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li no rabo'/
sur'prcso e suspenso, o coro cle risos. As pás do ventilador voltaram a
rrr,rrrluu'o silêncio, feito fllme de mocinho, um segundo antes do tíro.
À memória de Luiza Felpuda
tmesa trr.r*Sil I l,' ollrou os homens, um por um. O riso recomeçou, estridente. A ponta
p ?'.h Ateg'e ,l.r t oslcl:r vibrava no ar, um acidente no roÇa com minha ermón. Imóveis, as
J l.llurs bem cle cima dos cinamomos. O saco murcho, corro se não hou-
\ i ',\(' nilda clentro, sou faixa preta, morou? Uma mosca esvoaçou perto do
Caminhei para a porta, tão vitolioso que meu passo era uma follr;r , ur.r() cngatava a primeira. Um vento entrando pela janela fazia meu
vadia, dançando na brisa da tardezinha. Abliram caninho para quc ('lr , .rl,r'lo voar. Ele segurou o cigarro, Continental sem filtro, eu tinha ústo,
passasse. Lerdos, vencidos. Antes de entrar na outra sala, ouvi o lebcn ! n r r.(' o polegar e o indicaclor amarelados, cuspiu pela janela, depois me
que estalando contra a bota negra. ,,llrotl.
liicou con rnedo de mim?
- Sen-tido!Estão pensando que isso aqui é o cu da rnãe joana?
Nlro parecia mais um leão, nem general espartano. A voz macia, er.a
irrlr lrolnem Colrlum sentado na clileção de seu callo. Tirei do bOlso a
il , .rrxinha de chicletes, abri devagal'sem oferecer. Mastiguei. A carnacla de
rr, u('ul. partiu-se, um sopro gelaclo abriu minha garganta. Engoli o vento
Palaclo no portão c1e ferro, olhei direto para o sol. Meu truque antigo: o i'.u;r que flcasse ainda mais gelada.
ern-volta tão claro clue ürava seu oposto e se tornava escuro, enchendo-st, Não sei. - E quase acrescentei mcu sargento. Sorri por dentlo. - Bom,
de sornbras e reflexos qlle se uniam aos poucos, organizanclo-se em forurit ur ) ('omeço fiqr.rei um pouco. Depois vi que o senhor estava do meu lado.
de objetos ou apenas dançanclo soltos no espaço à minha frente, sem firt' Senhor, não: Garcia, a bagualacla toda me charna de Garcia. Luiz
nrar coisa algulna. Erarn esses os que me intelessavam. os que dançavrrrrt r,,u.r'ia cle Souza. Sargento Galcia. - Sirnulou uma continência, tornolr a
vadios no ar, sem fazer parte das nuvens, das árvores nem clas casas. I.irt , rrspir., tiranclo antes o cigalro da boca. - Quel dizer então que tu achou
não sabia para onde iliam, clepois que meus olhos novamente acostumir- (lu(.crl estava clo teu lado. - Eu quis dizer qualquer coisa, mas ele não
dos à luz colocavam cada coisa em sell lugar, assim: casa * paredes, jant* ,lcixoll. O calro chegavl no fim clo morro. - É que logo vi que tu era dife-
las e portas; árvores - tronco, galhos e fiolhas; nuvens - flapos estirados rr.rrte do resto. - Olhou pala mim. Sem frio nem mec1o, me encolhi no
ou embolaclos, vezenquando brancos, vezenquando colodclos. Cada coisir lr.rnco.
- Tenho que lidar col]r gente grossa o dia illteiro. Nem te conto.
era cada coisa e inteira, na união de todas âs suas infinitas partes. Mas t' ,\r rluanclo aparece um moço mais fino, assirn que nem tu, a gente logo
as sornbras e os reflexos. esses que nào se integravam em forrna alguma, \,(. Passou os dedos no bigode. - Então quer dizel que tu vai sel. fllóso-
onde ficavam guardados? Para onde ia a parte clas coisas que não cabia nlt lo. é? Mas rne conta, qual é a tua f,losofia de vida?
tinl-ra ido
própria coisa? Para o fundo do meu olho, esperando o ofuscamento parir - De vida? - Eu mordi o chiclete mais forte, mas o açÚtcaraquele
vir à tona outra vez? ou entre as próprias coisas-coisas, no espaço vazio ,'rrrbora. Não sei, outro clia andei lenclo uln cara aí. Leibniz,
- das
entre o fim de uma parte e o começo de outla pequena parte da cois,;r rrrônaclas, conhece?
inteira? Como um por trás c1o real, feito espírito cle sombla ou luz, clalo- - Das o quê?
