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RESUMO
Este artigo objetiva comparar experiências de educação em duas comunidades
quilombolas situadas na Região Sul-Fluminense, a pafiir das relações estabelecidas
entre escola local e comunidade. A coleta de dados oconeu entre os anos de 2011 e
2017 e contou com: etnografia; entrevistas com as principais lideranças políticas
das comunidades pesquisadas; análise de documentos oficiais disponíveis nas
respectivas escolas e Secretafias Municipais de Educação. Percebemos que tais
expefiências, ainda que apresentem pontos em comum, podem ser tão diversas
como os próprios processos de fonnaçào das comunidades. Pensar em experiências
de educação escolar quilombola pressupõe nos abrinnos à pluralidade de
possibilidades que estas representam. Palavras-chave: Educação escolar
quilombola. Escola. Comunidade quilombola.
ABSTRACT
EDUCATION EXPERIENCE QUILOMBOLA: RELATIONS BETWEEN SCHOOL
AND COMMUNITY
This work aims compare two quilombola education experiences, from the
observation ofthe relationship between school and community. Data collection took
place between the years 2011 and 2017 and included: ethnography; interviews with
political leaders of the two communities studied; analysis of oficial documents
available in their schools and Municipal Departments ofEducation. We realize that
such experiences, despite having common ground can be as diverse as the very
processes of fonnation of communities. Think of quilombola school education
experiences presupposes open ourselves to the countless possibilities they
represent.
Keywords: Quilombola school education. School. Quilombola community.
RESUMEN
EXPERIENCIAS DE EDUCACION QUILOMBOLAS: LA RELACION ENTRE LA
ESCUELA Y LA COMUNIDAD
Este altículo tiene como objetivo comparar Ias expefiencias de educación en dos
comunidades quilombolas ubicadas en Ia región del Sur Fluminense, a pafiir de Ias
Doutora em Educação pela Pontificia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC,RIO). Professora Adjunta da F
aculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisadora do Laboratório de Pesquisas em
Educação do Corpo da Faculdade de Educação (IABEC/UFRJ). E-mail: kalylamaroun@gmail.com
* * Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RIO). Educadora na ONG
Novamerica. Membro do Grupo de Estudos em Culturas, Escola e Cotidiano da Faculdade de Educação (GECECQUC-
RIO). E-mail: edileia.rj@hotmail.com
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entrevistas com as principais lideranças políticas Campinho está localizado ao longo da costa
das duas comunidades pesquisadas; análise de litorânea do Rio de Janeiro, à margem da Rio—
documentos oficias disponíveis nas escolas e nas Santos, assim como Bracuí, e, por isso, sofreu os
respectivas Secretarias Municipais de Educação. efeitos impostos pela abefiura da rodovia, na
Predominaram nesta pesquisa as vertentes década de 1970, que trouxe a supewalorizaçào da
intelvretativista e culturalista da etnografia de área e, consequentemente, o surgimento da
Geefiz (1989), já que não há uma busca pelas leis especulação imobiliária na região. Intensificou-se
e regras que regem as comunidades, mas pelo o interesse por empreendimentos turísticos e,
aspecto simbólico relacionado à cultura, ou seja, como consequência, grande palte da população
há uma descrição densa daquilo que foi tradicional foi expulsa de suas ten•as. Os
observado. O foco, poitanto, recai sobre os moradores passaram, então, a enfrentar uma
protagonistas desse processo, ainda em abefio, de acimada disputa por suas tenas e a conviver com
constmçào de modelos de educação escolar ameaças de invasão de grileiros (aqueles que
quilombola, ou seja, pafiiremos das perspectivas compras e vendem temas ilegalmente) e do Poder
encontradas no interior das comunidades Público do estado do Rio de Janeiro, que diversas
pesquisadas. vezes tentou retirá-los da região.
A abeltura da Rio—Santos impactou
diretamente o modo de vida das populações
Breve histórico de tradicionais do local (LIMA, 2008). Campinho,
formação das comunidades que vivia da agricultura familiar, passou a ter no
quilombolas pesquisadas roçado uma prática de trabalho secundário.
Grande palte dos moradores da comunidade
Apresentaremos aqui um breve histórico dos
passou a se encontrar na condição de trabalhador
processos de fonnaçào das duas comunidades
temporário no centro de Paraty, sem garantias
quilombolas pesquisadas. A paltir disso será
trabalhistas e estabilidade (GUSMÃO, 1998).
possível percebennos aproximações e
No ano de 1975, organizados em tomo da
afastamentos entre os respectivos processos, isto
Comunidade Eclesial de Base (CEB) e com a
é, questões mais gerais, que costumam se repetir
ajuda da Comissão Pastoral da Tena (CPT), os
entre os processos de fonnaçào de tais grupos
moradores da comunidade entraram com ações
étnicos, e especificidades, que apontam para o
individuais de usucapião, argumentando que
protagonismo e estratégias utilizados pelas
desde o século XIX habitavam aquelas terras.
comunidades. Esta apresentação é ftndamental
Entretanto, os processos judiciais ficaram
para a compreensão das experiências de
paralisados durante anos, assim como dispersos
educação quilombola nesses contextos.
por diferentes cafiórios.
