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O
historiador
e seu
tempo
Novo trabalho de José Jobson de Andrade
Arruda concilia teoria e prática
para discutir a historiografia
Juliana Sayuri
N
o ateliê do historiador, história é arte mi- da teoria. E verde, a árvore dourada da vida”.
nuciosa. Requer técnicas, instrumentos, O historiador assim adverte para não arvorar
ferramentas com rigor científico e refi- os princípios teóricos como “verdades absolu-
namento literário – e uma generosa pincelada tas”, pois a teoria resvalaria para a ideologia.
ilustraçãO alexandre camanho
de conhecimento teórico. Não à toa, conciliar Para ele, é preciso equilibrar precisão empíri-
teoria e prática é considerado um grande de- ca e teorização: “Nem só a retórica teórica se
safio. Tal conciliação é a proposta do historia- exercendo no vazio; nem somente a pletora de
dor José Jobson de Andrade Arruda no livro experimentos práticos sem uma costura teó-
Historiografia: teoria e prática (Alameda, 2014), rica que os ilumine, pois interpenetração de
cujas primeiras páginas imprimem a famosa teoria e prática conduz ao logos, isto é, à razão
frase de Goethe: “Cinzenta, caro amigo, é to- compreensiva”.
F
oi um longo caminho de volta para “casa”.
Doutor em História Moderna pela Faculda- 2012, que marcou seu retorno às salas de aula na
de de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Cidade Universitária, em São Paulo. “Estava desde
da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) 1998 distante da USP”, diz. “Ao voltar, encontrei
em 1973, Jobson noutros tempos se dividiu en- estudantes brilhantes, como Eduardo Peruzzo,
tre Brasília e São Paulo: enquanto compunha o Leandro Villarino, Roberto Pereira Silva e o pro-
corpo docente do Curso Objetivo, foi diretor de fessor Alberto Luiz Schneider, que incentivaram
Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do Con- a transformação do curso em livro, que pretende
selho Nacional de Desenvolvimento Científico e contribuir para a formação de jovens historiadores.”
Tecnológico (CNPq), chefiou o Departamento de Para o curso, Jobson reuniu artigos antigos que
História e o Instituto de Pré-história da USP e foram totalmente reformulados e também inédi-
promoveu a fusão dos museus que formam atual- tos. Justificou a decisão de publicá-los como livro
mente o Museu de Arqueologia e Etnologia da ao considerar que, após 50 anos de dedicação aca-
universidade. Nas férias, escrevia livros didáticos, dêmica ininterrupta e de investigação contínua,
como as séries História moderna e contemporâ- ainda teria algo novo a dizer, principalmente às
nea e História antiga e medieval. Depois, o his- novas gerações.
toriador transitou entre Bauru, Campinas e São
Paulo, época em que se tornou vice-presidente Aos jovens historiadores
da FAPESP (1995-1997), professor do Instituto de A novidade proposta pelo pesquisador é uma
Economia da Universidade Estadual de Campinas síntese e, ao mesmo tempo, um convite. “A his-
(Unicamp) e editor da Editora da Universidade tória está em perpétua renovação. E, após cer-
do Sagrado Coração, a Edusc. to tempo, há uma consolidação e um salto, um
Apesar de nunca ter se afastado oficialmente da upgrade no conhecimento. Desde a década de
USP, Jobson, agora aos 72 anos, está de volta. Hoje 1950, após a publicação de Mediterrâneo, de Fer-
é professor sênior do Programa de Pós-graduação nand Braudel, prevaleceu um determinado mé-
de História Econômica na USP e líder do Grupo todo, que privilegiava a dimensão econômica e
de Estudos Historiográficos Ibero-americanos, social”, explica. “Depois, no fim da década de
ao lado da historiadora Laura de Mello e Souza, 1970, com Montaillou, de Le Roy Ladurie, outro
alojado na cátedra Jaime Cortesão. O pesquisador salto marcou um novo paradigma de interpreta-
dedica-se no momento à finalização de uma dezena ção da história – uma ‘nova’ história enraizada
de artigos e três livros. Historiografia, o primeiro na cultura.” Ele pondera, entretanto, que essas
dessa nova safra, é fruto de Historiografia: Teo- histórias não são excludentes: “Pelo contrário,
ria e Prática, disciplina ministrada pelo autor em são pares dialogais”.
A
utor de Uma colônia entre dois impérios: A raízes. “Não existe baú de ossos na história. Esses
abertura dos portos brasileiros 1800-1808 ossos têm DNA. Eles dizem muito.”
(Alameda, 2008), o pesquisador buscou Diferentemente talvez da ideia comum, o his-
privilegiar tais diálogos. Entre tantas experiên- toriador não se volta só a vasculhar a poeira do
cias, uma talvez tenha especialmente contri- passado, nos pergaminhos ou nas ossadas. Ao
buído para culminar nessa síntese. À época no contrário, esse intelectual seria um pensador de
Instituto de Economia da Unicamp, o historia- um passado, mas enraizado no presente, mirando
dor participou do projeto temático “Dimensões um horizonte no futuro. “O historiador tem um
do Império Português”, entre 2005 e 2010, com futuro em mente, às vezes mais imediato, outras
apoio da FAPESP. Coordenado por Laura de Mel- vezes mais distante. Por exemplo, com a trans-
lo e Souza, contando com as historiadoras Leila formação econômica do país. Um historiador que
Mezan Algranti e Vera Lucia Amaral Ferlini, o estudou a formação econômica do Brasil, como
projeto reunia pesquisadores com diferentes Caio Prado Júnior, olhava só para o passado? Não.
vocações, propiciando o intercâmbio de ideias Tinha um presente, mas principalmente um futu-
em reuniões periódicas. Pensando na continui- ro em mente”, observa. “Celso Furtado, Gilberto
dade desse diálogo entre a cultura e a economia, Freyre, Florestan Fernandes, Sérgio Buarque de
principalmente com as novas gerações, Jobson Holanda, os retratistas, os grandes intérpretes
ministrará um curso de pós-graduação intitulado do Brasil miravam o futuro. No fundo, queriam
História Econômica e História Cultural: Teoria e transformar o país. Essa é a dialógica da trans-
Prática, entre março e junho de 2015, em parceria temporalidade, que está na mente do historiador.
com a socióloga Maria Arminda do Nascimen- É a própria historiografia”, conclui. n