Você está na página 1de 12

História e Cultura

Afrodescendente
e Indígena
(Lei 11.645/08)

Implementação das diretrizes


curriculares para a educação
quilombola no Vale do Ribeira
Implementation of the diretrizes
curriculares para a educação
escolar quilombola
Márcia Cristina Américo*
Anna Maria Lunardi Padilha**

Resumo
Este texto apresenta e analisa uma das várias demandas e reivin-
dicações dos movimentos sociais quilombolas locais e em âmbito
nacional, os quais, estrategicamente, têm desenvolvido ações plane-
jadas e articuladas nos níveis federal, estadual e municipal, visando
mudanças sociais e políticas. Focaram-se as ações protagonizadas
pelas lideranças quilombolas da região do Vale do Ribeira pela
aprovação das Diretrizes Curriculares para a Educação Escolar
Quilombola.
Palavras-chave: educação escolar, quilombo, movimento social.

Abstract
This text approaches one of several demands and claims of local and
national quilombolas social movements, which, strategically, have
been developed planned and coordinated actions at the federal, state
and municipal level, to social and political changes in the Quilom-
bola School system. The proposal is to point out the claims and the
process of social and political articulation of the Black Movement,

* Pós-doutoranda em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep).


Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE). Núcleo de Práticas Educativas e
Relações Sociais no Espaço Escolar e Não Escolar. E-mail: cristinamerico@gmail.com
** Docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da
Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Núcleo de Práticas Educativas e
Relações Sociais no Espaço Escolar e Não Escolar. anapadi@terra.com.br
played by local and national quilombolas movement, of which the
quilomboas leaders of the Vale do Ribeira region compose and par-
ticipate for approval of the Diretrizes Curriculares para a Educação
Escolar Quilombola.
Keywords: education school, quilombo, social movement.

Resumen
Este texto aproximase de una de las varias demandas y reivindica-
ciones de los movimientos sociales quilombolas locales y nacionales,
los cuales, estratégicamente, tienen desarrollado acciones planeadas
y articuladas en nivel federal, estatal y municipal, buscando cambios
sociales y políticas en el sistema de enseñanza de la Educación
Escolar Quilombola. La propuesta es señalar las reivindicaciones y
el proceso de articulación social y política del movimiento negro,
protagonizado por movimientos quilombolas local y nacional, de las
cuales los liderazgos quilombolas de la región del Vale do Ribeira
componen y participan para la aprobación de las Directrices Curri-
culares para la Educación Escolar Quilombola.
Palabras-clave: educación escolar, quilombo, movimiento social.

Introdução

O presente artigo objetiva contribuir com o debate, no âmbito das


políticas educacionais, sobre os avanços das comunidades e lideranças
quilombolas no que se refere às reivindicações nos níveis federal, es-
tadual e municipal sobre a implementação das Diretrizes Curriculares
para a Educação Escolar Quilombola.
As comunidades e Em 5de junho de 2012, o Ministério da Educação, o Conselho Nacio-
suas lideranças ex- nal de Educação e a Câmara de Educação Básica aprovaram a Resolução
pressam suas deman-
CNE/CEB Nº 16/2012 – Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
das por meio dos
movimentos sociais, Escolar Quilombola, que os sistemas de ensino e os cursos de forma-
exigindo do Estado ção inicial e continuada de professores da Educação Básica de todo o
a inclusão de uma país deverão cumprir com o dever e a responsabilidade de colocar em
pauta específica na
política nacional de prática, considerando vários aspectos da realidade das comunidades
direitos sociais: terra, quilombolas: “o que se entende por quilombo, quilombo como terri-
saúde, educação, tório, as lutas da comunidade quilombola, a relação entre quilombos
moradia, segurança,
transporte etc.
e trabalho, cultura e ancestralidade africana, os avanços e limites do
direito dos quilombolas e na legislação brasileira e a educação escolar
quilombolas” (CNE, 2011, p. 7).
As pesquisas de Márcia C. Américo (2010; 2015) e Viviane M. Luiz
(2012) sobre a diáspora africana no Brasil tiveram como lócus de estudo
o Quilombo Ivaporunduva/SP, e destacam que, apesar de a aborda-
gem da temática das comunidades quilombolas no Brasil ser recente
no cenário político brasileiro atual, trata-se de um movimento que é
histórico, social, político e econômico e assim deveria ser considerado.
As comunidades e suas lideranças expressam suas demandas por meio

