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MODIFICAÇÕES DA OFERTA ESCOLAR NA PERIFERIA

DE SÃO PAULO: O CRESCIMENTO DAS ESCOLAS PRIVADAS.

Adriana Santiago Rosa Dantas∗


Escola de Artes Ciências e Humanidades –
Universidade de São Paulo (EACH-USP)

Graziela Serroni Perosa∗∗


Escola de Artes Ciências e Humanidades –
Universidade de São Paulo (EACH-USP)

Cursar uma escola privada no Brasil hoje está associado a propiciar aos filhos
melhores oportunidades de ascensão social, graças ao prestígio do setor privado de educação,
destinado, desde o final do século XIX às famílias de elite e progressivamente, ao longo do
século XX, estendido às classes médias. Corroboraram para a significação que a escola
privada assumiu no Brasil, a clara clivagem social que separa os alunos do setor público e do
setor privado de educação, ao longo de todo o século XX e o destino educacional e
profissional dos ex-alunos de grandes escolas privadas (Almeida, 2009). Esta percepção da
educação privada é fortalecida pelas más condições materiais de boa parte do setor público, os
resultados inferiores obtidos nos exames nacionais, fartamente demonstrados pela literatura
educacional brasileira. Como demonstrou Ringer, os sistemas de ensino em diversos países
funcionam assentados sobre uma segmentação interna materializada na origem social dos
alunos, nas modalidades de programas de ensino e no destino ocupacional de seus egressos
(Ringer, 2003). No Brasil, estas clivagens sobre as vias mais ou menos prestigiadas dos
sistemas de ensino europeus, são aprofundadas pela onipresença das escolas privadas na vida
das famílias de classes médias e altas do país. Tais estabelecimentos de ensino operam uma
segregação de base financeira, tornando o destino escolar das crianças e jovens, duplamente
dependente do capital, do capital econômico e do capital cultural das famílias (Bourdieu,
1998).


Mestranda do Programa de Estudos Culturais. Bolsista Capes.
∗∗
Professora Dra. da EACH-USP do curso de Obstetrícia, Gestão de Políticas Públicas e do mestrado em
Estudos Culturais.
Este artigo pretende apresentar os dados obtidos1 sobre a instalação de uma forma de
mercado escolar no distrito de Ermelino Matarazzo2, localizado na zona leste da cidade de
São Paulo3, caracterizado pela criação de mais de uma dezena de escolas privadas na última
década, que concorrem com os estabelecimentos de ensino público para atrair as famílias do
bairro. Esta pesquisa, desenvolvida em equipe, pretende contribuir para elucidar as
transformações na relação das famílias com a educação de seus filhos, como também para a
elaboração de novos indicadores sociais, com vistas a subsidiar políticas públicas em
educação, voltadas para atender as expectativas e demandas de famílias de origem popular.
Visa também entender e relacionar os aspectos envolvidos no crescimento dos
estabelecimentos escolares, especialmente os privados na periferia de uma grande metrópole
brasileira, associando este crescimento à instalação de um mercado escolar.

Abordar de maneira sistemática e relacionada a expansão do setor público e privado de


educação na sociedade brasileira, significa constituir em objeto de estudo os mecanismos
sociais responsáveis pela produção da segregação escolar e das experiências educativas entre
os diferentes grupos sociais que caracterizam o Brasil. (Almeida et al., 2010) Como
demonstram outros estudos, a distribuição dos estabelecimentos de ensino, públicos e
privados, não é aleatória. Ao contrário, ela é dependente de modificações demográficas, da
capacidade financeira das famílias e da história específica do local em que a instalação dos
estabelecimentos de ensino se deu (François & Poupeau, 2008).
A noção de mercado escolar está sendo empregada neste trabalho para descrever uma
oferta escolar heterogênea, concorrente e socialmente hierarquizada. Isso também acontece
em países em que o acesso à escola se faz por meio da “carta escolar”, que atribui os
estabelecimentos de ensino às famílias, de acordo com o seu endereço (François & Poupeau,
2008). Para outros autores, a concorrência entre estabelecimentos de ensino não pode ser
chamada de mercado, pois as relações de interdependência dessa competitividade estão direta
ou indiretamente reguladas pelas instituições estatais. Por esta razão, Van Zanten (2005)

