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ESCOLA SECUNDÁRIA JORGE PEIXINHO

Ficha de Consolidação dos Conteúdos

Mensagem – Fernando Pessoa

Mensagem é a única obra completa publicada em vida de Fernando Pessoa. Contém 44 poemas,
escritos entre 21 de Julho de 1913 e 16 de Março de 1934. A sua publicação acontece em 1 de Dezembro
de 1934, dia das comemorações da Restauração de 1640. Concorrente ao "Prémio Antero de Quental", foi
preterida a favor de Romaria, uma colectânea de versos do padre Vasco Reis, que ilustrava a fé do povo
como convinha ao regime de então. Teve de se contentar com o prémio de segunda categoria. Hoje é
reconhecida como uma obra capital da poesia portuguesa.
Fernando Pessoa, na Mensagem, procura anunciar um novo império civilizacional. O «intenso sofri-
mento patriótico» leva-o a antever um império que se encontra para além do material.
A Mensagem é mítica e simbólica. Surge tripartida, a traduzir a evolução desde a sua origem, passan-
do pela sua fase adulta até à morte, a que se seguirá a ressurreição. A 1.ª parte – o «Brasão» – corres-
ponde ao nascimento, com referência aos mitos e figuras históricas, até D. Sebastião, identificadas nos
elementos dos brasões. Dá-nos conta do Portugal erguido pelo esforço dos heróis e destinado a grandes
feitos. Na 2.ª parte – no «Mar Português», surge a realização e vida; refere personalidades e aconteci-
mentos dos Descobrimentos que exigiram uma luta contra o desconhecido e os elementos naturais. Mas,
porque «tudo vale a pena», a missão foi cumprida Na 3.ª parte – «Encoberto», aparece a desintegração,
havendo, por isso, um presente de sofrimento e de mágoa, pois «falta cumprir-se Portugal». É preciso
acontecer a regeneração, que será anunciada por símbolos e avisos.
Também Camões, em Os Lusíadas, canta o império real, faz o relato da história de Portugal, da expan-
são marítima e do alargamento da Fé; mas pára no momento da queda do império.

