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Autoria
Talita Ravagnã Piga - talita.rpiga@gmail.com
Prog de Pós-Grad em Admin de Empresas - PPGA - Universidade Presbiteriana Mackenzie
Outro - Outra
Agradecimentos
Agradecemos ao Instituto Presbiteriano Mackenzie (IPM) e à Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelas bolsas de estudos que foram
concedidas e que possibilitaram o desenvolvimento deste artigo.
Resumo
Nesta segunda década do século XXI, acumulam se grandes questões que desafiam a
humanidade, de guerras civis à mudança climática e suas consequências, tais como desastres
naturais, escassez de água e pandemias, aprofundando as desigualdades sociais. Tantos
problemas, que persistem apesar do progresso tecnológico, econômico e social alcançado
nos últimos dois séculos, nos levam a refletir sobre como viemos parar neste ponto? Afinal,
o que tem sentido e importa para os grupos e sociedades que habitam este planeta? Em
direção à problematização desse questionamento, elegemos, dentro do pragmatismo
americano, a tradição interacionista simbólica e o conceito de valor social, fundamentado na
vertente sociológica da psicologia social, visando a responder como ocorre o processo de
construção desse tipo de valores. Revisitamos, a partir das três vertentes do interacionismo
simbólico (tradicional, contemporânea e o conceito primeiro definido por Thomas e
Znaniecki (1927, 2006) e, por meio dessa integração teórica, propomos uma definição
conceitual contemporânea do que seja valor social para prosseguir à formulação de um
modelo teórico acerca do processo de construção de valores sociais, abrindo espaço para
compreender a dinâmica entre as diferentes estruturas da sociedade (macro) e a agência das
pessoas (micro) na significação, ressignificação e até abandono desses valores.
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Resumo
Nesta segunda década do século XXI, acumulam-se grandes questões que desafiam a
humanidade, de guerras civis à mudança climática e suas consequências, tais como desastres
naturais, escassez de água e pandemias, aprofundando as desigualdades sociais. Tantos
problemas, que persistem apesar do progresso tecnológico, econômico e social alcançado nos
últimos dois séculos, nos levam a refletir sobre como viemos parar neste ponto? Afinal, o que
tem sentido e importa para os grupos e sociedades que habitam este planeta? Em direção à
problematização desse questionamento, elegemos, dentro do pragmatismo americano, a
tradição interacionista simbólica e o conceito de valor social, fundamentado na vertente
sociológica da psicologia social, visando a responder como ocorre o processo de construção
desse tipo de valores. Revisitamos, a partir das três vertentes do interacionismo simbólico
(tradicional, contemporânea e estrutural), o conceito primeiro definido por Thomas e
Znaniecki (1927, 2006) e, por meio dessa integração teórica, propomos uma definição
conceitual contemporânea do que seja valor social para prosseguir à formulação de um
modelo teórico acerca do processo de construção de valores sociais, abrindo espaço para
compreender a dinâmica entre as diferentes estruturas da sociedade (macro) e a agência das
pessoas (micro) na significação, ressignificação e até abandono desses valores.
INTRODUÇÃO
Guerras civis e entre nações, crises de refugiados, desastres naturais induzidos pela
mudança climática, pobreza extrema, escassez de água, fome e epidemias são algumas das
inúmeras questões globais que persistem apesar de todo o progresso tecnológico, econômico
e social alcançado nos últimos dois séculos (George et al., 2016). À beira de um colapso,
provocado pelos problemas socioambientais do sistema capitalista, a humanidade se defronta
com os limites desse modelo e com as possibilidades de soluções (Banerjee, 2003, 2008;
Leff, 2015; Martinez-Alier et al., 2014; Vizeu, Meneghetti & Seifer, 2012). Isso imputa às
organizações, grupos e movimentos sociais a difícil tarefa de lidar com problemas globais,
complexos e incertos, diária e localmente (Colquitt & George, 2011; George et al., 2016;
Ferraro, Etzion & Gehman, 2015).
No ano de 2020 “saltou” diante de todos os países, governos, organizações e pessoas
um cenário aterrorizante, que não vimos chegar e para o qual nenhuma preparação havia sido
feita: a pandemia do novo coronavírus. No entanto, doenças como a COVID-19 não surgem
de modo espontâneo, bem como a desconfiança na ciência, ou na democracia. Peter Piot, um
dos médicos microbiologista mais proeminentes do mundo, e que codescobriu o vírus Ebola
em 1976, alerta: “[e]stamos vivendo na era das pandemias e acho que veremos mais e mais
delas, e a razão fundamental é que falhamos em viver em harmonia com a natureza”. (Hook,
2020, s.p., tradução nossa). Tantos problemas, sobremaneira evidenciados nas primeiras
décadas do século XXI, fazem-nos questionar, afinal, o que é importante para pessoas, grupos
e sociedades que vivem em nosso planeta, já que nem a vida parece ter mais valor. Como
chegamos a este ponto?
