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FLORIANÓPOLIS, SC
2011
FELIPE DAMATO DE LACERDA
FLORIANÓPOLIS, SC
2011
ii
FELIPE DAMATO DE LACERDA
Banca Examinadora
Orientador: ___________________________________________
Prof. Ms. Luiz Carlos Mantovani Jr.
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC
Membro: ___________________________________________
Prof. Dr. Marcos Tadeu Holler
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Membro: ___________________________________________
Prof. Ms. Alisson Alípio
Convidado Externo
iii
Aos meus pais José e Ligia, por todo o seu
incansável apoio e ensinamentos, os quais me
tornaram quem sou.
iv
AGRADECIMENTOS
A Deus, criador de todas as coisas, por esta maravilhosa vida cheia de desafios, dores,
alegrias e conquistas. Sem Ele nada seríamos e nada realizaríamos, muito obrigado.
Aos nossos amigos invisíveis que estiveram e sempre estarão conosco dando-nos
suporte e ajuda, dividindo os bons momentos e momentos de dificuldade, muito obrigado por
tão sublime dedicação.
Aos meus pais que nunca deixaram de me apoiar, mesmo nos momentos em que
parecia que eu iria “degringolar”.
À Perla, querida, muito obrigado por tudo, principalmente pelo amparo nas horas de
“desespero”, minha “amiga de todas as horas”.
Ao meu tio José Fernando por ter proporcionado, desde o princípio, indispensável
apoio material e intelectual para o meu estudo de violão.
Ao meu orientador Luiz Mantovani pelo apoio e por ter dividido seus valiosos
conhecimentos musicais e não-musicais.
Aos Profs. Sérgio Figueiredo e Samira Hassan, agradeço todos os valiosos
conhecimentos e momentos de amizade durante toda a minha formação musical na graduação.
Em especial, ao Prof.º Alisson Alípio que, apesar de sua rápida passagem em nosso
convívio, efetuou, em mim, profundas mudanças no meu pensamento musical e violonístico.
A todos os professores da UDESC que tiveram maior ou menor grau de importância
na minha formação, muito obrigado.
Ao Polyphonia Khoros e sua maestrina Mércia, por também terem me ajudado no meu
desenvolvimento musical.
A todos os colegas da faculdade, por dividirmos muitos momentos juntos.
Aos professores e pesquisadores que responderam tão prontamente aos meus pedidos
de material bibliográfico e meus intermináveis questionamentos; em especial ao profº Marcos
Holler, cuja participação no desenvolvimento deste trabalho, apesar de pequena, foi
importantíssima.
A todos os outros que não pude mencionar aqui, muito obrigado.
v
“Existe uma verdade fundamental em relação a todos os
atos de iniciativa e de criação, cujo desconhecimento mata
inúmeras idéias e planos esplêndidos: é que no momento
em que nos comprometemos definitivamente, a
Providência move-se também. Toda uma corrente de
acontecimentos brota da decisão, fazendo surgir a nosso
favor toda sorte de incidentes, encontros e assistência
material que nenhum homem sonharia que viesse em sua
direção. Qualquer coisa que você possa ou sonhe que
possa fazer, comece a fazê-la agora. Coragem contém em
si genialidade, força e magia.”
vi
RESUMO
O presente trabalho trata da vihuela, sua notação musical (tablatura) e a transcrição de seu
repertório para o violão moderno. Contextualizar-se-á a vihuela histórica e culturalmente,
apresentando aspectos da construção do instrumento, seus gêneros musicais mais importantes,
sua participação na publicação de música instrumental na Espanha do século XVI e excertos
biográficos dos vihuelistas mais conhecidos. Serão abordados conceitos que permeiam a
notação em tablatura, tais como sua origem, funcionamento e variantes regionais. Por fim, o
processo de transcrição de obras da vihuela para o violão moderno será trabalhado tanto do
ponto de vista prático quanto teórico, explicitando as questões mais comumente levantadas e
apresentando soluções. Com propósitos ilustrativos, serão apresentadas três opções de
transcrição de uma tablatura para vihuela.
vii
ABSTRACT
The present work deals with the vihuela, its musical notation (tablature) and the transcription
of its repertoire to the modern guitar. First of all, a historic and cultural contextualization will
be made, presenting aspects about the construction of the instrument, its most important
musical genres, its role in the publication of instrumental music in Sixteenth-Century Spain
and biographical excerpts of the most known vihuelists. Furthermore, concepts surrounding
the tablature notation, such as its origin, functionality and regional variants will be broached.
To conclude, the process of transcribing music from the vihuela to the modern guitar will be
worked under practical and theoretical points of view, highlighting the most commonly raised
subjects and presenting solutions. With elucidative purposes, three transcription options upon
the same vihuela tablature will be presented.
viii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
ix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ___________________________________________________________ 1
METODOLOGIA _________________________________________________________ 4
1 A VIHUELA ____________________________________________________________ 6
1.1 CONTEXTO ___________________________________________________________ 6
1.2 INSTRUMENTO _______________________________________________________ 7
1.3 GÊNEROS MUSICAIS __________________________________________________ 13
1.3.1 Variações (diferencias) _________________________________________________ 13
1.3.2 Intabulações de obras vocais _____________________________________________ 14
1.3.3 Fantasias _____________________________________________________________ 17
1.3.4 Canções _____________________________________________________________ 19
1.4 PUBLICAÇÕES________________________________________________________ 20
1.5 VIHUELISTAS ________________________________________________________ 24
2 TABLATURA ___________________________________________________________ 28
2.1 TABLATURAS PARA INSTRUMENTOS DE CORDAS DEDILHADAS _________ 30
2.1.1 Tablatura Alemã _______________________________________________________ 31
2.1.2 Tablatura Italiana ______________________________________________________ 33
2.1.3 Tablatura Francesa _____________________________________________________ 34
3 TRANSCRIÇÃO ________________________________________________________ 38
3.1 AFINAÇÃO ___________________________________________________________ 38
3.2 ARMADURA DE CLAVE ________________________________________________ 39
3.3 TIPOS DE TRANSCRIÇÃO ______________________________________________ 40
3.4 FIGURAS RÍTMICAS E FÓRMULAS DE COMPASSO _______________________ 41
3.5 ERROS TIPOGRÁFICOS ________________________________________________ 42
3.6 APRESENTAÇÃO GRÁFICA _____________________________________________ 44
3.7 EXEMPLOS DE TRANSCRIÇÃO _________________________________________ 44
CONSIDERAÇÕES FINAIS ________________________________________________ 46
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ________________________________________ 47
ANEXO 1 - Intabulação de Diego Pisador do Kyrie da Missa Hercules dux Ferrariae de
50
Josquin des Préz - Tablatura fac-símile _________________________________________
APÊNDICE A - Intabulação de Diego Pisador do Kyrie da Missa Hercules dux Ferrariae
53
de Josquin des Préz – Exemplos contrastantes de transcrição_________________________
APÊNDICE B - Intabulação de Diego Pisador do Kyrie da Missa Hercules dux Ferrariae
63
de Josquin des Préz – Erros tipográficos ________________________________________
x
INTRODUÇÃO
Durante todo o meu curso de graduação fiquei dividido entre duas áreas de atuação na
música: o violão e o canto coral. Este duplo interesse fez com que eu desenvolvesse particular
afinidade pelo repertório contrapontístico da Renascença para instrumentos antigos de cordas
dedilhadas1, repertório este que foi incorporado ao violão através de transcrições e arranjos.
