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ULYSSES LINS de Albuquerque

A LUTA
DOS
PEREIRAS E CARVALHOS

(SERTÃO DE PERNAMBUCO)

JORNAL DO COMMERCIO – Rodrigues & Cia.

Av. Rio Branco, 117 – Rio de Janeiro - 1953


I

No meu ultimo encontro cora Mario Melo, há meses, no Recife, sugeriu-me


ele que eu escrevesse algo sobre a luta entre Pereiras e Carvalhos, no sertão de
Pernambuco, a exemplo do que se fizera em São Paulo relativamente aos Pires e
Camargos. Prometi atende-lo, dizendo-lhe, entretanto que, conhecedor dos fatos
ocorridos em Serra Talhada os quis tiveram começo num incidente de graves
conseqüências entre membros das duas famílias há uns quarenta anos mais ou
menos precisava, antes de tudo, colher alguns pormenores a respeito da luta que se
prolongou par muito tempo, bem assim uns tantos esclarecimentos fim de remontar-
me a, origem da questão, pois, quando pela primeira vez estive no alto sertão, em
1916, fui informado pelo Coronel Antonio Pereira — filho do Barão do Pajeú — que a
mesma tinha raízes quase seculares.

Não me interessei, naquela ocasião, em obter detalhes sobre o assunto, o


qual, entretanto, passou a preocupar-me muito mais tarde. E, sem encontrar mais
quem me fornecesse os elementos de que necessitava puz-me a conjeturar que o
ponto de partida da rusga entre as duas famílias — ambas prestigiosas — fora a
seria divergência havida na então Vila de Flores — sede da antiga Comarca de
Pajeú de Flores —, entre o Coronel Manuel Pereira da Silva — pai do Barão do
Pajeú e Francisco Barbosa Nogueira Paz, que, ao lado de Francisco Alves de
Carvalho (ambos filiados ao Partido Liberal), se opuseram a empossar aquele e
seus correligionários (do Partido Conservador) nos cargos de Juiz de Paz e
Vereadores.

Isso ocorrera — conforme eu pensava —, em 1848, se bem que as


divergências partidárias entre eles viessem de longe. Mas, em carta que me dirigiu
ultimamente o Coronel Manoel Pereira Lins (Né da Carnaúba), em resposta à que
lhe envie pedindo uns certos esclarecimentos, ele me diz que o fato se verificara em
1838. E informando-me a respeito dos motivos que determinaram o assassinato do
Capitão das Ordenanças de Flores, Joaquim Nunes de Magalhães (meu trisavô
paterno, em Serra Talhada conforme eu lhe solicitara ele me confirma o que
Sebastião Galvão escrevera no seu "Dicionário Corográfico, Histórico e Geográfico
de Pernambuco”': que o capitão-mor foi morto traicoeiramente, por um afilhado
vendido aos Cabanos, em 1835, — quando houve em Pernambuco a chamada
"Guerra dos Cabanos". (*).

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(*) Também o Dr. Sergio Nunes de Magalhães, ao escrever sobre a cidade onde
nasceu (Serra Talhada — então Vila Bela —), referindo-se ao capitão-mor, diz o seguinte
(V. "Almanaque de Pernambuco", de 1903):

"Entre Os seus fundadores, é digno de respeitosa menção o nome do


malogrado patriota pernambucano Joaquim Nunes de Magalhães, capitão-
mor das Ordenanças de Flores, que, depois de valiosos serviços
2
Adiantando que Pereiras eram amigos do capitão-mor, esclarece-me que
Francisco Alves de Carvalho teria sido acusado como mandante do crime, — o que
vem mostrar que, desde aquela época, a animosidade entre as duas famílias
(Pereira e Carvalho), já, se vinha acentuando.

Diz-me, porém, Né da Carnaúba, que aquela questão originada por motivos


políticos, não poderia ter relação com a luta surgida mais tarde. Entretanto, tudo me
leva a crer que germe da questão veio dali, conforme procura-rei mostrar mais,
adiante.

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prestados à Pátria, nas comoções que agitaram-na nos últimos momentos


de sua dependência política e nos primeiros passos de sua vida autônoma,
caiu, traiçoeiramente assassinado por um afilhado vendido aos Cabanos,
em 1835, na fazenda "Riacho Fundo", deste município. O capitão-mor
Joaquim Nunes comandou um punhado de abnegados pernambucanos
sertanejos na expedição contra a cidade de Caxias, em 1832, com missão
de que se desempenhou com denodo”.

(O movimento conhecido por "Cabanada" teve como principal reduto a então Vila
de Panelas de Miranda (Pernambuco), irradiando-se, entretanto, por alguns pontos do
interior da Província. Conforme diz BASILIO DA MAGALHAES, historiador patrício, os
Cabanos desejavam a volta de D. Pedro I ao trono do Brasil).

O capitão-mor descendia do ilustre português Agostinho Nunes de Magalhães,


que, em companhia do irmão (Joaquim), embrenhou-se pelo sertão, à prear índios
localizando-se ao pé da Serra Talhada, onde fundou uma fazenda, casando-se com uma
índia da região.

Ali, pelos seus descendentes foram lançadas as bases da povoação, tendo o


capitão-mor "constituído um patrimônio a N. S. da Penha, sob cuja invocação erigiu-se
mais tarde a freguesia".

Figura de prol na região do Pajeú, o capitão-mor foi acusado de haver se


articulado com a revolução republicana de 1817, — influenciado talvez pelo movimento
irrompido no Crato (Ceara), sob a orientação do Padre José Martiniano de Alencar, que
para ali se transportara, do Recife, com o fim de chefiar a sublevação no interior.
Entretanto, se a acusação era procedente — como quero crer —, ele agiu
cautelosamente, de maneira a não ficar inteiramente comprometido. Tanto é assim que,
o Ouvidor efetivo da Comarca do Sertão — José de Souza Ferreira —, após haver
tornado posse, na Vila de Flores, a 20 de Agosto de 1817, examinando "o caso do
capitão-mor Joaquim Nunes de Magalhães, a quem acusavam de haver suspendido o

3
II

A LUTA OCORRIDA EM FLORES

Por motivos a que já me referi, o Coronel, Manuel Pereira da Silva,


Comandante. Superior da Guarda Nacional e Comendador da Ordem da Rosa veio
de Serra Talhada para Flores — então sede do município acompanhado dos irmãos
Simplício e Francisco Pereira (tios de Manuel Pereira Lins, atualmente com 86 anos,
cego, mas em completa lucidez de espírito), e muita gente armada, para enfrentar
Francisco Barbosa Nogueira Paz e Francisco Alves de Carvalho.

Houve luta renhida e, por sinal, ainda conheci o velho casarão onde Nogueira
e Carvalho resistiram às tropas de Manuel Pereira. As grossas paredes e a porta e 6
janelas de frente, estavam de alto a baixo perfuradas pelas balas dos velhos
arcabuzes da época.

Nogueira foi capturado. Mas, Francisco Pereira — irmão do Coronel Manuel


Pereira —, facilitou-lhe a fuga, em virtude de lhe dever muitos favores, o que
contrariou aos irmãos, que receavam viesse Nogueira a dar-lhes trabalho mais
tarde.

