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Sargento Garcia Nrro, rrrt,tr silr'gcnl().

li no rabo'/
sur'prcso e suspenso, o coro cle risos. As pás do ventilador voltaram a
rrr,rrrluu'o silêncio, feito fllme de mocinho, um segundo antes do tíro.
À memória de Luiza Felpuda
tmesa trr.r*Sil I l,' ollrou os homens, um por um. O riso recomeçou, estridente. A ponta
p ?'.h Ateg'e ,l.r t oslcl:r vibrava no ar, um acidente no roÇa com minha ermón. Imóveis, as
J l.llurs bem cle cima dos cinamomos. O saco murcho, corro se não hou-
\ i ',\(' nilda clentro, sou faixa preta, morou? Uma mosca esvoaçou perto do

rri,'rr olho. Pisquei.


lisquece. E não pisca, bocó. Só quando eu mandar.
I
l,t'vartou-se e veio vindo na minha direção. A camiseta branca com
O rebenque estalou contra a madeira gasta da meslt. lrlr' r,rrtlcs manchas de suor embaixo dos braços peludos, cruzados sobre o
- HERMEs. - '
l,{'rto, i} ponta do rebenque curto de montaria, ereto e tenso, batendo rit-
repetiu mais alto, quase gritando, quase com raiva: - Eu chame i
rrr,rtl«r rlos cabelos quase raspados, duros de brilhantina, colados ao crâ-
rnes. Quem é essa lorPa?
rrrr. NLlm salto, o rebenque enveredou em direção à minha cara, desviou-
Avancei do fundo cla sala.
',{' ir nlenos de um palmo, zunindo, pala estalar com força nas botas.
- Sou eu.
| ',tr'('lueci. Era ridícula a sensação de minha buncla exposta, branca e
- Sou eu, tlrell sargento. RePita.
Os outros olhavarn, nus como eu. Só se ouvia o ruído das pás clo vt'tt l,' , rvlrvelmente trêmula, na frente daquela meia dúzia de homens pela-
,los. O manduruvá contraiu-se, lesrna respingada de sal, a cortina afas-
tilaclor girando enfelrujadas no teto, tnas eu sabia que riam baixinlto,
ri Iu .sc para um laclo. Um brilho cle ouro dançou sobre o canino esquerdo.
cutucando-se excitados. Atrás dele, a parede de reboco clescascaclo'
janela pintada de azul-marinho aberta sobre um pátio cheio de ci. listá com medo, moloide?
Não, meu sargento. É que.
mos caiados de branco até a metade do tronco. Nenhum vento nas
irnóveis. E moscas amoleciclas pelo calor, tão tontas que se chocavam
t) rebenque estalou outra vez na bota. Couro contra couro. Seco. A
',.rl.r inteira pareceu estremecer comigo. Na parede, o retrato do mare-
ar, entre o cheiro da bosta quente de cavalo e Corpos sujos c1e machos,
, lr.rl Castelo Branco oscilou. Os risos cessararn. Mas junto com o zum-
De repente, mais nu que os outros, eu: no centro da sala. O suor escort'iit
lrtl«r do sangue quente na minha cabeça, as pás ferrugentas do ventila-
pelos sovacos.
,lol e o voo gordo das moscas, eu localizava também um ofegar seboso,
- Ficou surdo, idiota? rrojt'nto. Os outros esperavam. Eu esperava. Seria assim um cristão na
- Não. Não, seu sargento. ,rrcnu? pensei sem querer. O leão brincanclo com a vítima, patas vadias
- Meu sargento. rro lu', ântes cle clesferir o golpe mortal.
- Meu salgento. quando eu chamei? - Quem fala aqui sou eu, correto?
- Por que não respondeu - Correto, sargento. Meu sargento.
Não ottvi. DescttlPe, eu...
- Linrite-se a dizer sim, meu sargento ott não, meu sargento. Correto?
- Não ouvi, meu sargento. RePita. - Sim, meu sargento.
- Não ottvi. Meu sargerto. verde fi'io de cobra quase oculto sob Muito perto, cheiro cle suor de gente e cavalo, bosta quente, alfafa,
Parecia diverticlo, o olho
( rliarro e brilhantina. Sern mover a cabeça, senti seus olhos de cobra
sobrancelhas unidas ern ângulo agudo sobre o natí2. começava a
aquele bigode grosso como um tnanduruvá cabeludo rastejando em l,('r'('orrendo mell corpo inteiro vagarosamente. Leão entediaclo, general
( \l)irrtano, tão minucioso que podia descobril a cicatriz de arame far-
cla boca, cortina de veludo negro entreaberta sobre os lábios molhados'
1,,rtlo escondicla na minha coxa direita, os três porrtos de urna pedrada
- Tem cera nos ouvidos, Pamonha?
,'nlre os cabelos, e pequenas marcas, manchas, mesmo as que eu clesco-
olhou em volta, pedinclo aprovação, dando licença. um alívio pe
rrlrt'cia, todas as verrugas e os sinais mais secretos da minha pele. Moveu
reu a sala. Os homens riam livremente agora. Podia ver, à minha di
,, t'igarro com os dentes. Â brasa quente passou raspando junto à minha
o alemão de costela quebracla, a ponta quase ftirando a barriga sa
l.rt t'. O mamilo do peito saliente roçou meu ombro. Voltei a estremecer.
L

