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IV Encontro Nacional da Anppas

4,5 e 6 de junho de 2008


Brasília - DF – Brasil
_____________________________________________________

Histórico da ocupação do balneário de Caiobá: um


relato sob a perspectiva da história ambiental

Heloy Ignacio Ribeiro


Estudante do 3º ano do curso de graduação em
Gestão Ambiental da UFPR Setor Litoral
hiribeiro@uol.com.br

Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar um relato da ocupação do balneário de Caiobá sob a ótica da
história ambiental, tendo como fio condutor a transformação da paisagem natural ao longo dos
últimos 243 anos. Trata-se de um trabalho de pesquisa realizado através de consultas à
bibliografia já existente, da vivência do autor, nativo do local, e de entrevistas com moradores
antigos da região usando a memória dos idosos como fonte principal de resgate histórico. A
ocupação intensiva desconfigurou e/ou destruiu a paisagem original principalmente através do
desmatamento, da destruição do complexo de dunas, da descaracterização total dos cursos
d’água, da ocupação nas áreas de marinha e da construção de espigões. Não se apontam ou se
sugerem aqui soluções, mas somente descrições de como ocorreu o processo acelerado de
ocupação da região, que culminou com os gravíssimos problemas ambientais dos dias atuais,
como a destruição da orla marinha pela erosão e avanço do mar, a poluição das praias e as
enchentes.

Introdução
Este trabalho tem por objetivo relatar como se deu a ocupação do balneário de Caiobá, dentro da
perspectiva da história ambiental. Procura mostrar, basicamente, os processos de transformação
da paisagem natural ao longo do tempo, desde o início de sua ocupação efetiva, por volta de
1767, relacionando-os com os problemas ambientais enfrentados atualmente como uma tentativa
de melhor compreender as conseqüências ecológicas das ações antrópicas. O balneário está
localizado a 110 km de Curitiba, na porção Sul do município de Matinhos e é composto por uma
2
série de loteamentos que se estendem desde a orla marinha até as bordas a Serra da Prata1
(figura 1).

Para melhor compreensão e desenvolvimento, o trabalho está dividido temporalmente em séculos


e, posteriormente em décadas. DRUMMOND (1991) coloca que não parece haver arbítrio no fato
de medirmos a passagem de tempo em unidades que variam de dias e semanas a meses, anos,
decênios, séculos e milênios, visto que lidar com o tempo é um instrumento básico do ofício de
historiador.

As fontes consultadas consistem em trabalhos existentes em diferentes áreas. Entre eles,


destacam-se os escritos de Bigarella e Barthelmess, cujas obras apresentam fortes vínculos com
a história ambiental. Um instrumento importante utilizado é o resgate da história através da
oralidade utilizando como principal fonte a memória dos idosos. MARTINS (2007) ressalta que, ao

Fig.1 – Localização do balneário de Caiobá (COLIT, 2006, adaptado pelo autor).

utilizar-se de técnicas da história oral, o pesquisador tem acesso ao repertório de narrativas,


idéias e valores manifestados pelos grupos humanos em relação à natureza. Além disso, a
vivência pessoal do autor, nativo do local, está inserida profundamente nos tempos mais recentes,
mais especificamente, a partir da década de 1970.

Os aspectos geológicos e florísticos conferem a Caiobá uma beleza singular que tornou a região
em forte atrativo para a especulação imobiliária. Situado em um tômbolo2, o ambiente outrora
composto predominantemente por vegetação de restinga e florestas de guanandi, intercaladas por

1
O mais oriental anteparo orográfico do Estado do Paraná, parte da sub-região montanhosa litorânea da Serra do Mar.
2
O tômbolo é uma forma do litoral que resulta da acumulação de materiais que originam um cordão que une o continente a uma
pequena ilha. No caso de Caiobá, a pequena ilha era o Morro de Caiobá, conhecido também como Morro do Boi.
3
um emaranhado de rios e córregos, deu lugar a uma “floresta” de edifícios construídos
principalmente ao longo da orla marinha.

Para se descrever processos de transformação como esse, coloca-se a interdisciplinaridade como


fator fundamental na perspectiva da história ambiental. Diante dos relatos descritos no decorrer do
texto é invevitável estabelecer-se um diálogo consistente com a ecologia. Não é sem razão que
WORSTER (1991) afirma que é a ecologia quem mais pode ajudar o historiador ambiental, já que
é esta a ciência que investiga as interações entre organismos e entre estes e os seus ambientes
físicos. “Assim”, descreve ele, “quando homens e plantas se encontram, nascem mais temas da
história ambiental do que em qualquer outra cisrcunstância”.

Porém, aqui não se pretende fazer apenas uma abordagem ecológica, visto que inevitavelmente
também estão inseridos processos de ordem política, econômica, social e cultural os quais vêm
moldando as transformações de Caiobá ao longo dos anos. WORSTER (1991b) lembra que a
história ambiental deve incluir no seu programa de estudo aspectos de estética e ética, mito e
folclore, literatura e paisagismo, ciência e religião, ou seja, deve ir a toda parte onde a mente
humana esteve às voltas com o significado da natureza.

As origens e a ocupação efetiva

Os indícios de ocupação humana em Matinhos remontam a um período entre 3.000 e 5.000 anos
atrás. No sambaqui de Matinhos3, a exemplo dos demais existentes em toda a região litorânea do
Paraná, os vestígios dos homens pré-históricos encontrados demonstram que estes pertenciam
ao grupo Jê, distinto dos carijós (BIGARELLA, 1999a).