ESTRUTURA TRIPARTIDA DA MENSAGEM

Os 44 poemas que constituem a Mensagem encontram-se agrupados em três partes, ou seja, as eta-
pas da evolução do Império Português – nascimento, realização e morte. No Brasão, estão os construtores
do Império; em Ma( Português surge o sonho marítimo e a obra das descobertas; no Encoberto há a ima-
gem do Império moribundo, com a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição, o espírito
do império espiritual, moral e civilizacional na diáspora lusíada.
O poema começa com a expressão latina Senedictus Dominus Deus noster que dedit nobis signum
(Bendito o Senhor Nosso Deus que nos deu o sinal), anunciando, de imediato, o sentido simbó1ico e mes-
siânico que o percorre. Cada uma das partes do poema inicia-se também com uma expressão latina: na
primeira, surge Bellum sine bello (Guerra sem guerra) a sugerir, pelo jogo dos oxímoros, que, no início,
havia um espaço que tinha de ser conquistado pois fazia parte de um desígnio; na segunda parte, ocorre
Possessio maris (Posse do mar), a traduzir o domínio dos mares e a expansão; na terceira parte, há uma
Pax in excelsis (Paz nos céus), que marcará o Quinto Império. O Poema termina com um Valete Frates
(Felicidades, irmãos), acreditando no desígnio de um reino de fraternidade, graças ao Quinto Império, e
assumindo um carácter de incentivo ("Força, irmãos") para a construção desse novo Portugal.
A primeira parte - Brasão - começa pela localização de Portugal na Europa e em relação ao Mundo,
procurando atestar a sua grandiosidade e o valor simbó1ico do seu papel na civilização ocidental quando
afirma "0 rosto com que fita é Portugal!". Depois define o mito como um nada capaz de gerar os impulsos
necessários à construção da realidade; apresenta Portugal como um povo heróico e guerreiro, construtor
do império marítimo; faz a valorização dos predestinados que construíram o país; e refere as mulheres
portuguesas, mães dos fundadores, celebradas como "antigo seio vigilante" ou "humano ventre do Impé-
rio".
A segunda parte - Mar Português - inicia-se com o poema Infante, onde o poeta exprime a sua concepção
messiânica da História, mostrando que o sopro criador do sonho resulta de uma lógica que implica Deus
como causa primeira, o Homem como agente intermediário e a obra como efeito. Nos outros poemas evo-
ca a gesta dos Descobrimentos com as glórias e as tormentas, considerando que valeu a pena. O último
poema da segunda parte é a Prece, onde renova o sonho. No Mar Português procura simbolizar a essên-
cia do ideal de ser português vocacionado para o mar e para o sonho.
A terceira parte – Encoberto - encontra-se tripartida em Os símbolos, Os avisos e Os tempos. Com
os primeiros, começa por manifestar a esperança e o "sonho português", pois o actual Império encontra-se
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moribundo. Mostra a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição. Nos três avisos define
os espaços de Portugal; com os cinco tempos traduz a ânsia e a saudade daquele Salvador/Encoberto
que, na Hora, deverá chegar, para edificar o Quinto Império, cujo espírito será espiritual, moral e civiliza-
cional na diáspora lusíada.
Mensagem recorre ao ocultismo para criar o herói, o Encoberto, que se apresenta como D. Sebas-
tião. Note-se que o ocultismo remete para um sentimento de mistério, indecifrável para a maioria dos
mortais. Daí que só o detentor do privilégio esotérico (= oculto/secreto) se encontra legitimado para reali-
zar o sonho do Quinto Império. Para Fernando Pessoa, só alguns aparecem predestinados a decifrar o
sentido das sombras do mundo sensível (influência platónica). O nosso mundo sensível e Portugal só se
cumprirão por força e vontade criadora do mundo inteligível, onde está a ideia como verdadeira realidade
perpétua e essencial.

FERNANDO PESSOA
MENSAGEM

2.
Realização
Mar Português
 O sonho
 A concretização

A ordem
De um povo heróico espiritual “Senhor, a noite veio
e guerreiro a constru- e a alma é vil!”
no Universo
tor do império
marítimo

A A
ordem ordem
espiritual espiritual
no Homem em Deus

1. 3.
Nascimento Morte
Brasão Império espiritual O Encoberto
emergente “Ó Portugal, hoje
 Os construtores  O império mate-
O QUINTO és nevoeiro...
do Império rial moribundo
IMPÉRIO É a hora!”

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Mensagem – um percurso possível...
Fernando Pessoa (em Textos de Crítica e Intervenção, Lisboa, 1980 e em A Nova Poesia Portu-
guesa), considera que: "E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no
espaço, em naus que são construídas daquilo de que os sonhos são feitos. E o seu verdadeiro e supremo
destino, de que a obra dos navegadores foi o obscuro e carnal antearremedo, realizar-se-á divinamente."
Numa análise aos poemas de qualquer uma das diferentes fases, nota-se o "intenso sofrimento
patriótico" e a sua vontade de um Portugal novo. Crente no mito sebastianista "com raízes profundas no
passado e na alma portuguesa", como o próprio afirma, procura em cada poema tornar viva uma resso-
nância do Império que foi e que acredita renovar-se, pelo menos, civilizacionalmente.
Para facilitar a análise dos poemas como um todo, sugerimos alguns tópicos de leitura, que consti-
tuem um percurso possível e favorecem a compreensão desse universo ritualizado e simbólico:
MENSAGEM
1
BENEDICTUS DOMINUS DEUS NOSTER QUI DEDIT NOBIS SIGNUM
PRIMEIRA PARTE A origem e a fundação da nacionalidade.
BRASÃO Brasão - termo heráldico, símbolo da formação do reino e do passado
2 hereditário dos governantes régios. Marca dos serviços relevantes.
BELLUM SINE BELLO
Os Campos - símbolo do espaço da vida e da consolidação do reino.
I - OS CAMPOS Os Castelos - símbolo de protecção.
O Ocidente - "futuro do passado", pois nele se espera a concretização
PRIMEIRO - O DOS CASTELOS dos sonhos da Humanidade.