Abordaremos lutas que apontam não apenas para
Anos depois, ainda vivenciando um processo
um processo de resistência. mas também para
de luta e enfrentamentos em tomo da posse da
uma "aposta de (re)constmção" de um sentido
tema, em 1994, os quilombolas de Campinho
"coletivo de pefiencimento e de ser" (WALSH,
fundaram aAssociaçào de Moradores do
2012, p. 68), que reverberam no campo
Quilombo do Campinho (AMOQC) e
educacional.
começaram, então, a exigir a titulação coletiva de
Campinho da Independência é o nome da
suas temas, tendo em vista a aplicação do Altigo
Plimeira comunidade quilombola titulada no
68 da Constituição Federal de 1988. 1
estado do Rio de Janeiro. No final do século
XIX, com a decadência do regime escravocrata e A titulação, porém, só ocorreu no dia 21 de
com o processo de desagregação das março de 1999, quando a comunidade recebeu da
propfiedades da região, o "Senhor da Fundação Cultural Palmares (FCP) e da
Independência" (fonna como era chamado o Secretaria de Assuntos Fundiários do Estado do
antigo fazendeiro escravista e proprietário do Rio de Janeiro o título definitivo de seu tenitório,
local) teria doado pafie das suas terras a três tendo como outorgada a AMOQC. O
escravas que viviam na casa grande da Fazenda reconhecimento oficial da comunidade como
Independência. remanescente de quilombo levou à sua entrada
1 "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo
o Estado emitlr-lhes os títulos respectivos" (BRASIL, 1988)
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entender que a escola precisava entrar no Altigo 68 para a reivindicação das tenas do seu
debate sobre suas lutas identitárias. respectivo tenitório.
Sobre esse tema discon•eremos mais A FCP celtificou a comunidade em 1999. Para
adiante. tanto, como etapa concomitante e/ou postefior à
Santa Rita do Bracuí é uma comunidade celtificação, foi realizado o laudo antropológico
quilombola situada em um município vizinho a (BRAGATTO, 1999) de Bracuí. Este demonstrou
Paraty, localizando-se em Angra dos Reis. Com a o histórico de ocupação da tena a pafiir da
abolição da escravidão, os descendentes de pennanência dos escravos na fazenda Santa Rita,
escravos permaneceram nas temas da Fazenda após a morte de José de Souza Breves (1889), em
Santa Rita, que foram doadas a eles pelo posses familiares, com uma área de uso comum,
fazendeiro Comendador José de Souza Breves, onde ficavam equipamentos, tais como o
por meio do seu testamento, no ano de 1877. engenho de cana e a engenhoca. Além disso, os
Falta consenso sobre dados quantitativos a elementos ressaltados pelo laudo sobre a
respeito dessa população. Tanto o laudo como o apropriação do gmpo na autoatribuiçào
relatório antropológico (BRAGATTO, 1999: quilombola foram: a ancestralidade comum e a
MATTOS et al., 2009), sobre os quais nos prática do jongo na tradicional
debmçamos, não fornecem informações sobre o
número de famílias que atualmente ocupam a 5 Para um aprofundamento sobre a relação do reavivamento do
área, tampouco sobre o tamanho do tenitório, já jongo com a construção e reafirmação identitária em Santa
Rita do Bracui sugerimos a leitura do trabalho de Maroun
que muitas temas foram perdidas devido a (2013)_
conflitos fundiários que vêm assolando a festa em homenagem à padroeira da comunidade,
comunidade, como oconeu com a comunidade Santa Rita.
vizinha de Campinho, em razão da especulação O ano de publicação do laudo
imobiliária. Muitas famílias foram pressionadas a antropológico de Bracuí coincidiu com o
abandonar ou vender suas tenas, recebendo ano da titulação da comunidade vizinha
pequenas indenizaçôes. de Campinho. Iniciou-se, a pafiir de
Mesmo com a doação formal antes do fim da então, uma aproximação e um diálogo
escravidão, a comunidade vem lutando ainda nos entre as duas comunidades, o que trouxe
dias de hoje pela titulação definitiva de suas uma referência para Bracuí sobre os
temas. Entretanto, se a luta pela terra se inicia em próximos passos indispensáveis ao
Bracuí por meio da legislação que abarcava as processo de titulação definitiva do seu
comunidades lurais de uma fonna geral .com temitório quilombola, após a certificação
assessofia do Sindicato dos Trabalhadores Rurais oferecida pela FCP. No entanto, o
e da CPT), a pafiir do final da década de 1990, a reconhecimento de Bracuí enquanto
categoria julidica remanescente de quilombo, que remanescente de quilombo, fato este que
resultou no surgimento de novos sujeitos podem representar a regularização das
políticos de direitos (ARRUTI, 1997), passa a ser ten•as em nome da associação de
utilizada pela comunidade como uma fonna moradores, até o momento, não resultou
altemativa à resolução dos antigos conflitos na conclusão exitosa do processo.
