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Introdução
Após cinco anos de atuação, a PROCULT entendeu a necessidade de discutir,
sistematizar e diagnosticar o que já vinha sendo executado em termos de políticas
culturais na UFCA, bem como estabelecer objetivos, diretrizes e ações para os próximos
anos. O resultado disto se tornou o desejo por um documento que pudesse refletir as
características e tramas do cotidiano cultural da Instituição e da região. Em 2017,
iniciou-se o processo de elaboração do Plano de Cultura da UFCA.
A ideia do Plano de Cultura é representar a política de gestão e a política cultural
da Universidade Federal do Cariri (UFCA), também traçar os objetivos e diretrizes que
norteiem as ações culturais que se pretende desenvolver no âmbito da Universidade –
não somente dentro dela, por um período de dez anos.
O presente trabalho traz a discussão e reflexão sobre a gestão, as políticas e
curricularização da cultura na Universidade Federal do Cariri (UFCA) durante o
processo de elaboração do Plano de Cultura, assim como a ressonância desses aspectos
no desdobramento das políticas culturais executadas pela Pró-reitoria de Cultura
(PROCULT) da UFCA. O foco é apresentar reflexões e experiências acerca da
construção do Plano de Cultura da UFCA com um olhar para a gestão, política e
curricularização da Cultura no âmbito da Universidade e do Plano que está sendo
elaborado para os próximos cinco anos.
A Curricularização da Cultura
De forma simples e direta, Teixeira Coelho diz que “Cultura significa que esta
cultura quer conversar com aquela outra que está distante, que parece distante, que
surge como longínqua e estranha” (COELHO, 2007, p. 20).
Desse modo, entende-se, no âmbito do Plano, que a cultura pode fazer parte da
sala de aula, da aula de campo, das pesquisas, das avaliações pedagógicas, das
estratégias e aplicação desses conhecimentos e das metodologias de ensino, uma vez
que se considera que a cultura pode compor a formação do indivíduo e portanto, ao
fazer isso, a cultura pode ser legitimada no currículo e ser reconhecida como tal
mediante um olhar multiculturalista.
As possibilidades metodológicas direcionadas para o ensino podem ser ampliadas
por meio da interação com as manifestações culturais e artísticas. Isto pode
potencializar a aprendizagem dos conhecimentos no ambiente universitário. Neste
sentido, as artes, os saberes populares, as culturas estrangeiras, os esportes e demais
outros aspectos que os indivíduos vivenciam podem se constituir como estratégias
metodológicas para se trabalhar tanto a aplicação destes conhecimentos como para
legitimar a aprendizagem.
É possível o surgimento de questionamentos afirmando que a cultura se
transforme em auxílio ou “muleta” para o ensino e por isso seja a isto reduzida. A
utilização, no entanto, da cultura e das artes como ferramenta de metodologia pode
ocorrer com reflexão crítica e política do papel que ocupam numa aprendizagem para
além de uma perspectiva tecnicista, mecânica e que transponha as relações de poder e
legitimação das desigualdades, na busca de um currículo multiculturalista, com
legitimação e respeito aos conhecimentos propostos em cada área do conhecimento e
em cada proposta metodológica.
A Curricularização da cultura ainda é algo novo no Brasil. No ano de 2017, a Pró-
reitoria de Cultura da Universidade Federal do Cariri iniciou efetivamente a discussão
sobre a Curricularização da cultura e em 2018 implantou ações para concretizar junto às
Unidades Acadêmicas e aos Cursos de Graduação a inclusão de saberes e metodologias
das artes e das culturas no ensino de graduação. Uma dessas ações são os editais, em
20182 e 20193, de concessão de bolsas para projetos, propostos por docentes, com foco
na curricularização da cultura. Docentes puderam propor projetos que trouxessem as
2 https://www.ufca.edu.br/portal/files/EDITAL_N_11_2017_-
_Bolsas_de_Aes_Culturais_de_Iniciativa_da_Comunidade_Acadmica.pdf Acessado em 15 fev
2019
3 https://www.ufca.edu.br/portal/images/2018/EDITAL%20N.%2010.2018%20-
%20A%C3%A7%C3%B5es%20de%20Iniciativa%20da%20Comunidade%20Acad%C3%AAmic
a.pdf Acessado em 15 fev 2019
artes e a cultura articuladas com suas disciplinas, de qualquer área do conhecimento.
Esses projetos tinham foco na busca do diálogo entre os saberes acadêmicos e
populares, na promoção da indissociabilidade da cultura com o ensino, no fomento de
novas metodologias de ensino, no combate à evasão discente e no estímulo à vivência e
à reflexão da dimensão cultural e artística na universidade. Nesses editais, a
curricularização da cultura é entendida como “o processo pelo qual se busca a formação
de estudantes e professores por meio da relação entre uma área do conhecimento e a
cultura no seu sentido mais amplo” (Edital, 11/2018 – PROCULT/UFCA).
O projeto Diálogos Transversais é outra ação que busca contribuir para a
curricularização da cultura. É uma ação realizada em parceria com a Pró-reitoria de
Pesquisa, Pós-graduação e Inovação (PRPI), na qual dois professores e um mediador
são convidados para debater um tema comum e transversal nas ciências exatas e nas
artes. Cada convidado deve levar seus alunos para que aquele momento se torne uma
aula “diferente” sobre o assunto. A primeira edição ocorreu em maio de 2018 com o
tema Cores: o visível e o invisível, com um convidado da área de Física e outro das
Artes Visuais com mediação de um professor do Design.
