Você está na página 1de 6

O herói nos Lusíadas e na Mensagem

Tanto a Mensagem, de Fernando Pessoa, como Os Lusíadas, de Camões, são obras


épicas que enaltecem o período dos Descobrimentos e o valor do povo português.
Ambas manifestam uma intenção patriótica: consciencializar os Portugueses do seu
valor e registar de uma forma única a aventura marítima e a História do país, para que
todo o mundo as fique a conhecer. Os Lusíadas correspondem à primeira obra escrita
com este propósito, sendo a Mensagem, escrita quatro séculos mais tarde. Revelam o
amor dos autores pela nossa nação, que pretendem levar mais longe, a partir de um
impulso emocional que conduza o povo à acção.

Relembram grandiosos feitos dos Portugueses a fim de, a partir de um passado de


glória, fazer ressurgir os valores e a grandeza da nação, com vista à construção de um
novo Império:

O Poeta renascentista preconiza um Império terreno e material (Camões)- a conquista


do Norte de África;

O poeta da modernidade (Pessoa) vaticina (adivinha) um império espiritual e cultural –


o Quinto Império. Ao autor da Mensagem não interessa a conquista, a colonização nem
a evangelização, pois acredita que a superioridade a nível cultural permitia a hegemonia
de Portugal no mundo. Segundo Pessoa, o império da cultura e da língua portuguesa,
cujo motor seria a inteligência poética de um Super-Camões, alargarse-ia a uma
dimensão universal da qual resultaria a paz.

Quer n’Os Lusíadas quer na Mensagem, desfilam uma série de históricos mas, ao passo
que na obra camoniana são sobretudo narrados factos reais dos lusitanos, na Mensagem
há uma visão mítica da história e dos heróis a ela associados: “Desejo ser um criador de
mitos que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da Humanidade”.Camões no
entanto, foca também a importância dos calores e caracter emocional do heroí.

Camões canta acontecimentos históricos reais seus contemporâneos, enquanto Fernando


Pessoa projecta um Portugal visionário, construído pelo poder do sonho: “ Quando
virás, ó encoberto/ sonha das eras portuguesas tornar-me mais que o sopro incerto/ De
um grande anseio que Deus fez?”.

Fernando Pessoa escreveu a Mensagem com intenções saudosistas, unindo a crença no


Sebastianismo e no quinto império que, juntos, poderão reanimar a alma decadente e
vazia dum país que já foi grandioso e que poderá voltar a sê-lo.

A história portuguesa surge contada como uma empresa mística, quase divina, em que
D. Sebastião é descrito como um rei enviado por Deus para conduzir os destinos do país
e expandir a fé cristã.
Os heróis de uma e outra são os concretizadores da vontade divina e são motivados por
um conceito abstracto de Pátria. A Pátria é mais do que as fronteiras dum país, mais do
que uma nação. É a mãe que os cria e guia.

Em ambas as obras, os heróis portugueses são apresentados de forma fragmentária e


permitem-nos verificar a exaltação épica da acção humana no domínio dos mares. É no
mar e na guerra que os nossos heróis superam os limites humanos e provam a sua
superioridade relativamente aos povos antigos. A glória conseguida tem o preço do
sofrimento e das lágrimas, mas o mais importante é a luta pela afirmação do ideal
patriótico. É evocado o passado com intenção de construir o futuro.

N’Os Lusíadas existe o dinamismo da viagem, da aventura e do perigo. Esta obra, por
privilegiar o concreto, os feitos dos portugueses e a glória do Império, traz a
possibilidade de ter esperança. Camões dirige-se a D. Sebastião, que na altura era vivo,
e incentiva-o a novos feitos para uma nova epopeia. Por isso, a memória e a esperança
estão juntas, no mesmo plano.

A concepção de heroísmo presente consiste na concretização de feitos épicos pelos


humanos,transcendendo-se.