94 Revista de Educação do Cogeime – Ano 25 – n. 49 – julho/dezembro 2016


http://dx.doi.org/10.15599/cogeime.v25n49p93-104
dos movimentos sociais, exigindo do Estado a inclusão de uma pauta
específica na política nacional de direitos sociais: terra, saúde, educação,
moradia, segurança, transporte etc. Essa inovação fica evidenciada, por
exemplo, no reconhecimento pelo Estado (por meio da Constituição
Federal de 1988) dos quilombolas e de suas demandas – seu reconhe-
cimento como sujeitos de direitos. A academia, por consequência, é
levada a elaborar conhecimentos acerca desse movimento histórico.
Américo (2010) analisou a história social das famílias da comunidade
negra rural do Quilombo Ivaporunduva, localizado no Vale do Ribeira, e
reconstruiu a história da comunidade com base nas memórias relatadas
Os estudos de cunho
pelos quilombolas sobre seu passado, seu trabalho, seus confrontos e etnográfico apontam
resistência para permanecer no território. Verificou-se que o processo que o processo de
de escolarização ocorreu de forma tardia e precária, no século XX, e colonização por-
tuguesa, tanto no
que existe um acúmulo de desvantagem no processo histórico da for-
Brasil quanto em
mação das famílias de Ivaporunduva, atrelado à história da população Moçambique, e a
negra brasileira. As narrativas dos interlocutores quilombolas permi- escravização trazem
como consequência
tem visualizar a indissociabilidade da escolarização com o ensino e a
a destruição física,
aprendizagem do conhecimento elaborado e sua importância para o psicológica, social e
desenvolvimento humano. econômica dos po-
Luiz (2012), em sua pesquisa de mestrado, apreende que as crianças vos africanos e suas
descendências
trazem em seus discursos as marcas de sua historicidade e de sua etni-
cidade, do sentimento de pertença em suas relações com a comunidade
e com o território e dos modos de viver quilombola. Por meio de pes-
quisa etnográfica, a autora analisa e considera que as relações sociais e
o aprendizado das crianças quilombolas dentro do quilombo se dão em
todos os espaços, o que inclui a participação em movimentos sociais,
palestras, discussões, reivindicações, passeatas, campanhas e denúncias,
movimento histórico e político, do qual a escola está afastada.
Em outro estudo, Américo (2015) realiza interlocução entre o Qui-
lombo Ivaporunduva, no Brasil (de descendência moçambicana), e
Macunda, em Moçambique. Os estudos de cunho etnográfico apontam
que o processo de colonização portuguesa, tanto no Brasil quanto em
Moçambique, e a escravização trazem como consequência a destruição
física, psicológica, social e econômica dos povos africanos e suas des-
cendências. Hoje, em ambas as comunidades, o acesso e a permanên-
cia das crianças e dos jovens na escola de qualidade, com professores
formados para isso, é vista como um projeto político-comunitário que
tem exigido enfrentamentos com o Estado.

Contextualização histórica dos quilombos no Brasil

Os quilombos estão intrinsecamente ligados à história de resistência


dos africanos no processo do escravismo colonial e fazem parte da cons-
tituição do Brasil enquanto nação. A herança do passado escravagista,