por um riso banguela. E o saco rnurcho do crioulo parruclo'


dezessete anos' quase dezoito'
Mocinho clelicaclo, hcin'/ li rllrrprt.lcs bcnr-ccrucados, ("? Pois se te
- Nlio me Íira, pcnsci t'«rttt lot'ça' tenho
pego num cortado bravo, tu vai vcr.o que é bom pra tosse, pc,robão. gosto cle desenhar', mett clttarto tet
um 'â'njo da Guarda com a moldu-
jasmineiro' no verão eu fico tonto'
Os homens remexiam-se, inquietos. Romanos, queriam sangue. O i= ã"À*aa, a janela dá para um
rebenque, a bota, o estalo. meu sargento, me dá assim como
um nojo doce' a noite i"'"T:'^"^1i:
saio nu na janela com uma colsa
- Sen-tido! as noites' todo o verão, vezenquando
pelas minhas veias' depois abro As
Estiquei a coluna. o pescoço doía, retesado. As mãos pareciam feitas que não entendo ai,"ú acontecendo
sois umbom denixe' habituado
apenas de ossos crispados, sem carne, pele nem múrsculos. pisou o cigar- mil e uma noites etento ler' meu sargento' seguinte
ro com o salto da bota. Cuspiu cle iado. cuídados do mundo' na rnanhã
a uma vida tranquila, dtstante dos quando vou
- Descan-sar! minha mãe diz t"-;;;;" tenho olheiras, e bate na porta
Girou rápido sobre os calcanhares, voltando parâ a mesa. cruzei as ao banheiro e repetJr-;É'"
q'" aquele disco da Nara Leão é muito chato'
porque já tenho dezessete anos'
mãos nas costas, tentando inutilmente esconder a bunda nua. Além que eu devia parar de àesenhar tanto'
na cara' meu sargento' nenhum
da copa dos cinamomos, o céu azul não tinha nenhuma nuvem. Mas lá quase dezoito, e nenhuma vergonha
começando a viver' um monte de
embaixo, na banda do rio, o horizonte começava a ficar avermelhado. amigo, só esta tontura seca de estar para todo o
Com um tapa, alguém esmagou uma mosca. as manhãs' meu sargento'
coisas que eu não entendo, todas
- Silêncio, patetasl sempre, amém.
na frente clos meus olhos' Tive medo
Olhou para o meu peito. E baixou os olhos um pouco mais. Feito cometas, faíscas cruzaram mover'
dos cinamomos corrreçaram a se
- Então tu é que é o tal cle Hermes? de cair. Mas as folhas rnais altas se pelo nariz
- Sim, meu sargento. O sol quase caindo àttuiU"' E não sei se pelo olhar clele'
"o pela brisa vincla do rio ou ptlfo
- Tem certeza? livre da mosca, ," f"i" minha história, quem muda
momento' como
- Sim, meu sargento. cansaço, parei de áàiãr" naquele.exatá
impreciso' sem interferências'
- Mas de onde foi que tu tirou esse nome? uma estação de rádio' Esta' sentia
que tem pé chato'-taquicardia e
- Não sei, meu sargento. Pois, ,"r, u",Á"', então tu é o tal
- Arrimo de familia' também?
Sorriu. Eu pressenti o ataque. E quase admirei sua capacidacle de pressão baixa? o *Jaito me disse' de
comandar as reações daquela manada bruta da qual, para ele, eu deüa .,tgà"to - menti apressado' aquele médico amigo
- Sim, -"., cabeça' e se ele descobrisse? Mas
fazer parte. Presa suculenta, carne inclefesa e fraca. como um idiota, meu pai. um" s'sp?ii" t""ott minha Moúmentei os
pensei em Deborah I(err no meio dos leões em cinernascope, cor cle luxe, tive certeza: ele já O tempo toclo' Desde o começo'
