel Comandante do 2.º Batalhão de Fuzileiros. Miguel Joaquim
de Andrade, Capitão do 2.º Batalhão. Jacinto Liberato Xavier de França,
Tenente do 2.º Batalhão. Manoel Pereira de Carvalho, Quartel Mestre do
2.º Batalhão. Manoel Guedes de Quinhones, Tenente do 2.º Batalhão. João
Maximo Garcia Maciel Aranha de Souza e Castro, 1.º Cadete do 2.º Batalhão
de Fuzileiros. Alexandrino José Tinoco da Silva, 3.º Cadete do 2.º Batalhão.
Domingos Caetano da Silva Homem, Capitão do 2.º Batalhão de Fuzileiros.
Francisco Joaquim Pereira de Freitas, Tenente do 2.º Batalhão. Silvestre
Joaquim Ferreira Braga, Secretário do 2.º Batalhão. Francisco Rodrigues
Rezende, Tenente do 2.º Batalhão de Fuzileiros. Antonio Salerno Toscano de
Almeida, Capitão do 2.º Batalhão de Fuzileiros. João Martins de Carvalho,
Alferes do 2.º Batalhão. João Gago de Almeida, Tenente adido ao 2.º Batalhão.
Domingos de Azeredo Coutinho, Capitão do 2.º Batalhão. Joaquim José de
Almeida, Tenente-Coronel Comandante do 3.º Batalhão. Fernando José de
Almeida, Coronel comandante do Regimento de Milícias Número 3. José
Ferreira de Macedo, Tenente da Companhia de Caçadores do Regimento
de Milícias Número 3. João Martins de Amorim, Tenente do 3.º Batalhão.
Francisco Joaquim da Mota, Alferes do 3.º dito. Francisco Manoel de Moraes,
Tenente do 3.º Batalhão. Deziderio de Sá e Almeida, Capitão. Domingos
Francisco Braga, Quartel Mestre do 3.º Batalhão. Bento José Martins, Alferes
do 3.º Batalhão. Francisco da Cunha Bassão, Major do 2.º Regimento de
Cavalaria da 2.ª Linha. Antonio Guedes de Quinhones, Sargento-Mor.
Antonio Lopes de Oliveira Belo, Coronel Graduado e Comandante do 2.º
Regimento de Cavalaria. Joaquim Francisco de Souttomaior, Major Graduado
e Ajudante de Ordens da Inspeção de Infantaria. Euzébio Pereira Machado,
Capitão do 2.º Regimento de Milícias. Izidorio d’Almeida e Castro, Coronel
das Brigadas d’Artilharia a Cavalo da Corte. João Carlos Pardal, Capitão.
Ricardo Joaquim dos Santos, 1.º Tenente da Artilharia a Cavalo da Corte.
Leandro José do Cabo, Capitão do Batalhão de Caçadores de Corte. José da
Costa e Oliveira, Capitão de Cavalaria. Manoel Antonio Vieira Perdigão,
2.º Tenente da Artilharia a Cavalo da Corte. Antonio Manoel Antunes,
Quartel Mestre. José Joaquim Januário Lapa, Capitão Lente da Artilharia
a Cavalo. Luiz Antonio Bogalbo, Ajudante. José Gonçalves Victoria 1.º
Tenente. João Português Pereira, 2.º Tenente da Artilharia a Cavalo. Manoel
Ribeiro da Cunha, 2.º Tenente. Domingos Sardinha do Amaral, 2.º Tenente.
Bernardo Dias, 2.º Tenente. Francisco de Souza Soares, Cirurgião Mor da
Artilharia a Cavalo. Manoel de Souza Brito Caldas 2º Tenente da Artilharia
a Cavalo. Manoel Martins Guimarães, 1.º Cadete da Artilharia a Cavalo.

510
Albino [Nunes] de Aguiar, 1.º Cadete da Artilharia a Cavalo. Guilhermino
Alberto, 2.º Cadete da artilharia a Cavalo. Luiz Antonio de Oliveira Bulhões,
Coronel. Francisco Carlos Moraes, Tenente-Coronel Graduado. José dos
Santos e Oliveira, Sargento-Mor Graduado. Elias Rodrigues da Silva, 1.º
Tenente. Antonio Rodrigues da Costa, 1.º Tenente. Duarte Pires Ferreira,
2.º Tenente. Roberto Pinto da Cruz, 2.º Tenente. Ângelo Felix Pamphili, 1.º
Tenente. José Joaquim de Mesquita, 2.º Tenente. José Claudio de Mello,
Capitão. Francisco José Pinto, 1.º Tenente. Francisco José dos Reis Alpoim,
Capitão de Artilharia. D. Francisco da Costa Souza de Macedo, Tenente-
Coronel Comandante do Batalhão de Caçadores da Corte. Guilherme José
Lisboa, Capitão. Antonio Correia de Araujo, Quartel Mestre do Batalhão
de Cavalaria. Francisco Ferreira Lemos, Alferes do Batalhão de Caçadores
da Corte. Manoel José Moreira, Alferes do Batalhão de Caçadores da Corte.
Francisco José Mascarenhas, Tenente de Caçadores da Corte. José Netto de
Carvalho, Capitão Graduado e Secretário. Manoel Antonio Ribeiro, Capitão.
Manoel Fonseca Lima, Capitão. Manoel Francisco Leal; Major Ajudante de
Ordens do Governo das Armas. Antonio de Almeida Feijó e Silva, Tenente
de Cavalaria. João Evangelista de Souza Guerra, Tenente. Francisco Mendes
Senna, Tenente. José da Costa Barros Fonseca, Alferes. José Feliciano Gonzaga,
Alferes.

I. ATESTAÇÃO

Atesto, que pelas boas informações da conduta do suplicante o nomeei


Alferes da Legião dos voluntários Reais de Bardez, em cujo exercício tendo
dado todas as provas do seu zelo, e atividade no Real Serviço, o Promovi
no Posto de Tenente da primeira Companhia do Regimento de Infantaria
do Brigadeiro Godinho, que atualmente ocupa, com reconhecido préstimo,
honra, e desvelo. E para que o referido conste, lhe mandei passar a presente
por mim assinada, e selada com o Sinete das minhas Armas. Dada em Goa a
quatorze de Abril de mil Oitocentos e quatro = Francisco Antonio da Veiga
Cabral. = Estava o Sinete das Armas.

II. ATESTAÇÃO

Jozé Joaquim de Lemos da Silva, Brigadeiro dos Reais Exércitos e Chefe


do primeiro Regimento de Infantaria de Linha desta Corte, por Sua Majestade
Fidelíssima que Deus guarde &
Atesto que Luiz Antonio Cau, Capitão da Oitava Companhia do
Regimento do meu Comando, se tem conduzido sempre em todos os detalhes

511
do Real Serviço, com muito zelo, prontidão, e a mais reconhecida atividade,
prestando-se a todo o cuidado, e vigilância no arranjo, e comando da sua
Companhia, que [s]e acha bem disciplinada e este Oficial é muito honrado,
hábil e cuidadoso nas suas obrigações, firmando estas boas qualidades com
o seu exato comportamento Civil, e Militar; pelo que o tem feito digno da
Consideração dos seus superiores. Passa o referido na verdade, e em obser-
vância do despacho retro do Ilustríssimo a Excelentíssimo Senhor Tenente-
-General, Encarregado do Governo das Armas, mandei passar a Presente, que
assinei e selei com o Selo das minhas Armas. Rio de Janeiro três de Setembro
de mil Oitocentos e dezesseis, Jozé Joaquim de Lima Brigadeiro e Chefe.

ORDEM DO DIA

Ordem = O Tenente-Coronel Comandante do Batalhão, Ordena: que o


Senhor Capitão da primeira Companhia Manoel Joaquim visto ter apresentado
a sua Patente, entre no exercício de Mandante, dando-lhe direito a sua maior
antiguidade e que nas respectivas funções se regule em tudo pela ordem do
Batalhão de dezessete de Agosto do Corrente ano sem a menor discrepância:
outrossim ordena, que o Senhor Capitão da quinta Companhia Luiz Antonio
Cau, que se achava até aqui naquele exercício, lhe faça entrega dos Livros
de Ordens, Escalas, e mais papéis pertencentes à responsabilidade do Posto
de Major. O Comandante está mui satisfeito com a Conduta; e atividade do
referido Senhor Capitão Cau, durante o tempo que serviu de Mandante; a
boa harmonia com que se portou com os Senhores Oficias seus Camaradas,
sem faltar aos seus deveres são igualmente louváveis; e a qual o Comandante
positivamente recomenda continue a praticar-se entre todos. O Comandante
sente grande prazer quando tem de louvar qualquer dos Senhores Oficiais
que tem a honra de Comandar, e é por isso que pede ao Senhor Capitão Cau,
aceite os seus agradecimentos. Quartel do primeiro Batalhão de Fuzileiros
vinte e três de Novembro de mil oitocentos e dezoito. = Lima, Tenente Coronel
Comandante. =

INFORMAÇÃO

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor. = Tenho a honra de levar à presença


de Vossa Excelência o Requerimento, que me apresentou Luiz Antonio Cau,
Capitão da Quinta Companhia do Batalhão, que interinamente Comando,
no que suplica a SUA MAJESTADE a Graça de o Despachar em Sargento-
-Mor Graduado do Estado Maior do Exército, em atenção aos seus Serviços
prestados nos Estados da Índia. De seus assentos consta, que sentara praça de

512
Cadete, em vinte e dois de Maio de mil setecentos e noventa e nove; Alferes
em quinze de Julho de mil oitocentos e dois; Tenente em sete de Dezembro
de mil oitocentos e três; Capitão em doze de Outubro de mil oitocentos e
onze. Os Documentos, que o Suplicante junta ao seu Requerimento, e com
os quais prova autenticamente os seus Serviços, são dignos de atenção. O
Suplicante cumpre as obrigações do seu Posto com atividade, e zelo, e os
Serviços prestados naquelas Regiões o fazem credor da graça que suplica,
e implora da Magnanimidade de El Rei Nosso Senhor. É o que me cumpre
informar a Vossa Excelência em cumprimento do meu dever. Deus guarde a
Vossa Excelência. Quartel do primeiro Batalhão de Fuzileiros dez de Agosto
de mil oitocentos e dezoito = Ilustríssimo Senhor Vicente Antonio de Oliveira
= Francisco de Lima e Silva, Sargento Mor. Comandante. =

III. ATESTAÇÃO

Os Oficiais do primeiro Batalhão de Fuzileiros desta Corte, atestam


debaixo de palavra de honra que o Suplicante Luiz Antonio Cau, se tem
conduzido até o presente no serviço do dito Batalhão, com muito boa conduta
Militar, tendo sido muito pronto no Real Serviço, e cumprindo com os deveres
de um Oficial muito honrado, tem vivido em muito boa inteligência e harmo-
nia com todos os seus camaradas fazendo-se digno por tão boas qualidades,
da nossa amizade, e atenção. E por ser verdade o referido lhe passamos a
presente por nós assinada em cumprimento do Despacho retro do Ilustríssimo
e Excelentíssimo Senhor Tenente-General encarregado do Governo das Armas.
Rio de Janeiro em vinte de Agosto de mil oitocentos e dezenove. = Justino
José Ferreira de Menezes, Capitão. = João de Barros Pereira do Lago Soares
de Figueiredo Sarmento, Capitão. = O Capitão Joaquim Alves de Oliveira. =
O capital João Duarte Nunes. = Tenente Guido José Serrão. = Tenente José
Maria Galhardo. = Tenente Antonio Pereira. = Ajudante Luiz Maria Cabral
de Teive. = Alferes, Miguel Francisco Borges. = Alferes Luiz de Araujo Souza.
= Alferes Frederico Leopoldo Cezar. = O Tenente Quartel Mestre Joaquim
Dias de Moura. = O Tenente Polidoro Henriques de Lemos. = Tenente José
Joaquim da Rocha. = O Alferes João Manoel de Lima e Silva. = O Alferes
Sebastião José de Vasconcellos. =

ACUSAÇÃO

Francisco Xavier Furtado de Mendonça, Auditor das Tropas desta Corte


e Província, previne ao Capitão Luiz Antonio Cau do primeiro Batalhão de
Fuzileiros desta Corte; que a requerimento do Brigadeiro Luiz Pereira da

513
Nóbrega de Souza Coutinho, e como parte contra ele Capitão, este deve
responder no Conselho de Guerra, a que se está procedendo; como foi a
maneira com que se preparou a Comissão, de que ele foi membro, e que dera
o parecer que tanto o Coronel Palha, como ele Capitão respondessem a um
conselho de Guerra; em segundo lugar, que o mesmo Capitão haja de espe-
cificar como ele Brigadeiro dando aquele seu parecer, que lhe foi Ordenado,
ultrapassou os limites da sua autoridade, e por que publicamente o injuria de
desacordo; e por que lhe imputa, e o faz maliciosamente aparecer ao público
sem motivo, ou causa como atropelador da Lei, ou Direito público somente
por ter dado aquele parecer, ou opinião; e para que enfim declare qual dos
nomes com que maculara a honra do seu Coronel atribui a ele Brigadeiro: e
assim que prepare sua defesa sobre estes novos artigos, que acrescem. = Rio
de Janeiro doze de Julho de mil Oitocentos e vinte e dois. = Francisco Xavier
Furtado de Mendonça.

RECONHECIMENTO

Reconheço verdadeiro o Sinal supra por semelhança de outro que tenho


visto. = Rio quinze de Julho de mil oitocentos e vinte e dois. = Em testemunho
de verdade. = Estava o Sinal público = Jozé Luiz Gama = Nada mais constava
o documento, que eu Joaquim José de Castro Tabelião do Público Judicial e
Notas nesta Corte, e Cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro e seu termo por
Sua Majestade Fidelíssima, que Deus Guarde, aqui bem e fielmente fiz extrair
a presente pública forma com o teor do próprio a quem me reporto em poder
do apresentante a quem entreguei com esta que subscrevi e assinei em Público
e raso nesta Corte do Rio de Janeiro aos dezesseis dias do mês de Julho: Ano
do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil Oitocentos e vinte e
dois: e Eu Joaquim Jozé de Castro, o subscrevi e assinei em público e raso:
Joaquim José de Castro.

___________________________________________________
N. B. Toda a pessoa que se quiser certificar da autenticidade dos
documentos acima transcritos, pode dirigir-se à Oficina de Silva Porto &
Companhia onde lhe serão patenteados.

RIO DE JANEIRO NA OFFICINA DE SILVA PORTO & C.

514
34

CARTA
AO REDACTOR DO ESPELHO.
Sobre As questoens Do Tempo

per

T.es G.os C.as

_____________________________________________
RIO DE JANEIRO
Na Typographia de Santos e Souza
M. D. CCC. XXII.

515
SENHOR REDATOR.

Juris peritorum eloquentissimus, eloquentium juris


peritissimus.1
C. pro Sc.
_____________________________

Em um dos números anteriores do seu estimável Espelho apareceu uma


queixa de Felipe de Misquitta contra o Redator da Gazeta desta Cidade,
fundada na suposição de que, o mesmo Redator deixara de propósito de
transcrever a resolução, que tomaram as Cortes Extraordinárias de pôr em
Liberdade ao Excelentíssimo Conde dos Arcos, despoticamente preso, e
ilegalmente solto por isso, que segundo as bases da Constituição já juradas,
nenhum homem deve ser preso sem processo, e pronúncia; e que sendo
cometidos os supostos crimes do Conde no Rio de Janeiro, sem a devassa
aqui tirada, ninguém em Lisboa o podia julgar inocente se não por hipótese;
é verdade que quem assim supôs, supôs bem; este modo de proceder prova
evidentemente, que o Conde foi como outros muitos, vítima de um despotismo
atroz, e inconsequente.
Esta queixa acarreou uma Catilinária ao mesmo Excelentíssimo, esque-
cendo-se o meritíssimo Redator da Gazeta por algumas horas do Cristão
conselho, predito no livro da Sabedoria. = Com ceciderit inimicus tuus, ne
gaudeas, et in ruina ejus ne exultet cor tuum2 e da regra de direito Aflictio
non est addenda aflicti[s].3
Já que vossa mercê quis, e consentiu, que o seu Periódico fosse o primeiro
em que aparecesse o desagravo de uma das vítimas da arbitrariedade, não se
admirará que lhe sejam dirigidas as seguintes regras, escritas não para abonar
a inocência de outro Conde, o meu Cliente nunca cometeu crimes, mas sim
para contar fatos, a leitura dos quais instruirá o público de alguma coisa.
O Excelentíssimo Conde de Palmela, anos depois de sua nomeação para
Ministro de Estado, apareceu nesta Corte no dia 23 de Dezembro de 1820,
e desde o 26 do mesmo mês em que tomou posse da Pasta até o dia 26 de
Fevereiro seguinte, cansou-se em ver se podia suster o edifício da Monarquia

O maior orador entre os advogados, o maior advogado entre os oradores. N.T.: Cicero,
1

De Oratore, L I,180.
Quanto cair o teu inimigo, não te alegres, nem exulte o teu coração com sua ruína. N.T.:
2

Provérbios, 24:17.
Não se deve acrescentar sofrimento a quem já sofre.
3

516
Brasiliolusa, que se desmoronava, não o conseguiu, e desenganou-se por
própria experiência sua, de que no meio de um Gabinete heterogêneo, e
anômalo, de nada valiam nem vinte anos empregados em manejar com acerto
negócios Políticos eventuais, nem a lícita intriga com que fizera em Cádis
reconhecer o direito à Coroa das Espanhas da Sereníssima Senhora Rainha, e
portanto dos seus Descendentes; nem a perspicaz, e sólida Diplomacia com que
ajustou as nossas dúvidas com a Espanha com proveito, e honra nossa, bem
que baldadamente; nem a franqueza e habilidade com que fixara os limites
Setentrionais do Brasil; nem a energia, e patriotismo com que regressar fizera
às nossas bolsas doze milhões de cruzados, já perdidos segundo a opinião de
muitos: Nem a profunda, e bem calculada invenção da anomalia em direito
público, com que legislou as Comissões Mistas: por isso que prevendo o
inevitável prejuízo individual, pode com o tal sistema obter para proveito
Nacional, o que se perderia pelos particulares; método tanto do agrado dos
Políticos sensatos que os Governos Batavo, e Espanhol traduziram, e inseriram
palavra por palavra a Convenção de 28 de Julho de 1817 nos tratados, que
sobre o mesmo assunto fizeram com a Grã-Bretanha; com estas pretensões a
um feliz êxito respirou ele o ar deste país mas teve o dissabor de ver perfei-
tamente perdido o seu latim.
Nas suas pretensões a manter em pé a Monarquia triple, já se vê que
apresentou a El Rei o plano, que ideara para o concerto do edifício, que se
deslabrava [sic], ele pôs por esboço uma carta constitucional, que El Rei
aprovou, e não chegou a assinar: sendo o Conde o primeiro Vassalo, que teve
valor de dizer ao seu Soberano de cara a cara, e sem espada em punho, que a
sua Salvação, e de Nós todos, dependia de novas leis, cimentadas sobre uma
Carta Constitucional emanada da Sua Augusta Pessoa, donde só por direito
podia afluir; esta Carta que devia ser o nosso Paládio, foi vista de muito
poucos; para que pois chegue à notícias de todos, hei-la aqui impressa, a fim
de que os espíritos verdadeiramente liberais a comparem com a Constituição
de Espanha, que na nova fundição cada vez mais adquire mais metais de toque
revolucionário, e desorganizador.

Cópia.

PROJETO DE UMA CARTA DE LEI


Dom João por Graça de Deus etc. As circunstâncias em que se acha a
Monarquia Portuguesa exigindo prontas, e adequadas providências, para
consolidar o Trono, e assegurar a felicidade da Nação sobre bases inabaláveis,
Resolvi Dar mais uma prova do constante desvelo, que me anima pelo bem

517
dos Meus Povos, Mandando imediatamente a Portugal o Meu Muito Amado
e Prezado Filho, o Príncipe Dom Pedro, munido de autoridade e instruções
necessárias, para pôr logo em execução as medidas e providências, que Julgo
convenientes a fim de restabelecer a tranquilidade geral naquele Reino, procla-
mando solenemente em Meu Real Nome, e no de Meus sucessores as bases
fundamentais da Carta Constitucional, que Concedo aos Meus Povos a saber.
1.º O poder Executivo residirá indiviso na Pessoa inviolável de El Rei.
2.º O Poder Legislativo será exercido coletivamente por El Rei, e pelas
Cortes divididas em duas Câmaras.
3.º O Poder Judicial será administrado publicamente por tribunais inde-
pendentes, e inamovíveis em Nome de El Rei.
4.º A liberdade individual, a segurança da propriedade, e a liberdade
moderada da Imprensa, a igualdade de todos os Portugueses perante a Lei;
a igualdade da repartição dos impostos, sem distinção de privilégios, nem de
classe, a responsabilidade dos Ministros, e dos Empregados do Governo, a
publicidade da Administração das Rendas do Estado serão garantidas para
sempre, e desenvolvidas pelas Leis da Monarquia.
Sobre estas bases por Mim outorgadas se reformará em Cortes a
Constituição dos Reinos de Portugal e Algarves, a qual Me será transmitida
pelo Príncipe Real, a fim de receber, sendo por Mim Aprovada, a Minha
Régia Sanção.
Para se adaptar a Constituição, que se há de formar sobre as mencionadas
bases, à povoação, localidade, e demais circunstâncias do Reino do Brasil;
assim como das Ilhas, e Domínios Ultramarinos, que merecem igualmente a
Minha Real Contemplação, e Paternal Cuidado; Hei por conveniente Mandar
convocar nesta Capital uma Junta composta de Procuradores, nomeados
pelas Câmaras das Cidades, e Vilas principais do Reino do Brasil, Ilhas e
Domínios Ultramarinos, para que reunida aqui o mais prontamente que for
possível, debaixo da Presidência da pessoa que Eu Houver por bem Escolher,
proponha o modo mais conveniente de dar a possível unidade ao Sistema
Constitucional de toda a Monarquia, aplicando a este Reino, e mais Domínios
da Coroa Portuguesa, as referidas bases por Mim Concedidas a todos os Meus
Povos; e proponha igualmente quaisquer melhoramentos que parecerem mais
conducentes ao bem geral destes Estados. E para acelerar estes trabalhos
Hei outrossim por bem Criar desde já uma Comissão, que entrará imediata-
mente em exercício composta de pessoas residentes nesta Capital e por Mim
Nomeadas a fim de preparar as matérias de que se há de ocupar a Junta dos
Procuradores das Câmaras.

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Pelo que Mando aos Meus Ministros e Secretários de Estado, que nesta
conformidade o façam publicar dando-lhe a devida execução, cada um pela
parte, que lhe compete nas suas respectivas repartições etc. Dada no Rio de
Janeiro aos 22 de Fevereiro de 1821.
Rotas todas as curvas, que atracavam a Nau do Estado, seguiu o Conde
o destino da Corte e teve o horroroso dissabor de se ver acorrentado com a
ronha, a simplicidade, o Ganimedismo, (dispense a expressão) a estupidez, a
desmoralização, a malícia, = il mezzo termino4 = (outra desculpa) e a ladroeira;
então gemeu o seu generoso coração, e buscou o desabafo na seguinte Carta,
que nem viu a luz do dia, nem teve resposta, porque em Lisboa, bem como
em Paris em certa Época, (e o mesmo querem macaquear por cá,) havia só
liberdade de imprensa para o partido dominante, imprimia-se só o que a ele
lhe convinha; foram palavras de Fouchet.

Cópia

ILUSTRÍSSIMO E EXCELENTÍSSIMO SENHOR


Em consequência do Aviso que Vossa Excelência me dirigiu datado de 11
do corrente aprontei-me com a brevidade possível para ir residir, juntamente
com a família, em distância, pelo menos de 20 léguas da Corte, e 10 léguas
da Costa do mar, segundo a deliberação tomada a este respeito pelas Cortes
Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, e tenciono desembarcar hoje
para seguir imediatamente a mesma jornada. Obedecendo assim às ordens
que me foram intimadas, seja-me lícito declarar que eu cheguei a Portugal
com o único desejo, e com a esperança de viver retirado em minha Casa,
e no seio da mesma família, fortuna de que bem pouco tenho gozado no
decurso de minha vida, quase inteiramente consagrada até agora ao serviço
do Monarca, e do Estado, que sempre reputei inseparáveis.
Não me toca avaliar até que ponto os serviços que prestei na Carreira
Diplomática possam ser dignos de louvor, mas persuado-me que, pelo
menos, eles não merecem a animadversão da minha pátria, cujos interesses
promovi quanto em mim coube sustentando, com independência, e firmeza,
a Dignidade Nacional. Fácil será a todo o tempo o averiguarem-se os bons
ou maus serviços que prestei nas Cortes Estrangeiras, visto existirem no
Ministério competente registradas as ordens que me foram expedidas, assim
como os meus ofícios, dos quais necessariamente constam todas as relações
que tive com o Governo, no desempenho das comissões de que Sua Majestade
se dignou incumbir-me.

4
O meio-termo

519
Protesto pois que de nenhum modo me considero como um dos autores
das desgraças da nossa Pátria, porque, ainda supondo erros, ou mesmo crimes
por mim perpetrados no breve espaço de tempo em que exerci o Cargo de
Ministro de Estado, bastará observar, que comecei a exercer no fim do ano
de 1820, e que portanto não se podem certamente atribuir ao meu Ministério
aqueles males de que a Nação anteriormente se queixava. Além de que não
me acusa a consciência de haver encoberto a verdade, nem dado conselhos
perniciosos a Sua Majestade enquanto tive a honra de entrar no seu Gabinete.
Igualmente protesto que, bem longe de dever ser reputado inimigo do
sistema Constitucional, nenhum Português desejava, mais do que eu, ver
proclamados nesta Monarquia aqueles princípios essenciais de liberdade;
que o Congresso Nacional sabiamente enunciou no 7.º artigo já aprovado
da Constituição* como devendo servir de base fundamental a toda ela; e em
confirmação desta verdade ousarei até mesmo invocar a Alto testemunho de
Sua Majestade.
Rogo a Vossa Excelência que não havendo inconveniente, queira
fazer chegar, esta breve exposição ao Conhecimento das C.G.C.5 da Nação
Portuguesa, perante as quais responderei sempre como devo respeitosamente
a qualquer inculpação que se me faça; não me julgando igualmente obrigado
a repelir todas as calúnias que se tem espalhado contra mim por meio da
Imprensa, porque a maior parte delas por absurdas, e por se contradizerem
umas as outras, não merecem refutação.
Concluirei, asseverando a Vossa Excelência que, fiado na minha cons-
ciência, e no espírito de justiça, assim como na nobreza do caráter da Nação
Portuguesa, não receio que a minha segurança pessoal corra o menor risco,
nem na Capital, nem em qualquer outra parte deste Reino onde eu haja de
habitar.
Deus Guarde a Vossa Excelência m. an. a bordo da Fragata Princesa Real
surta no Tejo, 19 de Julho de 1821. = Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor
Joaquim José Monteiro Torres. = Conde de Palmela.
Eu não sei se tenho dito em demasia a favor do Excelentíssimo Conde,
o certo é, que quem me suscitou estas ideias verdadeiras foi o autor de uma
carta traduzida no Courier de 29 de Outubro, do Universal de Madri de 12
do mesmo mês; ei-la aqui em parte.

*
O artigo 1.º Diz. A Constituição Política da Nação Portuguesa tem por objeto manter
a liberdade, segurança, e propriedade de todo o Cidadão.
Os outros artigos não sei se correspondem, mas é natural que sim!
5
N.O.: Cortes Gerais e Constituintes.

520
Notícias de Paris de 28 último dizem, que entre os Portugueses
Anticonstitucionais ali residentes, se dizia confidencialmente, que o Conde de
Palmela tinha obtido licença do Governo para sair do Reino; parece que esta
notícia fizera agradável sensação nos tais Anticonstitucionais, porque dizem
eles, como o Conde é o único Diplomático Português com merecimentos, e
como mantém íntimas relações com os Ministros das Grandes Nações, inimi-
gas do sistema Constitucional da Espanha, a sua presença será suficiente para
determinar estas a mandarem tropas, que destruam o sistema estabelecido
em Espanha, e Portugal.
Eu não sei, continua o escritor da Carta, que fundamento tem esta
notícia, porém parece inconsequente, que o Governo Português se resolva a
suspender o recente Decreto das Cortes, que confinou o Conde em Portugal.
Não há dúvida alguma que aquele Nobre, antes mesmo ir para Cádiz, gozava
da reputação de ser um Liberal, e que ele figuraria melhor à frente dos
Constitucionais do que no Gabinete de El Rei; mesmo depois do Congresso
de Viena aonde o Conde esteve. Tanto em Londres onde foi Ministro como
em Paris, ele viveu sempre em amizade com muitos Liberais, obsequiava-os
em sua casa, e visitava-os nas suas; por isso lendo o Decreto das Cortes no
dia da chegada do Rei, nos espantamos de ver o Conde incluso nele como
inimigo das instituições novíssimas Nós pensamos que uma corporação tão
numerosa não se deixaria surpreender; e certamente grandes, e ponderosas
razões teria para adotar tais medidas de precaução contra um Cidadão conhe-
cido, e até ali tão justamente estimado. Por outro lado o silêncio guardado
pela Corte três meses há do desterro do Conde, prova algum tanto, que o
seu castigo não foi injusto. Seja o que for, se o Conde é criminoso, deve o
Governo obrigá-lo a sofrer a pena imposta, e vedar-lhe a saída do Reino; e
se é inocente, é da prudência do Governo suspender a licença dada, porque
nas conjecturas presentes pode ser prejudicial o permitir a estada fora do
Reino a um homem de talento, e saber, irritado pela injustiça sofrida, e que
mantém íntimas relações com os nossos poderosos inimigos etc. etc. etc.
Como são dignos de notar nesta carta os elogios dados ao saber do
Conde, e às suas opiniões políticas filhas da Ordem, da razão, e da justiça
eterna; o Conde como, se deixa ver do projeto da sua carta Constitucional,
crê, que todos os funcionários públicos, desde o Rei até o Carrasco, têm,
marcada por lei a jurisdição, que ao seu lugar a mesma confere, e portanto
aborreceu sempre, como homem cheio de ideias justas, e liberais, os abusos
da autoridade, fossem eles feitos por quem fossem; e foi por ouvirem ao
Conde discursos a favor da Ordem, que os revolucionários inferiram, que
ele era um Liberal a seu modo: Cegos pelo desejo de mandar; aturdidos

521
pelo brilho das distinções, que ambicionam, invejosos dos bens alheios por
que suspiram, e que, como esfomeados Lobos, já devoram na imaginação,
assentaram, que declamando o Conde contra os abusos, queria destruir o
edifício social, que só necessitava de reparo. O Conde crê, que a Soberania
é um emprego público; crê, que o exercício desta hereditariamente estabele-
cido só produz bens, sendo bem zelado, e que sendo eletivo, quanto mais se
zela, mais males produz; Crê, que El Rei, possuidor da Soberania é, e deve
ser origem de todas as graças, e mercês, e que na distribuição destas deve
ter em vista sempre a propriedade; Crê, que ao homem, que se distingue por
serviços relevantes feitos ao público, se lhe deve prodigalizar a propriedade,
e as honras, e distinções ao mesmo por ser já proprietário; Crê, que para
fazer leis o homem proprietário tem só o direito, porque tendo estas por
segundo alvo a conservação da mesma propriedade, o interesse próprio o
força a legislar com acerto; Crê, que os homens literatos devem adquirindo
propriedade, dar clara e evidente prova do seu saber; Crê, que ao homem
simplesmente estudante se lhe não deve confiar assento em Cortes, porque
a necessidade de gozar o há de inclinar a propor medidas, que lhe facilitem
a aquisição de propriedade independente, ainda que seja com a ruína da
propriedade alheia; Crê, que os empregos públicos devem ser dados àqueles,
que estudaram a matéria, e assunto do emprego, e dão provas de a saber; Crê,
que adquirindo eles propriedade nos manejos de que foram encarregados,
se lhes devem abrir as portas das honras, e distinções; Crê, que então sendo
proprietários adquirem, e têm direito de ter assento em Cortes, ou coisa, que
com isso se pareça; Crê, Deus sabe o que ele Crê, o Certo é que este limitado
Credo é o resumo Político da Crença de quem lhe está escrevendo, e o único
sistema civil, que tem elevado um bem limitado país ao cume da grandeza,
e poder a que jamais chegou Nação pretérita.
Nada há mais fácil do que conhecer o Lobo por mais, que se embrulhe
em pele de Ovelha; quer o Conde esteja inocente, quer criminoso, esteja
preso porque assim convém a estes novos Decênviros; que justiça! Que
conservação de liberdade individual! Que segurança pessoal se não goza por
lá! Pobre humanidade como és ludibriada! Que Diplomáticos estão hoje em
Madri! Se o Autor da Carta infere do silêncio da Corte o crime do Conde,
como a conhece! Que papel não há de fazer na sua nova carreira este novo,
e presumido Marlborough!

FIM

[JOSÉ SILVESTRE REBELO]

522
35

CARTA
APOLOGETICA, E ANALYTICA
AO REDACTOR
DO PERIODICO INTITULADO
O PORTUGUEZ,
IMPRESSO EM LONDRES.
POR
JOAQUIM NAVARRO DE ANDRADE,
DIRECTOR LITERARIO
DA ACADEMIA DA MARINHA, E COMMERCIO
NA CIDADE DO PORTO.

Non mihi....... sed rationi...


Milito.1
Scaliger.

LISBOA.
NA TYPOGRAPHIA ROLLANDIANA,
_____________
1822.

Não luto por mim, mas pela razão.


1

523
Senhor Redator.

Pour mieux tromper... [ses yeux] ton adroit artifice


Fit à chaque vertu prendre le nom d’un vice:
Et par toi de splendeur faussement revetu
Chaque vice emprunta le nome d’une vertu.2
Boileau, Sat[ira] 12.

Topando no seu Periódico, Número 70, página 336, com certa passagem que
me é relativa, e que Vossa mercê intrometeu com o jeito, que lhe foi possível,
no meio dos elogios e vitupérios que a torto e a direito distribuiu às Cortes,
e ao Governo de Portugal, cerzindo esses remendos de tal arte, que parecesse
vir tudo muito a propósito, e não de indústria, e forçadamente: confesso-
-lhe, que essa leitura, pela parte que me toca, foi ao princípio tão indiferente
para mim, que me não interrompeu a continuação dela, tendo eu a paciência
de levar ao fim o seu discurso, e de seguir a esteira de suas reflexões. Não
deixando todavia de repetir depois a mesma leitura do artigo, que me dizia
respeito; e atentando que Vossa mercê, assim pelo teor honrado de ganhar
a sua vida, escrevendo, como por satisfazer as encomendas, que daqui lhe
enviam indivíduos perversos, de moralidade infernal, e profundamente roídos
de inveja estéril, se prestara de bom grado a tão danadas sugestões, sem
outro intento, que não seja o de fazer mal, e de indispor a opinião pública,
no caso de possibilidade, em manifesto detrimento dos cidadãos honrados,
que toda sua vida tem consumido em laboriosas fadigas, e em benefício e útil
serviço da Nação, e do Rei; sou forçado, sem embargo de ter para mim, que
a melhor resposta a semelhantes inépcias seria o mais desprezador silêncio,
e de não correr a menor obrigação de dar a Vossa mercê, e aos seus infames
correspondentes a este propósito, quaisquer satisfações; sou forçado, digo,
por honra minha, por contemplação ao público, e até por desenfadamento
na tarda convalescença do terceiro insulto violento de gota, que há um ano
me tem atormentando, a analisar de alguma sorte o mencionado artigo, para
que, todos os seus leitores, se não estiverem já desenganados, como é de crer
da maior parte, acabem consigo de capacitar-se, assim do espírito maligno, e
sinistros e sórdidos fins, que em seus discursos se tem proposto, como da sua

2
Para melhor enganar... [seus olhos] teu hábil artifício
Faz cada virtude tomar o nome de um vício:
E por ti falsamente de esplendor revestido
Cada vício toma o nome de uma virtude.

524
falta absoluta de exação na continência deles, e da péssima Lógica de suas
conclusões, ou tácitas, ou claramente expressas.
Começa Vossa mercê, como se muito se carecera do seu voto e conceito
para a nossa íntima convicção, ou como se Vossa mercê fora capaz de fazer
mudar os sentimentos, e opiniões já tomadas, no caso de serem contrárias,
liberalizando muito secamente, e em tom dogmático os seus devidos gabos
às Cortes pelo bem que têm feito, concluindo logo, que devemos ter muitas
esperanças de ver consolidada a pública felicidade, e a nossa desejada rege-
neração política. Esses louvores, de que certo as nossas Cortes não precisam,
e que vieram mui tardios, em razão da distância, para fazerem vulto com os
de toda a Nação, que muito unânime tem reconhecido e apregoa mui alto
e bom som o incansável zelo e desvelada assiduidade e eficácia, com que se
afervoram na pesquisa dos meios mais próprios e conducentes para firmar
de um modo permanente e inconcusso a prosperidade nacional, são todavia
bem depressa desmentidos por Vossa mercê mesmo, quando por uma maneira
indireta, mas clara e perceptível, as taxa e argui de consentirem, achando-se
exclusivamente revestidas do Soberano Poder Legislativo e Constituinte, que
se retarde a suspirada consolidação da pública felicidade, atribuindo este
prejudicial retardamento ao consentido desleixo e remissão do Governo,
que ainda conserva nos principais Empregos gente ignorante, ou servil. Que
mescla de louvores e vitupérios, Senhor Redator! Que estranha contradição
e despejo em suas expressões e sentimentos! Eu deixo este assunto que me
não pertence imediatamente: as Cortes, e o Governo que agradeçam, despre-
zem, ou estranhem a Vossa mercê o que a Elas, e a Ele em seus desvairados
e tortuosos discursos lhes cabe, se acaso na complicação de tão numerosos e
graves negócios, em que tão assiduamente, e com tanto esmero se empregam,
lhes sobra um momento para também se ocuparem de Vossa mercê, do que
bem duvido.
Mas Senhor Redator, que provas oferece Vossa mercê bem decretórias
e decisivas, que sirvam de sólido fundamento a sua gratuita afirmação sobre
a ignorância, e, para usar do termo da moda, servilismo dos Empregados,
de que Vossa mercê fala? Não há coisa mais fácil, do que chamar a qualquer
ignorante, e servil, e ainda alcunhá-lo de mil outros nomes injuriosos, acumu-
lando-o de impropérios, assacando-lhe a seu alvedrio rebaixadores aleives, e
invectivando, quanto se queira, sobre suas luzes, opiniões, e comportamento
moral, religioso, e político. Destas palavras insultuosas, ainda sem recorrer
a dicionários, não há quem não saiba um grande número; qualquer, pode a
seu sabor, usar delas em menoscabo das pessoas mais abalizadas em talentos,
virtudes, e serviços; Vossa mercê mesmo, que tão sentencioso se ostenta e
assoalha, que tanto presume de si, e que tão arrogantemente alardeia a sua

525
vasta erudição, apurada crítica, e altos conceitos, pode com a mesma facili-
dade ser chamado ignorante, infame, perverso etc. etc. etc. Que solte e profira
semelhantes proposições um homem desbocado, insolente, sem educação,
sem princípios, sem cortesia, sem moral, e que se não propôs nunca, nem se
lembrou jamais de ser exato no que diz, como por cá muitas vezes acontece
aos Arrieiros, e regateiras, e outros indivíduos dessa estofa, muito embora;
não têm mais em seu poder; satisfazem ao que se propuseram, que é insultar,
injuriar, deprimir; mas que um homem do toque de Vossa mercê queira imitar
semelhante ralé, apresentando proposições tão soltas e enxovalhadoras sem
ao menos serem escoradas em alguma sombra de provas e documentos, que
as tornem verdadeiras, ou críveis; isto é o que muito deve maravilhar, e prin-
cipalmente havendo já passado tantos séculos, depois que perdeu todo o peso,
e autoridade o “Magister dixit”,3 por mais esforços sempre frustrados, que
Vossa mercê tenha com tão presuntuosa ousadia, e indesculpável temeridade
empregada para o apropriar a si mesmo!
Eu não duvido, Senhor Redator, que haja entre os Empregados de todas
as repartições alguns indivíduos, nos quais possa recair suspeita, probabili-
dade, ou ainda certeza de lhes competirem essas qualidades, com que Vossa
mercê os denomina: são homens, e se todos os homens foram Anjos, bem
escusado seria haver no mundo Legislação; mas assim mesmo, sobre ser
indispensavelmente necessário provar de um modo irrefragável o que Vossa
mercê deles tão afirmativamente decide, de que gênero de Dialética deduziu
Vossa mercê a infernal, e antifilosófica regra de estabelecer proposições, ou
princípios gerais sobre fatos solitários, particularíssimos, não provados, senão
por sua simples afirmação? Que seria das ciências físicas, morais, e políticas,
se os filósofos, que tão profundamente se têm delas ocupado, adotassem o
erradíssimo e acanhado teor de raciocinar, de que Vossa mercê usa sempre,
que é privativamente seu, e de alguns outros do mesmo jaez, que por cá
temos, e que têm proclamado, até por escritos impressos, o mesmo método,
e as mesmas não provadas proposições?
Tem-se dito muitas vezes, e eu o repetirei também, que de nenhuma
forma se segue de um fato particular uma conclusão geral; que por haver um
Ministro, um Desembargador, um Eclesiástico, um General, um Coronel,
um Soldado, um Professor, um Discípulo, um Negociante, um Fidalgo,
um Plebeu, em uma palavra, um indivíduo prevaricador, ignorante, servil,
ou tudo o que Vossa mercê quiser, de modo nenhum se pode deduzir, que
devam igualmente ser compreendidos na mesma tacha todos os indivíduos
pertencentes, por um vínculo geral qualitativo, às sobreditas diferentes classes;

3
O mestre disse.

526
porque segundo este modo de raciocinar seguir-se-ia também, que visto que
um homem é mau, todos os homens são maus; que por ser Vossa mercê um
perverso, todos os homens são perversos: veja Vossa mercê se lhe faz conta
esta minha consequência tão exata, como a sua.
Não estribando Vossa mercê pois em nenhuma sorte de provas a sua
afrontosa e danada proposição sobre a ignorância, e servilismo dos emprega-
dos públicos; parece-me não ser necessária muita perspicácia para descortinar
os fins, que Vossa mercê, e outros que tais, se têm proposto na sua extrema-
mente grosseira, imoral, e descomedida loquacidade: de duas uma: ou Vossa
mercê, ostentando-se liberalíssimo, resvalou em caluniador, e atrozmente
satírico, julgando ser isso bastante, e o mais fácil meio de granjear essa alta e
brilhante qualificação, desacreditando os outros sem provas, inculcando da
mesma sorte os seus defeitos imaginários, e dando-os assim por inabilitados
para a sua permanência, ou continuação no serviço Nacional; ou tem para
si que são da essência dos empregados públicos as qualidade de ignorante,
ou servil.
No primeiro caso pode Vossa mercê não desistindo de seu infame
propósito, continuar em suas tentativas, ainda que não seja certo, que delas
venha a conseguir o que se lhe antolha, e deseja; visto não avultar por cá tão
cerrada ignorância, que por esse ardil industrioso, e baixo se iludam os outros,
e ainda menos as Cortes, e o Governo, sendo mui outra a regra de medir os
talentos, as virtudes, e a necessária aptidão para os Empregos; mas Vossa
mercê, pondo exclusivamente a mira em seus intentos, e persuadindo-se ser
essa traça mais eficaz para a consecução deles, procede coerente com o plano,
que imaginara, e não releva desviar-se dele um só ponto, na certeza de que
assim caminhará sempre com mais desembaraço, e sem tanta facilidade de
tropeço em uma vereda plana, igual e desempeçada de todos os obstáculos, em
que aliás poderia a cada passo embicar: sim, Senhor Redator, deitem-se por
terra, demitam-se, e removam-se de todo, de um golpe quantos empregados
ainda se conservam em seus lugares; porque fica sendo depois muito mais
provável, que, devendo eles, que não são pouco numerosos, ser dignamente
substituídos; Vossa mercê, que tão antecipado e astuto madruga, inculcando
a seu modo todo o cabedal das ideias favoritas, tenha por fim a sua desejada
vez, e obtenha alevantar-se airoso e ufano sobre as ruínas dos outros.4

4
N.A.: No dia 11 do corrente mês de novembro lia eu este artigo (por desafogo) a um
amigo meu: no dia seguinte o repeti da mesma sorte a outro, ambos homens de bem,
e testemunhas maiores que toda a exceção, cujos nomes de propósito aqui omito. No
dia 13, de correio nesta cidade, li os Diários do Governo, onde vinha a lista dos novos
Diplomáticos, da maior parte dos quais não tinha eu conhecimento; mas ouvi, que entre
os Adidos aos Encarregados de Negócios nas diferentes Cortes vinha também o nome

527
La noirceur masque en vain les poisons qu’elle verse,
Tout se sait tôt ou tard, et la vérité perce.5
Gresset, le Mechant, act. 3.

Mas ainda sendo este o fim, a que Vossa mercê se propõe, e deseja,
bárbaro na verdade e desumano pelos meios, de que se serve para o conse-
guir, e que muitos mais bárbaro e desumano se tornaria, verificando-se em
Vossa mercê, no caso de o alcançar, a odiosa doutrina de Helvécio, em geral
inadmissível, posto que não desdiga, em parte do caráter, e sentimentos
que Vossa mercê tem ostentando:6 tão poucos terços, tão empanados esta-
rão seus olhos, que não enxerguem logo a série incalculável de funestas e
negras consequências, que o futuro pejado das insidiosas maquinações do
presente, com tanta imoralidade por Vossa mercê e por muitos outros a seu
sabor tramadas, acarretará cedo ou tarde sobre a Nação, amalgamando,
por sua alquimia infernal, a inocência e virtudes reconhecidas da maioria
de cada uma das classes dos indivíduos constitutivos do Corpo Social com
as faltas de circunspecção, ou ainda crimes de poucos? Semeando e promo-
vendo a desconfiança, a cizânia, a discórdia dos cidadãos entre si, em vez
da tranquilidade, sossego e harmonia, que Vossa mercê, não identificando
os vícios, e os crimes com as virtudes, e merecimento, devia com todas suas
forças negociar, e persuadir? Desengane-se, Senhor Redator, com palavras
ruidosas, com aleives, calúnias, e impropérios, desacompanhados de provas
e argumentos irresistíveis não há eloquência, que possa convencer, se não
a mais estúpida e a plebeia credulidade, à qual decerto não chegam os seus
escritos incendiários, e desorganizadores; mas assim mesmo, sem convencer,
nem persuadir, não deixaria Vossa mercê talvez de lograr a sanguinolenta e
ferina consolação de colher, do que Deus nos livre! Os danados furtos das
sementes que espalha, e de observar um manancial inexausto de desgraças
nacionais, se as providentíssimas e muito sábias Disposições das Cortes, e

de Vossa mercê, não sei para qual delas. E não podendo deixar de lisonjear-me, assim
por haver eu atinado em minhas conjecturas, como por ver o princípio do galardão de
seu merecimento, dou a Vossa mercê os devidos parabéns. Agora tudo irá bem!
5
A negritude tapa em vão os venenos que derrama, / Tudo se sabe cedo ou tarde, e a
verdade elucida-se.
6
N.A.: Il est des hommes malheuresement nés, qui ennemis du bonheur d’autrui, desirent
les grandes places, non pour jouir des avantages qu’elles procurent, mais pour gouter le
seul plaisir des infortunés, pour tourmenter les hommes, et jouir de leurs malheures. [Há
homens mal nascidos que, inimigos do bem-estar alheio, desejam as posições importantes,
não para gozar de seus benefícios, mas para desfrutar do único prazer dos infortunados
que é atormentar os homens e divertir-se com suas desgraças]. Helvet. Disc. 3. Cap. 12.

528
do Governo, aventando com perspicaz sagacidade os efeitos desastrados da
intriga, e das facções, que tal perversidade, e malévolos intentos chegariam a
verificar, não fizessem, cautelosos e circunspectos, abortar tão antipacíficos
e antissociais desígnios, e abafando com arte maravilhosa os sons discordes
e dissonos da desesperação ilegalmente irritada, sobressair, por seus retos e
justos procedimentos, a suspirada harmonia7 em todas as classes, e ordens
do Estado, as quais, ainda que diversas e numerosas, não deixam de ser ao
mesmo tempo compatíveis com a bem regulada Liberdade.8

7
N.A.: Ut in fidibus ac tibiis, atque cantu ipso, a vocibus concentus est quidam tenendus
ex distinctis sonis, quem immutatum ac discrepantem aures eruditæ ferre non possunt;
is que concentus, ex dissimillimarum vocum moderatione, concors tamen eficitur et
congruens: sic ex summis et infimis et mediis interjectis ordinibus, ut sonis, moderata
ratione, civitas consensu dissimilli morum concinit; et quæ harmonia a musicis dicitur
in cantu, ea est in civitate concordia, arctissimum atque optimum omni in republica
vinculum incolumitatis; quæ sine justitia nullo pacto esse potest. [Como nas liras e nas
tíbias, e no próprio canto, há certa consonância de tons que se obtém de sons distintos,
a qual, quando é invariável e discrepante, não pode ser suportada por ouvidos instru-
ídos; e tal consonância, a partir da regulação dos tons dissímiles, torna-se concorde e
congruente: assim, a partir das ordens maiores, menores e médias entrepostas como
os sons, a cidade, regulada pela razão, ajusta-se pelo consenso dos dissímiles; e o que
no canto é chamado de harmonia pelos músicos, esta é na cidade a concórdia, o mais
estreito e excelente vínculo de segurança em toda república – a qual, sem justiça, não
pode manter nenhum pacto]. Cicero. De Republica.
‘Twas then, the studious head, or gen’rous mind,
Follow’r of God, or friend of human-kind;
Taught Powr’s due use to People and to Kings,
Taught nor to slack, nor strain its tender strings,
The less, or greater, set so justly true.
That touching one must strike the other too;
Till jarring int’rests, of themselves create
Th’according music of well-mix’d state.
[Houve então, a cabeça estudiosa, ou generosa mente
Seguidora de Deus, ou amiga da humanidade;
Ensinou o devido uso do Poder ao Povo e aos Reis,
Ensinou a nem afrouxar, nem esticar suas delicadas cordas
A menor, ou maior, tão bem ajustadas
Que tangendo uma, deve-se também tanger a outra;
Até que interesses conflituosos por si mesmo criem
A música harmônica de um Estado bem organizado]. Pope, Essay on Man, Ep.III.
8
N.A.: ...... And if not equal all, yet free,
Equally free: for orders and degrees
Jar not with liberty, but well consist.
[…… E se não todos iguais, no entanto livres,
Igualmente livres: pois ordens e graus

529
No segundo caso, isto é, se aos Empregados públicos são inerentes e
essenciais as qualidades de ignorante, e servil, como Vossa mercê tão generi-
camente parece inculcar; sendo aliás certo, como deve saber, que a essência é
inseparável das coisas, e que ela mesma as constitui, necessariamente se segue
de tão errôneos princípios o imperdoável e criminoso absurdo de ficarem
na mesma nota compreendidos, não só alguns dos nossos mais abalizados
Regeneradores, que se achavam, e ainda atualmente se acham ocupando
importantes e respeitáveis empregos públicos, mas também os que, expul-
sos os presentes servidores do Estado, vierem substituí-los em seus cargos,
revestindo-se, no momento da passagem para a sua nova ocupação e exercí-
cio, das qualidades de ignorantes, e servis, perdendo ao mesmo tempo as de
sábios, e liberais, que dantes os caracterizavam e distinguiam; porque tal é
a essência, tais os atributos dos Empregados públicos, segundo a opinião e
doutrina, que Vossa mercê professa: que moral! Que Religião! Que Filosofia!
Ou antes que amor próprio, encapado no manto do amor do bem público!!!
Prossegue Vossa mercê em seu danado propósito abalançando-se à ousa-
dia imodesta e punível de dar conselhos ao Governo, inculcando-lhe a prática
da áurea regra, de que os Cargos não são propriedades de ninguém, mas do
Estado, que os deve prover em quem melhor os possa servir. E carecia Vossa
mercê para isso de afortalezar-se na opinião de um Ilustre Deputado, como
se ela fosse inexpugnável, e tivesse já o cunho da infalibilidade? Julgou neces-
sário socorrer-se a tão firme escora em um artigo de verdade tão óbvia, por
todo o mundo conhecida, e mais velha do que nós, quando para menoscabar
e denegrir tão indiscriminadamente os empregados nos lugares principais da
Nação de nenhuma prova, de nenhuma autoridade, de nenhum testemunho
necessitou, contentando-se por oca vaidade com a sua simplíssima afirma-
ção? Mas tal é, e foi sempre a manha dos caluniadores, e malévolos: tudo
palavras balofas, e vazias de sentido, não lhe correspondendo realidades;
tudo impropérios, tudo aleives, tudo insultos, que possam lisonjear, e iludir
os descautelosos, e ignorantes, os quais muito folgam, por inveja, disposição
natural, têmpera de perversidade incompescível [sic] ou intolerância dos que
por suas luzes, eminentes lugares, e virtudes os rebaixam e assombram, com o
entretenimento da mordacidade e da sátira; e nada de razões, nada de provas,
nada de argumentos.
Quem não convirá com Vossa mercê, que os Empregos se Devem confe-
rir a quem os merece e bem sirva? Mas não é igualmente justo, e do mais
forçoso dever, que se não despojem deles os que têm dado todas as provas

Não conflitam com liberdade, mas bem se ajustam.] [John Milton] Paradise Lost.
Book V. v.791-93.

530
de abalizado merecimento, e bom serviço? E a que fim o seu desnecessário e
petulante conselho à Regência, que taxada por Vossa mercê de notavelmente
remissa na página 336, e depois na página 338 tão justamente louvada por
Vossa mercê mesmo, tendo governado com muito boa-fé, mostrado a energia
necessária, salvado a causa da Liberdade com o assegurar a força militar e civil
em boas mãos, e caracterizando Vossa mercê, como devia, os membros, que
a constituíram, por dignos e beneméritos servidores do Público? Que pueril,
ou, antes, que atrabiliária contradição! Vossa mercê não podia conseguinte-
mente ignorar a falta absoluta de necessidade de seus desassisados avisos e
insinuações, desacatando com a mais insultadora e descomedida arrogância
o respeitabilíssimo Corpo do Governo; mas a sua desmesurada presunção,
e os fins particulares e sinistros, que Vossa mercê se propôs nos vitupérios
da primeira daquelas páginas, e dos elogios e louvores prodigalizados à
Regência na segunda, não puderam reprimir a ostentação de seus conselhos
no primeiro caso, e dos seus sentimentos no segundo; porque assim o requeria
a duplicidade de suas tensões, ainda que saltasse aos olhos a sua miserável
contradição, vituperando e louvando ao mesmo tempo: todo o caso estava
em satisfazer Vossa mercê seus intentos. E deixando o segundo a quem toca;
estreitar-me-ei unicamente ao primeiro, que me é relativo.
Tendo Vossa mercê nas precedentes linhas, depois de um rápido elogio às
Cortes, estranhado à Regência a sua falta de cooperação e auxílio, acusando
a sua notável remissão, por se acharem ainda os Cargos principais em poder
de gente ignorante, ou servil, e dando-nos boas esperanças de ver consolidada
a nossa Regeneração política, à vista do bem que as mesmas Cortes têm
feito; assim como tirando-nos essas esperanças de uma pronta verificação do
sistema de Liberdade pelo desleixamento do governo, que persiste em conser-
var ocupados indivíduos ignorantes, ou servis; aconselhando imediatamente,
que os cargos, propriedade do Estado, se devem prover em quem melhor
os possa servir; passa logo a falar de mim, como um exemplo, em que recai
aquela notável remissão e falta de energia do Executivo, taxando-me por
consequência de ignorante ou servil, e apontando-me em seus altos conselhos
por mau servidor da Nação; nem outra interpretação se pode deduzir do
espírito e continência do seu discurso, sendo impossível descortinar outra
nenhuma conexão entre mim, e o que Vossa mercê precedentemente escrevera.
Ignorante. Ora, Senhor Redator, que mal ocasionei eu a Vossa mercê
para assoalhar tão desapiedadamente por toda a parte a minha ignorância?
E que provas oferece Vossa mercê aos seus Leitores desta qualidade, que tão
generosamente me atribui? Tão desapercebidos os julgava Vossa mercê a meu
respeito, que sem elas de bom grado e sem a necessária convicção precedente

531
jurassem logo in verba Magistri?9 Que insulto em reputá-los tão aparelhados
para uma cega crença! Que louca vaidade da parte de Vossa mercê em tomar
e oferecer as suas palavras insidiosas como demonstrações irresistíveis! Sabia
Vossa mercê o efeito, que esta sua gratuita afirmação produziria no Governo,
que felizmente não é tão leve e desarrazoado, como Vossa mercê quereria que
fosse, para matar a insaturável sede, em que mostra abrasar-se das desgraças
do seu próximo, de que nenhum prejuízo pela minha parte lhe tem recrescido,
que pudesse ao menos pretextar a sua vingança? Sabe Vossa mercê o que
de alguma sorte me consola nesta infelicidade de merecer-lhe tão humilde
conceito, e nenhuma compaixão pela ignorância, com que me caracteriza?
Não são os meus Títulos e Diplomas literários; não são os meus relevantes,
e distintos serviços por mui dilatados anos, com aplauso geral da Nação, e
dos homens de probidade, e siso; não é a inestimável prerrogativa, a honra
que muito prezo de pertencer às Corporações Científicas mais respeitáveis
do Reino; não é o conceito, absolutamente contrário ao seu, que de mim tem
formado a nossa amada Pátria em ocasiões de grande importância e dificul-
dade; não é o testemunho irrecusável de minha íntima consciência, que me
adverte, que toda a minha vida tem sido utilmente empregada em diligências
e esforços para me tirar e surgir dessas trevas, em que Vossa mercê me julga
submergido; não, Senhor Redator, o que unicamente me consola é a certeza
muito lisonjeira e inquestionável de não ser Vossa mercê por nenhum título
juiz competente neste artigo: acrescento ainda mais e com toda a segurança;
eu julgo a Vossa mercê, atentando na sua idade, no teor de sua vida, no gênero
de estudos, a que se tem aplicado, e na sua inteira falta de conhecimentos das
ciências filosóficas de minha profissão, absolutamente impossibilitado agora
e no futuro para avaliar, nem por sombras, os graus da minha ciência, ou da
minha ignorância. Bem diferente foi o conceito, que de mim publicara um
Juiz de toda a competência em um Periódico também impresso nessa mesma
Inglaterra, onde Vossa mercê com tanta perversidade está vociferando contra
os seus mais ilustres concidadãos, não poupando, qual novo Lucílio, nem
grandes, nem pequenos.

Primores populi arripuit, populumque tributim.10


Hor. Sát. I. Liv. II.

9
Segundo as palavras do mestre. N.T.: Cf. nota 16. Horácio, Epist. 1 Lib.1.
10
[Lucílio] roubou os grandes e povo por tribos. N.T.: Horácio, Sátiras, 2, I, 69.

532
Et ut putentur sapere, cœlum vituperant.11
Phædro, Fáb. 6, Liv.4.

Em o Número VI, do Investigador Português página 226, em que


se faz uma resenha dos Professores mais dignos das ciências Filosóficas
da Universidade de Coimbra poderá Vossa mercê encontrar as seguintes
expressões, que, para lhe forrar trabalho, aqui transcreverei com grandíssimo
sacrifício de minha natural modéstia “um Joaquim Navarro, talvez o mais
hábil Fisiologista da Europa, e um dos mais eruditos Literatos de Portugal”.
Que oposição e disparate de juízos entre os autores de um e outro Periódico
acerca do mesmo sujeito? É todavia muito de sobra o que fica exposto pra
conciliar exatamente esta notável contrariedade, rematando eu desta maneira,
e sem maior desenvolução, este artigo: porque me correria de pejo, se caísse
na indiscrição de fazer eu mesmo a minha própria apologia.
Servil. Se Vossa mercê entende por servilismo o decidido aferro aos
Governadores despóticos, de um ou de muitos; a detestável aderência a
vontades ilegais e arbitrárias; e a odiosa afeição e apego ao sistema, que,
rebaixando vergonhosa, e barbaramente o sublime caráter do homem, lhe
encadeia a liberdade, este dom inestimável, com que a Natureza o prendara,
reduzindo-o à mera e desprezível condição de escravo com manifesta injustiça
e violência de seus imprescritíveis e sagrados direitos, de cuja transgressão e
quebra tem provindo grande parte das desgraças e calamidades das Nações
mais dignas de serem felizes: confesso-lhe, e desde já declaro mui alto e bom
som à face do mundo inteiro, que não só neste amplo e funesto sentido não
sou, nunca fui, nem serei jamais da infame facção do servilismo, que detesto e
abomino; mas também que até Vossa mercê devia ter por impossível, que um
homem toda a sua vida ocupado nos esforços de desentranhar os recônditos
mistérios, e as leis da economia animal física e moralmente considerada se
ache em circunstâncias de adotar princípios tão irreligiosos, e imorais, como
repugnantes à humanidade, e à razão.
E tornarei outra vez neste lugar, assim como em todas as ocasiões seme-
lhantes, a perguntar-lhe, em que funda Vossa mercê a sua proposição do meu
servilismo? Que provas lhe sugere a sua malignidade? Serão unicamente as
suas palavras escritas? Mas isso é na[d]a, absolutamente nada; porque elas
apenas representam no papel o juízo, que Vossa mercê forma de mim sobre
este ponto; e esse juízo devia ser uma operação intelectual posterior aos

E como acham que sabem, vituperam o céu. N.T.: Phaedro, Fábulas de Esopo, Liv. IV,
11

fábula V.

533
fundamentos, em que ele assentara; declare-os pois, Senhor Redator, para
que os seus leitores possam também julgar, e decidir.
Serão os meus pensamentos? Mas sendo vedado, e absolutamente
impossível à nossa limitada e fraca inteligência penetrar os ocultos recessos
do insondável coração humano, e ainda mais o que passa no âmago da alma,
com que direito e petulância se arroga Vossa mercê a prerrogativa, que só a
Deus compete, de se inteirar tão cabalmente das particularidades interiores
e inacessíveis das minhas opiniões e sentimentos? Será Vossa mercê como o
Diabo, que se meta dentro da gente, anulando as distâncias, e traspassando
os mais insuperáveis obstáculos para fazer resenha, e tirar a planta de todas
as modificações do meu espírito, que são entes invisíveis incorpóreos, e abso-
lutamente nulos para os seus débeis sentidos, a não ser a sua organização
diferente da vulgar e ordinária?
Serão as minhas palavras, ou pronunciadas, ou escritas? Mas onde, e
quando as ouviu, ou leu Vossa mercê, que até nem sei se me conhece, ou me
viu alguma vez? E em tanta distância, que nos separa; quais são essas conver-
sações, que entre nós se travaram, donde Vossa mercê pudesse coligir os meus
sentimentos e juízos sobre assuntos de Política, e Administração Pública?
Serão os fundamentos do seu conceito as relações de invectivas, que
lhe tenham daqui enviado em negras pinturas alguns perversos e gratuitos
caluniadores, e porventura inimigos ingratos meus? Mas ainda assim mesmo
nesse caso hipotético, tão crédulo é Vossa mercê que em artigo de tal melin-
dre e consequências, sem o prévio e devido exame das qualidades, motivos,
circunstâncias, e caráter dos seus correspondentes lhe mereçam inteira fé as
suas relações? Que moral! Que apurada crítica! Ignora Vossa mercê os enga-
nos, as infidelidades, e os erros que frequentíssimas vezes ocasiona o débil
e falacíssimo argumento de uma tradição corrompida, artificiosa e pérfida?
Bem pode ser, Senhor Redator, que alguma vez na franqueza da amizade,
e no quase ermo recinto de minha habitação eu manifestasse, no tocante a
alguns objetos de fato, relativos ao atual sistema, um parecer diferente do
que via praticado.

Sua cuique quum sit cogitatio,


Colorque privus12
Phædr. Prol. Liv. 5, [v.7.]

Uma vez que cada um tem sua própria forma de pensar e estilo particular.
12

534
Se c’os teus olhos não vejo,
Nem ouço c’os teus ouvidos;
Todo o debate é sobejo:
Reges-te por teus sentidos;
Também pelos meus me rejo.
Sá de Miranda, Eglog. 8.

Mas esta discordância parcial podia nunca interpretar-se, como desa-


feição às ideias liberais, e aos princípios comuns, em que todos os bons
portugueses mais puramente interessados no sólido bem da sua Pátria se
uniformizam? E por que se não tomavam antes nesse suposto caso as minhas
ponderações, como significadoras dos meus sinceros desejos pelo mais feliz
remate da sagrada causa da nossa Instauração política? Não tem Vossa mercê
notícia do que frequentes vezes sucede nas Cortes, requerendo alguns de seus
Ilustres Deputados, ainda dos que são geralmente havidos por mais liberais,
e concedendo-se, que se lhes assentem nas Atas respectivas os seus pareceres
opostos às deliberações tomadas nas competentes Sessões acerca de assun-
tos do maior interesse e importância para a Nação? Não sabe Vossa mercê
igualmente, como lhe pode constar dos Diários das Cortes, e do Governo, que
alguns dos mesmos Ilustres Deputados, por ocasião de se ventilarem certos
artigos conexos e ligados com outros já precedentemente assentados, têm
assim mesmo alto e bom som proferido, que o seu atual parecer a respeito
destes últimos era contrário ao que então positivamente declararam?13 E
seria verdadeiramente lógica e assisada a consequência que se tirasse de
servilismo naqueles Deputados, só com o fundamento da diversidade peculiar

N.A.: Combien diversement jugeons nous de choses? Combien de fois changeons nous
13

nos fantasies? Ce que je tien aujourd’hui, ce que je crois, je le tien et le crois, de toute
ma creance; mais ne m’est il pas advenu, non une fois, mais cent, mais mille et tous les
jours, d’avoir embrassé quelque autre chose? [Quão diversamente julgamos as coisas?
Quantas vezes mudamos nossas fantasias? O que sustento hoje, no que eu creio, eu o
sustento e nele creio com toda a minha crença; mas não me ocorreu não uma, mas cem,
mas mil vezes e todos os dias, o fato de ter adotado alguma outra coisa?]. Montaigne,
Essais.
Opinions?
Find, if you can, in what you cannot change.
Manners with Fortunes, Humours turn with climes,
Tenets with Books, and Principles with Times.
[Opiniões?
Acha, se puderes, naquilo que não podes mudar.
Costumes com Fortunas, Humores mudam com o clima,
Convicções com livros, e Princípios com o Tempo]. Pope, Moral Essays. Ep. 1.

535
de opinião sobre esses, e mil outros artigos, dos quais bem poucos têm sido
afinal decididos por unanimidade completa dos votos? Está já promulgada
alguma Lei, que proíba a manifestação solitária e judiciosa dos pensamentos
do cidadão sobre assuntos respectivos à felicidade Nacional, e muito mais
quando não resulta, nem pode resultar desta ingênua singeleza nem sombra
de transtorno da ordem pública e social? E, segundo os seus princípios, quem
mais servil do que Vossa mercê mesmo, que em seus escritos a cada passo está
publicando a sua desaprovação sobre vários pontos Resolvidos pela Soberania
Constituinte? Terá Vossa mercê duas dialéticas, uma para si, e outra para
quem lhe parece, deduzindo das mesmas premissas consequências disparadas,
e entre si repugnantes, segundo os fins, e os sujeitos, a quem as quer aplicar?
De tudo o que fica exposto, é fácil de concluir, e sem tacha de má lógica,
ser Vossa mercê eminentemente predominado só do instinto do mal; aprovei-
tando-se para isso de quantas frivolidades se antolham ao seu bestunto, ou com
perfídia se lhe comunicam, entretanto que despreza imoral e desumanamente
os fatos mais decretórios, que deveriam, refreando a sua tendência inata contra
os seus concidadãos, incliná-lo ou persuadi-lo a formar a respeito deles um
juízo contrário ao que Vossa mercê tão injusta e acintemente [sic] publica.
Dos numerosos fatos que eu pudera indicar, será de sobra recordar-
-lhe unicamente dois, que o convenceriam, se Vossa mercê estivera solto da
prevenção, que lhe sugeriram, não só da capacidade e luzes, mas também e
muito especialmente das ideias e princípios liberais e patrióticos, e das mais
qualidades e partes indispensáveis, que a Opinião pública me atribuía e
pressupunha para ser eleito, como fui e Vossa mercê não ignora, Deputado
da Nação às Cortes, devendo notar ao mesmo tempo, que para essa escolha
nem precederam escandalosos meios praticados por agentes particulares, ou
públicos, insinuando, até por papelinhos impressos, terríveis ameaças, aos
inexpertos, e amedrontados Eleitores, nem clandestinas e solapadas intrigas
e subornos para o fim de me elegerem. E para que seriam necessárias essas
infames e vis maquinações, se eu, que muito tempo antes e durante as Eleições
me achava laborando nas mais intoleráveis dores de gota, que me atormenta
há mais de 18 anos, publicava com toda a singeleza de uma consciência pura,
até em contravenção ao juízo público a meu respeito, não só a insuficiência de
meus talentos, e luzes para tão alto Emprego, mas também a minha impossibi-
lidade física para o exercer com aquele desempenho cabal e assíduo, que tanto
se requeria, e relevava? Manifestando igualmente a várias pessoas de minha
amizade, que a fundo se achavam inteiradas dos meus legítimos e insuperáveis
impedimentos, a firme determinação, em que estava, no caso de sair eleito,
de suplicar imediatamente, ao Governo então existente, a minha justíssima
escusa, como na realidade supliquei no dia seguinte, que era de correio para

536
Lisboa, aquele em que fora eleito Deputado, endereçando-me para isso em
competente Representação ao Encarregado dos Negócios do Reino, que se
dignou responder-me da parte do mesmo Governo, que a decisão deste negó-
cio pertencia exclusivamente às Cortes. Eis-aqui o primeiro fato. Conseguida
porém afinal, pelo requerimento que fiz às Cortes Gerais, Extraordinárias,
e Constituintes da Nação Portuguesa a sobredita justíssima escusa, que eu
suplicara achando-me em Lisboa, não tendo tido, senão uma única vez, a
honra de assistir, como Deputado no Congresso Nacional, de onde me recolhi
para a minha residência para sofrer os veementíssimos e tormentosos insultos
da minha habitual moléstia, que me deteve na cama tolhido e extenuado por
espaço de setenta e tantos dias, e de que foram testemunhas grande parte de
meus ilustres Colegas; nem por isso, depois de recolher-me outra vez a esta
Cidade, deixou de continuar a me ser propícia a mesma opinião pública,
merecendo, passados alguns meses, a estimável contemplação de ser compe-
tentemente eleito para exercer o importante e melindroso Encargo de Juiz de
fato deste Distrito do Porto. Eis aqui o segundo fato.
E continuando a indagar as origens, de onde podiam nascer as provas da
sua insolente afirmação do meu servilismo; pergunto mais: serão estas provas
deduzidas da observação dos meus gestos, ou estes sejam, como os Filósofos
os classificam, naturais, involuntários, expressivos, ou sejam, voluntários,
imitativos, pitorescos¸ ou finalmente de um gênero misto, constituindo eles
uma parte mui considerável da linguagem da ação, a qual se completa por
meio dos diversos movimentos da face que especialmente concorrem para a
fisionomia, a que Cícero e outros têm chamado Linguagem tácita e muda,
quadro móvel e vivo, espelho, ou teatro em que se representam e manifestam
com energia as ideias, os pensamentos, as paixões; e em geral as modificações
intelectuais e afetivas da alma?14

N.A.: Ita intimos mentis adfectus proditor vultus enunciat, ut in speculo frontium
14

imago extet animorum. [O indiscreto vulto de tal modo revela os afetos íntimos do
pensamento, que no espelho do rosto aparece a imagem da alma]. Latinus-Pacatus
Neque enim ulla vehementior [i]ntra cogitatio est, quæ nihil moveat in vultu. [Não
há pensamento interior mais impetuoso, que nada altere no rosto]. Sêneca. De affect.
animi. [Dialog III De ira, lib I, C, 1-7.]
Lorsque l’âme est agitée, la face humaine devient le tableau vivant, où les passions sont
rendues avec autant de délicatesse que d’énergie, où chaque mouvement de l’âme est
exprimé par un trait, chaque action par un caractère dont l’impression vive et prompte
devance la volonté, et rend au dehors, par des signes pathétiques, les images de nos
sinceres agitations. [Quando a alma está agitada, a face humana torna-se o quadro
vivo, onde as paixões aparecem tanto com delicadeza como com energia, onde cada
movimento da alma exprime-se por um traço, cada ação por uma marca cuja impressão

537
Mas como pode Vossa mercê de tão longe ver e soletrar estes gestos,
observar a minha fisionomia permanente, e combiná-la com a mobilidade
das feições instantaneamente mudáveis para deduzir em resultado seguro
assim o meu caráter moral, como as minhas afecções intelectuais? De que
gênero de óculos maravilhosos (mágicos sem dúvida) se serviria Vossa mercê
para descobrir essa fisionomia, e esses gestos variados, sem embargo de tanta
distância, e de tantos objetos opacos intermédios, que de necessidade haviam
de impedir a Luz, que houvesse de transportar à retina, dos seus olhos as
diferentes impressões da minha figura, e atitudes? E como lhe foi também
possível reter-me em sítio próprio e acomodado para servir em Portugal de
objeto invariável e fixo às suas observações em Inglaterra?
Se Vossa mercê se achava absolutamente e por todos os modos impos-
sibilitado de avaliar os meus sentimentos e caráter pelo meio que tem feito
o assunto especial das meditações de Lavater, ainda menos caberia na sua
possibilidade empregar a meu respeito o pretendido sistema de Gall, que todos
sabem consistir no reconhecimento das faculdades intelectuais, e inclinações
dominantes dos diversos homens, pelas variedades observadas no estado de
certas eminências da cabeça, fazendo-as corresponder a órgãos respectivos
no interior do Cérebro. Como descortinou Vossa mercê pois, na impossibili-
dade do exercício do seu tato, indispensável neste sistema, assim como o de
Lavater se refere ao sentido da vista, e a voz e palavras ao do ouvido, o meu
órgão do servilismo?
Serão finalmente as minhas obras, e ações? Mas quais são elas? Quando,
como, onde, de que modo, e perante quem foram elas executadas? Porque as
não declara, por que as não manifesta Vossa mercê, para que os seus Leitores
fiquem de uma vez convencidos da verdade do que tão despejadamente se
arroja a imputar-me.
Devo todavia confessar, e destas provas negativas lhe poderia eu oferecer
muitas, que o teor da minha vida solitária e retirada, o cumprimento de meus
numerosos e públicos deveres, os meus estudos e aplicações domésticas, a
minha educação e princípios de moral pura e austera, e as minhas habituais
moléstias, assim como várias outras circunstâncias muito atendíveis me não
facilitam, nem permitem declamações ociosas, vociferações insensatas e desas-
sisadas, e diligências, como outros fazem, de promover e fomentar partidos,
discórdias e ódios entre os Cidadãos, nas ruas, nas Praças, nos ajuntamentos,
nos Teatros, nos passeios públicos, nas diversas casas dos amigos ou indiferen-
tes, nas Lojas dos Mercadores, e dos Livreiros, e até, o que sobremodo espanta

viva e pronta precede a vontade, e mostra do lado de fora, por sinais patéticos, as
imagens das nossas sinceras agitações]. Buffon

538
e maravilha! Nos mais augustos e sagrados recintos… Universalizando-se,
com escandalosa e delirante arrogância, com estranho descomedimento, ou
fazendo-se comuns, e sem procuração de ninguém, a classes inteiras as mais
respeitáveis, e necessárias do Estado, os crimes, ou os defeitos, muitas vezes
imaginários, supostos, ou falsos, de um ou outro empregado; desluzindo-se,
e enxovalhando-se com tão mal fundada generalidade a honra, o decoro, as
virtudes, e a mais autorizada representação, assim dos particulares, como das
Corporações; e aplanando-se desta sorte com baixo artifício, com o mais ilegal
e irreligioso despejo a estrada para a insubordinação, para a desordem, e para
a consecutiva resistência ao devido cumprimento dos respectivos deveres indi-
viduais, em lugar da mais afervorada e justa eficácia, que por todos os modos
e em toda a parte se devia exercer, para extinguir a petulante e não merecida
aversão e menoscabo, que muito geralmente reina hoje entre os homens, sem
embargo da tão gabada civilização do século, diminuindo-se desta maneira,
e destruindo-se gradualmente os recíprocos laços das afeições sociais e
benévolas, que muito relevaria estreitar por meio da cândida atenção sobre
o lado amável, que, segundo já insinuava Platão, em quase nenhum homem
deixa de manifestar-se, não avolumando os defeitos dos outros muitas vezes
insignificantes, e de nenhum modo subversivos da ordem pública, forcejando
antes por desculpá-los e obscurecê-los por uma compensação, em balança fiel,
de suas predominantes boas qualidades, e não envenenando, por malévolas
interpretações, os fatos mais inocentes, ou equívocos.15 E todas as referidas
tramas para quê? Tudo com esperanças imaginárias, e fins sinistros, e sórdi-
dos do interesse particular, para que julgam ficar habilitados e com direito
exclusivo todos os que usam daquele meio,16 e não do sincero amor do bem

N.A.: Vellem… sic erraremus, et isti


15

Errori nomen Virtus posuisset honestum.


.................................................................
At nos virtudes ipsas invertimus, atque
Sincerum cupimus vas incrustare. [Gostaria... que assim errássemos, e que / a virtude
tivesse posto a este erro um nome honesto. / Mas nós alteramos as próprias virtudes,
e desejamos / desfigurar um vaso intato]. Hor. sat. 3. Liv. I.
Our emulation, our jealousy or envy, should be restrained in a great measure by a cons-
tant resolution of bearing always in our minds the lovely side of every character. [Nossa
emulação, nosso ciúme ou inveja, deve ser contido em grande medida por uma constante
resolução de ter sempre em vista o lado agradável de cada caráter]. Hutcheson.
N.A.: Homens que sempre aos proveitos
16

E a vosso interesse andais,


Vestidos de falsos peitos;
Quão pouco que vos lembrais
Dos sãos, dos comuns, respeitos! Sá de Miranda, Cartas. 5.ª

539
público e geral com que disfarçam e adornam os seus desnecessários, não
encomendados, quiçá perturbadores discursos, e com que de ordinário se
costumam pretextar as ações e sentimentos mais viciosos.17
Contento-me, não laborando na ardente febre de uma ambição desme-
surada e agitadora,18 e unicamente confiado nas luzes, retas intenções, e
sabedoria das Cortes, e do governo que tanto se desvelam na promoção da
prosperidade nacional, com esperar tranquilamente os necessários e felizes
resultados das deliberações consecutivas dos sólidos princípios da Religião, da
Razão, e da Justiça: contento-me com haver protestado do modo mais sincero

… Longe mea discrepat istis


Et vox et ratio… [Tanto minha voz como meu pensamento estão muito longe destes].
Horat. Sat. 6. Lib. I.
Quid verum atque decens, curo et rogo, et omnis in hoc sum:
Condo et compono, quæ mox depromere possim,
Nullius addictus jurare in verba magistri:
………………………………………….
………………………………………….
Virtutis veræ custos, rigidusque satelles. [O que seja verdadeiro e decente, desejo e
procuro, e todo nisso estou: apanho e guardo o que depois possa utilizar... Obrigado
a jurar segundo as palavras de nenhum mestre... Custódio da verdadeira virtude,
rígido guarda]. Horat. Epist. 1.ª Lib. 1.º
N.A.: Hence we find, that the basest actions are dressed in some tolerate mask: what
17

others call avarice, appears to the agent a prudent care of a family or friends; fraud, artful
conduct; malice and revenge, a just sense of honour, fire, and sword, and desolation
among enemies, a just thornugt [sic] defense of our country; persecution, a zeal for truth,
and for the eternal happiness of men, which heretics oppose. [Daí vemos que as ações
mais vis estão vestidas em alguma máscara tolerável: o que os outros têm por avareza,
mostra-se para o agente como um prudente cuidado da família ou de amigos; fraude,
conduta astuta; malícia e vingança, um sentimento justo de honra, fogo, e espada, e
desolação no dos inimigos, apenas um lance de defesa de nosso país; perseguição, um
fervor pela verdade, e pela eterna felicidade dos homens, a que se opõem os hereges].
Hutcheson.
If the chief part of human happiness arises from the consciousness of being beloved, as I
18

believe it does, those sudden changes of fortune seldom contribute much to happiness. He
is happiest who advances more gradually to greatness, whom the public destines to every
step of his preferment long before he arrives at it, in whom, upon that account, when it
comes, it can excite no extravagant joy, and with regard to whom it cannot reasonably
create either any jealousy in those he overtakes, or any envy in those he leaves behind.
[Se a parte principal da felicidade humana surge da consciência de ser amado, como
creio eu, essas súbitas mudanças de fortuna raramente contribuem significativamente
para a felicidade. É mais feliz quem avança gradualmente em direção à grandeza, quem
o público designa para cada promoção muito antes que ele a alcance, e em quem, ao
chegar, ela não desperta uma alegria exagerada, nem cria qualquer ciúme da parte de
quem ele ultrapassa, e nem qualquer inveja naqueles que ele deixa para trás]. Smith,
The Theory of Moral Sentiments, Part. I., Sect. 2, Cap. 4.

540
e ingênuo ao Soberano Congresso da Nação o meu respeituoso acatamento, e
a mais firme aderência ao sistema Constitucional: e contento-me finalmente
com oferecer em mim mesmo aos meus concidadãos um exemplo constante
de respeito e gostosa obediência às Leis, e às competentes Autoridades.

....... Nulla parendi mora est,


Adsum impiger.19
Sêneca. Ep. 107.

....... Hic murus æneus esto,


Nil conscire sibi, nulla pallescere culpa.20
Horat. Epist. 1.ª Lib. 1.º

Mau Servidor da Nação. Pelo que toca a este ponto, em que eu poderia
ser muito prolixo, e em que me seria bem fácil desmentir com evidência a sua
gratuita, e, segundo o seu costume, perversa afirmação; entrego-me inteira-
mente ao silêncio, a que me força a minha natural modéstia não sofredora
de próprios elogios; contentando-me unicamente de apelar com segurança
para o testemunho irrefragável da mesma Nação, do Governo, e até dos
meus inimigos.
Achando-se Vossa mercê pois cabalmente impossibilitado de mostrar a
minha ignorância, servilismo, e mau serviço nos meus diferentes empregos,
assim pela sua absoluta incompetência, como pela míngua total de provas
deduzidas dos meus pensamentos, palavras, e obras, bem claro se vê, que as
suas proposições a meu respeito, ainda que implícitas, não têm outro funda-
mento, senão a sua simples afirmação, a qual também não pode escorar-se
em outro, que não seja a sua já muita pública e reconhecida perversidade, ou
real e intolerante do alheio merecimento, ou afetada e sordidamente lucrativa
e venal.
“Escusara-se” continua Vossa mercê “o Senhor Joaquim Navarro de
Andrade de servir de Deputado, alegando com a sua má saúde; e como a tem
boa, para ser Diretor dos Estudos do Porto, que é o cargo mais pingue e o
melhor bocado da Província?”
Confesso-lhe, Senhor Redator, que esta passagem a meu respeito, e
esta preferência do meu nome ao de tantos outros, que Vossa mercê omite,
podendo contudo desses casos enfiar, como diz, muitos rosários, me suscitou
a mais profunda indignação depois da minha indiferença do princípio, não

Nenhuma demora em obedecer; eis-me à disposição.


19

Seja este seu muro de bronze para manter a consciência limpa e nunca empalidecer de
20

culpa.

541
pelas ideias que Vossa mercê envolve e inculca falsas, atrevidas, malévolas, e
até satíricas, e petulantes relativamente à decisão das Cortes pelo que toca à
minha escusa, mas pela errônea, miserável, e tenebrosa Lógica, de que Vossa
mercê usa, e que ostenta naquele brevíssimo período.
Analisemos. Depois de ter Vossa mercê grosseiramente estranhado ao
Governo a sua notável remissão em auxiliar as Cortes, conservando ainda
os principais Cargos em poder de gente ignorante ou servil, aconselhando o
mesmo governo, ou como Vossa mercê diz, o Executivo para que os proveja
em quem melhor os possa servir; parece claro, não havendo nenhumas outras
ideias intermédias; que Vossa mercê, falando imediatamente a meu respeito;
e estremando o meu nome entre os de tantos outros, com que enfia os seus
rosários, só se propôs insinuar ao mesmo Governo, que era do seu dever
destituir-me do Emprego, que tenho a honra de ocupar, de Diretor Literário
da Academia desta Cidade, o qual Vossa mercê denuncia como o mais pingue
e o melhor bocado da Província. E quais são os fundamentos com que busca
persuadir esta demissão? Eu não descubro outros, além dos que Vossa mercê
tinha antecedentemente indicado de ignorância, servilismo, e mau serviço, que
já ficam, a meu juízo, irresistivelmente desbaratados, senão os que Vossa mercê
agora enuncia no referido período, donde se podem facilmente desentranhar,
interpretando as suas ideias, os três silogismos seguintes:
1. “Todo o que se escusa de Deputado às Cortes, alegando com a sua
má saúde, não se escusando ao mesmo tempo de qualquer outro Emprego
que sirva, e para cujo exercício também por isso mesmo a não pode ter boa,
deve ser demitido dos seus outros Empregos, vista a igualdade de razão; mas
o Doutor Joaquim Navarro de Andrade, pedindo a sua escusa de Deputado,
não pediu a de seus outros Empregos, sendo um deles o de Diretor Literário
da Academia do Porto: logo o dito Doutor Joaquim Navarro de Andrade deve
ser demitido deste último Emprego, para cujo exercício não pode ter saúde,
visto que a não tem para o trabalho de Deputado.”
2. “Todo o que se escusa de Deputado às Cortes, alegando com a sua
má saúde, uma vez que prossegue no serviço de outros Empregos, alega um
motivo falso; mas o Doutor Joaquim Navarro de Andrade, pedindo a sua
escusa de Deputado, continua no exercício de Diretor Literário, e de outros
Cargos: logo o referido Doutor Joaquim Navarro de Andrade alega para a
sua escusa um fundamento ilusório e falso.”
3. “Todo o que se escusa de Deputado às Cortes, alegando com a sua má
saúde, uma vez que se queira conservar no exercício de outro Cargo rendoso
e pingue, só mostra, em lugar de má saúde, um verdadeiro, e puro interesse;
mas o Doutor Joaquim Navarro de Andrade não pediu ao mesmo tempo a sua
escusa do Emprego de Diretor Literário, que é o melhor bocado da Província:

542
logo o Doutor Joaquim Navarro de Andrade, sobre contraditório no motivo
alegado para a sua escusa do primeiro Cargo, e seu silêncio no tocando ao
segundo, só mostra verdadeiro e puro interesse.”
Que modelo de Dialética sublime! Que admirável e estranha facilidade de
tomar por certos e demonstrados os princípios, em que estriba as consequên-
cias, que deles se arroja a deduzir sem provas! Permita-me Vossa mercê, antes
de responder a semelhantes puerilidades lógicas, reduzir eu a mais exação, e
melhor forma a sobredita passagem do seu periódico, acrescentando a cada
parte dela o que Vossa mercê não devia omitir, assim como substituindo na
segunda para maior simplicidade o valor das suas últimas expressões: desta
sorte não só ficará o período igual, mas também com mais evidência se
mostrará a sua malícia, e péssimo teor de concluir.
“Escusara-se o Senhor Doutor Joaquim Navarro de Andrade de servir
de Deputados às Cortes, Lugar mui laborioso e com vencimento anual de
1:752$000 réis, alegando com a sua má saúde; mas como a tem boa, para
ser Diretor dos Estudos (da Academia) do Porto, Emprego de maior, ou igual
trabalho ao de Deputado, e que tem de ordenado 1:200$000 réis?”
Pelo que toca ao primeiro silogismo, não salta logo aos seus olhos,
que para ser legítima a conclusão devia ter antecipadamente demonstrado
a verdade da maior, e ainda da menor, de que ele se compõe, não podendo
Vossa mercê persuadir a ninguém, que as suas premissas entrem na estreita
classe dos axiomas? Vossa mercê dá por certo e afirma o que lhe convém,
prescindindo da rigorosa demonstração necessária, a qual, já que não precedeu
ao seu raciocínio, devia pelo menos seguir-se-lhe. Quando assim se peca tão
defeituosamente contra os primeiros elementos da lógica, pode Vossa mercê
conceber a menor esperança de conseguir de seus assisados Leitores a convic-
ção, que se propõem? Como prova Vossa mercê aquela igualdade de razão,
que inabilitando-me para servir o alto e laborioso Emprego de Deputado,
me tolha e inabilite ao mesmo tempo para exercer o de Diretor Literário de
Academia do Porto? Vossa mercê bem ostenta por isso mesmo a sua crassa e
profunda ignorância sobre as circunstâncias e qualidades físicas e morais de
todo o gênero, que devem concorrer na pessoa de um Deputado às Cortes,
e na de Diretor Literário de uma Academia. Esta carta já mais volumosa, do
que era minha proposta intenção, ainda mais avultaria, se eu quisesse agora
descrever-lhe miudamente essas qualidades e circunstâncias relativas a um e
outro Emprego; mas era muito necessário para a exação dos seus raciocínios,
e consequências deles, que Vossa mercê, individuando-as com escrupulosa
madureza e exame, as confrontasse respectivamente entre si, para depois
formar o seu juízo, e descobrir a enorme diferença de trabalho, e requisitos
para o cabal exercício, e dignidade de cumprimento de cada um dos referidos

543
Empregos. Depois de achada essa diferença, era também preciso que Vossa
mercê procurasse inteirar-se exatamente do estado de minha saúde e forças,
para da mesma sorte, por outra nova confrontação, poder decidir, com mais
ou menos probabilidade, se eu me achava ou não em termos de satisfazer,
como relevava, as obrigações que me incumbiam. Era ainda preciso, que
Vossa mercê indagasse por todos os modos, se eu, no mesmo tempo em que
supliquei às Cortes a minha escusa de Deputado, pedi também ou não, ou
tinha, até muito antes de ser eleito Deputado, pedido, como pedi, a minha
escusa, ou, para usar do termo próprio, a minha jubilação no lugar de Lente
catedrático da Universidade, que exercito há trinta e um anos; não tendo para
isso outro fundamento, se não o de descarregar-me de minhas antigas e pesadas
obrigações Acadêmicas naquela respeitável Corporação, que tão gravemente
arruinaram a minha saúde, e tudo a fim de proporcionar a que me restava
aos trabalhos menos árduos do lugar de Diretor Literário desta Academia.
Era finalmente necessário…; mas é muito de sobra o que fica indicado. Vossa
mercê contudo julgou dever dispensar-se destas indagações; e estabelecendo
princípios gerais deduz imediatamente consequências, que se não encerram na
verdade que os devia caracterizar pelas provas antecedentes ou consequentes:
tal é o seu teor de raciocinar, ludibriando desta sorte insolentemente os seus
Leitores, como se estivéramos no tempo de crer tudo sem crítica, só pela sua
simples autoridade. = Magister dixit21 =.

Et tel y fait l’habile et nous trait de fous,


Qui sous le nom de sage est le plus fou de tous.22
Boileau, Sat. 3.

Creia pois Vossa mercê de mim, creia muito embora qualquer outro do
mesmo jaez, abalançando-se a conjecturas sem fundamento, interpretando a
seu sabor os fatos positivos ou negativos que me dizem respeito, e chamando,
para fortificar a sua credulidade, ou antecipadas indisposições, ou gratuitos
sentimentos de ódio, inveja, vingança, ou indiscreta prevenção; creiam, digo,
muito embora de mim o que bem lhes agradar, ficando todavia na certeza, de
que tão leve e fácil crença da sua parte nem constitui, para os que têm senso
comum, prova de convencer, nem me embarga de acreditar eu também a seu
respeito e com razões, incomparavelmente mais sólidas, o que da mesma sorte
me aprouver, e que demonstrarei, sendo instigado, não sem provas, como
Vossa mercê e outros costumam, porém de um modo irresistível.

O mestre disse.
21

E tanto se faz de esperto e nos trata como loucos, / Quem sob o nome de sábio é o mais
22

louco de todos.

544
E tornando ao nosso propósito, não sabe Vossa mercê que a expressão =
má saúde = não designa um estado absoluto, mas relativo, que em sua inde-
finida latitude compreende inumerável cópia de termos médios ou estados
diversos, e que nesta escala, por assim dizer, infinitamente graduada existe
um ponto, onde começa a impossibilidade que, por falta de proporção das
forças, com as resistências, morais ou físicas, inabilita infalivelmente para
o exercício de certos empregos, deixando contudo na ordem descendente a
necessária aptidão para o de outros serviços, que não requerem tanto vigor
e constância de saúde, como os primeiros? Eis aqui justamente o caso muito
sábia e humanamente prevenido nas competentes Instruções do Governo. E
quem diria, que a sua verificação havia de ocasionar nos ânimos perversos e
mal-intencionados, ou suspeitas atrozes, ou interpretações desarrazoadas e
sinistras, dando por isso azo a consequências pessimamente deduzidas contra
os que por sua desgraça se achavam nessas tristes circunstâncias, tendo que
sofrer não só os tormentosos e habituais incômodos de sua má saúde, mas
também, e quiçá muito principalmente, a desagradável privação da glória
e prazer de concorrerem para as diligências da prosperidade da sua amada
Pátria? Não sabe Vossa mercê também que nenhum modo se segue, que não
possa o menos, quem não pode o mais? Porque um homem acurvado ao peso
de seus longos anos se ache com míngua de forças para vingar paredes, além
passar barrocas, e subir sem muito cansaço alcantiladas serras, não poderá
comodamente passear sobre uma vereda plana, lisa e igual, sobre um cami-
nho desempeçado? Se outro ainda que mais viçoso na idade, e robusto de
temperamento não se atreve a levantar do chão o peso de 10 ou 12 arrobas,
não será capaz de o fazer a respeito de três ou quatro? A impossibilidade de
concluir em um dia, a pé ou a cavalo, uma jornada de grande número de
léguas tolherá também necessariamente, que possam no mesmo tempo sem
grande embaraço caminhar-se quatro ou cinco? Se não pode em qualquer
vaso, por falta de capacidade, acomodar-se uma canada de líquido, tornar-
-se-á por isso impossível caber nele um quartilho, se tal for a sua medida?
E por que um homem de Letras já quebrantado por seus longos estudos e
aturadas aplicações, e de mais a mais oprimido de graves e habituais molés-
tias não pode ocupar-se em assuntos, sobre muito poderosos em si mesmos,
importantíssimos para a Nação inteira, por espaço de cinco e seis horas de
manhã, e algumas de tarde, todos os dias, além do tempo necessário para
ler, extrair, meditar, fazer juízo e sistema coerente, e por fim deliberar-se, e
decidir no restante das horas, até de noite; segue-se que se ache impossibili-
tado para outro gênero de trabalho mais suave, menos assíduo, menos novo,
mais habitual, e até menos incômodo em todas as circunstâncias morais e
físicas? Porque falece a qualquer o necessário cabedal de possibilidade para

545
desempenhar dignamente um Emprego, cujo exercício demanda forças como
vinte, por exemplo; não ficará muito apto e capaz de dar excelente conta de
outros Empregos para que se requeiram forças até 19?
E porque Vossa mercê não tem a provisão científica indispensável para
compor uma obra que transmita o seu nome à posteridade, ou seja de sua
profissão primitiva, ou de outro gênero de Literatura a que por ventura se
tenha dado, Jurisprudência, Política, História, Poesia etc. segue-se que não
possuía superabundância de cabedal para ir compilando em seus vagares um
Periódico efêmero, e muito mais tendo tanta sobra de artigos, que o avolu-
mem, já feitos por outros, e que basta simplesmente copiar de centenas de
Gazetas, de Diários, de Correspondências, acrescentando-lhe apenas de sua
casa reflexões insignificantes, e alguns traços malignos, satíricos, subversivos,
que muito fácil e quase espontaneamente acodem à pena, quando predomina
sobejidão de perversidade, e de fel?
E finalmente se muitos Deputados têm obtido escusas interinas por
motivos temporários, não é de primeira intuição, que a outros Deputados, em
que se verificam impedimentos insuperáveis e permanentes, se conceda uma
escusa absoluta, sem que por isso fiquem de nenhum modo inabilitados para
servir outros Empregos, que antes de sua eleição com reconhecida dignidade,
e exato cumprimento exerciam, e que eram, então e depois, muito compatí-
veis com as circunstâncias da sua saúde pelos mesmos e anteriores serviços
honorificamente deteriorada? E que vem a ser neste caso a escusa, senão a
restituição ao estado e condições precedentes? Mas basta sobre este artigo.
A Proposição do segundo silogismo, a respeito da falsidade com que
aleguei, é verdadeiramente e só pode ser própria da insolência e rusticidade
grosseira de um malvado: prescindindo todavia da injúria que me é pessoal,
acrescentarei unicamente ao que fica exposto, que essa proposição até se
deve reputar sobremaneira descomedida, indecorosa, e ainda atentatória
contra a Soberana e respeitável resolução das Cortes, dando a entender a
leveza e facilidade, com que, depois de inteiradas, até por conhecimento
próprio da maior parte de seus Ilustres Deputados, da solidez e justiça em
que se firmavam os justos motivos da minha súplica verificados na Comissão
respectiva, houveram por bem decretar a minha legítima escusa, segundo me
foi participado de ofício por um de seus Ilustres Secretários. As Cortes, a
quem só, por seu poder soberano e Legislativo, e a ninguém mais, me corria
a obrigação de apresentar os sólidos fundamentos da escusa que supliquei,
sabiam perfeitamente, que o Cidadão no estado de saúde está tão obrigado
a encher todos os deveres que lhe impõem as Leis da Sociedade, de que é
membro, como naturalmente exempto, quando impedido por moléstia devi-
damente provada; sendo indubitável, que a Lei, muito expressa neste artigo,

546
nem quer, nem pode querer impossíveis, e que o estado morboso constante,
sendo uma verdadeira impotência de obrar, o dispensa, de direito, de todos
os atos superiores às suas forças e possibilidade.
As Cortes enfim, não ignorando que se as moléstias agudas excetuam,
enquanto duram e por consequência temporariamente, das funções a que o
doente se achava ligado quando em saúde, igualmente sabiam deverem as
crônicas desobrigá-lo de um modo permanente, na razão dessa mesma perma-
nência da causa, que o tolhe do exercício de todos os atos incompatíveis com
os efeitos dela. Tais são as que desgraçadamente padeço, alguma das quais,
sobre outros padecimentos habituais e constantes, há mais de 18 anos sofrida,
e já levada ao maior ponto de exacerbação de que há raros exemplos, me
acomete em períodos irregulares, acessos imprevistos e súbitos, que são muitas
vezes suscitados pela mais leve mudança no regime. Em tais circunstâncias,
exposto a insultos frequentes desta moléstia que em várias ocasiões me tem
achegado às portas da morte, e cuja época de invasão é variável, assim como
necessários e muito duradores os efeitos de tão aflitivos tormentos; julga Vossa
mercê faltar-me o direito de me escusar de funções extremamente laboriosas,
que me arredariam dos cuidados indispensáveis à minha conservação, a qual
só no último perigo da Pátria relevaria sacrificar-se? E refletindo que o estado
de tranquilidade, em que se acha quem é sujeito a enfermidades periódicas é
absolutamente enganador e passageiro, que requer precauções não interrom-
pidas, cuja negligência tornaria mais veementes e intoleráveis os acessos: não
se cometeria uma desumanidade, condenada por nossas Leis, em constrangê-lo
em tais circunstâncias aos trabalhos e funções, que se lhe tornariam, sobre
impossíveis, evidentemente perniciosos? Eis aqui o que a meu respeito foi
presente às Cortes; eis aqui também o que é bem público e notório a todos;
eis aqui finalmente o que me importa, e unicamente me consola por ocasião
da sua perversidade, e da de outro qualquer, a quem ela for comum.
O que todavia deve maravilhar ainda mais os seus Leitores é sem dúvida
a falta de combinação, com que Vossa mercê procede tão precipitada e contra-
ditoriamente em seus raciocínios, como se vê com toda a evidência no 3o.
silogismo implicitamente compreendido nas suas já citadas palavras. Dado
ainda, e não concedido, o caso de não ter eu verificado perante as Cortes a
minha má saúde, e tomando por certo que o Emprego de Diretor Literário
seja o melhor bocado da Província, afirmação gratuita, a que Vossa mercê
se abalançou sem provas, sem informações exatas, e sem ter por si mesmo
ou por seus correspondentes saboreado outros bocados, que abundam na
mesma Província, e de que muito careciam para enfrear a sua inconcludente
e desbocada loquacidade; como demonstra Vossa mercê, que o fim que me
propus na justa escusa que supliquei fora exclusivamente um verdadeiro e

547
puro interesse, deixando o lugar de Deputado, e ficando com o já d’antes
ocupava de Diretor Literário?
Não sabia Vossa mercê, quando escreveu, que a importância arbitrada
a cada Deputado montava a 1:752$000 réis por ano, e que o meu ordenado
como Diretor Literário era então de 1:200$000 réis? Da primeira devia sem
dúvida constar-lhe dos respectivos Diplomas da Junta Provisional do Supremo
Governo do Reino, os quais Vossa mercê mesmo julgo haver transcrito em
algum número do seu Periódico; e do segundo, se ignorava, o que não é
provável, a quantia certa, sabia pelo menos, como Vossa mercê diz, ser o
Cargo de Diretor Literário o mais pingue e o melhor bocado da Província.
Em tais termos, como combina Vossa mercê que eu tirasse maior interesse
em conservar-me em um Emprego, que já tinha, de rendimento de 1:200$000
réis, deixando outro de 1:752$000 réis? E devendo saber igualmente, que,
sem embargo, da proposta ou indicação de um Ilustre Deputado para que os
Membros do Congresso Nacional, enquanto permanecessem nesse alto exer-
cício, não recebessem os Ordenados que por diferentes Repartições ligadas
ao Tesouro da Nação houvessem de competir-lhes, a qual Proposta não foi
aprovada, continuando por isso a receber simultaneamente tudo o que por
diversos títulos possa tocar-lhes; devendo saber, digo, que eu podia, como
os Ilustres Deputados atuais arrecadar ao mesmo tempo aquelas quantias
referidas, que montavam a 3:000000 réis; como combina Vossa mercê, que
pedindo a minha escusa de Deputado, e não a de Diretor Literário, entrasse
não só dolo e má fé nesta súplica, mas unicamente considerações de verda-
deiro e puro interesse? Julga Vossa mercê mais interessado aquele que prefere
1:200$000 réis a três contos? Ou, antes, mostra um verdadeiro e puro interesse
o que se quer conservar com o que já tinha desperdiçando a considerável
adição de 1:752$000 réis?
Daqui é fácil deduzir, que as suas ideias de interesse são inteiramente
diversas das dos outros; mas sem embargo disso, continuarei a ter para mim,
que, à exceção deste caso que me é relativo, e que Vossa mercê calculou
muito mal, não deixará nos seus ajustes, para introduzir no seu Periódico as
Catilinárias que lhe enviam, de preferir o maior ao menor preço. Se Vossa
mercê se achara sinceramente animado da boa-fé, que deve caracterizar todo
o Escritor que se endereça ao Público, e com verdadeiro e puro interesse pelo
bem da sua Pátria, que é o especioso e geral pretexto, com que se rebuçam
todos os discursos, que se lhe dirigem, e não talvez vendido a outro interesse
exclusivamente seu próprio, ou condescendendo infame e vilmente com
as recomendações, e apaixonados desejos de seus correspondentes, meus
gratuitos inimigos; certo estou, que lhe faltando os sólidos motivos para a sua
dúvida, e mau conceito sobre a pureza e verdade dos da minha súplica bem

548
conhecidos das mesmas Cortes, do Governo, e de grande parte da Nação,
não só acreditaria a solidez e singeleza dos fundamentos, com que requeri
a minha escusa, mas até deveria esta merecer a sua aprovação, enquanto,
não prejudicando a nossa exausta Pátria com a minha assistência, em tais
circunstâncias, inútil e desnecessária em Lisboa, percebendo um avultado
vencimento sem o trabalho, de que não podia encarregar-me, dava com a
minha referida escusa oportuna ocasião, para que outro qualquer, mais hábil
em todo o sentido, e que melhor pudesse em Cortes promover a boa causa da
prosperidade Nacional, houvesse mais assídua e cabalmente, do que me era
possível fazê-lo, tomar em seus ombros, mais vigorosos do que os meus, o
enorme peso de tão eminente lugar. Ah! Senhor Redator! Se todos os homens,
que têm por seus Cargos a rigorosa obrigação de por seu fito exclusivamente
no bem público, assim se mostrassem ingênuos e sinceros, não alardeando
incompetentemente qualidades e partes que lhes falecem; não veríamos
nós tantas vezes, com espantosa maravilha, surgir de improviso das trevas
à Luz do dia tantos talentos nunca descortinados, tantas capacidades até
então sumidas na ignorância e nulidade, e tanta aptidão presuntuosa súbito
desenvolvida em tudo, e para tudo: bem como em vasta escara as espigas
mais chocas e pecas, erguendo-se a cavaleiro das outras, não fazem, por sua
leveza, se não subir, subir vaidosas, enquanto as mais gradas se acurvam por
seu próprio peso humildemente para a terra! E não havendo nem sombra de
crime em confessar a minha impossibilidade, comprovada pelo modo mais
autêntico, não ficaria eu mesmo pelo contrário essencialmente responsável
não só pelo que indevidamente recebesse, mas até, e muito mais, por iludir
os meus Constituintes, a Nação, a favor de cujos interesses e justiça devia, se
pudesse, propugnar com aquele esmero, diligência, assiduidade, intrepidez
e firmeza,23 que a íntima convicção da verdade austera costuma inspirar nas
almas singelas, inflexíveis, e por nenhum respeito humano acovardadas;24

23
N.A.: Iustum, ac tenacem propositi virum
............................................................
Impavidum ferient ruinæ. [Ao homem justo e de vontade firme / (...) / As desgraças
encontrarão impávido]. Hor., Od. 3, Liv. 5.
24
N.A.: Homem de um só parecer,
De um só rostro, uma só fé,
D’antes quebrar, que torcer:
Ele tudo pode ser:
Mas de Corte homem não é. Sá de Miranda, Carta 1.
Je ne sais ni tromper, ni feindre, ni mentir;
Et quand je le pourrais, je n’y puis consentir.
........................................................................
Je ne puis rien nommer, si ce n’est par son nom.

549
circunstâncias estas que me foram, ou deviam ser pressupostas no momento
da escolha, que de mim se fizera para seu Representante em Cortes?
Escusado seria já agora, Senhor Redator, à vista do que fica prolixamente
exposto sobre os três silogismos, que me foi muito fácil extrair da continência
das suas palavras, continuar eu ainda em nova análise delas; mas podendo
Vossa mercê duvidar se eles foram exatamente ou não desentranhados do
sentido ou espírito que aí reluz; ainda me demorarei um pouco, até para
matar, como se diz, o enfadoso tempo desta minha tardígrada convalescença.
Diz Vossa mercê no primeiro membro do seu período.
“Escusara-se o Senhor Doutor Joaquim Navarro de Andrade de servir
de Deputado, alegando com a sua má saúde.” Vossa mercê ocultou muito de
propósito 1.º os gravíssimos encargos e trabalhos morais e físicos anexos ao
eminente lugar de Deputado às Cortes, para não aparecer em toda a evidência
o motivo ou fundamento que justificava a minha legítima escusa, enquanto
ele era muito superior às circunstâncias de minha saúde; 2.º o avultado venci-
mento, que se arbitrara a cada Deputado anualmente, para não poder fazer-se
a comparação entre essa importância, e o ordenado do Diretor Literário, que
Vossa mercê declara todavia com expressões genéricas e muito exageradas.
“Mas como a tem boa,” continua Vossa mercê “para ser Diretor dos
Estudos (da Academia) do Porto”?
Se este membro se limitasse ao que está escrito, ficaria exatamente igual
ao primeiro, falando-se em cada um deles dos mesmos objetos, isto é, no

Primeiro. Segundo.
Do lugar de Deputados às Do lugar de Diretor Lite-
Cortes. rário.
Da escusa que supliquei. Da escusa que não pedi.
Da causa em que esta re- Da causa em que esta não po-
caiu, (má saúde). dia recair (boa saúde).

Empregos, escusa, saúde seriam em tal caso circunstâncias comuns a


um e outro membro.
No mesmo segundo membro do referido período também Vossa mercê
ocultou a proporção do trabalho entre o Emprego de Diretor Literário, e o
de Deputado, sem dúvida para se não conhecer o resultado da comparação,

[Não sei nem enganar, nem fingir, nem mentir;


E quando o pudesse fazer, não o admitiria.
..............................................................................
Não posso nomear coisa alguma, a não ser por seu nome]. Boileau, Sat. 1.

550
que não podia ser outro, se não o seguinte. = Sendo laboriosíssimo, e incom-
paravelmente maior e mais importante o exercício de um Deputado, que
legisla para uma Nação inteira, ou para isso concorre, do que o de Diretor de
uma Academia, que executa o que por seus Estatutos e respectivas Instruções
ulteriores se acha ordenado, e por isso de muito menos trabalho, fadiga, consi-
deração, interesse e responsabilidade; é claríssimo, que sendo de mais a mais
relativo o estado de má saúde, pode qualquer não possuir o grau de vigor e
de forças para cumprir, segundo releva, o alto Emprego de Deputado, e ficar
sem embargo dessa impossibilidade muito apto e suficientemente disposto
com o restante da sua saúde para bem desempenhar as obrigações de curto
Emprego, como o de Diretor dos Estudos de uma Academia, que não lhe
são novos, desconhecidos ou estranhos, e principalmente estando já muito
habituado a este gênero de trabalho.
Finalmente Vossa mercê destruiu a igualdade dos membros do seu
período, acrescentando no segundo as ideias heterogêneas, que omitiu no
primeiro, isto é, afirmando ser o Cargo de Diretor dos Estudos da Academia
do Porto “o mais pingue e o melhor bocado da Província.”
Portanto, Senhor Redator, se Vossa mercê queria ser exato, ou devia
escrever o seu período, como acima já fica emendado, correndo-lhe em tal caso
a obrigação de mostrar, que os trabalhos e condições do Diretor Literário são
maiores, ou iguais aos de Deputado, a fim de poder descortinar a igualdade
de razão, de que já falei, ou então do modo seguinte.
“Escusara-se o Doutor Joaquim Navarro de Andrade de servir de
Deputado, lugar mui laborioso, e com o vencimento de 1:752$000 réis,
alegando com a sua má saúde; mas como a tem boa, para ser Diretor dos
Estudos (da Academia) do Porto, emprego de muito menor trabalho, do que
o de Deputado, e que tem de ordenado 1:200$000 réis?”
A resposta, depois da devida emenda do seu período, à pergunta que
Vossa mercê faz, torna-se agora muito fácil e expedita, transferindo para
este lugar as reflexões, que deixo indicadas; e desta sorte ficam também
muito palpáveis a leveza, superficialidade, e incoerência de seus malignos,
ou vendidos discursos. E por fim direi a Vossa mercê, se o não sabe já, que
se propondo as Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação
Portuguesa reformar esta Academia do Porto, assim no tocante à parte
Literária, como à Econômica, houveram por bem, principiando por esta
última, Decretar na Sessão de 6 do corrente mês de novembro, não só que se
extinguissem os Lugares de Vice-Inspetor, e de Diretor da Aula de Desenho,
por desnecessários, e nunca servidos, mas também que o Diretor Literário da
mesma Academia ficasse dali em diante vencendo somente 200$000 réis por

551
ano, que é a sexta parte do que até então percebia: acabou-se conseguinte-
mente o ciúme ou inveja do conto e duzentos mil réis, que franqueara a Vossa
mercê, e aos seus correspondentes sobre este artigo a suspirada ocasião de
invectivar contra mim; e terá Vossa mercê ao mesmo tempo a de lhe constar
por mim mesmo, que a despeito daquela subtração continuarei, enquanto se
não mandar o contrário, e as minhas circunstâncias o permitirem, a servir este
Emprego, que já Vossa mercê não poderá intitular o mais pingue e o melhor
bocado da Província, e o serviria até gratuitamente, se tanto fosse mister para
o bem público, segundo me acontece com o de Juiz de fato deste Distrito do
Porto, para que fui há meses competentemente eleito, e de que nem por isso
pedi, nem pedirei escusa; devendo Vossa mercê desta maneira ficar inteirado,
não só de que o interesse não é a mola principal, que regula as minhas ações,
mas também de que estou pronto, como sempre estive, para me empregar em
todo e qualquer serviço da Pátria, que for compatível com a minha saúde,
possibilidade e forças, e até com o risco da própria vida, se tão extrema fosse
a necessidade, que demandasse o maior dos sacrifícios, que de nenhum modo
se pode requerer em nossas felizes circunstâncias atuais.
E concluirei finalmente declarando a Vossa mercê uma lembrança, que
me ocorre, suscitada pelo conhecimento que de seu caráter me tem dado os
seus próprios escritos, quadrando-lhe exatamente a seguinte descrição de
um sujeito, que buscou remédio a seus males, consultando um Professor de
Patologia moral profundamente instruído na escola de Plutarco, de Sêneca,
de Montaigne, de Molière, de La Bruyère, de Le Sage, de Addison, e outros.
“Aquinhoado pela natureza com suficiente cabedal de talento, dizia o
doente, considero-me nas circunstâncias de admirar o que é grande, de estimar
o que é bom, de avaliar o que é belo; mas por uma fatalidade mui notável,
não posso desgraçadamente proferir uma só palavra de elogio em favor de
outro sem me sentir acometido de uma espécie de estrangulação na garganta,
que me faz pegar a voz, suspendendo-a na sua passagem. De mais mau grado
ainda sofro os louvores dos outros, uma vez que não sejam exclusivamente
endereçados só a mim mesmo. Na ocasião principalmente das primeiras
Representações do Teatro se manifestam com mais veemência os paroxismos
desta cruel enfermidade: se a peça agrada, o estrondo dos aplausos produz
em mim o efeito de qualquer líquido em um hidrófobo: forcejo algumas vezes
vencer-me, e aplaudir com os outros o que é digno de gabos; mas nesses casos
os braços se me tornam tão rijos, tão inflexíveis, que me não é possível, a
despeito de todas as diligências, chegar jamais a unir as minhas mãos, e ainda
menos a bater palmas. Esta contração dos órgãos do movimento dos meus
braços comunica-se, não sei como, aos da minha face; e de tal sorte se me

552
apertam os beiços, que o ar que sai do peito, quando respiro, apenas faz ouvir
um som agudo muito semelhante ao de um assobio; sendo verdadeiramente
singular, à vista de um quadro, de uma bela estátua, de uma obra estimável,
de qualquer gênero que seja, uma vez que o seu autor não tenha falecido há
cem anos pelo menos, sentir-me salteado de uma convulsão quase análoga.
Eis aqui o seu retrato, Senhor Redator.”
“Vós laborais, respondeu o Moralista, em uma moléstia, cujo nome
próprio é inveja: padeceis um vício orgânico, para o qual, não conhecendo
eu remédio, posso todavia indicar-vos um meio de alívio. A causa do vosso
mal consiste em uma superabundância de cólera negra, que de alguma sorte
inunda e oprime o vosso coração. Releva portanto desviar-lhe o tiro, e buscar
evacuá-la. Em tais circunstâncias, por que não trabalhais vós em compor
um Jornal? Tereis assim, todos os dias, a ocasião e pretexto de insultar os
talentos, de infamar a capacidade e a indústria, de suspender seus esforços, e
menoscabar qualquer reputação principiada. Se com o sal da sátira adubais
os vossos libelos efêmeros, conseguireis, perseverando, ser tido como o
oráculo dos maus e dos insensatos. Quem poderá calcular em tal caso os
frutos que acertareis de colher? Desta arte posso afirmar-vos, que, pelo
menos, ouvireis constantemente em torno de vós um concerto de sátiras,
de injúrias, de vitupérios, que vós mesmo tereis suscitado. E não podendo
curar-vos inteiramente, acalmareis ao menos os vossos sofrimentos.”25 Eis
aqui justamente o remédio de que Vossa mercê tem usado.
Pelo que me toca, não deixarei também de aconselhar a Vossa mercê,
que sem embargo da sua idade um pouco adiantada para consentir que o seu
órgão intelectual seja impressionado de movimentos novos muito diferentes
dos do seu costume,26 lhe seria muito proveitoso e útil aplicar-se por algum
tempo, em lugar dessa sua Filosofia corrosiva e destruidora,27 ao estudo de
uma Lógica apurada e luminosa, que o torne mais severo na exação de seus

N.A.: L’Hermite de la chaussée d’Antin, tomo 2 página 337 e seguintes. – A Paris, 1815.
25

N.A.: Difficulter reciduntur vitia, quæ nobiscum creverunt. [Os vícios que cresceram
26

conosco desaparecem com maior dificuldade]. Sen. De ira [II, 18].


