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RESUMO
O objeto desta pesquisa é a Educação Escolar Quilombola, entendida aqui como uma
modalidade de ensino que se constrói como uma unidade entre a educação formal e as
práticas tradicionais vivenciadas nas comunidades quilombolas. Este modelo de educação
tem o intuito de reafirmar e construir o sentimento de pertencimento nos estudantes. De
forma especifica este trabalho irá partir das práticas educacionais da Escola Quilombola
Estadual Teixeira de Freitas, localizada no Quilombo de São Pedro dos Bois (SPB) no
perímetro rural de Macapá–AP. Através de entrevistas pré-definidas com professores/as
e discentes com objetivo de obter dados sobre a implementação da Educação Escolar
Quilombola na referida escola e os efeitos observados desde a utilização destas diretrizes.
O recorte temporal será centrado nos anos de 2012 a 2018, por abranger o processo de
consolidação das legislações e a introdução dessa modalidade de ensino na comunidade
estudada. O quilombo de SPB é categorizado neste trabalho como Quilombo
Contemporâneo, conceito defendido por Moura (2007) e Souza (2012), como forma de
identificar como as comunidades quilombolas se articulam politicamente na busca por
direitos.
Palavras-chave: Quilombo, Educação Escolar Quilombola, Pertencimento.
INTRODUÇÃO
Este artigo pretende discutir sobre a Educação Escolar Quilombola (EEQ) como
elemento de reafirmação de pertencimento na comunidade de São Pedro dos Bois
localizada na área rural da cidade de Macapá no Amapá. A EEQ é entendida neste
trabalho como uma modalidade de ensino que se constrói como uma unidade entre a
educação formal e as práticas tradicionais vivenciadas nas comunidades quilombolas.
Portanto, a escola desenvolve um papel fundamental na promoção de uma educação
antirracista e no fomento e reafirmação da identidade quilombola dos/das estudantes da
comunidade.
1
Mulher negra e quilombola, remanescente das comunidades (limítrofes) São Roque do Ambé e São Pedro
dos Bois. Historiadora e Mestranda no programa de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do
Pará – PPGSA – UFPA. E-mail: adrianbarbosa267@gmail.com
2
Quilombola, remanescente da comunidade do Médio Itacuruçá, Igarapé São João, Abaetetuba-Pará.
Graduação em Psicologia na Universidade Federal do Pará- UFPA e Mestranda no Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Antropologia- PPGSA-UFPA. E-mail: silvianecarvalho8@gmail.com
Desta maneira essa pesquisa tem como questões norteadoras: Como os/as
estudantes de São Pedro dos Bois enxergam a atuação da escola em relação à reafirmação
de pertencimento? De que maneira a escola percebe sua influência na valorização e
perpetuação da identidade local? Como são aplicadas as diretrizes da Educação Escolar
Quilombola na Escola Teixeira de Freitas?
[...] uma das principais riquezas da história oral está em permitir o estudo das
formas como as pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram suas experiências,
incluindo situações de aprendizado e decisões estratégicas. 3
3
Ibidem. P.165.
Partindo destas considerações, o procedimento adotado para o uso da história oral
seguirá as orientações desenvolvidas por Alberti, relacionada ao trabalho com as fontes
orais, perpassando pelo preparo de entrevistas, a gravação de relatos, a transcrição e a
revisão e análise do material produzido, atentas a suas convergências e divergências no
contexto.
4
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala, 50ª edição. Global Editora. 2005
em troca de serviços prestados ou compra de terras, tanto durante a vigência do sistema
escravocrata quanto após sua abolição.”5
Essa virada nas perspectivas étnicas culminou em uma ferramenta jurídica que é
o Art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que reconhece as terras e
populações quilombolas, prevendo a emissão de seus respectivos títulos de posse. O
reconhecimento na constituição evidencia a existência de grupos como os quilombolas,
que uma vez reconhecidos passam a reafirmar sua identidade e reivindicar para sua
população políticas públicas especificas, assim como o usufruto de direitos essenciais
como educação, saneamento básico, transporte e saúde.
