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O ENSINO DE HISTÓRIA E AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE AS


ESCOLAS

OLAVO PEREIRA SOARES*

Introdução

Neste texto apresentamos algumas análises realizadas no interior do PIBID -


Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – da área de história da
UNIFAL/MG - Universidade Federal de Alfenas. Tais análises resultaram em processos de
intervenção didático-pedagógicas nas escolas parceiras, e essas foram significativas, seja para
as comunidades escolares, para os discentes em processo de formação e também para a
universidade, na medida em que impactam nos debates sobre os currículos para a formação
inicial do professor de história.

O projeto tinha por objetivo inicial interagir com as escolas parceiras para
possibilitar aos discentes e professores das escolas ações didático-pedagógicas que os
auxiliasse a analisar, compreender e fazer proposições sobre três aspectos que consideramos
importantes para as práticas de ensino de história: a) a compreensão sobre os objetivos da
história a ser ensinada e a necessária indagação sobre a importância da história enquanto
disciplina escolar para a vida dos alunos e sua comunidade; b) a produção e uso de fontes
primárias no ensino de história, considerando as características da cidade e região que não tem
tradição na preservação da memória e do patrimônio cultural; c) a análise propositiva sobre os
currículos para o ensino de história no ensino fundamental II e ensino médio das escolas

*
UNIFAL/MG - Universidade Federal de Alfenas. Professor Doutor e coordenador da área de história do
PIBID/UNIFAL-MG. Este trabalho conta com financiamento da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Ensino Superior, através do PIBID - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
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públicas.

Aos objetivos iniciais foram inseridos outros tão logo teve início a inserção dos
pibidianos nas escolas. O início dos trabalhos trouxe ao projeto um conjunto de questões que
precisaram ser analisadas para que as atividades nas escolas fossem satisfatórias. Nesse caso,
as distintas realidades escolares impuseram questionamentos sobre as relações existentes entre
os diferentes contextos sociais em que estão inseridas as escolas parceiras e os processos de
ensino-aprendizagem nelas estabelecidos.

Ao ingressarem em escolas públicas que estão inseridas em contextos sociais


significativamente diferentes, os pibidianos de história se depararam com a necessidade de
analisar teoricamente estas realidades, bem como de desenvolverem princípios metodológicos
distintos para a inserção em contextos escolares também distintos.

A definição das escolas parcerias do PIBID –, foram realizadas antes do envio do


projeto institucional para a da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Ensino Superior. Para atender as exigências do Edital, os coordenadores dos subprojetos
deveriam considerar um conjunto de informações que tinham por objetivo dar maior
consistência teórico-metodológica ao projeto.

No envio da proposta, o subprojeto da área de história optou por indicar como escolas
parceiras duas escolas públicas com perfis diferenciados. Naquele momento, a
intencionalidade desta escolha estava relacionada às nossas intervenções no currículo e à
busca de elementos de comparação entre a gestão do currículo de uma escola municipal e uma
escola estadual. Além destes elementos, sabíamos, de antemão, que as escolas estão inseridas
em contextos sociais significativamente diferentes e que tais contextos interferem de forma
objetiva nos processos de ensino e aprendizagem. Além disto, há distinções significativas nas
formas de representação das escolas pelo conjunto da sociedade, e isto tem influência direta
nas relações entre alunos, escolas e conhecimento escolar. No nosso caso, colocamo-nos o
desafio de compreender em que medida os diferentes contextos sociais impactam o ensino e a
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aprendizagem da história.

A cidade, os pibidianos e a escolas parceiras

Alfenas é uma cidade pequena, com aproximadamente 80 mil habitantes. No entanto,


abriga duas Universidades, uma pública e uma privada, e se constitui como microrregião ao
atrair vários moradores de cidades vizinhas que se utilizam dos serviços disponíveis na
cidade. Com duas Universidades, a cidade recebe um número alto de estudantes durante o
período letivo. A maioria mora na cidade e outros tantos realizam pequenas viagens
diariamente. O volume de estudantes que migram sazonalmente para morar na cidade
ultrapassa em 10% o total da população.

Essa breve síntese tem por objetivo demonstrar que a cidade, embora pequena, tem
que conviver com um grupo social que é específico: os estudantes das Universidades. Em
termos percentuais o grupo dos estudantes não é pequeno, e isto tem impactos no cotidiano da
cidade: há acréscimo no comércio de bens de consumo, interferências no mercado imobiliário,
aumento exponencial na circulação de bens relacionados ao mercado do entretenimento.
Assim, os estudantes vivem e convivem com a cidade, mas também constituem no interior
dela um “mundo paralelo” no qual a cidade é, em muitas situações, apenas um cenário.