'"t'io' no fundo frio clo olho dele'
túrnica branca, rosas nas mãos, urn quadlo antigo na casa de minha ombros, mais leves' Olhei funclã
avó, cecília entre os leões, ou seriaJean sirnmons? figura de catecismo,
os-cristãos-eram-obrigados-a-negar-sua-fé-sob-pena-de-morte,
- Trabalha? sargento rnenti outra vez'
o padre - Sim, meu -
Lirna fugiu com a filha do barbeiro, que deve ter virado mula sem cabe-
- Onde?escritório, rneu sargento'
ça, a fllha, não o padre, nem o barbeiro.
o silêncio crescendo. um cavalo esmolambado cruzou o espaço vazio
- Num
da janela, palco, tela, minha cabeça galopava, steve Reeves ou victor
- Estuda? sargento'
Macture, sozinho na arena, peitos suados, o mártir, estrangulando o
- Sim, meu
leão, os cantos da boca, não era assim, as-comissuras-c1os-lábios-voltadas-
- O quê? meu sargento'
-para-baixo-num-esforço-hercúrleo, o úigo venceu a ferocidacle do mons- - Pré-vestibular,
o quê? Engenharia' direito' medicina?
tro de guampas. A mosca pousou bem na ponta do rneu nariz.
- E vai fazer sargento'
- Não, meu Agronomia? Veterinária?
- Por acaso tu é fllho das macegas? - Odontologia?
Minha cara incendiava. Ele apagou o cigarro dentro do pequeno capa- sargento'
cete militar invertido, sustentado por três espingardas cruzadas. E me
- Filosof,a, meuelétriãa percorreu.os outros. Esperei
que atacasse nova-
uma corrente
olhou de frente, pela primeira vez, f,rme, sobrancelhas agudas sobre o mente.Ourisse.Tornouameexaminarlento'Respeito'aquilo'oupena?
Acendeu^outro cigarro, conti-
nariz, fundo, um falcão atento à presa, forte. A mosca levantou voo da o olhar se deteve, abaixo do meu umbigo.
o iJqueiro em forma de bala' Espiou
clo meu nariz. nental sem Íiltro, eu podia ver' com
::" 567
rr,, .,.rt ltclOCiCaCllt deSpenCOtt na nfinha
utli rtrrr pti rlt. ttt;ttt:tt':i,lt tlrttvlt
l)('llr.iiul('lll- l)t'vilr tcr vist«l o r't;lr .rvt'r rrrlllr:rrlo solr-t'«r t'io, o lltt':rtt.j;t tlrt
r'tiu, o (luasc roxo (las lluvcns lrrrrorrlo:rtl.rs rro lrr»r'izotrtc cllts ilhas. Vollorr , rlr.r,.r. N:r prinrcit'r ct,tl'va. tl (lht'vrolet autigo parou a meu lado. Corno
os olhos pãrrár mim. Pupilas tào contllrirllrs tluc o vcr'(lc parcciit viclro liso, ,rrrr .,,r.rtrtlt' rttOt'r't'go citrzlt.
lricil clc queblar-. V,rr pla cidade?
-_-Pois, seu fllósofo, o senhor está dispensado de servir à pátria. Scrr ( ()nr() se estivesse srupreso, espiei para dentro. Ele estava debruçado
ct'r'tificado fica pronto daqui a três meses. Pode se vestir. - Olhou t'rrr ,,.r l.rrrt'lu, o sol ilurninanclo o meio sorliso, fazendo brilhar o remendo
volta, o alemão, o crioulo, os outros machos. - E vocês, seus ânalfabclos, ,1,r11,1,1., clo canino esquerdo.
cleviam era criar vergonha nessa cara porca e se milar no exemplo irl tluel carona?
clo moço. Como se não bastasse ser arúrno de famÍlia, urn dia aincla vlrr Vou tontar o bonde logo ali na Azenha.
sair filosofanclo pol aí, enquanto vocês vão continuar pastando que l)('nl 'li' deixo 1á disse. E abriu a porta do carro.
-
gado até a mofte. l, rrl lci. O cigarro moveu-se de um laclo para outro na boca' enquanto

