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RESUMO: Este trabalho apresenta reflexões acerca de políticas públicas culturais associadas
a experiências de ocupação de espaço público por meio de ações artísticas da política cultural
interuniversitária. As articulações em rede, das ações de pesquisa-ensino-extensão, realizadas
no Parque Avellaneda na cidade de Buenos Aires, na Argentina, no Laboratório de Pesquisa em
Planejamento, Cultura e Representações Espaciais (LabCult-UFF) e no Núcleo Cênico Interdisciplinar
de Estudo, Investigação e Criação Cênica (IFF) proporcionaram ações artísticas de ocupação em
espaços públicos. Essas ações visam discutir com pessoas comuns sobre o direito à cidade e sobre
formas de participação popular na elaboração de política pública como parte de uma cultura política,
tendo as universidades como principais agentes articuladores das ações em rede.
1 INTRODUÇÃO
1 Mestranda em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas pela Universidade Federal Fluminense.
Professora do Curso de Licenciatura em Teatro do Instituto Federal Fluminense- IFF. Licenciada em Teatro pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, Pós-graduada (Lato Sensu) em Arte-Educação pela Universidade
Cândido Mendes. takna.formaggini@gmail.com.
2 Doutora em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ). Professora do Departamento de Geografia e do
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas da Universidade Federal
Fluminense. elismiranda10@gmail.com.
No ano de 2019, passaram a acontecer na Casa de Cultura Villa Maria, da Uenf, os Encontros
de Pesquisa em Teatro de Rua, articulando a pesquisa da pós graduação UFF, na proposta de projeto de
pesquisa e extensão do Instituto Federal Fluminense a partir do projeto de pesquisa e extensão Núcleo
Cênico Interdisciplinar de Estudo, Investigação e Criação Cênica3, tendo como foco a encenação em
espaços não convencionais no contexto da pesquisa das relações entre arte (teatro) e cidade. O projeto
desenvolve processos cênicos que pretendem analisar as relações arte-sociedade-espaço público
urbano a partir de ações de ocupação de espaços da cidade pelo teatro, buscando a aproximação do
trabalho do ator com a rua dentro de construções artísticas que se entrelaçam com a estrutura de um
teatro que acontece fora do palco convencional.
3 O projeto de pesquisa e extensão Núcleo Cênico Interdisciplinar de Estudo, Investigação e Criação Cênica é
coordenado por Takna Formaggini, professora de Teatro do Instituto Federal Fluminense e mestranda do programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas da UFF) sob orientação da professora
Elis Miranda.
Campos dos Goytacazes, assim como outras cidades de médio porte, vem sendo afetada nos
últimos anos com a problemática de políticas públicas de cultura que deem conta de seus espaços
4 Reitor Raul Palácio, Vice-Reitora Rosana Rodrigues, Pró-Reitor de Extensão Olnei Motta e Assessora Cultural
Priscila Castro.
5 O Grupo InterUniversitário de Cultura é composto por representações de Universidades e integram estudantes
de graduação, pós-graduação e extensionistas da UENF, do IFF e da Universidade Aberta. E Seus principais articuladores
são: Elis Miranda (UFF); Leonardo Vasconcellos, Raquel Fernandes e Aline Portilho (IFF); Priscila Castro (UENF) e
Rodrigo Lira e Carol Poesia (Candido Mendes).
6 UENF, IFF, UFF e Candido Mendes.
7 Desde 2013 temos participado das seguintes Redes de Pesquisa e de Ações: Rede de Políticas Públicas do
Estado do Rio de Janeiro; Fórum InterUniversitário de Cultura; RedLatinoamericana de Participação Popular em
Políticas Culturais; Rede Internacional em Estudos Culturais.
Parte-se desta reflexão para levantar a importância e o lugar da autonomia da instituição pública
universitária na gestão concreta de promoção de políticas abrangentes da tríade ensino-pesquisa-
extensão no desenvolvimento de políticas culturais para ocupação dos espaços públicos. A partir da
proposição de ações de extensão e enquanto permanência das metodologias de ensino de graduação
e pós-graduação e de experiências institucionais de realização de ações artísticas e culturais nestes
espaços públicos como forma de continuidade de pesquisa, na contribuição da promoção do direito
a cidade.
É necessária a reflexão e debate relativos a ideia de direito à cidadania, pois em sua essência,
antes de tudo, ter o direito a cidade é ter acesso ao direito de participação e de decisão. Cidadania
que pensa suas políticas públicas a partir de uma participação coletiva que vem da percepção de
pertencimento social no que se refere ao espaço urbano e que precisa ser percebida e refletida para
que possa ser efetivada, exercida e praticada.
