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LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941):

O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS

ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS
LINHA DE PESQUISA: CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941):


O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS

ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES

NATAL/RN
2017
ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941):


O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção


do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em História.
Área de Concentração: História e Espaços.
Linha de Pesquisa: Cultura, poder e representações espaciais.
Orientador: Prof. Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha.

NATAL/RN
2017
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes –
CCHLA

Antunes, Isa Cristina Barbosa.


Leprosário São Francisco de Assis (1923-1941): o espaço físico e
as práticas médicas / Isa Cristina Barbosa Antunes. - Natal, 2018.
195f.: il. color.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do


Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Pós-Graduação em
História.
Orientador: Prof. Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha.

1. Leprosário - São Francisco de Assis - Rio Grande do Norte -


Dissertação. 2. Lepra - Dissertação. 3. História da doença -
Dissertação. I. Rocha, Raimundo Nonato Araújo da. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 94:614.217(813.2)


ISA CRISTINA BARBOSA ANTUNES

LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS (1923-1941):


O ESPAÇO FÍSICO E AS PRÁTICAS MÉDICAS

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão formada
pelos professores:

_________________________________________
Professor Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha (UFRN)
Orientador

_________________________________________
Professor Dr. Gabriel Lopes Anaya (FIOCRUZ)
Examinador Externo à Instituição

__________________________________________
Professor Dr. Iranilson Buriti de Oliveira (UFCG)
Examinador Externo à Instituição

________________________________________
Professor Dr. Helder do Nascimento Vianna (UFRN)
Examinador Interno

Natal, 28 de agosto de 2017


AGRADECIMENTOS

A produção deste trabalho contou com a colaboração de muitos amigos, mas quero
iniciar agradecendo a Deus, por ter guiado os meus caminhos e ter me dado perseverança na
conclusão dessa etapa da minha vida acadêmica.
Agradeço infinitamente ao meu orientador, Raimundo Nonato da Rocha, por ter
acreditado na minha proposta de trabalho, por ter me incentivado nos momentos mais difíceis e
por me tratar sempre de forma amigável durante as orientações.
Aos meus familiares, meus pais, Iris Cristina e Miguel de Albuquerque, e minha irmã
Eve Cristina, por ter entendido minha ausência nas reuniões familiares e os momentos de
estresse. Agradeço a compreensão e as palavras de incentivo nos momentos mais complicados.
Não poderia deixar de agradecer aos amigos que formam a base de pesquisa Os
Espaços na Modernidade, Cecil Guerra, Paulo Rikardo Fonseca, Pierre Macedo, Isabel Andrade,
Antônio Macena, Renno, e, em especial, Paulo Vitor Airaghi, por todos os momentos de conversa
e debate sobre as questões relativas à dissertação e pela ajuda na busca das fontes necessárias
para a produção da pesquisa.
Agradeço à Tainá Bandeira da Silva pela disponibilidade de ler o trabalho e contribuir
da melhor maneira possível, como também pela disponibilidade de tempo para conversar e ouvir
os dilemas que eu enfrentava.
Agradeço à Tatiana Barreto pelas conversas, pelos momentos de descontração e
palavras de incentivo.
Não poderia deixar de agradecer também a Luís Felipe, que me ajudou na produção
dos gráficos e das tabelas presentes nesta dissertação.
RESUMO

Este trabalho objetiva analisar como ocorreu a construção e o funcionamento do Leprosário São
Francisco de Assis, entre os anos de 1923 a 1941. Construído em 1926 e inaugurado oficialmente
no ano de 1929, em uma área distante seis quilômetros da cidade de Natal, este espaço tinha a
função de isolar todos os leprosos notificados no Estado do Rio Grande do Norte. A lepra,
definida atualmente como doença crônica e bacteriológica, de notificação compulsória, durante a
década de 1920 fez parte do grupo das endemias que eram vistas como problema nacional. O
combate à lepra, regulamentado pelo Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, foi
realizado através do isolamento compulsório dos doentes em leprosário ou colônias agrícolas.
Seguindo a Diretriz Nacional de Combate à Lepra, o Rio Grande do Norte edificou o Leprosário
São Francisco de Assis. Dirigido pelo Médico Varella Santiago, o leprosário foi construído para
oferecer aos doentes uma vida plena, com atividades de trabalho, de lazer e tratamento adequado.
Diante desses apontamentos, questiono: quais as razões para a construção desse isolamento?
Como esse espaço foi estruturado fisicamente? Quem foram os seus internos? Quais as práticas
desenvolvidas nesse espaço? O presente trabalho está baseado na articulação da História da
Doença e da história do Espaço, assim, meu objetivo é investigar as mudanças e permanências
ocorridas no espaço concreto, o Leprosário São Francisco de Assis, desenvolvidas no combate à
lepra. Para responder aos questionamentos propostos, utilizei como fonte: jornais publicados no
período de 1920 a 1950, publicados em diferentes cidades como: Rio de Janeiro, São Paulo,
Recife e Maranhão; documentos oficiais, como Decretos, Resoluções e Mensagem dos
Presidentes do Estado apresentadas na Assembleia Legislativa e documentos clínicos presentes
no arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.

Palavras-chave: Leprosário São Francisco de Assis. Lepra. História da doença.


ABSTRACT

This work aims to analyze how the construction and operation of the Leprosário São Francisco de
Assis, occurred between the years 1923 to 1941. Built in 1926 and officially inaugurated in 1929,
in an area distant six kilometers from the city, this space had the purpose of isolate all lepers
notified in the state of Rio Grande do Norte. Leprosy, currently defined as a chronic and
bacteriological disease, during the 1920’s, part of the group of endemic diseases that were viewed
as a national problem and should be compulsorily notificated. The fight against leprosy, regulated
by Decree No. 16,300, on December 31, 1923, was carried out through the compulsory isolation
of patients in leprosarium or agricultural colonies. Following the national guideline, against the
leprosy, Rio Grande do Norte built the leprosário São Francisco de Assis. Directed by Doctor
Varela Santiago, this Leprosarium was built to offer patients a full life, with activities of work,
leisure and proper treatment. In view of these points I asked what are the reasons for the
construction of this isolation? How was this space structured physically? Who were your
inmates? What are the practices developed in this space? The present work is based on the
articulation of the History of Disease and the history of Space, so my objective is to investigate
the changes and permanences that occurred in the concrete space, the Leprosário São Francisco
de Assis, developed in the fight against leprosy. In order to respond to the proposed questions, I
used as a source: newspapers from 1920 to 1950, published in different cities such as: Rio de
Janeiro, São Paulo, Recife and Maranhão; Official documents, such as Decrees, Resolutions and
Message of Governors presented at the Legislative Assembly; Clinical documents present in the
archive of the Leprosário São Francisco de Assis.

Keywords: Leprosário São Francisco de Assis. Leprosy. History of the disease.


LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Fotos do Lazarópolis do Prata, primeiro Leprosário do Brasil, 165


inaugurado em junho de 1924
Imagem 2: Fotos da construção de Leprosário São Roque, situado 166
no município de Piraquara, no Paraná, inaugurado em 1926.
Imagem 3: Foto da vista panorâmica do conjunto hospitalar do Leprosário 167
São Roque, situado no município de Piraquara, no Paraná, inaugurado em 1926.
Imagem 4: Foto da central telefônica do Leprosário Santo Ângelo, situado 168
no município de Mogi das Cruzes, em São Paulo.
Imagem 5: Foto das casas destinadas aos casais do Leprosário Santo 169
Ângelo, situado no município de Mogi das Cruzes, em São Paulo.
Imagem 6: Fotografia do Leprosário São Francisco de Assis, construído 170
no ano de 1925, em Natal.
Imagem 7: Ficha clínica dos pacientes dos anos 1920 171
Imagem 8: Ficha clínica dos pacientes dos anos 1930 172
Imagem 9: Ficha clínica de revisão dos pacientes da década de 1940 174
LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Número de doentes notificados de lepra durante os anos de 1923 e 1929 46


Quadro 2: Movimento dos internos no Leprosário São Francisco de 70
Assis entre os anos de 1926 a 1930
Quadro 3: Faixa etária dos pacientes isolados no Leprosário São Francisco 88
de Assis entre os anos de 1926 a 1929
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 A CONSTRUÇÃO DO LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS....... 32
1.1 O Governo brasileiro e a construção dos leprosários .......................................................... 32
1.2 A atuação do Serviço de Saneamento Rural nos registros da lepra no Rio Grande do Norte.
................................................................................................................................................... 41
1.3 A lepra e a construção do Leprosário São Francisco de Assis nos jornais e nas ações das
políticas públicas ....................................................................................................................... 46
1.4 Os leprosários construídos no Brasil na década de 1920..................................................... 55
1.5 Construção e financiamento do Leprosário São Francisco de Assis. .................................. 60
1.6 Abertura do canteiro de obras do Leprosário São Francisco e Assis e a movimentação dos
seus internos. ............................................................................................................................. 68
1.7 Vila, leprosário ou colônia? ................................................................................................. 75
CAPÍTULO 2 O LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS E OS SEUS INTERNOS 80
2.1 Perfil dos pacientes .............................................................................................................. 81
2.2 Situação social e profissional dos internos ........................................................................ 100
2.3 As famílias isoladas do Rio Grande do Norte. .................................................................. 106
CAPÍTULO 3 AS PRÁTICAS MÉDICAS DESENVOLVIDAS NO LEPROSÁRIO SÃO
FRANCISCO DE ASSIS ........................................................................................................... 113
3.1 O doutor da ciência: Manoel Varella Santiago Sobrinho .................................................. 114
3.2 A entrada dos internos no Leprosário São Francisco de Assis. ......................................... 133
3.3 A prática profilática implantada no combate à lepra no isolamento potiguar. .................. 141
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 151
FONTES ..................................................................................................................................... 158
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 160
ANEXOS .................................................................................................................................... 164
11

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é analisar como foi criado e mantido, na cidade de Natal, o
Leprosário São Francisco de Assis. Construído em julho de 1926 e inaugurado oficialmente no
ano de 1929, a área que abrigou esse leprosário estava distante seis quilômetros da cidade e tinha
a função de isolar os doentes acometidos pelo mal de Hansen que habitavam o estado do Rio
Grande do Norte. A meta é analisar essa instituição, respondendo as seguintes questões: quais as
razões para a sua construção? Quais as transformações ocorridas no espaço antes e depois da
construção? Quem eram os pacientes que moravam nessa instituição? Quem eram os médicos que
atendiam os pacientes? Quais as práticas desenvolvidas pelos médicos? Quais as bases científicas
para atuação dos médicos? Qual a relação mantida entre médicos e pacientes?
Ao tratar de um tema que, contemporaneamente, ainda é alvo de estereótipos e
preconceitos, torna-se importante ressaltar que, a partir da década de 1970, tem-se usado os
termos “hanseníase” e “hansenianos” para designar a doença e os portadores do Mycobacterium
leprae1. Essa terminologia, que tem sido usada a partir das últimas décadas do século XX,
resultou de uma proposta apresentada por médicos que tinham o objetivo de remover o estigma
que pesava sobre os portadores da doença. Entretanto, ao longo deste trabalho, usarei os termos
“lepra” e “leproso”, por serem mais apropriados ao recorte temporal por mim definido.
O estudo proposto está delimitado ao período compreendido entre 1923 e 1941. A
escolha por 1923 está relacionada ao fato de que nesse ano foi sancionado o Decreto nº 16.300,
de 31 de dezembro de 1923 2. Esse decreto – comumente denominado nos trabalhos acadêmicos
de Regulamento Sanitário – estabeleceu, entre outras diretrizes, a criação nos diversos estados de
leprosários ou colônias agrícolas, com o intuito de isolar os pacientes com lepra. A opção por
1941 ocorreu em razão de nesse ano ter sido aprovado o Decreto nº 3.171, de dois de abril de
1941. Por meio desse decreto, foi criado o Serviço Nacional da Lepra, órgão responsável pela
profilaxia da doença no território brasileiro, e pelo estabelecimento de novas diretrizes para o
combate da lepra.

1
Bactéria causadora da lepra, descoberta em 1874 pelo médico norueguês Gerhard Henrick Armauer Hansen.
2
Esse decreto aprovou o regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública, que, entre outras medidas,
definiu as regras para a construção dos leprosários e das colônias agrícolas em território brasileiro.
12

Em 2013, fui convidada, pelo professor Raimundo Nonato Araújo da Rocha, a


trabalhar como bolsista em um acervo que havia chegado do Leprosário São Francisco de Assis.
Após iniciar esse trabalho de organização da documentação da instituição, alguns
questionamentos surgiram, a saber: quem eram os seus internos, quais os indivíduos escolhidos
para o isolamento, a origem dos doentes; as práticas médicas desenvolvidas – como ocorria o
tratamento, as substâncias químicas utilizadas, os médicos que atuavam na instituição; e a
trajetória do Leprosário São Francisco de Assis – como ocorreu a sua fundação, a sua construção,
e como foi desativado.
Essas questões me inquietaram e me levaram a pesquisar sobre essa instituição
médica. No decorrer da pesquisa e da organização do acervo do Leprosário edificado em Natal,
poucos subsídios surgiram, observei que existia uma escassez de estudos que abarcavam o
processo de profilaxia da lepra, bem como sobre a construção e o funcionamento do Leprosário
São Francisco de Assis.
De um conjunto de questões formuladas, optei por estudar especificamente como
aconteceu a construção do Leprosário São Francisco de Assis, quais as especificidades do prédio
construído, quem eram e como viviam os internos isolados e quais as práticas médicas
desenvolvidas no seio daquela instituição.
Para entender o que levou à construção do Leprosário São Francisco de Assis, se faz
necessário compreender que a lepra era um problema mundial e sua profilaxia seguiu algumas
particularidades no Brasil. A lepra pode ser definida como uma doença crônica,
infectocontagiosa, causada pelo mycobacterium leprae. Durante o século XX, o isolamento em
leprosários ou colônias foi a principal forma de tratamento, apenas com a descoberta da sulfona,
na metade do século XX, o quadro clínico, antes incurável, passou a ser revertido. O isolamento
no Brasil deixou de ser obrigatório apenas em 1987, com a poliquimioterapia 3. Devido à
trajetória da doença, o nome lepra foi substituído na década de 1970 por Hanseníase, com o
objetivo de reduzir o estigma causado aos portadores da doença.
Estudar a lepra e os leprosos exigiu uma delimitação da minha investigação em torno
do objeto formulado. Assim, optei por estudar meu objeto a partir do conceito de espaço. Um
aspecto que favoreceu essa decisão foi a minha vinculação ao Mestrado em História da UFRN,

3
A poliquimioterapia consiste na utilização de um conjunto de compostos químicos (Rifampicina, Dapsona e
Clofazimina) voltados para o tratamento da Hanseníase.
13

que tem o espaço, em sua dimensão histórica, como área de concentração. Todavia, é necessário
explicitar o sentido que esse conceito ganhará neste trabalho. Considero o espaço como produção
cultural, que ganha significado a partir das práticas instituídas e das simbologias construídas
pelos indivíduos.
Quatro dissertações vinculadas ao Mestrado em História da UFRN se dedicaram a
estudar a relação espaço e saúde: A construção da natureza saudável: Natal, 1900-1930; Maus
ares e malária: entre os pântanos de Natal e o feroz mosquito africano; Sair curado para a vida
e para o bem: diagramas, linhas e dispersões de força no complexo nosoespacial do hospital da
caridade Juvino Barreto (1909-1927); Curar, fiscalizar e sanear: as ações médico-sanitárias no
espaço público da cidade do Natal (1850/1889). O trabalho A construção da natureza saudável:
Natal, 1900-1930, tem por objetivo compreender as práticas e as representações construídas pelo
saber médico sobre a natureza, em Natal, durante as primeiras décadas do século XX. Em linhas
gerais, pode-se afirmar que Vieira analisa as principais transformações ocorridas no espaço da
cidade a partir dos discursos dos profissionais da saúde. A dissertação de Anaya4 – que tem como
título Maus ares e malária: entre os pântanos de Natal e o feroz mosquito africano – apresenta
uma investigação baseada na relação entre epidemias e espaço, especificamente a epidemia da
malária e os pântanos de Natal entre o ano de 1892 e 1932. Seu estudo utiliza a ideia de espaço
epidemiológico, para o autor, as práticas de epidemiológicas definem e ressignificam os espaços.
A dissertação de Silva5 – Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersões
de força no complexo nosoespacial do Hospital da Caridade Juvino Barreto (1909-1927) –
aborda o deslocamento espacial do Hospital da Caridade Juvino Barreto para o monte Petrópolis,
reconstruindo as visões sobre o hospital e as transformações ocorridas nesse espaço hospitalar a
partir das ideias da ciência médica. A dissertação de Araújo6 – Curar, fiscalizar e sanear: as
ações médico-sanitárias no espaço público da cidade do Natal (1850/1889) – investiga como os
saberes científicos e as ações médicas e sanitárias transformaram o espaço público da cidade do

4
ANAYA, Gabriel Lopes. Maus ares e malária: entre os pântanos de Natal e o feroz mosquito africano. 2011. 214f.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011.
5
SILVA, Rodrigo Otávio da. Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersões de força no
complexo nosoespacial do hospital da caridade Juvino Barreto (1909-1927). 2012. 121f. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte: Natal, 2012.
6
ARAÚJO, Avohanne Isabelle Costa de Araújo. Curar, fiscalizar e sanear: as ações médico-sanitárias no espaço
público da cidade do Natal (1850/1889). 2015. 137f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Natal, 2015.
14

Natal a partir da análise de três aspectos principais: o exercício médico e farmacêutico, a


fiscalização desenvolvida nos gêneros alimentícios e o ordenamento urbano da cidade.
A construção do Leprosário São Francisco de Assis, em Natal, começou a ser
idealizada no ano de 1925, com o Presidente do Estado, José Augusto Bezerra de Medeiros, após
os óbitos registrados entre os anos de 1923 e 1925 e o aumento significativo das notificações
compulsórias. Diante dos dados registrados, o então Diretor do Departamento de Saúde Pública,
Manoel Varella Santiago, ordenou a construção de um espaço médico especializado para receber
os leprosos de acordo com os preceitos médicos modernos.
A partir de um estudo inicial, observei que esse espaço ganhou diferentes nomes e
vários significados durante a sua trajetória institucional. Recebeu o nome de Leprosário, colônia,
colônia agrícola e Hospital Dermatológico José Maciel. No final dos anos 1980, o Leprosário foi
totalmente desativado e algumas dependências foram destruídas. Atualmente, o prédio abriga o
almoxarifado da secretaria de saúde do Estado, sendo uma espécie de depósito. Antes entendido
como símbolo da modernidade, do progresso médico, espaço de diferentes histórias, atualmente
não exerce mais nenhuma simbologia na organização médica e espacial da cidade.
Esse estudo inicial foi realizado a partir da organização do arquivo da instituição
médica. O arquivo do Leprosário São Francisco de Assis conta com um vasto corpo documental
distribuído entre os anos de 1926 a 1998. Os documentos se dividem em dois grupos principais: o
primeiro deles compreende as fichas clínicas dos pacientes, histórico da doença, ficha de
evolução da enfermagem. Já o segundo grupo é composto por uma série de documentos
administrativos do hospital dos anos de 1980 e 1990. A partir da organização desse arquivo,
observei que era importante desenvolver um estudo sobre essa instituição, que marcou as práticas
médicas de combate a uma epidemia e demonstrou o pensamento médico de uma época.
A transformação de um espaço da cidade de Natal em leprosário teve a contribuição
de parcela da sociedade. A primeira ação para a materialização do isolamento foi a formação da
Comissão Central Pró-Leprosário, que se encarregou de angariar recursos para a construção do
edifício. Esses recursos foram obtidos por meio de doações e de festas organizadas por
associações beneméritas da capital, sobretudo as organizações religiosas. Todo o trabalho da
comissão teve o forte apoio dos jornais locais, que apresentavam esse espaço como primordial
para a manutenção da saúde potiguar. Esses elementos demonstravam que o Leprosário São
Francisco de Assis adquiriu significado entre a população como um espaço indispensável para a
15

manutenção da saúde da cidade. Dessa forma, o leprosário ganhou significado a partir dos
elementos construídos em torno da sua função, primeiramente como um espaço desejado pela
população, espaço necessário para a manutenção da saúde da sociedade. E espaço significado por
membros da classe médica e da classe política potiguar, como espaço que representava a
materialidade das ideias modernas e inseria o Estado no projeto político de construção de uma
sociedade saudável.
O leprosário foi construído fora dos muros da cidade, com o objetivo de isolar todos
os doentes e proteger a população saudável do terrível mal de Hansen. Esse espaço deveria ficar
fora do cotidiano da cidade e, consequentemente, os seus internos deveriam se manter longe de
qualquer contato com o mundo externo. Os leprosos ficavam restritos ao espaço determinado
pelos muros da instituição e seu cotidiano passava a ser regido pelas regras e práticas
desenvolvidas no interior do isolamento. Com isso, posso afirmar que os internos do Leprosário
São Francisco de Assis vivenciaram e praticaram o espaço do leprosário de diferentes maneiras.
O Leprosário São Francisco de Assis ganhou significado a partir das práticas
desenvolvidas dentro da instituição de forma individual – médicos e internos –, e de forma
coletiva, a partir da construção do discurso de uma sociedade saudável e ideal proclamado nos
jornais e pelas políticas públicas.
Ao conceber o espaço como produção cultural que ganha significado a partir de
práticas instituídas, valho-me das ideias de Michel de Certeau7, para quem o espaço é praticado a
partir das vivências de cada indivíduo. Partindo dessa lógica, procurei identificar no Leprosário
São Francisco de Assis como o espaço foi praticado pelos diferentes sujeitos.
Ao mapear as teses e dissertações sobre a lepra que foram produzidas no Brasil,
percebi que alguns estudos estavam circunscritos a duas grandes abordagens historiográficas:
uma que analisa o estigma causado pela doença nos seus portadores e a outra que discute as
políticas públicas implantadas no combate a essa epidemia. Meu estudo foge a essa dicotomia e
procura investigar a relação entre a História da Doença e a História do Espaço. Nesse sentido,
procurei investigar as mudanças e permanências identificadas em um espaço concreto – o
Leprosário São Francisco de Assis – em razão de práticas nele desenvolvidas com o intuito de
combater uma doença.

7
CERTEAU, Michael. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2008
16

A saúde, a doença e a lepra na historiografia

Desde os tempos mais antigos, a lepra esteve presente entre a humanidade, sempre
ligada às conotações religiosas. Para entender o estigma dessa doença, analisei a obra de Curi8
que retrata a construção desse estigma. No período medieval, as manchas e as feridas no corpo do
doente eram a concretização do pecado, as marcas da doença eram entendidas como castigos
divinos. Os primeiros registros sobre a lepra são encontrados na Bíblia. Nessas escrituras a
doença apresenta grande ligação com o pecado e com a cura divina, como demonstram as
passagens religiosas. Nesses trechos a salvação é narrada como um ato de misericórdia. O autor
demonstra como essa ligação histórica da lepra com a religiosidade embasou intensamente o
estigma da doença consolidado durante a Idade Média. Esse estudo contribui para entender a
historicidade da doença e o estigma que a lepra causou sobre os seus portadores no Brasil. É
importante ressaltar que durante o período medieval a lepra englobava todas as doenças
dermatológicas, não havia distinção entre as doenças que ocorriam na pele, todas eram
identificadas como lepra.
No Brasil, a lepra foi uma doença que ganhou importância, sendo entendida como um
mal nacional durante o século XX. Devido a isso, foi tema de diversas ações do poder público e
médico. A tese de Costa9 apresenta as primeiras intervenções propostas pelo governo no combate
à lepra através do aparato institucional das leis e dos regulamentos. A autora analisa essa
regulamentação entre os anos de 1894, momento de criação do Laboratório Bacteriológico no
Hospital dos Lázaros, no Rio de Janeiro, e o ano de 1934, quando a Inspetoria de Profilaxia da
Lepra foi desativada. Através desse trabalho, entrei em contato com as primeiras intervenções
governamentais na profilaxia da lepra no Brasil.
Outro trabalho basilar para compreender as políticas públicas de profilaxia da lepra
foi a dissertação de Cunha10. A autora demonstra como ocorreu a organização das políticas
públicas voltadas ao combate à lepra durante os anos de 1920 a 1945 e retrata como essa
8
CURI, Luciano Marcos. Defender os sãos e consolar os lázaros: lepra e isolamento no Brasil (1935-1976). 2002.
231f. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal de Uberlândia,
Uberlândia, 2002.
9
COSTA, Dilma Fátima Avellar Cabral da. Entre ideias e ações: medicina, lepra e políticas públicas de saúde no
Brasil (1894-1934). 2007. 410f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2007.
10
CUNHA, Vivian da Silva. O isolamento compulsório em questão: política de combate à Lepra no Brasil (1920 e
1945). 2005. 151. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – História das Ciências e da Saúde,
Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2005.
17

inspetoria atuou. A principal medida profilática de combate a essa doença, segundo o


Regulamento Sanitário de 1923, era o isolamento compulsório dos doentes em colônias ou
leprosários e o acompanhamento médico dos seus familiares. Sem um tratamento específico para
combater o bacilo causador, o isolamento dos doentes foi a principal medida profilática utilizada
no combate à lepra, perdurando até o ano de 1962.
A autora também retrata que várias medidas e acordos foram realizados entre União e
Estado para combater a lepra. Um dos primeiros acordos estabelecidos foi com o estado do Pará,
que inaugurou a primeira colônia agrícola do país, chamada Lazarópolis do Prata, no ano de
1924. Além dessa colônia, outros isolamentos foram construídos no Paraná (O Leprosário São
Roque), e no Rio de Janeiro (o Hospital Colônia Curupaiti). Outros espaços hospitalares
destinados ao isolamento de doentes já existiam no país, construídos ainda durante o século
XVIII, como o Lazareto da Piedade, no Rio de Janeiro, e o Hospital dos Lázaros, na Bahia. É
importante destacar que os lazaretos eram locais de isolamento de diferentes doenças, não existia
uma especialidade médica nesses locais, somente com o Regulamento Sanitário de 1923 a
profilaxia da lepra ganhou instituições específicas.
O Leprosário São Roque foi um dos primeiros isolamentos de leprosos construído
segundo as novas ideias de profilaxia da lepra. Castro11, em sua dissertação de mestrado,
apresenta a relação estabelecida entre as ideias de modernidade presentes na Primeira República
brasileira e a construção do Leprosário São Roque no Paraná. Este espaço hospitalar, construído
no ano de 1926, tinha como principal característica tornar o isolamento dos doentes prazeroso,
como explicava o Regulamento de 1923. Segundo as ideias presentes nesse regulamento, o
espaço destinado ao isolamento dos leprosos deveria oferecer o tratamento médico aos internos,
mas deveria ser também um espaço apropriado para a realização de diversas atividades. A ideia
era construir uma cidade dentro da cidade. O leprosário contava com oficinas, áreas para a
agricultura, igreja, cinema e outras dependências. Dessa forma, a autora analisa em quais
aspectos esse espaço hospitalar se enquadrava na política modernizadora presente no Brasil nesse
período, observando especialmente a arquitetura do isolamento e os seus espaços. Assim como o
Leprosário São Roque, o Leprosário São Francisco de Assis baseou a sua construção nas novas
ideias científicas que circulavam no Brasil. Esse trabalho contribuiu, entre outros aspectos, para

11
CASTRO. Elizabeth Amorim de. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da Hanseníase na
perspectiva da relação espaço-tempo. 2005. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em
Geografia, Universidade Federal de Curitiba, Curitiba, 2005.
18

realizar associações sobre os diferentes espaços de isolamento edificados no país.


Ainda sobre as políticas públicas de combate à lepra implantadas no território
brasileiro, o trabalho de doutorado de Maciel12 aborda tais políticas durante os anos de 1941 a
1962. A autora realiza uma extensa análise das políticas sanitárias de combate à lepra implantadas
a partir dos anos 1930 e enfoca as principais transformações ocorridas nos regulamentos, como a
criação do Serviço Nacional de Lepra e o fim da política isolacionista no ano 1962. Ela afirma
que, desde a desativação das inspetorias de profilaxia, instituída com o decreto de 1934, o
combate à lepra deixou de ser prioridade nacional, já que as Diretorias dos Serviços Sanitários
tinham diferentes atribuições nos Estados. O objetivo principal desse órgão era intervir na saúde
como um todo e não atuar exclusivamente no combate a uma doença específica como a lepra.
Somente com a implantação do Plano Nacional de Combate à Lepra a profilaxia contra essa
doença foi novamente direcionada. Esse plano objetivava centralizar e uniformizar as ações de
profilaxia e criar novos leprosários em todo o Brasil.
Outro trabalho importante no entendimento das políticas públicas de combate à lepra,
foi a dissertação de Santos13. Ele aborda o combate à epidemia da lepra durante o período de
1934 a 1941, a partir da relação estabelecida entre filantropia e profilaxia da lepra muito presente
no Brasil. As ações filantrópicas foram de grande importância para a edificação de isolamentos e
a manutenção destes. Ao analisar a construção do Leprosário São Francisco de Assis, observei a
intensa participação de grupos filantrópicos na edificação do isolamento e na organização de
ações festivas destinadas ao leprosário potiguar.
Os trabalhos expostos até o presente momento, de maneira geral, abordaram as
políticas públicas de combate à lepra instaurada no Brasil a partir do século XX. Esses estudos
construíram o aparato institucional que alicerçou a edificação do Leprosário São Francisco de
Assis e as práticas médicas desenvolvidas nesse espaço médico.
É importante ressaltar que as políticas públicas sanitárias eram baseadas no discurso
científico do período. Oliveira14 apresenta uma análise das ideias e dos discursos higienistas

12
MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas
de combate à lepra no Brasil (1941-1962). 2007. 380 f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.
13
SANTOS, Vicente Saul Moreira dos. Entidades filantrópicas e políticas públicas no combate à lepra:
Ministério Gustavo Capanema (1934-1935). 2006. 163 f. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da
Saúde) – História das Ciências e da Saúde, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2006.
14
OLIVEIRA, Iranilson Buriti de. Fora da higiene não há salvação: a disciplinarização do corpo pelo discurso
médico no Brasil Republicano. Revista de Humanidades, Natal, MNEME, v. 4, n. 7, p. 14-29, fev./mar. 2003.
19

presentes no Brasil nas duas primeiras décadas da República brasileira. Objetivo dos que seguiam
as ideias higienistas era construir cidadãos “ideais” para a sociedade republicana que se
consolidava. Esses discursos estiveram presentes em várias instituições, como Igreja, escolas,
hospitais, e para a sua consolidação foram utilizados diversos dispositivos de poder para
disciplinar o corpo familiar durante as primeiras décadas da República brasileira, entre eles o
discurso médico. Essas ideias sanitaristas também estiveram presentes no espaço doméstico, a
família carecia ser ordenada e higienizada, tanto no intelecto como nos hábitos físicos. Era
necessário “civilizar” a família para “civilizar” a pátria. O higienismo tinha como objeto de
atuação tanto o espaço físico da cidade como os hábitos desenvolvidos pelos seus habitantes.
Segundo esse pensamento científico:

A questão da doença ou de sua reprodução encontrava sempre como chave


explicativa o “meio-ambiente”. Nesta perspectiva, o “meio-
ambiente” era portador e o reprodutor das doenças. A única forma de eliminá-
la era atingindo e transformando este meio. O “meio-
ambiente” era a cidade, que precisava ser trabalhada para sobreviver aos males
que nela se reproduziam15.

Era necessário controlar o meio ambiente, estabelecer novos serviços sanitários e


instaurar novos padrões de civilidade. As ideias higienistas que nortearam as interferências no
meio ambiente e na estrutura da cidade também foram visualizadas nos espaços hospitalares,
racionalizando o espaço físico e especializando as suas práticas médicas. O combate à lepra no
Brasil seguiu o discurso sanitário e médico de limpar e civilizar a sociedade. Criaram-se espaços
médicos especializados e diretrizes públicas específicas para a profilaxia da lepra.
Ao analisar a trajetória das políticas públicas sanitárias, observei que no período
colonial brasileiro a saúde pública nunca foi tema das ações da corte portuguesa. Nunes 16 retrata
em seu trabalho que nesse período já ocorria o combate à lepra, à peste e o controle sanitário em
alguns espaços, como os portos, as ruas, as casas e as praias, mas estas ações tinham como base
controlar apenas o corpo infectado do doente. Somente no século XIX a preocupação do poder
governamental deixou de ter como eixo norteador o corpo do doente e se dedicou a promoção da
saúde, iniciando o processo de medicalização das instituições e dos espaços da cidade. Hospitais,

15
LUZ, Madel. Medicina e ordem política brasileira: políticas e instituições de saúde (1850-1930). Rio de Janeiro:
Graal, 1982. p. 70.
16
NUNES, Everaldo Duarte. Sobre a história da saúde pública: ideias e autores. Revista Ciências e Saúde
Coletiva [on-line], Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 251-264, 2000.
20

cemitérios, escolas, quartéis, fábricas e prostíbulos passam a ser objeto da ação do poder
governamental.
Em seu trabalho, Silva17 apresenta que São Paulo e Rio de Janeiro foram as primeiras
cidades a construir um modelo de atenção à saúde pública. Essa preocupação com a saúde da
cidade pode ser verificada na atuação da Santa Casa de Misericórdia, sobretudo na cidade de São
Paulo. A atenção à saúde observada por Silva foi verificada nas transformações realizadas no
atendimento, nos relatórios e nos recursos financeiros destinados à Santa Casa de Misericórdia.
Com o crescimento da cidade de São Paulo, tanto populacional como econômico, as avaliações
de atendimento realizadas pela Santa Casa apontavam um crescimento de enfermos, sendo estes
provenientes de duas classes principais: estrangeiros e pobres. Esses dados significavam um risco
para a saúde da cidade. A presença da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo nos relatórios da
cidade, bem como a verba destinada pela assistência pública do governo a ela, colocava essa
instituição como central no atendimento da assistência pública. Para a autora, a assistência à
saúde realizada nesse espaço hospitalar evidenciava a importância das questões da saúde na
organização das questões da cidade antes que os temas do sanitarismo e da urbanização fossem
vistos como centrais na organização política. A atuação das instituições religiosas no campo da
saúde esteve presente em todas as partes do Brasil, realizando o trabalho que era para ser
desenvolvido pelo Estado.
Diferentemente de São Paulo, Natal não tinha na sua estrutura sanitária a presença da
Santa Casa de Misericórdia, o que permite concluir que o início da atenção à saúde pública foi
mais tardio na cidade potiguar. Estiveram presentes aqui as irmãs de caridade que atuaram em
diferentes espaços médicos, sendo de grande importância no funcionamento do Leprosário São
Francisco de Assis.
Além da presença das instituições religiosas na implantação das políticas de saúde, a
atuação dos médicos sanitaristas foi importante no trabalho de medicalização dos hábitos de
higiene da população. O trabalho de Fonseca18 reconstrói a visão de alguns profissionais que
atuaram no serviço de profilaxia das doenças venéreas no interior dos estados a partir dos anos
1930. Segundo a autora, as reformas na saúde pública influenciaram de forma ativa a formação

17
SILVA, Márcia Regina Barros da. O processo de urbanização paulista: a medicina e o crescimento da cidade
moderna. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, n. 53, p. 243-266, 2007.
18
FONSECA, Cristina M. Oliveira. Trabalhando em saúde pública pelo interior do Brasil: lembranças de uma
geração de sanitaristas (1930-1970). Revista Ciência e Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 393- 411, 2000.
21

dos médicos na década de 1930 e essa geração contribuiu para a construção do aparato
institucional do período republicano. Assim, ela entende que o processo de institucionalização da
saúde pública nesse período possuiu ampla relação com a trajetória pessoal e profissional desse
grupo médico. Compreender o pensamento médico desse período foi importante para
dimensionar o papel desses profissionais na implantação das políticas sanitaristas e na atuação do
combate à lepra.
Outro trabalho importante para compreender a atuação dos médicos, em especial no
combate à lepra, foi a tese de Andrade19. O autor analisa a trajetória e a atuação de Souza-Araújo,
antes de se tornar um dos grandes leprologistas do Brasil. A análise abarca o início de sua
carreira, as suas nuances dentro da sociedade e as suas possibilidades profissionais, contrariando
a imagem que se construiu sobre esse médico. Souza Araújo foi um dos responsáveis pela
edificação do Lazarópolis do Prata, no Pará, primeira colônia agrícola fundada no Brasil. Assim,
entender o médico Souza Araújo, sua carreira, suas ideias médicas, contribuiu para compreender
o pensamento que embasou a construção dos leprosários do Brasil e em especial o Leprosário São
Francisco de Assis. Neste trabalho, esse espaço de isolamento é entendido como uma instituição
total, como classifica Erving Goffman20.
Para esse autor, as instituições totais são espaços que impõem uma barreira entre os
internos e o mundo externo, que apresentam um mesmo espaço para todos os aspectos da vida,
com horários fixos e padrões a serem seguidos. Essa característica define as instituições de
isolamento, sejam leprosários, colônias, manicômios ou prisões. Essas instituições também
realizam o que Goffman chamou de mortificação do eu, como descreve no momento da admissão
dos internos.

Obter uma história de vida, tirar fotografia, pesar, tirar impressões digitais,
atribuir números, procurar e enumerar bens pessoas para que sejam guardados,
despir, dar banho, desinfetar, cortar os cabelos, distribuir roupas da instituição,
dar instruções quanto a regras [...]21.

Ao entrar no Leprosário São Francisco de Assis, podemos afirmar que o interno


deixava de ser um membro da sociedade para se transformar em um número, uma porcentagem

19
ANDRADE, Marcio Magalhães de. Capítulos da história sanitária no Brasil: a atuação profissional de Souza
Araújo entre os anos 1910 e 1920. 2011, 210f. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) – Fundação
Oswaldo Cruz, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2011.
20
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974.
21
Idem, 1974. p. 25.
22

negativa nos dados de epidemiologia. As instituições hospitalares são entendidas como


instituições totais, já que os internos passam a seguir normas e condutas, eles sofrem diferentes
tipos de enquadramento e mortificação do eu. São instituições onde existe uma rede complexa de
relações sociais, regras e linguagem próprias. Assim, O leprosário é analisado como espaço
complexo de intensa relação entre os internos e entre internos e equipe dirigente, com códigos e
ajustamentos secundários próprios.

Modernidade e cultura política na construção do Leprosário São Francisco de Assis

A República brasileira se estabeleceu em meio a grandes transformações no campo


econômico, político e cultural, advindos da Revolução Industrial e da Revolução Científico-
Tecnológica. Surgiram novos potenciais enérgicos e novas áreas de estudos, sobretudo ligadas à
medicina, como farmacologia, microbiologia e bacteriologia. Os novos processos científicos e as
novas ideias modernizadoras estiveram presentes no discurso da elite política e intelectual
brasileira, desejosa de acabar com qualquer elemento que a conectasse com o antigo regime
político. Durante toda a primeira República brasileira, a elite política interferiu no processo de
organização da cidade, na formação de novos sistemas culturais e da medicalização das doenças e
dos doentes baseada nas ideias de modernização da sociedade brasileira22. A construção e as
práticas médicas desenvolvidas no Leprosário São Francisco de Assis se inscrevem dentro das
ideias de modernidade implantadas no Brasil. Os discursos médicos colocaram o combate à lepra
como uma das principais ações modernizadoras do período. Dessa forma, o conceito de
modernidade é central para compreender os discursos e práticas realizadas na idealização e na
construção desse espaço médico em Natal durante os anos 1920.
A modernidade tinha como base a transformação das antigas estruturas, políticas,
econômicas e culturais, e a instalação de uma sociedade calcada nas novas ideias científicas,
inspiradas no Darwinismo social, no Positivismo de Augusto Comte e no determinismo de
Lombroso. Essas ideias da modernidade ressignificaram os espaços da cidade e estabeleceram
novas relações entre poder institucional e saber médico. Elas deram o tom do discurso de

22
SEVCENKO, Nicoloau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: SEVCENKO,
Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3.
23

formação de uma cidade saudável, limpa, isolando o louco, vacinando o doente e expulsando os
desviantes.
O discurso proferido pelo saber médico a partir dos ideais de modernidade foi
incorporado pelo poder político, se fazendo presente em diferentes instituições, como escolas,
portos, feiras, matadouros e espaços hospitalares. Ele interferiu na organização da sociedade, nos
hábitos e nos costumes da população brasileira. O processo de modernização da sociedade,
derivado dos novos saberes médicos e da presença da cientificidade na organização da cidade
contribuíram para a emergência, de diferentes instituições médicas especializadas, como os
leprosários e as colônias. Entendemos esses espaços médicos como intervenção do poder público
no processo de organização da cidade saudável e no estabelecimento de uma nova cultura política
sanitária, baseada nas ideias higienistas e modernizantes.
A aliança entre o poder político e o saber médico ressignificou as práticas médicas,
estabelecendo novas relações entre a doença e a saúde, entre a ciência e a feitiçaria, contribuiu na
construção de espaços especializados e discursos que normatizaram as atividades da vida
cotidiana, as políticas públicas sanitárias e, consequentemente, o combate à lepra. Novas relações
foram instituídas entre saber médico, poder governamental e sociedade, novas práticas foram
estabelecidas nas escolas, nos hospitais, na limpeza pública, no papel das mães e da família.
Estabeleceram-se novas práticas culturais na sociedade brasileira, uma nova cultura, médica,
sanitária e política, foi implantada.
O termo cultura utilizado neste trabalho ganhou diferentes significados nas
abordagens historiográficas. Inicialmente, esteve ligado ao cultivo de vegetais e à criação de
animais e, por extensão, ao cultivo da mente humana. A partir da introdução do termo cultura nos
estudos da antropologia comparada, seu conceito foi ampliado no sentido de entender que não
existe uma única cultura na sociedade, mas culturas que coexistem no mesmo espaço e na mesma
temporalidade.
Segundo Raymond Williams, o termo cultura pode ser entendido como “[...] modo de
vida global distinto, dentro do qual se percebe, hoje, um sistema de significações bem definido
não só como essencial, mas como essencialmente envolvido em todas as formas de atividade
social”23. Dessa forma, entendemos que durante o processo de implantação da modernidade

23
WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 13.
24

brasileira, uma nova maneira de se relacionar com a doença e com o doente foi implantada a
partir do discurso médico, criando novos espaços, novos estigmas, novas práticas médicas.
Para alguns teóricos da história cultural, as produções realizadas na década de 1970 e
1980 podem ser demarcadas pelo que se intitula de Nova História Cultural. Para Burke24, essa
Nova História Cultural teve influência da sociologia e da antropologia, das confluências dos
estudos produzidos na Europa e nos Estados Unidos. Essas produções culturais surgiram como
resposta à expansão do sentido de cultura, sendo caracterizada pelo zelo com a teoria. Diferente
de Burke, Roger Chartier afirma que a produção da História Cultural foi desenvolvida a partir da
oposição às abordagens produzidas pela história das mentalidades. Esse seria um termo muito
ambíguo para retratar os elementos psicológicos e os elementos sociais de um determinado
espaço. Além dessa crítica ao termo história das mentalidades, ele também questiona a forma
linear como as produções culturais eram retratadas25. Para o autor, as produções realizadas antes
dos anos 1980 não tinham unidade, como também não apresentavam elementos metodológicos
suficientes para o embasamento das produções culturais.
Diferentemente de Chartier, Pesavento26 afirma que a Nova História Cultural é um
desmembramento da história social e as suas investigações vêm somar com as abordagens já
presentes, tendo como um dos campos teóricos a representação. Ela entende que a própria
produção da história cultural não passaria de representações de uma determinada sociedade.
Dois conceitos são importantes ao retratar a História Cultural: práticas e
representações. Segundo Barros27, as práticas culturais são as formas como as diferentes
sociedades reagem a diferentes ações, seja do ponto de vista do aspecto político, econômico ou
social. As práticas seriam

[...] não apenas a feitura de um livro, uma técnica artística ou uma modalidade
de ensino, mas também os modos como, em uma dada sociedade, os homens
falam e se calam, e bebem, sentam-se e andam, conversam ou discutem,
solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou adoecem, tratam seus loucos ou
recebem os estrangeiros28.

24
BURKE. Peter. O que é história cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
25
BURKE. Peter. O que é história cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
26
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Muito além do espaço: por uma história cultural do urbano. Revista Estudos
históricos, Rio de Janeiro, v .8, n. 16, p. 279-290, 1995.
27
BARROS, José D’Assunção. A nova história cultural: considerações sobre o seu universo conceitual e seus
diálogos com outros campos históricos. Cadernos de História, Belo Horizonte, v.12, n. 16, p. 6-38, 2011.
28
Idem, 2011. p. 47.
25

Com base na definição de práticas culturais, analisar o processo de isolamento dos


leprosos em espaços delimitados e construídos para esse fim a partir da História Cultural consiste
em indagar além dos aspectos relativos à arquitetura, ou ao processo de construção, mas
compreender o discurso proferido sobre esse isolamento, sobre a doença, compreender as práticas
médicas instauradas e quem eram os sujeitos que o integravam e como viviam os doentes.
O segundo conceito, as representações, está estreitamente ligado às práticas. As
representações geram práticas, assim como as práticas geram representações, ou seja, não existem
práticas que não sejam produzidas pelas representações.
A consolidação da classe médica como os grandes salvadores da pátria no século XX,
como formadora da nova sociedade brasileira, foi essencial na consolidação das ideias de
modernização do país e, consequentemente, nas representações construídas em torno da lepra e
da sua profilaxia (baseada no isolamento compulsório dos doentes em leprosários e colônias).
Nesse sentido, podemos dizer que o grupo médico se consolidava na sociedade como um
importante grupo social, com local de fala e atuação bem determinados.
Os discursos médicos, proferidos sobre a necessidade de construção de um leprosário,
a necessidade de exclusão dos leprosos do convívio com o saudável, a presença do saber médico
nas diversas instituições, como escolas e entidades filantrópicas, demarcaram o poder das novas
ideias higiênicas e o poder médico na sociedade, demonstrando a participação dessas instituições
na construção do isolamento em Natal.
O discurso produzido por diferentes grupos e atores sociais durante o combate à
lepra, nas primeiras décadas do século XX, é entendido neste trabalho como uma narrativa
cultural. O combate à doença e a busca pela saúde criaram novas práticas médicas profiláticas e
novos espaços hospitalares, como o Leprosário São Francisco de Assis. Para entender o processo
de edificação do isolamento em Natal, bem como as práticas médicas realizadas nessa instituição,
utilizei o conceito de cultura política. O estudo do político do ponto de vista cultural é importante
porque possibilita compreender os atos dos homens, os sistemas de valores, as crenças, as
normas, as representações da sociedade. O combate à lepra no Brasil fazia parte de um conjunto
de ações políticas que envolvia diferentes atores sociais.
O termo Cultura Política surgiu da aproximação entre os elementos culturais e os
elementos políticos. O alargamento do conceito de cultura possibilitou novas análises baseadas na
abordagem cultural, como as análises políticas. Esse termo foi utilizado pela primeira vez nos
26

anos 1960, com os trabalhos de Gabriel Almond e Sidney Verba, os estudos tinham como
objetivo compreender os aspectos subjetivos ligados aos ideais políticos presentes nas sociedades
contemporâneas29.
Jean-François Sirinelli30 define cultura política como um conjunto de símbolos e
códigos, seja em uma tradição política ou um partido. Assim, existem várias culturas políticas em
um mesmo espaço, se relacionando entre si e criando novas culturas e novas ideias. Berstein31
retrata que a cultura política permite adaptar as diferentes complexidades dos comportamentos
humanos dentro da sociedade, já que existe uma pluralidade de culturas políticas convivendo no
mesmo tempo e espaço. A República brasileira, especificamente entre os anos de 1910 a 1930,
pode ser caracterizada pela pluralidade de grupos políticos que atuavam em diferentes espaços,
grupos com culturas políticas diversas que se mesclavam e se adaptavam entre si. O processo de
implantação do leprosário, bem como as práticas de combate à lepra, tornou-se parte do plano de
governo, no qual o saber médico e o poder político se entrecruzavam em Natal. O combate à
epidemia da lepra tornou-se um elemento indispensável para a efetivação das políticas sanitárias
e símbolo da preocupação política do período.
O conceito de cultura política é utilizado neste trabalho para defender a ideia de que a
ação do poder público e o discurso médico, através dos seus agentes, presente nas primeiras
décadas do século XX, possuía uma cultura política própria, proveniente do grupo político que
fazia parte, do conceito de modernidade que defendiam e do local de fala.
As culturas políticas surgem de uma necessidade da social, uma resposta aos
problemas enfrentados. Nas primeiras décadas do século XX, as estruturas sociais brasileira
sofreram transformações importantes na sua forma política, na concepção do que seria uma
sociedade ideal, da relação entre saúde e poder político. Esses elementos propiciaram a
construção de novos elementos culturais, em especial o fortalecimento do poder médico nas
estruturas políticas e o desenvolvimento do conceito de saúde.
As culturas se materializam por meio dos discursos e dos símbolos. O discurso,
como portadores das ideias, da materialização da sua identidade, e os símbolos, no nível dos
gestos e das representações visuais das ideias. Portanto, se faz de grande importância analisar as

29
BARROS, José D’Assunção. A nova história cultural: considerações sobre o seu universo conceitual e seus
diálogos com outros campos históricos. Cadernos de História, Belo Horizonte, v. 12, n. 16, 2011.
30
BERSTEIN, Sérgio. A cultura política. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François. Para uma história
cultural. Lisboa: Estampa, 1998.
31
Idem, 1998.
27

práticas e os discursos presentes nas primeiras décadas na cidade do Natal no processo de


construção e no funcionamento do Leprosário São Francisco de Assis.
Esse isolamento tornou-se um importante espaço médico da cidade, local de
simbologias e de práticas. O espaço é uma instância que recebe diferentes significados nos
trabalhos científicos, aqui utilizaremos a ideia de espaço como produção cultural, que ganha
significado a partir das práticas instituídas e das simbologias construídas pela sociedade e pelos
seus praticantes. Para Certeau, o espaço é praticado e experenciado pelos indivíduos de diferentes
formas32. Utilizo a sua ideia de espaço praticado no sentido de afirmar que cada interno vivenciou
o isolamento e experenciou os diferentes espaços da instituição de forma singular. Médicos,
pacientes e funcionários praticaram o espaço e criaram simbologias próprias sobre a instituição
de isolamento.
As cidades são organizadas segundo o discurso dos não praticantes do seu espaço, a
partir da visão dos planejadores, seguindo um plano racional, excluindo do campo de visão
qualquer poluição ou mal que pudesse prejudicar a cidade ideal e a formação de um sujeito único,
modelar. A cidade republicana, baseada nas ideias de modernidade, foi planejada para se
transformar na cidade ideal, limpa, moderna, racional, com indivíduos civilizados. Ela instaurou
uma nova ordem simbólica, uma cidade conceito, com novos espaços. Natal sofreu o processo de
organização do seu espaço, sendo exaltado o que era tido como saudável e excluindo-se o que era
impuro e doente. O Leprosário São Francisco de Assis inseriu-se nessa organização, sendo o
espaço da exclusão dos impuros, dos leprosos.

O Leprosário São Francisco de Assis e as suas fontes

O trabalho de investigação da História situa-se entre o tempo do objeto e o tempo do


investigador33. Essa afirmação da historiadora Carla Boto leva-me a pensar sobre a produção
histórica e as interferências que essa escrita sofre no tempo e no espaço em que está inserida.
Dessa forma, não é intenção deste trabalho abarcar todos os aspectos relativos ao combate à lepra
no Rio Grande do Norte, mas trata-se de uma produção pertencente ao seu tempo.