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que defende o estudo subjetivo e a interpretação da experiência humana, também espera criar
uma ciência da conduta humana, fundamentado em uma abordagem realista e em critérios
científicos) (Fine, 2005).
A evolução do movimento interacionista fez surgir demarcações teóricas entre os
próprios autores dessa tradição e, assim, é possível encontrar na literatura sua classificação em
três grandes escolas e seus expoentes: Escola de Chicago (Herbert Mead e Herbert Blumer),
Escola de Iowa (Manford Kuhn) e Escola de Indiana (Sheldon Stryker) (Carter; Fuller, 2016)
ou ainda em três grandes versões: Versão Tradicional (Herbert Mead), Versão Contemporânea
(Herbert Blumer) e Versão Estrutural (Manford Kuhn e Sheldon Stryker) (Stryker, 1980).
Este artigo revisita o conceito de valor social, primeiramente proposto na versão
tradicional do interacionismo simbólico por Thomas e Znaniecki (1927, 2006) e, assumindo a
teoria interacionista simbólica em suas três versões propõe, por meio da integração entre elas,
uma atualização do conceito.
A integração das diferentes versões possibilita avançar para além da definição de valor
social e elaborar, em um segundo momento deste ensaio, um modelo teórico para o processo
de formação de valores sociais que pode contribuir para clarificar a compreensão de
problemas sociais emergentes, complexos e multifacetados, e as possibilidades de
agenciamento em meio às restrições que são impostas por estruturas sociais nas quais as
pessoas estão circunscritas.
Apesar de existirem outras teorias que debatem as dicotomias micro-macro e agência-
estrutura (e.x.: teoria da estruturação e teoria institucional), neste artigo elegemos o
interacionismo simbólico enquanto tradição intelectual para se investigar o processo que
define o que importa para diferentes grupos e sociedades, pois é nela que se originou o
conceito de valor social de Thomas e Zaniecki (1927) e porque continuou a se enriquecer ao
longo do tempo até os dias atuais.
O interacionismo simbólico foi uma das primeiras propostas a empiricamente transitar
entre as teorias psicológicas microssociais e macrossociológicas (Carter & Fuller, 2016) e a
“superar a velha antinomia indivíduo-sociedade, especificando como ambas as realidades são
constituídas através de processos de comunicação e interação social” (Torregrosa, 2006, p.
24).
Sendo precursores de tal debate, os interacionistas simbólicos influenciaram uma
gama de perspectivas teóricas em curso (Carter & Fuller, 2016; Fine, 2005) - a exemplo da
presença de Mead no clássico interpretacionista The Social Construction of Reality, de Berger
e Luckmann (1966), e dos elementos culturais e qualitativos incorporados ao
neoinstitucionalismo de Dimaggio e Powell (1991) e Meyer e Rowan (1977) (Fine, 2005)-,
conferindo ao interacionismo simbólico, ainda hoje, o status de teoria significativa e
promissora para o futuro das pesquisas (Carter & Fuller, 2016; Fine, 2005; Hall, 2003).
Por último, cabe destacar que o conceito de valor social ficou restrito à vertente
tradicional do interacionismo simbólico e acabou caindo no esquecimento quando da
ascensão de uma psicologia social centrada nos processos cognitivos (Álvaro & Garrido,
2017). Se são as definições conceituais que fazem concepções básicas de uma ciência
aparente e legitimam a investigação de certos domínios sobre outros, como afirma Torregrosa
(2006), entendemos a importância de se revisitar determinados conceitos a fim de explorar
suas potencialidades práticas e atuais. Observamos isso no caso do antigo conceito de
dignidade humana, que tem sido explorado, por Donna Hicks, como papel essencial na
resolução de conflitos “para um mundo mais seguro e humano para todos” (Hicks, 2011, s.p,
tradução nossa) e como atributo da “boa liderança” (Hicks, 2018, s.p, tradução nossa), ou no
caso de John Elkington, quando propôs o recall do conceito de Triple Bottom Line da
sustentabilidade, mais de 25 anos após ter cunhado o termo, uma vez que, segundo o autor,
urge continuar perseguindo a “intenção radical necessária para impedir que todos nós
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A primeira é que o ser humano orienta seus atos em direção às coisas em função do que estas
significam para ele. A segunda é que o significado dessas coisas surge como consequência da
interação social que cada qual mantém com seu próximo. A terceira é que os significados surgem e
se modificam mediante um processo interpretativo desenvolvido pela pessoa ao defrontar-se com
as coisas que vai encontrando em seu caminho. (Blumer, 1969, p. 2, tradução nossa).
