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A SAGA DE LUIS PÉ DE SERRA

Souto Soares, 26 de Julho de 2019

O povoado de PÉ DE SERRA está localizado no município de Souto Soares, na Bahia. Terra de


pessoas simples e hospitaleiras.

Quem o visita hoje não imagina que ali já foi um dos lugares mais importantes da Bahia, pois ali
viveu e morreu um homem conhecido por Luís Pé de Serra, grande chefe sertanejo, aliado de
Horácio de Matos em muitas e muitas batalhas.

Comecemos por uma de nível Nacional e Mundial – A Coluna Prestes (Luiz Carlos Prestes se
casou com Olga Benário, aquela do filme Olga), que foi a maior marcha de um exercito na
história da humanidade, conhecida na Chapada Diamantina como REVOLTOSOS, só que como
sempre no Brasil, o governo conseguiu enganar muita gente, dizendo que a revolta deles era
contra a população, quando na verdade era contra os desmandos do governo, desse modo o
Presidente Artur Bernardes, consegue o apoio de vários chefes sertanejos para a criação de
batalhões patrióticos, cuja função era combater a Coluna Prestes. Luiz Pé de Serra, como aliado
e amigo de Horácio participou desse batalhão.

Lourenço Moreira Lima foi o secretário da Coluna, e no seu livro ‘’A Coluna Prestes”, descreve
como se deu a marcha, narrando os acontecimentos mais importantes, em que um deles se dá
quando o Coluna intercepta um bilhete de Horácio de matos à José Bernardo:

Ezequias Pereira Sampaio Júnior


“Carrapicho, 29 de Março de 1926.

Am.° José Bernardo

Saudações.

Ivoco esta copia de carta do Cel. Horácio de manda de D.


Casemera p.ª o AM.° tomar as provedencias nercarias.

“ Cocho do pega 28 de março de 1926.

Amegos Francisco de Remero D. Casemera.

Saudação. Devido a grande marcha dos revoltosos que já estão


perto de Chapada Velha eu mandei hoje mesmo occupar Agua
de rega e Pé de Serra e occupando por adeante a vereda todos
os amos. mande comunecar esta notecia que é a mais nova a
Sonhe que é em Abcehira provedencia a oxeliar-me urgente
pesso provedenciar urgente arma e moneções mandeme com
urgência. Estão próximo a barra de Mende e e por Chapada
serta direcção mandeme gente e com todarmas e monecçã.

Do Am.° Ob.°

Horácio Mattos.”

LUI
Z

Figura 1Vê-se, ao centro, com a farda branca Horácio de Matos, e à sua direita Luís Pé de Serra

Como se vê, Pé de Serra foi um ponto estratégico para os acontecimentos da época e Luís fez
parte do Batalhão Patriótico que perseguiu a Coluna até a Bolívia.

Ezequias Pereira Sampaio Júnior


COMO ERA VIVER NO SERTÃO

A proclamação da república aconteceu em 1889, e o sertanejo que já estava acostumado com a


monarquia, em que tudo era do Rei, agora se via órfão de autoridade. A idéia de República podia
fazer sentido nos grandes centros, mas no sertão era só uma palavra.

Assim, o sertanejo aprendeu a viver criando suas próprias leis, o Estado já existia, é claro, mas
era algo muito vago, praticamente era só uma cadeia pública, um coletor, um intendente, um
delegado nomeado por algum político e uma ou duas praças (policiais). Nada de Escola.

Com esse cenário, o homem da terra era rude, valente e honrado. Não admitia ofensas, e fazia
a própria defesa das suas posses. Com Mocós, comblains, mausers, e espingardas,sem falar do
inseparável punhal, que não servia nem para descascar laranja, era feito para matar. Com isso,
o pai de família para defender os seus podia agir de qualquer forma, e dificilmente uma ofensa
era resolvida com diálogo.