1
O grupo de pesquisa denomina-se “Estratégias Educativas em Famílias de Ermelino Matarazzo”, orientado pela
prof. Dra. Graziela Serroni Perosa, tendo como integrantes: Adriana Dantas, Eliton Rocha e Taline Costa,
mestrandos do Programa Estudos culturais; Helena Marcon e Isamara Cruz da graduação em Gestão de Políticas
Públicas (GPP) e Ellen Vieira, da graduação em Obstetrícia.
2
Ermelino Matarazzo é um distrito da cidade de São Paulo, situado na zona leste da cidade, cortado pela linha da
CPTM (linha 12). Um distrito é formado por um conjunto de bairros, que não possui autonomia administrativa
como os municípios. O distrito tem o seu « subprefeito » indicado pelo prefeito do município ao qual é ligado e a
legislação não prevê representação própria na Câmara Municipal.
3
A cidade de São Paulo é dividida em cinco grandes regiões: Centro, Zona Norte, Zona Sul, Zona Leste e Zona
Oeste.
prefere falar na formação de um “quase mercado” hierarquizado, principalmente, pela
clientela que atendem. No caso brasileiro, parte-se do princípio que é possível falar em
mercado escolar, na medida em que os estabelecimentos de ensino concorrem entre si e
exigem o pagamento de mensalidades escolares. No caso francês, o ensino privado é
subsidiado pelo Estado, tendo mensalidades relativamente mais baixas e partem do princípio
que as famílias possuem o direito de preferir uma educação religiosa para educar seus filhos.
Para este artigo, fizemos o recorte de alguns resultados, para mostrar os aspectos
envolvidos no crescimento dos estabelecimentos escolares privados na periferia leste da
cidade de São Paulo. Para tanto, analisa-se dados da Secretaria da Educação e da Prefeitura de
São Paulo, que mostram o crescimento das escolas privadas em detrimento do recuo do
Estado na zona leste de São Paulo, tendo como marco comparativo a promulgação da LDB
9394/1996 (Brasil, 2012).

A escolha do distrito, onde está instalada a Escola de Artes, Ciências e Humanidades


da Universidade de São Paulo e o Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais (EACH-
USP), foi feita para contribuir no levantamento de parte da história social da cidade de São
Paulo, que passou por uma explosão populacional singular entre 1940 e 1970, devido em
parte à industrialização e a imigração e migração interna, mudando o cenário da zona leste e
seu contexto educacional. Este campus foi inaugurado em 2005 como parte de um projeto que
visou democratizar o Ensino Superior, em uma região da cidade que não possuía
universidades públicas e como forma de atender as pressões de “um forte movimento de suas
comunidades, que se organizaram para debater e discutir as questões da educação pública em
geral” (Perosa, Santos & Menna-Barretto, 2011, p.42).

O objetivo da pesquisa é integrar os seguintes fenômenos sociais: o crescimento da


periferia leste de São Paulo, a diferenciação interna de um distrito popular e por último, o
florescimento de um mercado escolar, caracterizado pela presença de escolas privadas
interessadas em captar frações das classes populares e da nova classe média que hoje habita o
distrito. A diferenciação interna foi analisada a partir do conceito de configuração nos termos
de Elias & Scotson (2000). Esta escolha metodológica tem como objetivo relacionar o maior
número de dados para entender uma realidade social (Bourdieu, 2010, p.18). O texto está
dividido em três partes: a zona leste e o contexto dos estabelecimentos escolares; a oferta
escolar de Ermelino Matarazzo e, por fim, as considerações finais.
1. A Zona Leste e o contexto dos estabelecimentos escolares

A história da ocupação do espaço da zona leste já consolidada na literatura (Azevedo,


1945; Rolnik & Frúguli Jr, 2001; Fontes, 2008) informa que ali consistia em um aldeamento
indígena e um antigo caminho que ligava São Paulo ao Rio de Janeiro. A antiga estrada de
ferro, a Central do Brasil, que tinha a mesma função de ligação entre os dois estados e o preço
acessível dos terrenos do entorno da ferrovia impulsionaram a implantação de indústrias no
início do século XX, desde o Brás até São Miguel Paulista. A venda de loteamentos
irregulares e até grilados, a autocronstrução e as lutas sociais que culminaram em ocupações
populares do espaço caracterizaram esta parte da zona leste (Mautner, 1999; Grostein, 2004).
Este crescimento desordenado, não acompanhado de uma infraestrutura correspondente à
demanda, teve como resultado várias mobilizações sociais, como por exemplo, a luta por
moradia (Iffly, 2010, pp.166-210) e por educação (Sposito, 2002; 2010).