Revista de Educação do Cogeime – Ano 25 – n. 49 – julho/dezembro 2016 95


http://dx.doi.org/10.15599/cogeime.v25n49p93-104
das relações sociais, culturais, políticas, econômicas e raciais impingiu
à população negra brasileira todas as formas de violência e desigual-
dades sociais e raciais no Brasil, o racismo é definido como estrutural e
estruturante dos direitos e justiças sociais em todas as áreas: educação,
trabalho, saúde, moradia, segurança, renda etc.
Para efeitos legais sobre os territórios quilombolas, conceituam-se
remanescentes das comunidades dos quilombos: “Os grupos étnico-
-raciais segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica
própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de
ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica
sofrida” (BRASIL, 2003a).
Em todas as Américas encontram-se grupos semelhantes aos quilom-
bos do Brasil, aos quais a luta histórica e política acerca das questões
fundiárias é comum, estando ela refletida na legislação nacional de
alguns países da América Latina. Essas comunidades estão presentes
em países colonizados pela Espanha, os chamados cimarrónes; em Cuba
e na Colômbia, os palenques; na Venezuela, os cumbes; e na Jamaica, nas
Guianas e nos Estados Unidos, os moroons; além de Equador, Suriname,
Honduras, Belize, Nicarágua, Chile, Peru, Bolívia, Haiti e em outros
territórios da América. Os quilombos surgem de formas e em períodos
distintos, alguns com língua e cosmologia própria, como os marrons no
Suriname (RATTS, 2012, p. 135).
A Comissão Nacional de Articulação dos Quilombos (CONAQ), o
Movimento Negro Unificado (MNU) e uma rede de entidades negras
representativas em todo o Brasil se organizaram para que seus direi-
“o Estado protegerá tos sociais, principalmente relativos à terra, estivessem garantidos na
as manifestações das
culturas populares,
Constituição Federal de 1988 (ANJOS, 2006, p. 347).
indígenas e afro- O direito à propriedade das terras de quilombos foi garantido pela
-brasileiras, e das de Constituição Federal desde 1988, nos artigos de n os 68, 215 e 216. O
outros grupos parti-
cipantes do processo
artigo 68 prevê que: “Aos Remanescentes das Comunidades dos Qui-
civilizatório nacional” lombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade
definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos”. Garante
também os direitos culturais, definindo como responsabilidade do Es-
tado a proteção das “manifestações das culturas populares, indígenas
e afrodescendentes”. O artigo 215 afirma que “o Estado protegerá as
manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das
de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”. O
artigo 216 estabelece: “Ficam tombados todos os documentos e os sítios
detentores de reminiscências”.
Estima-se a existência de 2.197 comunidades quilombolas identi-
ficadas, presentes em 24 estados da federação, com exceção do Acre.
No estado de São Paulo, a Equipe de Articulações das Comunidades
Negras do Vale do Ribeira (Eacone) contabiliza 57 comunidades – das

96 Revista de Educação do Cogeime – Ano 25 – n. 49 – julho/dezembro 2016


http://dx.doi.org/10.15599/cogeime.v25n49p93-104
quais 28 são reconhecidas, seis são tituladas e algumas estão em fase
de reconhecimento.
Na região do Vale do Ribeira, no município de Eldorado, encontram-
-se doze comunidades quilombolas: André Lopes, Ivaporunduva, Sapatu,
Pedro Cubas, Pedro Cubas de Cima, Poça, Batatal, Abobral Margem
Direita, Abobral Margem Esquerda, Bananal Pequeno e Engenho. Os
quilombos São Pedro, Galvão e Nhunguara se dividem entre os muní-
cipios de Eldorado e Iporanga.

A reivindicação do movimento quilombola e do movimento


negro pela aprovação de políticas educacionais em terras
de quilombos

A instituição escolar, desde o século passado, foi eleita pela popu-


lação negra como uma das instituições promotoras do ensino sistemati-
zado e forte aliada para a efetivação, de maneira positiva e responsável,
da valorização da diversidade cultural por meio da discussão e reflexão
acerca da distorção histórica a que a África e sua diáspora estiveram
submetidas em função da discriminação racial e do racismo, bem como
para o resgate das contribuições dessa população nas áreas social, eco-
nômica, política e científica na História do Brasil (GOMES, 2011,p.112).
A promulgação da Lei 10.639/2003 (BRASIL, 2003b), que altera a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 e institui a obrigatoriedade
do ensino de História e Cultura Africana e Afro-brasileira no currículo
escolar, é fruto de um período histórico de elaboração de conceitos teó-
ricos e ações políticas e sociais do Movimento Negro Unificado (MNU)
por acesso à educação.
Essa lei teve como princípio regulamentar o artigo 242, inscrito na
Constituição Federal de 1988: “O ensino da História do Brasil levará em
conta as contribuições das diferenças culturais e etnias para a formação
do povo brasileiro”. Esse dispositivo legal alterou a Lei 9.394/1996
(BRASIL, 1996), que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, incluindo os artigos 26-A e 79-B, que definem as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira. Mais adiante, em
10 de março de 2008, a Lei 10.639/2003 foi alterada pela Lei 11.645/2008
(BRASIL, 2008) – incluindo-se no Art. 26A a obrigatoriedade do ensino
da História e Cultura Afro-brasileira e a temática indígena no currículo
escolar dos Ensinos Fundamental e Médio.
De 28 de março a primeiro de abril de 2010, foi realizada a Con-
ferência Nacional da Educação (CONAE), em Brasília, que teve como
temática central “Construindo o Sistema Nacional Articulado de Educa-
ção: Plano Nacional de Educação, diretrizes e estratégias de ação”, e da
qual participaram as lideranças do Movimento Negro e do Movimento