Caminhei para a porta, tão vitolioso que meu passo era uma follr;r , ur.r() cngatava a primeira. Um vento entrando pela janela fazia meu
vadia, dançando na brisa da tardezinha. Abliram caninho para quc ('lr , .rl,r'lo voar. Ele segurou o cigarro, Continental sem filtro, eu tinha ústo,
passasse. Lerdos, vencidos. Antes de entrar na outra sala, ouvi o lebcn ! n r r.(' o polegar e o indicaclor amarelados, cuspiu pela janela, depois me
que estalando contra a bota negra. ,,llrotl.
liicou con rnedo de mim?
- Sen-tido!Estão pensando que isso aqui é o cu da rnãe joana?
Nlro parecia mais um leão, nem general espartano. A voz macia, er.a
irrlr lrolnem Colrlum sentado na clileção de seu callo. Tirei do bOlso a
il , .rrxinha de chicletes, abri devagal'sem oferecer. Mastiguei. A carnacla de
rr, u('ul. partiu-se, um sopro gelaclo abriu minha garganta. Engoli o vento

Palaclo no portão c1e ferro, olhei direto para o sol. Meu truque antigo: o i'.u;r que flcasse ainda mais gelada.
ern-volta tão claro clue ürava seu oposto e se tornava escuro, enchendo-st, Não sei. - E quase acrescentei mcu sargento. Sorri por dentlo. - Bom,
de sornbras e reflexos qlle se uniam aos poucos, organizanclo-se em forurit ur ) ('omeço fiqr.rei um pouco. Depois vi que o senhor estava do meu lado.

de objetos ou apenas dançanclo soltos no espaço à minha frente, sem firt' Senhor, não: Garcia, a bagualacla toda me charna de Garcia. Luiz
nrar coisa algulna. Erarn esses os que me intelessavam. os que dançavrrrrt r,,u.r'ia cle Souza. Sargento Galcia. - Sirnulou uma continência, tornolr a
vadios no ar, sem fazer parte das nuvens, das árvores nem clas casas. I.irt , rrspir., tiranclo antes o cigalro da boca. - Quel dizer então que tu achou
não sabia para onde iliam, clepois que meus olhos novamente acostumir- (lu(.crl estava clo teu lado. - Eu quis dizer qualquer coisa, mas ele não
dos à luz colocavam cada coisa em sell lugar, assim: casa * paredes, jant* ,lcixoll. O calro chegavl no fim clo morro. - É que logo vi que tu era dife-
las e portas; árvores - tronco, galhos e fiolhas; nuvens - flapos estirados rr.rrte do resto. - Olhou pala mim. Sem frio nem mec1o, me encolhi no
ou embolaclos, vezenquando brancos, vezenquando colodclos. Cada coisir lr.rnco.
- Tenho que lidar col]r gente grossa o dia illteiro. Nem te conto.
era cada coisa e inteira, na união de todas âs suas infinitas partes. Mas t' ,\r rluanclo aparece um moço mais fino, assirn que nem tu, a gente logo
as sornbras e os reflexos. esses que nào se integravam em forrna alguma, \,(. Passou os dedos no bigode. - Então quer dizel que tu vai sel. fllóso-
onde ficavam guardados? Para onde ia a parte clas coisas que não cabia nlt lo. é? Mas rne conta, qual é a tua f,losofia de vida?
tinl-ra ido
própria coisa? Para o fundo do meu olho, esperando o ofuscamento parir - De vida? - Eu mordi o chiclete mais forte, mas o açÚtcaraquele
vir à tona outra vez? ou entre as próprias coisas-coisas, no espaço vazio ,'rrrbora. Não sei, outro clia andei lenclo uln cara aí. Leibniz,
- das
entre o fim de uma parte e o começo de outla pequena parte da cois,;r rrrônaclas, conhece?
inteira? Como um por trás c1o real, feito espírito cle sombla ou luz, clalo- - Das o quê?
-escuro escondiclo no mais de-dentro de um tronco de árvole ou no espa- As mônadas. É um cara aí, ele dizia que tudo no universo são. Assim
ço entre um tüolo e olrtro oll r1o meio de dois flapos de nuvem, onde? As (lu(l llem janelas fechadas, corno caixas. MÔnaclas, entende? Separaclas
cigarras chiavan no pátio de cinamomos caiaclos. rrruas das outlâs. - Ele franziu a testa, intelessado. Ou sem entencler
Respirei funclo, erguendo um pouco os ombros para engolir mais at'. rr;rcla. Continuei: - Incomunicáveis, entencle? Umas coisas assirn meio
Meu corpo inteilo nunca tinha me parecido tão novo. Comecei a descer' scm ter nacla a ver u[ras cotrr as outras.
o morro, o quartel fi.cando para trás. Bola de fogo suspensa, o sol caía nrt - Tndo?
- tutlo, r'rr lrt'lto. As crrslrs,:rs l)('sso:rs, r':rtllr tutt;t rlt'l:rs. Os lrtrtrrr,rr',,
l'i, lrstul;r. lrr rr;rol:i ;r Íirrrtlt'tl;rt uttlttltt'g:tclut'otttigtttrttttrlttglllai'/
rrs lrlatrtlrs, Ittclcl. Clcla Lull, ullr:r rrrrjrr:rtl:r- lit'r'lurrlrt. (]trt'ltrglrr'1 'li'rrrirlrrt'u voz <lcsafinassc. Mas saiu firne.
Pisou no fi'eio. -hstendi as nàos para il li'cntc. Ar.rurlur lcntlr, a nuio strbiu mais, cleslizott pela palte interna c1a coxa.
- Mas tu acledita rnesmo nisso? I (lucntc.
.rPt'r't«rrr,
Eu acho que. [)m lugar aí. Coisa fina. Agente pode flcar mais à vontade, sabe
Pois pra te falar a verdade, eu aqui não entenclo clesses troços. l):rs:,r r,nlo é. Ninguém incomoda. Quer?
- r