A origem do nome Caiobá é controversa. Auguste de Saint Hillaire, em seu relato de 1820, cita
“Caiobá (do guarani cairoga – casa de macacos)”. Já SILVA (1989), coloca “Caiobá - mato
azulado”. Em alguns documentos antigos, aparece a grafia Cayuba. BARTHELMESS (2002a)
coloca que a combinação kaá – mato e ubá – canoa resulta em “mato bom para se fazer canoa”.
Parece ser a explicação mais coerente, pois as canoas dos antigos pescadores locais eram feitas
com o tronco de guapuruvu, árvore abundante em todas as encostas da Serra do Mar,
especialmente em Caiobá.

A história do povoamento efetivo do balneário Caiobá começa com o povoamento de Guaratuba4.


Em 5 de dezembro de 1765, o governador da Capitania de São Paulo, Luis Antônio de Sousa
Botelho Mourão, determinou, em nome do Rei de Portugal, Dom José I, a reunião de quinhentos
casais para a colonização da região. Estes casais receberam, cada um, pedaços de terra em toda
a costa, desde a Barra do Saí na divisa com o estado de Santa Catarina até o balneário Praia de

3
O único sambaqui existente em Matinhos localizava-se no início do bairro Sertãozinho, próximo ao Morro do Escalvado e foi
completamente destruído pela abertura de estradas e ocupação humana no local.
4
Bigarella (1999) afirma que embora não existam registros históricos, é bem provável que alguém tivesse já fixado residência no
território hoje pertencente ao município de Matinhos.
4
Leste, dando início ao povoamento de Guaratuba em 1767 (MAFRA, 1952). Segundo
BARTHELMESS (2002b), era comum que os grandes expoentes da aristocracia daquele tempo
ficassem com as melhores e maiores porções de terra. A família do capitão-mor Miguel Miranda
de Coutinho era dona de várias sesmarias, incluindo o então “Patrimônio Caiobá”, que se estendia
desde o cume do morro entre Caiobá e a Prainha até o norte, na direção do local conhecido como
Matinho5.

Em 20 de maio de 1787, Joaquim Miranda de Coutinho comprou de seu pai, Miguel de Miranda de
Coutinho, as terras denominadas de “Caiová” (Patrimônio Caiobá) e ao morrer, sem filhos, em
1821, deixou como única herdeira sua esposa, Úrsula da Costa Resende. Esta, por sua vez,
morreu em 1836 deixando em testamento como herdeira sua afilhada Delfina Maria (OLIVEIRA,
2005). BARTHELMESS (2002c) afirma que Delfina tinha o sobrenome “de Ramos” e ao se tornar
a herdeira, adotou o sobrenome Miranda, casando-se, mais tarde, com Joaquim da Rocha e Silva.
Joaquim havia naufragado na costa paranaense quando levava uma carga de cacau oriunda da
Bahia para a província do Prata. Era natural do distrito de Paranha (Lisboa) e como era hábito, na
época, adotou o sobrenome Paranhos em referência a sua origem lusa. Teve seis filhos com
Delfina (cinco mulheres e um homem), que se casaram com os Freire, com os Correia da Silva,
com os Fernandes e outros que habitavam as redondezas, fundando as estirpes que povoaram
Caiobá.

Não há registros históricos precisos e aprofundados sobre o número de habitantes de Caiobá,


nesta época. Auguste de Saint Hilaire relata que durante sua passagem pela região, em 1820,
encontrou em Caiobá “cerca de 16 homens” que o aguardavam para auxiliá-lo no trajeto até a Vila
de São Luis de Guaratuba. No trajeto entre o Rio Matinhos e a enseada de Caiobá (Praia Mansa),
feito sempre pela praia, Saint Hilaire não descreve qualquer tipo de habitação. Relata apenas a
existência de uma espessa cobertura de arbustos marcando toda a orla, entre os quais
sobressaía-se a tremândrea. Em 1846 foi realizado um censo no Distrito de Guaratuba mostrando
haver, no Quarteirão Caiobá, 25 votantes. BARTHELMESS (2002d) cita que “os matinhenses que
houvessem foram arrolados como caiobanos”.

Em relação ao meio natural, o relato de Saint Hilaire revela um ambiente ainda intocado. A
ausência de estradas que ligassem Caiobá aos grandes centros urbanos mais próximos na época
(Curitiba e Paranaguá) conferia-lhe um isolamento quase que completo. O acesso se dava
exclusivamente pela praia e pelo mar. Os agentes da predação do ambiente eram os poucos
habitantes locais, que viviam especialmente da pesca de subsistência e as pessoas que
passavam fazendo o trajeto entre Paranaguá e Guaratuba, incluindo o transporte de cargas entre
estes dois centros. O trajeto entre Paranaguá e Caiobá levava cerca de dois dias e era feito em

5
Matinho era uma pequena área de praia, próxima a atual área dos pescadores na Praia Central. Era composta por vegetação de
restinga, onde desembocava o rio de mesmo nome, desviado mais tarde para fins de urbanização. O termo Matinho deu origem ao
nome do município de Matinhos.
5
parte por via marítima, em canoas, e em parte pela praia, em carroças de rodas maciças puxadas
por bois.