O que, efetivamente se deu, em 1848. (Se bem que, antes disso, houve
varias escaramuças entre grupos de parte a parte, durante alguns anos, uma das
quais no "Poço da Cruz", então pertencente à Freguesia de Alagoa de Baixo, ribeira
do Moxotó e atualmente municípios de Inajá.

_______________

o juiz ordinário Manuel Felix de Veras e talvez de simpatias pela revolução de 1817",
oficiava em data de 29 daquele mês ao Governador e Capitão-General de Pernambuco,
nos seguintes termos: (V. DO-CUMENTOS DO ARQUIVO", Vol. IV e V., Recife, 1950,
paginas XLV e 494):

"Constando-me que o capitão-mor desta Vila, Joaquim Nunes de


Magalhães tinha suspendido o Juiz Ordinário Manuel Feliz de Veras,
pretendi prende-lo e Processá-lo para o que pedi ao mesmo Juiz a Carta de
Suspensão; porém entrando no exame deste caso acabei que tristes
circunstancias e rivalidades antigas obrigarão o dito capitão-mor a este
procedimento: e que ele sempre fora fiel vassalo de S. Majestade,
conservando a... das Armas Reais e o Laço da Nação e todas as ordenanças
que ele comandava; e que também se prestara ao levantamento das
Bandeiras e aclamação de S. Majestade nesta Vila. Cuja carta e papéis envio
a V. Excia. para determinar o que for servido. Deoz Guarde a V. Excia. he
mister".

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É que Nogueira Paz, aliando-se a José Rodrigues, de Jatobá de Tacaratú
(conhecido por Jose Rodrigues da Serra Negra) e Serafim de Souza Ferraz, aliciou
gente em arma, inclusive índios, localizando-se na Serra Negra (do município de
Floresta,), e ali entrincheirou-se, provocando o governo e hostilizando seus
adversários.

O governo enviou forças para combater os amotinados, mas, nada podendo


esta conseguir, foi o Coronel Manuel Pereira incumbido de desalojá-los. Simplício
Pereira, homem valente e afeito as armas, veio da sua fazenda "Baixa-grande" —
município de Manissobal —, e, incumbido pelo irmão, seguiu com uns quatrocentos
homens para combater os rebeldes.

Impossibilitado de subir a serra, onde Nogueira Paz se encontrava com os


seus homens, pois a única via de acesso, conhecida, estava bem guarnecida e
vigiada noite e dia, Simplício, lá, um dia, conseguiu capturar um dos índios de
Nogueira, que viera a ribeira apanhar água.

Deu-se até — conforme ouvi contar há muitos anos o seguinte: — Simplício


perseguia o caboclo, que corria desabaladamente, e num dada momento, gritou-lhe:
"Não corra, que eu quero falar-lhe! Sou Simplício Pereira"! E o índio obedeceu-lhe,
pedindo que não o matasse, — tal o terror que o nome de Simplício infundia na
região, em virtude das suas inúmeras proezas, que corriam mundo, pela voz da
fama.

O caboclo guiou Simplício, com sua tropa, par outra subida quase inacessível
e, quando Nogueira Paz, descansado, numa rede, comia uma melancia temporã,
viu-se cercado pelas forças inimigas.

Travou-se a luta, foi morto Jose Rodrigues, além de outros amotinados, mas
Nogueira Paz desapareceu.

Algum tempo depois foi encontrado nas caatingas um esqueleto humano,


sendo reconhecido como o de Nogueira, que possuía um dente de ouro.

Dizia-se, por sinal ter ele afirmado que, se fosse vencido na luta, e nela não
perecesse, os amigos não o viriam mais...

Nogueira Paz era um sertanejo atilado e foi Deputado à Assembléia Provincial


de Pernambuco. E, nessa luta, estava articulado com movimento irrompido em
Pernambuco em 1848, conhecido como “Revolução Praieira”, a qual terminou com a
morte do seu chefe, Desembargador Nunes Machado, em 1849.

III

É interessante abrir aqui um parêntese, para narrarmos uns tantos feitos de


Simplício Pereira, a quem — pelo que me informaram •—. Gonçalo Ático Leite
5
chamara de "demônio das selvas", e era, de fato, uma espécie de gnomo das
caatingas, pois, de pequena estatura, — pelo que as sertanejos o crismaram com o
apelido de "peinha de mão" — (aludindo à pequena peia com que prendiam os
animais, nas mãos), praticou diabruras tais, que se tornou uma figura lendária no
seu tempo.

Sustentando uma luta tremenda com os índios que habitavam nas


proximidades da sua fazenda, foi por vezes assaltado por eles, revidando
valentemente. Contaram-se que, um dia, trepado a uma arvore, no mato a espreitar
o movimento dos caboclos, foi por um destes surpreendido e aprisionado. O índio
conduzia-o às costas, quando num dada momento Simplício fez uso de uma
pequena faca, que trazia ocultamente, cravando-a no caboclo, que o largou ao chão.
Simplício saiu a correr. Os índios o perseguiram e, quando ele chegava fazenda, as
flechas dos caboclos caiam-lhe à calcada da casa de vivenda.

No final da questão, havia eliminado inúmeros índios, até que estes se


retiraram da região, não suportando o incomodo visinho...

Mais tarde, foi forçado a tomar parte no as: salto ao arraial dos fanáticos da
Pedra Bonita na serra do Catolé, município de Belmonte, em 1838 —, onde os
caboclos João e José Antonio fizeram imolar diversas virgens e crianças, a pretexto
de lavar com seu sangue duas peanhas alcantiladas, a fim de que se desencantasse
ali o Reino de Dom Sebastião.

Consoante se propalava, os dois fanáticos prometiam aos adeptos que iriam


desalojar de suas propriedades os Pereiras e Carvalhos que residiam nas
imediações, para que as distribuísse entre os seus.

O Coronel Manuel Pereira da Silva, acompanhado de seus irmãos Simplício,


Francisco, Alexandre e Cipriano, assaltaram o arraial, com muitos homens de sua
confiança, travando-se uma luta renhida, na qual morreram os dois últimos,
dispersando-se o grupo de João e José Antonio, morrendo inúmeros dos seus
componentes.

João e Jose Antonio fugiram para Minas Gerais de onde eram filhos; mas
Simplício despachou dois rapazes de sua confiança — Roque de Freitas e Antonio
da Cruz —, em perseguição aos mesmos, que foram capturados. De regresso,
sucedeu que João Antonio adoeceu de febre palustre já no Estado da Bahia e, por
isso, os seus condutores resolveram matar os dois, trazendo-lhes as orelhas para
prova do êxito da diligência.

Voava assim o nome de Simplício Pereira nas asas da celebridade, e, a seu


respeito o jornalista João Brigido, no Ceara, publicou um artigo no seu jornal, (não
sei se no Crato ou já em Fortaleza), apontando-o como autor de mais de cinqüenta
assassinatos.