ñllldiários, assim como oconeu em Campinho. Entretanto, se inicialmente o diálogo com
O processo de autoatribuiçào enquanto Campinho inseriu-os nos trâmites fundamentais
comunidade remanescente de quilombo e de para a reivindicação de suas ten•as como
constmçào de sua respectiva identidade quilombolas, foi em razão da reafimação de sua
quilombola oconeu em Bracuí mais tardiamente, identidade jongueira que Bracuí iniciou a luta por
se o comparannos com Campinho, e de fonna seus direitos. Na fala de um dos integrantes da
cmzada a outro processo: o de reavivamento do Associação dos Remanescentes de Quilombo de
jongo:: Nosso interlocutor, Délcio Bemardo, Santa Rita do Bracuí (Arquisabra): "Se nós
educador popular, jongueiro e um dos fundadores somos quilombolas hoje é por causa de
do movimento negro de Angra dos Reis, que Campinho e do Délcio" (VALMIR, 2011). Nesse
trabalha atualmente na Secretam de Educação do caso, ao mencionar o nome do Délcio, ele traz à
município, conta que, em 1997, foi iniciado um tona o seu impofiante papel de mediação no
debate em Bracuí em tomo da utilização do reavivamento e na consolidação do jongo na
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comunidade. Além de ser um forte elemento de Diante do exposto até aqui, percebemos
reafinnaçào identitália, o jongo também teve um alguns pontos em comum entre os processos de
papel ftndamental na organização política de fonnaçào das duas comunidades, dentre os quais
Bracuí. Em 2005, para a elaboração do projeto destacamos: a resistência frente à pressão para o
"Pelos Caminhos do a necessidade de um diálogo abandono de suas ten•as em razão da abeltura da
intemo maior e de uma organização política mais rodovia Rio—Santos; o protagonismo da
concisa começa a ficar evidente para os próprios juventude e das lideranças na 01ganização
moradores. Estes passaram a se reunir mais, a política dos gmpos, bem como no fofialecimento
debater sobre as demandas do gmpo, da luta pelo temitólio, o que inclui a educação
reconhecendo que, para terem acesso a nesses contextos. Dentre as diferenças que
detenninadas políticas, precisavam se organizar singulafizam cada um dos processos, apontamos
no fonnato de uma associação de moradores. Na para a condição privilegiada que a comunidade
esteira da elaboração e da submissão do projeto de Campinho possui, uma vez que a titulação do
"Pelos Caminhos do Jongo", a Arquisabra tem a tenitório oconeu no ano de 1999, quando Bracuí
sua primeira gestão registrada em cafiório, ainda ainda recebia a cefiificaçào da FCP. Esta última
no ano de 2005. Dessa fonna, podemos dizer que comunidade passa a se organizar politicamente
o movimento realizado em tomo muito recentemente, o que é fofialecido a pafiir
de 2005, quando é criada a Arquisabra, enquanto
6 0 referido projeto; que tinha como objetivo oferecer oficinas de aquela já está na agenda de políticas públicas do
jongo para as crianças da comunidade. foi submetido e govemo e de 01ganizações sociais e académicas
aprovado pela Brazil Foundation: uma organização não
govemamental que apoia iniciativas da sociedade civil antes mesmo do ano de sua titulação.
brasileira que propõem soluções criativas e diferenciadas para
os desafios enfrentados por comunidades de todo o País.
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do jongo reverberou em uma organização
política imprescindível à luta pela titulação, haja
vista que, regularizado o tenitório, o título é
registrado em nome da associação de moradores.
Junto ao processo descrito de reconhecimento
positivo da identidade quilombola por meio do
jongo, o que oconeu, também, em razão das
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práticas educativas vinculadas a ele, quatro
jovens quilombolas de Bracuí concluíram o curso Escola/comunidade: as relações
de Licenciatura em Educação do Campo, da estabelecidas nos territórios
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ). 2 Eles fizeram palte da primeira tunna Neste momento, nos voltaremos às relações
do curso, iniciado no ano de 2010. A conclusão estabelecidas entre escola e comunidade nos dois
do curso por parte destes jovens parece impactar tenitórios pesquisados, buscando apontar para os
ainda mais a luta por políticas públicas marcos representativos de aproximações e
diferenciadas, pfincipalmente no tocante à afastamentos entre ambas ao longo do tempo. A
educação e à escola local. Abordaremos adiante o partir disso, teremos subsídios para uma análise
protagonismo que a juventude vem assumindo sobre os caminhos que a educação escolar
em relação aos diálogos e às demandas sobre a quilombola vem tomando nos dois contextos
escola localizada em seu temitório. apresentados. O olhar lançado aqui pafie da
etnografia realizada ao longo do trabalho de
2 Inicialmente. o curso foi aberto visando à formação de 60jovens e adultos dos Projetos de Assentamento da ReformaAgrária criados
pelo Incra para atuação nas escolas do campo. Considerando as demandas especificas dos grupos étnicos no que diz respeito às
políticas educacionais e de desenvolvimento rural, foram abertas dez novas vagas para indígenas e quilombolas_ A inserção de
quilombolas e indígenas no curso implica em um conjunto de conteúdos e metodologias de ensino voltado aos debates em tomo das
especificidades destes grupos étnicos. representando a primeira experiência de formação de professores quilombolas e Indigenas no
estado do Rio de Janeiro.