32
CERTEAU, Michael. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2008.
33
Para mais informações, ler: BOTO, Carla. Nova história e seus velhos dilemas. Revista USP, São Paulo, n. 24, p.
23-33, 1994.
28

O campo de investigação da história da saúde e da doença é bastante amplo, com


diferentes abordagens e enfoques, no entanto, as pesquisas referentes à História da Saúde e da
Doença sobre o Rio Grande do Norte ainda se encontram em menor número. Diante das questões
propostas, foi necessário realizar uma pesquisa bibliográfica ampla sobre as trajetórias médicas
no início da República, conhecer outros leprosários construídos no Brasil, se debruçar sobre as
políticas de combate à lepra instauradas em diferentes temporalidades. Essas informações,
obtidas a partir da leitura sistematizada desses temas, foram de grande importância, pois
possibilitaram fechar algumas lacunas deixadas pela documentação a que tive acesso e também
compreender a organização institucional à qual o Leprosário São Francisco de Assis estava
subordinada.
O combate à lepra fez parte da política sanitária nacional, estando presente em todo o
território brasileiro. Assim, a lepra, como outras doenças entendidas como problema nacional,
ganharam uma atenção especial das políticas públicas em diferentes temporalidades, com
inspetoria própria, congressos, notificação compulsória e tratamento específico. Dessa forma, é
importante compreender a construção do aparato institucional elaborado para combater o grande
mal que assolava o país. Diante dessa questão indago: quais eram os órgãos institucionais
presentes nesse período? Quais os regulamentos e leis que organizavam o serviço de combate à
lepra e a instalação do Leprosário São Francisco de Assis? Quais os dados oficiais sobre os
doentes?
Para responder a esses questionamentos, utilizamos um conjunto documental de
natureza administrativa que engloba discursos médicos – participantes da Comissão Pró-
leprosário, principais leprologistas e participantes dos congressos médicos durante os anos de
1923 a 1941; fala dos principais agentes políticos, presidentes do Estado, diretor do
Departamento Nacional de Saúde, diretor do Leprosário São Francisco de Assis e de outras
instituições médicas; leis, decretos e resoluções que demarcaram e regulamentaram o isolamento
dos doentes; mensagem dos Presidentes do Estado do Rio Grande do Norte.
Além do aparato institucional, foi importante compreender os discursos presentes na
construção do Leprosário São Francisco de Assis, observando: quem idealizou; quais os recursos
utilizados; como a sociedade participou dessa construção. Dessa forma, utilizamos os jornais de
diferentes localidades publicados no período entre os anos de 1910 e os de 1950, para
compreender as falas e os discursos retratados pelos médicos e pelo poder público e entender
29

como a construção e o funcionamento do Leprosário São Francisco de Assis foram demonstrados


e enfatizados nesses períodos.
Outro conjunto documental utilizado foram os documentos presentes no arquivo do
leprosário. Esse arquivo conta com uma vasta documentação que compreende um recorte
temporal de 1926 até 1998. A partir do estudo dessa vasta documentação, pude compreender, de
forma mais ampla e aprofundada, funcionamento do hospital e quem eram seus internos.
Esse arquivo apresenta dois tipos de documentos principais: o primeiro deles
corresponde aos documentos administrativos, como dados dos funcionários, transações
financeiras, dieta alimentar dos internos e projetos sociais implantados na instituição. O segundo
grupo de documentos corresponde aos prontuários médicos dos pacientes, que denominei de
prontuários médicos. Esse corpo documental foi objeto de análise deste trabalho. Ele é formado
por uma série de documentos de distintas temporalidades e com diferentes nomenclaturas: ficha
clínica dos pacientes dos anos de 1926 a 1930, que corresponde aos primeiros internos da
instituição. Ela apresenta nome do paciente, idade, local de origem, como contraiu a doença, os
primeiros sintomas, profissão e o resultado do exame da mucosa nasal com o tipo de bactéria que
o indivíduo estava contaminado; fichas clínicas de 1930 a 1960, fichas dos pacientes que foram
internados nesses anos, registram as principais características do doente, nome, idade, altura,
estado civil, situação da doença. Diferente das primeiras fichas, essas possuem a preocupação de
registrar a situação social do indivíduo, o tipo de casa, profissão que exercia e todo o antecedente
familiar do doente.
Além desses documentos, também estão presentes dois tipos de fichas de avaliações
médicas dos doentes produzidas entre os anos 1930 a 1960: O primeiro grupo é formado por um
conjunto de fotografias, o qual demonstra as principais deformidades físicas causadas pela
bactéria e o tipo de tratamento a que o paciente foi submetido. O segundo tipo corresponde às
avaliações realizadas pelos médicos no corpo dos doentes através de desenhos e símbolos que
demonstram o grau e a evolução da incapacidade do corpo.
Por meio do estudo desse corpo documental, pude identificar quem foram os internos
dessa instituição, qual a situação econômica, quem eram os seus familiares, qual o período de
entrada e de saída, quantas fugas foram registradas. Também foi possível investigar as práticas
médicas desenvolvidas no interior do isolamento, observando alguns aspectos como: os
procedimentos para a elaboração do diagnóstico do doente, os exames realizados, os médicos
30

presentes nessa instituição, o tratamento desenvolvido, a forma como os enfermos contraíam a


bactéria, os níveis de infecção, os níveis de incapacidade física, o período de permanência na
instituição, altas hospitalares.
Entre os documentos que englobam o que denominei de prontuário médico, também
há fichas de notificação compulsória dos anos de 1920 e 1930. Apesar de ser formada por um
grupo reduzido de fichas, a análise desses documentos possibilitou compreender como ocorria a
notificação dos leprosos no Estado, quais os dados registrados, quem foram os doentes
notificados e quem realizava a notificação dos casos de lepra denunciados.
O arquivo ainda conta com fotografias do período da inauguração das dependências
do Leprosário São Francisco de Assis e das casas ocupadas por alguns internos. A planta baixa do
isolamento datada da década de 1970 apresenta o modelo arquitetônico do leprosário e as várias
interferências arquitetônicas realizadas em suas dependências. Esses documentos foram
utilizados para compreender os elementos físicos presentes no seu edifício, as partes que
formavam o isolamento, como eram as dependências e as suas estruturas.
A análise desse corpo documental também nos apresenta outra questão, as diferentes
nomeclaturas que essa instituição adquiriu durante a sua trajetória. No primeiro momento, foi
chamada de Leprosário, logo após Colônia São Francisco, Colônia Agrícola e Vila São
Francisco. É importante investigar a relação dessas denominações com o tipo de tratamento
realizado, a política nacional de combate à lepra implantada e o conceito médico do isolamento.
Entendemos que todas as fontes utilizadas neste trabalho possuem um local de fala e
uma intencionalidade ao ser produzida. Não existe trabalho de História sem a análise das fontes e
sem as perguntas que o historiador realiza. No processo de análise do material, respeitamos o
local de produção e a sua intencionalidade, já que os documentos históricos são fruto da prática
social da sociedade que o produziu.
O presente trabalho está dividido em três capítulos. O primeiro capítulo, A construção
do Leprosário São Francisco de Assis, aborda a construção do Leprosário São Francisco de
Assis, procurando responder as seguintes questões: qual o local escolhido para instalação do
leprosário? Por quê? Quem financiou a construção? Qual o modelo arquitetônico empregado?
Quais as suas dependências e como foram construídas? Existiam semelhanças entre o Leprosário
São Francisco de Assis e os demais leprosários no Brasil?
31

O segundo capítulo, Os internos do Leprosário São Francisco de Assis, discute quem


foram os sujeitos que vivenciaram o isolamento compulsório no Leprosário São Francisco de
Assis. Dessa forma, buscamos compreender quem eram os internos, qual a sua origem, a situação
econômica, a profissão que exercia, quantos anos permaneceram na instituição, quem era a
família, qual o tipo de acomodação tinha no leprosário.
O terceiro e último capítulo, As práticas médicas desenvolvidas no Leprosário São
Francisco de Assis, busca compreender quem foram os profissionais que atuaram no isolamento,
qual o pensamento desses médicos, quais as práticas médicas utilizadas, como ocorria a
identificação dos doentes, de que forma eram realizados os exames, o diagnóstico e a evolução
dos enfermos.
32

CAPÍTULO 1: A CONSTRUÇÃO DO LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS

Durante a década de 1920, a profilaxia da lepra esteve no centro da política de saúde


nacional, o combate a essa doença baseava-se no isolamento dos doentes em leprosários e
colônias agrícolas. Assim, em vários estados do Brasil, teve inicio o processo de notificação
compulsória dos doentes e a edificação de espaços destinados a isolar os leprosos presentes entre
a população. Diante das diretrizes nacionais de combate ao mal de Hansen, o estado do Rio
Grande do Norte necessitou organizar políticas públicas que o inserisse nas novas ideias
sanitárias, entre elas ações que visassem combater a lepra.
Ao investigar as condições sanitárias e higiênicas do Rio Grande do Norte, verifiquei
que a lepra não estava entre as moléstias historiadas que atingiam fortemente a população. Os
problemas sanitários mais corriqueiros eram as doenças do aparelho digestivo, febre tifoide, febre
amarela, a mortalidade infantil, entre outras. Apesar dessa ausência de um elevado registro de
pessoas contaminadas com o bacilo de Hansen, existiu no Rio Grande do Norte, ainda durante a
década de 1920, um conjunto de ações direcionadas para o combate à lepra, entre elas a
edificação do Leprosário São Francisco de Assis. Diante disso, algumas questões surgiram: como
a política nacional de saúde influenciou as ações e as ideias da política estadual? Quantos
leprosos existiam no Rio Grande do Norte? Como os jornais noticiaram a presença da lepra no
Estado? Como iniciou o processo de edificação do leprosário? Qual o local escolhido para a
prática do isolamento? Quais os recursos financeiros utilizados?
Dessa forma, o capítulo apresenta como objetivo analisar a implantação da política
nacional de combate à lepra, quais os mecanismos utilizados pelo Estado para conhecer e
combater os doentes de lepra. Além disso, analisa o percurso de construção do Leprosário São
Francisco de Assis no Rio Grande do Norte, enfatizando os discursos dos Presidentes de Estado,
o discurso da classe médica potiguar, os estágios da edificação do isolamento e a movimentação
dos seus internos.

1.1 O governo brasileiro e a construção dos leprosários

A lepra começou a ser objeto da atenção sistemática por parte de médicos e do Estado
brasileiro a partir dos anos 1920. Um marco importante desse processo foi a publicação do
33

Decreto nº. 3.987, de 02 de janeiro de 192034, que criou o Departamento Nacional de Saúde
Pública. Vinculada a esse departamento, foi criada a Inspetoria de Profilaxia da Lepra35, que
intensificou a campanha contra a doença em todos os estados brasileiros. A construção dos
leprosários nos estados fez parte de um projeto modernizador que vislumbrava a saúde como
essencial na construção de uma sociedade saudável e civilizada. No Rio Grande do Norte,
especificamente, uma das medidas tomadas para o combate à lepra foi a construção, em 1926, do
Leprosário São Francisco de Assis.
No Brasil, desde o século XIX, podem ser identificadas medidas sanitárias, tais
como: a criação de espaços médicos (hospitais e isolamentos); de regulamentos (que
determinaram, por exemplo, a notificação compulsória das doenças transmissíveis (1902) e a
instituição da obrigatoriedade da vacina contra a varíola (1904)); e de alguns órgãos públicos
(tais como a Diretoria Geral de Saúde Pública (1897) e o instituto soroterapêutico Municipal
(1900)36. Esses órgãos públicos funcionavam sobretudo nas grandes cidades, como o Rio de
Janeiro, e controlavam estaticamente os pacientes e as doenças, além de notificar os enfermos nos
casos de doenças contagiosas. Já nas áreas mais distantes dos centros políticos, como o nordeste
do Brasil, como afirmou Oliveira, as reformas sanitárias tonaram-se mais efetivas durante a
década de 1920.

Comparativamente, os Estados do Nordeste ficariam muito aquém da referência


sanitária que vivenciaram Rio de Janeiro e São Paulo. Mesmo a Bahia, um dos
mais populosos Estados do Nordeste, e visto como um locus tradicional em
educação médica, em virtude da Faculdade de Medicina aí instalada, não teve
uma reforma sanitária expressiva até a década de 20 [...]37.

Em Natal, particularmente, a adoção dessas medidas era tímida. A precariedade das


condições de saúde estava expressa tanto na ausência de hospitais adequados, quanto na

34
BRASIL, Coleção de Leis. Decreto nº. 3.987, de 02 de janeiro de 1920. Rio de Janeiro, 1920.
35
Inicialmente, essa divisão foi denominada Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas.
Posteriormente, foi transformada em Inspetoria de Profilaxia da Lepra.
36
SILVA, Rodrigo Otávio da. Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersões de força no
complexo nosoespacial do hospital da caridade Juvino Barreto (1909-1927). 2012. 121f. Dissertação (Mestrado em
História) – Departamento de História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012, p. 47.
37
OLIVEIRA, Iranilson Buriti de. Fora da higiene não há salvação: a disciplinarização do corpo pelo discurso
médico no Brasil Republicano. Revista de Humanidades, v. 4, n. 7, p. 14-29, fev./mar. 2003.
34

inexistência de órgãos que controlassem os dados numéricos sobre as doenças e os enfermos,


desrespeitando o que determinava o Decreto Federal de 190438.
Por essa linha de pensamento, pode-se inferir que, se nesse período não havia uma
política sistematizada de saúde para o país, não havia também medidas de monitoramento e de
profilaxia para controlar uma doença específica como a lepra. No que concerne especificamente à
lepra, não havia um acompanhamento sistemático da doença, sobretudo, nas pequenas cidades,
como era o caso de Natal. Por essa lógica, que a ausência de registros médicos e de órgãos que
acompanhassem os dados acerca dos doentes pode ter gerado a informação de que não havia
casos de lepra no Rio Grande do Norte antes da década de 192039.
Há notícias da presença da lepra no território brasileiro desde o período colonial,
sobretudo em São Paulo e Minas Gerais40. Todavia, até os primeiros anos do século XX, quando
se tornou um problema sanitário nacional, a lepra não era vista como uma grande epidemia,
outras doenças – como a sífilis, a varíola e a tuberculose – causavam mais preocupação às
autoridades. Apesar de haver registros em 190441 de discursos médicos, como o de Osvaldo Cruz,
que defendiam a construção de lugares apropriados para o isolamento e o abrigo dos leprosos,
não existia uma regulamentação que responsabilizasse o Estado por essa ação. Em geral, o que os
médicos defendiam era que os leprosos deveriam ser atendidos pelos setores caridosos da
sociedade. Nesse sentido, é importante afirmar que até a década de 1910 o Movimento Sanitário42
ainda não havia inserido essa epidemia como problema nacional a ser enfrentado pelo Estado43.
Segundo Cabral, somente com o crescimento alarmante de casos de lepra nos
diversos estados brasileiros, a partir da década de 1920, a epidemia passou a exigir uma política

38
Decreto Federal nº 1.151, de 5 de janeiro de 1904. Esse Decreto Reorganiza os serviços da hygiene administrativa
da União.
39
Os primeiros casos de lepra no Rio Grande do Norte são notificados em 1923.
40
Vários autores se referem à presença dessa doença em diferentes períodos históricos. Entre eles, pode-se citar
CUNHA, Vivian da Silva. Isolados “como nós” ou isolados “entre nós”?. História, Ciências, Saúde –
Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 939-954, out./dez. 2010.
41
O Regulamento Sanitário de 1904 previa o isolamento e a notificação compulsória dos doentes. Entretanto, não
havia nenhuma diretriz sobre quem seria o responsável por tal isolamento. Na prática, a diretriz era letra morta na lei.
42
Por Movimento Sanitário, compreende-se uma série de ações desenvolvidas tanto em âmbito nacional, como em
âmbito estadual, em prol da saúde pública. Sobre o tema, consultar: SANTOS, Luiz A. de Castro. As origens da
reforma sanitária e da modernização conservadora na Bahia durante a Primeira República. Disponível em:
<http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52581998000300004>.
43
MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas
de combate à lepra no Brasil (1941-1962). 2007. 380f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.
35

para o seu combate44. A partir de então, alguns grupos da sociedade brasileira passaram a debater
sobre a necessidade de cada estado da União criar instituições (leprosários), para evitar a
convivência dos doentes com as pessoas saudáveis, revelando a falta de um consenso sobre a
necessidade de isolar os pacientes. Esse debate perdurou até a década de 1930 e contou,
basicamente, com duas posições diferentes acerca do isolamento dos doentes.
A primeira posição argumentava em favor do tratamento em pequenas colônias e em
residências, contrapondo-se à ideia de internamento compulsório. Esse posicionamento permitiu
a criação de diretrizes para o combate à lepra e às doenças venéreas na década de 1920. A
segunda interpretação argumentava em favor do isolamento amplo do doente em colônias e
realizado por intermédio da internação compulsória dos doentes. Foi a proposta da segunda
interpretação que se tornou hegemônica no Brasil.
Somente a partir do ano de 1915, diante do aumento dos casos de lepra no território
nacional e a ineficácia do isolamento realizado nos lazaretos45, o saber médico passou a interferir
na política estatal e a defender a implantação de políticas públicas para combater a lepra. Nesse
período foi instaurada a Comissão de Profilaxia da Lepra, organismo criado pelos médicos com o
objetivo de discutir sobre essa doença e os doentes por ela acometidos e elaborar alternativas para
o problema de combate ao mal de Hansen no Brasil. Essa comissão – idealizada por Belmiro
Valverde, leprologista do Hospital de Lázaros no Rio de Janeiro, e Juliano Moreira – atuou nesse
estado, nos anos de 1915 a 1919. Foi a partir do debate realizado por esse grupo de médicos que a
lepra passou a ser entendida como um grande mal nacional que precisava ser combatido e
exterminado do Brasil.
A Comissão de Profilaxia da Lepra produziu um documento com várias deliberações e
reivindicações, entre as quais, a de que era o Estado responsável pelo combate à lepra. Segundo
Maciel46, as propostas dessa Comissão – fundamentadas no sanitarismo e na saúde pública –
foram a base do projeto estatal de combate à lepra implantado durante os anos de 1920.
Os debates nessa Comissão giravam em torno de diversas temáticas, tais como, a lepra e o
casamento, lepra e profissão, lepra e imigração e o isolamento dos doentes da lepra, entre outras.

44
CABRAL, Dilma. Lepra, medicina e políticas de saúde no Brasil (1894-1934). Rio de Janeiro: FIOCRUZ,
2013.
45
Espaço utilizado para acomodar os doentes com doenças infectocontagiosas, entre elas a lepra.
46
MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas
de combate à lepra no Brasil (1941-1962). 2007. 380f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.
36

Médicos como Juliano Moreira e Fernando Terra, ambos da Sociedade Brasileira de Medicina,
tiveram papel decisivo nesses debates. Defendiam a tese de que a dificuldade de cultivar o bacilo
e, consequentemente, o desconhecimento sobre a sua forma de transmissão, eram fatores
decisivos para a proliferação da doença. Seguindo essa lógica, os médicos passaram a defender o
isolamento compulsório dos doentes como alternativa para evitar a proliferação do mal de
Hansen.
Segundo os médicos, as pesquisas desenvolvidas, naquela conjuntura, sobre a
bactéria, demonstravam que o organismo humano hospedava o bacilo47 da lepra, tornando-se,
assim, o principal responsável pela transmissão da doença. Assim, só com o isolamento dos
hospedeiros, o mal de Hansen poderia ser exterminado do Brasil.
Ainda nos debates da Comissão acerca da transmissão da lepra, o médio Adolpho
Lutz afirmava que apenas o isolamento dos doentes não seria totalmente eficaz, pois a
transmissão da doença ocorria também por meio de mosquitos sugadores. Sendo assim, Lutz
defendia que o isolamento dos doentes necessitava ser realizado em lugares distantes das cidades,
longe da presença de mosquitos transmissores. O jornal A Rua, do Rio de Janeiro, no dia 20 de
novembro de 1915, publicou um texto do médico Plácido Barbosa no qual ele afirmou que o
governo não precisava saber a forma de transmissão da doença, mas sim saber a forma de reduzir
o número de leprosos. O início do combate à lepra no Brasil foi permeado por diferentes
posicionamentos quanto às ideias de transmissão, às ações de combate à disseminação da doença.
No entanto, era consenso entre a classe médica a necessidade de isolar os leprosos em espaços
médicos especializados. Plácido Barbosa afirmou em seu artigo:

[...] O comunicante [Adolpho Lutz] teve por escopo esclarecer a questão do


modo de transmissão da lepra, sem o que, como elle próprio disse, seria
impossível a Comissão orientar o Governo sobre sua conveniente profilaxia; e
em toda a sua oração tomou a peito provar que essa transmissão deve se fazer
por via de mosquitos. O Sr. Dr. Adolpho Lutz disse que se não pode atribuir o
desaparecimento ou decrescimento da lepra, onde elle se deu, a simples isolação
dos leprosos, porque nunca se poude isolar “todos” os doentes de um paiz. Puro
engano. Se ha cousa provada é que a diminuição da lepra na Noruega foi devida
exclusivamente ao isolamento dos leprosos. [...]48.

47
Bacilos são bactérias em forma de bastonetes. O indivíduo era portador do bacilo Mycobacterium leprae.
48
A RUA, Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1915.
37

Assim como outros países europeus, a Noruega sofreu, no final do século XIX e início do
século XX, com a presença de novos casos de lepra, principalmente nas suas colônias africanas.
O retorno dessa doença trouxe novos debates sobre sua incurabilidade e suas formas de
transmissão. A forma de controle da lepra foi precedida de vários debates, sobretudo ocorridos
nas duas primeiras Conferências Internacionais de Lepra, ocorridas no ano de 1897, em Berlim,
Alemanha, e a segunda Conferência Internacional de Lepra, 1909, Bergen, Noruega. Nesses
debates o isolamento dos doentes, revestido por um discurso médico e científico, voltou a ser
defendido como única medida profilática para reduzir o número de doentes. Dois modelos de
profilaxia (isolamento) foram apresentados, o modelo norueguês, defendido por Armauer Hansen
e o modelo alemão defendido por Robert Koch49. Segundo Carolina Oliveira,

Dois modelos de isolamento teriam se destacado: o proposto pela Noruega,


representado por Armauer Hansen, e o proposto pela Alemanha, apresentado por
Robert Koch [um dos fundadores da microbiologia e dos estudos relacionados à
epidemiologia das doenças transmissíveis]. O modelo alemão de combate à lepra
foi desenvolvido em suas colônias africanas, nas últimas décadas do século XIX.
Diferentemente da França, Inglaterra e Noruega, a Alemanha teria desenvolvido
uma forma específica de tratar os seus leprosos. Em 1890, o governo alemão
teria enviado às suas colônias uma comitiva médica, chefiada por Koch, com o
intuito de mapear os casos da doença na região, além de fornecer soluções que
se adequassem aos interesses sociais das colônias e aos interesses econômicos da
metrópole50.

Pensando em questões econômicas, o modelo proposto pelo alemão Koch defendia o


isolamento dos leprosos em instituições autossustentáveis, que respeitavam a diversidade cultural
e étnica dos internos. Segundo Reinaldo Bechler51, nos leprosários africanos construídos
seguindo o pensamento alemão, os doentes eram separados pelo sexo e pela etnia. A alimentação
deveria estar adequada aos hábitos, às necessidades e aos gostos dos internos. Nesses
estabelecimentos, a vigilância dos doentes era realizada por um segurança que compunha o grupo
de internos, as visitas e a presença de cônjuge e familiares eram permitidas. O objetivo era

49
Existiam vários modelos de isolamentos de leprosários no mundo, entre os principais podemos destacar o modelo
alemão e o modelo norueguês.
50
OLIVEIRA, Carolina Pinheiro Mendes Cahu de. De lepra à hanseníase: mais que um nome, novos discursos
sobre a doença e o doente: 1950-1970. 2012. 246f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de
Pernambuco, Recife,2012.
51
BECHLER, Reinaldo Guilherme. Muito mais do que isolamento em questão: ciência, poder e interesses em uma
análise das duas primeiras Conferências Internacionais de Lepra: Berlim 1897 e Bergen 1909. Temporalidades,
Minas Gerais, v. 1, n. 2, p. 176-201, ago./dez. 2009.
38

montar um isolamento em que o doente se sentisse em um lugar prazeroso e agradável, reduzindo


a possibilidade de fuga.
Já o modelo norueguês tinha como principal característica o isolamento voluntário dos
doentes, por meio de medidas sanitárias e educativas entre a população. O governo investiu na
formação de médicos especialistas em leprologia, entre os principais nomes podemos destacar
Daniel Danielsen e Carl Boeck, que afirmavam a incurabilidade da doença e reforçavam o
isolamento dos doentes como medida profilática. Nesse modelo, o isolamento adquiriu duas
características: o isolamento domiciliar ou o isolamento em leprosários. O primeiro tipo de
reclusão ficava restrito à população mais abastada que pudesse manter financeiramente o doente
sem contato com outros indivíduos. A partir dos estudos desenvolvidos nesse país, e a diminuição
significativa do número de leprosos, a Noruega destacou-se como grande potência científica no
combate à lepra.
Entre os principais críticos desse modelo, destacou-se Robert Koch. Para esse cientista, a
redução do número de doentes de lepra na Noruega representava apenas registros numéricos e
não a cura da doença. Também criticou a responsabilidade estatal na construção e manutenção
dos isolamentos dos leprosos. Apesar das críticas realizadas por Koch, o modelo utilizado no
Brasil, no combate ao mal de Hansen, seguiu os padrões noruegueses. No Brasil, o modelo
adotado de combate à lepra não foi unânime entre os participantes da Comissão de Profilaxia da
Lepra. Entre as principais divergências, estava o isolamento domiciliar dos doentes. Para os
médicos Eduardo Rabello e Oscar da Silva Araújo, esse tipo de isolamento não representava
segurança para os familiares e as pessoas mais próximas do doente. Eles defendiam que o leproso
poderia ser isolado em casa apenas em casos excepcionais e sob uma forte vigilância sanitária na
residência do enfermo. A profilaxia da lepra deveria ser realizada com o isolamento dos doentes
em colônias agrícolas instaladas em uma geografia específica.
A partir das ideias defendidas pela Comissão de Profilaxia da Lepra, foi instituído o
Decreto nº 16.300, de 31 de dezembro de 1923, assinado por João Luís, Ministro da Justiça do
governo Artur Bernardes. Esse decreto determinou a obrigatoriedade em território nacional do
isolamento dos leprosos em colônias ou no próprio domicílio.
A assinatura desse documento marcou a fixação de uma diretriz governamental para o
tratamento da Lepra no Brasil. Antes dessa diretriz, a lepra, ao lado de outras doenças, era tratada
em lazaretos que, concebidos como instituições de caridade, foram construídos, em alguns
39

estados brasileiros, nos séculos XVIII e XIX. Entre os lazaretos construídos nesse período,
destacam-se: Hospital dos Lázaros (posteriormente transformado em Hospital Frei Antônio),
construído no Rio de Janeiro (1741); Hospital dos Lázaros (depois denominado de Hospital) D.
Rodrigo de Meneses, erguido na Bahia (1787); Hospital dos Lázaros de Recife (1789); Asilo São
João dos Lázaros, edificado em Mato Grosso (1815); Asilo do Gavião, erigido no Maranhão
(1870); Hospital dos Lázaros de Sabará, erguido em Minas Gerais (1883). No Rio Grande do
Norte, particularmente, o Lazareto foi construído em 1857 e transformado em Lazareto da
Piedade de Natal em 188252. Essa instituição tinha a função de recolher e abrigar doentes com
patologias estigmatizadas, tais como tuberculosos, pessoas com distúrbios mentais e pessoas com
doenças venéreas. Diferente do que acontecia em outros lazaretos brasileiros, o Lazareto de Natal
não registrou nenhum caso de lepra entre os seus internos. Como já afirmei, nas fontes53
analisadas, não encontrei, no Rio Grande do Norte, registros de casos de lepra antes de 1923, o
que não significa que não existissem casos da doença entre a população.
Diante do que está sendo discutido, torna-se importante evidenciar como o Decreto nº
16.300/1923 estabelece as normas para o combate à Lepra. Esse decreto dedica exclusivamente à
lepra o seu Título V, Capítulo II, intitulado Prophylaxia Especial da Lepra.54 Ao legislar sobre a
lepra, percebe-se uma intenção, por parte setores do Estado, de encontrar um meio para controlar
a enfermidade. Percebe-se ainda uma preocupação dos gestores públicos em centralizar o
combate à lepra e, assim, evitar que o doente transmita a doença a outras pessoas.
Especificamente, as diretrizes para o tratamento da doença, explicitadas nesse capítulo, são as
seguintes: todos os suspeitos de lepra deveriam ficar sobre vigilância até que o resultado do
exame fosse confirmado; era obrigatória a notificação de todos os doentes; cabia ao médico
informar à família (por intermédio de conversas e de material escrito, elaborado pelo
Departamento de Saúde Pública) as formas de transmissão e de combate da doença; o isolamento
nosocomial dos doentes em instalações fundadas pelo poder público, federal, estadual ou
municipal ou mesmo por iniciativas privadas.

52
SILVA, Fernando de Souza; SIMPSON, Clélia Albino; DANTAS, Rita de Cássia. Reforma psiquiátrica em Natal-
RN: evolução histórica e os desafios da assistência de enfermagem. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool
Drog. (Ed. port.), Ribeirão Preto, v. 10, n. 2, p. 101-109, ago. 2014.
53
Analisei todas as mensagens dos presidentes do Estado enviadas à Assembleia Legislativa entre 1905 e 1930. Só
depois de 1923 é que surgiram as primeiras menções à lepra.
54
BRASIL, Coleção de Leis. Decreto nº. 3.987, de 02 de janeiro de 1920. Rio de Janeiro, 1920.
40

Esse decreto ainda definiu, no seu Art. 139, que “os estabelecimentos nosocomiaes
[que abrigarão os pacientes de lepra] serão os seguintes: a) colonias agricolas; b) sanatorios ou
hospitaes; c) asylos”. Segundo o próprio documento, todas essas acomodações deveriam seguir as
condições de higiene necessárias para acomodação do doente, sendo preferível a instalação dos
doentes nas colônias agrícolas. Esses espaços constituiriam uma verdadeira Vila de leprosos,
assegurando para o doente uma vida confortável, mas também segurança para a população
vizinha, como o decreto retratou.
A preferência do decreto para que os leprosos fossem instalados em colônias agrícolas era
evidente, conforme determina o Art., 139, § 2º:

Os sanatorios, hospitaes e asylos, só admissiveis quando as condições locaes e


outras o permittirem, ou o reduzido numero de doentes dispensar o
estabelecimento de uma colonia, terão por fim principal multiplicar as casas de
isolamento na medida do possivel, junto dos fócos, afim de facilitar a segregação
dos leprosos. Deverão ser estabalecidos em logares onde, a par das melhores
condições hygienicas, existam amplos logradouros para os isolados55.

A partir do que determinava o Decreto nº 16.300/1923, surgiram os primeiros leprosários


do Brasil, todos inaugurados antes de 1930. Entre os leprosários inaugurados depois de 1923 e
antes de 1930, destacaram-se56: o Lazarópolis do Prata, no Pará (1924); o Leprosário São Roque,
no Paraná (1926); o Leprosário Antonio Diogo, construído pela iniciativa privada no Ceará
(1928); o Leprosário Santo Ângelo – construído exclusivamente com verbas estaduais – no
Estado de São Paulo (1928), o Hospital Colônia Curupaiti, no Distrito Federal (1929), e o
Leprosário São Francisco de Assis (1929), no Rio Grande do Norte – construído pelo Governo do
Estado, com auxílio da iniciativa privada e estadual. 57
Portanto, a diretriz nacional estabelecida para o tratamento da lepra está intimamente
ligada à construção, no Rio Grande do Norte, do Leprosário São Francisco de Assis. Essa diretriz
possibilitou ainda a criação de duas outras instituições no estado voltadas para a profilaxia da
lepra: o Preventório Osvaldo Cruz, fundado em 1938, que receberia, para educar, os filhos de
leprosos, e a Sociedade de Assistência aos Lázaros, fundada em 1930, após o fim das atividades
de construção do leprosário. As três intuições foram dirigidas durante alguns anos pelo médico

55
BRASIL, Coleção de Leis. Decreto nº 3.987, de 02 de janeiro de 1920. Rio de Janeiro, 1920.
56
Nos anexos deste trabalho podem ser encontradas fotografias de todos os leprosários citados no texto.
57
Para mais informações, ler CUNHA, Vivian da Silva. Isolados “como nós” ou isolados “entre nós”?. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 939-954, out./dez. 2010.
41

Manoel Varella Santiago Sobrinho, demarcando a importância desse médico na profilaxia da


lepra no Estado.

1.2 A atuação do Serviço de Saneamento Rural nos registros da lepra no Rio Grande do
Norte

Como já afirmamos anteriormente, o Rio Grande do Norte não apresentava registros de


casos de lepra antes do ano de 1923, diferentemente do que acontecia com outros estados do
Brasil (principalmente São Paulo, Rio de Janeiro e Pará), que já apresentavam números elevados
de casos de lepra e realizavam ações pontuais de combate a essa epidemia.58
Essa disparidade entre Rio de Janeiro, São Paulo e Pará e o Rio Grande do Norte, no que
concerne aos casos de lepra, proporcionou debates diferenciados nos estados. Assim, enquanto, a
Comissão de Profilaxia da Lepra se reunia no Rio de Janeiro para debater o combate à epidemia a
lepra; no Rio Grande do Norte, a preocupação médica e governamental era reduzir as elevadas
taxas de mortalidade infantil registradas anualmente e combater as epidemias que atacavam o
homem do campo, como o impaludismo e as doenças tropicais.59
A partir da década de 1920, o discurso oficial apresentou como principal preocupação o
combate das chamadas doenças venéreas, em especial a sífilis, presente no Estado. A sífilis era
uma doença que causava grande preocupação entre as autoridades políticas, pois deixava sequela
física no indivíduo e, consequentemente, reduziu a força de trabalho disponível para o
enriquecimento do país. O Presidente do Estado, Antônio José de Mello e Souza externou essa
preocupação na mensagem lida na Assembleia Legislativa no ano de 1922:

convencido de que entre nós, no Brasil inteiro, nenhuma entidade mórbida exige
um combate mais enérgico e methodico que as do grupo das chamadas moléstias
venéreas, sobretudo a syphilis, cujos efeitos não só inutilizam o individuo, como
ainda dessoram e enfraquecem as gerações delle oriundas60.

58
É importante destacar que, conforme é retratado nos próprios documentos oficiais, o Estado não contava com
serviço estatístico funcionando de forma completa.
59
Segundo demonstram os dados, a mortalidade infantil correspondia a cinquenta e cinco por cento do total de
nascimentos registrados. RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo na abertura
da primeira sessão da nona legislatura em 01 de novembro de 1916, pelo governador Desembargador Joaquim
Ferreira Chaves. Natal: 1916.
60
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da terceira sessão da
décima legislatura em 01 de novembro de 1920 pelo governador Antonio J. de Mello e Souza. Natal: Typ
Commercial,1920, p. 17.
42

A preocupação com essas epidemias continuou demarcando o discurso oficial no Rio


Grande do Norte, como demonstraram as mensagens dos presidentes do Estado dos anos
seguintes. A lepra não era historiada no discurso oficial e não era registrada nos dados
demográficos do Estado como causa de morte dos indivíduos. Em 1922, as principais doenças
registradas nos obituários eram o paludismo, a tuberculose, a gripe e as febres.

[...] no período decorrido de outubro de 1921 a setembro ultimo, ocorreram 30


mortes por paludismo contra 4 no anno anterior, 31 d grippe contra 12, e 62 de
tuberculose contra 32, isso naturalmente não levando em conta os numerosos
casos de obito sem assistência medica, nos quais portanto quase nunca se pode
verificar a causa. No período apreciado não houve um só caso de morte por
variola, apenas um por febre amarela e um por peste bubônica, contra 26 no
anno anterior. Somente as febres typhicas deram ainda a causa de 17 mortes,
contra 18 no período antecedente61.

Os casos de lepra, no Rio Grande do Norte passaram a ser conhecidos e notificados


compulsoriamente a partir da atuação do Serviço de Saneamento Rural, implantado no Estado no
ano de 1922, com a ajuda financeira da União. A instalação desse serviço nos Estados fez parte
da reforma da saúde pública e da busca pelo saneamento dos sertões implantado no final do
século XIX e início do século XX. É importante retratar que esse período foi marcado por várias
ações médicas que visavam retirar o sertanejo e o sertão do lugar de abandono a que eram
submetidos pelas ações políticas e de erradicar a proliferação de algumas epidemias. Dessa
forma, iniciou-se um movimento formado pela elite intelectual e políticos voltados para a atenção
à saúde do homem do campo. Entre as principais ações do movimento sanitarista, esteve a
criação dos postos de profilaxia rural, que significaram a presença do Estado na implantação das
políticas de atenção à saúde de forma nacional. 62
No Rio Grande do Norte, a instalação dos postos de profilaxia rural ocorreu em
diferentes áreas da cidade. O primeiro posto de profilaxia rural foi instalado no bairro do Alecrim
e logo depois um subposto no bairro das Rocas, áreas da cidade mais carentes de saneamento.
Logo após, foram inaugurados os postos de Ceará-Mirim e da Penha, seguindo as linhas férreas

61
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da segunda sessão da
undécima legislatura em 01 de novembro de 1922 pelo governador Antonio J. de Mello e Souza. Natal: Typ
Commercial,1922, p. 27 e 28.
62
LIMA, Nísia Trindade. Um sertão chamado Brasil: intelectuais e representação geográfica da identidade
nacional. Rio de Janeiro: Revan, 1999.
43

da Central e da Great Western63. É importante destacar que os postos de profilaxia foram


instalados com o objetivo de combater, sobretudo as verminoses e a malária, doenças vistas pelo
movimento sanitarista como prioridade nacional. A partir dos dados estatísticos de atendimento
desses postos, foram registrados e conhecidos os primeiros casos de lepra do Estado.

O numero de pessoas matriculadas nos postos desde junho de 1922, quando se


installou o primeiro, era em 30 de setembro ultimo [1923] de 38.721 com
ancylostomose, 44.649 com outras helmithoses, 4.027 com impaludismo, 2.828
com syphilis, 593 com outras moléstias venéreas, 275 com tuberculose, 34 com
lepra e 4.089 com varias moléstias, inclusive 8 casos de leishmaniose64.

Os postos de profilaxia rural, a partir do seu primeiro ano de atuação, registraram o


atendimento de trinta casos de doentes com lepra no Estado. Número bem inferior quando
comparado ao atendimento às demais doenças que existiam no Rio Grande do Norte, como a
sífilis e a tuberculose. Contudo, esses primeiros números de doentes com lepra já configurava
uma necessidade de atenção por parte do Estado, conforme sugeria a diretriz nacional.
A partir dos dados estatísticos realizados pelo Serviço de Saneamento Rural, em
1923, foram registrados os primeiros casos de morte apresentando como causa a lepra, ao todo,
sete indivíduos morreram com causa de morte registrada como Lepra. No ano de 1923, já se
contabilizava no Estado trinta e quatro contaminados pelo bacilo de Hansen.
A partir do ano de 1924, com o mandato de José Augusto Bezerra de Medeiros, várias
transformações e inovações continuaram a ser realizadas na administração pública do Estado,
entre elas o incremento das questões sanitárias e higiênicas. Entre as principais ações desse
período, posso destacar a criação do Serviço de Profilaxia da Lepra e do Departamento de Saúde
Pública do Estado. Nesse mesmo ano, foi instalado no Estado o Serviço de Profilaxia da Lepra,
responsável pelo acompanhamento dos doentes notificados pelo bacilo de Hansen e os seus
comunicantes. Entre as suas ações, posso destacar: verificação dos casos notificados constatados
através dos exames clínicos, assistência médica a todos os leprosos notificados, aplicação de
remédios e educação higiênica dos doentes. A atuação de combate à lepra, a partir da instalação

63
A REPÚBLICA. Natal, 07 de julho de 1921.
64
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da terceira sessão da
undécima legislatura em 01 de novembro de 1923 pelo governador Antonio J. de Mello e Souza. Natal: Typ
Commercial,1923, p. 33.
44

dessa nova estrutura administrativa, passou a ocorrer em duas diretrizes, o acompanhamento dos
doentes e a prática do uso de remédios específicos.
O Serviço de Profilaxia da Lepra atendeu um grande número de pessoas, como
demonstram os seus registros. “Acham-se matriculados no serviço de 52 doentes, tendo sido
feitas 96 pesquizas do Bacillo especifico. Foram applicadas 845 injeçções medicamentosas e
feitas 597 visitas a domicilio”65. Diante da atuação do Serviço de Profilaxia da Lepra e dos postos
de profilaxia rural, os indivíduos contaminados com o bacilo da lepra passaram a ser conhecidos
e historiados no Estado. Os casos de lepra registrados aumentaram cinquenta por cento entre o
ano de 1924 e 1925. Segundo o discurso oficial, o Rio Grande do Norte contabilizava cem casos
confirmados de lepra entre a sua população.

De poucos annos a esta parte, está se verifcando o augmento do numero de


leprosos nesta capital e em outros pontos do nosso Estado. O diretor do
Departamento de Saúde calcula, em face dos dados que conseguiu colher, que o
numero dos attingidos pelo terrível mal já sobe a 100 no território norte-
riograndese66.

O número de pessoas atendidas nos postos de profilaxia rural, a partir do ano de 1925
aumentou substancialmente, sendo atendidas entre primeiro de janeiro a trinta de setembro desse
ano, duzentos e setenta e nove pessoas com suspeitas de lepra. Desses casos analisados, sessenta
e um doentes foram diagnosticados como portadoras do bacilo de Hansen no organismo. Do total
de doentes notificados, foi registrada a saída de cinco doentes para outros estados e a morte de
quatro doentes infectados. Dessa forma, o estado contava com cinquenta e dois leprosos
notificados somente no ano de 1925. Entre os anos de 1923 a 1925, o Rio Grande do Norte
notificou cento e nove doentes, dos quais treze faleceram e permaneceram em tratamento noventa
e um doentes. Esse tratamento apresentado consistia na vigilância do doente e de seus
comunicantes, bem como na utilização de alguns remédios.
Com o incremento da política pública de conhecer e notificar os leprosos presentes no
território do Rio Grande do Norte, no ano de 1926, também foi registrado um elevado número de

65
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da primeira sessão da
décima segunda legislatura em 01 de novembro de 1924 pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:
Typ d’A república, 1924, p. 30.
66
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da segunda sessão da
décima segunda legislatura em 01 de novembro de 1925 pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:
Typ d’A república, 1925, p. 36.
45

pessoas com suspeitas de lepra que procuraram os postos de profilaxia rural. Nesse ano
matricularam-se nos postos trezentos e quarenta e sete pessoas com suspeita de lepra, desse total,
setenta e seis doentes foram diagnosticados de forma positiva. Nesse ano não houve registros nos
obituários do Estado de indivíduos infectados com a bactéria da lepra, assim podemos afirmar
que o Estado do Rio Grande do Norte contava com cento e sessenta e oito casos positivos da
doença ao final desse ano.
Em termos nacionais, a partir do recenseamento realizado nos estados brasileiros,
com exceção de Minas Gerais, no ano de 1926, existiam onze mil infectados em todo o país. No
entanto, para Belisário Penna esse número era bem maior, em torno de trinta e três mil leprosos67.
Diante desses dados, posso afirmar que, apesar de o Rio Grande do Norte possuir mais de cem
doentes de lepra, esse número, em termos nacionais, não inseria o Estado entre os principais
focos da doença. Sobretudo, se compararmos esses números com a porcentagem de doentes nos
Estado do Pará e do Ceará.
A partir do ano de 1927, o número de matrículas de pessoas suspeitas de casos de
lepra, bem como o número de novos casos confirmados da doença reduziu brutalmente. Em 1927,
foram matriculadas cento e noventa e duas pessoas, sendo registrados onze novos casos positivos
da doença. No ano de 1928, foram matriculados oitenta e um suspeitos de lepra e no ano de 1929
foram matriculados nos postos de profilaxia rural noventa e um suspeitos. Essa redução dos
números de leprosos atendidos nos postos de profilaxia rural pode ser sinalizada devido à ação do
Leprosário São Francisco de Assis, que nesse período já contava com o isolamento de alguns
doentes e com a prática da notificação dos leprosos e dos seus comunicantes. Essa redução nos
registros de novos casos tinha relação com o início do isolamento dos leprosos. Posso inferir que
o ato de isolar os doentes em um estabelecimento específico pode ter gerado medo e receio entre
a população norte-rio-grandense de buscar os postos de profilaxia e mesmo demonstrar marcas da
doença no corpo. Esse elemento pode ter contribuído para reduzir os registros de doentes
atendidos.
Segundo dados oficiais, o Rio Grande do Norte contava, no ano de 1929, com oitenta
e nove doentes de lepra notificados, contudo, a partir dos dados recolhidos nas mensagens dos
presidentes do Estado, até o ano de 1927, o Estado registrou cento e setenta e sete casos de lepra

67
CUNHA, Vivian da Silva. Isolados “como nós” ou isolados “entre nós”?. História, Ciências, Saúde –
Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 939-954, out./dez. 2010.
46

no seu território. Posso concluir que, no período de inauguração oficial do Leprosário São
Francisco de Assis, o Estado contava com um número considerável de doentes, bem superior ao
proclamado pelo discurso oficial.
O quadro abaixo resume os dados relativos aos atendimentos realizados nos postos de
profilaxia rural referentes aos casos positivos de lepra presentes no Estado entre os anos de 1923
(momento do primeiro registro de casos de lepra presente no discurso oficial) e 1929 (momento
da inauguração oficial do Leprosário São Francisco de Assis).

Quadro 1: Número de doentes notificados de lepra durante os anos de 1923 e 1929


Matriculados nos Diagnosticados Falecidos tendo Total de
Ano postos de como portadores como causa da doentes no
saneamento da lepra morte lepra estado por ano
1923 34 34 07 27
1924 * 14 02 12
1925 279 61 04 52
1926 347 76 0 76
1927 192 11 01 10
1928 81 * * *
1929 91 * * *
*Dados não disponíveis.
Fonte: Quadro produzido a partir dos dados apresentados nas Mensagens dos presidentes do Estado.

A partir desses dados, observei que os anos de 1925 e 1926 foram os períodos de
maior número de matriculados nos postos de profilaxia rural com suspeita de lepra e,
consequentemente, os períodos de maior notificação de casos positivos da doença. Diante da
constatação do aumento do número de doentes no Estado, entre esses anos, instaurou-se o
discurso, entre membros da classe médica e da classe política, da necessidade de uma ação mais
efetiva no combate à disseminação da lepra no Estado. Seguindo a diretriz nacional, o isolamento
dos doentes de lepra em espaços específicos começou a ser idealizada no Rio Grande do Norte.

1.3 A lepra e a construção do Leprosário São Francisco de Assis nos jornais e nas ações das
políticas públicas
47

Como já falado anteriormente, o combate à lepra se transformou durante a década


de 1920 numa prioridade nacional, sendo o meio mais eficaz para exterminar esse mal o
isolamento dos doentes em colônias ou leprosários. No Rio Grande do Norte, essa diretriz foi
amplamente defendida por dirigentes políticos e alguns médicos potiguares. Entre os
defensores dessa prática, podemos citar o inspetor de saúde, Octávio Varella. Ao apresentar as
medidas de higiene no jornal A Imprensa, em seis de maio de 1923, o inspetor evidencia a sua
preocupação com os casos de lepra comprovados no Estado e a necessidade de construção de um
pequeno leprosário para receber esses doentes. Ainda segundo o inspetor, o combate a esse mal
deveria seguir duas etapas: no primeiro momento o exame das manchas presentes no corpo e no
segundo momento o isolamento dos doentes infectados pelo mal de Hansen em leprosários.

Natal é a cidade de menor população com o maior número de leprosos. Calcula-


se em cem os casos declarados e conhecidos. O isolamento é a primeira medida,
logo após o exame das manchas denunciadoras do terrível mal. Essencialmente
contaminável a lepra constitue em cada doente um foco de infecção, um núcleo
que irradia a desgraça e a morte68.

A partir da apresentação das ideias de Octavio Varella nesse jornal, observei que o
número de doentes infectados retratados na matéria era bem maior que o número de doentes
notificados segundo os dados oficiais recolhidos nesta pesquisa. De acordo com o médico, no ano
de 1923, o Estado contabilizava cem casos de lepra conhecidos, já o discurso oficial apresentava
trinta e quatro casos de lepra notificados e conhecidos. A solicitação de uma intervenção médica
sobre os portadores da lepra se aliava a discrepância entre os números dos doentes e ao temor que
a doença provocava na sociedade, irradiadora da desgraça e da morte, como o próprio inspetor de
saúde proclamou.
A necessidade de construção do Leprosário São Francisco de Assis também foi
proclamada em matéria de quinze de junho de 1923. O jornal A Imprensa apresentou a
necessidade de conter os casos de lepra presentes do Estado, a solução apresentada era a
construção do Leprosário São Francisco de Assis. O jornal inseriu essa instituição como uma
medida basilar no combate ao mal que ameaçava a população do Rio Grande do Norte. O
leprosário foi apresentado, na matéria “A profilaxia da lepra”, como o protetor da população

68
A IMPRENSA. Natal, 06 de maio de 1923.
48

sadia. Era prudente unir todos os esforços necessários para manter a população sadia longe dos
doentes.

Ninguém de boa fe desconhece o nosso empenho em defeza da população desta


Capital tão seriamente ameaçada de contaminação da tremenda moléstia da
lepra. Temos, antes, uma profunda piedade e um sincero dissabor toda vez que
sabemos que a desgraça atingiu aos que são pela morphea atacados. Por isso
redobramos de fervor na defeza dos que ainda não foram tocados de perto pela
horrenda moléstia que se annuncia terrível pela intensidade com que se está
desenvolvendo em Natal. [...] solicitamos o concurso de todos para congregar
esforços em nossa legitima defesa contra o mal ameaçador. O governo federal
acaba de destinar 160 contos para o tratamento da lepra. Em vez de se gastar esta
vultuosa quantia em averiguações do mal, a prudência aconselha um
entendimento entre as repartições hygienicas do Estado e da União, para a
combinação de uma medida basilar a construcção de um leprosário[...]69.

A partir da análise das matérias publicadas no jornal A Imprensa, no ano de 1923,


destacam-se dois elementos principais. O primeiro, a conotação que os doentes de lepra
adquiriram na sociedade potiguar. As machas no corpo desses doentes eram entendidas como
marcas do próprio mal que eles carregavam, eram retratados nos discursos como fontes
“ambulantes de contágio”, “focos de infecção”, “focos de morte”, “irradiadores da morte e da
desgraça”. Essas expressões evidenciavam o estigma sofrido pelos doentes do mal de Hansen
nesse período, o lugar que deveriam ocupar na sociedade e a necessidade de isolar esses
indivíduos infortunados. O segundo elemento presente no discurso era a relação entre lepra e
religiosidade. Os doentes eram vistos como dignos de pena e de caridade, as expressões “uma
profunda piedade” e “desgraça” representam o universo da caridade em que a profilaxia da lepra
estava inserida, tanto em âmbito estadual como em âmbito nacional. A relação estabelecida entre
a doença e a caridade foi utilizada no discurso médico e político para obter apoio de segmentos
da sociedade para a construção do Leprosário São Francisco de Assis.
Essa visão dos leprosos, como grandes disseminadores do mal e como perigo para a
população saudável, foi proclamada por segmentos da sociedade potiguar por toda a década de
1920. O jornal A República, no dia vinte e um de outubro de 1926, em matéria intitulada “O
perigo da lepra”70, informava à população potiguar o perigo que os doentes de lepra
representavam para a sociedade e como ocorria a contaminação do bacilo entre os indivíduos

69
A IMPRENSA, Natal, 15 de junho de 1923.
70
A REPÚBLICA, Natal, 21 de outubro de 1926.
49

doentes e sadios. A matéria reafirmava o doente como hospedeiro do bacilo e como o principal
transmissor do mal a partir das secreções nasais, por meio do sangue infectado e através da
picada do mosquito contaminado, como foi retratado no trecho da matéria transcrita abaixo:

O gérmen responsável pela producção da lepra é o bacillo do Hansen, o qual


passado de um organismo doente para um indivíduo sadio irá determinar, a poz
uma incubação mais ou menos longa, a creação de um novo caso de lepra.
Existindo em grande quantidade os bacillos de Hansen na mucosa nasal dos
morpheticos, este facto constitue um grande perigo para aquelles que daquellas
infelizes creaturas se avisinham [...]71.