OS VALORES SOCIAIS
[...] um alimento, um instrumento, uma moeda, uma poesia, uma universidade, um mito e uma
teoria científica são todos valores [sociais]. Todos e cada um têm um conteúdo, sensorial nos casos
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Com base nos exemplos, um valor social pode assumir a forma de algo concreto ou
remeter-se a algo de natureza abstrata, pois “até mesmo uma ‘ideia’(...) pode ser comunicada
a outros” (Thomas & Znaniecki, 2006, p. 116, tradução nossa). Para Thomas e Znaniecki
(2006), os significados desses valores se tornam expressos quando podem ser referenciados às
suas funções ou finalidades. O significado
do alimento é sua referência ao seu consumo final; o de um instrumento, sua referência ao trabalho
para o qual foi projetado; o de uma moeda, às possibilidades de compra e venda ou os prazeres de
gastos que envolve; o da poesia, às reações sentimentais e intelectuais que ela desperta; o da
universidade, às atividades sociais que realiza; o da personalidade mítica, ao culto de que é objeto
(...); o da teoria científica, às possibilidades de controle da experiência por ideia ou ação que ela
permite (Thomas & Znaniecki, 2006 p. 111, tradução nossa).
O valor social é assim oposto ao valor natural, “que tem um conteúdo, mas, como uma
parte da natureza, não tem significado para a atividade humana, é tratado como “sem valor”;
somente quando o natural assume um significado, torna-se um valor social” (Thomas &
Znaniecki, 2006, p. 111, tradução nossa), pois passou a ter funções ou finalidades para as
pessoas.
Apesar do valor social ser fruto de interação social, Thomas e Znaniecki (2006)
assinalam que “[...] quando um valor social atua sobre os membros individuais do grupo,
produz um efeito mais ou menos diferente em cada um deles; inclusive, quando atua sobre o
mesmo indivíduo, em diferentes momentos, não o influencia de uma maneira uniforme”
(Thomas & Znaniecki, 2006, p. 126, tradução nossa). Os membros de um determinado grupo
podem reagir de uma maneira idêntica a determinados valores, por terem sido ensinados a
reagir assim devido à existência de regras sociais, mas uma mesma ação em diferentes
condições sociais produz resultados diferentes (Thomas & Znaniecki, 2006). Isso porque os
resultados de uma atividade individual não dependem apenas da ação em si, mas também das
condições sociais em que a ação é realizada. Com isso, os autores acabam evidenciando a
existência de estruturas reguladoras na vida em sociedade, como no caso das instituições
analisadas por eles (e.x.: famílias, imprensa e instituições de ensino) e que os valores sociais
estão circunscritos a uma dinâmica que considera níveis micro e macrossociais, ou seja, entre
indivíduo-indivíduo e indivíduo-sociedade (Thomas & Znaniecki, 2006).
Todavia, outros autores interacionistas, mais recentemente, discutiram de forma
contundente o debate micro-macro. Nesse sentido, um conceito de valor social
contemporâneo pode ser complementado à luz do Interacionismo Simbólico Estrutural,
vertente esta amplamente impulsionada por Sheldon Stryker.
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[...] suas vidas em redes relativamente pequenas e especializadas de relações sociais através de
papéis que apoiam sua participação em tais redes. Essas pequenas redes estão aninhadas dentro de
uma hierarquia de estruturas sociais em que estruturas sociais grandes fornecem limites que afetam
a probabilidade de que os indivíduos entrem em estruturas sociais menores. (Merolla et al., 2012, p.
151, tradução nossa).
As estruturas que compõem essa hierarquia são de três de tipos: i) estruturas sociais
grandes; ii) estruturas sociais intermediárias; e iii) estruturas sociais próximas. As primeiras
dizem respeito à macro-orientação social, ou categorias sociais, como etnia, classe, gênero ou
nação. Essas estruturas são relativamente estáveis (ao longo do tempo), influenciam
comportamentos interpessoais e servem como fronteiras sociais, tendo consequências
importantes e diretas na vida individual (Merolla et al., 2012). Pois, além de servir como
limites para demarcar os conjuntos em que as pessoas se inserem (Brenner, Serpe & Stryker,
2014), impactam nas condições de desenvolvimento de suas identidades (Stryker, 1959,
1968).
