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101 '

OBRAS POÉTICAS

Rev.““ ANTONIO PEREIRA DE SOUZA


CALDAS.

TOMO SEGUNDO.
V ilï

, .i
POESIAS
SACIÍiVS E PROFANAS
DO

Re v .í^o Ant .“ p e r e ir a de SOUZA CALDAS,


COM

AS NOTAS E ADDITA MENTOS


DE SEO AMIGO

O T enente -G eneral

FRAN.co d e BORJA GARÇAO-STOCRLER,

DADAS A’ LU Z
I
A
pelo so brin h o do d e f u n t o poeta ,

ANTONIO DE SOUZA DIAS ,


Fidalgo da Casa R e a l, Cavalleiro professo na Ordem de Clirislo ,
Consul Geral de Sua Magestade Fidelíssima na Cidade do Havre
de G raca, elc.

PARI Z,
Na Officina de P. N. R O U G E R O N , rua de
1’Hirondelle, N.° 22.
1821.
POESIAS
S A C R A S .

ODE l.‘

SOBRE A EX ISTEN C IA DE DEUS.

S trophe 1.«

A LUZ se faça ♦, e subito creada


A luz , resplandecendo
A voz ouvia que aviventa o nada ;
D’entre as trevas se foi desinvolvendo
O chaos, que estendendo
aí \
A horrenda face , tudo confundia,
A terra, e o m ar, e os ceos, e a noite, e o dia.

A n tistrop h e i.»

M as tu quern es, ó chaos tenebroso ?


De quern o ser houveste ? (i)
De algum Deus per ventura poderoso
A cujo aceno tu também cedeste ? •
'Ou acaso nasceste
De ti mesmo ante o tempo , e a tua edade
Tem ,por termoe principio , a Eternidade ?
II. 1
POESIAS

E p o d e 1/

Besoa altiva lyra


De novo, entre os raeos dedos vencedores,
Dos soberbos altisonos cantares ,
Que em seos muros ouviram
A Grécia ferlil em saber profundo ,
E a bellicosa Capital do mundo.

Stj'ophe 2.“

O’ necessária e immortal verdade


Dos seres creu d ora ,
Hé possível que , in volta em’ scuridade,
A par de l i , a vil destruidora
Da ordem da beldade,
A negra confusíto,a frenle alçasse ,
E com tigo, ante o tempo , se avistasse !

A n tistrop lie 2.®

Que m ortal, da razão as leis pizando,


Igual a natureza
Da ordem, da desordem reputando ,
Da fealdade , e divinal belleza ,
Da força , e da fraqueza,
Chamou o inerte chãos existen te
N ecessário ^ qual hé 0 Omnipotente ?
\

SACRAS. 0

E p o d e 2.”

O peito se embravece :
Voraz zelo as entranlias me consome.
Ah ! foge, erro feroz, respeita o nome
Daquelle a quein conhece
Por SENHOR o Universo; e em vao gemendo
No abismo, esconde teo furor horrendo.

SLrophe 5 .®

Faze, ó razáo , soar a voz augusta


Que as rochas desaferra ,
E que as forças do Averno abala, assusta :
Escutai, altos Ceos : ergue-te ó Terra ,
A fronte desencerra ;
Attenta de meos versos a armonia : '
De novos pensamentos a ousadia.

A n tistrop lie 5 .®

Inda o sceptro quimérico empunhava


O Nada, avassalando
informe reino , e vao , que dominava
A seo lado o silencio venerando ;
E tudo, repousando
No seio incerto e immenso do possivel ,
De existir era apenas susceptível.
y.\:

4 POESIAS

E p o ã e 3 .®

ir- Sómente a Eternidade


Concentrada em si mesma , em si contida ,
Em si gozando interminável vida ,
Perenne mocidade,
Com infinitas perfeições brilhando ,
Solopunha os futuros a seo mando.

Strophe

Ao som de sua voz omnipotente


O possivel se aterra ;
O nada se fecunda 5 e de repente
Alonitos produzem ceos , e terra ,
E o espaço que os encerra :
Começa então o tempo pressuroso
A curva foice a manejar iroso.

A n tistrop h e 4 .*

As agitadas ondas se separam


Da terra que cobriam ,
E no vasto Oceano se abrigáram :
As fructiferas arvores nasciam :
De pennas se vestiam
As animadas aves 5 e de vida
Animaes de grandeza desmedida.
,yl
SACRAS.

E p o c h 4 .*’

o homem aparece,
Alçado o nobre collo, e vendo ao lado
Da raollier o semblante lindo e amado,
Por quem morrer parece ;
De raios e de luz se rodeava
Phebo, que alino calor a ludo dava.

Strophe 5 .*

Sem T i , Eterno Ser , ninguém podéra


O véo misterioso
Que encobre a creaçao, com mao sincera
Rasgar ; e descobrir maravilhoso
Principio lum inoso,
Que a origem fecunda da existência
Do Orbe faça ver, com evidencia.

Antislrophe 5.^

Tece embora, escriptor endurecido,


Philosopho arrogante,
Extenso fio nunca interrompido
De seres que perecem : se hum instante
Vacillas inconstante.
Sem novo anel prenderes á cadêa ,
Do teo mundo desfaz-se até a idéa.
POESIAS
\

JE p o d e 5 .®

Al)re os olhos , e estende


Do frio norte ao sul tempestuoso,
Ou antes áo lugar onde formoso
O louro sol descende,
Com passo agigantado mede a terra ,
E com raios a noite escura aterra.

S trophe *6.»

Um pouco te levanta ao firmamento,


Nos astros que o povoam ,
Prende o leo vagabundo pensamento :
Conta-os, se a tanto os leos desejos voam :
Ah vê como pregoam (2)
Era voz sonora o nome triunfante
Daquelle que os sujeita a lei constante.

tk
A n tistro p h e 6.»

O verme que no campo resvalando,


3
Ergue a movei cabeça ;
A aguia sobre as nuvens remontando,
E do ar retalhando a massa espessa ;
.k
A garganta travessa
Do leve rouxinol-, e o peito forte
Do leão , que esbraveja , e insulta á morte;
SACHAS.

JS p od e 6.'

O mar embravecido,
A terra de mil fruclos , que a guarnecem
Toldada , com que as forças reverdecem
Do homem atrevido :
Tudo aponta a suprema Intelligencia,
I
Adorável autora da existência.

Strophe 7.®

Qual o dourado habitador de Q u ito ,


( Morada da crueza ,
Onde em ferreo grilhão suspira afílicto
O docil ín dio, desgraçada preza
Da Europea avareza )
Se vê tremer a terra e abrir-se, corre
Fugindo em vão, que entre as minas morre:

jdn tistroplie 7.“

Assim vaidoso atheo , que maneatando m


A razão , se adormenta ;
Se medonho trovão ouve troando,
E irada a natureza um poco attenta ,
-'«V
áb1
Espavorido intenta
Fugir em vão á lu z , que um Deus potente
Per toda parte lhe faz ver presente. ■ i'i
4

ff' ■
ílííLáCfO'3lÉç%v^*s»-■

P O E S I A S
«

JE p od e 7."

Furioso procura
Embrenhar-se em veredas náo trilhadas :
Ali de novo afia armas usadas
Com que a razao escura
Abate quasi ; até que em fim na morte ,
Do Deus , que nega , encontra o braço forte.

Strophe 8.®

O’ tu, reconcentrado immenso Oceano


De desejos ferventes,
Insaciável coração humano , «
Que debalde com ancias sempre ardentes
Force]as por contentes
Passar da vida fugitiva e escassa
Os momentos, que a Parca ao longe ameaça

A n tistrop lie 8.a

Se o cego Pluto todo o seo tbesoiro


Desfechasse brioso
E te assentasse sobre a prata , e oiro ,
Que nelle encerra ; se mavorte iroso (5) ,
Guerreiro mentiroso,
De loiro em mil conquistas te c’i’oasse,
E a teos pés o orbe inteiro ajoelhasse : __
S A C RAS. 9

E p o d e 8.®

Se a pérfida Belleza (4 )
De graças e de risos brincadores
Rodeada , e de fervidos amores,
Por toda a redondeza
T e idolatrasse só : tu gemerias
Ainda, ó coração, suspirarias.

Stroplie 9.“

Mais alio hé teo magnifico destino. (5)


Mas onde achaste, ó lyra ,
Este som que hoje soltas, som divino ?
Novo abrazado espirito me inspira (6),
Sublime fogo gira
Vivido em minhas veas^ escutai-me ,
O’ mortaes, e de c’roas adornai-me ,

A n tistrop h e 9.''

A ave pelos ares pressurosa


Contente se abalança :
Disprende em paz a voz armoniosa ,
Sem temor, sem sentir outra esperança A
Se ingrata fome a cança.
Aqui, ali pousando o bico agudo ,
Satisfeita vegela , e esquece tudo.
"Si r

r OE s I A s

F .pode 9.®

Rumina o boi pesado


Na estreita manjadoura a leve palha,
E O seo carnoso coração encalha
No circulo acanhado,
Que a fome lhe traçou j tal he a sorte
Do anim al, seja fraço , ou seja forte.

S trophe 10.'

O Infinito, ó idea soberana !


Eis o termo anhelado , '
Que só póde fartar a mente humana.
O’ Deus ! o Providencia ! assim gravado
- Teo nome.sublimado
Em letra mais que o bronze duradora
No intimo de nós altivo mora.

JÍn tistrop h e 10.‘

O ’ ceos, de ura Deus morada , onde se ostenta


A inexausta riqueza ,
O eterno prazer, com que alimenta
Os varões , que com solida grandeza
A. bruta natureza
Fortes domando , a Deus so aspiraram 5
E á virtude só votos consagraram.
SACRAS. 11

E p o d e lO.

Dia grande , e formoso


Aquelle, que findando o tem po, e a poria
Da eternidade abrindo , deixa absorta
Em pasmo delicioso
A alma nobre do justo , que abismada
Vê raiar do seo Deus a face amada.

S trophe 1 1.“

Onde, ó homem, ser fraco,onde encontraste


A imagem do infinito ?
Ou donde ao coração a transplantaste,
Para deixa-lo a suspirar aíllicto ?
Se o m undo, circunscrito
Em limitado espaço, le estreitava ,
E teos vastos desejos encurtava ?

A n iistrop h e 11.®

Ergue as mãos, de amargura peneirado,


E com fervente pranto
Os teos olhos no chão fita humilhado.
Entoa magoado triste canto ,
Ao veres com espanto
Como, ingrato , le esquece o prêmio eterno
Com que te acena o alto Ser superno.
I
12 POESIAS

E p o d e 11.

Os ceos , a terra , os mares,


Do Creador á lei obedecendo ,
Se estám nos seos limites revolvendo
Per modos regulares :
O homem só,rebelde as leis despreza
Do supremo Senhor da natureza.

O B S E R V A Ç Õ E S , E N O TA S.

( i ) Ainda que, cedendo á vontade de meo defunclo


amigo, me resolvi a fazer algunas pequenas correçoes
nas suas obras • nao hd ju sto , que o publico deixe de
ser informado das priucipaes alterações , que prati­
quei , e das razões em que me fundei : afim de qüe ,
se com alguma das emendas a que me resolvi, deterio­
rei as composições de um poeta , e escriptor tam dis-
tincto pelo seo saber e gosto , os meos defeitos lhe
não sejam atribuídos, antes sim se considerem meos ,
■ f como na realidade são , e possam merecer a indul­
gência a que lhes dá direito a escassez de meos talen­
tos , e a pureza dos sentimentos, que os dictaram.
Este verso estava no original da maneira seguinte :
I
D’onde o ser recebeste

Não tendo eu pordm já mais encontrado o adverbio de


logar — on de — figurando no discurso , como um re­
lativo pessoal , entendi ter havido inadvertência da
S A C R A S . 3 .)
parte do autor, e por isso Jhe fiz a pequena mudança
com que vai no corpo da obra.
( 2) Também este verso foi por mim alterado. No
original lé-se
Ah vê como resoam :

regeitei esta liçao por nao ter jamais encontrado em


clássico algum nacional o verbo — reso ar — em signi­
ficação activa.
(5) Pela mesma razão substitui lambem neste verso
o verbo — encerrúr — ao verbo — engolfar^ que se
lia no original.
(4) Junto do original em um papel da letra de ou­
tro amigo do autor achei este epode escrito da ma­
niera seguinte :
Se a pérfida Relleza
Risonha em graças , mimos e favores
,
T e prometesse e fervidos amores j
Se em toda a redondeza
T e idolatrasse so , tu gemerias etc.

Sendo possivel que o autor conservasse esta variante


alhea ou propria , reservando decidir-se na escolha
da lição que adoptaria, quando tirasse fiiialmente a
limpo esta composição, julgei a proposito conserva-
la para que o leitor prefira a que melhor lhe parecer.
^5) Maior he teo magnifico destino
%
he a maneira porque este verso se achava no original,,
tendo ao lado a indicação de huma emenda ainda não
preferida , que substituía m ais gran de a maior. In ­
ferindo d’aqui que o autor não estava contente deste
verso, o emendei como se acha no corpo da ode. As
P

POESIAS
razões , que me movem a supôlo melhor que o ajcima
escrito, sao assaz palpaveis para dispensar-rae afoita-
mente de expôlas n’este logar.
(6) No original lia-se

Hum novo esp’rito me arrebata e inspira '

a manifesta dureza d’este verso me determinou a al-


tera-lo.
S A C R A S.

C A N T A T A 1/
A CEEAÇÂO.

Recilativo

A do tempo voraz se divisava


A ferrea, curva foice reluzindo 5
Despiedado, umas vezes meneava ,
Outras vezes ao longe desferindo ,
Em torno de si mesmo a agitava :
Quando o Nume potente
A cujo aceno o tempo audaz nascera ,
Fez retumbar a voz , que tudo impera ;
Os abismos do nada estremeceram
E ao Deus grande, e clemente
Os possiveis tremendo obedeceram :
Atonilo levanta a escura frente
O cháos rodeado
De confusão e horror : inda a Belleza
Com pincel variado
Não ornava a recente natureza.
l6 P O E S I x lS

Ao leve soprar
De mn zefiro brando ,
Vida vai cobrando
O lânguido n iar,
Do vasto Oceano
No seio se encerra ;
E a madlda terra
Deixa respirar.

R e cita ü p o 2."

A luz resplandeceu , e o firmamento


Que em denigridas sombras se involvia ,
Mostrou formoso o seo soberbo assento :
De graças , e esplendor se revestia
O magestoso dia 5
Quando, cheo de pompa <e luzimento ,
O sol rompeu nos ares , dardejando
De animante calor celestes raios.
Enternecido, triste sentimento
Magôa o rosto lindo
Da noite descontente,
Que a ausência de Phebo luminoso
^ Assim terna annuncia :
Emtanto desferindo
Escassa luz em throno tenebroso,
Sobre nuvens o sceptro reclinando ,
A lua os ceos , e terras alumia.

A r ia 2 a.
SACRAS. 17

A r ia 2.*

Fulgentes estrelas
Nos Ceos resplandecem :
Na Terra verdecem
Mil arvores bellas.
Os montes erguidos,
Os vales retumbam
Ao som dos rugidos ,
D qs feros leões.
’Nas azas sustidas,
As aves revoam : A

Nos ares entoam


Síyioras canções.

R ecitativ o 3 .“

O’ Terra ! ó Ceos ! ó muda natureza !


Trasbordai de alegria : triumfante
Das entranhas do nada surge o homem :
Eis aparece 5 e a Candida Belleza
O sisudo semblante llie ennobrece.
Seo magestoso porte
Soberano do mundo o patentea. %
Gravada mostra 11’alma a augusta imagem
Do Senhor adora vel
Que o immenso universo senhorea :
De sua pura carne se teceram
As meigas graças, que no rosto amavel
II. 2
Da Mullier carinhosa ,
Com suave doçura resplandecem.
Apenas a diviza Iranspoiiado ,
T u es o meo prazer , que novo encanto
Eu vejo ! lhe dizia; e arrebatado
Em delirio amoroso ,
Mil vezes em seos braços a apertava ,
E todo o extenso mundo ,
Por ella so, deixar pouco Julgava.

A r ia 5 .a

Qual rosa engraçada


Que Zefiro adora,
Terna e delicada ;
Enredo de Flora :
Assim he mimosa
E linda a Mulher
E o homem se goza
Em se lhe render.
Qual grita entre as feras
Leão rugidor,
Derramando era torno
Gélido terroy :
T al se mostra o homem
Sobre toda a terra ;
Tudo rende e aterra
Em arte e valor.
j
SACRAS.

R ecita tív o 4 .”

O mundo era crcado ^e trasluzia


Em toda parte o braço omnipotente,
Que fizera raiar a n oite, e o dia.
Da frigida semente
Outra vez novo ser se produzia ;
Animada ao calor do sol ardente í
Tudo em vida fervendo parecia.
Fecundo recebera
Virtude de crescer , multipIicar-se,
O animal que á fera
ímpia morte soubera sugeitar-se.
Então o Creador arrebatado
Em divino prazer , almo , infinito,
Olhou dos Ceos o livro sublimado
Que com as suas mãos havia escrito ,
E assim falou : Ouvi cheos-de susto ,
Mortaes , a voz do Deus immenso, e justo,

A r ia 4 .a
« I
Os Ceos entoam
Minha grandeza
Os sei es todos
Juntos pregoam,
Per vários
i modos *,
Do eterno ser
Í20 POESIAS
O incomparável,
Grande , inefável,
Alto poder.
A minha gloria,
Homem , respeita;
Rendido, aceita
Meo mandamento.
Traze á memória ,
Que o Firmamento
P or ti c r ie i: 1

Que o Mar e a Terra ,


E o que ella encerra
ír : Tudo te dei.
Se me adorares
Com vivo am o r,
E me ofertares
Santo temor ^
• *
Per mim o juro,
Minha presença
Ao peifo puro
Eu mostrarei,
4 ■ií E recompensa
Tua serei.
ii.
Mas se quebrares
O meo preceito ,
Wli* E sem respeito
lif r O profanares
S A C R A S.

Da morte fera
A mao severa
T u sentirás :
E em vão gemendo,
No avernò horrendo ,
Me chamarás.

Ob s e r v a ç õ e s .

Esta cantata , e a ode que a precede, estám clieas de


imagens atrevidas , é novas na poesia portugueza.
He verdade que ellas não podem sustentar uma
rigorosa analyse pliilosòphicà ; rnas nas composições
desta natureza nao ha ja mais audacia excessiva de
imaginação. Não será difícil mostrar,em Milton eK lo p -
stock.iguaes atrevimentos poéticos : apezar de que na
poesia epica elles tenham menos logar, de que na ly-
rica. G ray, e Young abundam em imagens igualmente
atrevidas , e alheas dos principios, e exaclidão phi-
losophica : e nem por isso deixam de merecer a es­
tim ação, e apreço dos seos compatriotas ^ e mesmo
dos estraidios que as tem trasladado do idioma Ingiez
%
para o seo. Terá per ventura a poesia dos povos sep-
teutrionaes algum privilegio exclusivo de que não
goze a poesia dos meridionaes ? . . . Qualquer que
seja o ju izo que os literatos portuguezes actuaes for­
mem deste novo modo de poetizar : eu me persuado
que assumptos lam áridos, e ao mesmo tempo tam su- í!
iT'

• ti

22 POESIAS
bliines e transcendeu les nao poderão d’outra sorte
ser tratados poeticamente com a dignidade, que lhes
! l'i convem ; e que a posteridade será reconhecida ao meo
defuncto amigo , por haver introduzido esta nova ma­
neira e gosto na nossa poesia nacional»

t ■ , " 'r I :} •

1
SACRAS. 2J

ODE II. .ítíj

A’ I M M O R T A L I D A D E DA ALMA.

S trophe i.»

O O N O R A , e Immortal lyra
Que o Thebario cantor não desdenhava
Sustentar em seos braços;
Quando, inflamado de celeste fogo,
, Os heroes celebrava ,
Que na carreira olímpica a seo carro
A victoria prendiam venturosos.

A n tistrop h e 2.“

Tu , que suberba ousaste


Annosos troncos arrancar, e a furla
Do mar embravecido
Tornaste branda mais que o brando Zefiro,
Dos Íngremes rochedos
Mil vezes viste o escarpado cume (i)
Pendente para ouvir teo som divino.
Conhece a destra m ao , que a natureza
De armonia cercou, e n’outro tempo
As tuas aureas cordas
Corria soberana
Da indocil I>ysia nos dormentes campos.

S trophe 2.’

Olha como ligeiro


A fervida carreira o tempo volve ,
E fugitivo acena
O momento fa ta l, emque inhumaiia
Vai o punhal buido i
No coração cravar-me a Morte cruaj
E entre sombras cerrar meos frouxos olhos.

-
A n tistrop h e 2.»

De balde te alvoroças ,
O’ morte deshumana ; se pretendes ,
Com frivola ousadia ,
A frias cinzas reduzir-me inteiro:
Teo braço furibundo
Meo corpo desfará : mas de teos golpes
Illesa zombará minha alma intacta.
S A C K A-S. 25

Epode 2 .®

Q u a l ao n a u ta se p in ta o m a n so p o rto ,
Q u a n d o , b ra m in d o o v e n to , o m a r lh e a g o ira
Im m in e n te n a u fra g io :
T a l da im m o rta lid a d e
M e tr a n s p o r ia o su b lim e p e n sa m e n to .

Strophe 3 .*

A bala d e s te m id o ,
O ’ in v ic to S a n so m , la n ç a p e r te r r a
As lu g u b re s c o lu m n a s
Q u e e m s e p u lc h r o c o m m u m h a n i de e n c e rra r-le
C o m teos cru é is im ig o s :
N ão re ce e s fic a r to d o ja z e n d o
N os fra c o s m u ro s da tra id o r a G a z a .

^ntisti'oplie 3 .*

D a m ão o m n ip o te n te
A brazad o desceu o n o b re esprÜ o
Q u e o h o m em e n g ra n d e c e
S o b re a i n e r t e , pesada e v il m a té r ia 5
E , em rá p id o m o m e n t o ,
O p assad o e p re se n te re tra ta n d o ,
S o b re o m esm o fu tu ro estende a v ista.
li..
M ais veloz do q u e a se lta fen de os a r e s ,
E m tirn p o n to in d iv iso se afig u ra
M il diversas im a g e n s ,
Q u e so b e ra n o a rro sta ,
S e p a r a , a ju n ta , co n sid e ra , e ju lg a :

Strophe 4 *“

O te m p o em váo re fo rça
O m u scu loso b r a ç o , e fero in te n ta
E m p a rtes r e ta lh a -lo :
A c o rla d o u r a fo ic e so e n c o n tr a
N o h u m a n o e n te n d im e n to '
A essen cia s im p le s , qu e c o m b in a a ltiv a
ü e um g olp e ideas e n tr e sl d is lin c ta s.

A n tistrop h e 4 .^
O ’ v irtu d e a d o ra v el !
O ’ tu das g ra n d es a lm a s n o b r e e n c a n to ,
D o h o m e m n a s e n tr a n h a s
T e o n o m e está im p re sso : e m b o ra o v icio
O co ra ç á o lh e e m b o te :
S e vê lu z ir n a te rra a tu a im a g e m ,
E n te rn e c id o p a r a , e te c o n te m p la !
s A C E. A b. 27

Epode 4 . “

E m seos geslos tra slu z a lib e rd a d e :


L i v r e , esco lh e seg u ir as so lila ria s
V ered as da ju s t iç a ;
O u se e n l r a n h a , im p r u d e n t e ,
D o v ic io n o en red ad o la b y r in to .

Strophe 5.^

M as q u e h o r r o r re p e n tin o
D o san g u e o c u rso em ra in h a s veas p re n d e (4) !
D a m o rte o h o rrid o liv ro
E u v e jo a b r ir -s e ! A desp ied ad a p en n a
Q u e o tra ço u , en so p ad a
F o i em san g u in ea tin ta : só c r u e n t o s ,
L u g u b re s c a ra c te re s la d iv izo .

uintistrophe 5 .*

J a m a l se av ista a h isto ria


D a p rim itiv a edade do U n iv e r s o ;
N os alag ad o s b ra ç o s
A v id a in d a r e c e n te lh e su íló ca
D elu v io d esh u m an o ;
D e n o v o su rg e : m a s de n ov os h o m e n s
N açõ es in te ira s a q u i v ejo e scrita s.
28 POESIAS

Epode 5 . ”

Ah ! h e c e r l o , Deus g ra n d e , sim da m o rle (5)


A in e x o r a v e l, tra g a d o u ra fo ice
T a lh a , d estru e , co n so m e
Q u a n to e n c e rra o u n iv e r s o ;
N em lh e re siste ’o b ro n z e e n d u re cid o .

■I Strophe 6.* ^

li S o f ir m e , e p e rd u rá v e l ( 6 )
O esp irito do h o m e m a despreza ,
Seo g o lp e a fro n ta in tr é p id o .
N ao v a cila u m i n s t a n t e , ao v er q u e tu d o
Q u a n to e x is te a n n u n c ia ,
N o C rea d o r su p rem o , e te rn o N u m e ,
O a m o r da ju s t i ç a , e da v irtu d e .

Antístrophe 6 .*

O v icio tr iu n ifa n te
V ê na te rra e m p u n h a r su b e rb o sc e p tro
D e m a l c o rta d o lo u r o
C in g in d o a refo lh a d a , a stu ta fr e n te :
E m q u a n to alg oz in fa m e
C o m afiad o a lfa n g e la d e stro n c a
A ca b eça do ju s to d esg raçad o .
SACRAS. ^9

Epode 6 .“

D o in fin ito S e r a idea au gu sta


E m ta n to se lh e aviva : e im p erio so
M a g n ific o d esejo ,
O ’ c o ra ç a o lh e e x a lta ,
E p ara o su m m o Lem a n cio so o lev a.

Strophe 7 .®

E n tã o a rre b a ta d o
De in so lito p ra z e r e x c la m a : ó g ran d e ,*
O su m rn a p o testad e
Q u e em m e o p e ito g rav aste o a m o r da o r d e m ,
E de g o z a r -te u m dia
F e rv o ro sa a p e te n c ia m e in s p ir a r te !
S e ria em vão qu e tu d o assim fizeste ?

Antistrophe 7 .»

D e ste -m e o se n tim e n to
S u b lim e d’ord em , so p a ra t o r n a r - m e
E s p e c ta d o r a fflicto
ü a desordem que em to d o o vasto m u n d o
S a co d e ard en tes fach os ?
J á m ais o v icio gem erá p u n id o ?
E a v irtu d e in fe liz será sem p rê m io ?
oo POESIAS

Epode 7 .”

S u s p ira re i em vao p o r a d o r a r - t e ,
F a c e a f a c e , em d llicia s in e fá v e is?
D e se jo in te r m in á v e l
D ev o ra rá m in h a a lm a
Q u e c o n te m p la r -te de c o n tin u o a n h e la ?
j

Strophe 8 .»

E u n ã o te te m o , ó m o r te ,
E m vão ra e e n c a r a s c o m su b e rb o a sp e c to :
E rg u e n d o a im m o r ta l fr e n te ,
N o seio im m e n so d o su p re m o N u m e
A brigad o , a v ic to ria
H eide a r r a n c a r - t e n ’esse m esm o i n s t a n t e ,
E m q u e c r u e l a n iq u ila r ‘*m e in te n ta s .

A n listrop h e 8 .*
V e m , ó m in h a e sp e ra n ça ,
O ’ im n io r ta lid a d e , vem c e r c a r * m e :
T e o n o m e só e stre ita
O p e ito do m a lv a d o , qu e despreza
A p la c id a v irtu d e ,
E co m tre m u la b o c a o N ad a in v o ca ,
P a r a e s q u iv a r-s e á m erecid a p e n a .
SACRAS. 01

• E p o d e 8."

T r o e e m b o ra do A verno a voz m ed o n h a j
Q u e te m e ra ria in te n ta c o m b a t e r - t e ;
T o rtu o s o s sophism as.
D e slu m b ra m , m as n â o p o d em
Da v erd ad e e x t in g u ir a lu z b r ilh a n te .

O BSER V A Ç Õ ES , E N O T A S.

( i ) Esla ode j bem como quasi todas as outras,


existem nos originaes do autor escritas mais de uma
vez. Nas copias mais correctas se achara estes dous
versos da primeira antistroplie da maneira seguinte.

Pendente viste o escarpado cum e,


Mil vezes , para ouvir teo som divino.

Como porc^m em alguma d’ellas achasse signal de que


o autor não estava plenamenle satisfeito com os di­
tos versos , e elles me parecessem menos perfeitos
do que convinha á belleza deste poema, me determi-
nei a fazcr-lhc a pequena alteração cornque vão es-
criptos 'j com a qual, a meo ver, íica mais perfeitamente I
o sentido dos mesmos versos destruindo toda a apa­
rência de an)phibologia. ^
■( 2) Esteis dois versos liam-se no original assim

E SCO punhal brandindo ,


Morte horrenda vai cravar~me o golpe.
02 POESIAS
(5) No original lia-se.

Teo braço descarnado


Pode o corpo ferir , mas permanente
Dc mim fica a porção mais nobre e bclla.

( 4 ) Esta slroplie acha-se assim escripta no ori­


ginal. * .
Mas que horror repentivo ^
As veas me circula espavoridas ?
Da morte o iramenso livi'o
Eu vejo abrir-se. Em sangue se ensopava
Apenna que o traçara ,
E as mal abertas letras só parecem
De atro sangue um tessido triste , e horrendo.

Que uin horror repentino prenda , e como que gele


o sangue nas veas , nada ha mais natural. Virgilio
para exprimir o horror que causára a Eneas o san­
gue de Polydoro , gotejando das raizes do arbusto ,
que havia nascido em cima da sepultura d’aquelle
desgraçado principe , põe na boca do seo Heroe es­
tas palavras.

. . . . . . . . . mihi frigidus liorror


,
Membra qu atit gelidus que coit formidine sanguis.

Eneas estremeceu , e gelou-se-lhe o sangue j este he


o eíTeito natural de um grande , e subito horror :
mas um horror repentino circulando pelas veas , e
estas sentindo-se espavoridas, sao4magens senão im­
próprias, pelo menossurnmamente atrevidas. Com tu­
do, como a liberdade que me foi concedida pelo au­
to r , ou antes o preceito que per elle me foi imposto,
em o leito da morte , de rev er, e corrigir suas obras ,
• ’ me
SACRAS. 53

me nao autorise para antepor absolutam ente o meo


ju izo ao seo , principalm ente em m atérias de gosto
em poesia , para as quaes o meo espirito he tam acan­
hado , quanto o seo era extenso : por isso deixo sem ­
pre aos leitores todos os meios de poderem constituir-se
juizes nos pontos em que as nossas opiniões sao dis­
cordes. N o resto da strophe p ratiq u ei as alterações
que o leitor facilm en te notará , tendo em vista evitar
a rep etição da palavra sangue , e augm entar a idea do
h orro r que o livro da m orte , subitam ente aberto ante
os olhos do a u to r , devia in sp irar-lh e.
(5) He pois certo , Deus grande , que da morte
O inexorável, afiado alfange
Talha , espedaça , mata
Quanto encerra o universo ,
E nem perdoa ao bronze endurecido ?

A ssim he que este epode se acha no o rigin al.

( 6 ) E s ta strophe tam bém fo i alterad a. No origi­


nal lia-se ; ^
Mais durável que o bronze ,
O espirito do homem a despreza
E o golpe apara intrépido :
Não vacila um instante^ ao ver que tudo
' Em alta voz pregoa
No Nume Creador , immenso e eterno
O amor da justiça , e da virtude.

No terceiro verso desagradou-m e o som que resulta da


contracção da ultim a vogal da palavra golpe seguida
da palavra apara. Mas sobre tudo determ inou-m e a
alterar esta strophe a consideração de m aior nobreza
e valentia que h á , em afrontar um golpe m o rta l, do
II. 3

SP
54 P O E S I A S
j- que em aparal-o. Estas observações parecerão talvez
miúdas : mas julgo-as de alguma conveniência, nao só
porque serviram de fundamento as alterações que
fiz nas excelentes composições do meo amigo : mas
por que entendo que em urn tempo em que frequ^n-
lemente se publiçam obras poéticas cheas de incor-
recções , e gravíssimos defeitos de lingoagem , lie
de não pequena utilidade fazer sentir aos poetas mo­
ços a severidade com que devem castigar suas poe­
sias. Nas odes que hoje publico podia mui bem ter
Jogar a indulgência de Horacio : N on ego p a u c iso ffen -
d a r m aculis, ubi plu ra nitent in carm in e. Poróm nào
cstam no mesmo caso a maior parte das composições
poéticas de nossos vesificadores nacionaes , que de
certa epoca em diante se tem dado á luz publica.

íi’i

Ví’
A’ I M M O R T A L I D A D E DA ALM A .

R ec ila liv o

ORQUE c h o ra s , F ile n o ? E u x u g a o p r a n to
Q u e reg a o teo s e m b la n te , o nd e a araisad e
D e seos dedos g ra v o u o te rn o lo q u e .
Ah ! n ão q u eiras c o rta r m in h a esp era n ça ,
E de d or e m b e b e r ih in h a a le g ria .
T u cu id as q u e a m ãò fria
Da m o r te , c o n g e la n d o os fro x o s m e m b ro s,
N os abism os do n ad a in e x c ru ta v e is
V a i de tod o a fo g a r ra in h a e x is t ê n c ia ?
H e o u tro o m eo d estin o ; o u tra a p rom essa
Do e sp irito qu e em m im vive e m e a n im a .
A h o rre n d a se p u ltu ra
C o n te r n ão p od e a lu z b rilh a n te e p u ra ,
Q u e so b e ra n a reg e o c o rp o in e r te ............
N ão d escobres em ti um se n tim e n to
S u b lim e e g ran d io so , qu e p a re c e
T u a vida esten d er a lem da m o rte ?
A tte n ta ...... e scu ta b e m .........O lh a ......... e x a m in a .
5G P O ESIA S

E tn li deve e x i s t i r : eu n ão te e n g a n o .......
T u m e dfees qu e e x is te .......A h ! m eo F ile n o ,
C o m o h e d o ce â le m b r a n ç a
D’essa v id a ir a m o r ta l em qu e , b a n h a d o
D e in e fá v e l p r a z e r , o ju s to g o za
Do seo Deus a p resen ça m ag estosa.

A ria 1 .«

D e s p e r ta , ó m o r te :
Q u e te d e tem ?
T e o cru el b raço
E s f o r ç a , e v era.

V e m , p o r p ie d a d e ,
' J á tr a s p a s s a r -m e ,
E a v is in h a r -m e
D o su ra m o B e m .

Recitativo 2 .®

E q u eres qu e eu p re fira
H u m an o s p assatem p o s a o m o m e n to ,
E m q u e r a ia a feliz o te rn id a d e ?
U m Deus de a m o r m h n fla m ra a :
■i r
E j á n o p e ito m eo m a l c a b e a c h a m m a
Q u e d o cem e rfle o co ra ç ã o m e a b r a z a .
'Eu voo p o r elle : e lle só p o d e
M in h a a lm a , se q u io sa do in fin ito ,
D e to d o s a c ia r : este d esejo
M e to r n a sab oro so
SACRAS. ^7
O c a lîx q u e tu ju lg a s a ra a rg o so .
F ile n o , d o ce a m ig o , a m a o e s te n d e ,
A m in h a a p e rta : n ã o te assuste o vêl-a
D e m o r ta l frio já passada e la n g u id a .
M ais d u ráv el q u e a vida , ’
H e da a m isad e a te a d elicad a ,
S e a v irtu d e a te c e u ........... E m fim , ó m o rte ,
T u m e m o stra s a fo ice in e x o rá v e l.
A m arg a este m o m e n to : eu não t ’o n eg o ,
M eo a m a n te F ile n o ; a voz já p resa .
S in to fa lta r -m e , o san g u e
N as veas c o n g e la r -s e : p e lo ro sto
M e c a i frio su o r : a lu z m a l'p o ss o ^
Das trev a s d is t in g u ir , e sufocader
O c o ra ç ã o desm aiai
V e m im m o r ta lid a d e , v em , ó g ra n d e ívoO
S u b liiïie p e n s a m e n to ,
A d o çar o m eo u ltim o m o m e n to . , -^

, ^ r i a 2.» ^
1
O ’ N um e in fin ito ,
, Q u e a sp iro a g o z a r ,
O m eo p e ito a fflito
E n c h e de v a lo r.