A Europa jaz, posta nos cotovelos: Portugal - rosto da Europa:


[...]  dimensão continental e europeia.
A missão de Portugal:
Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.  fitar o futuro e o mistério;
O rosto com que fita é Portugal.  ligar espiritualmente o Ocidente ao Oriente.
O rosto com que fita é Portugal - sete palavras - número místico - que
encerram o destino da Europa e da Civilização: a grandiosidade de
Portugal e dos Lusos.
As quinas - as cinco chagas de Cristo (dimensão espiritual).
SEGUNDO - O DAS QUINAS
Para alcançar a glória é preciso sofrer... e é mais fácil alcançá-la se
Os Deuses vendem quando dão. nos desprendermos dos bens materiais.
Compra-se a glória com desgraça. [...]

Os castelos - símbolo de protecção (baluartes de defesa e residência


dos reis). Significa, também, as conquistas dos heróis.
II - OS CASTELOS Os heróis dos castelos, representados na Mensagem, surgem asso-
ciados a desígnios ocultos que necessitam de ser desvendados.
PRIMEIRO –ULISSES
Ulisses - o fundador mítico de Lisboa.
O mito é o nada que é tudo. Herói doutro tempo e doutro espaço.
O mesmo sol que abre os céus.
É um mito brilhante e mudo - A força do mito e a importância que pode assumir para que Portugal
[...] cumpra a sua missão...
"0 mito é o nada que é tudo." - o mito, enquanto estiver oculto nada
vale; quando revelado e explicado, desvenda a Verdade.
Portugal - um povo heróico e guerreiro, construtor do império maríti-
mo.

SEGUNDO - VIRIATO
Viriato – o fundador da Lusitânia, a “luz que precede a madrugada”
lusa; símbolo do heroísmo, da valentia e da luta pela independência ...
[...]
Assim se Portugal formou.
É necessário criar as condições para que Portugal possa ressurgir.
[...]

1
«Bendito seja Deus Nosso Senhor que nos deu um sinal».
2
BELLUM SINE BELLO: expressão latina que significa «Guerra sem Guerra».
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TERCEIRO - O CONDE D. HENRIQUE
O conde D. Henrique – o “fundador do Condado Portucalense, o pala-
dino involuntário.
Todo começo é involuntário.
Deus é o agente,
A iniciativa tem que partir de Deus (cf. “Deus quer, o homem sonha, a
O herói a si assiste, vário
obra nasce”).
E inconsciente.
O herói executa essa vontade, mesmo quando não sabe o que fazer
com “a espada”.
À espada em tuas mãos achada
Teu olhar desce.
A espada: a arma (que combate o mal / que constrói a paz);
«Que farei eu com esta espada?»
A espada – a espada (que magoa / que dá esperança).
Ergueste-a, e fez-se.

QUARTO - D. T AREJA D. Tareja (a esposa do Conde D. Henrique) - o início da dinastia de


[...] Borgonha ou 1.ª Dinastia Portuguesa.
Ó mãe de reis e avó de impérios, O apelo - que a mãe de Portugal continue a ser protectora.
Vela por nós! Portugal envelheceu - é preciso dar lugar a um Portugal novo.
[...]
O homem que foi o teu menino A clarificação do apelo - que a mãe crie um novo Portugal.
Envelheceu. Simbologia - a construção do Futuro (a revolução cultural) tem que ter
[...] em conta o Presente e deve aproveitar as lições do Passado, funda-
No antigo seio, vigilante, mentando-se nas nossas ancestrais tradições.
De novo o cria,

QUINTO - D. AFONSO HENRIQUES D. Afonso Henriques - o fundador do Reino.


O pai.
Pai, foste cavaleiro. A luta do passado e a construção da Nação.
Hoje o vigl1ia é nossa. A vigília do presente (é nossa).
Dá-nos o exemplo inteiro O exemplo de força e de coragem para construir uma
E o tua inteira força! nova Nação (o Quinto Império).