A luta por estabelecimentos escolares na zona leste tem sido presente no seu contexto
histórico de lutas populares que ocorreram nas décadas de 1970 e 1980 que reivindicavam
para a periferia a presença de escolas públicas capazes de garantir o acesso à população em
idade escolar residente na região. Tais reivindicações tinham como pauta não só o ensino de
Primeiro Grau como era denominado o Ensino Fundamental na época, mas também de
Segundo Grau, correspondente ao Ensino Médio atual e ao Ensino Supletivo (Sposito, 2010,
pp. 253-297). Antes mesmo da Constituição de 1988 e da LDB 9394/1996 que tornou o
Ensino Básico compulsório e gratuito, base para a “universalização” do acesso escolar, já se
reivindicava o ensino público na periferia. A amplitude desta ampliação em educação pode
ser observada na maior capital do Brasil. A Secretaria da Educação de São Paulo gerencia 5,3
mil escolas, 230 mil professores e mais de quatro milhões de alunos no Estado4. A capital é
dividida em treze diretorias de ensino, das quais cinco estão na zona leste. Ermelino
Matarazzo pertence à Diretoria de Ensino Leste 1.

Antes mesmo da promulgação da LDB 9493/1996, no início dos anos de 1990, Cury
(1992) levantou a discussão entre o público e privado na educação do Brasil. Ao discutir a
Constituição de 1998, o autor levanta o início de um processo em que a Carta Magna abria

4
Cf. Secretaria <http://www.educacao.sp.gov.br/institucional/a-secretaria> Acessado em 5 abril 2012
precedentes a uma tendência de uma escola mercantil de cunho liberal como opção para a
sociedade em detrimento de um ensino público “atrasado”. Esta concepção neoliberal tinha
como doutrina e defesa a centralidade da educação como mola propulsora do
desenvolvimento econômico do país que almejava uma melhor posição no cenário mundial.
Este contexto histórico permeou a criação da LDB nos anos de 1990. Também havia a crítica
ao sistema educativo público como paternalista e ineficiente, abrindo caminho para o ensino
privado (Pino, 2000, p.26). Assim, a LDB legitimou a tendência já vislumbrada por Cury anos
antes de uma escola privada como concorrente do Estado, viabilizada pelo crescimento
econômico brasileiro.

Dez anos depois da LDB, Vieira analisa o cenário do público e privado na educação
constatando a tendência que já existia no Brasil de “publicização da oferta de Educação
Básica e da privatização da oferta de Educação Superior” (Vieira, 2008, p.87). Em outras
palavras, a gratuidade e obrigatoriedade do Ensino Fundamental alargaram os números neste
nível, pois o Estado tornou-se o responsável por atender esta demanda. Outro estudo
demonstra que a regulamentação pela LDB permitiu que o número de um milhão de
Instituições de Ensino Superior (IES) na rede privada no ano de 1995 passassem para três
milhões no ano de 2004 (Barreyro & Rothen, 2007) corroborando com as conclusões de
Vieira. Outro estudo comparativo verificou que o gasto com educação entre 1987-1988 e
2002-2003 foi um dos que mais aumentou na participação orçamentária das famílias
brasileiras. Este estudo do IPEA apontou que os gastos se davam pelo aumento de
participação em cursos superiores regulares e pela oferta de mensalidades mais baratas de
cursos privados, permitindo que famílias mais pobres aumentassem seus gastos com educação
especialmente nas regiões urbanas do Sudeste, Sul e Centro-Oeste (Castro & Vaz, 2007).

Enquanto o Brasil publiciza o Ensino Básico e privatiza o Ensino Superior, os dados da


periferia de São Paulo apontam uma nova tendência: a da privatização do ensino básico,
especificamente o Fundamental. No gráfico 1 vemos a expansão dos estabelecimentos
escolares privados na Diretoria Leste 15 que passou de 10 escolas no ano de 1996 para 45 no
ano 2000 e para 88 estabelecimentos dez anos depois.