Ainda segundo a matéria, “O perigo da lepra”, eram os leprosos que propagavam o


mal entre a população sadia, sendo indispensável o afastamento desses doentes do convívio
social, mesmo entre pais e familiares. O contato com os doentes contaminados foi exposto como
promiscuidade realizada pela população, a sua segregação deveria ser realizado logo após o
resultado positivo do exame. Esse isolamento deveria ser efetivado em colônias, sendo esses
espaços mais adequados para o convívio dos doentes, ou na ausência dessas, no seu próprio
domicílio. Dessa forma, observamos que as matérias que circularam nos jornais do Estado
propagaram a necessidade de construção do Leprosário São Francisco de Assis, apoiada na ideia
de impedir a disseminação da doença entre a população saudável e colocando os doentes como
fontes de contágio.
Assim como os discursos dos jornais do ano de 1923 retratavam a necessidade de
construção de um isolamento para doentes de lepra notificados, nos discursos oficiais essa
necessidade do Estado de possuir um espaço para isolar os leprosos foi registrada um pouco mais
tarde, no ano de 1925. Na Mensagem à Assembleia Legislativa, o Presidente do Estado José
Augusto Bezerra de Medeiros, afirmou: “O plano da Comissão de Saneamento Rural, há muito
traçado, para dar um cunho de efficiencia absoluta ao serviço de prophylaxia da lepra neste
estado consiste na creação de uma colonia de leprosos, ideia que tem despertado simpatia e

71
A REPÚBLICA, Natal, 21 de outubro de 1926.
50

adesões”72. Declarou ainda: “Para evitar a disseminação de moléstia tão terrível, cabe cogitar de
providencias efficazes e promptas”73.
A partir da mensagem, a construção de um espaço específico para recolher os
indivíduos doentes de lepra estava traçado pela Comissão de Saneamento Rural entre as ações a
serem realizadas pelo poder público no combate à lepra. Esse isolamento era entendido, por essa
comissão, como forma de tornar a profilaxia da lepra mais eficiente, como também seguir as
diretrizes nacionais de saúde pública. Segundo essa mesma mensagem, a ideia de construção de
um leprosário ganhou várias adesões em todo o Estado, tanto entre a classe médica, como entre
alguns membros da sociedade potiguar. Apesar de o discurso oficial apresentar a construção de
uma colônia de leprosos como uma medida há muito tempo traçada pela comissão de saneamento
rural, as ações para efetivação dessa instituição iniciaram somente no ano de 1926.
Segundo o Diretor de Saúde, Manoel Varella Santiago Sobrinho, várias medidas
higiênicas eram necessárias para melhorar as condições sanitárias da cidade, entre elas a criação
de um leprosário. Esse espaço de isolamento, no primeiro momento, recolheria os doentes mais
perigosos para a saúde da população, como afirmou o Diretor de Saúde: “[...] A creação de um
leprosário, que se destine a receber de preferência, pelo menos enquanto não dispuzer de boas
installações, os morpheticos que, pelo seu estado adiantado de doença e de pobreza, mais
perigosos se tornarem às populações municipais do Estado”74. A partir da fala do Diretor de
Saúde do Estado, posso inferir que o processo de isolamento dos doentes de lepra era uma ação
que necessitava ser realizada de forma urgente, mesmo sem condições físicas adequadas e sem
condições financeiras para tal empreendimento sanitário. O isolamento dos lázaros realizado no
Rio Grande do Norte nos seus primeiros anos, não se efetivou de forma plena e em espaço físico
adequado. Foi realizado em uma construção adaptada, isolando apenas alguns leprosos, aqueles
que ofereciam maior “perigo” à sociedade. Esta ação foi uma resposta política ao crescente
número de casos positivos de lepra que foram notificados no território potiguar, às solicitações de
combate a essa doença empreendidas por segmentos da sociedade e à necessidade de inserir o Rio
Grande do Norte no rol dos estados modernos e higiênicos.

72
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da segunda sessão da
décima segunda legislatura, em 01 de novembro de 1925, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:
Typ d’A República, 1925, p. 41
73
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da segunda sessão da
décima segunda legislatura, em 01 de novembro de 1925, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:
Typ d’A República, 1925, p. 36.
74
Ibidem, 1925, p. 37.
51

No primeiro momento, a construção de um espaço para isolar os leprosos foi


idealizada em parceria com os estados de Pernambuco, Paraíba e Ceará e com ajuda de recursos
federais75. Contudo, essa parceria não foi materializada, cada estado construiu o seu próprio
isolamento em diferentes períodos. No Rio Grande do Norte, o isolamento dos leprosos iniciou
no ano de 1926 e foi inaugurado oficialmente pelo governo de Juvenal Lamartine em catorze de
janeiro de 1929.
Diante da necessidade de isolar os leprosos presentes no Rio Grande do Norte, o
desejo do poder público de construir um leprosário no Estado foi reafirmado na mensagem de
1926. O Diretor de Saúde, Varella Santiago, caracterizou como deveria ser o isolamento dos
doentes:

[...] necessidade de fundação de uma colônia de leprosos, que garanta o


isolamento perfeito dos doentes e lhes proporcione meios de tratamento,
conforto e a convivencia entre elles. E esta a única formula, humana e
scientifica, que poderá resolver o mais serio problema sanitário norte-
riograndense76.

Segundo o diretor, a colônia de leprosos deveria garantir o isolamento perfeito dos


doentes, deixando a população sadia livre do contato com os morféticos e de possíveis meios de
contaminação da doença. Ao mesmo tempo em que a colônia deveria permitir o total isolamento
dos doentes, deveria proporcionar aos internos conforto e tratamento adequado contra o mal que
abatia os indivíduos. Na descrição desse espaço hospitalar, o isolamento dos leprosos baseava-se
nas mais modernas ideias científicas proclamadas no território brasileiro. Dessa forma, a
construção do Leprosário São Francisco de Assis, fez parte de um novo modelo de atenção à
saúde proposto pela política nacional e de um projeto de modernização do Rio Grande do Norte
implantado na década de 1920.
Mesmo com o início do isolamento dos doentes de lepra, novos casos da doença
continuaram a ser notificados e o isolamento desses doentes passou a ser um desejo crescente na
sociedade. No ano de 1927, na mensagem à Assembleia Legislativa, José Augusto Bezerra de
Medeiros, caracterizou os doentes de lepra como velhas fontes de contágio, por onde andam
75
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da segunda sessão da
décima segunda legislatura, em 01 de novembro de 1925, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:
Typ d’A república, 1925.
76
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da terceira sessão da
décima segunda legislatura, em 01 de outubro de 1926, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:
Typ d’A República, 1926, p. 72.
52

espalham o seu mal e o temor na sociedade potiguar. O medo da transmissão da doença


continuou presente na sociedade potiguar, os leprosos que ainda continuavam livres,
representavam uma ameaça à saúde da cidade. O isolamento desses doentes deveria ser realizado
urgentemente, segundo a fala do Presidente do Estado, José Augusto Bezerra de Medeiros.
A apresentação da lepra como perigo nacional, a construção do imaginário em torno
dos doentes como perigo ambulante e o medo construído em torno da transmissão dessa doença,
a partir dos discursos proclamados nos jornais e pelo poder público, serviram de base para a
participação de segmentos da sociedade na construção desse empreendimento médico. Para Curi,
parte do imaginário construído em torno da lepra, bem como a crescente necessidade de
isolamento dos doentes, em locais especializados foi advinda da medicina social implantada no
Brasil.

Com a Medicina Social a idéia de isolar adquire maior rigor e obedece a


princípios científicos, ou seja, envolve o temor do contágio; um mal invisível
que imigra de um homem para outro, difundindo na surdina a terrível doença.
Assim, justifica-se um isolamento mais amplo e exigente, a caça aos doentes e o
esperado consentimento, compreensão e até o auxílio da sociedade [...]77.

O processo de isolamento dos doentes e a justificativa dessa prática, no Rio Grande


do Norte, seguiram esses elementos descritos por Curi, principalmente o temor do contágio, a
necessidade de acabar com a doença e o auxílio de membros da sociedade na construção do
leprosário. Essa instituição médica significou a eliminação do perigo que atacava a população e
expressou a efetivação dos elementos modernos no território potiguar, no que tange à saúde e à
higiene.
A construção do Leprosário São Francisco de Assis se revestiu de grande caráter
político. A mensagem do Presidente do Estado proferida do ano de 1928 apresenta o Estado
como um dos poucos do Brasil que procuraram resolver o problema da lepra de forma eficaz e
radical78. No momento da inauguração, esse isolamento foi apresentado como resultado de
grande esforço de todos que o construíram, incluindo o esforço do Estado nessa obra. O jornal
Diário de Pernambuco, no dia quatro de junho de 1929, noticiou a inauguração do Leprosário:

77
CURI, Luciano Marcos. Defender os sãos e consolar os lázaros: lepra e isolamento no Brasil (1935-1976).
2002, 231f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002. p. 31.
78
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente do Estado do Rio Grande do Norte à
Assembleia Legislativa e lida na abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura em 01 de outubro de 1928.
Natal: Imprensa oficial do Estado, 1928, p. 32.
53

“No inicio deste anno, quantos visitam o Leprosário, no dia da inauguração dos primeiros grupos
de pavilhões, não poderam calar o enthusiasmo de que se acharam possuídos enaltecendo o
esforço, a dedicação e a operosidade daquelle distincto facultativo”79.
A construção do Leprosário São Francisco de Assis foi entendida como uma das
grandes obras realizadas pelo Governo do Estado em benefício da saúde da população, tanto do
Governo de José Augusto Bezerra de Medeiros, como no Governo de Juvenal Lamartine. Essa
ideia pode ser materializada a partir dos discursos presentes nos jornais que circulavam na capital
e em outros estados. O Jornal do Recife, na edição de primeiro de janeiro de 1930, retratou o
segundo aniversário do governo Juvenal Lamartine e as benfeitorias realizadas no Estado. O
Presidente do Estado, Juvenal Lamartine, foi descrito como um homem com traços
eminentemente democráticos, moderno, conectado com o seu povo:

O Sr. Juvenal Lamartine levou para o governo um conjuncto de condições que


não deve faltar ao administrador e que já resaltara de uma maneira
singularmente brilhante na pessoa do seu antecessor, o Sr. José Augusto: um
amplo e minucioso conhecimento dos problemas da sua terra80.

Os governos de José Augusto Bezerra de Medeiros e de Juvenal Lamartine foram


retratados como governos preocupados com a resolução dos problemas da sua terra,
empenhados nas questões sanitárias e nas propostas de modernização do Estado, sobretudo no
combate ao mal de Hansen. O Leprosário São Francisco foi apresentado no mesmo jornal como:

[...] um estabelecimento modelar em todo o paíz, apezar dos recursos do Estado,


naturalmente restrictos. O estabelecimento em questão já conseguiu reunir sob o
seu tecto a quase totalidade da população leprosa do Estado e facto curioso que
bem demonstra a perfeita organização de que está servido, os próprios
indivíduos affectos da moléstia, a começar dos que pertencem as classes mais
elevadas da hierarquia social procuram expontaneamente se recolher a elle, onde
são tratados com a maior solicitude81.

O isolamento potiguar foi apresentado como um estabelecimento modelo em todo o


país, exaltando-se a ação do Departamento de Saúde Pública na tentativa de isolar todos os
leprosos atingidos pela doença. É importante observar que a matéria do referido jornal relatou a
ação dos próprios doentes em buscar o isolamento para se submeter ao tratamento adequado, fato

79
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, 04 de junho de 1929.
80
JORNAL DO RECIFE, Recife, 01 de janeiro de 1930.
81
JORNAL DO RECIFE, Recife, 01 de janeiro de 1930.
54

esse extensivo a todas as classes sociais do Estado. Esse fato apresentado pelo jornal ressalta a
necessidade de inserir o leprosário no conjunto das ações do governo, inserindo o isolamento
como uma edificação importante na manutenção da saúde pública da cidade. Não como um lugar
de reclusão de pobres, mas como um espaço para o tratamento de todos os doentes. O discurso
médico proferido pelos jornais buscava a conscientização dos doentes da necessidade da reclusão.
Seguindo o discurso de exaltação do Leprosário, o jornal A Reforma, na edição de
vinte e sete de julho de 1930, retratou a ação de combate à lepra no Rio Grande do Norte como
pioneira, sendo um dos primeiros estados brasileiros a isolar todos os leprosos identificados no
seu território. Assim descreveu a sua edificação: “[...] construindo um leprosário confortável,
dotado não só de pavilhões grande para homens um para mulheres outro, mas habitações
individuais dando a estas as instalações de hygiene e conforto desejáveis e muitas vezes
superiores às condições de vida em sues lares”. Também exaltou as iniciativas do Governo de
Juvenal Lamartine no campo de combate à lepra: “[...] o leprosário São Francisco de Assis e o
extermínio da lepra no território do estado representa uma das mais proveitosas iniciativas do
governo do Sr. Juvenal Lamartine”82.
O Leprosário São Francisco de Assis tornou-se um dos isolamentos mais bem
equipados em termos de espaço físico e serviços presentes no Brasil, sobretudo do Nordeste.
Proclamando as características higiênicas do isolamento, o local onde estava situado, as práticas
médicas que direcionavam o seu funcionamento e a presença de um expressivo número de
doentes internados, o consideravam como modelo de isolamento médico. A edificação e o
funcionamento do leprosário trouxeram para o governo de Juvenal Lamartine a imagem de um
homem preocupado com as questões da saúde pública, sobretudo com a lepra.
Segundo o mesmo jornal, o Estado realizava uma dupla profilaxia, o isolamento dos
doentes e o revestimento das dependências do leprosário contra os insetos sugadores, proposto
por Adolph Lutz. Assim, o Estado não realizava apenas a reclusão dos doentes, mas seguia os
principais preceitos científicos que circulavam no Brasil naquele período. O combate à lepra
realizado no Leprosário São Francisco de Assis e a investigação de novos casos inseria o Estado
entre os mais preocupados com a questão da saúde da população e que seguiam os preceitos
modernos.

82
A REFORMA, Rio de Janeiro, 27 de julho de 1930.
55

1.4 Os leprosários construídos no Brasil na década de 1920

A partir da década de 1920, a Diretriz Nacional de combate à lepra foi baseada no


isolamento dos doentes em colônias agrícolas, com o intuito de estabelecer condições físicas e
sociais para os leprosos manterem uma vida confortável e digna. Seguindo esse parâmetro,
verificamos a construção de alguns leprosários no Brasil durante os anos de 1920. Entre os
principais leprosários e colônias construídos, podemos destacar três: Lazarópolis do Prata,
primeiro leprosário construído no Brasil; Leprosário São Roque, construído dentro das ideias de
modernidade; e Asilo Santo Ângelo, considerado um leprosário modelo.
Esses espaços hospitalares foram construídos seguindo a mesma diretriz nacional do
Leprosário São Francisco de Assis. Dessa forma, é importante compreender as características dos
demais leprosários construídos no Brasil, para analisar as semelhanças e as diferenças existentes
entre esses espaços e o Leprosário do Rio Grande do Norte.
O primeiro modelo de colônia agrícola do país foi construído no Pará, a Lazarópolis
do Prata. Inaugurado em vinte e quatro de junho de 1924, através da parceria ente estado e união,
teve à frente da instituição o médico Souza-Araújo. O Pará contava com um alto número de casos
de lepra notificados entre a sua população, em torno de dois mil leprosos. Diante do número de
indivíduos contagiados, era urgente a necessidade de uma edificação para isolar os doentes. De
acordo com Souza-Araújo, essa colônia, que seria modelo para as demais construções de
isolamento, tinha grandes dimensões, com área de um quilômetro quadrado e com capacidade
para abrigar em torno de trezentos leprosos83.
A Lazarópolis da Prata, como o seu nome indica, foi construída baseada na ideia de
uma cidade dos lázaros, uma colônia agrícola. A sua administração inicialmente era exercida
pelos próprios leprosos, eles eram os governadores da cidade, com eleição e estatuto próprio.
Aqueles mais abastados possuíam o direito de se isolar nos pavilhões oficiais ou em casas
exclusivas construídas e administradas financeiramente pelo seu dono. Esse isolamento
apresentava uma base semelhante à de um plano urbanístico de cidade, com ruas e prédios bem
distribuídos e ordenados.

83
SOUZA-ARAÚJO, Heraclides Cezar. Lazarópolis do Prata: a primeira colônia agrícola de leprosos fundada no
Brasil. Belém: Departamento Nacional de Saúde Pública, Serviço de Saneamento e Profilaxya Rural, 1924.
56

Em São Paulo, os leprosários começaram a ser edificados antes da década de 1920, o


funcionamento desses espaços era baseado na ideia do asilo, sob a responsabilidade da igreja e de
alguns grupos de filantropia. Entre esses locais de isolamento, podemos citar a Santa Casa da
Misericórdia, que atendeu grande parcela dos leprosos do Estado de São Paulo, e o Hospital de
Lázaros, que funcionava na cidade de São Paulo e a partir de 1903 teve como médico responsável
José Lourenço de Magalhães, mas ainda contava com a participação das irmãs da Santa Casa de
Misericórdia.
Além da participação da igreja no combate à lepra, São Paulo também se destaca pela
participação da sociedade no combate a essa epidemia. Entre as principais organizações,
podemos destacar a Associação Protetora dos Morféticos, fundada em 1917, que tinha como
missão prestar caridade aos leprosos que estivessem isolados ou não. Sua ajuda tinha duas
direções principais: a caridade aos doentes infectados e a ajuda à Santa Casa de Misericórdia, de
maneira material e espiritual.
A discussão sobre a fundação de uma colônia de leprosos, como se defendia durante a
década de 1920, teve início em 1918, no Oitavo Congresso Brasileiro de Medicina, ocorrido no
Rio de Janeiro. Apesar de essas ideias terem surgido ainda no ano de 1918, elas apenas foram
materializadas com a inauguração, em três de maio de 1928, do Leprosário Santo Ângelo,
localizado em Mogi das Cruzes.
O Santo Ângelo foi construído baseado na ideia de oferecer todos os serviços
existentes dentro da cidade no espaço do isolamento. Assim, a ideia era construir uma cidade
dentro da cidade. Nesse leprosário, seguiu-se uma estrutura hierarquizada, com disciplina,
trabalho e moralidade entre todos os internos. Segundo a Sociedade de Assistência aos Lázaros e
Defesa contra a Lepra de São Paulo, o Santo Ângelo era um leprosário modelo, um monumento
soberbo em prol dos leprosos que tanto tempo viveram à margem da sociedade.84
Além do Leprosário Santo Ângelo, podemos destacar o Leprosário São Roque,
inaugurado no ano de 1926, no Paraná. A partir dos dois mandatos do Presidente do Estado
Caetano Munhoz da Rocha, várias obras foram realizadas no Estado, entre elas a construção do
Leprosário São Roque, incluindo o combate à lepra como ação efetiva do governo. Construído no
município de Deodoro, atual Piraquara, distante vinte e cinco quilômetros de Curitiba, a sua

84
MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas
de combate à lepra no Brasil (1941- 1962). 2007. 380 f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.
57

localização seguiu fatores técnicos e geográficos, como: um número pequeno de habitantes, a


ligação da região com Curitiba pela estrada de ferro, a abundância da água e, por fim, a
ventilação constante da região, além da baixa produtividade dos terrenos e da pouca valorização
da região.
Seguindo as ideias científicas e modernas, o Leprosário São Roque foi edificado a
partir de arquitetura pavilhonar baseada na vigilância e nos preceitos de higiene defendidos nesse
período. A sua estrutura deveria reconstruir os serviços presentes na cidade, proporcionando ao
enfermo condições de morar e, até, trabalhar numa cidade, com atividades de trabalho e
divertimento. Sua estrutura contava com um pavilhão central para atender aos leprosos,
administração, consultórios médicos, salas de trabalho para os internos da instituição, além de
espaço para lazer, áreas destinadas à agricultura, à criação de animais, igreja, cinema, praça e
campo de futebol e de lugares específicos para aposentos particulares. Dessa forma, o princípio
do isolamento era permitir que os internos mantivessem uma vida normal como qualquer outro
indivíduo saudável, o objetivo das instituições de isolamento era criar uma cidade dentro cidade,
assim como implantado no Leprosário Santo Ângelo.85
Caetano Munhoz Rocha, Presidente do governo do Paraná, descreveu o Leprosário
São Roque como um grande pavilhão central que dá acesso às outras dependências, como a
administração, o consultório médico, a sala de curativos e farmácia. Esse mesmo pavilhão
também se ligava com a capela e o refeitório. Outros pavilhões eram destinados às enfermarias,
salas de trabalhos, rouparia, e sala de observação. Também existiam aposentos particulares
distribuídos de acordo com o sexo, a idade e a posição social. O edifício ainda possuía quarenta
grupos de casas para as famílias.86 Além desses elementos, também abrigava no seu conjunto
arquitetônico: água encanada, forno para incineração do lixo, necrotério, fossa séptica. Ocupava
uma área total de cem hectares. O Leprosário São Roque contava com todos os espaços
necessários e indicados para o isolamento dos doentes de lepra.
Desde a sua inauguração, esse leprosário sofreu mudanças nas suas edificações,
inicialmente foi construído para abrigar quinhentos doentes, no entanto, com o processo de

85
CASTRO, Elizabeth Amorim. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da hanseníase na
perspectiva da relação espaço-tempo. 2005. 100f. Dissertação (Departamento de Geografia) – Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, 2005.
86
CASTRO, Elizabeth Amorim. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da hanseníase na
perspectiva da relação espaço-tempo. 2005. 100f. Dissertação (Departamento de Geografia) – Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, 2005.
58

internamento compulsório, chegou a isolar mil e duzentos leprosos aproximadamente. Para


abrigar todos os internos, novas construções foram anexadas, seguindo o modelo pavilhonar e da
vigilância. Para Castro, na estrutura arquitetônica do Leprosário São Roque, a vigilância foi uma
das características mais significativas.
Com um terreno plano e limpo, os edifícios seguiam a predominância da
horizontalidade, da hierarquia e da simetria espacial. Esses elementos, além de simbolizarem o
controle dos internos, exaltavam a dimensão simbólica da organização e do ordenamento,
elementos muito presentes em instituições de isolamento. Pode-se afirmar que a arquitetura era
marcada pela sua funcionalidade, servir à ciência. Os seus traços não apresentavam exageros e
ornamentação.
Assim, como esses isolamentos, o Leprosário São Francisco de Assis foi um dos
edifícios construídos para recolher os leprosos durante os anos de 1920. A sua construção, bem
como alguns elementos do seu conjunto arquitetônico, se diferenciava dos leprosários
mencionados nesse trabalho. Como retratado anteriormente, muitos estados já possuíam
leprosarias destinadas a receber exclusivamente os acometidos pelo mal de Hansen, como era o
caso dos Estados do Pará, Paraná e São Paulo. No Rio Grande do Norte, o Leprosário São
Francisco de Assis foi a primeira experiência de isolamento específica para essa doença.
Sem ajuda do Governo Federal e contando com as doações de parcelas da sociedade
potiguar, a construção do leprosário ocorreu em diferentes etapas. No primeiro momento, no ano
de 1926, a internação dos doentes foi realizada em dois pavilhões do isolamento São Roque. Suas
instalações contava com abastecimento de água e gás, ele abrigou nos seus dois primeiros anos de
funcionamento, aproximadamente catorze internos. As obras iniciais no Leprosário São
Francisco de Assis foram finalizadas em 1928, com a entrega de dez casas edificadas ao lado dos
dois pavilhões já existentes. A estrutura das casas seguia as principais ideias científicas do
período e acomodavam em torno de dois ou três doentes. Nesse período o leprosário tinha
capacidade para isolar cinquenta enfermos.87 Assim, nesse primeiro período, os doentes ficaram
divididos entre os pavilhões e o conjunto de casas.
Somente no ano seguinte, 1929, mais dois grupos de casas foram inaugurados: um
primeiro com cinco casas e o segundo com dez casas, com melhores acomodações e com mais

87
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente do Estado do Rio Grande do Norte à
Assembleia Legislativa e lida na abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura, em 01 de outubro de 1928.
Natal: Imprensa oficial do Estado, 1928.
59

conforto para os seus moradores.88 O Leprosário São Francisco de Assis não construiu todas as
suas edificações ao mesmo tempo, o seu conjunto arquitetônico sofreu intervenções em diferentes
períodos, até a inauguração oficial, como também recebeu novos conjuntos de casas e serviços
durante as décadas 1930 e 1940. Assim, como nos demais leprosários, Leprosário São Roque e
Santo Ângelo, o isolamento potiguar contou com a presença de uma arquitetura pavilhonar,
sobretudo para abrigar os serviços administrativos da instituição, a presença de esgoto próprio,
cemitério, capela, atividades de lazer para os internos, bem como atividades voltadas para o
trabalho, mas também contou com a presença de grupos de casas para isolar os leprosos,
reconstituindo a configuração de uma cidade.
O Diretor de Saúde, Dr. Manoel Varella Santiago Sobrinho, justifica a utilização
desse tipo de edificação no isolamento dos leprosos:

Em vez de prédios custosos para muitos doentes, o Departamento de Saúde tem


preferido construir pequenos grupos de casas, occupadas sempre por um numero
reduzido de doentes, os quaes, por se sentirem assim mais a vontade, melhor
suportarão a vida de isolamento. Nesse caso elles tem mais razão para se
supporem habitantes de uma villa do que doentes de um isolamento89.

Como apresentado, o modelo de isolamento proposto para o Leprosário São


Francisco de Assis seguiu o modelo defendido pelo Departamento Nacional de Saúde, um
isolamento que possibilitasse ao doente um convívio prazeroso e agradável e seguisse os
preceitos da ciência moderna. A arquitetura das casas e dos pavilhões deveria conter os elementos
da modernidade urbana: setorização, conforto ambiental (insolação, ventilação), funcionalidade,
racionalidade.90 Os serviços presentes nessa instituição hospitalar também deveriam seguir os
preceitos modernos, como a presença do abastecimento de água, de esgoto e de luz elétrica,
elementos indispensáveis para o convívio sadio do homem republicano. Também contou com a
presença de telefone, sala de jogos, leitura e aparelho de rádio, elementos simbólicos da
modernidade que se inseria no cotidiano dos habitantes da cidade.

88
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente Juvenal Lamartine de Faria à Assembleia
Legislativa, por ocasião da abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1930.
89
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente Juvenal Lamartine de Faria à Assembleia
Legislativa, por ocasião da abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1930,
p. 68.
90
CASTRO, Elizabeth Amorim. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da hanseníase na
perspectiva da relação espaço-tempo. 2005. 100f. Dissertação (Departamento de Geografia) – Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, 2005. p. 60.
60

Assim, o isolamento dos doentes seguiu o modelo humanitário de colônias com a


presença de residências, oficinas, áreas destinadas à agricultura e à criação de animais, igreja,
cinema, praça e campo de futebol. Tinha o aspecto e a organização de uma verdadeira cidade,
onde os doentes, resignados da sua moléstia, procuravam refazer suas vidas dentro de seus muros.

1.5 Construção e financiamento do Leprosário São Francisco de Assis

A necessidade de construção de um espaço para isolar os leprosos do Estado e a


ausência de recursos financeiros para empreender tal obra caracterizaram o funcionamento e a
edificação do Leprosário São Francisco de Assis. Como medida emergencial, o Diretor de Saúde
Pública, Varella Santiago, propôs que inicialmente o isolamento dos leprosos fosse realizado em
espaço pequeno, sem grandes instalações físicas. Para tal fim, foi escolhido o antigo Isolamento
São Roque. A mensagem do Presidente do Estado, José Augusto Bezerra de Medeiros,
pronunciada em 1926 demonstrou essa necessidade:

Já em 1926, o Diretor do Departamento de Saúde Pública julgou conveniente


arranjar um estabelecimento, mesmo modesto, onde podessem ser isolados os
morphetico indigentes que, naquella época, ameaçavam a collectividade. Foram
escolhidos para esse fim dois pavilhões antigos do Estado, situados no kilometro
6, da Great Western, e que por muito tempo serviram de isolamento a
variolosos.91

O Isolamento São Roque foi construído no ano de 1911, no município que


correspondia a Macaíba, e tinha o objetivo de isolar os doentes de varíola, contudo, essa
instituição não foi não foi utilizada no combate à epidemia, devido à inexistência de casos
durante o ano de 1910. Esse espaço médico foi apresentado como: “[...] em logar apropriado a
dois kilometros da cidade, com 6 enfermarias, água encanada, exgottos e luz a gaz acetylene,
dispondo de um pavilhão separado para o zelador [...]”92. Seguindo as normas higiênicas
necessárias e os preceitos da geografia médica, esse isolamento apresentava os principais
elementos higiênicos, como água encanada, esgoto próprio, estrutura de pavilhões para receber os

91
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente do Estado do Rio Grande do Norte à
Assembleia Legislativa e lida na abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura, em 01 de outubro de 1928.
Natal: Imprensa oficial do Estado,1928, p. 31.
92
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo na abertura da segunda sessão da
sétima legislatura, em 01 de novembro de 1911 pelo governador Alberto Maranhão. Natal: Typ. D’A República,
1911, p. 11.
61

doentes; e geográficos, ficava distante do centro da cidade, com árvores frutíferas, longe de áreas
alagadas, para abrigar os doentes do mal de Hansen. Esse isolamento foi utilizado para abrigar o
primeiro grupo de leprosos isolados no Rio Grande do Norte.
O isolamento dos doentes de lepra no Rio Grande do Norte foi iniciado no ano de
1926, com a reclusão do primeiro grupo de internos formado por três indivíduos que estavam em
estágio avançado da doença e representavam perigo à saúde da população. Após a instalação
desse primeiro grupo de leprosos, várias diretrizes foram traçadas para a construção definitiva do
Leprosário São Francisco de Assis. A primeira delas foi à compra do sítio localizado próximo ao
Isolamento São Roque. Esse terreno pertencia ao jovem Rodrigo Ribeiro Resende e, no dia treze
de março de 1926, foi comprado pelo Governo do Estado no valor de seis contos e quinhentos
mil réis. A compra do terreno foi intermediada pela tutora do menor, sua mãe, Joana Coelho. O
pagamento do terreno foi realizado de forma parcelada, no ato da compra, o Governo do Estado
pagou a quantia de dois contos e quinhentos mil reis, sendo dividido o resto da quantia em duas
prestações, de dois contos de reis.93
Segundo a escritura de compra e venda do sítio, o terreno era cercado e composto de
casa de vivenda, árvores frutíferas e outras benfeitorias. Ele possuía cento e vinte dois metros nos
lados norte e sul, do lado leste apresentava vinte e oito metros e do lado oeste vinte e dois metros
de comprimento. A partir da descrição presente na escritura, o sítio apresentava todas as
características apropriadas para a instalação do isolamento dos leprosos.
Com a compra do terreno efetivada, o jornal O Paiz, de vinte de novembro de 1926,
na coluna Carta do Rio Grande do Norte, apresentou a notícia de construção do Leprosário, no
município de Macaíba, e a atuação do estado no combate ao mal de Hansen. Para a construção
desse empreendimento, o engenheiro Omar O’ Grady, participante da Comissão Central Pró-
leprosário, foi o responsável pela produção da planta. O jornal retratou:

[...] o governo do Estado, sempre interessado por todos os problemas que visam
o bem-estar colletivo, já cedeu, para a instalação dessa utilíssima instituição,
uma valiosa propriedade agrícola situada no municipio de macayba, tendo o
engenheiro Omar O’ Grady levantado a respectiva planta, que recebeu a
approvação unanime da commissão [...]94.

93
Informações presentes na escritura pública de compra e venda do terreno, registrada em 13 de março de 1926, no
livro 125, translado 1º, folhas 77 a 79 no primeiro oficio de notas.
94
O PAIZ, Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1926.
62

Após a compra do terreno foi instaurada a Comissão Central Pró-leprosário,


retratada pelo jornal O País, na mesma coluna Carta do Rio Grande do Norte, de vinte de
novembro de 1926, como “[...] uma comissão das figuras mais eminentes da administração
pública e das classes ditas conservadoras incumbidas de angariar donativos e de promover os
meios de realização da humanitária iniciativa [...]”95. A comissão foi dirigida pelo médico
Manoel Varella Santiago (Diretor do Departamento de Saúde) e formada por Augusto Leopoldo
(Vice-governador do Estado), Waldemar Antunes, Theotonio Freire (Juiz municipal e federal),
Felippe Guerra (Procurador Geral do Estado), Monsenhor Alves Landin, Coronel José Lagrega,
Coronel João Galvão Filho e Omar O’ Grady (Intendente de Natal)96. Como evidenciado, a
Comissão Central Pró-leprosário, contou com membros que exerciam ou tinham exercido
importantes funções no campo político e econômico do Estado. Para uma tarefa tão importante,
no que diz respeito à saúde pública do Estado, os membros da comissão representavam a
importância do empreendimento.
A comissão realizou diversas reuniões e festas para angariar fundos e organizar a
construção do isolamento, como demonstrou o jornal A República, no dia oito de outubro de
1926. O jornal noticiou a reunião realizada pela comissão, no Instituto Histórico e Geográfico do
Rio Grande do Norte, com o objetivo de conseguir fundos para a fundação do Leprosário São
Francisco de Assis de forma mais rápida possível.97 Após a construção do Leprosário, a
Comissão Central Pró-Leprosário foi substituída pela Sociedade de Assistência aos Lázaros e
Defesa contra a Lepra98, tendo à frente o médico Manoel Varella Santiago Sobrinho.
As fontes disponíveis não permitiram responder a todas as perguntas surgidas durante
a pesquisa, mas posso indicar que o antigo Isolamento São Roque foi utilizado para abrigar os
primeiros grupos de leprosos, já que o Estado não contava com recursos suficientes para arcar
com a construção de um novo espaço que abrigasse os doentes e a União não disponibilizou
ajuda financeira para esse empreendimento inicialmente. A construção do Leprosário ocorreu
durante três anos, iniciada em 1926 e inaugurada no ano de 1929. Durante esse período de
construção, novos internos foram recolhidos anualmente de forma crescente no interior do

95
O PAIZ, Rio de Janeiro, 20 de novembro de 1926.
96
A REPÚBLICA, Natal, 24 de abril de 1926.
97
A REPÚBLICA, Natal, 08 de outubro de 1926.
98
Durante a pesquisa não foi possível realizar investigações sobre a Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa
contra a Lepra, principalmente no que diz respeito ao papel dessa instituição no processo de internamento dos
leprosos e na manutenção do combate à lepra no Estado.
63

isolamento. Dessa forma, posso concluir que o local utilizado para a construção do Leprosário
São Francisco de Assis foi o mesmo utilizado para abrigar o primeiro grupo de internos, o antigo
Isolamento São Roque. Além disso, não observei nas fontes analisadas a menção à transferência
de doentes de lepra para outro edifício hospitalar. Dessa forma conclui-se que o antigo
Isolamento São Roque foi incluído no conjunto arquitetônico do Leprosário São Francisco de
Assis, abrigando, após a inauguração oficial, o setor administrativo da instituição médica.
A construção do Leprosário São Francisco de Assis, como já falado anteriormente,
estava inserida nas ideias de modernidade presentes nesse período, a saúde dos indivíduos estava
no centro das questões nacionais. A saúde da população deixava de ser uma questão individual
para se transformar em uma questão coletiva, de formação da identidade nacional, como retrata
Hochman. O processo de industrialização, a crescente urbanização e o crescimento populacional
produziu uma sociedade onde as doenças (epidemias) constituíam-se em elos de interdependência
social. A doença, antes vista como problema individual, passou a ser julgada como problema
coletivo e como tal passível das ações de políticas públicas nacionais99. As ações sanitárias
tinham como base impedir o contato do homem com o micróbio, o indivíduo doente com o
indivíduo saudável, para isso o discurso médico criou uma série de medidas direcionadas para a
educação dos hábitos coletivos e individuais. Nesse sentido, dois elementos podem ser
destacados na construção do Leprosário São Francisco de Assis: a participação de segmentos da
sociedade na construção do isolamento e o discurso proclamado nos jornais da necessidade de
construção do leprosário para o bem da saúde do Estado.
A partir das ideias retratadas por Hochman, o micróbio (no caso da lepra, a bactéria
Mycobacterium leprae) e a possibilidade de contágio tornavam todos os membros da sociedade
indissociáveis. Assim, a preocupação com as epidemias (os doentes) estava baseada na ameaça
que esses portadores pudessem causar a saúde da sociedade. Dessa forma, segmentos da
sociedade e os jornais passaram a defender a construção do isolamento potiguar para os leprosos
como uma ação de saúde coletiva.
A construção do Leprosário São Francisco foi permeada de simbologias políticas e
identificava as ações de um grupo específico presente no Estado. A escolha do local para a sua
construção, como a seleção dos membros que formaram a comissão dessa construção, era

99
HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento: as bases da política de saúde pública no Brasil. São Paulo: Hucitec,
1998.
64

permeada por questões políticas e discursivas. Apesar das questões financeiras terem sido um
fator importante para determinar o primeiro local do início do isolamento dos leprosos, a sua
construção definitiva foi determinada também por outros fatores como: a área geográfica, longe
do centro urbano da cidade, com árvores e boa circulação dos ventos; e a identificação dessa
instituição com o principal centro econômico e político do Estado.
A construção do Leprosário foi financiada pelas doações realizadas, de forma
individual ou através de eventos e coletas, em festas organizadas para esse fim. De acordo com o
jornal A República, foram realizados vários eventos, para arrecadar fundos destinados à
construção do Leprosário São Francisco de Assis, entre os anos de 1926 e 1928. Entre os
principais grupos que atuaram no financiamento do isolamento dos leprosos, identificaram-se três
grupos principais, a saber: as alunas da Escola Doméstica, a Congregação Mariana de Moços e a
Cruzada Feminina. Entre os principais eventos, o jornal A República, de cinco de agosto de 1926,
retratou a coleta de fundos realizada pela Congregação Mariana de Moços em algumas cidades
do Estado:

Em favor do Leprosário s. Francisco de Assis, a Congregação Marianna de


Moços promoveu, ante-hontem, uma collecta, cujo producto será applicado nas
obras dessa importante instituição. Seguindo directamente a Ceará-mirim, onde
percorreram algumas ruas recolhendo donativos, dali tonaram a Extremoz,
demorando algumas horas durante o maior movimento da festividade100.

O deslocamento da associação foi realizado pela Estrada de Ferro Central do Rio


Grande do Norte, entre as vilas e as cidades de Extremoz e Ceará-Mirim, demonstrando a
participação de diversos segmentos da sociedade nessa empreitada de acabar com o mal de
Hansen no Estado. Ainda o mesmo jornal, em outubro de 1926, noticiou outra festividade em
prol da construção do leprosário com a participação da Congregação Mariana de Moços e das
alunas da Escola Doméstica:

Realiza-se amanhã, às 19 1/2 horas, no Theatro Carlos Gomes, o certame litero-


musical, promovido pela Congregação Mariana de Moços, com o concurso de
todas as classes, em homenagem a S. Francisco de Assis, no seu 7º centenário e
em beneficio do Leprosário, sob seu patrocínio. O programa attraente que damos
abaixo, é o melhor sucesso a brilhante comemoração, que nos vae proporcionar
momento de espiritualidade e nos dar ensejo de contribuir para uma obra pra

100
A REPÚBLICA, Natal, 05 de outubro de 1926.
65

todos os títulos digna de colaboração de todos. [...] A porta haverá bolsas para
receber os donativos em favor do leprosário101.

Além da realização da coleta de donativos realizada no Festival Literário no Teatro


Carlos Gomes, o jornal noticiou a venda de flores em benefício da construção do Leprosário
promovida pelas meninas da Escola Doméstica e da Escola de Comércio. Outras doações e
festivais foram realizados durante os anos de construção do Leprosário São Francisco de Assis. O
jornal O Imparcial, no dia vinte e cinco de janeiro de 1929, com a matéria “Belo gesto da
Caravana feminina”, noticiou a ação da Cruzada Feminina no município de Ceará-Mirim e a
arrecadação dessa organização de dez contos de réis para a construção do isolamento de
leprosos.102
A partir das informações presentes nos jornais mencionados acima, observei que as
congregações religiosas foram de grande importância para a materialidade da construção do
Leprosário São Francisco de Assis. Para Curi, essa relação estabelecida entre a caridade e o
combate à lepra presente no século XIX deixou de pertencer ao espaço exclusivo da piedade. Por
meio dos discursos médicos, as ações filantrópicas aderiram a ideia de cuidar e zelar pela saúde
da cidade e da sociedade. Conforme esse autor:

[...] Surge então uma filantropia que desenvolvia uma prática um pouco mais
sistemática e que operava com uma base conceitual medicalizada e secularizada,
reatualizando o medo que sempre revestiu a lepra através da noção de contagio,
embasando-se para isso na teoria microbiana das doenças103.

A ação filantrópica na atenção e profilaxia dos leprosos também foi presente em


outros estados, em São Paulo, por exemplo, podemos citar a Associação Protetora dos
Morféticos, instituída no ano de 1917. Essa associação tinha como papel abrigar e amparar os
leprosos e os seus familiares. A atuação das organizações civis no combate à lepra foi observada
na construção do isolamento e na ajuda do seu funcionamento. A partir das fontes investigadas,
não foi visualizada, no Rio Grande do Norte, a presença dessa associação específica – Associação

101
A REPÚBLICA, Natal, 03 de outubro de 1926.
102
O IMPARCIAL, Maranhão, 25 de janeiro de 1929.
103
CURI, Luciano Marcos. Defender os sãos e consolar os lázaros: lepra e isolamento no Brasil (1935-1976).
2002, 231f. Dissertação (Departamento de História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002. p.
82.
66

Protetora dos Morféticos, embora o Estado tenha contado com a participação da Sociedade de
Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra, instituída no ano de 1930.
A partir das doações e dos recursos financeiros disponíveis, o Leprosário São
Francisco foi construído em etapas. Segundo Câmara Cascudo, o primeiro grupo de casas foi
inaugurado em catorze de janeiro de 1929, o segundo grupo de residências foi inaugurado em
vinte e seis de abril de 1929 e o último grupo de casas foi entregue somente em cinco de janeiro
de 1930.104 A construção do Leprosário não ocorreu de maneira única, as suas dependências e os
seus melhoramentos foram construídos de forma paulatina. O jornal Correio Paulistano, de trinta
de abril de 1930105, noticiou as novas construções realizadas no isolamento dos leprosos, como
instalação de usina elétrica, construção privativa para o abrigo das irmãs de caridade, aparelho de
rádio e diversão para os isolados. Outro jornal que noticiou as novas instalações do Leprosário
São Francisco de Assis foi o Jornal do Commercio do Estado do Amazonas, de doze de outubro
de 1930. Na coluna Estados, retratou a atuação do Rio Grande do Norte no combate à lepra e as
novas edificações presentes no isolamento, como uma escola e o bangalô destinado a abrigar as
irmãs de caridade:

No leprosário da Villa de São Francisco de Assis foi inaugurada uma escola para
as crianças alli installadas, obra do dr. Varella Santiago, director geral do
departamento de saúde pública. Além da escola será dada a benção pelo bispo D.
Marcolino Dantas ao bungalow destinado a residência das irmãs de caridade, sob
cuja direcção têm de ficar os negócios internos do leprosário. O Bungalow está
construído em terreno neutro; é um prédio muito confortável, servindo
perfeitamente aos fins a que se destina106.

Diante das notícias apresentadas pelos jornais, conclui-se que as dependências


internas do leprosário só foram finalizadas durante a década de 1930. Os internos recolhidos
antes desse período, sobretudo durante os três primeiros anos de funcionamento, foram isolados
sem a infraestrutura adequada para o tratamento dos doentes e sem seguir os preceitos médicos
vigentes.
A partir da menção à edificação da escola, que poderia ser destinada à educação dos
adultos e aos mais jovens, posso inferir que o leprosário nos seus primeiros anos de

104
CARDOSO, Rejane (Coord.). 400 nomes Natal. Natal: Prefeitura Municipal do Natal, 2000. (Coleção Natal 400
anos).
105
CORREIO PAULISTANO, São Paulo, 30 de abril de 1930.
106
JORNAL DO COMMERCIO. Coluna Os Estados, Amazonas, 12 de outubro de 1930.
67

funcionamento internava todos os doentes notificados com o bacilo, independentemente da idade


que o indivíduo apresentava no momento do isolamento. A presença da escola no leprosário
correspondia à ideia do médico Varella Santiago de construir um espaço médico que
proporcionasse aos internos acomodações modernas, higiênicas e que reconstituísse a vida
cotidiana de todos os leprosos. Além da presença da escola, a construção do bangalô, exclusivo
para as irmãs de caridade, representava a ideia do perigo do contágio para as pessoas sadias e a
relação estabelecida no Estado entre saúde e caridade. A presença das religiosas na administração
interna dos estabelecimentos de saúde era característica marcante no Estado.
A construção do Leprosário São Francisco, diferente dos leprosários construídos em
outros estados do Brasil, que contou com ajuda financeira da União, ocorreu a partir da
organização de alguns setores da sociedade potiguar. O apoio financeiro do Governo Federal
efetuou-se somente depois dos anos de 1930, os recursos federais auxiliaram na construção de
melhorias físicas no edifício do isolamento, como revela o Diretor de Saúde, Dr. Armando China:
“o governo federal, por sua vez acaba de dispender a importância de duzentos contos de réis as
construções de outros pavilhões; em número de quatro, dotando, destarte, o estabelecimento de
recursos mais amplos [...]”107.
As festas e as doações para a construção desse isolamento foram revestidas com a
ideia de caridade, de auxílio. O combate à lepra em leprosários e colônias agrícolas estava
inserido nas ideias científicas e sanitárias como uma diretriz nacional. Mas, a responsabilidade de
combater a lepra foi compartilhada com a sociedade, sobretudo com as ordens religiosas, já que
foram as principais responsáveis por grande parte dos eventos realizados na cidade destinados à
arrecadação de fundos voltados para a construção do Leprosário São Francisco de Assis.
Além da presença das organizações religiosas, as doações ao leprosário continuaram
existindo de forma individual ao longo do seu funcionamento, como noticiou o jornal A ordem de
quatro de janeiro de 1940: “enviou nos O Sr. Rosendo Fernandes, proprietário no município de
Caraubas, a importância 100$000, para, por nosso intermédio, ser entregue como auxilio ao
Leprosário São Francisco de Assis desta capital”108. Mesmo após a inauguração do isolamento, as
doações destinadas ao Leprosário continuaram a ocorrer, demonstrando que o Estado não tinha

107
A RAZÃO, São Paulo, 10 de maio de 1938.
108
A ORDEM, Natal, 04 de janeiro de 1940.
68

recursos financeiros suficientes para manter a instituição e realizar as melhorias adequadas na sua
estrutura.

1.6 Abertura do canteiro de obras do Leprosário São Francisco e Assis e a movimentação


dos seus internos

Como já retratado anteriormente, o início da construção do Leprosário ocorreu no ano


de 1926. Apesar de novas casas terem sido edificadas apenas em 1928 e nos anos de 1930,
considero o ano de 1926 como início das obras, pois os dois antigos pavilhões utilizados para o
isolamento de variolosos receberam reformas e adequações para isolar o primeiro grupo de
internos. Os primeiros internos foram isolados entre julho e outubro desse ano, no total de três
doentes: Jorge Friscle, natural da França, internado em vinte de julho de 1926; e Bento Gomes de
Oliveira, nascido no município de Macaíba, internado em quatro de outubro de 1926.109 Desses
três internos um faleceu, ficando a instituição com apenas dois doentes nesse primeiro ano de
funcionamento.
O primeiro interno do Leprosário São Francisco de Assis, Jorge Friscle, era natural da
França, com quarenta e um anos no momento da internação. De acordo com a ficha clínica da
instituição, o interno apresentava sintomas muito evidentes da doença no seu corpo, com feição
leonina, zonas de anestesia nos braços e nas pernas. A presença das características da doença
evidentes no seu corpo, especialmente no seu rosto, identificava o doente entre a população,
transmitindo medo e terror aos que conviviam com o leproso. Ainda segundo relato presente na
sua ficha, exercia a profissão de mecânico no interior do Estado, para onde viera em busca de
tratamento na instituição. Esse relato demonstra o preconceito e o estigma que o doente sofria
entre a população. Foi notificado pelo Serviço de Saneamento Rural em três de novembro de
1925. Permaneceu no isolamento poucos meses, faleceu em cinco de novembro de 1926.
O segundo interno do Leprosário São Francisco de Assis não foi identificado no
momento da produção do trabalho. O terceiro doente isolado no ano de 1926, Bento Gomes de
Oliveira, natural de Macaíba, foi internado em quatro de outubro de 1926. A situação do estado
da moléstia não foi especificada, nem a realização do exame da mucosa nasal foi registrada. O

109
Dados obtidos nas fichas clínicas dos internos presentes no arquivo do Leprosário São Francisco de Assis. Por
ausência da ficha clínica do segundo indivíduo isolado no Leprosário, não foi possível identificar o doente, seu
período de internamento e seus sintomas.
69

que a ficha clínica retratou foi a ausência do indivíduo no extremo norte do país. Tal informação
exalta a preocupação com a epidemia que existiu nessa região. Apesar da ausência de registro do
grau da infecção do doente, o seu corpo indicava a presença da doença, seja através de manchas
ou mesmo de zonas de anestesia. Faleceu no leprosário, em vinte e nove de abril de 1927.
Os três primeiros internos do Leprosário São Francisco de Assis, assim como foi
retratado pelo Diretor de Saúde Pública, Manoel Varella Santiago Sobrinho, estavam em estado
avançado da doença, não permanecendo no isolamento após a finalização da construção.
No segundo ano de funcionamento da instituição, em 1927, foram internados doze
doentes, totalizando catorze doentes internos residentes nos dois pavilhões. Assim como ocorreu
no ano de 1926, os internos isolados no leprosário apresentavam elementos da moléstia no seu
corpo, com zonas de anestesia e infiltrações nos pés e mãos, presença de manchas no corpo e
erupções na pele. Esses elementos podem ser averiguados a partir do número de óbitos
registrados entre os internos nesse período. Dos doze indivíduos que entraram no isolamento, seis
faleceram na própria instituição no período de um ano. A alta mortalidade dos doentes pode ser
explicada por dois motivos: o primeiro fator seria o estado avançado dos doentes no período da
internação; a segunda causa seria a estrutura do isolamento, sem condições físicas e médicas para
atender ao tratamento dos doentes, aliada à solidão da reclusão.
O número reduzido de internos no leprosário era bem diferente dos dados inscritos
nos outros isolamentos do Brasil, que registraram mais de cinquenta internos no início dos
isolamentos, como o Leprosário São Roque e o Leprosário Santo Ângelo. Com o início das obras
de construção do Leprosário São Francisco de Assis, o ano de 1928 foi marcado pelo maior
número de internamentos na instituição. No final desse ano, trinta e sete novos pacientes
chegaram ao Leprosário São Francisco de Assis. Segundo os dados registrados, ao final desse
ano, o leprosário tinha trinta e sete internos, com oito falecidos.
Após a inauguração oficial do estabelecimento e a entrega de conjunto de casas, o
número de internos dobrou, entrando na instituição sessenta doentes nesse primeiro ano. Dessa
forma, ao final desse ano, o Leprosário contava com oitenta nove doentes, dos quais vinte haviam
falecido, permanecendo na colônia sessenta e seis internos no ano de 1929. Já nos anos de 1930,
a entrada de novos internos decresceu, sendo registrada a entrada de apenas dezoito doentes110. A

110
Dados obtidos nas fichas clínicas dos internos presentes no arquivo do Leprosário São Francisco de Assis e nas
mensagens dos presidentes do Estado dos anos de 1929 e 1930.
70

partir dessas informações, podemos construir os seguintes dados sobre os primeiros cinco anos de
funcionamento do isolamento potiguar:

Quadro 2: Movimento dos internos no Leprosário São Francisco de Assis entre os anos de 1926 a 1930

Ano Entrada de pacientes Óbitos registrados Evasão de Total de


na instituição por ano internos internos
1926 03 01 ** 02
1927 12 04 ** 08
1928 37 08 ** 29
1929 60 12 03 45
1930 18* 08* ** 10
*Dados registrados até 30 de junho de 1930.
** Não foram registrados casos de evasão nesses anos.
Fonte: Mensagem dos presidentes do Estado e Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.