Revista de Educação do Cogeime – Ano 25 – n. 49 – julho/dezembro 2016 97


http://dx.doi.org/10.15599/cogeime.v25n49p93-104
Quilombola nacionais representando os interesses das comunidades
quilombolas na área da educação. Da conferência resultou o Documento
Final, cujo capítulo referente ao Eixo VI–Justiça Social, Educação e Tra-
balho: Inclusão, Diversidade e Igualdade – traz um item específico sobre
a Educação Quilombola (CONAE, 2010). Esse documento fundamentou
a elaboração de legislação específica sobre o tema, servindo como base
para os poderes públicos e os movimentos sociais quilombola e negro
discutirem e instituírem as diretrizes para a educação escolar nos ter-
ritórios habitados pelas comunidades quilombolas.
Essas comunidades reivindicam um processo de continuidade para
a efetivação das políticas educacionais no documento final da CONAE
(2010), sendo elas fundamentadas legalmente na Resolução CNE/CEB
07/2010, a qual instituiu as Diretrizes Nacionais para o Ensino Funda-
mental de nove anos, e articuladas com a Resolução CNE/CEB 04/2010,
que define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação
Básica. Essas diretrizes deverão ser aplicadas a todas as modalidades
do Ensino Fundamental, bem como à Educação do Campo, à Educação
Escolar Indígena e à Educação Escolar Quilombola, conforme previsto
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996).
Em 14 de dezembro de 2010, foi publicada a Resolução da CEB/CNE
7/2010 no Art. 39, § 2º,instituindo que “O detalhamento da Educação
Escolar Quilombola deverá ser definido pelo Conselho Nacional de
Educação por meio de Diretrizes Curriculares Nacionais específicas”;
também formou-se, por meio da Portaria CNE/CEB nº 5/2010, um grupo
de trabalho de Educação Escolar Quilombola no Conselho Nacional
de Educação, responsável pela elaboração das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Escolar Quilombola.1
Em dezembro desse mesmo ano, o Ministério da Educação (MEC),
por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversi-
dade e Inclusão (Secadi), apoiada pela extinta Secretaria de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial (Seppir), realizou o I Seminário Nacional
de Educação Quilombola, quando também foi formada a comissão de
assessoramento ao CNE, constituída por quatro quilombolas indicados
pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras
Rurais Quilombolas (CONAQ), uma pesquisadora da Educação Escolar
Quilombola e representantes da Secadi e da Seppir.
Em 2011, a Câmara de Educação Básica (CEB) e o Conselho Nacional
da Educação (CNE) realizaram três audiências públicas nos estados do
Maranhão e da Bahia e no Distrito Federal para subsidiar a elaboração
das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilom-
1
A comissão foi composta de: Raimundo Moacir Mendes Feitosa, Adeum Hilário Sauer,
Clélia Brandão Alvarenga Craveiro (conselheiros); Rita Gomes do Nascimento (pre-
sidente); e Nilma Lino Gomes (relatora).Foi assessorada pela especialista no assunto
de quilombos, a Prof.ª Dr.ª Maria da Glória Moura (UNB).