S u a v e esp eran ça
D e so rte m e lh o r ,
Q u a n to d-este in sta n te
Adoças o h o r r o r I
î:*:.

•i:
58 POESIAS

T
ODE 111/
S O B R E A N E C E S S ID A D E DA R E V E L A Ç Ã O .

•, . , S tr o p h e i .»

S i m , P l a l a o , lie v e r d a d e , e a lu a m en te
S u b lim e a d iv in h a v a
Os segredos de u m De us jiis tô e c le m e n te .
- i'
D o lio m e m a ra z ã o m in g iia d a , e escra v a
N ao p od e d escu b rir, um c u lto d in o
D ’aq u elle qu e o cre o u , E n te d iv in o .

A n tis tr o p lie i.®

C o m tresd o b ra d a venda lh e rod ea


S u b e rb a m e n tiro sa
O e sp irito a b a tid o 5 e e m vil cad ea
O m a n iu ta a c a r n e re v o lto sa :
P r e c ip ita d o so b re a te rra c o r r e ,
E in c e r to de seo f i m , re sp ira e m o r r e .

E p o d e 1 .®
»
D e sua o rig e m n o b r e
L e m b ra d o , as vezes q u e r em vão s o lta r -s e .
P esad a n u v em te n e b ro sa o co b re ;
:i 'I S e n te d e sa n im a r-se
E o pesado g rilh ã o m a is a p e r ta r -s e .

ti I

Jr.
SACRAS. •

S trophe 2.\

D esce do O lim p o , ó M u sa lu m in o sa y
Q u e das a cçõ es h u m a n a s
C onserv as a m e m ó ria fastu o sa :
A p arecei , ó folh as d esh u m an as
D o liv ro a n tig o , q u e o m ed o n h o c r im e
P e r to d a p a rte c o m seo sello im p r im e .

A n tistrop h e 2.®
D o h o r r o r a fe rre a fria m a o m e a b a te ,
E o san g u e re p resa d o
N as assustadas veas m a l m e b a te : '
O ’ h o m e m ! pega , e lê so b resa lta d o
As c rim in o s a s p ro v as da b a x ez a
D e lu a en v ile cid a n a tu re z a .

E pode 2 °
De m il feito s a tro zes
As cid ad es cin g id a s se le v a n ta m :
C om e lla s su rgem b a rb a ro s , ferozes ,
Altos gên ios , q u e e sp a n ta m ,
E o sa n g u in á rio d esp otism o p la n ta m .

■ S trophe 5 .*
A qui relu z alfan g e fra tr ic id a ,
Ali o escu ro en g a n o
N a honra^ c ra v a a sp e rrim a ferid a :
O ra a b a x a a m b içao ciiig e in h u m a n o ,
C ru e n to d iad em a j o ra a av areza
E m p u n h a o sc e p tro , em toda a R ed o n d eza.
4o POESIAS

Antistrophe 5.»
\
O ’ M e x ic o ! Ó cid ad es d esgraçad as
Do n ov o a fïlic to m u n d o !
P a r e c e -m e q u e v e jo in d a en sopad as
E m san gu e as vossas casas ; fu rib u n d o
V o ra z fogo n os ares e s ta la n d o ,
Os vossos debeis m u ro s a rra z a n d o .

Epode 3.®
■| .
E m b o r a c a n te a fa m a

■ Í A c o n s ta n te in v e n c ív e l fo rta le z a
D e C o lo m b o i m m o r t a l , d o in v ic to G a m a
A E u ro p e a cru ez a
M a n c h o u d epois a sua n o b r e e m p r e z a .

Strophe 4.®
Q u a l a fe b re a b ra z a d a , se ra iv o z a ( i )
C o m a m ã o p e s tile n te
As veas to ca , c h a m m a fu rio z a
N ’ellas a c c e n d e , e o c a lo r a r d e n t e ,
Q u e da vida era d’a n tes a lim e n to ,
T o r n a da m o r te b a r b a r o in s tr u m e n to .

Antlstrophe 4»“
T a l o h o m e m m il vezes im p e lid o ,
D a p a x ã o q u e o devora ,
A c rim e s faz se rv ir e n fu re cid o
«
:l .:■ O s in v e n to s de u m a a lm a c r e a d o r a ,
^*5 ;M- ' Q u e á n a t u r e z a , c o m c o n s tâ n c ia r a r a ,
P a r a h o n ro sa s fa ç a n h a s a r r a n c a r a .
S A C B A S.

E p o d e 4 .*
*
V e rg o n iio sa ig n o r a n c ia
C o m e lle n a s c e , e Ih e a c o m p a n h a os p a s so s:
O e rro e s le n d e , ch e o de a rro g a n c ia ,
O s a lo n g ad o s b r a ç o s ,
E lh e te c e b ra m in d o a stu to s la ço s.

Strophe 5 .*

N a G r é c ia , das scie n cia s m a e fe c u n d a ,


O ttsou e rg u e r a ltiv o
O th ro n o , e fez so a r a voz im m u n d a .
T u o se n tiste , ó S o c ra te s ! e a c tiv o
T e n ta s t e em vão ra sg a r o veo s a g r a d o ,
Q u e da v erd ad e c o b re o ro sto a m a d o .

A n tistrop lie 5 .»

O h o m e m vias de m ald ad e» re o ,
E in c e r t o m ed itav as
P r o p ic io m o d o de a p la c a r o C e o :
E m duvidas ferv en d o te a g ita v a s :
P ro v a s te e m fim q u e só celeste g u ia * iV
E s te segredo re v e la r p o d ia. %
E p o d e 5 .°

Gemendo ao ver o crime


Confundir sua face horrenda, e brava
Com a virtude Candida e sublime ,
A thenas co n d e m n a v a
O qu e L a c e d e m o n ia p re m ia v a .
Strophe 6.‘

O ’ tu , lct£civa m a is do q u e form o sa ,
, De C h y p r e , in fa m e Dea 5
O ’ ceg o Deus ! ó J u n o a m b icio sa !
T u Ju p ite r su b e rb o , q u e á cad ea
Dos fabu losos N u m es p resid ias ,
E a filha de A genor b a x o ser vias.

A n tistrn phe 6. =
R id ic u lo esqu ad rão , qu e m en ea ste
O sc e p tro so b re a te r r a ,
E o m a l v otad o in c e n so p ro fa n a s te ,
D evido só á q u elle era q u em se e n c e rra
O p o d er , a ju s tiç a , a p ro v id e n cia ,
A bondade , e a su p re m a in te lig ê n c ia .
I
E p o d e 6.°

O vosso d u ro im p é r i o ,
E s trib a d o e ra c h im e r ic a g ra n d ez a ,
L o n g o te m p o o c c u p o u tod o o h e m isp h e rio ;
Da
# h u m a n a n a tu re z a
Assaz p ro v o u a m ise ra fra q u e z a .

’ S tr o p h e 7 ."
»
E ra q u e clim a , á Ia m g ra n d e d esven tu ra
N a sce o ren ied io c e r to ?
O n d e h a b ita a razão su ave e p u ra ,
Q u e possa a lu m ia r m e o p e ito in c e r to ?
De v a lo r re v e sti-lo , c o m q u e a fro n te
In tré p id o do c r im e a e n o rm e fro n te .
S A C K A S.

j4ntistrophe 7 .*

H e p o ss ív e l, B o n d ad e in c o m p a r á v e l,
Q u e a tu a m ao d iv in a .......( 2 )
F o rm a s se a m e n te h u m a n a m ise rá v e l !
Q u e a trev as e fraq u eza vil e in d in a
A co n d em n asse ! e o h o m e m a rra stra d o
Do v icio siga o d etestáv el b ra d o !

Il pode 7 .°

C o m p in c e l en g an o so
De falsas so m b ra s o p ra z e r c e rc a n d o ,
Q u a n ta s vezes c o r r e r p re c ip ito s o
M e viu e x e c u ta n d o
O q u e eu dizia ser to rp e , e e x e c r a n d o ?

Strophe 8 .®

Ë x is te p e r v e n tu ra u m ser p erv erso ,


Q u e p o d ero so im p e ra ,
C o m o T u , n o vastíssim o u n iv erso ?
Q u e m o v en d o a ca b e ç a h o rre n d a e fera ,
T r a n s to r n a q u a n to p e n s a s , e en v en en a
O qu e c re a r a tu a m ã o a cen a ?

Ântistrophe 8 .®

S e o sc e p tro u n iv e rsal he teo so m en te ,


O ’ N u m e su b lim ad o ,
Q u e in ce n so q u eim a rei ? Q u e voto a rd e n te
P o d e re i n o m eo p e i t o , sossobrado
Das p a x õ e s , c o n c e b e r , qu e a p la q u e a ira
Q u e a m in h a vida c rim in o sa in sp ira ?
V

44 POESIAS

E p o d e 8.®

F a r e i su b ir aos ares
E m denso cresp o fu m o rev o a n d o
D e v ic lim a s o san gu e ? e em teos a lta re s
M il dons a p re se n ta n d o ,
A ca so o teo fu r o r v erei m a is b ra n d o ?

S trophe g.»

Q u a l in q u ie to v o lv e os vagos o lh o s
P e rd id o n a v e g a n te ,
Q u e em to d a p a r te m ise ro s escolh o s
T e m e e n c o n tr a r : ta l ce g o e v a c ila n te
E u e r r o a u m la d o , e o u tro ; n a d a a p re n d o
E m u m golfo de d u vid as g e m e n d o .

A n tistrop h e 9.*
V
Uií'»
•i -,
A h ! desce á te r r a , m essa g eiro au g u sto ,
Q u e h a v eis de i l l u m i n a r - n o s ;
O r v a lh a i, p u ro s C e o s , c h o v e i o ju s to .
T u n ão p o d e s , Deus b o m , a b a n d o n a r -n o s ,
P o is som o s o b ra s tu a s 5 e a c e g u e ira
E s c u re c e do m u n d o a fa ce in te ir a .

E p o d e 9.®

S o b r e o p o d e rru b a d a ,
S u a o rg u lh o sa fr e n te a id o la tr ia
A rra stre , e n os a b ism o s se p u lta d a ,
N ã o -to r n e a lu z do dia
A tu r b a r c o m h o rriv e l o u sa d ia .

Ílíí^

\miem
SACRAS. 45

O BSE R V A Ç Õ E S , E N O TA S.

(1 ) Pouco satisfeito d’esta stro p h e , eu a tinha m u­


dado assim :
Strophe.
Qual dévorante febre , quando irosa
Com iguea mão tocando
As entranhas , e n’ellas furiosa
O seo lethal veneno derramando ,
O calor , que da vida era alimento ,
Torna da morte barbaro instrumento.

Por^m a consideração de que esta ode m ereceu ser


coroada pela Academ ia R eal das sciencias de L is b o a ,
em um dos concursos m ais num erosos aos prêm ios
de poesia , ine determ inou a reprim ir a m inha p ri­
m eira intenção.

( 2 ) E s ta anti-strophe achava-se em um a das copias


autografas , da m aneira seguinte ;

,
He possivel Bondade incom parável,
Da tua mão divina
Descesse a mente humana miserável ^
Em trevas e fraqueza vil e indina
Em bebida, e que o homem arrastrado
Do vicio siga o detestável brado ?

C erto pordm de que o autor tentava c o r r ig i-la , ine


anim ei a su bstitu ir-lhe a que vai no corpo da ode.
SOBRE A E X IS T Ê N C IA DO PECCADO
O R I G I J N AL.

O L H A c o m o o rg u lh o sa , c a ro S t o c k i e r ,
O a trev id o ro sto
A ig n o r â n c ia le v a n ta , e o e rro a segue
C o m m e n tiro s a m a sca ra ,
C o b rin d o a fe m en tid a h o rre n d a fa c e .
E m vão b la so iia u fan o
O h om em de sy stem as vãos e in c e r to s :
C o m d eslu m b rad o s o lh o s ,
A d m ira n d o o c la r ã o m a l lu m in o so ,
E m vão p re te n d e u m dia
V e r a razão b a x a r dos C eos á T e r r a ,
P e la m ã o con d u zid a
D e p ro fu n d a s sc le n c ia s , e de n o b re
E d u c a ç ã o p ru d e n te .
A n tig o v icio lh e en v en en a o p e it o ,
E de p a x õ e s reb eld es
O c o m p e lle a a r r a s tr a r a v il ca d ea ,
C o m q u e a p e rta d o g em e.
E u v ejo a G r é c i a , e R o m a , e o m u n d o in te ir o .
Desde qu e o te m p o volve
- SACRAS. 47
A fa ta l ro d a , em fu n d os p r e c ip íc io s
C a ir desassisados :
N a vaga fa n ta sia rev o an d o
Dos rniseros h u m a n o s
M il b rilh a n te s p ro je c to s c a p ric h o so s
As F ilh a s da M e m ó ria
F ie is m e m o stra m ; m as o c r im e in san o ,
L eis m il in c o n se q u e n te s ,
D esp ótica a m b içã o , to rp es c o s tu m e s ,
Im p re v isto s su ccessos
S o b re a te rra d e r r u b a m , d esfigu ram ,
S u fo ca m g ran d es p lan o s.
S e m p re rev iv e o d esgraçad o im p é rio
* Dos v erg on h o so s v ic io s ,
E o m u n d o en d u re cid o as co stas verga
A o g o lp e d esabrid o
Do tr ip lic a d o a ç o ite c o m qu e o c r im e
T u d o d o m a , e su je ita .
Q u e lu g u b res ideas ! O m eo p e ito
S o b re sa lta d o tr e m e .
C heo de h o r r o r , e a s s o m b r o , m a s s in c e r o ,
ÁJ c o rru p ç ã o eu digo !
T u es a m in h a h e ra n ç a , da v irtu d e
Só pode ra r o esforço
A’ vereda g u ia r-m e n ão trilh a d a :
M eo co ra ç ã o fraq u ea ,
M a l ou ve a voz do vicio liso n g eira ,
E su b m etid o a segue j
POESIAS
íi
A razão o c o n d e m n a , v o lu n tá rio
R esv ala , p r e c ip ita -s e .
G ra n d e Deus , se c o n te m p lo co m o seco
O teo n o m e r e p it o ;
C o m o cu rv a d o sob os b en s im m en so s ,
Q u e a tu a m ã o esp arg e ,
I n g r a t o , n e m ao m en o s u m in s ta n te
D e a m o r sin to a b r a z a r - m e ,
P o r este n o m e sa n to : e n tã o m e h u m ilh o ;
'i*
E co n fessar n ã o te m o ,
Q u e cego , d u ro c o ra ç ã o n ie a n im a :
Q u e v icio a n tig o e feo ,
S e m du vid a , a lte ro u o n o b r e p e ito
Q u e das m ã o s r e c e b e r á
D o C re a d o r o h o m e m in n o c e n te .

i ^'I Bem su m m o , am o r e te rn o ,
Das tu a s m ã o s n ã o sai a lm a in sen siv el ,
' n•
I n g r a t a , ir r a c io n a v e l.

, .V».

CANTATA 111 -.

<
1
SACRAS.

CANTATA III/ .
S O B R E A N E C E S S ID A D E DA R E V E L A Ç A O .

R ecitativ o.


1 3 O ir o n o s o b e r a n o , q u e elevado
S o b re os astro s se estrib a m ag esloso ,
E de fu lg en tes p ed ras re c a m a d o
D o sol ofu sca o ro s to lu m in o s o ,
O n d e em s ile n c io ferv o ro so c a n to
D e celeste b elleza
R eso a de c o n tin u o o n o m e sa n to
D o im m e n so S e r a u to r da n a tu r e z a ;
S o b re a j a c e n te te rra ,
B a x o u os o lh o s este Deus p o t e n t e ,
T o d o o O ly m p o se a b a la , e em c h a m m a a rd e n te ,
N o fu n d o A v e rn o , p av id o se e n c e r r a
O chefe h o rre n d o da in fe rn a l c o h o r te .
E n tr e as so m b ra s da m o rte ,
O h u m a n o co ra ç ã o viu s e p u lta d o ,
E o te m e r á r io c rim e era toda p a rte hi
E sten d en d o o seo b ra ç o e n s a n g u e n ta d o ;
C o m im p ia fa ta l a rte
II. 4 íú
5o P OE S I AS
M il c o r e s , m il a sp ecto s sim u la n d o
O e rro viu g ira r lo d o o u n iv e rso ;
E o seo n o m e d iv in o p ro fa n a n d o
C o m cu lto v il p e rv e rso ,
E m vaidosas c a d e ira s re clin a d o s
F a lso s sáb ios c o m m ã o t r e m u l a , escu ra ,
M a n c h a v a m da verd ad e a f o r m o s u r a ,
E m suas p ró p ria s fo rça s co n fia d o s.
1
E n tã o o ju s to C re a d o r se a lte ra ,
De c o m p a ix ã o m oi^ido ;
E o ceo e n te rn e c id o
A b o n d a d e a d o ro u q u e tu d o im p e r a .
E sta s vozes em ta n to se e s c u ta r a m
Q u e o N u m e so b e ra n o p r o fe r ia ,
E ao som d iv in o ch ea s de h a r m o n ia
As celestes ab o b ed as so a ra m ,
E p o r m u i la rg o te m p o r e tu m b a r a m .

A r ia ,

O ’ te r r a in g r a ta !
Do C read o r,
Q u e o teo fu r o r
F e r e e m a Ura la ,
C o n h e c e a voz.

H o m e m fero z
Tu
} a m ald ad e
B ra d a v in g a n ç a :
JVlinha b o n d a d e ,
SACRAS. 5l

P o r te s a lv a r ,
N ova esp eran ça
V e m - l e in s p ira r .

L o u c o , e sem tin o ,
C o m p e ilo i m p u r o ,
M eo ro sto p u r o ,
R o sto d iv in o
E m vão p reten d es
D e s c o rlin a r.
T u d o qu e em p ren d es
O e rro au d az
V e m p e r tu r b a r 5
T e c e -te la ç o ,
A ca d a passo
Q u e in te n ta s d a r.

U m salv ad o r
Q u e ro e n v i a r - t e ,
P a r a m o s tr a r -te
M eo te rn o a m o r.
F ie l p in tu ra
D e m in h a essen cia 5
Ig u a l em p u ra ,
D o ce c le m e n c ia ,
P o r t i m o rre n d o
Q u e r -m e a p la c a r :
E o teo h o rre n d o
C rim e esp iar.
POESIAS
T u a ra z ã o
Ennevoada,
E avassalada
P e la p a x ã o ,
E lle a b r ir á :
T e o c o ra ç ã o
S u je ito a o c rim e
L ib e r ta r á .
E m v o í su b lim e
A m in h a . l e i ,
Q u e em ti g r a v e i ,
T e le m b ra rá .

r ; '■ .uC ^
SACRAS. 55

ODE V/
S O B R E A V I R T U D E D: A R E L I G I Ã O
C H R IST Â A .


S trophe i.*

J ) E S E M B A I N H A , M a h o m e t, a espada ,
V em f e r ir - m e , e p r o v a r - m e
Q u e he sa n ta a tu a le i e n san g u en ta d a .
M as o nd e está a voz n o b re e sagrad a
Q u e o ceô , p a ra a v isa r-m e
De tu a v in d a , despediu á T e r r a ,
Q u e im p io devastas c o m tir a n a g u e rra ( i ) .

,A n tistroplie i ,*

Q u e in fla m a d o p ro fe ta , do fu tu ro
O veo d e sco rtin an d o ,
F e z r a ia r a m eo s o lh os teo p e r ju r o ,
C ru e n to n o m e ? D iz e , ó h o m e m du ro j
E m qu e dia , soand o
A tu a v o z , cedeu a n a tu re z a ,
P a r a m o stra r d iv in a a tu a em p reza ?
54 POESIAS

Epr)de 1 .®

N ão q u eiras , au rea ly r a ,
M a n c h a r as tu as co rd a s s o n o r o s a s ,
T u qu em so v irtu d e afin a , e in sp ira ( 2 )
C o m g eslo , e m ãos m im o sas :
N ão resoes o n o m e , e a fa m a in d in a (3 )
D o m o n a rc a im p o sto r da v il M e d in a .

Strophe 2 .»

V e m a m eo s b r a ç o s , L iv r o v e n e r a n d o ,
Q u e ao b e rço in d a r e c e n te
D o u n iv erso m e gu ias , r e tr a ta n d o
A cre a d o ra voz a c u jo m a n d o
O sol re sp la n d e sce n te , *
A te rra , e o m a r , e os ceo s su rg em do n ad a
E do h o m e m b rilh a a fa ce su b lim a d a .

Antistrophe 2 .»

E n c e rr a s , p e r v e n tu ra , o q u e m e n d ig a
M in h a a lm a s e q u io s a ,
E o q u e esp era da m ão fiel e a m ig a
D o S e r ir a m e n s o , q u e a fra q u e z a a n tig a
D o h o m e m a fro n to sa
C o n h e cen d o , lh e a p o n ta o lo g a r ond e
àí ■ A p az h a b ita , e o g ra n d e Deus se e sco n d e ?

•| -
Epode 2

A m eig a m g eim id ad e
S u s tin h a a p e n n a do e s c rito r su b lim e
Q u e os teo s a lto s c o n c e ito s tece e e x p r im e :
E n c a n e c id a idad e
As tu as fo lh as o rn a , e te le v a n ta
S o b re tu d o q u e R o m a e G re c ia c a n ta .

Strophe 5.«

Ju sta , dizes , cre o u « se a m e n te h u m a n a .


O ’ h isto ria su b lim e
O ’ dia v en tu ro so ! ó lu z so b ’ra n a
Q u e a lu m ia v a a n a tu re z a u fan a !
Q u e h o rre n d o e stra n h o c r im e
T e fez e n n ev o a r , e a n o ite escu ra
As trev as esp alh o u c o m b o c a im p u ra ?

Antistroplie 3 .

Ao lu m e da razão im p e rio so
Das p a x ô e s a ousadia
O c o llo so lo p u n h a to rtu o so ;
E a te r ra ao a ce n o g lo rio so
Do h om em se ren d ia ,
Q u e de seo Deus a im ag em r e tr a ta v a ,
E de te rn a im io c e n c ia se ad o rn a v a .
m r

56 POESIAS

Epode 3 .°

E m d elicias b a n h a d o
N âo te m ia qu e a d or a u stera alçasse
O e n c o lh id o b ra ç o , e o d etestad o
F e r r e o p u n h a l cra v a sse
N o seo v a ro n il p e i t o , ín d a assaz fo rte
P a r a v e n ce r o m esm o h o r r o r da m o r te .

Strophe 4.®

S im , eu te r e c o n h e ç o ,, ó in e fá v e l !
O ’ S e r o m n ip o te n te !
S o a b o n d a d e , so v irtu d e a m a v e l
D e teo p od e sa ir seio a d o ra v e l :
M a s c o m o ousa in so le n te
O p rim e ir o m o r t a l , c o m im p io p e ito ,
Q u e b r a n t a r , ju s to Deus , o teo p r e c e ito ?

jintistrophe 4.®

A m o rte a c u r v a fo ice lo g o afia :


O A vern o e m lo r n o soa :
E o u n iv e rso , c o m fa ta l p o rfia ,
In te n ta c a s tig a r ta n ta ousadia :
C o rru p to sa n g u e co a
Desde en tão p elas veas a lte ra d a s
De p o d r e , a n tig o t r o n c o derivad as.

%
SA C RA S. 5y

Epode 4 .°

Q u e n o v a lu z m e a c la ra !
A tten ta , ó M a n e s ! eis o ser qu e lu ta
C o ’ o g ra n d e S e r , e .c u ja raao a v a ra
M a n c h a fero z e e n lu ta
As suas ob ras : fo i o v il p e c c a d o
Q u e do h o m e m a b a teu o n o b re estado.

Strophe 5.»

O ’. S o c ra te s ! ó G ré c ia ! o u v e , e m o d era
T e o a n im o a n cio so j
P ietu m b a e m fim a voz d o ce e sin c e ra
D a Candida verd ad e , q u e severa
S e o ro sto m e lin d ro so
E sco n d eu ta n ta s vezes ao v a len te
A ltiv o esfo rço de teo g en io a rd e n te .

Antistrophe 5 .*

T u e s , R e v e la çã o sa n ta e d iv in a ,
\ A n tiga co m o o m u n d o :
E q u a l riso n h a a u ro ra m a tu tin a ,
T a l m e desp erta a tu a lu z b e n in a
D o so m n o m eo p ro fu n d o :
A s s im , ó su m m o B em ! tu a bondade
C o m u n ica s pied oso em toda a idade (4 ).
r/Á
58 P O E S IA S

Epode 5 °
\

Um m essag eiro a u g u slo


M e p ro m e te o I m m o r t a l , q u an d o a n u n c ia
A m o rte ao h o m e m , e o gelad o susto
O san gu e e n to rp e c ia
Do m ísero c u lp a d o , q u e a b ellez a
P e rd e ra da in n o c e n te n a tu re z a . r.

’( ■
Strophe 6 .*

C o m ju r a m e n to e te r n o so le m n lz a
A pied osa p rom essa
O Deus d’A b ram : J a c o b o p ro fe tiz a :
D e varões a lta se rie se diviza ,
Q u e de p in t a r n ão cessa
■''J{í ! U m R e d e m p to r , u m Deus dos ceo s b a x a d o ,
P a r a v aler ao h o m em d esg ra ça d o .
r

Antistrophe 6 .*

O ’ Ju d a ! Is ra e l e m vão se e m p e n h a
p r - î ■'■ C om m ã o fero z , e ousada
P o r a r r a n c a r - t e o s c e p tr o , a té q u e ven h a
■'V’kI.: O g u ia q u e as n a çõ es m o v a e c o n te n h a .
' KU' '•
E s tre la su b lim a d a
’ i .': t . D e t i h ad e n a s c e r , q u e a escu rid a d e
, F u lm in e co m os ra io s da verd ad e.
.r^ M-'î'
'Í ■ '■■■
íí f

iüi'«.

-.i
SACRAS.

Epode 6.

B e th le m m a l co n h e c id a
%
E n t r e as cid ad es de I s r a e l , a fre n te
L e v a n ta a ltiv a : p a tria e scla re cid a
S erás do Deus p o t e n t e ,
Q u e á id o la tria o d en eg rid o c o llo
C o rta rá , desde u m té o u tr o p o lo .

Strophe *5 .» ,

T e o fe rre o c o ra ç a o será m u d a d o ,
O ’ p ov o c rim in o s o ,
S e rá de g ra ça e de v a lo r ce rca d o :
A tten d e , ó D an iel : ja d eb ru ça d o ,
O te m p o p ressu roso
A sem an a da g ran d e v ind a a p o n ta ,
E m q u e do m u n d o a salv açao d e sp o n ta .

Antiàtrophe 7.

Je ru s a le m le v a n ta -te e o teo ro sto


C ircu n d a de aleg ria •,
In u n d a o p e ito teo de te rn o gosto ;
E rg u e os o lh o s , S io n , a ti e x p o sto
E stá o qu e a n n u n c ia
T e o R e d e m p to r , a voz que vem b rad an d o ,
Os seos san to s c a m in h o s p re p a ra n d o .
lí 53 ■

JI f ,

:» à 6o POESIAS

„ I
I i-ijic: Epode 7 .°
:"’\tl!‘'
' ■if'î,'
F e c u n d o , a ltiv o m o n te
S o b re o cu m e dos m o n te s vai a lça r~ se ;
•i : ,'T
D ’elle m a n a so n o ra c la r a f o n t e ,
O n d e d e sa fro n ta r-se
V irá da sede a rd e n te q u a n to h a b ita
S o b re a te r r a de m a le s m il a fflita .

Strophe 8 .®
I

E is a p a re c e o D eus de fo rta le z a :
Q u e m p o d e rá e x p o r - t e ,
O ’ I s r a e l , da sua n a tu re z a
A g era çá o s u b lim e , a g ra n d e a ltez a ?
S e o b r a ç o n o b re e fo rte
E m p a r e lh a c o ’ a m esm a e te rn id a d e ,
C o m e lla m ed e su a ira m e n sa id ad e.

Antistrophe 8 .®

I n c l i n a i - v o s , n a ç õ e s , e re v e re n te s
A d o ra i o seo n o m e :
Os seos o lh os afaveis e c le m e n te s
Illu s tr a m do U n iv e r s o as v a ria s g en tes :
E ja fogo co n so m e
O s m udos Deuses , qu e ella s a d o ra ra m ,
E c o m ro u b a d o in c e n so p e rfu m a ra m .

'i i l i .

î»
Epode 8 .

S u b e rb o s d o n s votados
C o m resp eito S a b á , T h a r s is lh e o ff’re c e ;
,E qu aes de m e l os f a v o ^ e lic a d o s ,
T a e s sua lin g u a te c e
D iscu rso s de ju s tiç a e de b o n d ad e
Q u e , em p a ra b o la s , p re sta m a verdad e.

Strophe g.

C h o ra , ó R a c b e l , o san g u e d erram ad o
Dos filh os teos m im o so s
P e la s m ãos de u m tira n o a b o m in a d o :
Ao E g y p to c o r r e e n ta n to o desejado
Dos p ovos m a l d ito s o s :
D o E g y p to c h a m a re i m eo filh o a m av el
D iz de Oseas o D eus sa n to , in efá v el.

Antistrophe g.»

O teo r e i , ó S iã o ! n ã o vem de g u e rra


E fu ria rev estid o ,
C o m o c o n q u is ta d o r , qu e tu d o a te rra ,
E b ra v o a esp avorid a p az d esterra :
De d o çu ra cin g id o
S o b re p o b re ju m e n to as ru as piza ,
E á te rra c o m os ceos p az p ro fetiz a .
Q u e m h e este fo rm o so
Q u e vem de E d o m c o m r u b r o v estim en to ? (5)
O ’ c e o s ! ó te r r a ! 6 dia la c rim o s o !
A d o r o seo assen to
N o u n g id o do S e n h o r fix o u , e o p e ito ^
L h e rasg a c o m fe r in o d u ro asp eito .

Strophe l o . *

S e m b la n te )a n áo te m , e se r p a re c e
U m h o m e m de a m a rg u ra :
C o m o o v e lh a p a c ific a e m m u d e ce ;
E a b a tid o e n tr e p en a s d esfalece :
A alh ea d esv en tu ra
E m si to m o u m o v id o de p ied ad e ,
E e x p ia assim a nossa in iq u id a d e.

Ardistrophe i o . ®

U m Jtraid or i n f e li z , q u e se assen tav a


A’ sua m esa sa n ta ,
E o p u n h a l da a v a rez a em si cra v a v a -,
P o r u m p re ç o fu n esto o a tra iç o a v a .
A h o rrid a g a r g a n ta
A b r a o A vern o em fim p a ra t r a g a r - t e ,
O ’ t r a i d o r , e e n tr e c h a m m a s a b r a z a r -te .
SACRAS. 65

Epode 1 0 .“

C o ra fel ira p io s algozes


A ccen d era do c o rd e iro a a rd e n te sede :
C orn riso h o r r ív e l, b a r b a r o s , ferozes ,
^ Q u e a lla v in g a n ça p e d e ,
O e n c a ra m , as vestes s o r te a n d o ,
E os pés corn fe rro agu d o traspâssando«

Strophe ii.®

E s c o n d e -fe , ó in fa m e p ro s titu ta !
Je ru s a le m c r u e n ta ,
O so m da tua voz so m b rio e n lu ta
O s sagrad os a lta re s , n e m te escu ta
C o m fa c e m eig a a te n ta
O n u m e so b e ra n o , q u e do E g y p t o
S alv o u o p o v o teo c a n s a d o , e a fflito ,

Antistw phe 1 1 .»

V a g a r á s , c o m o esposa a b an d o n a d a ,
S e m t e m p lo , sem a lta re s :
D ebald e in v o ca rá s a m ão sagrad a
D o Deus d’A bram e Isa a c , qu e o u tra m o ra d a
E ra a p a rta d o s m ares ,
E m te rra s alo n g ad as escolh en d o ,
T e so lta ju s to ao íe o d estin o h o rre n d o .

''A.
04 P O E S I A S.

E p o d e 1 1 .“

Assim p e r m il m a n e ira s ,
D e in flam ad o s p ro p lie ta s m e a n n u n c ia
C a n o ra tu r b a o v en tu ro so dia
Q u e a m il n açu es in te ir a s
H avia fa z e r ver o d esejad o ,
P e r d ifferen tes m o d o s fig u ra d o .

O BSER V A Ç Õ ES , E N O TA S.

Esta ode, uma das mais Bellas compoziçòes poé­


ticas , que honram a poesia Portugueza , merecia
ura commentario digno da grandeza do seo objecto,
da regularidade do seo desenho , e da belleza da sua
execução. Por^m nem as minhas actuaes circunstan­
cias , nem a brevidade com que desejo dar ao publico
estas preciosas producçòes de um genio verdadei­
ramente original e sublime , e de um espirito pro­
fundamente penetrado das verdades transcendentes,
que se arrojou a expor em linguagem poética, me
permitem o vagar necessário para o desempenho d este
pensamento j e por isso me limitarei a mdicar as pou­
cas variantes que nella encontrei, e apenas aventura­
rei alguma reílexão grammatical assaz obvia que possa
servir-lhe de illustração, e de motivar as pequenas
alterações , que ousei fazerlhe.
^i) Que alagas impio com tirana guerra,
iy\ * (^)
SACRAS. 65
O
(2) No original estava.
Tu que a simples virtude afina e inspira
Conq suas mãos mimosas.

Pareceu-me que o relativo cju e, sem proposição que


designasse perfeilamente a construcçao gramatical do
discurso, desfeava este epode ; tanto m ais, quanto a
transposição dos verbos a jin a , e inspira fazendo que
a este ficasse immediata a clausula com suas m ão s
m im osas t aqual só diz respeito ao primeiro , aug-
menlava a confusão da ordem gramatical , e ja fazia
o mesmo epode menos perfeito , e menos digno de
constituir .parle de uma composição tam bella , e Iam
elegante.
(5) Ja em outro lugar notei que o verbo resoar
lie neutro j e por isso éu* antes prefeiária a este
verso qualquer dos seguintes ;

Não celebres o nome e a fama indigna


ou
Não pregoes o nom e, e a fama indigna

Poróm persuadido de que neste passo o autor quiz


muito de proposito ^npregar aquelle verbo em signifi­
cação activa , julguci que devia deixar subsistir esta
novidade , e aos escriptores que se seguirem , a liber­
dade de adopta-la,ou rejeita-la segundo melhor enten­
derem , e julgarem conveniente para o aperfeiçoa­
mento da lingua portugueza. .

( 4) N o o rig in a i estav a

He esta , Summo Bem , tua bondade ;


Comunicaste sempre e em toda a idade.
II. 5
llG P O E S I A S

(5) V estim enlo he vocábulo , que nao tenbo lem­


r -i brança de baver ja mais enconlrado em clássico al­
gum nacional. Entretanto a palavra vestim enta pa­
rece , e he geralmente considerada como privativa
de certas vestes sagradas , e seria imprópria d’este
lugar ; a desinencia èm e n to , e por tanto a liberdade
que o Autor tomou de enriquecer a nossa poesia com
mais um vocábulo , que lhe facilite exprimir-se com
propriedade, sem sacrificar á rima os pensamentos, rné
parece assaz fundada para que deva subsistir.
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SACRAS. 6*'7

I •'

ODE VI.
SOBRE O M ESM O A S SU M P T O .^

Strophe i.»

