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2Entretanto, Richard Kieckhefer (2019) aponta que o mais válido seria entender a magia
como um “termo constitutivo”, algo passível de ser definido por suas “formas específicas
de referência”, ou seja, aquilo que a constitui para além de suas capacidades
cumulativas. Para o historiador estadunidense, três seriam os elementos constitutivos da
magia: a conjuração, a manipulação simbólica e uma volição diretamente eficaz. O
primeiro, referente ao ato de invocar e comandar os espíritos, ao assumir e reconhecer
suas presenças, conferindo não apenas a mera manipulação e sim o exercício de uma
autoridade sobre estes. Quanto ao segundo, Kieckhefer retoma as concepções de
Frazer acerca dos elementos pertencentes à natureza e que de alguma maneira
podem ser explicados e conectados simbolicamente aos astros, a partir dos quais
canalizam e manifestam seus poderes (ervas, gemas, artefatos, etc). Por último, a
volição diz respeito ao entendimento que um indivíduo – emissor ou destinatário – tem
do efeito da prática mágica realizada, como por exemplo uma “maldição” ou uma
“praga” rogada.
3 “Magi sunt, qui vulgo malefici ob facinorum magnitudinem nuncunpantur. Hi et
elementa concutiunt, turbant mentes hominum, ac sine ullo veneni haustu violentia
tantum carminis interimunt.” (SAN ISIDORO DE SEVILLA, 2004, p. 704-705).
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4“Illud etiam non omittendum, quod quaedam sceleratae mulieres retro post satanam
conversae, daemonum illusionibus et phantasmatibus seductae, credunt se et
profitentur nocturnia horis cum Diana paganorum Dea et innumera multitudine mulierum
equitare super quasdam bestias [...]. Nam innumera multitudo hae falsa opinione
decepta haec vera esse credit, et credendo a recta fide deviat, et in errorem
paganorum revolvitur, cum aliquid divinitatis aut numinis extra unum Deum esse
arbitratur. Quapropter sacerdotes per ecclesias sibi commissas populo omni instantia
praedicare debent, ut noverint haec omnimodis falsa esse, et non a divino, sed a
maligno spiritu talia phantasmata mentibus infidelum irrogari [...].”
5 O texto original em latim é “Christianus qui crediderit esse lamiam in saeculo, quae
interpraetatur striga”, em que o termo lamiam faz menção aos espíritos gregos femininos
alados que vagavam durante a noite para sugar o sangue de homens, mulheres e,
preferencialmente, crianças. Já a palavra striga faz alude às criaturas femininas que se
alimentavam do sangue de bebês, que posteriormente, tiveram suas características
“vampíricas” e exóticas associadas às bruxas e feiticeiras na Idade Média. A striga é
uma criatura muito comum no folclore do leste europeu, sobretudo o dos povos eslavos.
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6 “14. Christianus qui occiderit aut fornicationem fecerit aut more gentilium ad aruspicem
iuraureti, per singula cremina annum penitentiae agat; impleto cum testibus ueniat anno
penitentiae et postea resoluetur a sacerdote. […] 16. Christianus qui crediderit esse
lamiam in saeculo, qua interpraetatur striga, anathemazandus quicumque super
animam famam istam inposuerit, nec ante in ecclesiam recipiendus quam ut idem
creminis quod fecit sua iterum uoce reoucat et si poenitentiam cum omni diligentia
agat.” (BIELER, 1963, p. 55).
7 “18. Si qui clericus uel si qua mulier malifica uel malificus si aliquem maleficio suo
deciperat, inmane peccatum est sed per penitentiam redimi potest ; sex annis peniteat,
tribus cum pane et aqua per mensura et in residuis .iii. annis abstineat a uino et a
carnibus.” (BIELER, 1963, p. 77)
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8 “29. If a woman works witchcraft and enchantment and [uses] magical philters, she
shall fast for twelve months or the three stated fasts or forty days, the extent of her
wickedness being considered. If she kills anyone by her philters, she shall fast for seven
years […].”
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9 Colossenses 3,17.
