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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC

CENTRO DE ARTES – CEART


CURSO DE BACHARELADO EM MÚSICA – HABILITAÇÃO: VIOLÃO

FELIPE DAMATO DE LACERDA

A VIHUELA: CONTEXTO HISTÓRICO, INSTRUMENTISTAS,


REPERTÓRIO E ASPECTOS DE SUA TRANSCRIÇÃO PARA O
VIOLÃO MODERNO

FLORIANÓPOLIS, SC
2011
FELIPE DAMATO DE LACERDA

A VIHUELA: CONTEXTO HISTÓRICO, INSTRUMENTISTAS,


REPERTÓRIO E ASPECTOS DE SUA TRANSCRIÇÃO PARA O
VIOLÃO MODERNO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao curso de Bacharelado em Música, como
requisito parcial para obtenção de grau de
Bacharel em Música.

Orientador: Prof. Ms. Luiz Carlos


Mantovani Jr.

FLORIANÓPOLIS, SC
2011

ii
FELIPE DAMATO DE LACERDA

A VIHUELA: CONTEXTO HISTÓRICO, INSTRUMENTISTAS,


REPERTÓRIO E ASPECTOS DE SUA TRANSCRIÇÃO PARA O
VIOLÃO MODERNO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Bacharelado em Música, como


requisito parcial para obtenção de grau de Bacharel em Música.

Banca Examinadora

Orientador: ___________________________________________
Prof. Ms. Luiz Carlos Mantovani Jr.
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC

Membro: ___________________________________________
Prof. Dr. Marcos Tadeu Holler
Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

Membro: ___________________________________________
Prof. Ms. Alisson Alípio
Convidado Externo

Florianópolis, 08 de julho de 2011

iii
Aos meus pais José e Ligia, por todo o seu
incansável apoio e ensinamentos, os quais me
tornaram quem sou.

À Perla, eterna companheira, por todo o


apoio, carinho e lições de amor à vida.

À minha mãe, Leila (in memoriam), pela


dádiva da vida.

iv
AGRADECIMENTOS

A Deus, criador de todas as coisas, por esta maravilhosa vida cheia de desafios, dores,
alegrias e conquistas. Sem Ele nada seríamos e nada realizaríamos, muito obrigado.
Aos nossos amigos invisíveis que estiveram e sempre estarão conosco dando-nos
suporte e ajuda, dividindo os bons momentos e momentos de dificuldade, muito obrigado por
tão sublime dedicação.
Aos meus pais que nunca deixaram de me apoiar, mesmo nos momentos em que
parecia que eu iria “degringolar”.
À Perla, querida, muito obrigado por tudo, principalmente pelo amparo nas horas de
“desespero”, minha “amiga de todas as horas”.
Ao meu tio José Fernando por ter proporcionado, desde o princípio, indispensável
apoio material e intelectual para o meu estudo de violão.
Ao meu orientador Luiz Mantovani pelo apoio e por ter dividido seus valiosos
conhecimentos musicais e não-musicais.
Aos Profs. Sérgio Figueiredo e Samira Hassan, agradeço todos os valiosos
conhecimentos e momentos de amizade durante toda a minha formação musical na graduação.
Em especial, ao Prof.º Alisson Alípio que, apesar de sua rápida passagem em nosso
convívio, efetuou, em mim, profundas mudanças no meu pensamento musical e violonístico.
A todos os professores da UDESC que tiveram maior ou menor grau de importância
na minha formação, muito obrigado.
Ao Polyphonia Khoros e sua maestrina Mércia, por também terem me ajudado no meu
desenvolvimento musical.
A todos os colegas da faculdade, por dividirmos muitos momentos juntos.
Aos professores e pesquisadores que responderam tão prontamente aos meus pedidos
de material bibliográfico e meus intermináveis questionamentos; em especial ao profº Marcos
Holler, cuja participação no desenvolvimento deste trabalho, apesar de pequena, foi
importantíssima.
A todos os outros que não pude mencionar aqui, muito obrigado.

v
“Existe uma verdade fundamental em relação a todos os
atos de iniciativa e de criação, cujo desconhecimento mata
inúmeras idéias e planos esplêndidos: é que no momento
em que nos comprometemos definitivamente, a
Providência move-se também. Toda uma corrente de
acontecimentos brota da decisão, fazendo surgir a nosso
favor toda sorte de incidentes, encontros e assistência
material que nenhum homem sonharia que viesse em sua
direção. Qualquer coisa que você possa ou sonhe que
possa fazer, comece a fazê-la agora. Coragem contém em
si genialidade, força e magia.”

Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832)

vi
RESUMO

O presente trabalho trata da vihuela, sua notação musical (tablatura) e a transcrição de seu
repertório para o violão moderno. Contextualizar-se-á a vihuela histórica e culturalmente,
apresentando aspectos da construção do instrumento, seus gêneros musicais mais importantes,
sua participação na publicação de música instrumental na Espanha do século XVI e excertos
biográficos dos vihuelistas mais conhecidos. Serão abordados conceitos que permeiam a
notação em tablatura, tais como sua origem, funcionamento e variantes regionais. Por fim, o
processo de transcrição de obras da vihuela para o violão moderno será trabalhado tanto do
ponto de vista prático quanto teórico, explicitando as questões mais comumente levantadas e
apresentando soluções. Com propósitos ilustrativos, serão apresentadas três opções de
transcrição de uma tablatura para vihuela.

Palavras-chave: Vihuela. Violão. Tablatura. Transcrição.

vii
ABSTRACT

The present work deals with the vihuela, its musical notation (tablature) and the transcription
of its repertoire to the modern guitar. First of all, a historic and cultural contextualization will
be made, presenting aspects about the construction of the instrument, its most important
musical genres, its role in the publication of instrumental music in Sixteenth-Century Spain
and biographical excerpts of the most known vihuelists. Furthermore, concepts surrounding
the tablature notation, such as its origin, functionality and regional variants will be broached.
To conclude, the process of transcribing music from the vihuela to the modern guitar will be
worked under practical and theoretical points of view, highlighting the most commonly raised
subjects and presenting solutions. With elucidative purposes, three transcription options upon
the same vihuela tablature will be presented.

Keywords: Vihuela. Guitar. Tablature. Transcription.

viii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Vihuela de Paris; frente ___________________________________________ 9


Figura 2: Vihuela de Paris; fundo ___________________________________________ 9
Figura 3: Vihuela de Quito ________________________________________________ 9
Figura 4: Gloria da Missa Faisant Regretz de Josquin des Prez ___________________ 15
Figura 5: Pater noster de Josquin des Prez ____________________________________ 17
Figura 6: Classificação das fantasias do século XVI ____________________________ 18
Figura 7: Indicações de andamento pelos vihuelistas ____________________________ 23
Figura 8: Divisão em libros das publicações para a vihuela _______________________ 24
Figura 9: Sanctus da Missa Hercules dux Ferrariae, compassos 1 e 2 ______________ 29
Figura 10: Símbolos da tablatura alemã ______________________________________ 32
Figura 11: Figuras rítmicas da tablatura alemã _________________________________ 32
Figura 12: Tablatura alemã Der Judentantz de Hans Newsidler; tablatura alemã ______ 32
Figura 13: Fantasia 10 de Luys Milan - El maestro, Libro primeiro; tablatura
napolitana _____________________________________________________________ 33
Figura 14: Soneto a quatro de Pedro Guerrero, tablatura italiana __________________ 34
Figura 15: Letras estilizadas e outros símbolos da tablatura francesa _______________ 35
Figura 16: Lautenbuch de Virginia Renata von Gehema; tablatura francesa __________ 35
Figura 17: Símbolos utilizados para indicar a digitação de mão direita ______________ 36
Figura 18: Linhas indicando sustentação das notas _____________________________ 37
Figura 19: Kyrie da Missa Hercules dux Ferrariae, compassos 6 e 7 ________________ 39
Figura 20: Gloria da Missa Hercules dux Ferrariae, compassos 14 e 15 ____________ 41
Figura 21: Fantasia 7 de John Dowland, compassos 7-10 ________________________ 42
Figura 22: Agnus Dei da Missa Hercules dux Ferrariae, compassos 57 e 58 _________ 43

ix
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ___________________________________________________________ 1
METODOLOGIA _________________________________________________________ 4
1 A VIHUELA ____________________________________________________________ 6
1.1 CONTEXTO ___________________________________________________________ 6
1.2 INSTRUMENTO _______________________________________________________ 7
1.3 GÊNEROS MUSICAIS __________________________________________________ 13
1.3.1 Variações (diferencias) _________________________________________________ 13
1.3.2 Intabulações de obras vocais _____________________________________________ 14
1.3.3 Fantasias _____________________________________________________________ 17
1.3.4 Canções _____________________________________________________________ 19
1.4 PUBLICAÇÕES________________________________________________________ 20
1.5 VIHUELISTAS ________________________________________________________ 24
2 TABLATURA ___________________________________________________________ 28
2.1 TABLATURAS PARA INSTRUMENTOS DE CORDAS DEDILHADAS _________ 30
2.1.1 Tablatura Alemã _______________________________________________________ 31
2.1.2 Tablatura Italiana ______________________________________________________ 33
2.1.3 Tablatura Francesa _____________________________________________________ 34
3 TRANSCRIÇÃO ________________________________________________________ 38
3.1 AFINAÇÃO ___________________________________________________________ 38
3.2 ARMADURA DE CLAVE ________________________________________________ 39
3.3 TIPOS DE TRANSCRIÇÃO ______________________________________________ 40
3.4 FIGURAS RÍTMICAS E FÓRMULAS DE COMPASSO _______________________ 41
3.5 ERROS TIPOGRÁFICOS ________________________________________________ 42
3.6 APRESENTAÇÃO GRÁFICA _____________________________________________ 44
3.7 EXEMPLOS DE TRANSCRIÇÃO _________________________________________ 44
CONSIDERAÇÕES FINAIS ________________________________________________ 46
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ________________________________________ 47
ANEXO 1 - Intabulação de Diego Pisador do Kyrie da Missa Hercules dux Ferrariae de
50
Josquin des Préz - Tablatura fac-símile _________________________________________
APÊNDICE A - Intabulação de Diego Pisador do Kyrie da Missa Hercules dux Ferrariae
53
de Josquin des Préz – Exemplos contrastantes de transcrição_________________________
APÊNDICE B - Intabulação de Diego Pisador do Kyrie da Missa Hercules dux Ferrariae
63
de Josquin des Préz – Erros tipográficos ________________________________________

x
INTRODUÇÃO

Durante todo o meu curso de graduação fiquei dividido entre duas áreas de atuação na
música: o violão e o canto coral. Este duplo interesse fez com que eu desenvolvesse particular
afinidade pelo repertório contrapontístico da Renascença para instrumentos antigos de cordas
dedilhadas1, repertório este que foi incorporado ao violão através de transcrições e arranjos.
De fato, a importância das transcrições e arranjos de obras escritas originalmente para
outros instrumentos é tão grande que se tornou difícil conceber o repertório do violão sem
eles. Além de obras compostas para os instrumentos “ancestrais” do violão mencionadas
anteriormente, encontramos no repertório transcrições e arranjos de obras oriundas de
instrumentos como o cravo, violino, violoncelo e piano, entre outros. Tal prática popularizou-
se a partir do século XIX, e proporcionou ao repertório violonístico abranger não apenas obras
originais para o instrumento, mas também compositores que viveram anteriormente ao
advento do violão moderno, como Scarlatti, Bach, Haydn, Beethoven, Schubert e muitos
outros.
Esta versatilidade no trato do repertório poderia ser vista como uma tentativa de suprir
deficiências do repertório original. Por outro lado, pode ser abordada como uma grande
vantagem do violão, permitindo-lhe abarcar uma variedade de épocas e estilos. Uma destas
épocas, muitas vezes negligenciada nos programas de concertos instrumentais2 é justamente a
Renascença, representada aqui pelo repertório escrito para os instrumentos antigos de cordas
dedilhadas.
O presente trabalho foca a vihuela, instrumento que, segundo Dudeque (1994, p. 9), “é
o mais antigo que pode ser relacionado com o violão moderno”, abrangendo diversos aspectos
deste instrumento, seu repertório e a transcrição de tablatura para a notação tradicional. Eu
tomei conhecimento da vihuela há menos de um ano durante as aulas da disciplina de
Repertório I, e me identifiquei imediatamente com o estilo de composição contrapontística do
seu repertório, algo que eu acreditava somente existir no alaúde. A proximidade estilística dos
repertórios do alaúde e da vihuela levou a certa confusão no meio musical, conforme Turnbull
(1974, p. 10) nos explica:

1
No presente trabalho utilizaremos o termo “cordas dedilhadas” para se referir aos instrumentos com cordas
estendidas sobre uma caixa de ressonância, tocadas diretamente pelos dedos. São instrumentos como o violão e o
alaúde, entre muitos outros.
2
Com a óbvia exceção de solistas e grupos especializados no repertório de música antiga, que começaram a
despontar a partir de meados do século XX.
1
“A afinação e o estilo de música que a vihuela inspirava levaram um número de
teóricos a referir-se a ela como alaúde e falar sobre a ‘Música Espanhola para
Alaúde’. Gilbert Chase reagiu firmemente a tal atitude e prefere referir-se à vihuela
como uma ‘guitarra de seis cordas’. Isto é compreensível tendo em vista as
afinidades óbvias do instrumento com o violão moderno, porém, torna-se confuso
quando sabemos que existia um instrumento com o nome de ‘guitarra’ no século
XVI, o qual levava uma vida totalmente diferente do que a da vihuela.
Consequentemente, é recomendável manter o nome ‘vihuela’ para identificar este
instrumento de dupla personalidade, reservando ‘guitarra’ para a sua companheira.”