( 3 S in a i ! ó m o n ta n h a assig n alad a
Dos p és do O m n ip o te n te !
E u sin to in d a so a r a voz sagrad a ,
Q u e e n tre ra io s p ro m u lg a a le y grav ad a ^ (i)
N o e sp irito in n o c e n te
Do h o m e m ju s to . O ’ liv ro g ra n d e e sa n to !
T u m e en ch es de a sso m b ro , h o r r o r , e esp a n to !

JÍntistrophe

U m p ov o a n tig o atesta a in te g rid a d e ( 2 )


De tu d o que em ti leio ;
C om vivo f o g o , au gu sta m ag estad e
M e re tra ta s do E te rn o a p o testad e :
Do m u n d o firm e e s te io ,
U n i c o , p r o v id e n te , e bom o a c la m a s ,
E em fe rv o ro so .a m o r m in h a a lm a in flam as.
H4

f
68 P O E S I A S

Epode 1 ."

Q u e m do C o m m n m n a u fra g io (3 ) ,
Q u e o o rh e in te ir o em e rro s su b m e rg ia ,
E s te p o v o s a lv o u , e do c o n ta g io
Da cega id o la tr ia ?
Q u e m n o m e io de in h o s p ilo d eserto
D o Im m e n so a m á o lh e faz n o ta r de p e r t o ?

Strophe 2 .*

E ain d a te m e s , ó p rez a d a ly r a ( 4 ) !
L e v a n ta r ás estrelas
O su b lim e m o r t a l , q u e Deus in s p ir a ,
Q u e de celeste fo rça re v e stira ,
E m il v irtu d es b e lla s ?
O ’ M oyses ! tu a voz n ã o m e a llu c in a :
A voz q u e so lta s lie a voz d iv in a .

ntístroplie 2 .*

F e rv e n d o em sa n ta ira a b ra z a d o ra (5 )
Os c rim e s re p re h e n d e
D o H ebreo in g r a to , c u ja fê tra id o ra
A lu z q iie b ra n ta , q u e tu a a lm a a d o ra :
ví S e g u ro a v a ra esten d e ;
■r■■■
R
n V E is v ejo a n a tu re z a esp av o rid a
[ ' í'v V
A teos pés h u m ilh a r ia fre n te e rg u id a .

'f ..
^

í:" ,!
S A C R A S .
J

Epode 2 .°

O p o v o 5 de q u e es g u ia ,
M il vezes e n tre as b re n h a s estre m e ce :
'Ao ver q u e a te r r a , o m a r , a n o i t e , o d i a ,
I

Q u e tu d o te o b e d e c e ; ' •
I *

M essag eiro fiel da D iv in d ad e ■


T e r e c o n h e c e , e a firm a 'e m to d a a idad e.

Strophe 3.» ,

I r -

S e rá s tu , p e r v e n tu ra o p ro m e tid o
M e d ia n e iro a m a v e l ? . . .
Ah ! tu vens p re d iz e -lo , e em to m su bid o
E n to a s de J a c o b o re ce b id o ‘ ’
O rá c u lo a d o ra v el.
Q u e m he p o is esse a n g u sto m e s sa g e iro ,
Q u e o p r a n to had e e n x u g a r ao m u n d o in te iro ?

Anlistroplie 3 . “

Já de J a c o b o sc e p tro n ao im p u n h a
Ju d á , e p ressu rosa
A se m a n a c o rre u qu e affo ito e x p u n h a
O casto D a n ie l, q u a n d o c o m p u n h a
De G a b rie l fo rm o so
Ao fa tid ic o a ce n o : « O nde h e qu e o Ju sto
» P a r a sem p re assentou seo tro n o au gu sto ? »

>■/
:‘íiv
70 P O E S IA S

\
Epode 5 . ”

Q u a l b ú s s o la , ag ita d a
De e m b ra v e c id o m a r , o scila e r r a n te ,
.0 N o rte n áo a tin a ♦, t a l a n cia d a
A m in h a a lm a in c o n s ta n te
C rê , p resu m e , v a cila , in c e r ta tre m e ,
E em duvidas cru éis a fílic ta g em e.

1 ' Strophe 4 .*

B rio so G e d e a o , S a n sã o r o b u s to ,
C u jo se m b la n te d u ro
A o lo n g e d ifu n d ia frio su sto ;
G u e rre iro Jo su é , vos sois do ju s to ,
Q u e a n c io so p r o c u r o ,
%
E scassa s o m b r a , p o r m a is a lta e m p rez a ,
Q u e a b o n e a vossa illu s tr e fo rta le z a .

Antistrophe 4.=^

A b r ilh a n te fo r tu n a , .a jo e lh a n d o ( 6 )
De S a lo m á o p o te n te
J u n t o ao tr o n o ,1a v e jo , d e rra m a n d o
C om m ao p ro fu sa , gesto led o e b r a n d o .
De seos b en s a to r r e n te :

Jl!> M as a h ! qu e elles n ao são m a is qu e a p in tu r a


Dos v erd ad eiros b en s de e te rn a d u ra !
SACRAS.

Epode 4.®

O ’ c a n to r p o rte n to s o
Das g ra n d ez a s do N u rp e so b e ra n o !
S e a te rra ste o g ig a n te p a v o r o s o ,
S e o d e stro n c a ste u fa n o ,
Im a g e m es do v e n ce d o r da m o rte ; -
M as não h e , co m o o seo , teo b r a ç o fo rte.

m
Strophe 5.^

V e m a c la r a r - r a e , te r n o Je r e m ia s ,
Q u e de su ave p ra n to
M eo p eito b a n h a s : ó fe rv e n te >Elias !
E tu , su b lim e e n e rg ic o Isa ia s :
V in d e a p o n t a r - m e o S a n to
Das n açõ es , lo n g o te m p o su sp irad o ,
T a n t a s vezes p e r vos* p ro fetisa d o .

Antistroplie 5.®

E u o iço su sp ira r c o m voz d o en te


U m v a rã o a b a tid o ;
%
A v irtu d e o rod ea r e fu lg e n te ;
D escora ao v ê -lo o v icio , e de re p e n te
S e escond e esp av o rid o .
T u d o q u a n to a vaid ad e h u m a n a p reza
P la c id o e f ir m e , im p áv id o d espreza.
P O E S IA S

Epode 5. °

Seos d iscu rsos resp ira m


A lin g o a g em sin g ela da v e r d a d e ,
O a m o r da ju s tiç a , a p az in sp ira m ,
A a rd e n te ca rid a d e.
A c a s o , ó ceos ! ó G o lg o tlia tre m e n d o !
H e o Iiom em D e u s, qu e eu v ejo em ti m o rre n d o ?

■ií„
Strophe 6.»

E m p o b res p a lh a s in d a te n r o in fa n te
E n v o lto se re co sta ;
T u o viste n a s c e r , ó ra d ia n te
V e n tu ro sa B e th le m , e tr iu n fa n te
A tu a fre n te a rro sta ,
Q u a l os ced ros do L ib a n o c o p a d o s ,
D o v o raz te m p o os g olp es red o b ra d o s.

Aíitistrophe 6.®

D e T lia r s is e S a b á , d on s p recio so s ,
O b e rç o lh e a d o r n a r a m ;
rií;:
E em seos m u ro s os p o v os rev o lto so s
D o N ilo o vii’am , q u a n d o sau d osos
T e r n o s .a is r e lu m b a r a m
E m R a m á , e R a c h e l tris te c h o ra v a ■*
Os F ilh o s*, q u e m ã o im p ia la c e ra v a. ; v. : j

\
r '

S A C K A S. 7'^

Epode 6 .°

Q u a l v e n c e d o r p ied oso ,
Da p az serena au g u sto m e s s a g e ir o ,
E lle se m o stra sem estre p ito so
A p a ra to g u e r r e ir o ,
E m sin g elo triu n fo m eigo e b ra n d o ,
Je ru s a le m a fflicta co n so la n d o .

Strophe 7.*

E rg u e a fa ce j ó S io m ! sacod e a ltiv a
O p ó do teo se m b la n te :
T ra s b o rd a de a le g ria p u ra e viva :
E is o teo ïle d e m p to r , q u e a fo ice esquiva
Do c r im e vem c o n sta n te
E m b o t a r : eis a q u elle g ra n d e d ia
Q u e A b rah am , q u e J a c o b te p ro m e tia .

Antistrophe 7 .'

E sc u ta a voz , qu e n o deserto b ra d a
Do p re c u rso r a u s t e r o ,
Q u e havia p r e p a r a r -lh e a ard u a estrad a.
V ê co m o a n a tu re z a o lh a h u m ilh ad a
O a ce n o severo
De teo S e n h o r , vê co m o lh e o b e d e c e ,
C o m o p o r C rea d o r o re c o n h e c e .
O m a r e n ca p e la d o ,
Íi
O sostem so b re as o n d a s , q u e se e sp a n la n i
E ad ora liu m ild e os pés do S e r a m a d o U.
Q u e os ceos , e a te rra c a n ta m :
Ju d á re tu m b a à voz su b lim e e foi le
Í1
t «
Q u e L a z a ro a r r a n c o u das m áo s da m o rte .
lí ;

I î' Strophe 8 .“

M as q u e la n g u o r , ó M u sa , se a p o d era
D a tu a a m o rte c id a ,
C horosa voz ? J á fro u x a n ão se esmere» I
E m acord t»r-se aos son s da ly r a a'ustera Jí,
ff
R :l’Iis? Q u e recu sa se n tid a
•fi
S e g u ir a m ã o q u e , o p le c lr o m e n e a n d o ,
C o m e lla aos a stro s se ia re m o n ta n d o . i
■1 * ■
4

Il
jdntistroplie 8 .®

1
r. '•
O ’ n a tu re z a ! c o b r e te id e d u to
E n u n c a o leo se m b la n te
De te r n o p r a n to fa ça s ver e n x u t o :
N ão b ro tes m a is , ó T e r r a , d o ce fru e to !
T e o cu rso tr iu n fa n te
I
I .)piii!|
D etem , ó S o l ! e fin d e essa a im o n ia ,
Q u e os alto s ceo s e n to ã o n o ite e dia !

■i-
Iti 'i ■hi
SACRAS. 70^

• ' Epode 8 .“

De san gu e está b a n h a d o
O ju s t o , em a fro n to s a c ru z p e n d e n te
O S e n h o r do U n iv e rso tran sp a ssa d o
D e d o r a ce rb a , in g e n te :
T ir a n o p o v o as vestes lh e so rte a :
E tra iç á o o v e n d e u , h o rre n d a e fea.

SiropJie 9.a

Os m a c e ra d o s o lh os lh e c ir c u n d a
P ied osa te rn u ra ,
N o co ra ç ã o a ju n ta á d o r p ro fu n d a
O s doces se n tim e n to s em q u e a b u n d a ,
E do P a i so p ro c u ra
O p erd ão dos a lg o z e s , q u e o c ra v a v a m ,
E n o seo san g u e as im p ia s m ãos b a n h a v a m .

jéntLstrophe 9 .®

O ’ S e r e te rn o ! qu e im p ressã o d e rra m a
A tu a h o rrív e l m o rte
D en tro em m in h a a l m a ! Q u e ab ra z a d a c h a m m a
De tern a g ra tid ã o m eo p e ito in fla m a !
O ’ D e o s , e desta so rte
Q u izeste que o perd ão fosse sei lado
Aos crim in o so s do fa ta l p ecca d o !
P O E S IA S

E p o ã e 9.®

Ao clarao lum inoso


De inspirados profetas , que cantaram
Os facto s, que contem plo ferveroso ,
As duvidas se aclaram .
Ah ! rende , ó Musa , o teo inquieto sph^ito ,
E de alegria barilia o peito aíílito.

Ob s e r v a ç õ e s , e n o ta s.
1
Entre todas as composições do autor era esta
ode aquella cuja correcção lhe mereceu menos des­
velo , sendo talvez a que mais o merecia ; e por isso
foi também aquella em que pratiquei alterações
mais notáveis , e em maior numero : apontarei aqui
. -1
as principaes. Entretanto seja-me licito dizer qu e, en­
I '
tre todas as odes sacras de meo defunto amigo , nen­
huma conheço , em que mais se manifeste o seo estro
|f i ■
: 1; ! poético, em que resplandeça maior erudição , melhor
escolha de imagens , mais nobreza de dicção , nem
mais força e dedueçao nos argumentos. Estes se di­
rigem umas vezes ao entendimento , outras ao co­
iSft,
ração, outras á imaginação , e d’este modo elle em­
prega habilmente todos os meios de persuasão (sem
desmentir da dignidade propria do genero de poema
que escolhera para expor em toda a sua magnifi­
cência as ideas sublimes e grandes , que se propoz in-
M/
K I
S A C K A S.

dicar aos hom ens) revestidos com os brilhantes ata­


vios , e magestosos ornalos da mais elevada poesia
lyrica. A’ excepçao da ode a o hom em n atu ral, que
publicarei entre as suas poesias profanas , nao conlieÇo
composição alguma poética nas lingoas vulgares que
exceda, nem talvez possa entrar em paralello com
esta producçlo, verdadeiramente original , de um gê­
nio extraordinário , tanto na sua força, como na sua
vastidão.
(i) No original mais correcto estavam estes irez
versos da maneira seguinte :

Eu cuido ouvir soando a voz sagrada


Que entre raios lembrava a luz gravada
No peito inda innocente.

Parece que a imaginação do poeta se exalta de ma­


neira , com a lição dos livros de Moyses , que se lhe
figura ouvir ainda soar a voz do Omnipotente, quan­
do do alto do Sinai dictava os preceitos da Decalogo
ao povo Hebreo aterrado pela vista das nuvens in­
flamadas , pelo medonho estrondo dos trovÒes , e
pelo terrivel som das celestes trombetas , que anun­
ciavam a presençà do SEN H O R . Entretanto o verbo
eu cuido , mostrando que a illusão do poeta não era
perfeita , diminue a força da imagem : e a clausula
ouvir soan do parece involver uma redundância j
pois nenhuma outra cousa se ouve se não sons ^ e
por tanto quem diz en o iço um a v o z , diz tanto
como quem diz eu o iço uma voz soan d o. A lei
g rav ad a no peito innocente seria clausula preferivcl
á de que usei , se a lei de que se fala fosse pura*-
•8 o E i> I A s

mente sentimenthl. E lla he pore'm em grande parte


racional, ou verdadeiramente he toda racional. S.
Paulo disse que sentia na sua carne uma lei con­
traria á do seo espirito. Qual he o homem que não
experimenta sentimentos contrários aos dictâmes da
razão ? Poderia dizer-se que esta contradição , entre a
carne e o espirito , ou entre os sentimentos e a ra­
zão , he consequência do peccado •e que antes d’elle ,
isto h e , nos momentos em que nossos primeiros pais
existiram innocentes em o Paraizo te rre a l, estes dois
principios da actividade humana não eram descor-
des como agora. Assim seráj mas que necessidade
ha de falar nos homens na hypothesi de um estado
de que elles não fazem idea ? Pelo menos deve con­
vir-se emque a lei de D EU S lie sempre racionavel ,
qualquer c{ue seja o estado em que o homem se con­
sidere. Eu não insistirei mais sobre a validade de
minhas razões : emendando como entendi , cumpri
Com a recomendação de meo amigo : e oíTerecendo
aos leitores a lição dos versos que existiam no o ri­
ginal , deixo a cada um a liberdade de escolher o que
melhor lhe parecer ; certo aliás de que discussões
d'esta natureza não serão inúteis para aperfeiçoar
o gosto das pessoas dadas ao estudo da poesia.
( 2 ) Os primeiros dois versos d'esta antistrophe
estavam assim no original
Um povo antigo jura a integridade
De quanto em ti eu leio .

MVf Não sei se alguns escriptores Rabinos asseveram tam


positivamente a integridade do Pcnlateuco , que ten-
SA C R A S. 79

ha lugar o dizer-se que o povo Hebreo jura a inte­


gridade dos livros de Moyses. Sei que a historia n’el-
íes contida he igual mente referida per Joseplio , e
geral mente acreditada pelos Rabinos. Entretanto he
evidente que alguns capitulos do Deuteronomio , que
iratarn dos últimos successes da vida de Moyses ; da
sua morte , e de alguns factos posteriores a ella, nao
foram ,nem podiam ser escriptos pelo mesmo Moyses.
O Pentateuco foi sem duvida alterado ou acrescen-i
lado per Esdras , quando se lhe encarregou a revisão
e a compilação dos livros sagrados dos Judeos, depois
da sua volta do cativeiro de Babylonia; ou por algum
outro Rabino ou sabio Judeo que depois d’clle viveu!
Se Esdras he , como alguns supõem , e êu tenho por
provável , o autor dos dois livros intitulados Para-
lipomenes, ou das coizas omitidas nos outros livros
sagrados dos Judeos , o livro do Genesis foi sem du­
vida por elle acrescentado. No capitulo 5 6 , os versí­
culos, que decorrera des de N.o 5 i ate 40 » contem o
mesmo que os versiculos que no Capitulo 1.® do li­
vro primeiro dos Paralipomenes decorrem desde N.®
45 ate N.® 5 o. Ora he claro que Esdras nao escreveu
estes versiculos nos Paralipomenes, ou livros das cou-
zas omitidas; se nao por que no seo tempo a maté­
ria que constilue o seo objecto se não adiava em nen­
hum dos livros sagrados dos Judeos; e por tanto lie
per Esdras , ou depois do seo tempo, que elles foram
acrescentados ao livro do Genesis : esta só prova pa­
rece-me bastante para uma nota ; e por isso me dis­
penso de indicar as incoherencias geographicas, e
8o P O E SIA S

chronologiias , que igualmente autoiisam a suspeita


m de que o Pentateuco se não acha na sua primitiva in ­
tegridade : bem que aliás em tudo mereça o nosso
mais serio e profundo respeito. Deixando pordm
discussões históricas e criticas , e hrmtando-nos as
puramente poéticas, devo dizer que eu bem quizera ter
substituído a palavra gen u in idade ao vocábulo inte­
gridade j pordm não cabia no verso , e por tanto foi
forçoso que permanecesse a voz integridade ", aqual
cumpre que se refira ás cousas contadas n’aquelle
livro , e não ao livro mesmo , para salvar as dilFicul-
dades indicadas.
(5) Este epode acha-se no original da maneira
seguinte :
Quem do comum iiaufragio ,
Que o vasto mundo em erros submergia
Esie povo salvou ; e do contagio
Da cega idolatria
O desemjjesta , intrépido pintando
Do grande Ser o nome venerando.

Não me agradou a idea de vastidão unida neste lo-


gar a idea de Mundo pois parece mais relativa á
sua extensão do que ao numero dos seos habitadores.
Também me não agradou a pintura do nome ã e g ran ­
d e S er : nem me parece que Moyses carecesse de in­
trepidez para referir as. maravilhas do SEN H O R na
I
creação do mundo , e na salvação do povo Hebreo
.1
do cativeircf do Egipto. A «maneira pela qual este
extraordinário chefe do povo de D EU S o desempes-
tou da idolatria do Bezerro de oiro não foi por certo
escrevendo ^ foi punindo-o,e ameacando-o em nome
do

!:í,k:
s A C R A S.> 8i

do S E N H O R , e isto de um raodo tarn violento e duro,


ijue UÏO acreditaria de sorte alguma a sua humani­
dade , nem mesmo o seo zelo da honra do Ser vSupre-
rao , se não tivéssemos aliás a certeza deque elle obrou
animado de inspiração divina. Ninte e trez mil ho­
mens foram nesta occasião passados á espada de or­
dem de Moyses j e para que o restante do povo ja
aterrado de tam duro castigo , e horrivel carnagem se
humilhasse diante de D EU S , e fizesse penitencia
como convinha, elle lhe comunicou os lerriveis amea­
ços que o Omnipotente lhe havia ordenada de an-
nunciar-lhe por efeitos fie sua misericórdia.
(4) Esta strophe estava no original como segue :
E ainda temes , minha amada lyra ,
Levar te' as Esticlas ,
O sublime mortal que um Deus inspira ;
Que de divina força revistira ,
E mil virtudes bellas !
O’ Moyses ! tua penna nao engana ,
E um Deus segura tua mão ufana.

O afijectivo numeral um unido á palavra D EU S ,


sempre supérfluo quando se fala do unico verdadeiro
D EU S , sabe a Gallicisn^o : e a repetição dentro de
uma mesma strophe desfea algum tanto uma com­
posição lyrica , aonde a riqueza deve igualar a pom­
pa e a elegancia da dicção.
(5) Esta antistrophe acha-se no original da ma­
neira seguinte:
Fervendo em zelo a voz ergue sonora,
Os crimes reprehende
Do Hebreo ingrato , cuja fe traidora
II. 6
A l<;i quebianla que teo peito adora.
Altivo a vara esteude ,
O’ homem immortal ; e espavorida
A natureza ahaxa a frente erguida.
I

(6) A anlistroplie 4 -'* julguei dever emendar ,


principalmentc pela especie de amfibologia que en­
cerram os primeiros tres versos, rue parece com tudo
digiia de Iranscrcvcr-se.

Aos pes do throiio vcjo ajoeliiaudo


De Salomão potente
A fortuna , e humilde debruçando
A face encantadora , qne espalhando
Está de bens enclieiilc ;
Elles são il’onlros bens so a pintura ,
E mal retratam sna formosura,

(^) Na Strophe 6.**’ se liam os ullimos quatro ver­


sos da maneira t[ue se segue :
Venturosa Bethlem , e triunfante ,
O cume teo se encosta
Desde então entre os cedros elevados
' Que o Libano admira em si plantados.

Julguei dever allera-le-s, por não me agradar eterno


cume , aplicado a uma cidadH* 5 nem a admiração do
iiíonte Libano por vèr cedros em si plantados : tal­
vez porém que estas ideas agradem a imaginações
mais poéticas do que a minha.
SACRAS. 83

ODE VII.
SO BR E 0 M E S M O A S S U M P T O .

Strophe i . »

lliNTRE azuladas imdulantes chammas ( i)


Que em turbilhões de fumo envoltas ardem
No lago triste e horrendo ,
Onde irosa se mostra a mao potente
Do Deus immenso e justo ,
T eo tortuoso coU o, ó vil peccado !
Em vao raivoso , sem cessar agitas.

Antistroplie i .

Inim igo fatal do bem sup rem o,


Com atrevido braço te arremeçás
Para a rran car-lh e o .sceptro ,
Que sbhre a eternidade se reclina :
U lulando te arrastras
Nas entranhas do abismo , e furioso ,
A ll proprio lacéras e devoras.

6 *
84 P O ESIA S

Epode 1

Ao m ed o n h o ru g id o ( 2 )
Do leão de Ju d á e s tr e m e c e n d o ,
S ó in fa m e b a x e z a ,
O m o n s tr o p a t e n t e a ;
E m vão astu to , a p ied ad e im p lo ra
D o S e n h o r ir r ita d o a q u em detesta.

Strophe 2 .»

: ii.
E is , ó p a r lo in fe liz da in iq u id a d e ,
O teo r e tr a to : n e lle os o llio s fita.
T r e m e s de h o r r o r ? . . . N ão d eixes
E m teo p e ito e x tin g u ir d o ce e sp e ra n ça .
A b on d ad e in fin ita ,
O C h risto do Deus vivo em si teos c r im e s
G rav o u , e su b m e rg iu -o s n o seo sa n g u e.

Antistrophe 2 .®

B a x a i do ceo , v irtu d es so b era n a s ,


D e flores c o ro a i a n iv ea f r e n t e ,
O lh a i-m e e n te rn e c id a s :
E u já n ão sou o m ise ro q u e a d u ra

:: i‘-} In g ra tid ã o m e sq u in h a
C o m seo sello m a r c á r a ; m ão d iv in a
A pagou o s i g n a l , e r e n o v o u -m e .

\
SACRAS.

Epode 2 .“

S u b lim e s sons e n ov os
D esfere , ó ly r a , das so n o ra s co rd a s ;
P r e n d e , a r r e b a t a , e n c a n tà
Os ceos , a te r r a , as ond as ;
R ep assa m eos a rm o n ic o s ouvid os
D e celeste su ave m e lo d ia .

Strophe 3.®

E s p irito s ard e n te s e ditosos ,


Q u e do g ra n d e A donai o tliro n o e x ce lso
R o d e a is re v eren tes ,
D iz e i-lh e qu e o seo filh o , o seo am a d o ,
A su a im a g e m b ella ,
J á c o m seo san g u e b o rrifo u a te rra ,
Vi
E co n su m o u a sua n o b r e em p rez a .

Antistrophe 3.®

Ao vero vivo a m o r qu e te co n so m e (3 )
O sangu e q u e d e rra m a s c a rin h o s o ,
O ’ C h risto do D eu s vivo !
R e c o n h e ç o o m eo Deus , o S e r e te rn o
D e in efáv el b o n d ad e ;
Q u e ás suas o b ras q u er c o m u n i c a r - s e ,
M ais e m ais em si m esm o tr a n s fo r m a -la s .

F
Epode 3 .”

Q u a l n a m o ra d o Esposo (4)
O llia , co n tem p la , e tran sp o rtad o adm ij'a
O rosto delicado
Da teim a m eiga E s p o s a ,
Aksim m in h a alm a ab sorta , o Deus e tern o
Abrazada de a m o r h u m ile adora.

Strophe 4 .*

R ev o lv e , ó m ã o p e r ju r a , q u e p re te n d e s
T e o R e d e m p to r fe r ir c o m d u ra g u erra ,
Os factos qu e , volvend o
O tem p o a roda lu b ric a , d e ix a ra
S alv ar do ab ism o escu ro ,
O nd e tu d o desfaz , tu d o a m o r t e c e ,
E em e te rn o silen cio ao m u n d o escon d e.

Antistrophe 4.®

A lúcida evid en cia do su b erb o


E grandioso tim b re , q u e lh e dera
A b rilh a n te v e r d a d e ,
H istoria não gravou co m fo rça ta n ta j
C om o aqu ella qu e n a rra
As m a ra v ilh a s do P a sto r divino ,
Do M e stre de I s r a e l , S e n h o r do m u n d o .
SACRAS. 8' 7t

I
Epode 4 .°

O nd e yês lev a n ta n d o (5)


Seis con stan tes varões a n o b re f r e n t e ,
Ju r a i’ qu e fieis p in ta m :■ ;;
: /
F a c to s p e r elles vistos-, ’ :
E firm e s no m ed o n h o c a d a fa ls o ,
I ;
C om seo sangue sellai- o ju r a m e n to ?
/
Strophe 5.®
t

P od e o e rro feroz espessa venda


E m c o r n eg ra tiiig ii-, e astucioso
T r e z vezes e n v o lv ê -la
E m to rn o aos o lh os de illudida g en te :
Q u an d o aerios systernas
S u b lim es p o n tos e x p lic a r p re te n d e m ,
Q u e u m a fraca razão m al d esco rtin a .

Antistroplie 5.®

M as n ão pode, p o r m ais q u e a v en d a engrosse,


R e tra ta i’ a m eo s olhos perspicazes ll.
E m p eiT ad a doença
Cedendo , vezes m il á voz de um h o m e m ,
EncoU iida fugu’ ; e a m o rte fera
Os tu m u lo s abrin d o
As v ictim as soltar qu e d ev orara :
N ão chega a ta n to m ágico p restig io.
O ’ T a b o r ! ó lo g a r san to e i n v e já v e l ,
O n d e P e d ro em delicias em b eb id o ,
M orad a S e m p ite rn a
P re te n d ia assen tar : ó doce a n n u n c ío
Do celeste b a n q u e te !
Do u ngid o do S e n h o r en toa a g loria ,
E as m arav ilh as suas ap regoa.

Antistrophe 6 .*

O ’ tu , e n tre os d iscípu los a m a d o s ,


S u b lim e E v a n g e lis ta , p o r u m p o u c o ,
Dos C eos á T e r r a desce ;
V e m c o m divinas co re s e sb o ssa r-m e
O dia e s p e r a n ç o s o ,
E m qu e da m o rte co n q u isto u o im p é rio
O L eao de Ju d á co m b ra ç o fo rte.
SA C RA S.

Epode 6 ."

J á estala e se ap arta
A lisa p ed ra qu e orguU iosa in ten ta
E n c e r r a r o D eus vivo.
A lonitos , prostrad os
P e r te r r a ja z e m os cru eis soldados
Q u e O sagrado deposito vigiara.

Strophe 7.®
' I■
N áo p e rm ita s , S e n lio r , q u e a im rau iid a e torp e
C o rru p çã o co m seo bafo p estilen te
C o n tam in e o teo S a n to .
E m b ra ç a p ro m p to o d iam an tin o escudo ;
C o m elle , firm e o co b re :
In u n d a -o de p razer : da m ao te brota
In e x h a u riv e l fon te de delicias.

yintistî'ophe 7.®

O ’ abrasado P e d ro , ó fervorosa
A m a n te M agdalena , q u em te p ren d e
Os vagarosos passos ?
C o rre anciosa , vôa , vê , e adora
O teo divino M estre ,
Q u e triu n fa n te su rge , e valeroso
D a m o rte p iza o in d om ável collo.
K«-:?

90 P O E S IA S
I l
|> Epode 7 . “

S im , T lio m é , nao h esites ( 7 ) ,


E x a m in a as re cen tes cicatrizes
Das am orosas chagas ' ’
■Que os h o m en s resg a ta ra m '
Do c rim e n n iv ersa l. He elle , h e elle !
De jú b ilo e x u l t a i , ó Ceos , e T e r r a .

Strophe S.**
I
V^os o v is te s , d iscípu los ditosos ,
G lorioso esqu ad rão , q u e vos n u trie is
De arnor p u ro , e divino :
M u ltid ão v en lu ro sa q u e , ag ita d a
De pasm o e de alegria ,
Adorastes o D eus cle m e n te e santo ,
Já do seio da m o rte resu rg id o .

Antiatrophe 8.=^
\
E ste o facto in a u d ito q u e se lla ra m ,
t :: C om seo san gu e , e n o selo dos op rob rio s.
C on stan tes i-ep itiram :
i 'i i ' T a n ta firm ez a , ó E i r o , n ã o iuspLraiii
T e o s m iserô s so p h ism as ;
Im p áv id o a r r o s tr a r m o n e afron tosã
W - \im
y;^--
ài :>.ii' . 8 ó h e dado a varão piedoso e ju s to .
W S'
S A C R A S.

Epode 8 .°

Q u a i ro m p e o S o l , e ard en te
Dissipa a espessa denegrid a nevoa ,
Q u e to ld a a escu ra te rra ;
A ssim lu z en les raio s
S o b re o E s p irito m eo esta verdade
D erram a , e d’elle as n u v en s afu gen ta.

Strophe 9.®

O ’ M usa J q u e m e in sp iras an im osa ,


N ovas co res a ju n ta ao n o b re q u a d io
Q u e su b erb o d e sen h a s:
O u ve o g u e rre iro estrep ito qu e a tro a
Os deplorad os m u ro s
Da m isera S io m : ve co m o a cin g e
R om an a b ellicosa soldadesca.

A n tistro p h e 9 .^ ^

J á b atem os aríetes h oiT end os


C o m m ed on h o frag o r as suas to rre s ;
A descorada fom e ,
O odio, o h o r r o r , p e r toda p a rte a in vestem ,
E o venenoso v u lto
E rg u e a p este l e t h a l , m ed on h a e fei'a ,
M ortaes flechas em to rn o a rre m e ça n d o .
92 POESIAS

Epode 9.®

Q u e scen a , ó Céos , avisto !


L a ra sg a M ae c ru e l o te n ro p eito
Do m isero filh in lio !
J a so b re ard en tes b rasas
L a cera d o o a r r o ja , e d esh u m an a
C eva a fom e n a c a rn e q u e g e r a r a .
;
Strophe lO .»

Je ru s a le m r e b e ld e , vê alçan d o
O lio rrid o se m b la n te n o teo seio
O c r im e fu rib u n d o :
Já fre m e a cré p ita n te labared a
E m to rn o do teo te m p lo :
E m vão p ro cu ra s e x tin g u i-la : ira d o (8 )
D iv in o so p ro a v o ra z c lia m m a a te a .

^ Antistrophe 10.®

T u a s cu lpad as ru a s e stre m e c e m :
P e r toda p a rte a m o rte te rod ea :
C aliid a em te rra ja z e s,
D e li vidos cad averes ju n c a d a :
N u n ca m ais o teo tem p lo
S e e rg u e rá 5 0 0 teo p ovo v ag ab u n d o
S erá d’o p ro b rio e d o r fatal o b je c to .
1
,\

SACRAS.

Epode 10.®

0 ’ M essias divino , (9 )
T u assim íie lm e n te o p red iceste !
C u m p riu -se o v a tic iiiio :
0 ceg o e rra n te p o v o ,
E s c a rn e o das n a ç õ e s , ao m u n d o ren d e
D a tu a D ivindad e clara p ro v a .

O B S E R V A Ç Õ E S , E N O TA S.

( 1 ) Esta ode, suposto que inferior ás antecedentes,


he com tudo admiravel pela força dos argumentos j
pela viveza das imagens ; e pelas figuras da dicção
mui habil e dignamente empregadas. A comparação
das correçcões que lhe fiz , com o original, bastara
pela maior parte para fazer sensivcis as razões que
me determinaram a px'eferir as alterações que prati-
qiiei. A primeira foi nesta strophe , a qual quasi in­
teiramente mudei : ella estava no original da maneira
seguinte:
Entre fer u e n te s chammas abrazadas ,
Que denso escuro fumo envolve, escon de
No lago triste e horrendo ,
Que a cólera creou de uin Deus potente ,
Teo enroscado collo
E u te vejo agitar, 6 vil Peccado j
E de bramidos atroar o Avcrno.
() i P O E S I A S

I t ( 2 ) Eis aqui como se adiava no original este epode :


De tciror abatido ,
O monstro ás vezes abrandíU' forceja
O Deus que impio aborrece :
So misera baxeza
Descobre em si , e rco de cidpa immensa
Sacrificio não tem , conique apaga-la.

A clausula a b ra n d a r f o r c e j a , considerada na ordem


natural da gramatica, não he conslruccão Porlugueza;
e contemplada como modo de íalar figurado , nem
graça nem energia dá ao verso aonde^ eslá empre­
gada. O artigo antes da palavra D E U S lie ordina­
riamente tanto , ou ainda mais inadmissivel, do que
o adjectivo numeral um , subslituhi o verbo paten tea
á expressão descobre em s i ; por que paten tear equi­
vale a fazer visivcl aos outros ] e isto lie sem duvida
o que o poeta queria dizer 3 a pezar de que a clausula
do que usou não o exprima claramenle.
(5 ) A antislrcplie 5.® eslava no original desta
maneira :
Ao soberan o Amor , q u e te con som e ,
Ao sangue que íumega , e que derramas ,
O Cluisto de Deus vivo
Recoidieço , o meo Deus , o B e m su prem o
Que em b eb id o em f)ondade , etc.

(q) O epode 5.® estava assim :


Qual namorado Esposo
Olha , contempla e trespassado.................
O rosto delicado ,
A que
■* terno aniiclava
$ :
Assim d e um D eu s d e A m o r sinto ferida
Minlia alma arrebatar-se, e contempla-lo.
,;Nii
Í -i^nr!.!
Mi
ACRAS. 9^
(5) • , . . Onde vês levantando
Seis vaiões sua frente virtuosa ,
Jinar que Seis pintam
Factos por elles vistos :
Depois sobre medonho cadafalso
De seo sangue tingir o juramento ?
D’este modo lie que se achava o Epode 4-"
(d) No original lia-se esta strophe do modo se­
guinte :
Não permitas eterno Ser que ouse
A fea coirupção com toque impuro
Profanar o teo santo :
Erabraça o diamantino escudo, e cobre
O seo corpo adoravel,
Embebe-o de prazer; da mão te pende
Infinito deleite , goso immenso.