Nessa contextualização mais abrangente, podemos perceber que os estudantes que


ingressam no PIBID tem, em sua grande maioria, pouco ou nenhum conhecimento sobre a
cidade. As amizades, as interações sociais e as idas e vindas no cenário urbano são marcados
pelos vínculos com os seus semelhantes, ou seja, com outros universitários. Embora haja
exceções, esse é o quadro geral das relações estabelecidas entre os estudantes universitários e
a cidade.

Com os pibidianos de história não é diferente: ao ingressarem no programa eles


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sequer conheciam a localização das escolas que com que iríamos trabalhar1. No entanto, este
desconhecimento inicial foi rapidamente suplantado pelo interesse dos pibidianos em
conhecer as unidades escolares, para posteriormente definir em qual delas eles iriam ter maior
envolvimento.

Assim, dentre as primeiras atividade de 2011 estava o diagnóstico inicial das escolas
parceiras. Dois pequenos grupos se encarregaram de fazer um levantamento inicial das
escolas e, posteriormente, apresentaram aos demais pibidianos. Após o contato com essas
informações iniciais estabelecemos que o grupo de 14 pibidianos deveria se dividir para
atender às duas escolas.

A reação inicial dos pibidianos sobre a necessidade de escolha foi emblemática, e em


um certo sentido, deu o tom do que teríamos como reflexo das representações sociais sobre as
escolas. Inicialmente, a maioria dos pibidianos queriam se dedicar ao trabalho na escola
central, enquanto poucos optaram para trabalhar na escola no bairro2. A justificativa inicial
para a recusa da escola do bairro estava relacionada basicamente aos gastos relativos ao
transporte. Contudo, ficou perceptível entre os pibidianos que já estavam incorporando
definições sobre o bairro e a escola, e ao compararem com a escola do centro, começaram a
rejeitar a escola do bairro pelos seus aspectos supostamente negativos.

Esse foi um momento fundamental. A necessidade de uma divisão equitativa do


grupo estava relacionada aos objetivos estruturais do projeto e às possibilidades de inserção
dos pibidianos nas duas realidades escolares distintas. Houve então, a necessidade de
convencimento, que foi prontamente realizada por nós, da coordenação da área. Procuramos
justificar com os argumentos do projeto, mas também da necessidade de inserção em
realidades escolares que eram estranhas à grande maioria do pibidianos. Argumentamos que é
na compreensão dos contextos escolares considerados de difícil inserção que se encontram os

1 Com exceção de uma bolsista que já havia realizado estágio em uma das escolas parceiras.
2 Vamos utilizar a expressão escola do centro e escola do bairro para expressar as diferenças entre as escolas,
que como veremos, não são apenas de localização.
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melhores desafios pedagógicos e didáticos.

Após breve rodada de argumentações, e com considerações de todos os envolvidos, o


grupo se dividiu da seguinte forma: oito alunos na escola do bairro e seis na escola do centro.

Com o início das atividades, os pibidianos de história começaram a conhecer uma


cidade com a qual eles conviviam, mas desconheciam.

A identificação das representações sociais sobre as escolas

As primeiras inquietações do pibidianos em relação às diferenças entre as duas


escolas estavam relacionadas às profundas diferenças existentes nos processos pedagógicos
das escolas. A escola do centro, vinculada a Secretaria Municipal de Educação, tem uma
estrutura rígida nos processos pedagógicos e administrativos, e isto tem interferência direta
nos processos didáticos, com intervenções da gestão da escola no planejamento e nas formas
de avaliação dos professores. A escola do bairro, vinculada a Secretaria Estadual de Educação
é o oposto: com gestão desorganizada, sem diálogo com os professores e sem intervenção
nenhuma nos processos didáticos pedagógicos.

Nas primeiras reuniões com o coletivo dos pibidianos havia um evidente desconforto
em relação aos processos pedagógicos das duas escolas. O excesso de rigor implementado
pela gestão da escola do centro dificultava o trabalho dos pibidianos, pois limitava a inserção
nos processos didáticos e restringia a atuação dos pibidianos em sala de aula. Um dos
aspectos que mais dificultavam a atuação dos pibidianos estava relacionado aos processos
avaliativos, pois com o excesso de avaliações, os professores não se sentiam a vontade para
fazer “experiências didáticas” com os pibidianos. Na escola do bairro, o descontentamento
era maior, pois a falta de planejamento e a desorganização da escola, os pibidianos não
conseguiam interagir com os processos didáticos, até porque, segundo as informações
apresentadas por eles, na escola do bairro “os processos didáticos” são quase inexistentes.
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Há uma série de considerações de cunho teórico que precisam ser realizadas a partir
da constatação inicial destas realidades. Há também, um conjunto de ações de cunho prático
que os pibidianos de história, e de outras áreas, desenvolvem e que visam interferir de forma
prospectiva nas escolas. Essas são ações que ainda estão se desenvolvendo no projeto.