Devido ao pouco conhecimento que tinha e ainda tenho a respeito do repertório da


vihuela, decidi dedicar a minha pesquisa a ela, pois é um repertório que pode vir a ter
importante participação na minha vida musical, devido à afinidade supracitada. Percebo
também que cada vez mais a execução de música antiga em recitais - não apenas do violão
como também de outros instrumentos - está se restringindo a um nicho de grupos e solistas
altamente especializados. Talvez isto ocorra devido à maior especialização que ocorre
atualmente, privilegiando a interpretação desta música em instrumentos originais e baseando-
se em preceitos técnicos e estilísticos que nem sempre estão ao alcance do instrumentista que
vem de uma formação tradicional e generalista. O meu objetivo pessoal, com relação a esta
idéia, é a de pesquisar e interpretar obras de música antiga enquanto violonista moderno.
O primeiro estudioso a voltar sua atenção para o este repertório foi o violonista e
musicólogo espanhol Emilio Pujol (1886 – 1980), que publicou em 1945 e 1949 transcrições
do Los seys libros del delphin de Luys de Narváez e do Tres libros de musica en cifra para
vihuela de Alonso Mudarra, respectivamente. E o primeiro tratado de autoridade dedicado a
ela e sua música foi a tese de doutorado The vihuela de mano and its music de John Milton
Ward, defendida em 1953. Segundo Griffiths (1997, p. 159): “(...) o relato de John Ward
sobre a vihuela e sua prática permanece sendo a referência central do assunto”.
Inicialmente minha intenção com este trabalho foi contribuir para o repertório com
uma transcrição da Missa Hercules dux Ferrariae intabulada por Diego Pisador em seu Libro
de musica, transcrição essa que, de fato, foi produzida. Contudo, próximo à finalização do
trabalho, a transcrição se mostrou ineficiente em diversos aspectos que necessitariam
profunda reavaliação. Alguns deles foram: a escolha inicial de notar em apenas um
pentagrama, imprópria para a pesada textura polifônica; a improbabilidade de que a obra
funcionasse ao violão solo3, cabendo uma reflexão para a execução em outra formação; e a
quantidade de erros tipográficos contidos na tablatura de Pisador, o que exigiria maior tempo

3
Esta afirmação contraria o princípio de que o repertório para vihuela é perfeitamente factível no violão
moderno, porém há que se observar que isto se deve à possível natureza não idiomática da obra em questão no
próprio instrumento de origem.
2
de experimentação para diferenciá-los, a fim de evitar decisões puramente arbitrárias.
Comentários adicionais poderão ser encontrados no capítulo dedicado à transcrição.
Abandonado o propósito inicial, optei por realizar no presente trabalho uma
abordagem generalista a respeito dos temas que circundam o estudo da vihuela, a fim de
estabelecer parâmetros para uma futura ampliação da discussão e/ou elaboração de novas
transcrições.
No primeiro capítulo, abordarei uma contextualização histórica e musical da vihuela e
da Espanha do século XVI, comentando as razões pelas quais este instrumento desfrutou de
alta popularidade e levou ao que ficou conhecido como a “era de ouro” da música daquele
país. Apresentarei informações básicas sobre a construção, materiais e partes constituintes da
vihuela, além de comentar a respeito das duas vihuelas sobreviventes e comprovadamente
originais que se tem conhecimento. Em seguida, listarei algumas informações a respeito dos
gêneros musicais mais utilizados, bem como alguns aspectos do processo de publicação
musical na Espanha do século XVI. Encerrarei o primeiro capítulo abordando informações
biográficas sobre os principais vihuelistas que tiveram suas obras publicadas.
No segundo capítulo farei uma introdução ao estudo das tablaturas para instrumentos
de cordas dedilhadas. Abordarei o funcionamento das tablaturas alemã, italiana e francesa,
amplamente utilizadas por instrumentos de cordas dedilhadas deste período. Comentarei sobre
as vantagens e desvantagens da utilização da notação em tablatura e a importância de seu
estudo para o violonista moderno. Refletirei também a respeito da epistemologia do termo e
outras curiosidades sobre este tipo de notação.
No terceiro e último capítulo definirei o termo “transcrição” e refletirei a respeito de
alguns dos problemas encontrados ao se transcrever para violão uma obra original para
vihuela, como também para a notação tradicional. Entre estes aspectos, posso citar: escolha do
número de pentagramas a ser utilizado; fórmula de compasso e notação rítmica da transcrição;
armadura de clave e afinação; e erros tipográficos. Estes tópicos serão abordados em caráter
meramente introdutório e serão demonstrados por três exemplos contrastantes de transcrição
do Kyrie da Missa Hercules dux Ferrariae de Josquin des Prez, intabulada por Diego Pisador.

3
METODOLOGIA

Podem-se dividir as pesquisas a respeito deste tema em duas categorias: aquelas que
abordam informações a respeito do instrumento, sua construção, sua prática e contexto, entre
outros; e aquelas que objetivam a transcrição do repertório da vihuela para o violão moderno
e/ou da notação em tablatura para a notação tradicional. No entanto é importante não olvidar
que algumas vezes tal distinção é inexistente, tendo em vista o caráter misto de muitas
pesquisas. A presente pesquisa encaixa-se na primeira categoria, uma vez que consiste em
uma revisão bibliográfica a respeito do tema.
Um fator que dificultou a pesquisa bibliográfica para este trabalho foi que ainda hoje,
apesar do número crescente de pesquisas, a vihuela e seu repertório são pouco abordados na
academia, salvo alguns pesquisadores/instrumentistas altamente especializados. Outra
dificuldade foi que, apesar de haver encontrado bibliografia suficiente para satisfazer as
necessidades da pesquisa, pouco material foi encontrado em língua portuguesa, salvo as
breves explanações do livro História do Violão (1994) de Norton Dudeque e o artigo O uso
da música polifônica vocal renascentista no repertório do alaúde e da vihuela (2003) de
Daniel Wolff. Esta situação representa uma lacuna que o presente trabalho pretende ajudar a
preencher parcialmente, servindo como referência para futuras pesquisas.
Em matéria de vihuela e sua prática, iniciei a pesquisa procurando o verbete vihuela
no The New Grove Dictionary of Music and Musicians (2001) versão online e buscando por
materiais que tivessem qualquer relação com a vihuela no banco de periódicos acadêmicos
JSTOR. A partir dos trabalhos encontrados nestas duas pesquisas preliminares, busquei
acesso às fontes secundárias que seus autores utilizaram e cheguei a dois nomes importantes
para a área da vihuela: John Milton Ward e John Griffiths. Conforme comentado
anteriormente, Ward com sua tese The vihuela de mano and its music foi o primeiro estudioso
a desenvolver um trabalho consistente sobre os inúmeros aspectos da vihuela, baseando-se
quase que completamente em fontes primárias. Já Griffiths pode ser considerado o mais
prolífico pesquisador de música antiga espanhola para instrumentos de cordas dedilhadas da
atualidade, além de ser bastante ativo como instrumentista da guitarra e da vihuela. Sem as
informações contidas em seu website4 e a sua bondade em disponibilizar gratuitamente quase
todas as suas publicações em formato PDF, eu teria problemas muito maiores em conseguir
referências para embasar a pesquisa.

4
http://www.vihuelagriffiths.com
4
Para a discussão sobre tablatura novamente iniciei a busca nos verbetes afins do The
New Grove Dictionary of Music and Musicians, e através das referências contidas nestes
verbetes cheguei à obra de Willi Apel The notation of polyphonic music 900-1600 (1949), a
qual nos forneceu uma importante reflexão sobre notações em tablatura. Utilizei também
nesta seção as informações contidas na tese de doutorado Transcribing for guitar: a
comprehensive method (1998) de Daniel Wolff e as notas introdutórias contidas nos fac-
símiles das publicações originais para a vihuela.
O capítulo que contém reflexões sobre o processo de transcrição de obras da vihuela
para o violão moderno provou ser um desafio no que concerne ao levantamento de
referências. Por um determinado período procurei publicações que me iluminasse a respeito
das decisões referentes ao processo de transcrição deste repertório, contudo somente encontrei
as informações contidas na tese de Wolff supracitada.
Os exemplos de transcrição (Apêndice A) foram produzidos através do cruzamento de
informações entre a tablatura original de Diego Pisador e a partitura vocal da missa de Josquin
des Prez editada por Albert Smijers5. Os erros tipográficos contidos na tablatura original
foram corrigidos no texto final e encontram-se transcritos (Apêndice B). A partitura foi escrita
utilizando o programa de editoração musical Finale 2008.
Conforme foi possível observar, a maioria absoluta da bibliografia consultada está em
língua inglesa. Todas as traduções necessárias para o presente trabalho foram efetuadas pelo
autor. Por tal razão, optei por não adicionar o termo “tradução nossa” na menção autoral,
reduzindo assim o aparato das citações. Decidi também não transcrever as citações originais
em inglês, a fim de não sobrecarregar a apresentação do texto. Assumo, portanto, qualquer
responsabilidade por eventuais erros de tradução que possamos ter cometido.

5
Esta edição de domínio público foi escolhida em função da impossibilidade de acesso à principal fonte das
obras de Josquin na atualidade, a “The New Josquin Edition” (1969).
5
1 A VIHUELA

1.1 CONTEXTO

O Renascimento foi uma época marcada por profundas mudanças para toda a
sociedade européia: houve o início do importante processo de mudança política, resultando na
formação dos estados nacionais sucedendo o sistema feudal, bem como as grandes
navegações, multiplicando o conhecimento da Europa a respeito do resto do mundo.
Ressurgiu a corrente filosófica do Humanismo, que trouxe o Homem para o centro das
preocupações humanas, o que, aliado à difusão dos preciosos conhecimentos da Antiguidade
Clássica, proporcionou a emancipação da Ciência, antes subordinada à Igreja e aos seus
dogmas. Na área das Artes observamos uma intensa inovação através dos grandes mestres
italianos: Leonardo da Vinci, Michelangelo e muitos outros; e na música encontramos o auge
da música vocal polifônica e o início da revolução da música instrumental, a qual um século
mais tarde declararia sua independência da música vocal.
Coroando e intensificando a miríade de redescobrimentos e inovações há, na primeira
metade do século XV, o advento da prensa móvel pelo alemão Johannes Guttenberg. Esse
maquinário de imprensa facilitou imensamente a divulgação dos novos conhecimentos,
podendo ser considerada a mais importante e revolucionária invenção do Renascimento. Ela
proporcionou uma divulgação mais ampla e irrestrita dos conhecimentos existentes,
esclarecendo assim outros setores da sociedade que não o clero ou os estudiosos6. E a música,
que não permaneceu alienada a essas alterações, usufruiu sobremaneira deste novo recurso, de
tal modo que observamos, ainda no século XVI, muitas publicações de repertório vocal e
instrumental, além de tratados teóricos e instrumentais.
Nesta conjuntura, podemos observar diversos fatores históricos que contribuíram para
os importantes avanços musicais oriundos da prática da vihuela durante o século XVI.
Primeiramente, deve-se levar em consideração que no século XV, pela primeira vez na sua
história, a Espanha alcançou a unificação, como também a integridade territorial7. Por
séculos, além da dominação moura, a Espanha ficou dividida em pequenos reinos
concorrentes - Aragón, Castilla, Catalonia e Leon, entre outros - que possuíam cada um seus
interesses próprios e ocasionalmente relações conflituosas. No século XV estes conflitos se

6
Ainda assim, os livros permaneceram demasiadamente caros e somente os nobres, burgueses e a crescente
classe média poderiam adquirí-los.
7
Os árabes dominaram a maior parte da Península Ibérica desde 711, sendo finalmente expulsos na histórica
tomada do Reino de Granada em 1492.
6
acalmaram na ocasião do casamento de Fernando de Aragón e Isabel de Castilla (reinos
concorrentes) e, posteriormente, pela expulsão definitiva dos mouros, a qual selou a união da
nobreza espanhola sob uma só bandeira, sendo Fernando I coroado rei da Espanha.
Conforme mencionado anteriormente, há também de se notar que essa foi a época das
grandes navegações européias, as quais ampliaram imensamente os conhecimentos a respeito
do mundo e levaram ao “descobrimento” do “Novo Mundo”. A essas descobertas seguiram-se
as guerras dos conquistadores por toda a América Espanhola, que foram altamente rentáveis
em metais preciosos para a Espanha. A renda desses metais preciosos foi utilizada,
principalmente, para a compra de bens militares e para financiar a nobreza, mas também
gerou um ambiente de euforia econômica muito propícia ao desenvolvimento artístico. Essa
foi denominada “Época de Ouro” da Espanha, que durou essencialmente apenas o século
XVI, produziu um número formidável de artistas de todos os tipos: poetas, escritores, pintores
e musicistas do mais alto calibre (GRIFFITHS, 1983). Contudo, é importante manter em
perspectiva que esse enriquecimento através de metais preciosos estimulou a importação de
bens manufaturados de outros países do continente, gerando uma altíssima inflação no
mercado europeu, atrofiando assim a economia interna da Espanha. Tal situação não poderia
se sustentar por muito tempo; consequentemente, na primeira metade do século XVII, a
Espanha, com muitos problemas econômicos, tornou-se um país secundário ante o resto da
Europa.
Completando a conjuntura de situações favoráveis ao desenvolvimento das artes na
Espanha do século XVI, temos a contribuição de Carlos V (R. 1516 – 1556) e seu sucessor
Felipe II (R. 1556 – 1598), que governaram a Espanha durante a maior parte do século.
Ambos eram grandes amantes das artes e principalmente da música, havendo registros de que
eles mantinham várias capelas, reunindo musicistas de várias regiões. Suas capelas, de forma
geral, davam preferência aos mestres flamengos para a execução de música sacra vocal. Já
para a execução de gêneros locais da música secular, tanto vocal como instrumental, havia
predominância de músicos espanhóis (TURNBULL, 1974).