De fato, a importância das transcrições e arranjos de obras escritas originalmente para
outros instrumentos é tão grande que se tornou difícil conceber o repertório do violão sem
eles. Além de obras compostas para os instrumentos “ancestrais” do violão mencionadas
anteriormente, encontramos no repertório transcrições e arranjos de obras oriundas de
instrumentos como o cravo, violino, violoncelo e piano, entre outros. Tal prática popularizou-
se a partir do século XIX, e proporcionou ao repertório violonístico abranger não apenas obras
originais para o instrumento, mas também compositores que viveram anteriormente ao
advento do violão moderno, como Scarlatti, Bach, Haydn, Beethoven, Schubert e muitos
outros.
Esta versatilidade no trato do repertório poderia ser vista como uma tentativa de suprir
deficiências do repertório original. Por outro lado, pode ser abordada como uma grande
vantagem do violão, permitindo-lhe abarcar uma variedade de épocas e estilos. Uma destas
épocas, muitas vezes negligenciada nos programas de concertos instrumentais2 é justamente a
Renascença, representada aqui pelo repertório escrito para os instrumentos antigos de cordas
dedilhadas.
O presente trabalho foca a vihuela, instrumento que, segundo Dudeque (1994, p. 9), “é
o mais antigo que pode ser relacionado com o violão moderno”, abrangendo diversos aspectos
deste instrumento, seu repertório e a transcrição de tablatura para a notação tradicional. Eu
tomei conhecimento da vihuela há menos de um ano durante as aulas da disciplina de
Repertório I, e me identifiquei imediatamente com o estilo de composição contrapontística do
seu repertório, algo que eu acreditava somente existir no alaúde. A proximidade estilística dos
repertórios do alaúde e da vihuela levou a certa confusão no meio musical, conforme Turnbull
(1974, p. 10) nos explica:
1
No presente trabalho utilizaremos o termo “cordas dedilhadas” para se referir aos instrumentos com cordas
estendidas sobre uma caixa de ressonância, tocadas diretamente pelos dedos. São instrumentos como o violão e o
alaúde, entre muitos outros.
2
Com a óbvia exceção de solistas e grupos especializados no repertório de música antiga, que começaram a
despontar a partir de meados do século XX.
1
“A afinação e o estilo de música que a vihuela inspirava levaram um número de
teóricos a referir-se a ela como alaúde e falar sobre a ‘Música Espanhola para
Alaúde’. Gilbert Chase reagiu firmemente a tal atitude e prefere referir-se à vihuela
como uma ‘guitarra de seis cordas’. Isto é compreensível tendo em vista as
afinidades óbvias do instrumento com o violão moderno, porém, torna-se confuso
quando sabemos que existia um instrumento com o nome de ‘guitarra’ no século
XVI, o qual levava uma vida totalmente diferente do que a da vihuela.
Consequentemente, é recomendável manter o nome ‘vihuela’ para identificar este
instrumento de dupla personalidade, reservando ‘guitarra’ para a sua companheira.”
3
Esta afirmação contraria o princípio de que o repertório para vihuela é perfeitamente factível no violão
moderno, porém há que se observar que isto se deve à possível natureza não idiomática da obra em questão no
próprio instrumento de origem.
2
de experimentação para diferenciá-los, a fim de evitar decisões puramente arbitrárias.
Comentários adicionais poderão ser encontrados no capítulo dedicado à transcrição.
Abandonado o propósito inicial, optei por realizar no presente trabalho uma
abordagem generalista a respeito dos temas que circundam o estudo da vihuela, a fim de
estabelecer parâmetros para uma futura ampliação da discussão e/ou elaboração de novas
transcrições.
No primeiro capítulo, abordarei uma contextualização histórica e musical da vihuela e
da Espanha do século XVI, comentando as razões pelas quais este instrumento desfrutou de
alta popularidade e levou ao que ficou conhecido como a “era de ouro” da música daquele
país. Apresentarei informações básicas sobre a construção, materiais e partes constituintes da
vihuela, além de comentar a respeito das duas vihuelas sobreviventes e comprovadamente
originais que se tem conhecimento. Em seguida, listarei algumas informações a respeito dos
gêneros musicais mais utilizados, bem como alguns aspectos do processo de publicação
musical na Espanha do século XVI. Encerrarei o primeiro capítulo abordando informações
biográficas sobre os principais vihuelistas que tiveram suas obras publicadas.
No segundo capítulo farei uma introdução ao estudo das tablaturas para instrumentos
de cordas dedilhadas. Abordarei o funcionamento das tablaturas alemã, italiana e francesa,
amplamente utilizadas por instrumentos de cordas dedilhadas deste período. Comentarei sobre
as vantagens e desvantagens da utilização da notação em tablatura e a importância de seu
estudo para o violonista moderno. Refletirei também a respeito da epistemologia do termo e
outras curiosidades sobre este tipo de notação.
No terceiro e último capítulo definirei o termo “transcrição” e refletirei a respeito de
alguns dos problemas encontrados ao se transcrever para violão uma obra original para
vihuela, como também para a notação tradicional. Entre estes aspectos, posso citar: escolha do
número de pentagramas a ser utilizado; fórmula de compasso e notação rítmica da transcrição;
armadura de clave e afinação; e erros tipográficos. Estes tópicos serão abordados em caráter
meramente introdutório e serão demonstrados por três exemplos contrastantes de transcrição
do Kyrie da Missa Hercules dux Ferrariae de Josquin des Prez, intabulada por Diego Pisador.
3
METODOLOGIA
Podem-se dividir as pesquisas a respeito deste tema em duas categorias: aquelas que
abordam informações a respeito do instrumento, sua construção, sua prática e contexto, entre
outros; e aquelas que objetivam a transcrição do repertório da vihuela para o violão moderno
e/ou da notação em tablatura para a notação tradicional. No entanto é importante não olvidar
que algumas vezes tal distinção é inexistente, tendo em vista o caráter misto de muitas
pesquisas. A presente pesquisa encaixa-se na primeira categoria, uma vez que consiste em
uma revisão bibliográfica a respeito do tema.
Um fator que dificultou a pesquisa bibliográfica para este trabalho foi que ainda hoje,
apesar do número crescente de pesquisas, a vihuela e seu repertório são pouco abordados na
academia, salvo alguns pesquisadores/instrumentistas altamente especializados. Outra
dificuldade foi que, apesar de haver encontrado bibliografia suficiente para satisfazer as
necessidades da pesquisa, pouco material foi encontrado em língua portuguesa, salvo as
breves explanações do livro História do Violão (1994) de Norton Dudeque e o artigo O uso
da música polifônica vocal renascentista no repertório do alaúde e da vihuela (2003) de
Daniel Wolff. Esta situação representa uma lacuna que o presente trabalho pretende ajudar a
preencher parcialmente, servindo como referência para futuras pesquisas.
Em matéria de vihuela e sua prática, iniciei a pesquisa procurando o verbete vihuela
no The New Grove Dictionary of Music and Musicians (2001) versão online e buscando por
materiais que tivessem qualquer relação com a vihuela no banco de periódicos acadêmicos
JSTOR. A partir dos trabalhos encontrados nestas duas pesquisas preliminares, busquei
acesso às fontes secundárias que seus autores utilizaram e cheguei a dois nomes importantes
para a área da vihuela: John Milton Ward e John Griffiths. Conforme comentado
anteriormente, Ward com sua tese The vihuela de mano and its music foi o primeiro estudioso
a desenvolver um trabalho consistente sobre os inúmeros aspectos da vihuela, baseando-se
quase que completamente em fontes primárias. Já Griffiths pode ser considerado o mais
prolífico pesquisador de música antiga espanhola para instrumentos de cordas dedilhadas da
atualidade, além de ser bastante ativo como instrumentista da guitarra e da vihuela. Sem as
informações contidas em seu website4 e a sua bondade em disponibilizar gratuitamente quase
todas as suas publicações em formato PDF, eu teria problemas muito maiores em conseguir
referências para embasar a pesquisa.