( 7 ) O epode do mesmo ramo , e a strophe iiiime-


diala erarn com^o se segue :

Vem infiel Apostolo,


Apalpa as refulgentes cicatrizes
Das amorosas chagas
Que o teo crime resgatam : <
He elle ; não duvides ; alegrai-vos ,
De júbilo exu ltai, ó Ceos e Terra.
S trophe.
Vós o vistes , Discipulos ditosos,
Glorioso Esquadrão , que se nutria
De amor casto e divino,
Mais de quinhentos humilhando o rosto
Entre vivos transportes
Adoraram o Deus ressuscitado ,
A Divindade amiga dos humanos.

P O E S IA S

(8) Estes dous versos eslavara no original assim :


Em vão forçejas apagal-o ; irado
Um Deus a chamma abrasadora acende.

((^) O ultimo epode era do modo que passo a Irans-

!f riV.i >
crever.
O Messias divino ,
l M -
Assim tu fielmeule o predi/ias,
Í. m'dr
E OS mcos olhos encontram
!i
O vagabundo povo ,
Depois de tantos revolvidos séculos,
Da tua divindade sendo a prova.

'i

O'.

ODE M l l .a
SACRAS. 97

O D E ‘V 111.
S O B R E O M E S M O A S S U M P T O .

Strophe i.®

JV etum ba em fim de P au lo a voz d iv in a ,


E sc u ta h o m e m c td p a d o :
E m b o ra o escarneo v ü , co m m ã o f e r in a ,
A tua fa ce to rn e im p ia e m a lin a ;
V e rá s ajoeUiado
i
T o d o o m u n d o adorai' seo M estre am ado.

Antistrophe i.»

V a e , ó M u sa , a fin a r o u tro in stru m e n to ;


T r a s e a ly r a son ora
Do cisn e de Isra e l : n ão visto in te n to ,
Elevado in au d ito p en sam en to
M e o ccu p a e m e n am o ra ,
Q u e re q u e r voz su b lim e , e en ca n ta n d o ra .

Epode i .°
Do L ib an o se ab alam
Os 'a lto s cedros já de o u v ir -m e anciosos :
E os ventos furiosos
O seo zu n id o c a la m ;
D e p e rtu rlia r m eo ca n to tem orosos.

II. . 7
•V

<^8 PO ESIAS

Strophe 2.®

Nao sórdida A vareza ,* n e m cru en ta


A m bição d esh u m an a ,
Q u e de h o n ra s vans e san gu e se alim en ta ,
A m in lia voz sin ce ra m o v e , e alen ta :
N em já p a x ã o in san a ^
O peito dos m o rta e s cativ a e en g an a.

Antistrophe 2.®
E m lon g a assidua g u e rra co m b a ter~ te
■ E depois de co rta d o
O m erecid o lo iro , r e fa z e r -te ,
P a ra de n ovo m ais e m ais v e n c e r -te ,
Ate v e r su ílocado
O leão q u e em ti ru g e c o n c e n tra d o .
V

Epode 2.®
E sg o ta r valoroso
A m argo C alix ; d ’elle im b r ia g a r -te ,
E co m o R e o poi t a r - t e
A nte o D eus ju stiço so :
E is o que v e n h o , ó H o m em n u n c ia r - te .

Strophe 3 .®
D o m im d o fe p o m p a e o friv o lo co n ceito ,
A rm ado de h u m ild a d e ,
D esp rezar c o m se re n o , led o aspeito :
I E ao esp len d o r, que e x ig e vão r e s p e ito ,
^?5í. i
F ru g a l sim p licid ad e
E a p o b rez a a n te p o r , e a carid ad e.
S A C K A S. 99
Antistrophe 3 .®

E is a lei q u e p ro m u lg a o D ens q u e desce


Dos Ceos á te rra in g ra ta .
Q u e ri’u m a C ru z p en d en te se offerece ,
f
E n tr e dores e x p ira , e d esfalece ,
E n tre g a n d o -se a m o rte
P a ra dos h om en s m e lh o ra r a- so rte.

Epode 5 .®
D o tu m u lo h o r r o r o s o ,
C o m m agestade n o v a , eis erg u e a fre n te :
E .ago ra r e f u lg e n t e ,
M ais q u e o S o l lu m in o so
N os Ceos , in sp ira e b rilh a astro lu z en te.

Strophe 4 .®
Assim P a u lo falava , e sem a b rig o ,
S e m p ro te c to r m u n d a n o ,
P e g e n e ra r in te n ta o o rb e an tig o :
C om desprezo c r u e l , rosto in im ig o ,
O m ed e s o b e r a n o ,
D o m u n d o o sabio liso n g eiro e u fan o.
»

Antistrophe 4.»
A rm ai-v os , ó te rre n a s P otestad es ,
V ib ra i a ferrea espada
D o S e n h o r co n tra o C h r is to , atrocid ad es
P r a t i c a i , e m il novas cru eld ad es 5
D a vossa m ao arm ada
S c rí a m áo que faz viver o nada. '

f
lo o r O E S IA S

JEpode 4 .®

E is ro m p e de Ju d ea
E squ ad rão abrazado em fogo axden le ,
D e u m D eus ju s to e c le m e n te

/
A sublim ad a idea
D e rra m a n d o , e n tre a ce g a h u m a n a g en te.

Strophe 5 .®

Q u a m bellos são os pés dos qu e a n n u n cia m


A Candida verdade !
O s te rn o s olhos la dos Ceos d escia m
O s celestes E sp irito s , q u e os viam ,•
E da sua beld ade
S e e n a m o ra v a a m e sm a D ivindade.

Antistrophe 5 ,®

Q u e m , ó co b a rd e P e d ro te rev este ,
De p e ito d ia m a n tin o ? ./
T u já n ão es o fra c o q u e te m e ste
C onfessar o teo M estre , q u e offendeste :
F ir m e e de p asm o d in o
D a m o rte a rro stra s o p u n h a l fe rin o .

Epode 5 .°

P e lo p ó desolada ,
. S e rev o lv e a co n fu sa Id o la tria ,
E fu rio sa ’ b r a m ia
V en d o lu z ir alçad a
r'®' ■< '-i'
A C ru z que o sangue do h o m e m D eus tin g ia.
$ A C R A s. 101

Strophe 6.»

A p a re c e i, ó M a rty r e s a ltiv o s :
A v en eran d a fre n te
D os se p u lch ro s e r g u e i , fazei aos vivos
V e r q u a n to algozes feros v in g a tiv o s
T r a b a lh a m c o m in g e n te
F u r ia , p o r d e stru ir a F é n a sce n te .

Antistrophe 6.»
A qui em b o rb o tõ e s v e jo ferv en d o ,
C ald eiras a b r a z a d a s ,
E n ellas m ã o tir a n a rev olv en d o
Os servos do S e n h o r , ju s to , e tre m e n d o :
N av alh as afiadas
Ali g ira m em rod a a cce le ra d a s.

Epode 6 . “
D u ro fe rro b u id o
As carn es ta lh a á tim id a donzela , •
Q u e d elicad a e b e l l a ,
C o m p e ito revestid o
D e d ivino v ig o r, os Ceos an h ela .

Strophe 7.®

C h am m as , alfan g es , cav alletes d u ros ,


O oleo , o p êz fe rv e n te ,
G rilh õ e s , c á rc e re s fétidos , e im p u r o s , •
N ão fazem v a c ila r os gênios p u ro s
Q u e in fla m a a m o r a rd e n te ,
A cceso p ela m ão do O m n ip o te n te .
P O E S IA S

Antistroplie 7.=

A o C h risto do S e n lio r já m il a lta re s


V o tad o s a p p a re ce ra ,
C h eiroso in ce n so told a os m an so s ares ,
S e o n o m e já povoa a te r r a e os m ares
J á os b ra ço s d esfalecem
D osque c o n tra os seos servos se e m b ra v e c e m .

Epode 7.°

O ’ h o m e m a tr e v id o ,
A m ão o m n ip o te n te e v e n ce d o ra
R e sp e ita , e h u m ild e ad o ra ,
L* Q u e O m u n d o e n fu re c id o
D om ou , e n e lle a c ru z tr iu n fa n te a r v o r a .'

-JKf:' i'.-
S A C n A s. 3o 5

ODE IXJ
S .O B R E O M E S M O A S S U M P T O .

u E so p ro a g ita a m e n le ferv o ro sa ,
Q iie em vós c lia m e ja , A postolos sag rad os ?
Acaso do In te re sse a m a o im p u r a
A m o v e e desatina ?

O n an tes de v a n g lo ria sn b til fu m o


A d eslu m b ra , e em d elirios e x a lta d a
V o s im p e lle a c o r r e r p recip ita d o s
P e r e n tre m il p ej igos ?

D eix astes tu d o , É sp osa , am ig os ^ P a tr ia ,


U rn h o m ern de a m a rg u ra a n n u n cia n d o
C o m o su p rem o N u m e , q u e se assen ta
S o b re os fu lg en tes Astros.

O b ra ç o lev a n ta is 5 eisque a te rra d a


Estrem ece a n te vós a Id o la tr ia :
E qu erereis acaso qu e de novo
S eo b afo resp ire m o s ? '

N áo , h o m e n s i m m o r t a e s , d e v o s so s lá b io s
Só p e n d e a t e r n a , C a n d id a v e r d a d e ,
E lla a p e n n a m oveu co ra qu e traçastes
As reg ras da Ju stiç a .
1o 4 POESIAS
H o n ras , riquezas , se m p re aos pés c a lc a s te s : I
A m argo o p ro b rio foi a vossa h e ra n ç a :
S e m fau sto e p o m p a , so de D eus o n o m e
E x a lt a r an h elastes. II
»
B an h ad a do in n o c e n te p u ro san gu e
D e vossos co ra çõ es , ain d a fu m e g a
A te r r a , qu e das g a rra s a rra n c a ste s
Aos falsos m u d os Deuses.

C ru e n to testem u n h o os factos sella ,


Q u e re tra ta ste s c o m lin g o a g em lim p a
D as falsas tin ta s q u e m a n e ja a stu ta j
A fectâção p r o te rv a .

N u n c a ig u a l singeleza da Im p o stu ra
S eg u iu os passos trêm u lo s e in c e rto s.
N u n ca a d o ce riso n h a In g en u id a d e
S e m o stro u ta m visivel.

D o seio escu ro da so m b ria M o rte ,


G lo rio so su rg ir vistes o F ilh o
D o E t e r n o P a d re , vistes vosso M estre
Q u e h u m ild es ad o rastes.

Q u a n ta s v e z e s , a sua voz p o te n te
As ond as soceg ou : q u an tas da M o rte
Q u e b ro u a d u ra fo ice : e do se p u lck ro
S o lto u as triste s v ictim a s !
sA C Tl A S. lo5
V o s O ju ra ste s c o m c o risla n cia in v ic ta ,
E O m u n d o c o n v ç n cid o ad ora o g ra n d e
P ied oso D e u s , q u e a F é n q p e ito du ro
L h e g rav o u co m p assiv o .

O BSE R V A Ç Õ E S , E N O TA S.

Estas duas ultimas odes pelo estado imperfeito


em que se achavam, e que mal pude disfarçar com
minhas debeis correcções , devem ser olhadas mais
como esbossos dos quadros que representam , do que
como pinturas acabadas. Hesitei se as daria ao pu­
blico , mas como urna e outrá, respirando a pie­
dade que abrazava o espirito do autor , servem
ao menos para da-lo a conhecer , julguei que devia
assim mesmo publica-las , aplicando-lhes algumas
emendas que não aponto por isso que da conserva­
ção dos logares originaes , que aliás seria forçoso
transcrever , nem gloria pode resultar ao autor ,
nem instrucção própria a formar ’O gosto das leitores
ainda moços que se dispozerem a imita-lo na poesia.
Entretanto não serão inúteis para os que se dispo­
zerem a imita-lo na piedade , e virtudes Christans.
w

106 P O E S I A S

ODE X."
A ’ P A IX A O D E N . S . J E S U S C H R IS T O .

JLR E ME Je ru s a le m : o Deus S n p i’ein o ,


D o seo l)rilh a n te ih r o n o ,
C o’ à ca b e ç a a cen o u , e o C eo tre m e n d o
P r o m e te g ra n d e estra g o .
E u já v e jo teo s m u ro s ab a tid o s ,
T u a s casas , teos te m p lo s saqu ead os. •
Aqui a Alae p erd id a ,
P álid o o ro sto , soltos os c a b e llo s ,
S e n te a r r a n c a r -s e o F ilh o ,
‘Q u e ella ao p e ito ch eg a n d o em vão defen d e.
' As m iseras e n tra n h a s
Dos velhos sa cerd o tes p a lp ita n d o ,
F u m e g a m ju n to ás v ic tím a s piedosas
Q u e á Deus sa c rific a v a m .
C e s s a i, c e s s a i, in fin n es sa crifício s :
O u v i , ó G ré cia , ó R o m a ,
D e crim es h o rro ro so s a p in tu r a ,
Q u e N ero n ã o f o r já r a .
O ’ F ilh a de S io m , n o p ó te assenta ,
C o b re de h u m ild e cin z a o leo cu lp a d o
E fem en tid o ro s to .
C o m o ain d a e x istiz , ó S o l , ó T e r r a !
S A C K A S. 107
D e d u ros ferreo s ra a llio s
S in to so a r os rep etid o s g o lp e s ,
N o G o lg o th a tre m e n d o ;
R ijo s agudos cra v o s sem p ied ade
R asg am cru éis ferid as : já sem b la n te
N ão te m , n ão te m belleza
A quelle q u e d o m in a so b re os a stro s ,
D e c u jo acen o p en d e
E n ca d e a d a a ord em do U n iv e rso .
Q u e m fa rá n o m eo seio
D e la g rim a s b r o ta r in esg o táv el
C om passiva to rre n te ? e n o it e , e dia ,
De Ju d á so b re os c rim e s
D e rra m a re i in c o n so lá v e l p r a n to .
Q u aes esfaim ad o s L o b o s ,
Q u aes leòes ru g id o res se a p a re lh a m
S a n g u in o so s v e rd u g o s ,
E m il n o v as cru ez a s in v e n ta n d o ,
De verde n e g ro fel a féz o fferecem
Ao Deus da N atu reza .
E n t r e h o rro re s , a M o rte in v o lv e a fa ce
Do p ro p rio A u tor da v id a !
E sc u re c e te , ó S o l , n o m eig dia
A n oite n eg ra e fea
D o esq u ad rão das trev as rod ead a ,
S o b o m a n to n u b lad o , o teo lu zeiro
Abafe triu n fa n te .
E s c o n d e -te , Israel j m irrad o s co rp os
.4
io 8 P O E S IA S

S u rg e m das fria s cam p as :


T r e m e o O r b e , de h o r r o r : fen d em -se as p ed ras
# Do T e m p lo o veo se rasg a :
Tf h '
E m g e ra l lu to en v o lta a N a tu re z a ,
» Q u e fizeste , Isra e l ? » te está b ra d a n d o .
Je ru sa le m , que v e jo !
Q u a m d iferen te estás d^aquelle a n tig o
E sp len d o r q u e lu zia ,
Q u an d o so b re a m o n ta n h a su b lim a d o
Je h o v a legislava :
D e tro v õ es r e tin ia o c r e b r o e stro n d o ,
C h a m e ja v a m relâ m p a g o s , e e m to r n o
Os ares e n cresp a v a
D enso fu m o q u e o m o n te despedia.
E n tã o a voz d iv in a ,
E n t r e o a sso m b ro da T e r r a , C e o s , e A b ism o ,
C o m p a te rn a l c a r i n h o ,
Os p re ce ito s le m b ra v a , q u e g ra v á ra
N o p eito dos h u m a n o s. D o b ra o c o llo ,
O co llo em p e d e rn id o ,
O ’ su b erb a S io m . J á n ã o divisas
O S a n tu a r io au g u sto :
As tu a s erm a s ru^s n ão te m o stra m
M ais qu e o p ó q u e dissipa
O ven to fu rio so -, e T i t o a ca b a
De p ro v a r o teo c r im e a o M u n d o in te ir o .

1^1
SACRAS. 109

DEPRECAÇAO 1/
A’ V I R G Ê M M A R IA N O SSA SEN H O RA .

M, ■INHA M a e , raeo refu g io , e m in h a gu ia y


H u m ild e im p lo ro , a vossos pés p ro stra d o ,
D o m eo D eus o perd ão p a ra m il c r im e s ;
V a le i a u m d esgraçad o.

O ’ dia h o rre n d o em q u e do D eus su p rem o


E u o n o m e n e g u e i, e re sv a la n d o
D e p e c ca d o em p e c c a d o , ás b ru ta s feras
M e fu i a s s im ilh a n d o !

Ah ! n u n c a m a is o S o l seos raio s v ib re
A legres n este dia ; e de tristez a
U m la m e n to g e ra l resoe em to rn o
De to d a a red on d eza.

S e n h o ra , de q u em sou u m servo in d in o ,
C o raq u e p a la v ra s lo u v a re i teo n o m e ?
T u foste a A urora do form o so dia
i %
E m q u e dos Ceos b a ix a n d o ,

A p az n ã o duvidou seo n iv eo m a n to '


S o b re a te rra e s te n d e r , p u ros deleites
F a z e n d o r e b e n ta r nos ferreos peitos
■ JA.
Dos m iseros h u m an o s.
i
'1u

É : = no POESIAS

Jm a g e n i b ella do S u p re m o N u m e ,
D esenhada la desde a e te r n id a d e ,
E digna de m a n d a r os C e o s , e a T e r r a ,
D e que es a S o b era n a ! ^

O ’ M ae do m eo S e n h o r , em l)ora irad os
i l ..
A c a rn e , e o M u n d o , e o b a rb a ro in im ig o
Q u e do T a r la r o h a b ila o la g o im m u n d o ,
C o n tra m im se e m b ra v e c a m .

N ada já tem o : d e n tro n o teo seio


B u squ ei segu ro asilo. T u qu e fazes ,
O rg u lh o sa S u b e rb a ? E t u , fu m a n te
B r u ta l se n su a lid a d e ?

T r e m e i : que ra ia em fim d o ce esp era n ça


D e v e r -v o s so to p ostas aos cla m o re s
Da raz ã o q u e p r e n d ie is , u su rp a n d o
Os seos n o b res d ire ilo s.

F a t a l p ecca d o do p r im e ir o h u m a n o ,
Q u e de id ad e em id ad e d o m in a ste ,
N em se m p re has de a c u rv a r a en ferm a ra ça
Do h o m e m d esg raçad o .

V em , M a ria , vem ser o m eo e in p a ro


M in h a lib e r ta d o r a , e m in h a g lo ria ,
N o m eio dos p eccad o s qu e m e o fu scam
O E s p irito a b a tid o .
S A C R A S. 111

Q u a i c ilic io a p e rta d o m e c o m p rim e m ,


P e r toda p a rte , seos a n tig o s la ço s :
V em d e sp re n d e r-m e da cad ea inFam e ,
C om qu e m e te m lig ad o .

V em s a lv a r -m e , ó Esposa do Deus vivo ,


P e lo san g u e do Deus , qu e so b re a T e r r a
N áo d uvid ou m o r r e r , p a ra resgate
Do p ecad o r in g ra to .
t.T >

112 PO ESIA S

DEPRECAÇÀO II/
A’ M E S M A S E N H O R A .

E s p o s a do Deus vivo , T e m p lo augusto


Do S e n h o r qu e g o v e rn a os C eos e a T e r r a ,
E scu ta os m eos g em id os , e do ab ism o
Do p ecca d o a m in h a a lm a d e se n te rra .

O ’ das F ilh a s dos h o m e n s a m a is heUa ,


E m c u jo seio , am ig as se a b r a ç a r a m
A ju s tiç a , e a c le m e n c ia , e p elo s h o m en s
C o m v in cu lo d iv in o se lig a ra m .

M ae de m eo Deus , re fu g io esp era n ço so


D o p e c a d o r a íílilo , vem depressa
E m m eo so c o rro c o n tra o vil im ig o ,
Q u e de b r a m ir em rod a n u n c a cessa.

L e m h r a - te q u e n a c ru z c r u e l , o san g u e
S e verteu do teo F ilh o a n g u stia d o ,
P a ra as ch a g a s la v a r to rp e s , e im p u ra s
Do p e c a d o r q u e a c u lp a te m m a n c h a d o .

O ’ d oce p e n sa m e n to , que d e r r a m a s ,
L iso n g eira e s p e r a n ç a , n o m e o p eito ;
E a p ro te cçã o b e n ig n a m e asseguras
D’aq u ella aqu em o C eo vive su je ito .
a ’ im m o r t a l id a d e
SACRAS. llO

A’ IMMORTALIDADE DA ALMA.
SONETO.

S im eu sou im m o rta l. B ra m in d o esp u m e


A M ald ad e c r u e l , e d esg ren h ad a ;
M o rd a -s e e m b o ra , p o is n âo p o d e ira d a
E x l i n g u ir da razão o vivo lu m e . •

C rêde , c a ro s am igos , n ã o co n su m e
D o T e m p o estragad or a fo u ce erv ad a
E sta viva fa isca , qu e abrasad a
C ah iu do so p ro do su p rem o N u m e.

O Ju s to so b re a T e r r a , aos Ceos ergu en d o


Os algem ad os b raços , e o tir a n o
V ic io n o tliro n o c o m o p é b a te n d o ,

F a z e m fu g ir o rcfalsad o E n g a n o
Q u e e m vão f o r c e ja , p a ra ver gem en d o
D a verd ad e o sisudo desengan o. Ú

■ \
K

3 l4 POESIAS SACRAS.

NA Ï^RESENÇA DE UMA GRANDE


TROVADA. .

SONETO.
I

T r e m e i h ú m a iiò s : to d a a n a tu r e z a ,
Do seò D eus ao’ a ce n o c o n .o c a d a ,
iio b re n eg ro s trov õ es su rg e s e n ta d a ,
E m c ru e l fu rla c o n tr a n o s a cesa .

Do r o s to 'S e ó esco n d e in a b e lle z a ,


M ed on h a escu rid ad e a c o m p a n h a d a ■■
D e ah razad o res ràios , e pesada
S a ra iv a q u e n o a r estava p resa .

Agora p erd e a c o r de m ed o ch eio ,


O M o n a rc h a f e lii , e p o d ero so , '
Q u e o v il o rg u lh o a b rig a n o seo seio.

T u d escoras tá ra h em , A theo vaid oso ,


E m en os cego sem a c h a r esteio ,
A m áo , qu e n e g a s , b e ja s d u v id oso.

il

'ri.
P O E S IA S

PROFANAS.

:V

ii
POESIAS
P R OF ANAS .

CANTATA.
P I G M A L I A 0 .

J A da lu c id a A u ro ra sc in tila v a
O tre m u lo fu lg o r , e a N o ite fria
N as m ais re m o ta s p ra ia s do O c c id e iite ,
E n t r e ab ism os gelad os , se esco n d ia .
A m o r im p a c ie n te
Dos F ilh o s de M o rp h e o se a co m p a n h a v a ,
E de P ig m a liã o a a ltiv a m e n t e ,
C o m liso n je iro s s o n h o s , afagava.
O ra de G a la th e a ,
A estatu a airosa e b ella ,
O b ra do seo c i z e l , o b ra divin a ,
S e lh e avivava n a am o ro sa idea :
O ra cu id ava v ê-la
P o u c o a p o u co a n im a r -s e ,
E a m a rm ó re a d u reza tra n s fo r m a r -s e
E m s u a v e , v ita l b ra n d u ra , d in a
D’aq u ella que em C y th era ,
S o b re os A m o res e o P ra z e r d om in a..

r
PO ESIA S

S o b re sa lta d o fre m e ;
E e n tr e illu sô es esp era
G a la th e a a p e r ta r tio s te rn o s b r a ç o s :
M as su b ito d esp erta
P r o c u r a - a , n ã o a vê ; su sp ira , e g em e.
E n t ã o , co ra ro sto triste e ca rre g a d o ,
O c o rp o erg u e ca n sa d o ,
E m a l firm a n d o os p a sso s,
G ira n d o a v ista in c e r ta
P e la vasta o fficin a , o bu sto e n c a r a
Da m a g eslo sa J u n o ,
Q u e ju n to co lo c á ra
Ao do im p la c á v e l, fe ro D eus N e p tu n o :
L a n ç a m ã o do c iz e l ; erg u e o m a r te lo ;
R e p o li-lo s in te n ta ,
E o e x tr e m o id eal to c a r do b e llo .
M as o ciz el da m ã o se lh e e x tr a v ia ;
F r o x o o m a r te lo assenta ,
E n a vivaz a rd e n te fa n ta z ia
S ó G a la th e a c o m p r a z e r re v ia .
A cceso , a rre b a ta d o
De in so lito fu r o r q u e b ra , esm ig alh a
O m á rm o re in c u lp a d o
D os b u s to s , q u e p o lia :
A rre m e ç a p e r te rra , e (i tò a esp alh a
O m a r t e lo , e o c i z e l , co m q u e tr a b a lh a .
V o lv e os o lh o s , re p a ra
D e G a la th e a am ad a
PROFAJSAS.

N a fo rm o su ra rá ra ,
E ferid o de A m o r , cu rv a tre m e n d o
O s jo e lh o s , e já n a o lh e cab en d o
D e n tro d ’a lm a e n c a n ta d a
O tra n s p o rte q u e o a g i t a , a rd id o b r a d a :
« O ’ tu , q u e os Deuses do O lim p o
’» F e re s d e -in v eja , e de e s p a n to ,
» P o rq u e n u n c a p o u d e ta n to
» T o d o o seo a lto p o d er ;
j) H e possivel q u e re u n a s
» T a n t a g ra ça , ta l b ellez a ,
» E te n egu e a N atu rez a
» R e s p ir a r , s e n tir , v iv er ?
» E is do genip o p ro d ig io so b e ra n o :
» N em p o d erá ja m a is o sp V ito h u m a n o ,
» D epois de re m a ta r esta o b ra p r im a ,
» C o n te r fo rça s o b e ja ,
» Q u e pod erosa s e ja ,
» P a r a n o v o s in v en to s , s e m q u e o o p r im a ,
•» T a m g ra n d e esforço d W t e ,
)) E esm o recid o d e sfa le ç a , e ca ia ,
» A m o r , ó D eu s, sem q u em tu d o d esm aia ;
» A m o r qu e m e gu iaste
» O su b lim e ciz el n esta a rd u a e m p v e z a ,
» Ah ! d e s c e , vêm 5 re p a rte
)) Da m in h a vida p a rte
» C om aq u ella , que tu a v a n ta ja ste
)) A’ Deusa da belleza :
POESIAS
» S u p re assim o la n g u o r da n a tu re z a :
» In flu e doce a le n to
. « N a m in h a G a la tlie a ta m fo rm o sa :
» In flu e lh e ra z á o , e se n tim e n to .
» O ’ A m or ! ó D eidade g ran d io sa !
» A n im a -a do c a l o r , em q u e ab razad o
» M eo c o ra ç ã o a teo p o d er se re n d e :
R o u b a a Jo v e esse fa ch o su b lim a d o
» D o q u al a vida p en d e :
» S a c o d e , v ib ra a c h a m m a ,
» Q u e os m o rta e s a v iv e n ta , a n im a , ín fla m m a ,
» O ’ A m o r ! ó Deus g ra n d e ! p e r q u em vive
)) Q u a n to n os vastos m a res
» S e volve , e q u a n to ta lh a os leves ares 5
» P e r qu em tu d o r e v iv e ,
» E c u ja m ão p o te n te d e se n c e rra
» A v ita l fo rça q u e fecu n d a a te r r a !
» E scu ta a voz q u e o teo s o c c o r ro im p lo r a ,
» E a m in h a G a la th e a
» P ossa eu v er sem d em o ra
» S e n tir o fogo , q u e em m eo p e ito o n d ea .
» Deuses , se isto im p ed is , de n o v o digo
» Q u e In v e ja n e g ra e fea
» E m vossos co ra çõ es a c h o u a b r ig o ,
» M as q u e v e jo ! ó ju sto s ceos !
» T r e m e o m á r m o re e resp ira ,
)) E p a re ce se r e tir a
y> Ao to q u e de m in h a m ã o !
r Pi O F A N A s . 12 L

)) R u b ro san g u e as veas g ira ^


» J á seo b ra ç o m e rod ea ,
» E da lin d a G a la th e a
» J á p a lp ita O c o ra ç a o !
)) N os olh os lh e c irc u la , eu nao m e e n g a n o ,
» O teo f o g o , Ó A m o r ! lio je cessaste
» D e ser u m Deus t y r a n o :
» H o je so b re os m ais Deuses te elevaste.
» Q u e te d i r e i , A m or ? . . . O l h a . . . . re p a ra ,
» N as faces d elicad as
» As g raças a n im a d a s
/i > » A tean d o desejos , e c o m p a ra
» T u a s a cçõ e s co m esta q u e fizeste :
» V e b e m c o m o a li m esm o te e x ced este :
» P ra z e re s fe rv o ro so s,
» S u sp iro s e n c e n d id o s ,
» T r a n s p o r te s an cio so s ,
» M il ais in te rro m p id o s ,
)) Afagos e d e le ite s , c o m o em b a n d o ,
» P e la v olu p tu o sa
» C in tu ra , m a is q u e airosa ,
V
» Q u a l a h era se e n r o la m , m istu ra n d o
» As en g raçad as fre n te s j
» E de m im o s ard en tes , í
Ï '1

» D e d elicias m in h a a lm a rep assan d o.


>) O ’ G a la th e a ! ó m in h a doce vida !
» T u m e faltavas só p a ra e n d e u s a r-m e ,
)> E de im m o rta e s p ra z eres in u n d a r - m e .
12'2 P O E S IA S

» A gora b ra m e ira d a
» A n a tu re z a c o n tr a m im erg u id a !
» N ao a receio , e nada
» Já n ie pode a s s u s ta r , p o rq u e te v ejo ,
» R esp on d er a m eo fervid o d e s e jo ; ^
» D a r vida a n ov os s e r e s ,
» C re a r o s e n tim e n to
» De m il n ovos p ra z e re s :
» E is 5 ó Deuses ! sem duvida a a m b r o s ia ,
» O d iv in a l s u s te n to ,
■'Ip J » A suave celeste m elo d ia ,
» Q u e e m b e b e de a le g ria ,
» E to r n a glorioso o F irm a rïie n to ! »
H'
I

C o m este p en sa m en to
T r a n s p o r ta d o c o n te m p la a G a la lh e a
( Q u e , ou m ova a m ed o os passos ,
•3 !;i O u rev o lv a o se m b la n te
O u já re c u rv e os b ra ço s
'■"l !■'
E m to r n o ao seo a m a n t e ,
A ca d a m o v im e n to ,
A cada^novo in s ta n te ,
' S e n te u m a n o v a idea ,
S e n te u m n o v o p r a z e r , q u e a sen h o rea ) ,
E n tã o o u tro p ro d ig io A m o r o b ra n d o ,
A lin g o a g em dos sons v a i-lh e in s p ir a n d o ,
E de re p e n te u san d o
D ’este d ote su b lim e

às

6^7
PRO FA N A S. 120

A feliz G a la th e a assim se e x p r i m e :

« E s te m á r m o r e qu e l o c o ,
)> E sta flo r t a m g ra cio sa ,
» N e m esta a rv o re f r o n d o s a ,
» N ad a d’isto , n a d a h e eu :
* » M as , ó tu ! q u e a n te m im v e jo ,
» Q u e to d o o m eo p e ito a b a la s ,
» Q u e ta m d o ce de a m o r falas.
» Ah ! tu sim , ta m b é m es eu.
» V e m a m ira q u erid o o b je to ,
a A p e r ta -m e n o s teo s b ra ç o s ;
» C o n v e n c e -m e em te r n o s la ço s ,
» Q u e eu e tu som os so eu . »

N OTA.

O verso do segundo recitativo :


Se volve , e quanto talha os leves ares ,
estava no original assim :
Se volve , quanto habita os densos ares.

Alem d’esta , as principaes alterações , que fiz nesta


bellissima composição, foram no ultimo recitativo, e
na ultima aria. No recitativo os versos que alterei, c
vam marcados como signal ( ) , estavam assim no ori­
ginal :
Que ou volva a medo os passos,
Ou gire o seo semblante ,
Ou aredonde os braços
Em torno ao seo am ante,
Em cada movimento ,
Em cada novo instante , etc.
124 POESIAS
A ultima aria estava da maneira seguinte; ; '

Esle mármore que loco ,


Essa flor lam graciosa ,
Nem essa arvore frondosa ,
Nada d’isso , nada he eu.
Mas ó tu quem quer que c s ,
Que todo o meo peito abalas ,
Que tam doce de amor falas,
Ah í tu sim , tu inda es eu.
Vem a mim querido objecto ,
Vem cercar-me com leos braços,
E assim preza em doces laços
Couvencer-me que inda es eu.

As razoes que me moveram a fazer as alterações


:íi|y:ífc
que fiz , parecem-me assaz palpaveis ; e por isso me
poupo ao trabalho de expô-las aqui. Com tudo como
em poesia , considerações de gosto devem muitas vezes
prevalecer sobre considerações philosopbicas ou gra-
m alicaes,por isso assentei de conservar nesta nota
a lição propriamente do autor.

,\

.>
■ , ‘fH'.

íí-'«
P R O F A N A S . 125

O D E .

AO H O M E M S E L V A G E M .

Strophe i . ”

O H O M E M , q u e fizeste ? tu d o b rá d a ;
T u a a n tig a g ra n d ez a
De tod o se eclip so u ; a paz d ou rad a ,
A lib erd ad e c o m ferro s se vê p reza ,
E a p alid a tristeza
E m teo ro sto esp arzid a desfigura
D o Deus , q u e te creo u , a im a g em p u ra .

A n tistroplie i.»

N a C ith a ra , q u e e m p u n h o , as m ãos grosseiras


li
N ão poz C a n to r p ro fa n o 5 fá
E in p re s to u -m ’a a V e rd a d e , q u e as p rim eira»
C an çõ es n ’ella e n t o a r a ; e o v il E n g a n o ,
O e rro d e sh u m a n o .
S u a face escond eu esp av orid o ,
C u id an d o ser do m u n d o em fim b an id o.
12G P O E S IA S

Epode 1. "

Dos Ceos desce b rilh a n d o


A altiv a In d e p e n d e n c ia , a c u jo lad o
E rg u e a razao o sc e p tro su b lim a d o ,
E u a o iço d icta n d o
rV
Er'
V ersos ja m a is ouvidos ; R eis da T e r r a ,
T r e m e i á vista do q u e a li se e n c e r r a .
. *3,
o
kï',ïi
Strophe 2 . “

Q u e m o n tã o de cad eas v e jo alçad as


C om o n o m e b r ilh a n te
D e leis , ao b era dos h o m en s co n sa g ra d a s !
A INatureza sim p les e c o n s ta n te ,
C o m p e n n a de d ia m a n te ,
E m breves reg ra s escrev eu ’ n o p e ito
Dos h u m a n o s as l e i s , q u e lh es te m fe ito .

Antistrophe 2.»