As poucas famílias de caboclos que por ali viviam tiravam seu sustento da pesca feita por redes
de arrasto. Essas redes eram fabricadas com fibras naturais provenientes de casca desfiada de
embaúva, árvore ainda existente em grande quantidade em toda região litorânea paranaense.
Mais tarde foram adotados o cordel e o algodão. Outros materiais utilizados na fabricação das
redes eram as fibras de cipó embiruçu, cortiças de madeiras leves, argila e pequenos sacos de
areia. Estes dois últimos serviam como pesos (chumbadas). As redes eram conservadas através
da imersão em um caldo, de tempos em tempos, proveniente da fervura de cascas de aroeira para
proteção contra a água do mar. Os utensílios domésticos também eram fabricados utilizando-se
matérias primas locais como a argila, taquara, cipós diversos e madeiras como guapuruvu, canela
e caxeta. Mantinham pequenas roças de mandioca, pomares de frutíferas como goiabeiras e
abacateiros, e pequenas criações de galinhas, patos e marrecos. Em fotos antigas, da década de
1930, são visíveis os vestígios de roças nas encostas dos morros. Muitos pesquisadores que
realizaram estudos na planície litorânea do Paraná revelam que a agricultura era feita através do
sistema de pousio, herdado dos indígenas, no qual após a colheita, o local era abandonado por
alguns anos para recuperação do solo e as roças então eram refeitas em outros locais.

O Patrimônio Caiobá respondia à legislação estipulada pela Vila São Luiz de Guaratuba, que por
sua vez pertencia à Província de São Paulo. Saint Hilaire cita uma “antiga Lei de Proteção aos
Guarás”, ao admirar estas aves na baía de Guaratuba e que, segundo ele, já não eram mais
avistadas no litoral dos estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro àquela época.

A partir de 1871, com a implantação da colônia agrícola de Alexandra nas proximidades de


Paranaguá e, posteriormente, das demais colônias nas bordas da Serra da Prata (Maria Luiza,
Quintilha, Pereira e Cambará), foi aberta a Estrada das Colônias ligando Paranaguá a Guaratuba.
Tratava-se de uma estrada carroçável até Porto Parati e Porto Barreiro, às margens da baía de
Guaratuba, de onde eram feitas as travessias até a Vila de Guaratuba, por canoas. O serviço de
transporte era explorado por João Alboit, cujas diligências levavam em torno de dez horas para
cumprir o trajeto. A nova estrada chegava também até a colônia Sertãozinho6, apontando direto
para Matinhos, atraindo para ali boa parte do povoamento antes diperso ao longo da orla.
BIGARELLA (1999b) cita que a princípio as colônias forneciam produtos agrícolas e, mais tarde,
várias pessoas mudaram-se para o distrito de Matinhos.

6
Esta colônia acabou sendo incorporada ao perímetro urbano de Matinhos.
6
O início da transformação da paisagem

A transformação da orla marinha paranaense passou a ser significativa a partir da década de


1920, com a abertura da Estrada do Mar7. Essa estrada, inaugurada em 29 de julho de 1927, pelo
então governador Caetano Munhoz da Rocha, ligava a antiga estrada Curitiba-Paranaguá através
do Posto Fiscal à Praia de Leste, de onde o trajeto até Caiobá era feito pela praia. Além de facilitar
o acesso e, conseqüentemente atrair para a região os primeiros veranistas, a estrada favoreceu
também a abertura de comércios rudimentares, explorados por pessoas que se estabeleceram em
Matinhos.

Analisando a legislação ambiental da época que pudesse ordenar ou proteger as zonas costeiras
do Brasil, verifica-se a quase total ausência de normas ou outros mecanismos de regulamentação,
muito embora, já houvesse alguns “esboços” de leis de proteção ambiental desde a época do
Brasil Colônia para proteger exclusivamente os interesses da Coroa Portuguesa. Um exemplo foi
a tentativa de se proteger as reservas de madeiras navais localizadas nas propriedades rurais
através as chamadas Cartas Régias que decretavam como sendo de sua propriedade este tipo de
madeira e que por este motivo é conhecida até os dias de hoje como “madeira de lei8”.

Em 1907, o estado do Paraná mostrou-se pioneiro na criação de um Código Florestal, o primeiro


no país, com objetivo totalmente produtivista. De acordo com CARVALHO (2007), a Lei n.º 706,
de 1º abril de 1907, não tinha objetivos de proteger a floresta, mas sim “efetuar uma
racionalização do seu uso voltado para a produção pensada no prazo, um pouco além do lucro
imediato, de forma semelhante ao que faziam os pensadores conservacionistas”.

É na década de 1920 que começa a tomar forma a criação de um Código Florestal Nacional. Em
1920, o presidente Epitácio Pessoa formou uma subcomissão para elaborar um anteprojeto9 que
resultaria no Decreto nº 23.793, promulgado por Getúlio Vargas, em 1934, ficando conhecido
como Código Florestal de 1934. Com relação às águas, o professor Alfredo Valadão havia
apresentado, em 1907, estudos relacionados ao Código de Águas.