4
http://www.vihuelagriffiths.com
4
Para a discussão sobre tablatura novamente iniciei a busca nos verbetes afins do The
New Grove Dictionary of Music and Musicians, e através das referências contidas nestes
verbetes cheguei à obra de Willi Apel The notation of polyphonic music 900-1600 (1949), a
qual nos forneceu uma importante reflexão sobre notações em tablatura. Utilizei também
nesta seção as informações contidas na tese de doutorado Transcribing for guitar: a
comprehensive method (1998) de Daniel Wolff e as notas introdutórias contidas nos fac-
símiles das publicações originais para a vihuela.
O capítulo que contém reflexões sobre o processo de transcrição de obras da vihuela
para o violão moderno provou ser um desafio no que concerne ao levantamento de
referências. Por um determinado período procurei publicações que me iluminasse a respeito
das decisões referentes ao processo de transcrição deste repertório, contudo somente encontrei
as informações contidas na tese de Wolff supracitada.
Os exemplos de transcrição (Apêndice A) foram produzidos através do cruzamento de
informações entre a tablatura original de Diego Pisador e a partitura vocal da missa de Josquin
des Prez editada por Albert Smijers5. Os erros tipográficos contidos na tablatura original
foram corrigidos no texto final e encontram-se transcritos (Apêndice B). A partitura foi escrita
utilizando o programa de editoração musical Finale 2008.
Conforme foi possível observar, a maioria absoluta da bibliografia consultada está em
língua inglesa. Todas as traduções necessárias para o presente trabalho foram efetuadas pelo
autor. Por tal razão, optei por não adicionar o termo “tradução nossa” na menção autoral,
reduzindo assim o aparato das citações. Decidi também não transcrever as citações originais
em inglês, a fim de não sobrecarregar a apresentação do texto. Assumo, portanto, qualquer
responsabilidade por eventuais erros de tradução que possamos ter cometido.
5
Esta edição de domínio público foi escolhida em função da impossibilidade de acesso à principal fonte das
obras de Josquin na atualidade, a “The New Josquin Edition” (1969).
5
1 A VIHUELA
1.1 CONTEXTO
O Renascimento foi uma época marcada por profundas mudanças para toda a
sociedade européia: houve o início do importante processo de mudança política, resultando na
formação dos estados nacionais sucedendo o sistema feudal, bem como as grandes
navegações, multiplicando o conhecimento da Europa a respeito do resto do mundo.
Ressurgiu a corrente filosófica do Humanismo, que trouxe o Homem para o centro das
preocupações humanas, o que, aliado à difusão dos preciosos conhecimentos da Antiguidade
Clássica, proporcionou a emancipação da Ciência, antes subordinada à Igreja e aos seus
dogmas. Na área das Artes observamos uma intensa inovação através dos grandes mestres
italianos: Leonardo da Vinci, Michelangelo e muitos outros; e na música encontramos o auge
da música vocal polifônica e o início da revolução da música instrumental, a qual um século
mais tarde declararia sua independência da música vocal.
Coroando e intensificando a miríade de redescobrimentos e inovações há, na primeira
metade do século XV, o advento da prensa móvel pelo alemão Johannes Guttenberg. Esse
maquinário de imprensa facilitou imensamente a divulgação dos novos conhecimentos,
podendo ser considerada a mais importante e revolucionária invenção do Renascimento. Ela
proporcionou uma divulgação mais ampla e irrestrita dos conhecimentos existentes,
esclarecendo assim outros setores da sociedade que não o clero ou os estudiosos6. E a música,
que não permaneceu alienada a essas alterações, usufruiu sobremaneira deste novo recurso, de
tal modo que observamos, ainda no século XVI, muitas publicações de repertório vocal e
instrumental, além de tratados teóricos e instrumentais.
Nesta conjuntura, podemos observar diversos fatores históricos que contribuíram para
os importantes avanços musicais oriundos da prática da vihuela durante o século XVI.
Primeiramente, deve-se levar em consideração que no século XV, pela primeira vez na sua
história, a Espanha alcançou a unificação, como também a integridade territorial7. Por
séculos, além da dominação moura, a Espanha ficou dividida em pequenos reinos
concorrentes - Aragón, Castilla, Catalonia e Leon, entre outros - que possuíam cada um seus
interesses próprios e ocasionalmente relações conflituosas. No século XV estes conflitos se
6
Ainda assim, os livros permaneceram demasiadamente caros e somente os nobres, burgueses e a crescente
classe média poderiam adquirí-los.
7
Os árabes dominaram a maior parte da Península Ibérica desde 711, sendo finalmente expulsos na histórica
tomada do Reino de Granada em 1492.
6
acalmaram na ocasião do casamento de Fernando de Aragón e Isabel de Castilla (reinos
concorrentes) e, posteriormente, pela expulsão definitiva dos mouros, a qual selou a união da
nobreza espanhola sob uma só bandeira, sendo Fernando I coroado rei da Espanha.
Conforme mencionado anteriormente, há também de se notar que essa foi a época das
grandes navegações européias, as quais ampliaram imensamente os conhecimentos a respeito
do mundo e levaram ao “descobrimento” do “Novo Mundo”. A essas descobertas seguiram-se
as guerras dos conquistadores por toda a América Espanhola, que foram altamente rentáveis
em metais preciosos para a Espanha. A renda desses metais preciosos foi utilizada,
principalmente, para a compra de bens militares e para financiar a nobreza, mas também
gerou um ambiente de euforia econômica muito propícia ao desenvolvimento artístico. Essa
foi denominada “Época de Ouro” da Espanha, que durou essencialmente apenas o século
XVI, produziu um número formidável de artistas de todos os tipos: poetas, escritores, pintores
e musicistas do mais alto calibre (GRIFFITHS, 1983). Contudo, é importante manter em
perspectiva que esse enriquecimento através de metais preciosos estimulou a importação de
bens manufaturados de outros países do continente, gerando uma altíssima inflação no
mercado europeu, atrofiando assim a economia interna da Espanha. Tal situação não poderia
se sustentar por muito tempo; consequentemente, na primeira metade do século XVII, a
Espanha, com muitos problemas econômicos, tornou-se um país secundário ante o resto da
Europa.
Completando a conjuntura de situações favoráveis ao desenvolvimento das artes na
Espanha do século XVI, temos a contribuição de Carlos V (R. 1516 – 1556) e seu sucessor
Felipe II (R. 1556 – 1598), que governaram a Espanha durante a maior parte do século.
Ambos eram grandes amantes das artes e principalmente da música, havendo registros de que
eles mantinham várias capelas, reunindo musicistas de várias regiões. Suas capelas, de forma
geral, davam preferência aos mestres flamengos para a execução de música sacra vocal. Já
para a execução de gêneros locais da música secular, tanto vocal como instrumental, havia
predominância de músicos espanhóis (TURNBULL, 1974).