-escuro escondiclo no mais de-dentro de um tronco de árvole ou no espa- As mônadas. É um cara aí, ele dizia que tudo no universo são. Assim
ço entre um tüolo e olrtro oll r1o meio de dois flapos de nuvem, onde? As (lu(l llem janelas fechadas, corno caixas. MÔnaclas, entende? Separaclas
cigarras chiavan no pátio de cinamomos caiaclos. rrruas das outlâs. - Ele franziu a testa, intelessado. Ou sem entencler
Respirei funclo, erguendo um pouco os ombros para engolir mais at'. rr;rcla. Continuei: - Incomunicáveis, entencle? Umas coisas assirn meio
Meu corpo inteilo nunca tinha me parecido tão novo. Comecei a descer' scm ter nacla a ver u[ras cotrr as outras.
o morro, o quartel fi.cando para trás. Bola de fogo suspensa, o sol caía nrt - Tndo?
- tutlo, r'rr lrt'lto. As crrslrs,:rs l)('sso:rs, r':rtllr tutt;t rlt'l:rs. Os lrtrtrrr,rr',,
l'i, lrstul;r. lrr rr;rol:i ;r Íirrrtlt'tl;rt uttlttltt'g:tclut'otttigtttrttttrlttglllai'/
rrs lrlatrtlrs, Ittclcl. Clcla Lull, ullr:r rrrrjrr:rtl:r- lit'r'lurrlrt. (]trt'ltrglrr'1 'li'rrrirlrrt'u voz <lcsafinassc. Mas saiu firne.
Pisou no fi'eio. -hstendi as nàos para il li'cntc. Ar.rurlur lcntlr, a nuio strbiu mais, cleslizott pela palte interna c1a coxa.
- Mas tu acledita rnesmo nisso? I (lucntc.
.rPt'r't«rrr,
Eu acho que. [)m lugar aí. Coisa fina. Agente pode flcar mais à vontade, sabe
Pois pra te falar a verdade, eu aqui não entenclo clesses troços. l):rs:,r r,nlo é. Ninguém incomoda. Quer?
- r
murchas boiando em água viscosa. ,lr r',. o cheiro de suor e perfume adocicado, inprensaclo no corledor
- O de selrlpre, então? eia pelguntava, e qlrase imediatamente cor' , r r ('r t ( ). cn. Isadora cantava que queres tu de mim que fazes junto a mim se
,
- Esta é a sua útima? l)ivirtam-se, crianças. Só não gritem rnuito, senão os vizinhos flcam
- Conhece a Isadola? ,rrrr.rs Íêl.as.
A mão molhada, cheia de anéis, as longas unhas vermelhas, meio cles. porta fechou. Sentei na calna, as màos nos
A tabeça clesapareceu. A
cascadas, como i. Ela rir-r. 1,,rlsos. Ele foi cheganclo muito perto. Ovolume esticanclo a calça, ben-r
1,, rlo clo meu rosto. O cheiro: cigarlo, suor, bosta c1e cavalo. Ele enfiou n
larina. Uma nlulher flníssima, maravilhosa, il minha idola, eu ad rr.ro pela gola da rninha camisa, deslizou os cledos, beliscou o mamilo.
tanto que adotei o nome. Já pensou se eu Llsasse o Valdemir que minhit | ',t rcmeci. Gozo, nojo ou medo, não saberia. Os olhos dele se contraíram.
mãezinha me den? Coitadinha, tão bem-intencionacla. Mas o nomc, 'Iila a rolrpa.
ai, o nome. Coisa mais cafona. Aí muclei. Se Deus quiser', um dia aincltr Ioguei as peças, Ltma por urna, sobre o assoalho sujo. Deitei cle cos-
voll tnorrer estrangulada pela minha própria ec!4i- coisa mais t,rs. liechei os olhos.Arcliarn, como se tivesse acordado de rnanhã mui-
l.11'61o. Então urn corpo pesado caiu sobre o mell e uma boca molha-
- - eu disse.