Sem uma legislação que normatizasse a ocupação do solo, o início do loteamento de Caiobá se
deu obedecendo ao privilegiamento da paisagem natural, ou seja, a proximidade com as praias.
Apesar da legislação promulgada por Vargas prever que os governos dos Estados e municípios
organizassem os serviços de fiscalização e guarda das florestas dos seus territórios e que estas
pudessem ficar exclusivamente a cargo do estado ou do município mediante acordo com o
governo federal, não foram encontrados registros de algum órgão que exercesse este tipo de
fiscalização no litoral paranaense. De acordo com BIGARELLA (2008, comunicação pessoal), não
havia ações de fiscalização na região. O relativo isolamento em que esta porção do litoral ainda se

7
Rodovia PR 407.
8
A primeira árvore a ser considerada pela Coroa como “madeira e lei”, no Paraná, foi o guanandi, abundante em toda a região
litorânea.
9
Mesmo tendo sido votado e aprovado em dois turnos de votação na Câmara, o projeto ficou esquecido no Senado até 1934. A
Primeira Grande Guerra, entre os anos de 1914 e 1918, e o crash da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, originaram a incorporação de
novas normas jurídicas até 1934, quando Vargas promulgou o Código de Águas. (SILVA, 2004)
7
encontrava pela dificuldade de acesso e as suas baixas densidade demográfica e importância
econômica provavelmente contribuíram para este fato.

A sede urbana do município começou a ser loteada e urbanizada nos primórdios da década de
1930, inicialmente por Carlos Ross e depois por Max Roesner, gerando as primeiras grandes
modificações no ambiente natural como o aterramento das faixas de mangue e do marigot10 que
compunham a Praia Central.

Pouco antes disso, em 1929, Augusto Blitzkow iniciava os preparativos para o loteamento da “Vila
Balneária do Morro de Cayoba”. Segundo BIGARELLA (1999c), “na época moravam no local
quatro famílias de pescadores. Em abril de 1930, foram adquiridos os seis primeiros alqueires de
terra, incluindo o Morro de Caiobá11. Posteriormente a área de loteamento foi ampliada para 57
alqueires”. Entre os primeiros banhistas de Caiobá, ele cita Ernesto Siegel, Guilherme Nickel,
Alfredo Nickel, Margarida Langer, Albino Osternack, Eugênio Gelbert, Walter Scott Veloso e Oscar
Schrappe. Com o loteamento, iniciaram-se também as destruições da vegetação de restinga e das
pequenas dunas, além da ocupação das encostas do morro, apesar de o Código de 1934 já
prever a proteção de dunas e das encostas de morros. Em seu artigo 4º, o referido decreto
estabelece que:

Art. 4º Serão consideradas florestas protectoras as que, por sua localização,


servirem conjuncta ou separadamente para qualquer dos fins seguintes:
a) conservar o regimen das aguas;
b) evitar a erosão das terras pela acção dos agentes naturaes;
c) fixar dunas;
d) auxiliar a defesa das fronteiras, de modo julgado necessario pelas autoridades
militares;
e) assegurar condições de salubridade publica;
f) proteger sitios que por sua belleza mereçam ser conservados;
g) asilar especimens raros de fauna indígena. (sic).

Em seu capítulo III, que dispõe sobre a exploração das florestas, no art. 22, o decreto estabelece
a proibição da devastação das encostas de morros que sirvam de moldura e sítios e paisagens
pitorescas dos centros urbanos e seus arredores ou matas, incluindo as que estivessem ainda em
formação ou as que estivessem inclusas nas situações descritas no art. 4º. No tocante à
preservação das encostas dos morros, fica claro que, no início do loteamento, a legislação não foi
cumprida, como pode ser verificado pela construção de várias casas no entorno do Morro do Boi.
A figura 2 mostra o início do desmatamento e da construção de casas nas encostas do Morro.

Através do decreto-lei nº. 7573, de 20 de outubro de 1938, o município de Guaratuba foi extinto e
agregado, junto com Matinhos, a Paranaguá. Nesta época, respondia pelo governo do estado,
como interventor, Manoel Ribas. Alguns autores relatam que o litoral paranaense foi praticamente
esquecido por seu governo. Porém, foi ele quem determinou a construção, em 1938, da Escola
Isolada de Caiobá, a primeira do balneário, nomeando como professora Maria Gonçalves Mafra

10
Pequeno rio de maré.
11
Conhecido localmente como Morro do Boi.
8
Bastos12. Em entrevista concedida ao autor, em 200413, a professora relatou que Manoel Ribas
visitava Caiobá freqüentemente. Em suas visistas à escola, trazia uniformes e material escolar
para as crianças, fazia o levantamento das condições de saúde delas e levava para tratamento
médico em Curitiba ou Paranaguá aquelas que precisassem.

Fig. 2 – Construção das primeiras casas nas encostas


da face sul do Morro de Caiobá, na década de 1950.

A atuaçâo do DNOS

A década de 1940 inicia-se com um dos mais significativos marcos históricos no Brasil: a criação
do Departamento Nacional de Obras e Saneamento – DNOS. Esta instituição derivou da
Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, cuja experiência bem sucedida fez com que
seu campo de ação fosse estendido a todo o território nacional (SOFFIATI, 2006).

Trazendo sua visão exclusivamente antropocênctrica do domínio total do homem sobre a


natureza, o DNOS começou suas obras na região de Matinhos em 1948. Iniciam-se aí importantes
modificações no quadro hidrográfico local. Rios foram alargados, canalizados, retificados ou
aterrados visando a urbanização e saneamento. Os objetivos da construção dos canais eram,
principalmente, a erradicação da malária e a urbanização. Os rios, banhados e áreas alagadiças
eram vistos como verdadeiros desastres biológicos, criadouros de mosquitos que impediam o
progresso, como se verá a seguir.