[...]

SEXTO – D. DINIS
D. Dinis – a importância das letras e da cultura.
[...] O poeta que sonhou mas que concretizou o sonho, que lançou as
sementes dos Descobrimentos.
E a fala dos pinhais, marulho obscuro, Os pinhais – a preparação para a viagem.
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar

SÉTIMO (I) – D. JOÃO, O PRIMEIRO


D. João I – o pai da ínclita geração, o início da dinastia de Avis.
O homem e a hora são um só
Quando Deus faz e a história é feita. O instrumento da vontade de Deus.
[...]

SÉTIMO (II) – D. FILIPA DE LENCASTRE

Que enigma havia em teu seio


Que só génios concebia?
D. Filipa de Lencastre – a mãe da ínclita geração
[...]
Humano ventre de Império,
Madrinha de Portugal

III – AS QUINAS D. Duarte, D. Fernando, D. Pedro, D. João e D. Sebastião


- lutadores e mártires.
Cinco personagens – cinco quinas – as cinco chagas de Cristo
(dimensão espiritual).
As Quinas – traduzem a consciência do destino das cinco persona-
gens e de Portugal

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PRIMEIRA – D. DUARTE, REI DE PORTUGAL
O homem e o dever.
A sujeição à vontade de Deus.
Meu dever fez-me, como Deus do mundo.
As dificuldades, o sofrimento, a luta contra as adversidades - mas
[...]
valeu a pena
Cumpri contra o Destino o meu dever.
Inutilmente? Não, porque o cumpri.
D. Fernando – cativo dos mouros, humilhado e martirizado, aconse-
SEGUNDA – D. FERNANDO, INFANTE DE lhou sempre o seu irmão D. Duarte a não entregar Ceuta; a sua cora-
PORTUGAL gem e a sua fé religiosa justificam que seja o símbolo da “Santa Guer-
ra”.
[...]
E esta febre de Além, que me consome, A capacidade de suportar todos os tormentos em nome da Fé.
E este querer grandeza são seu nome
Dentro em mim a vibrar.
[...] Predestinação do Infante D. Fernando: “Sagrou-me seu em honra e
em desgraça”.

TERCEIRA – D. PEDRO, REGENTE DE


PORTUGAL O pensamento, o sentimento e a vontade.

Claro em pensar, e claro no sentir. O homem que honra os seus compromissos, fiel às suas ideias – só
É claro no querer, assim construiremos o império espiritual (o Quinto Império).
[...]
Fiel à palavra dada e à ideia tida.
Tudo mais é com Deus!

QUARTA – D. JOÃO, INFANTE DE PORTU- O mar / a orla desfeita; o todo / o nada.


GAL
Um povo é construído por homens que se destacam e por homens
[...] que se anulam para que outros possam brilhar – e todos têm o seu
O inteiro mar, ou a orla vã desfeita – lugar nesse mundo.
O todo, ou o seu nada.
A loucura como busca da grandeza.
QUINTA – D. SEBASTIÃO, REI DE PORTU- Desejar o impossível é loucura... mas, por vezes, só assim se conse-
GAL gue realizar e construir algo de importante...
Valorização do herói que sonha e recusa favores (impossíveis) da
Louco, sim, louco, porque quis grandeza sorte.
Qual a Sorte a não dá. O mito: a ideia de herói “que há” (no presente) – diferente da imagem
[...] do rei que “houve” (no passado).

IV – A COROA
A Coroa – símbolo da realeza.
NUN’ÁLVARES PEREIRA

[...]
A espada- combatendo o mal e iluminando o homem em busca da
Ergue a luz da tua espada
verdade.
Para a estrada se ver!

V – O TIMBRE O timbre – marca pessoal, sinal; símbolo de poder legítimo.

A CABEÇA DO GRIFO – O INFANTE D.