campo, sobretudo sob o viés dos protagonistas do constatação se dá a pafiir do momento em que
processo, que ainda se encontra em curso, de percebemos que não há, por pafie da Secretaria
demanda por uma educação escolar quilombola. Municipal de Educação, qualquer iniciativa de
A Escola Municipal Campinho da trabalhar com as questões étnico-raciais,
Independência, situada dentro da comunidade de tampouco com a própfia aplicação da Lei no
Campinho, foi constmída em uma área cedida 10.639/2003 (BRASIL, 2003), mesmo
por um dos moradores e ftnciona desde o ano de considerando a relevância disso pelo fato de a
1980. Atualmente, atende alunos da Educação escola de Campinho estar inserida em um
Infantil e do Ensino Fundamental até 0 50 ano. tenitório étnico-racial. A segunda problemática é
Segundo dados empíricos fomecidos pela atual que nem mesmo as especificidades de uma
diretora da escola, coletados ao longo do trabalho escola mral são contempladas, uma vez que a
de campo, dos 162 alunos matriculados, escola mral exige metodologias diferenciadas,
aproximadamente 80 são quilombolas. Projetos Políticos Pedagógicos específicos e
A escola do Campinho é classificada no censo práticas pedagógicas que pfivilegiem as
escolar como quilombola. Entretanto, essa construções sociais da vida no campo.
classificação é concebida apenas no âmbito do A relação da comunidade com a escola local é
acesso a recursos financeiros diferenciados, cercada por um histórico de conflitos e, ao que
como o Fundo de Manutenção e parece, o momento atual aponta para uma
Desenvolvimento da Educação Básica e de rejeição radical da comunidade ao modelo
Valofizaçào dos Profissionais da Educação escolar disponível, como veremos
(Fundeb). Não há, ainda, iniciativas politico- postefionnente. O debate sobre uma educação
pedagógicas concretas que visem contemplar as escolar quilombola no Campinho emerge de um
especificidades de uma educação escolar contexto de luta identitália representada pela
quilombola. Um exemplo disso é a própria fonna demanda de um modelo educacional que
com que a Secretaria de Educação de Paraty contemple e legitime sua cultura local e seus
concebe a Escola do Campinho. Embora dentro modos de vida. Cabe aqui ressaltar que todo esse
de um tenitório quilombola, a escola encontra-se debate na comunidade se dá antes mesmo da
subordinada à coordenação de Educação Rural de publicação das Diretrizes Cuniculares Nacionais
Paraty, que, por sua vez, não traz em seu projeto para a Educação Escolar Quilombola (BRASIL,
político pedagógico aplicado de fonna única a 2012). Um marco fundamental que começou a
todas as escolas insefidas nesse contexto — as legitimar o debate sobre uma possível "escola
questões históricas, étnicas, políticas, sociais e quilombola", e uma tentativa de aproximação
culturais da população afro-brasileira, tampouco com a escola local, foi a implementação do Ponto
as especificidades das comunidades de Cultura Manoel Mafiins, em 2005, já que este
remanescentes de quilombo. Tanto a direçào da veio atrelado a múltiplas e diferenciadas
escola, como a Secretaria Municipal de Educação possibilidades de práticas educativas. O que a
insistem em enunciá-la como escola mral, princípio seriam oficinasS realizadas nos espaços
afinnando não concordarem com o rótulo de da comunidade, destinadas às cfianças e aos
escola quilombola, uma vez que tal classificação jovens, com o objetivo de lhes criar referências
poderia gerar a exclusão das crianças não identitárias, tomou-se um projeto pensado pela
quilombolas que também compõem o quadro comunidade para ser expefimentado na escola.
discente da escola. No mesmo pefiodo em que se iniciam as
Desse contexto emergem duas problemáticas. oficinas, intensificam-se as reclamações dos
A primeira é que, dentro desse formato de gestão, professores da escola com relação ao interesse e
a zona rural é concebida de fonna homogênea. rendimento das crianças nas atividades escolares.