Diante das duvidosas melhorias iniciadas pelo DNOS, a urbanização e o povoamento de Caiobá
aceleraram-se novamente, após o fim do Estado Novo. Neste período é relatado um grande
aumento no número de veranistas e também a chegada de novas famílias de imigrantes, vindas
não só de outras regiões do Paraná como também de Santa Catarina.

12
Falecida em 04 de abril de 2008.
13
A entrevista foi transformada em um pequeno artigo para o Jornal da Associação Comercial e Industrial de Matinhos (Jornal da
Acima) e publicado originalmente na edição nº 8 do referido periódico.
9
Um dos marcos significativos desta época foi a abertura da estrada ligando Caiobá ao centro de
Matinhos, que seguia o trajeto onde atualmente é a rua Jaguariaíva. Em 1947, houve a
restauração do município de Guaratuba, porém Matinhos continuou sendo distrito de Paranaguá.
Nesta década chega a Caiobá, vindo de Barra Velha (SC), Felipe Mendes, que inicialmente
trabalhou como carroceiro e em seguida abriu um pequeno bar e restaurante. Logo depois, em
1947, inaugurou o Hotel Atlântico Caiobá (atual edifíco Felipe Mendes). Logo tornou-se propietário
de muitos terrenos, incluindo grande parte da área onde hoje é a Vila Nova do Tabuleiro
(Loteamento Celina Mendes).

No início da década de 1950, a construção do canal que hoje margeia a Av. Juscelino Kubitschek
de Oliveira14 possibilitou o desvio e aterramento de grandes partes dos rios Guaraituba e Caiobá,
para fins de loteamentos. Os cursos originais destes rios podem ser vistos na figura 3.

Figura 3: Mapa elaborado em 1945 (Fonte: BIGARELLA, 1999).

A exemplo dos canais já construídos na sede urbana de Matinhos, os projetos não obedeceram à
dinâmica natural desses cursos d’água, além de serem mal dimensionados para efetuar
14
Nome dado à rodovia PR 412 quando esta passa pelo perímetro urbano de Matinhos. O canal foi nominado, pela população local,
como Rio da Draga.
1
adequadamente a drenagem da região. No caso do Canal de Caiobá, este fato foi imediatamente
percebido pela população. Nas entrevistas e conversas informais com moradores antigos surgiu
freqüentemente o seguinte questionamento: “você já viu algum rio daqui correr para o sul?” Era
justamente o que o novo canal fazia - desembocava na parte oriental da Praia Mansa, na direção
sul. De fato, a dinâmica natural de todos os rios da região é configurada por desembocaduras
voltadas para os sentidos leste-norte.

O curso do Rio Caiobá, que percorria toda a parte central do balneário, foi desviado para o novo
canal. Inicialmente, as obras de canalização foram feitas exclusivamente através de simples
escavação, o que lhe conferiu a aparência de um rio. A presença constante de uma draga na
obras fez com que os moradores locais denominassem o novo “rio” de Rio da Draga.

Com o canal construído, Felipe Mendes aterrou a parte mais larga do leito do Rio Caiobá, no
trecho compreendido entre a atual rua Modesto Mendes e a Praia Brava, para fins de loteamento.
No local de desembocadura deste rio na praia foi construído um edifício de 13 andares (Edifício
Itamar). O trecho que sobrou do rio foi desviado para o novo canal, um novo “rio” que absorveu o
complexo de organismos de água doce que habitavam os rios modificados. Além da ictiofauna
composta por traíras, carás, lambaris, jundiás (bagres) e muçuns, moradores relatam também a
existência de lontras, cágados e uma rica avifauna.

A parte aterrada dos leitos destes dois cursos d’água tinham, originalmente, características de
mangue. Portanto, ocorreram ali, também, perdas de importantes ecossistemas para a ictiofauna
marinha. Relatos dão conta que antes das obras ali eram encontrados diversos peixes marinhos,
como robalos, tainhas e caratingas, pescados com fins de subsistência e comercialização pelos
locais.

Após o aterramento, os entrevistados revelam que logo nas primeiras chuvas ocorreram grandes
enchentes geradas pelo transbordamento do canal e acúmulo de águas onde originamente
passava o leito do rio. Este problema persiste até os dias atuais, tendo sido minimizado somente
após a década de 1980, através de sucessivas obras realizadas pela Companhia de Saneamento
Paranaense – Sanepar, que investiu em melhorias nos sistemas de galerias pluviais.

O aceleramento da urbanização do balneário na década de 1940 estimulou o mercado da


construção civil, atraindo para a região, os primeiros construtores que vieram de Curitiba e
arredores. Entre estes citam-se Max Podbvsek e Heloy Ribeiro, que ali se estabeleceram. O
crescimento de Caiobá passou a se dar linearmente em direção ao centro de Matinhos. Surgiu,
então, a Cidade Balneária de Cayuba, onde hoje situa-se a UFPR Litoral. Com este novo
loteamento, foi construído o canal da Avenida Paraná, entre o local conhecido como Tabuleiro e a
Praia Brava. Parte do Rio Guaraituba, que tinha sua desembocadura próxima a do canal, foi
aterrada e seu curso interligado com o complexo hidrográfico do Rio Matinhos. Segundo
BARTHELMESS (2005, comunicação pessoal), este canal foi construído pela companhia
loteadora Cidade Balneária de Cayuba.
1
O início da verticalização

Foi somente na década de 1960 que se inicaram as construções dos primeiros edifícios dando
início a um processo de verticalização que se acentuou nas décadas posteriores. Esses edificios
tinham no máximo quatro andares, mas duas construções década foram exceções: os edifícos
Caiobá, com 16 andares e Itamar, com 13. Esses dois foram, por mais de dez anos, os prédios
mais altos.