Simplício recebeu o jornal, que um amigo lhe enviara para a fazenda, ao ler o
que escrevera Brigido, exasperou-se. Aproxima-se a mulher e interroga-o sobre o
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motivo da sua Zanga. E Simplício responde: "Pois esse jornalista canalha não diz
que eu sou autor de mais de cinqüenta mortes?! Que bandido"! Replica-lhe a
esposa: "Simplício, contando com os caboclos... é capaz de passa de cinqüenta,” E
ele diz, enjoado: "Ora que besteira, mulher! Eu falo e em gente batizada"!.

IV

RAIZES DA LUTA ENTRE AS DUAS FAMÍLIAS

Consoante já mostrei, na lutes ocorrida em Flores, degladiou-se um Pereira


(coronel Manuel Pereira da Silva), com um Carvalho (Francisco Alves de Carvalho),
e um Nogueira (Francisco Barbosa Nogueira Paz).

Mais tarde, na Serra Negra, novas lutas se registraram entre eles, e, pelo que
colhi ultimamente, Francisco Alves de Carvalho, auxiliava os rebeldes de Nogueira
Paz.

Daí eu concluo que, desde aquela época ficou o germe da discórdia entre as
duas famílias, —- uma delas, a Carvalho, contando mais tarde com a solidariedade
dos Nogueiras, descendentes estes — conforme apurei —, de Barbosa Nogueira
Paz.

E isso daria lugar — penso eu —, muitos anos depois, aos atritos entre os
descendentes de ambas, conforme narraremos adiante.

É que, quem conhece o sertão, bem sabe que as desavenças entre famílias,
por questões de honra ou de sangue, dificilmente se extinguem, passando de
geração a geração. Especialmente naquela época, quando, ao sabor dos costumes
semibárbaros, tudo se resolvia pelas armas, impondo-se a lei do mais forte.

Por isso eu admito que, quando pessoas da família Pereira tiveram um sério
atrito com Antonio Quelé — membro da família Carvalho em 1905, falava ali o velho
ranço de uma intriga entre seus ancestrais. É que, coberta pela cinza dos anos
decorridos, a brasa dos ressentimentos ainda não se apagara.

A propósito, é o caso de evocar estas palavras do admirável Miguel Torga:


"Há uma lei do sangue, átrida, vermelha e pegajosa. Uma lei tóxica, sutil, destilada
no alambique do instinto, que paralisa a consciência, e manda o ódio avançar, cego
e surdo. Uma lei regressiva, centrípeta, nuclear, que liga o ser ao cromossoma
inicial, e o mantêm fiel à linha progenitora".

E, com razão diz o povo: "ódio velho não cansa”...

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V

A LUTA IRROMPIDA ENTRE AS DUAS EM 1905

Os acontecimentos antigos — conforme já escrevi, — vieram dar causa, a


meu ver, à eclosão do choque entre as duas famílias, em 1905.

Mas, antes de entrar na narrativa desses acontecimentos, devo dizer que,


viajando para Sertânia, logo após o meu entendimento com Mario Melo, pensava em
obter dados mais completos a fim de satisfazer aquele velho amigo e confrade,
escrevendo qualquer coisa, no meu estilo desajeitado de rabiscador de crônicas a
respeito de fatos e coisas do sertão, sobre a celebre questão que tão profundamente
abalou a região sertaneja, mormente a zona heróica do Pajeú, teatro da luta
prolongada e sangrenta.

E aconteceu que, por acaso, encontrei Cabo Deodato Nunes Pereira


(ultimamente promovido a sargento), a quem, falando sobre o assunto, dele ouvi
que, ditado pelo seu velho tio. Cel. Manuel Pereira Lins — "Né da Carnaúba"
escrevera toda a historia da luta tremenda em que se empenhara sua família pondo-
me a disposição o caderno que, dias depois me enviava, e do qual extrai o que
julguei necessário para o fim a que me propunha.

Ao mesmo tempo, por intermédio desse inferior da Forca Policial, escrevi ao


velho Né da Carnaúba, solicitando-lhe uns tantos informes sobre as ocorrências de
Flores e Serra Negra, — os quais me vieram prontamente, pois, consoante já fiz ver,
parecia-me que ali estava o ponto de partida do choque verificado mais tarde.

É que, em razão da sua idade avançada, esse nobre varão sertanejo bem
podia depor, com autoridade, a respeito dos fatos em que estiveram envolvidos seus
tios, bem assim sobre os últimos acontecimentos, nos quais tomou parte no inicio da
luta.

Com esse material, colhido na melhor fonte, passemos a falar sabre os


sangrentos episódios que, tão ingloriamente puzeram em relevo os rasgos de
valentia tão característicos a dos jagunços bronzeados daquela região, onde, como
diz o povo, coragem é bem de raiz...

VI

INCIDENTES ENTRE ANTONIO QUELE E MEMBROS DA FAMILIA PEREIRA

A 5 de Julho de 1905, Antonio Clementino de Carvalho Antônio Quelé, vindo


da sua fazenda "Santo André", município de Belmonte (hoje Manissobal), chegou a
essa Vila, acompanhado de dois homens de sua confiança Vitorino e Juriti, pois,
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dirigindo-se às feiras de gado, de Pesqueira a Vitoria de Santo Antão, esperava
receber a importância de umas boiadas vendidas a prazo; e — como era natural,
naquele tempo, viajando dias e dias, a cavalo não podia deixar de andar
acompanhado, ao ter de conduzir dinheiro.

E, como os homens de confiança de Quelé estivessem armados, deles se


aproximaram Cassiano Pereira e seu irmão Cincinato, exigindo-Ihes que
entregassem as armas.

Desobedecendo à intimação, Vitorino e Juriti foram recuando, perseguidos


pelos dois Pereiras, e entraram na casa do Coronel Morais e Silva, primo de Quelé e
chefe político do município a quem solicitaram providencias contra o vexame que
sofriam.

É quando o Major Jose Pereira de Aguiar, primo de Cassiano e Cincinato


Pereira, intervém na contenda, entendendo-se com o Cel. Morais, providenciando a
retirada dos homens de Quelé, ponderando aos primos que não deviam desarmá-
los, pois iam de viagem, garantindo o "patrão".

Seguiu Quelé e, de volta, por sinal, passou em Sertânia (antiga Alagoa de


Baixo) onde eu residia, e ali mostrou a algumas pessoas uma pistola Mauzer
adquirida no Recife, — arma ainda não conhecida no sertão.

E, indo dali para Serra Talhada (Vila Bela, naquela época), aconteceu que,
estando a conversar com alguém na feira, dele aproximou-se Isidoro Aguiar —
membro da família Pereira, que o interpelou sobre o atrito ocorrido entre ele —
Quelé — e seus primos, em Manissobal. Quelé passou a historiar o que havia
acontecido e, como a conversa fosse em altas vozes em virtude do sussurro, natural
dos feirantes, — entendeu Antônio Pereira Baião), que por perto passava tratar-se
de uma alteração acalorada entre eles. E, receoso de que houvesse um atrito mais
sério, foi comunicar o que presenciara a seu primo Manuel Pereira Maranhão,
conhecido por "Né do Baixio", Delegado de Policia até então, pois, embora
constasse haver sido exonerado, não havia confirmação de fato.