Não há, portanto, o reconhecimento da Ainterlocutora Laura, integrante daAMOQC
diversidade presente no campo, sequer das desde então, que possui a função de mediar as
especificidades dos diferentes povos que vivem questões relativas à escola perante a comunidade,
naquela região no tocante à educação escolalü afinna ter sido chamada pela direção inúmeras
Vale aqui lembrar que a cidade de Paraty vezes para ouvir queixas sobre o compofiamento
constitui um mosaico étnico onde habitam das cfianças:
quilombolas, caiçaras e indígenas guaranis. Tal
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Um dia me chamaram na escola e disseram: 'Olha, pensado, colocando todos (professores, alunos,
Laura, você precisa dar um jeito nessas crianças, demais funcionálios) numa posição homontal,
elas só querem ficar falando de jongo o tempo nas palavras de Laura, "no mesmo patamar".
todo, de tambor, das saias de chita... As
Nesse contexto, não havia quem soubesse mais e
professoras estão reclamando, não conseguem dar
aula.' Agora você vê, o que pra elas era um quem soubesse menos, havia saberes e
problema, pra mim significa novas possibilidades, conhecimentos diferenciados. Era a comunidade
inclusive de trazer sentido aos conteúdos apropriando-se de um espaço que é seu, levando
escolares. (LAURA, 2013). sua pelspectiva de escola de matriz africana para
dentro da escola regular/tradicional.
Apafiir disso, Laura percebeu que a proposta Laura lembra que a repercussão do projeto foi
do Ponto de Cultura poderia ofientar não apenas muito positiva, o destaque se deu, sobretudo, em
novas possibilidades para o cunículo, mas relação às crianças que moravam na comunidade.
poderia sewir de platafonna para a elaboração de "[...] um momento de fofialecimento, de
um Projeto Político Pedagógico condizente com autoestima, de 01gulho de ser negro" (LAURA,
as especificidades da sua comunidade. Dessa 2013). Tratava-se da difusão do conhecimento
fonna, com o objetivo de tomar os conteúdos que tinha como base os saberes próprios da
escolares mais significativos para os alunos, comunidade (WALSH, 2011).
paltindo da premissa de que o conhecimento A pafiir da expefiência com o "Educando com
local ocultado e deslegitimado pela escola — Arte", as lideranças passam a denunciar o
destacava-se no contexto das oficinas, distanciamento entre a cultura da criança
quilombola e a cultura privilegiada na escola, o
Laura escreveu, no ano de 2005, com o apoio de que remete ao que explicita Walsh (2011), ao
uma pedagoga que morava na região de Paraty, o trazer o contexto de luta dos povos
Projeto "Educando com pensado para ser afrodescendentes pelo reconhecimento dos seus
experimentado na escola local. direitos no campo da educação. Para a autora,
A entrada do projeto em 2005, bem como da esse reconhecimento pode ser traduzido da
própfia comunidade no espaço escolar, uma vez seguinte fonna:
que os protagonistas eram os educadores E o valor de ensinar sobre o que muitos anos nos
populares griôs, afiesàos e lideranças políticas ensinaram que não teria valor, os conhecimentos
reconhecidos no quilombo como mestres , que não haviam nos dito que eram conhecimentos,
enfrentou grande resistência por pafie da direção a luta é voltar a esta fonna de conhecimento, a esta
e dos(as) própfios(as) professores(as). Eram maneira de entender a vida, de entender nossos
muitas questões, a princípio niveladas por próprios saberes como também envolver os
formalidades burocráticas (autoriza- processos educativos nesta nossa visão de história
e conhecimento. (GARCÍA; WALSH, 2010 apud
WALSH, 2011, p. 4).
S As oficinas realizadas eram: capoeira de angola, jongo, cerâmica
artística: percussão: construção de tambores e cestaria. Um ano depois da implementação do projeto,
9 0 projeto "Educando com Arte" foi sistematizado e publicado em
livro com o apoio da Unesco no ano de 2008 houve substituição na gestão da Secretaria de
Educação de Paraty e o "Educando com Alte" foi
retirado da escola por solicitação da própria
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isso, fazer a digestão disso, acabar com a raiva... didáticos utilizados" (ARRUTI, 2017, p. 119),
Então esse distanciamento propiciou a gente entendemos que há um problema político e/ ou
desfazer essa releitura e hoje a gente tem uma de desconhecimento por palte dos gestores no
outra proposta. (LAUR.A, 2013).
tocante à cometa fonna de classificar as escolas
Recentemente, o fim desse distanciamento da localizadas nesses tenitórios étnicos.
comunidade com a escola até foi cogitado pelas Constmída no início da década de 1970,
lideranças, uma vez que a coordenação das apafiir da constmção da Rio—Santos, a escola
escoIas Airais de Paraty, no âmbito da Secretaria Municipal Aurea Pires da Gama recebe hoje um
de Educação, passou a ser ocupada por alguém percentual pequeno de alunos oriundos do
mais próximo da comunidade. Entretanto, o quilombo.