Para o momento, vale destacar nossas considerações acerca das representações


sociais sobre as escolas e como isto afeta os processos didáticos e pedagógicos nelas
inseridos.

O que os pibidianos tem notado é que há, em relação à escola do centro, um processo
de valorização social da instituição. Tal valorização ocorre por alguns fatores: a localização da
escola, o acesso, a organização do espaço interno, o aspecto de conservação de sua área, e,
principalmente, a gestão pedagógica. De forma extensiva, os pibidianos verificam que os
alunos da escola também demonstram respeito a gestão, que pode ser interpretado também
como receio em ser repreendido. O fato é que os alunos da escola usam cotidianamente o
uniforme, utilizam a biblioteca e sala de informática com relativa frequência, participam das
atividades didáticas em sala de aula. Há casos indisciplina que são rapidamente
individualizados pela direção escolar.

Na escola do centro, sociedade e gestão escolar compartilham de uma determinada


compreensão do que venha a ser escola e, por conseguinte, conhecimento escolar. Uma
concepção assentada nos princípios do respeito e obediência há um conjunto de regras que são
socialmente preestabelecidas e pedagogicamente incorporadas pela escola. Para nós,
pibidianos, há equívocos didáticos e pedagógicos que são denunciados pela literatura
especializada há décadas, mas, no momento, o que pretendemos ressaltar é que a
representação “positiva” da escola congrega parte majoritária da comunidade escolar, e isto
tem um impacto direto nas concepções sobre o conhecimento e as formas de transmissão e
incorporação do conhecimento escolar. Concepções que foram reforçadas pelas notas do
IDEB de 2012, nas quais a escola obteve notas que são superiores à média nacional e à meta
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nacional projetada pelo próprio Ministério da Educação.

A escola do bairro tem uma trajetória que é o oposto da escola do centro, portanto,
representações sociais significativamente diversas. O bairro é socialmente desprestigiado.
Resultado de projetos urbanísticos que excluem as populações pobres das regiões centrais, o
bairro, inicialmente um conjunto habitacional dos anos 1980, nasce sob o signo da pobreza e
da exclusão. Com distribuição geográfica propícia a exclusão e “invisibilidade” de seus
moradores, mas extremamente favorável à especulação imobiliária, o bairro nasce longe do
centro e isolado urbanisticamente.

Com o passar dos anos, os altos índices de violência e tráfico de drogas estavam, e
infelizmente ainda estão, vinculados ao bairro. Os índices de pobreza e violência não são
comparáveis aos de grandes cidades, mas ajudam a formar o caldo de uma representação
negativa da cidade sobre o bairro. Diacronicamente, a maioria da população do bairro é
formada por trabalhadores que estão inseridos em vários setores da economia local. Ocorre
que esses são “invisíveis” para os olhos de uma parcela da sociedade. Historicamente
“invisíveis”, a ponto de não serem reconhecidos por eles mesmos.

Após décadas de exclusão, a sensação que os pibidianos apresentam é de que a escola


incorpora todo o processo histórico de exclusão que o bairro carrega. A autoestima dos alunos
é extremamente baixa e a maioria não apresenta qualquer interesse pela educação escolar tal
qual é apresentada. A maioria dos professores incorporaram a concepção de que “os alunos
estão fadados ao fracasso” e naturalizaram a relação entre pobreza e desempenho escolar. A
gestão escolar não se reconhece e tampouco é reconhecida pela escola.

Inseridos em contextos escolares tão diversos, os pibidianos de história assumem


cotidianamente o desafio de repensar sobre os objetivos da educação escolar. Em ambas
escolas as “representações sociais” são partilhadas entre sociedade e comunidades escolar.
Porém, enquanto em uma escola há uma representação positiva que é assimilada por
professores e alunos, em outra, a representação negativa foi introjetada na escola e inviabiliza
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procedimentos que visem a melhoria da qualidade do ensino.

O processo de compreensão e análise desses contextos nos permite refletir sobre os


objetivos da educação escolar. Por exemplo: que concepção de educação escolar é essa,
baseada em disciplina e respeito às regras e que tem nas notas do IDEB um fim em si? Como
é possível modificar as representações sociais negativas sobre uma escola sem implantar nela
princípios rígidos de disciplina e avaliação?

Essas questões não foram previstas no projeto inicial, mas incorporadas às nossas
reflexões. As ações dos pibidianos no cotidiano escolar passaram a considerar tanto as
realidades e contextos sociais quanto as representações sociais que a cidade tem em relação às
escolas. Assim, se em uma das escolas há uma necessidade premente de valorização do
patrimônio cultural da comunidade e de suas “histórias”, em outra, há que se respeitar a
cultura escolar, mas tendo em vista modificações nos planos didáticos e pedagógicos, para
que o ensino de história possa ser significativo para os alunos. No entanto, em ambas as
situações é preciso ir para além dos códigos que são especificamente escolares.

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