Foi construída nessa época, também, a Avenida Atlântica, interligando toda a orla de Caiobá ao
centro da sede urbana. A construção desta via deu-se em sua maior parte sobre a praia. Sabe-se,
através de estudos realizados pelo governo do estado, que o adequado seria obedecer uma
distância de 200 metros, respeitando os ciclos naturais de variação da linha da costa originados
pela movimentação das marés, pela dinâmica de sedimentação nas praias, pelos ventos e por
outros fatores.

A intensa ocupação resultou, também, na descarga das águas das chuvas na praia. LINDROTH
(1982a) relata que o sistema de descarga das águas pluviais era inadequado. Em épocas de
maior precipitação pluvial, como no verão e no outono, a água passou a ser despejada em grande
quantidade e grande velocidade em pontos concentrados na praia, provocando o rebaixamento do
seu nível e permitindo que o mar avançasse em direção às ruas. Deve-se considerar, ainda, o
fato de que o crescente número de edificações e a pavimentação de ruas diminuíram a
capacidade de absorção da água pelo solo.

Os problemas de erosão costeira se agravaram com o passar dos anos e persistem até os dias de
hoje. PERRI et al (2006), lembram que “o processo de erosão costeira tem retro-alimentação
positiva, ou seja, uma vez iniciado tende a crescer e é de difícil reversão”. A avenida Atlântica
consolidou o padrão de ocupação similar a varias outras cidades costeiras do Brasil, ou seja, a
ocupação desordenada do solo em áreas de marinha e muito próximas ou sobre a linha da costa
(figs. 4a e 4b).

O fato político mais significativo desta década foi a emancipação de Matinhos, em 12 de junho de
1967. O município foi instalado oficialmente em 19 de dezembro do mesmo ano. Um ano antes, foi
inaugurado o trecho da PR 412 totalmente pavimentado entre Praia de Leste e o Porto de
Passagem, na travessia para Guaratuba. O primeiro prefeito, Eros Aldo da Silveira Lepca, inciou
um processo intensivo de melhorias na infra-estrutura do balneário, como o calçamento de todas
as ruas da área central.

O processo migratório campo-cidade ocorrido no Paraná na década de 1970, refletiu-se também,


em formas particulares, nas cidades litorâneas. Foi nessa época que começaram a se estabelecer
na região famílias de zeladores, em muitos casos, formadas por homens que vieram para
trabalhar na construção de edifícios e casas e acabaram por se fixar no balneário. Um aspecto
interessante que aparece durante entrevistas feitas com moradores mais antigos não nativos é de
1
que muitos destes vieram a Caiobá por recomendação médica, em busca de melhor qualidade de
vida. Muitos médicos curitibanos recomendavam o litoral como local ideal para se viver a
pacientes com problema, principalmente, de hipertensão. Famílias inteiras oriundas do interior do
estado também migraram para o balneário. A maioria veio do Norte do Paraná, inserindo-se no
grande mercado que se apresentava nas áreas de zeladoria, jardinagem, limpeza de casas e
apartamentos, lavanderias domiciliares e serviços de manutenção como de pintura, de
eletricidade, entre outros.

Fig. 4a - Praia Brava, na década de 1930. Fonte: BIGARELLA, 1999. Fig. 4b - Praia Brava, em 2007.

A Interiorização das populações de baixa renda

Como a função de zeladoria não se mostrava como um grande atrativo por não apresentar
benefícios como carteira assinada, por exemplo, muitas famílias começaram, já na década de
1970, a adquirir terrenos e construir suas casas no interior do balneário, do outro lado do canal
onde as terras eram mais baratas, iniciando o povoamento das margens da atual Avenida J. K. de
Oliveira, então uma densa floresta com predominância de guanandis. Os primeiros a povoar essa
porção do balneário foram habitantes locais, que começaram a vender suas residências e terrenos
nas áreas mais nobres para construtoras. Em seguida vieram famílias que foram realocadas
devido à construção do prolongamento da Avenida J. K. de Oliveira, entre a Capela de Sant’Ana e
o acesso para Guaratuba, nas bordas da Serra da Prata, seguidas das famílias de ex-zeladores
que preferiam morar em casas próprias e trabalhar como autônomos.

Esse processo de interiorização da população de baixa renda deu-se, principalmente, às custas


de desmatamento da floresta e resultou em aumento na taxa de esgotos domésticos despejados
no “Rio da Draga”. A infra-estrutura implantada, basicamente água e luz, gerou maior valorização
dessa área, atraindo novos moradores e encarecendo rapidamente os lotes disponíveis visto que,
mesmo além-canal, trata-se de uma região relativamente próxima das praias.
1
A melhoria da infra-estrutura urbana e o acesso fácil de Curitiba culminaram na super valorização
dos terrenos e residências, que passaram a ser adquiridos avidamente por grandes construtoras.
Evidentemente, com o momento econômico favorável, iniciou-se também exploração intensa de
vários ramos de comércio, por empresários que permaneciam na região somente durante o verão.