1.2 INSTRUMENTO

A vihuela é um instrumento espanhol de cordas dedilhadas pertencente à família das


violas criado, possivelmente, na transição do século XIV para o XV. A vihuela era chamada
de viola na Itália e de “demi-luth” na França, há autores renascentistas que se referem a ela
por “viola sem arco”. Sua região de origem, a Espanha, foi também o local onde a vihuela
7
gozou de maior popularidade, suplantando até mesmo o alaúde8, que continuou a ser o
favorito em todo o resto da Europa. Por tal razão a vihuela acabou sendo muito pouco
conhecida fora do domínio espanhol, o qual, na época, também incluía o Reino de Nápoles,
podendo assim explicar sua inserção na Itália.
Originalmente, a vihuela era chamada de vihuela de mano (ou viola de mano), a fim
de distingui-la dos outros instrumentos de sua família direta: a vihuela de arco (ou viola de
arco, friccionada com um arco) e a vihuela de peñola (ou viola de peñola, pinçada com um
plectro). Esta última entrou em total desuso com o desenvolvimento da prática de música
polifônica no instrumento, muito mais efetiva através do uso dos vários dedos da mão direita
do que com o plectro. Já a vihuela de arco teve um desenvolvimento à parte, resultando em
uma família inteira de instrumentos de arco que atualmente conhecemos como a família da
viola da gamba. Apesar dessa separação, a vihuela de arco preservou peculiares
características compartilhadas com a vihuela de mano: possuir seis cordas, trastes móveis de
tripa e afinações intervalares idênticas. Tendo em vista os fatos supracitados, aliados à
crescente popularidade da vihuela de mano, no século XVI o termo genérico “vihuela” passou
a se referir exclusivamente à sua variante dedilhada.
Infelizmente, há pouquíssimas referências da época a respeito da construção da
vihuela. Segundo Ward (1953), isto ocorreu porque os violeros9, como quase todos os ofícios
na Renascença, estavam sob o domínio das corporações de ofício, que controlavam a
admissão de novos membros, permitiam ou não a abertura de novas oficinas e penalizavam
duramente aqueles que divulgavam os segredos da profissão. Consequentemente, nenhum
documento com instruções detalhadas sobre material, medidas e outras informações a respeito
da construção da vihuela foi encontrado. O pouco que conhecemos provém das orientações
contidas no tratado Declaración de Instrumentos Musicales do frei Juan Bermudo (1555);
notas em publicações diversas, como no Examen de violeros (1502), que apresentava
instruções para os candidatos desejosos de tomar o exame para entrar na corporação;

8
Instrumento de cordas dedilhadas em forma abaulada. Introduzido na Europa pelos muçulmanos, tendo como
possíveis portas de entrada: a Península Ibérica (região dominada pelos mouros); a Sicília (ponto central no
comércio do Mediterrâneo); ou, até mesmo, as próprias Cruzadas, ocasiões de intenso intercâmbio cultural entre
a Europa Medieval e o mundo islâmico. Há uma lenda de que o alaúde não vingou na Espanha devido a um
sentimento coletivo do povo espanhol de aversão a qualquer coisa de origem árabe, após a Reconquista; no
entanto, Antonio Corona-Alcalde e Diana Poulton (2001) afirmam que essa teoria ignora que outros aspectos da
cultura árabe foram parte viva da Espanha após o domínio mouro. Eles também afirmam que há novas fontes
sugerindo que o alaúde foi mais usado do que inicialmente se acreditou.
9
John Ward (1953, p. 36) define que: “O construtor de instrumento espanhol do século XVI era um membro da
corporação de carpinteiros. Apesar de seu título oficial, violero, significasse ‘fazedor de violas’ (vihuelas), ele
deveria ser proficiente na construção de outros instrumentos, incluindo alaúdes, órgãos, clavicórdios e cravos”.
8
documentação iconográfica10, que na maioria das vezes não é precisa em suas representações,
já que muitas vezes não respeita proporções básicas do instrumento, nem número de cordas e
cravelhas; e dois instrumentos sobreviventes, dos quais um (figuras 1 e 2) se encontra no
Musée Jacquemart-André do Institut de France em Paris e o outro (figura 3) na igreja da
Compañia de Jesus em Quito no Equador (TURNBULL, 1974).

Figura 1: Vihuela de Paris; frente


(Fonte: http://www.rmguitar.info/whatisvihuela.htm)

Figura 2: Vihuela de Paris; fundo


(Fonte: TURNBULL, 1974, gravura 12b)

Figura 3: Vihuela de Quito


(http://www.rmguitar.info/whatisvihuela.htm)

10
John Ward (1953, pp.13-18) lista algumas imagens de vihuelas em publicações da época.
9
Uma prática muito comum era construir famílias de instrumentos com diversos
tamanhos, a fim de acomodar diversas tessituras e constituir um grupo de instrumentos com
timbres homogêneos. Ward (1953) comenta que fontes teóricas do século XVI sugerem a
existência de, pelo menos, três tipos diferentes de vihuelas: a discante ou vihuela menor, a
vihuela ou vihuela común e a vihuela de siete ordenes. Todavia, pela ausência de um
parâmetro unificado de medidas, é de se esperar que mesmo entre esses três gêneros de
instrumentos houvesse variantes de tamanho. Ambos os instrumentos sobreviventes citados
são de grandes dimensões em comparação do que seria esperado de uma vihuela común, tendo
em vista que:

“Empiricamente, é evidente que a maior parte da música nas tablaturas


sobreviventes é difícil, se não impossível, de tocar em instrumentos com um
comprimento de corda acima de 72 cm, como encontrado nas únicas vihuelas
sobreviventes em Paris e Quito” (GRIFFITHS, 1997, p. 169).

A vihuela de Paris11 (figuras 1 e 2) possui, além da tradicional abertura central, mais


quatro aberturas com rosetas bastante ornamentadas. Tal número de rosetas era incomum,
tendo em vista que as fontes iconográficas, além da própria vihuela de Quito (figura 3),
indicam vihuelas com apenas uma roseta centralizada. Com exceção do tampo, o qual é uma
chapa de madeira sólida ornamentada, o instrumento é constituído de centenas de filetes de
madeiras contrastantes coladas lado a lado. “Uma referência a esta forma de construção
ocorre no Examen de Violeros (1502), o qual inclui un vihuela grande de pieças na lista de
instrumentos que um futuro candidato deveria ser capaz de fazer” (TURNBULL, 1974),
sugerindo que há uma possibilidade de que esta vihuela tenha sido uma peça de exame de
algum candidato à corporação.
Por sua vez, a vihuela de Quito (figura 3) é um exemplar com o tampo, lateral, fundo e
braço construídos em madeira sólida, contendo apenas uma abertura central e considerável
ornamentação no tampo. Esse instrumento, segundo Corona-Alcalde e Poulton (2001), era
propriedade de Santa Mariana de Jesus que a utilizava para se acompanhar em festividades
religiosas. Pode parecer inacreditável que uma vihuela tenha sido encontrada na América
Latina enquanto somente uma sobreviveu na Europa, contudo, Holler (2010, p. 112-113)
aborda que: “As referências a violas nos textos jesuíticos sobre o Brasil são relativamente

11
Uma curiosidade a respeito desse exemplar é que em algum momento de sua história ele teve sua ponte e
cravelhas alteradas para servir como uma guitarra de cinco ordens. No entanto, isso não ocultou as marcas e
características que acusam sua origem como sendo uma vihuela.
10
freqüentes” e “Não há dúvidas de que as violas mencionadas nos relatos jesuíticos sejam as
violas dedilhadas, e não as violas da gamba ou da braccio”. Pode-se completar ainda que:

“(...) A julgar pela documentação conhecida, pelo menos no século XVI, era o
instrumento polifônico ou de harmonia mais difundido entre os povos ibéricos. No
Brasil, pelo uso pouco frequente do cravo, foi o principal instrumento
acompanhador e de harmonia na música profana até o século XVIII. É provável que
fosse utilizado também em igrejas que não possuíam órgãos (CASTAGNA apud
HOLLER, 2010, p. 113)”.

As cordas12 eram amarradas em duas extremidades: no corpo eram fixadas em um


estreito cavalete e na cabeça, que era ligeiramente curvada para trás em relação ao braço, em
cravelhas de madeira. Na vihuela a cabeça possuía a mesma espessura do braço do
instrumento e a pestana era pequenina e feita de madeira. Uma característica essencial é a
disposição das cordas que geralmente, como no alaúde e na guitarra, encontravam-se em
pares, chamados de ordens13. Na vihuela constavam seis ordens (resultando em onze ou doze
cordas), enquanto na guitarra renascentista apenas quatro (sete ou oito cordas); já o alaúde
teve seu número de ordens gradativamente aumentado ao longo dos séculos XVI e XVII,
chegando a ter treze ordens no final do período barroco (até vinte e seis cordas).
No que diz respeito à afinação da vihuela: as cordas da mesma ordem eram afinadas
em uníssono14 entre si e os intervalos entre as ordens eram: 4ªJ, 4ªJ, 3ªM, 4ªJ, 4ªJ15. No
entanto, a altura exata na qual era afinado o instrumento não tinha base científica, como nos
explica Milan apud Freis (1995, p. 422):

“… para dar à vihuela sua verdadeira entonação, para que esteja bem afinada, é
preciso [fazer] desta maneira: se a vihuela é grande, pegue uma primeira corda que
seja espessa e não fina; e se ela e pequena, pegue uma primeira corda que seja fina e
não espessa. Tendo feito isso, estique a corda o máximo que ela agüente sem
arrebentar; então você afinará as outras cordas baseado na altura da primeira, o que
eu explicarei abaixo. Desta maneira [a vihuela] estará bem afinada e na sua
verdadeira entonação.”

12
O ofício de confecção de cordas musicais era também controlado por uma corporação que, entre outras
normas, decretava que as cordas deveriam ser feitas de tripa de carneiro (WARD, 1953).
13
Na eventualidade de uma corda não existir em par, ainda assim era chamada de ordem, como ocorria com
certa frequência na guitarra de quatro ordens, no alaúde e na vihuela, onde a primeira ordem (chanterelle)
poderia ser simples.
14
Esta afirmação é baseada na falta de explicação dos autores de vihuela em como as cordas da mesma ordem
deveriam ser afinadas, sempre as mencionando como ordens. O único que comenta algo a respeito é Diego
Pisador, quando, na introdução de seu livro, menciona que o executante deveria: “pegar uma das quartas cordas
soltas e afiná-la em uníssono com o seu par” (GRIFFITHS, 1997, p. 170)
15
Há de se comentar que a prática da scordatura já era bastante freqüente entre os vihuelistas podendo, então,
esta relação intervalar sofrer alterações, conforme seja desejado pelo compositor. Dos compositores para a
vihuela, apenas Pisador e Fuenllana apresentaram obras requerendo o uso de uma afinação diferenciada.
(GRIFFITHS, 1997).
11
Isto deixa claro que na época não se pensava em afinações absolutas para as notas musicais,
principalmente se pensarmos que: “Altura... dependia da força tensora da corda, do tamanho e
qualidade do instrumento, do ouvido do instrumentista, e certamente da estação do ano”
(WARD, 1953, p.41). Todavia, Ward (1953) também menciona que as vihuelas comúns
tinham a suas sextas ordens afinadas em Gama ut ou A re, ou seja, G1 ou A1. Conclui-se assim
que, mesmo que sejam alturas supostas, as vihuelas eram afinadas com relação aproximada a
estas notas de referência e, apesar de não poder traçar uma relação precisa destas com a
afinação moderna, sabe-se que - devido aos materiais e técnicas de construção - a afinação era
mais baixa que a atual.
O violão moderno (que possui uma afinação intervalar de 4ªJ, 4ªJ, 4ªJ, 3ªM, 4ªJ) pode
muito facilmente ser afinado de forma similar à vihuela, bastando que afinemos a terceira
corda meio tom abaixo para que alcancemos relações intervalares idênticas. Desta forma,
pode-se executar ao violão o repertório da vihuela escrito em tablatura sem nenhum esforço
de transcrição. Contudo, deve-se manter em perspectiva que o violão é afinado em E,
enquanto a vihuela era em G ou A. Isto mostra que, mesmo que a vihuela não fosse afinada
em uma altura definida, para se alcançar uma afinação e/ou um comprimento de corda mais
parecido com o que seria o da vihuela deve-se subir em pelo menos um tom a afinação do
violão para fá sustenido16, se este for o desejo do intérprete.
O último item da vihuela e, de certa forma um dos mais importantes, são os trastes. Os
trastes são segmentos transversais que dividem o braço do instrumento em seções chamadas
casas, podendo ser encontrados em quase todos os instrumentos de cordas dedilhadas. O
material usado varia bastante com relação à época e ao instrumento, podendo ser tripa,
madeira, osso e metal, entre outros; no caso da vihuela, eles eram de tripa. Cada casa da
vihuela correspondia a um semitom; no entanto, apesar da divisão da oitava tender a um
temperamento igual, alguns semitons eram maiores que outros17, porquanto faltassem
ferramentas matemáticas para que conseguissem uma aproximação apropriada. No caso da
vihuela, a característica do temperamento de possuir semitons desiguais poderia ser
contornada, já que os trastes eram ajustáveis. Portanto, um musicista experiente moveria os
trastes baseado em divisões matemáticas complexas conforme descritas por Bermudo em seu
tratado ou na sua audição refinada.