Dessa forma, ao final dos anos 1930, o leprosário contava com noventa e cinco internos,
já que um dos internos evadidos foi capturado e internado novamente no Leprosário 111. Todos os
internos, com exceção de três doentes, foram submetidos à prova do laboratório do exame da
mucosa nasal dos indivíduos e grande parte dos internos tinha elementos da morfeia no seu
corpo, com zonas de anestesias e infiltrações em braços, mãos e pés e apresentavam manchas na
pele.
Dos cento e trinta internos que haviam sido isolados na instituição até a década de
1930, oitenta e nove eram homens e quarenta e um eram mulheres. Assim, metade da população
do Leprosário São Francisco de Assis era do sexo masculino. Esses internos eram provenientes
de diferentes municípios do estado, contudo a maior incidência de internos era de Natal, Macaíba,
Ceará-Mirim, São José de Mipibu, São Gonçalo e Mossoró.
É importante destacar que, segundo a fala oficial, o isolamento ocorria com
facilidade, muitos doentes procuravam o leprosário de forma espontânea, sobretudo as famílias
mais abastadas da sociedade potiguar. O jornal A Reforma, de vinte e sete de julho de 1930,
retratou: “Não tem o governo encontrado relutância por parte dos enfermos recolhidos ao
leprosário, collocando-se ao abrigo do mundo muitas vezes hostil para esses desafortunados”.

111
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do
Estado do Rio Grande do Norte, à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima
terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929.
71

Tanto no discurso oficial como no discurso emitido nos jornais, o isolamento dos leprosos no
estado ocorria de forma espontânea entre todas as classes sociais, sem relutância por parte dos
doentes. Contudo, durante a pesquisa não foi identificado o registro de leprosos com condições
sociais abastadas. As famílias de destaque a que se faz referência, o discurso oficial do Presidente
do Estado, eram indivíduos que foram internados nos últimos grupos de casa construídos no ano
de 1929, com estrutura mais confortável, os chamados pensionistas. E sobre o isolamento
espontâneo por parte dos doentes, nem sempre foi efetivado, como pode ser verificado na evasão
de alguns internos.
A construção do Leprosário São Francisco de Assis foi noticiada pelos jornais e
colocada na pasta dos governos do Estado como uma obra de caráter humanitário e social para o
desenvolvimento da saúde pública. Após dois anos da inauguração oficial do isolamento e as
transformações implantadas no campo da política nacional e potiguar, o leprosário deixou de
receber novos internos em 1931 por decisão do interventor Irineu Joffily112. A ação do interventor
foi retratada pelo correspondente do jornal Diário de Noticias em treze de janeiro de 1931 com a
seguinte manchete “Irineu Joffily solta os leprosos!”.

Causou a maior indignação nesta capital o acto do Sr. Irineu Joffily mandando
que regressem para os municípios do interior, vários leprosos que se
encontravam internatos nesta capital. Toda a população condemna a insensatez
da medida, sobretudo porque o Leprosario São Francisco de Assis, há pouco
construido, com os maiores sacrificios, está apparelhado para receber todos os
pestosos do Estado113.

A ação do interventor foi descrita como um gesto atentatório ao bom senso e à


população do estado, caprichoso e de insensatez. Toda a ação do poder público no processo de
internamento dos leprosos foi desfeita pelo interventor do Estado, contrariando a política da

112
Com a Revolução, os governantes estaduais são depostos. No Rio Grande do Norte, começa uma disputa pelo
poder, onde a Aliança Liberal do Estado fica dividida em torno dos nomes de Café Filho e de Silvino Bezerra Neto
para o governo. Para resolver a questão, foi instituída uma Junta Governativa Militar que garantiu a ordem pública e
consolidou a mudança de poder. Sendo, por fim, escolhido para presidente provisório do Estado, o Dr. Lindolfo
Câmara. Porém, como o mesmo estava ausente, foi substituído interinamente pelo Dr. Irineu Joffily, que cuidou de
reformar os costumes políticos, apurando e instaurando inquéritos de atos políticos ocorridos na Velha República,
além de tentar reduzir as despesas e o corpo de funcionários. Joffily fundou também a Legião Revolucionária, que
tinha como objetivo garantir as instituições e restaurar os princípios republicanos. Disponível em:
<http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/secretaria_extraordinaria_de_cultura/DOC/DOC000000000113081.PDF>.
113
DIÁRIO DE NOTICIAS, Rio de Janeiro,13 de Janeiro de 1931.
72

saúde nacional que durante o governo provisório continuou as diretrizes de combate à lepra
utilizadas desde o Regulamento Sanitário do ano 1923.
Várias ações contrárias ao gesto do interventor foram realizadas tanto em âmbito
estadual como em âmbito nacional, sobretudo, ações ligadas às entidades de auxílio aos leprosos.
O Jornal de dezessete de janeiro de 1931 retratou a ação da Federação Brasileira pelo progresso
Feminino no Segundo Congresso Internacional Feminista, na tentativa de reativação do
isolamento potiguar. Segundo o jornal, a comissão da Federação: apresentou por último a moção
da Sra. Allice Tibiriçá114, pedindo a reabertura do leprosário São Francisco de Assis no Rio
Grande do Norte, onde se acharam abrigados 95 por cento dos leprosos existentes naquele
Estado.115
A partir da documentação pesquisada, suponho que o Leprosário São Francisco de
Assis não foi inteiramente desativado durante o ano de 1931. O leprosário isolava quantidade
considerável de internos, alguns isolados há alguns anos, outros recém-chegados. Os internos
reclusos não tinham condições de voltar ao convívio pleno da sociedade, pelo medo do contágio e
pelo estigma que a doença provocava. Mesmo com a proibição da internação de novos internos,
muitos leprosos continuaram morando nessa instituição nesse período. Além desse fator, a
documentação presente no arquivo da instituição retrata que o isolamento recebeu novos internos,
sobretudo no ano de 1934. A partir das pesquisas realizadas nas fichas clínicas do isolamento, o
leprosário fichou em torno de cinquenta doentes entre os anos de 1930 e 1933. Não é possível
afirmar se todos os registrados pela instituição foram recolhidos, mas posso afirmar que apesar da
ordem do interventor Irineu Joffily, o Leprosário São Francisco de Assis não foi desativado.
O aumento no número de internos após o ano de 1934 tem profunda ligação com a
política nacional implantada após o Governo Provisório. Nesse período, a atuação de
regulamentação da lepra continuou a cargo da Inspetoria de Profilaxia da Lepra, mesmo com a
criação do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP), ainda em novembro de 1930. Não
houve nenhum plano nacional voltado ao campo da saúde, as mudanças realizadas pelo regime
varguista priorizaram os temas do trabalho, da educação e da cultura. Durante esse período as
prioridades no campo da saúde não diferiram das propostas de política pública da década de
1920, os problemas sanitários continuavam sendo a febre amarela, que atingiu várias cidades, a

114
Alice de Toledo Ribas, pelo casamento Tibiriçá, foi uma importante figura na organização de instituições
destinadas à profilaxia da lepra no Brasil.
115
O JORNAL, Rio de Janeiro, 17 de julho de 1931.
73

malária no interior do país, o aumento significativo dos casos de lepra e a existência da


tuberculose nas cidades.
As ações do governo na profilaxia da lepra nesse período do Governo Provisório
foram bem pontuais. Somente a partir do ano de 1932, o Governo Federal passou a fornecer
auxílios financeiros regulares aos governos estaduais com a finalidade de construção ou
manutenção dos leprosários, uma tentativa de regularizar os auxílios financeiros fornecidos pela
União116. Ainda do ponto de vista estrutural, as principais transformações realizadas no ano de
1934 foram instituídas pelo Ministro Gustavo Capanema. Entre as principais medidas, posso
destacar a criação da Diretoria dos Serviços Sanitários (implantada no lugar do Serviço de
Saneamento Rural) e iniciou-se o processo de uniformização das diretrizes de profilaxia da lepra.
Assim, no plano nacional ficou determinada a construção de leprosários em todos os estados,
bem como o isolamento compulsório efetivo dos doentes notificados. A política de combate à
lepra ficou baseada no que se chamou de “tripé”: leprosários, dispensários e preventórios, ativa
até a década de 1960. Dessa forma, a política implantada de combate à lepra no ano de 1935 não
diferiu do modelo empregado durante o final dos anos de 1920 no Brasil.
O Leprosário São Francisco de Assis, a partir da introdução do novo plano nacional,
recebeu novas edificações em 1936, foram construídos dois novos pavilhões, como noticiou o
jornal Diário de Notícias em primeiro de abril de 1936: “serão inaugurados, proximamente, dois
novos pavilhões no leprosário São Francisco de Assis, para melhor conforto dos hansenianos ali
recolhidos”117. O Leprosário São Francisco de Assis, na década de 1930, recebeu novas
edificações seguindo o modelo de pavilhonar – estrutura arquitetônica diferente da proposta por
Manoel Varella Santiago Sobrinho. Nesse período, o isolamento foi formado por dois tipos de
edificação, casas e pavilhões para os internos.
Até o ano de 1933, o leprosário isolou aproximadamente 100 leprosos dos 160
doentes que existiam no estado.118 Esses números continuaram aumentando devido à política de
notificação de novos casos e o isolamento compulsório dos doentes. Em carta de vinte de outubro
de 1936 do Dr. Varella Santiago enviada a Souza-Araújo, o médico potiguar informou que: dos
duzentos e cinquenta leprosos internados na Colônia São Francisco de Assis, entre o período de

116
CUNHA, Vivian da Silva. O isolamento compulsório em questão: política de combate à Lepra no Brasil (1920
e 1945). 2005. 142 f. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – História das Ciências e da
Saúde, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2005.
117
DIÁRIO DE NOTICIAS, Rio de Janeiro, 01 de abril de 1936.
118
DIÁRIO DA TARDE, Curitiba, 14 de março de 1933.
74

vinte de julho de 1926 a vinte de outubro de 1936, faleceram cento e três leprosos, existindo
cento e vinte e três doentes hospitalizados e dezoito ainda se encontravam livres. Para o Dr.
Varella Santiago, o número de doentes desconhecidos não chegava a cinquenta. Perante os dados
do Diretor do Departamento de Saúde Pública, Souza-Araújo informou que, entre os anos de
1926 até 1933, foram fichados no estado 181 leprosos, dos quais não deviam existir mais de 150
doentes até o ano de 1933.119
De acordo com o Censo Leprológico, realizado pelo doutor Silvino Lamartine no
Estado durante o ano de 1936, Souza-Araújo afirmou que o número dos doentes era o seguinte:
cento e oitenta dois doentes notificados e conhecidos, cento e quarenta e dois leprosos isolados na
Colônia São Francisco de Assis e uma estimativa de duzentos e cinquenta doentes infectados com
o mal de Hansen em uma população de aproximadamente novecentos e um mil habitantes120.
Percebe-se que os dados sobre o número de doentes infectados que não eram conhecidos divergia
nesse período entre os médicos, o que permite inferir que, apesar do esforço das classes médicas
e políticas de identificar todos os doentes do estado, muitos indivíduos e a sua própria família
ocultavam sintomas e doentes presentes na sua casa.
Apesar de existir uma política de isolamento compulsório dos doentes infectados e
um esforço dos gestores e de membros da classe médica para realizar o isolamento de todos os
doentes infectados, o número de pessoas infectadas pelo mal de Hansen crescia entre a população
potiguar. A política de isolamento realizada no leprosário continuou durante as décadas de 1930 e
de 1940, no ano de 1938, o isolamento já contava com aproximadamente cento e cinquenta e
quatro doentes internados.121
O gráfico abaixo demonstra o número de internos registrados no Leprosário São
Francisco de Assis no momento do isolamento durante todo o seu período de funcionamento.

119
SOUZA-ARAÚJO. A lepra e as organizações anti-leprosas no Brasil em 1936. Rio de Janeiro: Memórias do
Instituto Osvaldo Cruz, 1937.
120
Idem, 1937.
121
A RAZÃO, São Paulo, 10 de maio de 1938.
75

Fonte: Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.

Como identificado a partir dos dados analisados e das fontes disponíveis, a internação
dos doentes de lepra no Leprosário São Francisco de Assis ocorreu de forma mais efetiva nos
anos de 1920 a 1940. Ao final do ano de 1930, o Leprosário possuiu um número elevado de
internos, totalizando cento e oitenta dois internos. Esses dados revelam que a política de combate
à lepra no Estado foi efetivada com o isolamento compulsório dos doentes no Leprosário São
Francisco de Assis. O internamento ocorreu de forma mais intensa no momento de implantação
do Plano Nacional de Combate à Lepra a partir do ano de 1935. Ainda de acordo com os dados
colhidos nesta pesquisa, observei que a partir das décadas de 1950 e 1960, o internamento dos
doentes é bem inferior às demais décadas. Essa redução dos números de doentes constitui
importante tema para pesquisas futuras.

1.7 Vila, leprosário ou colônia?

O isolamento dos doentes do mal de Hansen no Rio Grande do Norte recebeu várias
nomenclaturas durante o seu período de funcionamento, entre eles podemos destacar: Leprosário
São Francisco de Assis, Colônia São Francisco de Assis e Vila São Francisco de Assis. As
denominações recebidas pela instituição retrataram a concepção de isolamento que foi seguida e
as práticas médicas realizadas nesse espaço hospitalar. O nome leprosário ou lazareto foi
76

utilizado para designar um espaço hospitalar de isolamento de leprosos ou de pessoas que


apresentassem qualquer tipo de problemas na pele. Já a denominação colônia pode ser entendida
como um espaço de reclusão de doentes com infraestrutura semelhante às cidades, formada por
espaços para atividades físicas, cemitério, capela, atividades profissionais, escola e outras
instalações. O termo vila, segundo o Dicionário Aurélio, significa “povoação, de categoria
122
inferior à cidade e superior à de aldeia” . Essas três definições (leprosário, colônia e vila)
estiveram presentes na história do Leprosário São Francisco de Assis, definindo o seu tipo de
isolamento, a sua arquitetura e as práticas médicas desenvolvidas no interior do isolamento.
No primeiro momento, especificamente até o ano de1929, o isolamento para leprosos
no Rio Grande do Norte, foi chamado de Leprosário São Francisco de Assis, por médicos, pelos
jornais e na documentação oficial da instituição. Essa nomenclatura se relacionou com dois
elementos principais: a estrutura arquitetônica do isolamento e a concepção profilática praticada.
O isolamento era formado por dois pavilhões divididos por sexo, sem atividades de lazer e
trabalho para os doentes, sem a presença de médicos ou outros profissionais, a sua função era
isolar e retirar os leprosos do convívio da sociedade. Não existia nenhum tipo de prática
profilática, como visitas médicas e utilização de remédios, os doentes ficavam reclusos no
isolamento, sem qualquer tipo de esperança de voltar ao convívio com os demais.
A partir da construção de novas instalações, principalmente da edificação de grupos
de casas durante o ano de 1928, o nome leprosário foi substituído por Colônia São Francisco de
Assis, sobretudo na fala dos líderes políticos e da classe médica. Contudo, essa nomenclatura só
se tornou presente na documentação administrativa do espaço hospitalar a partir do ano de 1930.
O modelo de isolamento dos leprosos baseado nas colônias agrícolas foi sugerido por
Osvaldo Cruz, em relatório apresentado em 1904, para ele o caráter crônico da lepra e a sua lenta
evolução exigiam um tipo de isolamento apropriado em que os leprosos desenvolvessem
atividades de diferentes naturezas. Para Castro, os médicos e os líderes políticos pensavam essas
intuições como lugares em que os internos pudessem ter uma vida semelhante à das pessoas
sadias. Essas instituições, “[...] ao mesmo tempo em que preservariam a população sadia, trariam
dignidade e respeito ao doente obrigado à segregação, proporcionando dentro de seus muros uma

122
AURÉLIO. Dicionário do Aurélio on-line. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/vila›>. Acesso em:
03 out. 2017.
77

vida completa”123. Assim, a proposta nacional era isolar os leprosos, não mais em leprosários,
mas em colônias agrícolas que permitissem ao interno uma vida minimamente condizente com a
vida anterior que possuía.
A partir das Diretrizes Nacionais de combate a lepra , o Leprosário São Francisco de
Assis sofreu diferentes intervenções físicas, adequando-se às normas e aos preceitos médicos
propostos. No momento inicial o isolamento contava com apenas dois pavilhões, com a expansão
territorial, novas edificações foram realizadas no sentido de garantir ao interno uma vida
completa mesmo estando dentro de uma instituição médica. O isolamento dos doentes que antes
era realizado nos antigos pavilhões do Isolamento São Roque foi substituído por grupos de casas,
que, segundo o Diretor do Departamento de Saúde, Varella Santiago, a ideia desse tipo de
construção era proporcionar aos internos uma sensação de habitar uma vila, uma cidade. A partir
da estrutura física de grupos de casa e do discurso do seu diretor, o Leprosário São Francisco de
Assis recebeu a denominação de Vila São Francisco de Assis, como retratou o Dr. Varella
Santiago Sobrinho em entrevista concedida ao Jornal do Brasil em três de julho de mil
novecentos e vinte e nove: “[...] o nome do Leprosário que concorreria para lembrar-lhes o mal
de que são victimas, substitui pelo de Villa. Realmente, é esta a denominação mais própria pois o
seu aspecto nada tem de hospitalar, mas de aprazíveis confortáveis vivendas”124.
Seguindo Varella Santiago, a denominação leprosário, antes utilizada para designar a
instituição de isolamento, referenciava o grande mal e o infortúnio que os indivíduos estavam
designados a viver. Para o médico, o nome vila seria a denominação mais correta, já que o
isolamento para ela não constituía uma instituição hospitalar, mas era a própria casa e a cidade
desses indivíduos leprosos.
O isolamento e a organização dos internos nas edificações do leprosário seguiram
esse conceito de criar uma vila de leprosos. Foram edificados três grupos de casas, o primeiro
grupo com dez casas com capacidade de abrigar dois ou três internos. Já os dois grupos de casas
inaugurados após o ano de 1929 eram formados por duas unidades, também destinadas a grupos
de internos ou famílias. A ideia do grupo de casas era recriar a disposição física de uma cidade,
os internos ocupavam as suas próprias casas, e não apenas um quarto ou uma cama, como ocorria

123
CASTRO, Elizabeth Amorim. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da hanseníase na
perspectiva da relação espaço-tempo. 2005. 100f. Dissertação (Departamento de Geografia) – Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, 2005. p. 59.
124
JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929.
78

no hospital de isolamento. A ideia era que o interno desenvolvesse o sentimento de pertencer ao


lugar como morador e não como um cativo.
Além dos aspectos físicos das acomodações dos doentes, o leprosário contava com
outras instalações e serviços que objetivavam recriar o aspecto de cidade. Entre eles, posso citar a
presença de cemitério, sistema de esgoto, cinema, escola profissional, bangalô para as irmãs de
caridade, igreja, creche, telefone, sala de jogos, sala de leitura e aparelho de rádio, espaços
destinados para o lazer dos doentes. Esses elementos que foram instaurados no leprosário tinham
dupla função: a primeira função era dotar o isolamento de todos os elementos da cidade moderna,
com a presença da luz elétrica, de rádio, telefone. Elementos que caracterizavam os novos tempos
e a modernidade. Além da presença desses elementos, a própria acomodação dos internos refletia
essa preocupação com os novos preceitos científicos e higiênicos do período. A mensagem do
Presidente do Estado de 1928 apresentou as instalações físicas do leprosário como construções de
primeira qualidade, com piso de concreto revestido de mosaico, com instalações sanitárias
individuais.125
Ainda no sentido de tornar o isolamento uma cidade com todas as suas características,
implantou-se algumas atividades manuais. Os internos eram incentivados a trabalhar no interior
do isolamento, como se pode observar nesta mensagem do Presidente do Estado: “O diretor do
serviço procura sempre dar occupação aos seus enfermos válidos e essas occupações consistem,
sobretudo na cultura dos terrenos do estabelecimento”126. Ainda sobre o trabalho realizado na
colônia, o Diretor, o Dr. Varella Santiago, afirmou que: “Há uma área para os trabalhos agrícolas
onde os que foram homens do campo cultivam como se estivessem nas fazendas, revertendo-se o
produto do seu trabalho em beneficio do Leprosário”127.
A partir da documentação analisada, o trabalho realizado no leprosário era geralmente
agrícola, somente a partir dos anos de 1930, foram instaladas oficinas para o ensino rudimentar
de atividades profissionais. Esses cursos abrangiam o curso rudimentar de letras e oficinas de
sapateiro, barbeiro, funileiro e marceneiro. Até a finalização desta pesquisa, não foi possível
identificar quem eram os professores dessa escola e como funcionava o ensino no interior da

125
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente do Estado do Rio Grande do Norte à
Assembleia Legislativa e lida na abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura, em 01 de outubro de 1928.
Natal: Imprensa Oficial do Estado, 1928, p. 32.
126
RIO GRAND E DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente Juvenal Lamartine de Faria à Assembleia
Legislativa, por ocasião da abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1930,
p. 68.
127
JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929.
79

instituição, se todos os internos participavam e se existiam oficinas específicas para mulheres e


para homens. A partir da realização dessas atividades, o Dr. Varella Santiago defendia a
nomenclatura de Vila São Francisco de Assis, já que oferecia a seus internos elementos materiais
e imateriais necessários a sua vivência, bem como uma estrutura “confortável” e “prazerosa”.
No entanto, o Leprosário São Francisco de Assis, apesar de oferecer diversos
serviços, lazer e trabalho aos seus doentes, continuava sendo uma instituição total, como
designado por Goffman.128 Era um local de reclusão de indivíduos que ameaçavam a
comunidade, com normas rígidas, condutas uniformes e vigilância. Apesar de o diretor dessa
instituição defender a denominação de vila para o isolamento potiguar, a partir do ano de 1936, o
modelo arquitetônico utilizado para construir novas acomodações para os leprosos utilizou o
modelo pavilhonar. Essa estrutura arquitetônica caracterizava-se por uma série de edificações
isoladas com a função de abrigar as atividades desenvolvidas no seu interior, diferindo da
estrutura utilizada no início da sua edificação.
Dessa forma, as diferentes denominações recebidas ao longo da trajetória do
Leprosário São Francisco de Assis representaram a trajetória dessa instituição, que adquiriu
diferentes aspectos, estrutura física, concepções e objetivos médicos. Este espaço não possuiu
uma trajetória uniforme ao longo do seu período de funcionamento, assim como os seus internos
não vivenciaram o isolamento da mesma forma.
Ainda de acordo com a ideia de que o Leprosário enquanto instituição adquiriu
características diferentes, referentes à sua estrutura e as suas práticas médicas, é importante
compreender quem eram os internos que formavam essa instituição de isolamento, quem eram os
indivíduos que davam vida e ditavam as trajetórias da instituição. Assim, é importante
compreender os atores sociais que formavam e praticavam o espaço do Leprosário São Francisco
de Assis. Os próximos capítulos deste trabalho abordam os atores sociais que tiveram as suas
vidas marcadas pelo isolamento.

128
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974.
80

CAPÍTULO 2: O LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS E OS SEUS INTERNOS

O combate à lepra instituído pelo Decreto n º16.300, de trinta e um de dezembro de


1923, instaurou duas diretrizes principais contra a proliferação dessa moléstia: o isolamento em
colônias e o isolamento domiciliar. Esse último tipo de reclusão seguia algumas prerrogativas tais
como: condições de higiene adequadas, condições financeiras de manter o afastamento da
sociedade e condições financeiras de arcar com o tratamento. Assim, pode-se sugerir que somente
os leprosos de classe social mais baixa eram recolhidos nos leprosários e colônias. Entretanto, na
Mensagem do Presidente do Estado, Juvenal Lamartine, proferida no dia primeiro de outubro de
1929, foi evidenciado pelo mesmo a existência de número considerável de doentes que
procuravam a instituição de forma espontânea, dado verificado principalmente, entre as famílias
de destaque da sociedade potiguar129. O discurso oficial evidenciava que o isolamento era um
espaço que os doentes buscavam por iniciativa própria e que alguns segmentos da sociedade
estavam presentes nessa instituição. Contudo, a partir das análises realizadas na documentação do
Leprosário, observei que os enfermos eram provenientes de diferentes classes sociais, mas que
existia uma presença marcante de doentes menos desfavorecidos economicamente. A história da
instituição foi marcada por evasões e internações compulsórias por parte do Estado e existiu um
imaginário expressivo sobre os doentes de lepra no seio da sociedade potiguar.
Diante desses elementos, questiona-se: quem eram os internos que compunham o
Leprosário São Francisco de Assis nessas duas primeiras décadas de funcionamento? De quais
classes sociais eram procedentes? Existia um perfil dos internos? De quais lugares eram
procedentes? Quem foram os pacientes evadidos? Algum indivíduo recebeu alta da instituição?
Existiam famílias isoladas no Leprosário São Francisco de Assis?
O Leprosário São Francisco foi edificado em diferentes temporalidades, como
afirmado anteriormente, os seus primeiros grupos de internos foram recolhidos entre os anos de
1926 e 1928, momento em que o leprosário ainda estava em processo de construção, seu espaço
era limitado apenas aos edifícios do antigo Isolamento São Roque. Após a inauguração oficial,
em 1929, novos grupos de casas foram edificados, novos internos foram isolados na instituição e
foi realizada a instalação sistemática de novos serviços. Diante dessas transformações novas

129
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do
Estado do Rio Grande do Norte, à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima
terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929.
81

inquietações emergiram, como: entre esses dois períodos de construção do Leprosário, houve
mudanças nas características dos internos? Como os leprosos eram isolados? Quais as
características das enfermidades dos doentes? Essas foram perguntas que surgiram ao conhecer a
trajetória do Leprosário São Francisco de Assis.
Dessa forma, objetiva-se neste capítulo caracterizar quem eram os leprosos isolados
no Leprosário São Francisco de Assis, examinando os seguintes elementos: origem dos doentes, a
profissão que exerciam, a naturalidade, a idade que possuíam no momento da internação, a
composição da família, a data do falecimento, quantos anos permaneceram no leprosário, como
descobriram os primeiros sintomas. Para este estudo, utilizou-se como fonte as fichas clínicas
presentes no Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis, produzidas entre os anos de 1926 a
1936. O trabalho apresenta como recorte temporal a trajetória do leprosário entre os anos de 1926
a 1941, contudo, para o estudo dos internos dessa instituição foi necessário reduzir a
temporalidade da pesquisa. Esse recorte foi necessário em detrimento do número de internos que
foram isolados no leprosário. É importante destacar que o presente estudo compõe uma pequena
parcela do número de internos do Leprosário São Francisco de Assis. O isolamento funcionou até
a década de 1980 e atendeu aproximadamente setecentos indivíduos em todo o seu período de
atuação130.

2.1 Perfil dos pacientes

Como já apresentado, neste trabalho o perfil dos internos no Leprosário São


Francisco de Assis foi construído a partir dos dados coletados nas fichas dos pacientes131. Essas
fichas eram preenchidas no momento da internação dos doentes e os acompanhavam durante todo
o tratamento. As novas informações, os novos exames e as apreciações médicas eram
continuamente registrados. Nesses documentos eram anotados os seguintes dados dos leprosos:
as principais informações sobre os locais da doença no corpo paciente; o estado de evolução da
enfermidade (manchas, úlceras, feridas, nódulos, obstrução nasal, face leonina, dormência, mão
em forma de garra, problemas nas articulações, queda dos supercílios); as queixas dos pacientes;

130
Muitas lacunas ainda existem sobre a história do Leprosário São Francisco de Assis. Os dados dos indivíduos
atendidos pelo isolamento foram provenientes dos registros clínicos presentes no arquivo do hospital.
131
De 1926 a 1930, a ficha do paciente era chamada de Ficha Clínica. A partir de 1931, até a década de 1970, esse
documento passou a ser denominado de Ficha Clínica e Epidemiológica.
82

as observações do médico que realizava o exame clínico; um histórico das relações mantidas
entre o paciente com outros leprosos; e, finalmente, uma descrição de como surgiram os
primeiros sintomas da enfermidade no indivíduo.
Considerando que o processo de isolamento foi iniciado em 1926, que, em 1929,
ocorreu uma ação das autoridades para construir uma cidade no interior do Leprosário e, que, em
1936, foram construídos novos pavilhões (diferentes das casas, conforme havia planejado o
médico Varella Santiago para os leprosos); optou-se, neste trabalho, por analisar as fichas dos
pacientes entre 1926 e 1936, os primeiros dez anos de funcionamento da instituição. A ideia foi
identificar o perfil dos pacientes, percebendo as mudanças e permanências na profilaxia da lepra
no Estado.
Nos dois primeiros anos do Leprosário São Francisco de Assis, foram internados
treze pacientes, dos quais só foi possível ter acesso à ficha clínica de oito deles. Nesse período, os
internos apresentaram perfil semelhante, eram quase exclusivamente compostos por homens com
idade superior aos trinta anos e casados. Permaneceram pouco tempo no isolamento, falecendo
em média após um ano de reclusão. Apresentavam sintomas semelhantes, como dormência e
infiltrações nas extremidades do corpo. É importante destacar que esses doentes, isolados nesses
primeiros anos, eram notificados e conhecidos pelo Serviço de Profilaxia Rural, como
demonstram os exames bacteriológicos.
Em 1926, primeiro ano de funcionamento do Leprosário, nenhuma mulher foi isolada
na instituição. Só em 1927, aparece oficialmente a primeira mulher – Ana Fernandes Lima132,
cinquenta anos, casada e moradora da cidade de Natal – diagnosticada com a lepra.
Acompanhada pelo Serviço de Profilaxia Rural desde o ano de 1925, a paciente foi internada em
catorze de janeiro de 1927 e permaneceu na instituição por nove anos, falecendo em nove de
fevereiro de 1933.
Segundo o Diretor de Saúde do Estado, o médico Manoel Varella Santiago, os
primeiros internos indicados para o isolamento seriam os doentes em estado mais avançado da
doença e os indigentes presentes na cidade133. Na ficha clínica observei que a paciente se queixa
apenas de uma sensação forte de calor no corpo e vermelhidão em algumas regiões. Não há

132
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 06.
133
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da terceira sessão da
décima segunda legislatura, em 01 de outubro de 1926, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:
Typ d’A República, 1926.
83

qualquer menção sobre o estado avançado da enfermidade no corpo da doente, concluindo-se que
não havia motivos, referentes ao quadro médico, para uma internação no isolamento ainda em
processo de construção. Além da ausência de sintomas graves, os anos de permanência da interna
indicam que a mesma gozava de certo grau de saúde ao comparar o seu período de permanência
com os demais internos isolados nesse período. Por que ela teria sido internada no isolamento?
As fontes não permitiram uma conclusão definitiva sobre a internação de Ana
Fernandes Lima, mas alguns indícios podem ser formulados. A presença de Ana Fernandes no
isolamento pode ter sido fruto do processo de higienização da cidade, que ocorria desde o início
do século XX, cujo objetivo era excluir todos os elementos indesejáveis da sociedade, inclusive
os indivíduos que apresentassem comportamentos fora dos padrões estabelecidos.
A partir de 1928, o perfil dos internos sofreu modificações em relação à presença
feminina no estabelecimento médico. Novas mulheres entraram na instituição, mas esse número
ainda foi bastante reduzido se comparado ao número de homens isolados. No final desse ano, o
Leprosário contava com aproximadamente seis internas e catorze internos.
Diferente do quadro clínico de Ana Fernandes Lima, essas internas apresentavam
sintomas avançados da infestação da doença no corpo. Entre as internas estavam a paciente Joana
Batista, internada no Leprosário com oito anos de idade, Adalgisa Varela Barca134, internada com
quinze anos, e Ana Vieira da Silva135, internada com vinte e seis anos. Dessas três internas,
apenas Ana Vieira da Silva apresentava mutilações no corpo, o que significava que tinha estado
avançado da doença. Ana Vieira da Silva foi notificada pelo Serviço de Profilaxia Rural desde o
ano de 1923, assim era uma doente conhecida desde os primeiros anos do isolamento, mas não
foi isolada. Esse dado corrobora os indícios suscitados sobre a paciente Ana Fernandes Lima.
Todas essas três mulheres tiveram uma vida curta no isolamento, falecendo antes de
1930. A partir da análise dos dados, constata-se que as mulheres que foram isoladas durante o
ano de 1928 apresentavam quadros clínicos avançados de infecção e tinham uma faixa etária
inferior aos trinta aos de idade.
Diferente das características internas femininas, os homens isolados no Leprosário
São Francisco de Assis apresentavam uma faixa etária superior aos quarenta anos de idade. É
importante destacar que se verificou também a presença de internos com idade superior aos

134
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 17.
135
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 18.
84

sessenta anos, como os leprosos Luiz Dantas136, Joaquim Francisco de Oliveira137 e Idalino da
Costa138. Todos eles permaneceram pouco tempo na instituição, falecendo durante o ano de 1928,
indicando que apresentavam quadros avançados da doença. Contudo, entre os internos também se
identificou pacientes com idade inferior aos quinze anos, entre eles, Antônio de Lima139,
internado aos treze anos, e Raimundo Ponciano140, internado aos doze anos. Apenas Raimundo
Ponciano, no momento do isolamento, apresentava sintomas graves, entre eles a queda do pelo
dos supercílios.
A presença desse sintoma no corpo do indivíduo contribuía para a manutenção do
imaginário da população sobre a lepra e a consequente exclusão do convívio pleno com a
sociedade. Assim, o isolamento pode ter sido para Raimundo Ponciano um elemento de liberdade
e o fim do preconceito e do estigma provocados pela doença.
Ainda sobre esses dois internos, destaca-se que eram moradores da cidade de Natal,
indicando que o isolamento dos doentes era realizado de forma ativa na capital e que nesta cidade
existia uma vigilância maior no que diz respeito às práticas de higienismo e de combate à lepra.
Esse elemento pode ser visualizado na fala do Presidente do Estado, Juvenal Lamartine,
veiculada no jornal Diário de Pernambuco em seis de maio de 1927. O Presidente do Estado
(Juvenal Lamartine) retratou o desamparo das populações do interior, onde a superstição e os
velhos preconceitos concorriam para a falta de higiene dessa população141. Assim, segundo
retratou o presidente do Estado, as zonas mais distantes da capital ainda necessitavam de uma
maior atenção das ações de saúde pública, em parte devido à falta de educação e de higiene. Essa
falta dos serviços de saúde também contemplava a ausência de vigilância e notificação dos casos
suspeitos de lepra que ocorriam na zona mais distante do centro político. Ainda sobre esse
assunto, ao analisar os doentes internados no leprosário que eram acompanhados pelo Serviço de
Profilaxia Rural nesses primeiros anos, ao total de cinco, observei que todos eles eram
provenientes de lugares que tinham postos de profilaxia, como as cidades de Ceará-Mirim e
Natal.

136
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 35
137
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 22
138
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 14.
139
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 26
140
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 08
141
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, 06 de maio de 1927, p. 2.
85

Os internos isolados nesses três primeiros anos de isolamento tinham como


característica o falecimento precoce. Esse dado corrobora a ideia de que o Leprosário São
Francisco de Assis, nos seus primeiros anos de funcionamento, tinha o objetivo de recolher os
leprosos que colocavam em risco a saúde da cidade e de seus habitantes. Posso inferir que dentro
do isolamento não existia nenhum plano profilático para esses internos, o seu objetivo não era
curar os doentes, mas apenas recolher das cidades os doentes mais graves.
Assim, posso concluir que o perfil dos internos do Leprosário São Francisco de Assis
entre os anos de 1926 a 1928 era formado majoritariamente por homens entre trinta e cinco a
cinquenta anos de idade. Nesse período as mulheres não foram maioria significativa, totalizando
oito internas de diferentes faixas etárias. Os pacientes isolados nos dois primeiros anos ficavam
pouco tempo na instituição, em torno de seis meses. Esse perfil não se repetiu com os internos
isolados no ano de 1928, os doentes já permaneceram mais tempo na instituição, alguns ficando
isolados por mais de três anos.
Esse quadro sofreu modificações com a inauguração oficial do Leprosário São
Francisco de Assis, no ano de 1929, principalmente no que se referiu à presença das mulheres na
instituição. Neste ano, o leprosário contabilizou a internação de vinte e quatro mulheres e vinte e
quatro homens, deixando de existir uma prevalência da presença masculina no interior do
isolamento. Dessas vinte e quatro mulheres, observei a existência de mulheres mais velhas, acima
dos quarenta anos de idade, seguindo o perfil registrado nos primeiros anos de funcionamento.
Apenas quatro mulheres isoladas durante o ano de 1929 tinham idade inferior a vinte anos, Maria
Lourdes Lins, internada aos dez anos, Maria Alice de Barros, internada aos dezessete anos,
Gonçala Amanda Conceição internada aos dezoito anos, e Maria de Lourdes da Conceição,
internada com dezesseis anos. Apresentavam sintomas como: feridas, infiltrações e manchas em
algumas partes do corpo, no entanto, a história da presença da moléstia na vida dessas mulheres
foi bem diferente.
Gonçala Ana da Conceição foi internada em vinte e seis de fevereiro de 1929, aos
dezoito anos de idade, natural do município de Macaíba. O seu primeiro sintoma (infiltrações no
nariz) surgiu em janeiro de 1929, após um mês foi recolhida no isolamento.142 Maria de Lourdes
da Conceição entrou no leprosário após dez meses da descoberta dos primeiros sintomas, ferida

142
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 60.
86

no pé esquerdo e surgimento de algumas manchas no corpo. Nunca esteve no Pará 143, ao


contrário de Maria Alice Barros, nascida em Belém em vinte e seis de abril de 1911.144
Chegou a Natal acompanhando sua família, em 1922. Após um ano de sua chegada à
cidade, surgiram os primeiros sintomas, como feridas e manchas no corpo. Com o surgimento dos
sintomas, procurou o Serviço de Profilaxia Rural, realizando o exame da mucosa nasal no ano de
1924. Quatro anos após a descoberta da doença, foi internada no Leprosário São Francisco de
Assis, falecendo no ano de 1932. Já Maria de Lourdes Lins de Oliveira, foi internada somente em
dezembro de 1929, pelos seus pais, com apenas dez anos de idade. A presença da lepra surgiu
logo após o seu nascimento, com manchas avermelhadas no corpo que desapareciam após alguns
dias. No entanto, essas mesmas manchas voltaram a ocorrer na perna e se estenderam para os
membros superiores, levando-a ser internada no Leprosário São Francisco de Assis,
diagnosticada com lepra. Sua estadia no isolamento não foi longa. Recebeu alta após um ano da
sua entrada, mas logo retornou à instituição, em quinze de outubro de 1932, com treze anos de
idade.145
Essas mulheres com percursos de vida diferentes se encontraram no interior do
leprosário, sendo marcadas pela presença da lepra em suas vidas. Elas dividiram os mesmos
espaços e os problemas de viver em uma sociedade marcada pelo isolamento da família e pelo
estigma provocado pela doença. Segundo Curi, o estigma é um termo utilizado para designar a
marca provocada por uma doença na vida dos indivíduos. Assim, a sociedade brasileira do início
do século XX, excluía os indivíduos portadores da lepra dos espaços de convivência da cidade. A
exclusão dos doentes era uma prática normatizada, principalmente pelo saber médico.

[...] ninguém sofreria repreensão ou críticas por isolar um leproso, ou por se


recusar a tocá-lo por suprimir-lhes as ligações afetivas e familiares, estes eram
comportamentos “normais” que se inseriam socialmente de forma normatizada e
ali encontravam amplo apoio e sedimentação146.

As características do perfil masculino não diferiram muito do perfil feminino no ano


de 1929, sobretudo em relação à faixa etária em que os doentes eram isolados. Dos vinte e quatro
homens internados na instituição, prevaleceu a faixa etária entre vinte e quarenta anos, mas
143
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 57.
144
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 62.
145
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 105.
146
CURI, Luciano Marcos. “Defender os sãos e consolar os lázaros”: lepra e isolamento no Brasil (1935-1976).
2002, 231f. Dissertação (Departamento de História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002. p.
44.
87

também se verifica a presença de homens acima dos quarenta anos de idade. É importante
destacar que, diferente das mulheres, não existiu um número considerável de internos homens
com idade inferior aos vinte anos de idade, somente o paciente Manoel Floriano de Mello,
internado aos catorze anos de idade.147 O paciente Raimundo Ponciano148 foi isolado em onze de
julho de 1928, proveniente da cidade de Natal. Não consta nos seus registros médicos quando e
como o interno deixou a instituição, mas, de acordo com os exames bacteriológicos, ele esteve
presente no isolamento durante o ano 1936, sob a supervisão do médico Silvino Lamartine. O seu
mal iniciou entre os anos de 1924 e 1925, com manchas e caroços pelo corpo, apresentava
obstrução nasal e esteve no Pará por dois ou três anos. Um dos seus sintomas era queda do pelo
dos supercílios. O seu primeiro exame da mucosa nasal consta de 1927, o que significa que o
Raimundo Ponciano era acompanhado pelo Serviço de Profilaxia Rural.
Com base no que foi exposto acima, posso afirmar que após a inauguração oficial, o
leprosário modificou o perfil dos internos, sendo distribuído seu contingente populacional entre
homens e mulheres, ainda existindo uma diferença em relação à faixa etária entre os dois sexos.
Observei uma prevalência de homens entre trinta e quarenta anos, já a internação feminina se
caracterizou pela presença de mulheres acima de quarenta anos de idade. A partir do
levantamento realizado no arquivo dessa instituição, também concluí que não foi uma prática do
Leprosário São Francisco de Assis isolar crianças menores de dez anos de idade, mesmo que
acompanhando os seus pais ou familiares leprosos. Não foi possível, no decorrer da pesquisa,
identificar se existiam outras instituições de isolamento no Estado que cuidassem das crianças
suspeitas de lepra até atingir idade apropriada para serem isoladas no leprosário.
Ainda com base na idade dos internos e na divisão por sexo, também podem ser feitas
diferenciações no que diz respeito ao estado civil desses leprosos. O primeiro aspecto que posso
destacar é a presença de um único interno viúvo entre os três primeiros anos de funcionamento da
instituição, Elviro Borges do Nascimento.149 Já entre as internas, observa-se a presença de cinco
mulheres viúvas. Foram elas: Ana Vieira, Maria Júlia dos Santos Cardoso, Joaquina Francisca da
Costa Ferreira e Joaquina da Costa Oliveira.150 Apresentavam características semelhantes em
relação à idade, aos sintomas presentes no corpo e ao tempo de permanência na instituição. Todas

147
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 102.
148
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 27.
149
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 68.
150
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 89.
88

elas tinham acima de cinquenta anos, apresentavam sinais graves com deformações do corpo e
faleceram após alguns meses no Leprosário São Francisco de Assis. Tais elementos indicam que
essas mulheres entraram na instituição com o objetivo de buscar meios para sobreviver de
maneira mais tranquila, como foi o caso de Ana Vieira, que permaneceu na instituição por dois
dias e, segundo consta na sua ficha clínica, estava moribunda no momento da internação151.
O Quadro abaixo demonstra a divisão entre homens e mulheres, segundo a faixa
etária, e o estado civil dos pacientes no momento de entrada no Leprosário São Francisco de
Assis, nos primeiros anos de funcionamento do isolamento.

Quadro 3: Faixa etária dos pacientes isolados no Leprosário São Francisco de Assis entre os anos de 1926
a 1929

Faixa etária dos internos no Homens Mulheres


momento do isolamento Casado Solteiro Casado Solteiro
Menor que vinte anos 0 03 0 05
Acima de vinte anos 03 07 0 03
Entre trinta e quarenta anos 14 05 05 02

Entre cinquenta e sessenta anos 08 03 03 01


Acima dos setenta anos 01 0 0 0

Fonte: Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.

A partir das características apresentadas no Quadro acima, observa-se que existia


entre as mulheres maior número de pacientes solteiras, sobretudo na faia etária entre vinte e trinta
anos de idade. Esse fato pode ter relação com o isolamento que foram submetidas. Dessas
internas solteiras, a estadia na instituição ocorreu aproximadamente entre dois a cinco anos.
Característica bem diferente das pacientes casadas, que contabilizavam oito internas, com idade
superior a trinta anos. Dessas pacientes casadas não se tem muitas informações sobre os
familiares e os filhos dessas internas, mas pode ser verificada a preocupação dos médicos com a
transmissão da bactéria entre os cônjuges, como demonstra o registro de Maria Soares de
Amorim Joffley.152

151
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 18.
152
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 94.
89

Maria Soares de Amorim Joffley, natural de Assú, foi internada em dois de setembro
de 1929, aos quarenta anos de idade. Segundo consta no seu registro, seu mal iniciou em 1924,
um ano após o casamento com Petronilo Joffley e no mesmo período do nascimento da primeira
filha. É importante demarcar a preocupação de registrar na sua ficha clínica a ausência de
sintomas de lepra no corpo da interna Maria Soares de Amorim Joffley no momento da
celebração do casamento. Esse elemento demonstra a preocupação por parte da classe médica em
identificar todos os suspeitos do mal de Hansen. Essa preocupação explícita na ficha clínica
indica dois elementos sobre as ideias que a classe médica proclamava sobre a lepra: a
possibilidade de transmissão da doença através do contato íntimo entre os indivíduos; a
recomendação que os doentes desse mal não contraíssem casamento após o surgimento dos
sintomas no corpo.
Já entre os internos do Leprosário São Francisco de Assis, não houve uma diferença
preponderante entre homens casados e solteiros. Entre os internos solteiros, observam-se ao todo
dezoito doentes, divididos entre as mais diversas faixas etárias. Entre os homens casados, foram
contabilizados vinte e sete, distribuídos entre a faixa etária de trinta a sessenta anos de idade.
A análise dos dados sobre os internos do Leprosário São Francisco de Assis permitiu
concluir que os indivíduos recolhidos entre os anos de 1926 a 1928 permaneceram pouco tempo
no isolamento, falecendo antes de completar um ano na instituição. São poucos os internos que
permaneceram por mais de cinco anos na instituição, como foi o caso dos pacientes Euclides
Diocleciano153, João Varela Barca154 e Santos Marcolino155. Euclides Diocleciano foi internado
em oito de novembro de 1927, com cinquenta e três anos de idade. Seus primeiros sintomas
foram manchas e zonas de insensibilidade nos membros superiores e inferiores, permaneceu no
leprosário aproximadamente doze anos, falecendo em quinze de abril de 1939. Outro interno que
permaneceu um tempo considerável (sete anos) no leprosário foi João Varela Barca. O leproso
João Varela foi internado em doze do março de 1928, com cinquenta anos de idade. Assim como
Dicleciano, João residiu no Pará e manteve contato diário com uma irmã leprosa, onde sentiu os
primeiros sintomas do mal de Hansen, como manchas na pele, obstrução nasal com corisa e zonas
de anestesia. Santos Marcolino também viveu muitos anos no isolamento, aproximadamente de
anos. Internado em quinze de março de 1929, com trinta e oito anos de idade, era natural da

153
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Cínica nº 13.
154
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Cínica nº 16.
155
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Cínica nº 69.
90

Paraíba. Sua doença iniciou em 1927, com manchas no pescoço, braços e pernas. Logo após,
também passou a sentir dormência e apresentou zonas de insensibilidade.
É importante destacar que na ficha clínica de alguns doentes não consta a data de
falecimento ou data da saída da instituição. A partir disso, é possível inferir que esses internos
faleceram ou evadiram-se do leprosário sem a identificação de médicos/funcionários. A segunda
hipótese é que esses internos permaneceram por mais tempo isolados e seus dados foram
registrados em outra ficha clínica que não foi identificada no momento de realização deste
trabalho.
De forma geral, os sintomas descritos pelos internos eram semelhantes, destacaram-se
três sintomas principais: dormência nas mãos e nos pés; insensibilidade nos braços, nas mãos, nas
pernas e nos pés; manchas no corpo. Alguns doentes também descreveram a presença de febre,
coceira e erupção de feridas em alguma parte do seu corpo, sintomas característicos do mal de
Hansen. Dos primeiros internos, posso afirmar que poucos apresentavam sintomas considerados
como gravíssimos, como face leonina, queda dos pelos dos supercílios e mutilações no corpo.
Identifiquei apenas dois doentes, nesses primeiros anos, com esses sintomas: Jorge Friscle156 e
Joana Maria de Jesus.157
Não existem na documentação inicial (prontuários médicos dos anos de 1926 a 1930)
registros das causas das mortes dos pacientes e se estes possuíam outros problemas de saúde no
momento da internação. Posso afirmar que nesse período os internos não tinham acesso a práticas
médicas profiláticas, as quais foram implantadas somente a partir de 1929, assim como os
elementos de diversão e de estudo. Nesse período inicial, é importante destacar que o Leprosário
São Francisco de Assis era composto apenas por dois pavilhões, divididos entre homens e
mulheres, assim os internos eram isolados do convívio da sociedade, sem elementos físicos e
sociais que proporcionassem uma vida saudável. Essa forma de reclusão pode ter contribuído
para o pouco tempo de vida dos internos.
As incorporações estruturais, bem como o plano profilático estabelecido após a
inauguração oficial, modificaram o tempo de permanência dos leprosos no isolamento e as
formas de vivenciar essa instituição. Após o ano de 1929, ainda verifiquei o falecimento de
internos logo após a entrada no leprosário, no entanto esse período se caracterizou pela existência

156
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 01.
157
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 18.
91

de duas novidades na história da instituição: as altas hospitalares e as evasões dos internos. O


diretor do Leprosário São Francisco de Assis, Manoel Varella Santiago, em entrevista concedida
ao Jornal do Brasil em três de julho de 1929, declarou c a possibilidade das altas hospitalares
ocorrerem no isolamento potiguar e retratou como os doentes eram vistos pelos médicos: “a
princípio tinha [os leprosos] como incuráveis. Quando entrava no leprosário, onde vou
diariamente, era como se visitasse um cemitério de vivos. Aquelles infelizes, talvez, ignorando a
gravidade do mal, davam-me a impressão de fantasmas em carne e osso”158. A fala do médico
Manoel Varella Santiago Sobrinho expõe a visão que os médicos tinham sobre os doentes de
lepra, sobretudo em relação aos primeiros internos, indivíduos que despertavam a piedade e o
desprezo, vistos como fantasmas, como mortos para a sociedade, esperando apenas a caridade e o
descanso divino.
Como retratado no primeiro capítulo deste trabalho, o Leprosário São Francisco de
Assis sofreu diferentes transformações, sobretudo no seu aspecto físico. Essas transformações
estruturais influenciaram o perfil dos doentes e o cotidiano do isolamento. A partir da década de
1930, foram observadas as primeiras altas hospitalares. As altas hospitalares foram uma prática
médica presente, sobretudo, a partir de 1936, momento em que os cientistas e o grupo de médicos
defendiam a possibilidade de realizar o tratamento químico da lepra no domicílio do doente. A
alta hospitalar era determinada por uma série de fatores clínicos, como o tempo que o leproso
possuía a bactéria no seu organismo, o estado higiênico do doente e os avanços obtidos com o
tratamento realizado no interior do isolamento. No Leprosário São Francisco de Assis,
identificou-se a presença de seis altas hospitalares concedidas aos internos ingressos durante o
ano de 1929: Bellerminio Rodrigues, José Pedro do Nascimento, Hermildo Lucas de Oliveira,
Camilo Amaro, Amâncio José França e Maria de Lourdes Lins.
O primeiro interno beneficiado com a alta hospitalar foi José Pedro do Nascimento,
saindo do leprosário em primeiro de abril de 1930. O interno foi isolado em dez de maio de 1929,
com os sintomas de dormência nas mãos e alguns dedos em garra, os sinais da doença iniciaram
ainda no ano de 1927. Permaneceu no isolamento por nove meses. A sua alta condicional,
segundo demonstram os registros médicos, ocorreu devido ao recuo dos sinais do seu mal a partir
do tratamento realizado: “Alta condicional sensivelmente melhorada, a insensibilidade da mão
direita limita-se ao território do cubital e os dedos retraídos gozam hoje de mais movimentos

