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A LUTA
DOS
PEREIRAS E CARVALHOS
(SERTÃO DE PERNAMBUCO)
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(*) Também o Dr. Sergio Nunes de Magalhães, ao escrever sobre a cidade onde
nasceu (Serra Talhada — então Vila Bela —), referindo-se ao capitão-mor, diz o seguinte
(V. "Almanaque de Pernambuco", de 1903):
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(O movimento conhecido por "Cabanada" teve como principal reduto a então Vila
de Panelas de Miranda (Pernambuco), irradiando-se, entretanto, por alguns pontos do
interior da Província. Conforme diz BASILIO DA MAGALHAES, historiador patrício, os
Cabanos desejavam a volta de D. Pedro I ao trono do Brasil).
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II
Houve luta renhida e, por sinal, ainda conheci o velho casarão onde Nogueira
e Carvalho resistiram às tropas de Manuel Pereira. As grossas paredes e a porta e 6
janelas de frente, estavam de alto a baixo perfuradas pelas balas dos velhos
arcabuzes da época.
O que, efetivamente se deu, em 1848. (Se bem que, antes disso, houve
varias escaramuças entre grupos de parte a parte, durante alguns anos, uma das
quais no "Poço da Cruz", então pertencente à Freguesia de Alagoa de Baixo, ribeira
do Moxotó e atualmente municípios de Inajá.
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o juiz ordinário Manuel Felix de Veras e talvez de simpatias pela revolução de 1817",
oficiava em data de 29 daquele mês ao Governador e Capitão-General de Pernambuco,
nos seguintes termos: (V. DO-CUMENTOS DO ARQUIVO", Vol. IV e V., Recife, 1950,
paginas XLV e 494):
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É que Nogueira Paz, aliando-se a José Rodrigues, de Jatobá de Tacaratú
(conhecido por Jose Rodrigues da Serra Negra) e Serafim de Souza Ferraz, aliciou
gente em arma, inclusive índios, localizando-se na Serra Negra (do município de
Floresta,), e ali entrincheirou-se, provocando o governo e hostilizando seus
adversários.
O caboclo guiou Simplício, com sua tropa, par outra subida quase inacessível
e, quando Nogueira Paz, descansado, numa rede, comia uma melancia temporã,
viu-se cercado pelas forças inimigas.
Travou-se a luta, foi morto Jose Rodrigues, além de outros amotinados, mas
Nogueira Paz desapareceu.
Dizia-se, por sinal ter ele afirmado que, se fosse vencido na luta, e nela não
perecesse, os amigos não o viriam mais...
III
Mais tarde, foi forçado a tomar parte no as: salto ao arraial dos fanáticos da
Pedra Bonita na serra do Catolé, município de Belmonte, em 1838 —, onde os
caboclos João e José Antonio fizeram imolar diversas virgens e crianças, a pretexto
de lavar com seu sangue duas peanhas alcantiladas, a fim de que se desencantasse
ali o Reino de Dom Sebastião.
João e Jose Antonio fugiram para Minas Gerais de onde eram filhos; mas
Simplício despachou dois rapazes de sua confiança — Roque de Freitas e Antonio
da Cruz —, em perseguição aos mesmos, que foram capturados. De regresso,
sucedeu que João Antonio adoeceu de febre palustre já no Estado da Bahia e, por
isso, os seus condutores resolveram matar os dois, trazendo-lhes as orelhas para
prova do êxito da diligência.
Simplício recebeu o jornal, que um amigo lhe enviara para a fazenda, ao ler o
que escrevera Brigido, exasperou-se. Aproxima-se a mulher e interroga-o sobre o
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motivo da sua Zanga. E Simplício responde: "Pois esse jornalista canalha não diz
que eu sou autor de mais de cinqüenta mortes?! Que bandido"! Replica-lhe a
esposa: "Simplício, contando com os caboclos... é capaz de passa de cinqüenta,” E
ele diz, enjoado: "Ora que besteira, mulher! Eu falo e em gente batizada"!.
IV
Mais tarde, na Serra Negra, novas lutas se registraram entre eles, e, pelo que
colhi ultimamente, Francisco Alves de Carvalho, auxiliava os rebeldes de Nogueira
Paz.
Daí eu concluo que, desde aquela época ficou o germe da discórdia entre as
duas famílias, —- uma delas, a Carvalho, contando mais tarde com a solidariedade
dos Nogueiras, descendentes estes — conforme apurei —, de Barbosa Nogueira
Paz.