16
Isto deve ser feito usando o recurso do capo tasto colocado no braço do violão.
17
Os semitons eram nomeados: mi (chamado de semitom forte) e fa (chamado de semitom débil), sendo o
primeiro maior que o segundo.
12
Uma discussão a respeito de trastes e temperamento na vihuela, como é até hoje no
violão moderno, seria extensa e controversa e fugiria do escopo do presente trabalho.
Todavia, encerro a seção com um pensamento em defesa do uso de trastes em instrumentos de
cordas dedilhadas com braço:

“Há uma grande diferença em tocar em um instrumento que possua trastes e em um


que não... No último, o executante não consegue posicionar seus dedos tão
precisamente, de tal forma que ele não exceda ou falte um pouco com as
consonâncias. E, além do mais, quando se dedilha um instrumento sem trastes, a
corda arranha na madeira causando ruídos para o ouvido do musicista. E,
finalmente, mesmo que o executante consiga posicionar seus dedos precisamente e,
mesmo que, a corda não faça ruído, ainda assim o som gerado pelo dedo nunca será
tão bom quanto àquele gerado pelo traste. E se alguns não toleram trastes, é por
causa das péssimas medidas que eles têm (BERMUDO apud WARD, 1953, p. 26-
27).”

1.3 GÊNEROS MUSICAIS

A presente seção tem como objetivo apresentar brevemente alguns dos principais
gêneros musicais e estilos composicionais empregados pelos vihuelistas. Apresentarei a seção
subdividida numa terminologia que intenciona agrupar as formas mais importantes aplicadas
pelos vihuelistas, no entanto, na prática as técnicas podem se misturar e peças podem
pertencer a mais de uma categoria.

1.3.1 Variações (diferencias)

A prática de improvisar variações sobre um determinado tema com certeza já existia


anteriormente aos vihuelistas e era comum em muitos países, “contudo, pode ser atribuído aos
vihuelistas espanhóis que eles foram os primeiros a racionalizar a forma, a explorá-la
conscientemente, e dá-la um nome não associado à função musical ou prática de
performance” (WARD, p. 190). Dos sete vihuelistas a publicar suas obras, quatro incluíram
diferencias e, conforme observaremos na listagem abaixo, há uma preferência absoluta em
relação aos temas que servem de base para as variações: Conde Claros e Guárdame las
vacas18.

18
Tal preferência não é exclusiva do período, tendo em vista que posteriormente outros compositores espanhóis
escreveram variações para estes dois temas.
13
Nome Guárdame las vacas Conde Claros Outros
Luys de Narváez 7 22 6 (sobre um hino de
Nossa Senhora)
Alonso Mudarra 5 12
Enriquez de Valderrábano 7 2 grupos 7 (sobre uma Pavana)
Diego Pisador 1219 37
Tabela 1: Diferencias publicadas pelos vihuelistas

1.3.2 Intabulações de obras vocais

Intabulação, segundo Brown (2001, p. 1), é: “Um arranjo de uma composição vocal
para teclado, alaúde ou outro instrumento de cordas dedilhadas; o termo é usado
especialmente para aqueles [arranjos] preparados nos séculos XIV, XV e XVI, e escritos em
tablatura”.
A arte de arranjar obras vocais para a vihuela era uma habilidade tão valorizada entre
os vihuelistas que, com exceção de Luys Milan, todos os vihuelistas incluíram intabulações
em suas obras. Griffiths (1997) menciona que aproximadamente dois terços de todo o
repertório para a vihuela consiste, de uma forma ou de outra, de música vocal intabulada.
Outro fato que confirma a grande importância das intabulações é o valor didático dado pelos
vihuelistas a esta prática. Bermudo em sua Declaración recomenda para os aspirantes a tocar
a vihuela iniciarem seus estudos fazendo arranjos de obras vocais (primeiramente a duas
vozes e, posteriormente a três ou mais) a fim de que desenvolvessem, simultaneamente, a
técnica instrumental, os conhecimentos musicais e o “bom gosto” musical20.
Como é de se esperar, a vihuela, o alaúde e outros instrumentos de cordas dedilhadas
possuíam limitações inerentes, tais como a inabilidade de manipular satisfatoriamente um
número elevado de vozes simultâneas e a de não poder sustentar o som por muito tempo. Na
busca por contornar estes problemas, surgiram algumas soluções que influenciaram muito o
desenvolvimento da música instrumental propriamente dita, conforme comentarei a seguir.
Quando, trabalhando numa intabulação, um instrumentista poderia encontrar
passagens que fossem impraticáveis de executar de acordo com o original, nestes casos uma
voz de menor importância poderia ser omitida por alguns pulsos, tornando trechos,
19
Pisador, na sua tabla escreve apenas Las vacas, sugerindo a grande popularidade do tema, a ponto de nomeá-
lo apenas parcialmente.
20
Ver: Tañer vihuela según Juan Bermudo. Polifonía Vocal y Tablaturas Instrumentales (2003) de John
Griffiths
14
anteriormente impossíveis, possíveis. Porém, muitas vezes, a voz a ser omitida possuía notas
importantes para a verticalidade da música, o que poderia afetar a sonoridade geral da peça;
“... em tais casos, duas vozes poderiam ser combinadas em uma nova melodia, contendo as
notas mais importantes de cada uma das vozes originais, resultando em uma nova estrutura
polifônica” (WOLFF, 2003). É possível observar esta prática na figura abaixo, a qual mostra a
solução que Alonso Mudarra encontrou para adaptar um determinado trecho vocal:

Figura 4: Gloria da Missa Faisant Regretz de Josquin des Prez, intabulação de Alonso Mudarra (WOLFF, 2003, p. 11)

No que diz respeito ao problema de sustentação de notas, a primeira opção empregada


pelos instrumentistas do século XVI para contornar o problema foi subdividir a nota em duas,
três ou, em alguns casos, quatro de menor valor. A segunda opção, mais favorecida pelos
alaudistas que pelos vihuelistas, foi dar movimento às notas longas através da aplicação de
ornamentações, disfarçando - através de escalas, bordaduras e outros - a inabilidade de
sustentá-las. Enquanto os alaudistas italianos da época preferiam o uso pesado de
ornamentações, os vihuelistas valorizavam arranjos fiéis ao original vocal em detrimento do
uso de ornamentação, conforme nos mostra Griffiths (1997, p.163-164):

“Apesar da ornamentação de peças vocais ser uma prática comum, as intabulações


[para a vihuela] contêm poucas ornamentações fora das cadências. Concordando
com Bermudo e Pisador, Fuenllana expressa sua opinião dizendo que intabulações
não ornamentadas permitem ao executante preservar tanto a integridade polifônica,
quanto o andamento do modelo original; (...) Valderrábano era de opinião similar,
declarando que obras sem adornos eram menos difíceis de executar, principalmente
se consideramos a ‘moda’ por contrapontos complexos. ... Bermudo vai tão longe
quanto a censurar aqueles que ‘destroem boa música com glosas [embelezamentos
da melodia] inoportunas’, e considera pura audácia qualquer instrumentista tentar
‘melhorar’ composições de mestres consagrados. (GRIFFITHS, 1997, pp. 163-164)

15
Isto caracteriza dois tipos de procedimentos utilizados nas intabulações, conforme
Ward (1952, pp.90-91) nos explica:

“A transcrição literal, a qual pode ser chamada simplesmente de intabulação,


apresenta o original com pouca, ou nenhuma ornamentação. O segundo tipo de
intabulação, chamado de glosa, transforma o material usando contínuas diminuições,
alterando não só o caráter do original, mas também sacrificando a melodia
contrapontística em prol da figuração abstrata”.

O uso de ornamentações envolvia aspectos composicionais que excediam o necessário


para transcrever a peça, e portanto eram profundamente influenciadas pelo estilo de cada
autor. Conforme mencionado anteriormente, esta prática, aliada a muitos outros fatores,
favoreceu o desenrolar de um estilo composicional instrumental propriamente dito. Wolff nos
mostra esta diversidade de abordagens a partir de três intabulações para alaúde por diferentes
autores:

16
Figura 5: Pater noster de Josquin des Prez, intabulações de Francesco da Milano, Simon Gintzler e Pietro Teghi
(WOLFF, 2003, p. 14)

1.3.3 Fantasias

Definir com precisão o termo “fantasia” é uma tarefa bastante difícil, dado o seu
caráter abrangente e livre. Entretanto, Ward (1953, p. 137) nos fornece um recorte bastante
eficiente para o estilo composicional “fantasia” na Espanha do século XVI:

“... fantasia... denota uma obra instrumental original que não é uma dança, ou
intabulação de música vocal, ou glosa, ou composição baseada num tema
emprestado; em outras palavras, uma música relativamente ‘livre’ criada de acordo
com o ‘gosto’ do compositor.”

17
Ward (1953) também nos descreve que a fantasia nesta época significava uma obra
musical de caráter livre; com um ou vários temas; mais ou menos polifônica; com no mínimo
duas vozes; podendo ser altamente ornamentada ou não; variando bastante de duração; e
algumas vezes baseada em material emprestado de obras vocais (chamada de fantasia
paródia), porém mais frequentemente baseada em material original. Utilizando parte do
sistema de classificação adotado por Griffiths (1983), o qual é baseado nas principais
tendências composicionais deste período, aliado aos conceitos expostos por Ward (1952),
pode-se sintetizar os gêneros de fantasias para a vihuela da seguinte maneira:

Figura 6: Classificação das fantasias do século XVI

Nas fantasias originais, tanto nas monotemáticas quanto nas politemáticas, o


tratamento do material dava-se essencialmente pelo contraponto imitativo, portanto diferem
apenas na quantidade de temas utilizados. As fantasias paródias eram obras compostas
utilizando material de outros compositores como base. No caso da paródia por citação o
compositor alternava seções da obra “emprestada”, citadas na íntegra, com o material original,
enquanto na paródia por paráfrase o compositor nunca aborda a obra-base explicitamente, e
sim utiliza temas e motivos isolados para compor a sua obra. Em ambos os casos o tratamento
é, novamente, contrapontístico-imitativo.21

21
Ver: The vihuela fantasia: a comparative study of form and style (1983) de John Griffiths.
18
1.3.4 Canções

A vihuela é o instrumento para o qual foram publicadas as primeiras canções


acompanhadas da história da música, tendo precedido em algumas décadas as publicações de
canções com alaúde na Itália. De fato, a canção acompanhada permaneceu, por muitas
décadas, como um nicho exclusivo dos instrumentos de cordas dedilhadas, como menciona
Ward (1953, p. 138-139):

“[O fato de que] os instrumentos de teclado... foram raramente empregados, pelos


menos em obras impressas, para o acompanhamento de canções... Não é somente
uma questão de função do instrumento,... mas um fato da prática de performance. A
vihuela era, com o alaúde, o instrumento para acompanhar canções no século XVI.”

Nas publicações para a vihuela encontra-se principalmente dois tipos contrastantes de


canções: os villancicos e os romances. Ward (1953) menciona que a grande maioria das
canções apresentadas pelos vihuelistas não são originais, ou seja, eram intabulações das peças
correntes da época.
Os villancicos são canções, em língua castelhana ou portuguesa, formalmente
constituídas de um refrão e, geralmente, seções intermediarias de glosas baseadas no tema (la
vuelta). Apesar de serem muito difundidas entre as classes sociais mais populares, é bastante
provável que tenha se originado nas camadas mais intelectualizadas da sociedade espanhola.
Há muitos villancicos que tiveram somente os seus textos preservados até hoje, como também
outros em que o texto e a melodia remanesceram; no entanto, a fonte mais rica dessa forma de
canção são as intabulações publicadas pelos vihuelistas.
Romances são os equivalentes espanhóis para as baladas inglesas: os primeiros eram
canções organizadas em versos, como um poema, com temática relacionada à política, guerra
ou fatos cotidianos, enquanto as baladas inglesas tratavam do sobrenatural e do fantástico.
Novamente, muitos romances sobreviveram em livros de canções, que abordavam o texto e a
melodia ou somente o texto. Os vihuelistas abordaram essas canções da mesma forma que os
villancicos, fazendo intabulações das mais populares e arranjando o acompanhamento de
acordo com os seus estilos composicionais.

19
1.4 PUBLICAÇÕES

A Europa renascentista experimentou uma profusão de publicações de todos os tipos e


propósitos, mas, principalmente, de obras da Antiguidade Clássica, estimuladas pelas novas
traduções dos textos originais e pela facilidade de distribuição proporcionada pela prensa
móvel. Em relação ao período anterior, isso constituiu uma verdadeira revolução (comparável
ao advento da internet nos dias de hoje), tendo em vista que na Idade Média mesmo os mais
ricos e a nobreza não tinham acesso aos livros e muitas vezes sequer sabiam ler ou escrever e
a reprodução dos livros era feito de forma manuscrita - também uma atividade monopolizada
pela Igreja.
Esta novidade foi também incorporada na música, favorecendo o surgimento da
primeira geração de editores especializados na publicação e impressão de livros de teor
musical. No entanto, não existiam editores especializados em música na Espanha, como havia
na Itália e na França22, o que dificultava o processo de publicação de obras musicais neste
país. Com respeito a isso, Griffiths (2006, p. 188) nos explica que:

“Como livros de música impressos na Espanha do século XVI eram poucos, os


livros de vihuela foram todos produzidos por editores generalistas para os quais
música era apenas marginal para os seus negócios: Francisco Díaz Romano em
Valencia; Juan de León e Martín de Montesdoca em Sevilha; Guillermo Millis em
Salamanca; e as oficinas de Fernández de Córdoba em Valladolid. Nenhum editor
produziu dois livros de tablatura e, em todos os casos, esses livros aparentam terem
sido sua primeira (se não também a última) publicação musical”.