Né do Baixio, homem valente e por demais violento, dirigiu-se imediatamente


ao local da suposta discussão e, sem dizer água vai, segurou Quelé pelas costas,
bradando-lhe, enérgico: "Não se mexa, que o duro daqui sou eu mesmo" Nisso,
Vitorino atraca-se com Manuel Pereira, o qual, largando Quelé, saca de um punhal e
investe contra Vitorino. Ao ver que o seu "cabra" podia ser morto, Quelé faz use da
Mauzer e alveja Né do Baixio, ferindo-o no dorso. E, chamando os seus "cabras" —
Vitorino e Juriti dirige-se para a residência do Monsenhor Afonso Pequeno, Vigário
da Freguesia, a quem narra o que acontecera.

Vários membros da família Pereira acercaram-se de residência do


Monsenhor, tentando prender ou trucidar Quelé, mas o Padre, postando-se a porta,
pediu-lhes que se acalmassem, garantindo que ele se entregaria a prisão. ,

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Ainda houve tiros, um dos quais, por sinal, atingiu o quadro do Coração de
Jesus na sala de visitas, mas tudo terminou com o recolhimento de Quelé e Vitorino
a Cadeia local.

Manuel Pereira veio a falecer dias depois, mas pedira aos parentes que não
exercessem vingança, reconhecendo que agira imprudentemente.

Quelé e seu companheiro foram remetidos para Cadeia de Flores e, depois de


submetidos a julgamento por três vezes, foram absolvidos e postos em liberdade.

Voltando para a sua fazenda, ali vivia sem ser incomodado, quando surge
outro incidente entre ele , e Antonio Pereira de Araujo, conhecido por Antonio Marôto
— primo de Né do Baixio, — residente na fazenda "Queimada Grande", vizinha à
sua.

É que Antonio Marôto mandara cortar uns cedros, os quais foram deixados
pelos trabalhadores na extrema das duas propriedades, e aconteceu que os
moradores de Quelé, não sei se por ordem deste, conduziram para a sua fazenda os
toros de madeira, cuja devolução foi reclamado por Marôto. Antonio Quelé, em
resposta, dirigiu-lhe insultos, com os quais, Antonio Marôto julgou-se gravemente
injuriado. E, resolvendo tomar um desforço pessoal, comunicou a sua intenção ao
tio, Manuel Pereira Jacobina (conhecido por, "Padre Pereira"), setuagenário
residente no município de Serra Talhada, — chefe, ali, da família Pereira.

Pereira Jacobina, homem prudente, acatado por toda a família, dirigiu-se a


fazenda do sobrinho — Antonio Marôto — onde procurou dissuadi-lo de tomar
qualquer desforra, e, julgando haver pacificado os ânimos, regressou para a sua
fazenda, com os parentes que acompanharam.

Entretanto, dias depois, uns primos de Antonio Marôto foram à fazenda de


Quelé, cercaram-na, e no tiroteio saiu ferido Vitorino, o mesmo que estivera
envolvido no conflito de Serra Talhada.

Dali por diante, as coisas teriam de agravar-se dia a dia...

VII

A MORTE DE PEREIRA JACOBINA

Ao chegar à povoação "São Francisco" (hoje "Pajeú"), município de Serra


Talhada, Manuel Pereira Jacobina ("Padre Pereira"), encontraria outra questão
surgida entre seu sobrinho Manuel Pereira da Silva, vulgo "Né Dadú", e um cunhado
do mesmo — casado com sua irmã, Bevenuta Pereira —, João Nogueira.

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É que Né Dadú havia sido exonerado do cargo de Subdelegado daquele
povoado, tendo sido nomeado em sua substituição aquele seu cunhado, o qual, indo
tomar posse do cargo, não o conseguiu, pois Né Dadú e seus parentes o apuparam,
levando-o ao ridículo.

João Nogueira, exasperado, foi narrar o acontecido ao seu tio, Coronel


Antonio Alves de Barros (da família Carvalho), já então chefiando a política do
município, em virtude, do desprestigio do Coronel Antônio Pereira, por parte do
governo do Estado.

A indignação inflamou os ânimos dos Carvalhos e as conseqüências haviam


de ser funestas.

E, a 15 de Outubro de 1907, era assassinado de emboscada o velho Manuel


Pereira Jacobina ("Padre Pereira"), patriarca da família, e a quem os Carvalhos
responsabilizaram pelo que vinha ocorrendo ultimamente.

A suspeita do atentado recaiu sobre a família Carvalho, da qual o Coronel


Antonio Alves, e os Pereiras juraram vingança”.

D. Francisca Pereira (Chiquinha), viúva de Padre Pereira, logo após o enterro


do velho esposo, chamou seus sobrinhos Né Dadú, Manuel e Pedro Pereira Valões,
bem assim Pedro de Santa Fé, dizendo-lhes que, dali para o dia seguinte, queria
que morresse Carvalho, em represália à morte do marido.

E, três dias depois, Né Dadú assassinava Joaquim Nogueira, irmão do seu


cunhado João Nogueira, bem assim o primo deste, Eustáquio de Carvalho...

Né Dadú prometeu a sua tia Chiquinha que mataria mais gente, se não
morresse logo; e continuou a residir no povoado.

É quando alguns dias depois recebe recado de João Nogueira, em que este o
desafiava a ir a sua fazenda "Serra Vermelha", onde o esperava com 22 homens
bem armadas.

Né Dadú não se fez esperar. Muito embora tivesse de ir lutar na fazenda de


um homem casado com sua Irmã, reuniu também 22 homens, inclusive seus
parentes, e foi pôr cerco a "Serra Vermelha, onde, depois de um forte combate
perdeu a vida um dos "cabras" de João Nogueira, o qual abandonou o campo da
luta, retirando-se.

Né regressou a S. Francisco tendo ao seu lado diversos parentes destemidos,


além de outros homens de confiança ao todo 16 — e ali preparou-se para qualquer
surpresa por saber que possuía inimigos tão bravos como ele e os que o cercavam:
— seus sobrinhos Manuel, Pedro e Jose Pereira Valões, seus primos, João Pereira,
Antonio Pereira Baião (da Aldeiota), José Pereira de Sá (Pereirão), Antonio, Jose,
Crispim e Sinhô Marôto, Dino Pereira Maranhão e ainda alguns "cabras" de
confiança, destacando-se os de nomes Antônio Mulato, Henrique Antonio e Pedro
Cândido.
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VIII

SITIADA A POVOACAO DE S. FRANCISCO!

A 29 de Março de 1908, por volta das 10 horas, Né Dadú, com o seu grupo de
15 homens, estava cercado por uns 300 guerrilheiros, chefiados pelo Coronel
Antonio Alves, ao lado de Antonio Quelé, João Nogueira, Antônio Cipriano, Lucas
das Piranhas e Cirilo do Lagamar!