N.A.: Philosophy might be compared to certain powders, so very corrosive, that, having
27

consumed the proud and spongy flesh of a wound, they would corrode even the quick
and sound flesh, rot the bones, and penetrate to very marrow. Philosophy is proper
at first to confute errors, but if she be not stopped there, she attacks truth itself; and,
when she has her full scope, she generally goes so far that she loses herself, and knows
not where to stop. [A Filosofia pode ser comparada a certos pós, altamente corrosivos,
que tendo consumido a carne ulcerada e esponjosa de um ferimento, eles corroeriam
até mesmo a carne mais viva e sadia, decomporiam os ossos, e penetrariam a própria
medula. A filosofia serve inicialmente para refutar erros, mas se não a detiverem aí, ela

553
raciocínios; e muito especialmente ao da Ética, de que Vossa mercê muito
necessita para regular suas ações;28 tomando ao mesmo tempo, se os seus maus
hábitos inveterados o permitirem,29 para regra de seu futuro comportamento,
a máxima dos imortais Bacon, e Sêneca.
Costum is the principal moderator of man’s life; let us, by all means,
take care to ingraft good costums.30 Essais.
Nihil est tam difficille et arduum, quod non humana mens vincat, et in
familiaritatem perducat assidua meditation… Sanabilibus ægrotamus malis;
ipsa que in rectum genitos natura, si emendari velimus, juvat. Nec arduum
in virtutes, et asperum, iter est: multo difficilius est facere ista quæ facitis.31

Sen. De ira.

Deus guarde a Vossa mercê muitos anos. Porto 25 de Novembro de 1821.


De Vossa mercê
Muito afeiçoado Servidor

Joaquim Navarro de Andrade

ataca a própria verdade; e, quando ela tiver ampla liberdade geralmente vai tão longe
que se perde de si mesma, e não sabe onde parar]. Bayle.
N.A.: Hoc opus, hoc studium parvi properemus et ampli, si patriæ volumus, si nobis
28

vivere chari. [Sejamos prestes nesta obra, neste trabalho de pouco ou muito valor, se
quisermos ser caros à pátria e a nós mesmos]. Horat., Epist. 3.ª Lib. 1 [v. 27-29]
Nemo adeo ferus est, ut non mitescere possit,
Si modo culturæ patientem commodet aurem,
Virtus est, vitium fugere; et sapientia prima,
Stultitia caruisse… [Pois ninguém é tão feroz que não possa amansar, / Se tão-somen-
te prestar o paciente ouvido à cultura, / Virtude é fugir ao vício, e a prima sapiência, /
Ter carecido de estultícia].
N.A.: Tamen ad mores natura recurrit
29

Damnatos, fixa et mutari nescia.


[No entanto, a natureza recorre a costumes condenados, ela que é fixa e não sabe
mudar]. Juvenal, Sat. 13, [239-240]
O costume é o principal moderador da vida humana; procuremos, por todos os meios,
30

adquirir e manter os bons costumes.


Nada é tão difícil e árduo que a mente humana não vença e que a frequente prática não
31

induza à familiaridade… Adoecemos com males sanáveis; e a nós, gerados para o que
é correto, a própria natureza ajuda, se quisermos nos emendar. Nem é árduo e áspero
o caminho para as virtudes; muito mais difícil é fazer isto que fazeis.

554
36

CARTA DE HUM BRASILEIRO


Sobre a vinda de tropa para a Bahia e sobre o Governador das
Armas Madeira extrahida do Astro da Lusitania.1
_____________
As perguntas com que o vou importunar são produzidas pelo que tenho
visto, ouvido, e lido, e como Vossa mercê terá também visto, ouvido, e lido
o mesmo, talvez possa com prontidão responder a elas; sossegando assim o
meu espírito justamente inquieto porque o Brasil é minha Pátria; ali existem
as pessoas, que me são mais caras: e ali finalmente, Senhor Redator, é onde
pretendo acabar meus dias.
Uma[s] de minhas perguntas são particularmente dirigidas à Província
da Bahia, e outras ao Brasil em geral; principiarei portanto pelas particulares,
e passarei às gerais.
Tenho lido que vão 600 homens para a Bahia, e tenho ouvido que
partem nestes dias.
Pergunto. Será conforme a prudência, que eles vão às ordens de Madeira,
conservando-se este como se acha Governador despótico, ou para melhor
dizer, conquistador da Bahia, independente das Juntas, sujeito imediatamente
ao Governo do Reino, e às Cortes?
Achar-se-ão poucos os males, que tem sofrido a Bahia tendo por principal
causa o Decreto de Cortes de 29 de Setembro, que criou os Governadores
das Armas independentes das Juntas, e a Carta Régia de 9 de Dezembro, que
nomeou a Madeira, Governador das Armas daquela Província?
Poderá a Fazenda da Província da Bahia pagar a dois, ou mais mil homens
de Tropa Europeia, que vai a ter com os 600, que são agora remetidos?
Será esta a melhor aplicação que se pode, e deve fazer dos Rendimentos da
Província, a bem da mesma?
Tenho lido, e se vê no mesmo Ofício de Madeira remetido por Gibraltar,
que ele fez convocar os Comandantes, e oficiais superiores dos Corpos de
primeira, e segunda linha estacionados na Bahia, a fim de o reconhecerem
Governador das Armas, e prestarem-lhe obediência, o que se efetuou, e isto

1
N.O.: Trata-se da conflituosa situação vivida pela Bahia de 1820 a 1823. O brigadeiro
português Inácio Luís Madeira de Mello assumiu o posto de governador de armas em
fevereiro de 1823. Tendo-se revoltado, o brigadeiro brasileiro Manuel Pedro de Freitas
Guimarães foi preso e remetido a Portugal. Madeira de Mello só foi expulso da cidade
em 2 de julho de 1823, data celebrada como a da independência da Bahia. Ver carta 37
sobre o mesmo tema.

555
antes de ter passado pelas Estações competentes naquela Província a Carta
Régia, que o nomeava Governador.
Pergunto. É, ou não criminoso Madeira por este fato? Atacou, ou não a
ordem pública? Transgrediu, ou não a Lei pela qual se achava Manoel Pedro
ocupando o Governo das Armas?
Foi, ou não Chefe de uma revolução contra uma Autoridade legitima-
mente constituída? Foi, ou não Madeira origem de todas as desgraças, que
ali tiveram lugar pela Divisão do Governo das Armas?
Deve, ou não Madeira responder pelo seu procedimento desde que
recebeu a Carta Régia de 9 de Dezembro? Estará em harmonia com as
Leis Militares não responderem por um tal procedimento os Comandantes
dos Corpos de primeira, e segunda Linha, que reconheceram a Madeira
Governador, e negaram obediência a Manoel Pedro, uma Autoridade legiti-
mamente constituída?
Tenho visto que Manoel Pedro, preso com infração das juradas Bases
da Constituição, foi remetido contra uma Lei para Lisboa, e que se acha no
Castelo de São Jorge, e isto sem que se tenha apresentado um só fato, pelo
qual se presuma ser criminoso.
Pergunto. Será conforme a justiça, que Manoel Pedro, sem um só fato
donde se presuma o seu crime, esteja no Castelo de São Jorge, e Madeira,
cabeça de motim, como se colige do seu próprio Ofício, esteja legislando na
Bahia?
Tenho ouvido que o Batalhão 12, e Legião Constitucional ficam conser-
vados na Bahia.
Pergunto. Será de prudência, e justiça, que Tropa, necessariamente
inimiga da do País, e do Povo; por isso que se bateram, e que têm cometido
tantos, e tão terríveis atentados atacando, e roubando casas e Conventos,
assassinando os Cidadãos, e as Religiosas, fique conservada em uma Província,
onde as Leis são dadas, e executadas por essa mesma Tropa?
Será a remessa de 600 Soldados a providência mais própria, urgente, e
útil para a Bahia, atendido o seu desgraçado estado de escravidão?
Finalmente será este o prêmio, que terá merecido a Bahia, por quanto
tem feito desde o dia 10 de Fevereiro de 1820, a bem da união com Portugal?
Deverão os Baianos estar contentes, e tranquilos debaixo do jugo das Armas
Europeias, que sendo empunhadas por irmãos, são contudo disparadas contra
eles com mais crueldade, do que se o fossem por inimigos inconciliáveis?
Sofrerá o Povo da Bahia, que a força armada própria daquele País se ache de
todo destruída, seus Oficiais presos quase todos; seus Soldados desarmados;

556
e isto quando se aumenta a Tropa Europeia, que ele supõe, e com razão,
opressora daquela Província?
Será permitido aos Cidadãos Portugueses Europeus existentes no Brasil,
desconfiarem dos maus Brasilienses, e contra estes acautelarem-se com as
Tropas Europeias, como disse em Cortes um Deputado, e não será lícito
aos Brasilienses desconfiarem dos maus Europeus costumados à guerra, que
ordinariamente torna os homens menos compadecidos?
Conservar-se-ão pois desarmados os Regimentos da Bahia, e o Povo
pacificamente verá entrar as Tropas Europeias pela Bahia adentro? Onde a
igualdade? Onde este princípio tão altamente proclamado?
Tenho ouvido, que se tem deliberado haver uma força armada em um
dos pontos do Reino do Brasil para o fazer conter na união.
Pergunto. Será esta medida necessária? Será justa? Será própria de um
Governo livre? Será capaz de produzir o efeito, que se pretende, e que tão alta
consideração deve merecer ao Governo de Portugal? Quem carregará com as
despesas necessárias para a conservação de tal força em qualquer ponto do
Brasil? Será com estas deliberações, com quanto se lê em todos os Periódicos
desta Capital, sem escapar o Campeão, e Jornal da Patriótica (guiadora da
opinião pública) e com quanto se tem dito no recinto das Cortes contra o
Brasil, e seus habitantes, que se pretenderá ver apertados os laços de união
dos dois Reinos? Será, não podendo os Deputados do Brasil procurar o bem
do seu País, sem que sejam taxados de Procuradores de facciosos, que haverá
no Congresso a harmonia precisa para haver união?
Será… Mas baste por agora, Senhor Redator, e creia que ainda mais
tinha a perguntar-lhe o seu

Atento, e obrigadíssimo Servo


Um Brasileiro

RIO DE JANEIRO. NA TYPOGRAPHIA NACIONAL. 1822.

557
37

CARTA
DE

HUM MEMBRO DA PRETERITA


JUNTA DO GOVERNO

PROVISIONAL

DA

PROVINCIA DA BAHIA
COM HUM APPENDICE

LISBOA:
NA IMPRESSÃO DE JOÃO NUNES ESTEVES.

ANNO 1822.
Rua dos Correeiros Número 144.

558
AMIGO, E SENHOR1

SAÚDE fraca, de há muito, e hoje piorada com o excessivo trabalho de quase


todo o ano passado, e com os desgostos curtidos em silêncio por prêmio de
árduos serviços prestados à Pátria; tédio indizível a pegar da pena; e enfim
(e mais que tudo) o estupor, em que me deixaram os Diários do Governo,
e das Cortes, escritos em Janeiro, e fevereiro do corrente ano, são (creio eu)
sobejos, e muito justificados motivos para que partissem tantos Navios, sem
uma letra minha.
Agora porém, que me sinto menos incomodado, e que me resolvi, conte
vossa mercê com larga página: o coração está opresso, cumpre desafogá-lo,
mas de maneira o farei, que nem falte com o que lhe devo, nem desminta a
gravidade do caráter, que me deu a educação entre pessoas bem-criadas, e
ainda menos que perca o respeito ao Público, empregando frases de tarimba,
e convés, hoje tão corriqueiras, e do gosto dos meus detratores: prometo mais;
prometo poupar muita gente, que tinha rigorosa obrigação de defender-me de
calúnias manifestas, e que o não faz, devendo aliás assim obrar, ainda que não
fosse senão por pagar-me a fineza de a não vexar, tendo tanto com que em
minhas mãos. Por obsequiar-me pois, e por serviço à Sacrossanta Causa, que
perfilharam os honrados Portugueses dos dois hemisférios, comprometida não
pouco pela guerra, que lhe fazem na pessoa de certos indivíduos, queira vossa
mercê ter a bondade de transmitir esta ao Público pelo veículo da Imprensa.
Como acreditaria eu, se carecesse de olhos, que os Senhores Deputados
desta Província se esqueceriam (em menos de um mês!) do caráter bem
pronunciado da maior parte dos 16 presos, que chegaram a Lisboa 24 dias
depois deles? Terá o Atlântico a virtude do Letes? Corrigir-se-iam de 2 de
outubro a 3 de novembro alguns desses (licença para o termo próprio) alguns
desses porcos, que há 15, 20, e mais anos vivem chafurdando-se no lameiro
de todos os vícios?
Prevaricariam os finados Governadores, sem que algum escapasse, não
digo nos poucos dias, que vão de 2 de outubro a 3 de novembro, mas nos 9

N.O.: ver nota à carta anterior. O autor da presente carta, bacharel em leis, foi vice-
1

-presidente da primeira junta de governo que assumiu no dia 10 de fevereiro de 1821.


A junta aderiu estritamente ao constitucionalismo das Cortes. Pediu o envio de tropas
portuguesas para se garantir contra o Rio de Janeiro e d. Pedro. Em 21 de junho, a
junta desliga-se do governo do Rio de Janeiro. Um dos grandes oponentes da junta foi
Francisco Gomes Brandão Montezuma, redator do Diário Constitucional. Nova junta
tomou posse em 2 de fevereiro de 1822.

559
meses que tantos havia que governavam, passando, como de salto, de homens
diuturnamente probos a desprezíveis sevandijas?2

2
No tempo, em que a maior parte dos indivíduos, que manejavam dinheiros da Fazenda
Real, ou abriam contas com ela, lhe levavam couro, e cabelo, foi rogado a um destes
ex-Governadores pelo Excelentíssimo Conde de Palma (de boa memória) para aprontar
o Batalhão Número 12, que tinha de transportar-se desta a Santa Catarina; e de tal
sorte desempenhou a Comissão, que não só mereceu os maiores aplausos do mesmo
Excelentíssimo Conde, e de toda esta Cidade, se não que as contas dadas foram ter,
com o devido elogio, a um dos mais distintos Periódicos Portugueses escrito em Lon-
dres: [Veja-se o Português Número] este mesmo homem em tempo de reforma, quando
quase todos estudam mais ou menos compor suas ações, quando são cuidadosamente
observados, e quando a liberdade de Imprensa não permite a impunidade a ninguém,
torna-se um velhaco, constitui-se um perfeito sevandija! Outro dos ex-Governadores
era um Negociante, a quem a fortuna dera de rosto; mas geralmente tido, e havido,
desde 29 anos que reside nesta Cidade, por homem de escrupulosa honra, por distinto
em sua Profissão, e ornado de ideias liberais: tudo isto era este homem em tempo de
corrupção; trata-se de reforma! Ei-lo torpe, ei-lo sevandija! Um 3.º serviu em tempos de
rapina, e despotismo diversos lugares de Magistratura, e em diversas partes, e sempre
com excelentes créditos; nesta mesma Cidade serviu por espaço de anos já em Varas, já
na Relação, e sempre sem quebra do ganhado conceito de limpo de mãos, e amigo da
justiça: trata-se de reforma, concorre para ela, e ei-lo (em menos de 6 meses) déspota,
concussor, e desprezível sevandija!! Um 4.º nascera nesta terra, havia então 46 anos, e
tinha nela vivido 38 gozando, desde a idade de puberdade, em que entrou no comércio
dos homens, da mais lisonjeira aura pública. Serviu na Tropa; seus camaradas o respei-
tavam, seus Superiores o distinguiam, seus súditos o amavam. Serviu no Senado; seus
Colegas, que ainda vivem, dão testemunho da maneira por que o fez. No trato privado
mereceu sempre a seus amigos o favor de uma consideração mareada. Inimigo jurado
do Despotismo (de cujo sistema podia aliás tirar partido por seu distinto nascimento)
sequestrou-se ao Comércio de Capitães Gerais, e Poderosos, enterrando-se no Campo.
Quase desde os primeiros clarões da aurora da Liberdade em França, começou a traba-
lhar pela de sua Pátria, arriscando fortuna, existência, e quanto lhe era tão caro como
ela. Vindo à luz, e sendo criado no seio da abundância, olhou sempre com tanta indi-
ferença para dinheiro, que a pecha, que lhe põem nesse Libelo famoso que assinaram,
e imprimiram em Lisboa os 16 homens probos(a) de 3 de novembro, seus gratuitos, e
cruéis inimigos, é, ter dissipado uma grande fortuna.
(a)
Assim se apelidam a si mesmos os 16 criminosos de 3 de novembro do ano próximo
passado nesse Libelo famoso, que imprimiram em Lisboa: seria pena que deixassem seu
elogio a 3.º! Mas que digo? Quando foram Anistiados, e estavam a chegar aqui, disseram
[cré com cré] os ilustres Anarquistas Redatores do Constitucional (Número 30 de 17 de
junho do corrente 1822) “enfim prevaleceu a inocência” ajuntando-lhe outras franjas
elogiatórias. Como a palavra = Anistia = não seja do Dicionário da plebe, os velhacos
aproveitaram-se disso para seus depravados fins, procurando (com refalsadas frases)
que o pobre Povo entendesse por = Anistia = o contrário exatamente do que a palavra
significa destarte se abusa da ignorância do Vulgo! Destarte o pretendem levar de novo
aos ferros do Despotismo tão perfeita e briosamente quebrados no imortal dia 10 de
fevereiro!)
Cônscio das medidas para a proclamação da Constituição, e fiel a seus princípios, apa-
receu no imortal dia 10 de fevereiro, e correu a sorte dos demais Libertadores da Pátria,

560
Se tais coisas, posto que não absolutamente impossíveis, repugnam aliás
na ordem moral; como deixar de enlouquecer, não ouvindo uma palavra
de reprovação contra o atraiçoado proceder daqueles inimigos da Ordem
Pública, nem a mais ligeira defesa em abono dos desgraçados Governadores,
ou ao menos de algum?3
Tão lúbrica terá a memória o Senhor Deputado Barata de Almeida
que, sem o sentir, já lhe caísse dela o ter rondado, com outros amigos da
Constituição, a parte de um desses traidores na noite do aziago dia 19 de
Junho, em que entrou neste Porto o Conde dos Arcos, deposto no Rio a
requerimento do Povo, e Tropa, do qual Conde a voz geral nesta Cidade, e
quantas Cartas chegavam do Rio e diziam Espião?

quando os impuros corações, que agora deitam os corninhos de fora, estavam bem no
fundo das conchas.
A esforços seus (de que são testemunhas os Senhores Deputados Lino Coutinho, e Barata
de Almeida) deixou de ser proposto para Membro do Governo, não conseguindo toda-
via o evitar aquela terrível escolha pelo aclamarem espontânea, e geralmente o Povo, e
Tropa; honra que só lhe coube, e ao Benemérito Brigadeiro Manoel Pedro; e honra difícil
na verdade de se lhe perdoar! Enfim juntos os Eleitores de Paróquia para a nomeação
dos de Comarca, foi ele o primeiro, em quem recaiu a escolha do Colégio, apesar de já
então começado a fascinar pela nojenta cabala, que tão despejada, e escandalosamente
se tem depois desenvolvido. Mas para que tudo isto, se por causa de tudo isto é que eles
fazem a guerra a este ex-Governador? Parece-me ouvir-lhes o que o Corvo da Fábula
diz ao Rouxinol, quando a simples avezinha, para não ser tragada, faz a enumeração
das suas prendas:
.... insensato!
Devias ser mais remisso
Em produzir teu retrato:
Não te defendes com isso
Que por isso é qu’ eu te mato.
Eis ali pois como constantemente procedeu o tal 4.º ex-Governador; eis ali como o
reputaram seus Concidadãos até junho posterior ao Glorioso dia 10 de fevereiro: em
Julho subsequente (quem o acreditará!) ei-lo déspota, ei-lo ambicioso, ei-lo venal, ei-lo
inimigo da sua Pátria, ei-lo o mais desprezível de todos os sevandijas! Perversos! Ho-
mens monstros! Homens de má-fé! Se a inveja, e a torpe ambição vos abafam agora os
remorsos, dia virá, em que se eles levantem, e vos ralem essas entranhas! Sim, miseráveis,
eu vos desafio perante a Província, e a Nação, para que proveis as calúnias, que tendes
inventado contra o Governo, que acabou, para que proveis uma só das imputações com
que vos têm feito conta manchar a honra sempre ilibada deste ex-Governador: e se algum
há dentre vós tão sem alma, tão calejado em falsidades, que não descore, e não trema
ante ele, e o Juiz, já daqui o emprazo para o leito da morte, onde a imagem do homem
de bem o assombrará, e onde o homem de bem obterá infalivelmente justiça com a
retratação do malvado.
Um 5.º... mas basta para amostra do pano, e não se aplique a esta Carta o epigrama do
outro a certa Obra, cujas notas avultavam mais que o texto: = Notas sem texto. =
3
Excetua-se, nesta última parte, o Reverendo Senhor Marcos Antonio de Souza.

561
Fugir-lhe-ia da memória que esse mesmo rondado (o despejado Gordilho)
protestou em certa casa de grande Companhia nesta Cidade = que se havia
vingar dos rondantes, e mormente do Senhor Deputado Barata de Almeida,4
e João Ladislau de Figueiredo e Mello?5 Que esses mesmo Gordilho, chiando
com o cáustico na nuca, em carapaça da ronda, que tão perfeitamente lhe
ajustou, foi o despertador da antiga, mas sufocada rivalidade entre Portugueses
Europeus, e Brasileiros, assoalhando caluniosamente, que o Senhor Deputado
Barata de Almeida tramava a independência da Província, e conspirava contra
a vida dos Europeus nela residentes? Que foi esse mesmo Ente desprezível, que
provocou o assustador rebuliço da noite de 12 de julho do ano passado, espa-
lhando por toda a Cidade baixa, na manhã desse dia, pequenos bilhetes, que
anunciavam para aquela noite o sonhado saque pela Artilharia da terra? Já se

4
O coronel Ajudante de Ordens Salvador Pereira da Costa, em uma noite, que dormiu no
Palácio, estando de semana, assim o contou a um dos Membros do Governo: recorde-se
ele que o fez deitado em uma marquesa encostada à parede imediata ao passadiço da
Relação. Este pobre homem sem caráter ou cujo caráter é a versatilidade, não se achava
ainda bandeado com os conspiradores; pelo contrário parecia aborrecê-los, e era todo
devoto do Governo, ao qual incensava esperando, sem dúvida, mundos e fundos: Se
mentiu pela alma lhe preste; mas não, que muita outra gente o assegurava.
5
Muitos foram os amantes da Constituição, que saíram na noite de 19 de Junho do ano
próximo passado a velar a Cidade, e espreitar os que a fama pública designava como
Corcundas, e criaturas do deposto Conde; porém contra nenhuns se irritou tanto o
impudente Gordilho como contra os dois, e sobretudo contra o último; e por isso mais
particularmente protestou fazer-lhe guerra. Várias razões o deviam determinar a isto
– 1ª. não se medir com todos, que era partido muito desigual. 2ª. atacar o que julgava
de maior vulto, porque, derrubado este, estavam os outros por terra; 3ª. e a mais forte,
fazer a guerra ao novo sistema na pessoa de um de seus Corifeus. De mil embustes
lançou mão o perverso, até que deparou com um, (a rivalidade entre os Portugueses, e
Brasileiros) que, posto lhe não tenha aproveitado ainda para seus últimos fins, surtiu-lhe
completamente bem para a projetada vingança, e mesmo transcendeu sua expectação;
porque, acordando ciúmes velhos, pôs a divisão entre os habitantes desta Cidade. Dentro
em pouco viu-se João Ladisláo, (até ali tão querido dos naturais de Portugal) suspeito, e
odiado por a maior parte deles; firme porém este Benemérito Cidadão nos proclamados
princípios e juramentos prestados, nem por isso arrepiou a carreira: digo-o assim, e assim
o assevero a fé de homem de bem, porque estou tão seguro do seu caráter, como do
meu próprio. Esta constância, que o despejado Gordilho tentou abalar antes do célebre
dia 3 de novembro (que o acreditará!) procurando vilmente passar com João Ladislau;
os sucessos posteriores filhos do espírito de partido, em os quais (pede a rigorosa jus-
tiça que eu o diga) lhe não cabe o mínimo quinhão: tem-no feito cair no desagrado do
Anarquista Redator do Constitucional, e seus dignos Sectários: ei-lo pois malvisto em
ambos os Partidos, que um dia lhe farão a devida justiça.
Só a fortaleza da alma deste homem é capaz de suportar com resignação, e até com
serenidade, tão revoltante galardão: eis a recompensa de tão distintos serviços prestados
por este Benemérito Cidadão à Causa Constitucional? Eis o prêmio, que de ordinário
dão os Contemporâneos ao Patriótico merecimento.

562
esqueceu o Senhor Deputado Barata de Almeida, que esse mesmo infame foi o
delator, que o acusou ao Senhor Deputado Lino Coutinho (então Membro do
Governo) como Chefe do Partido, que trabalhava nas trevas para derrubar o
finado Governo da Bahia, ou, ao menos, para depor alguns dos seus Membros?
Se tal fraqueza de memória no Senhor Deputado Barata de Almeida é defeito
físico, eu me compadeço da moléstia; se porém o não é, porque, em vez de dar
a conhecer esse infame, e seus dignos Sócios à grande maioria Constitucional da
Nação, (como cumpria a um dos plantadores do sistema nesta Província) não
só o não fez, mas publicou pela imprensa uma Carta do coitado do Brigadeiro
Manoel Pedro,6 que talvez agora o comprometa, e que o pobre, sem dúvida lhe
escreveu, contando com a inviolabilidade do segredo, que todos são obrigados
a guardar, quando se confiam pensamentos debaixo de obreia, e mormente
quando a amizade os deposita no seio da amizade? Que pretendia o Senhor
Deputado Barata de Almeida com a publicação daquela Carta, senão fazer a
defesa direta dos traidores? Não via o Senhor Deputado, que com ela fazia a
indireta do Conde dos Arcos? Do Conde dos Arcos, que ele, mais que nenhum
outro Baiano, avaliava pelo maior Déspota, pelo homem de piores entranhas,7
pelo mais cruel inimigo do Brasil? Cair-lhe-ia também da memória o sucedido
consigo em 1817, quando esse ex-Capitão General o chamou ao Palácio, e
em linguagem do Rei de Argel, ou de algum outro Bárbaro semelhante, disse-
-lhe que se lhe constasse = que continuava a boquejar em matérias políticas,
como lho haviam participado, far-lhe-ia irremissivelmente saltar a cabeça
dos ombros no meio da Praça daquele mesmo Palácio? = Oh! Meu Deus, que
inconsequentes que somos os homens!! Como não entrar em furor lendo o
indecoroso Discurso, (inserto no Diário das Cortes Número 270 do 1. ano
de Legislatura) em que o mesmo Senhor Deputado Barata de Almeida alanha
perfeitamente a esmo o finado Governo da Bahia? Que os Senhores Deputados
desta Província foram embarcados = como degradados para Angola! = Oh!
Revoltante injustiça!!! A conta desta despesa há de aparecer, e não será taxada,
senão de profusa: os outros Senhores Deputados, que forem desapaixonados,
darão testemunho da verdade, dá-lo-ão os Oficiais do Navio. A Galeota,

6
Chamo-lhe coitado, porque me doo de ver que a fraqueza de sua cabeça (que só iguala
à bondade de seu coração) o fizesse vítima de embusteiros: ele vai aparecer no mundo
com cores bem diversas do que é; e por isso pede o amor da justiça que eu assevere ao
mundo = que ele foi uma verdadeira hóstia sacrificada no altar da ambição de quatro
velhacos rebuçados.
Recorda-se o Senhor Deputado do horrível caso dos infelizes presos da Giquitaya, da
7

maneira medonha por que se recolheram mutilados ao Hospital militar, da cólera, com
que me contou esta atrocidade, e do furor, em que entrava, sempre que a referia.

563
e os melhores Escaleres do Arsenal estiveram às suas ordens, e neles se
transportaram para bordo os Senhores Deputados, que ali foram embarcar.
Quereria uma Guarda de honra? Mas, nem nos consta que tal se fizesse em
nenhuma outra Província do Brasil, nem mesmo era praticável embarcando
três Senhores Deputados em Navios, e horas diversas, (um até embarcou à
noite) e dos cinco que se ligaram, e foram na Regeneração, fazendo-o cada
um quando lhe aprouve, e do porto que bem quis, e que mais cômodo lhe
oferecia. Fora melhor que o Governo lhes desse hora, e de certo modo os
forçasse a que fossem a lugar determinado? Da falta desse passo da parte do
Governo não se pode talvez consolar agora o Senhor Deputado Barata de
Almeida; isso teria sido uma fortuna para a sua bílis: que nomezinhos que
não daria o Senhor Deputado a esse procedimento do Governo? Decerto
vinha abaixo o teto do Salão das Cortes com o terrível estrondo das palavras
favoritas = Tirania, e Despotismo! = Os Membros do Governo, à exceção
do Deão por suas públicas moléstias, e do Coronel Francisco de Paula, que
ficara no Palácio, foram todos cumprimentá-los a bordo dos três navios,
demorando-se largamente em todos eles, e especialmente na Regeneração,
em que ia o Senhor Deputado queixoso: onde está pois em nada disto o
tratamento de Degradados para Angola? Lá foi há pouco o Excelentíssimo
Bispo do Pará, Deputado por aquela Província, em tão mesquinho vaso, que
não admitiu o outro Senhor Deputado seu Colega, e nem por isso consta
que se queixasse de o ter o Governo daquela Província feito embarcar como
Degradado para Angola: triste raiva de maldizer! Como não estuporar, e
perder a fé nos homens vendo o Parecer da Comissão de Constituição (de
que é Membro o Senhor Deputado Borges de Barros) inserto no citado
Diário de Cortes Número 270? Os Senhores Deputados Soares Franco, e
o Excelentíssimo Arcebispo da Bahia, que não conheciam os Membros do
caluniado Governo, são os que os defendem! Dos Senhores Deputados da
Província o Senhor Vigário Marcos, e só o Senhor Vigário Marcos, que bem
poucas relações tinha com os Membros do Governo da Bahia, é o único,
que lhe tece um moderado elogio, cortado aliás pelo Senhor Deputado
Lino Coutinho, que não sofreu que o Senhor Vigário o honrasse, fazendo
a apologia de um Governo, do qual ele fora Membro, e no qual serviu sem
interrupção, não algum tempo, como diz na sua fala transcrita no supradito
Diário Número 270, mas no qual só deixou de servir em os últimos cinco
dias antes da sua partida. Onde estarão as ideias do = justo, e do injusto, =
da quase totalidade dos Senhores Deputados desta Província? Como se requer
sem respeito à Lei, e veneração pela Pátria, que sejam soltos os infratores da

564
Lei, os inimigos da Pátria?8 Em que Código se achará autorizada a rebelião
contra as Autoridades constituídas? O requerimento (ainda para a coisa mais
inocente, e até mesmo justa) feito em corpo, ou por uma coleção de indivíduos
com algazarras, e com mão armada, foi sempre classificado na Jurisprudência
Portuguesa, e na de todo o Mundo civilizado – desde Pequim até Londres, e
desde a mais remota antiguidade até nossos dias – por crime capital: como
pois se requer tão desempenadamente primeira, e segunda vez – a soltura
de indivíduos incursos em tal crime? – A certos homens, e em certos casos
bem se lhes podia aplicar sem injúria o conhecido provérbio dos antigos =
Naviget Anticyram9 = Absolvam-se esses Réus, e está estabelecida de Direito a
Anarquia; absolvam-se esses Réus, e todo o habitante desta Cidade, que não
perdeu ainda o senso comum, ir-lhe-á voltando costas para não ser vítima
das infalíveis revoluções, que têm de suceder uma após outra.
Se uma dúzia, se duas dúzias, se um cento de homens, tomando em vão
nas profanas bocas os sacrossantos nomes de Pátria, e Liberdade, pudessem a
seu bel-prazer derrubar, e levantar Governos: se em um punhado de descon-
tentes, ou de ambiciosos se reconhecesse o voto de uma Província, ou de um
Reino, não haveria Reino, ou Província, em que o Governo fosse estável:
um punhado de descontentes, ou ambiciosos acha-se entre todos os Povos:
sancionada tão infernal doutrina, caía quanto têm dito até hoje os mais distin-
tos Publicistas, e – era uma vez Sociedade! – Como se pode ler sem grande
estranheza uma Indicação do Senhor Deputado Borges de Barros – deem-se
diariamente 1$200 réis a cada um dos presos vindos da Bahia?

8
Vejam-se duas indicações do Senhor Deputado Bandeira: Tem-se pretendido dar a estas
mal pensadas Indicações = o Foro, e Moradia = de um nobre rasgo de generosidade, visto
que um dos 16 presos (o Lendolf) era inimigo pessoal do Senhor Deputado; mas eu, com
todos os homens de bom siso, rio da absurda pretensão. Se o preso, de que se trata, fosse
preso por um crime cometido contra o Senhor Deputado Bandeira, brilhava o Senhor
Deputado perdoando-lhe, e intercedendo por ele, e a justo título merecia assoalhados
louvores; mas perdoar ofensa feita a 3º, creio que não é virtude que custe muito praticar,
e por isso as soalhas, que os estúpidos lisonjeiros puseram no pandeiro dos elogios, são
verdadeiras = contumélias em louvor = se a isto se acrescentar – que o crime era contra
a Pátria – então não me atrevo eu a dar o nome, que merecem as Indicações: = dicant
Paduani. = O finado Governo da Bahia, que era o imediatamente ofendido, implorou
do Soberano Congresso, e de El Rei – comiseração para com aqueles criminosos: = esta
ação verdadeiramente generosa, não só não merece o mais pequeno elogio, mas nem
ao menos se lê o Ofício, que ele remeteu! Assim se vai iludindo tudo, e assim façamos
a ruína do Brasil, aqueles mesmos, que por dever éramos obrigados a salvá-lo.
9
Navegue para Anticira. N.T.: Ilha que produzia heléboro, erva que curava loucura; a
expressão aplica-se a loucos.

565
Três quartinhos, e mais, gastarão os Senhores Deputados em sege, casas,
e fato, ficando-lhes apenas 1$200 réis para prato, e outras necessidades de
quem vagueia Lisboa: agora, se facciosos, que nenhuma daquelas despesas
têm, além da do prato, hão de receber os mesmos 1$200 réis, ficando assim
igualados aos homens não iscados de crime, e que tiveram a honra inapre-
ciável de levar ao Soberano Congresso a Procuração de suas Províncias;
então subscrevo o generoso rasgo filantrópico, e dou as mãos confessando
a rudez de meu entendimento, e até a fereza de minhas entranhas. Muitas
outras observações havia a fazer relativamente àquela infeliz proposição,
como fosse = a angústia dos Cofres Públicos, o haver tal dentre os presos,
que, antes de delinquir, não tinha de renda seis tostões diários, quanto mais
um quartinho etc. etc.; = mas basta o que fica notado: assegure-se a quem
cometer crimes um quartinho por dia, não digo para prato somente, mas
para todas as despesas, e eu fico que se entupam as Cadeias: tomaram os
pingantes essa descoberta! Pediu-se ao Senhor Deputado Borges de Barros,
que requeresse o mandar-se imprimir, ou inserir nos papéis públicos, o Ofício,
que acompanhou os presos; não só se não se fez tal; porém (oh pasmo!) nem
ao menos foi lido no Soberano Congresso!!
Faz-se uma bicha, de sete não, de setecentas cabeças – das onze folhas de
papel que o encerravam – e com este verdadeiro coco, sem uma só razão de
polpa, recusou-se a leitura de uma peça importante à reputação dos Membros
do Governo de uma Província, de uma peça, que alguns Senhores Deputados, e
por vezes, pediram a leitura,10 que as Galerias quereriam ouvir, e que a boa-fé

O Senhor Deputado Fernandes Thomaz (veja-se o Diário do Governo número 71 de 25


10

de Março de 1822 página 495) sendo de opinião que se lesse a íntegra da Representa-
ção de São Paulo, perguntou = Se porventura se negou uma só vez a qualquer Senhor
Deputado a leitura de qualquer documento, uma vez que a requereu? E afirmou; que
tal não sucedera nunca = O Senhor Deputado Malaquias fê-lo recordar-se logo = que
a ele mesmo Senhor Malaquias se negara, quando pediu a leitura de Ofícios de Per-
nambuco relativos a Luiz do Rego: = e eu lembro agora que na Sessão de 10 de janeiro
1822 (veja-se o Diário das Cortes número 270 do primeiro ano de Legislatura) pediu
o Senhor Deputado Ledo, 1ª e 2ª vez, a leitura do Ofício do Governo da Bahia, que
acompanhou os 16 presos de 3 de Novembro, e nunca lhe foi concedida; procedimento
este praticado, já dias antes, a respeito do mesmo Ofício, quando o Senhor Deputado
Barata de Almeida, e outros pediram a sua leitura. Consolou-me porém a espécie de
palinódia cantada dois dias depois pelo mesmo Senhor Deputado Fernandes Thomaz
(veja-se o Diário do Governo número 73 do mesmo mês e ano) quando, requerendo =
que as Comissões, onde se achassem Representações das Juntas do Governo do Brasil,
apresentassem os seus Pareceres, porque era necessário que o Congresso fosse instruído
de todos aqueles negócios = disse = que o contrário acontecia em consequência de nem
ao menos se lerem os Ofícios quando chegaram: nenhumas reflexões ajuntarei por serem
óbvias. =

566
exigia se fizesse patente, pois patente havia de ser, como foi o ....... (seja-me
lícito dizê-lo) o injustíssimo Parecer da Comissão. O finado Governo da Bahia
sofreu ataques de diversas naturezas, e por inimigos diversos: o machucado
amor-próprio de muitos dos meus Conterrâneos, a inveja de outros, e a ambi-
ção de alguns trouxeram-lhe grande guerra; porém a maior de todas veio-lhe
indubitavelmente da constante adesão a Portugal, e da invariabilidade no
sistema da união da Monarquia: isto sabiam-no bem os Senhores Deputados
desta Província, e o Senhor Borges de Barros, melhor que muitos deles: como
pois o Senhor Borges de Barros, Membro da Comissão, e ouvindo a Comissão
os Senhores Deputados da Bahia, põem o Parecer da Comissão em dúvida,
não digo bem, nega formalmente a fidelidade dos princípios do Governo da
Bahia em relação ao sistema de unidade do Império Português? No Areópago
Lusitano, no Santuário de Astrea uma tal injustiça!11

Le monde est rempli de contradictions, mais encore plus de faisses preventions et de faux
11

jugements [O mundo está repleto de contradições, mas ainda mais de falsas prevenções
e de falsos julgamentos]. A verdade deste apotegma do Autor = dos Costumes, e Carac-
teres do Século 19 = verifica-se bem no supracitado = Parecer =: como é possível que, a
não estarem falsamente prevenidos os Senhores Deputados, que o assinaram, fizessem
tal juízo sobre o finado Governo da Bahia? Se de alguma coisa este Governo se podia
desvanecer, era certamente da coerência de todos os seus passos com os princípios es-
tabelecidos, isto é, da religiosa fidelidade na observância de seus juramentos de adesão
a Portugal, e à Constituição, que aí fizessem as Cortes; no que não se desmentiu nunca.
Desta inabalável constância, que empatou sempre as vazas a esses quatro miseráveis,
vendidos por mais de uma razão aos Áulicos do Rio; desta inabalável constância, que
estorvou sempre os Lordes, que almejam pela Magna Carta, para terem assento na Câ-
mara Alta, ficando a cavaleiro do pobre povo, que eles reputam bestas de carga, e que
iludem vilmente com sonhados cativeiros, abusando da credulidade, que faz a partilha
do vulgo; desta inabalável constância, digo eu, que fez sempre espumar Anarquistas, e
Aristocratas, veio ao finado Governo da Bahia a maior, e a mais despiedada guerra, que
sofreu, e ainda sofre: e é esta mesma inabalável constância, que o Parecer da Comissão
nega formalmente ao finado Governo da Bahia! É nesta menina dos olhos do Governo
da Bahia que a Comissão o fere! Oh fatalidade sem par! Oh digno prêmio de um tão
distinto serviço! Certo, que assim animados os Cidadãos vê-los-emos correr, como à
porfia, a fazer face aos inimigos da Sacrossanta Causa, afrontando, pelo engodo de tão
doce recompensa, ódios, calúnias, e perigos de toda a sorte.
Tal fascinamento em tão iluminados Senhores como os = oito = que assinaram o Pare-
cer, é custoso de acreditar-se; mas explica-se com esta outra sentença do citado autor =
L’instruction ne garantit pas toujours de ces erreurs, ni la probité de ces injustices: les
hommes les plus éclairés, comme les plus honnêtes sont souvent esclaves, sans le savoir,
de quelques preventions [A instrução nem sempre garante tais erros, nem a probidade de
tais injustiças: os homens mais esclarecidos, bem como os mais honestos são, frequente-
mente, escravos, sem sabê-lo, de certas prevenções]. Sirva isto de bálsamo (se é que pode
servir) ao finado Governo da Bahia, e aos Senhores Deputados que – tão injustamente
o maltrataram. –

567
O Senhor Deputado Órgão da Comissão diz no – Relatório – que era
enfim chegado o momento de tratar com toda a franqueza dos objetos do
estado político do Reino do Brasil; e depois entra a descarregar golpes mortais
contra o Governo da Bahia, arguindo-o = de que suas promessas pararam
em palavras estéreis, que não só se soltou da obrigação de dar conta das suas
providências administrativas, mas que passou por fatos muito significativos a
obrar sem mais subordinação, dispondo da Fazenda Nacional a sua vontade,
e praticando atos manifestos da mais perfeita independência etc. etc. = Se
era pois chegado o momento de tratar com toda a franqueza dos objetos do
estado político do Brasil, e por isso se começava a descoser o fiado a um dos
Governos do Brasil, por que não se especificaram esses fatos significativos,
essa disposição da Fazenda Nacional, esses atos manifestos da mais perfeita
independência acumulados ao Brasileiro Governo da Bahia? Por que divagar
por esse espaço vário das generalidades, e não descer antes com toda a fran-
queza (o que era mais comezinho) a fatos particulares, e positivos? Apareçam
eles, que doutro modo não se podem defender os Membros do finado Governo
da Bahia: ferir nas trevas não é de generosos. Ventilem-se esses fatos à luz
meridiana: assim o pede a boa-fé; assim o desejamos todos. Eu, meu caro
Amigo, fui Membro desse Governo, cujo espírito se julga tortuoso, porém
tão tranquila tenho a consciência, que não só não temeria responder a um
e um pela lealdade de todos os seus passos administrativos, senão que assaz
folgara de que me compelissem a isso traduzido a Juízo: desse cadinho, estou
seguro, sairia acrisolada a honra, e fidelidade daquele Governo, (cá e lá tão
indignamente recompensado) e com esse triunfo gozaria, por única vingança,
não da confusão dos Sandovais desta terra; mas desses Varões probos, desses
homens de luzes, que decerto se dariam por corridos, vendo que se deixaram
prevenir com a facilidade dos insipientes: trevas anseiam-me; enquanto houver
trevas exclamarei com o Grego Ajax.

Grand Dieu chasse la nuit qui nos couvre les yeux


Et combat contre nous à la clarté des Cieux.*

Que o Governo da Bahia havia de errar, alguma, ou muitas vezes, coisa é a


que chegavam os curtos conhecimentos de seus Membros: o Governo da Bahia
não era composto de Anjos; e tanto bastava. Esta confissão fez ingenuamente
o Governo da Bahia em mais de um de seus Ofícios, e muito positivamente no
último dia 31 de Janeiro deste ano; o que ele porém não admite, nem admitirá

* Grande Deus afasta a noite que nos cobre os olhos / E luta contra nós à claridade dos
Céus.

568
nunca é = que errasse de má-fé, que errasse de propósito deliberado = Como
não viram homens perspicazes, homens águias, homens profundos, e versa-
dos na análise do coração humano = que um Governo ereto em tempos de
reforma tinha de ferir (por mais moderado que fosse) os interesses ao menos de
alguns, senão de muitos Empregados? Como não viram que cada um, e todos
esses abutres, que viviam da podridão do Corpo Político, seriam, com todo o
ramal dos seus parentes, e afins, amigos, e clientes, outros tantos detratores do
Governo reformador?12 Um Governo filho do entusiasmo de um Povo sincero;
um Governo, cujas medidas eram elogiadas por El Rei, e pelas Cortes;13 um
Governo, que servia de modelo, e a quem se dirigiam as demais Províncias
a pedir conselho, e estreitas relações: sim, um tal Governo não podia deixar
de mortificar o amor-próprio de muita gente, e de acordar muitos variados
ressentimentos: isto é o que era necessário ver também. Era necessário ver
mais; era necessário ver, – que passando o primeiro soçobro de uns, a dubie-
dade de outros, e o eletricismo do maior número; quero dizer, quando veio
a hora da reflexão a todos, entraram todos (com exceção de poucas almas
privilegiadas) a querer ser tudo; e principalmente Governadores da Província.
Aqui teve começo a desenvolução do negro tropel de quantas paixões
ignóbeis é vítima o fraco coração humano; o despeito, a inveja, a ambição, e
a sua primogênita – a intriga – tomaram todas as formas, trajaram todas as
roupas.
A Governança figurou-se-lhes = Benefício Colado =; o alvo principal dos
desejos era entrar nela; no ardor de lá chegar antolhava-se-lhes obstruindo o
caminho com os créditos ainda intactos dos Governadores, e espumavam de
raiva: como pois aplanar a estrada? Como arredá-los? = Desacreditando-os =
Achado o plano, restava apenas o obstáculo de se resolverem a mentir
descaradamente; o despeito, a ambição, e a inveja removeram a dificuldade:
ei-los no vasto campo das Calúnias! À testa desta Falange, ou, mais propria-
mente, desta matilha, pôs-se um tal Cínico, ou Canzarrão desta Cidade,

Honra seja feita a quem a merece: em todas as repartições públicas desta Cidade havia
12

alguns Empregados beneméritos, cujos nomes poria aqui de muito bom grado, se não
temesse ofender sua modéstia, ou se porventura carecessem ser apontados, sendo, como
são, tão geralmente conhecidos.
Ofício de 20 de Julho de 1821, em nome de El Rei. Dito de 21 do mesmo mês, e ano,
13

o qual acompanhou por cópia a honrosíssima deliberação das Cortes, dirigida a Sua
Majestade em Ofício de 18 do mesmo Julho. Dito de 3 de Setembro trazendo por cópia
o das Soberanas Cortes de 7 de Agosto. Portaria de 20 de Setembro. Dita de 26 de
Outubro ambas de 1821.
Ainda agora mesmo recebe o novo Governo Ofícios em elogio do Governo, que acabou,
como seja o de tantos de Março do corrente ano, em resposta ao de 12 de Janeiro último.

569
instrumento desprezível da facção Áulica, (a quem atraiçoa, afetando servir) o
qual não tem cessado de ladrar, e morder o finado Governador com a fúria de
um verdadeiro danado; sem se lembrar o miserável, que a verdade da seguinte
observação é intuitiva, e mesmo trivial = La censure ameère n’est souvent
qu’une calomnie: la censure modérée n’est autre chose que l’expression de
l’opinion publique* = Muito há que os Membros do finado Governo teriam
chamado a Juízo este embusteiro; porém fora necessário ser tão imprudente
como ele para o fazer em tempos de fascinação e manifesta parcialidade: o
Corpo de delito existe nos caluniosos escritos, que ele, e colaboradores têm
publicado: dia virá, (e não desespero, por que custa a desesperar do vencimento
na causa da razão) em que lhes peçamos contas, e em que homens desapai-
xonados lhes imponham as saudáveis penas da Lei, para confusão do vício, e
triunfo da virtude, sem que lhes valham prescrições, contra as quais já daqui
protesto ante o Mundo Português.
Pareceu-me sempre, e ainda hoje me parece, que um silêncio absoluto, um
soberano desprezo, eram por agora, a mais enérgica reposta a tão palmares
falsidades; porém já que toco nisto, não quero que talvez se tire a ilação de que
= com oratórios lugares comuns me pretendo evadir à dificuldade; tal guedelha
não permita Deus que eu deixe a ninguém: aí vai pois uma amostrinha do inso-
lente descoco, com que este pobre Diabo continua a iludir o povo, caluniando o
finado Governo contra o foro de sua mesma consciência; pois que este caviloso
não é tão curto de entendimento, como se devia concluir do que ele esgaratuja.
Para isto não lançarei mão das mil e uma pilhérias contra o finado Governo,
escritas em elegante Algaravia [sic] no, por antífrase, Diário Constitucional,
modelo exímio, e muito acabado do verdadeiro sal Ático; não Senhor, isso
são galantes nugas, que caem por entre os dedos ao faceto Redator, e não é
por esse lado que lho eu quero fazer ver: acusação de mão cheia, acusação
daquelas, que ele julga sem réplica, e que envolve matéria grave, é o de que
eu pretendo ocupar-me, arrancando-lhe assim a máscara, para que enfim
Vossa mercê, e o mundo lhe vejam bem as barbas, e plena, e cabalmente o
conheçam. Começa o espirituoso Redator do Diário Constitucional, no seu
Número 9 de 18 de Fevereiro, com um engenhosíssimo preâmbulo, capaz
não só de fazer a inveja, e a desesperação de todo o homem conhecedor da
muito difícil arte de escrever, senão de fazer rir as pedras com o sainete, que
comunica a um guisado de Excelentes, Excelentíssimo, Excelentemente etc.
etc = e depois com a costumada caridade, e bom senso, passa a roer os ossos

* A censura amarga é, muitas vezes, apenas uma calúnia: a censura moderada nada mais
é do que a opinião pública.

570
à defunta Junta, analisando, ou moralizando sobre as duas Portarias de 27,
e 28 de Janeiro. Atravessou-se na goela a este zeloso Cidadão o mandar o
Governo à Junta da Fazenda Nacional – que pagasse ao Fornecedor Paulo
José Soares Duarte RS. 1:586$400 para complemento do que despendera,
por ordem do mesmo Governo, em objetos de serviço, sem que pusesse em
tabuleta – quais eram esses objetos –. Se me fosse duvidosa a malícia deste
verdadeiro – Zelote – e não zeloso Cidadão, e as razões, que ele tem para minar
a reputação de certos homens, que merecem um antigo conceito público, que
faz o seu martírio, eu atribuiria a nota, que diz respeito à Portaria de 27, à falta
de conhecimentos na marcha de todos os Governos em tempos de revolução,
e não teria dificuldade em perdoar-lhe; porém, estando seguro do contrário,
como estou, não posso dispensar-me de castigá-lo, patenteando-lhe o ardil.
A Cidade da Bahia proclamou briosamente a Constituição no imortal
dia 10 de Fevereiro, e entregou o Governo da Província a 10 Cidadãos. Esta
inapreciável honra, e generosa confiança devia estimulá-los a que empregassem
quanto cabia em suas poucas forças para desempenhar tão lisonjeiro conceito,
e ser gratos à tamanha distinção. No ardor do seu zelo não pareceu bastante
ao Governo = o construir barcas para defesa do porto; armar navios; reparar
as fortalezas, tirando algumas perfeitamente das ruínas, como a interessan-
tíssima de São Paulo do Morro, aumentar a Guarnição a ponto de quase
completar os Corpos da 1.ª Linha, resistir às seduções do Ministério do Rio,
combatendo em enérgicos escritos os insidiosos folhetos, e Decretos, que os
Áulicos forjavam naquela Corte; restituir a integridade à Província, reduzindo
por meio de tropas a rica Comarca de Sergipe d’El Rei, cuja fronteira (o Rio
de São Francisco) punha esta Província a coberto de qualquer tentativa pelo
Norte etc. etc.; quis mais o Governo: quis revolucionar o Reino do Brasil
inteiro, fazendo que lavrasse por todo ele o Sacrossanto fogo da Liberdade
Constitucional. E como conseguiria este saudável, e alto fim? Dirigindo-se às
diversas Províncias, de que se ele compõe. Fá-lo-ia o Governo em pessoa, ou
confiaria essa importante missão do puro acaso, isto é, de pessoas, que, além
do geral, não tivessem um estímulo imediato? Creio que o não dirá ninguém.
Logo, de que medida, cumpria que lançasse mão o Governo para que tão útil,
e justo plano viesse a lume? Da que era óbvia, e que só não enxerga o cego
voluntário do Senhor Redator do Constitucional = mandar Emissários com
Proclamações, e notícias dos sucessos para quase todos os portos de mar, para
o interior, e até para a mesma Corte do Rio =: Eis o que o fez o Governo.
Deslocar-se-iam, torno a dizer, todos esses homens por efeito unicamente de
entusiasmo, indo Apostolizar grátis? É de presumir que não. Então quem
lhes pagaria? O Senhor Redator com o rendimento dos seus Morgados, ou

571
com os furtos do muito pingue patrimônio de seus Ilustres Maiores? Não,
que fora pagar sermões, que não encomendara, nem mesmo o podia fazer
nesse tempo, estando, talvez; bem longe do solo, em que outros com tantos
suores, e riscos plantaram a potente Árvore da vida, cujos pomos quer agora
devorar com revoltante exclusão dos que amanharam o terreno: Quem pois
faria as despesas? Os Membros do Governo? Esses eram então uns pobretões;
se fosse ao menos no fim da colheita quando estavam podres de ricos com
os torpes lucros dos escandalosos roubos, (que todavia não aparece ninguém
a prová-los)14 isso tinha seu jeito. Concluamos: quem pois devia pagar aos
Emissários? Quem? A Fazenda Pública, porque público era o benefício =
A esta necessidade, filha das circunstâncias, acresceu a de alguns – Agentes
de Polícia – Dirá que eram escusados em tempos extraordinários, e que o
Governo com repreensível, e até criminoso descuido devia deixar carregar a
mina, fazer o rastilho, aplicar-lhe a mecha, e ver ir pelo ar a doce, e recente
liberdade? Se tal não pode dizer – de boa-fé – sem fazer direito às palhas, por
que se finge todo maravilhado de que o Governo não pusesse em tabuleta,
quais eram os objetos de serviço público, em que se despenderam meia dúzia
de centos de mil réis? Exigiria o Governo recibo a essa gente? Cumpre que
lhes assoalhe os nomes? Os Governos, ainda os mais fortes, não têm todos
eles despesas desta natureza em tempo irregulares? Como pois as evitaria o da
Bahia, que, por me exprimir assim, estava ainda como que pegado com cera?
Se as demais Províncias Brasílicas não apresentarem despesas semelhantes,
isso nada vem ao caso, porque suas circunstâncias são muito dessemelhantes
das da Bahia: e que tem de comum a peculiar posição desta Província, que
proclamou antes de El Rei, com a das outras, que o fizeram depois? Se o
finado Governo chegasse a pôr em prática o plano, que concebeu, e para o
qual ainda deu passos, – de pagar os soldos atrasados às Tropas destacadas em
Montevidéu = para as ganhar ao partido, e meter o depravado Ministério do

14
Que os detratores do finado Governo da Bahia se não atrevessem (enquanto ele
existia) a provar-lhe os subornos, roubos, e quantas malfeitorias inculcam hoje
vagamente, coisa é que se pode crer, visto o terror, que deviam incutir os Pachás,
e Vizires, que o compunham; mas depois que os tais Déspotas, entrando na antiga
condição de particulares, ficaram sem autoridade, quem lhes terá tolhido esse glorioso
passo, em verdadeiro triunfo? O amor, que lhes têm? Não, que tiranos aborrecem-se;
e o ódio não pode estar mais aceso nessa meia dúzia de meus Senhores. Respeito?
Menos, que por sevandijas não se tem, se não desprezo: e os frequentes insultos
que o digam. Virá do – parce sepultis [Poupa os mortos]? – Ai! Que não, pois que
todos os dias lhes remexem nas cinzas! Será talvez um puro efeito de sua honra, e
generosidade? Também não é admissível. Tanta honra, e generosidade para o não
provar, e tão pouca para o assoalhar graciosamente! Resolvam pois os Leitores a
equação, que certamente não é do 4.º grau.

572
Rio entre dois fogos, que despeza se não faria, e quão grande parte dela não
houvera necessidade de ficar em segredo? Se tal acontecesse berrava decerto
o zeloso Redator! E por que ele berrasse, ou algum outro = ejusdem furfuris15
= seguia-se que o Governo tivesse obrado mal, ou malversado? Seguramente
que não. Todos os sacrifícios são poucos, quando se trata de conquistar a
preciosa, e bem entendida Liberdade. Um Ministério ávido, e dissipador
exauria os Cofres desta, e das mais Províncias, não só para manter caprichos,
anafar vadios, e orgulhosos, senão para tê-las nos ferros; e um Governo, que
estava religiosamente obrigado a sustentar a Causa mais justa, e sagrada, a
Causa da Liberdade dos Povos, havia apertar os cordões à bolsa? Ninguém,
que conserve ainda a mais ligeira tintura de bom senso, irá pela afirmativa.
Dirá o zeloso Redator que tais despesas dão, ou podem dar para abusos:
– convenho que das coisas mais sagradas se pode usar, e se usa mal; e de Casa
tem o tal Redator o da palavra – Constituição – com que se ele escuda para
fazer guerra à jurada Constituição; mas não vê esse Cavalheiro – que uns
poucos de homens – que só deixaram de ter vergonha depois que entraram
a servir à Liberdade da Pátria, não se sujavam com esses trinta réis, a que
monta toda a despesa em objetos de serviço secreto? Não vê claro, e não
vê todo o mundo desapaixonado que, uma vez que se resolvessem a isso, e
tendo uma tão larga porta, não se contentariam em tirar por ela tão estreita
ninharia? Vê sim, e mais que vê; porém faz-lhe conta ser cego para cegar boa,
mais irrefletida gente, e assim desacreditar homens, com quem ele desespera
ombrear: eis pelo que pertence à caridade de que falei. O citado – bom senso
– acha-se a todas as luzes nos reparos a outra Portaria, pela qual se mandaram
dar os dois por cento ao sobredito Fornecedor, como interesse de Comissão
mercantil. Para que se isto fizesse, requereu o Fornecedor ao Governo – que
lhe mandasse dar um salário correspondente ao excessivo trabalho pessoal, que
tivera com o fornecimento, zelo na qualidade, e preço16 dos gêneros, e justa
indenização das despesas com quatro, e cinco Caixeiros efetivos para agências,
e arranjos de contas. Reconhecendo o Governo a justiça do requerimento;
querendo acertar, e não se achando a maior parte dos seus Membros com
suficientes luzes para isso, resolveu ouvir a Comissão do Tesouro, composta

Da mesma laia.
15

Comparem-se (mesmo espaço de tempo dado) as despesas feitas pelo Fornecedor


16

Paulo José Soares Duarte, com as antecedentes, observem-se as diferenças de melhoria


na qualidade dos gêneros; notem-se mesmo os imensos artigos extraordinários, como
armamento de Porto, reparos de Fortalezas, Quartéis etc. etc.; e conhecer-se-á, ainda
assim, quanto menor foi a despesa do Fornecedor, e em consequência o poder de contos
de réis, que lucrou a Fazenda Nacional: vista faz fé.

573
de Comerciantes desta Praça de irrecusável probidade, e inteligência na sua
profissão, e por isso mesmo Juízes competentes, e não suspeitos: estes, e
não o Governo, foram os que arbitraram os 2% que tanto escandalizaram
o zeloso, e sensato Redator. Em que está aqui a repreensível liberalidade do
Governo? Pretender que Paulo José Soares Duarte servisse não só de graça,
perdendo o tempo que havia de dar ao seu negócio, sujeitando-se aos infa-
líveis prejuízos das diferenças de receber em grosso, e despender em miúdo,
tomando sobre si o risco de ser roubado em tão avultadas somas, que podia
ficar arruinado da noite para o dia, senão que, de mais a mais, pagasse de
sua fazenda a quatro, ou cinco Caixeiros efetivos, é na verdade a prova mais
luminosa do – bom senso, – e até da justiça do Mouro do Senhor Redator!
Se Paulo José Soares tomasse sobre si todos aqueles encargos, pagasse de sua
algibeira aos Caixeiros, e tudo isto fizesse grátis era por certo ação muito
meritória, e credor se tornava de infindos gabos; mas, não o fazendo, nem
por isso merece vitupério. Onde estão esses gratuitos Servidores do Estado?
Por uma, ou outra dessas Fênix, que me o zeloso Redator aponte, eu lhe darei
milhares, e milhares de aves devoradoras, e até daninhas. O infeliz Estado,
meu Amigo, ou o bom Povo contribuinte paga não só a quantos o servem,
mas paga mesmo aos que o arruínam: do sangue do Estado, ou dos dinheiros
públicos vivem, e engordam (Oh vergonha!) até os Espiões do partido giboso,
como o guapo Redator talvez não ignora!
Após a tasquinhadura às duas Portarias, vem o Canzarrão de que
prometi ocupar-me para desmascarar o pseudo Constitucional; diz ele “Em
uma das relações apresentadas pela Comissão do Tesouro, lemos nós, no rol
das dívidas do Cofre Provincial quarenta e seis contos de réis, que, segundo
lá se dizia, eram provenientes de despesas extraordinárias. Que querem dizer
= despesas extraordinárias?” Pois o Governo de uma Província tem despesas
extraordinárias, que não possam ser sabidas pela Província? Que é isto? Aqui
há mistério! Monitas secretas no tempo de hoje, que já lá vai a Inquisição,
esse baluarte tremendo do Despotismo, e inimigo declarado da Religião que
juramos!!
Deixando passar ileso o feliz = a propósito = deste rabo-leva do tremendo
baluarte do Despotismo, e descarado inimigo da Religião, que juramos,
respondendo somente ao que importa, digo eu. Pela Portaria de 26 de Fevereiro
de 1821 criou o finado Governo a Comissão do Tesouro, e no 4.º e último
artigo da mesma Portaria, ordenou-lhe o seguinte: “Passará a (Comissão) a
recensear, e liquidar a dívida ativa, e passiva do Estado, indicando de que
procedem as mesmas dívidas, o tempo em que se contraíram, e o estado das

574
cobranças, ou execuções; e nesta liquidação se regulará a Comissão, quanto as
circunstâncias o permitam, pelas instruções do Supremo Governo de Portugal
de 27 de Outubro de 1820.”
A Comissão do Tesouro não pôde bem desempenhar quanto neste artigo
se lhe incumbiu, pelos tropeços, que a cada passo encontrava na irregularidade
da escrituração, e atraso, em que se a mesma escrituração achava; porém do
melhor modo possível terminou seu trabalho em 14 de Dezembro dirigindo
à Junta Provisória do Governo uma circunstanciada demonstração da dívida
ativa, e passiva da Província existente até o memorável dia 10 de Fevereiro,
na qual demonstração notou miudamente não só de que era proveniente a
dita dívida, mas também as épocas, em que havia sido contraída, e os nomes
de todos os credores, e devedores, de que se ela compunha: e porque se obser-
vasse que esta demonstração, pela sua longura, não podia ser publicada sem
grande demora na imprensa, mandou-se extrair o resumo; que se imprimiu
com a mesma data de 14 de Dezembro, cujo = N. B. =, só por si, bastava para
orientar a quem quer que não fosse de tenções tão danadas, como o Redator
do Diário Constitucional, ou tão ardiloso, como o colaborador Nemophilo.17
Nesse mesmo resumo fez-se ver ao Público – que no dia 10 de Fevereiro de
1821 devia a Fazenda – então Real –, pelo que respeitava à despesa extraor-
dinária da Província: Rs. 46:737$231; e pelo referido – N. B. – declarou a
Comissão do Tesouro, que tinha tomado conhecimento, e tinha feito ver ao
Governo o de que provinha essa mesma dívida extraordinária; acrescentando
– que se imprimira em resumo para facilitar a emissão. Isto parecia bastar para
inteligência do Público, e desempenho dos deveres da Comissão; mormente
atendendo ao método adotado em Portugal, relativamente à publicação
das despesas do Tesouro, que não tem sido outro, senão = o de resumidos
demonstrativos. = Quando algum Cidadão não descansa na boa-fé, que lhe
devem inspirar tais documentos, e quer entrar no miúdo conhecimento das
despesas, que eles apontam em grosso, tem o direito de requerer por Certidão
tudo o que a semelhante respeito o possa esclarecer; e só quando por este meio
legítimo chega a descobrir alguma irregularidade, desvio, ou malversação, é
que pode afoitamente publicá-lo, increpando os Empregados, ou Autoridades,
que nisso tiveram ingerência: o contrário será sempre subversivo da ordem,
quer o reparo venha de ignorância, quer de malícia.

Leia-se a Carta inserida no Diário Constitucional, Número 21 de Quarta-feira 13 de


17

Março do corrente, sob o título – Correspondência – Este colaborador sabia bem que
eram Réis = 46:737$231– porém para figurar coisa diversa falou somente em 46:000$000
de Réis –: Fora ardiloso! –

575
A Comissão do Tesouro, em seu zelo Patriótico, excedeu até as funções
impostas pela citada Portaria de 26 de Fevereiro, dando o demonstrativo18
de tudo quanto o Tesouro havia cobrado, e pago desde o imortal dia 10 de
Fevereiro até 31 de Dezembro, pertencente à antiga dívida ativa, e passiva
declarada no supradito resumo: com isto acreditou a Comissão, e o Governo,
(cujos desvelos eram bem servir, e agradar ao Público) que melhor satisfaziam
a curiosidade dos habitantes da Província, os quais sem dúvida se deveriam
alegrar assaz, vendo, em tão curto período, reduzida tamanha dívida a menos
da metade. Nada porém foi bastante para achar graça ante os rabugentos
olhos do Maquiavélico Diarista, cuja tática infernal consistia quase toda
em embair o fácil povo com fantásticas dilapidações, e quantos defeitos, e
maldades lhe aprazia imputar ao Governo, a fim que este, caído da pública
opinião, baqueasse, ou fosse derrubado; sem que o manhoso Anarquista tenha
a íntima consciência, de que não poderia pôr nunca em prática suas vistas
secundárias; ele sabia bem, o Babiano Sandoval, que o finado Governo, fiel
aos proclamados princípios, lhe cortaria sempre os herpes, aplicando-lhe os
remédios ordinários, que tantas vezes aproveitaram, e que, em caso extremo,
até faria uso de algum dos heroicos da Política Medicina: aqui tem pois, meu
caro, o que o tornou então furioso, e ainda hoje lhe provoca a bílis a vazar a
negra torrente de injúrias, e calúnias, com que mimoseia o finado Governo.
Então, desmascarei-o, como prometi? Conhece agora o impudente? Creio que
sim. Mas, pois que desci a falar de tais imposturas, quero dar-lhe a ver alguns
fios mais da imunda teia urdida por esta venenosa aranha, e seus dignos Sócios.
Não há imputação de qualquer gênero, ou espécie, que Vossa mercê imagine,
que os tais insetos obreiros das trevas não tenham acumulado à ex-Junta do
Governo da Bahia: ora = que se julgou Suprema do Brasil, e por isso criou
duas Secretarias; logo = que segregou a Província da grande Família Brasileira;
depois = que pediu Tropas a Portugal para tê-la nos cepos do Cativeiro, etc.
etc. Tomarei uma pitada, e direi: vamos lá. O pomposo adjetivo = Supremo
= não foi empregado, senão falando-se do Conselho Militar reunido na Praça
do Palácio, como se vê da sua Ata inserta na Idade d’Ouro número 13 de
Terça-feira 13 de Fevereiro de 1821: tal atributo, nem o Governo arrogou
nunca a si, nem alguém, que eu saiba, lho atribuiu nunca: como pois se lhe
faz disto um Capítulo?
Deixada à Câmara, pelo Artigo 3.º desta mesma Ata, a propositura
dos Membros, que deviam compor uma Junta Provisória para Governar a
Província, a Câmara, e não o Governo, que estava ainda por empossar, foi

Que se imprimiu em 17 de Janeiro do corrente 1822.


18

576
a que propôs dois Secretários, que o Povo, e as Tropas aprovaram; o que
não passou de pura imitação do que se praticara no Porto, e que imitado foi
depois por todas as Províncias Brasílicas, que erigiram Governos Provisórios,
sem que a nenhuma delas se lhe tenha levado a mal: e não era consequên-
cia necessária, que, havendo a Tropa, e o Povo = criado dois Secretários, o
Governo organizasse as correspondentes Secretarias? Como pois se lhe faz
disto um Capítulo?
Pelo Artigo 4.º (Ata mencionada,) foi imposta ao Governo, que se
houvesse de eleger, a seguinte obrigação – “Que o Governo Provisional, logo
depois da sua instalação, forme um Ato por si, e em nome desta Província,
de Adesão ao Governo de Portugal, e à nova ordem ali estabelecida, o que
será remetido ao mesmo Governo, e a El Rei Nosso Senhor –”. Quando
deste Ato de Magistral Política se pudesse tirar a sumamente absurda ilação
– de se haver segregado a Província da Grande Família Brasileira, – ao
Conselho Militar, e não à ex-Junta do Governo se devia, com justiça, imputar
aquele imaginário erro: como pois à ex-Junta, e não ao Conselho Militar,
se faz disto um Capítulo? Ora veja como são as coisas; eu fui Membro da
ex-Junta, e pena-me que tão fino rasgo de Política não fosse obra sua! Nas
críticas circunstâncias, em que e achava a Bahia, ignorando, se alguma outra
Província do Continente Brasílico haveria tido, ou teria o nobre arrojo de
espedaçar os grilhões, levantando a voz pela Liberdade Constitucional; com
que outra medida da mesma eficácia poderia deparar, que mais apropositada
fosse a granjear-lhe o pronto, e peremptório socorro, de que carecia; para
fazer face a qualquer tentativa contra o Glorioso Feito, do que lançar-se toda
nos braços dos Portugueses da Europa, seus Irmãos em sangue, e na Causa
proclamada? Que outra tão capaz de abrir os olhos, e animar as Províncias
Comarcãs, e as remotas? Qual mais adequada para pôr em respeito as Áulicas
sanguessugas, e assombrar os Vizires do Rio, a fim que em seu desmaio não
estorvassem o nosso bom Rei, o Senhor Dom João VI, a que, dando largas a
seu Magnânimo coração, e como terno pai de seu oprimido povo, pusesse o
selo à felicidade da Nação em geral, jurando aceitar o Sacrossanto Livro da
Lei, ou Constituição da Monarquia, que houvessem de fazer em Lisboa as
CORTES GERAIS, E CONSTITUINTES compostas dos Deputados de todas
as terras Portuguesas? Torno a dizer = que me peno de que tão fino rasgo de
política não fosse parto do Governo, de que fui Membro. =
Tal resolução foi aplaudida, naquele tempo, pela grande maioria desta
Província; foi festejada por todas as outras; foi recebida com mil gabos, e
sumo júbilo pela Regência, e pelas Cortes; e ultimamente = foi aprovada por
El Rei: = então foi tudo isto; agora é um erro insanável, é mesmo um crime

577
da ex-Junta do Governo da Bahia, e um crime sem absolvição! Seja-se lá Juiz
com tais Mordomos! A ex-Junta nenhuma coisa fez mais – que ser fiel a seus
juramentos: – não reconheceu a Regência do Rio, assim por se achar ligada
religiosamente com o disposto no transcrito Artigo 4.º da Ata do Conselho
Militar, aprovada mesmo por El Rei, (Carta Régia de 28 de Março de 1821)
como por já não ver na inviolável Pessoa de Sua Majestade o atributo de
Legislador, uma vez que Sua Majestade criou a Regência depois de haver
jurado aceitar a Constituição, que fizessem as Cortes Gerais, e interinamente
a de Espanha, na qual entra, como princípio fundamental = a divisão dos
Poderes. = Com este não reconhecimento ganhou esta Província o se não ver
inundada com uma multidão de despachados do Rio, que viriam tirar o pão
aos beneméritos aqui residentes; ganhou o não ser sangrada em suas públicas
Finanças, com o que não só pôde acudir às enormes despesas, a que se viu
forçada, senão que matou da avultada dívida velha, mais da metade em coisa
de onze meses; e entretanto nada, ou quase nada perdeu de seus cômodos,
porque, cortadas apenas as relações Políticas, e Financeiras, ficaram substi-
tuindo às dos Tribunais (criados por El Rei quando Legislador) para todos
os recursos das Partes. O que pediu porém a crise singular da Bahia naquela
quadra (dir-se-á) não é talvez o que lhe convenha sempre: concordarei; mas
para não sermos incoerentes, quero dizer, para que sejamos fiéis aos princípios,
e não quebrantemos o juramento prestado, é mister que se removam primeiro
as bem fundadas suspeitas, de que o egoísmo de poucos pretende reter, com
títulos, que prescreveram, o que com bom direito pertence a muitos. Enquanto
se não discutirem todos os negrumes, que de contínuo se levantam do hori-
zonte político, por outra, enquanto durarem todas, ou algumas das causas,
que determinaram o Conselho Militar no memorando dia 10 de Fevereiro, a
lançar mão da medida exarada no Artigo 4.º da Ata supradita, sancionada
aliás por El Rei, e pelas Cortes, e por nós todos jurada; em uma palavra,
enquanto formos ameaçados = com o plano Palmelino,19 e antipopular das
duas Câmaras = pede a sã razão, ou pelo menos a prudência, que estejamos
em guarda. A Providência como que pareceu deixar-nos cair das estrelas = o
Benefício da Constituição = e nós os homens como que estamos trabalhando
acintemente = para desmanchar a obra da Providência: lastimosa cegueira!20
Depois de vencida a primeira, e a máxima dificuldade, que era = romper
unânime, e felizmente = em todos os pontos do vasto Império Português;

N.O.: referente ao conde de Palmela.


19

Pauvres hommes que nous sommes. Rousseau Lettre à Mr. M. *** [Que pobres homens
20

somos nós].

578
depois de tantos riscos corridos, e superados, havemos de retroceder, entre-
gando outra vez os pulsos ainda roxos, e doloridos às quebradas algemas!!
Oh! Nunca o permitam nossos mesquinhos Fados! Tão dura sorte porém
prepara ao enganado Povo o infernal plano das duas Câmaras. Além disto, é
também mister lembrar-nos = que lá existem as Cortes, para com as quais nos
achamos penhorados por juramentos solenes; que nelas estamos representados
pelos Procuradores desta Província, em que depositamos, sem coação, todos
os nossos poderes; que as Cortes figuram o Soberano, ou a Nação, à qual
somente (segundo os proclamados princípios de Direito Público) compete a
prerrogativa de Legislar; que uma Regência não pode ser criada senão por uma
Lei; e que finalmente uma Lei só ao Corpo Legislativo cabe fazer: = quando
pois o Corpo Legislativo, ou as Soberanas Cortes da Nação, absolvendo-nos
do juramento prestado, Legislarem, ou Decretarem = que haja uma Regência
no Rio, ou em outro qualquer ponto do Brasil, isto é, que haja uma delegação
do Poder Executivo subordinado a El Rei, (o que é aliás de esperar, e de que se
não pode prescindir, afim de que o Brasil não desça da Categoria, a que com
tanta justiça foi elevado, e chegue obrando com unidade, ao auge de futura
grandeza, a que o destinara o Criador): quando tal acontecer, digo eu, qual
será o Cidadão amigo do justo, e respeitador da santidade dos Contratos, que
recuse reconhecer, e obedecer à Regência; mormente sendo confiada à Pessoa
Augusta do Herdeiro21 de El Rei Constitucional o Senhor Dom João VI, cuja
Dinastia prometemos manter no Trono Português? Nenhum certamente; tal
procedimento fora de loucos rematados, porque valia, tanto, como dizer: =
nós não reconhecemos, nem obedecemos à nossa mesma vontade exprimida
pelo órgão legítimo de nossos Procuradores: = antes disto porém, é perjúrio
manifesto, é abuso de direitos, ou pelo menos patenteia tal versatilidade de
caráter, que não pode ser indiferente a quem conserva ainda a mais ligeira
sombra de brio.

À vista das Cartas de Sua Alteza Real escritas a seu Augusto Pai desde Janeiro do cor-
21

rente ano em diante: à vista do Decreto de 3 de Junho próximo passado, e sobretudo


à vista do que se publicou em data do 1o. do atual Agosto, temo se não verifique na
Pessoa do Príncipe Real a Regência, ou Delegação do Poder Executivo no Brasil, o que
ia aliás vencido pela justiça, que nisso via o Soberano Congresso: a má sorte porém
deste interessante País rodeou o inexperiente Herdeiro do Trono de certos indivíduos,
cuja abominável sofreguidão vai decerto, ou privar este Reino da posse de um Príncipe
dócil, e amante das terras de Cabral, o que nos prometia incalculáveis bens, ou (o que é
pior) converter este Éden em um verdadeiro inferno, acarretando-lhe todos os horrores
da guerra civil! Com sobeja razão a presente, e as futuras raças Brasileiras cobrirão de
maldições os ímpios artífices de suas desgraças.

579
Vamos à última das citadas imputações, que é das que não tem réplica,
nem sofre explicação alguma, conforme o parecer desses quatro meus
Senhores, que têm o arrojo de se dizerem hoje melhores Brasileiros do que
eu; porém que, segundo a mim, é uma das que mais descobre a má-fé dos
tais detratores do finado Governo; pois é público como isso foi; consiste a
citada imputação = em haver a ex-Junta pedido Tropas a Portugal para ter
esta Província nos cepos do Cativeiro. =
Já lhe fiz ver, meu caro, que no aperto, em que se achava a Bahia depois
do heroico Feito de 10 de Fevereiro, nenhum recurso se lhe devia antolhar
mais certo, e pronto, para fazer face a qualquer tentativa do Ministério do
Rio, do que lançar-se toda nos braços de seus Irmãos de Portugal, interessa-
dos na mesma Sagrada Causa da Constituição: agora contentar-me-ei, por
toda resposta, com fazer-lhe a narração fiel, e sucinta da lealdade do finado
Governo neste negócio das Tropas.
Por Ofício de 18 de Fevereiro de 1821 (oito dias depois de proclamada a
Constituição nesta Cidade) participou a pretérita Junta da Bahia ao Supremo
Governo do Reino, em Lisboa, o glorioso acontecimento do dia dez; e, depois
de pintar-lhe o entusiasmo da Província, e a pouca probabilidade de agressão
da parte dos Mandões do Rio, acrescentou = mas como não é impossível que
o Despotismo em seus últimos arrancos recorra a perfídias artimanhas, e até,
no delírio da raiva, imite o desesperado taful, que envida em uma Carta o
resto da sua fortuna, aconselha a prudência que busquemos um auxílio de
forças marítimas, e terrestres, que nesse caso nos serão de grande prol, e à
Causa comum. Confia pois este Governo da Generosidade, e Patrióticos
Sentimentos de Vossas Excelências assistam, quanto antes, a esta Cidade com
dois Batalhões de Infantaria, algumas Companhias de Artilharia, um, ou dois
engenheiros hábeis, e todas as forças de mar, que esse Governo puder dispen-
sar, na certeza de que tudo será a cargo da Fazenda Pública desta Cidade. =
Daí a pouco tempo aparecem os manhosos Decretos de 18, e 23 do
mesmo Fevereiro, obra-prima, e último estratagema do atraiçoado Ministério
do Rio, que, iludindo a Religião de El Rei, pretendia dividir Povos Irmãos
para mais facilmente continuar a oprimi-los. Conhecido o vidonho (que em
verdade não era difícil de enxergar,22) Oficiou de novo a ex-Junta da Bahia à

Não se fiando todavia a ex-Junta da Bahia no seu modo de ver as coisas, convocou
22

alguns Cidadãos de diversas Classes, e dos mais notáveis, quer por seu patriotismo, quer
por suas luzes, e representação, a fim de ouvi-los, e proceder com acerto: todos, com
mais, ou menos calor, clamaram contra a cilada posta nos Decretos para nos colher
incautos. Do número dos convocados, e que ora podem dar testemunho disto em Por-
tugal, são = O Chanceler desta Relação José Joaquim Nabuco, e os Senhores Deputados

580
Regência, que havia sucedido já ao Governo Supremo, enviando-lhe os dois
citados Decretos, e instando pela pronta remessa do auxílio requerido.
Não eram passados muitos dias, quando surdem (posto que não
Oficiais) as agradáveis notícias = que no dia 26 de Fevereiro havia El Rei
jurado aceitar, para todo o Reino Unido, a Constituição, que fizessem as
Cortes Gerais, Extraordinárias, e Constituintes congregadas em Lisboa; =
foi isto bastante para que o finado Governo da Bahia se dirigisse imediata-
mente à Regência, em Ofício de 28 de Março, congratulando-se com ela, e
dizendo-lhe = que à vista de tão próspero sucesso, deixava à prudência, e
sabia consideração da Regência o mandar, ou não o auxílio pedido. = Mal
começava esta Cidade, e o Governo a saborear o rasgo de Magnanimidade,
e Justiça de Sua Majestade, chega do Rio um impresso assinado por toda a
Oficialidade da 1.ª Linha daquela Corte concebido em linguagem tão avessa
ao novo sistema, que levantou uma desconfiança indizível, de sorte que era
o clamor geral = estamos atraiçoados = Esta presunção fortificou-se com
o horrendo crime contra o inerme Colégio Eleitoral, reunido em boa-fé no
Salão da Praça do Comércio daquela Cidade para a mais Augusta das Funções
Nacionais, e aí infame, e covardemente assassinados parte de seus Membros
na infausta madrugada de 21 para 22 de Abril. A tão execrando atentado
(até hoje impune, apesar da fama pública designar seu Autor) seguiu-se a
saída de El Rei para Portugal, e a esta o mandar o Conde dos Arcos (que
ficara 1.º Ministro de Sua Alteza Real) proceder na Província do Rio a um
recrutamento de seis mil homens em 15 dias, sem que a ninguém valessem
privilégios, e sem que se visse o inimigo, contra o qual se armasse a Capital
do Brasil; o mandar vasos a Montevidéu buscar parte da Tropa do Exército
do Sul; e ultimamente o fazer embarcar o ex-Governador de Sergipe, Luiz
Antonio Machado para as Alagoas, a fim, segundo se dizia, de inteligenciar-se
com Luís do Rego Barreto, que então governava Pernambuco.
Com todas estas notícias, que de dia em dia se reforçavam, e eram
trazidas por passageiros, e Cartas fidedignas, que vinham do Rio de Janeiro,
viu-se a ex-Junta necessitada a requerer de novo, e uma e outra vez, e com
quanta eficácia cabia nas suas expressões o auxílio das Tropas pedidas;
pois conhecia ser de sua mais estreita obrigação o salvar a Província, que a

em Cortes, Antonio Carlos Ribeiro de [Andrada], e Luiz Paulino Pinto da França; e


nesta cidade o atual Governador das Armas, os Comandantes dos Corpos da primeira
Linha, e vários outros cidadãos, que todos compareceram, exceto o Senhor Deputado
em Cortes Cipriano José Barata de Almeida, por se achar fora da terra naquele dia, e
o Doutor Francisco Carneiro de Campos, hoje Secretário da Junta Provisória, que se
escusou por Carta. =

581
generosidade de seus Compatriotas lhe tinha confiado, e com isto, e de mais a
mais, sustentar a Causa do Brasil, cujos olhos estavam fitos na Bahia, como o
antemural da Constituição nesta tão importante parte do Império Português.
Entretanto veio o redentor dia 5 de Junho, em o qual, a requerimento do
Povo, e Tropa do Rio, foi deposto o arteiro Conde 1.º Ministro; notícia, que
ele mesmo trouxe inesperadamente a este porto em o aziago dia 19 do dito
Junho. Então pareceram removidos todos os receios de agressão, e assim o
creu a ex-Junta da Bahia em sua sinceridade; mas que aproveitava já para a
suspensão da vinda das Tropas, tantas vezes, e tão energicamente requeridas,
se elas deviam estar no mar, ou a embarcar, como embarcaram daí a poucos
dias? Nada por certo. Aqui tem pois, meu Amigo, como a coisas foram; agora
avalie Vossa mercê, e os imparciais, o merecimento da imputação contra a
lealdade do finado Governo da Bahia em relação ao negócio de haver pedido
Tropas a Portugal para ter esta Província nos cepos do cativeiro: eis aí a
boa-fé dos detratores, cujas calúnias creio ter completamente pulverizado.
Se lhe quisesse tomar ainda o tempo, ou não temesse abusar da paciência do
Público, contar-lhe-ia um poder de miudezas, já sérias, e já ridículas, com que
Vossa mercê pasmaria pela desgraçada futilidade, e sumo descaramento de
seus inventores; fique porém sabendo, que eu tenho sido o alvo principal, a
que esta meia dúzia (e não mais) de desprezíveis aventureiros têm apontado
a maior parte das setas: umas vezes sou o Autor das Cartas, que aparecem
inseridas na Idade d’Ouro, e Semanario Cívico, por mais mal pensadas,
escritas, e indecentes que sejam: outras = que assisto a imaginários Clubes
do Governador das Armas, que sou alma deles, e que o dirijo etc. etc.; enfim
esses quatro miseráveis declararam-me uma guerra furiosa. Sabem porém os
tais tarecos o contrário do quanto vociferam: eles não ignoram que eu jamais
peguei em pena para escrever coisa alguma que se introduzisse nos Periódicos
da terra, à exceção de duas antigas Cartas, que andam na Idade d’Ouro
com o nome de Argos, (se me provarem que não é isto assim, quero perder
a cabeça, ou, o que é pior = passar no conceito Público por tão bom como
eles: ) não ignoram que sou constante em minha casa, onde todas as noites
vêm pessoas diversas, que estão comigo, e família até onze, e meia noite; que
Madeira não me frequentou nunca; que uma só noite me não visitou, e que
eu (incorrendo sem dúvida na nota de pouco delicado) apenas lho fiz duas
vezes depois que ele está nesta terra, e de dia: não ignoram nenhuma destas
públicas verdades; mas dá-lhes isso bem pouco; o caso é fazer-me a guerra, e
tornar-me odioso. Quando contemplo tanta raiva gratuita, e não provocada,
(porque eu tenho a íntima consciência de lhes não haver feito o mínimo mal)
consolo-me com a ideia da irmandade, que achei sempre entre – a Calúnia e

582
a Gota – esta não ataca, em regra, senão a homens de certa fortuna; aquela
aos de algum merecimento. E não tem sido esta mesma a infame tática dos
ambiciosos, e dos malvados Corcundas em Portugal? Não caíram debaixo de
seus raivosos golpes três Membros das Cortes dos mais respeitáveis por suas
luzes, e por seus distintos serviços, como Corifeus da Reforma? Os Sandovais
de toda a parte, ou quem lhes paga, não querem inteiros tais espelhos: isto é o
que convinha que visse a Comissão para formar juízo sobre a pretérita Junta
do Governo da Bahia, e não pronunciar tão precipitadamente em matéria de
tanta gravidade, como a da reputação de beneméritos Empregados Públicos,
que oxalá fossem imitados por todos os outros, porque então, (permita-se
à minha consciência esta bazófia) então consolidada tínhamos a reforma.
A isto, sim, a isto é que era necessário atender, torno a dizê-lo, para
pronunciar; e não a umas tais Cartas, que mencionam escritas, sabe Deus por
quem, e a quem! Por ora cumpre que me limite ao modo de dizer da última
frase sublinhada, pois que espero a devida reparação da parte de homens de
bem, que se deixaram iludir um momento.
Os últimos sucessos do Rio, e os desta Cidade hão de tirar muita catarata,
e curar muita gota serena; eles respondem menos mal pelo finado Governo
da Bahia; por eles se verão quais eram os verdadeiros Constitucionais,
quais os fiéis ao Sistema de adesão a Portugal, e unidade da Grande Família
Luso-Brasílica. Muito mais tinha eu que expender na matéria; milhares de
circunstâncias, algumas bem interessantes para servirem de chave à genuína
inteligência da intricada cifra das intrigas do tempo, convinha que lhas eu
esmiuçasse; porém, desfiar todo esse trapo, fora não acabar, e esta está já de
craveira de Patagão. Que com a narrativa não o enfadava, certo estou; assim
porque vossa mercê gosta de andar ao par com os acontecimentos do dia,
como porque, sendo meu verdadeiro Amigo, havia folgar com saber coisas,
que redundam em abono meu; mas basta de página, e fique isso para outra
vez, assim como negócios particulares.
Viva feliz quando se pode viver nesta quadra, e disponha da vontade.
Do seu Amigo, e obrigado Servo.
Paulo José de Mello Azevedo e Brito.
Bahia 22 de Agosto de 1822.

583
APÊNDICE23

A Junta Provisória do Governo me ordena partícipe a Vossa Mercê, que


devendo informar, pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, sobre um
Requerimento de Francisco Gomes Brandão Montesuma, em que se queixa
da ex-Junta Provisional, por infração do artigo 8.º das Bases da Constituição,
Portaria, que mandou organizar nesta Província a Comissão de Censura, e Lei
106 da Liberdade da Imprensa, cumpre que Vossa Mercê declare, se obstou a
que se inserisse no Diário Constitucional o discurso acerca do Conde dos Arcos
recitado pelo Ilustre Deputado em Cortes o Abade de Medrões, na sessão de
13 de Setembro do ano passado; assim como se a mesma ex-Junta determinou,
que naquele jornal se não fizesse reflexão alguma, transcrevendo-se somente
nele Artigos de Ofício, e Notícias Nacionais, ou Estrangeiras. Deus guarde a
Vossa Mercê. Palácio do Governo da Bahia 3 de Junho de 1822.
Francisco Carneiro de Campos. Secretário.

Senhor Paulo José de Mello


Azevedo e Brito, ex-Membro
e Secretário interino da pretérita
Junta Provisional do Governo
desta Província.

Está conforme
Paulo José de Mello Azevedo e Brito.

Nos primeiros dois ofícios deste Apêndice, e correspondentes respostas oferece-se ao


23

público mais uma prova das calúnias inventadas pelos Redatores do Diário Constitu-
cional contra a ex-Junta do Governo da Bahia, e em especial contra o Vice-Presidente;
Secretário interino. N. B. Haviam os Redatores daquele monstruoso papel atacado (em
quase todos os seus números publicados depois de 2 de Fevereiro do corrente ano) ao
finado Governo: porém sempre em geral: = 10 dias depois [N. B.] da minha resposta ao
Ofício acima do atual Secretário da Junta, datada de 6 de Junho, vem o meu nome, e o
lugar do meu nascimento estendidos ao longo no Constitucional, número 30 de 17 do
mesmo Junho. Seria isto acaso? Seria. =

584
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor.
Em satisfação aos dois quesitos, que, de Ordem da Excelentíssima
Junta, Vossa Excelência me faz no seu Ofício de anteontem 4 do corrente,
respondo. Nenhuma lembrança tenho que a ex-Junta determinasse, a quem
quer que fosse = “que no Diário Constitucional se não fizesse reflexão alguma,
transcrevendo-se tão somente nele Artigos de Ofício, e Notícias Nacionais,
ou Estrangeiras =” porém como posso enganar-me, e tenho aliás ideia, posto
que confusa, de haver a ex-Junta dirigido à Tipografia dois ofícios relativos
à impressão de escritos, um de tantos de Março do ano passado, e outro dos
últimos dias de Janeiro do corrente, pode Vossa Excelência examiná-los nessa
Secretaria, onde sem dúvida estarão registrados, e deles verá = que a ex-Junta
falou em geral, sem que uma palavra dissesse, cuido eu, em relação ao Jornal,
de que se trata, ou a qualquer outro escrito em particular:” = achado isto,
está achada a falsidade de uma parte do alegado desse requerimento, sobre
que a Excelentíssima Junta tem de informar.
Pelo que respeita ao pretendido óbice de minha parte “a que se inserisse
no Diário Constitucional o discurso acerca do Conde dos Arcos recitado
pelo Ilustre Deputado em Cortes, o Abade de Medrões, na Sessão de 13 de
Setembro do ano passado” = digo: = que é tão nova para mim a espécie, como
velha, de certo tempo para cá, a falta de verdade nesse calunioso jornal =
cujos Redatores (em tempo oportuno) serão chamados a juízo.
É quanto tenho a declarar a Vossa Excelência, que o levará ao conhe-
cimento da Excelentíssima Junta. Deus guarde a Vossa Excelência. Bahia 6
de Junho de 1822.

Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor Francisco Carneiro de Campos,


Secretário da Excelentíssima Junta Provisória do Governo da Bahia.
Paulo José de Mello Azevedo e Brito,
Vice-Presidente, e Secretário interino da ex-Junta do Governo
Está conforme

Paulo José de Mello Azevedo e Brito.

585
A Junta Provisória do Governo determina que Vossas Mercês declarem, se
receberam ordem, ou insinuação, e em que tempo, da ex-Junta Provisional,
quer verbal, quer por escrito, para que não imprimissem no Diário
Constitucional = Discurso algum, posto que licenciado estivesse pela Censura,
sem ser rubricado por qualquer dos Secretários da mesma ex-Junta; ou se
esta proibição só teve lugar a respeito de algum determinado escrito, e em
que ocasião. Deus guarde a Vossas Mercês. = Palácio do Governo da Bahia
3 de Junho de 1822.

Francisco Carneiro de Campos. Secretário.

Senhores Viúva Serva, e Carvalho,


Diretores da Tipografia desta Cidade.

Está conforme.
Paulo José de Mello Azevedo e Brito

Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor.


Acusamos a recepção da Ordem de 3 do corrente, em que Vossa Excelência,
em nome da Excelentíssima Junta Provisória do Governo, nos determina lhe
façamos saber se verbalmente, ou por escrito, recebemos alguma ordem, ou
insinuação da ex-Junta Provisional, e em que tempo, para não imprimir no
periódico = Diário Constitucional = discurso algum, sem ser rubricado por
qualquer dos Secretários da mesma ex-Junta, posto que licenciado estivesse
pela Censura; e dizermos finalmente se esta proibição só teve lugar a respeito
de algum determinado escrito, e em que ocasião; e, obedecendo à dita ordem,
temos a honra de responder a Vossa Excelência, para o fazer presente à
Excelentíssima Junta Provisória ser verdade, que em Julho do ano pretérito
tivemos insinuação vocal da ex-Junta Provisional para que não imprimíssemos
escrito algum, (sem nos mencionarem positivamente o Diário Constitucional,
que então ainda não existia) o qual escrito fosse feito em espírito oposto à
Sagrada Causa Constitucional então recentemente proclamada; e se bem nos
lembra foi a 3.ª Escola dos Soldados (a qual foi suprimida) impressa naquela
época, que deu motivo a esta insinuação; é também verdade que, visto nós
não podermos estar ao fato de conhecer esses escritos, apresentávamos
quaisquer, que nos vinham à mão, para ser impressos, à ex-Junta, que nos
tornava a remeter aqueles que julgava se deviam imprimir, e declaramos mais
a Vossa Excelência, que nunca tivemos ordem por escrito da ex-Junta, que
nos proibisse imprimir qualquer escrito pertencente ao Diário Constitucional,

586
que viesse despachado, por algum dos Secretários da referida Junta, ou pela
Comissão de Censura; e se alguns se deixaram de imprimir, foi por falta de
satisfação nos ajustes, que conosco contraíram os Sócios Editores daquele
Periódico, como podemos provar por muitos documentos, e entre outros
escolhemos o constante do Suplemento ao Número 14 da Idade d’Ouro de
16 de Fevereiro de 1822, página 2.ª 1ª coluna, e a Refutação Imparcial, e
Demonstrativa dos erros do Diário Constitucional, que nunca foram impug-
nados, ou contrariados pelos ditos Editores. Deus guarde a Vossa Excelência.
Bahia 5 de Junho de 1822.

Ilustríssimo, e Excelentíssimo Sr. Francisco Carneiro de Campos,


Secretário da Excelentíssima Junta do Governo da Província da Bahia.
Viúva Serva, e Carvalho.

Está conforme
Paulo José de Mello Azevedo e Brito.

Como o seguinte ofício nem ao menos fosse lido no Soberano Congresso,


como aliás requereram alguns dos Senhores Deputados, e muito convenha
à reputação dos Membros da pretérita Junta do Governo da Bahia que seu
conteúdo chegue ao conhecimento do Público, aqui se transcreve a sua íntegra.

SENHOR.
Sempre esperou a Junta Provisional do Governo desta Província, que
não tivesse o dissabor de levar à Presença Augusta de VOSSA MAJESTADE
a triste narração, a que se vê hoje forçada; porém o gênio do mal, que tem
contaminado o espírito dos Povos em quase toda a parte, não consentiu que
esta Província (aliás com tantos direitos) se estremasse de muitas outras!
Desde os gloriosos feitos do sempre memorável dia 10 de Fevereiro, sancio-
nados por Vossa Majestade com tanto desvanecimento dos Regeneradores
da Pátria, e verdadeiros amigos do Trono, que um partido de Criaturas do
antigo Despotismo, e alguns harpias com o nome de Empregados Públicos,
ficaram espreitando ocasião oportuna para derrubar o novo edifício, que com
tanta honra, e com tantos riscos se começava a erigir; mas depois do imortal
dia 26 do mesmo Fevereiro, em que Vossa Majestade pôs o selo, como terno
Pai do Povo Português, à felicidade comum da Nação, jurando e prometendo
receber em todo o Reino Unido a Constituição, que as Cortes Gerais,
Extraordinárias, e Constituintes organizassem em Lisboa, cresceu a raiva

587
daqueles perversos, e com ela a sanha de mirar o Sistema reformador, e
vingar-se a todo o custo dos honrados, e valorosos Corifeus, que o tinham
plantado, e prometiam cultivar. Por muito tempo estribaram aqueles monstros
suas malévolas esperanças em um partido existente no Rio de Janeiro, segundo
cartas, e notícias vocais de pessoas, que chegavam daquela cidade, o qual
tinha por fim derrubar o novo Sistema Constitucional, e submergir o Brasil
no antigo Despotismo; mas não sendo oculto nem ao povo daquela Cidade,
nem à Tropa de sua Guarnição o que nas trevas tramavam os malvados,
apareceu o dia redentor 5 de Junho pretérito, dia, em que, caindo do Ministério
o imperioso Conde dos Arcos, de quem mais se temiam por sua cavilosa
astúcia, e erigindo-se uma Junta Provisional responsável às Soberanas Cortes,
se debilitaram as esperanças dos traidores, alguns dos quais, livrando a Capital
do Rio de Janeiro de sua empestadora presença, vieram para aqui reunir-se
a outras enviadas de antemão, com vistas de alcançar o que ali não consegui-
ram: não cessaram pois de pretender com a maior audácia desacreditar este
Governo, já imputando-lhe faltas imaginárias, já querendo persuadir alguns
homens crédulos de que sem a mudança do mesmo Governo não gozariam
dos bens, que lhes prometia a Liberal Constituição, em que estavam traba-
lhando as Soberanas Cortes Nacionais. Mas não conseguindo agregar a si
por esta maneira, senão meia dúzia de pessoas imorais, abandonadas de
fortuna, e para quem o novo Sistema era o mais pesado julgo; lembraram-se
(e quem o há de crer!) lembraram-se de fomentar a rivalidade entre Portugueses
naturais do Brasil, e de Portugal, espalhando vilmente que os filhos da Bahia
desejavam proclamar Independência, e assassinar seus Irmãos da Europa!
Que desacordo! SENHOR, a que males não expuseram esta rica Província!
A bonomia, de que são dotados todos seus habitantes, o aferro, que consagram
à causa a Constituição; e a fraternal união, que tem sempre existido entre
eles, foram sem dúvida os poderosos agentes, que trabalharam em defendê-los
de desgraças incalculáveis, quais as que podiam originar-se daquela tão infame
calúnia. Contudo, cresceram mais e mais a fermentação, e procurando a todo
custo semear a discórdia, e dividir o Povo em partidos, alcançaram (pois que
a natureza humana não resiste a tanto) introduzir a desconfiança entre diver-
sas pessoas, posto que só da classe média; persuadidos então os infames de
que ao menor sopro se acenderia o archote da guerra civil, porque tanto
anelavam, arrojaram-se a amotinar esta Cidade em a noite do dia 12 de Julho
passado, cujo boato terá já magoado a paternal sensibilidade de Vossa
Majestade. Inda desta vez foram baldadas suas tentativas, mas nem por isso
abriram mão da negra empresa, em que estavam empenhados, e continuaram
a falar despejadamente contra o Governo. Muitos eram os rumores de quanto
forjavam os malvados, e não poucas denúncias teve esta Junta, ora verbais,

588
ora por escrito; mas, com bastante razão, nunca temeu que os facciosos puses-
sem em prática seu detestável plano; antes julgava que, valendo-se eles das
únicas armas, que lhes restavam = a vilíssima intriga, e a baixa ignorância =
só quisessem desacreditar o Governo, de quem eram inimigos declarados, por
lhes não haver saciado sua ambição, como ao diante se exporá. Crescendo os
rumores, são trazidos ao Governo em o dia 1 do corrente mês dois escritos
em forma de Proclamação, dos quais vai um incluso sob número 1.º, que nas
portas dos quartéis da Legião de Caçadores, e do 1.º Regimento de Linha
foram afixados na noite antecedente, sobre cujo objeto o Governo mandou
logo proceder a Devassa. Haviam aparecido antes alguns pasquins, e procla-
mações, em que se convidava o povo a depor o atual Governo, que, posto
nada tivesse a temer em sua consciência, e firme aliás nos princípios de mode-
ração até ali adotados, nem por isso desprezou aqueles anúncios; e passando
a convocar os Chefes dos Regimentos da 1.ª Linha desta Província, expôs-lhes
o estado de fermentação, em que se achava a Cidade, tudo urdido pelos Satélites
do antigo Despotismo Ministerial: concertou com eles os meios de rebater
qualquer ataque contra o novo Sistema, afim de salvar esta Província dos
horrores de anarquia, e lhes determinou por escrito que ao primeiro rumor de
congregações sediciosas pusessem seus Corpos em armas, e esperassem nos
quartéis as ordens, que lhes dirigisse o Governo. Aqueles papéis incendiários,
e o boato, que por toda a Cidade se espalhara de que no dia 3 do corrente se
poriam em cena as malignas intenções dos perversos, deu lugar a se tomarem
novas medidas de prevenção. No dia 2 à noite mandou o Governo postar no
pátio de Palácio um piquete de Cavalaria, para por ele se expedirem as ordens,
que fosse necessário dar: incumbiu o sossego da Cidade ao Vigilante Tenente
Coronel Antonio José Soares; fez distribuir patrulhas dobradas, e ficaram essa
mesma noite em Palácio quase todos os Membros do Governo. Amanheceu
enfim o infausto dia 3; tinha-se já escoada uma parte da manhã, e o Governo
começava a julgar desvanecidas as notícias da véspera, quando ouve um
sussurro de vozes ao longe, e reconhece que os temerários vertiginosos haviam
posto em execução o plano das trevas: em breve surde um magote de 20 a 25
pessoas, que, trazendo após si alguns pretinhos, e pouca gente da ínfima plebe,
gritavam – Viva o novo Governo da Bahia – Pela Proclamação, que vai junta
sob o número 2.º, verá Vossa Majestade em suma os desacordos praticados
pelos facciosos; e assim nos pouparemos a mágoa de tornar a referir circuns-
tâncias, que nos retalham o coração. Todavia cumpre informar o que se passou
na mesma Sala do Dossel, em que se acha colocada a Efígie de Vossa Majestade,
para a qual entraram aqueles possessos armados, e com grandes algazarras,
apesar da ordem positiva, que lhes intimou o Presidente desta Junta, de que
não profanassem o respeito devido àquele lugar. Então começou a cena mais

589
escandalosa, e revoltante, que se pode imaginar: rompeu o ato o Juiz de Fora
Presidente da Câmara (talvez forçado) dirigindo uma curta fala ao Presidente
do Governo, pela qual da parte daquela ralé o citava, e a todos os demais
Membros para se demitirem, visto ser assim a vontade unânime de todo o
Povo da Província em peso! A este disparate, ou antes horroroso insulto,
respondeu o Presidente da Junta Provisória que não reconhecia Autoridade
nenhuma legítima na Província para depor o Governo instaurado a comum
aprazimento do Povo, e Tropa desta Capital, aprovado por Vossa Majestade
pela Carta Régia de 28 de Março pretérito, e reconhecido pelas Soberanas
Cortes da Nação, para as quais, de mais a mais, haviam já partido os
Procuradores Deputados desta mesma Província; contudo, acrescentou o
Presidente do Governo: = se a força armada unida aos facciosos, e ao Povo,
que fosse concorrendo houvesse de proceder à eleição de novos Membros
para o Governo, e os aprovasse, a Junta atual cederia de bom grado por
evitar derramamento de sangue, ainda quando algum partido a quisesse
proteger. = Não estiveram por isso os amotinadores insistindo com vozes
desentoadas, palavras insultantes, e caluniosas arguições contra a honra do
Governo, em que este os devia acompanhar aos Paços do Conselho, e lá
demitir-se. Entretanto havia o Governo expedido Aviso ao Batalhão Número
12, Legião Constitucional Lusitana, e aos Esquadrões de Cavalaria para que
marchassem rapidamente à Praça de Palácio; e aos outros Corpos para que
permanecessem nos quartéis até 2.ª ordem. Em breve, e quando menos o
esperavam os rebeldes surdem ao mesmo tempo de lados opostos os dois
citados primeiros Corpos, após eles a Companhia de Artilheiros da Lusitânia,
que, apesar de puxar o parque, venceram em 20 minutos o espaço de uma
boa milha, e logo depois os Esquadrões de Cavalos: entram na Praça; fazem
alto, dão vivas à Religião, a Vossa Majestade, às Soberanas Cortes, e ao
atual Governo, e mandam participar-lhe que ali se achavam para manter os
prestados juramentos, e sustentar o Governo legitimamente criado em o dia
10 de Fevereiro, e sancionado por Vossa Majestade, e pelas Cortes. Este
golpe de raio assombrou os amotinadores, sem contudo desistirem de sua
criminosa pretensão, o que obrigou o Governo a fazer subir para as Salas
de Palácio, imediatas à do Dossel, uma força de cem homens, e intimou aos
rebeldes, que = ou abrissem mão de seu tresloucado desígnio, ou fossem para
os Paços do Conselho prosseguir nele, mas que em todo o caso evacuassem
o Palácio, e deixassem em liberdade a Junta Provisória, que até então havia
estado como capturada pelos rebeldes seus mesmos súditos, dos quais não
com pequena dificuldade se estremou, passando com arte os Membros do
Governo, e um a um, para a varanda imediata, em que se achava uma
Companhia do Batalhão Número 12, exceto o Deão Governador do

590
Arcebispado, que pelo seu estado reumático, que o obriga a trazer uma
muleta, não pôde fazer outro tanto, continuando por isso a sofrer a pé quedo
os insultos daquela gente louca. A esta proposição não quiseram os rebeldes
anuir, nem a muitas outras, que depois lhes mandou fazer o Governo pelos
Ajudantes de Ordens metendo tempo de permeio, ou para se evadirem sorra-
teiramente, como alguns o fizeram pelo passadiço da Relação, e porta
travessa, vulgarmente Calundu, ou dar tempo a que chegasse alguma força
dos outros Corpos, com que em seus vazios cérebros haviam contado.
Não houve pretensão, por absurda que se imagine, de que eles se não
lembrassem, até que o Governo, esgotada toda a paciência, e meios de
brandura, e pacificação, mandou-lhes declarar que as portas estavam aber-
tas, e a saída franca para os arrependidos, aliás que os mandaria prender.
Responderam que aceitavam a segunda; daí a pouco comunicaram querer
sair alguns; depois voltaram à primeira, parecendo não quererem acabar com
a evacuação de Palácio, e com os insultos à 1.ª Autoridade constituída da
Província. Então o Governo escreveu em um papel os nomes de oito dos que
pareciam os Chefes da rebelião, já pelo seu arrojo dentro da Sala, já por terem
vindo à testa do grupo, e já pelas notícias antecedentes, e lhes mandou dar
a voz de presos. Com esta medida saíram todos os outros, (alguns dos quais
não passavam de curiosos espectadores) e os oito presos, do cujo número se
escapou um Cadete de Artilharia João Primo, requereram ser acompanha-
dos para a Fortaleza do Barbalho, que se lhes designou, por quatro Oficiais
do Batalhão Número 12, nos quais só punham confiança; mandou-lhes o
Governo dar; e logo depois apareceu novo requerimento pedindo uma forte
escolta para os proteger do furor (quem o acreditará!) de quem diziam ter
Procuração; ainda desta vez o Governo lhes concedeu o que eles requeriam,
e foi sem dúvida uma saudável providência, aliás, seriam vítimas do furor da
populaça, que foi preciso conter, reforçando o destacamento, que os escol-
tava. Foram pois conduzidos debaixo de toda esta guarda, acompanhados
do Coronel Comandante da Legião Constitucional Lusitana, e do Tenente
Coronel Victorino José de Almeida Serrão para a predita Fortaleza, onde esti-
veram até alta noite, em que o Governo julgou conveniente fazê-los remover,
como fez, para bordo da Fragata, Príncipe Dom Pedro.
Terminou, SENHOR, aquele atentado por um verdadeiro milagre, (de
que não cessamos de dar graças ao Deus de Misericórdia) sem o horror de
que as mãos de Portugueses se tingissem em sangue Português, o que muitas
vezes nos fez estremecer o Coração; e, se é lícito que este Governo se lison-
jeie de alguma coisa, permita Vossa Majestade que ele apresente a maneira
prudencial, por que se houve naquela dificílima circunstância, como o seu
maior serviço feito à Província, e à Nação.