É essa política de gestão universitária de cultura que tem promovido ações no espaço público
através do teatro de rua a partir da experiência de um curso de graduação em Licenciatura em Teatro
A rotina em que se inserem os passantes no cotidiano de uma cidade, acaba por produzir-
lhes um olhar acostumado a este ambiente, o qual ao ser modificado a partir de uma interferência
artística urbana produz significados novos, despertando e aguçando a percepção desses transeuntes,
que podem se permitir olhar para este espaço, como um ambiente ainda não percebido em todas as
suas possibilidades e relações de coexistência. Na rotina de uma cidade, os contatos estabelecidos
que poderiam ser face a face, são, obstante, impessoais, superficiais, transitórios e segmentários,
onde cada dia mais é ampliada a ausência de produções de relações de afetação e conexão entre
estes contatos. A reserva e a indiferença cada vez mais manifestadas por parte dos habitantes das
cidades em suas relações poderiam talvez ser encaradas como instrumentos para se imunizarem
contra exigências pessoais e expectativas de outros. Essas experiências despotencializadas em relação
a cidade e suas relações de afetividade, acabam por estabelecer uma relação de distanciamento para
com a problemática urbana, refletindo na noção de decisão da participação cidadã, tão necessária para
um pensamento efetivo desta participação para um pensamento participativo e político.
O sociólogo Klaus Frey (2000), comenta sobre as transformações dos padrões de comportamento
político por parte dos atores sociais envolvidos, enquanto resultados, pelo menos em parte, dessas
pressões político-sociais exercidas pelos movimentos sociais e pela sociedade civil em geral que
pretende um pensamento social participativo:
Sociedades instáveis que se encontram em um processo de transformação, em geral,
são caracterizadas por tensões entre os padrões individuais de comportamento e
aqueles que transcendem as ações individuais. Devido a mudanças em relação aos
valores sociais, interesses e objetivos de ação, surgem atores, particularmente em
tempos de rupturas sociais e políticas, que se empenham a favor de modificações
dos estilos de comportamento político. (FREY, 2000, p.236)
Vista como bem cultural – a Arte inserida no contexto da vida social urbana – contribui no
processo de construção de modos específicos do fazer, pensar e perceber. Discutindo e fomentando as
relações entre processos pessoais e grupais de elaboração e exercícios de narrativas e a constituição
de identidades, a partir de uma perspectiva histórica, política e cultural. A relação estabelecida por
esses sujeitos sociais ao vivenciarem a cena teatral que se dá em espaços públicos não convencionais,
deflagram pontos geradores de reflexões acerca dessa ressignificação afetiva que considera que a
demarcação espacial destinada à cena teatral, em fusão com o espaço urbano traduz-se nesse novo
ambiente ainda não percebido no despertar do olhar sobre a rua neste contexto de espaço público,
possibilitando à comunidade que passe a compreender este espaço como lugar de convívio e de
Essa reflexão encontra-se inserida em um pensamento das relações culturais que são construídas
a partir da arte, de forma híbrida. O espaço que se constrói a partir de sua sociedade, assim como a
sociedade se constrói a partir desse espaço e que, ao incluirmos o teatro realizado nos espaços abertos
da cidade, realiza-se também a partir da construção cultural e social dos espaços e de seus sujeitos.
Continuamos, dessa maneira, o diálogo com Klaus Frey sobre a relação entre política cultural e
cultura política:
Do mesmo modo, no meu entender, a cultura política não determina a performance
governamental e o estilo político. Se fosse assim, não seria compreensível a
variedade de estilos políticos, por exemplo, nos governos estaduais ou municipais,
que podemos observar na realidade política e que condiciona também as realizações
materiais das políticas públicas concretas. Isso significa que estilos específicos de
política são influenciados por uma variedade de fatores como as tradições nacionais
e regionais, as estruturas políticas, o grau de desenvolvimento econômico, as
ideologias, o treinamento cívico [Rennó Jr., 1997, p. 240] e a própria experiência
da prática política, etc. Portanto, a abordagem da cultura política dificilmente pode
nos fornecer explicações satisfatórias e definitivas dos estilos políticos. (FREY,
2000, p. 238)
A relação que se dá entre cidadãos e suas relações entre si e o espaço urbano tem sido discutida
por diversas perspectivas que incluem também a apreensão entre as relações sujeito e objeto enquanto
relações de complementação de sentidos, onde não se encontrariam como um campo puro na
compreensão da ciência, mas sim como campos complementares. Política, Cultura, Arte, Espaço não
devem ser pensados isolados em seus campos disciplinares, mas em relação. Observamos cada vez
mais que as disciplinas se fecham e não se comunicam umas com as outras. Os fenômenos são cada
vez mais fragmentados, e não se consegue conceber a sua unidade, o que interfere na percepção do
pensamento de políticas públicas a partir de um conceito mais global e transdisciplinar.
