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CAPÍTULO V: Extensão e Consolidação da Área de Barra do Corda


As sesmarias20 — A fazenda agrícola de Manoel Raimundo
Maciel Parente — Outras penetrações — Os arraiais de Campo
Largo e Leandro e consolidação do povoado-sede — A
vontade Indômita de Melo Uchôa — Seus familiares.

Melo Uchôa não encontrara em Barra do Corda, quando da fundação do


povoamento que deu origem à cidade (1835), nenhum sesmeiro21 ou ocupante das Datas22
concedidas anteriormente pela Coroa, à colonizadores, nas tentativas de penetração
verificadas até então, à exceção da presença de Manoel Raimundo Maciel Parente, que muito
viria ajudá-lo na valorização, extensão e povoamento da área.
A programação fundiária na Província se inicia com a concessão de sesmarias à
partir de 1776. Todavia, somente a 8 de agosto de 1804 (vide p. 125 de Geo-História do
Maranhão, de Eloy Coelho Netto) — se, concedia a primeira sesmaria na área que
futuramente pertenceria à Barra do Corda, encravada "na ribeira do rio Mearim até o rio
Corda". Nos assentamentos oficiais não foram encontrados os nomes dos sesmeiros; em datas
posteriores, foram ainda concedidas inúmeras outras. Expediam-se os títulos, mas não se
faziam os registros competentes. Foi uma época negra da nossa história, caracterizada por
desmandos do Presidente da Província — José Tomás de Menezes, que terminaria por ser
demitido por D. João VI — Carta-Régia de 24.11.1810 (Geo-História do Maranhão, de Eloy
Coelho Netto).
A escritora Carlota Carvalho, autora do livro O Sertão, considerado obra-prima
sobre a História e a Geografia do Maranhão, fala-nos das tentativas de penetrações e da
colonização em terras do Centro Sul do Maranhão, fato histórico que uma pesquisa séria não
pode esquecer. Ressalta-se que a narrativa não gera controvérsias, mas ratifica o que a
tradição registra sobre os homens que fizeram, com sua persistência e amor, a nossa memória
mais antiga.
Registra Carlota em O Sertão, que "em 1831, Raimundo Maciel Parente, nascido
no Baixo Mearim, subiu este rio, levando muitos escravos (a viagem poderia ter sido feita em
canoas, igarités23 ou pequenos batelões24) e fundou uma fazenda agrícola na confluência de
um rio que denominou Corda, que outro não é senão o Capim, fora da mata. nos campos,
nome que conserva, produzindo a confusão geográfica". Trecho que Eloy Coelho Netto
transcreve em seu Livro História do Sul do Maranhão, referindo-se ao original de Carlota
Carvalho em O Sertão.
Segundo a escritora, ter-se-ia "desenvolvido ali, sob estes auspícios25, a rendosa
cultura do algodão".
Conclui, por fim, ao mencionar os acontecimentos, que Raimundo Maciel Parente
"casou-se com uma refugiada. Dona Maria Arruda, que sobreviveu, viúva, e existiu até 1917,
quando faleceu com 98 anos de idade e em pleno gozo de suas faculdades intelectuais"
(História do Sul do Maranhão — Eloy Coelho Netto, p. 200).
Em Geo-História do Maranhão, p.143, Eloy Coelho Netto relata, também,
tentativa de penetração a Leste de Barra do Corda, antes de 1835. Fala que em 1829 feita no
médio Maranhão, entre as matas do Japão e do Nascimento, por nordestinos, vitimas de
perseguições políticas, que vieram através de Pastos Bons atravessaram o Alto Itapecuru e

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Terreno sem culturas ou abandonado, que a antiga legislação portuguesa, com base em práticas
medievais, determinava que fosse entregue a quem se comprometesse a cultivá-lo.
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Encarregado de distribuir as sesmarias. Aquele que recebeu uma sesmaria para cultivar.
22
Datas vêm do verbo datar. Pôr data em: datar uma carta, um testamento. Existir desde tal época
23
Canoa de um mastro e de dez a 15 palmos de boca.
24
Barco a remo ou reboque usado para comercialização e transporte de mercadorias. Canoa de
pequeno porte, curta, com grande pontal.
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Apoio financeiro; auxílio monetário ou de outro gênero para que algo se realize.