1.2 INSTRUMENTO
8
Instrumento de cordas dedilhadas em forma abaulada. Introduzido na Europa pelos muçulmanos, tendo como
possíveis portas de entrada: a Península Ibérica (região dominada pelos mouros); a Sicília (ponto central no
comércio do Mediterrâneo); ou, até mesmo, as próprias Cruzadas, ocasiões de intenso intercâmbio cultural entre
a Europa Medieval e o mundo islâmico. Há uma lenda de que o alaúde não vingou na Espanha devido a um
sentimento coletivo do povo espanhol de aversão a qualquer coisa de origem árabe, após a Reconquista; no
entanto, Antonio Corona-Alcalde e Diana Poulton (2001) afirmam que essa teoria ignora que outros aspectos da
cultura árabe foram parte viva da Espanha após o domínio mouro. Eles também afirmam que há novas fontes
sugerindo que o alaúde foi mais usado do que inicialmente se acreditou.
9
John Ward (1953, p. 36) define que: “O construtor de instrumento espanhol do século XVI era um membro da
corporação de carpinteiros. Apesar de seu título oficial, violero, significasse ‘fazedor de violas’ (vihuelas), ele
deveria ser proficiente na construção de outros instrumentos, incluindo alaúdes, órgãos, clavicórdios e cravos”.
8
documentação iconográfica10, que na maioria das vezes não é precisa em suas representações,
já que muitas vezes não respeita proporções básicas do instrumento, nem número de cordas e
cravelhas; e dois instrumentos sobreviventes, dos quais um (figuras 1 e 2) se encontra no
Musée Jacquemart-André do Institut de France em Paris e o outro (figura 3) na igreja da
Compañia de Jesus em Quito no Equador (TURNBULL, 1974).
10
John Ward (1953, pp.13-18) lista algumas imagens de vihuelas em publicações da época.
9
Uma prática muito comum era construir famílias de instrumentos com diversos
tamanhos, a fim de acomodar diversas tessituras e constituir um grupo de instrumentos com
timbres homogêneos. Ward (1953) comenta que fontes teóricas do século XVI sugerem a
existência de, pelo menos, três tipos diferentes de vihuelas: a discante ou vihuela menor, a
vihuela ou vihuela común e a vihuela de siete ordenes. Todavia, pela ausência de um
parâmetro unificado de medidas, é de se esperar que mesmo entre esses três gêneros de
instrumentos houvesse variantes de tamanho. Ambos os instrumentos sobreviventes citados
são de grandes dimensões em comparação do que seria esperado de uma vihuela común, tendo
em vista que:
11
Uma curiosidade a respeito desse exemplar é que em algum momento de sua história ele teve sua ponte e
cravelhas alteradas para servir como uma guitarra de cinco ordens. No entanto, isso não ocultou as marcas e
características que acusam sua origem como sendo uma vihuela.
10
freqüentes” e “Não há dúvidas de que as violas mencionadas nos relatos jesuíticos sejam as
violas dedilhadas, e não as violas da gamba ou da braccio”. Pode-se completar ainda que:
“(...) A julgar pela documentação conhecida, pelo menos no século XVI, era o
instrumento polifônico ou de harmonia mais difundido entre os povos ibéricos. No
Brasil, pelo uso pouco frequente do cravo, foi o principal instrumento
acompanhador e de harmonia na música profana até o século XVIII. É provável que
fosse utilizado também em igrejas que não possuíam órgãos (CASTAGNA apud
HOLLER, 2010, p. 113)”.
“… para dar à vihuela sua verdadeira entonação, para que esteja bem afinada, é
preciso [fazer] desta maneira: se a vihuela é grande, pegue uma primeira corda que
seja espessa e não fina; e se ela e pequena, pegue uma primeira corda que seja fina e
não espessa. Tendo feito isso, estique a corda o máximo que ela agüente sem
arrebentar; então você afinará as outras cordas baseado na altura da primeira, o que
eu explicarei abaixo. Desta maneira [a vihuela] estará bem afinada e na sua
verdadeira entonação.”
12
O ofício de confecção de cordas musicais era também controlado por uma corporação que, entre outras
normas, decretava que as cordas deveriam ser feitas de tripa de carneiro (WARD, 1953).
13
Na eventualidade de uma corda não existir em par, ainda assim era chamada de ordem, como ocorria com
certa frequência na guitarra de quatro ordens, no alaúde e na vihuela, onde a primeira ordem (chanterelle)
poderia ser simples.
14
Esta afirmação é baseada na falta de explicação dos autores de vihuela em como as cordas da mesma ordem
deveriam ser afinadas, sempre as mencionando como ordens. O único que comenta algo a respeito é Diego
Pisador, quando, na introdução de seu livro, menciona que o executante deveria: “pegar uma das quartas cordas
soltas e afiná-la em uníssono com o seu par” (GRIFFITHS, 1997, p. 170)
15
Há de se comentar que a prática da scordatura já era bastante freqüente entre os vihuelistas podendo, então,
esta relação intervalar sofrer alterações, conforme seja desejado pelo compositor. Dos compositores para a
vihuela, apenas Pisador e Fuenllana apresentaram obras requerendo o uso de uma afinação diferenciada.
(GRIFFITHS, 1997).
11
Isto deixa claro que na época não se pensava em afinações absolutas para as notas musicais,
principalmente se pensarmos que: “Altura... dependia da força tensora da corda, do tamanho e
qualidade do instrumento, do ouvido do instrumentista, e certamente da estação do ano”
(WARD, 1953, p.41). Todavia, Ward (1953) também menciona que as vihuelas comúns
tinham a suas sextas ordens afinadas em Gama ut ou A re, ou seja, G1 ou A1. Conclui-se assim
que, mesmo que sejam alturas supostas, as vihuelas eram afinadas com relação aproximada a
estas notas de referência e, apesar de não poder traçar uma relação precisa destas com a
afinação moderna, sabe-se que - devido aos materiais e técnicas de construção - a afinação era
mais baixa que a atual.
O violão moderno (que possui uma afinação intervalar de 4ªJ, 4ªJ, 4ªJ, 3ªM, 4ªJ) pode
muito facilmente ser afinado de forma similar à vihuela, bastando que afinemos a terceira
corda meio tom abaixo para que alcancemos relações intervalares idênticas. Desta forma,
pode-se executar ao violão o repertório da vihuela escrito em tablatura sem nenhum esforço
de transcrição. Contudo, deve-se manter em perspectiva que o violão é afinado em E,
enquanto a vihuela era em G ou A. Isto mostra que, mesmo que a vihuela não fosse afinada
em uma altura definida, para se alcançar uma afinação e/ou um comprimento de corda mais
parecido com o que seria o da vihuela deve-se subir em pelo menos um tom a afinação do
violão para fá sustenido16, se este for o desejo do intérprete.
O último item da vihuela e, de certa forma um dos mais importantes, são os trastes. Os
trastes são segmentos transversais que dividem o braço do instrumento em seções chamadas
casas, podendo ser encontrados em quase todos os instrumentos de cordas dedilhadas. O
material usado varia bastante com relação à época e ao instrumento, podendo ser tripa,
madeira, osso e metal, entre outros; no caso da vihuela, eles eram de tripa. Cada casa da
vihuela correspondia a um semitom; no entanto, apesar da divisão da oitava tender a um
temperamento igual, alguns semitons eram maiores que outros17, porquanto faltassem
ferramentas matemáticas para que conseguissem uma aproximação apropriada. No caso da
vihuela, a característica do temperamento de possuir semitons desiguais poderia ser
contornada, já que os trastes eram ajustáveis. Portanto, um musicista experiente moveria os
trastes baseado em divisões matemáticas complexas conforme descritas por Bermudo em seu
tratado ou na sua audição refinada.
16
Isto deve ser feito usando o recurso do capo tasto colocado no braço do violão.