'l'inhanos ultrapassaclo o ponto do bonde. Bern no ftindo, lá oncle o ria-


o clia inteilo naquele quartel, com aquela bagualada mâis grossa (lu{'
clcclo destroncado. E com eles a gente tem é que tratar assim mcsnlo, , lro cncontrava com o Guaíba, só a parte supelior do sol estava fora cl'água.
rro braço, ttazeÍ ali no cabresto, de rédea cllrta, senão te montan-r pt'lo I rt'via estar amanhecendo no Japão
- antípoclas, mônadas -, nessas horas
c;rngote e a vida vira um inferno. Não tenho tempo pra perder pensurrrlo ( u scmpre pensava assim. Me vinha a sensação cle que o mundo era enorme,
nessas coisas aí de universo. Mas acho bacana. * A voz amaciou, dcpor:, , lrcio c1e coisas clesconhecidas. Boas nem más. Coisas soltas feito aqueles
tornou a endulecer. - Minha fllosofla de vida é simples: pisa nos oul los rr.Ílc.xos e sornbras metidos no meio de outras coisas, corno se nern existis-
antes que te pisem. Não tem essas mônicas dai. Mas tu tem muita esl rlr ',('ur, espefando só a hora da gente ficar oftlscado para sair flutuando no
da pela frente, guri. Sabe que iclade eu tenho? - Exarninou meu roslo rrrcio do que se podia tocar. Assim: dentro do que se podia tocar, escondiclo,
Eu não clisse nada. - Pois tenho trinta e três. Do teu tamanho anduvrr vivia. tambérn o qlle só era visível quando o olho ficava tão inunclado cle luz
pol aí meio clesnorteaclo, matando contrabandista na fronteira. O qurrr' (lue enxergava esse invisivel no rneio do tocável. Eu não sabia.
tel é que me pôs nos eixos, senão tinha viraclo banclido. A vida rne ensi - Me dá um cigarro - pedi. Ele acendeu. Tossi. Meu pai com o cintu-
nou a ser um cala abelto, aclmito tuclo. Só não aguento cornunista. M;rs r';ro dobrado, agora tu vai me furlar todo esse maço, desgraçado, parece
graças a Deus a revolução já deu um jeito nesse putedo todo. Aprend i rr lilho de bagaceira. A nlão qlrente subiu mais, erfirstou a camisa, um dedo
me virar, seu filósofo. A me defendel no blaço e no grito. -Jogou fora rr t'ntrou no meu umbigo, apeftou, juntou-se aos outros, aranha peluda,
cigarro. A voz macia outra vez. - Mas contigo é diferente. (ornorl a baixar, caminhando entle as rninhas pernas.
Mastiguei o chiclete corn rnais força. Agora não passava de uma bol - Claro que quer. Estou vendo que tu não quer otttla coisa, guri.
lacha sem gosto. Pegou na minha mào. Conduziu-a até o meio das pelnas dele. Meus
tlcdos se abriram um pouco. Duro, tenso, rijo. Quase estoulando a calça
- Diferente como?
Ele olhava dileto para mim. Embora o vento entrasse pela janela abcr vcrcle. Moven-se, quando toquei, e inchou mais. Cavidades-porosas-que-
ta, uma coisa rnorna tinha se instalaclo clentlo do carro, naquele ar enfir- sc.-enchem-de-sangue-cluando-excitadas. Meu plimo gritott na rninha
maçado entre ele e eu. Poclia havel pontes entre as mônadas, pensei. Ii t'lLLa: r'naricão, mariquinhii, quiáquiáquiá. O vento clescabelava o vercle
mordi a ponta da língua. tla Redenção, os coqueiros da João Pessoa. Mariquinha, maricão, quiá-
rg:iáquiá. E não, eu não sabia.
- Assim, um moço f,no, educaclo. Bonito. - Fez uma curva mais rápi-