Estruturas sociais intermediárias, por sua vez, são conjuntos consideráveis de pessoas
em contextos particulares e delimitadores (por exemplo, vizinhanças, escolas, associações).
Esse tipo de estrutura é considerado importante, pois os limites sociais por elas impostos
aumentam ou diminuem a probabilidade de formação de relações sociais. Assim, “as
estruturas intermediárias, como as estruturas sociais grandes, servem como importantes
fronteiras de controle na determinação de quais indivíduos têm mais ou menos acesso a quais
estruturas sociais próximas” (Merolla et al., 2012, p. 152, tradução nossa).
Já as estruturas sociais próximas são redes menores ou grupos mais imediatos às
pessoas, como famílias, equipes, departamentos dentro de estruturas corporativas ou
educacionais maiores. Esse tipo de estrutura representa os contextos nos quais as pessoas
geralmente desenvolvem suas identidades (Stryker et al. 2005; Serpe & Stryker, 2011). Na
perspectiva estrutural, os termos grupo social, rede social e estrutura social próxima são
tomados como sinônimos e qualificados como “pequenos e envolvem relacionamentos
interpessoais, ao invés de relacionamentos de organizações, instituições, sociedades totais e
assim por diante” (Merolla, et al., 2012, p. 150, tradução nossa).
Com as contribuições destacadas até aqui pelas três versões do interacionismo
simbólico, a seguir, propomos uma conceituação para valor social a partir da articulação e
integração das ideias presentes nessas versões.
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A definição de valor social, a partir das três vertentes interacionistas, apesar de indicar
onde se formam os valores sociais (nas estruturas sociais), não nos conta como tal valor é
reproduzido, mantido ou abandonado e as ressignificações que ocorrem nesse processo.
Todavia, é possível propormos, a partir dos aspectos teóricos já discutidos como esse processo
se dá. Para isso, relembramos as principais premissas interacionistas simbólicas relativas à
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agência humana, ao significado, às estruturas sociais e aos papéis sociais, que se encontram
no Quadro 1.
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3. As estruturas sociais intermediárias, por sua vez, poderão, por meio de seus
representantes (em papéis sociais nessas estruturas), disseminar os significados
daquilo que lhes faça sentido, levando novos membros de suas estruturas sociais
próximas a agirem em face de valores sociais já estabelecidos e reproduzidos por seus
representantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Valor social é um conceito que merece ser revisitado porque discute o processo de
valorização de coisas – concretas e abstratas, na sociedade e aponta o crédito desse
movimento às interações sociais, mostrando nossa responsabilidade nesse processo. Um valor
social é algo significado por pessoas e por elas modificado, tanto em função das interações
sociais que vivenciam nas redes de relações próximas das quais fazem parte, quanto pela
interação com agentes sociais (King, Felin & Whetten, 2009) que representam estruturas
sociais mais complexas, as quais podem restringir ações ou ser modificadas por agentes de
estruturas próximas (Merolla et al., 2012).
Entendemos que trazer à luz processos sociais torna explícito o que está implícito,
possibilitando a compreensão de situações que parecem surgir repentinamente (como a
pandemia), evidenciar manipulações e jogos de poder, mergulhando na complexidade da
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realidade social e assim clarear como determinados “algos” se tornam e/ou deixam de ser
importantes nas sociedades contemporâneas.
Embora não possamos afirmar que exista um modelo teórico único para o processo de
construção de valores sociais que se aplique a todos os valores desse tipo podemos tecer
algumas reflexões em direção à relevância de nossa proposta, que convoca a olharmos para a
reprodução, manutenção ou abandono dos valores sociais e suas ressignificações.
Apesar de Thomas & Znaniceki (1927, 2006) terem feito uma diferenciação entre os
valores sociais, classificando-os em valores abstratos e concretos, esses autores não indicaram
qual o processo de construção que está por trás e as implicações dessas diferenças para a vida
social. No entanto, o processo de construção social de valores sociais concretos, a exemplo do
valor social “alimento”, citado pelos autores, que é material e cuja função social é facilmente
percebida por aqueles que o utilizam, nos parece menos complexo de se tornar evidente. No
caso dos valores materiais, encontrar uma finalidade e, portanto, atribuir significado, pode ser
cognitivamente mais fácil para as pessoas em grupos, pois a funcionalidade pode ser
‘demonstrada’, percebida de forma mais imediata.