Isso gerou um clima de guerra, onde ninguém perdoava ninguém. A família de um morto sempre
vingava o falecido, ou então tinha um destino pior do que a morte, a fama de covarde. Mas nisso
tudo existia uma lei, que era ditada por quem tivesse mais dinheiro, mais jagunços e mais fama,
os chamados Chefes. Eram eles que, no seu reduto, garantia a ordem, utilizando de mais
violência que os comuns.

Desse modo, como podemos julgar as atrocidades que eram cometidas naquela época? A lei da
sobrevivência é mais forte. Por isso, mesmo após muitas guerras e mortes, depois do
desarmamento dos sertões, em 1931, aqueles combatentes e sobreviventes buscaram uma vida
de paz, muitas vezes evitando até falar do que viram e do que fizeram, pois eles haviam visto a
face da morte, e não desejavam para as gerações futuras aquilo por que foram obrigados a
passar. O meu avô contava muitas histórias, mas não os detalhes. Eu via nos seus olhos a tristeza
por ter assistido a tantas injustiças, por isso se tornara uma pessoa doce, que buscava aconselhar
a todos e evitar qualquer desentendimento.

Por isso, não cabe a nós julgar o que passou, pois como disse um governador da época “ são
feras, que se matem”. Na verdade não eram feras, mas haviam sido deixados como se feras
fossem pelo Estado. Bastou serem tratados como seres humanos, que logo a paz reinou.

BARULHOS DA BARRA
Em dezembro de 1918, deu-se início a um combate que durou, segundo Américo Chagas,no seu
livro “ O chefe Horácio de Matos”, 4 meses e 28 dias, entre o Coronel Militão Rodrigues Coelho,
de Barra do Mendes e o próprio Horácio. Com a ajuda de Lúís Pé de Serra, Eusébio Gaspar de
Souza, de Pau Ferro, os mandiocas tomaram a cidade da Barra do Mendes e expulsaram Militão.
Nesta batalha foram cavadas trincheiras, túneis, explodiu-se dinamites, usaram cercas de
quiabento como proteção bem como muito tiro.

O coronel Militão não aceitou a derrota e pediu auxílio ao governo para retornar, sendo
auxiliado por mais de 500 homens.

Ezequias Pereira Sampaio Júnior


PISA MACIO EM SOUTO SOARES
Em 1916, na região de Ituaçu havia uma disputa entre as famílias Silva e Gondins que acabou
por envolver uma outra família denominada Cauaçus, esta família após o assassinato de um de
seus membros se tornou uma família de cangaceiros. O governador da época, Antonio Ferrão
Muniz enviou duas expedições para conte-los, porém sem sucesso, até que na última enviou o
Alferes Francisco Gomes, conhecido como Pisa Macio.

Pisa Macio chegou para resolver de vez o problema, porém usou de tanta violência, que segundo
o artigo Conflagração Sertaneja: os cauaçus enfrentam a força policial e os coronéis da Bahia no
sertão de Jequié” de Domingos Ailton Ribeiro de Carvalho, acabou por assassinar muitos
inocentes com requintes de crueldade, o que fez com que o Jornal A Tarde, entre outros,
denunciassem a ação de Pisa Macio.

“O alferes Francisco Gomes crucifica um homem nas margens do Rio


das Contas e lança crianças para o ar, que são amparadas com a ponta
das baionetas, além de ordenar a matança de muitos outros inocentes
cujo genocídio é denunciado na imprensa baiana por veículos como
Diário de Notícias e Jornal A Tarde.”

Domingos Ailton Ribeiro de Carvalho

Em julho de 1919, Pisa Macio era designado para atuar a favor de Militão, e recebera ordens de
sair de Campestre para Descoberto, que fica no município de Canarana. Ele deveria passar pela
Estrada Real, que passa por Parnaíba de Iraquara, ou seja deveria dar uma volta, mais ou menos
por Zabelê de Iraquara ou pelo Cochó do Malheiro, mas ele decidiu cortar caminho por Pé de
Serra, com a intenção de andar mais rápido. Porém, os soldados começaram a destruir e colocar
fogo nos ranchos dos moradores, que ao ver a fumaça se prepararam para o combate, quando
os soldados apareceram em uma curva os moradores os receberam à bala e o primeiro a ser
atingido foi o tenente Pisa Macio, os soldados se desesperaram e fugiram, largando bonés,
espadas, armas e munições, que depois foram recolhidas pelos moradores. Inclusive há pouco
tempo foram encontrados fuzis e uma Espada, que segundo relatos foram entregues a uma
pessoa em Tabuleirinho.