17
Os semitons eram nomeados: mi (chamado de semitom forte) e fa (chamado de semitom débil), sendo o
primeiro maior que o segundo.
12
Uma discussão a respeito de trastes e temperamento na vihuela, como é até hoje no
violão moderno, seria extensa e controversa e fugiria do escopo do presente trabalho.
Todavia, encerro a seção com um pensamento em defesa do uso de trastes em instrumentos de
cordas dedilhadas com braço:
A presente seção tem como objetivo apresentar brevemente alguns dos principais
gêneros musicais e estilos composicionais empregados pelos vihuelistas. Apresentarei a seção
subdividida numa terminologia que intenciona agrupar as formas mais importantes aplicadas
pelos vihuelistas, no entanto, na prática as técnicas podem se misturar e peças podem
pertencer a mais de uma categoria.
18
Tal preferência não é exclusiva do período, tendo em vista que posteriormente outros compositores espanhóis
escreveram variações para estes dois temas.
13
Nome Guárdame las vacas Conde Claros Outros
Luys de Narváez 7 22 6 (sobre um hino de
Nossa Senhora)
Alonso Mudarra 5 12
Enriquez de Valderrábano 7 2 grupos 7 (sobre uma Pavana)
Diego Pisador 1219 37
Tabela 1: Diferencias publicadas pelos vihuelistas
Intabulação, segundo Brown (2001, p. 1), é: “Um arranjo de uma composição vocal
para teclado, alaúde ou outro instrumento de cordas dedilhadas; o termo é usado
especialmente para aqueles [arranjos] preparados nos séculos XIV, XV e XVI, e escritos em
tablatura”.
A arte de arranjar obras vocais para a vihuela era uma habilidade tão valorizada entre
os vihuelistas que, com exceção de Luys Milan, todos os vihuelistas incluíram intabulações
em suas obras. Griffiths (1997) menciona que aproximadamente dois terços de todo o
repertório para a vihuela consiste, de uma forma ou de outra, de música vocal intabulada.
Outro fato que confirma a grande importância das intabulações é o valor didático dado pelos
vihuelistas a esta prática. Bermudo em sua Declaración recomenda para os aspirantes a tocar
a vihuela iniciarem seus estudos fazendo arranjos de obras vocais (primeiramente a duas
vozes e, posteriormente a três ou mais) a fim de que desenvolvessem, simultaneamente, a
técnica instrumental, os conhecimentos musicais e o “bom gosto” musical20.
Como é de se esperar, a vihuela, o alaúde e outros instrumentos de cordas dedilhadas
possuíam limitações inerentes, tais como a inabilidade de manipular satisfatoriamente um
número elevado de vozes simultâneas e a de não poder sustentar o som por muito tempo. Na
busca por contornar estes problemas, surgiram algumas soluções que influenciaram muito o
desenvolvimento da música instrumental propriamente dita, conforme comentarei a seguir.
Quando, trabalhando numa intabulação, um instrumentista poderia encontrar
passagens que fossem impraticáveis de executar de acordo com o original, nestes casos uma
voz de menor importância poderia ser omitida por alguns pulsos, tornando trechos,
19
Pisador, na sua tabla escreve apenas Las vacas, sugerindo a grande popularidade do tema, a ponto de nomeá-
lo apenas parcialmente.
20
Ver: Tañer vihuela según Juan Bermudo. Polifonía Vocal y Tablaturas Instrumentales (2003) de John
Griffiths
14
anteriormente impossíveis, possíveis. Porém, muitas vezes, a voz a ser omitida possuía notas
importantes para a verticalidade da música, o que poderia afetar a sonoridade geral da peça;
“... em tais casos, duas vozes poderiam ser combinadas em uma nova melodia, contendo as
notas mais importantes de cada uma das vozes originais, resultando em uma nova estrutura
polifônica” (WOLFF, 2003). É possível observar esta prática na figura abaixo, a qual mostra a
solução que Alonso Mudarra encontrou para adaptar um determinado trecho vocal:
Figura 4: Gloria da Missa Faisant Regretz de Josquin des Prez, intabulação de Alonso Mudarra (WOLFF, 2003, p. 11)
15
Isto caracteriza dois tipos de procedimentos utilizados nas intabulações, conforme
Ward (1952, pp.90-91) nos explica:
16
Figura 5: Pater noster de Josquin des Prez, intabulações de Francesco da Milano, Simon Gintzler e Pietro Teghi
(WOLFF, 2003, p. 14)
1.3.3 Fantasias
Definir com precisão o termo “fantasia” é uma tarefa bastante difícil, dado o seu
caráter abrangente e livre. Entretanto, Ward (1953, p. 137) nos fornece um recorte bastante
eficiente para o estilo composicional “fantasia” na Espanha do século XVI:
“... fantasia... denota uma obra instrumental original que não é uma dança, ou
intabulação de música vocal, ou glosa, ou composição baseada num tema
emprestado; em outras palavras, uma música relativamente ‘livre’ criada de acordo
com o ‘gosto’ do compositor.”
17
Ward (1953) também nos descreve que a fantasia nesta época significava uma obra
musical de caráter livre; com um ou vários temas; mais ou menos polifônica; com no mínimo
duas vozes; podendo ser altamente ornamentada ou não; variando bastante de duração; e
algumas vezes baseada em material emprestado de obras vocais (chamada de fantasia
paródia), porém mais frequentemente baseada em material original. Utilizando parte do
sistema de classificação adotado por Griffiths (1983), o qual é baseado nas principais
tendências composicionais deste período, aliado aos conceitos expostos por Ward (1952),
pode-se sintetizar os gêneros de fantasias para a vihuela da seguinte maneira:
21
Ver: The vihuela fantasia: a comparative study of form and style (1983) de John Griffiths.
18
1.3.4 Canções
19
1.4 PUBLICAÇÕES
22
Os nomes mais famosos eram: Pierre Attaignant (Paris); Jacques Moderne (Lyons); Matheo Pagano (Veneza);
e Ottaviano Petrucci (Veneza).
23
Este procedimento era adotado a fim de evitar que o autor publicasse, em uma tiragem futura, outra obra sob o
véu do mesmo título. E de forma a coibir a pirataria, que ocorreu com o Orphenica Lyra de Miguel Fuenllana, o
qual teve uma tiragem clandestinamente impressa pelo mesmo editor que imprimiu o livro para o autor.
20
Segundo Griffiths (2006) a legislação espanhola da época concedia os direitos autorais
do livro autorizado a ser publicado exclusivamente ao autor e este deveria arcar com todas as
despesas que envolvessem o processo de publicação24. Estas incluíam: produção, revisão,
taxas de autorização legal, impressão, distribuição e venda do livro. Ward (1953, pp. 131-132)
nos fala a respeito do alto custo das publicações:
Todas estas dificuldades para imprimir livros de música talvez tenham contribuído
para que apenas sete livros dedicados exclusivamente à vihuela sobrevivessem até os dias de
hoje. Adicionalmente, tem-se conhecimento das seguintes obras que incluem algum material
para vihuela: as publicações Libro de Cifra Nueva (Alcalá de Henares, 1557) de Venegas de
Henestrosa (c1510 – c1570) e Obras de música para tecla, arpa y vihuela (Madrid, 1578) de
Antonio de Cabezón (c1510 – 1566), que, apesar de dedicados à tablatura para teclado,
contêm peças que os autores classificaram como “aptas” para a harpa ou a vihuela; dois
acompanhamentos para canções no tratado já citado de Bermudo; um exemplo de tablatura no
livro El Melopeo y Maestro (Nápoles, 1613) de Pietro Cerone (1566 – 1625); e duas peças
manuscritas de autor desconhecido que foram encontradas escritas à mão no exemplar da
Biblioteca Nacional do Tres Libros de Música en Cifras para Vihuela, de Alonso Mudarra
(WARD, 1953). Abaixo estão listadas as obras publicadas para a vihuela com os seus
respectivos autores, local de publicação e ano:
24
Na Espanha, é difícil imaginar a figura de um editor de música como a vemos em outros países: este era
apenas o “impressor”, contratado pelo autor para copiar a obra.