Em 2018, iniciaram-se as tratativas para implantação, como política da
universidade, de projetos que buscam interação entre conhecimentos científicos e
saberes populares centrados na tradição oral, nos moldes da ecologia de saberes de
Boaventura de Sousa Santos (2010). Na prática, essa ação consiste na realização de
disciplinas na graduação e na pós-graduação com o professor da respectiva disciplina
junto aos Mestres da Cultura, no princípio titulados com notório saber pela Secretaria da
Cultura do Estado do Ceará (SECULT). Essa ação já ocorre com bastante sucesso em
algumas IES, como UnB, UFMG e UECE. De acordo com a UnB, tal ação busca
propiciar um espaço de experimentação pedagógica e epistêmica no
ensino capaz de inspirar resgates de saberes e inovações que
beneficiem a todos os envolvidos – estudantes, mestres e professores.
Trata-se de um desafio de grandes proporções devido ao verdadeiro
abismo que separa os dois mundos que pretendemos colocar em
diálogo: o mundo acadêmico, altamente letrado e centrado
exclusivamente nos saberes derivados das universidades ocidentais
modernas; e o mundo dos saberes tradicionais, centrado na
transmissão oral e que preserva saberes de matrizes indígenas e
africanas e de outras comunidades tradicionais, acumuladas durante
séculos no Brasil4.
4 http://www.inctinclusao.com.br/encontro-de-saberes/encontro-de-saberes Acessado
em 15 fev. 2019
Por fim, em 2018, a PROCULT iniciou a oferta de “disciplinas livres” para os
estudantes dos cursos de graduação da UFCA. A discussão desse tema surgiu com a
criação da PROCULT, em meados de 2013/14, mas sem sucesso na implantação. Em
2017, houve nova luta para incluir no Regimento dos Cursos de Graduação a
possibilidade de oferta dessas disciplinas pela Pró-reitoria. No primeiro semestre de
2018, foram realizados dois Fóruns Abertos de Cultura para debater e sugerir disciplinas
a serem ofertadas no segundo semestre do mesmo ano. As disciplinas ofertadas em
2018.2 foram “Corpo e Cidade” e “Educação, Cultura e História Africana e Afro-
brasileira”. A concepção de “disciplinas livres” aqui referida versa sobre a
possibilidade de Pró-reitorias ofertarem disciplinas com temáticas emergentes,
transversais. Essas disciplinas devem se integralizar na formação dos estudantes como
um saber interdisciplinar e transversal ao conhecimento estudado no seu curso de
graduação. É um modelo de oferta de disciplina que não está restrita a uma formação
específica de um curso ou de um currículo específico. Mas é uma proposta que perpassa
temáticas importantes e transversais a/em todos os cursos de graduação da Universidade
e, por isso, limitar a oferta de tais disciplinas a um curso, unidade acadêmica ou
departamento de área não seria suficiente para atingir tal escopo.
A PROCULT considera a importância das Pró-reitorias ofertarem disciplinas que
elejam conteúdos que sejam integralizados na formação humana e profissional do
acadêmico. É fato que as Pró-reitorias que se utilizarão desta prerrogativa em nenhum
momento usurparão a função da unidade acadêmica e dos cursos de graduação e
tampouco interferirá em seus trabalhos, mas assumem mais uma possibilidade de
formação acadêmica em que o estudante possa escolher para integralizar sua formação.
Considerações Finais
A reflexão e o debate sobre o papel de um setor de cultura numa IES pública
suscitaram questões acerca da gestão e das políticas culturais nesse tipo de instituição,
principalmente quando este setor se reconhece que não deve se limitar a produção de
eventos ou de entretenimento. O setor de cultura de uma IES também deve olhar para a
formação, a pesquisa, a extensão e as influências que exerce na região a qual está
inserida. Isto já se diferencia de setores de cultura existentes nos órgãos municipais e
estaduais, como as secretarias de cultura.
A elaboração de um documento da relevância do Plano de Cultura trouxe aos
envolvidos uma reflexão sobre as políticas que por estes vêm sendo desenvolvidas.
Nesse processo, pudemos ratificar, por consequência de reflexão, a necessidade e
importância de várias ações que ocorrem desde 2013. Percebemos o oposto para outras
tantas ações. Isso fez com que houvesse uma avaliação conceitual das políticas
executadas que levaram a dar transparência aos motivos pelas escolhas de gestão até
hoje adotadas.
Um aspecto relevante para a gestão cultural na Pró-reitoria de Cultura da UFCA
foi o planejamento para o futuro. Antes, o planejamento ocorria para um curto prazo.
Com a elaboração do Plano, a equipe envolvida na PROCULT passou compreendeu a
importância do planeamento com horizonte mais distante. A realização do planejamento
de longo prazo, contribui na busca e olhar para orçamento investido pela PROCULT.
O Plano também suscitou na reflexão acerca da atuação da PROCULT no tocante
à pesquisa e formação em cultura, bem como a fruição artística. Levantaram-se questões
importantes referentes às ações e políticas desenvolvidas para aperfeiçoar e ampliar o
alcance e o impacto da atuação nesses campos.
Por fim, a curricularização da cultura foi um tema inovador que provocou
inúmeras reflexões sobre possibilidades pedagógicas e de enriquecimento curricular no
âmbito do ensino. Isto porque não podemos esquecer que estamos numa instituição em
que uma de suas principais finalidades é o ensino de graduação. A cultura nesse
contexto não pode se eximir de participar dessa finalidade, obedecendo seus princípios,
conceitos e o seu papel dentro da UFCA.
Referências Bibliográficas
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São Paulo: Ed. UNESP, 2004.
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