Em 1977 o balneário foi bastante afetado por uma violenta ressaca marinha, que destruiu
principalmente a Praia Mansa. ANGULO (1984) lembra que esse fenômeno fez parte do processo
erosivo iniciado em 1960 e que removeu, em menos de 20 anos, uma praia que tinha cerca de
120 metros de largura. Pressionado pela elite, o governo estadual tomou logo providências.
Segundo LINDROTH (1982b), a Empresa de Obras Públicas do Paraná – Emopar contratou os
serviços da empresa EPI Consultoria e Planejamento e do Laboratório Nacional de Engenharia
Civil de Portugal – LNEC, para execução de projeto de execução e recuperação da praia. Este
projeto foi iniciado em dezembro de 1977 e concluído em abril de 1980, com a participação da
empresa River and Sea Gabions, da Inglaterra.

A década da prosperidade

A década de 1980 é tida como a mais próspera de todos os tempos. O prefeito da época (1981),
Antônio Silvano, reuniu-se com o então governador Jaime Canet para solicitar base técnica para
estudos que viabilizassem a construção de edifícios mais altos em todo o balneário.
Posteriormente, reuniu-se com representantes de grandes construtoras e apresentou um plano de
saneamento e outras infra-estruturas que consolidou, ao longo dos dez anos seguintes, a
verticalização de Caiobá, dando-lhe ares aparentes de grande cidade. Ares aparentes porque a
ocupação em massa prosseguiu como ocorre até hoje, cíclica e sazonal, acontecendo somente
nos meses do verão e em grandes feriados.

As construções dos altos edifícios logo apresentaram o primeiro grande problema: o


sombreamento de áreas da praia após as 15:00 horas. Este problema foi solucionado pela Lei de
Zoneamento criada e implantada pelo Conselho de Desenvolvimento do Litoral - COLIT, que fixou
critérios para o número de pavimentos das edificações, conforme a distância destas da praia. A
infra-estrutura montada, porém, principalmente na área de saneamento, não foi suficiente para
suportar o grande número de edifícios e pessoas, configurando também um grande problema que
permanece até os dias de hoje, isto é, a poluição dos córregos e rios que comprometem a
balneabilidade das praias.

A prosperidade nesta década se deu através da geração direta e indireta de empregos na


construção civil, ramo que absorveu toda a mão-de-obra local e trouxe milhares de trabalhadores
de Curitiba e região metropolitana.

À medida que casas e terrenos davam lugar a espigões, perdia-se o que ainda restava da fauna
local. A ocupação de terrenos vagos e a demolição de casas, cuja maioria tinha em seus quintais
1
árvores frutíferas e outras espécies vegetais que proporcionavam alimento, repouso e nidificação,
afastou grande diversidade da avifauna local. A pressão urbana sobre a Serra da Prata também
afetou a biodiversidade, afugentando animais selvagens e tornando raras espécies vegetais como
bromélias, orquídeas e samambaias que foram retiradas da mata para ajardinamento das
residências e ornamentação de seus interiores.

Em 1989, através de legislação municipal, foram tombados o Morro do Boi e a Ilha do Farol. De
acordo com a Lei, o Morro e a Ilha ficam reconhecidos como bens de valor paisagístico, ecológico
e turístico, a partir da cota 15 metros de altitude no lado edificado e do nível do mar no lado
marinho. Embora o segundo parágrafo da referida lei estipule que “ficam protegidas as floras e
faunas terrestres e marinhas” destes dois locais, nada tem sido feito para impedir a crescente
degradação desses sítios.

Paralelamente, o fenômeno da erosão marinha se acentuava, com sucessivas ressacas que


destruíam continuamente a orla marinha da Praia Brava. O primeiro processo de recuperação da
orla concluído no início desta década, como a construção de gabiões ao longo da praia,
demonstrou ser eficaz somente na Praia Mansa, que permanece até hoje com uma faixa
considerável de areia. Outro impacto verificado com a verticalização da orla e de suas
proximidades foi a alteração do micro-clima. O interior do balneário tornou-se abafado com a
barreira imposta pelos edifícios. A brisa fresca do mar passou a ser exclusividade dos
proprietários dos apartamentos localizados à beira-mar.

Nesta década de prosperidade, o Litoral do Paraná tornou-se um dos mais importantes pólos de
emprego do Estado, atraindo um grande número de imigrantes. De acordo com os censos
demográficos do IBGE, observa-se uma taxa de crescimento anual de 6,49% em Matinhos nos
anos de 1980 a 1991. Na década anterior (1970-1980) este crescimento se deu na ordem de
2,27%. Esses novos moradores chegaram para suprir o grande mercado que se apresentava nas
áreas de zeladoria e manutenção citadas anteriormente e de especialistas em gesso, móveis,
esquadrias de alumínio e outros pequenos negócios.

Na mídia, Caiobá era apresentada como “a Divina”15 e conquistou o status de um dos mais caros
metros quadrados do Brasil. Sua divulgação era feita em todos os países sul americanos,
atraindo, no verão, grandes massas de turistas argentinos e uruguaios.

Outro marco significativo desta época foi a construção da Rodovia PR-50816, que tornou as
ligações de Curitiba e Paranaguá com Matinhos mais curta.