O povo de Pé de Serra se salvava assim de um triste fim, pois Luís pé de Serra era aliado de
Horácio de Matos e adversário de Militão, e Pisa Macio não brincava em serviço.

Ezequias Pereira Sampaio Júnior


Recentemente, um lavrador encontrou um artefato na serra, possivelmente de origem
militar, confirmando a história.

Figura 2 Espada antiga para comparação

INTERVENÇÃO NA BAHIA
No ano de 1920 houve a Reação Sertaneja, movimento liderado por Rui Barbosa, para depor o
governo de José Joaquim Seabra do governo do estado da Bahia. O plano era que os chefes de
Jagunços do interior marchassem para a capital Salvador para tirá-lo à força do poder, pois
consideravam que havia um acordo entre este e o governo anterior de não saírem do poder, um
indicando o outro sucessivamente.

Luis pé de Serra participou com os seus combatentes, ficando acampado em Lençóis até o
momento de ocupar outras comunidades e, por fim, o plano deu certo. Mesmo sem chegar à
Capital, o Presidente Epitácio Pessoa decretou intervenção na Bahia no dia 23 de fevereiro de
1920, tendo como interventor o general Cardoso de Aguiar.

CERCO DE LENÇÓIS
Em Setembro de 1924, Horácio de matos retornava de salvador para Lençóis, ao fim do seu
mandato de Senador Estadual, cargo à época existente.

Neste período, como é comum até hoje, a cidade era dividida entre duas ideologias políticas, à
favor de Horácio de Matos e à favor da família Sá. Assim o chefe do telégrafo (era como o
telefone da época), que era contra Horácio, começou a falsificar mensagens, incitando o
governador contra ele, e à partir daí o Governador enviou tropas para as circunvizinhanças de
Lençóis, até cercá-la por todos os lados, menos a parte do rio Serrano.

Ezequias Pereira Sampaio Júnior


Nesta época, Americo Chagas, no seu O Chefe Horácio de Matos escreveu:

“ dias depois as forças de Francisco de Matos e de Luís


Pé de Serra cercavam em Wagner a fôrça policial do
Tenente Macedo e atacavam em Lajedinhoa a do
Tenente Alexandre, havendo combates encarniçados nos
arredores de Wagner, em Bom Prazer e Araçás...”

“... enquanto um grupo de 50 homens, sob o comando de


Luís Pé de Serra, seguiu para ocupar Lajedinho...
Iniciadas as hostilidades, os mandiocas recuaram de
Lajedinho para Araçás, onde foram atacados pelo grupo
de Antônio Hermenegildo e Vitório Bigodeira, travando-
se violento combate em que houve mortos e feridos.”

Figura 2João Bernardino Macedo ou Tenente Macedo

O cerco de Lençóis durou muitos dias e o Governo tinha como certa a sua queda, porém,ao
pensar assim, o Major Mota Coelho, resolveu com mais ou menos 10 homens, se aproximar do
centro de Lençóis, foi quando,em combate direto com Horácio de Matos, o Major foi atingido e
morto, o que fez com que as Tropas do governo recuassem e Lençóis resistisse sem ser
derrotada.

CONQUISTA DE DESCOBERTO
Descoberto, povoado de Canarana, era o reduto de João Pedro Souza Santos, inimigo dos
Mandiocas (como eram chamados os aliados de Horácio de Matos), e após invasões deste à
Estiva, dentre outras coisas, organizou Horácio os Jagunços para derrotá-lo, com a Ajuda de
Eusébio de Pau Ferro e Luís Pé de Serra, sendo que no dia 27 de março de 1921, morria o valente
João Pedro de arma na mão. João Pedro era neto de José Pedro, chefe de Cercado.