Rompido o tiroteio, foi morto logo um dos "'cabras de Né Dadú,— Antônio


Mulato, sendo baleado Pedro Cândido.

Apenas com 13 homens, Né Dadú teve de sustentar a luta durante o dia e a


noite, até o dia seguinte, quando chegou em seu socorro o Coronel Manuel Pereira
Lins Né da Carnaúba —, com uns 70 homens, melhorando um pouco a situação dos
sitiados.

A primeiro de Abril a situação tornou-se grave para eles e, com a munição a


esgotar-se, Né Dadú mandou que Pedro Valões fosse amolando as armas brancas,
para a adoção do recurso extremo: uma cargo a ferro Frio, logo que não dispusesse
de tiros.

Nessa dramática conjuntura, eis que lhes, chega em auxilio o primo, Coronel
Antonio Pereira, filho do Barão do Pajeú, que, sabendo da sua situação, juntou 62
homens no fazenda zenda "Pitombeira", distante algumas léguas de São Francisco,
e disso à mulher que ia morrer em defesa dos parentes. E, atravessando, a nado o
rio Pajeú, Antônio Pereira avança resolutamente para o povoado, atacando os
inimigos com ímpeto, forçando-os a abandonar o cerco, depois de um forte combate
que durou horas.

Até há pouco tempo antes, o Coronel Antônio Pereira era o chefe político do
município, perdendo o apoio oficial depois dos acontecimentos já narrados, em
Manissobal e Serra Talhada, nos quais estiveram envolvidos parentes seus.

Nessa altura, o governo nomeou uma Comissão Judiciária para apurar a


responsabilidade dos fatos sangrentos. Por Alagoa de Baixo — hoje Sertânia —
onde eu residia, passou essa Comissão, ali hospedada por meu pai. O Juiz
designado — Juiz de Direito de Limoeiro —, era o Dr. Jerônimo Materno Pereira de
Carvalho; Promotor, o Bacharel Bernardo Magalhães da Silva Porto; Escrivão, o
Sargento de Polícia Martiniano de Barros Correia, reformado, muito tempo depois,
como Tenente Coronel.

12
DEPOIS DE 1911

Em 1911, o Coronel Antonio Pereira colocou-se ao lado dos partidários da


candidatura do General Dantas Barreto ao governo do Estado, vencendo o pleito em
Serra Talhada.

Diplomado governador aquele General, foi Antônio Pereira ao Recife, a fim de


assistir-lhe à posse.

Nessa ocasião, Né Dadú e seu sobrinho Pedro Valões vieram a Serra


Talhada, onde estiveram presentes a saída de Antonio Pereira para a capital. E, ao
regressarem para o povoado São Francisco, foram emboscados nas imediações da
fazenda "Exu”', de propriedade do Coronel Antonio Alves, pelo individuo João
Juvino, saindo Pedro Valões ferido levemente. Né Dadú, pulando do cavalo, dispara
o seu rifle em João Juvino, que tombou morto.

Dias depois é preso em São Francisco, com Pedro Valões, sendo enviados
para a Cadeia de Flores, município limítrofe a Serra Talhada. Desaforado o processo
para a cidade de Triunfo, ali foram absolvidos.

Regressou Né Dadú para São Francisco, onde passou a ser perseguido por
inimigos já agora um filho de Manuel de Carvalho, de nome José da Umburana, que
tomara a peito vingar a morte de João Juvino. E Jose Umburana era tão destemido
que chegou a abrir uma mercearia em São Francisco, foco da família Pereira...

Né Dadú havia viajado para Mata Grande, e, ao regressar, irritou-se com a


afoiteza de José da Umburana; e, rebentando-lhe as portas da casa comercial, jogou
a rua as mercadorias tiradas das prateleiras.

Indo a Espírito Santo de Tacaratú (hoje Inajá), aconteceu que, na sua


ausência, foi Jose da Umburana assassinado.

Nada ficou contra ele apurado, de vez que, no dia do crime, estava — como
provara — a mais de 20 léguas do local do delito.

Mas, passou a residir em Mata Grande (Alagoas), pois bem sabia que, pelo
menos os dois irmãos de José da Umburana — Antônio e Jacinto Alves de Carvalho,
conhecido por '"Slndário", eram rapazes de muita coragem e não se acreditava que
deixassem impune a morte do irmão.

E, mais tarde havia de acontecer o que se vaticinava: a morte de Né Dadú,


conforme narraremos oportunamente.

IX

Mas, a família Pereira estava perseguida pelo signo da intranqüilidade. E, de


vez em quando, surgia-lhe um novo embaraço, com enormes complicações e
conseqüências desastrosas.
13
E' assim que surgiu outra questão entre Coronel Antonio Pereira e um seu
visinho Manuel Inácio, residente na fazenda "Belém", por motivos que não me
esclareceram.

E, apoiado pelo Major Horacio de Andrade, influente político no município, o


velho Manuel Inácio fazia suas queixas contra Antônio Pereira, perante as
autoridades de Serra Talhada, até que um dia o Tenente de Policia, José Nicolau,
indo à fazenda "Belém", dali se decidiu a apreender as armas existentes na fazenda
do Coronel Pereira. Acontece que, antes de chegar aquela fazenda, o Tenente
encontrou-se com dois sobrinhos de Antônio Pereira — José e João Pereira Valões
contra os quais a sua força abriu fogo. Os rapazes reagiram, supondo é o que
afirmavam depois tratar-se de inimigos da família, tendo o Tenente Nicolau recuado
com os seus soldados.

Contrariado com tudo o que vinha acontecendo, Antônio Pereira resolveu


retirar-se para o Ceará, onde foi procurar o Major José Inácio, da fazenda “Barro"
(município de Barra do Jardim), em virtude de serem aparentados, e, por intermédio
do mesmo, tratou de adquirir uma propriedade a fim de fixar-se ali.

E, sem querer mais voltar para a fazenda, concordou em que sua esposa, D.
Maria Pereira, ali fosse em companhia do filho Manuel Pereira, por alcunha "Belém",
e o vaqueiro Elói, a fim de revê-la e tratar de assuntos particulares, sucedendo,
entretanto que uma surpresa trágica teria de amargurá-los.

É' que, ao se aproximarem do lugar "Volta", já próximo de Pitombeira, D.


Mariquinha seguiu para a sua fazenda, enquanto o filho e o vaqueiro se dirigiram a
ulna casa onde desejavam beber água. E, quando ali chegaram, surgiu-lhes um
grupo armado, de inimigos da família, que contra os dois abriram fogo, caindo morto
Elói e saindo "Belém" gravemente ferido, conseguindo, apesar disso, chegar à
fazenda do pai.

Atribulada com a desgraça que acabava de verificar-se, D. Mariquinha,


mulher enérgica e resoluta, providenciou logo para que fossem buscar o cadáver do
vaqueiro e tratou de retirar o filho. para a fazenda "Agreste", de propriedade do seu
primo Luiz Pereira de França, a fim de escapar da prisão, pois certamente a polícia
viria procurá-lo logo que a noticia do fato chegasse a cidade.