98 Revista de Educação do Cogeime – Ano 25 – n. 49 – julho/dezembro 2016


http://dx.doi.org/10.15599/cogeime.v25n49p93-104
bola.2 A escolha dos dois primeiros estados considerou o contingente
populacional quilombola e a mobilização política, que possibilitou
abarcar os municípios no entorno do Norte e do Nordeste. E o último,
por sediar o CNE e pela capacidade de articulação e participação do
Centro-Oeste, do Sudeste e do Sul do país. As audiências públicas
contaram com as contribuições e a participação de representantes de
organizações quilombolas e governamentais, de pesquisadores e de
entidades da sociedade civil.
Em 5 de junho de 2012, o Ministério da Educação aprovou a Re-
solução CNE/CEB 8/2012 das Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação Escolar Quilombola, que está em processo de implementação,
não sem demandar esforços de todas as comunidades e suas lideranças.3
Tais diretrizes e leis dizem respeito ao acesso da comunidade
escolar à História da África e sua diáspora no Brasil; à cultura e aos
conhecimentos que foram produzidos milenarmente e incorporados
pela população brasileira; à história de resistência contra o sistema
escravagista e opressor – conjunto da produção humana que precisa
fazer parte dos conteúdos sistematizados a serem apropriados pelos
alunos e seus professores, já que a educação escolar é responsável pelo
ensino da Filosofia, da História, das Ciências e das Artes, como aponta
Gonçalves e Silva (2006).
O II Seminário Nacional de Educação Escolar Quilombola realizou-se
em 7 de dezembro de 2012, organizado pelo Ministério da Educação,
em Brasília. Teve como proposta discutir o processo de implementação
das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Quilombola.
Participaram desse evento pesquisadores, professores, diretores de es-
colas, coordenadores pedagógicos, integrantes do Movimentos Negro
e quilombola entre outros interessados.

Educação escolar quilombola na região do Vale do Ribeira

Na região do Vale do Ribeira, há 24 escolas municipais e duas es-


taduais localizadas em territórios de quilombos e uma em Eldorado.
As famílias de Ivaporunduva contam com uma Escola Estadual (E. E.
“Maria Antônia Chules Princesa”) – reconhecida como a primeira es-
cola quilombola do estado, que recebe crianças e adolescentes de cinco
comunidades.

2
As audiências públicas ocorreram: em 5 de agosto de 2011, na cidade de Itapecuru-
-Mirim, Maranhão; em 30 de setembro de 2011, na Cidade de São Francisco do Conde,
Bahia; e no dia 7 de novembro de 2011, em Brasília, DF.
3 É importante destacar que as Diretrizes Curriculares da Educação Escolar Quilom-
bola não tiveram a intenção de invalidar a proposta da Lei 10.639/2003, mas avançar
e instituir as diretrizes com base nas demandas específicas para o atendimento das
comunidades quilombolas.

Revista de Educação do Cogeime – Ano 25 – n. 49 – julho/dezembro 2016 99


http://dx.doi.org/10.15599/cogeime.v25n49p93-104
A Secretaria da Educação do estado de São Paulo (SEE), por meio
da Coordenação de Gestão da Educação Básica (CGEB), criou, em 2012,
o Núcleo de Inclusão Educacional (Ninc), que seria responsável pela
Educação Escolar Quilombola e Indígena4 e pela institucionalização da
Educação Escolar Quilombola no estado.
No documento de Orientação para o Planejamento Escolar 2013 –
elaborado pela Secretaria de Educação do estado de São Paulo – são
definidas as propostas de atuação do Ninc para o cumprimento da Edu-
cação das Relações Étnico-Raciais (ERER) no ensino público, visando ao
atendimento dos direitos de acesso e permanência na Educação Básica
pública paulista de grupos que se definem “como negros, indígenas,
brancos, asiáticos, africanos, quilombolas, latino-americanos, ciganos,
entre outros segmentos”, em virtude de seu pertencimento étnico-racial
a temática das rela-
ções raciais no Brasil
(SÃO PAULO, 2013, p. 152).5
está calcada sobre Apesar dos visíveis avanços em relação à criação de amparo legal, à
práticas educativas aplicação de medidas oficiais e à adoção de políticas públicas específicas,
racistas e
discriminatórias
alguns estudos comprovam que, no ambiente escolar de instituições
públicas e privadas, a temática das relações raciais no Brasil está calcada
sobre práticas educativas racistas e discriminatórias.6 Pesquisas recentes
indicam que a implementação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 ainda
é uma questão a ser resolvida.7
No que se refere à Educação Escolar Quilombola como modalidade
de ensino da Educação Básica, o que se configura é que ela ainda é uma
política em construção. As pesquisas realizadas em territórios quilom-
bolas são fundamentais, pois possibilitam a análise dos avanços e dos
limites da implementação das políticas públicas nas áreas emergentes.
Edimara G. Soares (2012) analisou a implementação de políticas educa-
cionais voltadas para o atendimento da Educação Escolar Quilombola
no estado do Paraná entre 2009 e 2011. A pesquisa considerou que o
investimento do Estado redundou em várias ações descontínuas nas
comunidades quilombolas. Givânia M. da Silva (2012), em sua pesquisa
na Comunidade Conceição das Criolas, em Pernambuco, considera a
4
Esse núcleo, além da Educação Escolar Quilombola, responsabiliza-se também pelas
seguintes modalidades de ensino: Educação Escolar Indígena, Educação nas prisões,
Educação de jovens que cumprem medidas socioeducativas, Diversidade Sexual e pela
temática da Educação para e nas Relações Étnico-raciais. (SÃO PAULO, 2013).
5
Cabe ao Ninc, por exemplo, a partir de levantamentos efetuados pela SEE, proporcio-
nar formações, orientações e atualizações aos profissionais da educação de todas as
áreas do conhecimento que integram o Currículo do estado de São Paulo, acerca da
complexidade das relações étnico-raciais no Brasil, sobretudo no campo da educação.
Ao Ninc cabe também, em conjunto com a equipe curricular do Cefaf, a participação
na elaboração e revisão dos materiais didáticos que poderão servir de subsídios para
as escolas (SÃO PAULO, 2013, p. 152).
6
Sobre a relação entre questões raciais e educação, cf.: CAVALLEIRO (2000); OLIVEIRA
(1999).
7
Sobre a avaliação da implementação da Lei 10.639/2013 nas instituições de ensino
público, cf. GOMES (2012).