O teo firm e a lic e r c e éu n ã o p reten d o ,


S o cied a d e s a n t a ,
in d is c r e to a b a la r : so b re o trem
/ en d o -
A ltar do c a lv o T e m p o , se le v a n ta
U m a voz qu e rae esp a n ta ,
E a p o n ta o denso véo da A n tig u id a d e,
Q u e á liiz escon d e a tua lo n g a edade.
Da d o r o a u ste ro b ra ç o
S in to n o a fflicto p e ito c a r r e g a r - m e ,
E as tre m u la s e n tra n h a s a p e r t a r - m e .
O ’ ceo s ! qu e im m en so esp aço
N os sep ara d’aq u elles doces a n n o s
Da vida p r im itiv a dos h u m a n o s !

Strophe 5 .®

S a lv e dia feliz , que, o lo iro A pollo


R iso n h o a lu m ia v a ,
Q u a n d o da N a tu rez a so b re o c o llo
S e m te m o r a In n o c e n c ia rep ou sava ,
E os h o m b ro s n ao cu rv a v a
D o déspota ao a c e n o en fu re cid o ,
Q u e inda a T e r r a n a o tin h a c o n h e c id o .

Antistrophe 3 .

Dos férvid os E th o n te s d eb ru çad o


N os ares se s o s tin h a ,
E c o n tra o T e m p o de fu r o r a rm a d o j
E s te dia a lo n g a r p o r g lo ria tin h a ;
Q u an d o n u v em m esq u in h a
De desordens seos raios eclip sa n d o ,
A N o ite foi do A v ern o a fro n te a lça n d o .
I

128 r OE S I A s

Epode 3 .®

S a h iu 'do c e n tr o escu ro
D a T e r r a a d esgren h ad a E n fe rm id a d e ,
E os b ra ço s c o m qu e , u n id a á C ru e ld a d e ,
S e a p erta em laço d u ro ,
E sten d en d o , as ca m p in a s vai ta la n d o ,
E os m iseros h u m a n o s la c e r a n d o .

Strophe 4 .=*

Q u e au g u sta im a g e m de esp le n d o r su b id o
A n te m im se fig u ra !
N u 5 m as de g raça e de v a lo r vestido
O h o m e m n a tu r a l n ã o te m e a d u ra
F e a m ã o da V e n tu r a ;
N o rosto a L ib e rd a d e tra z p in ta d a
De seos sérios p ra z eres ro d ea d a .

Antistrophe 4 .**

■Ui D esp on ta , ceg o A m oj’ , as setta s tuas ;


O p á lid o C iu m e ,
F ilh o da Ir a , co in as vozes suas
N ’ um p eito liv re n ão a c c e n d e o lu m e .
E Ä Ä kf ■ E m vão b ra m in d o e sp u m e ,
I
■Jlf
* 1 1
Q u e eile in d o ap o z a d o ce N a tu rez a
Da F 'an tazia os erro s n ad a preza.
Epode i . "
Epode 4 .“

S e v e ro v o lte a n d o
As azas d en eg rid as , n ão lh e p in ta
O n u b la d o fu tu ro em n eg ra tin ta
D e m ales m il o b an d o ,
Q u e , de E s p e c tro s c in g in d o a vil f ig u r a ,
D o sab io to rn a m a m o ra d a du ra.

Strophe 5 .»

E u v e jo o m o lle so m n o su su rra n d o
Dos o lh os p e n d u ra r-s e
D o fr ô x o C a ra ib a q u e , e n c o sta n d o
Os m e m b ro s sõ b re a relv a , sem t u r b a r - s e ,
O S ò l vê le v a n ta r -s e ,
E n as o n d a s , de T h e tis e n tre os b ra ço s j
E n tr e g a r - s e de A m o r aos doces laço s.

, Anlislroplie 5 .®

O ’ R a z ã o , o n d e h ab itas ? . . . . n a m o ra d a
D o c rim e fu rio sa ,
P o lid a , m as c r u e l , p a ra m e n ta d a
C om as rou p as do V ic io ; ou n a ditosa
C ab an a v irtu o sa
Do selvagem g r o s s e ir o ? .... D ize.......aon d e ?
E u le c h a m o , ó p h ilo so p h o ! resp on d e.
II. 9
i;> o P O ESIA S

JEpode 5 ."

Q u a l o a stro do dia ,
Q u e n as a lta s m o n ta n h a s se d e m o ra ,
D ep o is q u e a luz b r ilh a n te e c r e a d o r a ,
N os vales já s o m b r ia ,
Apenas aparece ; assim me prende •
O H o m em n a t u r a l , e o E stro a c c e n d e .

Strophe 6 .*

D e tre sd o b ra d o b r o n z e lin h a o p eito


A qu elle im p io ly r a n o ,
Q u e p rim e iro , e n ru g a n d o o to rv o a s p e it o ,
Do meo e teo o g rito d e sh u m a iio
F e z so a r em seo d a m n o :
T r e m e u a socegad a N a tu re z a ,
A o v er d V sle m o r ta l a lo u c a e m p re z a .

Antistroplie 6.»

N eg ro s v ap ores p elo a r se v ira m


L o n g o te m p o c ru z a n d o ,
T é que b ra m a n d o m il tro v õ es se o u v ira m
As n u v en s e n tr e ra io s d e ce p a n d o ,
' Do seio seo la n ç a n d o
Os cru éis E r r o s , e a to r r e n te im p ia
D os V i c i o s , qu e c o m b a te m , n o ite e d ia.
P R O F A N A S. € 5i

E p o d e 6.° m

' Cobriram-se us Virtudes


Com as vestes du Noite ; e o lindo canto
Das Musas se trocou era triste pranto.
. E desde então só rudes
Engenhos cantam o feliz malvado ,
Que nos roubou o primitivo estado.

NOTA.

E ste O d e a o n d e b r i l h a urri e s t r o s u p e r i o r a o q u e se
d e s t in g u e n as m a is b e lla s c o m p o s iç õ e s d ’este genero
e sc rip ta s na lin g o a p o r lu g u e z a , e ta lv e z m esm o q u e
! i'
em tod as as l i n g o a s v i v a s , f o i c o m p o s t a n o a n n o d e
1 7 8 4 » te n d o o a u to r a p e n a s 21 an n o s d e e d ad e j p o r
o c c a s iã o d e u m a d i s p u t a q u e , ern c o n v e r s a ç ã o a m i g a v e l ,
c a su a lm e n te se le v a n to u e n tre m im e e l l e , a cerca das
v a n t a g e n s da vid a so cial. A le itu r a do c e le b re d is c u r ­
so de J o ã o - J a q u e s R o u s s e a u , so b re a o r ig e m da d esi­
g u a l d a d e e n t r e os h o m e n s , fo i a o c c a s iã o q u e m o t i v o u
a nossa p e q u e n a c o n tr o v é r s ia . P a r a te r m in a -la c o n v i­

d e i e u o m e o a m i g o a s e g u i r f r i a m e n t e os m e o s r a -
c i o c i n i o s n a a n a l y s e d ^ a q u e lle e l o q u e n t e d is c u i ’s o , p r o -
-c u r a n d o fa zer lh e s e n tir a fa lta d e ló g ic a q ü e em q u asi
t o d o e l l e se o b s e r v a , q u a n d o r e f l e c t i d a m e n l e se e x a m i ­
n a. N ã o era p o r certo f a c il trazer a este p o u io um
m a n c e b o de im a g in a ç ã o a r d e n te , em e sp e c ia l tra ta n d o-
s e d e a n a l y s ü r c o m f r ie z a u m a c o m p o s i ç ã o q u e , d e -
1 Oii* P O E S IA S
A
v e n d o ser tod a r a z ã o , he tod a fo g o , c o m o q u a si to d o s
os e sc rip lo s que s a i r a i n d a p e r in a d ’ a q u e l l e h o m e m
e x lra o rd in a rio . C o m o q u e r q u e f o s s e , se m p re c o n v ie ­
m o s p o r fim e m q u e o p e n s a m e n t o d e R o u s s e a u s e r i a
b e l l o p a r a se d e s e n v o l v e r e m u m a co m p o siçã o p o é ti­
ca ^ e p a ra q u e a n o ssa le m b r a n ç a n a o fica sse in ú til
a ju s ta m o s q u e o a u t o r , c u ja b r ilh a n t e fan tasia p r o m e ­
tia e le v a -lo ao p r im e ir o lo g a r e n tre os p oetas ly r ic o s
p o rtu g u e se s , ío m p o se sse u m a O d e P in d arica, n a q u a l
exp o sesse com to d a a p o m p a , e m a g n ificê n cia p o é t i c a ,
o p a ra d o x o de João-Jaques R o u s s e a u , erii t a n t o q u e
eu in d ic a ria , em u m a O d e H o ra cia n a , a verd a d eira o r i­
g e m , e as m ais im m e d ia ta s v a n t a g e n s d o estad o s o ­
c ia l. A ju n t a r e i a q u i a m in h a c o m p o s iç ã o , bem que
m u ito in fe rio r á do m eo a m i g o , p a ra q u e o p u b lic o
v e ja o r e s u lta d o d e u m a c o n v e r s a ç ã o e n tr e d o is m a n ­
ce b o s q u e a in d a e n tã o e sta v a m p o u c o m a is do q u e no
m e io da carreira de seo s e stu d o s e le m e n ta r e s . A p r e ­
s e n t o ao p u b l i c o e s t e p a r t o da m in h a m o c id a d e de
ta n to m e lh o r g r a d o , q u a n to e lle a p a r da o b ra d o m eo
a d m ira v e l a m i g o , s e rv irá p a ra fa ze-la m a is r e a lç a r , b e m
com o as so m b ra s n a p in tu r a s e r v e m p a r a fa zer s o b r e -
s a h i r as f i g u r a s t r a g a d a s p e l a m ã o d o p i n t o r . E i s a q u i
p o is o q u e e u escrevi n ’ a q u e lle m o m e n t o .

■^3
P R O F A N A S . lO J

f
ODE
SOBRE O AMOK,

Considerado como principio e esteio da ordem


social.

N ão foram , caro SO U ZA , as Lyras de oiró


De Orplieo, e de Amphion, que os Le<5es bravos,
E os indomitos Tigres amansando ,
As cidades fundaram. (
I ‘ *
Embora finjam mentirosos vates,
Que as torcidas raizes desprendendo
As arvores annosas , que os penedos ,
Apoz elles correram.

Tu , só tu , puro Am or, despir podeste


Da estúpida bruteza a humana especie ;
So tu soubeste unir em firmes laços
Os dispersos humanos.

Sem ti insociáveis viviriam ,


Nas escarpadas serras , embrenhados ;
Ou nos sombrios verde-negros bosques ,
Em pasmada tristeza. 1'
i54 P O E S I A S

.t',: As fngîtiv&s lioras passariam^


Em languido letliargo submergidos ,
Té que O pungenle estimulo da fome
Lhes espantasse o somno.

Os singelos prazeres da amisade ,
Prazeres suavíssimos , so dados
Aos peitos generosos , e sensíveis ,
' Provar não poderiam.

As sciencias , as artes sepultadas,


No seio da Ignorância inda jazéram ;
Que inerte, e frouxo a nada se atrevera
Um peito enregelado.
í
!

As hellas Mareias, as gentis T.ycores ,


Em vão dos vivos olhos fusiláram
Accesos raios , com que audaz fulminas
Rebeldes esquivanças.
j

Suas vermelhas engraçadas bocas ,


Em vão , meigos sorrisos soltariam ,
Tingindo as juvenis mimosas faces
De pudibundas rosas.

Anhelantes suspiros , brandas queixas ,


Ternos agrados , carinhosos gestos ,
Nada nlover os peitos poderia
Dos animados troncos.
, PROFANAS. . l 55

Dos Risos, e das Graças rodeada ,


Venus com farta mão não derramara
Em seos rústicos leitos brandas flores,
Flores que tu só colhes.

O gosto de abraçar a cara Esposa ,


De se ver renascer nos doces filhos,
De educar cidadãos , nutrir virtudes ,
Coitados ! não sentiram.

Víra-se em breve , co’o volver dos annos , N l!


Herrao de novo , o povoado mundo ,
Té que do seio da fecunda terra
Outros homens brotassem.

Ah ! crê-me, SOUZA., Amor, Amor , somente


A vasta Natureza vivifica :
Amor nossos prazeres todos gera ,
Nossos males adoça.
^
ii *K
.m
O soldado animoso , que se arroja
Com brio denodado a expôr a vida ,
Em defensa da Pa tria ameaçada I t
De inimigas phalanges ;

Depois de haver sofrido longas marchas


Per áridos sertões, per frias serras ,
Arrastrando cansado os cavos bronzes
Nas pesadas carretas ;
li! .

l56 POESIAS

Depois de ouvir nas liorridas batalhas ,


Troando o furiosa arlilheria ,
Pelos ai es silvar os ferreos globos
Que a morle envolta levam ;

Depois de ver os rápidos ginetes


Atropelando os fulminados corpos
Dos cahidos guerreiros ^que em vão pedem
Vingança , ou Piedade ,

Entre os braços da timida donzela ,


Que Amor lhe prometera , prompto esquece
As passadas fadigas , os horrores
Da guerra sanguinosa.

' O misero cu ltor, que industrioso


Do fei lil seio da benigna terra
Faz abrolhai’ os preciosos frutos ,
Que a vida nos sustentam ,

Ou já sofra no frigido Janeiro ,


Em quanto o arado rege, os finos sopros,
Com que lhe tolhe os calejádos dedos
O gelado N o r d e s t e ;

Ou já suporte no calmoso Estio


Do abrazado S uão o ardente b afo,
Cuidoso , o loiro trigo debulhando
Nas pulvereas eiras j
P l i o F A N A S. 10 7

Apenas desenvolve o denso manto


Sobre a face da Terra a noite amiga ,
Se o repouso procura aos lassos membros
Na rústica morada ,

Vendo a fiel consorte , que saudosa


Ao encontro lhe sahe , e o caro filh o,
Que largando da Mae o doce peito ,
Lhe estende os tenros braços,

Em ternura suavissima desfeito ,


Que o casto amor no coração lhe entorna ,
Contente já de sua humilde sorte
Bendiz a Providencia.

Assim , ó SOUZA , na fiel balança ,


Onde a Razão os bens, e os males pesa ,
Se vê que, sem Amor , a vida humana
Seria insuportável.

.. / •
ODES ANACREÔNTICAS.

Om nia vincit Am or.

u N T o S os Deuses no suberbo Olimpo


Viram brincando o fero Deus Menino ,
Que, com travessa ináo , dexlro desfere
Mil vencedoras settas.

Os chocalheiros Risos o rodeam ,


Os meigos Gestos , os Suspiros ternos,
Os mimosos Afagos fervorosos
Em torno lhe revoam.

Riram-se os Deuses , e Cupido irado


Em batalhões reparte o lindo bando ,
Que promptos , e ordenados já encurvam
Os seos temiveis arcos.

Um aceno de Amor abate os Deuses :


Correm vencidos em tropel confuso
Apoz as lindas Graças , que fugindo
Seguram a victoria.
P R O F A N A S .

O vencedor ufano , então vaidoso ,


Com risonho desdem zombando, empunha
De Neptuno, e Plntão, de Marte, e Jove
Os sceplros radiantes.

Maligno e vingativo , largo espaço ,


Na mão sustenta do Universo as redeas :
Amor os Montes j os Palacios , tudo
Amor então respira.

O D E I I .*

O h ! quanto es bella
Vermelha rosa ,
Tu me retratas
Nize formosa.
Lindo botão
Vejo a teo lado ,
Qual junto a Venus
O Filho alado.
Elle de Nize
Me pinta a cor,
E o seo amavel
Terno pudor.
Verdes espinhos,
Para defeza ,
Te pôz era torno
A Natureza.

m'
1
P O E S IA S I
'1 ,
Tal a R azão,
í
S e m p re a d o r a v e l,
í
D e N ize c e rc a l,l
0 p e ito aíà v el : ií :•I
'í: ,!1
í

i•■
/
N ’e lle se e n la ça ,
1
B e m c o m o a h era , r
1* .
E seos desejos *
R e g e severa. l;;
'A
tir
Q u a n d o n o 'm e ig o
S e io de F lo r a í
5( ’í'■■'
0 o rv a lh o a tra h e s V-«
Da r o x a A u ro ra ,
í'

S o b re as m a is flores
B eleza o sten ta s :
D ’e lla s o sc e p tro
T e r . r e p r e s e n ta s .

Ah ! q u a n ta s vezes
D a esp ecie h u m a n a
Ju lg u e i se r N ize
A S o b eran a.

T a m g e n til ro s to
Ja m a is a T e r r a
V iu 5 n ’elle a fo rça
D ’A m or se e n c e r r a .
PROFANAS. 141

Flor mimosa ,
Quero colher-te,
E no meo peito
Sempre trazer-te.
Mas all ! depressa
Tu murcharás , '
E imagens tristes
Me lembrarás.

Já de horror sinto
Torvar-se o sp’rito,
E o coraçáo
Bater-me afflito. , »

A minha Nize
Também da Morte
’ HacTe sentir
O duro Corte !
Fazei-a , ó Ceos ,
Ou menos bellá ,
Ou nunca a Morte ^
Possa vencêlla !

O D E IIL*
Náo lemas Nize ,
Entra sem susto , Í-
No Templo augUsto
Do Deus de Amor.
] 12 P O E S IA S

Enlra : verás
Ligeiro bando
De mil Amores ,
Ledos voando.

Náo te'intimides
De vê-lo armado
D^arco , e d’aljava
Pendente ao lado.

Amor não tem


Alma tam dura ,
Que não respeite
A Formosura.

Quando tivesse
Peito de fëra ,
Teo lindo rosto
Brando o fizera.

Venus deseja
Filha chamar-te,
Paphos e Gnido
Quer adorar-te.

O vil ciume.,
Negro furor,
Para assaltar-te,
Não têm valor.
Il
144 P O E S I A S

vwvw^ vwv^*^v%^^v%v*í

CARTA
AOS MEOS AMIGOS,

Consultando os sobre o emprego mais proprio de


meos talentos.

Ç)u AES OSraios de Phebo luminosos ,


Quando assoma no Oriente o seo semblante ,
Se arrojam sobre a Terra fervorosos ,
E crescendo em vigor, d’instante a instante ,
Despenham-se per toda a Redondeza ,
Banindo as Trevas que se pôern diante ;
Assim , fervendo com igual presteza ,
Mil ideas á vaga Fantasia
Se apresentam vestidas de belleza.
Ora Apollo me ordena , que a Alegria
Pinte movendo os torneados braços ,
Entre os risos, e a doce melodia.
Ora de Amor os delicados laços
Aperto , pelas Musas ajudado ;
Ora os afrouxo, e rompo em mil pedaços.
Se estendo os olbos pelo triste fado *
Que os bumanos persegue, a luz brilhante
Da moral acccnder-se vejo ao lado.
O’

»l! .it.'
P 11 o F A A S.
O ’ v irtu d e su b lim e ! o leo a m a n te
INome re p ito , e lo g o as M usas descem
A a c c o m p a n h a r -m e em ly ra«d e d ia m a n te .

P r in c ip io a c a n ta r - t e , e se m e oflPrecem
C ru e n to s e rro s , q u e em tro p e l se a p in h a m ,
E a lu z que tin h a q u asi m e e scu re c e m .

Im p á v id o os a rro sto , e ja n a o tin h a m


A lçada a fre n te a ltiv a j qu iz p iz a -lo s j
E náo sei q u e tem o res m e d e tin h a m .

As p a x õ e s em f u r o r , p a ra a ju d a -lo s
V e jo re v o lta s 5 m as v en cen d o o m edo ,
C o m m ais fo rç a , ju r e i de m a ltr a ta -lo s .

Desde e n tá o M e lp o m e n e , qu e u m ro ch ed o
N o P in d o h a b ita , e q u e m eo p e ito accen d e ,
Ao ou vid o m e diz isto , em segredo : -

C a lça o c o tb u rn o ; q u e te m o r te p re n d e ?
C o n p in c e l atrev id o , o tris te d a m n o
Das p a x õ e s p in ta , e co m m eo fogo as ren d e .

M as T h a lia travessa , qu e o ty r a n o
V ic io e s c a r n e ç a , d is s e ; e logo o riso
V i r a ia r em seo ro sto , doce e h u m a n o .

C o m m agestoso an d ai’, ch ea de s is o ,
C a llio p e fo rm o sa m e ord en av a
Q u e , altiv o , im ite o M a n tu a n o A nfriso.

M o s tra -m e ao lo n g e a lu m in o sa a lja v a ,
Q u e dos cla rô s V arõ es escon d e o n o m e ,
A Deusa qu e os S a llu stio s in sp ira v a .
II. 10
346 POESIAS
J
I “-! %
■"
VÓS, a quem a mania nao consome,
Í èÍ^Í Caros amigos , de deixar á edade
^ í ii'È 1' '
íiSi
Vindüira escriplos váos, que o'tempo corne :
p ? i'
Vos que o peilo cerrastes á vaidade j
l ’!'.r' E se escreveres , serâo só escriptos
Dictados pelo bera da Humanidade : \
S o c o r r e i-m e cm ta m asp eros co n flito s ;
P o is o n d e m o r a a Candida v ir t u d e ,
T a m b é m h a b ita m os su b lim es ditos,

Esse oiteiro sombrio , ingreme, e rude ,


Onde as sciencias o seo throno ergueram ,
Subir , ao vosso lado , nunca pude :
Medí as minhas forças ; pois cederam
Em vós do sp’rito seo tamanha parte
As soberanas Musas, que vos deram
Sublime engenho , fino gosto , e arte.
P R O F A N A S . i 4y

E L E G I A
A’ A M I S A D E , ■

Dirigida ao Doutor Francisco-José de Almeida^


niella designado pelo^ nome de Fileno.

u A N T o Iie doce existir ! Quanta doçura


Em ti encerras , preciosa vida ,
Ilida mesmo em momentos de amargura !
Sagrados Deuses , e hei de ver perdida
Esta fonte de bens e de prazeres,
Entre as garras da morte enfurecida ? . . . .
Náo vos invejo , soberanos Seres
Os bens que possuis; so vos invejo
O não teres receio de os perderes.
Ternos Pastores do aprazível T e jo ,
Alegrai-vos comigo : horas amaveis,
P arai; obedecei ao meo desejo.
Da Candida amisade as mãos afaveis
Sinto amimar-me; et já na erguida frente
Ella me imprime beijos adoraveis.
Tu me afagas, ó Deusa !... Ceos !... Que enchente
De graças lhe atavia o meigo rosto ,
Fi da boca Ilie sahe tara docemente !
lo ^

.w
348 POESIAS
S im : A m igos a çliei 5 fu ja o desgosto
S o b re as azas do T e m p o fu g itiv o ,
E n a te rra n ã o to rn e a a c h a r m a is p osto.

O F a d o , n ’o u tro te m p o , in ju s to , e esquivo
F e z - m e b eb er n o c a lix da desgraça
M il d esp razeres d e a m a r g o r a c tiv o .

E sg o te i, h e v e rd a d e , a h o rrív e l ta s s a :
M as ao tr a g a r do f e l , te rn a am isad e
r
A chei ; ter já n ão te m o a so rte escassa.

Dos b eiço s teos p en d en d o , a su avid ad e


M eos tra b a lh o s ad o ça ; n ão te e x c e d e
D os favos de H y b la a d o ce a m e n id a d e .

J u n to a l i n ã o re c e o fo m e ou sede 5
P o i s , c o m a rm a s sin gelas a V irtu d e
D e e n c a r a r -m e ferozes , as im p e d e .
iifî
N os alto s t e c t o s , n o p en h a sco ru d e ,
S e a m eo lad o te e n c p n tr o , da tristeza
R e c e a r o se m b la n te n u n c a p u d e.

M eo q u erid o F ile n o , a N a tu re z a
E sm e ro u -se em f o r m a r -t e ; n o le o p eito
U n in d o d otes de im m o r ta l-b elleza.

A te r n u r a b e ijo u teo b ra n d o a sp eito ;


E dos seos lá b io s o sig n a l g ra v a d o
In fu n d e p u ro a m o r , p u ro re sp e ito .

De l i p a ra m im vôa o d elica d o
S e n tim e n to , c o m sua m ã o m im o sa
P o lin d o u m co ra ç ã o p o r t i fo rm a d o .
P R O F A N A S. i 49

Seo tacto he lam macio como a rosa


De transparente orvalho rosciada ,
Quando a bafeja Filis amorosa.
Amisade fiel tam desejada ,
Tu não existes só na fantasia ;
T u não es uma fabula sonhada.
Enchei-vos, rios , montes , dealegria ;
Sentí um pouco do prazer, que abala
Minhas entranhas n’este claro dia.
Loucos Am antes, vosso peito estala
Nos braços do ciume roedor,
E eni vós a paxão cega he só quem fala.
Se assim mesmo prezais esse furor ,
Que a razão desaprova , sede embora
Escravos do tyrano Deus de Amor.
Fileno , a tua voz encantadora
Faze soar , verei baxar a ouvir-te
A Razão, que tua alma tanto adora.
A sublime Razão que fez sentir-te ^
O veneno cru e l, que Amor encobre
Nas seitas com que já soube ferir-te.
Ah ! trinta vezes seos prazeres dobre
Esse louco rapaz ; terna Amisade !
Eu não o temo -, o braço teo me cobre.
Das almas puras pura Divindade,
Escuta-me benigna : dize, a Morte
Não poupará Fileno ? . . . Ceos ! piedade
PO ESIA S
\

Dize-me , acaso a desabrida sorfe,


Antes que eu desça á fria sepultura
Desferirá contra elle o final corte ?
E como poderei sua figura
Ver em medonho feretro estendida ,
Tinta da côr da pallida amargura !
Seos olhos. .. . seo espirito, é . . O’ desabrida
Imagem, de mim foge : que eu não posso
Suportar tam pungente, atroz ferida.
1
Deusa que imperas sobre o peito nosso ,
Ouve os meos rogos : assim cante a Terra
Sempre louvores ao império vosso.
Os meos gemidos no teo seio enterra :
Escuta , ó Deusa : no fatal momento,
Que em si do meo Fileno a morte encerra ,
Faze que eu também lance o ultimo alento.
I

PROFANAS. l5l

S ONE T OS .

•SONETO 1.”

OI T o a n n o s apena.s eu c o n ta v a ,

Q u a n d o á fú ria do m a r a b a n d o n n a n d o
A vida , era frá g il l e n h o , e d em an d an d o
N ovos c lim a s , da P a tr ia m e au sen tav a.

Desde e n tã o á tristeza co m eçav a


O te n ro p e ito a i r a co stu m a n d o 5
E m ais ty r a n a so rte a d iv in h a n d o
E m la g rim a s o P a e , e a M ae d e ix a v a .

E n tr e fe r r o s , pohreza , en ferm id a d e
E u v e jo , ó Ceos ! q u e d or ! q u e in iq u a so rte !
O c o m e ço da m a is riso n h a ed ade. w

v e lh ice c r u e l , ( ó du ra M o rte ! )
Q u e faz tem er ta m triste m o cid a d e ,
P a r a p o u p a r - m e , d escarreg a o c ó rte .
P o E SI AS

S O N E T O II.«
N as loiras tranças da gentil Tircéa
Os Amores, per gosto se prenderam ,
E em seos formosos olhos se esconderam
As très Graças , e a mesma, Cytheréa.

O terno pejo as faces lhe rodéa ,


E as côres , com que as pinta , se escolheram
No seio da ternura : já cederam
Vulcano e Marte á chamma que ella atéa.

Dos rubros labios pende a formosura ,


Que estendendo o seo braço delicado
O collo lhe formou de neve pura.

Este lindo semblante o Deus vendado


Beija mil vezes, e com elle jura
Ter dos Ceos , e da Terra triunfado.
PROFANAS. i 5d

S O N E T O IIL°
Q u e so n h o ta m feliz ! . . . E m m o lle le ito
Os m e m b r o s , c a r o A nfriso rep o u sav a ,
Q u a n d o , as azas b a te n d o , se en co stav a
U m filh o de M o rp h eo so b re o m eo p e ito .

M e n c a n d o u m p in c e l co m ledo a s p e ito ,
N os b ra ço s da A m isade m e p in ta v a ,
Q u e riso n h a o séo te m p lo m e m o stra v a
A onde os Deuses e n tr a m c o m resp eito .

J u n to á p o rta se via a com p assiva


T e r n u r a , q u e o teo n o m e r e p e tin d o ,
P a r e c ia fic a r p o r isso a ltiv a .

M a l m e viu fo i o e rm o T e m p lo a b r in d o ,
E da D eusa n o T r o n o a im a g em viva
De nossos co raçõ es vi relu zin d o .

ÎL

i
|fc
i 54 POESIAS

S O N E T O I V .o
{T
'f* \
Feito de improviso jun to á sepultura de D . Ignez
de Castro,

O s A m ores e m ch u sm a se aj un ta ra m
A fo rm a r esta lu g u b re e sc u ltu ra :
M as ao tr a ç a -la , ch eos de te r n u r a ,
O s,m e ig o s olhos c o m as m aos ta p a r a m .

O G e n io da T ris te z a , q u e in v o c a ra m ,
L h es a p lica o Cizel á p ed ra d u ra ,
Ei a triste m ageslosa se p u ltu ra
De Ig n ez e P e d ro ju n to s a c a b a r a m .

P a ra a d m ira r esta o b ra , la de G n i d o ,
T a lh a n d o os ares , vem lig e ira m e n te ,
V aid oso e u fa n o , o fero Deus Ç u p id o :

M as ao v ê -la d esm aia ; e de re p e n te ,


De c o m p a x á o in só lita m ov id o ,
O ro sto vira , e o l)a n b a em p ra n to a rd e n te .
P R O F zV N A s . i55

S O N E T O V.o
O u v i n d o o p ra n to dos fieis A m o re s ,
Q u e O seo ch efe p ro c u ra m , trasp assad a
D e susto a lin d a V enu s , d esgren h ad a
C o rre a b u sc a r o F ilh o e n tre os p a sto res.

J á p e rg u n ta p o r elle ás te n ra s flo res :


J á aos ventos , e em la g rim a s b a n h a d a ,
Q u e lh ’o tra g a m d e p re ssa , a lflicta brad a ;
P ro m e te n d o m il p ré m io s , m il favores.

A u m lad o e o u tro , sem cessar v o lta n d o


O s o lh o s , ond e a m agoa relu zia ,
V ê de F ile n o , a c a s o , o gesto b ra n d o .

O F ilh o cu id a ver : e já c o rria


A d a r -lh e u m b e ijo ; efs p ára , e su sp iran d o
R e cu a j p o rq u e a lja v a lh e n â o via.

iC
íi i5G P O E S IA S

S O N E T O VI.°
M a ltra ta r a T it h o n A m or ju r a v a ;
P o is ju n to á b ella A urora a d o rm ecid o ,
S e r m ais feliz qu e o p r o p r io R e i de G n id o ,
E m son h os en golfad o im a g in a v a .

V a i de N ize v a le r -s e , qu e ad o rav a ;
N os b ra ço s a segu ra e n te rn e c id o ,
E co m seren o voo despedido ,
Ao lad o de T it h o n a re c o sta v a .

A corda o b r a n c o V elh o , e m a n sa m e n te ,
Os olhos esfregan d o , busca a Esposa ;
M as vendo N iz e , e stra n h o fo g o sè n te.

E m vão q u er a b r a ç a -la : a m a o cio sa


0
De C u p id o lh ’a ro u b a j e d e sco n te n te
A vida desde e n tã o lh e h e só p en o sa .
P R O F A N A S . 107

S O N E T O YI L^

j4 os Annos de uma M enina.

' N iio c ré a s , g e n til M a rcia , n a p i n t u r a ,


C o m que m alig n o s G ên ios fig u ra ra m
O veloz T e m p o , q u an d o a m ã o lh e a rm a ra m
D e c r u e n ta , im p la c á v e l, fo ice d u ra.

In im ig o fa ta l da fo rm o su ra ,
C o m fa n ta s tic a s co re s , o p in tã fa m ;
E n em ser elle , ao m en o s a c e n á ra m ,
Q u e m d esenvolve as g ra ça s da fig u ra .

Q u a l ce rra d o b o tão de fresca ro sa ,


Q u e o lig e iro v o lv er de u m n o v o dia
Abre , e tra n sfo rm a em flo r a m a is m im o sa :
h

T a l , a in fa n til b elleza , in e r te e fria ,


D e a n n o em a n n o se to rn a m a is form osa ,
E n ov o b rilh o , n o v as g raça s c r ia . %
i 58 P O E S IA S

AS A VE S,
N oite Philosophidti.

A, .GORA q u e os h u m a n o s rep o u san d o


Seos lassos m e m b ro s , u m sile n c io triste
P a re c e adormecer a N a tu r e z a ; »
Q u a n d o ap en as da F ilh a de L a to n a
Os descorad os raio s se d ivizam ,
E de n o c tu rn a s tre m o la s E stre la s
B rilh a o cla i ão escasso e fu g itiv o ;
D esce do c u m e do sag rad o O lim p o ,
O ’ F ilh a da R azão a m a is a m a d a ,
M essageira da ca n d id a V erd ad e ^
Sisu da R e fle x ã o , q u e m agestosa
C alcas o co llo do su b e rb o E n g a n o :
E scu ta u m g en io qu e , de ti p e n d e n te ,
As o b ras q u e r p in ta r da D ivin dad e.
S o b re as azas b rilh a n te s sopesado ,
C o m qu e su sten tas firm e os q u e te in v o c a m
S e g u ro v o a r ç i , a c o m p a n h a n d o
D o a r os in n o c e n te s m o ra d o re s.
Q u e scen a ta m su b lim e se m e o ff’re ce !
N u nIca , o du ra F a m ilia dos h u m a n o s 7
,

■J ;

iií
P R O F A N A S . 1

Celebrarei ieo nome em p ro sa ou verso ; »


V i c i o s , cru ez a s , v erg on h o so s erro s
C o m p o e m a tu a d esg raçad a h isto ria :
N os erm o s bosqu es , nos penhascos broncos »
P r o c u r a r e i so lic ito a lg u n s visos ^ ^
D as sin g elas feições da N atu rez a y ^
Q u e estu d ad o a r tific io , in sa n o o rg u lh o ^
N âo p ou d e ain d a d e stru ir de to d o . ^
O ’ T o m p s o n , ó V ir g ilio ! Q u e m a ly r a
M e poz ao lad o , qu e soou n o 2 'ibre ,
E nas rib e ira s do a v a re n to Támesis ?
E u la n ç o d ’ella m ã o : ta m b é m no '1 'ejo »
R essoarão as suas a u reas c o rd a s. ^
E r g u e i , T a g id e s b e lla s , so b re as ond as
O d e licad o ro sto ; d a i-m e ouvid os ,
E vereis co m o as g raças da P oesia
A d o rn a m , a v iv e n ta m frio s rasg o s ,
C o m q u e u m g en io i m m o r t a l , lá d e n tre os gelos
Da g u e rre ira S u é cia , d esenhava

Q u a l d e x tr o G e n e r a l , qu e vendo a gu erra
A ssanhar as serp en tes sib ila n te s ,
Da c a rra n c u d a fro n te em m il fileiras
l i
S a b io divide a liiilita r c o h o rte j
Assim a M ae fecu n d a e p ro v id e n te ,
Q u e vigorosa e m eig a co m u n ic a
A tu d o o ser e a vida , co m b a te n d o
C in ca m p o a b e rto a co n fu são escura ,

’ l
16’o -POESIAS
E m seis diversos b a la lliõ es r e p a rte
O liso n je iro m a tiz a d o b a n d o
D as v oad oras aves. Q u a l b a te n d o
As d esen voltas azas lh e d eslu m bra
Os olhos assom brados : q u a l c a n ta n d o
Faz^o le rriv e l tresd o b rad o a ço ite
C a h ir das m aos da p érfid a in im ig a :
Q u a l o u tro en cu rv a as re to rc id a s u n h as ,
E co m g e s to feró z ja cceso em ira
L h e a r r a n c a a vida em n eg ro san g u e en v o lta .
J á v ejo tr iu n fa n te s so b re as n u v en s
wn S o lta r lig eira s d estem id o vôo
As c a r n ic e ir a s aves b ellico sas ,
Q u e só vivera de rou b o s sa n g u in á rio s.
D iferen te fig u ra lh es p in ta ra
D as m a i s , qu e vivem so b re os m an so s ares ,
O su p rem o S e n h o r qu e tu d o reg e 5
Q u a n d o , ch eo de lu z e m agestad e ,
F a z ia r e tu m b a r , do in fo rm e N ad a
N o p erg u iço so re in o , a cre a d o ra
O m n ip o te n te voz. D u ra m a te r ia
Da sua fie n te desce dividida
E m fo rm a o riz o n ta l , E o s tr o lh e c h a m a m :
O ra q u asi a o n a sc e r log o co m e ça
A c u r v a r -s e fero z : o ra já p e rto
D a aguda p o n ta se e n d u re ce , e to rc e :
A p a r te su p e rio r a u m lad o e o u tro
S e esten de , e c o b r e a q u e d e b a x o fic a .
PROFANAS.