A falta de editores especializados em música na Espanha não era a única dificuldade


que um autor encontrava para publicar o seu livro. Griffiths (2006) relata que o autor desejoso
de publicar sua obra deveria, primeiramente, pedir autorização real para tal e submeter o seu
manuscrito ao exame do comitê dedicado para isto. Na eventualidade da aprovação, o autor
teria o direito de imprimir, distribuir e vender o dito livro por um período determinado e, caso
o autor desejasse imprimir uma nova tiragem (dentro do prazo concedido), deveria novamente
submeter o livro ao exame do comitê para que o mesmo avaliasse compatibilidade com o
original23.

22
Os nomes mais famosos eram: Pierre Attaignant (Paris); Jacques Moderne (Lyons); Matheo Pagano (Veneza);
e Ottaviano Petrucci (Veneza).
23
Este procedimento era adotado a fim de evitar que o autor publicasse, em uma tiragem futura, outra obra sob o
véu do mesmo título. E de forma a coibir a pirataria, que ocorreu com o Orphenica Lyra de Miguel Fuenllana, o
qual teve uma tiragem clandestinamente impressa pelo mesmo editor que imprimiu o livro para o autor.
20
Segundo Griffiths (2006) a legislação espanhola da época concedia os direitos autorais
do livro autorizado a ser publicado exclusivamente ao autor e este deveria arcar com todas as
despesas que envolvessem o processo de publicação24. Estas incluíam: produção, revisão,
taxas de autorização legal, impressão, distribuição e venda do livro. Ward (1953, pp. 131-132)
nos fala a respeito do alto custo das publicações:

“Tendo em vista que o custo de impressão, particularmente na Espanha, era muito


alto e que continuou a subir durante todo o século, poucos podiam arcar com os
custos de ter seus trabalhos publicados. Custou para o filho duas vezes o salário
anual de seu pai para publicar o livro de Cabezón25”.

Todas estas dificuldades para imprimir livros de música talvez tenham contribuído
para que apenas sete livros dedicados exclusivamente à vihuela sobrevivessem até os dias de
hoje. Adicionalmente, tem-se conhecimento das seguintes obras que incluem algum material
para vihuela: as publicações Libro de Cifra Nueva (Alcalá de Henares, 1557) de Venegas de
Henestrosa (c1510 – c1570) e Obras de música para tecla, arpa y vihuela (Madrid, 1578) de
Antonio de Cabezón (c1510 – 1566), que, apesar de dedicados à tablatura para teclado,
contêm peças que os autores classificaram como “aptas” para a harpa ou a vihuela; dois
acompanhamentos para canções no tratado já citado de Bermudo; um exemplo de tablatura no
livro El Melopeo y Maestro (Nápoles, 1613) de Pietro Cerone (1566 – 1625); e duas peças
manuscritas de autor desconhecido que foram encontradas escritas à mão no exemplar da
Biblioteca Nacional do Tres Libros de Música en Cifras para Vihuela, de Alonso Mudarra
(WARD, 1953). Abaixo estão listadas as obras publicadas para a vihuela com os seus
respectivos autores, local de publicação e ano:

1) El Maestro, de Luys Milán (Valencia, 1536);


2) Los Seys Libros del Delphin de Música, de Luys de Narváez (Valladolid, 1538);
3) Tres Libros de Música en Cifras para Vihuela, de Alonso Mudarra (Sevilla, 1546);
4) Silva de Sirenas, de Enriquez de Valderrábano (Valladolid, 1547);
5) Libro de Música de Vihuela, de Diego Pisador (Salamanca, 1552);
6) Orphenica Lyra, de Miguel de Fuenllana (Sevilla, 1554);
7) El Parnasso, de Esteban Daza (Valladolid, 1576).

24
Na Espanha, é difícil imaginar a figura de um editor de música como a vemos em outros países: este era
apenas o “impressor”, contratado pelo autor para copiar a obra.
25
O livro Obras de música para tecla, arpa y vihuela de Antonio de Cabezón foi publicado postumamente por
seu filho em 1578.
21
Apesar das publicações para vihuela serem em pequeno número, as informações
contidas nestes sete livros são de imensa valia. O repertório apresentado pelos vihuelistas é
bastante completo e abrange arranjos da polifonia vocal sacra e secular, canções e danças
típicas espanholas e italianas e fantasias contrapontísticas de diversos tipos. Contidas nesse
repertório estão três inovações que são atribuídas aos vihuelistas espanhóis do século XVI: as
primeiras indicações de andamento, a canção acompanhada (villancicos e romances) e a
organização da técnica de variações (diferencias). Discorrerei sobre a primeira destas
inovações, uma vez que a canção acompanhada e a técnica de variações são tópicos já
abordados na seção que trata de gêneros musicais.
Segundo Ward (1953, p. 69): “Quatro dos vihuelistas - Milan, Narváez, Mudarra e
Valderrábano - dão indicações de andamento para a maioria das peças em suas publicações...”
e de acordo com Griffiths (1997, p.167): “Os primeiros quatro livros de vihuela incluem
indicações explícitas do andamento desejado, o que constitui as primeiras marcações de
andamento conhecidas na música européia”. Isto, aliado à inexistência de tais indicações nas
publicações desta época para teclado e alaúde, mostra a grande importância histórica desses
autores.
O primeiro a publicar música com indicações de andamento foi Luys Milan em seu El
Maestro. Com algumas exceções, todas as peças de seu livro levam uma expressão em
castelhano, indicando o andamento que determinada peça deveria possuir. Isso nos remete às
expressões italianas para andamento convencionadas posteriormente em toda a Europa.
Griffiths (1997, p.167) explica como funcionam algumas das indicações de andamento de
Milan:

“Milan provê instruções verbais para guiar o executante, usando frases como ‘algo
apriessa’ (um pouco rápido), ‘con el compás batido’ (pulso bem marcado), ‘compás
a espacio’ (pulso devagar), ou ‘ni muy apriessa ni muy a espacio sino com um
compás bien mesurado’ (nem muito rápido nem muito lento)”.

Narváez, Mudarra e Valderrábano utilizaram símbolos já usuais para a notação


mensural da época, porém ressignificaram-lhos para indicar andamento da forma como eles
desejassem, conforme mostra a figura 7:

22
Figura 7: Indicações de andamento pelos vihuelistas (GRIFFITHS, 1997).

Tradicionalmente, nas publicações para vihuela as obras eram divididas em subseções


chamadas libros. Os autores, de uma forma geral, primavam por uma organização racional e
lógica e poderiam utilizar critérios como: a dificuldade das peças, os modos (tonos) ou o
gênero musical (canções, diferencias, intabulações, etc.), entre outros. O melhor exemplo
desta racionalidade ao ordenar as peças da coletânea é, segundo Grifiths (2006, p.185), Luys
Milan, que:

“(...) organizou o El maestro de acordo com suas intenções didáticas, utilizando um


formato mais sofisticado que qualquer outra publicação para a vihuela.
Simultaneamente com o aumento progressivo da dificuldade das obras, os dois
libros do El maestro formam um par simétrico, cada um deles começa com um ciclo
modal de fantasias e tientos, seguido de canções na mesma sequência e quantidade:
villancicos em espanhol e português, romances e sonetos em italiano. A simetria é
somente interrompida pelas seis pavanas inseridas entre as fantasias e canções no
primeiro libro.”

Nenhum outro vihuelista teve tanta preocupação didática em sua obra quanto Luys
Milan. Ainda assim, alguns deles apresentavam indicações “D” e “F” antes de suas obras,
indicando se elas eram “fáceis” ou “difíceis”.
Na figura abaixo pode-se observar como os outros vihuelistas organizaram os libros
dentro das suas obras.

23
Figura 8: Divisão em libros das publicações para a vihuela (GRIFFITHS, 2006, p. 186)

1.5 VIHUELISTAS

Sabe-se que a vihuela gozou de grande apelo, tanto nas cortes quanto na classe média,
por isso podemos concluir que não poucas foram as pessoas que se dedicaram a aprender o
instrumento. Tendo este fato em vista, é surpreendente que a documentação a respeito dos
vihuelistas espanhóis seja desencorajadoramente escassa. Ward (1953, p. 356) observa que:

“Infelizmente, a propensão literária dos artistas raramente tem sido compartilhada


por musicistas;... Deste modo, o musicólogo precisa, na maioria dos casos,
contentar-se com os mais lamentáveis retalhos biográficos, compostos de
fragmentos extraídos de dedicatórias, despretensiosos comentários em obras
literárias, listas de pagamentos, e assim vai, de tal forma que, frequentemente, as

24
mais triviais informações recebem uma ênfase totalmente fora de proporção com o
seu real valor.”

Dessa forma, os vihuelistas com o maior número de informações biográficas - ainda


que insuficientes - são os que deixaram suas obras publicadas. Além destes, sabe-se através de
menções em cartas, livros e outros, da existência de outros vihuelistas26, tanto amadores
quanto profissionais. Griffiths (1998) menciona em seu artigo que suas pesquisas atualizaram
o número de vihuelistas conhecidos para em torno de 200. Todavia, nesta seção concentrar-
me-ei em apresentar algumas das poucas informações existentes a respeito dos sete vihuelistas
já mencionados que tiveram suas obras publicadas.
Luys Milan foi o primeiro vihuelista espanhol a ter sua obra publicada e foi o único a
ter outros livros publicados, ainda que não referentes à vihuela. Seu primeiro livro foi o Libro
de motes de damas y cavalleros (Valencia, 1535) que descreve os frívolos passatempos que
faziam parte da vida na corte (TURNBULL, 1974). Seu último livro, El cortesano, é um
relato das “boas maneiras” que ditavam a vida social da corte espanhola da época, como
tantos outros livros desta natureza em toda a Europa no século XVI. A natureza dos livros de
Milan reflete os seus costume e cultura, o que com certeza deve ter influenciado sua produção
musical. Ward (1953) comenta que um registro foi encontrado no Archivo General del Reino
de Valencia, que aponta uma herança pertencente a um certo “D. Luis Milan” e “Se, como
Trend supõe, o registro referir-se ao vihuelista, isto prova que Milan teve ascendência nobre e
posiciona sua data de nascimento entre 1490 e 1500” (WARD, 1953, p. 371).
Luys de Narváez foi apontado por Bermudo como um dos mais importantes
vihuelistas de seu tempo. Esteve a serviço do príncipe Felipe II, sendo um dos músicos que
aparecem na lista de acompanhantes da primeira viagem ao exterior do futuro rei, em 1548.
Há também neste mesmo ano um registro de pagamento na casa real de Castilha, no qual
menciona que 3.000 maravedís27 foram transmitidos a Luys de Narváez, “(...) porque ele
ensina os meninos da capela da vossa majestade, os quais precisam cantar” (WARD, 1953,
p.382). Em seu Los seys libro del delphin (1538), dedicado ao Señor Francisco de los Covos,
ele assina a dedicatória formal como “seu fiel servidor”. Porém, Ward (1953) sugere que isto
seria mais uma petição do que uma afirmação de estar empregado por de los Covos. É
possível que Narváez não tivesse conhecimento do El maestro na época da publicação do seu
26
Ward (1953, pp. 356-393) cita inúmeros vihuelistas e alaudistas espanhóis e portugueses que estiveram em
atividade na Espanha do século XVI.
27
Moeda espanhola da época. Ward (1953, p. 362) informa que: “No ano de 1565 quando o tratado de Sancta
María [Arte de tañer Fantasia] custava 680 mrs., o mesmo dinheiro poderia ter comprado em torno de 22
galinhas, 13,5 kg de azeite de oliva ou 49,5 kg de vinho. Não sendo em moeda, as equivalências são
inadequadas, porém mais significante que qualquer tentativa de dar um valor em dólar para os maravedís.”
25
livro, pois no prólogo ele comenta que o seu era o primeiro livro de vihuela em toda a
Espanha. Sabe-se que Narváez teve um filho, Andrés de Narváez, que, segundo a ambígua
menção de historiador anônimo, era, na opinião de muitos, “equivalente a seu pai” (WARD,
1953).
Alonso Mudarra nasceu em torno de 1510 na província de Palencia e morreu em
Sevilla em 1580. Cresceu no culturalmente rico ambiente da casa do terceiro e quarto Duques
de Infantado, a qual era frequentada com regularidade por figuras importantes como o próprio
rei Carlos V. Tornou-se Canon da catedral de Sevilha em 1546, posição que manteve até a sua
morte em 1º de abril de 1580 (GRIFFITHS, 1983).
Pouquíssimas informações sobre Erinquez de Valderrábano sobreviveram, entre elas
está que ele era natural da cidade de Pañarada de Duero, cidade na qual se encontrava o
quarto Conde de Miranda, a quem foi dedicado o Silvas de sirenas. Portanto, existe a
possibilidade de Valderrábano ter estado a serviço do Conde em algum momento de sua vida.
Outra menção é encontrada na Declaración de Bermudo, onde ele cita o nome de
Valderrábano entre os melhores vihuelistas da época, ao lado de: Narváez, Martin de Jaén,
Hernando de Jaén, López, Fuenllana e Mudarra. Enriquez também cita no prólogo de seu livro
que seu interesse na vihuela veio desde sua infância.
Tudo o que se sabe a respeito da vida pessoal de Diego Pisador está contido em dois
processos judiciais e uma carta de seu pai, datada de 13 de outubro de 1550. Através de uma
menção à idade de Pisador em um dos processos judiciais que esteve envolvido, podemos
estimar que seu ano de nascimento tenha sido por volta de 1509. Sabe-se também que ele
recebeu o ordenado em Ordens Menores em 1526, entretanto não há indícios de que ele tenha
sequer começado a carreira clerical. Em 1532 seu pai, Alonso Pisador, foi trabalhar para o
Conde de Monterrey em Galicia, permanecendo ausente por quase 20 anos e retornando ao lar
somente um ano após a morte de sua esposa. Durante esse tempo Diego teve que conciliar
suas atividades de funcionário da cidade de Salamanca com a administração das propriedades
e o sustento da família, dada a ausência de seu pai. Foi durante esse período de abstenção de
seu pai que ele preparou o seu livro de vihuela, o qual, segundo o edital de autorização real de
1550 para a sua publicação do livro, levou 15 anos para ser completado.
Em 1550, após a morte da mãe de Pisador, sua família se envolveu em dois processos
judiciais consecutivos referentes a disputas de bens. Ward (1953, p.386), baseando-se em uma
carta endereçada a Diego por seu pai, comenta a respeito da situação: “A carta dá uma
imagem desconcertante do lar dos Pisador, cheia de rancor produzido por dívidas e lutas por
herança”. Inicialmente, a justiça deu ganho de causa favorável a Diego, rendendo-lhe uma
26
quantia de 30.000 maravedís, porém, no segundo processo Diego foi obrigado a pagar uma
pensão ao seu pai e irmão. Há uma grande possibilidade que ele tenha utilizado parte desta
quantia recebida para o pagamento dos custos da impressão do seu livro.
O amor de Pisador pela vihuela e seu trabalho em produzir um livro de música era
muito mal visto em sua família. Seu pai, na mesma carta citada acima, recomenda que ele
vendesse o livro para o editor e “abandonasse a tolice” de tocar a vihuela. Griffiths (1983,
p.313) comenta o seguinte a respeito do seu Libro de musica:

“As informações fornecidas por evidências documentais que concernem Pisador,


confirmam as conclusões alcançadas somente pelo estudo de sua música. Ele era um
amador estudioso e aplicado cuja obsessão com a vihuela e com a tarefa de produzir
um livro de música para ela excedia suas habilidades como compositor de música
para a vihuela.”