E isso daria lugar — penso eu —, muitos anos depois, aos atritos entre os
descendentes de ambas, conforme narraremos adiante.
É que, quem conhece o sertão, bem sabe que as desavenças entre famílias,
por questões de honra ou de sangue, dificilmente se extinguem, passando de
geração a geração. Especialmente naquela época, quando, ao sabor dos costumes
semibárbaros, tudo se resolvia pelas armas, impondo-se a lei do mais forte.
Por isso eu admito que, quando pessoas da família Pereira tiveram um sério
atrito com Antonio Quelé — membro da família Carvalho em 1905, falava ali o velho
ranço de uma intriga entre seus ancestrais. É que, coberta pela cinza dos anos
decorridos, a brasa dos ressentimentos ainda não se apagara.
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V
É que, em razão da sua idade avançada, esse nobre varão sertanejo bem
podia depor, com autoridade, a respeito dos fatos em que estiveram envolvidos seus
tios, bem assim sobre os últimos acontecimentos, nos quais tomou parte no inicio da
luta.
VI
E, indo dali para Serra Talhada (Vila Bela, naquela época), aconteceu que,
estando a conversar com alguém na feira, dele aproximou-se Isidoro Aguiar —
membro da família Pereira, que o interpelou sobre o atrito ocorrido entre ele —
Quelé — e seus primos, em Manissobal. Quelé passou a historiar o que havia
acontecido e, como a conversa fosse em altas vozes em virtude do sussurro, natural
dos feirantes, — entendeu Antônio Pereira Baião), que por perto passava tratar-se
de uma alteração acalorada entre eles. E, receoso de que houvesse um atrito mais
sério, foi comunicar o que presenciara a seu primo Manuel Pereira Maranhão,
conhecido por "Né do Baixio", Delegado de Policia até então, pois, embora
constasse haver sido exonerado, não havia confirmação de fato.
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Ainda houve tiros, um dos quais, por sinal, atingiu o quadro do Coração de
Jesus na sala de visitas, mas tudo terminou com o recolhimento de Quelé e Vitorino
a Cadeia local.
Manuel Pereira veio a falecer dias depois, mas pedira aos parentes que não
exercessem vingança, reconhecendo que agira imprudentemente.
Voltando para a sua fazenda, ali vivia sem ser incomodado, quando surge
outro incidente entre ele , e Antonio Pereira de Araujo, conhecido por Antonio Marôto
— primo de Né do Baixio, — residente na fazenda "Queimada Grande", vizinha à
sua.
É que Antonio Marôto mandara cortar uns cedros, os quais foram deixados
pelos trabalhadores na extrema das duas propriedades, e aconteceu que os
moradores de Quelé, não sei se por ordem deste, conduziram para a sua fazenda os
toros de madeira, cuja devolução foi reclamado por Marôto. Antonio Quelé, em
resposta, dirigiu-lhe insultos, com os quais, Antonio Marôto julgou-se gravemente
injuriado. E, resolvendo tomar um desforço pessoal, comunicou a sua intenção ao
tio, Manuel Pereira Jacobina (conhecido por, "Padre Pereira"), setuagenário
residente no município de Serra Talhada, — chefe, ali, da família Pereira.
VII
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É que Né Dadú havia sido exonerado do cargo de Subdelegado daquele
povoado, tendo sido nomeado em sua substituição aquele seu cunhado, o qual, indo
tomar posse do cargo, não o conseguiu, pois Né Dadú e seus parentes o apuparam,
levando-o ao ridículo.
Né Dadú prometeu a sua tia Chiquinha que mataria mais gente, se não
morresse logo; e continuou a residir no povoado.
É quando alguns dias depois recebe recado de João Nogueira, em que este o
desafiava a ir a sua fazenda "Serra Vermelha", onde o esperava com 22 homens
bem armadas.
A 29 de Março de 1908, por volta das 10 horas, Né Dadú, com o seu grupo de
15 homens, estava cercado por uns 300 guerrilheiros, chefiados pelo Coronel
Antonio Alves, ao lado de Antonio Quelé, João Nogueira, Antônio Cipriano, Lucas
das Piranhas e Cirilo do Lagamar!