Já para algo conceitual, esse processo requer capacidade de abstração e não
necessariamente é evidente, como no caso dos conceitos de sustentabilidade, democracia, ou
ciência, tão debatidos na atualidade. Tomando o primeiro deles, observamos a existência de
um jogo de forças entre diversos atores sociais (individuais e coletivos). Representantes
políticos de nações como Trump e Bolsonaro, em seus papéis sociais, se posicionam na
contramão dos esforços e acordos realizados ao longo do tempo a favor da agenda
climática como fizeram outras organizações (ex.: Greenpeace), ou grupos
(ex.: ciberativistas) entre outras estruturas. Esses governantes, ao mostrarem que as questões
ambientais não foram prioridade em seus governos (Ahrens, 2017; Após desistência..., 2018),
agiram contra a preservação dos recursos naturais, e acabaram por contribuir para
um macroproblema, senão o maior dos grandes desafios da humanidade, a mudança climática,
que ameaça uma possível interrupção dos sistemas humano e/ou natural (Dovers,1997).
No caso da sustentabilidade, podemos destacar ainda que a perda de poder de algumas
vozes contribui para o enfraquecimento desse valor, como no caso da ONU, importante
estrutura social que confere legitimidade ao esforço para o desenvolvimento da capacidade de
preservar os recursos naturais, mas que tem sido enfraquecida, seja pela falta de apoio de
importantes chefes de estados em relação à agenda climática (McGrath, 2017; Watts,
2018; US retreat…, 2019), ou mesmo pela perda de confiança no sistema da ONU para
resolver conflitos diplomáticos e armamentistas (Saleh, 2019).
Em relação ao valor social ciência, construído ao longo de séculos, temos notado, em
pleno período pandêmico, um negacionismo sem precedentes. Utilizando-se dos meios
midiáticos, governantes do Brasil e de outros lugares no mundo plantam dúvidas no
imaginário coletivo acerca dos consensos científicos, tornando os debates sobre resultados de
pesquisas uma questão de opinião guiada por uma polarização política (Pivaro & Júnior,
2020). Por outro lado, é preocupante a perda de credibilidade da ciência entre os próprios
cientistas, quando, sob os mais diferentes interesses e escusas, membros dessa comunidade
apresentam condutas antiéticas, a exemplo da atribuição fraudulenta de autoria de artigos,
fabricação ou falsificação de dados e mesmo a manipulação de resultados para obter
conclusões mais impactantes (Affonso, 2021a, 2021b).
Ainda podemos pensar que mesmo valores sociais concretos, como as vacinas, acabam
correndo o risco de serem abandonados, em função de sua conexão com outros valores
abstratos como o de ciência, levantando a possibilidade de relações de influência no processo
de (des)construção de valores sociais.
O próximo passo, portanto, será colocar o modelo teórico proposto à prova por meio
de pesquisas empíricas como se faz com qualquer outra teoria. As discussões e reflexões
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realizadas neste ensaio são um primeiro esforço em direção à compreensão dos processos de
construção de valores sociais, visando a contribuir com o campo dos estudos sobre valores,
dialogando mais especificamente com a vertente sociológica da psicologia social e com os
estudos organizacionais. Reiteramos a importância de (1) olhar para conceitos por vezes
elaborados há mais de um século, como o caso de valor social, cujos autores, talvez por
estarem à frente de seu tempo, foram esquecidos apesar da criatividade de suas ideias; e (2)
integrar diversas teorias como um caminho teórico promissor, como fizemos ao considerar as
três versões existentes dentro da tradição interacionista simbólica, possibilitando-nos propor
tanto uma definição contemporânea para o conceito de valor social, quanto encontrar nessas
teorias pistas para compreender como tal valor surge, é ressignificado e até abandonado por
grupos e sociedades.
Em termos da prática da gestão, explicitar a dinâmica por trás da construção e
reconstrução de significados sobre algo que é valorizado pelos grupos sociais, pode
proporcionar às organizações reflexões sobre o peso de suas decisões a respeito de quais
produtos/serviços ofertar, quais formas de interações e relações sociais privilegiar na
(des)construção de valores e, portanto, como querem contribuir para a sociedade em que se
inserem e sobre a qual têm responsabilidade.
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