25
O livro Obras de música para tecla, arpa y vihuela de Antonio de Cabezón foi publicado postumamente por
seu filho em 1578.
21
Apesar das publicações para vihuela serem em pequeno número, as informações
contidas nestes sete livros são de imensa valia. O repertório apresentado pelos vihuelistas é
bastante completo e abrange arranjos da polifonia vocal sacra e secular, canções e danças
típicas espanholas e italianas e fantasias contrapontísticas de diversos tipos. Contidas nesse
repertório estão três inovações que são atribuídas aos vihuelistas espanhóis do século XVI: as
primeiras indicações de andamento, a canção acompanhada (villancicos e romances) e a
organização da técnica de variações (diferencias). Discorrerei sobre a primeira destas
inovações, uma vez que a canção acompanhada e a técnica de variações são tópicos já
abordados na seção que trata de gêneros musicais.
Segundo Ward (1953, p. 69): “Quatro dos vihuelistas - Milan, Narváez, Mudarra e
Valderrábano - dão indicações de andamento para a maioria das peças em suas publicações...”
e de acordo com Griffiths (1997, p.167): “Os primeiros quatro livros de vihuela incluem
indicações explícitas do andamento desejado, o que constitui as primeiras marcações de
andamento conhecidas na música européia”. Isto, aliado à inexistência de tais indicações nas
publicações desta época para teclado e alaúde, mostra a grande importância histórica desses
autores.
O primeiro a publicar música com indicações de andamento foi Luys Milan em seu El
Maestro. Com algumas exceções, todas as peças de seu livro levam uma expressão em
castelhano, indicando o andamento que determinada peça deveria possuir. Isso nos remete às
expressões italianas para andamento convencionadas posteriormente em toda a Europa.
Griffiths (1997, p.167) explica como funcionam algumas das indicações de andamento de
Milan:
“Milan provê instruções verbais para guiar o executante, usando frases como ‘algo
apriessa’ (um pouco rápido), ‘con el compás batido’ (pulso bem marcado), ‘compás
a espacio’ (pulso devagar), ou ‘ni muy apriessa ni muy a espacio sino com um
compás bien mesurado’ (nem muito rápido nem muito lento)”.
22
Figura 7: Indicações de andamento pelos vihuelistas (GRIFFITHS, 1997).
Nenhum outro vihuelista teve tanta preocupação didática em sua obra quanto Luys
Milan. Ainda assim, alguns deles apresentavam indicações “D” e “F” antes de suas obras,
indicando se elas eram “fáceis” ou “difíceis”.
Na figura abaixo pode-se observar como os outros vihuelistas organizaram os libros
dentro das suas obras.
23
Figura 8: Divisão em libros das publicações para a vihuela (GRIFFITHS, 2006, p. 186)
1.5 VIHUELISTAS
Sabe-se que a vihuela gozou de grande apelo, tanto nas cortes quanto na classe média,
por isso podemos concluir que não poucas foram as pessoas que se dedicaram a aprender o
instrumento. Tendo este fato em vista, é surpreendente que a documentação a respeito dos
vihuelistas espanhóis seja desencorajadoramente escassa. Ward (1953, p. 356) observa que:
24
mais triviais informações recebem uma ênfase totalmente fora de proporção com o
seu real valor.”
27
2 TABLATURA
28
Esta característica se mostra de muita valia para o estudo dos acidentes na música renascentista (musica ficta),
ainda que haja divergências quanto à confiabilidade do uso dessas fontes para tais estudos, em virtude da
freqüente ocorrência de erros tipográficos em publicações de tablaturas.
28
Figura 9: Sanctus da Missa Hercules dux Ferrariae, compassos 1 e 2; intabulação de Diego Pisador e Luys de
Narvaez, respectivamente.
Outra grande vantagem é que a tablatura foi o primeiro sistema de notação capaz de
condensar todas as vozes em um só lugar. Segundo Wolff (2003, p.3):
“O fato de que cada parte (voz) das obras originais eram escritas em livros
separados (part books), em vez de uma partitura única contendo todas as vozes,
demonstra a praticidade de reduzir todas as vozes à uma única pauta de tablatura.
De fato, este pode muito bem ter sido o propósito das primeiras intabulações”.
Sabe-se que na Renascença muito comum era que instrumentos dobrassem ou até
mesmo substituíssem uma ou mais vozes; portanto, um instrumentista que tivesse acesso a
todas as vozes condensadas em um único sistema de notação e a possibilidade de executá-las
simultaneamente seria autossuficiente neste quesito.
Tal prática pode muito bem ter originado o termo “tablatura”, que segundo Dart;
Morehen e Rastall (2001, p.1): “É uma partitura onde as partes vocais são ‘tabuladas’ ou
escritas de forma que possam caber no campo de visão...”. Tendo em vista a hegemonia da
música vocal e contrapontística na Europa Ocidental da época e desta importante prática de
arranjar uma obra vocal polifônica completa em um único instrumento, seria de se esperar que
não só as primeiras obras publicadas em tablatura fossem para instrumentos harmônicos29,
como também fossem de longe as mais numerosas.
Mas a vantagem de reunir as partes vocais em uma só tablatura não poderia vir sem
um custo. A ambiguidade rítmica que a notação em tablatura pode sugerir é um exemplo desta
desvantagem. Como veremos posteriormente, a indicação rítmica mostra apenas o tempo de
ataque das notas e não a sua duração, decisão que deveria ficar a cargo do intérprete, podendo
assim causar certa confusão quanto à duração real das vozes da polifonia. Por tal razão, Luys
Milan (bem como outros autores para vihuela e alaúde) recomenda que o candidato a aprender
29
Talvez pela possibilidade única destes instrumentos (de teclado e cordas dedilhadas) executarem as várias
vozes da polifonia simultaneamente, é que se possa ter desenvolvido tal notação (tablatura), tendo em vista que a
notação mensural apenas registrava uma voz em cada pentagrama, os quais eram impressos em livros separados.
29
a vihuela deva ter bons conhecimentos prévios de canto harmônico a fim de conduzir
adequadamente o pulso (compás) e as figuras rítmicas (mensuras), além de melhor resolver o
contraponto.
Pode-se dividir o uso da notação em tablatura em quatro grandes grupos
instrumentais30. Os quatro grupos são: instrumentos de teclado, instrumentos de cordas
dedilhadas, instrumentos de sopro e instrumentos de arco. Nos instrumentos de teclado como
o órgão e o clavicórdio o uso da tablatura alemã e espanhola foi predominante. Já nos
instrumentos de sopro, como a charamela e a família da flauta doce, entre outros, as tablaturas
eram na verdade guias de digitação para a execução das notas musicas nos instrumentos,
mostrando quais orifícios deveriam ser tapados ou abertos para executar um som de
determinada altura. Podem ser considerados, desta maneira, mais diagramas do que tablaturas,
pois a notação em pentagrama ainda era a mais utilizada para escrever o repertório de tais
instrumentos. Nos instrumentos de arco o uso era quase idêntico ao da tablatura francesa para
cordas dedilhadas a qual discutiremos em maior profundidade a seguir.