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rumo adentro do território maranhense, num verdadeiro bandeirantismo, ficaram na região


onde havia brejos e lagoas nos municípios, hoje, de Presidente Dutra, Dom Pedro, Gonçalves
Dias, Tuntum, Graça Aranha e São Domingos".
Não ficaram por aí as narrações históricas de penetrações na região central do
Maranhão.
Na faixa geofísica e central do Maranhão — Geo-História do Maranhão, p.144 —
Eloy Coelho Netto diz: — "Campo Largo é um marco da penetração e do povoado, sob a
orientação do cearense Diogo Lopes de Araújo Sales" (entre 1823 a 1825) de quem
oportunamente nos referiremos como o grande figura de líder e revolucionário nos sertões do
estado.
É bom que se tenha uma ideia hoje do local onde se deu a penetração e o
povoamento: partindo-se da cidade de Barra do Corda, rumo Sul-Leste, passa-se por
Escondido, Escalvado, Lagoa do Bicho, Corrente. Gaieiro, Brejo do Cazuza, Baixão, Santa Rosa.
Papagaio, Formosa e Campo Largo, na ribeira do Alpercatas.
Leandro, é, sem dúvida, uma referência histórica. A autora de O Sertão, Carlota
Carvalho, fala que parte de seus ancestrais residiu, em data que antecedeu à da fundação de
Barra do Corda, no povoado Leandro. Narra que seu "avô, José Joaquim Carvalho, natural da
Bahia, fundara uma escola para o sexo masculino, no povoado Leandro, em Barra do Corda,
onde seus familiares, de nomes Benício, José Irineu, Antônio e Miguel, os três primeiros, seus
tios, e o último, seu pai, teriam estudado...".
É provável que muitas penetrações e retornos, entre Pastos Bons e Riachão,
possam ter ocorrido por veredas e caminhos de difícil acesso, mas que atravessaram as
ribeiras do Alpercatas, do lado Noroeste — área do então futuro município de Barra do Corda.
Em nada a frieza da verdade histórica diminui a grandeza dos homens que fazem
maiores os acontecimentos. Juntos, Manoel Rodrigues de Melo Uchoa, o predestinado líder e
fundador Manoel Raimundo Maciel Parente, um desbravador, José Lázaro Teixeira e Félix
Ribeiro, sertanista; escravos e nativos. Todos, comungando a alegria da fundação , festejavam
o povoado que seria sede de um município, que ocuparia uma área de quase 20.000 Km², os
índios quebravam a monotonia que o vazio provocava.
As penetrações antigas foram quase todas ao som das aventuras ou ao reboque
das perseguições nordestinas. Portanto, os bandeirantes do Campo Largo, do Leandro, do
Muquém, do Jenipapo e de outros lugares, foram bravos nômades que podem ter batizado
nossas fontes e percorrido nossos caminhos, mas não se lixaram na terra, pois faltou-lhes a
predestinação histórica de Melo Uchôa.
Com voz suave, mas segura, decide então Mela Uchôa pelos primeiros estudos da
área e, com os demais presentes, traçar os eixos do que seriam as nossas ruas; rumos que
guardaram a sintonia com os pontos cardeais: perpendiculares entre si, de Norte a Sul e de
Leste a Oeste.
Melo Uchôa teria dito aos presentes: "Trarei-para cá todos, os meus. Aqui
permanecerei, trabalhando para o crescimento desta urbe26 poética e próspera. Ajudem-me! É
a minha decisão irrevogável!"
Todos viram no homem a figura maior do chefe, do líder e do fundador. A
tradição começava a se constituir. A vontade de Melo Uchôa era indômita. Isto o fez fundador
de fato e de direito.
Espírito cristão, contam seus descendentes, levantará o olhar para os céus e teria
pensado como Virgílio: Carpent tua poma nepotes27. Esquecia o momento presente e pensava
no futuro, nas gerações dos pósteros.

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Centro urbano ou cidade; designação atribuída ao conjunto de pessoas que habitam uma área
delimitada, com casas e atividades financeiras, comerciais, culturais, administrativas, entre outras.
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Os teus descendentes colherão os teus frutos. Não pensar unicamente em si e no presente, pois o
nosso trabalho aproveitará às gerações futuras (Virgílio, Écloga IX, 50).