Ezequias Pereira Sampaio Júnior


Luís Pé de Serra é sempre lembrado pelos moradores de Pé de Serra, porém a sua família
mudou-se para Salobro e outras localidades e pouco ficou registrado daquele que foi um dos
mais importantes combatentes da Bahia, ao que sabe-se,em Souto Soares resta a família do ex
vereador José Alves Martins, popular Seu Zú, de São Domingos, pessoa boa e de grande coração,
que são parentes diretos.

Luís foi enterrado no Cemitério de Pé de Serra, no dia 16 de Setembro de 1947, conta Dainha
que no mesmo dia em que um irmão seu nasceu, pois ainda na viajem de volta do enterro, sua
mãe se “incomodou”.

Figura 3 Local onde foi enterrado Luís Pé de Serra, segundo seu Valdinho (o cemitério encontra-se sem muro, o
que precisa ser corrigido pelas autoridades do município)

PÉ DE SERRA HOJE

O padroeiro de Pé de Serra é Santo Antônio e lá se encontra uma antiga Igreja, que segundo
relatam é da mesma época da Igreja de Campestre, em Seabra. A imagem de Santo Antônio,
belíssimo trabalho em madeira, segundo consta, é a original da primeira Igreja, que foi
reformada, construindo-se a atual sobre parte da sua estrutura, inclusive duas linhas do telhado
são da antiga. As famílias de Pé de Serra hoje vivem basicamente da agricultura, tendo a
mandioca como principal cultura.

Ezequias Pereira Sampaio Júnior


Figura 4 Cacimba ou minação

Figura 5 Vista de cima da Serra, onde se encontram pinturas rupestres e uma pequena cachoeira temporária

DESCENDENTES
O trabalho de identificação de todos os descendentes de Luis Pé de Serra,ainda precisa ser feito,
pois não faz tanto tempo que o seu último filho faleceu, restando assim grande número de
parentes em Souto Soares, Salobro e Barra do Mendes.

Ezequias Pereira Sampaio Júnior


Uma destas descendentes é a senhora Cidália Alves Martins, ou Dona Dainha, que relatou a
sua descendência da seguinte forma:

Avós: Ezequiel Martins Souza e Salustriana Maria de Souza (filha de Luís)

Pai: Ezequiel Martins Filho e Atanásia Maria Martins

Irmãos: José Alves Martins, Valdetino Alves Martins, Zenália Alves Martins, Maria Alves
Martins, João Alves Martins, Miguel Alves Martins,Edna Alves Martins.

Luis tinha dois filhos que viveram em Salobro, de nomes Lormino e João

Figura 6Filho de Luís Pé de Serra

HISTÓRIA ORAL

Um relato interessante foi dado por Dona Dainha, quando disse que o seu pai nasceu no dia em
que seu avô foi morto na batalha de Barra do Mendes, e que neste dia, por algum motivo,
colocaram o caixão embaixo da cama da sua Avó. Conta também que durante a batalha da Barra,
os sitiantes usavam os corpos dos mortos em cima das cercas de quiabento para poderem pisar
e passar por cima da cerca.

Autor: Professor Ezequias Pereira Sampaio Júnior

Bibliografia pesquisada:

Américo Chagas: O Chefe Horácio de Matos

Walfrido Moraes: Jagunços e Heróis

Lourenço Moreira Lima: A Coluna Prestes

http://www.adourado.com.br

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

https://www.facebook.com/ChapadaVelha/

Ezequias Pereira Sampaio Júnior


Contribuíram: Amarildo Neves e Jesiane de Pé de Serra,Cidália Alves Martins, Ildenário dos
Anjos Rodrigues.

Ezequias Pereira Sampaio Júnior

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