O grifo – ave mitológica com bico e asas de águias e corpo de leão –
HENRIQUE
simboliza a união do humano e do divino.
A cabeça – o sonho, a idealização, a sabedoria.
Em seu trono entre o brilho das esferas,
Com o seu manto de noite e solidão,
Tem aos pés o mar novo e as mortas eras –
O senhor do mar e do mundo inteiro.
O único imperador que tem, deveras,
A solidão que propicia a idealização e a realização de grandes feitos.
O globo mundo em sua mão.

UMA ASA DE GRIFO – D. JOÃO, O SEGUN-


A asa – a preparação para a execução do sonho idealizado.
DO

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Braços cruzados, fita além do mar. O impulso dado aos Descobrimentos durante o reinado de D. João II.
Parece em promontório uma alta serra – Novamente a referência à solidão que propicia a idealização e a reali-
O limite da terra a dominar zação de grandes feitos.
O mar que possa haver além da terra. Fitar (assume o sentido de desafio) de braços cruzados (de forma
serena mas determinada) o horizonte, o “limite da terra” e o “mar que
Seu formidável vulto solitário possa haver”...
Enche de estar presente o mar e o céu.
E parece temer o mundo vário Rasgar o véu – dar a conhecer o que ainda estava oculto, desvendar
Que ele abra os braços e lhe rasgue o véu. o mistério.

A OUTRA ASA DO GRIFO – AFONSO DE A outra asa – a execução, a acção, a concretização.


ALBUQUERQUE
A atitude heróica é importante para a aproximação a Deus, mas o
De pé, sobre os países conquistados herói não pode esquecer que o poder baseado na justiça, na lealda-
Desce os olhos cansados de, na coragem e no respeito é mais valioso do que o poder exercido
De ver o mundo e a injustiça e a sorte. violentamente pelo conquistador.
[...]
Três impérios do chão lhe a Sorte apanha. A opção clara pelo poder espiritual, pelo poder moral, pelos valores...
Criou-os como quem desdenha.

SEGUNDA PARTE O domínio do mar permitiu estabelecer ligações entre os povos (“que
MAR PORTUGUÊS o mar unisse / Já não separasse”).
O Mar – símbolo da vida e da morte; refúgio (“Magna Mater” – a gran-
POSSESSIO MARIS3 de mãe protectora); reflexo do céu.

I – O INFANTE
Para que a obra nasça, é preciso que Deus queira e que o homem
Deus quer, o homem sonho, a obra nasce.
sonhe...
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma.
A missão: unir.
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.


Escolhido por Deus para cumprir a missão.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
A conquista do mar não foi suficiente (o império material desfez-se, ou
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
seja, a missão ainda não foi cumprida); falta concretizar-se este novo
Senhor, falta cumprir-se Portugal!
sonho – um império espiritual...

Horizonte – espaço ilimitado e longínquo do projecto ou do sonho que


busca alcançar.

Evocação de um época dos Descobrimentos:


- invocação ao mar, espaço por descobrir; o caminho da viagem;
II – HORIZONTE
- a visão e a descoberta de um mundo novo a dominar;
- definição do sonho como impulso para conhecer.
Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
O longe – metáfora do Desconhecido.
[...]
A necessidade de vencer o medo...
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –
Ir mais além, buscar além do horizonte: a nau (segurança que permite
Os beijos merecidos da Verdade.
realizar a travessia dos mares – e da existência – chegando ao Hori-
zonte longínquo mas grandioso e belo): a árvore (renovação, vida em
evolução), a praia (liberdade; os novos horizontes mais amplos), a flor
(amor, harmonia), a ave (mundo divino), a fonte (a origem da vida)...
Buscar a Verdade nesses valores espirituais.

3
«Posse dos mares».
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III – PADRÃO
O padrão assinala a conquista do território, marca a presença da cris-
[...] tandade...
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita: O homem já chegou até aos limites das suas possibilidades. Agora, só
O por-fazer é só com Deus. com Deus (ou com a Sua ajuda) poderemos ir mais longe...
[...]