591
Uma força de 300 homens composta, não só de parte dos Corpos, que
acederam ao 1.º chamado do Governo, mas também da Legião de Caçadores,
e do 1.º Regimento de Linha; assim como 3 peças de artilharia, e um piquete
de Cavalaria, guarneceu nesta noite a Praça de Palácio; dividiram-se por toda
a Cidade imensas rondas, e assim sossegaram de alguma forma os poucos
habitantes, que se haviam conservado em seus domicílios, os quais, vendo
os infames em prisão, se creram a salvo de ser novamente inquietados. Na
tarde desse mesmo dia havia mandado o Governo convocar aos Superiores de
todos os Corpos de 1.ª e 2.ª linha, para que na manhã do dito dia seguinte se
achassem em Palácio, a fim de expor-lhes, como fez, o estado de inquietação,
e terror dos pacíficos moradores desta rica, e populosa Cidade, que a cada
momento temiam ver os Corpos divididos, e às mãos uns com os outros, pelas
falsas notícias espalhadas, já pela má-fé de poucas criaturas devotas do bando
sedicioso, já pela credulidade dos tímidos, e da gente sem critério, e lhes rogou
houvessem de pregar disciplina, e obediência a seus Corpos, e recomendar-
-lhes a conveniente harmonia, que deve reinar entre irmãos, e compatriotas;
perguntando-lhes outrossim se eram de voto que permanecesse este Governo,
e se podiam responsabilizar-se pelo exato comportamento das Tropas do seu
Comando: ao que todos unanimemente, e até com mui louvável entusiasmo,
responderam pela afirmativa.
O Governo, para sossegar o espírito público, e convidar a fazer recolher
à Cidade muitas famílias, a quem o susto obrigou a deixar repentinamente
suas casas, retirando-se para os contornos, fez logo as duas Proclamações, que
vão inclusas, a sob Número 2 já mencionada, e a sob Número 3; e no dia 4 à
tarde foram espalhadas por grande número de Povo, que se então achava na
Praça de Palácio, e que com a maior avidez corria a lê-las. Imediatamente se
comunicou aos chefes dos Corpos de Milícias, e Ordenações do Recôncavo
da Cidade o acontecimento do dia 3, a fim de evitar-se que algum gênio mau,
fazendo correr notícias desfiguradas, causasse a desgraça de alguns indiví-
duos. Finalmente, SENHOR, procurou o Governo que nada lhe esquecesse
que pudesse contribuir para restabelecer a tranquilidade de tamanha família.
Desejando esta Junta extirpar de todo a venenosa semente dos malvados,
e seus partidários, que não deixariam de fazer todo o mal, que pudessem,
à ordem pública, e considerando maduramente quanto seria perigoso não
acabar de uma vez com os revoltosos, assentou em mandar prender os que
manifestamente se tinham declarado contra o Governo, cujos nomes são os
designados na lista junta sob Número 4, em a qual também se marca o lugar,
em que existem presos, ou o seu destino. E sendo de imperiosa necessidade que
os Chefes do Partido fossem removidos desta Cidade, deliberou o Governo
enviá-los para essa Capital, a fim de serem julgados conforme o merecimento,

592
que acusar a Devassa, a que se mandou proceder, e que será remetida, logo
que se houver concluído.
Cumprindo agora designar o nome dos presos, que vão conduzidos na
Fragata Príncipe Dom Pedro, ajuntaríamos ao mesmo tempo uma descrição
do caráter de cada um deles, se não temêssemos, além de enfastiar pela
extensão, faltar ao devido decoro de Vossa Majestade, pondo na Sua Augusta
Presença fatos, e anedotas de torpeza revoltante, e por isso contentar-nos-
-emos com assinar somente as razões de desgosto, e particular inimizade
daqueles homens para com este Governo. = José Egídio de Barbuda Gordilho
recolheu-se do Rio de Janeiro com a pretensão de que este Governo, não só
informasse favoravelmente um requerimento, em que pedia o Comando das
Milícias desta Cidade, senão que lhe desse imediatamente o exercício. Veio
outrossim promovido por Sua Alteza Real no posto de Coronel do Estado
Maior, e porque o Governo se não prestou a conceder-lhe a 1.ª coisa, nem
admitir a segunda em consequência de haverem passado as relações políticas, e
econômicas desta Província a ser diretas com o Poder Legislativo, e Executivo
residentes em Portugal, declarou-se detrator deste Governo, e passou depois a
constituir-se inimigo jurado, quando tentou igualmente que se desse o soldo
a um de seus filhos de menoridade, que Vossa Majestade havia despachado
Capitão adido ao Estado Maior, sem que nesta Província tivesse, nem pudesse
ter exercício algum, o que pelas mesmas razões se lhe negou: este homem
foi, sem contestação, o principal agente de todo o motim, e o mais atrevido
Orador dos que se apresentaram na Sala de Palácio.
Felisberto Gomes Caldeira, além de primo do Marechal Felisberto
Caldeira Brant, que ele julgava uma vítima da nova ordem de coisas, tornou-
-se mais inimigo deste Governo por mandar cumprir, pela Portaria por cópia
sob Número 5, várias sentenças do Superior Tribunal da Suplicação a favor
de Manoel Duarte Silva, e contra o citado Marechal, fazendo entregar-lhe um
famoso engenho de açúcar, com que o dito Felisberto Gomes Caldeira contava
ficar, vista a desgraça do primo, e que desta sorte se lhe escapou das garras.
Antonio Maria da Silva Torres, Ajudante de Ordens da Pessoa do
Excelentíssimo Conde de Palma, e não do Governo, saiu desta Província sem
licença da nova Junta Provisional, e voltando algum tempo depois, tentou ser
aceito por esta mesma Junta na qualidade de Ajudante de Ordens; e, porque
não fosse admitido pelas supraditas razões, constitui-se, como aqueles outros,
inimigo deste Governo.
João Antonio Maria Capitão Ajudante da Legião de Caçadores, estando
quase sempre fora do serviço a vencer, com escândalo, e até vergonha deste
Governo, soldo, e tempo, e cometendo outrossim a baixeza de ir a um Corro
público tourear estipendiado, ou como sócio da Companhia dos Empresários,

593
o que tanto monta, enfureceu-se contra este Governo, e jurou derrubá-lo, por
lhe ter preferido na Proposta para Sargento-mor daquele corpo ao Capitão
José Joaquim de Santana, que, além do seu honrado procedimento, lhe é
muito superior em habilidade.
Salvador Pereira da Costa que depois do dia 10 de Fevereiro pareceu
dedicado à nova ordem de coisas, e particularmente ao Governo, revoltou-se
contra ele, entrou a dilacerá-lo publicamente, e se bandeou com os amotina-
dores pela única razão de recusar este mesmo Governo, o realizar-se em seu
genro, o Coronel Bento da França Pinto de Oliveira, o lugar de Inspetor da
Arma de Cavalaria, e Tropas Ligeiras, que exercia seu Pai o Marechal Luiz
Paulino de Oliveira Pinto da França; procedimento deste Governo, que não
teve aliás por fim senão economia da Fazenda Nacional.
José Eloi Pessoa, chegado da Universidade de Coimbra, onde no posto
de Capitão de Artilharia se fora formar por mercê de Vossa Majestade à
custa dos fundos desta Província, e onde vencera antiguidade e o posto de
Sargento-mor agregado, teve a filáucia de querer preterir para posto de Tenente
Coronel vago do mesmo Regimento de Artilharia ao Major efetivo Bernardino
Álvares de Araujo, que, além de muito mais antigo, e de ter ficado nesta
Província em contínuo, e bom serviço Regimental, e de se achar outrossim
no Comando do Corpo, e exercício de Lente da Cadeira de Geometria, cujas
funções desempenhou sempre com a inteligência e honra, que são públicas
nesta Cidade, e sendo finalmente um dos Oficiais daquele benemérito Corpo,
que primeiro que todos proclamou a Constituição jurada em Portugal, fazendo
a esta Causa então, e depois, os mais assinalados serviços. José Eloi Pessoa,
este vaidoso, e ingrato moço, revoltou-se contra o Governo, por haver prati-
cado aquele ato de justiça, e não teve outra razão, que nós saibamos, para se
agregar aos facciosos, e apresentar-se na Sala do Palácio como um dos mais
aquecidos conjurados, senão (o que é incompreensível!) a de haver-lhe este
mesmo Governo conferido (além da efetividade do posto de Major, que lhe
competia) o exercício da Cadeira Geométrica, aliás também preenchida pelo
citado Sargento-mor Bernardino Álvares de Araújo.
José Antonio da Fonseca Machado, irmão do Brigadeiro Luiz Antonio da
Fonseca Machado, ex-Governador de Sergipe d’El Rei, que atraiçoou a Causa
Constitucional, entregando a Carlos Cesar Burlamaque, apesar das Ordens
desta Junta recebidas de antemão, o Governo daquela Comarca erigida, havia
pouco, em Capitania geral, e que não contente com isto partiu imediatamente
para o Rio de Janeiro oferecer serviços aos Grã Visires Ministeriais, que
aceitando-os, foi enviado à Província limítrofe das Alagoas para o bem sabido
trama do ataque premeditado contra a Bahia, que aqueles indignos Ministros
olhavam como o Baluarte da Constituição no Brasil, e que, de mais a mais,

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havia escrito a um dos Membros da Junta Provisional deste Governo a Carta
transcrita no exemplar incluso sob Número 6, em que se acha igualmente
a resposta. José Antonio da Fonseca Machado teve a absurda pretensão de
vencer deste Governo o admitir no recinto desta Cidade um tal individuo,
e porque sofresse uma repulsa do mesmo Governo, assanhou-se contra ele,
trabalhou por desacreditá-lo, e aliciou alguns moços inexperientes, Oficiais
da Legião de Caçadores, de que é Capitão, e apresentou-se à testa do grupo
invasor dos Paços do Conselho, e Salas de Palácio.
José Gabriel da Silva Daltro, Major de um dos Batalhões da Legião de
Caçadores (acreditamos nós) tornou-se inimigo do Governo, por não proteger
a alforria de uma mulata, com quem ele tinha comércio ilícito, violentando
para este fim a Senhora, cujo direito de propriedade devia ser respeitado;
mas, fosse o que fosse, ele não só deixou de estorvar a projetada conspiração,
dissuadindo a alguns Oficiais do seu Corpo, cuja mocidade os fazia inexpe-
rientes, senão que naquele quartel foi o ponto da reunião para os conjurados,
com os quais atravessou as ruas da Cidade, e com eles apareceu na Casa da
Câmara, e Palácio do Governo.
João Francisco de Oliveira ex-Sota-Patrão da Ribeira, que saindo de
Marujo, há bem poucos anos, se achava possuindo uma fortuna de bons
100$ cruzados em 26, ou 28 propriedades urbanas distinguiu-se na aladroada
repartição do Arsenal, como um dos mais façanhosos ladrões; e porque, rece-
bendo este Governo a denúncia do comprador de uma amarra, pertencente à
Fazenda pública, que lhe vendera o sobredito João Francisco de Oliveira, o
mandasse prender, e devassar do caso, em que aliás houve pronúncia, posto
que de resto comprasse o Degredo de cinco anos, em que fora condenado,
teve o temerário arrojo de requerer a reintegração daquele lugar; e como lhe
fosse denegada conspirou-se contra o Governo, foi um dos que apareceram
à testa do grupo, e dos que mais se enfureceram na Sala de Palácio.
João Carneiro do Rego, homem de espírito turbulento, e atrevido em
pretensões, quis não menos do Governo = que fizesse recolher a Patente de
Capitão-mor da Vila de Santo Antonio da Jacobina conferida a Manoel Soares
da Rocha em virtude da Proposta da Câmara respectiva, para a dar a seu
irmão José Baptista Carneiro, em consequência de um = Nós abaixo = que
apresentou abonando-o; = e porque o Governo, ouvindo àquele respeito o
novo Ouvidor da Comarca, Francisco Aires de Almeida, cuja informação foi
contrária ao que pretendia este homem imperioso, lhe indeferisse o absurdo,
e injusto requerimento, tornou-se por isso um dos mais acérrimos inimigos
do Governo, trabalhou na mina, que o devia fazer voar, e foi dos mantene-
dores do grupo sedicioso, figurando entre os atrabiliários, por um dos mais
distintos inimigos do Governo. Os demais, que vão na lista anunciada, estão

595
para com este Governo no mesmo caso com pouca diferença, não assinando
nós as causais, por não fazer esta narração mais fastidiosa.
Eis aqui pois, Augusto Senhor, as bem fundadas razões, que tiveram esses
miseráveis para atacar a existência do Governo, legitimamente constituído,
perturbar o sossego público, aterrar os pacíficos moradores da Cidade, que
se acha ainda meio deserta, e pôr esta Província à borda de um insondável
abismo! Do caráter dessa gente apelamos para o testemunho dos nossos
atuais Deputados em Cortes, a maior parte dos quais os conhece perfeita-
mente. Entretanto, SENHOR, comovido este Governo do estado lastimoso,
a que ficam reduzidas tantas mulheres, e filhos inocentes, e reconhecendo na
qualidade de homens a facilidade de errar, suplica muito respeitosamente a
Vossa Majestade Haja por bem comiserar-se daqueles infelizes; e se, para o
alcançar de Vossa Majestade, é necessário que este Governo ofereça os poucos
serviços, que tem prestado à Nação, de muita boa vontade os sacrificam cada
um dos Membros, que o compõe.
Fora faltar a um dos nossos primeiros, e mais sagrados deveres, se não
fizéssemos honrosa menção da maneira briosa e leal, por que se houve toda a
Tropa de 1.ª linha da guarnição desta Cidade, e mormente os muito distintos
serviços dos dois Corpos, da Companhia de Artilheiros, e dos Esquadrões da
Cavalaria, que voaram à Praça de Palácio ao 1.º aceno do Governo; não há
expressões de louvor, que sejam demasiadas em abono de seus chefes, e oficia-
lidade: a eles, primeiro que a ninguém, se devem a existência do Governo, a
segurança do Sistema, a salvação da Província, e talvez a de todo o Brasil. Aos
Chefes dos outros Corpos, e à maioria dos Oficiais não coube, sem dúvida,
tamanho quinhão de glória, pela casualidade de não serem também convo-
cados, ficando-lhes entretanto uma parte não pequena, e a que a sorte lhes
deixou, pela disciplina, em que souberam conservar os seus súditos, energia
de caráter, que desenvolveram, e decidida adesão aos prestados juramentos.
Releve acrescentar que, algum tempo depois que os citados Corpos de linha
se apresentaram na Praça, apareceu espontaneamente o Capital da Galera,
Conceição, Filipe Vieira dos Santos com coisa de cem Marujos armados de
espingardas, chuços, espadas etc., e, postando-se ao lado da Tropa, mandou
o sobredito Capitão oferecer-se, e aquela gente às ordens do Governo, para
sustentação da Causa Constitucional; e quando o Governo mandou desfilar
a maior parte das Tropas a Quartéis, fez subir à Sala de Palácio ao supradito
Capitão Filipe Vieira dos Santos, e, agradecendo-lhe o zelo patriótico, que havia
mostrado, louvando-o como ele merecia, lhe prometeu levar aquele notável
serviço à Presença de Vossa Majestade, e das Soberanas Cortes.
Resta-nos, SENHOR, unicamente, congratularmo-nos com Vossa
Majestade por tão inesperado, quão ditoso resultado, assim como suplicar

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muito humildemente, e pela maneira mais eficaz, haja Vossa Majestade por
bem dignar-se de apressar, quanto possível for, a instalação do Governo, que
deve ser regular, e permanente nesta Província, ou qualquer outro, de maneira
que sejamos rendidos imediatamente.
A muito alta, e poderosa Pessoa de VOSSA MAJESTADE o Céu prospere,
e guarde como todos havemos mister.

Palácio do Governo da Bahia


aos 8 de Novembro de 1821.
De Vossa Majestade Fiéis, e
respeituosíssimos Súditos.

Luiz Manoel de Moura Cabral – Presidente


Paulo José de Mello Azevedo e Brito – Vice-Presidente
José Fernandes da Silva Freire.
Francisco de Paula e Oliveira.
Francisco José Pereira.
Francisco Antonio Filgueiras.
José Antonio Rodrigues Vianna.

Está conforme
Paulo José de Mello Azevedo e Brito.

Nós abaixo assinados atestamos, e juramos, se necessário for, em como


as cinco firmas de Paulo José de Mello Azevedo e Brito, que se acham neste
manuscrito, uma assinando a Carta, e as quatro autenticando a conformidade
dos Documentos, são do próprio. Bahia 7 de Setembro de 1822.
Antonio Thomaz de Negreiros.
João de Oliveira Braga.
Francisco Antonio Filgueiras.

Reconheço verdadeiras as firmas supra. Bahia 7 de Setembro de 1822.


Em testemunho de verdade.
Antonio Lopes de Miranda.

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38

CARTA
DE HUM PEDREIRO
AO SEU AMIGO,
EM QUE LHE REFERE HUM SONHO QUE TEVE A RESPEITO

DAS CORTES.

MEU bom amigo, estou estupefato! Um maravilhoso sonho que tive destas
noites me deixou na maior inquietação! Recordo-me do tempo de Faraó; e
sem embargo de não conhecer agora nenhum sábio José que me interprete
este sonho, parece-me que atino com a sua significação. Eu te conto, para que
faças também os teus juízos, e me participes o que julgares sobre tal visão.
Desde Dezembro que ando banzando a respeito das novidades que
trouxe o Correio Infante Dom Sebastião, e que deram causa às novidades
que aqui tem havido; e deitando-me quase sempre formando castelos no ar
(como faz muita gente boa) sucedeu-me ter a cabeça tão cheia de ideias de
cal, areia, saibro, pedra, terra, madeiras, e mais que tudo de tijolo (de que
sou perito mestre, porque faço bastante em cada dia) que deparou a minha
alma com obras de Arquitetura: vi planos horizontais, ou bases de Edifícios;
vi planos de elevação delineados sobre os das bases; vi pedestais, colunas,
capitéis, entablamentos, frisos, cornijas, arquitraves, fachadas, pórticos,
arcadas; etc., etc., etc. Oh meu Deus! Que cousas tão excelentes vi então!
Vi Arquitetos Engenheiros, Arquitetos feitos à pressa, Arquitetos mestres
de obras, Arquitetos contramestres, Arquitetos trabalhadores, Arquitetos
serventes, e até Arquitetos de calçadas! Finalmente, vi todo o bicho careta
que constrói bons e maus edifícios: e como vi eu isto meu Amigo! Vi-o em

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sonho, em um sonho, em que se figurou observar, com os olhos bem abertos,
tudo quanto te vou contar.
Figurou-se-me, que vivendo havia tempo, mui descontentes os Povos por
falta de regularidade nos edifícios das povoações, inda mesmo das grandes
em que habitava o Grão-Mestre, ou Arquiteto Mor, e mui principalmente nas
pequenas, onde qualquer bigorrilha com o nome de Arquiteto, ou Mestre,
autorizado pelas Leis, fazia tudo quanto lhe vinha à cabeça (apesar das
mesmas Leis) nivelando um rico edifício muitas vezes com o da abjeta cadeia,
sem lhe importar a beleza das pinturas, e das ricas medalhas de que estava
cheio, ou para melhor dizer, a fim de surrupiar estas medalhas; outras vezes
levantando casas de sobrado para si, e para seus sequazes, e o diabo sabe à
custa de quem! Finalmente destruindo quase sempre tudo, sem importar-lhe
outra cousa mais que o seu gótico, e maldito gosto moderno, a despeito de
tão magníficos exemplos que nos restam dos Gregos, e dos Romanos: os
Povos mui descontentes, como eu dizia, desejavam mudança no sistema da
edificação, e manutenção dos edifícios; eis que soa aqui, que em Portugal
também queixosos os Povos do mesmo mal, porque já não se edificava à
Lusitana, mas sim à Francesa, isto é já não se usava do feio e forte, mas do
envernizado e podre; resolveram alguns Mestres (desprezados, posto que
instruídos na Arte) a revoltar-se contra os Arquitetos Mestres que faziam as
vezes do Arquiteto-Mor, os quais então riscavam, e desriscavam tudo a sua
vontade, e a seu capricho (até tinham nesse tempo um Arquiteto estrangeiro
que edificava bem quartéis!); Que júbilo não houve aqui tal notícia! foi
cousa pasmosa! todas as pessoas que entendiam do riscado se propuseram
imitar os nossos Irmãos de Portugal, e alguns mais espertos fizeram planos, e
afinal desmancharam certa Igrejinha; e sobre as ruínas dela principiaram um
majestoso Templo, onde todos os Cidadãos coubessem com igualdade, sem
incômodo que até então se sofria, e a infeliz distinção de uns ficarem ao rigor
do sol, e da chuva, enquanto outros gozavam das indulgências, e graças lá
debaixo da telha. Mas oh fatalidade! Este tão bem imaginado comum edifício
foi principiado sem alicerces; porque dizia-se, a este tempo, que em Portugal
se havia de associar uma porção de Mestres Arquitetos escolhidos por toda a
Nação para delinearem o plano principal do edifício, e todos os mais planos
parciais; bem como para determinarem as atribuições do Arquiteto Mor,
ou Grão-Mestre, e as de todos os outros Arquitetos. O mais notável é, que
juramos aqui de boa-fé estar pelo risco que lá se fizesse, esquecendo-nos de
que este risco poderia fazer-se defeituoso ainda que muito debuxado, e que as
dimensões poderiam ser desproporcionadas debaixo das belezas do Desenho.
Preparou-se em Lisboa uma grande sala para as Sessões da Assembleia
dos Mestres; fez lá o Povo de Portugal a sua escolha; mas ou por falta de

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conhecimento dos sujeitos, ou por desuso de tais eleições, a escolha não foi
das melhores, pois se sabe que há lá Mestres que nem para serventes presta-
riam; e a razão é esta: no tempo em que fizeram o plano das Bases, alguns, e
em grande número, não abriram a boca, e nem pegaram no compasso, nem
em régua!!
Apareceram aqui as Bases, e por um tácito consentimento foram apro-
vadas, posto que quase da mesma sorte que o princípio do nosso comum
Edifício: e ainda a este tempo não estavam lá os nossos Mestres, que sabe
Deus como nomeamos! É também de notar, que a Congregação Mestral
disse, a tempo de publicar o plano das Bases, sobre que se deveria levantar de
pouco a pouco, para que fique sólido, durável, e formoso, o grande Edifício,
que este mesmo plano se nos tornaria comum, logo que por nossos legítimos
constituídos Mestres declarássemos ser esta a nossa vontade; como bem se vê
na linha 21, que não escapa à vista ainda do mais ignorante nesta qualidade
de Arquitetura.
No mesmo sonho se me figurava ter desejos de ouvir os discursos dos
Mestres, por constar-me que eles entre si tinham renhidas disputas, e felizmente
Morfeu de mim compadecido, transportou-me a Lisboa, e me fez assistir na
Assembleia às Sessões dos dias 11 e 13 de Fevereiro deste ano, em que se
debateu um aditamento a uma linha do plano de elevação do Edifício geral,
cujo Edifício todo deve ser fundado no plano das Bases pelas dimensões da
mesma escala, a fim de que as perpendiculares não fiquem fora dos prumos
dos alicerces, como recomenda Vinhola a exemplo de Vitruvio, e outros.
Porém, meu caro Amigo, tu verás como as coisas são; nem tudo o que luz é
ouro: nesses edifícios antigos, a que alguns sábios Mestres de hoje se referem,
quase tudo era dourado: inda mesmo esse famoso Templo de Salomão de
quem dizem que tinha ouro maciço, provável é que as paredes não fossem
de tão precioso metal!
Vamos ao sonho; tratava-se, quando entrei, de uma emenda oferecida por
um Mestre que já eu venerava por fé: ela me pareceu muito interessante. Ora
convém saber que esta Congregação dos Arquitetos escolhidos pela Nação,
representa esta mesma Nação, e delibera em seu nome, sendo inviolável cada
um deles nas suas pessoas, e nunca responsáveis pelas suas opiniões, conforme
eles mesmos assentaram; mas cá por fora há pessoas com tal idolatria que
creem que eles são infalíveis em suas decisões!!
Considerando a Assembleia o quanto se havia transtornado o Edifício
social com a mistura de Poderes que exercia o Grão-Mestre, assentou em que
ela faria o plano para o novo e colossal Edifício; que outrem o executasse;
e outros o conservassem aplicando-lhe os planos parciais, segundo as linhas
que se fossem marcando no plano geral; e isto com tal restrição, que jamais

600
nenhum dos diferentes Arquitetos possa arrogar as atribuições dos outros:
entende-se, portanto, que a Assembleia forma os planos, o Grão-Mestre, ou
Arquiteto Mor executa-os, e os outros Arquitetos aplicam os meios de conser-
var a grande obra. E como era justo que o Arquiteto-Mor fosse revestido de
caráter sublime, ordenou a Assembleia que ele seja inviolável na sua Pessoa;
mas para que alguém fique responsável pelo que se fizer em seu nome, deu-lhe
para o coadjuvar Contramestres, ou Ajudantes, que trabalharão debaixo da
autoridade do Grão-Mestre. Convinha, portanto, fazer também responsáveis
os outros Arquitetos, a quem cumpre a manutenção do grande Edifício ou do
ladrilho que cada um Cidadão tem nele [ilegível] igual partilha; e resolveu-se
na Assembleia que ficassem responsáveis ao Grão-Mestre. Tudo isto parece
excelente, posto que as pessoas zelosas da conservação de seus Direitos temem
agora que este tão admirável Edifício manqueje pelo lado que pertence ao
Brasil, por verem alguns materiais menos perfeitos que lhe querem pôr: o
certo é, que se eles todos não forem homogêneos, ou para falar segundo a
Arte, não forem algramassados [argamassados?] com a mesma igualdade,
adeus equilíbrio! Pesará a cúpula mais de uma parte do que de outra, e o
exício será inviável.
Tratava-se, como eu dizia, do aditamento do Senhor Mestre Cal ao
Artigo 166, que era, segundo entendi, que assim como todos os Arquitetos
conservadores dos materiais do grande Edifício deviam ser suspensos pelo
Grão-Mestre que está em Portugal, quando não cumprissem seus deveres
(como se havia já assentado) bom seria que certa pequena Assembleia, ou
Tribunal, formado da mesma espécie de Arquitetos no Ultramar, pudesse
mandar proceder à referida suspensão, etc.
Também entrou em discussão outro aditamento, sobre o mesmo assunto,
do Senhor Vigamento, que era de parecer competir esta autoridade de suspen-
der, a outra pequena Assembleia ou governo (que segundo eu creio há de ser
revestido de atribuições do Grão-Mestre).
Disse o Senhor Cal = “Nós temos proclamado um grande princípio em
a linha 164 estabelecendo a responsabilidade destes Arquitetos. Quais são
porém os meios que temos para segurar esta responsabilidade?” O Orador
apresentou três proposições, mostrou a veracidade delas com argumentos,
e concluiu, portanto, que o meio pronto para fazer efetiva a responsabili-
dade do Arquiteto, era o ter a parte ofendida o direito de dar uma Conta
ao Arquiteto-Mor, e este depois de havidas as informações necessárias
mandar suspender o Arquiteto. = “Mas onde este meio para os habitantes
do Ultramar? (disse o Orador) Que utilidade poderão tirar dele? Nenhuma, a
não admitir-se o meu aditamento. A distância dos Povos do Brasil, e da Ásia
faz com que talvez se não possa verificar a suspensão de um Arquiteto feita

601
pelo Grão-Mestre, senão passados quinze meses depois de ele prevaricar: e
será justo que um Cidadão de Goa (por exemplo) sofra as prepotências de
um Arquiteto prevaricador por tanto espaço?” O Sábio Mestre Orador inda
produziu mais algumas razões adequadas à matéria, e concluiu dizendo, que
o seu parecer era sempre aquele que se achava na indicação. Pareceu-me que
o Orador tinha razão; mas o Senhor Frexal depois de censurar o discurso do
Senhor Cal disse que insistiria nas ideias que pronunciara à Sessão passada
contra esta indicação. Ao ouvir isto fiquei de boca aberta sem saber o que
pensasse; mas limpei a cera dos ouvidos, pus-me a escutá-lo atentamente, e
ele prosseguiu deste modo: =
“Disse eu, que não poderia convir de maneira nenhuma que houvéssemos
de delegar a pessoa alguma o poder que tínhamos dado ao Grão-Mestre de
suspender os Arquitetos: 1.º porque este poder sendo Mor não pode delegar-
-se: 2.º porque os Povos, e os Arquitetos do Brasil vinham a ficar de uma
condição inteiramente diferente do que ficavam os Povos de Portugal: 3.º
porque estas ideias se fundavam na falsa persuasão de que era possível, que
todos os Povos tivessem todos os recursos do mesmo modo que têm os que
estão junto do Grão-Mestre, coisa que não verifica em Portugal. Diz-se que
todas as comodidades que deve ter uma Sociedade, devem ter os habitantes
dessa Sociedade; isto não é assim; os direitos dos habitantes de uma Sociedade
são iguais, mas as comodidades não o podem ser para todos.” Ora isto lá
me pareceu assim quando me recordei então, que todos têm direito a dormir
na cama, mas que nem todos têm a comodidade de deitar-se em colchões
fofos, porque alguns dormem em tarimbas! Porém o que se deve ver é, se
estas comodidades podem ser iguais ou não; se há alguma causa física que as
estorve; e se esta causa física pode ser removida. Segundo as ideias do Orador,
se houver dez ou doze moradores na encosta de um outeiro banhado de um
rio, cuja água passe pela porta de cinco, e daí por diante se precipite em uma
cachoeira, ficando, por isso, esta água quase inacessível aos outros morado-
res, eles não poderão jamais gozar das mesmas comodidades; porque ainda
que pretendam fazer um rego, ou um canal para levar a água a suas portas,
gritar-se-lhe-á, que uma vez que Deus criou assim o rio não se pode ir contra
a direção que leva; e que posto tenham todos aqueles habitantes o direito de
beber água, uns terão mais comodidade do que outros!!!
Continuou a falar o Senhor Mestre Frexal dizendo = “Que o Pacto Social
diz, que Grão-Mestre só, e só o Grão-Mestre pode ter direito de suspender os
Arquitetos; e a razão é, porque só ele é inviolável, e independente; só a ele é
que compete esta Função.” Isto tocou-me tanto, que pondo-me a reflexionar
em vez de dar atenção ao Orador, discorri comigo mesmo deste modo: Ou
o Grão-Mestre obra por si só, ou com ajutório de seus Ajudantes; se obra

602
por si só pode obrar mal não castigando um Arquiteto a despeito da justiça
do queixoso, e então mal vai o negócio: se obra de modo que alguém fique
responsável, já se não deve alegar como argumento, que ele é inviolável, e
independente: e de mais a falsa persuasão está da parte do Senhor Frexal,
porque se persuade que o poder do Grão-Mestre é indelegável!
Quando tornei a mim foi a tempo de ouvir dizer ao Orador, que enfim
o seu voto era contra a indicação. Tomou a palavra o Senhor Tríglifo e disse:
“Eu tinha pedido a palavra para explicar a mesma opinião que acaba de
defender vitoriosamente o Senhor Frexal:” e deu a entender, que pretendia
começar o seu parecer por mostrar que a questão era alheia do parágrafo; e
depois de algum palavreado continuou assim = “Se pois é uma prerrogativa
inteiramente Mor o poder suspender os Arquitetos, e uma prerrogativa extra-
ordinária que não tira o conhecimento ordinário dos delitos dos Arquitetos,
segue-se que só o Grão-Mestre a pode exercitar. Mas o Grão-Mestre não
a pode exercitar tão prontamente nas outras partes da Monarquia como a
pode exercitar em Portugal. Convenho; mas o que se segue é, que os Povos
do Brasil não podem ter logo os efeitos desta suspensão extraordinária, mas
que sempre lhe ficam salvos todos os meios para fazer efetiva a responsabili-
dade dos Arquitetos; e por isso ainda que não gozem este benefício em toda
a sua extensão, eles não perdem nada, não podem sentir prejuízo algum.”
Isto é que eu não podia compreender, comparando-o com as expressões que
ouvira ao Senhor Cal de que = talvez se não possa verificar antes de 15 meses
a suspensão de um Arquiteto feita pelo Grão-Mestre; e por isso não era justo
que um Cidadão a tão grande distância sofresse a prepotência de um Arquiteto
prevaricador por tanto tempo, em que bem pode demolir a maior parte do
Edifício, e sepultar nas ruínas o miserável! = Um indica grandes males aos
Cidadãos de Ultramar, e outro, que = não podem sentir prejuízo algum: = a
qual dos dois se dará crédito? A decisão afinal o dirá!!! Fiquei tão aturdido
com o que ouvi, que não pude dar atenção ao Senhor Tríglifo em todo o
tempo em que ainda falou muito; e só pude perceber no fim estas palavras:
“Concedamos antes que os Governadores, ou Juntas políticas possam ter
outra atribuições do Grão-Mestre; mas nunca esta faculdade de suspender os
Arquitetos.” Ora isto é o que me parece mijar fora da pichorra, ou responder
= ad Ephesios.1 = Trata-se da questão se se deve delegar parte do poder do
Grão-Mestre a fim de facilitar aos Povos do Ultramar comodidades que os de
Portugal gozam, sem cuja delegação se torna quase impossível o gozo delas
comodidades; dizem uns que sim, porque é necessário: outros dizem que não,

1
[Carta de S. Paulo] Aos efésios.

603
porque não pode ser, e não tratam do ser necessário complicando a questão
com milhares de sofismas!
O Senhor Castelo em um larguíssimo discurso sustentou a opinião do
Senhor Cal.
Seguiu-se o Senhor Vigamento lamentando a sorte dos Povos do Brasil,
porque com efeito a Natureza os arredou de Portugal milhares de léguas; e
produziu muitos argumentos em favor da sua indicação. Mas se eu estivesse
no seu lugar lamentaria o estado a que nos reduziu a retirada do Grão-Mestre;
porque a ele cá estar, ainda que a Assembleia fosse lá, creio firmemente, que
alguns Senhores discorreriam de outro modo.
Falou o Senhor Carlinga, e discorreu contra as opiniões opostas aos
aditamentos dos Senhores Cal, e Vigamento, notando falta de lógica, dizendo
que não lhe pareceram grande cousa as proposições que tinha ouvido avançar
de que o poder Mor não podia ser delegado, trazendo exemplos de outras
nações em que este poder é delegado: e avançou uma conjectura nas seguin-
tes palavras: “A respeito de dizer-se, que os Povos apesar de gozarem os
mesmos direitos não hão de ter todos as mesmas comodidades, digo, que se
isto assim fosse a nossa união não durava um mês; os Povos do Brasil são tão
Portugueses como os Povos de Portugal, e por isso hão de ter iguais direitos.
Enquanto a força dura, dura a obrigação de obedecer. A força de Portugal
há de durar muito pouco, e cada dia há de ser menor, uma vez que se não
adotem medidas profícuas, e os Brasileiros tenham iguais comodidades. Voto
portanto pela indicação.”
O Senhor Cal em um larguíssimo discurso sustentou ainda a sua opinião.
O Senhor Tríglifo falou então mostrando-se sentido de que o Senhor
Carlinga notasse nele falta de lógica, e explicou-se assim: “Mas eu não sei se
estarei em o caso de ser arguido de falta de lógica, ou se no honrado Membro
haverá a de hermenêutica. Nós não tratamos agora da arte de raciocinar, mas
sim da arte de interpretar um projeto de lei.” Ah meu bom Amigo? eles estão
com estas coisas, e eu quisera que se ocupassem só com a formação das leis
acomodadas às circunstâncias, inda que isso se fizessem sem essa lógica, e
hermenêutica tão perniciosa algumas vezes. Ninguém pode duvidar do direito
de propriedade que cada Cidadão tem sobre sua casa; igualmente ninguém
duvida que é proibido a todos o tocarem na fechadura de sua porta, ou de
abri-la sem seu consentimento; e portanto se um (por exemplo) estivesse
ausente a muita distância, e se pegasse fogo, por qualquer acidente, em sua
casa; seria boa lógica o dizer-se, não se bula nessa casa, deixe-se arder toda
ela, e ao mesmo tempo as que estão contíguas, por que ninguém pode, sem
cometer um crime abrir a porta na ausência de seu dono? Certamente isto
pareceria mais um delírio, do que resultado de um bom raciocínio. Parece-me

604
que neste e em outros casos se pode usar daquele tão enérgico axioma: Salus
Populi Suprema lex esto.2
Sonhos sempre são sonhos? entretanto falou ainda muito o sábio
Senhor Tríglifo, a minha imaginação desvairou-se-me figurando-me uma
pessoa que me obrigava a fazer do seu tijolo: assim a digressão foi agra-
dável, mas acabou-se: e a que tempo? A tempo de ouvir dizer ao Orador:
“Não temos a fazer um Pacto novo, temos a fazer um Pacto análogo ao
que temos sancionado.” Isto foi com entusiasmo Apoiado, apoiado!! E que
temos “nós sancionado? Que poder Mor fosse único, que fosse indivisível.
(Apoiado, apoiado!!) Que sancionamos no Artigo 105? Sancionamos que
todas as faculdades do Arquiteto-Mor, ou Grão-Mestre, fossem privativas
dele. Que sancionamos quando tratamos do poder desta Assembleia? Que
todas as faculdades de fazer os Planos ficassem na mesma Assembleia.
Logo, ainda que nos outros Países se pudessem delegar faculdades de fazer
os Planos, bastava ter diante dos olhos todos os artigos do Pacto que temos
sancionado, para afastar para longe de nós a ideia de delegação. (Apoiado!!)”
Ora tanto apoio dá-me muito em que cuidar! é cousa célebre, que se vá
pondo em perigo o Grande Edifício com estas, e outras escavações que se
estão fazendo, em vez de correrem a pôr-lhe escoras, se esmerem em apoiar
os empurrões que lhe dão!!! O que mais me admirava era a teima de não
quererem que se delegue nenhum poder, por não parecer acertado obrarem
contra o que já têm sancionado, comparando-a com a sem cerimônia com
que determinaram se executassem no Brasil certos planos, antes que todos os
nossos Constituídos Mestres dissessem em nome de seus Constituintes que
aprovavam o plano das Bases; e que deliberam contra a opinião de alguns
dos Constituídos que já lá se acham; mas a desculpa que se pode dar é esta:
que se tem decidido assim à pluralidade de votos. Isto mesmo é que parece
bem admirável, porque nota-se falta de equidade nos Senhores votantes!
Qual será o motivo por que o que pertence ao Brasil sempre seja decidido
contra, apesar de boas razões expendidas a favor? Parece-me que é o da
superioridade do número de votantes: se fossem tantos os Constituídos do
Brasil quantos são os de Portugal, talvez que alguém tivesse lá algum sonho
como este meu! Uma pessoa que se achava ao pé de mim ouvindo-me fazer
estas reflexões, disse-me não se admire, que já o Senhor Fera-trolha disse aqui
em outra ocasião que se falou do Brasil: “Que temos nós feito depois que
os Povos do Brasil declaram a sua união? Não temos dado provas bastantes
de que os queremos unidos a nós? Não temos mostrado assaz para com eles
bastante liberalidade? Concedemos-lhe todas quantas atribuições podem

2
O bem do povo seja a lei suprema. N.T.: Cícero, De legibus, L,CIII, parte III, 8.

605
ter à exceção de legislar. Que mais querem pois os Brasileiros? Que mais
lhe poderemos fazer?… Porventura Portugal há de fazer mais sacrifícios ao
Brasil?” Considere nisto o Senhor, e veja a que lhe cheiram as expressões =
Liberalidade = Concedemos-lhe = Que mais lhe poderemos fazer = e outras
que várias vezes tenho ouvido! Isto cheira à superioridade, e não à igualdade.
A este tempo lembrei-me de já ter visto estas expressões no Número 7.º da
Malagueta que traz transcrita uma fala do Senhor Fera-trolha. Enquanto
estivesse conversando não dei atenção ao Senhor Tríglifo que falou muito, e
só notei no fim estas palavras = “Apesar dos sustos que nos pretende incutir
o honrado Membro, o Brasil há de continuar unido a Portugal, porque os
desejos, e interesses reais do Brasil pedem essa união (apoiado, apoiado).
O mesmo digo de Portugal; os Portugueses hão de continuar a união com
o Brasil, porque isto é uma consequência necessária dos seus interesses.” A
este tempo eu gritei: Amém, amém; o que causou muito riso aos que estavam
ao pé de mim. Por fim ficou adiada a indicação.
Enquanto eu dormia figurou-se-me que me achava no Salão assistindo
à Sessão do dia 13 de Fevereiro em que continuou a discussão sobre o adita-
mento do Senhor Cal e o Senhor Barroca disse: “É hoje o terceiro dia de
discussão sobre este objeto. Direi de sangue frio, olhando para esta tormenta
de discussão tem havido, que se se não aprovar o aditamento do Senhor Cal,
nós iremos a frustrar as coisas boas que temos feito até aqui; porque pretender
que o poder executivo não possa delegar a sua autoridade para uma pessoa,
ou corporação, e querer que venham os queixosos contra os Arquitetos do
Brasil para se apresentar ao Grão-Mestre em Portugal, é querer frustrar todos
os benéficos efeitos da linha 164. As leis devem conformar-se às circunstâncias
em que se acham os Povos; tudo o mais é contrário a todos os princípios: e
portanto eu aprovo, lembrando as razões que já ponderei em outra ocasião,
a opinião do Senhor Cal e de outros Senhores.
O Senhor Cal tornou a falar em apoio de sua opinião e me pareceram
bem judiciosas as seguintes expressões: “Digo que os Cidadãos Ultramarinos
tenham uma porta franca, e um caminho aberto sem lhe ser necessário vir de
aquém de mar Atlântico, e Índico ou procurar um bem, ou remover um mal. É
verdade que as Províncias Ultramarinas são uma parte do Reino tão integrante,
como as Províncias Europeias; mas isto entende-se nos grandes princípios:
nos miúdos havemos de ceder alguma coisa à natureza, e dificuldade desta
interposição. Nem deste modo se relaxam os vínculos que nos prendem, antes
pelo contrário me parece que mais se apertam.” E falando mais, discorreu
o Orador largamente; e em conclusão do seu discurso respondeu a algumas
objeções que tiveram lugar na Sessão antecedente.

606
O Senhor Martelo disse, que apoiava a opinião do Senhor Castelo, e
do Senhor Cal; e que pela história da sua Província podia afirmar, que este
negócio de suspensão fora sempre objeto de muita consideração: e mencionou
fatos com que provou, que não seria novo este poder no Brasil: e concluiu,
que votava pela indicação do Senhor Cal.
O Senhor Carlinga disse, que defendera na Sessão passada à opinião do
Senhor Cal, e o outros Senhores, e que agora de novo a sustentaria respon-
dendo em resumo às objeções que foram postas contra ela; reduziu-as meto-
dicamente a seis; e as analisou excelentemente; rematando o seu discurso com
dizer: “que se conceda ao Brasil uma Autoridade com o poder de suspender
os Arquitetos, etc.”
O Senhor Vergas disse então: “Parece-me prematura esta discussão.
Sendo muitas as relações entre Portugal e o Brasil, e sendo isto uma pequena
parte destas relações, parece que primeiro se devem estabelecer os princípios
em que devam assentar todas as relações, para depois se decidirem os diferen-
tes ramos delas. O Brasil tem muita vontade de se unir com Portugal; porém
duvida-se sobre o modo. Eu devo falar com franqueza. (Bravo! Bravo! Disse
eu comigo.) O Brasil (continuou ele) está pronto a unir-se com Portugal, mas
não segundo a marcha que o Congresso toma.”
O Senhor Presidente chamou à ordem a questão.
Alguns Senhores Mestres o chamaram à ordem; outros como o Senhor
Vigamento disseram que o Orador expressasse o que sentia; outros, que só
se reparava em ele falar contra o juramento dado.
O Orador, porém, disse, que enunciava a vontade da sua Província; que
sabia que ela se queria unir com Portugal; que estava persuadido que o plano
das Bases não obrigava senão a Portugal; e que só obrigava o Brasil quando
ele pelos seus Constituídos acedesse a isso.
Muitos Senhores Mestres disseram que não era assim.
Valha-me Deus! exclamei eu, pois como se deve interpretar a linha 21
daquele plano? Isso não é assim? Pois como é? digam. A resposta já não está
em palavras, mas sim em obras!!
O Orador ainda falou mais alguma coisa; e o Senhor Moldura principiou
a falar deste modo: “A questão precisa de que se trata é, se na América deve
haver uma Autoridade, que tenha o poder de suspender temporariamente os
Arquitetos por meio de uma informação sumária, e ouvido o mesmo Arquiteto;
poder que nos estados Portugueses da Europa é concedido ao Grão-Mestre,
ou Arquiteto-Mor. Eu digo que não: a ordem dos meus argumentos é esta,
que o poder de suspender os Arquitetos é concedido ao Arquiteto-Mor como
sua atribuição pessoal; que as atribuições particulares do poder executivo
de nenhum modo podem delegar-se, porque é contra os princípios do Pacto

607
Social. Muito embora esta Assembleia, como Constituinte, o poderia fazer se a
Salvação pública, a que todas as Leis e determinações estão subordinadas assim
o exigisse, e prescrevesse.” Notem-se bem estas palavras do sábio Orador, o
qual continuando com um belo discurso, que não tenho todo de cor, em que
teima que os poderes não se podem delegar, veio a dizer que “Determinado
pelo Pacto que o poder Mor se compõe de tais e tais prerrogativas, não pode
o poder Constituinte determinar, que o poder executivo delegue as autori-
dades que lhe foram concedidas: ao contrário seguir-se-ia daqui, que assim
como poderia delegar-se uma função poderia delegar-se todo: porque não
há razão para admitir a força de raciocínio numa fração que não haja para
o todo. (Apoiado, apoiado) Logo, assim como é um absurdo dos absurdos,
que o poder executivo delegue a totalidade, assim é absurdo admitir que ele
possa delegar uma parte.”
A este tempo recordei-me de algumas Teses de Metafísica que tenho
ouvido defender em Aulas de Filosofia, em que os arguentes, depois de expen-
derem seus argumentos incontrastáveis, se dão por convencidos das razões,
algumas vezes fúteis, do defendente; porque a civilidade assim o requer, e
disso não resulta mal a ninguém. No Congresso para se apoiar um discurso,
basta que ele seja bonito ainda que lhe falte solidez!
O Orador disse mais: “É verdade que se a Salvação do Estado, esta
primeira lei exigisse, que ela fizesse esta delegação, não há dúvida nenhuma
que ela o poderia fazer, porque quando uma lei tão imperiosa fala, é mister
que se calem todas as mais; e eis aqui o que se não verifica.” Aqui está meu
Amigo, qual deveria ter sido o objeto da contestação, e não, se o poder execu-
tivo pode ou não ser delegado. Eu faço muita diferença de poder ser, a dever
ser. Convinha reflexionar bem sobre este assunto. Verdade é, que a Salvação
do Estado não consiste só em dar remédio a este mal; porém existem outros
motivos mais de descontentamento: portanto pede a equidade, a prudência,
e os próprios interesses da Assembleia, que não se ostente tanta proteção,
ao mesmo tempo que se desprezam as opiniões favoráveis ao Brasil; que
não se teime tanto em contrariar tudo que os nossos constituídos Mestres
propõem acerca do Brasil. Parece-me que a Salvação do Estado exige bem
que a Assembleia dê atenção às comunicações dos Senhores Mestres do Brasil
que lá tem falado: não se deve ficar nas congratulações que têm recebido,
porque todas elas têm sido fundadas na boa-fé, e esta só se mantém com
boas obras, e não com argumentos da Lógica, e hermenêutica. Mil louvores
mereceram sempre os discursos dos Senhores Mestres Filósofos, ainda que a
decisão fosse em contrário, considerando-os como peças de eloquência: mas
o comportamento dos Senhores Mudos é que escandaliza. Triste sorte é a dos
Povos que estão sujeitos a caprichos!!

608
O sábio Orador falou ainda bastantemente, e concluiu assim: “Mas
tomemos conta que eu estou altamente persuadido que os Povos da América
conhecem melhor os seus interesses que ninguém: que se acaso eles por um
tão leve pretexto se desunirem de nós, sabem as cenas de horrores, desgra-
ças, e flagelos que os esperam se o fazem: (Santa Bárbara, São Jerônimo, São
Pasqual!!! Gritei eu a tremer. Deus nos acuda!) O certo é, que fiados nisto é
que alguns dos Senhores Mestres raciocinam como temos visto, e os Mudos
nos comprometem!
O Senhor Selha em um largo discurso votou contra a doutrina do Artigo.
O Senhor Fera-trolha disse, que não julgava a questão de tanta impor-
tância como alguns Ilustres Preopinantes. Que já havia três dias de discussão;
e em consequência era necessário não se levantar a Sessão de hoje sem se
decidir este negócio.
O Senhor Presidente declarou que a Sessão estava permanente: e dando
a palavra ao Senhor Tríglifo este disse: “Eu estou persuadido como está o
honrado Membro o Senhor Fera-Trolha da pouca importância desta questão,
da necessidade dela se concluir, e da inutilidade de mais argumentos dos que
se têm produzido. Eu cederia do direito de falar senão tivesse que agradecer
especialmente ao honrado Membro o Senhor Carlinga a série de respostas,
que pretendeu dar aos meus argumentos. Ele os desenvolveu com bastante
agudeza, e moderação possível, e eu responderei conforme puder, e com
igual moderação… E daí continuou o Orador a repisar o que já estava dito,
e apoiado; porém ainda tornou a ser apoiado, e apoiado muita vezes; por
cujo procedimento se conhece perfeitamente, que aqueles Senhores têm muito
egoísmo; e creio que disto nasce o não compreenderem, ou fingirem que não
compreendem as razões que são em pró do Brasil, como por exemplo as do
Senhor Castelo, que depois do Senhor Tríglifo havendo falado muito, em um
larguíssimo discurso assaz eloquente, conforme o seu costume, sustentou a
opinião que havia enunciado nas antecedentes Sessões, e que é a favor da
indicação.
O Senhor Vigamento, e o Senhor Ponta da Fachada oram também em
favor da indicação.
O Senhor Frexal respondeu às duas objeções a que não tinha respondido
o Senhor Tríglifo.
O Senhor Fera-Trolha falou muito nesta ocasião, posto que já noutro
sentido; aprovou que se substitua no Brasil uma medida de que os Povos se
possam aproveitar, e que convém que isto se faça por meio de uma junta, ou
autoridade que suspenda os Arquitetos no Ultramar, e neste caso dizia que se
há de haver esta autoridade no Ultramar, a haja em Portugal, e no Algarves,
e que para isso fazia esta indicação.

609
“Proponho, que seja aplicável a Portugal a mesma medida de haver em
lugar do poder do Grão-Mestre para suspender os Arquitetos, outro exerci-
tado por uma pessoa física, ou moral, visto ter-se demonstrado, que aquela
prerrogativa Mor não satisfaz plenamente à necessidade de acautelar o mal,
que pode resultar do mesmo Arquiteto continuar no exercício do seu emprego.
Salão 13 de Fevereiro de 1822.”
Ora isto ainda me pareceu mais extravagante!! É forte coisa não quererem
aqueles Senhores ficar com um pouco de menos ainda que a necessidade assim
o exija. Já este honrado Membro não disputa a impossibilidade de delegar-
-se o poder executivo! A sua questão é já outra; porém sempre fundada em
egoísmo!! Veja-se mais outra indicação do mesmo Senhor.
“Proponho que no caso de se decidir, que nas Províncias do Ultramar
se dê a uma pessoa física, ou moral o poder suspender os Arquitetos, além
daquele que tem o Arquiteto-Mor, se faça o mesmo em Portugal, e no
Algarves; porque sendo o fundamento da decisão, pelo que tenho ouvido, a
necessidade de igualar todos os Portugueses em direitos, não é justo que os
habitantes do Brasil tenham mais do que os dos outros reinos. Salão 13 de
Fevereiro de 1822.”
Isto é que se chama mijar fora da pichorra inda repito esta expressão; isto
é que é fugir do sentido das coisas! Trata-se de conformar a Leis às circuns-
tâncias em que os Povos se acham, como o disse o Senhor Barroca. Os do
Ultramar não estão no caso dos do Algarves: esta pequena parte de Portugal
tem o nome de reino mais por um antigo costume, do que por merecê-lo: não
está separada, e a grande distância como as partes Ultramarinas: portanto
a indicação do Senhor Trolha parece ironia! Isto é zombar muito da nossa
condescendência! É abusar da boa-fé!
O Senhor Membro concluiu deste modo. “Ou Juntas para o Brasil, e
Portugal para suspender os Arquitetos, e nada de Arquiteto Mor os poder
suspender; ou então seja o Arquiteto-Mor que suspenda em toda a Monarquia,
e nada de Juntas.” E por mal de pecados foi isto que se decidiu, depois de se
fazerem a este respeito várias reflexões; porque este Senhor deu o tom com
ar imperioso: ele é o nosso protetor!!!
O Senhor Linha propôs uma emenda ao artigo concebida nestes termos:
“No Ultramar haverá em cada um dos Distritos das Relações, e mesmo
em cada uma Província, quando esta por suas circunstâncias o exija, uma
Autoridade, cuja formação dependerá das leis, à qual possam responder os
Arquitetos pelo modo que as leis determinarem.”
O Senhor Presidente propôs o aditamento do Senhor Cal. Foi reprovado.
= Propôs o aditamento do Senhor Vigamento, que dizia que no Ultramar

610
competiria a Autoridade de suspender ao Governo político de cada Província.
Foi rejeitado. = Propôs a emenda do Senhor Linha. Foi igualmente rejeitada!!!
À vista disto, meu bom Amigo, fiquei atônito! Como será possível, dizia
eu comigo, que a Assembleia aprove nada do que o Brasil propuser em seu
benefício, como revogará ela esses fatais Decretos que tanto mal nos trazem!
Se ela em tão pequena coisa não quis retroceder, apesar de tão boas razões
que a obrigavam! Foi tal a mágoa que concebi, que me sobreveio ao Sonho
uma horrível pesadelo, o qual obrigando-me a dar gritos desmarcados acordou
a minha família, que cheia de pavor me veio acordar: e então achei-me no
Rio de Janeiro cuidando que estava em Lisboa. Adeus meu Amigo. Dize-me
o que agouras deste meu Sonho.

Sou teu do coração.

FIM

Advertência aos Leitores

Todas as expressões a que se refere esta carta são extraídas das Sessões
das Cortes 11, e 13 de Fevereiro deste ano, segundo as refere o = Independente
= em os Números 34, e 36; e só estão alteradas naquelas palavras que esta
alegoria pede, a fim de conservar verossimilhança.

______________________________________________________________
RIO DE JANEIRO 1822,
NA TYPOGRAPHIA DO DIARIO, RUA DOS BARBONIOS Nº. 72

611
39

CARTA
DIRIGIDA AOS REDACTORES

DO REVERBERO CONSTITUCIONAL
FLUMINENSE.
RELATIVA AOS APONTAMENTOS
DO PATRIOTA CONSTITUCIONAL,
PARA ACUDIR AO THESOURO PUBLICO,
EXPÓSTOS

NO Nº. XIV. DO DITO PERIODICO.


POR

JOSÉ ANTONIO LISBOA.

RIO DE JANEIRO.
NA TYPOGRAPHIA DE MOR. E GARCEZ.

M.DCCC.XXII.

612
SENHORES REDATORES,
Sendo o seu Periódico um dos escritos, que leio com maior satisfação, e
achando no princípio do seu Número XIV, os apontamentos de um Patriota
Constitucional para se acudir prontamente ao Tesouro Público nas críticas
atuais circunstâncias; fiquei saltando de contente, e cheio da maior curiosi-
dade, por encontrar uma matéria tanto do meu gosto, e inclinação particular,
como de um interesse geral para os habitantes do Brasil, e principalmente
para os do Rio de Janeiro.
Muito prometiam os títulos do Patriota, e de Constitucional, com que
o seu Autor se apresentou coberto, porém depois que tenho presenciado a
conduta dos Protetores da Nação Portuguesa, das Divisões Auxiliadoras;
e de outras semelhantes Personagens, que se têm apresentado com títulos
enfáticos, e insinuantes a fim de ganharem a confiança Pública; estou já tão
prevenido a este respeito, que mais não creio em palavras, e somente em
obras, conformando-me neste artigo com a doutrina do nosso Divino Mestre,
que bem pregou aos seus Discípulos “ex fructibus eorum cognoscetis eos.”1
Esta minha prevenção se foi cada vez mais aumentando, à medida que
encontrava proposições, que o seu Autor dava por evidentes e que no seu
conceito, não careciam ser demonstradas, ao mesmo tempo, que para mim
eram muito duvidosas, e incertas, e algumas até diametralmente opostas aos
meus princípios. Tais são as seguintes: = Não se devem, nem se podem cortar
as despesas públicas =, para igualá-las com as rendas. = Não se deve ofender o
direito adquirido = dos que estão de posse das ditas rendas. = Toda a economia
se deve reduzir a suspender as obras, e projetos, que admitem demora. = =
Não se aumente, nem se diminua a Folha dos Ordenados, Pensões, e Tenças,
esperando unicamente a sua diminuição da mão da Morte = = É indispensável
lançar-se mão de alguma operação de crédito, e circulação para nos tirarmos
dos embaraços, em que estamos, ao menos por um ano. =
Desconfiei pois do escrito, logo que vi, que todas as referidas proposições,
sem serem provadas, e demonstradas eram estabelecidas, como as bases do
Projeto: e que o seu Autor para desviar todas, e quaisquer objeções, que se
lhe pudessem fazer a este respeito, desde já decidia, que os que propunham

1
Conhecê-los-eis por seus frutos. N.T.: Mateus, 7:16.

613
o contrário, não tinham = conhecimentos sólidos de matéria tão importante
ao bem ser de uma Nação. =
Todavia segundo as minhas fracas luzes; entendo que para conhecer, e
provar, que os tais apontamentos não correspondem aos títulos de Patriota,
e de Constitucional, não será preciso ter um gênio transcendente, ou um
espírito raro, e extraordinário, e que todo o homem, que tiver bom senso,
amor da imparcial justiça, e sinceros desejos de viver debaixo de um Sistema
Constitucional, será capaz de desempenhar uma semelhante empresa: vamos
por partes.
Não se devem, nem se podem cortar as despesas Públicas, para as igualar
com as rendas. E por que razão, meu Amigo Patriota? Foram as enormes, e
inconsideradas despesas, superiores às rendas Públicas as que levaram o Reino
Unido até às bordas do precipício; foi o mau uso que se fazia dessas rendas
(consumindo-se a maior parte delas em locupletar um pequeno número de
indivíduos, com o detrimento do bem do maior número) o que obrigou a
Nação a dar o atrevido, e heroico passo de fazer uma Revolução, e mudar
o sistema do seu Governo, arrostando toda a sorte de perigos, e expondo-se
às maiores desgraças, se por acaso a sua empresa fosse infeliz, e malograda,
e todos esses abusos hão de ser sancionados pela nova ordem das coisas?
Não se podem, nem se devem cortar as atuais despesas Públicas do Rio
de Janeiro, pretende o Patriota Constitucional, ao mesmo tempo, que este tem
sido um dos principais trabalhos do Soberano Congresso das Cortes de Lisboa,
e aquele, em que tem insistido, como o mais seguro, e eficaz para diminuir os
embaraços da Administração Pública! Não se podem, nem se devem cortar no
Rio de Janeiro as despesas, ao mesmo tempo, que Sua Majestade em Portugal,
e Sua Alteza Real no Brasil foram os primeiros, que as cortaram nas suas
Casas, reduzindo-se à mais restrita, e rigorosa economia, dando deste modo
o mais edificante exemplo, e a prova menos equívoca de uma alma verdadei-
ramente Constitucional! Em toda a parte do mundo o homem, que procura
regular os seus gastos, segundo as suas rendas, ampliando, ou restringindo
aqueles na razão direta destas, é tido, e reputado por homem prudente, e a
este comportamento se chama ter juízo, probidade, e honra: ¿ e só o Tesouro
Público do Rio de Janeiro há de ser a exceção da regra, não cortando as suas
despesas, para as igualar com as suas rendas? Confesso Senhores Redatores,
que sou tão falto de conhecimentos sólidos nesta matéria, que não posso
perceber o sublime de uma tal ideia. Tão original proposição profundamente
me tocou, e foi o que me obrigou a pegar na pena, para combater, a fim de
que se não dissesse que no Rio de Janeiro um Patriota tinha impunemente
avançado um príncipio tão anticonstitucional, tão oposto à opinião Pública
dos seus habitantes.

614
Não se devem cortar as despesas Públicas: por que razão? já o Autor
dos apontamentos apresentou a circunstanciada, e individual relação de
todas as ditas despesas, sem omitir a mais pequena delas; já as analisou uma
por uma, e fez ver, que desde a primeira até a última todas eram necessárias,
e indispensáveis para a salvação do Estado, para a conservação da ordem
Pública, para firmar, e consolidar a nova ordem de cousas, que a Nação tem
com tanto entusiasmo abraçado? Era por tanto indispensável que provasse
desta maneira a sua proposição; porém dizer vagamente, e sem analisar as
ditas despesas, que elas nem se podem, nem se devem cortar, é demasiada
animosidade, é o mais exaltado despotismo, é querer favorecer, e chamar a
si o partido de todos, quantos são interessados na perpetuidade dos antigos
abusos; é retrogradar do dia 26 de fevereiro; é jurar uma Constituição, e
obrar em contravenção dos seus princípios fundamentais. E para que fim
foi estabelecida, como axioma, uma tal proposição? sem dúvida para tirar o
corolário= que não se deve ofender “o direito adquirido” =
Isto enunciado de uma maneira vaga, e sem relação alguma com o mais,
parecendo ser derivado dos dois princípios jurídicos “melior est conditio
possidentis”2 Et qui sui juris unitur, nemini injuriam facit”3 à primeira vista
inculca-se por uma proposição fundada em justiça, e razão: mas ligando-se
com o resto da sua doutrina, claramente se conhece, que o fim do Autor é
estabelecer, que quantos Empregos, Ordenados, Pensões, e Encargos pesam
sobre o Estado (estabelecidos, ou tolerados no tempo da arbitrariedade,
no tempo em que com o maior escândalo se criavam lugares para arrumar
afilhados sem merecimento algum, tempo, em que eram roubados os homens
de todos os ramos da indústria para empregos Públicos, só porque a sua
nomeação produzia avultadas somas a corrompidos Cortesãos), tudo isto
bem, ou mal feito, deve ficar intacto, visto que aqueles, que têm adquirido
a posse de um tal patrimônio, têm o direito inauferível de o reterem. Pouco
importa a falta de meios, e a dificuldade, em que está o Tesouro Público de
satisfazer tão onerosos encargos; isso nada vale. Ainda que os Empregados
sejam corruptos, ou desleixados; bagatelas são homens. Ainda que os
Empregados sejam supérfluos, e inúteis; não importa; estão feitos. Ainda que
os mesmo indivíduos estejam sobrecarregados de Lugares, todos lucrativos,
e pingues, e cujos deveres eles não podem exatamente desempenhar, como
são exercitados em comunidade, em que um, ou outro não faz falta, sejam
dispensados dos trabalhos, mas não dos lucros: fique tudo no status quo:
conservem todos a pacífica posse do que pilharam por astúcia, manha, ou

2
A preferência é de quem possui.
3
Quem defende seu direito não causa dano a ninguém.

615
corrupção, ainda que seja em detrimento, e ruína do Patrimônio Público: e
para remédio universal de todos os males presentes, aplique-se unicamente a
mão da morte, que infelizmente não repousa, e que com a sua foice cortadora
é quem há de pôr termo a todas as desgraças Públicas, e remediar os emba-
raços do Tesouro. Que Patriotismo tão Constitucional! que nova descoberta
no Mundo Político, para pôr termo a todos os males da sociedade!
Far-se-ão Estabelecimentos de Caridade e de Instrução Pública determina
o Artigo 37 das Bases da Constituição, que juramos; é necessário cuidar
sem demora, exclamam todos aqueles, sobre quem pesam os impostos, e
contribuições Públicas, é necessário cuidar sem demora em uma infinidade de
objetos urgentes: a Agricultura clama por estradas, e caminhos; o Comércio
por guarda-costas, para defendê-lo das frequentes, e funestas piratarias; o
Público todo pelas comodidades, que os Povos devem achar no Estado de
Sociedade, que são as provas mais evidentes da civilização, de uma Nação,
e que desgraçadamente faltam entre nós. Mas tudo isto parece que o nosso
Patriota pretende que fique suspenso, como menos importante, e que pode
sofrer demora: e para quê? Para não ofender o direito adquirido no tempo da
arbitrariedade, em uma Corte corrompida, no tempo, em que não só se não
cuidou seriamente de todos aqueles objetos, mas antes se deixaram perder, e
destruir alguns, que já estavam formados, e estabelecidos. Espere o Público
por sapatos de defuntos, sofra a Nação, sobre quem pesam todos os encargos,
e contribuições, para que os outros gozem do seu “direito adquirido”, visto
que não há dinheiro para satisfazer a todos, e que as despesas se não devem
igualar às rendas.
A fim pois de nada “diminuir das ditas despesas Públicas atuais, de não
ofender o direito adquirido” e de trazer a todos contentes, propõe o Autor
dos apontamentos uma operação de crédito, e circulação, como meio eficaz
de livrar o Tesouro Público dos seus atuais embaraços.
Qualquer pessoa, que tem ideias de Comércio, sabe que crédito é a boa
opinião, que os outros homens têm da riqueza, boa-fé, e pontualidade de
alguma pessoa, ou Sociedade: e que circulação é uma operação, que fazem as
casas alcançadas, que não podendo satisfazer pontualmente as suas dívidas,
usam de algum desvio, ou rodeio, para entreter os seus Credores, e espaçar
o pagamento, que não podem fazer no seu vencimento, iludindo-se muitas
vezes a si mesmos, ou querendo iludir os outros com a esperança de uma
futura solução. Esta operação, que é quase sempre ruinosa, longe de granjear
espécie alguma de crédito, o destrói e diminui, iludindo unicamente os que não
conhecem, ou não desconfiam do estado precário da casa, que o pratica. Como
pois pretende o Autor conciliar coisas tão diametralmente opostas, querendo
granjear crédito, com uma operação de circulação, que vai aumentar ainda

616
mais a dívida do Tesouro Público com os novos juros, com que o onera? Eu
estou bem persuadido com o Autor dos apontamentos, e nisso somos intei-
ramente concordes, que se o Tesouro Público pudesse dispor em cada mês
de mais 200 contos de réis, ou de 6 milhões de cruzados em um ano, além da
totalidade de sua renda atual, ele caminharia sem dúvida admiravelmente, e
ficaria livre, se não de todos, ao menos de uma parte dos seus embaraços. Mas
para conseguir, só pelos meios, que estão ao seu alcance, e nas atuais circuns-
tâncias esses 6 milhões de cruzados; – hoc opus, hic labor est4. – Em um sistema
Constitucional (sou obrigado a recorrer muitas vezes a este princípio, visto que
o nosso Patriota tanto o aprecia, louvando o Ente Supremo por haver inspirado
os acontecimentos de 24 de Agosto, e 15 de Setembro de 1820, coroados com
o mais feliz, e desejado êxito), em um Sistema Constitucional, digo, pertence
unicamente ao Poder Legislativo estabelecer os mais [meios?] para o paga-
mento da dívida Pública, quando esteja liquidada; pertence-lhe unicamente a
faculdade de contrair empréstimos, ou de autorizar o Governo para o fazer,
quando sejam indispensáveis, e assinalar as rendas, pelas quais eles devem
ser pagos. Como pois aponta o Autor o plano de contrair o Tesouro Público,
sem aquela legítima autorização, uma obrigação de 6 milhões de cruzados
com o Banco do Brasil, sacando o Tesoureiro-Mor daquela Estação sobre
o Tesoureiro Geral deste, a referida quantia, parte em bilhetes do Tesouro
Exequer bils, [Exchequer bills] e parte em letras, que muito impropriamente
chama de câmbio (não havendo câmbio algum em tais letras)? Quem não vê,
que esta transação, ou seja indicada debaixo do nome do Delcredere, abono,
fiança, ou de outro qualquer, com que vinha astuciosamente embuçada. É
uma antecipação, e por consequência, um verdadeiro empréstimo que começa
pela firma, e pode acabar pelo dinheiro? Quem há de garantir por espaço
de 12 anos o fiel, e exato pagamento mensal dos 32, ou dos 16 contos de
réis, para que o Banco possa sem receio aceitar tais saques e obrigar-se ao
pontual pagamento dos 6 milhões, e seus juros? Além de exceder os limites
dos seus Estatutos, que lhe não permitem outras algumas operações, que não
sejam as oito nos mesmos indicadas, como há de o Banco comprometer-se a
um pagamento, de que não pode tirar lucros proporcionados aos riscos que
corre, ainda que temporariamente, visto que os juros de 6% dos ditos bilhetes
do Tesouro são a benefício dos portadores, e não do Banco; e além disso,
vendo o quanto essa espécie de moeda fictícia (ainda que aliás conhecida
no Mundo, boa, e útil em muitos casos) seria nesta crise atual danosa para
o dito Banco, fazendo desaparecer os metais do giro Comercial, ainda mais
do que atualmente acontece? E se por qualquer acidente, ainda mesmo sem

4
Está é a tarefa, este é o labor. N.T.: Virgilio, Eneida, 6:129.

617
que para isso só concorra o Tesouro, vier a faltar a apontada consignação,
agregando-se esta dívida aos 5 mil contos de réis, que lhe deve o Tesouro, e as
mais Estações Públicas, em que embaraços se não verá ao Banco do Brasil? O
Patriota tão zeloso dos interesses dos Credores do Tesouro Público, não mete
também em linha de conta aquela grande dívida e os meios de satisfazê-la?
Aos mais Credores é de justiça que o Tesouro pague o que lhe deve; mas ao
Banco, além de ser de justiça, é do seu interesse, e da sua política o fazê-lo,
afim de pôr aquele Estabelecimento em estado de sustentar o seu crédito; o
que ele não pode fazer sem meios reais, e efetivos, e não de circulação, e de
giro. E então quando o Banco estiver inteiramente restabelecido dos golpes,
que recebeu na época desgraçada do antigo regime: quando ele se apresentar
em uma atitude respeitável, pagando francamente, e sem restrição alguma as
notas que lhe forem apresentadas, e prestando à Nação todos os auxílios, e
benefícios, para que foi instituído; então ele será o seu braço direito, o seu
principal, e pronto recurso: por meio dele o Tesouro Público poderá fazer
todos os seus pagamentos com aquela regularidade, e exatidão, que faz a
beleza da Pública Administração, e a harmonia da Sociedade.
À vista pois do que tenho exposto, se vê que a medida do empréstimo
dos 6 milhões de cruzados em letras da terra, pagáveis pelo Banco, não só
não é legal, mas nem mesmo política, e portanto inteiramente inadmissível:
e que se seu autor quiser merecer dignamente os epítetos de Patriota, e de
Constitucional, é preciso apontar outra, mais acomodada às nossas atuais
circunstâncias; não lhe podendo conceder mais do que os bons desejos, que
mostra ter de acudir ao Tesouro Público, e de trazer contentes uma parte
dos seus Credores.

Os embaraços, e a falta de meios, que o Tesouro Público do Rio de Janeiro


experimenta (segundo o meu parecer), não hão de ser tão grandes, como alguns
os pretendem inculcar. Nada há mais justo, e santo, do que seja o pagamento
de uma dívida, logo que o devedor tem meios de satisfazê-la. Todo o devedor
honrado tem rigorosa obrigação de procurar incessantemente o fiel desempenho
do seu alcance, e sacrificar-se todo a esse fim, mas a impossíveis ninguém está
obrigado. Quando as dívidas excedem aos fundos disponíveis do devedor, as
nossas Leis Pátrias, assim como as de todas as Nações cultas têm prescrito
certas regras de preferência, que a razão, a justiça, e a humanidade indicam.

618
Parece-me pois que a pessoa, que se propuser fazer à Pátria oferta de um
plano para acudir ao Tesouro Público, e livrá-lo dos seus embaraços, deverá
começar por uma análise de todas as dívidas, que se apresentam naquela
Estação, dividi-las em diferentes classes, pondo-as em uma escala, pela qual
se proceda ao seu pagamento.
A falta de uma tal divisão, e o amálgama, em que se tem conservado a
dívida Pública, não é talvez uma obra do acaso; ela parece ter sido feita muito
positivamente no antigo regime, a fim de que o antigo Erário, hoje Tesouro
Público, fosse uma mina preciosa, e um Tesouro particular, para aqueles
Adeptos, a quem era concedida a admissão do seus Mistérios. O meio de
fazer valer aquela mina era englobarem-se, confundirem-se, e baralharem-se
todas aquelas muito distintas espécies de dívida, quando se tratava do seu
pagamento. Tudo isto se podia muito bem praticar, e de fato acontecia com
uma bem arranjada Escrituração de todas as entradas, e saídas dos dinheiros
Públicos, e com magníficos Diários, Livros Mestres, escritos por partidas
dobradas, com toda a exatidão, e meio possível, porque um Sedutor Mestre
nunca deixa os vestígios do seu crime.
E porque sempre a receita era muito inferior ao que se tinha de pagar;
dizia-se em geral, que não havia dinheiro para todos (o que era verdade), mas
que se pagaria logo que o houvesse (o que era mentira); porque nessa ocasião
os Adeptos, e os Validos, que sabiam o momento, e a ocasião oportuna de
serem embolsados, eram os únicos, que gozavam daquele benefício. Com esta
certeza compravam com horrorosos rebates as dívidas dos desgraçados, que
não tinham a lâmpada em Meca, vendiam os gêneros por preços exorbitantes,
e lesão enormíssima, e todavia eram pagos, e embolsados sem perda alguma,
à exceção daquela, que sofreu na partilha da presa com os seus Protetores.
Que pena, que desgraça fatal para uns, e outros, que não durasse mais
um, ou dois anos semelhante Administração! Se assim fosse, o Patriota
Constitucional não teria o trabalho de fazer os longos cálculos, e operações
aritméticas da sua Tabela; tudo se pagaria aos Validos, sem ser preciso fazer
operações de giro, e circulação, e a doce paz reinaria entre os fiéis. Maldito
dia 26 de Fevereiro de 1821, tu viestes transtornar o suave gozo de tão
grande bem. Mas corramos um véu por aquela cena de iniquidades, e pois
que a Providência já nos livrou de uma Administração tão funesta, tratemos
unicamente de curar os erros passados, e evitar os futuros.
O Tesouro Público tem de pagar:
1.º As despesas correntes das três folhas, Militar, Civil, e Eclesiástica,
e as da Casa Real.
2.º Os empréstimos feitos gratuitamente ao Tesouro em ocasiões urgentes,
e os dinheiros de depósito.

619
3.º Os empréstimos feitos com vencimento de juro em diversas épocas.
4.º A dívida antiga, tanto Provincial, e que existia antes de 1817, como
a Geral do Reino Unido, contraída durante a estada de Sua Majestade nesta
Corte, e ainda mesmo depois da sua partida, a que foi feita por sua causa, e
portanto é da mesma natureza.

I. DESPESA DAS 3 FOLHAS.

É horroroso, que o Corpo dos Militares os servos úteis do Estado, que os


Empregados Públicos, que têm dedicado a sua vida, e consomem o seu tempo
no serviço da Nação, sofram o menor atrasamento na satisfação dos seus
merecidos salários: a falta dos quais abisma a uns na miséria, e desesperação,
excita a outros para romper em perigosos clamores contra a Administração
Pública, e desafia a muitos a entregarem-se aos excessos de uma funesta, e
torpe venalidade.
Deve pois sair precípuo das rendas Públicas o pagamento destas folhas,
visto que tem a natureza de alimentos, necessários para a existência dos
Empregados: deve-se pagar o mais cedo possível, o que se acha já vencido,
e fazer com que de agora em diante, eles jamais sofram um atrasamento tão
considerável como o que tem tido até o presente. Mas é muito estranhável, e
digno de censura amontoar em um só indivíduo Empregos sobre Empregos, e
todos acompanhados de grandes, e pingues ordenados, ainda que alguns não
saiam diretamente do Tesouro Público. Não é menos estranhável vencerem
indivíduos ricos pensões a título de pobres, avultadas gratificações a título
de serviços, que não fazem: conservar-se um Estado Maior isolado, e sem
destino (apresentando a este respeito o Exército de Portugal um modelo bem
digno de se seguir, e que sem privar o Estado daquele Corpo, o torna útil,
sem ser oneroso).
Em uma época, em que todos os bons Cidadãos se esmeram em servir
à Causa Pública, uns com o sacrifício das suas pessoas, alistando-se debaixo
das bandeiras da Nação; outros contribuindo com os seus bens, tirando de
seus cofres a favor do Estado as quantias reservadas à sua subsistência, ou ao
manejo do seu comércio: muitos dedicando o seu tempo, suas vigílias, seus
talentos, suas penas, e a sua tranquilidade, tudo a bem da grande Causa, em
que estamos empenhados, e para estabelecer, e consolidar a nova ordem de
coisas, em uma tal época unicamente os Empregados Públicos é que hão de ser
impassíveis Espectadores de tão heroico procedimento, sem nada contribuírem
para o bem da Pátria? Não, deles não formemos um tal conceito: despidos de
todo o egoísmo, e animados de um ardente zelo pelo bem Público, eles hão de
também de bom grado fazer o sacrifício de abrir mão da multiplicidade dos

620
seus Empregos; reservando dentre eles um somente, que fielmente sirvam, e
desempenhem. E essa diminuição de renda lhe será de algum modo indenizada
com o pronto, e exato pagamento do ordenado, que conservarem:
1.º Quando pois (com aquela prudência, e circunspecção que requer
tão delicada matéria) esta parte da Administração se reduzir a que cada
indivíduo tenha um só Emprego, pelo qual receba do Tesouro Público
direta, ou indiretamente um só ordenado suficiente para a sua subsistência,
e exatamente pago, a fim de que o mesmo indivíduo se dedique inteiramente
a esse Emprego, sem se ver na triste necessidade de procurar por outra parte
os meios de se alimentar:
2.º Quando o Estado Maior for composto de Militares, tirados tempo-
rariamente dos Corpos, em que servirem, para serem restituídos a eles, logo
que acabem a Comissão para que forem chamados; sem que o dito Estado
Maior forme um Corpo permanente, isolado, e ocioso, à exceção dos Oficiais
Generais, que for necessário manter para o comando da Força armada:
3.º Quando forem fiscalizadas com miudeza, e exatidão as despesas
ordinárias, e extraordinárias das diversas Repartições Públicas, nenhuma se
fazendo sem prévia autorização, nem se pagando sem autênticos documentos,
vistos, e examinados por pessoas não suspeitas, nem interessadas nos abusos:
4.º Quando tantas Repartições, e Contadorias se reduzirem a uma só (a
do Tesouro Público), na qual hajam de entrar todas as rendas do Estado, e
da qual hajam de sair as quantias orçadas pelos seus Chefes para as despesas
das ditas Repartições, evitando-se deste modo uma repetida multidão de
Tesoureiros, de Fiéis, de Escrivães, de Porteiros, de Contínuos, de Agentes,
etc., etc.:
Quando tudo isto se puser em prática, as Folhas dos Soldos dos
Ordenados, das Gratificações, das Despesas Públicas, hão de ser, a meu ver,
tão diminutas, e diferentes das atuais, que a maior parte dos embaraços da
Administração do Tesouro Público há de forçosamente desaparecer. Um tal
passo é tanto mais necessário, e indispensável, quanto é preciso respeitar a
Opinião Pública, que altamente clama por todas estas reformas; e sobretudo,
em um momento em que a Nação é convidada para abrir as suas bolsas, e
para coadjuvar o Tesouro, convém que ela veja, que as rendas Públicas não
são distribuídas imprudentemente, para sustentar Empregos inúteis, e para
locupletar infiéis, e ociosos servidores.

II. EMPRÉSTIMOS GRATUITOS.

O pagamento desta dívida, no meu modo de pensar, é tão sagrado, que eu


o classifico logo abaixo dos alimentos, devido aos servos do Estado. Socorros

621
prestados em urgentes precisões, provas de um puro patriotismo, serviços
desinteressados não devem ter em retribuição o esquecimento, e o abandono
de um Governo Constitucional. Todos os meses se devem destinar, quanto
se possa, uma quantia para pagamento desta dívida àqueles, que o exigirem.
Mas eu a considero tão diminuta, que me parece não há de consumir grandes
somas do Tesouro. Os dinheiros do depósito são igualmente sagrados, e não
devem sofrer demora.

III. EMPRÉSTIMOS COM VENCIMENTOS


DE JUROS.

Como é possível granjear crédito algum Público, faltando a promessas


sagradas, feitas quando se solicitaram tais empréstimos daqueles, que tiraram
do seu giro avultadas quantias para as aplicarem às urgências do Estado?
Como há de o Tesouro Público esperar novos recursos para o futuro, quando
deles precisar, enquanto não estabelecer, como regra invariável, que o juro
do dinheiro emprestado ao dito Tesouro há de ser pago religiosamente, e
sem falência? Não se pague muito embora o principal, porque não há meios
suficientes para fazê-lo: porém quanto aos juros estipulados, parece-me que
com as reformas, que proponho, e com uma melhor arrecadação (que é tão
urgente, como as mesmas reformas), não deixará de haver uma quantia, que se
aplique para um tal pagamento, sem falta aos outros, que acima levo indicados.

IV. DÍVIDA ANTIGA.

Está dívida, proveniente pela maior parte dos gêneros vendidos ao Estado,
das antigas e ilimitadas despesas da Casa Real, da Marinha Nacional, trans-
portada quase toda para Portugal, proveniente dos suprimentos feitos, para
armamentos das outras Províncias do Reino Unido, da expedição do Rio da
Prata, empreendida para defesa das fronteiras do Brasil, ameaçadas por um
inimigo formidável; proveniente da viagem de Sua Majestade para Lisboa, esta
dívida suposto seja uma dívida real, a que têm todo o direito os respectivos
Credores, além de ser de uma natureza diferente das que tenho referido, ela
é a cargo do Reino Unido de Portugal, Brasil, e Algarves; o seu pagamento
deve recair sobre toda a Nação, e não unicamente sobre o Tesouro Público
do Rio de Janeiro, que apenas lhe compete pagar a quota, que lhe pertencer,
mas nunca a sua totalidade.
Ora, se o Tesouro Público do Rio de Janeiro a pudesse satisfazer com
os meios atuais, que estão ao seu alcance, empregando o excedente das suas
despesas peculiares, e indispensáveis para a manutenção da causa Pública,

622
em tal caso a sua solução seria ainda admissível. Porém sendo as ditas atuais
rendas do Tesouro, apenas suficientes para as suas despesas, e urgências
ordinárias (como confessam os que têm conhecimentos sólidos de matéria
tão importante) como há de o Tesouro do Rio de Janeiro tomar unicamente
sobre si um peso, que não lhe compete, e não lhe é possível sustentar; um
peso, que é quem lhe causa os seus maiores embaraços, que há de ser sempre
o inferno, e o tormento dos Chefes dessa Repartição, visto que apesar de
mil tratos que deem ao seu entendimento, e de mil circulações, e giros, há
de haver sempre um déficit; pois não é com 6 milhões de cruzados, que se
paga toda a dívida do Estado por esta Repartição, e os Credores todos que
estiverem na mesma linha, devem gozar do mesmo benefício? Solicitar pois
por ora um empréstimo, ou seja em dinheiro, ou em letras, para satisfazer tal
dívida, não é desonerar-se dela, é só mudar de Credor; e se esse empréstimo
é de mais a mais onerado de um juro, longe de a diminuir, a vai aumentando
cada vez mais, e portanto procurando novos embaraços ao Devedor. Se acaso
é possível aplicar alguma quantia para amortização deste empréstimo, ou
para o pagamento das letras, por que se não aplica antes essa mesma quantia
para amortização da própria dívida, poupando-se o juro, que ela não vence?
Mas se não é possível fazer uma tal aplicação, e é forçoso por falta dos meios
suspender o seu pagamento, proceda o Tesouro Público do Rio de Janeiro
ao exame, e liquidação dessa dívida; dê aos Credores legítimos, e autênticos
títulos, que eles possam, ou guardar, ou negociar, como melhor lhes convier;
solicite de quem competir, e procure obter os meios de satisfazer tal dívida,
visto que ela teve origem pela sua Repartição, e é da sua honra fazer uma tal
diligência. Os Credores, que forem razoáveis, e prudentes farão justiça a esta
medida, que não é senão temporária, e filha das circunstâncias atuais. E visto
que eles tiveram suficientes lucros na venda desses objetos, e gêneros, que o
Estado lhes comprou, sofram alguma pequena demora, com a certeza do seu
embolso, pois que o Estado não morre, nem há de falir de bens.
Os meios para satisfazer toda esta dívida, não podem ser outros, se não
a concorrência, e cooperação de todas as Províncias do Reino Unido (ou ao
menos do Reino do Brasil, se o de Portugal o não puder fazer) enviando-lhe
as suas quotas partes, proporcionadas às suas faculdade, e forças pecuniá-
rias. Um Estado não se pode manter sem meios, esses meios são as Rendas
Públicas, que todas as partes da Monarquia devem meter em comum, para
a sua manutenção, e despesas gerais: é este o Pacto Social, de que nenhuma
Província se pode isentar, se quiser sinceramente formar uma Nação grande,
poderosa, e respeitável. E quando o Poder Legislativo tiver estabelecido uma
consignação regular das ditas Províncias, a qual, junta com as rendas desta,

623
possa apresentar ao Tesouro Público do Rio de Janeiro um fundo seguro, e
disponível, suficiente para a solução gradual da sua dívida, então igualmente
sendo aprovado, e sancionado pelo mesmo Poder Legislativo terá lugar, muito
embora, contrair o dito Tesouro um empréstimo de 6, ou de mais milhões de
cruzadas (aonde lhe convier, e for mais barato, e útil à Nação) para de um
golpe satisfazer, não com operações de giro, e circulação, mas com dinheiro de
contado a todos, ou à maior parte dos seus Credores, aplicando esses fundos
para a amortização do referido empréstimo. E esta operação (que se poderá
muito bem ultimar antes de 24 meses, a que chegam as letras do Patriota, e
certamente antes de 12 anos, que é preciso esperar para extinção dos Bilhetes,
que ele propõe) granjeará então ao Tesouro Público do Rio de Janeiro o mais
eminente grau de crédito, reputação, e confiança. Tudo o mais, meus Amigos,
são Castelos em Espanha.
Queiram pois, Senhores Redatores, apresentar no seu Periódico também
estes meus apontamentos para acudir ao Tesouro Público, se não prontamente,
ao menos mais constitucionalmente, do que o nosso Patriota. Não pretendo
que eles sejam verdades Evangélicas, nem que acreditem com fé implícita:
apenas são esforços de quem deseja acertar, e não dar passos em falso, apesar
de lhe faltar engenho, e arte.
Expondo-os à censura do Público sensato, e dos Agentes da Administração,
que tem as rédeas do Governo, dou a mais autêntica prova da minha boa-fé.
Se uns, e outros os desaprovarem, direi que tiveram essa sorte, porque não
eram acertados; mais hábeis, e abalizados pensadores lhe substituirão outros,
e como se chegue ao fim desejado, ficarei contente. Mas se por acaso eles
forem dignos de alguma contemplação, e aproveitarem: o meu prazer será
completo por haver cooperado para o bem da minha cara Pátria, da Causa
Pública, para a União do Reino Unido, e para a manutenção de um Sistema
Constitucional, verdadeiro, e não ilusório; Sistema que foi sempre o meu
Ídolo, e ainda antes de haver jurado a Constituição. Para que ele vingue, e
prospere, darei quanto possuo, e até a última gota do meu sangue, preferindo
antes a morte, do que voltar atrás, pois pessoa alguma está mais convencida
da sua Epígrafe Redire sit nefas,5 do que este seu Amigo, e constante Leitor.
J. A. L.

5
Não se pode voltar atrás. N.T.: Horácio, Épodo, 16:26.

624
40

Carta dirigida pelo Ill.mo. e Ex.mo. Deputado Vergueiro ao Ill.mo. e


Ex.mo. Secretario do Congresso Lisbonense, e que não foi entregue
por ter sahido de Lisboa o Correspondente a quem fora remettida.
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor = Recebi ontem o Ofício de 13 do
passado, em que Vossa Excelência me participa a Ordem das Cortes Gerais e
Extraordinárias, para que todos os Deputados licenciados se reúnam imedia-
tamente ao Soberano Congresso, para assinarem a Constituição. Ainda que
Vossa Excelência me não indique o dia, vejo que não me é possível comparecer
a tempo, o que não seria bastante, para deixar de por-me logo a caminho, até
por estar findo o prazo da mesma licença; porém o estado, da minha saúde,
e o mau tempo, só me permitem pedir prorrogação da mesma licença.
Estas circunstâncias podiam cobrir meus sentimentos, mas não permite
minha franqueza, que as aproveite, quando a grande pluralidade dos meus
Colegas Brasilienses se recusa expressamente ao ato para que sou chamado,
com os quais minha consciência me tem de acordo.
Não são as declarações do Governo da minha Província, ou do Reino do
Brasil, o critério do meu conhecimento: sei que os Governos algumas vezes
conduzidos por facções proclamam a sua vontade pela dos Povos: examinei
nos próprios indivíduos a vontade geral ainda antes de saber, que me havia
de ser tão necessário conhecê-la; e observando que no meio do entusiasmo,
com que o Brasil aderiu ao Sistema proclamado no sempre memorável dia 24
de Agosto, não se meditavam os laços, que deviam unir entre si, e ao Reino
Irmão Povos tão dispersos, notei que as tumultuosas ideais, que se produziam
rolavam sempre sobre estes princípios fixos: – integridade do Brasil, e repre-
sentação de Reino tanto em nome, com em fato: – donde era óbvio concluir
que o Brasil só ficaria unido a Portugal por federação. Ainda que as minhas
observações se limitassem à Província de São Paulo, e limítrofes, conhecia
muito o patriotismo, e adesão Brasiliense, para não contar as outras com as
mesmas disposições, e por isso, logo que tive a honra de entrar no Soberano
Congresso, propus, e insisti que primeiro que tudo se estabelecesse[m] as
bases da união dos dois Hemisférios, muito convencido que o Brasil resis-
tiria inflexivelmente ao sistema de unidade simples, que estava em projeto
principiado a adotar. Não me admirou recusar-se consideração à minha
proposta, porque a opinião geral do Brasil não era ainda expressa, nem bem
conhecida fora, concorrendo para obscurecê-la as impressões, que tinham
deixado após de si os Partidos abafados: não tardaram porém os fatos, que
confirmaram as minhas ideias, e hoje não resta dúvida, que o Brasil quer em si

625
o exercício do Poder Executivo, e uma Câmara Legislativa; assim como, que,
avançando em suas pretensões, quer também possuir o Herdeiro do Trono.
Já se lhe concedeu a delegação do Poder Executivo. Pode porém o Brasil ser
livre sem que uma Representação Popular contrabalance, e auxilie o Poder
Executivo? A tendência, que os homens têm para abusar do poder, faz crer
que não, sendo nula, ou quase nula a responsabilidade, tendo a mendigar-se
a longa distância à custa de grandes despesas. Este defeito bastaria para pôr
o Brasil em perpétua tendência a mudar a Constituição, quando a aceitasse,
ainda que não concorresse a dificuldade, e talvez impossibilidade de fazer boas
leis econômicas, e administrativas longe do lugar, onde se exigem, podendo
a demora inutilizá-las, e a falta de informações exatas torná-las imperfeitas.
Não é também de pequena consideração a consciência, que o Brasil tem de
sua grandeza, e dignidade considerando-se a par do Reino Irmão.
No íntimo convencimento, do que tenho exposto, concluo que a minha
assinatura só pode fazer-me odioso a meus Constituintes, sem concorrer
para que eles recebam de melhor grado a Constituição tal qual está; o que
me inibe assiná-la em caso algum sem primeiro declarar a minha opinião, e
vontade em contrário.
Queira Vossa Excelência levar ao conhecimento do Soberano Congresso
a franca exposição dos meus sentimentos; assim os meus sinceros votos pela
integridade, e glória da Nação, a quem nunca recusarei os maiores sacrifícios
podendo servi-la utilmente.
Deus guarde a Vossa Excelência. Valdaporca 3 de Outubro de 1822.

Ilustríssimo, e Excelentíssimo Senhor João Batista Felgueiras.

Nicolau Pereira de Campos Vergueiro.

____________________________________________________
RIO DE JANEIRO NA TYP. DE SILVA PORTO, & C.ª.

626
41

Carta escripta pelo Sachristão da Freguezia de S. João de


Itaboray ao Reverendo Vigario da mesma Freguezia, narrando os
acontecimentos dos dias 9 e 12 de Janeiro deste anno.

21
Rio de Janeiro 18 – 22.
1
Meu Amigo Vigário.

SENDO a nossa correspondência tão antiga como a minha batina, que desde
que fui para Sacristão há 33 anos, 33 dias, 33 horas, e 33 minutos, nunca tive
outra; cumpre-me então amigo velho, e Pecador antigo, contar-lhe os fatos
alegres, tristes e enraivecedores que tem havido nesta Cidade.
No dia dez de Dezembro chegou de Lisboa, o Correio Infante Dom
Sebastião que veio em 44 dias, (maldita viagem) e trouxe dois Decretos das
Cortes, um tendo por Número 124, e outro 125, e ordem ao nosso Regente
para que os cumprisse exatamente. Ele assim o quis fazer; e no outro dia
mandou as ordens necessárias para que tudo se arranjasse na forma Decretada;
mandou logo preparar a Fragata União, fazendo-lhe um Tejupar para como-
didade; começou a encaixotar tudo: ao mesmo tempo que Ele se começou a
aprontar, que foi no mesmo dia que chegou a ordem, (por que ele capricha
em obedecer, para com os seu exemplo fazer obedecer os que estão às suas
ordens) começaram os verdadeiros amigos da ordem, e da união de ambos os
hemisférios a trabalharem por fazer uma representação legal, conjuntamente
com o Senado da Câmara a qual se efetuou com toda a decência, respeito
possível, e devido: basta dizer, que os moleques (como o Padre Vigário sabe)
sempre guincham, e nesse dia não disseram nada, senão depois da resposta do
nosso Regente, que foi como verá do Auto da Câmara, assim como também
verá a fala de José Clemente Pereira, nosso digno Juiz de Fora desta Cidade,
que remeto inclusa.
Depois de findo o Ano, deu Sua Alteza Real beija-mão, ao qual veio o
General Avillez mui amarelo, com semblante carrancudo pelo que se tinha
praticado, e não por mais nada, porque ele no seu particular é um bom vivant
et sans façon.1
Nesse mesmo dia depois de se retirar a Deputação, Sua Alteza Real
mandou buscar o cavalo, (porque tinha ido de carrinho) em que foi para a

1
Bon vivant e sem refinamento.

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chácara acompanhado de todos os Oficiais Militares do Exército do Brasil,
e antes de partir, dizendo-lhe um que estava a seu lado, será melhor que
Vossa Alteza Real vá no seu carro; Sua Alteza Real respondeu, Eu sei que me
querem tirar os cavalos do carro para o que já há diferentes pessoas dispos-
tas, e Eu aflijo-me de ver os meus semelhantes dando a um homem, tributos
próprios à Divindade, Eu sei que o meu sangue é da mesma cor que o dos
negros. Grande resposta meu Vigário!!! Foi para a sua chácara a cavalo, com
o acompanhamento que lhe disse.
Por toda esta Cidade não houveram, senão funções, menos nos quartéis
dos Batalhões Portugueses 3, 11, 15 e Artilharia montada.
Quando foram 8 horas e meia, veio Sua Alteza Real e Sua Digna Esposa
ao Teatro, acompanhado desde a sua chácara, por Oficiais que fizeram a sua
Guarda: no Teatro esteve de guarda o Batalhão 11, e eu reparei que tanto os
Oficiais como Soldados estavam de cabisbaixos: logo que se abriu a cortina
não se ouvia no Teatro senão vivas, houveram versos uns mui bons, outros
tais e quais, até começar a Peça, nenhuma das pessoas curiosas de observar
camarotes (assim como eu) tinha visto nada, porque estavam olhando só para
Suas Altezas Reais, mas depois que a Peça principiou entrei a observar a grande
gala em que tudo, e todos estavam, e como no meio de um pano branco, se vê
melhor um pingo de tinta, deitei o óculo pelos diferentes Camarotes, e firmei-o
no da boca da parte direita, olhando para o Teatro, e vi um Oficial de farda
velha desabotoada, sem banda, e muito a negligée, uma mulher mui carrancuda
por estudo, e vestida como a mais ínfima criada de Vossa Senhoria, quando
está mal com o meu Vigário, e um rapaz de Cadete dos Voluntários Reais, de
jaleco de ganga velha, e um tanto roto nos cotovelos, não de grande uso; mas
das unhas raivosas, com que o tal bedelho coçava a sarna sifilítica, que tinha
por herança materna; perguntei a um Militar que estava ao pé de mim quem
era o tal Oficial? Ele me disse aquele é o insigne Jorge de Avillez (devia ser
de outra coisa) e que é uma das partes componentes da palmatória. Uma das
partes componentes da palmatória? Sim, porque a Comissão Militar era uma
palmatória, por que entre três haviam só cinco olhos, um Brigadeiro chamado
Cardoso, tinha um, o outro Brigadeiro Refoios tinha dois, e o General com
dois que tinha e tem não só via, mas quando dava uma rebanada com eles
em um Soldado era temível. Continuei a ópera e no fim à saída tive o gosti-
nho de ver deitar alguma lama nos vidros da sege do General, que ia junto
com a sua família; valeu-lhe de muito não lhe darem com alguma pedra o ter
saído na mesma ocasião em que ia saindo o nosso Regente entre o Povo que
o adora e com repetidos vivas que deslumbraram os que pretendiam corrigir
o tal General. A Cidade esteve iluminada até de manhã.

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No dia 10 Sua Alteza Real ficou na sua chácara, e não veio ao Teatro, o
que deu grande pena ao Povo, mas eu creio que Ele não vem para fazer suas
observações, nas quais não dorme, o que é certo é que não veio, e os Oficiais
que tinham ido para o acompanharem voltaram.
No outro dia Sua Alteza Real ficou na sua Quinta, e à noite veio ao Teatro
acompanhado de cento e tantos Oficiais. Houveram os mesmos vivas (é asneira
minha houveram vivas iguais aos do dia antecedente), e Sua Alteza Real logo
que entrou não viu o General, e disse para um criado seu, nós temos hoje o
que quer que é, porque o Jorge não está cá, e não costuma faltar ao Teatro.
Não mediou muito tempo que veio um Oficial, e que é também criado de Sua
Alteza Real dizer-lhe que os Soldados de 15 e 11 andavam aos magotes de 20
e 30 quebrando janelas para apagarem a luminária, e dizendo esta cabrada
leva-se a pau. É necessário notar que quando os Soldados chegaram a fazer
um atentando destes, é porque estavam autorizados pelo General, que tendo
ido ao quartel de 11 às 5 horas da tarde, aonde esteve na 6.ª Companhia,
disse aos Soldados; eu estou demitido do Comando, que tanto me honra (se
nele pode haver honra, o que eu me não meto a decidir) e depois de ter ali
chorado bastante Pitanga, foi a 15 e disse o mesmo, e lá lhe deram vivas deste
modo, viva o General Constitucional, aos quais ele correspondeu abaixando
a cabeça, por lhe ser mais fácil que levantá-la.
Sua Alteza Real, não vendo no Teatro o General, chamou o Carretti,
Oficial bravo na paz, e principalmente (depois de ter jantado) que dizia,
Sua Alteza Real há de embarcar à força, ou para melhor dizer, nas pontas
das baionetas (e disse-lhe, tome todo o cuidado, que os Soldados não façam
alguma desordem, porque andam de paus; e se eles a fizerem Vossa mercê
ficará preso imediatamente, e responsável a Meu Pai, e às Cortes; este Quixote
partiu logo a ver se acomodava; mas fez pelo contrário, porque foi a 11, e ao
mesmo tempo chegava o Senhor José Maria da Costa Tenente Coronel do
mesmo Batalhão de carrada , e no apear-se caiu à porta da 6ª Companhia,
onde ficou estatalado, e esmurrou as ventas; e ao mesmo tempo fez pegar em
armas, e não tardou nem um segundo, que o bravo autor das Bernardas , o
pacifico Jorge, não chegasse, e não dissesse, querem que os comande, disseram
todos, queremos: é necessário notar que o General não foi demitido, mas sim
tinha mandado por sua livre vontade uma Petição ao Ex-Ministro de Guerra,
em que pedia a demissão, cuja Petição ainda Sua Alteza Real não tinha visto;
em consequência do Senhor Ex-Ministro da Guerra estar com o seu tenesmo.
Logo Sua Alteza Real soube no Teatro deste fato, assim como também soube
que toda a Divisão estava em armas, menos Caçadores Número 3, porque os
Senhores Garcez, João Crisóstomo, e Sá, honrados naquela ocasião, ou ainda

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com medo da Carta de Sua Alteza Real, de seis de Junho, vieram certificar a
Sua Alteza Real, que nada fariam sem Ordem Sua, o que fiel, e religiosamente
cumpriram. A Tropa da 1.ª Linha, 2ª, e o Povo desta Capital, se reuniram
no campo de Santana, onde estiveram prontos às Ordens de Nosso Regente,
e aonde Eu estive com os bentinhos às costas, e uma espingarda carregada
com duas balas. Nós sempre no mesmo lugar aonde se reuniu a Artilharia
Montada da Corte, e eles tomando posições, e enraivados pelos não irmos
atacar, não lembrados que não há maior desgraça do que guerra entre
irmãos, mas não os íamos atacar, porque assim Sua Altera Real o Ordenou
ao honrado General Curado, ainda que avançado em anos, mas valente; isto
tudo aconteceu, estando ainda Sua Alteza Real na ópera; que se não retirou
senão no fim; depois de toda acabada: e metendo-se na sege, disse com toda
a presença de espírito, anda lá para a chácara, indo entre duas alas de Povo
que à porfia davam cordiais vivas.
Sua Alteza Real chegou à Chácara, e daí a muito mais de duas horas,
chegou o General a passo a participar-lhe tudo, e Sua Alteza Real disse-lhe
defronte de todos à porta da varanda, isto é que é disciplina? Respondeu;
Senhor! Sua Alteza Real qual Senhor nem meio Senhor; ele outra vez, tudo
está sossegado, mas é necessário que a Tropa da terra se desarme, ao que Sua
Alteza Real Respondeu Eu é que a Mandei armar, e não se há de desarmar
sem que os outros se desarmem, e Eu vou já tratar de os mandar pela barra
fora, e a Vossa mercê também, porque Eu não estou para aturar maroteiras
a ninguém, muito menos ao General, e a outros dessa laia. Ele voltou, e veio
continuar a desordem. Sua Alteza Real que viu a que tenderia o alarme da
Divisão Auxiliadora, e que eu chamo auxiliadora da Divisão, tratou como
Esposo e Pai carinhoso pôr em segurança Sua Mulher e Filhos; fazendo-
-os partir para a Fazenda Santa Cruz, de onde vieram depois de oito dias;
e como Regente ficou providenciando tudo de tal modo, que só por obra
do Espírito Santo. Estiveram eles, e estivemos nós em armas toda a noite,
e como até então não tivesse havido ataque algum, lembrou-se Sua Alteza
Real Mandar, e Mandou dois Oficiais um aos de Portugal, e outro aos de
cá com estas propostas. O que foi aos de Portugal foi dizer, que os da terra
largariam as armas, logo que eles depusessem as suas, ou passassem para a
outra banda do Rio, e o outro que foi aos da terra foi dizer, que logo que
os outros passassem para a outra banda do Rio, ou depusessem as armas,
eles as largariam também. Assentiram os de Portugal passarem para a outra
banda, e fizeram um papel em que pediram a passagem (para mostrarem que
não eram obrigados pela força) que Sua Alteza Real Mandou logo efetuar:
e nessa noite dormi melhor, porque nas outras apesar do medo, tive minhas

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dores pelo ventre, não sei de que procedidas. No dia treze apareceu Sua Alteza
Real no Quartel do Campo de Santana às cinco horas da manhã, depois foi
ao Arsenal do Exército, e quando saía, os Soldados de Número 11, que tinha
ficado, pediram-lhe baixa, e de pancada deram baixa oitenta e cinco, foi a
Número 15 deram baixa quarenta, e de Artilharia oito. Veio depois para a
sua Casa, e de um rasgo de pena fez de um Ministério indolente, frouxo, e
que não convinha à Nação, porque até então não tinha dado provas, outro
que foi a contento geral dos Brasileiros por terem um seu Patrício, que não só
entre eles é amado, mas também admirado pelos seus talentos, e luzes entre
as Nações Estrangeiras,2 este Ministro e os mais mui capazes começaram
logo a ajudar Sua Alteza Real, que até então esteve só a dar as Suas Ordens
escrevendo-as pela Sua Mão, porque um dos Ministros dizia, que se não
metia nisto, e que se dava por demitido desde o dia nove do corrente; outro
fazia diferenças metafísicas entre voto, e opinião e outro para não dizer que
tinha medo, o que ficava mal a um Militar buscava curar as Bernardas com
tenesmos. De então até agora, os insubordinados têm faltado ao respeito ao
Nosso Regente, como o Padre Vigário verá das respostas às Ordens de Sua
Alteza Real transcritas nas folhas; mas temos esperanças que o Ministério
com a atividade que obra, os porá daqui fora em breve para eu poder com o
Padre Vigário cantar um Te Deum na nossa Igreja de São João de Itaboraí.
Perdoará uma Carta tamanha, mas como eu presenciei tudo, e o sei ao certo,
a ponto de poder jurar, razão por que me meti a contar tal e qual o fato: mas
sempre melhor que o Redator da Gazeta ministerial, que até hoje nada contou
e só insere Portarias, e melhor que os célebres Periodiqueiros desta Cidade,
que estão só às voltas com as Sessões, e votos das comissões, e porque vi que
ainda ninguém tinha dito a verdade do fato. A respeito das ordens ministe-
riais não escrevo, porque lhe remeto as Gazetas que as trazem transcritas, e
também as maroteiras do herói da Guarda Velha, impressa na outra banda.
Mas sempre direi alguma cousa mais notável, e ainda não escrita. Ele tinha
tenção de queimar, e roubar esta Cidade Constitucionalmente, porque ele
nada faz que não seja constitucionalmente menos o guardar o que jurou nas
Bases, de sorte que tendo bastantes Soldados rasgado as calças no ato de
embarcarem para a banda de além, ele não quis que lhe fossem cozidas por
alguns Oficiais de Alfaiate, que tinha a Divisão, mas até mandou chamar
o Alfaiate Constitucional, que sendo-o só no nome não sabe dar um ponto
nem em prosa, nem em verso; e como ele não soubesse do ofício, descobriu-
-lhe a sua habilidade de compor descompondo, e fê-lo diretor tipográfico da

2
N.O.: referência a José Bonifácio.

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Tipografia das maroteiras, de onde é aluno um tal Espanhol, que se chama
Passos, que é autor de todos estes papeis marotos, e desengraçados.
É de notar que sendo estes escritores tão instruídos não censurem o
que escrevem, ou que o censurem tão de carreira, que deixam passar coisas
tão asnáticas, e tão novas que se não acham na cartilha do Mestre Inácio.
Negando o General a Sua Alteza Real o poder de dar as baixas aos Soldados
foi tão deslumbrado, que se meteu a fazer de autoridade suma, tomada com
violação do Artigo 36 das Bases, às quais ele, e a Divisão têm sido mais
que perjuros; um Quartel General fazendo-se Comandante da Divisão a si
mesmo, despachando um Quartel Mestre General, Ajudante General, e etc.
Veja a que ponto chegou a maroteira deste insubordinado, que não sabe de
militar, e para prova que não sabe, haja vista um quadrado que quis formar
num exercício defronte de Sua Alteza Real no Campo de Santana, e mais
algumas coisas. Tratando do seu particular ele nada fazia, que não consul-
tasse primeiro sua esposa (o que parece bem entre casados apesar dela fazer
ao contrário), e quando foi desta desordem do dia onze disse um Oficial,
que a Excelentíssima Senhora não aprovava, – o General respondeu há de
aprovar, – o Ajudante de Ordens, pois será possível que a Excelentíssima se
não enjoe com estas coisas? Respondeu o General, não, não se enjoa. Veja
meu Vigário quem podia estar seguro com um General, que comandando a
Tropa, era comandando pela mulher. Oh desgraça!! Mas felizmente acabou,
e aceite Vossa Senhoria muitas recomendações do seu Sobrinho, que também
esteve no Campo, ele quer sentar praça, e eu lhe tenho metido na cabeça que
siga a sorte do Pai, e seja Clérigo para eu lhe ajudar à Missa assim como o
faço a Vossa Senhoria de quem
Sou atento, venerador e criado – Simplício
Maria das Necessidades.
[Manuel Caetano Lopes]

Sacristão de São João de Itaboraí.

______________________________________________________
RIO DE JANEIRO NA IMPRENSA NACIONAL. 1822.

632
42

[Carta escrita do Rio Grande do Sul]

Ilustríssimo Senhor Coronel Antero José Ferreira de Brito.

SENDO eu um daqueles, a quem vossa senhoria dirige sua ponderosa fala,


impressa em 30 de Janeiro do presente ano, como colijo do Título, que a
especifica (porque me glorio de entrar na Lista dos que amam a Justiça, e
aborrecem os abusos, que dela frequentemente fazem algumas Autoridades
sem autoridade para arbitrariamente firmarem nas suas entumecidas cabeças o
depósito geral, e particular do manejo da liberdade pública) e tendo aliás sido
um observador glorioso da Inteireza e Brio, que na conduta de vossa senhoria
não deixam murchar a elevação das suas Ideias, que não descem, afrouxando
antes todo o fogo, e entusiasmo dos seus inimigos, que vossa senhoria encara
tranquilo, e rindo-se, retrocede em vergonha dos mesmos, porque certamente
não pode recolher, ou receber efeitos de Autores, que refuta, e desaprova; eu
felicito a vossa senhoria pela reverberação, que me toca no prazer de vermos
cumpridos exatamente seus proféticos anúncios há seis meses declarados na
referida folha de 30 de Janeiro, e que o Baxá de 3 Caudas pretendendo a
demissão do Governo, ataca formalmente a Pessoa de Sua Alteza Real pela
maneira mais inesperada, e menos merecida, deixando-se ver em toda a força
do seu caráter, e representando mui pouco afinco à Causa do Brasil, ou antes
muito aos que nenhum tem.
Ele se atreve a estranhar as Deliberações dos Sábios, que compõem o
Conselho, que dirige o melhor dos Príncipes. Sua astúcia o obrigou a promo-
ver a saída do Marechal João de Deus, Vice-Presidente do Governo, não
como ele queria persuadir, para reunir Militares dispersos, e recrutar outros,
mas para afastar de si um Rival poderoso, que lhe frustrava os planos. Os
Habitantes porém daquela Capital por meio de suas assinaturas fizeram
ver quanto importava não efetuá-la; e a Cópia junta lhe fará ver os fins, ou
intenções do deduzido.
A Proclamação, que teve lugar em Montevidéu, pelo General Lecor
combina em tudo, e por tudo com o que se contém no Ofício que o tal Baxá
dirigiu ao Governo, e daí se vê a Máscara que Governava, e que… vossa
senhoria soube tão bem romper. Se vossa senhoria desculpa o meu atrevi-
mento, direi: que agora é que vem a ter todo o lugar a exposição pública de
tais Fatos, que julgo até honorífico patenteá-los por meio da Imprensa.

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Se esta correspondência não parecer demasiado arrojo, e merecer a
atenção de vossa senhoria eu continuarei a participar-lhe formalmente o que
me vier à notícia, ou suceder nestes lugares.
Deus guarde a Preciosa Pessoa de vossa senhoria como merece, e como
deseja.
Rio Grande 17 de Agosto de 1822.

A. J. F.

___________________________________________________________
NA IMPRENSA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO. 1822.

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43

CARTA
ESCRIPTA

POR HUM CHINA,


A HUM AMIGO SEU,

RESIDENTE
NA CAPITAL DE PEKIN;
SOBRE ALGUNS MALES QUE EXISTIAÕ NO SYSTHEMA

DO ANTIGO GOVERNO PORTUGUEZ

DADA Á LUZ
POR

ANTONIO VICENTE DELLANAVE

RIO DE JANEIRO.
NA IMPRENSA NACIONAL, 1822

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Ausentou-se recentemente deste País um China, o qual, entre vários
manuscritos seus, deixou parte da correspondência epistolar, que existira entre
ele, e um seu amigo, residente na capital de Pequim. Como as observações dos
viajantes algumas vezes interessam, procurou-se, e com bastante dificuldade
conseguiu-se, a tradução das cartas deste discípulo de Confúcio, a primeira
das quais é concebida, com pequena diferença, nos termos seguintes.

Caro Elang Icheon.

Depois de haver passado a maior parte da minha vida na tua companhia,


divide-nos agora a vasta extensão dos mares, e habitamos as opostas margens
do globo! Contudo, amigo, esta cruel separação cada vez mais aviva a penosa
lembrança que de ti conservo; e não há dia algum, em que os meus sinceros
votos pela tua felicidade, não subam ao trono do Ente Supremo. Cumpro
a minha promessa, descrevendo-te o que tenho observado de mais notável,
depois da minha partida de Cantão. Passarei em silêncio os incômodos de
uma dilatada viagem, durante a qual longo tempo sofri o açoite dos ventos, e
o furor das tempestades, para te dizer, que finalmente cheguei àquela Cidade
do Novo Hemisfério, na qual um Monarca da Europa, pela primeira vez,
fixou a sua residência.
Logo na minha chegada, tive notícia, de que uma grande mudança se
havia efetuado no Governo desta Nação, a qual, não podendo tolerar, por
mais tempo, os males que sofria, tinha deposto os principais Mandarins, que
em nome do Monarca, a regiam com Cetro de ferro. Disseram-me, que esta
pasmosa revolução, fora primeiramente começada nos domínios Portugueses
da Europa, por alguns homens ilustrados, e destemidos, condecorados com
nome de Beneméritos. Sem dúvida que se podem comparar no valor, com
aqueles doze Mandarins, que heroicamente se deliberaram a arguir a tirania
do bárbaro Tisiang, nosso Imperador. Sabeis que o primeiro, que tomou
essa resolução briosa, foi dividido em duas partes: que o segundo, depois de
atroz suplício, sofreu a morte: que o terceiro foi apunhalado, pela mão do
próprio tirano: que todos pereceram desta maneira, exceto o último, o qual,
entrando no palácio, com os instrumentos da tortura em suas mãos, proferiu
estas palavras ao pé do trono: “eis aqui, ó Tisiang, as dádivas que de ti rece-
bem os Beneméritos da Pátria: cansado de gemer por mais tempo debaixo da
vara opressora do despotismo, procuro agora a minha recompensa”. A nobre
afronta deste Capitão da liberdade, e da justiça, surpreendeu e agradou o

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Monarca; e longe de castigá-lo, prontamente remediou os males que haviam
ocasionado as suas queixas.
Na verdade prezadíssimo Elang-Icheou, tenho atentamente considerado
o caráter do Povo Lusitano, e fico convencido de que ele possui uma elevação
de sentimentos que, enquanto a mim prova, que esta Nação jamais tornará a
ser escrava. Achando-me no outro dia com alguns Portugueses, vi o entusiasmo
com que se recordaram daqueles tempos, em que o Oriente estremecia com
o eco das suas vitórias. “Vós Sabeis, Senhor (disse-me um deles) que nós já
ocupamos distinto lugar entre as Nações da terra, e que essa prerrogativa, que
outrora nos pertencera, pode-nos pertencer ainda; pois o amor da Pátria, e as
ações heroicas, não são frutos nem deste nem daquele País particularmente,
mas sim de todo o terreno que é livre.”
Tais são, meu Elang-Icheon, os sentimentos que animam cada Português,
e que eu vejo inculcados em todas as folhas que presentemente circulam.
Tive porém a curiosidade de saber, quais eram as principais causas do
descontentamento desta Nação, a respeito do seu antigo Governo. Dirigi-me a
um respeitável ancião, a fim de aclarar as minhas dúvidas. “Não havia acaso,
(perguntei-lhe,) uma sábia legislação que vos regia?”
“É certo, (respondeu ele) que nós tínhamos algumas leis boas, porém
muitas péssimas, que por certo apenas se achariam entre as nações mais bárba-
ras”. Entre outras muito absurdas, citou-me uma, que autorizava o marido a
castigar com a morte, o autor da sua ignomínia, se fosse o peão, (significava
esta palavra um homem que não pertencesse à ordem da nobreza) mas sendo
de certa classe de Mandarins, era mui leve o castigo.
É desta maneira, meu Elang-Icheon, que a ignorância, e o ridículo
orgulho de muitos legisladores, têm influído na sorte do gênero humano.
“Porém a vossa Nação, (continuei eu,) que antigamente abalou o trono dos
monarcas da Ásia; que se fez tão insigne pelo seu espírito empreendedor,
e pelos rápidos progressos de sua navegação, sem dúvida devia conservar,
ainda mesmo debaixo de um mau governo, alguns vestígios da sua prístina
glória e grandeza?” “Como? (replicou o ancião,) se os descendentes daque-
les que em outro tempo ganhavam Reinos, agora só ganham partidas do
voltarete?” (É um jogo favorito assim chamado.) “Como podia a Nação
conservar aparência de dignidade, quando homens incapazes, subiam aos
maiores cargos, e pela sua adulação recebiam o prêmio das mais honoríficas
distinções? Não se prostituíam estas indignamente, nos celebrados tempos da
Glória Portuguesa, quando Vasco da Gama, o Grande Descobridor da Índia,
a muito custo conseguiu uma dessas fitas, que ultimamente se concediam às
crianças. A desacertada distribuição das honras, que só se devem conceder à

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virtude, e aos talentos, é a prova a mais decisiva da degeneração de qualquer
Povo, que insensivelmente chega a depositar os seus mais preciosos interesses,
nas mãos de homens indignos da sua confiança. Por este motivo chegou a
Nação Portuguesa a sofrer o vexame, de pagar o vergonhoso tributo, a alguns
bárbaros da costa Setentrional da África, que em outro tempo tremiam na
presença das suas fileiras. Foi pela incúria e desmazelo do Ministério, que
um grande número de nossas embarcações, em lugar de varrerem os mares
desses piratas que cortavam nosso comércio, apodreciam surtas nos diferentes
portos, como essas que estão fundeadas a nossa vista: lastimosos monumen-
tos da nossa recente decadência e ruína. Os nossos navios eram presos pelos
corsários, diante de nossos olhos: tínhamos sim muitos Almirantes carrega-
dos de crachás, porém não tínhamos marinha. Mas sem dúvida (prossegui
eu,) se a vossa força naval se achava quase aniquilada, o vosso exército, ao
menos, estaria em um pé respeitável. Confesso (respondeu o ancião), que a
nossa tropa podia ser a melhor do mundo, porém foi por dilatados anos se
não totalmente desprezada, decerto mal paga. A estátua de pau de São Jorge
ia todos os anos carregada de diamantes, receber solenemente o ordenado
que se lhe concedia, a título de Protetor das armas da Nação, e no entanto
muitos soldados morriam de fome, e de miséria.”
O que acabo de escrever, não te parece, querido Elang-Ichou, uma
daquelas fábulas, com que Ridpai costumava recrear a imaginação dos Povos
da Índia?
“Sabei, (continuou o ancião,) que a nossa infelicidade chegou a um
ponto que vós apenas acreditaríeis. O que diriam os verdadeiros Chineses, se
vissem um estrangeiro, por exemplo um Irlandês, suplantar na graça do seu
Soberano, os Mandarins mais beneméritos, e manejar à testa dos ministros, os
negócios do Império? Não lhe arrancariam das mãos, as rédeas do governo?
Não o lançariam dos seus Estados, com viva indignação? Eis aqui, em poucas
palavras, o fiel quadro, do que há pouco se passou entre nós.
Porém, (perguntei finalmente,) se a vossa administração era má; se a
vossa cegueira havia chegado ao ponto de vos sujeitardes quase inteiramente
a um homem de nação estranha; ao menos é provável, que a vossa decadência
não fosse geral: talvez que as artes e as ciências se não achassem em total
abandono e desprezo.”
“As artes e as ciências, (replicou o ancião,) achavam-se em tal abati-
mento, que grande parte da nossa mocidade ia receber a sua educação em
países estrangeiros. Procurava-se, sim, a peso de ouro, um elegante dançarino,
um hábil e ativo funâmbulo, um castrado para o teatro, que nos cantasse,
com uma voz açucarada, os horrores da guerra; um bobo que fizesse rir a

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plateia às gargalhadas: enquanto os homens de letras tinham, com pequena
diferença, a sorte do Príncipe dos nossos poetas, o qual findou seus dias
em um hospital. As pessoas eruditas temiam abrir a boca; o Santuário da
Sabedoria estava para assim dizer, fechado; e quase todos os seus adoradores
andavam proscritos, e errantes; Felizmente o destino da Nação mudou agora.
Ajuntam-se os seus Sábios em solene Congresso; do mesmo Céu baixou o
Espírito da luz; começou-se a efetuar a nova reforma, que afiança a felicidade
da Nação Portuguesa, a qual já risonha enxuga as lágrimas, que por longo
tempo inundaram suas macilentas faces: aos dias de pranto, e de calamidade
hão de suceder séculos de glória e exaltação.”
Desta sorte falou o ancião: gravei suas palavras na minha lembrança;
e confesso-te amigo, que notando os rápidos progressos do Povo Português,
não posso deixar de criminar o destino, de me haver feito nascer no nosso
Império: invejo a sorte desta Nação.
Continuarei a comunicar-te minhas observações, escrevendo-te com
regularidade, por todas as naus que navegarão para a China, até que chegue
o tempo, por mim tão suspirado, em que possa de novo atravessar o oceano,
e lograr o prazer de voltar a minha cara Pátria, ao seio da minha família, e
aos braços de um amigo.
Conserva na tua lembrança o teu fiel

Chiang-Tou.