diálogo tão esperado não aconteceu. Hoje, a luta As questões colocadas até aqui nos fazem
das lideranças por uma educação diferenciada indagar acerca da situação da escola localizada
permanece, mas por outros vieses e estratégias no tenitório de Bracuí, no intuito de refletir sobre
políticas. Campinho da Independência a expefiência de uma educação escolar
protagoniza essa luta junto ao Movimento de quilombola, uma vez que há demanda das
Povos Tradicionais, inclusive juntamente com a lideranças políticas por fazê-la, ainda que em
comunidade de Bracuí, mas busca caminhos meio a um contexto heterogêneo de alunos
diferentes para pleitear seus direitos no campo da composto por nordestinos, indígenas, 10 caiçaras e
educação. Por não verem possibilidade de negros quilombolas e não quilombolas.
diálogo com a gestão atual da Secretaria Apresentaremos alguns fatos que demonstram
Municipal de Educação, que se coloca totalmente aproximações e afastamentos entre a escola
contrária aos pleitos da comunidade, o que Aurea Pires da Gama e a comunidade de Bracuí.
inviabiliza ações e aproximações com a escola, Para tanto, nossa pfincipal interlocutora é
as lideranças decidiram pensar uma escola Marilda de Souza Francisco: lidemnça política da
comunitária, autónoma, só para as crianças do comunidade, ex-aluna, mãe de dois ex-alunos e,
quilombo. Logo, decidiram pensar o seu modelo atualmente, funcionária pública da rede
de educação fora da escola regular/tradicional, municipal de educação de Angra dos Reis, locada
gefido pela própria comunidade. Ainda não se como zeladora na refefida escola, desde a década
sabe se subvencionada pelo Estado, o que de 1990.
também poderia ser um processo complexo e A relação com a escola municipal localizada
exaustivo, ou não. Apesar disso, permanecem no no tenitório de Bracuí vem sendo um campo de
movimento de luta pela educação quilombola disputa política desde o seu nascimento. Ao
juntamente com outras comunidades, ajudando longo desses aproximadamente 40 anos de
na reflexão sobre estratégias, açôes e políticas existência, houve uma longa gestão, que
públicas. representou um bom momento de aproximação
Localiza-se no tenitório quilombola de Santa entre escola e comunidade. Esta se inicia no final
Rita do Bracuí a Escola Municipal Aurea Pires da década de 1990, estendendo-se até quase o
da Gama, na estrada de Santa Rita, pfincipal ma ano de 2005, e é lembrada com saudosismo por
do quilombo, bem próxima à "pista" (categoria Marilda: "Quando a
nativa que designa a rodovia Rio—Santos),
oferecendo atualmente o Ensino Fundamental e a I O Há uma aldeia indígena no território quilombola chamada de
Guarams do Bracui_ Estes chegaram na década de 1970 à
modalidade de Educação de Jovens e Adultos comunidade, mediante os "progressos" e as expulsões advindas,
(EJA). na década de 1970: da construção da R10—Santos_
Mesmo estando localizada no tenitório Elisa entrou, a Elisa era uma pessoa festeira,
quilombola, apenas no ano de 2105 ela foi então ela gostava de tá em contato com o povo
classificada como escola quilombola, como daqui da comtmidade" (MARILDA, 2011). Afala
veremos adiante. Mesmo compreendendo que a da da demonstra a aproximação afetiva de
simples classificaçào atribuída pela direção Elisa, diretora da escola durante mais de uma
escolar não "implique a existência de qualquer década, com a comunidade. Desta aproximação,
diferenciação na sua fonna fisica, nos métodos destacamos dois resultados relevantes: o livro
pedagógicos, na sua gestão, na composição e Bracuí: suas lutas e história, escrito por alguns
fonnação dos seus professores, nos materiais professores da escola, em parceria com a
Rev. FAEEBA - Ed. e contemp_, salvador, v. 26, n. 49, p. 87-102, mai0/ago_ 2017
comunidade, que objetivou trazer para o cunículo e por uma Secretaria de Educação politicamente
a rica história do povo de Bracuí: e a realização sensível ao contexto da luta do movimento
da feira "Fmtos da que foi uma iniciativa quilombola da região.
da comunidade, respaldada pela direçào da O projeto "Pelos Caminhos do Jongo",
escola. A feira também traz um marco impofiante iniciado em 2005 e extinto há alguns anos, que
da entrada do jongo na escola, pois foi nela, cuja oferecia oficinas de jongo para crianças e jovens
pfimeira edição oconeu em 2003 , que o jongo do quilombolas, representou uma experiência
Bracuí se apresentou pela pfimeira vez para a sistematizada e significativa de educação
comunidade escolar. quilombola para a comunidade. Enquanto nelas
Entretanto, ainda que ojongo tenha sido eles se autoafirmavam enquanto quilombolas, em
inserido na escola no ano de 2003, na gestão um processo de constmçào e valorização
postefior à da dil?tora Elisa, iniciada no ano de identitária, na escola, as mesmas cfianças
2005, há um distanciamento da escola com a negavam-se a se assumir enquanto tal,
comunidade, o que acaba por contribuir para a envelgonhando-se de sua condição étnica.