Que o mar com fim será grego ou romano:


O mar sem fim é português. Conseguiremos superar a Antiguidade Clássica (cf. Os Lusíadas –
[...] “Cesse tudo o que a Musa antiga canta”).
IV – O MOSTRENGO
O Mostrengo – símbolo das histórias fantásticas que se contavam e
O mostrengo que está no fim do mar que amedrontavam mesmo os mais corajosos...
No noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes, As dificuldades, os medos, a coragem...
[...]
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu; O “homem do leme” que representa todo um povo que quer dominar
[...] os mares...

V – EPITÁFIO DE BARTOLOMEU DIAS Bartolomeu Dias dobrou o Cabo da Boa Esperança e abriu o caminho
em direcção a Oriente.
Jaz aqui, na pequena praia extrema,
O Capitão do Fim Dobrado o Assombro,
O mar é o mesmo; já ninguém o tema! O mar “é o mesmo”, mas o “mostrengo” já não assusta...
Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro. Atlas – castigado, carrega o mundo nos seus ombros; os portugueses
também têm que carregar o peso do conhecimento...
VI – OS COLOMBOS

Outros haverão de ter


O que houvermos de perder. A América.
[...]
Mas o que a eles não toca
É a Magia que evoca As colónias (o Brasil, já independente; as outras colónias que iremos
O Longe e faz dele história. perder...).
[...]
VII – OCIDENTE

Com duas mãos – o Acto e o Destino –


A acção humana / o divino – as duas mãos que permitiram “desven-
Desvendámos. [...]
dar”, descobrir, desocultar, retirando o véu...
[...]
Foi Deus a alma e o corpo Portugal
Da mão que o conduziu.
VIII – FERNÃO DE MAGALHÃES

De quem é a dança que a noite aterra?


Os Titãs dança, festejando a morte de Fernão de Magalhães (viagem
São os Titãs, os filhos da Terra,
de cricum-navegação). Mantendo a alma ousada, não deixaremos
[...]
morrer a vontade e a ambição...
Dançam, nem sabem que a alma ousada
Do morto ainda comanda a armada,
[...]

IX – ASCENSÃO DE VASCO DA GAMA O momento mais alto da nossa História simbolizado em Vasco da
Gama.
Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra
Suspenderam de repente o ódio da sua guerra
E pasmam. [...]
Quando Vasco da Gama morre:
 Os deuses “pasmam”;
Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a
flauta  O pastor “gela” e vê o céu abrir-se para receber o herói.
Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões,
O céu abrir o abismo à alma do Argonauta. O céu – símbolo dos poderes superiores, símbolo da consciência,
símbolo da perfeição...

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X – MAR PORTUGUÊS Os perigos, a dor, o sofrimento, as vidas perdidas, os sacrifícios.

Ó mar salgado, quanto do teu sal O valor da Pátria tudo justifica, mesmo o sacrifício individual...
São lágrimas de Portugal!
[...]

Valeu a pena? Tudo vale a pena Atingir um objectivo, implica o sofrimento.


Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador Para atingir o céu, é necessário vencer primeiro os abismos...
Tem que passar além da dor. Os perigos e o abismo estão no mar, mas nele está espelhado o céu
Deus ao mar o perigo e o abismo deu. (é necessário conquistar os mares se queremos atingir a plenitude); o
Mas nele é que espelhou o céu. mar é o reflexo da vontade divina...
XI – A ÚLTIMA NAU
A última nau para essas viagens.
[...]
A nau não voltou mais e o sonho ficou por cumprir...
Não sei a hora, mas sei que há a hora,
Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora
Mas se o homem quiser e se Deus permitir, D. Sebastião há-de voltar
Mistério
(ou seja, o sonho há-de cumprir-se):
Surges ao sol em mim, e a névoa finda:
Chega a luz e finda o nevoeiro (ver 3.ª parte – O Encoberto).
A mesma, e trazes o pendão ainda
Do Império.
XII – PRECE

Senhor, a noite veio e a alma é vil. O passado – o sonho, as dificuldades, a tormenta.


Tanta foi a tormenta e a vontade! O que resta – o silêncio, o mar conquistado e a saudade.
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.
O presente – a esperança, a chama que ainda pode ser avivada...
Mas a chama, que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
[...]
A Distância – o caminho para o conhecimento:
E outra vez conquistemos a Distância –  do “mar” – a 1.ª vez – o império material;
Do mar ou outra, mas que seja nossa!  “outra” – a nova viagem – o império espiritual.