639
44

CARTA
HISTORICO-POLITICO-MILITAR
Diregida a Certo Redactor.
Refutando completamente
a doutrina do Nº. 49
do Semanario Civico
da Bahia.
Por

RJCM

Rio de Janeiro Typographia de Santos e Souza


ANNO DE M. D. CCC. XXII

640
SENHOR REDATOR

NÃO me sentindo com bastantes forças para entrar na lista dos honrados
Escritores, que com as suas luzes têm mostrado aos habitantes do Rio de
Janeiro, e ainda mesmo aos de todo o Brasil os verdadeiros interesses da sua
Pátria: Não querendo até agora, que as minhas fracas reflexões tomassem
o lugar, que deveram merecer objetos mais importantes no seu Periódico, e
tendo talvez aversão a questões políticas com indivíduos teimosos, que por
vaidade, orgulho, ou por se fazerem célebres escrevem, e falam a torto, e a
direito contra opiniões geralmente recebidas pelos homens sensatos, e desa-
paixonados; vejo-me contudo impelido por certa força oculta a sair a campo
para mostrar ao furioso Redator do Semanário Cívico da Bahia, que se a ele
causou nojo a Segarrega, e o Relator Verdadeiro, muito maior é o nojo, fastio,
e dissabor, que nos motivam as suas impertinências, as suas teimas, os seus
impotentes furores, e a sua antipolítica inimizade contra este País, contra os
seus habitadores, contra Portugal, contra o Congresso Nacional, finalmente
contra os seus próprios, e mais íntimos interesses. E como é possível, que um
indivíduo, que tudo quanto é deve ao Brasil, e que nada seria se estivesse fora
do Brasil, se atreva descaradamente a atacar os direitos, as preeminências, a
glória, e os interesses de um País, que o veste que o calça, que o alimenta a
ele, e a sua família? Não tem visos de loucura as expressões daquele Escritor?
Não excede todos os limites a sua teima ultraconstitucional Lisbonense, não
tinham chegado ao cúmulo os seus furores espargidos em 48 folhas que tanto
escândalo nos têm dado? Era precioso coroar a obra com o seu número 49
em que assoalha doutrina falsa, em que injuria o Brasil, e os Brasileiros, e
em que divergindo das ideias geralmente recebidas, ele se propõe mostrar
a nulidade absoluta do Brasil, e descoroçoar os seus briosos habitantes de
levarem ao fim as medidas saudáveis, e únicas capazes de livrarem este Reino
das desgraças que aquele Redator tanto nos apetece? Ah! Como é impudente,
como é furioso como nos deseja mal!
Diz o Redator fundado sobre o discurso de um Espanhol Europeu
Deputado de Cortes em Madri, que o Brasil pouco é sem Portugal, e que não
pode figurar com dignidade como Nação livre, e independente. Vale-se para
isto das mesmas razões do Deputado Espanhol ajuntando outras suas em que
vomita a acrimônia mais depravada.
Eu vou pois mostrar, que o Redator está tão enganado sobre este objeto
como estava iludido a respeito das grandes forças existentes nesta Corte para
fazerem observar o Decreto do Soberano Congresso sobre a retirada de Sua
Alteza Real! O Príncipe Regente para a Europa!!

641
Para o fim que me proponho remontarei ao ano de 1807, e discorrendo
pelos que se seguem, farei ver, que o Brasil acha-se no dia de hoje nas mesmas,
ou em melhores circunstâncias de representar dignamente no meio das Nações
livres do Universo do que estava quando entre os braços dos seus fiéis habi-
tantes recebeu as esperanças de Portugal isto é o nosso Benigno Monarca o
Senhor Dom João VI, e a Sua Augusta Família Real. Persuadido estou de que
o Redator do Semanário além de ser Português Europeu reside há muitos anos
no Brasil e por isso mesmo como testemunha ocular da maior parte dos fatos
de que hei de tratar, acha-se ao alcance de me desmentir se conhecer que eu
me aparto da mais cândida linha da verdade.
O ano de 1807, (ano tenebroso em que um aventureiro conspirou
contra a existência de antigas Nações, e generosos Monarcas) foi uma época
de calamidades: A perfídia, e a ingratidão caminharam a par, e a Cidade
de Lisboa deixou as galas para tomar pesado luto pela ausência forçada,
mas necessária do mais digno de todos os Monarcas, daquele que reduziu a
átomos o façanhoso e maquiavélico plano do mais cruel inimigo das Testas
Coroadas e da independência das Nações, que se propôs subjugar!! El Rei
abandonando a terra que o viu nascer apareceu em 1808 ufano, e cheio de
glória sobre as costas do Brasil! Os Pernambucanos foram os primeiros que
à porfia correram a tributar-lhe respeito e veneração: um Navio carregado
de viveres mostra ao feliz Soberano, que os Brasileiros queriam levantar-lhe
um Trono nos seus Corações! Pernambuco era naquele tempo habitado por
Europeus, e Brasileiros, mas ali não havia forças Militares exóticas: quero
dizer toda a Tropa que guarnecia Pernambuco era Brasileira.
O moderno Enéas cheio de satisfação continua a sua viagem para a
opulenta Bahia: cujos habitantes eletrizados pelo mais nobre, e glorioso
Patriotismo acolhem o seu Digno, e perseguido Príncipe com notável entu-
siasmo, excessivo amor, e respeitosa fidelidade, franqueando as suas Casas, e
os seus haveres às pessoas, que tiveram a honra de acompanharem o Monarca,
que penhorado de tantas provas de lealdade satisfaria os bons desejos do
Povo Baiano, que aspirava a que ali se estabelecesse provisoriamente a Sede
da Monarquia, no caso que razões de Estado o não obrigassem a passar ao
Rio de Janeiro. Note-se que na Bahia não existiam Tropas exóticas quando
Sua Majestade lá aportou: Toda a Guarnição era Brasileira, Brasileiros os
que tiveram a honra de o guardarem, e Brasileiros todos aqueles que nunca o
largavam, durante os seus passeios, gritando muitos deles = Viva o Imperador
do Brasil!
Passou Sua Majestade para o Rio de Janeiro trazendo consigo os cora-
ções dos fiéis Baianos: No Rio viu Sua Majestade repetir as mesmas Cenas da

642
Bahia: o mesmo amor, a mesma fidelidade, o mesmo entusiasmo, a mesma
devoção. Ninguém ignora, que o peso repentino da Corte motivou certas
desagradáveis sensações a respeito de aposentadorias, mas apesar disto o
brioso Povo do Rio esquece as suas privações, e abençoa o Monarca, por
cujo respeito as suportava: Note-se, que no Rio não existiam Tropas exóticas.
Toda a Guarnição era Brasileira, e não houve uma só Praça que deixasse de
tributar a Sua Majestade as mais sinceras, e leais congratulações.
Estabelecida finalmente a Sede da Monarquia no Brasil, apressam-se
os Povos das Províncias em fazerem chegar aos Pés do Real Trono as mais
cândidas, e não equívocas demonstrações de respeito, amor, veneração, e
vassalagem (frase daquele tempo). Todos à porfia fazem patente o júbilo dos
seus Corações pela boa vinda do Monarca, e este conhece que é realmente
amado pelos Brasileiros, que o reputam seu verdadeiro Pai, assim como ele
se dignou declará-los seus beneméritos filhos. Note-se outra vez que nas
Províncias do Brasil de que não fiz particular menção, isto é no Pará, Rio
Negro, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande, Paraíba, Espírito Santo, Santa
Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás, e Mato Grosso
não haviam Tropas exóticas. Todas as Guarnições eram compostas por
Brasileiros, e nenhuma só praça desmentiu a boa opinião, que Sua Majestade
delas havia formado! Com efeito usurpou-se a Sua Majestade o Reino de
Portugal, que foi em novembro e dezembro de 1807 ocupado por invasores
Espanhóis, e Franceses enviados pelo pérfido, e ingrato Bonaparte. Ficou sua
Majestade no Brasil rodeado por tropas Brasileiras, e esperando tudo dos
Brasileiros os quais corresponderam tão generosamente às esperanças do seu
Soberano, que deram logo sobejas provas tanto de sua fidelidade como da sua
valentia. Sua Majestade declara Guerra aos Franceses; ordena a Conquista de
Caiena, e logo Tropas Brasileiras marcham às ordens do intrépido Tenente
Coronel (hoje Marechal de Campos Manoel Marques) a fazer a conquista
das Possessões inimigas, que tão inconvenientes eram pela sua vizinhança às
Províncias do Pará.
Restaurado o Reino de Portugal do cruel jugo dos Franceses, acha-se Sua
Majestade na precisa circunstância de enviar Socorros para a Europa: Carnes,
arroz, farinhas, dinheiros, e outros materiais são remetidos do Brasil para a
Mãe Pátria, que lutando gloriosamente com os inimigos, tem necessidade de
auxílios de todas as descrições.
É por esse mesmo tempo, que ao Sul do Brasil se levantam borrascas
políticas. A fronteira do Rio Grande cobre-se de Tropas, que fazem a guerra,
ou figuram como pacificadoras. Estas Tropas eram Brasileiras, e sustentadas

643
com os recursos do Brasil. Portugal nada concorreu para a sua manutenção,
nem contribuiu para a glória, que alcançaram.
Mais perigosas sementes de discórdia aparecem alguns anos depois na
Província de Pernambuco. Imprudentes Demagogos estabelecem uma repú-
blica, que só existe enquanto Navios Brasileiros, e Tropas Brasileiras única e
exclusivamente Brasileiras não se apresentam à vista do Porto, e no Campo
para fazerem entrar os homens na razão de que se haviam apartado. Permita-se
me que muito de corrida pergunte ao Senhor Redator do Semanário se ele
apesar da sua muita leitura tem notícia de que em algum País da Europa se
organizasse em tão poucos dias uma tão brilhante expedição como a que
do Rio de Janeiro largou para a Bahia para de lá passar a Pernambuco.
Não viu ele a galhardia dos quatro Batalhões de Infantaria, da Companhia
dos voluntários do Príncipe Real, do excelente Regimento de Cavalaria, e
da brilhantíssima Brigada da Artilharia, que entre os seus Oficiais contava
muitos talentos abalizados, e que não tinham inveja aos melhores Artilheiros
do Reino Unido? Deve saber o Senhor Redator, que todos este Corpos eram
Brasileiros, assim como também o eram as valorosas Tropas da Bahia, que
tiveram a glória de esmagar a hidra revolucionária sem auxílio de forças de
Portugal nem mesmo das do Rio de Janeiro, que com grande sentimento seu
chegaram à Bahia quando já estava concluída a Campanha de Pernambuco.
Lembre-se mais que a Fragata Pérola chegou tarde e quando tudo se achava
em paz, de onde se segue que aos Brasileiros, só aos Brasileiros é que se deve
a pacificação de Pernambuco.
Pouco tempo antes dos acontecimentos daquela Província, tinha julgado
o Ministério de Sua Majestade ser conveniente aos interesses do Brasil ocupar
a margem oriental do Uruguai. Tenho muito poucos dados para discorrer
sobre este negócio de que se formaram diversas opiniões, dizendo uns, que
o Ministério concebera gigantescos projetos de Conquista! Outros, que só
pretendia cobrir-se das hostilidades de Artigas; outros finalmente afirmavam
que, a ocupação do território era temporária, e duraria até, que a Corte da
Espanha fizesse entrega da Praça de Olivença, que injustamente nos usurpara.
O certo é, que as medidas do Ministério Português trouxeram sobre nós
milhares de calamidades, que as nossas casas de Comércio, e a nossa Marinha
ficaram quase aniquiladas, e o Reino Unido perdeu na guerra feita àquele
obsesso Potentado um cabedal incalculável. Talvez se pudessem evitar todas
estas desgraças, e que a Província de Montevidéu por sua própria vontade se
unisse ao Reino do Brasil, no caso de se guardarem a respeito dela as medidas
que não esqueceram a muitos homens de senso, que ainda existem no Rio

644
de Janeiro, e que antes de romperem as hostilidades previram o abismo de
desgraças em que nos íamos precipitar.
Para fazer esta conveniente ou impolítica guerra no território de
Montevidéu mandou Sua Majestade vir de Portugal uma brilhante Divisão do
Exército que se tinha coberto de glória desde a Roliça até Toloza. Esta Divisão
sustentada à custa de todo o Reino Unido ocupou a Praça de Montevidéu, e
outros postos da margem esquerda do Rio da Prata, encontrando raras vezes
resistência digna de tão valorosas Tropas. Permita-se-me, que eu avance; que
se os esforços dos Partidários de Artigas, não foram tão grandes como se
podia esperar, deve-se atribuir talvez isto às necessárias e muitos judiciosas
operações das Tropas do Rio Grande, e São Paulo em toda a fronteira daquelas
Províncias, em que se achavam as maiores forças do dito Artigas ameaçando
invadir como com efeito invadiram o nosso território, talando campos,
roubando Gados, e reduzindo à extrema desgraça um avultadíssimo número
de nossos Concidadãos, antes de serem repelidos pelos nossos Soldados.
Eu não pretendo nem posso obscurecer o merecimento, a intrepidez,
a galhardia individual, e geral da Divisão dos Voluntários Reais de El Rei:
Ela havia na Europa dado provas sobejas do seu valor em renhidas batalhas,
mas devo mostrar, que a Divisão foi auxiliada por grandes corpos de tropas
Brasileiras; que a par delas estiveram os Oficiais inferiores e Soldados dos dois
extintos Regimentos de Pernambuco, os Libertos de El Rei, e outros Corpos
que não os deixaram em desonra no Campo de Batalha, e que a feliz conclu-
são da Guerra do Sul deve-se às Tropas Brasilienses das Províncias de São
Paulo, e Rio Grande, que debaixo do Comando do General Conde da Figueira
alcançaram uma gloriosa, e decisiva vitória nas margens do Taquarembó!
Além desta benemérita Divisão, fez Sua Majestade vir de Portugal outra
composta de cinco Batalhões de Infantaria, e uma Brigada de Artilharia, para
serem distribuídos pelas Províncias do Rio de Janeiro, Bahia, e Pernambuco.
Estou convencido de que esta Divisão não veio para subjugar os Brasileiros,
mas sim com vistas relativas à ocupação de Montevidéu, que tanto dissabor
causava à Corte da Espanha. Também me persuado de que, no Caso, que as
Costas do Brasil fossem visitadas pela Colossal força, que o Ministério de
Madri fez ajuntar em Cádis, certamente não obstariam por si só as Tropas da
Divisão a qualquer desembarque projetado pelo Chefe Espanhol: os Soldados
Europeus veriam a seu lado os filhos do Brasil animados pelo amor da Pátria,
e tão prontos, tão ativos, e tão valentes como em outras eras se mostraram
em Pernambuco, na Bahia, e nesta Corte para repelirem ataques hostis, e
obstarem aos desígnios de poderosos, e aguerridos adversários.

645
Talvez o Redator do Semanário fugindo da energia destes argumentos
nos diga, que o Rio de Janeiro não tem Tropas indígenas para a sua defesa,
que o Brasil engrossou com enormes somas vindas de Portugal já das rendas
de Fidalgos, já em mãos de Pretendentes; que para a casa Real vinham Panos,
e muitos outros gêneros para criados, e finalmente, que o Brasil prosperou na
sua agricultura, e no seu Comércio desde que Sua Majestade aqui estabeleceu
a Sede da Monarquia.
Eu vou responder a estes argumentos dizendo, que se no Rio de Janeiro
não havia gente para se completarem os Corpos Militares, devia isso atribuir-
-se mais à perversidade dos mandões do que a falta de População de onde se
tirassem recrutas para os Corpos. Como haveriam Soldados nos Batalhões
Militares se existiam Batalhões de Aguadeiros, Varredores, e outros empre-
gados efetivos, e extraordinários na Casa Real = se havia, e talvez ainda hoje
haja Batalhões de Guarda de Alfândega, Batalhões de Oficiais, e Praticantes
efetivos, e agregados no Tesouro público, e em todos os outros Tribunais =
se havia Companhias, e esquadras de criados nas casas dos Titulares, e outros
Senhores da Corte = se havia uma aluvião de Mamposteiros de Santo Antônio,
e de Cativos = se existiam, e ainda existem os Terços de Ordenanças com
os seus Oficiais e oficiais inferiores todos Rapazes esbeltos, e bizarros, mais
próprios para as fileiras regulares do que para as nossas Tropas Urbanas =
se se admitem nos Regimentos de Milícias indivíduos, que não devem estar
alistados nestes Corpos = Se as proteções, os empenhos, a venalidade, a
corrupção haviam chegado a tal excesso, que os Oficiais do Corpo de Polícia
em tempo de recrutamento achavam-se entre Cila, e Caríbdis, isto é, entre
a intriga, e a condescendência, e fugindo daquela, e caindo nesta, apenas
enviavam para os Batalhões um de cem homens, que se recrutavam, e aquele
mesmo era ordinariamente escuso por Aviso da Secretaria de Estado = Se
o nosso sistema de recrutamento é além de péssimo mal observado = se ...
mas para que hei de continuar, se ninguém ignora os motivos por que não se
podiam completar os Corpos Militares!!!
Que o Brasil não engrossou com as Somas enormes vindas de Portugal é
óbvio, e bem conhecido pelos prudentes e desapaixonados. O Brasil, princi-
palmente o Rio de Janeiro declinou em várias coisas, e aumentou em outras:
Declinou no Comércio Marítimo, e na Navegação, consequência inevitável
da guerra com Artigas, e do Tratado de 1810 a que Sua Majestade subscreveu
por necessidade; aumentou muito na agricultura por motivo da franqueza dos
Portos aos Estrangeiros, e da precisão que eles têm dos nossos gêneros chama-
dos Coloniais, aumentou em número, e beleza de edifícios, consequência muito
natural do acrescentamento da população, melhoramento da agricultura, e

646
gosto do luxo quase Asiático = aumentou no número das ordens, Militares,
Grãs Cruzes, Comendadores, e Cavaleiros, Títulos de Grandeza de Mar, e
sem ela, Conselheiros, Fidalgos, Generais de Mar e Terra, Estados maiores,
Comissões, e empregos desconhecidos em outro tempo, e agora desnecessários
= As somas vindas de Portugal foram na verdade grandes, mas pode dizer-se
a respeito delas que a água as trouxe, e a água as levou, = e também se pode
afirmar sem escrúpulo, que se tais somas não tivessem vindo de Portugal, o
Rio de Janeiro teria aumentado assim como tem crescido as Capitais de outras
Províncias, para onde não vinham dinheiros de Portugal.
Se para a Casa Real se importavam Panos, e outros gêneros de Portugal
era isto uma verdadeira desgraça, não pela vinda dos Panos e mais gêneros,
mas sim pelo imenso, muito desnecessário, e muito dispendioso número de
Criados, que Sua Majestade por princípios de beneficência tinha a seu serviço,
causando esta superfluidade de Sanguessugas uma grande ferida tanto aqui
como na Mãe Pátria.
Em conclusão todos conhecem que Portugal sofreu muito durante a
residência de Sua Majestade no Reino do Brasil, mas certamente não sofreu
mais do que sofrera o Brasil antes da vinda de Sua Majestade, e do que
sofreria se por desgraça nossa Sua Alteza Real o Príncipe Regente regressasse
para a Europa.
Parece-me que fica demonstrado que se o Brasil no ano de 1801 se achava
nas circunstâncias de figurar mui dignamente entre as Nações do Mundo
como Estado Livre Independente, capaz de se defender, de conquistar, e de
ter no seu Seio o Soberano, e uma numerosa Família Real, também agora por
muito mais fortes razões do aumento da sua população, e agricultura, estabe-
lecimentos literários, força física, e moral das suas Tropas poderá representar
dignamente como Nação livre, Soberana, absoluta, e independente entre as
mais ilustres potências do Universo, muito principalmente achando-se ligado
ao Reino de Portugal também livre, Soberano, absoluto, e independente, e
vivendo sujeito ao mesmo excelso Monarca, e na sua ausência a seu Augusto
filho primogênito e herdeiro Regente deste Reino do Brasil, e nele Lugar
Tenente imediato a Sua Pessoa.
Para o Senhor Redator do Semanário nos convencer da nulidade do Brasil
compara-o com o México, e diz que este País é mais povoado do que aquele!!
Quem o duvida? Também Portugal é menos povoado do que a Espanha, esta
do que a França, e esta do que a Rússia, e esta finalmente do que a China, e
apesar disto são Estados livres, e independentes.
Que se seguirá da diferença numérica entre a população do México, e a
do Brasil? Nada mais se não, que, o México fará uso das suas forças contra

647
os seus inimigos, e o Brasil lançará mão dos seus recursos contra os seus
adversários.
O Redator por malícia transcreve o discurso do Deputado Espanhol
contra a liberdade das Colônias de que se supõe Senhor. O tal discurso é uma
verdadeira Jeremiada: Lamenta sem indicar o remédio para o mal. Lançou
mão deste discurso, que lhe pareceu cair a talho de foice, mas esqueceu-
-se de favorecer os seus fregueses ao Diário com a Convenção de Córdoba
sobre o estabelecimento do Império Mexicano, estabelecimento a que se não
pode esquivar o Vice-Rei Conde de Venadito obrigado pelo Coronel Dom
Agostinho de Iturbide, Chefe das Tropas Independentes, o qual ainda no ano
de 1820 era comandado pelo Regimento de Milícias de Celaya pequena Vila
do México, não seria melhor ocultar aquele documento do que nos obrigar
a apresentarmos-lhe outro um tanto mais enérgico. A bílis do Redator estava
exaltada, não pode resistir aos impulsos da acrimônia que o devora!!!
Passa o Redator a meter-nos medo com os negros como se nós os brancos
fôssemos crianças, e os negros papões: A lembrança foi infeliz, e a falta de
conhecimentos históricos do Senhor Redator é tão transcendente que chega
àqueles, que ainda mais ignorantes do que ele, têm a paciência de o ouvirem.
Saiba o Senhor Redator que não foram os negros de São Domingos os que
se rebelaram. Os rebeldes foram em 1.º lugar à Assembleia Nacional da
França, em 2.º lugar a Sociedade denominada Amigos dos Negros em que
figurava como corifeu o Abade, Bispo, ou Senador Gregoire = em 3.º lugar
foi o perverso Jacque Ogé = em 4.º lugar foram os indignos Comissários da
Assembleia Nacional, Santhonax, Polverel, e Ailhaud. É a estes homens que
se devem atribuir as desgraças de São Domingos, desgraças, que não puderam
ser sustadas pelo Governo da França em razão da Guerra que tinha com a
Grande Bretanha, o Redator leia um pouco mais para conhecer a diferença
existente entre os habitantes de São Domingos, com o seu Código Negro, e os
moradores do Brasil com as suas ordenações do Reino, e Leis extravagantes a
respeito dos Escravos. Toussaint L’Ouverture, Dessalines, Cristóvão, Pethion,
uns sacrificados, e outros iludidos pelo feroz Le Clerc não foram certamente
tão inquietos como o Redator do Semanário Cívico.
Depois de nos meter a bulha com os negrinhos passa o Redator a falar
em Sessões do Poder Executivo no Brasil. Aquele Senhor aspira também a
Presidente de algum dos tais Colégios, e por isso nos mostra a imensa distân-
cia entre o Norte, e Sul do Brasil, e falta de mútua correspondência entre
as Províncias. Engana-se o Senhor Redator, e se ele tiver tanta notícia da
Corografia, e da Topografia do Brasil como tem do número da sua popula-
ção, mal se acham os seus fregueses, pouco fruto podem tirar do Semanário!!

648
As relações que nós desejamos, que haja por ora entre as Províncias mais
remotas entre si, são relações políticas; atrás destas virão as Comerciais.
Como diz o Redator que o Brasil não pode Comunicar-se de uma a outra
extremidade? Em que linha de conta tem ele o Rio Amazonas, Tocantins,
Araguaia, Xingu, Tapajós, Madeira, Purus, Juruá, Jutaí, Javari, Paraná, Tietê,
Guaporé, e milhares de outros, que cortam o Brasil em todo o sentido, e faci-
litam as Comunicações? Ah, certamente o Redator queria achar tudo feito;
pois engana-se; o tempo, e a indústria são os agentes dos melhoramentos, e a
Casa em que ele habita na Bahia não estava construída quando o Caramuru
pôs pé em terra naquele continente.
Diz-nos mais o celebérrimo Periodiqueiro, que o Poder Legislativo há
de residir em um só ponto, e que este deve ser Lisboa. Gabo-lhe a descrição,
o homem tem talento; é pena não ser chamado por Lord Londonderry, ou
pelo Príncipe Metternich para Mestre de Congressos!!! Venha cá Senhor
Hebdomadário, Vossa mercê fala com sinceridade ou está zombando? Eu
creio, que está zombando, e se assim não é, ignora o que vai pelo Mundo.
Neste Caso saiba o Senhor Cívico, que em uma parte da terra chamada
Europa residem certos grandes Senhores intitulados = Imperador da Áustria,
Rei de Hungria, Boêmia, Transilvânia, e Lombardia, Marquês de Morávia =
Outro chama-se Imperador, e Autocrata de Todas as Rússias, e Rei da Polônia
= Outro intitula-se Rei da Grande Bretanha, e Irlanda, e Rei de Hanover
= Outro chama-se Rei da Suécia, e Noruega; outro… e todos eles sendo
Soberanos deste diversos Estados Consideram a cada um deles livre Soberano,
e independente, e eles ditos Grandes Senhores reputam-se Imperadores,
Reis, ou Príncipes, de cada um dos ditos Estados. Ora todos estes Reinos
ou Impérios têm as suas Constituições, e os seus Representantes, ou Corpos
Legislativos com maiores, ou menores liberdades nas competentes Capitais.
A saber a Rússia não obstante ser um Estado Despótico, tem contudo uma
certa Constituição; que a Grande Catarina Segunda organizou, e fez ler aos
Deputados de todas as Províncias do seu Vasto Império, sem contudo lhes
permitir que sobre ela fizessem reflexões! (tal é a força do despotismo) porém
o imortal Alexandre declarando-se Rei da Polônia deu aos seus novos vassalos
uma Constituição, criou Câmaras ou Dietas Legislativas, residentes na mesma
capital da Polônia, e digna-se de responder desde Petersburgo as atas das ditas
Câmaras, ou Dietas. Ora diga o Senhor Semanário que o Imperador da Rússia
fez um erro crasso em não estabelecer as Dietas da Polônia em um Palácio da
Capital da Rússia! O Rei de Hanover, que reside em Londres tem os Estados
de Hanover na Capital deste Reino, e não na de Inglaterra que ele habita. Olhe
mais, um Irmão do Rei de Inglaterra é Vice-Rei de Hanover. O Rei de Suécia

649
e Noruega tem a Dieta de Suécia em Estocolmo, e o Storthing, ou Cortes de
Noruega em Christiania; que loucura podendo ele ter os Estados, e o Storthing
na Capital da Escandinávia!! O Imperador de Áustria Convoca quando quer
os Estados do Império em Viena: a Dieta de Hungria em Petersburgo quando
a chama o Palatino ou Vice-Rei, que é Irmão do Imperador; os Estados da
Boêmia congregam-se em Praga onde reside o Grão Burgrave, e os Estados de
Morávia ajuntam-se alternativamente em Brun, e em Olmütz. Ora bem Se os
Soberanos Europeus, que possuem mais de um Reino acham conveniente, e
a benefício dos Povos, que os Seus Estados, Dietas, Parlamentos, Storthings,
e outras quaisquer Assembleias se Congreguem nas Capitais dos respectivos
Estados, que não ficam muitas léguas distantes da Sede da Monarquia, ou
residência do Monarca, como há de haver absurdo na Convocação, ou ajun-
tamento das Cortes do Brasil na Capital do mesmo Reino, e não na Capital
do Reino de Portugal? Que inconveniente se segue daqui ao bem geral da
Nação? Perde Portugal nisto alguma coisa? Vem-lhe daqui algum dano, ou
prejuízo? Se aqueles Reinos da Europa se não desligam dos Soberanos que
os Governam como se há de separar o Brasil de Portugal pelo mero fato de
ter aqui as suas Cortes Legislativas.
À vista do que deixo exposto parece que o Redator do Semanário fala
com demasiada acrimônia, e com espírito hostil contra a integridade do Brasil
quando declara = Não pode haver em uma mesma Monarquia dois poderes
Legislativos, e dois poderes executivos, aliás ofende-se a união das duas partes,
e a Nação perde a sua indivisibilidade, = Eu não abraço esta doutrina, entendo
que a salvação do Brasil depende da Convocação, e existência das Cortes
na Capital do mesmo Reino, e que aí deve também residir uma Delegação
Onipotente do Executivo. Se assim não acontecer, mais cedo ou mais tarde
ficaremos arruinados. A única tábua de nossa salvação é Sua Alteza Real o
Príncipe Regente. Seguremo-nos a ela, não a larguemos apesar de todos os
esforços do Redator do Semanário Cívico da Bahia, que talvez entrando na
razão, e abandonando ideias ultraconstitucionais Lisbonenses, dirá um dia,
que involuntariamente, ou por deslumbramento se lançava no abismo das
desgraças, e com ele as pessoas que tiveram a fraqueza de o acreditarem.
Talvez não falte gente boa que entre os muitos defeitos, que se encontram
nesta Carta censure como principais o eu excluir os Portugueses Europeus
de várias empresas, em que tomaram parte juntamente com os Brasileiros
= e a de comparar o Reino Unido de Portugal, Brasil, e Algarves com os
Impérios, e Reinos separados da Rússia com a Polônia = da Áustria com a
Hungria, Boêmia, Transilvânia, e Morávia = da Grande Bretanha, e Irlanda
com Hanover etc. etc. A respeito da primeira arguição direi, que eu trato pelo

650
nome de Tropas Brasileiras aquelas, que foram organizadas, e armadas, e são
pagas, e sustentadas pelos rendimentos deste Reino, e não pelo de Portugal,
ainda, que as mesmas tropas fossem, ou sejam comandadas por Generais
nascidos na Europa, e que nas suas fileiras tenham alguns ou muitos Oficiais,
e Soldados Portugueses Europeus.
Na minha Carta faço menção de dois, que notavelmente se distinguiram
a saber o Marechal de Campo Manoel Marques, e o Conde de Figueira, e
poderia ajuntar a estes ilustres nomes o do Conde do Rio Pardo, Marquês
de Alegrete, Luiz do Rego e muitos outros. Se quiserem falar a respeito de
Navios, direi, que posto haver sido armada em Portugal a Nau Vasco da
Gama, que comboiou a expedição de Pernambuco, e mais algum Navio de
menor Lote, bem sabido é, que tanto aquela Nau como os outros Navios
eram tripulados com muita gente do Brasil, e todos esses pagos, e sustentados
pelo Erário deste Reino, ou pelos das Suas Províncias. Eu sou Europeu tenho
servido com alguma distinção tanto em Portugal como no Brasil, e por isso
não posso ser tachado de suspeito.
A outra arguição a respeito da indivisibilidade do Reino Unido tem
tantas e tão fortes respostas, que prefiro o silêncio a entrar em uma luta de
natureza assaz desagradável, que se decidiria talvez muito a favor do Brasil
que tão injusta como atrozmente é injuriado por alguns dos seus indignos, e
inquietos habitadores.

Rio de Janeiro 3 de Março de 1822.

Tenho a honra de ser


De Vossa mercê Obediente Criado.

R. J. C. M.

651
45

CARTA
QUE

AO ILLUSTRE DEPUTADO
EM CORTES O SENHOR
LUIZ NICOLÁO FAGUNDES VARELLA,
ESCREVEO

HUM ZELOSO PATRIOTA


EM 14 DE DEZEMBRO DE 1821

DADA Á LUZ
POR

JOSÉ ALVES RIBEIRO DE MENDONÇA.

RIO DE JANEIRO
NA IMPRENSA NACIONAL. 1822.

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INTRODUÇÃO

OBTENDO nós a cópia da Carta, que a um dos nossos Deputados em Cortes,


escreveu um zeloso Patriota, com o consentimento do mesmo para a podermos
dar à luz; e parecendo-nos fazer algum serviço ao público em a mandarmos
imprimir, por vermos quantas cópias se tem mandando extrair da mesma, e
acharmos que as ideias nela explanadas são as que geralmente se têm adotado,
tomamos sobre nós esse pequeno encargo: sendo também o desígnio de seu
escritor, que ela seja vista por todos os outros Deputados, pretendemos por
meio da imprensa facilitá-la, não só àqueles, como a quaisquer outros que
desejem conhecer o espírito do Povo deste continente. Sabemos pelas relações
que seu escritor tem com pessoas de algumas das Províncias do Brasil, que
não é sem fundamento que ele nega, que as demais Províncias não quisessem
estar sujeitas ao Governo de Sua Alteza Real: nós vemos dos papéis públi-
cos a incoerência, e contradição do Governo da Bahia, criminando ora ao
ex-General Rego de cúmplice com o Conde dos Arcos, ora ajudando-o a
manter-se no gozo do mando arbitrário: mostraríamos no Semanário Cívico
uma linguagem doble, se isso coubesse nos limites de uma introdução; mas
essas palpáveis contrariedades não podem ter escapado aos que o lerem.
Concluímos confessando, que estamos possuídos dos mesmos sentimentos
do escritor da Carta que oferecemos ao público.

José Alves Ribeiro de Mendonça.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor


Luiz Nicolau Fagundes Varella.

JÁ antes que Vossa Excelência assumisse os votos desta Província para ser seu
Representante nessa Soberana Assembleia, eu tinha ouvido vagamente taxá-
-lo de egoísta, e de frouxo; parece que não poucos motivos havia para dirigir
a opinião pública a esse respeito, pois apesar da ardência, com se pretendeu
coonestar a escolha dos imparciais Eleitores, e com que os Brasileiros amam a
honrar, e engrandecer em Público os seus patrícios, aquela opinião nunca foi
inteiramente destruída; existindo porém no silêncio, todos esperáramos, que
a grande Glória de servir bem ao seu País, despertaria em Vossa Excelência
aquele entusiasmo de que estão cheios todos os Fluminenses, ou antes todos

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os Brasileiros. Ah! E com que dor não se tem feito aqui público, que depois
da perda do mais zeloso dos nossos Representantes, que depois da inutilidade
daquele em quem a escolha foi efeito de testemunho de agradecimento, ainda
Vossa Excelência iludindo as esperanças de encher-se de entusiasmo pelo amor
da Pátria, falha com o que podia coadjuvar para o uso dos Direitos, e dos inte-
resses destes Povos, que tinham confiado de Vossa Excelência a guarda deles.
Assaz notório é aqui, que Vossa Excelência enchendo as suspeitas a que
deu lugar a venda de todos os seus bens no seu País, à disposição de não voltar
mais a ele; tem-se dirigido como tinha premeditado, a, abandonando a causa
da Pátria, evadir-se a sofrer nela os males, de que estava encarregado defendê-
-la: que lástima! E pode encontrar-se em um Brasileiro, essa imoral resolução?
Permita-me Vossa Excelência que eu lhe fale com franqueza de irmão; se
é que este termo pode agradar a Vossa Excelência depois de achar-se revestido
de um caráter representativo. Descontentes da conduta de Vossa Excelência no
lugar que lhe confiaram, acham-se os habitantes desta Província obrigados a
lhe fazer saber seu ressentimento, e eu como órgão de uma família numerosa,
nela sou encarregado de lhe pôr ao fato de quanto se aqui tem dito de Vossa
Excelência para que tendo Vossa Excelência diante de si a narração do que se
lhe atribui; possa, ou defender-se no caso de facilidade, ou emendar-se no caso
de remorso; e ainda prevenir-se para o futuro. Vemos tratar-se como questão
preliminar, a questão do regresso de Sua Alteza Real proposta por um dos
nossos Deputados, quando o interesse da causa Nacional exigia, que dela se
não tratasse antes da reunião em Cortes de todos os Deputados dos Domínios
Portugueses; questão tão mal proposta quanto foi mal defendida, e assim mais
a abolição dos Tribunais da Corte do Rio de Janeiro.
Vossa Excelência que indo desta Capital, onde o seu emprego, e relações
o faziam tratar com homens de todas as classes, deveria ter conhecido o espí-
rito do Público, e de maneira alguma sancionar com seu silêncio, a expressão
de que no Rio de Janeiro não estavam contentes com o Governo do Príncipe
Regente: Vossa Excelência bem ciente foi que atribuindo-se àquele Augusto
Príncipe os acontecimento dos memorandos dias 26 de Fevereiro, e 5 de Junho,
não havia um homem desta Capital, que o não idolatrasse, Vossa Excelência
sabia a quem se imputava o acontecimento da Praça do Comércio.
Vossa Excelência sabia quão falso era igualmente que as demais Províncias
do Brasil não quisessem estar sujeitas ao Governo do Rio de Janeiro; pois
ninguém ignora, que a manobra de alguns déspotas, a quem pareceu, que
afastando-se do centro desta Capital se enraizavam [sic] na posse do seu poder
arbitrário, é que deu motivo a essas divisões: Bahia também teve seus motivos
para recorrer a Lisboa, motivos que já não estão em sigilo; assim mesmo seu

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sistema de comunicações ainda é ambíguo: e dessas divisões se vão originando
males, que a Providência permita, não caíam sobre os Portugueses. É mais
que trivial o raciocínio, de que o vínculo único, que pode ter o Brasil ligado
a Portugal, é a igualdade com que se o tratar; essa igualdade proclamada
tão generosamente pelos nossos irmãos é já extensamente conhecida pelos
habitantes deste Continente: pomposos títulos, lisonjeiras frases jamais os
puderam contentar: eles conhecem a necessidade, que têm dos socorros que
lhes podem ministrar seus irmãos da Europa, eles amam a coadjuvá-los na
grande obra, apenas alicerçada; mas eles conhecem já suas forças, zelam suas
prerrogativas, e saberão sustentar, e defender seus privilégios. Nem se pode
esperar, que espantados do grande esforço que eles viram fazer ao Portugal na
árdua empresa, que tão felizmente conseguiram, eles se lhe julguem inferiores:
quando com muitos mais empecilhos os Brasileiros tentaram sempre sacudir os
vergonhosos ferros da escravidão, escravidão, que detestavam, e de que cedo
ou tarde em suas reiteradas tentativas se haviam de ver livres. É verdade; que
gratos ao quanto trabalharam pelos iluminar, e mesmo tendo na Mãe Pátria
seus respeitáveis ascendentes, uma consideração natural pelos nossos Mestres
e pelos nossos Pais; mantém os Brasileiros em respeito e amor por Portugal,
sendo a rivalidade que querem afetar homens mal-intencionados, só entre os
degenerados Portugueses, que passando de um estado servil e miserável em
Portugal, a um opulento e de representação no Brasil, tão déspotas e orgulho-
sos na fortuna, quão baixos e obedientes na desgraça, eles promovem aquela
rivalidade incitando com seu desprezo aos seus irmãos Brasileiros. Sendo
porém, não a divisão de Partidos Europeu e Brasileiro; mas a divisão, de
honra, e de infâmia, de Constitucional, e anticonstitucional; não vê, só quem
não quer, que o Brasil protesta conservar-se unido a Portugal, única forma
porque a nossa regeneração política pode ficar estabelecida em bases sólidas.
É contudo impossível, que o Brasil elevado à Categoria de Reino, mantendo
com esplendor uma Corte, de posse dos meios de engrandecimento de que
ele é suscetível; conhecendo seus Direitos; veja pacientemente abaterem-se
seus estabelecimentos, e ficar inteiramente dependendo como algum dia, de
ir demandar seus recursos, além desses mares à Corte de Portugal.
A preeminência dessa antiga Sede da Monarquia Portuguesa faz-se consis-
tir entre outras coisas, em ser o Portugal a Pátria dos nossos Reis, se é que os
Reis têm Pátria, em ser Berço dos nossos Príncipes: nisto lhe está a nível esta
Capital, que tem visto nascer nela o herdeiro do Trono, e outros Príncipes.
Antes que a Corte Portuguesa fosse Lisboa, já o haviam sido, Lamego, o
Porto, Évora, Coimbra, etc. e nenhuma dessas Províncias se arroga o direito de
possuir em si a Real Família: razões muito sólidas pudéramos nós dar, e tirar

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muitas das circunstâncias presentes, para mostrar que a Sede da Monarquia
deveria ser no Brasil; mas não é esse o nosso fim. Ele é mostrar, que o Brasil a
nada menos se pode esperar, de que ver a sua sorte igual à sorte de Portugal,
quando Sua Majestade residia no Brasil; salvos os abusos, que não eram senão
o efeito do mau sistema do passado Governo; Portugal, quando a Corte de El
Rei estava no Brasil, tinha em si todos os seus recursos; seus habitantes não
tinham necessidades de vir aqui mendigar nem seus direitos, nem seus luga-
res; nem sua educação, nem a proteção de seu Comércio: não passou para o
Brasil se não o Europeu imoral, que desejando atropelar os Direitos de seus
Concidadãos, vinham a comprar a custo de baixezas, ou a preço de ouro os
cargos, ou postos, que não eram conseguidos se não pela corrupção da Corte,
e não pela localidade dela; e o mesmo acontecia aos habitantes do Brasil; mas
mudando-se a administração, que tinha Portugal mais a desejar?
É pois o menos a que o Brasil tem direito a aspirar, mudando-se a Família
Real para Portugal, identicamente as mesmas atribuições que Portugal tinha,
pois são idênticas às circunstâncias, em que se achou Portugal, e se acha o
Brasil: nem o pode obstar a dívida Nacional, e a precisa despesa, com que o
Brasil pode sobejamente, como mostraríamos se não fosse isso alheio do nosso
objeto. Era pois a vermos todas estas razões, expendidas claramente, e defen-
didas com entusiasmo, o que esperávamos; quando os Diários do Governo,
que seguiram a entrada de Vossa Excelência na Assembleia Nacional, nos
detalham o abandono, e desprezo em que estão os nossos interesses de todo
o Brasil, os interesses de toda a Nação. Os Deputados de todas as Províncias,
fazendo causa comum, deveriam elucidar as questões sobre o Brasil, e não
sobre a sua Província, daqui resultaria não deverem os atuais admitir moção
alguma particular, sem o ingresso dos que faltam. Mas; quão criminosos se
não constituem nossos Deputados se seu pusilânime silêncio deixa de instruir
a Soberana Assembleia das disposições do Povo do Brasil, se este silêncio
nos provoca uma guerra de irmãos, de que se não deixaram de aproveitar
as Potências Estrangeiras para fazer aquisições no Brasil, de que já vemos
indícios, e os Sectários do antigo Despotismo, para fazer renascer a ordem
de coisas de onde lhes nascia o mando arbitrário. Eles são responsáveis por
todos os horrores de que a Nação é ameaçada. Que Vossa Excelência conheça
a extensão dos seus deveres, para se não limitar a solicitar que se não extinga
o Tribunal da Suplicação, ficando nós sujeitos a um Tribunal de Revista em
Lisboa, que seria o mesmo.
Que nos vai que a última instância tenha o nome de Casa da Suplicação,
ou Tribunal de Revista: o que nos afeta é irmos demandar nossos Direitos
entre nós, ou distante tantas mil léguas: é ter-nos, ou de nos limitarmos a

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pequenos cargos, e empregos, que nos permitem no Brasil, ou de abandonar-
mos nossos Lares, para í-los exercer num País estranho, se nos permitirem. O
que nos afeta sobremaneira é que num Governo liberal, que se nos propõe,
o despotismo Militar, sem responsabilidade entre nós, seja a primeira oferta,
que se nos faça; que se julgasse suficiente para se decidir nossa sorte, consultar
os Deputados de duas só Províncias na extensão de vinte que temos, e que se
decidissem as proposições mais interessantes ao Brasil, sem ao menos estarem
os dois terços dos seus Deputados. Essas reflexões, que são adquiridas no uso
da comunicação de um grande número de indivíduos; são filhas do entusiasmo
que vejo em todos os Brasileiros; elas apareceram aí reproduzidas conforme a
linguagem de cada um dos que se propuseram a fazê-las públicas: e eu espero
do Patriotismo de Vossa Excelência; que as fará ver aos outros Senhores
Deputados, visto que é desnecessário dirigir-me a cada um em particular, e que
a emulação os fará cooperar com os Ilustres Deputados de São Paulo a bem
da Causa Pública do Brasil; e cujas instruções junto envio a Vossa Excelência
que me permitirá de assinar-me.
Rio de Janeiro 14 de Dezembro de 1821.

De Vossa Excelência

Patrício afeiçoado

J. T.

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CARTA
DO
ARGUELLES
DA PROVINCIA
DO
MARANHÃO
AO
ILL.mo EX.mo Sr.

FRANCISCO SIMÕES MARGIOCHI


DEPUTADO EM CORTES.

LISBOA. ANNO 1822.


NA IMPRESSÃO de João Nunes Esteves.

Rua dos Correeiros Número 144.

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CARTA
ILUSTRÍSSIMO e Excelentíssimo Senhor: Ninguém duvida em todo o Brasil
que o Augustíssimo Congresso Nacional, e Real, e Vossa Excelência se têm
empenhado em resgatar milhares de Cidadãos, e segurar-lhes uma liberdade
limitada só pela Razão, e por uma Política sã, ilustrada, e chegada à idade de
sua madureza, que os Brasileiros esperam ardentissimamente, como Cativos,
que ainda são das más Leis, e dos Malignos Magistrados, tendo sempre os
olhos fitos naquele Supremo, e único Libertador.
Mal pode Vossa Excelência avaliar o entusiasmo, e alegria, com que se
olham as Leis, e Diários do Governo tendentes àquela liberdade, e respon-
sabilidade dos Juízes, se bem que ainda não bastam, e quanto aqueles se têm
apressado nos últimos dias da sua Existência Civil, e Representação tirânica,
em colher os pequenos restos da propriedade de muitos Cidadãos, uns para
levar tudo em Cofres para a Europa, Ah! Tremei Conspiradores! E outros
para edificar Palácios, que demandam avultadas somas. É uma equivocação
o dizer-se, Que o Brasil há muitos anos costumado a suportar o flagelo da
Toga, e dos Governadores, e um Ministério frouxo, e corrompido já não
sentia sua humilhação, pois que, se assim fosse, não correria alegremente por
uma grande Extensão da Zona tórrida o terrível e alto Grito, que atemorizou
o mau Fado, e obscureceu as malignas Estrelas da temperada. O Supremo
Poder, ao contrário, aturdido com a repetição das palavras Tirania, Injustiça,
Violência, parece olhar como exagerações, e fábulas tudo quanto expõem
a falta da união do vínculo universal da Justiça, e opressões dos Cidadãos,
ou que já esteja aborrecido de punir tantos prevaricadores e servis, que têm
manifestado o maior desprazer à fundação do novo Edifício Social, preten-
dendo, ou que ele de[s]abe, ou seja habitado somente por Cidadãos, insul-
tados, presos, desterrados, e fugidos da Província do Maranhão, e outras.
Uma Anistia, que sempre tem o caráter de frouxidão, quando a força
dos males, que ela traz, é muito mais superior àquela dos remédios, que
não irritam nem podem ter maus efeitos, serve só para enfraquecer o centro
da união daquele Poder, criar desconfiança Nacional, ou por fim extinguir
este indiretamente, além de não conseguir o reconciliar com sinceridade os
anistiados, ou agressores com a Pátria. Estes, animados da impunidade,
têm-se erguido no Brasil, e Província do Maranhão contra os bons Cidadãos
Constitucionais por nascimento, como exponho no Requerimento avulso,
que tenho a fortuna, e to[d]a a Província, e absoluta precisão de apresentar
a Sua Majestade Nacional, e Real em Cortes, pela intervenção legítima de
Vossa Excelência para ser despachado logo, como se espera de sua Indefectível

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Justiça, e Alta Sabedoria, e cessarem tantos males, estabelecidas as cinco Leis,
que implora no dito Requerimento, sejam enviadas ao Brasil, sem demora,
por serem exigidas, pela Justiça natural, circunstâncias, e acontecimentos
atuais, malícia dos Magistrados, e Governadores Provisórios.
As melhores Leis, Excelentíssimo Senhor, são aquelas, que em sua
origem nascem dos sucessos, como as referidas no Requerimento avulso, e
apagam as fogueiras da vingança, e do servilismo, que tem propensão deci-
dida para prisões, prisões, e mais prisões, sem precisão alguma; chegando
o descaramento dos Governadores, e Togas do Brasil [que quando se
ligam em amizade, como hoje no Maranhão, é muito mau sinal, e desce o
Termômetro do calor daquelas fogueiras a um ponto insuportável, e sedi-
cioso] a definir como delitos ações indiferentes, e fatos dignos de prêmio, ou
louvor. É forçoso consequentemente que se acuda, enquanto é tempo, à parte
mais fraca do Edifício Social, e sendo esta os figurados insultos, e injúrias
feitas às Autoridades públicas, e frequentes capturas oferece a Província do
Maranhão, e requer, para dar uma perfeita estabilidade a seu estado livre,
e pacífico, os três projetos de Lei, acomodados a reparar aquele fraco, em
que constantemente é atacada.
1.º A Maledicência, ou murmuração de qualquer Autoridade Pública,
Civil, ou Militar, ou Eclesiástica feita no Teatro, no Púlpito, na Igreja, na
Audiência, ou em papéis públicos, nunca será considerada delito público,
ou objeto de ações populares, quando não for acompanhada de fatos, ou
persuasões, que se encaminhem evidentemente a ofender a Constituição da
Monarquia, o sossego público, ou a Real Pessoa do Soberano, ou Sua Augusta
Família. Aquele, que se acreditar injuriado, poderá intentar em Juízo civil-
mente as ações, que lhe competirem, e o injuriante embargará com a verdade,
ou publicidade do convício suposto. E será obrigado a prová-la, e neste caso
relevada a pena, se a maledicência fôr a respeito da vida, ou conduta pública
do injuriado, ou mau desempenho de seus deveres, ou jurisdição, e não de
sua Pessoa, ou vida particular.
2.º A Maledicência, ou murmuração feita em conversação particular,
sem estar presente o murmurado, no tocante a sua pessoa, e honra, nunca
pode ser objeto de injúria; mas esta poderá ser levada àquele, ou àqueles,
que lha vierem recontar, ou a manifestarem, espalharem, ou escreverem em
papéis públicos.
3.º A Prisão jamais será efetuada senão para efeito de se fazer executar,
e levar ao fim as penas de suspensão, perdimento do posto, cargo, ou ofício,
pecuniária, corporal, e extermínio, às quais, o Cidadão não queira sujeitar-se,
depois de ter sido ouvido cumpridamente [sic] no estado de sua soltura, e

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condenado em algumas delas; excetuam-se os quatro casos únicos do Cidadão
ser achado em flagrante delito, de Moeda falsa, morte, ferimento em rixa,
e furto, pois qualquer poderá prendê-lo, e autuar logo os instrumentos com
que o pratica.
As penas são justas, quando são necessárias; e suficientes, quando são
eficazes; estas cinco espécies referidas, ou juntas, ou cada uma per si bem
se vê: que equivalem à quantidade da malícia do maior delito, e excluem as
atrozes.
O Extermínio por si e muito mais junto à pena pecuniária, em que
se compreende o sequestro é o maior castigo, e correção para o Cidadão
homicida, se principalmente tem bens, mulher, ou filhos, amor ao País, em
que nasceu, e um muito pequeno grau de ternura; além de forte e eficaz dá
sempre lugar a sua emenda, e arrependimento, e o coíbe a tempo.
A Pena corporal molesta sempre o preguiçoso, o vadio, o cruel, e o feroz.
A pecuniária atormenta o avarento, e consequentemente o perjuro, o amigo
do alheio, o libidinoso, e o caluniador. A perda do Ofício, ou Cargo, obriga
o ambicioso, o prevaricador, e o concussionário, o sublevado, e o servil.
Parece, Excelentíssimo Senhor, que a prisão executada fora daquelas
cinco únicas hipóteses do terceiro projeto, é uma pura vingança, um abuso
o mais descarado da Justiça natural, e repugnante à cultura, e policiação do
século em que vivemos, muito mais estando quase abolido o uso da pena
última: para honrarmos aquele, e sermos verdadeiros Constitucionais, é
preciso circunscrevê-la naqueles cinco limites.
A pena última, que os Pandemônios das Relações (supérfluas, e grande-
mente prejudiciais à fortuna, a riqueza, e sossego do Brasil, como demonstra
a Sua Majestade Nacional, e Real em Cortes de Lisboa o Epaminondas
Americano na 5.ª nota, e data de 3 de Fevereiro, e muito mais na carta dirigida
do Maranhão ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Manoel Fernandes
Thomaz, em 15 de Agosto deste, precursoras de grandes acontecimentos,
e revoluções, enquanto a preocupação de Tribunais antigos, e respeitáveis
as conservar) têm usurpado ao Supremo Juiz, e Supremo Legislador infrin-
gindo-as sacrilegamente 2.ª vez contra a fraqueza humana, e sacrilegamente
prevenindo-a, muitas vezes por dinheiro, ou por vingança contra o Cidadão
homicida, às vezes sem liberdade de deixar de o ser, é injusta, porque não
é necessária; e insuficiente, porque não estorva os delitos, além de não dar
acesso à emenda daquele, muito mais, porque recai na sociedade, a quem ele
nunca mais pode ser útil, e prestar serviços; e é sentida ordinariamente por
uma respeitável família de Órfãos de toda a idade, que dele ficou privada.

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Só a Guerra, e Nemroth inventou esta pena, divinamente reprovada
na enumeração do 3o. projeto referido, e pelo cálculo dos danos; pois os
Homens, Senhor, são como as Árvores, que custam tanto a crescer, quando
estas custam a copar, e tão fáceis de aniquilar-se, ou morrer, quanto estas
em cortar-se e deitar no fogo. É preciso enviar à Província do Maranhão as
5 Leis pedidas a sua Majestade Nacional, e Real no Requerimento avulso,
para cessarem os males de um desalmado servilismo, que está padecendo,
disfarçado com as inculcas, ou tabuleta de bom Governo Provisório; e assim
mais é preciso impor-se àquele, geralmente, algumas das penas do 3o. projeto
para firmar sem demora a confiança pública, que pode ser abalada, se o
julgar fortificado na Cidadela da frouxidão, ou Anistia.
Tornemos, Senhor, muitas vezes, e enquanto é tempo, por uma espécie
de generosidade aos Conspiradores aqueles castigos do 3.º projeto, brandos,
mas eficazes, pelos atrozes que eles sempre têm executado só com a vantagem
de prepararem a ordem admirável de coisas, em que estamos. Não demos
tempo ao tempo, nem atendemos informações, como os Villas Novas, pois
que a verdade resgata-se por si mesma. É um erro esperar que os Cidadãos
se matem uns aos outros e façam Justiça a si próprios, e o maior de todos
os desastres, que se prepare uma contra nova séria de coisas. Não é um
Cidadão refugiado no Pará, quem fala, é sim a província do Maranhão,
e o Brasil todo por uma fase uniforme. O servilismo, e a Tirania têm uma
linguagem para enganar, e impor ao Supremo Poder, e outra para mandar
seus Satélites, e comunicar os adeptos. Ele desce com valentia, e destruição,
vendo subir com brandura.
Ultimamente Excelentíssimo Senhor, nada teremos feito sem a respon-
sabilidade dos Juízes, e a Imprensa livre, esta anda sempre a par daquela;
entre outras coisas que a preparam é o mencionado 3.º projeto, sem dúvida
alguma. Ela parece que se não pode obter, se não pelo modo indicado na
8.ª, e 9.ª Nota do Epaminondas de 3 de Fevereiro, e na Carta suprarreferida
ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Deputado Restaurador Manoel
Fernandes Thomaz, dirigida do Maranhão em 15 de Agosto.
Deus guarde a Respeitável Pessoa de Vossa Excelência por muitos anos,
pois
Sou de Vossa Excelência Ilustríssimo Senhor Francisco Simões
Margiochi.
O mais atento Respeitador, e menor Criado.
Pará 27 de Outubro de 1821.

MANOEL PAIXÃO SANTOS ZACHEO

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Postscriptum. Do Maranhão avisam, que o Governador Provisório
Bernardo da Silveira fizera no dia 11 de Setembro umas suntuosas, e magní-
ficas Exéquias por Alma do Excelentíssimo Conde de Amarante seu Sogro;
uns riram, outros choravam por se gastar tanta cera, o certo é se [o] Peito
deste tiver tanto de Catolicismo, como o daquele tem de Constituição, pouco
lhe aproveitarão os Sufrágios.

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Carta, que hum Brasileiro muito amante da sua Patria dirigio a
hum seu amigo, residente fora da Corte.
Vi a representação de Joaquim Gonçalves Ledo que Vossa mercê, me fez a
mercê de enviar, e muito admiro que ela merecesse a menor atenção nessa
Cidade. Eu certamente não lhe acho merecimento algum, nem em razão do
estilo, nem em razão da matéria. Quanto ao estilo, porque não vejo nela
senão palavras sesquipedais, e algumas destas, obra do seu cunho, como por
exemplo = impressionado = que não se sabe a que língua pertence, galicismos
a cada passo, pensamentos mal explicados, como verbi gratia o de = concei-
tuar rumores = que não exprime o que pretende o Autor, e períodos tão mal
organizados, que cansam a respiração, e fazem perder o fio do discurso.
Quanto à matéria, não falemos nisso, é o papel mais insolente que tenho
visto: nele ressumbra a mais insana vaidade, a mais nojenta impostura, e
sobretudo, a mais atroz invectiva contra a Sagrada Pessoa do Imperador,
contra o seu honrado Ministério, e contra o bom Povo desta Província, que o
tirou do pó da terra para lhe confiar os seus mais caros interesses, e que agora,
sobre traído, se vê por ele publicamente insultado. Mas que outra coisa era
de esperar de um homem imoral, e tão orgulhoso, que se jacta de não saber
de que cor é o chão? Talvez pareça-lhe que neste meu juízo há demasiada;
não é assim; e eu vou mostrar-lhe o contrário pela sucinta análise da mesma
representação.
Principia este farsante o tal papel fazendo um aparatoso alarde dos servi-
ços que prestara à sua Pátria em geral, e ao Imperador em particular, e sem
nos dizer quais eles serão (pois eu ainda o ignoro), parece querer atribuir à
relevância dos mesmos a sua nomeação de Deputado para a Assembleia Geral
do Brasil, de que segundo diz tanto se compraz: e não acha Vossa mercê que
isto é o cúmulo do atrevimento e da impudência? Assim se mente aos olhos

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do Público, e de Sua Majestade? Que serviços fez Ledo antes de ser nomeado
Procurador de Província, ou ainda depois? Eu não lhe conheço outros, senão
o de ter sido um furioso Demagogo na Praça do Comércio, ter promovido
a desordem que ali houve, e depois o de ser autor ou colaborador de alguns
pequenos e insignificantes escritos, quase sempre em sentido pedantesco, e
adubados com o veneno do seu coração: e isto não sei eu que seja motivo para
tanta filáucia. O que mais espanta porém é querer ele inculcar-nos que essa
fora a razão por que o nomearam Deputado, quando todo o mundo sabe que
tal nomeação fora devida ao seu amigo Nóbrega, o qual sabendo que alguns
Militares o pretendiam obsequiar com seus votos, e não querendo pôr-se na
contingência de trocar 12$ por 6, entrou a insinuar-lhes que votassem em
Ledo seu consócio na confraria, e desgraçadamente assim o fizeram muitos.
Daqui pois nasceu uma pluralidade suficiente para estofar o vaidoso coração
do Excelentíssimo Representante com as honras do dito cargo.
Mas quão mal pagou ele a esses mesmos Militares, e a esse bom Povo
que tão obsequiosamente o tratou; tinham-no escolhido para representante
das suas vontades, para defensor dos seus legítimos direitos, e ele em vez de
preencher tão importante tarefa passou a abusar da confiança de seus comi-
tentes, procurou arrastá-los ao abismo da anarquia: e porque foi conhecido
em tempo, ainda em cima os enxovalha agora com os ignominiosos epítetos
de = indivíduos da mais baixa plebe, vendidos à facção dos seus inimigos,
homens de desacreditada reputação, perversos amotinadores. = Que desaforo!
Que atrevimento! Um biltre desta natureza ter a ousadia de insultar assim a
tantos Militares honrados, e da maior Graduação, a tantos Cidadãos sisudos,
aos próprios Procuradores, das Províncias que figuraram no acontecimento
do dia 30 de Outubro! Chamar motim, insulto, e pública assuada a um ato
praticado com a maior legalidade e decência! Ah! Santo, Deus, de que não será
capaz o desmedido orgulho deste monstro, se ele chega a ponto de ultrajar
assim àqueles mesmos que lhe deram o ser, e a representação de que gozava! E
ainda ousa Sua Excelência dizer-nos que é constitucional? Ainda estranha que
as autoridades Públicas não coibissem o chamado insulto de que se queixa?
Oxalá que elas o não tivessem feito, ou ao menos que o não houvessem tratado
com tanta consideração, porque então não deixaria de passar à posteridade,
com a Ata daquele dia, a memória do seu nome, e o desses varões conspícuos
contra quem a execração pública tão altamente se declarou.
É verdade que se acreditarmos a Sua Excelência, seria isso uma injustiça
manifesta, pois não eram merecedores de semelhante sorte Cidadãos tão
beneméritos pelos seus pretéritos e recentes, públicos, e inegáveis serviços,
feitos à causa do Brasil. Mas que há de ser, se o Povo do Rio de Janeiro

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entende o contrário? E o caso é que não se engana, pois se bem refletirmos e
pesarmos na balança da razão todos esses serviços, que tão pomposamente se
alardeiam, veremos que eles só foram dirigidos ao interesse da facção, e dos
indivíduos que os fizeram. José Clemente, depois de ter sido o satélite de Ledo
na desordem da Praça do Comércio, procurou embaraçar a representação do
memorável dia 9 de Janeiro, sendo para ela convidada pelo Excelentíssimo
José Mariano, e chegou a sua ousadia a ponto de dizer a este honrado Cidadão
que os Decretos das Cortes deviam cumprir-se, que a Junta Provisória devia
instalar-se, que Sua Majestade devia ficar sendo o Presidente dela, se quisesse,
e do contrário ir para a sua Fazenda de Santa Cruz, porque não faltaria quem
Governasse. É certo que este novo Proteu mudou depois de linguagem, arras-
tado pela torrente da opinião Pública: mas que importa, se não mudou de
sentimentos? A sua louca ambição, decepada por um lado, tentou rebentar
por outro, e lhe fez conceber a esperança de que seria nomeado Deputado
para nossa Assembleia, mas apenas viu que era excluído disso pelo §2 do
Capítulo 4 das Instruções de 19 de Junho, entrou a vomitar contra estas mil
impropérios, e teve tal desgosto que se retirou por algum tempo para fora
da Cidade: e só depois tornou a aparecer em cena, foi para dar exercício ao
seu gênio travesso e revoltoso, foi para convidar de per si as Câmaras desta
Província, e as de muitas outras para aclamarem a Sua Majestade debaixo
de condições ridículas, foi para querer persuadir o mesmo à desta Cidade,
foi enfim para fazer serviços tais, que mereceu que Sua Excelência, falando
do seu merecimento no dia 12 de Outubro, dissesse que com tal homem seria
capaz de revoltar o Mundo inteiro.
Quanto a Nóbrega, sabemos o que tem sido, e foi sempre: espião abjeto
do desconfiado Villanova; amigo íntimo do desmemoriado Oliveira, e inimigo
mortal do honradíssimo Andrada, mas sem forças nem cabeça para resistir-
-lhe, passou a bandear-se com Ledo que achou azado para isso, e desde então
foi um fiel observador de seus preceitos, e ditames políticos: ele contribuiu,
como já disse, para que Sua Excelência fosse nomeado Deputado, ele fez com
que se lhe aumentasse ao ordenado Escriturário mais 200$ réis: ele mandou
que se lhe pagasse o mesmo Ordenado pelo Cofre da Pólvora, por ser o mais
bem parado; ele andava pedindo enfim a Sua Majestade Imperial a Insígnia
de Grã Cruz para o mesmo Excelentíssimo Senhor, e até dizem pretendia
forjar uma Bernarda para o enxertar em Ministro dos Negócios da Fazenda.
Ora que parentesco tem estes serviços com a causa do Brasil? Que relação
há entre uma e outra coisa? Tanta como entre o dia e a noite; a ordem, e a
desordem; o bem público, e o de três indivíduos que se tinham dado as mãos
para fazerem reciprocamente a sua fortuna à custa do miserável Povo; pois

665
dizem as más línguas, (e o caso é que com bastante fundamento,) que Ledo
em retorno de tantos obséquios andava também solicitando de Sua Majestade
o posto de Marechal para Nóbrega, e que para José Clemente destinava o
lugar de Secretário do Estado dos Negócios do Império, quando se efetuasse
a mudança do atual, e para a qual contava com o apoio de seus confrades;
e eis aqui como um homem que tanto se preza de Constitucional disponha
com mão franca da fortuna pública em proveito seu, e de seus amigos. Mas
que admira isso! Cumpria-lhe ser grato, e Sua Excelência nunca foi delicado
sobre os meios de exercer as suas virtudes.
O que mais admira porém, e até parece impossível é, que não tendo Ledo
forças para realizar o plano que fica dito, e sendo aliás tão inábil para coisas
de Fazenda, que tinha a Escrituração a seu cargo atrasada, e até errada, de
maneira que, quando saiu Procurador da Província, requereu um Aviso pela
Secretaria de Guerra para tirar os livros para casa, a fim de corrigi-la e adiantá-
-la, se lembrasse contudo de aspirar a Secretário do Estado do[s] negócios da
Fazenda. Entretanto meu amigo, é isso uma verdade, de que Vossa mercê não
deve duvidar, uma vez que queira ter a bondade de refletir comigo no caráter
do sujeito, e nas causas que influíram sempre em seus procedimentos. Ledo
nunca foi Democrata por gênio, ou por princípios: foi sim porque o pedia seu
interesse, e tanto que no antigo Governo se não desdenhou de ser vil cortesão
de um grande para obter o lugar de Escriturário na Contadoria do Arsenal:
mudados porém os tempos, tomou nova máscara, entrou a lisonjear o Povo
com a aparente defesa de seus direitos, que ele na realidade queria calcar
nos pés. Teve esta linguagem o desejado sucesso, e desde então, apareceu
Ledo Procurador da Província e Deputado por ela. Enfeitado já com duas
Excelências, cresceu sobremaneira o seu natural orgulho: mas, não tendo
meios suficientes para sustentá-la, nem podendo vencer o rebelde, e obstinado
desinteresse dos dois honrados Ministros José Bonifácio, e Marti[m] Francisco,
que não apoiaram os seus projetos, tentou derribá-los, e para isso foi pouco,
e pouco, e surdamente minando a sua bem merecida reputação. Ajudou-o
nesta empresa o brioso Ex-Ministro da Guerra, seu Amigo e confrade, e com
o valor próprio dos da sua profissão, entrou a fomentar a intriga com maior
afoiteza, e publicidade, e até procurou ganhar a si o partido da Tropa, com a
qual tanto contava, que ainda dois dias depois de deposto, se queixou a um
amigo seu da falta de caráter dela. Ora com tais disposições, e com tão pode-
roso auxílio, por que não aspiraria Sua Excelência ao Ministério da Fazenda?
É verdade que esta sua pretensão parece à primeira vista incompatível
com os poucos conhecimentos nos Negócios de Fazenda que ele mostrara ter,
e se colhe do fato acima referido; mas não dirá outro tanto quem o conhece.

666
Ledo era daqueles gênios grandes que não se ocupam com miudezas; porém
tinha inteligência para tudo, e se a não mostrou na Escrituração da Contadoria
do Arsenal, é porque se não compadecia tão mesquinho trabalho com os seus
vastos talentos, que demandavam teatro maior, e mais brilhante. Oxalá que ele
pilhasse nas unhas o Tesouro Público, pois só então poderia mostrar o que era.
Mas enfim deixemos esta especulação, que por felicidade nossa se malo-
grou; sigamos ao novo Faetonte na sua incendiária carreira, e vejamos os raios
e coriscos que ele arroja com mão larga sobre o nosso horizonte político.
Humilhado Sua Excelência com o fatal sucesso do dia 30 de Outubro, nem
por isso desacorçoou: o seu ânimo impávido tomou novo elastério, a sua
nímia soberba cruelmente ofendida, buscou vingar-se; e lembrando-se das
primeiras artes com que medrara, quis ainda tentar se produziriam agora o
mesmo efeito. Para isso pois, ele nos pinta no seu alcandorado estilo a prema-
tura queda da Constituição, e o Governo Despótico e arbitrário, erguendo o
seu Trono sobre as ruínas dela, os Cidadãos Constitucionais perseguidos a
toda a brida: e por quê? Por desejarem ver bem marcada a linha dos poderes
políticos, bem estabelecida a responsabilidade dos Funcionários Públicos, e
bem firmada a segurança individual e de propriedade; ele se enche enfim de
uma santa indignação à vista de tão lastimoso quadro, e calçando então o
trágico coturno, erguendo a voz, afoito não pode conter-se que não exclame
da maneira seguinte = Sim, os meus perversos êmulos agermanaram [sic] toda
a eficácia da sua malevolência, com a estúpida prática de meios contrários aos
seus fins; eles puseram em alarme os povos, deixando-lhes entrever o alvo a
que atiram, eles o tornaram cismáticos para desabraçarem a nossa política
independência, que nas Províncias flutua ainda nos embates de contradição. =
Ah, meu amigo, a primeira vez que li esta arrogante farfalhada, não
lhe posso explicar como fiquei, gelou-se-me de medo o sangue nas veias,
turvou-se-me a vista, os cabelos se me arrepiaram, faleceram-me as forças, e
a trêmula balbuciante voz apenas pode

A Deus pedir [pedi] que removesse os duros


Casos que Adamastor contou futuros.1

Hoje porém, que já estou inteiramente desassombrado, e senhor de


mim, não deixarei passar sem algum resdaro [reparo?] as falsas e caluniosas
proposições que o autor da representação tão enfaticamente arroja neste lugar:
elas contêm veneno oculto, e cumpre descortiná-lo nos olhos do Público.

1
N.O.: Camões, Os Lusíadas, canto V, 60.

667
Comecemos pois pela primeira, que é o esquecimento que Sua Excelência
lastima da Constituição; mas de qual fala ele; da nossa? Nós ainda a não
temos: temos somente a Imperial promessa de que ela há de fazer-se, e nisso
estamos firmemente escorados, nem outra coisa pode esperar do Caráter
Franco, e Magnânimo de Sua Majestade Imperial, da honra e liberalidade do
seu Ministério, e dos contínuos esforços e preparativos para tão grande obra.
Como então pode dizer-se com verdade que se trata de por em esquecimento
uma Lei que ainda não existe? Não é porventura isto uma calúnia manifesta?
Mas vamos adiante que ainda nos resta muito que fazer. Queixa-se
Sua Excelência de que seus perversos êmulos, queiram substituir o Governo
Constitucional proclamado o despótico, e arbitrário, antecipando as épocas de
o poderem fazer; mas antes de entrarmos no exame da proposição, saibamos
primeiro quem são esses seus êmulos: o contexto do discurso parece indicar
que tais epítetos se referem a Pessoas, que estão no Ministério, pois só estas
poderiam pela sua autoridade influir na pretendida mudança: e serão porven-
tura os Excelentíssimos Andradas? Não o creio: eles têm por uma parte sobeja
honra, desinteresse, e virtudes, para excluírem de si a ideia de perversidade, e
por outra, estão muito acima de um Ledo, para que o possam invejar.
Dado porém o caso que Sua Excelência, por efeito do seu nímio orgulho,
queira aplicar-lhes esses epítetos, que só a ele convêm, como pode quadrar
com o caráter de varões tão beneméritos a grave imputação que aleivosa-
mente se lhes faz? Todo o Brasil sabe, que estes honrados Cidadãos foram
os que deram o primeiro impulso à nossa Independência política: que a sua
bem conhecida reputação de honra, saber, desinteresse, e liberais sentimen-
tos é quem têm contribuído em grande parte para a união das Províncias, e
para sustentar a Independência do Império nas Cortes Estrangeiras; que a
sua administração pública tem sido por extremo desinteressada, e coerente
com as Leis atuais, e que em toda ela não reluz uma só ideia ou indício do
projetado despotismo. Logo porque são acusados da intenção de promovê-lo?
Será talvez por quererem restabelecer a ordem, e manter a segurança pública
nesta Província? Creio que sim, e a prova é o que vou a dizer.
Lembrado estará Vossa mercê que desde o dia 26 de Fevereiro de 1821
se não conheceu nessa Cidade, e talvez em toda a Província, o que era ordem:
em toda ela reinava uma perfeita anarquia, que ainda que mansa, pelo caráter
do povo, servia contudo de estorvo ao progresso dos negócios, e poderia ter
um dia consequências funestas. O Ministério frouxo, e sem sistema, deixava
flutuar as rédeas do Governo à discrição dos Lusos Janízaros, e de alguns indi-
víduos, que armavam por este meio a sua fortuna. As Bernardas sucediam-se
a cada passo, os partidos cresciam, e inflamavam-se: os Cidadãos pacíficos

668
tremiam a cada momento; a própria Imperial Família via-se muitas vezes
forçada a abandonar os seus Reais Paços, e de uma até perdeu; Oh mágoa!
O tenro Primogênito, que era já então o arrimo das nossas esperanças.
Neste estado de coisas, foi nomeado o Excelentíssimo José Bonifácio,
Ministro de Estado dos Negócios do Império, e querendo restabelecer a
ordem, tão necessária em toda e qualquer sociedade, achou nisso obstáculos
quase invencíveis: mas enfim, a sua incomparável energia, caráter franco e
verdadeiramente liberal, a notoriedade das suas luzes, e boas intenções, e a
sua nímia probidade, reconcentraram em torno dele a opinião pública até aí
desvairada, e deram, como é natural, à sua administração o necessário vigor,
e ao Povo a segurança e tranquilidade.
Não era porém isto o que convinha à facção dos aventureiros; o seu
interesse consistia na desordem, e por isso, além de a promoverem nos seus
clubes particulares com o especioso nome de liberdade, procuraram também
fomentá-la no público com escritos incendiários, e para o fazerem solapa-
damente, e com mais segurança, lembraram-se organizar um Periódico inti-
tulado = Correio =, que saía diariamente nesta Corte, e de que se inculcava
Redator um certo Lisboa; mas a verdade é que este pobre animal só servia ali
de testa de ferro, e que todo o seu cabedal era fornecido por mãos ocultas, e
de pessoas da terrível seita.
Daqui nasceu pois que este Periódico, em vez de se limitar a defender
a causa do Brasil, e a congraçar com ela a opinião dos Povos, passou pelo
contrário a disseminar entre eles ideias anárquicas, já inspirando desconfianças
injustas contra o Governo, e seu Ministério, já sendo o veículo de quantas
injúrias havia contra as Autoridades públicas, e já enfim tratando com bem
pouco respeito até a Augusta Pessoa do mesmo Imperador.
Desprezaram-se a princípio estes excessos, como filhos da ignorância do
Redator, ou também como ressaibos da sua primeira origem: mas vendo-se que
eles continuavam cada vez mais e com maior afoiteza, se tratou de coibi-los
pelos meios legítimos, o que desgraçadamente não teve efeito, porque os Juízes
eram em grande parte da mesma facção e Sua Excelência e seus consócios
acérrimos protetores do Rio. O certo é que de então em diante cresceu tão
desmarcadamente a ousadia do tal Periódico, que chegou a anunciar que Sua
Majestade era um puro Democrata, e mero Presidente da Nação Brasileira,
querendo por este modo familiarizar o Povo com ideias Democráticas, e
destruir nele o respeito que devia ter ao Chefe do poder executivo.
Acordou então o Governo, e prevendo os males que daí poderiam resul-
tar, e que por outras combinações lhe pareciam impendentes e inevitáveis,
assentou em os atalhar quanto antes, e para isso ordenou ao Redator do tal

669
Periódico, que dentro de oito dias saísse para fora dos limites do Império:
expediente este que ainda que não fosse precedido das formalidades ordinárias,
foi todavia indispensável, e assaz justificado com a evidência e gravidade do
crime, com o perigo da segurança pública, e com o repetido exemplo de muitos
outros Governos que em semelhantes épocas, e ainda depois de constituídos,
usaram de iguais medidas.
Entretanto, não pensaram assim os colaboradores do dito Periódico:
escandalizados com semelhante ordem puseram-se em campo para estorvar o
seu efeito, e como não conseguissem, eis que tocam a rebate contra o Governo,
e seu Ministério: Sua Majestade Imperial é insultado nos clubes com atrozes
invectivas; os dois Ilustres Andradas são infamados com o desígnio de quere-
rem restabelecer o antigo Despotismo, e até espalham-se vozes de haver um
partido Militar destinado a depô-los.
Anteviram os honrados Ministros a tempestade que os ameaçava, e
querendo salvar-se dela a tempo e com dignidade, e sobretudo livrar-se da
responsabilidade que sobre eles recairia pelos males futuros, pediram a sua
demissão, que de fato lhes foi concedida: mas apenas se rompeu no público
esta notícia, qual não foi então a consternação deste Povos? Vossa mercê é
testemunha do desgosto que reinava no semblante de quase todos: parecia-lhes
que a Majestosa Árvore da nossa Independência ameaçava ruína, e que na
sua queda levaria de envolta a comum fortuna, e segurança: eles se preparam
pois para obstar no fatal golpe; eles correm a toda a pressa para a casa da
Câmara; dali dirigem súplicas a Sua Majestade para a restituição dos Ministros
demitidos, e apenas a conseguem vão os buscar em triunfo entre mil vivas, e
aplausos. Ora se tais Ministros tivessem, como se diz, tentado restabelecer o
Despotismo, se tivessem dado disso a menor ideia, teriam porventura mere-
cido de tantos e tão distintos Cidadãos de todas as classes um testemunho
tão brilhante de sua afeição? Não decerto: e muito principalmente se estes
eram da baixa plebe, como Sua Excelência diz, pois esta miserável condição
é a que mais sofre nos Governos Despóticos.
Daqui verá Vossa mercê quanto é falsa e caluniosa a imputação de
Despotismo que o Excelentíssimo representante faz aos chamados êmulos,
sem todavia especificar-nos um só fato que a prove, pois ainda que diga em
geral que Cidadãos Constitucionais são perseguidos a toda a brida, contudo
não aponta quem eles sejam, nem em que consistem tais perseguições, aponta
somente o motivo delas, que é por certo contraproducente: pois confessando
que eles desejaram ver bem marcada a responsabilidade dos funcionários, e
bem firmada a segurança individual, confessa indiretamente; que eles preten-
diam mudar o atual estado das coisas, e erigir-se em reformadores da pública

670
administração e das leis existentes. Mas quem lhes deu direito para isso?
Que desgraçado não seria o bom Povo Brasileiro, se confiasse a sua sorte de
semelhantes cabeças! Felizmente ele conhece, que só à Nação inteira, ou a seus
Representantes juntos pertence a autoridade de criar poderes, de marcar a
linha de seus direitos e deveres, de estabelecer os meios da segurança pública,
e de vigiar depois sobre a conservação da sua obra; ele sabe muito bem que
aos particulares, por mais autorizados que sejam, não resta senão obedecer
às Leis atuais, e que todo aquele que a despeito destas ousa erguer as mãos
impuras para tocar na Arca Santa da Aliança, comete o crime de lesa-Nação,
e despenha a sua Pátria nos abismos da Anarquia.
E poderia Ledo ignorar estas verdades, tão triviais em política! Não
o creio, meu Amigo, nem é possível crê-lo sem fazer ofensa à sua natural
razão. Sua Excelência era Poeta ainda que daqueles, de quem diz Horácio =
Non Dii, non homines, non concessere columnæ2 = Sabia alguma coisa de
línguas estrangeiras, e é de supor que tivesse lido alguns políticos, mormente
agora depois de eleito Deputado; portanto, não lhe podiam ter ocultas coisas
tão vulgares. É pois mais provável que se ele avançou princípios contrários
aos que ficam expostos, foi para desculpar o seu procedimento, e o de seus
consócios, que por ele se haviam dirigido, e também para excitar o ódio, e a
indignação popular contra aqueles que ousaram levantar o véu às suas negras
intenções. E pergunta-nos ainda este malvado se ele tem virtude plástica de
formar Repúblicas? E ainda exige um corpo de delito? Que maior o quer
ele do que a sua mesma Representação? Não se vê nela inspirar no Povo, a
cada passo, desconfianças contra o Governo: inculcar uma e muitas vezes o
retorno do Despotismo, e ameaçar, enfim, a Sua Majestade Imperial com a
desunião das Províncias? Não assoalha aí a perigosa ideia de que os Povos
se não importam com formas de Governo, ou por outra, que todos lhe são
indiferentes? Que formidável político! Será pena que fiquemos privados de seus
importantes trabalhos, e que deles não aprendamos o maravilhoso segredo de
amalgamar sistemas tão diversos em princípios, como em resultados; segredo
que lhe daria por certo maior honra do que todos os cargos, que ora ocupa.
Mas já que falamos de honra, cumpre dizer alguma coisa a respeito do
denodado, e brioso esforço, com que Sua Excelência protesta vingar a sua
das atrocidades, que lhe fizeram: esta pretensão é por certo mui digna do
homem de bem, do Cidadão honesto. Ele tem por suas virtudes um inauferível

[Mediocribus esse poetis] non Di, non homines, non concessere columnae: Nem os deuses,
2

nem os homens, nem as colunas [dos livreiros] permitem aos poetas serem medíocres.
N.T.: Horácio, Ars poetica, 372:3.

671
direito, (quando mais não seja,) a estima simples de seus Concidadãos, e uma
vez que a tenha adquirido, deve trabalhar por mantê-la, e conservá-la, como
parte competente do seu ser político; aliás mostraria fazer pouco caso dessas
mesmas virtudes por que a obteve, e até tornar-se-ia objetos de execração.
Mas está porventura Ledo em circunstâncias de entrar nesta perigosa
lide? Sabe ele em que consiste a verdadeira honra? Meteu acaso a mão em
sua consciência, e sondou bem a fundo todos os recessos de seu coração? Fez
resenha de todos os passos de sua vida? Talvez que não; e por isso receio que
fique mal; pois além dos crimes que ora lhe imputam, e que se conheceram
pela devassa, a que Sua Majestade Imperial Mandou proceder, o inexorável
Tribunal da opinião pública o tem já condenado por certos fatos, que além
de afiançarem o seu vencimento em Juízo, deixá-lo-ão em perpétua vergonha,
desar, e inabilidade para lugares públicos.
E não cuide Vossa mercê que eles sejam ocultos, que se não possa atinar
com os mesmos: pelo contrário não há ninguém que os não saiba. Eu mesmo
que vivo arredado dessa Corte, que tenho poucos amigos, e nenhum deles
da laia de Ledo, que aborreço enfim a murmuração, e tudo quanto pertence
à crônica escandalosa de vidas alheias, não pude deixar de saber cá no meu
retiro, que este honrado homem, no tempo em que era ainda Laranjeira, teve
a vileza de representar da outra banda o vil papel de Mercúrio de Francisco
Lobato para certa Dama, e que em razão deste interessante serviço, é que
apanhou o Lugar de 1.º Escriturário da Contadoria do Arsenal. Ora quem
estreia a sua entrada no mundo com um fato desta natureza, que esperanças
pode dar de si para o futuro? Diga-o a célebre Donay, que vindo com ele da
Inglaterra, e tendo-lhe franqueado a sua amizade, e favores, nem por isso
espalhou a singular destreza, com que este pérfido Sinon, lhe roubou certa
quantidade de dinheiro, fruto de seu trabalho; e este fato é tão notório, que
andou em autos públicos. Diga-o também o bom Faccioti, a quem Ledo foi
apresentar uma Letra falsa, com a firma de Costa Ferreira, recomendando-lhe
que a não negociasse por não desacreditar a firma do Aceitante, o que ele com
efeito acreditou, e a teve em seu poder por espaço de 5 anos.
Mas para que gastarmos tempo em referir coisas velhas, quando as temos
bem modernas? Não é público e constante que Sua Excelência ainda agora
depois de ser duas vezes Excelentíssimo, recebera grossa soma para implorar
a obter de Sua Majestade (como de fato obteve) o perdão dos criminosos de
São Paulo? Não é também público que ele aceitara do Coronel Frazão uma
casaca de veludo verde, e uma véstia de cetim bordado por haver conseguido
de seu Amigo Nóbrega a Baixa de um Soldado, que protegia o mesmo Frazão?
E o mais é dizer-me pessoa de confiança, que este Coronel, sendo chamado

672
a juramento, assim o declarara. Eu porém o que sei decerto é, que ele no dia
da Aclamação apareceu com a dita véstia e casaca; assim como sei também
que as más manhas nunca se perdem.
Ora tendo Ledo tantas, e tais mataduras como estas, (fora as que lhe não
conheço, porque nunca tratei a besta de perto) como se afoita ainda a falar-
-nos da sua honra, e pedir se lhe facilitem os meios de defendê-la? Presume
ele ter a virtude mágica de fascinar-nos a vista, e o entendimento! Quanto se
engana! A que desgraça o não arrasta o seu imenso, e não fundado orgulho!
Melhor lhe fora cem vezes, que deixando esta arriscada empresa, tivesse a
prudência de servir-se do passaporte que pedira, e fora desenvolver, e realizar
os seus planos democráticos nos vastos sertões Africanos. Que grande serviço
não faria então à humanidade!
Mas enfim, já que Sua Excelência tem a temeridade de querer ainda
justificar-se venha o Touro à praça, divirtamo-nos com ele, e meta-lhe cada
um a sua garrocha com a força que tiver. Todo o Povo foi insultado na sua
Representação: todo ele pois deve tomar a devida desforra, e de maneira tal,
que lhe faça conhecer quanto vai do Representante ao Representado. Não lhe
valha a imunidade que reclama, porque a não tem, nem pode competir-lhe
senão depois de entrar em função; e essa mesma não é para os que se têm
declarado inimigos da Pátria, pois seria um absurdo político que a Nação
concedesse privilégios a quem pretende destruir a mesma Nação. E de mais,
que loucura não será a desse Povo, se continua ainda a confiar de Ledo o
importantíssimo depósito da sua vontade, da sua liberdade, e de tudo quanto
tem de mais caro neste mundo? É prudência esperar ainda que haja de desem-
penhar os seus deveres um Mandatário, que antes de entrar em ação já procura
desviar-se do trilho que lhe marcaram, em prejuízo de seus Mandões? Não
meu Amigo, as suas intenções estão conhecidas, e suficientemente apupadas;
o touro tem sido espicaçado por mil partes, e o seu furor assaz rebatido. E se
de mau Mouro nunca se faz bom Cristão, que fará de um Renegado?
Derrube-se pois por terra o ídolo que a intriga, e o conluio tinham
erguido para ser o objeto das nossas adorações. Conheça o sincero Povo que
foi enganado, e arrependa-se da indiscrição que teve em matéria de tanta
consequência. Perca a esperança de que possa reformar as suas instituições
um homem que em si mesmo precisa de reforma, e casse quanto antes a sua
ilegítima nomeação. Nem para isso é mister que o seu Diploma seja examinado
na futura Assembleia, como erradamente se pensou; esse exame só tem lugar
para os vícios da eleição, mas não para a incapacidade de pessoa: e demais,
não pode o Constituinte revogar a procuração do seu constituído, antes de
ser posta em execução?

673
Mas basta meu Amigo de enfadá-lo mais com as minhas reflexões; eu as
não teria feito, se não tivesse visto semelhante Representação, que é o maior
corpo de delito, que pode ter o monstro que a organizou: nela se descortina
a irresistível tendência do seu gênio para revoluções; nela se descobre o
veneno oculto do seu coração, e deixá-lo-emos grassar, e derramar-se por
ânimos incautos, e menos refletidos, sem que leve a par de si o antídoto? Não
certamente, as consequências seriam mui tristes; o mal é de uma extensão
imensa, e a cura mui dolorosa, e mui difícil; Sirva-nos de exemplo a França;
o vizinho Buenos Aires, e todos esses países que têm sido vítimas de furiosos
Demagogos. Que desgraças não sofreram por dilatados anos! Quanto se não
retardou a sua prosperidade!
De Vossa mercê amigo sincero
J. dos C.

___________________________________________________________
RIO DE JANEIRO. NA TYPOGRAPHIA NACIONAL. 1822

674
48

CORRESPONDENCIA DE PORTO ALEGRE.


Ilustríssimos, e Excelentíssimos Senhores.
TEnho a honra de acusar a recepção do Ofício de Vossas Excelências com
data de ontem em resposta ao meu Ofício de 13 do presente, ficando inte-
ligenciado da Deliberação tomada por Vossas Excelências em Sessão do
Governo, de não aceitarem a renúncia dos Empregos, que exercito nesta
Província, deixando de admitir as razões, que expendi, como fundamento da
resolução, que tomei em retirar-me desta Província; constituindo-me Vossas
Excelências responsável para com El Rei, e a Sua Alteza Real das desordens, e
calamidades, que possam sobrevir à Província se persistir nesta resolução, sem
que chegue positiva Ordem de Sua Alteza Real à vista do que permitam-me
Vossas Excelências sem faltar ao respeito, e consideração, que merecem, faça
todavia algumas reflexões sobre aquelas razões, em que Vossas Excelências
fundaram sua deliberação, e com as quais supõem destruir os motivos, que
produzi em apoio da minha opinião, fundada em princípios verdadeiramente
Constitucionais, e pela qual me considero na legítima obrigação de demitir-
-me dos Empregos públicos, que exercito no Brasil.
Começarei pois com a minha costumada franqueza analisando os
fundamentos em que Vossas Excelências firmam a injustiça, e sem razão da
minha pretendida renúncia. É o 1.º o Juramento, que prestei na qualidade
de Presidente na instalação do Governo Provisório. Vossas Excelências não
ignoram que antes deste Juramento, já eu tinha jurado a Constituição, que
se estava fazendo em Portugal, as Bases da mesma, e na conformidade delas
Fidelidade a El Rei, e ao Príncipe Regente do Brasil, só com a Autoridade,
que Seu Augusto Pai Lhe Conferiu; e conseguintemente o Juramento, que
prestei como Presidente do Governo, não podia deixar de ser conforme aos
Juramentos já prestados, nem outra era, nem podia ser minha intenção, sob
pena de ser um perjuro de comprometer a minha honra, e a minha Fidelidade
para com a Nação, para com as Cortes, e para com El Rei, sendo só estes os
únicos princípios, que simplesmente servem de Base à minha renúncia. O 2.º
É o Juramento de Imediata obediência a Sua Alteza Real ao qual só tenho
de repetir o mesmo; porquanto tendo Sua Alteza Real igualmente Jurado a
Constituição, e as Bases, é óbvio que a obediência às suas determinações foi
sempre na inteligência implícita, de que elas jamais seriam contrárias aos
Decretos das Cortes, e de El Rei o Senhor Dom João VI. Como porém Sua
Alteza Real pelo Decreto de 3 de Junho parece usurpar a parte da Soberania
do Poder Executivo, que El Rei tem no Brasil, e igualmente o Poder Soberano

675
das Cortes, enquanto ele Manda convocar uma Assembleia Legislativa, e
Constituinte no Brasil, e isto sem ouvir, nem atender à vontade dos Povos do
Brasil, nem aos seus Deputados já reunidos em Portugal, violando o princípio
sagrado de que a Soberania reside em toda a Nação em geral, assim como
a Sua promessa de saber a vontade dos Povos, antes de dar tão precipitado
passo; indicando ao mesmo tempo em a Proclamação do mesmo dia, que
se retirem todos aqueles, que não seguirem a mesma opinião, e sistema;
parece-me que em tão críticas circunstâncias, não me resta outro partido,
senão o de fiel à minha palavra, aos meus juramentos, à minha Nação, ao
meu Rei, e às Cortes, abandonar o Brasil, e voltar para Portugal. Eu julgo,
Excelentíssimos Senhores, mui ocioso dilucidar uma matéria, que Vossas
Excelências entendem melhor do que eu. Mas seja o que for, o certo é, que
aquele Decreto separa quando menos as Províncias do Sul do Brasil, faz duas
Pátrias, estabelece dois Sistemas, dá um corte na Autoridade de El Rei, reduz
a nada os Poderes, que tinham os Deputados do Brasil, destrói os Juramentos
prestados, estabelecendo um princípio que, concedido, ameaça infalivelmente
a Constituição de naufragar no terrível escolho do Ministério, pois se admite
que a vontade geral dos Povos deste Reino do Brasil, possa ser expressada
pelo voto de só dois Procuradores de uma Província, reunidos em Conselho
com os Ministros de Estado; e conseguintemente eu, que não quer ser nem
perjuro, nem infiel, não posso, nem devo continuar no exercício dos meus
Empregos, e muito principalmente quando Sua Alteza Real estabelece dois
Sistemas, um Europeu, e outro Brasileiro, e aconselha que se retirem os que
não seguem este. Rogo porém a Vossas Excelências que não se persuadam, que
motivos de displicência, ou intrigas particulares me determinam à renúncia
pretendida: nem elas são causa suficiente para um tal efeito. As circunstân-
cias são por extremo críticas, o negócio é muito delicado; pois trata-se da
honra, que é objeto de mais ponderação, que a própria existência. Enquanto
à responsabilidade, em que Vossas Excelências me querem constituir, eu a
julgo inadmissível, porquanto não deve haver receio de anarquia, uma vez
que as rédeas do Governo se conservam nas mãos de sete Membros, tão
dignos, como Vossas Excelências, e havendo na Província Oficiais Generais
tão beneméritos, que a conservarão em sossego, e manterão a ordem pública.
E por conseguinte à vista das ponderosas razões, que tenho expendido, e que
deixo à consideração de Vossas Excelências, insisto na minha justa pretensão
da renúncia dos meus Empregos, tornando a exigir de Vossa Excelências o
Passaporte requerido. Deus Guarde a Vossas Excelências. Quartel General de
Porto Alegre 16 de Julho de 1822. – Ilustríssimos e Excelentíssimos Senhores
do Governo Provisório. – João Carlos de Saldanha.

676
COMPATRIOTAS

CHegou o precioso momento para exultar dignamente… O triunfo da


liberdade! Se nos tristes, e nebulosos dias da escravidão, com cada passo
fazíamos um anel para aumentar infortúnios e misérias, hoje venturosamente
é para sacudir aquele fatal, e ominoso destino! Por fim… Somos livres: somos
Independentes!!!
Amanheceu também nesta Capital o aprazado dia para rasgar a cortina
Constitucional de Lisboa: para que se contemplem nos homicidas projetos dos
opressores, que com ilimitada depravação, e insaciável frenesi construíram
baterias subterrâneas para defender tenazes: a ingratidão e avareza, o orgulho,
e a tirania desse Povo (que decantam) escolhido de ab-eterno!
A precedente peça, e outras, que têm produzido o autor e seus Consortes
em diversas épocas, até com menoscabo do mais justo e benigno dos Príncipes;
despertarão melhor vossos dormidos interesses; que as mais eloquentes refle-
xões! Porém notai mui particularmente, que quando se fala de Ofício em
semelhante tom: quais não seriam as frases dos noturnos, e secretos manejos!
Para temperar vossa justa indignação: uns desertam de suas Bandeiras, e
outros vergonhosamente negam suas assinaturas, entretanto os mais audazes
procuram guardar o posto, com só virar a Casaca. Pelo que não vos esque-
çais do que dizia um Ilustre Escritor: – São os Tigres domésticos, que para a
América passam a povoar, ou a governar… Aqueles desventurados.
O longo passado de humilhação, e abatimento, em que temos jazido,
bastaria para romper os ferros, que nos prendiam! Mas ainda temos outro
norte; outro inaudito motivo! A Liberalidade, a Justiça, e o Patriotismo
personificados no Imortal Senhor DOM PEDRO Primeiro, Imperador do
Brasil, e Perpétuo Defensor dos direitos Brasilienses.

O Continental.

______________________________________________________
RIO DE JANEIRO NA IMPRESSÃO NACIONAL. 1822

677
49

CORRESPONDENCIA INTERCEPTADA
Amigo Justo:

A tua última Carta não me foi tão agradável como esperava, por ser núncia
dos incômodos, que continuas a sofrer, não obstante o ar livre, que respiras.
Tu me dizes, que as notícias últimas, que recebeste da Cidade, te apanharam de
surpresa, e que elas não fizeram mais, que prolongar a tua moléstia: queixa-te,
pois dos impertinentes, que sabendo do teu estado melindroso e do quanto te
afliges com as desgraças públicas, vou contar-te o que por cá se passa. Não é
melhor, meu amigo, fazer ideia, de que tudo vai bem, do que entrares numa
indagação detalhada das nossas manqueiras, que podem determinar de ti? Se
eu me queixo dos indiscretos, que te vão angustiar com notícias assustadoras?
como pretendes, que eu seja o mesmo que t’as refira? Deixarei eu, porventura,
de responder as tuas perguntas, eu que como o meu amigo choro, por haver
ainda tanta obra de fancaria? Mas, como o mandas, tudo se te deve.
Perguntas-me admirado se com efeito, está nesta Corte Dom Manoel de
Portugal Ex-Capitão General Ex-Presidente da Junta Governativa de Minas
Gerais, e o diabo a quatro das parvoíces humanas? Se queres só a resposta, eu
te digo que ele passeia livremente pelas ruas desta Cidade, se queres lágrimas
de dor, eu t’as envio para misturar com as tuas: e se finalmente, queres que
eu diga o que sei acerca do modo agravante, com que se constituiu réu de
Lesa-Nação: escuta.
Tu bem sabes, que este sobrinho do finado Ex-Ministro de Estado
Marquês de Aguiar e filho de outro marquês, (que reduziu à moeda corrente
o retrato da Rainha de Portugal, com que fora brindado pela mesma Augusta
Senhora, na sua vinda de Espanha,) depois de bacantes correrias, foi (como
por desgraça nossa era costume) governar a interessante Província de Minas
Gerais, ou antes usufrutuá-la e destruí-la, apoiado pelo Tio no Ministério; e
que lá ficou colado até que as coisas mudaram de face. Escuso-me de referir
as nojosas patifarias, que ele praticou por lá, e a sua vida licenciosa, deixa,
que passe em silêncio as intrigas que ele pôs em jogo para ser conservado
no lugar de Capitão General pela aclamação dos pretos e pardos, a quem

678
administrava aguardente nos públicos ajuntamentos, que ele promovia; deixa
passar a criminosa e carcundática correspondência, que manteve com Pedro
Alves Diniz, (Ministro filho da mais hedionda Bernarda) para obter Avisos de
louvores; e uma célebre ordem para que se elegesse uma Junta Provisória pela
reunião de todas as Câmaras da Província, impossível de se obter a menos,
que não fosse pelo longo curso dos tempos, atentas às grandes distâncias;
a qual infernal ordem estendendo-se a Pernambuco promoveu e fomentou
então a separação desta Província do centro Brasílico. A sua demissão da
primeira Junta Bernarda; e finalmente, a nomeação da Presidência do atual
Governo de Minas Gerais, são coisas tão claras, que escusam nota. Direi
somente, o que por aqui se diz a respeito dos últimos atentados de semelhante
Corcunda. Corre de fato e é de notoriedade pública, que logo que chegou a
Minas Gerais a notícia da Soberana declaração da Independência do Brasil
e da próxima Elevação de Sua Majestade Imperial ao Trono Imperial dos
Trópicos, decretada no coração de todos os Brasileiros esta rã de miótica
raça ergueu do charco a lodosa cabecinha, e exclamou patinhando na sua
meia língua eu sou Dom Manoel de Portugal e não Dom Manoel do Brasil,
fucinhou o nosso laço Nacional quebrou com os seus aquáticos bracinhos a
sagrada legenda da nossa Independência, que primeiro abraçou Pedro 1.º o
Grande Imperador do Brasil; e finalmente veio rastejando a esta Corte, onde,
sem vergonha, passeia, relutando em sua alma o filho de Semele.
Talvez, meu amigo, que tenhas despendido todo teu ódio sem saberes
destas particularidades; porém eu te conjuro de tomares tanta parte quanta
não altere mais a tua saúde aniquilada, e deixa que eu continue com algumas
reflexões, que não nos são indiferentes.
Se um triste Brasileiro ousasse praticar em Portugal um só destes fatos
qual seria a sua sorte? Traidor; preso, processado, e punido… No Brasil,
o que acontece a um Europeu, que maquina pública, e escandalosamente a
destruição da nossa Independência, e do sistema que abraçamos? Quando
muito, mandam-no que se retire para Portugal, e até lhe dão passagem…
Que esperas tu desta desigualdade de princípios, de meios, e de fins? Que
os Europeus continuem a promover afincadamente revoluções no Brasil, visto
que não há punição para eles; e que ainda que não consigam os seus últimos fins,
não obstante paralisarem o andamento e prosperidade dos nossos negócios,
são mandados para Lisboa, a fim de receberem o seu Diploma de beneméritos
da Pátria pelos males, que fizeram ao Brasil. A Mestra experiência o atesta
com os Avilezes, Carretes, Caulas, e os mais da Companhia.
Este sistema generoso do nosso generoso Brasil tinha lugar no princípio
da nossa desconfiança; mas depois que Portugal pegou em um pau, e fez

679
sistema de nos dar bordoada de cego, não posso crer senão, que o partido
Europeu ainda tem grande influência entre nós, e que os pés de chumbo ainda
intrigam com sucesso. Não bastaria vermos, que as mesmas Tropas, que
daqui foram para Portugal, com três meses de soldo adiantados, tornaram
para a Bahia, com as que foram expulsas de Pernambuco? Não era bastante
sabermos, que a mesma Nau, que generosos fizemos regressar para Portugal,
municiada de quanto precisava, está na Bahia, centro do Império, ameaçando
insultar a nossa barra? Todas estas hostilidades não eram bastantes para certa
coisa, que eu cá sei? O que dirá o Correio Brasiliense???… Vamos adiante.
Pensará alguém, que por ser Dom Manoel de Portugal, entre nulo e
nulíssimo, e só interessante à Companhia do Alto Douro, e às Feitorias da
Jamaica, deve regressar para Portugal para ouvir especial agrado das cavalhei-
rescas Cortes, não é assim, porque pela falta da punição de um delinquente
abre-se a carreira dos delitos, e aumenta-se o número dos criminosos. Isto
suposto, O que devemos pensar acerca de João Carlos Saldanha Ex-Capitão
General da Província de São Pedro do Sul? Este enfatuado Militar, de mãos
dadas com o infernal Madeira fazia navegar debaixo da influência do seu
Governo numerosas embarcações carregadas de mantimentos para socorrer
os Janízaros, que nos fazem guerra na Bahia: tinha correspondência criminosa
com as Tropas Lusitanas em Montevidéu, forjando planos de conquistar o
Sul do Rio de Janeiro até que combinado com Madeira, pudesse dar um golpe
nesta Corte! Meu amigo, isto não são fábulas sonhadas, são verdades puras,
são coisas muito sabidas: eu conheço pessoa, que ouviu tudo isto do próprio
Madeira, e ela existe nesta Corte. Madeira dizia francamente “A cooperação
que tenho de Saldanha é temível ao Rio de Janeiro, porque além da grande
vantagem Militar, que a sua posição me oferece, ele tem promovido a vinda
de carnes em tanta abundância, que tenho provisão para seis meses.” Além
de tudo isto não são tão públicos outros ocultos manejos, que ele praticou
para fazer retrogradar a nossa Independência? Há papel mais violento, mais
atrevido, e mais anárquico do que o Ofício, que este Luso dirigiu à Junta do
Governo daquela Província em data de 16 de Julho deste ano, e que corre
impresso para nossa vergonha? Não chama ele Sua Majestade Imperial
rebelde e usurpador dos direitos do Rei e das Cortes? Ah! Meu amigo, são
tantas as diatribes, que este atrevido vomita naquele Ofício contra a Sagrada
Pessoa de Sua Majestade Imperial, que eu me esforçaria em vão a repeti-
-las, porque a pena me cai da mão. O Imperador, generoso, pode perdoar
os crimes cometidos contra Sua Pessoa; porém como não é possível atentar
contra Ele sem ofender a Nação, esta ressentida não deve perdoar um delito,

680
praticado para a sua destruição, se assim não for, está em risco o Imperador,
e por consequência incerta a fonte da Nação.
Que mais não fez o Janízaro Saldanha em Porto Alegre? Lançou a
Província na mais perfeita anarquia; armou Povos contra Povos, e usou de
tudo quanto lhe administrava o seu gênio atrabiliário. E qual é a punição
de tão nefandos crimes? Ir para Lisboa com os Brasões altos de sua família,
enfamado com mais um colchete de benemérito da Pátria. Ele praticando
todas as suas perfídias assombrou a Província a tal ponto, quanto se pode
ver das seguintes palavras extraídas e de uma Proclamação, que correu junta
com o Ofício do Janízaro. “A precedente peça, e outras, que tem produzido o
Autor e seus consortes em diversas épocas, até com menoscabo do mais justo
e benigno dos Príncipes: despertaram melhor vossos dormidos interesses, que
as mais eloquentes reflexões! Porém notai mui particularmente, que quando
se fala de Ofício em semelhante tom: quais não seriam as frases dos noturnos,
e Secretos manejos! Para temperar vossa justa indignação uns desertam de
suas Bandeiras, e outros vergonhosamente negam suas assinaturas, entretanto
os mais audazes procuram guardar o posto, com só virar a casaca.”
“Pelo que não vos esqueçais do que dizia um Ilustre Escritor – São os
Tigres domésticos, que para a América passam a povoar, ou a governar…
aqueles desventurados.”
Não obstante tudo isto, ele aqui anda folgando da nossa simplicidade,
e breve irá dando gargalhadas para Lisboa, assim como fizeram os últimos
pés de chumbo, que daqui saíram no Navio Maria Primeira, que, com razão,
nos saudaram de tolos, quando passaram pela Fortaleza de Santa Cruz, por
verem que escapavam do lugar, em que deviam ficar. O remorso desperta
o mais iníquo.
Faze tu ideia qual será a minha raiva quando encontrar com um
Saldanha, um Manoel de Portugal, um Oyenhausen, e um Miranda; e qual
será a minha dor quando penso nas mofas e insultos, que eles irão vomitar
às portas das prisões, em que se acham os infelizes Manoel Pedro, e Cruz!
Parece-me que já te ouço perguntar, o que fazem por aqui os
Procuradores das Províncias de Minas e Rio Grande, que deixam ir as coisas
de suas Províncias pela água abaixo; e eu a responder-te – mudos e quedos.
Se esta Carta tivesse de ser lida por outra pessoa, que não fosse o meu
amigo, e se ela me perguntasse com que direito usava eu desta linguagem;
eu lhe responderia com estes dois versos de Voltaire.

681
Les droits qu’un esprit fort ferme en ses desseins
Exerce sur l’esprit des vulgaires humains1

Espírito forte, porque sei usar dos meus direitos; firme nos meus desíg-
nios, porque cumpro com os deveres de fiel e leal súdito, amigo da minha
Pátria, e Apóstolo zeloso da moral: imita-me; a Pátria em lágrimas te conjura.

A tous les cœurs bien nés que la Patrie est chère2!

Quanto se não alegraram os nossos inimigos com o regresso de Saldanha,


General experimentado, e conhecedor das coisas do Brasil? Não tardará a vir
comandando uma expedição contra nós. Que prazer não terão os Demagogos
Lusitanos de receberem um General, que perturbou os negócios do Brasil,
sem ter um Soldado Lusitano a sua disposição? E que esperanças não conce-
berão deste mesmo General; que na corrente da opinião Brasileira e braveja
contra o Imperador; e com as Cortes de Lisboa na boca não poupa meios de
as fazer valer? Que ideia não farão de nós esses mesmos Demagogos vendo
que aguçamos punhais contra os nossos peitos? = Les erreurs d’un jour se
reparent à peine en un siècle.3
Quem não estará penetrado desta verdade subindo às causas primárias
das revoluções, às causas que precederam durante três Séculos à decadência
do Império Romano?
Já não devemos ter meio-termo: os corrosivos têm mais força que os
anódinos. Quando um corpo político experimenta os efeitos dos corrosivos,
os antídotos não exercem ação sobre ele. A Independência de um Povo é a sua
mais forte ação. Nossos males são incuráveis ou curáveis. Se são incuráveis,
estamos condenados a morrer aniquilados de fadigas no meio de convulsões.
Mas toda moléstia deriva de um principio; ela é curável antes de ser incurável.
Devemos lamentar os progressos daquela, que nos oprime, progressos que
bons remédios primitivamente aplicados suspenderiam em continente [incon-
tinenti], porque um doente, habilmente tratado, torna a gozar saúde; quando
a imperícia o levaria à sepultura. A presença do mal indica a existência do
remédio – Sublata causa, tollitur effectus.4

1
Os direitos que um espírito forte firme em seus desígnios / Exercem sobre o espírito dos
humanos vulgares
2
Todos os corações bem-nascidos a quem a Pátria é querida.
3
Os erros de um dia mal se reparam em um século.
4
Subtraída a causa, retira-se o efeito.

682
Estou cansado de ouvir fábulas de embalar crianças. Nós somos homens:
= des faits des faits et peu de mots5 = Desta arte exclamava um Deputado na
Assembleia de França.
São fatos, e fatos de notoriedade pública. Os Europeus que traficam a
nossa ruína no seio do Brasil, que os felicita, apenas são mandados retirar
para Portugal, com as abundâncias, que lícita ou ilicitamente por cá obtive-
ram, deixando-nos males, que muitos anos são precisos para os curar. Os
Brasileiros, que mostram afeição aos negócios da sua Pátria, são tratados em
Portugal como traidores, e por isso presos. Assim está Manoel Pedro num
Castelo de Lisboa; e infeliz Cruz arrancado no alto-mar de bordo de um Navio,
amarrado e conduzido para Lisboa… Saldanha, e Manoel, e outros passeando
entre nós! Oh! Meu Deus, que fado triste é o nosso! Os nossos Deputados
em Lisboa estão coactos: eles são vigiados pela Polícia, e não ousam dar um
passo para sua liberdade. Os Europeus, no Brasil, pegam em armas contra
o Brasil; e não são punidos!!!… Saldanha aparece ufano no teatro à vista de
um Povo, que o aborrece, e que o sofre; porque descansa na sabedoria do
Governo, aparece à vista do Imperador, a quem insultou e caluniou nos seus
papéis, que correm impressos, e contra quem se armou?… Grande Deus, que
desdita é a nossa!
Isto é uma desigualdade, cujos resultados devem ter consequências.
Perdoa, meu amigo, este desafogo do meu ressentimento. Amo ao
Imperador; adoro a minha Pátria, e não há mais forte razão para obter
desculpa.
Eu sinto uma efervescência em todo o meu sangue quando faço uma
resenha destas coisas que me não posso dispensar de gritar com aquele calor,
com que sempre me conheceste pelo bem público. Porém não creias em mim
sombra de medo a respeito de Portugal; nem que tema males trazidos de
lá por Saldanha: o meu desespero é pelo favor, que ainda gozam os pés de
chumbo, favor que abatendo os Brasileiros, estimula os Europeus a minarem
contra nós; o que traz consigo perturbações sempre prejudiciais a nosso bem,
e a prol deles.
Se a Aurora do desfalecido Portugal fosse mais risonha, não me causaria
susto, quanto mais sendo turva e melancólica. As Colônias se desligam das
Metrópoles por uma força irresistível da natureza. Isto é um ponto de eterna
verdade. Laissez les anglais combattre leurs Colonies, qu’ils dévasteront, qu’ils
soumettront, qu’ils réstlabliront en y épuissant leurs tresors, et qu’ils finiront
par perdre, parce que des colonies lointaines que [sic] peuvent se passer de

Ações, ações e poucas palavras.


5

683
la métropole, s’en détachent tôt ou tard.6 Assim dizia Mr. Désodoards a
respeito da Inglaterra com as suas Colônias, que não têm pontos de contato
com Portugal moribundo, e o Brasil remoçado.
Eu te rogo encarecidamente de não mostrares esta a teu Vigário, porque,
enfim é pé de chumbo; e esta gente, quando se lembram das doces relíquias
da passada glória, faz despropósitos.
Consta-me que por lá tem havido mau tempo; quando por aqui tem
havido bom tempo demais, que já muitos andam enfastiados de bom tempo,
e Deus permita que não haja tão bom tempo para não haver tanto que dizer.
Aqueles que foram beijar o chão natal, vão tornando em busca da chuxa-
deira; e eu quando encontro algum dos novos vindos, procuro abrigo para
prevenir qualquer dose de lama, que me falte à cara, porque eles correm em
bestas alheias.
Agora só te desejo saúde; e que me escrevas acerca do que te participa

O teu amigo e Patrício


Manoel Coerente.

Corte 25 de Novembro de 1822.

Na Typographia de Torres, e Costa. 1822.

6
Deixem que os ingleses combatam suas Colônias, que eles as devastem, submetam, re-
cuperem e esgotem todos os seus tesouros, e que acabarão por perder, pois as colônias
distantes que podem dispensar a metrópole dela se separarão cedo ou tarde.

684
50

Folheto 1.º
CORRESPONDENCIA TURCA
Interceptada á hum Emissario Secreto da Sublime Porta,
residente na Corte do Rio de Janeiro.

DESPACHO NÚMERO 40.


O Reis-Effendi (c) a seu Irmão Orkan Emissário Secreto Império Otomano
no Rio de Janeiro.
De (a) Istambul ao I. Dia da Lua de Guiumad [Jumaada al-Awal] do ano
da Hégira 1238. (b)

RECEBI a Relação, que me dirigiste Número 122 precisamente uma hora antes
de entrar para a Sala do Divã, a quem desde logo fiz parte do seu interessante
conteúdo. Tenho ordem para recomendar-vos a maior exatidão, e diligência
na remessa das Relações, que deveis fazer-me, ao menos três vezes por Semana.
Em falta de embarcações para o Mediterrâneo, ou para Gibraltar, as remetereis,
por via do nosso Agente em Cádiz, quando não, ao de Inglaterra; e em último
lugar, ao que temos em Lisboa.
Fazeis bem, não vos limitando a transmitir em grosso os acontecimentos
de maior monta: é preciso entrar em detalhes, esmiuçar circunstâncias, e carac-
terizar as Personagens, que mais figurem nas encontradas Cenas, que correm
por vossos olhos. Não vos escape, por mais desprezível que pareça, aquele,
que uma vez se apresenta sobre o Teatro Público; quando mesmo nada mais
faça do que representar nele o Papel ridículo de Arlequim, ou de Tartufo. Com
efeito, nada é indiferente para a Política em tempo algum, e menos na Época
em que somos. ALÁ seja bendito, que nos tirou dessa perigosa Apatia, com que
olhávamos indiferentes, e até com desprezo para o resto do Globo. Instruídos
pela desgraça, saberemos tirar vantagem dos mesmos infortúnios: certo, não
faremos a Espionagem da Intriga, mas nenhum mal nos virá de fora, sem que
o vejamos vir de longe. Estudaremos a Política, que menosprezávamos; e não
nos envergonharemos de a ir aprender à casa de outrem.
Sendo, como és, tão instruído, e tendo corrido quase todas as Cortes
da Europa; já como Ministro, já como Secretário das nossas Embaixadas;
ficam na inteligência todos os Emissários Otomanos de comunicar-vos, das

685
diferentes Estações onde residem, um Extrato fiel dos seus trabalhos; a fim de
que, combinando, e calculando os acontecimentos políticos do tempo, possais
transmitir a esta Repartição o resultado das observações que fizerdes, para
Glória do Islamismo (d), para estabilidade, e firmeza do Império da Meia Lua.