5
A capital de São Paulo é dividida em treze diretorias de ensino e a zona leste em cinco diretorias. O
distrito de Ermelino Matarazzo está inserido na Leste 1, cuja jurisdição também compreende os distritos de
Cangaíba, Itaquera, Penha, Ponte Rasa e Vila Jacuí.
Gráfico : Quantidade de Estabelecimentos de Ensino Básico na Diretoria Leste 1

Fonte: Secretaria da Educação, 2011

A escolha do ano de 1996 visa situar os estabelecimentos escolares no contexto da pré-


LDB. As instituições consolidadas nesta data ainda não tinham sido influenciadas pela lei em
questão. A Secretaria da Educação forneceu os dados do Ensino Básico e no ano em questão
tinha-se 33 estabelecimentos estaduais, 21 municipais e apenas 10 privados debaixo do
escopo da Diretoria da Leste 1.

Já no ano 2000, vemos um aumento em todas as dependências com diferenças


significativas. Em quatro anos, apenas dois estabelecimentos estaduais foram fundados na
região. Os municipais dobraram, mas os dados de 1996 não incluíam as creches, pois estas
foram incorporadas pela Secretaria da Educação somente após a regulamentação da LDB. Na
cidade de São Paulo, já na década de 1980 a sociedade civil se organizava para aumento de
creches na cidade e desde 1970 a rede municipal já participava da expansão da Educação
Infantil na cidade. A municipalização desse nível de ensino já está sob a tutela da prefeitura
na data em questão (Marcílio, 2005, pp.385-387). No entanto, “apenas 47% das crianças na
faixa etária de 4 a 6 anos estavam atendidas nas Emeis da prefeitura, no ano 2000” (idem,
p.387). Este déficit abriu espaço para as iniciativas privadas como demonstra o gráfico 1 não
só no Ensino Infantil, mas também no Ensino Básico.

Praticamente 15 anos depois, no que se refere ao Ensino Fundamental e Médio sob o


escopo do Estado, o crescimento dos estabelecimentos públicos é insignificante, passando de
33 para 37 unidades. Por outro lado, há um crescimento exponencial da administração
privada, passando de 10 para 88 estabelecimentos, ultrapassando até o número total de
estabelecimentos públicos que totalizam 86 unidades na Leste1.

A quantidade de estabelecimentos não corresponde, no entanto, o número de


matriculados atendidos na região. A rede pública abarca o maior número de matriculados, mas
com diminuição da porcentagem ao longo dos anos e aumento da porcentagem da rede
privada em contrapartida, segundo os dados da Secretaria da Educação:

Tabela1. Matrículas da Diretoria Leste 1

Número de alunos matriculados na Diretoria Leste 1


Educação Infantil Ensino Fundamental Ensino Médio
E* M* P* T* E M P T E M P T
A A
1996 0 6706 398 7104 37937 17123 3940 59000 13105 0 2130 15235

% 94,40% 5,60% 64,30% 29% 6,7% 86% 14%

2000 0 8755 B 2706 B 11461 33419 16917 4547 54883 16963 0 1487 18450

% 76,4% 23,6% 60,9% 30,8% 8,3% 92% 8%

2010 0 10289 B 5170 B 15459 26720 12486 8686 47892 12523 0 1444 13967

% 66,55% 33,45% 55,8% 26,1 18,1% 90% 10%

*E (Estadual), M (Municipal), P (Privado), T (Total) A=apenas pré-escola B=creche + educação infantil


Fonte: Secretaria da Educação (2012)

A porcentagem de Educação Infantil na Diretoria Leste 1 aumentou


consideravelmente de 6% em 1996 para 24% em 2000 e sensivelmente em 2010, passando
para 33%. O Ensino Municipal principal responsável por este nível na Zona Leste perdeu
quase seu espaço totalitário de 94% em 1996 para 76% em 2000 e 66% em 2010. Em 15 anos,
passou da quase totalidade para um pouco mais da metade das matrículas dos alunos na região
periférica. Estes dados apontam para tendência de mercantilização do ensino proposto por
Cury, como também ao processo sofrido no Ensino Superior com a regulação dada pela LBD
a este nível de ensino como demonstram os estudos acima citados. Da mesma forma, a
necessidade de creches e educação infantil na cidade de São Paulo sugerem um caminho de
explicação para o fenômeno de forma mais acentuada.