invisibilidade desta última no contexto escolar. O Marilda nos traz um relato interessante, que
jongo e, consequentemente, a comunidade de expressa essa situação: "Quando eles sabiam que
Bracuí retomaram algumas vezes à escola, mas aquela criança era daqui, eles começaram: 'Ah,
de fonna supelficial e folclorizada, apenas para seu quilombola! ' Aí a cfiança chomva, se
contemplar as datas específicas que fazem alusão acabava de chomr: 'Ah, eu não sou quilombola
à cultura negra e para cumpfir a agenda referente não, ai, ai, ai'. Aí teve uma vez que a menina
à Leino 10.639/03 2003), como se estava quase se acabando de chorar lá atráS'
simplesmente chamar o jongo para a escola (MARILDA, 2011).
contemplasse tal política educacional. O exemplo acima demonstra que, mesmo o
Tais apontamentos demonstram que, se no jongo tendo sido um elemento fundamental na
período da gestão da Elisa havia indícios de um afinnaçào identitária e no desenvolvimento da
diálogo entre escola e comunidade, muito mais autoestima das cfianças do quilombo do Bracuí,
por uma afinidade afetiva e/ou política da a escola não o reconheceu e, tampouco,
diretora com o quilombo do que por uma valorizou-o. Como nos demonstra Kabelenge
implementação de uma política pública Munanga (2005), o fato de a escola Aurea Pires
específica, até bem pouco tempo isso havia se da Gama receber maj ofitariamente alunos não
perdido. No momento atual observamos que, quilombolas não justifica a ausência de
passado o distanciamento, a discussões e conteúdos cuniculares relativos aos
saberes étnicos de seu povo. Para o autor, a
11 "Frutos da Terra" consiste em uma feira que leva os saberes história e a memória da comunidade negra não
quilombolas para serem expostos na escola. Vendem-se interessam apenas aos alunos e alunas negras,
também frutas, artesanatos e pratos típicos. Ficava livre a cada
quilombola interessado em participar, levar o que achasse mais mas também àqueles que possuem outras
conveniente. A primeira versão foi realizada em 2003. No ano ascendências étnicas. Nesse sentido, a memória e
seguinte, a feira foi realizada novamente, tendo uma
representação massiva dos quilombolas_ Entretanto, com
a história não pefiencem somente aos negros, ou
amudança da direção escolar entre os anos de 2004 e 2005 (sai seja, pertencem a todos, já que diferentes gmpos
a Elisa), o evento perdeu o protagomsmo quilombola, pois contiibuíram, cada um a seu modo, para a
começaram a criar temas para embasar a feira, iniciando-se,
assim, umperíodo de afastamento entre esta e a escola. A feira fonnaçào da riqueza social e económica da
continua a acontecer anualmente: mas os temas propostos nem identidade nacional.
sempre têm afinidade com as demandas da comunidade.
No momento atual, tanto em razão das
demandas colocadas pela comunidade, como
pela refommlaçào de políticas no interior da
95 própfia Secretaria de Educação de Angra dos
Reis, observamos que a direção da escola se
escola volta a se aproximar da comunidade, o volta para a comunidade, retomando um diálogo
que poderá estar respaldado pela política que havia
educacional específica existente, representada
pelas Diretrizes Cuniculares Nacionais para a
Educação escolar Quilombola (BRASIL, 2012), 96
ficado em suspenso desde o fim da gestão da Uma análise comparativa das duas
diretora Elisa, em 2005. O momento é propício demandas apresentadas
para o debate sobre o quê, de fato, sefia uma
educação escolar quilombola. E interessante observarmos que o
No dia 12 de agosto de 2015 acompanhamos protagonismo político das comunidades
uma reunião realizada na escola Aurea Pires da apresentadas,
Gama, que contou com a presença de lideranças principalmente no âmbito da luta por uma escola
da Arquisabra (no caso, os quatro jovens que quilombola, ao mesmo tempo em que apresenta
concluíram o curso de Educação do Campo, e a determinadas similaridades, o que chamamos
Marilda), gestores da Secretaria de Educação de aqui de pontos em comum, também traz consigo
Angra dos Reis, professores da UFRRJ e da estratégias diferenciadas, em razão de suas
Universidade Federal Fluminense (UFF), que respectivas histórias e demandas que, no entanto,
possuem trabalhos de extensão na comunidade, o assumem como objetivo comum a reivindicação
corpo docente e a direçào da escola. A razão do por uma educação escolar condizente com suas
encontro era a decisão coletiva sobre a culturas, seus costumes e seus saberes
classificação da escola no censo escolar, isto é, se tradicionais. Tal obsewação nos leva a refletir
a escola atenderia à demanda da comunidade de sobre as constantes ressignificações que se
classificá-la como quilombola ou não. As apresentam na constmçào e implementação da
lideranças apresentaram suas posições junto à educação escolar quilombola, por pafie dos
secretaria e à direçào da escola para, em seguida, próprios sujeitos do processo, bem como acerca
ocon•er a votação. Após muitos embates e das estratégias políticas assumidas em cada um
estranhamentos por pafie de alguns professores dos casos aqui trazidos.