Bacana ,1,r, urna boca funda feito poço, urna língua ágil lambeu meu pescoço,
O sargento ria, esfregando as mãos. . n I r'or1 no ouvido, enflou-se pela minha boca, um choque seco cle dentes,
- Não repare, Isadora. Ele está meio encabulado. Dizque é a primeila l.rlo contra ferlo, enquanto declos hábeis desciam por minhas virilhas
YCZ. rrrvcntando um carninho novo. Então tlue culpa tenho eu se até o pranto que
Nossa. Taludinho assirn. E nunca fez, é, meu berrr? Nunquinha, jura
- ,ltrtrei se foi por ti não sei a voz cle Isaclora vinha de longe, corno se sais-
-
pra tia? A mão no meu ornbro, peclra cle anel arranhanclo leve meu
- ',t"cle dentlo de url acluár"io, Isaclora afogada, a maquiagem derletida
pescoço. Revilou os olhos. Conta a verdade pra tua Isadora, tocla a ver-
- , olrrindo a água, a voz agucla rnistulada aos gemidos, metendo-se entre
dade, nada rnais que a verdade. Tu nunca fez, guri? Tentei sorrir. O
- .r(luele baftr morno, cigarro, suor, bosta de cavalo, que agora comandava
canto da minha boca tremed. Ele fal"va sem parar, olhinhos meio estrá- rrrcus movirnentos, vilando-me de bruços sobre a cama.
bicos, sornbreados de azul. - Mas ôlha, relaxa que vai dar tudo certinho. O cheiro ;rzeclo clos lençóis, senti, quantos corpos terian passado por
Sernpre tem urna primeira vez na vida, é um momento histórico, clueri- .rli, e cle quem, pensei. Tlanquei a respiração. Os olhos abertos, a trama
clinho. Merece até uma cornelnoração. Uma cachacinha, sargento? Tem rir'ossa do teciclo. Com os joelhos, lento, fllme, ele abria carninho entre
aí daquela clivina que o senhor gosta. ,rs rlinhas coxas, procurando passagem. Punhal em brasa, falpa, lança
- O moço tá com pressa. ,rliada. Quis glitar, mas as cluas mãos se fechalarl sobre a minha boca.
lJlc erupttrrl)tt, g('t)t('rr(lo. Scttr (lu('r'('r', irrrlrgirrt.i ulrrlr I:rrrlt'r'rr;r r';rsg:urrlo r r't'« tlnr ( ()nt('q'irvirr .r :rr t'rrtlt'r'. A llttlttllt lttta tllt csttiltta c[c pcclr-a.
lrr,,r'.,
a escuriciâo cle ttllta citvcl-nil csconrlicl:r, hli mtr itos urros. ullll ('rv(,r'n,t . rr,
./r'us otr f tilrilcr', r'r';lcli. lrrrtttttcl'ci: l)ltlrts Atella ott Minerv:r, I']osêi-
secreta. Mordeu minha nuca. corn un1 lnovirnento bl'usco clo c'or'p«1, pro ,1,,n ,)u Nt,lruro, Harlcs orr l)lutucl, Afiodite ouVênus, Herrnes ou Mercúr-
curei jogáJo para fora de mirn. r,, lllr nr('s, r'cpcti, o mensageiro dos cleuses, ladrão e anclrógino. Nada
* Seu puto - ele gemeu. - Veadinho sujo. Bichinha-louc;r. , l, r r lrr r ruro scntia nada. Tocando o pulso com os cledos podia perceber
,
Agarrei o travesseiro com as duas mãos, e nurn arfanco conscgu i trr.r , l, rrrrl;rs clo coração. O ar entrava e saía, lavando os pulmões. Pol cima
tar novamente de costas. Minha cara roçou contra a barba dele.'lirrrrr,i ,L rr v( )r'('s do parque ainda ela possível ver algurnas nuvens avermelha-
a ouvir a voz de Isadora que mais me podes dar que mais me tens u tlttt rt ,lr, , r'()sil virando roxo, clepois cinza, até o azul mais escuro e o neglo
marca de uma nova dor. Molhada, nelvosa, a língua voltou a entrar no nl(,1 ,l | ,.ltc. Vai chover amanhã, pensei, vai cair tanta e tanta chttva que
ouviclo. As mãos agarraram minha cintula. comprirniu o corpo intt,ir. , r.r ( ()nro se a cidacle toda tomasse banho. As sarjetas, os btteiros, os
contra o meu. Eu podia sentir os pelos molhados do peito dele mel;rrrtl, r , ,..Ios lcvariam para o rio todo o pó, toda a lana, toda a merda de todas
a minha pele. Quis empulrá-lo outra vez, rnas entre o pensamento t. . I ril,lS-
gesto ele juntou-se ainda rnais a rnim, e clepois urn gemido mais furrclo, r. r )u(.t'ia dançar sobre os canteilos, cheio de uma alegria tão maldi-
depois Llm estremecimento no corpo inteiro, e depois um líquido gross, r r,lu('os passantes jamais compreencleriam. Mas não sentia nada. Era
morno üscoso espalhou-se pela rninha barriga. Ele soltou o corpo. corrr, r ninguém me conhecia.