O Ensino Fundamental estadual passou de 64% das matrículas em 1996 para 56% em
2010, o municipal decresceu sensivelmente passando de 29% para 26%. Já as escolas privadas
que detinham 7% dos matriculados em 1996, no ano de 2010 já possuíam 18%. Quanto ao
Ensino Médio há uma inversão, o aumento das matrículas de 86% para 90% no ensino
público e a diminuição no ensino privado de 14% para 10%. Os dados demonstram que o
aumento dos estabelecimentos privados na Leste 1 correspondem à Educação Infantil e
Ensino Fundamental

2. A oferta escolar de Ermelino Matarazzo.

A história de Ermelino Matarazzo está profundamente ligada à industrialização, imigração


e migração. A primeira indústria do distrito, chamada Celosul, foi instalada pela família
Matarazzo na década de 1940. Até aproximadamente a década de 1970 a industrialização
marcou o crescimento populacional de Ermelino Matarazzo. O distrito passou por um
processo de desindustrialização relativa (Rolnik & Frúguli Jr, 2001) tornando-se
prioritariamente residencial. A partir dos anos de 1980, outra área da região próxima à
Avenida São Miguel, antes desvalorizada por estar longe da linha do trem, tornou-se alvo da
especulação imobiliária trazendo para o distrito novos moradores com maior poder aquisitivo.
A diferenciação interna do distrito atesta uma relativa heterogeneidade social que reverberou
na forma pela qual os estabelecimentos escolares se distribuíram espacialmente no distrito
(Dantas & Perosa, 2012). Assim, Ermelino Matarazzo pode ser dividido em bairros que foram
influenciados, ora pela industrialização (região 1), ora pela estrada de rodagem (região 2):

Mapa de Ermelino Matarazzo no destaque6

6 O distrito de Ermelino Matarazzo é dividido em vários bairros: Jardim Matarazzo, Vila Cisper, Jardim
Keralux, Jardim Belém, Vila Paranaguá, Parque Boturussu, Vila Robertina dentre outros. Os dois primeiros
bairros receberam o nome das indústrias que estavam em seu entorno e no caso da Keralux, por causa do terreno
da indústria que foi ocupado.
Como mostra o mapa, os bairros da região (1) estão próximos do rio Tietê na região de
várzea e baixa colina. A linha de trem está na região de planície e as indústrias no começo e
meados do século XX se instalaram na localidade por causa da facilidade que esse meio de
transporte fornecia como também pela facilidade de escoar os detritos industriais no rio. Os
bairros da região (2) estão próximo à Avenida São Miguel (ponto C). Há o destaque do
Parque Boturussu, que compreende a região que está entre o ponto A, B e C, que recebeu a
maior parte dos estabelecimentos privados como demonstra a tabela abaixo, que relaciona o
ano de fundação e a dependência administrativa, revelando a necessidade de se entender
melhor as modificações da oferta escolar neste bairro da periferia de São Paulo:
Tabela 2. Estabelecimentos Escolares
Fundação Localização Dep. Administrativa Estabelecimento
1956 Região 1 Municipal 1. Octavio Mangabeira
1960 Região 2 Estadual 2. Condessa Filomena Matarazzo
1961 Região 2 Estadual 3. Professora Eunice Laureano da Silva
1963 Região 1 Estadual 4. Professora Benedita de Rezende
1964 Região 1 Privada 5. Centro Educacional Sesi 074
1971 Região 1 Estadual 6. Ermelino Matarazzo
1977 Região 1 Estadual 7. Professor Lúcio De Carvalho Marques
1977 Região 1 Estadual 8. Jornalista Francisco Mesquita
1977 Região 1 Estadual 9. Professor Dr. Geraldo Campos Moreira
1979 Região 2 Estadual 10. Professora Leonor Rendesi
1979 Região 2 Estadual 11. Pedro de Alcântara M. Machado
1982 Região 2 Privada 12. Colégio Floresta
1985 Região 2 Estadual 13. Professor Joaquim Torres Santiago
1988 Região 2 Estadual 14. Therezinha Aranha Mantelli
1990 Região 2 Estadual 15. Professor Umberto Conte Checchia
1992 Região 2 Privada 16. Colégio Argumento
1994 Região 1 Municipal 17. Professor João Franzolin Neto
1997 Região 1 Municipal 18. Deputado Januario Mantelli Neto
1997 Região 2 Privada 19. Colégio Abílio Augusto
1997 Região 2 Privada 20. Colégio Sena De Miranda Unidade I
1998 Região 2 Privada 21. Colégio Integracão
1998 Região 2 Privada 22. Colégio Inovação - Unidade II
1999 Região 1 Privada 23. Colégio Conexão
1999 Região 1 Estadual 24. Parque Ecológico
2000 Região 1 Estadual 25. Irmã Annette de Mello
2000 Região 2 Privada 26. Colégio Amorim
2001 Região 1 Privada 27. Colégio Forth
2001 Região 1 Privada 28. Sena de Miranda Colégio Unidade II
2002 Região 2 Privada 29. Colégio Mont Martre
2004 Região 1 Privada 30. Colégio Pedro Peralta
2005 Região 1 Privada 31. Centro Educacional Nova Jornada
2006 Região 2 Privada 32. Colégio San Marino
2008 Região 1 Municipal 33. CEU Rosangela Rodrigues Vieira
Fonte: Secretaria da Educação (2011)
Entre 1956 e 1994, Ermelino Matarazzo tinha 12 escolas estaduais das 33 da Leste 1, 2
municipais das 21 e 2 privadas das 10 que estavam sob a responsabilidade desta diretoria
atualmente. A grande quantidade de escolas estaduais devido à luta por educação na região.
(Sposito, 2010). Segundo os dados oficiais, a primeira escola pública foi fundada em 1956
pela administração pública. A primeira escola de Ensino Médio, a Condessa Filomena
Matarazzo, foi fundada em 1960 em meio às lutas por escolas de Segundo Grau, quando na
região ainda havia defasagem de Ensino de Primeiro Grau. Quanto à primeira escola privada,
o SESI, fundada em 1964, teve como objetivo atender a demanda dos operários do entorno.