Cego de nascença, Miguel de Fuenllana é exaltado por Bermudo em sua Declaración


como um dos melhores instrumentistas de sua época (GRIFFITHS, 1983). Nascido em
Navalcarnero, cidade próxima de Madrid, Fuenllana provavelmente passou boa parte de sua
vida empregado em cortes, sendo até mesmo empregado por Isabel de Valois (terceira esposa
do rei Felipe II) entre 1560 e 1568. Segundo Griffiths (2001), sua filha, Doña Catalina de
Fuenllana, apresentou a Felipe IV um requerimento de pensão referente, segundo ela, aos
mais de 46 anos que seu pai esteve a serviço de Felipe II e Felipe III. Fuenllana transmite uma
idéia bastante clara de sua personalidade ao expressar-se no prólogo de seu Orphénica Lyra,
comentando, sua humildade para com Deus e sua vontade de triunfar resignado nas
dificuldades impostas por Ele em sua vida. Ele também expressa sua visão que a música na
vihuela “Restringe a ira, encoraja a concordância, é destruidora de vícios, causa hábitos
dignos de adoração, bane as preocupações, inflama espíritos heróicos para as coisas difíceis
(...)” (FUENLLANA apud GRIFFITHS, 1983, p. 371).
As únicas informações existentes sobre Esteban Daza estão contidas em sua obra “El
Parnasso”. Primeiramente, o título indica que ele era residente da cidade de Valladolid e, da
mesma forma de Narváez, em sua dedicação formal a Hernando de Habalos de Soto ele assina
como “seu fiel servidor”. Ward (1953), todavia, afirma não ser claro se ele era de fato servo de de
Soto ou estava somente visando a um emprego. Outra característica importante em seu livro é a
licença real de publicação que encontra no verso da capa, dando-nos algumas informações a
respeito do processo de publicação de livros musicais na Espanha do século XVI.

27
2 TABLATURA

Apesar de haver indícios da existência de sistemas de tablaturas tanto na antiguidade


ocidental como na oriental, optei por abordar exclusivamente a prática de tablatura na Europa
Ocidental a partir do início do século XVI, época das primeiras publicações conhecidas para
alaúde: os quatro volumes de Intabulatura de Lauto (Veneza, 1507-08), publicados por
Ottaviano Petrucci e contendo peças do alaudista italiano Francesco Spinacino.
Neste contexto, “tablatura” é um termo que se refere a qualquer sistema de notação
que utiliza letras, números e/ou sinais gráficos para indicar a execução precisa de notas de
uma altura específica em um determinado instrumento. Segundo Wolff (2003, p.6): “... é
preciso entender que a tablatura é um sistema de notação de ação: ela mostra ao executante o
que fazer (i.e. onde colocar os dedos) para alcançar o resultado musical desejado, mas ela não
mostra a música propriamente dita”. Esta é a diferença primordial entre a tablatura e a notação
tradicional (notação de ação e de notação de resultado), sendo então a decodificação do
registro musical é exclusiva àqueles que estão familiarizados com o sistema de tablatura do
instrumento para qual a peça foi escrita e, no caso de instrumento de cordas, com a afinação
utilizada. Portanto, trabalhos que se propõem a traduzir esses textos musicais para uma
notação menos hermética, facilitando assim o acesso ao seu conteúdo, são de extrema
importância.
Ainda que a tablatura não represente a música propriamente dita, ela nos mostra,
contudo, outras informações que a notação mensural da época não transmite, como, por
exemplo, a indicação precisa dos acidentes. Isto decorre do fato de a tablatura, nos
instrumentos de cordas dedilhadas, mostrar exatamente em qual “casa” (posição no braço do
instrumento) a corda deverá ser pressionada ou, no caso de tablaturas para teclado, a tecla
exata que deve ser pressionada28. Um fato curioso do estudo dos acidentes através das
tablaturas renascentistas é que, mesmo entre instrumentistas contemporâneos e conterrâneos,
havia divergências quanto ao uso de alterações nas notas. Fox (1940, p. 23) menciona em seu
artigo que as transcrições de Miguel de Fuenllana e Diego Pisador do moteto Ave Maria de
Adrian Willaert diferem entre si em mais de 20 acidentes. Observamos também um desacordo
no trecho abaixo do movimento Sanctus da missa Hercules dux Ferrariae de Josquin des Prez
em intabulações de Diego Pisador e de Luys de Narváez.

28
Esta característica se mostra de muita valia para o estudo dos acidentes na música renascentista (musica ficta),
ainda que haja divergências quanto à confiabilidade do uso dessas fontes para tais estudos, em virtude da
freqüente ocorrência de erros tipográficos em publicações de tablaturas.
28
Figura 9: Sanctus da Missa Hercules dux Ferrariae, compassos 1 e 2; intabulação de Diego Pisador e Luys de
Narvaez, respectivamente.

Outra grande vantagem é que a tablatura foi o primeiro sistema de notação capaz de
condensar todas as vozes em um só lugar. Segundo Wolff (2003, p.3):

“O fato de que cada parte (voz) das obras originais eram escritas em livros
separados (part books), em vez de uma partitura única contendo todas as vozes,
demonstra a praticidade de reduzir todas as vozes à uma única pauta de tablatura.
De fato, este pode muito bem ter sido o propósito das primeiras intabulações”.

Sabe-se que na Renascença muito comum era que instrumentos dobrassem ou até
mesmo substituíssem uma ou mais vozes; portanto, um instrumentista que tivesse acesso a
todas as vozes condensadas em um único sistema de notação e a possibilidade de executá-las
simultaneamente seria autossuficiente neste quesito.
Tal prática pode muito bem ter originado o termo “tablatura”, que segundo Dart;
Morehen e Rastall (2001, p.1): “É uma partitura onde as partes vocais são ‘tabuladas’ ou
escritas de forma que possam caber no campo de visão...”. Tendo em vista a hegemonia da
música vocal e contrapontística na Europa Ocidental da época e desta importante prática de
arranjar uma obra vocal polifônica completa em um único instrumento, seria de se esperar que
não só as primeiras obras publicadas em tablatura fossem para instrumentos harmônicos29,
como também fossem de longe as mais numerosas.
Mas a vantagem de reunir as partes vocais em uma só tablatura não poderia vir sem
um custo. A ambiguidade rítmica que a notação em tablatura pode sugerir é um exemplo desta
desvantagem. Como veremos posteriormente, a indicação rítmica mostra apenas o tempo de
ataque das notas e não a sua duração, decisão que deveria ficar a cargo do intérprete, podendo
assim causar certa confusão quanto à duração real das vozes da polifonia. Por tal razão, Luys
Milan (bem como outros autores para vihuela e alaúde) recomenda que o candidato a aprender
29
Talvez pela possibilidade única destes instrumentos (de teclado e cordas dedilhadas) executarem as várias
vozes da polifonia simultaneamente, é que se possa ter desenvolvido tal notação (tablatura), tendo em vista que a
notação mensural apenas registrava uma voz em cada pentagrama, os quais eram impressos em livros separados.
29
a vihuela deva ter bons conhecimentos prévios de canto harmônico a fim de conduzir
adequadamente o pulso (compás) e as figuras rítmicas (mensuras), além de melhor resolver o
contraponto.
Pode-se dividir o uso da notação em tablatura em quatro grandes grupos
instrumentais30. Os quatro grupos são: instrumentos de teclado, instrumentos de cordas
dedilhadas, instrumentos de sopro e instrumentos de arco. Nos instrumentos de teclado como
o órgão e o clavicórdio o uso da tablatura alemã e espanhola foi predominante. Já nos
instrumentos de sopro, como a charamela e a família da flauta doce, entre outros, as tablaturas
eram na verdade guias de digitação para a execução das notas musicas nos instrumentos,
mostrando quais orifícios deveriam ser tapados ou abertos para executar um som de
determinada altura. Podem ser considerados, desta maneira, mais diagramas do que tablaturas,
pois a notação em pentagrama ainda era a mais utilizada para escrever o repertório de tais
instrumentos. Nos instrumentos de arco o uso era quase idêntico ao da tablatura francesa para
cordas dedilhadas a qual discutiremos em maior profundidade a seguir.

2.1 TABLATURAS PARA INSTRUMENTOS DE CORDAS DEDILHADAS

Por uma questão de praticidade, discorrerei apenas sobre as tablaturas para o alaúde,
dividindo-as nos três tipos de tablatura mais utilizadas durante os séculos XVI, XVII e início
do XVIII. No entanto, é importante salientar que o princípio de utilização das tablaturas era o
mesmo em outros instrumentos de cordas dedilhadas, como a vihuela e a guitarra, cada qual
com sua afinação e número de ordens. A vihuela teve todo o seu repertório conhecido
publicado em tablatura italiana (com exceção do livro El maestro de Luys Milan, que utiliza a
variante conhecida como tablatura napolitana); a guitarra de quatro e cinco ordens também
muito popular na Espanha e no resto da Europa usava tanto a tablatura francesa como a
italiana.

30
Poder-se-ia, talvez, incluir sistemas de notação harmônica como o baixo cifrado neste grupo; todavia o baixo
cifrado não dispensa a notação da linha mais grave no pentagrama, não podendo assim ser considerado uma
tablatura propriamente dita.

30
2.1.1 Tablatura Alemã

A tablatura alemã é um sistema de notação que atribui a cada intersecção corda-traste


possível um símbolo diferente. A título de ilustração, ao aplicar este método ao violão
moderno, que por padrão possui seis cordas e dezenove trastes, necessitaríamos de 120
símbolos diferentes para indicar as intersecções! Esta complexidade inerente sugere que o
sistema foi elaborado para o alaúde de cinco ordens e cinco trastes (o qual entrou em desuso
já no século XV) onde haveria apenas 30 intersecções possíveis, permitindo, assim, que este
sistema fosse utilizado de maneira racional e prática.
A atribuição dos símbolos dava-se da seguinte maneira: as ordens soltas eram
numeradas de 1 a 5 (sendo 5 a mais aguda e 1 a mais grave) e as intersecções utilizavam letras
minúsculas do alfabeto (retirando as letras “j”, “u” e “w” e adicionando os símbolos “et” e
“con”), resultando em 25 letras para as 25 intersecções, além das 5 ordens soltas. É
perceptível que quem o idealizou pensou em um sistema hermético, justo para o instrumento
que tinha em mãos. Quando o alaúde ganhou mais trastes e uma sexta ordem, o sistema foi
ampliado da seguinte forma: da sexta casa para frente utilizar-se-ia as mesmas letras como se
iniciasse novamente na primeira casa, porém utilizando letras duplas ou com um traço em
cima (“aa” ou “ā”, por exemplo). Na sexta ordem grafavam-se as mesmas letras da quinta
ordem, só que com letras maiúsculas (“A” e “B” e “AA” ou “Ā” a partir da sexta casa, por
exemplo; Figura 11). A evolução do instrumento levou o alaúde a ter ainda mais ordens e
trastes, tornando impraticável ampliar este sistema de forma lógica (DART; MOREHEN;
RASTALL, 2001). Abaixo anexamos dois diagramas que auxiliarão no entendimento da
tablatura alemã:

31
Figura 11: Figuras rítmicas da tablatura alemã.
(DART; MOREHEN; RASTALL, 2001, p. 6.)
Figura 10: Símbolos da tablatura alemã
(DART; MOREHEN; RASTALL, 2001, p. 5)

Como observamos na figura 12, a notação rítmica faz uso de hastes sem cabeças,
sendo grafada acima da pauta e repetida para cada nova nota ou acorde que aparecesse. Neste
tipo de notação, notas simultâneas eram anotadas verticalmente em número de linhas igual ao
número de notas (vozes) em um determinado “pulso31”. Na figura 13 há um exemplo de
música notada em tablatura alemã, que mostra as variações rítmicas e as situações de acordes
de três, quatro e cinco notas.