158
JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929. p. 2.
92

[...]”159. O seu teste bacteriológico da mucosa nasal apresentou resultado negativo à presença do
bacilo de Hansen. A evidência da retração dos sintomas da doença e a ausência da prova
científica da bactéria no corpo do doente contribuíram para a alta do interno do leprosário.
Apesar do registro médico retratar a melhora do paciente sobre os sintomas da doença e a
negação da presença da bactéria, outros fatores devem ter contribuído para a saída do interno, já
que outros doentes apresentavam características semelhantes e continuaram isolados no
Leprosário São Francisco de Assis.
O segundo paciente a ganhar o direito à liberdade foi Hermildo Lucas de Oliveira.
Internado no leprosário em vinte e cinco de abril de 1929, os seus sintomas iniciais surgiram em
novembro de 1927, eram dores nas mãos e manchas nas costas e na face. O interno realizou dois
exames bacteriológicos, o primeiro em vinte e oito de novembro de 1937, momento de
manifestação dos primeiros sintomas. O segundo exame da mucosa nasal foi realizado em vinte e
nove de fevereiro de 1936, durante o período de revisão clínica. A sua alta hospitalar foi
concedida pelo diretor do isolamento, Manoel Varella Santiago, como consta na sua ficha clínica.
Não consta nos seus registros o dia em que o benefício foi obtido nem o motivo da liberação do
isolamento.160
Outro interno ingresso nesse período a ganhar o direito à liberdade foi Bellerminio
Rodrigues. Isolado em vinte e dois de maio de 1929, apresentava sintomas como dormência no pé
esquerdo e na mão direita, zonas de anestesia, mal perfurante e retração de alguns dedos da mão.
Diferente dos demais pacientes que realizavam exames bacteriológicos baseados no material da
mucosa nasal, Bellarmino Rodrigues realizou outro exame, o esfregaço das lesões cutâneas.
Apesar de apresentar sintomas bem característicos do mal de Hansen, o seu exame teve como
resultado negativo para a bactéria. A sua alta foi concedida em vinte e oito de janeiro de 1933.161
Outro paciente agraciado com a alta hospitalar foi Maria de Lourdes Lins de Oliveira,
isolada aos dez anos de idade em nove de dezembro de 1930. Seus primeiros sintomas foram
manchas nos membros superiores e inferiores, conforme retrataram os pais da paciente, não
apresentava zona de insensibilidade e dormência. A alta foi concedida em vinte e dois de
dezembro de 1930. Contudo, foi reinternada após dois anos da sua primeira entrada, em dez de

159
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 84.
160
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 77.
161
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 88.
93

outubro de 1932, aos doze anos de idade. Permaneceu no isolamento até 1936, sendo transferida
para o Recife.162
As altas hospitalares desses internos colocaram em evidência alguns fatores: o
primeiro é a importância da prova laboratorial para as práticas médicas, sobretudo a indicação de
deixar o doente retornar ao convívio com pessoas sadias. Outro elemento é a trajetória única que
cada indivíduo teve na instituição, como demonstram as histórias das altas hospitalares. Posso
citar o favorecimento de alguns internos por parte do diretor do isolamento, Manoel Varella
Santiago, como ocorreu com o interno Hermildo Lucas de Oliveira. Não foi possível determinar
os laços estabelecidos entre o diretor do isolamento e o interno, mas a sua alta hospitalar não foi
baseada em critérios científicos, como ocorreu com os demais internos. A trajetória do leprosário
também foi marcada pelas evasões dos internos. As fugas, evidenciaram que nem todos os
leprosos tinham o desejo de permanecer isolados e que apesar de a instituição se caracterizar pela
vigilância, muitos leprosos criavam formas de romper os mecanismos de poder. Assim, posso
inferir que os internos criavam práticas próprias de vivenciar o leprosário e a reclusão.
Entre as evasões registradas na documentação do leprosário, destaca-se a fuga do
interno Nestor Soares Bezerra. Isolado em dezesseis de abril de 1929, com vinte e sete anos de
idade e teste bacteriológico negativo para o bacilo de Hansen, deixou o leprosário após um mês
do seu ingresso, em treze de junho de 1929. Residiu no Pará por cinco anos e sua doença iniciou
com uma ferida no calcanhar direito e logo depois surgiu dormência neste pé e na perna direita. A
saída prematura do doente indica que a sua internação ocorreu de forma compulsória e
involuntária. Apesar da fuga, a sua liberdade não durou muito tempo, foi reinternado no
leprosário em vinte e dois de outubro de 1930.163
Outro paciente evadido foi Manoel Miranda, internado em oito de abril de 1929, com
quarenta e dois anos de idade. Seu mal iniciou por volta de 1915, os principais sintomas foram
manchas no pescoço, dormência no braço, úlceras em diversas partes do corpo e zonas de
insensibilidade. Esteve no Pará por diversas vezes e seus sintomas iniciaram no momento em que
residia nesse Estado. Após permanecer no Leprosário por alguns anos, evadiu-se em vinte e nove
de novembro de 1934. Contudo, foi reinternado em dezenove de maio de 1935.164

162
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 105.
163
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 76.
164
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 75.
94

O último paciente evadido ingresso nesse período foi Camilo Miranda, internado em
quinze de maio de 1929. Os seus sintomas iniciaram no ano de 1928, entre eles, dormência e
atrofia da mão esquerda. Sua história na instituição foi permeada de evasões e admissões, a sua
primeira saída ocorreu em vinte de junho de 1930, pouco tempo depois da sua internação. Após a
sua primeira fuga, foi reinternado em treze de janeiro de 1931, mas novamente não permaneceu
no isolamento, evadindo-se pela segunda vez em três de março de 1931. Permaneceu em
liberdade por alguns anos. Foi isolado novamente em treze de agosto de 1936 e conseguiu obter
alta condicional um ano após a sua última entrada, em vinte e um de maio de 1937.165
A única mulher evadida do leprosário internada no ano de 1929 foi Ana Maria dos
Santos. Solteira, natural do município de Macaíba, sua entrada na instituição ocorreu em quatro
de outubro de 1929. Seus primeiros sintomas surgiram em 1927, com manchas na face e atrofia
de músculos na mesma região. Sua evasão, diferente dos demais internos, ocorreu de forma mais
tardia, em vinte de junho de 1934, após contrair núpcias com Antônio Teixeira, leproso isolado
em dezesseis de janeiro de 1930.166
A partir dos registros das evasões, foi possível chegar a algumas conclusões . O
número de indivíduos evadidos representou uma pequena parcela da população total do
isolamento, significando que essa instituição mantinha certo controle sobre os hábitos e o
cotidiano dos pacientes que ali estavam recolhidos. O movimento de reinternação dos evadidos
do Leprosário São Francisco de Assis demarcou também a vigilância dos órgãos sanitários sobre
os leprosos evadidos. Pode-se inferir que esta ação tinha ajuda de parcelas da população na
identificação dos doentes e nas denúncias da presença de leprosos na cidade. A busca pela
liberdade e a vigilância sobre os internos não ocorreu entre os primeiros grupos isolados antes da
inauguração oficial do isolamento. O leproso Joaquim Pimenta de Paiva foi o único interno a
empreender fuga do leprosário. Sua evasão ocorreu no mesmo dia em que foi internado, em oito
de agosto de 1927.167 Segundo consta no seu registro, não foi capturado pelos órgãos de
vigilância, mas faleceu no ano seguinte, em Pedra Branca, município de São Gonçalo.
A existência das evasões, também indica que mesmo se tratando de uma instituição
total, os internos encontravam maneiras de burlar as regras, construindo novos padrões e hábitos
neste espaço hospitalar. Esse elemento é muito evidente no registro da união entre dois internos,

165
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 85.
166
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 97.
167
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 11.
95

Ana Maria dos Santos e Manoel Teixeira. O casamento entre eles evidencia que os internos
estabeleciam laços de amizade e convivência íntima, construíam elementos de sociabilidades que
rompiam com a vigilância e as regras estabelecidas pela instituição. Segundo Goffman, as
instituições totais simbolizavam na sua essência uma barreira entre os internos e o mundo
exterior, um espaço demarcado pela mortificação do eu, mas também um espaço em que os
internos encontravam maneiras de construir as suas próprias práticas e os seus códigos de
conduta. Dessa forma, os internos do Leprosário São Francisco de Assis encontraram formas de
romper as barreiras físicas e a vigilância imposta. Os internos criaram suas próprias práticas.168
Os evadidos se destacaram por serem homens com testes bacteriológicos negativos.
Isso pode ser considerado um indício de que os mesmos não se consideravam portadores da lepra
e por esse motivo não tinham que permanecer isolados na instituição. Esse elemento também
pode demonstrar a importância que a prova científica adquiriu nesse período, mesmo entre a
população leiga. Ao mesmo tempo, também demonstra que apesar do discurso médico enfatizar a
importância do isolamento em espaços especializados, essa ideia não foi compartilhada por todos
os indivíduos doentes. A reclusão do leproso foi proclamada pelo discurso médico como uma
atitude de saúde coletiva, colocada entre os valores morais e educacionais. O doente de lepra que
não buscava o isolamento era um indivíduo sem moral, sem educação e sem civilidade.
A fuga dos doentes do Leprosário São Francisco de Assis era encarada como um caso
policial, como foi noticiado no jornal A Ordem de dois de outubro de 1936, com matéria
intitulada “A captura de um Lázaro”. O jornal retratou a presença de um leproso na cidade de
Pedro Velho: “Officiou o dr. Chefe de Polícia ao dr. Director do Departamento da Saúde Pública,
transmitindo o telegrama do delegado de Policia de Pedro Velho, com referencia a presença, alli
de um indigente evadido do Leprosário São Francisco de Assis”169.
Apenas uma mulher empreendeu fuga em detrimento do casamento com outro
leproso isolado, assim, pode-se inferir que a evasão, nesses primeiros anos, foi uma ação de
caráter essencialmente masculino. Essa característica pode ser explicada a partir de vários fatores:
a vigilância imposta aos doentes, o papel que a mulher exercia na sociedade, o estigma da doença
e os valores embutidos no isolamento.

168
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974.
169
A ORDEM, Natal, 02 de outubro de 1936.
96

Essa mesma característica permaneceu nos anos seguintes no isolamento. Todos os


pacientes evadidos após a década de 1930 foram homens. O número de internos evadidos chegou
a quinze doentes, grande parte dessas evasões ocorreram no ano de 1930, no total foram dez
doentes que buscaram a liberdade. O número elevado de evasões nesse ano pode ser uma
consequência do processo de desativação do isolamento proposto nos anos de 1930 pelo
interventor Irineu Joffily.
A identificação dos portadores do mal do Hansen no Rio Grande do Norte era função
do Serviço de Profilaxia Rural, cabia a esse órgão, a partir dos postos sanitários instalados em
zonas da cidade e da polícia sanitária, identificar os doentes e notificar os casos suspeitos. Dos
primeiros internos isolados no leprosário, apenas cinco eram acompanhados por esse serviço.
Esses doentes eram provenientes da região de Natal e Ceará-Mirim. Após a inauguração oficial
do leprosário, o número de internos que eram fichados por esse serviço ainda foi mais reduzido,
apenas dois doentes eram acompanhados pelo Serviço de Profilaxia Rural das cidades de São
José do Mipibu e Touros. Esse dado leva a inferir que os leprosos recolhidos para o isolamento
eram portadores identificados recentemente pelo serviço sanitário. Essa identificação poderia
ocorrer a partir da iniciativa do paciente ou da sua família. No entanto, como demonstrou a
mensagem do Presidente do Estado dos anos 1930, as denúncias da população sobre indivíduos
com lepra ocorreram em grande número, realçando o medo que as pessoas sentiam de conviver
com um indivíduo leproso. O Serviço de Profilaxia Rural era responsável pela fiscalização dos
casos suspeitos, bem como os familiares que conviviam com os doentes. Dessa forma, não eram
apenas os doentes que sofriam a ação do Estado no processo de controle e fiscalização, mas os
familiares e os indivíduos que viviam próximo a ele sofriam investigação da ação sanitária. A
mensagem do Presidente do Estado Juvenal Lamartine retratou:

De quando em vez, médicos do Departamento de Saude fazem excursões pelo


interior do Estado, não só com o fim de examinarem todos os casos que ao povo
parecem suspeitos, como os comunicantes dos casos isolados desse serviço. O
serviço de vigilância sanitário contra a lepra continua, entre nós, a ser feito com
intensidade. Esse serviço tem consistindo em visitas frequentes aos municípios
de onde veem denuncias de casos suspeitos de lepra170.

170
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Presidente Juvenal Lamartine de Faria à Assembleia
Legislativa, por ocasião da abertura da primeira sessão da décima quarta legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1930.
97

A preocupação com os parentes e com pessoas próximas aos leprosos também foi
observada nos registros da instituição. Nas fichas clínicas dos enfermos todos os adultos e
crianças com convivência íntima eram registrados, indicando idade, residência atual e o tipo de
convivência.
Além do registro dos parentes próximos, os médicos indicavam a presença dos
doentes no extremo norte do país. Entre os principais polos irradiadores da doença, estava o
extremo norte, Acre, Amazonas e Pará. A presença nessas regiões era um fator de importância no
processo de identificação dos portadores da bactéria, os indivíduos que estiveram nessas áreas
eram transmissores em potencial do bacilo de Hansen. Nos seus três primeiros anos de
funcionamento, O Leprosário São Francisco de Assis contabilizou apenas oito leprosos isolados
que estiveram presentes nessas regiões. Após a inauguração oficial, em 1929, onze doentes
residiram no Pará ou trabalharam em regiões do Acre e do Amazonas. Já durante os anos de
1930, sete doentes internados residiram no extremo norte do país. A presença desses doentes
nessa região não era uma característica que determinava a presença no isolamento, no entanto,
metade dos indivíduos que foram isolados nessa instituição até o final dos anos de 1930, tinha
alguma relação com o extremo norte do país. A história do paciente Manoel Dias da Silva
representa a preocupação médica com a presença na região norte do país e com o convívio íntimo
com indivíduos doentes.
Manoel Dias da Silva foi isolado no Leprosário São Francisco de Assis em vinte de
fevereiro de 1931, aos quarenta anos de idade. Filho de Pedro Dias da Silva, falecido de lepra no
isolamento, e de Ana Joaquina Gomes, mestiço, solteiro, trabalhou durante vários anos como
foguista na estrada de ferro. Depois de 1915 foi trabalhar no Estado do Pará, permanecendo nesse
estado até o ano de 1929.171 Apesar de ter convivido com o pai leproso, seus sintomas apenas
apareceram no seu corpo após um ano do seu retorno do Pará, confirmando que esse estado era
um grande irradiador da bactéria da lepra e era fator de preocupação por parte dos médicos
potiguares. O médico Varella Santiago acreditava que essa região era o foco irradiador do mal de
Hansen, como retratou em entrevista concedida ao Jornal do Brasil:

O primeiro caso de lepra no meu Estado data de 1802, no começo das


emigrações para as províncias do extremo norte, onde sempre houve avultado
numero de morphetico. O desenvolvimento crescente das emigrações como o

171
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 145.
98

correr dos annos é, a meu ver, a causa exclusiva da lepra no Rio Grande do
Norte172.

Segundo o médico Varella Santiago, os casos de lepra do estado foram provenientes


do contato entre os norte-rio-grandenses e a população do extremo norte provocado, sobretudo,
pelas emigrações, como demonstraram alguns relatos dos pacientes.
Além da presença nas regiões do extremo norte do país, existia também a
preocupação por parte das autoridades médicas de delimitar a convivência com outros doentes do
mal de Hansen. Os acometidos pela bactéria que mantinham convivência com outros indivíduos
tinham mais probabilidade de serem portadores da bactéria e, consequentemente, um novo
infectado. Vários doentes no momento da internação retrataram a convivência com indivíduos
leprosos, como Ana Eunice Rosado, que tinha entre os seus familiares uma tia leprosa; Anysio da
Câmara, que conviveu por muitos anos com o seu pai leproso; João Varela Barca, que possuía um
irmão leproso; Joana Fabricia de Oliveira, que conviveu com a leprosa Francisca Juvino Barreto;
Maria Eliza de Carvalho, contaminada por seu tio Manoel Sobral, entre outros.
Dentro do conjunto total de internos, a convivência com outros doentes não foi uma
característica marcante entre os internos do Leprosário São Francisco de Assis. No entanto, ao
relacionar a presença desses doentes no extremo norte do país e a convivência com outros
leprosos, fica perceptível que um número considerável de internos presentes no Rio Grande do
Norte já tinha entrado em contato com a bactéria do mal de Hansen, tanto de forma direta como
indireta.
Durante a década de 1930, momento em que o Leprosário São Francisco de Assis
passou por transformações no processo de isolamento e de tratamento, o perfil dos doentes
passou por novas modificações, sobretudo relacionadas à entrada dos homens e das mulheres.
Entre o ano de 1931 a agosto de 1936, foram recolhidas vinte e quatro mulheres entre trinta e
cinquenta anos de idade. E recebeu cinquenta e um internos do sexo masculino, entre a faixa
etária de trinta e quarenta anos de idade. Assim, novamente, o leprosário possuía um número
maior de internos do sexo masculino.
Ainda em relação ao perfil dos internos, o Leprosário São Francisco de Assis
classificou os seus doentes quanto ao tipo da cor, conforme consta nas fichas clínicas presentes
no arquivo da instituição. De acordo com esses registros, nenhum indivíduo com a classificação

172
JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929, p. 2.
99

da cor preta foi isolado até o ano de 1930. Os pacientes se dividiam apenas entre brancos e
pardos. Dessas duas classificações, houve uma prevalência dos indivíduos de cor parda nos três
primeiros anos de funcionamento do isolamento, no entanto essa quantidade em números era
muito pequena. Já no ano de 1929, momento da inauguração oficial do Leprosário, o número de
indivíduos de cor branca na instituição foi superior aos internos classificados de cor parda.
Novamente, esse número foi modificado, durante o ano de 1930, dos vinte três internos isolados,
apenas sete indivíduos eram brancos, sendo a maioria dos leprosos classificados como pardos.
Desses indivíduos brancos, é importante destacar que apenas Luiza Francisca de Lima173
permaneceu na instituição, os internos Francisco Aprigio dos Santos174 e Antônio Agostinho da
Silva175 faleceram depois de transcorridos alguns meses e os outros quatro internos se evadiram
da instituição. Posso afirmar que o isolamento realizado durante os anos de 1930 foi
caracterizado pela reclusão de homens pardos, diferente do processo visualizado no ano anterior,
em que não existia em números uma distinção em relação à cor da pele dos internos.
Ainda na década de 1930, observei uma modificação na classificação dos internos no
momento da internação no leprosário. Os doentes antes classificados apenas entre brancos e
pardos passaram a receber outras classificações, como mestiços, mulatos e pretos. A partir dos
dados analisados, durante a década de 1930 continuou a não existir um isolamento baseado na cor
da pele. Os doentes isolados foram distribuídos a partir da cor da pele da seguinte forma: sete
doentes classificados como pretos; oito doentes classificados como pardos; nove doentes
classificados como brancos; doze doentes internados como mestiços. Ao observar a classificação
dos internos em relação à cor da pele, concluí que no Leprosário São Francisco de Assis não
ocorreu uma política de isolamento baseada na cor da pele. A composição dos internos do
Leprosário foi permeada por diferentes características, não existiu um único perfil de doentes de
lepra no Estado, nem a presença de internos provenientes de uma única região.
Os leprosos eram provenientes de diferentes cidades do Estado, nos primeiros grupos
de indivíduos as principais cidades que se destacaram foram: Natal, que contava com cinco
internos nascidos nessa área; Mossoró, Currais Novos e Ceará-Mirim, que contavam com dois
internos cada uma das localidades. Nesse sentindo, a maior incidência dos leprosos isolados era
proveniente da capital, demonstrando o trabalho realizado nessa área de notificação e de

173
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 141.
174
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 118.
175
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 128.
100

vigilância dos doentes. A partir de uma política mais intensa de isolamento dos leprosos e as
visitas instauradas nas áreas mais distantes pelos médicos a partir da década de 1930, o leprosário
passou a receber doentes de diferentes localidades do Estado. Os internos eram provenientes das
cidades de Ceará-Mirim, Natal, São José de Mipibu, Macaíba, Pau dos Ferros, Santana do Matos.
Também houve a presença de internos provenientes de outros Estados, como Paraíba e
Pernambuco.

2.2 Situação social e profissional dos internos

A partir do ano de 1931, no processo de entrada no Leprosário São Francisco de


Assis, os indivíduos foram classificados a partir de elementos mais específicos, como a condição
social, as atividades realizadas, o tipo de habitação em que residiam, a instrução e a religião
professada. Essa forma de registrar a vida pessoal do interno possibilitou conhecer os leprosos
presentes no estado e traçar características referentes à situação profissional e social dos doentes
recolhidos no estabelecimento. Neste trabalho, os dados analisados contemplaram somente os
doentes ingressos até agosto de 1936, devido ao grande volume de informações, como foi
retratado no início deste capítulo.
Um dos elementos que caracterizou os internos ingressantes nesse período foi o
estado econômico dos leprosos. Eles foram classificados entre pobre, abastado, mediano e
detentor de pequenos recursos. De forma geral, os internos do Leprosário São Francisco de Assis
eram provenientes de condição social pobre e detentora de pequenos recursos. Entre esses
pacientes estava a interna Joana Francisca de Souza. Isolada em vinte e nove de agosto de 1931,
com sessenta anos, solteira, de cor preta e residente no município de Macaíba, realizava
atividades domésticas como lavadeira, cozinheira e engomadeira. Foi internada com manchas na
parte superior da face e zonas de anestesia nas mãos e nos pés. Seus sintomas datam de 1924,
permaneceu no isolamento até o ano de 1939, momento do seu falecimento, devido a uma
hemorragia176. Também posso citar o leproso Pedro Antônio Ferreira, residente em Ponta Negra.
Foi internado no isolamento em vinte e três de novembro de 1931, aos quarenta e três anos de
idade, com dores reumáticas e zonas de anestesia nos punhos e nas pernas. De condição social

176
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 154.
101

pobre, exercia a profissão de pescador e lavrador onde residia. Acometido por doenças como
reumatismo, varíola e sífilis177.
Entre os internos, dois pacientes se destacaram devido ao seu estado econômico,
Virginia Wanderley Dantas, com estado econômico mediano, e o paciente José Rocha Gurgel
com estado econômico abastado. Esses indivíduos eram a exceção no Leprosário São Francisco
de Assis. Assim, posso concluir que o isolamento potiguar era destinado a receber os doentes
carentes do Estado. A ausência de internos abastados e medianos nessa instituição indica que o
isolamento domiciliar foi presente entre as famílias abastadas do Estado.
A interna Virginia Wanderley Dantas, moradora da cidade do Natal, de estado
econômico mediano, foi internada em quinze de outubro de 1931, aos quarenta e nove anos de
idade. Filha de Luiz Carlos Wanderlley e Maria Carolina Wanderlley, tinha quatro irmãos, Luiz
Carlos Wanderlley, João Ezequiel e Manoel Segundo Wanderlley, Benjamin Cicinato e Virgilio.
O seu mal foi contraído através do contato com o seu irmão Luiz Carlos Wanderlley. Casada com
Virgilio Ribeiro Dantas, os sintomas iniciaram no segundo semestre do ano de 1931, com
obstrução nasal e manchas eritematosas na face. Foi internada logo após o surgimento dos
primeiros sintomas, indicando que a família não optou pelo isolamento domiciliar e que foi
internada em bom estado de saúde. Não foi possível determinar o período em que esteve isolada
no leprosário178.
José Rocha Gurgel, internado em dezembro de 1935, aos dezessete anos de idade,
apresentava situação econômica abastada. Era proveniente da cidade de Mossoró, estudante do
seminário de Natal entre os de 1931 até 1935. Filho do comerciante Sebastião Fernandes Gurgel
e Elisa Rocha Gurgel, relatou que não teve contato íntimo com nenhum leproso, apenas contato
com os colegas do seminário de Natal. No entanto, na sua família constavam casos de lepra, o seu
tio morfético e a sua esposa, ambos falecidos com lepra sem data conhecida179. O início da sua
doença ocorreu em 1932, com sintomas de obstrução nasal e corisa. Ao consultar um médico
especialista, surgiu a suspeita de possuir o mal de Hansen, logo depois surgiram manchas e
infiltrações nas pernas. Nesse período realizou vários exames bacteriológicos, todos apresentaram
resultados negativos para o bacilo da lepra. Após dois anos com suspeita do mal, foi internado no
Leprosário São Francisco de Assis, permanecendo nessa instituição por um ano. Devido ao

177
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 161.
178
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 159.
179
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 193.
102

desaparecimento dos seus sintomas, recebeu alta do isolamento. Após a sua saída não temos
dados do seu destino, se retornou ao seminário de Natal ou se foi residir com os seus pais na
cidade de Mossoró.
Entre os internos do leprosário existiam os classificados como detentores de
pequenos recursos. Geralmente, esses internos se dividiam em pequenos agricultores e pequenos
comerciantes. É importante destacar que todos esses pequenos comerciantes eram classificados
como brancos e todos eram homens; apenas um mestiço foi classificado como detentor de
pequenos recursos, Francisco Correia de Lira. Foi internado em trinta de outubro de 1934, com
quarenta e três anos de idade. Morador da cidade de Gaiuba, na Paraíba, seus sintomas iniciaram
com uma ferida no dedo do pé e infiltração nas orelhas. A sua história no leprosário foi marcada
por entradas e saídas, após sua transferência para o isolamento na Paraíba retornou ao leprosário
em vinte e quatro de abril de 1942. Permaneceu na instituição por mais três anos, quando se
evadiu do isolamento180.
Entre os internos que se denominaram pequenos agricultores estavam Olegário
Rodrigues Campos, Antonio Fernandes de Melo e Bento Antônio Oliveira. Dentre eles, destaco a
história do leproso Bento Antonio Oliveira,viúvo, internado no Leprosário São Francisco de
Assis em sete de janeiro de 1936, com sessenta e seis anos de idade.Exerceu a profissão de
pequeno comerciante até o ano de 1926, quando se tornou pequeno agricultor e criador na
fazenda São Lazaro, na cidade de Caraúbas. Seu mal iniciou em 1929, a partir do contato com a
esposa leprosa Delmira Oliveira, por mais de dez anos, seus principais sintomas foram mancha
erimatosa e dormência nas mãos e braços. Faleceu de lepra após seis meses do seu ingresso no
isolamento, em julho de 1936181. A partir dos dados retratados na ficha do interno, constatamos
que Bento Antônio Oliveira era comerciante na cidade de Mossoró e, com o surgimento dos
primeiros sintomas da doença na esposa, mudou-se com toda a família para a sua fazenda,
abandonando seu comércio e se transformando em pequeno agricultor. A partir da trajetória desse
interno, posso inferir que o isolamento, bem como a presença dos sintomas no corpo, não era bem
aceito pela população de uma forma geral. Os contaminados pelo bacilo de Hansen procuravam
sair da convivência com muitas pessoas e se abrigavam em lugares mais distantes, evitando a
denúncia e o isolamento compulsório. Esse elemento corrobora a ideia de que muitos doentes de

180
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 205.
181
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 223.
103

lepra se internavam de forma involuntária e compulsória. Bento Antônio Oliveira procurou o


isolamento somente após aproximadamente dez anos do surgimento dos sintomas e após o
falecimento da sua esposa, que também era leprosa.
Já os doentes enquadrados como estado econômico pobre correspondem a maior
parcela dos internos do isolamento potiguar. Apresentavam características semelhantes em
relação às profissões, à falta de instrução e ao tipo de habitação em que residiam. Os internos não
possuíam instrução mínima, sobretudo aqueles classificados com situação econômica pobre. Já os
internos que declaravam ter alguma instrução pertenciam ao grupo dos doentes detentores de
poucos recursos ou abastado. Apenas dois leprosos identificados como estado econômico pobre
tinham instrução, João Ferreira Nunes e Antônio Osório. O primeiro interno, João Ferreira
Nunes, de cor mestiça, casado, foi isolado aos trinta e três anos de idade, em dez de abril de 1935.
Seu primeiro sintoma foi um tumor no nariz. Residia na cidade de Ceará-Mirim com a sua
esposa, Maria Matias, de trinta e três, anos exerceu a profissão de carregador de água e logo
depois operário de padaria. Após três anos com o tumor no nariz e fazendo uso do óleo de
chaulmoogra, foi internado no Leprosário São Francisco de Assis, permanecendo nesta
instituição até o seu falecimento, nos anos 1940 182.
Além desse interno, destaca-se o leproso Antônio Osório183, internado em dez de
fevereiro de 1935, aos vinte e três anos de idade. Pequeno comerciante na cidade de Natal,
branco, solteiro, foi internado inicialmente no leprosário de Recife por dois anos e depois
transferido para o Leprosário São Francisco de Assis, em 1935. Conviveu com o irmão leproso e
seus sintomas iniciais foram edemas nos pés e nas mãos. Apesar dos seus sintomas, seu teste
bacteriológico não comprovou a presença do bacilo de Hansen no seu organismo. Após quatro
anos no leprosário, fugiu em 1939.
Diferenciações entre o caso de José Rocha Gurgel e Antônio Osório são perceptíveis.
Ambos possuíam sinais de lepra, segundo a visão dos médicos, mas apresentavam exame
bacteriológico negativo para o bacilo de Hansen. No entanto, José Gurgel, abastado de família
importante na cidade de Mossoró, obteve alta devido ao desaparecimento de alguns sintomas, já
Francisco Osório, pertencente a uma família simples da cidade de Ceará-Mirim, foi obrigado a
permanecer no isolamento por vários anos. A partir dessas informações, posso inferir que a

182
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 211.
183
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 209.
104

situação social dos indivíduos leprosos interferia na permanência ou não no Leprosário São
Francisco de Assis.
A situação econômica dos internos era um fator importante no processo de admissão,
pois influenciava a distribuição deles no interior da instituição, como demonstrou o médico
Varella Santiago em entrevista concedida ao Jornal do Brasil em três de julho de 1929. Segundo
ele, os leprosos não podiam ocupar qualquer área da instituição, mas se organizar de acordo com
as condições sociais, por sexo e pelos laços matrimoniais.
[...] sendo os isolados pessoas de várias categorias, da alta e da baixa sociedade,
em vez de uma vida em comum, que seria desigual e humilhante para os de
educação e tratamento, occupam estes habitações correspondentes ao seu estado
social. Para as camadas inferiores, como para as altas, há não só a devida
separação de sexos, categoria, como o alojamento em commum de doentes com
pessoas da família ou ligadas por matrimônio184.

Como enunciado no acima, os leprosos ocupavam diferentes cômodos, conforme a


posição social que ocupavam na sociedade. Para o médico, a convivência íntima sem respeitar as
diferenciações de classe representava humilhação. Assim, posso inferir que os internos mais
abastados ocupavam áreas diferentes dos demais internos do leprosário, classificados como pobre
e com pequenos recursos.
Os internos isolados no Leprosário São Francisco de Assis desempenhavam
atividades ligadas a trabalhos manuais. Entre essas atividades, destacaram-se os serviços
domésticos: empregada doméstica, lavadeira, cozinheira, costureira, exclusivamente
desenvolvidas pelas internas, e atividades de lavrador, pescador, pintor, comerciante ambulante,
realizadas pelos homens. De forma geral, a ocupação mais comum entre os internos era o
trabalho na agricultura, como lavradores. Seguindo as recomendações da Diretriz Nacional de
Combate à Lepra, os leprosários e colônias deveriam possuir no seu interior atividades manuais
que proporcionassem ao interno trabalhar, ser útil para o isolamento. Dessa forma, no isolamento
potiguar o trabalho agrícola foi implantado pelo seu diretor, o médico Manoel Varella Santiago,
como retratou em entrevista ao Jornal do Brasil: “Há uma área para os trabalhos agrícolas onde
os que foram homens do campo cultivam como se estivessem nas fazendas, revertendo-se o
producto do seu trabalho em beneficio do Leprosário”185. Assim, parte dos internos, continuou
realizando as atividades profissionais que exerciam antes do recolhimento na instituição. É

184
JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929.
185
JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929.
105

importante destacar que a atuação profissional desses internos dependia da gravidade da doença,
apenas os doentes que apresentavam bom estado de saúde realizavam os trabalhos manuais na
colônia.
Apesar de a profissão de lavrador ter sido a mais presente entre os isolados, outras
profissões também foram visualizadas. O paciente José Vasconcelos Chaves, internado em quatro
de novembro de 1932, se identificou como funcionário público. Permaneceu no leprosário por
quatro anos, até cinco de agosto de 1936. A sua doença foi contraída a partir do contato com o
irmão leproso não identificado no momento da internação186. A partir da organização proposta
pelo diretor Varella Santiago, posso inferir que, José Vasconcelos, ao ser recolhido, dividiu a
habitação com outros internos na mesma situação econômica que a sua, ocupando as casas
inauguradas no ano de 1929 classificadas como tipo B. Essas casas apresentavam melhores
acomodações, físicas e sanitárias, e tinham mais conforto para os doentes, como retratou a
mensagem do Presidente do Estado lida na Assembleia Legislativa no ano de 1929187.
Ainda sobre o perfil social e profissional dos internos, observei que ao relacionar as
profissões exercidas pelos internos e as suas classificações étnicas, não visualizei uma
diferenciação entre esses dois elementos. A maioria dos pacientes que tinham pequenos recursos
eram agricultores, indicando que tinham pequenos lotes de terras. Esses homens eram brancos ou
pardos.
No processo de registro dos internos, os médicos também indicavam o tipo de
habitação em que os leprosos residiam. De forma geral, os enfermos residiam em três tipos de
casa: operário, familiar e taipa. As casas do tipo familiar eram construções feitas com tijolo e
telha, já as casas de tipo operário tinham diferenciações, eram agrupadas em casas de taipa,
cobertas com telhas ou casas de palha com ou sem cobertura de telhas. De forma geral, dezoito
doentes isolados no leprosário depois dos anos 1930 residiam em casa do tipo familiar e dezoito
doentes residiam em casas de taipa com cobertura de telhas. Apenas dois doentes residiam em
casas feitas de palha, os pacientes Luísa Carolina de França188 e Pedro Antônio Ferreira189.

186
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 172.
187
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do
Estado do Rio Grande do Norte, à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima
terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929.
188
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 201.
189
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 161.
106

A preocupação com o tipo de habitação ocupada pelos internos tinha ampla relação
com o estado sanitário que os doentes viviam. Existia grande preocupação com o abastecimento
de água, a incidência de áreas alagadas e a presença de mosquitos sugadores. Alguns médicos
defendiam que a transmissão da lepra ocorria por meio de mosquitos, assim, a partir do tipo de
habitação e a área em que os leprosos residiam poderia contribuir para o contágio de outros
indivíduos. As condições sanitárias dos indivíduos também influenciavam na decisão do médico
de permitir o tratamento do leproso no seu domicilio ou a reclusão no isolamento.
No que diz respeito à religião, todos os internos se declararam católicos, apenas uma
interna afirmou professar a religião presbiteriana. Isso demonstra a ligação que existia entre os
elementos religiosos e científicos, tão presentes desde o início do processo de construção do
Leprosário São Francisco de Assis e evidenciado no funcionamento da instituição. O isolamento
potiguar era um espaço voltado para atender os interno de forma material e espiritual. A presença
da igreja católica foi visualizada em diferentes momentos, como: na presença das irmãs de
caridade, na fundação da capela no interior do leprosário, na pratica cotidiana das missas e nos
eventos religiosos ocorridos dentro do isolamento.
Ao analisar os dados dos internos do Leprosário São Francisco de Assis, é importante
retratar que esses doentes apresentaram muitas outras doenças antes da internação, entre as quais
se destacam: impaludismo, sífilis, varíola, sarampo. Essas doenças também constituíam
preocupação por parte do governo e da classe médica.

2.3 As famílias isoladas do Rio Grande do Norte

A lepra era entendida como uma doença contagiosa transmitida através do contato
íntimo com indivíduos portadores do bacilo de Hansen e, para alguns médicos, transmitida
também por meio da picada de mosquitos infectados. O convívio com leprosos representava um
perigo constante aos indivíduos saudáveis e a proliferação de mais pessoas infectadas. Além
desse fator, muitos médicos também acreditavam que a lepra era uma doença hereditária.
Seguindo esse pensamento científico, vários integrantes da mesma família foram internados no
Leprosário São Francisco de Assis. A partir dos registros realizados durante o processo de
internação, foi possível refletir sobre os grupos familiares que entraram na instituição durante as
duas primeiras décadas de funcionamento do isolamento.
107

Entre os grupos familiares presentes nessa instituição estava a família Osório,


composta por três irmãos isolados: Antonio da Silva Osório, Alberto Osório da Silva e Guiomar
da Silva Osório. Eram filhos de Antonio Osório, português residente no Brasil desde 1915,
escafandrista, tendo aproximadamente cinquenta e sete anos de idade, e Bela Osório de quarenta
anos aproximadamente. Do casamento nasceram sete filhos: Alcides Osório, de vinte e seis anos,
que residia com a tia Isabel Vilar; Anita Osório, de vinte e cinco anos, casada com João Ferreira;
Bela Osório, de vinte e quatro anos, casada com Epaminondas Ferreira; Guiomar Osório, que
morava com a irmã Bela; Elgisa Osório, que morava com Anita, Alberto Osório e Antonio
Osório190.
Antonio Osório foi um dos primeiros irmãos internados, em dez de fevereiro de 1935,
aos vinte e três anos de idade, entrou no isolamento. Um dos poucos internos com instrução na
instituição, exercia a profissão de comerciante na cidade do Natal. Dos seus irmãos, tinha contato
íntimo com apenas dois, Guiomar e Alcides. O seu primeiro isolamento ocorreu na cidade do
Recife por dois anos. Após a saída da instituição, devido ao resultado negativo do teste
bacteriológico para o bacilo de Hansen, voltou para a cidade de Natal. Mesmo com o teste
laboratorial negativo, o doente ficava condicionado a exames e consultas periódicas, no ano de
1933 seu exame da mucosa nasal apontou a presença do bacilo da lepra, sendo internado no
leprosário de Recife e somente dois anos depois foi transferido para o Leprosário São Francisco
de Assis, no ano de 1935.
O segundo membro da família Osório internado foi Alberto Osório da Silva191,
internado aos nove anos de idade, em dez de novembro de 1935. O seu contágio ocorreu através
da convivência íntima com o seu irmão Antônio Osório da Silva, por dois meses, na casa onde
moravam na cidade de Natal. Seu mal iniciou no mesmo ano da sua internação, com manchas
eritematosas na nádega direita como principal sintoma.
A última doente da família a ser isolada foi Guiomar da Silva Osório192, solteira com
vinte e um anos de idade, foi internada em vinte e quatro de abril de 1936, um ano após a entrada
dos irmãos. Residia com a irmã Ana Osório da Silva e o seu esposo João Ferreira da Silva no
bairro do Alecrim, na cidade de Natal. Seus sintomas surgiram aproximadamente dois anos antes
da sua internação, apareceram-lhe manchas no tórax e nos membros inferiores.

190
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 209
191
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 220.
192
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 234.
108

Os três irmãos tiveram ingressos no Leprosário São Francisco de Assis de forma


diferente, a partir das datas de ingresso não é possível afirmar se ocuparam a mesma casa, já que
existiam casas para abrigar famílias ou internos solteiros em número de três a quatros doentes. O
que se sabe é que os irmãos também tiveram saídas da instituição de isolamento de forma
diferente. Guiomar e Alberto receberam alta hospitalar no início da década de 1940, já Antônio
Osório fugiu da instituição em vinte e cinco de maio de 1939.
O segundo grupo familiar isolado no Leprosário São Francisco de Assis foi a família
Fernandes, composta por Francisco Fernandes, Maria Francisca Fernandes e os filhos João
Fernandes e Manoel Fernandes. Francisco Fernandes Pereira foi o primeiro leproso a ser isolado
na instituição hospitalar, no entanto não foi possível identificar a história desse doente no
leprosário. O que consta nos registros médicos é que Francisco Fernandes faleceu no leprosário
aos quarenta e cinco anos, em seis de março de 1935. Do seu matrimônio com Maria Francisca
Fernandes nasceram cinco filhos: Galdino Fernandes, de dezenove anos; Regina Fernandes, de
dezesseis anos; João Fernandes, de quinze anos; Manoel Fernandes, de catorze anos; e Jorge
Fernandes de doze anos.
Maria Francisca193, viúva, sentiu os primeiros sintomas ainda no ano de 1923, ardor
na cabeça, queda dos supercílios, dormência nos pés e nas mãos, era doente de lepra há mais de
dez anos. Foi internada em onze de agosto de 1936. No momento da sua internação, dois filhos
também foram identificados como portadores do mal de Hansen, Jorge Fernandes e João
Fernandes. Ambos foram isolados no leprosário no mesmo momento da sua mãe. João
Fernandes194 entrou na instituição aos quinze anos de idade, exercia a função de agricultor em
Nova Cruz. Seus sintomas iniciais foram obstrução nasal, sensação de calor no corpo e manchas
na mão esquerda. Já Jorge Fernandes195 entrou na instituição com doze anos de idade, seus
sintomas iniciaram aproximadamente três anos antes, com um caroço no interior do nariz e queda
dos supercílios. A família Fernandes foi caracterizada com situação econômica de extrema
pobreza, o que me permite inferir que seus membros, ao serem recolhidos no leprosário, foram
separados a partir da organização estabilidade pela direção da instituição. Após dois anos no
isolamento, Maria Francisca foi transferida para a cidade de Bananeiras, na Paraíba, onde
residiam os seus familiares. Voltou a ser reinternada durante a década de 1940.

193
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 247.
194
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 248.
195
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 249.
109

O interno Jorge Fernandes fugiu do isolamento alguns meses após a transferência da


sua mãe e foi capturado na cidade da Paraíba, voltando a ser internado no isolamento potiguar em
1939196. Diferente do seu irmão, João Fernandes permaneceu na instituição de isolamento até a
década de 1950, quando atentou contra a própria vida. João Fernandes suicidou-se em dois de
julho de 1954, com sintomas de esquizofrenia, segundo relato médico197. A partir dos dados
presentes nos registros dessa família, observou-se que pais e filhos eram separados do convívio
íntimo e investigados pela polícia sanitária, tornando-se alvo das políticas médicas
segregacionistas. E mesmo aqueles que não eram isolados ao lado dos seus familiares eram
atingidos pelo estigma da lepra que assolava toda a família. Segundo Curi, “[...] Os filhos não
doentes nascidos nos asilos-colônias e aqueles que nesta situação se encontravam no momento do
isolamento dos pais, tinham da mesma forma suas vidas marcadas. Filhos de leprosos”198.
Também foi possível identificar relações familiares a partir da paciente Petronila
Maria Ferreira. Internada em nove de abril de 1935, aos trinta e três anos de idade, moradora de
Ponta Negra na cidade de Natal, realizava serviços domésticos na capital199. Os seus primeiros
sintomas datam de 1933, a partir da convivência intima com o seu marido por dois anos, o interno
Pedro Antônio Ferreira, notificado como portador da doença em 1929. As primeiras
manifestações do bacilo de Hansen no corpo de Petronila Maria Ferreira foram manchas e
infiltração na face. Do seu casamento com Pedro nasceram três filhos: João, com catorze anos,
Antônio, com sete anos, e Francisca, com oito anos. Os meninos viviam em Ponta Negra e
Francisca era interna do Orfanato Padre João Maria. Além dos três filhos, o casal tinha um
enteado, Manoel Pedro Ferreira, também leproso. A partir dos registros presentes na
documentação do isolamento, não foi possível obter mais informações sobre os caminhos que os
filhos de Petronila seguiram após o seu isolamento no leprosário, nem informações sobre o seu
marido.
Outra família isolada na instituição foi a composta por Maria Francisca de Araújo e
Bento Gomes de Oliveira. O leproso Bento de Oliveira foi o terceiro paciente isolado na
instituição, sua entrada ocorreu em quatro de outubro de 1926, aos vinte e oito anos de idade.

196
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 249.
197
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 248.
198
CURI, Luciano Marcos. “Defender os sãos e consolar os lázaros”: lepra e isolamento no Brasil (1935-1976).
2002, 231f. Dissertação (Departamento de História) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2002, p.
60.
199
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº212.
110

Faleceu em vinte e nove de abril de 1927.200 Natural da cidade de Macaíba, era casado com Maria
Francisca de Araújo, internada no leprosário em trinta e um de março de 1932. A família Gomes
Oliveira ainda teve dois filhos internados, Estevam Gomes de Oliveira e Maria Gomes de
Oliveira.201 No decorrer da pesquisa não foi possível investigar mais informações sobre os filhos
o casal leproso.
Entre os internos, destaca-se a história da paciente Luiza Francisca de Lima.202
Internada em quatro de outubro de 1930, como retratou a sua ficha clínica, foi isolada no dia que
irrompeu o movimento revolucionário no Estado. Somente no ano de 1936 seus exames médicos
foram realizados, permanecendo na instituição sem um diagnóstico médico positivo para a
presença da bactéria da lepra no organismo. Tendo convivido por mais de cinco anos com
leprosos, os seus sintomas antes inexistentes, começaram a ser visualizados no seu corpo, como a
queda dos pelos dos supercílios. Entre os seus comunicantes, identifiquei um filho leproso
isolado no Leprosário São Francisco de Assis, nomeado pelos médicos como ficha cento e
quarenta e dois, sem nome ou qualquer outra característica, apenas com o número do registro.
Essa forma de identificação dos pacientes ocorrida em instituições totais evidencia o que
Goffman203 denominou de mortificação do eu, ocorrida no momento da admissão dos indivíduos.
O doente perde o seu o nome em detrimento de um apelido, um nome genérico, um número.
Utilizando a prática da identificação dos doentes a partir do registro numérico na
ficha de admissão, posso inferir que Luiza Francisca de Lima e seu filho foram internados em
dias próximos, ou até no mesmo momento. Esse fato pode indicar que Luiza Francisca não era
suspeita de estar doente de lepra, mas foi isolada no leprosário para conviver com o seu filho.
Mesmo no processo de revisão médica, a paciente continuou não apresentando sintomas graves
da doença. Sobre o seu filho, no momento da pesquisa não foi possível obter mais informações,
Mas, foi possível verificar que Estevam Gomes de Oliveira e Luiza Francisca de Lima não
conviveram no isolamento, já que no momento da internação de Luiza Francisco Estevam Gomes
já tinha falecido.

200
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 03.
201
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº164.
202
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 141.
203
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974.
111

Outra família que viveu no Leprosário São Francisco de Assis foi a família Varela
Barca, que isolou três irmãos nessa instituição. O primeiro interno foi João Varela Barca 204,
internado aos cinquenta e oito anos de idade, casado, deu entrada na instituição em doze de
março de 1928. Sua doença iniciou no ano de 1925, com surgimento de úlceras e manchas no
corpo. Logo depois teve obstrução nasal com corisa. João Varela Barca conviveu por dois anos
com um irmão leproso, que tinha sintomas bem claros da doença. Seu exame bacteriológico foi
realizado em 1926 e sua internação ocorreu apenas dois após a notificação médica. Assim, posso
inferir que João Varela Barca era um doente notificado isolado no próprio domicílio, já que o
leprosário estava em processo de construção e o estado não possuía outro edifício para o
isolamento dos doentes.
A segunda a entrar no leprosário foi Adalgisa Varela Barca205, internada aos quinze
anos de idade, em doze de março de 1928, junto com o seu pai. Nascida em Ceará-Mirim,
solteira, a sua doença iniciou em 1921, com o aparecimento de manchas na perna esquerda,
aproximadamente aos onze anos de idade. Faleceu em vinte de agosto de 1929. Seu exame foi
realizado pelo Serviço de Profilaxia Rural no ano de 1924. Além desses dois internos, também foi
contaminada com o bacilo de Hansen Teresinha Varela Barca, filha de João Varela Barca e irmã
de Adagilsa Varela Barca.
Teresinha Varela Barca entrou no leprosário em seis de maio de 1936, aos dezoito
anos de idade, após alguns anos da entrada do seu pai e da sua irmã na instituição. Segundo o
relato presente nos seus registros, foi contaminada nos primeiros anos de vida, através do contato
com a irmã Adagilsa. Encontrava-se doente de lepra há mais ou menos onze anos, estando isolada
com senhora Adelaide Barros. Saiu do leprosário em primeiro de setembro de 1939, transferida
para o Recife206. A partir dos dados, inferi que os internos da família Varela Barca não se
encontraram na instituição devido as suas diferentes trajetórias.
Antonio Fernandes de Melo207 entrou no Leprosário São Francisco de Assis em
dezoito de dezembro de 1934, aos trinta e três anos de idade. Natural da Paraíba, era pequeno
agricultor, casado com Antonia Gonçalo de Melo. Seus pais eram Fernando Correia de Melo e
Ana Correia de Melo. Todos os seus familiares residiam em Bananeiras, na Paraíba. Seus

204
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 16.
205
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 17.
206
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 239.
207
CENTRO INTERNACIONAL DE LEPROLOGIA. Ficha Clínica nº 207.
112

primeiros sintomas surgiram ainda na Paraíba, a partir de junho de 1934, com manchas
eritematosas no pé esquerdo. Conviveu intimamente com o leproso Francisco Correia de Lira. A
partir da análise das fichas, é importante destacar que alguns pacientes eram transferidos entre os
isolamentos, como ocorreu com Antonio Fernandes de Melo. Até a conclusão deste trabalho, não
foi possível identificar o motivo das transferências dos internos, nem se fazia parte de uma
política de cooperação estabelecida entre os Estados.
A partir da análise dos internos presentes no Leprosário São Francisco de Assis,
observa-se que os doentes eram provenientes de diferentes cidades do Estado e que apresentaram
características próprias no momento da internação, na sua trajetória dentro do isolamento, na
aceitação de ser isolado. De forma geral, posso afirmar que os doentes isolados tinham como
perfil serem de origem pobre, com sintomas iniciais de dormência, infiltrações, manchas no
corpo e apresentavam testes bacteriológicos positivos para a presença da bactéria do bacilo de
Hansen. O grupo de internos do Leprosário São Francisco foi composto, na sua maioria, por
homens com idade entre trinta e quarenta anos, agricultores e casados. Também apresentaram
como elemento comum a convivência intima com indivíduos doentes, como pai ou irmãos e a
presença no extremo norte do país.
Os internos apresentavam características semelhantes no que diz respeito à descoberta
da doença no corpo, ao aparecimento dos sintomas, à chegada ao isolamento, ao tratamento
recebido pelos médicos. Contudo, cada interno teve uma trajetória única no isolamento,
compondo a história da instituição. É importante destacar que as transformações na estrutura
física do Leprosário São Francisco de Assis influenciaram a trajetória dos internos na instituição,
bem como as práticas médicas desenvolvidas pelos médicos. Assim, o próximo capítulo disserta
sobre as práticas médicas desenvolvidas no interior do isolamento, observando como ocorria o
diagnóstico inicial e o tratamento dos doentes pelos chamados doutores da ciência.
113

CAPÍTULO 3: AS PRÁTICAS MÉDICAS DESENVOLVIDAS NO LEPROSÁRIO SÃO


FRANCISCO DE ASSIS

A lepra, atualmente conhecida como Hanseníase, é caracterizada como uma doença


clinicamente curável. Seu tratamento é baseado na ingestão de antibióticos e no acompanhamento
médico dos doentes. Contudo, na primeira metade do século XX, a sua profilaxia foi tema de
debate entre os cientistas e médicos do mundo inteiro. Sem conhecimento sobre as formas de
transmissão e sobre o desenvolvimento da bactéria no organismo humano, as práticas de combate
a essa doença foram baseadas no isolamento compulsório dos doentes e na utilização de remédios
injetáveis, como o óleo de chaulmoogra.208 Essa prática médica de profilaxia perdurou no Brasil
até a década de 1940, momento do surgimento das sulfonas209. O uso desse composto químico
ocorreu através de por meio de experiências realizadas pelo médico Guy Faget no Leprosário de
Carville, na Louisiana, Estados Unidos. A descoberta das sulfonas marcou um novo período no
tratamento da lepra, a ação desse medicamento acabou com o contágio entre os indivíduos,
passando-se a questionar a validade do isolamento dos doentes em leprosários ou colônias. No
Brasil, o uso das sulfonas foi registrado apenas em 1946.
A prática médica ocorrida no Leprosário São Francisco de Assis seguiu os avanços da
medicina e da farmacêutica no tratamento contra a bactéria da lepra de acordo com as
características de cada período. Assim, indagações sobre como se caracterizou a prática médica
de combate à lepra no Leprosário São Francisco de Assis, nas suas primeiras décadas de
funcionamento, permearam nossas investigações. O objetivo deste capítulo é analisar o conjunto
de práticas médicas desenvolvidas no combate à lepra entre os anos de 1929 a 1941, período
anterior ao aparecimento dos compostos químicos no interior do leprosário do Rio Grande do
Norte. Busco, dessa maneira, responder as seguintes questões: quem eram os médicos
responsáveis pelo tratamento da lepra no Leprosário São Francisco de Assis? Como era realizado
o diagnóstico dos pacientes? Quais os exames, clínicos e químicos, realizados para confirmar a
suspeita da lepra? Após o diagnóstico inicial do doente, como ocorria o acompanhamento médico
do leproso na instituição? Quais os tipos de remédios utilizados no tratamento da bactéria?