Eu Sou etc.

________________________
RELAÇÃO NÚMERO 122.

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro: 15 da Lua de Sahaben [Sha’aban]


do ano da Hégira 1238.

O MONARCA Português acaba de imortalizar-se, firmando hoje um


Catif-cherif (e), para que os Brasileiros elejam os seus Procuradores, e cele-
brem, aqui mesmo, uma Junta das Cortes. Se chega a pôr-se em execução o
que o Rei manda; o Rio de Janeiro terá feito Xeque Mate às pretensões da
Porta, e de Lisboa.

Eu Sou etc.

________________________
RELAÇÃO NÚMERO 3

Husseim, Emissário da Porta na Corte de Lisboa, a Orkan.

De Lisboa: 5. da Lua de Ramadã do ano da Hégira 1237.

AS COUSAS estão como se achavam ao tempo de escrever-vos a minha


reverente Relação Número 2.
Ontem marchou para o seu desterro de Canelas o Comandante das
Armas, que tão intempestivamente se declarou pela Constituição Espanhola.
Há quem diga, que este homem nada mais fizera do que apalpar a opinião
pública, e que a este fim tendiam unicamente as suas aparatosas demonstrações
do Dia 11. Parece, que o Gabinete, cuja causa serve, é obrigado a recorrer
a estes expedientes, na falta dos Doblões necessários para engrossar o seu
partido, que apesar de ser composto da classe a mais autorizada, não é aqui
o mais forte, nem o mais numeroso.

Eu tenho a honra de ser etc.

686
________________________
RELAÇÃO NÚMERO 6

Mohammed, renegado Judeu, Emissário da Porta em Londres, à Orkan.

De Londres: 29 da Lua de Rabiu-Evel [Rabi al-Awwal] ano da Hégira


1238.

A EUROPA está em Armas, uma metade contra outra. Ainda se não queimou
uma Escorva, e já se perderam Batalhas; já se fizeram Conquistas de uma
parte sobre a outra. A Santa Aliança ainda não tirou da sua Espada, e já vejo
derrotados, e vencidos os Governos novamente constituídos, com quantos
não souberem melhor do que eles constituir-se para o futuro, nesta parte
do Mundo. Tal é o destino dos que combatem sem plano, sem Tática, e em
detalhes contra Forças reunidas em Soberbas Posições!
A Espanha, que primeiro se arremessou sobre o Teatro revolucionário,
parece ter subido a ele tão somente para perder mais depressa a esperança,
que talvez lhe restava de reaver suas Colônias; para dar um rebate aos
Soberanos aliados, pondo-lhes as Armas nas mãos. Os Vassalos do Rei
de Sardenha, o Reino de Nápoles, e a Sicília, abraçaram o mais tarde, que
puderam a Constituição Espanhola; e aproveitaram para isto o momento, em
que a experiência depunha claramente contra as absurdas Teorias daquele
Monstro de Política, amalgame assombroso de Loucura, e de Prudência; de
Crimes, e de Justiça; de Ordem, e de Anarquia; de Liberdade, e Despotismo;
Compilação indigesta, e miserável de quanto se tem dito, ou escrito de bom, e
de mau, de prejudicial e proveitoso em matérias de Legislação. Portugal, que
não tinha, que comer, e que tomou a Constituição pelo Pão, que lhe faltava,
excita mal a propósito os ciúmes da Aliança; tolerando a perigosa ingerência,
nos seus negócios deliberativos, braço militar; dá-lhe uma consideração, a
qual nenhum direito tem de pretender, permite que delibere quem só deve
obedecer. Não param aqui os absurdos: a impolítica os amontoa a cada passo.
Em todas as partes se tem adotado o escandaloso Sistema de fazer deliberar
a Força armada em vez do Povo, por meio dos seus legítimos Representantes
chamados ad hoc;1 em todas as partes os insultos, e as ameaças têm chovido
contra poderosíssimos Soberanos; faz-se-lhes pressentir uma queda próxima,
e inevitável dos seus Tronos; são incitados a desconfiar, e conseguintemente
a prevenir-se contra os seus próprios vassalos, e dá-se-lhes a entender, que a
França, o Povo Inglês, com a maior parte da Alemanha, e não sei que outros

1
Para isto.

687
dois Governos, se reuniram à Causa dos Constitucionais, para a fazerem
sustentar, e seguir aos demais Povos.
Enquanto se proclamam com ênfase todas estas fanfarronadas, faz-se
antever aos Governos da França, e aos da Inglaterra uma Reforma, que não
pode agradecer-lhes nem convir-lhes; e ataca-se bruscamente, por meio de
restrições, e de exclusões impolíticas o Comércio da Grã-Bretanha.
No entanto se precaucionam, e se fortificam os Governos ameaçados,
e ofendidos; as classes privilegiadas se reúnem de todos os lados para uma
resistência vigorosa; a opinião retrograda para o centro donde queriam
divergi-la; e o tempo, de que não souberam dispor os novos Governos, é todo
aproveitado pelos inimigos da Reforma.
Que resta aos Constitucionais Europeus, em meio de tudo isto? A espe-
rança, tão perigosa, quando é mal fundada, como útil, se bons motivos apoiam.
Muçulmano até os ossos, conheço todavia a necessidade uma bem
entendida Constituição, para estes Povos. É pena, que os seus Legisladores
errassem tanto às cegas o caminho da ventura. A não mudarem de Plano,
estas Constituições não irão longe!

Eu Tenho a honra de Ser etc.

________________________
Postscriptum à Relação Número 5. que Ali, renegado Grego, Emissário
da Porta em Paris, dirige a Orkan.

De Paris 15 da Lua de Guiumadi-Evel [Jumaada al-Awal] do ano da


Hégira 1238.

A nova Ordem de cousas, tão em voga ao Meio do Dia da Europa, tem


aqui muito exagerados aprovadores. A estar-se pelo que eles dizem, a França
se teria já declarado pela Constituição Espanhola; teria feito a Guerra aos
Aliados, e proscrito a Dinastia dos Bourbons.
Mas a França é um enfermo, a quem o seu Médico assistente tem dito
muitas vezes. “Esgotei contigo todos os recursos da Arte: a Natureza, ou a
bondade do teu temperamento pode unicamente salvar-te da extrema debi-
lidade a que Te reduziram repreensíveis excessos, e continuadas desordens:
observa Dieta rigorosa; conserva repouso inalterável; não te movas sobretudo
desse Leito – Se te levantas… morres.”
Eu tenho a honra de ser, ut in relatione humilima etc.

688
________________________
RELAÇÃO NÚMERO 124.

Orkan ao Reis-Effendi.

Do Rio de Janeiro 17 da Lua de Sahaben [Sha’aban]


do ano da Hégira 1238.

AS TROPAS Europeias, conhecidas nesta Corte debaixo do nome de Divisão


Auxiliadora, amanheceram hoje sobre as Armas numa Praça, que chamam
do Rocio; para onde se tinham encaminhado, desde os seus Quartéis, sem
Ordem do General Governador das Armas. Parece, que o 1. Regimento de
Cavalaria de Linha do Exército, que se reuniu às supraditas com os Corpos
de Milícias Brasileiras, assim o fizera por motivos de Polícia, e em conse-
quência de Ordens Superiores.
Ciente do estranho comportamento dos Auxiliares, não tardou a vir
falar-lhes o Herdeiro da Coroa; a quem dirigiam a palavra dois Derviches (f)
Romão, e Macamboa com mais um célebre (g) Capigi Pimenta: pedindo em
nome do Povo Brasileiro, em sua qualidade de Europeus; que fosse imedia-
tamente jurada a Constituição, que ainda se havia de fazer em Portugal. É de
crer, que o Ministério estivesse já instruído das Intenções dos Sediciosos; pois
que o Príncipe, fez-lhes então Leitura pública de um novo Cat-cherif, em que
se lhes oferecia essa mesma Constituição, sujeita todavia àquelas restrições
ou emendas, que se julgassem necessárias às circunstâncias, localidades, e
interesses do Continente Americano. Opuseram-se fortemente aqueles burles-
cos Procuradores a tão acertada medida; e assim eles como alguns Oficiais
das Tropas de Portugal, insistiram pelo Juramento à Constituição, que lá se
fizesse, tal e qual. Sabendo perfeitamente, que tudo podiam pedir, a quem
nada podia negar-lhes, pediram também, ou antes ordenaram, uma completa
mudança Ministerial. Voltou o Príncipe com esta resposta ao Monarca, que
conveio sem reserva em tudo o que os Pretorianos Portugueses desejavam.
Então tiveram estes por muito conveniente convocar o Conselho da Cidade;
isto era acabar precisamente, por onde haveriam menos mal principiado.
Convieram ao mesmo lugar os novos Ministros, e se procedeu ao Juramento,
que deu o Príncipe, em nome do seu Pai, e seu; no que logo foi seguido, por
quantos ali se achavam. Lavrou-se um Termo deste Ato.
De volta segunda vez o Príncipe, para a Casa de Campo, que o Rei tem
na Boa Vista, acompanhou dali Sua Majestade até a Praça do Rocio, onde

689
foram recebidos com gerais Aclamações dos Sublevados. Novo modo de
insultar um Ídolo, depois de o ter bem espezinhado!
O Rei continuou na sua marcha para o Paço, acompanhado dos Janízaros
Portugueses, que não contentes com os ultrajes, que lhe haviam prodigalizado,
o fizeram levar em braços como a um decrépito, ou Menino desde o seu Coche
até a primeira Sala. Fez-se ver pouco tempo ao depois de uma Janela o Rei
do Reino Unido, donde repetiu espontaneamente, que ratificava, e dava por
bem feito, quando per si, ou em seu nome, se havia praticado.
Assim morreu do mal de sete Dias o Real Catif-Cherif de 24 de Fevereiro
(estilo Gregoriano) que nunca devera acabar.
Eu Sou etc.

________________________
RELAÇÃO NÚMERO 125

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro: 20 da Lua de Sahaben [Sha’aban]


do ano da Hégira 1238.

TIVE esta manhã o gosto de achar-me a dois passos do Herdeiro Presuntivo


da Monarquia, em uma visita que fez a certa Mesquita, consagrada à Virgem
da Glória, onde vai comumente à Oração.
É um Jovem de 21 anos de Idade, estatura maior, que a ordinária, e
tão bem proporcionado, que pode passar por uma das melhores Figuras
da Corte do Rei Seu Pai. É tão fácil abordá-lo, como difícil o perder-lhe o
respeito, que inspira sua Presença a um tempo majestosa, e agradável. Dizia
um Escritor do Século passado, que os Príncipes começavam a reinar pelo
semblante. Este Escritor tinha razão. A boa Presença é tão necessária em um
Monarca como as honras, que lhe dão: se o Sol não tivesse boa cara, decerto
não teria adoradores: é a razão por que os Cometas ainda nos inspiram terror.
Aqueles, que o têm estudado de mais perto convêm unanimemente nos belos
sentimentos de sua Alma, e na bondade do seu coração. Filho obediente, Bom
Marido, Pai carinhoso, ele une a estas excelentes qualidades uma instrução,
e conhecimentos não vulgares às Pessoas da sua Esfera, e um desejo sincero
de adquirir maiores Luzes. Fala com muita propriedade a Língua Francesa,
e verte perfeitamente a Latina; é conhecido o seu bom gosto, pela Música, de
que tem feito várias composições mui aplaudidas dos conhecedores; dizem ter
estudado com muito proveito a Tática Europeia; conhece-se-lhe coragem, e

690
muita disposição para as Armas, e tem todas as qualidades para vir a ser um
dia um bom guerreiro, e ótimo Capitão. Presença de Espírito, Amor da Glória,
Prudência, Firmeza de Caráter, atividade infatigável, força muscular, e bom
temperamento. Passa por tirar bem as Armas, e conduzir com galhardia, e
segundo os bons princípios da Arte, qualquer fogoso Ginete.
Filho de um Rei, Herdeiro de um Trono, ele tem encarado, apesar disto,
as reformas Constitucionais debaixo do seu verdadeiro ponto de vista, e se
tem declarado abertamente a favor de uma Constituição bem entendida, como
o único meio de obter a prosperidade, e a fortuna do seu Povo: mas penso,
que se engana muito com o Príncipe, quem o tomar por um , ou pelo
defunto Duque de Orleans. Os Verdadeiros Constitucionais podem esperar
dele tudo, os Sans-Culottes nada.
Eu Sou etc.

Post Scriptum Não perderei ocasião de comunicar-vos quantas notícias


for adquirindo acerca desta Eminente Personagem; porque as Funções, que
exerço, me não permitem perder de vista o Sucessor de Um Trono.

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RELAÇÃO NÚMERO 126

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro 26 da Lua de Sahaben [Sha’aban]


do ano da Hégira 1238.

O Dervich Romão, de quem vos falei na minha Relação Número 124 é um


destes maus estudantes, de quem se diz em Portugal terem frequentado as
Argolas de Coimbra, em vez das proveitosas Lições, que lá se dão. A melhor
ação, que tem feito em sua vida, consiste em se ter reunido ao glorioso Corpo
Acadêmico; quando os Bravos, que o compunham trocaram a pena pela
Espada, a fim de expelirem do Território Nacional o Exército invasor da
França às ordens de Junot. Eles eram tantos, tão briosos, tão disciplinados,
tão bem conduzidos, que qualquer covarde se podia afoitamente reunir-se
a eles, para salvar deste modo as aparências, cobrindo-se a sua sombra! Só
tenho uma razão para dar-lhe o epíteto de fraco, mas esta razão vale por todas.
Um homem, que se prevalece de uma adição militar, e da preponderância
da sua força, para insultar impunemente a Autoridade, ante a qual nem se
atreveria a boquejar uma hora antes; um homem, que lança mão de obscuras

691
tramas, e dos mais detestáveis enredos para sacrificar metade da Nação, à
quem pertence, às injustas pretensões de outra metade, dizendo-se apesar disto
Filantropo, Cidadão Constitucional, e Discípulo de um Profeta, modelo de
Tolerância, de Mansidão e de brandura; uma Besta enfim deste Jaez é, sem
contradição, o mais manhoso covarde, o mais abjeto, vil, e desprezível dos
todos os Homens.
Enquanto nestas Regiões passou por crime a Constituição, tão necessária
a estes Povos, foi este infame Dervich o descarado Parasita de certo Favorito,
cuja Proteção o acusam de vender a peso do Ouro. Parece, contudo, que
mais esperava obter do Bacha [Paxá] de Pernambuco, pois que deixou, sans
façon,2 o seu primeiro Amo para acompanhar o segundo, a quem a seu turno
abandonou destemperadamente, depois de ter assinalado naquele Pachalikado
por sua intemperança por seus abusos, e escandalosos desmanchos. Eis aqui
no entretanto, esta mesma servilíssima criatura, erigida da repentinamente em
homem de bem, defensor incorruptível da Constituição, e Protetor dos Povos.
Oh! Quanto uma boa causa é mal servida, quando é servida por tais
homens! Advogados desta espécie, são bons unicamente para desacreditar, e
deitar a perder a melhor causa do Mundo – Em tais casos, antes um amigo
tolo e honrado, do que um bandalho protetor.
Eu Sou etc.

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RELAÇÃO NÚMERO 127.

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro 28 da Lua de Sahaben [Sha’aban]


do ano da Hégira 1238.

PIMENTA veio de Portugal para o Brasil com a Divisão Comandada pelo


Barão da Laguna, General Em chefe do Exército Português sobre o Uruguai.
Um Conselho de Guerra o remeteu a esta Corte debaixo de prisão, por ter
querido assassinar traidoramente a certo Oficial Superior.
É um Dicionário de palavras, que deve à verbosidade de um pedante
a fama que tem de Oficial instruído em suas obrigações Político de Cafés,
oráculo dos Patinhos, que o escutam, é um verdadeiro Cocorim (h) em
toda a acepção desta palavra, e tem as disposições necessárias para agente

2
Sem mais nem menos.

692
subalterno de uma Cabala mal conduzida, ou para espião de um Partido
em falta de homens. De resto, é uma destas moedas, que nenhum curso
podem ter em comércio por não terem, segundo o Ditado Português, nem
Cruzes, nem Cunho.
Eu Sou etc.

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RELAÇÃO NÚMERO 4.

Husseim a Orkan

De Lisboa 24 de Lua Ramadhan [Ramadã]


do ano da Hégira 1238.

AGORA mesmo acabo de ouvir o Orador o mais néscio, o mais imperti-


nente, que há, possa existir, ou tenha havido na memória do homem. A
não conhecer-se a Personagem, crer-se-ia, que não tem Portugal um homem
virtuoso, exceto ele, e que todos os Magistrados deste Reino não são nem
mais, nem menos, do que uma corja de Ladrões. Esquecido de sua própria
Dignidade, da Majestade do Senado a quem pertence, da Justiça de que deve
dar o exemplo, e que jurou sustentar, jurando as Bases Constitucionais, que
a afiançam, ele ataca sem provas, e sem forma alguma de Processo a mais
sagrada das propriedades, a honra, o crédito do Constitucional Cidadão.
Este animal desbocado ouviu falar de Mirabeau, e em seus brilhantes
sucessos, quando trovejava vitorioso contra os crimes de cima de uma Tribuna;
e sem se lembrar quanto difere em conhecimentos do Original que se propôs
por modelo, recorre aos Sarcasmos, lugar comum da ignorância, como a um
suplemento admirável da Ciência, e do talento de que o Destino o privou.
Assombrado do Chorrilho de asneiras, que lhe ouvia, perguntei a um
sujeito, que me ficava vizinho, pelo seu nome “Sei por que o desejas saber, me
disse este”… não é tão mau como parece. Ferido de vertigem de certos anos,
a esta parte, e encerrado por este motivo em uma Casa de Loucos, acabou
de perder ali um resto de senso comum. Seduzidos por alguns intervalos de
aparente juízo, os seus amigos o retiraram daquele recolhimento, julgando-o
perfeitamente são; mas o certo é, que o seu mal o ataca repetidas vezes, sem
que ninguém se lembre de prendê-lo nessas ocasiões. É então realmente insu-
portável, mas fora disto, um bom vivant.

Eu tenho a honra de ser etc.

693
________________________
RELAÇÃO NÚMERO 5.

Husseim a Orkan

De Lisboa 25 da Lua de Ramadhan [Ramadã]


do ano da Hégira 1238.

SE AS Cortes de Portugal contam um louco no número dos seus membros,


podem também gabar-se de conservar em seu seio varões insignes, que lhes
dão a maior honra.
O Deputado Annes de Carvalho é, entre outros, um dos que mais ilustram
o Colégio dos Legisladores. Político profundo, Orador consumado, homem
de bem irrecusável; o seu nome só, é o maior elogio das Cortes. Mas este
homem, a cuja eloquência nada seria capaz de resistir, é quase mudo, e como
perfeitamente ignorado da sua própria Nação.
Por que fatalidade, em quase todas as revoluções, é sempre o néscio
o primeiro a falar, e a berrar sempre: e o Sábio se encolhe, e fica mudo?
Por que motivo é sempre o homem do dia, o atrevido Capadócio, que mais
Sandices diz a trochemoche? É porque mais custa a falar com acerto do que
a dizer loucuras; é porque a audácia não desampara um momento o pedante,
mal-intencionado, o ambicioso; é porque a multidão se põe da parte deste,
sempre pronta a aplaudir-lhe as pachouchadas, e que a ignorância compõe
o maior número.

Eu tenho a honra de ser etc.

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RELAÇÃO NÚMERO 128.

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro 27 da Lua Ramadhan [Ramadã]


do ano da Hégira 1238.

O NOVO Ministério tem querido distinguir-se do passado, por meio de


símplices Substituições.
A sua Política se funda em trocar indistintamente todas as Peças da
velha Máquina por outras, cuja suficiência nem examina, nem confronta.
Para acabar com o despotismo dos Baxás, foi decidido, que se deveriam

694
nomear outros; para livrar o Povo das violentas exações de certos Publicanos,
adotou-se a ideia luminosa de submeter, quanto antes, à Sanção do Monarca
a imediata abolição da colheita dos Dízimos, pelos atuais Contratadores, com
lesão enorme dos mesmos, com manifesto prejuízo do Estado, pelas inevitáveis
dilapidações, e despesas anexas a um Exército de Agentes subalternos, que
deverão ocupar-se da sua percepção.
O inexperto Piloto, que em vez de acudir ao rombo, que enche de água
o seu Navio, se contenta com fazer dar à bomba a sua Tripulação afadigada
até submergir-se com ela nos profundos abismos do Oceano, é a Imagem
perfeita destes Homens.
Eu sou etc.

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RELAÇÃO NÚMERO 10

Achmet, renegado Veneziano, Emissário da Porta


na Corte de Nápoles a Orkan.

De Nápoles 5 da Lua Ramadhan [Ramadã]


do ano da Hégira 1237.

OS MESMOS homens, que guilhotinaram em França a sábia


Constituição de 1791 (estilo moderno), que substituíram àquele Chefe de
Obra dos Governos representativos o Plano desorganizador de Robespierre;
que aterrados, e vencidos na pessoa deste monstro, desapareceram por um
momento da Cena Política, para concertar no silêncio do crime os tenebro-
sos manejos, com que ao diante, a si mesmos se colocaram sobre o Teatro
nefando de escandalosas tropelias, e da concussão desenfreada; que arro-
jados de seus últimos entrincheiramentos pactuaram com o Governo dos
Cônsules para melhor suplantá-lo: que deram por terra com o Majestoso
Edifício da Liberdade Italiana, roubaram uma Constituição à Suíça, a paz
à Irlanda, e a sua Independência à Batávia; que abandonaram aos Cafres
à Ilha de São Domingos, quando a tiveram saqueada; que ensinaram à
Rússia o segredo das suas Forças, à França o de sua fraqueza; que tiraram as
cadeias à Espanha, para ao depois lançar-lhas; que prometeram uma Coroa
ao imbecil de Orleans em prêmio de um Parricídio, que lhe fizeram espiar
num cadafalso: que fizeram a guerra a Luís XVI, porque era absoluto; que
lhe fizeram também por ser Constitucional; que despedaçaram a República,
como tinham desfeito a Monarquia; que abalaram o Império desde os seus

695
fundamentos, e conseguiram aniquilá-lo; que beijaram as mãos a Luiz XVIII,
que quereriam ver cortadas; que não tardaram a bandear-se com o seu maior
inimigo, a quem logo apedrejaram, sem que deixassem, até o dia de hoje,
de cooperar para a ruína do seu venturoso rival; que levaram o punhal da
traição ao peito inerme do Duque de Berry, a guerra civil ao novo Mundo, e
o espírito de inovações inadmissíveis à Grécia desmantelada; que conceberam
o risível projeto de iluminar a seu modo os Fiéis observadores do Alcorão,
os Guaicurus de Artigas, com os escravos do Czar; que derramados pela
superfície da Terra trabalham na desorganização, e aniquilamento de toda a
ordem social, recrutando a canalha de todos os Países, sua exclusiva proprie-
dade; que acossados, dispersos, confundidos, universalmente abominados,
e a um tempo perseguidores e perseguidos, dominam nos Gabinetes pela
intriga das Famílias, dominam nas Famílias pela intriga dos Servos, e filhos
debochados; que têm coberto de sangue, de Cadáveres, e de ruínas o mísero
Planeta que habitamos, do Setentrião ao Meio Dia, donde o Sol se põe, até
onde nasce: estes homens finalmente, o opróbio da Natureza, a desonra da
Espécie humana, estão em Nápoles!
Isto é o mesmo que dizer-vos, que a Constituição Napolitana tem um
Cancro sobre o peito, de que infalivelmente morrerá.
Já o desprezível Lazaroni saboreia a longos tragos as lições, que recebeu
destes malvados; já o estúpido Taberneiro, o Caixeirinho pedante, atrevidinho,
e bandalho, o Lacaio indecente e descomedido, o Arrieiro torpe e desbocado,
o licencioso Soldado, o Ulemá que apostatou por libertino, com quantos
perdidos de reputação, e merecimento só vêm na dissolução e na Anarquia,
a representação e a fortuna, de que tão indignos se fazem: todos estes mise-
ráveis bandidos, refugo da nossa espécie, escória da sociedade, aprenderam
a falar sua linguagem.
Daqui a uma decisiva preponderância sobre a desgraçada Nação, cuja
ruína resolveram, apenas medeia um passo... A mão que dirige a minha pena
não muda de posição com mais rapidez, do que pode passar do ponto em que
a considero ao mando absoluto, esta corja de Velhacos.
Mas que homens serão estes de quem vos tenho falado? Os ?
Não: Talvez os ? Não. Os da Ordem da Virtude? Menos. Acaso os
Pedreiros Livres? Nada.
São os para sempre detestados, hórridos, horrendos, horríssonos, horrí-
veis, horríficos, horrorosos, hediondos, abjetos, cruelíssimos, vilíssimos,
torpíssimos. Carbonários!

Eu tenho a honra de ser etc.

696
________________________
DESPACHO NÚMERO 41.

O Reis-Effendi a Orkan

De Istambul 4 da Lua Rigal [Rajab] do ano da Hégira 1238.

APROVO a resolução, que haveis tomado de diferir a descrição, que vos


pedi do Caráter do Povo Brasileiro, principalmente dos Habitantes da Capital
onde fazeis residência, até que sejais, como o dizeis na vossa relação Número
15, perfeitamente informado pelos agentes Italianos, que trazeis espalhados
nos diferentes Pachalikados, dos relativos detalhes, com que possais organizar
o grande todo do Quadro, que vos peço. Mas o Vizir-Azem (i) me pede com
instância esse trabalho, para o apresentar ao Sultão que o quer ver.
Não esqueça dar-nos uma Ideia dos Escritores, e Oradores Brasileiros;
dizei-nos alguma cousa acerca do belo sexo; qual seja a consideração de que aí
goze, e até que ponto pode ele influir na moral pública, e nos futuros destinos
desse Reino. Fala-se geralmente bem das Brasileiras, mas as noções vagas, e
indeterminadas, que temos a seu respeito, nos não dizem se elas são capazes
de juntar aos excelentes predicados com que as dotou a Natureza, esse amor
sagrado da Pátria, que tão singularmente distingue as Inglesas da Europa, e
as da América. Não temais ser difuso, quando escreverdes sobre este objeto.
A revolução que principiou na Europa, que se estendeu a todas as colônias
Americanas irá terminar aí sua carreira. O Brasil fará uma grande figura, os
seus primeiros passos podem ser desde logo gigantescos: tudo isto dependerá
certamente dos homens, que tanto interesse tenho em conhecer, mas para
bem estudar os homens em um País, onde não estão em uso a Poligamia, os
Eunucos, e os Haréns do Oriente, é preciso principiar pelas mulheres.
Eu Sou etc.

(Continuar-se-á)

697
________________________
NOTAS

(a) Istambul, nome que os Turcos dão à Cidade de Constantinopla.


(b) Correspondente a 28 de Dezembro de 1820, segundo o estilo Gregoriano.
(c) Reis-Effendi, Ministro dos Negócios Estrangeiros.
(d) Islamismo, seita de Maomé, ou Maomestimo.
(e) Catif-Cherif, Decreto Real.
(f) Derviche, Sacerdote.
(g) Capigá, Posto militar que corresponde ao Sargento-Mor.
(h) Cocorim, nome que os Turcos dão a quem é sumamente medroso: quer
dizer Galinha.
(i) Vizir-Azém Grão Vizir, ou Lugar Tenente do Sultão.
Número B. A página 7 linha 7, leia-se muito exagerado aprovadores, em lugar
de muitos aprovadores; Linha 11. Bourbons, em lugar de Barbnos; Linha 16.
Te reduziram, em lugar de te reduziam.
Pagina 11. Linha 6. Unicamente, leia-se unanimemente.3

_____________________________________________
RIO DE JANEIRO 23 DE MARÇO DE 1822.
NA IMPRENSA NACIONAL.

3
N.O.: Correções já feitas.

698
Folheto 2.º

CORRESPONDENCIA TURCA
Interceptada a um Emissario Secreto da Sublime Porta,
residente na Corte do Rio de Janeiro.

RELAÇÃO NÚMERO 129


Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro o 1.º da Lua de Sahaben [Sha’aban]


do ano da Hégira 1238.

O 1.º Defter-Emini (a) do Reino do Brasil foi ultimamente deposto, e levado


a uma Prisão, os seus bens lhe foram sequestrados, poucos dias depois lhe
restituíram os bens, e a liberdade. Dizem que partirá brevemente para a
França, onde desfrutará tranquilo a imensa fortuna, que o seu talento soube
granjear-lhe.
O Brasil faz uma perda irreparável. As suas lucrosas Minas de ouro, seus
preciosos Diamantes, as ricas produções com que o brindou a Natureza, não
são preferíveis aos inesgotáveis recursos deste sagacíssimo Empregado, a testa
do seu Depósito pecuniário. Contam-se prodígios deste grande Financeiro,
apenas imagináveis.
O maior Alquimista do seu Século, ele reúne a tão profundos conhe-
cimentos, todos os socorros da Magia. A um aceno, ele faz desaparecer do
Tesouro Régio somas exorbitantes, sem que fosse possível descobrir o mais
ligeiro vestígio do verdadeiro caminho, que tivessem levado; e quando mais
esgotado parecia este Tesouro, quando se julgava impossível sacar dele um
só real para as despesas públicas, outro aceno lhe restituía a quantia de que
ele precisava.
Não percebendo mais de 3.000 dólares por ano em razão do seu Emprego,
ele tinha a habilidade de tratar-se, por meio deste módico rendimento, com
um luxo, e magnificência Asiática; e convertia as sobras, que poupava anual-
mente, em quantias assombrosas, que amontoou no Banco de Inglaterra; onde
as tem depositadas.
Uma série não interrompida de prodígios marca os passos deste homem
extraordinário, desde que aqui se fez conhecida a superioridade de seu Gênio,
na carreira pública, que vem de terminar.

699
Cidadão obscuro, sem educação e sem Aulas, descartado de um pequeno
Ofício, que exercia no Pachalikado do Ceará, transferido no depois disto ao Rio
de Janeiro em qualidade de Tesoureiro da Junta da Fazenda – tal era a sua sorte
em 1808, ao chegar a esta Corte o Príncipe Regente, hoje Rei do Reino Unido
de Portugal, Brasil e Algarves. De então para cá, o ignoto Targini, levando
de escalada Títulos e Cargos eminentes, chegou a representar um dos Papéis
mais importantes entre os Empregados da Nação, cujas Finanças regulava.
Este Figurão influiu mais do que se pensa na nova ordem de cousas, que
aqui se tem adotado.
“Caracteres desta têmpera, me dizia ainda ontem um Brasileiro da
minha amizade, nasceram para mudar a Face dos Impérios, por pouco que se
demorem em administrá-los. Em vão se gava o Porto de ter sido o primeiro
a gritar pela Constituição, que nos faltava; não é verdade, que se deva aos
Portugueses da Europa a feliz Revolução, que tantos bens deve nos acarretar.
A Revolução principiou no Brasil, a Revolução estava no Rio de Janeiro:
quando Targini passou a Barão e Visconde de São Lourenço, Conselheiro da
Fazenda, Comendador das Ordens da Conceição, e de Cristo, e Tesoureiro
Mor do Erário.”
O Rei nunca conheceu este homem – Eu vos provarei um dia, até a
evidência, esta importante verdade.
Eu Sou etc.

___________________
Nota Bene. Estão em Cifra as Relações desde Número 230 até 234 inclusive;
far-se-ão públicas logo que se dê com a chave.
________________________
RELAÇÃO NÚMERO 235.

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro, 4 da Lua de Kaidathi [Dhu al-Qui’dah]


do ano da Hégira 1238.

AQUELAS Potências, que mais se empenharam no regresso do Monarca


Lusitano para a antiga Metrópole, conseguiram finalmente o que tanto dese-
javam os Portugueses Europeus, que anelavam este retorno, podem desde
já congratular-se. Ei-lo, que parte; esse Rei tão invejado. Ele leva consigo o
Título de Imperante, a Majestade que lhe é inerente, a Autoridade relativa,
todas as suas Atribuições e Insígnias, Caráter, Direitos, Regalias; tudo em uma
palavra, quanto serve a distinguir o Príncipe do Súdito; menos o Trono em

700
que soía sentar-se. No lugar de Portugal, e das Potências; eu levaria o Trono,
e deixaria o Monarca: mas se o removimento deste Trono é um impossível
em Política, que vai fazer a Lisboa Dom João Sexto, com a Família Real?
Tal foi a pergunta, que fiz os dias passados a certo pelotiqueiro, provando-
-lhe a insuficiência desta medida, para o melhoramento de Portugal. “Deum
de Deo”;4 me respondeu, em ar de Chufa, este remendão Constitucional; de
onde der, contanto que o Rei vá “Inda bem, tornei-lhe eu, quando vos der
na Cabeça, nenhuma razão tereis para queixar-vos.”
Eu Sou etc.

________________________
RELAÇÃO NÚMERO 236.

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro o 1.º da Lua de Dulhaga [Dhu al-Hijja]


do ano da Hégira 1238.

ANTES de responder às perguntas, que me fazeis sobre o Belo Sexo, dir-vos-ei


duas palavras a respeito da Princesa Real, a quem ninguém excede em amor,
e afeição pelo Brasil.
Grave sem afetação, afável sem baixeza; Mãe carinhosa; idólatra de
seu Esposo; acessível à conversação dos Sábios, a quem preza: inimiga da
Pompa, e desperdícios; sensível aos sofrimentos da Pobreza; a quem socorre;
estranha à Política, e seus enredos; isenta dessa ambição de representação, e
de comando, de que tanto apreço fazem quase todas as pessoas do seu sexo;
vivendo unicamente para seus Filhos, para seu Consorte, para as Ciências
que cultiva, e para os desditosos, com quem reparte generosa a melhor parte
dos seus rendimentos – tal é, assim me afiguraram, a Bisneta da Imortal
Maria Tereza, a filha Segunda de Francisco 1.º, e Arquiduquesa da Áustria
Maria Leopoldina Josefa Carolina, Princesa Real do Reino Unido, a Futura
Imperatriz Constitucional de um Grande Império.
Podeis coligir de quanto em seu louvor vos digo, que uma Princesa
desta educação, e caráter faria a desesperação de uma Cabala, que quisesse
especular sobre um só dos seus vícios, que lhe seria impossível descobrir; que
estas virtudes, tão preciosas nas Condições elevadas, são uma fortuna para o
Povo Brasileiro, nestes momentos difíceis.

4
Deus [que vem] de Deus. N.T.: trecho do Credo católico.

701
Feliz da Revolução, que não encontra nos crimes de Palácio com que
possa degenerar em Anarquia! Feliz do Soberano, cuja reputação está intacta
pelo lado de sua Família; e que, reclinado nos braços de uma mulher virtuosa,
pode dizer ao monstro insidioso da Calúnia, Dragão de atro veneno = Ao
menos aqui estou seguro – Fere-me se podes!
Eu Sou etc.

________________________
RELAÇÃO NÚMERO 237.

Orkan ao Reis-Effendi.

Do Rio de Janeiro 8 da Lua de Dulhaga [Dhu al-Hijja]


do ano da Hégira 1238.

EI-LA outra vez armada de Canhões, e de Baionetas sobre a Praça assom-


brada do Rocio, a Assustadora Divisão de Portugal! Como correm, como
voam pressurosas na confusão, e na desordem, atropelando aos outros e a si
mesmos, desde os quartéis onde habitam até aquele ponto de reunião, os seus
Soldados! O medo, a confusão, o horror, o susto os seguem, os precedem,
marcham a seu lado. Ao ver cerrar cautelosos as Portas de suas moradas; a
consternação, e o sobressalto impresso em seus semblantes; os Habitantes
da Capital; o pavoroso; o profundo silêncio, que reina nestas Praças, e Ruas
solitárias; vós direis, que a Cidade toda se dispõe a receber um assalto, que
espera a todo o instante a entrada vitoriosa de um inimigo irritado [com] a
morte, o estupro, o incêndio, o saque!
Quais serão os verdadeiros motivos, a causa ingente de tanta precipitação,
de tantos medos, deste descarado desprezo a todas as Leis militares, e civis,
da insolente insubordinação destes Soldados? A deposição de um Ministro,
a conservação de um Chefe desobediente, a criação de uma Comissão militar
para o Governo das Armas, a humilhação gradual e sistemática do Poder
Executivo, a criação de uma Junta, que o faria perfeitamente nulo, pondo-se
no seu lugar; o guloso insaciável desejo de novas subscrições pecuniárias,
com a gratuita pinga de Vinho, que as Tabernas lhes negavam. Qual será o
pretexto? A responsabilidade dos Ministros, e o Juramento das Bases.
Sede do Comando, e tu principalmente, sede do Ouro, de que crimes
não és causa?
O nosso Magnífico Padichá (b) espalha às mãos cheias, prata, e ouro
sobre a canalha dessa Corte, sempre que o fogo ameaça destruir um dos seus
Bairros; que se segue daqui? Quando a Canalha mais necessita de dinheiro,

702
principia por fazer arder um Bairro. Os Janízaros Portugueses, quando
precisarem de ouro, renovarão as Bernardas. Assim chamam nesta Corte as
Sedições Europeias Político-Militares.
Com efeito, nada há mais justo que pedir conta aos Ministros, pelos
abusos que fazem; nada mais santo do que jurar as Bases que sustentam um
Edifício, de que depende a comum felicidade: mas nada, ao mesmo tempo, tão
escandaloso, tão perigoso, tão torpe, mais infame, mais brutal, mais perverso,
mais Inconstitucional, mais tarimbeiro, do que obter tudo isto pelas mãos
criminosas, e sacrílegas de Tropas insubordinadas.
Não vedes acaso, através destes miseráveis manejos de uma miserável
Intriga, a mão traidora, e aleive de certa Potência Europeia da segunda ordem,
toda empenhada na perda do Brasil, e na ruína de Portugal?
E pois que tanto empenho fazeis em conhecer o caráter dos Brasileiros,
e em especial o dos que habitam esta Corte, não tirareis da sua moderação, e
seu silêncio, a prova a mais eloquente da Prudência que os adorna, e de certa
firmeza de Caráter? Que Povo, nas circunstâncias em que o puseram, se não
teria já ensanguentado? Tudo se tem feito, para o levar a este extremo, tudo
se tem malogrado.
Eu Sou etc.

(Continuar-se-á)

_____________
NOTAS

(a) o 1.º Defter-Emini, Tesoureiro Mor.


(b) Padichá, Grão Senhor.

______________________________________________
RIO DE JANEIRO 2 DE ABRIL DE 1822.
NA IMPRENSA NACIONAL

703
Continuação do Segundo Folheto da
Correspondência Turca

Estão em Cifra as Relações desde Número 239 até Número 250, que se
darão ao Público logo que sejam decifradas.

________________________
RELAÇÃO NÚMERO 251.

Orkan ao Reis-Effendi

De Rio de Janeiro 10 da Lua de Muharam


do ano da Hégira 1239.

A COMISSÃO Militar encarregada do Governo das Armas de que fiz menção


na minha Relação Número 238 tem por objeto exercer em tudo, e por tudo
as Funções até aqui atribuídas ao Comandante General da Força armada.
Neste caso, o General é uma Besta de Pau, e a Junta o General das Armas,
em que ela anda montada.
Se o General dá o Santo, é porque a Junta lhe tem dado: se o General tem
de ocorrer a uma necessidade urgente, a Junta será consultada necessariamente
para transmitir-lhe as Ordens que se fazem instantemente indispensáveis.
Figurei agora o General das Armas em presença do inimigo sobre um
Campo de Batalha: uma manobra rápida e imprevista lhe ameaça um Flanco
desguarnecido, ou mal postado: o General deve irremissivelmente ouvir o
parecer da Junta, para opor ao seu inimigo uma manobra adequada; enquanto
a Junta delibera, o Flanco foi envolvido, e o Exército derrotado.
Houve quem dissesse, que nenhum absurdo se tem dito ou pode fazer-se,
que os Filósofos não tenham imaginado.
Estava reservada para a Divisão assoladora a criação deste monstro, de
que nem o Diabo se lembrava.
Eu Sou etc.

704
________________________
RELAÇÃO NÚMERO 252.

Orkan ao Reis-Effendi.

Do Rio de Janeiro 14 da Lua de Muharram


do ano da Hégira 1239.

AS CORTES Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa


decretaram “que a Constituição ou Lei fundamental, uma vez feita pelas
presentes Cortes Extraordinárias, somente poderá ser reformada, ou alterada
em algum, ou alguns dos seus Artigos, depois de haverem passado quatro
anos contados desde a sua publicação etc.”
Mas será também permitido reforma[r]-lhe o Sistema, alterando-lhe as
Bases? Eis aqui o que as Cortes não declaram.
No caso de afirmativa: o Governo Português pode vir a ser Democrático
puro, ou moderado; simplesmente Monárquico, como acabou de sê-lo; talvez
abusivo, debaixo da direção de um ou de muitos Tiranos; poderá enfim, de
quatro em quatro anos, passar de cada uma destas diferentes formas à de
quantas sortes de Governo se têm até aqui imaginado. Quero dizer, o Reino
Unido estará sujeito a outras tantas Revoluções, quantos forem os Períodos
marcados para a sua reforma Constitucional.
A Revolução, mal algumas vezes necessário, deveria começar, e terminar,
se fosse possível, com a rapidez do Raio: perpetuá-la, é um erro até inadmis-
sível na prática; fazê-la porém periódica é exceder em estultícia à mais cega
necedade. No primeiro caso, a soma dos males momentâneos vem compensada
pelo bem, para cuja conquista esses males se fizeram necessários; no segundo,
onde tudo é perda, e nulas as vantagens, a sua crise é pelo menos tão curta,
quanto é violento o seu caráter, é porém o terceiro um monstro de vertigem,
que nenhuma força pode moderar; é a guerra civil reduzida a princípios com
as suas estações, e pausas determinadas, com tempos certos, e prefixos, para
destruir, e tornar a destruir depois de ter repousado.
A Constituição é uma Árvore, as Bases são o Tronco, e os seus Ramos
as Leis, que procedem dessas Bases. Será bom, e muitas vezes indispensável
cortar alguns ramos por viciosos; por nimiamente multiplicados; mas ninguém
decepou até agora o Tronco, que não destruísse a Árvore.

705
É pois da maior importância, que as Cortes declarem, e do modo o mais
solene, e positivo as Bases da Constituição inalteráveis! Esta Declaração é uma
Garantia, que os Atuais Legisladores devem oferecer antes que lha peçam os
de fora, e os de Casa.
Eu Sou etc.

________________________
RELAÇÃO NÚMERO 253.
Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro 18 da Lua de Muharram


do ano da Hégira 1239.

AS CORTES têm como todos os Soberanos os seus aduladores, os seus


Áulicos, Corcundas Constitucionais, que soberanamente as desacreditam e
ultrajam! Eles puseram o Terrorismo, e a Intolerância à Ordem do Dia, a
adulação a mais baixa, e vergonhosa no lugar da veneração e do Respeito
que devem os Povos aos seus Representantes; e como, que tudo pareça pouco
para consolidar o estúpido Fanatismo, que os Janízaros Portugueses pregam
na América a favor dos atuais Legisladores, insulta-se, ataca-se, desacredita-
-se a Pessoa, a Autoridade do Monarca e a Família Real por todos os meios
deixados à disposição daqueles perversos, para semear o descontentamento,
e anarquizar os Povos. Esta Tática miserável tem sido fielmente insinuada, e
empregada com sucesso em alguns Pontos deste vasto Território, com parti-
cularidade porém no Pachalikado do Rio Grande do Sul, por uma dúzia de
Sans-Culottes Europeus, e por outros tantos bandalhinhos indignos do nome
Brasileiro adesos aos Princípios subversivos da Cabala Carbonária.
Infeliz daquele, que não traz na ponta da Língua o Credo desorganizador,
que não crê firmemente na degradação, ou pelo menos, nas sinistras intenções
do Rei, e de sua Família, na suma perfeição da Constituição por fazer, e que
ninguém viu, e sobre todas as cousas com uma fé ardentíssima, e veemente,
na infalibilidade Celeste das Cortes Extraordinárias!
Apóstolos do erro, e da mentira, Monstros da Estupidez, e de Loucura:
eles dão às Cortes como Políticos o que como Cristãos negam ao Papa! Eles
quebram o único anel da velha Cadeia que prendia o Brasil com Portugal – o
Rei, e a Família Real.
Eu Sou etc.

706
________________________
RELAÇÃO NÚMERO 254.

Orkan ao Reis-Effendi.

Do Rio de Janeiro 25 da Lua de Muharram


do ano da Hégira 1239.

AO INSTALAR-se o Governo Provisório na Bahia, os seus Membros a subme-


teram a Lisboa, e lhe fizeram jurar a Constituição Espanhola, sem consultar
em assunto de tanta gravidade, e tanto peso, a vontade do Povo Brasileiro,
de quem a Bahia é uma parte, e só porque se dizia vagamente, que aquela
Constituição fora recebida em Portugal. Quando o Rei, já Constitucional,
partia para Lisboa, deixando o Herdeiro da Monarquia Regente do Brasil, e
seu Tenente, os Membros do Governo Provisório da Bahia recusaram obede-
cer-lhe: porque diziam eles: Seremos perjuros às Cortes, cumprindo com as
Ordens do Chefe do Poder Executivo, que elas não cessaram de reconhecer e
também seremos desobedientes a este mesmo Chefe, se cairmos no erro indes-
culpável de cumprir essas mesmas ordens que legal, e Constitucionalmente
nos deixou. Argumento Coió e Capadócio, deserção insolente, e vergonhosa;
digna dos Princípios subversivos daqueles ambiciosos trapalhões!
Disse Membros do Governo Provisório, e não Bahia, porque não admito,
nem posso admitir na conduta anticonstitucional da Cabala, que a Tiraniza,
a expressão da sua vontade, porque não vejo, nem posso ver nesta Facção
desmascarada, e ridícula mais do que outros tantos Sectários de um grosseiro
Maquiavelismo, fabricando o descrédito da Constituição, que proclamam, e
a desmembração da sua Pátria.
Que exemplo de insubordinação, e de rebeldia para um Povo, todo
novo, como o é o Brasileiro no Foro contencioso dos Direitos políticos que
ele deve fazer valer, e sustentar! Como acontece, que o atrevido, e escanda-
loso procedimento do Governo da Bahia não tenha propagado o Espírito da
desmembração e da Anarquia, fazendo-o rebentar por toda a parte?
Não, vós não achareis, em Sessão alguma do Globo, um Povo mais dócil
do que o Povo Brasileiro às vozes da razão, e da Prudência, mais virtuoso,
mais justo, mais apercebido, mais honrado!
O Senso comum está aqui em sua Casa.
Eu Sou etc.

707
________________________
RELAÇÃO NÚMERO 255.
Orkan ao Reis-Effendi.

Do Rio de Janeiro 29 da Lua de Muharram


do ano da Hégira 1239.

NÃO HÁ outro Deus senão Deus, e Maomé é o seu Profeta! Não há Governo
mais Sábio, mais legal, mais Brasileiro, que o Governo Provisório da Bahia,
e o Semanário Cívico é o seu único, essencial, incorruptível defensor. Sem o
semanário, e aquele Governo, o Brasil erraria até hoje em meio das Trevas, e
jamais veria a Luz! Lede bem o Semanário, e conhecereis, que tal é a Profissão
da fé Política, que pretende inculcar ao Brasil, e ao mundo inteiro este vendido,
pedante, atrevidíssimo Redator.
Que terá uma com a outra cousa a dissimulação, e a pouca vergonha; a
covardia, e a audácia, a fanfarronada, e a modéstia; a fome canina do mando,
das riquezas com o desinteresse patriótico; a liberdade, e o despotismo; a
perseguição, e a tolerância; a hipocrisia, e a franqueza; a baixa vingança, e a
clemência; a ostentação de todas as virtudes reunidas aos vícios mais detes-
táveis, e horrendos nos exagerados amigos da reforma? Tudo. A necessidade
que tem a canalha de todos os Países desta pasmosa aliança para edificar a
sua fortuna sobre a ruína dos Povos! É que o Povo é um homem de Bem, a
quem só é possível enganar com a máscara das virtudes, ou com a capa da
honra! Que malfadados são os Povos! Não há velhaco, que não queria tirar
deles bom partido, não há charlatão, que lhes não venda a peso de ouro as
suas drogas. Se rompem as Prisões com que um Déspota os oprimia, é para
caírem quase sempre nas garras atropeladoras destas insaciáveis Harpias,
destes abomináveis, infames impostores. Pedantes médicos Políticos: eles
receitam, quando muito, com o Doutor de Valladolid, Sangrias, e Água morna!
O Governo Provisório, e o Semanário só nesta parte divergiram do
Sistema geralmente recebido pelos Professores da sua Escola: principiaram
pela Água morna, e vão dispondo o desgraçado Baiano para as copiosas
sangrias, com que eles mesmos, ou Bestas de igual Jaez lhe hão de Chupar o
Sangue – a última gota de Sangue!
Eu Sou etc.
(Continuar-se-á).

___________________________________________
RIO DE JANEIRO 16 DE ABRIL DE 1822.
NA IMPRENSA NACIONAL.

708
Continuação do Segundo Folheto da
Correspondência Turca

RELAÇÃO NÚMERO 11

O Agente Número 2. a Orkan.

De Mostardas no Pachalikado do Rio Grande de São Pedro do Sul aos 14


dias da Lua de Kaidathi [Dhu al-Qui’dah]
do ano da Hégira 1238.

O DESPOTISMO dos Paxás, as extorsões, e as violências de alguns Sanjak-


Beys (1) a ignorância dos Cadis (2), as brigas, e as intrigas dos seus pedantes
Assessores, as intermináveis requisições militares, o novo, onerosíssimo
imposto sobre as carnes, tão faltar aos boçais calculistas, que daqui o lembra-
ram, e pediram, e que, com a mesma prontidão se arrependeram como o
houveram alcançado; o desproporcionado contingente militar prestado até
agora à Pacificação de Montevidéu com ingente prejuízo da População, cultura
das terras, e criação do Gado, uma pomposa Junta de Fazenda, Administração
de puro luxo, complicada, nociva, e dispendiosa, eram sobejos motivos para
que os briosos, e honrados habitantes deste extensivo Pachalikado abraçarem
gostosos a Constituição, que se lhes oferece; sem que a Facção sans-culotte se
encarregasse; de incendiar-lhes as cabeças, pregando-lhes a Insurreição desne-
cessária, o desprezo às Autoridades, o menoscabo da Lei, e total isenção das
prestações indispensáveis ao público Serviço, o criminoso refúgio à satisfação
das dívidas, e tratos; o Sistema das Represálias, e vinganças; os vergonhosos
manejos da Calúnia, os do Pasquim; que é a Arma do Bandalho; e os das
falsas Denúncias, recurso final, e extremo da pérfida, e imoral Carbonária.
Mas o Canalha sans-culotte tem dois Doutores na Faculdade da Seringa,
dois animaizinhos bem ridículos, bem pedantes, bem perversos; cujos trabalhos
ela quer recompensar a todo o custo: tem sobretudo a peito coroar a extrema
degradação de um destes miseráveis, convicto, e condenado, por Ladrão nessa
Corte, e salvo das mãos do Executor da Alta Justiça, pela comiseração, e
influência de um General Português, que este malvado atualmente insulta, e
com manifesta sem razão desacredita; conta no número dos seus sequazes dois
degradados Derviches, desertores escandalosos da Lei, que mal professam, e

709
a quem deve remunerar a Apostasia; tem a realizar a velha Profecia Jacobina,
que promete nivelar a Ignorância, e a Ciência, os vícios e as virtudes, depondo
os homens probos, e Sábios, e exaltando a Canalha abrejeirada e mofina; tem
finalmente a dar uma mão criminosa aos insidiosos colonizadores do Brasil;
plantar a imoralidade, confundir todas as classes, e radicar o Ateísmo.
Preparai-vos, portanto, a toda a sorte de violências, de tropelias, e de
insultos; que não tardareis a ouvir contar deste punhado de Carbonários, que
vão repartir entre si o Rio Grande, para quem olham como sua propriedade
exclusiva.
Principiaram por desacreditar o Governo Interino, declararam-se aber-
tamente contra toda a sorte de Hierarquias, adulam manhosos ao Soldado a
quem pregam a Sedutora insubordinação, e rebeldia: acenam aos habitantes
da Campanha com a isenção de todos os Impostos, e Direitos; oferecem-se
dinheiros a uns, Cargos a outros; não há enfim mal que se não projete, e
bem que se não prometa: até que preparada com tão grosseiros artifícios a
rendosa Anarquia por que anelam, se desprenda do cúmulo da maldade, da
pedanteria, e da Soberba destes monstros, a torrente irresistível de desgraças,
que reduzirá ao estado miserando, e lastimoso de Montevidéu, de Buenos
Aires, do México, do Peru, do Chile, e Terra firme esta tão fértil quanto bem
depressa infelicíssima Província!
Oh! como ganharia, à testa desta Canalha, um Capitão General de igual
ralé, de iguais princípios, posto no lugar que presentemente ocupa o Interino
Governo, que com tanta firmeza a enfreia, e a comprime! Que ele venha, e a
perda do Rio Grande é infalível.
Eu Sou etc.

_________________________
RELAÇÃO NÚMERO 256.

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro 8 da Lua de Tzepharu


do ano da Hégira 1239.

O PRIMEIRO Homem teve certissimamente uma Mulher muito formosa:


seria ela tão terna como o são as Brasileiras? Se assim foi, o Pai do Gênero
Humano levou, por toda a parte, o Paraíso, que perdeu.

710
O Profeta promete aos verdadeiros Crentes, em outra vida, o gozo
de prazeres inesgotáveis, em companhia de oficiosas, formosíssimas Urîs.
Mohemet, dai-lhes a sensibilidade, e a ternura das Brasileiras, e não sejam
muito embora formosíssimas as Urîs, que prometeste! Se consentes neste
câmbio, o Islamismo, que plantaste será, desse mesmo instante, a Religião
exclusiva do abrasado Oriente.
Fizeram-me ver há bem poucos dias, num Poeta, a quem chamam os
Peritos, o Horácio Português, os Seguintes versos.

................................... Oh! que Beijo suave!


Em que juntos, trocados, confundidos,
Se assustam, morrem, sentem os Sentidos.

Perguntei sem demorar-me, se acaso o tinha dado uma mulher do Brasil


– elas sós podem fazer morrer desta maneira.
A Grega se acomoda, a Hebraica negocia, a Persana pactua, a Armeniana
presta-se, a Georgiana rivaliza, a Parsis dorme, a Indiana baila, a Espanhola
desfaz-se em seu serviço, a Francesa discorre, a Italiana calcula, a Inglesa
contemporiza, a Polonesa está ali, a Holandesa nem ali, a Russa serve ao lado
de um amante: a Brasileira é a única, que se dá toda inteira – nada deixa para
si; a única que chora, e faz chorar de ternura, quando diz, que nos ama, e
nos quer bem. Nos braços do Amor, ou da Amizade, ninguém ama como ela.
É preciso ser muito mau, ou muito estúpido para que o homem deixe de
ser venturoso como Pai, como Irmão, como Esposo, como filho de uma terna,
dócil, amável, carinhosa, encantadora Brasileira. Despidas de ambição, e de
orgulho; olhando com indiferença para o Ouro, e para as Pedrarias, que as
adornam, as Brasileiras limitam toda a sua ambição a querer bem a seus Pais,
a suas Mães, a seus Irmãos, a seus Maridos, a seus filhos, e Parentes – Amar
é para elas um necessário Elemento.
Nem por isso vos persuado, que todas sejam tais como aqui apresento.
Raros são todavia os exemplos em contrário ao caráter, que descrevo: mas
também neste caso, Monstro algum é comparável ao Coração, e às Entranhas
de uma Mãe, de um Irmã, de uma Mulher pervertida, degenerada Brasileira.
Parece, que a Natureza só pode fazer, nestas Regiões maravilhosas, Chefes
de Obra de perfeições, ou de defeitos.
Assim saíram do Sétimo Céu, para Glória, e para terror dos Homens,
Lúcifer, e o Arcanjo, que comanda as invencíveis Legiões do Onipotente!

Eu Sou etc.

711
__________________________
RELAÇÃO NÚMERO 257

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro 12 da Lua de Tzepharu


do ano da Hégira 1239.

O ASSEIO, que as Brasileiras tanto prezam pode passar em Provérbio, uma


Brasileira é toda cara, pelo que respeita à limpeza. O mais escrupuloso Chinês
se daria por contente com a notável perfeição de suas mãos, e abreviados
pés: tem geralmente a tez mui delicada, o corpo torneado, e bem, feito: mas
quando elas falam, ternura, voz, nada disto podeis ver: o melífluo som da sua
voz, vos arrebata, e vos transportar a certo grau de sensibilidade, que seria
impossível descrever; suas expressões vos cativam, vos encantam, prendem-
-vos ao Coração, donde elas partem, e vos identificam com ele. Desgraçado
daquele que lhes puder notar em tais momentos uma [im]perfeição, ou físico
defeito; um homem tal teria toda a sua alma nos olhos, para ver como os
brutos, para sentir como eles.
Que criaturas tão perigosas direis vós! Nada menos digo eu. A Brasileira
é incapaz de exigir do seu Esposo, ou do seu Amante um sacrifício por mais
diminuto, que ele seja. Satisfeita com não ser tiranizada, ela está longe de
exercer um império injusto sobre entes, que ela ama necessariamente mais
do que a si mesma.
Suporíeis à vista deste esboço, que mulheres tão dóceis, tão delicadas,
fossem capazes de empunhar a Espada pela Glória do seu País, e de combater
em sua defesa? Isto é o que se viu fazer a uma filha de certo General Brasileiro,
inseparável do lado de outro General seu consorte, na sanguinosa Batalha de
Catalão, cheia de denodo, e de firmeza: isto é o que farão sempre, que seja
preciso, muitas mulheres em Rio Grande, São Paulo, Minas; ou para melhor
dizer, quantas se honram, se gloriam de ter nascido Brasileiras.
As filhas do Brasil, inda as da classe menos ditosa, jamais se reunirão,
como as Peixeiras de Paris, para saquear, e trucidar as vítimas miserandas, que
a Guerra Civil lhes apresente: se for porém necessário vê-las solenizar como
as Espartanas a morte gloriosa de seus maridos sacrificados sobre o Campo
da Honra aos interesses da sua Pátria, eu vos respondo por elas.
Oh! Nunca possam tanto os Carbonários, que cheguem com sua Doutrina
infernal a pervertê-las?

712
Carbonários! Eu vos abandono, por estes três anos, todas as mulheres
do Globo = respeitai as Brasileiras.
Eu Sou etc.

__________________________
RELAÇÃO NÚMERO 258.

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro 16 da Lua de Tzepharu


do ano da Hégira 1239.

AQUELA porção de viajores, que por seus princípios estragados, e total falta
de educação merecem a justo Título o nome injurioso de bandalhos, acusa de
devassidão as Brasileiras. Certos animalejos, inçados Filósofos, superficiais
observadores do caráter, e dos costumes dos Povos, sem se darem à pena de
estudá-los como deveram, chamam as mulheres do Brasil ociosas, desleixadas,
pouco econômicas, e inteiramente ignorantes da administração, e do Governo
dos domésticos…
Os primeiros confundem a gente de Bem, com a canalha; os Segundos
não só faltam à verdade, fazendo geral um defeito apenas aplicável a uma
bem pequena parte, mas também à justiça, insultando inconsideradamente as
mulheres, em vez de atacar os homens, as Instituições, os usos, e os costumes,
que eles só estabeleceram.
Eu Sou etc.

___________________
NOTAS

(1) Comandantes de Distritos


(2) Juízes ordinários

(Continuar-se-á)

___________________________________________
RIO DE JANEIRO 24 DE ABRIL DE 1822
NA IMPRENSA NACIONAL

713
Folheto 3.º

CORRESPONDENCIA TURCA
Interceptada a um Emissario Secreto da Sublime Porta,
residente na Corte do Rio de Janeiro.

__________________________
RELAÇÃO NÚMERO 259.

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro 25 da Lua Tzepharu


do ano da Hégira 1239.

QUE A RELIGIÃO Católica Apostólica Romana fosse a Religião dos


Portugueses o decretaram as Cortes, pela Seção 2.ª Artigo 17.º das Bases
Constitucionais. A Nação jurou esta, como qualquer das outras Bases, e com
ela deve necessariamente jurá-las o Maometano, o Cismático, o Quaker, o
Unitário, o Episcopal, o Presbiteriano, o Gentil, o homem finalmente de uma
Comunhão diferente da Católica Apostólica Romana, que obtiver entre os
Portugueses Carta de Naturalização.
Declaro, que não entendo como seja possível conciliar este Juramento
com os Princípios Religiosos do novo Cidadão.
Serão unicamente os Estrangeiros Católicos Apostólicos Romanos admi-
tidos a gozar dos Direitos de Cidadão Português! Não creio, que tal seja a
intenção do Legislador.
Eu Sou etc.

714
__________________________
RELAÇÃO NÚMERO 88

O Agente Número 4 a Orkan

De São Paulo aos 20 da Lua de Tzepharu


do ano da Hégira 1238.

ORGANIZOU-SE o Governo Provisório. A Sabedoria presidiu as Eleições.


Sem sustos, sem terrores, sem brigas, sem vinganças, sem intrigas foram
postos à Testa do Poder Executivo o verdadeiro merecimento, a Ciência, o
Patriotismo, o Desinteresse, e a Honra.
Não lhe chameis prodígio. Está aqui José Bonifácio; esse Brasileiro de
quem vos falei largamente na minha Relação Número 12. Tenho-vos dito tudo.
Eu Sou etc.

__________________________
RELAÇÃO NÚMERO 96.

Do Mesmo ao mesmo.

De São Paulo ao 1 da Lua de Regial [Rajab]


do ano da Hégira 1239.

O DECRETO do Congresso Português de 29 de Setembro que tão ingrata


sensação produziu aos habitantes do Rio de Janeiro, foi aqui recebido com
horror. Bramem de cólera os Paulistas, vendo-se insultados, e traídos de uma
maneira tão revoltante e injuriosa: a escravidão indigna, a que vai reduzi-
-los aquele impolítico Decreto, parece-lhes mil vezes mais horrível do que a
morte. Que é feito; dizem uns, da moderação, e da prudência dos Soberanos
Legisladores? Mui depressa cansaram de ser justos, dizem outros, Como se
decide em Portugal dos Negócios do Brasil, sem que ali se tenham reunido
os nossos Deputados, dizem todos, Até os mais moderados, não têm outra
Linguagem, não se explicam de outra sorte.
Por pouco, que se assemelhem aos de São Paulo os votos dos mais
Pachalikados, eu não dou quatro vinténs pela popularidade, que neles a
seu favor tenham as Cortes. Os atuais Legisladores perderam portanto um
Tesouro, que ninguém se gabou jamais de achar depois de havê-lo perdido
– A Opinião.

715
Quando esta vos for entregue, terá chegado à Capital do Brasil a
Deputação, que dirige a Província de São Paulo ao Herdeiro da Monarquia,
suplicando-lhe não parta para Lisboa. Se não forem atendidos como o espe-
ram........ Sabei, que o Paulista fez tensão.
Eu Sou etc.

__________________________
RELAÇÃO NÚMERO 267

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro aos 19 da Lua de Regial [Rajab]


do ano da Hégira 1239.

NÃO ME FOI possível cerrar os olhos em toda a noite passada, esperando


com impaciência o dia de hoje: este dia prenhe de futuros, que uma só palavra
podia tornar feliz, ou desditoso; este dia memorável, na História do Reino
Unido, em que se devia decidir, se o Cetro da União continuaria a reger os
Brasileiros, ou se o Rei de Portugal perderia para sempre o mais belo Florão
da sua Coroa. Eram 11 horas da manhã, e o Conselho da Cidade, seguido de
um numeroso concurso de Cidadãos, se encaminhava à Presença do Regente,
pela última vez acaso. Cheios de Dignidade e de tristeza, inermes como a
virtude perseguida; um majestoso silêncio, e o Direito da Petição os escol-
tava; ao alcance da Divisão desorganizadora, que os podia atropelar a cada
passo. Ao entrar na Rua chamada do Ouvidor, de cujas Janelas, ornadas de
riquíssimas sedas, as Matronas Brasileiras cobriam de Flores o caminho, que
o cortejo atravessava; um Santo terror se apossou do meu Espírito, meditando
neste silêncio misterioso, e terrível presságio das maiores desventuras, ponto
final da Paciência; onde a reação principia, e o sofrimento acaba. Olhei para
o Presidente do Conselho, seus olhos se tornaram para o Céu, e as Lágrimas
banharam o seu rosto – seus olhos falavam; eles diziam naquele momento:
Supremo Árbitro do Universo, que mal te fez este Povo? Eu deixo correr as
minhas; Cidadão universal, não posso ver gemer uma Nação a olhos enxutos.

Eu Sou etc.

716
__________________________
RELAÇÃO NÚMERO 268.

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro aos 19 da Lua de Regial [Rajab]


do ano da Hégira 1239.

HAVIA decorrido bem três quartos de hora depois que o Conselho tinha pene-
trado os Pórticos de Palácio: passava o Tempo, e eu lhe contava os instantes,
algumas Toesas5 separado do Povo, que esperava na ansiedade, e na incerteza,
pelo resultado dos seus rogos. Abre-se uma Janela, o Príncipe aparece tendo
a seu lado o Presidente: este anuncia aos Cidadãos o complemento dos seus
desejos, e o Regente lhes recomenda ao depois disto, União, e Tranquilidade.
O prazer sucede à profunda melancolia até ali observada, a agitação ao
silencio, o Povo se exalta, e se transporta; milhares de vozes filhas do júbilo,
e do reconhecimento, aclamam o Príncipe, e vão perder-se no Espaço! Não
só os Lábios, mas os Lenços, os braços, e os Chapéus que se movem, que se
cruzam, que se encontram nos ares, e que sem cessar os dividem, tudo fala;
tudo diz, que o Rio de Janeiro é venturoso, que o Brasil está salvo.
Regente do Brasil! Tu salvaste também a Constituição, que outra bem
diferente substituiria; salvastes [sic] as Cortes do Labéu, e da Injúria de ter
para tantos males cooperado; Salvastes [sic] a União, e a Monarquia da inteira
dissolução, que a ameaçava; Salvastes [sic] a pesar seu o desacreditado Pé de
Chumbo da justa retribuição, que mereciam suas proscrições abomináveis!
Honra aos Europeus que te imitam, que sabem ser Europeus sem deixar de
ser Brasileiros; a Ti Honra, e Louvor, Oh Pai da Pátria.

Eu Sou etc.

5
Toesa: medida de comprimento equivalente a 1,98 m.

717
__________________________
RELAÇÃO NÚMERO 269.

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro 19 da Lua Regial [Rajab]


do ano da Hégira 1239.

ALGUNS dias antes do memorável acontecimento, que levo referido na minha


anterior Relação, tinha chegado a esta Corte o Capigi-Bachi (a) Manoel
Carneiro da Silva e Fontoura encarregado pelo Jovem Paxá do Rio Grande de
São Pedro do Sul de conduzir como presos de Estado à presença do Regente
dois Oficiais Brasileiros, vítimas inocentes da Facção sans-culotte Terrorista,
atualmente dominante naquele infeliz Pachalikado.
Este honrado Brasileiro, apenas sabe, que os Cidadãos da Capital se
reúnem para peticionar ao Chefe do Poder Executivo, corre a juntar-se aos
seus Representantes veneráveis, introduz-se com eles na Sala da Audiência,
apresenta o seu voto ao Príncipe, rogando-lhe não abandone a sua Pátria; e
lhe assegura sobre sua honra, que todos os homens de Bem do Rio Grande
pensam como ele, e como ele estão prontos a afirmá-lo.
Valoroso Guerreiro, Cidadão Ilustre, Generoso Fontoura, fizeste o que
devias, dissestes [sic] a verdade. Diga embora o contrário o desconcertado
colonizador, que a si se morde de raiva, o terrível Pé de Chumbo que só
sabe dar patadas, o bandalho pedante, que mal pode proferir duas palavras,
o veneno dos Canários, o Bravo matador dos Sonolentos, a Espada do M.
...... l, ou o M. ...... l, da Espada.
Eu Sou etc.

____________________
RELAÇÃO 270.

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro aos 20 da Lua de Regial [Rajab] do ano da Hégira


1239.

A PALMATÓRIA trabalha como um demônio. Para obstar quanto em si cabe


ao Projeto de Petição, que inúmeras Firmas assinavam, passou ordens para o

718
completo desarmamento dos Seratusîs (b) e para que oficiais de sua Escolha
fossem comandar as Fortificações, que defendem esta Cidade, e Porto. O
Regente se opôs, como devia, à execução destas medidas anticonstitucionais,
que tendiam unicamente a exacerbar os ânimos, e a tiranizar os Cidadãos.
Baralhada em seus cálculos, contrariada em seus Planos, mudou de Baterias,
sem mudar de Projetos a menina dos cinco olhos. Todas as suas demonstrações
me persuadem, que ela recorrerá bem depressa aos bons ofícios da borrachona
Bernarda companheira fiel dos seus trabalhos, seu Bordão, e seu Escudo.
Dizia hoje, a quem o queria ouvir, um descarado Pretoriano, que com
aquela (apontando para a sua Espada) levaria Príncipe pelo colete a Bordo
da Nau, que o conduziria a Lisboa. Morro de pejo escrevendo esta Blasfêmia,
e nenhum teve de a proferir este maroto? Aqui há Carbonária, ou o Diabo
em seu nome.
Eu Sou etc.

____________________
NOTAS

(a) Coronel
(b) Milícias

(Continuar-se-á)

______________________________________________
RIO DE JANEIRO 27 DE ABRIL DE 1822.
NA IMPRENSA NACIONAL.

719
Continuação do Terceiro Folheto da
Correspondência Turca

Nota Bene. Na página 55 da folha antecedente Relação


N. 269 leia-se Orkan ao Reis-Effendi em lugar de o Agente
N. 2 a Orkan; e em lugar de 23 da Lua de Regial, leia-se
19 da Lua de Regial.
Na página 56 leia-se na data da Relação N. 270, 20,
da Lua de Regial em lugar de 28.

[N.O.: As correções foram feitas]

RELAÇÃO NÚMERO 28.


Ibrahim Renegado Corso, Emissário da Porta
em Viena de Áustria a Orkan

De Viena aos 8 da Lua de Ramadhan [Ramadã]


do ano da Hégira 1237.

QUEM NÃO quer ser Lobo não lhe vista a pele. Este rifão é bem antigo, e
nem assim aproveitou aos Napolitanos: eles revolucionaram à sans-culotte,
e pagaram a imprudência, que cometem; abandonando-se à disposição, e
ao capricho de seus desacreditados sedutores. Firmados no incontroverso
Princípio, de que cada um é senhor dos seus narizes para acomodá-los onde
melhor lhe convenha; esqueceram, que uma Nação é para as outras, o que o
homem constituído em Sociedade é para os indivíduos, que a compõem; que
pode qualquer fazer em sua Casa quanto bem lhe parecer, mas se compromete
a moral pública, e a tranquilidade dos vizinhos, até nela está sujeito à coação.
As Leis Romanas, iam buscar o Cidadão ao interior do seu Aposento, e lhe
pediam conta de um Beijo, dado com menos decência a sua própria Mulher
à vista de alguns Fâmulos, com a mesma razão por que a Censura política
do Império em contato quase com toda a Europa, África, e uma grande parte
da Ásia forçava as Nações vizinhas à Paz que se haviam jurado, e punia a
Jugurta do roubo de um Trono, e da morte de um Irmão.
A Salvação do Povo é para esse mesmo Povo uma Lei suprema, mas no
Código político das Gentes a tranquilidade do Mundo é, para todos os Povos,
a primeira das Leis.

720
Que seria do Gênero Humano se bastasse mudar o nome a todas as
cousas, para que deixassem de ser crimes os vícios mais horrendos? O mesmo
que aconteceria a todos os Povos, e Governos, se os Secretários de Robespierre
só porque mudaram de denominação em Nápoles, pudessem ser havidos, e
recebidos por ótimos reformadores. Se os Napolitanos se tivessem conten-
tado com uma bem entendida Liberdade, sem pregar com a palavra, e com
o exemplo aos demais Povos a Doutrina infernal dos Jacobinos, a guerra de
morte às instituições mais respeitáveis, o Triunfo da Canalha, a confusão
de todas as classes, a imoralidade incomedida, a dilapidação, e a rapina, as
intermináveis vinganças, que tomaram, o sangue inocente que verteram e com
que inundaram a Sicília; nem o Imperador de Áustria se haveria armado, nem
o Czar o teria socorrido.
Dado o caso, e nunca concedido de que fosse o Sansculotismo a Fonte
única da Liberdade, e da Fortuna dos Povos, os Napolitanos seriam justamente
coibidos de pregar, como pregaram a Insurreição Universal, e o extermínio de
todos os Governos, que como o deles não estão pela reforma.
Se é indubitável, que qualquer das grandes sociedades, conhecidas de baixo
do nome de Nações, tem todo o Direito para melhor constituir-se, sempre,
que a inovação se faça necessária, por meio de Leis sábias, e prudentes; não
é menos verdade, que assim de Deus, como dos homens nenhum poder lhe
veio, para alterar a Paz das outras Sociedades, provocando-as a mudanças, que
ninguém dirá, com verdade, se tenham feito, ou possam fazer-se sem efusão
de sangue, e sempre com grandes riscos, e perigos daquele, que as pratica. O
Povo, o Governo que assim obra é um verdadeiro incendiário, o seu número
por mais considerável, que ele seja, o Título pomposo de Soberania que o
arreia o não põem a coberto da pena, nem do crime. É um Réu, e um Réu da
primeira ordem no Tribunal das Nações.
Oh Tu, sobre quem choveram as desgraças, os revezes, e os desgostos
pelo espaço de vinte cinco anos continuados na mais terrível das lutas, no
mais cruel dos conflitos; oh Tu, a quem nenhum sacrifício pareceu pequeno
para assegurar a Paz e a Fortuna do teu Povo, tantas vezes salvo, outras tantas
vítima da ambição, das vinganças, dos furores de uma revolução inaudita,
Ancião venerável, Príncipe Sábio, e virtuoso, eu não abraçaria a tua defesa,
se pudesse persuadir-me, que o Chefe da Casa de Áustria era um inimigos dos
Povos, e da Liberdade das Nações – O Vasto Império, que dominas repousa
tranquilo, e afortunado à sombra das tuas Leis, ele te chamou Pai da Pátria!
Os Napolitanos não podem roubar-te a Glória, que te provem deste Nome:
ele é imortal, como a verdade, que o publica.
Eu Sou etc.

721
_________________________
RELAÇÃO NÚMERO 271.
Orkan a seu Cunhado Sadik, novo Ministro dos
Negócios Estrangeiros da Porta

Do Rio de Janeiro 21 da Lua Regial [Rajab]


do ano da Hégira 1239.

ESTOU no Teatro transportado como o Povo, que não cessa de aclamar, de


louvar, de bem dizer o Regente. Pedro...! Não sei, que tem este nome, que
sempre me traz à memória a Pedra angular da Constituição, e da Liberdade
dos Povos a prol da Sã Filosofia mal aceita, contra a bastarda Filosofia, que
os perde, que os ilude, que os ultraja. Que Espetáculo majestoso, que Cena
encantadora me transporta nestes instantes deliciosos a um Paraíso desconhe-
cido ao Gênio criador, e fecundo, do Maomé? Acaso serei eu um Brasileiro?
Filosofia! Eu pertenço à verdade, (esta palavra é talvez dura) eu pertenço à
Humanidade, e a mais ninguém. Não acabava de assim falar comigo mesmo;
quando me sinto tirar do ombro direito, de um modo brusco, impertinente,
acelerado: volvo-me, com rapidez, para aquela parte, e vejo...... Husseim,
nosso Emissário em Lisboa, que me repete com veemência estas palavras:
“Daqui a uma hora o Herdeiro da Monarquia terá existido talvez; um montão
de cadáveres, e de ruínas ocuparão este espaço; o ferro, o fogo, e o saque
haverão punido a Capital em que resides de ter invocado, contra a opressão
Europeia, a Constituição, e as suas Bases: Foge, retira-te, quanto antes, destes
sítios ... eu sei o que digo, tu sabes donde venho, parte. Abandonei-lhe a
minha mão, e em menos de vinte minutos, eu, e Husseim estávamos em Casa.
Eu Sou etc.

_________________________
RELAÇÃO NÚMERO 272.

Do Mesmo ao mesmo.

Do Rio de Janeiro aos 22 da Lua de Regial [Rajab]


do ano da Hégira 1239.

UMA HORA é dada: nenhum dos Agentes, que destaquei sobre diversas
direções, para informar-me do que passa, tem voltado. Husseim me não pode
ser útil; assaltado de uma Febre agudíssima, resultado da violenta marcha

722
que fizera por terra desde Montevidéu, lugar do seu desembarque, até reunir-
-se comigo nesta Corte, geme no leito da dor, e ocupa o último dos meus
familiares. Cansado de esperar, e de sofrer a meu turno, ponho-me na Rua,
e erro longo tempo pela Cidade, sem que encontre um só vivente, sem dar
com um homem a quem dirija a palavra. O frouxo clarão da Lua me guiava.
Mas, que confusa gritaria fere instantemente os meus ouvidos no
acento do furor, e da ameaça? Onde estou? Paremos… Não é longe daqui
a Rua direita, ali me fica São Bento, o Quartel do Batalhão Número 11…
Aproximemo-nos… São eles: estão falando no Xaque! Que imprecações
contra o Regente! Que Orgia infernal, que infâmia, que borracheira! Fujamos
desta Canalha.
Deixo após mim duas Vedetas; entro no Campo de Santana, para onde
me foram conduzindo do Rocio, onde principiei a ouvi-las, vozes de júbilo,
de prazer, de contentamento, que reiteram o não manchado juramento de
obediência à Constituição, e ao Regente, de Fidelidade à Pátria. Que homem
é aquele, que sentado em uma cadeira não cessa de passar ordens, e de receber
avisos, que lhe parecem chegar de todos os lados? “O Marechal Oliveira (me
responde um Capigí-Bachi de Scratusîs, a quem a minha pergunta fora enca-
minhada) posto, que enfermo, o Patriotismo, e a honra lhe não permitiram
recusar-se à ordem positiva do Regente, que acaba de investi-lo do Comando
em Chefe deste Campo, onde vês reunidas as Forças da Cidade.”
Oliveira! Tornei-lhe eu, esse nome me tranquiliza, a vitória não pode ser
duvidosa, eu a vejo, que se fixa em meio dos vossos Estandartes oh! Príncipe!
Que escolha! Tão Jovem, e tão Sábio…!
Mas vós mesmo, Senhor Oficial, não me sois totalmente desconhecido,
juraria ter-vos visto em outra parte, o vosso nome? Antero.
Forte Calo, Senhor Coronel, pregais neste momento à canalha coloni-
zadora da vossa Província! Não foi certamente para defender as Liberdades
do Brasil que ela vos mandou para cá.
Eu Sou etc.

__________________________
RELAÇÃO NÚMERO 273.
Do Mesmo ao mesmo

Do Rio de Janeiro no Campo Militar de Santana aos


22 da Lua de Regial [Rajab] do ano da Hégira 1239.

CONTINUAVA na minha conversação com o Coronel, quando fomos inter-


rompidos pelo som dos clarins, e dos Tambores, que tocavam à Generala

723
[sic]. Providência necessária, para habituar, aos seus postos tantos cidadãos
de todas as classes e hierarquias, que pela primeira vez pegavam nas Armas.
O velho, e o adolescente; o Imã (a), e o Dervich; o Magistrado, e o Advogado;
o Funcionário público enfim, de qualquer Repartição ou Destino, se uniu à
1.ª ou à 2.ª Linha para morrer pela Pátria.
Aproveito a ocasião, que se me oferece; para examinar a força Brasileira
sabiamente postada, e distribuída segundo as circunstâncias, e o Local. Aqui
vejo o intrépido primeiro Regimento dos Saphîs (b) 1.ª Linha: que bela
Oficialidade! Comandante, Oficiais, Soldados, Europeus, Filhos do País: tudo
é bom, tudo é Brasileiro, tudo é Ordem, Disciplina, Patriotismo, Coragem. O
Espírito da Intriga trabalha em vão por introduzir-se neste Corpo: que cousa
tão rara! Fidelíssimos Cidadãos, Destemidos Guerreiros sede sempre o que
sois, acabai o que tendes começado... Nada tem a temer o Rio de Janeiro
enquanto não fraqueardes. Com mais quinze mil homens da vossa têmpera,
eu empenharia uma Ação geral em pleno dia contra cem mil Cossacos, sem
auxílio, ou socorro de qualquer outra Arma.
Eu vos saúdo Briosos Topgîs (c): a Intrepidez, e a Fidelidade é em todos
os Países o Espírito desta Arma.

Continuará esta Relação na Folha Seguinte

____________________
N O T A S.

(a) Imã Corresponde a Cônego


(b) Saphis Cavalaria
(c) Topgis artilharia

___________________________________________
RIO DE JANEIRO 6 DE MAIO DE 1822
NA IMPRENSA NACIONAL

724
Folheto 4.º

CORRESPONDENCIA TURCA
Interceptada a um Emissario Secreto da Sublime Porta,
residente na Corte do Rio de Janeiro.

RELAÇÃO NÚMERO 279

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro aos 25 da Lua de Regial [Rajab]


do ano da Hégira 1239.

CHEGARAM os Seratusîs, que aqui chamam da Roça em Socorro da Cidade:


como vêm Patriotas, valentes, subordinados! O 1.º Regimento de Saphîs da
mesma Linha, a quem Comanda um Leão no valor e na generosidade os
movimentos da Divisão Legisladora no outro Lado.
Espera-se que venham quanto antes consideráveis reforços de Minas e
São Paulo.
Já se não trata de fazer realizar unicamente o Embarque de Avilez, e
dos seus Tártaros; mas impedir, que reunida a estes Vândalos a escolhida
Guarnição com que Portugal mimoseia esta Corte, repitam as mesmas, ou
ainda maiores indignidades.
Pobre Avilez: que fizestes? Sem dúvida tudo quanto te ordenaram
.................... !
Se ao menos te deixassem levar o Amigo Despertador, e os Redatores do
Reverbero, que belo Alfaiate tinhas para lhes cortar as Casacas!
Eu Sou etc.

725
__________________________
RELAÇÃO NÚMERO 280.

Do Mesmo ao mesmo.

Do Rio de Janeiro 28 da Lua Regial [Rajab]


do ano da Hégira 1239.

ORA SIM, ora não, parto, não parto, antes morrer que partir, mas enfim
parta-se, falta a Bolacha, o vinho é pouco, os navios são pequenos, havemos
de ir todos, fiquem os que quiserem, para cá os Soldos, nada de Soldos, o
Príncipe é um monstro, o Príncipe é um Herói filho de um Deus de bondade,
o Regente pode fazer Generais, o Regente não pode dar uma baixa, Deputa-se
ao 1.º Agente do Poder Executivo, já o não reconhecemos, proclame-se à
Cidade, chovam as ameaças, insulte-se a todo o mundo, fale-se com humil-
dade, ocupe Cabo Frio até a chegada do Comboio, embarque-se a Divisão
por aquele lado; eis aqui o que se tem aturado e sofrido, no que se levaram
20 dias, até que esgotada a paciência do Regente com tanta sem razão, e
desaforo, ordenou, que o General Curado atual Governador das Armas fosse
à testa das Forças disponíveis Brasileiras intimar à Divisão argumentadora
o seu irrevogável Embarque para o dia 27 da corrente Lua, executando esta
ordem à ponta da Baioneta, se a resistência o fizesse necessário. Também
agora foi o primeiro a obedecer o Batalhão de Caçadores Número 3, que
seguiu os Destinos da Divisão a quem é incorporado.
Ei-la finalmente a bordo dos seus Transportes a Peste Divisionária,
e levantado o rigoroso Bloqueio, que se lhe tinha posto; para chamá-la à
razão, sem recorrer à Espada.
Contar-vos quantos trabalhos, desgostos, penas, e fadigas sofreu cons-
tante, incansável, o sempre humano, e generoso Regente para assegurar a Paz
e a tranquilidade deste Povo, livrando-o dos seus intratáveis opressores, sem
que obra tão árdua, arriscada, e perigosa custasse uma gota do sangue, uma
só Lágrima; seria dar o peso de um volume à Relação que vos faço.
Eu Sou etc.

726
___________________________
RELAÇÃO NÚMERO 287.

Do Mesmo ao mesmo

Do Rio de Janeiro …………………………..

QUANDO O insolente, incivil, atraiçoado, George d’Avilez Cabeça de Motim,


Chefe rebelde pedia satisfações ao Regente de males que este de modo algum
havia provocado; quando exigia no tom brutal e Imperioso do altaneiro
Sansculotismo fossem imediatamente desarmadas e dispersas as Tropas do
Campo de Santana; ficando armados, e reunidos os seus Feros Divisionários:
recebeu por única resposta as seguintes palavras.
“Ao General, e à Divisão mandarei sair pela Barra fora! Hoje 4 da Lua de
Rabiu-Evel [Rabi al-Awwal] do ano da Hégira 1239. O General, e a Divisão
saíram pela Barra fora.”
Adeus Bernarda, adeus Subscrições, adeus Colônias, adeus Saque, adeus
George Dandin, adeus Canalha!
Eu Sou etc.

____________________
Bilhete
Orkan ao Tradutor

HÁ MALES, que vêm para bem. A publicidade, que haveis dado aos meus
Escritos convém mais do que talvez se cria aos Interesses da minha Nação.
Tão Longe estou de estranhar a conduta, que tendes tido a este respeito.
Contai, portanto, com a chave do meu Gabinete.
Esta Polícia é nova, deve com razão surpreender-vos. É uma Política
Turca...... Seja... contanto, que aproveite, a quem deve aproveitar.
Do Rio de Janeiro aos 17 da Lua de Tzenharu do ano da Hégira 1239.
Eu Sou etc.

727
____________________
RELAÇÃO 282.

Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro aos 19 da Lua de Regial [Rajab]


do ano da Hégira 1289.

FICO NA inteligência da importante Comunicação, que Husseim depositou em


meu ouvido, em conformidade das vossas Instruções. Di-lo-ei, sem vanglória;
já o tinha adivinhado. O Tolo nunca é mais tolo, que quando quer ser esperto.

Eu Sou etc.

____________________
RELAÇÃO 283

Do Mesmo ao mesmo

Do Rio de Janeiro aos 8 da Lua de Rabiu-Evel


[Rabi al-Awwal] do ano da Hégira 1239.

O VICE-Presidente do Governo Provisório de São Paulo José Bonifácio de


Andrada e Silva, e o Marechal Joaquim de Oliveira Alvarez foram levados,
um ao Ministério do Interior, outro ao da Guerra. Esta nomeação teve lugar
a tempo, em que ainda aqui se achavam Avilez, e os seus Feros.
Que triste Notícia levam estes pobres Diabos aos dois Clubes recoloni-
zadores da América.
Brasileiros, a Nau do Estado navega sobre Mares procelosos através
de inúmeros Escolhos, de perigosos Baixios, onde naufraga a imprudência.
Optai entre a Liberdade, ou a Morte, a Morte das Nações ...... A Humilhação
vergonhosa, que a Intriga vos preparou por mãos da Inveja. Sustentai vossos
Ministros; não tendes guias mais seguros – conservá-los, ou perder-vos! Apelo
para o vosso bom senso, consultai-o a sangue frio; ele vos dirá o resto.

Eu Sou etc.

728
___________________________
RELAÇÃO NÚMERO 284

Do Mesmo ao mesmo.

Do Rio de Janeiro aos 9 da Lua de Rabiu-Evel


[Rabi al-Awwal] do ano da Hégira 1289

CAETANO PINTO de Miranda Monte-Negro governava o Pachalikado de


Pernambuco, quando um desesperado Banca[rro]ta se fez aclamar, em Olinda,
Príncipe de Igualdade; isto é, Aristocrata, e sans-culotte ao mesmo tempo.
O antigo Sistema, ou mais antes a miserável Política, que o guiava puniu no
Paxá a debilidade do Governo.
O Regente reparou ultimamente essa injustiça nomeando-o Ministro
das Finanças deste Reino.
É homem sábio; limpo de mãos, e está em idade, em que se não muda
de caráter facilmente.
Eu Sou etc.

___________________________
RELAÇÃO NÚMERO 180

O Agente Número 5 a Orkan

De Vila Rica o 1. da Lua de Rabiu-Evel [Rabi al-Awwal]


do ano da Hégira 1239.

ESTOU VENDO inspecionar um Esquadrão, que os Mineiros enviam de


socorro a essa Cidade. Os Mineiros? Não disse bem, os Mineiros iriam todos,
se os deixassem ......... Mas dois, ou três intrigantes ......... Povos do Brasil
imitai as Eleições de São Paulo! Detestai, por uma Eternidade, a Cabala que
se entronizou em Vila Rica; a que sacrificou a Bahia, quando podia salvá-la;
a que erigida em Soberanos Legisladores no Rio Grande de São Pedro do Sul
reformou uma Lei expressa, fazendo de um moderno Brigadeiro; onde haviam
tantos Marechais beneméritos; Presidente, e Governador das Armas; a que
ali pôs entre os Membros do Governo Provisório com o Título pomposo de
Excelência um Boticário charlatão, e ridículo, Ladrão sentenciado e convicto,
deste crime que as Leis do vosso País, para lá mesmo haviam desterrado.

729
Brasileiros, União com os homens de bem, guerra à Canalha – à Canalha,
que à sombra da Constituição vos coloniza; Constituição, que ela invoca
unicamente para melhor suplantar-vos; quando sacudida da crápula, da
torpitude, e do imundo pó dos vícios, donde parecia impossível levantar-se,
ela estabelece a sua Fortuna sobre a vossa infeliz credulidade.

Eu Sou etc.

(Continuar-se-á)

____________________________________
RIO DE JANEIRO 18 DE MAIO DE 1822
NA IMPRENSA NACIONAL

730
Continuação do Quarto Folheto da
Correspondência Turca

RELAÇÃO NÚMERO 285.


Do Mesmo ao mesmo.

Do Rio de Janeiro aos 10 da Lua de Rabiu-Evel


[Rabi al-Awwal] do ano da Hégira 1239.

AS DEPUTAÇÕES de Minas, e São Paulo foram aqui testemunhas oculares das


funestas consequências de uma Rebelião infrene no desprezo dos Princípios:
chegaram a tempo de ver estendida sobre o Leito da Morte, uma Vítima
miseranda da Facção sans-culotte, que armada de Canhões, e de Baionetas
ensinava ao Brasil Filosofia. O Príncipe da Beira não existe!
Era extremo o calor naquele dia em que sua Augusta Mãe o levou em
Braços, de São Cristóvão a Santa Cruz, para onde se retirara; como vos disse;
com a maior celeridade. As privações consequentes a tão imprevista mudança,
os incômodos da viagem, a falta de prontos socorros lhe aumentaram uma
ligeira indisposição, que padecia, e lhe deram a morte prematura, que o Rio
de Janeiro deplora amargurado.
Assim pagou o Regente deste Reino um ato de Heroicidade, e de virtude;
anuindo às pretensões dos Brasileiros, para os não ver desunir de Portugal!
Avilez, Carreti, Divisão desorganizadora, se vos não vejo tratados como
o mereceis em Lisboa, direi ......... que hei de dizer? O que todo o mundo diz,
o que todo o mundo sabe.
Eu Sou etc.
___________________________
RELAÇÃO NÚMERO 286
Do mesmo ao mesmo.

Do Rio de Janeiro aos 11 da mesma Lua.

ONTEM fui ver as Tropas há pouco chegadas de São Paulo; Bela Gente, ali
está o valor, e o Patriotismo no seu grau mais elevado. Se algum dia se perder
a Honra, a Dignidade Nacional, o Amor da Pátria, vão por ele a São Paulo.

Eu Sou etc.

731
___________________________
RELAÇÃO NÚMERO 287
Orkan ao Reis-Effendi

Do Rio de Janeiro aos 12 da mesma Lua

O COMBOIO comandando pelo Chefe de Esquadra Francisco Maximiliano


de Souza encontrou ao Sul da Bahia dois Transportes, que conduziam
Carreti, e alguns dos seus sequazes. Este malvado tentou inutilmente reduzir
o Comandante ao seu Partido, chegando ao extremo até de ameaçá-lo. Nada
menos queria, do que voltar ao Rio de Janeiro, e sansculotizá-lo, à força aberta
reunindo as Tropas, que encontrara.
E haverá ainda homem tão vil, tão descarado, tão abjeto, tão estúpido,
ou tão prostituído, que ouse defender Carreti, Avilez, e os rebeldes Janízaros,
que estes dois miseráveis Comandavam? Sim, bem pode havê-lo... Facínoras,
e loucos são duas classes de teimosos, que por interesse, ou doença jamais
cedem à razão, por mais claro, que lhes fale.

Eu Sou etc.

___________________________
RELAÇÃO NÚMERO 288.

Do Mesmo ao mesmo.

Do Rio de Janeiro aos 13 da mesma Lua.

OS ESPERTOS sucessores da Divisão Mãe das Bernardas, constando-lhes, que


uma dentre muitas pedras de escândalo que tanto desacreditaram a seus banidos
companheiros, fora o Pé de Chumbo, que aqui se lhes notava: entraram todos
com Pés de Lã pela Barra desta cidade.
Apesar disto, o Governo foi inexorável às repetidas instâncias, que se
fizeram para ficar: voltaram por onde vieram à exceção daqueles Soldados,
que se aproveitaram da permissão, que lhes dava o Regente para passar-se ao
Serviço dos Corpos Brasileiros, quando assim lhes conviesse, ou agradasse.
Era tão recente a memória dos insultos, abominações, e despotismos dos
terríveis auxiliadores, tal a indignação que tinham excitado nos ânimos dos
Brasileiros suas pretensões abomináveis; que o Governo teve por conveniente
proibir-lhes ainda momentaneamente o desembarque em Massa.

Eu Sou etc.

732
___________________________
RELAÇÃO NÚMERO 289.

Do Mesmo ao mesmo.

Do Rio de Janeiro aos 18 da mesma Lua.

É TEMPO DE entrar em Matéria, e de descer à Origem dos males de que


procedem os últimos acontecimentos; que influiu grandemente nas persegui-
ções do Maranhão, na Chicana de Minas, nas Borracheiras do Rio Grande
do Sul, por um punhado de Facínoras nas Calúnias Lagunenses, nas misérias
de Santos, nos desaforos da Bahia, nos destemperos de Montevidéu, e nas
revoltantes Transações de Pernambuco; que pôs mil vezes o Brasil às bordas
de um assombroso precipício, e em mau conceito as Cortes de Lisboa; que
faz a sua convocação na América de uma necessidade absoluta, para o bem
de Portugal, e para bem do Mundo todo: meio único, mas também infalível
de salvar a Integridade do Reino Unido, o Equilíbrio das Potências, a Paz e
a Harmonia do Globo.
As Cortes Soberanas, Gerais, Extraordinárias, e Constituintes da Nação
Portuguesa, os Legisladores de Cádiz, a Regência de Lisboa, os Instrumentos
heterogêneos do Congresso de Viena, e da Confederação Europeia contra a
excessiva Ambição de Napoleão 1.º em 1814; o Conselho de Fernando ao
sair dos ferros, o Partido da Oposição na Inglaterra, os Ultrarrealistas com
os Incendiários da França – Causa Primária.
A Emancipação das Colônias Espanholas, o temor exagerado de que
o Brasil as imitasse, os injustos ciúmes de uma Bandeira Fraca, As Cortes
de Madri, o Ministério no Rio de Janeiro de 1821, a grosseira Política dos
Negociantes do Porto, e de Lisboa; o cego, pedantíssimo Partido que os
sustenta no Brasil – O Incendiário Sans-Culotte Semanário Cívico da Bahia
Causa Segunda ou Corolário da Primeira.

Eu Sou etc.

733
___________________________
RELAÇÃO NÚMERO 290.

Do Mesmo ao mesmo.

Do Rio de Janeiro aos 18 da mesma Lua.

É CASO virgem na História Política do Mundo que desde 1814, fossem os


Governos Monárquicos os que dessem os primeiros passos para as Revoluções,
que de então para cá têm ocorrido, e de que na Europa se faz um tão mau uso.
A ingerência de certos Caracteres no manejo dos Negócios Políticos explicam
claramente este fenômeno.
A grandeza do perigo faz passar por certas Etiquetas, e desprezar os
Exames; foram bem-vindos, quantos se gabavam de conhecer algum poderoso
Específico, para o mal, que se reputava sem remédio; o Leito do Enfermo se
viu indistintamente rodeado de Charlatões, de hábeis Professores, e ou fosse
pela virtude dos Tópicos, ou pela bondade do Temperamento, o padecente
se ergueu da Cama em que jazia; mas todos, sem excetuar os seus contrários,
lhe tinham tomado o pulso, e ficaram nesta posse. O Segredo dos Gabinetes,
este Tesouro sagrado, este Depósito inviolável dos Interesses, e muitas vezes
da Honra das Nações, este verdadeiro Paládio dos Acertos de um Governo, e
da conservação dos Estados; que fez toda a Força de Atenas, enquanto Felipe
o não roubou; que foi Muro de Bronze de que o Senado Romano se cobria
contra a ambição dos Estranhos, e à cobiça especulativa das Facções; que deu
tanto nome à República de Veneza, e ao Gabinete de S[aint] Jaimes [James]
uma consistência colossal, esta Alma, esta vida do Comércio civil como política
não foi daí por diante mais do que um nome vão, despido de acepção ou de
sentido, ou a preza de velhacos e salariados intrigantes; o Sistema político da
Aliança, que devia consolidar a Paz do Mundo, e a Prosperidade da Geração
presente equilibrando Forças mal medidas, e fazendo concessões razoáveis
aos Povos administrados; foi em grande parte modulado pelo Gênio anar-
quizador, intruso Conselheiro, que direta ou indiretamente, aproveitando a
ocasião nele influíra. Cometeram-se expressamente erros imperdoáveis na
intenção sinistra de repor todas as cousas no mesmo estado de confusão, e
de desordem, do que acabavam de sair; não era para a sua felicidade, que
se tinham sacrificado tantos Povos combatendo como Gigantes as Forças
Hercúleas do Poder maior, que tem havido; não era para sustentar os seus
Tronos, que os Soberanos tinham arriscado o todo pelo todo sem excetuar

734
as suas vidas: mas para coroar um monstro mil vezes mais perigoso, que o
que eles tinham vencido – o Proteu Sans-Culotismo.
Napoleão unicamente em Paz com o seu Exército, tinha por inimigo
o Mundo todo. Mal visto dos Reis a quem havia ultrajado, e empobrecido;
dos Povos pela espoliação dos seus Direitos ele tinha a combater o interesse
mal poupado das diferentes Comunhões, e a generalidade das Seitas irrita-
das contra o Cisma, que o regia. O Contemporizado sans-culotte não podia
esquecer o Consulado, que despedaçara em suas mãos criminosas o Cetro
da Anarquia; o [sin]cero Democrata julgava ter comprado muito caro a Paz
interna da França à custa de um Trono levantado sobre suas próprias ruínas;
os Latinos maldiziam a reclusão do Muifti (a) de Roma sem que o Exemplo
de Carlos 5.º fosse bastante a consagrar um Erro de Política edito, e publi-
cado em um Formet todo novo; a Nobreza emigrada o acusava da privação
dos seus Bens, que outros possuíam, e até a que tinha deixado de sê-lo nem
assim se acomodava com a preferência insultante dada aos Fidalgos da nova
criação sobre os que os haviam precedido.
Quando os Crimes de Napoleão tiveram enchido as Páginas de Sangue,
que em seu Livro de Ferro lhe reservara o Destino; tudo isto entrou na Liga,
com o Corpo de Batalha, nas Guardas avançadas, no Corpo da Reserva, ou
como Sentinelas perdidas.
Eu Sou etc.

_____________
NOTA
(a) O Papa

(Continuar-se-á)6

______________________________________________
RIO DE JANEIRO 26 DE MAIO DE 1822.
NA IMPRENSA NACIONAL.

N.O.: Não foi localizada continuação.


6

735
51

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor.


ATÉ quando… Até quando abusará Vossa Excelência da generosidade
Brasileira? Vossa Excelência não tem querido abraçar o saudável parecer
de um homem de bem seu amigo que o aconselhou, que quanto antes
deixasse esta Província! Não quero relatar os males que Vossa Excelência
gostosamente produz a conduzi-la ao precipício, a despeito dos Câmaras,
Menas, Chagas, Abreu, Castro, Silva, Almeida, Paiva, Barretos, Carneiros,
e de outros distintos imitadores! Não quero recordar-me da minha injusta
prisão, e dos repetidos insultos que sofri a seu bel-prazer! Não quero falar
dos continuados = Nós abaixo = e muitos impressos, que Vossa Excelência
ainda procura solicitar contra mim! Não pretendo tratar das traições que
Vossa Excelência me preparava, e que malogrou, sendo vítima inocente o
desgraçado bom Português José Lino de Carvalho! Nem me quero lembrar
da perseguição e guerra que Vossa Excelência, por honra nossa, declarou à
minha família, parentes e amigos, a quem ainda não pôde nem poderá provar
um crime! Nem tenciono notar qual foi a sua conduta na Costa do Uruguai,
e a maneira por que Vossa Excelência quer iludir a estes briosos, e valentes
habitantes! Não quero também manifestar o sangue frio e indiferença com
que olham para sua Pátria aqueles sobreditos guerreiros, sempre maltrata-
dos pelos antecessores de Vossa Excelência, que sendo de igual comunhão,
praticará o mesmo; e ainda assim nada os impele a encarar sobranceiros ao
tirano, deixando de ser aqueles mesmos Leões que no Campo de Marte têm
sustentado intrépidos a liberdade de sua Pátria! Nem desejo trazer à ideia
os projetos que concebo para livrá-la da operação dos tiranos, e dos ferros
que têm calejado nossos pulsos e oprimido nossas almas! Não quero tratar
daquela Constituição proclamada por Vossa Excelência, e outros facínoras,
que só serviram para desacreditá-la! Não quero… Ah Brasil… Ah minha
amada Pátria; confio na vossa generosidade; perdoa também ao Senhor
Saldanha… Reparte com ele as graças que prodigalizaste com Avilez, Rego,
Tovar, e outros Verres de odiosa memória!!! Pretendo sim, Senhor Saldanha,
pela obrigação que tenho de promover a felicidade de minha Pátria, acon-
selhar e… mesmo ordenar a Vossa Excelência, a bem do Serviço de Deus,
e da Liberdade Luso-Brasileira, das Constituições apropriadas a cada uma
das duas famílias, da união de ambas, do amor, e saudade que temos do
nosso Rei o Senhor Dom João VI, que nos foi roubado, da tranquilidade do
Brasil, por que pugnara o nosso adorado Príncipe, Regente Perpétuo, e nosso
Patrício; a bem da humanidade, e sossego desta Província, oprimida pela

736
intriga; repito a ordenar a Vossa Excelência que quanto antes nos deixe em
paz; e outro tanto pode fazer o que não estiver contente no grande, rico, e
fértil Brasil até aqui reputado patrimônio Europeu, entregue ao arbítrio de
milhões de aventureiros, que vinham tirar os lugares, e roubar o pão da boca
dos filhinhos dos que bem os ocupavam; mas agora só a Lei nos governará,
e não deixará impune a Vossa Excelência, se desprezar o prudente parecer
que lhe damos, nós que nunca mais seremos Escravos, que aborreceremos
o tirano, adoramos o nosso Rei Constitucional, que queremos e teremos
conosco o idolatrado Príncipe, nosso Pai e amigo, que sustentará e defenderá
a nossa própria Constituição, que Deus queira abençoar; e levar a Vossa
Excelência para o seu Reino de Portugal. Povoação do Norte do Rio Grande
a 24 de Junho de 1822 = Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor João Carlos de
Saldanha de Oliveira Daun = Sou Brasileiro até morrer.
Antero José Ferreira de Brito.

52

Ilustrissimo Senhor Coronel Antero José Ferreira de Brito.

SENDO eu um daqueles, a quem vossa senhoria dirige sua poderosa fala,


impressa em 30 de Janeiro do presente ano, como colijo do Título, que a
especifica (porque me glorio de entrar na Lista dos que amam a Justiça, e
aborrecem os abusos, que dela frequentemente fazem algumas Autoridades
sem autoridade para arbitrariamente firmarem nas suas entumecidas cabeças o
depósito geral, e particular do manejo da liberdade pública) e tendo aliás sido
um observador glorioso de Inteireza e Brio, que na conduta de vossa senhoria
não deixam murchar a elevação de suas Ideias, que não descem, afrouxando
antes todo o fogo, e entusiasmo dos seus inimigos, que Vossa senhoria encara
tranquilo, e rindo-se, retrocede em vergonha dos mesmos, porque certamente
não pode recolher, ou receber efeitos de Autores, que refuta, e desaprova; eu
felicito a Vossa senhoria pela reverberação, que me toca no prazer de vermos
cumpridos exatamente seus proféticos anúncios há seis meses declarados na
referida folha de 30 de Janeiro, e que o Baxá de 3 Caudas pretendendo a
demissão do Governo, ataca formalmente a Pessoa de Sua Alteza Real pela
maneira mais inesperada, e menos merecida, deixando-se ver em toda a força
do seu caráter, e representando mui pouco afinco à Causa do Brasil, ou antes
muito aos que nenhum tem.

737
Ele se atreve a estranhar as Deliberações dos Sábios, que compõem o
Conselho, que dirige o melhor dos Príncipes. Sua astúcia o obrigou a promo-
ver a saída do Marechal João de Deus, Vice-Presidente do Governo, não
como ele queria persuadir, para reunir Militares dispersos, e recrutar outros,
mas para afastar de si um Rival poderoso, que lhe frustrava os planos. Os
Habitantes porém daquela Capital por meio de suas assinaturas fizeram
ver quanto importava não efetuá-la e a Cópia junta lhe fará ver os fins, ou
intenções do deduzido.
A Proclamação, que teve lugar em Montevidéu, pelo General Lecor
combina em tudo, e por tudo com o que se contém no Ofício que o tal Baxá
dirigiu ao Governo, e daí se vê a Máscara que Governava, e que... vossa
senhoria soube tão bem romper. Se vossa senhoria desculpa o meu atrevi-
mento, direi: que agora é que vem a ter todo o lugar a exposição pública de
tais Fatos, que julgo até honorífico patenteá-los por meio da Imprensa.
Se esta correspondência não parecer demasiado arrojo, e merecer atenção
de vossa senhoria eu continuarei a participar-lhe formalmente o que me vier
à notícia, ou suceder nestes lugares.
Deus guarde a Preciosa Pessoa de vossa senhoria como merece, e como
deseja.
Rio Grande 17 de Agosto de 1822.
A. J. F.

___________________________________________________________
NA IMPRENSA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO. 1822.

738
53

JUSTA RETRIBUIÇÃO
DADA
AO COMPADRE DE LISBOA
EM DESAGRAVO DOS BRASILEIROS OFFENDIDOS
POR VARIAS ASSERÇÕES, QUE ESCREVEO NA
SUA CARTA EM RESPOSTA
AO COMPADRE DE BELEM,
PELO FILHO
DO
COMPADRE DO RIO DE JANEIRO,
QUE
A OFFERECE, E DEDICA AOS SEUS PATRICIOS.
SEGUNDA EDIÇÃO CORRECTA, E AUGMENTADA.

RIO DE JANEIRO,
NA TYPOGRAPHIA NACIONAL.
M. D. CCC. XXII.

739
........................ Liberius si
Dixero quid, si forte jocosius, hoc mihi juris Cum
venia dabis.1
Horat. Sat.L. 1o. Sat. 4.

Aos meus caros, e mui prezados Patrícios.

UMA produção infame, parto da inveja, e do ódio, que ataca o nosso País, e
o seus Habitantes, merecia sem dúvida ou o total desprezo, ou uma resposta
convincente, que patenteasse ao Mundo a ignorância, a malícia, e a perversi-
dade do seu Autor para confusão sua, e escarmento de outros tais como ele:
com efeito tomara o primeiro partido, como mais prudente e generoso, se não
atendera que o silêncio, nestes casos, é mais prejudicial do que saudável, e
proveitoso; pois se já tivesse havido, quem respondesse à Memória impressa
no Investigador Número 84 de Junho de 1818, cujo Autor tomou a seu cargo
deprimir o Brasil até chegar a exclamar raivosamente = os Céus tivessem, não
duvido dizê-lo, os Céus tivessem permitido, que na Aclamação do Senhor
Dom João Quarto, o Brasil ou tivesse restado por Castela, ou sido conquista
da Holanda, ou corrido outra Fortuna! = e ao mesmo Investigador que no
citado número refinou sobre a maledicência do seu correspondente, dizendo
= e não será eminentemente impolítico ir sepultar tanta glória, e patriotismo
(dos Portugueses) nos Bosques, e ermos do Brasil entre Índios e Pretos? =
não teriam certamente aparecido outros Escritores mal-intencionados, que
de vez em quando nos Periódicos, especialmente impressos em Londres,
nos enxovalham, e aniquilam; e agora por último um certo compadre de
Lisboa, o qual lançou a barra além da meta, e alcançou o bravio, ou palma
da vitória no estádio da malevolência, e do insulto contra o nosso País e os
seus Habitantes, reduzindo-os a hordas de negrinhos, a terra de macacos, de
negros, e de serpentes, e propondo povoar este continente com os calcetas

1
Se eu disser algo mais livremente ou talvez mais jocosamente, hás de me conceder este
direito. N.T.: Horácio, 1 Sátiras, 4, 103-105.

740
de toda a Europa e Meretrizes de Lisboa! Posto que eu seja o mais fraco, e o
menor entre os meus Irmãos, contudo, tendo da minha parte a verdade, e a
justiça, animo-me a sair a campo contra este homem espúrio, este agigantado
valentão, esse incircunciso Filisteu, que fiado nas suas forças apresentou-se
à nossa frente para exprobrar aos Brasileiros, e amaldiçoar o Brasil com
as mais infames, e criminosas expressões. Seria injúria tremer diante deste
figurão, e recusar sair a campo contra tal Golias. Sim, meus caros, e mui
prezados Patrícios; ainda que ignoro o jogo das armas, direi com o menino
Davi = ego vadam, et bellabo adversum Philistaeum,2 = e espero da justiça
da nossa causa, que prevalecerei sobre ele, desfarei as calúnias, com que nos
afronta, e mostrarei com toda a evidência, que o Brasil é muito diferente
do que ele afirma, e que os seus Habitantes não são todos negrinhos, como
assevera, pescados na Costa da África. O amor da Pátria dá-me forças, a
honra própria e a dos meus Patrícios tão atrozmente ofendida me anima, e o
Direito Natural me concede todo o jus da nossa defesa, do qual não abusarei
transpondo os limites inculpatae tutelae.3 Se em tudo porém não desempenhar
a minha promessa, ao menos mostrarei, que a minha terra amei, e a minha
gente; e que não é só glorioso morrer pela Pátria, também é glória escrever
a favor dela, valete.4

CONTA o jovial Luciano, no seu áureo Tratado sobre o modo de escrever a


História, que os moradores de Abdera em certa ocasião enfermaram de uma
muito má qualidade de doença, por haverem assistido à representação da
Fábula de Andrômeda no tempo do Estio, e no meio de grandes calmas. Esta
doença no princípio fez arder todo o povo em febre, e voltou a todos o juízo
para uma paixão ridícula, que universalmente os constrangia a representarem
segundo o modo trágico, já repetindo versos; já clamando em altas vozes pelas
ruas e praças, e recitando em conto triste à maneira dos Atores: oh tu Amor,
que dos Deuses, e dos homens és Tirano! E isto por muito tempo até que
chegou o Inverno, que, por trazer grandes frios, os fez cessar destes delírios.
Se pois é lícito comparar uma coisa com outra, também agora este achaque
Abderético acometeu a muita gente, desde que os negócios presentes têm
estado em comoção, não para representar tragicamente declamando versos

2
Eu mesmo irei e combaterei os filisteus. N.T.: 1 Samuel, 17:32.
3
Legítima defesa.
4
Passai bem.

741
alheios (no que seriam menos loucos, e dignos de comiseração), mas para se
erigirem em Censores, Ditadores, e Reformadores dos Povos, e Nações, sem
que os mesmos Povos, e Nações os elegessem para esse fim, e lhes outorgas-
sem os Diplomas competentes. E como pelo axioma, que diz tot capita quot
sententia,5 de necessidade as opiniões de uns se encontram opostas diametral-
mente às de outros, daqui a origem de uma guerra literária, que tem inundado
todo o Portugal, e Brasil de panfletos, e folhas volantes; e oxalá, que todos
fossem escritos com decência, e moderação, e que alguns não assoprassem a
discórdia, e a desunião, e excitando rivalidades, ódios, espíritos de vertigem,
e de vingança não só entre indivíduos, e corporações, mas também entre as
partes integrantes do Reino Unido Português! Tal é sobre todos a Carta do
Compadre de Lisboa em resposta a outra do Compadre de Belém, impressa em
Lisboa no ano passado, e reimpressa no Rio de Janeiro neste presente ano de
1821, cujo Autor, havendo lutado com o Astro da Lusitânia, combatendo-o
talvez com a cabeça descoberta, sem capacete, chapéu, barretina, ou carapuça,
ficou no meio da luta com os miolos tão secos, e torrados pelos malignos
ardores do seu contrário, que começou a tontear, a delirar, e ficar furioso
como um Orestes.
Sim, quem tal diria! Que metidos estes dois ilustres campeões em uma
questão política, e do maior interesse para o bem e felicidade da Monarquia
Portuguesa, questão, que não é da competência de particular algum, que
exige muitos e grandes conhecimentos políticos, madura consideração e
conselho, e cuja final decisão pertence exclusivamente ao Soberano; qual é:
se Sua Majestade o Senhor Dom João VI deveria regressar para Lisboa com
a sua Real Família, e Corte, ou fixar para sempre a Sede da Monarquia no
Rio de Janeiro: não tendo o Compadre pela sua ignorância razões sólidas,
e convincentes em matéria de tanta ponderação, e consequência, recorresse
a razões de barbeiro, ou de capadócio (como cá dizemos) e rompesse, como
um frenético, em maldições contra o Brasil? Como Português, e vassalo fiel
e obediente, resigno-me em tudo e por tudo com as decisões do Meu Rei,
ainda que elas fossem contrárias aos meus sentimentos particulares;6 mas,

5
Tantas cabeças quantas opiniões.
6
A questão política sobre o local, em que se deve fixar a Sede da Monarquia e Império
Português, tem grandes, e ponderosas razões a favor de Portugal; porém as que se
apresentam em favor do Brasil são incomparavelmente maiores, e mais convincentes a
não estarmos preocupados com prejuízos antipolíticos, e inteiramente alucinados pelo
pretendido direito da Mãe Pátria: Portugal só por si não forma Monarquia, esta compõe-
-se do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, das Possessões da Ásia, e da África
Oriental, e Ocidental, e também das Ilhas da Madeira, dos Açores, Cabo Verde, São
Tomé e Príncipe: logo deve-se preferir para ali se estabelecer a Corte do Soberano de tão

742
como Brasileiro, fere-me o coração o atrevimento, com que um escritor ignóbil,
obscuro, e embuçado no negro capote de Compadre de Lisboa, tão Cidadão
como eu, faz jogar uma tremenda artilharia de descomposturas, de afrontas,
e de insultos os mais revoltantes, e criminosos, contra o meu País e os seus
habitantes. Confesso que na primeira leitura da Carta do Compadre fiquei
aturdido, e me parecia uma ilusão, o que se achava escrito nela; não podia
acreditar, que houvesse um homem, ou tão ignorante, ou tão perverso, que
se animasse, não a dizer, mas a escrever, e a mandar imprimir falsidades tão
descaradas, tão atrozes, e tão insultantes: porém refletindo depois que não
há maldade, que o coração humano não seja capaz de conceber, e executar,
quando a paixão lhe cega as luzes da razão, não pude conter-me, nem sossegar
enquanto não pequei na pena para dar ao dito Compadre a retribuição, não
quanta ele merece, mas quanta pede a decência, a prudência, e a boa união,
que deve reinar em uma sociedade de irmãos regidos pelo mesmo Pai. Assim
pretendo unicamente lançar em rosto a este charlatão incivil e furioso a sua
ignorância a respeito das coisas do Brasil, a sua má-fé, com que escreveu, o
seu ódio, e desprezo, com que trata os Brasileiros. O meu negócio é só com o
Compadre; a ele é que me dirijo: dele é que me queixo; ele é enfim o que está
obrigado a satisfazer-nos: assim não intento nem levemente ofender os meus
irmãos Portugueses da Europa, que certamente não aprovam, antes abomi-
nam os insultos, com que nos ataca o Compadre de Lisboa, pois geralmente
tem outras ideias menos ciosas, mais liberais e honoríficas a nosso respeito,
e relativas ao País, que habitamos.
Portanto omitindo responder ao Compadre sobre a questão, se Sua
Majestade deve, ou não ir para Lisboa, muito especialmente porque o Mesmo
Real Senhor já por si a decidiu pelo seu Decreto de 7 de Março do presente
ano, e pôs em efetiva execução no sempre saudoso dia 26 de Abril; não posso
deixar de passar sem resposta os seguintes quesitos do mesmo Compadre:

vasta Monarquia aquela parte da mesma, que reunir maiores vantagens para aumento,
grandeza, estabilidade, e independência do Trono, e da Nação em geral; aquela parte
que for maior, mais rica, e que considerada como separada do todo sempre é grande
em si, e tem todas as proporções para se aumentar e crescer quase in infinitum; aquela
parte enfim que é a mais invulnerável e menos exposta a ataques dos inimigos, e que
menos depende das outras partes; estas vantagens presentemente são todas em favor do
Brasil. Logo no Brasil é que se deve estabelecer a Sede da Monarquia se quisermos que
a Nação Portuguesa seja sempre unida, grande, e respeitável. Veja-se o Projeto para o
Estabelecimento Político do Reino Unido por Antonio de Oliva de Souza Siqueira. O
Senhor Compadre de Lisboa, desmanche estas razões com argumentos sólidos e provas
políticas, e não com falsidades e descomposturas: saia pois a campo, como Escritor
Sábio, e Honrado, como Português amante da glória e do esplendor da sua Nação.