O pensador e sociólogo francês Edgar Morin (1998), observa que a ciência nunca teria sido
ciência se não tivesse sido transdisciplinar, e que os princípios transdisciplinares fundamentais
da ciência, a matematização, a formalização são precisamente os que permitiram desenvolver o
enclausuramento disciplinar. “É, portanto, necessário enraizar o conhecimento físico, e igualmente
biológico, numa cultura, numa sociedade, numa história, numa humanidade. (...) e a ciência
transdisciplinar é a que poderá desenvolver-se a partir dessas comunicações (...)” (MORIN, 1998,
136).
Tomamos então emprestada esta ideia, considerando o conflito existente entre espaço público
e espaço urbano, que, antes compreendido como lugar de individualismo e privativismo, incentivaria
o despertar de reflexões para políticas públicas a partir desse contato entre a arte e os sujeitos no
Estas reflexões nos permitem pensar a cidade e o processo urbano como uma rede de processos
entrelaçados, compreendendo que na cidade, não há nada “puramente” natural ou social, pois a cidade
é como uma coisa híbrida social-natural, carregada de tensões e conflitos.
Nesse sentido, dentro de em uma perspectiva pragmatista, para o estudo da ação coletiva, o
antropólogo Daniel Cefaï (2009) nos traz uma análise fundamental do lugar da afetividade nesse
processo, que segundo ele foi negligenciada durante muito tempo e retorna muito recentemente com
força para o ambiente das pesquisas. Para ele, durante muito tempo, as críticas da análise racional e
da análise estrutural foram limitadas à defesa das temáticas da “cultura” e da “identidade”. Porém,
as emoções da ação coletiva foram ainda mais negligenciadas (GOODWIN et al., 2001 apud CEFAÏ,
2009). A questão que se coloca então é a problemática entre cidade, sociedade e suas relações de
afetividade, e que, devido a cotidianidade urbana, em sua inquietação, está cada vez mais se tornando
despercebida e despotencializada: um cotidiano urbano onde os passantes não conseguem mais
perceber a cidade dentro da reflexão de auto- pertencimento, e que se dá nesta construção híbrida.
Nesse ponto, a arte inserida entre essas relações, enquanto articuladora de percepções entre
homem e cidade, traz a possibilidade da transformação destas relações, ressignificando e ampliando
esse olhar sobre os espaços urbanos, na compreensão de que somos culturalmente construídos a
partir do meio em que vivemos, assim como este meio carrega também com ele todos os significados
Política pública deve ser uma política elaborada pelo público. Essa elaboração deve ter uma
preparação para que o sujeito possa conhecer/perceber sua cidade, os espaços públicos. A partir das
ações do teatro tornando sujeitos da ação todos os envolvidos no acontecimento artístico teatral,
enquanto sujeitos diversos da ação, em níveis e compreensão distintas, enquanto formas distintas
de compreensão do mundo que articulam esse pensamento. O trabalho se propõe a levantar estes
questionamentos. Não como resultados, mas parte de um processo de questionamento.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Alcançar uma cidadania cultural que planejamos e queremos, passa por reflexões de sujeitos
sociais presentes enquanto espectadores ativos da vida urbana, ou seja, que percebam e reflitam sobre
essas copresenças enquanto pertencentes ativos deste meio urbano.
No contexto dessa análise, a experiência com o Teatro, contribui para a luta e engajamento
necessários e permanentes, que entende a participação popular como único caminho para o real direito
a cidade que nos fala Léfèbvre, na possibilidade de a cidade ter a forma dos que habitam nela e, para
que isto possa acontecer, é preciso que os que a habitam possam ampliar sua percepção destes espaços
públicos a partir das relações de afeto e pertencimento que podem ser ressignificadas e ampliadas
através de ações artísticas teatrais realizadas no contexto urbano.
Por fim, acreditamos que essas reflexões se formulam e são potencializadas a partir do ambiente
institucional universitário. É na Universidade que exercemos nosso pleno direito ao pensamento
crítico, inclusivo e em respeito a diversidade do mundo em que vivemos no século XXI.
CEFAÏ, Daniel. Como nos mobilizamos? A contribuição de uma abordagem pragmatista para a sociologia
da ação coletiva. Tradução de Bruno Cardoso. Dilemas, 2009.
CERTEAU, Michel de. A Invenção da vida cotidiana: as artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
FREY, Klaus. Políticas Públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de políticas
públicas no Brasil. PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS No 21, Jun 2000, p. 211-259
LÉFÈBVRE, Henri. A Revolução Urbana. Tradução Sérgio Martins, Belo Horizonte, Ed. Humanitas, 2002
LÉFÈBVRE, Henri. A Vida Cotidiana no Mundo Moderno. Tradução de Alcides João de Barros. São Paulo:
Ática, 1991.
MORIN, Edgar. Para a Ciência. In: . Ciência com Consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria
Alice Sampaio Dória. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. SOCIOLOGIAS, Porto Alegre, ano 8, nº 16,
jul/dez 2006, p. 20-45.