rrrr. t'ntão. E
Llm saco de areia úmida jogado sobre mim. ',rrlri coLrendo no primeiro boncle, sem esperar que parasse, sem
A madeira amarela do teto, eu vi. O fio comprido, o bico de luz lrr rl,('r. l)ara onde ia. Meu caminho, pensei confuso, meu caminho não
ponta. Suspenso, apagado. Aquele cheir-o adocicado boiando na penlnn , rl,r' nos trilhos de um bonde. Pedi passagern, sentei, estiquei as perrias.
bla cinza c1o quarto. I', r r l u (' ninguérn
r sqlle_çe !l-l1ê. mu tfrç1 -c-q_11_o- !s4(9 r3, repeti se m en te n-
-e
Quando ele estendeu a mão para o rolo de papel higiênico, colts(, ,1, r, tlt'bruçado na janela abelta, olhando as casas e os verdes do Bonfim.
gui deslizar o corpo pela beilada da cama, e de repente estava no mt'io l u rr:ro o conhecia. Eu nunca o tinha visto em toda a minha vicla. Uma
do quarto enflando a roupa, abrindo a porta, olhando para trás ainclrr :r , ,lt'spertâ rrao voltará a dot'mir.
tenpo de vê-lo passar um pedaço de papet sobre a própria barriga, urnrr t ) boncle guinchou na culvâ. Arnanhã, decidi, ananhã sem falta come-
falda verde ern cima da cadeira, ao lado das botas neglas brilhantes, t. ,,,.r Íittttaf.
antes que erguesse os olllos aftrndei no túrnel escllro do corredor, a s:rllr
deserta com suas floles podles, a voz de Isadora ainda rnais remota, sr,
até o pranto que chorei se foi por ti não sei, balulho de copos na cozinhrr,
o vidro rachado, a nadeira descascacla da porta, os quatro degraus rlt,
cimento, o portão azul, alguém glitando alguma coisa, mas longe, tlio
longe corno se eu estivesse na janela de um trem em movimento, tentan,
do apanhal um farrapo de voz na plataforma da estação cacla vez mais
recuada, seln conseguil juntar os sons em palavras, como uma língrrr
estrangeira, como uma lingua molhada nervosa entlanclo rápicla pel«»
rnais secreto de mim para acordar alguma coisa que não devia acor
clal nunca, que não devia abr:ir os olhos nem sentir cheiros nem gostos
nem tatos, uma coisa que deveria permânecer para sempre surda ceglr
mucla naquele nais cle dentro de mim, como os reflexos escondidos, qur.
nenhnm ofuscamento se flzesse outra vez, porque devia flcar enjaulacllr
amorclaçada ali no fundo pantanoso de mim, feito bicho numa jaulir
fedida, entre gracles e ferrugens quieta dornada fera esquecida cla pró-
pria ferocidade, para sempre e sempre assim.
Embora eu soubesse que, Luna vez desperta, não voltaria a dormir.
Dobrei a esquina, passei na frente clo colégio, sentei na praça onclt,