208
Óleo volátil obtido das sementes de várias plantas originárias da Índia. As plantas conhecidas pela designação de
chaulmoogras pertencem à família das Flacourtiáceas.
209
Composto químico utilizado no tratamento de todas as formas da lepra, entre os seus componentes podemos citar
a Dapsona.
114

É importante demarcar que para o desenvolvimento deste capítulo utilizei os registros


produzidos pelos médicos presentes nas fichas clínicas dos pacientes. Assim, toda a análise da
prática médica desenvolvida no Leprosário São Francisco de Assis será apresentada do ponto de
vista da ação médica.

3.1 O doutor da ciência: Manoel Varella Santiago Sobrinho

Antes de dissertar sobre a prática médica desenvolvida no Leprosário São Francisco


de Assis, é importante compreender quem eram os indivíduos responsáveis pela profilaxia da
lepra nessa instituição. Analisar a trajetória profissional dos médicos, os grupos a que pertenciam,
sua formação profissional, o que os levou a atuar em um leprosário, são objetivos deste capítulo.
Entendemos que esses elementos compõem um conjunto importante de informações que
subsidiam a análise das práticas médicas realizadas no interior da instituição hospitalar.
Essa instituição, nas suas primeiras décadas de funcionamento, contou com o trabalho
de dois médicos potiguares, o Dr. Manoel Varella Santiago Sobrinho e o Dr. Silvino Lamartine
de Faria. Além da presença dos médicos, também destaco a atuação da Ordem Filhas de Santana.
Criada na Itália, a Ordem chegou ao Brasil em vinte e sete de outubro de mil oitocentos e
sessenta e seis, para atuar em Belém, no Hospital do Bom Jesus dos Pobres. Além do Rio Grande
do Norte, as religiosas atuaram em outros estados do Brasil, como Rio de Janeiro, Ceará, Minas
Gerais, São Paulo, Amazonas, Pernambuco, entre outros.
A Ordem Filhas de Santana chegou ao Rio Grande do Norte por meio do convite do
então Presidente do Estado, Alberto Maranhão, no ano de 1909, para atuar, inicialmente, na
administração do Hospital da Caridade Juvino Barreto. A presença das religiosas foi de grande
importância na administração interna do hospital, na responsabilidade das atividades burocráticas
e nas funções da enfermagem junto com os pacientes210. Dessa forma, podemos afirmar que as
Irmãs Filhas de Santana atuaram em todas as frentes do Hospital da Caridade Juvino Barreto.
Além de exercerem funções nesse hospital, elas também atuaram em outras instituições médicas
e de isolamento, como o Asilo da mendicidade, o Orfanato Padre João Maria e o Isolamento São
João de Deus.

210
SILVA, Rodrigo Otávio da. Sair curado para a vida e para o bem: diagramas, linhas e dispersões de força no
complexo nosoespacial do Hospital da Caridade Juvino Barreto (1909-1927). 2012. 121f. Dissertação (Mestrado em
História) – Departamento de História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012.
115

A presença do poder espiritual na administração das instituições médicas da capital


estava ligada a duas questões principais: a necessidade do aspecto espiritual na formação do
homem moderno e a ausência de recursos financeiros do Estado para manter as instituições
médicas. Assim, como as demais instituições, o Leprosário São Francisco de Assis contou com a
participação da Ordem Filhas de Santana. A presença das religiosas pode ser confirmada a partir
de duas edificações existentes no leprosário: a igreja e o bangalô para abrigo seguro das irmãs,
como demonstrou a matéria veiculada no jornal Diário de Pernambuco sobre a atuação do Estado
do Rio Grande do Norte no atendimento aos leprosos. Segundo o articulista do referido jornal, o
Monsenhor Alfredo Pegado, administrador diocesano, lançou a benção da Igreja sobre a pedra
fundamental da capela e apresentou a importância dessa edificação: “[...] em expressivo discurso,
applaudiu a iniciativa da construção do pequenino templo onde, os que se encontravam afastados
do convívio social por uma lei imperiosa, iriam ter, de futuro, a assistência espiritual que a
religião catholica tão bem sabe proporcionar ”211.
Já o Jornal do Commercio do Estado do Amazonas, de doze de outubro de 1930,
apresentou as edificações realizadas no Leprosário São Francisco de Assis, entre elas o bangalô
para o abrigo das irmãs de caridade. A coluna apresentou as obras: “[...] Além da escola, será
dada a benção pelo bispo D. Marcolino Dantas ao bungalow destinado a residência das irmãs de
caridade, sob cuja direccção tem de ficar os negócios internos do leprosário”212.
A partir desses elementos, pode-se inferir que, assim como atuaram na administração
de outras intuições médicas e de isolamento, as irmãs da Ordem Filhas de Santana também
assumiram as funções administrativas do Leprosário São Francisco de Assis, contribuindo na
organização e no tratamento dos doentes. Contudo, é importante destacar que, como demonstrou
a matéria do referido jornal, a presença física das irmãs na instituição de isolamento somente
ocorreu no ano de 1930, após a inauguração oficial da instituição. Assim, nos seus primeiros
anos de funcionamento, o Leprosário São Francisco de Assis não contava com uma organização
administrativa estruturada. A organização e a administração da instituição ficaram a cargo do
médico Manoel Varella Santiago Sobrinho.
Idealizador, médico e diretor do leprosário, Varella Santiago foi uma importante
figura na política de profilaxia da lepra no estado. Na memória da cidade, sua imagem foi

211
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, 04 de junho de 1929, p. 2.
212
DIÁRIO DO COMMERCIO, Amazonas, 12 de outubro de 1930.
116

cristalizada como grande benfeitor e pioneiro na área da saúde infantil e da educação feminina,
contudo, posso afirmar que a participação do Dr. Varella Santiago na saúde potiguar vai além das
fronteiras da saúde infantil e feminina. Ele interferiu no processo de organização dos diversos
serviços de saúde, na educação sanitária da capital e em especial nas práticas de cura da lepra no
Estado.
Nascido em vinte e oito de abril de 1885, no Engenho Boa Vista (atual município de
Touros), Dr. Manoel Varella Santiago Sobrinho era filho de Cândido Varella Xavier e Rita
Gomes da Costa. Seu pai adicionou o sobrenome Varella Santiago em todos os filhos. Candido
Varella Xavier (pai de Varella Santiago Sobrinho) era filho de Candido Xavier Varella e
Joaquina Ferreira Nobre, tinha como irmãos Joaquim Xavier Varella (que depois se tornou
Joaquim Varella Buriti) e Francisco Xavier Varella. Após a morte do seu esposo, Joaquina casou
com Manoel Varella Santiago, irmão do Barão de Ceará-Mirim. Do seu primeiro casamento com
Margarida Teixeira do Amaral, nasceu o General João da Fonseca Varella, herói da Guerra do
Paraguai.
O nome do Dr. Manoel Varella Santiago Sobrinho foi dado pelo seu pai em
homenagem ao seu padrasto, Manoel Varella Santiago. Dessa forma, podemos afirmar que
Manoel Varella Santiago Sobrinho pertencia a uma família influente do Estado.
Manoel Varella Santiago cursou Humanidades na Escola Atheneu Norte-rio-
grandense e cursou medicina, inicialmente, na Faculdade de Medicina da Bahia e no quarto ano,
transferiu-se para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1906. Diplomado em medicina
no ano de 1910, na faculdade do Rio de Janeiro, defendeu a tese Estudo Clínico das Paralisias
Consequentes à Sífilis Cerebral213. Depois de formado, o médico Varella Santiago continuou
seus estudos na Europa, regressando a Natal após alguns anos, inserindo-se no quadro médico da
capital e nos serviços sanitários do Estado, onde durante vários anos. Em 1928, casou com Maria
de Lourdes Lamartine Varella, filha do então Presidente do Estado, Juvenal Lamartine de Faria.
Varella Santiago faleceu em Natal, em quinze de junho de 1997, aos noventa e dois anos de
idade.
Varella Santiago atuou como médico na capital durante várias décadas, assumindo
diferentes cargos e funções. Entre as funções exercidas no Estado, destaco: Diretor do Hospital
dos Alienados, médico do Grupo de Escoteiros do Alecrim, médico da Caixa Escolar do Grupo

213
JORNAL DO COMMERCIO, Rio de Janeiro, 06 de janeiro de 1910.
117

Frei Miguelinho, fundador e diretor do Serviço de Proteção à Infância, Professor de Puericultura


da Escola Doméstica, Diretor do Departamento de Saúde Pública nos governos de José Augusto
de Medeiros e Juvenal Lamartine, diretor e médico do Leprosário São Francisco de Assis,
presidente da Sociedade de Proteção aos Lázaros, idealizador do Educandário Oswaldo Cruz,
presidente de honra da Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental214.
Como retratado, o Dr. Varella Santiago Sobrinho cursou medicina no início do século
XX, a princípio na Faculdade da Bahia e logo depois na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro. Nesse período, a ciência médica se fortalecia enquanto saber, novos padrões científicos
eram estabelecidos e se solidificava a ideia do médico como o cientista do corpo. O curso de
medicina da Faculdade da Bahia foi organizado pelo Decreto n° 3.890, de primeiro de janeiro de
1901. Esse documento estabeleceu novas cadeiras, como a física médica, a química médica, e
criou a cadeira de bacteriologia215.
O ensino médico, no início do século XX, tinha grande influência europeia, sobretudo
das escolas da França e da Alemanha, que tinham na sua base científica as ideias do darwinismo
biológico, o positivismo francês e o materialismo alemão. As Faculdades de medicina, tanto do
Rio de Janeiro como da Bahia, eram caracterizadas pelo ensino livresco e teórico. Somente com a
influência da escola americana, a prática médica hospitalar tornou-se mais presente no ensino
médico. Grande parte da mudança nesse ensino ocorreu com o crescimento das descobertas
científicas procedentes das teorias de Robert Koch, do micro-organismo causador da cólera, e de
Louis Pasteur, de sua teoria dos germes nas doenças infecciosas. Com essas descobertas, as ações
e pesquisas médicas centralizaram na natureza biológica da doença.216 Foi nesse cenário
científico que o médico Dr. Varella Santiago foi formado, no processo das mudanças científicas,
do novo papel do médico na sociedade e com a entrada da importância da natureza biológica da
doença como fonte principal de profilaxia.
Antes de se tornar diretor do Leprosário São Francisco de Assis, Varella Santiago
atuou como médico da Caixa Escolar do Grupo Frei Miguelinho. A caixa escolar foi uma
214
Informações obtidas a partir de um conjunto de fontes, como jornais, livros e sites, que retratam a atuação do Dr.
Manoel Varella Santiago no Estado.
215
Decreto publicado pelo Presidente da República Campos Salles e referendado pelo Ministro da Justiça e Negócios
Interiores, Epitácio Pessoa, deu novo código aos institutos oficiais de ensino superior e secundário, ligados àquela
pasta. Seguido do Decreto nº 3.902, de 12/01/1901, estabeleceu-se novo regulamento para as faculdades de medicina,
que voltaram a ser denominadas Faculdade de Medicina da Bahia e Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
216
ROCHA, Glória Walkyria de Fátima. A Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro:
da Praia Vermelha à Ilha do Fundão: o sentido da mudança. Rio de Janeiro, 2003. Tese (Doutorado em Educação) –
Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2003, p. 263.
118

organização presente em diversas instituições de ensino no Rio Grande do Norte durante o


governo de Joaquim Ferreira Chaves, instituída a partir da Lei n. 405, de vinte e nove de
novembro de mil novecentos e dezesseis. Entre as escolas que possuíam essa organização,
podemos destacar os grupos escolares Augusto Severo, Frei Miguelinho, Auta de Souza, Pedro
Velho, Tenente Coronel José Correia, entre outras.217
O médico do grupo escolar tinha diferentes funções, como o atendimento das crianças
que frequentavam a escola e a manutenção das principais noções de higiene e moral. O jornal
Diário de Pernambuco, de dezenove de maio de mil novecentos e dezessete, noticiou uma
cirurgia realizada por Varella Santiago em uma aluna do Grupo Escolar Frei Miguelinho: “O dr.
Varella Santiago, médico da cooperativa do grupo escolar Frei Miguelinho operou no dia três do
corrente, a alunna Maria Lins, atacada de amydalitomia dupla”218. No mesmo jornal, em oito de
dezembro de mil novecentos e dezessete, foi apresentada a atuação do médico como orientador
dos preceitos de higiene: “O dr. Varella fará mensalmente uma preleção sobre noções de hygiene
perante os alunnos do Grupo”219.
Ainda como médico do Grupo Escolar Frei Miguelinho, Varella Santiago também
interferiu na organização do edifício. O Jornal Diário de Pernambuco, de trinta de agosto de mil
novecentos e dezessete, relatou a visita do médico pelo interior do edifício escolar e as alterações
propostas na infraestrutura do Grupo Escolar, entre elas, modificações no abastecimento da água
filtrada. Varella Santiago recomendou a instalação do filtro Chamberland, de 60 litros da água.220
A atuação do médico no Grupo Escolar Frei Miguelinho, interferindo na acomodação do espaço
físico e nos elementos sanitários da escola, demonstrou a ideia de modernidade que Varella
Santiago seguia. Ao realizar preleções sobre os novos hábitos que os alunos deveriam seguir e
formar os novos cidadãos potiguares com base nas ideias de higiene, Varella concordava com a
ideia de que era necessário educar os futuros cidadãos para concretizar os anseios de um país
saudável e moderno.
A presença da necessidade de instalação de um filtro de água Chamberland221
enfatizava que a classe médica potiguar seguia as ideias de que a água poderia ser uma

217
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife, 08 de dezembro de 1917.
218
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife, 19 de maio de 1917.
219
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife, 08 de dezembro de 1917.
220
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife, 30 de agosto de 1917.
221
O filtro Chamberland foi criado por Pasteur. A partir de vários experimentos, descobriu que esse filtro não
permitia a passagem do vírus da febre amarela presente na água para o organismo humano.
119

transmissora de bactérias e, consequentemente, de doenças. Esse tipo de recomendação era


símbolo da modernidade e dos novos preceitos higiênicos presentes nas escolas e na cidade.
As orientações sobre a moral e a higiene que as crianças deveriam seguir também
foram apontadas nos boletins de instrução mensal distribuídos entre as crianças do bairro do
Alecrim produzidos pelo Grupo Escolar Frei Miguelinho. Esses boletins consistiam em
orientações das práticas de civismo, moral e higiene. O Boletim de Instrução produzido em
março de mil novecentos e dezoito abordou o tabagismo. O médico Varella Santiago discorreu
sobre o uso do fumo em práticas medicinais e as consequências maléficas do seu uso na saúde do
indivíduo, tanto da folha do fumo, como o próprio cigarro.
Ao retratar o uso do fumo entre os indivíduos, o médico resgatava a historicidade
desse hábito, os estudos sobre a interferência do uso do fumo para a saúde dos homens, das
crianças e das mulheres, apoiado nos estudos europeus realizados em animais. As suas
inquirições eram baseadas em números e porcentagem dos malefícios causados no organismo
humano. Ficava evidente que ao produzir esses dados, Varella Santiago demonstrava que a
Europa era o centro científico que deveria ser seguido pelo Brasil, como também ficava evidente
a utilização da cientificidade na prática médica demonstrada na exatidão dos dados numéricos e
nas porcentagens.
A cientificidade das ideias do médico Varella Santiago também foi apresentada ao
condenar o uso das folhas de fumo como prática de cura. O médico afirma: “O habito de mascar,
além de indicar falta de asseio e de educação, é o que maiores prejuízos trazem ao organismo. É
formal e absolutamente contraindicado o emprego da fumaça ou do sarro na cura das dôres de
dente, sobretudo si se tratar de uma creança”222. A partir do texto do médico presente no referido
boletim, pode-se inferir que a população potiguar tinha o hábito de utilizar o fumo, a sua fumaça
e as suas folhas, para tratar diferentes doenças como: coriza, resfriado, dor de dente e
embriaguez. Varella enquadrou essas práticas de cura como falta de asseio e educação da
população e condenou todos os usos do fumo, principalmente em crianças. Assim, as práticas de
curandeirismo deveriam ser abolidas do cotidiano da população potiguar e novas práticas,
baseadas na cientificidade e na medicina moderna de higiene, deveriam ser seguidas.

222
SANTIAGO, Varella. Tabagismo. Boletim de Instrução. Conselho da Caixa Escolar Grupo Frei Miguelinho,
Natal, v. 74, n. 02 março, 1918.
120

Ainda de acordo com o Boletim de Instrução publicado pelo Grupo Escolar Frei
Miguelinho, a prática de fumar era utilizada pela população potiguar como forma de distração e
de inspiração de bons pensamentos, ajudando a suavizar o espírito e a alma. No entanto, o Dr.
Varella Santiago discorreu que não são as nuvens de fumaça que suavizam o espírito, e sim as
músicas, as diversões, os jogos, os conselhos dos sensatos, as palavras de conforto dos parentes e
amigos.223 A partir das ideias apresentadas pelo médico, foi possível observar que foram citados
vários elementos inseridos no cotidiano com base nos ideais de modernidade, como as músicas,
os jogos, elementos que contribuiriam para formar um homem mais saudável e educado. O
médico Varella Santiago defendia a formação do novo indivíduo baseado nos bons hábitos
higiênicos, sobretudo ensinados às crianças.
Segundo Varella Santiago, as crianças tinham um papel importante na consolidação
dos hábitos de higiene. Ele afirmava:

as creanças de hoje devem formar uma verdadeira cruzada contra todos os


vícios, para que amanhã, menos doentes e mais felizes que nós outros, possam,
com mais segurança, concorrer para o saneamento dos habitos sociaes e o vigor
physico e moral das gerações futuras224.

O médico defendia o projeto nacional político de formação de novos cidadãos a partir


da educação das crianças e dos jovens. O Boletim de Instrução expressou na sua capa de abertura
o projeto político de formação dos jovens que era seguido na cidade: “Creanças – aprendei tudo
quanto aqui vos ensinamos e vos sereis felizes na vossa vida tão necessária a pátria e a
família”225.
A atuação de Varella Santiago junto ao Grupo escolar Frei Miguelinho não ficou
restrita às preleções de higiene, ele também trabalhou formando novos profissionais da saúde por
meio de cursos de enfermagem e de práticas médicas elementares. O Jornal Diário de
Pernambuco, de oito de dezembro de mil novecentos e dezessete, noticiou o curso de enfermaria
para os escoteiros do Alecrim dirigido pelo médico Varella Santiago 226. Já a matéria do mesmo

223
SANTIAGO, Varella. Tabagismo. Boletim de Instrução. Conselho da Caixa Escolar Grupo Frei Miguelinho,
Natal, v. 74, n. 02, março, 1918.
224
SANTIAGO, Varella. Tabagismo. Boletim de Instrução. Conselho da Caixa Escolar Grupo Frei Miguelinho,
Natal, v. 74, n. 02, março, 1918.
225
SANTIAGO, Varella. Tabagismo. Boletim de Instrução. Conselho da Caixa Escolar Grupo Frei Miguelinho,
Natal, v. 74, n. 02, março, 1918.
226
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife, 08 de dezembro de 1917.
121

jornal, de treze de outubro de mil novecentos e dezoito, retratou a oferta de Curso Elementar de
Medicina Prática:
O dr. Varella Santiago iniciou quarta-feira, entre os aluno maiores do curso
elementar do grupo escolar Frei Miguelinho um curso de – medicina prática –
com uma preleção sobre a technologia das injeções, fazendo mesmo a
applicação de uma em uma aos alunos para melhor concretisar sua palavras. O
ilustre facultativo vae continuar esse curso com todo o interesse, pois o
considera de maior vantagem para os alunnos do referido grupo227.

O Curso Elementar de Medicina Prática ministrado pelo Dr. Varella Santiago aos
alunos do Grupo Escolar Frei Miguelinho indicava o objetivo do médico: a formação de jovens
com instrução para atuar no campo da saúde baseada nos preceitos científicos, higiênicos e
modernos, como o uso das injeções. A matéria do jornal Diário de Pernambuco apresentou o uso
das injeções como uma tecnologia, evidenciando que o uso desse material era uma prática que
ainda estava sendo difundida e utilizada nesse período no Brasil. Além da utilização das mais
modernas práticas de medicina, o ensino médico proposto por Varella Santiago era caracterizado
pela ação prática, já que a aprendizagem se realizava por meio da aplicação prática dos
ensinamentos nos próprios alunos. Apesar de ter sido formado em uma escola teórica e livresca,
Varella Santiago seguia outra concepção do ensino médico, baseado na prática e no
conhecimento dos novos métodos e de novas práticas medicinais.
A primeira notícia do médico Varella Santiago Sobrinho junto aos órgãos públicos foi
datada de mil novecentos e dezesseis como médico do Isolamento da Piedade. Essa foi a primeira
atuação do médico, segundo as fontes documentais que foram acessadas, em instituições
higiênicas de cunho isolacionista. No ano de mil novecentos e dezessete, era o Diretor do
Isolamento de Tuberculosos e Alienados, como demonstrou o jornal Diário de Pernambuco, de
vinte e três de agosto de mil novecentos e dezessete, na coluna Diário no Rio Grande do Norte:
“A bordo do paquete Ceara regressou do Rio de Janeiro, o ilustre dr. Manoel Varella Santiago,
director dos isolamentos de tuberculosos e alienados”228.
O jornal de Diário de Pernambuco do ano de mil novecentos e vinte e três, ao
apresentar a visita do Dr. Dioclécio Duarte em diferentes instituições da capital potiguar,
evidenciou o Isolamento da Piedade, a sua boa estrutura e a importância da aplicação da ciência
médica moderna no tratamento dos doentes mentais. Ainda segundo as impressões do Dr.

227
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife, 13 de outubro de 1918.
228
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife. 23 de agosto de 1917.
122

Dioclécio Duarte apresentadas no jornal Diário de Pernambuco, foi enaltecida a atuação do


médico Varella Santiago à frente desse isolamento potiguar:
Na nossa visita, antes de penetrar no Isolamento, logo se destaca dando um
suave conforto o jardim lindamente cuidado por alguns loucos menos furiosos.
Activos, trabalhadores, os pobres jardineiros contemplam apaixonadamente as
flores perfumadas. No interior vi as mulheres em períodos lúcidos trabalhando
nas almofadas em rendas de um gosto simples e muito bonito. Assim se
observam no Isolamento da Piedade, os processos adoptados nos
estabelecimentos desse gênero que existem nos centros mais cultos. Ainda
retrata a boa atuação do médico Varella Santiago e afirma que espera os
melhores resultados229.

O Isolamento da Piedade, segundo as impressões do Dr. Dioclécio Duarte,


apresentava os mais modernos elementos científicos, desde a arquitetura do edifício até as
práticas médicas realizadas. Entre os elementos destacados pela visita do Dr. Dioclécio Duarte,
estava a presença do jardim, que constituía um dos elementos implantados pelas novas ideias
médicas. O jardim era entendido como um lugar que associava a instituição de isolamento ao
conforto familiar, elevando o bem-estar dos doentes e a semelhança com o ambiente da casa e da
família. A presença do jardim também contribuía para a aeração dos ventos e a melhoria
higiênica do local. Outro elemento importante presente nessa instituição era o desenvolvimento
de atividades realizadas pelos internos, no jardim e na produção de materiais artesanais. A prática
de inserir os internos em atividades e trabalhos diversos fazia os doentes se sentirem ativos e
participantes da própria instituição, quebrando a ideia de isolamento que essas instituições
haviam adquirido. Assim, posso inferir que o médico Varella Santiago implantou no Isolamento
da Piedade elementos modernos, buscando a cura do doente, e não apenas a sua exclusão da
sociedade.
Além de médico do Grupo Escolar Frei Miguelinho, o Dr. Varella Santiago também
atuou como professor na Escola Doméstica de Natal, ministrando a disciplina de Puericultura230,
no ano de 1919. Curso fundado e idealizado pelo próprio médico, o programa de estudo dessa
disciplina compreendia toda a vida da criança – desde o seu nascimento até os primeiros anos da
infância. O curso era composto dos seguintes conhecimentos: os principais cuidados médicos e
higiênicos aos recém-nascidos, como o peso, a temperatura, a amamentação, os primeiros

229
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário do Rio Grande do Norte, Recife, 23 de fevereiro de 1918, p. 2.
230
Ciência que reúne todas as noções, de fisiologia, higiene e sociologia, suscetíveis de favorecer o desenvolvimento
físico e psíquico das crianças. Mesmo sendo conhecida por tratar dos bebês durante o nascimento e primeiros meses
de vida, a puericultura também é responsável pelo tratamento pré-natal ou pré-concepcional.
123

alimentos; Os cuidados com os objetos que os bebês teriam contato, como o berço e as roupas; A
higiene do corpo físico, como pele, dentes, boca, nariz, garganta, olhos e ouvido e a nova máxima
da saúde, a vacinação das crianças que entrava no rol das práticas médicas e higiênicas. 231 A
formação das mães constituía um dos principais elementos a serem implantados, tanto na política
nacional, como na sociedade potiguar. O Rio Grande do Norte, assim como as demais capitais do
Brasil, acumulava dados alarmantes da mortalidade infantil. Entre os principais motivos dos
números elevados proclamados pelo saber médico, estavam a falta de higiene e o conhecimento
das mães sobre a saúde das crianças. Nesse sentido, a ação das políticas públicas se direcionava
para as mães, pois era necessário educar as novas mães para formar uma nação saudável e
moderna.
Entre os principais pensadores sobre a saúde das crianças, estava o Dr. Moncorvo
Filho, diretor do Instituto de Proteção à Infância do Rio de Janeiro. Para esse médico, as mães
tinham um novo papel na sociedade moderna que se instaurava, eram as responsáveis pela
disseminação das práticas médicas científicas relacionadas à saúde das crianças, as responsáveis
pelo aleitamento natural e pela realização dos exames dos nutrizes. Todos os saberes populares
dos chás, das crendices e das simpatias deveriam ser abandonados pelas mães no combate às
moléstias infantis232. As ideias defendidas pelo médico Dr. Moncorvo Filho eram seguida pelos
médicos e as autoridades potiguares. A mensagem do presidente do Estado do ano de 1915
relatou a importância da educação higiênica das mães para a manutenção da saúde das crianças e
a redução da mortalidade infantil no Estado.
Sobre a mortalidade infantil, a mensagem exalta a falta do conhecimento sobre as
práticas higiênicas cientificas: “entre outras causas, a ignorância dos preceitos aconselhados pela
hygiene infantil, que deveriam ser, intensa e extensamente, propagados no seio das classes
sociaes, especialmente da classe pobre”233.
Essas duas ideias – da necessidade de formação do novo modelo de mãe e da
necessidade de se voltar para os cuidados com a saúde infantil – influenciaram fortemente o Dr.

231
CARVALHO, Denis Barros. A cidade e a alma reinventadas: modernização urbana e a consolidação acadêmica
e profissional da Psicologia na Cidade de Natal – Rio Grande do Norte. Dissertação (Mestrado em Psicologia) –
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2001.
232
MONTEIRO, Helena Rego. A medicalização da vida escolar. 2006. 100f. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. p. 39.
233
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo na abertura da terceira sessão da
oitava legislatura, em 01 de novembro de 1915, pelo governador Desembargador Joaquim Ferreira Chaves. Natal:
Typ. d'A República, 1915. p. 12.
124

Varella Santiago, tanto na formação do curso de puericultura na Escola Doméstica (já que
durante vários anos foi o único responsável por essa disciplina), como na construção e direção do
Instituto de Proteção à Infância no Estado. Essa instituição, exclusivamente infantil, era presente
em diversos estados do país e tinha como objetivo contribuir para a saúde das crianças
intrauterina e nos seus primeiros anos de vida.
A primeira instituição de proteção à infância foi criada no Rio de Janeiro, em fins do
século XIX, e dirigida pelo Dr. Moncorvo Filho. A ação desse médico foi decisiva para a criação
do Instituto de Proteção à Infância em Natal, uma vez que o seu funcionamento foi vinculado ao
Instituto de Proteção à Infância presente no Rio de Janeiro. Para dirigir a instituição, o Dr.
Moncorvo Filho convidou o médico Varella Santiago Sobrinho, como mostra o jornal Diário de
Pernambuco do ano de 1917:

O dr. Varella Santiago, illustre clinico nesta cidade, recebeu um officio do dr.
Moncorvo Filho, director fundador do Instituto de Protecção e Assistencia à
Infancia do Rio de Janeiro, pedindo-lhe, em nome do Conselho administrativo
daquela grande e humanitária instituição, para tomar a si a empreitada de fundar
nesta cidade uma filial do mesmo Instituto234.

A necessidade de espaços que representassem a higiene era propagada pelo discurso


médico e proclamada para a população como um ato de benfeitoria. O grande benfeitor dessa
ação era o médico Varella Santiago, que realizou todas as ações possíveis para a instalação dessa
instituição tão necessária para a saúde potiguar e das crianças, como retratou o jornal Diário de
Pernambuco do ano de 1917:

[...] o dr. Varella Santiago acceitando esta honradíssima incumbência, começou


a agir immediatamente, e já arranjou casa, onde brevemente, será installada,
nesta cidade a sucursal do instituto do Rio. Os recursos para custear esse serviço,
altamente social e humanitário, o dr. Varella ainda os não tem, porém não o
faltarão, porque não haverá um só rio-grandense que recuse o seu concurso para
salvar a vida a milhares de crianças que se têm até hoje abandonado235.

A partir da instalação do Instituto de Proteção à Infância, o médico Varella Santiago


passou a fazer parte, nesse início do século XX, de um grupo de médicos potiguares que defendia
os novos preceitos higiênicos e uma prática médica moderna. A partir das ações de Varella

234
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário no Rio Grande do Norte, Recife, 01 de setembro de 1917, p. 2.
235
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Coluna O diário no Rio Grande do Norte, Recife, 01 de setembro de 1917, p. 2.
125

Santiago a frente do Instituto de Proteção à Infância a sua imagem foi construída como a de um
homem caridoso e benfeitor. O jornal A República, de onze de julho de 1921, na coluna Aspectos
Urbanos, assinada pelo jornalista J. Gobat, descreveu o dia do médico no Instituto de Proteção à
Infância. Na sua crônica, Varella Santiago foi apresentado como generoso e abnegado, protetor
das crianças pobres, homem de dadivoso coração e de infatigável labor na assistência à
infância.236 O jornalista apresentou as suas impressões sobre a visita que realizou ao hospital
como: “Custa a discernir-se o que alli mais prende a admiração si o quadro dos bambinos
enfermos e tristes – syntheses hereditárias de progenitoes morbesos –, si o ato carinhoso e
edificante com que o esculápio vae passando os males com o condão mágico da sua sciencia”237.
Ainda afirmou que:

[...] as mães que estariam sendo atendidas pelo instituto pareciam está dizendo?
Bendito vós que nesta época de egoísmo implacáveis espalhaes a mancheias a
semente espiritual da piedade. [...] tem as bênçãos reconhecidas dessas mães
anonymas que foram por elle e seu ilustre collega de crusada o dr. Paulo de
Abreu, a quem a velhice não diminuiu o fogo sagrado do enthusiasmo pelas
ideias generosas.

A partir da sua atuação na capital, Varella Santiago vai se consolidando no Estado


como o médico das crianças e da saúde infantil. A sua atuação à frente do Instituto de Proteção à
Infância o levou a participar do primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, ocorrido no
Rio de Janeiro, em vinte de agosto de mil novecentos e vinte dois. Segundo o jornal Correio da
Manhã, de trinta de agosto de mil novecentos e vinte e dois, o médico Varella apresentou o seu
trabalho, O primeiro ano da policlínica de creanças, do Instituto de Proteção e Assistência a
Infância do Rio Grande do Norte, no quarto dia do congresso, na sessão de número dois,
intitulada Assistência.238 Dessa forma, o trabalho desenvolvido com as crianças potiguares
representava a adoção da política pública sanitária nacional no Estado.
Varella Santiago continuou atuando em diferentes frentes na sociedade potiguar,
mesmo dirigindo o Instituto de Proteção à Infância, continuou a ser médico do Grupo Escolar
Frei Miguelinho239 e passou a ser membro da inspeção médico-escolar a partir do ano de 1923,

236
A REPÚBLICA, Coluna Aspectos Urbanos, Natal, 11 de julho de 1921.
237
A REPÚBLICA, Coluna Aspectos Urbanos, Natal, 11 de julho de 1921.
238
CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro, de 30 de agosto de 1922.
239
DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife, 22 de fevereiro de 1920; A REPÚBLICA, Natal, 30 de junho de 1921.
126

juntamente com Dr. Alfredo Lyra e Octavio Varella240. Essa comissão vistoriava os prédios
escolares, observando o estado sanitário do edifício e das crianças que a compunham.241
A inspeção médico-escolar também atuava na composição das juntas médicas
referentes aos professores.242
A partir do ano de 1924, Varella Santiago passou a influenciar de forma mais ativa na
condução da saúde potiguar, ocupou o cargo de Diretor do Departamento de Saúde Pública do
Estado, durante o Governo de José Augusto Bezerra de Medeiros e logo depois no Governo de
Juvenal Lamartine243. A partir de então, os serviços de saúde sofreram transformações na
estrutura administrativa, as antigas Inspetorias de Hygiene deram lugar aos Departamentos de
Saúde Pública estaduais. No Rio Grande do Norte, a Inspetoria de Higiene teve como diretores o
Dr. José Calistrano Carrilho de Vasconcelos e o Dr. Octavio Varella, que passou a atuar como
médico no Hospital da Caridade Juvino Barreto.
O Jornal A Província, de primeiro de janeiro de 1924, relatou a posse do Presidente
do Estado José Augusto Bezerra de Medeiros, e as suas modificações na estrutura administrativa
do Estado. Relatou entre as transformações a presença do Dr. Varella Santiago no cargo de
Diretor de Saúde do Estado, considerando-o: [...] um novo período governamental em que tudo
quanto seja possível será operado em beneficio do progresso deste visinho Estado. Já o primeiro
ato desse governante aspira aplausos sobre as nomeações de diretores, entre eles o Dr. Varella
Santiago”244.
Ainda sobre a posse do Presidente do Estado José Augusto Bezerra de Medeiros e
suas medidas de remodelação realizadas no Rio Grande do Norte, o jornal O País, de vinte e um
de novembro de 1924, apresentou os problemas enfrentados pelos estados da federação, em
especial os estados do nordeste, no que diz respeito à falta de cuidado dos gestores no
enfrentamento das dificuldades higiênicas e financeiras. Para o colunista do jornal O País,

240
A inspeção médica foi criada pelo decreto em nove de maio e regulamentada pelo decreto dezesseis de maio de
1923, durante a gestão do Governador Antonio José de Mello e Souza.
241
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da terceira sessão da
undécima legislatura, em 01 de novembro de 1923, pelo governador Antonio J. de Mello e Souza. Natal: Typ
Commercial,1923, p. 9.
242
A REPÚBLICA, Natal, 17 de janeiro de 1923; A REPÚBLICA, Natal, 31 de janeiro de 1923.
243
RIO GRANDE DO NORTE, Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da primeira sessão da
décima segunda legislatura, em primeiro de novembro de 1924, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros.
Natal: Typ d’A República, 1924. Nessa mensagem o governador José Augusto de Bezerra Medeiros retrata pela
primeira vez a denominação Departamento de Saúde Pública e as funções referentes a essa divisão.
244
A PROVÍNCIA, São Paulo, 01de janeiro de 1924.
127

Honorio Carrilho, o Rio Grande do Norte, diferentemente dos demais estados, contava com uma
boa atuação do Presidente do Estado José Augusto Bezerra de Medeiros. Este foi apresentado
pelo jornalista como:
[...] moço e cheio de aspirações, com um espírito culto e bem orientado, logo
depois de assumir a suprema direcção do Estado reorganizou em bases mais
amplas e consentâneas com as suas necessidades do serviço público, os vários
departamentos da administração. Remodelou, entre outros, os departamentos da
instrução, hygiene e obras públicas, collocando a frente de suas gestões homens
de reconhecida capacidade irrecobrável idoneidade moral, como são,
innegavelmente, os Drs. Varella Santiago, Nestor Lima e Antidio Guerra 245.

E continuou afirmando: “O Dr. José Augusto, intelligente e bem intencionado,


desejando servir a sua terra, servindo e prestigiando, ao mesmo tempo, a República [...]”246. A
partir do relato do colunista Honorio Carrilho, José Augusto Bezerra de Medeiros foi descrito
como um homem culto e orientado no caminho das novas ideias modernas a serem aplicadas no
Estado. Sua atitude de remodelação das instituições sanitárias e dos elementos físicos presentes
na cidade era um dever a ser seguido em todos os estados do Brasil. A sua administração, a partir
do relato descrito acima, foi entendida como moderna que objetivava seguir os novos preceitos
republicanos, construir homens saudáveis e civilizados.
Diante do desejo do Presidente do Estado de implantar uma administração baseada no
processo de modernização das ações públicas era necessário possuir uma equipe que também
exprimisse essa ideia. Os novos administradores, entre eles o médico Varella Santiago, eram
homens de reconhecida capacidade científica, excelente reputação moral e aptos para a
implantação das novas ideias modernas. Dessa forma, o médico Varella Santiago era visto na
cidade como homem competente e precursor das ideias higiênicas e modernas proclamadas no
naquele período.
A nomeação do médico Varella Santiago para a diretoria do Departamento de Saúde
Pública pode ser entendida a partir da sua atuação frente às ações educacionais, na Escola
Doméstica e no grupo escolar Frei Miguelinho; e médicas, dirigindo o Instituto de Proteção à
Infância, instituição reconhecida pelo seu caráter moderno e filantrópico; e de suas relações
mantidas com a classe política dirigente do Estado. Contudo, essas relações políticas não foram
mapeadas de forma plena no momento da realização deste trabalho.

245
O PAÍS, Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1924.
246
O PAÍS, Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1924.
128

O Departamento de Saúde Pública era responsável pela organização das práticas


sanitárias, entre as suas atividades podemos destacar: a atuação da polícia sanitária, os serviços
de fiscalização da limpeza pública, a inspeção médico-escolar, a fiscalização dos profissionais da
saúde, os serviços de estatísticas. Ao assumir a direção do órgão público, Varella Santiago
submeteu à Assembleia Legislativa várias providências para a ampliação dos serviços sanitários e
melhoria das condições de saúde dos habitantes da capital e do interior do Estado.
Em relatório apresentado à Assembleia Legislativa, em novembro de 1924, o
Presidente do Estado, José Augusto Bezerra de Medeiros, apresentou as principais providências
elencadas pelo Diretor de Saúde Pública, Varella Santiago Sobrinho:

a) A creação de uma inspectoria de protecção e assistencia a infância com um


corpo de enfermeiras visitadoras. As enfermeiras visitadoras, nesse
importantíssimo ramo de assistência constituem elementos preciosos na defeza
da saúde pública. b) A creação de uma inspectoria veterinária chefiada por um
medico veterinário; c) A creação de um logar de medico incumbido de prestar
socorros de urgencia as victimas de acidentes de rua, podendo também sua acção
estender-se até o hospital geral quando, em casos graves, a necessidade de uma
intervenção immediata se fizer sentir; g) A substituição do tijolo commum do
piso das enfermarias do Hospicio de Alienados por mozaico e do gradil de ferro
de suas janella por janellas próprias para manicômio, o que lhe fará perder o
aspecto de penitenciaria para adquirir o de casa de saúde; h) A construção de
dois pavilhões, modestos porém hygienicos, um para assistência a tuberculosos e
outro a variolosos;i) A creação de postos sanitários municipais, uma vez que
quanto mais ampliada for a acção da hygiene, dentro do Estado, tanto maiores
serão as garantias de estabilidade de saúde de seus habitantes247.

As primeiras medidas realizadas por Varella Santiago consistiram na estruturação


física e humana do atendimento médico e na ampliação das instituições hospitalares da capital.
Entre essas instituições, a reforma do Hospital dos Alienados, adequando a instituição aos
padrões higiênicos mais sofisticados, como a substituição dos tijolos comuns presentes no piso do
isolamento por mosaicos, que eram mais higiênicos, e a substituição das janelas com grades para
janelas específicas para as instituições de isolamento. A retirada das grades das janelas do
Isolamento dos Alienados seguia a ideia de que o doente precisava se sentir em um espaço
confortável, associado ao ambiente familiar. Essa modificação física consistia em diminuir a
relação presente entre isolamento e prisão existente na sociedade potiguar. Varella Santiago

247
RIO GRANDE DO NORTE, Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da primeira sessão da
décima segunda legislatura, em primeiro de novembro de 1924, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros.
Natal: Typ d’A República, 1924, p. 26, 27.
129

sugeriu também a criação de pavilhões especializados para tuberculosos e variolosos,


demonstrando os novos padrões médicos de especialização dos espaços profiláticos baseado nos
agentes patológicos.
A presença de profissionais capacitados para o desenvolvimento da saúde potiguar
também ficou evidente nesse relatório, ao indicar a presença de enfermeiras e de médicos
especializados, no controle de alimentos, nos serviços hospitalares e nos postos sanitários. Essas
instalações, segundo Varella Santiago, tinham a função de levar os novos métodos higiênicos
para todo o Estado, disseminando os preceitos de salubridade e a ciência médica.
As transformações realizadas na estruturação e na oferta dos serviços de saúde no
Estado continuaram a ser sugeridas e aplicadas pelo Dr. Manoel Varella Santiago. Outras
medidas relatadas pelo diretor foram: a criação de um lactário para as crianças desvalidas; a
reforma geral dos regulamentos de todos os serviços sanitários; a aquisição de um aparelho de
hiforterapia para o Hospital dos Alienados; a criação de uma colônia agrícola para alienados;
construção de rede de esgotos; serviço de assistência pré e pós-natal; aumento dos guardas
sanitários; a instalação de uma inspetoria veterinária; criação de uma cadeira de professora de
cultura física no Orfanato João Maria; entre outras medidas.248 As ações realizadas por Varella
Santiago objetivavam ampliar os serviços de saúde; introduzir novas práticas médicas modernas
no tratamento dos doentes; e fortalecer a atuação da polícia sanitária, no que diz respeito à
fiscalização das práticas higiênicas.
O Diretor de Saúde Pública Varella Santiago Sobrinho, a partir dos seus relatórios
submetidos à Assembleia Legislativa, também retratou a preocupação com o crescimento dos
casos de lepra presentes entre os habitantes potiguares. Em relatório de novembro de 1925, o
médico sugeriu a criação de um espaço exclusivo para recolher os leprosos em estado mais
avançado de contaminação e que representassem maior perigo para a saúde do Estado, como
ocorria nos demais estados do Brasil249. A partir da indicação do Diretor de Saúde, iniciou-se o
processo de organização e estudos para a instalação de um leprosário no Estado do Rio Grande
248
RIO GRANDE DO NORTE, Mensagem lida perante o Congresso Legislativo, na abertura da segunda sessão da
décima segunda legislatura, em primeiro de novembro de 1925, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros.
Natal: Typ d’A República, 1925, p. 37, 38.
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo, na abertura da terceira sessão da
décima segunda legislatura, em 01 de outubro de 1926, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros. Natal:
Typ d'A república, 1926, p. 61.
249
RIO GRANDE DO NORTE, Mensagem lida perante o Congresso Legislativo na abertura da segunda sessão da
décima segunda legislatura, em primeiro de novembro de 1925, pelo governador José Augusto Bezerra de Medeiros.
Natal: Typ d’A República, 1925, p. 37, 38.
130

do Norte. A entrada do médico Varella Santiago no tratamento dos leprosos do Estado estava
intimamente ligada a sua função desempenhada no aparelho administrativo.
As ideias do médico Varella Santiago sobre a necessidade de um isolamento que
fosse acolhedor, sem elementos relacionados à prisão, dotado de todos os elementos físicos
condizentes com as ideias higiênicas, foram implantadas no Leprosário São Francisco de Assis. A
sua ação na idealização e construção desse isolamento foi decisiva, sendo aclamado como um dos
mais modernos do Brasil nesse período. Finalizada a construção da colônia de hansenianos, a
Comissão Pró-leprosário foi substituída pela Sociedade de Assistência aos Lázaros e Defesa
contra a Lepra, também dirigida pelo médico Varella Santiago. Assim, a sua atuação no combate
à lepra tornou-se cada vez mais forte. O jornal O Radical, de vinte e cinco de dezembro de 1939,
apresentou o Dr. Varella Santiago como um dos mais velhos evangelistas da campanha
antileprótica, propugnador infatigável de amparo aos lázaros e na defesa contra a terrível
moléstia.250 Dessa forma, a ação de Varella Santiago foi além da atuação de médico e diretor do
leprosário, ele foi o idealizador e organizador das práticas médicas instauradas nesse espaço
hospitalar.
Além da presença do médico Manoel Varella Santiago, o Leprosário São Francisco
de Assis contou com a presença do médico Silvino Lamartine de Farias, na década de 1930.
Natural de Natal, nascido em vinte e um de dezembro de 1907 e falecido em 14 de agosto de
1993, Silvino Lamartine, era filho do ex-presidente do Estado, Juvenal Lamartine de Faria, e de
Silvina Bezerra de Faria, e cunhado do médico Varella Santiago Sobrinho. Iniciou seus estudos
no curso de medicina em 1928, na cidade de Recife, transferiu-se para a Universidade do Brasil,
no Rio de Janeiro, diplomando-se em 1933. Durante a sua formação, entrou em contato com as
ideias do médico Antônio Silva Melo, na Policlínica de Botafogo, voltada para a saúde infantil e
os conhecimentos sobre Raio-x e leprologia presentes no Serviço de Radiologia do Dr. Og
Almeida e Silva, no Hospital Gaffrée-Guinle. A formação profissional junto a essas instituições
marcou a prática médica de Silvino Lamartine na capital potiguar, atuando no Instituto de
Proteção à Infância e no Leprosário São Francisco de Assis.
O médico Silvino Lamartine obteve uma formação médica diferente da realizada por
Varella Santiago Sobrinho, como pode ser observado na atuação em alguns espaços médicos e no
processo de especialização que obteve. O ensino universitário, incluindo o ensino médico, desde

250
O RADICAL, Rio de Janeiro, 25 de dezembro de 1939.
131

o início do século XX, travava um debate sobre a estrutura do ensino e as suas relações com as
condições culturais, econômicas e sociais do Brasil. O ensino superior deveria prezar uma
formação científica com enfoque na pesquisa e na aplicação dos métodos científicos na
sociedade.
Varella Santiago Sobrinho e Silvino Lamartine, durante o processo de formação
médica, sofreram diferentes influências científicas, entre elas destaco as ideias e debates sobre a
transmissão das doenças. Durante o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX,
várias teorias médicas circulavam na sociedade brasileira, sobretudo as ideias de transmissão e
contágio das doenças que assolavam a população brasileira. A partir desses debates surgiram
duas teorias, a teoria contagionistas e a teoria infeccionistas, que embasaram as ações médicas no
campo das políticas de atenção à saúde e nas ações profiláticas desenvolvidas nesse período.
O pensamento científico brasileiro era apoiado na relação entre doença, natureza e
sociedade. Segundo esse pensamento, a disseminação das epidemias tinha ampla relação com os
o espaço físico da cidade, com a disposição das ruas, com as condições higiênicas das casas, com
o tratamento dado ao lixo e com os hábitos da população. A teoria contagionista e a teoria
anticontagionista/infeccionista baseavam-se nessa relação descrita acima.
A teoria contagionista defendia que uma doença podia ser transmitida de um
indivíduo doente a um indivíduo saudável através do contato físico direto ou por meio do contato
indireto (por meio de objetos pessoais). A prática médica profilática defendida pelos adeptos
dessa teoria baseava-se na desinfecção dos objetos e nas quarentenas dos doentes. Já a teoria
anticontagionista ou infecionista acreditava que o processo de adoecimento do indivíduo estava
intimamente ligado à emanação dos miasmas provenientes do processo de putrefação de animais
e plantas. Assim, a transmissão das doenças não dependia do contato entre os indivíduos doentes
e saudáveis, mas das condições sanitárias das cidades251.
Essas ideias estiveram presentes no pensamento científico brasileiro de maneira
indissociável e explicaram as várias epidemias que assolaram a população bra1sileira. Os estudos
clássicos retratam que a introdução da bacteriologia teria gerado o abandono das condições
sociais e do meio físico nos debates médicos e na profilaxia das doenças em detrimento da
utilização do laboratório como espaço privilegiado de formação do saber médico. Contudo, para

251
LIMA, Nísia Trindade. Um sertão chamado Brasil: intelectuais e representação geográfica da identidade
nacional. Rio de Janeiro: Revan, 1999.
132

Nísia Trindade, os estudos dos micróbios entrelaçaram-se fortemente com as questões da


sociedade, redefinindo relações, formas de contato e as noções de pureza e risco. 252 Foi no
contexto dessas ideias científicas que os médicos Manoel Varella Santiago Sobrinho e Silvino
Lamartine foram formados e desenvolveram práticas profiláticas de combate à lepra no Estado.
A partir dos anos 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública,
retomaram-se as ações no âmbito das campanhas sanitárias, que influenciaram a formação
médica e o papel desses profissionais na educação sanitária da população. Na formação médica
foram substituídas as preleções e conferências, em detrimento de um ensino prático com
demonstrações e ilustrações.253 Os hospitais, as enfermarias e as salas de autopsia
transformaram-se em espaços frequentados pelos alunos e lugar privilegiado de formação prática
do médico. E as faculdades de medicina incorporaram as disciplinas especializadas no currículo
dos cursos. O médico Juvenal Lamartine, formado pela Faculdade do Rio de Janeiro, entrou em
contato com as mais novas teorias médicas, bem como com um ensino que exaltava a
aprendizagem por meio da prática e da vivência em ambientes hospitalares. Por meio da
especialização que se iniciava na formação médica, atuou nos serviços de radiologia infantil e
entrou em contato com os conhecimentos de leprologia, desenvolvidos por Souza-Araújo no
Instituto Oswaldo Cruz.
A partir da sua formação médica, Silvino Lamartine, exerceu as funções de clínico na
capital potiguar, principalmente relacionadas ao atendimento infantil e à realização de
radiografias, como demonstrou o anuncio no jornal A Ordem, de oito de outubro de 1937. O
médico atuou no corpo médico da policlínica infantil, encarregado pelos exames de radiografia.
O jornal o apresentou como um profissional capacitado e com experiência para exercer essa
função:

[...] As pessoas que desejarem readiographar-se poderão entender-se com o Dr.


Silvino Lamartine, a quem está confiado o serviço. O Dr. Silvino Lamartine
conhece bem essa especialidade tendo trabalhado com assuidade cerca anno e
meio no serviço de radiologia do Dr. Og. De Almeida, de quem foi seu
assistente254.

252
Idem, 1999.
253
BULCÃO, Lúcia Grando; EL-KAREH, Almir Chaiban and SAYD, Jane Dutra. Ciência e ensino médico no Brasil
(1930-1950). Hist. cienc. saude-Manguinhos [online], v. 14, n.2, p. 469-487, 2007. ISSN 0104-5970. Disponível
em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702007000200005>.
254
A ORDEM, Natal, 08 de outubro de 1937.
133

O anúncio do Jornal A Ordem de oito de outubro de 1940, ofereceu os serviços


médicos desse profissional como clínico geral das doenças das crianças, especialmente raios-x.
Dessa forma, Silvino Lamartine, assim como o seu cunhado, Varella Santiago, também construiu
na capital a reputação de médico das crianças, com especialidade na realização de exames de
raio-x. Além de médico das crianças, Silvino Lamartine atuou como médico auxiliar do
Leprosário São Francisco de Assis.255
Assim, como o médico Varella Santiago, a imagem de Dr. Silvino Lamartine de
Farias foi cristalizada na memória potiguar como grande pediatra – atuando por vários anos no
Hospital Infantil – e leprologista potiguar, exercendo o cargo de diretor do Leprosário São
Francisco de Assis. Foi tratado como sucessor de Varella Santiago na filantropia do Estado.
Apresentado como homem simples, avesso a homenagens e honrarias, com um tipo atlético,
Silvino Lamartine exercia diversas atividades esportivas, como remador, tenista e jogador do
time do América de Natal. Exerceu cargo de diretor do Centro Náutico por alguns anos256.
Dr. Silvino Lamartine foi apresentado como homem moderno, atlético, filantropo,
ligado às questões dos mais pobres e dos mais humildes. A sua imagem contribuía para a
manutenção da representação do leprosário como uma instituição moderna e científica que
cuidava dos desafortunados atacados pelo terrível mal de Hansen. O médico Silvino Lamartine
atuou no isolamento durante o ano de 1936 e junto com o médico Varella Santiago, foi o
responsável pelo acompanhamento clínico dos internos do Leprosário São Francisco de Assis.