Esses atos de resistência se espalharam por todo o território nacional. No que diz
respeito à formação dos quilombos na Amazônia, a inserção da mão de obra negra em
condição de escravizados se intensificou no período da administração pombalina (1750-
1777), esta que teve impacto direto na organização das terras do cabo norte 6 administradas
pela colônia portuguesa. De acordo com Funes (1996, p.470):
5
Informação retirada do site: < http://conaq.org.br/quem-somos/ > Acesso em: 06/10/2020 as 19:00h
6
Eram chamadas Capitanias do Cabo Norte eram os territórios de Grão-Pará e Maranhão que hoje
correspondem aos estados de Pará e Amapá. Ver: MORETTI, Luiza. "Capitania do Cabo Norte". In:
A escravidão negra na Amazônia não foi tão expressiva em termos
quantitativos [...], todavia, mesmo dividindo o mundo do trabalho com o
indígena, o negro constituiu uma parcela significativa da mão de obra, em
especial na agropecuária, serviços domésticos e atividades urbanas.
São Pedro dos Bois é uma comunidade quilombola localizada no vale do rio
Pedreira no Estado do Amapá. Este quilombo fica no perímetro rural de Macapá, capital
do estado, tendo acesso pela BR 156. Historicamente este quilombo se formou a partir
de dois tipos de ocupações.
Segundo Ribeiro e Silva (2018, p.32), a área que hoje corresponde a São Pedro
dos Bois [a] começou a ser ocupada por volta de 1790 por “Gregória Ramos de Almeida
e seus três irmãos, trazidos da África para trabalhar na construção da fortaleza de São
José de Macapá”. Esta mulher negra e sua família se refugiaram no vale do Rio Pedreira
como forma de resistir ao sistema escravocrata que os explorava de maneira desumana.
A segunda ocupação foi feita por uma fazendeira branca chamada Ana Mininéia
Barriga, que era detentora de muitas cabeças de bois e quando precisou de espaço
solicitou a Gregória Ramos, e com essa permissão se estabeleceu também naquele vale.
Segundo as informações levantadas por Ribeiro e Silva (2018) foi Ana Barriga que
nomeou aquelas terras como São Pedro dos Bois em virtude da quantidade de bois
existente em sua posse e a data a qual a organização das terras em pequenos retiros para
cuidados do gado terminou, próxima ao dia de São Pedro, 29 de junho.
Essas duas mulheres são a gênese da comunidade quilombola de São Pedro dos
Bois e, a partir disso, deram origem a uma comunidade que, de acordo com Ribeiro e
Silva (2018), no Levantamento Fundiário do Território Quilombola de São Pedro dos
Bois, reúne 106 famílias remanescentes quilombolas que habitam o território.
São Pedro dos Bois já passou pelas fases de elaboração do relatório técnico de
identificação e delimitação (RTID), e posteriormente teve sua portaria de reconhecimento
emitida no Diário Oficial da União. O processo encontra-se atualmente na fase de
“Decreto de Desapropriação” para a retirada de imóveis e pessoas não pertencentes à
comunidade, e posteriormente espera-se que venha a titulação. O processo é longo e cheio
de empecilhos, a referida comunidade já espera 14 anos pela titulação.
Este quilombo contemporâneo tem lutado em várias frentes para garantir o bem
estar de sua população tradicional; contudo, um tema que ganha destaque dentro deste
território é o direito à educação e como este se tornou um elemento fundamental de
reafirmação de identidade dentro da comunidade.
8
INCRA, pesquisa pública de processo. Disponível em:
<https://sei.incra.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_pesquisar.php?Acao_externa=protocol
o_pesquisar&acao_origem_externa=protocolo_pesquisar&id_orgao_acesso_externo.> Acesso em:
10.10.2020.
9
Cidade onde aconteceu a I Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia
e as Formas Conexas de Intolerância, ocorrida em 2001. Resultou na Declaração de Durban e ações que
direcionassem as intenções discutidas na conferência, se tornando um marco importante nas discussões
sobre o racismo.