743
Ficando Sua Majestade no Rio... Fica ou não Portugal dependente do
Rio? Fica ou não Portugal Colônia do Brasil?
Não Senhor, nem uma nem outra coisa: fica dependente do seu Rei,
esteja ele, onde estiver com a sua Corte, quer em Lisboa, quer em Évora,
quer na Bahia, quer no Rio de Janeiro. Não confunda, Senhor Compadre, o
Soberano com o lugar da sua residência. Os Portugueses tanto da Europa,
como do Brasil não prestarão vassalagem, preito, homenagem, obediência, e
fidelidade ao local da Corte do Rei; prestarão sim a sua Augusta e Sagrada
Pessoa. Também não ficaria sendo Colônia do Brasil; porque tem suas leis
próprias, seus foros, suas prerrogativas, sua Regência, seus Tribunais supe-
riores, seu Erário, e agora uma representação Nacional: coisas, que nunca
houveram no Brasil antes da vinda de Sua Majestade, e infelizmente, nem era
contemplado nos Títulos inerentes à Coroa, não tinha Escudo de Armas, não
podia comprar nem vender se não aos negociantes do Porto e de Lisboa; os
seus Portos estavam cerrados a todos os Estrangeiros; não lhe eram permitidas
fábricas, nem indústrias de qualidade alguma: nunca teve, nem ainda tem,
uma Universidade, que não seja exclusivamente a de Coimbra; os Vice-Reis
e Governadores eram mandados de Portugal, e os mesmos Bispos quase
todos eram Europeus; o antecessor do nosso atual Bispo foi o primeiro, e
único Profeta na sua Pátria; nunca foi permitido ao Brasil agricultar outras
produções, que não fossem as propriamente chamadas coloniais, para ter
extração e consumo à Europa, e as da Índia; enfim o sal, tão abundante em
Cabo Frio, e outros lugares da Costa do Brasil, era defeso para unicamente
comprarmos o de Portugal. Diga-me agora, Senhor Compadre; com a estada
de Sua Majestade no Brasil Portugal chegou, ou recearia chegar a estes
apertos, a esta degradação, que constitui o verdadeiro estado de Colônia,
de que vossa mercê tanto se horroriza? Não certamente. Acaso a Irlanda, o
Hanover serão, ou se poderiam chamar Colônias da Inglaterra, ou a Sicília
de Nápoles, só porque são separadas pelo mar? Não certamente. Logo estes
gritos de Colônia que vossa mercê e outros da sua catadura levantavam, não
tinham fundamento real: os motivos, por que eram levantados, vossa mercê
lá os sabe. Nós os Brasileiros, apesar de sermos colonistas, [por] perto de três
Séculos, sofremos com paciência a nossa sorte; fomos sempre submissos, e
fiéis aos nossos Soberanos, nunca levantamos a voz, etc. Diz mais o Senhor
Compadre:
Ficando Sua Majestade no Rio, de necessidade a Nação, isto é, Portugal,
lhe há de assinar uma prestação anual de dois, ou três milhões para decente
sustentação de sua Corte e casa.

744
A Nação, isto é, Portugal; logo o Brasil não é Nação, nem parte da
Nação, segundo a expressão do Senhor Compadre? Com razão; porque
não há Nação de Macacos, como atrevidamente nos apelida em outro lugar
da sua carta. Queira dizer-me, Senhor Compadre; que prestação anual deu
Portugal em 13 anos, que Sua Majestade se demorou no Rio de Janeiro? O
Brasil, assim como sustentou, como lhe foi possível, o decoro e majestade
do seu Rei, da mesma sorte continuaria a sustentar, se Sua Majestade cá
ficasse, e com maior esplendor, e muito maior magnificência para o futuro, à
medida que fosse avançando e progredindo em população, comércio, indús-
tria, artes, e agricultura do seu imenso, e fertilíssimo terreno. Sim, Senhor
Compadre, o Brasil para ter rendas avultadíssimas, que cheguem e sobejem
para a sustentação da Casa Real, e de todos os encargos públicos, não lhe
é necessário pedir esmolas, nem fazer monopólios, e comércio exclusivo de
produções alheias, e que não produz nem pode produzir o seu solo. Temos
cá muito ouro, cujas minas principais estão ainda intactas, temos prata, que
por ora, se despreza; temos ferro para suprir as nossas necessidades, e fartar
o mundo inteiro, se dele precisar; temos outras muitas qualidades de metais;
temos diamantes em abundância, e as mais preciosas gemas rivais, ou pouco
inferiores às Orientais; temos infinitas variedades de produtos vegetais, como
madeiras, resinas, óleos, bálsamos, frutos, cascas de árvores de grandes virtu-
des e préstimos; plantas e raízes medicinais; enfim matérias primeiras sobre
as quais se pode exercer uma indústria sem limites, e que sirvam de objeto
da especulação e comércio com o Globo inteiro. Não é Senhor Compadre, o
motivo da sua desesperação, e do seu furor, o que de Portugal tem vindo, ou
poderia vir, para o Brasil, porque o dinheiro não para, anda em continuado
giro, e correndo de uma para outra parte, como sangue pelas veias: é sim o
que do Brasil já não ia, é a falta do nosso ouro, é acabar-se o monopólio, é
a admissão de estrangeiros neste país, é a liberdade indefinida de Comércio
de que agora gozamos, é finalmente a Graça, que nos fez o Nosso Augusto e
Saudosíssimo Rei o Senhor Dom João Sexto de elevar o Brasil à graduação
de Reino, que o põe em tormento, que lhe causa frenesi, e paixão quase a
ponto de arrebentar de inveja: não são as saudades do Nosso Amabilíssimo
Soberano, que o matam, Senhor Compadre, por que então vossa mercê seria
mais respeitoso; serão talvez as saudades do cheiro da ucharia, ou a falta de
algum interesse particular, que lhe escapou com a vinda da Sua Majestade
para o Brasil, e com a sua Residência por 13 anos no Rio de Janeiro. Tenha
ânimo, Senhor Compadre; Sua Majestade já para lá se retirou: pode ser que
vossa mercê entre nos seus antigos direitos, e o Brasil, quando já não dê tanto,
como dava quando era colônia, no menos não deixará de prestar com gosto

745
o contingente, que as Cortes arbitrarem, para a sustentação da Casa do seu
Rei; como parte, que é da briosa Nação Portuguesa. Mas ah! Esquecia-me
que o Senhor Compadre não conta o Brasil como Nação, ou parte dela!
Perdoe por quem é este lapso da pena. Omitindo outras asserções do Senhor
Compadre sobre as imensas somas, que se haviam de sacar de Portugal para
sustentar os Áulicos, e Cortesãos, etc. por ser já inútil esta questão; pois os
Áulicos, e Cortesãos quase todos regressaram com Sua Majestade; entremos
agora em lide com o nosso Sapientíssimo, e muito honrado Compadre. Ora
como vossa mercê disse quanto quis, irá ouvindo o que não quer. Assevera
vossa mercê como um Oráculo:
O Brasil por vasto, por igual que seja em extensão a toda Europa, é
nada comparado a Portugal, isto é, à sua população; por que eu não meço
terrenos, meço povos.
Que quer dizer o Brasil é nada? Quer dizer que o Senhor Compadre se
não é um tolo, um pedante; é certamente um malcriado, um desaforado, um
Botafogo. Se vossa mercê dissesse: a população do Brasil presentemente é
muito diminuta, e o número dos brancos é inferior ao de Portugal, diria uma
verdade, que todos nós reconhecemos, e confessamos; não nos escandalizaria,
nem ofenderia o nosso amor-próprio; mas asseverar com tom decisivo e impe-
rial é nada: há aqui muita perversidade, muito veneno, ou muita ignorância.
Sim o Senhor Compadre é que, ou nada sabe do Brasil, da sua Corografia,
e da sua História; ou suspira por ver os Brasileiros aniquilados, está ansioso
por atear a discórdia, e a desunião entre os dois Reinos Unidos (quod absit7)
e ardentemente deseja, que o Brasil volte para o antigo estado de Colônia,
que nele não hajam mais do que negros e feitores brancos para lhe cavar o
ouro; fazer açúcar, e mandar-lhe de presente; ou como certo Anônimo da
Memória do Número 84 do Investigador, quer antes que seja conquista de
Holanda, ou de Castela, ou leve outra fortuna, do que um Reino Unido a
Portugal, visto já não ser sua colônia e conquista, como foi por espaço de
três séculos. Porém nada disto há de acontecer: o Brasil continuará a ser um
Reino, e um grande Reino Unido ao de Portugal pelos laços indissolúveis do
sangue, da Religião, de mútuos interesses, e sobretudo, pela fidelidade ao seu
Rei. O Brasil, Senhor Compadre, se no tempo dos Filipes quando estava ainda
no berço, já era alguma coisa, pois teve forças para lutar com os Holandeses
sem quase auxílio algum do seu Monarca e por tantos anos; que será agora
que as suas forças se têm muitas vezes duplicado? Acaso as Cidades do Rio de
Janeiro, da Bahia, de Pernambuco, e as demais Capitais das grandes Províncias,

O que Deus não permita.


7

746
em que se divide o Brasil, serão na sua mente pinturas na parede pela lanterna
mágica, ou vistas da Câmara ótica? Leia, Senhor Compadre, a Corografia
do Brasil, e saberá então se o Brasil é nada, ou se é alguma coisa. Que quer
também dizer medir Povos? Os homens contam-se, ou recenseiam-se, mas
não se medem a varas, ou a alqueires: e, se descobriu o segredo desta medi-
ção seria muito acertado, e faria um serviço muito especial ao Governo, que
chegasse até cá para medir-nos; porque de lá vossa mercê não o pode fazer,
por serem muito curtos os seus braços, apesar de dizer: eu meço. Continua.
É um Gigante em verdade, mas sem braços, nem pernas.
Tem braços, e tem pernas, Senhor Compadre; porém agora é que prin-
cipiava a engatinhar, e pelo menos já conta seis milhões de pernas, e outros
tantos de braços; dando dois braços e duas pernas a cada indivíduo humano
habitante do Brasil, nem mais nem menos, do que tem os de Portugal. Ora
como vossa mercê o não mutilou de todo, e por favor, ou esquecimento, lhe
deixou… Tempo virá que os seus filhos se multiplicarão como as areias do
mar, e as estrelas do Céu. A população do Mundo começou por um homem,
e uma mulher; a do Brasil acha-se hoje infinitamente mais aumentada. Mas,
replicará o Senhor Compadre (que é um finíssimo medidor de povos) quantos
séculos não serão necessários que passem primeiro, que a população do Brasil
iguale a de Portugal, enchendo, como ela todo o seu território? Não, Senhor,
não são necessários séculos: visto já estarmos emancipados pela generosa
Graça do Nosso Bom Rei o Senhor Dom João VI. que franqueou a porta para
admissão dos Estrangeiros; destes que já têm vindo, e dos que virão ainda
aos milhares, dos Portugueses domiciliados ou nascidos no Brasil, e dos que
ainda virão de Portugal, e das Ilhas a fraternizar com os macacos, como vossa
mercê nos chama, nascerão tantos filhos, que, em breve, se povoem suficien-
temente as Províncias marítimas; as centrais ao depois se irão povoando com
mais vagar. O Senhor Dom João VI. plantou, o seu Augusto Herdeiro Nosso
Regente regará, e Deus dará o aumento. Acrescenta mais:
Não falando no seu clima ardente, e pouco sadio.
Isto é que é saber do clima do Brasil! O Senhor Compadre ouviu dizer,
que o Brasil está situado na zona tórrida; ergo (conclui sapientissimamente)
lá não pode haver vivente algum como nos areais da África: não é assim,
Senhor Compadre: o Brasil, posto que situado, pela maior parte, na zona
tórrida, contudo o seu clima não é tórrido no rigor da palavra, nem ardente,
como vossa mercê diz; goza, pela sua situação e vasta extensão, das vantagens
de muitos climas, e as estações apresentam uma muito grande variedade, e
confusão entre si; confundindo-se as quatro estações formam uma primavera
perpétua, estando a terra sempre florida, e as árvores e plantas sempre verdes.

747
Nas vizinhanças do Amazonas os calores são mitigados pela abundância de
suas águas; no centro ou na parte média do Brasil o clima é temperado e
muito saudável, pela elevação das suas planícies e altura das montanhas; na
parte meridional, o frio é sensível, e aqui é propriamente que se distingue o
Inverno do verão, como lá na Europa. Assim ainda mesmo nas Províncias,
que estão debaixo da Equinocial, ou mais próximas a ela, nunca o calor é
tão intenso e abrasador, que os seus habitantes não o possam suportar, nem
a terra fica tostada, e requeimada pelos dardejantes raios de sol, como vossa
mercê assevera. Para seu desengano ouça o verídico Autor da Corografia do
Brasil. Diz pois no T[omo] segundo página 277 = O clima do Pará é cálido; os
dias iguais às noites em todo o ano: as estações quase dominam juntamente.
Todos os dias, ainda quando chove, há calor; ao mesmo tempo; que umas
árvores anunciam o Outono carregadas de frutos sazonados, outras estão
florescendo na sua primavera. A face do país é geralmente baixa, e quase por
toda a parte de um aspecto agradável, coberto de extensos bosques, onde se
criam árvores muito altas, e de prodigiosa grossura: o terreno em grande parte
úmido, substancioso, e fertilíssimo, e cria em abundância várias produções,
que nas outras Províncias ou absolutamente não há, ou em pouca quantidade.
Também não há outra regada de tantos e tão caudalosos rios. = E para que
o Senhor Compadre forme ideias ainda mais completa desta Província, que
toda ela jaz no Equador, passo a extratar várias descrições, que entre outras
muito faz o Venerável Arcebispo Primaz Dom Caetano Brandão de lugares
que visitou sendo Bispo do Pará. No Tomo Primeiro das Memórias da sua
vida na Página 173 diz: = No dia 12 de Agosto entramos no rio Paru, um
dos mais belos, por não ser muito largo, e dar lugar a gozar-se de perto da
vista dos seus frondosos arvoredos, quase até passar por baixo dos ramos das
árvores: todos os sentidos aqui acham encantos que o transportam: um cheiro
aromático perfuma o ar; lindas aves se veem saltar de uns ramos para outros
cantando suavemente: veem-se a cada passo sobressair por entre verdes folhas
diferentes ramalhetes de flores: aqui cavas profundas formadas pela corrente
das águas; lá raízes descarnadas descendo das ribanceiras até o leito do rio;
variedades de arbustos viçosos e odoríferos, uma relva muito verde, que no
país chamam capim: em algumas partes louras áreas, ou terra de diversas
cores: pequenas ribeiras chamadas Igarapés, que lá do centro dos matos vêm
desaguar em o rio; tudo forma a mais agradável perspectiva. = Na página
192 descreve outro lugar dizendo: = Então chegamos à boca do rio Aramucu,
em cuja margem oriental distante 5 léguas está a Vila de Arraiolos; é um dos
rios mais belos, que temos encontrado; águas claras, e frias (repare bem,
Senhor Compadre, frias, ficando-lhe o sol a prumo com os seus dardejantes

748
raios) terminando de uma e outra parte de árvores viçosas, e algumas muito
floridas, as quais por causa da estreiteza do rio fazem continuada sombra
aos navegantes, e de intervalo em intervalo alargando-se, abrem caminho aos
olhos para se espraiarem pelas alegres e férteis campinas, de que vai sempre
acompanhado. Que espetáculo deliciosíssimo! Porém que perda! Campos tão
belos sem cultura, pastos os mais preciosos, e nenhuma só rês se alcança com
a vista! = Falando o mesmo venerável Prelado da Ilha de Marajó entre outras
descrições diz na página 262 = Pelas 5 horas começamos a descer pelo rio;
e como era de dia, tive ocasião de observar as belezas que oferece nas suas
margens não vi coisa mais agradável e encantadora! Parece que vai a gente
atravessando por duas enfiadas de pomares dos mais frescos, e viçosos do
Reino, com a diferença das árvores serem infrutíferas, e então de intervalo
em intervalo, grandes abertas, por onde a vista se espraia pelas vastíssimas e
verdes campinas, de que o rio vai sempre acompanhado” = Finalmente, conclui
este varão Apostólico outra descrição com estas palavras, que tanto abonam
a verdade das suas descrições como a santidade da sua alma = Confesso que
muitas vezes alargando os olhos por aquelas situações tão aprazíveis, bem
desejei a pureza, e a inocência, das almas justas, para poder à sua imitação
subir por estes degraus às maiores alturas do Céu, e contemplar a amenidade
daqueles jardins formados pela mão do Criador para eterno recreio dos esco-
lhidos. Ah! Que se a terra, lugar de desterro e cativeiro, assim está semeada
de tantas belezas, que será o Céu! =
Que diz a isto, Senhor Compadre; combinam estas pinturas tão encan-
tadoras, estes transportes de admiração, com a sua zona abrasada, com o seu
clima ardente, com os seus dardejantes raios, que só os negros podem suportar,
e não por muito tempo? Que contraste entre o Bispo do Pará e o Compadre de
Lisboa! Aquele homem de Deus encontra a cada passo na visita da sua Diocese
imagens do Paraíso, e por elas se remonta até o seio do Criador, que tantas
maravilhas criou sobre a terra: este filho de Belial não vê em todo o Brasil se
não figuras do Inferno, ardores inextinguíveis, negros espectros, monstros, e
serpentes, e cheio de desesperação, rompe em blasfêmias, e amaldiçoa o país,
e o seus habitantes. Quæqumque ignorant, blasphemant.8
Ora se nas Províncias, que jazem no equador, caindo sobre elas o Sol
perpendicularmente, apresentam-se quadros tão belos que transportam os que
pela primeira vez são espectadores das ricas, e variadas cenas da Natureza
em todo o seu vigor, e formosura, que quadros tanto, ou ainda mais lindos e
encantadores, não apresentarão as Províncias, que mais distam do Equador,

[Estes] blasfemam o que quer que ignorem. N.T.: Ep. de Judas, 10.
8

749
as que estão na extremidade do Trópico, e as que se estendem pela zona
temperada? Se aquelas primeiras não mostram um solo torrado, e ardentíssimo
como os Desertos da Barbaria, os da Arábia, e os do Alto Egito, como será
possível que esta torrefação, esta suma ardência se estenda pelas outras, sobre
que os raios de sol caem mais ou menos oblíquos? Torrado, e ardente, tinha
certamente o cérebro, quem tais delírios escreveu!
Eu continuaria a citar outros muitos, e gravíssimos testemunhos de
Autores Nacionais, e Estrangeiros, que tendo viajado pelo Brasil, fazem os
mais pomposos elogios do clima, fertilidade, e riquezas em todos os gêneros
deste abençoado País, que apesar de estar ainda pouco conhecido, tem sido
invejado desde o seu descobrimento pelas Potências Europeias, e agora tão
gabado é especialmente pelos Sábios Estrangeiros, que de perto têm examinado
o seu intrínseco valor, e sabem apreciar o grande que é e poderá vir a ser:
mas não querendo passar dos limites de uma breve resposta, e quanto baste
para demonstrar a ignorância do Compadre de Lisboa, e a sua perversidade;
unicamente farei os seguintes extratos da moderníssima Memória sobre o
Brasil escrita pelo Cavalheiro G. de Langsdorff, Cônsul-Geral da Rússia no
Rio de Janeiro, e impressa em Paris a 26 de Novembro de 1820. Diz este
honrado Cavalheiro, e sábio apreciador do merecimento do Brasil, o qual
morando nesta Cidade do Rio de Janeiro por muitos anos, teve ocasião de
visitar, e examinar com olhos científicos, grande parte da Província, que sobre
todas é a pedra de escândalo do Compadre de Lisboa: = A Província do Rio
de Janeiro, estando situada nos confins, e fora do Trópico de Capricórnio, é,
em geral, por esta situação menos calmosa do que as terras, que jazem mais
chegadas à Linha: toda ela tendo de comprimento 90* léguas, e de largura [35],
é montanhosa à exceção do Distrito dos Goitacazes, ordinariamente chamado
Campos; divide-se pela natureza em terras altas, ou montanhosas, e em terras
baixas; estas últimas são da mesma sorte tão quentes, como quaisquer outras
situadas entre os Trópicos, e por consequência vê-se cultivar nelas todas as
produções coloniais, como o café, o açúcar, o algodão, o cacau, o arroz, o
tabaco; além disto começou-se também a cultivar, e vê-se prosperar com muito
feliz sucesso todas as árvores especiarias das Índias, a caneleira, a árvore do
cravo, a pimenteira, e todas as produções as mais estimadas do Universo
juntamente com todas as árvores frutíferas do Oriente: a mangueira, a planta
do chá da China, a árvore do pão do Mar Pacífico, a canforeira do Japão, o
cardamomo, e a casuarina da Nova Holanda, finamente todas as espécies de
árvores ou plantas dos países quentes aqui nascem perfeitamente bem. Sobre

*
É menos comprida, e menos larga. Veja-se a Corografia do Brasil. Tomo II.

750
as montanhas elevadas até três mil pés Ingleses, cobertas até o cimo de matos
virgens impenetráveis, e nos seus risonhos vales regados de água límpidas
e deliciosas, a temperatura é totalmente outra, como são também as suas
produções. Os bosques abundam de caças, e de madeiras preciosas de todo o
gênero, e qualidade: nas terras novas roçadas de pouco as árvores frutíferas,
e as plantas da Europa, o pessegueiro, a vinha, a macieira, o marmeleiro, etc.,
dão-se maravilhosamente. Os frutos do país são muito vários, e em grande
abundância, por exemplo, as bananas, as goiabas, as laranjas, o ananás, as
limas, e os limões, romãs, etc.: há quantidade de espécies delicadas do gênero
Eugenia, como pitangas, jambos, grumixamas, etc., enfim uma infinidade de
outras, que estão quase todas no seu estado natural, e que só estão à espera
da indústria do homem para serem cultivadas, e servirem às delícias da vida.
Em resumo, a situação, o clima, e as produções, que aqui espontaneamente
nascem, com as que se podem cultivar, fazem este país o mais ditoso, e inde-
pendente. Não há aqui inverno, nem verão (tome sentido Senhor Compadre),
pois não faz um calor excessivo (nunca passou de 93 graus de Fahrenheit)
nem um frio sensível (nunca desceu na Cidade do Rio de Janeiro de 60 graus,
nas serras desce a 40, e menos ainda). A verdura não interrompida, as cores
vivas e variadas das flores, de que estão cobertas as árvores as mais altas dos
bosques, parecem mudar a sua forma, e aspecto em cada mês do ano, e nos
transportam involuntariamente a um novo Mundo, inspirando na alma mais
insensível sentimentos de admiração, e de espanto. Senhor Compadre, quem
fala a verdade? Vossa mercê ou o Cavalheiro Langsdorff? Diga não tenha
vergonha.
Os quadros de uma natureza sempre verdejante, florida, e encantadora,
que o Brasil oferece em toda a sua extensão desde o Amazonas até o Prata,
além de merecem os magníficos encômios dos Sábios Naturalistas Estrangeiros,
que nestes últimos anos têm viajado pelas nossas Províncias marítimas e
centrais, acabam de ser copiadas em não pequena parte pelo inimitável pincel
do Príncipe Maximiliano de Neuwied. Ah! Senhor Compadre, que vistas
tão ricas, e tão formosas? Que cenas tão variadas, e tão pitorescas? Não há
certamente coisa mais linda que as estampas, que acompanham a inestimável
obra das viagens desta ilustre Personagem, sempre por terra desde o Rio de
Janeiro até a Bahia, atravessando impávidos sertões incultos e povoados do
Gentio até quase o interior da comarca do Serro Frio, só a fim de ir enriquecer
a Alemanha com as produções naturais, e com soberbos golpes de vistas da
Terra dos macacos, que o Senhor Compadre tanto despreza, tisna, abrasa,
e calcina com os dardejantes raios do seu Sol abrasador. (Estas expressões
são de vossa mercê mesmo) Não se enfade por eu as repetir; porque como

751
no seu conceito sou macaco, quero ser imitador, ainda que seja de um asno.
Sim, Senhor Compadre, os que têm juízo e sabem conhecer as coisas falam,
outra linguagem muito diferente da sua: leia os Escritores Portugueses, que
escreveram sobre o Brasil; leia os Estrangeiros viajantes antigos e modernos,
que aportaram a estas aprazíveis Regiões Austrais, especialmente na Bahia e
no Rio de Janeiro, certamente não achará um só, que afirme ser o clima do
Brasil ardente, tostada e abrasada a sua zona: antes todos atestam o contrário,
como entre eles o Naturalista Britânico Mr. Clarke assim se exprime os mais
vivos esforços da imaginação não podem pintar coisa tão celestial como a
perspectiva do adjacente território da Cidade de São Sebastião. Ora quem
diz celestial faz o maior elogio possível.
Também o Brasil não é pouco sadio, ou insalubre, como vossa mercê
afirma na sua respeitável carta: eu o pudera provar com muitas autoridades
de Escritores antigos, e modernos, tanto nacionais, como estrangeiros; eu
pudera fazer ver, que a sua asserção é tão falsa como caluniosa, nascida,
como a antecedente, da sua ignorância, e da perversidade do seu coração, se
a brevidade da minha resposta me permitisse tecer longas páginas; contentar-
-me-ei com responder-lhe com o muito Sábio e Respeitável Autor dos Estudos
do Bem Comum, Parte Terceira, Sessão Segunda, Capítulo 26. = Felizmente
o Brasil, ainda que situado na zona Tórrida (e até estendendo-se além do
Trópico Antártico) reúne vários, e os mais vitais climas da zona Temperada,
e não é exposto aos flagelos (grandes secas, terremotos, tufões, epidemias),
que infestam as mais partes do Mundo; são aí raríssimas as moléstias pesti-
lenciais, que aliás são frequentes nas Antilhas, e na América Setentrional.
Os tipos [tifos], tão contínuos e mortais ainda nos países sadios da Europa,
nem são tão numerosos e críticos no Brasil, nem têm o ordinário caráter do
contágio, que aí extinguem famílias inteiras, e até fazem apartar a caridade
dos Pais, enfermeiros, e médicos. Além disto tem muitas plantas de virtudes
salutíferas, febrífugas. Provavelmente, se a terrível importação da cafraria não
inoculasse tão repetidas vezes o mal do escorbuto, e das bexigas, e não desse
facilidades ao vício, o mesmo vírus céltico não grassaria nas suas hórridas
fases. Enfim a bondade, e variedade dos climas do Brasil têm sido as causas
de conter no seu seio as melhores plantas cereais, frutíferas (indígenas e exóti-
cas) de todo o Mundo, o que contribui à fortuna, robustez, hospitalidade, e
aprazível passadio de todas as pessoas, que, transmigrando parecem achar
em terra alheia a pátria própria, e a sua costumada dieta… São conhecidas
aos Literatos as obras dos antigos Escritores, especialmente Holandeses,
que tiveram tempo de examinar as Províncias do Brasil, que invadiram na
dominação dos Filipes. Todos são unânimes em reconhecer a aura vital das

752
terras, em que se fundaram as principais colônias deste Estado; e que, no
geral, o clima Brasileiro era tão vivedouro, que nele se encontravam pessoas
de avançada idade, com velhice viçosa viridi senectute. Até os Espanhóis
faziam vir para o Brasil velhos da Espanha, e das suas mais remotas Índias;
porque a experiência lhes mostrava, que remoçavam, e se fortaleciam com
o que intitulavam ares e águas celestes. Prudenter quondam Hispani Senes
valetudine minus prospera utentes ex patria sua, et dissitis quoque Indiis ad
aerem et aquas has coelestes, (Brasiliae) se contulerunt. Pison9 = Ainda que
o Rio de Janeiro pelas circunstâncias locais, e cerco de montes, antes fosse
menos sadio, e mais cálido, todavia ora, pelos aterros, esgotos, edifícios,
benfeitorias públicas, cultura de subúrbios... é já reconhecido estar mui
arejado, e em progressiva vitalidade. Os ventos terral e mareiro, alternada-
mente refrescam os contornos. Alguns incômodos físicos são exuberantemente
compensados com a vantagem inestimável de estar em ponto, que o constitui
um dos maiores Empórios da Terra. =
Então, Senhor Compadre, à vista destas tão sinceras, como verdadeiras
expressões, de Sábio tão conhecido na República Literária pelos seus profun-
dos, e luminosos escritos, como reverenciado em todo o Reino Unido pela
sua probidade e relevantes Empregos, não se patenteia a todo o mundo a sua
ignorância, a sua má-fé, a sua malícia, com que abrasa todo o Brasil com
os dardejantes raios do Sol, e o faz insalubre e pestilento como Benguela,
ou Moçambique? É verdade que em muitas partes deste imenso país, como
nos lugares baixos e inundados, nas margens das lagoas e grandes rios, que
ainda estão por povoar, nas vastas e cerradas florestas, onde não penetram
os raios do Sol, nos sítios ermos, agrestes, e que são por ora abrigo de feras;
grassam certas enfermidades procedidas de ares corruptos, da estagnação
das águas, e de muitas causas físicas, que só com o tempo, à medida que
for crescendo a povoação, é que se poderão remover ou totalmente, ou em
grande parte. Mas, quando se forma juízo da salubridade de uma Província,
de um Reino, olha-se para o todo, e não para esta ou aquela parte; pois do
particular não se tira conclusão universal: aliás eu diria: Portugal é pouco
sadio; porque nas terras baixas junto ao Tejo grassam sezões, e malinas em
certos meses do ano. Conclusão falsa, e falsíssima apesar da sua premissa
ser verdadeira. Senhor Compadre, escrevia um Missionário Jesuíta, = não se
pode viver senão no Brasil, quem quiser viver no Paraíso Terral, ao menos

9
Outrora, os espanhóis prudentemente trasladaram de sua terra, e mesmo das Índias
distantes, para o ar e para estas águas celestes (do Brasil) anciãos que gozavam de saúde
menos próspera.

753
eu sou deste parecer; quem não me quiser crer, venha-o experimentar. Aqui
há refresco, terra alegre, não se vê outra, etc.
Passemos agora a ouvir o Senhor Compadre, que vai a sair com o seu
chefe de obra; ei-lo aqui:
O Brasil está hoje reduzido a umas poucas hordas de negrinhos pescados
na Costa da África.
Cáspite! Que proposição tão sincera, e nascida do coração! Que elogio
tão honroso para o Brasil, e para os Brasileiros*! Certamente, quando o
Senhor Compadre escreveu este insultante desaforo, estava na maior e mais
terrível crise o seu delírio, a sua raiva, o seu diabólico furor. Sim Senhor,
quando Vossa mercê escreveu a sua carta em Lisboa, e a mandou imprimir,
foi pelos fins do ano passado; então o Brasil tinha a honra de contar no seu
seio o Nosso Augusto, e Saudoso Monarca com toda a sua Real Família,
e uma Corte muito luzida, e numerosa: achava-se muito mais povoado,
como nunca, de Portugueses Europeus; via a flor das Tropas de Portugal
guarnecendo as suas principais Cidades e portos de mar e guardando uma
Província Espanhola na sua fronteira do Sul; via as suas Cidades Marítimas
habitadas de Estrangeiros de todas as Nações; via um grande número destes
mesmos estrangeiros dispersos por todas suas Províncias, empregados uns
na agricultura, outros na extração de metais, outros em vários ramos de
indústria fabril e manufatureira; via enfim uma Colônia de mais de dois
mil Suíços estabelecida do Distrito de Cantagalo, 20 léguas distante do
Rio de Janeiro; como pois, a não estar o Senhor Compadre inteiramente
louco, e furioso, pode romper em semelhante asserção: o Brasil está hoje
reduzido a umas poucas hordas de negrinhos pescados na Costa da África?
Acaso Sua Majestade, a Sua Augusta Família, tantas ilustres Personagens,
que compõem a sua Corte e Casa; tantos milhares de Portugueses e de
Brasileiros seus descendentes; tantas centenas de Estrangeiros, se tornariam
negros só com morarem no Brasil? Ou o Senhor Compadre não os reputa
existentes neste país para reduzir a povoação dele só a hordas de negrinhos?
De duas uma; ou existem brancos no Brasil, ou não existem? Se existem,
vossa mercê é um caluniador, um insultante não faz menção deles, para
denegrir, enxovalhar, e vilipendiar os Brasileiros, reduzindo-os a hordas de
negros; e se na sua mente não existem brancos no Brasil (o que é impossível
que homem algum haja de ignorar, e afirmar, estando em seu juízo perfeito)
então vossa mercê é um louco rematado. Neste caso recipe: casa das palhas,

*
Incluo neste nome de Brasileiro não só os filhos dos Portugueses nascidos no Brasil,
como também os mesmos Portugueses Europeus estabelecidos, e moradores no País.

754
camisola de brim, emborcações de água fria; e o mais com que se amansam
os loucos, e sossegam da mania; no caso antecedente: galés, ares de Benguela,
que é o que merecem os caluniadores, e autores de libelos famosos.
Mas como a minha alçada não chega a tanto, e inclino-me mais a
perdoar, desta vez o absolvo de toda culpa e pena: e porque talvez o Senhor
Compadre pecasse, não por falta de juízo, ou por refinada malícia, mas
por excesso de ignorância, passo por caridade a dar-lhe uma ideia sucinta
da população do Brasil, e da qualidade dela. Por cá, Senhor Compadre,
encontram-se Índios bravos, que vivem nos bosques como feras; também
Índios já mansos, e cristianizados, que vivem nas suas aldeias; encontram-se
pardos, e pretos, metade dos quais são nascidos no país; e a quem propria-
mente chamamos crioulos*: encontram-se também muitíssimos brancos
sem outra mescla de sangue, que não seja todo Português, ou nascidos na
Europa, ou no Brasil: foram estes o que edificaram as nossas Cidades, os
que as povoaram; os que levantaram estas fortalezas, e as defendem; os que
formaram sempre a parte mais distinta e respeitável dos Cidadãos; os que
compõem o corpo do Clero Secular e Regular; os que exercem a Magistratura,
e os demais empregos públicos; os que estabeleceram as casas de Comércio, e
as conservam; os que são Proprietários, Senhores de Engenhos, ou de lavras
minerais: Fazendeiros, Mercadores, Artistas, Mestres de Ofícios mecânicos,
que exigem maior inteligência e perfeição de obra, de que os negros nem os
Índios são muito capazes, os Pardos sim, que para tudo são habilidosos: são
finalmente os brancos, os que em geral compõem a Tropa tanto da primeira,
como da segunda linha, e especialmente a sua briosa, valente, e distinta
Oficialidade. Os negrinhos, Senhor Compadre, ou se acham empregados no
serviço doméstico dos seus Senhores, como lá em Portugal os moços de servir,
ou no trabalho da agricultura, e das lavras de ouro; estes, pela sua desgraçada
condição, não formam ordem alguma no Estado, vivem dispersos pelas casas
ou fazendas de seus Senhores, por si não fazem povoação distinta e separada
dos brancos exceto algum Quilombo no meio dos matos; não figuram na
ordem civil, e, quando muito um ou outro chega a ser Rei do Rosário. Os
Índios também não figuram em coisa alguma; porque não querem, e apenas
servem nas Câmaras das suas Vilas emparelhados com os brancos, bem como
o cavalo com o cavaleiro, que pelas rédeas leva o bruto para onde lhe parece.

*
Não posso levar em paciência o Desprezo, com que os Espanhóis, os Franceses e Ingleses
tratam, e chamam crioulos os Americanos descendentes dos Europeus. Só os Portugue-
ses é, que acertaram com a verdadeira inteligência deste nome, chamando crioulos os
filhos dos seus escravos nascidos no País, ou em suas casas, digo escravos pretos; porque
chamar crioulo a um pardo cativo, seria fazer-lhe a maior afronta.

755
São pois os brancos e os pardos livres, os que formam a parte principal da
população do Brasil, que por cálculo ínfimo anda por três milhões de almas
(se é que o Senhor Compadre não nos nega este espírito inteligente e vivifi-
cante) estes são os que desde o Rio Grande de São Pedro do Sul até o Pará
compreendendo-se também a Guiana Portuguesa, desde o Cabo de Santo
Agostinho até Mato Grosso, povoam, posto que escassamente, tão imenso
continente; porém, não obstante esta penúria de habitantes, vemos nele três
grandes Cidades, que em população não são inferiores à Cidade do Porto; tais
são os Rio de Janeiro, Bahia, e Pernambuco, cujos moradores passam além dos
60 mil especialmente no Rio de Janeiro, a quem muitos dão 80 mil entrando
os escravos também*: vemos outras três, São Paulo, Maranhão, Pará, cuja
população não desce de 20 mil; além destas há outras Cidades menores, ou
Vilas notáveis, como Mariana, Vila Rica, Porto Alegre, Santa Catarina, São
Salvador dos Campos, Vila da Vitoria, Cachoeira, Olinda, Sergipe, Paraíba do
Norte; Rio Grande do Norte, Aracati, Mato Grosso, Goiás, Sabará, São João
d’El Rei, Vila do Príncipe, Oeiras do Piauí, etc., cuja população sobe de 5 a
10 mil almas, pouco mais ou menos em cada uma delas; vemos muitas outras
Vilas, e Arraiais de mil, dois, e três mil moradores; perto de mil Freguesias,
grande número das quais contam os fregueses a milhares dispersos pelos seus
territórios, os quais não são tão negros, antes a maior porção deles são bran-
cos legítimos; ou pardos mais ou menos claros, ou Índios Cristianizados, e
muitos deles descendentes de Portugueses, e Índios. Logo é falsa, e falsíssima
a sua asserção, Senhor Compadre, de que o Brasil está hoje reduzido a umas
poucas de hordas de negrinhos pescados na Costa da África. E com a mesma
falsidade continua:
Únicos e só capazes de suportarem os dardejantes raios de uma zona
abrasada.
Senhor Compadre, a adorável Providência deu aqui compensações e
lenitivos nos ardores do Sol; pelos ventos periódicos, chuveiros frequentes,
trovoadas no tempo do verão, doces orvalhos, e sombra dos arvoredos,
com que a atmosfera se refresca, além das circunstâncias da disposição das
montanhas, sua altura, extensão, etc. Acresce para resfriar os dardejantes
raios do Sol abrasador, ou zona abrasada, como vossa mercê diz, a multidão
de rios, dos quais alguns são tão grandes e largos, que seriam capazes de
cobrir quase todo Portugal, se por ele corressem; ribeiros, regos de água,

*
Pelo cálculo dos Eleitores Paroquiais que deram as 5 Freguesias desta Cidade, tem ela
e os seus Subúrbios 9.600 fogos. Os Eleitores foram 48; multiplicados por 200, dão à
mencionada quantia, e esta por 8 pessoas em cada fogo dá 76.800; porém no Brasil se
deve multiplicar por 10 por causa da escravatura, então temos 96.000.

756
tanques, lagoas, e a umidade natural, que tanto prevalece na maior parte
destas terras, de sorte que os negros mais se incomodam, e sentem o frio, do
que o calor. Além disso na força maior do verão não se fazem plantações,
nem outros serviços expostos aos dardejantes raios da zona abrasada: então
os trabalhadores sejam eles, brancos, ou pardos, Índios, ou pretos recolhem-
-se à sombra, e se ocupam em trabalhos caseiros: e não é isto mesmo, que se
pratica na Europa no tempo mais caloroso do Estio? Diz mais vossa mercê:
O seu terreno interior está inculto, e seria preciso, que corressem séculos
para cultivar-se.
Quanto à primeira parte desta asserção, é verdadeira, mas não em toda
a sua extensão; porque já por lá há três Cidades, muitas Vilas, Julgados, e
bastante gente dispersa pelas Províncias, que formam a parte central deste
imenso continente, como são Goiás, Mato Grosso, Piauí, Sertões do Pará, de
Maranhão, do Rio de São Francisco; etc. Quanto à segunda parte, se ainda
fôssemos regidos pelo antigo sistema, talvez que nem até o fim do Mundo se
povoasse o Brasil; mas, pela nova ordem das coisas, espero em Deus, que não
serão necessários séculos, porém anos. Prossegue propondo:
Ou que Sua Majestade, adotando o Sistema do Autocrata de todas as
Rússias estabelecesse, e criassem ali de novo, os antigos, e infatigáveis Jesuítas,
que com suas mossas de pau fossem cristianizando, e domesticando todos os
Índios Botocudos, Coroados, e Puris.
Não é má e fora de propósito a lembrança do sistema do Imperador da
Rússia na ocasião, em que ele acaba de exterminar do seu Império os Jesuítas!
Eis aqui o que é escrever com acerto, e exatidão, ou andar às avessas dos mais
homens! Ah! Senhor Compadre, se a cabala Filosófica não tivesse dado cabo
daqueles Missionários*, talvez que estes pobres Índios do Brasil estivessem
hoje todos domesticados, e não continuassem a viver como feras no meio dos
bosques! E quantos milhões de almas, sendo filhos de Jesus Cristo, se salva-
riam, e sendo aldeados e reduzidos à sociedade civil utilizariam ao Estado!
Ou então, que o Astro pelas suas benéficas influências fizesse transportar
para lá todos os calcetas da Europa, e Meretrizes de Lisboa. (que não havia
de fazer má colheita!).
Viva o Senhor Compadre pelo seu conselho de Nestor! Viva a sua filan-
tropia, e o seu amor pelo Brasil! Como vossa mercê ouviu falar nos calcetas,
que o Governo de Nápoles enviou para os nossos presídios da África por
permissão de Sua Majestade Fidelíssima, cuja remessa tanto deu que criticar
aos Gazeteiros Ingleses, que até assoalharam pela Europa, que os Ministros

*
Vide Dictionnaire Universel, Historique, &c. Vol. XX. Pag. 224.

757
do Gabinete do Rio de Janeiro pretendiam povoar com eles o Brasil (calúnia
esta que ao depois se desfez com tanta evidência, como vergonha dos seus
mal-intencionados autores), movido o seu piedoso ânimo de tão benignas e
filantrópicas ideias a favor de um país ermo, despovoado, onde nada se lhe
figura, que não seja negro, e com feitio de macaco, quer dar-nos gente branca,
escolhida, e com caras humanas, ainda que as almas sejam de demônios; para
isso lembra-se e remete para o Astro seu Antagonista, que pelas suas benig-
nas influências faça transportar para o Brasil, não só as calcetas, que haja de
resto em Nápoles, e os de todo Portugal, mas também os da Europa inteira,
Scilicet10 Ingleses, Espanhóis, Franceses, Italianos, Alemães, Polacos, Suecos,
Russos, e também Turcos; e como, vindo tanta gente sem ser com as suas
senhoras, não poderia prosperar tão luzida colônia, e cedo acabaria tão boa
raça pela regra: res erat unius aetatis, populus virorum;11 destina-lhes as suas
patrícias Meretrizes de Lisboa, para que, unidas em estreitos laços de amor
conjugal, haja de crescer, multiplicar, e encher este vastíssimo continente do
Brasil; e não satisfeito com a afronta, que fez a si próprio, às suas patrícias, e
a toda a Nação Portuguesa, exclama muito contente e ufano: que não havia
de fazer má colheita! Pois tantas há por lá, Senhor Compadre? Acrescenta:
Por este modo tínhamos logo povoado o Brasil, e cultivado o seu terreno.
Sim Senhor, por este modo teremos logo povoado o Brasil; porém há de
ser com a condição de que o Senhor Compadre virá também no comboio com
a sua argola de ferro na perna; que, pelo menos, deverá ter meia arroba de
peso, para se distinguir dentre a chusma como Diretor da Colônia, e capataz
mor da quadrilha; assinar-lhe-emos os pantanais do Lago Xeres para neles
formar o seu estabelecimento, ficando entregue à alta proteção dos Paiaguás
e Guaicurus, que lhe hão de prestar todos os bons ofícios de que eles são
capazes, e são credores o capataz e companhia. Se não lhe agrada a condição,
participe ao Astro, que não incomode os calcetas, deixando-os ficar, onde
estão; e entretanto vá o Senhor Compadre convivendo com as suas meninas,
que lhes ficarão muito obrigadas por lhes poupar o susto de passar o mar, e
pode ser que alguma lhe dê o prêmio merecido pelo honroso obséquio, que
lhes fez. Nós não precisamos nem delas, nem deles, e muito menos de vossa
mercê a quem reputo muito mais daninho, e perverso que todos. Com efeito,
quem poderia crer a não ser impresso em letra redonda, tanto em Lisboa,
como no Rio de Janeiro, que um Português tivesse ânimo, ou (para melhor

Nomeadamente.
10

“A cidade limitava-se a uma geração, era um povo de homens.” N.T.: Florus, Resumo
11

da história romana, livro I, 1.

758
dizer) o descaramento de insinuar por escárnio, aviltação, e insulto, que se
povoasse o Brasil com malfeitores, com ladrões, e assassinos de toda Europa,
os quais, escapando da forca, são reclusos por toda a vida nas galés? Quem
havia de dizer, que um Português, filho de Lisboa; (se é que o é), se lembrasse de
emparelhar com malvados Estrangeiros as tristes e desgraçadas suas Patrícias,
a quem a fome e a miséria, as mais das vezes, precipita nos vícios? Quem
havia de dizer enfim, que um Português, sem respeito ao Seu Soberano, que
então residia ainda no Brasil, sem atenção aos Portugueses Europeus, que aos
centos de milhares se acham nele estabelecidos, dos quais uma grande parte
está casado, e com filhos e filhas, tão brancos como seus pais, propusesse
espalhar entre nós a mais vil canalha do Mundo? Proh dolor! Nascuntur
Injuriae, unde jura nasci debuerant.12 Aqui dá-nos ele as costas, dizendo:
Mas voltemos agora os olhos daquele país selvagem, e inculto, cá para
a terra de gente, para Portugal.
Nos quoque gens sumus,13 Senhor Compadre, não é só em Portugal que
há gente; no Brasil também há muito, e muito boa gente: é verdade, que não
usamos da civilíssima expressão, de que vossa mercê usa, como os marujos,
que para fazer alarde da sua valentia, ou da excelência da sua pessoa, chamam-
-se a si próprios gente. Se nunca viu por lá Brasileiros, tem agora a mais bela
ocasião de vê-los, e conhecer, com a chegada de Sua Majestade a Lisboa; na
sua honrosa companhia foram muitos meninos; e meninas, nascidos no Rio de
Janeiro, e entre eles o Senhor Dom Sebastião, a primeira flor do Real Tronco
de Bragança, brotada, e aberta ao Jardim da América Meridional, verá vossa
mercê como é bela, alvíssima, e perfeita, apesar de ter nascido debaixo dos
dardejantes raios de uma zona abrasada: nada lhe falta da figura de gente,
ou antes tem figura de gente em toda a perfeição. Será porventura o Senhor
Compadre da opinião do Naturalista Azara, que duvida que os Índios sejam
descendentes de Adão, só porque, quando comem, juntam nos cantos da boca
as espinhas de peixe, e somente bebem água depois de comer? Ou da opinião
do Deputado das Cortes de Cádiz, que perguntou naquela Assembleia, em que
classe de animais poria os Americanos? Vamos adiante: latet anguis in herbis.14
Portugal como eu, vossa mercê e todos sabemos, é o Jardim das
Hespérides, os Elísios deste pequeno Mundo chamado Europa! O Éden,
que habitaram nossos primeiros Pais, regado pelos quatro maiores rios do

Oh dor! Nascem injustiças onde deveriam nascer direitos.


12

Nós também somos gente [et cavalgare sabemus, e sabemos cavalgar]. N.T.: Latim
13

macarrônico da revista cômica de Coimbra, O Palito métrico.


Uma serpente esconde-se na relva. N.T.: Virgílio, Bucólicas, III, 93.
14

759
Mundo, não era tão fértil, e delicioso, como é a Pátria dos antigos Lusos;
parece, que a Natureza mesmo o destinou para ser o centro e o Império de
todos os prazeres, de todas as delícias, e riquezas da terra: Senhor dos melhores
Portos da Europa, enlaçado por mútuos vínculos de Comércio, e amizade
com todas as Potências Europeias, banhado pelas águas do Oceano, que o
fazem comunicável com o mesmo Oceano, e Mediterrâneo, situado debaixo
de um Céu o mais benéfico e temperado, produtor de todos os gêneros, e
frutos necessários à vida, sóbrio, frugal, industrioso.
Concedo gratuitamente ao Senhor Compadre tudo quanto encerra o seu
brilhante quadro, pois não intento deprimir em coisa alguma as grandezas de
Portugal; cinjo-me unicamente a convencer a vossa mercê da sua ignorância e
perversidade, no que assevera contra o meu país. Conceda-me agora licença,
que quero fazer também o meu painel; não sairá tão lindo, e encantador como
o seu; mas será mais simples, e mais conforme com o original. = O Brasil
como eu (vossa mercê não) e todo o Mundo hoje, sabe, e reconhece, apesar
de não ser o Éden, ou Paraíso Terreal, tem certamente muita semelhança
e analogia com ele, e com efeito é os Elísios deste Novo Mundo chamado
América; regado pelos dois maiores rios do Globo, cujos principais tributários
excedem infinitamente em comprimento, largura, e massa de águas, os mais
famosos rios da Europa, parece ser destinado pela Providência para grandes
e altos destinos, tanto pela prodigiosa extensão do seu continente desde o
Cabo do Norte até o de Santa Maria do Sul, pelo seu Clima delicioso, sadio, e
vital, pela sua pasmosa fertilidade em toda a qualidade de produções vegetais
indígenas e exóticas, pela sua imensa riqueza mineral de diamantes, ouro, etc.
como pela sua feliz posição quase no centro do orbe, bondade dos seus muito
portos, dos quais dois são geralmente reconhecidos pelos melhores do Mundo,
banhadas as suas Costas pelo Oceano Meridional, que o comunica com o
Oceano Atlântico e com o Mar do Norte, e o Mediterrâneo, com o Mar do
Sul, e Pacífico, com o Mar das Índias, e Oriental; e finalmente por este com
os mares do Polos Glaciais, enlaçado atualmente por vínculos de Comércio
e amizade com todas as Nações civilizadas de um a outro Mundo, só está
à espera, que se aumente a sua população para ser o maior império, o mais
florente, e poderoso da Terra. = Qual destes quadros será o mais verdadeiro,
e conforme com o Original, o meu ou o seu, Senhor Compadre? Qual deles
promete esperanças mais firmes e lisonjeiras para a grandeza, estabilidade, e
poder da Monarquia Portuguesa? Digam os que sabem conhecer, e avaliar.
Exclama afinal:
Ah! Senhor Astro, que torrãozinho este! Olhe que também tem minas
de ouro.

760
Que lhe prestem! Escusa o Senhor Compadre de o vir buscar ao Brasil
com perigo de ser mordido pelas Serpentes, ou flechado por algum Botocudo.
Prossegue:
Agora destes princípios há de ser vossa mercê mesmo, quem há de tirar
a Conclusão, e não os Áulicos do Rio.
Se no Brasil, que o Senhor Compadre acaba de reduzir a hordas de negri-
nhos, há Áulicos, certamente são os do Rei do Rosário; estes não sabem tirar
conclusão; porque não estudaram lógica nas Costas da África, onde foram
pescados. Diz mais dirigindo-se ao Astro:
Ora diga, diga, qual dos dois Reinos está convidando com mais meiguice
a Sua Majestade para vir estabelecer nele a sua Corte, o Brasil, ou Portugal?
Narrent hi, qui sentiunt, dicant Paduani: 15 por exemplo Mr. De
Beauchamp, que assim conclui a sua História do Brasil = “Quanto é rico,
forte, e inabalável este Império do Hemisfério Austral! Quanto o seu destino
é nobre, e independente! Frotas imensas jamais o puderam investir, e em vão
o ameaçaram formidáveis exércitos! Tudo lhe afiança uma prosperidade
crescente, e uma longa duração. Com prudência e energia o Soberano do
Brasil poderá firmar-se a si, e os seus Descendentes, sobre um Trono menos
precário, e muito mais brilhante, que o de Lisboa.”
Conclui finalmente o seu libelo famoso com o seguinte desaforo insul-
tante, e ameaçador:
A terra dos Macacos, dos pretos, e das Serpentes; ou o país da gente
branca, dos povos civilizados, e amantes do seu Soberano? Aquele despovo-
ado, e inculto; ou este povoado, ridente, e delicioso? Uma zona abrasada,
ardente, tostada, e insalubre; ou outra risonha, temperada, e benéfica! O seu
País natal, solar dos seus Augustos Ascendentes; ou aquele, que nunca o viu,
e só o amava por fé antes da invasão Francesa? Pu[xe], Senhor Astro, tenha
ânimo, tire, tire a Conclusão! Se não quer, as Cortes a tirarão.
Ah! Quanto tínhamos, que responder ao Senhor Compadre! Mas a
prudência pede que fiquemos em silêncio, apesar da liberdade de pensar, dizer
e escrever, de que vossa mercê tanto se aproveitou, e abusou para nos insultar,
e aniquilar o nosso País. Sim, seja o silêncio a final resposta, que dou a estes
insultos tão atrevidos, feitos diretamente a nós, e indiretamente ao Nosso Bom
Rei, e saudoso Soberano Dom João VI. até que o tempo faça ver com toda a
evidência, se a terra dos macacos, dos negros, e das serpentes, devia, ou não,
ser preferida ao País da gente branca, de povos civilizados, e amantes do seu
Soberano, para nela fixar-se por uma vez a Sede da Monarquia Portuguesa, a

Contem os que conhecem, digam os paduanos. N.T.: Hino a Santo Antônio, século XIII.
15

761
fim de que esta seja para o futuro grande, respeitável, e poderosa. O tempo é
que há de mostrar se será mais fácil levantar-se um grande Império no Brasil
inculto, e despovoado, em uma zona ardente, tostada, e insalubre, como diz
o Senhor Compadre; ou em Portugal povoado, ridente, e delicioso; em uma
zona risonha, temperada, e benéfica. O tempo enfim patenteará ao Mundo
inteiro, se Sua Majestade era mais amado, respeitado, e adorado no País, que
lhe deu o berço, e era solar dos seus Augustos Antepassados, ou naquele, que
nunca o viu, e só o amava por fé antes da invasão Francesa.
Para que o Senhor Compadre não fique persuadido de que acreditamos,
que Portugal, apesar de ser a [sic] tantos séculos povoado, e de estar situado na
zona temperada, mostre por toda a parte o mesmo aspecto delicioso, ridente,
e aprazível, que oferece Lisboa, e outros lugares, principalmente na Província
de Entre Douro, e Minho; e também que por lá não haja bastantes ermos,
charnecas, e guaridas de lobos; passo a extratar uma Carta do Venerável
Arcebispo de Braga a um seu Amigo: Tomo Segundo das Memórias da sua
vida página 19: Diz “Escrevi a vossa mercê ultimamente da vila de Arcos:
agora faço de Castro Laboreiro depois de ter visitado Cabreira, e Valadares,
e próximo a descer para Melgaço. Que serras fragosíssimas; que caminhos,
que despenhadeiros! O lugar, em que estou atualmente, é a Noruega de
Portugal, não se vê senão rochas escarpadas e medonhas: árvore frutífera
nem uma só, e ainda as outras são mui raras: não há milho, nem trigo, nem
hortaliça de qualidade alguma, apenas o grão de centeio. Que lhe hei de dizer
da gente? Estão na sua primitiva simplicidade, sem que o luxo tenha feito aqui
a mais leve alteração: homens e mulheres com o seu respectivo uniforme, de
que nem um só se afasta: não há coisa mais feia do que o do sexo feminino;
uma manta de Saragoça dobrada na cabeça descendo da parte de diante até
o peito muito cozida com o rosto, de traz até quase o chão, um avental da
mesma, ou mantel sem gênero de refego ou prega, polainas de pano branco,
e uns tamancos muito altos atados com diferentes correias, é o vestido geral
de todas; as caras são de tabujas, tostadas, e disformes” etc. Então, Senhor
Compadre, não é só o Brasil, que tem macacos; não é só o Brasil, que não
tem povos civilizados: não é só o Brasil, que está inculto, não é só no Brasil
que há Batuecas; na Espanha as há, e em Portugal*.

*
Como falei em Batuecas convém explicar, o que seja para inteligência de alguns
dos meus Leitores. O Território das Batuecas fica nos confins da Castela velha, e
Extremadura Espanhola quase a chegar às raias de Portugal, dista de Salamanca 14
léguas, e 8 léguas de Ciudad Rodrigo, a sua situação é em uma terrível profundidade
abaixo do monte, onde se venera o Santuário da Penha de França, cercado de altíssimas
serras; os seus habitantes são, ou foram, muito selvagens e rudes, quase destituídos

762
Tenho respondido ao Senhor Compadre com a moderação, que me foi
possível: se excedi os limites da Caridade Cristã, desculpa-me o amor da
Pátria, e atrocidade dos insultos, que dirigiu e espalhou com mão liberal sobre
o meu País, e os seus habitantes; dei-lhe a retribuição que merecem as suas
falsidades, as suas Calúnias, o seu refinado ódio, e a sua afetada e maliciosa
ignorância. Abscondunt odium labia mandacia: qui profert contumeliam
insipiens est. Provérbios capítulo 10 versículo 18. Que traduzido em vulgar
por um Poeta nosso, diz:

Dos lábios do mentiroso


Passa o ódio ao coração
A língua infame é um verdugo,
Que ultraja a própria razão.

Agora dirigindo-me aos meus caros, e prezados Patrícios, faço esta breve
Parenética: Deixemos ralhar embora o Compadre de Lisboa; deixemos que
desafogue o seu furor, e a sua desesperação em afrontosos vitupérios contra
o nosso País, e contra nós mesmos: talvez que esteja hoje com a mudança do
Trono para Portugal já sem rancor algum, e ódio contra nós, mais manso que
um cordeiro, pesaroso, e envergonhado do que escreveu na sua carta, e de a
ter mandado imprimir. É pois do nosso dever perdoar injúrias, que posto nos
sejam sensíveis, não nos ofendem: porque o Mundo inteiro conhece quanto
elas são caluniosas, e por consequência incapazes de alterar em peitos nobres a
paz, a concórdia, e união, que deve reinar entre os Portugueses de um e outro
Hemisfério, como Irmãos, que somos regidos pelo mesmo Pai. Lembremo-
nos sempre do juramento, que prestamos com tanta alegria, e entusiasmo,
no memorável dia 26 de Fevereiro, de veneração, e respeito a Nossa Santa
Religião; de obediência, e Amor ao nosso Rei; de observar, guardar, e manter
perpetuamente a CONSTITUIÇÃO da Monarquia Portuguesa, de que atual-
mente se ocupam as Cortes da Nação. Seja em todo o tempo este Juramento
um vínculo, que indissoluvelmente aperte, e reúna os dois Reinos, Português,
e Brasileiro. Lembremo-nos que o Senhor Dom João VI Nosso Saudosíssimo
Soberano não nos deixou, se não porque assim o pedia o interesse de toda a
Monarquia; e que, retirando-se para Portugal, levou consigo os nossos corações,

dos conhecimentos mais essenciais da Religião, muito pobres, e miseráveis, e todos


cabreiros, que vivem por aquelas ásperas montanhas do produto das suas cabras, e do
mel das suas colmeias; dizem que por muitos séculos foram estes homens desconhecidos
dos Espanhóis, o que parece não ser crível.

763
corações, que com tanto júbilo depositamos ante ao seu Real Trono naquele
sempre lembrado, e gloriosíssimo dia da sua Aclamação, 6 de Fevereiro
de 1818, e que em penhor deixou-nos a sua Imagem, o seu Augusto Filho
Primogênito, futuro herdeiro da Coroa, para Nosso Regente. Sendo pois
isto a prova mais decisiva do apreço, que Sua Majestade faz dos seus fiéis
Brasileiros, da sua Real solicitude pelo nosso bem e felicidade, e do amor,
que nos conserva em o seu paternal coração, convém que jamais deixemos
de nos mostrar gratos, e reconhecidos a tanto apreço, a tanta solicitude, e a
tanto amor. Vivam pois os Portugueses de ambos os Reinos Unidos na mais
concorde, e perfeita união, a fim de formarem um Grande, Respeitável, e
Poderoso Império, e a Nossa Monarquia ser uma das maiores do Mundo.

Viva a RELIGIÃO!
Viva o REI!
Viva o REGENTE!∗
Viva a CONSTITUIÇÃO!

Tais são os brados de um Brasileiro em tudo Português, e que muito


deseja a prosperidade, e felicidade Nacional.

F I M.

[LUÍS GONÇALVES DOS SANTOS]


Hoje Imperador do Brasil.

764
54

O
PELOTIQUEIRO DESMASCARADO,
OU
Carta sobre o N.º 62 do Correio do Rio de Janeiro dirigida
aos Habitantes d’esta Provincia, a fim de se
acautelarem, e premunirem contra os que se
inculcão para serem seus Deputados.

Meus Caros e bons Amigos, e Patrícios. Quando vi o nariz de cera, que encai-
xou no focinho do seu Número 62 o Redator de Correio, não pude deixar
de prever que aquele astucioso Escritor se propunha a conspirar contra a
Liberdade da nossa Pátria. Sim, é para esse fim que ele finge, e exarceba os
sentimentos, e intrigas, que lhe tem provocado o serviço, o alto serviço que
acabara de fazer-nos no arranjo da Representação, que em nome do Povo
desta Capital, e Província foi apresentada a Sua Alteza Real.
Quem tiver lido a História das Repúblicas da Grécia, facilmente reconhe-
cerá neste procedimento o manhoso artifício de um Pisistrato, que devorado
pela ambição, e desejo de dominar, fingia não se ocupar se não dos interesses
da multidão, e apenas conseguiu encasquetar o Povo desta patranha, não
duvidou aparecer com a cara esfarrapada, e dizer-lhe em tom lamentoso “Eis
aqui, meus Amigos, o que tem ganhado o ardente zelo, em que me abraso pelo
vosso bem! É necessário, que me aparte de vós; que me esconda para pôr a
minha vida a salvo do ódio, e perfídia de vossos inimigos.”
Só isto bastou para desvairar, e perder o povo de Atenas; que, comovido
pelo espetáculo miserando da cara ensanguentada, e lastimosa queixa do
fingido defensor de seus direitos, imediatamente decretou, que se desse uma
guarda a Pisistrato. Debalde Solon, que então regressava a sua Pátria, quer
opor-se a este ato de delírio; ele não é ouvido; e os Satélites dados ao ambi-
cioso, só serviram para conter e intimidar os seus rivais, a fim de apossar-se
sem custo de autoridade, e assim se perdeu a Liberdade de Atenas.
Não se persuada o Redator daquela folha, que os Habitantes desta
Província, são o Povo de Atenas, que engoliu tamanha moca! Nós penetramos,
nem é preciso para isso muita perspicácia, todo o enredo desse façanhoso

765
papel. As pessoas menos atiladas logo à primeira feitura conhecem o alvo a
que se atira. Falemos claro, Patrícios, o que este Redator quer, e os mais que
lhe encomendaram o Sermão é inculcar-se para Deputados da nossa Província
nas próximas eleições, e por isso ele sua camisas em gabar-se, e em exaltar
os trabalhos dos Colaboradores da Representação que foi apresentada pelo
Senado a Sua Alteza Real, Representação que, caso negado, que no mesmo
Senado se não achasse quem a soubesse fazer, deveria ser incumbida, mui
particularmente a quem a fizesse, sem que fosse vista, e assoalhada, antes
de aparecer em público, salvo por aqueles a quem cumpria lê-la e assiná-la.
Não foi isto o que praticou com outras Representações, que com efeito
saíram muito excelentes, e não se divulgaram, nem se imprimiram, se não
depois de terem sido apresentadas? E por que não seguiu o Presidente do
Senado a mesma marcha nesta ocasião? Seria por querer obra mais eloquente?
Seria também obra colaborada o transpositício [sic] discurso, que leu na
mesma ocasião, que em nada se pareceu com a locução dos primeiros?
Seja o que for, o que não padece dúvida é que se o Presidente do Senado
tivesse praticado desta vez, o que fez das primeiras, não se cometeria o absurdo
de aparecer impressa em 20 de Maio, e publicar-se com antecipada rapidez
a Representação, que em 23 devia ser apresentada a Sua Alteza Real com
toda a solenidade, nem se veria outro absurdo ainda maior, confessado com
toda a sem cerimônia, e imprudência pelo Redator do Correio, qual era de
ter ele sido quem dirigiu a Sua Alteza Real aquela Representação com 6.000
assinaturas em 22 do referido mês!!!
Se o Presidente do Senado estivesse penetrado de toda a consideração,
que merecia um objeto de tanta importância para o Brasil, pelo que em si
era, e pelas suas consequências; apenas estivesse organizada a Representação
solicitada pelo Povo, deveria ter feito anunciar, que ela se achava nas Casas
das Sessões do Senado para ser ali assinada, e até com a sua assistência, por
todas as Classes de Cidadãos, que para isso se apresentassem; e não consentiria
que isto tivesse lugar numa Tipografia; que, posto seja lugar mui decente, não
é para nele tratar um negócio popular da maior transcendência, quando o
Povo tem para isso o Paço do Conselho, onde se reúne a sua Representação
Municipal, e para onde deveria ser competentemente convocado ou para
assinar aquela Representação, ou um termo, que a motivasse, como tem
praticado todos os mais povos das Vilas desta, e das mais Províncias, nisso
mais coerentes com o costume, e lei; porque é necessário que diga uma vez
por todas, que os atos, em que se estabelece deliberação, ou exposição de
vontade comum do povo para qualquer fim, devem ser enunciados em uma
reunião legal do mesmo povo, e não andar-se recebendo estiatim o parecer

766
individual – de cada homem –, para da coleção deles se formar aquilo a que
o Redator chama incompetentemente vontade do Povo Soberano!
Quem nunca ouviu, que a Soberania do Povo, ainda mesmo nas
Repúblicas mais Democráticas, como na Grécia, e Roma, fosse exercitada por
atos individuais! Este absurdo em política estava reservado para se anunciar
em tom Magistral no século XIX; onde têm aparecido homens que falando
dos direitos individuais do Cidadão, lembraram-se de classificar entre eles
uma porção de Soberania; ignorando até o que quer dizer Soberania!
Mas a razão por que tudo isto se fez fora da ordem, desviando-se o povo
de se reunir em uma Assembleia Municipal, como ele desejava; e como se tem
praticado em todas as mais ocasiões, era para ter lugar a inspiração, que se
devia fazer a cada assinante para votar que a eleição dos Deputados fosse
imediata; e o ofício de Paracleto foi na Tipografia, arvorada em comício,
otimamente exercido pelo Redator.
Qual seria o fim por que se mostrava tanto afinco para que as eleições
fossem feitas daquele modo? Seria por ter sido decretado nas Cortes de
Lisboa como se quis capacitar aos simples? Olhem que respeitador das
determinações das Cortes!!! Não conhecem todos que a razão era para
melhor se arranjar pelas pessoas menos espertas, e em maior número, o
que seria mais difícil conseguir-se do concurso de Eleitores mais instruídos,
e circunspectos!!! Não se tem entendido o motivo por que se insultou aos
Magistrados nomeados para Procuradores Gerais de Minas, dando a entender
que só homem que não tem classe conhecida é que são os mais azados para
tais empregos!!!
Eis aqui a razão por que ao dito Colaborador se exaltou, em tão estranha
maneira, a sua atrabílis com as Instruções, que estabeleceram a forma das
nomeações dos nossos Deputados do Brasil; clamando que esta disposição,
era ilegal à vista da decisão de 6.000 votantes, que queriam a nomeação
direta! Que isto era uma Lei do Povo Soberano, que não podia ser, nem
postergada, nem iludida pelo Príncipe, e outras baboseiras desta estofa!!
Mas não se lembrava este insulso palrador, que 6.000 assinaturas feitas em
um canto, ou detrás da porta, como dizem vulgarmente, sem as formalidades
prescritas para constituírem deliberação popular, e sem que nisto figurasse a
Autoridade Municipal, perante a qual se formam todas as Representações, e
atos indicativos, e expressivos da vontade geral, valiam tanto como nada!!!
Não diz o Correio (Número 62 in principio) que o seu Redator com 6.000
assinantes dirigiram a Sua Alteza Real em 22 de Maio a Representação, de
que se trata? Diz. Logo esta Representação é um parto abortivo, que parece
filho de uma cabala; e não a legítima Representação, que foi solenemente

767
apresentada pelo Senado da Câmara, e Povo a ele reunido, em o memorável
dia 23 do mesmo mês, como todos viram, e observaram. E portanto ou é
mentira de ter ido o Senado apresentar aquele papel em 23; ou é falso tê-lo
dirigido o Redator em 22!!!
Dirá o Redator que, como a Representação era impressa o Senado
levou uma, e ele mandou outra. E as assinaturas? Dirá também que tinha
uma duplicata delas. E quem o autorizou para dirigir particular a Sua Alteza
Real um papel, cuja validade (visto não ter sido feito onde devia ser) só teria,
quando fosse levado com a respectiva solenidade, que era quem podia dar a
Sanção popular, que lhe faltava pela incurialidade com que foi feito? Dirá que
para figurar neste Negócio como primeiro Colaborador, e mostrar ao Povo
Fluminense que na Pessoa de João Soado Lisboa, morador em tal parte, na
casa Número 0, que tem o telhado para cima, e as portas para a rua, reside o
maior Constitucional, que o acaso atirou a esta Região, entre tantas outras
aves de arribação, que não prestam para nada, e nem ao menos sabem o que
é uma nomeação semidireta!!!!
Bravo, bravo, Senhor Constitucional de encomenda, que em público
desautoriza o Príncipe Regente chama-lhe mal Educado, Exorbitante da Esfera
do seu Poder, e outras parvoíces, posto, que na Hierarquia Civil seja o único
indivíduo, que conhece acima de si; e por detrás dá-lhe a falsa incensadela
de lhe dirigir umas 6.000 assinaturas, terminadas todas em direta direta,
direta!!!!! Isto é que é Constitucionalidade o mais é história! Para que quereria
Sua Alteza Real aquele papel? Acaso Mandou-lho encomendar? Não sabe o
mundo Brasílico, que o Príncipe tem sido inteiramente passivo a respeito da
nova ordem das coisas que se têm prestado, pelo seu Amor para com os Povos;
pela sua Constitucionalidade; e pelo bem da Nação inteira ao que se lhe tem
suplicado em benefício comum dela; a qual teria já visto feita, e confirmada
uma Cisão no vínculo da unidade do Reino Unido, se não tivesse existido
este Meio de Conciliação, tão felizmente depurado na Pessoa Augusta de um
Príncipe Adorável, pelas suas Virtudes Sociais; Virtudes Sublimes que lhe
granjeiam o Respeito, e Amor, que os Povos do Brasil lhe consagram, e hão de
consagrar sempre, sem que isso embarace ou para isso concorra o palavrório
de um Escritor impudente, cujo procedimento para com Sua Alteza Real é
inteiramente canino. Canino! Canino, sim Senhores, é procedimento de cão;
que sem conhecer meio-termo, ou morde sem piedade a outro Sui generis;
ou lhe faz aquele seu usual cumprimento de experimentar se está maduro!
Bastaria refletir-se sobre o começo daquele papel para se formar uma
ideia do caráter deste Escritor, e das intenções dos que dele se servem. Que
intriga para um negócio em que só ele seria capaz de perder tudo, se felizmente

768
as coisas não tivessem tomado um adiantamento tão natural, e progressivo,
que nenhuma intriga era capaz de fazer parar, ou retroceder! Que ficções! Que
farçolices nos quer encaixar este Doutor acerca dos seus trabalhos e serviços!
Quem há, que, vendo o procedimento das Cortes, não desejasse que o Brasil
se pusesse em guarda, e tomasse medidas com tempo para se premunir das
tentativas hostis, que contra ele se preparavam? Estas medidas porém, que
eram o resultado do apuro dos Habitantes do Brasil; que eram um efeito
legal do uso de seus direitos, não precisavam ser manejadas por uma cabala
oculta, que necessitasse pesquisas, e outros ardis, que são o cortejo ordinário
das ações criminosas.
A boa causa perde toda aparência de Justiça e de Equidade quando se
trata desta maneira; e o Redator do Correio pretendendo o Louro de uma
vitória, que não é sua; mas que finge ter alcançado, deslustra o procedimento
de Sua Alteza Real, do Senado, e de um Povo generoso, que amante da sua
Pátria, Zeloso dos seus Direitos, e quase idólatra de um Príncipe que contempla
como o Salvador da sua Liberdade Política, e o Defensor Perpétuo do Reino
do Brasil, queria, quer, e sempre quis que fosse unido a seus destinos; desde o
momento em que conheceu pelos sinistros meneios das Cortes de Lisboa, qual
era o fim por que pretenderam que Sua Alteza Real saísse do Brasil.
Quem é que tem excitado as desconfianças entre os Governantes, e
Governados, e entre os Governados, e Governantes? Não é o Relator do
Correio? Não é ele quem tem invectivado contra o procedimento de Sua Alteza
Real, contra o do Ministério, contra os Tribunais Supremos da Nação, como
se vê na série dos Números do seu Periódico? Não é ele quem tem invectivado
contra Cidadãos Beneméritos procurando pô-los de má-fé com o povo, e dene-
grir o seu procedimento para com o Governo? E como quer impudentemente
atribuir-se o resultado de uma medida, que só teve lugar, por se não fazer
caso do que ele dizia ao público; pois que se o povo fizesse do Governo e do
Ministério o perverso conceito que o Redator inculcava quem quereria ligar
com eles os seus destinos?
Grande serviço fez por certo em ser Colaborador de um papel, que seria
de grande estima se não tivesse cabeça, nem pés!!! Não se persuadam os
meus Patrícios, que quero dizer que o papel não tinha pés nem cabeça, como
ordinariamente se diz do que no todo não presta para nada; eu digo que seria
ótimo se lhe cortassem a cabeça e os pés; a primeira por ser de Tucano, onde
se descobre um bico, que não parece daquele corpo: e os segundos por serem
pés de Pavão, que por muito feios não se apropriam ao lindo animal, que
olhando para eles fica esmorecido!!! A questão que nós tínhamos com as Cortes
é moderníssima, data desde a sua Instalação, e Proclamação aos Brasileiros.

769
Tudo o que a Nação, ou a Mãe Pátria obrou com eles desde a descoberta
do Brasil até a Regeneração começada em 24 de Agosto de 1820 não podia,
nem devia fazer parte da inculpação que se imputava às Cortes; pela falta de
igualdade, e de justiça com que tratam o Brasil, e portanto tudo o que ali se
alega anterior a esta Época é um bico, ou cabeça de outro corpo; e o miserável
feixe, onde se acaba tutuando ao Príncipe; como a quem fala a um negro, ou a
um criado, só teria lugar na Pensilvânia, visto ser um Quakerismo; se modesto
entre a gente daquela Seita, por exemplo indigno de se aplicar a um Príncipe,
em nenhum tempo, em nenhum lugar, quanto mais no ato solene em que se
lhe dirige uma Representação!!!
Mas para que se gaba o Redator desta Colaboração; se nós sabemos pela
confissão de uma pessoa muito respeitável, que lhe fora confiada essa obra,
pelo Doutor Juiz de Fora, e que ele com efeito a escrevera? Se este escrever
não quer aplicar-se ao simples trabalho mecânico de lançar em um papel os
pensamentos de outrem, como não parece, pela maneira com que foi anunciado,
e pela escolha que dessa pessoa se fez para esse fim; estamos persuadidos que
o Redator teve nesta obra o mesmo trabalho, que teve o Leigo, que tocou os
foles para o Organista executar uma Sinfonia; o qual, observando os elogios
que se deram ao Organista, e que dele se não fazia comemorações, rompeu o
silêncio dizendo eu é que toquei os foles; Eu é que toquei os foles!!!
O incumbido do papel diz, que ele mesmo o escrevera; e não se pode
supor que ele fosse rogado só para Amanuense; não diz que houvesse mais
Colaboradores; e até nega que o primeiro que o Redator nomeia tivesse parte
se não em dar-lhe a incumbência. Como se combinam tais assuntos, diver-
gindo logo desde o princípio as expressões das pessoas, que o Redator figura
entradas naquela obra-prima? E que tem tudo isto com o Conselheiro Lisboa,
que metido em sua casa sem saber as particularidades que se passavam nas
outras, e mesmo sem examinar a opinião que se tinha desenvolvido no público
depois das últimas notícias de Portugal (coisa muito natural a um Literato que
vive como ele) ficou espantado quando pela primeira vez viu, e ouviu o que se
projetava; sem perceber o nexo, que já tinha com os procedimentos anteriores
do Brasil, e das Cortes? Estacionário nas próprias ideias, como quem tinha
acordado do sono de um século; viu com espanto, o que se passava em torno
de si, pareceu-lhe fora dos termos, e gritou Ordem, Ordem!!!
Seria acaso em um Varão Respeitável pelas suas causas, conspícuo por
uma Erudição vastíssima, venerando pela sua Moral; e distinto pelo amor
do Bem da Ordem, e pelos insignes Documentos, com que o tem promovido,
seria torno a dizer a falta de patriotismo quem lhe excitasse este sôfrego desejo
de obstar pelo simples impulso de um escritor a que os seus Conterrâneos

770
aprendessem com as Cortes a serem injustos? Quão mal sabe, o Correio
avaliar o caráter deste varão benemérito para julgar que podia ser capaz de
escrever, incitado por outrem! Este Lisboa não é João Soares, é José da Silva!!
Ele nega o fato, que se lhe imputa; a sua palavra vale mais que a de duzentos
João Soares; este ou estes não são capazes de provar o que afirmam, logo
é tudo uma intriga, de que é causa quem não procedeu neste negócio com
a circunspeção, e legalidade que devera; pois todos sabem ser princípio de
Direito Qui est causa causae est causa causati.1
Que diremos nós da sem cerimônia com que se escreveu a Carta a Sua
Alteza Real para se ganhar terreno; e nem era para outra coisa que se tomou o
expediente de querer amedrontar o Príncipe com a perda da opinião pública.
Era neste estilo que se correspondiam Voltaire, d’Alembert, d’Argens, e outros
Sábios, com o Filósofo Príncipe e depois Rei Frederico!! Mas este insigne
dominador da opinião pública queria servir ao Príncipe ocultamente, queria
fazer uma intriga de Corte, o que só era; e é uma causa da Nação. Queria,
e quer fazer acreditar que Sua Alteza Real fora o primeiro móvel dos senti-
mentos, que tem desenvolvido o Patriotismo do Brasil, confirmando assim o
que não faltou quem lembrasse nas Cortes de Lisboa.
Se é verdade que Berquó solicitava que se publicasse ao mundo todo, que
o Príncipe Regente não era entrado, se não do modo que decentemente lhe
convinha neste trato de coisas; e que Sua Alteza Real só deixou de cumprir
os Decretos das Cortes promulgados por Seu Augusto Pai, por salvar a causa
do Brasil, e da Nação; anuindo ao que lhe representavam os povos; é este
um Ofício de Amizade, e de interesse, que tomava pelo crédito de Seu Amo,
cujo elevado Caráter, e Retidão de Procedimento desejava ver sustentado em
toda a parte; e por esse mesmo princípio, nem ele, nem outro que soubesse,
e conhecesse o decoro, e urbano respeito que se lhe deve, podia aprovar o
final de semelhante Representação.
No que Berquó mostrou certamente que não tinha bom senso, foi em
persuadir-se (se é verdade alguma cousa do que aqui se diz;) que o dito de
uma folha periódica escrita no Rio de Janeiro podia, de algum modo, abonar
para com a Europa o verdadeiro Caráter, que sustentara Sua Alteza Real em
todas estas Cenas. Não era mais fácil, fazer uma Coleção de todos os papéis
Oficiais que se têm publicado, onde aparece sempre o Povo a representar, e o
Príncipe a Anuir?? Não é isto mesmo o que Sua Alteza Real tem confessado
no Preâmbulo de Seus Decretos? e como, com que intenções, e com que fins
pretende agora o Redator do Correio capacitar ao mundo que este movimento

1
A causa da causa é a causa do causado. N.T.: aforismo jurídico.

771
se originou da primitiva impulsão do Príncipe? Já esqueceu ao Redator o que
aqui aconteceu em Setembro passado, só porque um Pateta gritou no Teatro
= Viva o Príncipe Nosso Senhor!!!
Alerta meus Patrícios, alerta com estes Proteus, que querem figurar a
força nos negócios políticos; e mostrar-se defensores dos direitos do Povo, e
lá por detrás encarregar-se de sustentar, e defender os Direitos do Príncipe:
Tais Procuradores, são dos que comem a dois carrilhos!! Cuidado com estes
inculcadores do seu préstimo, que o que pretendem é iludir os simples para
verem se pilham votos nas próximas eleições para serem Deputados. Em os
vendo metidos nestas intrigas fugi Patrícios de cair no laço que vou armam.
Fugi igualmente de nomeardes pessoas, que se vos mandem inculcar por
outrem; porque o sinal mais característico de que não são dignos do emprego
é fazerem diligência para ele. Não aceiteis relações, que se vos deem, antes se
vós não conheceis pessoa capaz que nomeeis para Eleitor, não vades lá, porque
como é para gozar de um direito, podeis deixar de o fazer impunemente; e
que neste caso vale mais não dar voto em pessoa alguma, do que dá-lo a um
destes inculcadores, ou inculcados. Ainda há uma classe de pretendentes a
estes empregos; que não é menos temível. Sem aqueles que sem se inculcarem,
nem dizerem palavra, se apresentam muito sérios, fazendo cortesias a todos,
quando fora dali não as fazem a ninguém; e ali estão muito direitos, muito
atentos, desde o princípio das eleições até o fim, tudo isto é para se olhar
para eles, e os contemplar nas nomeações.
Quanto aos Eleitores sirva-lhe de regra estas mesmas noções: regule-se
cada um pelo íntimo sentimento; faça o que a sua consciência lhe ditar, e fuja
dos tais inculcadores, como foge o Diabo da Cruz. Tal é o juízo que forma,
quem escreve estas rabiscas, de toda esta intriga que só tem por fim desacre-
ditar uns, e inculcar outros, e por isso procurando descobrir e desmascarar
estes Pelotiqueiros; vos faz o serviço de indicar a maneira, com que outros
se mascaram para abusar da vossa confiança, como este abusou da dos seus
Amigos, e de tudo o que entre nós há de mais respeitoso, e circunspecto.

O Patricio observador.

_______________________________________________________
RIO DE JANEIRO 1822. NA TYPOGRAPHIA DO DIARIO

772
55

RESPOSTA A HUMA CARTA,


EM QUE O RESPONDENTE ANALYSA A REPRESENTAÇÃO
QUE
A SUA MAGESTADE IMPERIAL
DIRIGIO EM 2 DE NOVEMBRO DE 1822
O EX-PROCURADOR DESTA PROVINCIA
JOAQUIM GOÇNALVES [SIC] LEDO
**********************
Senhor Anastácio Belo Cardozo.

RECEBI a sua carta, e com ela um exemplar da representação, que à


Augusta Presença de Sua Majestade Imperial dirigiu Joaquim Gonçalves
Ledo, Ex-Procurador desta Província, em 2 do corrente mês, e fez imprimir
na Tipografia de Silva Porto e Companhia; e expendendo a minha opinião,
como viu, pede-me, fazer algumas ligeiras reflexões sobre tal Representação,
que nenhum Cidadão (excetos os apaniguados do Representante, hoje bem
conhecidos) poderá ler a sangue frio, por ser virulenta, contraditória, e
inconstitucional, e haver seu autor nela vomitado insultos contra o brioso
Povo, e Tropa desta Capital; contra os dignos Representantes desta, e outras
Províncias; contra as Autoridades Públicas; e contra Sua Majestade Imperial.
“Principia o Representante por exagerar os seus Serviços feitos ao Rio
de Janeiro (sua Pátria), e a Sua Majestade Imperial, já como Cidadão, e já
como Procurador-Geral e Conselheiro de Estado desta Província, pelos quais
se comprazia de ter merecido aquela estima, que o bom Povo da mesma lhe
testemunhara, conferindo-lhe pela sua absoluta espontaneidade a honra de
o nomear Deputado à Assembleia Geral.”
Seria para desejar-se que ele houvesse exprimido quais foram esses
serviços, para chegarem ao conhecimento do Público, e dar-se-lhes o devido
apreço, e enquanto o não fizer, eu ficarei persuadido de que ele só tem cavado
a desgraça da sua Pátria, e a do Imperador.
Porventura chamará serviços o ter sido ele um dos primeiros atores na
cena da Praça do Comércio na noite de 21 de Abril de 1821, em que com
os seus coligados se opuseram à forma do Governo, que o Senhor Rei Dom
João VI deixava estabelecido na Regência deste Império, confiada então a Sua
Majestade Imperial, como Príncipe Regente; em que pediram o juramento, e

773
execução da Constituição Espanhola, e a criação de uma Junta Provisória; e
em que finalmente determinaram obstar à saída do Mesmo Senhor Rei Dom
João VI.
Chamará ele serviços o ter declarado expressamente em um jantar, dado
no mês de Setembro de 1821, que este Império não podia ser feliz sem que
se retirasse dele Sua Majestade Imperial, então Príncipe Regente, a quem o
Representante ousou apelidar Tigre, filho de outro Tigre?
Chamará ele serviços o ter feito causa comum com outros da sua parcia-
lidade para a execução dos desorganizadores Decretos de 29 de Setembro
do mesmo ano, em que as Cortes de Portugal ordenavam o regresso da Sua
Majestade Imperial, e a Instalação de um Governo Provisório, para Secretário
do qual se preparava o Representante, (que já solicitava votos por interpostas
pessoas), e outros seus consócios se auguravam Membros do mesmo Governo?
Não é público o trabalho, que teve o benemérito Procurador desta
Província, José Mariano de Azeredo Coutinho, em Dezembro do dito ano,
quando chegaram os ditos Decretos, em catequizar os Representantes, e a
outros Mouros (que ultimamente se figuravam convertidos,) apontando-lhe
os inconvenientes, que resultariam da saída de Sua Majestade Imperial para
o Reino de Portugal? Não se sabe, que o Representante, e os seus consócios,
curvados ao peso da opinião desta Província, de São Paulo, e Minas, mostra-
ram então concordar na suspensão da execução dos ditos Decretos?
Todos estes procedimentos, desenvolvidos sucessivamente pelo
Representante, mostram, que longe de fazer serviços a sua Pátria, e ao
Imperador, ele maquinava a sua ruína, contanto porém, que se erigisse em
Secretario, e Membro do Governo Provisório: que longe de fazer serviços ao
Imperador, ele fez quanto esteve da sua parte para que o Mesmo Augusto
Senhor se ausentasse para Portugal, deixando este vasto, e rico Império sujeito
à anarquia, para se expor aos ultrajes, e baldões, que os facciosos das Cortes
de Portugal lhe preparavam.
E cuida o Representante, que estes fatos eram ignorados pelo bom Povo
desta Corte, e Província? Não teve disso uma prova muito evidente, quando
sendo composto de noventa e dois Cidadãos o Colégio Eleitoral reunido no
Mosteiro de São Bento, ele só teve dez votos para o Emprego de Procurador
desta Província; e pode a isto chamar-se vontade geral do Povo?
Não se sabe, que a sua próxima reconciliação, e atual intimidade com
o Ex-Ministro da Guerra foi a que lhe granjeou votos para ser Deputado?
Não foi tão escandaloso o procedimento, que teve o Representante, e seus
consócios no mesmo Mosteiro de São Bento, quando se tratou da nomeação
de Deputados, espalhando listas com os nomes de Varões probos, em quem
viam recair votos, nas quais lhes imputavam defeitos arbitrários, com o

774
capcioso fim de fazerem-nos suspeitos, e os excluírem da nomeação, e poder
verificar-se esta no Representante, e nos outros da sua facção?
Eu invoco, meu amigo, o testemunho do Colégio Eleitoral, que com
grande indignação vi procedimentos tais, praticados por Indivíduos, que
tanto blasonavam de Constitucionais, o que se achavam elevados a altos
Empregos, o que lhes impunha maior obrigação de não serem caluniadores,
e de não infamarem falsamente a Cidadãos, que pelas suas virtudes, serviços,
e exemplar conduta, mereciam a confiança Pública; porém se vossa mercê
refletir nos escandalosos fatos, acontecidos na Freguesia de Santana, e na de
São José, praticados pelos Emissários do Representante, e seus consócios,
facilmente conhecerá, que já de antemão estava concertado o plano de recair
a nomeação de Eleitores só em Indivíduos da confiança deles, para que só
fossem Deputados os que eles designassem: o que não se verificou, porque o
Povo já os conhecia, e não teve efeito aquele grosseiro ardil em consequência
da indisposição, que mostrou em São Bento a parte sã do Colégio Eleitoral
contra a impudência, e a calúnia: e não foi sem grande admiração, que toda
esta Província viu o Representante elevado à alta dignidade de Deputado,
sendo notória a sua má conduta em todo o período de sua vida. Tanto pode
o suborno e a credulidade!
Diz o Representante, que uns poucos Indivíduos da mais baixa plebe se
dirigiram “no dia 30 de Outubro em pública assoada às portas do Paço do
Conselho desta Cidade, onde com vozes tumultuárias, e maneiras descom-
postas o arguiram de fautor de um partido, que projetava substituir um
sistema de forma Republicana à atual forma de Governo, pela qual ele tanto
trabalhara; e que até em voto seu no Conselho de Estado estabelecera como
fundamento da segurança interna do Brasil.”
Ora, meu amigo, uma Cidade inteira consternada com a perspectiva
dos males, que ameaçavam a todo o Império; ocasionados pela demissão
dos beneméritos Pais da Pátria José Bonifácio de Andrada e Silva, e Martim
Francisco Ribeiro de Andrada, Ministros e Secretários de Estado dos Negócios
do Império, Estrangeiros, e Fazenda, cavada, e tramada pelo Representante
e seus consócios: o numeroso concurso do Povo desta Capital às portas do
Paço do Conselho: o ilustre Procurador Geral desta Província, José Mariano
de Azeredo Coutinho, convocado pelo mesmo Povo para comparecer perante
o Senado, e Sua Majestade Imperial, e ser o órgão da sua expressa vontade;
uma representação assinada por milhares de Cidadãos de todas as classes:
outra pela briosa, e valente Tropa: outra finalmente pelos ilustres Procuradores
Gerais de várias Províncias coligadas, dirigidas com respeito e submissão ao
fim de serem restituídos aqueles dois Ministros; e o da Repartição da Justiça,
o virtuoso Caetano Pinto de Miranda Montenegro, e punidos os malvados,

775
inimigos da tranquilidade pública, podem ser caracterizados por uns poucos
Indivíduos da mais baixa plebe, e pode ser obra de assuada, facção, e motim?
Se aquele não era o voto geral, onde estava o numeroso Povo desta Capital,
que não compareceu a proclamar altamente a sua vontade, e a dissipar estes
poucos Indivíduos da mais baixa plebe?
O Representante, que se inculca o primeiro Constitucional (mas só
na boca) é o primeiro, que tem a ousadia de declarar-se superior aos mais
Cidadãos, esquecendo-se de que todos são iguais aos olhos da Lei; e não pode
haver uma maior contradição, do que chamar o Representante bom Povo
o desta Província, quando o elege para Deputado, e baixa plebe quando o
declara publicamente indigno deste cargo pelos seus iníquos procedimentos,
tendentes à destruição do Império, e aniquilação pública, e segurança indi-
vidual, e de propriedade.
Eu não sei, meu amigo, como, em que tempo, a que horas, e em que
lugar o Representante trabalhara para estabelecer a forma do atual Governo;
porque quando este Império era parte do Reino Unido de Portugal, nós vimos,
que no dia 26 de Fevereiro de 1821 o Povo e Tropa exigiu que se jurasse a
Constituição oferecida pelas Cortes de Portugal, o que se verificou, fazendo
nesses dia Sua Majestade Imperial os mais relevantes Serviços ao Império do
Brasil; nós vimos, que sendo o Brasil atraiçoado pela facção desorganiza-
dora daquelas Cortes, várias Províncias rogaram a Sua Majestade Imperial
que não se retirasse, e que ficasse exercendo aqui o Poder Executivo, mas
Constitucionalmente; o que se acha expresso em todas as Representações,
que correm impressas: e todos sabem, que o Representante não figurava
então nestes fatos pela sua nulidade nesta, e nas Províncias, que primeiro
concorreram.
Ora, se estava escolhida e estabelecida a forma do Governo Monárquico-
Constitucional, como se atreve o Representante a alegar sem pejo à face dos
Povos destas Províncias, que ele muito trabalhara para se estabelecer a dita
forma? Onde achou oposição? Só se foi no seu Coração, e naqueles da sua
parcialidade, que felizmente são hoje bem conhecidos.
É um fato, que os Procuradores Gerais principiaram a formar o Conselho
de Estado nos primeiros dias do mês de Junho deste ano; e se a forma do
Governo fora estabelecida, e sancionada no dia 26 de Fevereiro de 1821;
ratificada, e roborada a 9, e 26 de Janeiro, e 15 de Fevereiro deste ano, em
que foram admitidos os Representantes dos Povos desta Província, da de São
Paulo, e Minas Gerais, à Audiência pública de Sua Majestade Imperial, que
espontaneamente Anuiu à forma do Governo Monárquico-Constitucional,
segue-se, que não podia essa forma ser objeto de questão em Conselho de
Estado, instalado muito depois, como avança o Representante.

776
“Assevera ele mais, que Sua Majestade Imperial pessoalmente conhece
os seus serviços à causa da sua Aclamação, e que o plano destes serviços fora
concertado com o Ministério.” Tenho muita pena, meu amigo, de não saber
para avaliar esses serviços feitos pelo Representante; Eu vi uma unanimidade
de sentimentos, no bom Povo desta Capital e Província: e vi os mesmos
sentimentos na Província de Minas Gerais, e São Paulo, que sem o estímulo,
ou ingerência do Representante Aclamaram a Sua Majestade Imperial no
mesmo dia 14 de Outubro, tendo muitos dias antes lavrado as respectivas
Câmaras para esse fim Suas Atas, que andam impressas em Gazetas, e mais
Periódicos; e se essa era a vontade geral de todo o Império do Brasil, e se isto
estaria feito à [sic] mais tempo, ou o não houvesse impedido a modéstia da
Sua Majestade Imperial, que só o Aceitou, quando o julgou indispensável
para a Salvação do Império, ameaçado pelos Inimigos externos e internos;
como diz o Representante, que fez Serviços, e que Sua Majestade Imperial os
conhece pessoalmente?
Ah! Meu amigo, eu ouvi dizer, que o Representante unido com o
Ex-Presidente da Câmara, José Clemente Pereira, com o Ex-Ministro da
Guerra e Companhia, concordaram secretamente, que Sua Majestade Imperial
fosse Aclamado, jurando primeiro a Constituição, que fizer a nossa Assembleia
Constituinte, ainda não reunida: eu não duvido, que tivesse havido essa
medida injuriosa, contraditória, e revolucionária; porque a Câmara atual desta
Capital, sob a dita Presidência, oficiou às Câmaras desta e outras Províncias
debaixo daquele subversivo princípio: o que só se fez patente aos olhos deste
Povo na Sessão Extraordinárias de 10 de Outubro, onde foi geralmente
reprovado, e Vossa mercê terá lido em alguma Gazeta, que várias Câmaras
responderam afirmativamente, ou por ignorância, ou por sedução, ou por
confiarem na Câmara da Capital.
Se são estes os Serviços, que acusa o Representante, de certo o bom Povo
do Rio de Janeiro lhos não agradece; e altamente reprova o arbítrio, que se
arrogou a Câmara, sem o consultar em matéria, que não era da sua privativa
competência, e que podia produzir as mais funestas consequências.
“Queixa-se o Representante de não haverem as Autoridades Públicas
desta Cidade coibido o chamado tumulto da baixa plebe, dirigido contra ele,
e contra outros varões conspícuos, que têm feito pretéritos, recentes, públicos,
e inegáveis serviços à Causa do Brasil em anteriores ocasiões, e na Aclamação
de Sua Majestade Imperial; e expende que esses varões são Constitucionais
por Caráter, e que só podem ser taxados da impaciência de se sujeitarem a um
Governo despótico, em formas arbitrárias, que os Servis sem mérito, e com
mérito, e sem pejo quereriam restabelecer com vergonha eterna do Brasil, e

777
talvez com a perda da união das Províncias deste nascente Império, declarando
guerra a todos os princípios da justa liberdade.”
Eu achava-me nesta Corte, e não vi tumulto algum: vi o bom Povo
congregado com toda a moderação, usando do direito de Petição; dirigindo-
-se ao seu Excelentíssimo Procurador, ao Senado da Câmara, e ultimamente
a Sua Majestade Imperial: e como podiam as Autoridades Constituídas
intrometer-se nisto, ou coibir procedimentos legais! Não é isto um insulto
feito às mesmas Autoridades, quando as faz cúmplices do suposto delito? Eu
cuido, que Vossa mercê já viu a Gazeta de 2, e o Espelho de 10 deste mês, e
se ainda não viu, convém que leia estes dois Periódicos, pois que neles achará
descrito não só quanto sucedeu no fausto dia 30 de Outubro, mas verá trans-
critas neles as ditas representações, a Ata da Câmara, e uma Proclamação de
Sua Majestade Imperial, em que Louva o procedimento do Povo. E como o
temerário Representante o tacha de ilegal, e tumultuário?
Eu não sei, que ele tivesse procuração desses varões conspícuos (que mais
adiante declara serem o Ex-Presidente da Câmara, e o brioso Ex-Ministro
da Guerra) para defendê-los: e essa gratuita defesa é mais uma prova de
mútua união, o concerto de planos para o juramento da Constituição, antes
de feita; para a deposição de Ministros, em quem reside a confiança pública;
para serem substituídos pelo Ex-Presidente da Câmara e Companhia; para
a prisão de pessoas; que se podiam opor a seus malvados intentos, e se esses
serviços pretéritos não se podem reputar os da Praça do Comércio, ou os de
Setembro e Dezembro do ano passado, e são relativos aos do mês de Janeiro
deste ano em diante, é certo, que sendo bem conhecidos pelos sensatos que
lhes dão o valor, que eles merecem, (e não o que inculca o Representante,)
eles perdem todo o merecimento pela descoberta dos fins ocultos, com que
marchava o Representante e Companhia, todos tendentes à dissolução e não
à aparente prosperidade do Império.
Será ser Constitucional por caráter, o insultar num papel público o mesmo
Povo que o elegeu, fosse qual fosse o motivo, que houve para tão desgraçada
eleição. O ter aconselhado a Sua Majestade Imperial para não nomear mais
Oficiais para as Secretarias de Estado, e ir pedir depois para ser nomeado seu
Sobrinho, que com efeito o foi? O suplicar ser futuro Contador e Deputado
da Junta do Arsenal do Exército, com exclusão de um Supranumerário, que
ainda existe, qual Manoel José Barboza da Lomba, e obtê-lo pelo Ministério
da Guerra, e juntamente o aumento de mais de 200$000 réis de ordenado
sobre o que já tinha como 1.º Escriturário: e isto em uma época, em que ele
conhece que o Tesouro não pode aumentar despesas? O Solicitar pelo mesmo
Ministério baixas para Soldados Milicianos movido do interesse de recom-
pensas? O solicitar perdão de rebeldes ao Governo por prêmios pecuniários?

778
Não é isto fazer odioso o Governo Constitucional de Sua Majestade Imperial,
pondo os Povos na certeza; de que o dinheiro ainda corrompe o Ministério?
Será ser Constitucional por caráter o pedir Altas Mercês honoríficas,
quando se aconselha a Sua Majestade Imperial, que as não faça a outros: a
Postos de Oficial General com exclusão daqueles, em que recairiam com mais
injustiça; e merecimento? Será ser Constitucional por caráter desacreditar
os Ministros de Estado, que não vendem os Despachos, e que promovem a
felicidade pública, e a independência do Império, para que a parte do Povo
mais ignorante os repute indignos, e perca a confiança, que neles tem?
Qual é o Governo despótico, e quais são as formas arbitrárias a que esses
Constitucionais por caráter não se querem sujeitar? Por que o Representante
não aponta um só fato de despotismo, e arbitrariedade, ou de Sua Majestade
Imperial; ou daqueles Ministros? Bastará só dizê-lo? Nós não temos ainda
feita a nossa Constituição: trabalha-se nas distantes Províncias na eleição
dos Deputados; Sua Majestade Imperial foi tão liberal, que Determinou
a sua reunião, logo que houvesse o número de cinquenta e um; e como o
Representante e Companhia só falam em atos inconstitucionais, em despo-
tismos, e arbitrariedades? Se a nova Assembleia é quem há de formar as Leis,
e marcar a Linha dos Poderes, devemos crer, que os Servis sem mérito, e sem
pejo, de que fala o Representante, são os Deputados, que se não unirem a sua
Constitucionalidade: porém, meu amigo, Deus permita, que o Representante
não tenha esse dissabor: que não se assente na nossa Assembleia, para não
ver Servis sem mérito, declararem guerra aos princípios da justa liberdade,
e já que ele tanto ama a este Povo, e tanto inculca promover a felicidade
do mesmo, pode contar com a união das Províncias (com cuja perda indis-
cretamente nos ameaça) enquanto elas souberem, que o Representante e
Companhia não dirigem os negócios Ministeriais: e que estes são manejados
por aqueles, em quem as mesmas Províncias tem fundado suas esperanças, e
tem posto sua confiança.
“Exagera o Representante a sua surpresa por se terem espalhado na
noite do dia 30 de Outubro no Teatro exemplares de uma Proclamação
impressa sem nome e censura não se dizer nela de propósito uma só palavra
de Constituição”. Ora, meu amigo, não há causa mais irrisória, mais ridí-
cula, e mais pueril! Há de escreve-se a palavra = Constituição = em todos
os papéis, tenha, ou não tenha cabimento? Quem diz isto, não tem coisas
melhores para dizer.
Porém muito me admiro de que lhe indo à mão essa Proclamação, não
lhe fosse também a que Sua Majestade Imperial fez, assinou, mandou impri-
mir, e distribuiu pelo Povo nessa mesma noite: bem como as Representações
do Povo, e Tropas, que igualmente se repartiram: pois que o Representante

779
não faz menção de tais papéis na sua arenga chamada Representação, sem
dúvida para fazer-se ignorante, e poder melhor insultar o respeitável Público,
chamando-o baixa plebe, tumultuário, e vendido à facção de seus Inimigos
cujos nomes não designa.
“Blasona o Representante de não haver Corpo de delito: e alega, que
sem ele não pode haver procedimento criminal: e para isso desafia os conhe-
cimentos dos mais pedantes Rábulas.” Se com ele e seus Consócios se tivesse
praticado o que mandam as Leis, isto é, se quando foram apontados na
Opinião Pública no dia 30 de Outubro, se mandasse apreender, e examinar
judicialmente os seus papéis, decerto o Representante não se mostraria tão
ufano; mas já que ostenta de sabichão (sendo apenas um mero curioso, e
superficial em todas as matérias, quanto lhe bastava para impor na presença
dos que ainda sabiam menos que ele, fique agora sabendo, que na falta do
Corpo de delito direto, a Lei admite o indireto: que o corpo de delito mais
legal é a Proclamação de Sua Majestade Imperial, em que agradece ao Povo
o passo, que deu no dia 30; e qual foi esse passo? Pedir-se a restituição dos
Ministros honrados, sábios, e verdadeiramente Constitucionais, e a punição
de malvados; e quais são esses malvados? O Representante confessa, que foi
enumerado entre eles.
“Alega mais, que fora ele quem dera a Sua Majestade Imperial a
primeira felicitação da nova forma de Governo.” Se alude à Augusta
Aclamação do Mesmo Senhor, eu estive no Campo de Santana no dia 12
de Outubro, em que ela teve lugar; vi o Senado da Câmara no Palacete, em
que Sua Majestade se achava; vi a Nobreza, Clero, e Cidadãos de todas as
classes; vi os Excelentíssimos Procuradores das mais Províncias; e vi todos os
Excelentíssimos Ministros e Secretários de Estado; e não há uma só pessoa,
que afirme ter sido o Representante o primeiro, que felicitara a Sua Majestade
Imperial por tão plausível motivo; e enquanto o Representante não der provas
disso, decerto não será crido, porque essa prerrogativa não lhe competia pelo
seu Emprego de Procurador desta Província, e ele não explica o caráter, em
que fizera a dita felicitação.
“Pergunta o Representante se terá a virtude plástica de formar República
e diz que os Povos querem ser bem governados, e não se importam com formas
de Governo.” É verdade, que ele não tem chegado a formar essas Repúblicas,
porque o Rio de Janeiro abunda de Varões probos, e de luzes, que vigiam há
muito sobre a conduta dos perversos; mas o Representante, poucos dias antes,
se havia jactado, de que só ele e o Ex-Presidente do Senado eram capazes de
revolucionar um Reino, quanto mais a esta Corte: e não pode haver uma prova
mais convincente do seu espírito revolucionário, do que escrever, e imprimir
que os Povos não se importam com formas de Governo; e isto à face deste

780
Povo, de quem ele era Procurador, o qual muito solenemente já declarou, que
quer ser governado por um Monarca Constitucional, no que estão confor-
mes todas as outras Províncias deste Império: mas não era necessário, que o
Representante escrevesse esta infame doutrina, para serem conhecidas as suas
ideias, aliás já bem manifestadas no Periódico = Correio do Rio de Janeiro
=,de que ele era um dos Colaboradores, escritores, protetores, e defensores;
e Graças a Sua Majestade Imperial, que livrou este bom Povo daquele intitu-
lado Redator, que abusando da bem entendida liberdade da Imprensa, (que
tem sido, e continua a ser franca,) servia de testa de ferro ao Representante e
Companhia para insultar as Autoridades mais respeitáveis, os Cidadãos mais
conspícuos, e semear a discórdia, o a desconfiança entre os Governantes, e
Governados; e tudo isto, meu amigo, com a capa de Constituição, e com a
invenção de futuros, e sonhados despotismos; que decerto não existirão; pois
que em verdade nem o nosso Imperador, e nem seus atuais Ministros tem a
menor ideia de Governar despoticamente a um Povo, que declarou aborrecer
o despotismo, e tem muita confiança na liberalidade dos mesmos.
“Não quer o Representante sofrer em silêncio as atrocidades cometidas
pela baixa plebe; diz que a força o pode privar da vida, e fazenda, que por
hora é a que herdou de seus Pais; mas não da honra, que é haver da opinião
pública, que ele muito preza; propõe-se a defendê-la; reclama a imunidade,
que lhe concede a nomeação de Deputado para nossa Assembleia; e pede que
se mande abrir uma Devassa a fim de apurar a sua conduta.”
Eu já provei a vossa mercê, que não houve atrocidade, mas sim legalidade;
que não houve baixa plebe, mas sim o concurso do bom Povo, e do Procurador
desta Província; que a Tropa desta Guarnição, e os Procuradores das mais
Provinciais se mostraram dos mesmos sentimentos; e agora lhe digo, que a
fazenda do Representante não se compõe unicamente do que ele herdou de seus
Pais; deve estar aumentada, valha a verdade, com o cabedal da Senhorinha,
e Donay: e com o produto das baixas, e perdões, que ele solicitou: que não
sei, em que sentido toma o Representante a palavra = honra = quando tem
tido uma vida dissoluta, e imoral, que é para admirar-se o engano, em que ele
tem estado, de que goza de boa opinião; porque à reserva dos seus consócios
nenhum homem sensato forma dele bom conceito, à vista da irregularidade
de sua conduta, de seu desmarcado orgulho, e vaidade, e da natural tendência
vilipendiar os seus Concidadãos, dos quais todos eles se reputa superior, olhe,
meu amigo, logo que no Rio de Janeiro se soube, que havia em França um
Robespierre, e qual era o seu caráter, todos reconheceram no Representante
o seu fiel retrato.
O Representante não exerce ainda as altas funções de Deputado: seu
Diploma tem de ser examinado na Assembleia, quando for instalada; e é

781
possível que seja repudiado, se constar legalmente que houve suborno na
sua nomeação; em que o mesmo Povo, que o nomeou, tem mudado de
opinião, por julgar atraiçoados os seus direitos: por consequência não pode
o Representante gozar antes de imunidade alguma, e nem a sua nomeação o
pode por a coberto da espada da Justiça, se se provar, que ele atentava contra
o Governo estabelecido, ou que está criminoso por qualquer outro motivo.
Leia as Instruções para a Eleição Capítulo 1.º §. 9.º, Capítulo 2.º §. 6.º, e
Capítulo 4.º §. 2.º.
Sua Majestade Imperial Declarou numa Proclamação impressa no dia
30 de Outubro, que havia nomeado um Juiz para devassar em geral do caso;
é portanto desnecessário, que se mande abrir uma devassa particular para se
conhecer privativamente do Representante; como ele pede; a Devassa geral
está aberta como consta de Editais impressos, e brevemente o Público será
informado se o Representante está inocente. E que maior glória para ele, se
se verificar essa inocência?
Cuido ter satisfeito a sua curiosidade, declarando a minha opinião sobre
os objetos principais da dita Representação, em que aparecem palavras sesqui-
pedais, que por falta de tempo não posso analisar, muito particularmente,
porque pelo contexto de sua carta conheço que tanto não exigia de mim:
agora cumpre-me recomendar-lhe, que se aparecer outro qualquer escrito do
mesmo Representante, ou seus bem conhecidos consócios, não se deixe iludir,
examine-o bem, que decerto achará o veneno, que sempre se encontra nos
escritos de tais autores, que posto encoberto, não tem escapado à perspicácia
dos vigilantes, e legítimos Constitucionais, um dos quais é este

Seu atento Venerador.


Rio de Janeiro 8 de Novembro de 1822.

O amigo verdadeiro da Patria.

_________________________________________________
RIO DE JANEIRO NA IMPRENSA NACIONAL

782
56

Resposta ao Redactor da Malagueta, interpretando aquella parte do Decreto


de 16 de Fevereiro na qual S.A.R. diz “e dezejando Eu para utilidade geral do
Reino-Unido, e particular do bom Povo do Brasil hir de antemaõ dispondo, e
arreigando o Systema Constitucional, que elle merece e Eu jurei dar-lhe &c.”

Senhor Redator da Malagueta.

Persuado-me, que não tem Vossa Majestade a menor dúvida de que;


quando diz o Regente ==que desejando ir de antemão dispondo o Sistema
Constitucional que ele merece, e que o mesmo Regente jurou dar-lhe ==fala
direta, e exclusivamente com o Brasil. Dado este caso, e sempre concedido,
espero me conceda Vossa Majestade igualmente a irrecusável existência dos
Fatos seguintes:
1. A inconstitucional Divisão atropeladora, reunindo-se da Praça do
Rocio no Dia 26 de Fevereiro de 1821, nenhum Direito tinha para pedir, e
obter, com as Armas nas mãos, e à Sans-Cullot [sic]; uma Constituição para
o Reino do Brasil.
2. Ninguém ignora, que ao Regente se deve, não só o terem deixado
de correr rios de sangue nesse Dia; opondo, como podia, uma resistência
vigorosa às ilegais pretensões daqueles facciosos, mas o ter Ele cooperado
poderosa, e eficazmente para que tudo se concluísse à amigável, e se jurasse a
Constituição, que ainda não tinha nascido, tal e qual; mas nunca, sem exame
do Povo Brasileiro, e a olhos cerrados, como aqueles malvados o entendiam.
3. Quando os Sans-Cullot [sic] auxiliadores se apresentaram por outra
vez na Praça do Rocio; para forçar o Regente à ponta da baioneta a prestar o
Juramento, que ele deu com toda a Corte às Bases Constitucionais; cometeram
mais um crime (digno sem dúvida da Forca), e se arrogaram o Direito, que
não tinham, de deliberar, e fazer deliberar, com as Armas na mão.
4. O Príncipe Regente, a quem estava toda a Força disponível dos bravos
Guerreiros Fluminenses da I. II. e III. Linha, fez tudo por evitar derramamento
de sangue, e por que se jurassem as Bases, que Ele também jurou.
Segue-se, Senhor Redator, que sem a prudência, e sem a poderosa
Cooperação do Príncipe não se jurariam, nem tais bases, nem tal Constituição;
ou nadaríamos ainda hoje no próprio sangue, que faríamos correr uns contra
os outros. Fica claro, que o Príncipe, quis dar-nos (não como Legislador), mas
como generoso Protetor essa constituição com que apenas nos acenavam de
longe. Assim, com sua Eminente Proteção alcançaremos, o que sem ela não
haveríamos nem tão fácil, nem tão felizmente conseguido.