15
Termo cunhado pelo jornalista Dino Almeida.
16
Esta rodovia recebeu o nome de Rodovia João Elísio Ferraz de Campos e também é conhecida como Rodovia Alexandra-Matinhos.
1
O Surgimento de favelas

A década de 1990 foi marcada pela desacelaração do ritmo e posterior estagnação da construção
civil. Um dos motivos foi o esgotamento de terrenos à venda em áreas de interesse (proximidade
da orla). Iniciaram-se, então, as invasões de terras em massa nas áreas além do canal, destruindo
o que restava da vegetação nativa e consolidando a periferia de Caiobá com uma população de
baixa renda e com os socialmente excluídos. Com a oferta de terras “fáceis” e mais baratas,
Caiobá apresentou novamente um acentuado aumento em sua população17. O desmatamento
dessas áreas, como o ocorrido no loteamento Celina Mendes (Vila Nova), aumentou o problema
das enchentes. É provável que, embora não existam estudos a respeito, esta também seja a
causa do aumento de cupins nas residências do balneário, verificado a partir desta década.

Sem infra-estrutura adequada, a instalação de moradias resultou em maior deposição de esgotos


e outros resíduos diretamente nos canais e rios, agravando ainda mais o problema da
balneabilidade das praias. As ressacas marinhas continuaram a destruir periodicamente a orla. A
falta um projeto para resolver definitivamente este problema e a divulgação destes aspectos
negativos na mídia originaram um processo de decadência do balneário, diminuindo o número de
investidores na região. Além disso, contribuíram também neste processo o aumento dos índices
de criminalidade como arrombamentos de casas e apartamentos, e do tráfico e uso de drogas. A
tradicional elite freqüentadora do balneário passou a procurar outros recantos, preferindo praias
do vizinho estado de Santa Catarina para seu descanso e lazer.

Logo no início da década, o município promulgou sua lei orgânica, incorporando o texto da
Constituição Federal de 1988, sobre o meio ambiente:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso


comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Município e
à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações, garantindo-se a proteção dos ecossistemas e o uso racional dos
recursos ambientais (Lei Orgânica Municipal, Art. 210, Seção V, Cap. IV. p. 33).
A Lei também coloca, como áreas de preservação permanente, as praias, costões e mata
atlântica; as áreas que abriguem exemplares da fauna e da flora, como aqueles que sirvam como
fonte, ou reprodução de espécies migratórias; as paisagens notáveis (sem definir quais) e os
sambaquis.

Apesar da criação de unidades de conservação e medidas de proteção de uso e ocupação do


solo iniciadas na década de 80, é somente a partir do ano 2000 que a dimensão ecológica se
insere significativamente nas discussões dos problemas urbanos da região. Entre os grandes
marcos, até agora, estão a elaboração e aprovação do Plano Diretor Participativo e de
Desenvolvimento Integrado de Matinhos, em 2006, e a criação do Parque Nacional Saint Hillaire-
Lange através da Lei Federal Nº. 10.227, de 23 de maio de 2001, ainda em fase de implantação.

17
A taxa de crescimento populacional do município de Matinhos apresentada pelo IBGE, nos anos de 1991a 2000 é de 8,79%.
1
O objetivo principal do parque é proteger e conservar os ecossistemas de Mata Atlântica
existentes na área, assegurar a estabilidade ambiental dos balneários sob sua influência, bem
como a qualidade de vida das populações litorâneas e, simultaneamente, conter a ocupação ilegal
e alastrante dos morros e evitar possíveis desastres por deslizamentos. A importância de sua
implantação é maior do que se imagina. Os primeiros resultados já podem ser vistos com a
remoção, pelo Ibama/Chico Mendes, de ocupações irregulares nas encostas com realocamento
das famílias em outras regiões do Município.

As restrições impostas pelas leis de proteção ao ambiente aliadas a maior atuação dos órgãos
específicos como Ibama/Chico Mendes e Instituto Ambiental do Paraná (IAP) resultaram no
reaparecimento, em pequenos fragmentos, de características do ambiente natural original, como a
vegetação de restinga e o ressurgimento das dunas em alguns trechos das praias.

Conclusão: Os Desafios do Novo século

Diante do breve histórico apresentado, os desafios para o novo século se apresentam,


primordialmente, nas seguintes questões:

a) Solucionar o problema das enchentes e dos alagamentos iniciados com a construção dos
canais mal projetados pelo DNOS e agravado posteriormente por sucessivos desmatamentos,
pela ocupação intensa e pela construção de ineficientes sistemas de galerias pluviais;

b) O que fazer para conter a erosão marinha e o avanço do mar sobre a orla levando em conta,
ainda, o agravante das mudanças climáticas já preconizadas pelo Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas – IPCC?

d) Com relação à balneabilidade das praias, medidas estão sendo tomadas pelo governo do
estado, através da Sanepar e IAP. Todos os moradores são obrigados a fazer a correta ligação
dos imóveis na rede de esgoto. Os resultados desse processo ainda são pífios, pois muitos
loteamentos sequer possuem rede de esgoto. O uso de fossas sépticas comuns resulta na
contaminação do lençol freático, que é muito alto na região e também acarreta,
conseqüentemente, a poluição dos canais e rios.

e) O processo migratório campo-cidade continua a ocorrer e, em seu rastro, a ocupação de novas


áreas. Paralelamente, existe o descompasso das políticas públicas em assistir essa população em
termos de infraestrutura, em especial, de saneamento básico, o que reflete na diminuição dos
índices de balneabilidade. Por outro lado, a Empresa de Saneamento Paranaense – Sanepar, não
vem dando conta das ocupações já ocorridas anteriormente. Como agir com as novas
ocupações?

e) Como promover geração de emprego e renda para a população em uma área ambientalmente
frágil e com alta taxa de ocupação, levando em conta, também, a questão da sazonalidade?
1
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