As vezes in im ig o d en te a lv eja ,
E a m e a ça do a r os m o ra d o re s.
T u d o n ’ellas r e tr a ta o tu rv o a sp eito
Da fa m in ta , c ru e l fero cid ad e.
F o i ella q u e m , m o v en d o as m aos de f e r r o ,
As u n h as llie arq u eo u , soltou lh e os dedos
Q u e u m a .le v e m e m b ra n a p ren d e e m o u tro s :
P e q u e n a s p ro m in en cia s , que os afeam ,
U n iu a estes , e de força ra ra
O s m e m b ro s todos lh e dotou raiv o sa.
O ’ tu j que cercas o te rre n o espaço ,
Q u e , c o m os o u tro s ‘seres rep u tad o s
P o r elem en to s p r im itiv o s , gozas
Da gloria de fo rm a r a NaUm eza ;
Q u e as vezes susurrando m o lle m e n te
R etratas de C u p id o , o so m n o brando ^
Q u e o u tras vezes zu n in d o fu r io s o ,
Os m a re s rev o lv en d o , Os Ceos in s u lta s ,
D eserto n ão serás. L ig eiras aves
V a m seos n in h o s d e ix a r , e r e m o n ta r-s e
S o b re a m assa pesada qu e lh e o íT reces.
A m o r as tin lia u n id o , este Deus cego
Q u e estende o seo p o d er do B ru to ao H o m e m ,
A n im an d o o U n iv e rso frio , e in e r te
P e r tod a p a rte c o m seo vivo in flu x o .
Apenas a ben ig n a P rim a v e ra
S u a face riso n h a sobre a T e r r a
P r in c ip ia a m o stra r ; m o v en d o as azas
II. 11
B,
162 POESIAS
O ca rra n cu d o A b u tr e , e e x p o n d o ao ven to
i ’/'
A despida cab eça a u m lad o e o u tr o •
V olv e a c ru e n ta b ip a rtid a lin g oa ;
E so b re a lca n tila d a n u a ro ch a ,
O nde as ond as q u eb ran d o iradas frem em ,
Ou ja so b re o m ais a lto ergu id o c u m e
De p e d re g o s a s, ín g rem es m o n ta n h a s ,
E m vão dos b rav o s v en to s a ç o ita d a s ,
S eo n in h o v a i fo r m a r ; em q u a n to g ira
O ousado F a l ç ã o , ta m b é m n o b ico ,
Q u e em to rn o c e rc a já g astad a p elle ,
Os ap restes tra z e n d o que’ lh e a p o n ta '
A m o r , da N a tu rez a d o ce esteio.
E m q u e te o ccu p as , d ilig e n te Lanioj
Q u a n d o já de m il flores co ro ad a
A estação dos A m ores se a d ia n ta ?
J á te v ejo ra sg a r os leves a r e s ,
E se n tin d o a q u e c e r o ru b ro san g u e
Cedes ta m b é m de A m o r ao v iv o im p u lso .
S im , es t u .......não m e e n g a n o .........a N a tu rez a
N o teo ro stro c a r a c te r m ui distincto
Eistam pou , c o m m ã o firm e e vigorosa,
F azendo<~o m e n o s c u rv o , e in te rro m p e n d o
A co n sta n te , s u b t i l , p olid a m a rg em
C o m m u i visivel fa lh a ; e v ig o r a n d o -o
C om assassino d u p lica d o d en te :
N ão te dem ores , a p ro v eita os d i a s ,
E m q u e ferv e o p r a z e r , e V en u s b ella
P R O F A N A S .

D’enlre as vagas do már , onde acolhida


No seio de Ainphilrite repousava ,
Ergue a frente cercada de deleites.
Olha como respira docemente ,
E nas azas dos Zeíiros levada
Seo hálito fecundo se insinua
Nas entranhas da Terra amortecida :
Como, depois do Inverno triste e lânguido,
Remoça o orbe vigoroso e ledo.
Já nos campos , nas asperas Florestas
Ao ninho esperançoso le convidam
As arvores , no verde altivo cume
Afiançando providente abrigo.
Náo eram estes os cuidados ternos ,
Qjie na amorosa , errada fantazia
Imaginavas néscia , ó Niclimene.
Suberbo tbrono a pérfida Fortuna
Parecia guardar-te ; eis de repente
Da Noite sob o manto escuro e denso
Envolta foges , agoirando males ,
E te esquivas á luz do sol brilhante;
Nas frouxas garras do lascivo Incesto ,
Perdeste a delicada antiga forma.
A occulta mão , que o crime enfrea e pune ,
De escuras pennas revestiu-te o corpo : »
Na cabeça disforme la te rasga '^ »
Os olhos que , por grandes , mais le afeam ,
Nem se erguem sobre o curvo rostro as plumas,»
l64 POESIAS
Q u e aírosas n ’ou tras aves o re m a ta m :
F r o u x a s e reclin a d a s a g u a rn e cem ,
A fro n tan d o as obtu sas co rn e a s ven tas ,
E e n tr e todas te fazem co n h ecid a.
D e C reta so b re as p ra ia s la s tim o s a s ,
A onde pela vez p r im e ir a o c a n t o ,
H o rriv e l qu e en to a ste , foi ouvido 5
D esg ren h an d o as m a d e ix a s de o lro J in o ,
L o n g o s a n n o s g em en d o m e m o ra ra m
T e o s e r r o s , e teo fad o m isera n d o ,
As com p assiv as N in fa s , e as N apeas.
M a l p o d em c o n s o la r -te u fanas p lu m a s ,
Q u e re c u rv a d a s n a cab eça im ita m
D a to rtu o sa o re lh a o fin o t a l h e :
E m b o r a a teo q u ei'er o b ed ien tes
O r a se a b a x e m , o ra se le v a n te m :
N ã o oal>e em vãos o rn a to s da d esg raça
M itig a r o p u n g e n te a c e rb o g olp e :
Q u e te v ale te r sid o co n sa g ra d a
A’ c a sta D eusa q u e ao sa b e r p resid e *,
S e te d e slu m b ra os o llio s vergon h osos
A luz c la r a do dia , e to rp e o b je c to
E x p o sta ja z es á p ic a n te m o fa
Dos p assaros m a is d ebeis , e m esq u in h os ?
T a l h e p e r toda p arte o te o d estin o ,
Q u e r n os ca m p o s da A usonia , n eg ra s azas
A gites , ou n o s .r ijo s pés despidos
D e p lu m ag e te firm e s : q u e r o sten tes
PR O FA N A S.

Alvo corpo lias frigidas montanhas ,


Onde o baxo Laponio contrafeito ,
Miserável sustenta errante vida.
Embora vingues dilatados mares ,
E de Hudson nas rochas procellosas
Assentes o leo ninho , ou la nas terras ,
Onde o seo ihrono nebuloso o Inverno
Firmou sobre montões de fria neve ,
E esteril gelo ; terras desditosas ,
Que um capitam , brioso alucinado , ¥ >
O ousado Magalhães ao Mundo antigo »
fÆÛÊÊM
'ÆQIQ^I
Patentes fez , tentando nova estrada ))

Que per ignotos rumos conduzisse ¥

Os emulos da Patria a disputar-lhe ¥

O dominio , e riquezas do Oriente : ¥

Vingança torpe de renome indigna ! ¥


«
Debalde buscas solitário asilo ¥

Em ermas plagas , em gelados climas : ¥

Sitio não há , aonde os refulgentes ¥

Raios do claro sol te não deslumbrem , ¥

K em que a vil cobardia não te force ¥

A suportar ludibrioso escarneo »

Das aves que , feroz e atraiçoada , »


Hw'
Surprendes , e que barbara laceras , »

Quando da Noite o soporoso bafo ¥


1;-
As convida a gozar plácido somno. ¥

Nem tua crua indole se abranda »

Nos cbmas do Brazil, onde Amor vive


*■
16G P O E S I A S

De ex q u isito s d eleites , de finezas , »


E de te rn a s m eig u ices rod ead o :
P a iz aond e as M u s a s , qu e riso n h a s ,
C arin h o sa s o b e rç o m e e m b a la ra m ^
O u tra H ip p o cre n e r e b e n ta r fa ria m ,
O u tro P a r n a s o e x c e lso e su b lim a d o
Aos Ceos le v a n ta ria m , se a o ru id o
De pesados g rilliõ es ja m a is podessem
As filhas da M e m ó ria a c o s tu m a r -s e .
A lí a te r r a c o m p e re n n e vida
D o seio lilie ra l d esaferro lh a
R iq u ez a s m i l , q u e o L u s ita n o a v a ro
O u m a l c o n h e c e , o u m a l a p ro v e ita n d o ,
E sco n d e co m c iu m e ao M u n d o in te iro ( 1 ) .
A lí, ó d o r ! . . . . ó m in h a P a tr ia am ad a I
A Ig n o r â n c ia firm o u seo ru d e a s s e n to ,
<Xj' E co m h á lito in e rte tu d o d a m n a ,
H
Os erro s d ifu n d in d o , e da v erd ad e
O c la ra o o fu scan d o lu m in o so .
V

A lí se rv il t e m o r , e a b a tim e n to
Os co ra çõ es b rio so s a m o r t e c e ,

(1 ) E sta obra foi escrita mais de vinte annos antes


de S . M. passar a este paiz , e de estabelecer n ’elle
o mais liberal dos governos. A ctualm ente viajam no
seo interior Mineralogistas e Botânicos F ran cezes ,
A lem ães , e Bavaros : e viajariam os de outra q u a l­
quer N ação , se o pretendessem .

■ -m
P R O F A N A S. 167

E em quanto a Natureza desenhava


De outro Eden as campinas deleitosas ,
A estúpida Ambição com mão mesquinha »
Transtornou seo magnifico projecto ,
E so parece aparelhar abrigo
A^s aves, que do dia se arreceam ,
E procuram da Noite a sombra triste.
Por isso , ó Nictimene , te acolhesle
Do Brazil aos rochedos e ás Florestas,
Aonde o índio em seo falar singelo
Jacorutú chamou-le , e te conhece
Não só pelas feições, com que na Europa
O Bufo das mais Aves se apartara ;
Mas pela varia cor de branco e fusco ,
E de amarelo que te tinge as pennas.
A despeito de tam gentil plumage ,
As aves que te temem , quando assoma
Jíl
No longinquo orizonte o prateado ,
Sereno rosto de Diana casta ,
De ti zombam, mal Phebo d’entre os braços
De Thetis se levanta radioso.
Mas não foste tu só , que o Fado austero
Assim tratou : Princeza desgraçada ,
Bem sabido he o caso lastimoso
De Ascálafo loquaz , quando do Erebo
Agastada a Rainha quiz punil-o
Da funesta imprudência em que cahira. VI

Já pela mão de Ceres conduzidos


1 (l8 PO ESIA S

Abandonavam as inciülas breiilms


Os liomens d’antes barbares e rudes,
E qual de abelhas diligente enxame,
Com discreto trabalho melhoravam
Os fruetos que bravios dava a terra,
’í E as ricas fontes da abundancia abriam.
Já das artes em fim a que mais vale ,
Aquella que fixou e que sustenta
O social Estado , começava
A libertar os homens da bruteza.,
Que nas asperas serras os detinha ; »
Quando das charamas do sulphureo Etna,
Em voragens envolto de atro fumo ,
Bompeu , e viu o dia o Deus do Averno.
Amor, que então nas apraziveis praias
Da Sicilia aportára , mal o avista
í í - '' Maligno se sorri , e com destreza
No arco embebe envenenada setta ,
Com que lhe vare o duro indócil peito.
Mal o tiro desfere,*evc turbado
O implacável Plutão , que ancioso exhala
Um profundo suspiro ; a mao erguendo ,
Com o dedo lhe aponta astucioso ))
Pi"oserpina de Ceres filha amada ,
Que festiva Iraça va , e graciosa
,-,á
Alil innocentes jogos com asNiraphas,
9:íK
ííí' í
t' 't
Suas ledas , amaveis companheiras :
- s ! í 'i
Ml '- lÉ ^ Tê-la , abraça-la , e com despejo insano »
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■‘ '>! fji
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p r o f a n a s . t ()9

»
I

Rouba-la , foram ados de um momento ,


Para o Deus que*domina o Estigo Lago.
Mas já soam os miseros lamentos, »
Os suspiros , as lagrimas queixosas »
Da magoada Ceres que buscava , »

Atônita e convulsa , a cara Filha.


Debalde pressurosa os desabridos )>

Climas percorre aonde o frio Norte »


No gelo enrija as ponteagudas azas :
Debalde a esses passa , aonde Cook
Ousado quanto humano , com mao firme
Fixou do Mundo a derradeira meta :
Debalde a sua amavel Proserpina
Chama , vertendo amargurado pranto :
Nenhuma voz responde a scos clamores:
Nenhum vestígio encontra , que avivente
Em sua alma a esperança amortecida. »
De novo entre gemidos volta aos Campos ,
Onde Arethusa , era fonte transformada ,
Per desvios conduz as claras agoas,
Como se inda fugisse á petulância,
Coin que Alfeo abraça-la pretendia.
Os olhos , onde as lagrimas pulavam ,
Lançando acaso á limpidá corrente ,
Vê ainda boiando sobre as ondas
O cinto virginal de Proserpina ;
E como se a perdera nesse instante ,
Volvendo ao Ceo o rosto magoado , »
li'

U 370 POESIAS

F e r e c o ’ as ten ras m ã o s o n iveo p e it o ,


E solta aos ares insofridos brad os.
J á qu asi m ald izia a teiT a in g ra ta ,
E m qu e ta n to p ezar a so s so b ra v a j
Q u an d o Alfeo , d’e n tre as agoas le v a n ta n d o
A lim osa cabeça , lh e dizia :
M od era , ó D eusa , a tu a d or 5 e sabe
Q u e no T a r ta r e o R e in o o sc e p tro em p u n h a
D o teo m a te rn o A m or o d oce o b je c to :
E u a v i , de P lu tã o e n tre os n erv osos
N egi’os b r a ç o s , e n tr a r n o seio escu ro
Da te rra , q iíe se a b rira ; e condu zida
S e r p o r elle aos A bysm os. S ó de Jo v e

' I A v o z o m n ip o te n te pode a g o ra
A rra n c a la do R e in o de S u m m a n o .
Disse ; e a Deusa su b in d o ao a lto E m p ír e o ,
A Ju p ite r e x p õ e o in fa m e ro u b o , »
C om la g rim a s de d o r p o n g e n te e viva.
C ond oid o o P a e te rn o lh e p ro m e te
■Que a filh a llie será restitu id a ;
S e , co m fru ctos. do A v ern o , su avisad o
Ainda n ã o tiv e r a fo m e ou sede.
L e i dura ! m a s do F a d o irre v o g á v e l
N o liv ro dos D estinos d e creta d a .
A foita C eres desce ao L ag o E stig io :
M as pode acaso afian çar p ru d e n te
Q u e m a fo rça c o n h e c e , e o v iv o im p u lso
Dos a p etite s a o fem in eo s e x o ,

I,.' I■
P R O r A N A S. 171

Que de ura forraoso fruclo os atractivos »


Nao liara de escurecer, por um momento, »
De acerbas magoas a impressão penosa ? »
Proserpina gentil, sem que a pungente »
Materna saudade lhe empecesse, »
Ou de Plutão a barbara bruteza »
De invencível horror a penetrasse , )>
Tinha provado , nos jardins que cercara »
Do austero Dile o magestoso Paço , »
Succosos bagos de Romam viçosa, »
Que a rubra cõr da vivida Granada »
>' ti
Pelas fendas da casca aos olhos mostra. »
Ascalafo sómente a tinha visto
Saborear o delicado pomo ; »
Ascalafo , que filho era de Orphene ,
Entre as Nymphas do Averno a mais formosa.
Tal da Ethiopia nas adustas Cortes , »
Entre as Esposas dos brutaes Monarchas , »
1 «
Por linda se avanlaja a que reune
A’ negra cor do Ébano lustixiso
Olhos , aonde o fogo de Amor brilha ,
E dentes que na alvura sobrepujara
O polido marfim : assim de Ascalafo r
No Averno a Mae gentil se avantajava
A’s outras Nymphçis de infernal belleza,
E Plutão junto d’ella, muitas vezes,
Das fadigas do throno se esquecia.
Até ao vê-la o duro Rhadamanto

f-:
172 P O E S I A S

S e diz qu e os feros o lh os am eigava : »


M as era vaa , travessa , e sem disvelo
T in h a ed u cad o o filh o , que im p ru d e n te
O segredo fatal rev ela , q u an d o
J á e n tre os m eig os b ra ço s a M ae te rn a
R e co n d u z ia a suspirada F ilh a .
In d ig n o u -se do E r e b o a S o b ’ra n a ,
E n as agoas do to rv o P h ie g e th o n te
E n so p an d o f l e x i y e l , te n r o h y so p o ,
L h e asp erg iu a cabeça q u e d is fo r m e ,
E em p lu m ad a ficou : a u m lado , e o u tr o
Seis re cu rv a d a s p en n as se lev an tara . »
A’s h u m a n a s orelh as p a recid a s 5
Q u iz f a l a r , e do ro s tro a d u n co ro m p e ra
S o m e n te tristes ag o ireiro s p io s ,
Q u e fre q u en te c o m ro u ca voz re p e te ;
V a i os b ra ço s m o v e r , e sobre os ares »
O le v a n ta m p in ta d a s lon g as azas
D e p a r d o -e s c u r o , e ru iv o co lo rid o :
E m vez de p és , so dedos g u a rn e cid o s
A cha de agu das en cu rv ad as u n h a s :
Desde e n tã o as n o c tu rn a s so m b ra s am a ;
E do A verno fu g in d o so b re a T e r r a
O v ôo d irig iu , ond e lh e c h a m a m
M o ch o , p resag o de fu n esto s m a les.
O ra h a b ita ed ifícios c a rco m id o s ,
O ra ca v e rn a s de m ed o n h a s ro ch as ,
O u cavos tro n c o s de a rv o re s a n tig a s :
PROFANAS. 17^

Sempre nos montes vive , e perguiçoso,


O anico signal que testemunha
Sua antiga grandeza , he a vaidade »)
Com que em ninhos alheios deposita ))
Os proprios ovos , para .ver sem custo »
Prosperar a voraz infausta prole, (i) »

Apezar da perguiça , que lhe acanha


Os lu'ios , muitas vezes por morada
Escolhe as terras , onde Marte ostenta
Já fereza selvatica indomável , »
Já discreto valor, e arte engenhosa ; ))
E na Patria aparece dos Gustavos,
Ou lá no Canadá quasi deserto : »
Nem duvida assentar nocturno pouso »
Na fértil regadia Carolina ,
Onde a face do homem brilha ufana

( i ) He abuso inveterado entre os Porluguezes, assim


Europeos como Americanos, dar a crear seos filhos a
Escravas ou Amas mercenárias : não tanto pelo de­
sejo de libertarem as próprias mulheres do incomodo
de amamentarem os filhos , como pela fatuidade de
ostentarem educação diferente da do povo baxo e mi­
serável. E he esta preocupação tanto mais fo rte ,
quanto menos tempo ha que as Farnilias, que a adop-
tam, sahiram d’aquella classe , com a qual a sua ac­
tual riqueza as leva a pretender não confundir-se : ou I
da qual só se distinguem pelos bens que possuem.

rayCSF:
iy 4 POESIAS

Com as feições da iiobre indepeiidencia.


Viver não lhe apraz menos , nas Antilhas ;
Mas como se intentala disfarçar-se
Em acanhado corpo , se aseimilha »
Ao Cnco detestado dos Esposos,
\
.
Bem que este facilmente se distingua ;
Porque menos disforme move as lisas »
De variada cor lustrosas pcnnas. »

Aos lados da caheça uma só pluma »
Sc lhe divisa , a qual mui mal imita »

O talhe auricular. Contam que fora ))


Da Etruria n’outro tempo Rei potente , »
Dotado de belleza sobre-humana , »
De engraçados , afaveis ,»meigos gestos, »
Que com força invencivel atrahia »
Os corações mais rigidos e austeros. »
Sempre imbelle , jamais brandira lança , »
Ou escudo embraçou , cingiu espada ; »
So de Cupido na amorosa guerra »
Continuo se mostrou firme, e incançavel. »
Alpinello era o nome do Monarcha ,
Da poderosa Venus protegido , Y
Que devoto poderá ornar seos Templos Y
Com mil padrões de insolitos prodigios. Y
Oprimido dos annos, e coberto , Y
Dos louros triunfaes do Deus de Gnido , Y
A’ Deusa pede coni instantes rogos , Y
Que lhe conserve o ser , e a forma mude Y
P R O F A N A S .

Em ave graciosa , cujo canto ,


Seo nome e seos triunios l ecordando ,
A fama perpetue das ditosas
Continuas oblações , que lhe ofertara.
Ouviu a Deusa a suplica devota ,
Ë em prêmio de seo mérito o transforma
Naquella ave maligna , conhecida
Pelo nome de Cuco, que inda agora
As vivas fantazias atormenta
De ciosos, amantes indiscretos ,
Pintando n’ellas mil visões funestas
De torpes seen as , pérfidos enganos.
Assim vagando , de um em outro clbna ,
Chegou té ás austraes miseras terras ,
Firme morada em todas assentando.
No fecundo Brazil, onde seo corpo
Apoucado se mostra , o nome troca »
Era Caburé ♦, mas, mais formoso ostenta »
Grandes , redondos , amarellos olhos, »
Onde brilha central negia pupilla :
A seo arbitrio abaxa , ou ergue as plumas »
Que , em lateral postura , a frente adornam , »
Quaes agudas , polidas , moveis pontas. » %
Facilmente domestico , e tranquilo »
Nas casas vive , aonde encontra abrigo.
Assim de Kolbe ao Cuco se assimilha ,
Que habita o proceloso promontorio »
Onde Eólo suberbo se enfurece j »
r^G poiisiAS
E aonde Adamastor , com voz horrenda , »
Que pareceu sahir do mar profundo , »
Ameaçava o destemido Gama , »
Quando nas Indianas ricas praias . »
Ia plantar as Lusitanas Quinas.. »
Sublime genio , que na mente fértil ^
i
Do Sulmonense Vate despertaste ^
O fogo animador , comque retrata ^
Da Natureza as obras e as mudanças ; ^
Dresse lume celeste na minha alma ^
Sacode uma faisca , que avivando ^
A já cansada frôxa fantazia , ^
N’ella suscite imagens vigorosas, ^
, E nobres expressões apropriadas
Para cantar os casos lastimosos , ’
Os crimes descrever, e a iniquidade ^
D’esses homens que o Mundo chamou grandes,^
E grandes em maldades foram dignos ^
De que o supremo Jove, em justa pena ^
De suas horrorosas cruçldades , . ^
Os .convertesse em carniceiras aves , ^
{ N’êssas aves sombrias que so amam ^
A escuridão das pavorosas trevas , ^
E que , apenas desponta no oriente ^
O claro Sol benigqo derramando ^
Sobre a face da Terra a luz brilhante , ’ . ^
Ao seo aureo clarão promptas se occultam , ^
l,.J II
Kt..” I l
Como temendo que as feições disformes, ^
P R O F A N A S. 177
Que O Ceo aos crimes seos apropriára , Y

Patentes façam as paxoes horriveis,


Que em seos peitos ferozes inda abrigam: )
E que expostos aos olhos dos humanos
Os torne detestável, digno ohjecto
Da execração, e do geral desprezo.
Posto que similhantes na figura
As descriptas té aqui ; nenhuma oíFrece
Na alisada cabeça leves pennas
De forma auricular, e com diversos
Desenhos as distingue variamente
A rica inexhaurivel Natureza ;
Alvo corpo lhes deu , e as brancas azas :
Com fuscas , separadas , curvas malhas ,
A’s vezes , adornou ao duro Harfango ,
Que mais grave e avultado*do que o Bufo.
Distinto d’esse fez , não sem motivo.
Tu o sabes , ó Dania , pois trocado
Viste na forma d’esta feroz Ave , »
Esse brutal Monarcha deshumano , »
Que de sangue te encheu, te encheu de horrores: »>
O infame Christierno , que de Nero
1/
Teve a maldade , e mereceu o nome.
Agora so habita , e so levanta ,
Pesado e carrancudo, o triste vôo
Nos paizes, aonde o frio intenso

s
O natural instincto lhe entorpece ,
E aonde sombrio e carregado.
U. 12 * Aaa

. r

«it'
i;
117g POESIAS

O p rim id o p a re c e da le m b ra n ç a
Das p assad as p erfíd ias e cru ezas.
N os clim a s b o rea es do n o v o M u n d o

LÍ T a m b é m to m o u assento ; m a s so ousa
R a ra m en te p o u sa r n o c h ã o ditoso
Q u e de F r a n k lin o g en io so b re -h u m a n o
Salv ou das ira s do celeste r a io ,
E dos fu ro res d o B r ita n o a ltiv o .
M ais liv re e m en o s fera , e m to d a a E u ro p a
A C o ru ja rev o a , a p re se n ta n d o
Q u a e s os d en tes da se rra c o rta d o ra
As p en n a s p rin cip a e s , c o m q u e p a re ce
R e m a r , q u a n d o d ivid e os densos a r e s ,
E n ’elles b a te as p erg u içosas azas.
F u sc a , desagrâdavel c o r lh e afea
O c o rp o de m il p iu m a s estofado.
E m vão n os en cov ad os o lh o s b r ilh a
Ò iris n e g ro 5 n ielles se divisa
D a oleosa av elam a c o r so m b ria .
E m espessos silvados se a g a s a lh a ,
O u n as co p ad as arv o res , e d ’ellas »

N as a b e rta s m u sgosas c a v id a d e s .
D u ra n te o d i a , fr ô x a se re c o lh e ,
M a l e n tr a o S o l n os in v ern o so s sign os.
E nli-e os g em id os fú n eb re s , qu e e x h a la s ,
O ’ triste N o itib ó , lá se d istin g u e m
O s ran g ed o res g r i t o s , q u e do c e n tro »
Dos C e m e te rio s lu g u b re s esp alh as ,
PROFANAS. 179
Pavoroso temor, gelado susto * »
Derramando nos peitos indiscretos »
Dos ignorantes , crédulos humanos , «
A quem a fé estúpida inda oprime ^
De fatídicos, vãos , negros agoiros't ’ ^
Agoiros que de Roma presidiram ^
A’ baxa fundação , e que no tempo ^
De sua colossal gi'andeza ainda ^
As guerreiras emprezas dirigiam , ^
Mas que hoje os mesmos Scipiões e Emilios , ^
Respeito e pasmo do Universo absorto , ^
So de riso'ou de dó dignos fariam : ^
Tanto pode do tempo a dura lima , ^
E da Razão a placida cultura ! ^
O teo dorso amarello , aonde ondeam ^
Pardas escuras manchas de ordinário »
De brancos lindos pontos salpicadas , »
Gentilmente realça , contrastando »
Com a alvura do corpo , e com o rostro, »
Que negro he só na ponta , aguda e curva , »

Com que feres e matas os coitados »
Miseros passarinhos innocentes ^ »
E com que fazes implacável guerra »
Aos damninhos , subtis , timidos Ralos. «
Foi n’esta Ave mesquinha pregoeira »
j
De funereos desastres que o Destino »
Transformou esse hypocrita cruento , ))
Dissimulado pérfido Philipe, * »
la *
1 80 .PO ESIA S

Q u e -a tro p e la n d o as L eis da N a tu rez a , ^


(t
In su lta n d o a R a z ã o e a D iv in d ad e , ^
De fo g u eira s co b riu , c o b riu de lu to ^
A desgraçad a H espan ba : qu e fa lsa rio ^

’( I A cusador e algoz do p ro p rio F ilh o , ^


P a ra a Esposa r o u b a r - lh e , á m o r te o e n tre g a ,
•Ir'- S im u la n d o da F é zelo e x a lta d o ^
Q u e em sua a lm a p erv ersa ja m a is co u b e : (1) ^
F e ro z , a m b icio so , in s a c iá v e l, . ■ ^
Q u e ro u b a n d o , sem p e jo , sem d isfa rce •, ' ^
O s d ireito s dos P ov os q u e o p rim ia , ^
D ila c e ro u c r u e l o m an so B elg a , * ^
E su geitou co m b a rb a ra p erfíd ia ^
A ferre o ju g o o L u s ita n o R e in o . ^

(i) Se Philipe II.° de Hespanha occasiofiou, ou nao,


a morte de seo filho , o desgraçado Princepe D. Car­
los , he ponto Historico ainda controvertido , e que
pelas dificuldades que os Escriplores Hespanoes de­
viam encontrar em produzir as provas que o verificas­
sem , e até pelo temor de o fazerem , he de esperar
que fique para sempre duvidoso. Nao obstante porém
que a divulgação de uma tal voz, e de uma lam hor-
rivel imputação , combinada com o caracter bem co­
nhecido de Philipe IL», façam assaz verosimil a sua
realidade ; eu nao tenho em vista n’este logar corrobo­
rar os fundamentos da credibilidade d’este facto ^ li-
inito-me a'fazer sensivel o horror que uma tal acçao

iii
PR O F A N A S.

Também tu , ó Rainha deshumana ,


Que em Philipe terias digno Esposo j
Que impia precipitaste nos abismos
Do Averno, um apoz outro, os proprios Filhos;
Tu que a noite medonha aparelhaste ,
Em que Atropos , das Fúrias rodeada ,
Armou do Fanatismo as maos cruentas ,
E de sangue banhou a França inteira :
O’ Medieis , indigna de tal nome ,
Inda mortes e horrores respiravas ,
Quando os Ceos indignados te mudaram
Na mesma Ave nocturna , em que )á fora
Mudado o Filho horrendo de Agripina.
Teo torto rostro, recurvadas unhas, »
Teo grito apupador e dissonante , »

deve natmalmente inspirar. Poetas nlo são Historia­


dores , aproveitam-se da* Historia , alleram-na , e atd
fabulam para introduzir em seos poemas as ideas que
podem dar-lhes realce , avivando nos corações de seos
leitores o amor da virtude , o horror do crime , e em
■V
geral todos os sentimentos nobres e generosos. Se
esta permissão he dada a todos os Poetas, como poderá
negar-se a um Portuguez amante de sua Patria , e
pessoalmente obrigado aos seos Soberanos ; quando
procura augmentar o horror contra um Principe es­
tranho , que oprimu essa Patria , e usurpou os direi­ %I
tos d’esses Soberanos ?

H-IAL
T8 2 POESIAS
I

Teos azulados ollios nao consentem ,


Nem a terceira remadora penna ,
A qual ás outras todas se.avantaja ,
Que com outra alguma ave te confundas.
Entre os Glaux
Argivos foste chamada :
Menos exactos, deram-te os Romanos
De Noctua o nome improprio , nome vago :
Coruja apupadora antes chamar-te
Quizera , ou derivar de teos apupos
Um nome imitador , e apelidai’-te
Chat-huant , á maneira dos Francezes.
Oxalá que eu podesse apropriiu'-te
De Tuidarà o nome, que designa
O Noitibó , na armoniosa lingoa
Do perguiçoso , afavel Brasileiro.
Com diversas feições, diverso nome
Chat-huant
O Noitibó ., e o habitam ,
Náo só na desabrida Scandinavia ,
Mas nos climas aonde o Sol dardeja
Com mais calor os ençendidos raios.
Com tudo de Cayana , per tal modo,
No terreno fecundo e apaúlado ,
OChat-huant varia, que parece
Nova especie formar , offei’ecendo
A’ vista estranhas , variadas cores :
O bico côr de carne , as unhas negras ,
Os olhos amarelos , e a plumage
Ruiva , e mui subtilmente atravessada
PROFANAS. 3^5
,
De escuras riscas , que no dorso e peito
E no ventre, lustrosas se divisam.
Tambem move amarelos feos olhos
*A Ulula, que só vive nos rochedos ,
Entre ruinas , e asperas pedreiras , »
Ou Íngremes, pendentes pénedias, »
E sémpre melancólica e sombria ,
Nas solitarias brenbas busca azilo. »
Seo corpo , que per cima he branco e fusco , »
Os traços apresenta que figuram »
Ligeiras, ondulantes ^ vivas chamraas. »
Dislingue-se tambem , porque na cauda
As pennas, que a guarnecem , e quai leme
O vôo lhe dirigêm, matizadas »
São de rectas , subtis , candidas riscas ; »
Estas tambem* a cauda aformoseara »
DaExtrix do Canadá, mas mais delgadas,
Froxamente alvejando,.la se avistam »
Sobre a ponla , nas pennas entremedias.
Sua erguida cabeça , negra no alto , »
De alvos pequenos pontos he manchada , »
Imitando do corpo as brancas malhas , »
Que sobre a parda cor nitidàs brilliam.^ »

Na parte anterior seo rostro alveja , »

Em tanto que nos olhos lhe scintila »

O amarelado íris reluzente , »


Que do doirado goivo a côr imita , »

De florentes Jardins cheiroso ornato. »


1 84 P O ESIA S

E como es facilmente conhecida »


Zuetaj ou antes passarinho M
ocho! »
Qual outra ave apresenta a nossos olhos »
Cinco distinctos laivos que branquejam »
Em regulares filas alinhados ?. »
Teo encurvado bico he amarelo »
Na ponta , mas escuro sobre a base : »
Teo corpo iguala apenas- em grandeza . »
O do canoro sibilante Melro. »
D’esta arte, a rica e sabia Natureza »
Em continua cadea os seres liga , »
Que no Globo espalhou ; mas que dispostos »
Aos olhos do Zoologo^discreto , * »
Em ordem l egular , per diferenças »
Tam tenues se distinguem , que parece , »
Que ella quiz , graduando subtilmente »
As transições de uns seres para os outros , »
Per insensiveis passos , n’um so todo »
Immensos iodos
reunir distinctos. (i) »

( i ) O pensamento , que desenvolvi nestes dez ver­


sos , acha-se no original expressado da maneira se­
guinte :
, He assim que a sublime Natureza ,
Com laço inteligeute os corpos une , '
Que no Globo espalhou , desde os maiores
ffiVf
il Até os mais escassos , e mesquinhos.
I Per mil modos os une , e prende todos :
Até leves n u a n ça s forma e assombra ,
P Jl o P A N A s.
A ssim de H udson se vê iia fu n d a e vasta
B a h ia , re v o a r a ave q u e im ita
O G avião n o b i c o , e au d az em p o lg a
E m pleno, dia a d esg raçad a p rez a :
D istin g u e -se m u i p o u c o , n a ca b e ç a ,
E n o s pés , da lu cifu g a C o ru ja .
Caperacoh h e o n o m e qu e lh e d e ra m ,
D e raizes B ritâ n ic a s fo rm a d o :
A v aria c o r das p en n a s a d istin gu e ;
N eg ras n o a lto são da ergu id a f r o n t e , »
D e cân d id os salp ico s m istu rad as ; »

Com que feiçÕes diversas misturando ,


Finge unir n’um so ser diversos seres.