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Conta Sidney Milhomem em sua Síntese Histórica sobre Barra do Corda, p. 29.
que Melo Uchôa. "com a descoberta do local para fundação da cidade, regressara com sua
caravana à Fazenda da Consolação, em Picos." Lá, teria Ido encontrar sua esposa. Hermínia
Francisca Felizarda Rodrigues da Cunha. Em estilo épico e romântico, descreve: "O drama
vivido por D. Hermínia, provocado pela ausência do marido" (Melo Uchôa); o sofrimento dele
"trazendo no rosto a marca das intempéries", que mutilam os bandeirantes e os fundadores...
mas não atingiria, porém, a cidade de Picos, pois, no meio da mata, houve o encontro: "Foi
grande sua surpresa em ver ali a esposa e a filha primogênita."
Melo Uchôa e D. Hermínia tiveram os seguintes filhos: Tarquínio Prisco de Melo
Uchôa, Custódio Francisco de Melo Uchôa, Vitória Francisca de Melo Uchôa, Ruscol Francisco
de Melo Uchôa, Altina Tereza de Melo Uchôa e Estael Clara de Melo Uchôa. Pairara algumas
dúvidas, como por exemplo: sé Altina Tereza foi a primogênita do casal e se todos os filhos de
Melo Uchôa nasceram em Barra do Corda.
Historiadores, incluindo dados oficiais da Enciclopédia Brasileira dos Municípios,
falam de que o casal teria tido sete filhos. Porém, no 1° Livro de Notas do Cartório do 1º Ofício,
com data de 22 de julho do ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1874, D.
Hermínia e os filhos citados aqui são reconhecidos do então Tabelião da Vila de Santa Cruz da
Barra do Corda, Raimundo Primo Ribeiro, em documento oficial (p. 82 e 83 verso). Admite-se
que um dos sete filhos do casal já havia falecido. A dúvida persiste (e multas outras) em
decorrência de que o conhecimento dos fatos que se relacionavam ao desenvolvimento social,
político e econômico das vilas se processava de maneira lenta. Assim, Barrado Corda pertencia
à Comarca da Chapada (hoje Grajaú). Muitos Livros de Notas teriam se extraviado e outros
podem não ter se transferido quando da autonomia política e Judiciária, em anos que se
sucederam.
Ao contrário do que ocorre em muitos lugares, os cartórios de Barra do Corda,
além de organizados da melhor forma possível, se constituem na maior fonte de nossa História
e Cultura. Exemplo disto é que encontramos, com relação ao Registro Civil, o 1º Livro da
Comarca, aberto a 24 de março de ,1873, e encerrado a 2 de setembro do ano da Abolição da
Escravatura (1888).
Dos filhos de Melo Uchôa, dois deixaram descendências conhecidas. Estael Clara
de Melo Uchôa casara-se com Virgílio César de Miranda; do casal, nasceu Marcelino César de
Miranda, que, por sua vez, desposou Ana Salustino Bonfim, com quem teve os seguintes filhos:
Raimundo Nonato de Miranda, Adauta César de Miranda, lida Miranda.
Maria Miranda Guimarães. Antônio César de Miranda e Luzia de Miranda
Milhomem.
Antônio Miranda casou-se com Léa Brandes de Miranda, irmã do autor28 deste
livro; e Luzia com Francisco Milhomem, comerciante em Barra do Corda, os quais tiveram
vários filhos, entre eles o memorialista e empresário Sidney Milhomem e o Jornalista
renomado e escritor emérito Wolney Milhomem, falecido no ano de 1993.
Na mesma linha de descendência esteve Dona Belizária Rodrigues de Melo Uchôa.
neta do bandeirante fundador. Dela nasceram os filhos Manoel de Miranda Uchôa
(Manoelzinho) e José Maria de Miranda Uchôa, conhecidos do autor destas notas e de quem
queremos destacar alguns aspectos da personalidade e do caráter que marcaram a vida de
ambos.
De Manoel de Miranda Uchôa, transcrevemos na íntegra o que sobre ele escreve
o pesquisador Justino Soares de Abreu: "Manoel Uchôa, Manoelzinho, bisneto do fundador,
nasceu a 22 de setembro de 1887 e faleceu a 3 de agosto de 1954.
Andava de rastos (era paraplégico). Pés descalços. Não podia levantar os mesmos.
Segurava em dois bastões. Era cego de nascimento. Tinha uma fé admirável. Pertencia a

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Professor Galeno Brandes.

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diversas irmandades, trazendo ao pescoço vários emblemas. De sua casa, vinha à Igreja todos
os dias.
Sozinho, sem perder o rumo, deixando atrás o grande rastejo dos pés.
enfrentando as madrugadas frias, pois saía muito cedo para não chegar atrasado nas funções
religiosas.
Certo dia, um frade disse, no Sermão, estas palavras: Esse ceguinho quando
morrer, seus olhos se abrirão. Foi assim a vida do nosso santo Manoel Uchôa, bisneto do
fundador, passando mais de 60 anos sem conhecer nada do mundo... É sepultado em Barra do
Corda; no Cemitério denominado Campo da Paz.

De José Maria de Miranda Uchôa, disse Justino Soares de Abreu: "José Maria de
Miranda Uchôa, bisneto do fundador, era humilde, simples e multo inteligente. Não suportava
injustiças: falava horas inteiras sobre coisas do passado; dizendo como seu bisavô descobriu
Barra do Corda.
Com seu espírito de humildade, aos sábados, saía com seu irmão Manoelzinho. de
porta em porta, pedindo em voz alta uma esmola para o irmão."
Em Decreto de 25 de fevereiro de 1966, o prefeito do então município de Barra do
Corda, considerando que José Maria de Miranda Uchôa "era um autodidata, relegado a plano
do esquecimento, à guisa de Previdência Social, que lhe assegurasse tranquilidade mínima no
final da sua existência", aposentava o remanescente do fundador, incluindo-o no Quadro de
Inativos.
Significava, pelo menos, uma prova de reconhecimento e respeito por aqueles
que deram a sua vida para o nosso descobrimento e crescimento ordenado, marcando com
suor e sangue a nossa origem.

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