Figura 12: Tablatura alemã Der Judentantz32 de Hans Newsidler; tablatura alemã (APEL, 1949, p. 81)

31
O barramento regular presente em todos os tipos de tablaturas é chamado de pulso.
32
Segundo Willi Apel (1949, p.78), significa “A Dança dos Judeus” e talvez seja um dos primeiros casos do uso
de scordatura claramente indicado pelo compositor. A afinação desejada nesta peça é (G, d, d, a, d’, f#).
32
2.1.2 Tablatura Italiana

A tablatura italiana foi um sistema utilizado principalmente na música para alaúde na


Itália e na música para a vihuela na Espanha, apesar de também aparecer em publicações em
Cracóvia, Lyons, Estrasburgo e também em manuscritos na Inglaterra e Áustria. (DART;
MOREHEN; RASTALL, 2001). É um sistema de fácil visualização e entendimento, pois
dispõe de quatro a seis linhas horizontais que representam graficamente as ordens (o número
de linhas depende do número de ordens instrumento), sendo a primeira linha a ordem mais
grave. Em cima das linhas colocavam-se numerais mostrando em qual casa aquela respectiva
ordem deveria ser pressionada com a mão esquerda: o “0” indicava corda solta, “1” a primeira
casa, “2” a segunda e assim sucessivamente; até chegar à décima, décima-primeira e décima-
segunda casas, as quais eram representadas por “x”, “ẋ” e “ẍ”, a fim de evitar confusão com
os numerais “1” e “0”, “1” e “1”; “1” e “2”. A notação rítmica era similar à da notação
mensural e colocada acima da pauta. Primeiramente as figuras eram repetidas a cada nota ou
acorde a ser tocado (Figura 14), porém mais tarde o sistema foi alterado para que a figura
tivesse validade até ser contradita por outra de valor diferente, tornando a escrita mais
econômica. (Figura 15).

Figura 13: Fantasia 10 de Luys Milan – El maestro, Libro primeiro; tablatura napolitana (MILAN, 1536, p.36)

33
Figura 14: Soneto a quatro de Pedro Guerrero, intabulação de Miguel de Fuenllana - Orphenica Lyra, Libro
quinto; tablatura italiana (FUENLLANA, 1552, fol. 123)

Há uma variante deste tipo de tablatura que utiliza a sequência das linhas invertida (a
primeira linha indicando a ordem mais aguda e não a mais grave; Figura 14), chamada de
“tablatura napolitana33”, utilizada na Espanha por Luys Milan, como também por alaudistas
no sul da Itália.
Sobre a tablatura italiana utilizada no repertório vihuelístico, há ainda uma
característica muito particular: a de notar a parte vocal. Em alguns casos isto era feito através
de um pentagrama acima da tablatura, porém mais comum era destacar em vermelho na
tablatura as notas referentes à parte da voz, como observamos na figura 15. Esta técnica de
cifras vermelhas também era utilizada em missas e outras obras sacras para ressaltar o cantus
firmus sobre o qual era construída a obra; nestes casos, a intenção era didática e não de sugerir
a performance com o canto (GRIFFITHS, 1997).

2.1.3 Tablatura Francesa

A tablatura francesa foi a de maior sucesso em toda a Europa e eventualmente


substituiu as outras. Seu princípio era similar ao da tablatura italiana, com quatro a seis linhas
horizontais representando as ordens do instrumento em questão. Uma diferença fundamental
residia no fato de que, nela, a primeira linha representava a ordem mais aguda, ao contrário da

33
O princípio da tablatura para guitarra elétrica e música popular presente nos dias de hoje é muito similar à
tablatura napolitana, porém, com símbolos e significados próprios à sua linguagem musical e ausência de
notação rítmica.
34
versão italiana. Outra diferença era que as intersecções corda-traste eram indicadas por letras
estilizadas, ao invés de números. A corda solta era indicada pela letra “a”, a primeira casa pela
letra “b” e assim sucessivamente. O ritmo era notado como na tablatura italiana, sendo a
figura rítmica válida até ser contradita. A figura 16, abaixo, mostra as letras estilizadas, tais
quais como eram utilizadas:

Figura 15: Letras estilizadas e outros símbolos da tablatura francesa

Figura 16: Lautenbuch de Virginia Renata von Gehema; tablatura francesa

35
Observa-se que, abaixo da representação das ordens, encontramos sinais e números, os
quais indicavam o uso dos diapasões34. Os três primeiros símbolos (“a” com traços em cima)
representavam os três primeiros diapasões, do mais agudo para o mais grave. Prosseguia-se
nesta sequência com o uso de numerais romanos, do número 4 em diante, para representar os
demais diapasões.
Assim termino minha exposição sobre os rudimentos das tablaturas para alaúde.
Contudo, existiram também outros símbolos que expressavam diversas sutilezas técnicas e/ou
musicais. A seguir estão listados alguns destes símbolos.
Como vimos anteriormente, a tablatura expressa apenas em quais trastes determinadas
cordas deverão ser pressionadas a fim de alcançar este ou aquele resultado musical. Tal
inerência permite ao leitor perceber com precisão qual digitação de mão esquerda foi pensada
pelo instrumentista/compositor; porém, o mesmo não ocorre com a mão direita. Esta deveria
ser pensada diretamente pelo instrumentista, o que, em casos de iniciantes ou até mesmo em
executantes mais experientes, poderia gerar deficiências causadas por um dedilhado
impensado. A fim de remediar esta situação, perto do final do século XVI, começaram a
surgir sinais indicando a digitação de mão direita na tablatura. Tal sistema empregava pontos
colocados próximos às notas na tablatura: um ponto indicava o uso do dedo indicador para
executar a nota, dois pontos o dedo médio e três o anelar35.

Figura 17: Símbolos utilizados para indicar a digitação de mão direita

Vimos também que a tablatura explicita apenas a nota de menor duração, não sendo
em geral eficiente na representação de notas mais longas num contexto polifônico. Tal
situação foi também parcialmente resolvida com a adição de linhas diagonais ascendentes
dentro dos pulsos. Elas significavam que as notas daquele pulso deveriam ser sustentadas o
máximo de tempo possível, a não ser quando algum dos dedos fosse requerido para tocar
outra nota.

34
As ordens mais graves do alaúde. Localizavam-se abaixo da sexta ordem e permaneciam fora do braço do
instrumento, não sendo, portanto, dedilhadas, apenas tocadas soltas.
35
Estes símbolos foram utilizados em algumas edições para o violão moderno até meados do século XX.
36
Figura 18: Linhas indicando sustentação das notas (APEL, 1949, p.70)

Apesar de as ornamentações fazerem parte importantíssima da prática de alaudistas,


vihuelistas e guitarristas, elas demoraram a ser notadas nas tablaturas. Ornamentações em
tablaturas eram como acidentes na música vocal: estavam a cargo do executante,
influenciadas pelos conhecimentos das tradições, possibilidades técnicas e gostos pessoais do
instrumentista. As ornamentações utilizadas eram as mais diversas: trinados, mordentes,
grupetos, apojaturas, arpejos, etc. Sua notação variava bastante, dependendo de cada região da
Europa, por isto seu estudo foge do escopo do presente trabalho36.
Para o violonista moderno, a desenvoltura na leitura de tablaturas permite o acesso a
um vastíssimo repertório dos instrumentos antigos de cordas dedilhadas, sem depender da
transcrição de outrem. Tal conhecimento pode ampliar as possibilidades de repertório, pois,
em tese, qualquer um é passível de “descobrir” uma peça que ainda poderá ser incorporada ao
repertório violonístico.

36
Ver: Ornamentation as indicated by signs in lute tablature (1908) de Janet Dodge.

37
3 TRANSCRIÇÃO

Segundo o The New Grove Dictionary of Music and Musicians, o termo “transcrição”,
no contexto de estudo da Música Tradicional Ocidental, refere-se a:

“... copiar uma obra musical, normalmente com alguma mudança de notação (por
exemplo, da tablatura para a notação tradicional ou para o manossolfa), ou em
apresentação (por exemplo, de partes para uma grade), sem ouvir sons durante o
processo de escrita. Transcrições são comumente feitas a partir de fontes
manuscritas de música antiga e, portanto, envolvem algum grau de trabalho
editorial. Transcrição pode também significar ‘arranjo’, especialmente quando
envolver mudança de meio (por exemplo, redução de orquestra para piano)”
(ELLINGSON, 2001, p. 1)

No presente capítulo abordarei alguns dos problemas referentes ao processo de


transcrição de obras da vihuela para o violão, como também, da notação em tablatura para a
notação tradicional. Este processo exige reflexão, já que as escolhas feitas pelo transcritor
influenciarão os resultados. Conforme mencionado na introdução deste trabalho, apresentarei
três transcrições contrastantes do Kyrie da Missa Hercules dux Ferrariae (apêndice A), que
servirão como exemplo prático da consequência destas escolhas no resultado de uma
transcrição. Após as discussões sobre o tema, apresentarei os procedimentos adotados para
cada uma destas transcrições.

3.1 AFINAÇÃO

Conforme expliquei no capítulo 1, a execução de obras para a vihuela no violão


moderno não apresenta dificuldade de transposição, já que a quantidade de ordens dos dois
instrumentos é a mesma e as afinações intervalares das cordas do violão moderno (4ªJ, 4ªJ,
4ªJ, 3ªM, 4ªJ) são muito similares às da vihuela (4ªJ, 4ªJ, 3ªM, 4ªJ, 4ªJ). Portanto, basta que se
abaixe a afinação da terceira corda do violão em meio tom - de sol para fá sustenido - e
teremos a mesma afinação relativa da vihuela. Tendo estas afinidades em vista, pouco desafio
se coloca ao violonista interessado em transcrever uma obra escrita em tablatura, já que ele
pode executar ou “visualizar” o repertório diretamente da tablatura.
Na transcrição para a notação tradicional deve-se ter em mente que, apesar de as
relações de afinação do violão e da vihuela serem muito próximas, a vihuela não era afinada
na mesma altura que o violão; pesquisas recentes apontam que - baseado nos materiais e
técnicas de construção do instrumento, aliados ao material das cordas - pode se estimar que a

38
vihuela fosse afinada perto de sol ou fá sustenido (WOLFF, 1998). Isto nos leva à seguinte
questão: devemos escrever a partitura no tom em que teria soado na vihuela? Se tivermos em
mente uma transcrição com objetivos musicológicos, talvez; mas se tivermos em mente uma
transcrição prática para o violão, a razão nos diz que não.
Mesmo que as afinações absolutas dos instrumentos sejam diferentes, sua mecânica de
mão esquerda é idêntica. Assim, ao compor suas obras, os vihuelistas tinham em mente o seu
funcionamento mecânico no braço do instrumento; se transcrevêssemos a partitura no tom que
teria soado na vihuela estaríamos desvirtuando a mecânica idealizada pelo compositor e,
possivelmente, inviabilizando a execução no violão (figura 20). Portanto, a alternativa mais
convincente sob o ponto de vista técnico para simular a afinação e comprimento de corda da
vihuela no violão, é encará-lo como um instrumento transpositor e utilizar o capotasto na 2ª
ou na 3ª casa. Cabe ressaltar que há instrumentistas que se opõem ao uso do capo, pois julgam
que ele altera a sonoridade do instrumento, desvirtuando-o. Minha preferência é pelo uso do
capo na 2ª casa, pois facilita as distenções de mão esquerda que encontramos neste repertório,
sem que se perca a profundidade do som violão.

Figura 19: Kyrie da Missa Hercules dux Ferrariae, compassos 6 e 7; transcrição sem e com transposição para o
tom original, respectivamente

3.2 ARMADURA DE CLAVE

Pela sua própria natureza, a notação em tablatura dispensa qualquer tipo de indicação
sobre que tom ou modo em que a obra musical se encontra. Isto acontece pois uma vez que a
notação grafa exatamente a posição dos dedos no braço do instrumento, não há, em tese, a
necessidade de advertir o instrumentista sobre os acidentes encontrados na obra musical.
Ainda assim, muitos autores apresentam indicações de modo em suas peças, que, se não
afetam a leitura da tablatura em si, podem auxiliar na transcrição para a notação tradicional.
Ao transcrevermos uma obra de sua tablatura original, devemos procurar saber em qual dos
modos a peça foi composta - observando em quais notas a obra se inicia e termina, como

39
também a quantidade de acidentes regulares, entre outros parâmetros - a fim de que possamos
utilizar a armadura de clave mais adequada ao modo. Esta tarefa não deve propor qualquer
tipo de desafio àqueles que estão familiarizados com os modos utilizados na Renascença,
portanto não me estenderei sobre o assunto.