Nessa altura, era assassinado o Tenente José Nicolau, na fazenda "Olho


d'Água", pertencente a José Deodato Pereira, e a suspeita da autoria do crime foi
atribuída aos Pereiras, agravando-se desse modo a situação da família, cujos
membros imputados no fato delituoso passariam a sofrer perseguições da parte das
autoridades.

Em face disso, o Coronel Antonio Pereira resolveu vender a fazenda


"Pitombeira" – velha mansão do pai, Coronel Andrelino Pereira, Barão do Pajeú, que
ali falecera e fora sepultado, ficando definitivamente no Estado do Ceara.

14
Mais tarde, indo "Belém", foram presos ali e transportados para Serra
Talhada, pelo Coronel João Nunes, da Policia de Pernambuco. Submetidos a
julgamento, foram absolvidos, tendo como patrono o brilhante rábula Batista de
Siqueira, filho do então Desembargador do Rio Grande do Norte João Batista de
Siqueira Cavalcanti, natural de Pernambuco.

A MORTE NÉ PEREIRA (DADÚ)

Né Dadú ficou pisando de S. Francisco para Mata Grande, em Alagoas,


sempre acompanhado de dois homens de confiança — Manuel e Antonio Paixão
armadas até os dentes, acompanhando-o também o individua José Grande, mais
conhecido por Palmeira, de quem os parentes de Né suspeitavam estar a serviço
dos seus inimigos, peitado para na primeira oportunidade. Né Dadú não acreditava
nas desconfianças dos parentes. Foi a sua desgraça...

É' que, quando pernoitava numa serra, entre S. Francisco e Santa Maria hoje
(Tupanaci), a 16 de Outubro de 1916, Palmeira assassinou com um tiro na cabeça,
quando ele dormia. E, quando Manuel e Antonio Paixão despertaram com o
estampido do tiro, o criminoso já havia fugido, conduzindo o chapéu e uma faca de
Né Dadú, objetos que conforme dizias os Pereiras haviam sido entregues pelo
assassino no dia seguinte aos proprietários da fazenda "Piranhas." — gente dos
Carvalhos - recebendo em paga um burro para evadir-se e uma certa importância
em dinheiro.

SURGEM NA ARENA SEBASTIÃO PEREIRA (SINHÓ) E LUIZ PADRE

Sepultado Né Dadú em S. Francisco — pois seu sobrinho-afim, Napoleão


Alves de Araújo, reunira gente e fora buscar-lhe a cadáver os seus irmãos, João e
Sebastião Pereira (conhecido por "Sinhô Pereira"), acertaram logo vingar-lhe a
morte. E foram imediatamente em busca de João Lucas de Barros Filho e Lucas
Alves de Barros, recebendo este muitos tiros de João Pereira, saindo, entretanto
incólume.

Então, Sebastião Pereira fez ver aos irmãos que, sendo o mais moço, tomaria
a peito a questão e que os demais fossem cuidar das famílias.

E, dirigindo-se a, fazenda do Major Jose Inácio, no Brejo dos Santos (Ceará),


conseguiu do mesmo o auxilio de 18 homens em armas, para agir contra os
inimigos.

15
(O Major Jose Inácio era sogro de José Pereira de Sá —. "Pereirão" —
sobrinho do Coronel Antonio Pereira).

No grupo fornecido por José Inácio, formava Luiz Padre, — filho do velho
Manuel Pereira Jacobina "Padre Pereira".

É que a viúva do mesmo — D. Chiquinha Pereira ---, que também passara a


residir ali, ao ver seu sobrinho Sebastião Pereira, com apenas 16 anos, disposto
enfrentar a questão da família com os Carvalhos, chamou seu filho Luiz — rapaz de
18 anos — e disse-lhe: Meu filho acompanhe seu primo Sebastião e faça Dora em
diante tudo quanto ele quiser, no sentido de vingar a morte do irmão”!

Sebastião Pereira e Luiz Padre saíram do Ceará com 22 homens e seguiram


de rota batida para Serra Talhada, pondo cerco, logo que ali chegaram às fazendas
"Várzea do U", “Piranhas" e "Umburanas", pertencentes aos supostos mandantes
do homicídio de Né Dadú — Lucas Alves de Barros, Antonio da Umburana e
Sindário. E, ao aproximarem-se das fazendas, foram atirando em quem
encontravam e ateando fogo nas cercas, reduzindo tudo a cinza.

Desalojados das propriedades danificadas, os inimigos de Sebastião


retiraram-se para a cidade.

Não podendo, assim, continuar a persegui-los, Sebastião seguiu para Mata


Grande, acompanhado de Luiz, a fim de darem cabo do individuo "Palmeira", autor
da morte de Né Dadú. E, sabendo ali que o mesmo estava residindo num povoado
de Palmeira dos Índios, para ali se dirigiram e localizaram o criminoso, a quem
assassinaram.

Ao regressarem para Pajeú, souberam no povoado “São João de Barro


Vermelho”, de Serra Talhada, que o cangaceiro Luiz de Franca, autor da morte de
Padre Pereira, estava residindo próximo à estrada por onde haviam de passar...
Trataram logo de dirigir-se para ali e, ao se aproximarem do casebre onde morava
Luiz de Franca, ouviram a mulher chamá-lo para jantar. E, quando o criminoso
tomava assento a mesa, Luiz Padre alvejou-o. O cabra fugiu pelos fundos da casa,
internando-se no mato. Estava ferido.

Anoiteceu e Sebastião e Luiz Padre pernoitaram na casa, com a mulher do


cangaceiro. Pela manha, saíram a rastejá-lo, encontrando-o a certa distância. Então,
Luiz Padre identificou-se perante o matador de seu pai, para dizer-lhe que ia matá-
lo. Sangrou-o a punhal. Antes, porém, interrogou-o, sobre o mandato do crime,
confessando Luiz de Franca que fora João Nogueira quem lhe fornecera o
bacamarte para a pratica do crime, apontando outros membros da família Carvalho
como cúmplices na empreitada.

————_

16
Sebastião e Luiz Padre ficaram em S. Francisco com 11 rapazes em armas,
planejando novas façanhas.

Os "Piranhas" e "Umburanas" proprietários dessas fazendas combinaram com


um Tenente Carneiro, da Polícia de Pernambuco, destacado em Serra Talhada, para
ser cercado por este o povoado S. Francisco, a fim de que, na mesma ocasião,
fossem eles atacar a fazenda "Taboleiro", de propriedade de um irmão de Sebastião
— Praxedes Pereira de Sá. E, quando ouviram o tiroteio no povoado, os inimigos de
Sebastião, realizaram o assalto.

Mas, o Tenente Carneiro retirou-se de São Francisco, deixando 8 soldados


mortos, e Sebastião, ao ter aviso do perigo a que estava exposto Praxedes, correu
para, lá e forçou os atacantes a um recuo, salvando a vida do irmão, que resistira
bravamente ao ataque.