3.2 A entrada dos internos no Leprosário São Francisco de Assis

O Leprosário São Francisco, durante as suas primeiras décadas de funcionamento,


contou com a atuação de dois médicos, Varella Santiago Sobrinho e Juvenal Lamartine de Farias,
que seguiam os principais postulados científicos do momento. Durante o século XX, a saúde
pública e a prática médica tinha como principio o curativismo, ou seja, a ação médica baseava-se
na cura dos sintomas da doença. Nesse principio, a saúde era entendia como ausência da doença
no corpo dos indivíduos. A prática médica era constituída por dois elementos principais: o
diagnóstico realizado no corpo do doente e o desenvolvimento de uma terapêutica científica.

255
A ORDEM, Natal, 07 de novembro de 1936.
256
CARDOSO, Rejane (Coord.). 400 nomes de Natal. Natal: Prefeitura Municipal de Natal, 2003.
134

Assim, questionamos: como era a prática médica desenvolvida pelos doutores da ciência no
isolamento São Francisco, e especificamente como era realizado o diagnóstico dos leprosos? Essa
prática sofreu transformações entre os anos de 1920 a 1941? Novas tecnologias químicas foram
adicionadas nesse período?
A lepra foi uma epidemia coberta de grande preocupação médica, sobretudo, devido à
falta de conhecimento científico sobre o contágio da bactéria entre os seres humanos e o tipo de
tratamento mais apropriado para a sua profilaxia. É importante destacar que a preocupação e a
política de combate a essa epidemia envolviam questões mais amplas, como as deformações que
a doença causava no corpo do doente e a incapacidade para o trabalho. Esses elementos
contrariavam o modelo de país proclamado pelo novo regime político e pelas ideias de
modernidade, de civilidade que era defendidas. Dessa forma, o diagnóstico inicial da presença do
bacilo de Hansen no indivíduo era realizado por meio das evidências que o corpo do doente
demonstrava, como manchas na pele, dormência e anestesia em algumas partes do corpo, como
pés e mãos, e o exame bacteriológico realizado com material da mucosa nasal do doente.
No Leprosário São Francisco de Assis, essas medidas de identificação eram utilizadas
no diagnóstico inicial. Ao entrar no isolamento, o doente era identificado por meio de dos dados
pessoais, como nome, nacionalidade, idade, cor, naturalidade, estado civil e a partir da presença
dos sintomas no corpo, como a data de início da doença, os primeiros sintomas e a convivência
com outros doentes.
Os dados coletados dos doentes constituíam informações importantes para o processo
de fiscalização da política sanitária, para a situação do Estado sobre a presença da lepra no
território e a identificação de novos casos. Os dados sobre a naturalidade dos doentes e as
atividades profissionais identificavam as áreas que o doente frequentava e o tipo de ocupação que
desempenhava. Esses lugares poderiam ser focos de contaminação da lepra, como também
poderiam ser áreas com a presença de outros leprosos. Também houve a preocupação por parte
dos médicos sobre o estado civil do indivíduo doente, isso constituía um dado importante para
conhecer outros doentes infectados, sobretudo os familiares mais próximos, incluindo cônjuges e
filhos. Para alguns cientistas e médicos, a lepra era uma doença hereditária, sendo os filhos dos
leprosos fontes de contágio. Somente nos anos 1930, os médicos comprovaram cientificamente
que a bactéria do mal do Hansen não era adquirida por meio da hereditariedade, mas por meio do
contato direto e íntimo com os doentes.
135

A partir de 1931, a pesquisa sobre as atividades cotidianas e a vida privada do doente


tornou-se mais específica durante o processo de internação. A preocupação sobre o início da
doença e as fontes de contágio continuou presente nos registros clínicos. Os médicos
questionavam sobre os contatos casuais com leprosos: se o leproso era isolado, quantos anos
foram de convivência, qual o tratamento que esses leprosos recebiam, a intimidade e o período de
início da doença desse indivíduo. Essas questões evidenciavam a preocupação do governo e da
política pública de saúde de identificar todos os possíveis casos de lepra presentes no território do
Estado e atuar no combate de novas fontes de contágio.
As fichas clínicas também questionavam com mais detalhes sobre os familiares do
leproso internado, solicitavam que o médico registrasse os ascendentes, descendentes e colaterais:
registrar nome, idade, se é vivo ou morto, nacionalidade, residências, ocupações, se tinha ou tem
parente leproso, se viveu com leproso. Em caso de cônjuges, era preciso dar o nome de solteiro e
informar qual a duração de coabitação, e se dividiam o mesmo quarto. Esses dados possuíam
ampla ligação com os conhecimentos científicos sobre o bacilo do mal de Hansen nesse período.
O Tratado de Leprologia, produzido pelo Serviço Nacional de Lepra a partir dos trabalhos
monográficos produzidos entre os anos de 1942 e 1943 e publicados durante a década de 1950,
apresentou as principais preocupações da comunidade científica sobre a transmissão da lepra.
Segundo esse documento:

Das estatísticas encontradas na literatura visando determinar qual a fonte


provável de infecção, vê-se que em número apreciável de casos os doentes
referiam ter tido contacto com um parente ou amigo infectado de lepra; em
outras, também elevado é o número de pacientes que não o referem, o que
permite duas deduções: ou o contágio fôra indireto ou houve contacto direto e
íntimo com doentes257.

O contato com os doentes leprosos, tanto de maneira direta como de maneira indireta,
era um dos grandes problemas verificados pela comunidade científica, pois era por meio do
contato que novos casos de lepra surgiam. Cabia aos isolamentos e aos leprosários identificar os
espaços de contágio presentes na cidade e identificar os indivíduos doentes que colocavam em
risco a saúde da população. Acreditava-se que quanto maior a intimidade do contato com o

257
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE. Tratado de leprologia: História da lepra no Brasil e sua
distribuição geográfica. Serviço Nacional da Lepra. 2. ed. Rio de Janeiro, 1950. v. 1,
136

doente, maior era a possibilidade de contágio, assim, os leprologistas defendiam que a


contaminação era mais frequente dos pais para os filhos e de irmão para irmão.258
Além da historicidade do contato íntimo com outros doentes, no momento da
internação, o leproso também era questionado sobre as principais características da sua habitação:
as residências anteriores, as condições econômicas e sociais e o tipo de habitação. Para alguns
médicos, a transmissão da lepra poderia ocorrer por meio das habitações em que residiram os
doentes de lepra e pelos objetos que o doente manuseava. Apesar de essas ideais circularem entre
a comunidade científica, não eram bem aceitas em toda a comunidade médica. A preocupação
com as condições das habitações dos leprosos tinha relação com a situação sanitária em que o
doente se encontrava, a forma como o leproso evitava a contaminação de outros indivíduos e se
era uma região com a presença de mosquitos sugadores. Para alguns médicos, como Adolf Lutz,
a transmissão da lepra também ocorria por meio de mosquitos sugadores, como afirmou em
trabalho publicado no ano de 1939:

Muitas pessoas, infectadas com lepra, entre os quais um bom número de


pacientes meus, nunca tiveram contato direto com leprosos, localisando-se as
suas primeiras lesões nas partes do corpo normalmente expostas as picadas dos
mosquitos, como sejam o rosto e as mãos259.

Segundo as ideias de Adolf Lutz, os mosquitos seriam os responsáveis pela


transmissão do bacilo de Hansen e o homem o hospedeiro da bactéria. Seguindo esse
pensamento, o médico defendia que os leprosos internados deveriam ser interrogados sobre a
presença dos mosquitos nas suas habitações ou sobre a presença de áreas alagadas próximas as
suas residências. Segundo ele, “ao ser admitido, todo paciente será interrogado sobre as
condições existentes em relação a mosquitos, no logar onde provavelmente adquiriu a
infecção”260. A ideia da transmissão da bactéria da lepra por meio de mosquitos foi bem aceita no
Rio Grande do Norte, o Leprosário São Francisco de Assis utilizou em sua estrutura física telas
protetoras contra a presença de animais sugadores e construiu o seu isolamento em local afastado
do centro da cidade e de zonas com áreas alagadas, como defendia o médico Adolf Lutz.

258
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE. Tratado de leprologia: História da lepra no Brasil e sua
distribuição geográfica Serviço Nacional da Lepra. 2. ed. Rio de Janeiro, 1950. v. 1.
259
BENCHIMOL, J. L.; SÁ, M. R. (Org.). Adolpho Lutz: Hanseníase. Rio de Janeiro: FIOCRUZ. v. 1, 2004. ISBN
85-7541-039-3. [online].
260
Idem, 2004, p. 481.
137

Além das questões pessoais, o diagnóstico realizado pelos médicos no Leprosário São
Francisco de Assis, englobava a descrição da enfermidade no corpo do doente. Os doentes tinham
os sintomas da doença descritos com detalhes, como as feições, a forma das manchas na pele, as
anestesias dos membros e as ulcerações presentes no corpo. No entanto, essa prática da análise e
registro médico do doente não foi realizada com todos os pacientes internados, entre os primeiros
internos esses registros não ocorreram de forma específica. O registro do desenvolvimento da
bactéria no corpo foi uma prática mais frequente após a inauguração oficial do leprosário no ano
de 1929, sobretudo a após a década de 1930.
O primeiro indivíduo notificado no Leprosário São Francisco de Assis, em 20 de
junho de 1926, foi descrito como: “Ao entrar no estabelecimento o doente tinha a feição
francamente leonina”261. Esse dado demonstra que o doente já estava em estado avançado da
doença, com elementos físicos que identificavam o mal e o perigo para a sociedade. Esse interno
vinha sendo acompanhado pelo Serviço de Profilaxia Rural, estava entre os doentes notificados e
conhecidos no Estado, desde o ano de 1925. O seu avançado estado de infecção pode ter sido o
motivo pelo qual foi o primeiro interno do Leprosário São Francisco de Assis.
A descrição do estado avançado da doença no corpo dos indivíduos esteve presente
nos três primeiros anos de funcionamento do leprosário, como demonstram as descrições
presentes nas fichas. Sobre a interna Ana Fernandes Silva, o médico relatou: “Sensação forte de
calor no corpo. Foi se manifestando dormência nas pernas, pés e mãos. Apareceu depois
vermelhidão em diversas regiões. Sentiu desde o começo obstrução nasal. De vez em quando
aparecia eritema”262. Já o paciente Emiliano da Fonseca e Silva, o médico assim descreveu:
“Retratta que começou a sentir dormência nos pés, braços, antebraços. Lesões nos pés e nos
braços”263. O interno Joaquim Pimenta de Paiva, internado em oito de agosto de 1927, relatou o
seu estado: “Há 4 anos começou a sentir dormência na mão esquerda, tendo em poucos dias
depois aberto uma ferida no dedo medio que foi aumentando [...]. Apresenta-se com face leonina,
queda dos supercílios e grande ulceração na mucosa do nariz”264.
Os doentes internados nesses dois primeiros anos tinham a doença em estágio bem
avançado, e eram caracterizados principalmente por manchas em algumas partes do corpo,

261
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 01.
262
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 06.
263
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 07.
264
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 11
138

insensibilidade nos pés, anestesias no antebraço, pés e mãos. É importante destacar que a
presença da bactéria no organismo do indivíduo estava atrelada à presença das manchas no corpo
e à ocorrência da obstrução nasal. A partir dos relatos presentes nas fichas clínicas dos internos, a
presença da obstrução nasal era um elemento importante para os médicos, sendo um indicador da
presença da bactéria no organismo do indivíduo. O paciente Euclides Dioclesiano Ricardo relatou
a presença de vários sintomas, manchas nos membros superiores e inferiores, zonas de anestesia
no pé esquerdo e deformidade. Após expor os sintomas do paciente, o médico relatou que ele
nunca sentiu obstrução nasal.265 Esse registro demonstrava a importância desse sintoma como
identificador da presença do mal de Hansen no corpo do indivíduo.
Os doentes também eram questionados sobre o período em que os primeiros sintomas
tinham aparecido. Parte deles não sabia relatar com exatidão o aparecimento das manchas e
feridas, outros descreviam a data dos primeiros sintomas do mal, como 1919, 1922, 1925. Eram
poucos os registros do aparecimento da doença antes de 1910. Era uma preocupação médica
saber o período em que o doente conviveu com a bactéria, como surgiram as primeiras manchas e
quais partes do corpo tinham sido atingidas. Além dessa preocupação, outra evidência presente
no diagnóstico inicial do doente era referente à presença dos leprosos no extremo norte do país,
especificamente no Pará, região com a maior incidência de casos de lepra no Brasil.
O paciente João Varela Barca registrou o início da doença em 1925, a partir de lesões
nos pés e mãos, relatou obstrução nasal com corisa. Afirmou ter convivido com um irmão leproso
cerca de dois anos, com sintomas bem claros de lepra.266. O paciente Antonio Gomes da Silva,
vulgo Antonio Gaby, internado em 30 de janeiro de 1929, esteve por algum tempo no norte do
país, o registro da sua passagem por esse território foi descrita como: “Esteve no Pará duas vezes
– em 1906, três meses e 1912, oito meses, ou melhor, chegou de lá em abril de 1913 depois de
uma permanência de oito meses”267. O registro da paciente Antonia Gomes do Nascimento
também notifica a presença no Estado do Pará: “Esteve no Pará 5 anos e 2 meses, tendo vindo
daquele estado em 1915”268. Os médicos também registravam a ausência do doente no Pará com
expressões como: “nunca esteve no Pará”, “nunca esteve no extremo norte”, “nunca esteve no
Amazonas”.

265
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 13.
266
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 16.
267
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 55.
268
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 84.
139

Parte dos doentes internados no leprosário, sobretudo os internos matriculados nos


anos de 1928 e 1929, eram leprosos notificados pelo Serviço de Saneamento Rural e que tinham
realizado o exame da mucosa nasal durante os anos de 1923 e 1925, mas que foram isolados
apenas no ano de 1928, como demonstram os registros presentes nas fichas clínicas do Arquivo
do Leprosário São Francisco de Assis. Os doentes do Rio Grande do Norte eram acompanhados
pelo Serviço de Saneamento Rural, estando alguns internos em estado bem avançado da
enfermidade, com paralisia, mãos e pés deformados, rosto mutilado e várias infiltrações no corpo.
O acompanhamento dos pacientes através do Serviço de Saneamento Rural indicava que existia
uma ação do Departamento de Saúde Pública na identificação dos doentes de lepra e que apesar
do registro da presença de vários doentes no estado, o processo de isolamento passou a ser
efetivado a partir de 1928, com a construção dos primeiros edifícios do leprosário.
Com a descrição dos sintomas por parte do doente, os médicos examinavam o corpo
do interno classificando as lesões que possuíam e determinando uma simbologia para cada
elemento identificado no corpo doente. As lesões presentes no corpo eram classificadas como:
lesão inicial, mancha erythem, nódulo, mancha achromica, dedos mutilados, infiltração, úlcera,
zona de anestesia e dedos em garra. Apesar de esse elemento constituir umas das práticas do
diagnóstico da lepra, a realização do registro desse exame só passou a ser efetivada no Leprosário
São Francisco de Assis a partir de 1931.
Além do exame físico do doente, também era realizado o exame bacteriológico,
chamado de Pesquisa do Bacilo de Hansen. Esse poderia ser feito a partir de quatro elementos:
muco nasal, gânglios, sangue e urina. Segundo o Tratado de Leprologia269, publicado em 1950,
as vias aéreas superiores eram o local onde ocorria a eliminação da bactéria de forma mais
intensa, existindo um considerável número de bacilos na região da mucosa nasal.
Consequentemente, o teste bacteriológico, a partir do muco nasal, constituiu a base do processo
laboratorial de diagnóstico da lepra no Brasil e no Rio Grande do Norte.270

269
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE. Tratado de leprologia: história da lepra no Brasil e sua
distribuição geográfica. 2. ed. Serviço Nacional da Lepra. Rio de Janeiro, 1950. v. 1
270
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE. Tratado de leprologia: história da lepra no Brasil e sua
distribuição geográfica. 2. ed. Serviço Nacional da Lepra. Rio de Janeiro, 1950. v. 1. O processo laboratorial de
diagnóstico da bactéria da Hanseníase sofreu transformações a partir dos anos 1960. Segundo o Manual de
Leprologia, publicado na década de 1960, o teste da mucosa nasal era obtido seguindo os procedimentos: Raspa-se
suavemente com cureta ocular a mucosa do septo nasal. A epimucosa deve ser rompida, sem, entretanto, atingir-se as
camadas mais profundas, pois o excesso de sangue prejudica a coloração e visibilidade dos germes. Distende-se o
material ainda úmido sobre lâminas perfeitamente limpas e secas, e procede-se à fixação dos esfregaços em chama
de álcool ou gás. As lâminas devidamente rotuladas e protegidas serão enviadas ao laboratório.
140

Segundo o Tratado de Leprologia, o exame bacteriológico da mucosa nasal era


obtido do esfregaço do muco nasal realizado a partir da fricção das paredes do septo com um
estilete envolto por uma fina camada de algodão.271 O exame bacteriológico a partir da mucosa
nasal foi a técnica utilizada na identificação dos leprosos desde o ano de 1897 e permaneceu em
prática durante as primeiras década do século XX. No Rio Grande do Norte, os exames
bacteriológicos eram coletados inicialmente pelo Serviço de Saneamento Rural, através dos
postos de profilaxia presentes em diferentes localidades do Estado. Com a organização dos
serviços de combate à lepra e a construção do Leprosário São Francisco de Assis, a coleta do
material bacteriológico também passou a ser realizada no isolamento, após o ano de 1927.
A análise do material dos leprosos coletado no Serviço de Saneamento Rural e no
Leprosário São Francisco de Assis era realizada no laboratório bacteriológico 272 do Estado,
localizado no Hospital Juvino Barreto. A pesquisa do bacilo de Hansen foi uma das atividades
registradas durante todo o seu período de funcionamento, como foi apresentado nas mensagens
dos Presidentes do Estado. No ano de sua inauguração, em 1925, foi registrada a realização de
sessenta exames do bacilo; no ano de 1927, foram realizados setenta e três exames; e nos anos
1930, cento e um exames bacteriológicos.273 O funcionamento do laboratório bacteriológico
proporcionou o conhecimento dos indivíduos infectados pelo mal de Hansen e sua a notificação
compulsória. A busca pelos leprosos do Estado foi se efetivando e tornou-se mais intensa com a
inauguração do Leprosário São Francisco de Assis, como demonstram os dados apresentados. A
prática do exame laboratorial amparava o diagnóstico dos doentes dentro dos parâmetros
científicos do período no qual o médico aliava a análise do corpo doente do indivíduo ao material
científico.
Além do material bacteriológico da mucosa nasal, identifiquei também a presença do
exame bacteriólogo a partir do esfregaço da lesão da pele dos doentes. No entanto, esse exame foi
aplicado em poucos doentes, sendo possível afirmar que esse procedimento era realizado de

271
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE. Tratado de leprologia: história da lepra no Brasil e sua
distribuição geográfica. 2. ed. Serviço Nacional da Lepra. Rio de Janeiro, 1950. v. 1
272
O Laboratório de Análises do Estado foi construído anexo ao Hospital Juvino Barreto, durante o governo de
Antonio de Mello e Souza. A direção dessa instituição era realizada pelo químico Dr. Francisco Gomes Valle de
Miranda. Contudo, foi inaugurado somente no ano de 1925, durante o governo de José Augusto Bezerra de
Medeiros.
273
Dados coletados na Mensagem dos Presidentes do Estado apresentadas à Assembleia Legislativa entre os anos de
1925 a 1930.
141

forma esporádica e que o exame da mucosa nasal era a forma mais frequente de comprovação
científica da presença do bacilo causador da lepra no organismo humano.
O bacilo de Hansen, obtido a partir do exame bacteriológico da mucosa nasal, era
classificado em cinco formas: tegumentar, nervosa, mista, frusta e latente.274 De acordo com as
fichas clínicas presentes no Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis, a maior parte dos
pacientes internados apresentava a forma mista e nervosa. Essa classificação dos tipos de lepra
deixou de ser utilizada no leprosário potiguar a partir de 1931, passando-se a utlizar, após esse
ano, a classificação sul-americana, que dividia a lepra em: lepromatosa, incaracterística e
tuberculoide.275
O tipo de lepra dos indivíduos era fator importante no diagnóstico médico, já que
influenciava as condições de tratamento e o perigo que o leproso representava para a sociedade.
Para alguns médicos, os doentes lepromatosos e mistos eram os maiores disseminadores do
bacilo Mycobacterium leprae, transmitindo a bactéria para o exterior por diversos meios. Esse
tipo de lepra apresentava material bacteriológico muito rico para Mycobacterium leprae em
diferentes aspectos: ulcerações, no suor, secreção sebácea cutânea, mucosa nasal, bucal,
faringiana e laringiana276, e por isso era a forma mais temida pelos médicos. A classificação
científica da bactéria no momento da internação contribuiu para delimitar o tipo de isolamento a
que os doentes foram submetidos, o tratamento realizado e a possibilidade de alta do isolamento.

3.3 A prática profilática implantada no combate à lepra no isolamento potiguar

A lepra, durante todo o século XIX e o século XX, foi caracterizada por ser uma
doença transmissível, sem cura e com grande estigma social. Sua profilaxia foi baseada no
isolamento compulsório dos doentes em leprosários e colônias. Com o aprimoramento da

274
Não foi possível identificar no momento da pesquisa as características das formas do bacilo de Hansen que foram
utilizadas no processo de classificação do Leprosário São Francisco de Assis.
275
Atualmente, a Hanseníase se divide em quatro tipos: indeterminada, tuberculoide, virchowiana e dimorfa. De
modo geral, as lesões maculares caracterizam as fases iniciais da doença (hanseníase indeterminada). Ocorrendo
resistência imunológica, o quadro evolui para uma forma mais resistente (hanseníase tuberculoide), caracterizadas
por lesões pouco numerosas, circunscritas e bem delimitadas. Não havendo resistência, o quadro torna-se forma
grave da doença (hanseníase virchowiana), evidenciando-se por lesões numerosas, de coloração ferruginosa, difusa e
de limites imprecisos, sem possibilidade de cura espontânea. A presença de lesões circunscritas e difusas
simultaneamente caracteriza a hanseníase dimorfa. As lesões neurológicas ocorrem em qualquer das formas clínicas
e, na maioria dos casos, antecedem os sintomas cutâneos.
276
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE. Tratado de leprologia: história da lepra no Brasil e sua
distribuição geográfica. 2. ed. Serviço Nacional da Lepra. Rio de Janeiro, 1950. v. 1.
142

química, da física e dos novos estudos científicos sobre bactérias, desenvolveu-se uma profilaxia
dentro dos leprosários e das colônias no Brasil. A primeira medida profilática instituída no Brasil
foi o conhecimento de todos os leprosos e a notificação desses indivíduos.
Segundo o Regulamento Sanitário de 1923, todos os indivíduos que tivessem contato
com leprosos ou que, por alguma evidência, fossem um possível caso positivo da doença,
deveriam ser acompanhados e notificados compulsoriamente:

[...] consistia, em linhas gerais, na notificação obrigatória, como a prescrita para


outras doenças infecciosas; no exame periódico dos comunicantes, como meio
de descobrir novos casos; e no isolamento nosocomial em colônias ou mesmo
em domicílio, desde que cumprindo uma série de condições. Os doentes e os
comunicantes deveriam seguir rigorosamente as prescrições do regulamento e as
exigências da autoridade sanitária. Os comunicantes seriam submetidos a
exames periódicos, até que se confirmasse um novo caso ou que se tornasse
negativo277.

Sem conhecimento específico sobre a bactéria causadora do mal do Hansen, a prática


médica empregada nos asilos e colônias consistia no acompanhamento dos doentes e na
utilização de elementos químicos, como o óleo de chaulmoogra e injeções de antileprol. O óleo
de chaulmoogra era um composto muito utilizado na Ásia no tratamento de doenças de pele,
entre elas a lepra. Essa prática foi incorporada pelo Império Britânico, por volta do século XIX,
em instituições médicas indianas. A partir da utilização desse óleo em práticas curativas
populares, os cientistas e médicos ocidentais passaram a manusear esse material em laboratório a
partir dos preceitos científicos da bacteriologia e da microbiologia. A utilização do óleo de
chaulmoogra no Ocidente só foi possível a partir de uma criação de rede de saberes científicos
baseada em elementos culturais ocidentais:

a chaulmoogra, para ser reconhecida como um medicamento passível de ser


prescrito pela medicina ocidental, deveria ser avaliada dentro do padrão
científico, vigente na época, sendo assim dissociada da sua rede tradicional de
saberes, a qual inclui tanto as práticas intrínsecas ao sistema médico indiano,
quanto as matrizes culturais e sociais que o envolvem. Sua assimilação somente

277
CUNHA, Vivian da Silva. O isolamento compulsório em questão: política de combate à lepra no Brasil (1920 e
1945). 2005. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – História das Ciências e da Saúde, Casa
de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 2005. p. 48.
143

se concluiu na medida em que foi construída uma nova rede calcada nos valores
dessa rede278.

No Brasil, a utilização desse óleo como medida profilática no tratamento da lepra


também foi embasada por uma série de valores científicos, sobretudo durante a década de 1930,
através de instituições científicas, especialmente o Centro de Leprologia no Brasil. Essa
instituição desenvolveu várias atividades de pesquisa sobre a lepra, dentre elas estudos
epidemiológicos, análises bacteriológicas e produção de ácidos a partir do óleo de chaulmoogra.
Também, em conjunto com a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e o Instituto Oswaldo,
ofertou o Curso de Leprologia, formando noventa médicos especialistas em lepra durante os anos
de 1936 e 1937.279
No entanto, o óleo de chaulmoogra no Brasil foi utilizado desde o início do
isolamento dos doentes exclusivamente para o tratamento da lepra. Inicialmente, esse óleo foi
empregado externamente no corpo, sendo aplicado nas úlceras e nas manchas dos doentes. De
acordo com Santos,

[...] esse medicamento foi, inicialmente, administrado externamente, com a


aplicação direta do óleo sobre as úlceras, numa replicação do modo de usar
tradicional do Oriente. A aplicação externa revelava resultados limitados no
tratamento da doença, e o uso interno, embora fosse mais efetivo, tornava-se de
difícil utilização pelo fato de que o óleo era mal tolerado pelo organismo,
causando vômitos, diarreia e problemas gástricos. Ou seja, a efetividade do
remédio estava limitada pela tolerância do aparelho digestivo do doente, levando
médicos, químicos e farmacêuticos a aperfeiçoarem os medicamentos
derivados280.

Com a busca pelo aperfeiçoamento da utilização dos compostos de chaulmoogra, no


final do século XIX, os médicos produziram injeções utilizando essa planta. Essas injeções eram
aplicadas de forma intramuscular ou subcutânea. Assim, posso afirmar que a utilização do óleo
de Chaulmoogra – nas suas diversas formas, seja em óleo, em banhos, em cápsulas ou injeções –

278
SANTOS, Fernando Sergio Dumas; SOUZA, Letícia Pumar Alves de; SIANI, Antonio Carlos. O óleo de
chaulmoogra como conhecimento científico. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1,
p. 29-47, jan.-mar. 2008.
279
CUNHA, Vivian da Silva. O isolamento compulsório em questão: política de combate à Lepra no Brasil (1920
e 1945). 2005. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) – História das Ciências e da Saúde, Casa
de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2005.
280
SANTOS, Fernando Sergio Dumas; SOUZA, Letícia Pumar Alves de; SIANI, Antonio Carlos. O óleo de
chaulmoogra como conhecimento científico. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1,
p. 29-47, jan.-mar. 2008.
144

constituiu a base do tratamento dos leprosos nos Brasil até a década de 1940, momento de
utilização das sulfonas. Para Maciel, “o óleo de Chaulmoogra, foi a forma menos agressiva de
tratamento e que apresentou menores complicações nos pacientes e, por esta razão, era consenso
entre os médicos.”281 No entanto, a utilização desse tratamento gerava pânico entre os pacientes,
por diversos motivos: a dor causada pela injeção, o desconhecimento sobre a prática médica e as
reações locais, como febre, dores e mal-estar.282
Apesar de o óleo de chaulmoogra ser utilizado desde fins do século XIX, não se
evidenciou registros de aplicação desse elemento químico nos primeiros internos do Leprosário
São Francisco de Assis. Essa ausência de terapêutica científica pode ser associada ao estado
avançado de infecção em que se encontravam os doentes, como também à função inicial do
Leprosário São Francisco de Assis, que era a de recolher os doentes que oferecessem grande
perigo para a sociedade. A utilização da terapêutica científica verificada na Mensagem do
Presidente de Estado (lida na Assembleia Legislativa, em 1929, por Juvenal Lamartine) retratava
a utilização dos mais modernos medicamentos no tratamento da lepra: “[...] os doentes são
convenientemente medicados e os medicamentos empregados no tratamento delles são os mais
modernos e de maior efficacia”283. Esses medicamentos eram compostos do óleo de Chaulmoogra
e de injeções de antileprol. Naquele ano a farmácia do Hospital Juvino Barreto produziu mil
novecentos e vinte e nove injeções de antileprol, número considerável diante do total de internos
dessa instituição. Pode-se inferir que as injeções eram realizadas de forma frequente nos doentes
isolados no leprosário. Além disso, esse dado revela a existência de doentes notificados que
utilizavam esse medicamento por meio do isolamento domiciliar.
Ainda segundo a Mensagem apresentada por Juvenal Lamartine nesse mesmo ano, o
tratamento realizado no Leprosário São Francisco de Assis consistia nos melhores tratamentos,
podendo os internos adquirir o benefício de voltar a viver em sociedade. O Presidente do Estado
retratou:

281
MACIEL, Laurinda Rosa. Em proveito dos sãos, perde o lázaro a liberdade: uma história das saúdes públicas
de combate à lepra no Brasil (1941-1962). 2007. 380f. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007. p. 111.
282
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do
Estado do Rio Grande do Norte à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima
terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929, p. 67.
283
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do
Estado do Rio Grande do Norte à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima
terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929.
145

Actualmente há doentes tão melhorados que poderão ter alta daqui há algum
tempo. Nesse caso, elles ficarão obrigados a comparecer a repartição
competente, pelo menos duas vezes por anno, afim de serem submetido a
inspecção de saúde. A alta para elles terá naturalmente o effeito de um
livramento condicional284.

Apesar de a lepra ser considerada uma doença sem cura, a partir da década de 1930,
com a utilização de novos compostos químicos, a alta dos internos passou a ser visível nos
isolamentos brasileiros, sobretudo no Leprosário São Francisco de Assis. O médico Varella
Santiago defendeu a cura dos doentes em entrevista concedida ao Jornal do Brasil.285
O aperfeiçoamento químico do óleo de chaulmoogra apontou para a produção de
novas substâncias, como os ésteres etílicos de chaulmoogra, obtidos a partir do álcool e do ácido
sulfúrico. Souza-Araújo, durante os anos 1930, defendeu o tratamento da lepra a partir da
utilização de várias substâncias, como o uso de sais e outros ácidos químicos aliados ao óleo de
chaulmoogra. Esse médico propunha a utilização do que ele chamou de tratamento eclético,
baseado em ácidos e sais:

Souza Araújo recomendava, como medicação interna, o uso de dois a oito


comprimidos de sais sódicos, preparados com os ácidos totais do óleo de
Hydnocarpus whigtiana; por via hipodérmica, recomendava duas ou três
injeções de éster etílico do óleo de chaulmoogra por semana; nas úlceras,
infiltrações e lepromas, recomendava três a quatro aplicações mensais de
galvano-cautério; sobre as lesões tratadas com o galvano, e sobre todas as outras,
deveriam ser pincelados solutos de ácido tricloracético. Como tratamento
complementar, indicava o uso de tônicos, tais como arsênico e óleo de fígado de
bacalhau creosotado, entre outros, além do uso periódico de laxantes e de
diuréticos. Fazia-se necessário, também, um regime de farta alimentação,
exercícios e repousos metódicos286.

A partir das ideias propostas por Souza-Araújo, o tratamento dos leprosos deveria
seguir um conjunto de ações, como: utilização de ácidos, alimentação adequada e realização de
atividade física, todos eles baseados em ideias cientificistas. No Leprosário São Francisco de
Assis, o tratamento dos doentes utilizava os compostos químicos antileprol e éster, presentes,

284
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do
Estado do Rio Grande do Norte, à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima
terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929, p. 67.
285
JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929, p. 2.
286
SANTOS, Fernando Sergio Dumas; SOUZA, Letícia Pumar Alves de; SIANI, Antonio Carlos. O óleo de
chaulmoogra como conhecimento científico. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1,
p. 29-47, jan./mar. 2008, p. 36.
146

sobretudo, a partir de 1936. A partir dessas informações, posso inferir que o tratamento utilizado
no isolamento potiguar seguia os preceitos médicos e científicos nacionais, bem como as
recomendações proclamadas pelo doutor Sousa-Araújo.
O tratamento realizado no Leprosário São Francisco de Assis pode ser verificado na
ficha clínica do paciente Santos Marcolino, internado em quinze de março de 1929,
permanecendo nessa instituição até onze de junho de 1940, quando recebeu alta hospitalar.
Segundo consta na sua ficha, o paciente recebeu o seguinte tratamento médico: “De 936 para cá
vem fazendo uso de antilebricos, esters iodados em injeções em doses e infiltrações intradermicas
nas manchas eritematosas em doses entre 15 a 20 cc semanais”287.
Ainda segundo a sua ficha clínica, o resultado obtido a partir do uso dos antilebricos e
ácidos foi descrito como: “o seu mal vem gradativamente regredindo, apezar da irregularidade do
tratamento na fase de 1930 a 1936. Desaparecimento das manchas eritematosas, persistindo
alguns lepromas maiores tuberculosos”288. O tratamento do paciente Hermildo Lucas de Oliveira,
internado em vinte e cinco de abril de 1929, foi retratado da seguinte forma: “de 929 até mais de
936 vinha fazendo uso de medicação de chaulmoogra numa media de 1,5 a 3 cc” 289. Já o paciente
José Pedro do Nascimento, internado em dez de maio de 1929, recebeu como tratamento quarenta
e seis injeções de antileprol e óleo de chaulmoogra de forma gástrica.290
Assim, como pode ser verificado no relato médico, até a inauguração oficial do
leprosário não existiu nenhuma prática profilática realizada com os internos que foram isolados
nesse estabelecimento. Durante os três primeiros anos de isolamento, a medida profilática
resumia-se exclusivamente no recolhimento dos doentes que ameaçavam a saúde da população.
Somente a partir de 1929, iniciou-se uma prática médica profilática direcionada a redução dos
sintomas, realizada de maneira irregular e inconsistente. A profilaxia no leprosário consistia na
utilização de compostos químicos de antileprol e ampolas de compostos de chaulmoogra
ministrados mensalmente. Após 1936, com a presença de novos compostos químicos, o
tratamento dos doentes realizado no Leprosário São Francisco de Assis passou a ser mais intenso,
utilizando injeções semanais nas regiões das manchas e úlceras, ésteres e compostos de
chaulmoogra.

287
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº125.
288
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº125.
289
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 77.
290
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 84.
147

Analisando as fichas clínicas presentes no Arquivo do Leprosário São Francisco,


observa-se que as informações presentes nelas foram produzidas de maneira contínua, o que nos
permite concluir que regularmente os médicos realizavam supervisão dos doentes. Essa prática de
acompanhamento dos doentes será chamada neste trabalho de revisão clínica, como foi
denominada na documentação oficial do isolamento, ocorrida a partir de 1936. Essa revisão
médica seguia os mesmos procedimentos realizados no período de entrada do doente no
isolamento, como o exame bacteriológico da mucosa nasal e a análise do corpo do doente.
No processo de análise do corpo do doente pelo médico, a revisão clínica ganhou um
novo elemento: a necessidade de registrar a presença da doença e as suas características. Os graus
de incidência das manchas, das ulcerações e lesões da pele eram registrados em um desenho do
corpo humano. Para cada tipo de lesão e evolução da doença, os médicos utilizavam um símbolo
especifico291. Esse processo avaliativo passou a ser realizado de forma contínua, registrando a
evolução da doença ou a sua cura clínica. Em alguns pacientes, verificou-se a presença do exame
anual, enquanto em outros doentes o exame era realizado com um espaço de tempo maior.
A presença da revisão médica no isolamento foi associada à utilização de compostos
químicos, desenvolvidos ao longo das décadas de 1930 e 1940. A partir da utilização regular dos
medicamentos e das práticas realizadas no interior do isolamento, os doentes poderiam chegar à
cura recebendo alta do isolamento. A ideia de o doente alcançar a cura, durante os primeiros anos
do século XX, era entendida como algo impossível, contudo essa concepção sofreu modificação
entre a classe médica a partir da década de 1930. No entanto, o processo de cura dos leprosos
seguia uma série de padrões científicos e práticas médicas estabelecidas nas instituições de
isolamento. Segundo o Serviço de Profilaxia da Lepra de São Paulo, de acordo com o Dr. Nelson
de Souza Campos, a cura do leproso seguia vários procedimentos, como o tempo de infecção, a
idade do doente, o estado da doença em seu corpo, o período que estava em tratamento e a
profilaxia desenvolvida. De acordo com esse médico, o tempo estimado para ser curado da
doença do mal de Hansen era de aproximadamente seis anos e, mesmo após a alta da instituição
de isolamento, o doente era obrigado a realizar exames periódicos, sob a vigilância médica 292. O
tratamento da lepra realizado nessas instituições seguia os preceitos científicos proclamados no

291
Ver Imagem 9.
292
BECHELLI, Luiz Marinho. Simpósio sobre a epidemiologia e a profilaxia da lepra (1933-1954). Revista
Brasileira de Leprologia, São Paulo, Sociedade Paulista de Leprologia, v. 3, n. 22, set. 1954.
148

período, baseados em exames científicos comprobatórios, análise do médico (o único capaz de


identificar essa evidência) e o uso de compostos químicos adequados.
No Leprosário São Francisco de Assis, foi identificada a presença da alta dos doentes,
no entanto não existem documentos retratando explicitamente os procedimentos médicos para a
liberação do interno da instituição. A partir das fichas clínicas individuais, inferi que esse
procedimento seguia os mesmos caminhos proclamados pelo Dr. Nelson de Souza Campos, em
São Paulo: verificação do corpo do doente, resultado do exame bacteriológico, idade de entrada
na instituição e utilização dos compostos químicos.
A leprosa Maria de Lourdes Lima, internada em nove de dezembro de 1929, aos dez
anos de idade, foi uma das internas que recebeu alta do isolamento potiguar em vinte e dois de
dezembro de 1930. Segundo os dados presentes na sua ficha clínica, Maria de Lourdes Lima
realizou o exame da mucosa nasal no momento da internação, sendo positivo para o bacilo de
Hansen. No seu corpo foram identificadas diversas manchas nos braços, nas pernas e no dorso,
no entanto, não apresentava infiltrações, zonas de anestesia e úlceras no seu corpo 293. Apesar de
possuir a bactéria no seu organismo e apresentar sintomas da lepra, a paciente recebeu alta do
isolamento. Posso inferir que esse benefício ocorreu devido à idade que Maria de Lourdes
apresentava e ao fato de não possuir zonas de infiltrações e regiões com anestesia, como retratou
o médico: não apresentava manchas sensíveis.294
No entanto, Maria de Lourdes foi reinternada em quinze de dezembro de 1932, dois
anos após a sua alta hospitalar. Diante dos dados, posso inferir que os internos que adquiriam o
benefício da alta no Leprosário São Francisco de Assis eram acompanhados pelo Serviço de
Saneamento Rural e pelos médicos, por meio dos exames das suas manchas e do teste
bacteriológico. O retorno de Maria de Lourdes ao isolamento potiguar confirma o que foi
retratado pelo Presidente do Estado Juvenal Lamartine em discurso proferido na Assembleia
Legislativa: “elles [os doentes de lepra] ficarão obrigados a comparecer a repartição competente,
pelo menos duas vezes por anno, afim de serem submetido a inspecção de saúde”295. A alta
hospitalar condicionava o leproso a realizar exames periódicos e sofrer inspeção médica para

293
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 105
294
LEPROSÁRIO SÃO FRANCISCO DE ASSIS. Ficha Clínica nº 105.
295
RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada pelo Exmo. Dr. Juvenal Lamartine de Faria, Presidente do
Estado do Rio Grande do Norte, à Assembleia Legislativa, por ocasião da abertura da terceira sessão da décima
terceira legislatura. Natal: Imprensa Oficial, 1929, p. 67.
149

avaliar a evolução da doença no corpo. A reinternação de Maria de Lourdes comprova que, caso
a doença continuasse a evoluir, o leproso seria submetido novamente ao isolamento.
A evolução das manchas no corpo era um dado importante na evidência do
tratamento e no processo da alta hospitalar. O paciente Santos Marcolino foi internado com dez
anos de idade e permaneceu isolado a década de 1940. A partir do tratamento realizado no
interior do isolamento São Francisco de Assis, os seus resultados foram apresentados como: “o
seu mal vem gradativamente regredindo, apezar da irregularidade do tratamento na fase de 1930 a
1936. Desaparecimento das manchas eritematosas, persistindo alguns lepromas maiores
tuberculosos”296. Essas manchas eram presentes nos braços, nas coxas e nas nádegas do doente.
Com o desaparecimento das manchas no corpo do doente, os médicos indicaram a sua alta
hospitalar, mesmo não tendo sido realizado o exame bacteriológico da mucosa nasal.
Vários pacientes receberam alta, sobretudo a partir da década de 1940, como
retratado anteriormente, o tempo de permanência isolado no Leprosário São Francisco de Assis e
a idade que entrou no estabelecimento foram elementos importantes para delimitar a alta
hospitalar dos doentes. Segundo relato do jornal não identificado, de dezesseis de dezembro de
1940, presente no acervo pessoal do ex-presidente do Estado José Augusto Bezerra de Medeiros:
“[...] da colônia S. Francisco de Assis, e graças ao tratamento recebido, já saíram cerca de 15
portadores do mal de Hansen, clinicamente curados, não se tendo verificado até agora nenhum
caso de reincidência entre os egressos ”297.
A partir desse recorte de jornal, é possível inferir que, durante a década de 1920, o
combate à lepra consistia exclusivamente no isolamento dos doentes e na utilização de alguns
compostos de chaulmooogra, sendo a exclusão do leproso do convívio da sociedade a função do
isolamento do Rio Grande do Norte. O tratamento dos doentes sofreu modificações,
especialmente a partir de 1936, o Leprosário São Francisco de Assis tinha a função de isolar os
leprosos, mas também adquiriu a função de cuidar dos doentes, de conter as manchas, reduzir as
dores e reinserir esse doente na sociedade. Essa função do leprosário foi descrita pelo médico
Varella Santiago: doente que se isola é doente que se educa e que adquire o hábito do
tratamento298. Assim, o leprosário tinha a função de formar os doentes de lepra, adquirindo novos
hábitos de higiene e comportamento condizentes com as ideias sanitárias vigentes.

296
JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929, p. 2.
297
JORNAL NÃO IDENTIFICADO, 16 de outubro de 1940.
298
JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 03 de julho de 1929.
150

Dessa forma, afirmo que o tratamento dos leprosos implantado no Leprosário São
Francisco de Assis adquiriu características diferentes durante o seu período de atuação no Estado,
seguindo os preceitos médicos e científicos proclamados em cada período.
151

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Hanseníase é uma doença que merece atenção das políticas públicas de saúde no
Brasil, anualmente são descobertos novos casos de hansenianos, sobretudo nas áreas do norte do
país. Sabe-se que se trata de uma doença bacteriológica que atinge o sistema nervoso,
comprometendo a sensibilidade ao frio, ao calor e à dor. O seu tratamento é baseado no uso de
antibióticos e na prevenção dos sintomas mais gerais. No entanto, apesar das modificações das
políticas públicas de tratamento da Hanseníase e do conhecimento sobre as suas formas de
transmissão, os portadores dessa doença ainda são estigmatizados e de forma geral as pessoas
ainda possuem informações equivocadas sobre o bacilo de Hansen.
É evidente que grande parte desse imaginário sobre a Hanseníase possui ligação com
a sua origem religiosa, que atrelava as manchas na pele com as marcas do pecado. Parte desse
imaginário presente no Brasil também está ligado à implantação da política pública de isolamento
dos leprosos efetivada durante a década de 1920 e perpetuada até a década de 1970.
Os isolamentos de leprosos foram construídos em todos os Estado do Brasil e as suas
desinstalações ocorreram de forma específica em cada instituição. No Leprosário São Francisco
de Assis, o processo de desativação ocorreu de forma lenta e gradual, abrigando doentes até a sua
desinstalação definitiva nos anos 2000. A primeira transformação realizada na sua
funcionalidade ocorreu durante a década de 1980, o antigo edifício de isolamento se transformou
no Hospital Dermatológico Dr. José Maciel, atendendo a comunidade e os internos que
permaneciam residindo nas casas do antigo leprosário. Esse hospital funcionou, segundo consta
no Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis, até o ano de 2002. Atualmente, o edifício do
antigo leprosário é utilizado como almoxarifado da Secretaria Estadual de Saúde, funcionando
como local de depósito.
A história do edifício do Leprosário São Francisco de Assis, bem como a sua atual
funcionalidade nos serviços de saúde, representa o local que essa instituição ocupa na memória
da saúde da cidade. Durante as décadas de 1920 e 1930, o leprosário ocupou posição de destaque
nas políticas públicas de atenção à saúde. Exaltado como símbolo da modernidade, espaço da
racionalidade científica do período, atualmente a sua trajetória é colocada à margem na História
da saúde de Natal. Essa ausência do papel do leprosário na história da cidade também pode ser
152

visualizada no cuidado com o arquivo da instituição e na cristalização da memória do médico


Varella Santiago Sobrinho.
A pesquisa sobre o Leprosário São Francisco de Assis foi iniciada a partir da
organização do arquivo dessa instituição encontrado no edifício do antigo isolamento o qual se
encontrava em péssimas condições de organização e de condicionamento. O local e a forma como
o arquivo foi encontrado demonstra o descaso com a história da instituição hospitalar e a falta de
cuidado com os documentos históricos do Estado. A história do arquivo do leprosário demonstra
não só o descaso com a instituição, mas evidencia também o estigma que a doença ainda possui
no imaginário popular. Entre as ideias estava o receio das pessoas de manusear o arquivo do
leprosário devido ao medo de ser contagiado pela bactéria.
A partir do contato inicial com a documentação que compõe o Arquivo do Leprosário
São Francisco de Assis, muitas lacunas foram encontradas, como o percurso dessa instituição no
Estado, o período do seu funcionamento, como foi edificado, quais partes formavam a instituição
como era realizada a entrada dos doentes, quantos doentes de lepra existiram no Estado, quem
eram os médicos que atuavam no isolamento, com era a vida cotidiana dos internos e dos
médicos, como ocorreu a sua desativação, onde os internos foram morar, quando começou a
funcionar o Hospital José Maciel.
Diante da falta de respostas para tais questões e a falta de informações sobre a história
da instituição, o presente trabalho refletiu sobre os mecanismos que possibilitaram a construção
do isolamento potiguar, como ocorreu o processo de edificação, quais grupos que participaram
ativamente desse projeto de governo. Para realizar este estudo foi necessário ir além das ideias
sanitárias proclamadas em nível estadual e conhecer a política sanitária nacional e as ideias
médicas que embasavam o isolamento dos doentes em instituições específicas. Também foi
necessário conhecer os casos de lepra presentes no Estado, o início do processo de notificação e
registro dos doentes e os órgãos responsáveis por essa investigação. Contudo, várias perguntas
ainda precisam ser respondidas sobre a profilaxia da lepra realizada no Rio Grande do Norte e
novas pesquisas necessitam ser realizadas sobre a história da lepra e a história da saúde do
Estado.
A profilaxia instaurada no Brasil e no Rio Grande do Norte no combate à lepra era
parte de um processo de organização da saúde pública nacional, que tinha o objetivo de formar
uma nova nação, moderna e saudável. A partir da década de 1920, a lepra tornou-se objeto da
153

atenção de médicos e políticos, o medo de disseminação da doença levou a organização de uma


rede serviços e órgãos institucionais responsáveis pela fiscalização, pesquisa e controle do bacilo
de Hansen. No plano nacional foram criados o Departamento Nacional de Saúde Pública e a
Inspetoria de Profilaxia da Lepra e instaurado o Decreto nº 16.300, de trinta e um de dezembro de
1923, que definia as diretrizes sanitárias nacionais.
Enquanto as políticas públicas nacionais buscavam formas de conter o avanço da
lepra entre a população, o Rio Grande do Norte realizava uma política de saúde voltada para a
implantação de medidas sanitárias no cotidiano da população, a contenção das epidemias ligadas
ao aparelho digestivo, obras de saneamento e a redução dos números elevados da mortalidade
infantil. No que se refere às instituições médicas, o estado também criava novas instituições e
novas práticas médicas eram implantadas, mas não existia ainda uma preocupação com o
recolhimento dos leprosos ou a notificação dos casos suspeitos. As primeiras ações direcionadas
ao combate à lepra no Rio Grande do Norte foram tímidas e tinham como principal objetivo
conhecer os leprosos que viviam no Estado. Para tal ação, o Serviço de Saneamento Rural, por
meio dos postos de profilaxia rural, foi o responsável por realizar esse levantamento a partir do
ano de 1923.
À medida que as diretrizes nacionais intensificavam o debate e os discursos em torno
da necessidade de combater a disseminação da lepra por meio do isolamento dos doentes em
espaços médicos especializados, no Rio Grande do Norte, essas ideias ganhavam espaço entre os
dirigentes políticos e entre a classe médica. Entre os principais nomes, estão os políticos José
Augusto Bezerra de Medeiros e Juvenal Lamartine e o médico Manoel Varella Santiago
Sobrinho.
Esses personagens foram responsáveis pela instalação de uma rede de instituições
médicas destinadas ao combate à lepra no Estado formada pelo Leprosário São Francisco de
Assis (fundado oficialmente em 1929), o Preventório Osvaldo Cruz (fundado em 1938, que
receberia, para educar, os filhos de leprosos), e a Sociedade de Assistência aos Lázaros (fundada
em 1930, após o fim das atividades de construção do leprosário). Assim, o leprosário compunha
um dos elementos de profilaxia da lepra.
A construção do Leprosário São Francisco de Assis fez parte de uma política pública
sanitária que visava colocar o Rio Grande do Norte no processo de modernização e na busca da
introdução da ciência nos serviços públicos. Nesse processo, o combate à lepra se transformou
154

em questão central no plano de governo de José Augusto Bezerra de Medeiros e Juvenal