D eterm inei-m e a su b stitu ir aquelles a estes versos ,


alem de diversas considerações fáceis de perceber , a
quem sabe avaliar a arm onia da versificação , e tem
verdadeiro conhecim ento da lingoa Porlugueza ; por
não me anim ar a introduizir n’esta *o term o francez
nuança , de que aliás m uito carecem os. E n tre tanto
para que o exem plo de um hom em de tanto esp irito,
saber e gosto , como o autor d’esta singular com posi­
ção , não falte a algum bom engenho porluguez do­
tado da resolução que eu não tenho , transcrevi a %
passagem que por timido alterei. IV’ella e na que lhe
s u b s titu í, persuado-me que se encontra qu anto basta
para fundar sobre este ponto a deliberação de qual­
quer E scrito r discreto , que se sinta cora forças de
form ar autoridade.
í!
f i' li -"i'’
|.,î,!‘;
•i .iyi'i ■ 186 ' P O E S IA S

As que dos co to s p en d em so b re as azas , »


De riscas tra n sv ersa es são a d o rn a d a s , »
í-.Mí-1 J á b ra n c a s , já escu ras 5 m as e n tre e lla s »
' -V*í', As t r e z , qu e ao c o rp o m ais visinhas fic a m y »
i.* ■.i :W S o de Candidas orlas são bordadas. n
L o n g a s escu ra s m a n c h a s se d iv isa m , »
A p a rte in fe rio r a tra v essa n d o »
Da g a rg a n ta , e o rn a n d o o v e n t r e , os la d o s , »
O m u scu loso, p e ito , e as leves p ern as. 9
E n tr e as co m p rid a s p en n a s , q u e lh e fo r m a m »
As azas , a p rim e ira h e to d a e scu ra »
S em o rla , ou b r a n c a m a l h a , q u e a b elleza
L h e rea lce : la m b e m n is to im ita n d o
As ferozes c a rn iv o ra s C o ru ja s.
N as to rta s ag u çad as u n h a s segue
Das o u tra s aves de ra p in a a fo r m a .
N^esta f e iç ã o , ou a n tes ofen siv a
A r m a , n e n h u m a o u tra a N a tu re z a
D istin g u iu com fig u ra m en o s cu rv a
Do q u e o sord id o A b u tr e , q u e do T ig r e »
A fo rç a em p r o p o r ç ã o , e-a sa n h a ig u a la .
D e p e n n a s a ca b e ç a despojadfi ^
D e d u ra n u a p elle g u a rn e cid a ,
N a p a r te a n te r io r os o lh o s m o stra
A’ flo r da fa ce vivos sc in tila n d o .
A lin g u a ao c o m p rim e n to dividida
P e r u m d ire ito reg o , e lev a n ta d a
De u m la d o e de o u tr o lad o , n a du reza
r R o r A N A s. 1^ 7

As r ija s ca rtila g e n s ig u a la n d o , »
De u m a ca lh a a fig u ra re p re se n ta , »
P e r o nd e a ag oa n o v e n tre se lh e e n to r n a . »
O co llo tem despido , e m a l ap en a s »
D e m a cia p e n u g e se g u a rn e c e , »
P e r e n tre a q u a l de q u a n d o em q u a n d o ergu idas»
R a ra s g rosseiras cerd a s se a p re s e n la m : »
In c lin a d a p o stu ra se m p re to m a
C arreg ad o e som h i io ; b em m o stra n d o
N ’este in g ra to p e n d o r a in d o le fera
D e seo c r u e n to g e n io , e d u ro in stin c to .
M en o s fe rin o , ou a n tes m en o s fo rte ,
L a n ça n d o aos ares la m e n to so s g r it o s ,
A nte m eos o lh o s v e jo o P e r e n ó p t e r o ,
H ab itad o r dos lev an tad o s m o n t e s ,
Q u e ousado atrav essou o g ra n d e A n n íb a l,
Q u a n d o o tre m e n d o v oto e x e c u t a n d o ,
A q u e A m iíca r seo P a e o p ersu a d ira ,
E n tro u n a a m en a Ita lia , e a n te as h ostes
Dos P en o s fez tr e m e r o C a p ito lio .
T a m b é m n a G ré cia v iv e , o nd e as scien cias
N ’o u tro te m p o e x is tir a m de m a o s dadas
C ora leis , que a lib erd ad e assegu rav am ,
E o nd e ag ora a Ig n o râ n c ia só d om in a ,
Do D espotism o F ilh a , Irm ã a , e E sp o sa .
N ’esta te rra in feliz , ond e calca d a s
S â o as cin zas de P h o c io n , e A ristid es
Aos pés de vis E u n u c h o s , e de ru des
P O E S IA S

O rgu lh osos Ba xás , a q u em d istin g u e


A cau d a trip lic a d a , in sig n ia p ro p ria
De b ru ta es , ig n o ra n te s P o te n ta d o s •,
N ’esta te rra , que as la g rim a s p ro m o v e
Dos h om en s en ten d id o s , solta o vôo
D epois de rep etid o s vaos»esforços
O pesado ch o ro so P e r e n ó p te r o . »
As p en n as p rin cip a e s , qu e ao a r o elev am , »
N a e x tr e m a m a rg em sáo de b r a n c o t in t a s ,
E x c e p to q u a tro ou duas , qu e se assentam ,
C o m o p r i m e i r a s , so b re as m a is q u e as segu em ,
E qu e u m a m esm a c ô r c o n sta n te s g u a rd a m .
■ .1. Das asqu erosas v en tas lh e d im a n a
C o n tin u o m a l ch eiroso h u m o r n o je n to ;
E q u an d o so b re os rudes pés se firm a ,
As azas fr ô x o m a l fech ad as d e ix a ;
O q u e os o u tro s A b u ir e s , de o rd in á r io ,
E c a rn ic e ira s aves ta m b ém f a z e m ;
S ig n a l da la x id a o , q u e lh es rep assa
O p e ito v i l , aon d e se re u n e m
C o b ard ia e c ru e l fero cid a d e.
E is a fo r m a h o rro ro s a e d esp rezível
Q u e , em ca stig o de teos n efan d o s c rim e s ,
O s se m p re ju sto s Ceos te d e stin a ra m ,
O ’ T r iu m v ir o in fa m e , q u e escon d en d o
A tu a n a tu r a l in d o le fé ra
De b a x o de estudadas a p a rê n c ia s
De m odestas v ir tu d e s , q u e n ã o tin h a s , »
P R ü F A JS A S.
C om aleivosa boca p ro fa n a n d o
D e cidadão R o m a n o o n o m e e a g lo ria ,
Os g rilh õ es ap erta ste á lu a P a tr ia ,
E os filh os dos V a le r io s , e dos G ra c c h o s
S u b m e te ste a teo ju g o v ergon h oso. »
E m vão das castas M usas p ro c u ra ste
O a b rig o p r o te c to r ; em vão fizeste ¥

Q u e n as suaves C ith a ra s soassem


Dos c a n to re s de M a n tu a , e de V en u sa , ¥

E m liso n je iro s s o n s , teo s m en tiro so s ¥


F a lsid ico s lou v o res : n ã o p o d era m Y
Su as vozes so n o ra s lib e r t a r - t e »
Da ig n o m ín ia in d e le v e l, do fe rre te »
E te rn o , a q u e severa te c o n d e n in a , »
P o r tu as p ro sc rip ç õ e s im p ia s e o b scen as , »
A R a z ã o , c u ja s vozes refo rçad a s »
D e g era çã o em g eração tra n sm ite m »
T e o n o m e c o m h o r r o r , ao M u n d o in te ir o »
E m vão a d ig n id ad e v en eran d a
De T r ib u n o , e de C onsu l osten tav as ,
F in g in d o re s p e ita r o q u e o u tro te m p o Y :■V
D o o rb e in te iro resp eitad o fô ra : Y
E m vão c o m reílectid a , e sim u la d a »
M od eração , p ru d en te os p arece re s »
E scu ta v a s de A grip p a e de M e ce n a s , »
P a r a sab er se o sc e p tro d ep orias ,
O u se da P a tr ia o bem in d a e x ig ia »
Q u e em tuas debeis m ãos o retivesses. »
n if;
áli
190 PO ESIA S

Per entre o véo j que astuto pretendias


Lançar á usurpação que exercitavas,
Reverberava o plano ambicioso ,
Com que o grande edifício da Romana ,
Antiga liberdade demolindo,
Meditavas cobrir de frias cinzas
Dos Brutos , e Catões os quentes restos.
Inda quando os teos dias so manchasse
O crime de chamar de Roma ao throno
O feroz, reíblhado , torpe filho
Da enganadoi a Lívia , e ter formado
D’esta arte o anel primeiro da medonha
Detestável cadea de Tyranos,
Que o Mundo per mil modos flagelaram
Em quanto despreziveis , e odiosos
Do mesmo Mundo aos olhos se faziam :
Este so crime te fizera digno
De seres transformado em feo Abutre.
Inda na mão a penna sustentavas
Com que havias no docil pei'gaminho
Escripto o fatal nome do cruento
Estúpido Tiberio , quando a Deusa
Que de Jove nascera e de Minerva;
A Deusa , que dictou as leis sublimes
De Lycurgo immortal, e longo tempo
Do Capitolio ao Fado presidira ,
As unhas te aguçou , e accosa em ira
Denegridas as fêz e recurvadas ;
PROFANAS.
O iris te pinion nos feros olhos
Com aniarella cor avermelhada :
A cerulea cabeça , e o collo apenas »
De alva penuge le cubriu , e poz~te , »
Per baixo de pequenas brancas pennas »

Uniforme coleira pouco airosa.


Falar quizeste , e os beiços alongados
Em negro adunco rostro se tornaram ,
Que só na torta ponta um pouco alveja.
No peito te imprimiu escura mancha ,
Que parece imitar no seo contorno »
De um coração a forma , e que somente »
Em sua cor retrata , escura e triste, »
De teos conselhos o fatal negrurae.
Negou-le emfim nas azas, e no corpo
As proporções de um talhe airoso e nobre :
E rasgando-te a mascara de todo ,
Manifestou teos baxos sentimentos,
Dotando-te de instincto sanguinário , ))
Que disfarçar não podes , e te obriga ^ »
A faminto buscar per toda parte
Cadaveres immundos, e corruptos
Que te aplaquem a fome insaciável *

De carnagem e sangue, que animara ¥

Teo peito imbelle em quanto vivo foste. ¥

¥
Mas jà vejo no lúcido orizonte ,
¥
Per entre as brancas nuvens, apontando
¥
O amoroso clarão da rôxa Aurora :
,< ’•
192 PO ESIA S
■I
Já oiço O doce armonioso Canto ^
Dos ledos passarinhos , que anunciam . ^
A magestosa apariçáo de Phebo : . ^
Já o Deus que visiveis faz as cores , ^
As trevas afugenta , dardejando ^
Do fulgurante rosto a luz que infunde ^
Nos coraçoes humanos alegria : ^
Suspende, ó Musa , o doloroso Canto , ^
r Q ue, nos lugubres tons da Eólia lyra , ^
Benigna me inspiraste : as a ureas cordas ^
Da Cithara divina aos tons alegres ^
Acomoda de novo : aos indignados ^
De trovejante voz duros accentos ^
Succedam amorosas meigas notas ^
De suave expresíâo : as lindas aves , ^
Cujas vozes escuto, estam pedindo ^
Cantos , onde os Prazeres, onde as Graças ^
Risonhas resplandeçam , e onde o prêmio . ^
Das Virtudes se veja retratado ^
Com apraziveis cores , que despertem , , ^
E arreiguem n’alma os puros sentimentos ^
Da compassiva , meiga humanidade , ^
E da amavel geral beneficencia. ^
Por um pouco , esqueçamos os horrores ^
De cruezas, perfidias , e impiedades , ^
Com que monstros, não homens, deshonraram,^
E afligiram a triste humana Raça. , ^
Dos bons as acções nobres recordando ^
TROFANAS.
As tintas e os pinceis aparelhemos
Para quadros traçar , que ao Homem fraco
Animem na carreira da virtude,
E que esperar lhe façam mais ditosos,
Mais prosperos, alegres, mansos dias.

NOTA.

Esta singular composição , cujo arido assumpto (ao


menos encarado no systema da Natureza do celebre
L in n eo ) parecia inteiramente fora do alcance da poe­
sia , foi emprehendida pelo Autor na sua primeira
mocidade. N’aquelle primeiro impulso , foi levada
pouco mais ou menos á metade de sua extensão, relati­
vamente ao ponto em que elle a deixou. A sua mu­
dança de estado o determinou a por de parte todas as
obras de Poesia profana , que havia emprehendido ;
e esta cahiu por tanto cm perfeito esquecimento, com
algumas outras. Passados alguns annos , tornou elle
com tudo , a instancias minhas , a lançar de novo
mão d’este trabalho, e o conduziu até a métamorphosé
de Octaviano em Perenóptero. Como este segundo im­
pulso teve a sua origem na condescendência , e não
em a voz do genio que primeiro lhe sugerira o desejo
de dar uma descripção das Aves em verso j o seo re­
sultado não foi tam feliz como o do primeiro , e facil­
mente perdeu o Autor segunda vez a vontade de aca­
bar a obra. D’aqui resultou que não cogitando mais
de polir o que tinha fe ito , deixou elle este seo
11. i5
•<1
t

■394 . P O E S I A S

trabalho em um estado de imperfeição que o fazia


pouco digno de sahir á luz publica. Com tudo,eraur
tantos os rasgos de genio 3 tantas as belezas poéticas ,
e tantas as dificuldades vencidas j que eu julguei de­
ver , senão acabar , ao menos corrigir e aperfeiçoar ,
quanto em mim coubesse , este producto verdadeira-
mente original de um genio poético , para honra do
A utocr, da lingua Porlugueza : e por tanto, usando do
direito que o mesmo Autor me dera sobre as suas
obras , poucos dias antes de seo falecimento , passei a
cortar todas as passagens que me pareceram menos
próprias , ou mais arredadas da beleza de outras : in ­
troduzi alguns pensamentos novos ^ e dei a muitos dos
antigos diversa forma , e mais amplo desenvolvi­
mento. Não podendo pordm desconhecer a infdriori-
dade de meos talentos, relativamente aos do A u tor; e
nao sendo de justiça que as minhas imperfeições e'de-
feitos lhe sejam em tempo algum atribuidos , assentei
distinguir os meos versos, dos seos, notando com o as­
terisco (^*) todos os q u e, nao somente são meos , mas
exprimem pensamentos meos ; e de marcar com o si­
gnal (») todos os q u e , sendo per mim compostos ou
emendados , exprimem pensamentos que o Autor ha­
via diversamente expressado. Introduzi a segunda in­
vocação que começa :
Sublime genio que , na mente ferlil
Do Sulmonense Vate , despertaste , etc.

para marcar precisamente o ponto em que me vi obri­


gado a tratar quasi de novo a materia , sem desapro­
veitar com tudo os pensamentos , e aid alguns excc-
P R O F A N A S . 19a

le n te s versos de m eo A m ig o j e rem atei o P o em a c o m


u m feeh o q u e m e p e rm itis se e n x e r ir no c o rp o d o m e s­
m o poem a a d e s c r ip ç a o de to d as as aves q u e fo r a m
o m itid a s } se p e r v e n t u r a este m eo tra b a lh o fo sse
bem re ce b id o d o P u b lic o , e eu tiv e sse o c c a s ia o d e

iin p rim i-lo se g u n d a v e z.


L e m b r a d o m e s m o de q u e ta lv e z a lg u m a s h o r a s d e
descanço m e p e rm itis se m in te n ta r a d e scrip ça o p o é ­
tic a d a s o u t r a s o r d e n s , e m q u e L i n n e o d i v i d i u a s a v e s ,
d e ix e i e n tr e v e r n o fe ch o c o m q u e te rm in e i esta p r i­
m e ir a n o ite , o d e se jo d e a ss im o execu tar. E n tre
tan to , n em a m in h a ed ad e , n em o estad o da m in h a
saude m e p e rm item que e u c o n tra ia co m o P u b lic o
u m em p en h o q u e não ten h o c e r te z a , n em m esm o n o ­
tável p ro b a b ilid a d e , d e p o d e r e x e c u ta r .

.5*
‘.'i-íS'
\

196 I’ o E S I A S

CAR T A
DIRIGIDA A MEO AMIGO JOAO DE DEUS
P i r e s F e r r e i r a ,

Ji^m que lhe descrevo a minha Triagem per mar


até Genova,
M'
I' M eo P ir e s ,

: ,f. D espontava o dia em q u e a in e o s o lh o s , n a o


sem saudade , lia v ia p o r a lg u n s m ezes d esap arecer
L isb o a ,
Q u e m e re c e b e m o n o m e
D e J3y sa n e io o c c i d e n t a l ;
O n d e o sa b e r p o u co v a i ,
T ê m v a lo r so p ra ta e o i r o ,
B r a n c o a ssu c a r, r ijo co iro ,;
H e m e lh o r ter, q u e v irtu d e :
P e lo m e n o s assim p en sa
G e n te d ou ta , e p o v o ru d e .

D ir -m e -h a qu e de L o n d r e s , A m sterd am , B e r lin ,
V ie n n a , se pode dizer qu e sicut et nos manquejam
de um olho ,* n a o duvido : de P a r iz p o r o ra n ad a
digo 5 esp ero as leis civ is p a ra a ju iz a r se fiz e ra m
n ’ellas o q u e devera.
i-

j
s 'J

■j1 !
í PROFANAS. 197 “í

^ He e n tã o q u e a m in h a M usa ,
í D e c a n ta r m ais a n cio sa , •

F e r ir á de n o v o as co rd a s
; D e sua ly r a sau d osa.

E n tr e ta n to v a m o s ao p o n to , que lie a d escripçíio


da m in h a v iag em até G e n o v a . P e r o n d e co m e ça ­
re i ?
C an sad a a m im o sa A u ro ra ,
P a r a o le ito se a c o lh ia ,
E m q u a n to A p o llo a ço ita v a
O s raessageiros do d ia.

E m vão P y r o is re to rc ia
As o re lh a s fu m e g a n tes ,
E c o m rin c h o s d isso n an tes
E t h o n t e o a r a tu rd ia 5

P o rq u e A p o llo e n fu re cid o
M ais e m ais os fu s tig a v a ,
V ib ra n d o a to rta m a n o p la
C o m h o rro ro so esta m p id o :

V in te vezes foi ouvida , Ó


Q u al 0 v e n to , s i b i l a r ,
E n as a n ca s rev oltosas JU r
Dos g in etes e s t a la r , fe'
P o r ta l m o d o

qu e a m an h eceu em fim de to d o . C onfesse qu e he


um a das m an h ãas lo n g a s qu e se tem visto r a ia r
398 P O E S I A S

sobre o Orizonte: mas emfim amanheceu. Era de


esperar que , depois de tanto trabalho de Apollo ,
a manhaa fosse clara e brilhante : nao succedeu
assim ;
iJ ‘ ! •i Porque densa escura névoa ,
Per entre o freo, escumavam
Os ca va lios furiosos ,
Dos açoites que aturavam.

8e lhe nao agrada esta theoria, para explicar a


origem das névoas ; saiba que em Poesia ainda se
não deu melhor; e se não he certa, ao menos he as-*
saz intelligivel para mostrar que a manhãa foi ne­
bulosa. Irra ! que manhãa ! eu mesmo ja não sei
como hei de chegar ao meio dia, a nao ser dç pulo.
Saltemos pois :
Zuniu nos ares
O meio dia ;
Batei ligeiro
Já conduzia
O Palinu ro
De aspecto duro, ,
Que promettera
Ser nosso Guia.
Corj)o pequeno ,
Rosto tostado,
-íiSc -
■-'íf.' ' Magro, escarnado, ' )
■ itm\
De frôxas rugas
P R O F A N A S. J 99
E n tr e te c id o 5
D e cãas o r n a d o ,
O m a l b u rn id o .
C a b e llo p r e l o :
E is o r e tr a to
D ’este b isn eto
D o G r a n ’ N e p lu n o .
D iz çm qu e Ju n o
/ Já p re te n d e ra
F a z e - lo esposo
D e um a S ir e a ,
Q u e m a l o viu ,
D e m ed o ch éa ,
A co r p erd eu ,
E e n tr e g em id os
E m fim m o rre u .
Ja z se p u ltad a
N o fu n d o m a r
P e r to do estreito
De G ib r a lt a r .

M a l g a rim p o u so b re o N a v io , deu Ires passeios,


m ediu o C eo co m os olhos , e de co m m u m a co rd o ,

As velas se d e sfra ld a ra m 5
D in am arq u eza b a n d e ira
P elo s ares o n d e a v a , -3
Com a p a rê n c ia g u erre ira :

'U
200 P OE S I A S
M a s , Ó caso n u n c a visto !
■I ■ O ’ m a ra v ilh a t estu p en d a !

N ão se assuste : h e p o u co ra a is de n ad a ; o H iate
do P ilo to da B a r r a tin h a p ro te sta d o n a q iie lle dia
d e sa rv o ra r; e sem o n d as, n e m v en to q u e ta n to p u ­
desse , d esarv orou c o m eíFeito 5 e fo i-s e e m b o ra ,
d e ix an d o o b o m P ilo to

, Q u e passeia , a u m la d o e o u tr o ^
V o lv e os o lh o s p e n sa tiv o ;
E o ra f r ô x o , o ra m a is vivo ,
T u d o q u e r , tu d o r e je ita .
A b u z in a ped e e e m b o ca ,
G rito s ásp ero s s o lt a n d o ,
A’s in h o s p ita s m o leta s
P ied a d e su p lica n d o .

Q u iz c o n s o la -lo ; m as d eb a ld e lh e dizia q u e elle


ia ver as c o lu m n a s de H e r c u le s , a v icto rio sa r o ­
ch a d on d e , b a la s a rd e n te s , d isp arad as a te m p o ,
la n ç a r a m p e r te rra p r o je c to s co n ceb id o s so b re n u ­
m ero sas esqu ad ras , e d e sa tin a ra m G e n e ra e s esp e­
ra n ço so s : d ebald e lh e d e screv ia a a lo n g a d a co sta
de H esp an h a , o nu nca assaz tem id o G o lfo de
L y ã o , o p ra z e r q u e te ria de a v ista r-se fa c e a fa ce
c o m a S e re n issim a R e p u b lic a de G en o v a , q u e sem
duvida lh e fo r n e c e r ia todos os s o c c o r r o s , q u e elle
tivesse m eio s p a r a p a g a r :
r E o F A N A s.

Tudo em vao lhe pinlaiia ;


Pois n’aqnelle duro instante
Terno Esposo , Pae amante ,
Da Consorte só ouvia
Os gemidos , e a saudade
Dos filhinlios que deixava,
E tam mimosos creava.

D’isto conclue Vm.^e muito bem, que o dito P i­


loto era casado, e tinha filhos. Apezar do que, seria
obrigado a navegar té Genova , se não fosse

Barco atrevido
Que ouve o clamor ,
E condoido
Gira ao redor,
Offerecendo
No alagadiço,
Salgado bojo.
Doce hospedage. » o
Então descendo, '
« Aqui me alojo »
Disse, e entoando
« Boa viagem »,
Clamaram todos ,
Dinamarquezes
E Genovezes,
« Boa viagem. »
Por largo tempo
Os tons diversos
202 P O E SIA S

No ar. dispersos
Se revezaram ,
E retumbaram, /
Amedrontando '
De vagos peixes ;-
Immense bando.
■• I
Vendo-me so , é sem haver quem fizesse retinir
aos meos ouvidos
li Da Lusitana lingua o tom canoro,

Resolvi-me restituir aos amigos , pelo modo pos-


Nsivel, o tempo que lhes roubava da minha com­
panhia , de que tantas vezes pareciam fazer caso.
Vieram me entam á lembrança os nomes de Ba-,
■ ■ !» !
chaumont, e Chapelle:

Dois famosos bebedores


Que , intentando tornar fixas
^ Do rosto as vermelhas cores ,
Da Champanha bellicosa ,
Do Bordeos , e da viçosa
Sãa Borgonha visitaram
As adegas afamadas.
Ah! quantas vezes,
Sem se assustarem
De mil revezes
Que a historia aponta , ? t-

Guerra emprehendeiam
Contra esquadrões,
lí;® ''
Em ala postos.
De garrafões
A que arrancaram
Rolhas teimosas,
E despejaram
Nas sequiosas
Goelas vorazes j
Sem , um momento ,
Ouvido a pazes
Quererem dar.
Depois, tocando
Na docil ly r a ,
E descantando
Suas victorias ,
Nos descreveram
Quanto beberam.
A viajar ,
O Tejo e Nilo
Talvez bebessem ,
Se em vinho os rios
Se convertessem :
Pois lia quem diga
Que transportados
Em alegria ,
E coroados
De verdes parras,
A Baccho um dia
Quasi estiveram
P O E SIA S

Para votar
Que o mesmo mar
Enxugariam ;
Se as suas agoas
Baccho pudesse
Vinho tornar. •
Isto me resolveu a imita-los, não em’beber, mas
em referir a minha viagem. Bom será com tudo
dizer, para não denegrir a reputação d’estes Senho­
res, mais do que merecera , que elles não eram bê­
bados , mas amadores de bom vinho. Se não en­
tende bem a diíFerença que há entre estas duas
coisas, consulte a sociedade dos bebedores , que
diffundida per todo o Portugal, tem o Gran’Mestre
em Coimbra.
Em espirito de vinho
Conserva os estatutos,
Que o licor, ó coisa rara !
Respeita e mantem enxutos.

Ensopando a branca penna


No Carcavelos brilhante,
E no Porto fumegante
O Gran’Mestre os escreveu.

Montesquieu e Plutarcho
Longos annos revolveu ,
Antes qu’esta obra findasse,
A maior que o mundo deu !
PROFANAS. ' 200
»
Das Bacchantes toda a historia
Era très regras decifrando ,
Era outras très, mil diversas
Novas coisas desenhando.

' Encerra em pequeno espaço,


Quanto , na paz e na guerra,
O Magistrado , e o Soldado
Necessita sobre a terra.

Muito tinha a dizer sobre esta obra admiravel,


se nao fosse a vozeria da equipage', que me obri­
ga a largar mao da penna para attendee a uin
individuo , que nos pÕe a todos de mao humor ,
e a mim em susto.

Um Tritão todo coberto


De marisco e verde limo ,
Traz somente descuberto
O nariz agudo , e frio.

Pelas ventas vem soprando


Vento Leste enregelado ,
E dobra, de instante a instante,
Seo furor endiabrado. i.

'Preme o mar encapellado ,


O baixei torcido geme ,
Mal segura o indócil leme
O mancebo debruçado.
206 PO ESIA S
ir
êíi -5 ‘
Que hade ser de mim , meo Pires ? em que lingua
hei de falar a este Tritão para abrandar a sua cóle­
ra ? Portuguez, Italiano, Latim, Francez , Inglez,
he de que eu sei alguma coisa : mas quem pode
adivinhar a língua dos Tritões? Experimentemos ;
vou falar-lhe em todas ellas , talvez que entenda
alguma :
Basta já , Senhor Tritáo ,
( iV a o entende. )
M, (
Per pietá , Tritone amato,
( Menos. )
^.1^1 Triton, I can no more,
( Tempo perdido. )
Prudence, Seigneur Triton,
( Peior . )
Triton , esto pacato
Corde , animo , naso e ore.
Com effeito á esta ultima lingua fez um leve ace-
no ; e he indubitável, que até os Tritões veneram a
antiguidade ; mas ou seja perrice , ou tenção anti-
cipada , cada vez se accende mais em ira :

Eis que as bochexas engrossa j


Ai de mim , onde esconder-me !
Parece querer no abismo ,
De um só sopro , soverter-me.
Boa vontade tinha de lhe pintar aqui uma tem­
pestade ; não faltará oceasião: entretanto imagine

■7 '
I
iiíil.
P R o F A N A S.

se rras , m o n la n fia s , ond as , m a re s , C eos, ab ism o s,


B o r e a s , A ustro , L e sle , O este , e lo d a a ca te rv a dos
v e n to s; a ju n te -lh e s q u a tro a d je c tiv o s , e tres verbos
p a ra os u n i r , e te rá u m a tem p e sta d e c o m p le ta .
O p eio r he q u e n ão se a p la c a a q u e m e p e r s e g u e :
vou de n o v o su p lic a r o T r it ã o n a lin g u a que p a ­
re c e e n te n d e r ... B r a v o ! co m e ça a a d o ç a r -s e ; a p la ­
c o u -s e de tod o ; vai-se e m b o ra ,

• D epois de r o n c a r seis vezes


C o m m ed o n h o h o rre n d o r o n c o ,
E de so rv er o u tras t a n t a s .
P o r ser u m T r itã o m u i p o r c o ,
O lim o so verde r a o n c o ;
• E sc o rre g a n d o , »
C o n tra d a n sa n d o
L ig e ir a m e n t e ,
N o fu n d o m a r
E m lisa g ru ta
F o i se a b r ig a r .

B rav o ! brav issim o 1

B a x a do O ly m p o
T e r n a aleg ria ,
M eig o so rriso :
De co m p a n h ia
A’s lin d as G ra ça s
D e b raço s dados
P ic a n te s ditos
V en h am ligados.

/
2 o8 p o e s i a s

Entre tanto começa a aparecer o Estreito : deli­


cioso espectáculo ! encantadores momentos! o vento
tempestuoso tornou-se em um zephiro agitado ; o
mar embravecido apenas se move assaz para im-
pellir o navio. Quanto he bello contemplar o Autor
da natureza, (se este nome adoravel pode repetir-se
entre as frivolas pinturas da minha pcnna) dando
leis ao Oceano para estreitar-se de repente , e cor­
rer ameaçando em vao as costas de Barbaria e
Hespanha , ao longo das quaes lhe manda que se
estenda lambendo-as , e deixando aos homens ha­
bitações , que cultivem e fecundem com facil tra­
balho :

Meo Senligr e meo Deus,


Como ao longe se estende sobre a terra
De vosso nome a gloria !
Disseste, e logo rebentou, no seio
Do informe nada, creadora força.
Onde estavas , ó homem !
Quando a luz entre as trevas resurgia ,
E qual suberbo Esposo ,
No leito nupcial erguendo a frente
Banhada em mil prazeres ,
Assim raiava, de esplendor cercado,
O sol, para emprender sua carreira?
Com gigantesco passo
Desde um polo a outro polo se abalança
Da terra que alumia
As
PROFANAS. 209
As geladas entranhas animando ‘
Com celeste calor, prenhe de ?ida.
Em que mala embrenhado
Orgulhoso gemias , quando tudo
Ao aceno cedia
Do Soberano Ser, que tudo impera ?
De lúcidas estrelas se adornava
firmamento altivo ,
De verdes plantas se vestia a terra ,
E sobre os eixos seos se equilibravam
Os mundos que lançára ,
Com mão omnipotente, sobre os ares.
Meo Senhor e meo Deus,
Ah ! cante a minha voz, antes que eu morra ,
Um hymno de louvor ao vosso nome ,
Ao vosso nome santo !
Não cuide porém , querido Amigo , que ficamos
no Estreito,e que o Navio,n’elle grudado, finda de
repente a sua derrota : vou já dar ordens para ca­
minhar avante.
Holá Piloto !
Já , já soltar
As velas todas ;
No mesmo instante
De Gibraltar
A dura rocha
Quero avistar.
210 P Ü iiSIA S

Obediente Piloto ! eis Gibraltar, sitio de marcial


fortaleza, e de poético furor :
lîf F
Salve suberbo rochedo,
Tropheo do valor Britano ,
1:
Onde as forças se quebraram
De todo o poder Hispano.
Elliot, eu te saudo;
O teo nome não esquece ,
Não cuides que o homem desce
Todo inteiro á sepultura.
Defronte assoma sobranceiro ao Mar o celebre
castello de Ceuta , que me faz correr pelas veas en-
';'''i1i I‘ thusiasmo patriótico ; lembra-me João primeiro ,
e a sua familia heróica.

Aqui, ó Musa ! prepara


Novas cordas , novo canto ;
Escutai cheos de espanto ,
Mortaes, meos sublimes versos.

Estava quasi einpreliendendo uma Ode ; mas


quando me lembra que estas emprezas militares
dos Lusitanos tinham por origem , ou pretexto ,
persuadir os Mouros, com a espada na mão, para
abraçar uma Religião adoravel que ensinava a
morrer pelos Moiros para os converter, não a mala-
los; esfria-se me todo o enthusiasmo. Passemos pois
adiante , se o consentir
PROFANAS. 211

Calma ociosa
Que , esperguiçando-se ,
Vai estirando-se
Per entre as Velas.
Triste figura tem o tal sugeito do sexo feminino
chamado calma :
Quasi sempre bocejando,
Se abre um olho, fecha o outro ,
Pela boca respirando
• Pestilente ingrato alento.
Tem por noivo o inerte somno ,
Que a dormitar a acompanha ,
Com tregeitos se arreganha ,
Quando fino quer falar-lhe.
Vive roncando.
' ï iV-,
De noite e dia ,
Adormentando
Tudo á porfia. 1 1 # .'

Dos pés lhe sobem ,


Quaes trepadeiras,
Mil dormideiras
Em torno ao corpo.
Sorve em uma hora ,
Com grande asseio,
Quintal e meio
it'
De opio Indiano. v
i4^
PO ESIA S

Frôxo se estende
A dormitar,
Vinte e tres horas ,
Sem acordar.

Que esposo tam comodo ! Quantas mulheres da


nossa terra desejariam um marido que dorpaisse
vinte e tres horas per dia ; Deus me livre d^ellas;
temo as mais que peste , fome , e guerra:

Qual soldado em dura guerra.


De feridas retalhado , ^
Como morto abandonado
Sobre o chão de imiga terra.

Se depois no pobre albergue ,


Chega em paz a agazalhar-se,
Sente o sangue congelar-se ,
Ouvindo o som dos tambores:
/

Assim eu que em mil batalhas


De amor cego fui ferido j
Ai de mim ! e das feridas
Vivo rnal convalecido.

Tremo e perco a cor do rosto,


Ao lembrar-me do inimigo,
Que me fez per tantas vezes
Desprezar mortal perigo.
P R O F A N A S . 210

Disse pouco , inda a belleza


, \
Mais feroz he do que Marte,
^ Apezar do ferro e fogo
Que o seguem per toda parte.
Se o Soldado graça implora ,
E se rende prisioneiro ,
Marte abranda o ardor primeiro ,
Perde a raiva que o devora.
Não assim n^esse combate
Que o homem chamou Amor,
Seduzido da doçura
I
De um veneno enganador.
Se curva os frôxos joelhos
O cativo miserável ,
Cada vez mais se lhe torna
Seo destino insuportável.
Só se alegra a vencedora, í. >
’ Rasgando a torpe ferida ,
N’ella mais, e mais cravando
Da flecha a ponta embebida ;
E triumfa quando em gritos,
Vê fugir espavorida
A melindrosa innocencia
F-;
Que vai mais que a mesma vida. >-
|t'
Mas ai de mim ! quem me acode ? Ah ! que apa­
rece de novo o diabolico Tritão ; maldito ! em tarn
2i4 p o e s i a s

pouco tempo vir desde o cabo de S. Vicente até


ao golfo de Malaga ; e para maior desventura não
vem só, com elle vem um Exercito de Tritões !