TERCEIRA PARTE
O ENCOBERTO
PAX IN EXCELSIS4

I – SÍMBOLOS

PRIMEIRO – D. SEBASTIÃO

[...]
Manifestação de crença no regresso de D. Sebastião.
É O que eu me sonhei que eterno dura,
A preparação para a missão a cumprir...
É Esse que regressarei.

SEGUNDO – O QUINTO IMPÉRIO Sem sonho, a vida é triste...

Triste de quem vive em casa, Depois desses quatro impérios, virá o Quinto Império (a alcançar atra-
Contente com o seu lar, vés dos valores espirituais).
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa Fernando Pessoa considera que na figuração tradicional há cinco
Da lareira a abandonar! impérios materiais: o da Babilónia, o Medo-Persa, o da Grécia e o de
[...] Roma, “ficando o Quinto, como sempre duvidoso”, talvez o de Inglater-
ra. No esquema português, os impérios são espirituais: o primeiro é o
E assim, passados os quatro da Grécia, símbolo da civilização ocidental e origem do que espiri-
Tempos do ser que sonhou, tualmente somos; o Segundo é o de Roma, ligado à formação da lín-
A terra será teatro gua; o Terceiro é o da Cristandade, que se assume como referência
Do dia claro, que no atro religiosa e moral do Ocidente; o Quarto é o da Europa laica depois da
Da erma noite começou. Renascença; o Quinto Império terá de ser o de Portugal, da raça e da
[...] nova civilização universal.

4
«Paz no céu».
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TERCEIRO – O DESEJADO

[...]
Mestre da Paz, ergue teu gládio ungido,
Excalibur do Fim, em jeito tal
Que sua Luz ao mundo dividido
Símbolo da Verdade.
Revele o Santo Gral!

QUARTO – AS ILHAS AFORTUNADAS

Que voz vem no som das ondas


Que não é a voz do mar?
As ilhas – a solidão e o mistério (o segredo à espera da revelação).
[...]
São ilhas afortunadas,
São terras sem ter lugar,
Onde o Rei mora esperando.
[...]

QUINTO – O ENCOBERTO

Que símbolo fecundo Alusão à Ordem das Rosa-Cruz.


Vem na aurora ansiosa? A aurora – o despertar, a luz.
Na Cruz Morta do Mundo
A vida, que é a Rosa
[...]
Que símbolo final
Mostra o sol já desperto? O sol – origem da vida e do calor, símbolo da vida.
Na Cruz morta e fatal A rosa – símbolo rosacruciano.
A Rosa do Encoberto.

II – OS AVISOS

Sapateiro (séc. XVI), autor de trovas proféticas acerca do destino de


Portugal.
PRIMEIRO – O BANDARRA As trovas do Bandarra anunciavam o regresso de D. Sebastião.

A crença nas forças ocultas e no Quinto Império parece que o perse-


[...] guiu, como se vê pela entrevista a Alves Martins (1887-1929), onde
Não foi nem santo nem herói, afirma que “há só um período de criação na nossa história literária:
Mas Deus sagrou com Seu sinal não chegou ainda” e mais adiante, em resposta à questão sobre o que
Este, cujo coração foi calcula que seja o futuro da raça portuguesa, responde: “O Quinto
Não português mas Portugal Império. O futuro de Portugal – que não calculo, mas sei – está escrito
já, para quem saiba lê-lo, nas trovas do Bandarra, e também nas qua-
dras de Nostradamus. Esse futuro é sermos tudo. (...)”.

SEGUNDO – ANTÓNIO VIERA


Outro profeta do Quinto Império: António Vieira.
Vieira despertou-lhe o sentimento patriótico.
O céu strela a azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e a glória tem,
O escritor, o mestre, “Imperador da língua portuguesa”.
Imperador da língua portuguesa,
O pensador.
Foi-nos um céu também.
O profeta do Quinto Império.
[...]