10 “Si observatis traditiones paganorum, quas, quasi haereditario jure diabolo
subministrante, usque in hos die semper patre filiis reliquerunt, id est unt elementa coleres,
id est lunam aut solem aut stellarum cursum, novam lunam, aut defectum lunae, ut tuis
clamoribus aut auxilio splendorem ejus restaurare valeres, aut illa elementa tibi
succurrere aut tu illis posses, aut novam lunam observasti pro domo facienda aut
conjugiis sociandis? Si fecisti, duos annos per legitima feria poeniteas, qui scriptum est
‘Omne qodcunque facitis in verbo et in opere, omnia in nomine Domni nostri – Jesu Christi
facite.’” (JÚNIOR; BIRRO, 2016, p. 301). Os trechos do Decretum aqui utilizados referem-
se à tradução dos 4 primeiros capítulos do livro de penitências e da introdução
realizadas pelos professores Álvaro Alfredo Bragança Júnior e Renan Marques Birro. Ver
JÚNIOR; BIRRO (2016).
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Lei 25
§ 28. Ademais, o potentado ou o governante deve coagir todos
os hereges aprisionados, sem chegar à amputação dos
membros e ao risco de morte, a se considerarem
verdadeiramente como ladrões, assassinos das almas e
assaltantes dos sacramentos de Deus e da fé cristã, a
reconhecerem expressamente seus erros e a acusar outros
hereges que conhecerem, e identificarem os bens deles, os
partidários, os acolhedores e os defensores dos mesmos, tal
como os ladrões e os assaltantes dos bens temporais são
obrigados a acusar seus cúmplices e a reconhecer os crimes que
cometeram. (RUST, 2014, p. 223)11
Considerações finais
Na tentativa de melhor apresentar e explicitar os diversos matizes
e nuances acerca das implicações culturais e sociais das práticas
mágicas, e em especial, da feitiçaria, na sociedade medieval, recortes
deliberados sobre temporalidades e espaços sociais foram realizados.
Longe de esgotar um tema e uma literatura tão vasta, o aqui se objetivou
foi uma compreensão minimamente prática e crítica sobre esse
fenômeno histórico, concentrando-se nos períodos que abarcam a Alta
Idade Média, como no caso dos penitenciais insulares dos séculos VI-X, e
no desenvolvimento teórico de uma feitiçaria instrumental à uma
feitiçaria herética na Idade Média Central, visualizada nos demais
documentos canônicos aqui citados.
FONTES IMPRESSAS
BIELER, Ludwig (ed.). The Irish penitentials. Dublin: Dublin Institute for
Advanced Studies, 1963.
JÚNIOR, Álvaro Alfredo Bragança; BIRRO, Renan Marques. O Corrector
Sive Medicus (ou Corrector Burchardi, ou ainda De Poenitentia, c.1000-
1025) de Burcardo De Worms (c. 965-1025): apresentação e tradução dos
capítulos 1-4, além das “instruções” de penitência 001 a 095. In: Signum,
v. 17, n. 1, p. 266-309, 2016. Disponível em: <https://bit.ly/3PHOHL8>.
Acesso: 23 mai., 2022.
MCNEILL, John T.; GAMER, Helena M. (ed.). Medieval handbooks of
penance – a translation of the principal libri poenitentiales and selections
from related documents. New York: Columbia University Press, 1938.
Disponível em: <https://bit.ly/3wNdS5Z>. Acesso: 23 mai., 2022.
WASSERSCHLEBEN, F. G. A. (ed.). Reginonis abbatis Prumiensis - De
synodalibus causis et disciplinis ecclesiasticis. Leipzig: G. Engelmann, 1840,
354-356. Disponível em: <https://bit.ly/3z5mQ1c>. Acesso: 25 mai., 2022.
RUST, Leandro Duarte. Bulas Inquisitoriais: Ad Extirpanda (1252). In:
Diálogos Mediterrânicos, n. 7, p. 200-288, dez. de 2014. Disponível em:
<https://bit.ly/3Nvl4e2>. Acesso: 23 mai., 2022.
SAN ISIDORO DE SEVILLA. Etimologías. [Trad.: Jose Oroz Reta y Manuel-A.
Marcos Casquero]. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2004.
REFERÊNCIAS
BARSTOW, Anne. Witchcraze: a new history of the European witch hunts.
San Francisco: Harper Collins Publisher, 1994.
BORSJE, Jacqueline. Love magic in medieval Irish penitentials, law and
literature: a dynamic perspective. In: Studia Neophilologica, v. 84, p. 6-23,
2012. Disponível em: <https://bit.ly/3MJC0xp> . Acesso: 23 mai., 2022.
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