Uns a cavallo,
Outros nadando ,
Vem manejando
Armas que callo;
E- callo com razão por serem de um uso raro , e
difícil, e algum tanto sórdidas. Não me obrigue a
dizer-lhe que são odres , ‘'

Onde cerrados
Os ventos rugera,
E tudo estrugem
Assim liados ;

Que será abrindo-se , e concedendo-se sabida fran­


ca ? Ah ! que se abriram tres de repente; para que
logar hei-de fugir ? vejo o Navio , os Ceos , e as
ondas ;
Já de assustado
Todo estremeço ,
E desfaleço
Quasi sem tino.
Tritão mofíno,
Vai-te em ma hora;
Ah ! não te encare
A meiga Aurora
wíi

P R O F A N A S . 21 5

Com brando roslo ,


Quando mimosa
Occupa o posto
Do loiro Phebo.
Fervente cebo
T e abraze a gruta
Onde recolhes
A mal enxuta
Face musgosa.
Nunca te encontre
Doris formosa ,
E perra um dia
De furor cega ,
Na costa fria
Da Noroega,
Sem te escutar ,
T e mande altiva
I
Que vas morar : i,
Onde nâo vejas í. Ü
Nadante Nympha ,
Que as tuas lagrimas
Possa enxugar.

Já nenhum odre vejo por abrir ; ai de mim ! po­


bre de mim ! coitado de mira ! Eu bem queria ir
por algum outro mar que nao fosse este mar Me­
diterrâneo , infestado per tantos naufrágios ; pelo
qual ha mais de mil annos, nenhum homem de juízo
216 POESIAS
devia n av eg ar ; p ois n ão ha n ’elle u m só p o rto a
(|ue os h a b ita n te s da E u ro p a não possam ir p e r te r ­
r a , se e x c e p tu a rra o s a lg u m as Ilh a s , q u e p o d ia m
m u ito bem fic a r desertas. T r is te m a n ia he esta de
a n d a r p elo m a r !

Dos v en tos toda a fo rç a u n id a bate


•îiiV,
1 N a so lita ria vela qu e g u a rn e c e
O m isero b a ix e i 5 d u ro c o m b a te ,
Em tanto, o mar bramando lhe oífercce.

De in s ta n te a i n s t a n t e , as o n d as a g ita d a s 5
U m a s so b re o u tra s, c o m fu r o r r e b e n ta m ,
E quaes m ed on h as b o m b a s , rem essad as
P e r in im ig a m ã o , tu d o a m e d re iita m ,
Assim quebrando no Navio estalam ,
E os N au tas todos c o m te m o r se c a la m .

C ham a-se isto o p r in c ip io de u m a tem p e sta d e :


se tiv e r o u tra p a ra c o n ta r -lh e , re c e b e rá o m e i o ; e
n a te rc e ira o fim : in v e ja q u em q u iz e r o d estin o
dos q u e v in g am o C ab o de B o a -E s p e ra n ç a ., p a ra ir
t r o c a r p a ta c a s p o r p a g o d e s , e a m o n to a r fo rtu n a
. >
e bens ; eu p o r m i m , de b o a v o n ta d e lhes d e ix o
toda

A p recio sa c a n e lla
Da m a l segu ra C o lo m b o ;
De Bengala a rica , e bella
Musselina tam gabada.
PTI OFANAS. 217
H e m e lh o r viver sem n a d a ,
Q u e a b rir-s e p érfid o ro m b o ^
N a vistosa carav ella /
Q u e su rca as o nd as ousada , '
E q u e do m a r a b r a v e z a ,
F a z c o m fu ria d esh u m an a y
I r d a r c o m d ono e riq u eza
L a n o R e in o de P a n ta n a .

E^ta d esg raça h e o q u e eu tr e m o qu e nos a c o n ­


teça c o m a tem p e sta d e h o rriv e l q u e so b rev em n o
golfo de V a le n ç a . H e ta n to m a is lastim o sa , q u a n to
fo rm a u m d u ríssim o c o n tra s te c o m a idea que eu
fa ç o do c lim a doce e a m e n o d’esta reg iã o , do c a ­
r a c t e r e v e n tu ra de seos h a b ita d o res , e dos f e r -
teis c a m p o s q u e elles c u ltiv a m . A p ez a r d’isto y
m
Q u aes m o n ta n h a s esca rp a d a s
E r g u e m -s e os m a re s r a iv o s o s ,
S o p ra m ventos ás r a ja d a s ,
S e m p re e sem p re m ais iro so s.

S o b re as n u v en s q u asi sobe
O n a v io m a l seguro j ^
D esce log o de re p e n te
T e do abism o ao c e n tr o escu ro :

B a la n çe a a u m la d o e o u tro ,
P e r m il p artes estalan d o 5 l;
R o u c a a v o z , já m a l se en ten d e
O P ilo to co m m a n d a n d o .
'ft' ‘j
..ti'
P O E S IA S

S u o r frio b a n h a o ro sto
N á o so m en te ao passageiro ;
C o rre a té p elo sem b la n te
Do ro b u sto m a rin h e iro .
U .
C a m b a lea o c o rp o to d o ,
F a lt a o p é esco rreg a n d o 5
J á p a re ce que n as vêas
Vai-se o san g u e c o n g e la n d o .

Agora h e m u ito se rio •, a to rm e n ta a m e a ça sosso-


b ra r-n o s , e já se tr a ta de fa z er a c to s de c o n tr iç ã o .
D ire i eu h o je u m adeus e te r n o aos m eo s am ig o s ?
S erá de v eras

Q u e , sem p ied ad e,
In te n te a m o r te
T r a g a r -m e a g o ra ?
N en h u m a ed ade
C o n tra e lla h e fo r te ;
F e r e e d evora ,
E ra um m o m e n to ,
O m a c ile n to
V e lh o teim o so ,
E o c o rp u le n to
M a n c e b o airo so
Q u e em verdes a n n o s
S e co n fia v a ,
E so de en g a n o s
S e a p a sce n ta v a .
PROFANAS. 219

P a c iê n c ia ! m o rr e r e i , é fic a re i su m id o n o abis­
m o , sem h a v er m â o q u e possa i r la v r a r u m e p i-
ta p h io so b re a m in h a se p u ltu ra . M as debalde eu
v e jo o su sto p in tad o so b re o ro sto de u m an tig o
P ilo t o d’estes m a re s j d ebald e as trevas da n o ite
a c re s c e n ta m um h o r r o r de m o rte ao e s p e c tá c u lo
tem ero so q u e os v en to s e as ond as a p resen ta m ; de­
b ald e tu d o m e faz e stre m e ce r ; a in d a a esp era n ça
m e não fugiu de to d o , a in d a m e está dizendo ,

M u ito em segredo ; v r
« N ão te n h a m ed o. »
In d a v erei
Os m eos am ig o s ,
E stes p erig o s
L h es c o n t a r e i ,
E a c a ta d u ra
H o r r e n d a , e du ra
D a m o rte fera
L h e s p in ta r e i.
i, m
S e eu ao m en o s soubesse n a d a r , p e r v e n tu ra m e
fu rta ria á m o rte qu e m e está im m in e n te . C om o h e
lo u co e b a rb a ro o sy stem a de ed u ca çã o qu e os
E u ro p e o s te m ad o p tad o ! T o m a r a m dos G rego s e
dos R o m a n o s o q u e estes tin h a m de p e io r ; a p r e n ­
d eram a fazer-se p ed an tes, e esqu eceram -se de fazer-
se h om en s. A ad o lescên cia, edade p re cio sa , g a sta -se
em g ra n g e a r vicios , e d e c o ra r coisas m u ita s vezes
I .

220 P O E S IA S

in ú teis. Depois de m u ila fa d ig a , u ra ra p a z E u ro p e o


find a a sua ed u caçao n os C o lleg ios e n as U n iv e r ­
sidades , q u an d o le ra ad q u erid o ura c o rp o eíFerai-
n a d o , ou d oen te , e u ra esp irito v a id o s o , f r i v o l o ,
rech ea d o m a is de n om es que de coisas , e ta ra e x ­
tra v ia d o do c a m in h o das scien cias , q u e o rd in a ria ­
m e n te n u n c a m ais a tin a c o m elle. C om o estou se ­
rio ! co m o estám sisudas todas as m in h a s ideas !
e qu e e x c e lle n te coisa se ria o e s ta r p ara m orrer^ se
se quizesse c o m p o r u m b o m tra ta d o de p o litica ou
de m o ra l ! Até já n ã o sei fa la r e m v erso , e se a
tem p esta d e n ão a m a in a , fica rei fa z en d o e te rn a m e n te
p rosa. Q u e m e diz ao tem p o , m eo A m igo ? lá es­
ta lo u , e fez-se pedaços a v erg a do m a s tro g i’an d e.

Ah ! se H o m ero navegasse ,
E de U ly sse s a jo r n a d a ,
P e lo s m a re s co n tra sta d g ,
C u rioso a co m p a n h a sse ;
S e o n a v io am ea ça sse
N os roch ed o s s o s s o b r a r ,
E to d a a p o b re e q u ip a g e m
E n tr e as ond as se p u lta r :
P o d e ser q u e n ão co n ta sse
D o astu to G re g o a v ia g e m ,
O u qu e ao m e n o s , a o c a n t a - I a ,
M u ita s vezes gag u ejasse.
As M usas p in ta m a M o rte ,
M as tre m e m só de a v ista -la 5
p r o f a n a s . 22 1

E la n o P in d o ,
C astello fo rte
T e m lev a n ta d o ,
O n d e su b in d o
N ad a re c e a ra
Do v e n to ira d o .

J á se ouve m en o s m o tim , e dizem qu e o v en to


q u e r s e re n a r ; boa n o tic ia qu e a p a re ce co m o r o m ­
p e r do d ia. S e re n o u c o m effeito , e n u n c a m a is a
p ro p o sito se a p lic a ra m aqu elles m agestosos versos de

C am õ es :

(( D epois da p ro ce llo sa tem p esta d e ,


« N o ctu rn a so m b ra , e s ib ila n te v e n t o ,
« T r a z a m a n b a a seren a c la r id a d e ,
« E sp e ra n ç a de p o rto e sa lv a m e n to . »

Q u e p ra z e r ! que a leg ria b r ilh a em todos os ros­


tos I não co n h e ce o p ra z e r a q u e lle q u e n u n c a esteve
a p iqu e de n a u f r a g a r , ou qu e p e r a lg u m o u tro
m od o n ão viu a m o rte a ce n a r-lh e de p e rto . C om
tu d o , v ariou e m u m m o m e n to !

V iv a aqu elle qu e a crescen ta


N ovos risc o s de m o rre r ,
P o rq u e ta m b é m m u ltip lic a
N ovas cau sas de p ra z e r.
J á não qu ero m a ld iz e r
•1
O m o rta l av en tu reiro

I
222 P Ü E S1 A S

Q u e so b re as ond as p r im e ir o
A rriscou tudo p e rd e r.

P a ra que he m a ld iz e -lo , p o is lh e devo estes in s ­


ta n te s de alegria ? Q u e ro a n tes la r g a r a p e n n a , e ir
co n sid e ra r os ú ltim o s en fa d a m en to s do m a r , q u a n ­
do co m eça a d esagastar-se. A inda faz b u lh a ; m a s
a sua ira já n ão m e tte m ed o : p a re c e m a is b azó fia
do que ira , e faz m e le m b r a r u m a b e lla passagem
de V irg ilio ;

Q u a l a la n g u id a setta ,
Da m ão velha e ca n sa d a
De P r ia m o em fu r o r a r r e m e s s a d a ,
N em lev em en te e n c e ta
As a rm as do in im ig o e m b ra v e c id o ;
A n te s , m a l fere o a r , c a i já sem fo rça :
T a l in d a o m a r se e sfo rça ,
E la n ça a lg u m b ra m id o 5
M as sem v ig o r , e le n to
A s ond as erg u e e a b a te
E m o m esm o m o m e n to ,
E n o N avio b ate ,
Já q u asi sem a le n to .

D esafio a g o ra todos os T r i t õ e s , todos os v en to s


do M u n d o ; n ão os te m o , p o r q u e depois de esca­
p a r d ’esta to r m e n ta , n ã o h a m od o de co n seg u ir q u e
eu p e reça n a u fra g a n d o .
P R O F A N A /S . 2 í2 0

In v u ln e rá v e l
Vi
S o b re e le m e n to
T a m im p la c á v e l,
Q u e p riv ile g io !
N ão co n ced id o
I

N e m ao C o lleg io
Dos E le ito re s
Q u e em R a tisb o n a
Im p e ra d o re s
V am c o ro a r. , vn

S e D. Q u ix o te p ilh asse este p riv ileg io , v ê-lo h i a - t\


m o s talvez a rre m e ssa r sobre as on d as o seo R o c i-
n a n te , e c o m a la n ç a em reste i r a ta c a r tu b a rõ e s e
b aleas , e p ô r em con vu lsão tod o o R e in o de A m -
p h itr ite . E m H esp anha n a sce u a im a g in a çã o feliz
q u e desenhou este h o m e m e x tr a o r d in á r io , e co m
elle a en g ra ça d a fa m ilia dos P an sas.

N ão c o n h e ço q u em legasse
T a l p o rção de A ttico s a l ,
E aos v in d oiros p rep a ra sse
U m p ra z e r q u e ta n to v a i.

S e , n o a íin a m e n lo aleg re em q u e estou , podesse


h av er á m ão o C e r v a n te s , e lê - lo ;

Soltas risad as ,
C om todo o p eito
As gargalhadas

;í:
■ 5' I
224 P O E S I A S

E u la rg a ria ,
E a g e n te toda
C o n v id aria
A p ô r - se em roda
P a r a e scu ta r.
S o de o p e n sa r ,
J á estou lán d o
S e m d e sca n sa r.
M a s o n d e estam os ?
Q u a l h e a C osta
Q u e n av eg am o s ?
E sp e re n m p o u co ;
V o u p e r g u n ta r :

E stam o s d efro n te da C a ta lu n h a ,

P r o v in c ia in d o m it a ,
T r is t e p resa g io ,
° Q u e a lg u m ad agio
P r o m e tte á H esp an h a !

D e c la r o , p a ra q u e este q u a rte to seja e n ten d id o ,


qu e adagio a q u i sig n ifica o c o n tr a r io de allegro', e
se assim m esm o m e n a o e n te n d e re m ,

B e m p o u co im p o r ta ,
F ic o sa lta n d o ,
S e m p re b r in c a n d o
C o ’ as lo ira s filh as
^ Do c la ro A p o llo
rll|_
i '
Q ue
PROFANAS. 225

Q u e desde o b e rço
N o m eig o co llo
Já m e afag àv am ,
E m e e n sin a v a m
A ltos segred os
C om q u e , a lg u m d ia ,
T r o n c o s , roch ed o s
A b alaria.
C o m o riso n h a s
M e vêm b u sca r !
D e ix a m o P in d o
P o r m e a fa g a r.
E is T e r p s ic o r e !
U m b elisção
jJfr,

P r e te n d o d a r-lh e
N a lin d a m ã o .
F o i m u ito f o r t e ;
F ic o u q u e ix o s a ,
E de m im o sa
S e fez m ais b e lla .
i E u te rp e a ly r a
y
i4 T r a s so b raçad a ,
P ed e q u e seja
P e r m im to c a d a :
Ah ! v a i-te E u te rp e ,
N ão posso ag o ra :
S e m a lto estilo
E voz sonoi'a ,
lí. i5
o E .s I A s
O grande Pindaro
Quem imitasse ,
Meilior seria
Qne se lançasse
No fundo mar ;
Onde um concerto
Co’üs surdos peixes
Fosse entoar. .
Vem cá Thalia :
De fina graça
Vem salpicar
Os lindos versos
Que vou cantar.
Mas caprichoso,
Já não te quero :
Rosto severo
Pareces ter :
Queres discursos
Longos fazer ?
De fel amargo
Meo peito encher ?
Foge depressa ,
Desaparece,
Engana a quem
Mal te conhece.
E tu Calliope
Impertinente ,
Mandas que intente
f

P K O F A ÍNA S. 1227

Uma Epopêa ?
Galante idea !
Que me faria
Perder de todo
Minha alegria.
Como he possível,
O’ Melpomene,
Que o mar serene,
E o vento abrande,
E nem assim
Teo rosto acene
Algum prazer ?
Sempre a verter
Pranto de dor,
E de furor
Scenas traçando,
Punhaes e mortes ,
Vives, sonhando.
Hoje á porfia 'il
Todas danadas, hi
Para enfadar-me,
Vindes ligadas.
Deixai-me embora,
E do Parnasso
No monte escasso
Ide habitar.
Sois nove doidas,
O’ nove Irmãas ! n
i 5^
228 P O E SIA S

E n v e r g o n h a i-vos j
J á tendes c 5 as.

F o r a m se em b o ra , d e ix a r a m -m e to d a s , e m u ito
a p r o p o s ito j p o rq u e e n tra m o s n o golfo d e L y a o que
b a n h a as co sta s de F r a n ç a ; e em m a té ria s de F r a n ­
ç a , chiton. E stas M u sas são fa la d o ra s, e se fica ssem ,
p o d iam in s p ir a r -m e a lg u n s versos Catonicos: o qu e
sei’ia co iz a m u i a r r is c a d a . H e m e lh o r p a c ific a -
m e n te

E n t r a r em G e n o v a , ,
O n d e en g o lfa d o ,
V iv o n o E stad o
D as Senhorias.

D aqu i v a g a ra m
P e r to d a a E u ro p a ,
E v e n to em p o p a
T u d o in n u n d a r a m .

De H isp an os Doms
G ir a m c e rc a d a s ,
Q u e lh es p re p a ra m
R ic a s pousadas.

P a la c io s , casas ,
H o sp ício s te m ,
O nde en d oid ecem
G en tes de b e m .
PROFANAS. ^29

Té no Mondego ,
Na vâa Cidade ,
Possuem grossa
Famosa herdade.

Feliz o dia
Em que a nobreza
Do tu Romano
Ha de , outra vez ,
Da Senhoria,
Do Dom Hispano ,
A vãa grandeza
Ver a seos pés.

Quem achar que reprehender n^estes últimos


versos nao tem razaoj porque eu falo n’este ponto,
não como político, mas como Orador e Poeta, que
se zanga muitas vezes de sacrificar energicos pen­
samentos á prolixa etiqueta dos tratamentos. Era
todo caso , ainda quando por encurtar a lingua
Doms
e obsequiar os oradores, se tirassem os ás me­
ninas de Lisboa ; as Senhorias aos Cavalheiros de
Excellencias
Província , e aos Juizes de fora ; as ás
Morgadas do Minho e Tralosmontes , e ás mulhe­
res dos Negociantes do Porto •, não vejo que d isto
se seguisse grande mal , nem que as Leis do Reino
fossem por isso menos bem observadas. Agora he
bem justo que eu leia o que tenho escrito. Li e con­
fesso que não sei como he possível achar uma ca-
25o POESIA S PROFANAS.
\

b e ça assaz d isp aratad a para c o m b in a r , e n tr e coisas


s e ria s , ta n ta s coisas frív o la s. D escu b ro p o ré m n m a
idea qu e he de m o ld e p a ra a nossa te r r a , e qu e
p od e su g erir a a lg u n s dos sáb ios q u e n ’ella h a b i­
ta m um infolio sim ilh a n te a o u tro s qu e c o m p o e m
a nossa lite r a tu r a . F a lo do m e o D ia lo g o c o m o
T r i t ã o , que le m b ra ta m n a tu ra lm e n te u m a o b ra
que tivesse p o r titu lo : DeAntiquitateàTritoni-
husverierata, o b ra im m o r ta l só p elo titu lo , e qu e
a p e rfe iç o a ria o ed ifício de nossa im m e n sa , e quasi
se m p re, in ú til L ite r a tu r a L u s ita n a . S e a lg u m P a d r e
Caetano lh e a ju n t a r a g e n e a lo g ia dos T r it õ e s , fic a ­
rá u m a o b ra c o m p le ta , e d ig n a ao d epois de ser
co m e n ta d a p e r todos os q u e fa z em p ro lo g o s em
lin g u a g e de seiscentos , ou m esm o de quinhen­
tos e n u n c a n a q u e co n v e m p a ra o nosso sé cu lo .
E sta v a quasi tr a ç a n d o a lg u n s c a p ítu lo s p a r a esta
obi a ; m as c o m e ç o a c a n sa r , e lie m e lh o r g u a rd a -
los p a ra o u tra c a r t a n a q u a l s e i , m e o q u erid o A rni-
.g o , q u e h ad e le r , se m p re co m g osto p a r tic u la r , o
p ro te sto a rd e n te e sin ce ro c o m q u e sou

O S E O C A LD A S.

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CONTIDOS n’ e s t e s DOIS TOMOS

TOMO I.

Discurso sobre a Lingua e a Poesia hebraica. i


Ad v er tên c ia .
P S A L M O I.
B eatu s v ir qui non ah iit.......
Feliz aquelle que os ouvidos cerra
II.

Quare frem u eru n t gentes.


Que frêmito e bramido em torno soam !
III.
D om in e, quid m ultiplicati sunt.
Ah Senhor ! que crescendo meos imigos.
IV .

Cum invocarem f exaudivit m e D eu s......


Entre tantas amargui’as.
^/
2 o4 I N D I C E .

P S A LMO V.

\ V erha m ea auribus percipe^ D om in e...... Pag.


M in h as p a la v ra s a tten d e. i 3.

VT.
D om in e, ne in fu r o r e tu o......
N ão m e e x p r o b r e is , S e n h o r , os m eos d e licto s. i6 .

VII.

D om ine meus D eus , in te speravi......


O ’ Deus im m e n s o , tod o o m eo a m p a r o ! i8 .

VIII.

D om in e, Dom inus n o ster, qu am 7 ,...


Q u a n to ao lo n g e em to d a a te rra . 22.

I X. P A R T E I.»

, Conjitebor t i b i , D om in e.......
De t i , S e n h o r , de t i , n o m eo P s a lte r io . 24. -

IX . PARTE 2.»

Ut quid , D om in e, recessiti lo n g é......


P o rq u e ta n to , o S e n h o r , de n ós te a lo n g a s. 27.

X.

In D om ino con fido : q u o m o d o ......


N o S e n h o r c o n fie i, n ad a re c e o . 5 i.
X I.

Salvum m e f a c , D om in e.......
S o c c o r r e - m e , S e n h o r , pois q u e a verd ad e. 33.
i•
iií- é:

I N D I C E . 255

P S AL MO XII.

XJsquequb , D om in e, obliv iscen s ....


Até quando de teo servo.
XIII.
D ix it insipiens in cord e su o ....
37, tH
Não ha Deus— diz, com-sigo blazonando.
XIV.
D o m in e, quis h a b ita b it ....
Quem , Senhor , habitará. 44. í j g

XV.
fivBiy
C o n serv a -m e, D om in e ....
Conserva-me , Senhor, que em li espero. 46,

XVI.
E x a u d i f D om ine f Ju stitiam meaín^ •••.
ii r.
Senhor, escuta as orações de um justo.

XVII.

D iligam te , D om ine ....


Eu te amai-ei, ó Deus , meo doce amparo.
XVIII.
C œ li enarrant g loria m D ei......
Os ceos resoam do Senhor a gloria. 6 o.

XIX.
E x a u d ia t te Dorninus, in die in bu lation is
Vae sem susto, ó Monarca virtuoso. 83.

MT’
i
256 INDICE.

PSALMO XX. 1:

D o m in e, in foriitu din e tu a.. .. Pag. ■lÒi■J:


Na força de teo braço o Rei triumpha. 85.
XXL
D eus J Deus m eus, respice in m e...... i;
Meo Deus, meo Deus, ao nienos um aceno. 88.
i'i
V. 1
XXII.
Dominus régit m e ........
O meo Deus lie minha guia. 108. '
XXIII.
D om ini est terra , et plenitudo eju s.....
A terra he do Senhor, e a copia ingente. 111.

XXIV.
^ d l e , D om ine , levavi.......
A ti, Senhor eterno , ergui minha alma. 114.
XXV.
Ju d ic a m e . D o m in e, q u o n ia m .,...
Julga-me, ó Deus, e vê que da innocencia. 118.

XXVI.
Dom inus illum inatio m ea , e t......
He O meo Deus que me illumina , e salva. 120.
Í : g
U îii XXVII.
A d le , D o m in e, c la m a b o .....
Ao meo Senhor eu clamarei : responde. 127.
I N D I C E . 207

PSALM O X X V III.

A jfe r te D o m in o , J ilii D e i .. Pag.

O s co rd eiro s m a is ferm o so s. i 5 o.

X X IX .

E x a lt n b o te , D o m in e , quoniarn ...
G ra ç a s ao m eo S e n h o r , em fim resp iro . i36.

X X X .

In te , D o m in e , speravi ..
E u nao d e s m a ia re i, m in h a esp e ra n ça . i4 i.

X X X I .

B e a d quorum rem issce sunt in iq u ita tes .. r'.'f !

V en tu ro so s aq u elles , c u jo s crim e s. i5o.

X X X I I . !

E x u l t a t e , J u s l i , in D o m in o ..
E m vós se a c c e n d a . 1 Ó5 .

X X X I I I .

B ene d ica m Dorninurn ..


Ao S e n h o r b e m d ire i c o m fe rv o r sa n to . 16*2.

X X X I V .

J iu lic a , D o m in e , nocentes m e ...


' Ju lg a , S e n h o r , aq u elles q u e m e oifen d em . 166.

X X X V .

D i x i t in ju s tu s , ut d elin q iia t.....^


Disse em seo co ra çã o , p ara so lta~ lo, 1 72.
/
••li
I N D I C E .
n »
PSALMO X X X V I.

N o l i œrnulari in m a lig n a n tib u s .. Pag.

N ão qu eiras e m u la r p érfid as g en tes. 174.

X X X V II.

H. /
D o m in e , ne in fu r o r e tu o ..
Su sp en d e o teo fu r o r , e iiâ o m e acuses. 1 79-
X X X V III.

D i x i , custodiam v ia s m ea s ...
S im , eu resolvo m o d e ra r m eos passos. i 83.

m X X X I X .

E x p e c la n s , exp ecta v i D o m in u m ...


F ii m e esp erei n o m eo S e n h o r , e o lh o u -m e . 186.
X L .

B ea tus q u i in tellig it super egen u m ..


F e liz q u em tem p ied ad e. 190.
X L I.

Q u em a d m odum d esid era t cervu s ...


Q u a l su sp ira sequioso. 194.

X L II.

,
J u d ica m e D e u s , et d iscern e ca u s a m ...
A s s e n ta -te , ó S e n h o r , escu ta , e ju l g a - m e . 199'
X L III.

D eu s , auribus n o slris a u d iy im u s ,,...


T e m a fam a p u b lic a d o . 200.
I N D I C E . 209

P SALMO XLIV.
E w c ta v it cor meurn verbw n honum ......
No meo peilo resoou.
XLV.
Deus noster , rej'u§iuin et virtu s.......
Deus lie riosso refugio , e valentia. 2i 5.

XLVL
Omnes g en tes, plau dite m anibus......
As rnaos baleiido congregai-vos , Povos. 219.

XLVII.
M agnus Dorninus et la u d ab ilis niints......
O Senhor he grande, e dino. 221.

XLVIII.
A udite hœ c , om nes gen tes......
Escutai , o Mortaes, meos sons divinos. 225.

XLIX.
Deus , deorum D om in u s, locutus est......
Fallou o Deus dos Deuses soberano. 25i .
V
L.
M iserere m e t, Deus 3 secundum m agnam ....»
Piedade, ó Deus : de mim te compadece. 238.

LL
Q uid g îoriaris in m a litio , q u i.....
Porque te pavoneas na maldade. 25 o.
24o i n d i c e .

P SA LM O L U . Pag. 255.

LU I.

»1
D eu s , in nornine tuo salyum m e f a c ...
Ah ! m eo S e n h o r , a h ! s a lv a -m e. 254.
LIV.
E x a u d i y D e u s , o ra tio n em ..
^ As su p licas h u m ild e s. , 269.
LV.

M iserere m eî, D e u s , q u o n ia m ..
^ He p o s s iv e l, S e n h o r , q u e T e n a o d o a. 277.

LVI.

M ise r e r e m e î , D eu s , m iserere ...


^ P ied ad e , S e n h o r , de m im p ied ad e. 283.

L V IL
S i v ere utique Ju siitia m lo q u im in i ..
S e O n o m e de ju iz e s so b re a te r r a . 288.

■'’A*' '' L V III.


‘‘W E r ip e m e de inirnicis rneis ...
^ D o s in im ig o s m e o s , S e n h o r , liv r a i-m e . 2q3.

LIX .

D e u s y repulisti n os e t ...
^ S e ir a d o , ó ju s to Deus , re p e liste . 5o3.

L X .

yt
E x a u d i y D eu s y dcprecation em mearn ...
E scu ta , Ó m eo S e n h o r ; p o rq u e não sen tes. 3 o8 ,
IN DICE.

PSA LM O LXI.

Nonne Deo subjecta erit


^ E ste so p ro celeste , qu e ra e a n im a .

L X II.

Deus 3 Deus meus, ad te de luce vi^ilo.


A penas ro m p e a a u ro ra .

L X II I.
\

E xaudi, Deus 3 orationem.......


^ M in h a s d ep recaçõ es , m e o ro g o a rd en te.

L X IV .

7 e decet hj-mnus.......
^ N o erg u id o cu m e de S io n ressoem .

LXV.

Jubilate Deo 3 ornnis terra.......


^ De jú b ilo e x u l t a i , P o v o s da te r r a .

' L X V I.

Deus miserealur nostri.......


^ D e n ós m ise ric ó rd ia .

L X V II.

Exurgat Deus 3 et dissipentur......


^ L e v a n ta -te , S e n h o r ; o teo lu z en te.
L X V III.

Salnnn me fa c 3 Deus ^quoniam.......


S a lv a -m e , ó m eo S e n h o r , su b in d o v ejo.
II. 16
2412 I N D I C E.

P S A L M O L X I X .

D eus f in adjutorium rneurn in ien d e,.... P ag .


V e in a ju d a r -m e. 370.
M.
L X X .

In t e , D om ine , sp era v i, non con fu n d a r... i


'
E m T i ra iiilia e sp e ra n ça . 372. A,

L X X I.

D eu s, ju diciu m tuum regi d a . , „ .


Dá ao R e i sa b e d o ria .

L X X 11.

Quàm bonus Is r a e l D eus h is ......


Q u a n to h e b o m de Isra e l o Deus su p re m o . 38 i

L X X I I I .

Ut cjuid, D eus 3 repulisli in Jin e m ......


P o rq u e n o s le n s , ó D e u s , d e sa m p a ra d o .

L X X l V.

Confitebimur t i b i , D eu s.......
S im n ieo Deus , o Leo iio m e e x a lta r e m o s . 393.

L X X V .
^ 1K
N otus in Ju d cea D eus......
E m Ju d e a co n lie cid o .
CIV.

Conjitem ini D o m in o , et in y o ca te,....


V ossas lira s a lin a i. 4 oo.

"FI
/^
í n d i c e . 2^0

P S A L M Ü C X V I.

L a u d a te D om in u m , om nes gen tes... Pag.


4 o8 .
D e u m p o lo a o u tro .
C X X X V I .

Super J lim in a B a h jlo n is ......


N as p ra ia s cjue o liU p lira tes re g a . 409.

T O M O IL^

POESIAS SACRAS.
ODE I.

S o b re a e x is le n c ia de D eu s. I.

C A N T A T A I.
i5.
A’ C reaçao .
ODE II.

A^ im m o rta lid a d e da A lm a. 25. ( M

/
C A N T A T A I I.

A’ im m o rta lid a d e da A lm a. 35.

O D E III.

S o b re a necessid ade da R ev ela çã o . 38.

O D E IV . i p

S o b re a e x is tê n c ia do P e c c a d o o rig in a l. 46.

C A N T A T A III.

S o b re a necessidade da R ev ela çã o . ^9-


»1

^44 I N D I C E .

» ODE V.

S o b re a v irlu d e da R e lig iã o c h r is ta a . Pag, 5 5 .


'.'■‘Il
O D E V I.

S o b re O m esm o assu m p to . 67.


O D E V IL

' S o b re o m esm o a ssu m p to .

O D E V III.

S o b re o m esm o assu m p to .
97
.P
O D E IX ,

S o b re o m esm o assu m p to . 10i>.

O D E X.
/
A’ p a ix ã o de N . S . Jesu s C liristo . 106.
D E P R E C A Ç A O I."

A’ V irg e m M a ria N ossa S e n h o r a . 109.

DEPRECAÇAO I I .»

A’ m esm a S e n h o ra . 112.

I
SO N E T O .

A’ im m o rta lid a d e da A lm a. ii5.

SO N ET O .

N a p resen ça de u m a g ra n d e tro v o a d a . 114.

t 1^..,
POESIAS PROFANAS.
CANTATA.
P ig m a liá o . Pag. 1 1 7 .
ODE.

Ao h o m e m selv agem . 125.

O D E S O B R E O A M O R , C onsid erad o c o m o
p r in c ip io e esteio da o rd em s o c ia l. i3 5 .
U
O D E S A N A C R E Ô N T IC A S . i38 .

C A R T A aos m eos a m ig o s , c o n s u lta n d o -o s so­


b re o em p reg o m a is p r o p r io de m eos ta le n ­
to s.

E L E G IA á A m isade , d irig id a ao D o u to r F r a n -
c is c o -Jo s é de A lm e id a , n ’ella designado p elo
n o m e de F ile n o . i 4;7 *

S O N E T O S . Pag.

S oneto I.° i 5 i.

I
S oneto I I .° i 52.

S oneto I I I .° i53 .

S oneto IV .° feito de im p ro v iso , ju n to á sepul­


tu r a de D. Ig n ez de C a stro . 15 4 .

S oneto V .°
S oneto V I.° 10 6.

S oneto V I I.° Aos A nnos de u m a M e n in a . iS / .


T O M O I.°

Fag. lin . ER R O S. EMENDAS.


XXI. a5. ■ perceilos.....................................preceitos
12 . 3. . .....................................................
i3. 17. . ......................................................
i 5. 8. . p o r ............................................. ....
26. . coiifianca.................................... confiança
9. . exprobeis.................................... exprobreis
21 . 18. • agrandando................................ agradando
6i. i8 . . sp le n d e .....................................esplende
?5 . 21. . q u i ..............................................
82. 6. . seme.............................................
83. 3. . T radiicçao.................................Traducção
24. . pejoe.............................................pejo e
g6. 17. . Gabouse...................................... Gabou-se
ç)8. 2. . ...................................................... ^ejo
io 4 . 3. . et................................................... e
106. i5. . disarçados....................................disfarçados
ii5. 11. . temeo.............................................
194. 10. . qu .............................................. quaes
229. 18. . escobidos...................................... escolbidos
2 3 g. 8. . O mal fi/.................................. O mal eu fix
ib id . para...............................................por
261. 12. . banirá......................................... banira ^
SGg. 17. . die 3 Í7. .
4 10. 7. . O S i o n .......................................O ’ Sion
TOMO II.
1. , 18. . lermoe..........................................termo c
5. . 4. . molber......................................... mulber
24. . 11. . emque........................................... em que
44. 25. . não-torne.................................... oão torne
. 18. . da Decálogo................................. do Decálogo
77-
85. . 17. . vero.............................................. ... o
96. . 3, . acende.......................................... accenclc
>o5 . . 18. . das leitores.................................. dos leitores
, 8. . Deenjo..........................................Dc cujo
. 10 . oHcrecem........................ .... oll’receiu
ii4. . 2. . TROVADA................................ TROVOADA
i 5 i. . g. . Este......................................... .... Esta
149. . 7. . dcalegria...................................... de alegria

F IM .
-
U'

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