Nessa dramática conjuntura, eis que lhes, chega em auxilio o primo, Coronel
Antonio Pereira, filho do Barão do Pajeú, que, sabendo da sua situação, juntou 62
homens no fazenda zenda "Pitombeira", distante algumas léguas de São Francisco,
e disso à mulher que ia morrer em defesa dos parentes. E, atravessando, a nado o
rio Pajeú, Antônio Pereira avança resolutamente para o povoado, atacando os
inimigos com ímpeto, forçando-os a abandonar o cerco, depois de um forte combate
que durou horas.
Até há pouco tempo antes, o Coronel Antônio Pereira era o chefe político do
município, perdendo o apoio oficial depois dos acontecimentos já narrados, em
Manissobal e Serra Talhada, nos quais estiveram envolvidos parentes seus.
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DEPOIS DE 1911
Dias depois é preso em São Francisco, com Pedro Valões, sendo enviados
para a Cadeia de Flores, município limítrofe a Serra Talhada. Desaforado o processo
para a cidade de Triunfo, ali foram absolvidos.
Regressou Né Dadú para São Francisco, onde passou a ser perseguido por
inimigos já agora um filho de Manuel de Carvalho, de nome José da Umburana, que
tomara a peito vingar a morte de João Juvino. E Jose Umburana era tão destemido
que chegou a abrir uma mercearia em São Francisco, foco da família Pereira...
Nada ficou contra ele apurado, de vez que, no dia do crime, estava — como
provara — a mais de 20 léguas do local do delito.
Mas, passou a residir em Mata Grande (Alagoas), pois bem sabia que, pelo
menos os dois irmãos de José da Umburana — Antônio e Jacinto Alves de Carvalho,
conhecido por '"Slndário", eram rapazes de muita coragem e não se acreditava que
deixassem impune a morte do irmão.
IX
E, sem querer mais voltar para a fazenda, concordou em que sua esposa, D.
Maria Pereira, ali fosse em companhia do filho Manuel Pereira, por alcunha "Belém",
e o vaqueiro Elói, a fim de revê-la e tratar de assuntos particulares, sucedendo,
entretanto que uma surpresa trágica teria de amargurá-los.
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Mais tarde, indo "Belém", foram presos ali e transportados para Serra
Talhada, pelo Coronel João Nunes, da Policia de Pernambuco. Submetidos a
julgamento, foram absolvidos, tendo como patrono o brilhante rábula Batista de
Siqueira, filho do então Desembargador do Rio Grande do Norte João Batista de
Siqueira Cavalcanti, natural de Pernambuco.
É' que, quando pernoitava numa serra, entre S. Francisco e Santa Maria hoje
(Tupanaci), a 16 de Outubro de 1916, Palmeira assassinou com um tiro na cabeça,
quando ele dormia. E, quando Manuel e Antonio Paixão despertaram com o
estampido do tiro, o criminoso já havia fugido, conduzindo o chapéu e uma faca de
Né Dadú, objetos que conforme dizias os Pereiras haviam sido entregues pelo
assassino no dia seguinte aos proprietários da fazenda "Piranhas." — gente dos
Carvalhos - recebendo em paga um burro para evadir-se e uma certa importância
em dinheiro.
Então, Sebastião Pereira fez ver aos irmãos que, sendo o mais moço, tomaria
a peito a questão e que os demais fossem cuidar das famílias.
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(O Major Jose Inácio era sogro de José Pereira de Sá —. "Pereirão" —
sobrinho do Coronel Antonio Pereira).
No grupo fornecido por José Inácio, formava Luiz Padre, — filho do velho
Manuel Pereira Jacobina "Padre Pereira".
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Sebastião e Luiz Padre ficaram em S. Francisco com 11 rapazes em armas,
planejando novas façanhas.
XII
Nessa altura, Luiz Padre já se sentia cansado da vida das caatingas, pelo que
cogitava de deixar as armas e retirar-se para bem longe, atendendo aos conselhos
de alguns parentes, que muita inquietação sofriam por culpa dos dois rapazes que
eram dois demônios.
Mas, enquanto isso não acertara em definitivo, tomava parte, com Sebastião,
em renhidos entreveros, como sucedeu em "Quixaba", em 1918 e no povoado Santa
Maria (Tupanaci), com os valentes irmãos Antonio da Umburana e Sindário, onde
houve mortes de parte a parte.
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Apesar de ser aquela povoação habitada por muita gente da família
Carvalho, Sebastião e Luiz não trepidaram em eliminar, de qualquer forma, o seu
inimigo, que era, por sua vez, um sertanejo destemido até a temeridade.