100 Revista de Educação do Cogeime – Ano 25 – n. 49 – julho/dezembro 2016


http://dx.doi.org/10.15599/cogeime.v25n49p93-104
importância da participação da comunidade e dos movimentos sociais
nas práticas e ações políticas para as mudanças sociais nesse momen-
to da implementação das políticas públicas instituídas aos territórios
quilombolas.8
Com base nesse contexto, e em diálogo com os Parâmetros Curricu-
lares Nacionais (PCN), a educação escolar, além de um direito social,
deveria ser um espaço institucional e sociocultural responsável pelo
ensino e pela aprendizagem dos conhecimentos e da cultura produzi-
da historicamente pela humanidade, sendo esse processo fundamental
para o desenvolvimento humano individual e coletivo (Saviani, 2008).
Tudo indica que estamos falando de política universalista e que as
práticas pedagógicas, a gestão administrativa e pedagógica escolar e as
instituições formadoras dos profissionais da educação consideram as
reivindicações históricas dos movimentos sociais negro e quilombola
para seu acesso à educação escolarizada e a garantia da sua qualidade,
conforme aponta Gomes (2001,p. 86-87).
As análises das autoras citadas sobre o avanço na implementação
das políticas públicas voltadas à educação das relações étnico-raciais
identificam eixos que precisam ser repensados e que poderão possibilitar
perspectivas educacionais mais favoráveis de mudança no processo de
ensino e aprendizagem: a) ações e políticas intersetoriais articuladas
com os movimentos sociais e as comunidades; b) mudanças no currículo
dos cursos de licenciaturas e de Pedagogia; c) regulação e normatização,
no âmbito estadual e municipal, de formação inicial e continuada e em
serviço do profissional da educação e de gestores do sistema de ensino
e da escola (GOMES, 2012; SILVA, 2012).

Qualificação do principal problema a ser abordado

Temos como hipótese ou questão inicial que não há práticas peda-


gógicas antirracistas sem a formação de uma consciência antirracista.
O conhecimento da História Universal e do Brasil possibilita e/ou pos-
sibilitará proposições para o caminho da superação, tanto do racismo
oriundo da origem do capitalismo – que com bases pseudocientíficas
coisificou os humanos habitantes do continente africano e da diáspora
africana no Brasil – quanto do próprio modo de sociabilidade capita-
lista vigente.
As concepções pedagógicas contra-hegemônicas propõem a reflexão
crítica e a desconstrução do modo como funcionam as relações sociais
8
A pesquisadora Givânia Maria da Silva (2012, p. 91) aponta a necessidade de mudan-
ças no mecanismo de coleta de dados utilizados pelos órgãos oficiais para identificar
homens e mulheres quilombolas, pois estão categorizados junto aos vários povos que
vivem nos campos – sem especificação. Esses dados são norteadores para a implemen-
tação e para a avaliação das políticas públicas voltadas à comunidade quilombola. Cf.:
GONÇALVES (2012).