Desta maneira surgem legislações como a Lei 10639/03, que institui a
obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas instituições
de ensino públicas e privadas, e posteriormente a Resolução Nº08 de 2012 do Conselho
Nacional de Educação (CNE) que estabelece as Diretrizes Curriculares para a Educação
Escolar Quilombola (DCEEQ).
10
Manifestação do Racismo nas estruturas da sociedade e em suas instituições. Ver: Carmichael, S. e
Hamilton, C. Black power: the politics of liberation in America. New York, Vintage, 1967, p.
Partindo do entendimento do que é a EEQ e em qual contexto esta política pública
se estrutura, podemos compreender então como a comunidade Quilombola de São Pedro
dos Bois se relaciona com a Escola Quilombola Estadual, localizada dentro deste
território.
11
Geográfico, histórico e cultural local (2011), Nosso Folclore, nossa cultura! (2012), Um olhar do
educando no seu cotidiano (2013), Revivendo as tradições (2014), A história de uma caminhada (2015),
Não teve por falta de verbas (2016 e 2017), Eu quilombola? - Quem sou? De onde vim? Para onde vou?
(2018)
proporciona o compartilhamento e alinhamento de saberes entre o currículo “formal” e
os saberes tradicionais da comunidade.
12
A entrevista com os/as alunos/alunas foi gravada no dia 23 de novembro de 2018
13
Utilizamos tal nomenclatura para preservar a identidade dos/das estudantes.
cultura em sala de aula. No quadro abaixo listaremos a transcrição das repostas dos/das
estudantes:
Repostas
14
Transcrição literal da fala inclusive com os erros gramaticais.
15
Devido ao espaço limitado não trouxemos para este artigo uma análise aprofundada dos planos de aula
dos professores e professoras da escola, contudo, destacamos que os mesmos fazem adaptações para que o
cotidiano da comunidade esteja relacionado aos assuntos de cada bimestre orientados pela EQQ.
A inserção das temáticas da história local aguçou o interesse dos/das estudantes,
fato relatado pelo professor Antônio Barbosa16: “O interesse é nítido, o que nos deixa
muito satisfeitos como colaboradores e incentivadores da manutenção da cultura local e
também do autoconhecimento proposto aos alunos e comunidade geral.”
“Então hoje, através dos alunos que por ali já passaram e os que ainda estão na
escola, sei que a gente construiu um legado de conhecimento e não fui eu,
fomos todos nós. Pois ao longo desse trabalho da educação escolar quilombola
16
Professor estadual que atua na escola há mais de 10 anos, ele também tem raízes familiares na
comunidade quilombola vizinha que é a comunidade de São Roque do Ambé. A entrevista foi realizada no
dia 26 de novembro de 2018.
17
De acordo com CANTO (2018) é uma parte do conjunto de atos que acontecem em louvor aos santos
[...] ocorre durante e após as obrigações religiosas de uma vasta programação festiva, na qual os membros
dessas comunidades têm grande e ativa participação. Consiste ainda na música e dança próprias,
caracterizados pelo ritmo rápido produzido por instrumentos rusticamente confeccionados por artesãos
locais. In: < https://www.blogderocha.com.br/nossos-batuques-por-fernando-canto/ > Acesso em:
22.10.2020
18
Trabalha há dez anos da escola é remanescente quilombola da comunidade de São Roque do Ambé, e
tem laços familiares com São Pedro dos Bois, além disso, tem experiência com trabalho docente em
comunidades rurais, ribeirinhas e quilombolas, além de ser especialista em gestão escolar.
a gente não faz nada sozinho, no máximo tu dá um norte, faz um esqueleto do
que se deve fazer e as pessoas vão atrás e as pessoas se envolvem, aprendem e
ensinam. Não tem quem não aprenda, não tem quem não ensine é muito
gratificante você ver nos olhos de uma criança ela aprendendo sobre a origem
dela, sobre através daquilo que ela gosta e que vê dentro da comunidade dela,
o porquê daquilo é como se tu tivesses dando para a vida das pessoas, ou
melhor, ajudando a ressignificar a vida das pessoas.”
Considerações Finais
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