XII

Alarmado com a sucessão dos fatos sanguinolentos, o governo do Estado


mandou para Serra Talhada o Coronel João Nunes, que, com diversos oficiais sob o
seu comando, — entre os quais os Majores Optato Gueiros e Teófanes Torres,
Tenentes Lira Guedes, Cardim, Manuel Bigode e o afamado Capitão José Caetano
— desenvolveu seria perseguição a Sebastião e Luiz Padre.

Nessa altura, Luiz Padre já se sentia cansado da vida das caatingas, pelo que
cogitava de deixar as armas e retirar-se para bem longe, atendendo aos conselhos
de alguns parentes, que muita inquietação sofriam por culpa dos dois rapazes que
eram dois demônios.

Mas, enquanto isso não acertara em definitivo, tomava parte, com Sebastião,
em renhidos entreveros, como sucedeu em "Quixaba", em 1918 e no povoado Santa
Maria (Tupanaci), com os valentes irmãos Antonio da Umburana e Sindário, onde
houve mortes de parte a parte.

Não podendo dar cabo de Sebastião e Luiz, Antonio da Umburana dirigiu-se


um dia a fazenda "Agude de Baixo", onde residia um tio de Sebastião, de nome
Batista Valões, espaldeirando-o barbaramente, bem assim a todas as pessoas de
casa.

Sebastião e Luiz irritaram-se ainda mais e passaram a perseguir Antonio da


Umburana, sedentos de vingança. E, quando souberam, em fins de 1918, que
Antônio se dirigira a vila de "Queixada" (hoje Mirandiba), do município de
Manissobal, para ali marcharam, pondo cerco a casa onde ele se hospedara.

17
Apesar de ser aquela povoação habitada por muita gente da família
Carvalho, Sebastião e Luiz não trepidaram em eliminar, de qualquer forma, o seu
inimigo, que era, por sua vez, um sertanejo destemido até a temeridade.

Houve um cerrado tiroteio, ate que os assaltantes se decidiram a atear fogo


casa onde Antônio Umburana resistia como um leão. E quando este, ameaçado
pelas chamas, pulou fora de casa, para lutar corpo a corpo, morreu nas mãos de
Sebastião Pereira, que o enfrentou destemerosamente.

Depois disso, Luiz Padre resolveu ir embora para outro Estado, ficando
Sebastião para, retirar-se mais tarde, até que conseguisse trucidar João Nogueira,
seu cunhado...

Mas, acompanhou Luiz Padre até os limites do Piauí com a Bahia. E, quando
regressava, encontrou-se com um Oficial da Polícia do Piauí, que, ao reconhecê-lo,
deu-lhe voz de prisão. Entretanto Sebastião conseguiu desvencilhar-se da refrega
travada com os soldados e voltou a Serra Talhada, dirigindo-se a fazenda "Ponta do
Poço", onde residia seu parente João Toninho. Mas, com surpresa, foi recebido com
hostilidade, havendo tiros, morrendo um dos seus cabras de apelidado de João
Caxeado...

Recuando, Sebastião voltou ali, dias depois, matando um soldado e alguns


companheiros de João Toninho.

XIII

QUANDO LAMPIÃO SURGE EM CENA

Nos fins de 1919, Virgulino Ferreira (mais tarde "Lampião" — quando, em


combates, atirava tanto que seu rifle parecia um lampião aceso, (consoante o que,
por jactância, ele dizia, ou, talvez, os companheiros que lhe admiravam a presteza
com que amolegava o dedo no gatilho), veio, com seus irmãos Antônio e Livino, do
sítio em que residiam no Riacho de São Domingos, em Serra Talhada, apresentar-
se a Sebastião Pereira, para alistar-se no seu grupo.

Os Ferreiras como eram conhecidos esses três filhos do velho José Ferreira
da Silva, assassinado em Mata Grande — tornaram-se, inimigos de José Saturnino,
da fazenda "Pedreira", já haviam com ele brigado em campo raso, e, assim,
julgando-se inseguros, perdida dali por diante a tranqüilidade, decidiram-se a
abraçar de vez a vida do cangaço. E ali estavam sob as ordens do endiabrado
condottiere das caatingas, Sebastião Pereira, — rapaz bem apessoado, que, por
uma fatalidade, foi conduzido à triste condição de bandoleiro, vítima das injunções
do meio em que imolou a adolescência, aos impulsos do sangue que lhe clamava
vingança, aos ímpetos bravios de onça acuada, a arremeter, num pulo, ao cheiro da
fumaça...
18
E, no dia em que os Ferreiras entravam para o seu grupo, Sebastião seguiu
para a fazenda Carnaúba, do seu tio e padrinho Manuel Pereira Lins, com quem
estava aborrecido porque recebia recados seus, aconselhando-o a abandonar a vida
que levava...

Pois, que havia de fazer Sinhô Pereira? — Abarracou-se na fazenda e, como


se estivesse com o demônio no couro, para experimentar a coragem dos Ferreiras,
enviou um recado ao Capitão José Caetano, que estacionava na vila de Bom Nome
— dali a alguns quilômetros (município de Manissobal antigamente Belmonte —),
convidando-o a brigar...

Ora, ele bem sabia que o velho caboclo de Garanhuns não enjeitava parada.
Por mais de uma vez, ele e Luiz Padre mandaram desafiá-lo, e, sem pestanejar, o
bravo soldado riscava no local convencionado, com aquele corpanzil que, se era um
bom alvo para a pontaria, nunca uma bala atreveu-se a perfurá-lo. —Diziam até que
o velho Capitão tinha o corpo fechado e que merecera esse privilegio desde o dia
em que, como Sargento de uma volante em perseguição a Antonio Silvino, sangrou
11 bandidos aprisionados pela tropa no fog°. da serra do Surrão, lá pelas bandas do
norte do Estado, limites com a Paraíba...

E o certo é que, recebendo o recado, foi só mandar tocar a corneta, reunir os


soldados e avançar para Carnaúba, a marche-marche. E, em ali chegando, foi
recebido por Sebastião com todas as honras do estilo. Zuniu bala, que não foi
brinquedo. Morreu logo um "cabra" de Sebastião — Luiz Macário e em rápidos
instantes o pessoal de Sebastião azulou. José Caetano tomou conta da casa da
fazenda, que o dono abandonara, e, ordenando que se desse sepultura ao
cangaceiro, regressou a Bom Nome.

Mas, Sebastião Pereira voltou para ali e não consentiu que conduzissem a
rede do seu cabra morto, enquanto não lhe arranjasse um companheiro para o
cemitério. E saiu como um louco no encalço da tropa, diligenciando matar um
"macaco". Desiludindo-se, mata João Bezerra — filho do velho fazendeiro Desidério
Bezerra que nada tinha com as suas questões: e, regressando a Carnaúba, manda
que levem a enterrar Luiz Macário, porque já não ia só para a derradeira morada...

Daí por diante, eram freqüentes os encontros do seu grupo com a Polícia e
seus inimigos, — como sucedeu em Santa Rita, distrito de Serra Talhada, onde lutou
com Isnério Inácio, que era uma fera como ele. Em seguida, outros combates com
as forças dos Tenentes Bigode e Cardim, bem coma com o grupo de Ângelo
Umbuzeiro, na Várzea do Tamboril, onde perdeu um dos seus homens de confiança.
— Relâmpago—, morrendo um do pessoal dos Carvalhos — de nome Pedro
Mendes —, recuando Ângelo, que estava a serviço dos inimigos de Sebastião,
perseguindo-o tenazmente.