A Mensagem caracteriza-se, por sua vez, pelo estatismo do sonho e do indefinido. Em


vez do concreto, está presente o abstracto da sensibilidade, da utopia e do
sebastianismo. Existe em toda a obra a falta de razões para ter esperança e o desânimo,
como se Portugal estivesse num beco sem saída. D. Sebastião simboliza a força que
vive na memória do povo e que pode ser reanimada. A memória e a esperança
pertencem a planos diferentes e só a última existe no sonho. A concepção do heroísmo
não é concreta, mas sim mental e conceptual. O autor identifica-se com os heróis, mas a
nível do ideal e não da acção.

Nesta obra, o amor à Pátria é metafísico e exprime-se na crença no Quinto


império; a linguagem é épico-lírica, de estilo lapidar. O seu assunto é a essência da
pátria e a missão que o povo tem de cumprir. Para isso, os heróis devem procurar o
sonho e o infinito. Este poema é épico-lírico-simbólico-mítico e faz o elogio do sonho e
da imaginação.

Lusíadas

O heroí apresentando é colectivo – o povo luso.

É um herói comum mortal. É elevado à categoria de semi-deus pela capacidade de


ultrapassar obstáculos,precisa lutar pela imortalização ‘escapando á lei do
esquecimento’. Necessita de ousadia,estudo,sacríficio e capacidade de superação.
O homem ‘bicho da terra tão frágil’ transcendeu-se ao conquistar o mar,vencendo as
forças adversas à viagem (baco).

Conceitos fundamentais – amor à pátria,rei,terra e fé cristã.

Camoes recorre aos reis e heróis individuais para representar o ‘peito ilustre
lusitano’,incubido da missão mística e transcendente de alargar a Santa Cristandade e o
império português.

Mais preocupado com a valorização dos seus heróis,apenas no final dos cantos exprime
o seu ponto de vista.

Heróis- Barões- ‘homens,forjados pelo aço do esforço e da valentia’

Mensagem

O principal objectivo é mostrar aos presentes e futuros portugueses que existe uma
mensagem a finalizar – o V império- ‘abrir novos mundos ao mundo’,conquistar a parte
cultural da Índia.

É um herói mítico,pois Fernado Pessoa narra os ideais e o sonho. ‘sem sonho somos
cadáveres adiados’,sem a presença do mito somos ‘metade de nada’.

Ao contrário de Camoes FP não pretende enaltecer os lusos,daí não se verifica na


mensagem a existência de um eroi colectivo. FP pretende apenas,tal como o título
indica deixar uma mensagem para a concretização de PT.

O homem é instrumento da vontade divina, portador de um sonho (transmitido por


Deus/apenas o 1º instante é involuntário) e dono da sua realização – ‘Deus quer,o
homem sona,a obra nasce’.

FP com uma obra mais interiorizada (todos os poemas são reflexões simbólicas) não se
preocupa tanto com a valorização heróica

Heróis-‘símbolo fecundo’ ’mestre da paz’ sentido +sagrado e mítico

Apenas os heróis tem acesso à glória e à sublimação

Galeria de heróis :

Nuno Álvares

Lusíadas canto IV (pg.122)


Herói a 100% - leal,corajoso,destemido e obediente. Considerado excelente
líder,soldado e estratega. Não põem em questão a desfesa do rei,deus e da pátria.

É narrada a batalha de Aljubarrota (motiva os companheiros,mostrando como exemplo


negativo o comportamento do seu irmão,D.Pedro,que recusara seu Deus)

Pg.128

Mensagem-pg.208 – um eleito ‘mas que espada é que,erguida/faz esse halo no céu?/é


excalibur,a ungida,/que o rei Artur te deu’ que desbrava a estrada da salvação para
cumprimento do destino.

A pergunta retórica ‘que auréola te cerca’ evidencia a atribuição dum carácter divino
por parte do poeta.

Ulisses

Tanto FP como Camões iniciaram a ‘àrvore geneologica(…)de heróis


iniciáticos(…)com a figura de Ulisses por respeito à nossa mitologia grega do Ocidente’

Mensagem – pg.174 –é-lhe atríbuida a fundação de Lisboa.