Mas não, é luar, é luz do etéreo.


É um dia; e no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Império
A madrugada (irreal, porque construída a partir do sonho) já doira as
Doira as margens do Tejo.
margens do Tejo

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TERCEIRO
A tristeza perante a situação do mundo.
Srevo meu livro à beira-mágoa.
Meu coração não tem que ter.
A crença na existência de D. Sebastião atenua o sofrimento do poeta.
Tenho meus olhos quentes de água.
Só tu, Senhor, me dás viver.
Do desespero à esperança.
[...]
Ah, quando quererás, voltando,
O sonho poderá concretizar-se no futuro...
Fazer minha esperança amor?
Quando chegará alguém que concretize o sonho?
De névoa e da saudade quando?
Daí a interpelação a D. Sebastião (a esperança), para saber quandol...
Quando, meu Sonho e meu Senhor?

III – OS TEMPOS

PRIMEIRO – NOITE

A nau de um deles tinha-se perdido


No mar indefinido.
O segundo pediu licença ao Rei
De, na fé e na lei
Da descoberta, ir em procura
Do irmão no mar sem fim e a névoa escura.

Tempo foi. Nem primeiro nem segundo


Perdeu-se o Poder , perdeu-se o Renome (a fama), mas não se per-
Volveu do fim profundo
deu o Nome (a ausência do ser, aquilo que nos distingue dos outros, a
[...]
nossa individualidade...).
Senhor, os dois irmãos do nosso Nome
O Poder e o Renome –
O que ficou (o Nome) poderá partir e reencontrar os outros dois (o
Ambos se foram pelo mar da idade
Poder e o Renome), mas só com autorização de Deus...
À tua eternidade;
[...]
Queremos ir buscá-los, desta vil
Nossa prisão servil:
[...]
Mas Deus não dá licença que partamos.

SEGUNDO – TORMENTA

[...]
A situação de Portugal – a tempestade que se aproxima.
Mas súbito, onde o vento ruge,
O relâmpago, farol de Deus, um hausto
Brilha, e o mar scuro struge.

TERCEIRO – CALMA

[...]
Ilha próxima e remota,
Que nos ouvidos persiste,
Apesar da tempestade actual, a calma há-de voltar e a viagem há-de
Para a vista não existe.
prosseguir (não em busca de novas terras, mas em direcção ao auto-
[...]
conhecimento e à sua realização como ser humano).

QUARTA – ANTEMANHÃ
Antemanhã – anúncio da manhã; princípio de qualquer coisa nova.
[...]
Chamar aquele que está dormindo
E foi outrora Senhor do Mar. O que ainda é necessário fazer antes de despertar.
A oposição simbólica trevas/dia.

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Nevoeiro – símbolo da incerteza, da indefinição e da obscuridade; e
promessa de um novo dia.
QUINTO – NEVOEIRO Afirma Pessoa que “Por nevoeiro entende-se que o Desejado virá
encoberto; que chegando, ou chegado, se não perceberá que che-
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, gou”.
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra A perturbação, a confusão, a tristeza, a melancolia...
Que é Portugal a entristecer –
[...] A situação actual – crise política, crise de valores, crise de identidade.

Ninguém sabe que coisa quer. Depois do nevoeiro, vem a luz que permitirá encontrar o caminho cer-
Ninguém conhece que alma tem, to...
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é interio.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
O futuro – “É a hora!” de traçar novos rumos, de tomar a iniciativa e de
É a hora! cumprir a missão que nos foi confiada...

Valete Frates – evocação dos irmãos rosacruz (associação secreta,


10/12/1928 surgida na Alemanha em 1604, cujo objectivo era a renovação da
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Valete, Frates. Igreja romana e da sociedade. A rosa vermelha, no centro da cruz
simbolizava o amor e a comunhão com Cristo; a cruz simbolizava a
vontade divina que o homem devia cumprir). Saudação e apelo à luz
para o Portugal Novo.

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“Felicidades, Irmãos!”; “Coragem, Irmãos!”
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