(Sugestão prévia: ver o vídeo sobre Álvaro de Campos associado ao manual:
https://app.escolavirtual.pt/lms/playerteacher/resource/805052/E?se=&seType=&coId=34798 55&bLkL=1 ) Na célebre carta a Adolfo Casais Monteiro sobre a génese do fenómeno dos heterónimos, datada de 1935, Fernando Pessoa diz de Álvaro de Campos que nasceu em Tavira em 1890, que é engenheiro naval por Glasgow e que, no momento da redação da carta, se encontra inativo em Lisboa. Sabe-se que, no seio do “drama em gente” que constitui a heteronímia, foi Campos que teve a “existência”, por assim dizer, mais real, “interferindo”, nomeadamente, na própria relação de Fernando Pessoa com Ofélia Queirós. Álvaro de Campos é o único dos três principais heterónimos de Fernando Pessoa em cuja obra poética se distinguem três tendências bem distintas: o Decadentismo, o Futurismo Sensacionista e a reflexão existencial de caráter intimista e melancólico. A tendência decadentista, muito marcada pelo tédio de viver, pela necessidade de novas sensações e pela fuga à monotonia, é influenciada pelo Simbolismo (corrente poética do final do século XIX), manifesta-se particularmente no longo poema “Opiário”. Mas a tendência mais marcante deste heterónimo, pelo que tem de radicalmente vanguardista em todo o universo heteronímico pessoano, encontra-se plasmada nos poemas futuristas, muito influenciados pelo Futurismo europeu (o primeiro Manifesto Futurista, redigido pelo italiano Marinetti, foi publicado em 1909, tendo provocado enorme escândalo) e pelo poeta americano Walt Whitman (a quem, aliás, dedicou um poema). Com efeito, nos longos poemas futuristas (de que a “Ode Triunfal” é o exemplo maior), num estilo torrencial e excessivo, faz-se a apologia da civilização industrial, exaltando-se o progresso, as máquinas, a velocidade, a força, as grandes metrópoles, numa recusa radical da moral humanista e de toda a beleza associada à arte até aí produzida pelo Homem. Em última análise, tal como a própria designação do movimento indica, defende-se a recusa do passado humano no seu todo. Associado ao Futurismo, Campos cultiva o Sensacionismo, que vai buscar ao seu mestre Alberto Caeiro, mas acrescentando-lhe o excesso e a euforia desmedida (“sentir tudo de todas as maneiras / Sentir tudo excessivamente”), numa espécie de histeria que se afasta do tranquilo Sensacionismo naturalista de Caeiro. Como uma espécie de contraponto dos poemas futuristas e sensacionistas, Campos assina também poemas de carácter intimista e melancólico, cujas temáticas se aproximam da poesia de Fernando Pessoa ortónimo. É a fase do cansaço («o que há em mim é sobretudo cansaço», assim começa um dos mais famosos poemas de Campos), do desencanto, do ceticismo, da abulia, do niilismo, que está nos antípodas do entusiasmo afirmativo, vigoroso e eufórico típico do Futurismo. Tal como em Pessoa ortónimo, é recorrente nesta fase o tópico da nostalgia da infância perdida, lugar feliz em que o sujeito coincidiu consigo próprio, anterior à busca do sentido da vida, anterior, pois, à consciência dilacerada de si. Poemas como “Aniversário”, “Esta velha angústia” ou “Todas as cartas de amor são ridículas” são dos mais conhecidos poemas desta tendência. As marcas compositivas da poesia de Álvaro de Campos são particularmente notórias: poemas longos, por vezes muito longos, estrutura estrófica irregular, versos livres (número irregular de sílabas métricas), também normalmente muito longos, ausência de rima (versos brancos). Quanto às caraterísticas expressivas e estilísticas, são particularmente recorrentes nos poemas futuristas a abundância de apóstrofes, interjeições, fases exclamativas, onomatopeias e palavras onomatopaicas, longas enumerações anafóricas, neologismos e estrangeirismos, paradoxos, metáforas e comparações inusitadas.