da. O pneu guinchou. - Escuta, tu tem mesmo que ir embora já? - Nunca flz isso.
- Agora já, já, não. I\[as se eu chegar em casa muito tarcle rninha mãc Ele p;rlecia contente.
flca uma fúria. - Mas não me diga. Nunca? Nem quando era pi;i? Uma sacanagenzi-
Mais duas quadras e chegaríarnos no ponto do bonde, em frente ao nha ali, na beila da sanga? Nem com nulher? Con china cle zona? Não
cinema Castelo. Bern clepressa, eu tinha que dizer ou fazer alguma coi- :rcledito. Nem nunca balranqueou égua? Thmauho horlerl.
sa, só não sabia o quê, meu coração galopava esquisito, as palmas das - É verdade.
rnãos rnolhadas. Olhei para ele. Continuava olhanclo para mirn. As casas Dirninuiu a nlarcha. Curvou-se sobre rnim.
baixas da Azenha passavarn arnontoadas, meio caídas umas sobre as - Pois eu te ensino. Quer?
outras, uma parede rosa, urna janela azul, unta porta verde, um gato Traguei fundo. Uma tontura me subiu pela cabeça. De dentro das
preto nurna janela branca, uma rnulhel de lenço amalelo na cabeça, casas, das árvores e clas nuvens, as sombras e os reflexos guardaclos espia-
chamando alguém, a lornba clo cernitér'io, urla menina pulando corda, vam, esperando que eu olhasse outla vez direto para o sol. Mas ele já
os ciplestes ficando para trás. Estendeu a mão. Achei que ia fazer urna tinha caído no rio. Dulante a noite os pontos de luz dolmiam quietos,
muclança, rnas os dedos clesviaram-se c1a alavanca para pousar sobre a escondidos, guarclaclos no rleio clas coisas. Ningttém sabia. Nem eu.
minha coxa. - Quero - eu disse.
ilt l,.rrlot,t pistott rtt;tltt rr)\.r. ():, t rltos tltttrrs tlc tittlir tt's1>ilrglurtl<l l)('(lu(,
rr,, l)r)ntirrlros I)t'('l()s nlts lrrrcs
Vontade de parar, eu tinha, mas o ;rnclal cnr incoutrokivcl, u cubcçlr r,rrr l'rr,ssrr, ctr, hci r.r'1 Sci. N:ro citoclo clia clue a gente telll calne fi'csclui-
várias clireções, subindo a ladeira atrás dele, tu sabe como é, terr scrrrprr. 1il, r r.r rrrt'str. llc plimcir-a, niro é, sargento?- Ele riu. Ela rodou a chave
gente espiando a vida alheia, melhor eu ir na fi'ente, fica no portào rrzr r l, ,, r r r.r( )s ('. l)ol' um instante, pensei numa baliza na frente de um desÍile
vem vindo devagar, como se tu não me conhecesse, corno se nuncu I ivt,,, '1, ',r'tt'rlc Setembro, jogando para o alto obastão cheio de fitas colori-
se me visto ern toda a tua vicla. Como se nurrca o tivesse visto em torllr ,r ,l r I ri bcr.r-r, tá bem. Vou levar os pombinhos para a suíte nupcial.
Que
minha vida, seguia aquela mancha verde, mãos nos bolsos, cigarro lrt t. r ,l , r ( luirlto 7? Número c1a solte, não? Af,nal, a primeira vez é uma só na
so, de repente suminclo portão adentro com um rápido olhar pala tlris. , , r l'lrssou por mim, enfiando-se no corredor escuro. Tenho certeza
r I,
-
gancho que me flsgava. Mergulhei na sombra atrás dele. Subi os deglrrrrs ,t,ri r) n)ocinho vai a-clo-rar, ficar freguês de caclerno. N-inguém esque-ce
c1e cirnento, empurrei a porta entreaberta, madeira velha, vidro rac'htr (r r r, r r r r llref
r r r
çgm_o.',lsado-ra.
do, penetrei na sala escura com cheiro c1e mofo e cigarro velho, flon.s ( ) siu'gento me empurrou. Entre a farda verde e o robe cheio de man-