Revista de Educação do Cogeime – Ano 25 – n. 49 – julho/dezembro 2016 101


http://dx.doi.org/10.15599/cogeime.v25n49p93-104
de base capitalista – construídas historicamente para a manutenção da
ordem pela alienação – por meio da tomada de consciência, com vistas
à emancipação do humano.
Considera-se relevante para a formação da consciência o conheci-
mento acerca dos movimentos sociais quilombolas locais e nacionais
antirracistas. O racismo que nasce, cresce e se desenvolve é constitutivo
da consciência e, portanto, da linguagem, e acontece nas condições
concretas de vida social. Do mesmo modo, o conhecimento da História
pode formar a consciência crítica em relação à realidade. Consciência
aqui é entendida como um sistema de conhecimentos que forma os seres
humanos à medida que eles apreendem as contradições da realidade:
coloca em relação, em nexo, as “impressões diretas com os significados
socialmente elaborados” (MARTINS, 2015, p.59).
O racismo que nas-
ce, cresce e se de- Considerações finais
senvolve é constituti-
vo da consciência e,
portanto, da lingua- Os quilombos e suas formas de existência só foram reconhecidos
gem, e acontece nas oficialmente no Brasil a partir de 1988. Entram na pauta das políticas
condições concretas
de vida social
públicas a partir de 2004. A Lei e as Diretrizes Curriculares da Educação
Escolar Quilombola são recentes, tendo sido aprovadas em 2012. Con-
sideramos que existe um acúmulo de desvantagem no processo histó-
rico da formação das famílias quilombolas do Vale do Ribeira atrelado
à história da população negra brasileira. A história da formação das
famílias quilombolas dessa região está pautada na luta pela terra para
manter a sobrevivência no território por meio da atividade vital. No
Quilombo Ivaporunduva, o processo de escolarização ocorreu de forma
tardia e precária na década de 1930. As narrativas dos interlocutores
quilombolas dão-nos a dimensão das dificuldades enfrentadas para que
os alunos, crianças e jovens quilombolas sejam efetivamente atendidos
pela escola em suas necessidades educacionais e apontam a escolariza-
ção como indissociável do ensino e da aprendizagem do conhecimento
elaborado, como possibilidade para o desenvolvimento humano.
A partir de 2004, políticas sociais do governo federal – por meio de
suas secretarias, órgãos governamentais, estaduais e municipais, e orga-
nizações não governamentais – têm instituído programas para redução
da pobreza das comunidades quilombolas. Na vertente da escolarização,
estão em processo de implementação políticas educacionais das rela-
ções étnico-raciais nas comunidades quilombolas. Uma vez instaladas
as escolas, as práticas pedagógicas devem caminhar no sentido de: a)
diminuir o acúmulo histórico das desvantagens dessa população; b)
estabelecer os conhecimentos que devem ser ensinados; e c) possibilitar
o avanço nos estudos – que o aluno possa apropriar-se efetivamente dos
conteúdos e concluir o Ensino Superior. Como comunidade tradicional,
os quilombolas querem ter acesso aos conhecimentos sistematizados

102 Revista de Educação do Cogeime – Ano 25 – n. 49 – julho/dezembro 2016


http://dx.doi.org/10.15599/cogeime.v25n49p93-104
valorizando seus modos próprios de viver e conviver – o que envolve
terra e territorialidade; etnicidade; historiografia; organização social;
meio ambiente e práticas educativas nos movimentos sociais, nas asso-
ciações, nas comissões das organizações e no cotidiano da comunidade.

Referencias

AMÉRICO, Márcia C. Ivaporunduva e Macuanda: estudo etnográfico sobre educação,


trabalho e modos de sociabilidade. Tese (doutorado em Educação) – Universidade
Metodista de Piracicaba, Unimep, Piracicaba, 2015.
______. Quilombo Ivaporunduva: evolução histórica e organização social e territorial,
2010. 196f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Metodista de
Piracicaba, Unimep, Piracicaba, 2010.
______. Práticas coletivas na constituição da vida quilombola: história da comunidade
tradicional de Ivaporunduva. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013.
ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos; CYPRIANO, André. Quilombolas: tradições e
cultura da resistência. São Paulo: Aori Comunicação, 2006.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. LDB (1996); Lei Darcy Ribeiro;
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996). Estabelece as diretrizes
e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996,
Seção 1, p. 27833.
______. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática
“História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 10 jan. 2003, Seção 1, p. 1. 2003a.
______. Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o procedi-
mento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação
das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de
que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 21 nov. 2003. 2003b.
______. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 mar. 2008,
Seção 1, p. 1.
CONAE. Conferência Nacional de Educação2010. Documento Final. Ministério
da Educação. Brasília, 2010. p. 131-132.
Disponível em: http://conae.mec.gov.br/images/stories/pdf/pdf/documetos/
documento_final.pdf. Acesso em: 10 nov. 2013.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Câmara da Educação Básica. Texto
referência para a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Es-
colar Quilombola. Brasília, DF, 2011, p. 37. Disponível em: www.google.com.br/url
?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&ved=0CC8QFjAB&url=http%3A%2F%