3.3 TIPOS DE TRANSCRIÇÃO

Conforme foi explicado no capítulo 2, a tablatura (notação de origem) não é capaz de


transmitir a duração exata de cada voz da textura polifônica, diferentemente do que ocorre
com a notação tradicional (notação de destino). Por isto, deve-se ter atenção em relação à
interpretação da condução polifônica, ao transpor o conteúdo musical de uma notação para a
outra. Wolff (1998) nos apresenta duas opções referentes a esta questão: a transcrição estrita e
a transcrição polifônica.
A transcrição estrita (figura 21) é uma forma de transcrever que preserva a duração das
notas fielmente ou proporcionalmente conforme grafadas na notação original. Wolff (1998, p.
44) nos diz que a transcrição estrita: “[...] tem a vantagem de ser mais perto do texto original
no que concerne à notação37, [...]”. No entanto, esta escolha de transcrição sacrifica a real
intenção do compositor e da música, tendo em vista que quase toda a música instrumental
deste período é indubitavelmente influenciada pela música vocal, onde abunda a polifonia e a
independência das vozes. Segundo minha análise, mesmo que um hábil intérprete pudesse
recriar a intenção original da obra a partir de uma transcrição estrita, esta é uma transcrição
deficitária por natureza, pois irá influenciar fortemente o intérprete ou leitor menos experiente
a achar que a duração real das notas são aquelas escritas, comprometendo a independência das
vozes no fluxo polifônico.
Por sua vez, a transcrição polifônica (figura 22): “(...) ilustra mais fielmente a
sustentação das notas como um alaudista [ou outro instrumentista] provavelmente teria
executado” (WOLFF, 1998, p. 44). Todavia, a transcrição polifônica apresenta uma pequena
desvantagem: a interpretação da textura polifônica está condicionada à maneira como o
transcritor a fez, podendo assim cristalizar uma execução tendenciosa. Não obstante, Wolff
(1998), baseado na sua experiência em transcrever obras deste período, comenta que esta
desvantagem não é relevante, visto que na grande maioria das vezes o contexto musical é
claro o suficiente para que não haja dúvidas a respeito da condução de vozes; e, na

37
Grifo do autor.
40
eventualidade da dúvida, ele nos orienta a testar as possibilidades e a escolher a que melhor se
identifica com a forma que se ouve a música.

Figura 20: Gloria da Missa Hercules dux Ferrariae, compassos 14 e 15; transcrição estrita
transcrição polifônica, repectivamente.

A transcrição de intabulações de obras vocais segue um protocolo próprio. Neste caso,


recomenda-se ao transcritor que o faça comparando o texto da tablatura com o original
vocal38, a fim de que possam interpretar com precisão as linhas vocais e detectar alterações
efetuadas pelo intabulador, como também possíveis erros tipográficos.

3.4 FIGURAS RÍTMICAS E FÓRMULAS DE COMPASSO

Ao fazermos o transporte das figuras rítmicas da tablatura, é muito importante termos


cuidado no estabelecimento das suas relações com a escrita rítmica da notação tradicional.
Conforme vimos no capítulo anterior, as tablaturas para vihuela utilizavam as mesmas
figurações rítmicas da notação mensural da época. As figuras mais utilizadas eram:
semibreves, mínimas, semínimas, colcheias e semicolcheias. Por esta razão, muitas vezes não
encontramos problemas para transpor ritmicamente uma obra da tablatura para a notação
tradicional.
Entretanto, em alguns casos, pode-se optar por dividir todas as figuras rítmicas da obra
por dois. Wolff (1998, p. 47) propõe que façamos a nós mesmos as seguintes perguntas ao
decidir pela manutenção ou divisão das figurações rítmicas: “Quão fáceis de ler serão os
‘novos’ valores rítmicos? Quão claramente irão eles expressar as vozes individuais e/ou a
progressão harmônica? Quantas ligaduras e pausas desnecessárias serão evitadas se
dividirmos o ritmo original por dois?”

38
Não devemos esquecer que em algumas intabulações de obras vocais como villancicos, por exemplo, os
arranjos feitos pelos vihuelistas são muitas vezes os únicos registros existentes deste repertório; inexistindo
qualquer material para comparação. Nestes casos, o transcritor deve assumir total responsabilidade da
interpretação da condução das vozes.
41
Pessoalmente, tenho a preferência por não dividir a figuração rítmica. Primeiramente,
creio que reduzir ritmicamente as figuras gera mais problemas de leitura do que resolve, pois
ao dividi-las multiplicam-se a quantidade de elementos dentro do pentagrama: mais hastes e
mais colchetes (figura 23), o que dificulta muito a clareza de leitura, tanto almejada. Além
disso, acredito que a estranheza que algumas pessoas possam ter ao encontrar uma obra
escrita em 3/1 ou 2/1 e com muitas mínimas e semibreves seja possivelmente causada pela
falta familiaridade com estes padrões rítmicos, pois sabemos que fórmulas de compasso são
relativas e que, na Renascença, era comum ter este tipo de fórmula de compasso em música.

Figura 21: Fantasia 7 de John Dowland, compassos 7-10

Outra questão relacionada à transposição rítmica é o barramento. As tablaturas para


vihuela possuíam barramento regular, porém este barramento delimitava a unidade de
pulsação (pulso) e não o que nós chamamos de compasso, o qual agrupa várias unidades de
pulsação. Aqui temos novamente duas opções: manter o barramento original da tablatura, ou
decifrar a real métrica da música como poderia ter sido a intenção do compositor. Na primeira
opção, o transcritor abre mão desta responsabilidade e a transmite ao intérprete, o qual nas
mais das vezes não possui o mesmo preparo para julgar conscientemente esta questão do que
o transcritor. Portanto, é importante que ele responsabilize-se em pesquisar os padrões
rítmicos da época, a fim de que possa transmitir a métrica do texto musical da melhor forma
possível, sem vícios. Isto muitas vezes pode resultar em um agrupamento de dois ou três
pulsos da tablatura em um compasso, como também na presença mais de uma fórmula de
compasso em diferentes momentos da obra.

3.5 ERROS TIPOGRÁFICOS

Durante o processo de transcrição sempre devemos estar atentos à possibilidade de


existirem erros tipográficos nas tablaturas. A identificação destes erros pode ser problemática

42
em alguns casos, porém torna-se mais fácil quando se trata de uma transcrição de intabulações
de obras vocais, às quais temos acesso aos originais. Todavia, há casos em que discernir os
erros das alterações efetuadas propositadamente pelo intabulador pode se mostrar dificultoso.
Quando, por exemplo, temos o que pode ser considerado uma intabulação literal em mãos, e
nela encontramos uma passagem onde uma ou mais notas da tablatura diferem do original
vocal, não podendo, as mesmas, ser prontamente consideradas “erradas” perante a condução
de vozes e/ou a harmonia. Todavia, ao analisarmos tal passagem de acordo com o original,
vemos que não possui impossibilidades de execução da forma como se apresenta; portanto,
em tese, não haveria justificativa técnica para tais alterações efetuadas pelo intabulador.
Nestes casos, cabe uma análise mais aprofundada das possíveis razões que motivaram
estas mudanças, no caso da figura 24, por exemplo, o equívoco pode ser facilmente revelado,
já que tanto a nota “dó’ quanto a “sol” são indicadas pela cifra “1” na tablatura e este apenas
foi posicionado na linha errada. No entanto, podem haver casos em que tal identificação
torna-se mais difícil pela ausência de um fator óbvio como no exemplo dado.

Figura 22: Agnus Dei da Missa Hercules dux Ferrariae, intabulação de Diego Pisador, compassos 57 e
58; erro tipográfico (pentagrama superior: original vocal; pentagrama inferior: tablatura)

Ainda que este seja um problema comum com que se depara o transcritor, encontrei na
pesquisa alguns poucos comentários descompromissados a respeito deste problema em
publicações para vihuela e alaúde. A única menção consistente foi o relato de Griffiths (1983,
p. 315) a respeito do Libro de Musica de Pisador:

“Enquanto o Libro de musica nos dá a impressão de uma coleção muito bem


impressa, utilizando as mesmas fontes que as obras de Valderrábano, Fuenllana e
Daza, ela é uma tablatura crivada de erros tipográficos as quais distorcem ainda mais
as já questionáveis composições de Pisador. A reconstrução da tablatura como talvez
fosse a intenção original é às vezes problemática e, em algumas pequenas instâncias,
conjectural. A música de Pisador apresenta uma grande tarefa editorial. Em mais do
que apenas algumas peças, re-composição total de algumas passagens são
necessárias.”

43
3.6 QUANTIDADE DE PAUTAS

O último assunto que abordarei nesta seção é a escolha da apresentação gráfica da


transcrição. Pode-se optar por escrever em uma ou duas pautas, dependendo da obra e dos
objetivos do transcritor. Se analisarmos o repertório para a vihuela, observaremos que sua
maior parte constitui-se de peças a duas e três vozes, sendo algumas a quatro. Para as
primeiras, uma transcrição voltada para o violão em apenas uma pauta é suficientemente clara
e objetiva, bastando alguns ajustes horizontais das cabeças das notas para que as figuras de
valores diferentes fiquem bem explicitadas. Todavia, na grafia de peças a quatro vozes a
notação em uma pauta apenas torna-se insuficiente, tendo em vista o excesso de informação
mostrada. Isto é reforçado quando não se trata de uma obra composta originalmente com a
vihuela em mente, como é o caso das intabulações de obras vocais a quatro vozes, ou ainda
peças com elevada complexidade contrapontística. Nestes casos, acho que a notação em duas
pautas possa resolver os problemas, bastando apenas que o instrumentista se adapte para a
leitura em duas claves.

3.7 EXEMPLOS DE TRANSCRIÇÃO

Apresentarei no Apêndice A três opções de transcrição da intabulação de Diego


Pisador do Kyrie da Missa Hercules dux Ferrariae de Josquin des Prez. Em todas as três
opções, resolvi manter o barramento fielmente ou proporcionalmente, de acordo com a edição
vocal de Albert Smijers das obras de Josquin; para isto, cada compasso da transcrição contém
três ou dois pulsos da tablatura.
Na primeira opção temos uma transcrição polifônica (TP), sem redução rítmica (SR) e
grafada em notação de piano (CP). O objetivo de uma transcrição desta natureza é a
demarcação da condução de vozes, explicitando seus saltos e cruzamentos da forma mais fiel
possível ao original vocal. Esta partitura pode ser utilizada com fins de estudo por qualquer
instrumentista ou pesquisador, como também fornecer ao violonista informações precisas da
textura polifônica. Com a finalidade de esclarecer a condução de vozes, resolvi destacar as
notas do cantus firmus em vermelho, como ocorre na tablatura de Pisador.
A segunda opção é uma transcrição estrita (TE), com redução rítmica pela metade
(CR) e notada em notação de violão (CV). O objetivo de uma transcrição desta natureza,
segundo minha opinião, é ter um material que reflita, em termos de notação, o que está escrito
44
na tablatura. Não é recomendável o estudo da obra através deste tipo de transcrição, por
razões mencionadas anteriormente.
A terceira opção é uma transcrição polifônica (TP), com redução rítmica pela metade
(CR) e notada em notação de violão (CV). Nosso objetivo aqui foi apresentar uma transcrição
mais confortável para o violonista, sacrificando a clareza polifônica em prol da legibilidade
em alguns momentos, mas mantendo o essencial da condução do discurso polifônico. Como
na primeira opção, resolvi destacar o cantus firmus em vermelho.

45
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do trabalho, minha intenção foi a de introduzir os assuntos que envolvem o


estudo da vihuela e seu repertório. Procurei estabelecer um panorama sobre o contexto
histórico, a construção, a música, suas publicações e os vihuelistas, bem como refletir sobre a
transcrição em notação tradicional de obras originais para este instrumento. Abordei também
a origem, funcionamento e variantes da notação em tablatura, estabelecendo alguns
parâmetros para sua transposição para a notação tradicional. Mesmo que o trabalho não tenha
aprofundado os aspectos abordados, acredito ter servido para instigar e fundamentar a
pesquisa que envolve questões teóricas e práticas sobre a vihuela e seu repertório, bem como
ressaltar a contribuição do seu repertório para o violão moderno e para a história da Música.
Sendo um Trabalho de Conclusão de Curso de um curso de Bacharelado em Música
(que visa o preparo do aluno como instrumentista, professor e pesquisador) acho que o
trabalho cumpriu os seus objetivos. Mas, creio que, além de ser uma etapa cumprida enquanto
disciplina da grade curricular de um curso, o presente trabalho pode contribuir para a
produção acadêmica do tema em universidades brasileiras.
Uma desvantagem do processo de construção deste trabalho foi que não consegui aliar
a pesquisa científica ao estudo do repertório. Mesmo assim, creio que este não tenha sido um
passo em falso, visto que agora poderei abordar o estudo deste repertório com um bom
conhecimento prévio do que irei encontrar e saberei como lidar com as situações adversas.
Meu objetivo continua a ser estudar tal repertório como violonista e não como um possível
futuro vihuelista - ainda que não descarte esta possibilidade.
Lanço-me agora na vida fora dos muros da universidade, procurando dividir com a
sociedade os conhecimentos que me foram concedidos por esta instituição, a fim de que eu
possa contribuir com a Música e também com a comunhão humana, procurando estreitar os
laços de amizade e entendimento entre os que cruzarem o meu caminho.
Intenciono prosseguir pesquisando esta área do conhecimento musical futuramente,
todavia, com maior conhecimento do repertório, embasamento teórico e com um recorte mais
específico, a fim de que possa contribuir de forma significativa para uma pequena parte deste
vasto oceano que é a nossa querida e amada arte.

46
REFERÊNCIAS

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Academy of America, 1949.

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49
ANEXO 1
INTABULAÇÃO DE DIEGO PISADOR DO KYRIE DA MISSA HERCULES DUX
FERRARIAE DE JOSQUIN DES PRÉZ.
TABLATURA FAC-SIMILE
(PISADOR, 1552)

50
51
52
APÊNDICE A
INTABULAÇÃO DE DIEGO PISADOR DO KYRIE DA MISSA HERCULES DUX
FERRARIAE DE JOSQUIN DES PRÉZ.
EXEMPLOS CONTRASTANTES DE TRANSCRIÇÕES

53
54
55
56
57
58
59
60
61
62
APÊNDICE B
INTABULAÇÃO DE DIEGO PISADOR DO KYRIE DA MISSA HERCULES DUX
FERRARIAE DE JOSQUIN DES PRÉZ.
TRANSCRIÇÃO DOS ERROS TIPOGRÁFICOS
(a numeração a seguir corresponde aos números em fonte verde encontrados no primeiro
sistema da transcrição)

63
IDENTIFICAÇÃO TABLATURA ORIGINAL

64
6

10

11

65

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