murchas boiando em água viscosa. ,lr r',. o cheiro de suor e perfume adocicado, inprensaclo no corledor
- O de selrlpre, então? eia pelguntava, e qlrase imediatamente cor' , r r ('r t ( ). cn. Isadora cantava que queres tu de mim que fazes junto a mim se
,

igi, dentro da minha própria cabeça, olhando melhol e mais atenlo,


rlgr, rri,/ir r'slrÍ perdido amoi? Um ruíclo seco, ferro contra femo. A cama com
ele, -dentro de um robe colorido desses meio estofadinhos, cheio de marr- l, rr,,ois cncardiclos, um rolo de papel higiênico cor-de-rosa sobre o caixo-
chas vermelhas cle tomate, batom, esmalte ou sangue. - O senhor, hein, r, (1il('serwia de mesinha de cabeceira. Isaclora enflou a cabeça clespen-
sargento? - piscou íntimo,_tntimA," para o sargento e para mim. r, .r(l;t l)elo vão da porta.

- Esta é a sua útima? l)ivirtam-se, crianças. Só não gritem rnuito, senão os vizinhos flcam
- Conhece a Isadola? ,rrrr.rs Íêl.as.
A mão molhada, cheia de anéis, as longas unhas vermelhas, meio cles. porta fechou. Sentei na calna, as màos nos
A tabeça clesapareceu. A
cascadas, como i. Ela rir-r. 1,,rlsos. Ele foi cheganclo muito perto. Ovolume esticanclo a calça, ben-r
1,, rlo clo meu rosto. O cheiro: cigarlo, suor, bosta c1e cavalo. Ele enfiou n
larina. Uma nlulher flníssima, maravilhosa, il minha idola, eu ad rr.ro pela gola da rninha camisa, deslizou os cledos, beliscou o mamilo.
tanto que adotei o nome. Já pensou se eu Llsasse o Valdemir que minhit | ',t rcmeci. Gozo, nojo ou medo, não saberia. Os olhos dele se contraíram.
mãezinha me den? Coitadinha, tão bem-intencionacla. Mas o nomc, 'Iila a rolrpa.
ai, o nome. Coisa mais cafona. Aí muclei. Se Deus quiser', um dia aincltr Ioguei as peças, Ltma por urna, sobre o assoalho sujo. Deitei cle cos-
voll tnorrer estrangulada pela minha própria ec!4i- coisa mais t,rs. liechei os olhos.Arcliarn, como se tivesse acordado de rnanhã mui-
l.11'61o. Então urn corpo pesado caiu sobre o mell e uma boca molha-
- - eu disse.
Bacana ,1,r, urna boca funda feito poço, urna língua ágil lambeu meu pescoço,
O sargento ria, esfregando as mãos. . n I r'or1 no ouvido, enflou-se pela minha boca, um choque seco cle dentes,
- Não repare, Isadora. Ele está meio encabulado. Dizque é a primeila l.rlo contra ferlo, enquanto declos hábeis desciam por minhas virilhas
YCZ. rrrvcntando um carninho novo. Então tlue culpa tenho eu se até o pranto que
Nossa. Taludinho assirn. E nunca fez, é, meu berrr? Nunquinha, jura
- ,ltrtrei se foi por ti não sei a voz cle Isaclora vinha de longe, corno se sais-
-
pra tia? A mão no meu ornbro, peclra cle anel arranhanclo leve meu
- ',t"cle dentlo de url acluár"io, Isaclora afogada, a maquiagem derletida
pescoço. Revilou os olhos. Conta a verdade pra tua Isadora, tocla a ver-
- , olrrindo a água, a voz agucla rnistulada aos gemidos, metendo-se entre
dade, nada rnais que a verdade. Tu nunca fez, guri? Tentei sorrir. O
- .r(luele baftr morno, cigarro, suor, bosta de cavalo, que agora comandava
canto da minha boca tremed. Ele fal"va sem parar, olhinhos meio estrá- rrrcus movirnentos, vilando-me de bruços sobre a cama.
bicos, sornbreados de azul. - Mas ôlha, relaxa que vai dar tudo certinho. O cheiro ;rzeclo clos lençóis, senti, quantos corpos terian passado por
Sernpre tem urna primeira vez na vida, é um momento histórico, clueri- .rli, e cle quem, pensei. Tlanquei a respiração. Os olhos abertos, a trama
clinho. Merece até uma cornelnoração. Uma cachacinha, sargento? Tem rir'ossa do teciclo. Com os joelhos, lento, fllme, ele abria carninho entre
aí daquela clivina que o senhor gosta. ,rs rlinhas coxas, procurando passagem. Punhal em brasa, falpa, lança

- O moço tá com pressa. ,rliada. Quis glitar, mas as cluas mãos se fechalarl sobre a minha boca.
lJlc erupttrrl)tt, g('t)t('rr(lo. Scttr (lu('r'('r', irrrlrgirrt.i ulrrlr I:rrrlt'r'rr;r r';rsg:urrlo r r't'« tlnr ( ()nt('q'irvirr .r :rr t'rrtlt'r'. A llttlttllt lttta tllt csttiltta c[c pcclr-a.
lrr,,r'.,
a escuriciâo cle ttllta citvcl-nil csconrlicl:r, hli mtr itos urros. ullll ('rv(,r'n,t . rr,
./r'us otr f tilrilcr', r'r';lcli. lrrrtttttcl'ci: l)ltlrts Atella ott Minerv:r, I']osêi-
secreta. Mordeu minha nuca. corn un1 lnovirnento bl'usco clo c'or'p«1, pro ,1,,n ,)u Nt,lruro, Harlcs orr l)lutucl, Afiodite ouVênus, Herrnes ou Mercúr-
curei jogáJo para fora de mirn. r,, lllr nr('s, r'cpcti, o mensageiro dos cleuses, ladrão e anclrógino. Nada
* Seu puto - ele gemeu. - Veadinho sujo. Bichinha-louc;r. , l, r r lrr r ruro scntia nada. Tocando o pulso com os cledos podia perceber
,