Revista de Educação do Cogeime – Ano 25 – n. 49 – julho/dezembro 2016 103


http://dx.doi.org/10.15599/cogeime.v25n49p93-104
2Fportal.mec.gov.br%2Findex.php%3Foption%3Dcom_docman%26task%3Ddoc_
download%26gid%3D8527&ei=OjzEUevTO4qg7Abnm4CIBg&usg=AFQjCNF6G
vNih7NZO4ctCoX40uq0lDv84w. Acesso em: 22 jan. 2015.
GOMES, Nilma L. Cavalleiro. Educação cidadã, etnia e raça: o trato pedagógico
da diversidade. In: CAVALLEIRO, Eliane (Org.). Racismo e antirracismo na edu-
cação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001, p. 83-96.
______. As práticas pedagógicas com as relações étnico-raciais nas escolas públi-
cas: desafios e perspectivas. In: GOMES, Nilma Lino (Org.). Práticas pedagógicas
de trabalho com relações étnico-raciais na escola na perspectiva da Lei nº 10.639/03.
1. ed. Brasília: MEC / UNESCO, 2012.
______. Diversidade étnico-racial, inclusão e equidade na educação brasileira:
desafios, políticas e práticas. Revista Brasileira de Política e Administração da
Educação, v.27, n.1, p. 109-121, jan./abr. 2011. Disponível em: http://seer.ufrgs.
br/rbpae/article/viewFile/19971/11602. Acesso em: 23 jun. 2016.
GONÇALVES E SILVA, Petronilha Beatriz. Aprendizagem e ensino das africani-
dades brasileiras. In: KABENGUELE MUNANAGA (Org.) Superando o racismo
na escola. 2. ed. revisada. Brasília: Ministério da Educação, 2005.
LUIZ, Viviane. O Quilombo Ivaporunduva a partir do enunciado de suas crianças:
participação infantil no cotidiano da vida em comunidade. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Universidade Metodista de Piracicaba, Unimep, Piracicaba, 2012.
MARTINS, L.M. A formação social da personalidade do professor: um enfoque
vugotskiano.2.ed.Campinas: Autores Associados, 2015.
RATTS, Alex. A face quilombola do Brasil. In: SILVÉRIO, Valter; MATTIOLI,
KAWAKAMI, Érica Aparecida; MADEIRA, Thais Fernanda Leite. (Orgs.). Re-
lações étnico-raciais: um percurso para educadores. v.2. São Carlos: Edufscar, 2012
(133- 154).
SÃO PAULO. Secretaria de Educação. Coordenadoria de Gestão da Educação
Básica. Educação Escolar Quilombola. Orientações para o planejamento escolar –
2013. Disponível em: www.educacao.sp.gov.br/docs/CGEB_OrientacoesParaO-
PlanejEscolar_2013_24012013.pdf. Acesso em: 9 mar. 2013.
SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 10. ed.
Campinas. Autores Associados, 2008. (Coleção Educação Contemporânea).
SILVA, Givânia Maria da. Educação como processo de luta política: a experiência
de “educação diferenciada” do território quilombola de Conceição das Crioulas. 222
f. (Dissertação) Mestrado. Universidade de Brasília, Faculdade de Educação,
Brasília, 2012.
SOARES, Edimara Gonçalves. Educação escolar quilombola: quando a diferença
é indiferente.143 p. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal do
Paraná, Curitiba, 2012.

Recebido em: 02/03/2016


Aprovado em: 01/07/2016

104 Revista de Educação do Cogeime – Ano 25 – n. 49 – julho/dezembro 2016


http://dx.doi.org/10.15599/cogeime.v25n49p93-104

Você também pode gostar