783
Uma Verdade como esta, tão notória, não podia escapar à penetração
do Príncipe, quando jurou a Constituição, e as Bases em que ela repousa.
Jurou portanto dá-la em sua Alma, e consciência (quando jurou obedecer-
-lhe); porque na realidade a prometeu tacitamente dar, quando a jurou aquele
Homem, sem cuja continuada proteção corria a Constituição por vir mui
grandes riscos das Facções dos contrários Partidos, e até de si mesma, pelo
grande defeito de nem mesmo existir em Embrião; Prometeu com efeito dá-la,
se a não deu desde logo, aquele Homem, sem o qual a Constituição não teria
sido jurada, no dia em que a jurou.
É neste sentido, Senhor Redator, e unicamente neste sentido, que o
Regente pôde dizer a este Reino, que jurou dar-lhe o Sistema Constitucional
que ele merece.
Estou tão seriamente persuadido da necessidade de estarmos pelo seu
dito, quanto à sua adesão a este Sistema, jurado, e reconhecido por El Rei
Seu Pai, por intervenção de tão digno Filho, pode concorrer a dar um caráter
de validade à ilegal, monstruosa, e repreensível pretensão da Facção Sans-
Cullot [sic], que se erigiu em Representante Brasileiro, forçando o Povo e as
suas Autoridades a jurar a Constituição tal e qual se fizesse a mais de 2000
léguas de distância.
Se fugirmos desta Doutrina, estaremos necessariamente em anarquia
com todos os princípios recebidos do Direito Natural, Político, e Civil dos
Povos. Concluo, que falando o Regente deste Reino no sentido, que acima levo
expenso [sic], não há lugar para a mais leve censura contra o Sábio Ministro
tão Constitucional como Sábio, tão probo como Fiel.
Não nos é permitido, Senhor Redator, interpretar, contra aquele que
a escreveu, a frase, que nos parece obscura: só o Autor pode explicá-la.
É necessário em tais casos limitar-nos a pedir-lhe, se dela carecemos, essa
mesma explicação.
É perigoso, Senhor Redator, e particularmente na época em que somos,
fazer guerra às Palavras, e inspirar sem o querermos ao Povo o gosto frenético
das sutilezas e sofismas da Teologia Política, tão fatal, e talvez mais nociva
do que o foi a Dogmática no Império do Oriente, causa eficiente de sua
pasmosa dissolução.

Hum Franco Constitucional

Na Impressaõ Nacional

784
57

SEGUNDA PARTE
DO

AMIGO DA RAZÃO,
OU

Continuação da correspondencia com os


Redactores do Reverbero; em que se responde
á varios Argumentos, que se tem feito contra
a medida apontada primeiramente pelo Author,
de se installar huma Representação, em
Assembléa Legislativa no Brasil

_______________________________
Legant prius, et postea despiciant.1
S. Jer.
_______________________________

RIO DE JANEIRO.
1822
NA OFFICINA DE SILVA PORTO &c. C.a
1
Leiam primeiro, critiquem depois. N.T.: São Jerônimo, Prefácio ao livro de Isaías.

785
Senhores Redatores do Reverbero.

SEIS meses há, que pela Imprensa me dirigi a V.... com uma Carta, que nesta
Corte publiquei; a fim de lhes manifestar, quanto me parecia ociosa, e iliberal
a questão, que em sua Folha suscitara o Redator do Semanário Cívico da
Bahia sobre o local mais conveniente à Sede da Monarquia Portuguesa; e por
ocasião da resposta que aí me pareceu, dar, e com efeito dei, a este Jornalista,
mostrei ou antes indiquei francamente a conveniência, e legitimidade, que
tinha o nosso Brasil, para se fazer representar em uma Câmara especial de
Cortes, compostas exclusivamente de todos os Procuradores Gerais das
suas Províncias; assim, e da mesma sorte, que o haviam feito os Paços de
Portugal, e Algarves, em o princípio da sua atual regeneração Política ; e isto
em ordem a se fazerem nestas mesmas Cortes especiais às Leis, pelos quais se
houvesse de reger o nosso País; salvando-nos a nossa Dignidade, Categoria, e
Representação Política contra o regresso do Despotismo, e condição pupilar,
em que aliás ficaríamos considerados pelas Cortes de Portugal, e Algarves;
para onde tendíamos irrefletidamente a ser representados em Assembleia
promíscua, e indistinta Representação.
Em silêncio me hei conservado desde então, espreitando a Opinião
Pública, que atoada até ali aos diversos Pareceres dos Discursivos, parecia não
acertar com os meios de Salvação do Estado; e me preparava para responder
com a mesma franqueza, com que então escrevera, aos argumentos contrários
do meu sistema, ou antes daquela minha sucinta indicação; se porventura
alguém me contradissesse a tese; pois que ainda razões de grande peso, e talvez
irrespondíveis, me restavam, com que pudesse instar aos Contraditórios da
minha dita opinião.
Feliz, ou infelizmente porém não fui contestado por escrito; e antes
pouco e pouco se foi o Público persuadindo da grande verdade, com que
eu fechara o meu discurso na dita Carta; isto é; Que não há Liberdade Civil
sem Constituição; e que não há Constituição sem Representação Popular;
pelo que sem Cortes especiais ficaríamos sempre na mesma, isto é, na mesma
condição humilde, ou de servos do Despotismo, ou de pupilos das Cortes de
Portugal, e Algarves.
A verdade, Senhores Redatores, já o disse alguém antes de mim, e eu agora
o repito, é como a luz; quando raia fere os olhos de todos, e todos a veem. A
pluralidade dos nossos Concidadãos conveio pois que era medida necessária
à Dignidade, Salvação, e Prosperidade do nosso País, a Convocação de uma
Assembleia, ou Câmara de Cortes especiais com assento no próprio território.
O Conselho desta Cidade o representou a Governo; e este segundando o voto
geral desta Província, que por sua índole não podia, nem pode deixar de ser

786
seguido das mais, há proclamado, decretado, e dirigido a mesma Convocação,
que Deus ajude, e prospere, apesar de quem lhe mal quer.
Todavia, como cada um pensa, e discorre, segundo os afetos de que se
acham possuído de Esperança, Temor, Ódio, Amizade, etc, fácil é de concluir,
que nem todos a uma seriam concordes no voto; e que muitos Dissidentes
haveriam deste projeto, que se pode chamar de opinião quase geral: não
porque esses Dissidentes reputem prejudicial causativamente ao Brasil; ou
menos interessante aos seus negócios à Convocação, e reunião dos seus
Representantes em uma Câmara especial com assento no próprio território;
pois a ninguém tenho ouvido, que tão servil, inerte, e estúpido seja, que se
persuada poder o Brasil prosperar no sistema de Representação primeiramente
seguido sem reflexão, que o punha, e constituía, acéfalo de fato, e destituído
da imediata, e presentânea cooperação dos dois grandes Agentes Políticos
concentrados a duas mil léguas de distância nos Representantes do Poder
Legislativo, e Executivo residentes em Lisboa; mas porque havendo como
realidades as afigurações da sua fantasia exaltada pela tendência dos afetos
da alma, descobrem em tudo quanto Politicamente se faz, o defeito, ou vício,
que só procede da fraqueza do seu entendimento preocupado de hipóteses
gratuitas, ou prematuras, que se não devem conceder nem ainda admitir.
Daqui vem pois, que suposto me não contradissesse ninguém por escrito,
ao menos que eu saiba, ainda quando a minha opinião não passava de singular;
ou quando pelo menos não tinha em outros passado ainda de sentimento a
tese tivesse eu todavia de responder a alguns argumentos e observações, que
em conferências, ou conversações familiares tiveram ocasião de ser altercados
com razões de interesse Público; as quais, ao parecer dos opinantes, punham
em dúvida a conveniência, que eu inculcava de se as ditas Cortes especiais
convocarem, e instalarem no Brasil.
A boa-fé em que sempre tenho suposto, e ainda suponho aqueles meus
Contraditores respeito aos interesses da nossa Pátria, fizeram-me entrar
com eles de bom grado em questão despido de toda a prevenção, e só com
o fito de apurar a verdade; e como entendo, que as razões que produzi nos
meus debates não são para desprezar por aqueles que se conservam ainda de
boa-fé na Cisma Política, que os aparta da ortodoxia da opinião corrente de
nos fazermos representar em Câmara própria de Cortes; julguei a propósito
publicar os argumentos mais fortes, com que se tem combatido a mesma
opinião; assim como as respostas, e soluções que tenho dado aos ditos argu-
mentos dos meus Contraditores Cismático-políticos, da causa abraçada da
Representação Brasileira: para servirem de Resposta geral a todos os outros
que opinem do mesmo modo o que hei por algum serviço à boa causa da
minha Pátria, segundo vou responder.

787
I. ARGUMENTO.

O Juramento é um vínculo sagrado; que obriga, assim em consciência,


ou no foro interno; como civilmente, ou no foro externo. Nós juramos estar
pela Constituição que se fizesse em Portugal; Logo somos perjuros, e refra-
tários: ou faltamos à obrigação no nosso juramento, assim religiosa, como
civil; quando resilindo do pacto entre nós jurado, nos derrotamos a outra
vereda de nos constituirmos politicamente.
Respondi, e respondo ao argumento em rigorosa forma Dialética:
Concedo as premissas; e nego a consequência. Também podia distinguir a
menor. Mas, deixando os termos da Escola, e falando em frase que todos
entendam; explicarei ad extensum2 a solução do argumento.
É verdade que o Juramento nos obriga em ambos os foros, tanto externo,
ou Civil, como no interno, ou da consciência; e é também verdade; e verdade
mui notória, que juramos de adotar a Constituição que se houvesse de fazer
em as Cortes reunidas em Portugal atualmente: e que isso propusemos a El
Rei o Senhor Dom João VI, que acedeu livremente a nossa intenção, e vontade
geral manifestada, além do Juramento, com públicas aclamações. Mas nisto
não houve ministério, intervenção, ou cooperação, nem das Cortes, nem dos
Povos de Portugal, e Algarves.
Segue-se portanto, que aquele ato solene religioso-político não passou
de mero Juramento promissório de universal comprometimento dos nossos
Concidadãos Brasileiros somente, em ordem a se constituírem com El Rei;
e constituírem-se pela mesma forma, e maneira, porque se houvessem de
constituir os Povos de Portugal, e Algarve.
Não juramos portanto, como se supõe talvez sofisticamente, ex adverso3
que nos entregaríamos com os braços cruzados; ou com a inércia de impro-
videntes pupilos à descrição, [sic] e cortesia dos Povos de Portugal; nem
menos juramos de não fazer, e convocar, como temos convocado, as nossas
Cortes no Brasil; se isso mais quiséssemos; renunciando expressamente aos
inauferíveis Direitos que temos a isso fazer, como Povos livres, que somos
habitantes de um grande, e opulento território; elevado já à Consideração,
e categoria Política de Reino reconhecida pelas Nações com que tratamos.
Assim que, não somos nos perjuros, nem refratários, como se nos argúi,
quando acudindo pelos nossos interesses, e salvação Pública da nossa Política
independência, proclamamos ora a convenção da nossa Assembleia Nacional
Luso-Brasileira, ou seja para completarmos a tarefa de nos constituirmos

2
Por extenso.
3
Do lado contrário.

788
solidamente em todas as partes, a que se estenda o Pacto Social; ou já para
fazermos as leis que nos convêm, segundo as nossas necessidades o houve-
rem de requerer. Porquanto com isso não queremos dizer, que repugnamos
adotar a Constituição de Portugal, como a princípio nos tínhamos compro-
metido; sub-rogando, e admitindo outra qualquer em lugar dela, como por
Exemplo a Espanhola, ou Inglesa (se é que os Ingleses têm Constituição) em
cujo caso somente, e sucedendo resilir a maior parte dos nossos Concidadãos
Brasileiros desta extemporânea novação, é que nos poderíamos considerar
perjuros, e refratários; mas isso mesmo seria em relação a esse maior número
de Dissidentes Brasileiros; e nunca a respeito dos Povos de Portugal, com os
quais não fizemos nenhum ajuste, nem menos celebramos algum trato de
lhes dar, e facultar a Administração Política do nosso País, sujeitando-nos
às Leis que eles nos quisesse ditar. Pois bem que as nossas Províncias, cada
uma a seu turno, principiassem a mandar os seus Representantes para a
Assembleia das Cortes do mesmo Portugal, em ordem a se constituírem com
eles em Câmara conjunta, não renunciaram todavia ao Direito de abraçarem,
e adotarem, qualquer outro meio de Representação, que deferisse ao mesmo
intento, independentemente desta voluntária missão dos seus Deputados às
ditas Cortes de Portugal, e Algarve.
Donde bem manifesto, e claro fica, que lhes não erramos aos mesmos
Povos de Portugal, nem em consciência, nem civilmente; ou, por outra, que
nem lhes somos perjuros, nem refratários; porque com eles não empenhamos
palavra por meio do nosso solene Juramento, que nos seja mister guardar-lhes,
como Cristãos, e Homens de Bem. Tudo quanto houve, e se passou nesse
Ato solene Político-Religioso, foi de recíproco interesse, e universal compro-
metimento dos nossos Concidadãos Brasileiros, uns com os outros: e com El
Rei, que se prestou aceder à expressão, e expansão da nossa vontade geral.
E contudo, o que nós aí juramos foi de adotar a mesma Constituição, ou
melhor, de nos constituirmos pela mesmas maneira que o fizessem os Povos
de Portugal, e Algarves. Ora a maneira por que estes se têm constituído;
ou se estão constituindo é por meio de uma só Câmara Nacional instalada
no seu próprio território, e composta de todos os Cidadãos de três Estados
indistintamente. E nós isso mesmo vamos fazer também, imitando-os exem-
plarmente, até no número de Deputados que eles têm estabelecido para a sua
Representação: Logo conclui-se; que vamos coerentes com o nosso Juramento,
e geral comprometimento de admitirmos a Constituição Luso-Europeia, ou
que procedemos a constituir-nos, pela mesma maneira, e forma, que tendem
a constituir-se os nosso Irmãos da Europa; que era, e é o nosso fim, e matéria
do nosso geral Comprometimento.

789
Porém, para mais convencer, admitamos mesmo a premissa negada,
e justamente negada, de que o nosso Juramento de adesão implícita à
Constituição de Portugal era de extensão tão ampla, que até nos obrigava a
sermos exclusivamente representados com os Deputados do mesmo Portugal
em uma única Câmara Ecumênica de Cortes, ainda assim não vejo onde esteja
o perjuro, ou infração de nosso Contrato Social, em adotarmos, e virmos ao
outro meio de uma Representação particular, e separada no nosso território,
segundo queremos, e temos proclamado.
É uma conclusão de princípios irrefragáveis de Direito Natural, a qual
se tem admitido, e redigido, como fundamento, e Base da Constituição pelas
mesmas Cortes de Portugal, e Algarves, que somente a uma Nação pertence
fazê-lo, e mudar a sua Constituição (Artigos 21, e 22 das Bases decretadas em
9 de Março de 1821). Ora concedamos de bom grado, que os nos tínhamos
reciprocamente comprometido por aquele nosso Juramento em questão a
constituir-nos em Câmara conjunta com os Povos de Portugal, e Algarves.
Como nós nesse caso meramente hipotético nada tínhamos tratado com
eles; e somente entre nós de assim obrarmos: segue-se, que podemos novar
livremente, e por nós mesmos esse contrato Social, em que conviemos; e que
podemos mudar de acordo sem sermos por isso tachados de menos sinceros;
ou estejamos, como ainda estamos, em caráter organizante; e com a mão na
obra, segundo vulgarmente se diz; ou ainda mesmo que já estivéramos em
caráter organizado; e com a nossa Constituição feita, e firmada; porque ao
fim podemos fazer a mesma Constituição, e mudá-la quando nos aprouver:
o ponto está que nessa medida sejamos concordes; porque a vontade geral é
a única regra no caso.
Segue-se portanto, que a ninguém temos feito, nem fazemos injúria em
nosso ulterior acordo, e mudança do meio prático de nos constituirmos, que
abertamente temos proclamando, e que os Povos de Portugal, e Algarves nada
têm de que queixar-se com justiça contra nós em aquilo que de Direito faze-
mos; e pelos mesmos princípios que eles o fazem, como tenho demonstrado.
Toda a solução do argumento está em que a novação seja, como
disse, conforme à expressão da vontade geral de todos os Compromitentes
Brasileiros, que primeiramente abraçaram a Causa, jurando aceder ao voto
Público da Regeneração Política da Monarquia Portuguesa, já emitido no
Reino de Portugal, e Algarves, parte integrante da mesma Monarquia; porque
sendo eles somente entre si os Contraentes do Pacto Social conteúdo em seu
solene juramento, extemporaneamente proclamado, sem nenhuma intervenção
dos outros Povos, que compõem a dita Monarquia; e tendo de mais o Direito
de Emancipação para obrarem, e procederem livre, e independentemente
nos negócios Políticos do seu País; mister é que todos os Compromitentes,

790
e Contraentes, sejam igualmente participantes da referida, e questionada
novação do Pacto, ou Contrato Social suposto em que figuramos a hipótese
de nos termos comprometido a fazer Câmara conjunta com os Portugueses
da Europa nas suas Cortes de Lisboa.
Mas para nos convencermos de que esta novação procede segundo a
vontade geral de todos os Compromitentes deste Reino; basta perguntar-se
somente a cada um Brasileiro de per si Vós qual quereis ter em Portugal as
vossas Cortes e o Assento do Poder Executivo supremo, ou no Brasil? Se meia
dúzia de homens houver em cada uma das nossas Províncias, que prefiram
a primeira parte da alternativa; eu de bom grado me voto a ser queimado
em perfeito Holocausto, para expiar os erros do meu eivado entendimento a
bel-prazer dos Portugueses da Europa; e de todos os Cismáticos-Políticos da
Causa do Brasil, para quem escrevo.
Porém ainda mesmo que muitos dos nossos Concidadãos não foram
acordes na medida que se há tomado; e que a meu ver não é, nem implicita-
mente ofensiva do juramento promissório que havemos dado; nada menos
do que isso embaraçaria a legitimidade do passo que temos avançado ao
dito respeito de nos fazermos representar no nosso País em Assembleia
própria; porque a coleção numérica desses dissidentes é no Cálculo Político
da Massa da Vontade geral o mesmo que são as quantidades fracionárias nas
computações Aritméticas, que se não atendem praticamente nos usos da vida.
Recapitulando pois as razões com que tenho sustentado a minha
patriótica tese de se o Brasil dever representar em sua Câmara especial de
Cortes direi:
I. Que isso não ofende ao nosso primitivo juramento, com que nos
comprometemos aderir à Causa de Portugal; proclamando a adoção de
uma igual Constituição no nosso Reino do Brasil; porque jurar de adotar a
mesma Constituição, não é jurar que não faremos Cortes especiais para nos
constituirmos; ou adotarmos a mesma Constituição, segundo for aplicável a
nossa situação Política física, e moral.
II. Que ainda quando tivéramos jurado de fazer a nossa Constituição
em Câmara conjunta, e Ecumênica com os Povos de Portugal, e Algarves, o
que se nega; porque tal não juramos; nem por isso menos nos competiria o
Direito, e legitimidade de nos representarmos, como vamos a fazer agora em
Câmara disjunta, e desgregada daqueles Povos: porquanto esse juramento
promissório de que se trata só foi solenizado pelos Brasileiros entre si, e
com El Rei, e não com os Povos de Portugal, e Algarves, que cá não tinham
procuradores entre nós para nos tomarem juramentos, ou receber estipu-
lações: com o que lhes não erramos em nosso procedimento, nem por eles
podemos ser tachados de perjuros, e refratários, como se aliás lhe tivéramos

791
jurado, e prometido expressamente alguma coisa, de cujo pacto resilíssemos;
sendo certo que o Distrate, ou Novação de um Contrato, qualquer que ele
seja, quando per accidens4 não respeite a terceiro só se faz, e somente pode
ser feita pelas próprias Partes Contratantes, como no caso controvertido
o são os Brasileiros; que querem, e podem de comum acordo vir em outro
ajuste de se fazerem representar, contrário a qualquer que primeiramente
tivessem abraçado.
III. E finalmente; porque suposto não houvesse para esta novação a
expressão total da vontade geral manifestada explicitamente; é bastante a
presuntiva das Províncias não ouvidas ainda; por ser conatural aos habitan-
tes de qualquer País o interesse de manterem a Dignidade, e Independência
do seu território; sendo por isso, e devendo-se reputar aprovado de todas as
Províncias Brasileiras o procedimento que há tido a nossa em romper o passo
de uma hesitação perigosa à Causa Pública deste Reino; enquanto as outras
explicitamente não manifestarem a sua desaprovação; não obstante o despra-
zer, ou contrário sentimento de alguns Dissidentes que nunca faltam em todo
e qualquer assunto da Opinião; por dever esta divergência ser considerada
em relação à Massa da vontade geral; como as quantidades fracionárias o
são nos grandes cálculos aritméticos; as quais praticamente se não atendem-
-nos usos da vida.

2. ARGUMENTO.

O Governo procede de má-fé, e quer tirar partido da nossa divergência,


ou novação em nos representarmos separadamente dos Povos de Portugal, e
Algarves. É impolítica portanto, e indiscreta a convocação de uma Assembleia
Nacional Brasileira na época presente, antes de estar consolidado inteiramente
o Sistema Constitucional; principalmente se atendermos, que as Províncias
se não acham unidas, e de acordo, ao qual não é de esperar que venham por
falta de confiança no mesmo Governo.
Respondi, e respondo, que não estava eu, assim como não estou ainda
agora em estado de conceder, ou negar a primeira proposição. Eu nunca,
nem uma só vez falei a Sua Alteza Real; e lhe sou portanto um Cidadão
inteiramente desconhecido. O mesmo digo dos seus Ministros, à exceção do
Excelentíssimo Senhor Montenegro, a quem por duas vezes tenho visitado
de cumprimento, em razão de haver ele servido em Repartição, onde tenho
um mesquinho Emprego subalterno. Dos mais até nem de vista conheço
alguns. Não sei, portanto quais são os seus sentimentos Políticos, nem qual

4
Por acaso.

792
seja o seu caráter; porque até lhes desconheço os validos, se algum os tem;
os quais por serem de ordinário perfeitos ecos das pessoas com que privam;
constituem alguma coisa de contraste da opinião que aqueles seguem, ainda
que muito recatada seja.
Consequentemente, dizia eu, nem posso negar, nem conceder em tuta
consciência a premissa; mas para ir com o argumento avante; usemos, como
cumpre em boa Dialética do transeat5 salutar dos Escolásticos; que vale tanto
em bom Português, como dizer, que admito ao meu arguente, ou adversário
a proposição por ele enunciada; mas em ordem somente a tirar contra ele
a ilação; sem contudo conceder a mesma proposição, ou por falsa, ou por
duvidosa. Segue-se portanto, continuava eu, segue-se portanto daí, que nos
não devemos arriscar ao passo de convocar a nossa Assembleia territorial?...
Nego a consequência.
Que nos importa a nós que o Ministério tenha, ou não tenha vistas sinis-
tras na convocação da nossa Assembleia Nacional Brasileira, para deixarmos
por isso abraçarmos, e aplaudirmos a sua instalação?... Somos nós crianças
que tenhamos medo de Cocos de gentes que têm tenção de nos malfazer?
Não certamente. E se o Ministério restituindo-nos; ou facilitando-nos os
meios, e formas, porque se a Liberdade civil dos Povos consolida contra as
agressões do Despotismo, e de outros Governos anômalos, e excêntricos da
nossa comum Prosperidade, quer-nos fazer mal, que diríamos então daqueles
que nos negasse esse meio único de havermos a mesma Liberdade Civil? Isso
me parece, dizia eu, conclusão de Esbirro, que prende por ter cão; e prende
pelo não ter.
Homem, certo não sou eu agora, que faça da lisonja merecimento; e
que por tal tome oposto de orador, ou Apologista do Ministério; pois tão
longe estou de adular a nenhum Ministro de Estado, nem de qualquer outro
predicamento que seja, como longe estou de me fazer Mouro por devoção à
Mafamede: e apelo para os que bem conhecem a austeridade dos meus costu-
mes. Bem pode ser que não seja isso em mim virtude; mas seja embora força de
gênio, que me não permite fazer gabos daquilo que internamente desaprovo.
Voltando pois ao argumento, perguntava eu, os Ministros de Estado,
ou os seus Mandatários são os que hão de subir às Tribunas Oratórias, para
advogar a Causa do Brasil na nova Assembleia que se convoca? Não. Ao menos
não têm eles certeza, nem a podem ter de que tal aconteça: e quando por acaso
aconteça, não formam eles sós a Assembleia, que ora deve ser composta de
Cem Cidadãos de qualidades requisitas, que não excluem nenhum Brasileiro,
nem Europeu compatriota, que possa advogar a mesma Causa. E então já se

5
Passe, que seja.

793
sabe que todos os outros Deputados hão de ser autômatos, que nada hão de
fazer por si, e em prol dos seus deveres?
Mas o Ministério, se me insta, pode influir na nomeação dos Deputados.
Devagar, tornava eu, se alguma coisa pode influir o Ministério nessa nomea-
ção, o que duvido, e duvido muito, é só dentro dos limites da Província do
Rio de Janeiro; pois nas outras podemos avançar sem dúvida nenhuma, que é
um impossível moral; pois o negócio é principiado, e acabado em toda a sua
extensão, segundo ultimamente está disposto, pelas Câmaras dos Distritos;
e estas Câmaras não são compostas de homens válidos do Ministério, nem
menos podem ser influídos pelos Governos das respectivas Províncias; porque
todos esses Governos hoje são populares, quero dizer, composto por Cidadãos
da escolha, e eleição do Povo; com o que creio firmemente, que se tem já dado
a este assunto toda a latitude de Liberdade, e franqueza de que é suscetível; de
maneira, que se não pode conceder sem absurdo, que possam ser nomeados
para Deputados das Províncias pessoas certas, e indicadas de tão remontada
distância do Centro do Governo tentador.
Ora a Província do Rio de Janeiro deve dar somente oito Deputados; e a
diferença para cem, são noventa e dois; em cuja nomeação se não pode supor
sem absurdo prático, que possa influir o Governo. E então estes noventa e
dois, em cuja nomeação não pode influir o Governo, serão todos eletrizados
do mau gênio Ministerial, de que gratuitamente se supõem tocados os oito
desta Província; somente pelo simples ato de tomarem assento em as Cortes
ao pé deles?
Isto é mais do que estar sofismando contra a verdade. Sejamos porém
indulgentes com os fracos, dizia eu: o Ministério, sim tem vistas de tirar partido
da nossa Política divergência respeito à Representação em Câmara separada
das Cortes de Portugal; e por isso se afana pela via da boa causa; porque
leva seu interesse sinistro no caso: Sim Senhor, continuava eu, admitir-lhe-ei
a hipótese com o transeat dos Escolásticos: e respondo que também muita
gente tenho eu conhecido que com hipócrita caridade filha da ambição, se
erigiram enfermeiros de ricos usuários com o bom fito de lhes empolgarem a
herança da recheada Burra; e afinal malograram-se tantas noites desveladas,
porque o doente convalesceu da sua natural fraqueza com os caldos que a
ambição alheia lhe prestara, recebendo utilmente pelo amor de Deus, e ofício
de Amizade aquilo que aliás só era o preço da esperança de um refinado
egoísmo. Isto entendesse bem, e não há mister comento.
Com que meu Senhor, ou Senhores, ainda prosseguia eu, quem assim
discorre não tem nenhuma ideia do que são Assembleias Populares nos
Governos representativos Constitucionais. Nada há tão respeitável nas
Sociedades humanas. A voz de um Deputado que da Tribuna oratória diz – a

794
Pátria esta em perigo – é mais medonha, que o estampido do trovão; e tudo
estremece com ela.
Quando pois os sujeitos, que compõem o atual Ministério tiveram
menos saber, e moralidade, do que cuido se lhes supõem, não seriam nunca
tão estúpidos, e improvidentes como crianças, para se a si capacitarem que
alguma coisa fariam contra os verdadeiros interesses do Brasil, promovendo
a junção de todos os Deputados das suas Províncias em uma Câmara geral.
A História das Revoluções Políticas os teria desenganado do perigo que lhes
correria em tal medida se tomar; e antes a desviariam, do que se afanariam
por ela ir avante mais ativo nisso queria eu o mesmo Ministério; e que embora
tivera as tenções que quisesse. Com que, a suspeita em semelhante matéria é
pueril, cheira à discórdia e tende a nossa ruína; que faz perplexos, e irresolutos
os povos, motivando um Cisma, que pode degenerar em frações e partidos
de funestas reações.
Quanto à adesão das Províncias porém, nada há tão fútil, e inconse-
quente, como dizer-se, que elas se não hão de unir; porque se não tem unido
até agora. Isso é o mesmo que dizer, que as Províncias do Brasil são possuídas
do espírito de divergência contrário ao sistema Continental do mesmo Brasil,
ou Amor conatural ao Homem de dar-se aquela importância, e dignidade,
que de Direito compete a sua situação, ou seja na vida privada; ou na civil,
e Política; e que por uma má inveja, ou ódio recíproco de umas para com
as outras, querem antes engrossar, e avultar a representação, e consideração
Política dos outros Povos, do que fazerem-se per si mesmas ricas, grandes,
e opulentas.
As Províncias não se uniam logo de princípio de comum acordo
sob a Regência de Sua Alteza Real; porque lhes faltava o Paládio de uma
Representação no Brasil, sob cuja salvaguarda se mantivessem em a perfeita
Liberdade civil, que havia adquirido, acedendo ao voto geral da Nação, que
havia proclamado a reivindicação dos seus Direitos; erigindo-se uma Câmara
Representativa em Portugal por parte dos Povos daquele Reino; que prometia a
mesma salvaguarda. Se no começo dos nossos trabalhos Políticos concernentes
à mesma Regeneração, que posteriormente proclamamos, se fizera aquilo,
que eu sempre disse desde 26 de Fevereiro do ano passado, e depois escrevi,
e publiquei em Dezembro do mesmo ano: ou se o Sr. Luiz Nicolau, Deputado
por esta Província tivera reduzido a projeto, e apresentado nas Cortes de
Portugal uma indicação, que ao dito respeito lhe comuniquei aqui antes da
sua partida em sucintos apontamentos, já há muito teria cessado a divergên-
cia das Províncias do Brasil; porque, ou a bel-prazer das Cortes de Portugal,
ou a seu despeito, se teria convocado uma Assembleia Legislativa no nosso
País; a qual concentrando a Representação dos Povos deste Continente, teria

795
presas em vínculo indissolúvel de recíproco interesse as mesmas Províncias,
e contraporia uma fronteira de ferro impenetrável a todos os ataques de
nossos Direitos, que porventura viessem do despotismo, ou se pudessem
disfarçar na Constituição que se ia a fazer em Câmara Ecumênica de todos
os Representantes da Nação, em Portugal; pois talvez declarássemos, como
cumpria, que a dita Constituição só haveria o seu devido efeito nos artigos
especialmente relativos ao nosso Reino, depois que o Corpo Legislativo aqui
instalado debatesse a cada um deles a questão, se era, ou não adotável; pois
que isso em nada ofendia o Pacto Social da Deliberação Ecumênica a Nação,
pela regra de que o Direito de fazer, e alterar a sua Constituição, é um Direito
dos Povos livres, e emancipados Politicamente, como nós somos: de sorte
que naquilo que respeita exclusivamente ao Brasil não temos dependência de
ninguém, para nos Constituirmos; digo naquilo que respeita exclusivamente no
Brasil; como por exemplo o que respeita a Africanos libertos, raças cruzadas,
indígenas selvagens, etc; porque artigos haveriam que, posto pertencessem ao
Brasil; não poderiam todavia ser alterados pela sua Representação especial;
por terem nexo, e ligação com outros de interesse comum com os Povos, com
os quais nos havíamos constituído; cujo pacto social era mister respeitar por
salvarmos o incurso da censura de refratários.
Portanto, meu Senhor, continuava eu com o meu arguente, a instância
não procede, porque labora no vício de non causa pro causa na frase dos
Dialéticos. As Províncias não deixaram de unir-se por espírito de divergên-
cia do centro Político da Regência de Sua Alteza Real, mas sim porque essa
Regência estava desacompanhada do Paládio da Liberdade que só está, e
só deve estar na Representação dos Povos; e esta Representação só existia
em Portugal. Obraram nisso a meu ver o que deviam; e agora em se unirem
fazem aquilo que devem. São diversas as circunstâncias, diversos devem ser
os resultados. Os Homens não são pedras com Leis fixas, e invariáveis de sua
inércia: são entes livres, cuja vontade varia segundo o vario impulso de seus
interesses graduados pela escala de um futuro mais, ou menos esperançoso,
o que se me não pode negar.
Uma Regência, ou Centro do Poder Executivo no Brasil desacompanhado
da Representação de um Corpo Legislativo no mesmo território; era, e será
sempre uma meia medida em Política de consequências desastrosas, tanto para
a Nação em geral, como para a Casa Reinante. Nem é necessária muita pers-
picácia para conhecer o seu vício. Um Representante, ou Delegado do Poder
Executivo, com uma Massa de Autoridade, e Representação extensivamente
maior do que aquela que exerce o próprio Imperante, ou Chefe da Nação,
qual vem a ser o Regente do vasto, rico, e opulento Brasil em comparação
do marasmódico Portugal; sem o contrapeso Político de uma Representação

796
Popular que sustente e mantenha o equilíbrio das suas oscilações em duas
mil léguas de distância, que cobre um vasto oceano, é incompatível com a
Liberdade prática dos Povos, e a Felicidade destes não consiste em Liberdade
puramente teórica, e ideal.
A pelo vem aqui por ilustração desta minha resposta, o que de certo
Governador de Província conta o Abade Raynal, o qual querendo fazer uma
violência governativa, e observando-lhe um amigo, ou confidente (porque
Governos despóticos não têm amigos) que a sua intenção era contra a Lei
de Deus; e ordens de seu Amo, respondeu com toda energia do seu mau
coração – Deus está mui alto, o Imperador está mui longe; e aqui sou eu
Senhor – Isto entende-se bem; mas todo aquele que houver mister de ser mais
instruído na tese, leia a história dos Governadores do nosso mesmo Brasil, e
outros Mandões da escassa fama, que cá se fizeram célebres por suas Verrinas
extorsões, e toda a casta de opressões, que até devemos esquecer; porque nos
não sirva de injúria à memória do passado sofrimento; e então me dirá, se
a distância de duas mil léguas do Poder Legislativo, e Executivo têm ou não
têm a virtude de tornar despótico todo, e qualquer Governo que seja o Brasil
naquela hipótese.
Mas isto não é tudo: e para concluir segundo acima me expressei,
defendendo as Províncias; porque até aqui não acederam todas ao sistema
continental do mesmo Brasil; e defendendo-as agora no fato de se elas coli-
garem, e acederem ao mesmo sistema como é de supor, digo, como dizia,
que a meia medida de uma Delegação absoluta do Executivo no nosso País.
Sem a cooperação de uma Assembleia de Representação Popular reunida em
seu devido turno no mesmo território a qual medida tanto encantou a alguns
menos prudentes de acontecimentos futuros, e tornou todavia cismáticas as
Províncias, era até impolítica e perigosa para a integridade da Monarquia,
prescindindo mesmo do vício contrário à Liberdade dos Povos regidos:
porque recaindo per accidens essa Delegação, como agora recai, no Herdeiro
presuntivo da Coroa, tudo irá bem, ou menos mal a este respeito; porque a
integridade da mesma Monarquia está ligada, e intimamente conexa com os
seus interesses de sucessão pessoal em todos os Reinos, de que ela se compõem:
mas se ao contrário fortuitamente recair em um Infante, ou outra qualquer
Personagem: que perigo não corre a Causa Pública nas intrigas da ambição?
Ah! Ninguém que deseje deveras a salvação da nossa Dignidade Nacional,
ninguém, digo, pode negar que o único meio de salvar-se Portugal, e salvar-se
o Brasil é a instalação de duas Câmaras, ou Representações; uma em cada
Reino: a fim de cá, e lá, ficarem perfeitamente equilibrados os Poderes. Os
que negam esta conclusão não são cismáticos de entendimento, são cismá-
ticos de má-fé, e nisto estou. As Províncias portanto obraram o que deviam

797
quando a princípio sobrestiveram na acessão ao sistema: agora fazem o que
devem, quando francamente acedem. No primeiro caso divergiam para o
sistema Europeu: porque na Europa é o que viam o Paládio de sua Liberdade:
agora retrocederam, ou declinaram justamente para o sistema continental do
Brasil; porque nisto procedem sob a salvaguarda de uma Representação mais
conveniente a sua Dignidade, e à Dignidade da Nação em geral.
Recapitulando pois todas as minhas razões dadas a este argumento,
concluía eu e concluo ainda agora, que nos não devemos arreceiar de nenhum
mal em se a Assembleia Luso Brasileira instalar no nosso território, como
temos proclamado, e requerido; e se acha decretado pelo governo; por ser essa
a vontade geral em parte expressa; e em parte presuntiva das Províncias do
Brasil segundo o feito assenta em seu sentimento natural de adesão implícita,
que todo o Cidadão tem à Causa do seu interesse; ainda que seja de menor
monta que aquele que lhe traz cômodos pessoas, dignidades, e glória Política
ao seu País; como na verdade é o sermos representados, e havermos a Lei
ditada pelos nossos Conterrâneos, sem nenhum mistura de outros Povos,
que têm diversos interesses da própria Pátria, que os afetam e tocam de mais
perto; e talvez estão em contradição com os nossos; convindo nisso pelas
seguintes posições:
I. Porque ainda na hipótese admitida, e que eu de todo o coração
nego, como inconsequente, de o Governo se não prestar de boa-fé: e só com
vistas particulares a esta medida, deve ela todavia ser abraçada com toda a
franqueza: e fortaleza de ânimo pelos Brasileiros; porque todas, e quaisquer
sinistras intenções, que gratuitamente se possam supor no mesmo Governo,
vêm a ser impotentes, e sem sucesso na presença da uma Assembleia respei-
tável, que se vai investir da Soberania, para ditar a Lei, e elevar o Brasil aos
augustos Destinos para que a Providência o criara, colocado em uma posição
marítima sobranceira ao Atlântico; e de universal correspondência com todas
as Nações do Universo.
II. Porque as Províncias, que até agora têm parecido Cismáticas, ou
Divergentes, e que só o foram justamente por lhes faltar a devida garantia da
Liberdade Civil em se sujeitarem à Regência de Sua Alteza Real, acorrerão
imediatamente à causa Pública do Sistema Continental do Brasil, uma vez que
vejam instalada uma Assembleia, e Representação, que lhes assegura a susten-
tação dos seus imprescritíveis Direitos contra as usurpações do Despotismo
antigo, e dominação oligárquica das Cortes de Portugal, de que estão todas
as mesmas Províncias perfeitamente desgostosas, como se sabe, e era de
presumir, pois ninguém de fato é tão servil, ou escravo, que positivamente o
queira ser, seja de quem for.

798
3. ARGUMENTO.

O Brasil não tem ainda sujeitos acondicionados, e suficientes para se


encarregarem de trabalhos Políticos, que são da atribuição de uma Assembleia
Constituinte legislativa; e o gênio dos seus Habitantes é por hábito mais
propenso à sujeição do Governo despótico, com que foi criado, do que às
formas liberais, cujos benefícios não conhecem: e de mais são perdidos por
honras de brilho. Em o Governo lhes acenando, ou negaceando com Mercês:
lá vão os interesses da Causa Pública, e prevalece o Despotismo antigo.
Respondi; e respondo: Que este argumento apenas sofre ser tratado entre
dois Brasileiros em toda a franqueza de uma conversação familiar; porque
se fora de Europeu para Brasileiros, certo não mereceria resposta; por ser
argumento ad hominem; que além de não concluir em boa Lógica, é demais
ofensivo do Caráter de um Povo culto; cujos costumes merecem outro conceito;
porque tem vícios, e virtudes, como todos os outros Povos.
Encetando porém a teia da disputa, digo, que posso retorquir a primeira
parte do argumento contra a tese, que se nele enuncia; e dou a razão.
A Ciência chamada Política sempre foi de tão rigoroso Contrabando
Literário em Portugal, como no Brasil. Todo o Mundo que tem lido Índices
Expurgatórios de Inquisidores, e Mandões, que por séculos assoberbaram a
nossa cansada paciência, sabe mui bem, que pouco mais do que vidas apócrifas
de Santos, e patranhas de Mata-mouros historiadas, era-nos permitido ler,
tanto lá, como cá; e que ainda não há muitas dúzias de anos: que ali, bem
como aqui, passava por livro suspeito de ideias liberais, a que chamavam
revolucionários toda e qualquer brochura principalmente em língua Francesa,
que se nos visse entre as mãos; ainda que outra coisa não contivesse porventura
mais, que a Novela dos Amores inocentes de dois Selvagens.
As ideias de Direito Público, que vogavam na Universidade de Coimbra,
eram piores, e mais ruinosas do que a perfeita ignorância do mesmo Direito,
pela razão, ou Cânon de boa Lógica, que é melhor não ter nenhumas ideias
das Coisas, do que tê-las falsas, e erradas: pois com pasmo, e a despeito da
razão humana, e das luzes do século, aí sempre se ensinou publicamente o
absurdo Teológico erigido em Dogma Político, que o Poder dos Reis vinha
imediatamente de Deus, o que entre nós outros Portugueses, suposto pudesse
ser doutrina de boa avença lá para o Século dos Afonsinhos, que se honravam
dos prestígios misteriosos da aparição de Cristo a Dom Afonso Henriques,
primeiro Rei de Portugal; era ora todavia depois do ano de 1640 doutrina
revoltante da Razão; ofensiva da dignidade, e mérito de um Povo livre, de
cujas mãos recebera a Coroa gratuitamente o tronco da Casa Reinante o

799
Senhor Dom João IV, antes Duque de Bragança; constando como consta
pela História da Aclamação deste Rei, que bem escrevera o ingênuo Conde
de Ericeira Dom Luiz de Menezes; que todo o seu bom feito para se Portugal
declarar independente da Dominação de Espanha, fora aceitar os votos da
Nação, que da Tapada de Vila Viçosa o arrancou, para o assentar no Trono:
onde, assentado que foi, intitulou-se logo Rei por Graça de Deus; não obstante
que pela História do dia fosse a todos manifesto não ter intervindo em sua
inauguração coisa que tivesse cheiro de celestial; nem ainda os Santos Óleos
do Papa, que por muitos anos duvidou da missão Divina do mesmo Rei, que
assim se inculcava; negando, como negou as suas Bulas ao mesmo Portugal;
o qual tendo por esta vez mais confiança em o brio, e valor de seus naturais,
do que em prestígios de mistérios Políticos derrotou os Espanhóis, e fez com
que o Papa acedesse à boa Causa, pela regra que Deus sempre se põe da parte
de quem vence nos casos em que é mister justificar procedimentos Políticos.
Donde muita gente assim Estrangeiros, como ainda mesmo Nacionais,
motejavam da ignorância do mesmo Portugal; e todos haviam firmemente,
que não era possível que se a Nação Regenerasse por falta de luzes. Mas
quando chegou o dia fatal, e se [proclamaram] seus Direitos esquecidos por
um longo trato de Séculos de Dominação Despótica, cada qual trouxe à
feira [da] Assembleia Representativa o bem guardado Haver da Ciência, que
industrioso Contrabando Literário houvera pelo comércio com as Imprensas
dos Países livres; e fazendo do mesmo Haver científico o uso até aí vedado;
mostraram à Nação; e ao Mundo, que o seu silêncio, e inércia antecedente,
não era argumento de não saber.
Com que, continuava eu, respeito a conhecimentos Políticos, que é onde
frisa o ponto da questão principalmente, é mui falha, e prematura a hipó-
tese, com que ex adverso se nos quer acusar insuficiência para advogarmos
por nós mesmos a Causa da Liberdade; porque com o mesmo fundamento,
e igual motivo, reputavam-se os Povos de Portugal por incapazes de ação,
para reagirem contra o Despotismo, dando-se, como se deram a si mesmos
um Governo Representativo Constitucional; e contudo outro foi o efeito,
que desmentiu a mesma idêntica hipótese. E como quer que no Brasil hajam
também homens de talento, cujo espírito refletido, e concentrado não desde-
nha o comércio, e lição dos Sábios, e Mestres do verdadeiro Direito Público,
que nasceu com as Sociedades Humanas, deve-se igualmente conceder, que
com a instalação da Assembleia Representativa no nosso País aparecerão os
gênios que a má estrela da terra, em que nasceram reprimiu, e sufocou, até
que despontasse a Aurora da Liberdade, que afugentando o negro bando de
estúpidos Mandões, filhos das trevas, abrisse o passo ao talento, e à virtude;

800
sublimando o mérito à ordem, e dignidade que lhe compete sobre as ruínas
do vício, e da ignorância.
Mas se de Conhecimentos Políticos passamos a levantar paralelo entre
Portugal, e o Brasil a respeito dos outros, que por qualquer via se possam
reputar subsidiários da grande Causa, em que é mister a reunião de aptos
Colaboradores, não é tanta, e tão grande a diferença, que nos cause pejo e a
nossa suposta ignorância.
O Brasil não tem uma Universidade, é certa a lástima; mas o estado de
relaxação, em que há muitos anos se acha a única que tem Portugal; a falta
de Cadeiras complementares de um Sistema perfeito de todas as Doutrinas
Científicas há muito vulgarizadas entre as outras Nações cultas da Europa;
o mau método porque se aí estudam, ou ensinam as doutrinas recebidas: a
imérita colação dos Graus Acadêmicos a alunos perfeitamente ignorantes,
que a desonram, tudo, tudo lhe dá tão pouco que merecer de Superioridade
sobre nós, ou sobre a nossa condição, que quase lhe não devemos invejar esse
aparatoso Trem Literário, com que nos inculca a ciência, e aptidão dos seus
Escolares em grossos defumados pergaminhos de Selo pendente; os quais são
em regra no meu fraco entender tão boa prova dos conhecimentos, e suficiência
Literária dos seus Graduados (salvas as exceções de talento aliás qualificado),
como são prova de Nobreza e alta Genealogia aqueles que em nossos dias
vemos apropriar os Reis de Armas a fofos Pelões endinheirados, que não se
pejam de negar em Público os honrados obscuros Avós, de que nasceram.
Além de que, a Ciência é patrimônio exclusivo do Gênio, que com
sério estudo se aplica à indagação da verdade pelo comércio daqueles, que
nessa tarefa nos antecederam, e cujas luzes aproveitamos. O meio de se essas
luzes propagarem em aparatosas, e magníficas Academias, ou em humildes
obscuras Aulas; ou já pelos indefessos trabalhos de um continuado estudo
doméstico, é indiferente ao fim de se o homem constituir Sábio. O ponto está,
que não seja a natureza com ele escassa como com muitos o tem sido, que
nunca puderam compreender suficientemente, que o todo é maior que a sua
parte; e que todavia nos vendem importância, e nos dão sentenças: Louvado
Deus para sempre.
Mas concedendo mesmo de bom grado que muitas vantagens nos levas-
sem no saber os nossos naturais de Portugal, nem por isso menos se poderiam
reputar melhormente acondicionados para nos darem a Lei ao Brasil, do que
nós em verdade para isso o somos; posto que de espírito em geral menos
cultivado. Uma Lei é um remédio moral, que tende a evitar um mal, ou a
promover um bem na Sociedade. Quem esse mal não alcança, quem esse
bem não conhece; porque o não pode conhecer, certo impossibilitado está
de fazer a Lei que na prática se requer. Teorias não são Leis, nem o podem

801
ser, por mais apuradas que sejam. Belas conclusões teóricas são as mais das
vezes erros práticos. De bobus narrat Arator.6
E de mais se os trabalhos Políticos já feitos em Portugal são os que nos
levam tanto à primazia a favor dos Europeus no argumento que se me faz,
prosseguia eu, certo não é a Constituição, que se ora lá trabalhava, e cujo
Projeto, e Debates temos visto, certo, digo, não é ela obra pela qual se meça
a estatura dos Conhecimentos Políticos dos seus ilustres Colaboradores; por
muito mérito Literário que se lhes suponha: pois bem sabemos nós, que não
é a mesma Constituição feita de invento próprio. Facile est inventis addere.7
Tiveram os mesmos Colaboradores o tipo da Constituição Espanhola. Os
Espanhóis também acharam modelos entre os Franceses, para se constituírem
condignamente, e os franceses tiraram da Constituição dos Estados Unidos da
América (que é a Gramática das Constituições modernas, como lhe chama o
humaníssimo Thomas Penn) os princípios elementares, com que traçaram o
grande edifício da sua Liberdade, que desastrosos acontecimentos de ambição
estranha infelizmente malograram.
E segundo não temos nós outra tarefa mais, do que adotarmos a
Constituição Portuguesa, que juramos, acomodando-a às nossas circuns-
tâncias Política, creio que não há para que ter receio da fraqueza, ou menos
suficiência do nosso Discurso para se isso fazer em termos: Mestres de obra
feita nunca faltam: e ainda mal às vezes.
Quanto ao hábito que no argumento se supõe ter identificado os
Brasileiros com o Governo despótico, é hipótese gratuita; que não convence.
O Povo em regra é amante da novidade, principalmente em Política, digam lá
o que disserem, e o do Brasil não é exceção dessa regra. Poderá este ainda, não
duvido, sujeitar-se ao Despotismo; porque muito mais ilustrado, e amante da
Liberdade era o Povo Francês; e todavia, viu com ciência, e paciência erguer-se
sobre as ruínas da sua nascente República, cujos cimentos estavam argamassa-
dos com o sangue da Casa dos Bourbons, o medonho e tremendo espectro de
um novo Despotismo traçado, e sustentado pelo primeiro Cônsul da mesma
República; mas isso foi depois de percorrido o círculo das vicissitudes, porque
de necessidade devem passar as novas formas de Governo instaladas, cujo
movimento nunca é retrógrado, mas sim continuado, e periódico, em maior,
ou menor espaço de tempo, segundo é mais ou menos acelerado, e retardado
pelos encontros de circunstâncias favoráveis, ou contrárias ao seu andamento.
E vindo finalmente às fantasias que se imputam aos Brasileiros de amarem
as honras de brilho; por que segundo se diz, são eles perdidos, digo, que é

6
[O marinheiro entende dos ventos,] o lavrador entende dos bois. N. T.: Provérbio.
7
É fácil acrescentar ao que já foi inventado.

802
isso uma generalidade, de tão pouca força, como são todas as mais, com que
queremos argumentar [contra] casos práticos.
Todos os homens amam as honras, e as riquezas por via de regra; nisso
seguem uma propensão natural para o seu Bem, esse que parece aumentar-
-se, ao menos aparentemente, à proporção da consideração, que a cada um
trazem na Sociedade as mesmas honras e riquezas; mas nem por isso são todos
sobremodo ambiciosos e avarentos.
A História do Gênero Humano está recheada de fatos, e anedotas de
Homens que prostituíram a Causa da sua Pátria ao seu próprio interesse; assim
como de outros que prefeririam a nobre consciência da sua virtude a todos
os atrativos do vício. O Homem é sempre homem, quero dizer, que o vício
ou a virtude separadamente não é propriedade exclusiva de nenhum Povo*.
O homem atrabalhado pela indigência não procura honras; procura que
comer: aquele que tem propriedade de que viva ambiciona necessariamente
as honras.
Daqui vem que os nossos primeiros Pais Europeus, que ao nosso País
chegaram em estado de pobreza, pareciam menos ambiciosos que os filhos
que deles nasceram; porque sendo todo o fito daqueles haver patrimônio; que
não tinham, pareciam menos prezar as honras, que os filhos aliás procuravam,
por já estarem providos de convinhável subsistência. Não era portanto caráter
especial do País em que nasceram os primeiros o não curar de honras; nem
menos é exclusivo dos segundos o procurá-las avidamente. É o encontro de
diversas paixões, quem faz equívoco o procedimento dos Europeus no nosso
País, na primeira idade, em que elas são motoras das nossas ações: não são
ambiciosos porque são avaros: e é isso tanto assim que aqueles que cá se
tornaram logo ricos, e opulentos: foram sempre igualmente ávidos de honras,
que os filhos do País.
Recapitulando pois o meu dizer em solução do argumento proposto,
concluía eu, não devemos recear que à falta de suficiência assim Literária,
como moral dos nossos Conterrâneos haja de perigar a Causa Pública da nossa
Representação Política exclusiva; que se tem proclamado, e se vai instalar,
I. Porque essa mesma falta de suficiência Literária, que agora se nos
supõem, já outrora se supôs em Portugal; e todavia, outro foi resultado do
que se esperava, quando o dia fatal lhe bateu à porta, não se devendo a nós
tocar pior sorte, por ser como é, certo, que cá, e lá correram sempre os estudos
Políticos por conta do gênio recolhido consigo mesmo; por estarem em oposi-
ção como o falso credo do irracional princípio de que o Poder dos Reis lhes
vinha imediatamente de Deus; como se ensinava em Público: não nos devendo

*
Natura semper sibi consona. [A natureza está sempre em harmonia consigo mesma]

803
pejar aliás também a nossa presumida ignorância nos outros ramos de saber
em comparação do mesmo Portugal porque este infelizmente pouco mais
avança que o Brasil em Instituições Literárias, que avultem a sua civilização;
tendo apenas uma única Universidade, que só o é no nome; por ser dimi-
nuto em o número completo de Escolas elementares, que cumpre ter, para
preencher a sua denominação, e destino; e mui relaxada no ensino das outras
que já tem; de sorte que mais Servem de asselar pergaminhos à impostura,
e ignorância dos seus Escolares do que dar-lhes verdadeiros, e convenientes
elementos de depurado saber em qualquer das doutrinas que se aí cultivam;
se a este respeito não falha a prova dos seus Graduados, que hei conhecido,
perfeitamente ignorantes das ideias mais correntes, e vulgares entre sujeitos
de espírito formado.
II. Porque as generalidades, com que se acusam os Brasileiros de habi-
tuados ao Despotismo, e perdidos por honras de brilho, não podem fazer
argumento de convencer; porque contêm, se não um sofisma, ao menos um
mui claro paralogismo, enquanto confundindo-se irracionalmente a parte com
o todo, se apropria inconcludentemente a um grande Povo inteiro o defeito de
alguns dos seus naturais, sem nenhuma conta fazer com o mérito de outros,
possuídos de verdadeiro Patriotismo; e caráter firme.
Tais foram, Senhores Redatores, os principais argumentos a que tive de
responder contra os adversários da minha opinião, que francamente manifestei
naquela minha Carta que a V. dirigi; deixando outros, que me pareceram,
nem merecer a honra da disputa, quanto mais de serem repetidos, e contes-
tados por escrito.
Se não consegui convencer realmente, ao menos aparentemente se me
deram todos por convencidos, quando a cada um dos argumentos, e no fim
deles rematava eu a disputa com esta pergunta – E se acontecer, como pode
acontecer, que Portugal sofra uma Contrarrevolução, e que haja de sucumbir,
ou reagir contra ela por meio de uma guerra Civil; qual deve ser a sorte do
Brasil!... Sucumbir ao Despotismo?. Sofrer também uma guerra Civil?... E
com que necessidade se há de ele expor a essa contingência de participar no
seu território das Concussões Políticas acontecidas lá em outro Hemisfério,
podendo conservar-se em uma posição forte, e respeitável por natureza contra
todos os movimentos Políticos das outras partes da Monarquia, uma vez que
tenha a sua Representação no próprio território como cumpre?
Adeus, Senhores Redatores; Recomendem-me V... no seu Periódico a
todos os cismáticos Políticos do Brasil, que eu por divergência de opiniões
não fico mal com ninguém; pois não conheço outros inimigos se não os velha-
cos, e de má-fé, ou sejam da minha opinião, ou sejam da dos outros; porque

804
sempre professei, e professarei o Credo da Honra, segundo o qual, protesto
ser eternamente Amigo da minha Pátria, porém nunca deixando de ser
O Amigo da Razão.
Rio, 30 de Julho de 1822.

* Nota. Certo Bacharel conimbricense que servia um Lugar de Juiz de


Fora, tendo de passar uma Atestação oficiosa, que eu li, a sujeito que lhe pedira
para provar capacidade pessoal, depois de um aranzel de todos os ofícios, ou
Empregos, que em Lugarejos são exercitados pelo Juiz único territorial, e que
não vinham ali ao caso, se não por grosseira pueril impostura, principiava
assim a sua Autêntica: – Atesto por este meu Alvará –, e no fim rematava,
jurando pelo seu Grau!.. Que ideias tinha esta pobre criatura do que é Alvará,
e do que é juramento!.. Bem pode ser, que no segundo caso falasse por elipse,
e quisesse dizer pelo juramento do seu Grau; mas como esse juramento não é
água de Alecrim de Curandeiros, que sirva para tudo; estamos na mesma; e
era parvoíce, que não devia sair nunca da boca de um Legista, que tem ideias
de fórmulas pertencentes ao seu ofício.
De outro sei eu, e esse era doutorado em Cânones, que tendo de comun-
gar pela Páscoa em outro Lugarejo, tomou o Capelo; e com ele mui fresco, e
cheio de si foi comungar; como se a Comunhão fora algum Ato Acadêmico!...
E é de advertir, que nem um, nem outro, eram tidos em conta de parvos
pelos seus Colegas; pois o segundo até fora Estudante de prêmio em dois anos
de Faculdade; e estava habilitado em Opositor às Cadeiras da Universidade,
para cuja Regência já estava preparado com umas Cadernetas manuscritas, que
me comunicou; e ali passam em vínculo de Morgado de Lentes Catedráticos
a Substitutos, e Opositores, em ordem a não sair nunca a Ciência do estreito
círculo de cediças explicações, cujas fontes, fiados nas mesmas Cadernetas,
nunca consultaram os pios crédulos Leitores de tal Postila.
Não quero dizer com isto, outra vez repito, que não tenha dado aquela
Universidade à Nação bons discípulos; mas esses são dos gênios que a Natureza
aponta: o seu mérito é quase todo pessoal; a pedantaria dos outros toca muito
dos defeitos da Escola: que dá mais Elementos de Impostura aos parvos do
que de sólida Doutrina aos néscios.

805
58

Senhor Redactor

TENDO eu dado ao Público um anúncio, como Suplemento à Gazeta de 30


do mês passado, em que fazia ver, qual era a condição dos dois sócios do
Sabará Teixeira, e Freitas, anuncio, que fui obrigado a fazer pelo justo motivo
então ponderado; agora mais bem inteirado deste negócio, me vejo na restrita
obrigação de confessar o meu erro, e manifestar que a informação, que se
me deu foi algum tanto inexata, visto que foi promiscuamente narrada. Por
esta razão peço ao mesmo Público, queira perdoar-me a inexatidão daquele
meu anúncio; se bem que a culpa é toda dos Sabaraistas, dos quais recebi a
informação, que expus no referido anúncio.
Ora pois os fatos são da maneira seguinte. – Eu disse que o Teixeira
tinha vindo com a Deputação de Minas à falta de homens; mas isto é um
erro: o verdadeiro motivo foi para coonestar os seus delírios, tanto em não ter
obedecido ao Alvará de posse de seu sucessor, como em não ter cumprido a
Provisão Régia, que já o tinha mandado suspender. Mas ficou bem conhecido
o ânimo solapado, com que veio iludir o Ministério, logo que aqui se soube
não só destes dois motivos relatados, mas também do atrevimento, com que
na véspera de sua partida revogou por seu próprio punho (que atentado!) as
Ordens Régias, que nomeavam os Vereadores de todas as Câmaras daquela
Província.
Quanto a Freitas; este teve a sagacidade, como disse, de assentar praça por
empenhos. Entretanto sendo Camarada de Antônio José de Araujo, Cobrador
da Fazenda Real, rapinou-a com tal descaramento, que gramou baixa por
infame. Ao depois conseguindo (não obstante aquela nota) ser cobrador de
José Pereira Peçanha, praticou com este segundo a mesma gatunice, que tinha
praticado com o primeiro, de maneira que desde então ficou reconhecido por
useiro, e vezeiro de roubos. Entrando com pés de lã em uma rocinha junto ao
Curral de El-Rei, pertencente a seu amo Domingos Gonçalves, Escrivão da
Intendência, daí introduziu-se a peão de bestas de Manoel Joaquim Leitão:
e tendo a fortuna de casar-se com a viúva do Patrício, fez-lhe tantas sevícias,
que a infeliz, atacada de paixão, findou desgraçadamente os seus dias. Por
esta impiedade mereceu a amizade do Pecador arrependido o nosso Teixeira.
Enquanto à oposição dos parentes da mulher, o fato é o seguinte. –
De duas pardas, irmãs germanas, nasceram Freitas, e Francisco de Paula
Lopes. A oposição do casamento, de que falei no primeiro anúncio, rolou

806
sobre o segundo; de maneira que (falemos com exatidão) apareceu em Juízo
Eclesiástico o mulatismo não da mãe do Pacheco, mas sim de sua tia. Idem
est, quod idem valet.1
Queira o respeitável Público lançar um benigno disfarce sobre esta
miúda indagação. Todas as pessoas prudentes, que tiverem lido o execrável
libelo, que este mulato afoitamente assinou, fazendo alarde de se inculcar
seu autor, e tiverem visto na exposição impressa de Barbosa (atribuída
ao Desembargador Gama) que nenhuma injúria se fez ao nome de Freitas
Pacheco, não só desculparam estes anúncios, senão que até se constituíram
outros tantos juízes, e vingadores de uma afronta, que, sendo feita a um
Magistrado, tido, e reconhecido por honrado, e flagelador de ladrões, tanto
mais revolta a sensibilidade de todo o homem de bem.
Rio 1.º de Abril de 1822.
José Fernandes Gama.

___________________________________________
Rio de Janeiro na Typographia Nacional.

1
O que vale o mesmo é o mesmo.

807
59

A SUA ALTEZA REAL.


O PRINCIPE REGENTE
CONSTITUCIONAL,
DEFENSOR PERPETUO DO BRASIL.
PELO PADRE MANOEL RODRIGUES DA COSTA.
Morador na Villa de Barbacena, Comarca

do Rio das mortes, e Provincia de

Minas Geraes

RIO DE JANEIRO 1822.

NA OFFICINA DE SILVA E PORTO & C.ª

808
Salvabis me a contradictionibus populi mei.1
Salvar-me-ás das contradições do meu Povo.
Reg. Cap. 22.

SENHOR, o Santo Rei David havia experimentado os efeitos desta contra-


dição entre os povos, inda depois de tranquilo Possessor do Trono tinha
presente esta cena sanguinolenta, que havia devastado o seu povo, inundado
em sangue todas as Províncias: ferido ainda deste quadro espantoso, pedia
a Deus, que o livrasse de um flagelo, que o havia feito comer o seu pão, na
dor, e na amargura.
Quando vejo a Vossa Alteza Real, abalançar-se a tudo a fim de tranquili-
zar os povos, e evitar estas contradições tão ruinosas; eu o considero revestido
do mesmo espírito daquele Santo Rei, e que, como ele nada deseja mais, que a
paz, e a tranquilidade do povo cometido aos seus cuidados, e a sua vigilância.
Sim, eu vejo que Vossa Alteza Real, depois de acalmar a tempestade, que se
levantava na Capital do Brasil, não tem empreendido visitar esta Província,
se não no desígnio de tranquilizar este povo que principiava a perturbar-se,
e a nutrir no seu seio uma fermentação, que podia ser a origem de funestas
consequências.
Graças aos Céus, Deus tem abençoado os vossos trabalhos, a paz está
restabelecida, dissipou-se a nuvem, que ameaçava a tempestade: não nos resta
mais que levantar as mãos aos céus, e render-lhe as graças pelos favores, que
tão liberalmente reparte conosco.
Mas, depois de rendermos as nossas ações de graças, imploremos as suas
misericórdias sobre as outras Províncias do Brasil, e que derrame sobre elas
os mesmos, bens, de que nos têm enriquecido, a paz, a união, e a fraterni-
dade. Sim nós confiamos, que este Deus de Misericórdia, que tem sido liberal
conosco, completará a sua Obra, em repartir com as outras Províncias os
mesmos favores que repartiu conosco, a sua bondade nos anima a dirigir a
Vossa Alteza Real as mesmas palavras, que em outro tempo um seu enviado

2 Samuel, 22:44.
1

809
dirigiu a Gideão, este restaurador do Povo Santo. Dominus tecum virorum
fortiss[i]me... vade in hac fortitudine tua... ego ero tecum2 = o Senhor é
convosco, Ó o mais valeroso dos homens: ide neste valor de que estais cheio.
Eu serei convosco... Sim esperamos, que a mesma paz, que restabelecestes
nesta Província seja um indício da proteção de Deus, e a precursora da que
se estabelecerá pelas vossas empresas em todas as Províncias: Imploremos,
cristãos, os socorros do Deus da paz, sem os quais debalde vigiarão os nossos
guardas, serão frustradas todas as nossas pretensões. Esta a matéria.
A discórdia tem sido em todos os tempos a fonte das desgraças, ou
públicas, ou particulares, uma vez que ela se apodera dos espíritos, um
Estado não só não pode prosperar, mas antes marcha com passos ligeiros a
sua destruição. Tal é o quadro, que nos oferece a história do mundo. Mas
quando Deus por efeito de sua piedade se opõe à torrente de males, que ela
é capaz de produzir, suscita estas almas benfazejas, que como instrumento
de sua clemência aparecem entre os povos como um Anjo tutelar, um Anjo
de paz.
BRASILEIROS, meus amados compatriotas (Oh! Praza Deus que minha
voz se ouvisse em todas as Províncias do Brasil) nós iríamos a subir a mesma
sorte, que tem assolado tantos Estados; pela primeira vez iríamos a experi-
mentar seus terríveis efeitos: uma guerra civil nos ameaçava, nada faltava
para que não víssemos nadando em sangue a nossa Capital; porém o Nosso
Amável Príncipe, como um Anjo tutelar reservado nas nossas Províncias,
pela Providência de Deus, se opõe a esta torrente de males, que a discórdia
nos preparava.
Os Povos daquela Província, viram com admiração a sua atividade,
o seu zelo pelo bem da paz: eles transmitirão à posteridade estes rasgos de
heroicidade, que excitaram o seu reconhecimento, e ensinarão a todos os
Soberanos da terra a respeitar seus legítimos deveres.
Ordens superiores o pretendiam arrancar aos nossos desejos; mas elas
não podiam prevalecer às ordens do Eterno; era preciso, que os seus desígnios
se cumprissem, sim, nós sabemos, com que empenho a Corte o chamava,
era preciso obedecer; mas ao mesmo tempo o bem da Nação fala, e ele não
duvida obedecer com preferência a esta Lei imperiosa: ele vê o iminente
perigo, a que sua ausência expunha o Estado: a divisão, a anarquia, iam pôr
em confusão as Províncias do Brasil: a sua liberdade oprimida, subjugada
pela força armada debaixo de ordens sanguinárias, que autorizava para
oferecer dos dois partidos um, ou sofrer um jugo de ferro ou ver inundado

N.T.: Juízes, 6:12-16.


2

810
o país no sangue de seus habitantes, ou sofrer talvez ambos os males; sim
iam a ser a fonte de desgraças incalculáveis. Constituídos nesta fatal situação
eu leio nos vossos espíritos, que não sofreríeis o jugo, e que romperíeis as
prisões, com que vos ligassem; mas quanto vos custaria, quanto sangue seria
preciso derramar? Vede as nossas Províncias do Norte, qual tem sido a sua
sorte; inda não tinham recebido os ferros da escravidão, inda esperavam ser
considerados como um Povo livre, inda confiavam nas promessas lisonjeiras
de que participariam dos frutos venturosos de uma Constituição, que afian-
çava a sua prosperidade; mas no entretanto a discórdia semeou entre eles seu
veneno mortal; Pernambuco nadou em sangue, a Bahia tem subido a mesma
sorte! Tristes efeitos das ordens secretas, e do poder ilimitado concedido
a homens acostumados à carnagem, e ao sangue, sem subordinação, sem
uma autoridade legítima, que pudesse reprimir a sua audácia. Tal devíamos
recear, que fosse a nossa sorte, se o poder militar viesse armado da força, e
do despotismo quartar a nossa liberdade, e submeter-nos debaixo do jugo da
escravidão: é então que veríamos desaparecer esta paz, em que estes países se
têm conservado desde a sua descoberta: este país, que parecia ser a habitação
da paz, onde ela tinha estabelecido seu domicílio depois de que foi banida da
Europa, viria a ser o teatro da desordem, da perturbação, do desassossego; e
conheceríamos pela primeira vez quais eram os efeitos da discórdia, pois que
a anarquia seria a consequência desta violenta agitação, que despedaçasse
os ferros da escravidão; pois quando nós pensássemos, que tínhamos conse-
guido um triunfo sobre a tirania, e que principiaríamos a gozar dos frutos da
liberdade, nos iríamos precipitar nos braços da anarquia, mais funesta ainda,
que a mesma tirania.
Que triste cena se nos preparava! Mas o Deus de misericórdia, que só
regula os destinos do homem, dos Reinos, e dos Impérios, inspira no coração
do Nosso Amável Príncipe a generosa, resolução de atender com preferência
ao bem geral. Que sacrifícios não tem ele feito para cumprir com os desígnios
de Deus! O espírito do homem fraco, volúvel, inconstante, não há circuns-
tâncias em que não dê provas da sua fraqueza; a história do mundo nos faz
ver as horrorosas cenas, de que ela tem sido a origem. Ao mesmo passo pois
que os homens mais sensatos suspiravam pela conservação do nosso tutelar,
como aquele, que só podia afastar de nós os males, que nos ameaçavam, ou
a tirania, ou a anarquia, certos espíritos vertiginosos pensavam fazer a sua
felicidade em lançando de si a mão benfeitora, que a Providência destinava
para ser o seu asilo, a sua força, a sua salvação.
O Nosso Amável Príncipe conhece estas agitações, estes murmúrios
contra a SUA AMÁVEL PESSOA: pudera movido de uma justa indignação

811
entregar estes países à sorte desgraçada que os ameaçava, mas não, diria ele
em seu coração: “Eu não sacrificarei a melhor porção de um Povo numeroso
nos discursos vãos de alguns insensatos, que à sombra da tirania pretendem
fazer a sua fortuna; ouve em paz seus murmúrios, e não tendo em vistas mais,
que o bem público, busca confundir a sua audácia pela sua brandura, pelo
seu zelo, pelos interesses da Nação.
Onde quer que a discórdia principia a soprar seu hálito mortal, ele busca
dissipá-lo; aparece no meio dos Povos como um Anjo da paz, e à sua vista
a paz se restabelece. A nossa Província principiava a sentir estas dissensões
de pareceres, semente de discórdias, ele aparece entre nós, e logo se desfaz
a nuvem que ameaçava a tempestade, ele teve a consolação de ser recebido
nas nossas povoações entre vivas, e aclamações de alegria, sinais precursores
do feliz sucesso de uma viagem tão sabiamente empreendida. Feliz empresa!
Os mármores, e os bronzes buscaram eternizar os nomes dos Heróis
dos grandes Conquistadores; mas os mármores cairão, e a memória de um
justo benfeitor durará a par da eternidade. Oh! Permitira Deus, que todos os
Soberanos da terra conhecessem onde reside a verdadeira grandeza!
Amados compatriotas, nós colheremos os frutos desta feliz viagem,
gozaremos da paz, que ela nos tem procurado, e após dela dos bens que a
paz nos afiança.
Ah! Aqui parece abrir-se diante de meus olhos, o espetáculo o mais
brilhante, parece-me estar lendo no escuro quadro do futuro entre os vislum-
bres de uma luz precursora os nossos destinos. Não é esta a vez primeira,
que a ocorrência dos acontecimentos me obriga a anunciar-vos, que o Brasil
será elevado a um ponto de grandeza: há catorze anos nesta mesma cadeira,
onde agora vos falo disse, o que inda agora repito: isto prova que a cadeia
dos sucessos não tem desmentido as minhas conjecturas, não farei mais que
repetir as mesmas palavras, que então disse. “Felizes Brasileiros, nós não pode-
mos meter a mão nos desígnios de Deus, mas tudo parece conspirar-se para
nosso bem. Estes vastos países considerados desde a sua descoberta como um
país de conquista; abundante de todas estas produções, que fazem a riqueza
do nosso mundo, mas sempre inútil para os seus colonos: esta vasta região,
que parecia ter sido criada para ser a Princesa do Universo, respeitada por si
mesma, pelas suas riquezas; mas, que a política, pedia; que ficassem encerra-
das no seu seio: este mesmo país depois de uma semelhante revolução, passa
a ser um dos Impérios do Mundo, e o primeiro do grande país da América,
que matérias oferece às nossas conjecturas? Sem esta revolução que seria ele?
Tais foram as conjecturas, que então formei, e depois desta série de anos,
o estado atual dos acontecimentos nos oferece motivos para firmar com mais

812
segurança os nossos juízos, bem que uma revolução imprevista parecesse
interromper esta série de acontecimentos, que fazem a base de nossas bem
fundadas esperanças; nós vemos, que estes mesmos acontecimentos, que
pareciam opostos, vão entrar na cadeia, que se termina no ponto da elevação,
e de grandeza a que o Brasil se destina.
Quando vimos pois, que o nosso Augusto Rei depois de lançar os
primeiros alicerces deste nascente Império, desampara a sua obra, e procura
a antiga sede da Monarquia, parece que o Brasil voltaria ao seu antigo caos;
não temamos, os Decretos de Deus se deverão cumprir, e nada prevalecerá
contra os seus desígnios.
A Providência que dirige todas as coisas, quis assim que ele lançasse as
primeiras pedras do edifício, mas o complemento da obra estava reservado
a seu Augusto Filho.
Mas quando tudo parecia conspirar-se para firmar as nossas ideias, novos
acontecimentos vêm minar os alicerces deste edifício; de onde nós esperáva-
mos o seu aumento, é que se ameaça sua total ruína: todas as contradições
são necessárias para que o homem se convença, que a sorte dos Reinos, e
dos Impérios está na mão de Deus, que dele só depende o seu aumento, ou
a sua destruição.
A reedificação de Jerusalém, e do seu Templo anunciada pelos Profetas
sofreu mil contradições da parte dos homens para que Israel se convencesse,
que a força do homem não embaraçaria o complemento de suas promessas,
que aquela reedificação era obra, de Deus para destruir a hidra que pretendia
arruinar a sua obra arma o braço do nosso Augusto Príncipe, e o reveste de
constância, e de valor. Nós veremos um dia, que o Brasil debaixo de suas
vistas entra nesta alternativa, que nos oferece o quadro do mundo quando um
Império se abate, outro se levanta. É verdade, que nós não podemos penetrar
o Santuário, onde Deus tem fechados os segredos da sua Providência; mas que
nos diz esta ordem de conhecimentos de que nós não somos testemunhas? Eu
o deixo à vossa ponderação....
Pelo que pertence à obrigação que me impõe o meu ministério, só vos
digo, que nunca penseis, que os acontecimentos são filhos do acaso: nós
vivemos de baixo de uma Providência, que regula tudo, que tudo coordena
ao complemento de seus desígnios; aquilo mesmo que nos parece uma desor-
dem, entra na ordem do plano geral, o não pode haver desordem debaixo das
vistas de um Deus Sábio, e Onipotente. Firmados nestes princípios tirai as
consequências, e firmai os vossos juízos: cooperemos quanto estiver da nossa
parte para os desígnios de Deus, lancemos de nós tudo aquilo, que se opõe às
suas vistas da clemência rivalidades, independências, egoísmo, ambição têm

813
feito a desgraça, e sepultado tantos Estados debaixo de sua mesma ruína: é
só a justiça, e o amor da virtude, que podem fazer a sua base.
Em rendendo a Deus nossas ações de graças, imploremos as suas bênçãos,
para que por efeito delas resida em nós, e em toda a Nação o espírito de paz,
de concórdia, e de confraternidade.
E Vós, Senhor, sobre quem a Misericórdia de Deus se tem feito tão
sensível, e a quem ele talvez tem destinado para ser o fundador deste Grande
Império; e a equidade, e a justiça vos são familiares; sobre elas firmai a base
do grande edifício de que estais encarregado; pensai no vosso destino, e vede
o grande peso, que devem sustentar os vossos Ombros: os povos imploraram
o vosso Nome, como seu Tutelar, vós ouvistes, vós aceitastes uma respon-
sabilidade temível, tudo está na expectação de que os salvareis dos males
que o ameaçam. Os vossos primeiros passos têm satisfeito a sua expectação,
continuai Varonilmente a vossa Obra, que o Senhor será convosco = Vade
in hac fortitudine tua, Dominus tecum. Dixi.3

FIM

3
Vai com esta força que tens [e salvarás Israel de Midian]. Deus esteja contigo. Disse.
N.T.: Juízes, 6:14.

814
1823
60

[Carta á Manoel Jacintho Nogueira da Gama]


Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Fluminense M. J. N. C.

Acabo de ler no Diário do Governo Número 132 a resposta, que Vossa


Excelência oferece às reflexões, por mim feitas em 10 do passado, debaixo
do nome de – um Pernambucano –, sobre os projetos do empréstimo com a
Casa de Edoard Oxenfurd, e do pagamento aos credores do Estado, apresen-
tados por Vossa Excelência, quando Ministro da Fazenda, à aprovação da
extinta Assembleia Geral do Brasil; o suposto que a minha de 30 do mesmo,
dirigida ao Redator do mesmo Diário, seja sobeja resposta à única honesta,
ainda que injusta recriminação, de não ter eu indicado, nas minhas reflexões,
algum outro projeto, que substituísse o contrariado: todavia, como Vossa
Excelência aberrando da estrada, que lhe marcava o ponto da questão, e a
moralidade pública: e abusando da consideração do cargo que ocupa, ataca
igualmente a minha conduta civil, procurando com razões fúteis, e fatos, uns
falsos, e outros estranhos, fazê-la suspeita de vistas sinistras contra o bom
andamento do nascente Império do Brasil, servindo-se, a este fim, da arma
da calúnia, e da mesma linguagem incendiária, e infame do Tamoyo, de que
tanto, e com razão Vossa Excelência outrora se queixava, forçoso é, que eu
leve, em minha defesa, à consideração de Vossa Excelência, e do público, Juiz
imparcial das nossas ações, a futilidade das razões, apresentadas por Vossa
Excelência em abono do projetado empréstimo, e a caluniosa falsidade dos
fatos em que esteia sua diatribe.
Em abono dos projetos do empréstimo, e do pagamento aos credores,
acarreta Vossa Excelência, sem fazer-nos contudo o obséquio de contestar
alguma das muitas razões, em contrário indicadas nas sobreditas minhas
reflexões, a imperícia, até de gramática, do programa, por mim oferecido
à discussão pública, pelo Tamoyo, Número 22; a minha falta de lição dos
primeiros princípios da Ciência da Administração pública, luminosamente
expendidos por Walpole, Price, Pitt, Gentz, e Henet; a intervenção do Senhor
J. A. L. na redação das mesmas reflexões; os meus desejos de entrar no Erário,
e outras puerilidades, umas ociosas, e outras ofensivas. Não viu porém Vossa
Excelência, que, quando verdadeiros fossem todos estes fatos, eles eram
estranhos à questão; e que sendo estas as armas, de que a impostura ordi-
nariamente lança mão, para se fazer acreditar, não se compadecem com os
conhecimentos, e dignidade de Vossa Excelência; que elas já não iludem nem
suplantam o juízo do público refletido; e que vibradas por Vossa Excelência,

817
no caso presente, descobrem o seu [o]dioso orgulho contra quem não subs-
creve a sua opinião, ou faz suspeitar de menos bem fundado o conceito, em
que estão, os seus conhecimentos matemáticos, e econômicos? Mude pois
Vossa Excelência de linguagem, para não chamar sobre si o desprezo, e a nota
de impostor e charlatão, e assim como eu confesso, que não sei a gramática
portuguesa, nem outra qualquer; que, ainda quando aqueles autores tivessem
vindo às minhas mãos, a fraqueza do meu entendimento não permitiria, que
eu entendesse suas altas doutrinas; e confessarei os erros, que houverem no
programa proposto, confesse igualmente Vossa Excelência, que, no emprés-
timo projetado, se deixou iludir pela necessidade do dia, se outras não foram
as suas vistas, como alguns temerários, que não conhecem a honra de Vossa
Excelência, já o têm suspeitado.
Trate portanto Vossa Excelência da questão do empréstimo que eu
contestei, e à vista das minhas reflexões, e do que Vossa Excelência agora
mesmo diz, verá Vossa Excelência quão pouco se resguarda dos ataques da
razão.
Diz Vossa Excelência para convencer a impossibilidade de um emprés-
timo nesta, que aliás não é o ponto cardeal da nossa questão, que preten-
dendo Martim Francisco um empréstimo de 400:000$000 réis, apesar de
ter prodigalizado Senhorias a torto e a direito (que ciúme de palavras), não
conseguiu, até o fim do corrente, mais que 437:178$000 réis, e que é uma
rematada loucura pretender empréstimos de consideração do nosso banco, no
seu estado atual; mas a primeira proposição, Excelentíssimo Senhor, envolve
manifesta contraproducência: por isso que se observa ter sido maior a entrada,
de que a marcada para o empréstimo: e a segunda não conclui, porque, sendo
a sua inversa da primeira intuição, isto é, que o banco restabelecido, que
seja o seu crédito, pode fazer grandes suprimentos, e não sendo a quantia de
2.269.098$567, a que se marca explícito destino; ou outra qualquer, toda
necessária em um dia, é evidente que cuidando o governo de comum acordo
com a Junta da Direção do Banco do restabelecimento do seu crédito, e a
aplicando-lhe a renda precisa para o pagamento do juro do empréstimo
proposto, além da que pelo mesmo relatório se consigna na Alfândega para
pagamento da dívida do mesmo Banco, fácil seria a este pagar, e muito a
aprazimento dos credores do Estado, essa quantia ou outra qualquer, que
necessária fosse.
Para prova da insuficiência das dívidas ativas, e próprios da Nação,
indicadas no 14.º artigo das minhas reflexões, como uma base sólida a
qualquer operação de finanças, faz Vossa Excelência, tomando a nuvem por
Juno, a enumeração dos próprios desta Província, e arbitra em 80.000$000

818
réis a sua dívida ativa, quando, além de haver engano nesta, o Rio de Janeiro
não é a Nação Brasileira, ainda que dela parte; e só a dívida ativa da Nação,
pela repartição de Pernambuco, passa de 300:000$000 réis, e, pela de
Minas, de 2:600:000$000; e são imensos os próprios das outras Províncias.
Continuando Vossa Excelência com a mesma facilidade de pena, recomenda-
-me, que ponha de parte expressões vagas – de melhoramentos, de economia,
de boa administração, e arrecadação, das rendas –, e eu clamarei sempre,
pelo contrário, contra Vossa Excelência, e contra todo o cidadão, que, por
convir-lhe as desordens da arrecadação, e distribuição das rendas da Nação,
trata de vão o seu melhoramento, e propugna pela perpetuidade das mesmas
desordens. Finalmente, em prova da necessidade do empréstimo projetado,
recorda-me Vossa Excelência a exposição, que fizera do estado da fazenda,
até agora ignorado, (por essa forma sempre a houve) a falta de consolidação
do nosso sistema Constitucional; o justo receio dos portugueses o grande
empréstimo por estes contraído; a falta de união das Províncias do Império: e
a de uma marinha capaz de proteger o nosso Comércio: mas, Excelentíssimo
Senhor, estes fatos, ainda que provados fossem, e não falso o principal, qual
o da desunião das Províncias, provariam, quando muito, a necessidade de
fazermos os maiores esforços para sustentação da nossa independência, e
mesmo contraindo algum empréstimo, se necessário fosse, mas nunca, em
boa lógica, o empréstimo horroroso, proposto por Vossa Excelência. Note
Vossa Excelência, que estas questões são muito diferentes, para se deverem
confundir; e que, suposto eu impugnasse a terceira, e indicasse o recurso dos
melhoramentos para evitar-se a segunda, nunca duvidei da primeira, como
Vossa Excelência o quer fazer suspeitar, para me fazer odioso, e menos aten-
díveis minhas reflexões. Note Vossa Excelência de caminho, que Portugal,
conquanto sobrecarregado esteja de uma dívida de mais de 100 milhões de
cruzados, não exceda de 18 a sua renda, seja decrescente o seu estado, e se
ache no maior apuro, e desgraça possível, conseguiu um empréstimo muito
mais favorável, sem comparação, do que o proposto por Vossa Excelência,
para o nascente, vasto, e rico Império do Brasil. Vamos adiante.
Estranha-me finalmente Vossa Excelência, ter eu prescindido da emenda,
proposta por Vossa Excelência no projeto do empréstimo, pela qual se poupa-
ria, a bem da Nação Brasileira, mais de 27 milhões de cruzados, e se pagaria
o empréstimo em 30 anos; sem contudo nos mostrar, de onde procedia aquele
benefício. Sendo porém fácil, a qualquer ordinário caixeiro, ver que, suposto
pela sua emenda se recebe do emprestador mais libras esterlinas 356$666, igual
ao câmbio de 16d., a réis 1.850:866$087, e se fica desonerado do capital no
menor tempo de 30 anos, isto, contudo, é à custa da maior renda de £60$000,

819
e £ 600 da respectiva comissão, igual a 316:173$913 réis, que se cede; o que
em nada utiliza a Nação: por isso que essa maior renda, pelo espaço de 30
anos, e ao juro composto de 6 por cento, sobe a quantia de £ 5:209$160 –
27.178:717$828 réis, quantia muito maior, que a de 25.293:913$932 réis,
soma da renda de 1.033:913$013 réis, que se deixa de pagar nos 24 anos, que
vão de 30 a 34; sendo a diferença, que se observa contra de 1.881:831$796
réis, pelos interesses, nos termos do empréstimo, relativos à quantia de
£356$666, que de mais se recebe pela sua emenda: e portanto, que ela só
pode iludir aos irrefletidos, e não a caixeiros, acostumados a somar, multi-
plicar, e diminuir. De antemão devo, na minha ignorância, lembrar a Vossa
Excelência, que em vão trabalhará Vossa Excelência em disfarçar a dureza do
empréstimo, para arredar de si qualquer suspeita e enquanto subsistirem os
termos de 75 por cento pelo preço das apólices, de 4 por cento pelo juro do
fundo do resgate, de 4 por cento pelo preço da Comissão, e de 6 por cento
pelo juro do capital das mesmas Apólices, o resultado sempre será o mesmo;
embora se diminua o tempo aumentando-se proporcionalmente a renda, ou
vice-versa.
Acusa Vossa Excelência, em segundo lugar, de – sedativo veneno para
paralisar a marcha da nossa independência a minha alegria sobre a dívida
pública, e as minhas reflexões contra o empréstimo projetado –; tendendo
porém a minha alegria, quando não fosse tão bem motivada, com o paralelo
da nossa dívida, com a de outras Nações, a desvanecer as ideias desconsola-
doras, e de terror; que sobre os povos havia difundido o aparatoso mistério,
com que Vossa Excelência havia apresentado na Assembleia Geral o estado
das nossas finanças; tendendo, outra vez o digo, a restabelecer a confiança
dos povos, primeira base do crédito público, que Vossa Excelência procurava
enervar com o seu sistema de terror, talvez para surpreender uma precipitada
aprovação do empréstimo projetado, é evidente, que a minha alegria foi tanto
mais política, e patriota, quando [sic] impolítica, e inconstitucional a contrária
conduta de Vossa Excelência.
Além de que, queira Vossa Excelência ter a bondade de dizer-me,
quem será mais suspeito de querer estorvar a marcha da nossa regeneração,
integridade, e Independência do Império do Brasil, serei eu, que apesar de
natural de outra Província, trato, desde que cheguei, com outros negociantes,
meus companheiros, de restabelecer o crédito do Banco, para habilitá-lo a
continuar seus serviços à Nação, e ao Governo, entrando, apesar do estado
convulsivo do Brasil, com muito maior número de ações, do que de antes
tinha, e apresentando novos artigos adicionais aos seus estatutos, para firmar
a boa-fé da sua administração, e animar o crédito de um estabelecimento, tão

820
estreitamente ligados com os interesses da Nação, e sua dependência, como
em pouco será público pela Imprensa, ou Vossa Excelência, quando procura
solapar com a falsa ideia de desunião das Províncias, e com outras de terror,
o crédito da mesma Nação?
Quem será mais suspeito de contrariar a nossa regeneração, serei eu,
quando lembro, que o sistema da nossa receita, e despesa é suscetível de melho-
ramentos, e que este é o primeiro recurso, de que o Ministério deve lançar mão,
antes de chegar o dos empréstimos, ou será Vossa Excelência, quando trata de
inépcias esses melhoramentos, por lhe serem prejudiciais, e com o pretexto, de
que os empréstimos são os recursos, de que muitas Nações têm lançado mão,
e de que estes, ainda quando onerosos, são muitas vezes necessários, diligencia
sacrificar a Nação ao horroroso empréstimo projetado, e se embravece, como
a raposa, quando lhe tiram a presa, com a menor discussão? Diga-me mais
Vossa Excelência, serei eu mais suspeito de ser delegado de Martim Francisco,
e seu irmão, eu, que desde o primeiro dia dos seus ministérios, e em tempos,
que Vossa Excelência, e outros os bajulavam, sempre clamei contra as suas
prepotências, e arbitrariedades, a ponto de rogar a Sua Majestade Imperial,
houvesse de desconfiar de semelhantes Ministros, como deve constar dos
Ofícios da Junta do Governo de Pernambuco: e que por isso era deles odiado;
ou será Vossa Excelência de oculta conivência com o negociador do emprés-
timo, para locupletar-se à custa da fazenda Pública, com a partilha da sua
extraordinária comissão. Diga-me ainda Vossa Excelência, quem será mais
suspeito de má-fé, serei eu, apresentando francamente ao Público minhas
reflexões, exposto a ser suplantado pelo império da razão, e da verdade, ou
Vossa Excelência, exigindo da Assembleia Geral uma sessão secreta, para
furtar o seu projeto à luz do dia, o ao juízo da pública opinião? Quem será
mais suspeito de má-fé, eu, combatendo um projeto, a olhos vistos, tão oneroso
à Nação, ou Vossa Excelência propondo-o, e sustentando-o com calúnias?
Paremos porém com estas reflexões, que mais agravam a insidiosa linguagem,
com que Vossa Excelência pretende macular a pureza dos meus sentimentos,
para fazer-se acreditar – Verdadeiro amigo da Independência, e da integridade
do Império Constitucional do Brasil –. Felizmente ambos nós somos de longo
tempo conhecidos, para que seja preciso dizer mais alguma coisa. Vamos
portanto ao projeto do empréstimo, e esqueçamo-nos do de pagamento aos
credores do Estado, visto que Vossa Excelência também não fala nele. A
questão pois, Excelentíssimo Senhor Fluminense, não é, se precisamos fazer
despesas extraordinárias para a conservação da nossa Independência, e a que
não pode ocorrer a receita ordinária, esta questão envolve alta política, e sua
resolução fica reservada a Vossa Excelência: a nossa questão é, 1.º, se é preciso

821
um empréstimo, independente dos melhoramentos, de que é suscetível a nossa
receita, e despesa; 2.º, se, sendo preciso, não se pode conseguir no próprio País;
3.º, se não sendo, é o proposto por Vossa Excelência o mais convinhável, ou
o único a esperar; e 4.º, qual a renda, que o Governo aplica para pagamento
da quantia de 1.053:913$013 réis, importância dos juros, e amortização do
capital do empréstimo, por Vossa Excelência proposto. Responda Vossa
Excelência, restritamente a estes artigos, combata as razões expendidas nas
minhas reflexões com a linguagem própria a um cidadão honesto, e então, e
só então dar-se-á ao trabalho de responder-lhe segunda vez, este seu muito
atento venerador e criado – Gervásio Pires Ferreira.

Rio de Janeiro 9 de Dezembro de 1823.

_____________________________________________________
RIO DE JANEIRO NA IMPRENSA NACIONAL 1823.

822
61

[Carta artigo ao redator de O Espelho em cujo n. 6 foi anexada]


Senhor Redator.
TODO o Cidadão livre por princípios, e amante de uma justa liberdade,
deseja a todo o custo promover a felicidade da sua Pátria, e tem rigorosa
obrigação de patentear pela imprensa suas opiniões. Contando-me eu no
número destes, pego na pena para lhe contar o que ouvi dizer a um respeitável
sujeito acerca deste Império, com relação a Portugal, ao mesmo tempo faço
umas mui pequenas, e insignificantes reflexões sobre os princípios estabeleci-
dos (abaixo transcritos), os quais eu acho desorganizadores, e contrários ao
nosso interesse, e sistema agora adotado, peço-lhe que quanto antes haja de
inserir no seu imparcial Periódico os princípios estabelecidos pelo tal sujeito,
e as minhas reflexões.
Princípios estabelecidos. I. O Brasil deve unir-se a Portugal, logo que
este desista da empresa de conquistá-lo.
II. Por morte do Senhor Rei Dom João VI, o nosso Imperador deve ser
Rei de Portugal, para podermos ter relações políticas com a Europa.
III. A união deve fazer-se, porque Portugal é mui rico, e capaz de se
sustentar sem fazer peso ao Brasil.
IV. Feita a união, Lisboa deve ser o porto, que sirva de interposto ao
nosso comércio.
V. Que era boa a união, para termos mestres para a nossa Universidade.
VI. Que era boa a união, para termos tropa de Portugal para nos defen-
dermos.
VII. Que Labatut devia já ter proposto capitulação a Madeira, ainda que
ele lhe concedesse levar alguma coisa, e mesmo parte da Esquadra.
Eis os sete horrendos, e revolucionários princípios, que estabeleceu este
tal sujeito, a pena é ser Brasileiro. Passo a reflexionar um pouco sobre eles
pela sua mesma ordem. Contra o 1.º direi. O Brasil deu o passo mais arris-
cado que podia dar, quando proclamou a sua Independência: este passo foi
bom por muitas razões, sendo uma delas o não querermos aturar jugo de
ferro, podendo gozar de uma liberdade, como gozamos, para que a todo o
tempo não tivéssemos de carregar com um velho às costas, e para que o Brasil
prosperasse, como vai prosperando. Ora, sendo estas umas das principais
razões, que há a expender contra o precitado princípio, como, e por que se
deve unir o Brasil a Portugal? Na segunda parte diz – logo que este desista
da empresa de conquistá-lo – isto parece querer modificar a segunda parte,
como quem tinha dito uma coisa inconsiderada, mas não, isto são – astúcias

823
de escapim, e candongas de ióió. – Ou Portugal desista, ou não desista, sempre
separação: se desiste, é porque cansou e aí estamos com o velho às costas; e
se não desiste, é vergonhoso ao Brasil ir mendigar a paz com uma nesga da
Europa, ou com uma Província da Espanha, como alguns lhe chamam. Nós
não vamos tirar utilidade alguma com a união a Portugal, porque apesar de
ele ser a cabeça da Europa, como lhe chama o nosso Padre Antonio Vieira,
contudo não tem pernas, nem braços, nem tronco de corpo, e por isso cabeça
sem corpo não governa.
É verdade que Portugal é um estado Soberano; mas que não pode fazer
respeitar a sua Soberania, e sempre há de estar às ordens da Inglaterra, ou
da Espanha, para se opor a uma ou a outra, ou aliás há de ser esmagado por
ambas. Portugal é um Estado, como disse o grande Napoleão ao Príncipe
de Kurakin, Embaixador Russo em uma audiência tida a 12 de Junho de
1811 – As pequenas Potências são só meio soberanas, porque requerem a
proteção das maiores. – Portugal está neste caso, requer a proteção de uma
Nação. Ao Brasil não lhe faz conta protegê-lo, para se não intrometer em
negócios peninsulares, o que lhe aconteceria imediatamente o quisesse fazer.
À França conta nenhuma lhe faz: logo a quem faz conta? Faz conta às duas
Nações, que brincam com ele, como com um boneco, faz conta à Espanha
para com ele se opor à Inglaterra, faz conta à Inglaterra para com ele se opor
à Espanha, e eis aqui em duas palavras a quem faz conta proteger Portugal,
e este ser protegido: logo nem ao Brasil fazia conta proteger Portugal, nem a
Portugal ser protegido pelo Brasil, porque se havia de ver em colisões tais, que
ou havia de seguir as opiniões do Brasil, ainda que fossem contra Espanha,
ou Inglaterra, ou então imediatamente se havia desunir para conservar os
seus interesses, e a sua existência. Segue-se daqui, que a união a Portugal é
desvantajosa tanto a um como a outro Estado. Longe de nós tais ideias, que
nos poderiam acarretar imensos males incalculáveis, os quais contá-los por
escrito não haveria papel, em que coubessem.
O segundo princípio é o mais maquiavélico possível, apesar de que
é verdadeiro quanto à primeira parte, porque vem falando em direito de
Sucessão, de legitimidade, fingindo muito amor ao Imperador, sem que lhe
tenha, para ver se os Brasileiros deixam de comer quitutes, e comem araras,
vendo assim se conseguem a desgraça do Brasil, fazendo-o intrometer em
negócios de alta política, como acima já disse. Lembre-se, Senhor sujeitinho,
que ainda que esta árvore nasça do mesmo tronco, contudo é independente,
e nunca mais juntável. O nosso Imperador dá-se por muito satisfeito com
o seu Império, não ambiciona mais que governá-lo bem, mantendo, como
Defensor Perpétuo, a sua integridade, e independência: sabe que o Império

824
Romano, quando se engrandeceu, é que sucumbiu: quer somente viver com os
seus Brasileiros, que bem claro já o disse a Seu Augusto Pai, que de Portugal
nada, nada, não queria nada. Se desgraçadamente se fizesse tal união, o Brasil
perderia grande parte das suas forças em socorrer a Portugal, e não tiraria
utilidade alguma. O Brasil não carece senão de se engrandecer gastando
consigo, e com mais ninguém. Agora diz o tal sujeitinho, que é para termos
relações políticas com a Europa, isto é falta de senso, falta de conhecimento,
e andar neste mundo a dormir, sem saber o que se passa, é andar além de
Évora três semanas, assentar que a Europa não teria relações políticas com
o Brasil desunido de Portugal, quando agora mesmo as está tendo, e quando
é do seu interesse tê-las para sustentar o seu comércio! Dá-se caso como
este! Ah ignorância, ah velhacaria! Até que ponto deixaste tu que os homens
chegassem de dizerem asneiras!!!!!
O terceiro merece duas gargalhadas, e nenhuma resposta; mas para que
não diga, que não sabíamos o que havíamos de dizer, perguntarei: Quanto deve
Portugal? Cento, e tantos milhões de cruzados. Quando rende? Dezessete (não
havendo ladrões). De quantos precisa para gastar? De vinte e cinco. Quantos
lhe faltam? Oito. De onde lhe haviam estes vir, estando unido ao Brasil?
Deste. Ora diga-me, Senhor Sujeitinho, pode nunca ser vantajosa ao Brasil a
união, tendo além de todas as razões políticas, de concorrer com o que falta a
Portugal, e de ir pagar parte da sua enorme dívida, com que sempre carregaria,
por ser muito maior, que a do Brasil, que somente importa trinta milhões?
Vossa mercê, quando disse isso, não estava muito certo, ou se estava, parecia
que não estava. Os mesmos fanfarrões pais da Pátria, a qual tendo tantos Pais,
não pode deixar de ser filha.... Confessam que lhe não chega o rendimento,
de sorte que mandaram avaliar tudo para vender, inclusivamente o Senhor
dos Passos da Graça, e o de São Domingos, este foi avaliado em 19.200 réis,
e aquele em 40.000 réis. Ora parece-me, que Portugal não é tão rico, que se
possa sustentar a si sem fazer peso ao Brasil; mas apesar de tudo diz o tal
sujeitinho – a união é precisa por todos estes princípios, e para prova de que
se pode sustentar, veja os esforços, que tem feito – eu digo, nunca, nunca, e
nunca é preciso, nem será. Se Portugal tem feito esforço, mais fraco fica, e
mais aumenta a sua dívida, hão de se lhe fechar as fontes dos dons gratuitos,
porque ninguém dá dinheiro para não tirar utilidade, e por fim nem mesmo
achará quem lhe empreste, por não ter com que lhe pague. Agora julgue o
público imparcial, que tal é a qualidade do sujeitinho, e se nos devemos unir
a Portugal, à vista das razões expostas.
O quarto é indiretamente recolonizar o Império, deixando-lhe o nome,
que tem. Quando no Brasil devem haver Portos francos, é que o tal sujeitinho

825
se lembra de fazer Lisboa interposto do nosso comércio!!!!! Querer que nós
vendamos os nossos gêneros só aos Portugueses, e a mais ninguém, e que
vamos por força a Lisboa depositá-los, e deixemos de os vender nas nossas
praias a quem quisermos, e como bem nos parecer!!! Lisboa interposto do
nosso comércio!!!!!! Isto é bom, ótimo, isto é maravilhoso, para enriquecer os
negociantes de Portugal, e empobrecer os do Brasil. O Brasil não precisa de
interposto na Europa. O Brasil só precisa de si, e todos precisam dele. O Brasil
só precisa de marinha mercante para ter a de guerra, que tão necessária lhe é,
porque para exportar os seus gêneros (histórias), não precisa dela, exporta-os
com mais segurança, e utilidade em Navios Estrangeiros, a razão é bem clara,
porque os vende cá, recebe logo o dinheiro, e não lhe corre o risco. Ora agora
ir o Brasil enriquecer Portugal para se empobrecer a si!! Isto não lembra a
ninguém, só lembra ao Diabo. Todas as Nações cuidam em enriquecer-se, só
o Brasil é que devia marchar como o caranguejo!! Forte juízo!!!!!
O quinto é bem arrancada ameixeira, limpe a mão à parede, que a deu
em cheio, que se nós não nos unirmos a Portugal, não teremos Mestres para a
nossa Universidade, não há mais mestres no mundo senão os da Universidade
de Coimbra que agora estão ótimos! Em forte desgraça está a Europa! Todas
as Nações hão de mandar seus concidadãos à Universidade de Coimbra,
senão ficam todos burros, não há mais Mestres no Mundo, forte desgraça,
valha-nos Deus. Apesar de não haver mais Mestres no Mundo, segundo diz
o tal sujeitinho, fora com Mestres Portugueses, queremos Mestres de outras
Nações, que têm mais conhecimentos, e menos máscaras de carvão. É mui
fútil a razão do sujeitinho, para se empreender a união. É para admirar que
estes princípios, e os seguintes, caibam na cabeça de um Brasileiro, que se
diz amante do Brasil.
O sexto merece ser refutado com um silogismo de pau. Pois nós, que
temos trabalhado, e trabalhamos, ainda para pormos fora a tropa Portuguesa,
antes de se proclamar a Independência, porque não nos deixavam gozar
sossego, e mesmo depois por serem nossos inimigos; finda a contenda, havemos
de nos ir unir para os introduzirmos outra vez no nosso seio, e começarmos
outra nova contenda!!! Este princípio merecerá em todo o tempo a execração
pública dos Brasileiros. Pois nós havíamos de meter um corpo de inimigos
em nossa casa, que infalivelmente nos fariam o que os outros já nos têm
feito!!! Porventura Portugueses mandados de Portugal, ou mandados buscar
a Portugal, puderam algum dia defender o Brasil, quando entre Português, e
Brasileiro, há a mesma rivalidade, que entre Americano, e Inglês! É incrível que
tal ideia nascesse em uma cabeça Brasileira, mas é verdade que tal aconteceu.

826
O sétimo artigo é de igual toque, querer que Labatut capitule com
Madeira, tendo conhecida vantagem!! Isto é de se pôr as mãos na cabeça.
Querer que lhe deixe levar algumas coisas, e até parte da Esquadra!! Isto
ninguém atura, nem um Santo! É melhor dizer que quer que o Império, sua
Pátria, volte a Colônia, e que esteja às ordens de Portugal, e que todas as
despesas, e tudo que temos feito, seja baldado. Estás enganado, sujeitinho,
nada do que pensas se porá em prática, pelas razões acima ditas, pois eu com a
minha pena, te hei de pôr a calva à vela. As tuas opiniões, se fossem seguidas,
fariam a desordem geral, e a ruína total da Nação Brasileiras, que quer só
a sua segurança individual, de propriedade, e de todos aqueles bens de uma
justa, e liberal Constituição: o mais que se fará por humanidade, é favorecer
Portugal, do mesmo modo que a Inglaterra favorece os Estados Unidos,
podendo declarar-lhe a todo o tempo a guerra, quando as circunstâncias
assim o pedirem. Tais princípios nunca serão adotados por nenhum amante
do Império, e como, ditos por quem são ditos, poderiam fazer algum peso
na opinião pública, eis a razão por que pego na pena para defender ao meu
Imperador, a mim, aos meus Concidadãos, e à minha Pátria, que se veria em
um pélago de desgraças umas após de outras, se por acaso fossem admitidos,
e se não houvesse quem agora, e sempre está pronto a mostrar os incalculáveis
males, que se poderiam seguir de tão execrandos, e abomináveis princípios.
Estou persuadido, que se se juntasse uma Assembleia de homens os mais
perversos do Mundo, para verem o modo, por que astuciosamente haviam
de reduzir a cinzas este Império nascente, a opinião geral desta Assembleia,
nunca poderia achar um meio melhor do que achou este tal sujeitinho ióió,
que diz que sempre defenderá estes princípios, que estabeleceu. A minha
opinião está sabida à vista das reflexões que fiz; mas quero falar mais claro,
haja união com todas as Províncias para sustentarem a desunião com Portugal,
marchemos sempre em oposição aos passos, que lá se derem, fazendo isto
seremos sempre Nação, Nação Independente, viveremos em paz com todo
o Mundo, e nos enriqueceremos por meio do nosso comércio. Esta a minha
opinião, e a de todo o Brasileiro, que, como eu, for amante da nossa Pátria,
e inimigo do sujeitinho. – Sou de Vossa mercê.

Atento Venerador.

O Ultra Brasileiro
[D. Pedro I]

Na Typographia Nacional.

827
62

[Carta assinada: O Inimigo da Calumnia…]


Senhor Redator.
NÃO é sem razão, que me dirijo a vossa mercê a pedir-lhe o favor de me
inserir no seu ilustre Periódico o artigo de uma carta inserida no Periódico do
Maranhão – O Amigo do homem Número 7 – cujo artigo principia – Senhor
Redator. Não podemos subtrair-nos de rogar-lhe uma graça – inclusivamente
as assinaturas dos autores da dita carta, e a Proclamação, de que eles fazem
menção, com as reflexões do Redator até os pontos de admiração, para o que
lhe remeto o Número mencionado. Este favor, Senhor Redator, me será tão
grato, quanto espero que o Público vá ajuizando mais retamente, por fatos
autênticos, da conduta de um homem, contra quem talvez a calúnia tenha
chegado ao Ministério: recaindo sobre ele o dito do poeta – Ego hos versiculos
feci, alter tulit honorem1 – Sou, Senhor Redator seu fiel leitor.
O Inimigo da calúnia.

Senhor Redator. – Não podemos subtrair-nos a rogar-lhe uma graça,


que nos é tão grata, quanto útil a todos os nossos concidadãos, e mesmo a
esses desvairados filhos da pátria, filhos incorrigíveis, e que só têm procurado
desmentir a natureza, dilacerando aqueles que mediata, ou imediatamente lhes
deram o ser: é pois a nossa pretensão que vossa mercê insira em seu Periódico
a inclusa Proclamação do Excelentíssimo Governador de Armas o Senhor
Joaquim José de Souza Martins: ela nos dispensa da mais pequena reflexão,
ela é um testemunho irrefragável da conduta deste benemérito Militar, ela
afiança aos Piauienses a sua feliz sorte, e a sua futura prosperidade debaixo
da proteção, e das providentes disposições deste digno Chefe, em cujas mãos
está depositada a segurança militar da Província do Piauí. Adeus, Senhor
Redator, e somos seus afeiçoados, e atentos veneradores. – Os Sertanejos de
Paranaguá. – Francisco Lopes Branco. – Antonio Rodrigues Alves. – Francisco
Lopes de Carvalho.

Proclamação do Tenente Coronel e Governador das Armas


desta Província do Piauí.
Soldados de todas as corporações! Paisanos de ambos os hemisférios!
Amigos, e companheiros! Todos somos Portugueses. Todos somos concida-
dãos. A Pátria do homem de bem é todo o mundo. Seria uma desmascarada

Fiz esses versos, outro levou o crédito [Virgílio].


1

828
imprudência se nós encurtássemos os vínculos da amizade, limitando-a com
a distinção das naturalidades. A elevação do Império Brasílico apareceria
aos olhos de todo o mundo civilizado, com uma nódoa muito vergonhosa,
se sobre ela se vissem sinais de desconfiança da parte dos Brasileiros para
com os Portugueses Europeus residentes, estabelecidos no nosso Império,
que têm adotado o Sistema do Brasil, que o defendem igualmente conosco,
e que o consideram como sua Pátria, e interessam na sua prosperidade.
O Europeu, que vive conosco, e que se une à nossa causa, que respeita o
nosso Sistema, e que estima a felicidade da Nação Brasílica, é nosso Irmão,
como tal o devemos receber. E será possível que na época gloriosa da nossa
Independência queiramos perder os timbres da fraternidade? Não. É preciso
portanto não nos esquecermos que devemos honrar nos bons Portugueses
Europeus a memória daqueles, a quem o Brasil se confessa eternamente obri-
gado: quais são aqueles que assentaram os alicerces do Brasil, hoje o grande
Império. Termine-se, ó Brasileiros, o cisma vergonhoso. E vós, Portugueses,
que adotais a nossa causa, nossos irmãos, desterrai os vossos receios, que
ninguém vos ofende, ninguém vos ultraja. Os Brasileiros vos chamam, e vos
abraçam; eles vos pedem que confieis da sua honra o vosso sossego, a vossa
tranquilidade, e eu vo-la afianço. Todo aquele Brasileiro, que pela sua má
consideração ultrajar de palavra, ou por ação qualquer destes honrados
Europeus, será rigorosamente castigado; e assim será igualmente punido
aquele Europeu, que perturbando a bela ordem dos nossos trabalhos, se
animar, a obrar, cooperar, ainda mesmo dizer qualquer palavra constando
decerto contra a Causa do Brasil: Tranquilidade, união, e amizade entre
nós e a nossa Pátria; estreitem-se os laços da nossa amizade; reine entre
nós um único sentimento; o bem comum e a paz se firmará entre todos:
repitamos com energia os seguinte vivas. Viva a Religião Católica Romana.
Viva o Nosso Augusto Imperador. Vivam os nossos irmãos Brasileiros e
Portugueses unidos a nós. Viva a Independência do Brasil, e seja a nossa
divisa – Independência ou Morte.
Quartel do Governo das Armas 29 de Janeiro de 1823. – Assinado –
Joaquim de Souza Martins, Governador das Armas.

Honrados Maranhenses, vede como se pensa nas outras Províncias do


Império; acaso quereis vós ser exceção da regra....!!

_____________________________________________________
RIO DE JANEIRO. NA IMPRENSA NACIONAL.

829
63

[CARTA DE UM BRASILEIRO A UM PORTUGUÊS]


_______

Amigo e Senhor Português.

CHEGANDO à minha notícia, que os Portugueses residentes nesta Corte se


achavam altamente indignados por terem ouvido dizer, que na Assembleia
Geral Constituinte e Legislativa do Brasil se discutia um Projeto de Lei ofere-
cido pelo Ilustre Deputado pela Província de Pernambuco o Senhor Francisco
Muniz Tavares, em que se propunha a expulsão de todos os Portugueses,
procurei um exemplar do dito Projeto, que lhe remeto, para que se tire do
mesmo engano, em que eu fiquei, quando ouvi aquela notícia. Eu não vejo
no Projeto senão medidas de justiça em favor dos Portugueses atualmente
residentes no Império, e que com suas pessoas, e fazenda têm coadjuvado a
nossa Independência; eu não vejo no Projeto senão medidas contra os que não
são de nossos sentimentos, e dos desses; eu não vejo finalmente senão que o
digno autor do Projeto não quis que os Portugueses, que vierem ulteriormente
para o nosso Império, gozem de direitos iguais aos que terão os aqui existen-
tes, e nossos cooperadores. À vista do exposto estou persuadido de que os
Intrigantes, invejosos da nossa prosperidade, foram os que espalharam essa
calúnia contra o Projeto, a fim de excitar o descontentamento dos Portugueses
Brasileiros, e desafiar a sua indignação contra o autor do Projeto, e como é
do dever de todo o Cidadão dissipar a calúnia, e fazer aparecer a verdade,
tomei a resolução de enviar-lhe o dito exemplar, para que conheça, que temos
inimigos internos, que procuram minar-nos, e esteja de cautela com eles, não
dando crédito a tais invectivas, e esperando conhecer a verdade à vista de
documentos. Tenha saúde, como lhe apetece quem é
Seu Amigo, e da verdade

Brasileiro.

Rio de Janeiro 21 de Junho de 1823.

830
P R O J E T O.

A Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil


Decreta.
1.º Aqueles Portugueses, que presentemente residem no Brasil com
intenção de permanecerem, e que têm dado provas não equívocas de adesão
à Sagrada Causa da Independência, e à Augusta Pessoa de Sua Majestade
Imperial, são declarados Cidadãos Brasileiros.
2.º Aqueles porém, cuja conduta for suspeita, o Governo fica autorizado
por espaço de três meses, contando do dia da publicação do presente Decreto,
a fazer retirar imediatamente para o seu País.
3.º Posto que se franqueie a livre entrada a todos os Estrangeiros, e por
consequência aos Portugueses, que desejarem estabelecer-se neste vasto, e rico
Império: todavia nenhum será jamais admitido a qualquer Lugar de honra,
confiança, e interesse, depois da Publicação do presente Decreto em diante,
sem que preceda Carta de Naturalização concedida pelo Governo, para o que
haverá o mais rigoroso escrúpulo, marcando-se desde já, enquanto não se
conclui a Constituição, sete anos de residência não interrompidos, e possessão
de propriedade territorial.
4.º O Decreto de 14 de Janeiro do presente ano não se julgará por este
revogado, antes fica em pleno vigor.

Paço da Assembleia 10 de Maio de 1823.


Francisco Muniz Tavares.

______________________________________________________
NA IMPRENSA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO.

831
64

CARTA
DO
BRASILEIRO DA ROÇA
AO
REDACTOR DA SENTINELLA DA PRAYA GRANDE
EM RESPOSTA A
ORDEM DO DIA DO QUARTEL GENERAL DA CARIOCA.

Senhor Redator,

LI com grande admiração e espanto a Ordem do Dia do Quartel General da


Carioca. Decerto este Parto, como muita gente o chama, é... é... Do Silvestre
José, daquele que foi Procurador, Copeiro, ou limpa botas, e Ruf.... do
farsante e namorado Conde de Palmella, (que hoje dá as Cartas em Lisboa no
absolutismo) e que por tantos, e tão bons ofícios, alcançou três mil cruzados
de ordenado do nosso Tesouro, com o nome de Comissário da Comissão
mista, que sendo criada, é o mesmo, que não existir, invenções daquelas, que
armavam no outro tempo, por ser o Tesouro da Nação, Fazenda Real, para
darem ordenados a Afilhados, a vadios, e a alcoviteiros etc., sendo isto um dos
encantos, que muito fascina, os Áulicos, para gostarem do Governo absoluto.
Que escrito, Senhor Redator, tão cheio de atrevimentos, e sandices, e
envolvendo tantas contradições, sem propriedade na dicção, sem nexo, sem
exatidão nas ideias, em uma palavra, uma misturada de greles, pelo qual vim
no maior conhecimento do chumbismo, e esfera do seu autor: concluindo o
por este nojento escrito, que o homem, o Silvestre José, é uma besta, e que
deseja fama de escrevinhador, principalmente, em Diplomacia, para que não
tem nenhum jeito; jactando-se de que se afadiga em estudar.
O dito Papel não merece análise, porque além de ser muito mal escrito,
como acima digo, e que com dificuldade se tem entendido, seria dar-se-lhe
importância se o analisasse seriamente, e em todas as suas partes, até porque
tem sido geralmente desprezado, não só pela sua revoltante doutrina a respeito
do que avança da Santa Aliança Europeia, chamando-nos até com o maior
descaramento, e impudência, cunha do mesmo pau, como pelas falsidades que
contém; e portanto somente de passagem, as principais asneiras, desaforos, e
mentiras, analisarei com o ridículo próprio de tal escritor, e autor.