Por uma questão de praticidade, discorrerei apenas sobre as tablaturas para o alaúde,
dividindo-as nos três tipos de tablatura mais utilizadas durante os séculos XVI, XVII e início
do XVIII. No entanto, é importante salientar que o princípio de utilização das tablaturas era o
mesmo em outros instrumentos de cordas dedilhadas, como a vihuela e a guitarra, cada qual
com sua afinação e número de ordens. A vihuela teve todo o seu repertório conhecido
publicado em tablatura italiana (com exceção do livro El maestro de Luys Milan, que utiliza a
variante conhecida como tablatura napolitana); a guitarra de quatro e cinco ordens também
muito popular na Espanha e no resto da Europa usava tanto a tablatura francesa como a
italiana.
30
Poder-se-ia, talvez, incluir sistemas de notação harmônica como o baixo cifrado neste grupo; todavia o baixo
cifrado não dispensa a notação da linha mais grave no pentagrama, não podendo assim ser considerado uma
tablatura propriamente dita.
30
2.1.1 Tablatura Alemã
31
Figura 11: Figuras rítmicas da tablatura alemã.
(DART; MOREHEN; RASTALL, 2001, p. 6.)
Figura 10: Símbolos da tablatura alemã
(DART; MOREHEN; RASTALL, 2001, p. 5)
Como observamos na figura 12, a notação rítmica faz uso de hastes sem cabeças,
sendo grafada acima da pauta e repetida para cada nova nota ou acorde que aparecesse. Neste
tipo de notação, notas simultâneas eram anotadas verticalmente em número de linhas igual ao
número de notas (vozes) em um determinado “pulso31”. Na figura 13 há um exemplo de
música notada em tablatura alemã, que mostra as variações rítmicas e as situações de acordes
de três, quatro e cinco notas.
Figura 12: Tablatura alemã Der Judentantz32 de Hans Newsidler; tablatura alemã (APEL, 1949, p. 81)
31
O barramento regular presente em todos os tipos de tablaturas é chamado de pulso.
32
Segundo Willi Apel (1949, p.78), significa “A Dança dos Judeus” e talvez seja um dos primeiros casos do uso
de scordatura claramente indicado pelo compositor. A afinação desejada nesta peça é (G, d, d, a, d’, f#).
32
2.1.2 Tablatura Italiana
Figura 13: Fantasia 10 de Luys Milan – El maestro, Libro primeiro; tablatura napolitana (MILAN, 1536, p.36)
33
Figura 14: Soneto a quatro de Pedro Guerrero, intabulação de Miguel de Fuenllana - Orphenica Lyra, Libro
quinto; tablatura italiana (FUENLLANA, 1552, fol. 123)
Há uma variante deste tipo de tablatura que utiliza a sequência das linhas invertida (a
primeira linha indicando a ordem mais aguda e não a mais grave; Figura 14), chamada de
“tablatura napolitana33”, utilizada na Espanha por Luys Milan, como também por alaudistas
no sul da Itália.
Sobre a tablatura italiana utilizada no repertório vihuelístico, há ainda uma
característica muito particular: a de notar a parte vocal. Em alguns casos isto era feito através
de um pentagrama acima da tablatura, porém mais comum era destacar em vermelho na
tablatura as notas referentes à parte da voz, como observamos na figura 15. Esta técnica de
cifras vermelhas também era utilizada em missas e outras obras sacras para ressaltar o cantus
firmus sobre o qual era construída a obra; nestes casos, a intenção era didática e não de sugerir
a performance com o canto (GRIFFITHS, 1997).
33
O princípio da tablatura para guitarra elétrica e música popular presente nos dias de hoje é muito similar à
tablatura napolitana, porém, com símbolos e significados próprios à sua linguagem musical e ausência de
notação rítmica.
34
versão italiana. Outra diferença era que as intersecções corda-traste eram indicadas por letras
estilizadas, ao invés de números. A corda solta era indicada pela letra “a”, a primeira casa pela
letra “b” e assim sucessivamente. O ritmo era notado como na tablatura italiana, sendo a
figura rítmica válida até ser contradita. A figura 16, abaixo, mostra as letras estilizadas, tais
quais como eram utilizadas:
35
Observa-se que, abaixo da representação das ordens, encontramos sinais e números, os
quais indicavam o uso dos diapasões34. Os três primeiros símbolos (“a” com traços em cima)
representavam os três primeiros diapasões, do mais agudo para o mais grave. Prosseguia-se
nesta sequência com o uso de numerais romanos, do número 4 em diante, para representar os
demais diapasões.
Assim termino minha exposição sobre os rudimentos das tablaturas para alaúde.
Contudo, existiram também outros símbolos que expressavam diversas sutilezas técnicas e/ou
musicais. A seguir estão listados alguns destes símbolos.
Como vimos anteriormente, a tablatura expressa apenas em quais trastes determinadas
cordas deverão ser pressionadas a fim de alcançar este ou aquele resultado musical. Tal
inerência permite ao leitor perceber com precisão qual digitação de mão esquerda foi pensada
pelo instrumentista/compositor; porém, o mesmo não ocorre com a mão direita. Esta deveria
ser pensada diretamente pelo instrumentista, o que, em casos de iniciantes ou até mesmo em
executantes mais experientes, poderia gerar deficiências causadas por um dedilhado
impensado. A fim de remediar esta situação, perto do final do século XVI, começaram a
surgir sinais indicando a digitação de mão direita na tablatura. Tal sistema empregava pontos
colocados próximos às notas na tablatura: um ponto indicava o uso do dedo indicador para
executar a nota, dois pontos o dedo médio e três o anelar35.
Vimos também que a tablatura explicita apenas a nota de menor duração, não sendo
em geral eficiente na representação de notas mais longas num contexto polifônico. Tal
situação foi também parcialmente resolvida com a adição de linhas diagonais ascendentes
dentro dos pulsos. Elas significavam que as notas daquele pulso deveriam ser sustentadas o
máximo de tempo possível, a não ser quando algum dos dedos fosse requerido para tocar
outra nota.
34
As ordens mais graves do alaúde. Localizavam-se abaixo da sexta ordem e permaneciam fora do braço do
instrumento, não sendo, portanto, dedilhadas, apenas tocadas soltas.
35
Estes símbolos foram utilizados em algumas edições para o violão moderno até meados do século XX.
36
Figura 18: Linhas indicando sustentação das notas (APEL, 1949, p.70)
36
Ver: Ornamentation as indicated by signs in lute tablature (1908) de Janet Dodge.
37
3 TRANSCRIÇÃO
Segundo o The New Grove Dictionary of Music and Musicians, o termo “transcrição”,
no contexto de estudo da Música Tradicional Ocidental, refere-se a:
“... copiar uma obra musical, normalmente com alguma mudança de notação (por
exemplo, da tablatura para a notação tradicional ou para o manossolfa), ou em
apresentação (por exemplo, de partes para uma grade), sem ouvir sons durante o
processo de escrita. Transcrições são comumente feitas a partir de fontes
manuscritas de música antiga e, portanto, envolvem algum grau de trabalho
editorial. Transcrição pode também significar ‘arranjo’, especialmente quando
envolver mudança de meio (por exemplo, redução de orquestra para piano)”
(ELLINGSON, 2001, p. 1)
3.1 AFINAÇÃO
38
vihuela fosse afinada perto de sol ou fá sustenido (WOLFF, 1998). Isto nos leva à seguinte
questão: devemos escrever a partitura no tom em que teria soado na vihuela? Se tivermos em
mente uma transcrição com objetivos musicológicos, talvez; mas se tivermos em mente uma
transcrição prática para o violão, a razão nos diz que não.