Depois disso, Luiz Padre resolveu ir embora para outro Estado, ficando
Sebastião para, retirar-se mais tarde, até que conseguisse trucidar João Nogueira,
seu cunhado...
Mas, acompanhou Luiz Padre até os limites do Piauí com a Bahia. E, quando
regressava, encontrou-se com um Oficial da Polícia do Piauí, que, ao reconhecê-lo,
deu-lhe voz de prisão. Entretanto Sebastião conseguiu desvencilhar-se da refrega
travada com os soldados e voltou a Serra Talhada, dirigindo-se a fazenda "Ponta do
Poço", onde residia seu parente João Toninho. Mas, com surpresa, foi recebido com
hostilidade, havendo tiros, morrendo um dos seus cabras de apelidado de João
Caxeado...
XIII
Os Ferreiras como eram conhecidos esses três filhos do velho José Ferreira
da Silva, assassinado em Mata Grande — tornaram-se, inimigos de José Saturnino,
da fazenda "Pedreira", já haviam com ele brigado em campo raso, e, assim,
julgando-se inseguros, perdida dali por diante a tranqüilidade, decidiram-se a
abraçar de vez a vida do cangaço. E ali estavam sob as ordens do endiabrado
condottiere das caatingas, Sebastião Pereira, — rapaz bem apessoado, que, por
uma fatalidade, foi conduzido à triste condição de bandoleiro, vítima das injunções
do meio em que imolou a adolescência, aos impulsos do sangue que lhe clamava
vingança, aos ímpetos bravios de onça acuada, a arremeter, num pulo, ao cheiro da
fumaça...
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E, no dia em que os Ferreiras entravam para o seu grupo, Sebastião seguiu
para a fazenda Carnaúba, do seu tio e padrinho Manuel Pereira Lins, com quem
estava aborrecido porque recebia recados seus, aconselhando-o a abandonar a vida
que levava...
Ora, ele bem sabia que o velho caboclo de Garanhuns não enjeitava parada.
Por mais de uma vez, ele e Luiz Padre mandaram desafiá-lo, e, sem pestanejar, o
bravo soldado riscava no local convencionado, com aquele corpanzil que, se era um
bom alvo para a pontaria, nunca uma bala atreveu-se a perfurá-lo. —Diziam até que
o velho Capitão tinha o corpo fechado e que merecera esse privilegio desde o dia
em que, como Sargento de uma volante em perseguição a Antonio Silvino, sangrou
11 bandidos aprisionados pela tropa no fog°. da serra do Surrão, lá pelas bandas do
norte do Estado, limites com a Paraíba...
Mas, Sebastião Pereira voltou para ali e não consentiu que conduzissem a
rede do seu cabra morto, enquanto não lhe arranjasse um companheiro para o
cemitério. E saiu como um louco no encalço da tropa, diligenciando matar um
"macaco". Desiludindo-se, mata João Bezerra — filho do velho fazendeiro Desidério
Bezerra que nada tinha com as suas questões: e, regressando a Carnaúba, manda
que levem a enterrar Luiz Macário, porque já não ia só para a derradeira morada...
Daí por diante, eram freqüentes os encontros do seu grupo com a Polícia e
seus inimigos, — como sucedeu em Santa Rita, distrito de Serra Talhada, onde lutou
com Isnério Inácio, que era uma fera como ele. Em seguida, outros combates com
as forças dos Tenentes Bigode e Cardim, bem coma com o grupo de Ângelo
Umbuzeiro, na Várzea do Tamboril, onde perdeu um dos seus homens de confiança.
— Relâmpago—, morrendo um do pessoal dos Carvalhos — de nome Pedro
Mendes —, recuando Ângelo, que estava a serviço dos inimigos de Sebastião,
perseguindo-o tenazmente.
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XIV
Dali seguiu para a fazenda do seu primo Crispim Pereira de Araujo, vulgo Ioiô
Maroto em Belmonte, de onde pretendia ir ao Ceará, em visita de despedidas aos
parentes que haviam emigrado para ali, pois resolvera mesmo afastar-se do Estado.
Mas, a sua passagem pela fazenda de Ioiô Marôto, deixaria, para este, as
piores conseqüências.
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E Virgulino Ferreira, fiel aos seus compromissos, dias depois sitiava Belmonte
(Manissobal), e, depois de cerrado tiroteio, conseguiu penetrar em casa de
Gonzaga, eliminando-o.
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