Lamartine. É importante destacar que apesar de existir um conjunto de discursos que exaltava a
necessidade de construção de um espaço médico para isolar os leprosos potiguares, o Estado não
possuía recursos financeiros para construir e manter o isolamento. Nesse sentido, diferente dos
demais Estados da União, que somente iniciaram a edificação dos leprosários após 1930, o Rio
Grande do Norte realizou uma série de ações filantrópicas destinadas a angariar fundos para a
construção do espaço médico. Nesse processo, a participação de grupos pertencentes a igreja
católica foi de grande importância na organização de eventos, inserindo a construção do
leprosário como uma ação de caridade e de misericórdia.
O Leprosário São Francisco de Assis respondeu a dois anseios distintos: o anseio dos
governos (José Augusto Bezerra de Medeiros e Juvenal Lamartine) de exercer um mandato
moderno voltado para o desenvolvimento do Estado na área da saúde; e o anseio da população de
manter todos os doentes de lepra, que eram vistos como perigos ambulantes, isolados em um
lugar distante da cidade.
Além desse aspecto, é importante ressaltar que o leprosário possuiu uma trajetória
única, desde o seu processo de construção ao seu processo de desativação. Sem recursos para a
construção do empreendimento, o diretor do Departamento de Saúde Pública do Estado, o Dr.
Manoel Varella Santiago Sobrinho utilizou como solução recolher os leprosos no antigo
Isolamento São Roque, destinado a isolar os variolosos. Esse isolamento possuía as
características necessárias para recolher os doentes: era longe do centro urbano, possuía arvores
de vivendas, tinha instalações sanitárias adequadas, era longe de áreas alagadas. Nesse primeiro
momento de funcionamento, o leprosário apresentou as seguintes características: sua arquitetura
foi baseada no modelo pavilhonar, já que a sua estrutura seguiu o modelo do Isolamento São
Roque, o seu funcionamento iniciou-se no ano de 1926, com a internação de três doentes. Esses
leprosos ficaram pouco tempo no isolamento e não foi possível, no decorrer da pesquisa, obter
informações de como esses internos chegaram à instituição, quem os recebeu, quais as suas
atividades, como esse início do isolamento foi realizado. Nos dois anos seguintes o leprosário
continuou a receber internos nos dois antigos pavilhões, mantendo a mesma estrutura e as
mesmas características das práticas médicas.
A partir de 1928, iniciaram novas edificações na mesma área onde funcionava o
isolamento. Inaugurou-se oficialmente o Leprosário São Francisco de Assis no ano de 1929, com
155

três grupos de casas entregues ao longo do ano. Nesse período, o leprosário adquiriu novas
características que transformaram as práticas médicas e a própria concepção de isolamento. A
nova estrutura física caracterizada por grupos de casas construídas para abrigar entre três ou
quatro doentes, de acordo com o sexo e a condição financeira, transformou o antigo leprosário em
Vila São Francisco de Assis, como defendeu o seu diretor, Varella Santiago.
A organização das casas correspondia às novas práticas médicas profiláticas e seguia
as diretrizes nacionais de combate à lepra. O leprosário ganhou novo significado entre alguns
segmentos da sociedade e entre os próprios internos da instituição. Após a inauguração oficial,
recebeu um número expressivo de doentes oriundos de diferentes regiões do Estado e com grau
diverso de infestação da doença no corpo.
Após alguns anos de funcionamento, o leprosário recebeu diversas intervenções
físicas e médicas, tais como: a inserção das casas, da escola rudimentar, a sala de cinema, escola
técnica, cemitério, espaço para as irmãs de caridade e outras melhorias. Espaços e serviços para
os internos se sentirem em um lugar prazeroso e em contato com as novas ideias modernas. A
inserção desses serviços, bem como a ideia de construir um isolamento como uma vila, foi ideia
do médico Manoel Varella Santiago Sobrinho, diretor e médico do leprosário. Esse médico atuou
durante muitos anos à frente da direção do Leprosário São Francisco de Assis, dirigiu a
Sociedade de Assistência aos Lázaros e foi o mentor da construção do Educandário Osvaldo
Cruz.
Apesar dessa atuação expressiva na profilaxia da lepra, a sua imagem é marcada na
memória da cidade como grande benfeitor das crianças desvalidas e precursor da educação
feminina. Toda a sua participação no processo de idealização e construção do leprosário, como na
promoção de políticas públicas para os portadores lepra, ficou marcada apenas nos muros do
Leprosário São Francisco de Assis e na memória dos antigos internos. Esse elemento evidencia o
esquecimento da política de combate à lepra no Estado e demonstra o estigma que ainda existe
sobre a doença e os seus portadores.
Essa exaltação do médico Varela Santiago apenas como benfeitor das crianças indica
que a sociedade cristaliza os feitos bem-sucedidos de determinadas figuras públicas e demonstra
que ainda se busca, no que diz respeito à narração das trajetórias médicas, exaltar a figura heroica
do médico, como o grande transformador da saúde, o homem detentor da razão e do saber
científico. É importante afirmar que o médico Varella Santiago foi entendido neste trabalho como
156

um indivíduo proveniente no seu tempo, fruto da formação intelectual e científica com qual
entrou em contato. O processo de isolamento dos doentes em asilos e leprosários, bem como o
uso das substâncias químicas no tratamento dos leprosos defendidos por Varella Santiago era
visto, nessa sociedade, como prática moderna de profilaxia.
Não foi intenção do trabalho construir uma trajetória do médico Varella Santiago,
mas buscar entender quem foi esse médico que idealizou o Leprosário São Francisco de Assis e
atuou diretamente no tratamento desses doentes. Varella Santiago, ao idealizar a construção do
isolamento, optou por construir uma pequena cidade em que os internos associassem a colônia a
sua vida cotidiana. Dessa forma, o leprosário foi edificado em grupos de casas, onde os internos
dividiam o espaço com outros doentes e as famílias isoladas não eram separadas. Essa forma de
isolar os internos diferia de outras instituições totais que eram baseadas no modelo pavilhonar e
na segregação dos doentes.
Este trabalho não tinha como objetivo exaltar a construção do leprosário ou a prática
de segregação imposta pela política pública de profilaxia da lepra, mas buscar entender os fatores
que impulsionaram a edificação do Leprosário São Francisco de Assis e as ideias que orientaram
a construção dessa instituição de isolamento.
O Leprosário São Francisco de Assis foi formado por dois grupos de personagens
principais: os funcionários (os médicos e as irmãs de caridade), que representavam a ordem e a
vigilância, e os internos, que representavam o medo e a caridade. Além do processo de profilaxia
instaurado com a edificação do leprosário, tentei entender quem eram os personagens que
formavam a instituição de isolamento.
A partir dos dados coletados dentro do recorte temporal proposto, afirmo que os
internos do leprosário eram compostos na sua maioria por homens entre os trinta e quarenta anos
de idade. Esses doentes eram provenientes das classes mais baixas da sociedade, sendo
caracterizados como situação econômica de poucos recursos ou pobre. As principais profissões
identificadas foram: lavradores, pescadores, pintores; entre as mulheres as atividades exercidas
eram restritas ao espaço doméstico, como lavadeiras, cozinheiras e domésticas. A situação
econômica dos internos interferiu na habitação que ocuparia dentro leprosário, na possibilidade
de continuação do tratamento no domicílio e na concessão das altas hospitalares.
Apesar de se tratar de uma instituição de isolamento baseada na vigilância e com
regras de convivência bem definidas, os internos construíram práticas culturais próprias e novos
157

códigos de conduta. A organização interna do leprosário tinha como principal elemento a divisão
dos internos por sexo, situação econômica e laços matrimoniais. Contudo, ao analisar o perfil dos
internos que formavam a instituição, conheci diferentes trajetórias que indicaram que os doentes
isolados criaram formas de romper com a vigilância e as regras estabelecidas. Entre as práticas
identificadas, ressalto o casamento de dois leprosos dentro do isolamento e logo depois a evasão
do casal. Esse elemento rompe uma série de ideias e padrões estabelecidos pela instituição. A
primeira regra transgredida foi a união de indivíduos leprosos que poderiam gerar filhos também
leprosos, segundo as teorias médicas do período; A segunda transgressão foi o contato
estabelecido entre os próprios internos que deveriam ocupar espaços diferentes no leprosário; por
fim, o rompimento da vigilância física, demonstrando que os dois internos planejaram e
arquitetaram um plano de fuga do isolamento, não respeitando os modelos estabelecidos.
Vários internos evadiram-se do leprosário, demonstrando que os doentes sempre
criavam maneiras de burlar as normas estabelecidas pela direção. A própria composição dos
internos e a organização das casas contribuíam para a criação de novos códigos de conduta. Ao
observar o perfil dos internos do leprosário, inferi que os doentes apresentavam características
(situação econômica, profissão, história de contaminação, sintomas, idade, naturalidade)
semelhantes, bem como existiam muitos laços de parentescos, esses dados contribuíram para a
criação de laços de cumplicidade e de ajuda mútua.
Ao longo deste trabalho, procurei compreender como ocorreu o combate à lepra no
Rio Grande do Norte a partir do isolamento dos doentes realizado no Leprosário São Francisco de
Assis. Nesta análise, evidenciaram-se os indivíduos que participaram desse processo, a atuação
de grupos da sociedade que buscaram a edificação do isolamento, os indivíduos acometidos pela
moléstia que foram excluídos do convívio social e os médicos que atuaram na profilaxia da lepra.
A partir do estudo realizado, observei que as concepções sobre as doenças e as
práticas médicas empregadas sofreram modificações ao longo do tempo. A exclusão dos doentes
portadores do mal de Hansen, encarada nas décadas de 1920 e 1930 como prática profilática, hoje
é observada como uma prática segregacionista. As políticas públicas de saúde, bem como o
campo da história da saúde e da doença, são temas que ainda apresentam uma diversidade de
problemas e objetos a serem analisados. O combate à lepra no Rio Grande do Norte é um desses
objetos que carecem de estudos e análises.
158

FONTES

A REPÚBLICA. Natal, 1910-1920.

SANTIAGO, Varella. Tabagismo. Boletim de Instrução. Conselho da Caixa Escolar Grupo Frei
Miguelinho, Natal, v. 74, n. 02, mar.1918.

BRASIL, Coleção de Leis. Decreto nº. 3.987, de 02 de janeiro de 1920. Rio de Janeiro, 1920.

BECHELLI, Luiz Marinho. Simpósio sobre a epidemiologia e a profilaxia da lepra (1933-1954).


Revista Brasileira de Leprologia, São Paulo, Sociedade Paulista de Leprologia, v. 3, n. 22, set.
1954.

CORREIO DA MANHÃ, 30 de agosto de 1922.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife,1917.

DIÁRIO DE PERNAMBUCO, Recife,1918.

JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, 1929.

JORNAL DO COMMERCIO, Rio de Janeiro, 1910.

O IMPARCIAL. Maranhão, 1929.

O PAÍS, Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1924.

RIO GRANDE DO NORTE. Falla lida a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte pelo
Presidente, José Moreira Alves da Silva no dia 15 de março de 1886, ao insntallar-se Ella
extraordinariamente. Natal: Typ. do Correio do Natal, 1886.

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem lida perante o Congresso Legislativo do Estado na


abertura da primeira sessão da quarta legislatura pelo governador Alberto Maranhão. Natal: Typ.
d’A República, 1904.

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo na abertura da


primeira sessão da sexta legislatura em 01 de novembro de 1907 pelo governador Antonio José
de Mello e Souza.Natal: Typ. d’A República, 1907.

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo na abertura da


terceira sessão da sexta legislatura em 01 de novembro de 1909 pelo governador Alberto
Maranhão. Natal: Typ. d’A República, 1909.

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo na abertura da


terceira sessão da sétima legislatura em 01 de novembro de 1912 pelo governador Alberto
Maranhão. Natal: Typ. d’A República, 1912.
159

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo na abertura da


segunda sessão da oitava legislatura em 01 de novembro de 1914 pelo governador
Desembargador Joaquim Ferreira Chaves: Typ. d’A República, 1914.

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo na abertura


primeira sessão da décima legislatura em 01 de novembro de 1918 pelo governador
Desembargador Joaquim Ferreira Chaves. Natal: Typ. d’A República, 1918.

RIO GRANDE DO NORTE. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo na abertura


segunda sessão da décima legislatura em 01 de novembro de 1919 pelo governador
Desembargador Joaquim Ferreira Chaves. Natal: Typ. Commercial – J. Pinto, 1919.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE. Tratado de leprologia: história da lepra no


Brasil e sua distribuição geográfica. Serviço Nacional da Lepra. 2. ed. Rio de Janeiro, 1950. v.1.
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164

ANEXOS
165

Imagem 1: Fotos do Lazarópolis do Prata, primeiro Leprosário do Brasil, inaugurado em junho 1924.299

Fonte: Arquivo Casa Oswaldo Cruz – Fundo SA Souza-Araújo. Disponível em:


<http://arch.coc.fiocruz.br/index.php/i5kkt>.

Nota: O Lazarópolis do Prata foi instalado no antigo Instituto da Infância desvalida. O lugar estava situado na Vila de Santo
Antônio do Prata, no atual município de Igarapé-Açu, localizado a cem quilômetros da cidade de Belém.

299
Em razão da dificuldade de leitura da legenda da fotografia, resolvi transcrever o conteúdo do texto. “Aspectos da
Lazarópolis do Prata, Pará, primeiro leprosário oficial, fundado em junho de 1924 pelo Dr. Souza Araújo. Ampliado
em 1937 tem hoje 900 leprosos. Está sendo construído um novo leprosário para 1.000 doentes em Marituba, Belém”.
A fotografia não possui data identificada.
166

Imagem 2: Fotos da Construção de Leprosário São Roque, situado no municipio de Piraquara, no Paraná,
inaugurado em 1926

Fonte: CASTRO, Elizabeth Amorim. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da hanseníase na
perspectiva da relação espaço-tempo. Revista Ra’ e Ga, Curitiba, n. 10, p. 09-32.

Nota: Retrata a construção do Leprosário São Roque, com duração de dezessete meses.
167

Imagem 3: Foto da vista panorâmica do conjunto hospitalar do Leprosário São Roque, situado no

município de Piraquara, no Paraná, inaugurado em 1926.

Fonte: CASTRO, Elizabeth Amorim. O Leprosário São Roque e a modernidade: uma abordagem da hanseníase na
perspectiva da relação espaço-tempo. Revista Ra’ e Ga. Curitiba, n.10, p. 09-32.

Nota: Vista panorâmica de um dos conjuntos arquitetônicos do Leprosário São Roque, fundado em 1924, estando no
centro da imagem a administração do isolamento.
168

Imagem 4: Foto da central telefônica do Leprosário Santo Ângelo, situado no município de Mogi das
Cruzes, em São Paulo, inaugurado em 1928.

Fonte: Arquivo Casa Oswaldo Cruz – Fundo SA Souza-Araújo. Disponível em:


<http://arch.coc.fiocruz.br/index.php/i5kkt>.

Nota: Leprosário Santo Ângelo, em São Paulo, em destaque a Central telefônica. Sem data de produção.
169

Imagem 5: Foto das casas destinadas aos casais do Leprosário Santo Ângelo, situado no município de
Mogi das Cruzes, em São Paulo, inaugurado em 1928.

Fonte: Arquivo Casa Oswaldo Cruz – Fundo SA Souza-Araújo. Disponível em:


<http://arch.coc.fiocruz.br/index.php/00qhm>.

Nota: Vista das casas destinadas aos casais presentes na Colônia Santo Ângelo, em São Paulo. A fotografia não
apresenta data de produção.
170

Imagem 6: Fotografia do Leprosário São Francisco de Assis, construído no ano de 1925, em Natal

Fonte: Arquivo Casa Oswaldo Cruz – Fundo SA Souza-Araújo. Disponível em:


<http://arch.coc.fiocruz.br/index.php/xxotp>.

Nota: Vista do Leprosário São Francisco de Assis ,inaugurado em 1926, no município de Natal, situado no Rio
Grande do Norte. Apresenta o primeiro edifício composto de seis residências para casais. À direita, está o pavilhão
de diversões (cinema etc.).
171

Imagem 7: Ficha clínica dos pacientes dos anos 1920

Fonte: Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.


172

Imagem 8: Ficha clínica dos pacientes dos anos 1930

Fonte: Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.


173

Fonte: Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.


174

Imagem 9: Ficha clínica de revisão dos pacientes da década de 1940

Fonte: Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.


175

Fonte: Arquivo do Leprosário São Francisco de Assis.


176

Dados dos pacientes

Ano: 1926

Nome do Idade no Data da Sexo Cidade / Data de Cor Estado civil Diagnóstico do médico sobre a
paciente momento da internação País de Falecimento (F) moléstia no paciente no momento da
internação Origem evasão (E) ou internação
alta (A)
Jorge Friscle 41 20/07/1926 M França F - 05/11/1926 Branca Solteiro Face leonina - Estado grave.
Acompanhado pelo serviço de
Profilaxia
Residiu no Pará.
Bento Gomes de 28 04/10/1926 M Macaíba F - 29/04/1927 Parda Casado Não consta
Oliveira

Ano: 1927

Nome do Idade no Data da Sexo Cidade / Data de Cor Estado civil Diagnóstico do médico sobre a
paciente momento da internação País de Falecimento (F) moléstia no paciente no momento da
internação Origem evasão (E) ou internação
alta (A)
Francisco 47 02/01/1927 M Currais F - 06/05/1927 Parda Casado Dormência nos pés com completa
Avelino Novos insensibilidade.
Ana Fernandes 50 14/01/1927 F Natal F - 09/02/1933 Branca Casada Sensação forte de calor no corpo,
Lima dormência nas pernas, pés e mãos.
Acompanhada pelo Serviço de
Profilaxia
Emiliano da 50 22/03/1927 M Sant´Ana F- 26/08/1928 Parda Casado Os sintomas iniciaram há
Fonseca e Silva aproximadamente cinco anos.
Dormência e infiltrações nos pés.
177

Luiz Peregrino Não


28 04/06/1927 M F - 05/07/1928 Parda Solteiro Não Consta
da Cruz consta
Os sintomas iniciaram há
Joaquim E – 08/08/1927 aproximadamente quatro anos.
Pedra
Pimenta de 32 08/08/1927 M F - 09/1928 em Branca Casado Dormência e ferida na mão esquerda,
Branca
Paiva Pedra Branca face leonina e queda dos supercílios.
Residiu durante oito anos no Pará.
Manchas nos membros superiores e
Euclides inferiores, infiltrações e insensibilidade.
53 08/11/1927 M Assú F - 15/04/1939 Branca Solteiro
Diocleciano Residiu no extremo norte entre 1906 a
1909.
Dormência nos pés e mãos. Apresentava
Idalino Não
67 11/11/1927 M F - 30/04/1928 Pardo Casado obstrução nasal.
Fernandes consta
Foi contaminado no Ceará.
Francisco
Currais Não consta
Guilherme 42 20/12/1927 M F - 17/05/1928 Pardo Casado
Novos Não realizou o teste da mucosa nasal
Gomes da Silva

Ano: 1928

Nome do Idade no Data da Sexo Cidade / Data de Cor Estado civil Diagnóstico do médico sobre a
paciente momento da internação País de Falecimento (F) moléstia no paciente no momento da
internação Origem evasão (E) ou internação
alta (A)
Início da doença em 1925 com o
João Varela Ceará-
58 12/03/1928 M F - 12/05/1935 Branca Casado aparecimento de manchas e obstrução
Barca mirim
nasal. Conviveu com um irmão leproso.
Adagilsa Varela Ceará- Início da doença em 1922 com
15 12/03/1928 F F - 20/08/1929 Branca Solteira
Barca mirim aproximadamente onze anos.
178

Manchas na perna esquerda


Acompanhada pelo Serviço de
Profilaxia Rural
Febre acompanhada de erupção e
Ana Vieira da
26 20/03/1928 F Paraíba F - 22/03/1928 Branca Viúva manchas no rosto e pernas.
Silva
Entrou na instituição moribunda
Início da doença em 1921 com
Josias Pereira de Ceará- ulceração nas mãos.
20 22/04/1928 M F - 13/07/1933 Parda Solteiro
Araújo mirim Acompanhado pelo Serviço de
Profilaxia Rural
Início da doença no ano 1918 com
José Gadelha da dormência nos pés e nas mãos.
40 27/04/1928 M Macaíba Não consta Parda Casado
Costa Residiu no Pará entre os anos de 1909 a
1919
Dores fortes e dormência nos pés e nas
Anysio da Maxaran
24 14/05/1928 M F - 16/06/1931 Branca Solteiro mãos. Conviveu com o pai leproso
Camara guape
durante vários anos.
Joaquim
Não
Francisco de 74 30/05/1928 M F - 08/07/1928 Branca Casado Não consta
consta
Oliveira
Dormência nas mãos e manchas no
Manoel
Não rosto.
Francisco de 41 07/06/1928 M F - 26/12/1932 Parda Solteiro
consta Residiu no Acre por quatro anos na casa
Andrade
de uma leprosa.
Maria do Carmo
Início da doença aproximadamente em
de Oliveira 56 14/06/1928 F Natal F - 09/12/1934 Branca Solteira
1898. Apresenta pés e mãos mutilados.
Costa
Maria das Dores Porto
50 26/06/1928 F F - 27/01/1933 Parda Casada Coceira no corpo e dores nas mãos.
Ferreira Alegre
Raimundo 12 11/07/1928 M Natal Não consta Parda Solteiro Início da doença aproximadamente em
179

Ponciano 1924. Apresentava dores nas mãos,


obstrução nasal e queda dos supercílios.
Esteve no Pará por dois ou três anos.
José Dias de
30 18/07/1928 M Mossoró F - 29/08/1932 Parda Casado Dormência e insensibilidade nos pés.
Oliveira
José Florencio Dormência nas pernas e nos pés.
63 18/07/1928 M Mossoró F - 07/03/1931 Branca Casado
Pereira Residiu no Amazonas entre 1895 a1904.
Joana Maria de Não Dormência nos pés e manchas.
35 28/07/1928 F Não consta Branca Solteira
Jesus consta Apresentava mutilações.
Manoel Bezerra 45 28/07/1928 M Taipú F - 14/09/1929 Parda Casado Infiltração no nariz e anestesias nos pés.
Início da doença aproximadamente em
José Raymundo
35 02/08/1928 M Angicos Não consta Parda Casado 1919 com dor na perna e no pé.
da Silva
Residiu no Pará.
Antonio de Placa no antebraço esquerdo
Lima 13 07/08/1928 M Natal Não consta Pardo Solteiro Acompanhada pelo Serviço de
Profilaxia Rural.
Não
Luiz Dantas 65 14/08/1928 M F - 29/11/1928 Pardo Casado Edema nos pés e zonas de anestesias.
consta
Dormência e manchas em várias áreas
Joana Batista 08 28/08/1928 F Natal F - 07/06/1930 Pardo Solteira
do corpo.
Início da doença aproximadamente em
Ana Eunice da 1924 apresentando dedos mutilados e
16 01/09/1928 F Belém Não consta Branca Solteira
Rocha Bandeira sensibilidades.
Conviveu na casa da sua tia leprosa.
Início da doença no ano de 1916.
Joaquim Julião Dormência nos dedos e anestesias nos
55 04/09/1929 M Arez F - 23/08/1930 Branca Solteiro
Martins pés e mãos.
Residiu no Pará por vinte e quatro anos
180

Ano 1929

Nome do Idade no Data da Sexo Cidade / Data de Cor Estado civil Diagnóstico do médico sobre a
paciente momento da internação Estado/ Falecimento moléstia no paciente no momento da
internação País de (F) evasão (E) internação
Origem ou alta (A)
Manoel Dormência nos pés e zonas de
Ceará-
Bandeira dos 26 04/01/1929 M F - 27/03/1929 Branca Solteiro anestesias.
mirim
Santos Residiu no Pará
Emilia Fagundes Dormência no joelho, na perna e nos
63 24/01/1929 F Natal F - 14/06/1935 Branca Solteiro
de Vasconcelos pés. Teste da mucosa nasal negativo.
Dormência no pé e na mão esquerda.
Teste da mucosa nasal negativo.
Antonio Gomes São José de
Não consta 30/01/1929 M F - 21/10/1932 Parda Casado Residiu no Pará por dois meses
da Silva Mipibu
Acompanhado pelo Serviço de
Profilaxia Rural.
Maria Severina
51 09/02/1929 F Natal F – 19/05/1929 Branca Casada Residiu no Pará no ano de 1906
Bezerra
Maria de
Lourdes da 16 14/02/1929 F Natal Não consta Parda Solteira Feridas no pé esquerdo.
Conceição
Joaquina Maria
Não Inicio da doença no ano de 1928.
Francisca da Não consta F Macaíba F- 24/10/1929 Solteira
consta Manchas e calor no corpo
Conceição
Maria Julia dos Estado grave.
70 16/02/1929 F Ponta Negra F - 27/02/1929 Parda Viúva
S. Cardoso Não realizou o exame da mucosa nasal
Gonçala
Amanda 18 26/02/1929 F Macaíba F - 06/02/1931 Parda Solteira Infiltrações no nariz
Conceição
Maria Alice de 17 06/03/1929 F Belém F - 26/06/1932 Branca Solteira Início da doença no ano de 1923.
181

Barros Manchas e dores em diversas partes do


corpo.
Mal perfurante no pé e ulcerações nos
Joaquim Gomes
37 06/03/1929 F Não consta F - 22/11/1930 Parda Solteiro dedos.
da Silva
Residiu no Pará por oito anos.
Início da doença no ano de1922.
Rosa Maria de S. José do Branca
Não consta 08/03/1929 F F - 22/05/1929 Casada Apresentava manchas vermelhas no
Paiva Mipibu
rosto e nos pés.
Início da doença no ano de 1926.
Dormência no pé e nas mãos, manchas
Joaquina Rosa S. José do
33 08/03/1929 F Não consta Branca Casada no corpo.
da Silva Mipibu
Possuía familiares no Pará. Exame da
mucosa nasal negativo.
Joaquina São José de Manchas e feridas iniciais no corpo
28 08/03/1929 F F- 19/03/1930 Parda Solteira
Francisca da Paz Mipibu atribuída a sífilis. Face leonina.
Antônio
Dormência em algumas partes do corpo
Francellino da 66 09/03/1929 M Taipú F - 25/08/1929 Parda Casado
e anestesias nas mãos e pés.
Silva
Dormência nas extremidades do corpo e
mãos em garra.
Elviro Borges Parda
38 09/03/1929 M Touros Não consta Viúvo Acompanhado pelo serviço de
do Nascimento
Profilaxia Rural.
Residiu no Pará até os 10 anos de idade
Joaquina Maria
Não
Francisca da Não consta 08/03/1929 F Macaíba F - 24/10/1929 Solteira Manchas e calor no corpo
consta
Conceição
Santos Manchas no corpo, dormência e
38 15/03/1929 M Paraíba F - 01/06/1940 Branca Casado
Marcolino insensibilidades.
Joaquina S. José do Início da doença em 1928 com erupção
43 18/03/1929 F F - 03/04/1932 Parda Casada
Vicente de Sant Mipibu tuberculosa na face
182

Ana
Canguareta Formigamento e manchas em várias
Alfredo Galvão 28 23/03/1929 M Não consta Branca Casado
ma regiões do corpo.
Dores nos pés e nas pernas.
João Marcelino
20 06/04/1929 M Não consta F - 34/06/1929 Parda Solteiro Foi infectado por um irmão que adoeceu
Ferreira da Silva
no Pará.
Francisca
Dormência e manchas no corpo, zonas
Nascimento de Não consta 07/04/1929 M Pará Não consta Branca Casada
de anestesias nos pés.
Barros
Inicio da doença no ano de1915.
Poço
Manoel Miranda 42 08/04/1929 M E - 29/11/1934 Branca Casado Manchas e dormência no corpo.
Branco
Teste da mucosa nasal negativo
Inicio da doença no ano de 1923
Nestor Soares
27 16/04/1929 M Paraíba E -13/06/1929 Parda Solteiro Ferida no calcanhar direito. Residiu no
Bezerra
Pará durante cinco anos.
Alta concedida
Inicio da doença no ano de 1927. Dores
Hermildo Lucas pelo diretor do
38 25/04/1929 M Natal Branca Casado e manchas nas costas, sem obstrução
de Oliveira estabeleciment
nasal.
o
Pedro Fernando
Santo Inicio da doença no ano de 1924. Morou
Lima ou Pedro 44 29/04/1929 M F - 10/02/1930 Parda Casado
Antônio com um irmão que esteve no Pará.
Clementino
Inicio da doença no ano de 1923.
Antonia Gomes
48 03/05/1929 F Não consta F - 21/09/1930 Parda Casada Manchas na pele. Residiu no Pará por
do Nascimento
cinco anos.
Inicio da doença no ano de 1927.
A - 01/04/1930
José Pedro do Apresentava dores nos dedos. Residiu
68 10/05/1929 M * A -30/07/1947 Parda Casado
Nascimento no Pará por cinco meses. Exame da
mucosa nasal negativo.
Camilo Amaro 21 15/05/1929 M Juazeiro- E - 03/03/1931 Branca Solteiro Inicio da doença no ano de 1928.
183

Taipú A - 21/05/1937 Dormência na mão esquerda. Exame da


mucosa nasal negativo.
Nódulos na face, lóbulo nos dedos e
Joana Fabricia S. José do
23 15/05/1929 F Não consta Parda Solteira pescoço. Conviveu com uma leprosa
de Oliveira Mipibu
Francisca Juvino Barreto.
Inicio da doença no ano de 1911.
Maria Lourdes
40 18/05/1929 F Não consta Não Consta Branca Casada Dormência nos pés e mãos. Residiu no
Ferreira
Pará durante vinte e cinco anos.
Bellerminio Dormência no pé e anestesias. Exame
Não consta 22/05/1929 M Assu A - 28/01/1935 Parda Casado
Rodrigues da mucosa nasal negativo.
Joaquina
Inicio da doença no ano de 1923.
Francisca da 55 25/06/1929 F Redinha F-10/10/1929 Parda Viúva
Manchas e dormência no corpo.
Costa Ferreira
Há sete anos manchas e dormência no
Maria Eliza de Ceará-
33 09/07/1929 F F - 04/08/1930 Branca Solteira corpo. Contaminada pelo tio Manoel
Carvalho mirim
Sobral.
Inicio da doença no ano 1928.
Joaquim Pedro
46 01/09/1929 M Parelhas Não consta Parda Solteiro Dormência nas mãos. Residiu no Pará
de Sousa
entre os anos de 1904 a 1916.
Maria Soares de Inicio da doença no ano de 1924. Dores
44 02/09/1929 F Assu Não consta Branca Casada
Amorim Joffley fortes, manchas vermelhas.
Joaquina da S. José do Mancha no braço. Dividiu a casa com
57 03/09/1929 F Não consta Branca Viúva
Costa Oliveira Mipibu professora leprosa.
Ana Maria dos Inicio da doença no ano 1927. Manchas
Não consta 04/10/1929 F Macaíba E - 25/06/1934 Parda Solteira
Santos e atrofia dos músculos.
Paulo Dias de Canguareta Dores, infiltrações e sensibilidades no
29 08/10/1929 M Não consta Parda Casado
Tertuliano ma corpo.
E- 19-05-1930
Amancio José
44 21/11/1929 M Parelhas A - 22/12/1930 Branca Casado Sensibilidade nos pés e mãos.
França
184

José Paparana Não consta 10/11/1929 M Touros F-11/02/1930 Branca Casado Dormência nos pés e no corpo.
Inicio da doença no ano de 1925.
Felipe Marinho Canguareta
43 14/11/1929 M F-23/02/1933 Branca Casado Manchas pardas e depois escuras no pé
Filho ma
e no calcanhar.
Manoel Floriano Dores nas articulações e manchas e no
14 06/12/1929 M Assú E -11/08/1939 Branca Solteiro
de Mello corpo
Joaquina de Dormência nos pés e joelho. Trabalhou
42 07/12/1929 F Caicó F -20/09/1930 Branca Casada
Brito no interior do Amazonas,
Sebastião
F - 10/06/1935 Dormência no pé esquerdo e direito.
Serafino de 44 07/12/1929 M Caicó Parda Solteiro
Residiu em Manaus.
Mello
Maria de
A - 22/12/1930 Manchas nas pernas.
Lourdes Lins de 10 09/12/1929 F Macaíba Branca Não consta
A- 10/10/1936
Oliveira
Manoel Gomes Perfuração no pé e infiltrações da face e
65 23/12/1929 M Acari F - 23/06/1931 Branca Casado
da Silva orelhas.
José Pimenta de Poço Dormência nos pés e mãos. Realizou
36 23/12/1929 M Não Consta Parda Casado
Paiva Filho Branco três exames da mucosa nasal.
Joana Alves Ceará-
23 31/12/1929 F F - 29/04/1940 Branca Solteira Dormência nos pés e mãos.
Pereira mirim
185

Ano de 1930

Data de
Idade no Cidade / Diagnóstico do médico sobre a
Nome do Data da Falecimento
momento da Sexo Estado / País Cor Estado civil moléstia no paciente no momento
paciente internação (F) evasão (E)
internação de Origem da internação
ou alta (A)
Francisco Início da doença em 1915 com
Aprigio dos 32 13/01/1930 M Currais Novos F - 08/09/1930 Branca Solteiro dormência no pé direito.
Santos Pés e mãos ulcerados.
Dormência no ombro e úlceras no
Antonio
24 16/01/1930 M Macaíba E – 25/06/1934 Parda Solteiro corpo.
Teixeira
Conviveu com um irmão leproso.
Sebastião E - 26/02/1933 Retração nos dedos e ombros.
42 14/02/1930 M Não consta Branca Casado
Brandão F - 02/1942 Exame da mucosa nasal negativo
Insensibilidade nos pés ao frio e ao
Jacinto Batista E – 10/09/1930
42 21/02/1930 M Paraíba Pardo Casado calor, zonas de anestesias.
da Silva F- 02/03/1939
Residiu no Pará por três anos.
José Martins Insensibilidade ao frio e ao calor e
32 21/02/1930 M Paraíba E – 10/09/1930 Branca Solteiro
Gondim apresenta ulceras na face.
Sensação de calor e dores, mancha
José Batista do
44 27/02/1930 M Caraúbas A – 22/12/1930 Pardo Casado na face. Exame da mucosa nasal
Amaral
negativo.
Manoel Correia Sensação de calor, manchas no
55 13/03/19930 M Goianinha E – 06/10/1930 Branca Solteiro
de Lima corpo.
Dormência nos pés e nas mãos,
Manoel infiltrações nas orelhas.
40 13/03/1930 M * F – 21/05/1930 Pardo Casado
Malaquias Residiu no Pará entre os anos de
1907 a 1915.
Francisco E – 06/10/1930 Dormência nos pés e nas mãos.
68 13/03/1930 M Goianinha Branca Casado
Felicio Dias F – 23/11/1931 Residiu no Pará entre os anos de
186

1919 a 1921
Dormência e zonas de anestesias nos
Francisco
pés.
Antunes de 55 20/03/1930 M Idatuí F – 13/05/1932 Parda Casado
Residiu no Pará entre os anos de
Freitas
1908 a 1910
Olavo Amador S. José do Manchas eritematosas nos braços e
10 31/03/1930 M Não consta Parda Não consta
de Oliveira Mipibu nas pernas.
Joana Nogueira Não apresenta perturbações na
40 07/04/1930 F Macaíba Não consta Parda Solteira
de Sousa sensibilidade.
Antonio
Manchas no corpo e insensibilidade
Agostinho da 55 26/05/1930 M Paraíba F – 19/08/1930 Branca Casado
nos pés e nas mãos.
Silva
Maria Manchas amarelas no pescoço e
Não consta 02/06/1930 F Taipu F- 01/06/1931 Parda Casada
Constantino tórax. Residiu vários anos no Pará.
Perturbações nas sensibilidades das
extremidades dos membros.
Joaquim Bento
51 02/06/1930 M Não consta E- 13/01/1931 Parda Casado Residiu no Pará entre os anos de
Fernandes
1904 a 1917.
Teste bacteriológico negativo
Osvaldo Manchas avermelhadas nos membros
16 17/07/1930 M Natal E – 03/03/1933 Parda Solteiro
Oliveira superiores e inferiores.
João Armando
Dormência e mãos e atrofia das
Batista de 37 29/08/1930 M Martins E – 13/01/1931 Parda Solteiro
mãos
Castro
Dormência e machas no dorso, nas
Antonio Batista pernas e no rosto.
44 15/09/1930 M Martins A – 22/03/1940 Parda Casado
da Silva Residiu no Amazonas de 1909 a
1912
Maria Julia Manchas no pé e nos braços.
28 15/09/1930 F Touros A – 22/03/1932 Parda Casada
Gomes Teste bacteriológico negativo
187

Dormência no pé esquerdo e mão


João Dantas de Santana do
18 28/09/1930 M Não consta Parda Solteiro mutilada.
Macedo Matos
Teste bacteriológico negativo
Dor nas pernas e mancha
Manoel Isidoro Santana do eritematosa.
30 28/09/1930 M E – 13/10/1930 Parda Casado
de Faria Matos Conviveu com o cunhado leproso
João Dantas
Manoel Peixoto Santana do
36 28/09/1930 M F- 19/12/1930 Parda Solteiro Dormência e coceira as mãos.
de Barros Matos
Nenhum sintoma de lepra.
Luiza Francisca Rio Grande do
42 04/10/1930 F F – 26/06/1937 Branca Casada Conviveu com o filho leproso
de Lima Norte
Marciolina
Nódulo na orelha esquerda e
Americo de Não consta 28/01/1931 F Natal Não consta Mestiça Casada
dormência na perna
Souza
Dores e infiltrações nos pés, nas
Manoel Dias da pernas e nas mãos.
Silva 40 20/02/1931 M Caicó F – 22/09/1936 Mestiço Solteiro Conviveu com o pai leproso (interno
do Leprosário S. Francisco de Assis).
Residiu no Pará.
Francisco
Manoel de 15 19/08/1931 M São Bento F – 17/03/1936 Parda Não consta Ulcera na planta do pé e mutilações.
Oliveira
Joana Francisca Nódulos e manchas nas
60 29/08/1931 F Macaíba F – 26/5/1939 Preta Solteira
de Souza extremidades do corpo.
José Chaves 13 11/09/1931 M Natal A – 23/09/1941 Parda Solteiro Manchas nos ombros e nádegas.
Manchas eritematosas. Dor e
Virginia
dormência nas mãos, insensibilidade
Wanderley 49 15/10/1931 F Natal Não consta Branca Casada
ao calor.
Dantas
Conviveu com leproso.
188

Dores reumáticas e zonas de


anestesia nos punhos. Casado com
Pedro Antonio Petronila Maria Ferreira, interna no
43 23/11/1931 M Ponta Negra F – 02/05/1955 Parda Casado
Ferreira Leprosário São Francisco de Assis.
Pai de Manoel (20 anos) residente no
leprosário.
Antônia Maria
da Costa 64 26/11/1931 F Papary F – 31/08/1941 Branca Solteira Dores nas pernas
Bezerra
Manoel Isidio Ferida e dormência no pé esquerdo.
36 1932 M Paraíba E – 25/09/1941 Mestiça Casado
Estevam Mutilações e manchas.
Dormência nos membros inferiores.
Conviveu com o esposo leproso
Maria Francisca F – XX/05/1948 (Bento Gomes de Oliveira) e filhos
50 31/03/1932 F Macaíba Preta Casada
de Araújo leprosos (Estevam Gomes de
Oliveira e Maria Gomes de
Oliveira), internados no Leprosário.
Dormência e manchas no pé.
Horacio Gomes
50 19/04/1932 M Não consta F – 06/02/1947 Branca Casado Residiu no Amazonas entre os anos
da Silva
de 1906 a 1926
Maria Augusta Tumores no corpo. Não apresenta
33 11/05/1932 F Pernambuco A – 24/11/1956 Preta Solteira
de Oliveira sintomas de lepra
Maria Correia Dormência da mão direita.
76 14/10/1932 F Macaíba F – 06/11/1938 Branca Viúva
de Lima Residiu no Pará
Obstrução nasal e dormência nos
José
Rio Grande do pés.
Vasconcellos 66 04/11/1932 M F – 05/08/1936 Branca Casado
Norte Conviveu intimamente com um
Chaves
leproso.
João Alves da
32 21/07/1933 M Natal E – 11/07/1936 Mestiça Casado Ulceração nos membros inferiores.
Silva
189

Dormência na mão direita, flancos


Horacio
na face e atrofia dos músculos.
Monteiro Leite 33 10/10/1933 M Paraíba F - 14/12/1945 Mestiça Solteiro
Conviveu com leproso desde os 11
anos de idade.
Barroso de Calor no dedo da mão esquerda e
80 20/03/1934 M São Rafael F – 19/07/1937 Mestiça Solteiro
Carvalho atrofia das falanges
Formigamento no pé esquerdo.
Maria Fonseca
65 19/08/1934 F Paraíba F – 29/03/1947 Preta Viúva Residiu no Rio de Janeiro por 26
Galvão
anos.
Dormência na mão direita, atrofia e
Maria Angela Rio Grande do
60 12/09/1934 F F– 14/05/1940 Preta Solteira hipertrofia muscular.
Solidade Norte
Paciente do Hospital Juvino Barreto.
Ferida no dedo direito e infiltração
Francisco A – 06/10/1941 das orelhas.
43 03/10/1934 M Paraíba Mestiça Casado
Correia Lira E – 23/10/1945 Residiu no Pará entre os anos de
1909 a 1922.
Oligario Dormência no pé e obstrução nasal.
A – 09/10/1938
Rodrigues 50 20/11/1934 M Porto Alegre Branco Viúvo Frequentou a casa do leproso
E – 10/07/1944
Campos Cassiano Bessa, proveniente do Pará
Antônio Mancha e tubérculo no pé esquerdo.
Fernandes de 34 18/12/1934 M Paraíba A– 26/01/1941 Branca Casado Conviveu com leproso durante 8
Melo anos, Francisco Correia Lira.
Internado em Recife por dois anos
Antônio Silva
23 10/02/1935 M Natal E – 28/05/1939 Branca Solteiro Conviveu com leproso em macaíba.
Osório
Teste bacteriológico negativo.
Manchas pelo corpo e infiltração na
face. Conviveu com marido leproso
Petronila Maria Natal – Ponta
33 09/04/1935 F Não Costa Preta Casada (Pedro Antônio Ferreira) e com o
Ferreira Negra
filho (Manuel Pedro Ferreira), ambos
residentes no Leprosário.
190

João Ferreira F-
33 10/04/1935 M Ceará-Mirim Mestiça Casado Tumor no nariz e obstrução nasal.
Nunes 11/08/1949
Manoel Rio Grande do Dormência no pé.
26 10/06/1935 M F - 14/05/1942 Branca Solteiro
Francisco Alves Norte Conviveu com o pai leproso no Pará
Manchas na face e dores articulares
Luísa Carolina
52 03/07/1935 F Maxaranguape F – 25/11/1941 Mestiça Viúva nos membros.
de França
Luis Canuto de Infiltração dos membros inferiores
E – 26/07/1935
Aguiar (Luis 33 11/07/1935 M Cana Brava Mulato Casado Conviveu com o leproso Ezequiel
F – 10/10/1948
Juazeiro) Guedes
Macha eritematosa nas nádegas.
Alberto Osório
09 10/11/1935 M Natal A - 18/03/1940 Branca Solteiro Conviveu com os irmãos leprosos
da Silva
(Antonio e Guiomar).
Marcenila Ferida no pé e ulcerações na perna
41 17/05/1935 F Natal A – 13/02/1936 Branca Casada
Ferreira esquerda
José Rocha
17 12/1935 M
Gurgel
Macha eritematosa e dormência na
Bento Antônio Rio Grande do perna.
69 04/01/1936 M F - 29/08/1936 Branco Viúvo
Oliveira Norte Conviveu com a esposa leprosa
durante 10 anos.
Jose Caetano da
40 18/01/1936 M Recife A - 15/11/1936 Mestiço Casado Ulceras e mãos em garra.
Silva
Forte prurido pelo corpo. Manchas e
Maria Medeiros Rio Grande do
40 17/02/1936 F F – 02/02/1950 Parda Casada reumatoses nos membros nas mãos e
da Silva Norte
pés.
Francisca Freire Dormência e mancha na perna
48 01/03/1936 F São Bento F – 02/09/1936 Branco Casada
da Silva esquerda
Mancha eritematosa nos membros
Salustiano Leite 38 19/03/1936 M Martins F – 06/07/1936 Branco Casado
inferiores e nas mãos. Ulceras nas
191

orelhas e cotovelos.
João Nunes da Dores nas articulações dos joelhos e
65 31/03/1936 M Lajes F – 09/09/1936 Mestiço Casado
Silveira hipertrofia das mãos
Manchas eritematosas
Guiomar da Dois irmãos leprosos internados no
21 24/04/1936 F Natal A -13/06/1939 Branca Solteira
Silva Osório Leprosário S. Francisco de Assis
(Alberto da Silva Osório e Antonio).
Ana de Melo Perto da casa em que residia haviam
65 25/04/1936 F Macaíba A – 30/05/38 Branca Viúva
Alecrim leprosos.
Severino
Conviveu com uma tia leprosa
Francisco da 20 28/04/1936 M Monte Alegre A – 31/05/1937 Preta Solteiro
durante menos de um ano
Paz
Conviveu com as filhas leprosas
Francisca
São José do internadas no Leprosário São
Brasileira dos 75 01/05/1936 F Não consta Branca Casada
Mipibu Francisco de Assis (Isabel e Ana
Anjos
Lucas dos Anjos).
Isolada da família sob os cuidados de
Adelaide Barros.
Teresinha
18 06/05/1936 F Ceará-mirim A - 01/09/1939 Mestiça Solteira Conviveu com o pai leproso
Varela Barca
(JoãoVarela Barca) e a irmã
(AdalgisaVarela).
Raymundo
Negreiro da 48 18/06/1936 M Ceará F – 19/04/1939 Mestiça Casado Dormência no pé e na mão esquerda
Silva
Infiltrações e dormência no corpo
America Pereira Rio Grande do
58 19/06/1936 F F – 37/02/1938 Preta Solteira Residiu na casa do leproso José
da Silva Norte
Francisco
Antonio Alves Rio Grande do
48 19/06/1936 M F – 28/08/1936 Branca Viúva Dormência nos dedos
Cabral Norte
Alexandrino 40 07/08/1936 M Paraíba Não consta Parda Casado Dormência no pé e nas pernas.
192

Raimundo da
Silva
Maria Francisca
39 11/08/1936 M Nova Cruz A – 15/01/1938 Parda Viúva Dor no pé e infiltrações nas mãos.
Fernandes
Obstrução nasal e sensação de calor
João Fernandes no corpo.
15 11/08/1936 M Nova Cruz Não consta Parda Solteiro
Pereira Conviveu com irmão leproso (Jorge
Fernandes Pereira).
Dormência nos pés e nas
Jorge Fernandes articulações.
12 11/08/1936 M Nova Cruz E – 23/10/1938 Parda Solteiro
Pereira Conviveu com irmão leproso (João
Fernandes Pereira).
Antônio
Rio Grande do Mancha vermelha na face e
Veríssimo 11 07/09/1936 M E – 21/06/1947 Parda Solteiro
Norte obstrução nasal.
Batista da Silva
João Medeiros Rio Grande do Nenhuma suspeita do mal de
75 04/12/1936 M Não consta Branca Viúvo
da Costa Norte Hansen.
José Martins da Anestesias dos membros inferiores e
20 06/12/1936 M São Bento F – 31/05/1936 Parda Solteiro
Silva superiores
Amâncio José Grau de escoliose e falta de
55 26/08/1940 M Pau dos ferros Não consta Branca Casado
de Souza flexibilidade nos dedos das mãos.
193

Pacientes internados na década de 1930 a partir da condição econômica.

Idade no
Data da Estado
Nome do paciente momento da Sexo Instrução Ocupação atual Religião Habitação
internação econômico
internação

Luiza Francisca de Não consta.


42 04/10/1930 F Não Pobre * Católica
Lima
Marciolina Americo de
Não consta 28/ 01/1931 F Não Pobre Doméstica Católica Familiar
Souza
Manoel Dias da Silva 40 20/02/1931 M Não Pobre Estrada de ferro Católica Taipa
Joana Francisca de
60 29/08/1931 F Não Pobre Lavadeira Católica Tipo familiar
Souza
José Chaves 13 11/09/1931 M Não consta Pobre Não consta Católica Tijolo
Virginia Wanderley
49 15/10/1931 F Sim Mediano Não consta Católica Tipo familiar
Dantas
Pescador e
Pedro Antonio Ferreira 43 23/11/1931 M Não Pobre Católica Palha
lavrador
Antônia Maria da Costa Serviços
64 26/11/1931 F Não Pobre Presbiteriana Não consta
Bezerra Domésticos
Manoel Isidio Estevam 36 1932 M Sim Pobre Lavrador Católico Taipa
Maria Francisca de
50 31/03/1932 F Não Pobre Cozinheira Católica Proletária
Araújo
Horacio Gomes da Pequeno
50 19/04/1932 M Não Lavrador Católico Familiar
Silva recurso
194

Maria Augusta de Empregada


33 11/05/1932 F Não Pobre Católico Tipo lavrador
Oliveira doméstica
Maria Correia de Lima 76 14/10/1932 F Não Pobre Doméstica Católica Tipo operário
José Vasconcellos Funcionário
66 04/11/1932 M Sim Não consta Católica Não consta
Chaves Público
João Alves da Silva 32 21/07/1933 M Não Pobre Pintor Católica Quartos Alugados

Horacio Monteiro Leite 33 10/10/1933 M Sim Não consta Operário e pintor Não consta Tipo familiar

Barroso de Carvalho 80 20/03/1934 M Não Pobre Lavrador Não consta Taipa


Maria Fonseca Galvão 65 19/08/1934 F Não Pobre Costureira Católica Tipo familiar
Serviços
Maria Angela Solidade 60 12/09/1934 F Não Pobre Não consta Não consta
domésticos
Pequeno
Francisca Correia Lira 43 03/10/1934 F Não consta Lavrador Católica Taipa
recurso
Oligario Rodrigues Pequeno
50 20/11/1934 M Sim Agricultor Católica Tipo familiar
Campos recurso
Antônio Fernandes de Pequeno Tipo operário –
34 18/12/1934 M Não Agricultor Católica
Melo recurso Taipa
Pequeno
Antônio Osório 23 10/02/1935 M Sim Pobre Católica Familiar
comerciante
Serviços
Petronila Maria Ferreira 33 09/04/1935 F Não Pobre Católica Operário
Domésticos
Carregador
João Ferreira Nunes 33 10/04/1935 M Sim Pobre Católica Taipa
d’Água
Manoel Francisco
26 10/06/1935 M Não Pobre Lavrador Católica Taipa
Alves
195

Luísa Carolina de Lavadeira e


52 03/07/1935 F Pouca Pobre Católica Operário – Palha
França engomadeira
Luis Canuto de Aguiar Tipo operário-
33 11/07/1935 M Não Pobre Lavrador Católica
(Luis Juazeiro) Taipa
Pequeno
Alberto Osório da Silva 09 10/11/1935 M Sim * Católica Não consta
recurso
Estudante do Familiar com
José Rocha Gurgel 17 12/1935 M Sim Abastado Católica
seminário conforto
Pequeno
Bento Antônio Oliveira 69 04/01/1936 M Sim Lavrador Católica Tijolo e telhas
recurso
José Caetano da Silva 40 18/01/1936 M Não Pobre Não consta Não consta Não consta
Maria Medeiros da Serviço
46 11/02/1936 F Não Pobre Católica Familiar
Silva Doméstico
Francisca Freire da Serviços
48 01/03/1936 F Pouca Pobre Católica Tipo familiar
Silva domésticos
Salustiano Leite 38 19/03/1936 M Não Pobre Lavrador Católica Tipo familiar
Comercio
João Nunes da Silveira 65 31/03/1936 M Não Pobre Católica Tijolo e telha
ambulante
Guiomar da Silva Pequeno
21 24/04/1936 F Não Doméstica Católica Familiar
Osorio recurso
Francisca Brasileira dos
75 01/05/1936 F Não Pobre Doméstica Católica Tipo familiar
Anjos
Serviços
Teresinha Varela Barca 18 06/05/1936 F Sim Não Consta Católica Tipo familiar
domésticos
Raymundo Negreiro da
48 18/06/1936 M Não consta Não consta Lavrador Não consta Não consta
Silva
Tipo operário –
Antonio Alves Cabral 48 19/06/1936 M Não Não Consta Lavrador Católica
Taipa
196

America Pereira da
58 19/06/1936 F Não Pobre Lavrador Católica Taipa
Silva
Alexandrino Raimundo
40 07/08/1936 M Não Pobre Agricultor Católico Taipa e telha
da Silva
Maria Francisca Serviços Taipa coberta de
39 11/08/1936 F Não Pobre Católico
Fernandes domésticos telhas
João Fernandes Pereira 15 11/08/1936 M Não Pobre * Não consta Taipa e telhas
Jorge Fernandes Pereira 12 11/08/1936 M Não Pobre Lavrador Católico Taipa e telhas
Antônio Veríssimo
11 07/09/1936 M Não Pobre Não Consta Católica Não Consta
Batista da Silva
João Medeiros da Costa 75 04/12/1936 M Não consta Pobre pescador Não consta Não consta
José Martins da Silva 20 06/12/1936 M
Pequeno
Amâncio José de Souza 55 26/08/1940 M Sim Agricultor Católica Tijolo
proprietário
Estudante do Familiar com
José Rocha Gurgel 17 12/1935 M Sim Abastado Católica
seminário conforto

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