D.Afonso Henriques

Lusíadas – pg.120 – narração da batalha de S.mamede. herói atípico,pois não cumpre


ponto característico da obediência (não se sujeita a perder o território que lhe é devido
como dote,para o castelhano marido da sua mãe,lutando contra esta e vencendo apesar
de em desvantagem numérica)

É-lhe dado grande relevo,mostra de apreço,identificável pela descrepância textual qd


comparado a outros textos.

Herói disponível,conquistador da identidade lusa.

Mensagem-pg.195- representando como destinatário de uma missão divina


indirecta,instrumento da obra iniciada pelo seu pai (Conde D. Henrique). Mostra-se
ciente da sua mensagem e temeroso do falhanço ‘dá-nos o exemplo inteiro/E a tua
força!’

Conde D.Henrique – não mencionado nos lusíadas é representado como o herói que
aceita a vontade divina,tomando como sua a mensagem transmitida por Deus ‘todo o
começo é involuntário/Deus é o agente/o herói a si se assiste,vário/E
inconsciente/Ergueste-a,e fez-se’.
D.Diniz

pg.196

Lusíadas – curta referencia a um rei de tempo de paz. Aparece no seguimento da


narração do seu pai (D.Afonso III)e inicia a narração do seu filho (D.Afonso IV) -/+ 2
estrofes

Estabeleceu-se no seu reinado a fronteira natural entre lusos e mouros com a conquista
do Algarve. Acabaram-se os ataques mouros.

Referencia à plantação do pinhal de Leiria,à prosperação do reino e ao apreço deste rei à


educação – fundou a universidade de Coimbra.

Mensagem – é narrada a premonição da plantação do pinhal de Leiria ‘na noite escreve


um seu cantar de amigo/o plantador de naus a haver/é o rumor dos pinhais que,como um
trigo/de império,ondulam sem se poder ver’ e faz referencia à prosperidade do reino.

É tal como todas as figuras históricas ou mitológicas apresentadas na I parte da


Mensagem-Brasão-um dos construtores do império.

‘arrojo,esse cantar,jovem e puro,busca o oceano por achar’ – demonstra ambição.

D.Sebastiao

Jovem na época camoniana é encarado pelos portugueses de 500 como a garantia da


independência,assim Camoes coloca-o nos ‘píncaros’ da heroicidade a fim de o
preservar por muito e heróico tempo,através do deu apelo. Com o desaparecimento do
rei (batalha de Alcácer Quibir-1578) desapareceu também a gema dos valerosos,apenas
60 anos depois a independência portuguesa foi restaurada.

Pessoa relembra os portugueses dúbios do séc.XX (mensagem foi escrita na fase do


estado Novo – Portugal encontrava-se perdido ‘nem rei,nem lei,nem paz,nem guerra’) o
exemplo dos antepassados por intermédio de um apelo ao sentido patríotico para que
recriem a grandeza do ‘dia claro ‘,do império que já foi e se desfez com a morte de
D.Sebastião.

Diferenças sebastianismo camoniano e pessoano :

O 1º ainda foi real,passando depois a mito e saudade.

O 2º recupera do mito e da saudade a sua força,tomando-o como exemplo,para se esvair


em sonho e ilusão,buscando no passado a esperança da recriação do império luso pré-
sebastianista para a actualidade-decadente,tempestades políticas e culturais,inócuas e
perversas para o país.

Rei real de quinhentos /desejado,símbolo de pátria,independência,valor e orgulho.

Note-se que, tanto os Lusíadas como a Mensagem ao obras publicadas no trajecto final
da vida dos seus autores, que acalentam a esperança num futuro ainda por cumprir e
representam o grito de apela à ressurreição dos valores da Pátria: “ Ó Portugal hoje és
nevoeiro…|| É a hora!”

Você também pode gostar