832
Principalmente, Senhor Redator, pelo que diz a seu respeito no 1.º, 2.º, e
4.º artigos, que Vossa mercê, tem recebido pesos solares, contribuição secreta,
e que rendeu por dez contos efetivos, (que não sei que moeda é esta), e uma
Pensão anual de 800$ reis, as suas Pinturas, e depois no 9.º artigo acerca
de Vossa mercê mesmo, diz que a barriga vazia não tem lei: há contradição
maior? Pois quem recebe aqueles dinheiros, e tem 800$ réis cada ano, quando
não haja outra indústria, tem a barriga vazia? Outro Ofício, meu Silvestre;
cardar bugios seria melhor.
Queira dizer-me, Senhor Redator, o que é língua da terra, nós temos
língua de vaca, e fel da terra, será alguma erva, que se tenha descoberto? E
plantar Cafezeiros covados? Sabe o que isto é? O Homem, o Silvestre José,
olhando só, para o palavreado estrondoso, não repara nem na colocação da
Sintaxe, e nem na propriedade dos termos. Senhor Redator, diga-lhe, que não
seja tão charlatão, e impostor; que isto de escrever, não é andar no Leme,
com o seu Leque da China.
No 7.º artigo, asseverando, que no Tribunal do Júri, em que Vossa mercê
compareceu, tinha havido assuada; diz depois, suposto que não houve nem
o dízimo da proteção violenta: então meu Gazeta, que contradição é esta?
No [8.º], que Vossa mercê desafiando pelo Diário a várias criaturas
(suponho eu que são homens, que podiam também ser animalejos como
ele) sem as designar, não usou da palavra desafio e depois diz “que como os
duelos são proibidos pelas leis, é legítima até Vossa mercê um criminoso. Há
desvario igual como o deste burro?
Passemos adiante, vamos a entrar na parte, que pertence ao Brasileiro
Pernambucano, mas pela profusão de disparates, e mentiras, que avançou,
quase que se não pode analisar por partes, tendo de propósito por velhacaria,
desprezado, o que convincentemente está provado na Sentinella Número 13,
e por isso rogamos aos nossos leitores, que tornem a ler a mesma Folha, e
Documentos que a acompanham.
Em primeiro lugar diz, = que o dito Pernambucano foi despedido do
Serviço em Portugal, por incapz e atrabiliário. Vem cá meu Silvestre, não
vês que este princípio, ainda que o estabeleces tão vagamente, e à queima-
-roupa, faz, o seu elogio, como já se provou na mesma Folha; para que hás
de ser tão velhaco, que queiras, só por tua maldade difamar a honra de um
Brasileiro, com quem te não podes medir, amante do seu País, e valente para
o defraudar? Torna a ler nos abaixo-assinados dos Deputados Brasileiros às
Cortes de Portugal, alguns dos quais são deste Soberano Congresso, e verás
que ele foi corajoso em lá escrever contra Cortes, e Governo, a favor de sua
Pátria, que falava, fazia e contava aos mesmos Deputados o que era preciso

833
saber, para bem do Brasil, pelo que não descansava, trabalhando noite e
dia, e na sua Correspondência oculta para se salvar o Brasil das garras dos
Monstros teus Patrícios, daqueles Mouros, daqueles infames, que o queriam
recolonizar: e por isso, sim, tinha cólera negra, como lhe chamaste atrabiliário,
e terá sempre, até para te apunhalar, quando queiras assassinar a sua Pátria,
repara no mesmo Documento, e vê que tinha pedido licença do Lugar, antes
de ser despedido, e sem ainda a Independência estar feita do seu País. Sim,
nem ainda que o Governo lá não conhecesse a sua mais, que decidida adesão
aos negócios de sua Pátria, e que o mesmo Brasileiro, o não tivesse increpado
pelos seus escritos, se poderia lá conservar na Secretaria, pelas suas grandes
instâncias que fazia, para regressar a sua Pátria: o que tu não fazes, e nem és
capaz de nunca fazer, porque não tens onde cair morto, e a tua alma malfor-
mada, não goza das sensações saborosas, e agradáveis das almas grandes:
a tua, só espreita ambição, e sordeza [sic] e o que é mais vil sobre a terra.
Tu que tanto te afanas contra os nossos verdadeiros interesses, para união
com Portugal, e que metes à cara o despotismo, para que não vás para a tua
Pátria; lá acharás o teu Patrono dando as Cartas despoticamente, deixa-nos
em paz, não nos enredes mais, vai serpentear com a barriga no chão, beijar
não só as mãos, mas os pés, e c. dos teus ídolos, que nós Brasileiros, muito
te agradeceremos; porém tu, e outros grandes patifes da tua laia, não fazem
isto, não são capazes de largarem a pechincha, que só no nosso Brasil podiam
alcançar, e por tão péssimos canais, e principalmente com os exemplos de
Pio Antonio dos Santos, e Barradas, que lá não foram atendidos, apesar de
nos terem aqui assaz insultados.
Tu lhe chamaste Vassalo de Portugal! Que miséria: e não tivesse pejo
de escrever mais esta sandice? Responde-me: há quantos tempos estamos
separados? Os Brasileiros, e os Portugueses, onde és compreendido: de quem
eram Vassalos? Eram do Rei de Congo? Bem disse a princípio, que as tuas
baboseiras, não mereciam análise, e já estou arrependido de ter entrado nisso,
porque a asneiras de semelhante monta não se devem responder: e que tal era
o Secretário que ia para a Embaixada de Alemanha? Além do chumbismo
que o dirige? Que tal é o Mouro? Como nos ia desacreditar em princípio da
nossa independência; mas Deus escreve direito por linhas tortas, que fez que
se não se verificasse semelhante nomeação.
E que é isto de Constituição de Necessidades, que dizes, o mesmo jurou
a bordo do Correio, quando vinha para cá; em primeiro lugar, eu não sei
que Constituição ser esta: as Necessidades em Lisboa, é um Palácio; mas
bem te entendo meu japonês; Dize-me, ele estava em Lisboa quando se jurou
a Constituição: lá a não quis jurar, já não era empregado que o obrigassem

834
a fazer o que não queria, tirava o seu Passaporte para o Brasil: e como será
provável que ele a jurasse a bordo? Por que razão o faria aqui, e não fez
ali: as duas amarras que dizes, se podiam ter efeito no mar, e não em terra?
Não tens hermenêutica nem sendeiro, para veres que isto não pode ser, e
que ninguém te podia dizer tal; e suponhamos que jurou (o que nego, e dou
a minha cabeça se mostrares assinaturas dele) o que se segue disso, antes
mostra que é Constitucional, de que se preza sê-lo, e de uma Constituição
boa, fora os artigos que recolonizam o Brasil. Os Deputados que estão no
nosso Congresso não a assinaram, à exceção dos Deputados que fugiram? E
perderam por isso a consideração? Não foram reeleitos por suas Províncias?
É alguma baixeza para o increpares? Mas como lhe tens vontade, e não lhe
achas mazelas, lanças mão de subterfúgios, a ver se o fosse descer do bem
merecido conceito, e acrisolada honra, mas coitado, tu é que ficas desonrado.
Dizes que mentiu, quando afirmou que os Portugueses eram preferidos
para os empregos, e os Brasileiros desprezados: quem poderá duvidar dessa
asserção, e nele mesmo não achas essa verdade sem réplica? Conta os Europeus
apontados na mesma Folha que preferiram escandalosamente aos Brasileiros,
e verás quantos são: olha para ti, e os dois teus Companheiros: eles depois,
para o Cônego João Sabino em Porteiro da Alfândega: ao número dos Oficiais
novos de Secretaria, para o José Pedro dos Óculos, que tinha imprimido o
Clarim Lusitano, papel infame, e anticonstitucional, que se opunha a nossa
felicidade, e que não imprimia papel favorável aos Brasileiros: e Bom Tempo
que não é Brasileiro: o Barradas, que como disse na dita Folha nos tinha
injuriado com repulsa do nosso Timbre, e evaporado-se com a sua Família
para Lisboa, e que sendo filho de Coimbra, onde se massacrou a mocidade
Brasileira que ali estudava, é ele recebido de novo no nosso Brasil, com a alma
naturalmente carregada de remorsos pelo que fez aqui, e disse ali, e tanto que
quando em Lisboa pediu os seus passaportes, o Ministro respondeu: “que vai
buscar este homem ao Brasil, depois de ter falado tão contra ele: dando-se-lhe
4 mil cruzados de renda, que podia ter um nosso Brasileiro, a preferência
até que aquele teve a Bento da Silva Lisboa, por ser este Brasileiro, como o
mostrei, pois só teve acesso à Secretaria, depois daquele frisante Sentinela,
Pio Antonio dos Santos, que depois da sua estória escandalosa neste Rio é
admitido, na volta de Portugal; o indigno Coronel Engenheiro Salvador, que
tendo servido a Madeira, contra a nossa Pátria, é hoje Inspetor do nosso
Arsenal do Exército, com admiração dos Brasileiros, e com soldo dobrado
tirando-se um Brasileiro deste emprego, para ele o ocupar, fato este que não
podem tolerar os mesmos Brasileiros. Enfim, o que se tem praticado com o
dito Pernambucano, e para o que remeto-me à mesma Folha 18, parecendo

835
justiça mais que de Mouro, o que com ele se tem feito, sendo um benemérito
da Pátria: e mostrem-me algum Português que tenha nessa ocasião, feito nem
mais serviços, e nem sido tão perseguido como ele.
E ultimamente no dia natalício de Sua Majestade Imperial: não vimos,
tantas anomalias escandalosas nos despachos? Este Ministro da Guerra, não
tirou o hábil Tenente Coronel Francisco de Paula do Batalhão de Artilharia,
para o Batalhão de Posição dos Libertos, para entrar em seu Posto, Bracete,
que era apenas graduado Major, levando, este pode-se assim dizer, três Postos
de uma assentada, e o outro no seu mesmo posto? E por que se fez isto: não
será porque o primeiro é Brasileiro, e o segundo Português? Ao Coronel
Joaquim Francisco, vindo da Bahia, onde fez tantos serviços à Pátria: o que
lhe deram? Um hábito da Ordem do Cruzeiro, que se tem dado até por galan-
teria, a quem não tem serviços, fazendo-se ao mesmo tempo Comendador
da mesma, ao português Antonio José de Carvalho, além de o promoverem
simultaneamente ao posto de Capitão de Fragata, sendo apenas Capitão
Tenente? Quando todo o mundo sabe, que ele a bordo da Nau Almirante,
por quizílias com os Ingleses, sempre esteve no seu camarote, por doença? E
não nos consta de outros serviços que tenha feito, para tanto merecer. E quase
todos os Oficiais de Marinha Brasileira, como o primeiro Tenente Araujo,
o segundo Camilo de tal, e outros, foram promovidos a alguns postos, ou
tiveram hábitos, Comendas etc.?
Vamos ao fim do teu infame Papel, intitulado Ordem do Dia, só capaz
para guardanapos, (até para enredares, e desacreditares o Quartel General,
mas por ser o General Brasileiro) já apelidas aos Portugueses, Brasileiros
aborígines!!! Quem te deu essa liberdade? Só se não sabes a significação desta
palavra = aborígines, quer dizer = primeiro habitantes de um País, então Senhor
Silvestre? Os Portugueses hoje Brasileiros aborígines, vêm a ser, os Senhores
do País, vindo por conseguinte, os indígenas a descenderem deles; mas tu
bem vês que isto não é assim. Quando os Portugueses descobriram o Brasil
não o acharam ermo, acharam-no tal e qual povoado, logo, os Portugueses
não são os primeiros habitadores do Brasil, logo não são aborígines, e por
consequência, não podem tomar o nome de Brasileiros, porque este nome é
só próprio de quem nasce no Brasil: assim como tu que és Português, porque
nasceste em Portugal; e se dizes isso, por te fazeres espertinho; crê que, nem
Deus te pode fazer Brasileiro, e só o poderias ser, em sentimentos, se fosses
homem de bem, que o não és, de que todos estamos disso convencidos.
Pelo que avanças, por quereres disfarçar a razão da preferência que
tiveste, e os dois Portugueses nas nomeações da Embaixada para Alemanha,
que bem sabes qual ela é: que os Soberanos da Europa não querem classificar

836
entre as pessoas homens só por serem mações: quando lá já te gabaste de o
ser: e sustentas que os Carbonários foram os Emissários, que a grande Loja
de Lisboa deputou: para que mentes, e falas no que não sabes? Responde-me?
= Toriade que tinha ido daqui, João Francisco de Oliveira que não estava
em Lisboa, Lage, Pereira, e ainda outros de que agora me não recordo, e o
mesmo João Bernardo que estava em Inglaterra, eram Carbonários de Lisboa:
Melhor seria que alguém te metesse uma rolha nessa maldita boca, e que fosse
de uma coisa que eu sei.
Quem não sabe, que pelo sistema antigo, os Brasileiros foram sempre
escravos dos Portugueses? E não é neste sentido que se falou? E oxalá que
assim não fosse, que os nossos antepassados teriam sido alguma coisa, e
nós estaríamos de outro modo adiantados. E o Manifesto de Sua Majestade
Imperial, feito às Nações, diz pouco a este respeito? Cala-te infame, embus-
teiro, que já só procuras adular, a ver se apanhas mais alguma coisa: mas toda
a Nação bem te conhece e neste País não podes mais fazer fortuna: retira-te
quanto antes, enquanto o teu amo se acha no galarim, que talvez lhe dure o
mando pouco tempo.
Dizes mais, que o dito Pernambucano foi chefe de Tesourarias, e Oficial
Maior do Erário? E então querias que ele estivesse servindo em Portugal alguns
16 anos, onde fez tantos serviços, como se pode ver no Astro da Lusitânia de
29 de Julho de ano de 22, e nas maiores crises, como foi, a da entrada dos
Franceses, e com habilidade, e que não subisse a nada, nem aos acessos que
lhe competisse? Pois sabe, que até foi muito mais honrado do que muitos dos
teus Patrícios que alguns morrerão de garrote no cais do Sodré por serem
traidores à Pátria, porque antes correu o risco de emigrar, para a Esquadra
do Coston, de que servir com eles, e foi fiel sempre ao Governo Português.
Enquanto aos Requerimentos, para o foro de Fidalgo Cavaleiro,
Comenda, e ser graduado Oficial Maior da Secretaria; quem nos mostrou,
falando ao segredo devido, porque também te não disse de que tempo eram
eles? Seria preciso que o Pernambucano fosse ainda mais célebre, e extrava-
gante do que um Diógenes, se, servindo naquele tempo, não requeresse, ou
não quisesse, o que pelo seu serviço, e graduação, competia-lhe, vendo dar-se
ao mesmo tempo as mesmas graças a outros Companheiros em menores
circunstâncias do que na dele; e enquanto a graduação de Coronel, essa já a
tinha; enganou-se o meu Silvestre, e deu coices à vontade. Os Requerimentos
saibam todos, são do ano de 1818, e não é nenhum deste tempo, pois que ele
não tem pedido agora, se não os seus vencimentos, que com mais de 30 anos
de serviço os alcançou, e nem quer outra coisa.

837
A Lei de represália, foi sempre de se fazer aquilo que nos fazem. Agora
consta-nos pelo Eco da Pátria da Bahia, que o Rei de Portugal, mandou
despejar, dentro de 48 horas os Estudantes que estavam em Coimbra. E por
que se não há de fazer o mesmo aos maus Portugueses, principalmente aos
patifes intrigantes, e que comem soldos, e ordenados do nosso Tesouro, como
a este traste que por ironia lhe chamo Silvestre José, que se acha aqui, não
só enredando tudo, como servindo de espia, e veículo do Conde de Palmela?
Creio que ficas bem servido, ó meu Silvestre, com a dose que te dou, e
se achares pouca, volta, que ainda tenho com que te possa servir.

O Mesmo Brasileiro da Roça.

____________________________________________________________
RIO DE JANEIRO. NA TYPOGRAPHIA DO DIARIO. 1823.

838
65

[CARTA EM QUE SE DESCREVEM AS FESTAS REALIZADAS NA


CIDADE DE PARANAGUÁ POR MOTIVO DA ACCLAMAÇÃO DO
IMPERADOR PEDRO I]
Paranaguá, 31 de Outubro de 1822.
MEU prezado Amigo. Neste canto, onde me acho, nunca vi este povo com
mais júbilo, e devoção como nesta festa da Aclamação do Nosso Imperador, a
qual passo a te expor, pois te admirarás por conheceres a pobreza desta Vila.
Logo que chegou da Corte do Rio a Sumaca Estrela com a feliz notícia
acima exposta, sem esperar comunicação oficial passou a Câmara a pôr Edital
para que a Vila se iluminasse por 3 dias até chegarem os Ofícios, o que foi
cumprido à risca com o maior entusiasmo possível: daí a 5 ou 6 dias chegou um
Oficial pela linha de Parada com Ofícios do Governo da Província, declarando
que era justamente no dia 12 do presente a Aclamação do Nosso Augusto,
então o novo Governo de mãos dadas com o Desembargador Sindicante, cada
um pela sua repartição deram as maiores provas de decidido amor, e fideli-
dade à Santa Causa da minha Pátria: logo se deu ordem para que o Batalhão
se achasse nesta Vila, o que foi executado com a maior prontidão: achava-se
o Corpo da Câmara reunida nos Passos do Conselho estando à testa dela o
Ilustre Desembargador, e nela depois de exarados os termos de fidelidade e
obediência, em que todos os Cidadãos assinaram, saiu o Ministro à Janela
dos Passos a dar os Vivas seguintes: Viva a Religião, Viva a Constituição,
Viva o Imperador Constitucional, e Sua Imperial Família: a Tropa postada
em grande Parada com o maior asseio possível, e igualmente os seus Oficiais:
depois de repetir os mesmos Vivas deram três descargas, comandadas pelo
seu Sargento Mor Correia, que nesta ocasião muito se tem distinguido, e ao
mesmo tempo contribuído para o asseio e prontidão da mesma. O povo que
se achava em multidão no mesmo largo dos Passos, em altas vozes repetia os
mesmos Vivas, levantando as mãos ao Céu de júbilo, e eu vi muitas pessoas
derramarem lágrimas pelo amor e devoção que consagram a este feliz César
Constitucional. A mesma Câmara determinou mais 9 dias de luminárias, que
o Povo com o entusiasmo, em que se achava, ainda dizia ser pouco tempo.
Logo que amanheceu recebi ordem do Governador para mandar Embandeirar
as Embarcações surtas no Porto, e salvarem, o que fizeram com gosto, e entre
elas se achava um Navio Sueco, que pelo grosso calibre de sua Artilharia,
deu novo tom, e fez mais respeitável este aplauso Naval. Dirigiu-se a Câmara
à Matriz com o Governador, Nobreza e Povo, e depois de se dar graças ao
Ser Supremo por tão feliz assunto com Missa Cantada, Te Deum e Sermão

839
análogo, recitado pelo Reverendo Vigário Joaquim Julio: ao sair da Porta da
Matriz, tornou o mesmo Doutor Ouvidor a dar por três vezes os vivas acima
ditos, e o Batalhão que se achava postado em frente, depois de jurar defender
a Santa Causa do Império, e do Imperador, tornou por 3 vezes a dar descargas
imprimindo no povo um santo terror com o tom Marcial: a este ato de novo
se entusiasmava o povo atirando ao ar chapéus, lenços, e penso que até os
mesmos corações. De noite deu o novo Governador um esplêndido refresco
aos principais do povo, e saiu a correr todas as ruas com Música, cantando
o Hino da Independência, então se achavam as ruas entulhadas de gente, que
com a iluminação fazia este ato bastante majestoso. O Capitão Mor Pereira na
iluminação que fez, apresentou em um Pórtico forrado de Damasco o Retrato
do Nosso Augusto Imperador, com a iluminação à roda do Busto de Tochas
com bastante decência: este mesmo Capitão Mor, deu em outra Noite, outra
igual mesa de refresco onde se acharam as pessoas das classes distintas; nos
intervalos cantava a Música o Hino, e se davam muitos vivas ao Imperador
e ao Império, o que era respondido pelo povo, que nunca cessava de se achar
onde sabia se faziam estes aplausos. Os Senhores Europeus habitantes desta
Vila, têm mostrado igual amor à Causa Santa do Brasil, e entre eles são muitos
aceitos, o dito Capitão Mor e o Sargento Mor Correia; o novo Governador, e
o Desembargador têm feito Época nesta Vila a favor da mesma, e deste modo
eles têm acendido no espírito público aquele sagrado fogo, que em todas as
Épocas tem produzido Heróis: e desta maneira meu caro Amigo: somos aqui
felizes, vivemos tranquilos sem rivalidade alguma.
Há 5 dias fui assistir à Festa do Rossio (sendo o Juiz da mesma o nosso
Amigo José Ricardo) e nela fui convidado para uma esplêndida Mesa, nela
nunca cessou o Governador com o seu costumado entusiasmo de dar Vivas
ao Imperador e ao Império.
E nesta ocasião Dona Joaquina, mulher do Sargento Mor Correia,
em um brinde ou saúde, publicamente disse, que o maior apreço que nesta
época fazia de seu Marido, era o conhecer nele verdadeiro amor e decidido
Patriotismo pela causa do Brasil, por onde no meu conceito a emparelho com
as mais Ilustres Matronas Romanas: além de outras que entre nós têm igual
sentimento. Hei de estimar que Deus te Guarde por muitos anos, e que não
te esqueças deste que
É teu Fiel Amigo

Manoel de Araujo França.

____________________________________________________________
RIO DE JANEIRO. NA TYPOGRAPHIA NACIONAL. 1823.

840
66

COPIA DE HUMA CARTA


Vinda de Pernambuco, na qual se relatão os desastrozos
accontecimentos, desde a entrada do Sargento Mór Pedro da Silva
Pedrozo, no Governo das Armas daquella Provincia, até á sua prizão, e
remessa a esta Corte do Rio de Janeiro.

Caro Amigo
Pernambuco 4 de Março de 1823.

VOU-LHE contar os tristes acontecimentos da nossa desgraçada Pátria, bem


que algumas coisas me escaparão pela confusão de minha cabeça, porém apelo
para as participações de outros, que o façam mais circunstanciadamente. João
Xavier aqui chegou no dia 28 com perfeita saúde, o que muito estimei por
ser restituído um honrado Patrício ao seu País, e dignamente condecorado.
Não falo dos sucessos atrasados, de que você está ao fato, mas direi
os que se têm seguido mais notáveis praticados pelo Pró-cônsul Pedrozo,
havendo depois do sucesso do Quintella outras muitas anedotas, que seriam
dignas de referir, se me tivesse lembrado fazer um diário: referirei somente
aquelas, que têm abalado muito os ânimos dos Cidadãos desta Província. Já
há de ter sabido das prisões de 162 Europeus, que Pedrozo mandou proceder
a rogo dos seus aguazis, que levavam à frente um literato de nome Jacinto
Moreira Severiano da Cunha, pelas quais se procedeu num conselho, que
durou dois dias, em que foi resolvida uma Comissão para conhecimento dos
crimes dos miseráveis, que a arbitrariedade, e o desenfreamento massacrava:
de fato os julgadores procedendo de uma maneira honradíssima, e justa, em
poucos dias todos foram postos em plena liberdade, sem se acovardarem dos
inimigos, e do seu tirano; o Senhor Literato vendo-se abocanhado, e coberto
de confusão declarou-se na Pernambucana Número 6, que teve sua resposta
na mesma, Número 7, que ambas lhe envio. Seguiram-se depois outros fatos
menos estrondosos, porém de peso, como ficar impune, uma frota, segundo
me disseram, de artilheiros, e monta-brechas em Número de 30, tudo gente
de cores, que foram à Junta da Fazenda, ora em Palácio (pelo desastre acon-
tecido no Erário de se abater o teto com os telhados) e fizeram um tal alarido,
batendo por cima dos bancos para logo, e logo se pagarem (não sei o quê)
aliás que se achavam os morrões acesos; daí a dias o grande Lanoia desem-
bainhou a espada, e pôs-se a esgrimar com ela debaixo da porta da sala do
Governo a querer falar com este para lhe perguntar o porquê lhe não pagava
o soldo de Alferes, e sim o de tambor, e isto ao pé da Secretaria, onde estava o
Governador de Armas, e também ficaram impunes, alguns de Monta-brecha,

841
outros de Bravos da Pátria, e Intrépidos, apoiados pelo seu Pró-cônsul, que
ora se fazia mulato, ora preto, procurando alistar-se em suas Confrarias,
banqueteando-os, e dando-lhes toda a ousadia, soltando das prisões alguns
sentenciados, outros sem lhe deixar formar culpas, mandava abrir devassas,
despedia carcereiros, criava outros, numa palavra, era um Ditador Romano;
no meio destes e outros desvarios, em que toda a gentalha, e a maior parte
de pretos, e pardos, principalmente fardados, olhavam para um branco como
objeto desprezível, apelidando-os caiados republican[istas] e outros dichotes,
que bem ameaçavam um futuro triste, e funesto; é sim num destes desvarios
que no dia 22 mandou dentro do Palácio prender um homem, Alferes de um
fortinho de fora, de nome Taveira, pelo pretexto de se lhe não ter apresen-
tado; o dito Alferes estava em serviço da Junta do Governo, e teve ocasião
por placeat1 do seu condutor falar à Junta, dar parte da sua prisão, e da sua
impossibilidade de cumprir seus mandados; a Junta querendo-se informar
da causa da prisão oficiou a Pedrozo, e entretanto reteve o preso na sala das
Ordens, Pedrozo não lhe responde senão em palavra que lhe mande o preso,
a Junta não o satisfazendo, saiu da Secretaria, dirigiu-se ao Quartel buscar
3 peças de campanha, pôs defronte do Palácio, o mandou dizer à Junta que
escolhesse ou o preso, ou o Palácio abaixo, e que todos morreriam debaixo do
seu fogo; depois de algumas mensagens onde entre elas vociferava, dizendo em
alto tom, que todos eram Republicanos, que queriam fazer República, destruir
a Religião, e que só destes acontecimentos não era o Senhor Paula porque
este era homem de bem que só ele bastava para governar a província, com o
Senhor Paula etc, etc. Veio finalmente o preso, que o levou conquistado para
o Quartel com as suas 3 peças. Veja você, Meu Amigo, quantos emissários
passariam a propagar as indiscretas expressões deste malvado? O Governo
da Província tomou logo medidas para se apoderar da força, que estava nas
mãos deste diabo, e ordenou ao Aleixo, que lhe tomasse a Artilharia, o que o
fez de assalto na noite desse dia, com os seus soldados do Batalhão; Pedrozo
sabendo tudo foge para os Afogados, corta a Ponte, e ali principia a fazer-se
forte com pouca gente, mas em pouco tempo se foram chegando seus afilha-
dos, entre os quais se distinguiu o Quaresminha com parte de sua Guerrilha,
de maneira que pela madrugada a Junta manda tocar rebate, guarneceu os
pontos de Artilharia, e fez marchar o 1.º, e 2.º Batalhão para os Afogados a
prendê-lo; porém uma Guerrilha das 5 Pontes ataca um dos Batalhões pela
retaguarda, e depois se vai unir com Pedrozo, de maneira que pegaram em
combate das dez até onze e meia do dia; em pouco tempo ele se viu socorrido
por muitos soldados, que guarneciam os pontos na Praça, e fugiam com as

1
Aprovação.

842
armas para sua parte, nesta ocasião Lanoia, Brasil, Bernardino, e outros
gritam no pátio do Palácio, viva Pedrozo nosso Governador das Armas,
tudo corre a seu favor e apenas ficaram as Milícias, e alguma Tropa franca:
o Governo ordena a Aleixo, que a faça acompanhar livre para a Praça com
os mais Oficiais, fez recolher a Tropa das guarnições, que já era pouca, e
montaram-se a cavalo para os matos: à tardinha entra Pedrozo sentado em
cima de uma peça carregada por gente descalça, e recolhe-se para sua casa,
onde se pôs a dormir logo que chegou. O modo de como ajuntava a gente
dos arrabaldes, era dizendo que o Governo queria formar República, e que
as Igrejas se achavam abertas com os seus Santos sem alfaias, e lançados por
terra; tais foram as preocupações com que semelhantes facciosos entraram
na Praça, e então se tornaram mais desaforados.
É de notar que antes deste sucesso o Governo da Província (não me
lembra por que motivo) pretendeu tirar por bem o poderio das armas do
Pedrozo, um dia trabalharam muito, e com tais razões, que o conseguiram,
por um termo, passando-se logo as ordens aos corpos, participando da sua
demissão; Paula a quem não convinha Pedrozo largasse as armas, porque só
assim se julga seguro na Junta, sai do Palácio, daí a pouco entra com alguma
molecagem, e na porta da rua onde já Ludgero tinha com as suas vociferações
juntado outra, e fez o Paula esta fala. = O Senhor Pedrozo pediu demissão
do Governo das Armas, há dois partidos o menor aceita e o maior quer que
ele continue a ser o governador das armas, que dizem vossas mercês? Grita
Lanoia, e outros, ninguém há de ser Governador das Armas senão o Senhor
Pedrozo, e assim gritaram todos; subiu o Paula, e disse a seus companheiros:
o Povo não quer que o Senhor Pedrozo seja demitido, e eis aqui o Pró-cônsul
de novo restabelecido, e mandou-se caçar as ordens. Continuo o aconteci-
mento do dia 22. Retiram-se todos os Membros da Junta para vários pontos,
e depois a reunir-se no cabo como depois se soube, menos o Senhor Paula
Gomes, que não tendo valor de perder o benefício, esquecendo-se de seus
companheiros, e da injúria recebida e de outra, que Pedrozo há dois dias lhe
havia feito de soltar a Barcellos, que ele Paula tinha mandado prender, por
ser descomposto dos nomes mais injuriosos na pretensão, que teve de querer
que o dito Barcellos obedecesse, e reconhecesse a ele só como se fosse todo
a Junta. Esquecido de tudo isto deixou-se ficar em casa de Manoel Correia
Maciel, no Poço da Panela, por instâncias de José Fernandes Gama, um dos
Mentores de Pedrozo, e pela manhã do dia 23 mandou dizer por escrita ao seu
Governador de Armas, que ele queria voltar para o Governo, porém que tinha
medo de entrar na Praça; a este tempo o Bifronte Ludgero já tem trabalhado
com o Pró-cônsul para receber o seu Amigo Paula pomposamente, como o fez
chegando ao pátio do Palácio o dito Paula, na frente de um grande piquete

843
de Cavalaria aí recebeu de Pedrozo vivas, e mais outros elogios pronuncia-
dos da varanda da mexeriqueira, desmontou-se o Herói, e foi levado para
cima com o acompanhamento dos Oficiais Militares etc. No dia seguinte 24
escreveu Pedrozo um Oficio chamando as Câmaras de Olinda, e Recife; a
primeira não apareceu, a segunda não só não apareceu, como lhe mandou
uma resposta, que esmoreceu totalmente os homens de seus sinistros intentos,
e logo a Câmara do Recife baixou uma proclamação, que se imprimiu naquele
dia, distribuindo-se gratuitos na casa da Gazeta 1230 exemplares, os quais
deram ocasião a que no dia seguinte se pusessem em marcha às 5 horas da
tarde do dia 25 os dois Batalhões de Caçadores, a Cavalaria dos Martins, e
Francisco Joaquim, todas as guerrilhas, alguns Milicianos, e a maior parte
dos Monta-Brechas, e Bravos da Pátria, e a boa rapaziada paisana tudo a se
unir com o Governo, e buscar as suas ordens: entretanto const[ou-se] que
a Ilustríssima Câmara do Recife passou a oficiar à Câmara de Olinda, à do
Cabo, Serinhaém, e Santo Antão, e ao Governo Provisório da Paraíba para
cooperarem com ela na tranquilidade pública, e socorrerem esta Praça na
orfandade de seu Governo legítimo, e a qual se achava abandonada de forças,
que a segurassem; bem como a dita Câmara Oficiou logo aos Comandantes
dos Batalhões para se não afastarem dos arrabaldes da Praça, o que de todos
foi atendido, e tais providências valeram muito a esta Praça, porque o povo
se foi tranquilizando vendo que a Câmara tomava medidas prudentes, e
[pacifi]cadoras. Pedrozo vendo que a Tropa saía, e que todo o povo estava
em descontento demitiu-se do Governo das Armas inteiramente dando-se
por doente; então a Câmara dirigiu um Ofício ao Coronel José Ignácio Alves
Ferreira, a quem ele fez cessação das Armas, para que tivesse cuidado de fazer
rondar a Praça por Ordenanças, e ter toda a vigilância com Alfândega, onde
já guardas Inglesas tinham-se prevenido a rondar; os Pais de famílias também
com seus amigos, e escravos rondavam de noite, e tudo a Câmara [p]anejava
em Nome de Sua Majestade Imperial, fazendo Sessões diárias. O Governo
da Província oficiando-a lhe recomendou providenciar-se tudo quanto fosse
necessário ao bem público, e tranquilidade da Província.
Chega enfim o dia 23, sabe Pedrozo que o Governo, e a Tropa pretendem
entrar, dá-se por pronto, toma o Comando das Armas, faz abrir o Trem, e
leva o Armamento, e munições para os seu campo no Erário, entra a armar
pretos, e mulatos, forros, e cativos, e determina que se embosquem pelas
esquinas para fazer o fogo pela retaguarda da tropa quando entrasse. Tudo
era uma confusão nesta Praça, e não se esperava senão o momento da mais
cruel desgraça; ao meio dia entrou uma mensagem da parte do Governo,
e só deixaram avançar o Coronel José Camello, constou-me depois que
trazia ordem de tomar conta das Armas, e fazer recolher Pedrozo em uma

844
Embarcação; meia hora depois ouve-se uma gritaria, e um alarido, e viu-se
a mensagem correr a rédeas soltas, que logo desapareceu; inda mais esmore-
cidos ficaram os habitantes vendo que não só se concluía a paz, mas ainda
maltratavam uma mensagem, que deve ser sagrada; esperavam todos a morte,
pelos desatinos, que se seguiriam se ficasse vitorioso o campo, e partido dos
malvados. Então a Câmara do Recife como inspirada pelo Céu, e composta
de homens verdadeiramente amigos da humanidade da sua Pátria, e firmes
nos sentimentos de amor, e fidelidade a Sua Majestade Imperial se encorajou,
e fez imediatamente pregar, e distribuir a Proclamação Impressa do dia 26,
que naquele momento chegava da Imprensa, para tranquilizar o Público, e se
propôs logo a chamar a casa da Câmara em Nome de Sua Majestade Imperial
ao Governador das Armas, e fez-lhe uma fala tão tocante acompanhada de
energia, e doçura, que a Fera se converteu, a tudo quanto a Câmara lhe orde-
nasse, de maneira que em troco de algumas condições conseguiu o Senado a
deposição das Armas em favor do Governo da Província, e no ato do ajuste
aparecendo o Esquadrão de Cavalaria, Comandado por Martins, a Câmara
chega às suas varandas, e brada em Nome de Sua Majestade Imperial que
o Senhor Comandante voltasse com o seu Esquadrão para a sua retaguarda
porquanto tudo estava pacificado, o Governador das Armas tinha-se demitido
em favor da Província, e que se achava a concluir o termo para se assinar;
o Comandante obedeceu, e voltou; então o Povo da vizinhança conheceu o
quanto ao Senado se devia a salvação da Província; concluído o termo saiu
a Câmara em Corpo com o Pedrozo, e foram ao campo fazer disto ciente a
Tropa, que toda se mordia em furor: e na verdade, meu caro amigo, nunca
ninguém se metera em um detalhe de maior perigo, do que este do Senado
ir ao campo de homens celerados, e furiosos tirar de entre eles com a força
da moral o [élan] da sua esperança, e sempre supus que o Governador das
Armas com a vista dos seus defensores se tornasse inconsequente ao tratado
pela resistência, que todos lhe fizeram, e até houve quem o ameaçasse; porém
a conversão foi sólida, porque ele bradou em vivas ao Senado, dizendo que
tinha salvado a Província de uma sanguinolenta guerra civil, por efeito de
caprichos mal-entendidos, que resultavam em mortes de Irmãos com Irmãos,
que só deviam empregar suas Armas para os inimigos de fora, e que só o
Senado lhe abriu os olhos, e lhe falou com a linguagem da verdade; retiraram-se
enfim com muito trabalho, e voltaram para a Câmara, onde chegou também
o Ouvidor de Olinda pela lei, que vinha fazer outra mensagem que já não
teve efeito, e apresentou uma anistia do Governo da Província em Nome do
Imperador, que foi remetida depois no Campo com as ordens que Pedrozo
fez para se recolherem as Armas, e despedir-se a Tropa para suas casas; esta
participação não teve logo bom efeito, porque a este tempo aparecem os

845
Batalhões, e o Esquadrão de Francisco Joaquim já esfogueteados das embos-
cadas por entrar pelo Afogado sem ter primeiro inteligência com o Senado,
e assim que se apresentou defronte da casa da Câmara, principia do campo
o fogo de metralha, e eles de mosqueteria, que parecia uma batalha violenta:
o Senado entra aos brados ora de suas varandas, ora descia a rua, e entre
fogos gritava em Nome do Imperador, que o suspendessem, os estrondos
não podiam fazer perceber; mas depois que os Comandantes dos Corpos
entenderam o que o Senado dizia, recuaram, e tocaram à parada, bem que
do campo dos facciosos continuassem mais meia hora de fogo com peque-
nos intervalos, finalmente chegou a noite fechada, e tudo ficou postado na
rua do Crespo Queimado, e Arco de Santo Antonio, até o sair da Lua, que
Aleixo dispersou algumas rondas, bem como o Ferreira, que às 8 horas veio
do campo participar ao Senado que ficavam na inteligência de recolher as
peças e despedir de manhã a gente, por não poder fazer de noite; às 10 horas
o Governo requisitou Pedrozo, e que a Câmara o prendesse, mas a esta não
sendo decorosa esta ação, o objetou, e sem embargo da reflexão do Senado
novamente o mandou buscar preso por uma escolta: por hora meu caro amigo
tudo se restituiu à paz. Ora agora perguntará você quem foi a causa de tudo
isto!! Primeiro a chegada do Senhor Menezes, que inspirou na canalha uma
insubordinação atrevida; depois a vinda do Infame Desembargador Gama,
patife, mentiroso, e sem-vergonha, o maior monstro soberbo ladrão, e o
maior inimigo de Sua Majestade Imperial por causar perturbações nos seus
Estados: seu Tio José Fernandes Gama, que rasgava, e impedia que se lessem
as Proclamações da Câmara, e a injuriava de nomes petulantes, sedutor dos
pretos, por lhes inspirar o desejo de entrarem de Membros do Governo, e
nos Tribunais da Fazenda, Ludgero, Bastos, Quaresma, Lanoia, Reginaldo,
Leilão, José Candido, Caninana, Brasil, Bernardino, Frei Tabica, e outros que
lhe não sei os nomes; estes malvados não devem habitar esta Província, devem
ser divididos para diversos países enquanto outros muitos daqui devem passar
um triênio com os caranguejos de Fernando.2 A bondade de Sua Majestade
Imperial para aqui deixar estes homens vingativos, e odiosos, talvez se torne
funesta: a Província não perde nada em os perder. Perdoe uma narração tão
enfadonha, mas é preciso instruir ao meu amigo o estado da nossa Pátria...
A Deus eu fico de saúde.
Seu amigo do Coração.
Um Pernambucano Amigo da verdade.
___________________________________________________________
RIO DE JANEIRO. NA TYPOGRAPHIA NACIONAL. 1823.

2
N.O.: Ilha de Fernando de Noronha.

846
AO RESPEITÁVEL PÚBLICO

TENDO recebido de Pernambuco uma Carta, que relatava extensamente os


acontecimentos da Província até prisão de Pedrozo, e seus mais influentes
partidários, eu a li mui sofregamente, e dei a algumas pessoas; e como ela
podia servir de resposta a aqueles, que diziam que os malévolos derramavam
notícias aterradoras daquela Província, só porque ao Ministério se não enco-
bria a verdade, convim em que ela fosse impressa, e com tal sofreguidão, que
não adverti no último Artigo tão injurioso ao Desembargador Bernardo José
da Gama. Quando à minha mão vieram alguns exemplares, foi que refleti
naquela circunstância: quis cassar todos os impressos; mas era tarde; porque já
muitos andavam espalhados. Como porém a mesma lança, que abriu a ferida,
lhe deve servir de remédio; declaro à face de todo o Mundo inteiro, que me
não consta algum fato, que possa qualificar de ladrão ao dito Desembargador
Gama: que a precipitação induziu aquele descuido, que conquanto me possa
ser imputado, todavia foi um mero descuido; e que a impressão daquela Carta
teve por objeto esclarecer o Público sobre o acontecido em Pernambuco em
uma grave guerra civil, e não atacar o crédito do sobredito Desembargador,
nem a decência pública, que por esta declaração entendo satisfazer, constando-
-me que a limpeza de mãos tem sempre distinguido o dito Desembargador.
O Editor da Carta.

______________________________________________________
RIO DE JANEIRO. NA TYPOGRAPHIA NACIONAL. 1823.

847
67

JUSTIFICAÇAÕ PATRIOTICA
DEMONSTRADA EM DUAS CARTAS
DIRIGIDAS
AO MUITO ALTO, PODEROSO E MAGNANIMO
IMPERADOR CONSTITUCIONAL DO BRASIL,
E SEU DEFENSOR PERPETUO
O
SENHOR
D. PEDRO I.
PELO CIDADAÕ
DOMINGOS ALVES BRANCO MUNIZ BARRETO.
E PELO MESMO DEDICADAS NA PUBLICAÇAÕ DA ESTAMPA

AOS FIEIS, E VALEROSOS POVOS

DA PROVINCIA DA BAHIA,
SUA PATRIA

RIO DE JANEIRO.
NA TYPOGRAPHIA NACIONAL.
1823.

848
DEDICATÓRIA
AOS HONRADOS HABITANTES
DA
PROVÍNCIA DA BAHIA.
Metido tenho a mão na consciência
E não falo senão verdades puras.
CAM.

VALEROSOS PATRÍCIOS.

SE na agitação porfiosa, em que lutastes, Senhores, eu não compareci para


vos ajudar braço a braço a salvar a Pátria dos abismos, em que se achava
precipitada, não dependeu de mim o verificar-se ardente desejo, que tinha
de me unir a vós. O amor da Pátria para o Cidadão honrado não é nome em
vão. E se até agora não pude manifestar-vos tudo quanto por ela, e por vós
tenho feito, foi por se achar, como sabeis, interrompida a vossa comunicação
com esta Capital. Oxalá, que só de mim dependesse o remediar em tempo os
vossos males, e punir os vossos opressores!!
Agora porém que vos achais em repouso, e que recobrastes a vossa
desejada liberdade, eu vou congratular-me convosco, e dar-vos uma decidida
prova do meu fiel, e honrado comportamento para com a nossa cara Pátria.
Aceitai portanto, Ilustres Compatriotas, a publicação, que agora faço pela
estampa, de duas Cartas, que tenho a honra de vos dedicar, e que por mim
foram dirigidas ao Nosso Adorado, e Augusto Imperador, quando as Tropas
Lusitanas, comandadas pelo prepotente Madeira assolaram a bela Capital
da nossa Província.
Elas servem de testemunhar o meu zelo, e a energia, e entusiasmo, com
que promovi os auxílios, de que então necessitáveis, e das instâncias, que fiz,
para que as providências se não retardassem em vosso socorro; e até encarei
com fortaleza os obstáculos, que se opuseram para impedi-las. Se as minhas
vozes fossem ouvidas, e acreditadas, a muito tempo há, que vós estaríeis
gozando em plena tranquilidade dos frutos de pacificação, e do vosso estado
Político. E se assim não sucedeu, não foi por falta das minhas diligências,
nem porque as minhas instâncias deixassem de ser atendidas pelo Augusto
Imperador, que acessível a elas, mostrou sempre a mais decidida vontade de
proteger-vos, e de remediar os vossos males.

849
E como me tenho proposto a publicar pelo Prelo um esboço instrutivo,
e preparatório dos primeiros acontecimentos da nossa Emancipação, com
todas as particulares circunstâncias, que a precederam, para que possa servir
de guia à amestrada, e hábil mão, que se encarregar de escrever a História da
nossa justa, e feliz Independência, com a necessária amplidão, que me negam
os meus curtos talentos; então pelos fatos vos serão patentes os nomes dos
Demagogos, nossos inimigos, que retardaram as providências, que se deviam
dar no instante [j]á em que se manifestou a desgraçada catástrofe, com que
fostes oprimidos; assim como os daqueles Cidadãos Beneméritos, que mais
se distinguiram em serviços, e foram os primeiros, que proclamaram, e efetu-
aram a nossa venturosa Independência, para que lhes não possa ser roubada
a glória, que merecem, por invejoso, e falsos filhos da nossa ambicionada
Pátria, que só se ocupavam em serem dispargidores de intrigas, e de cizânias,
contra os Cidadãos pacíficos, úteis, e zelosos, derramando a plenas mãos a
discórdia geral, e promovendo a guerra civil, tanto nesta Capital, como nas
suas Províncias.
Estes eram pois, amados Patrícios, os alicerces, com que tais mons-
tros pretendiam cimentar o Magnífico Edifício da nossa Liberdade, e
Independência, que tendo sido espontânea, e concorde, parecia ter sido feita
pelo meio da força, e de conquista, que para se poder sustentar era necessário
estabelecer o terrorismo o mais ingrato, e absurdo. As provas destas verdades
as achareis pela estampa em seu devido tempo, e lugar.
Eu fui também vítima, caros Patrícios, da maldade desses perversos
vaidosos, que se persuadiam ser a raça escolhida no Brasil para governar, e
tudo o mais diversa raça condenada a obedecer-lhes; e que, invejosos de não
terem tanto, que apresentar, como eu no serviço da Pátria, por isso mesmo
me odiaram, e perseguiram, até fazendo-me encarcerar, e processar como
Réu de Inconfidência. Eles bem sabiam quais tinham sido os meus esforços
pessoais, e mesmo por escritos publicados pela estampa em defesa da nossa
justa Causa. Não ignoravam esses monstros da espécie humana, que eu fui o
da primeira lembrança, que promovi o Título de Defensor Perpétuo do Brasil
ao Nosso Augusto Imperador, e que foi a tábua de salvação deste Império.
Mas nada foi bastante para estimular as suas depravadas consciências. Esta
foi pois, Honrados Patrícios, a remuneração que tive de tão assíduos serviços.
Por este injusto procedimento eu vos devo também prevenir, para que
vos possais regular acertadamente nas conjecturas, que tereis feito sobre o
meu comportamento Militar, julgando-me talvez criminoso, ou inábil, pela
nulidade, que me tendes visto, sem me conferir acesso de Posto, nem exer-
cício. Não é decerto, Amados Patrícios, nem por uma, nem por outra coisa,

850
que eu me vejo sepultado no mais injusto esquecimento, servindo somente de
prudente espectador dos acessos, e comissões conferidas a diversos Militares,
que por serem mui dignos, e respeitáveis, eu não me devo reputar senão depois
de todos, e não me toca decidir, se eles podiam entrar, ou não em linha de
conta, ou de preferência comigo.
Estou bem persuadido, que se há injustiça neste procedimento, como o
Público sensato reconhece, não provém do Nosso Adorado Imperador, porque
ninguém mais do que ele conhece a órbita, que regula a boa distribuição dos
Postos Militares, e Empregos Civis, ainda nas Monarquias mais absolutas,
quanto mais nas Constitucionais. Não lamentarei as injustiças que sofri, do
Ministro Caula, por evitar prolixidade. Mas não posso dispensar-me, por
justificadas, e mui plausíveis razões, de vos apresentar a arbitrariedade, que
comigo praticou o Ex-Ministro Interino Nóbrega.1
Tratava-se de aprontar a tardonha Expedição, que devia ir socorrer a
nossa Província. Ofereceram-se para se adir a ela alguns Oficiais Superiores,
e Subalternos. Eu fui um deles. Expediu portanto o Ex-Ministro Nóbrega
uma relação nominal ao Governador das Armas desta Capital, e Província,
em a qual eu era contemplado. Persuadiu-se portanto o General, que em
razão da minha Patente era considerado na qualidade de Comandante da
Expedição, e assim me participou oficialmente. Passados porém três dias,
inesperadamente, e com admiração de todos foi nomeado Comandante em
Chefe da referida Expedição, e com a Patente de Brigadeiro efetivo, o Paisano
Francês Pedro Labatut*.
Não ignorava o Ex-Ministro que dias antes de chegar a esta Capital a
notícia dos desastrosos acontecimentos causados pelo General Madeira, eu
tinha sido chamado pelo Excelentíssimo Senhor José Bonifácio de Andrada,
para me encarregar em Nome de Sua Majestade Imperial a árdua, e arriscada
comissão de embarcar, sem perda de tempo, para essa Província, para nela
promover a sua união à Capital do Império, ou fosse usando da sua persuasão,
ou da força armada. Ficava portanto evidente, que se eu era então capaz de
comandar a força armada em revolução, muito mais o era para a comandar
em destacamento.

N.O.: Luís Pereira da Nóbrega de Souza Coutinho.


1

*
É constante que este Emigrado Francês fora inculcado pelo Padre Mestre Frei Francisco
de São Paio, Religioso Franciscano, ao Senhor José Bonifácio de Andrada, por ser seu
Compadre. Se assim é, não podia haver um inculcador, que devesse merecer mais crédito,
e atenção; visto que nos Almanaques, mais exatos dos Exércitos da França, não se acha
o nome deste Guerreiro.

851
Hesitei por alguns dias em decidir-me. Por uma parte via a Pátria opri-
mida, e sacrificada. Pela outra a honra militar ultrajada. Decidi-me porém
condicionalmente a combater a arbitrariedade do Ex-Ministro, oferecendo-me
a embarcar como Soldado, mas não na qualidade de Oficial General, apesar
de me achar atacado de moléstia crônica, que padeço, e com a qual pretextei
para não embarcar de outra maneira.
Teve o desacordo o Ex-Ministro de ordenar, por uma Portaria dirigida
ao Governador das Armas, que determinasse à Junta Médica, e Cirúrgica
do Hospital Militar, que me inspecionasse sobre a moléstia, que eu tinha
declarado, o que assim se executou, sem se fazer diferença de um Soldado de
leva, a um Oficial General. Neste infeliz lance lembrei-me por muitas vezes
do nosso Mestre da Arte da Guerra o Grande Frederico. Se Ele existisse,
e soubesse deste injurioso acontecimento se cobriria de luto, e se o Nosso
Augusto Imperador o não fez, foi porque o ignorou, e nem eu me queixei. Eis
aí, Amados Patrícios a razão, por que não me vistes unido àquela Expedição,
como tanto desejava, e ambicionei.
Contudo não foi o meu ressentimento tanto por me ver desprezado por
um Paisano Emigrado, como por dar o Ex-Ministro ocasião ao Congresso de
Portugal de nos poder replicar pela mais escandalosa, e manifesta contradição;
porque: tendo sido uma das queixas do nosso Ministério Brasílico, até mesmo
expendida no seu Manifesto geral, o de não terem as referidas Cortes nomeado
a Brasileiro algum para o Governo das Armas das Províncias do Brasil, com
que glória, e satisfação não contraviriam as mesmas Cortes em sua defesa
à vista de uma tal nomeação, e não só sustentariam, mas provariam, que
tanto era verdade não haver Brasileiro algum, que o merecesse, que o mesmo
Ministério, que disso se queixava no precitado Manifesto, não tinha achado
um Nacional, que fosse capaz de comandar a Expedição para a Bahia, sendo-
-lhe até necessário pela insuficiência dos Naturais, de lançar mão, não de um
Estrangeiro, que já estivesse ao nosso soldo, mas de um Paisano Emigrado!!!
Quanto ao comportamento Militar, e Civil, que Labatut teve na sua
comissão, não pertence a este lugar. A História da nossa revolução decantará
os seus bons, ou maus feitos.
Caros Patrícios! Tenho concluído a minha narração. Aceitai quanto
tenho escrito, se não com eloquência, decerto com verdade. Glória a todos
aqueles, que se têm afadigado, e afadigam pelo nosso bem, e prosperidade.
Glória aos que nos livraram do abismo servil, e colonial. Glória ao Congresso
Brasílico, que pela Constituição, que fizer, porá o último selo à nossa justa
Liberdade, e futura felicidade. Tende, Amados Compatriotas, confiança em o
Nosso Augusto Imperador, que sábia, e desveladamente cuida dos interesses

852
gerais do Brasil. Não é por Ele que nos têm vindo alguns males. Tudo quando
aparece na Administração Pública, deliberado com acerto, é obra Sua, e o
injusto, com ofensa da Lei, não é d’Ele. Assim já o demonstrou com verdade,
e judiciosamente o Redator da Malagueta, e o ratifica o vosso.
Patrício fiel, e amoroso

Rio de Janeiro 16 de
Setembro de 1823.

Domingos Alves Branco Muniz Barreto


Cópia da Primeira Carta, escrita a Sua Majestade Imperial,
quando se achava em Minas Gerais.

SENHOR.

OS CIDADÃOS naturais da Província da Bahia se acham sem Pátria. Sim,


Senhor, não é Pátria aquela onde o Governo é dirigido por facções, e onde os
laços sociais são interrompidos, e dilacerados por violências as mais atrozes
contra Povos pacíficos.
A turbulência, e sedição dos que deviam ser seus defensores (as Tropas
Auxiliadoras de Portugal) mancharam os vínculos que os prendiam aos Povos
em fraternal união com sangue, e carnagem, sem haver motivo que excitasse
tão insolente, e horrível barbaridade, nem mesmo provocação da parte da
Tropa do País. Não houve crime que não cometessem, como se fossem nossos
jurados inimigos. Violaram as clausuras, e uma tão respeitável, como virtuosa
Abadessa, depois de terem recebido das suas mãos o ouro com que pretendia
comprar a existência da sua vida, e das suas súditas, a traspassaram com
uma baioneta. Saquearam os Templos, e os Tesouros Públicos, e Militares,
e entraram à força armada nas casas dos Cidadãos para roubarem o que
nelas havia de mais precioso, destruindo o resto que não podiam conduzir.
Até não perdoaram a um respeitável ancião de 70 anos, que tendo toda a
sua vida prestado serviços à Pátria, no ensino de Gramática Latina, teve em
recompensa o ser traspassado com uma baioneta, estando pacífico jantando
em sua casa. Muitos Pais de família, lutando com a morte, viram antes que
espirassem traspassar também os peitos das esposas, e dos tenros filhos para
que assim aquela que fosse mais penosa. E o resto que escapou a tais atroci-
dades, parece que só lhes foi concedida a vida, para, à vista de tão horroroso

853
espetáculo, apetecerem a morte. E ainda não satisfeitos com tanta barbaridade,
entregaram-se por último à mais desenfreada impudicícia, sem respeito às
virgens, e ao tálamo conjugal, e só lhes faltou violarem os sepulcros para ver
se neles achavam ouro.
Os Chefes Militares, e Oficiais, em lugar de darem ativas providências
para precaver os horrorosos males da anarquia, pelo contrário apoiaram
mais os excessos daquela desenfreada licença, consentindo até, que um
corpo volante de marujos armados se lhes unisse, para crescer a partilha das
extorsões que fizeram.
Em tal estado de devastação da mais bela Cidade do Brasil, os seus
habitantes abandonaram as suas casas, e procuraram refugiar-se para partes
remotas, visto que nem os Templos lhe[s] podiam servir de asilo para esca-
parem à tirania de tão infames inimigos.
Este horroroso, e aflitivo espetáculo pede, Senhor, alta vingança, e exige
providências prontas, terminantes, e seguras. É necessário, sem perder tempo,
adotar um Plano enérgico, até para obstar que a raiva de Povos oprimidos
passe à desesperação. Antes que esta chegue Vossa Alteza Real a deve evitar
fazendo, quanto antes, voar os meios que tem à sua disposição para socorrer
a mais útil, e rica Província do Reino do Brasil, que como seu Regente lhe foi
entregue sem alguma separação das outras.
Os ânimos dos honrados habitantes daquele desgraçado País se acham
inflamados pela Causa do Brasil, e de Vossa Alteza Real; que é a da razão, e
da justiça. Somente necessitam de apoio seguro contra os facciosos, e inimigos
da Pátria.
Não hesite Vossa Alteza Real nenhum só momento, em que lhe não
compete providenciar os acontecimentos de uma Província que se acha sepa-
rada, e lhe não está sujeita. Esta separação quando de fato, e de direito não
estivesse nula, e reprovada pela vontade geral que tem manifestado a maior
parte das outras Províncias, querendo sustentar a categoria de Reino com a
união de todas, bastaria, o direito de aliança, e as relações continentais, para
Vossa Alteza Real em circunstâncias tais, tão imprevistas, e de tanto peso,
dever acudir, e defender, com sábias, prontas, e enérgicas providências, a
devastação de um Continente sacrificado pelo mais bárbaro despotismo
militar, evitando assim que continue a efusão de sangue, a sua destruição, e
última ruína.
Ainda mais, Bom Príncipe, quando Vossa Alteza Real tem altamente
manifestado a mais escrupulosa obediência, e respeito a Sua Majestade, Seu
Augusto Pai, Vossa Alteza Real, Senhor, não intenta conquistar Províncias
inimigas; pelo contrário Vossa Alteza Real põe em prática os Direitos que

854
lhe são inerentes pela delegação do Poder que lhe foi conferido, e defende os
interesses do Reino do Brasil, que também são comuns a Portugal.
Apresse-se Vossa Alteza Real em evitar a continuação de males tão
espantosos, e extraordinários, e quando parece estarem reservados para os
nossos dias. Esta é uma causa que pertence ao Trono que Vossa Alteza Real
algum dia há de dignamente ocupar. Desembainhe Vossa Alteza Real a espada
da Justiça, pois o caso assim o pede, e o mesmo decoro também exige, que a
não meta na bainha senão depois de tranquilizar, e de restabelecer a paz entre
os pacíficos Cidadãos daquela Província, castigando a audácia dos facciosos
Lusitanos. Vossa Alteza Real tem súditos fiéis, e cheios de coragem. Não vai
como inimigo invadir um País estrangeiro, vai sim libertar a Povos oprimidos
pela tirania, e que pedem vingança estimulados por injúrias, e atrocidades que
não provocaram. Os Povos, Senhor, têm a maior confiança na Proteção de
Seu Amado Regente. O mal se mudará em bem, se Vossa Alteza Real puser
em exercício a Sua Sabedoria, Coragem, e Atividade. Confiado eu nestes
atributos, na constância de ânimo, e firmeza de Caráter de Vossa Alteza
Real, é que me animo a oferecer-lhe em tosco esboço alguns apontamentos
tendentes ao Plano militar que se deve seguir, depois de ser aperfeiçoados por
mãos mais hábeis, e amestradas.
A Província da Bahia é composta de cinco Comarcas, e entre as quais a
que é mais interessante, no caso em que nos achamos, é a de São Jorge dos
Ilhéus; não só porque é um dos principais celeiros que a fornece, mas por ser
a única que pode cooperar com a do Norte na defesa da Província.
Quanto à comunicação marítima, apesar que a barra da Cidade da Bahia
seja em extremo espaçosa, podendo entrar por ela numerosas armadas sem
que se lhes possa obstar, contudo é inteiramente destituído de fundamento
o dizer-se que por este motivo não tem a menor defesa. Para se provar o
contrário é bastante saber-se, que em qualquer parte onde se possa tentar
um desembarque não pode o inimigo apresentar linha de batalha, sem que
seja disputado o terreno passo a passo. Fica portanto manifesto que o melhor
meio é o de um bloqueio, e deste é que Vossa Alteza Real deve lançar mão
para cooperar hostilmente com a Tropa da Província de Pernambuco que
adiante exporei.
O bloqueio deve ser composto pelo menos de 3 Fragatas, 2 Brigues, 3
Lanchas canhoneiras com uma peça de 24 na proa, e uma peça de campanha
na popa, e mais dois Penques que sejam mui veleiros, com remos próprios
para cruzarem, e se aproximarem à terra, quando a necessidade o exigir, e
trazerem as notícias dos acontecimentos. Todas estas Embarcações devem ser

855
guarnecidas, não só com a Tropa que lhe for correspondente, mas de alguma
mais que possa operar em terra se a necessidade o pedir.
Com este bloqueio ficando a Cidade privada dos víveres que diariamente
lhe são fornecidos dos portos que lhe ficam vizinhos, assim como de muitos
outros exportados das mais Províncias do Brasil, e muito particularmente
dos gêneros da primeira necessidade, que da Comarca dos Ilhéus se abunda
o mercado da referida Cidade, fica esta reduzida à fome, e à necessidade; e é
por isso que se faz também indispensável que nos senhoreemos da Ilha de São
Pedro do Morro, que é o começo da sobredita Comarca dos Ilhéus.
Esta considerável, e extensa Ilha dista da barra da Bahia 14 léguas. Da
parte do Norte está edificado um Presídio, que contém diversas fortificações,
mas que hoje se acham destruídas, e somente guarnecidas por um diminuto
destacamento que mensalmente se manda da Bahia. É portanto mui fácil
ocupar este vantajoso Posto, que a ignorância, e o desleixo dos que têm gover-
nado a Província o fizeram desnecessário. Eu governei esta Ilha, e Presídio
por espaço de seis anos, e igualmente comandei a Comarca dos Ilhéus no
tempo da guerra com a França, e por consequência sei quais são seus pontos
de ataque, e de defesa.
Tem esta Ilha uma Enseada denominada de Orepuá, que fica na costa do
mar, distante do Presídio légua e meia, que dá seguro ancorador a Bergantins,
e por este lugar é que se deve assaltar o Presídio, bem certo de que no estado
em que ele se acha não pode fazer a menor resistência.
A ocupação deste Presídio, que nas suas operações nada tem de depen-
dência do bloqueio, nem lhe causa o menor estorvo, é para nós da maior
importância, não só porque franqueia o porto às nossas Embarcações, para
ali se poderem refazer de víveres, e de aguada, mas porque assim impede, que
aqueles se transportem para a Cidade pela barra de Jaguaripe em barcos, e
lanchas, únicos vasos que podem navegar entre os baixos da mesma barra;
assim como para nos ser mais fácil fazer alguma surpresa na Povoação de
Nazaré, lugar que também fornece a Cidade de alguma farinha; e deste modo
se conseguirá um bloqueio rigoroso, e seguro. Além do que, se os Povos da
Comarca do Norte, e recôncavo da Cidade se unirem a nós, como é de espe-
rar, e fizerem causa comum contra os facciosos Lusitanos, é o local mais bem
escolhido para os depósitos de víveres, e para descarregarem as Embarcações
de carnes do Rio Grande, e mantimentos transportados de outros portos
vizinhos, para serem fornecidos os habitantes do Recôncavo, no caso de
aderirem à nossa Causa.
Evitando-se pelo bloqueio da barra a entrada de mantimentos para
a Cidade, e não tendo os consumidores para onde recorrerem senão para

856
as imediações continentais, se deve logo precaver, que também lhes falte o
recurso das boiadas, e de outros gêneros exportados destes mesmos lugares.
Para este fim, deve cooperar o Comandante do Distrito da Torre de
Garcia de Ávila, com o Governo da Província de Pernambuco, destacando
Tropas para os lugares por onde se fazem aquelas conduções.
Independente destes destacamentos, para impedir o trânsito do gado,
deve marchar da mesma Província de Pernambuco uma Divisão composta de
Tropas da 1.ª, e 2.ª Linha em nosso socorro.
A Província de Sergipe de El Rei igualmente deve cooperar. Ela foi decla-
rada Independente do Governo da Bahia por uma Carta Régia, expedida por
Sua Majestade, sem embargo do que tornou a ficar-lhe subordinada por mero
arbítrio do Ex-Governo da Bahia, que não quis cumpri-la, do que se sentiram
em extremo aqueles Povos. É bastante outra Carta Régia dirigida às Câmaras
em que Vossa Alteza Real não só lhe permita o gozo da categoria que já lhe
foi concedida, mas que lhe ordene a instalação do seu Governo, para que os
Povos se prestem com a melhor vontade a tudo quanto em Nome de Vossa
Alteza Real se lhes ordenar.
A união desta Província nos é muito conveniente, e interessante, até para
que se incorporem à Divisão os Corpos de Cavalaria que há neste Distrito;
As Tropas destacadas destas duas Províncias devem marchar até o lugar
denominado da Torre de Garcia de Ávila, onde sem dúvida se lhe unirá a
Legião de 2.ª Linha da guarnição deste lugar. Este é também o local mais
próprio para o assento do Quartel General, para daqui se tomarem as medi-
das mais adequadas, e mesmo pela facilidade das comunicações continentais,
assim como com a Esquadra pela proximidade em que fica do mar.
Os Corpos da 2.ª Linha do Recôncavo da Cidade, que têm por Chefes
os mais ricos Proprietários de famosos Engenhos, estes são os primeiros, que,
além do seu patriotismo pela boa Causa, põe-se em armas contra os tiranos
que obstinadamente quiserem sustentar a sua ousadia, passando os limites
da última extremidade.
Os bons resultados destas medidas são bem de esperar, pois que não
pode haver valor, resistência, e constância faltando a manutenção da Tropa,
e para um numeroso Povo.
Toda a habilidade, e circunspeção do Comandante General desta
Expedição deve ser o de evitar a efusão de sangue, quanto lhe for possível,
levando os seus Planos ao maior auge de prudência quanto se possa conceber,
não lhe importando mais que o de conseguir o embarque das Tropas Lusitanas
para Portugal, o que depois de se efetuar, também não deve proceder a casti-
gos por meras opiniões, que todas devem ficar no esquecimento, tratando-se

857
unicamente de reduzir o Governo Civil a um novo sistema, sujeitar a este o
Governo das Armas, e ambos à Regência de Vossa Alteza Real.
Queira Vossa Alteza, Senhor, aquiescer às reflexões que tenho a honra
de lhe transmitir, não omitindo meio que esteja ao seu alcance para se fazer
valiosas, na certeza que se assim o não fizer, e Vossa Alteza Real deixar
os facciosos Lusitanos aumentar o seu partido, recebendo novas forças de
Portugal, crescer o número dos seus sequazes, e dar tempo a iludir a opinião
pública, que por hora está a nossa favor, atrevo-me a prognosticar a Vossa
Alteza Real tristes futuros, e males incalculáveis, que agora se podem evitar,
e depois se não hão de poder remediar.
As despesas que se devem fazer com esta Expedição, não só hão de ser
ressarcidas com a desejada, e necessária sujeição daquela Província, mas reali-
zadas pelos sentimentos, e mesmo por donativos voluntários, com que os mais
poderosos, e ricos habitantes hão de oferecer, tanto por gratidão, como pelo
contentamento do seu resgate. Deus Guarde a Muito Alta, e Poderosa Pessoa
de Vossa Alteza Real por muitos, e dilatados anos como todos necessitamos.
Rio de Janeiro 3 de Abril de 1822.
Domingos Alves Branco Muniz Barreto

N. B. Esta Carta foi escrita quando o Recôncavo da Cidade da Bahia


se não achava em armas.

Cópia da Segunda Carta, dirigida nesta Corte ao Imperador,


depois de nada ter resultado, sobre as providências que exigia a
primeira, que lhe foi dirigida a Minas Gerais.

SENHOR.
NO momento em que o Brasil tocava a meta da sua ruína, e já à borda do
precipício acudiu-lhe a Providência com a vivificante luz do feliz dia, em que
Vossa Alteza Real anuindo aos votos dos bons Cidadãos da Província desta
Capital, declarou, que nela ficava para felicidade do Poderoso Reino do Brasil.
Este dia, Senhor, para ser Memorável nos fastos do Novo Mundo, é
necessário, que o Brasil conserve a sua Grandeza, e a Magnificência da Alta
Categoria de Reino, que de Justiça lhe conferiu o Senhor Rei Dom João VI,
sempre Memorável, e Augusto Pai de Vossa Alteza Real. É igualmente neces-
sário, que os caracteres de ouro, com se acha escrita aquela Sábia, e Nobre

858
decisão, não sejam apagados pelos nossos inimigos, cobrindo-os com tinta
lúgubre, e talvez de sangue.
Bom Príncipe: Alerta! Quando os meios simples se deixam complicar, a
Política e o Mecanismo do Governo se tornam muito mais difíceis, e daqui
provêm as moléstias do Corpo moral, que seguindo a mesma marcha do
corpo físico o pioramento de uma, por falta de remédios aplicados a tempo
pelo descuido do Professor, leva o enfermo à morte inevitável.
A suma importância dos Negócios do Brasil, no estado atual, me obrigaria
a esforçar em desenvolver mistérios, mas era, se me fosse possível espalhar
o fervor do meu coração, o meu zelo pela Causa Pública, e de Vossa Alteza
Real em cada membro, e em cada veia daqueles que pelos cargos, tem mais
rigorosa obrigação de cuidarem na geral felicidade: Mas nem por isso deixarei
em silêncio a causa que mais urge, e que ao presente merece a primeira atenção.
O bem da Pátria, Senhor, é um objeto de Direito Público. Eu não aspiro
à glória de salvador do Brasil. Contento-me, como bom Filho, e leal Cidadão,
em sacrificar-lhe os meus curtos talentos, sem me poupar a fadigas. Não me
proponho também a escrever pela imprensa catecismos aos Povos, pois não
quero sujeitar-me ao martírio de sofrer sofismas da Política do tempo. É a
Vossa Alteza Real, A quem unicamente me dirijo, tanto pelo bem geral do
Reino do Brasil como pelo particular da minha Pátria a Cidade da Bahia.
Recorde Vossa Alteza Real os sucessos do pretérito, e por esta bússola regule
os do futuro.
Quando um Povo, Senhor, é empestado, e por este mal epidêmico separa
os seus interesses do interesse geral, é inevitável a sua ruína. E quanto maior
não será a queda, quando em uma Província os homens sensatos dela só
trabalharem por amor de si, e não por amor de todos.
A felicidade do Brasil, Senhor, não está conseguida unicamente com a
união das Províncias de São Paulo, Minas Gerais, e Rio Grande do Sul, mas
sim com a união de todas. A Bahia, é sem dúvida, a que mais pode felicitar-
-nos, e cooperar para a segurança, e futura existência do Brasil, porque é o
seu Grande Empório. Pernambuco rivaliza-se, tanto em localidade, como em
riqueza, e ambas as Províncias são, as que, sem a menor dúvida, formam, as
grandes salas deste Majestoso Edifício, e todas as outras Províncias só podem
representar de meros Gabinetes. Os de contrária opinião são somente aqueles,
que sabem estabelecer teoremas Políticos, contraditórios, e inconsequentes:
mas eu de tais Quixotes nunca serei o seu Sancho.
Eu esfrio, Senhor, e me consterno quando vejo, que em um objeto de
tão manifesta, e visível importância, não se acham todos de mãos dadas, nem
convencidos do que nos é mais interessante. É fácil descobrir os agentes deste

859
mal, assim não fosse perigoso tentá-lo, se se atender à sentença de um Sábio
Filósofo, que dizia = o Patriota sempre é reputado suspeitoso, e o que o não
é como verdadeiro amigo da Pátria.
É lamentável que ainda se ache em problema, se Vossa Alteza Real deve,
ou não socorrer a Província da Bahia, salvando-a da anarquia, e da guerra
civil, único recurso, que lhe resta para suspender o progresso dos seus males,
e evitar a sua última ruína, o que uma vez, que se verifique, será transcen-
dente a esta Capital, e a todo o Brasil. Vossa Alteza Real tem Ministros, e
Conselheiros, possuídos de sabedoria, e de boas intenções. Fora destes deve
também ouvir a homens sábios, e imparciais, e que conheçam o Brasil, não
só por teoria, mas praticamente. Nesta escolha não atenda Vossa Alteza Real
unicamente às virtudes, e à suposta austeridade de alguns, que forem para
isso consultados. Examine também se os seus corações estão contaminados
do veneno da áspide, e se as suas reflexões são entoadas pelo canto da Sereia.
Quando as causas, que produzem o mal, não são conhecidas, é difícil a
aplicação dos remédios; mas, quando elas são manifestas, não precisa grande
ciência para dissipá-las. E que mais manifesto pode estar o infeliz estado, em
que se acha a Província da Bahia? Não temos nós os meios de remediá-lo?
Devemos esperar que os Povos cheguem ao ponto de desesperação, pelas
violências, que forem do maior despotismo militar que se tem visto, e que
afinal termine em guerra desoladora? E quando isto não suceda, devemos
esperar que se aumente a força marítima, e terrestre com socorros de Portugal
de novos destacamentos, para que unidos aos que já ali se acham, venham-nos
estorvar os progressos da nossa organização Pública? E que assim como tem
agrilhoado aquela bela Província o sejamos também nós? Sim, Senhor, assim
há de acontecer. Os Janízaros Lusitanos hão de triunfar, se não aproveitar-
mos, sem perda de tempo, a ocasião de lançar para fora daquele Continente
a Tropa de Portugal. O que falta é somente deliberação. Nem se diga, Bom
Príncipe, que se não podem fazer despesas. O Estado na marcha, e direção
dos seus negócios é como um Particular. Este no concurso das suas despesas
domésticas acode primeiro ao que é mais urgente. O Negociante previsto, e
que é bom calculista, quando se vê decadente, prefere a especulação, ainda
que seja mais dispendiosa, por ser a que mais urge nas suas circunstâncias,
para salvá-lo da quebra que lhe está iminente.
Perguntemos agora aos que são da desvairada opinião de que a Província
da Bahia Se não deve socorrer; se as despesas, que com isso se fizerem, não
terão retribuição e segura indenização? Se não serão gratos os seus Habitantes
a quem os tirar dos enormes vexames que os atenuam? Se não aumentarão
os rendimentos do Tesouro Público da mesma Província com a diminuição

860
das despesas, que atualmente se fazem com as Tropas de Portugal? Se este
aumento unido ao grande Capital, que ainda assim fica em caixa nos cofres,
depois de pagas as despesas correntes, não compensarão as que se fizerem
agora com uma Expedição, da qual depende a segurança, e salvação do Brasil?
Se os Donativos voluntários, que são de uma consequência infalível, das
liberais demonstrações de regozijo, e gratidão dos leais Cidadãos residentes
na Província, não recompensarão ainda maiores despesas do que é necessário
fazer-se? Pernambuco, pelo exemplo da Bahia, depois de vê-la unida, não
estreitará mais os vínculos de amizade, que tem principiado, e não se prestará
também a fechar o quadro da nossa representação Brasílica? Basta, Senhor.
Aqueles que não conhecem estas verdades estão cegos, e cegos não são capazes
de preparar caminhos, para por eles se chegar à Pública Prosperidade.
Eu já indiquei a Vossa Alteza Real em um esboço, que tive a honra de
levar a Sua Presença, os meios, que tem a sua disposição para salvar a mais
rica, e Bela Província do Brasil. Os seus Habitantes, ainda que se acham abati-
dos, contudo têm entusiasmo, coragem, e toda a esperança no Paternal apoio
de Vossa Alteza Real e dos seus Sábios Ministros. O que falta? É somente a
vontade do Regente do Reino do Brasil.
Nem se diga, Senhor, para servir de desculpa, que a Província da Bahia
se não acha ligada à Capital. Nem se diga também que ela não deve ser socor-
rida, por que o Governo daquela Província não tem pedido a Vossa Alteza
Real auxílio algum. Se estas blasfêmias pudessem prevalecer, seriam somente
sustentadas pelo mais desmoralizado, e miserável sofisma.
Desligada a Bahia! Como? A Carta de Lei que elevou o Brasil à Categoria
de Reino foi com a união de todas as Províncias. A Ex-Junta Provisória da
Bahia não podia subtrair-se da Regência de Vossa Alteza Real a seu arbítrio,
desobedecendo a Vossa Alteza Real, em Quem já residia o Poder Executivo. A
aprovação que o Congresso conferiu a este anticonstitucional procedimento,
está nula de Fato, e de Direito. De fato, por ser contrária aos interesses do
Brasil. De Direito porque a Carta de Lei, acima referida, não foi expressamente
derrogada, como é mandado na nossa Legislação Pátria.
A falta de deliberação do atual Governo da Província da Bahia em não
pedir a Vossa Alteza Real auxílio não provém da falta de vontade, mas sim
de temor. A Câmara da Cidade está como todas as outras Autoridades ater-
rada pelos Janízaros Lusitanos. As Câmaras das Comarcas do Norte sofrem
igualmente a mesma sorte. As Tropas do País da 1.ª e 2.ª linha, que as podiam
auxiliar, estão desarmadas, e sem munições etc. etc.
Além destas muito plausíveis razões, e de outras que omito, por evitar
prolixidade, será possível conceber-se, a não ser em cabeças esquentadas,

861
que um Pai de família, vendo a seus filhos em dissensões domésticas, os não
apazigue só porque eles lhe não pedem? Quanto mais, Senhor, o Pai Comum!!!
Seria lícito a qualquer deixar arder o Prédio vizinho, tendo em seu poder os
meios de apagar o incêndio, só por que o Proprietário ou o Inquilino lhe não
vieram suplicar? O Proprietário que morar no seu mesmo Prédio, vendo arder
a casa que lhe fica mística, porque não há, quem lhe suplique auxílio, para
apagar as chamas, deverá deixá-la reduzir a cinzas, sabendo que o incêndio
se há de comunicar, e devorar também a em que reside?
Que maior urgência se quer que a desgraça Pública daquela Província,
tão geralmente sentida, e lamentada! É isto para se olhar com indiferença?
Que maior urgência (torno a dizê-lo) que a de uma Província, que depois de
ter sido Governada por uma infame Junta composta de Membros os mais
indignos, sem moral, sem ciência, sem caráter, sem costumes, e venais, e que
quando esperava respirar dos tiranos malvados, pelo contrário passa a ser
assolada pelo despotismo militar, e que se não levanta o grito, para pedir
socorro, é por estar agrilhoada, e sufocada? Além do que Senhor se os Povos
da Bahia perdem o direito de proteção (concedamos, o que se nega) só pelo
motivo de a não terem pedido, por que razão a devem também perder as
outras Províncias, que tão interessadas são na união da sua Irmã Primogênita,
sendo constrangidas a passarem pelos mesmos males, a que elas só deu causa?
Eu não me adianto a analisar qual das duas Províncias, se a de Minas
Gerais, ou a da Bahia era mais urgente, ou de igual necessidade socorrê-
-las. Mas não posso deixar de ter por evidente, que sendo uns mesmos os
princípios, em que Vossa Alteza Real se fundamenta, os mesmos devem ser
também os fins, e os meios que se devem empregar, para, com o exemplo de
uma Província, salvar-se também a outra.
O Ex-Governo Provisório da Província de Minas Gerais também não
reconhecia (por fatos) a Regência de Vossa Alteza Real. Nem lhe suplicou
socorro algum. As Câmaras, à exceção da Capital é verdade a reconheceram
porque nada podiam temer do Governo Provisório, não só por serem conti-
nentais, e pela facilidade da comunicação com esta Província, mas por que
tinham em sua defesa, e a seu partido, as Tropas da 2.ª Linha dos seus distri-
tos. Mas nem por isso Vossa Alteza Real negou aos habitantes de Vila Rica
o seu Paternal Amor, e os seus cuidados, indo mesmo em Pessoa socorrê-los,
e pô-los em tranquilidade.
É pois evidente, Senhor que a Bahia não merece menor contemplação.
Todos os bons Portugueses amantes da Pátria, imparciais, e amigos de Vossa
Alteza Real, e que não são do lote daqueles, que olham para o cata-vento, para
segundo a aragem, que soprar, marcarem então o pano, estão convencidos

862
destas verdades. E sendo eu um dos verdadeiros amigos do Brasil atrevo-me
a afirmar a Vossa Alteza Real, que o Brasil não pode sustentar a Categoria
de Reino, sem lhe estarem ligadas as Províncias da Bahia, e Pernambuco.
Isto não só é um axioma, que não sofre a menor contradição, mas que é
demonstrado pelo que se observa em todos os Estados do Mundo, ainda os
mais opulentos. Não são as Capitais dos Reinos, as que decidem das suas
vantagens e Representações, se se lhes não unem algumas Províncias das
quais lhes provêm os seus mais pingues interesses. Torno a dizer, Senhor
e assim é preciso repetir, para ver se os desvairados se convencem: Não há
no Globo Potência alguma, por mais poderosa que seja, que possa manter a
sua independência, riqueza, prosperidade, e mesmo a sua segurança, sem a
união de certas Províncias, que lhe servem de baluarte. Este pois é o caso em
que se acha a Capital do Reino do Brasil a respeito das Províncias da Bahia,
e Pernambuco.
Porém, Senhor, Se quanto tenho, exposto não for bastante para convencer
os que apartam a Vossa Alteza Real de cooperar, para que a primeira Província
do Reino do Brasil recobre o seu sossego e liberdade, eu tomo a resolução
de dizer a Vossa Alteza Real as últimas verdades, com aquela humilhação,
e respeito, que devo tributar-lhe, e é: que o sangue inocente, que correu na
Bahia, está altamente clamando contra disposição do Poder Executivo, que
sem dúvida, foi ali a semente da discórdia, e da provocação da Guerra civil. O
Direito de antiguidade, que é o mesmo que o Sagrado Direito de propriedade,
que nem o mesmo Supremo Congresso podia alterar, foi despoticamente tirado
àquele, que já o tinha em maior Patente, para se conferir a outro que até se
achava em menor graduação; e daqui procedeu toda a dissensão. Este arbí-
trio a não ser por efeito da equivocação, como é de supor de sã consciência,
benfazeja índole, incomparáveis virtudes de Sua Majestade, Augusto Pai de
Vossa Alteza Real seria necessário, que Vossa Alteza Real; como bom Filho,
imolasse um sacrifício, que correspondendo à efusão do sangue inocente,
que na Bahia se derramou fizesse aplacar a tremenda Justiça do Onipotente.
Sim Senhor: e que sacrifício lhe pode ser mais agradável, e mais adequado ao
objeto, que por um tão funesto resultado, daquela impolítica disposição, fazer
Vossa Alteza Real evitar a continuação dos males, a que ela deu causa, e que
ainda ameaçam a consternada Província da Bahia? E nem se deve esperar que
toda, e qualquer deliberação, que Vossa Alteza Real houver por bem tomar,
para reprimir os abusos da prepotência militar, deixe de ser aprovada pelo
Supremo Congresso Nacional, e por El Rei, que não podem deixar de magoar-
-se, e de sentir tanto, quanto Vossa Alteza Real o tem mostrado.

863
A estas reflexões, eu espero, que Vossa Alteza Real não lhes dê o mesmo
peso, que talvez lhe deem outros, que só sabem remediar os males Políticos
depois que o encontrão da necessidade os avisa sem os ter prevenido, e
acautelado.
É constante, Príncipe Augusto, por cartas muito acreditáveis, que o
General Madeira fizera expedir dois Brigues com o destino de se encontrarem
com a Nau do Comandante Francisco Maximiliano, convidando-o a voltar
para o Porto da Cidade da Bahia, com o fim de fazer desembarcar a Tropa,
que não foi por Vossa Alteza Real, recebida, com instruções, e ofícios, para
que, no caso de não encontrarem a Nau, um dos Brigues seguir para Lisboa a
pedir ao Congresso, e a El Rei, embarcações de Guerra, e reforço de Tropas.
Se estas lhe forem mandadas, e se unirem às que já se acham destacadas,
naquela Cidade, aumentando ao mesmo tempo a Marinha de Guerra, de
necessidade nos há de ser mais custosa a salvação da referida Província; e
até nos exporemos ao perigo do um bloqueio, não tendo nós por hora vasos
de Guerra com que lhe possamos obstar, ao mesmo tempo que são sobejos,
os que existem, se já e sem demora aproveitarmos a fraqueza, em que se
acha a Marinha daquela Província e guarnição de terra, que não assusta, e
sobretudo o entusiasmo dos seus honrados Habitantes, que ofendidos estão
pedindo alta vingança, e desejosos de se unirem a qualquer socorro, que lhes
for mandado. Se Vossa Alteza Real retardar por mais tempo uma Expedição,
que já em Abril se devia ter feito, talvez por seguir o desvairado parecer dos
que não são amigos do Brasil, nem de Vossa Alteza Real, estes também devem
ser como Agentes, e motores de tão errada, como criminosa opinião, os que
prestem o antídoto para o veneno; isto é, o remédio para os males, que nos
esperam pela exata observância dos seus conselhos. Deus Guarde a Muita
Alta e Poderosa Pessoa de Vossa Alteza Real, como o Brasil necessita. Rio
de Janeiro 29 de Maio de 1822.

Domingos Alves Branco Monis[sic] Barreto.

864
68

[RESPOSTA DO VIGARIO
ANTONIO JOSÉ GONÇALVES DE FIGUEIREDO]
VENDO-ME publicamente caluniado no Suplemento do Número 29 da
gazeta da Bahia denominada – Eco da Pátria – feito por um anônimo que
muito impropriamente se chama – Amante da verdade – é do meu dever
mostrar ao respeitável público em defesa da minha honra ultrajada, que o
autor daquela falsa, e infamatória folha é o Padre Francisco Felix Barreto de
Menezes, ex-Vigário intruso da minha freguesia do Socorro da Cotinguiba,
feito pelo Ex-General Labatut: E que o outro que nesta Corte a fez reimprimir,
e distribuir com o Diário do Governo Número 142 é o Coronel de Milícias
José de Barros Pimentel, ex-Governador da Província de Sergipe de El Rei,
meu paroquiano, e possuidor de uma porção dos meus bens, que por meio
do poder da força fez ir à praça para ele mesmo arrematar, como de fato
arrematou, por uma quarta parte do seu valor, que ainda não pagou.
Estes meus inimigos públicos vendo-se agora próximos a fazer a restitui-
ção dos réditos do meu Benefício, e dos bens ilegalmente arrematados; assim
como dos mais preciosos trastes publicamente apreendidos, roubados no
sequestro, e conduzidos pelo sobredito Labatut em remuneração dos cargos
a que por ele tinham sido elevados, forjaram na oficina da iniquidade aquela
caluniosa folha com que em meu nome ultrajaram a Sua Majestade Imperial
para ver se com este novo, e astucioso estratagema iludiam o sábio Ministério,
para me exterminar do Império, bem como iludiram o incauto Labatut para
me declarar réu de Lesa Nação, sem culpa formada nem conhecimento de
causa. Só a fim de se apossar, por este odioso procedimento, da minha copa
de prata e de outros muitos trastes preciosos, que excediam ao valor de seis
contos de réis, além dos arrematados; passando também a cometer o absurdo
de que talvez não conste das histórias que outro algum General tenha inten-
tado, de arrogar a si a Jurisdição Episcopal, nomeando o sobredito Padre
Barreto para Vigário intruso da minha freguesia, e depondo sem a mais leve
causa o meu primeiro Coadjutor o Padre Manoel Gomes Rodrigues Dantas
natural da mesma freguesia, que estava regendo, e administrando por um
Despacho do Prelado durante a minha licença, e ausência. Por cujo motivo o
Reverendíssimo Vigário Capitular do Arcebispado depois de tomar as devidas
informações, mandou expulsar da freguesia o Pároco intruso; fez reempossar
o meu Coadjutor, e revalidar os Sacramentos do matrimônio, que segundo a
determinação do Concílio Tridentino estavam nulos por terem sido presididos
contra a expressa vontade do Pároco, e do Prelado.

865
Rogo portanto ao respeitável público que haja de suspender o juízo que
tiver formado com a leitura daquele ridículo, e calunioso papel (que é bem
próprio do sistema anárquico, e revolucionário do seu autor) enquanto eu por
meio dos mais autênticos documentos, que se hão de extrair das Secretarias, em
que se acham juntos os meus requerimentos, passo a provar a minha inocência
sobre as matérias criminais, e políticas, de que pelos ditos meus inimigos sou
caluniado, assim como a infernal tramoia, que eles muito antecipadamente
maquinaram para me despojarem não só dos meus bens, como da própria
vida, se a Providência tão prodigiosamente me não livrasse das suas garras.

Rio de Janeiro 23 de Dezembro de 1823.

O Vigário, Antonio José Gonçalves de Figueiredo.

_______________________________________________________
RIO DE JANEIRO NA IMPRENSA NACIONAL. 1823.

866
ÍNDICE ONOMÁSTICO

A
Alvarenga, Egídio da Costa, 43, 365
Abade de Medrões, 584-585
Álvares, José Luiz, 294
Abade de Sieyès, 415
Álvares, Joaquim de Oliveira, 52
Abreu, Giraldo José de, 139
Amaral, Domingos Sardinha do, 510
Abreu, João Manoel de, 158
Amaral, Prudêncio do, 437
Adjuto, Francisco Garcia, 74, 141
Amigo verdadeiro da Pátria, 65, 79,
Afonso, Martim, 419
782
Agostinho, Santo, 14, 195-196, 218,
Ambaca, André da Costa Ferreira
320, 420, 432, 756
de, 159
Aguiar, Albino Nunes de, 511
Amorim, João Martins de, 510
Aguiar, Marquês de, 292, 296, 299-
Andrada, Martim Francisco Ribeiro
301, 678
de, 45, 58, 775
Alberto, Guilhermino, 511
Andrade, Antonio José de Paiva
Alcântara, Pedro de (D.) - “O Ultra-
Guedes de, 38, 42, 76, 469, 476
-Brasileiro”, 73, 83, 143, 149, 827
Andrade, Ignácio Lustosa de, 497
Alfaiate, Jerônimo, 499
Andrade, Jacinto Freire de, 458
Almeida, Antonio Salermo Toscano
Andrade, Joaquim Navarro de, 16,
de, 510
66, 76, 523, 533, 541-543, 550,
Almeida, Cipriano José Barata de,
551, 554
43, 581
Andrade, José Lustoza de, 496
Almeida, Deziderio de Sá e, 510
Andrade, Miguel Joaquim de, 510
Almeida, Diogo de, 319
Antonio, Thomaz, 292, 365, 388,
Almeida, Fernando José de, 510
392
Almeida, Francisco Aires d’, 595
Antunes, Antonio Manoel, 510
Almeida, João Gago de, 510
Araujo, Antonio Alves de, 496
Almeida, Joaquim José de, 44, 510
Araujo, Antonio Correia de, 511
Almeida, Manoel Ezequiel de, 297
Araujo, Antonio José de, 806
Almeida, Raimundo Antonio d’, 158
Araujo, Bernardino Alvares d’, 594
Alpoim, Francisco José dos Reis, 511
Araujo, José Caetano de, 509
Araujo, José Joaquim Nabuco de, Bettamio, Pedro, 297
580 Bogalbo, Luiz Antonio, 510
Araujo, Manoel Ferreira de, 294 Bonaparte, Napoleão, 36, 55, 165,
Araujo, Vicente da Rocha, 361 244, 250, 408, 459, 643, 733,
Arouca, Abadessa de, 173, 266, 273 735, 824
Ataíde, Nuno da Cunha de, 353 Borges, Manoel José de Araujo, 297
Azambuja, Gouvêa José Miguel de, Borges, Miguel Francisco, 513
146, 214 Botelho, José Constantino Lobo, 509
Azevedo, José da Costa, 44, 509 Botelho, Jozé da Nóbrega, 509
Borbon, Carlos de [Carlos IV], 236
B
Bourbon, Francisco de Paula de, 236
Bahiano, Domingos, 130 Bracett, Antonio Joaquim, 509
Bandeira, Manoel Antonio Leitão, Braga, Domingos Francisco, 510
509 Braga, Domingos José Ferreira, 294
Baptista, José, 130 Braga, Feliciano José da Silva, 509
Baptista, José Ribeiro, 496 Braga, João de Oliveira, 597
Barata, Francisco José Rodrigues, Braga, Silvestre Joaquim Ferreira,
139 510
Barbosa, Januário da Cunha, 18, 29, Brandão, Caetano da Anunciação
38, 44, 51-52, 54, 58-59, 66, 68 (D.), 748
Barbuda, Francisco Maria Gordilho Brandão, José Joaquim da Silva, 299
Veloso de, 43, 509 Brasil, Manoel do, 679
Barcellos, Francisco Álvares de, 509 Brasileiro, 65, 77, 78, 80, 555, 557,
Barnabé, Braz, 73, 109 663, 764, 830
Barreto, Domingos Alves Branco Brasileiro da Roça, 80, 832, 838
Muniz, 19, 43, 68, 80, 848, 853, Bravo, Francisco Rodrigues, 509
858, 864
Brito, Antero José Ferreira de, 42,
Barreto, João de Deus Mena, 633, 77, 78, 633, 737
738, 830
Britto, Antonio Martins Pinto de,
Barreto, Luís do Rego, 51, 581 294
Barros, Borges de, 564-567 Brito, Francisco José de, 497
Barros, Joaquim José de, 510 Brito, Marcos de Noronha [Conde
Barros, Pedro Vidigal de, 299 dos Arcos], 475, 516, 561, 563,
Bassão, Francisco da Cunha, 510 581, 584-585, 588, 653
Bastos, Antonio Falcão, 495 Brito, Paulo José de Mello Azevedo
Bastos, Leonardo Antonio e, 46-67, 77, 583-587, 597
Gonçalves, 154-155 Britto, Antonio José de, 298
Bastos, Martins, 445 Bueno, João, 424
Bellegarde, João Francisco, 509 Bulhões, Luiz Antonio de Oliveira,
Belo, Antonio Lopes de Oliveira, 510 511
Bernando (fr.), 213 Burlamaque, Carlos Cesar, 594
Berquó, José Maria da Gama e Burlamaque, Frederico Leopoldo
Freitas, 771 Cezar, 513

868
C Castro, João de, 191
Castro, João Maximo Garcia Maciel
Cabo, Leandro José do, 510 Aranha de Souza e, 510
Cabral, Francisco Antonio da Veiga, Castro, Joaquim José de, 76, 157,
511 498, 514
Cabral, Luiz Manoel de Moura, 597 [Castro], Manoel de Portugal e, 51,
Caldas, Manoel de Souza Brito 78, 679-681
Correia, 510 Cau, Antonio Maria, 361, 363
Camarão, Antônio Felipe, 176 Cau, Luiz Antonio, 511, 512, 513
Camões, Luis Vaz de, 100, 199, 667 Chagas, Joaquim Francisco das, 509,
Campos, Francisco Carneiro de, 581, 836
584-587 Chaves, Miguel Martins, 299
Campos, João Gomes de, 298 Chiang-Tou, 64, 77, 639
Canto, Agostinho Gomes do, 497 Chicote dos Asnos, 76, 500
Cardozo, Anastácio Belo, 773 Claro, Julio, 272, 273
Carlos V, 235, 436 Coelho, Francisco de Paula, 158
Carmo, José do, 361 Coelho, Joaquim José, 509
Carneiro, Manuel Borges, 444 Coerente, Manoel, 78, 684
Carneiro, José Baptista, 595 Compadre de Lisboa, 65, 69, 73-75,
Carolina, Maria Leopoldina Josefa, 78, 91, 95, 160, 175, 177, 211,
701 248, 260-261, 265-267, 269-274,
Carvalho, Joaquim Pereira Annes de, 282-283, 739-740, 742-743,
694 749-750, 763
Carvalho, Antonio José de, 836 Compadre do Rio de S. Francisco do
Carvalho, Elias José Ribeiro de, 361 Norte, 174
Carvalho, João Martins de, 510 Constitucional Inimigo da
Carvalho, José Lino de, 736 Impostura, 65, 76, 491
Carvalho, José Netto de, 511 Constitucional Pihauhiense, 365
Carvalho, Leandro José Marques Correa, Diogo Alves, 437
Franco de, 294 Correia, João Gervazio de Queiroz,
Carvalho, Manuel do Cenáculo de 509
Vilas-Boas Anes de, 339 Costa, Antonio Rodrigues da, 511
Carvalho, Manoel José Freire de, Costa, Estevão de Araujo, 509
297 Costa, Ignácio Francisco de Araujo,
Carvalho, Manoel Pereira de, 510 364
Castilho, Pedro, 191 Costa, José Maria da, 629
Castilho, Pedro de, 350 Costa, Lopo da Cunha d’Eça e, 510
Castro, Álvaro de, 319 Costa, Manoel Dias da, 496
Castro, Damião Antonio de Lemos Costa, Manoel José da, 294
Faria e, 318 Costa, Manoel Rodrigues da, 64, 66,
Castro, Francisco de, 191, 351, 355 70, 79, 808
Castro, Izidorio d’Almeida e, 510 Costa, Salvador Pereira da, 562, 594

869
Coutinho, Domingos de Azeredo, Drago, Pedro Francisco Guerreiro,
510 509
Coutinho, José Mariano de Azeredo, Duarte, Paulo José Soares, 571, 573-
665, 774-775 574
Coutinho, José Lino, 57-58
E
Coutinho, Luiz Pereira da Nóbrega
de Souza, 52, 58, 59, 851 Efigênia, Vieira de Santa, 158
Couto, Manoel Gomes de Oliveira, Elang-Tcheou, 64
294
Crato, Antônio Prior do (D.), 170,
F
319 Faetonte, 99, 162, 219, 667
Cruz, Roberto Pinto da, 511 Falcão, José Anastácio, 44, 74, 142,
Cunha, Antonio Leão Pinto da, 146 153-155, 158-159
Cunha, João Cosme da [Cardeal da Faria, Francisco José de, 139
Cunha], 75, 182-183, 190-191, Farinha, Manoel Antonio, 155
244, 325, 334, 336, 346, 356 Fayão, João Antonio de Moraes, 158
Cunha, Domingos Simões da, 135 Francisco I, 33
Cunha, Jacinto Moreira Severiano Felgueiras, João Batista, 626
da, 841 Felipe II, 235
Cunha, Luiz da (D.), 459 Felipe IV, 424
Cunha, Manoel Ribeiro da, 510 Fernandes, Domingos, 497
D Fernando VII, 222
Ferreira, Antonio Wenceslau, 509
Daltro, José Gabriel da Silva, 595 Ferreira, Antonio Xavier, 497
Dantas, Manoel Gomes Rodrigues, Ferreira, Capitão, 123
865 Ferreira, Duarte Pires, 511
Daun João Carlos Gregório Ferreira, Gervásio Pires, 43, 51, 66,
Domingos Vicente Francisco de 79, 822
Oliveira e, 49, 737
Ferreira, Joaquim José, 146, 158
Dellanave, Antonio Vicente, 77, 635 Ferreira, José Ignácio Alves, 844
Dias, Bernardo, 510 Ferreira, Luiz Antonio da Costa, 509
Dias, Henrique, 176, 251, 455 Ferreira, Miguel José, 361, 365
Dias, Luiz de Souza, 294 Figueiredo, Antonio José Gonçalves
Dias, Vicente José, 361, 365 de, 42, 80, 865-866
Diniz, Pedro Alves, 679 Figueiredo, Antonio Pereira de, 335
Domingos, São, 33, 318, 320, 439, Filgueiras, Francisco Antonio, 597
648, 825 Filho do Compadre do Rio de
Domingos, Agostinho, 159 Janeiro, 69, 74, 78, 174, 247,
Domingos, Pedro, 159 248, 260, 739
Doria, Manoel Correia de Oliveira, Filippe, Joaquim, 146
509 Fonseca, José da Costa Barros, 511
Doutor Periodiqueiro, 75, 197-198, Fonseca, Marianno José Pereira da,
200, 304-306 61

870
Fontoura, Manoel Carneiro da Silva Gonzaga, Feliciano José Álvares, 508
e, 718 Gonzaga, José Feliciano, 511
França, Jacinto Liberato Xavier de, Gordilho, José Egidio de Barbuda,
510 593
França, João Lopes, 298 Goulart, Francisco Vieira, 18
França, Luiz Paulino de Oliveira Granada, Frei Luiz de, 187
Pinto da, 581, 594
Guerra, João Evangelista de Souza,
França, Manoel de Araujo, 45, 80, 511
840
Guilherme III, 436, 437
Francisco, Martim, 58, 818, 821
Guimarães, José Antonio de Oliveira,
Freire, José Nicolau da Costa, 365
294
Freire, Cipriano Ribeiro, 300, 301
Guimarães, José Pereira, 294
Freire, José Fernandes da Silva, 597
Guimarães, Manoel Ferreira de
Freitas, Francisco Joaquim Pereira
Araujo, 18, 45, 509
de, 510
Guimarães, Manoel Martins, 510
Freitas, João da Fonseca, 139
Guimarães, Manuel Pedro de Freitas,
G 53-54, 555
Gusmão, José Manoel Carlos de, 509
Galhardo, José Maria, 513
Gama, Bernardo José da, 19, 42, 847 H
Gama, José Fernandes, 44, 807, 843,
Henrique (D.), 346-347
846
Henrique VIII, 322
Gama, José Luiz, 514
Henriques, Afonso, 164, 170
Gama, Manoel Jacinto Nogueira da,
Henriques, João Rebello
45, 60, 61
Vasconcellos e Souza Coelho, 509
Gama, Antonio Saldanha da, 302-
Henriques, Leão, 347-348
303
Homem, Domingos Caetano da
Gama, Theodoro Fernandes, 509
Silva, 510
Garcia, José Pires, 279
Hum Brasileiro, 77-78, 555, 663
Gayoso, Raimundo José de Sousa,
Hum Franco Constitucional, 65, 79,
118 784
Gilli, Marcos José, 146, 158 Hum Lisboeta, 282
Godinho, José Jacinto, 509 Hum Pernambucano Amigo da
Góes, José Roiz de Castro, 139 Verdade, 80
Goes, Vicente Ferreira de, 509
Góis, Damião de, 213
I
Gomes, Januário Antonio de Souza, Impostor Verdadeiro, 73, 92, 105,
158 263, 276
Gomes, Miguel Ferreira, 294
Gonçalves, Domingos, 806
J
Gonçalves, Luiz, 348 João II, 273, 436
Gonçalves, Martim, 348 João III, 213, 334, 346-347
Gonsalves, José Marcelino, 294

871
João IV, 267, 314, 423-424, 459, Luiz (D.), 318
800 Luz, Manoel Leite da, 156
João VI, 23-25, 28-29, 35, 37, 47,
48-50, 52, 60, 89, 117, 124, 146, M
178, 217, 250, 281-283, 289- M. Francisco Antonio G., 186
290, 369, 370, 377, 379, 577,
Macedo, Duarte Ribeiro de, 187,
579, 642, 675, 736, 742, 747,
342
761, 763, 773-774, 788, 823,
858 Macedo, Francisco da Costa Souza
de, 511
João, Bartolomeu, 159
Macedo, Joaquim José da Costa de,
Jordão, Antonio, 297
74
José, Ignacio, 141
Macedo, Joaquim Pereira de, 139
José, Silvestre, 832-833, 838
Macedo, José Agostinho de, 74, 246
K Macedo, José Ferreira de, 510
Machado, Euzébio Pereira, 510
Kelly, Liberato José Feliciano, 509
Machado, José Antonio da Fonseca,
L 594-595
Machado, Luiz Antonio da Fonseca,
Labatut, Pedro, 32, 68, 851
581, 594
Laguna, Barão da, 692
Machado, Luiz Antonio, 581
Lapa, José Joaquim Januário, 510
Maciel, Manoel Correia, 843
Leal, Manoel Francisco, 511
Magalhães, Fernando Luiz Machado
Leão, Fernando Carneiro, 296 de, 299
Ledo, Joaquim Gonçalves, 27, 29, Magno, Alberto, 416
38, 44, 51-52, 66, 68, 663, 773
Maia, José Joaquim da Silva
Leitão, Manoel Joaquim, 806 [Redator do Semanário Cívico da
Lemos, Francisco Ferreira, 511 Bahia], 376, 641, 650, 786,
Lemos, Gaspar de, 438 Mamede, André, 73, 109, 115
Lemos, Polidoro Henriques de, 513 Manoel, José Pereira da Silva, 294
Lima, Antonio Gonçalves, 509 Margiochi, Francisco Simões, 78,
Lima, Francisco Gonçalves, 139 658, 662
Lisboa, Guilherme José, 511 Maria I, 71, 89
Lisboa, João Soares, 58, 66 Maria, João Antonio, 593
Lisboa, José Antonio, 20, 38, 44, 71, Mariano, José, 665, 774-775
77, 612 Marquês de Aguiar, 292, 296, 299-
Lisboa, José da Silva, 22, 25, 27, 301, 678
38-39, 281 Marquês de Alegrete, 651
Lobato, Francisco, 672 Marquês de Pombal, 183, 191, 250,
Lobo, 303 358-359, 470
Lobo, Diogo, 319 Marques, Manoel, 643, 651
Lopes, Francisco de Paula, 806 Martins, Bento José, 510
Lopes, Manuel Caetano, 77, 632 Martins, Joaquim de Sousa, 364
Lopes, Pedro, 419

872
Martins, Joaquim José de Souza, 828 Misquitta, Felipe de, 516
Martins, Manoel de Sousa, 364 Mocho, João, 213
Martins, Raimundo de Souza, 364 Monteiro, Francisco, 498
Mascarenhas, Fernando Martins, Monte-Negro, Caetano Pinto de
351 Miranda, 300, 729
Mascarenhas, Francisco José, 511 Montezuma, Francisco Gomes
Mascarenhas, Thomé Joaquim de Brandão, 56, 68, 559
Almeida, 509 Mora, Manuel Pinto, 509
Matos, Raimundo José da Cunha, Moraes, Eugenio José de, 364
18, 38, 46 Moraes, Francisco Carlos, 511
Mattos, Cassiano Espiridião de Moraes, Francisco Manoel de, 510
Mello, 18, 38, 46 Moraes, João Pedro Carvalho de,
May, Luís Augusto, 66 294
Mello, Carlos José de, 509 Moreira, Carlos José, 294
Mello, Duarte José de, 152 Moreira, Manoel José, 511
Mello, João Ladislau de Figueiredo Mota, Francisco Joaquim da, 510
e, 562 Motta, Domingos José da, 496
Mello, José Rodrigues de, 437 Moura, Joaquim Dias de, 513
Mello, José Claudio de, 511 Moura, Thomé Afonso de, 297
Mello, Bernardino José de, 365
Mello, Inácio Luiz Madeira de, N
52-56, 58-60, 68, 555-556, 680, Negreiros, Antonio Thomaz de, 597
823, 827, 835, 849, 851, 864
Neuwied, Maximiliano de, 751
Mello, Verneque e, 146
Nogueira, Antonio Cardozo, 298
Mendes, Francisco de Sousa, 365
Nogueira, Antonio Manoel, 148,
Mendonça, Francisco Xavier 151
Furtado de, 513-514
Novo Mestre Periodiqueiro, 74-75,
Mendonça, José Alves Ribeiro de, 179, 195, 197, 200, 220, 304,
78, 652, 653 325-326, 330-333, 351
Menezes, Justino José Ferreira de, Nunes, João Duarte, 509, 513
513
Mendonça, Luiz Joaquim Duque O
Estrada Furtado de, 294
O Inimigo da Calúnia, 828
Menezes, Francisco Felix Barreto de,
Óculos, José Pedro dos, 835
865
Oliveira, Antonio José de, 509
Mesquita, Francisco de Sá e, 353
Oliveira, Bento da França Pinto de,
Mesquita, José Joaquim de, 511
594
Mestre Periodiqueiro, 14, 38, 74-75,
Oliveira, Francisco de Paula e, 597
179, 180, 184, 192-195, 197,
200-201, 220, 304, 325-326, Oliveira, Francisco de Souza e, 294
330-333, 351 Oliveira, João Francisco de, 595, 837
Militar Brazileiro, 73, 129 Oliveira, João Gonçalves de, 298
Miranda, Antonio Lopes de, 597 Oliveira, Joaquim Alves de, 513

873
Oliveira, José da Costa e, 510 Pinto, Tanoeiro, 159
Oliveira, José dos Santos e, 511 Pinzón, Vicente, 436
Pontes, Felisberto Gomes Caldeira
P Brant, 52, 55, 593
Pacheco, José Leite, 509 Portugal, Sancho II de, 214
Paiva, José Dias de, 294 Portugal, Thomaz Antonio de Villa
Palmela, Conde de, 23, 48, 68, 516, Nova, 23, 47-48
520, 521, 838 Prestes, Miguel Joaquim, 509
Pamphili, Ângelo Felix, 511 Proença, Lucio Manoel de, 75, 277,
Pardal, João Carlos, 510 279
Parente, Filippe Alberto Patroni Publicula, P[ubluis] Valerio, 112
Martins Maciel, 130-131, 133, Q
135-137
Patrício Observador, 65, 78, 772 Quinhones, Antonio Guedes de, 510
Patriota Constitucional, 65, 71-72, Quinhones, Manoel Guedes de, 510
77, 93, 612-614, 619
Patriota, 73, 90, 616-618, 624, 860
R
Paulo III [Alessandro Farnese], 347 Ramalho, João, 419
Peçanha, José Pereira, 806 Rangel, João Firmino, 509
Pedrozo, Pedro da Silva, 80, 841 Rebelo, José Silvestre, 45, 66, 76,
Perdigão, Manoel Antonio Vieira, 442, 456, 462, 522
510 Redator da Gazeta do Rio de
Pereira, Antonio (padre), 188, 335 Janeiro, 140, 360, 366, 516
Pereira, Antonio (tenente), 513 Redator da Gazeta Universal, 74,
Pereira, Francisco José, 597 240
Pereira, Jerônimo, 66, 76, 502 Redator da Malagueta, 69, 76, 79,
Pereira, João da Silva, 495 413, 448, 463, 469, 783, 853
Pereira, João de Barros, 513 Redator da Sentinella da Praya
Pereira, João Marcos Vieira de Grande, 80, 832
Sousa, 44, 75, 277, 279 Redator da Verdade Constitucional,
Pereira, João Miguel Coelho Borges, 76, 484
361-362 Redator do Astro da Lusitania, 73,
Pereira, João Português, 510 75, 91-93, 96, 251, 261, 263
Pereira, José Clemente, 17, 19, 31, Redator do Correio, 76, 492, 499,
38, 44, 52, 54, 58-59, 627, 777 505, 766, 769, 771
Pimentel, José de Barros, 865 Redator do Espelho, 69, 76, 464,
Pinheiro, João da Costa, 509 515
Pinho, João Francisco de, 500 Redator do Semanário Cívico da
Pinna, Antonio de, 294 Bahia, 77, 376, 640-641, 650,
Pinto, Diogo, 498 786
Pinto, Francisco José, 511 Reis, Jacinto Rodrigues Pereira, 17,
Pinto, Joaquim José, 76, 158, 500, 20, 44, 75, 385
504 Reis, José Soares da Costa, 509

874
Rezende, Francisco Rodrigues, 510 Senna, Francisco Mendes, 511
Ribeiro, Antonio Gomes, 509 Serrão, Guido José, 513
Ribeiro, José Maria, 364 Serrão, Victorino José de Almeida,
Ribeiro, Luiz Gomes, 152 591
Ribeiro, Manoel Antonio, 511 Silva, Alexandrino José Tinoco da,
Rocha, José Cardozo de Miranda, 510
156 Silva, Amaro Velho da, 294
Rocha, José Joaquim da, 513 Silva, Antonio Carlos Ribeiro de
Rocha, Luiz José Vianna Gurgel do Andrada Machado e, 42, 57, 61,
Amaral, 294 581
Rocha, Manoel Soares da, 595 Silva, Antonio de Almeida Feijó e,
Roda, Joaquim da Cunha, 156 511
Rolão, Antonio Aureliano, 509 Silva, Diogo da, 346
Silva, Elias Rodrigues da, 511
S Silva, Francisco de Lima e, 513
Sampaio, Manoel Pimenta de, 365 Silva, João Crisóstomo da, 201, 509,
629
Sampaio, Francisco de Santa Tereza
de Jesus, 43 Silva, João Manoel de Lima e, 513
Sá, Antonio Maria Carneiro e, 134 Silva, Joaquim José Cardozo da, 152
Sá, Francisco Rodrigues de, 509 Silva, José Bonifácio de Andrada e,
30, 44, 52, 61, 500, 728, 775
Sá, Ignácio de, 492
Silva, José Dias da, 509
Sacristão da Freguesia de São João
de Itaboraí, 632 Silva, José Eloi Pessoa da, 594
Sacristão de Caraí, 69, 247-249, Silva, Jozé Joaquim de Lemos da,
251, 254-256, 258-259 511
Sacristão de Tambi, 11, 36, 76, 477 Silva, José Joaquim de Lima e, 60,
361, 510, 512
Saldanha, João Carlos de, 49, 676,
680, 737 Silva, Luiz Caetano da, 509
Santana, José Joaquim de, 594 Silva, Manoel Duarte, 593
Santos, Antonio dos, 834-835 Silva, Paulo José Bonifácio de
Andrada e, 728
Santos, Felix José dos, 158-159
Silva, Raimundo Pereira da, 364
Santos, Filipe Vieira dos, 596
Silveira, Bernardo da, 663
Santos, Luís Gonçalves dos, 38, 45,
66, 69-70, 75, 78, 303, 764 Silveira, Thomaz Antonio da, 509
Santos, Ricardo Joaquim dos, 510 Silvestre, Doutor, 314
Sebastianista, Rogério, 75, 163, Siqueira, Antonio de Oliva de Souza,
197-199, 201, 204, 207-208, 743
304-305, 307, 309-310, 313-316, Siqueira, Joaquim José de, 294
319, 324, 326, 331-332, 390 Soares, Antonio José, 589
Sebastião (D.), 207-208, 347-348, Soares, Francisco de Souza, 510
598, 627, 759 Soledade, Francisco da, 43, 65, 76,
Seixas, Romualdo Antonio de, 139 468
Semião, Pedro Manoel, 159 Solitário do Amazonas, 73, 129, 130

875
Souto Maior, Manoel Ignacio de Vasconcellos, Francisco de Paula e,
Andrade, 294 509
Souto, Bernardo Gomes, 294 Vasconcellos, João Fernandes de,
Souttomaior, Francisco Vicente, 509 133
Souttomaior, Joaquim Francisco de, Vasconcellos, Julião Fernandes de,
510 133
Sousa, José de Castelo Branco Vasconcellos, Manoel Fernandes de,
Correia e Cunha Vasconcelos 131, 133
[Conde de Figueira], 651 Vasconcelos, José de Frias e, 508
Souza, Francisco Maximiliano de, Veiga, Evaristo Ferreira da, 36, 43,
732, 864 65-66, 69, 74, 258
Souza, Hermenegildo Jozé de, 509 Veloso, Fidelis José Ribeiro, 149
Souza, Luiz de Araujo, 513 Vergueiro, 444, 625
Souza, Marcos Antonio de, 561 Vergueiro, Nicolau Pereira de
Souza, Thomé de, 419 Campos, 17, 19, 46, 57, 626
Veterano, 74, 240, 246
T Vianna, Francisco Vicente Ferreira,
Targini, Francisco Bento Maria, 700 52, 158-159
Tavares, Francisco Moniz, 57, 61 Vianna, José Antonio Rodrigues, 597
Tavares, Jorge Avillez Zuzarte de Vianna, Paulo Fernandes, 277-278
Sousa, 627-628 Victoria, José Gonçalves, 510
Teive, Luiz Maria Cabral de, 513 Vieira, Antonio (Pe.), 289, 314, 437,
Teixeira, Antonio José, 509 824
Teixeira, Thomé Joaquim Gomes, Vieira, Francisco José Luiz, 158
361 Vieira, João Paulino, 156
Tella, Manoel Antonio Henriques, Vieira, José Maria, 143
509 Vieira, José Mendes, 363
Tomás, Manuel Fernandes, 73, 516 Villaça, João Pereira, 139
Torres, Antonio Maria da Silva, 593 Villas Boas, Vicente Paulo d’Oliveira,
Torres, Joaquim José Monteiro, 520 509
Tovar, Manoel Vieira d’Albuquerque, Villela, Miguel Alves Dias, 294
143-144, 148, 151, 736
Trezgeminos Cosmopolitas, 33, 69,
X
70, 76, 442, 462, 515 Xavier, João, 12
V Z
Vabo, Joaquim Pimentel do, 509 Zacheo, Manoel Paixão Santos, 45,
Valadão, Manoel Inácio, 299 662
Valle, Manoel José da Costa, 156
Varella, Luiz Nicolau Fagundes, 78,
652-653
Vasconcellos, Francisco de Frias e,
509

876

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