Mesmo que as afinações absolutas dos instrumentos sejam diferentes, sua mecânica de
mão esquerda é idêntica. Assim, ao compor suas obras, os vihuelistas tinham em mente o seu
funcionamento mecânico no braço do instrumento; se transcrevêssemos a partitura no tom que
teria soado na vihuela estaríamos desvirtuando a mecânica idealizada pelo compositor e,
possivelmente, inviabilizando a execução no violão (figura 20). Portanto, a alternativa mais
convincente sob o ponto de vista técnico para simular a afinação e comprimento de corda da
vihuela no violão, é encará-lo como um instrumento transpositor e utilizar o capotasto na 2ª
ou na 3ª casa. Cabe ressaltar que há instrumentistas que se opõem ao uso do capo, pois julgam
que ele altera a sonoridade do instrumento, desvirtuando-o. Minha preferência é pelo uso do
capo na 2ª casa, pois facilita as distenções de mão esquerda que encontramos neste repertório,
sem que se perca a profundidade do som violão.
Figura 19: Kyrie da Missa Hercules dux Ferrariae, compassos 6 e 7; transcrição sem e com transposição para o
tom original, respectivamente
Pela sua própria natureza, a notação em tablatura dispensa qualquer tipo de indicação
sobre que tom ou modo em que a obra musical se encontra. Isto acontece pois uma vez que a
notação grafa exatamente a posição dos dedos no braço do instrumento, não há, em tese, a
necessidade de advertir o instrumentista sobre os acidentes encontrados na obra musical.
Ainda assim, muitos autores apresentam indicações de modo em suas peças, que, se não
afetam a leitura da tablatura em si, podem auxiliar na transcrição para a notação tradicional.
Ao transcrevermos uma obra de sua tablatura original, devemos procurar saber em qual dos
modos a peça foi composta - observando em quais notas a obra se inicia e termina, como
39
também a quantidade de acidentes regulares, entre outros parâmetros - a fim de que possamos
utilizar a armadura de clave mais adequada ao modo. Esta tarefa não deve propor qualquer
tipo de desafio àqueles que estão familiarizados com os modos utilizados na Renascença,
portanto não me estenderei sobre o assunto.
37
Grifo do autor.
40
eventualidade da dúvida, ele nos orienta a testar as possibilidades e a escolher a que melhor se
identifica com a forma que se ouve a música.
Figura 20: Gloria da Missa Hercules dux Ferrariae, compassos 14 e 15; transcrição estrita
transcrição polifônica, repectivamente.
38
Não devemos esquecer que em algumas intabulações de obras vocais como villancicos, por exemplo, os
arranjos feitos pelos vihuelistas são muitas vezes os únicos registros existentes deste repertório; inexistindo
qualquer material para comparação. Nestes casos, o transcritor deve assumir total responsabilidade da
interpretação da condução das vozes.
41
Pessoalmente, tenho a preferência por não dividir a figuração rítmica. Primeiramente,
creio que reduzir ritmicamente as figuras gera mais problemas de leitura do que resolve, pois
ao dividi-las multiplicam-se a quantidade de elementos dentro do pentagrama: mais hastes e
mais colchetes (figura 23), o que dificulta muito a clareza de leitura, tanto almejada. Além
disso, acredito que a estranheza que algumas pessoas possam ter ao encontrar uma obra
escrita em 3/1 ou 2/1 e com muitas mínimas e semibreves seja possivelmente causada pela
falta familiaridade com estes padrões rítmicos, pois sabemos que fórmulas de compasso são
relativas e que, na Renascença, era comum ter este tipo de fórmula de compasso em música.
42
em alguns casos, porém torna-se mais fácil quando se trata de uma transcrição de intabulações
de obras vocais, às quais temos acesso aos originais. Todavia, há casos em que discernir os
erros das alterações efetuadas propositadamente pelo intabulador pode se mostrar dificultoso.
Quando, por exemplo, temos o que pode ser considerado uma intabulação literal em mãos, e
nela encontramos uma passagem onde uma ou mais notas da tablatura diferem do original
vocal, não podendo, as mesmas, ser prontamente consideradas “erradas” perante a condução
de vozes e/ou a harmonia. Todavia, ao analisarmos tal passagem de acordo com o original,
vemos que não possui impossibilidades de execução da forma como se apresenta; portanto,
em tese, não haveria justificativa técnica para tais alterações efetuadas pelo intabulador.
Nestes casos, cabe uma análise mais aprofundada das possíveis razões que motivaram
estas mudanças, no caso da figura 24, por exemplo, o equívoco pode ser facilmente revelado,
já que tanto a nota “dó’ quanto a “sol” são indicadas pela cifra “1” na tablatura e este apenas
foi posicionado na linha errada. No entanto, podem haver casos em que tal identificação
torna-se mais difícil pela ausência de um fator óbvio como no exemplo dado.
Figura 22: Agnus Dei da Missa Hercules dux Ferrariae, intabulação de Diego Pisador, compassos 57 e
58; erro tipográfico (pentagrama superior: original vocal; pentagrama inferior: tablatura)
Ainda que este seja um problema comum com que se depara o transcritor, encontrei na
pesquisa alguns poucos comentários descompromissados a respeito deste problema em
publicações para vihuela e alaúde. A única menção consistente foi o relato de Griffiths (1983,
p. 315) a respeito do Libro de Musica de Pisador:
43
3.6 QUANTIDADE DE PAUTAS
45
CONSIDERAÇÕES FINAIS
46
REFERÊNCIAS
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DART, Thurston, MOREHEN, John e RASTALL, Richard. Tablature. The New Grove
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ELLINGSON, Ter. Transcription. The New The New Grove Dictionary of Music and
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FREIS, Wolfgang. Perfecting the perfect instrument: Fray Juan Bermudo on the tuning
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GILL, Donald. Vihuelas, violas and the spanish guitar. Early Music, v. 9, n. 4. Oxford:
Oxford University Press, Out. 1981. pp. 455-462. Disponível em:
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47
GRIFFITHS, John. The vihuela fantasia: a comparative study of form and style. Tese de
doutorado. Monash University, 1983. 641 p. Disponível em:
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48
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WARD, Jonh Milton. The vihuela de mano and it music. Tese de doutorado. New York
University, 1953. 558 p.
49
ANEXO 1
INTABULAÇÃO DE DIEGO PISADOR DO KYRIE DA MISSA HERCULES DUX
FERRARIAE DE JOSQUIN DES PRÉZ.
TABLATURA FAC-SIMILE
(PISADOR, 1552)
50
51
52
APÊNDICE A
INTABULAÇÃO DE DIEGO PISADOR DO KYRIE DA MISSA HERCULES DUX
FERRARIAE DE JOSQUIN DES PRÉZ.
EXEMPLOS CONTRASTANTES DE TRANSCRIÇÕES
53
54
55
56
57
58
59
60
61
62
APÊNDICE B
INTABULAÇÃO DE DIEGO PISADOR DO KYRIE DA MISSA HERCULES DUX
FERRARIAE DE JOSQUIN DES PRÉZ.
TRANSCRIÇÃO DOS ERROS TIPOGRÁFICOS
(a numeração a seguir corresponde aos números em fonte verde encontrados no primeiro
sistema da transcrição)
63
IDENTIFICAÇÃO TABLATURA ORIGINAL
64
6
10
11
65