No quadro pós-LDB, a partir de 1997 até o ano 2000, temos mais duas escolas
estaduais fundadas na Diretoria. Este dado é interessante, porque no período entre 1996 e
2000, estas são as únicas escolas estaduais fundadas em toda a Leste 1 que compreende mais
5 distritos da zona leste. São as escolas Irmã Annette de Melo e Parque Ecológico situadas em
regiões de ocupação.

Outro destaque do período, depois de 1996, é o aumento significativo das escolas


privadas que estão localizadas na região 2 que não foi influenciada pela industrialização. Esta
região recebe uma nova população que chega ao distrito em busca da casa própria e se
diferencia progressivamente dos bairros mais antigos que receberam nas décadas anteriores,
os operários vindos em sua maioria do nordeste para trabalhar nas indústrias do distrito. A
observação das casas do bairro e a análise das estatísticas oficias sugerem a instalação de uma
nova classe média na localidade a partir da 1980. Pouco a pouco, estes novos habitantes
transformam a região em um espaço de gentrificação social e que explicam, em última
análise, uma nova demanda por estabelecimentos de ensino privados.

De acordo com a pesquisa que realizamos, a partir do ano 2000, praticamente só


escolas privadas são fundadas em Ermelino Matarazzo com exceção de um CEU, de
administração do município. Ao contrário do período anterior em que as escolas estavam
concentradas na região 1, a outra região recebeu estabelecimentos desta dependência
administrativa indicando uma provável mercantilização do ensino como concorrente dos
estabelecimentos públicos que pararam de ser fundados neste distrito.

3. Considerações Finais
Este texto apresenta os resultados parciais de uma pesquisa mais ampla sobre as
modificações ocorridas no distrito de Ermelino Matarazzo que permitem compreender o
crescimento dos estabelecimentos escolares em uma região periférica da cidade e o
crescimento da escola privada em detrimento da administração pública. Os primeiros
resultados demonstram uma omissão do poder público em participar da oferta escolar da
região a partir da última década do século XX, bem como uma modificação na composição
social dos moradores do distrito que servirá de base para as transformações da oferta escolar
local. Procurou-se articular, diversos processos sociais que estão relacionados a esta
modificação da oferta escolar: a industrialização, a diferenciação interna do distrito e o
contexto pós-LDB que regulamentou a expansão do ensino privado, permitindo o
desenvolvimento de um novo mercado nas regiões periféricas. Nosso estudo permite
compreender que tal modificação não deu de forma uniforme conforme os dados do distrito,
mas relacionado à diferenciação interna que tem como pano de fundo a história de
configuração do distrito. Ao que tudo indica, a chegada de novos moradores, com outras
características sociais, explicam a modificação das aspirações educacionais materializadas na
fundação de uma dezena de escolas privadas voltadas para atrair algumas frações dos grupos
populares, como uma nova classe média que vem morar no bairro em busca da casa própria.
Evidentemente, esta breve discussão necessita ser aprofundada para melhor entender o
processo atual da periferia paulistana.

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