19
XIV

OS MAROTOS E LUIZ GONZAGA

Em começos de 1922, Sebastião Pereira preparava-se para deixar o Estado


— a conselho, agora, do Padre Cícero —, e, encontrando um comboio de tecidos do
comerciante Luiz Gonzaga de Souza Ferraz, estabelecido em Belmonte, pediu aos
almocreves que lhe cedessem uns cortes de pano para vestir seus cangaceiros e
fazer umas roupas para use próprio, em virtude de ter de retirar-se para longe. Os
portadores das cargas negaram-se a atendê-lo e Sebastião enfureceu-se, tocando
fogo no comboio.

Dali seguiu para a fazenda do seu primo Crispim Pereira de Araujo, vulgo Ioiô
Maroto em Belmonte, de onde pretendia ir ao Ceará, em visita de despedidas aos
parentes que haviam emigrado para ali, pois resolvera mesmo afastar-se do Estado.

Mas, a sua passagem pela fazenda de Ioiô Marôto, deixaria, para este, as
piores conseqüências.

È assim que, dias depois, um Oficial da Policia Cearense — Peregrino


Montenegro —, foi àquela fazenda (São Cristovão), sob o pretexto de ser seu
proprietário um dos coiteiros de Sebastião, e espancou o velho e demais pessoas da
família, inclusive as próprias filhas de Ioiô...

Depois de cometer essas violências, o Oficial segundo diziam revelara haver


feito tudo aquilo por inspiração de Gonzaga, que lhe afirmara existir em poder de
Ioiô Marôto uma parte das fazendas que Sebastião retirara das cargas incendiadas.
Resultado: Gonzaga ia morrer...

———

É que, em Maio de 1922, na fazenda "Preá”, Estado do Ceará, pertencente a


Napoleão da Cruz Neves, casado com uma prima de Sebastião Pereira — irmã do
seu tio e padrinho Né da Carnaúba Sebastião entregava a Lampião a direção do
grupo de bandoleiros, ficando apenas com um rapaz de sua inteira confiança, de
nome Joaquim Tomaz, por cognome "Mergulhão"; e, despedindo-se por ter de seguir
para a Bahia, onde já se encontrava Luiz Padre, exigiu de Lampião o cumprimento
de algumas recomendações, entre as quais a morte de Luiz Gonzaga!

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E Virgulino Ferreira, fiel aos seus compromissos, dias depois sitiava Belmonte
(Manissobal), e, depois de cerrado tiroteio, conseguiu penetrar em casa de
Gonzaga, eliminando-o.

Sebastião Pereira, ao que me consta, encontra-se atualmente, com Luiz


Padre, no interior de Minas Gerais, — todos em boas condições de vida, sendo que
Luiz Padre educou os filhos, um dos quais esteve há não muito tempo em Serra
Talhada, a fim de tratar da prescrição dos processos crimes em que seu pai e
Sebastião Pereira estivessem envolvidos.

XV

FICOU EM CAMPO LAMPIÃO

Virgulino Lampião sempre procurou cumprir as determinações de Sebastião


Pereira, entre os quais figurava a eliminação de João Nogueira. E, quando se
convenceu de que não conseguia realizar o que lhe fora ordenado expressamente,
matou miseravelmente o velho José Nogueira, pai daquele inimigo no. 1 de
Sebastião. Depois, passou a travar luta com os membros da família de Nazaret —
povoação do município de Floresta —, entre os quais os futuros Oficiais da Força
Policial do Estado, Tenente-Coronel Manuel de Souza Neto, Capitão Manuel de
Souza Ferraz e seu irmão, Tenente Euclides Ferraz gente brava, que nunca deixou
de enfrentar o perigoso Rei do Cangaço, que, por isso mesmo, recorrendo quase
sempre às emboscadas e guerrilhas, eliminou umas 20 pessoas daquela família, nas
caatingas do riacho do Navio, em Floresta.

Dali por diante, Virgulino passou a percorrer os sertões de alguns Estados do


Nordeste — como e do conhecimento de todos — , em correrias, sempre perseguido
pelas volantes da policia, até que, em 1938, teve o seu fim trágico no lugar
“Angicos", no Estado de Sergipe.

Foi o mais famoso bandoleiro do Nordeste, sobrepondo-se a Antônio Silvino,


sobretudo nas atrocidades. Silvino, pelo menos, possuía uma qualidade que faltava
a Lampião e o respeito absoluto a honra dos lares.

____

A nota pitoresca da vida de Lampião foi a sua investidura no posto de


"Capitão do Exercito"...

Encontrava-se ele no Juazeiro do Padre Cícero (Ceará): e o velho sacerdote


entendeu de aproveitá-lo para combater as hostes de Luiz Carlos Prestes, que
naquela ocasião faziam a celebre marcha pelo interior do País e haviam penetrado
os sertões daquela região (Governo Bernardes). Lampião prontificou-se a aceitar a
21
missão, mas exigiu que lhe dessem o posto de "Capitão"! E o velho taumaturgo, por
blague, talvez, e, também, não querendo perder a oportunidade de prestar serviços,
que lhe teriam sido solicitados, em auxilio da legalidade, aproveitando, naquela
emergência; o numeroso grupo de Lampião mandou chamar um funcionário do
Ministério da Agricultura, ali de passagem, e pediu-lhe que, na qualidade de servidor
da União e, portanto, "representante do Governo Federal", expedisse a carta patente
ao famoso guerrilheiro das caatingas... E, em presença do Padre e de Lampião, o
pobre funcionário, sem forcas para resistir àquela imposição suando frio teve de
lavrar o documento original, apondo a sua assinatura no fecho da "patente" que, dali
por diante, seria o orgulho máximo de Virgulino Ferreira!

E, em todas as cartas que ele expedia as pessoas a quem exigia dinheiro (e


algumas delas eu li, pois naquela época eu vivia no sertão de Pernambuco,
exercendo as funções de Agente Fiscal do imposto de consumo), — as quais
começavam com, o clássico "Estimo as suas saudação" — no final lá estava, na sua
caligrafia bem regular, o jamegão do celebre cangaceiro, que assim assinava:
“Capitão Virgulino Ferreira - Vulgo Lampião”....

Remanescente do grupo de Sebastião Pereira e Luiz Padre, Lampião foi o


último abencerragem do bandoleirismo nômade dos sertões do Nordeste, que, com
a sua morte, desapareceu por completo, e hoje é apenas evocado na tela, através
do filme “Os cangaceiros", de Lima Barreto, graças ao qual ganhou popularidade,
em todo o Brasil e, agora, já no estrangeiro, a famosa e tocante canção de guerra
"Mulher rendeira" entoada por Lampião e seus comparsas nas caminhadas através
das ínvias veredas dos catingais sertanejos...

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