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Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar

alguém da Humanidade.
Fernando Pessoa,
Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação

E a nossa grande Raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no
espaço, em naus que são construídas «daquilo que os sonhos são feitos». E o
seu verdadeiro e supremo destino, de que a obra dos navegadores foi o
obscuro e carnal anterremedo, realizar-se-á divinamente.

Fernando Pessoa, in «A Águia»

Significado do título

Portugal teria um desígnio divino a cumprir: orientar espiritual e culturalmente


as outras nações do mundo, concretizando, assim, o Quinto Império. Depois das
glórias do passado, Portugal teria uma missão mais ousada, mais nobre, mais
sublime: conduzir os povos nas dimensões espiritual (busca de novos valores –
Amor, Fé, Patriotismo) e cultural (difusão das múltiplas manifestações da arte –
Literatura, Poesia e outras).
OBS.: Os quatro impérios já vividos foram, segundo Pessoa, “Grécia, Roma,
Cristandade e Europa”.

Intenção do poeta

Transformar a sua pátria (que se encontrava num estado de profunda letargia,


Capa da primeira edição da incapaz de agir coletivamente, olhando apenas para o passado) em «nação
Mensagem, impressa em criadora de civilização» através do poder do sonho.
outubro de 1934 e lançada a
público no dia 1 de dezembro Modo de cumprir esta missão
do mesmo ano.
Evocação, através do poder da sua escrita, com os olhos sempre postos no
futuro, dos heróis passados de Portugal (exemplos da vontade de mudança e da
capacidade de ação), de modo a influenciar os portugueses, transformando-os
em agentes da construção do Portugal futuro.

♦ Epígrafes da obra

“Benedictus “Bendito Deus Nosso O sujeito poético assume-se como um mediador


Dominus Deus Senhor que nos deu entre Deus e os Portugueses, tendo a missão de
noster qui dedit o sinal.” transmitir ao País a “Mensagem” de Deus, isto é, o
nobis signum.” facto de termos sido predestinados a liderar o Quinto
Império.

Apelo a uma “guerra” sem armas convencionais – o


“Bellum sine “Guerra sem sonho, a resistência ao imobilismo, a inquietude
bello.” guerra.” humana, a ânsia de Absoluto, a vontade, a aceitação
do destino providencial que nos cabe como Povo e o
espírito de missão que lhe está associado.

As Descobertas marítimas, além da grandiosidade


“Possessio “Posse dos mares.” histórica (império terreno) que concederam a
maris.” Portugal, são um sinal premonitório do futuro
“Império espiritual”.

“Pax in Alusão ao caráter espiritual do Quinto Império: os


excelsis.” “Paz no Céu.” novos tempos serão de felicidade, de paz e de
fraternidade universal.

A obra termina com a expressão “Valete, Frates” (“Adeus, irmãos”) que revela a crença no desígnio de um reino
de fraternidade, graças ao Quinto Império, assumindo um caráter de incentivo (“Força, irmãos”) para a construção
desse novo Portugal.

♦ Estrutura externa e simbólica da Mensagem (ver também Manual – página 115)

Mensagem, apesar de conter poesias breves, garante uma unidade histórica e lógica, sequencial e coerente. A
sua estrutura tripartida permite contar e refletir sobre a vida e o percurso de Portugal ao longo dos anos.
Assim, os poemas encontram-se agrupados em três partes que correspondem às etapas da evolução do Império
Português – nascimento, realização e morte. Mas esta morte não é definitiva, pois pressupõe um renascimento,
que será o novo império, futuro e espiritual – o Quinto Império.

Primeira parte

“Brasão”
A primeira parte é constituída por dezanove poemas, organizados em cinco
subdivisões, que relacionam temas e personalidades relevantes na formação
mítica e histórica de Portugal - reis, príncipes, heróis fundadores de Portugal.
Esta parte corresponde ao nascimento do Império Português, fazendo
referência aos mitos e figuras históricas até D. Sebastião, identificadas nos
elementos do brasão. Dá conta do Portugal erguido pelo esforço dos heróis e
destinado a grandes feitos. Começa pela localização de Portugal na Europa e em
relação ao Mundo, procurando atestar a sua grandiosidade e o valor simbólico do
seu papel na civilização ocidental, quando afirma “O rosto com que fita é
Portugal”. Depois, faz-se alusão ao sofrimento necessário para se alcançar a glória.
A seguir, define o mito como um nada capaz de gerar os impulsos necessários à
construção da realidade; apresenta o Portugal de um povo heroico e guerreiro,
construtor do império marítimo; valoriza os predestinados que construíram o
país; e refere as mulheres portuguesas, mães dos fundadores, celebradas como
“antigo seio vigilante” e “humano ventre do Império”.

Segunda parte
A segunda parte é constituída por doze poemas que recriam a saga dos
“Mar Português” Descobrimentos, incluindo mito e realidade factual. Contém os heróis
que, inspirados e motivados pelos príncipes e reis, foram os protagonistas
da expansão ultramarina portuguesa.
Nesta parte, surge a realização e a vida. Inicia-se com o poema “O
Infante”, no qual o poeta exprime a sua conceção messiânica da História,
mostrando que o sopro criador do sonho resulta de uma lógica que
implica Deus como causa primeira, o homem como agente intermediário
e a obra como efeito. Nos outros poemas, evoca a gesta dos
Descobrimentos, as personalidades e os acontecimentos que exigiram
uma luta contra o desconhecido e os elementos naturais, as glórias e as
tormentas, considerando que valeu a pena. O último poema é “Prece”, no
qual renova o sonho. Em “Mar Português”, Pessoa procura simbolizar a
essência do ideal de ser português vocacionado para o mar e para o
sonho.

Terceira parte
A terceira parte é constituída por treze poemas que traduzem a visão esotérica
“O Encoberto” de Pessoa, aquela que faz a síntese de história, mito e profecia.
Esta parte corresponde à desintegração, havendo, por isso, um presente de
sofrimento e de mágoa, pois “falta cumprir-se Portugal”. Encontra-se tripartida
em “Os Símbolos”, “Os Avisos” e “Os Tempos”. Com os primeiros, manifesta-se a
esperança e o “sonho português”, pois o atual império encontra-se moribundo.
Revela-se a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição. Nos três
avisos, os três profetas: “Bandarra”1, “António Vieira”2, e um Terceiro, o próprio
poeta, uma síntese dos outros dois profetas do Quinto Império, que, perante a
situação dramática de Portugal, interpela o Messias de modo a provocar o seu
regresso. Com os cinco tempos traduz-se a ânsia e a saudade daquele
Salvador/Encoberto que, na “Hora”, deverá chegar, para edificar o Quinto Império,
moral e civilizacional.
Os títulos dos poemas desta última parte remetem todos eles para a natureza
espiritual da aventura, da tarefa empreendida pelo poeta – a universalidade do
império da cultura portuguesa.

1
Gonçalo (ou António Gonçalves) Anes Bandarra, sapateiro de Trancoso, cristão-novo dotado de cultura bíblica
que compôs trovas proféticas, impulsionadoras do Sebastianismo, que irão influenciar a obra messiânica do Pe.
António Vieira. Foi condenado num auto de fé a 23 de outubro de 1541 e as suas trovas proféticas foram proibidas
pela Inquisição.
2
Padre jesuíta português, defensor dos direitos dos índios e dos escravos negros, foi também grande diplomata e
orador, tanto na corte portuguesa como em cortes estrangeiras. Revelou a sua faceta visionária ao defender a
utopia do Quinto Império – império universal debaixo do poder espiritual do Papa e temporal do rei português D.
João IV.

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