sobre a demanda apresentada que, por falta de Um dos aspectos observados em ambos os
opoltunidade, não convém trazennos aqui, ficou casos, e que desponta como desafio para a
decidido que a escola seria classificada como construçào e implementação de educação escolar
quilombola, com apenas um voto de abstenção e quilombola, é a pluralidade do público atendido
nenhum contra. Todos os presentes tiveram nas escolas situadas em terfitólios remanescentes
direito a voto, inclusive as lideranças de quilombo. Tanto a escola do Campinho quanto
quilombolas. a escola do Bracuí recebem alunos pefiencentes a
Diante da conjuntura apresentada, outros contextos étnicos e socioculturais. Toda
percebemos que tanto Campinho como Bracuí essa pluralidade chama atenção para a fonna
puderam vivenciar experiências educacionais como as diferenças são tratadas e concebidas no
muito significativas por meio dos Pontos de espaço escolar, para a maneira como a cultura, as
Cultura implementados nas comunidades. Eles identidades e as especificidades do temitório
foram relevantes na medida em que consistiram quilombola se apresentam e são, ou não,
em sistematizações e práticas educativas incoworadas na/pela escola, bem como para a
pensadas e geridas a pafiir dos próprios fonna como dialogam ou não com a diversidade
quilombolas, contribuindo, também, para existente. Nas palavras de Amiti (2017, p. 119):
subsidiar as respectivas demandas de uma 'Escolas em áreas de quilombo' podem não receber
educação escolar diferenciada para seu povo. apenas (e, eventualmente, nem mesmo
Entretanto, devido às especificidades e às principalmente) as crianças de tais comunidades,
questões políticas que assolam cada uma delas, recebendo também crianças de comunidades do
as estratégias adotadas para a permanência na entorno. Da mesma forma, escolas situadas fora
luta por uma educação quilombola que, de fato, das áreas de quilombo, mas nas vizinhanças de
lhes é um direito, trilha caminhos diferenciados comunidades quilombolas, podem atender também
e, por vezes, principalmente — as crianças dessas
atualmente.
comunidades.
Compreendemos aqui que toda essa
diversidade cultural podem ser concebida como
uma vantagem pedagógica (CANDAU, 2011
apud FERREIRO, 2001), ou seja, as diferenças
poderiam ser vistas como intrínsecas aos
Rev. FAEEBA - Ed. e contemp_, salvador, v. 26, n. 49, p. 87-102, mai0/ago_ 2017
Ainda segundo Armti (2017), uma análise apresentada pela própfia comunidade que a
possível para a chamada educação quilombola se escola passa a ser classificada como escola
apresenta por meio do complexo campo da quilombola no censo escolar de 2015.
educação diferenciada, representada por entraves Em relação à constmção dessa escola
políticos que se dão não apenas no âmbito da sua quilombola, as jovens lideranças começam a
regularização, ou seja, classificação, mas pressionar a escola para que viabilize a fonnaçào
também continuada para o como docente, com ênfase na
temática quilombola, tendo como pfincipais
alticuladores de tal fonnaçào as própfias
98 lideranças. Para tanto, contam com a parceria de
nos contextos pedagógico e cunicular, que devem professoras do departamento de educação das
estar pautados nos saberes e fazeres quilombolas, universidades UFRRJ e UFF (campus de Angra
tanto no contexto das escolas localizadas nos dos Reis), bem como com pesquisadores
referidos tenitófios étnicos, como naquelas que parceiros da comunidade e movimentos sociais
atendem alunos oriundos destes. do município. Dessa fonna, podemos obsewar
Uma questão que se apresenta de forma que, apesar da classificação da escola como
bastante interessante nesse contexto de análise quilombola não significar literalmente uma
são as estratégias incoworadas pelas mudança no seu fazer pedagógico, bem como no
comunidades no tocante à luta pela educação seu cunículo, a atual gestão, tanto da escola
quilombola, mediante as relações estabelecidas quanto da Secretaria de Educação de Angra,
com suas escolas locais e suas respectivas entendem que este avanço exige um
secretafias de educação. comprometimento político-pedagógico de todos
Enquanto Bracuí inicia uma agenda de os envolvidos.
trabalho com a escola para pensar o processo de
constmção de uma escola, de fato, quilombola, Não queremos pensar apenas a classificação, mas
pensar para além do Censo. Vocês estão dispostos
não apenas no tocante à classificação perante o a encarar essa proposta de uma escola nova? A
censo escolar, Campinho da Independência, continuar essa discussão para além dos muros da
diante da dificuldade em dialogar com a escola e escola? O novo não está pronto, será constmído!
com a atual coordenação da Secretaria de (SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO DE ANGRA,
Educação de Paraty, distancia-se. 2015).
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