Agarrei o travesseiro com as duas mãos, e nurn arfanco conscgu i trr.r , l, rrrrl;rs clo coração. O ar entrava e saía, lavando os pulmões. Pol cima
tar novamente de costas. Minha cara roçou contra a barba dele.'lirrrrr,i ,L rr v( )r'('s do parque ainda ela possível ver algurnas nuvens avermelha-
a ouvir a voz de Isadora que mais me podes dar que mais me tens u tlttt rt ,lr, , r'()sil virando roxo, clepois cinza, até o azul mais escuro e o neglo
marca de uma nova dor. Molhada, nelvosa, a língua voltou a entrar no nl(,1 ,l | ,.ltc. Vai chover amanhã, pensei, vai cair tanta e tanta chttva que
ouviclo. As mãos agarraram minha cintula. comprirniu o corpo intt,ir. , r.r ( ()nro se a cidacle toda tomasse banho. As sarjetas, os btteiros, os
contra o meu. Eu podia sentir os pelos molhados do peito dele mel;rrrtl, r , ,..Ios lcvariam para o rio todo o pó, toda a lana, toda a merda de todas
a minha pele. Quis empulrá-lo outra vez, rnas entre o pensamento t. . I ril,lS-
gesto ele juntou-se ainda rnais a rnim, e clepois urn gemido mais furrclo, r. r )u(.t'ia dançar sobre os canteilos, cheio de uma alegria tão maldi-
depois Llm estremecimento no corpo inteiro, e depois um líquido gross, r r,lu('os passantes jamais compreencleriam. Mas não sentia nada. Era
morno üscoso espalhou-se pela rninha barriga. Ele soltou o corpo. corrr, r ninguém me conhecia.
rrrr. t'ntão. E
Llm saco de areia úmida jogado sobre mim. ',rrlri coLrendo no primeiro boncle, sem esperar que parasse, sem
A madeira amarela do teto, eu vi. O fio comprido, o bico de luz lrr rl,('r. l)ara onde ia. Meu caminho, pensei confuso, meu caminho não
ponta. Suspenso, apagado. Aquele cheir-o adocicado boiando na penlnn , rl,r' nos trilhos de um bonde. Pedi passagern, sentei, estiquei as perrias.
bla cinza c1o quarto. I', r r l u (' ninguérn
r sqlle_çe !l-l1ê. mu tfrç1 -c-q_11_o- !s4(9 r3, repeti se m en te n-
-e
Quando ele estendeu a mão para o rolo de papel higiênico, colts(, ,1, r, tlt'bruçado na janela abelta, olhando as casas e os verdes do Bonfim.
gui deslizar o corpo pela beilada da cama, e de repente estava no mt'io l u rr:ro o conhecia. Eu nunca o tinha visto em toda a minha vicla. Uma
do quarto enflando a roupa, abrindo a porta, olhando para trás ainclrr :r , ,lt'spertâ rrao voltará a dot'mir.
tenpo de vê-lo passar um pedaço de papet sobre a própria barriga, urnrr t ) boncle guinchou na culvâ. Arnanhã, decidi, ananhã sem falta come-
falda verde ern cima da cadeira, ao lado das botas neglas brilhantes, t. ,,,.r Íittttaf.
antes que erguesse os olllos aftrndei no túrnel escllro do corredor, a s:rllr
deserta com suas floles podles, a voz de Isadora ainda rnais remota, sr,
até o pranto que chorei se foi por ti não sei, balulho de copos na cozinhrr,
o vidro rachado, a nadeira descascacla da porta, os quatro degraus rlt,
cimento, o portão azul, alguém glitando alguma coisa, mas longe, tlio
longe corno se eu estivesse na janela de um trem em movimento, tentan,
do apanhal um farrapo de voz na plataforma da estação cacla vez mais
recuada, seln conseguil juntar os sons em palavras, como uma língrrr
estrangeira, como uma lingua molhada nervosa entlanclo rápicla pel«»
rnais secreto de mim para acordar alguma coisa que não devia acor
clal nunca, que não devia abr:ir os olhos nem sentir cheiros nem gostos
nem tatos, uma coisa que deveria permânecer para sempre surda ceglr
mucla naquele nais cle dentro de mim, como os reflexos escondidos, qur.
nenhnm ofuscamento se flzesse outra vez, porque devia flcar enjaulacllr
amorclaçada ali no fundo pantanoso de mim, feito bicho numa jaulir
fedida, entre gracles e ferrugens quieta dornada fera esquecida cla pró-
pria ferocidade, para sempre e sempre assim.
Embora eu soubesse que, Luna vez desperta, não voltaria a dormir.
Dobrei a esquina, passei na frente clo colégio, sentei na praça onclt,

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